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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A HOSPEDEIRA - P.2 / Stephenie Meyer
A HOSPEDEIRA - P.2 / Stephenie Meyer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Segunda Parte

 

                                           Necessitada

 

Eu congelei e olhei rapidamente por trás dos ombros para ver se tinha alguém atrás de mim.

 

“Gladys era a esposa dele.” Jamie sussurrou. “Ela não escapou.”

 

“Gladys,” Walter disse para mim, alienado da minha reação. “Você acredita que eu arrumei um câncer? Quais as chances hein? Nunca fiquei doente a minha vida toda...” Sua voz foi sumindo até eu não conseguir mais ouvir mas seus lábios continuaram a se mover. Ele estava muito fraco para erguer a mão, seus dedos se esticaram em direção a mim.

 

Ian me cutucou para ir em frente.

 

“O que eu devo fazer?” suor brotava na minha testa e não tinha nada a ver com a umidade quente.

 

“... vovô viveu até cento e um anos,” Walter continuou, audível novamente. “Ninguém nunca teve câncer na minha família, nem mesmo primos. A sua tia Regan teve câncer de pele não foi?”

 

Ele olhou para mim confiante, esperando uma resposta. Ian me cutucou nas costas.

 

“Um..” eu murmurei.

 

“Talvez tenha sido a tia do Bill,” Walter decidiu.

 

Eu lancei um olhar de pânico a Ian, que deu de ombros. “Ajuda” eu pedi a ele.

 

Ele gesticulou para eu pegar os dedos de Walter que ainda procuravam.

 

A pele de Walter estava translúcida de tão branca. Eu podia ver o fraco fluxo de sangue nas veias azuis nas costas de sua mão. Eu ergui sua mão cuidadosamente, preocupada com os ossos delicados, ela estava tão leve que parecia oca.

 

“Ah, Gladdie, tem sido difícil sem você. Aqui é um bom lugar, você vai gostar, mesmo quando eu me for. Muitas pessoas para falar – eu sei como você gosta de ter as suas conversas...” o volume de sua voz sumiu novamente, mas seus lábios ainda formavam as palavras que ele queria compartilhar com sua esposa, mesmo quando ele fechou os olhos e sua cabeça virou para o lado.

 

Ian encontrou um pano úmido e começou a limpar o rosto úmido de Walter.

 

“Eu não sou boa com enganação.” Eu suspirei, observando os lábios ainda se movendo para garantir que ele não me ouvia. “Eu não quero chatear ele.”

 

“Você não tem que dizer nada.” Ian me garantiu. “Ele não está lúcido o bastante para se importar.”

 

“Eu pareço com ela?”

 

“Nem um pouco – Eu vi uma foto dela. Ruiva brilhante.”

 

“Aqui, deixe-me fazer isso.”

 

Ian me deu o trapo eu limpei o suor do pescoço de Walter. Mãos ocupadas sempre me faziam sentir mais confortável. Walter continuava a murmurar. Eu achei ter ouvido ele dizer, “Obrigado, Gladdie, isso é bom.”

 

Eu na notei que os roncos de Doc haviam parado. Sua voz familiar estava de repente atrás de mim, mas gentil demais para me assustar.

 

“Como ele está?”

 

“Delirante.” Ian suspirou. “Será o conhaque ou a dor?”

 

“Mia a dor, eu acho. Eu trocaria meu braço direito por morfina.”

 

 

“Talvez Jared produza outro milagre.” Ian sugeriu.

 

“Talvez.”

 

Eu enxugava o rosto pálido de Walter distraída, ouvindo mais intensamente agora, mas eles não disseram o nome de Jared novamente.

 

Ele não está aqui. Melanie suspirou.

 

Está procurando ajuda para o Walter, eu concordei.

 

Sozinho, ela acrescentou.

 

Eu pensei na última vez em que eu o tinha visto – o beijo, a crença... Ele provavelmente queria algum tempo para si mesmo.

 

Eu espero que ele não esteja lá fora se convencendo que você é uma super talentosa atriz-Rastreadora de novo.

 

É possível, claro.

 

Melanie rosnou.

 

Ian e Doc murmuravam em vozes baixas sobre coisas sem conseqüência, na maioria era só Ian atualizando Doc das novidades das cavernas.

 

“O que aconteceu com o rosto de Wanda?” Doc perguntou baixinho, mas eu ainda assim podia ouvir.

 

“Um pouco mais do mesmo de sempre.” Ian disse numa voz contida.

 

Doc fez um som descontente e estalou a língua. Ian a disse um pouco sobre o que aconteceu na aula de hoje, sobre as perguntas de Geoffrey.

 

“Teria sido conveniente se Melanie tivesse sido possuída por um Curandeiro.” Doc brincou.

 

Eu vacilei, mas eles estavam atrás de mim e provavelmente não perceberam.

 

“Nós temos sorte que foi a Wanda,” Ian disse em minha defesa. “Ninguém mais...”

 

“Eu sei,” Doc interrompeu, gentil como sempre, “Eu devia dizer que pena que Wanda não se interessou mais por medicina.”

 

“Desculpe.” Eu murmurei. Eu fui descuidada ao aproveitar os benefícios de boa saúde sem nem ao menos ficar curiosa.

 

Uma mão tocou o meu ombro. “Você não tem nada do que se desculpar.” Ian disse.

 

Jamie estava muito quieto. Eu olhei em volta e o vi deitado na maca onde Doc estava cochilando.

 

“Está tarde,” Doc comentou. “Walter não vai a lugar nenhum. Vocês devia dormir um pouco.”

 

“Nós voltaremos.” Ian prometeu. “Nos avise se quiser alguma coisa, para qualquer um dos dois.”

 

Eu coloquei a mão de Walter no colchão. Seus olhos se abriram imediatamente, focados em mim com mais consciência do que antes.

 

“Você está indo?” ele disse fracamente “Você precisa ir tão cedo?”

 

Eu peguei sua mão novamente. “Não, eu não tenho que ir.”

 

Ele sorriu e fechou os olhos novamente. Seus dedos apertaram os meus. Ian suspirou.

 

“Você pode ir,” eu disse a ele. “Eu não me importo. Leve Jamie para a cama.”

 

Ian olhou pelo quarto. “Só um minuto.” Ele disse, e então pegou a maca mais perto dele. Não era pesada – ele a ergueu facilmente e a colocou próximo à Walter. Eu estiquei meu braço ao limite para que Ian colocasse a maca. Então ele me pegou, tão facilmente como a maca e me colocou na maca. Os olhos de Walter não se abriram.

 

Eu suspirei breve e baixinho, surpresa de como Ian era capaz de colocar as mãos em mim – como se eu fosse humana.

 

Ian apontou com o queixo em direção a mão de Walter e a minha. “Você acha que consegue dormir assim?”

 

“Sim, tenho certeza que sim.”

 

“Durma bem então.” Ele sorriu para mim, e então virou e pegou Jamie da outra maca. “Vamos garoto” ele murmurou, carregando o garoto com facilidade como se ele não fosse nada mais que um bebezinho. Os passos quietos de Ian sumiram na distancia até que eu não o conseguia ouvir mais.

 

Doc bocejou e se sentou em uma mesa que ele construiu com pedaços de madeira e uma porta de alumínio, levando a luz difusa com ele. O rosto de Walter estava muito escuro para se ver, e isso me deixava nervosa. Parecia que ele já tinha morrido. Eu me confortava pelo fato de seus dedos ainda estarem firmes nos meus.

 

Doc começou a folhear alguns papeis, murmurando para si mesmo, eu fui me afastando do leve som...

 

Walter me reconheceu pela manhã.

 

Ela não acordou até Ian aparecer para me acompanhar de volta; o milharal tinha que ser limpo das espigas antigas. Eu prometi Doc que traria café da manhã antes de ir trabalhar. A última coisa que fiz foi afastar meus dedos dormentes da mão de Walter.

 

Seus olhos se abriram. “Wanda.” Ele disse baixo.

 

“Walter?” eu não tinha certeza de por quanto tempo ele me reconheceria, ou se ele lembraria da noite passada.

 

Sua mão tentou se levantar então eu o dei a minha esquerda, a que não estava morta.

 

“Você veio me ver. Que bom. Eu sei.. com os outros de volta…. Deve ser difícil… para você…. seu rosto....”

 

Ele estava tendo dificuldade em formar as palavras e seus olhos vinham e saíam de foco. Era bem ele que suas primeiras palavras fossem cheias de preocupação.

 

“Está tudo bem Walter. Como você está se sentindo?”

 

“Ah – “ ele gemeu baixo. “Não muito... Doc?”

 

“Bem aqui.” Doc murmurou, ao lado dele.

 

“Tem mais conhaque?”

 

“Claro.”

 

Doc já estava preparado. Ele posicionou uma grossa garrafa de vidro nos lábios de Walter e cuidadosamente derramou o liquido marrom escuro em sua boca. Walter se arrepiava com cada gole que queimava em sua garganta. Um pouco da bebia escorreu pelo canto da boca e caiu no travesseiro. O cheiro ardia no meu nariz.

 

“Melhor?” Doc perguntou após um longo momento.

 

Walter grunhiu. Não me pareceu uma confirmação. Seus olhos fecharam.

 

“Mais?” Doc perguntou.

 

Walter sorriu e então gemeu.

 

Doc xingou baixo “Cadê Jared?” ele murmurou.

 

Eu enrijeci ao ouvir o nome. Melanie ficou toda atenta e então relaxou novamente.

 

O rosto de Walter relaxou, ele rolou a cabeça para trás.

 

“Walter?” eu murmurei.

 

“A dor é muita para ele ficar consciente. Deixe-o assim.” Doc disse.

 

Minha garganta parecia inchada. “O que eu posso fazer?”

 

A voz de Doc estava desolada. “Tanto quanto eu. Ou seja, nada. Eu sou inútil.”

 

“Não seja assim Doc.” Eu ouvi Ian murmurar. “Isso não é culpa sua. O mundo não funciona mais do jeito que funcionava. Ninguém espera mais do que isso de você”

 

Meus ombros caíram. Não, o mundo deles não funcionava do mesmo jeito mais.

 

Um dedo encostou no meu braço. “Vamos.” Ian suspirou.

 

Eu assenti e comecei a soltar a minha mão novamente.

 

Os olhos de Walter se abriram novamente, sem ver. “Gladdie? Você está aí?” ele implorou.

 

“Um... estou aqui.” Eu disse incerta, deixando seus dedos segurarem os meus.

 

Ian deu de ombros “Eu vou trazer comida para vocês.” E saiu.

 

Eu esperava ansiosa pelo seu retorno, nervosa com a confusão de Walter, que murmurava o nome de Gladys o tempo inteiro, mas ele parecia não querer nada de mim, pelo que eu estava grata.

 

Após um tempo, meia hora talvez, eu comecei a tentar ouvir os passos de Ian no corredor, me perguntando por que ele demorava tanto.

 

Doc ficou em sua mesa o tempo todo, encarando o nada com os ombros caídos. Era fácil ver o quão impotente ele se sentia.

 

E então eu ouvi algo, mas não eram passos.

 

“O que é isso?” eu perguntei a Doc em um murmúrio, Walter estava quieto novamente, talvez inconsciente. Eu não queria perturbá-lo.

 

Doc se virou para mim e inclinou a cabeça para ouvir ao mesmo tempo.

 

O som era um estranho bater de asas, Eu achei ter ouvido ficar um pouco mais alto mas então ele desapareceu.

 

“Que estranho.” Doc disse. “Parece com…” Ele pausou, sua testa franzindo com concentração enquanto o som não familiar sumia.

 

Nós estávamos ouvindo intensamente, então ouvimos os passos quando eles ainda estava muito longe. Não combinavam com o que eu esperava, o passo regular e tranqüilo de Ian. Ele estava correndo – desenfreado.

 

Doc reagiu imediatamente. Ele correu rapidamente para encontra Ian. Eu gostaria de ver o que estava errado também, mas eu não queria perturbar Walter removendo minha mão novamente. Eu ouvi com atenção então.

 

“Brandt?” Eu ouvi Doc dizer surpreso.

 

“Onde está a coisa? Onde está a coisa?” o outro homem exigiu sem fôlego. Os passos corridos pararam só por um segundo, depois continuaram, não tão rápido.

 

“Do que você está falando?” Doc perguntou?

 

“O parasita!” Brandt sibilou impacientemente, ansiosamente, enquanto passava pela entrada. Brandt não era grande como Kyle e Ian; ele provavelmente era só alguns poucos centímetros mais alto do que eu, mas ele era forte e sólido como um rinoceronte. Seus olhos correram pelo cômodo, seu olhar focou no meu rosto por meio segundo e então ele olhou para a figura de Walter e então correu pelo cômodo de novo e parou em mim novamente.

 

Doc alcançou Brandt então, seus longos dedos segurando os ombros de Brandt quando ele deu um passo na minha direção.

 

“O que você está fazendo?” Doc perguntou. Pela primeira vez sua voz parecia um rosnado.

 

Antes de Brandt responder o barulho estranho voltou, indo de suave para extremamente alto, com uma rapidez que nos deixou todos congelados. As batidas se seguiam rapidamente, balançando o ar quando ficaram muito altas.

 

“Isso... isso é um helicóptero?” Doc perguntou.

 

“É.” Brandt respondeu. “É a Rastreadora – a mesma de antes, a que está procurando pela coisa.”

 

Ele apontou com o queixo para mim.

 

Minha garganta estava de repente muito apertada – o ar se movendo por ela era pouco, não o bastante. Eu me senti tonta.

 

Não, agora não, por favor.

 

Qual o problema dela? Mel rugiu na minha cabeça. Por que ela não nos deixa em paz?

 

Nós não podemos deixá-la machucá-los!

 

Mas como a impedi-la?

 

Eu não sei. Isso é tudo minha culpa!

 

Minha também Wanda. Nossa.

 

“Você tem certeza?” Doc perguntou.

 

“Kyle conseguiu ver pelos binóculos. É a mesma de antes.”

 

“Está procurando aqui?” A voz de Doc de repente horrorizada. Ele girou o corpo pela metade, seus olhos olhando para a entrada. “Cadê Sharon?”

 

Brandt negou com a cabeça. “Só está voando em círculos. Começa no Picacho e vai indo em todas as direções. Não parece estar focando em nenhum lugar perto. Circulou algumas vezes no lugar onde deixamos o carro.”

 

“Sharon?” Doc perguntou novamente.

 

“Ela está com as crianças e Lucina. Estão bem. Os homens estão arrumando as coisas no caso de termos que sair hoje, mas Jeb diz que é improvável.”

 

Doc exalou, então foi até a mesa. Ele se apoiou nela como se tivesse corrido uma longa distancia.

 

“Então não é nada de mais.” Ele murmurou.

 

“Não. Só teremos que ficar na moita por alguns dias.” Brandt o garantiu. Seus olhos buscando pelo cômodo novamente, parando em mim a cada segundo. “Vo~e tem alguma corda a mão?” ele perguntou.

 

Ele puxou a ponta de um lençol em uma maca vazia, examinando-o.

 

“Corda?” Doc repetiu sem entender.

 

“Para a parasita. Kyle me mandou aqui para a prender.”

 

Meus músculos se contraíram involuntariamente, minha mão apertou os dedos de Walter muito forte, e ele se mexeu. Eu tentei me forçar a relaxar enquanto eu mantinha os olhos em Brandt. Ele estava esperando por Doc.

 

“Você está aqui para prender Wanda?” Doc disse, sua voz dura novamente. “E o que o faz pensar que isso é necessário?”

 

“Pelo amor de Deus Doc. Não seja idiota. Você tem uns buracos no teto bem grandes e muitos metais refletores.”

 

Brandt gesticulou para um armários encostado na parede mais distante.”Deixe sua atenção dispersar por um minuto e a coisa vai estar mandando sinais para a Rastreadora.”

 

Eu engasguei em choque; no espaço silencioso pareceu alto.

 

“Viu? Acertei o plano na primeira.”

 

Eu queria me enterrar para fugir daqueles olhos saltados da minha Rastreadora, e mesmo assim ele imaginava que eu queria guiar ela até aqui. trazê-la para matar Jamie, Jared, Jeb, Ian... Eu me senti desfalecer com a idéia.

 

“Você pode ir Brandt. Eu ficarei de olho na Wanda.”

 

Brandt ergueu uma sobrancelha. “O que aconteceu com vocês? Com você e Ian e Trudy e o resto? É como se vocês estivessem hipnotizados. Se os olhos de vocês não estivessem normais....”

 

“Vá em frente e pense o que quiser. Mas sai fora enquanto estiver fazendo isso.”

 

Brandt sacudiu a cabeça. “Eu tenho um trabalho a fazer.”

 

Doc caminhou em direção a Brandt, parando quando ficou entre ele e eu, cruzando os braços no peito.

 

“Você não irá tocar nela.”

 

As hélices do helicóptero se fizeram ouvir. Nós estávamos muito quietos, sem respirar, até que desapareceu.

 

Brandt balançou a cabeça quando ficou quieto novamente. Ele não falou, ele só foi a te a mesa de Doc e pegou a cadeira. Ele a carregou até o armário na parede oposta, a pos no chão e se sentou. Ele se inclinou para frente, mãos no joelho, e me encarou. Um abutre esperando a vitima para de se mover.

 

A mandíbula de Doc se apertou.

 

“Gladys,” Walter murmurou, acordando do seu sono. “Você está aqui.”

 

Muito nervosa para falar com Brandt observando, eu só acariciei sua mão. Seus olhos nublados olhavam para mim, vendo traços que não estavam lá.

 

“Dói Gladys. Dói muito.”

 

“Eu sei.” Eu suspirei. “Doc?”

 

Ele já estava lá, o conhaque nas mãos. “Obra Walter.”

 

O som do helicóptero continuava, longe, mas ainda assim peto demais. Doc estremeceu, algumas gotas do conhaque espirraram no meu braço.

 

Foi um dia horrível. O pior da minha vida nesse planeta, mesmo incluindo o meu primeiro dia nas cavernas e o último dia no deserto, seco e quente, há horas da morte.

 

O helicóptero circulou e circulou. As vezes mais de uma hora passava e eu pensava que tinha acabado. Então o som voltava e eu via a expressão obstinada da Rastreadora na minha mente, seus olhos protuberantes escaneando o deserto em busca de algum sinal de vida humana.

 

Eu tentei a afastar, tentando me concentrar nas minhas memórias do deserto, co formas torcidas, sem cor, como se eu pudesse de algum jeito garantir que ela não visse nada, como se eu pudesse a convencer a ir embora.

 

Brandt nunca tirou o olhar suspeito de mim. Eu sempre podia senti-lo, apesar de raramente olhar para ele. Ficou um pouco melhor quando Ian voltou com o café da manhã e o almoço. Ele estava todo sujo dos preparamentos para uma evacuação – seja lá o que isso significasse. Eles tinham algum lugar para ir? Quando Brandt explicou porque ele estava ali Ian o olhou de tal forma que pareceu mais o Kyle. Então Ian pegou outra maca e colocou ao lado da minha de forma a ficar na linha de visão de Brandt me tampando.

 

O helicóptero, o olhar de Brandt, nada disso era tão ruim. Em um dia normal – se é que havia um dia normal aqui – nada disso seria tão agonizante. Hoje, não significavam nada. Lá pelo meio dia, Doc deu a Walter a última gota de conhaque. Só alguns minutos depois, assim me pareceu, Walter começou a gemer e se contorcer de dor, sem conseguir nem respirar direito. Seus dedos apertavam e machucavam os meus, mas se eu os afastasse os gemidos viravam gritos. Eu me afastei uma vez para ir ao banheiro; Brandt me seguiu o que fez Ian me seguir também. Quando voltamos – quase correndo – os gritos de Walter não pareciam nem humanos mais.

 

O rosto de Doc estava cheio de agonia. Walter se acalmou um pouco depois de eu falar com ele, deixando o pensar que sua esposa estava por perto. Era um mentira fácil, uma mentira gentil. Brandt fazia pequenos barulhos de irritação, mas eu sabia que ele estava errado em estar irritado. Nada mais importava além da dor de Walter.

 

Os gemidos e contorções continuaram e Brandt caminhava indo e voltando, tentando ficar o mais longe do barulho possível.

 

Jamie veio procurar por mim, trazendo comida para quatro, quando a luz começava a alaranjar. Eu não o deixei ficar, fiz Ian o levar de volta para a cozinha comer, fiz Ian prometer que iria o vigiar para que ele não voltasse. Walter não conseguia evitar de gemer quando suas torções mexiam a perna quebrada, e o barulho era quase insuportável. Jamie não precisava ter isso na memória da forma que ficaria na minha e na de Doc. Talvez na de Brandt também, mesmo que ele fizesse o que podia para ignorar Walter, tampando os ouvidos e murmurando uma canção fora de tom.

 

Doc não tentava se afastar do sofrimento de Walter, ao invés disso, sofria com ele.

 

O choro de Walter marcava a pele de Doc, como garras. Era estranho ver tanta compaixão em um humano, especialmente em Doc. Eu não conseguia olhá-lo mais da mesma forma depois de ver ele sofrer coma dor de Walter. Tão grande era sua compaixão que ele parecia sangrar internamente. Enquanto eu o observava era impossível acreditar que Doc era uma pessoa cruel, o homem simplesmente não podia ser um torturador. Eu tentei lembrar o que me fez acreditar nisso – alguém falou algo? Eu não achava que sim. Eu é que devia ter pulado para conclusões erradas no meu terror.

 

Eu duvidada que poderia desconfiar de Doc novamente após essa noite. No entanto, eu sempre acharia esse hospital um lugar horrível. Quando a luz do dia desapareceu, o helicóptero fez o mesmo. Nós nos sentamos no escuro, não ousando ligar a luz difusa. Demorou algumas horas até nós acreditarmos que a busca havia terminado.

 

Brandt foi o primeiro a aceitar isso, ele já tava de saco cheio do hospital também.

 

“Faz sentido eles desistirem” ele murmurou. “Nada para ver a noite. Eu vou levar sua luz comigo Doc, para que o parasita de estimação de Jeb não possa fazer nada, e vou dar o fora.”

 

Doc não respondeu nem ao menos olhou para o homem enquanto ele ia embora.

 

“Faça parar Gladdie, faz parar!” Walter me implorava. Eu enxugava o suor da testa dele enquanto ele esmagava minha mão. O tempo parecia diminuir e parar, a noite escura parecia não ter fim. Os gritos de Walter ficavam mais e mais freqüentes mais e mais excruciantes.

 

Melanie estava longe, sabendo que não havia nada que pudesse fazer. Eu também teria me escondido se Walter não estivesse precisando de mim. Eu estava completamente sozinha na minha cabeça – exatamente como eu queria antes. Eu me sentia perdida assim.

 

Eventualmente, uma leve luz cinza começou a aparecer pelos buracos acima. Eu estava no limite da consciência e sonho, os gemidos de Walter impediam que eu dormisse totalmente. Eu podia ouvir o ronco de Doc atrás de mim e fiquei feliz por ele ter conseguido escapar por alguns momentos.

 

Eu não ouvi Jared entrando. Eu estava murmurando incoerente para Walter, tentando acalmá-lo.

 

“Eu estou aqui, bem aqui.” Eu murmurava quando ele gritava o nome da esposa. “Shh, está tudo bem.” As palavras eram sem verdade. Mas era algo a dizer, e parecia que minha voz o acalmava.

 

Eu não sei quanto tempo Jared me observou com Walter antes de eu perceber que ele estava ali. Devia ter sido um tempinho. Eu tinha certeza que sua primeira reação seria raiva, mas quando ele falou sua voz estava controlada.

 

“Doc,” ele disse, e eu ouvi a maca atrás de mim mexer. “Doc, acorda.”

 

Eu movi minha mão, levando a ao rosto, desorientada, para ver o rosto que ia com a voz inconfundível.

 

Seus olhos estavam em mim enquanto ele sacudia o ombro de Doc. Eles eram impossíveis de ler na luz fraca. Seus rosto não possuía expressão nenhum.

 

Melanie parecia ter acordado. Ela examinava sua expressão, tentando ler os pensamentos por trás da máscara.

 

“Gladdie! Não me deixa! Não!” O grito de Walter acordou Doc imediatamente.

 

Eu me virei para Walter, pegando sua mão novamente.

 

“Shhh, shhh! Walter, eu estou aqui. Eu não vou partir. Não vou, prometo.”

 

Ele se acalmou, gemendo como uma criança. Eu passei o pano por sua testa, seus gemidos viram um choro baixo.

 

“O que é isso?” Jared murmurou atrás de mim.

 

“Ela foi o melhor anestésico que eu consegui encontrar” Doc disse.

 

“Bem, eu encontrei algo melhor do que uma Rastreadora domesticada.”

 

Meu estomago se contraiu, e Melanie sibilou na minha cabeça. Tão idiota, teimoso cego!! Ela rosnava. Ele não acreditaria em você se você dissesse que o sol nasce no leste.

 

Mas Doc não ligava para mais nada. “Você encontrou algo!”

 

“Morfina – não tem muito. Eu teria chegado mais cedo, mas a Rastreadora me impediu de vir.”

 

Doc estava instantaneamente em ação. Eu o ouvi mexer ele algo de papel, e ele comemorava.

 

“Jared, você é o homem dos milagres!”

 

“Doc, só um Segundo.”

 

Mas Doc estava do meu lado já. Ele enfiou a fina agulha no braço que estava atado a mim. Eu virei o meu rosto para o lado. Me parecia tão evasivo enfiar algo assim em alguém.

 

Eu não podia discutir sobre o efeito no entanto. Em cerca de meio minuto, o corpo inteiro de Walter relaxou, sua respiração foi de dura e urgente para quieta e regular. Sua mão relaxou, soltando a minha.

 

Eu massageei minha mão esquerda com a direita, tentando fazer o sangue correr. Pequenas câimbras acompanhavam o sangue.

 

“Uh, Doc, não tem o suficiente para isso.” Jared murmurou.

 

Eu olhei do rosto de Walter para Jared, ele estava de costas para mim, mas eu podia ver a surpresa na expressão de Doc.

 

“O suficiente para que? Eu não vou guardar isso para dias piores, Jared. Eu tenho certeza que vamos desejar ter mais e logo, mas eu não vou deixar Walter gritar em agonia enquanto eu tenho uma forma de ajudá-lo”

 

“Não foi siso que eu quis dizer.” Jared disse. Ele falou da forma que ele costumava quando ele já havia pensando em algo por muito tempo e já houvesse decidido.

 

Doc franziu a testa, confuso.

 

“Há o suficiente para parar a dor por três ou quatro dias, só isso.” Jared disse. “Se você der em doses.”

 

Eu não entendi o que Jared estava dizendo, mas Doc entendeu.

 

“Ah.” Ele suspirou. Ele virou para olhar para Walter novamente, e eu vi o brilho das lágrimas se formando em seus olhos. Ele abriu a boca para falar, mas nada saiu.

 

Eu queria saber do que eles estavam falando, mas a presença de Jared me fez ficar quieta, trazia de volta a reserva que eu quase não sentia mais.

 

“Você não pode salva-lo. Só pode evitar a dor, Doc.”

 

“Eu sei.” Doc disse. Sua voz fraca, como se ele estivesse segurando um soluço. “Você está certo.”

 

O que está acontecendo? Eu perguntei. Já que Melanie estava aqui eu pelo menos podia fazê-la util.

 

Eles vão matar Walter, ela disse em um tom casual. Há morfina o suficiente para uma overdose.

 

Minha surpresa deixou um suspiro sair. Eu não olhei para ver se os homens haviam percebido. Minhas lágrimas escorreram quando eu me inclinei no travesseiro de Walter.

 

Não, eu pensei. Ainda não.

 

Você prefere que ele morra gritando?

 

É que... eu não suporto isso... É tão absoluto. Eu nunca vou ver meu amigo novamente.

 

Quantos dos seus amigos você visitou Wanda?

 

Eu nunca tive amigos assim antes.

 

Meus amigos em outros planetas eram um borrão em minha cabeça, as almas eram tão similares, quase iguais. Walter era distintamente ele. Quando ele se fosse não haveria ninguém para preencher o seu lugar.

 

Eu abracei a cabeça de Walter e deixei minhas lágrimas caírem em seu rosto. Eu tentei parar de chorar, mas as lágrimas corriam mesmo assim.

 

Eu sei. Mais uma primeira vez para você. Melanie suspirou, e havia compaixão em seu tom. Compaixão por mim – essa era uma primeira também.

 

“Wanda?” Doc chamou.

 

Eu só balancei a cabeça, incapaz de falar.

 

“Eu acho que você já ficou por aqui o bastante,” ele disse. Eu senti sua mão leve e morna no meu ombro. “Você devia dar uma pausa.”

 

Eu balancei a cabeça novamente.

 

“Você está acabada. Vá se limpar, esticar as penar. Comer alguma coisa.”

 

Eu olhei para ele. “Walter ainda vai estar aqui quando eu voltar?”

 

“Você quer isso?”

 

“Eu gostaria de ter a chance de dar adeus. Ele é meu amigo.”

 

Ele deu tapinhas no meu braço “Eu sei Wanda. Eu também. Eu não estou com pressa. Vá respirar um pouco e depois volte. Walter vai dormir por um tempo.”

 

Eu li seu rosto cansado e vi sinceridade ali.

 

Eu assenti e com cuidado soltei Walter. Talvez se eu me afastasse um pouco eu pudesse arrumar um jeito de lidar com isso. Eu não tinha certeza de como – eu não tinha experiência em dar adeus.

 

Por que eu estava apaixonada por ele eu tive que olhar para Jared antes de ir. Mel queria isso também, mas desejava poder me excluir do processo.

 

Ele estava me olhando. Eu tinha a impressão que seus olhos estavam em mim a um bom tempo. Sua expressão estava cuidadosamente composta, mas havia surpresa e suspeita ali. Isso me cansava. Qual o objetivo de fingir ali? Mesmo se eu fosse uma boa mentirosa? Walter não poderia me defender agora. Eu não podia o ‘iludir’ mais.

 

Eu o encarei por um longo Segundo, então me virei e fui para o corredor negro que era mais iluminado do que a expressão em seu rosto.

 

                             Emboscada

 

As cavernas estavam silenciosas, o sol ainda não havia nascido. Na grande praça os espelhos refletiam um pálido cinza, o prenuncio do amanhecer. Minhas poucas roupas ainda estavam no quarto de Jared e Jamie. Eu entrei lá na ponta dos pés, feliz por saber onde Jared estava.

 

Jamie estava profundamente adormecido, encurvado em posição fetal bem apertado. Ele normalmente não dormia tão compactadamente, mas ele tinha boas razões no momento. Ian estava esparramado pelo resto do espaço, seus pés e mãos fora do colchão um membro para cada ponta do colchão. Por alguma razão isso me pareceu hilário. Eu tive que colocar a mão na boca para segurar a gargalhada enquanto eu rapidamente pegava minha velha camiseta e bermudas. Eu me apressei pelo corredor, ainda sacudindo com as risadas.

 

Histeria, Melanie me disse. Você precisa dormir.

 

Eu dormirei mais tarde. Quando.... Eu não consegui completar o pensamente. Me deprimi imediatamente, e tudo ficou quieto novamente.

 

Eu ainda me apressava enquanto ia para a sala de banho. Eu confiava em Doc, mas... Talvez ele mudasse de idéia. Talvez Jared debatesse contra o que eu queria.

 

Eu pensei ter ouvido algo atrás de mim quando eu alcancei a junção com vários caminhos. Eu olhei para trás mas não pude ver ninguém na caverna mal iluminada. As pessoas estavam começando a se mover. Logo seria hora do café da manhã e outro dia de trabalho. Se eles já tiverem terminado com a limpeza no milharal, os campos leste precisavam ser remexidos. Talvez eu tivesse tempo para ajudar... mais tarde...

 

Eu seguia pelo caminho familiar até os rios subterrâneos, minha mente em milhares de outros lugares. Eu não conseguia me concentrar em nada em particular. Toda vez que eu tentava me concentrar em algum assunto em particular – Walter, Jared, Café da manhã, trabalho, banho – algum outro pensamento se metia no meio imediatamente.

 

Melanie estava certa: eu precisava dormir. Ele estava tão grogue quanto eu. Seus pensamentos todos giravam em torno de Jared, mas nada coerente também.

 

Eu estava acostumada com a sala de banho. A escuridão total não me incomodava mais. Tantos lugares eram negros por aqui. Metade do meu dia era passado no escuro. E eu havia estado aqui muitas vezes. Nunca havia nada me espreitando na escuridão ou na água esperando para me puxar. Eu sabia que não teria tempo de curtir a banheira, outros logo acordariam e muitos gostavam de começar o dia limpos.

 

Eu comecei me lavando primeiro, depois passei para as roupas. Eu esfreguei a camisa com força desejando poder lavar as memórias das últimas duas noites. Minhas mãos estavam ardendo quando eu terminei, os rachados nas jutas ardiam mais que o resto, eu enfiei a mão na água mas não fez diferença. Eu suspirei e saí da água para me vestir.

 

Eu tinha deixado minhas roupas secas nas rochas soltas no canto do fundo. Eu chutei uma pedra acidentalmente, forte o suficiente para machucar os pés descalços. A pedra rolou e caiu na piscina fazendo um barulho alto no cômodo silencioso. O som me fez dar um pulo. Eu estava terminado de calçar os tênis quando o meu tempo acabou.

 

“Alô” uma voz familiar chamou da entrada escura.

 

“Bom dia Ian,” eu respondi “Eu já terminei. Você dormiu bem?”

 

“Ian ainda está dormindo.” A voz de Ian respondeu. “Mas eu tenho certeza que não por mais muito tempo, então é melhor ser rápido.”

 

Blocos de gelo pareciam manter minhas juntas imóveis. Eu não conseguia me mover. Eu não conseguia respirar.

 

Eu já havia notado isso antes e então esquecido durante a longa ausência de Kyle; não só Ian e seu irmão se pareciam muito mas quando Kyle falava em um tom normal, o que raramente acontecia, eles também tinham exatamente a mesma voz.

 

Não havia ar. Eu estava presa nesse buraco negro com Kyle na porta. Não tinha como escapar.

 

Fica quieta! Melanie disse em minha cabeça.

 

Eu podia fazer isso. Não havia ar para que eu pudesse gritar.

 

Ouça!

 

Eu fiz o que ela mandou, tentando me concentrar apesar do medo que picava minha cabeça como milhões de pedaços de gelo.

 

Eu não conseguia ouvir nada. Kyle estaria esperando por uma resposta? Estaria ele andando pelo cômodo em silencio? Eu ouvi ainda mais intensamente, mas o ruído do rio cobria todos os sons.

 

Rápido, pega uma pedra! Melanie ordenou.

 

Para que?

 

Eu me via acertando a cabeça de Kyle com uma pedra.

 

Eu não consigo fazer isso!

 

Então nós vamos morrer! Ela gritou. Eu posso fazer! Deixa eu fazer!

 

Tem que ter outra forma, eu gemi, mas forcei meus joelhos a dobrarem. Minhas mãos procuraram na escuridão e acharam uma pedra grade e pontuda e várias pedrinhas.

 

Fugir ou Lutar.

 

Desesperada, eu tentei soltar Melanie, deixá-la assumir. Eu não conseguia – minhas mãos ainda eram minhas, apertando inutilmente os objetos que eu nunca usaria como armas.

 

Um barulho. Somente a alguns centímetros de distancia. Um pequeno ‘splash’ de algo entrando no rio que dava para a latrina.

 

Me dá as minhas mãos!

 

Eu não sei como! Pegue-as!

 

Eu comecei a engatinhar, perto da parede, indo para a saída. Melanie lutava para encontrar uma saída da minha mente, mas ela não conseguia pelo lado dela também.

 

Outro barulho. Não no riacho. Uma respiração, perto da saída. Eu congelei onde estava.

 

Onde ele está?

 

Eu não sei!

 

Novamente eu não conseguia ouvir nada além do rio. Kyle estava sozinho? Tinha alguém na porta para me pegar quando ele me cercasse? O quão perto Kyle estava agora?

 

Eu sentia os cabelos do meu braço e pernas se arrepiarem. Havia algum tipo de movimento no ar, como se eu sentisse ele se movendo. A porta. Eu meio me virei, voltando na direção que eu estava antes, me afastando da respiração que eu escutei.

 

Ele não esperaria para sempre. Pelo que ele disse ele estava com pressa. Alguém podia aparecer a qualquer momento. As chances, no entanto, estavam do lado dele. Haviam pouco inclinados a impedir, mas muitos que achariam que assim era melhor. E dentre aqueles inclinados a pará-lo poucos teriam chance de conseguir. Só Jeb e seu rifle fariam diferença. Jared era forte como Kyle, mas Kyle estava mais motivado. Jared provavelmente não lutaria com ele agora.

 

Outro barulho. Um passo na entrada? Minha imaginação? Por quanto tempo esse silencio em pausa durava já? Eu não saberia dizer quantos segundos ou minutos.

 

Se prepara. Melanie sabia que esse estágio já estava terminando. Ela queria que eu segurasse a pedra com mais firmeza.

 

Mas eu tentaria fugir antes. Eu não seria uma lutadora eficiente, mesmo se eu conseguisse tentar. Kyle era duas vezes o meu peso e tinha um alcance muito maior.

 

Eu ergui minha mão com as pedrinhas e mirei na passagem para a latrina. Talvez eu pudesse fazê-lo pensar que eu me esconderia e esperar ajuda. Eu joguei o punhado de pedrinhas e me afastei do som quando elas bateram na parede.

 

A respiração na porta de novo, o som de um pé no chão. Eu me movi pela parede o mais quieta que conseguia.

 

E se houverem dois?

 

Eu não sei.

 

Eu estava quase na saída. Se eu chegasse no túnel eu poderia vencer ele. Eu era mais leve, rápida.

 

Eu ouvi um passo, muito claramente agora, ao pisar na água. Eu engatinhei mais rapidamente.

 

Eu ‘splash’ gigantesco quebrou a tensão. Água pingou na minha pele, a surpresa me fez suspirar. Respingou por toda a parede.

 

Ele está vindo pela piscina! Corre!

 

Eu hesitei só por um segundo. Grandes dedos agarraram meu tornozelo. Eu me puxava contra a piscinha, me movendo para frente. Eu escorreguei e isso me jogou para frente e fez seus dedos escorregarem.

 

Ele agarrou meu tênis. Eu o tirei com o outro pé, me livrando da mão.

 

Eu estava caída, mas ele estava caído também. Me deu tempo de engatinhar para frente, arranhando meu joelho no chão grosso de rocha.

 

Kyle grunhiu e sua mão alcançou meu calcanhar nu. Não havia nada para segurar então sua mão escorregou. Eu continuei me arrastando para frente, conseguindo me erguer, mas mantendo a cabeça baixa. A qualquer minuto podia cair de novo, eu me movia quase paralela ao chão. Eu mantinha o equilíbrio na pura força de vontade.

 

Não havia mais ninguém. Ninguém para me pegar na saída para o outro cômodo. Eu corri a toda, esperança e adrenalina correndo em minhas veias. Eu entrei na sala dos rios a velocidade total, meu único pensamento era alcançar o túnel. Eu podia ouvir a respiração pesada de Kyle atrás de mim, mas não perto o suficiente. A cada passo eu me afastava mais dele.

 

Dor passou pela minha perna, me aleijando.

 

Por cima do borbulhar do rio eu ouvi o som de duas pedras caírem no chão e rolare, a que eu segurava e a que ele havia jogado para me aleijar. Minha perna se torceu me lançando ao chão e no mesmo segundo ele estava em cima de mim.

 

Seu peso fez minha cabeça bater na rocha com um som seco e me deixou mole no chão. Sem ter como me erguer.

 

GRITA!

 

O ar soprou de mim em um som de sirene que surpreendeu todos nós. Meus gritos sem palavras foi mais do que eu esperava – certamente alguém ouviria. Por favor que seja Jeb. Por favor que ele esteja com a arma.

 

“Urgh!” Kyle protestou. Sua mão era grande o bastante para cobrir a maior parte do meu rosto. Sua palma amassada contra minha boca, cortando o grito.

 

Ele, então, rolou, e o movimento me pegou tão de surpresa que eu não tive tempo de achar alguma vantagem.

 

Ele girava me levando com ele. Eu estava tonta e confusa, minha cabeça ainda rodando, mas eu entendi assim que meu rosto sentiu a água.

Suas mãos se firmaram na minha nuca, forçando meu rosto no riacho raso de água mais fresca que ia dar na sala de banho. Era muito tarde para eu segurar o fôlego. Eu já havia inalado uma porção de água.

 

Meu corpo entrou em pânico quando a água chegou nos pulmões. O desespero do corpo era maior do que ele esperava. Meus membros se torciam e debatiam em todas as direções, e a mão no meu pescoço escorregou. Ele tentou segurar melhor e algum instinto me fez jogar forçar o corpo contra o dele ao invés de para frente como ele esperava.Eu só empurrei alguns centímetros para trás mas metade do meu queixo e a boca saíram da água, o suficiente para eu cuspir um pouco da água e respirar.

 

Ele lutou para me empurrar de volta a água, mas eu me encolhi contra ele e seus esforços não ajudavam. Eu ainda estava reagindo a água nos meus pulmões, tossindo e cuspindo.

 

“Chega!” Kyle rugiu.

 

Ele se levantou e eu tentei me afastar.

 

“Ah, não, não vai fugir!” ele disse quase cuspindo as palavras.

 

Era o fim, e eu sabia.

 

Havia algo errado com minha perna machucada. Estava dormente e eu não conseguia fazê-la fazer o que eu queria. Eu só podia me arrastar pelo chão com meus braços e uma perna. Eu estava tossindo muito forte até para fazer isso direito. Muito forte para gritar de novo.

 

Kyle agarrou meu pulso e me ergueu do chão. O peso do meu corpo fez a pena falhar e eu bati contra ele.

 

Ele pegou ambos os pulsos com uma mão e com o outro braço me segurou pela cintura. Ele me ergueu do chão, como um saco de farinha. Eu me contorcia, e minha perna boa chutava o ar.

 

“Vamos acabar com isso.”

 

Ele pulou o riacho e me carregou para o buraco no chão mais próximo. O vapor de água quente banhou meu rosto.

 

Ele ia me jogar no buraco escuro e quente e deixar a água fervente me afundar enquanto me queimava.

 

‘Não, Não!”eu gritei, minha voz muito grossa e baixa para alguém ouvir.

 

Eu me contorcia freneticamente. Meu joelho bateu em uma coluna de pedra e eu enganchei meu pé tentando me soltar dele. Ele deu um puxão e meu pé soltou. Pelo menos isso afrouxou o agarro o suficiente para eu conseguir fazer um movimento. Funcionou antes, então eu tentei novamente. Ao invés de tentar me libertar eu girei o corpo de frente para ele e passei as pernas na sua cintura, prendendo o tornozelo bom no ruim, tentando ignorar a dor para ficar bem firme.

 

“Solta, sua –“ Ele lutou para me soltar, e eu livrei um dos pulsos que coloquei em seu pescoço e agarrei o seu cabelo. Se eu fosse parar no rio negro e quente, ele também ia.

 

Kyle sibilou e parou de forçar minha perna o suficiente para dar um soco nas minhas costelas.

 

Eu fiquei sem ar mas consegui colocar a outra mão em seu cabelo.

 

Ele pôs os dois braços em torno de mim, como se estivéssemos nos abraçando ao invés de em uma luta mortal. Então agarrou minha cintura pelos dois lados e empurrou com toda a sua força.

 

Seu cabelo começou a vir na minha mão, mas ele só grunhia e empurrava com mais força.

 

Eu podia ouvir o fluxo de água próximo, bem abaixo de mim. O rio borbulhou e uma nuvem densa se ergueu, e por um momento eu não pude ver nada além do rosto de Kyle contorcida com raiva e algo ainda mais bestial e impiedoso.

 

Eu senti minha perna ruim cedendo. Eu tentava me puxar para perto dele de novo, mas sua força bruta estava vencendo sobre o meu desespero. Ele me livraria em um minuto e eu cairia no rio e desapareceria.

 

Jared! Jamie! O pensamenta, a agonia, pertenciam a mim e a Melanie. Eles nunca saberiam o que aconteceu. Ian, Jeb, Doc, Walter. Nenhuma despedida.

 

Kyle abruptamente pulou. O impacto de quando ele bateu no chão teve o efeito desejado: minha pernas se soltaram. Mas antes dele tirar vantagem, o pulo teve outro resultado.

 

O som de algo rachando era ensurdecedor. Eu achei que toda a caverna estava caindo. O chão tremeu abaixo de nós.

 

Kyle se assustou e deu um pulo para trás, me levando com ele – minhas mãos ainda em seu cabelo. A rocha sobre sés pés começou a rachar, com mais barulhos de coisa se quebrando.

 

Nosso peso combinado quebrou o piso cheio de buracos. Conforme Kyle se afastava os rachados o acompanhava. Eram mais rápidos do que ele.

 

Um pedaço do chão desapareceu bem em baixo do seu calcanhar, e ele caiu com um som surdo. Meu peso o empurrou para trás com força, e sua cabeça bateu contra a coluna de pedra. Seus braços me soltaram, caindo para o lado moles.

 

O barulho de rachados virou um gemido estável. Eu podia sentir a vibração sob o corpo de Kyle. Eu estava em seu peito. Nossas pernas balançando no espaço vazio, o vapor formando gotas em nossa pele.

 

“Kyle?”

 

Não houve resposta.

 

Eu estava com medo de me mover.

 

Você tem que sair de cima dele. Vocês juntos são muito pesados. Cuidadosamente use a pilastra. Se afaste do buraco.

 

Choramingando de medo, muito aterrorizada para pensar por mim mesma, eu fiz o que Melanie disse. Eu soltei os cabelos de Kyle e me arrastei sobre sua forma inconsciente, usando a pilastra como ancora me puxando para frente. Parecia que o piso estava estável agora, mas ele ainda gemia.

 

Eu passei da coluna e alcancei o chão depois dela. Esse chão estava firme sob minhas mãos e joelhos, mas eu me afastei em direção ao túnel de saída.

 

Houve outro ‘creque’ e eu olhei para trás. Uma das pernas de Kyle caiu ainda mais quando a rocha embaixo dela caiu. Eu ouvi o ‘splash’ dessa vez quando o pedaço de rocha acertou a água. O piso tremia sob o peso dele.

 

Ele vai cair, eu percebi.

 

Bom. Melanie grunhiu.

 

Mas..!

 

Se ele cair ele não poderá nos matar, Wanda. Se ele não cair, ele vai.

 

Eu não posso simplesmente...

 

Pode sim. Vá. Você quer viver?

 

Eu queria. Eu queria viver.

 

Kyle podia desaparecer. E se ele desaparecesse havia uma boa chance de que ninguém me machucaria novamente. Pelo menos não as pessoas daqui. Ainda havia a Rastreadora, mas ela talvez desistisse algum dia e então eu poderia viver indefinitivamente com os humanos que eu amava...

 

Minha pena latejava, a dor se sobressaindo. Algo morno pingou nos meus lábios e eu provei sem pensar, sentindo o gosto do meu sangue.

 

Vá Wanderer. Eu quero viver. Eu quero escolher.

 

Eu podia sentir os tremores de onde eu estava. Outro pedaço de chão caiu no rio. O peso de Kyle se desequilibrou e ele se moveu um centímetro em direção ao buraco.

 

Deixe-o!

 

Melanie sabia mais do que eu sobre o que ela estava falando. Esse era o mundo dela. As regras dela. Eu encarei as feições do homem que estava prestes a morrer – o homem que me queria morta. Estando inconsciente o rosto de Kyle não era mais o rosto de um animal feroz. Estava relaxada, quase pacifica.

 

A semelhança com seu irmão ainda mais aparente.

 

Não!! Melanie protestou.

 

Eu engatinhei de volta, lentamente, sentindo o chão com cuidado antes de me mover. Eu estava com muito medo de ir além da pilastra, então eu a envolvi com o meu pé bom, uma ancora de novo, e me inclinei para segurar os braços de Kyle.

 

Eu puxei tanta força que sentia que meu braço ia se soltar dos ombros, mas ele não se moveu. Eu ouvia um som como areia escorrendo conforme o chão se dissolvia em pedacinhos.

 

Eu o puxei novamente, mas o único resultado foi que o som de areia escorrendo se acelerou. Mexer o corpo dele estava quebrando o chão mais rápido.

 

Assim que eu pensei isso um pedaço grande se rocha caiu no rio e o precário equilíbrio de Kyle se perdeu. Ele começou a cair.

 

“Não!” eu gritei, a sirene saindo da minha garganta novamente. Eu apertei a perno em volta da coluna e consegui o agarrar, segurando-o pelo peito. Meus braços ardiam.

 

“Socorro!” eu gritei. “Alguém! Ajuda!”

 

                                     Em dúvida

 

Outro ‘slpash’. O peso de Kyle torturava meus braços.

 

“Wanda?Wanda?”

 

“Me ajuda! Kyle! O piso! Socorro!”

 

Meu rosto estava pressionado contra a rocha, meus olhos voltados para a entrada da caverna. A luz era brilhante conforme o amanhecer se aproximava. Eu segurava minha respiração. Meus braços gritavam.

 

“Wanda! Onde você está?”

 

Ian apareceu pela porta, o rifle em sua mão, baixo e pronto. Seus rosto uma mascara de raiva como a que seu irmão tinha.

 

“Cuidado!” eu gritei para ele “O piso esta quebrando! Eu não vou conseguir segurar ele por muito tempo!”

 

Levou dois longos segundos para ele processar a cena que era tão diferente do que ele estava esperando- Kyle tentando me matar. A cena que ocorreu a alguns segundos atrás. Então ele jogou a arma no chão e veio em minha direção com passos largos.

 

“Se abaixa – divide o peso!”

 

Ele ficou de quatro e engatinhou até mim, seus olhos queimando na luz do amanhecer.

 

“Não solta!” ele avisou.

 

Eu gemi de dor.

 

Ele demorou mais um segundo e então arrastou o corpo para o meu lado, me empurrando para mais perto da pedra. Seus braços eram mais compridos do que os meus. Mesmo comigo no caminho ele conseguiu segurar seu irmão.

 

“Um, dois, três.” Ele grunhiu.

 

Ele puxou Kyle contra a rocha com muito mais firmeza do que eu. O movimento pressionou meu rosto na pilastra, o lado ruim – bom, não podia ficar pior do que já estava.

 

“Eu vou puxar ele para esse lado. Você consegue se espremer e sair?”

 

“Eu vou tentar.”

 

Eu relaxei as mãos em Kyle, sentindo meus ombros doeram em alivio, me certificando que Ian o tinha firme. Então eu me espremi ente Ian e a coluna, com cuidado para não mo colocar na parte perigosa do piso. Eu engatinhei de ré em direção a porta por alguns centímetros, pronta para segurar Ian se ele começasse a escorregar.

 

Ian balançou seu irmão inerte em direção a pilastra, o levantando aos poucos. Mias do piso cedeu, mas a fundação da pilastra permaneceu intacta. Uma nova prateleira se formou em volta da coluna de pedra.

 

Ian se arrastava de ré como eu havia feito, puxando seu irmão consigo com pequenos puxões musculares e força de vontade.

 

Em cerca de um minuto, nós três estávamos na boca do corredor, Ian e eu respirando fundo.

 

“O que... diabos....acontece?”

 

“Nosso peso..... foi demais. Piso cedeu.”

 

“O que você estava fazendo.... na beirada.... com Kyle?”

 

Eu abaixei a cabeça me concentrando em respirar.

 

Bem, diga a ele.

 

O que irá acontecer?

 

Você sabe o que irá acontecer, Kyle quebrou as regras. Jeb vai atirar nele, ou ele vão expulsa-lo. Talvez Ian vão dar-lhe uma bela surra antes. Isso seria divertido de ver.

 

Melanie não quis realmente dizer isso- eu achava que não pelo menos. Ela ainda estava com raiva de mim por arriscar nossas vidas para salvar nosso quase assassino.

 

Exatamente, eu disse a ela. E se ele expulsarem Kyle por minha causa... ou matá-lo... eu estremeci. Bem, você não vê que isso não faria sentido? Ele é um de vocês.

 

Nós temos uma vida aqui Wanda. Você está esquecendo-se disso.

 

É minha vida também. E eu sou... bem, eu sou eu.

 

Melanie grunhiu em desgosto.

 

“Wanda?” Ian exigiu.

 

“Nada.” Eu murmurei.

 

“Você é uma péssima mentirosa. Você sabe disso, né?”

 

Eu mantive a cabeça baixa e respirei.

 

“O que ele fez?”

 

“Nada.” Eu menti. Muito mal.

 

Ian pôs a mão sob meu queixo, erguendo meu rosto. “Seu nariz está sangrando.” Ele virou minha cabeça para o lado. “E tem mais sangue no seu cabelo,”

 

“Eu – bati a cabeça quando o chão cedeu.”

 

“Dos dois lados?”

 

Eu dei de ombros.

 

Ian me encarou por um longo momento. A escuridão do túnel escondia o brilho de seus olhos.

 

“Nós devíamos levar Kyle para Doc – ele realmente bateu a cabeça forte quando ele caiu.”

 

“Por que você está protegendo ele? Ele tentou te matar.” Era uma afirmação, não uma pergunta. Sua expressão lentamente passou de raiva para horror. Ele estava imaginando o que nós estávamos fazendo naquela parte instável – eu podia ver isso em seus olhos. Quando eu não respondi, ele falou novamente em um suspiro. “Ele ia jogar você no rio....” Um estranho tremor sacudiu seu corpo.

 

Ian tinha um braço em volta de Kyle – ele havia caído assim e parecia muito cansado para se mover. Agora ele empurrou seu inconsciente irmão para longe dele com nojo. Ele se moveu em minha direção e pôs os braços em volta dos meus ombros. Me puxou para perto, contra seu peito – eu podia sentir sua respiração, inspirando e expirando. Eu me senti estranha.

 

“Eu devia rolar ele de volta para lá e chutar ele da beirada eu mesmo.”

 

Eu sacudi a cabeça freneticamente, fazendo-a doer. “Não.”

 

“Economiza tempo. Jeb deixou as regras bem claras. Tente machucar alguém aqui, haverá penalidades. Haverá um tribunal.”

 

Eu tentei me afastar dele, mas ele me segurou com mais força. Não era assustador como quando Kyle me agarrou. Mas era estranho, me desequilibrava. “Não, você não pode fazer isso por que ninguém quebrou as regras. O piso desabou só isso.”

 

“Wanda - ”

 

“Ele é seu irmão.”

 

“Ele sabia o que estava fazendo. Ele é meu irmão, sim, mas ele sabia o que estava fazendo, e você é... você é.. minha amiga.”

 

“Ele não fez nada. Ele é humano.” Eu suspirei. “Esse é o lugar dele, não meu.”

 

“Nós não vamos ter essa discussão novamente. Sua definição e humano não é a mesma que a minha. Para você significa algo.. negativo. Para mim, é um elogio – e pela minha definição, você é, e ele não. Não depois disso.”

 

“Ser um humano não é negativo para mim. Eu conheço você agora. Mas Ian, ele é seu irmão.”

 

“Um fato que me envergonha.”

 

Eu me afastei dele novamente. Dessa vez, ele deixou. Possivelmente por causa do gemido que escapou de meus lábios quando eu movi a perna.

 

“Você está bem?”

 

“Eu acho que sim. Nós temos que achar Doc, mas eu não sei se eu consigo andar Eu – eu bati a perna quando eu caí.”

 

Um rosnado passou pela sua garganta. “Qual perna? Deixe-me ver.”

 

Eu tentei esticar minha perna machucada – a direita – e gemi de novo. Suas mãos começaram no meu tornozelo, testando os ossos, as juntas. Ele girou meu tornozelo cuidadosamente.

 

“Mais em cima. Aqui.” Eu ergui a mão dele até a parte de trás da minha coxa, pouco acima do joelho. Eu gemi novamente quando ele pressionou o local. “Não está quebrado nem nada, eu acho. Só dói muito.”

 

“No mínimo, o músculo está machucado. E como isso aconteceu/”

 

“Eu devo ter... caído em cima de uma rocha quando eu caí.”

 

Ele suspirou. “Okey, vou te levar a Doc.”

 

“Kyle precisa mais do que eu.”

 

“Eu preciso encontrar Doc primeiro – ou alguma ajuda, e eu não vou conseguir carregar Kyle, mas eu certamente consigo carregar você. Opa agüenta ai.”

 

Ele se virou abruptamente e foi para o comodo com o rio novamente. Eu decidi que não discutiria com ele. Eu queria ver Walter antes.... Doc prometeu esperar por mim. Aquela primeira dose se morfina passaria logo? Minha cabeça girava. Havia tanto com o que se preocupar, e eu estava tão cansada. A adrenalina se consumia me deixando vazia.

 

Ian voltou com a arma. Eu franzi a testa lembrando de como eu desejei por ela antes, EU não gostava disso.

 

“Vamos.”

 

Sem pensar ele me deu a arma. Eu deixei-a cair em minhas palmas abertas, mas eu não conseguia fechar a mão e segura-la. Eu decidi que era uma boa punição eu ter que carregar a coisa.

 

Ian riu. “Como alguém pode ter medo de você....” ele murmurou para si mesmo.

 

Ele me pegou facilmente e estava andando antes que eu pudesse me ajeitar. Eu tentei manter as partes mais duras – minha cabeça e perna – não muito apoiadas nele.

 

“Como suas roupas ficaram tão molhadas?” ele perguntou. Nós estávamos passando um dos buracos maiores no teto e eu pude ver um meio sorriso agourento em seus lábios pálidos.

 

“Eu não sei.” Murmurei. “Vapor?”

 

Nós passamos pela escuridão novamente.

 

“Você está sem um sapato.”

 

“Oh.”

 

Nós passamos por outro pedaço iluminado e seus olhos brilharam com de safira. Eles estavam sérios agora, me olhando.

 

“Eu estou muito ..... feliz que você não se machucou Wanda. Não se machucou mais seriamente melhor dizendo.”

 

Eu não respondi, temendo dar algo que ele pudesse usar contra Kyle.

 

Jeb nos encontrou antes de alcançarmos a grande caverna. Havia luz suficiente para eu ver o brilho de curiosidade em seus olhos quando ele me viu nos braços de Ian, o rosto sangrando, a arma frouxa em minhas mãos abertas.

 

“Você estava certo, então.” Jeb adivinhou. A curiosidade era forte, mas a dureza em suas palavras mais forte ainda. Sua mandíbula estava pressionada forte sob a barba. “Eu não ouvi um tiro. Kyle?

 

“Inconsciente.” Eu disse apressada. “Você precisa avisar todo mundo – parte do piso ruiu no cômodo dos rios. Eu não sei o quão estável está agora. Kyle bateu a cabeça com força tentando sair do caminho. Ele precisa de Doc.”

 

Jeb ergueu uma sobrancelha tão alto que quase tocou a bandana na testa.

 

“Essa é a história,” Ian disse, não fazendo esforço para esconder a duvida. “E ela aparentemente vai mantê-la.”

 

Jeb riu. “Deixe-me tirar isso das suas mãos.” Ele disse para mim.

 

Eu deixei ele pegar a arma de boa vontade. Ele riu novamente da minha expressão.

 

“Eu vou achar Andy e Brandt para me ajudar com Kyle. Nós os seguiremos brevemente.”

 

“Fica de olho nele quando ele acordar.” Ian disse em um tom duro.

 

“Pode deixar.”

 

Jeb foi procurar mais mãos para ajudar. Ian me levou para a caverna-hospital.

 

“Kyle pode estar seriamente machucado... Jeb devia se apressar.”

 

“A cabeça de Kyle é mais dura do que qualquer rocha nesse lugar.”

 

O longo túnel parecia ainda mais longo do que o normal. Estaria Kyle morrendo apesar dos meus esforços? Estaria ele consciente novamente e procurando por mim: E Walter? Ele ainda estava dormindo... ou morto? A Rastreadora já havia desistido da caça ou ela voltaria agora que estava claro de novo?

 

Jared vai estar com Doc ainda? Mel acrescentou suas perguntas ás minhas. Ele vai ficar com raiva quando ele te ver? Ele vai me reconhecer?

 

Quando nós alcançamos a caverna ao sul, Jared e Doc não pareciam ter se movido muito. Eles estavam inclinados contra a mesa de Doc, lado a lado. Estava quieto enquanto nos aproximávamos. Eles não estavam falando, só observando Walter dormir.

 

Eles encararam com olhos muito abertos quando Ian me carregou para a luz e me deitou na maca perto da de Walter. Ele esticou minha perna direita cuidadosamente.

 

Walter estava roncando. O som acalmou minha tensão um pouco.

 

“O que foi agora?” Doc perguntou irritado. Ele estava inclinado sobre mim assim que as palavras saíram, limpando o sangue na minha bochecha.

 

O rosto de Jared estava congelado de surpresa. Ele estava sendo cuidadoso, não deixando sua expressão revelar nada mais do que isso.

 

“Kyle.” Ian respondeu ao mesmo tempo em que eu disse “O piso -.”

 

Doc nos olhava confuso.

 

Ian suspirou e rolou os olhos. Distraído ele colocou uma mão na minha testa. “O piso ruiu próximo ao buraco do primeiro rio. Kyle caiu e bateu a cabeça em uma rocha. Wanda salvou sua vida miserável. Ela diz que ela caiu também, quando o piso cedeu.” Ian deu a Doc um olhor significativo. “ALGUMA COISA” ele disse sarcasticamente,

“Esmagou a parte de trás da cabeça dela.” Ele começou a listar. “Seu nariz está sangrando, mas não quebrou. Ela está com alguns ferimentos musculares aqui.” Ele tocou minha coxa dolorida. “Joelhos muito ralados, o rosto dela também, mas acho que isso foi eu que fiz tentando puxar Kyle. Não devia ter me incomodado.” Ian murmurou essa última parte.

 

“Algo mais?” Doc perguntou. Nesse exato momento, seus dedos, ainda examinando, tocaram o lugar onde Kyle havia me dado o soco. Eu gemi.

 

Doc ergueu minha camisa e eu ouvi Ian e Jared sibilarem com a visão do ferimento.

 

“Deixa eu adivinhar.” Ian disse em uma voz gélida. “Você caiu em uma rocha.”

 

“Bom chute.” Eu concordei sem fôlego. Doc ainda estava tocando nas laterais, e eu estava tentando segurar o choramingo.

 

“Pode ter quebrado uma costela, não tenho certeza,” Doc murmurou “Eu gostaria de poder te dar algo para a dor –“

 

“Não de preocupe com isso Doc.” Eu interrompi. “Eu estou bem.” Como está Walter? Ele acordou?”

 

“Não, vai levar um tempo até a o efeito da morfina passar.” Doc disse. Ele pegou a minha mão e começou a dobrar meu pulso, meu cotovelo.

 

“Eu estou bem.”

 

Seus olhos gentis estavam suaves quando encontrou os meus. “Você vai ficar. Só tem que descansar um pouco. Eu vou ficar de olho em você. Aqui, vira a cabeça.”

 

 

Eu fiz o que ele dizia, e então me encolhi enquanto ele examinava meu machucado.

 

“Aqui não.” Iam murmurou.

 

Eu não podia ver Doc, mas Jared lançou um olhar afiado para Ian.

 

“Eles estão trazendo Kyle. Não vou deixas os dois no mesmo cômodo.”

 

Doc assentiu. “Provavelmente mais sábio.”

 

“Eu vou arrumar um lugar para ela. Eu vou precisar que você fique de olho enquanto Kyle estiver aqui.... até nós decidirmos o que fazer com ele.”

 

Eu comecei a falar, mas Ian colocou seus dedos sobre meus lábios.

 

“Ok.” Doc concordou. “Eu o amarro se for necessário.”

 

“Se for necessário. Tudo bem nós a movermos?” Ian olhou para o túnel, seu rosto ansioso.

 

Doc hesitou.

 

“Não” eu murmurei, os dedos de Ian ainda tocando minha boca. “Walter. Ei quero estar aqui para ele.”

 

“Você já salvou todas as vidas que podia por hoje Wanda.” Ian disse, sua voz gentil e triste.

 

“Eu quero... dizer adeus”

 

Ian assentiu. Então olhou para Jared. “Eu posso confiar em você?”

 

O rosto de Jared brilhou de raiva. Ian ergueu a mão.

 

“Eu não a quero deixar desprotegida enquanto acho um lugar seguro para ela.” Ian disse. “Eu não sei se Kyle vai estar consciente quando ele chegar. Se Jeb atirar nele isso vai a perturbar. Mas você e Doc serão capazes de lidar com ele. Eu não quero que Doc fique sozinho e force a mão de Jeb.”

 

Jared falou entre dentes apertados. “Doc não estará sozinho.”

 

Ian hesitou. “Ela passou pelo inferno nesse últimos dias. Lembre-se disso.”

 

Jared assentiu, os dentes ainda apertados.

 

“Eu estarei aqui.” Doc lembrou Ian.

 

Ian olhou em seus olhos. “Okay.” Ele se inclinou sobre mim, e seu olhos luminosos encontraram os meus. “Eu voltarei logo, Não fique com medo.”

 

“Não estou.”

 

Ele se abaixou mais e beijou minha testa. Ninguém ficou mais surpreso do que eu, apesar de eu ter ouvido Jared suspirar baixo. Minha boca se abriu surpresa enquanto Ian se levantou e saiu quase correndo.

 

Eu ouvi Doc puxar ar pelos dentes, como um assobio ao contrario. “Bem...” ele disse.

 

Ambos me encararam por um longo momento. Eu estava tão cansada e dolorida que eu mal me importei com o que eles estavam pensando.

 

“Doc –“ Jared começou a dizer algo em um tom urgente, mas um clamor do túnel o interrompeu.

 

Cinco homens lutavam para passar pela abertura. Jeb na frente segurava a perna esquerda de Kyle. Wes segurava a direita, atrás deles, Andy e Aaron tentavam segurar o torso, A cabeça de Kyle apoiada no ombro de Andy.

 

“Minha nossa, como ele é pesado.” Jeb resmungou.

 

Jared e Doc foram ajudar. Após alguns minutos de grunhido e xingamentos Kyle estava deitado em uma maca a alguns centímetros de mim.

 

“Por quanto tempo ele está apagado Wanda?” Doc me perguntou. Ele Levantou a pálpebra de Kyle deixando a luz do sol iluminar suas pupilas.

 

“Umm...” eu pensei rapidamente. “Desde que eu estou aqui, mais o tempo que Ian demorou a me trazer, uns 10 minutos, mais cinco minutos antes disso?”

 

“Uns 20 minutos você diria?”

 

“É, próximo disso.”

 

Enquanto nós conversávamos, Jeb fez seu próprio diagnostico. Ninguém prestou atenção quando ele se aproximou da cabeça de Kyle. Ninguém prestou a menos atenção – até que ele virou uma garrafa de água na cara dele.

 

“Jeb.” Doc reclamou, afastando sua mão.

 

Mas Kyle se mexeu e pisou, e então gemeu. “O que aconteceu? Aonde a coisa foi?” Ele começou a mudar de posição, tentando olhar em volta. “O chão... está movendo...”

 

A voz de Kyle me fez agarrar os lados da minha maca e pânico passou pelo meu corpo. Minha perna dois, será que eu conseguiria sair daqui mancando?

 

“Tá tudo bem.” Alguém murmurou. Não alguém. Eu sempre conheceria essa voz.

 

Jared se moveu para ficar entre a minha maca e a de Kyle, de costas para mim, seus olhos no homem enorme. Kyle rolava sua cabeça gemendo.

 

“Você está segura.” Jared disse em uma voz baixa, Ele não olhou para mim. “Não precisa ficar com medo.”

 

Eu respirei fundo.

 

Melanie queria tocar ele. Sua mão estava perto da minha, descansando na maca.

 

Por favor, não. Eu disse a ela. Meu rosto já dói o bastante assim.

 

Ele não vai te bater,

 

Você ACHA. Eu não estou disposta a arriscar.

 

Melanie suspirou, ela ardia para se aproximar dele. Não seria tão difícil de suportar se eu não estivesse ardendo também.

 

Dê tempo a ele. Eu implorei. Deixe-o se acostumar conosco, Espera até ele realmente acreditar.

 

Ela suspirou de novo.

 

“Aw inferno.” Kyle resmungou. Meu olhar virou para ele ao ouvir sua voz. Eu só podia ver os olhos pelos cotovelos de Jared me encarando. “Não caiu.” Ele reclamou.

 

                               Enterrado

 

Jared se moveu para frente, se afastando de mim. Com um som alto de batida, acertou o punho da cada de Kyle.

 

Os olhos de Kyle rolaram na orbita e sua boca caiu aberta.

 

O quarto ficou muito quieto por alguns segundos.

 

“Umm,” Doc disse em uma voz macia “medicamente falando, eu na estou certo de que isso foi a coisa mais útil nas condições dele.”

 

“Mas EU me sinto melhor.” Jared respondeu, seco.

 

Doc sorriu muito levemente “Bem, talvez mias alguns minutos de inconsciência não o matarão.”

 

Doc começou a olhar as pupilas de Kyle novamente, medir seu pulso...

 

“O que aconteceu?” Wes perguntou parado ao lado da minha cabeceira.

 

“Kyle tentou matar a coisa.” Jared respondeu antes que eu pudesse “Estamos mesmo surpresos com isso?”

 

“Não tentou não.” Eu murmurei.

 

Wes olhou para Jared.

 

“Altruísmo parece vir mais naturalmente para a coisa do que mentiras.” Jared comentou.

 

“Você está tentando ser irritante?” Eu perguntei. Minha paciência não estava baixa, ela havia se ido completamente. Fazia quanto tempo que eu não dormia? A única coisa que doía mais que a minha perna era minha cabeça. Cada respiração doía onde eu levei o soco. Eu percebi, com uma certa surpresa, que eu estava realmente de mau humor. “Por que se está, então alegre-se, você conseguiu.”

Jared e Wes me olharam com olhos chocados. Eu tinha certeza que se eu pudesse ver os outros as expressões estariam iguais. Talvez não Jeb, ele era mestre da expressão poker.

 

“Eu SOU fêmea.” Reclamei. “Esse negocio de ‘coisa’ está me dando nos nervos!”

 

Jared piscou com surpresa. Então seu rosto se fixou em linhas de expressões rígidas. “Por causa do corpo que você usa?”

 

Wes me encarava.

 

“Por causa de MIM.” Eu sibilei.

 

“Pela definição de quem?”

 

“Que tal pela de vocês? Na minha espécie, eu é que carrego os que irão nascer. Isso não é feminino o bastante para você?”

 

Ele ficou sem palavras, e eu me senti meio esnobe por isso.

 

Como devia. Melanie aprovou. Ele está errado, e está sendo um porco sobre isso.

 

Obrigada.

 

Nós garotas temos que nos unir.

 

“Essa é uma história que você nunca nos contou antes,” Wes murmurou, enquanto Jared lutava para encontrar algo para rebater. “Como isso funciona?”

 

A pelo oliva de Wes ficou ainda mais escura quando ele percebeu o que havia perguntado.

 

“Quer dizer, você não precisa dizer se eu estiver sendo rude.”

 

Eu ri. Meu humor estava mudando loucamente, histérica, foi o que Melanie disse.

 

“Não, você não está perguntando nada... inapropriado. Nós não temos um esquema tão complicado.... tão elaborado quanto a espécie de vocês.” Eu ri novamente, e então senti o rosto esquentar. Eu lembrava muito bem o quão elaborado podia ser.

 

Tira sua mente daí.

 

A mente é sua. Eu lembrei a ela.

 

“Então...?” Wes perguntou.

 

Eu suspirei. “Só há alguns de nós que são Mães. Não Mães. É assim que eles nos chamam, mas é somente o potencial de ser uma...” Eu estava sóbria novamente, pensando nisso. Não havia Mães, não sobreviventes, somente a memória delas.

 

“Você tem esse potencial?” Jared perguntou rígido.

 

Eu sabia que os outros estavam ouvindo. Até mesmo Doc parou no meio do movimento de colocar o ouvido no peito de Kyle.

 

Eu não respondi a pergunta dele. “Nós somos... um pouco como suas abelhas ou formigas. Muitos, muitos assexuados e uma rainha...”

 

“Rainha?” Wes repetiu, me olhando com uma expressão estranha.

 

“Não assim. Mas só há uma Mãe a cada 5 ou 10 mil da minha espécie. As vezes menos. Não tem um padrão exato.”

 

“Quantos machos?” Wes perguntouento o qu quando ele percbeu o que havia perguntado.

mau humor.

 

“Ah, não – não há machos. Não, eu disse que é mais simples que isso.”

 

Eles esperaram pela minha explicação. Eu engoli. Eu não devia ter trago o assunto a tona. Eu não queria falar sobre isso mais. Era tão ruim assim Jared me chamar de “coisa”?

Eles ainda esperavam. Eu franzi a testa, mas então falei. Eu comecei assim. “As Mães... se dividem. Cada… célula. Eu acho que vocês chamariam assim, apesar da nossa estrutura não ser igual, cada célula vira uma nova alma. Cada nova alma tem um pouco da memória da Mãe, um pedaço dela permanece.”

 

“Quantas células?” Doc perguntou curioso. “Quantos nascem?”

 

Eu dei de ombros. “Um milhão mais ou menos.”

 

Os olhos que eu podia ver se arregalaram, parecendo um pouco mais selvagens. Eu tentei não me sentir magoada quando Wes deu passo se afastando de mim.

 

Doc assobiou. Ele era o único ainda interessado. Aaron e Andy tinham expressões desconfiadas e perturbadas. Eles nunca haviam me ouvido ensinar antes. Nunca me ouviram falar tanto.

 

“Quando acontece? Há algum fator catalisador?” Doc perguntou;

 

“É uma escolha. Uma escolha voluntária. É a única forma que nós jamais deliberadamente escolhemos morrer. Uma troca, por uma nova geração.”

 

“Você poderia escolher agora dividir suas células, sem mais nem menos?”

 

“É, basicamente.”

 

“É complicado?”

 

“A decisão é. O processo é... doloroso.”

 

“Doloroso?”

 

Por que ele estava tão surpreso? Não era assim para a espécie dele também?

 

Homens. Mel esnobou.

 

“Excruciante.” Eu disse a ele. “Todos nós lembramos como foi para nossas Mães.”

 

Doc estava acariciando seu queixo, especulando. “Eu me pergunto que tipo de processo evolucionário levaria a produzir uma sociedade com rainhas suicidas...” ele dizia se perdendo em pensamentos.

 

“Altruísmo,” Wes murmurou.

 

“Hmm...” Doc disse. “Ah é, isso.”

 

Eu fechei os olhos, desejando que minha boca tivesse ficado fechada. Eu estava tonta. Era cansaço ou o ferimento na cabeça?

 

“Oh.” Doc murmurou. “Você dormiu ainda menos do que eu, não foi Wanda? Nós devíamos deixar você dormir.”

 

 

“’Stou bem.” Eu murmurei, mas não abri os olhos.

 

“Isso é ótimo!” alguém disse “Nós temos a porcaria de uma mãe rainha alien vivendo conosco. Ela podia se explodir em milhões de novos insetos a qualquer momento.”

 

“Shhh”

 

“Ele não o machucariam.” Eu disse a quem quer que fosse, sem abrir os olhos. “Sem uma hospedeiro, eles morreriam rapidamente.” Eu estremeci pensando na dor inimaginável, um milhão de minúsculas, inofensivas almas, bebês prateados minúsculos, morrendo...

 

Ninguém me respondeu, mas eu podia sentir o alivio deles no ar.

 

Eu estava tão cansada. Eu não me importava que Kyle estivesse a meio metro de distância de mim. Eu não me importava que dois dos homens no quarto ficariam do lado de Kyle se ele acordasse. Eu não me importava com nada além de dormir.

 

Claro, que foi aí que Walter acordou.

 

“Uhhh.” Ele gemeu. “Gladdie”

 

Com um gemido (meu) eu me virei em direção a ele. A dor na minha perna me fez estremecer, mas eu não conseguia mover meu torso. Eu o alcancei e encontrei sua mão.

 

“Aqui.” Eu suspirei.

