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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A JOIA MAIS VALIOSA / Alexandra Sellers
A JOIA MAIS VALIOSA / Alexandra Sellers

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Num tempo longínquo, existiu um nobre rei que regia o seu país sob a protecção de Deus. Aquela terra, chamada Barakat, estava situada na antiga rota da seda e durante séculos tinha beneficiado, tanto económica como culturalmente das influências que outros povos exerciam sobre ela.

Geograficamente, também gozava do privilégio da diversidade: de um lado, estava o mar; do outro, o deserto, algumas vezes inóspito e peri goso, outras benéfico, quando o oásis oferecia a sua riqueza e abundância ao caminhante. Este estendia-se por quilómetros e quilómetros, até se encontrar com as altas montanhas que se erguiam majestosas. Os seus picos, em ocasiões nevados, acariciavam as nuvens e obrigavam-nas a derramar as suas águas sobre os ricos vales.

Era, portanto, uma terra mágica, abundante, rica e muito variada.

Contudo, também sofria com guerras tribais e constantes escaramuças. O rei, herdeiro dos reis Quraishi, éra respeitado e bem conceituado, e ninguém questionava os seus direitos como soberano. Mas os pequenos chefes tribais tinham inveja uns dos outros e cobiçavam as terras alheias.

Um dia, o rei apaixonou-se por uma mulher estrangeira. Sob a promessa de que jamais desposaria outra mulher, casou com ela e tornou-a sua rainha.

Esta deu-lhe dois bonitos filhos que o rei amava profundamente. Tinha orgulho neles, pois cresciam fortes, bonitos e nobres. Zaid, o príncipe herdeiro, seria um grande governante e o seu irmão, leal e inteligente, um grande substituto, tão popular quanto Zaid. Se acontecesse algo ao herdeiro, Aziz seria o rei querido, capaz de dominar os chefes tribais.

Mas, um dia, a tragédia chegou à casa real, levando os seus dois filhos num trágico acidente.

O rei viu, com horror, os seus sonhos de um destino dourado para o seu povo desvanecerem. Sem um sucessor digno, a guerra civil seria inevitável.

Contudo, a sua adorada esposa, cabal e inteligente, compreendeu a necessidade do rei obter um herdeiro.

No dia seguinte ao funeral dos seus filhos, a rainha falou com o seu esposo.

- Segundo a lei deste reino, tens direito a desposar mais três mulheres. Esposo, deves tomar três esposas e rezar para que Deus te conceda o privilégio de um herdeiro.

O xeque agradeceu-lhe a sua generosidade e cumpriu a sua petição.

Algumas semanas depois, o rei casava-se com três mulheres. As cerimónias realizaram-se no mesmo dia, para que ninguém pudesse reclamar o uono, alegando o privilégio de ter sido a primeira.

Naquela noite, gozou as três, visitando-as por turnos, mas mantendo em segredo a ordem dos seus encontros.

A cada esposa prometeu que, se esta Lhe concedesse uma criatura, o seu filho seria o herdeiro da coroa.

Mas as suas esposas eram mais férteis do que esperara e as três engravidaram e deram à luz três varões.

Desde aquele momento, a vida do xeque converteu-se num tormento, pois as três esposas reclamavam a supremacia do trono para os seus filhos por diversos motivos.

A princesa Goldar, cujos olhos esmeralda foram a herança do seu rebento, Omar, aduzia como motivo o facto de ser descendente directa da família real da sua terra natal, Parvan.

A princesa Nargis, mãe de Rafi e descendente do imperador Mughal da Índia, afirmava que o seu filho era o primogénito, por ter nascido dois dias antes dos seus irmãos.

A princesa Noor, mãe de Karim, era a única de sangue árabe é considerava esse facto motivo suficiente para que o seu filho fosse o legítimo herdeiro. Quem melhor do que o seu filho poderia lidar com as tribos do país?

O xeque envelhecia com a esperança de que os príncipes resolvessem o problema por si mesmos, demonstrando quem era merecedor do galardão do trono. Mas os três cresceram com idênticos atributos, com a nobreza que se requeria a um rei e talentos diversos que beneficiariam o reino.

Quando atingiram a maioridade, o xeque adoeceu gravemente. Um dia, já no seu leito da morte, chamou as esposas uma a uma e voltou a ratificar a sua promessa de que os seus filhos herdariam a coroa.

Depois, chamou os três príncipes e informou-os da sua decisão. Por último, chamou a sua primeira e amada esposa.

Deixava ao seu cuidado as suas trêsjovens esposas e os seus filhos e nomeava-a regente, junta mente com o vizir Nizam Al Mulk, de todo o reino.

Após a morte do ancião xeque, conheceu-se a sua decisão.

O reino teria que ser dividido em três principados. Cada um dos seus filhos herdaria um deles e viveria num dos palácios que ali tinha sido construído. Cada um herdaria, por sua vez, um dos antigos símbolos da realeza.

Deviam consultar sempre o vizir Nizam Al Mulk antes de tomarem qualquer decisão e designar outro grão-vizir após o seu falecimento.

E, como último desejo, pedia aos seus filhos que jamais entrassem em guerra uns contra os outros, nem eles nem os seus sucessores.

Cada um tomou um atributo real e partiu para o seu respectivo palácio, onde viveu em paz, tal como o seu pai tinha ordenado.

O príncipe Karim ficou com o palácio perto do mar, no principado de Barakat Oeste, sob a protecção da Grande Jóia do Selo de Shakur. A jóia era uma esmeralda que tinha sido talhada para um longínquo rei da dinastia. A lenda dizia que, se a esmeralda se perdesse, o reino se perderia também. Karim sabia que o seu povo era supersticioso e que, por essa razão, era importante conservar a esmeralda com o mesmo amor com que tencionava conservar o seu reino.

 

 

                       Capítulo Um

     Outubro de 1994

- Hoje é um marco histórico para os Emirados Barakat - anunciou o apresentador do telejornal. - Um acordo para permitir o investimento estrangeiro, pela primeira vez na moderna história dos quatro países, será assinado esta manhã. Dentro de breves instantes, transmitiremos ao vivo da capital dos Emirados Barakat. É a primeira vez que ocidentais entram no palácio histórico - virou-se para a colega. - Será um evento e tanto, Marta.

- Sim, Barry, será! Barakat esteve praticamente fechada ao mundo ocidental nos dois últimos séculos. Apesar do falecido xeque ser um homem aberto e razoável, restringiu o contacto com esta parte do mundo desde que subiu ao trono em 1970, deixando o reino completamente isolado do mundo moderno. Quando morreu.

- Marta, desculpa interromper-te, mas acho que o nosso correspondente, Paul Kerr está em directo da sala do trono, no palácio de Barakat. Paul, estás em directo, podes falar.

- Olá, Barry. Os representantes das quatro naçõesjá estão à mesa, para assinar o acordo. Os príncipes vêm a caminho - a câmara mostrou um magnífico saguão revestido de mármore. – Neste momento encaminham-se para a sala do trono pelo Corredor da Decisão, no qual os monarcas passam desde que o palácio foi construído, em 1545. Os príncipes entrarão na sala do trono pelas gigantescas portas duplas que se vêem no centro da tela, situadas atrás da mesa onde será assinado o acordo. Aquele é o impressionante trono, situado à direita.

- Impressionante parece ser a melhor palavra para descrever a cena - disse Marta.

- Tentámos obter algumas estatísticas sobre o valor e o peso do trono, Marta, mas o hábito do segredo... Bem, as portas estão a abrir-se. Primeiro, passará o Grão- Vizir Nizam al Mulk, o conselheiro favorito do último xeque e regente- adjunto durante a menoridade dos príncipes. Aqui está ele!

Um homem idoso, com barbas brancas e impressionante dignidade entrou, a roupa brilhava por causa dos bordados e jóias. Caminhava lentamente, passando pelas portas magníficas. Fez uma breve pausa e deu alguns passos em direcção à mesa.

- Segundo nos informaram, esta é a roupa tradicional para as cerimónias - prosseguiu Paul. Mas as vestes dos príncipes são muito mais deslumbrantes. Nizam foi regente até ao ano passado e ainda tem o importante cargo de conselheiro dos três príncipes.

- É um homem de muita responsabilidade - comentou Barry.

- Exactamente. Atrás dele vêm o primeiro-ministro e os membros do ministério, todos oficiais eleitos. Barakat é uma monarquia democrática.

E, seguindo-os, doze homens, os Companheiros de Cúpula. Agora, atenção... Lá estão os príncipes!

- Oh! - exclamou Marta involuntariamente.

Os três príncipes entraram na sala do trono, exuberantes. As vestes, o porte, o fisico atraente, tudo inspirava magnificência.

Sob o arco graciosamente trabalhado, os três fizeram uma pausa, sorrindo para a multidão, que os aplaudia. Usavam jaquetas bordadas a ouro, calças compridas de seda dourada, anéis e gargantilhas cravejadas de jóias cintilantes e pérolas reluzentes.

Traziam igualmente turbantes bordados a ouro, cada um adornado com a pedra que lhe correspondia: um rubi, uma esmeralda e uma safira. O príncipe Omar, com a sua testa ampla, rosto fino e traços aristocráticos, tinha uns belos olhos verdes profundos e uma barba curta e bem tratada. O principe Rafi era atraente e usava um característico bigode preto. Já o principe Karim mostrava, no rosto bem-barbeado, os belos traços de um antigo guerreiro do deserto.

- Os três simbolizam a riqueza e o poder dos três reinos - continuou Paul. - O príncipe Karim, à esquerda, a usar o turbante com a safira, administra Barakat Oeste. O príncipe no centro, o do rubi, cuida de Barakat Leste. E o príncipe Omar, de Barakat Central. Esta divisão foi feita pelo pai, para que os três pudessem reinar.

- Que idade é que têm os príncipes, Paul?

- Completarão vinte e seis anos na próxima semana, Marta. O príncipe Omar é casado e tem dois filhos pequenos.

- E os outros são solteiros?

- Exactamente.

Flashes de fotógrafos do mundo inteiro cintilavam em torno dos três. Os membros das Quatro Nações, estranhamente simples nos seus fatos pretos, deram um passo à frente e trocaram apertos de mão com os príncipes.

À longa mesa preta polida, seis homens e uma mulher tomaram os seus assentos. Diante de cada lugar havia um enorme livro fechado, de capa dourada, trazendo a insígnia de Barakat, o pássaro mítico denominado Senmurgh.

- Agora cada um deverá assinar os sete livros e levar um para o seu país - explicou Paul. - Em seguida, teremos a cerimónia centenária sem a qual nenhum tratado ou documento estatal tem valor legal em Barakat. Nenhum documento é reconhecido sem a estampa do Grande Selo Jóia de Shakur e sem que se passe a Espada de Rostam por ele. Finalmente, todos os que estão a assinar terão que beber da Taça de Jalal.

- Fantástico! Prezam muito as suas tradiçõescomentou Marta, entusiasmada.

- Quando o xeque Daud dividiu o reino, decretou que os seus filhos receberiam, cada um, um dos símbolos de poder da monarquia.

Um enorme pergaminho era carregado pelo Grão-Vizir até à mesa de mármore que ficava junto à sala do trono. O homem colocou-o sobre a mesa e desenrolou-o. Estava coberto por uma caligrafia arábica da mais alta qualidade e, com belas cores e pormenores em ouro, parecia, à audiência ocidental, outrajóia rara. Foi mantido no assento com dois pesos de marfim.

Um cortesão moveu-se, para ficar ao lado do Grão-Vizir, segurando uma pequenajarra e uma bandeja em ouro e prata. Nizam al Mulk ergueu ajarra dourada e inclinou-a sobre o pergaminho. Uma substância vermelha e viscosa formou uma poça no centro do documento.

Fez-se silêncio, quando o príncipe Karim se aproximou. O Grande Selo Jóia de Shakur envolvia o seu braço como uma bracelete. Tirou-a e pressionou-a firmemente no líquido vermelho. O objecto imprimiu uma cabeça coroada. Com um olhar para o selo vermelho e outro para a jóia, o príncipe recolocou ajóia no braço.

- A imagem gravada é a do sultão Shakur, ancestral directo dos três príncipes, que morreu por volta de 100. A inscrição à volta da cabeça diz: Grande Rei, Sol da Década, Lua Cheia, Conquistador do Mundo, Trono da Compaixão, Espada daJustiça, Defensor da Fé e muito mais. A bracelete está talhada sobre uma única esmeralda gigante.

- Deve valer um reinado inteiro!

- O valor é incalculável, porque não há nada no mundo comparável à peça. Já o peso dajóia a coloca fora do nosso alcance, sem falar no trabalho de ourivesaria. Aqueles que tiveram o privilégio de estudar os documentos ancestrais deste país dizem que é uma peça de arte soberba. E, se a tudo isto, acrescentarmos que se trata de uma peça com mil anos, só resta dizer que não há nada que pudesse pagar o valor desta jóia - Paul fez uma pausa. - Agora, o príncipe Rafi passará a espada pelo documento e pousá-la-á no pergaminho. As origens deste ritual são muito remotas e, embora se diga agora que simboliza a determinação da monarquia em defender os seus tratados com armas, se necessário, parece que no passado tinha outro simbolismo.