 

“Ahh,” Walter murmurou em alivio.

 

Doc chamou atenção dos homens que começaram a protestar. “Wanda abriu mão de dormir e de paz para ajudar Walter com a dor. As mãos dela estão machucadas de segurar as deles. O que vocês fizeram por ele?”

 

Walter gemeu novamente. O som começou baixo e gutural mas rapidamente se tornou um choramingo alto.

 

“Doc se moveu. “Aaron, Andy, Wes... vocês poderiam, ah, chamar Sharon para mim por favor?”

 

‘Todos nós?”

 

“Sai fora!” Jeb traduziu.

 

A única resposta foi o barulho de pés quando eles partiram.

 

“Wanda.” Doc falou baixo, perto de meu ouvido. “Ele está com dor. Eu não posso deixar isso continuar.”

 

Eu tentei manter a respiração controlada. “É melhor assim, sem ele me reconhecer. É melhor se ele pensar que é Gladdie quem está aqui.”

 

Eu abri os olhos. Jeb estava ao lado de Walter cujo rosto parecia que estava dormindo.

 

“Adeus Walt,” Jeb disse. “Te encontro do outro lado.”

 

Ele se afastou.

 

“Você é um bom homem. Fará falta.” Jared murmurou.

 

Doc estava mexendo no pacote com a morfina.

 

“Gladdie?” Walter choramingou. “Dói.”

 

“Shh. Não vai doer mais. Doc vai fazer parar.”

 

“Gladdie?”

 

“Sim?”

 

“Eu te amo Gladdie. Eu te amei por toda minha vida.”

 

“Eu sei Walter. Eu – eu amo você também. Você sabe como eu te amo.”

 

Walter suspirou.

 

“Eu fechei meus olhos quando Doc se inclinou sobre Walter com a seringa.

 

“Durma bem, amigo.” Doc murmurou.

 

Os dedos de Walter relaxaram, soltando a minha mão. Eu me segurei a ela – eu precisava do apoio agora.

 

Os minutos passaram, e tudo estava quieto exceto por minha respiração, que estava falha e alta indo para soluços...

 

Alguém deu tapas em meu ombro. “Ele se foi Wanda.” Doc disse, sua voz rouca. “Ele está livre da dor.”

 

Ele puxou minha mão e me virou com cuidado, me tirando da posição estranha para uma que era menos agonizante. Mas somente um pouco menos. Agora que eu sabia que Walter não se perturbaria os soluços vieram a tona. Eu dobre para o lado onde doía mais.

 

“Oh, vá em frente. Você não vai ficar feliz de outro modo.” Jared murmurou em um tom conformado. Eu tentei abrir meus olhos, mas eu não consegui.

 

Algo picou o meu braço. Eu não me lembrança de ter machucado o braço. E ainda mais em um lugar tão estranho, atrás do cotovelo.

 

Morfina, Melanie explicou.

 

Nós já estávamos começando a perder a consciência. Eu tentei me alarmar mas não podia. Eu já estava muito grogue.

 

Ninguém disse adeus. Eu pensei grogue. Eu não esperaria isso de Jared, mas Jeb, Doc… Ian não estava aqui.

 

Ninguém está morrendo, ela prometeu. Só dormindo dessa vez....

 

Quando eu acordei, o teto sobre mim estava difuso, prateado. Era noite. Havia tantas estrelas. Eu me perguntava onde eu estava. Não havia nenhuma obstrução, nenhum pedaço de rocha. Somente estrelas e estrelas e mais estrelas.

 

Vento batia em meu rosto. Cheirava a poeira e ... algo que eu não conseguia identificar. Uma ausência... O cheiro de unidade não estava no ar. Nada sulfurico, e estava tão seco.

 

“Wanda?” alguém murmurou, tocando minha bochecha boa.

 

Meus olhos encontraram o rosto de Ian, muito branco sobre a luz das estrelas, inclinado sobre mim. Sai mão sobre a minha pele era mais fria do que a brisa, mas o ar era tão seco que era incomodo. Onde eu estava?

 

“Wanda? Você está acordada? Eles não vão esperar mais.”

 

Eu falei baixo por que ele falava baixo. “O que?”

 

“Eles já começaram. Eu sabia que você gostaria de estar aqui.”

 

“Ela está voltando?” a voz de Jeb perguntou.

 

“O que está começando?” eu perguntei.

 

“O funeral de Walter.”

 

Eu tentei sentar, mas meu corpo estava todo mole. As mãos de Ian se moveram para minha testa, me mantendo abaixada.

 

Eu girei a cabeça sob sua mão tentando ver...

 

Eu estava lá fora.

 

A minha esquerda uma pilha de pedregulhos formavam uma montanha em miniatura. A minha direita, o deserto se estendia, desaparecendo na escuridão. Eu olhei em direção ao meu pá e eu pude ver os humanos, desconfortáveis a céu aberto. Eu sabia bem como eles se sentiam. Expostos.

 

Eu tentei me levantar novamente. Eu queria chegar mais perto, ver. A mão de Ian me impediu.

 

“Calminha.” Ele disse “Não tente levantar.”

 

“Ajuda.” Eu pedi.

 

“Wanda?”

 

Eu ouvi a voz de Jamie, e então o vi, seu cabelo balançando enquanto ele corria para onde eu estava deitada. Meus dedos correram a beirada do colchonete sob mim. Como eu vim parar aqui? Dormindo sob as estrelas:

 

“Eles não esperaram.” Jamie disse a Ian. “Vai acabar logo.”

 

“Me ajude a levantar.” Eu disse.

 

Jamie ergueu as mãos mas Ian balançou a cabeça. “Eu a pego.”

 

Ian passou os braços por baixo de mim, cuidadosamente, evitando os locais mais machucados. Ele em ergueu do chão, minha cabeça girando. Eu gemi.

 

“O que Doc me deu?”

 

“Ele te deu um pouco da morfina que sobrou para que ele pudesse te examinar sem te machucar. De qualquer forma, você precisava dormir.”

 

Eu franzi a testa desaprovando. “Alguém não vai precisar do remédio mais do que eu?”

 

“Shhh” ele disse, e eu podia ouvir uma voz baixa distante. Eu virei a cabeça.

 

Eu podia ver o grupo de humanos novamente. Eles estavam na boca de uma abertura baixa e escura em baixo da pilha de pedregulhos que pareciam instáveis. Eles estavam em fila, de frente para a gruta.

 

Eu reconheci a voz de Trudy.

 

“Walter sempre via o lado bom das coisas. Ele podia ver o lado brilhante de um buraco escuro. Eu sentirei falta disso.”

 

Eu vi uma figura dar um passo para frente, vi a trança cinza e negra conforme ela se movia, e vi Trudy jogar um punhado de algo em algo na escuridão. Areia escorria pelos seus dedos, caindo no chão com um barulho fraco.

 

Ela foi ficar ao lado do marido. Geoffrey deu um passo a frente.

 

“Ele encontrará sua Gladdie agora. Ele está mias feliz onde ele está.” Groffrey jogou sua porção de terra.

 

Ian me carregou para o lado direito da fila de pessoas, perto o suficiente para eu ver dentro da gruta. Havia um espaço de formato oblíquo mais escuro no chão a frente de nós, em volta do qual a população humana estava em volta.

 

Todos estavam lá – todos!

 

Kyle deu um passo à frente.

 

Eu tremi e Ian me apertou gentilmente.

 

Kyle não olhou em nossa direção. Eu vi seu rosto de perfil; seu olho direito estava quando fechado de tão inchado.

 

“Walter morreu humano.” Kyle disse. “Nenhum de nós poderia pedir mais do que isso.” Ele jogou um punhado de terra na forma escura no chão.

 

Kyle se reuniu ao grupo.

 

Jared estava ao lado dele. Ele deu uns passos a frente e parou na beira da cova de Walter.

 

“Walter era bom dos pés a cabeça. Ninguém se igualava a ele.” Ele jogou sua terra.

 

Jamie foi para frente, e Jared deu um tapinha em seu ombro quando eles se cruzaram.

 

“Walter era corajoso.” Jamie disse. “Ele não tinha medo de morrer, ele não tinha medo de viver, e ... ele não tinha medo de acreditar. Ele tomou suas próprias decisões e foram boas decisões.” Jamie jogou a terra. Ele se virou e se voltou para a fila, seus olhos em mim o tempo todo.

 

“Sua vez.” Ele murmurou quando ele estava ao meu lado.

 

Andy já estava se movendo para frente, uma pá em sua mão.

 

“Espera.” Jamie disse em uma voz baixa mas que ecoou no silencio. “Wanda e Ian não disseram nada.”

 

Houve um murmúrio insatisfeito a minha volta. Meu cérebro parecia que estava pinicando dentro da minha cabeça.

 

“Vamos ter respeito.” Jeb disse, mais alto que Jamie. Parecia alto de mais para mim.

 

Meu primeiro instinto foi dizer a Andy para continuar e fazer Ian me carregar para longe. Isso era um lamento humano, não meu.

 

Mas eu lamentava. E eu tinha sim algo a dizer.

 

“Ian, me ajuda a pegar um pouco de terra.”

 

Ian se agachou para eu pegar um punhado de terra. Ele descansou meu peso no joelho para poder pegar um punhado ele mesmo. Então se ergueu e me carregou para a beira da cova.

 

Eu não conseguia ver dentro do buraco. Estava escuro ali embaixo das rochas e a cova parecia ser muito profunda.

 

Ian começou a falar entes de mim.

 

“Walter era o melhor e mais iluminado que um humano pode ser,” ele disse e jogou sua terra no buraco. Pareceu que demorou muito tempo até a terra acertar o fundo.

 

Ian olhou para mim.

 

Estava absolutamente silencioso na noite estrelada. Até o vento estava calmo. Eu falei baixinho, mas sabia que minha voz ecoava e todos ouviriam.

 

“Não havia ódio em seu coração.” Eu murmurei. “A sua existência prova que estávamos errados. Não tínhamos o direito de tomar seu mundo de você Walter. Eu espero que seus contos de fadas sejam verdadeiros. Eu espero que você encontre a sua Gladdie.”

 

Eu deixei que a terra escorresse pelos meus dedos e esperei até ouvi-la cair sob o corpo de Walter, obscurecido no tumulo profundo e escuro.

 

Andy começou a trabalhar assim que Ian deu o primeiro passo para trás, cobrindo o buraco com a terra pálida de uma pilha a uma curta distância do buraco. O som da terra caindo co buraco me fez estremecer.

 

Aaron passou por nós com outra pá. Ian se virou lentamente e me carregou para longe para abrir espaço para eles. O som alto e pesado da terra caindo ecoava atrás de nós. Vozes baixas começaram a murmurar. Eu ouvi passos conforme as pessoas se moviam e falavam sobre o funeral.

 

Eu realmente olhei para Ian pela primeira vez quando voltávamos para o colchonete escuro onde estava estendido no chão – fora de lugar , não pertencendo a paisagem. O rosto de Ian estava sujo de poeira branca, sua expressão incomodada. Eu já havia visto ele assim. Eu não conseguia me lembrar onde e quando, e então ele me deitou no colchonete e eu me distraí. O que eu faria aqui? Dormir? Doc estava bem atrás de nós. Ele e Ian se ajoelharam na terra ao meu lado.

 

“Como você está se sentindo?” Doc perguntou, já tocando minhas costelas.

 

EU queria sentar, mas Ian pressionou meu ombro para baixo quando eu tentei.

 

“Eu estou bem, talvez eu pudesse andar...”

 

“Sem necessidade de forçar. Vamos dar a essa perna alguns dias, okay?” Doc puxou minha pálpebra esquerda para cima e iluminou com uma lanterna. Meu olho esquerdo viu o reflexo brilhante no seu rosto.

 

Ele estremeceu e se afastou abruptamente. A mão de Ian no meu ombro não se alterou nem um pouco, isso me surpreendeu.

 

“Hmmm. Isso não ajuda muito um diagnostico, ajuda? Como está sua cabeça?” Doc perguntou.

 

“Um pouco tonta. Mas eu acho que é da droga que você me deu, não do ferimento. Eu não gosto deles, eu acho que prefiro a dor.”

 

Doc pareceu fez uma careta, e Ian também

 

“O que?” Eu perguntei.

 

“Eu vou ter que te drogar de novo Wanda, Desculpa.”

 

“Mas... por quê? Eu não estou assim tão machucada. Eu não quero –“

 

“Nós temos que te levar de volta para dentro.” Ian disse me interrompendo, sua voz baixa como se ele não quisesse que os outros ouvissem. Eu podia ouvir as vozes atrás de nós, ecoando nas rochas. “Nós prometemos... que você não estaria consciente.”

 

“Tapa meus olhos novamente.”

 

Doc puxou a pequena seringa do bolso. Já quase no fim, somente um quarto do conteúdo ainda sobrava. Eu me afastei dela, em direção a Ian. Sua mão em meu ombro me segurou.

 

“Você conhece as cavernas bem demais.” Doc murmurou. “Eles não querem te dar a chance de adivinhar...”

 

“Mas para onde eu iria?” Eu murmurei, minha voz exasperada. “Se eu soubesse o caminho? Por que eu iria embora agora?”

 

“Se aplaca as preocupações deles...” Ian disse.

 

Doc pegou meu pulso, e eu não o impedi. Eu olhei para o outro lado, longe da agulha, para Ian.

 

Seus olhos eram como a meia noite na escuridão. Eles se apertaram ao ver o sentimento de traição no meu.

 

“Desculpe” ele murmurou. Foi a ultima coisa que eu ouvi.

 

                                         Julgamento

 

Eu gemi. Minha cabeça toda aérea e desconectada. Meu estomago se apertava nauseadamente.

 

“Finalmente.” Alguém murmurou com alivio. Ian. Claro. “Com fome?”

 

Eu pensei nisso por um momento e então fiz um som de repulsa involuntário.

 

“Oh, esquece então. Desculpa, de novo. Nós tivemos que fazer. As pessoas ficaram todas… paranóicas quando te levamos lá para fora.”

 

“Está tudo bem.”

 

“Quer um pouco de água? ’

 

“Não.”

 

Eu abri meus olhos tentando focá-los na escuridão. Eu podia ver duas estrelas pelo buraco no teto.

 

Ainda era noite. Ou noite novamente. Vai saber.

 

“Onde eu estou?” eu perguntei. As formas dos rachados não eram familiares. Eu podia jurar que nunca havia encarado esse teto antes.

 

“Seu quarto.” Ian disse.

 

Eu procurei por seu rosto na escuridão, mas só identifiquei uma forma escura que era a cabeça dele. Com os dedos eu examinei a superfície onde estava deitada. Era um colchão de verdade. Havia um travesseiro sob minha cabeça. Meus dedos tateavam ainda quando encontrara a mão dele, e ele segurou meus dedos antes que eu pudesse remove-los.

 

“De quem é esse quarto realmente?”

 

“Seu.”

 

“Ian...”

 

“Costumava se nosso – meu e de Kyle. Kyle está no hospital até que as coisas fiquem decididas. Eu posso ficar com Wes.”

 

“Eu não vou tomar o seu quarto. E o que você quer dizer com ‘até que as coisas fiquem decididas’?”

 

“Eu te disse que haveria um tribunal.”

 

“Quando?”

 

“Por quê você quer saber?”

 

“Por que se você vai continuar com isso, então eu tenho que estar lá. Para explicar.”

 

“Para mentir.”

 

“Quando?” eu perguntei novamente.

 

“Nas primeiras luzes do dia. Eu não vou te levar.”

 

“Eu mesma me levo. Eu sei que sou capaz de andar...assim que minha cabeça parar de girar.”

 

“Você iria mesmo, não é?”

 

“Sim, não é justo que você não me deixe falar.”

 

Ian suspirou. Ele soltou minha mão e lentamente se ergueu. Eu pude ouvir suas juntas estalarem quando ele ficou de pé. Por quanto tempo ele ficou sentado no escuro esperando eu acordar? “Eu voltarei logo. Você pode não estar com fome, mas eu estou faminto.”

 

“Você teve uma longa noite.”

 

“Tive.”

 

“Se amanhecer, eu não vou ficar aqui esperando você.”

 

Ele riu sem humor. “Tenho certeza que isso é verdade. Então eu voltarei antes disso, e eu vou te ajudar a chegar onde você estiver indo.”

 

Ele empurrou uma das portas na entrada da caverna, deu a volta e a colocou de volta no lugar. Eu franzi a testa. Isso certamente seria difícil de fazer com uma perna. Eu esperava que Ian fosse mesmo voltar.

 

Enquanto eu esperava por ele, eu olhava as duas estrelas que eu podia ver e deixei minha cabeça parar de rodas. Eu realmente não gostava de drogas humanas. Eca. Meu corpo doía, mas o latejo na minha cabeça era o pior.

 

O tempo passou lentamente, mas eu não dormi. Eu havia dormido pela maior parte das últimas 24 horas. Eu provavelmente estava com fome também. Eu teria que esperar meu estomago se acalmar primeiro para ter certeza.

 

“Ian voltou antes da luz como prometeu.

 

“Sentindo-se melhor?” ele perguntou enquanto se aproximava.

 

“Acho que sim. Eu não movi a cabeça ainda.”

 

“Você acha que é VOCÊ reagindo a morfina ou o corpo de Melanie?”

 

“É a Mel. Ele reage mal a todo tipo de analgésico. Ela descobriu isso quando quebrou o pulso dez anos atrás.”

 

Ele pensou nisso por um momento. “É... estranho. Lidar com duas pessoas em uma.”

 

“Estranho.” Eu concordei.

 

“Já está com fome?”

 

Eu sorri.”Eu achei ter sentido cheiro de pão. Sim, eu acho que meu estomago já passou do pior momento.”

 

“Eu estava esperando que você dissesse isso.”

 

Sua sombra se acomodou ao meu lado. Ele tateou procurando minha mão, então pos a forma arredondada familiar nela.

 

“Me ajuda levantar.” Eu pedi.

 

Ele pôs os braços com cuidado em volta dos meus ombros e me dobrou meio de lado minimizando a dor nas costelas. Eu podia sentir algo estranho ali, rígido e apertado.

 

“Obrigado.” Eu disse, meio sem fôlego. Minha cabeça rodou. Eu toquei a costela com minha mão livre. Havia algo ali em volta do meu corpo, por baixo da camisa. “As minhas costelas estão mesmo quebradas?”

 

“Doc não tem certeza. Ele está fazendo o que pode.”

 

“Ele tenta muito.”

 

“É verdade.”

 

“Eu me sinto mal.... por não gostar dele antes.” Eu admiti.

 

Ian riu. “Claro que não gostava. É incrível que você consiga gostar de qualquer um de nós.”

 

“Você está invertendo as coisas.” Eu murmurei, e mordi o pão. Eu mastiguei mecanicamente, e então engoli, esperando para ver como o meu estomago reagia.

 

“Não muito apetitoso, eu sei.” Ian disse.

 

Eu dei de ombros. “Só testando – para ver se a náusea realmente passou.”

 

“Que tal algo mais atraente...?”

 

“Eu olhei para ele curiosa, mas eu não conseguia ver o seu rosto. Eu ouvi um som de plástico e o som de algo rasgando/abrindo e então senti o o cheiro e entendi.

 

“Cheetos!” eu gritei. “Sério? Para mim?”

 

Algo tocou os meus lábios, e eu mordi a delicia que ele oferecia.

 

“Eu tenho sonhado com isso.” Eu suspirei enquanto mastigava.

 

Isso fez ele rir. Ele pôs o saco nas minhas mãos.

 

Eu acabei com o conteúdo do saco rapidamente, e então terminei meu pão, melhorado devido ao sabor de queijo ainda na boca. Ele me ofereceu uma garrafa de água antes que eu pudesse pedir.

 

“Obrigada. Sabe, por mais do que o Cheetos. Por tudo.”

 

“Não foi nada mesmo Wanda.”

 

Eu encarei seus olhos azuis, tentando decifrar tudo o que ele dizia com essa frase – Parecia haver mais do que só cortesia em sua voz. E então eu percebi que eu podia ver a cor dos olhos de Ian. Estava amanhecendo.

 

“Você tem certeza que quer fazer isso?” Ian perguntou, suas mãos já meio estendidas como se para me pegar.

 

“Eu assenti. “Você não precisa me carregar, minha perna está melhor.”

 

“Veremos.”

 

Ele me ajudou a levantar, deixando um braço na minha cintura e colocando o meu braço no pescoço dele.

 

“Cuidado, e então?”

 

Eu dei um passo a frente com ele. Doía mas eu conseguiria. “Ok. Vamos.”

 

Eu acho que Ian gosta demais de você.

 

Demais? Eu me surpreendi ao ouvi Melanie tão claramente. Ultimamente ela só falava assim quando Jared estava por perto.

 

Eu estou aqui também. Ele ao menos se importa com isso?

 

Claro que sim. Ele acredita em nós mais do que ninguém além de Jamie e Jeb.

 

Não foi isso que eu quis dizer.

 

O que você quis dizer?

 

Mas ela se foi.

 

Levou muito tempo. Fiquei surpresa com o quanto tivemos que andar. Eu achei que estávamos indo para a caverna maior ou a cozinha – os lugares normais para reuniões. Mas nós fomos pelos campos leste e continuamos indo até finalmente alcançarmos a caverna grande e profunda que Jeb havia chamado de sala de jogos. Eu não havia estado aqui desde minha primeira turnê. O cheiro forte sulfúrico nos recebeu lá.

 

Diferentemente da maioria das cavernas aqui, a sala de jogos era muito mais larga do que alta. Eu podia ver isso agora por que a luz difusa azul estava pendurada no teto e não no chão. O teto não ficava muito acima da minha cabeça, era a altura de um teto normal de uma casa. Mas eu não conseguia ver as paredes, elas estavam muito distantes das luzes. Eu não podia ver a fonte fedorenta, mas podia ouvir o som de água ao longe.

 

Kyle estava sentado no ponto mais iluminado. Seus longos braços abraçando as pernas. Seu rosto uma máscara rígida. Ele não olhou para cima quando Ian me ajudou a entrar mancando.

 

Em cada lado dele estavam Jared e Doc, em pé, ambos com os braços para baixo, soltos ao lado do corpo. Como se eles fossem... guardas.

 

Jeb estava ao lado de Jared, sua arma sobre o ombro. Ele parecia relaxado, mas eu sabia o quão rapidamente isso podia mudar. Jamie segurava sua mão livre.... não, Jeb segurava o pulso de Jamie, e Jamie não parecia feliz com isso. Quando ele me viu entrando, no entanto, ele sorriu e acenou. Ele respirou fundo e olhou para Jeb. Jeb soltou o pulso de Jamie.

 

Sharon estava ao lado de Doc, com Tia Maggie do outro lado.

 

Ian me levou até o outro lado. Nós não estávamos sozinhos lá. Eu podia ver a forma de vários outros, mas não o rosto deles.

 

Era estranho. Pelas cavernas Ian suportou a maior parte do meu peso com facilidade. Agora parecia que ele havia se cansado. Seu braço em volta da minha cintura estava frouxo. Eu me arrastei e saltitava da melhor forma possível par5a chegar até o lugar que ele queria. Ele me sentou no chão e então sentou ao meu lado.

 

“Auch” Eu ouvi alguém murmurar.

 

Eu virei e vi Trudy. Ela se arrastou para mais perto, Geoffrey e Heath a imitaram.

 

“Você parece aos cacos.” Ela me disse. “O quão seriamente você está machucada?”

 

Eu dei de ombros “Eu estou bem”. Eu comecei a me perguntar se Ian não havia me deixado lutar para andar pára que eu pudesse mostrar meus ferimentos – me fazendo testemunhar contra Kyle sem palavras. Eu olhei enviesada para sua expressão inocente.

 

Wes e Lily chegaram e vieram se sentar com o meu pequeno grupo de aliados. Brandt entrou alguns segundos depois e então Heidi, e Andy e Paige. Aaron foi o último.

 

“Pronto, todo mundo está aqui.” Ele disse “Lucina vai ficar com as crianças. Ela não as quer aqui – ela disse para continuar sem ela.”

 

Aaron se sentou ao lado de Andy, e houve um pequeno momento de silencio.

 

“Okay então.” Jeb disse em uma voz alta que todos podiam ouvir. “É assim que vai funcionar, na votação, a maioria decide. Como sempre se eu tiver algum problema com a decisão da maioria eu tomo a minha própria decisão por que essa –“

 

“É a minha casa“ várias vozes completaram em coral. Alguém riu, mas parou rapidamente. Isso não era engraçado. Um humano estava sendo julgado por tentar matar um alienígena. Esse devia ser um dia horrível para todos eles.

 

“Quem está falando contra Kyle?” Jeb perguntou.

 

Ian começou a se levantar.

 

“Não!” eu murmurei segundo ele pelo cotovelo.

 

Ele se livrou da minha mão e se levantou.

 

“Isso é bem simples,” Ian disse. Eu queria pular e tampar a boca dele, mas eu não conseguiria me levantar sozinha. “Meu irmão foi avisado. Ele não tinha duvidas sobre as regras de Jeb sobre isso. Wanda faz parte da comunidade – as mesmas regras e proteções se aplicam a ela. Jeb disse para Kyle com clareza que sem ele não conseguisse viver com ela aqui, ele devia se mudar. Kyle decidiu ficar. Ele sabia então e sabe agora qual a penalidade para assassinato nesse lugar.”

 

“A coisa ainda está viva.” Kyle grunhiu.

 

“Razão pela qual eu não estou pedindo sua morte.” Ian respondeu “Mas você não pode mais viver aqui. Não se é um assassino no coração.”

 

Ian encarou seu irmão por um momento e então se sentou no chão ao meu lado.

 

“Mas ele poderia ser pego e nós nunca saberíamos,” Brandt protestou se levantando. “Ele os trará para cá e nós não teríamos nenhum aviso.”

 

Houve um murmúrio por todo o cômodo.

 

Kyle encarou Brandt “ Ele nunca me pegarão vivo.”

 

“Então é uma sentença de morte de qualquer jeito.” Alguém murmurou ao mesmo tempo em que Andy disse “Você não pode garantir isso.”

 

“Um de cada vez.” Jeb disse.

 

“Eu já sobrevivi lá fora antes.” Kyle disse irritado.

 

Outra voz veio da escuridão “É um risco.” Eu não conseguia identificar os donos das vozes – eles só falavam em murmúrios.

 

E outra voz. “O que Kyle fez de errado? Nada!”

 

Jeb deu um passo em direção a voz. “Minhas regras!”

 

“Ela não é uma de nós” Alguém protestou.

 

Ian começou a se erguer novamente.

 

“Hey!” Jared explodiu. Sua voz tão alta que todos se assustaram. “Wanda não está em julgamento aqui. Alguém tem uma reclamação concreta contra ela – Wanda? Então peça por outro tribunal. Mas nós todos sabemos que ela não feriu ninguém aqui. Na verdade ela salvou a vida dele.” Ele enfiou o dedo na nuca de Kyle. Os ombros de Kyle se encolheram como se ele tivesse sentido uma facada. “Segundos após ele ter tentado jogar ela no rio, ela arriscou a vida para impedir que ele tivesse a mesma morte dolorosa. Ela sabia que se ela o deixasse cair ela ficaria segura aqui. Mas salvou ele do mesmo jeito. Algum de vocês faria o mesmo? Regatar o inimigo? Ele tentou matar ela e ela ao menos falará contra ele?”

 

Eu senti todos os olhos em mim agora que Jared apontava apara mim.

 

“Você falará contra ele Wanda?”

 

Eu o encarei com os olhos arregalados, chocada por ele estar falando comigo, usando meu nome. Melanie estava em choque também, dividida. Ela estava feliz pela bondade no rosto dele ao nos olhar, pela suavidade que ela não via ali há muito tempo. Mas era o MEU nome que ele dizia...

 

Demorou alguns segundos até que conseguir falar.

 

“Isso tudo é um mal entendido.” Eu murmurei. “Mós caímos quando o chão cedeu. Nada mais aconteceu.” Eu esperava que por estar falando baixo ninguém fosse ouvir a mentira, mas assim que eu terminei Ian riu. Eu cutuquei ele com o cotovelo, mas isso não o fez parar.

 

Jared de fato riu para mim. “Viu? Ela até tenta mentir em defesa dele.”

 

“TENTA é a palavra certa.” Ian acrescentou.

 

“Quem disse que está mentindo? Quem pode provar isso?” Maggie perguntou duramente, dando um passo a frente. “Quem pode provar que não é a verdade que soa tão falsa nos lábios da coisa?”

 

“Mag –“ Jeb começou.

 

“Cala a boca Jebediah – Eu estou falando. Não há razão para estarmos aqui. Nenhum humano foi atacado. Isso é perca do nosso tempo.”

 

“Eu apoio isso.” Sharon acrescentou em uma voz alta e clara.

 

Doc a olhou com magoa.

 

Trudy se ergueu num salto. “Nós não podemos acomodar um assassino e simplesmente esperar ele ter sucesso.”

 

“Assassinato é um termo subjetivo.” Maggie sibilou “Eu só considero assassinato quando algo humano é morto.”

 

Eu senti os braços de Ian em volta de meus ombros. Eu não percebi que estava tremendo até sentir seu corpo firme contra o meu.

 

“Humano também é um termo subjetivo Magnolia.” Jared disse, a encarando com desgosto. “Eu pensava que o termo englobava alguma compaixão, um pouco de piedade.”

 

“Vamos votar.” Sharon disse antes que a mãe pudesse responder. “Levante a mão quem acha que Kyle deve ficar aqui sem punição por causa do --- mal entendido.” Ele lançou um olhar azedo a Ian e não a mim quando usou o termo que eu havia usado.

 

Mãos começaram a se erguer. Eu observei o rosto de Jared ir se fixando em uma expressão de desgosto.

 

Eu lutei para erguer minha mão, mas Ian firmou os braços em minha volta e fez um som irritado. Eu mantive a palma erguida o mais alto que eu podia. Mas no final não foi necessário.

 

Jeb contava em voz alta. “Dez... quinze.... vinte... vinte e três. Okay, claramente a maioria.”

 

Eu não olhei em volta para ver quem votava como. Já era o suficiente que no meu canto todos os braços estavam cruzados no peito, todos encarando Jeb com expectativa.

 

Jamie caminhou se afastando de Jeb e veio se enfiar entre eu e Trudy. Ele pôs seus braços em volta de mim, abaixo dos de Ian.

 

“Talvez vocês almas estavam certos sobre nós.” Ele disse, alto o suficiente para a maioria ouvir sua voz dura. “A maioria não é melhor que – “

 

“Shhh” eu fiz para ele.

 

“Okay!” Jeb disse. Todos ficaram em silencio. Jeb olhou para Kyle e então para mim e então para Jared.

 

“Okay, eu estou inclinado a ir com a maioria nisso.”

 

“Jeb –“ Jared e Ian disseram simultaneamente.

 

“Minha casa, minhas regras.” Jeb os lembrou. “Nunca se esqueçam disso. Então me ouça Kyle. E é melhor ouvir também Magnolia. Qualquer um que tentar machucar Wanda de novo não vai receber um tribunal, vai receber um funeral.” Ele deu um tapa na arma para enfatizar.

 

Eu estremeci.

 

Magnolia encarou o irmão com ódio.

 

Kyle assentiu, como se estivesse aceitando os termos.

 

Jeb olhou em volta para a audiência, encarando cada um deles exceto o pequeno grupo atrás de mim.

 

“O julgamento acabou.” Jeb anunciou. “Quem tá afim de uma partida?”

 

                                           Acreditada

 

O conglomerado relaxou e um murmúrio mais entusiasmado correu pelo meio circulo.

 

Eu olhei para Jamie. Ele pressionou os lábios e deu de ombros, “Jeb só está tentando fazer as coisas voltarem ao normal. Os últimos dias foram ruins. Primeiro Walter...”

 

Eu estremeci.

 

Eu vi que Jeb estava sorrindo para Jared. Após um momento de resistência, Jared suspirou e rolou os olhos para estranho velhote. Ele se virou e rapidamente saiu da caverna.

 

“Jared arrumou uma bola nova?” alguém perguntou.

 

“Ótimo,” Wes disse ao meu lado.

 

“Jogando...” Trudy murmurou e sacudiu a cabeça.

 

“Se alivia a tensão...” Lily respondeu dando de ombros.

 

Suas vozes estavam baixas, perto de mim, mas eu também podia ouvir outras vozes, mais altas.

 

“Pega leve na bola dessa vez.” Aaron disse a Kyle. Ele estava em pé de frente para Kyle oferecendo a mão.

 

Kyle pegou a mão oferecida e lentamente se ergueu. Quando ele estava de pá sua cabeça quase batia as lanternas penduradas.

 

“A última bola era fraca.” Kyle disse, sorrindo para o homem mais velho. “Estruturalmente fraca.”

 

“Eu nomeio Andy capitão.” Alguém gritou.

 

“Eu nomeio Lily.” Wes gritou, se levantando e alongando.

 

“Andy e Lily.”

 

“É, Andy e Lily.”

 

“Eu quero Kyle.” Andy disse rapidamente.

 

“Então eu fico com Ian.” Lily afirmou.

 

“Jared.”

 

“Brandt.”

 

Jamie se levantou ficando na ponta dos pés, tentando parecer alto.

 

“Paige.”

 

“Heidi”

 

“Aaron.”

 

“Wes.”

 

A seleção continuou. Jamie se iluminou quando Lily escolheu antes de metade dos adultos serem escolhidos. Até Maggie e Jeb foram escolhidos para jogar. Os números estavam igual até Lucina voltar com Jared, seus dois garotinhos pulando de excitação. Jared tinha um brilhante bola de futebol novinha nas mãos; ele segurava alto, e Isaiah, a outra criança, pulava tentando pegar a bola da mão dele.

 

“Wanda?” Lily perguntou.

 

Eu sacudi a cabeça e apontei para minha perna.

 

“Ah é, desculpa.”

 

Eu sou boa em futebol. Mel resmungou. Bem eu costumava a ser.

 

Eu mal posso andar. Eu lembrei a ela.

 

“Eu acho que vou ficar fora dessa.” Ian disse.

 

“Não.” Wes reclamou. “Eles tem Kyle e Jared. Nós estaremos mortos sem você.”

 

”Joga.” Eu o disse. “Eu… eu conto.”

 

Ele mo olhou com os lábios pressionados. “Eu realmente não estou no clima para jogar.”

 

“Eles precisam de você.”

 

Ele fez troça.

 

“Vamos Ian.” Jamie pediu.

 

“Eu quero assistir.” Eu disse. “Mas vai ser… entediante se um time tiver muita vantagem.”

 

“Wanda.” Ian suspirou.”Você é realmente a pior mentirosa que eu já encontrei.”

 

Mas ele levantou e começou a alongar com Wes.

 

Paige arrumou os marcadores do gol, quatro lanternas.

 

Eu tentei me levantar – Eu estava bem no meio do campo. Ninguém me notou na luz fraca. Em toda a volta a atmosfera estava aquecida agora, carregada de antecipação. Jeb estava certo. Isso era algo que eles precisavam, por mais estranho que parecesse para mim.

 

Eu fui capaz de ficar de quatro, e então puxei a perna direita para frente, aí fiquei ajoelhada sobre a perna ruim. Doeu. Eu tentei me erguer na perna boa. Meu equilíbrio estava todo errado, graças a estranha posição da minha perna machucada.

 

Mãos fortes me pegaram antes que eu pudesse cair de cara. Eu olhei para cima, um pouco exasperada para agradecer Ian.

 

As palavras morreram na minha garganta quando eu vi que eram os braços de Jared que me mantinham firme.

 

“Você podia simplesmente ter pedido ajuda.” Ele disse despreocupado.

 

“Eu – “ eu limpei a garganta. “Eu devia. Eu não queria...”

 

“Chamar atenção para si?” Ele disse as palavras como se fossem realmente curiosas. Não havia acusação em sua voz. Ele me ajudou até a entrada da caverna.

 

Eu balancei a cabeça uma vez. “Eu não queria... que ninguém fizesse nada que não quisessem por cortesia.” Isso não explicava direito, mas ele pareceu entender.

 

“Eu não acho que Jamie ou Ian iriam se incomodar.”

 

Eu olhei por sobre o ombro. N luz baixa, nenhuma dos dois haviam percebido que eu não estava mais lá. Eles estavam cabeceando a bola um para o outro, e rindo quando a bola acertou Wes bem na cara.

 

“Mas eles estão se divertindo. Eu não queria interromper isso.”

 

Jared examinava meu rosto. Eu percebi que eu sorria com afeição.

 

“Você se importa um bocado com o garoto.”

 

“Sim.”

 

Ele assentiu. “E o homem?”

 

“Ian é... Ian acredita em mim. Ele cuida de mim. Ele pode ser muito gentil.. para um humano.”

 

Quase como uma alma, eu queria dize. Mas isso não soaria como um elogio para esses ouvidos.

 

Jared suspirou. “Para um humano. Uma distinção mais importante do que eu percebia.”

 

Ele me ajudou a me abaixar na entrada, ali fazia uma curva que era mais confortável que o chão reto.

 

“Obrigado.” Eu disse a ele. “Jeb fez a coisa certa, sabe.”

 

“Eu não concordo com isso.” O tom de voz dele era mais macio do que as palavras.

 

“Obrigado também por... antes. Você não precisava ter me defendido.”

 

“Cada palavra era verdade.”

 

Eu olhei para o chão. “É verdade que eu não faria nada para machucar ninguém aqui. Não de propósito. Eu lamento ter magoado você quando eu cheguei aqui e a Jamie também. Muito mesmo.”

 

Ele sentou ao bem meu lado com uma expressão pensativa. “Honestamente...” ele hesitou. “O garoto está melhor desde que você chegou. Eu meio que havia esquecido como era o som da risada dele.”

 

Nós dois a escutávamos agora, ecoando sobre uma risada de algum adulto.

 

“Obrigada por me dizer isso, tem sido minha ... maior preocupação. Eu esperava que o dano não fosse permanente.”

 

“Por quê?”

 

Eu olhei para ele confusa.

 

“Por que você o ama?” ele perguntou, sua voz curiosa mas não intensa.

 

Eu mordi o lábio.

 

“Você pode me dizer. Eu....” ele não parecia encontrar as palavras. “Você pode me dizer.” Ele repetiu.

 

Eu olhava para meus pés enquanto respondia. “Em parte por que Melanie ama.” Eu não espiei para ver se ele reagia ao nome. “Lembrar dele do jeito que ela lembra... é uma coisa ponderosa, e então, quando eu o conheci pessoalmente... eu não posso NÃO amar ele. É parte da estrutura dessas células amar ele. Eu não tinha percebido antes o quanto um hospedeiro me influenciava. Talvez seja só corpos humanos, ou só a Melanie.”

 

“Ela fala com você?” ele mantinha a voz calma, mas eu podia sentir a tensão ali.

 

“Sim.”

“Com que freqüência?”

 

“Quando ela quer. Quando ela está interessada.”

 

“E hoje?”

 

“Não muito. Ela... está meio zangada comigo.”

 

Ele deixou um sorriso surpreso escapar. “Ela está zangada? Por que?”

 

“Por causa de...nada.”

 

Ele ouviu a mentira e fez a conexão.

 

“Oh Kyle. Ela queria que ele se ferrasse” ele riu novamente. “É bem ela.”

 

“Ela pode ser... violenta.” Eu concordei. Eu sorri para aliviar o insulto.

 

Não era insulto para ele. “Mesmo? Como?”

 

“Ela quer que u lute também. Mas... eu, eu não consigo. Eu não sou uma lutadora.”

 

“Eu posso ver isso.” Ele tocou o meu rosto batido com um dedo. “Desculpe.”

 

“Não. Qualquer um faria o mesmo. Eu sei o que você deve ter sentido.”

 

“Você não entenderia....”

 

“Se eu fosse humana que entenderia. Além disso, eu não estava pensando nisso... eu estava lembrando da Rastreadora.”

 

Ele se enrijeceu.

 

Eu sorri novamente, e ele relaxou um pouco. “Mel realmente queria que eu atacasse ela. Ela realmente odeia aquela Rastreadora. E eu não... não consigo culpar ela.”

 

“Ela ainda está procurando por você. Parece que ela teve que devolver o helicóptero pelo menos.”

 

Eu fechei os olhos, fechei as mãos em punhos, e me concentrei em respirar por alguns segundos.

 

“Eu não costumava ter medo dela,” eu suspirei. “Eu não por que ela me assusta tanto. Onde ela está?”

 

“Não se preocupe. Ela só estava indo e vindo pela estrada ontem. Ela não vai encontrar você.”

 

Eu assenti, desejando muito acreditar.

 

“Você consegue... ouvir Mel agora?” ele murmurou.

 

Eu mantive os olhos fechados. “Eu estou... ciente dela. Ela está escutando com atenção.”

 

“O que ela está pensando?” Sua voz era só um suspiro.

 

Tá aí sua chance. Eu a disse. O que você quer dizer para ele?

 

Ela estava cuidadosa para variar. A aceitação a incomodava. Por quê? Por que ele acredita em você agora?”

 

Eu abri meus olhos e o encontrei me olhando, segurando a respiração.

 

“Ela quer saber o que aconteceu para fazer você .... diferente agora. Por que você acredita em nós?”

 

Ele pensou por um momento. “Uma... acumulação de coisas. Você foi tão... gentil com Walter. Eu nunca vi alguém, exceto Doc, ter tanta compaixão. E você salvou a vida de Kyle, quando a maioria de nós o deixaria cair só para nos proteger, sem ligar para o assassinato. E depois, você é uma péssima mentirosa.” Ele riu. “Eu fiquei tentando manter as coisas como evidencia de um grande plano. Talvez eu acorde manhã e me sinta assim novamente.”

 

Mel e eu estremecemos.

 

“Mas quando eles começaram a te atacar hoje... bem, eu perdi a cabeça. Eu podia ver neles tudo o que não devia estar em mim. Eu percebi que eu já acreditava e que só estava sendo obstinado. Cruel. Eu acho que acredito desde... bem, um pouco desde que você se colocou na frente do Kyle para me proteger.” Ele riu como se ele não achasse que Kyle fosse perigoso. “Mas eu sou melhor mentiroso do que você. Eu posso até mesmo mentir para mim mesmo.”

 

“Ela espera que você não mude de idéia. Ela teme que você irá mudar.”

 

Ele fechou os olhos. “Mel”

 

Meu coração acelerou. Foi a alegria dela que fez isso, não minha. Ele já devia saber o quanto eu o amava depois das perguntas sobre Jamie, ele com certeza percebeu.

 

“Diga a ela.. que isso não acontecerá.”

 

“Ela te ouve.”

 

“O quão... profunda é a conexão?”

 

“Ela ouve o que eu ouço, vê o que eu vejo.”

 

“Sente o que você sente?”

 

“Sim”.

 

O seu nariz se enrugou. Ele tocou o lado ruim do meu rosto novamente, de leve, uma caricia. “Você não sabe o quanto eu lamento.”

 

Minha pele estava mais quente onde ele havia tocado, era um calor bom, mas suas palavras queimavam mais do que as palavras. É claro que ele lamentava ter a machucado. Claro. Isso não devia me incomodar.

 

“Vamos Jared!”

 

Nós olhamos para frente. Kyle estava chamando Jared. Ele parecia totalmente a vontade como se a vida dele não tivesse sido julgada hoje. Talvez ele já soubesse que sairia ileso disso. Talvez ele fosse rápido em superar as coisas. Ele não parecia me notar ao lado de Jared.

 

Eu percebi, pela primeira vez, que outros haviam notado.

 

Jamie estava nos observando com um sorriso satisfeito. Isso provavelmente significava uma coisa boa para ele. E era?

 

O que você quer dizer?

 

O que ele vê quando nos olha? Sua família reunida?

 

E não? Mais ou menos?

 

Com uma adição não bem vinda.

 

Mas melhor do que era antes.

 

Eu acho que sim...

 

Eu sim.... ela adimitiu. Eu estou feliz que Jared saiba que eu estou aqui…. Mas eu ainda não gosto dele te tocando.

 

E eu gosto demais. Meu rosto ainda ardia onde ele havia tocado. Desculpe sobre isso.

 

Eu não culpo você. Ou, pelo menos, eu sei que não devia.

 

Obrigada.

 

Jamie não era o único olhando.

 

Jeb estava curioso, aquele meio sorriso aparecendo nos cantos de sua barba.

 

Sharon e Maggie observavam com fogo nos olhos. As suas expressões eram tão iguais que a pele mais lisa e o cabelo brilhante não ajudavam a fazer Sharon parecer mais nova do que a mão.

 

Ian estava preocupado. Seus olhos estavam apertados ele estava a ponto de vir para me proteger. Para garantir a ele que Jared não estava me incomodando eu sorri para o acalmar. Ele não sorriu de volta, mas respirou fundo.

 

Eu não acho que é por isso que ele está preocupado. Mel disse.

 

“Você está ouvindo ela agora?” Jared estava em pé agora, mas ainda me observando.

 

Sua pergunta me distraiu antes que eu pudesse pergunta a ela o que ela queria dize. “Sim.”

 

“O que ela está dizendo?”

 

“Nós estávamos notando o que os outros pensam da sua mudança de... atitude.” Eu ergui o queijo em direção a tia e prima e Melanie. Elas viraram a cara em sincronia.

 

“Loucura.” Ele presumiu.

 

“ótimo então.” Kyle disse, se virando em direção a bola que estava sob o ponto mais iluminado. “Nós vamos vencer sem você.”

 

“Estou indo.” Jared lançou mais um olhar para mim – para nós- e correu para jogar.

 

Eu não era muito boa mantendo o placar. Estava muito escuro para ver a bola de onde eu estava. Muito escuro até para ver os jogadores direito quando eles não estavam diretamente embaixo da luz. Eu comecei a contar pelas reações de Jamie. Seus gritos de vitoria quando o time dele marcava e os gemidos quando o outro time marcava. Foram mais gemidos do que gritos.

 

Todos jogavam. Maggie era a geleira para o time de Andy, e Jeb o goleiro para o da Lily. Ambos era muito bons. Eu podia ver suas silhuetas contra a luz que era o gol se movendo com leveza como se eles fossem décadas mais jovens. Jeb não tinha medo de se jogar no chão para impedir um gol, mas Maggie era mais eficiente sem recorrer a esses extremos. Ela era como um imã para a bola. Toda vez que Ian ou Wes chutavam para o gol... ‘tunck’, a bola acertava a mão dela.

 

Trudy e Paige desistiram após meia hora e passaram por mim ao caminho para sair, conversando excitadas. Parecia impossível que nós havíamos começado a manhã com um julgamento, mas eu estava aliviada pelas coisas terem mudado tão drasticamente.

 

As mulheres não demoraram a voltar. Elas voltaram com os braços cheios de caixas. Barras de cereais – do tipo recheado com frutas. O jogo pausou. Jeb gritou pelo intervalo, e todo mundo correu para comer café da manhã. As barras foram colocadas na linha no centro. Foi uma confusão.

 

“Aqui Wanda.” Jamie disse, se afastando do grupo. Ele tinha as mãos cheias de barras e garrafas de água nos braços.

 

“Obrigada. Se divertindo?”

 

“Com certeza. Gostaria que você pudesse jogar.”

 

“Na próxima.” Eu disse.

 

“Aqui.” Ian disse, sua mão cheia de barras.

 

“Eu fui mais rápido.” Jamie disse para ele.

 

“Oh,” Jared disse, aparecendo do lado de Jamie. Ele também tinha várias barras na mão.

 

Ian e Jared trocaram um longo olhar.

 

“Cadê toda a comida?” Kyle quis saber. Ele estava parado olhando a caixa vazia, sua cabeça procurando pelo cômodo, procurando o culpado.

 

“Pega.” Jared disse, jogando barras de cereais com força, como facas.

 

Kyle as pegou no ar com facilidade, então se aproximou para ver se Jared não estava escondendo mais.

 

“Aqui.” Ian disse, entregando metade das dele para o irmão sem olhar para ele. “Agora vá.”

 

Kyle o ignorou. Pela primeira vez hoje ele olhou para mim, olhando para baixo onde eu estava sentada.

 

Suas íris estavam negras com a luz atrás dele. Eu não conseguia ler a sua expressão.

 

Eu me encolhi, e tentava respirar quando minhas costelas reclamaram do movimento.

 

Jared e Ian se aproximaram a minha frente, como uma cortina.

 

“Você o ouviu.” Jared disse.

 

“Posso dizer uma coisa antes?” Kyle pediu. Ele olhava pelo espaço entre os dois. Eles não responderam.

 

“Eu não lamento.” Kyle me disse. “Eu ainda acho que era a coisa certa a fazer.”

 

Ian empurrou seu irmão. Kyle foi afastado um passo, mas deu um passo para frente de novo.

 

“Calma, eu ainda não acabei.”

 

“Acabou sim.” Jared disse. Jared disse. Suas mãos apertadas, a pele sobre as juntas embranquecidas.

 

Todos haviam notado agora. O cômodo estava quieto, toda a diversão do jogo esquecida.

 

“Não, não terminei.” Kyle manteve suas mãos erguidas, um gesto de paz, e falou comigo de novo. “Eu não acho que estava errado, mas você salvou minha vida. Eu não sei por que mas salvou. Então eu acho que bem, uma vida por uma vida. Eu não vou matar você. Eu pagarei a dívida assim.”

 

“Sua besta idiota.” Ian disse.

 

“Quem tá a fim do verme, mano? E você ME chama de idiota?”

 

Ian ergueu o pulso, se inclinando para frente.

 

“Eu vou te o porquê” Eu disse, minha voz mais alta do que eu queria. Mas teve o efeito que eu queria. Ian, Jared e Kyle se viraram para me olhar, a briga esquecida no momento. Eu fiquei nervosa. Limpei a garganta. “Eu não te deixei cair por que… por que eu não sou como você. Eu não estou dizendo que eu não sou como um humano. Por que há outros aqui que teriam feito o mesmo. Há gente boa e gentil aqui. Pessoas como seu irmão e Jeb e Doc... Eu estou dizendo que não sou como você particularmente.

 

Kyle me encarou por um momento e então riu. “Ouch” ele disse, ainda rindo. Ele se virou agora, tendo dado sua mensagem, e foi pegar água. “Uma vida por uma vida.” Ele disse alto pelos ombros.

 

Eu não tinha certeza se acreditava nele. Não tinha mesmo. Humanos eram bons mentirosos.

 

                                           Desejada

 

Havia um padrão nas vitórias. Se Jared e Kyle jogavam juntos eles venciam. Se Jared jogava com Ian então o time vencia. Parecia-me que Jared não podia ser derrotado, até que eu vi os irmãos jogarem juntos.

 

Para mim parecia que ia ser meio estranho, pelo menos para Ian, jogar com Kyle. Mas após alguns minutos correndo na escuridão, eles estavam em um padrão familiar – um padrão que existia muito antes de eu vir a esse planeta.

 

Kyle sabia o que Ian faria antes de Ian fazer, e vice versa. Sem terem que falar eles diziam tudo o que queriam. Mesmo quando Jared pegou os melhores jogadores – Brandt, Andy, Wes, Aaron, Lily e Maggie como goleira – Kyle e Ian venciam.

 

“Okay, Okay” Jeb disse, pegando a tentativa de gol de Aaron com uma mão e enfiando a bola embaixo do braço. “Eu acho que todos nós sabemos os vencedores. Agora, eu odeio ser um estraga prazeres, mas tem trabalho esperando... e para ser honesto eu estou morto.”

 

Houveram alguns protestos fracos e alguns gemidos, mas mais risadas. Ninguém parecia muito chateado. Pela forma que algumas pessoas sentaram onde quer que estivessem e colocaram a cabeça entre os joelhos para respirar, era obvio que Jeb não era o único que estava cansado.

 

As pessoas começaram a sair em pares ou trios. Eu me arrastei para o lado para abrir espaço para eles passarem, provavelmente a caminho da cozinha. Já devia ter passado a hora do almoço, apesar de ser difícil dizer nessa sala escura. Através dos espaços entre as pessoas eu observava Ian e Kyle.

 

Quando o jogo acabou, Kyle ergueu a mão para Ian bater, mas Ian passou direto sem se dar ao trabalho. Então Kyle pegou o irmão pelo ombro e o girou, Ian deu um safanão na mão de Kyle. Eu fiquei tensa, pois a princípio parecia que eles iam brigar. Kyle tentou dar um soco no estomago do irmão que se esquivou com facilidade, mas eu vi que Kyle não havia posto força no gesto. Kyle riu e usou seu alcance superior para esfregar o punho contra a cabeça de Ian. Ian empurrou a mão, mas sorriu também.

 

“Bom jogo, maninho.” Eu ouvi Kyle dizer. “Você ainda manda bem.”

 

“Você é u idiota tão grande Kyle.” Ian respondeu.

 

“Você tem o cérebro, eu tenho a aparência. É justo.”

 

Kyle deu ouro meio-soco. Dessa vez Ian pegou o punho e torceu para trás prendendo o irmão em uma chave de braço. Agora ele realmente estava sorrindo, e Kyle xingando e rindo ao mesmo tempo.

 

Para mim isso tudo parecia muito violento, meus olhos se apertaram, estressada de observar isso. Mas ao mesmo tempo isso me trazia memórias de Melanie: três cachorrinhos rolando na grama, latindo e rosnando um para outro como se quisessem rasgar a garganta de seus irmãozinhos.

 

“É, eles só estão brincando. Os laços de irmãos vão fundo.

 

Como deviam. Isso está certo. Se Kyle realmente não nos matar, isso vai ser muito bom.

 

Se. Melanie repetiu.

 

“Com fome?”

 

Eu olhei para cima, e meu coração parou de bater por um momento doloroso. Parecei que Jared ainda acreditava.

 

Eu sacudi a cabeça. Isso me deu o momento que eu precisava para conseguir falar novamente. “Eu não tenho muita certeza do porque, eu não fiz nada além de ficar sentada aqui, mas eu estou cansada.”

 

Ele me ofereceu uma mão.

 

Controle-se Melanie me avisou. Ele só está sendo educado.

 

E você acha que eu não sei disso?

 

Eu tentei impedir minha mão de tremer quando peguei a mão dele.

 

Ele me puxou cuidadosamente em pé - bom, sobre um pé pelo menos. Eu me equilibrei na perna boa, não muito certa do que fazer. Ele estava confuso também. Ele ainda segurava minha mão, mas havia um bom espaço entre nós. Eu pensei no quão ridículo eu pareceria pulando pelas cavernas e meu pescoço ficou quente. Meus dedos estavam firmes contra os dele mas eu não o estava realmente usando para apoio.

 

“Para onde?”

 

“Ah...” eu pensei. “Eu não sei ao certo. Eu imagino que ainda tem um colchonete no bu – na área de depósito.”

 

Ele franziu a testa, não gostando da idéia.

 

E então um braço forte estava por baixo dos meus braços, apoiando o meu peso.

 

“Eu a levo aonde ela quer ir.” Ian disse.

 

 

O rosto de Jared estava cuidadoso, era assim que ele ficava quando ele não queria que eu soubesse o que ele estava pensando, mas agora ele olhava para Ian.

 

“Nós estávamos discutindo exatamente isso. Ela está cansada, Talvez o hospital...?”

 

Eu sacudi a cabeça ao mesmo tempo que Ian. Após aqueles dias horríveis que eu passei lá, eu não achava que ia suportar aquele lugar. Especialmente a maca de Walter vazia..

 

 

“Eu tenho um lugar melhor para ela.” Ian disse. “Aquelas macas não são muito mais confortáveis do que rocha e ela está com muitos pontos doloridos.”

 

Jared ainda segurava minha mão. Será que ele percebia o quão forte ele estava apertando-a: A pressão estava começando a ficar desconfortável, mas ele parecia não perceber. E eu com certeza não ia reclamar.

 

“Por que você não vai almoçar?” Jared sugeriu a Ian. “Você parece com fome. Eu a levo aonde você havia planejado…?”

 

Ian riu, um som baixo e gutural. “Eu estou bem. E honestamente Jared, Wanda precisa mais do que a ajuda de uma mão. Eu não sei se você está confortável o bastante com essa situação para isso. Veja –“ Ian pausou para se abaixar um pouco e me pegar no colo. Eu gemi quando o movimento doeu nas costelas. Jared não soltou minha mão. Meus dedos estavam ficando vermelhos. “- ela já teve muita atividade por hoje. Você vá em frente e almoce.”

 

Eles se encararam enquanto meus dedos ficavam roxos.

 

“Eu consigo carregá-la.” Jared disse baixo.

 

“Consegue?” Ian desafiou. Ele me ofereceu.

 

Jared me encarou por um longo momento. Então suspirou e soltou minha mão.

 

Au, isso dói. Melanie reclamou. Ela estava se referindo a dor que passou pelo meu peito não ao retorno de sangue aos meus dedos.

 

Desculpa, o que você quer que eu faça?

 

Ele não é seu.

 

Eu sei disso.

 

Au.

 

Desculpa.

 

“Eu acho que eu vou só acompanhar vocês.” Jared disse a Ian, com um pequeno sorriso nos lábios. “Há algo que eu quero discutir com você.“

 

“À vontade.”

 

Jared não discutiu nada enquanto caminhávamos pelo túnel escuro. Ele estava quieto, eu não tinha mais certeza que ele ainda estava ali. Mas quando nós chegamos a luz do campo de milho ele estava bem ao nosso lado.

 

Ele não falou até chegarmos a grande praça – até que não houvesse mais ninguém perto além de nos três.

 

“O que você acha de Kyle?” ele perguntou a Ian.

 

Ian deu de ombros. “Ele se orgulha de ser um homem de palavra, Geralmente eu confiaria em uma promessa dele. Nessa situação... eu não vou deixar ela longe das minhas vistas.”

 

“Bom.”

 

“Vai dar tudo certo Ian.” Eu disse. “Eu não estou com medo.”

 

“Você não precisa ficar. Eu prometo – ninguém vai fazer nada como isso com você novamente. Você vai ficar segura aqui.”

 

Era difícil afastar o olhar dos olhos dele quando eles brilhavam assim. Difícil de duvidar de qualquer coisa que ele dissesse.

 

“Sim, você ficará segura.” Jared concordou.

 

Ele estava andando atrás do ombro de Ian. Eu não conseguia ver sua expressão.

 

“Obrigada” eu murmurei.

 

Ninguém falou novamente até Ian pausar em frente as portas vermelha e cinza que cobriam a entrada da caverna dele.

 

“Você se importaria de abrir?” Ian disse para Jared apontando com a cabeça para as portas.

 

Jared não se moveu. Ian virou para poder vê-lo, agora que podia vê-lo também. Sua expressão estava cuidadosa novamente.

 

“SEU quarto? Esse é o melhor lugar?” a voz de Jared estava cheia de ceticismo.

 

“É o quarto dela agora.”

 

Eu mordi meu lábio. Eu queria dizer a Ian que claro que aquele não era meu quarto, mas eu não tive a chance antes de Jared começar a perguntar.

 

“Onde Kyle está ficando?”

 

“Com Wes por enquanto.”

 

“E você?”

 

“Não tenho muita certeza.”

 

Eles se encaram se medindo.

 

“Ian, isso é – “ eu comecei a dizer.

 

“Oh,” ele interrompeu, como se só agora se lembrasse de mim.... como se o meu peso fosse tão insignificante que ele havia esquecido que eu estava aqui. “Você está exausta, não está? Jared, você poderia abrir a porta, por favor?”

 

Sem dizer nada, Jared abriu a porta com um pouco de força de mais.

 

Eu agora realmente via o quarto de Ian pela primeira vez, com o sol iluminando pelas rachaduras no teto. Não era tão iluminado quanto o quarto de Jamie e Jared, ou tão alto. Era menor, mais proporcional. Arredondado – meio que como o meu buraco, mas dez vezes maior.

 

Havia dois colchões iguais no chão contra as paredes opostas fazendo um pequeno corredor entre eles. Contra a parede de fundo havia um móvel baixo e comprido de madeira, no lado esquerdo havia uma pilha de roupas, dois livros e um baralho. O lado direito estava vazio, mas as marcas na poeira indicavam que esse estado de vazio era recente.

 

Ian me colocou com cuidado no colchão da direita, arrumando minha perna e ajeitando o travesseiro sob minha cabeça. Jared ficou na entrada, de frente para a passagem.

 

“Assim está bom?” Ian me perguntou.

 

“Está.”

 

“Você parece cansada.”

 

“Eu não devia estar – eu não fiz nada além de dormir ultimamente.”

 

“O seu corpo precisa dormir para se recuperar.”

 

Eu assenti. Eu não podia negar o fato de que era difícil manter as pálpebras abertas.

 

“Eu te trarei comida mais tarde – não se preocupe com nada.”

 

“Obrigada. Ian?”

 

“Oi.”

 

“Esse quarto é seu. Você vai dormir aqui.”

 

“Você não se importa?”

 

“Por que me importaria?”

 

“É provavelmente uma boa idéia – melhor jeito de manter as vistas em você. Dorme.”

 

“Okay.”

 

Meus olhos já estavam fechados. Ele deu um tapinha na minha mão e então eu o ouvi ficar de pé. Alguns se4gundo depois a porta de madeira escorregando contra o piso de pedra.

 

O que você acha que está fazendo? Melanie perguntou.

 

O que? O que eu fiz agora?

 

Wanda, você é ... basicamente humana. Você deve ter noção do que esse convite pareceu a Ian.

 

Convite? Eu demorei, mas consegui ver a direção da mente dela. Não é nada parecido com isso. Esse quarto é dele. Há duas camas. Não ha espaço suficiente por aqui para eu ter o meu próprio quarto. É claro que nós devemos compartilhar, Ian sabe disso.

 

Sabe? Wanda abra os olhos. Ele está começando… Como eu explico isso para você entender? Ele está começando a sentir por você o que você sente por Jared. Você não consegue ver isso?

 

Eu não consegui responder por duas batidas de coração.

 

Impossível. Eu disse.

 

“Você acha que o que aconteceu essa manhã vai influenciar Aaron ou Brandt?” Ian perguntou do outro lado da portas.

 

“Kyle desistindo de matar ela?”

 

“É. Eles não precisavam fazer nada antes. Não quando parecia que Kyle faria por eles.”

 

“Eu vejo o que você quer dizer. Eu falarei com eles.”

 

“Você acha que será o suficiente?” Ian perguntou.

 

“Eles me devem, eu salvei a vida dos dois. Se eu pedir a eles, eles ficarão na deles.”

 

“Você apostaria a vida dela nisso?”

 

Houve uma pausa.

 

“Nós ficaremos de olho nela.” Jared finalmente disse.

 

Outro longo silêncio.

 

“Você não vai comer?” Jared perguntou.

 

“Eu acho que vou ficar por aqui um pouco.... e você?”

 

Jared não respondeu.

 

“O que?” Ian perguntou. “Ha algo que você queria me dizer Jared?”o longo silencio.

.

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vazio era recente.

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“A garota ali dentro...” Jared disse devagar.

 

“Sim.”

 

“Aquele corpo não pertence a ela.

 

“Seu ponto?”

 

A voz de Jared estava dura quando ele respondeu. “Mantenha suas mãos longe dele.”

 

Uma risada baixa de Ian. “Estamos com ciúme é?”

 

“Essa não é a questão.”

 

“Realmente.” Ian foi sarcástico agora.

 

“Wanda parece estar cooperativa com Melanie. Quase como se fossem amigas. Mas obviamente é Wanda quem toma as decisões. E se fosse você? Como você se sentiria se você fosse a Melanie: Se você fosse invadido desse jeito? Se você estivesse preso e alguma outra pessoa dissesse ao seu corpo o que fazer? Se você não pudesse falar por si mesmo? Você não gostaria que suas vontades – as que fossem conhecidas – fossem respeitadas? Pelo menos pelos outros humanos?”

 

“Okay, okay. Você tem razão. Eu vou manter isso em mente.”

 

“Como assim “manter isso em mente?”” Jared exigiu.

 

“Eu vou pensar sobre isso.”

 

“Não há nada o que pensar.” Jared retrucou. Eu sabia pelo modo de falar como ele estava, dentes apertados, mandíbula pressionada. “O corpo e a pessoa presa lá dentro pertencem a mim.”

 

“Você tem certeza que Melanie ainda sente –“

 

“Melanie sempre será minha. E eu sempre serei dela.”

 

Sempre.

 

Melanie e eu estávamos em situações opostas agora. Ela estava voando em deleite. Eu... não.

 

Nós esperamos ansiosas pelo silencio.

 

“Mas e se fosse você?” Ian perguntou em uma voz que era quase um suspiro. “E se você tivesse sido enfiado no corpo de um humano e tivesse sido solto no meio desse planeta só para se encontrar perdido entre os seus iguais? E se você fosse uma pessoa tão boa que você tivesse tentando salvar a pessoa que a vida você tinha tirado, quase se matando para tentar levar ela de volta para a família dela? E se então você se encontrasse cercado de alienígenas agressivos que te odiavam e machucaram você e tentaram te matar, de novo e de novo?” Sua voz falhou por um momento. “E se você continuasse tentando fazer o possível para salvar e ajudar essas pessoas apesar de tudo? Você não mereceria uma vida também? Você não teria merecido isso?”

 

Jared não respondeu. Eu senti os meus olhos úmidos. O Ian realmente pensava tão bem de mim? Ele realmente achava que eu havia conquistado o direito de viver aqui?

 

“Compreendido?” Ian perguntou.

 

“Eu...Eu vou ter que pensar sobre isso.”

 

“Faça isso.”

 

“Mas ainda assim –“

 

Ian interrompeu com um suspiro. “Não se preocupe demais. Wanda não é exatamente uma humana apesar do corpo. Ela não parece responder a contato físico como um humano faria.”

 

Agora Jared riu. “É essa sua teoria?”

 

“Qual a graça?”

 

“Ela é capaz de sim de responder a contato físico.” Jared o informou, seu tom normal. “Ela é humana o bastante para isso. Ou o corpo dela é, pelo menos.”

 

Meu rosto esquentou.

 

Ian ficou em silêncio.

 

“Com ciúme O’Shea?” [tradutora: O’Shea: sobrenome de Ian.]

 

“Na verdade... Estou. Surpreendentemente.” A voz de Ian estava controlada. “Como você saberia disso?”

 

Agora Jared hesitou. “Foi… meio que um experimento.”

 

“Um EXPERIMENTO?”

 

“Não foi bem do jeito que eu esperava. Mel me bateu.” Eu podia ouvir que ele sorria com a memória.

 

“Melanie..... te.... bateu?”

 

“Com certeza não foi Wanda. Você devia ter visto a cara dela..... O que? Hey Ian, se acalma cara!”

 

“Você pensou por um momento o que isso deve ter feito a ela?” Ian sibilou.

 

“Mel?”

 

Não idiota, com Wanda!”

 

“Feito com Wanda?” Jared perguntou, parecendo perdido coma idéia.

 

“Ah! Sai daqui. Vai comer alguma coisa. Fique longe de mim por algumas horas.”

 

Ian não deu a ele a chance de responder. Ele abriu a porta – com força, mas em silencio – entrou e fechou a porta atrás dele.

 

Ele se virou e encontrou o meu olhar. Pela expressão dele, ele estava surpreso de me encontrar acordada. Surpreso e sem graça. O fogo nos olhos dele foi diminuindo e lentamente se apagou. Ele pressionou os lábios.

 

Ele virou a cabeça para o lado ouvindo. Eu ouvi também, mas a saída de Jared não fez barulho.

 

Ian esperou mais um momento, então suspirou e se sentou na beirada do colchão, no lado oposto em que eu estava.

 

“Eu acho que não fomos tão quietos quando eu pensei.” Ele disse.

 

“O som se propaga nessas cavernas,” eu murmurei.

 

Ele assentiu. “Então...?” ele disse. “O que você acha?”

 

                                     Tocada

 

“O que eu acho sobre o que?”

 

“Sobre a nossa .... conversa lá fora.” Ian esclareceu.

 

O que eu pensava sobre isso? Eu não sabia.

 

De alguma forma Ian era capaz de ver as coisas da minha perspectiva, minha perspectiva alienígena. Ele pensava que eu tinha ganho o direito a minha vida.

 

Mas ele estava... com ciúme? De Jared?

 

Ele sabia o que eu era. Ela sabia que eu era só uma pequena criatura enfiada no cérebro de Melanie. Um verme, como Kyle tinha dito. No entanto até mesmo Kyle achava que Ian estava “a fim” de mim. De mim? Isso não era possível.

 

Ou ele queria saber o que eu pensava sobre Jared? Meus sentimentos acerca do experimento? Mias detalhes sobre minha resposta à contato físico? Eu estremeci. Ou meus pensamentos sobre Melanie? O que Melanie pensava da conversa deles? Se eu concordava com Jared sobre as coisas dela?

 

Eu não sabia o que pensar. Sobre nada disso.

 

“Eu realmente não sei.” Eu disse.

 

Ele assentiu. ‘“Isso é compreensível.”

 

“Só porque você é muito compreensível.”

 

Ele sorriu para mim. Era estranho como seus olhos podiam ser quentes e calorosos. Especialmente com uma cor mais para o gelo do que para o fogo. Eles estavam bem calorosos no momento.

 

“Eu gosto muito de você Wanda.”

 

“Eu estou começando a ver isso. Eu acho que sou meio lenta.”

 

“É uma surpresa para mim também.”

 

Ambos pensamos nobre isso.

 

Ele pressionou os lábios. “E.. eu imagino… que essa é uma das coisas que você não sabe o que pensar?”

 

“Não. Quero dizer, sim. Eu, não sei. Eu...eu –“

 

“Está tudo bem. Você não teve tempo para pensar sobre isso. E deve ser… estranho.”

 

Eu assenti. “É, mais do que estranho. Impossível.”

 

“Diga-me uma coisa.” Ian disse após um instante.

 

“Se eu souber a resposta.”

 

“Não é uma pergunta difícil.”

 

Ele não perguntou imediatamente. Ao invés, ele esticou as mãos e pegou minha mão. Ele a segurou em suas duas mãos por um momento e então passou o dedo de sua mão esquerda lentamente para cima até o ombro e lentamente a desceu novamente. Ele olhava para minha pele e não para o meu rosto, vendo o arrepio que havia se formado no caminho de seus dedos.

 

“Isso é bom ou ruim para você?” ele perguntou.

 

Ruim! Melanie insistiu.

 

Mas não dói. Eu protestei.

 

Não é isso que ele está perguntando. Quando ele diz ‘bom’... Ah parece que eu estou falando com uma criança!

 

Eu não tenho nem um ano de idade, Ou tenho? Eu me distraí tentando lembrar que dia era hoje.

 

Melanie não se distraiu. ‘Bom’ Para ele é como quando o Jared nos toca. A memória que ela providenciou não era uma da caverna. Era no canyon, Jared estava atrás dela e suas mãos acariciavam seus braços até a cintura. Eu estremeci de prazer ao simples toque. Assim.

 

Aah.

 

“Wanda?”

 

“Melanie diz ruim.” Eu murmurei.

 

“O que você diz?”

 

“Eu digo... eu não sei.”

 

Quando eu consegui o olhar nos olhos eles estavam mais calorosos do que eu esperava. “Eu nem consigo imaginar o quanto isso tudo deve ser confuso para você.”

 

Era um conforto que ele entendesse. “É. Eu estou confusa.”

 

Sua mão subiu e desceu no meu braço novamente. “Você quer que eu pare?”

 

Eu hesitei. “Sim.” Eu decidi. “Isso.. que você está fazendo… faz ficar difícil pensar. E Melanie está com raiva de mim. Isso também faz ficar difícil pensar.”

 

Eu não estou com raiva de você. Diga a ele para ir embora.

 

Ian é meu amigo. Eu não quero que ele vá.

 

Ele se afastou, cruzando os braços.

 

“Imagino que ela não nos daria um minuto sozinhos?”

 

Eu ri. “Eu duvido.”

 

Ian inclinou a cabeça para um Aldo, sua expressão especulativa.

 

“Melanie Stryder?” ele perguntou.

 

Nós duas nos surpreendemos.

 

Ian continuou. “Eu gostaria de ter uma chance de conversar com Wanda com privacidade se você não se importa. Há alguma forma de isso ser feito?”

 

Que cara de pau! Você diz pra ele que sem chance! Eu NÃO gosto desse cara.

 

Meu nariz enrugou.

 

“O que ela disse?”

 

“Ela disse não.” Eu tentei dizer as palavras gentilmente, da melhor forma possível. “E ela disse que não gosta … de você.”

 

Ian riu. “Eu posso respeitar isso. Eu posso respeitar ela. Bem, valia a pena tentar.” Ele suspirou. “Meio que me incomoda sabe? Ter uma audiência.”

 

Mel rosnou.

 

Eu fiz uma careta. Eu não gostava de sentir a raiva dela. Era tão mais forte do que a minha.

 

Se acostuma.

 

Ian colocou a mão em meu rosto. “Eu vou deixar você pensar sobre essas coisas, okay? Então você pode decidir como você se sente.”

 

Eu tentei ser objetiva sobre aquela mão. Era macia contra a minha. Sentia.... gostoso. Não como quando Jared me tocava. Mas diferente de quando Jamie me abraçava. Diferente.

 

“Pode levar um tempo. Nada disso faz muito sentido sabe.” Eu o disse.

 

Ele sorriu. “Eu sei.”

 

Eu percebi, quando ele sorriu, que eu queria que ele gostasse de mim. O resto – a mão no meu rosto, os dedos no meu braço – eu não tinha certeza sobre aquilo. Mas eu queria que ele gostasse de mim, e pensasse coisas boas de mim. Razão pela qual eu tinha que dizer a verdade.

 

“Você não se sente assim por mim, sabe?” eu murmurei. “É esse corpo... Ela é bonita.”

 

Ele assentiu. “É sim. Melanie é uma garota bonita.” Sua mão se moveu para o lado ruim do meu rosto, acariciando-o com dedos gentis. “Apesar do que eu fiz com o rosto dela.”

 

Normalmente eu teria negado isso automaticamente. Teria o lembrado que os ferimentos no meu rosto não era culpa dele. Mas eu estava tão confusa que minha cabeça girava e eu não conseguia formar uma frase coerente.

 

Por que me incomodava o fato dele achar que Melanie era bonita?

 

Boa pergunta. Meus sentimentos não eram claros para ela também.

 

Ele afastou o meu cabelo da testa.

 

“Mas, por mais bonita que ela seja, ela é uma estranha para mim. Não é ela que eu ... me importo.”

 

Isso me fez me sentir melhor. O que era ainda mais confuso.

 

“Ian, você não... Ninguém nos separa da forma que devia. Não você, nem Jamie, nem Jeb.” A verdade saiu num sopro, mais acalorada do que eu tencionava. “Você não poderia se importar comigo. Se você pudesse me segurar nas mãos, EU, você ficaria enojado. Você me jogaria no chão e pisaria em cima.”

 

Sua testa pálida franziu e suas sobrancelhas negras se uniram. “Eu... não se eu soubesse que era você.”

 

Eu ri sem humor. “Como você saberia? Você não conseguiria nos diferenciar.”

 

Os cantos de sua boca desceram.

 

“É só o corpo.” Eu repeti.

 

“Isso não é verdade,” ele discordou. “Não é o rosto, mas as expressões nele. Não é a voz, mas o que você diz. Não é como você parece nesse corpo, mas o que você faz com ele. VOCÊ é linda.”

 

Ele se moveu para frente enquanto falava, se ajoelhando ao lado da cama onde eu deitava e pegando minha mão entre as suas.

 

“Eu nunca conheci ninguém como você.”

 

Eu suspirei. “Ian, e se eu tivesse vindo aqui com corpo da Magnolia?”

 

Ele fez uma careta e riu. “Okay. Essa é uma boa pergunta. Eu não sei.”

 

“Ou o corpo de Wes?”

 

“Mas você é fêmea – você é.”

 

“E eu sempre pedi o equivalente a isso nos planetas em que eu vivi. Me parecia mais... apropriado. Mas eu podia ser colocada em um corpo masculino e funcionaria tão bem quanto.”

 

“Mas você não está em um corpo de homem.”

 

“Viu? Essa é a questão. Corpo e alma. No meu caso, duas coisas diferentes.”

 

“Eu não ia querer o corpo sem você.”

 

“Você não ia me querer sem ele.”

 

Ele tocou minha bochecha novamente e deixou a mão lá, seu dedão embaixo da minha mandíbula. “Mas esse corpo é parte de quem você é. E, a menos que você mude de idéia e nos entregue, é quem você será para sempre.”

 

Ah, a finalidade da coisa. Sim, eu morreria nesse corpo. A morte final.

 

E eu nunca viverei nele novamente. Melanie suspirou.

 

Não é como nenhuma de nós planejava o futuro né?

 

Não. Nenhuma de nós planejava não ter futuro.

 

“Mais uma conversa interna?” Ian adivinhou.

 

“Nós estamos pensando em nossa mortalidade.”

 

“Você poderia viver para sempre se nos deixasse.”

 

“É, poderia.” Eu suspirei. “Sabe, vocês humanos, tem a vida mais curta do que qualquer espécie que eu vivi, exceto as aranhas. Vocês têm tão pouco tempo.”

 

“Você não acha então que...” Ian pausou e se aproximou se mim, e tudo o que eu podia ver era seu rosto, neve, safira e o negro do cabelo. “Que talvez você devia aproveitar ao máximo o tempo que tem: Que você devia viver enquanto está viva?”

 

Eu não percebi como eu percebi com o Jared. Ian não era familiar para mim. Melanie percebeu o que ele ia fazer antes de mim, um segundo ates dos lábios dele tocarem os meus.

 

Não!

 

Não era como beijar o Jared. Com Jared não tinha muito pensamento só desejo. Nenhum controle. Uma faísca sobre a gasolina – inevitável. Com Ian, eu não sabia o que eu sentia. Tudo estava meio confuso.

 

Seus lábios eram macios e mornos. Ele os pressionou levemente contra os meus e os moveu para os lados nos cantos dos meus lábios.

 

“Bom ou ruim?” ele murmurou contra minha boca.

 

RUIM! RUIM! RUIM!

 

“Eu – eu não consigo pensar.” Quando eu movi minha boca para falar ele moveu a dele junto.

 

“Isso parece....bom.”

 

Sua boca pressionou a minha com um pouco mais de força agora. Ele pegou meu lábio inferior entre os lábios dele e puxou levemente.

 

Melanie queria bater nele – tanto quanto ela quis socar Jared. Ele queria o empurrar e chutar a cara dele. A imagem era tão horrível. Totalmente conflitante com a sensação do beijo de Ian.

 

“Por favor.” Eu murmurei.

 

“O quê?”

 

“Por favor pare. Eu não consigo pensar. Por favor.”

 

Ele se afastou na hora. “Okay,” ele disse o tom de voz cuidadoso.

 

Eu pressionei minhas mãos contra o meu rosto, tentando aplacar a raiva de Melanie.

“Bem, pelo menos ninguém me deu um soco.”

 

“Ela queria fazer bem mais do que isso. Urg. Eu não gosto quando ela fica com raiva. Dói minha cabeça. Raiva é tão... feio.”

 

“Por que ela não me bateu?”

 

“Por que eu não perdi o controle. Ela só se liberta quando eu estou... exaltada.”

 

Ele observava enquanto eu massageava minha testa.

 

Acalme-se Eu a implorei. Ele não está mais me tocando.

 

Ele esqueceu que eu estou AQUI? Ele se importa? Essa sou eu. É EU!!

 

Eu tentei explicar isso.

 

E quanto à você? Já esqueceu Jared?

 

Ela jogou memória para mim como ela fazia no inicio, só que dessa vez eram como flechas. Mil golpes do sorriso dele, seus olhos, seus lábios nos meus, suas mão na minha pele...

 

Claro que não. Você já esqueceu que não quer que eu o ame?

 

“Ela está falando com você.”

 

“Gritando comigo.” Eu corrigi.

 

“Agora eu consigo perceber. Dá para ver você se concentrando na conversa. Eu nunca notei antes.”

 

“Ela não é sempre vocal assim.”

 

“Eu lamente Melanie.” Ele disse. “Eu sei que isso deve ser horrível para você.”

 

Novamente ela se visualizou metendo o pé no nariz esculpido dele, deixando-o torto igual o do Kyle. Diz a ele que eu não quero as desculpas dele.

 

Eu me encolhi.

 

Ian deu um meio sorriso, meio careta. “Ela não aceita.”

 

Eu assenti com a cabeça.

 

“Então ela consegue se libertar? Se você estiver exaltada?”

 

Eu sacudi os ombros. “As vezes, se ela me pega de surpresa e eu estiver mais.... emocional. Emoções fazem ser mais difícil de concentrar. Mas parece estar mais difícil para ela ultimamente. É como se a porta entre nós estivesse trancada. Eu não sei por que. Eu tentei deixar ela sair quando Ky –“ eu parei de falar, pressionando os dentes juntos.

 

“Quando Kyle tentou te matar.” Ele completou. “Você a queria livre? Por quê?”

 

Eu só o encarei.

 

“Para lutar com ele?” ele adivinhou.

 

Eu não respondi.

 

Ele suspirou. “Okay, Não me diga; Por que você acha que a porta está.. trancada/”

 

Eu franzi a testa. “Eu não sei. Talvez seja a passagem do tempo... Isso nos preocupa.”

 

“Mas ela se libertou antes, para bater em Jared.”

 

“É.” Eu estremeci com a lembrança do meu punho acertando a mandíbula dele.

 

“Devido ao fato de você estar exaltada e emocional?”

 

“Sim.”

 

“O que ele fez? Só te beijou?”

 

Eu assenti.

 

Ian se moveu incomodado, seus olhos se apertara.

 

“O que?” eu perguntei. “O que foi?”

 

“Quando Jared te beija você fica... exaltada.”

 

Eu o encarei, preocupada com a expressão no rosto dele. Melanie gostou. Isso mesmo!

 

Ele suspirou. “E quando eu te beijo... você não tem certeza se gosta. Nada de exaltação.”

 

“Oh.” Ian estava com ciúme. Como esse mundo era estranho. “Desculpe.”

 

“Não se desculpe. Eu disse que eu te daria tempo, e eu não me importo de esperar você pensar. Eu não me importo mesmo.”

 

“Com o que você se importa?” Por que havia alguma coisa que i incomodava e muito.

 

Ele respirou fundo e soltou o ar lentamente. “Eu vi o quanto você ama Jamie. Isso já estava bem obvio. Eu acho que eu devia saber que você ama Jared também. Você ama os dois da forma que a Melanie ama. Jamie como um irmão. E Jared...”

 

Ele não olhava para mim, mas para a parede atrás de mim. Eu tive que desviar o olhar também. Eu encarei a luz no chão.

 

“O quanto disso é da Melanie?” ele quis saber.

 

“Eu não sei. Importa?”

 

Eu mal ouvi a resposta dele. “Sim, importa para mim.” Sem olhar para mim ou parecer perceber o que ele estava fazendo, Ian pegou minha mão de novo.

 

Ficou muito quieto por um minuto. Até Melanie estava quieta. Isso era bom.

 

Então, como se algum botão houvesse sido apertado, Ian estava ao normal novamente. Ele riu.

 

“Tempo está ao meu lado.” Ele disse sorrindo. “Nós temos o resto de nossas vidas aqui. Um dia você vai se perguntar o que diabos você viu nele.”

 

Vai sonhando.

 

Eu ri com ele, feliz por ele estar fazendo piadas novamente.

 

“Wanda? Wanda, posso entrar?”

 

A voz de Jamie veio do inicio do corredor acompanhada de seus passos correndo.

 

“Claro, Jamie.”

 

Eu já tinha minha mão erguida para ele entes mesmo dele passar pela porta; Eu não o via suficiente ultimamente. Inconsciente ou aleijada. Eu não estive livre para ficar procurar ele.

 

“Oi Wanda! Oi Ian!” Jamie era todo sorrisos. Seu cabelo bagunçado balançava enquanto ele se movia. Ele foi em direção a minha mão esticada, mas Ian estava no caminho. Então ele sentou na ponta do colchão descansando a mão no meu pé. “Como você está se sentindo?”

 

“Melhor.”

 

“Com fome? Tem bife hoje e milho na espiga! Eu posso te arrumar um pouco.”

 

“Eu estou bem por agora. Como você está? Eu não tenho te visto muito ultimamente.”

 

Jamie fez uma careta. “Sharon me deu detenção.”

 

Eu sorri. “O que você fez?”

 

“Nada. Eu fui totalmente injustiçado.” Sua expressão inocente estava um pouco forçada demais, e ele rapidamente mudou de assunto. “Adivinha? Jared estava dizendo no almoço que ele não achava justo você ter que se mudar do quarto que você estava acostumada. Ele disse que nós não estávamos sendo bons anfitriões. Ele disse que você devia voltar e ficar comigo. Isso não é ótimo!? Eu perguntei a ele se eu podia vir te contar imediatamente, e ele disse que era uma boa idéia. Ele disse que você estaria aqui.”

 

“Aposto que disse.” Ian murmurou.

 

“Então o que você acha Wanda? Agente volta a ser companheiros de quarto!”

 

“Mas Jamie, onde Jared vai ficar?”

 

“Espera – deixa-meeu adivinhar.” Ian interrompeu. “Eu aposto que ele disse que o quarto era grande o bastante para três. Acertei?”

 

“É. Como você sabia?”

 

“Bom palpite.”

 

“Isso é bom não é Wanda? Será como quando antes de nós virmos para cá.”

 

Parecia que uma lamina estava passando entre minhas costelas quando ele disse isso – uma dor muito precisa e afiada para ser comparada com um golpe.

 

Jamie analisou minha expressão torturada com alarme. “Oh, Não, eu quis dizer com você também. Nós quatro.”

 

Eu tentei rir apesar da dor. Não doía mais do que não rindo.

 

Ian apertou minha mão.

 

“Nós quatro.” Eu resmunguei. “Excelente.”

 

Jamie subiu pelo colchão passando por Ian para poder me abraçar pelo pescoço.

 

“Desculpe; Não fique triste.”

 

“Não se preocupe com isso.”

 

“Você sabe que eu amo você também.”

 

As emoções desse planeta são tão afiadas e agudas. Jamie nunca havia dito isso para mim. Todo o meu corpo sentiu alguns graus mis quente.

 

Tão Afiadas. Melanie concordou, se encolhendo com sua própria dor.

 

“Você vai voltar?” Jamie implorou contra meus ombros.

 

“Eu não consegui responder imediatamente.

 

“O que a Mel quer?” ele perguntou.

 

“Ela quer viver com você.” Eu murmurei. Eu não precisava confirmar com ela para saber disso.

 

“E o que você quer?”

 

“Você quer que eu more com você?”

 

“Você sabe que eu quero Wanda, por favor.”

 

Eu hesitei.

 

“Por favor.”

 

“Se é o que você quer Jamie, então okay.”

 

“Woo hoo!” Jamie gritou em meu ouvido. “Legal! Eu vou ir avisar Jared! Eu vou pegar comida também.” Ele já estava de pé, sacudindo o colchão tanto que eu senti nas costelas.

 

“Okay.”

 

“Você quer algo Ian?”

 

“Claro garoto. Diga a Jared que ele devia ter vergonha.”

 

“Hã?”

 

“Esquece. Vai pegar algo para Wanda comer.”

 

“Claro. E eu vou pedir a Wes pela cama extra. Kyle pode voltar para cá, e tudo vai ficar como devia.”

 

“Perfeito.” Ian disse e apesar de eu não estar olhando para seu rosto eu sabia que ele estava rolando os olhos.

 

“Perfeito.” Eu murmurei, e senti a lamina novamente.

 

                             Precocupada

 

Perfeito, eu resmunguei para mim mesma. Simplesmente perfeito.

 

Ian estava vindo se juntar a mim para almoçar, um grande sorriso grudado no rosro. Tentando de animar.... de novo.

 

Eu acho que você está exagerando no uso do sarcasmo ultimamente. Melanie me disse.

 

Eu vou me lembrar disso.

 

Eu não tinha a ouvido muito nessa última semana. Nenhuma de nós era boa companhia, era melhor que nós evitássemos interação social, mesmo com nós mesmas.

 

“Oi Wanda.” Ian me cumprimentou, sentando no balcão ao meu lado. Ele tinha uma vasilha de sopa de tomate em uma mão, soltando vapores. A minha estava de lado, fria e pela metade. Eu estava brincando com um pedaço de pão, o dividindo em pedacinhos.

 

Eu não o respondi.

 

“Ai ai Wanda.” Ele pôs as mão no meu joelho. A reação de raiva de Mel estava letárgica. Ela estava acostumada já com esse tipo de coisa para se incomodar. “Eles vão voltar hoje. Antes do sol se pôr, sem duvida.”

 

“Você disse isso três dias atrás, e dois dias atrás, e de novo ontem.” Eu o lembrei.

 

“Eu tenho uma forte impressão sobre hoje. Não faça beicinho – é tão humano.” Ele brincou.

 

“Eu não estou fazendo beicinho.” E não estava. Eu só estava tão preocupada que mal conseguia pensar direito e me tirava energia para fazer qualquer outra coisa.

 

“Essa não é a primeira Pilhagem em que Jamie vai.”

 

“Isso faz eu me sentir muito melhor.” Sarcasmo de novo. Melanie estava certa – eu realmente estava exagerando no uso.

 

“Ele esta com Jared e Geoffrey e Trudy. E Kyle está AQUI.” Ian riu. “Então não tem jeito deles se meterem com confusão.”

 

“Eu não quero falar sobre isso.”

 

Ele voltou sua atenção para a comida e me deixou ficar remoendo. Ian era sempre bom assim – sempre tentando me dar o que eu queria mesmo quando o que eu queria não era muito claro. Exceto as suas tentativas insistentes de me alegrar da presente situação. Eu sabia que não queria isso. Eu queria me preocupar, era a única coisa que eu podia fazer.

 

Já tinha um mês que eu mudei de volta para o quarto de Jamie e Jared. Por três semanas nós quatro vivemos juntos. Jared dormia em um colchão posicionado na parte de cima do colchão onde Jamie e eu dormíamos.

 

Eu já havia me acostumado – pelo menos a parte de dormir – eu estava tendo problemas agora para dormir em um quarto vazio. Eu sentia falta do som dos outros dois corpos respirando.

 

Eu não havia me acostumado a acordar com Jared lá. Ainda me levava uns segundos até eu responder seu cumprimento matinal. Ele não estava muito confortável também, mas sempre era educado. Ambos éramos educados.

 

Já era quase um script.

 

“Bom dia Wanda, como você dormiu?

“Bem, obrigada, e você?”

“Bem, obrigado. E Mel?

“Ela também está bem. Obrigada”

 

O constante estado de euforia de Jamie e seu papo alegre mantinham as coisas mais para cima. Ele falava sobre – e com – Melanie constantemente, até que seu nome não era mais a fonte de estresse que era com Jared. Todo dia, ficava um pouco mais confortável, minha vida aqui ficava um pouco mais agradável.

 

Nós estávamos... meio que felizes. Melanie e eu.

 

E então, uma semana atrás, Jared partiu para mais uma viagem – para repôs ferramentas quebradas principalmente – e elevou Jamie com ele.

 

“Está cansada?” Ian perguntou.

 

Eu percebi que estava esfregando os olhos. “Na verdade não.”

 

“Ainda não esta dormindo direito?”

 

“Está muito quieto.”

 

“Eu podia dormir com você – Ei, calma Melanie. Você sabe o que eu quis dizer.”

 

Ian sempre percebia quando o antagonismo de Melanie me fazia estremecer.

 

“Eu pensei que eles estariam voltando hoje.” Eu o desafiei.

 

“Você está certa. Não há motivo para mudança.”

 

Eu suspirei.

 

“Talvez você devesse tirar a tarde de folga.”

 

“Não seja bobo. Eu tenho muita energia para trabalhar.”

 

Ele sorriu grande como se eu tivesse dito algo que o tivesse agradado. Algo que ele esperasse que eu dissesse.

 

“Ótimo. Eu agradeceria sua ajuda em um projeto.”

 

“Qual o projeto?”

 

“Eu te mostro – você terminou?”

 

Eu assenti.

 

Ele pegou minha mão e me levou para fora da cozinha. De novo, isso era tão comum que Melanie quase não protestava mais.

 

“Por que estamos indo por aqui?” O campo leste não precisava de atenção. Nós havíamos estado no grupo que o irrigou esta manhã.

 

Ian não respondeu, ainda sorrindo.

 

Ele me levou até os túneis leste, além do campo até o corredor que levava a um único lugar. Assim que estávamos no túnel eu pude ouvir vozes ecoando e um barulho de batida que demorou um momento para entender. O cheiro forte de sulfúrico ajudou.

 

“Ian, eu não estou no clima.”

 

“Você disse que tinha muita energia.”

 

“Para trabalhar. Não para jogar futebol.”

 

“Mas Lily e Wes vão ficar muito desapontados. Eu prometi um jogo dois a dois. Eles trabalharam muito essa manhã para terem a tarde livre....”

 

“Não tente me fazer sentir culpada.” Eu disse enquanto fazíamos a última curva. Eu podia ver a luz azul das lâmpadas.

 

“E não está funcionando?” ele brincou. “Vamos Wanda. Vai ser bom para você.”

 

Ele me empurrou na sala de jogo, onde Lily e Wes estavam passando a bola um para o outro.

 

“Oi Wanda, Oi Ian.” Lily nos cumprimentou.

 

“Essa vitoria é minha O’Shea.” Wes o avisou.

 

“Você não vai me deixar perder para Wes, vai?” Ian murmurou.

 

“Você os venceria sozinho.”

 

“Ainda assim seria dificil ganhar. Eu não suportaria isso.”

 

“Eu suspirei. “Tá bom, tá bom. Que seja.”

 

Ian me abraçou com ‘entusiasmo desnecessário’ de acordo com Melanie. “Você é a minha pessoa favorita no Universo conhecido.”

 

“Obrigada.” Eu respondi seca.

 

“Pronta para ser humilhada Wanda?” Wes perguntou zombando. “Você pode ter tomado o planeta, mas vai perder o jogo.”

 

Ian riu, mas eu não respondi. A piada me deixou desconfortável. Como Wes podia fazer piada com isso? Humanos sempre me surpreendiam.

 

Incluindo Melanie. Ela havia estado em um humor tão miserável quanto o meu, mas agora estava toda excitada.

 

Da última vez agente não pôde jogar. Ela explicou; Eu a podia sentir ansiosa para correr – correr por prazer e não para fugir. Correr era algo que ela adorava fazer. Ficar fazendo nada não vai trazê-los para casa mais rápido. Uma distração cai bem. Ela já estava pensando em estratégia, medindo os oponentes.

 

“Você sabe as regras?” Lily me perguntou.

 

Eu assenti. “Eu lembro.”

 

Distraída, eu dobrei minha perna e segurei o tornozelo atrás de mim, puxando para esticar meus músculos. Uma posição familiar para o meu corpo. Eu alongeui a outra perna e fiquei satisfeita por não sentir nada. O hematoma na parte de trás da minha coxa já estava amarelado, quase totalmente sumido. As minhas costelas não doíam o que significava que não foram quebradas.

 

Eu havia visto meu rosto quando estava limpando os espelhos duas semanas atrás. A cicatriz se formando na minha bochecha era de um vermelho escuro com vários pontos esbranquiçados em volta. Incomodou a Melanie mais do que a mim.

 

“Eu fico no gol.” Ian me disse, enquanto Lily se afastava e Wes caminhava ao lado da bola. Um jogo equilibrado. Melanie gostava disso. Ela adorava competições.

 

Do momento em que o jogo começou – Wes chutando a bola para Lily e me circundando para pegar o passe dela – havia pouco o que pensar, só reação e instinto. Ver Lily mover o corpo, medir a direção em que ela mandaria a bola. Cortar Wes – ah mas ele se surpreendeu com o quão rápida eu era – mandar a bola para Ian e voltar para o meio do campo. Lily estava jogando muito atrás. Eu corri para a alcançar no gol e a venci. Ian mediu certinho o passe e eu marquei o primeiro gol.

 

Era muito bom; a corrida e o exercício muscular, o suor de atividade física e não de calor, o trabalho em time com Ian. Nós éramos bons juntos. Eu era rápida e a mira dele mortal. Wes estava morto antes de Ian marcar o terceiro gol.

 

Lily parou o jogo quando nós chegamos a vinte e um. Ela respirava forte. Eu não. Eu me senti abem, os músculos aquecidos e flexíveis.

 

Wes queria outra partida, mas Lily tinha desistido.

 

“Encare os fatos. Eles são melhores.”

 

“Nós fomos passados para trás.”

 

“Ninguém disse que ela não sabia jogar.”

 

“Ninguém disse que ela era profissional também”

 

Eu gostei disso – me fez sorrir.

 

“Não seja um mau perdedor.” Lily disse, alcançando o para apertar o estomago dele brincando. Ele pegou os dedos dela e a puxou para perto. Ela riu tentando se afastar, Mas Wes a puxou e a deu um beijo na boca sorridente dela.

 

Ian e eu trocamos um olhar surpreso.

 

“Para você, eu perco com graça.” Wes a disse e a soltou.

 

A pele caramelo suave de Lily estava ligeiramente rosa nas bochechas e pescoço. Ela espiou de lado para Ian e eu para ver nossa reação.

 

“E agora,” Wes continuou; “Eu vou atrás de reforços. Vamos ver, Ian, como a sua pequena profissional vai contra Kyle.” Ele chutou a bola para o canto mais distante e escuro da caverna, onde eu ouvi um ‘slpash’ quando bateu na água.

 

Ian foi buscar a bola, enquanto eu continuava a olhar Lily com curiosidade.

 

Ela riu da minha expressão, e soando meio tímida, o que não era comum a ela. “Eu sei, eu sei.”

 

“A quanto tempo isso... tá acontecendo.” Eu perguntei.

 

Ela riu.

 

“Desculpe. Não é da minha conta.”

 

“Tudo bem, não é segredo – como alguém poderia ter um segredo por aqui? É só que é novidade para mim. É meio que sua culpa.” Ela acrescentou, sorrindo para que eu visse que ela estava me provocando.

 

Eu me senti meio culpada mesmo assim. E confusa. “O que eu fiz?”

 

“Nada.” Ela me assegurou. “Foi a reação de Wes a você que me surpreendeu. Eu não sabia que ele tinha profundidade. Eu nunca estive muito consciente dele antes disso. Ah, enfim. Ele é muito novo mesmo, mas e isso importa por aqui?” ela riu novamente “É estranho como a vida e o amor agem. Eu não esperava por essa.”

 

“É. Meio engraçado como essas coisas acontecem” Ian concordou. Eu não havia ouvido ele voltar. Ele pôs o braço sobre o meu ombro. “Mas isso é bom; Você sabe que Wes sempre foi caidinho por você desde que ele chegou aqui, não sabe?”

 

“Ele me disse. Eu não notei.”

 

Ian riu. “Então você foi a única. Então Wanda. Que tal um contra um enquanto estamos esperando?”

 

Eu podia sentir o entusiasmo de Mel. “Okay.”

 

Ele me deixou ter a bola primeiro, indo para trás, protegendo a área do gol. Meu primeiro chute passou por ele e as lanternas, gol. Eu corri para ele quando ele pegou a bola, e peguei a de volta, Marquei de novo.

 

Ele está deixando agente vencer. Mel reclamou.

 

“Ian, joga.”

 

“Eu estou jogando.”

 

Diz que ele está jogando igual a uma mocinha.

 

“Você está jogando como uma mocinha.”

 

Ele riu e eu passei com a bola por ele de novo. A gracinha não foi o bastante. Eu tive uma inspiração e chutei a bola marcando de novo, sabendo que seria a última.

 

Mel tinha objeções. Eu não gosto dessa idéia.

 

Aposto que vai funcionar.

 

Eu coloquei a bola de volta no centro do campo. “Se você vencer pode dormir no meu quarto enquanto eles estiverem fora.” Eu precisava de uma boa noite de sono.

 

“O primeiro a marcar dez vence.” Com um impulso ele chutou a bola que passou voando por mim com tanta força que bateu na parede mais distante e voltou para nós.

 

Eu olhei para Lily. “Foi fora?”

 

“Não, passou bem no meio do gol.”

 

“Um a três.” Ian disse.

 

Levou quinze minutos para ele me vencer, mas pelo menos eu consegui marcar mais um gol, do qual eu estava muito orgulhosa. Eu estava respirando fundo quando ele roubou a bola de mim e marcou pela última vez.

 

“Dez a quatro. Venci.”

 

“Bom jogo.” Eu funguei.

 

“Cansada?” ele perguntou, a inocência no tom de voz muito forçada. Brincando ele se espreguiçou. “Eu acho que eu estou pronto para ir para cama.”

 

Eu estremeci.

 

“Ai Mel, você sabe que eu estou brincando. Seja boazinha.”

 

Lily olhou para nós sem entender.

 

“A Melanie do Jared tem objeções contra mim.” Ian disse a ela, piscando.

 

As sobrancelhas dela se ergueram. “Isso é... interessante.”

 

“Por que será que Wes está demorando tanto?” Ian murmurou, não percebendo a reação dela. “Eu devia ir atrás dele? Eu bem que gostaria de beber água.”

 

“Eu também.” Eu concordei.

 

“Trás um pouco para cá.” Lily não se moveu de onde ela estava meio deitada no chão.

 

Quando entramos no túnel estreito, Ian colocou um braço levemente na minha cintura.

 

“Sabe.” Ele disse. “É realmente injusto Melanie fazer você sofre quando ela está com raiva de mim.”

 

“Desde quando humanos são justos?”

 

“é verdade.”

 

“Além disso, ela ficaria feliz em te fazer sofrer se eu a deixasse.”

 

Ele riu.

 

“É legal né? Sobre Wes e Lily?” ele disse.

 

“É, Os dois parecem muito felizes. Eu gosto disso.”

 

“Eu também gosto. Wes finalmente conseguiu a garota. Me dá esperança.” Ele piscou para mim. “Você acha que Melanie a deixaria muito desconfortável se eu beijasse você agora?”

 

Eu respirei fundo. “Provavelmente.”

 

Ah, sim.

 

“Definitivamente.”

 

Ian suspirou.

 

Nós ouvimos Wes gritando. Sua voz veio do final do corredor, ficando mais próxima a cada palavra.

 

“Eles voltaram! Wanda! Eles voltaram!”

 

Eu levei menos de um Segundo para processar o que Wes estava dizendo, e eu corri. Atrás de mim Ian murmurou algo sobre esforço desperdiçado.

 

Eu quase atropelei Wes. “Onde?”

 

“Na praça.”

 

E eu corri de novo. Eu voei para dentro da caverna, meus olhos procurando. Não foi difícil encontrá-los, Jamie estava parado em frente de um grupo de pessoas perto da entrada para o túnel sul.

 

“Oi Wanda!” ele gritou acenando.

 

Trudy segurava os braços dele como se o segurasse para impedir ele de correr para mim.

 

Eu o agarrei pelos ombros. “Ah Jamie.”

 

“Sentiu minha falta?”

 

“Só um pouquinho. Cadê todo mundo? Todo mundo voltou? Eles estão bem?” Além de Jamie, Trudy era a única pessoa aqui que havia estado na Pilhagem. As outras pessoas ali (Lucina, Ruth Ann, Kyle, Travis, Violetta, Reid) estavam dando as boas vindas.

 

“Todo mundo voltou e está bem.” Trudy me assegurou.

 

Meus olhos passaram pela caverna. “Onde eles estão?”

 

“Hmm... se limpando, carregando as coisas...”

 

Eu queria oferecer minha ajuda – qualquer coisa que me levasse onde Jared estava para ver por mim mesma que ele estava bem – mas eu sabia que eu não teria permissão para ver por onde os produtos estavam entrando.

 

“Você parece que precisa de um banho.” Eu disse a Jamie. Passando a mão em seu cabelo sujo e embaraçado, mas sem o soltar.

 

“Ele tem que ir deitar.” Trudy disse.

 

“TRUDY!” Jamie disse, a dando um olhar reprovador.

 

Trudy me olhou rapidamente e então olhou para o outro lado.

 

“Deitar...?” Eu olhei para Jamie, o afastando para dar uma boa olhada nele. Ele não parecia cansado – seus olhos estavam brilhantes e suas bochechas vermelhas. Meus olhos continuaram a olhar ele até pararem em sua perna esquerda.

 

Havia um buraco no seu jeans um pouco acima do joelho. O tecido em volta do buraco estava marrom escuro, e a cor agourenta continuava em uma mancha até a barra da calça.

 

SANGUE! Melanie percebeu com horror.

 

“Jamie! O que aconteceu?”

 

“Obrigado Trudy.”

 

“Ela ia notar de qualquer jeito. Vamos, nós falamos enquanto você manca.”

 

Trudy pôs o braço abaixo do dele e o ajudou a pular para frente, um passo de cada vez, mantendo o peso na perna esquerda.

 

“Jamie, me diz o que aconteceu!” Eu coloquei meu baços do outro lado, tentando carregar o máximo do peso que eu pudesse.

 

“Foi muito idiota. E totalmente minha culpa E poderia ter acontecido aqui.”

 

“Me diz.”

 

“Ele suspirou. “Eu tropecei com uma faca na mão.”

 

Eu estremeci. “Nós não devíamos estar indo para o outro lado? Você precisa ver Doc.”

 

“É de lá que eu estou vindo. Foi lá que nós fomos primeiro.”

 

“O que Doc disse?”

“Tá tudo bem. Ele limpou e fez um curativo e disse para eu ir deitar.”

 

“E você andou o caminho todo? Por que você não ficou no hospital?”

 

Jamie fez uma cara estranha e olhou rápido para Trudy, como se procurando por uma resposta.

 

“Jamie vai ficar mais confortável na cama dele.” Ela sugeriu.

 

“É.” Ele concordou rápido. “Quem quer ficar deitado naquelas macas horríveis?”

 

Eu olhei para ele e então para trás. A multidão havia desaparecido. Eu podia ouvir suas vozes ecoando no corredor sul.

 

O que foi isso? Mel perguntou suspeita.

 

Ocorreu-me que Trudy não era uma mentirosa muito melhor do que eu. Quando ela disse que eles estavam se limpando e descarregando havia uma nota de falsidade na voz dela. Eu me lembrei de tê-la visto olhar vagamente para o túnel sul.

 

“E aì garoto! Oi Trudy.” Ian nos alcançou.

 

“Oi Ian” eles o cumprimentaram ao mesmo tempo.

 

“O que aconteceu?”

 

“Caí em uma faca.” Jamie gemeu, abaixando a cabeça.

 

Ian riu.

 

“Eu não acho engraçado.” Eu disse a ele, minha voz apertada. Melanie, louca de preocupação, estava se imaginando dando um tapa nele. Eu a ignorei.

 

“Pode acontecer com qualquer um.” Ian disse, dando um leve soco no braço de Jamie.

 

“Tá bom.” Jamie murmurou.

 

“Cadê todo mundo?

 

Eu observei Trudy pelo canto dos olhos enquanto ela respondia a ele.

 

“Eles, hã, tinham que arrumar as coisas, descarregar.” Dessa vez os olhos dela deliberadamente se moveram para o túnel sul, e a expressão de Ian se enrijeceu, com raiva. Então Trudy olhou para mim e me viu observado-a.

 

Distraia-os. Melanie murmurou.

 

Eu olhei para Jamie rapidamente.

 

“Você está com fome?” eu perguntei a ele.

 

“Estou.”

 

“Quando você NÃO está com fome?” Ian brincou. Sua expressão relaxada novamente. Ele era melhor em disfarçar do que Trudy.

 

Quando nós chegamos ao nosso quarto, Jamie se jogou no colchão.

 

“Tem certeza que está bem?”

 

“Não é nada, É sério. Doc disse que eu ficarei bem em alguns dias.”

 

Eu assenti, apesar de não estar convencida.

 

“Eu vou me limpar” Trudy murmurou enquanto saía.

 

Ian se acomodou contra parede, ele não ia a lugar nenhum.

 

Mantenha sua cabeça baixa enquanto mente. Melanie sugeriu.

 

“Ian?” Eu olhava intensamente para a perna sangrenta de Jamie. “Você se importa de pegar comida para nós? Eu também estou com fome.”

 

“é. Pega alguma coisa boa.”

 

Eu podia sentir os olhos de Ian em mim, mas eu não olhei para cima.

 

“Okay.” Ele concordou. “Eu voltarei rapidinho.” Ele enfatizou o ‘rapidinho’.

 

Eu mantive o meu olhar baixo, como se estivesse examinado o ferimento, até que eu ouvi os passos dele desaparecerem.

 

“Você não está com raiva de mim?” Jamie perguntou.

 

“Claro que não.”

 

“Eu sei que você não queria que eu fosse.”

 

“Você está seguro agora; isso é que importa.” Eu dei uns tapinhas no seu braço distraída. Então eu me levantei e deixei meu cabelo cair no meu rosto.

 

“Eu volto já – eu me esqueci de dizer uma coisa para Ian.”

 

“O que?” ele perguntou, confundido pelo tom da minha voz.

 

‘Você vai ficar bem sozinho?”

 

“Claro que sim.” Ele respondeu, distraído;

 

Eu passei pela entrada antes que ele pudesse me perguntar mais nada.

 

O corredor estava limpo, Ian fora de vista. Eu tinha que me apressar. Eu sabia que ele estava com suspeitas. Ele havia notado que eu havia notado a explicação artificial e esquisita de Trudy. Ele não ficaria longe por muito tempo.

 

Eu caminhava rapidamente, mas sem correr, pela praça centrar. De propósito, como se eu estivesse atrasada.

 

Só havia algumas pessoas ali – Reid, indo para a passagem que dava para a sala de banho, Ruth Ann e Heidi conversando na entrada do corredor leste, Lily e Wes de costas para mim de mãos dadas.

 

Ninguém prestou atenção em mim. Eu fui em frente como se não estivesse concentrada no túnel sul, só entrando nele no último segundo.

 

Assim que eu estava no corredor escuro, eu acelerei, correndo pelo caminho familiar.

 

Algum instinto me dizia que era a mesma coisa, que isso era uma repetição da última vez que Jared e os outros haviam voltado de uma Pilhagem, e todo mundo estava triste, e Doc ficou bêbado, e ninguém respondia as minhas perguntas. Estava acontecendo de novo, o que quer que fosse que eu não devia saber. O que eu não queria saber, de acordo com Ian. Eu senti arrepios pela minha coluna. Talvez eu realmente não quisesse saber.

 

Quer sim. Nós duas queremos.

 

Eu estou com medo.

 

Eu também.

 

Eu corri o mais silenciosamente que eu podia no túnel escuro.

 

                                   Horrorizada

 

Eu diminuí quando ouvi o som de vozes. Eu não estava perto o bastante do hospital para ser Doc.

 

Outros estavam vindo de lá. Eu me pressionei contra a parede de pedra e me arrastei para frente o mais silenciosamente que eu conseguia. Minha respiração estava alta devido a corrida e eu tampei a boca para abafar o som.

 

“...porque continuamos a fazer isso.” Alguém reclamou.

 

Eu não sabia ao certo de quem era essa voz. Alguém que eu não conhecia muito bem. Violetta talvez? A voz tinha aquele tom deprimido que eu já havia notado. Isso apagou qualquer duvida sobre eu estar ou não imaginando coisas.

“Doc não queria. Foi idéia de Jared dessa vez.”

 

Eu tinha certeza se era Geoffrey quem falava agora apesar da voz estar um pouco modificada pelo asco. Geoffrey havia ido com Trudy, claro. Eles faziam tudo juntos.

 

“Eu achava que ele era o maior oponente a isso.”

 

Esse era Travis, eu achava.

 

“Ele está mais... motivado agora.” Geoffrey respondeu. Sua voz baixa, mas eu podia ouvir que ele estava com raiva de alguma coisa.

 

Eles passaram a meio metro de mim. Eu congelei segurando a respiração.

 

“Eu acho que é doentio.” Violetta murmurou. “Nojento. Nunca vai funcionar."

 

Eles caminhavam lentamente, os passos pesados com desgosto.

 

Ninguém a respondeu. Ninguém falou novamente. Eu continuei imóvel até que os passos haviam ficado bem baixos, mas eu não podia esperar até eles sumirem completamente.Ian já podia estar me seguindo.

 

Eu me arrastei o mais rapidamente que eu podia, então comecei a correr novamente quando decidi que era seguro.

 

Eu vi o primeiro sinal de luz do sol atrás da próxima curva, e eu mudei para um passo mais silencioso, mas ainda me movia com pressa. Eu sabia que assim que eu fizesse a curva eu poderia ver a entrada para hospital de Doc. Eu segui pela parede e a luz ficou mais clara. Eu me movia com cuidado agora, os passos dados com cuidado para não fazer barulho.

 

Estava muito quieto. Por um momento eu me perguntei se eu não estava errada e se não havia ninguém ali. Então quando a entrada irregular apareceu, iluminando a parede oposta, eu pude ouvir um soluço de choro baixo.

 

Na ponta do pé eu cheguei bem na entrada e parei, ouvindo.

 

O choramingo continuou. Outros sons também se faziam ouvir.

 

“Pronto, pronto.” Era a voz de Jeb, grossa com alguma emoção. “Tá tudo bem, tudo bem, Doc. Não se martirize.”

 

Passos apressados, mais de um par, se movia pela sala. Tecido esfregando. Um som de escova.

 

Parecia para mim som de limpeza.

 

Havia um cheiro que não pertencia ali. Estranho... não exatamente metálico, mas próximo. O cheiro não era familiar – eu tinha certeza que nunca havia sentido ele antes – ainda assim eu tinha a estranha sensação que ele DEVIA ser familiar.

 

Eu estava com medo de passar pela curva.

 

O que de pior eles podem fazer? Mel disse. Fazer-nos ir embora?

 

Você está certa.

 

As coisas definitivamente mudaram se essa era AP ior coisa que eu esperava dos humanos agora.

 

Eu respirei fundo – notando novamente o cheiro estranho e errado – e passei pela curva.

 

Ninguém me notou.

 

Doc estava ajoelhado no chão, seu rosto em suas mãos, seus ombros sacudindo. Jeb inclinado sobre ele dando tapinhas em suas costas.

 

Jared e Kyle estavam esticando uma maca móvel (N da T: tipo a de ambulância) ao lado de uma das macas no meio do cômodo. O rosto de Jared estava duro – a máscara voltou enquanto ele estava fora.

 

As macas não estavam vazias como normalmente estavam. Algo, escondido sob um lençol verde escuro, cobria as macas completamente. Longo e irregular, com curvas familiares...

 

A mesa rústica de Doc estava posicionada na frente dessas macas, no ponto mais iluminado. A mesa brilhava com prateado – escalpos brilhantes e várias ferramentas médicas antiquadas que eu não sabia nomear. Mais brilhante do que isso eram as outras coisas prateadas. Segmentos prateados brilhantes, pedaços tordos e torcidos.... fios minúsculos prateados perfurados e nus e picados.... respingado com gotas de liquido prateado espelhado sobre a mesa.... sobre os lençóis, a parede.....

 

O silencio do quarto foi tremido pelo meu grito. Todo o cômodo estava tremendo. Rodava e tremia com o choque do som, me rodeava de forma que eu não conseguia achar a saída. As paredes, manchadas de prateado, se ergueram para bloquear minha saída não importava para que lado eu me virasse.

 

Alguém gritou meu nome, mas eu não ouvi de quem era a voz. Os gritos eram alto demais, doía a minha cabeça. A parede de pedra, brilhando prateada, bateu em mim, e eu caí no chão. Mãos pesadas me seguraram lá.

 

“Doc, ajuda!”

 

“O que ela tem?”

 

“Ela está tendo um ataque?”

 

“O que ela viu?”

 

“Nada – nada. Os corpos estavam cobertos!”

 

Mentira! Os corpos estavam horrivelmente descobertos, largados em contorções obscenas sobre a mesa. Mutilados, desmembrados, corpos torturados, estripados grotescamente...

 

Eu vi claramente as ligamentos nervosos, ainda unidos a seção anterior, de uma criança. Só uma criança. Um bebê! Um bebê despejado em pedaços sobre uma mesa coberta com seu próprio sangue...

 

Meu estomago rolavam como as paredes, o acido abrindo caminho até minha boca.

 

“Wanda? Você consegue me ouvir?”

 

“Ela está consciente?”

 

“Eu acho que ela vai vomitar.”

 

A última voz estava certa. Mãos fortes seguravam minha cabeça enquanto o acido do meu estomago era derramando violentamente.

 

“O que agente faz Doc?”

 

“Segura ela, não a deixe se machucar.”

 

Eu tossi e me contorci tentando escapar. Minha garganta ficou limpa.

 

“Me solta!” Eu finalmente consegui falar. As palavras estavam desconectadas. “Sai de perto de mim! Sai, monstros! Torturadores!”

 

Eu me contorcia novamente, me torcendo contra os braços que me seguravam.

 

“Calma Wanda! Shhh! Tá tudo bem!” Essa era a voz de Jared. E pela primeira vez isso não importava.

 

“Monstro!” eu gritei para ele.

 

Um tapa, ardente estourou na minha cara.

 

Houve um engasgo de surpresa distante do caos.

 

“O que você está fazendo?” Ian rosnou.

 

“Ela está tendo um ataque ou sei lá o que Ian. Doc está tentando trazer ela de volta.”

 

Meus ouvidos estavam zumbindo, mas não do tapa. Era o cheiro – o cheiro do sangue prateado escorrendo nas paredes – o cheiro do sangue das almas. O quarto me cercava como se estivesse vivo.

 

A luz formava padrões estranhos, se curvando no formato de monstros do meu passado. Um Vulture abrindo as asas.... uma besta com garras tocando o meu rosto... Doc sorriu e tentou me tocar com os dedos sujos de prata...

 

O quarto girou uma vez mais, lentamente, e então apagou.

 

Inconsciência não me segurou por muito tempo. Devia ter passado somente alguns segundos quando minha cabeça clareou. Eu estava lúcida demais; eu gostaria de poder continuar apagada por mais tempo.

 

Eu estava me movendo e estava escuro demais para ver. Felizmente o cheiro horrível havia sumido. O cheiro úmido das cavernas era como perfume.

 

A sensação de ser carregada era familiar. Naquela primeira semana após Kyle ter me machucado eu passeei muito nos braços de Ian.

 

“...pensei que ela havia imaginado o que nós fazíamos. Parece que eu errei.” Jared murmurou.

 

“Você acha que foi isso que aconteceu?” A voz de Ian cortou com dureza. “Que ela ficou com medo por que Doc estava tentando tirar outras almas? Que ela estava com medo por ela?”

 

Jared não respondeu por um minuto. “Você não?”

 

Ian fez um som com o fundo da garganta. “Não. Não acho. Por mais que me enoje que você traga mais … vitimas para Doc. trazê-los agora! – por mais que isso vire o meu estomago, não é isso que a incomoda. Como você pode ser tão cego? Você não consegue imaginar como lá dentro deve ter parecido para ela?”

 

“Os corpos estavam cobertos quando....”

 

“Os corpos ERRADOS, Jared. Ah, eu tenho certeza que ela ficaria incomodada com corpos humanos – ela é tão delicada, violência e morte não fazem parte do mundo dela. Mas pense no que as coisas na mesa significam para ela.”

 

Ele levou um momento. “Ah.”

 

“É. Se você ou eu entrássemos em um açougue humano, com corpos partidos, com sangue respingado em tudo, não teria sido tão ruim como foi para ela. Nós já vimos isso antes – mesmo antes da invasão, em filmes de terror, pelo menos. Eu aposto que ela nunca foi exposta a nada parecido com aquilo em todas as suas vidas.”

 

Eu estava enjoando novamente. As palavras dele estavam trazendo tudo de volta. A visão. O cheiro.

 

“Me solta.” Eu murmurei. “Me coloca no chão.”

 

“Eu não quis te acordar. Desculpe.” A última palavra foi fervorosa, se desculpando por mais do que me acordar.

 

“Me solta.”

 

“Você não está bem. Eu vou te levar para o seu quarto.”

 

“Não. Me coloca no chão.”

 

“Wanda - ”

 

“Agora!” Eu gritei. Eu forcei meu corpo contra o peito de Ian ao mesmo tempo em que chutava o ar com minhas pernas. Isso o surpreendeu, a ferocidade do ataque. Ele me soltou e eu caí meio agachada. Do agacho eu me ergui correndo.

 

“Wanda!”

 

“Deixe-a ir.”

 

“Não me toca! Wanda, volta!”

 

Parecia que eles estavam lutando atrás de mim, mas eu não diminuí. É claro que eles estavam brigando. Eles eram humanos. Violência era um prazer para eles.

 

Eu não parei quando eu estava na luz de novo. Eu corri pela grande caverna sem olhar para nenhum dos monstros ali. Eu podia sentir seus olhos em mim, e eu não me importei,

 

Eu não me importava para onde eu estava indo também. Qualquer lugar no qual eu pudesse ficar sozinha. Eu evitei os túnel que eu sabia que tinha pessoas perto, correndo pelo primeiro vazio que eu encontrei.

 

Era o túnel leste. Era a segunda vez que eu corria por esse corredor hoje. Da última vez com alegria, dessa vem com horror. Era difícil me lembrar como eu senti essa amanhã, sabendo que os viajantes haviam voltado. Agora tudo estava obscuro, incluindo o retorno deles. As próprias pedras pareciam malignas.

 

Mas essa era a escolha certa para mim. Ninguém tinha razão para vir aqui, e estava vazio.

 

Eu corri até o final do túnel, entrando na escuridão noturna da sala de jogos vazia. Eu joguei mesmo com eles há tão pouco tempo atrás? Acreditado nos sorrisos em seus rostos, sem ver as bestas por baixo...

 

Eu fui em frente até afundar meu tornozelo nas águas da nascente escura. Eu me afastei, esticando as mãos, procurando pela parede. Quando eu encontrei uma elevação na rocha, pontas afiadas sob meus dedos. Eu me virei para a depressão atrás dessa elevação e me sentei, me enrolando apertado no chão ali.

 

Não era o que pensávamos. Doc não estava machucando ninguém de propósito, ele só estava tentando salvar –

 

SAI DA MINHA CABEÇA! Gritei.

 

Conforme que a afastava de mim – a apagava para não ter que ouvir as suas justificativas – eu percebi o quão fraca ela havia ficado nesses meses de amizade. O quanto eu permitia. Encorajava.

 

Era muito fácil silenciá-la agora. Tão fácil quanto devia ter sido desde o inicio.

 

Era só eu agora. Só eu e a dor e o horror dos quais eu não podia escapar. Eu nunca afastaria aquela imagem da minha cabeça novamente. Eu nunca me livraria disso. Seria para sempre parte de mim.

 

[nota da tradutora: A palavra ‘lamentar’ vai aparecer várias vezes, quando ela aparecer no sentido de prestar respeito aos mortos eu irei colocar entre chaves. Não tem uma palavra específica para isso em português que eu conheça.]

 

Eu não sabia como lamentar [prestar respeito]. Eu não podia lamentar da forma humana por estas almas perdidas cujos nomes eu nunca saberia, pela criança partida na mesa.

 

Eu nunca tive que lamentar [prestar respeito] na Origem. Eu não sabia como se fazia lá, no real lar da minha espécie. Então eu me decidi pelo jeito dos Morcegos. Pareceu-me apropriado, aqui era tão negro como ser cego. Os Morcegos lamentavam [prestar respeito] com o silencio – sem cantar por semanas até que a dor do vazio pela falta de música fosse pior do que a dor de perder uma alma. Eu havia conhecido a dor lá.

 

Um amigo morto em um acidente, uma arvore caída no meio da noite, encontrado muito tarde para ser salvo do corpo de seu hospedeiro esmagado. Espiralado.... Para Cima... Harmonia; Essas eram as palavras que seriam o seu nome nessa língua. Não exatamente... mas perto. Não houve horror com a morte dele, só lamento. Um acidente.

 

O som da nascente era muito desarmonizado para lembrar nossas musicas. Eu podia lamentar mesmo com o som sem harmonia.

 

Eu enrolei meus braços firmemente nos ombros e lamentei [prestar respeito] pela criança e a outra alma que havia morrido com ela. Meus parentes. Minha família. Se eu tivesse encontrado uma saída desse lugar, se eu tivesse avisado a Rastreadora, os seus restos não seriam tão casualmente largados e misturados naquele cômodo ensangüentado.

 

Eu queria chorar, afundar em miséria. Mas esse era o modo humano. Então eu fechei forte os lábios e abracei a escuridão, segurando a dor.

 

Meu silêncio, meu lamento, foi roubado de mim.

 

Eles levaram algumas horas. Eu os ouvi procurando, ouvi suas vozes ecoarem pelos longos túneis de ar. Eles me chamavam esperando uma resposta. Quando não receberam uma resposta, trouxeram luzes.

 

Não as difusas azuis que nunca me revelariam no meu canto escondido, enterrada na escuridão, mas as lanternas de forte luz amarela. Elas passavam para frente e para trás, pêndulos de luz. Mesmo com as lanternas eles não me encontraram até a terceira busca. Por que eles não podiam me deixar em paz?

 

Quando a lanterna finalmente me desenterrou, houve um suspiro de alivio.

 

“Eu a encontrei! Diga aos outros para voltarem para dentro! Ela está aqui!”

 

Eu conhecia a voz, mas não coloquei um nome nela. Só mais um monstro.

 

“Wanda? Wanda? Você está bem?”

 

Eu não ergui a cabeça ou abri os olhos. Eu estava em lamento [prestar respeito].

 

“Cadê Ian?”

 

“Nós devíamos trazer Jamie, não?”

 

“Ele não deve ficar em pé com aquela perna.”

 

Jamie. Eu estremeci com o nome. Meu Jamie. Ele era um monstro também. Ele era como os outros. Meu Jamie. Era uma dor física pensar nele.

 

“Cadê ela?”

 

“Aqui Jared. Ela não está respondendo.”

 

“Nós não tocamos nela.”

 

“Aqui, me dá a luz.” Jared disse. “Agora, o resto de vocês saiam daqui. A emergência acabou. Dêem na um pouco de ar, okay?”

 

Houve um barulho de passos que não foram muito longe.

 

“É sério gente. Vocês não estão ajudando. Vão.”

 

Os passos foram lentos no inicio, mas depois ficaram mais fortes. Eu podia ouvi-los se afastando e irem embora completamente.

 

Jared esperou até que ficasse silencioso novamente.

 

“Okay Wanda, somos só eu e você.”

 

Ele esperou por algum tipo de resposta.

 

“Olha, eu imagino que aquilo deve ter parecido muito... ruim. Nós nunca quisemos que você visse aquilo. Eu sinto muito.”

 

Sentia? Geoffrey disse que foi idéia de Jared. Ele queria me cortar, me fatiar em pequenos pedaços, espalhar o meu sangue na parede. Ele lentamente me partiria em milhões de pedaços se fosse para encontrar uma forma de manter sua monstra favorita viva com ele. Nos cortar todos em pedacinhos.

 

Ele ficou quieto por um longo tempo, ainda esperando eu reagir.

 

“Parece que você quer ficar sozinha. Tudo bem. Eu os manterei longe se é isso que você quer.”

 

Eu não me movi.

 

Algo tocou meu ombro. Eu me encolhi, me afastando do toque.

 

“Desculpe.” Ele murmurou.

 

Eu o vi se erguer, e a luz, vermelha por trás de meus olhos fechados – começou a sumir conforme ele se afastava.

 

Ele encontrou com alguém na boca da caverna.

 

“Onde ela está?”

 

“Ela quer ficar sozinha. Deixe-a.”

 

“Não fique no meu caminho Howe” (sobrenome de Jared. N da T).

 

“Você acha que ela quer conforto de você? De um humano?”

 

“Eu não fiz parte disso –“

 

Jared respondeu em uma voz baixa, mas eu ainda consegui ouvir os ecos. “Não dessa vez. Você é um de nós Ian. O inimigo dela. Você ouviu o que ela disse lá? Ela estava gritando monstros. É assim que ela nos vê agora. Ela não quer o seu conforto.”

 

“Me dá a luz.”

 

Eles não falaram novamente. Um minuto passou, e eu ouvi passos de uma pessoa circular o cômodo seguindo pela parede. Eventualmente, a luz me iluminou, tornando minhas pálpebras vermelhas novamente.

 

Eu me encostei mais contra a parede, esperando que ele me tocasse.

 

Houve um pequeno suspiro, e então o som dele se sentando na pedra, não tão perto quanto eu esperava.

 

Com o clique, a luz desapareceu.

 

Eu esperei ele falar em silencio por um longo tempo, mas ele estava tão silencioso quanto eu.

 

Finalmente, eu parei de esperar e voltei ao meu lamento [prestar respeito]. Ian não me interrompeu. Eu fiquei ali sentada na escuridão do grande buraco e lamentei pelas almas perdidas com um humano ao meu lado.

 

                             Desaparecida

 

Ian sentou comigo por três dias na escuridão.

 

Ele só partia por alguns curtos períodos de tempo para pegar comida e água. No inicio, ele comia mesmo eu não comendo. Então, percebendo que isso não era nenhuma perda de apetite ele parou de comer também.

 

Eu usava os breves momentos em que Le se ausentava para lidar com as necessidades físicas que eu não podia ignorar, ainda bem que havia a corrente de água perto. Conforme meu jejum continuava essas necessidades desapareceram.

 

Eu não podia me impedir de dormir, mas eu não me fazia confortável. No primeiro dia eu acordei para encontrar minha cabeça e ombros acomodados no colo dele. Eu me afastei com violência, e ele não repetiu o gesto. Depois disso, eu em encostava contra as pedras onde eu estava, e quando eu acordava, eu me enrolava em torno de mim mesma novamente.

 

‘“Por favor.” Ian murmurou no terceiro dia – pelo menos eu achava que era o terceiro dia; não havia como ter certeza nesse lugar escuro e silencioso. Era a primeira vez que ele falava.

 

Eu sabia que havia uma bandeja de comida a minha frente. Ele a empurrou para mais perto até que tocou minha perna. Eu me encolhi.

 

“Por favor, Wanda. Por favor, come alguma coisa.”

 

Ele pôs sua mão em meu braço, mas a moveu rapidamente quando eu me encolhi.

 

“Por favor, não me odeie. Eu sinto muito. Se eu soubesse... Eu teria os impedido. Eu não vou deixar isso acontecer novamente.”

 

Ele nunca os pararia. Ele era somente um no meio de muitos. E, como Jared havia dito, ele não tinha objeções antes. Eu era o inimigo. Mesmo a menor dose de compaixão, humanidade e piedade estavam reservados para os deles.

 

Eu sabia que Doc nunca intencionalmente infligiria dor em outra pessoa. Eu duvidava que ele fosse capaz até mesmo de assistir tal coisa, sensível como ele era. Mas um verme? Por quê ele se importaria com uma estranha criatura alienígena? Por que o incomodaria matar um bebê – lentamente, pedaço por pedaço – se não tinha uma boca para gritar?

 

“Eu devia ter te dito.” Ian suspirou.

 

Teria importado se eu simplesmente tivesse sido informada ao invés de ter visto os restos por mim mesma? A dor seria menos intensa?

 

“Por favor, coma.”

 

O silencio retornou. Ficamos ali sentados por talvez uma hora. Ian se levantou e calmamente foi embora.

 

Eu não conseguia entender minhas emoções. Naquele momento eu odiei o corpo ao qual eu estava conectada. Como fazia sentido que a partida dele me deprimia? Por que devia doer ter a solidão que eu queria? Eu queria o monstro de volta, e isso era totalmente errado.

 

Eu não fiquei sozinha por muito tempo. Eu não sabia se Ian havia ido buscá-lo ou se ele estava esperando Ian sair, mas eu reconheci o assobio pensativo de Jeb enquanto ele se aproximava na escuridão.

 

O assobio parou a uma curta distância de mim, e então um clique alto. O fecho de luz queimou meus olhos. Eu pisquei contra ela.

 

Jeb abaixou a lanterna, a luz para cima. Lançando um circulo de luz no teto baixo.

 

Jeb sentou contra a parede ao meu lado.

 

“Vai jejuar até morrer é? É esse o plano?”

 

Eu encarava o chão de pedra.

 

Se eu fosse honesta comigo mesmo, eu sabia que o período de lamento havia terminado. Eu não conhecia a criança ou a outra alma na caverna dos horrores. Eu não podia lamentar por estranhos para sempre. Não, agora eu estava com raiva.

 

“Você quer morrer, há meios mais rápidos e fáceis.”

 

Como se eu não soubesse disso.

 

“Então me leva para Doc”

 

Jeb não estava surpreso em me ouvir falar. Ele assentiu para si mesmo, como se fosse exatamente isso que ele esperava que eu dissesse.

 

“Você esperava que nós simplesmente desistíssemos, Wanderer?” A voz de Jeb estava mais séria e sóbria do que jamais havia ouvido. “Nosso instinto de sobrevivência é mais forte do que isso. É claro que nós queremos achar um jeito de ter nossa mente de volta. Poderia ser qualquer um de nós algum dia. Tantas pessoas que nós amamos já se perderam.

 

“Não é fácil. Quase mata Doc toda vez que falhamos – você viu isso. Mas essa é nossa realidade Wanda. Esse é o nosso mundo. Nós perdemos a Guerra. Estamos prestes a sermos instintos. Estamos tentando encontrar maneiras de nos salvarmos.”

 

Pela primeira vez Jeb falava de mim como se eu fosse uma alam e não humana. Eu tinha a impressão que essa distinção sempre foi clara para ele. Ele só era um monstro educado.

 

Eu não podia negar a verdade do que ele dizia, ou a lógica. O choque passou, eu era eu mesma novamente. Era da minha natureza ser justa.

 

Alguns poucos desses humanos conseguiam ver o meu lado das coisas, Ian pelo menos. Então eu também podia considerar a perspectivas deles. Eles eram monstros, mas talvez monstros que estavam justificados no que faziam.

 

É claro que eles iam achar que a violência era a resposta. Eles não seriam capazes de imaginar nenhuma outra solução. Eu podia culpá-los pela programação genética que restringia suas soluções de problemas dessa forma?

 

Eu limpei a garganta, mas minha voz ainda estava rouco devido ao desuso. “Estripar bebês não vai salvar ninguém Jeb. Agora, estão todos mortos.”

 

Ele ficou quieto por um momento. “Nós não diferenciamos os jovens dos adultos.”

 

“Eu sei disso.”

 

“Os seus não poupam nossas crianças.”

 

“Nós não os torturamos. Nunca intencionalmente causamos dor a ninguém.”

 

“Vocês fazer pior do que isso, vocês os apaga.”

 

“Vocês fazem ambos.”

 

“É, fazemos – por que precisamos tentar. Nós temos que continuar lutando. É o que fazemos. Ou isso ou virar a cara para a parede e morrer.” Ele ergueu uma sobrancelha para mim.

 

Era isso que parecia que eu estava fazendo.

 

Eu suspirei e peguei a garrafa de água que Ian havia deixado perto do meu pé. Eu bebi em um longo gole e limpei a garganta.

 

“Nunca vai funcionar Jeb. Você pode continuar nos despedaçando, mas vão continuar matando criaturas que sentem dor de ambas as espécies. Nós não matamos com prazer, mas nossos corpos não são fracos. Nossos ligamentos podem parecer fios de cabelos macios, mas eles são mais fortes que seus órgãos. É isso que está acontecendo não é? Doc corta minha família, e nossos ligamentos picotam o cérebro dos seus.”

 

“Como queijo cottage.” Ele concordou.

 

Eu estremeci com a imagem.

 

“Enoja-me também.” Ele admitiu. “Doc realmente fica arrasado. Toda vez que ele acha que conseguiu, dá errado. Ele já tentou tudo o que ele podia pensar, mas não dá para evitar de o cérebro virar mingau. Vocês almas não respondem a sedação... ou veneno.”

 

Minha voz saiu rouca com horror. “Claro que não. Nossa química é completamente diferente.”

 

“Uma vez, um de vocês pareceu adivinhar o que ia acontecer. Antes de Doc apagar o humano, a coisa prateada rasgou o cérebro de dentro. Claro, nós não soubemos disso até que Doc o abriu. O cara simplesmente colapsou.”

 

Eu fiquei surpresa, estranhamente impressionada. A alma devia ser muito corajosa. Eu não tive a coagem de fazer isso mesmo no inicio quando eu estava certa de que eles me torturariam para conseguir exatamente essa informação. Eu nunca imaginei que eles tentariam descobrir a resposta por eles mesmos, esse caminho era tão obviamente fadado a falha que nunca passou pela minha cabeça.

 

“Jeb, nós somos criaturas relativamente pequenas, muito dependentes dos hospedeiros. Nós não teríamos vivido muito se não tivéssemos algumas defesas.”

 

“Eu não estou negando que sua espécie ter o direito à essas defesas. Eu só estou dizendo que continuaremos tentando da forma que pudermos. Nós não queremos causar dor a ninguém. Não planejamos isso. Ma nós vamos continuar tentando.”

 

Nós nos encaramos.

 

“Então talvez você devesse deixar Doc me cortar. Para que mais eu sirvo?”

 

“Opa, não seja boba, Wanda. Nós humanos não somos tão racionais assim. Nós temos mais bom e mau em nós do que vocês. Bem, talvez mais mau.”

 

Eu assenti a isso, mas ele continuou, me ignorando.

 

“Nós valorizamos o individual. Provavelmente colocamos muita ênfase no individual. Quantas pessoas, abstratamente, … digamos Paige…. Quantas pessoas ela sacrificaria para manter Andy vivi? A resposta não faria sentido se você olhar para a humanidade como todos iguais.

 

“A forma que você é valorizada aqui.... Bem, isso também não faz muito sentido na perspectiva humana. Mas há alguns aqui que te valorizaria acima de um humano estranho. Eu admito, estou dentro dessa categoria. Eu te conto como minha amiga Wanda. Claro que não vai funcionar muito bem se você me odiar.”

 

“Eu não odeio você Jeb, mas..”

 

“Sim?”

 

“Eu só não vejo como eu posso continuar a viver aqui mais. Não se você vai estar assassinando a minha família no quarto ao lado. E obviamente eu não posso partir. Então vê o que isso significa? O que mais ha além de Doc?”

 

Ele assentiu com a cabeça seriamente. “Bem, essa é uma opinião muito válida. Não é justo pedir para você viver assim.”

 

“Se eu tiver a escolha, na verdade eu preferiria que você atirasse em mim.” Eu murmurei deprimida.

 

Jeb sorriu. “Calma aí querida. Ninguém vaia tirar nos meus amigos, ou cortá-los. Eu sei que você não está mentindo Wanda. Se você diz que não tem como isso funcionar, então nós vamos repensar as coisas. Eu direi aos rapazes para não trazer almas mais. Além disso, eu acho que os nervos de Doc já torraram. Ele não agüentaria mais disso mesmo.”

 

“Você poderia estar mentindo para mim.” Eu lembrei a ele. “Eu não saberia.”

 

“Você vai ter que confiar em mim nessa então. Por que eu não vou atirar em você. E eu não vou deixar você morrer de fome. Coma algo criança. É uma ordem.”

 

Eu respirei fundo, tentando pensar. Eu não tinha certeza se tínhamos chegado a um acordo ou não. Nada fazia sentido nesse corpo. Eu gostava muito das pessoas aqui. Eles eram amigos. Monstros amigos que eu não conseguia enxergar apropriadamente enquanto cheia de emoções.

 

Jeb pegou uma fatia de pão de milho coberto de mel roubado e meteu na minha mão. Fez a maior sujeira. Eu suspirei novamente e comecei a limpar o mal com a língua.

 

“Boa menina! Nós vamos superar isso. As coisas vão dar certo você vai ver. Tente pensar positivo.”

 

“Pensar positivo.” Eu resmunguei com a boca cheia, sacudindo a cabeça com descrença. Só Jeb mesmo...

 

Ian voltou. Quando ele entrou no circulo de luz e viu a comida na minha mão, a expressão que cruzou seu rosto em encheu de culpa. Uma expressão de puro e feliz alívio.

 

Não, eu nunca intencionalmente causaria a alguém dor física, mas eu magoei Ian profundamente simplesmente machucando a mim mesma. As vidas dos humanos estavam tão ligadas. Que bagunça.

 

“Aqui está você Jeb.” Ele disse em uma voz baixa enquanto sentava em frente a nós, ligeiramente mais perto de Jeb. “Jared imaginou que você estaria aqui.”

 

Eu me arrastei um pouco em direção a ele, meus braços doendo de terem ficado sem movimento por muito tempo, e pus a mão sobre a mão dele.

 

“Desculpe.” Eu murmurei.

 

Ele virou a palma para cima para segurar a minha. “Não se desculpe para mim.”

 

“Eu devia saber que Jeb está certo. Claro que vocês lutariam. Como eu posso culpar vocês por isso?”

 

“É diferente com você aqui. Devia ter parado.”

 

Mas minha presença só fez que fosse muito mais importante resolver o problema. Como me arrancar e manter Melanie aqui. Como me apagar para trazê-la de volta.

 

“Tudo é justo na guerra.” Eu murmurei, tentando sorrir.

 

Ele sorriu fracamente de volta. “E no amor. Você esqueceu essa parte.”

 

“Okay, okay, pode parar.” Jeb resmungou. “Eu ainda não terminei.”

 

Eu olhei para ele com curiosidade. O que mais ainda havia?

 

“Agora,” ele respirou fundo. “Tente não perder a cabeça de novo, okay?” ele perguntou, me olhando.

 

Eu congelei, segurando a mão de Ian com mais força.

 

Ian olhou ansiosamente para Jeb.

 

“Você vai dizer a ela?” na perguntou.

 

“O que é agora? O que foi?”

 

Jeb usou a expressão de jogador de poker. “É o Jamie.”

 

Essas palavras giraram o mundo de cabeça para baixo.

 

Por três longos dias eu havia sido a Wanderer, uma alma entre humanos. De repente eu era Wanda de novo, uma alma muito confusa com emoções humanas que eram muito poderosas para controlar.

 

Eu me ergui – trazendo Ian comigo, minha mão grudada na dele – e vacilei, minha cabeça girando.

 

“Shhh, Eu disse para não perder a cabeça Wanda. Jamie está bem. Ele só está realmente ansioso por causa de você. Ele ouviu sobre o que aconteceu e tem perguntado sobre você – louco de preocupação – e eu não acho que isso seja bom para ele. Eu vim aqui para te pedir para ir ver ele. Mas você não pode ir assim. Você está péssima. Só mais o incomodar mais sem razão. Senta e coma alguma coisa.”

 

“E a perna dele?” eu perguntei.

 

“Há uma pequena infecção,” Ian murmurou. “Doc quer que ele fique deitado caso contrário ele já teria vindo aqui há muito tempo. Se Jared não tivesse praticamente o amarrado na cama ele teria vindo assim mesmo.”

 

Jeb assentiu. “Jared quase veio aqui e te carregou a força, mas eu disse a ele para me deixar falar com você primeiro. Não ia fazer nenhum bem te ver catatônica.”

 

Meu sangue parecia ter virado água gelada. Só minha imaginação claro.

 

“O que está sendo feito?”

 

Jeb deu de ombros. “Não há nada a fazer. O garoto é forte, ele vai lutar.”

 

“Nada a fazer? Como assim?”

 

“É uma infecção bacteriana,” Ian disse. “Nós não temos mais antibióticos.”

 

“Por que eles não funcionavam – as bactérias são mais espertas do que seus remédios. Tem que ter alguma coisa melhor, qualquer coisa.”

 

“Bem, nós não temos mais nada.” Jeb disse. “Ele é um garoto saudável. A infecção vai seguir seu curso.”

 

“Seguir… o…. curso.” Eu murmurei as palavras passada.

 

“Coma alguma coisa.” Ian disse. “ Você vai preocupá-lo se ele te vir assim.”

 

Eu esfreguei meus olhos, tentando pensar claro.

 

Jamie estava doente. Não havia nada para tratar dele. Nenhuma opção além de ver se seu corpo se curaria. E se não pudesse...

 

“Não” eu murmurei.

 

Eu me sentia como se estivesse em pé na beira da cova de Walter novamente, o som da terra caindo na escuridão.

 

“Não.” Eu gemi, lutando contra a memória.

 

Eu me virei mecanicamente e comecei a andar com passos duros em direção a saída.

 

“Espera.” Ian disse, mas ele não me puxou de volta pela mão que ainda segurava. Ele se manteve do meu lado.

 

Jeb me alcançou pelo outro lado e enfiou mais comida na minha mão livre.

 

“Coma pelo bem da criança.” Ele disse.

 

Eu mordi sem sentir, mastiguei sem pensar, engoli sem sentir o gosto da comida.

 

“Sabia que ela ia exagerar na reação.” Jeb resmungou.

 

‘Então por que disse a ela?” Ian perguntou, frustrado.

 

Jeb não respondeu. Eu me perguntei por que não. Estaria ele pior do que eu imaginava?

 

“Ele está no hospital?” eu perguntei em uma voz sem emoção e inflexão.

 

“Não, não.” Ian respondeu rapidamente. “Ele está no seu quarto.”

 

Eu não senti nem alivio. Muito passada para isso.

 

Eu teria ido naquele cômodo novamente por Jamie, mesmo se ainda estivesse cheio de sangue.

 

Eu não via as cavernas familiares enquanto caminhava. Mal notei que era dia. Eu não conseguia encontrar o olhar das pessoas que pararam para me encarar. Eu só conseguia por um pé na frente do outro até finalmente alcançar o corredor.

 

Havia algumas pessoas na frente da sétima caverna. O pano de seda preso de lado, e elas esticavam o pescoço para ver o quarto de Jared. Eram todos familiares, pessoas que eu considerei amigas. Amigas de Jamie também. Por que eles estavam ali? A condição dele era tão instável que eles precisavam checar ele constantemente:

 

“Wanda.” Alguém disse. Heidi. “Wanda está aqui.”

 

“Deixa ela passar,” Wes disse. Ele deu um tapa nas costas de Jeb. “Bom trabalho.”

 

Eu caminhei pelo pequeno grupo sem olhar para eles. Eles abriram caminho para mim, eu teria batido neles se eles não tivessem feito isso. Eu não conseguia me nada além de colocar um pé na frente do outro.

 

Estava claro no quarto de teto alto. O quarto em si não estava lotado. Doc ou Jared manteve todo mundo do lado de fora. Eu estava vagamente consciente de Jared, encostado na parede com as mãos cruzadas em frente dele – uma postura que ele assumia quando estava preocupado com alguma coisa. Doc estava ajoelhado ao lado da grande cama onde Jamie estava deitado, exatamente onde eu havia o deixado.

 

Por que eu havia deixado ele?

 

O rosto de Jamie estava vermelho e suado. A perna direita do jeans estava cortada e o curativo estava aberto, revelando o ferimento. Não era tão grande quanto eu havia imaginado. Nem tão horrível. Só um corte de uns dois centímetros. Mas o redor estava um tom assustador de vermelho e a pele estava inchada e brilhante.

 

“Wanda.” Jamie exaltou quando me viu. “ Ah, você está bem. Ah.” Ele respirou fundo.

 

Eu tropecei e caí de joelho ao lado dele, arrastando Ian comigo. Eu toquei o rosto de Jamie e senti a pele queimando. Meu cotovelo encostou em Doc, mas eu mal notei. Ele se afastou mas eu não olhei para ver qual emoção estava em seu rosto, aversão ou culpa.

 

“Jamie baby, como você está?”

 

“Que idiota.” Ele disse rindo. “Muito idiota. Dá para acreditar?” ele apontou para a perna. “Que azar.”

 

Eu encontrei um peno úmido no travesseiro dele e limpei sua testa.

 

“Você vai ficar bem.” Eu prometi, surpresa do quão certa eu soava.

 

“Claro. Não é nada. Mas Jared não me deixou ir falar com você.” Seu rosto ficou ansioso “Eu ouvi sobre... e Wanda você sabe que eu –“

 

“Shh. Nem pense nisso. Se eu soubesse que você estava doente eu teria vindo antes.”

 

“Eu não estou realmente doente. Só uma infecção estúpida. Eu estou feliz por você estar aqui. Eu odiava não saber onde você estava.”

 

Eu não conseguia engolir o nós na minha garganta. Monstro? Meu Jamie? Nunca.

 

“Então, eu ouvi que você arrasou com Wes no dia que voltamos.” Jamie disse mudando de assunto com o sorriso.

 

“Cara, eu adoraria ter viso isso. Aposto que Melanie adorou.”

 

“É, adorou mesmo.”

 

“Ela está bem? Não muito preocupada?”

 

“Claro que ela está preocupada.” Eu murmurei, vendo o pano passar pela testa dele como se fosse alguém que não eu.

 

Melanie.

 

Onde ela estava?

 

Eu procurei na minha cabeça pela voz familiar. Não havia nada além de silencio. Por que ela não estava aqui?

 

A pele de Jamie estava queimando onde os meus dedos tocavam. Sentir isso – a febre – a devia por no mesmo pânico que eu estava sentindo.

 

“Você está bem?” Jamie perguntou. “Wanda?”

 

“Eu estou… cansada Jamie. Desculpe.”

 

Ele me olhou com cuidado. “Você não parece muito bem.”

 

O que eu fiz?

 

“Eu não me limpo a um bom tempo.”

 

“E estou bem, sabe? Você devia ir comer alguma coisa. Você está pálida”

 

“Não se preocupe comigo.”

 

“Eu vou pegar comida para você.” Ian disse. “Com fome garoto?”

 

“Hmm não, na verdade não.”

 

Meus olhos brilharam. Jamie sempre estava com fome.

 

“Manda alguém.” Eu disse a Ian, apertando sua mão mais forte.

 

“Okay,” sua expressão estava leve, mas eu7 vi a surpresa e a preocupação. “Wes, você poderia pegar comida? Algo para Jamie também. Eu tenho certeza que ele vai achar o apetite até você voltar.”

 

Eu medi o rosto de Jamie. Ele estava vermelho, mas seus olhos estavam espertos. Ele ficaria bem por alguns minutos se eu o deixasse.

 

“Jamie, você se importaria se eu fosse lavar o meu rosto? Eu to me sentindo meio – grudenta.”

 

Ele franziu a testa devido a nota de falsidade na minha voz. “Claro que não.”

 

Eu puxei Ian de pé comigo ao levantar. “Eu já volto. É sério dessa vez.”

 

E ele sorriu da minha piada fraca.

 

Eu senti os olhos de alguém em mim enquanto eu deixava o quarto. Jared ou Doc, eu não saberia. Eu não me importava.

 

Só Jeb continuava no corredor afora, os outros haviam ido, talvez por Jamie estar bem. A cabeça de Jeb se inclinou para o lado, curioso, tentando entender o que eu estava fazendo. Ele estava surpreso de me ver deixar Jamie tão rápido e abruptamente. Ele também havia notado a mentira na minha voz..

 

Eu passei por seu olhar inquisitório, arrastando Ian comigo.

 

Eu o arrastei até a junção onde os túneis se encontravam. Ao invés de continuar em direção a grande caverna eu o puxei para um corredor escuro que estava deserto.

 

“Wanda, o que –“

 

“Eu preciso que você me ajuda Ian.” Minha voz em pânico, frenética.

 

“O que você quiser. Você sabe disso.”

 

Eu coloquei as mãos em seu rosto, olhando-o nos olhos. Eu mal conseguia ver o azul ali na escuridão.

 

“Eu preciso que você me beije Ian. Agora. Por favor.”

 

                             Forçada

 

A boca de Ian se abriu. “Você... o que?”

 

“Eu explico em um minuto. Isso não é justo, mas... por favor, Ian. Só me beija.”

 

“Isso não vai te incomodar? Melanie não vai te encher?”

 

“Ian!” eu reclamei. “Por favor!”

 

Ainda confuso, ele colocou as mãos na minha cintura e puxou meu corpo contra o dele. Seu rosto estava tão preocupado que eu me perguntei se isso funcionaria. Eu não precisava de romance, mas ele talvez sim.

 

Ele fechou os olhos ao se aproximar de mim, uma coisa automática. Seus lábios se pressionaram levemente nos meus, e então se afastaram para olhar para mim.