- Como é que conseguiram manter vivos estes costumes? - maravilhou-se Marta.

- Respeito pelas raízes, minha cara. Agora, a Taça de Jalal. E a vez de o príncipe Omar entrar em cena. Ele beberá da taça, às vezes chamada Taça da Alma. Diz a tradição que isso garante felicidade ao seu dono. Então, a taça será oferecida às pessoas que assinam o acordo. O conteúdo, a propósito, é secreto. Apenas os que o tomarem saberão de que se trata. Esta é outra forma de proteger o tratado.

- Muito interessante...

- É o que chamam selar a tradição Barakati", para que este acordo histórico seja formalmente validado.

Marta suspirou. No mundo ocidental, em que tudo é rápido e as coisas perdem valor de um momento para o outro, saber que existia gente capaz de prezar antigos costumes era como um bálsamo. Fazia as pessoas sentirem-se realmente parte da história de um povo.

Um povo, por sinal, muito bonito. Que o dissessem os três príncipes, para quem ela não se cansava de olhar...

 

                         Capítulo Dois

     Julho de 1998

- Pedimos ao senhor David Percy e à menina Caroline Langley que se dirijam ao balcão de informações, onde se encontra o seu motorista. Pedimos ao senhor Percy e à menina Langley...

Caroline estava com calor. O avião real de Barakat fora obrigado a parar durante vinte longos minutos, devido a uma avaria nas portas da aeronave. Contudo, o comandante não se dignara a voltar a ligar o ar condicionado.

Depois de uma espera interminável, a sua bagagem apareceu. Enquanto Caroline tentava resgatá-la, alguém lhe tinha roubado o carrinho. E ela resolveu simplesmente carregar a bagagem, erro que jamais repetiria num local tão quente.

O fato de linho branco estava amarrotado e húmido. A maquilhagem já tinha escorrido e os seus cabelos louros e curtos enroscavam-se em curvas nada graciosas à volta da cabeça. Por isso, estava no limite do autocontrolo.

Não a ajudou saber que, se David estivesse a seu lado aquando da chegada àquele país pouco conhecido; tudo seria diferente. Mas no último minuto, ele telefonara-lhe a dizer que não poderia ir e Caroline fizera a viagem sozinha.

Não ficara surpreendida com a atitude de David. Quase esperara que acontecesse. Havia algo naquela viagem de que ele não gostara desde o princípio. Até a tentara convencer a não comprar a rifa.

- Nunca conheci ninguém que tivesse ganho numa rifa, Caroline - dissera David.

- Não me importo de não ganhar. Basta saber que estou a contribuir para a construção de um hospital dos Emirados Barakat.

- Hospital Rainha Halimah, Barakat al Barakat! - lera ele, com reverência. - Acreditas mesmo que o dinheiro irá para esse propósito?

A criança que vendia a rifajunto à piscina do clube do qual David era sócio dissera, indignada:

- Irá, sim! Estão a construir uma nova ala infantil!

Dias depois, ao ganhar, ela experimentara uma sensação de triunfo. Ficara animada com o prémio: uma viagem em primeira classe, com todas as despesas pagas, ao novo recanto em Barakat Oeste.

Havia diversos homens defronte do balcão de informações. Caroline observou-os com o coração disparado. A maior parte balançava chaves de carros. Nenhum parecia fiável. Jovens e agitados, mostravam-se muito orgulhosos do papel que desempenhavam. Deram um passo para o lado, para a deixar aproximar-se da mesa. Observavam-na com interesse.

- O meu nome é Caroline Langley - declarou ela, quando a mulher atrás do balcão se virou para Lhe dar atenção. - Fui chamada ao balcão.

- Ah, sim! - disse ajovem, consultando as suas anotações. - O seu motorista está aqui, menina Langley... Onde é que ele se meteu? Oh, sim, está ali!

Sorriu e apontou na direcção do dito homem. Caroline susteve a respiração quando os seus olhos pousaram num homem muito diferente dos demais. Era alto, o corpo bem constituído, com uma postura que denotava determinação. Tinha um ar aristocrático que deixava David na sombra. Estava de pé, ao lado de um pilar, a conversar em voz baixa com outro homem.

Caroline sorriu involuntariamente pelo mero prazer de o observar. Tinha cabelos escuros e curtos, emoldurando o rosto de traços precisos. A boca de belos contornos estava levemente escondida por uma barba preta asseada. Era alto, mas sem um só grama a mais de peso no corpo.

Exceptuando a barba, parecia um modelo de revista de moda. As sobrancelhas eram pretas e espessas, e o seu olhar pousava, como que intuitivamente, em Caroline.

Ela sorriu. O homem franziu a testa. Então, fitou-a com um olhar intenso, questionando, instigando. Caroline estremeceu diante daquela presença envolvente e inconscientemente aprumou-se. Como se o homem fosse uma ameaça. Como se o seu olhar fosse um desafio e ela não devesse mostrar sinais de fraqueza.

O desconhecido disse algo ao companheiro, que também se virou para a fitar. Moveu-se para junto de Caroline.

- Menina Langley? - inquiriu num tom de voz profundo e másculo, com um sotaque muito subtil. - Menina Caroline Langley?

Caroline sentiu uma vontade insana de negar. E correr. O sorriso desvaneceu. Mas submeteu-se à humana relutância de fazer uma cena num local inadequado.

- É do hotel?

- Não precisamente do hotel, mas da agência de viagens Real Barakat. O meu nome é Kaifar, menina Langley. Sou o seu guia pessoal. E a minha tarefa é acompanhá-la, a si e ao seu noivo, a todos os lugares que escolherem visitar.

- Sim, sim...

- E o seu noivo, onde está?

O olhar era límpido e firme. Era um homem de aparência excepcional. Ela engoliu em seco.

- David teve de cancelar a viagem. Vim sozinha.

As largas sobrancelhas uniram-se num franzir de testa.

- Não veio?

O homem parecia quase furioso. Devia ser um mal-entendido cultural. Ou talvez, para ele, as mulheres não devessem viajar sozinhas.

- Não pôde. Há algum problema em cá ficar sozinha?

Disseram-lhe que os Emirados Barakat eram seculares e moderados, mas talvez uma mulher desacompanhada devesse contratar alguém que a protegesse.

O homem riu, os dentes perfeitos e brancos em belo contraste com a barba negra.

- Claro que não! Estou apenas surpreendido. Tinha instruções para vir buscar duas pessoas. Só um momento.

Aproximou-se do homem com quem estivera a conversar e disse-lhe algumas palavras num idioma que Carolinejulgou ser árabe. O companheiro fitou-a e então começou a discutir.

Mas o motorista ergueu a mão e falou algo de modo muito autoritário. O outro ficou em silêncio. Kaifar regressou para junto de Caroline.

- O meu colega encarregar-se-á das suas malas. Siga-me, por favor - acrescentou e guiou-a por entre a multidão.

Caroline saiu do aeroporto para o calor e a beleza daquela terra pouco conhecida, exótica e excitante. Uma terra chamada bênção, pelos seus próprios habitantes.

Kaifar conduziu-a para um cintilante Rolls Royce e instalou-a no banco traseiro, enquanto o outro homem colocava as malas no porta-bagagens. Os dois falaram por um momento e depois despediram-se. Kaifar acomodou-se ao volante. Mas, em vez de ligar o carro, permaneceu quieto por um momento, com os olhos fechados, mergulhado em pensamentos. Caroline estremeceu.

- O que é que se passa? Há algum problema? Surpreendido, olhou-a por cima do ombro com frieza, como se Caroline não tivesse o direito de lhe fazer perguntas.

- Peço desculpa, menina Langley.

Caroline sentiu uma inquietação que não conseguiu acalmar. Percebeu então que só a palavra de Kaifar lhe garantira que fora oficialmente en viado para a ir buscar. Não vira nenhuma identificação. E ele não usava uniforme, apenas uma camisa branca e umas calças compridas escuras.

Podia ser qualquer pessoa. Lembrou-se da sua reacção ao saber que David não tinha viajado. Ele falava bem inglês e podia com facilidade ter descoberto que David era rico. Estaria a planear algo?

- Para onde é que me está a levar?

Ele inclinou-se e ligou o carro. E, sem virar a cabeça, respondeu:

- Para o seu hotel.

- Como é que se chama o hotel?

O guia sorriu pelo espelho.

- Xeque Daud; menina Langley. Fica na estrada real que beira a costa, no oeste da cidade. Por favor, acalme-se. Não sou um xeque do deserto à procura de lindas mulheres para o seu harém.

Kaifar diminuiu a velocidade, ao sair do aeroporto e entrar numa avenida larga e arborizada. Aquela podia ser a sua última oportunidade de sair do carro. Caroline ficou tensa.

- Achará o hotel muito agradável, menina Langley. É o melhor e mais refinado dos Emirados Barakat. Teve muita sorte em ganhar o prémio, não acha?

Ela sentiu-se derreter diante daquele sorriso, do impacto da virilidade arrogante.

É disto que tenho medo? Do facto de ele ser tão másculo e sensual? ", pensou, atordoada.

Talvez devesse ter ouvido David. Não fora inteligente fazer a viagem sozinha. Suspeitara que o noivo estava preocupado com alguma coisa, embora o tivesse negado. Temia que ela se apaixonasse por algum estrangeiro atraente? Alguém como Kaifar?

- Devo contar-lhe algo sobre o nosso país enquanto fazemos o trajecto?

Ele estendeu a mão e, sem esperar por uma resposta, começou a apontar alguns lugares: uma ruína ancestral quase enterrada na areia, um rio ao longe, palmeiras em contraste com dunas douradas, uma pequena vila do século XVI... Uma das casas ostentava uma antena parabólica.

- Esta é a residência do chefe da vila. Houve épocas em que a posse de duas mulas marcava a sua riqueza. Actualmente, é um aparelho de televisão - disse ele, sorrindo novamente.

Mais uma vez, Caroline não se conseguiu descontrair.

Pouco tempo depois, chegaram à cidade. O carro entrou numa rua larga e avistaram um edifício fabulosamente decorado, quase mágico com os seus arcos azuis e vidros espelhados.

- Aquela é a nossa Grande Mesquita. Foi construída nos séculos XV e XVI pela mi... - fez uma pausa, como que procurando o nome. - Pela rai nha Halimah. O seu túmulo ainda está ali.

Caroline observou o monumento, encantada com a beleza exótica. Após um olhar para o seu rosto embasbacado, Kaifar abrandou e conduziu o carro para a esquina.

O amplo pavimento de pedra estava sombreado por árvores e refrescado por fontes. Ela observou os turistas e adoradores. O lugar abrigava uma atmosfera de paz.

Uma sensação grandiosa tomou-a diante da magnificência da arquitectura, seguida por uma sensação de curiosidade. Ficou boquiaberta, sem ar.

- O que foi, menina Langley?

- Acho que o meu noivo tem uma miniatura deste monumento, pintada em marfim! É possível?

- Qualquer coisa é possível, não acha? O facto de um homem de Nova Iorque ter uma miniatura de um edificio assim não é muito espantoso. O seu noivo já visitou o meu país?

- Acho que não.

- Mesmo assim quis uma pintura da Grande Mesquita.

- O meu noivo é coleccionador de antiguidades. Compra trabalhos antigos de arte e... objectos. Na sua maioria, gregos e romanos, mas tem algumas peças orientais.

- Ah, compra-as?

O guia apoiou o braço najanela e acenou para um homem de idade que passava numa veLha bicicleta. Na cesta da bicicleta ia um monitor de computador sujo e velho.

- De que outro modo o meu noivo ia adquirir os objectos?

Ele encolheu os ombros.

- As pessoas têm coisas que lhes foram dadas. Ou que roubaram.

Caroline aprumou-se.

- Tenho a certeza absoluta de que David pagou por tudo o que tem na sua colecção - disse com frieza. - Acredite em mim, ele é suficientemente rico para comprar toda a mesquita, não precisa...

A voz de Kaifar foi rude, ao interrompê- la.

- Ninguém é suficientemente rico para comprar a Grande Mesquita. E não está à venda.

Parecia furioso. Caroline não queria criar inimizades com ele, antes mesmo de a viagem começar. Alguns estrangeiros, sabia, sentiam-se ofendidos pela casual presunção de que tudo, incluindo a sua herança, tinha um preço.

- Sinto muito. Não o quis ofender. Claro que algo assim jamais estaria à venda.

Kaifar virou a cabeça.

- Eles vêm à noite e roubam os tesouros das mesquitas e dos museus. Levam até mesmo monumentos de pedra e telhas antigas. Actualmente, temos guardas em diversas posições e os que tentam roubar as nossas coisas vão parar à prisão. Mas é impossível guardar tudo e o perigo faz o preço ser tão alto que há sempre alguém que arranja uma maneira de fazer uma tentativa. E o que coleccionadores estrangeiros fazem com a herança ancestral do meu país.

Caroline enrubesceu, sentindo-se culpada.

- Tenho a certeza de que David nunca fez algo semelhante.