 

Nada.

 

“Não Ian. Realmente me beijar. Como… como se você estivesse tentando levar um tapa. Entende?”

 

“Não. Qual o problema? Diga-me primeiro.”

 

Eu pus meus braços em seu pescoço. Era estranho, eu não tinha certeza de como fazer isso direito. Eu fiquei na ponta dos pés e puxei a cabeça dele ao mesmo tempo até alcançar os lábios dele com os meus.

 

Isso não teria funcionado com outra espécie. Outra mente não teria sido tão facilmente sucumbida ao corpo. Outra espécie teria suas prioridades em uma ordem melhor. Mas Ian era humano, e seu corpo respondeu.

 

Eu pressionei minha boca contra a dele, apertando o pescoço dele quando a primeira reação dele foi se afastar. Lembrando de como a boca dele se moveu contra a minha antes, eu tentei imitar aquele movimento. Seus lábios se abriram para os meus e eu senti uma onda se animação com o sucesso. Eu capturei seu lábio inferior com meus dentes e ouvi um som de surpresa nascer no fundo da garganta dele.

 

E então eu não precisei mais tentar. Uma das mãos de Ian segurava meu rosto enquanto a outra estava na base da minha coluna, me mantendo tão perto que era difícil puxar o ar para dentro do meu peito comprimido. Eu estava arfando, mas ele também estava. Sua respiração se misturava com a minha. Eu sentia a parede de pedra contra as minhas costas, pressionada contra ela. Ele a usava para me aproximar ainda mais. Não havia parte de mim que não estivesse fundida com uma parte dele.

 

Éramos só nós dois, tão próximos que mal contava como dois.

 

Só nós.

 

Ninguém mais.

 

Sozinhos.

 

Ian sentiu quando eu desisti. Ele devia estar esperando por isso – não inteiramente governado pelo corpo como eu imaginei. Ele aliviou o abraço assim que sentiu meus braços relaxarem, mas manteve o rosto próximo do meu, a ponta do nariz dele tocando a ponta do meu.

 

Eu deixei meus braços caíres, e ele respirou fundo. Lentamente ele soltou ambas as mãos e as pôs em meus ombros.

 

“Explica.” Ele disse.

 

“Ela não está aqui.” Eu murmurei, ainda arfando. “Eu não consigo encontrá-la. Nem mesmo agora.”

 

“Melanie?”

 

“Eu não consigo ouvi-la! Ian, como eu volto para o Jamie? Ele vai saber que eu estou mentindo! Como eu vou dizer a ele que eu perdi a irmã dele agora? Ian ele está doente! Eu não posso dizer isso para Lee! Vai magoar ele, fazer pior, ele não vai se recuperar, eu –“

 

Os dedos de Ian pressionaram os meus lábios. “Shh. Shh. Vamos pensar sobre isso. Quando foi a última vez que você a ouviu?”

 

“Ah Ian! Foi logo depois que eu vi… no hospital. Ela tentou os defender…. E eu gritei com ela… e eu – a fiz ir embora! E eu não a ouvi desde então. Eu não consigo encontrá-la!”

 

“Shh” ele fez de novo. “Calma. Okay. O que você realmente precisa: Eu sei que você não quer magoar Jamie, mas ele vai ficar bem de qualquer forma. Então considere – não seria melhor – para você – se –“

 

“Não! Eu não posso apagar a Melanie! Não posso. Isso seria errado. Isso me faria um monstro também.”

 

“Okay, Okay! Shh. Então nós temos que a encontrar?”

 

Eu assenti com urgência.

 

Ele respirou fundo novamente. “Então você precisa... estar realmente exaltada, certo?”

 

“Eu não sei o que você quer dizer.”

 

Apesar de temer saber sim.

 

Beijar Ian era uma coisa – até prazerosa, se eu não estivesse tão cheia de preocupação – mas qualquer coisa mais...elaborada... eu poderia? Mel ficaria furiosa se eu usasse o corpo dela assim. Era isso que eu teria que fazer para encontrar ela? Mas e Ian? Seria muito injusto com ele.

 

“Eu já volto.” Ian prometeu. “Fica aqui.”

 

Ele me pressionou contra a parede para enfatizar e então saiu pelo corredor.

 

Era difícil obedecer. Eu queria seguir ele, para saber o que ele estava fazendo e aonde ele estava indo. Nós tínhamos que conversar sobre isso. Eu precisava pensar. Mas eu não tinha tempo. Jamie estava esperando por mim com perguntas que eu não conseguiria responder com mentiras. Não, ele não estava esperando por mim, ele estava esperando por Melanie.

Como eu pude fazer isso: E se ela realmente tivesse ido embora?

 

Mel, Mel, Mel, volte! Melanie, Jamie precisa de você. Não de mim – ele precisa de você. Ele está doente Mel. Mel você consegue me ouvir? Jamie está doente!

 

Eu estava falando sozinha. Ninguém me ouvia.

 

Minhas mãos tremiam com medo e estresse. Eu não seria capaz de esperar aqui por muito mais tempo. Eu sentia a ansiedade me inchando até que eu explodisse.

 

Finalmente eu ouvi passos. E vozes. Ian não estava sozinho. Confusão passou por mim.

 

“Só pense nisso como ... um experimento.” Ian estava dizendo.

 

“Você está maluco?” Jared respondeu. “Isso é alguma piada doentia?”

 

Meus estomago parecia cair no chão.

 

Exaltada. Era ISSO que ele queria dizer.

 

Sangue queimou meu rosto, tão quente quanto a febre de Jamie. O que Ian estava fazendo comigo? Eu queria correr, me esconder em algum lugar melhor que o meu último esconderijo, algum lugar onde nunca, nunca me achassem, por mais lanternas que usassem. Mas minhas pernas estavam tremendo e eu não conseguia me mover.

 

Ian e Jared entraram no meu campo de visão. O rosto de Ian estava sem expressão, uma mão sobre o ombro de Jared, o guiando, quando o empurrando para frente. Jared encarava Ian com raiva e dúvida.

 

“Por aqui.” Ian o encorajou, forçando Jared na minha direção. Eu me espremi contra a parede.

 

Jared me viu, viu minha expressão mortificada e parou.

 

“Wanda, o que é isso?”

 

Eu lancei um olhar reprovador a Ian e então tentei encontrar os olhos de Jared.

 

Eu não consegui. Olhei para os pés dele ao invés disso.

 

“Eu perdi a Melanie.” Eu murmurei.

 

“Você perdeu ela?”

 

Eu assenti, miseravelmente.

 

Sua voz estava dura e irritada. “Como?”

 

“Eu não tenho certeza. Eu a calei... mas ela sempre volta… antes….Eu não consigo ouvi-la agora... e Jamie..”

 

“Ela se foi?” Agonia em sua voz.

 

“Eu não sei. Eu não consigo encontrá-la.”

 

Respiração profunda. “Por que Ian acha que eu devo beijar você?”

 

“Não ME beijar.” Eu disse, minha voz tão fraca que eu mal conseguia ouvir. “Beijar ela. Nada a irritou mais do que quando você nos beijou... antes. Nada a trouxe tão a tona. Talvez...Não... Você não precisa fazer isso. Eu vou tentar encontrá-la.”

 

Eu ainda olhava para os pés dele, então eu vi ele dar um passo em minha direção.

 

“Você acha que se eu beijar ela...?”

 

Eu não consegui nem mexer a cabeça. Eu tentei engolir.

 

Mãos familiares tocaram meu pescoço, descendo pelos ombros. Meu coração batia alto o bastante para eu me perguntar se ele conseguia ouvir. Eu estava tão sem graça forçando ele a me tocar assim. E se ele pensasse que isso fosse um truque – minha idéia e não de Ian?

 

Eu me perguntei se Ian ainda estaria ali, observando. O quanto isso o magoaria?

 

Uma mão continuou, como eu sabia que iria, descendo pelo meu braço até a cintura, deixando um traço de calor por onde passava. A outra foi parar na minha mandíbula, como eu sabia que devia, e ergueu o meu rosto.

 

Sua bochecha pressionada contra a minha, a pele onde estávamos conectados queimando, e ele murmurou em meu ouvido.

 

“Melanie. Eu sei que você está aí, Volta para mim.”

 

Sua bochecha lentamente deslizou, e seu queixo deslizou para o lado para que sua boca cobrisse a minha.

 

Ele tentou me beijar suavemente. Eu podia dizer que ele tentou. Mas sua intenção virou fumaça, assim como antes.

 

Havia fogo por toda parte, por que ele estava em toda parte. Suam mãos passavam por minha pele, queimando-a. Seus lábios provaram cada pedaço do meu rosto. A parede de pedra apertada contra minhas costas, mas não havia dor. Eu não conseguia sentir nada além do fogo.

 

Minhas mãos agarraram seu cabelo, puxando-o para mim, como se fosse possível ficarmos mais perto. Usando a parede como apoio eu enrolei as pernas em volta da cintura dele. Sua língua torcendo com a minha, e não havia parte da minha mente que não estivesse invadida pelo insano desejo que me possuía.

 

Ele afastou a boca dele e pressionou os lábios em meus ouvido novamente.

 

“Melanie Styder!” Sua voz estava alta em meus ouvi, um rosnado que era quase um grito. “Você NÃO vai me deixar. Você não me ama? Prova! Prova droga.! Mel, Volte para cá.”

 

Seus lábios me atacaram novamente.

 

Ahhh... ela gemeu fracamente em minha cabeça.

 

Eu não conseguia pensar em cumprimentá-la. Eu estava em chamas.

 

O fogo queimou seu caminho até ela, lá no fundo onde elea estava diminuída, quase sem vida.

 

Minhas mãos agarraram o tecido da camiseta de Jared, a erguendo. Isso era idéia delas, eu não dizia s minhas mãos o que fazer. As mãos dele queimavam na pele das minhas costas.

 

Jared? Ela murmurou. Ela tentou se orientar, mas a mente que compartilhávamos estava muito desorientada.

 

Eu senti os músculos do seu estomago contra minhas palmas, minhas mãos esmagadas entre nós.

 

“O que? Onde...Melanie lutava.

 

Eu afastei os lábios dele para respirar, e seus lábios foram parar no meu pescoço. Eu enterrei meu rosto no cabelo dele, inalando.

 

Jared! Jared! Não!

 

Eu a senti pelos meus braços, sabendo que era isso que eu queria, apesar de eu mal prestar atenção nisso agora. As mãos no estomago dele se enrijeceram, com raiva. Os dedos pressionaram contra ele o empurrando tão forte quanto ela conseguiu.

 

“Não!” ela gritou pelos meus lábios.

 

Jared pegou as mãos dela, então me pegou contra a parede antes que eu pudesse cair. Eu o olhava pasma, meu corpo confuso pelos comandos conflitantes que estava recebendo.

 

“Mel? Mel?”

 

“O que você está fazendo?”

 

Ele gemeu de alivio. “Eu sabia que você conseguiria! Ah Mel!”

 

Ela a beijou novamente, beijou os lábios que agora ela controlava, e ambas pudemos sentir o gosto das lágrimas que corriam por seu rosto.

 

Ela mordeu ele.

 

Jared deu um pulo se afastando de nós, e eu escorreguei para o chão, caindo com um barulho seco.

 

Ele começou a rir. “Essa é a minha garota. Você ainda a tem aí Wanda?”

 

“Sim.” Eu consegui dizer.

 

Que diabos Wanda? Ela sibilou para mim.

 

Onde você estava? Você tem idéia do que eu passei tentando trazer você de volta?

 

É, eu posso ver que você estava realmente sofrendo.

 

Ah, eu vou sofrer. Eu prometi a ela. Já sentindo a dor vindo. Como antes...

 

Ela estava passando pelos meus pensamentos o mais rápido que podia. Jamie?

 

É isso que eu tenho tentado te dizer. Ele precisa de você.

 

Então por que não estamos com ele.

 

Por que ele é provavelmente muito jovem para ver esse tipo de coisa.

 

Ele procurou mais.. Uau, Ian também. Que bom que eu perdi isso.

 

Eu estava tão preocupada. Eu não sabia o que fazer...

 

Bem, vamos. Vamos logo.

 

“Mel?” Jared perguntou.

 

“Ela está aqui. Ela está furiosa. Ela quer ver Jamie.”

 

Jared pôs os braços ao meu redor e me ajudou a levantar. “Pode ficar irritada o quanto quiser Mel. Só fica por aqui.”

 

Por quanto tempo eu sumi?

 

Três dias.

 

A voz dela de repente diminuiu. Onde eu estava?

 

Você não sabe?

 

Eu não lembro.. de nada.

 

Nós estremecemos.

 

“Tudo bem?” Jared perguntou.

 

“Mais ou menos;”

 

“Era ela antes, falando comigo – falando alto?”

 

“Era.”

 

“Você consegue.... pode deixar ela fazer isso agora?”

 

Eu suspirei. Eu estava exausta. “Eu posso tentar.” Eu fechei os olhos.

 

Você consegue passar por mim? Eu a perguntei. Consegue falar com ele?

 

Eu... Como? Onde?

 

Eu tentei me diminuir dentro de minha cabeça. “Vamos.” Eu murmurei. “Aqui.”

 

Melanie lutou, mas não tinha saída.

 

Os lábios de Jared desceram sobre os meus, forte. Meus olhos se abriram em choque. Seus olhos castanhos mel também estavam abertos.

 

Ela empurrou nossa cabeça para trás. “Pára com isso! Não toca nela!”

 

Ele sorriu, as rugas pequenas em volta dos olhos apareceram. “Oi baby.”

 

Isso não é engraçado!

 

Eu tentei respirar novamente. “Ela não está rindo.”

 

Ele deixou seu braço em volta de mim. Em volta de nós. Nós caminhamos para a junção dos túneis, e não havia ninguém lá. Nada de Ian.

 

“Eu estou te avisando Mel,” ele disse, ainda sorrindo. Provocando. “É melhor ficar por aqui. Eu não vou dar garantias do que eu farei ou não farei para ter você de volta.”

 

Meu estomago se torceu.

 

Dia a ele que eu o afogarei se ele tocar em você assim de novo. Mas a ameaça dela era uma brincadeira também.

 

“Ela está ameaçando a sua vida agora.” Eu o disse. “Mas eu acho que ela está de chiste.”

 

Ele riu, abertamente com alivio. “Você é tão sério o tempo todo Wanda.”

 

“Sua piadas não são engraçadas.” Eu murmurei. Não para mim.

 

Jared riu novamente.

 

Ah! Melanie disse. Você está sofrendo.

 

Eu vou tentar não deixar Jamie ver isso.

 

Obrigada por em trazer de volta.

 

Eu não vou te apagar Melanie. Eu lamento não poder te dar mais do que isso.

 

Obrigada.

 

“O que ela está dizendo?”

 

“Nós só estamos... fazendo as pazes.”

 

‘Por que ela não pode falar antes, quando você tentava deixar?”

 

“Eu não sei Jared. Não há realmente espaço para nós duas. Eu não consigo me tirar do caminho completamente. É como... não conseguir segurar o fôlego. Como tentar parar o coração de bater. Eu não consigo fazer com que eu não exista. Eu não sei como.”

 

Ele não respondeu e meu peito latejava de dor. O quão feliz ele ficaria se eu descobrisse como me apagar!

 

Melanie queria.. não me contradizer, mas me fazer sentir melhor; ela lutou para tentar encontrar palavras que suavizassem a agonia. Ela não conseguia achar as certas.

 

Mas Ian ficaria devastado. E Jamie. Jeb sentiria sua falta. Você tem tantos amigos aqui.

 

Obrigada.

 

Eu estava feliz por estarmos de volta em nosso quarto. Eu precisava pensar em algo diferente antes que começasse a chorar. Agora não era hora para auto-piedade. Havia assuntos mais importantes do que meu coração. Partido, de novo.

 

                                   Alucinada

 

Eu imaginava que para quem olhasse de fora eu estivesse parada como uma estatua. Minhas mãos cruzadas em minha frente, meu rosto sem expressão, minha respiração muito clama para mover meu peito.

 

Por dentro eu estava em revulsão, como se os pedaços dos meus átomos estivessem revertendo a polaridade e se afastavam um do outro com explosões.

 

Trazer Melanie de volta não o ajudou. Tudo o que eu podia fazer não era o suficiente.

 

O corredor do lado de fora do quarto estava lotado. Jared, Kyle e Ian haviam voltado da Pilhagem desesperada de mãos vazias. Um saco de gelo foi tudo que eles conseguiram após três dias arriscando suas vidas. Trudy fazia compressas frias no pescoço, testa e peito de Jamie.

 

Mesmo se o gelo diminuísse a febre, que queimava fora de controle, até quando o gelo duraria? Uma hora? Mais? Menos? Quanto tempo até ele estar morrendo novamente?

 

Teria sido eu a colocar o gelo nele, mas eu não conseguia me mover. Se eu me movesse eu me desfacelaria em pedaços microscópicos.

 

“Nada?” Doc murmurou. “Vocês checaram –“

 

“Todos os lugares que pudemos pensar.” Kyle interrompeu. “Isso não é como drogas que as pessoas tinham motivos para manter escondidos. Antibióticos sempre foram mantidos às claras. Não tem mais nada, Doc.”

 

Jared só encarava o garoto avermelhado na cama, sem falar.

 

Ian estava ao meu lado. “Não fique assim.” ele murmurou “Ele vai superar, ele é resistente.”

 

Eu não conseguia responder. Mal ouvia as palavras na verdade.

 

Doc se ajoelhou ao lado de Trudy e ergueu a cabeça de Jamie. Com um vasilhame ele pegou um pouco da água do gelo e deixou cair na boca de Jamie. Todos nós ouvimos o som grosso e doloroso de Jamie engolindo. Mas seus olhos não se abriram.

 

Eu sentia como se nunca fosse ser capaz de me mover novamente. Como se fosse virar parte da parede. Eu queria ser de pedra.

 

Se eles cavassem um buraco para Jamie no deserto, eles teriam que me colocar lá dentro também.

 

Isso não é o bastante, Melanie grunhiu.

 

Eu estava desesperada, mas ela estava cheia de fúria.

 

Eles tentaram.

 

Tentar não resolve nada. Jamie NÃO vai morrer. Eles têm que voltar lá fora.

 

Com que propósito? Mesmo se eles encontrarem os velhos antibióticos quais são as chances deles ainda funcionarem? E eles só funcionavam na metade dos casos. Ele não precisa dos seus remédios. Ele precisa de mais que isso. Algo que realmente funcione…

 

Minha respiração acelerou, se aprofundou quando eu vi.

 

Ele precisa dos meus, eu percebi.

 

Mel e eu estávamos chocadas com o quão obvio era a idéia. A simplicidade dela.

 

Meus lábios finalmente se abriram. “Jamie precisa de remédios de verdade. Dos que as almas têm. Nós precisamos arrumar esses para ele.”

 

Doc franziu a testa. “Nós não temos como saber como eles funcionam, o que eles fazem.”

 

“Isso importa?” Um poço da raiva de Melanie estava presente na minha voz. “Eles funcionam. Eles podem salvá-lo.”

 

Jared me encarou. Eu podia sentir os olhos de Ian em mim também e o olhar de Kyle, e todos os outros no quarto. Mas eu só via Jared.

 

“Nós não podemos pega-los Wanda.” Jeb disse com um tom de derrota. Desistindo. “Nós só podemos entrar em lugares desertos. Sempre tem muito de vocês em um hospital. Vinte quarto horas por dia. Muitos olhos. Nós não ajudaremos Jamie sendo pegos.”

 

“Claro,” Kyle disse com rigidez. “Os centipedes ficariam super felizes em curar o corpo dele quando nos encontrarem, E fizer dele um deles. É isso que você quer?”

 

Eu me virei para encarar o homem enorme e cheio de desgosto. Meu corpo ficou tenso e eu inclinei para frente. Ian colocou a mão no meu ombro como se para me segurar. Eu não achava que eu teria feito nenhum movimento agressivo em direção a Kyle, mas talvez eu estivesse errada. Eu estava longe de quem eu normalmente era.

 

Quando eu falei minha voz estava morta, sem inflexão. “Tem que haver uma maneira.”

 

Jared estava assentindo. “Talvez algum lugar pequeno. A arma não faria muito barulho, mas se tivesse um numero alto de nós, talvez pudéssemos usar facas.”

 

“Não.” Meus braços descruzaram e caíram co o choque. “Não. Não foi isso que eu quis dizer. Não matar –“

 

Ninguém me ouviu. Jeb estava discutindo com Jared.

 

“Sem chance garoto; Alguém chamaria os Rastreadores. Mesmo se conseguíssemos entrar e sair, algo assim traria os Rastreadores para cima de nós com força. Nós teríamos que correr e eles nos seguiriam.”

 

“Espera Vocês não podem –“

 

Eles ainda não estavam me ouvindo.

 

“Eu também não quero que o garoto morra, mas nós não podemos arriscar a vida de todo mundo por uma pessoa.” Kyle disse. “Pessoas morrem aqui, acontece. Nós não podemos perder a cabeça para salvar um garoto.”

 

Eu queria enforcar ele, acabar com o ar dele para cortar as palavras calmas. Eu, não Melanie era que queria ver o rosto dele roxo. Melanie se sentia da mesma forma, mas eu sabia o quanto dessa violência vinha de mim.

 

“Nós temos que salvar ele.” Eu disse, mais alto agora.

 

Jeb olhou para mim. “Querida. Nós não podemos simplesmente entrar lá e pedir.”

 

Bem aí, a verdade simples e obvia me ocorreu.

 

“Vocês não podem. Mas eu posso.”

 

O quarto ficou em um silencio mortal.

 

Eu fiquei presa na beleza do plano se formando na minha cabeça. A perfeição dele. Eu falava mais para Melanie e para mim do que para eles. Ela estava impressionada. Isso funcionaria. Nós podíamos salvar Jamie.

 

“Eles não são desconfiados. Não mesmo. Claro que não, eu não sou um deles; Eles fariam qualquer coisa para ajudar. Eles não vão procurar por mentiras... mesmo eu sendo uma péssima mentirosa eles não suspeitariam de mim. Eu diria que havia ido fazer trilha ou alguma coisa... daí arrumava um jeito de ficar sozinha e pegava o máximo que pudesse esconder. Pense nisso! Eu podia pegar o suficiente para curar todo mundo aqui por anos. E Jamie ficaria bem. Por que eu não pensei nisso antes? Talvez não fosse tarde demais nem para salvar Walter.”

 

Eu olhei para frente então, com olhos brilhantes. Era tão perfeito!

 

Tão perfeito, tão absolutamente certo, tão obvio para mim, que eu levei um tempão para entender as expressões nos restos deles. Se Kyle não tivesse sido tão explicito eu teria levado mais tempo. Ódio. Suspeita. Medo.

 

Mesmo a expressão de poker de Jeb não foi o suficiente. Seus olhos estavam cheios de desconfiança.

 

Cada rosto dizia NÃO.

 

Eles são loucos? Eles não vêem como isso ajudaria a todos eles?

 

Eles não acreditam em mim. Eles acham que eu os machucaria, machucaria Jamie!

 

“Por favor,” eu murmurei. “É a única forma de salvá-lo.”

 

“Paciente não?” Kyle cuspiu. “Mediu bem o tempo, não acha?”

 

Eu lutei contra o desejo de enforcá-lo.

 

“Doc?” eu implorei.

 

Ele não em encarou. “Mesmo se houver um jeito de nós deixarmos você sair Wanda... Eu não confiaria em drogas que eu não entendo. Jamie é forte, seu sistema vai lutar.”

 

“Nós vamos sair de novo Wanda.” Ian murmurou. “Nós vamos encontrar algo. Nós não voltaremos até encontrar alguma coisa.”

 

“Isso não é o bastante.” As lágrimas enchiam os meus olhos. EU olhei para a única pessoa que podia estar sentindo tanta dor quanto eu. “Jared. Você sabe. Você SABE que eu nunca deixaria nada machucar Jamie. Você sabe que eu posso fazer isso. Por favor.”

 

Ele me encarou por um longo momento. Então olhou ao redor, para cada rosto. Jeb, Doc, Kyle, Ian, Trudy. Do lado de fora ele olhou para a audiência que tinha expressões como a de Kyle: Sharon, Violetta, Lucina, Reid, Geoffrey, Heath, Heidi, Andy, Aaron, Wes, Lily, Carol. Meus amigos misturados com os inimigos, todos com a expressão de Kyle. Ele escarou a fileira seguinte de pessoas, que eu não podia ver. Então olhou para baixo, para Jamie. Não havia som de respiração no quarto inteiro.

 

“Não Wanda.” Ele disse baixinho. “Não.”

 

Um suspiro de alivio do resto.

 

Meus joelhos se dobraram. Eu me lancei para frente e me livrei da mão de Ian quando ele tentou me erguer. Eu engatinhei até Jamie e empurrei Trudy com o cotovelo. O quarto silencioso observava. Eu peguei a compressa da cabeça dele e a mergulhei no gelo derretido. Eu não encontrei os olhares que eu podia sentir na minha pele. Eu não poderia vê-los de qualquer forma, As lágrimas estavam grossas demais.

 

“Jamie, Jamie, Jamie,” Eu gemia. “Jamie, Jamie, Jamie.”

 

Eu não parecia ser capaz de fazer mais nada só chorar e murmurar o nome dele e tocar o pano gelado para ver se precisava ser trocado.

 

Eu os ouvi partir, uns de cada vez. Eu ouvi suas vozes, a maioria com raiva, desaparecerem pelos corredores. Eu não conseguia entender as palavras, no entanto.

 

Jamie, Jamie, Jamie...

 

Jamie, Jamie, Jamie...

 

Ian se ajoelhou ao meu lado quando o quarto estava quase vazio.

 

“Eu sei que você não faria nada... mas Wanda, eles te matarão se você tentar.” Eu murmurou. ‘Depois do que aconteceu... no hospital. Eles temem que você tem bons motivos para nos destruir.... Mas de qualquer forma, ele vai ficar bem. Você te que confiar nisso.”

 

Eu virei a cara e ele foi embora.

 

“Desculpa garota.” Jeb murmurou enquanto saía.

 

Jared partiu. Eu não o ouvi sair, mas eu sabia que ele havia saído. Isso me pareceu certo. Ele não amava Jamie como nós. Ele provou isso. Ele devia ir embora.

 

Doc ficou, observando desesperançado. Eu não olhei para ele.

 

A luz do dia desvaneceu lentamente, ficando laranja e então cinza. O gelo derreteu e sumiu. Jamie começou a queimar nas minhas mãos.

 

“‘Jamie, Jamie, Jamie...” Minha voz estava rouca e falha, mas eu não parei. “Jamie, Jamie, Jamie...”

 

O quarto ficou escuro. Eu não conseguia ver o rosto de Jamie. Ele iria durante a noite? Eu já havia visto seu rosto vivo pela última vez?

 

Seu nome era só um suspiro em meus lábios agora, baixo o suficiente para que ouvir o ronco de Doc.

 

Eu passava o pano pelo seu corpo sem parar. Conforme a água secava, ele esfriava. A queimação diminuiu. Eu comecei a acreditar que ele não morreria essa noite. Mas eu não conseguiria segurar ele para sempre, ele escaparia de mim. Amanhã, ou depois. E então, eu morreria também. Eu não viveria sem Jamie.

 

Jamie, Jamie, Jamie... Melanie gemia.

 

Jared não acreditou em nós. O lamento era de nós duas. Nós pensamos ao mesmo tempo.

 

Estava muito quieto. Eu não ouvi nada. Nada me alertou.

 

Então de repente, Doc gritou, o som abafado como se ele estivesse gritando com um travesseiro na boca.

 

Meus olhos não conseguiam entender as formas na escuridão. Doc estava se torcendo estranhamente. E ele parecia muito grande – como se tivesse muitos braços. Era assustador. Eu me inclinei sobre Jamie protetivamente. Eu não podia fugir enquanto ele fica ali indefeso. Meu coração batia forte contra as costelas.

 

Então os braços que sacudiam ficaram parados. O ronco de Dos voltou, mais alto e mais forte do que antes. Ele escorregou no chão e as formas se separaram. Uma segunda figura se ergueu e ficou parado na escuridão.

 

“Vamos.” Jared murmurou. “Nós não temos tempo a perder.”

 

Meu coração quase explodiu.

 

Ele acredita.

Eu me levantei num salto. “O que você fez com Doc?”

 

“Clorofórmio. Não vai durar muito.”

 

Eu me virei rapidamente e virei a água sobre Jamie, molhando suas roupas e o colchão. Ele nem se moveu. Talvez isso o mantivesse freso até Doc acordar.

 

“Me segue.”

 

Eu o segui. Ele se movia em silencio, nós quase nos tocávamos, quase corríamos, mas não exatamente. Jared se movia abraçado a parede e eu fiz o mesmo.

 

Ele parou quando alcançamos a forte luz da grande caverna. Estava deserta.

 

Eu podia ver Jared claramente pela primeira vez. Ele tinha a arma pendurada nas costas, e uma faca na cintura. A mão estava erguida com um tecido preto dela. Eu entendi imediatamente.

 

As palavras murmuradas saíram sem controle pela minha boca. “Isso, tapa meus olhos.”

 

Ele assentiu, e eu fechei os olhos enquanto ele amarrava o pano. Eu os manteria fechado de qualquer forma.

 

O nó foi rápido e apertado, Quando ele terminou, eu girei em torno de mim mesma – uma, duas vezes...

 

Suas mãos me pararam “Assim está bom.” Ele disse. E então me segurou com força e me ergueu do chão. Eu suspirei surpresa quando ele me jogou em seus ombros. Eu fiquei dobrada ali, minha cabeça e peito nas costas dele, ao lado da arma. Seus braços mantiveram minhas pernas no peito dele e ele já estava se movendo. Eu sacudia enquanto ele corria, meu rosto batendo contra a blusa dele a cada passo.

 

Eu não fazia idéia de onde estávamos. Eu não tentei adivinhar ou sentir. Eu me concentrei somente em contar os passos dele e nos solavancos que eu dava. Vinte, vinte e um, vinte e dois, vinte e três.

 

Eu senti ele se abaixar e depois se erguer. Eu tentei não pensar nisso. 412, 413, 414....

 

Eu soube quando estávamos do lado de fora. Eu senti o cheiro da brisa seca do deserto. O ar estava quente, apesar de estar perto da meia noite.

 

Ele me pôs no chão.

 

“O chão é liso. Você acha que consegue correr vendada?”

 

“Sim.”

 

Ele segurou o meu cotovelo com firmeza e começou a acorrer, estabelecendo um passo bem rigoroso. Não era fácil. Ele me segurou toda vez que eu tropeçava. Eu me acostumei depois de um tempo, e mantinha o equilíbrio. Nós corremos até estarmos arfando.

 

“Se nós chegarmos .....ao jipe..... nós estaremos bem.”

 

O jipe? Eu senti uma estranha onda de nostalgia. Mel não via o jipe desde a desastrosa viajem a Chicago, nem ao menos sabia que ele havia sobrevivido.

 

“E se ... não... conseguirmos?” eu perguntei.

 

“Eles nos pegarão.... matarão você. Ian estava certo…. sobre essa parte.”

 

Eu tentei correr mais rápido. Não para salvar minha vida, mas por que eu era a única que podia salvar Jamie, eu tropecei de novo.

 

“Eu vou ... tirar a venda....você vai ficar... mais rápida.”

 

“Certeza?”

 

“Não... olhe em volta... okay?”

 

“Prometo.”

 

Ele tirou a venda. Eu me concentrei somente no chão.

 

Fez muita diferença. A luz da lua estava clara e a areia muito suave e clara. Jared recomeçou a correr em um ritmo mais acelerado, eu acompanhei sem dificuldade. Correr grandes distâncias era algo familiar para o meu corpo. Eu acelerei no meu ritmo favorito, eu sabia que não conseguiria manter esse ritmo por muito tempo, mas eu cairia no chão exausta tentando.

 

“Você ouve... alguma coisa?” ele perguntou.

 

Eu tentei ouvir algo. Só os nossos passos na areia.

 

“Não.”

 

Ele grunhiu em aprovação.

 

Eu imaginei que essa havia sido a razão para ele levar a arma. Eles não seriam capazes de nos impedir a distancia sem ela.

 

Levou uma hora ou mais. Eu estava diminuindo já, e ele também. Minha boca queimava por água.

 

Eu nunca olhei para cima, então me assustei quando ele cobriu meus olhos com as mãos. Eu parei e ele no manteve caminhando.

 

“Nós estamos bem agora. Bem a frente...”

 

Ele deixou as mãos nos meus olhos e me guiou em frente. Eu ouvi nossos passos ecoarem em algo. O deserto não era tão reto aqui.

 

“Entra”

 

Suas mãos desapareceram.

 

Estava quase tão escuro como com os olhos vendados. Outra caverna. Não muito profunda. Se eu me virasse seria capaz de ver a saída, eu não virei.

 

O jipe se sobressaía na escuridão. Estava exatamente como eu me lembrava, esse veículo que eu nunca tinha visto. Eu entrei pela porta e sentei.

 

Jared já estava no banco. Ele se inclinou e pôs a venda nos meus olhos novamente. Eu fiquei quieta para facilitar.

 

O som do motor me assustou. Parecia muito perigoso. Havia tantas pessoas que não podiam nos encontrar agora.

 

Nós andamos em ré por uns momentos e estão o vento batia contra o meu rosto. Havia um som estranho atrás do jipe, algo que Melanie não encaixava nas memórias.

 

“Nós vamos para Toucson,” ele me disse. “Nós nunca pilhamos lá – é muito perto. Mas nós não temos tempo para mais nada. Eu sei onde tem um pequeno hospital, não muito dentro da cidade.”

 

“Não o Santa Maria?”

 

“Ele ouviu o alarme na minha voz. “Não, por quê?”

 

“Eu conheço alguém lá.”

 

Ele ficou quieto por um minuto. “Você será reconhecida?”

 

“Não, ninguém vai reconhecer meu rosto. Nós não temos... pessoas procuradas. Não como vocês tinham.”

 

“Okay.”

 

Mas agora ele me fez pensar, pensar sobre a minha aparência. Antes que eu pudesse faz=lar sobre isso ele pegou minha mão e colocou algo muito pequeno nela.

 

“Mantinha isso perto.”

 

“O que é isso?”

 

“Se eles adivinharem que você está conosco, se eles forem colocar.... alguém, dentro do corpo de Mel, coloque isso na boca e morda com força.”

 

“Veneno?”

 

“É.”

 

Eu pensei nisso por um momento. E então ri, eu não pude evitar. Meus nervos estavam tensos de preocupação.

 

“Isso não é uma piada Wanda.” Ele disse irritado.” Se você não conseguir fazer isso, então eu teria que te levar de volta.”

 

“Não, não. Eu consigo.” Eu tentei me controlar. “Eu sei que consigo. É por isso que estou rindo.”

 

Sua voz estava rude. “Eu não vi a graça.”

 

“Não entende? Por milhões dos meus eu nunca seria capaz disso. Nem mesmo pelos meus --- filhos. Eu sempre tive medo dessa morte final. Mas eu posso fazer por uma criança alienígena. Não faz sentido. Mas não se preocupe, eu posso morrer para proteger o Jamie.”

 

“Eu estou confiando nisso.”

 

Ficou quieto por um momento, então eu me lembrei da minha aparência.

 

“Jared, eu não estou com a aparência certa para entrar em um hospital.”

 

“Nós temos roupas melhores escondidos nos veículos... menos suspeitos. É para lá que estamos indo. Cerca de cinco minutos.”

 

Não era isso que eu quis dizer, mas ele estava certo. Essas roupas não serviam. Eu esperei para falar com ele sobre o resto. Eu precisava olhar para mim mesma antes.

 

O jipe parou, e ele tirou a venda.

 

“Não precisa olhar para baixo aqui.” Ele me disse quando eu abaixei a cabeça. “Não há nada aqui que nos entregue. Só para o caso do lugar ser descoberto.”

 

Não era uma caverna. Mas um monte de pedras. Algumas das rochas maiores foram cuidadosamente furadas, deixando espaços escuros embaixo delas que ninguém suspeitaria que tivesse nada mais que pedras e terra.

 

O jipe já estava estacionado em um canto apertado. Estava tão perto da rocha que eu tive que passar pelo jipe para poder sair. Havia algo amarrado no jipe, correntes e trapos bem velhos e rasgados.

 

“Aqui.” Jared disse, e me levou até uma cratera escura mais baixa do que ele. Ele pegou um bolo de panos de um buraco tirou algo de dentro e o enfiou de volta. Uma camiseta, macia e limpa ainda com etiquetas. Ele arrancou-as e jogou a camisa para mim. Então ele enfiou a mão mais ao fundo e encontrou uma calça caqui. Ele verificou o tamanho e me passou também.

 

“Vista-as.”

 

Eu hesitei por um momento enquanto ele esperava, pensando qual era o meu problema. Eu enrubesci e virei de costas. Tirei minha camisa e vesti a outra rapidamente.

 

Eu o ouvi limpar a garganta. “Oh, hã.. eu vou buscar o carro.”

 

Eu tirei as calças e coloquei as novas. Meus sapatos estavam em péssimas condições, mas não chamavam muita atenção. Além disso, sapatos confortáveis não eram muito fáceis de achar. Eu podia fingir ser apegada a esse par.

 

Outro motor rosnou, mais baixo do que o jipe. Eu virei e vi um modesto, discreto sedan saindo de um canto escuro. Jared desceu e colocou as correntes do jipe no outro carro. Então ele dirigiu até onde eu estava e eu vi que as correntes e trapos apagavam a marca de pneus da areia.

 

Jared se inclinou no banco passageiro para abrir a porta para mim. Havia uma mochila no banco. Estava vazia. Sim, eu precisaria disso.

 

“Vamos.”

 

“Espera.” Eu disse.

 

Eu me estiquei para poder ver o meu rosto no espelho lateral.

 

Nada bom. Eu coloquei o cabelo no rosto, mas não era o suficiente. Eu toquei minha bochecha e mordi o lábio.

 

“Jared. Eu não posso ir com o rosto assim.” Eu apontei para a longa e avermelhada cicatriz na minha pela.

 

“O que?” ele perguntou.

 

“Nenhuma alma teria um machucado assim. Eles a teriam tratado. Eles vão perguntar por onde eu andei. Farão perguntas.”

 

Seus olhos se arregalaram e então se estreitaram. “Talvez você devesse ter pensado nisso antes. Se eu te levar de volta agora, eles vão pensar que foi tudo um plano para você aprender a saída.”

 

“Nós não vamos voltar sem remédio para Jamie.” Minha voz mais dura do que a dele.

 

A dele ficou ainda mais rude para se igualar. “O que você sugere então Wanda?”

 

“Eu vou precisar de uma pedra.” Eu suspirei. “Você vai ter que me bater.”

 

                                       Curada

 

“Wanda…”

 

“Nós não temos tempo. Eu faria eu mesma, mas eu não vou conseguir pegar o ângulo certo. Não tem outro jeito.”

 

“Eu não sei se eu... consigo.”

 

“Nem por Jamie?” Eu pressionei o bom lado do meu rosto o mais forte possível contra o encosto de cabeça do bando de passageiros e fechei meus olhos.

 

Jared segurava a pedra irregular de tamanho de um punho que eu havia achado. Ele já estava em suas mãos por cinco minutos.

 

“Você só tem que arrancar as primeiras camadas pele. Só esconder a cicatriz, só isso. Vamos Jared, nós temos que nos apressar. Jamie...”

 

“Diz para ele que eu disse para fazer agora. E faz uma vez só direito.

 

“Mel disse para você fazer. E ter certeza que vai fazer direito. Arranca tudo da primeira vez.”

 

Silencio.

 

“Vai, Jared!”

 

Ele respirou fundo, Eu senti o ar se mover e apertei os olhos co mais força.

 

Fez um barulho seco e se ‘squash” – essas foras as primeiras coisas que percebi e então o choque do golpe passou e eu senti.

 

“Urgh.” Eu gemi. Eu não tive a intenção de fazer nenhum som. Eu sabia que isso pioraria as coisas para ele. Mas era involuntário com esse corpo. Lágrimas desceram pelos meus olhos e eu tossi para esconder um soluço. Sinos tocavam na minha cabeça, virando no pós-choque.

 

“Wanda? Mel? Desculpa!”

 

Seus braços nos circundaram, nos puxando para seu peito.

 

“Tá tudo bem.” Eu choraminguei. “Nós estamos bem. Você tirou tudo?”

 

Sua mão tocou o meu queixo, virando meu rosto.

 

“Uhh.” Ele gemeu. “Eu arranquei metade do seu rosto. Desculpa.”

 

“Não, assim está bom. Tá bom. Vamos.”

 

“Ok.” Sua voz ainda estava fraca, mas ele se inclinou de volta no banco dele, me acomodando com cuidado e então o carro tremeu sob nós.

 

Are frio acertou o meu rosto, que parecia receber choques, minha bochecha crua pinicava. Eu havia esquecido como era sentir o ar condicionado.

 

Eu abri os olhos. Nós estávamos dirigindo em uma trilha suave – mais do que seria natural. Ela serpenteava, circulando arbustos, eu não conseguia ver muito a frente.

 

Eu puxei o visor e olhei no espelhinho. Sob a luz do luar meu rosto estava branco e preto. Preto por todo o lado direito, escorrendo pela minha bochecha, pingando no pescoço indo parar na gola da minha camiseta nova e limpa.

 

Meu estomago se contorceu.

 

“Bom trabalho.” Eu murmurei.

 

“Dói muito?”

 

“Não muito.” Eu menti. ”Mas enfim, não vai durar muito. Estamos muito longe de Tucson?”

 

Bem aí, nós alcançamos a pista. Engraçado como a visão do pavimento fez meu coração se acelerar em pânico.

 

Jared parou, mantendo o carro escondido nos arbustos. Ele desceu e removeu as correntes e trapos, os colocando no porta-malas. Ele voltou e foi em frente com o carro, checando cuidadosamente para garantir que a estrada estava vazia. Ele esticou a mão para acender os faróis.

 

“Espera.” Eu murmurei. Eu não conseguia falar mais alto. Eu me sentia tão exposta aqui. “Deixe-me dirigir.”

 

Ele me olhou.

 

“Não vai dá para dizer que eu andei assim. Muitas perguntas. Eu tenho que dirigir. Você se esconda no banco traseiro e me diga aonde ir. Tem alguma coisa para você se esconder embaixo?”

 

“Okay.” Ele disse lentamente. Ele deu ré no carro e o escondeu nos arbustos. “Okay. Mas se você nos levar a algum outro lugar eu...”

 

Oh! Melanie estava impaciente com suas duvidas, assim como eu.

 

Minha voz estava inexpressiva. “Atira em mim.”

 

Ele não respondeu. Ele saiu, deixando o carro ligado. Eu deslizei para o banco do motorista. Eu ouvi o porta-malas bater. Jared sentou no banco traseiro, um grosso cobertor nas mãos.

 

“Vire a esquerda na próxima.” Ele disse.

 

O carro era automático, mas já tinha tanto tempo que eu não dirigia que eu estava insegura. Eu movia o carro com cuidado, satisfeita de ainda lembrar como dirigir. A estrada ainda estava vazia.

 

Eu virei a esquerda, meu coração reagindo ao espaço aberto novamente.

 

“Luzes.” Jared disse. Sua voz veio de baixo.

 

Eu procurei até encontrar o botão. Elas pareceram terrivelmente brilhantes.

 

Nós não estávamos longe de Tucson – eu podia ver um brilho amarelado contra o céu. As luzes da cidade a frente.

 

“Você podia dirigir um pouco mais rápido.’

 

“Eu estou bem no limite.” Eu protestei.

 

Ele pausou por um minuto. “Almas não correm?”

 

Eu ri. O som ligeiramente histérico. “Nós obedecemos todas as leis, incluindo as de transito.”

 

As luzes viraram mais do que um brilho – viraram pontos individuais de luz. Placas verdes informavam as opções.

 

“Pega a pista Ina.”

 

Eu segui suas instruções. Ele manteve a voz baixa apesar de que, da forma que estávamos isolados, ambos podíamos estar gritando.

 

Era difícil estar na cidade desconhecida. Ver casas e apartamentos e lojas com placas acesas. Saber que eu estava cercada, em menos numero. Eu imaginei como devia ser a sensação para Jared. Sua voz estava absolutamente calma. Mas ele havia feito isso antes, muitas vezes.

 

Outros carros estavam na pista agora. Quando as suas luzes iluminaram o meu para brisa ei estremeci com terror.

 

Não entra em pânico Wanda. Você tem que ser forte para Jamie. Isso não vai funcionar se você não conseguir se controlar.

 

Eu posso. Eu consigo.

 

Eu me concentrei em Jamie, e minhas mãos ficaram mias firmes no volante.

 

Jared me guiou pela cidade, quase toda dormindo. A instalação de Cura era bem pequena. Devia ter sido um prédio médico – com consultórios médicos, e não um hospital de verdade. As luzes eram brilhantes na maioria das janelas e pelo vidro da frente. Eu podia ver uma mulher atrás de uma mesa de recepção. Ela não olhou para as luzes do meu carro.

 

Eu dirigi até o canto mais escuro do estacionamento. Deslizei os braços pelas alças da mochila. Não era nova, mas estava em bom estado.

 

Perfeito.

 

Só havia mais uma coisa a fazer.

 

“Rápido, me dá a faca.”

 

“Wanda...Eu sei que você realmente ama o Jamie, mas você não é uma lutadora.”

 

“Não para eles Jared. Eu preciso de um ferimento.”

 

Ele quase engasgou. “Você tem um ferimento. É o suficiente.”

 

“Eu preciso de um como o do Jamie. Eu não sei nada sobre Cura. Eu preciso ver exatamente o que eles irão fazer. Eu já teria feito um, mas eu não tinha certeza se conseguiria dirigir.”

 

“Não. De novo não.”

 

“Dá para mim agora. Alguém vai notar se eu não entrar logo.”

 

Jared pensou sobre isso rapidamente. Ele era o melhor, como Jeb havia dito, por que ele conseguia ver o que devia ser feito e fazia rápido. Eu ouvi o som da faca saindo da bainha.

 

“Seja cuidadosa. Não muito profundo.”

 

“Você quer fazer?”

 

Ele puxou o ar com força. “Não.”

 

“Okay.”

 

Eu peguei a feia faca. O cabo era pesado e era muito afiada, na ponta era ligeiramente encurvada. Eu nem queria pensar direito sobre isso. Não podia dar a chance de ser covarde. O braço, não as pernas. Foi tudo que eu pausei para pensar. Meus joelhos estavam cicatrizados. Eu não queria ter que esconder isso também.

 

Eu ergui o braço direito, minha mão estava tremendo. Eu a apoiei contra a porta e virei a cabeça para morder o apoio de cabeça. Eu segurava a faca meio desajeitada, mas com firmeza. Eu pressionei a ponta contra a pele do antebraço para não perder o ponto. Então eu fechei os olhos.

 

Jared estava respirando fundo demais, ele ia querer me parar se eu não fosse rápida.

 

Só finge que é uma pá furando a terra. Eu disse a mim mesma.

 

Eu enfiei a faca no meu braço.

 

O apoio abafou o grito, mas mesmo assim foi alto o bastante. A faca caiu da minha mão – escorregando doentiamente pelo músculo – e caiu no chão.

 

“Wanda!” Jared gemeu.

 

Eu ainda não podia responder. Eu tentei engolir os outros gritos que eu sentia vindo. Eu estava certa ao pensar que eu não conseguiria dirigir depois disso.

 

“Deixa eu ver!”

 

“Fique aqui.” Eu gemi. “Não se move.”

 

Eu ouvi o cobertor se mexer apesar do meu aviso. Eu ergui o braço esquerdo e abri a porta. A mão de Jared chegou a encostar nas minhas costas enquanto eu saia do carro. Não me segurando, mas confortando.

 

“Eu já volto.” Eu disse baixo e chutei a porta para fechar.

 

Eu fui tropeçando em meus próprios pés pelo estacionamento, lutando contra a náusea e o pânico. Eles pareciam se equilibrar – um impedindo do outro tomar conta. A dor não era tão forte – ou melhor eu não a sentia mais como antes. Eu estava entrando em choque. Muitas dores, muito próximas. Liquido quente escorria pelos meus dedos, pingando no chão. Eu me perguntava se seria capaz de mover aqueles dedos novamente. Eu estava com medo de tentar.

 

A mulher atrás da mesa da recepção – meia idade, pele chocolate e alguns fios brancos no cabelo negro – deu um salto, quando me viu passando pela porta automática, se pondo em pé.

 

“Oh, nossa. Minha nossa!” Ela agarrou um microfone, e as próximas palavras dela ecoaram pelo teto.

 

“Curadora Pontos! Eu preciso de você na recepção! É uma emergência!”

 

“Não!” eu tentei falar calmamente, mas eu hesitei. “Eu estou bem. Só um acidente.”

 

Ela colocou o microfone na mesa e se apressou até onde eu estava me balançando. Seu braço foi para minha cintura.

 

“Querida, o que aconteceu com você?”

 

“Tão descuidada.” Eu murmurei. “Eu estava andando… eu caí nas rochas...depois do jantar..... eu estava limpando, uma faca na mão....

 

Minha hesitação pareceu parte do choque para ela. Ele não me olhou com suspeita ou com humor, como Ian às vezes fazia quando eu mentia, só com preocupação.

 

“Tadinha. Qual o seu nome?”

 

“Esferas de Vidro.” Eu disse, usando um nome genérico para alguém que teria vivido com os Ursos.

 

“Okay Esfera de Vidro. A Curadora já vem. Você ficará bem em um minuto.”

 

Eu não me sentia em pânico mais. A mulher gentil acariciava minhas costas, me confortando. Tão gentil, tão cuidadosa. Ela nunca me machucaria.

 

A Curandeira era uma mulher jovem. Sua pele, cabelo e olhos eram todos de tons parecidos de marrom. Ela parecia diferente – monocromática. Ela usava roupas marrons, o que só aumentava essa impressão.

 

“Uau,” ela disse, “Eu sou a Curadora Pontos de Fogo. Eu vou te ajeitar rapidinho. O que acontece?”

 

Eu contei minha história novamente enquanto as duas mulheres me guiavam pelo corredor e então dentro da primeira porta.

 

Eles me deitaram em uma cama coberta com papel.

 

O quarto era familiar. Eu só havia estado uma vez em um lugar desses, mas a infância de Melanie era cheia de memórias assim. As paredes brancas, o armário, a pia onde a Curandeira lavava as mãos...

 

“Primeiro o mais importante.” Pontos de Fogo disse animada. Ela abriu o armário. Eu tentei me focar, eu sabia que isso era importante. O armário estava cheio de fileiras e mais fileiras de cilindros brancos. Ela pegou um, o alcançando sem ter que procurar. Ela sabia o que queria. O cilindro pequeno tinha um rotulo, mas eu não conseguia ler. “Um pouco de Sem Dor deve ajudar, não acha?”

 

Eu vi o rotulo de novo quando ela abriu a tampa. Duas palavras curtas. Sem Dom? Era isso que estava escrito?

 

“Abra a boca, Esferas de Vidro.”

 

Eu obedeci. Ela pegou um quadrado pequeno e fino – parecido com papel – e pôs na minha boca. Se dissolveu imediatamente. Não tinha gosto nenhum. Eu engoli automaticamente.

 

“Melhor?” A Curandeira perguntou.

 

E estava. Já estava. Minha cabeça estava clara – eu conseguia me concentrar sem dificuldade. A dor havia sumido junto do quadradinho. Desapareceu completamente. Eu pisquei, chocada.

 

“Sim.”

 

“Eu sei que você se sente ótima agora, mas por favor não se mova. Seus ferimentos não foram tratados ainda.

 

“Sem problemas.”

 

“Ceruleana. Você poderia nos arrumar um pouco de água? A boca dela parece seca.”

 

“Agora mesmo, Curadora Pontos.”

 

A mulher mais velha deixou o quarto.

 

A Curandeira virou de costas, se voltando para o armário, abrindo outra porta dessa vez, também cheio de cilindros brancos. “Aqui.” Ela pegou um no topo de uma pilha, então pegou outro do outro lado.

 

Quase como se ela estivesse me ajudando a cumprir minha missão, ela dizia os nomes em voz alta conforme os pegava.

 

“Limpar – Dentro e Fora...Curar....Fechar... Ah, cadê....ah, aqui, Suavizar. Não queremos uma cicatriz nesse belo rosto não é verdade?”

 

“Hmm..Não.”

 

“Não se preocupe. Você ficará perfeita novamente.”

 

“Obrigada.”

 

“O prazer é meu.”

 

Ela se inclinou sobre mim com outro cilindro branco. A tampa abriu com um ‘pop’, um spray aerossol, esse era. Ela aplicou o spray no meu antebraço primeiro, cobrindo o ferimento com uma nevoa clara e sem cheiro.

 

“Cura deve ser uma profissão muito satisfatória.” Minha voz soava perfeita. Interessada, mas não muito forçada. “Eu não havia estado em um Hospital desde a inserção. Isso é muito interessante.”

 

“É, eu gosto muito.” Ela começou a aplicar o spray no meu rosto.

 

“O que você está fazendo agora?”

 

Ela sorriu. Eu imagino que eu não havia sido a primeira alma curiosa. ‘Isso é o Limpar. Vai garantir que nada estranho fique no ferimento, Mata qualquer tipo de micróbio que possa infectar o ferimento.

 

“Limpar.” Eu repeti para mim mesma.

 

“E o Limpar Dentro, só para o caso de algo ter entrado no seu sistema. Inale isso, por favor.”

 

Ela tinha outro cilindro na mão, uma garrafinha fina. Ela apertou e uma nuvem de nevoa apareceu a minha frente. Eu respirei fundo. A nuvem tinha gosto de hortelã.

“E esse é o Curar.” Ela continuou, abrindo a tampa de outro cilindro. “Ele encoraja seus tecidos a se refazerem, a crescer da forma que deviam.”

 

Ela pôs algumas poças gotas do liquido claro no corte do meu braço, então juntou as beiradas do ferimento. Eu podia sentir o toque dela, mas nenhuma dor.

 

“Vai estar fechado antes de eu ir para o próximo passo.” Ela abriu outro container, esse um tubo, e apertou uma fileira grossa de geléia clara em seu dedo. “Como cola.” Ela me disse. “Segura qualquer coisa, e deixa o Curar fazer o trabalho dele.” Ela passou o gel no meu braço. “Okay, você pode mover o braço agora. Ele está bom.”

 

Eu o levantei para ver. Uma linha rosa clara era visível por baixo do gel. O sangue ainda estava úmido no meu braço, mas não havia fonte mais. Enquanto eu olhava, a Curandeira limpou minha pele com um pano.

 

“Vire o seu rosto para esse lado, por favor. Hmmm, você deve acertado aquelas rochas exatamente do jeito errado. Que sujeira.”

 

“É, Foi uma queda feia.”

 

“Bem, ainda bem que você foi capaz de dirigir até aqui.”

 

Ela estava pingando Curar no meu rosto levemente, espalhando com as pontas do dedo. “Ah.. eu amo assistir ele funcionar. Já está muito melhor. Okay… nas bordas.” Ela sorriu para si mesma. “Talvez um pouco mais. Eu quero apagar isso aqui.” Ela trabalhou por mais um minute. “Muito bom.”

 

“Aqui, um pouco de água.” A mulher mais velha disse ao entrar.

 

“Obrigada.”

 

“Me avise se precisar de mais alguma coisa. Eu estarei na frente.”

 

“Obrigada.”

 

Ceruleana partiu. Eu me perguntava se ela era do Planeta das Flores. Flores azuis são raras– alguém certamente gostaria de ter um nome desses.

 

“Você pode se sentar agora. Como você se sente?”

 

Eu me ergui. “Perfeita.” E era verdade. Eu não me sentia tão saudável em muito tempo. A mudança brusca de dor para a tranqüilidade fazia a sensação ainda mais poderosa.

 

“Exatamente como devia ser. Okay, vamos passar um pouco de Suavizar.”

 

Ela abriu o último cilindro e derramou um pouco de pó na mão. Ela passou na minha bochecha e então outro punhado no meu braço.

 

“Você sempre vai ter uma pequena linha no seu braço.” Ela disse. “Como o seu pescoço. Um ferimento profundo..” Ela deu de ombros. Distraída ela afastou o cabelo do meu pescoço e examinou a cicatriz. “Isso foi bem feito. Quem era o seu Curador?”

 

“Um... Face em Direção ao Sol,” Eu disse, usando o nome de um dos meus ex-alunos. “Eu estava em Eureka, Montana. Eu não gostei do frio. Mudei para o Sul.”

 

Tantas mentiras. Eu senti um nó de ansiedade no estomago.

 

“Eu comecei no Maine.” Ela disse, não notando nada em minha voz. Enquanto ela falava ela limpava o sangue do meu pescoço. “Era muito frio para mim também. Qual a sua Profissão?”

 

“Um... Eu sirvo comida. Em um restaurante mexicano em.. Phoenix. Eu gosto de comida temperada.”

 

“Eu também.” Ela não me olhava estranho. Ela limpava minha bochecha agora.

 

“Muito bom. Nada com o que se preocupar Esferas de Vidro. Seus rosto está ótimo.”

 

“Obrigada Curadora.”

 

“Claro. Você gostaria de um pouco de água?”

 

“Sim, obrigada.” Eu tinha que me controlar. Não me ajudaria virar o copo do jeito que eu queria. Eu não consegui, no entanto, evitar virar de uma vez. O gosto era tão bom.

 

“Quer mais?”

 

“Eu.. sim, seria bom. Obrigada.”

 

“Eu já volto.”

 

No segundo que ela partiu, eu saí do colchão. O papel fez barulho, mas ela não voltou. Eu só tinha segundos. Ceruleana levou alguns minutos para pegar a água. Talvez a Curandeira levasse esse tempo também. Talvez.

 

Eu tirei a mochila do ombro, a abri bem. Eu comecei com a segunda porta. Havia uma coluna de Curar. Eu empurrei a coluna inteira para dentro da mochila.

 

O que eu diria se eles me pegassem? Que mentira eu poderia dizer?

 

Em seguida eu peguei os dois tipos de Limpar na primeira porta. Havia uma segunda pilha atrás da que eu peguei, e eu peguei a metade dela também. Então o Sem Dor, as duas pilhas desses. Eu estava prestes a pegar o Fechar, quando a etiqueta da pilha próxima me chamou a atenção.

 

Resfriar. Para febre? Não havia instruções, só a etiqueta. Eu peguei o estoque. Nada aqui machucaria um humano, eu tinha certeza.

 

Eu peguei todo o Fechar, e duas latas de Suave. Eu nã0o podia forçar mais a minha sorte. Eu fechei o armário e coloquei a mochila nas costas. Eu me apoiei no colchão, fazendo mais barulho. Eu tentei parecer relaxada.

 

Ela não voltou.

 

Eu olhei o relógio. Havia passado um minuto. O quão longe estava a água?

 

Dois minutos.

 

Três minutos.

 

As minhas mentiras teriam sido tão obvias para ela como foram para mim?

 

Suor começou a brotar na minha testa. Eu limpei rapidamente.

 

E se ela trouxesse de volta uma Rastreadora?

 

Eu pensei na pequena pílula no meu bolso, e minhas mãos tremeram. Eu podia fazer, claro. Por Jamie.

 

Eu ouvi passos baixos, duas pessoas, vindo pelo corredor.

 

                                       Bem Sucedida

 

A Curandeira Pontos de Fogo e Ceruleana passaram pela porta juntas. A Curandeira me passou um copo alto de água. Não estava tão fresca quanto a primeira – minhas mãos estavam frias de medo agora. A mulher de pele escura tinha algo para mim também. Ele me passou um retângulo fino.

 

“Eu achei que você gostaria de ver.” Pontos de Fogo disse com um sorriso caloroso.

 

A tensão passou. Não havia suspeita ou medo. Só mais bondade de almas que dedicavam suas vidas à Cura.

 

Ceruleana me passou um espelho.

 

Eu me olhei nele e tentei suprimir o esgar de surpresa.

 

Meu rosto estava exatamente como eu me lembrava em São Diego. O rosto que eu não dava muito valor lá. A pele estava macia e rosada no lado direito. Se eu olhasse com cuidado estava só um pouco mais clara e mais rosada do que o bronzeado da outra bochecha.

 

Era o rosto que pertencia a Wanderer, a alma. Pertencia a esse lugar civilizado, onde não havia violência e nem horror.

 

Eu percebi o porquê era tão fácil mentir para essas criaturas gentis. Por que parecia certo falar com eles, eu entendia a comunicação e as suas regras. As mentiras podiam ser... DEVIAM ser verdades. Eu devia estar cumprindo meu Chamado em algum lugar, seja ensinando em alguma Universidade ou servindo comida em um restaurante. Uma vida fácil e pacifica de retribuição para o Bem Maior.

 

“O que você acha?” a Curandeira perguntou.

 

“Eu pareço perfeita. Obrigada.”

 

“Foi meu prazer te curar.”

 

Eu olhei para meu reflexo novamente, vendo detalhes além da perfeição. Meu cabelo estava bagunçado – sujo e com pontas irregulares. Não estava brilhante – o sabão caseiro e a má nutrição eram os culpados. Apesar de a Curandeira ter limpado o sangue do meu pescoço eu ainda tinha umas manchas de poeira roxa.

 

‘Eu acho que é melhor encerrar o acampamento. Eu preciso me limpar.” Eu murmurei.

 

“Você sempre acampa?”

 

“Eu todo o meu tempo livre ultimamente. Eu não consigo ficar longe do deserto.”

 

“Você deve ser corajosa. Eu acho a cidade muito mais confortável.”

 

“Não corajosa – só diferente.”

 

No espelho, meus olhos eram familiares. Cinza escuro do lado de fora, um circulo de verde grama, e outro circulo em voltas da pupila de marrom caramelo. Embaixo de tudo isso,, um brilho fraco de prata que refletiria a luz fortemente.

 

Jamie? Melanie perguntou com urgência, começando a se sentir nervosa. Eu estava confortável demais ali. Ela podia ver o caminho lógico a minha frente, e isso a assustava.

 

Eu sei quem eu sou. Eu disse a ela.

 

Eu pisquei, então olhei para os rostos amigáveis ao meu lado.

 

“Obrigado.” Eu disse novamente a Curandeira. “Eu acho que é melhor eu ir.”

 

“Está muito tarde. Você poderia dormir aqui se quiser.”

 

“Eu não estou cansada. Eu me sinto... perfeita.”

 

A Curandeira sorriu. “Sem Dor faz isso.”

 

Ceruleana me acompanhou até a área da recepção. Ela colocou a mão sobre meu ombro enquanto passávamos pela porta.

 

Meu coração bateu mais rápido. Teria ela notado que minha mochila, antes vazia, estava inchada agora?

 

“Seja mais cuidadosa querida.” Ela disse e deus tapinhas no meu braço.

 

“Eu serei. Nada de caminhadas no escuro.”

 

Ela sorriu e voltou para sua mesa.

 

Eu mantive o passo tranqüilo mesmo enquanto andava pelo estacionamento. Eu queria correr. E se a Curandeira olhasse no armário? Quanto tempo ela levaria para perceber que estava pela metade?

 

O carro ainda estava ali, na escuridão. Parecia vazio.

 

Minha respiração ficou rápida e desigual. Claro que pareceria vazio. Essa era a idéia. Mas meus pulmões não se acalmaram até eu poder ver a vaga forma por baixo do cobertos no banco traseiro. Eu abria porta e coloquei a mochila no banco do passageiro – ela se acomodou com um barulho calmante de latas – então eu sentei e fechei a porta. Não havia ração para travar as portas. Eu ignorei o instinto.

 

“Você está bem?” Jared suspirou assim que a porta fechou. Sua voz estava abafada, ansiosa, contida.

 

“Shh.” Eu fiz, mantendo meus lábios o mais sem movimento que eu pude. “Espera.”

 

Eu dirigi pela entrada e acenei de volta quando Ceruleana me cumprimentou.

 

“Fazendo amigos?”

 

Nós estávamos na rua escura agora. Ninguém me observava mais. Eu afundei mais no banco. Minhas mãos começaram a tremer. Agora eu podia permitir isso. Agora que havia conseguido.

 

“Todas as almas são amigas.” Eu disse a ele, usando meu volume normal.

 

“Você está bem?” ele perguntou novamente.

 

‘“Eu estou curada.”

 

“Deixe-me ver.”

 

Eu estiquei o braço para trás para que ele pudesse ver a minúscula linha rosa.

 

Ele inspirou surpreso.

 

O cobertor foi afastado, ele sentou e passou para o banco da frente passando pelo espaço entre os dois bancos. Ele pegou a mochila no colo, testando o peso.

 

Ele olhou para mim bem quando passávamos sob um poste, então ele suspirou surpreso.

 

“Seu rosto!”

 

“Foi curado também, naturalmente.”

 

Ele ergueu uma mão, mantendo a no ar perto da minha bochecha, inseguro. “Dói?”

 

“Claro que não. Nem parece que aconteceu nada.”

 

Seus dedos tocaram a pele nova. Pinicou, mas isso foi por causa do toque dele. Então ele voltou aos negócios.

 

“Eles suspeitaram de alguma coisa? Você acha que eles chamarão os Rastreadores?”

 

“Não. Eu disse que eles não suspeitariam. Eles nem conferiram meus olhos. Eu estava machucada, eles me curaram.” Eu dei de ombros.

 

“O que você pegou?” ele perguntou, abrindo o zíper da mochila.

 

“As coisas certas para o Jamie... se nós voltarmos a tempo...” Eu espiei o relógio no painel automaticamente, apesar da hora que ele marcava não significar nada. “E mais para o futuro. Eu somente peguei o que eu entendia.”

 

“Nós vamos voltar a tempo.” Ele prometeu. Ele examinava os cilindros brancos. “Suave?”

 

“Não uma necessidade. Mas eu sei o que faz, então...”

 

Ele assentiu, fuçando mais no fundo. Ele murmurava os nomes para si mesmo. “Sem Dor? Funciona?”

 

Eu ri. “É incrível. Se você se esfaquear, eu podia te mostrar…. Isso foi uma piada.”

 

“Eu sei.”

 

Ele estava me encarando com uma expressão que eu não entendi. Seus olhos muito abertos, como se algo o tivesse surpreendido profundamente.

 

“O que?” Minha piada não foi assim TÃO ruim.

 

“Você conseguiu.” Seu tom cheio de incredulidade.

 

“Não era essa a idéia?”

 

“Sim, mas... eu acho que não realmente achava que nós íamos conseguir.”

 

“Não? Então por que...? Por que me deixou tentar?”

 

Ele respondeu em um suave quase-suspiro. “Eu decidi que era melhor morrer tentando do que viver sem o garoto.”

 

Por um momento minha garganta estava inchada de emoção. Mel estava muito tomada de emoção para falar. Nós éramos uma família naquele instante. Todos nós.

 

Eu limpei a garganta. Não havia necessidade de senti algo que não daria em nada.

 

“Foi muito fácil. Provavelmente qualquer um de vocês poderia fazer isso, se agissem naturalmente. Ele olhou o meu pescoço.” Eu a toquei sem perceber. “Sua cicatriz é muito obviamente caseira, mas com os remédios que eu trouxe Doc podia consertar isso.”

 

“Eu duvido que qualquer um de nós poderia agir tão naturalmente”

 

Eu assenti. “É, É fácil para mim. Eu sei o que eles esperam.” Eu ri brevemente para mim mesma. “Eu sou um deles. Se vocês confiassem em mim, eu provavelmente podia conseguir qualquer coisa no mundo que vocês quisessem.” Eu ri novamente. Era só o estresse passando, me deixando aérea. Mas era engraçado para mim. Será que ele percebia que eu faria exatamente o mesmo por ele: Qualquer coisa no mundo que ele quisesse.

 

“Eu confio em você.” Ele murmurou. “As nossas vidas, eu confio em você.”

 

Ele confiou em mim, todas aquelas vidas humanas. A dele, de Jamie, e de todo o resto.

 

“Obrigada.” Eu murmurei de volta.

 

“Você conseguiu.” Ele repetiu maravilhado.

 

“Nós vamos salva-lo.”

 

Jamie vai viver. Mel regojizava. Obrigada Wanda.

 

Qualquer coisa por eles. Eu a disse, e então suspirei por ser tão verdade.

 

Após reatar os trapos e correntes quando alcançamos o deserto, Jared assumiu o volante. O caminho era familiar para ele, e ele dirigia mais rápido do que eu conseguiria. Ele me fez descer antes de colocar o carro naquele espaço impossivelmente pequeno embaixo da rocha. Eu esperei pelo som de metal contra pedra, mas Jared conseguiu.

 

E então estávamos de volta ao jipe e voando pela noite. Jared ria triunfante, enquanto nós cruzávamos o deserto, e o vento levava sua voz.

 

“Cadê a venda?” eu perguntei.

 

“Pra que?”

 

Eu o olhei.

 

“Wanda, se você quisesse nos entregar, você teve a sua chance. Ninguém pode negar que você é uma de nós.”

 

Eu pensei sobre isso. “Eu acho que alguns poderiam. Faria eles se sentirem melhores.”

 

“Esses ‘alguns’ precisam superar.”

 

Eu estava sacudindo a cabeça agora, imaginando a recepção. “Não vai ser fácil entrar. Imagine o que eles devem estar pensando agora. Pelo que eles estão esperando.”

 

Ele não respondeu. Seus olhos se apertaram.

 

“Jared… se eles… se eles não escutarem... se não esperarem..” eu comecei a falar rápido tentando passar a maior informação que eu pudesse antes que fosse tarde. “Dê a Jamie o Sem Dor primeiro – coloque na língua dele – Então o spray Limpar Dentro – ele só precisa inalar. Você vai precisar de Doc para – “

 

“Hey, ei! Você é que vai dar as instruções.”

 

“Mas deixe-me dizer como –“

 

“Não Wanda. Não vai acabar assim. Eu vou atirar em qualquer que encostar em você.”

 

“Jared –“

 

“Não entre em pânico. Eu vou mirar baixo e então você usa suas coisas para curar eles.”

 

“Se isso é uma piada, não é engraçada.”

 

“Piada nenhuma Wanda.”

 

“Cadê a venda?”

 

Ele pressionou os lábios.

 

Mas eu tinha minha camisa velha – a que Jeb me passou. Isso serviria.

 

“Isso vai fazer as coisas mais fáceis para ele nos deixarem entrar.” Eu disse enquanto dobrava a camisa. “E isso significa chegar a Jamie mais rápido.” Eu a marrei nos olhos.

 

Ficou quieto por um tempo. O jipe balançava pelo terreno irregular. Eu me lembrei de passeios noturnos assim de quando a Melanie era a passageira...

 

“Eu vou ir direto as cavernas. Há um lugar onde o jipe ficará bem escondido por um dia ou dois. Vai nos economizar tempo.”

 

Eu assenti. Tempo era a chave agora.

 

“Quase lá.” Ele disse após um minuto. Ele exalou. “Eles estão esperando.”

 

Eu ouvi ele se mover do meu lado, ouvi o barulho de metal quando ele pegou a arma do banco traseiro.

 

“Não atire em ninguém.”

 

“Não prometo.”

 

“Para!” alguém gritou. O som se ampliando no ar vazio do deserto.

 

O jipe diminuiu e então parou.

 

“Somos só nós.” Jared disse. “É, é, olha. Tá vendo? Ainda sou eu.”

 

Houve hesitação do outro lado.

 

“Olha – eu vou levar o jipe para dentro. Nós temos os remédios para Jamie, e nós estamos com pressa. Eu não ligo para o que você está pensando, você não vai ficar no meu caminho hoje.”

 

O jipe voltou a se mover. O som mudou quando ele encontrou o esconderijo.

 

“Okay, Wanda, este tudo bem. Vamos.”

 

Eu já estava com a mochila nos ombros. Eu desci do jipe com cuidado, não sabendo onde a parede era.

 

Jared pegou minhas mãos que tateavam.

 

“Para cima.” Ele disse, e me colocou no ombro de novo.

 

Eu não estava tão firme quando antes. Ele só usava uma mão para me segurar. A outra devia estar segurando a arma. Eu não gostava disso.

 

Mas eu estava preocupada o suficiente para ficar agradecida pelo fato quando eu ouvi passos correndo se aproximando.

 

“Jared, seu idiota.” Kyle gritou. “O que você estava pensando?”

 

“Pega leve, Kyle.” Jeb disse..

 

“Ela está ferida?” Ian perguntou.

 

“Sai da frente.” Jared disse, sua voz calma. “Eu estou com pressa. Wanda está perfeitamente bem, mas ela insistiu em ser vendada. Como está Jamie?”

 

“Quente.” Jeb disse.

 

“Wanda conseguiu o que ele precisa.” Nós nos movíamos mais rápido agora, descendo.

 

“Eu posso carregá-la.” Ian, claro.

 

“Ela está bem onde está.”

 

“Eu estou realmente bem.” Eu disse a Ian, minha voz falhando com o movimento de Jared.

 

Eu soube quando estávamos na caverna principal – o coro de vozes raivosas em volta de nós.

 

“Saiam da minha frente.” Jared rosnou por cima das vozes deles. “Doc está com Jamie?”

 

Eu não consegui entender a resposta. Jared podia ter me colocado no chão, mas ele estava com muita pressa para perder o segundo.

 

As vozes irritadas ecoaram atrás de nós, o som diminuindo quando entramos em um túnel menos. Eu podia sentir onde estávamos agora, seguia as voltas na minha cabeça enquanto passávamos pela junção até o terceiro corredor. Eu quase podia contar as portas conforme elas passavam por mim invisíveis.

 

Jared parou subitamente e deixou a parada me escorregar pelos ombros dele. Meu pé tocou o chão. Ele arrancou a venda dos meus olhos.

 

Nosso quarto estava iluminado co várias lâmpadas azuis. Doc estava em pé rígido, como se ele tivesse acabado de se levantar. Ajoelhada ao lado dele, Sharon, sua mão ainda segurando um pano úmido na testa de Jamie. Seu rosto estava quase irreconhecível, de tão contorcido pela fúria. Maggie estava lutando para ficar de pé do outro lado de Jamie.

 

Jamie ainda deitado solto e vermelho, seus olhos fechados, seu peito mal se movendo para pegar o ar.

 

“Você!” Sharon cuspiu, e então se inclinou. Como um gato ele pulou em cima de Jared, unhas tentando alcançar o rosto dele.

 

Jared segurou as mãos dela e as torceu para longe dele, prendendo os braços dela nas costas dela.

 

Maggie parecia que estava prestes a se juntar a filha, mas Jeb se meteu na frente ficando cara a cara com ela.

 

“Solta ela!” Doc gritou.

 

Jared o ignorou. “Wanda – cura ele!”

 

Doc se moveu para se colocar entre Jamie e eu.

 

“Doc” eu engasguei. A violência no quarto, em volta do corpo de Jamie, me assustava. “Eu preciso da sua ajuda. Por favor. Por Jamie.”

 

Doc não moveu seus olhos de Sharon e Jared.

 

“Vamos Doc.” Ian disse. O pequeno quarto estava muito cheio claustrofóbico, quando Ian veio ficar ao meu lado com a mão em meu ombro. “Você vai deixar a criança morrer por orgulho?”

 

“Não é orgulho. Você não sabe o que essas substâncias alienígenas farão com ele!”

 

“Ele não pode ficar pior do que está, pode?”

 

“Doc.” Eu disse. “Olhe para o meu rosto.”

 

Doc não foi o único que respondeu ao meu convite. Jeb, Ian e até Maggie olharam, e então deram uma segunda olhada. Maggie olhou para longe rapidamente, com raiva por ter demonstrado interesse.

 

“Como?” Doc perguntou.

 

“Eu mostrarei. Por favor. Jamie não precisa sofrer.”

 

Do hesitou, encarando meu rosto, e então deu um grande suspiro. “Ian está certo – ele nã pode ficar muito pior. Se isso o matar...” Ele moveu os ombros para cime e então os deixou cair, derrotado. Ele deu um passo para trás.

 

‘NÃO!” Sharon gritou.

 

Ninguém deu atenção a ela.

 

Eu me ajoelhei ao ledo de Jamie, tirando a mochila das costas e a abrindo. A revirei até encontrar o Sem Dor. Uma luz forte acendeu ao meu lado, apontando para o rosto de Jamie.

 

“Água. Ian?”

 

Eu girei a tampa e peguei um dos pequenos pedaços de tecido. Quando eu abri a boca de Jamie, a pele queimou na minha mão. Eu coloquei o quadrado na sua língua e ergui a mão sem olhar para cima.

 

Ian colocou uma vasilha de água nela.

 

Com cuidado, eu gotejei água o bastante para fazer o remédio descer pela garganta. O som dele engolindo era seco e doloroso.

 

Eu procurei freneticamente pela pequena garrafa spray. Quando eu a encontrei, eu tirei a tampa rapidamente e acionei o spray com um movimento rápido. Eu esperei, observando seu peito até ele inalar.

 

Eu toquei o seu rosto, e estava tão quente! Eu procurei pelo Resfriar, rezando para que fosse fácil de usar. A tampa caiu, e eu vi que o cilindro era cheio de mais quadrados de tecido, dessa vez, azul claro. Eu suspirei com alivio e coloquei um na língua de Jamie. Peguei a vasilha novamente e coloquei mais água na boca dele.

 

Ele engoliu mais rapidamente dessa vez, com menos esforço.

 

Outra mão tocou o rosto de Jamie. Eu reconheci os longos e ossudos dedos de Doc.

 

“Doc, você tem uma faca afiada?”

 

“Eu tenho um escalpo. Você quer que eu abra o ferimento?’

 

É, para eu limpar.”

 

“Eu pensei em fazer isso para drenar, mas a dor...”

 

“Ele não vai sentir nada agora.”

 

“Olha o rosto dele.” Ian se inclinou ao meu lado para suspirar.

 

O rosto de Jamie não estava mais vermelho. Estava com um tom saudável bronzeado. O suor ainda brilhava na sua testa, mas e sabia que era vestígios da febre. Doc e eu tocamos sua testa ao mesmo tempo.

 

“Está funcionando. Isso! Eu e Mel exultávamos.

 

“Maravilhoso.” Doc murmurou.

 

“A febre abaixou, mas a infecção continua na perna. Me ajuda com o ferimento, Doc.”

 

“Sharon, pega a – “ ele começou distraído. Então ele olhou para cima. “Oh. Hã, Kyle, você poderia pegar essa bolsa aí no seu pé?”

 

Eu escorreguei para baixo, para ficar de frente para o corte vermelho e inchado. Ian redirecionou a luz para que eu pudesse ver claramente.

 

Doc e eu remexemos em nossas bolsas simultaneamente. Ele pegou um escalpo prateado que me arrepiou. Eu ignorei a sensação e peguei o maior spray Limpar.

 

“Ele não vai sentir?” Doc perguntou. Hesitando.

 

“Hey.” Jamie murmurou. Seus olhos bem abertos, olhando em volta no quarto até encontrar o meu rosto. “Hey, Wanda. O que está acontecendo? O que todo mundo está fazendo aqui?”

 

                                   Cercada

 

Jamie começou a se erguer.

 

“Calma aí garoto. Como está se sentindo?” Ian se moveu para pressionar os ombros de Jamie contra o colchão.

 

“Eu me sinto... muito bem. Por que todo mundo está aqui? Eu não lembro...”

 

“Você esteve doente. Fica quieto para podermos te curar.”

 

“Posso beber um pouco de água?”

 

“Claro garoto. Aqui.”

 

Doc estava encarando Jamie com descrença.

 

Eu mal conseguia falar, minha garganta apertada de alegria. “É o Sem Dor,” eu murmurei. “A sensação é maravilhosa.”

 

“Por que Jared está dando uma chave de braço em Sharon?” Jamie murmurou para Ian.

 

“Ela está de mau humor.” Ian murmurou de volta.

 

“Fique bem quieto Jamie.” Doc avisou. “Nós vamos… limpar seu ferimento, Ok?

 

“Okay,” Jamie concordou em uma voz pequena. Ele havia notado o escalpo na mão de Doc. Ele o olhou com suspeita.

“Diz se você sente isso.” Doc disse.

 

“Se doer.” Eu acrescentei.

 

Com habilidade Doc passou o escalpo pela pele doente em um único movimento. Ambos olhamos para Jamie.Eles estava encarando o teto escuro.

 

“Isso é estranho.” Jamie disse. “Mas não dói.”

 

Doc assentiu para si mesmo e baixou o escalpo novamente, fazendo um corte profundo. Sangue vermelho e pus amarelo escuro escorreram pelo corte.

 

Assim que as mãos de Doc se afastaram eu estava aplicando o spray Limpar por toda a área. Assim que atingiu a secreção, o amarelo doentio pareceu se borbulhar. Diminuir. Quase como uma lesma atingida com sal. Derretia. Doc respirava rápido perto de mim.

 

“Olha isso.”

 

Eu passei o spray duas vezes para garantir. O vermelho da pele já havia sumido. Só o vermelho normal do sangue que fluía permanecia.

 

“Okay. Curar.” Eu murmurei. Eu encontrei o cilindro certo e passei o conteúdo na pele. O sangramento parava imediatamente onde as gotas caíam. Eu derramei metade do conteúdo, com certeza mais do que era necessário, no ferimento.

 

“Okay, une as beiradas do ferimento, Doc.”

 

Doc estava sem fala nesse ponto, apesar de sua boca estar aberta. Ele fez o que pedi, usando as duas mãos.

 

Jamie riu. “Isso faz cócegas.”

 

Os olhos de Doc se arregalaram.

 

Eu espalhei Fechar sobre a superfície, vendo com profunda satisfação as pontas se unirem e ficarem rosadas.

 

“Posso ver?” Jamie perguntou.

 

“Deixa ele levantar Ian. Quase já acabamos.”

 

Jamie se ergueu nos cotovelos, seus olhos brilhantes e curiosos. Seu cabelo sujo e suado grudado na cabeça não combinava com o brilho saudável da sua pele.

 

“Veja, eu coloco isso,” eu disse, passando o pó brilhantes pelos cortes, “e a cicatriz fica bem leve, assim.” Eu mostrei a ele a minha cicatriz no braço.

 

Jamie riu. “Mas cicatrizes não impressionam as garotas? Onde voc~e arrumou essas coisas Wanda? É tipo mágica.”

 

“Jared me levou em uma Pilhagem.”

 

“Sério? Isso é o máximo!”

 

Doc tocou o resíduo do pó brilhante na minha mão e levou o dedo ao nariz.

 

“Você devia ter a visto.” Jared disse. “Ela foi incrível.”

 

Eu me surpreendi ao ouvir a voz dele tão perto atrás de mim. Eu olhei procurando Sharon automaticamente, e só consegui pegar um reflexo vermelho deixando o quarto. Maggie bem ao lado dela.

 

Que triste. Assustador. Ter tanto ódio que não consegue nem se alegrar com a cura de uma criança…. Como alguém chega a esse ponto?

 

“Ela entrou direto no hospital, direto para a alienígena lá e pediu para els tratarem os ferimentos dela, toda corajosa. Então quando eles não estavam olhando, ele roubou ele bem embaixo do nariz deles!” Jared fazia a história parecer mais excitante. Jamie estava adorando, seu sorriso enorme. “Saiu de lá com remédio suficiente para durar um bom tempo. Ela até acenou para o inseto atrás do balcão enquanto dirigia indo embora.”

 

Jared riu.

 

Eu não poderia fazer isso por eles. Melanie disse, subitamente deprimida. Você é mais valiosa para eles do que eu seria.

 

Shh Eu disse. Essa não era hora de tristeza ou ciúme. Só alegria. Eu não estaria aqui para ajudar se não fosse você. Você o salvou também.

 

Jamie me olhava com olhos grandes.

 

“Não foi assim tão excitante.” Eu o disse. Ele pegou minha mão apertando-a, meu coração inchou de gratidão e amor. “Foi muito fácil. Eu sou um inseto também afinal de contas.”

 

“Eu não quis dizer –“ Jared começou a se desculpar.

 

Eu acenei afastando o seu protesto. Sorrindo.

 

“Como você explicou o machucado no seu rosto?” Doc perguntou. “Eles não perguntaram por que você não –“

 

“Eu tinha que ter ferimentos frescos, claro. Eu tive o cuidado de não deixar nada suspeito. Eu os disse que caí com uma faca na mão.” Eu cutuquei Jamie com o cotovelo. “Podia acontecer com qualquer um.”

 

Eu realmente estava voando alto agora. Tudo parecia brilhar de dentro – os tecidos, os rostos, as paredes. A multidão a minha volta e fora do quarto começou a murmurar perguntas mas esse som era só um assobio no meu ouvido – como o som que fica ecoando após um sino ser tocado. Um tremor no ar.

 

Nada parecia real além do circulo das pessoas que eu amava. Jamie e Jared e Ian e Jeb. Até Doc pertencia a esse momento perfeito.

 

“Ferimentos frescos?” Ian perguntou.

 

Eu o encarei surpresa pela raiva em sua voz.

 

“Foi necessário. Eu tinha que esconder minha cicatriz. E aprender como curar Jamie.”

 

Jared pegou o meu pulso esquerdo e passou o dedo levemente pela linha rosa claro a alguns centímetros acima do pulso.

 

“Foi horrível.” Ele disse, todo o humor sumido de sua voz. “Ela quase arranca a mão. Eu pensei que ele nunca a usaria novamente.”

 

Os olhos de Jamie se arregalaram. “Você SE cortou?’

 

Eu apertei sua mão. “Não fique ansioso – não foi assim tão ruim. Eu sabia que logo seria concertado.”

 

“Vocês deviam tê-la visto.” Jared repetiu baixo, ainda passando o dedo pelo meu braço.

 

Os dedos de Ian passaram pelo meu rosto acariciando a bochecha. Era gostoso e eu inclinei o rosto em direção a mão dele, que ele deixou ali. Eu me perguntei se era o Sem Dor ou só a alegria de ter salvo Jamie que fazia tudo brilhar e mais aconchegante.

 

“Nada de Pilhagens mais para você?” Ian murmurou.

 

“Claro que ela vai sair de novo.” Jared disse, sua voz alta com surpresa. “Ian, ela foi absolutamente fenomenal. Você teria que ter visto para entender. Eu só estou começando a enxergar as possibilidades –“

 

“Possibilidades?” A mão de Ian escorregou pelo meu pescoço até meu ombro., Ele me puxou para mais perto dele, me afastando de Jared. “E qual o custo para ela? Você DEIXOU ela quase ARRANCAR sua própria MÃO?” Seus dedos se flexionava no meu braço a cada inflexão.

 

A raiva não combinava com o brilho. “Não Ian, não foi bem assim.” Eu disse. “Foi minha idéia. Eu tinha que fazer.”

 

“É claro que foi idéia sua.” Ian grunhiu. “Você faria qualquer coisa... Você não tem LIMITES quando se trata desses dois. Mas Jared não devia ter deixado você –“

 

“De que outra forma havia Ian?” Jared discutiu. Você tinha um plano melhor? Você acha que ela ficaria mais feliz sem se machucar mas com Jamie morto?”

 

Eu estremeci ante o pensamente horrível.

 

A voz de Ian estava menos hostil quando ele respondeu. “Não. Mas eu não entendo como você ficou ali sentado vendo ela fazer isso com ela mesma.” Ian sacudiu a cabeça com desgosto, e os ombros de Jared caíram em resposta. “Que tipo de homem –“

 

“O tipo prático.” Jeb interrompeu.

 

Todos nós olhamos para cima. Jeb estava acima de nós, uma grande caixa em seus braços.

 

“É por isso que Jared é o melhor para nos conseguir o que precisamos. Por que ele consegue fazer o que tem que ser feito. Oi assistir o que tem que ser feito. Mesmo quando assistir é mais difícil do que fazer.”

 

“Agora, eu sei que está mais perto do café da manhã do que da janta, mas eu imagino que alguns de vocês não comem há um bom tempo.” Jeb continuou, mudando de assunto sem sutileza. “Com fome garoto?”

 

“uh... eu não tenho certeza.” Jamie admitiu. “Eu me sinto vazio, mas não é uma sensação... ruim.”

 

“É o Sem Dor.” Eu disse. “Você devia comer.”

 

“E beber.” Doc disse. “Você precisa de líquido.”

 

Jeb deixou a caixa cair no colchão. “Achei que ia ser bom termos uma celebração. Sirvam-se.”

 

“Uau, hmm.”Jamie disse pescando no conteúdo da caixa cheia de comida desidratada, do tipo que se usa ao acampar.

 

“Spaghetti, excelente.”

 

“Salgadinhos de Frango ao alho.” Jeb disse. “Eu sento um bocado de falta de alho – mas ninguém sente falta do meu hálito com certeza.” Ele riu.

 

Jeb estava preparado, com garrafas de água e fornos portáteis. As pessoas começaram a se juntas no espaço pequeno. Eu estava espremida entre Jared e Ian, e puxei Jamie para o meu colo.

 

Apesar de ser muito velho para isso ele não protestou. Ele devia sabe o quanto era importante para nós – Mel e eu – sentirmos ele vivo e saudável em nossos braços.

 

O circulo brilhante aumentou, englobando todos na janta atrasada, fazendo deles família também. Todos esperavam contentamente Jeb preparar as delicias inesperadas, e sem pressa. Medo foi substituído com alivio e boas notícias. Até Kyle, comprimido em um pequeno espaço do outro lado do irmão, não era mau vindo no circulo.

 

Melanie suspirou contente. Ela estava vivamente consciente do calor do garoto em meu colo e do toque do homem que ainda tinha as mãos no meu braço. Ela nem estava chateada pelo braço de Ian em meu ombro.

 

“Você está sentindo o Sem Dor também. Eu zombei.

 

Eu não acho que isso seja o Some Dor. Para nenhum de nós duas.

 

É, eu sei. Isso é tudo o que eu nunca tive.

 

Isso é muito do que eu perdi.

 

O que era isso que fazia desse amor humano muito mais desejável para mim do que o amor dos de minha espécie? Seria por ser mais exclusivo e caprichoso? As almas ofereciam amor e aceitação para todos. Será que eu desejava algo mais desafiador? Esse amor era traiçoeiro; não tinha regras – podia ser dado de graça, como com Jamie, ou conquistado arduamente com o tempo, como com Ian, ou completamente arrasador e incontrolável, como com Jared.

 

Ou era simplesmente melhor? Como os humanos podiam odiar com muita fúria não seria o outro lado da moeda da mesma forma intensa? Amar com mais coração e zelo e fogo?

 

Eu não sabia por que eu havia desejado isso tão desesperadamente. Tudo o que eu sabia era que agora que eu havia conquistado, valeu cara risco e agonia que custou. Era melhor do que eu imaginava.

 

Era tudo.

 

Quando toda a comida foi preparada e consumida, a hora tarde – ou melhor, cedo – nos alcançou.

 

As pessoas se arrastaram para as seus quartos, suas camas. Conforme eles iam o espaço foi liberando. Os que ficaram foram se acomodando onde desse espaço. Gradualmente nós fomos nos inclinando até estamos na horizontal. Minha cabeça fazia o estomago de Jared de travesseiro, sua mão eventualmente acariciava o meu cabeço. O rosto de Jamie no meu peito, seus braços em meu pescoço. Um dos meus braços em volta de seu ombro. A cabeça de Ian no meu estomago, e ele segurava minha mão em seu rosto. Eu podia senti a longa perna de Doc esticado perto da minha, seu pé no meu quadril. Doc estava dormindo – eu podia ouvi-lo roncar. Eu bem podia estar tocando Kyle em algum lugar.

 

Jeb estava esparramado na cama. Ele arrotou e Kyle riu.

 

“A noite foi melhor do que eu esperava. Eu gosto quando o pessimismo não dá em nada.” Jeb disse. “Obrigada Wanda.’

 

“Mmm.” Eu assenti, meio dormindo.

 

“Da próxima vez que ela for Pilhar...” Kyle disse de algum lugar do outro lado de Jared. Um enorme bocejo interrompeu a frase. “Da próxima vez que ela for Pilhar, eu vou junto.”

 

“Ela não vai de novo.” Ian respondeu, seu corpo ficando tenso. Eu acariciei o rosto dele, tentando o acalmar.

 

“Claro que não.” Eu murmurei para ele. “Eu não tenho que ir a lugar nenhum a não que que seja necessário. Eu não ligo de ficar aqui.”

 

“Eu não estou falando de te manter prisioneira Wanda.” Ian explicou irritado. “Você pode ir aonde quiser se depender de mim. Fazer cooper na Estrada se quiser. Mas não Pilhagens. Eu estou falando de te manter salva.”

 

“Nós precisamos dela.” Jared disse, sua voz mais dura do que eu queria ouvir.

 

“Nós passamos bem por dificuldades sem ela antes.”

 

“Bem? Jamie teria morrido sem ela. Ela pode nos conseguir coisas que ninguém mais conseguiria.”

 

“Ela é uma pessoa Jared, não uma ferramenta.”

 

“Eu sei disso. Eu não disse que –“

 

“A decisão é da Wanda, não acham?” Jeb interrompeu a discussão assim como eu já estava prestes a fazer. Minha mão segurava Ian deitado agora, e eu podia sentir o corpo de Ian me movendo sob minha cabeça se preparando para levantar. As palavras de Jeb os mantiveram no lugar.

 

“Você não pode deixar a decisão com ela Jeb.” Ian protestou.

 

“Por que não? Ela ter mente própria. É o seu trabalho tomar decisões por ela?”

“Eu vou te dizer por que não,” Ian resmungou. “Wanda?”

 

“Sim, Ian?”

 

“Você QUER sair em Pilhagens?”

 

“Se eu puder ajudar, claro que eu devo.”

 

“Não foi isso que eu perguntei.”

 

Eu fiquei quieta por um momento tentando lembrar a pergunta para ver onde eu errei.

 

“Vê Jeb? Ela nunca leva em conta suas próprias vontades – sua própria felicidade, nem mesmo a sua própria saúde. Ela faria qualquer coisa que pedíssemos, mesmo se a matar. Não é justo pedir coisas a ela da forma que pediríamos uns aos outros. NÓS paramos para pensar em nós mesmos. Ela não.”

 

Eu fiquei quieta. Ninguém respondeu Ian. O silencio continuou até eu me senti compelida a falar por mim mesma.

 

“Isso não é verdade.” Eu disse. “Eu penso em mim mesma o tempo todo. E eu... Eu QUERO ajudar. Isso não conta? Eu fiquei tão feliz em ajudar Jamie essa noite. Eu não posso achar felicidade do jeito que eu quiser?”

 

Ian suspirou. “Viu o que eu disse?”

 

“Bem, eu não posso dizer a ela que ela não pode ir se ela quiser.” Jeb disse. “Ela não é mais uma prisioneira.”

 

“Mas não precisamos pedir.”

 

Jared ficou quieto por tudo isso. Jamie estava quieto também, mas eu tinha quase certeza que ele estava dormindo. Eu sabia que Jared não estava. Ele traçava desenhos aleatórios na lateral do meu rosto. Desenhos brilhantes e queimantes.

 

“Você não precisa pedir.” Eu disse. “Eu me voluntario. Não foi muito…assustador. Não mesmo. As outras almas são muito gentis. Eu não tenho medo deles. Foi quase fácil demais.”

 

“Fácil? Cortar seu –“

 

Eu interrompi Ian rápido. “Isso foi uma emergência. Eu não vou ter que fazer isso novamente.” Eu pausei por um segundo. “Certo/” Eu conferi.

 

Ian gemeu. “Se ela for, eu vou também.” Ele disse. “ALGUÉM tem que a proteger de si mesma.”

 

“E eu estarei lá para proteger o resto de nós dela.” Kyle disse com um riso. Então ele gemeu e disse. “Ai.”

 

Eu estava cansada demais para erguer a cabeça e ver quem havia acertado Kyle dessa vez.

 

“E eu estarei lá para trazer vocês de volta vivo.” Jared murmurou.

                                         Trabalhando

 

“Isso está fácil demais. Não é nem mais divertido.” Kyle reclamou.

 

“Você quis vir.” Ian o lembrou.

 

Ele e Ian estavam na parte traseira fechada da van sem janelas, vendo os produtos não perecíveis e produtos de higiene pessoal que eu havia acabado de pegar na loja. Estávamos no meio do dia, e o sol brilhava em Wichita. Não era tão quente quanto deserto do Arizona, mas era mais úmido. O ar zumbia com insetos minúsculos.

 

Jared dirigia pela auto-estrada saindo da cidade, mantendo o cuidado de ficar abaixo do limite. Isso ainda o irritava.

 

“Cansada de fazer compras já Wanda?” Ian me perguntou.

 

“Não, eu não me incomodo.”

 

“Você sempre diz isso. Há ALGUMA coisa que te incomoda?”

 

“Me incomoda... ficar longe de Jamie. E estar aqui fora... um pouco. Durante o dia especialmente. É tipo o oposto da claustrofobia. É tudo tão aberto. Isso te incomoda também?”

 

“Às vezes. Nós não saímos durante o dia muito.”

 

“Pelo menos ela estica as penas. “Kyle resmungou. “Eu não sei por que você a quer ouvir reclamar.”

 

“Por que é incomum. E é uma boa variação de ouvir VOCÊ reclamar.”

 

Eu parei de prestar atenção neles. Quando Ian e Kyle começavam, eles continuavam por um tempo. Eu consultei o mapa.

 

“Oklahoma City é a próxima parada?” Eu perguntei a Jared.

 

“E algumas pequenas cidades no caminho, se você estiver com pique.” Ele respondeu, olhos na estrada.

 

“Estou.”

 

Jared raramente perdia o foco quando estava em uma Pilhagem. Ele não relaxava como Ian e Kyle faziam toda vez que eu completava outra missão com sucesso. Me fez sorrir usar essa apalavra – missão. Isso soa tão formidável. Na verdade era só uma ida a loja. Exatamente como eu havia feito mil vezes antes em São Diego.

 

Como Kyle havia dito, era muito fácil para prover diversão. Eu empurrava o carrinho para cima e para baixo, pelos corredores. Eu sorria para as almas que sorriam para mim. E enchia o carrinho com coisas que fossem duráveis. Eu, as vezes, pegava coisas que não durariam, para os homens escondidos na traseira da van. Sanduíches feitos na hora – coisas assim para nos comermos. E às vezes um ou dois mimos. Ian tinha uma preferência por sorvete de mente com gotas de chocolate. Kyle gostava de doces de caramelo. Jared comia qualquer coisa que o oferecessem; parecia que ele havia desistido de ter favorito muitos anos atrás, abraçando um estilo de vida onde tudo era bem vindo e mesmo necessidades tinham que ser postas de lado. Outra razão pela qual ele era bom nessa vida – ele via as prioridades acima do desejo pessoal.

 

Ocasionalmente, em cidades menores, as pessoas me notavam, falavam comigo. Eu tinha minhas falas tão bem decoradas que poderia provavelmente enganar um humano.

 

“Olá. Nova na cidade?”

“É. Recém chegada.”

“O que te trás a Byers?”

 

Eu sempre tomava o cuidado de conferir o nome da cidade antes de sair da van para não ser pega de surpresa.

 

“Meu companheiro viaja muito. Ele é fotografo.”

“Que maravilha! Um artista! Bem, certamente há muita beleza por aqui.”

 

Originalmente eu era a artista. Mas eu descobri que jogar a informação de que eu já tinha um companheiro economizava tempo quando eu falava com homens.

 

“Muito obrigada pela ajuda.”

“O prazer foi meu. Volte logo.”

 

Depois disso, eu só falei com um farmacêutico em Salt Lake City. Eu sabia o que eu queria.

 

Um sorriso aberto. “Eu não tenho certeza se estou conseguindo uma boa nutrição. Eu não consigo evitar de comer porcaria. Esse corpo adora doces.”

”Você precisa ser cuidadosa Mil Pétalas. Eu sei que é fácil ceder aos impulsos mas tente pensar no que você está comendo. Enquanto isso, tome alguns suplementos.”

 

Saúde. Um título tão óbvio na garrafa, me senti idiota por perguntar.

 

“Você prefere os sabor morango ou os de chocolate?”

“Será que eu poderia experimentar os dois?”

 

E a agradável alma chamada Terráqueo me deu duas, das grandes garrafas.

 

Não muito desafiador. A única sensação de perigo que eu sentia vinha da pequena pílula de cianureto que eu sempre mantinha em um bolso fácil de alcançar. Só por precaução.

 

“Você devia pegar roupas novas na próxima cidade.” Jared disse.

 

“De novo?”

 

“Essas estão parecendo um pouco amassadas demais.”

 

“Okay.” Eu concordei. Eu não gostava do excesso, mas a grande pilha de roupa usada não seria desperdiçada. Lily, Heidi e Paige eram todos mais ou menos do meu tamanho, e elas ficariam gratas por ter algo novo para usar. Os homens raramente se preocupavam com coisas como roupas quando estavam em Pilhagens, cada aquisição era vida ou morte – roupas não era uma prioridade. Nem os sabonetes e xampus que eu pegava em cada loja.

 

“Você provavelmente devia se lavar também.” Jared isso com um suspiro. “Isso significa Hotel por essa noite.”

 

Manter as aparências não era algo que eles tinham que se preocupar antes. Claro, eu era a única que devia parecer parte da civilização olhada de perto. Os homens usavam jeans e camisetas escuras agora, coisas que não revelavam sujeira ou chamavam atenção quando alguém os via rapidamente.

 

Todos eles odiavam dormir em hotéis e pensões na estrada – sucumbir a inconsciência bem dentro da toca do inimigo. Isso os assustava mais do que qualquer outra coisa que fazíamos. Ian dizia que preferia encarar um Rastreador armado. Kyle simplesmente se recusava. Ele dormia a maior parte do dia na van e ficava acordado a noite, na van.

 

Para mim era tão fácil quanto fazer compras. Eu pedia o quarto, conversava com o atendente, contava a história sobre meu parceiro fotografo e o amigo que viajava conosco (só para o caso de alguém vê-los entrando comigo no quarto). Eu usava nomes genéricos de planetas que não chamavam atenção.

 

As vezes éramos Morcegos: Falador, Cantor da Canção do Ovo, Galo do céu. As vezes éramos Algas: Olhos Torcidos, Aclama a Superfície, Segundo Nascer do Sol. Eu mudava de nome toda vez, não que alguém fosse nos procurar. Mas Melanie se sentia mais segura assim. Toda essa história a fazia sentir como uma personagem de um filme de espionagem.

 

A parte difícil, a que me incomodava – não que eu fosse dizer isso na frente de Kyle que era rápido em duvidar das minhas intenções – era todo esse remover produtos sem dar nada em troca. Isso me fazia senti egoísta e era errado.

 

Não é para você. É para outros. Mel me lembrava quando eu me deprimia.

 

Isso é errado. Mesmo você sabe disso, não sabe?

 

Não pense sobre isso. Era a solução dela.

 

Eu estava feliz de estarmos no caminho de volta para casa, depois da longa Pilhagem. Amanhã nós visitaríamos nosso crescente estoque – um caminhão de mudança que nós mantivemos escondido a alguns dias de distancia do nosso caminho – e descarregaríamos a van pela última vez. Só mais algumas cidades, mais alguns dias, descendo Oklahoma, então Novo México e uma passagem direta por Arizona sem pausas.

 

Estaríamos em casa. Finalmente.

 

Quando dormíamos em hotéis ao invés de dormir na van lotada, nós normalmente entravamos depois do anoitecer, e saíamos antes do amanhecer, para evitar que as almas dessem uma boa olhada em nós. Não que isso fosse realmente necessário.

 

Jared e Ian estavam começando a perceber isso. Essa noite, devido o grande sucesso do dia – a van estava completamente cheia; Kyle teria pouco espaço – e devido ao fato de Ian achar que eu parecia cansada, nós paramos mais cedo. O sol ainda não havia sumido quando eu voltei para a van com a chave do quarto.

 

A pequena pensão não estava cheia. Nós estacionamos próximo ao quarto, Ian e Jared foram direto do carro para o quarto em no máximo seis passos, os olhos baixos. Nos pescoços linhas rosadas. Jared carregava uma mala cheia pela metade. Ninguém olhou para eles ou para mim.

 

Lá dentro, as cortinas escuras foram abaixadas, e os homens relaxaram um pouco. Ian se esparramou na cama e ele e Jared usariam, e ligou a TV. Jared colocou a mala na mesa e tirou dela o nosso jantar – tirinhas de frango frias e meio gordurentas que eu havia pedido na lanchonete da última loja – e distribuiu. Eu sentei na janela, vendo o sol morrer no canto enquanto eu comia.

 

“Você tem que admitir Wanda, nós humanos tínhamos melhor noção de entretenimento.” Ian provocou.

 

Na tela, duas almas estavam dizendo suas falar perfeitamente, seus corpos com a postura perfeita. Não era difícil pegar o que acontecia na história por que não havia muita variedade nos scripts que as almas escreviam. Nesse, duas almas estava se reencontrando após uma longa separação. O masculino esteve com as Algas, o que os separou, mas ele escolheu ser humano por imaginar que sua parceira no Planeta Nevoa se sentiria atraída por essa espécie de sangue quente. E, que milagre, ele a encontra aqui.

 

Todos tinham finais felizes.

 

“Você tem que considerar a audiência.”

 

“Verdade. Eu gostaria que eles passassem alguns programas humanos de novo.” Ele passava pelos canais e franzia a testa. “Costumava a ter alguns no ar.”

 

“Eles eram muito perturbadores. Eles tiveram que ser substituídos por programas que não fossem tão... violentos.”

 

“The Brady Bunch?” [N da T: série antiga, comédia familiar, tipo Família Dó- Ré – Mi]

 

Eu ri. Eu vi um episódio em São Diego, e Melanie lembrava da série da infância. “Era complacente com violência. Eu lembro de um em que um garoto dava um soco em uma outro garoto abusivo na escola, e isso era mostrado como certo. Havia sangue.”

 

Ian sacudiu a cabeça com descrença, mas voltou para o filme com o ex-Alga. Ele ria nas partes erradas, nas horas que deviam ser tocantes

 

Eu olhava pela janela, vendo algo muito mais interessante que a história previsível na televisão.

 

Do outro lado da Pensão havia um pequeno parque, ao lado dele uma escola e do outro um campo onde vacas pastavam. Havia algumas arvores, e uns brinquedos antigos. Claro que tinha balanços e esses eram os únicos brinquedos sendo usados.

Uma família pequena estava aproveitando o ar fresco da tarde. O pai já tinha um pouco de prata no cabelo, bem nas têmporas, a mãe parecia muitos anos mais nova. Seus cabelos castanhos estavam presos em um alto rabo de cavalo que balançava com ela. Eles tinham um garotinho de não mais que um ano. O pai empurrava o garoto no balanço por trás, a mão estava na frente, e beijava a testa do garoto toda vez que ele se aproximava, fazendo o garoto rir tanto que as bochechas dele estavam brilhantemente vermelhas. Isso a fazia rir também – eu podia ver o corpo dela tremendo das risadas, o cabelo dançando.

 

“O que você está olhando, Wanda?”

 

A pergunta de Jared não estava ansiosa por que eu sorria levemente diante a cena surpresa.

 

“Algo que eu nunca vi em todas as minhas vidas. Eu estou vendo... esperança.”

 

Jared veio ficar do meu lado, espiando por sobre meu ombro. “Como assim?” Seus olhos passaram pela estrada e pelos prédios, sem notar a família brincando.

 

Eu peguei seu queijo e apontei seu rosto naquela direção. Ele nem piscou quando eu o toquei, o que me deu uma sensação agradável no estomago. “Olha.” Eu disse.

 

“O que eu estou olhando?”

 

“A única esperança que eu já vi para uma espécie de hospedeiros.”

 

“Onde?” Ele perguntou sem entender.

 

Eu percebi Ian, agora perto de nós, olhando também.

 

“Veja.” Eu apontei para a mãe sorridente. “Olha como ela ama sua criança humana.”

 

Naquele momento a mulher pegou o filho do balanço e o abraçou apertado cobrindo seu rosto de beijos. Ele ria e se balançava – só um bebê. Não uma miniatura adulta que ele seria se levasse um dos meus dentro dele.

 

“Hã?” Jared murmurou. “O bebê é humano? Como? Por quê? Por quanto tempo?”

 

Eu dei de ombros. “Eu nunca vi isso antes – eu não sei. Ela não o entregou para ser hospedeiro. Ela não seria forçada, eu imagino. Maternidade é quase idolatrada entre os meus. Se ela não estiver disposta...” Eu sacudi a cabeça. “Eu não tenho idéia de como eles procederiam. Isso não acontece em qualquer outro lugar. As emoções desses corpos são mais fortes que a lógica.”

 

Eu olhei para Jared e Ian. Ambos encaravam a cena de boca aberta.

 

“Não.” Eu murmurei para mim mesma. “Ninguém forçaria os pais se eles quisessem a criança. E OLHE para eles.”

 

O pai tinha os braços em volta da mãe e da criança. Ele olhava para o filho biológico do seu corpo hospedeiro com olhos cheios de ternura.

 

“Além de nós mesmos, esse é o primeiro planeta que nós descobrimos com nascimentos vivos. O seu sistema não é exatamente prolífico. Eu me pergunto se essa é a diferença... ou se é a fragilidade dos nascidos, ou....” eu parei de falar,meus pensamentos cheios de especulação.

 

A mão ergueu a cabeça para o parceiro, e ele a beijou na boca. A criança humana fazia barulhos, feliz.

 

“Hmm. Talvez, algum dia, alguns da nossa espécie e alguns dos seus viverão em paz. Isso não seria estranho?”

 

Nenhum dos homens podiam afastar os olhos do milagre a frente deles.

 

A família estava partindo. A mão passou a mão tirando areia do jeans enquanto o pai pegava a criança. Então, de mãos dadas, as almas foram em direção aos apartamentos com sua criança humana.

 

Ian engoliu audivelmente.

 

Nós não falamos pelo resto da noite, todos pensativos devido o que vimos. Nós fomos dormir cedo, para podermos acordar cedo e voltar ao trabalho.

 

Eu dormia sozinha, na cama mais distante da porta. Isso me deixava desconfortável. Os dói homens grandes não cabiam direito na outra cama; Ian tendia a se espalhar pela cama quando estava profundamente adormecido, e Jared chegava perto de distribuir socos quando isso acontecia. Ambos ficariam mais confortáveis se eu compartilhasse. Eu dormia em uma cama pequena agora; talvez fosse os espaços muito abertos nos quais eu me movia o dia inteiro que me fazia encolher a noite, ou talvez eu estivesse tão acostumada a dormir no espaço pequeno da van atrás do banco passageiro que eu havia esquecido de como dormir esticada.

 

Mas eu sabia por que ninguém me pediu para compartilhar. Na primeira noite que eles perceberam – com muita infelicidade – que um banheiro de hotel seria necessário para mim, do banheiro eu ouvi Ian e Jared falando sobre mim.

 

“...nada justo pedir para ela escolher.” Ian estava dizendo. Ele mantinha a voz baixa mas o ventilador do banheiro não era alto o bastante para abafar as vozes. O quarto do hotel era muito pequeno.

 

“Por que não? É mais justo dizer a ela onde ela vai dormir? Não acha que seria mais educado –“

 

“Se fosse outra pessoa. Mas Wanda vai agonizar sobre isso. Ela vai tentar agradar nós dois, ela vai ficar miserável.”

 

“Com ciúmes de novo?”

 

“Não dessa vez. É só que eu sei como ela pensa.”

 

Houve um silencio. Ian estava certo. Ele realmente SABIA como eu pensava. Ela já havia previsto que dado a menor dica que Jared preferisse eu compartilharia a cama com el, e então ficaria a noite acordada preocupada se eu o estaria fazendo infeliz por estar ao lado dele e se eu havia magoado Ian na barganha.

“Beleza.” Jared concordou. “Mas se você tentar me abraçar a noite… Deus te ajude O’Shea!”

 

Ian riu. “Não querendo soar muito arrogante, mas para ser perfeitamente honesto, Jared, se eu tivesse essa inclinação, eu acho que poderia escolher melhor.”

 

Apesar de me sentir culpada por desperdiçar espaço, eu provavelmente estava dormindo melhor sozinha.

 

Nós não precisamos usar mais hotéis. Os dias passavam mais rapidamente, como se até o segundos quisessem nos levar para casa. Eu podia sentir um puxão no meu corpo me levando para o oeste. Todos nós estávamos ansiosos para voltar para as nossas escuras, lotadas cavernas.

 

Até Jared ficou descuidado.

 

Era tarde, nenhuma luz do sol remanescente atrás das montanhas oeste. Atrás de nós, Ian e Kyle estavam alternando a direção do caminhão lotado com os produtos pilhados, assim como eu e Jared alternávamos a direção da van.

 

Eles precisavam dirigir o pesado veículo com mais cuidado do que Jared precisava com a van. As luzes do farol do caminhão diminuíam lentamente até desaparecerem após uma curva aberta na estrada.

 

Nós estávamos quase lá. Tucson havia ficado para trás. Em algumas poucas horas eu veria Jamie. Nós descarregaríamos o caminhão com provisões cercados de rostos sorridentes. Uma verdadeira recepção de boas vindas. A minha primeira.

 

Pela primeira vez o retorno traria nada mais do que alegria. Nós não levávamos nenhum hospedeiro condenado dessa vez. Eu não prestava atenção a nada além da antecipação. A estrada não parecia estar passando muito rápido, só não rápido o bastante.

 

O farol do caminhão reapareceu atrás de nós.

 

“Kyle deve estar dirigindo.” Eu murmurei. “Eles estão nos alcançando.”

 

E então as luzes azul e vermelha de repente se acenderam na noite escura atrás de nós. Elas refletiram em todos os espelhos, pontos brilhantes por todo o lado, o teto, os bancos, nossos rostos congelados e no painel que mostrava que estávamos dirigindo 10Km/h acima do limite.

 

O som da sirene cortou o calmo deserto.

 

                                 Parada

 

As luzes giravam no rimo da sirene.

 

Antes das almas virem a esse lugar, essas luzes e sons só tinham um significado. A lei, os mantedores da paz, os que puniam.

 

Agora, novamente, as cores e som raivoso tinham só um significado. Um muito semelhante. Ainda os mantedores da paz. Ainda os que puniam.

 

Rastreadores.

 

Essa não era uma visão ou som comum como era antes. A força policial só era necessária em casos de acidentes ou outras emergências, não para manter a lei. A maioria deles não possuía veículos com sirenes, exceto ambulâncias ou caminhões de bombeiros.

 

Esse carro baixo e esguio atrás de nós não era para acidentes. Esse era um veiculo feito para perseguições. Eu nunca vi nada como ele antes, mas sabia o que significava.

 

Jared estava congelado, seu pé ainda no pedal. Eu podia ver que ele tentava achar uma solução, um jeito de despistá-los ou fugir, nos esconder no deserto – sem levá-los para os outros.

 

Sem entregar ninguém. Nós estávamos tão perto dos outros agora. Quando ele desistiu depois de dois segundos de pensamento frenético, ele exalou.

 

“Desculpe Wanda.” Ele murmurou. “Eu vacilei.”

 

“Jared?”

 

Ele pegou minha mão e aliviou no acelerador. I carro começou a diminuir.

 

“Tá com a pílula?”

 

“Estou.” Eu murmurei.

 

“A Melanie está me ouvindo?”

 

Estou. O pensamento era quase um lamento.

 

“Está” a minha voz era um lamento também.

 

“Eu te amo Mel. Eu lamento muito.”

 

“Ela também te ama. Mais do que tudo.”

 

Um silêncio curto e doloroso.

 

“Wanda, eu.. você é uma boa pessoa, eu me importo com você. Você merecer mais do que eu dei. Mais do que isso.”

 

Ele tinha algo pequeno, muito pequeno para ser tão mortal, entre os dedos.

 

“Espera.”

 

Ele não podia morrer.

 

“Wanda, nós não podemos arriscar. Nós não podemos os vencer numa corrida. Se nós tentarmos correr centenas virão atrás. Pense em Jamie.”

 

A van estava diminuindo, indo para o acostamento.

 

“Uma tentativa.” Eu implorei. Eu peguei a pílula no meu bolso. “Deixe-me tentar nos tirar dessa. Eu a engolirei imediatamente se algo der errado.”

 

“Você não vai conseguir mentir para um Rastreador!”

 

“Deixe-me tentar. Rápido!” Eu abri o meu cinto e me estiquei para abrir o dele. “Troca de lugar comigo. Rápido, antes que eles cheguem perto o suficiente para ver.”

 

“Wanda –“

 

“Uma tentativa. Se Apressa!”

 

Ele era o melhor em decisões de última hora. Rápido e suave, ele saiu do banco do passageiro passando por cima de mim. Eu sentei no banco dele e ele sentou no meu.

 

“Cinto de segurança.” Eu ordenei. “Feche os olhos. Vira a cabeça para o lado de lá.”

 

Ele fez como eu disse. Estava muito escuro para ver, mas a suave cicatriz rosada em seu pescoço seria visível desse ângulo.

 

Eu coloquei o cinto de segurança e inclinei a cabeça para trás.

 

Mentir com o corpo, essa era a chave. Era simplesmente uma questão dos movimentos certos.

 

Imitação. Como os atores no programa de TV, só que melhor, como um humano.

 

“Me ajuda Mel.” Eu murmurei.

 

Eu não posso te ajudar a ser uma alma melhor, Wanda. Mas você pode fazer isso. Salva ele. Eu sei que você consegue.

 

Uma alma melhor. Eu só precisava ser eu mesma.

 

Estava tarde. Eu estava cansada, eu não teria que fingir essa parte.

 

Eu deixei minha pálpebra cair, deixei meu corpo se afundar no banco.

 

Culpa. Eu podia fazer isso. Eu podia sentir isso.

 

Fiz uma cara de embaraço.

 

O carro do Rastreador não estacionou atrás de nós do jeito que eu podia sentir que Melanie esperava. Parou do outro lado da estrada, no acostamento. De frente para o lado errado da pista. Uma forte luz veio pelo vidro do carro. EU pisquei contra ela, erguendo a mão para escondeu meu rosto com lentidão deliberada.

 

Fracamente, em comparação e contra a luz, eu vi o reflexo prata de meus olhos na estrada quando eu olhei para baixo.

 

Uma porta bateu. Passos de uma pessoa ecoaram quando alguém passava pela estrada. Não houve som de pedra ou terra, então o Rastreador veio do banco passageiro.

 

Dois deles, pelo menos, mas só um vinha me interrogar. Isso era um bom sinal, um sinal de conforto e confiança.

 

Meus olhos brilhantes eram um talismã. Um marcador que não falhava – como a Estrela do Norte. Não tinha como duvidar.

 

Mentir com meu corpo não era a chave. Dizer a verdade com ele era suficiente. Eu tinha algo em comum com o bebê do parque: nada como eu havia existido antes.

 

O corpo do Rastreador bloqueou a luz, e eu pude ver novamente.

 

Era um homem. Provavelmente de meia idade – seus traços conflitavam com outros, tornando difícil dizer; seu cabelo era todo branco, mas seu rosto era livre de rugas. Ele usava uma camiseta e bermudas, uma arma pesada visível no quadril. Uma mão descansava no punho da arma. Em sua outra mão uma lanterna. Ele não a ligou.

 

“Algum problema, senhora?” ele disse quando estava alguns passos distante. “Você estava indo muito rápido para sua segurança.”

 

Seus olhos estavam inquietos. Ele olhou minha expressão – que estava sonolenta, eu esperava – e passou pela van, para a escuridão atrás de nós, a estrada na frente, iluminada pelos faróis e voltou para meu rosto. Ele repetiu o percurso mais uma vez.

 

Ele estava ansioso. Isso deixou minhas palmas suadas, mas eu tentei manter o pânico longe da minha voz.

 

“Eu lamento muito.” Eu me desculpei alto. Eu olhei para Jared como se para checar se minhas palavras não o tinham acordado. “Eu acho... bem, eu acho que eu posso ter dormido. Eu não percebi que estava tão cansada.”

 

Eu tentei sorrir com remorso. Eu podia dizer que eu soava rígida, como os atores excessivos na televisão.

 

Os olhos do Rastreador fizeram sua rota novamente, dessa vez demorando em Jared. Meu coração pulava dolorosamente. Eu apertei pílula em meus dedos com mais força.

 

“Foi irresponsabilidade minha dirigir por tanto tempo sem dormir.” Eu disse rapidamente, tentando sorrir um pouco. “Eu achei que poderíamos chegar em Phoenix antes de eu precisar descansar. Eu lamento muito.”

 

“Qual o seu nome, senhora?”

 

Sua voz não estava dura, mas não estava calorosa. Ele a manteve baixa, como eu.

 

“Folhas Acima.” Eu disse, usando o nome do último hotel. Ele iria querer checar minha história? Eu iria precisar de alguma referencia para dar.

 

“Flor Invertida?” ele adivinhou. Seus olhos pararam no meio da rota de busca e se voltaram para mim.

 

“É, eu era.”

 

“Minha companheira também. Você estava na ilha?”

 

“Não.” Eu disse rapidamente. “Na terra principal. Entre os grandes rios.”

 

Ele assentiu, talvez um pouco decepcionado.

 

“Eu devia voltar a Tucson?” perguntei. “Eu estou bem acordada agia. Ou talvez tirar um cochilo aqui antes –“

 

“Não!” ele interrompeu em uma voz um pouco mais alta.

 

Eu me assustei, e a pequena pílula escorregou pelos meus dedos. Caiu no piso metálico com um ‘clink’. Eu senti o sangue deixar o meu rosto.

 

“Não foi minha intenção te alarmar.” Ele se desculpou rapidamente, seus olhos repetindo o circuito. “Mas você não devia permanecer por aqui.”

 

“Por quê?” Eu consegui murmurar.

 

“Houve um… desaparecimento recentemente.”

 

“Eu não entendo. Um desaparecimento?”

 

“Pode ter sido um acidente.... mas pode haver..” ele hesitou, desconfortável ao dizer a palavra. “Humanos nessa área.”

 

“Humanos?” Eu repeti alarmada, alto. Ele ouviu o medo em minha voz e interpretou da única forma que podia.

 

“Não há provas disso Folhas Acima. Ninguém viu nada. Não fique preocupada. Mas você deve ir para Phoenix sem mais atrasos desnecessários.”

 

“Claro. Ou talvez Tucson? Deve estar mais perto.”

 

“Não ha perigo. Você pode continuar com seus planos.”

 

“Se você está seguro Rastreador..”

 

“Estou bem seguro. Só não vá vagar pelo deserto, Flor.” Ele sorriu. A expressão tornando seu rosto mais caloroso, gentil. Assim como todas as almas com as quais lidei. Ele não estava ansioso e preocupado devido ao meu comportamento, mas sim preocupado comigo.

 

Ele não estava procurando mentiras. E provavelmente não as perceberia se ouvisse. Só mais uma alma.

 

“Eu não planejava fazer isso.” Eu sorri de volta. “Eu serei mais cuidadosa. Eu sei que não dormirei agora.” Eu olhei para o deserto pela janela de Jared com uma expressão suspeita, para que o Rastreador pensasse que o medo me deixaria alerta. Minha expressão ficou tensa e congelada quando eu vi um par de luzes refletido no espelho lateral.

 

A espinha de Jared enrijeceu ao mesmo tempo, mas ele manteve a posição. Parecia um pouco rígida demais.

 

Meus olhos voltaram para o Rastreador.

 

“Eu posso ajudar com isso.” Ele disse, ainda sorrindo mas olhando para baixo enquanto procurava algo em seu bolso.

 

Ele não havia visto a mudança no meu rosto. Eu tentei controlar os músculos faciais, fazê-los relaxarem, mas não conseguia me concentrar o suficiente para isso.

 

No espelho retrovisor as luzes do farol ficavam mias próximas.

 

“Você não deve usar isso sempre.” O Rastreador continuou, procurando no outro bolso agora. “Não faz mal, claro, ou os Curandeiros não liberariam. Mas se você usar freqüentemente vai alterar seu ciclo de sono...” Ah, aqui está. Acordar.”

 

As luzes diminuíram a velocidade ao se aproximar.

 

Passa direto. Eu implorava na minha cabeça. Não pare. Não pare. Não pare.

 

Que seja Kyle no volante. Melanie acrescentou, as palavras como uma oração.

 

Não pare. Continue dirigindo. Não pare.

 

“Senhorita?”

 

Eu pisquei, tentando me concentrar. “Hmm. Acordar?”

 

“Só inale isso, Folhas Acima.”

 

Ele tinha uma lata de aerossol fina nas mãos. Ele liberou uma nuvem branca no ar a minha frente. Eu me inclinei e obedientemente respirei fundo, olhando no espelho ao mesmo tempo.

 

“Cheiro de grapefruit.” O Rastreador disse. “Gostoso, não acha?”

 

“Muito bom.” Meu cérebro de repente afiado e concentrado.   

 

O grande caminhão diminuiu e então praticamente parou atrás de nós.

 

NÃO! Mel e eu gritamos juntas. Eu procurei no piso escuro por meio segundo, esperando contra a esperança de que a pequena pílula estaria visível. Eu não conseguia nem enxergar meus pés.

 

O Rastreador olhou em direção ao caminhão também, acenando para ele continuar, um sorriso forçado em meu rosto. Eu não conseguia ver quem estava dirigindo.

 

Meus olhos refletiram a luz dos faróis, lançando sua própria luz.

 

O caminhão hesitou.

 

O Rastreador acenou novamente, mais amplamente dessa vez. “Vai” ele murmurou para si mesmo.

 

DIRIJA! DIRIJA! DIRIJA!

 

Ao meu lado, a mão de Jared estava fechada em punho.

 

Lentamente, o grande caminhão de mudança avançou pelo espaço entre o meu carro e o dos Rastreadores. A luz no carro do Rastreador marcaram duas silhuetas, dois perfis escuros encarando a estrada a frente. O perfil no banco motorista tinha o nariz torto.

 

Mel e eu exalamos em alivio.

 

“Como você se sente?”

 

“Alerta.” Eu disso a ele.

 

“O efeito vai passar em umas quatro horas.”

 

“Obrigada.’

 

O rastreador sorriu. “Obrigada você Folhas Acima. Quando nós te vimos correndo pela pista, nós pensamos que podia ser humanos. Eu estava suando, mas não era por causa do calor.”

 

Eu estremeci.

 

“Não se preocupe. Você ficará perfeitamente bem. Se você preferir nós podemos segui-la até Phoenix.”

 

“Eu estou bem. Não se incomode.”

 

“Foi bom te conhecer. Eu ficarei feliz quando meu turno acabar e ir para casa dizer a minha parceira que encontrei outra Flor. Ela ficará muito excitada.”

 

“Hmm.. dia a ela por mim: ‘Dia Iluminado, dia longo.’” eu disse. Dando a ele a tradução do cumprimento e despedida comum no Planeta das Flores.

 

“Certamente. Tenha uma boa viagem.”

 

“E você uma noite agradável.”

 

Ele deu um passo para trás e a luz bateu nos meus olhos novamente, eu pisquei furiosamente.

 

“Apaga Hank.” O Rastreador disse, com a mão sob os olhos enquanto caminhava em direção ao carro. A noite retornou quando as luzes foram apagadas, e eu forcei outro sorriso em direção ao Rastreador chamado Hank.

 

Eu liguei o carro com mãos tremulas.

 

Os rastreadores foram mais rápidos. O pequeno carro preto, com a barra de luz acima gemeu em vida. Fez uma curva em U e então as luzes traseiras eram tudo o que eu via. Eles desapareceram rapidamente.

 

Eu voltei para a estrada. Meu coração bombeava o sangue pelas minhas veias com violência. Eu podia sentir o pulso forte nos meus dedos.

 

“Eles se foram.” Eu murmurei pelos dentes, que subitamente estavam batendo.

 

Eu ouvi Jared engolir.

 

“Essa foi .. por pouco.” Ele disse.

 

“Eu achei que Kyle fosse parar.”

 

“Eu também.”

 

Nenhum de nós conseguia falar mais alto do que um suspiro.

 

“O Rastreador acreditou.” Seus dentes ainda estavam pressionados de ansiedade.

 

“Sim.”

 

“Eu não teria. Sua atuação não melhorou muito.”

 

Eu estremeci, dando de ombros. “Eles não podem Não acreditar em mim. O que eu sou... bem, é algo impossível. Algo que não devia existir.”

 

“Algo inacreditável.” Ele concordou. “Algo maravilhoso.”

 

Seu elogio derreteu um pouco do gelo no meu estomago e veias.

 

“Rastreadores não assim tão diferentes do resto de nós. “ eu murmurei. “Nada do que especialmente ter medo.”

 

Ele balançou a cabeça lentamente para trás e para frente. “Não há nada que você não consiga fazer, há?”

 

Eu não tinha certeza de como responder isso.

 

“Ter você conosco vai mudar tudo.” Ele continuou ainda mais baixo, falando com si memo.

 

Eu podia sentir como as palavras dele fizeram mel triste, mas ela não estava com raiva dessa vez. Ela estava conformada.

 

Você pode ajudá-los. Você pode protegê-los melhor do que eu pude. Ela suspirou.

 

Os faróis se movendo lentamente não me assustaram quando apareceram na estrada a frente. Elas eram familiares, um alivio. Eu acelerei – só um pouco, ainda abaixo do limite – para passar eles.

 

Jared pegou uma lanterna no porta luvas. Eu entendi que ele estava fazendo: os tranqüilizando.

 

Ele iluminou seus próprios olhos quando passamos pela cabine do caminhão. Eu olhava além dele para a outra janela. Kyle assentiu com a cabeça e respirou fundo. Eu olhei além dele. Ian se inclinava sobre Kyle ansioso, seus olhos focados em mim. Eu acenei e ele sorriu.

 

Nós estávamos chegando perto da nossa saída escondida.

 

“Eu devo ir até Phoenix?”

 

Jared pensou sobre isso. “Não. Eles podem nos ver no caminho de volta e nos parar novamente. Eu não acho que eles estão seguindo. Eles estão concentrados na pista.”

 

“Não, eles não vão mesmo nos seguir.” Eu tinha certeza disso.

 

“Vamos para casa então.”

 

“Casa.” Eu concordei de todo coração.

 

Nós apagamos as luzes, e Kyle fez o mesmo atrás de nós.

 

Nós levaríamos os dois veículos direto para as cavernas e descarregar rapidamente para que eles estivessem escondidos antes do amanhecer. A pequena cobertura na entrada da caverna não iria os esconder.

 

Eu rolei os olhos ao pensar na entrada para as cavernas. O grande mistério que eu não consegui descobrir. Jeb era tão cheio de truques.

 

Um truque – assim como as direções que ele havia desenhado no álbum de fotografia. Ele não nos guiava para as cavernas de forma alguma. Não, ao invés disso ele fazia as pessoas que seguissem o mapa andar em círculos, indo e vindo em frente ao seu lugar secreto, dando a ele ampla oportunidade de decidir de ele irá ou não convidar a pessoa a entrar.

 

“O que você acha que aconteceu?” Jared perguntou, interrompendo meus pensamentos.

 

“Como assim?”

 

“O desaparecimento recente que o Rastreador mencionou.”

 

Eu encarava a frente, sem expressão. “Não seria eu?”

 

“Eu não acho que você seria considerada recente Wanda. Além disso, eles não estavam vigiando a estrada quando nós saímos. Eles estão procurando por nós. Aqui.”

 

Ele estreitou os olhos. Os meus arregalaram.

 

“O que eles fizeram?” Jared subitamente explodiu, batendo a mão no painel.

 

Eu dei um pulo.

 

“Você acha que Jeb e os outros fizeram algo?”

 

Ele não me respondeu só encarava o deserto com olhos furiosos.

 

Eu não entendi. Por que os Rastreadores procurariam por humanos só porque alguém desapareceu no deserto? Acidentes aconteciam. Por que eles chegariam a essa conclusão em particular? E por que Jared estava com raiva? Nossa família nas cavernas não faria nada para chamar atenção sobre si. Eles eram mais espertos do que isso. Eles não sairiam a não ser que houvesse algum tipo de emergência.

 

Ou algo que eles sentissem que fosse urgente. Necessário.

 

Jeb e Doc andaram se aproveitando da minha ausência?

 

Jeb somente havia concordado em parar com as estripações enquanto eu estivesse sob o mesmo teto. Era esse o compromisso deles?

 

“Você está bem?” Jared perguntou.

 

Minha garganta estava muito apertada para responder. Eu só balancei a cabeça. As lágrimas desciam pela minha bochecha e caiam no meu colo.

 

“É melhor eu dirigir.”

 

Eu sacudi minha cabeça, negando. Eu podia ver bem.

 

Ele não discutiu comigo.

 

Eu ainda estava chorando silenciosamente quando chegamos a pequena montanha que escondia o nosso vasto sistema de cavernas. Era na verdade só um monte – um monte de rocha vulcânica insignificante, como tantas outras. Os milhares de rachados estavam invisíveis, perdidos na confusão de rochas e pedrinhas na rocha roxa. Em algum lugar, fumaça devia estar subindo, preta no negro.

 

Eu desci da van e encostei-me à porta, secando os olhos. Jared veio ficar do meu lado. Ele hesitou, então pôs uma mão no meu ombro.

 

“Desculpe. Eu não sabia que eles estavam planejando isso. Não fazia idéia. Eles não deviam...”

 

Mas ele só pensava isso por que de alguma forma eles foram pegos.

 

O caminhão de mudança parou atrás de nós. Duas portas bateram, e os pés correram em nossa direção.

 

“O que aconteceu?” Kyle exigiu.

 

Ian estava bem atrás dele. Ele deu uma olhada em minha expressão, as lágrimas ainda escorrendo, a mão de Jared no meu ombro, então ele se lançou para frente e me abraçou. Ele me puxou para seu peito. Eu não sei por que isso me fez chorar ainda mais. Eu me agarrei nele, as lágrimas molhavam sua camiseta.

 

“Tá tudo bem. Você foi ótima. Acabou.”

 

“O Rastreador não é o problema Ian.” Jared disse, a voz controlada, sua mão ainda me tocando, mas ele teve que dar um passo a frente para manter esse contato.

 

“Hã?”

 

“Eles estão vigiando a estrada por uma razão. Parece que Doc tem... trabalhado na nossa ausência.”

 

Eu estremeci, e por um momento eu pareci sentir o gosto do sangue prateado no fundo da garganta.

 

“Por que esses –“ A fúria de Ian roubou a fala dele. Ele não conseguiu terminar a frase.

 

“Que ótimo.” Kyle disse um uma voz desgostosa. “Idiotas. Nós ficamos longe por algumas semanas e eles conseguem colocar os Rastreadores fazendo patrulha. Eles podiam simplesmente ter nos pedido para –“

 

“Cala a boca Kyle.” Jared disse rudemente. “Esse não é o momento. Nós temos que descarregar rápido. Quem sabe quantos estão procurando por nós? Vamos pegar um pouco e arrumar mais mãos para ajudar.”

 

Eu me afastei de Ian para poder ajudar. As lágrimas não pararam de correr. Ian ficou perto de mim, pegando o pesado saco de sopa enlatada que eu havia pego e a substituindo por uma grande, mas leve caixa de macarrão.

 

Nós começamos a descida, Jared na frente. A escuridão total não me incomodava. Eu ainda não conhecia o caminho bem, mas não era difícil. Direto para baixo, e então direto para cima.

 

Nós estávamos no meio do caminho quando uma voz familiar chamou de algum lugar distante. Ecoava pelo túnel a fracionando.

 

“Eles voltaram... vol... voltaram.” Jamie estava gritando.

 

Eu tentei secar as lágrimas no meu ombro, mas não consegui secar todas.

 

Uma luz azul se aproximava, tremendo conforme seu carregador corria. Então Jamie estava visível. Sua expressão me derrubou.

 

Eu estava tentando me compor para recebê-lo, supondo que ele estaria feliz e não querendo o chatear.

 

Mas Jamie já estava chateado. Seu rosto estava pálido e tenso, seus olhos vermelhos. Suas bochechas sujas tinham caminhos pela poeira, linhas deixadas pelas lágrimas.

 

“Jamie?” Jared e eu dissemos juntos, largando nossas caixas no chão.

 

Jamie correu direto para mim e lançou os braços em volta da minha cintura.

 

”Ah Wanda! Jared!” ele soluçava. “Wes está morto.Morto! A Rastreadora matou ele!”

 

                                 Interrogada

 

Eu matei Wes.

 

Minhas mãos, arranhadas e pintadas de poeira roxa devido ao descarregamento frenético, bem podiam estar cobertas com seu sangue.

 

Wes estava morto, e era tanto minha culpa como se eu tivesse apertado o gatilho.

 

Todos nós, menos cinco, estávamos na cozinha agora que o caminhão havia sido descarregado, comendo alguns dos perecíveis que pegamos na última parada – queijo e pão fresco com leite – ouvindo Jeb e Doc explicar tudo a Jared, Ian e Kyle.

 

Eu sentei a uma pouca distancia dos outros, minha cabeça nas mãos, muito anestesiada com dor e culpa para fazer perguntas do jeito que eles faziam. Jamie estava sentado comigo. Ele eventualmente dava tapinhas nas minhas costas.

 

Wes já estava enterrado na gruta ao lado de Walter. Ele havia morrido há quatro dias, no dia em que Jared e Ian e eu observamos a família no parque. Eu nunca veria meu amigo novamente, escutaria sua voz... As lágrimas caíam na pedra da mesa, e os tapinhas de Jamie aumentaram.

 

Andy e Paige não estavam aqui. Eles haviam ido levar o caminhão e a van para seus esconderijos. Eles levariam o jipe de lá para sua garagem tosca, e então andariam de volta para casa. Eles estariam de volta no nascer do sol.

 

Lily não estava aqui.

 

“Ela não está... indo bem.” Jamie murmurou quando ele me pegou procurando por ela. Eu não queria saber de mais nada. Eu podia bem imaginar.

 

Aaron e Brandt não estavam aqui.

 

Brandt agora tinha uma cicatriz circular rosada e lisa no espaço entre a clavícula e o meio do peito. A bala perdeu o coração e os pulmões por um fio de cabelo, e se enfiou pelo ombro tentando escapar. Doc usou muito Curar para tirar a bala dele. Agora ele estava bem.

 

A bala de Wes foi mirada melhor. Perfurou sua testa e estourou seu caminho de saída na parte de trás da cabeça dele. Não teve nada que Doc pudesse fazer, mesmo se ele estivesse bem ali ao lado dele com um galão de Curar a disposição.

 

Brandt, que agora carregava um coldre no quadril, um troféu pesado do encontro, estava com Aaron. Eles est6avam no túnel onde nós teríamos estocado o que trouxemos se não estivesse ocupado. Se não estivesse sendo usado como prisão novamente.

 

Como se perder Wes não tivesse sido o suficiente.

 

Parecia a mim, terrivelmente errado que os números permaneciam os mesmos. Trinta e cinco corpos, exatamente como antes de eu vir para as cavernas. Wes e Walter se foram, mas eu estava aqui.

 

E agora estava a Rastreadora. Minha Rastreadora.

 

Se eu tivesse ido direto para Tucson. Se eu tivesse ficado em São Diego. Se eu tivesse pulado esse planeta e ido para algum lugar inteiramente diferente. Se eu tivesse me entregado para a Maternidade como qualquer outra teria feito após cinco ou seis planetas. Se, se, se... Se eu não tivesse vindo aqui, se eu não tivesse dado a Rastreadora as pistas que ela precisou para seguiu, então Wes estaria vivo.

 

Ela levou mais tempo para entender as pistas, mas quando ela entendeu, ela não os perseguiu com cuidado. Ela cruzou o deserto em uma SUV para todo tipo de terreno, deixando cicatrizes no deserto e chegando cada vez mais perto.

 

Eles tiveram que fazer algo. Eles tinham que pará-la.

 

Eu matei Wes.

 

Eles ainda teriam me pego no inicio Wanda. Eu os guiei aqui, não você.

 

Eu estava me sentindo muito miserável para responder.

 

Além disso, se nós não tivéssemos vindo Jamie estaria morto. E talvez Jared também. Ele morreria essa noite sem você.

 

Morte por todos os lados. Morte em qualquer lugar que eu olhasse.

 

Por que ela teve que me seguir? Eu não estou machucando as outras almas, não e verdade. Estou até salvando algumas vidas estando aqui, agora que Doc parou com as tentativas. Por que ela me seguiu?

 

Por que eles a estão mantendo?Melanie rosnou Por que não a mataram na hora? Os a mataram lentamente – eu não me importo. Por que ela ainda está viva?

 

Medo enchia meu estomago. A Rastreadora estava viva; a Rastreadora estava aqui.

 

Eu não devia ter medo dela;

 

Claro, fazia sentido ter medo de que seu desaparecimento trouxesse outros Rastreadores. Todos estavam com medo disso. Enquanto espiavam as buscas pelo meu corpo os humanos ouviram o quão vocal ela era sobre suas convicções. Ela tentou convencer os outros Rastreadores que havia humanos escondidos no deserto. Nenhum a levou a sério. Eles foram para casa, ela foi a única que continuou procurando.

 

Mas agora ela desapareceu no meio de uma busca. Isso mudava tudo.

 

Seu veículo foi movido para longe, largado no deserto do outro lado de Tucson. Iria parecer que ela desapareceu da mesma forma que pareceu que eu havia: pedaços da mochila deixados para trás. Os lanches que ela carregava abertos e meio comidos e espalhados. As outras almas aceitariam essa coincidência?

 

Nós já sabíamos que nós. Não inteiramente. Eles estavam procurando. A busca ficaria mais intensa?

 

Mas…medo da Rastreadora? Isso não fazia sentido. Ela era fisicamente insignificante, provavelmente menor que Jamie. Eu era mais forte e mais rápida do que ela. Eu estava cercada de amigos e aliados, e ela, pelo menos dentro das cavernas, estava sozinha.

 

Duas armas, o rifle o próprio Glock dela – a mesma arma que Ian uma vez invejou, a arma que matou meu amigo Wes – estavam apontadas o tempo todo para ela. Só uma coisa a manteve viva até agora, e isso não a salvaria por muito tempo.

 

Jeb achou que eu gostaria de falar com ela. Só isso.

 

Agora que eu havia voltado, ela estava condenada a morrer em algumas horas eu falando ou não com ela.

 

Então por que eu sentia que eu estava em desvantagem? Por que essa estranha premunição de que seria ela a sair ilesa da nossa confrontação:

 

Eu ainda não havia decidido se queria falar com ela. Pelo menos foi isso que eu disse a Jeb.

 

Sem a menos duvida, eu NÃO queria falar com ela. Eu estava apavorada de ver a cara dela novamente – uma cara que, por mais que eu tentasse, eu não conseguia ver amedrontada.

 

Mas se eu dissesse que não tinha desejo de conversar com ela, Aaron atiraria nela. Seria como se eu desse a ordem para matá-la. Como se eu puxasse o gatilho.

 

Ou pior, Doc tentaria cortar ela do corpo humano. Eu estremeci coma memória do sangue prateado nas mãos do meu amigo. Melanie se contorcia desconfortável, tentando escapar do tormento em minha cabeça.

 

Wanda? Eles só vão atirar nela. Não entre em pânico.

 

Isso devia me confortar? Eu não conseguia me impedir de imaginar a cena. Aaron, em suas mãos a arma da Rastreadora, o corpo dela caindo lentamente no chão, sangue se empoçando ao redor dela...

 

Você não tem que assistir.

 

Isso não impediria o fato de acontecer.

 

Os pensamentos de Melanie ficaram um pouco frenéticos. Mas nós queremos que ela morra, certo? Ela matou Wes! Além disso, ela não pode viver. Não importa o quê.

 

Ela estava certa sobre tudo, claro. Era verdade que não tinha como a Rastreadora ficar viva. Presa ela faria tudo para fugir. Livre ela seria a morte de minha família.

 

Era verdade que ela havia matado Wes. Ele era tão jovem e tão amado. Sua morte deixou uma agonia que queimava. Eu entendi o clamor de justiça humana que exigia a vida dela em retorno.

 

E também era verdade que eu a queria morta.

 

“Wanda? Wanda?”

 

Jamie sacudiu meu braço. Eu levei um momento para perceber que alguém chamava meu nome. Talvez já estivesse chamando há algum tempo.

 

“Wanda?” A voz de Jeb chamou novamente.

 

Eu olhei para cima. Ele estava em pá acima de mim. Sua expressão limpa, a fachada vazia que ele usava quando estava sentindo alguma grande emoção. Sua expressão poker.

 

“Os rapazes querem saber se você tem alguma pergunta para a Rastreadora.”

 

Eu pus uma mão na testa, tentando bloquear as imagens ali. “E se eu não tiver?”

 

“Eles já cansaram com o serviço de vigia. É um momento delicado. Eles prefeririam estar com os amigos.”

 

Eu assenti. “Okay. É melhor eu… ir vê-la logo então.” Eu me afastei da pedra e me ergui. Minhas mãos temiam então as mantive em punhos.

 

Você não tem pergunta nenhuma.

 

Eu pensarei em algumas

 

Por que prolongar o inevitável?

 

Não faço idéia.

 

Você está tentando salvar ela. Melanie acusou, cheia de indignação.

 

Não tem jeito de fazer isso.

 

Não, não há. E mais, você a quer morta. Então deixe eles atirarem nela.

 

Eu estremeci.

 

“Você está bem?” Jamie perguntou.

 

Eu assenti, não confiando na minha voz para falar.

 

“Você não precisa fazer isso.” Jeb me disse, seus olhos me escrutinando.

 

“Tá tudo bem.” Eu murmurei.

 

Jamie pegou minha mão, mas eu a soltei. “Fique aqui Jamie.”

 

“Eu vou com você.”

 

Minha voz ficou mais forte agora. “Ah não, não vai não.”

 

Nós nos encaramos por um momento, e pela primeira vez eu venci o argumento. Ele ergueu o queixo teimosamente, mas voltou a se sentar.

 

Ian, também, parecia inclinado a me seguir, mas eu o parei com um único olhar. Jared me olhava sair da cozinha com uma expressão .

 

“Ela é reclamona.” Jeb me disse em voz baixa enquanto íamos passando pelo buraco. “Nada quieta como você. Sempre pedindo mais – comida, água, travesseiros.... Ela ameaça muito também. ‘Os Rastreadores vão pegar todos vocês.’ Esse tipo de coisa. Tem sido especialmente difícil para Brandt. Ela tá levando a paciência dele além do limite.”

 

Eu assenti, isso não me surpreendia.

 

“Mas, ela não tentou fugir. Muito papo, pouca ação. Uma vez que as armas de erguem, ela se retrai rapidinho.”

 

Eu estremeci.

 

“Meu palpite é que ela quer viver e muito.” Jeb murmurou para si mesmo.

 

“Você tem certeza de que esse é o lugar mais seguro para mantê-la?” Eu perguntei enquanto descíamos pelo túnel contorcido e escuro.

 

Jeb sorriu. “Você não encontrou a saída.” Ele me lembrou. “As vezes o melhor esconderijo é o que está bem a vista.”

 

Minha resposta foi simples. “Ela está mais motivada do que estava.”

 

“Os rapazes estão mantendo os olhos nela. Nada com o que se preocupar.”

 

Nós estávamos quase lá. O túnel se torceu em um V fechado.

 

Quantas vezes eu percorri esse canto, minhas mãos apalpando a parte interna da junta, exatamente como agora? Eu nunca apalpei a parte externa da parede. Era irregular, com pedras afiadas que deixariam machucados e me fariam tropeçar..

 

Ficar na parte interna era o caminho mais curto para a saída.

 

Quando eles me mostraram pela primeira vez que o V era na verdade um Y – dois caminhos que eram originários de um, O túnel – eu me senti bastante idiota. Como Jeb disse, esconder algo bem às vistas era, às vezes, o melhor caminho. Nas vezes em que eu estava desesperada o suficiente para pensar em escapar das cavernas, minha mente havia perdido essa especulação. Esse era o buraco, a prisão. Na minha cabeça era o lugar mais escuro e profundo das cavernas. Foi lá que eles haviam me enterrado.

 

Mesmo Mel, mais acostumada com subterfúgios do que eu, nunca sonhou que eles me manteriam a alguns passos da saída.

 

Não era nem a única saída. Mas a outra era pequena e apertada, um espaço para se engatinhar. Eu não encontrei essa por que eu caminhei por essas cavernas em pé. Eu não procurei por esse tipo de túnel.

 

Além disso, eu nunca explorei as imediações do hospital de Doc, eu evitei o local desde o inicio.

 

A voz, familiar apesar de parecer fazer parte de outra vida, interrompeu meus pensamentos.

 

“Eu me pergunto como vocês ainda estão vivos comendo assim. Eca!”

 

Algo plástico bateu contra as rochas.

 

Eu podia ver a luz azul quando viramos a última esquina.

 

“Eu não sabia que os humanos tinham a paciência para matar alguém de fome. Parece um plano muito complexo para vocês, criaturas com tão pouca visão.”

 

“Jeb riu. “Tenho que admitir. Eu estou surpreso com esses garotos. Surpreso deles terem aquentado esse tempo todo.”

 

Nós chegamos ao túnel sem fim iluminado. Brandt e Aaron, ambos sentados o mais longe possível do final do túnel onde a Rastreadora andava em círculos, os dois com armas na mão, suspiraram de alivio ao nos ver aproximando.

 

“Finalmente.” Brandt murmurou. Seu rosto marcado com profundas marcas de dor.

 

A Rastreadora parou.

 

Eu me surpreendi ao ver as condições em que ela era mantida.

 

Ela não estava metida no minúsculo buraco, mas livre, caminhando pela extensão curta do túnel. No chão, contra a parede do fundo, um colchonete e um travesseiro. Uma bandeja plástica posicionada em um ângulo oposto ao da parede mais ou menos no meio da caverna; algumas raízes de jicama espalhadas perto da bandeja com uma vasilha de sopa. Um pouco de sopa estava derramada onde tudo isso estava. Isso explicava o barulho que eu havia acabado de ouvir – ela jogou a comida. Mas parecia que ela havia comido a maioria.

 

Eu olhei o lugar relativamente humano e senti uma estranha dor no estomago.

 

Quem NÓS matamos? Melanie resmungou mal humorada. Isso a incomodava também.

 

“Você quer um minuto com ela?” Brandt perguntou a mim, e a dor apunhalou novamente. Quando Brandt se referiu a MIM usando um pronome feminino? Eu não me surpreendia de Jeb usar um para falar dela, mas os outros?

 

“Sim.” Eu murmurei.

 

“Cuidado.” Aaron avisou. “Ela é uma coisinha raivosa.”

 

Eu assenti.

 

Os outros ficaram onde estavam. Eu caminhei para o fundo do túnel sozinha.

 

Era difícil erguer os olhos, encontrar o olhar que eu podia sentir como dedos frios contra o meu rosto.

 

A Rastreadora estava me encarando, um sorriso esnobe em seu rosto. Eu nunca vi uma alma usar uma expressão dessas antes.

 

“Ora, olá Melanie.” Ela zombou. “Por que demorou tanto para vir me visitar?”

 

Eu não respondi. Eu caminhei em sua direção lentamente, tentando muito crer que o ódio que eu sentia no meu corpo não pertencia a mim.

 

“Os seus amiguinhos acaram que eu falaria com você? Revelaria todos os meus segredos por que você carrega uma alma lobotomizada em sua cabeça, refletindo em seus olhos?” ela riu abrasivamente.

 

Eu parei a dois passos dela, meu corpo tenso preparado para correr. Ela não fez nenhum movimento agressivo em minha direção, mas eu não conseguia relaxar os músculos. Isso não era como encontrar o Rastreador na auto-estrada – eu não tinha a familiar sensação de4 segurança que eu sentia com as gentis outras almas. De novo, a estranha sensação que ela viveria muito ainda após eu ter ido passou por mim.

 

Não seja ridícula. Pergunta logo. Você já pensou em algo?

 

“Então, o que você quer? Pediu permissão para me matar pessoalmente Melanie?” a Rastreadora sibilou.