- Tem mesmo? - indagou, como se o assunto já o tivesse cansado e entediado. - Bem, não devemos culpar o seu noivo pelos nossos problemas.

Na verdade, ela nada sabia sobre as práticas comerciais de David.

- De qualquer maneira, se as pessoas desejam pilhar a sua própria herança cultural por causa de dinheiro, a culpa não é do comprador, não concorda?

Kaifar travou com força diante do semáforo amarelo. Caroline foi projectada contra o cinto de segurança. Quando fitou o motorista pelo es pelho, encontrou um rosto impassível.

- A menina não tem noção das atitudes desesperadas que as pessoas tomam por causa do dinheiro.

Ela encarou-o e enrubesceu. O comentário de Kaifar podia não ter sido irónico. Provavelmente achava que Caroline era rica.

Ela sentia muita coisa em relação ao noivado, mas nunca, até àquele momento, sentira vergonha. Vergonha por estar a permitir que David a comprasse. Adquirisse um ser humano exactamente como comprava peças para a sua colecção.

E justamente pelo motivo citado por Kaifar: por causa do seu desespero por dinheiro.

 

                           Capítulo Três

Vinte minutos mais tarde, Caroline encontrava-se num quarto confortável e fresco, a olhar através da porta de vidro para uma varanda coberta e, mais adiante, para o mar.

- Provavelmente gostaria de se relaxar; tomar banho, trocar de roupa e tomar alguma coisadisse-lhe Kaifar. Indicou o terraço no piso térreo, onde instruíra um empregado a colocar uma bandeja com gelo e bebidas sobre uma mesa. Voltarei daqui a três horas e levá-la-ei ajantar.

Ela franziu a testa, surpresa.

- O que é que quer dizer? Porque é que me vai levar ajantar?

Kaifar encolheu os ombros.

- Faço parte do seu prémio, menina Langleydisse com um sorriso que a deixou nervosa. Gostaria de ir a um restaurante europeu ou prefere experimentar a comida do meu país?

Porque se estava ela a queixar? Certamente não gostaria de jantar sozinha.

- Bem, prefiro a comida do seu país, obrigada. Kaifar anuiu e retirou-se. Caroline desceu para o pátio, abriu a porta de vidro e pisou as lajes rústicas delicadamente ornadas com motivos em azul e branco.

Suspirou, profundamente satisfeita. Como era bom estar ali, sozinha, a pensar. Parecia não ter tido tempo para pensar desde que o seu pai lhe falara sobre a oferta de David...

Ao longe, indiscernível, ouvia-se a chamada do almuadem. Adiante via-se a água fabulosamente azul do golfo de Barakat.

Umas palmeiras ofereciam protecção ao pátio. Havia plantas por todo o lado. Uma mesa e umas cadeiras tinham sido colocadas junto ao tronco de uma das árvores e Caroline sentou-se, colocou gelo num copo e serviu-se de um pouco de água mineral.

A paisagem era tão tranquilizadora! Os seus problemas e responsabilidádes pareciam estar a quilómetros de distância. Não tinha escolhas a fazer, factos desagradáveis a encarar, tarefas ruins a desempenhar. Tinha duas semanas para se satisfazer apenas a si mesma.

Sayed Ha Ìji Karim ibn Daud ibn Hassan al Quraishi estendeu a mão preguiçosamente para a tigela com frutas brilhantes e tirou uma uva. Examinou-a, os grandes cílios escondiam a expressão dos seus olhos.

A fruta estava túrgida e tinha um tom preto arroxeado, mas não tão profundamente negro quanto os olhos furiosos do monarca.

Um facto que Nasir pôde verificar um momento mais tarde, quando o príncipe Karim fez escorrer o suco da fruta entre os seus dedos e ergueu o olhar perscrutador para o seu secretário.

- Na verdade, senhor, somente o príncipe Rafi e eu sabíamos das suas intenções. Quem as poderia ter revelado? Eu próprio me comprometi, ao saber da execução destes planos. A verdade tem sido mascarada. Manteve-se tudo em segredo, conforme ordenou.

- Contudo, não veio - repôs o príncipe Karim. O secretário fez uma mesura.

- Se me permite falar, pode ser a atitude de um homem culpado que teme algo. Ou de um homem ocupado, ligado aos arranjos e desejos de outros. Não é necessariamente a acção de um homem que foi avisado do perigo.

- Ele subornou alguém do meu próprio grupo - ripostou Karim, secamente.

O tom não enganou o secretário.

- Certamente, senhor. Mas não a mim.

- Tal coisa nunca me passou pela cabeça, Nasir.

- Óptimo! - interveio o príncipe Rafi. - Então, devemos operar na presunção de que houve uma fuga de informações e alterarmos os nossos planos para que se adeqúem às circunstâncias. Não está tudo perdido! Afinal, a mulher está cá!

Enquanto Caroline esperava, o sol pôs-se. O ar tornou-se mais fresco e uma brisa movia-se preguiçosamente pelas plantas.

A transformação da luminosidade para a noite aconteceu rapidamente. O sol dourado pareceu mergulhar no oceano e trazer a noite, com milhares de estrelas. Ali, o mundo era mágico.

Aguardava a chegada de Kaifar e um telefonema. Tentara entrar em contacto com David, mas desistira e fora tomar banho e vestir-se.

Usava um modelo verde de algodão, com alças largas. O corpete moldava suavemente o contorno dos seus seios. Um lenço de tecido leve, com motivos em verde, rosa e azul cobriria os seus ombros, se necessário.

Os cabelos estavam lavados e novamente obedientes, afastados da testa e do pescoço tanto quanto as madeixas brilhantes o permitiam. Tinha uma pulseira de ouro, um fio também de ouro e o anel de noivado.

Lembrou-se de como ficara atónita quando o seu pai se aproximara com a proposta de casamento de David Percy. Ela mal conhecia o homem, embora soubesse que era amigo do seu pai e que lhe vendera algumas coisas nos velhos tempos.

Só o vira uma ou duas vezes. Caroline acreditara, na ocasião, que David se apaixonara por ela à distância e quase se rira diante do pai por causa do capricho de um homem de meia-idade que insistia em casar-se com ela.

Então percebera que o pai queria vê-la casada com David Percy. E, quando a sua mãe entrara, não fizera nenhum esforço para fingir que o marido ainda não a tinha informado sobre a grande novidade.

- Oh, Caroline, não é um milagre? Quem pensaria que um homem como David Percy iria gostar de ti - dissera com tamanho alívio e gratidão que Caroline compreendera que, para ambos, a oferta de David Percy representava uma salvação que valia qualquer sacrifício. Até mesmo a felicidade da filha.

- Mas, mamã, ele é tão... - Caroline parara de falar, porque não pudera encontrar palavras para descrever a terrível frieza que sentia por David.

Pior, muito pior, não conseguira descrever a frieza que vinha do seu próprio pai. Thomas Langley sempre desaprovara os chamados excessos emocionais da filha mais velha, a sua capacidade de nutrir sentimentos profundos e respostas não contidas, tão diferente da sua própria natureza e até mesmo da natureza da sua esposa.

Quando ela se mostrou apaixonada por um lindo rapaz, num hotel do Caribe, ou irrompeu em prantos ao ver uma pintura de uma igreja ita liana, o seu pai franzira a testa.

Caroline crescera debaixo de constante pressão para conter o riso, restringir as lágrimas, caminhar com expressão calma e conversar baixinho.

- Querida, não é para sempre - garantira a sua mãe, Louise.

Falara rapidamente, não lhe dando tempo para expressar objecções.

- David não esperará que permaneças casada por muito tempo. Sabe-o muito bem. Divorciar-te-ás quando fizeres trinta anos.

Caroline encolhera os ombros.

- E quem é que ficará com a custódia das crianças?

- Querida, estás à procura de problemas! É possível que David nem queira filhos. E, aos trinta anos, terás uma boa soma de dinheiro e a tua aparência estará tão magnífica quanto hoje. Pensa nos cosméticos que poderás comprar. Massagens! Clínicas! Enquanto isso, eu envelheço um pouco mais a cada dia que passa...

- Ser eternamente jovem não está na minha lista de prioridades - respondera Caroline secamente, mas a sua mãe simplesmente ignorara o comentário.

- Terás dinheiro. Não subestimes o seu valor. Dinheiro é força. É liberdade total.

Caroline franzira a testa. Teria liberdade total se naquele momento deixasse os pais enfrentarem o destino e os seus próprios actos tolos.

Como que pressentindo-o, Louise acrescentara rapidamente, dando à voz um tom patético:

- Nós teremos liberdade também, querida. Poderás comprar a nossa liberdade como mais ninguém pode. E pensa em Dara. Poderá ir para a universidade e sei que é isso que queres.

Ela somente concordara com o noivado por acreditar que David a amava. Ele levara-a a museus, para Lhe mostrar o seu modo de vida e o futuro que teria. E, um belo dia, apresentou-lhe um busto de mármore de Alexandre, o Grande. Foi então que Caroline descobriu o que David gostava nela: a sua semelhança com uma estátua grega.

De perfil, tinha a testa ampla e o nariz recto. As sobrancelhas finas, um pouco baixas, seguiam a linha dos grandes olhos, bem espaçados e acinzentados. Os maxilares, embora delicadamente moldados, curvavam-se de um modo suave, em nada semelhantes aos das modelos de uma revista de modas. Para completar, os cabelos alcançavam o início dos ombros. O seu único defeito, caso se buscasse a perfeição física, eram os dentes levemente desalinhados.

David insistira em comprar-lhe roupas novas, que combinassem com a sua nova posição. Caroline sentira que perdia o controlo da situação. Fora incapaz de protestar diante do arranjo, do modo como David lhe ditava as decisões.

Ela possuía roupas em tons de creme, modelos muito bonitos e até originais, além de uma bracelete de ouro e uma pesada gargantilha também de ouro, que custara provavelmente o equivalente a um ano do seu salário.

Quando conseguira alcançar uma certa dose de sofisticação, David dera uma festa para celebrar o anúncio público do noivado. Para a ocasião, escolhera pessoalmente a roupa de Caroline e contratara uma estilista para executar o que queria.

E o que ele queria era que Caroline se parecesse o máximo possível com uma estátua grega. Uma toga de seda cor de marfim flutuou pelo seu corpo, complementada por sandálias de couro da mesma cor, uma coroa de folhas brancas nos cabelos, a pele pintada para se parecer com mármore... Quando ficou de pé, imóvel, parecera realmente de mármore.

- Não sorrias esta noite - ordenara David, sem reflectir arrependimento pelo uso de um tom autoritário. - Destrói a ilusão. Serenidade, minha querida.

Foi então que ela conseguiu finalmente encaixar todas as peças. David não a amava. E nem sequer ele era consciente disso. O que queria era acrescentá-la à sua colecção. Queria possuí-la.

Naquele momento, Caroline perguntou-se se seria capaz de se recompor das mudanças na sua personalidade exigidas por aquele papel. De se resgatar a si mesma. Uma voz na sua mente sussurrara-lhe: Foge agora! Diz-Lhe que mudaste de ideias e que não queres que anuncie o noivado esta noite!

Ela, porém, afastara o pensamento. A sua mãe tinha razão. Uns quantos anos de sacrifício valeriam a pena, pelo bem da família.

A fotografia do casal ilustrara todos os jornais, no dia seguinte à festa. David Percy acrescenta umajóia à sua colecção particular, diziam as manchetes.

Caroline suspirou e voltou ao presente. Sentiu-se muito grata por o seu noivo não lhe ter feito companhia. Teria insistido em manter os padrões de Nova Iorque em todos os lugares. E ela queria ver, experimentar o Oriente, a sua beleza e paixão, as suas tradições.

- A mulher é muito mais jovem do que o senhor Percy - informou Nasir. - Dizem que pagou ao pai da rapariga uma grande soma de dinheiro para a ter.

Entregou a cópia de uma fotografia de jornal aos dois príncipes.

- Umajóia na sua colecção, - leu Karim.

- Ah, Mona Lisa! - exclamou o príncipe Rafi, com interesse.

Karim contemplou a fotografia. Mostrava uma jovem pálida, olhando para alguém atrás da câmara, ao lado de um homem muito magro, de meia-idade.

- É isto que ele pensa desta mulher? - indagou, indicando a manchete. - Que a acrescenta à sua colecção? - repetiu Karim.

- Isso certamente é fruto de mexericos e de liberdades tomadas pela imprensa - comentou o secretário.

O príncipe Karim aquiesceu, os olhos escuros cintilavam. O seu rosto assumiu a expressão dura de um homem de uma tribo do deserto a cavalgar para a batalha.

- Excelente! Pode ser, então, que o senhor Percy queira fazer uma troca.

Nasir não mostrou nenhum sinal de surpresa. Nada o surpreendia.

- A jóia da minha colecção pela sua jóiaprosseguiu o príncipe Karim. - Primeiro, claro, teremos de tomar posse dajóia do senhor Percy.

Quando Kaifar apareceu à porta, vestia um traje branco, que não era nem oriental nem ocidental. A sua pele morena e a barba escura con feriam-lhe, no entanto, uma aparência exótica. Calçava umas sandálias grossas, como as que Caroline vira em homens e mulheres da cidade.