 

“Eles me chamam de Wanda aqui.” Eu disse.

 

Ela se afastou levemente quando eu abri a boca para falar, como se esperando que eu gritasse. Minha voz baixa e sem inflexão pareceu a incomodar mais do que o grito que ela havia antecipado.

 

Eu examinei seu rosto enquanto ela me encarava com os olhos estufados. Estava sujo, machado com roxo e suor seco. Além disso, não havia nenhuma outra marca. Novamente, isso me deu uma estranha sensação de dor.

 

“Wanda.” Ela repetiu secamente. “Bem, o que você está esperando: Eles não te deram permissão? Você planejava usar suas mão ou minha arma?”

 

“Eu não estou aqui para te matar.”

 

Ela sorriu amargamente. “Para me interrogar? Onde estão os instrumentos de tortura, humana?”

 

Eu estremeci. “Eu não vou machucá-la.”

Em seu rosto um flash de insegurança que rapidamente foi substituído pelo sorriso esnobe. “Por que estão me mantendo aqui então? Eles acham que podem me domar, como a alma de estimação deles?”

 

“Não. Eles só... eles não queriam matá-la antes de me ... consultar. Para o caso de que querer falar com você antes.”

 

Suas pálpebras desceram, estreitando os olhos. “Você tem algo para dizer?”

 

Eu engoli. “Eu estava imaginando...” eu só tinha a mesma pergunta que era a que eu não era capaz de responder por mim mesma.

 

“Por quê? Por que você não me deixou morta como os outros? Por que você estava tão determinada a me caçar? Eu não queria machucar ninguém. Só.. seguir meu próprio caminho.”

 

Ela ficou na ponta dos pés, aproximando o rosto dela do meu. Alguém moveu atrás de mim, mas eu não pude ouvir mais do que isso – ela estava gritando na minha cara.

 

“Por que eu estava CERTA!” gritava. “Mais do que certa! OLHE para eles. Um ninho vil de assassinos, na espreita! Exatamente como eu pensei, só que muito PIOR! Eu sabia que você estava aqui com eles! Um deles! Eu disse que havia perigo! EU DISSE!”

 

Ela parou, respirando fundo, e deu um passo para trás, encarando por sobre meus ombros. EU não olhei para ver o que havia feito ela se afastar. Eu deduzi que foi algo a ver com o que Jeb disse a respeito dela ficar mansa quando as armas apareciam. Eu analisei sua expressão por um momento enquanto sua respiração se acalmava.

 

“Mas eles não te ouviram. Então você veio até nós, sozinha.”

 

A Rastreadora não respondeu. Ela deu outro passo para trás, duvida contorcendo sua expressão. Ela pareceu estranhamente vulnerável por um segundo, como se minhas palavras tivessem partido o escudo atrás do qual ela se escondia.

 

“Eles procurarão por você, mas no fim das contas, eles nunca acreditaram em você, não foi?” eu disse, observando como cada palavra era confirmada em sua expressão desesperada. Isso me deixou bem segura. “Então eles não levarão as buscas muito além. Quando eles não a encontrarem, o interesse irá desvanecer. Nós seremos cuidadosos, como sempre. Eles não nos encontrarão.”

 

Agora eu podia ver medo de verdade nos olhos dela pela primeira vez. O terrível – para ela – conhecimento de que eu estava certa. E eu me senti melhor pelo meu ninho de humanos, minha pequena família. Eu estava certa. Eles estariam seguros. Ainda assim, eu não me sentia bem por mim mesma.

 

Eu não tinha mais perguntas para ela. Quando eu me afastasse, ela morreria. Eles esperariam até que eu estivesse longe o bastante para não ouvir o tiro? Havia algum lugar nas cavernas longe o bastante para isso:

 

Eu encarei seu rosto cheio de raiva e medo, e eu soube o quão profundamente eu a odiava. O quanto eu nunca queria ver eu rosto novamente pelo resto de nossas vidas.

 

Esse ódio fazia ser impossível para eu deixá-la morrer.

 

“Eu não sei como te salvar.” Eu murmurei, baixo demais para os humanos ouvirem. Por que isso soava como uma mentira aos meus ouvidos? “Eu não consigo pensar numa forma.”

 

“Por que você iria querer isso? Você é um deles!” Mas um brilho de esperança acendeu em seus olhos. Jeb estava certo. Toda a pose, todas as ameaças... Ela queria muito continuar viva.

 

Eu assenti para a acusação dela, um pouco distraída, pois estava pensando concentrada e rápido. “Mas ainda sou eu.” Eu murmurei. “Eu não quero… eu não quero..”

 

Como terminar essa frase? Eu não queria... que ela morresse? Não. Isso não era verdade.

 

Eu não queria... odiar ela? Odiá-la tanto a ponto de querer vela morta. Deixá-la morrer enquanto eu a odiava. Quase como se ela morresse devido o meu ódio.

 

Se eu realmente não a quisesse morta eu seria capaz de pensar em uma forma de salva-la? O meu ódio estava bloqueando minha resposta? Seria eu responsável se ela morresse?

 

Você tá doida? Melanie protestou.

 

Ela havia matado meu amigo, o matou no deserto, partindo o coração de Lily. Ela pôs minha família em perigo. Enquanto ela vivesse, ela era um perigo para eles. Par Ian, Jamie, para Jared. Ela faria tudo em seu poder para vê-los mortos.

 

Agora sim. Melanie aprovou essa linha de pensamento.

 

Mas se ela morrer quando eu podia salva-la se eu quisesse... isso faria o que de mim?

 

Você tem que ser prática Wanda. Isso é uma guerra. De que lado você está?

 

Você sabe a resposta para isso.

 

Eu sei. E é isso que você é, Wanda.

 

Mas... mas e se eu pudesse fazer as duas coisas? E se eu pudesse salvar ela e manter todos seguros ao mesmo tempo?

 

Uma pesada onda se náusea enrolou meu estomago quando eu vi a resposta que eu tentava acreditar que não existia.

 

A única parede que eu havia construído entre Melanie e mim virou pó.

 

Não! Ela sussurrou. Então gritou. NÃO!

 

A resposta que eu sabia que encontraria. A resposta que explicava minha estranha premunição.

 

Eu podia salvar a Rastreadora. Claro que podia. Mas me custaria. Uma troca. O que Kyle havia dito? Uma vida por uma vida.

 

A Rastreadora me encarava, seus olhos escuros cheios de veneno.

 

                                       Sacrificada

 

 

A Rastreadora me observava atentamente enquanto eu e Mel brigávamos.

 

Não Wanda, não!

      

Não seja estúpida, Mel, você mais que todos devia ver o potencial dessa escolha. Não é isso que você quer?

 

Mas mesmo enquanto eu tentava ver o final feliz, eu não conseguia escapar do horror dessa escolha. Esse era o segredo que eu devia morrer para proteger. A informação que eu estive desesperada para proteger independente das torturas que me infligissem.

 

Isso não era o tio de tortura que eu esperava; uma crise pessoal de consciência, confundida e complicada pelo amor por minha família humana. Mas mesmo assim, muito dolorosa.

 

Eu não podia dizer que era uma expatriada mais se eu fizesse isso. Não, eu seria simplesmente uma traidora.

 

Não por ela Wanda! Não por ela! Mel rugia.

 

Eu devia esperar? Até eles pegarem outra alma? Uma alma inocente que eu não tinha razão para odiar? Eu terei que tomar essa decisão alguma hora.

 

Não agora! Espera! Pense sobre isso!

 

Meus estomago rolava novamente, e eu tive que inclinar meu corpo para frente para poder respirar.

 

“Wanda?” Jeb chamou com preocupação.

 

Eu podia fazer isso Mel. Eu podia achar uma justificativa para deixá-la morrer se ela fosse uma dessas almas inocentes. Eu podia deixá-la morrer se fosse esse o caso. Eu podia confiar em mim mesma para tomar uma decisão objetiva.

 

Mas ela é horrível Mel. Nós a odiamos!

 

Exatamente. E eu não posso confiar em mim mesma. Olha como eu quase não via a resposta…

 

“Wanda você está bem?”

 

A Rastreadora olhou além de mim, em direção a voz de Jeb.

 

“Tudo bem Jeb.” Eu consegui dize. Minha voz fraca. Eu me surpreendi com o qu~so Mac eu soava.

 

Os olhos escuros da Rastreadora iam de mim a ele, insegura. Então ela se afastou de mim, se comprimindo contra a parede.

 

Eu reconheci a posição – lembrava exatamente do sentimento que levava a ela.

 

Uma mão gentil tocou meu ombro e me girou.

 

“O que está acontecendo com você, querida?” Jeb perguntou.

 

“Eu preciso de um minuto.” Eu o disse sem fôlego. Eu olhei diretamente em seus olhos e disse algo que não era definitivamente uma mentira. “Eu tenho mais uma pergunta. Mas eu realmente preciso de um minuto. Você pode... esperar?”

 

“Claro, nós podemos esperar mais um pouco. Toma um ar.”

 

Eu assenti e caminhei o mais rapidamente que podia para fora da prisão. Minhas pernas estavam rígidas no inicio, mas eu me achei enquanto caminhava. Quando eu passei por Aaron e Brandt, eu estava quase correndo.

 

“O que aconteceu?” Eu ouvi Aaron murmurar para Brandt, sua voz surpresa.

 

Eu não tinha muita certeza de onde me esconder para pensar. Meus pés, como se estivesse no piloto automático, me levaram pelos corredores até meu quarto de dormir. Eu esperava que estivesse vazio.

 

Estava escuro, quase nenhuma luz das estrelas brilhando pelos rachados do teto. Eu não vi Lily até tropeçar nela no escuro. Eu quase não reconheci seu rosto inchado de lágrimas. Ela estava sentada enrolada em si mesma no meio da passagem. Seus olhos muito abertos, não exatamente compreendendo quem eu era.

 

“Por quê?” ela me perguntou.

 

Eu a encarei sem palavras.

 

“Eu disse que a vida e o amor continuavam. Mas porque deviam? Não deviam. Não mais. Qual o propósito?”

 

“Eu não sei Lily. Eu não sei qual o propósito.”

 

“Por quê?” ela perguntou novamente, não falando comigo mais. Seus olhos límpidos olhavam direto por mim.

 

Eu passei cuidadosamente por ela e corri para o meu quarto. Eu tinha minha própria pergunta para ser respondida

 

Para o meu enorme alivio, o quarto estava vazio. Eu me joguei, rosto para baixo, no colchão onde Jamie e eu dormíamos. Quando eu disse a Jeb que eu tinha mais uma pergunta, era verdade. Mas a pergunta não era para a Rastreadora, era para mim.

 

A pergunta era: eu faria? Não era: eu conseguia? Eu poderia salvar a vida dela. Eu sabia como. Não arriscaria a vida de ninguém aqui. Exceto a minha. Eu teria que fazer uma troca.

 

Não. Melanie tentava pensar firme apesar do pânico.

 

Por favor deixe-me pensar.

 

Não.

 

Melanie. É inevitável. Eu posso ver isso agora. Eu devia ter visto isso antes. É tão obvio.

 

Não, não é.

 

Eu lembrava de nossa conversa quando Jamie estava doente. Quando estávamos fazendo as pazes, eu disse que não podia apagar ela e que lamentava que não pudesse dar mais do que isso.

 

Não era bem uma mentira, só uma frase inacabada. Eu não podia dar mais do que isso – e continuar viva.

 

A mentira de verdade foi a que eu dei para Jared. Eu disse a ele, poucos segundos depois, que eu não sabia como fazer com que eu não existisse. No contexto de nossa conversa, era verdade. Eu não sabia como desaparecer, aqui dentro de Melanie. Mas eu estava surpresa de não ter visto a mentira obvia, não vi lá o que eu via agora. Claro que eu sabia como me fazer desaparecer. É só que eu nunca havia considerado essa opção, a traição vil que isso era para com cada alma nesse planeta.

 

Assim que os humanos tivessem essa resposta, a resposta que eles mataram várias vezes para conseguir, me custaria.

 

Não Wanda!

 

Você não quer ser livre?

 

Uma longa pausa.

 

Eu não pediria isso, ela finalmente disse. E eu não faria por você. E com certeza eu não faria pela Rastreadora.

 

Você não tem que pedir. Eu me voluntariaria... eventualmente.

 

Por que você faria isso?ela exigiu saber, seu tom era quase um choro. Isso me tocou. Eu esperei que ela ficasse feliz.

 

Em parte por causa deles, Jared e Jamie. Eu posso dar a eles o mundo todo, tudo o que eles querem. Eu podia dar a eles Você. Eu provavelmente perceberia isso... alguma dia. Quem sabe? Talvez Jared pedisse. Você sabe que eu não diria não.

 

Ian tem razão. Você é muito ‘vou me sacrificar’. Você não tem limites. Você precisa de limites Wanda!

 

Ah, Ian. Eu gemi. Uma nova dor passou por mim, surpreendentemente perto do coração.

 

Isso tiraria o mundo dele inteiro. Tudo que ele quer.

 

Nunca daria certo com Ian. Não nesse corpo, apesar dele amar esse corpo, o corpo não o ama.

 

Wanda, eu...Melanie lutava para encontrar palavras. A alegria que eu esperava não veio ainda. E novamente, eu fiquei tocada. Eu não acho que posso deixar você fazer isso. Você é mais importante que isso. Na imagem maior, você tem muito mais valor do que eu. Você pode ajudá-los, você pode salva-los. Eu não posso fazer isso. Você tem que ficar.

 

Eu não vejo outra saída Mel. Eu nem sei como eu não vi isso antes. Me parece tão completamente obvio. Claro que eu tenho que ir. Claro que eu tenho que te libertar, Eu já sabia que as almas estavam erradas em vir aqui. Então eu não tenho outra escolha a não ser fazer o que é certo e partir. Todos vocês sobreviveram sem mim antes, vocês farão isso novamente. Você aprendeu tanto sobre as outras almas comigo – você os ajudará. Você não consegue ver? Esse é o final feliz. É assim que eles precisam que essa história termine. Eu os posso dar esperança. Posso dá-los.. não um futuro. Talvez não isso. Mas o máximo que eu puder, Tudo o que eu puder dar.

 

Não Wanda, Não.

 

Ela estava chorando, ficando incoerente. Sua tristeza trouxe lágrimas aos meus olhos. Eu não fazia idéia que ela se importava tanto comigo. Quase tanto quanto eu me importava com ela. Eu realmente não havia percebido que nós nos amávamos.

 

Mesmo se Jared nunca me pedisse isso, mesmo se ele nem existisse... Uma vez que esse caminho havia surgido para mim, eu teria que segui-lo. Eu a amava esse tanto.

 

Não era surpresa que a taxa de sucesso com hospedeiros resistentes aqui na terra era baixa, uma vez que aprendíamos a amar nossos hospedeiros humanos, que chance nós almas tínhamos? Nós não podíamos viver à custa de alguém que amávamos. Não uma alma. Uma alma não conseguiria viver assim.

 

Eu me virei e na luz das estrelas olhei meu corpo.

 

Minhas mãos estavam sujas e arranhadas, mas sob isso, era bonita. A pele era de um bonito bronzeado, mesmo nessa luz era bonita. As unhas estavam roídas curtas, mas ainda assim macias e saudáveis, com pequenas meias-luas na base. Eu movi os dedos, vendo os músculos mover os ossos de forma graciosa.

 

Eu corri os dedos pelos cabelos. Estavam quase no ombro agora. Mel iria gostar disso. Após algumas semanas usando xampu em quartos de hotéis e vitaminas, estava brilhante e macio. Eu estiquei os braços o máximo que conseguia, estalando as juntas. Meus braços eram fortes. Eu podia escalar, carregar peso, eles podiam arar um campo. Mas eles eram macios. Eles podiam segurar uma criança, confortar um amigo, amar… mas isso não era para mim.

 

Eu respirei fundo, as lágrimas desciam pelo canto dos meus olhos, pela têmpora até o meu cabelo.

 

Eu tencionei os músculos das minhas pernas, as sentindo forte e ágil. Eu queria correr, ter um campo aberto onde eu pudesse correr só para ver o quão rápido eu podia ir. Eu queria fazer isso descalça, para sentir a terra sob meus pés. Eu queria sentir o vento pelo meu cabelo. Eu queria que chovesse, para sentir o cheiro de chuva enquanto corria.

 

Eu acariciei meu rosto com a ponta de meus dedos. Eles eram mornos na minha pele, pele que era macia e bonita. Eu estava feliz de devolver a ela seu rosto do jeito que ele era. Eu fechei os olhos e passei os dedos pelas pálpebras. Eu vivi em muitos corpos, mas nunca um que eu amei assim. Nunca um que eu adorasse dessa forma. E claro, era desse que eu tinha que desistir.

 

A ironia me fez rir, e eu me concentrei em sentir o ar que passava em pequenas bolhas pelo meu peito e garganta. Risadas eram como uma brisa leve – limpava o caminho pelo meu corpo, fazendo tudo sentir melhor. As outras espécies também tinham esse remédio tão simples? Eu não consegui lembrar de nenhuma.

 

Eu toquei meus lábios e lembrei da sensação de beijar Jared e da sensação de beijar Ian. Nem todo mundo tinha a chance de beijar tantos cor5pos bonitos, Eu tive mais do que alguns, mesmo nesse curto espaço de tempo.

 

Tão curto. Talvez um ano, eu não tinha muita certeza. Só um curto espaço de tempo nesse planeta azul e verde que girava em torno dessa estrela excepcionalmente amarela. A vida mais curta que tive das vidas que tive. A mais curta, mais importante, mais sofrida das vidas. A vida que para sempre me definiria.

 

A vida que finalmente me ligaria a uma estrela, a um planeta, a uma pequena família de estranhos. Um pouco mais de tempo... isso seria tão errado?

 

Não. Melanie suspirou. Só mais um pouco de tempo.

 

Você nunca sabe quanto tempo terá. Eu murmurei de volta.

 

Mas eu sabia. Eu sabia exatamente quanto tempo eu tinha. Eu não podia tomar mais tempo. Meu tempo acabou.

 

Eu estava indo embora. Eu tinha que fazer a coisa certa, ser meu verdadeiro eu, no curto tempo que eu tinha. Com um suspiro que pareci vir das profundezas de todo o meu corpo, eu levantei.

 

Aaron e Brandt não esperariam para sempre. E agora eu tinha algumas perguntas que eu precisava obter respostas. Dessa vez, as perguntas eram para Doc.

 

As cavernas estavam cheias de olhos tristes e baixos. Foi fácil caminhar sem ser notada. Ninguém se importava com o que eu estava fazendo agora, exceto talvez Jeb, Aaron e Brandt, e eles não estavam ali.

 

Eu não tinha um campo aberto e com chuva, mas pelo menos eu tinha o longo túnel sul. Estava muito escuro para correr na velocidade que eu queria, mas eu mantive um bom ritmo. Era gostoso sentir os músculos se aquecendo.

 

Eu esperava encontrar Doc lá, mas eu esperaria se tivesse que esperar. Ele estaria sozinho. Coitado do Doc, era assim que eles ficava a maior parte do tempo. Doc estava dormindo sozinho no hospital desde a noite em que nós salvamos a vida de Jamie. Sharon tirou as coisas dela do quarto e foi para o quarto da mãe, e Doc não queria dormir no quarto vazio.

 

Tanto ódio. Sharon preferia matar a própria felicidade e a de Doc também, do que perdoar ele por me ajudar a curar Jamie. Sharon e Maggie mal eram uma presença nas cavernas mais. Elas olhavam direto pelas pessoas agora, da forma que ela costumavam a olhar para mim. Eu me perguntava se isso acabaria agora que eu iria partir, ou se elas estavam tão rígidas em seus desgostos que isso duraria até ser tarde demais para ela mudarem.

 

Que extraordinária estúpida forma de desperdiçar tempo.

 

Pela primeira vez o túnel sul pareceu curto. Eu achava que só tinha corrido a metade quando eu vi a luz difusa de Doc iluminando o arco da entrada. Ele estava em casa.

 

Eu diminuí para uma caminhada antes de interrompê-lo. Eu não queria assustá-lo, fazê-lo pensar que havia uma emergência. Eu ainda estava um pouco afobada, sem fôlego, quando apareci na porta. Ele pulou de trás da mesa. O livro em suas mãos caiu.

 

“Wanda? Algo errado?”

 

“Não Doc.” Eu o assegurei. “Está tudo bem.”

 

“Alguém precisa de mim?”

 

“Só eu.” Eu o dei um sorriso fraco.

 

Ele deu a volta na mesa para me alcançar, olhos cheios de curiosidade. Ela parou a meio passo de mim e ergueu uma sobrancelha. Seu longo rosto era gentil. Era difícil lembrar de como ele parecia um monstro para mim antes.

 

“Você é um homem de palavra.” Eu comecei.

 

Ele assentiu e abriu a boca para falar, mas eu ergui uma mão.

 

“Ninguém vai testar isso mais do que eu agora.” Eu o avisei.

 

Ele esperou, olhos confusos.

 

Eu respirei fundo, senti o ar expandir meus pulmões.

 

“Eu sei como fazer o que você tem matado para descobrir. Eu sei como tirar as almas do corpo sem machucar nenhum dos dois. Claro que eu sei disso. Todos nós temos que saber, para o caso de uma emergência. Eu até fiz o procedimento de emergência uma vez quando era um Urso.”

 

Eu o encarei, esperando sua resposta. Ele levou um longo momento, e seus olhos ficavam mais arregalados a cada instante.

 

“Por que você está me dizendo isso?” ele finalmente disse.

 

“Por que eu... eu vou te dar o conhecimento que você precisa.” Eu ergui a mão novamente. “Mas somente se você der o que eu quero em retorno. Eu já estou te avisando, não será fácil para você dar o que eu quero assim como não será fácil para mim dar o que você quer.”

 

Seu rosto estava mais duro do que eu jamais vi. “Diga seus termos.”

 

“Você não pode os matar – as almas que remover. Você tem que me dar sua palavra – seu juramento, prometer, que você os dará conduto para outra vida. Isso significa perigo, você terá que ter criotanques, e terá que enviar essas almas para outro planeta, os mandar para outro mundo para viver. Mas eles não serão capazes de te machucar. Quando alcançarem o próximo planeta seus netos estarão mortos.”

 

As minhas condições diminuiriam minha culpa? Só se eu confiasse em Doc.

 

Ele estava pensando profundamente enquanto eu explicava. Eu observava seu rosto para ver o que ele pensava da minha demanda. Ele não parecia com raiva, mas seus olhos ainda estavam arregalados.

 

“Você não quer que matemos a Rastreadora?” ele adivinhou.

 

Eu não respondi sua pergunta por que el não entenderia minha resposta. Eu queria sim que eles a matassem. Esse era o problema. Ao invés disso eu expliquei melhor.

 

“Ela será a primeira, um teste. Eu quero garanti, enquanto estou aqui, que você seguirá com isso direito. Eu farei a separação eu mesma. Quando for seguro, eu te ensinarei como fazer.”

 

“Em quem?”

 

“Almas seqüestradas. Igual a antes. Eu não posso garanti que as mentes humanas vão voltar, eu não posso garantir que os apagados retornarão. Veremos com a Rastreadora.”

 

Doc piscou, processando algo. “Como assim quanto você estiver aqui? Você vai partir?”

 

Eu o encarei, esperando o entendimento bater. Ele me encarou de volta sem compreender.

 

“Você não percebe o que eu estou dando?” eu murmurei.

 

Finalmente, compreensão apareceu em suas feições.

 

Eu falei rápido, antes que ele pudesse falar. “Há uma coisa mais que eu quero pedir Doc. Eu não quero...eu não serei enviada para outro planeta. Esse é o meu planeta, de verdade. E mesmo assim não há espaço aqui para mim. Então... eu sei que isso pode … ofender alguns dos outros. Não os conte se você achar que eles não permitirão. Minta se precisar. Mas eu gostaria de ser enterrada com Walter e Wes. Você pode fazer isso por mim? Eu não vou tomar muito espaço.” Eu sorri fracamente de novo.

Não! Melanie gritava. Não, não, não, não...

 

“Não Wanda.” Doc objetou também, com expressão chocada.

 

“Por favor Doc.” Eu suspirei, tentando ignorar o protesto em minha cabeça que estava ficando mais alto. “Eu não acho que Walt ou Wes se importariam.”

 

“Não foi isso que eu quis dizer! Eu não posso matar você, Wanda. Urr! Eu estou cansado de mortes, cansado de matar meus amigos.” A voz de Doc sumiu em um soluço.

 

Eu coloquei minha mão em seu braço, esfregando. “Pessoas morrem aqui. Acontece.” Kyle havia dito algo assim. Engraçado eu usar citações de Kyle duas vezes na mesma noite, logo Kyle.

 

“E quanto a Jamie e Jared?” Doc perguntou em uma voz estrangulada.

 

“Eles terão Melanie. Eles ficarão bem.”

 

“Ian?”

 

Essa saiu entre os dentes. “Melhor sem mim.”

 

Doc sacudiu a cabeça, secou os olhos. “Eu preciso pensar nisso Wanda.”

 

“Nós não tempos muito tempo. Eles não esperarão para sempre para matar a Rastreadora.”

 

“Não é sobre essa parte. Eu concordo com esses termos. Mas eu não acho que conseguirei matar você.”

 

“É tudo ou nada Doc. Você tem que decidir afora. E...” eu percebi que tinha mais uma exigência. “E você não pode dizer a mais ninguém sobre essa última parte do acordo. Ninguém. Esses são os meus termos, os aceite ou não. Você quer saber como remover uma alma de um corpo humano?”

 

Doc sacudiu a cabeça. “Deixe-me pensar.”

 

“Você já sabe a resposta Doc. É isso que você tem procurado.”

 

Ele só continuava sacudindo a cabeça lentamente de um lado para outro.

 

Eu ignorei esse símbolo de negação por que ambos sabíamos que sua escolha havia sido feita.

 

“Eu vou atrás de Jared;” eu disse. “Nós faremos uma viagem rápida para arrumar criotanques. Segura os outros. Diga-os... dia a verdade. Diga que eu o ajudarei a tirar a Rastreadora daquele corpo.”

 

                                       Preparada

 

Eu encontrei Jamie e Jared em nosso quarto, esperando por mim, preocupação em seus rostos. Jared devia ter falado com Jeb.

 

“Você está bem?” Jeb me perguntou, enquanto Jamie pulava da cama e me abraçava pela cintura.

 

Eu não estava certa de com responder essa pergunta. Eu não queria responder. “Jared, eu preciso da sua ajuda.”

 

Jared estava de pé assim que eu terminei de falar. Jamie se inclinou para trás para ver meu rosto. Eu não olhei nos olhos de Jamie. Eu não sabia o quanto suportaria agora.

 

“O que você quer que eu faça?” Jared perguntou.

 

“Eu preciso fazer uma viagem. Eu agradeceria.. os músculos extras.”

 

“O que estamos procurando:” ele estava intenso, já indo para o modo missão.

 

“Eu explicarei no caminho. Não temos muito tempo.”

 

“Posso ir?” Jamie perguntou.

 

“Não!” Jared e eu dissemos juntos.

 

Jamie franziu a testa e me soltou, se afundou no colchão cruzando as pernas. Ele pôs o rosto nas mãos e fez beiço. Eu não conseguia olhar diretamente para ele antes de sair do quarto. Eu já estava doida para sentar do lado dele, o abraçar e esquecer essa loucura toda.

 

Jared me seguiu enquanto eu ia para o túnel sul.

 

“Por quê por aqui?” ele perguntou.

 

“Eu..” ele saberia se eu mentisse. “Eu não quero encontrar com ninguém. Jeb, Aaron e Brandt especialmente.”

 

“Por quê?”

 

“Eu não quero me explicar para eles. Ainda não.”

 

Ele ficou quieto, tentando entender minha resposta.

 

Eu mudei de assunto. “Você sabe onde a Lily está? Eu não acho que ela devia ficar sozinha. Ela parece...”

 

“Ian está com ela.”

 

“Isso é bom. Ele é o mais gentil.”

 

Ian ajudaria Lily – ele era exatamente o que ela precisava agora. Quem ajudaria Ian quando...? Eu sacudi a cabeça afastando o pensamento.

 

“O que nós estamos com tanta pressa de conseguir?” Jared me perguntou.

 

Eu respirei fundo antes de responder. “Criotanques”

 

O túnel estava negro. Eu não podia ver seu rosto. Seus passos não diminuíram, e ele não disse nada por vários minutos. Quando ele falou novamente, eu podia ouvir que ele estava concentrado na Pilhagem – mente focada, deixando de lado a curiosidade que ele sentia at´é que a missão estivesse planejada satisfatoriamente.

 

“Onde nós os conseguimos?”

 

“Criotanques vazios são estocados do lado de fora de prédios de Cura até serem necessárias. Com mais almas entrando do que saindo haverá excesso. Ninguém os guardará, ninguém perceberá a falta de alguns.”

 

“Tem certeza? Onde você conseguiu essa informação?”

 

“Eu os vi em Chicago, pilhas e pilhas. Mesmo locais pequenos como o que nós fomos em Tucson tinha um pequeno deposito do lado de fora, caixas deles próximo a entrada de suprimentos.”

 

“Se eles estavam em caixas como você pode ter certeza –“

 

“Você ainda não notou nosso carinho por etiquetas?”

 

“Eu não estou duvidando de você,” ele disse. “Eu só quero ter certeza que você pensou direito sobre isso.”

 

Eu ouvi o duplo significado em suas palavras.

“Eu pensei.”

 

“Vamos nessa então.”

 

Doc já havia saído – com Jeb, já que não passamos por ele no caminho. Ele devia ter saído assim que eu saí. Eu me perguntava como sua noticia seria recebida. Eu esperava que eles não fossem estúpidos de discutir isso na frente da Rastreadora. Ela seria capaz de destruir o cérebro da sua hospedeira de ela adivinhasse o que eu ia fazer? Ela deduziria que eu me tornei uma completa traidora? Que eu daria aos humanos o que eles precisavam sem restrições?

 

E não era isso o que eu estava fazendo? Quando eu tivesse ido, Doc se incomodaria em manter sua palavra? Sim, ele tentaria. Eu acreditava nisso. Eu tinha que acreditar nisso. Mas ele não conseguiria sozinho. E quem o ajudaria?

 

Nós engatinhamos pelo apertado túnel que se abria na montanha de rocha sul. O horizonte estava ficando cinza, com um pequeno brilho rosa na linha entre o céu e a rocha.

 

Meus pés estavam em meus pés enquanto eu escalava descendo. Era necessário, não havia caminho, e as rochas soltas eram perigosas. Mas mesmo quando alcançássemos o piso plano eu duvidava que fosse capaz de erguer os olhos. Meus ombros, também apreciam grudados em uma posição baixa.

 

Traidora. Não alguém que não se encaixava, não uma nômade. Só uma traidora, Eu estava pondo meus gentis irmãos e irmãs nas mãos raivosas e motivadas de minha família humana adotada.

 

Meus humanos tinham todo o direito de odiar as almas. Isso era guerra e eu os estava dando uma arma. Uma forma de matar impunemente.

 

Eu considerava isso enquanto corríamos pelo deserto na luz crescente do amanhecer – corríamos porque com os Rastreadores procurando, nós não devíamos estar fora na luz do dia.

 

Focando-me nesse ângulo – vendo minha escolha não como um sacrifício mas armando os humanos me troca da vida da Rastreadora – era errado. E se eu estivesse só tentando salvar a vida dela, bom, eu viraria de costas e mudaria de idéia. Ela não valia isso. Mesmo ela concordaria com isso.

 

Ou não? Eu me perguntei de repente. A Rastreadora não parecia ser ... qual a palavra que Jared havia usado? Altruísta... tão altruísta quanto o resto de nós. Talvez ela contasse sua vida como mais importante do que a vida de muitos.

 

Mas era tarde para mudar de idéia. Eu já havia pensado nisso além da Rastreadora. Um motivo; isso aconteceria de novo. Os humanos matariam qualquer alma que eles encontrassem a não ser que eles tivessem outra opção. Mais do que isso, eu salvaria Melanie, e isso valia o sacrifício. Eu ia salvar Jamie e Jared também. E já que estava nisso, podia salvar a Rastreadora repugnante também.

 

As almas erraram ao via aqui. Meus humanos mereciam o mundo deles. Eu não poderia devolvê-los para eles, mas eu podia dá-los isso. Se ao menos eu pudesse ter certeza que eles não seriam cruéis. Eu teria que confiar em Doc, e ter esperança. E talvez arrancar a promessa de mais alguns amigos, por garantia.

 

Eu imaginava quantas vidas humanas eu salvaria. Quantas almas eu podia salvar. A única que eu não poderia salvar era eu mesma.

 

Eu suspirei profundamente. Mesmo com os sons de nossas respirações arfantes Jared ouviu. Em minha visão periférica eu vi seu rosto me olhando, senti seus olhos em mim, mas eu não olhei para encontrar seu olhar. Encarei o chão.

 

Nós chegamos ao esconderijo do jipe antes do sol aparecer sobre os picos no leste, mas o céu já estava azul claro. Nós entramos na rasa caverna quando os primeiros raios de sol pintavam o deserto de dourado. Jared pegou duas garrafas de água do banco traseiro, me passou uma e se apoiou na parede. Ele engoliu metade da garrafa em um gole e limpou a boca com as costas da mão antes de falar.

 

“Eu percebi que você estava com pressa de sair de lá, mas nós precisamos esperar até estar escuro se você está planejando entrar e roubar.”

 

Eu engoli um gole grande de água. “Tudo bem. Eu tenho certeza que eles esperarão por nós agora.”

 

Seus olhos escrutinaram meu rosto.

 

“Eu via a sua Rastreadora.” Ele me disse, observando minha reação. “Ela é.. energética.”

 

Eu assenti. “E vocal.”

 

Ele sorriu e rolou os olhos. “Ela aprece não gostar das acomodações que arrumamos.”

 

Meu olhar foi para o chão. “Podia ser pior.” Eu murmurei. O estranho ciúme que eu sentia escapou sem convite, pela minha voz.

 

“É verdade.” Ele concordou, sua voz baixa.

 

“Por que eles são tão gentis com ela?” eu falei baixo. “Ela matou Wes.”

 

“Bem, a culpa é sua.”

 

Eu o encarei, surpresa de ver a leve curva em seus lábios, ele estava me provocando.

 

“Minha?”

 

Seu sorriso breve sumiu. “Eles não queriam se senti como monstros, Não de novo. Eles estão tentando compensar por antes, um pouco tarde demais – e com a alma errada. Eu não pensei que isso... magoaria seus sentimentos. Eu imaginava que você preferiria assim.”

 

“E prefiro.” Eu não queria que eles machucassem ninguém. “É sempre melhor ser bom. É só que..” eu respirei fundo. “..é melhor entender.”

 

A bondade deles era para mim, não para ela. Meus ombros pareciam mais leves.

 

“Não é uma boa sensação – saber que você merece, profundamente, o titulo de monstro. É melhor ser gentil do que sentir culpa.” Ele sorriu novamente e então bocejou. O que me fez bocejar também.

 

“Longa noite.” Ele comentou. “E nós temos outra chegando. Devemos dormir.”

 

Eu fiquei feliz pela sugestão. Eu sabia que ele tinha muitas perguntas sobre o que exatamente essa Pilhagem significava. Eu também sabia que ele já havia compreendido várias coisas, e eu não queria discutir nenhuma delas.

 

Eu me acomodei em um macio monte de arei ao lado do jipe. Para meu choque, Jared veio deitar ao meu lado. Bem ao meu lado. Ele se apoiou na curva das minhas costas.

 

“Aqui.” Ele disse, e se esticou para passar os dedos por baixo do meu rosto, ele ergueu minha cabeça do chão e pôs o braço por baixo, fazendo um travesseiro. Ele deixou seu outro braço na minha cintura.

 

Levei um minuto para conseguir responder. “Obrigada.”

 

Ele bocejou. Eu senti seu hálito morno na nuca. “Descansa Wanda.”

 

Me segurando no que só podia ser descrito como um abraço, eu tentei relaxar, mas demorou. Esse abraço me fazia pensar no quanto ele já havia deduzido.

 

Meus pensamentos se tornaram mais lentos. Jared estava certo – havia sido uma longa noite. Apesar de não ter sido longa o bastante. O resto dos meus dias e noites voariam como se fossem minutos.

 

A próxima coisa que notei foi Jared me sacudindo para acordar. A luz na pequena caverna estava fraca e alaranjada. O sol estava se pondo.

 

Jared me ajudou a levantar e me passou uma barra de cereais – era esse tipo de ração que mantínhamos no jipe. Nós comemos e bebemos o resto da água em silencio. A expressão de Jared estava séria e concentrada.

 

“Ainda com pressa?” ele perguntou enquanto subíamos no jipe.

 

Não. Eu queria tempo para me espreguiçar para sempre.

 

“Sim.” Qual o objetivo de mais delongas? A Rastreadora e seu corpo morreriam se demorássemos e eu ainda teria que fazer a mesma escolha.

 

“Nós vamos para Phoenix então. É lógico pensar que eles não esperam esse tipo de Pilhagem. Não faz sentido para humanos querer os tanques. Que uso faríamos deles?”

 

A pergunta não parecia de forma alguma retórica e eu podia sentir ele me olhando. Mas eu olhei em frente para as pedras e não disse nada.

 

Já estava escuro a um tempo quando nós trocamos de veículo e chegamos a auto estrada. Jared esperou alguns minutos com as luzes do sedan apagadas. Eu contei os carros que passavam; dez. Após um longo período de escuridão entre os faróis, Jared tomou a estrada.

 

A viagem para Phoenix foi muito curta apesar de Jared manter a velocidade escrupulosamente abaixo do limite. O tempo estava acelerado, como se a Terra estivesse girando mais rápido.

 

Nós alcançamos o fluxo de transito na estrada que circundava a cidade iluminada. Eu vi o hospital da estrada. Nós seguimos outro carro até a rampa de saída, nos movendo com calma, sem pressa. Jared entrou com o carro no estacionamento principal.

 

“Onde agora?” ele perguntou, tenso.

 

“Veja se a estrada continua na parte de trás. Os tanques estarão na área de carga e descarga.”

 

Jared dirigiu lentamente. Havia muitas lamas aqui, indo e saindo do hospital, alguns deles com jalecos. Curandeiros. Ninguém prestou atenção em nós.

 

A estrada continuava atrás do prédio, então se curvava ao lado norte do complexo.

 

“Olha. Caminhões. Vá naquela direção.”

 

Nós passamos por uma ala de prédios baixos e uma garagem. Vários caminhões entregando remédios estavam estacionados. Eu olhei as caixas sendo empilhadas, todas com etiqueta.

 

“Continua... se bem que nós podemos pegar algumas dessas na volta. Olha – Curar... Resfriar… Imóvel? Pra que será isso?”

 

Eu gostei do fato dos suprimentos estarem etiquetados e sem guardas. Minha família não ficaria sem as coisas que precisavam quando eu partisse. Quando eu partisse; parecia que a frase estava marcada a ferro em minha mente agora.

 

Nós circundamos a parte de trás de outro prédio. Jared dirigia um pouco mais rápido e mantinha os olhos a frente – havia pessoas aqui, quatro delas, descarregando um caminhão. A exatidão com a qual eles moviam as caixas chamou minha atenção. Eles não lidavam com essas caixas menores com descuido, muito pelo contrário, eles a colocavam no chão com infinito cuidado.

 

Eu realmente não precisava da etiqueta para confirmar, mas um dos carregadores virou uma caixa e as letras negras ficaram diretamente viradas para mim.

 

“É esse o lugar que queremos. Eles estão descarregando tanques ocupados. Os vazios não devem estar longe... Ah, ali, do outro lado. Aquela prateleira está cheia deles. Aposto que todos aqueles armários fechados estão cheios de tanques.”

 

Jared continuou dirigindo na mesma velocidade cuidadosa, ao virar para o outro lado do prédio, ele fez um “hã!”.

 

“O que?” eu perguntei.

 

“Imaginei. Olha.”

 

Ele apontou com o queixo para uma placa no prédio.

 

Era a ala Maternidade.

 

“Ah.” Eu disse. “Bem, vocês sempre saberão onde procurar, certo?”

 

Seus olhos brilharam para mim quando eu disse isso, e então voltaram para apista.

 

“Nós teremos que esperar um pouco. Parecia que eles já estavam terminando.”

 

Jared circulou o hospital novamente, então estacionou no fundo do maior estacionamento, longe das luzes.

 

Ele desligou o motor e relaxou contra o banco. Ele esticou o braço e pegou a minha mão. Eu sabia que ele estava prestes a perguntar, eu tentei me preparar.

 

“Wanda?”

 

“Sim?”

 

“Você vai salvar a Rastreadora, não vai?”

 

“É, vou.”

 

“Por que é a coisa certa a fazer?” ele chutou.

 

“Essa é uma razão.”

 

Ele ficou em silencio por um momento.

 

“Você sabe como tirar a alma sem ferir o corpo?”

 

Meu coração bateu forte, e eu tive que engolir antes de responder. “Sei. Eu até fiz uma vez antes. Em uma emergência. Não aqui.”

 

“Onde?” ele perguntou. “Qual era a emergência?”

 

Essa era uma história que eu nunca os havia contado, por razões obvias. Era uma das minhas melhores. Muita ação. Jamie a teria amado. Eu suspirei e comecei com uma voz baixa.

 

“No Planeta das Nevoas. Eu estava com meu amigo Luz Aplicada e um guia. Eu não lembro o nome do guia. Eles me chamavam Vida Nas Estrelas lá. Eu já tinha meio que uma reputação.”

 

Jared riu.

 

“Nós estávamos fazendo um passeio pelo grande campo de gelo para ver uma das mais celebradas cidades de cristal. Era para ser uma rota segura – por isso só éramos três. As feras com garras gostam de cavar buracos na neve e se esconder lá, camuflagem, sabe. Uma armadilha.

 

“Num momento não havia nada além de uma infinidade de gelo liso. Então, no momento seguinte, parecia que todo o campo branco explodia no céu. Um Urso adulto normal tem mais ou menos a massa de um búfalo. Uma besta com garra crescido é próximo a uma baleia azul. Esse era maior do que a maioria.

 

“Eu não conseguia ver o guia. A besta ficou entre nós, encarando Luz Aplicada e eu. Ursos são mais rápidos que as bestas, mas esse tinha a vantagem do elemento surpresa. Suas enormes garras desceram e cortaram Luz Aplicada no meio antes mesmo de eu processar o que estava acontecendo.”

 

Um carro passou lentamente por nós no estacionamento. Ficamos em silencio até ele passar.

 

“Eu hesitei. Eu devia ter começado a correr, mas… meu amigo estava morrendo no gelo. Por causa dessa hesitação eu quase morri também, se a besta não tivesse sido distraída. Eu descobri depois que o guia – eu queria lembrar o nome dele – havia atacado o rabo do animal, esperando com isso nos dar uma chance de correr. O ataque da besta havia erguido neve o bastante para parecer uma tempestade de neve. A falta de visibilidade nos ajudaria a fugir. Ele não sabia que já era tarde demais para Luz Aplicada fugir.

 

“A besta de virou para o guia, e sua segunda perna esquerda nos acertou nos fazendo voar, a parte superior do corpo de Luz Aplicada aterrissou do meu lado. Seu sangue derretia a neve.”

 

Eu pausei para suspirar.

 

“Minha próxima ação não fez sentido por que eu não tinha um corpo para Luz. Nós estávamos entre duas cidades, muito longe para correr um qualquer uma das direções. Era provavelmente cruel também remove-lo sem medicamentos. Mas eu não suportava a idéia de deixá-lo ali para morrer dentro da metade do hospedeiro urso.

 

“Eu usei a parte dura da minha mão. Era afiada, mas muito grossa... causou muito dano. Eu só podia ter esperanças de que Luz estava tão grogue que não sentiria. Usando a parte macia das mãos eu removi Luz Aplicada do cérebro do Urso.

 

“Ele ainda estava vivo. Eu mal parei para me certificar disso. Eu o enfiei na bolsa para ovos no centro do meu corpo, entre os dois mais quentes corações. Isso o impediria que ele morresse de frio, mas ele não duraria muito sem um hospedeiro. E onde eu encontraria um corpo hospedeiro naquela vastidão vazia?

 

“Eu pensei em compartilhar o meu hospedeiro, mas eu duvidava que conseguisse ficar consciente por tempo suficiente para o colocar em minha cabeça. Com todos aqueles corações, Ursos sangravam muito rápido.

 

“A besta rosnou e eu senti o chão tremer sob o peso das patas. Eu não sabia onde o guia estava, ou se estava vivo. Eu não sabia quanto tempo levaria até a besta nos encontrar semi enterrados na neve. Eu estava bem ao lado do urso partido. O sangue brilhante atraiu os olhos do monstro... E então eu tive uma idéia louca.”

 

Eu para rir baixinho de mim mesma.

 

“Eu não tinha um hospedeiro Urso para Luz Aplicada. EU não podia usar o meu corpo. O guia estava morto ou havia fugido. Mas havia UM corpo no campo de gelo. Era insanidade, mas tudo o que eu pensava era em Luz Aplicada. Nós não éramos nem amigos íntimos, mas eu sabia que ele estava morrendo lentamente, bem entre meus corações. Eu não podia suportar isso.

 

“Eu ouvi a besta rosnando e corri em direção ao som. Assim que consegui ver seu grosso pelo branco eu corri direto para sua terceira perna esquerda e pulei nela, o mais alto que consegui. Eu era uma boa saltadora. Eu usei todas as minhas seis mãos, os lados afiados, para escalar a besta. Ele rosnava e se girava, mas não ajudou. Imagine um cão caçando o próprio rabo. Bestas com Garras possuem um cérebro bem pequeno – inteligência limitada.

 

“Eu cheguei ás costas da besta e me posicionei na espinha dupla enfiando minhas garras o mais fundo que podia para me segurar.

 

“Só levou alguns segundos para alcançar a cabeça. Mas era aí que a dificuldade esperava. Meus cortadores de gelo eram do tamanho... mais ou menos do seu antebraço. A profundidade para alcançar a espinha da besta era duas vezes mais profunda. Eu desci a mãos com o máximo de força que consegui, rasgando a camada de pelo. A besta rugiu se inclinou para trás. Eu quase caí.

 

“Eu enfiei mais fundo quatro das minhas mãos para me segurar – ele gritava e se sacudia. Com as duas outras eu cortava a carne. Era dura e grossa, eu não sabia se conseguiria. A besta estava enlouquecida. Sacudia tão forte que tudo o que eu pude fazer por alguns momentos foi me segurar. Mas o tempo corria para Luz Aplicada. Eu enfiei minhas mãos no buraco e tentei rasgar. Foi aí que a besta se jogou no chão de costas.

 

“Se nós não estivéssemos sobre o buraco em que eles havia se escondido ele teria me esmagado. Mas como estávamos lá, a queda ajudou. Minhas laminas já estavam no buraco do pescoço. Quando eu acertei o chão o peso da besta fez as minhas mãos cortarem mais fundo. Mais fundo até do que eu precisava.

 

“Ambos estávamos em choque, eu estava semi desmaiada. Eu sabia que tinha que fazer algo imediatamente, mas eu não lembrava o que. A besta começou a rolar. O ar fresco clareou minha mente e eu me lembrei de Luz Aplicada. O protegendo do frio o máximo que podia com as mãos eu o movi do saco de ovos para o pescoço da besta.

 

“A besta ficou de pé e se jogou no chão novamente. Dessa vez eu voei longe. Eu havia soltado Luz Aplicada no corte. A besta estava enfurecida. O ferimento no pescoço não era o suficiente para matá-lo, nem de perto, só irritava. A neve havia se acomodado o bastante para eu estava completamente a vista, especialmente estando suja de sangue. É uma cor muito brilhante, uma cor que vocês não tem aqui. Ele girou e veio em minha direção. Eu achei que ia acabar, e eu me confortei com a idéia que ia morrer tentando.

 

“Então as garras acertaram a neve ao meu lado. Eu não conseguia acreditar que havia errado! Eu encarei sua enorme, horrível cara, e quase, bem, não ri.. Ursos não riem. Mas a sensação era essa. A cara feia estava cheia de confusão e surpresa e frustração. Nenhuma besta teria uma expressão dessas.

 

“Demorou um pouco para Luz Aplicada se firmar na besta – a área era grande, ele teve que se estender muito. Mas ele estava no controle. Ele estava confuso e lento – ele não tinha muito cérebro para trabalhar, mas era o suficiente para que ele soubesse que eu era amiga.

 

“Eu tive que o montar até a cidade cristal – para manter o ferimento no pescoço fechado até alcançarmos um Curandeiro. Isso causou sensação na cidade. Por um tempo eles me chamaram de Monta Bestas. Eu não gostei e os fiz voltar ao meu outro nome.”

 

Eu olhava para frente, para as luzes do hospital e para as figuras das almas cruzando em frente dessas luzes enquanto contava a história. Agora eu olhei para Jared pela primeira vez. Ele estava me olhando, passado, os olhos muito abertos e a boca aberta.

 

Realmente ERA uma das minhas melhores histórias. Eu tinha que fazer Mel me prometer contar ela para Jamie quando eu...

 

“Eles provavelmente já terminaram de descarregar, não acha?” Eu disse rapidamente. “Vamos terminar isso e voltar para casa.”

 

Ele me encarou por um momento a mais e então sacudiu a cabeça lentamente.

 

“É, vamos terminar isso, Wanderer/Nômade, Vida nas Estrelas, Monta Bestas. Roubar algumas caixas não vigiadas, não é lá um grande desafio para VOCÊ, é?

 

                             Separada

 

Nós trouxemos nossa bagagem pelo túnel sul, e isso significava que o jipe teria que ser removido antes do amanhecer. Minha objeção principal em usar a entrada maior era que a Rastreadora ouviria a comoção que nossa chegada certamente causaria. Eu não sabia se ela fazia alguma idéia do que eu iria fazer, e eu não queria dar nenhum motivo para ela matar o hospedeiro e a si mesma. A história que Jeb havia me contado – sobre o homem que simplesmente entrou em colapso sem deixar nenhuma evidencia do estrago dentro de seu crânio – me assombrava.

 

O hospital não estava vazio. Quando eu saí da espremida última bolha de espaço para dentro do escritório de Doc, eu o encontrei se preparando para a operação. Sua mesa estava posta, nela, uma forte iluminação de propano – a mais forte que tínhamos disponível – esperava para ser acesa. Os escalpos brilhavam sobre a luz azul da lâmpada solar.

 

Eu sabia que Doc concordaria com meus termos, mas vê-lo ocupado nele enviou uma onda de náusea nervosa por mim. Ou talvez fosse só a memória daquele outro dia que me enjoava, o dia em que eu o peguei com sangue nas mãos.

 

“Vocês voltaram.” Ele disse com alivio. Eu percebi que ele estava preocupado conosco, assim como todos se preocupavam quando alguém deixava a segurança das cavernas.

 

“Nós trouxemos um presente.” Jared disse quando saiu atrás de mim. Ele se ergueu e enfiou a mão no buraco para pegar uma caixa. Com um gesto florido, ele a ergueu, mostrando a etiqueta ao lado.

 

“Curar!” Doc comemorou. “Quantos vocês pegaram?”

 

“Duas destas. E nós encontramos um jeito melhor de renovar o estoque do que ter Wanda se esfaqueando.”

 

Doc não riu da piada de Jared. Ao invés disse se virou para me encarar. Ambos devíamos estar pensando a mesma coisa: Conveniente, já que Wanda não estará por aqui.

 

“Vocês conseguiram os criotanques?” ele perguntou.

 

Jared notou o seu olhar e tensão. Ele olhou para mim, sua expressão impossível de ler.

 

“Sim.” Eu respondi.” Dez delas. Era o máximo que cabia no carro.”

 

Enquanto eu falava Jared puxava uma corda atrás dele. Com um som de rocha solta, a segunda caixa de Curar, seguida pelos tanques, deslizou para o chão atrás dele; Os tanques soaram como metal no chão, apesar de não serem feitos de um elemento que não existia nesse planeta. Eu o disse que os tanques não precisavam ser manuseados com extremo cuidado, eles eram construídos para suportar muito mais do que um arrasto pela rocha. Eles brilhavam no chão agora.

 

Doc pegou um, soltando o da corda, e o girou em suas mãos.

 

“Dez?” O numero pareceu surpreendê-lo. Ele achava que eram muitos? Ou não o suficiente? “Eles são difíceis de usar?”

 

“Não. Extremamente fáceis. Eu lhe mostrarei como.”

 

Doc assentiu, seus olhos examinando a construção alienígena. Eu podia sentir Jared me olhando. Eu mantive os olhos em Doc.

 

“O que Jeb, Aaron e Brandt disseram?” eu perguntei.

 

Doc olhou para mim, em meus olhos. “Eles... concordaram com seus termos.”

 

Eu assenti, não convencida. “Eu não vou te mostrar a nãos ser que eu acredite nisso.”

 

Jared nos encarava, confuso e frustrado.

 

“O que você disse a ele?” Doc me perguntou cauteloso.

 

“Só que eu salvaria a Rastreadora.” Eu virei para olhar em direção a Jared, sem encontrar o seu olhar. “Doc me prometeu que se eu mostrasse a ele como fazer a separação, vocês dariam as almas conduto livre para outra vida em outro planeta. Sem mortes.”

 

Jared assentiu pensativo, seus olhos indo para Doc. “Eu posso concordar com esses termos. E garantir que os outros o sigam. Eu assumo que você tem um plano para tirá-los do planeta?”

 

“Não será mais difícil do que o que fizemos hoje. Exatamente o oposto – acrescentar ao invés de retirar.”

 

“Okay.”

 

“Você...tem alguma hora marcada em sua cabeça para isso?” Doc perguntou. Ele tentou soar desinteressado, mas o interesse era audível em sua voz.. Ele queria a resposta que havia fugido dele por tanto tempo. Eu tentei dizer a mim mesma que não era pressa de me matar.

 

“Eu tenho que levar o jipe de volta – vocês podem esperar? Eu gostaria de assistir isso.”

 

“Claro Jared.” Doc concordou.

 

“Não vou levar muito tempo.” Jared prometeu enquanto se metia novamente no túnel.

 

Diso eu tinha certeza. Não levaria tempo suficiente.

 

Doc e eu não falamos até que o som de Jared se arrastando sumiu.

 

“Você não falou sobre...Melanie?” ele perguntou com suavidade.

 

Eu sacudi a cabeça. “Eu acho que ele vê onde isso vai dar. Ele deve ter adivinhado o plano.”

 

“Mas não tudo. Ele não vai permitir-“

 

“Ele não tem o que dizer.” Eu interrompi severamente. “É tudo ou nada Doc.”

 

Doc suspirou. Após um momento de silencio, ele se esticou e olhou a saída. “Eu vou ir falar com Jeb, preparar as coisas.”

 

Ele pegou uma garrafa na mesa. Clorofórmio. Eu tinha certeza que as almas tinham algo melhor, eu teria que tentar achar para Doc antes de ir.

 

“Quem sabe sobre isso?”

 

“Ainda só Jeb, Aaron e Brandt. Todos querem assistir.”

 

Isso não me surpreendia; Aaron e Brandt estariam cheios de suspeitas. “Não diga a mais ninguém. Não essa noite.”

 

Doc assentiu então desapareceu no corredor escuro.

 

Eu sentei contra a parede. O mais longe da maca preparada que consegui. Eu teria minha chance em cima dela breve o bastante.

 

Tentando pensar em algo além desse fato eu percebi que não ouvia Melanie desde... Quando foi a =última vez que ela havia falado comigo? Quando eu fiz o acordo com Doc? Eu estava surpresa de que o arranjo para dormir próximo ao jipe não arrancou uma reação dela.

 

Mel?

 

Nenhuma resposta. Não era como antes então eu não entrei em pânico. Eu definitivamente podia senti-la em minha cabeça, mas ela estava... me ignorando? O que ela estava fazendo?

 

Mel? O que está acontecendo?

 

Nenhuma resposta.

 

Você está com raiva de mim? Desculpa sobre antes, no jipe. Eu não fiz nada, você sabe disso, então não é justo –

 

Ela me interrompeu, exasperada. Oh. Pára. Eu não estou com raiva de você. Me deixe em paz.

 

Por que você não quer falar comigo?

 

Sem resposta.

 

Eu empurrei um pouco, tentando pegar a direção de seus pensamentos. Ela tentou me manter fora, colocar a parede, mas era muito fraca devido ao desuso. Eu vi o plano dela.

 

Eu tentei manter meu tom mental calmo. Você perdeu o juízo?

 

De certa forma. Ela brincou sem vontade.

 

Você acha que pode desaparecer, que isso me parará?

 

O que mais eu posso fazer para te parar? Se tiver uma idéia melhor, compartilhe.

 

Eu não entendo Melanie. Você não os quer de volta? Não quer estar com Jared novamente? Com Jamie?

 

Ela hesitou, lutando contra a resposta obvia. Sim, mas... Eu não posso... Ela precisou de um momento para se recompor. Eu não posso ser a sua morte Wanda. Não suporto isso.

 

Eu vi a profundidade de sua dor, e lágrimas se formaram em meus olhos.

 

Também te amo Mel. Mas não há espaço suficiente para nós duas usarmos. Neste corpo, nesta caverna, nas vidas deles..

 

Eu discordo.

 

Olha, só pare de tentar de aniquilar, ok? Por que se eu achar que você consegue eu farei Doc fazer o procedimento hoje. Ou direi a Jared. Imagine o que ele faria. Eu imaginei por ela, sorrindo um pouco pelas lágrimas. Lembra? Ele disse que não garantia o que ele faria ou não para te trazer de volta. Eu pensei naqueles beijos co corredor... pensei em outros beijos e em outras noites em sua memória. Meu rosto aqueceu e eu ruborizei.

 

Golpe baixo.

 

Com certeza.

 

Eu não vou desistir.

 

Você foi avisada. Nada de tratamento silencioso.

 

Nós pensamos em outras coisas então, coisas que não machucariam. Como onde nós mandaríamos a Rastreadora. Mel era toda a favor do Planeta das Nevoas depois da história de hoje. Mas eu achava qeu o Planeta das Flores era mais certo. Não havia lugar mais meloso no universo, a Rastreadora precisava de um longo período de vida comendo luz do sol.

 

Nós pensamos em minhas memórias, as bonitas. Os castelos de gelo e as noites de música e os sois coloridos. Eles eram como conto de fadas para ela. E ela me contou esses contos também. Espelhos mágicos, maçãs envenenadas, sereias que queriam ter alma...

 

Claro, nós não tínhamos muito tempo para histórias.

 

Todos retornaram juntos. Jared voltou pela entrada principal. Levou tão pouco tempo – talvez ele só houvesse levado o jipe até a entrada norte e o escondido lá. Com pressa.

 

Eu ouvi suas vozes se aproximando, sérias, baixas, e sabia pelo tom que a Rastreadora estaria com eles. Sabia que o tempo havia chegado à primeira etapa da minha morte.

 

Não.

 

Preste atenção. Você vai ter que ajudá-los com isso quando eu –

 

Não!

 

Mas ela não estava protestando minhas instruções, só a conclusão do pensamento.

 

Jared era quem carregava a Rastreadora. Ele apareceu primeiro, os outros atrás. Aaron e Brandt estavam com as armas em punho – para o caso dela estar fingindo inconsciência talvez e pular em cima deles e atacá-los com suas mãos minúsculas; Jeb e Doc vieram por último, e eu sabia que o olhar de Jeb estaria em mim. O quanto esse já teria entendido com a mente louca e intuitiva dele?

 

Eu me mantive concentrada na tarefa às mãos.

 

Jared deitou a Rastreadora na maca com gentileza excepcional. Isso poderia ter me incomodado antes, mas agora me tocava. Eu entendia que ele fazia isso por mim, desejando que pudesse ter me tratado assim no inicio.

 

“Doc, cadê o Sem Dor?”

 

“Eu vou pegar para você.” Ele murmurou.

 

Eu olhava o rosto da Rastreadora enquanto esperava me perguntando como ele ficaria depois de a libertar. Teria alguma coisa ali? O hospedeiro estaria vazio ou o dono estaria lá? Esse rosto seria menos repugnante para mim quando outro olhasse para mim daqueles olhos?

 

“Aqui está,” Doc pôs o tubo na minha mão.

 

“Obrigada.”

 

Eu peguei uma das folhas quadradas e devolvi a embalagem para ele. Eu m,e vi relutante em tocar a Rastreadora, mas eu fiz minhas mãos se moverem e coloquei a tecido sobre sua língua. Seu rosto era muito pequeno – fazia minhas mãos parecerem muito grandes. O tamanho mínimo dela sempre me pareceu errado, inapropriado. Eu fechei sua boca. Estava úmida – o remédio de dissolveria rapidamente.

 

“Jared, você podia virá-la de barriga para baixo?” Eu pedi.

 

Ele fez como eu pedi – novamente com gentileza. Bem aí a lanterna de propano acendeu. A caverna estava subitamente clara, quase como se fosse dia. Eu olhei para cima e vi que Doc havia coberto os buracos no teto para impedir a luz de chamar atenção. Ele havia feito muita preparação enquanto estávamos fora.

 

Estava muito quieto. Eu podia ouvir a respiração calma da Rastreadora e as respirações mais fortes dos homens ali. Alguém mudou o peso do corpo para outro pé. Seus olhares tinham um peso físico sobre minha pele.

 

Eu engoli, tentando manter minha voz normal. “Doc, eu preciso do Curar, Limpar, Fechar e Suave.”

 

“Bem aqui.”

 

Eu afastei o cabelo preto da Rastreadora do caminho, expondo a pequena linha rosa na base do crânio. Eu olhei sua pele oliva claro e hesitei.

 

“Você poderia Doc? Eu não... eu não quero fazer.”

 

“Sem problema Wanda.”

 

Eu só via suas mãos conforme ele veio se postar a minha frente. Ele havia colocado uma fileira de cilindros brancos na maca próxima ao ombro da rastreadora. O escalpo piscava na luz, refletindo no meu rosto.

 

“Segura o cabelo dela.”

 

Eu usei as duas mãos para manter o pescoço limpo.

 

“Eu queria poder limpar.” Doc murmurava para si mesmo.

 

“Não é necessário, Nós temos Limpar.”

 

“Eu sei.” Ele suspirou. O que ele realmente queria era a rotina, o estado mental que o acalmava.

 

“De quanto espaço você precisa?” ele perguntou, parando com a lamina a meio centímetro da pele.

 

Eu podia sentir o calor dos outros corpos atrás de mim, se aproximando para ver melhor. Eles tinham o cuidado de não tocar nenhum de nós.

 

“Só o comprimento da cicatriz. É o suficiente.”

 

Isso não pareceu o bastante para ele. “Certeza?”

 

“Sim. Oh! Espera.”

 

Doc se retraiu. Eu percebi que estava fazendo o contrário. Eu não era Curandeira. Eu não era feita para isso. Minhas mãos estavam tremendo. Eu não conseguia tirar os olhos do corpo dela.

 

“Jared, você poderia pegar um dos tanques para mim?”

 

“Claro.”

 

Eu o ouvi dar alguns passos, ouvi o som metálico do tanque que ele escolheu batendo nos outros.

 

“E agora?’

 

“Há um circulo no topo da tampa. Pressione.”

 

Eu ouvi o baixo ‘rruumm’ do tanque quando ele foi ligado. Os homens murmuraram e deram um passo para trás, se afastando do tanque.

 

“Okay, do lado deve ter um interruptor... mais um disco, na verdade. Consegue ver?”

 

“Sim.”

 

“Gire completamente.”

 

“Okay.”

 

“Que cor está a luz no topo do tanque?”

 

”Está.. está indo de roxo para... azul. Azul claro agora.”

 

Eu respirei fundo. Pelo menos os tanques estavam funcionais.

 

“Ótimo. Abra a tampa e espere por mim.”

 

“Como?”

 

“Empurre abaixo da tampa.”

 

“Foi.” Eu ouvi o clique, e então o sopro que era o mecanismo interno. “É frio!”

 

“A idéia é essa.”

 

“Como funciona? Qual a fonte de energia?”

 

Eu suspirei. “Eu sabia a resposta quando era uma Aranha. Eu não entendo agora. Doc, vá em frente. Estou pronta.”

 

“Lá vamos.” Doc suspirou enquanto passava a lamina do escalpo com suavidade, quase graciosamente pela pele. Sangue escorreu pelo lado, em seu pescoço pingando na toalha que Doc havia posto embaixo.

 

“Um pouco mais profundo. Bem abaixo do limite –“

 

“É, eu estou vendo.” Doc estava respirando rápido, excitado.

 

Prata brilhou no meio do sangue.

 

“Isso. Agora, segure o cabelo dela.”

 

Doc e eu trocamos de lugar em um movimento rápido. Ele era bom em seu trabalho. Ele teria dado um excelente Curandeiro.

 

Eu não tentei esconder o que estava fazendo dele. Os movimentos eram muito sutis para ele ter a chance de entender. Ele não seria capaz de fazer isso até eu explicar.

 

Eu deslizei a ponta do dedo com cuidado pela parte de trás da criaturinha prateada até meu dedo estar quase completamente dentro do buraco quente na base do pescoço do hospedeiro. Eu tracei o caminho até a antena anterior, sentindo as linhas dos ligamentos esticados até o recesso da cabeça.

 

Eu girei o dedo em volta da parte baixo do corpo da alma, afagando desde o primeiro segmento até a outra linha de ligamentos, rígidos e profusos como as cerdas de uma escova.

 

Eu senti com cuidado até a junção desses fios, até as minúsculas juntas, não maiores que cabeças de alfinetes. Eu continuei descendo, Eu podia te contado, mas levaria muito tempo. Seria a conexão 217, mas havia outra maneira de encontrar. Ali estava, o pequeno caroço que fazia essa junta um pouco maior – ao invés de uma cabeça de alfinete, uma seed pearl (N da T: um tipo de perola minúscula (2 mm)).

 

Era macio sob o meu dedo. Eu pressionei com gentileza, massageando com carinho. Gentileza era sempre o modo das almas. Nunca violência.

 

“Relaxe.” eu disse num respiro.

 

E, apesar da alma não poder me ouvir, obedeceu. Os ligamentos relaxaram, soltando. Eu podia sentir os fios se retraindo, sentindo o corpo levemente inchando para absorver os fios. O processo não levou mais do que algumas batidas de meu coração. Eu segurei o fôlego até sentir a alma se ondular sob o meu toque. Se libertando.

 

Eu a deixei se torcer, e então curei os dedos em volta do corpo minúsculo e frágil. Eu o ergui, prateado e brilhante, úmido com sangue que rapidamente escorria pela superfície macia. Ele se acomodou em minhas mãos.

 

Era lindo. A alma que eu nunca soube o nome brilhava como uma onda prateada em minha mão, cetim prateado emplumado. Eu não podia odiar a Rastreadora nessa forma. Um amor quase maternal me enchia.

 

“Durma bem, pequenininha.” Eu murmurei.

 

Eu me virei em direção ao suave som do criotanque, bem a minha esquerda. Jared o segurava baixo e angulado, então era só uma questão de abaixar a alma no ambiente frio que saía da abertura. Eu a deixei escorregar até o pequeno espaço e então cuidadosamente fechei a tampa.

 

Eu peguei o criotanque de Jared, girando-o com cuidado até estar na vertical, e então o abracei contra o peito. A parte externa no tanque estava na mesma temperatura do que o quarto. Eu o carregava protetivamente como qualquer mãe.

 

Eu olhei para a estranha na mesa. Doc já estava passando o Suave no ferimento fechado. Nós formávamos um bom time. Um cuidando da alma, outro do corpo. Todos eram cuidados.

 

Doc olhou para mim, seus olhos cheios de exultação e maravilha. “Incrível.” Ele murmurou. “Isso foi incrível.”

 

“Bom trabalho.” Eu murmurei de volta.

 

“Quando você acha que ela acordará?” Doc perguntou.

 

“Depende de quanto clorofórmio ela inalou.”

 

“Não muito.”

 

“E se ela ainda estiver aí. Vamos ter que esperar para ver.”

 

Antes que eu pudesse pedir, Jared ergueu a mulher sem nome da maca com carinho, a girou de frente e a colocou e outra maca, mais limpa. Essa gentileza não me comoveu. Essa era para os humanos, para Melanie...

 

Doc foi com ele, verificando seu pulso, conferindo suas pupilas. Ele iluminou-as com uma lanterna seus olhos inconscientes e observou suas pupilas dilatarem. Nenhuma luz refletindo para o cegar. Ele e Jared trocaram um longo olhar.

 

“Ela realmente fez.” Jared disse, sua voz baixa.

 

“É.” Doc concordou.

 

Eu não ouvi Jeb se chagando do meu lado.

 

“Bem feito, garota.” Ele murmurou.

 

Eu dei de ombros.

 

“Sentindo um pouco de conflito?”

 

Eu não respondi.

 

“É, eu também, querida, eu também.”

 

Aaron e Brandt estavam conversando atrás de mim, suas vozes aumentando o volume com a excitação, respondendo aos pensamentos um do outro antes das perguntas serem feitas.

 

Nenhum conflito ali.

 

“Espera até os outros ouvirem sobre isso!”

 

“Pense no –“

 

“Nós devíamos pegar alguns –“

 

“Agora mesmo. Eu estou pronto –“

 

“Pode parar.” Jeb cortou Brandt. “Nada de sair pegando almas até o criotanque estar seguramente em seu caminho para o espaço. Certo, Wanda?”

 

“Certo.” eu concordei com uma voz firme, abraçando o tanque com mais força.

 

Brandt e Aaron trocaram um olhar de desagrado.

 

Eu iria precisar de mais aliados. Jeb, Jared e Doc eram somente três, apesar de certamente serem os mais influentes. Ainda assim, eles precisariam de apoio.

 

Eu sabia o que isso significava.

 

Significava falar com Ian.

 

Com outros também, mas Ian teria que ser um deles. Meu coração parecia escorregar no meu peito, se curvar sobre si mesmo. Eu havia feito muitas coisas que não queria desde que me uni aos humanos, mas eu não conseguia lembrar nada como essa dor afiada e aguda. Mesmo decidir trocar minha vida pela da Rastreadora – e essa era uma dor grande, um campo de sofrimento, mas era fácil de lidar por que eu via a imagem maior. Dizer adeus a Ian era uma navalha afiada, fazia a grande imagem difícil de ver. Eu gostaria que houvesse outra fora, qualquer outra maneira de salvá-lo dessa mesma dor. Não havia nenhuma.

 

A única coisa pior seria dizer adeus a Jared. Essa iria queimar mais rápido por que ele não iria sentir dor alguma. Sua alegria se sobressairia sobre a pequena dose4 de culpa que ele poderia sentir por mim.

 

Quanto a Jamie, eu não estava planejando encarar esse adeus de forma alguma.

 

“Wanda!” Doc chamou.

 

Eu me apressei para a cama em que Doc estava se inclinando. Antes de chegar lá, eu pude ver os minúsculos dedos se fecharem e abrirem.

 

“Ah.” A voz familiar da Rastreadora gemeu. “Hmmm”

 

O quarto ficou em total silencio. Todos olhavam para mim, como se eu fosse a expert em humanos. Eu dei uma cotovelada em Doc, minhas mãos ainda abraçando o tanque. “Fale com ela.” Eu murmurei.

 

“Umm.. Oi? Você pode me ouvir... dona? Você está segura agora. Você consegue me entender?”’      

 

“Oh.” Ela gemeu. Seus olhos se abriram, se focando rapidamente em Doc. Não havia nenhum desconforto em sua expressão – o Sem Dor estaria fazendo-a se sentir maravilhosa, claro. Seus olhos eram pretos ônix.

 

Eles passaram pelo cômodo até me encontrar, e o reconhecimento foi rapidamente seguido por um olhar de desprezo. Ela olhou para Doc novamente.

 

“Bom, é bom tem minha mente de volta.” Ela disse em uma voz clara e alta. “Obrigada.”

 

                           Condenada

 

O corpo hospedeiro da Rastreadora de chamava Lacey, um meigo e suave nome feminino. Lacey. Tão inapropriado quanto o tamanho. Algo como chamar um pit bull Fofo.

 

Lacey era tão alta quanto a Rastreadora – e ainda reclamona.

 

“Vocês tem que me perdoar por falar e falar.” Ela insistiu, não nos dando opção. “Eu andei gritando lá dentro por anos e nunca conseguindo falar por mim mesma. Eu tenho muito guardado.”

 

Sorte a nossa. Eu quase fiquei feliz por estar partindo.

 

Em resposta a minha própria pergunta, não, o rosto não era menos repugnante sem a Rastreadora. Até por que a diferença não era tão grande assim.

 

“Por isso nós não gostávamos de você.” Ele me disse naquela primeira noite, sem alteram o tempo verbal ou o plural. “Ela não conseguia me fazer calar a boca. Por isso virou Rastreadora, na esperança de lidar com hospedeiros resistentes. E então ela pediu para ser designada para você, para observar como você fazia. Ela estava com inveja, não é patético? Ela queria ser forte como você. Nós realmente ficamos satisfeitas quando achamos que Melanie havia ganhado. Eu acho que isso não acontecer, né? Acho que você venceu. Então por que você veio para cá? Por que está ajudando os rebeldes?”

 

Eu expliquei, sem muita vontade, que Melanie e eu éramos amigas. Ela não gostou disso.

 

“Por que?” ela perguntou.

 

“Ela é uma boa pessoa.”

 

“Mas por que ela gosta de VOCÊ?”

 

Mesmo motivo.

 

“Ela diz que pelo mesmo motivo.”

 

Lacey fez uma cara de desgosto. “Fez uma lavagem cerebral nela hein?”

 

Uau, ela é pior que a primeira.

 

É, concordei. Eu entendo agora por que a Rastreadora era daquele jeito. Imagina ter isso na sua cabeça o tempo todo?

 

Eu não era a única coisa a qual Lacey tinha objeções.

 

“Vocês não tem um lugar melhor para viver? É tão sujo aqui. Não tem nenhuma casa ou algo assim: Como assim dividir quartos? Tarefas a cumprir? Eu não entendo. Eu tenho que trabalhar? Eu não acho que você entende…”

 

Jeb lhe deu a turnê de costume no dia seguinte, tentando explicar, por dentes apertados, a forma que nós vivíamos ali. Quando eles passaram por mim – comendo na cozinha com Ian e Jamie – ele me lançou um olhar que claramente perguntava por que eu não havia deixado Aaron atirar nela enquanto isso ainda era uma opção.

 

A turnê dela foi mais lotada do que a minha. Todos queriam ver o milagre por si mesmos. Não aprecia importar para a maioria que ela era ... difícil. Ela era bem vinda. Mais que bem vinda.

 

Novamente, eu senti um pouco de amargo ciúme. Mas era bobagem. Ela era humana. Ela representava esperança. Ela pertencia à essas cavernas. Ela estaria aqui por muito tempo após eu ter partido.

 

Sorte sua! Mel murmurou sarcasticamente.

 

Falar para Ian e Jamie sobre o que havia acontecido não foi difícil e doloroso como eu esperara. Isto por que, por diferentes motivos, eles estavam totalmente sem idéia do que aconteceria. Nenhum deles chegou a conclusão de que eu iria partir.

 

Com Jamie eu entendi por que. Mais do que ninguém ele havia aceitado Mel e eu como o pacote fechado que éramos. Ele era capaz, com sua mente jovem e aberta, de aceitar a realidade de nossa dupla personalidade. Ele nos tratava como duas e não uma. Mel era tão real, tão presente para ele. Da mesma forma que ela era para mim. Ele não sentia falta dela por que ele a tinha. Ele não via a necessidade da nossa separação.

 

Eu não tinha certeza por que Ian não entendeu. Estaria ele muito focado no potencial? As mudanças que isso significava para a sociedade de humanos aqui? Eles todos estavam grogues com a idéia de que serem pegos – o fim – não era mais uma fatalidade. Havia um modo de voltar. Parecia natural para ele que eu houvesse salvo a Rastreadora; era consistente com a idéia que ele fazia da minha personalidade. Talvez ele só não tivesse considerado isso direito, ver o que aconteceria eventualmente por estar distraído. Distraído e irado.

 

“Eu devia tê-lo matado anos atrás.” Ian reclamava enquanto nos preparávamos para nossa Pilhagem. Minha última; eu tentava não me concentrar nisso. “Não, nossa mãe devia tê-lo afogado ao nascer.”

 

“Ele é seu irmão.”

 

“Eu não sei por que você continua dizendo isso. Você está tentando me fazer sentir pior?”

 

Todo mundo estava furioso com Kyle; os lábios de Jared estavam comprimidos em uma linha rígida, Jeb acariciava a arma com mais freqüência que o normal.

 

Jeb havia estado excitado, planejando se unir a nós nessa Pilhagem, a sua primeira desde que eu havia chegado aqui. Ele estava particularmente animado com a idéia de ver o campo de decolagem de perto. Mas agora, com Kyle nos colocando em perigo, ele ficou para trás só pro precaução. Não é uma boa idéia colocar Jeb em um mau humor.

 

”Ficar para trás com aquela criatura.” Ele murmurou para si mesmo, esfregando o cano do rifle de novo – ele não0 estava ficando mais feliz com o novo membro de sua comunidade. ”Perdendo toda a diversão. ” ele cuspiu no chão.

 

Todos nós sabíamos onde Kyle estava. Assim que ele soube como a Rastreadora-Verme virou a Lacey-Humana durante a noite, ele escapou pelos fundos. Eu esperava vê-lo no grupo que pediria a morte da Rastreadora (eu mantive o criotanque o tempo todo nos braços; dormi mal, uma mão o tempo todo sobre ele, mas ele não estava em lugar algum, e Jeb controlou a resistência fácil sem ele.

 

Foi Jared quem notou que o jipe não estava mais lá. E Ian que fez a conecção entre os dois sumiços.

 

“Ele foi atrás de Jodi,” Ian grunhiu “Onde mais?”

 

Esperança e desespero. Eu os dei um, Kyle o outro. Ele os trairia antes mesmo deles curtir a esperança?

 

Jared e Jeb queriam adiar a viagem até que soubéssemos que Kyle havia tido sucesso – o levaria três dias, sob as melhores circunstancias, SE Jodi ainda vivia em Oregon. Se ele pudesse encontrá-la lá.

 

Havia um outro lugar, outra caverna para onde podíamos evacuar. Um lugar muito menos, sem água, então não poderíamos ficar lá por muito tempo. Eles debateram se deviam se mudar imediatamente ou esperar. Mas eu estava com pressa. Eu vi os olhares para o tanque em meus braços. Ouvi os murmúrios. Quanto mais tempo eu mantivesse a Rastreadora aqui, maiores as chances de eles matarem ela. Tendo conhecido Lacey, eu comecei a ter pena da Rastreadora. Ela merecia uma vida calma e pacifica com as Flores.

 

Ironicamente, foi Ian quem me ajudou a acelerar a viagem. Ele ainda não havia visto onde tudo isso daria. Mas eu fiquei feliz por ele me ajudar a convencer Jared que não havia tempo para esperar Kyle. Também fiquei grata por ele estar de volta com a função de guarda costas. Eu sabia que podia confiar em Ian com o brilhante criotanque mais do que qualquer outra pessoa. Ele era o único que eu deixava segurá-lo quando eu precisava de meus braços. Ele era o único que conseguia enxergar no pequeno container uma vida a ser protegida. Ele podia ver aquela forma como um amigo, algo que podia ser amado. Ele era o melhor dos aliados. Eu estava tão grata a Ian, e muito grata pelo fato dele estar ignorante, de estar livre da dor por enquanto.

 

Nós tínhamos que sermos rápidos, no caso de Kyle estragar tudo. Nós iríamos para Phoenix novamente, para uma das muitas comunidades que cercava a cidade. Havia um grande campo de pouso e decolagem ao sul, em uma cidade chamada Mesa, com vários Hospitais na proximidade. Era isso que eu queria – dá-los o máximo que podia antes de eu ir. Se nós levássemos um Curandeiro, então nós tínhamos a chance de preservar a memória do Curandeiro no corpo do Hospedeiro. Alguém que entenderia os remédios e seus usos. Alguém que saberia como chegar fácil a estoques. Doc adoraria isso. Eu imaginava todas as perguntas que ele ficaria doido para perguntar.

 

Mas, primeiro o campo de decolagem.

 

Eu estava triste por Jeb estar perdendo isso, mas ele teria muitas outras oportunidades no futuro.

 

Apesar de estar escuro, uma longa linha de pequenas naves de corpo afilado se movimentavam na pista enquanto outras decolavam em um fluxo sem fim.

 

Eu dirigia a velha van enquanto os outros iam atrás – Ian com o criotanque, claro. Eu circulei o campo, ficando visível no terminal movimentado. Era fácil perceber as grandes e brilhantes naves brancas que deixavam o planeta. Elas não decolavam com a mesma freqüência que as menores. Todas que eu vi estavam estacionadas, nenhuma se preparando para partir imediatamente.

 

“Todo está etiquetado.” Eu reportei aos outros, invisíveis na traseira escura. “Ow, isso é importante. Evite naves para os Morcegos e especialmente para as Algas. As Algas estão somente a um sistema de distancia – só leva uma década para ir e voltar. Muito pouco. As Flores é o mais distante, e os Golfinhos, Ursos e Aranhas, todos levam pelo menos um século só para ir. Mandem as naves para esses locais.”

 

Eu dirigia lentamente, próximo ás maquinas.

 

“Isso vai ser fácil. Eles têm todo tipo de veículos de entrega por aqui e nós não chamamos atenção. Ey, eu estou vendo um caminhão de tanques... igual aquele do hospital Jared. Tem um homem ali... ele está colocando-os em um carrinho. Ele está descarregando-os...” eu dirigi ainda mais lentamente, tentando dar uma olhada melhor. “Isso! Bem naquela nave. Bem ali naquele espaço aberto. Eu vou circular e agir quando ele estiver na nave.”

 

Eu continuei, examinando a cena pelos espelhos. Havia uma placa acesa acima do tudo que conectava a frente da nave com o terminal. Eu sorri quando li as palavras ao contrário. Essa nave estava indo para o Planeta das Flores. Isso era destino.

 

Eu fiz o retorno lentamente quando o homem desapareceu na nave.

 

“É agora.” Eu murmurei enquanto estacionava numa sombra feita pela asa cilíndrica de uma nave próxima. Eu só estava á alguns metros do caminhão de tanques. Havia alguns técnicos trabalhando perto da frente da neve que ia para as Flores, e mais a frente, outros trabalhando na pista antiga. Eu seria só mais uma figura na noite.

 

Eu desliguei o motor e desci, tentando parecer casual, como se só estivesse fazendo meu trabalho. Eu dei a volta até a traseira da van e abri a porta. O tanque estava bem na beirada, a luz no topo brilhando vermelho, indicando que estava ocupado. Eu o ergui com cuidado e fechei a porta.

 

Eu mantive um passo tranqüilo enquanto caminhava até a traseira aberta do caminhão. Mas minha respiração acelerou. Isso parecia mais perigoso do que o hospital, e isso me preocupava. Eu esperava mesmo que meus humanos arriscassem suas vidas desse jeito?

 

Eu estarei aqui. Eu farei isso, assim como você. Isso se você conseguir o que quer, claro.

 

Obrigada Mel.

 

Eu tinha que me forçar a não ficar olhando por sobre o ombro para onde o homem havia desaparecido. Eu coloquei o tanque gentilmente no topo da coluna mais próxima do caminhão. O acréscimo, uma entre centenas, não era perceptível.

 

“Adeus.” Eu suspirei. “Mais sorte com seu próximo hospedeiro.”

 

Eu voltei para a van o mais lentamente que eu suportava.

 

Estava silencioso na van quando eu dei a ré e saí de baixo da grande nave. Eu olhei para onde tínhamos saído, meu coração batendo muito forte. Pelos espelhos eu vi que o homem ainda não havia voltado. Até perder as naves de vista.

 

Ian passou para o banco passageiro. “Não pareceu tão difícil.”

 

“O timing foi perfeito. Vocês podem ter que esperar mais da próxima vez.”

 

Ian pegou minha mão. “Você é um bom amuleto de sorte.”

 

Eu não respondi.

 

“Você se sente melhor agora que ela está segura?”

 

“Sim.”

 

Eu vi sua cabeça virar rápido em minha direção quando ouviu o som inesperado de mentira em minha voz. Eu não encontrei seu olhar.

 

“Vamos pegar uns Curandeiros.” Eu murmurei.

 

Ian ficou em silencio e pensativo enquanto cortávamos a curta distancia até o pequeno hospital.

 

Eu achava que a segunda missão é que seria o desafio, o perigo. O plano era que eu iria – se os números e condições fossem boas – tentar atrair um Curandeiro ou dois para fora alegando que um amigo estava ferido na van. Um truque antigo mas que funcionariam nos Curandeiros insuspeitos.

 

Mas acabou que não precisei nem entrar. Eu parei no estacionamento no momento em que dois Curandeiros ainda de jaleco entravam no carro. Seus plantões haviam terminado, eles estavam indo para casa. O carro estava bem na entrada. Ninguém a vista. Ian assentiu tenso.

 

Eu estacionei bem atrás do carro deles. Eles olharam para cima, surpresos. Eu abri a porta e saí. Minha voz estava grossa devido ao choro, meu rosto contorcido com culpa, e isso ajudou a enganá-los.

 

“Meu amigo está trás – eu não sei o que está errado com ele.”

 

Ele responderam com a preocupação instantânea que eu sabia que eles iriam. Eu me apressei em abrir a porta de trás, e eles seguiram bem atrás de mim. Ian vaio pelo outro lado. Jared estava pronto com o clorofórmio.

 

Eu não assisti.

 

Só levou alguns segundos. Jared colocou os corpos inconscientes na traseira, e Ian fechou a porta. Ian olhou para meus olhos inchados de lágrimas e sentou na direção. Ele segurava minha mão novamente.

 

“Desculpe Wanda. Eu sei que isso deve ser difícil para você.”

 

“É.” Ele não tinha idéia do quanto, e das várias razões.

 

Ele pressionou meus dedos. “Mas foi tudo bem pelo menos. Você é um excelente amuleto.”

 

Foi tudo muito bem. Ambas as missões foram perfeitas, muito rápidas. O destino estava correndo contra mim.

 

Ele dirigiu de volta a auto-estrada. Após alguns minutos, eu vi uma placa brilhante e familiar na distancia. Eu respirei fundo e enxuguei os olhos.

 

“Ian, você poderia me fazer um favor?”

 

“Qualquer coisa que você quiser.”

 

“Eu queria um lance.”

 

Ele riu. “Sem problema.”

 

Nós trocamos de lugar no estacionamento, e eu dirigi até o balcão de pedido no drive-thru.

 

“O que você quer?” eu perguntei a Ian.

 

“Nada. Eu vou só me divertir vendo você fazer algo para você mesma. Essa deve ser a primeira vez.”

 

Eu não sorri da gracinha. Para mim, isso era meio que uma última refeição – o presente final para os condenados. Eu não deixaria as cavernas novamente.

 

“Jared, e você?”

 

“O que você pedir.”

 

Então eu pedi três cheesburgers, três batatas fritas e três milk-shakes de morango.

 

Depois que eu peguei minha comida, Ian e eu trocamos de lugar de novo para eu poder comer enquanto ele dirigia.

 

“Eca.” Ele disse, me vendo mergulhar uma batata no milk-shake.

 

“Você devia tentar. É bom.” Eu ofereci a ele uma batata bem melada.

 

Ele deu de ombros e pegou. Ele mastigou. “Interessante.”

 

Eu ri. “Melanie acha que é nojento também.” Foi por isso que eu adquiri o habito para começar. Era engraçado como eu fazia tudo para irritá-la.

 

Eu não estava com fome. Eu só queria ter algum sabor em particular para lembrar. Ian terminou com a metade do meu cheesburger quando eu fiquei cheia.

 

Nós chegamos em casa sem incidentes. Não vimos sinal algum da vigilância dos Rastreadores. Talvez eles tenham aceito a coincidência. Talvez agora pensassem que era inevitável – vaguei pelo deserto por tempo suficiente e algo ruim aconteceria com você. Nós tínhamos um ditado parecido com isso no Planeta das Nevoas: Cruze muitos campos de neve sozinho e acabe como refeição para bestas. Era uma tradução tosca. Soava melhor na língua dos Ursos.

 

Havia uma grande recepção nos aguardando.

 

Eu sorri sem muita vontade para meus amigos: Trudy. Geofrey, Heath e Heidi. Meus amigos verdadeiros estavam diminuindo. Nada de Walter ou Wes. Eu não sabia onde Lily estava, isso me entristecia. Talvez que não quisesse viver nesse planeta triste com tantas mortes por muito tempo. Talvez o nada fosse melhor.

 

Também me entristecia, por mais fútil que fosse, ver Lucina ao lado de Lacey, com Reid e Violetta do outro lado. Eles conversavam animadamente. Lacey carregava Freedom no quadril. Ele não parecia particularmente feliz com isso, mas feliz o suficiente por fazer parte da conversa dos adultos. Eu nunca fui permitida chegar perto das crianças, mas Lacey já era um deles. Confiável.

 

Nós fomos direto ao túnel sul, Jared e Ian sofriam com os pesos dos Curandeiros. Ian carregava o mais pesado, o homem, e o suor escorria em sua pele delicada. Jeb afastou os outros da entrada e então nos seguiu.

 

Doc esperava por nós no hospital, esfregando as mãos distraído, como se as lavasse. O tempo continuava a correr. A lâmpada mais forte estava acessa. Os Curandeiros receberam o Sem Dor e foram deitados de barriga para baixo nas macas. Jared mostrou a Ian como ativar os tanques. Eles os mantinham prontos, Ian com arrepios devido ao frio. Doc estava sobre a mulher, os remédios enfileirados e um escalpo na mão.

 

“Wanda?” ele chamou.

 

Meu coração se apertou dolorosamente. “Você jura Doc? TODOS os meus termos? Você me promete com sua vida?”

 

“Prometo. Eu vou cumprir os seus termos Wanda. Eu Juro.”

 

“Jared?”

 

“Sim. Absolutamente som mortes, jamais.”

 

“Ian?”

 

“Eu os protegerei com minha vida, Wanda.”

 

“Jeb?”

 

“É minha casa. Qualquer um que desafiar esse acordo terá que sair.”

 

Eu assenti, lágrimas nos olhos. “Okay então. Vamos logo com isso.”

 

Doc, excitado de novo, cortou a Curandeira até vermos o brilho prateado. Ele pôs o escalpo de lado. “E agora?”

 

Eu coloquei minhas mãos sob a dele.

 

“Passe o dedo por essa parte de trás. Consegue sentir? O formato dos segmentos: Eles ficam menos nas seções das antenas. Okay, no final você vai sentir três .. caroços pequenos. Você sente o que eu estou falando?”

 

“Sim.”

 

“Bom. Essas são as antenas posteriores. Começa aqui. Agora, muito gentilmente, role seu dedo para baixo do corpo. Ache a linha de ligamentos. São mais firmes como fios.”

 

Ele assentiu.

 

Eu o guiei até um terço do caminho, o disse para contar se ele não estivesse seguro. Nós não tínhamos tempo para contar com todo esse sangue correndo. Eu tinha certeza que o corpo da Curandeira nos ajudaria – tinha que ter alguma coisa para aquilo. Eu o ajudei a encontrar o nódulo maior.

 

“Agora esfrega levemente em direção ao corpo. Acaricie levemente.”

 

A voz de Doc aumentou, ligeiramente em pânico. “Está se movendo.”

 

“Isso é bom – significa que você está fazendo certo. Dê tempo para ele se retrair. Espera ele se enrolar e então o pegue.”

 

“Okay.” Sua voz falha.

 

Eu estendi a mão para Ian. “Me de sua mão.”

 

Eu senti a mão de Ian na minha. Eu a virei e curvei os dedos em um copo, e a puxei para perto da mesa de operação.

 

“Dê a alma para Ian – com gentileza, por favor.”

 

Ian seria o assistente perfeito. Quando eu me fosse, quem mais teria tanto cuidado com meus pequenos parentes?

 

Doc passou a alma para Ian, então se virou para curar o corpo humano.

 

Ian olhou a criatura acetinada e prateada em suas mãos, seu rosto cheio de maravilha ao invés de nojo. Aqueceu meu interior ver sua reação.

 

“É bonito.” Ele murmurou, surpreso. Não importava o quanto ele se importasse comigo, ele havia sido condicionado a esperar um parasita, um centipede, um monstro. Limpar vários corpos mutilados não o havia preparado para a beleza ali.

 

“Eu também acho. Deixe-o deslizar para o tanque.”

 

Ian segurou a alma em sua mão por um segundo mais, como se memorizando a visão e a sensação. Então com cuidado infinito, ele o deixou deslizar para o frio.

 

Jared o mostrou como fechar a tampa.

 

Um peso saiu dos meus ombros.

 

Estava feito. Era tarde demais para mudar de idéia. Isso não era tão horrível quanto eu havia antecipado por que eu sabia que esses quatro humanos cuidariam as almas como eu cuidaria. Quando eu fosse embora.

 

“Cuidado!” Jeb gritou de repente. A arma apareceu em sua mão, apontando além de nós.

 

Nós nos encolhemos, e o tanque de Jared caiu no chão quando ele pulou em direção ao Curandeiro, que estava de joelhos na maca, nos encarando em choque. Ian teve a presença de espírito de manter o tanque dele em mãos.

 

“Clorofórmio.” Jared gritou enquanto ele continha o Curandeiro, o empurrando de volta à maca. Mas era tarde demais.

 

O Curandeiro me encarava diretamente, seu rosto parecendo infantil com o choque. Eu sabia por que seus olhos estavam em mim – os raios da lanterna refletiam em nossos olhos, fazendo padrões de diamante na parede.

 

“Por quê?” ele me perguntou.

 

Então seu rosto ficou sem expressão, seu corpo relaxou, sem resistência, e caiu na maca. Dois fios de sangue escorreram de suas narinas.

 

“NÃO!” eu gritei, me lançando em direção ao seu corpo, sabendo que era muito tarde. “Não!”

 

                             Esquecida

 

“Elizabeth?” Eu perguntei. “Ana? Karen? Qual o seu nome? Ora, vamos. Eu sei que você sabe.”

 

O corpo da Curandeira estava frouxo e imóvel na maca. Já fazia tempo demais – horas, eu não tinha certeza. Horas e mais horas. Eu ainda não tinha dormido apesar do sol estar alto no céu. Doc havia retirado a proteção dos buracos no teto, e o sol brilhava pelas rachaduras, aquecendo minha pele. Eu movi o rosto da mulher de forma que seu rosto não ficasse direto na luz. Eu toquei seu rosto levemente, afastando o cabelo marrom e macio do rosto.

 

“Julie? Brittany? Angela? Patrícia? Estou chegando perto? Fale comigo, por favor.”

 

Todos exceto Doc – roncando baixinho em uma das macas no canto do hospital – haviam ido há várias horas atrás. Alguns para ir enterrar o corpo hospedeiro que perdemos. Eu estremeci, pensado em sua pergunta, e na forma súbita como seu rosto ficou mole.

 

Por quê? Ele havia me perguntado.

 

Eu queria tanto que a alma houvesse esperado pela resposta, então eu poderia explicar a ele. Ele podia ter entendido. Afinal de contas, no final, o que era mias importando do que o amor? Para uma alma isso não era o mais importante? E amor teria sido a minha resposta.

 

Se ele tivesse esperado, ele teria visto a verdade nisso. Se ele entendesse ele teria deixado o corpo viver. Mas o pedido teria feito pouco sentido para ele. O corpo era o corpo DELE, não uma entidade separada. Seu suicídio era só isso para ele, não um assassinato. Só uma vida havia sido perdida. E talvez ele estivesse certo.

 

Pelo menos as almas haviam sobrevivido. A luz em do tanque dele brilhava vermelho ao lado do dela. Eu não podia pedir maior comprometimento dos meus humanos do que isso; poupar a vida da alma nessas circunstâncias.

 

“Mary? Margaret? Susan? Jill?”

 

Apesar de Doc estar dormindo e for a isso eu estar sozinha, eu podia sentir o eco da tensão dos outros que partiram, ainda estava no ar. A tensão permanecia por que a mulher não havia acordado quando o efeito do clorofórmio acabou. Ela não havia se movido. Ela respirava, seu coração batia, mas ela não havia respondido a nenhuma tentativa de Doc de revivê-la.

 

Era tarde demais? Ela estava perdida? Ela havia se ido? Tão morta quanto o corpo do homem? Todos eles estavam? Somente alguns, como Lacey e Melanie – os mais resistentes – podiam ser tragos de volta? Todo o resto estava perdido?

 

Não seria Lacey uma anormalidade? A Melanie voltaria da forma que Lea havia feito ... ou não?

 

Eu não estou perdida. Eu estou aqui. Voz mental de Mel estava defensiva. Ela se preocupava também.

 

“Eu sei que você tem um nome.” Eu disse a mulher. “É Rebecca? Alexandra? Olivia? Algo mais simples? Jane? Jean? Joan?”

 

Era melhor do que nada, eu pensei amargurada. Pelo menos eu os dei uma forma de se ajudarem caso algum deles fosse pego. Eu podia ajudar pelo menos os da resistência.

 

Não aprecia o suficiente.

 

“Eu você não está me ajudando.” Eu murmurei. Eu peguei sua mão. “Seria bom se fosse se esforçasse. Meus amigos ficarão muito deprimidos, boas noticias cairão bem. Além disse, com o Kyle por aí... Vai ser difícil evacuar todo mundo mesmo sem ter que carregar você também. Eu preciso que você ajude. É sua família aqui sabe? São os da sua espécie. Eles são muito bons. A maioria deles. Você vai gostar.”

 

O rosto gentil estava vago na inconsciência. Ela era bem bonita – seus traços bem simétricos no rosto oval. Quarenta e cinco, talvez menos, ou um pouco mais. Era difícil dizer sem nenhum movimento no rosto.

 

“Eles precisam de você.” Eu continuei, implorando. “Você pode ajudá-los. Você sabe tanto, Doc tenta muito. Ele merece uma ajuda. Ele é um bom homem. Você foi Curandeira por um bom tempo, esse cuidar das pessoas deve ter ficado em você também após esse tempo. Eu acho que você vai gostar de Doc... Seu nome é Sarah? Emily? Kristen?”

 

Eu acariciei sua bochecha, mas não houve resposta, então eu peguei sua mão novamente. Eu olhei para o céu azul pelos buracos no teto. Minha mente vagando.

 

“Eu me pergunto o que eles farão se Kyle nunca voltar; Por quanto tempo eles se esconderão? Eles teriam que arrumar outro lar em outro lugar? Havia tantos deles... não seria fácil. Eu gostaria de poder ajudá-los, mas mesmo se eu pudesse ficar eu não tinha solução nenhuma. Talvez eles conseguissem ficar por aqui... de algum jeito. Talvez Kyle não estragasse tudo.”

 

Eu ri sem humor pensando nas chances. Kyle não era um homem cuidadoso. No entanto, enquanto essa situação era resolvida, eu era necessária. Talvez, se houvesse Rastreadores procurando, eles fossem precisar de meus olhos infalíveis. Isso podia levar um longo tempo, esse pensamento me fez sentir mais aquecida do que o sol na minha pele. Fez-me sentir grata que Kyle fosse tão impetuoso e egoísta. Quanto tempo levaria até eles estarem seguros novamente?

 

“Como será que fica isso aqui quando está frio? Eu mal lembro de como é sentir frio. E se chover? Tem que chover alguma hora, não tem? Com todos esses buracos no teto deve ficar bem molhado. Onde todos dormem?” eu suspirei. “Talvez eu chegou a ver isso. Provavelmente não. Você não está nem um pouco curiosa? Se você acordasse, você teria as respostas. EU estou curiosa. Talvez eu pergunte a Ian sobre isso. É engraçado imaginar as coisas mudando por aqui... Suponho que o verão(Summer) não pode durar para sempre.”

 

Seus dedos se moveram por um segundo em minha mão.

 

Me pegou de surpresa por que minha mente estava meio longe da mulher na maca, começando a me afundar em melancolia, que estava muito presente nesses dias. Eu olhei para ela; não havia mudanças – a mão na minha estava frouxa, seu rosto ainda sem expressão. Talvez eu tivesse imaginado o movimento.

 

“Eu disse algo que você se interessou? Do que eu estava falando?” eu pensei rapidamente, observando seu rosto. “Foi a chuva? Ou a idéia de mudança? Você tem muitas a sua frente, não tem? Mas você tem que acordar primeiro.”

 

Seu rosto ainda vazio, sua mão imóvel.

 

“Então você não liga para mudanças. Não posso dizer que te culpo. Eu não queria nenhuma mudança também. Você é como eu? Você gostaria que o verão (Summer) durasse para sempre?”

 

Se eu não tivesse observando seu rosto tão atentamente eu hão teria visto o minúsculo movimento sob as pálpebras.

 

“Você gosta do verão (Summer)?” eu perguntei esperançosa.

 

Seus lábios se moveram.

 

“Summer?”

 

Sua mão tremeu.

 

“Seu nome é - Summer? Summer? É um nome bonito.”

 

Sua mão se fechou em punhos, seus lábios se abriram.

 

“Volte Summer. Eu sei que você consegue. Summer? Ouça-me. Abra os olhos.”

 

Seus olhos piscaram rapidamente.

 

“Doc!” eu chamei por sobre o ombro. “Doc, acorda!”

 

“hã?”

 

“Eu acho que ela está acordando1” eu me voltei para a mulher. “Vamos Summer. Você pode fazer isso. Eu sei que é difícil. Summer. Abra os olhos.”

 

Seu rosto se contorceu. Ela estava com dor?

 

“Trás o Sem Dor, Doc.”

 

A mulher apertou minha mão e seus olhos se abriram. Eles não se focaram no inicio, só giravam por toda a sala. Que visão estranha esse lugar devia ser para ela.

 

“Você vai ficar bem Summer. Você vai ficar bem. Você consegue me ouvir?”

 

Seus olhos se voltaram para mim, as pupilas contraídas. Ela encarou, absorvendo meu rosto. Então se encolhei, se afastando de mim, se torcendo na maca. Um gemido de pânico saiu de seus lábios.

 

“Não, não, não.” Ela chorava. “Chega.”

 

“Doc!”

 

Ele estava lá, do outro lado da manca, como antes quando estávamos operando.

 

“Tá tudo bem dona.” Ele a disse. “Ninguém vai te machucar aqui.”

 

A mulher tinha os olhos fechados, e ela se encolhia no colchão.

 

“Eu acho que o nome dela é Summer.”

 

Ele olhou para mim e fez uma cara entranha. “Olhos, Wanda.” Ele murmurou.

 

Eu pisquei e percebi que o sol estava no meu rosto. “Ah.” Eu deixei a mulher tirar a mão da minha.

 

“Não, por favor.” A mulher implorava. “De novo não.”

 

“Shh,” Doc murmurou. “Summer? As pessoas me chamam de Doc. Ninguém vai fazer nada com você. Você vai ficar bem.”

 

Eu me afastei, indo para as sombras.

 

“Não me chama assim” a mulher choramingava. “Esse não é o meu nome. É dela. Não o diga novamente!”

 

Eu errei de nome.

 

Mel se indignou com a culpa que eu sentia. Não é sua culpa. Summer é um nome humano também.

 

“Claro que não.” Doc prometeu. “Qual o seu nome?”

 

“Eu – eu –eu não sei... O que aconteceu? Quem sou eu? Não me faça ser outra pessoa de novo.”

 

Ela se virou e torceu na maca.

 

“Calma. Tudo vai ficar bem, eu prometo. Ninguém vai fazer você ser outra pessoa além de você, e você vai lembrar o seu nome. Ele vai vir.”

 

“Quem é você? Quem é ela? Ela é.. como eu era. Eu vi os olhos delas.”

 

“Eu sou Doc. E eu sou humano como você. Vê?” ele moveu seu rosto na luz e piscou para ela. “Nós somos só nós. Há muitos humanos aqui. Eles ficarão tão felizes de conhecer você.”

 

Ela estremeceu. “Humanos! Eu tenho medo de humanos.”

 

“Não, não tem. A.. pessoa que estava no seu corpo tinha medo de humanos. Ela era uma alma, lembra? E lembra antes disso? Antes dela estar aí? Você era humana, e agora você é humana de novo.”

 

“Eu não consigo lembrar o meu nome.”

 

“Eu sei, você vai lembrar.”

 

“Você é médico?”

 

“Sou.”

 

“Eu era... ela também era. Uma.. Curandeira. Como um médico. Ela era Summer Song (Canção do Verão). Quem sou eu?”

 

“Nós vamos descobrir, prometo.”

 

Eu me movi em direção a saída, Trudy seria uma boa opção para ajudar, ou talvez Heidi. Alguém com um rosto tranqüilo.

 

“Ela não é humana!” a mulher murmurou para Doc, seus olhos notaram o meu movimento.

 

“Ela é uma amiga. Não tema. Ela me ajudou a te trazer de volta.”

 

“Cadê Summer? Ela estava assustada. Havia humanos…”

 

Eu passei pela porta enquanto ela estava distraída.

 

Eu ouvi Doc responder atrás de mim. “Ela vai para outro planeta. Você lembra onde ela estava antes de vir para cá?”

 

Eu adivinhei a resposta pelo nome dela.

 

“Ela era.. um Morcego? Ela podia voar… ela cantava… eu lembro…. Mas, não era aqui. Onde eu estou?”

 

Eu me apressei pelo túnel para encontrar ajuda para Doc. Eu fiquei surpresa quando vi a luz da grande caverna, surpresa por estar tudo tão quieto. Estávamos no meio do dia. Devia ter alguém ali, mesmo que só passando.

 

Eu entrei na caverna, na luz do meio dia e o espaço estava totalmente vazio.

 

As folhas no jardim estavam verdes escuras. A terra muito seca – o material para irrigar estava posto ao lado, Mas ninguém para fazer. Tudo abandonado ao lado do campo. Eu fiquei muito quieta, tentando ouvir algo. A caverna enorme estava silenciosa, e o silencio era agourento

 

Onde estavam todos?

 

Teriam eles evacuado sem mim? Uma pontada de dor e medo passou por mim. Mas eles não iriam embora sem Doc, claro. Eles nunca deixariam Doc para trás. Eu queria voltar pelo túnel para garantir que Doc não havia sumido também.

 

Eles não iriam sem nós também. Boba. Jared, Jamie e Ian não nos deixariam para trás.

 

Você tem razão. Tá certa. Vamos… ver na cozinha?

 

Eu corri pelo corredor silencioso, ficado mais ansiosa conforme o silencio continuava. Talvez fosse a minha imaginação. Claro que tinha que ter algo para ouvir.Se eu conseguisse me acalmar e diminuir a respiração eu ouviria as vozes. Mas eu alcancei a cozinha e estava vazia também. Vazia de pessoas. Nas mesas, almoços consumidos pela metade foram abandonados. Pasta de amendoim nos últimos pães frescos. Maças e latas de refrigerantes.

 

Meu estomago me lembrou que eu não havia comido o dia todo, mas eu mal notei a contração de fome. O pânico era muito mais forte.

 

E se... e se eles não conseguiram evacuar a tempo?

 

Não! Não. Nós teríamos ouvido algo. Alguém teria... ou eles teriam... Eles ainda estariam aqui, procurando. Eles não desistiriam sem checar tudo. Então não pode ser isso.

 

A não ser que eles estejam procurando agora.

 

Eu virei rápido em direção a porta, meus olhos buscando na escuridão. Eu tinha que ir avisar Doc. Nós tínhamos que sair daqui se éramos os últimos dois.

 

Não! Eles não podem ter ido! Jamie, Jared…. Seus rostos estavam tão claros como se eles haviam sido colados nas minhas pálpebras.

 

E o rosto de Ian, conforme eu ia adicionando minhas imagens ás delas. Jeb, Trudy, Lily, Geoffrey. Nós o traremos de volta. Nós os caçaremos um por um e o traremos de volta, Eu não deixarei eles levarem minha família.

 

Se eu ainda tivesse qualquer duvida de que lado estava, esse momento teria acabado co elas. Eu nunca me senti tão segura de algo em todas as minhas vidas. Meus dentes apertados.

 

E então, o barulho, o balbucio de vozes que eu esperava ansiosamente ouvir ecoava pelas cavernas. Eu me apoiei na parede, em uma sombra e fiquei lá escutando.

 

No grande jardim. Dá pra ouvir os ecos.

 

Parece um grupo grande.

 

Sim, Mas dos seus ou dos meus?

 

Nossos ou deles. Ela corrigiu.

 

Eu andei pelo corredor, ficando nas sombras mais escuras. Nós podíamos ouvir as vozes mais claramente agora, e algumas delas eram familiares. Isso significava alguma coisa? Quanto tempo levaria para Rastreadores treinados fazerem a inserção.

 

Quando eu alcancei a entrada da grande caverna, os sons ficaram mais claros e alivio me completou – porque o burburinho de vozes era iguais as do meu primeiro diz aqui. Iradas ao ponto do assassinato.

 

Kyle devia estar de volta.

 

Alívio temperado com dor, enquanto eu me aproximava para ver o que estava acontecendo. Alivio por que meus humanos estavam seguros. E dor por que se Kyle estava seguro de volta, então...

 

Eles ainda precisam de você Wanda. Muito mais do que de mim.

 

Eu tenho certeza que podíamos arrumar desculpas para sempre Mel. Sempre haverá um motivo.

 

Então fique.

 

Com você como minha prisioneira?

 

Nós paramos de discutir quando vimos a comoção na caverna,

 

Kyle ESTAVA de volta – o mais fácil de achar, o mais alto na multidão, o único de frente para mim. Ele estava encurralado na parede mais distante. Apesar de ele ser a causa dos sons raivosos, ele não era a fonte. Seu rosto estava conciliatório, apelativa. Suas mãos esticadas para o lado, palmas para trás, como se tivesse algo atrás dele e ele estivesse tentando proteger.

 

“Só se acalmem, está bem?” Sua voz profunda superava a cacofonia. “Se afasta Jared, você a está assustando.”

 

Um flash rápido de cabelo preto atrás de seu cotovelo – um rosto não familiar, com olhos arregalados de medo olhando a multidão.

 

Jared estava mais perto de Kyle. Eu podia ver sua nuca que estava vermelha. Jamie segurava um dos seus braços, tentando controlá-lo. Ian estava ao lado, braços cruzados, os ombros rígidos. Atrás deles, todos os humanos, exceto Doc e Jeb estavam unidos pela raiva. Atrás de Jared e Ian, eles gritavam perguntas.

 

“No que você estava pensando?”

 

“Como ousa?”

 

“Por que diabos você voltou?”

 

Jeb estava no canto ao fundo, só observando.

 

O cabelo brilhante de Sharon chamou minha atenção. Eu estava surpresa de vê-la, com Maggie, bem no meio da multidão. Elas não eram muito parte da comunidade desde que Doc e eu curamos Jamie. Nunca no meio das coisas.

 

É a briga. Mel deduziu. Elas não estavam confortáveis com felicidade, mas elas ficam bem com a fúria.

 

Eu pensei que Melanie tinha provavelmente razão. Que... perturbador.

 

Eu ouvi uma voz esganiçada e lançando algumas das perguntas e percebi que Lacey era parte da multidão também.

 

“Wanda?” A voz de Kyle superou o barulho da multidão0 novamente, e eu olhei para ele, e encontrei seus profundos olhos azuis em mim. “AÍ está você. Dá, por favor, para vir e dar uma ajuda aqui?”

 

                           Apegada

 

Jeb abriu espaço para mim, empurrando as pessoas com o rifle como se eles fossem ovelhas e a arma o cajado do pastor.

 

“Já chega.” Ele rosnava para aqueles que reclamavam. “Você terá a chance de descascar ele mais tarde. Todos nós iremos. Mas vamos resolver isso antes, okay? Deixa eu passar.”

 

Pelo canto do olho eu vi Sharon e Maggie se afastando para trás, escapando da reinstalação da razão, e mais do que tudo, longe e qualquer envolvimento meu. Ambas com as mandíbulas contraídas, ainda olhando para Kyle.

 

Jared e Ian foram os últimos a serem afastados por Jeb. Eu passei a mão pelo braço dos dois quando passei, querendo acalmá-los.

 

“Okay, Kyle.” Jeb disse, batendo o cano da arma na mão. “Nem tente se explicar, por que não tem justificativa. Eu estou dividido entre te expulsar ou atirar em você bem agora.”

 

O rostinho, pálido apesar da pele bronzeada, espiou pelo cotovelo de Kyle novamente, uma onda de cabelos pretos, longos e encaracolados. A boca da garota estava aberta com terror, seus olhos alertas. Eu conseguia, eu pelo menos achava que conseguia, ver um brilho prata no fundo dos olhos pretos.

 

“Mas no momento, vamos nos acalmar.” Jeb virou, a arma mantida baixa, agora protegendo Kyle e o rostinho atrás dele. Ele olhou para a multidão. “Kyle trouxe um visitante e vocês a estão assustando para caramba gente. Eu acho que podemos mostrar um comportamento melhor do que esse. Agora, todos limpem a área e vão fazer algo útil. Minhas plantas estão morrendo. Alguém faça alguma coisa, sim?”

 

Ele esperou até a multidão houvesse dispersado. Agora que eu podia ver seus rostos eu podia dizer que eles já estavam superando, a maioria pelo menos. Isso não era tão ruim, não depois do que eles estavam esperando pelos últimos dias. Sim, Kyle era um idiota egoísta, seus rostos pareciam dizer, mas pelo menos ele estava de volta, nenhum dano feito. Nada de evacuação, nenhum perigo dos Rastreadores. Não mais do que o normal pelo menos. Ele trouxe outro verme, mas, as cavernas não andavam cheias deles ultimamente? Não era mais tão chocante quando costumava ser.

 

Muitos voltaram para seus almoços interrompidos, outros para a irrigação, outros para seus quartos. Logo, somente Jared, Ian e Jamie ficaram para trás além de mim. Jeb olhou para os três com uma expressão rígida; sua boca abriu, mas antes dele conseguir dar a ordem para eles irem, Ian pegou minha mão, E Jamie pegou a outra. Eu senti outra mão no meu pulso, bem acima da mão de Jamie. Jared. Jeb rolou os olhos ao ver como eles se agarraram em mim para evitar a expulsão e virou as costas.

 

“Obrigado Jeb.” Kyle disse.

 

“Cala essa boca Kyle, mantenha a merda da boca fechada. Eu estou falando sério sobre atirar em você seu verme inútil.”

 

Houve um fraco gemido atrás de Kyle.

 

“Okay Jeb. Mas não dá para guardar as ameaças de morte para quando estivermos sozinhos? Ela já está aterrorizada. Você lembra como esse tipo de coisa assusta Wanda.” Kyle sorriu para mim – eu senti o choque no meu rosto em reação – e então ele se virou para a garota escondida atrás dele com a mais expressão mais gentil que eu já havia visto em seu rosto. “Olha Sunny, essa é a Wanda, aquela que eu te falei. Ela vai nos ajudar – ela não vai deixar ninguém te machucar, assim como eu.”

 

A garota – ou era uma mulher? Ela era minúscula, mas havia uma curvatura sutil no corpo que sugeria mais maturidade do que o tamanho indicava – me olhava, seus olhos arregalados com medo. Kyle pôs os braços em volta de sua cintura, e ela o deixou a puxar para o lado. Ela se encostou ali, como se ele fosse uma ancora, seu pilar de segurança.

 

“Kyle tem razão.” Nunca achei que fosse dizer isso. “Eu não vou deixar ninguém te machucar. Seu nome é Sunny (Ensolarado)?” eu perguntei suavemente.

 

Os olhos da mulher foram para o rosto de kyle.

 

“Tá tudo bem. Você não precisa ter medo de Wanda. Ela é como você.” Ele virou para mim. “O nome dela mesmo é maior que isso – algo sobre o gelo.”

 

“Luz do Sol Passando Pelo Gelo” ela suspirou para mim.

 

Eu vi os olhos de Jeb brilharem com sua curiosidade insaciável.

 

“Mas ela não se incomoda de ser chamada de Sunny. Ela disse que tudo bem.” Kyle me assegurou.

 

Sunny assentiu. Seus olhos iam do rosto de Kyle para o meu. Os outros homens estavam em total silencio e imóveis. O pequeno círculo calmo, a havia acalmado um pouco, eu podia ver isso. Ela certamente sentiu a mudança na atmosfera. Não havia hostilidade em torno dela, nenhuma mesmo.

 

“Eu era um Urso também Sunny.” Eu disse a ela, tentando fazê-la se sentir mais confortável. “Eles me chamavam de Vidas nas Estrelas lá. Wanderer aqui.”

 

“Vida nas Estrelas.” Ela murmurou, seus olhos ficaram impossivelmente maiores. “Monta Bestas.”

 

Eu suprimi um gemido. “Suponho que você tenha vivido na segunda cidade cristal.”

 

“É. Eu ouvi a história tantas vezes...”

 

“Você gostava de ser Urso, Sunny?” eu perguntei. Eu realmente não queria entrar nessa história agora. “Você era feliz lá?”

 

Seu rosto entristeceu imediatamente com a pergunta; seus olhos fixos no rosto de Kyle e chio de lágrimas.

 

“Desculpe.” Eu me desculpe na hora, olhando também para Kyle procurando uma explicação.

 

Ele deu alguns tapinhas no braço dela. “Não tema. Você não será ferida. Eu prometi.”

 

Eu mal pude ouvi a resposta dele. “Mas eu gosto daqui. Eu quero ficar.”

 

Sua palavras trouxeram um nó para minha garganta.

 

“Eu sei Sunny, eu sei,” Kyle colocou a mão na cabeça dela e num gesto tão doce que deixou meus olhos úmidos, manteve a cabeça dela contra o peito.

 

Jeb limpou a garganta, e Sunny estremeceu. Era fácil imaginar o frágil estado que os nervos dela deviam estar. Almas não foram feitas para lidar com violência e terror.

 

Eu lembrava que há algum tempo atrás Jared havia me interrogado; ele perguntou se eu era como as outras almas. Eu não sou, nem era a outra alma que eles lidaram, a Rastreadora. Sunny, no entanto, parecia personificar a essência da minha gentil e tímida espécie, nós só éramos poderosos em grande número.

 

“Desculpe Sunny.” Jeb disse. “Eu não quis assustar você. Mas talvez fosse melhor sairmos daqui.”

 

Seus olhos avaliaram a caverna, onde algumas pessoas ainda permaneciam nas saídas, nos observando. Ele encarou com dureza Reid e Lucina, eles se enfiaram no corredor em direção a cozinha. “Provavelmente é melhor irmos até Doc.” Ele continuou co um suspiro, dando a mulher assustada um olhar de lamento. Eu imaginava que ele estivesse triste por perder novas histórias.

 

“Certo.” Kyle disse. Ele manteve seu braço firme em volta da pequena cintura de Sunny e a guiava em direção ao túnel sul.

 

Eu seguia bem atrás, seguida pelos outros que ainda me seguravam.

 

Jeb parou, e todos paramos com ele. Ele bateu o cano da arma no quadril de Jamie.

 

“Você não tem escola garoto?”

 

“Ahh, Tio Jeb, por favor. Por favor? Eu não quero perder –“

 

“Leva sua bunda pra sala.”

 

Jamie se virou para me olhar, mas Jeb estava absolutamente certo. Isso não era algo que eu queria que Jamie visse. Eu movimentei a cabeça negativamente para Lee.

 

“E chama Trudy no seu caminho.” Eu disse. “Doc precisa dela.”

 

Os ombros de Jamie caíram, e ele soltou minha mão, a mão de Jared desceu pelo pulso tomando o lugar.

 

“Eu perco TUDO.” Jamie resmungou enquanto ia na direção oposta.

 

“Obrigada, Jeb.” Eu murmurei quando Jamie não estava ouvindo.

 

“De nada.”

 

O longo túnel pareceu mais negro que o de costume por que eu podia sentir o medo da mulher irradiando a minha frente.

 

“Tá tudo bem.” Kyle murmurou para ela. “Não há nada aqui que vá te machucar, e eu estou aqui.”

 

Eu me perguntava quem era esse estranho que havia vindo no lugar de Kyle. Eles checaram os olhos dele? Eu não conseguia acreditar que ele carregava toda essa gentileza dentro desse corpo enorme e raivoso. Devia ser Jodi, estar tão perto do que ele queria. Mesmo sabendo que esse era o corpo de Jodi eu me surpreendi ao ver que ele estendia a gentileza para a alma dentro do corpo. Eu teria pensado que tal compaixão estava além dele.

 

“Como está a Curandeira?” Jared me perguntou.

 

“Ela acordou, bem antes de eu vir procurar vocês.” Eu disse.

 

Eu ouvi mais do que um suspiro de alivio na escuridão.

 

“Mas ela está desorientada, e muito assustada.” Eu os avisei. “Ela não consegue lembrar seu nome. Doc está trabalhando com ela. Ela vai ficar ainda mais assustada quando ver todos vocês. Tentem ficar quietos e se mover lentamente, okay?”

 

“Sim, ok.” As vozes concordaram.

 

“E, Jeb, será que dava para deixar a arma para trás? Ela ainda está com um pouco de medo dos humanos.”

 

“Hmm – okay.” Jeb respondeu.

 

“Medo de humanos?” Kyle murmurou?

 

“Nós somos os caras maus.” Ian o lembrou, apertando minha mão.

 

Eu apertei de volta, feliz pelo calor de seu toque, a pressão de seus dedos. Por quanto tempo mais eu teria a sensação de uma mão quente na minha? Quando seria a última vez que eu andaria por esse túnel? Seria essa vez, a última?

 

Não. Ainda não. Mel murmurou.

 

Eu comecei a tremer de repente. A mão de Kyle apertou aminha novamente e a de Jared também. N[os caminhamos em silencio por um tempo.

 

“Kyle?” A voz tímida de Sunny chamou.

 

“Sim?”

 

“Eu não quero voltar para os Ursos.”

 

“Você não tem que voltar. Você pode ir para algum outro lugar.”

 

“Mas não posso ficar aqui?”

 

“Não. Desculpe Sunny.”

 

Houve uma sutil mudança na respiração dela e eu fiquei feliz por estar escuro. Ninguém podia ver as lágrimas que rolavam pelo meu rosto. Eu não tinha uma mão livre para enxugá-las, então as deixei cair na minha camiseta.

 

Nós finalmente chegamos ao final do túnel. A Luz solar fluía da boca do hospital, refletindo as partículas de poeira dançando no ar. Eu podia ouvir Doc murmurando lá dentro.

 

“Isso é ótimo.” Ele estava dizendo. “Continue pensando nos detalhes. Você sabe seu velho endereço - o nome não deve estar longe, certo?

 

“Cuidado.” Eu sussurrei.

 

Kyle parou pouco antes do arco, Sunny ainda agarrada nele, e gesticulou para eu ir na frente. Eu respirei fundo e entrei lentamente. Eu anunciei minha presença em uma voz baixa e calma. “Olá.”

 

A hospedeira da Curandeira se assustou.

 

“Só eu novamente.” Eu a disse.

 

“É Wanda.” Doc a lembrou.

 

A mulher estava sentada agora, e Doc sentado do lado dela com a mão em seu braço.

 

“Essa é a alma.” A mulher sussurrou ansiosamente para Doc.

 

“Sim, mas ela é uma amiga.”

 

A mulher me olhou com desconfiança.

 

“Doc? Você tem mais algumas visitas. Tudo bem?”

 

Doc olhou a mulher. “Eles são todos amigos, ta bom? Mais humanos que vivem aqui comigo. Nenhum deles sonharia em te machucar. Eles podem entrar?”

 

A mulher hesitou, então assentiu. “Okay.” Ela sussurrou.

 

“Esse é Ian.” Eu disse, o colocando a frente. “E Jared, e Jeb.” Um por um, eles entraram no cômodo e ficaram ao meu lado. “E esse é Kyle e... é...Sunny.”

 

Os olhos de Doc se arregalaram ao ver Kyle, Sunny grudada nele, entrar no quarto.

 

“Há mais?” a mulher murmurou.

 

Doc limpou a garganta, tentando se compor. “Sim. Há várias pessoas morando aqui. Todos... bem, a maioria humana.” Ele acrescentou, encarando Sunny.

 

“Trudy esá vindo.“ eu disse a Doc. “Talvez Trudy pudesse...” eu olhei rapidamente para Sunny e Kyle “...encontrar um quarto para ela descansar?”

 

Doc assentiu, ainda com olhos muito abertos. “Essa é uma boa idéia.”

 

“Quem é Trudy?” a mulher murmurou.

 

“Ela é muito boa. Ela vai cuidar de você.”

 

“Ela é humana, ou é como aquela ali?” ela assentiu na minha direção.

 

“Ela é humana.”

 

Isso pareceu a acalmar um pouco.

 

“Uhh.” Sunny gemeu atrás de mim.

 

Eu me virei e a vi olhando os criotanques com os Curandeiros. Eles estavam no meio da mesa de Doc, as luzes acima vermelhas. No chão, perto da mesa, os sete outros tanques vazios.

 

Lágrimas corriam pelos olhos dela, e ela enterrou o rosto no peito de Kyle.

 

“Eu não quero ir! Eu quero ficar com você.” Ela lamentava para o homenzarrão que ela parecia confiar completamente.

 

“Eu sei Sunny, Desculpe.”

 

Sunny começou a soluçar.

 

Eu piquei rapidamente, tentando manter as lágrimas longe dos meus olhos. Eu cruzei o pequeno espaço até onde Sunny estava, e passei a mão em seu cabelo9.

 

“Eu preciso falar com ela por um momento Kyle.” Eu murmurei.

 

Ele assentiu, seu rosto perturbado, e a puxou gentil para o lado.

 

“Não, não.”

 

“Tá tudo bem.” Eu prometi. “Ele não vai a lugar nenhum. Eu só quero te fazer algumas perguntas.”

 

Kyle a virou de frente para mim, e seus braços me envolveram. Eu a puxei para o canto mais distante do quarto, bem longe da mulher sem-nome. Eu não queria que nossa conversa a confundisse ou a assustasse ainda mais. Kyle seguiu nunca se afastando mais do que alguns centímetros. Nós sentamos no chão, de frente para a parede.

 

“Nossa.” Kyle murmurou. “Eu não achei que fosse ser assim. Isso é uma droga.”

 

“Como você a encontrou? E a pegou?”eu perguntei. A garota chorosa não reagiu quando eu fiz as perguntas para ele, só continuava a chorar no meu ombro. “O que aconteceu? Por que ela está assim?”

 

“Bem, eu achei que ela podia estar em Vegas. Eu fui lá primeiro, antes de ir a Portland. Veja bem, Jodi era muito próxima a mãe e era lá que Doris vivia. Eu pensei, vendo você com Jamie e Jared, que ela iria para lá, mesmo não sendo a Jodi. E eu estava certo. Eles estavam todos lá na mesma casa, a casa de Doris. Doris e seu marido, Warren – eles tinham outros nomes, mas eu não ouvi direito – e Sunny. Eu os observei o dia todo até a noite. Sunny estava no quarto da Jodi, sozinha. Eu invadi depois que todos estavam dormindo. Eu peguei Sunny, a coloquei nos ombros e pulei a janela. Eu achei que ela fosse gritar, então eu fui correndo para o jipe. Depois eu fiquei com medo por que ela não estava gritando. Ela estava tão quieta! Eu fiquei com medo dela.. você sabe. Como o cara que nós pegamos uma vez.”

 

Eu estremeci – eu tinha uma memória mais recente.

 

“Então eu a desci, e ela estava viva, só me encarando, com os olhos arregalados. Ainda sem gritar. Eu a carreguei para o jipe. Eu tinha planejado a amarrar, mas… ela não parecia chateada. Pelo menos ela não tentava fugir. Então eu só fechei o cinto de segurança e dirigi.

 

“ Ela só me encarou durante um tempão então finalmente disse, ‘Você é o Kyle” e eu disse. ‘É, e quem é você?’ ela me disse o nome dela. Como é mesmo?”

 

“Luz do Sol Passando Pelo Gelo,” Sunny murmurou. “Mas eu gosto de Sunny. É bonitinho.”

 

“Enfim.” Kyle continuou após limpar a garganta. “Ela não se importou em converser comigo. Ela não estava com medo como eu achei que ela fosse ficar. Então nós conversamos.” Ele ficou em silencio por um momento. “Ela ficou feliz de me ver.”

 

“Eu sonhava com ele o tempo todo.” Sunny murmurou para mim. “Toda noite. Eu ficava esperando os Rastreadores acharem ele, eu sentia tanta saudade dele… quando eu o vi, eu achei que fosse o sonho de novo.”

 

Eu engoli com dificuldade.

 

Kyle esticou o braço e pôs a mão na bochecha dela.

 

“Ela é boazinha Wanda. Não dá para gente mandar ela para um lugar bom?”

 

“É isso que eu queria perguntar a ela. Onde você viveu Sunny?”

 

Eu estava vagamente consciente das vozes dos outros, dando Oi para Trudy. Nós estávamos de costas para eles. Eu queria ver o que estava acontecendo, mas eu também estava feliz de não ter a distração. Eu tentei me concentrar na alma chorosa.

 

“Só aqui e com os Ursos. Eu vivi cinco vidas lá. Mas eu gosto mais daqui. Eu nem tive um quarto de vida aqui!”

 

“Eu sei. Acredite, eu entendo. Tem algum lugar que você gostaria de ir? Para as Flores talvez? É bom lá, eu estive lá.”

 

“Eu não quero ser um planta.” Ela resmungou no meu ombro.

 

“As Aranhas..” eu comecei, mas desisti. As aranhas não eram uma boa opção para ela.

 

“Eu estou cansada do frio. E eu gosto de cores.”

 

“Eu sei.” Eu suspirei. “Eu não fui um Golfinho, mas eu ouvi dizer que é bom lá. Tem cores, mobilidade, famílias...”

 

“Eles são tão longes. Quando eu chegar lá, Kyle vai ter... ele vai...” ela soluçou e começou a chorar de novo.

 

“Não tem outras opções?” Kyle perguntou ansioso. “Não tem mais lugares lá fora?”

 

Eu podia ouvir Trudy falando com a hospedeira da Curandeira, mas eu me desliguei da conversa. Que os humanos cuidassem dos seus no momento.

 

“Não lugares onde as naves estão levando.” Eu o disse. “Há muitos mundos, mas somente alguns, a maioria os mais novos, ainda estão abertos para receber moradores. E eu lamento Sunny, mas eu tenho que te mandar para longe. Os Rastreadores querem encontrar meus amigos aqui, e eles a trarão de volta se puderem para você mostrar o caminho.”

 

“Eu nem vi o caminho.” Ela chorava. Meu ombro molhado com suas lágrimas. “Ele cobriu meus olhos.”

 

Kyle olhou para mim como se eu pudesse produzir algum tipo de milagre para que tudo saísse perfeito. Como os remédios que a=consegui. Mas eu sabia que não tinha milagres, nem finais felizes – pelo menos não para a metade alma da equação.

 

Eu olhei para Kyle desesperançada. “É só os Ursos, as Flores e os Golfinhos.” Eu o disse. “Eu não vou enviar ela para o Planeta Fogo.”

 

A pequena mulher estremeceu ao ouvir o nome.

 

“Não se preocupe Sunny. Você vai gostar dos Golfinhos. Eles vão ser legais. É claro que serão.”

 

Ela chorou mais forte ainda.

 

Eu suspirei e continuei.

 

“Sunny, eu preciso te perguntar sobre a Jodi.”

 

Kyle se enrijeceu ao meu lado.

 

“O que tem ela?” Sunny perguntou num resmungo.

 

“Ela.. ela está aí com você? Você consegue a ouvir?”

 

Sunny se ergueu e olhou para mim. “Eu não entendo o que você quer dizer.”

 

“Ela fala com você? Você tem consciência de seus pensamentos?”

 

“Do meu... corpo? Os pensamentos dela? Ela não tem nenhum. Eu estou aqui agora.”

 

Eu assenti lentamente.

 

“Isso é ruim?” Kyle perguntou.

 

“Eu não sei o bastante para dizer. Provavelmente não é bom.”

 

Os olhos de Kyle se estreitaram.

 

“Há quanto tempo você está aí Sunny?”

 

Ela franziu atesta, pensando. “Faz quanto tempo Kyle? Cinco anos? Seis? Você sumiu antes de eu ir para casa.”

 

“Seis.” Ele disse.

 

“E quantos anos você tem?” eu perguntei.

 

“Vinte e sete.”

 

Aquilo me surpreendeu – ela era uma coisinha tão pequena, parecia tão jovem. Difícil acreditar que ela era seis anos mais velha que Melanie.

 

“Por que isso importa?” Kyle perguntou.

 

“Eu não tenho certeza. Só parece que quanto mais tempo a pessoa vive como humano antes de virar uma alma, melhores as chances de ... recuperação. Quanto mais tempo de viva, mais memórias, conexões, mais anos sendo chamado pelo nome certo... eu não sei.”

 

“Vinte e um anos é o suficiente?” Ele perguntou, desespero na voz.

 

“Nós vamos descobrir.”

 

“Não é justo! Por que você pode ficar? Por que eu não posso ficar, se você pode?”

 

Eu tive que engolir. “Isso não seria justo Sunny. Mas eu não vou ficar. Eu tenho que ir também. E breve. Talvez nós duas iremos juntas.” Talvez ela ficasse mais conformada se achasse que eu ia para os Golfinhos com ela. Quando ela descobrisse que não, Sunny teria um hospedeiro diferente com diferentes emoções e sem laços com os humanos. Talvez. De qualquer forma seria tarde demais. “Eu tenho que ir também Sunny, como você. Eu tenho que devolver o meu corpo também.”

 

E então, bem de trás de nós, a voz de Ian, dura e surpresa, quebrou o silencio como uma pedra que racha ao meio.

 

“O quê?”

 

                           Fundição

 

Ian encarava nós três com tal fúria que Sunny se encolheu com terror. Era uma coisa estranha – como se Kyle e Ian tivessem trocado de rosto. Exceto que o rosto de Ian continuava perfeito. Bonito, mesmo irado.

 

“Ian?” Kyle perguntou. “Qual o problema?”

 

Ian falou entre dentes. “”Wanda.” Ele grunhiu e esticou a mão. Parecia que ele estava fazendo um enorme esforço para manter a mão aberta e não fechada em punho.

 

Ops. Mel pensou.

 

Desesperança passou por mim. Eu não queria dizer adeus a Ian, e agora eu teria. Claro que eu teria. Teria sido errado escapar no meio da noite como uma ladra e deixar os adeuses por conta de Melanie.

 

Ian, cansado de esperar, agarrou meu braço e me ergueu do chão. Quando Sunny parecia que ia junto, ainda abraçada comigo, Ian a sacudiu até ela soltar.

 

“Qual o seu problema?” Kyle exigiu.

 

Ian meteu o pé na cara de Kyle.

 

“Ian!” eu protestei.

 

Sunny se jogou na frente de Kyle – que estava segurando o nariz e lutando para se erguer – e tentou proteger ele com seu corpinho minúsculo. Isso o desequilibrou, ele voltou para o chão gemendo.

 

“Vem” Ian rosou, me arrastando para longe deles sem nem olhar para trás.

 

“Ian-”

 

Ele me levava com ele com rudeza me impossibilitando de falar. Isso era ótimo. Eu não tinha idéia do que falar.

 

Eu vi o rosto dos outros passarem num borrão. Eu estava preocupada se isso não iria perturbar a mulher sem nome. Ela não estava acostumada com raiva e violência.

 

Então nós paramos abruptamente. Jared estava bloqueando a saída.

 

“Você perdeu o juízo Ian?” ele perguntou, chocado e revoltado. “O que você vai fazer com ela?”

 

“Você sabia sobre isso?” Ian gritou de volta, me empurrando para frente. Atrás de nós respirações altas. Ele os estava assustando.

 

“Você vai machucá-la.”

 

“Você sabia o que ela está planejando?” Ian rosnou.

 

Jared encarou Ian, seu rosto fechado. Ele não respondeu.

 

Isso era resposta suficiente para Ian.

 

O punho de Ian acertou Jared tao rápido que eu nem vi – eu só senti o movimento de seu corpo e vi Jared ser lançado no corredor escuro.

 

“Ian, pare.” Eu pedi.

 

“VOCÊ pára!” ele grunhiu para mim.

 

Ele me puxou pelo túnel, eu tinha quase que correr para acompanhar os passos largos.

 

“O’Shea!” Jared gritou atrás de nós.

 

“EU vou machucar ela?” Ian gritou de volta pelo ombro, sem diminuir o passo. “Eu vou? Seu porco hipócrita!”

 

Não tinha nada além de silencio e negrume agora atrás de nós. Eu tropecei no escuro, tentando manter o passo dele. Aí é que eu comecei a sentir a dor do aperto de Ian no meu braço, sua mão grande estava deixando minha mão entorpecida. Ele acelerou o passo, e minha respiração virou um gemido de dor.

 

O som fez Ian parar. Sua respiração soava arfante na escuridão.

 

“Ian,... Ian, eu..” Eu gaguejei, incapaz de terminar. Eu não sabia o que dizer imaginando seu rosto cheio de ira.

 

Seus braços me pagaram, me erguendo. Ele começou a correr novamente, agora me carregando. Suas mãos não eram mais raivosas, ele me aconchegava contra o peito.

 

Ele passou pela grande praça, ignorando os olhares surpresos e alguns suspeitos. Havia muita coisa acontecendo nas cavernas que não era familiar e inconfortável. Os humanos aqui – Violetta, Geoffrey, Andy, Paige, Aaron, Brandt e mais que eu não consegui ver- estavam perturbados. Ver Ian correndo por eles, com expressão de raiva e comigo nos braços, os perturbou.

 

Mas eles ficaram para trás. Nós não paramos até alcançarmos as portas na entrada do quarto dele e de Kyle. Ele chutou a vermelha – ela acertou o piso de pedra com eco – e me colocou no colchão no chão.

 

Ian ficou em pé na minha frente, seu peito se movendo forte com a exaustão e a fúria. Por um segundo ele se virou e com um movimento colocou a porta de volta no lugar. E então estava me olhando novamente.

 

Eu respirei fundo e me ergui para ficar de joelhos, as mão para cima, desejando que uma mágica aparecesse nelas. Algo que eu pudesse dar a ele, algo que eu pudesse dizer. Mas minhas mãos estavam vazias.

 

“Você. Não. Vai. Me. Deixar.” Seus olhos brilhavam – queimando mais forte do que eu já havia visto – chamas azuis.

 

“Ian” eu sussurrei. “Você tem que ver que ... que eu não posso ficar. Você tem que ver isso.”

 

“Não!” ele gritou.

 

Eu deixe-me cair no colchão, e Ian se abaixou, engatinhando de joelhos. Ele enterrou a cabeça no meu estomago, seus braços em minha cintura. Ele tremia, tremia forte, e chorava com desespero.

 

“Não, Ian, não.” Eu implorava. Isso era muito pior do que raiva. “Por favor, não.”

 

“Wanda” ele gemeu.

 

“Ian por favor. Não fique assim. Não. Desculpa. Por favor.”

 

Eu chorava também, tremendo também, mas podia ser ele que me tremia.

 

“Você não pode ir.”

 

“Eu tenho que ir. Eu preciso.” Eu solucei.

 

Então choramos sem palavras por um tempo.

 

As lágrimas dele secaram antes das minhas. Eventualmente ele se ergueu e me puxou para seus braços de novo. Ele esperou até eu ser capaz de falar.

 

“Desculpe.” Ele murmurou. “Eu fui cruel.”

 

“Não, EU é que me desculpo. Eu devia ter te contado quando você não adivinhou. Eu só.. eu não consegui. Eu não queria te dizer – te magoar – me magoar. Foi egoísta.”

 

“Nós precisamos conversar sobre isso Wanda. Não é algo marcado no fogo.”

 

“É sim.”

 

Ele sacudiu a cabeça. Contraindo a mandíbula. “Quanto tempo? Por quanto tempo você está planejando isso?”

 

“Desde a Rastreadora.” Eu murmurei.

 

Ele assentiu, parecendo que esperava essa resposta. “E você achou que tinha que revelar seu segredo para salva-la. Eu posso entender isso. Mas isso não significa que você tem que ir a lugar nenhum. Só por que Doc sabe como… isso não significa nada. Se eu tivesse pensado, por um momento, que uma ação levava a outra eu não teria ficado parado lá e deixado você mostrar a ele. Ninguém vai te forçar a deitar na maca de execução. Eu quebrarei a mão dele se ele tentar tocar em você!”

 

“Ian, por favor.”

 

“Eles não vão fazer isso Wanda. Você me ouviu?” Ele estava gritando novamente.

 

“Ninguém está me obrigando a nada. Eu não mostrei a Doc como fazer a separação por causa da Rastreadora. O fato dela estar aqui só acelerou o processo. Eu fiz para salvar a Mel, Ian.”

 

Suas narinas se expandiram, mas ele não disse nada.

 

“Ela está presa aqui. É como uma prisão – pior do que isso; eu nem consigo descrever. Ela é como um fantasma. E eu posso a libertar. Eu posso devolver a vida dela.”

 

“Você merece uma vida também Wanda. Você merece ficar.”

 

“Mas eu a amo, Ian.”

 

Ele fechou os olhos, e seus lábios ficaram mortalmente pálidos.

 

“Mas eu amo você. Isso não importa?”

 

“Claro que sim. E muito? Você não entende? Isso só faz isso ser mais … necessário.”

 

Seus olhos abriram. “É tão horrível que eu te ame? É isso: Eu posso ficar de boca fechada. Eu nunca mais falo nada assim. Você pode ficar co Jared se é isso que você quer. Só fique.”

 

“Não, Ian!” Eu segurei seu rosto entre minhas mãos. “ Não. Eu te amo também. Eu, o pequeno verme prateado na cabeça dela. Mas meu corpo não ama você. Não pode amar você. Eu nunca vou poder amar você nesse corpo Ian. Isso me parte em duas. É insuportável.”

 

Eu podia agüentar isso, Mas vê-lo sofrer devido às minhas limitações físicas? Isso não.

 

Ele fechou os olhos novamente. Seus cílios negros e longos úmidos. Eu podia ver o brilho das lágrimas.

 

Vá em frente. Mel suspirou. Faz o que você precisa fazer. Eu.. vou para o outro espaço.

 

Obrigado.

 

Eu envolvi o pescoço dele com os braços e o puxei mais para perto até seus lábios tocarem os meus. Ele me abraçou me puxando mais forte contra seu peito. Nossos lábios se movendo juntos, se fundindo como se nunca fossem se dividir, como se a separação não fosse a coisa inevitável que era, e eu podia sentir o sabor de nossas lágrimas. As dele e as minhas.

 

Algo começou a mudar.

 

Quando o corpo de Melanie tocava o de Jared, era como fogo selvagem – uma queimada rápida que corria pelo deserto e consumia tudo no caminho.

 

Com Ian era diferente, tão completamente diferente, por que Melanie não o amava como eu. Então quando ele me tocava, era mais profundo e mais lento do que o fogo selvagem, como o fluxo de lava abaixo da superfície da terra. Muito profundo para sentir o calor, mas se movia inevitavelmente, mudando as próprias fundações do mundo ao se mover.

 

Meu corpo relutante era uma nevoa entre nós – uma cortina grossa, MS transparente o suficiente para que eu pudesse ver através dela, ver o que estava acontecendo.

 

Estava me mudando, não a ela. Era quase um processo metalúrgico nas profundezas do ser que eu era, algo que já havia começado e estava quase terminado. Mas esse longo e ininterrupto beijo completou o trabalho – fundou essa nova criação. Inquebrável.

 

E eu comecei a chorar de novo, percebendo que devia estar mudando ele também, esse homem que era bom o bastante para se uma lama, mas forte como só um humano podia ser.

 

Ele moveu os lábios para meus olhos, mas era tarde. “Não chore Wanda. Não chora. Você vai ficar comigo.”

 

“Oito vidas inteiras.” Eu sussurrava contra sua mandíbula, minha voz falhando devido ao choro. “Oito vidas inteira e eu nunca achei ninguém que eu me segurasse em algum planeta, ninguém que eu seguisse quando partisse. Eu nunca encontrei um parceiro. Por quê agora? Por quê você? Você não é da minha espécie. Como você pode ser meu parceiro?”

 

“O Universo é estranho.”

 

“Não é justo!” eu reclamei, ecoando a voz de Sunny. Não era mesmo justo. Como eu podia achar isso, encontrar o amor – agora, na hora final? E ter que deixá-lo? Era justo o meu corpo e alma não conseguirem se harmonizar? Era justo eu amar Melanie também?

 

Era justo Ian ter que sofrer também? Se alguém merecia felicidade, Ian merecia. Não era justo ou certo ou... sano. Como eu podia fazer isso com ele?

 

“Eu te amo.” Eu sussurrei.

 

“Não diz isso como se estivesse dizendo adeus.”

 

Mas eu precisava. “Eu, a alma chamada Wanderer, amo você, humano Ian. E isso nunca vai mudar, não importa o que eu me tornar.” Eu disse cuidadosamente, para que nada fosse mentira. “Se eu fosse um Golfinho ou um Urso ou Flor, não importaria. Eu sempre amaria você, sempre lembrarei de você. Você será meu único parceiro.”

 

Seus braços se enrijeceram e apertaram-me mais forte, e eu pude sentir a raiva de novo. Era difícil respirar.

 

“Você não vai vagar por lugar nenhum. Você vai ficar aqui.”

 

“Ian-”

 

Mas sua voz esta brusca agora – com raiva, mas também concentrada. “Isso não é só por mim, Você é parte dessa comunidade, você não vai ser mandada embora sem debate. Você é muito importante para todos nós – mesmo para aqueles que nunca admitiriam. Nós precisamos de você.”

 

“Ninguém está me mandando embora, Ian.”

 

“Não, nem mesmo você mesma, Wanderer.”

 

Ele me beijou novamente, sua boca brusca com o retorna da raiva. Suas mãos agarraram um punhado de meu cabelo e ele afastou nossos rostos um milímetro.

 

“Bom ou Ruim?” ele exigiu.

 

“Bom.”

 

“Foi o que eu pensei.” Sua voz um grunhido.

 

Ele me beijou de novo. Seus braços tão apertados contra meu quadril, sua boca tão faminta sobre a minha, que eu estava tonta e arfante. Ele relaxou os braços um pouco e seus lábios foram para o meu ouvido.

 

“Vamos.”

 

“Onde? Aonde nós vamos?” eu não ia a lugar algum, eu sabia disso. E mesmo assim meu coração se acelerou ao imaginar me fugindo para algum lugar, qualquer lugar com Ian. Meu Ian. Ele era meu, de um jeito que Jared nunca seria. Da forma que esse corpo nunca seria dele.

 

“Não me dê trabalho com isso. Eu estou meio enlouquecido.” Ele nos ergueu do chão.

 

“Onde?” eu insisti.

“Você vai descer até o túnel leste, depois da plantação, até o final.”

 

“O cômodo dos jogos?”

 

“Sim. E vai esperar lá até eu trazer o resto comigo.”

 

“Por quê?” Suas palavras soaram loucas para mim. Ele queria jogar? Para aliviar a tensão?

 

“Por que isso será discutido. Eu estou pedindo um tribunal, Wanderer, e você vai ter que aceitar nossa decisão.”

 

                                   Finalizada        

 

Foi um pequeno tribunal dessa vez, não como o tribunal pela vida de Kyle. Ian trouxe só Jeb, Doc e Jared. Ele sabia, sem eu precisar dizer, que Jamie não podia ser permitido chegar nem perto desses procedimentos.

 

Melanie teria que dar esse adeus para mim. Eu não conseguiria encarar isso, não com Jamie. Eu não ligava se era covardia minha. Eu não faria.

 

Somente uma lâmpada azul, um fraco circulo de luz no piso de pedra. Nós nos sentamos em torno do circulo de luz; Eu estava sozinha, os quatro homens de frente para mim. Jeb até trouxe a arma – como se fosse um martelo e para fazer parecer mais oficial. O cheiro sulfúrico me recordava os dias de lamento, havia algumas memórias que eu não me arrependeria de perder.

 

“Como ela está?” Eu perguntei a Doc enquanto sentávamos, antes que eles pudessem começar. Esse tribunal era uma perda do meu tempo já curto. Eu estava preocupada com coisas mais importantes.

 

“Qual delas?” ele respondeu.

 

Eu o encarei por alguns segundos, e então meus olhos se arregalaram. “Sunny? Já?”

 

“Kyle achou que seria cruel fazê-la sofrer por mais tempo. Ela estava…infeliz.”

 

“Eu gostaria de ter podido dizer adeus” eu murmurei para mim mesma. “E boa sorte. Como está Jodi?”

 

“Sem responder ainda.”

 

“O corpo da Curandeira?”

 

“Trudy a tirou de lá. Eu acho que elas foram pegar algo para comer. Elas estão tentando achar um nome temporário que ela goste, para podermos chamar ela de algo além de O Corpo.” Ele sorriu fracamente.

 

“Ela vai ficar bem, eu tenho certeza.” Eu disse, tentando acreditar nas palavras. “E Jodi também. Tudo vai dar certo.”

 

Ninguém falou nada das minhas mentiras. Eles sabiam que eu falava para mim mesma.

 

Doc suspirou. “Eu não quero ficar longe de Jodi por muito tempo. Ela pode precisar de alguma coisa.”

 

“Certo.” Eu concordei. “Vamos acabar logo com isso.” Quanto mais rápido melhor. Por que não importava o que fosse dito aqui; Doc havia concordado com meus termos. E ainda assim uma parte idiota de mim tinha esperança... esperança de alguma solução que fizesse tudo perfeito e me permitisse ficar com Ian e Mel com Jared de um jeito que ninguém sofresse por isso. Era melhor acabar com essa esperança impossível logo.

 

“Okay,” Jeb disse. “Wanda, qual o seu lado disso?”

 

“Eu vou trazer Melanie de volta.” Firme, curta – sem razão para discutirem.

 

“Ian, qual o seu?”

 

“Nós precisamos de Wanda aqui.”

 

Firme, curto – ele estava me copiando.

 

Jeb assentiu para si mesmo. “Essa é complicada. Wanda, por que eu devia concordar com você?”

 

“Se fosse você, você iria querer seu corpo de volta. Você não pode negar isso a Melanie.”

 

“Ian?” Jeb perguntou.

 

“Nós temos que olhar para o bem maior Jeb. Wanda já nos trouxe mais saúde e segurança que jamais tivemos. Ela é vital para a sobrevivência de nossa comunidade – de toda a raça humana. Uma pessoa não pode ficar acima disso.”

 

Ele está certo.

 

Ninguém te perguntou.

 

Jared falou. “Wanda, o que Mel acha disso?”

 

Há! Ela disse.

 

Eu encarei os olhos de Jared, e a coisa mais estranha aconteceu. Toda a fundição pela qual eu havia acabado de passar estava num cantinho no fundo, na menor parte do meu corpo, o espaçinho que eu ocupava na no pequeno pedaço atrás da cabeça de Mel. Todo o resto ansiava por Jared com desespero, uma fome meio louca.

 

Esse corpo não pertencia a mim ou a Melanie – pertencia a ele.

 

Realmente, não havia espaço para nós duas aqui.

 

“Melanie quer o corpo dela de volta. Ela quer a vida dela de volta.”

 

Mentirosa. Diga a verdade.

 

Não.

 

“Mentirosa.” Ian disse. “Eu consigo ver você discutindo com ela. Eu aposto que ela concorda comigo. Ela é uma boa pessoa. Ela sabe o quanto precisamos de você.”

 

“Mel sabe tudo o que eu sei. Ela será capaz de ajudar vocês. E a hospedeira da Curandeira. Ela sabe mais do que eu jamais soube. Vocês ficarão bem. Vocês estavam bem antes de eu vir aqui. Vocês vão sobreviver, assim como antes.”