Permaneceram de pé, por um momento, no batente, sem nada dizerem. Então, Caroline baixou o olhar e disse:

- Vou buscar a minha mala.

A sua voz soava frágil. Deixou a porta aberta, virou-se e dirigiu-se para a sala de estar, onde tinha deixado o seu lenço e a sua mala.

O telefone tocou.

Kaifar deu um passo, entrou na sala, fechou a porta e pegou no auscultador. Por um momento, falou em árabe, depois ficou em silêncio, aguardando.

Surpreendida com o seu descaramento, Caroline franziu a testa. Será que Kaifar dera o seu número de telefone para receber recados? Viu-o sorrir e virar-se, para falar com mais privacidade.

- Boa noite, senhor Percy! Daqui fala Kaifar. Lamentamos que esteja em Nova Iorque e não aqui no nosso lindo país.

Caroline ficou quase sem ar.

- Dê-me o telefone! - com dois passos rápidos, estava ao lado dele. - Dê-me o auscultador para...

Uma mão imperiosa ergueu- se e ela simplesmente ficou em silêncio. Subitamente, Kaifar esboçou um amplo sorriso e Caroline, involuntariamente, recuou um passo, como se fugisse de um lobo. Mas o sorriso não era dirigido a ela.

- O meu nome é Kaifar, senhor Percy - repetiu ele, com curiosa ênfase. - Sem dúvida teremos que conversar novamente. Enquanto isso, vou passar-lhe a menina Langley.

- Olá, David - disse ela, pegando no auscultador e virando-se.

- Onde estás, minha querida?

Ela mentiu. Devia ter dito na minha suite de hotel, mas, numa reacção puramente instintiva, respondeu:

- No vestíbulo do hotel.

Simplesmente não fazia ideia de como David reagiria ao pensamento de um estranho no seu quarto de hotel, a atender o telefone. E não tinha vontade de descobrir.

- Quem era aquele homem? Disseram-me que me poriam em contacto com...

- Kaifar é o guia. Os seus serviços fazem parte do prémio.

Houve uma pausa curiosa. Então David voltou a falar, como que decidido a ignorar o impacto da última frase:

- Que tal foi o voo?

- Bom.

Conversaram durante poucos minutos, o tempo suficiente para David se assegurar de que a noiva chegara em segurança. Caroline nunca tivera muito a dizer a David, mas subitamente ficou com medo do que aconteceria quando desligasse o telefone. Não podia, porém, impedi-lo de dizer um calmo adeus e desligar.

Segurou o auscultador por um longo momento, fingindo ouvir, mas, por fim, proferiu um frágil adeus, e desligou. Quando ergueu a cabeça e encontrou o olhar de Kaifar, soube que mentir a David fora um erro terrível.

Kaifar encarava-a.

- O seu vestido é da cor das esmeraldas que vêm das minas das montanhas de Noor. São as esmeraldas mais lindas do mundo.

As palavras apanharam-na de surpresa, deixando-a sem fôlego. A luz da arandela banhava-o, criando um jogo de claro-escuro que acentuava os seus traços bem desenhados. Os olhos misteriosos observavam-na.

Ela sentiu que todo o universo estava suspenso, como se todo o seu futuro pudesse ser escrito no próximo momento. Nada, longe do círculo de luz que os abraçava, tinha relevância.

Algo que ela não conseguia decifrar parecia pulsar entre eles. O seu olhar moveu-se dos olhos para as mãos de Kaifar e, então, atraído pelo magnetismo, regressou aos olhos. Os seus seios subiam e desciam, ao ritmo da respiração. Sim, aquele coração tão cheio de sentimentos ganhava um ritmo misterioso e profundo como a própria vida.

No silêncio, ele deu um passo e tocou no lenço colorido de Caroline. O tecido caiu graciosamente por entre os seus dedos, os motivos dourados brilharam à luz da arandela.

Os lábios dela entreabriram-se quando Kaifar ergueu as mãos para o ajeitar sobre os seus ombros. O toque era leve, quase inexistente. As suas mãos não se detiveram nem na seda nem na pele nua dos ombros.

- Por aqui, menina Langley - disse ele, por fim, abrindo a porta.

 

                     Capítulo Quatro

- Há seguranças? - perguntou o príncipe Karim a Nasir.

- Três grupos de dois, senhor. Como sempre. Há outro preparado, se necessário. Perdoe-me, mas até o senhor sabe que as precauções são necessárias.

O príncipe concordou.

- E está tudo preparado?

- Sim, senhor. Jamil tem tudo pronto.

- Quando partirás?

- Amanhã, senhor, ao amanhecer.

Caroline acordou cansada e perturbada, perguntando-se onde estava, quem era, não sabendo nem sequer o seu nome.

Em pânico, sentou-se, tentando acender a lâmpada que deveria haver por perto. Sabia que ao lado da cama encontraria alguma luminária...

Os seus olhos, aos poucos acostumados à escuridão, avistaram o cintilar das estrelas através da porta que dava para a varanda. Levantou-se e abriu-a. Quando sentiu a brisa suave, acordou plenamente. Caroline. Era Caroline Langley e estava de férias nos Emirados Barakat.

Devia ter adormecido no sofá. Sentara-se ali a pensar, depois de Kaifar a trazer de volta para o hotel. Tinha uma vaga lembrança de ter apagado a luz.

A culpa era de Kaifar. Jantar com ele naquela noite perturbara-a. Estar a seu lado fazia-a sen tir-se oprimida. Estremeceu e acendeu a lâmpada, acolhendo a luz brilhante.

Ele era assim, como a luz. Tão brilhante que a cegava. Kaifar instalara-a no Rolls Royce e levara-a ao mais maravilhoso restaurante que ela alguma vez vira, num jardim escondido com mesas abrigadas por árvores de aroma doce.

A comida era estimulante e a semi-escuridão, iluminada unicamente pela luz das velas em cada mesa, acentuava essa sensação.

Uma senhora de cabelos grisalhos sentada a um canto cantara e tocara um instrumento cujo som era de tal beleza que o coração de Caroline se contraiu.

- O que é que está a cantar?

- Uma canção de amor. Sobre um homem apaixonado pela filha do seu melhor amigo. Ele teme pedir ao amigo o que mais deseja: a rapariga como esposa.

O coração de Caroline disparou dolorosamente, porque David não a amava e não temera pedir o que queria.

- Enquanto ele esperava, o amigo morreu. No seu testamento, deixou-lhe o papagaio e a guarda da filha - fez uma pausa, ouvindo a música. Caroline queria sorrir, dizer algo brilhante, mas sentia-se trancada internamente, aprisionada por algo que nem sabia o que era. - Adeus Mariam, minha esposa, já que agora és minha filha.

Kaifar, mergulhado na história, traduzia-a em voz baixa. Inclinara-se para Caroline, falando com tanta suavidade, que ela se sentira forçada a inclinar-se também.

- Uma filha não se pode converter numa esposa. O meu amor deverá ficar ocultado até dos meus próprios olhos, do meu coração. "

- Mas porquê? - indagara Caroline.

Kaifar olhara para o nada.

- É uma questão de honra. Como guardião, o homem não a pode possuir.

- Oh! - Caroline pensara na honra do seu pai, na de David.

O empregado trouxe-lhes o primeiro prato, naan com ervas frescas, queijo branco de cabra e diversos outros pequenos pratos que Caroline não conhecia. Ela cortou um pedaço do pão e, seguindo o gesto de Kaifar, enrolou nele uma delicada porção de ervas.

- Conhece o fim da história? - indagara ela, após um momento.

- Toda a gente conhece. É uma história famosa.

- Diga-me como acaba.

Kaifar pousara o seu naan no prato, apoiando os cotovelos na mesa. Sorrira, um sorriso caloroso.

- Mariam tentou dizer ao amigo do pai que o amava como marido. Mas ele fingiu não entender. Então Mariam implorou-Lhe que não a casasse com outro. O homem, porém, escolheu um jovem atraente para seu marido. Acreditando que o amor que sentia não tinha esperança de futuro, Mariam casou-se com ojovem.

- Que triste!

- Mais tarde, o homem adoeceu de amor. Mariam visitou-o, mas até mesmo no leito de morte, ele conseguiu manter o seu segredo. Enquanto velava o homem que amava, ela ouviu o papagaio recitar as palavras que ouvira tantas vezes: Mariam! Eu morro de amor por ti! " Então descobriu a verdade.

Caroline sentira-se sufocada. As lágrimas queimavam-Lhe os olhos, embora fosse tolice ficar tão afectada por causa de uma história.

- Por que razão não pôde ele confessar o seu amor a Mariam?

Kaifar observara-a com os seus olhos tão negros quanto a noite.

- Talvez acreditasse no seu dever. As pessoas traem o amor por muitos motivos.

As pessoas traem o amor. Estaria a querer dizer que ela traía o amor ao pretender casar-se com David? Por isso aquela história a afectava tão profundamente?

David era amigo do seu pai, mas não a amava, nem Caroline a ele. Poderia isso ser uma traição ao amor? De repente, tudo ficou claro. O casamento assassinaria o seu coração, a sua capacidade de amar profundamente. Os seus pais não estavam a pedir um sacrificio de alguns anos. Aquele poderia ser o sacrificio do seu coração.

Caroline já não conseguia conter as lágrimas. Correram simplesmente pelo seu rosto, uma a uma, cintilando à luz das velas. Pensou que Kaifar não tinha reparado. Tinha experiência em chorar sem fazer barulho. Fora educada assim.

- Porque esconde as suas lágrimas de mim? indagara Kaifar.

A mão dela tremera. A pergunta dilacerava o seu frágil controlo. Engolira em seco, mas o soluço viera de modo convulsivo.

- Sinto muito por ser tão tola. É que... foi a primeira vez que ouvi uma música assim.

- E desculpa-se pelo seu coração ter sido tocado por uma música do meu país?

Caroline fechara os olhos e o seu corpo estremecera com outro soluço. Quando voltou a abri-los, as lágrimas fizeram os seus cílios cintilarem. Kaifar, moreno, poderoso, misterioso e profundamente primitivo, observava-a com intensidade.

De um modo gentil e com indescritível graça, tocara-lhe o rosto e capturara uma lágrima. Erguera o dedo até aos lábios e pousara a lágrima neles.

Se Caroline estivesse de pé, o gesto tê-la-ia feito ficar com os joelhos trémulos. Silenciosamente, pestanejara várias vezes, olhando para o céu negro, desesperada por ar.

A sua reacção a ele era muito forte. Amedrontava-a. A presença de Kaifar minava as suas forças e todas as certezas da sua vida. Estava emocionalmente vulnerável, mas tinha que se controlar.

Não era prudente ficar a imaginar coisas. Por isso, procurara conter os seus pensamentos.

- Porque fez isso? - quis saber. - Porque saboreou a minha lágrima?

- A canção fala de lágrimas, Caroline. Lágrimas de uma linda mulher cujo coração é de um homem. As suas lágrimas não são salgadas. São vinho reservado para os deuses.

Tais palavras fizeram- na estremecer, mas Caroline não podia ser fraca.

- O que pensa saber sobre o meu coração?

- Pede-me para Lhe dizer se ama o seu noivo?

- Como ousa?

- Como ouso o quê? Dizer que me perguntou se ama o seu noivo?

- Eu não Lhe perguntei nada disso! - lágrimas proibidas arderam novamente nos seus olhos. Caroline afugentou-as com um gesto impaciente. Mas elas recusavam-se a cessar. - Oh, porque vim para cá?

Caroline lutou para manter a calma. Pela primeira vez, admitia para si mesma que não queria casar com David. Mas como sobreviveriam os seus pais, se não o fizesse?

As lágrimas cederam, por fim. Caroline enxugou o rosto, ergueu a cabeça e aprumou-se. Estendeu a mão para pegar noutro pedaço de naan e forçou-se a mastigar. Kaifar acompanhou-a, sem dizer nada.

A música acabou com a cantora a entoar:

- Mariam! Mariam! Mariam! Mariam! O empregado apareceu com o prato principal. Uma brisa suave corria pelo jardim e Caroline sentou-se mais erecta.

- Estaria a comer aqui, esta noite, se o meu noivo estivesse comigo? Quero dizer... janta sempre com os seus clientes?

Três homens levantaram- se de uma mesa vizinha e começaram a dançar ao sabor da nova música da cantora. Caroline virou-se para os observar. Era uma dança poderosa e máscula, que atraía os seus sentidos de um modo primitivo.

Havia certas qualidades naqueles homens que Kaifar também possuía. E que ela nunca testemunhara em nenhum dos seus conterrâneos.

- Poucas pessoas desejam um guia a tempo inteiro - disse ele, trazendo-a ao presente. - Mas no seu caso é diferente.

- Porquê?

- Porque ganhou um prémio. Janto em sua companhia para intensificar a sua apreciação pela estada. Além do mais, uma mulher não gosta de comer sozinha.

Caroline enrubesceu. Perguntou-se se Kaifar também estaria habituado a proporcionar satisfação emocional e sexual às suas clientes solteiras.

- A companhia paga-lhe as refeições?

- Está preocupada com a minha carteira?