 

Jeb assoprou uma bufada de ar. “Eu não sei Wanda. Ian tem uma certa razão.”

 

Eu olhei para o homem mais velho e então vi Jared fazendo o mesmo. Eu desviei o olhar e troquei um olhar com Doc. Seu rosto cheio de dor. Ele entendeu o lembrete que eu o estava dando.       Ele havia prometido. Esse tribunal não valia acima daquilo.

 

Ian estava observando Jared – ele não percebeu nossa troca silenciosa de olhares.

 

“Jeb.” Jared protestou. “Só tem uma decisão a se tomar aqui. Você sabe disso.”

 

“É garoto? Parece que tem um barril cheio delas para mim.”

 

“Aquele é o corpo de Melanie!”

 

“E da Wanda também.”

 

Jared engasgou com a resposta dele e teve que começar de novo. “Você não pode deixar Mel presa lá – é como assassinato Jeb.”

 

Ian se inclinou na direção da luz, seu rosto subitamente furioso novamente. “E o que isso vai fazer com Wanda? E o resto de nós se você a mandar embora?”

 

“Você não liga para o resto! Você só quer manter Wanda à custa de Melanie – nada mais importa para você.”

 

“E você quer ter Melanie à custa de Wanda – nada mais importa para VOCÊ! Então com isso sendo igual para nós, no final só importa o que é melhor para os outros.”

 

“Não! O que importa é o que Melanie quer! Aquele é o corpo dela!”

 

Os dois estavam agachados, quase em pé, punhos cerrados e suas expressões contorcidas de raiva.

 

“Calma, garotos. Parem com isso agora mesmo.” Jeb ordenou. “Isso é um tribunal e nós vamos ficar calmos e manter a cabeça no lugar. Nós temos que pensar em todos os lados.”

 

“Jeb-“ Jared começou.

 

“Cala a boca!” Jeb mordeu o lábio inferior por um minuto. “okay, é assim que eu vejo as coisas. Wanda tem razão –“

 

Ian se ergueu.

 

“Opa. Senta. Deixa eu terminar.”

 

Jeb esperou até Ian, com os tendões no pescoço muito visíveis, estar sentado.

 

“Wanda tem razão,” Jeb disse. “Mel precisa de corpo dela de volta. Mas,” ele acrescentou rapidamente quando Ian ficou tenso novamente. “eu não concordo com o resto, Wanda. Eu acho que nós precisamos muito de você criança. Nós temos os Rastreadores lá fora procurando por nós, e você pode falar com eles. O resto de nós não pode fazer isso. Você salva vidas. Eu tenho que pensar no bem da minha comunidade.”

 

Jared falou entre os dentes. “Então agente arruma outro corpo para ela. Óbvio.”

 

O rosto de Doc se iluminou. As grossas sobrancelhas de Jeb se ergueram. Os olhos de Ian se arregalaram. Ele olhou para mim, considerando...

 

“Não! Não!”

 

“Por que não Wanda?” Jeb perguntou. “Não me parece uma má idéia.”

 

Eu engoli e respirei fundo para minha voz não sair histérica. “Jeb. Me ouça. Eu estou cansada de ser um parasita. Você consegue entender isso? Você acha que eu quero ir para outro corpo e começar isso tudo de novo: Sentir culpada por tirar a vida de um outro alguém: Eu preciso ter mais alguém me odiando? Eu mal sou uma alma mais – eu amo vocês humanos brutos demais. É errado estar aqui, e eu odeio isso.”

 

Eu respirei fundo de novo. E falei entre as lágrimas que agora caíam. “E se as coisas mudarem? E se vocês me colocarem em um corpo de outra pessoa, roubar outra vida e sair errado? E se esse corpo me lançar atrás de um outro amor, de volta às almas? E se vocês não puderem mais confiar em mim? E se da próxima vez eu os trair? Eu não quero machucar vocês.”

 

A primeira parte era a pura verdade, mas eu estava mentindo loucamente na segunda. Eu esperava que eles não percebessem. Ajudaria o fato de que eu estava meio incoerente, soluçando. Eu nunca os machucaria. O que aconteceu comigo aqui era permanente, parte dos átomos que constituíam meu pequeno corpo. Mas talvez, se eu desse uma razão para eles me temerem, eles aceitariam mais facilmente o que viria.

 

E minhas mentiras funcionaram, pela primeira vez. Eu vi a troca de olhares preocupada que Jeb e Jared trocaram. Eles não tinham pensado nisso – eu me tornando não confiável, um perigo. Ian já estava se movendo para por os braços em torno de mim. Ele secou minhas lágrimas contra seu peito.

 

“Tá tudo bem querida. Você não tem que ir a lugar algum. Nada vai mudar.”

 

“Péra aí Wanda.” Jeb disse, meus olhos subitamente muito atentos. “Como é que a sua ida para outro planeta vai ajudar? Você ainda vai ser um parasita.”

 

Ian se enrijeceu com as palavras duras.

 

E eu também me enrijeci por que, como sempre, Jeb era muito perceptível.

 

Eles esperaram por minha resposta, todos menos Doc, ele sabia qual a resposta verdadeira seria. A única que eu não podia dar. Eu tentei dizer somente coisas verdadeiras.

 

“É diferente em outros planetas Jeb Não há resistência. E os hospedeiros são diferentes. Eles não são individualizados como os humanos, suas emoções são mais sutis. Não parece com o roubo de uma vida. Não como aqui. Ninguém vai me odiar. E eu estarei muito longe para machucar vocês. Vocês ficarão mais seguros…”

 

A última parte soava demais como uma mentira, então eu parei de falar.

 

Jeb me encarou através de olhos estreitados, e eu afastei o olhar dele.

 

Eu tentei não olhar para Doc, mas eu não consegui evitar um rápido olhar para garantir que ele entendia. Seus olhos encontraram os meus, claramente miseráveis, então eu sabia que ele havia entendido.

 

Quando eu rapidamente desviava o olhar, eu peguei Jared encarando Doc. Terá ele visto a comunicação silenciosa?

 

Jeb suspirou. “Isso tá.. complicado.” Seu rosto ficou sombrio enquanto ele pensava no dilema.

 

“Jeb –“ Ian e Jared disseram juntos. Ambos pararam e se encararam.

 

Isso tudo era uma perda de tempo e eu somente tinha algumas horas. Só mais algumas poucas horas, eu sabia disso com certeza.

 

“Jeb” eu disse com suavidade, minha voz pouco audível, e todos se viraram para mim. “Você não tem que decidir agora. Doc precisa checar Jodi e eu gostaria de vê-la também. Além disso, eu não comi o dia todo. Por que você não pensa nisso durante a noite? Nós podemos conversar novamente amanhã. Nós temos tempo para pensar sobre isso.”

 

Mentiram. Eles perceberiam?

 

“É uma boa idéia Wanda. Eu acho que todos nós precisamos de uma pausa. Vá comer alguma coisa, e todos nós pensaremos nisso pela noite.”

 

Eu tive o cuidado de não encarar Doc, mesmo quando falei com eles.

 

“Eu irei te ajudar com a Jodi assim que eu comer, Doc. Te vejo mais tarde.”

 

“Okay.” Doc disse desesperançado.

 

Por que ele não conseguia manter um tom de voz casual? Ele era humano – ele deveria ser um bom mentiroso.

 

“Com fome?” Ian murmurou e eu assenti. Eu deixei ele me ajudar a levantar. Ele segurou minha mão e eu soube que ele iria me manter bem por perto. Isso não me preocupava. Ele dormia profundamente, como Jamie.

 

Enquanto saíamos do cômodo escuro eu podia sentir olhos nas minhas costas, mas não sabia de quem era. Só havia mais algumas coisas para fazer. Três, para ser precisa. Só mais três tarefas a serem completadas.

 

Primeiro eu comi.

 

Não seria legal deixar Mel com um corpo inconfortável com a fome. Além disso, a comida era melhor agora que eu Pilhava com eles. Algo para se esperar ansiosamente e não suportar.

 

Eu fiz Ian pegar a comida e trazer para mim enquanto me escondia no campo onde o arroz substituía o milho. Eu disse a Ian que a verdade para ele me ajudar: Eu estava evitando Jamie. Eu não queria o assustar com essa decisão. Seria mais difícil para ele do que para Jared ou Ian – eles tinham, cada um, um lado. Jamie nos amava a ambas, ele ficaria ainda mais dividido.

 

Ian não discutiu comigo. Nós comemos em silencio. Seu braço firme na minha cintura.

 

Segundo eu fui ver Sunny e Jodi.

 

Eu esperara ver três criotanques brilhantes na mesa de Doc, e fiquei surpresa por só haver dois, os dos Curandeiros. Doc e Kyle estavam em volta da maca onde Jodi deitava inerte. Eu caminhei rapidamente para eles, pronta para exigir saber onde Sunny estava, mas quando eu cheguei perto, eu vi que Kyle carregava um criotanque ocupado em um dos braços.

 

“Você precisa ser delicado com isso.” Eu murmurei.

 

Doc estava tocando o pulso de Jodi, contando. Seus lábios comprimidos em uma linha fina quando ele ouviu minha voz, e ele teve que começar novamente.

 

“É, Doc me disse.” Kyle disse, seu olhar nunca deixando o rosto de Jodi. Manchas roxas começavam a se formar abaixo de seus olhos. Teria seu nariz quebrado de novo? “Eu estou sendo cuidadoso. Eu só… não queria deixar ela sozinha ali. Ele estava tão doce e estava tão triste.”

 

“Tenho certeza que ela gostaria disso, se ela soubesse.”

 

Ele assentiu, ainda olhando para Jodi. “Há alguma coisa que eu devia estar fazendo aqui? Há alguma maneira de ajudar?”

 

“Fale com ela, diga o nome dela, fale sobre coisas que ela lembraria. Incluindo Sunny. Isso ajudou com a hospedeira da Curandeira.”

 

“Mandy.” Doc corrigiu. “Ela diz que não é bem isso, mas é perto.”

 

“Mandy.” Eu repeti. Não que eu fosse precisar lembrar. “Onde ela está?”

 

“Com Trudy – foi uma acertada boa, Trudy é exatamente a pessoa certa. Eu acho que ela a colocou para dormir.”

 

“Isso é bom. Mandy vai ficar bem.”

 

“Espero que sim.” Doc sorriu, mas isso não afetou sua expressão sombria muito. “Eu tenho muitas perguntas para ela.”

 

Eu olhei para a pequena mulher – ainda era impossível acreditar que ela era mais velha do que meu corpo. Seu rosto estava tão vago e frouxo, me assustou um pouco – ele estava tão vibrante e vivo quando Sunny estava lá dentro. E se Mel...

 

Eu ainda estou aqui.

 

Eu sei. Você vai ficar bem.

 

Como Lacey. Ela estremeceu, e eu também.

 

Nunca como Lacey.

 

Eu toquei o braço de Jodi levemente. Ela era bem parecida com Lacey em alguns aspectos. A pele cor de oliva e os cabelos negros, e minúscula. Elas podiam ser irmãs, exceto que o rosto suave de Jodi nunca seria repulsivo.

 

Kyle estava travado, segurando a mão dela.

 

“Assim Kyle.” Eu disse, passando a mão no braço dela novamente. “Jodi? Jodi, você pode me ouvir? Kyle está esperando por você. Ele se meteu em muita encrenca par ate trazer aqui – todo muito que o conhece quer o espancar.” Eu sorri para o grandalhão em questão, seus lábios curvados para cima, mas ele nem olhou para cima para ver o meu sorriso.

 

“Não que você esteja surpresa de ouvir isso.” Ian disse atrás de mim. “Quando é que esse não foi o caso, hein Jodi? É bom te ver de novo gracinha. Apesar de não saber se você se sente assim. Deve ter sido um alivio ter se livrado desse idiota por tanto tempo.”

 

Kyle não havia percebido que seu irmão estava ali, colado na minha mão, até ele falar.

 

“Você lembra do Ian, claro. Nunca conseguiu me superar em nada, mas ele continua tentando. Ei, Ian.” Kyle adicionou, nunca movendo os olhos. “você não tem nada para me dizer?”

 

“Na verdade não.”

 

“Eu estou esperando um pedido de desculpa.”

 

“Fique esperando.”

 

“Você acredita que ele me deu um chute na cara, Jodie? Sem motivo nenhum.”

 

“Quem precisa de motivo, né Jodi?”

 

Era estranhamente agradável, a briga entre os irmãos. A presença de Jodi a mantinha leve e descontraída, Gentil e engraçada. Eu teria acordado para isso. Se eu fosse ela, eu já estaria sorrindo.

 

“Continue assim Kyle.” Eu murmurei. “Assim mesmo. Ela vai voltar.”

 

Eu gostaria de conhecê-la, ver como ela era. Eu só conseguia ver as expressões de Sunny.

 

Como seria para todos aqui conhecer Melanie pela primeira vez? Pareceria a mesma coisa para eles, como se não houvesse diferença? Eles entenderiam mesmo que eu havia ido ou Melanie simplesmente preencheria o meu papel?

 

Talvez eles a achassem completamente diferente. Talvez tivessem que se ajustar a ela completamente. Talvez ela se encaixasse ali como eu nunca consegui. Eu a via, que era como me ver, no centro de uma multidão de rostos amigáveis. Nos via com Freedom nos braços e os humanos que nunca confiaram em mim sorrindo em boas vindas.

 

Por que isso trouxe lágrimas aos meus olhos? Eu era assim tão fútil?

 

Não. Mel me garantiu. Eles sentiram sua falta – claro que sim. Todas as boas pessoas aqui sentirão sua perca.

 

Ela parecia ter finalmente aceito minha decisão.

 

Não aceitei. Ela descordou. Eu só não consigo ver uma maneira de te impedir. E eu posso sentir o quão perto está. Eu estou assustada também. Isso não é engraçado? Eu estou absolutamente aterrorizada.

 

Somos duas.

 

“Wanda?” Kyle disse.

“Sim?”

 

“Desculpa.”

 

“Humm.. por que?”

 

“Por tentar te matar.” Ele disse casualmente. “Imagino que eu estava errado.”

 

“Ian suspirou em choque. “Por favor me diga que você tem alguma coisa que grave por aqui Doc.”

 

“Não. Desculpe Ian.”

 

Ian balançou a cabeça. “Esse momento devia ser preservado. Eu nunca imaginei que fosse viver para ver o dia em que Kyle O’Shea admitira estar errado. Vamos lá Jodi. Esse choque tem que te acordar.”

 

“Jodi, amor, você não vai me defender? Dia a Ian que eu NUNCA estive errado antes.” Ele riu.

 

Isso era bom. Era bom saber que eu havia conquistado a aceitação de Kyle entes de partir. Eu não esperava tanto. Não havia mais o que fazer aqui. Não havia necessidade de prolongar. Ou Jodi acordaria ou não, isso não afetaria o meu caminho.

 

Então eu fui para minha terceira e última tarefa: Eu menti.

 

Eu dei um passo para trás, me afastando da maca e me espreguicei.

 

“Eu estou cansada Ian.”

 

Era realmente uma mentira? Não soava falso. Havia sido um longo, longo dia esse meu último dia. Eu fiquei acordada a noite toda. Eu não dormia desde a última Pilhagem. Eu devia mesmo estar exausta.

 

Ian assentiu. “Aposto que está. Você não ficou acordada com a Curandeira – com a Mandy a noite toda?”

 

“Fiquei.” Eu bocejei.

 

“Boa noite Doc.” Ian disse, me puxando para a saída. “Boa sorte Kyle. Nós voltaremos de manhã.”

 

“Noite Kyle.” Eu murmurei. “Até Doc.”

 

Doc me olhou, mas Ian estava de costas para ele e Kyle estava olhando para Jodi. Eu retornei o olhar de Doc com firmeza e determinação.

 

Ian caminhou comigo pelo túnel negro, sem falar nada. Eu estava feliz por ele não estar no clima para conversa. Eu não teria sido capaz de me concentrar na conversa. Meu estomago estava se contorcendo em estranhas posições.

 

Eu havia terminado, minhas tarefas cumpridas. Eu só tinha que esperar mais um pouco agora e não dormir. Apesar de estar cansada isso não seria problema. Meu coração batia como um punho contra as constelas.

 

Nada mais de enrolação. Teria que ser essa noite e Mel sabia disso também. O que havia acontecido hoje com Ian tinha me mostrado isso. Quanto mais tempo eu ficasse mais lágrimas e argumentos e brigas eu causaria. Melhores as chances de alguém deixar algo escapar e Jamie descobrir a verdade. Que Melanie explicasse após o ocorrido. Eu ficaria melhor assim.

 

Muito obrigada. Mel pensou, suas palavras correram rápido, seu medo estragando o sarcasmo.

 

Desculpe. Você não se importa muito?

 

Ela suspirou. Como eu poderia? Eu farei o que você me pedir Wanda.

 

Cuide deles por mim.

 

Eu faria isso de qualquer forma.

 

Ian também.

 

Se ele deixar. Eu tenho a impressão que ele não vai gostar muito de mim.

 

Mesmo se ele não deixar.

 

Eu farei o que eu puder Wanda. Prometo.

 

Ian parou no corredor na frente de seu quarto. Ele ergueu a sobrancelha e eu assenti. Que ele pensasse que eu ainda estava me escondendo de Jamie. Isso era verdade.

 

Ian afastou a porta vermelha, e eu fui direto para o colchão a direita. Eu me enrolei ali, escondendo as mãos tremulas na frente do peito, e colocando o joelho na frente deles. Ian me abraçou, me mantendo perto do peito. Tudo bem – ele ia se espalhar em todas as direções mesmo quando dormisse – exceto que ele podia me sentir tremendo.

 

“Vai ficar tudo bem Wanda. Eu sei que nós vamos encontrar uma solução.”

 

“Eu de verdade te amo Ian.” Era a única forma que eu podia de despedir. A única forma que ele aceitaria. Eu sabia que ele lembraria disso depois e entenderia. “Com toda minha alma, eu te amo.”

 

“Eu de verdade te amo também minha Wanderer.”

 

Ele moveu seu rosto contra o meu até encontrar meus lábios e me beijou, lenta e gentilmente, o fluxo de lava escorrendo languidamente no centro na terra, até a minha tremedeira diminuir.

 

“Durma Wanda. Guarde para amanhã.”

Eu assenti, movendo meu rosto contra o dele e suspirei.

 

Ian estava cansado também. Eu não precisei esperar muito. Eu encarava o teto – as estrelas se movendo nas rachaduras. Eu podia ver três agora, onde antes só havia duas. Eu as vi piscar e pulsar contra a escuridão do espaço. Elas não me chamavam. Eu não tinha nenhum desejo de me unir a elas.

 

Um de cada vez, os braços de Ian me soltaram. Ele girou, ficando de barriga para cima, sussurrando dormindo. Eu não ousava esperar mias. Eu queria demais ficar, dormir com ele e roubar mais um dia.

 

Eu me movi com cuidado, mas ele não corria o risco de acordar. Sua respiração estava pesada e regular. Ele não abriria os olhos até de manhã.

 

Eu passei os lábios em sua testa macia e me ergui e fui para a porta.

 

Não era tarde, e as cavernas não estavam vazias. Eu podia ouvir vozes ecoando a volta, ecos estranhos que podiam estar vindo de qualquer lugar, Eu não vi ninguém até estar na grande caverna.

 

Geoffrey, Heath e Lily estavam voltando da cozinha. Eu mantive os olhos baixos, apesar de estar muito feliz de ver Lily. Na breve olhada que eu dei nela eu pude ver que ela pelo menos estava com os ombros erguidos. Ela era forte. Como Mel. Ela superaria.

 

Eu me apressei pelo corredor sul, aliviada quando cheguei a escuridão de lá. Aliviada e aterrorizada. Realmente havia acabado.

 

Eu estou com tanto medo. Eu choraminguei.

 

Antes de Mel conseguir responder, uma mão pesada caiu sobre meus ombros na escuridão.

 

“Indo a algum lugar?

 

                             O Fim

 

Eu estava tão absorvida em pensamentos que eu gritei com terror, e tão aterrorizada que o grito foi só um esquicho.

 

“Desculpe.” O braço de Jared circundou meu ombro, me confortando. “Desculpe. Eu não quis te assustar.”

 

“O que você está fazendo aqui?” eu exigi, ainda arfando.

 

“Seguindo você. Eu estou te seguindo a noite toda.”

 

“Bem, pare.”

 

Houve uma hesitação e seus braços não se moveram. Eu me retorci para me livrar, mas ele segurou meu pulso, segurando firme; eu não ia me livrar facilmente.

 

“Você está indo ver Doc?” ele perguntou, e não havia confusão na pergunta. Era obvio que ele não estava falando de uma visita social.

 

“Claro que estou.” Eu sibilei as palavras para ele não ouvir o pânico em minha voz. “O que mais eu posso fazer depois de hoje? Não vai melhorar em nada. E essa não é uma decisão que caiba a Jeb.”

 

“Eu sei. Eu estou do seu lado.”

 

Me deixou irritada o fato das suas palavras ainda terem o poder de me magoarem, levar lágrimas aos meus olhos. Eu tentei me segurar pensando em Ian – ele era a ancora, como Kyle havia sido para Sunny – mas era difícil com as mãos de Jared em mim, com o seu cheiro no meu nariz. Era como tentar isolar um violino com toda uma orquestra tocando...

 

“Então me deixe ir Jared. Vá embora. Eu quero ficar sozinha.” As palavras saíram firmes, rápidas e duras. Era fácil ver que não era mentira.

 

“Eu devia ir com você.”

 

“Você terá Melanie de volta em breve. Eu só estou pedindo alguns minutos Jared. Me dê isso pelo menos.”

 

Outra pausa; sua mão não relaxou.

 

“Wanda, eu ficaria com você.”

 

As lágrimas rolaram, eu estava grata pela escuridão.

 

“Eu não sentiria.” Eu murmurei. “Então não ha necessidade.”

 

É claro que Jared não devia estar lá. Eu não ia viver como um Golfinho ou uma Flor, sempre lamentando pelos amores que deixei para trás, todos mortos quando eu abrisse os olhos novamente – se eu tivesse olhos. Esse era o MEU planeta, e eles não me obrigariam a partir. Eu ficaria na poeira, na gruta escura com meus amigos. Um túmulo humano para a humana que eu me tornei.

 

“Mas Wanda, Eu... Há tanto que eu queria te dizer.”

 

“Eu não quero sua gratidão Jared. Confie em mim nisso.”

 

“O que você quer?” ele murmurou, sua voz contida. “Eu te daria qualquer coisa.”

 

“Cuide da minha família. Não deixe os outros os matarem.”

 

“Claro que eu vou cuidar deles.” Ele dispensou meu pedido bruscamente. “Eu quis dizer VOCÊ. O que eu posso te dar?”

 

“Eu não posso levar nada comigo Jared.”

 

“Nem ao menos uma memória? O que você quer?”

 

Eu enxuguei as lágrimas com minha mão livre, mas outras tomaram o lugar rapidamente. Não, eu não podia nem levar uma memória.

 

“O que eu posso te dar Wanda?” ele insistiu.

 

Eu respirei fundo e tentei manter a voz regular.

 

“Me dê uma mentira Jared. Diga-me que você quer que eu fique.”

 

Não houve hesitação dessa vez. Ele me abraçou na escuridão, firme contra seu peito. Ele pressionou os lábios na minha testa e eu sentia sua respiração movem meu cabelo quando ele falou.

 

Melanie estava segurando o fôlego na minha cabeça. Ela estava tentando com firmeza se enterrar novamente, tentando me dar alguma liberdade nesses últimos minutos. Talvez ela estivesse com medo de ouvir essas mentiras. Ela não iria querer essas memórias quando eu me fosse.

 

“Fique Wanda. Conosco. Comigo. Eu não quero que você vá. Por favor. Eu não consigo imaginar isso aqui sem você. Eu não sei como…” Sua voz falhou.

 

Ele era um bom mentiroso. E ele devia estar muito, muito seguro de mim para dizer essas coisas. Eu descansei contra ele por um momento, mas eu podia sentir o tempo me afastando. O tempo havia acabado. O tempo estava acabado.

 

“Obrigada.” Eu sussurrei, e eu tentei me afastar.

 

Seus braços se firmaram. “Eu não acabei.”

 

Nossos rostos só estavam há alguns centímetros de distancia, e ele acabou com essa distancia, e mesmo nessa situação, meu último suspiro nesse planeta eu não pude evitar de responder. Gasolina e chama – explodimos novamente.

 

Mas não era a mesma coisa. Eu conseguia sentir isso. Esse era para mim. Foi o meu nome que ele murmurou ao segurar esse corpo – e ele pensou nele como meu corpo. Eu podia sentir a diferença. Por um momento éramos somente nós ali, Jared e Wanda, ambos queimando.

 

Ninguém jamais mentiu melhor com o corpo como Jared mentiu nos meus últimos momentos, e por isso era grata. Eu não iria levar isso comigo, claro, pois eu não ia a lugar nenhum, mas aliviava um pouco da dor de partir. Eu podia acreditar na mentira. Eu podia acreditar que ele sentiria minha falta, tanto que minasse um pouco da felicidade. Eu não devia querer isso, mas era bom acreditar nisso mesmo assim.

 

Eu não podia ignorar o tempo, os segundos passando em contagem regressiva. Mesmo em chamas eu podia sentir o tempo me puxando, me sugando pelo corredor, me afastando do calor e sentimento.

 

Eu consegui afastar meus lábios dos dele. Nós arfamos no escuro, nossas respirações mornas no rosto um do outro.

 

“Obrigada.” Eu disse novamente.

 

“Espera..”

 

“Eu não posso... Eu não consigo suportar mais. Okay?”

 

“Okay.” Ele sussurrou.

 

“Eu só quero mais uma coisa: Deixe-me fazer isso sozinha. Por favor.”

 

“Se.. se você tem certeza que é isso que você quer...” ele não continuou, inseguro.

 

“É o que eu preciso Jared.”

 

“Então eu ficarei aqui.” Ele disse conformado.

 

“Eu enviarei Doc quando acabar.”

 

Seus braços ainda estavam em torno de mim.

 

“Você sabe que Ian vai tentar me matar por deixar você fazer isso não sabe? Talvez eu devesse deixar. E Jamie. Ele nunca vai perdoar nenhum de nós.”

 

“Eu não posso pensar neles agora. Por favor. Deixe-me ir.”

 

Lentamente, com uma relutância palpável que aqueceu parte do vazio frio no meu corpo, Jared me soltou.

 

“Eu te amo Wanda.”

 

Eu suspirei. “Obrigada Jared. Você sabe o quanto eu te amo. Com todo o meu coração.”

 

Coração e alma. Não a mesma coisa, no meu caso. Eu tenho estado dividida por muito tempo. Era hora de fazer alguém inteiro novamente, mesmo que isso me excluísse.

 

Os segundos correndo me empurrando para o final. Ficou frio quando ele não me segurava mais. Ficava mais frio a cada passo que eu dava.

 

Só minha imaginação, claro. Ainda era verão aqui. Sempre seria verão para mim.

 

“O que acontece aqui quando chove Jared?” eu perguntei baixinho. “Onde as pessoas dormem?”

 

Ele precisou de um momento para responder, e eu podia ouvir as lágrimas na voz dele. “Nó...” ele engoliu. “Nós vamos para a sala de jogos. Todo mundo dorme lá junto.”

 

Eu assenti para mim mesma. Eu imaginei como seria a clima; estranho com tantas personalidades conflitantes? Ou era divertido? Uma mudança? Como uma festa do pajama?”

 

“Por quê?”

 

“Eu só queria…imaginar. Como vai ser.” A vida e os amores continuariam. Mesmo se continuassem sem mim, a idéia me trouxe uma certa alegria. “Adeus Jared. Mel disse ‘te vejo em breve’”

 

Mentirosa.

 

“Espera... Wanda…”

 

Eu me apressei pelo túnel, fugindo da possibilidade de que ele conseguisse me fazer acreditar em suas mentiras e me convencesse a ficar. Só havia silencio atrás de mim.

 

A dor dele não me machucava como a dor de Ian havia machucado. Por que a dor de Jared acabaria logo, A felicidade estava só há alguns minutos de distancia. O final feliz.

 

O túnel sul pareceu ter somente um metro. Eu podia ver a lanterna brilhante a frente, e eu soube que Doc estava esperando por mim.

 

Eu entrei no cômodo que sempre me assustou com os ombros erguidos. Doc estava com tudo preparado. No canto oposto e distante eu podia ver duas macas unidas, Kyle roncando com seu braço em cima da forma imóvel de Jodi. Seu outro braço ainda em volta do tanque de Sunny. Ela teria gostado disso. Eu gostaria de ter uma forma de contar para ela.

 

“Oi Doc.” Eu sussurrei.

 

Ele olhou para cima, ele estava arrumando os remédios na mesa. Já havia lágrimas escorrendo em seu rosto.

 

E de repente, eu estava corajosa. Meu coração normalizou. Minha respiração aprofundou e relaxou. As partes mais difíceis acabaram.

 

Eu já fiz isso antes. Muitas vezes. Eu fechei os olhos e fui. Sempre sabendo que eu acordaria depois, mas ainda assim isso era familiar. Nada há temer.

 

Eu fui até a maca e sentei nela. Peguei o Sem Dor com a mão firme e abri a tampa. Eu não estava com dor dessa vez. Não física.

 

“Diga-me Doc. Qual o seu nome verdadeiro?”

 

Eu queria responder todos os enigmas antes do fim.

 

Doc limpou as lágrimas com as costas da mão.

 

“Eustácio. É um nome de família, e meus pais eram pessoas cruéis.”

 

Eu ri uma vez. Então suspirei. “ Jared está esperando, lá na grande caverna. Eu prometi a ele que você o diria quando terminasse. Só espere até...até eu parar de me mover, okay? Até ser tarde demais para ele fazer qualquer coisa sobre minha decisão.”

 

“Eu não quero fazer isso Wanda.”

“Eu sei. Obrigado por isso Doc. Mas eu estou te prendendo a sua promessa.”

 

“Por favor?”

 

“Não. Você me deu a sua palavra. Eu fiz minha parte não fiz?”

 

“Fez.”

 

Então faça a sua. Deixe-me ficar com Wes e Walter.”

 

Seu rosto fino se torcia enquanto ele tentava segurar um soluço.

 

“Você vai... sentir dor?”

 

“Não Doc.” Eu menti. “Eu não vou sentir nada.”

 

Eu esperei pela euforia vir, pelo Sem Dor fazer tudo brilhar como da última vez.

 

Eu ainda não sentia nenhuma diferença;

 

Não devia mesmo ter sido o Sem Dor no final das contas – era só ser amada. Eu suspirei novamente.

 

Eu deitei na maca, de barriga para baixo, e deixei meu rosto de frente para ele.

 

“Vamos Doc.”

 

A garrafa abriu. Eu o ouvi balançar a garrafa no pano em sua mão.

 

“Você é a criatura mais nobre, e pura que eu já conheci. O universo será um lugar mais negro sem você.” Ele sussurrou.

 

Essas eram suas palavras sobre minha cova, meu epitáfio, e eu fiquei feliz de ouvi-las.

 

Obrigada Wanda. Minha irmã. Eu nunca me esquecerei de você.

 

Seja feliz Mel. Aprecie tudo. Por mim.

 

Eu irei.

 

Adeus. Nós pensamos juntas.

 

As mãos de Doc pressionaram gentilmente o pedaço de pano no meu rosto. Eu respirei profundamente, ignorando o cheiro forte e ruim.

 

Ao inalar novamente, eu vi as três estrelas novamente. Elas não estavam me chamando; elas estavam me deixando ir, me deixando no universo negro. Eu vaguei por tantas vidas. Eu planei pela escuridão e foi ficando mais e mais claro. Não era negro mais – era azul. Um azul brilhante, vidente e morno. Eu flutuei nele sem medo algum.

 

                                 Lembrada

 

Eu já havia sido avisada sobre isso. O inicio pareceria com o fim. Mas dessa vez o final foi uma surpresa maior do que nunca antes. Maior do que qualquer final que eu lembrasse das minhas nove vidas anteriores. Maior do que pular no poço de um elevador. Eu não esperava mais memórias, sem mais pensamentos. Que fim era esse?

 

O sol estava se pondo – as cores todas rosadas, elas me fizeram lembrar da minha amiga.... qual seria o nome dela aqui? Algo como....Arrepiada. Ela era uma linda Flor. As flores daqui eram tão sem vida e chatas. Mas o cheiro era maravilhoso. Cheiros são a melhor parte desse lugar.

 

Passos atrás de mim. Girando na Nuvens me seguiu de novo? Eu não preciso de uma jaqueta. Está morno – finalmente! – e eu quero sentir o ar na minha pele. Eu não vou olhar para ela. Talvez ela pense que eu não a ouvi e vá embora. Ela é cuidadosa comigo, mas eu estou quase adulta. Ela não pode cuidar de mim assim maternalmente para sempre.

 

“Com licença?” Alguém diz, e eu não conheço a voz.

 

EU viro para olhar para ela, e eu não conheço o rosto também. Ela é bonita.

 

O rosto na memória me acordou para mim mesma. Aquele era o meu rosto! Mas eu não lembrava disso...

 

“Oi” eu disse.

 

“Oi. Meu nome é Melanie.” Ela sorri para mim. “Eu sou nova na cidade e ... eu acho que me perdi.”

 

“Oh! Onde você está tentando ir? Eu te levo. Nosso carro está ali atrás-“

 

“Não, não é longe. Eu saí para uma caminhada, mas agora não consigo achar o caminho de volta para a Rua Becker.”

 

Uma nova vizinha – que bom. Eu amo novos amigos.

 

“Você está bem perto,” eu digo a ela. “É só virar a esquina por ali, mas você pode cortar por aquele beco ali. Te leva direto lá.”

 

“Você podia me mostrar? Desculpe, qual o seu nome?”

 

“Claro! Vem comigo. Eu sou Pétalas á Luz da Lua, mas minha família me chama de Pet. De onde você é Melanie?”

 

Ela ri. “Você quer dizer San Diego ou O Mundo Cantante, Pet?”

 

“Qualquer um.” Eu ri também. Eu gosto do sorriso dela. “Há dois Morcegos nessa rua. Eles vivem naquela casa amarela com os pinheiros.”

 

“Eu vou ter que dizer Olá para eles.” Ela murmura, mas a voz dela havia mudado, estava tensa. Ela está olhando para o beco como se esperando ver alguém.

 

E há alguém. Duas pessoas, um homem e um garoto. O garoto passa a mão pelo longo cabelo preto como se estivesse nervoso. Talvez preocupado por estar perdido também. Seus olhos bonitos estão muito abertos e excitados. O homem está muito imóvel.

 

Jamie. Jared. Meu coração batia forte, mas a sensação era peculiar, errada. Muito pequena e ...frágil.

 

“Esses são meus amigos, Pet.” Melanie me diz.

 

“Oh! Olá.” Eu estico a mão para o homem – ele está mais perto.

 

Ele a segura, e seu aperto é muito forte.

 

Ele me puxa para ele, eu não entendo. Isso está errado. Eu não gosto.

 

Meu coração bate mais forte, e eu estou com medo. Eu nunca tive medo assim antes. Eu não entendo.

 

Sua mão se move em direção ao meu rosto e eu me assustei muito. Eu inalei a nevoa que vinha da mão dele. Uma nuvem prateada com sabor de cereja.

 

“O que-” eu quero perguntar, mas eu não consigo os ver mais. Eu não consigo ver nada...”

 

Não há mais nada.

 

“Wanda? Você consegue me ouvir Wanda?” Uma foz familiar perguntou.

 

Esse não era o nome certo... era? Meus ouvidos não reagiam a ele, mas algo reagia. Eu não era Petalas a Luz da Lua? Pet? Era isso? Não, não estava certo. Meu coração batia mais rápido, um eco da lembrança do medo. Uma visão de uma mulher com cabelo vermelho e branco e bondosos olhos verdes veio a minha memória. Era minha mãe? Mas... não MINHA mãe, era?

 

Um som, uma voz baixa que ecoava a minha volta. “Wanda. Volte. Nós não vamos deixar você ir.”

 

A voz era familiar, mas também não era. Parecia... eu?

 

Onde estava Pet? Eu não conseguia a encontrar. Só milhares de lembranças vazias. Uma casa cheia de fotos mas sem habitantes.

 

“Use o Acordar.” Uma voz disse. Eu não reconheci essa.

 

Algo roçou no meu rosto, leve como o toque de neblina. Eu conhecia o cheiro. Era cereja. Eu respire fundo e minha mente clareou.

 

Eu podia sentir que estava deitada...mas isso também parecia errado. Não havia.. suficiente de mim. Eu me sentia encolhida.

 

Minhas mãos estavam mais quentes do que o resto de mim, e era por que estavam sendo seguradas. Seguradas por mãos grandes, mãos que a engoliam completamente.

 

O cheio era estranho – abafado e meio mofado. Eu lembrava do cheiro... mas certamente eu nunca havia sentido antes.

 

Eu não via nada além de vermelho – o interior das minhas pálpebras. Eu queria abrir os olhos, então eu fui buscar os músculos certos para fazer isso.

 

“Wanderer? Nós estamos todos esperando por você querida. Abra os olhos.”

 

Essa voz, essa respiração morna no meu ouvido, era ainda mais familiar.Uma sensação estranha passou pelas minhas veias ao ouvir esse som. Um sentimento que eu nunca, nunca senti antes. O som me fez respirar mais forte e meus dedos tremerem.

 

Eu queria ver o rosto que ia com aquela voz.

 

Uma cor inundou minha mente – uma cor que me chamava de uma vida distante – um azul brilhante. Todo o universo era azul...

 

E finalmente eu soube meu nome. Sim, estava certo. Wanderer. Eu era Wanderer. Wanda também. Eu lembrava disso agora.

 

Um toque leve no meu rosto – uma pressão morna nos meus lábios, nas minhas pálpebras. Ah, era ali que eles estavam. Eu podia fazer elas piscarem agora que eu sabia onde as encontrar.

 

“Ela está acordando!” alguém comemorou excitado.

 

Jamie. Jamie estava aqui. Meu coração deu um pequeno salto.

 

Levou um momento para meus olhos se focarem. O azul que feriu meus olhos estava errado – muito pálido, lavado. Não era o azul que eu queria.

 

Uma mão tocou meu rosto. “Wanderer?”

 

Eu olhei para o som. O movimento da minha cabeça e pescoço pareceu estranho. Não era como costumava a ser, mas ao mesmo tempo, era como sempre havia sido.

 

Meus olhos finalmente acharam o azul que eu procurava. Safira, neve, meia–noite.

 

“Ian? Ian, onde eu estou?” o som da voz que saiu da minha garganta me assustou. Alta e cheia de emoção. Familiar, mas não minha. “Quem sou eu?”

 

 

“Você é você.” Ian me disse. “E você esta exatamente aonde pertence.”

 

Eu puxei minha mão das mãos gigantes que a seguravam. Eu queria tocar meu rosto, mas a mão de outra pessoa veio na minha direção e eu congelei.

 

Eu tentei mover minha mão de novo, para me proteger, mas isso moveu a mão acima de mim. Eu comecei a tremer e as mãos tremeram.

 

Oh.

 

Eu abri e fechei a mão, olhando-a com cuidado.

 

Essa era minha mão? Essa coisinha minúscula? Era a mão de uma criança, exceto pelas longas unhas rosa e branca, perfeitamente curvadas. A pela era branca, com um ligeiro toque de prata e inteiramente coberta de pelinhos dourados.

 

Era a estranha combinação de prata e ouro que trouxe a imagem de volta: eu podia ver um rosto na minha mente, refletida no espelho.

 

A memória me desequilibrou por um momento por que eu não estava acostumada com tanta civilização – ao mesmo tempo, eu só conhecia a civilização. Uma bonita cômoda com todos os tipos de frivolidades e coisinhas delicadas em cima dela. Uma profusão de garrafas de vidro contendo cheiros que eu amava – eu amava? Ou ela amava?. Uma orquídea em um vaso, Um conjunto de escovas e pentes prateados.

 

O grande espelho redondo tinha uma armação metálica, rosas metálicas. O rosto do espelho era redondo também, oval. Pequeno. A pele do rosto do mesmo tom branco-prateado que a mão. Grandes olhos cinzas, os suave brilho prateado brilhava no fundo da cor suave, espessos cílios dourados. Lábios rosados, carnudos e redondos, como os de um bebê. Dentes pequenos e certinhos atrás deles. Uma cova no queijo. E por todos os lados dourado, cabelos espessos que brilhavam como um halo de ouro e caiam além do que o espelho mostrava.

 

Meu rosto ou o rosto dela?

 

Era o rosto perfeito para uma Flor Noturna. A tradução exata de uma flor para um humano.

 

“Cadê ela?” minha voz alta e sonora exigiu. “Cadê a Pet?” Sua ausência me assustava. Eu nunca vi uma criatura mais indefesa do que essa meia-criança com seu rosto luz da luz e seu cabelo luz do sol.

 

“Ela está bem aqui.” Doc me assegurou. “No tanque e pronto para ir. Nós achamos que você podia nos dizer para onde mandá-la.”

 

Eu olhei em direção a sua voz. Quando eu o vi parado a luz do sol, um criotanque em suas mãos, um fluxo de memórias voltaram para mim.

 

“Doc!” Eu exclamei nessa voz pequena e frágil. “Doc, você prometeu! Você me deu sua palavra Eustácio! Por quê?”

 

Uma sensação de tristeza e dor passou por mim. Esse corpo não estava acostumado com essas agonias.

 

“Mesmo um homem honesto cede à força. Wanda.”

 

“Força.” Outra voz terrivelmente familiar zombou.

 

“Eu diria que uma faca na garganta conta como força, Jared.”

 

“Você sabia que eu não usaria de verdade.”

 

“Sabia nada. Você foi bem persuasivo.”

 

“Uma faca?” Meu corpo tremeu.

 

“Shh. Tá tudo bem.” Ian murmurou. Seu hálito soprou fios dourados no meu rosto, e eu os afastei – um gesto rotineiro. “Você realmente achou que nós íamos deixar você ir assim? Wanda!” ele suspirou, mas era um suspiro de alegria.

 

Ian estava feliz. Isso diminuiu um pouco da minha preocupação, mais fácil de suportar.

 

“Eu te disse que não queria ser um parasita” eu sussurrei.

 

“Deixa eu passar.” Minha voz antiga mandou. E então eu pude ver o meu rosto, o forte, com a pele morena, a linha forte da sobrancelha sobre olhos redondos e escuros, as bochechas altas… O vi direito, não como um reflexo como eu sempre o tinha visto antes.

 

“Ouça Wanda. Eu sei exatamente o que você não quer ser. Mas nós somos humanos, e nós somos egoístas e nós NÃO fazemos sempre a coisa certa. Nós não vamos deixar você ir. Acostume-se.”

 

A forma que ela falou, a cadencia e o tom, não a voz, trouxe de volta todas as conversas silenciosas, a voz na minha cabeça, minha irmã.

 

“Mel? Mel, você está bem.”

 

Ela sorriu e se inclinou para frente para abraçar meus ombros. Ela era maior do que lembrava ser.

 

“Claro que eu estou. Não foi esse o motivo do drama todo? E você vai ficar bem também. Nós não fomos idiotas com isso. Não pegamos o primeiro corpo que vimos.”

 

“Deixa! Deixa eu contar!” Jamie se enfiou ao lado de Mel. Estava ficando lotado em volta da maca.

 

Eu peguei a mão dele e a apertei. Minhas mãos pareciam tão frágeis. Ele podia sentir a pressão?

 

“Jamie!”

 

“Oi Wanda! Isso é legal não é: Você é menor do que eu agora1” Ele sorriu triunfante.

 

“Mas ainda mais velha. Eu tenho quase –“ e então parei, mudando a frase de repente. “Meu aniversário será em duas semanas.”

 

“Eu podia estar desorientada e confusa, mas eu não era estúpida. A experiência de Melanie não ia ser desperdiçada. Eu aprendi com elas. Ian era tão cheio de honra quanto Jared, e eu não ia passar pela frustração que Mel passou.

 

Então eu menti me dando um ano extra. “Eu vou fazer dezoito.”

 

Pelo canto do olho eu vi Mel e Ian se surpreenderem. Esse corpo parecia mais jovem do que a idade que tinha, quase dezessete.

 

Foi essa pequena mentira, essa afirmação para o meu parceiro que me fez perceber que eu iria ficar aqui. Que eu ficaria com Ian e com o resto da minha família. Minha garganta apertou, estranhamente inchada.

 

Jamie acariciou meu rosto, chamando minha atenção de volta a ele. Eu fiquei surpresa com o quão grande sua mão parecia na minha bochecha.

 

“Eles me deixaram ir à Pilhagem para te pegar.”

 

“Eu sei.” Eu murmurei. “Eu lembro… Bem, Pet lembra de ter ver lá.” Eu encarei Mel que dei de ombros.

 

“Nós tentamos não assustar ela.” Jamie disse. “Ela é tão... aparentemente frágil, sabe. E boazinha também. Nós a escolhemos juntos, mas eu decidia! Veja bem, Mel disse que tinha que ser alguém jovem – alguém que teve maior porcentagem de vida como alma... ou algo assim. Mas não muito jovem, por que ela sabia que você não ia querer ser criança. E então Jared gostou desse rosto, por que ele disse que ninguém nunca NÃO confiar em você. Você não aprece perigosa de forma alguma. Você parece o oposto de perigosa. Jared disse que qualquer pessoa que te visse naturalmente iria querer te proteger, né Jared? Mas aí eu é que dei a palavra final, por que eu estava procurando alguém que parecia com você. E eu achei que isso era você. Por que ela meio que parece um anjo e você é boa assim. E muito bonita. Eu sabia que você seria bonita.”

 

Jamie deu um sorriso imenso. “Ian não foi. Ele só ficou aqui sentando com você – ele disse que não ligava para como você ia parecer. Ele não deixou ninguém colocar o dedo no seu tanque, nem eu ou mel. Mas Doc me deixou ver dessa vez. Foi muito legal. Eu não sei por que você não queria deixar eu ver. Mas, eles não me deixaram ajudar. Ian não deixou ninguém pegar em você além dele.”

 

Ian apertou minha mão e se inclinou para sussurrar algo em meu ouvido através do cabelo. Sua voz era tão baixa que só eu podia ouvir. “Eu segurei você na minha mão. Wanderer. E você é tão linda.”

 

Meus olhos ficaram úmidos.

 

“Você gosta né?” Jamie perguntou, sua voz preocupada agora. “Você não está com raiva? Não tem ninguém aí com você, tem?”

 

“Eu não estou exatamente com raiva.” Eu sussurrei. “E eu – eu não achei ninguém aqui dentro. Só as memórias de Pet. Ela tem estado aqui dentro desde... eu não consigo lembrar quando ela não estava. Eu não consigo lembrar de nenhum outro nome.”

 

“Você não é um parasita.” Melanie disse com firmeza, pegando uma mecha de cabelo e deixando os fios doirados escorrerem pelos dedos. “Esse corpo não pertencia a Pet, mas não havia mais ninguém para o exigir. Nós esperamos para ter certeza. Nós tentamos a acordar tanto quanto Jodi.”

 

“Jodi? O que aconteceu com a Jodi?” Eu exclamei, minha voz ficando mais alta, como de um pássaro, com a ansiedade. Eu tentei me sentar, e Ian me ajudou – não precisou esforço nenhum, nenhuma força para mover meu corpo minúsculo com seus braços me apoiando. Eu podia ver o rosto de todos agora.

 

Doc, sem lágrimas mais nos olhos. Jeb, espiando ao lado de Doc, sua expressão satisfeita e queimando de curiosidade ao mesmo tempo. Próximo, uma mulher que eu não reconheci por um segundo por que seu rosto estava mais animado do que já havia visto, e eu não havia visto muito mesmo assim – Mandy, a ex Curandeira. Mais perto de mim, Jamie, com seu sorriso iluminado e animado, Melanie ao lado dele, e Jared atrás dela, suas mãos em sua cintura. Eu sabia que as mãos dele não estavam no lugar correto se não estivessem tocando o corpo dela – meu corpo! Que ele iria a manter o mais perto possível, odiando qualquer distancia que aparecesse entre eles. Isso doeu.

 

O delicado coração nesse peito pequeno estremeceu. Ele nunca havia se partido antes, e não entendia essa memória. Eu fiquei triste ao saber que ainda amava Jared, eu não estava livre do ciúme do corpo que ele amava. Meu olhar voltou para Mel e pelo movimento da boca dela, que costumava ser minha, eu vi que ela entendeu.

 

Eu continuei a olhar em volta do circulo de rostos em volta da minha cama, enquanto Doc, após uma pausa, respondeu minha pergunta.

 

Trudy e Geoffrey, Heath, Paige e Andy, Brandt e até…

 

“Jodi não respondeu. Nós continuamos tentando o máximo que pudemos.”

 

A Jodi havia se perdido então: Meu coração inexperiente doendo. Eu estava dando a pobre frágil um começo difícil.

 

Heidi e Lily, Lily sorrindo um pequeno sorriso doloroso – mas sincero apesar da dor...

 

“Nós a mantivemos hidratada, mas não tinha como a alimentar aqui. Nós nos preocupamos com atrofia- seus músculos, o cérebro...”

 

Enquanto meu coração doía mais do que jamais havia doído – por uma mulher que eu nem conhecia – meus olhos continuaram pelo circulo e então pararam.

 

Jodi, agarrada na cintura de Kyle, me encarava.

 

Ela sorriu timidamente, e eu a reconheci.

 

“Sunny!”

 

“Eu vou ficar!” ela disse, não exatamente esnobe, mas quase. “Igual a você.” Ela olhou para o rosto de Kyle – que estava mais conformada       do que eu já havia visto – e seu rosto ficou triste. “Mas eu estou tentando, eu estou procurando ela. Eu vou continuar procurando.”

 

“Kyle nos fez colocar Sunny de volta quando pareceu que íamos perder Jodi.” Doc continuou baixo.

 

Eu olhei para Kyle e Sunny por um momento, chocada, e então terminei o circulo.

 

Ian estava me olhando com um misto estranho de alegria e nervoso. Seu rosto mais alto do que antes, maior do que costumava a ser. Mas seus olhos ainda eram o azul que eu lembrava. A âncora que me segurou nesse planeta.

 

“Você está bem aí?” ele perguntou.

 

“Eu.. eu não sei.” Eu admiti. “Isso é muito... estranho. Tão esquisito quanto mudar de espécie. Tão mais estranho do que eu pensei. Eu... eu não sei.”

 

Meu coração se acelerou de novo olhando em seus olhos. E isso não era a lembrança de um amor de outra vida. Minha boca secou, e meu estomago se contraiu. O ponto onde seu braço tocava minhas costas parecia mais vivo do que o resto do meu corpo.

 

“Você não se importa muito de ficar aqui não é, Wanda? Você acha que pode tolerar?” ele murmurou.

 

Jamie apertou minha mão. Melanie colocou a ela em cima da dele, então sorriu quando Jared acrescentou a dele a pilha. Trudy pôs a mão no meu pé. Geoffrey, Heath, Heidi, Andy, Paige, Brandt e mesmo Lily estavam me olhando ansiosos.

 

Kyle havia se aproximado, um sorriso aparecendo em seu rosto. O sorriso de Sunny era o de uma co-conspiradora.

 

Quando Sem Dor Doc havia me dado? Tudo estava brilhando.

 

Ian afastou uma mecha de cabelo dourado do meu rosto e pôs a mão na minha bochecha. Sua mão era tão grande que só sua palma cobria da minha mandíbula ao inicio da testa. O contado enviou uma carga de eletricidade pela minha pele. Após a primeira carga a pele latejava levemente, o meu estomago seguindo o ritmo.

 

Eu podia sentir um fluxo morno nas bochechas, Meu coração nunca havia quebrado antes, mas também nunca havia inchado desse jeito, me deixou tímida. Eu achei difícil encontrar minha voz.

 

“Eu imagino que posso fazer isso.” Eu falei baixo. “Se te faz feliz.”

 

“Não é bom o suficiente.” Ian discordou. “Tem que te fazer feliz também.”

 

Eu só conseguia encontrar seu olhar por alguns segundos de cada vez, a timidez, sensação nova e confusa, me fazia baixar os olhos para o colo toda hora.

 

“Eu... acho que pode.“ eu concordei. “Eu acho que pode me fazer muito, muito feliz.”

 

Feliz e triste, elevada e miserável, segura e temerosa, amada e rejeitada, paciente e irritada, pacifica e selvagem, completa e vazia... tudo. Eu sentiria tudo. E seria tudo meu.

 

 

Ian ergueu meu rosto até eu olhar em seus olhos, minhas bochechas ruborizando forte.

 

“Então você fica.”

 

Ele me beijou, na frente de todo mundo, mas eu me esqueci da audiência rapidamente. Isso era certo e fácil, sem divisão, sem confusão, nenhuma objeção, só Ian e eu, a lava se movia por este corpo, o moldando também.

 

“Eu fico.” Eu concordei.

 

E minha décima vida começou.

 

                                     Continuando

 

A vida e os amores continuaram nesse último templo de vida humana no planeta terra, mas as coisas não continuaram exatamente as mesmas.

 

Esse era o meu primeiro renascimento em um corpo da mesma espécie. Eu achei a mudança muito mais difícil do que trocar de planeta por que eu já tinha tantas expectativas como humana.

 

Além disso eu também herdei muitas coisas de Pet, e nem todas muito agradáveis. Eu herdei uma grande dor por Girando nas Nuvens. Eu sentia saudade da mão que nunca havia conhecido e penava pelo sofrimento dela. Talvez não houvesse como ter felicidade nesse planeta sem uma dose igual de dor para equilibrar.

 

Eu herdei algumas limitações inesperadas. Eu estava acostumada com um corpo forte e ágil e alto – um corpo que podia correr quilômetros, ficar sem comida e água, carregar peso, e alcançar prateleiras altas. Esse corpo era fraco – e não só fisicamente. Esse corpo se encolhia com timidez toda vez que eu me sentia insegura, o que acontecia constantemente ultimamente.

 

Eu também herdei um papel diferente na comunidade. As pessoas carregavam coisas para mim agora e me deixavam passar na frente deles. Me davam as tarefas mais fáceis e depois simplesmente não me deixavam fazer nada. Pior do que isso, eu precisava da ajuda. Meus músculos eram tão macios e não acostumados com o trabalho que u me cansava facilmente, e minhas tentativas de esconder isso não enganavam ninguém. Eu provavelmente não conseguiria correr um quilometro sem parar.

 

Havia mais nesse tratamento mole do que só fraqueza física. Eu estava acostumada com um rosto bonito, mas um que as pessoas eram capazes de olhar com medo, desconfiança e até ódio. Meu rosto novo desafiava tais emoções. As pessoas tocavam meu rosto constantemente, na bochecha ou no queijo, erguendo meu rosto para ver melhor. Eu era freqüentemente tocada na cabeça (a parte mais fácil de se alcançar já que eu era menor do que todo mundo exceto as crianças” e meus cabelo era acariciado tão freqüentemente que eu já nem percebia quando acontecia.

 

Aqueles que nunca me aceitaram antes faziam isso tanto quanto os amigos. Até Lucina só se importou um pouco quando suas crianças começaram a me seguir como dois bichinhos de estimação. Freedom em particular, pulava no meu colo em toda oportunidade, enterrando o rosto no meu cabelo. Isaiah era grande demais para tais demonstrações mas ele gostava de segurar minha mão – o mesmo tamanho da dele – enquanto conversava animado sobre Aranhas e Dragões, futebol e pilhagens. As crianças não chegavam nem perto de Melanie, a mãe deles havia assustado eles demais antes para que agora ele fossem convencidos do contrário.

 

Até Maggie e Sharon, apesar de tentarem ainda não olhar para mim, não conseguiam manter a mesma rigidez antiga na minha presença.

 

Meu corpo não foi a única mudança. As monções chegaram finalmente ao deserto, e por isso eu fiquei feliz.

 

Eu nunca havia sentido o cheiro da chuva no deserto antes – só lembrava vagamente dele pelas memórias das memórias de Melanie, realmente uma memória vaga- e agora o cheiro dominava as cavernas, deixando-as com o cheiro fresco e quase apimentado. O cheiro grudava no meu cabelo e me seguia por toda parte. Eu o sentia nos sonhos.

 

Além disse, Pet viveu em Seatle a vida inteira, e o céu constantemente azul e o calor era tediosos para o meu sistema, quase irreais, como um céu carregado o tempo todo de nuvens seria para esses moradores do deserto. As nuvens eram excitantes, uma mudança contra o céu pálido. Elas tinham profundidade e movimento. Elas formavam desenhos no céu.

 

Havia uma grande quantidade de rearrumação a ser feita nas cavernas de Jeb, e a mudança para a sala de jogos – que agora era o gigantesco quarto de dormir – era um bom treinamento para as mudanças que se seguiriam.

 

Cada espaço era necessário, então quartos não podiam ficar vagos. Mesmo assim, somente os novatos, como Candy – que lembrou o nome dela finalmente – e Lacey suportaram pegar o quarto que foid e Wes. Eu fiquei com pena de Candy devido a sua futura colega de quarto, mas a Curandeira nunca demonstrou nenhum descontentamento com a arrumação.

 

Quando as chuvas cessassem Jamie iria se mudar para o canto livre na caverna de Brandt e Aaron. Melanie e Jared o haviam expulsado do quarto deles para o quarto de Ian antes de eu renascer no corpo de Pet; Jamie não era mais tão jovem que precisasse de explicação.

 

Kyle estava trabalhando em aumentar a pequena caverna que havia sido o cômodo de Walter para que estivesse pronto quando o deserto estivesse seco novamente. Ele não era grande o suficiente para mais de uma pessoa e Kyle não ficaria lá sozinho. À noite, na sala de jogos, Sunny dormia encolhida contra o peito de Kyle, como uma gatinha que fez amizade com um cachorro enorme– um rottweiler em que ela confiava completamente. Sunny estava SEMPRE com Kyle. Eu não conseguia lembrar de vê-los separados desde que abri esses olhos cinza-prateados pela primeira vez.

 

Kyle parecia constantemente em choque, muito distraído pelo relacionamento impossível que ele não conseguia realmente prestar atenção em mais nada. Ele não havia desistido de Jodi, mas quando Jodi se agarrava nele, ele a segurava com mãos gentis.

 

Antes da chuva, todos os espaços estavam ocupados, então eu fiquei com Doc no hospital que não mais me assustava. As macas não eram confortáveis, mas era um lugar muito interessante para se estar. Candy lembrava os detalhes da vida de Summer melhor do que da sua própria vida; o hospital era um lugar cheio de milagres agora.

 

Após a chuva Doc não dormiria mais no hospital. Na primeira noite na sala de jogos, Sharon arrastou o colchão dela para o lado dele sem explicação. Talvez fosse a fascinação de Doc com a Curandeira que a havia motivado, apesar de que eu duvidasse que Doc houvesse notado o quão bonita era a mulher mais velha; sua fascinação com ela era por seu conhecimento fenomenal. Ou talvez fosse que Sharon estava pronta para perdoar e esquecer. Eu esperava que fosse esse o caso. Seria bom pensar que Sharon e Maggie pudessem se suavizar com o tempo.

 

Eu não iria ficar mais no hospital também.

 

A conversa crucia com Ian podia nunca ter acontecido se não fosse por Jamie. Minha boca ficava seca e minhas mãos suadas só de pensar em trazer o assunto a tona. E se aqueles sentimentos no hospital, aqueles perfeitos momentos de certeza logo após ter acordado nesse corpo, tivessem sido uma ilusão? E se lembrava deles errado? Eu sabia que nada havia mudado para mim, mas como ter certeza se Ian sentia a mesma coisa? O corpo pelo qual ele se apaixonara estava bem aqui!

 

Eu esperava que ele estranhasse – todos nós estranhávamos. Se era difícil para mim, uma alma acostumada com essas mudanças, o quão difícil devia ser para os humanos:

 

Eu trabalhava para colocar o resto do ciúme e os ecos do amor que eu ainda sentia por Jared para trás. Eu não queria nem precisava deles. Ian era o parceiro para mim. Mas as vezes eu me pegava olhando para Jared e me sentia confusa. Eu havia visto Melanie tocar o braço ou a mão de Ian e se afastar apressada, como se se lembrasse de repente de quem era. Até Jared, que tinha mesmos motivos de se sentir incerto, ocasionalmente via meu olhar confuso com um olhar tão confuso quanto. E Ian... Claro que isso devia ser muito mais difícil para ele. Eu entendia isso.

 

Nós estávamos juntos tanto quanto Kyle e Sunny. Ian constantemente tocava meu rosto e cabelo, sempre estávamos de mãos dadas. Mas quem não respondia assim a esse corpo? E não era platônico para todo mundo? Por que ele não me beijou de novo como no primeiro dia? Talvez ele nunca conseguisse me amar dentro desse corpo, por mais apelativo que ele parecesse ser para os outros humanos ali.

 

Essa preocupação era pesada no meu peito naquela noite em que Ian carregava minha maca – por que era muito pesada para mim – para a sala de jogos.

 

Chovia pela primeira vez em mais de seis meses. Haia tanto risos quanto reclamações enquanto as pessoas sacudiam suas roupas de cama e arrumavam os colchões nos lugares. Eu vi Sharon com Doc e sorri.

 

“Aqui Wanda.” Jamie chamou, acenando para que eu me juntasse a ele onde ele havia arrumado seu colchão ao lado do de Ian.

 

“Tem espaço para nós três agora.”

 

Jamie era a única pessoa que me tratava quase exatamente como antes. Ele aliviava sim para mim no quesito físico, mas ele nunca se surpreendia ao me ver entrar em um cômodo ou chocado quando as palavras da Wanderer saíam desses lábios.

 

“Você realmente não quer essa maca, quer, Wanda? Eu aposto que se juntarmos os colchões você cabe aqui.” Jamie sorriu enquanto chutava os colchões os unindo sem esperar eu concordar. “Você não ocupa muito espaço.”

 

Ele pegou a maca de Ian e a colocou de lado fora do caminho. Então se acomodou na ponta do colchão dele e virou de costas para nós.

 

“Ei Ian.” Ele acrescentou sem se virar. “Eu falei com Brandt e Aaron e eu acho que vou me mudar para o quarto deles. Bom, eu estou morto. Boa noite.”

 

Eu encarei a forma imóvel de Jamie por um longo momento. Ian estava tão imóvel quanto. Ele não devia estar tendo uma crise de pânico, certo? Talvez pensando em uma forma de se livrar da situação?

 

“Apagando as luzes!” Jeb gritou do outro lado do quarto. “Todo mundo cala a boca para eu dormir.”

 

As pessoas riram, mas o levaram a sério como sempre. Uma por uma, as quatro lâmpadas foram apagadas até o cômodo estar negro.

 

A mão de Ian encontrou a minha, estava morna. Ele notou o quão fria e úmida a minha pele estava? Ele se abaixou de joelhos no colchão me levando com ele. Eu segui e deitei no ponto onde os colchões se encontravam. Ele não largou minha mão.

 

“Assim está bom?” Ian sussurrou. Havia outras conversas murmuradas em volta, o fluxo do riacho impedia de se entender as palavras.

 

“Sim, obrigada.” Eu respondi.

 

Jamie rolou, balançando o colchão e batendo em mim. “Oops, desculpa Wanda.” Ele murmurou, e então eu o ouvi bocejar.

 

Automaticamente eu me movi para dar mais espaço a ele. Ian estava mais perto do que eu pensei. Eu me assustei quando bati contra ele, então tentei voltar para onde eu estava. Mas seus braços me circundaram, me segurando contra seu corpo.

 

Era a sensação mais estranha de todas, ter os braços de Ian assim em volta de mim dessa forma não-platônica. Estranhamente me lembrava do Sem Dor, como se eu estivesse em agonia sem perceber e seu toque afastasse a dor.

 

Essa sensação afastou minha timidez. Eu girei para ficar de frente para ele, e ele me abraçou mais apertado contra ele.

 

“Assim está bom?” eu sussurrei, repetindo a pergunta dele.

 

Ele beijou minha testa. “Melhor do que bom.”

 

Nós ficamos em silencio por alguns minutos. A maioria das outras conversas havia morrido. Ele se inclinou para que os lábios ficassem no meu ouvido e sussurrou mais baixo do que antes.

 

“Wanda, você acha...?” ele ficou em silencio.

 

“Sim?”

 

“Bem, parece que eu tenho um quarto inteiro para mim agora. Isso não ta certo.”

 

“Não. Não tem espaço suficiente para você ficar szinho.”

 

“Eu não quero ficar sozinho, mas...”

 

Por que ele não pedia!? “Mas o que?”

 

“Você teve tempo o suficiente para acertar as coisas? Eu não quero te apressar. Eu sei que é confuso... com Jared...”

 

Eu demorei um momento para processar o que ele estava dizendo, mas então soltei umas risadinhas. Melanie não era de dar risadinhas, mas Pet era, e o corpo dela me traía nesse momento mais do que inoportuno.

 

“O que?” ele quis saber.

 

“Eu estava dando tempo para VOCÊ acertar as coisas.” Eu expliquei em um murmúrio. “Eu não queria TE apressar – por que eu sei que é confuso. Com Melanie.”

 

Ele quase deu um pulo de surpresa. “Você achou...? Mas Melanie não é você. Eu nunca estive confuso.”

 

Eu estava sorrindo no escuro agora. “E Jared não é você.”

 

Sua voz estava mais apertada quando ele respondeu. “Mas ele ainda é o Jared. E você o ama.”

 

Ian estava com ciúme de novo? Eu não devia sentir prazer por uma emoção negativa, mas eu tinha que admitir que era encorajador.

 

“Jared é meu passado, outra vida. Você é o meu presente.”

 

Ele ficou quieto por um momento. Quando falou novamente, sua voz estava grossa com emoção. “E seu futuro, se você quiser.”

 

“Sim, por favor.”

 

E então me beijou do jeito mais não-platônico que era possível sob a presente circunstância, e eu fiquei super feliz ao lembra que tinha sido esperta o suficiente para mentir sobre minha idade.

 

As chuvas passariam e quando passassem, Ian e eu estaríamos juntos, parceiros no mais verdadeiro sentido da palavra. Isso era uma promessa e uma obrigação que eu nunca tinha tido em todas as minhas vidas. Pensar nisso me deixava cheia de alegria e ansiosidade e tímida e desesperadamente impaciente, tudo ao mesmo tempo – me fazia sentir humana.

 

Após tudo isso ser acertado, Ian e eu éramos ainda mais inseparáveis. Então quando chegou a hora de testar o meu novo rosto nas outras almas, claro que ele foi comigo.

 

Essa Pilhagem foi um alivio para mim depois de tantas semanas de frustração, Já era ruim o bastante que meu corpo era fraco e inútil nas cavernas; eu não pude acreditar quando os outros não quiseram me deixar usar o meu corpo para a única coisa que seria perfeito para ele fazer.

 

Jared especificamente aprovou a escolha de Jamie por causa do rosto vulnerável que ninguém jamais duvidaria, essa estrutura delicada que qualquer se sentiria compelido a proteger, mas mesmo ele estava achando difícil colocar sua teoria em prática. Eu tinha certeza que Pilhar seria tão fácil quando era antes, mas Jared, Jeb, Ian e outros – exceto Jamie e Mel – debateram por dias, tentando achar outra solução. Era ridículo.

 

Eu os vi olhando de sobressaio para Sunny, mas ela ainda não havia sido testada, não era confiável. Além disso, Sunny não tinha a menor intenção de colocar um pé do lado de fora. Só a palavra Pilhagem Sá a fazia se encolher de terror. Kyle não iria conosco; Sunny tinha ficado histérica da única vez que mencionamos isso.

 

No final a praticidade venceu. Eles precisavam de mim.

 

Era bom ser necessária.

 

Os suprimentos estavam minguando, essa seria uma longa viagem. Jared estava liderando, como sempre, então não preciso nem dizer que Melanie foi incluída. Aaron e Brandt se voluntariaram. Não que precisássemos dos músculos, eles só estavam cansados de ficarem presos.

 

Nós íamos longo para o norte, e eu estava excitada para ver novos lugares – para sentir o frio novamente. Excitação não era muito bem controlada nesse corpo. Eu estava inquieta e agitada a noite quando chegamos à formação rochosa onde a van e o grande caminhão de mudança estavam escondidos. Ian estava rindo de mim por que eu mal conseguia ficar parada enquanto colocávamos as roupas e coisas que precisaríamos na van. Ele segurava minha mão, ele disse, para me manter na superfície de planeta.

 

Eu estava sendo muito alta? Muito distraída dos arredores? Não, claro que não foi isso. Não houve nada que eu pudesse fazer. Foi uma armadilha, e era tarde demais para nós no minuto em que chegamos.

 

Nós congelamos quando os fechos de luzes surgiram da escuridão direto no rosto de Jared e Melanie. Os meus olhos, meu rosto, o que podia ter nos ajudado, ficaram obscurecidos, escondidos na sombra feita pelas costas largas de Ian.

 

Meus olhos não foras cegados pela luz e a lua estava clara o bastante para eu ver claramente os Rastreadores que estavam em maior número; eram 8 contra seis. Eu via bem o suficiente para ver como suas mãos estavam, as armas nelas, erguidas e apontadas para nós. Apontadas para Jared e Mel, Brandt e Aaron – nossa única arma não sacada – e uma arma apontada mortalmente certeira no peito de Ian.

 

Por que eu deixei ele vir comigo? Por que ele tinha que morrer também? As perguntas durante o choque de Lily ecoaram na minha cabeça: Por que a vida e os amores continuavam? Qual o propósito?

 

Meu frágil pequeno coração se partiu em milhões de pedaços e eu procurei pela pílula em meu bolso.

 

“Todo mundo parado, e todos calmos,” o homem no centro do grupo de Rastreadores gritou.

 

“Espera, calma aí, nada de engolir nada! Minha nossa, clama! Espera, olha!”

 

O homem virou a lanterna para o seu próprio rosto. Seu rosto era de um marrom queimado pelo sol e muito marcada, como uma rocha erodida pelo vento. Seu cabelo era escuro com um pouco de branco nas têmporas, e enrolado bagunçado em volta das orelhas. E seus olhos – seus olhos eram castanhos escuros. Só castanho escuro, nada mais.

 

“Viu?” ele disse. “Okay, agora, não atire em nós e nós não atiraremos em vocês. Certo?” E ele colocou a arma que estava carregando no chão. “Pessoal, vamos.” Ele disse, e os outros colocaram as armas nos coldres – nos quadris, tornozelos, costas... tantas armas.”

 

“Nós encontramos seu esconderijo aqui – esperto, tivemos sorte em encontrá-lo - e decidimos ficar por aqui e nos apresentarmos. Não é todo dia que se acha outra célula de rebeldes.” Ele riu uma risada que veio fundo de sua barriga. “Olha para a cara de vocês! O que? Vocês não achavam que eram os únicos resistindo?” ele riu novamente.

 

Nenhum de nós nos movemos.

 

“Acho que eles estão em choque, Nate.” Outro homem disse.

 

“Nós o assustamos quase a morte.” Uma mulher disse. “O que você esperava?”

 

Eles esperaram, mudando o peso de um pé para o outro, enquanto continuávamos sem nos mover.

 

Jared se recuperou primeiro. “Quem são vocês?”

 

O líder riu novamente. “Eu sou Nate – prazer, apesar de achar que você ainda não está sentindo o mesmo. Esse é Rob, Evan, Blake, Tom, Kim e Rachel aqui comigo.” Ele gesticulava pelo grupo enquanto falava, e os humanos assentiam aos ouvir seus nomes. Eu notei um homem, um pouco no fundo, que Nate não havia apresentado. Ele tinha cabelos vermelhos brilhantes que se destacavam – especialmente por ele ser o mais alto do grupo. Ele era o único que parecia não estar armado. Ele também me encarava atentamente, então eu desviei o olhar.

 

“Mas há vinte e dois de nós no total.” Nate continuou.

 

Nate estendeu a mão.

 

Jared respirou fundo, deu um passo à frente. Quando ele se moveu, o resto de nosso grupo exalou o ar ao mesmo tempo.

 

“Eu sou Jared.” Ele apertou a mão de Nate, e sorriu. “Essa é Melanie, Aaron, Brandt, Ian e Wanda. Há trinta e sete de nós no total.”

 

Quando Jared falou meu nome, Ian mudou levemente de posição, tentando me obscurecer completamente da visão dos outros humanos. Foi só aí que eu percebi que eu ainda estava em perigo, tanto quanto se fossem Rastreadores. Como no inicio. Eu tentei ficar perfeitamente imóvel.

 

Nate piscou ao ouvir a revelação de Jared, e então arregalou os olhos. “Uau. Essa é a primeira vez que somos superados nesse fator.”

 

Agora Jared piscou. “Você encontrou outros?”

 

“Há três células separadas de nós que conhecemos. Onze com Gail, sete com Russel e oito com Max. Nós mantemos o contato.” De novo a risada com a barriga. “A pequena Ellen estava com Gail, mas decidiu fazer companhia com meu amigo Evan aqui. Carlos ficou com a Cindy que estava com Russel. E, claro, todo mundo precisa de Burns de vez em quando –“ Ele parou de falar abruptamente, olhando desconfortável em volta, como se tivesse dito algo que não devia. Seus olhos passaram brevemente no ruivo alto no fundo, que ainda olhava para mim.

 

“Bom, melhor esclarecer isso logo.” O homem baixinho ao lado de Nate disse.

 

Nate lançou um olhar cheio de suspeita para nossa fileira. “Okay, Rob está certo. Vamos resolver isso.” Ele respirou fundo. “Tipo, todo mundo fica calma e nos ouça. Com calma, por favor. Isso incomoda as pessoas às vezes.”

 

“Todas às vezes.” O que se chamava Rob murmurou. Sua mão se postou acima da arma em sua coxa.

 

“O que é?” Jared perguntou sem flexão na voz.

 

Nate suspirou e então gesticulou para o homem alto com o cabelo vermelho. O homem deu um passo a frente, um sorriso pequeno no rosto. Ele tinha aquela mesma cobertura de pelinhos que eu, só que mais. Eles eram mais escuros, apesar dele ser bem branco. Seus olhos eram escuros – azul marinho, talvez.

 

“Esse aqui é o Burns. Ele está com a gente, então não percam a cabeça. Ele é meu melhor amigo – salvou minha vida centenas de vezes. Ele é da família, e nós não aceitamos gentilmente quando alguém tenta matar ele.”

 

Uma das mulheres lentamente tirou a arma do coldre e apontou para o chão.

 

O ruivo falou pela primeira vez em uma voz distintamente gentil. “Não, tá tudo bem, Nate. Vê? Eles têm um também.” Ele apontou diretamente para mim e Ian ficou tenso. “Parece que eu não fui o único a virar nativo.”

 

Burns sorriu para mim, e cruzou o espaço vazio, a terra de homem nenhum entre os grupos, com a mão estendida para mim.

 

Eu dei um passo me afastando de Ian, ignorando o aviso mudo, confortável e segura.

 

Eu gostei da forma que Burn havia colocado: Virar nativo.

 

Burns parou a minha frente, abaixando um pouco a mão para compensar a considerável diferença de altura entre nós. Eu peguei sua mão – que era dura e calosa perto da minha pele delicada.

 

“Burns Living Flowers.” [Queima Flores Vivas] Ele se apresentou.

 

Meus olhos se abriram ao ouvir o nome. Mundo do Fogo – que inesperado.

 

“Wanderer.” Eu o disse.

 

“É.. extraordinário te conhecer, Wanderer. E eu achava que era o único.”

 

“Nem chegou perto de ser.” Eu disse, pensando em Sunny nas cavernas. Talvez não fossemos nem um pouco raros como pensávamos.

 

Ele ergueu uma sobrancelha ao ouvir minha resposta, intrigado.

 

“É mesmo?” ele disse. “Bem, então talvez haja esperança para esse planeta afinal de contas.”

 

“É um mundo estranho.” Eu murmurei, mais para mim do que para a outra alma nativa.

 

“O mais esquisito de todos.” Ele concordou.

 

                                                                                Stephenie Meyer  

 

                      

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