- Estava apenas a pensar - murmurou.

- Ou talvez a imaginar que outros serviços estariam incluídos no seu prémio? - o sentido das palavras de Kaifar era evidente e os seus olhos reflectiram um notável interesse. - Está tudo incluído, menina Langley - disse com suavidade, enquanto a encarava de maneira hipnótica. Pode pedir o que desejar. Não se preocupe com nada. Quando o prazer é dado e recebido, nem se pode pensar em pagamento.

 

                         Capítulo Cinco

A lua cheia velejava pelo céu nocturno. Caroline observava-a, trémula com a lembrança sedu tora do olhar de Kaifar a oferecer-lhe o seu corpo e a sua paixão.

Recordou-se da onda de desejo que sentira com aquela sugestão e que novamente a fazia julgar-se fraca e, paradoxalmente, tão forte.

- Por favor, não fale comigo assim - dissera, na fútil tentativa de mostrar firmeza na voz. Não vim para o seu país em busca de aventura.

- Há uma palavra no seu idioma que se refere ao encontro de um tesouro que não se procurava, acho eu.

A velha senhora cantava uma balada de ritmo contagiante. Caroline desviara o olhar de Kaifar.

- Há uma palavra no meu idioma para o que está a fazer também: assédio - respondera ela.

O riso dele fora espontâneo.

- Caroline, há um laço entre nós. Deve ter sentido isso. Que idade tem o seu noivo? O homem com quem falei não tinha voz de jovem.

Ela não respondeu.

- Uma mulher com a sua paixão não se devia unir a alguém cujas paixõesjá se esvaíram.

Novamente silêncio.

- Caroline - dissera- lhe quase sem ar, perto do ouvido. - Posso proporcionar-te boas recordações para te aquecer nas noites longas e frias que terás na cama com esse homem velho.

- Kaifar, eu estou noiva!

A única coisa que Caroline tinha de fazer para romper o discurso era sentar-se erecta, mas sentia-se ligada a ele, àquelas palavras e àquela voz, como se ali estivesse a fonte da sua sobrevivência.

- O que roubaria eu ao teu noivo que tivesse realmente valor para ele? Afinal de contas, estarias a dar-me o que ele não quer?

- O que ele quer de mim é lealdade. E tem direito a isso.

Kaifar apenas anuíra, aceitando a sua decisão. Então dedicara-se à comida deliciosa. Após um momento, Caroline fizera o mesmo.

Ao voltar ao presente, banhada pelo luar, ela ergueu as mãos e afastou os cabelos da nuca para permitir que a brisa suave a refrescasse. Kaifar tinha razão. Ele possuía uma paixão que nem David nem outro homem tinha. A idade nada influía; era um modo de ser.

Não se tratava de mera paixão sexual. Era paixão pela vida, necessidade de experimentar... o quê? Amor, vida, verdade? Tudo.

A forte paixão de Kaifar tornava-o livre. Pela primeira vez, as emoções de Caroline não amedrontavam um homem. Pela primeira vez, ela não sentia, por parte de alguém, o mais leve pânico insurgir-se para bloquear a sua natureza apaixonada, para a tornar mais serena, mais... controlável.

David controlava-a. Anulava-a, com uma combinação de desaprovação, desgosto e inclemente comando. Ela não tinha nenhuma armadura para se defender. David ganharia a batalha. Dominá-la-ia.

Kaifar, por outro lado... Caroline estremeceu. Se deixasse, se baixasse a guarda, ele atiçaria as suas chamas e, então, conduzi-la-ia, com segurança ou não, através do inferno do seu próprio fogo.

Caroline arrepiou-se perante o pensamento e o desejo que aflorou fez o seu corpo pulsar. Até pensar nele a deixava acesa. E se Kaifar a tocasse? De que defesas se poderia valer?

- Hoje vou mostrar-te a Grande Mesquitaanunciou Kaifar.

- O meu vestido é adequado para a visita? Ela vestia um modelo branco, esvoaçante. O olhar de Kaifar depositou-se obedientemente sobre o seu corpo e ela sentiu um choque eléctrico.

Ele afectava-a a diversos níveis: a sua pulsação acelerava-se, o seu coração ardia, a sua alma parecia gritar e o seu espírito saltava diante do toque espiritual íntimo e nada familiar.

A sua família não era conhecida pela afectuosidade. Talvez por isso aceitara receber tão pouco de David. Aprendera a aceitar pouco. Mas Kaifar mostrara-lhe que a verdade era diferente.

- Muito atraente - disse ele. - Vão oferecer-te um hejab. Como é que se diz? Uma capa? Queres cobrir a tua cabeça na mesquita?

- Sim, claro. Levarei o meu lenço.

Correu para o quarto e voltou minutos depois com o lenço de seda verde que usara na noite anterior. Kaifar anuiu, em aprovação.

- Algumas mulheres ocidentais fazem objecções a isso - observou mais tarde, já no carro.

- Quer dizer que as pessoas não podem entrar naquele lindo edifício se não tiverem um lenço na cabeça?

- É a casa de Alá.

- Tens alguma responsabilidade em relação à Mesquita?

- Todos os cidadãos têm.

- E sentem tudo de maneira tão intensa quanto tu?

Ele fez uma pausa para se desviar de uma mula com uma carga de melões.

- O meu pai era guardião do Tesouro Nacional antes de morrer. Criou-nos com muita devoção à nação.

Caroline perguntou-se que tragédia teria ocorrido para tornar o filho de um homem tão importante num mero guia turístico. Certamente elucidaria as contradições nele.

- Quando é que faleceu?

- Há onze anos, que descanse em paz.

- A tua mãe ainda é viva?

- Sim. É maisjovem do que o meu pai e goza de boa saúde.

- Onde vive?

Kaifar observou-a pelo espelho quando parou num semáforo.

- Na antiga casa do meu pai, que é agora minha. Os teus pais também moram contigo?

- Eu é que moro com eles - subitamente, viu-se a falar da tragédia que se abatera sobre a sua família. - A casa foi praticamente a única coisa que o meu pai não perdeu, mas, sem o meu salário, não a poderiam sustentar.

Para sua surpresa, Kaifar franziu a testa.

- Estás a dizer-me que os teus pais ainda moram numa casa grande e adequada a um homem com uma extensa riqueza após estarem financeiramente arruinados? E que o teu salário é que o permite? Que desististe dos estudos para que o teu pai e a tua mãe não tivessem de encarar a realidade?

Parecia surpreendido, quase furioso. Ela pensou novamente que não gostaria de o ter como inimigo. Kaifar seria perigoso e implacável.

- Quando colocas a situação dessa maneira, parece ridícula.

- Pior do que ridícula. Tens obrigações para com os teus pais, mas é injusto o modo como te estão a usar, já que a alternativa não é a fome e sim a mera perda de um estilo de vida mais sofisticado.

- Eles não mo exigiram - disse ela, esquecendo-se do instante em que lhe pediram um sacrifício muito maior. - E, caso se mudassem dali, perderiam todos os amigos. Morámos naquele bairro toda a nossa vida.

- E os seus amigos não os visitariam noutro sítio? Que espécie de amigos são esses?

Caroline sorriu e balançou levemente a cabeça. Como fazê-lo compreender a sociedade da qual os seus pais provinham? Estavam tão desesperados por continuar a pertencer àquele grupo...

- Não compreendes. A voz de Caroline era calma, mas sentia-se insegura. Qual seria a opinião de Kaifar se soubesse toda a verdade? Se descobrisse que aceitara casar-se com David para colocar as finanças da família em ordem?

- Compreendo que um homem deva ser homem!

Caroline não tinha resposta para aquilo. Houve um silêncio enquanto Kaifar conduzia pelo trânsito matinal. Estavam nas proximidades de uma grande feira. Pessoas carregavam vários produtos em bicicletas, carrinhos, sacolas, maletas ou lombos de mulas. Ela observou, fascinada, as cores e os sons.

- Em que é que trabalhas, Caroline?

- Sou empregada de balcão numa loja de roupa - não era o emprego dos seus sonhos, mas, com a comissão, conseguia uma renda melhor do que se trabalhasse num escritório. E, sendo magra, adquiria roupas maravilhosas a baixo preço.

- Algumas das minhas velhas amigas são clientes.

- O teu pai perdeu o dinheiro, mas tu não perdeste a tua beleza - comentou Kaifar.

Caroline suspirou. Era um alívio conversar com aquele homem. Parecia ser alguém que ela ansiara conhecer. Mas este pensamento era perigoso e devia ser banido.

Uma bicicleta passou, repleta de pacotes. Atravessou-se no caminho do carro e o homem de idade que a conduzia andava precariamente. Kaifar travou rapidamente.

- Ya Allah! - gritou o senhor de idade, reconhecendo o perigo que já tinha passado, subindo trôpego na bicicleta e prosseguindo o seu caminho.

- Poderíamos visitar a feira mais tarde? - indagou Caroline.

Kaifar olhou-a de soslaio.

- Gostarias de fazer compras?

- Não sei. Preciso de ver qual é a oferta. Não experimentava a excitação de uma feira de rua desde um dos eventos mais felizes da sua vida: uma visita à Itália, quando tinha treze anos. Ficara extasiada com o sensual impacto de cores, sons, cheiros e aglomeração humana.

Um anúncio discreto, nojardim da fabulosa mesquita, anunciava: Está a entrar em solo sagrado, onde os devotos poderão fazer a sua adoração a qualquer momento. Por favor, observe os nossos costumes. Homens e mulheres devem estar vestidos com decoro. Pedimos às mulheres que cubram a cabeça. Podem adquirir lenços na entrada principal.

Nas proximidades, estava sentado um velho mendigo de pernas cruzadas. Tinha um turbante branco à volta dos cabelos muito alvos, umalonga barba e o olhar brilhante. Um gorro sujo no chão à sua frente mostrava o resultado do seu trabalho matinal. Kaifar parou e inclinou-se, com a mão estendida.

- Salaam aleikum - disse.

O mendigo levantou a mão enrugada, em sinal de agradecimento.

- Walezkum salaam, Sayedi - respondeu num tom formal.

Sorrindo, coçou a barba e disse algo ao qual Kaifar respondeu com um sorriso e um comentário. O velho mendigo colocou a nota no bolso.

- Dás sempre esmolas? - indagou ela.

Pensou em David, que se recusava até mesmo a comprar uma rifa de caridade. Disséra-lhe que nunca tivera dinheiro para pedintes. Têm todos apartamentos, Caroline. Não te deixes enganar, avisara-a.

Kaifar limitou-se a sorrir, como se a pergunta fosse ridícula.

- Caridade é um dos pilares da religião islâmica.

- Mas podem não ser honestos.

- Honestos?

- Talvez não precisem de dinheiro. Talvez seja apenas uma maneira fácil de ganhar a vida.

- No teu país não há pessoas realmente pobres?

Ela sentiu o calor chegar ao rosto e teve vontade de fugir dos próprios sentimentos.

- Claro que há.

- Há muitas pessoas pobres em Barakat. Mas, mesmo que assim não fosse, se não estivessem verdadeiramente necessitadas, seria problema delas, não meu.

- Seria? - indagou Caroline com um sorriso confuso.

- Sim, entre a consciência delas e Alá. Desejo proporcionar ajuda aos mendigos, não questionar o que se passa nos seus corações.

Caroline olhou para baixo, para o seu anel de diamantes.

Não aceitei David por causa da sua religião, carácter ou moral", tentou lembrar-se com severidade. Aceitei-o porque é rico. "

Kaifar era um guia fascinante, bem informado. Descrevia os feitos grandiosos da rainha Halimah em benefício do seu povo, na área da educação, da saúde e do saneamento. Caroline sentia-se encantada. Falou também dos artistas que tinham projectado a mesquita esplendorosa.

Ela olhou para as cúpulas imensamente altas, ornadas com ouro e mosaicos, e desejou que os prédios do Ocidente pudessem ter um quarto da beleza que presenciava e que pudessem proporcionar aos visitantes um pouco daquela paz de espírito.

Kaifar contava-lhe histórias, partilhava segredos, fazia-a rir, suspirar e abrir os olhos de espanto. Sem perceber, Caroline começou a apoiar-se no ombro forte. Quando terminaram o passeio, sentia-se renovada, como se se tivesse ba nhado na água límpida de uma fonte.

O chamamento de um mouro para a oração começou, quando já andavam lado a lado pela praça. Allahu akhbar Allahu akhbar.

Há anos que não se sentia tão em paz. Tudo parecia estar bem. Kaifar conduziu-a até à limusina e abriu-lhe a porta. Por um momento, antes de ligar o motor, fitou-a. Caroline não conseguiu suster-lhe o olhar. Então, ele indagou:

- Queres comer?

Ela virou-se para ajanela. O gesto nervoso fê-la avistar uma carrinha branca, igual a dezenas de outras de qualquer cidade. Mas notou que, quando Kaifar passou pelo local onde estava estacionado, o veículo começou a segui- los.

- Este é Bostan al Sa'adat, oJardim da A1 Aqui poderemos almoçar e depois passear em diversos jardins - disse Kaifar.

Caroline sentiu-se feliz por não ter necessidade de fazer mais nada para além de anuir. Es tava sem fala com o que via. Um muro alto cercava um terreno enorme onde havia fontes, rios, canais, pavilhões e todo o tipo de plantas, árvores e pássaros. Animais esgueiravam-se por entre os arbustos, os caminhos de água e até mesmo entre as pessoas.

Aquele jardim, contou-lhe ele, fora doado ao público pelo xeque Daud, o último rei de Barakat, há sessenta anos atrás, por ocasião do seu casamento com a linda estrangeira a quem prometeu não ter outra esposa enquanto vivesse. Caroline ficou confusa.

- Pensei que o xeque Daud tivesse tido três fiLhos de três diferentes esposas e decidido que todos herdariam uma parte igual do reino. Eles não estão sob a mesma ordem de jamais erguer uma arma para os irmãos ou descendentes dos irmãos, sob pena de um futuro amedrontador?

- É verdade. Mas, quanto à vida amorosa do xeque... Bem, ele viveu uma grande história de amor com a mulher a quem deu o nome de Azizah. Ela prometeu casar-se se o xeque jurasse jamais ter outra esposa. Mas, quando os dois filhos do casal morreram num acidente, a rainha libertou- o da promessa. O rei casou-se então com três mulheres num só dia.

- Parece uma receita para o desastre - disse Caroline em voz baixa.

Kaifar sorriu.

- Há muitas histórias de intrigas no harém. Cada mãe queria que o seu filho fosse o único herdeiro do trono, mas o velho xeque organizou tudo muito bem. Ei, olha para aquilo! - disse ele subitamente, conduzindo-a para uma estrada estreita, por entre as árvores.

Ao segui-lo, Caroline viu um grupo de homens no pátio principal. Pareciam os poderosos turistas que apareciam no noticiário nocturno. Não havia nada de realmente notável nos homens, excepto a estranha sensação de que Kaifar saíra do pátio para os evitar.

Por um momento, ela ponderou sobre o assunto, bem como sobre a relutância de Kaifar em levá- la à feira. Talvez ele não gostasse que antigos amigos o vissem naquele trabalho. Para o filho de um homem que um dia ocupara o posto de guardião do Tesouro Nacional... Caroline compreendia como antigos amigos podiam ser cruéis, mesmo quando não o pretendiam ser.

Ele levou-a até a uma ponte de pedra muito antiga e pitoresca, que certamente merecia ser apreciada. Permaneceram de pé no centro, inclinando-se sobre o parapeito e olhando para a água do rio.

- Esta ponte também foi construída pela rainha Halimah. Os jardins foram feitos aqui por esse motivo.

- Porque é que construiu uma ponte tão longa para um riacho pequeno?

Kaifar sorriu.

- A geografia da área mudou muito, desde que a ponte foi construída. Em tempos foi o rio Sa'adat e as suas margens ficavam a muitos quilómetros de distância. O povo ficou extremamente grato. Há ruínas de pontes até mesmo no deserto, provando que o curso do rio Sa'adat mudou.

- Entendo.

Caroline ficou em silêncio, absorvendo a paz e aspirando o perfume das flores. Ele pegou-lhe na mão, para examinar o solitário de diamante.

- O teu noivo é muito rico?

- Muito.

- O que é que ele acha de sustentares o padrão de vida dos teus pais?

- Duvido que David tenha alguma vez pensado nisso.

- Certamente irá tirar-te dessa vida. Pagou ao teu pai um dote muito valioso por ti?

Caroline retirou a mão.

- Dote? Não sejas tolo! - disse, rindo. - Não há dotes nos Estados Unidos. As mulheres não são compradas e vendidas como gado, como no Oriente!

Ele fitou-a, impassível.

- Não foste comprada, Caroline?

Então, com terrível clareza, a verdade apareceu diante dos seus olhos: David está a pagar ao papá uma soma fantástica por mim. Um... dote. Estou a ser vendida!

 

                         Capítulo Seis

Naquela noite, acomodada em tapetes de seda e almofadas de brocado, Caroline estava intrigada. Não fazia ideia de que lugar era aquele.

Kaifar parara o carro numa rua estreita e escura, ao lado de um muro alto. Saíra do automóvel a correr e da escuridão saíra um homem, que se encarregara do veículo. Fora conduzida através de uma porta não iluminada, embutida no muro, e depois caminhara na escuridão, por um jardim, até a uma mesa baixa, entre arbustos floridos.

Podia ouvir água a correr, possivelmente de uma fonte próxima, bem como sentir o perfume das flores. Um homem impassível serviu-lhe uma bebida e um prato saboroso, antes de Kaifar a conduzir para um dos ambientes mais lindos que alguma vez vira.

Janelas em forma de arco e batentes feitos com uma rica madeira escura contrastavam com as paredes pintadas de branco. O tecto em forma de cúpula era de vidro. Tapetes de seda, almofadas por todo o lado, mesas baixas, plantas, jarras, pinturas e lâmpadas produziam uma atmosfera sensual e sofisticada. Não se ouvia barulho algum, embora a construção parecesse ter dezenas de aposentos.

- Onde estamos, Kaifar?

- Como?

- Não posso acreditar que tenhamos este lugar só para nós! Porque é que não há mais clientes?

- Em Barakat, as pessoasjantam tarde - disse ele, sorrindo de um modo perturbador. Os dedos masculinos tocaram-lhe os lábios e Caroline sentiu o coração derreter. - Tens que experimentar isto - afirmou ele, pegando num prato que o empregado acabava de colocar na mesa.

Ergueu o garfo e alimentou-a. Alho, especiarias, óleo, a textura fresca de um vegetal que ela não reconheceu e os olhos de Kaifar a sorrirem-lhe numa máscula aprovação. Tudo aquilo criava uma atmosfera maravilhosa.

Era umjogo de sedução. Sim, sedução deliberada. Mesmo assim, ela não podia resistir ao desejo que a dominava. Era muito potente, mais do que qualquer coisa que vivenciara.

Caroline olhou para o enorme diamante do anel de noivado. A luz ténue não o fazia cintilar, mas sim parecer opaco. Tão opaco quanto os seus sentimentos por David.

Naquela noite, ela usava um dos seus vestidos favoritos. De seda cor de pêssego, com mangas compridas, decote revelador nas costas, que lhe deixava a pele nua até à cintura. Prendera o cabelo no alto, adornando-o com o único presente, dado pelo noivo, de que gostava: uma fina corrente de ouro que circundava a sua cabeça, da qual pendia um rubi.

- Caroline bebeu dois copos de vinho, antes de sentir a mão de Kaifar nas suas costas nuas. Foi o mais leve dos toques, mas o seu corpo estivera à espera disso. A sua pele fervia, o sangue disparava nas veias. Compreendeu, pela profundidade da resposta, que se sentira atraída por Kaifar desde o momento em que pousara os olhos nele.

Olhou mais uma vez para o anel. Era o símbolo da sua promessa aos seus pais e a David. Então, soube que não podia permitir que Kaifar a seduzisse. Não poderiam fazer amor.

- Não quero mais vinho, obrigada - disse, quando o empregado apareceu para repor o conteúdo do seu copo.

Caroline sorriu.

- Porque sorris, minha pérola de preço incalculável? O que é que te diverte?

A voz de Kaifar era rouca, repleta da impaciência de um homem que sabe o que quer. Aquela pérola de preço incalculável" soaria ridícula na boca de qualquer outro homem, mas na dele era pura magia. Caroline abanou um pouco a cabeça, para tentar voltar à realidade.

- Seduzes todas as tuas clientes?

- Estou a seduzir-te? - indagou ele, olhando-a fixamente.

- Sabes que sim!

- Óptimo - estendeu a mão e capturou alguns fios dourados do seu cabelo. Inclinou-se para a frente e pousou os lábios no pescoço de Caroline, erguendo em seguida a cabeça para encontrar o seu olhar. - Vê como estes fios de cabelo se colam ao meu dedo. O teu ser e o meu, a todos os níveis, são assim.

- Não respondeste à minha pergunta - insistiu Caroline, lutando por manter o controlo.

Ele soltou os fios.

- Como nunca servi uma cliente desacompanhada, a resposta é não. Talvez, depois de ti, aprecie esse prazer e passe a seduzir todas as que se cruzarem no meu caminho. Ou talvez... - a sua voz tornou-se num sussurro rouco -... nenhuma outra mulher sirva, Caroline, apenas tu. E então?

Ela sentiu um aperto no coração. Será que Kaifar dizia a verdade? Estariam a apaixonar-se? Ou, dito de outro modo, estaria mesmo a amar aquele homem? O seu coração contraiu-se perante tal pensamento.

Talvez precisasse de um encontro desses. Só assim perceberia que seria impossível casar-se com David Percy. Mas, se o que sentia era amor... o que faria?

Perguntou-se se a rifa, o facto de ter vencido, o local exótico e um homem tão atraente quanto um príncipe seriam obra do destino. Até mesmo as carrinhas brancas, que apareciam sempre por perto, poderiam ser explicadas desse modo. Era possível que estivessem a tirar fotografias de cenas íntimas como aquela.

Mas porquê? Quem poderia ter tal propósito? Quem teria interesse no rompimento do seu noivado? David foi a resposta sussurrada na sua mente. Caroline ficou sem ar. Será que David tinha mudado de ideias e se arrependera?

Ela não lera o acordo pré-nupcial. Simplesmente não quisera saber que preço lhe fora atribuído. Supunha haver um custo para o rompimento do noivado. Mas também devia haver uma cláusula que dizia que, se Caroline fosse apanhada na cama com outro homem, aquele custo seria ignorado. Isso poderia dar-lhe motivos para a tentar incriminar.

Talvez David tivesse armado tudo aquilo. Isso poderia explicar a reacção estranha do seu guia ao telefone, ao falar com David. Agira daquela maneira, porque ele não era exactamente um estranho.

Caroline riu da própria imaginação. Kaifar deixava-a perturbada. A próxima coisa que faria seria duvidar do próprio nome.

Kaifar sorriu e levou uma garfada aos lábios, apreciando sensualmente o sabor da comida.

- O que te fez rir, Durrz?

Ela meneou a cabeça, sorrindo e olhando para a mão forte que descansava no seu ombro. Era tudo muito íntimo.

- O que é que significa Durrz?

Ele dirigiu-lhe um olhar possessivo que a fez perder o fôlego.

- Minha pérola - traduziu. - Diz-me, minha pérola, o que te fez rir?

- Estava a pensar se... bem, se David te teria contratado para tentar romper o nosso noivado:

O olhar caloroso tornou-se duro e cruel.

- Contratar-me? David Percy?

Ele mostrou indignação. Parecia furiosamente insultado. Caroline estremeceu.

- Desculpa, não te quis ofender. Foi apenas uma pequena fantasia.

A raiva daquele homem era algo quase primitivo, como o temor que Caroline tinha de tempestades. E algumas vezes ele parecia realmente ser como uma força da natureza.

O olhar de Kaifar perdeu a expressão de raiva.

- Não sabia que o teu noivo queria romper o noivado. Foi por isso que não veio contigo?

Falava com leveza, mas ainda havia algo oculto por trás das palavras, o que a deixava inquieta. Será que Kaifar tiraria vantagem da situação, se achasse que David mudara de ideias?

- Não. Foi por isso que me ri de mim mesma. É que tu és... quero dizer, se alguém te tivesse tirado de um catálogo em que houvesse todas as coisas que eu mais...

Então, Caroline percebeu que aquela espécie de confissão não seria acertada. Parou de falar, enrubescida, e procurou cegamente algo no prato, levando uma porção de comida deliciosa à boca.

Kaifar inclinou-se para a frente, intrigado.

- Todas as coisas que tu mais...

- Esqueci-me do que ia dizer. Bem, isto é delicioso! O que é?

Kaifar capturou-lhe a mão, obrigando-a a encará-lo. Por um momento ficaram assim, tentando compreender o sentimento que os unia. Apenas por uma fracção de segundo o mundo parou, como que esperando que Caroline o beijasse, que Kaifar a abraçasse e que fizessem amor.

- Coisas que tu mais... - insistiu ele, vendo-a baixar as pálpebras. - Olha para mim. Isso... Ouve, não sou o que imaginas, Caroline. Não sonhes comigo, pois nada sabes do que sou - tocou-a no lábio inferior com o indicador. - Isto eu posso dar-te e darei. Mas não busques nada para além do prazer que o meu corpo te proporcionará. Será algo para recordares durante as noites frias em que estiveres deitada ao lado do teu marido. Deverás acalentar as lembranças para o longo Inverno que virá.

Ela sentiu os olhos inundarem-se de lágrimas. Como era tola! O que estivera a imaginar? Devia considerar-se afortunada por Kaifar ter sido tão sincero.

Mordeu o lábio inferior, a dor aguda parecia consumi-la. Não o deixaria perceber o quanto aquelas palavras a tinham magoado. Virou-se e sorriu.

- Sinto muito, mas acho que subestimaste seriamente as habilidades sexuais de David - declarou ela.

 

                           Capítulo Sete

Fez-se novamente silêncio. Embora a expressão de Kaifar não se tivesse alterado, havia algo diferente no seu olhar.

- Considera-lo um amante satisfatório? - indagou ele.

Caroline não o julgava um amante. A sua experiência com David limitava-se a um beijo. Mas não o admitiria.

 

- Os homens mais velhos têm experiência.

- Assim como os maisjovens - rebateu Kaifar, com suavidade. - A experiência de saber quando uma mulher está a mentir.

Ele estava com ciúmes! Não a queria imaginar na cama de David. Caroline fitou-o, pronta a desafiá-lo, feliz com a descoberta. Os sentimentos de Kaifar eram mais fortes do que queria admitir.

Com um gesto inesperado, Kaifar tomou-lhe a mão e beijou-a com paixão e sensualidade, como se a quisesse devorar. O calor e a humidade daqueles lábios traçavam uma trilha de fogo na sua pele. Caroline ficou zonza e não pôde evitar um gemido, nem um arrepio selvagem de desejo.

Ele ouviu-o e fitou-a. O brilho de triunfo e de posse no seu olhar quase a fez cair.

- Hájá algum tempo que o teu noivo não te deve dar atenção... - então, soltou-lhe a mão e puxou-a para os seus braços.

Um gemido de espanto escapou dos lábios de Caroline, mas foi calado por um beijo. Um beijo que provocava, saboreava, bebia e era néctar nos lábios dela. Dedos fortes acariciavam-lhe as costas, provocando-Lhe sensações inacreditáveis.

O barulho de um copo fez Caroline virar a cabeça e lembrar-se de onde estava.

- Kaifar, o empregado! - sussurrou.

- Consegues pensar no empregado numa altura destas? Dá-me os teus lábios.

- Não - respondeu ela, desenvencilhando- se do abraço.

Ele não compreendeu. Sorriu e levantou-se com graciosidade.

- Vem comigo. Guiou- a pelo lindo salão e depois por um corredor. Chegaram a uma antiga porta de madeira, sob um arco. A porta abriu-se silenciosamente ao toque de Kaifar.

Antes que Caroline tivesse tempo de dar um suspiro, estava num salão impressionante, lev mente iluminado, com uma bonita decoração onde uma cama luxuosa, cheia de almofadas, fora preparada.

Ela olhou à sua volta, espantada. Que espécie

de restaurante era aquele?

- Onde estão os outros?

- Foram-se embora. E não vão voltar. Ela experimentou uma certa alegria.

- Que lugar é este?

- Um lugar muito discreto.

Passou a mão pelas costas de Caroline, fazendo-a arrepiar-se, e, com vagar, atraindo-a num

abraço. Ela sentia o corpo derreter. Mas de algum recanto, talvez das suas dúvidas, vieram-lhe

forças para se libertar do abraço.

- Tenho um noivo, Kaifar.

Ele deixou-a ir, mas estendeu a mão e tocou-lhe o cabelo.

- O teu noivo comprou-te com dinheiro. Eu ofereço-te prazer. Uma noite, uma semana a fazeres amor comigo, apenas pelo prazer que isso nos proporcionará a ambos.

Ocinismo da sua voz gelou o desejo que Caroline sentia por ele e que a consumia. Caroline afastou-se de Kaifar e, sem o fitar, disse com amargura:

- Comprou-me, sim. Dando em troca a promessa de felicidade e de segurança para a minha família.

- Porque fazes tamanho sacrificio por aqueles que não te amam?

Ela arregalou os olhos diante daquelas palavras.

- A minha família ama-me!

- Quem ama não pede um sacrificio desses.

Ela cobriu o rosto com as mãos.

- Pára com isso, por favor!

- Sabes que é verdade.

Sim, ela sabia. Sempre o soubera. E, de facto, fazia o sacrificio não porque os pais a amassem, mas porque não a amavam. Uma parte infantil e pequena do seu ser ainda acreditava que, se fosse boazinha, acabaria por ganhar o seu afecto.

- Pelas regras que estipulaste a ti mesma, o que obténs deste... acordo?

- Um estilo de vida elevado. Mais elevado do que possas imaginar.

Ele não se deixava enganar. Era como se aquela fosse a resposta que esperava ouvir.

- E por causa disso vendes-te a ti mesma e desperdiças todas as tuas esperanças? Porquê?

- Como ousas fazer isso comigo? Apenas para teres uma semana de sexo? Devia ter ouvido os conselhos da minha mãe. Oh, porque é que vim?

- Sabes muito bem a razão por que vieste. Para sentires o último sabor de liberdade. É este sabor que eu te ofereço. Porque não aceitá-lo?

Com o coração apertado, Caroline constatou que ele tinha razão. Era uma hipócrita. Os seus olhos encheram-se de lágrimas.

- Por favor, leva-me de volta para o hotel. O olhar de Kaifar cintilava.

- Caroline?

- Não digas mais nada, suplico-te.

Kaifar abriu a porta do hotel e observou-a entrar.

- Boa noite - disse ela, determinada a afastar-se.

Ele anuiu, ao vê-la aproximar-se dos elevadores. Um homem atravessou o vestíbulo, parou e premiu o botão novamente. Quando o elevador chegou, seguiu-a.

Kaifar virou-se e desceu os degraus até ao carro. Acomodou-se no banco de motorista, abriu o porta- luvas, tirou um telefone e marcou um número. Após alguns momentos, uma voz respondeu, em inglês:

- Onde é que estás?

- À porta do hotel.

- À porta do hotel?

- Não funcionou.

- O quê? Recebi um telefonema a dizer que estavas a prosseguir com o caso amoroso na residência"

Kaifar riu.

- Tudo mudou subitamente. Foi um erro meu.

- Por que diabos não a agarraste simplesmente?

- Isso tê-la-ia amedrontado.

- Tem de ser feito. Já está tudo em andamento.

- Amanhã - prometeu Kaifar e desligou.

Caroline deambulava pela suite do hotel, tentando encontrar um sentido para os factos. Apenas uma coisa era clara: não se envolveria com Kaifar para depois voltar para casa e casar com David. Ou estava noiva e devia a sua lealdade ou ; era uma mulher livre.

Isso provocava-lhe uma grande indagação: poderia casar-se com David? Na verdade, aceitara-o apenas para tentar conquistar o amor dos pais. Fora pela busca desesperada da aprovação deles que se sujeitara àquele contrato de casamento com um homem egoísta, de sangue frio, que tinha o dobro da sua idade. Um homem cuja presença a deixava regelada, como se fosse o toque da morte.

Lembrou-se que, certa vez, ouvira o pai acusar a mãe de traição. Era como se Caroline tivesse nascido de uma relação extraconjugal. Seria por isso que não a aceitavam? Era esse o motivo pelo qual ele não a amava? Por que suspeitava, ou sabia, que Caroline não era sua filha?

Quando tinha cerca de quinze anos, perguntou à mãe quem era o seu verdadeiro pai. E recebera uma bofetada como resposta. Depois disso, esquecera o assunto. Mas, agora, voltava ao de cima o turbilhão de factos esquecidos, suprimidos, ignorados. Estava a ser assaltada pela verdade.

Tentou telefonar para casa, mas houve um problema com a linha. Queria conversar com a sua mãe.

A recusa de Kaifar em assumir responsabilidades pelo seu futuro foi o choque final. Forçou-a a encarar a realidade e as suas opções. Tinha apenas duas: casar com David Percy ou romper o noivado.

Não era uma escolha entre David e um homem pelo qual se sentia muito atraída, mas que mal conhecia. Não era uma mera escolha entre uma vida luxuosa e um estilo de vida, no estrangeiro, que mal conseguia compreender.

Era David ou ninguém. David ou a independência. David ou dizer ao seu pai que fora ele que preparara a própria cama e que estava na altura de se deitar nela.

David ou a sua vida.

Até mesmo naqueles termos não era uma escolha fácil. Caroline vagava da decisão para a decisão, da crença para a incerteza, da confiança para a profunda perturbação.

Era tudo muito recente. A sensação do pouco valor que lhe davam era algo que secretamente a

vinha assombrando durante toda a vida.

Se ao menos tivesse telefonado a David, durante os seus momentos de clareza, e lhe tivesse dito que estava tudo acabado! Se pudesse ter conversado com os pais, avisando-os da sua decisão! Mas, cada vez que pegava no auscultador, diziam-lhe que as linhas estavam com problemas.

Sentia-se tão próxima de Kaifar que lhe parecia impossível que ele nada sentisse para além de desejo sexual. Mas ele já deixara claro que nada desejava para além de prazer. Não haveria um futuro mágico. Teria de ir para casa e encarar a situação.

Pegou novamente no auscultador.

- Por favor, quero falar para Nova Iorque!

Quando é que as linhas estarão normalizadas?

- Não sei, menina. Mas é muito tarde agora.

- O que é que isso significa? Significa que ninguém está a tentar arranjar as linhas?

- O engenheiro foi para casa.

- Engenheiro? Eu pensei que fosse um problema com as linhas do país!

- O problema está entre as linhas do hotel e as da operadora internacional - informou o recepcionista, como se, finalmente, tivesse encontrado as palavras correctas.

Durante todo aquele tempo, ela acreditara que se tratava de um problema nacional. Se tivesse sido informada há horas atrás, teria procurado outro telefone. O seu aborrecimento fê-la explodir.

- Foi para casa? Não contrataram um técnico de emergência?

- Mas não é uma emergência, menina. As linhas só não estão a funcionar. Serão consertadas amanhã, talvez.

- É incrível! - exclamou ela e desligou.

Nas primeiras horas da manhã, cansada, frus trada e deprimida, Caroline começou a ter medo de si mesma. Seria fraca. Se não desse um passo irrevogável naquele momento, poderia nunca mais ter coragem.

Sob a força desse temor, sentou-se e escreveu. Colocaria tudo no papel, poria selos e enviaria as cartas, tirando do seu poder a possibilidade de as ir buscar de volta. E, então, estaria feito.

Estava quase a amanhecer quando acabou. A sua decisão tinha sido tomada. Não disse aos pais que julgava a atitude deles um erro. Apenas tentou explicar por que razão não poderia cumprir o acordo. A David prometeu devolver-lhe o anel e os presentes quando voltasse. Dizia que lamentava não o ter feito antes. E, então, tirou o anel de noivado.

Descalça, mas ainda com o vestido de noite, pegou nas duas cartas, na chave do quarto e dirigiu-se para o andar de baixo, até à recepção.

O recepcionista do turno da noite conversava com um homem acomodado numa poltrona, aparentemente um segurança do hotel. O homem fitou-a com espanto, mas o rapaz atrás do balcão nem se incomodou com a sua aparência.

- Boa noite.

- Gostaria que estas cartas seguissem no primeiro envio de correspondência matinal. Tem

selos?

- Certamente, senhora. Cartas por via aérea?

A transacção levou poucos minutos. Ela pagou os selos, colou-os e estendeu-lhe as cartas.

- A que horas serão enviadas?

Ele conversou com o segurança em árabe.

- Às seis horas, senhora.

Muito cedo para mudar de ideias. Caroline aspirou profundamente.

- Certifique-se de que sejam enviadas, por favor.

Oempregado acenou afirmativamente, mas não respondeu.

- Boa noite, senhora.

Quando entrou no elevador, o segurança ficou de pé. Observando-o pela fresta das portas que se fecharam, Caroline franziu a testa. Já tinha visto aquele homem antes. Mas não no hotel. Onde, então?

Quando o elevador subiu, o homem que estivera acomodado na poltrona aproximou-se da mesa de recepção e estendeu a mão. Com alguma relutância, o rapaz estendeu-lhe as duas cartas.

- Ela está com problemas? - indagou.

Ooutro homem não respondeu. Examinava os dois envelopes. Após um momento, meteu-os no bolso.

- Se ela te perguntar, as cartas foram enviadas normalmente.

- Parece ser uma mulher muito simpática. O que é que fez? - indagou o rapaz.

- É melhor que não saibas de nada - disse o outro.

Caroline adormeceu, o coração leve pela primeira vez em meses. Nos seus sonhos, banhava-se numa piscina muito límpida, usando um sabonete transparente, com o formato de uma mesquita...

- Tentou telefonar para Nova Iorque mais de vinte vezes, entre a meia-noite e as quatro da manhã - disse o secretário-assistente, deixando o relatório na escrivaninha do príncipe Karim.

Karim nada respondeu. Rafi sentou-se.

- Ela fez isso?

- É claro que não conseguiu comunicar - sorriuJamil. - E escreveu estas cartas.

Pousou os dois envelopes no tampo de madeira.

- Devemos abri-las! - disse Rafi.

Sem dizer uma palavra, o príncipe Karim deteve-o. O silêncio caiu na sala.

- Uma para o noivo, outra para a mãe - observou.

- Ela descobriu algo - advertiu Rafi. Karim balançou levemente a cabeça.

- Não descobriu nada.

- Abre as cartas e certifica-te. Não podes ter escrúpulos, meu irmão. Se ela descobriu, quem sabe o que fará? Poderá fugir.

O príncipe abanou novamente a cabeça.

- Não descobriu nada. Não há necessidade de ler as cartas.

- Ela está apaixonada pelo teu... motorista?

Karim arqueou as sobrancelhas.

- Apaixonada? Não.

- E o motorista? Está um pouco apaixonado por ela?

- Claro que não.

- Pareces ter tanta certeza...

- Claro que tenho. Achas que me posso enganar em relação a algo assim?

- Oh, facilmente! Se estiveres enganado, sabes... estará tudo arruinado.

- Não há amor neste caso.

- Se houver - prosseguiu o príncipe Rafi, - o resultado pode ser imprevisível. Se Kaifar colocar os interesses da rapariga acima dos do príncipe Karim num momento crítico...

- Seria desastroso - concordou Karim, com vagar. - Mas isso não vai acontecer.

- Nasir marcou a reunião para hoje. Será feito hoje.

- O quê? Oh, sim! Será feito hoje.

 

                         Capítulo Oito

Caroline dormiu uma ou duas horas. Cansada, tomou um café muito forte. Quanto tempo demorariam as cartas a chegar ao seu destino? Esperava que antes de findar a sua estada em Barakat.

A ideia de se encontrar com Kaifar, agora que estava livre, deixava-a tensa.

Às nove e meia, vestiu um vestido por cima do biquini e colocou um livro no seu volumoso saco de praia. Na recepção, o seu coração disparava como se estivesse a embarcar nalguma aventura de espionagem. Deixou um bilhete a Kaifar, dizendo-lhe que resolvera passar o dia sozinha e que ele poderia ter o dia de folga.

Colocou o anel no cofre do hotel e desceu a escadaria branca que conduzia à praia dourada e ao mar cor de turquesa.

A areia, com as suas palmeiras, estendia-se por quilómetros. Mesmo diante do hotel havia uma área privativa com piscina, fonte, espreguiçadeiras, guarda-sóis e diversas plantas. Alguns hóspedes já estavam acomodados ali. Mas Caroline caminhou até à água.

À esquerda havia um ou dois hotéis mais pequenos. Ao longe, viu as torres da cidade. À direita, a baía curvava- se num ponto e, por fim, desaparecia.

Mais nenhum edifício era visível, mas o reflexo do sol indicava a presença de casas aqui e acolá, escondidas entre as árvores.

O sol já estava quente, mas não havia ninguém na praia para além dela. Caminhou durante dois quilómetros, abriu o guarda-sol e enterrou-o na areia. Podia ver gaivotas a voar, ouvir o barulho suave das ondas. Nada mais.

Sentia-se livre. Mais livre do que em qualquer outro momento da sua vida. Que tola fora, ao lançar-se cegamente para um futuro... Se se ti vesse apercebido da situação, poderia tê-la evitado. Isso teria desgostado os seus pais, os pais que ela nunca fora capaz de satisfazer.

Estava imensamente grata a Kaifar por ele lhe ter aberto os horizontes. O que viessem a tornar-se um para o outro não importava tanto; ele salvara-a, forçando-a a encarar a realidade.

Exausta e mesmo assim cheia de energia espiritual, Caroline deitou-se sob a sombra do guarda-sol e aspirou profundamente o ar marinho.

Estava sozinha e livre. Um casal olhava o mar com binóculos, mas estavam suficientemente longe para perturbarem a sua solidão. Sorrindo, Caroline fechou os olhos e deixou que o som suave do mar a embalasse num sono.

Quando acordou, Kaifar estava sentado a seu lado. Usava uma tanga preta e olhava para o golfo. Caroline fitou-o sem proferir uma palavra, absorvendo a visão daquele corpo musculoso e moreno, dos pêlos negros a cobrirem-Lhe o

peito, os braços e as pernas.

O perfil mostrava força. Um homem que seria firme na amizade, assim como na inimizade, ha bituado a tomar decisões e a abraçar responsabi lidades. Um homem de verdade. Honesto como só os homens de verdade podem ser.

Ela amava-o. A descoberta veio-lhe tão gentil e naturalmente quanto as ondas a beijarem a areia.

Como que tomado pelo mesmo sentimento, Kaifar virou-se e observou-a. Sem uma palavra, inclinou-se e beijou-a na boca. Depois ergueu um pouco a cabeça e sorriu.

- Ficas tão diferente sem barba... - murmurou Caroline, estendendo a mão para lhe acariciar o

rosto.

Ele estava devastadoramente atraente. O queixo era forte e firme, os lábios sensualmente belos. Recebeu o comentário com um arquear de sobrancelhas e um sorriso. Os seus olhos cintilavam. Apoiou o cotovelo na areia.

Estava perto de Caroline quando estendeu a mão, tomou uma madeixa de cabelos louros e a acarinhou. Então inclinou-se e beijou o rosto de Caroline, os seus olhos, a sua testa, as suas têmporas.

Ela sentia-se derreter com as sensações deli ciosas. Maravilhava-se com o calor que irradiava daquele corpo, com o cheiro másculo e a proximidade da pele nua. Ergueu os braços para lhe circundar o pescoço. Numa resposta urgente, o braço dele pousou na sua cintura, puxando-a.

Os seios, cobertos pela parte superior do biquini azul, colaram-se ao peito másculo. Ela fitava o esforço de Kaifar por manter o controlo e então veio o inevitável beijo. Não era mais leve ou gentil, mas sim feroz e exigente.

Após um longo momento, Kaifar ergueu a cabeça e encarou-a.

- Esqueci-me de onde estávamos - murmurou.

Afastou-se. Nada disseram. Apenas sorriram. A mão esquerda de Kaifar procurou a de Caroline e levou-a até à boca. Beijou-a uma vez, duas e, então, numa mudança súbita, franziu a testa e apertou-lhe os dedos com força.

- Tiraste o anel de noivado!

Ele não pareceu feliz com a descoberta. A única coisa que queria era algumas noites de sexo, lembrou-se. Se Kaifar soubesse da escolha que fizera, talvez tivesse medo de encarar as consequências. Como a trataria se descobrisse quão profundamente atingira os seus sentimentos?

O coração feminino parecia despedaçado por uma faca afiada. Caroline inclinou-se e limpou a areia dos calcanhares.

- Deixei o anel no hotel, porque vim para a praia - mentiu. - Não me venhas dizer que pensaste que me senti tão encantada com o teu olhar que atirei pela janela o casamento do ano!

Ele fitou-a profundamente.

- Era na tua honra que estava a pensar, minha luz - declarou ele, suavemente.

- Vou para a água - anunciou ela, levantando-se e correndo os poucos passos que a separavam das ondas.

O mar estava agradável, a água quente. Caroline mergulhou, veio até à superfície e nadou furiosamente durante alguns minutos. Então, ficou de costas e flutuou, observando o céu através da nuvem de lágrimas.

Kaifar não a amava. O que faria? Aceitaria as migalhas que aquele homem tinha para lhe oferecer? Aceitá-lo-ia incondicionalmente? Ou negaria o que ambos queriam, temendo sofrer na partida inevitável?

Sofreria na despedida de qualquer maneira e isso já estava bastante claro. O que quer que acontecesse, não embarcaria com o coração intacto. A dor seria maior ou menor se permitisse que Kaifar a amasse sob as condições especificadas?

Ele tinha prometido prazer físico e certa mente era suficientemente experiente para fazer valer a sua promessa. O mero pensamento do toque íntimo fazia-a derreter- se.

Muito suavemente, Kaifar emergiu a seu lado. Sorriu, com a água a cintilar nas suas pestanas e cabelos. Segurou-a pela cintura, fazendo-a ficar na vertical, contra o seu corpo.

Caroline suspirou. O seu coração resplande cia. Não podia deixar de fazer amor com Kaifar. Ele perturbava-a profundamente.

- Virás comigo agora, Caroline?

Não poderia haver outra resposta a não ser sim.

De volta à praia, Kaifar vestiu as calças compridas de algodão, enquanto Caroline o observava; sorrindo. Depois inclinou-se e pegou no vestido, vestindo-o pela cabeça. Kaifar já tinha vestido a camisa e fechava o guarda-sol.

Um momento mais tarde caminhavam em direcção ao hotel. Passaram pela piscina e subiram a escadaria, mas no pátio ele deteve-a e conduziu-a para o caminho oposto, onde o Rolls Rols estava estacionado.

Ela resistiu.

- Quero trocar de roupa - protestou, rindo. Estou cheia de sal.

O olhar de Kaifar encheu-se de impaciência, como se ele não se pudesse conter mais.

- Então, o teu sabor será ainda mais delicioso. Inclinou-se para a beijar com apaixonada intensidade e, abraçando-a fortemente, quase a obrigou a entrar no carro.

 

                         Capítulo Nove

Kaifar levou-a para o mesmo local visitado na noite anterior. Ela, porém, não fez perguntas ao ser conduzida, pelo jardim sombreado, até à escadaria. Passaram pelo salão onde tinham jantado e chegaram ao quarto. Caroline, então, virou- se e atirou-se para os seus braços.

- Kaifar - murmurou, beijando-lhe os lábios entreabertos, enlaçando- lhe o pescoço e pressionando os seios contra o seu peito nu.

Oferecia-se livre e abertamente. O seu coração ansiava por aquela alegria, o seu corpo já estremecia de prazer. Sentiu os braços de Kaifar em seu redor e soube que nenhum outro amor seria tão perfeito assim.

- Tenho que te deixar por um momento - murmurou ele. - Por favor, espera aqui.

- O quê? - perguntou com um sorriso incré dulo.

- Por favor, Caroline. Preciso de ir fazer uma coisa.

- Oh, sim! - exclamou ela, sorrindo. – Aqui está!

Pegou-o pela mão e conduziu-o para a cama. O olhar masculino mostrava uma paixão atormentada.

- Caroline...

- Prometo que não me vou arrepender. Prometo que te não vou culpar, prometo que não te vou pedir o que não me podes dar. Mas isto eu sei que me podes e queres dar. Ou não queres?

Kaifar deu um passo na sua direcção e, com a paixão prestes a explodir, abraçou-a e beijou-a com um desejo que a deixou em chamas. No momento seguinte, Caroline sentia um lençol de seda envolvê-la. Ele parecia incapaz de conter a fome de paixão. Acariciava-a, determinado a perturbá-la cada vez mais com sensações inebriantes.

Ela sentiu a mão enorme tirar-lhe o vestido de algodão. Por baixo usava o biquini fino e aderente. Estava exposta ao toque experiente de Kaifar.

Ele abraçou-a com gentileza, fazendo-a aproximar-se da cama, inclinando-se sobre Caroline e beijando-a no ombro, pescoço e garganta. Fez deslizar pelo ombro a fina tira da alça do biquini, beijando todo o trajecto percorrido pelo pedaço de tecido.

A sua língua passeava, faminta, pelo início do decote oferecido pelo soutien, louco para acariciar o que o tecido escondia. Num repente os seios foram libertados.

O ar frio no peito nu fê-la estremecer. Também a excitava a expectativa daquela boca, daquela língua e daquela mão forte a acariciá- los. A mão foi a primeira a tocá-la, cobrindo sensualmente um seio em passional solicitação. Ele olhou para o mamilo intumescido durante um segundo apenas, antes de se inclinar e tomá-lo nos lábios.

Uma sensação indizível apoderou-se dela, ao sentir a boca quente e húmida, tão faminta e exigente. Caroline arqueou as costas e gemeu baixinho.

Sentiu, pelo aperto da mão de Kaifar, que ele estava prestes a perder completamente o controlo. Viu-o erguer a cabeça e pressionar a boca selvaticamente contra os lábios de Caroline, como para calar os seus gemidos.

Os olhos dele pareciam queimar, enquanto o corpo principiava a posse íntima daquela mu lher. Sorriu ao vê-la gemer de prazer; Caroline queria ser possuída.

Entreabriu as coxas e Kaifar retirou-lhe a parte inferior do biquini. Fê-la ficar sem fôlego, ao iniciar a lenta exploração. A sensação maravilhosa atingia-a em ondas de indiscutível prazer. Agarrou-se a ele, em busca de segurança, e ele sugou a suavidade dos seus lábios como se o mel que tivesse despertado nela pudesse ser saboreado ali.

Quando percebeu que o prazer a tomava quase completamente, Kaifar beijou-a inteiramente, atingindo o âmago da feminilidade. Arfando, Caroline viu o brilho das estrelas, dançando ao ritmo daquele toque mágico.

Quão longe foi a dança ela nunca saberia dizer. Sabia apenas que cada alívio vinha mais rapidamente e as convulsões, de diferentes tensões, deixavam-na viciada em prazer, ansiando mais e mais.

Lamentou a pausa que ele fez para a despojar completamente do biquini. Notou que também ele se despia e que a pele morena tocava na sua maravilhosa.

O prazer que ela sentia era demasiado forte para ser suportado. Gemeu, gritou. Nunca quis tanto, nunca conheceu uma necessidade como aquela. Jamais um homem a levara até àquele ponto, no qual não havia retrocesso.

Caroline sentiu-o tremer, ao pegar no preservativo. E então, por um instante, o medo foi maior do que o desejo.

- Kaifar! Oh, por favor...

- Eu sei. Confia em mim, Caroline.

Mas ele não sabia. Não até encontrar uma barreira inesperada. Não até a ouvir gritar de alegria e, ao mesmo tempo, gemer de dor. Não até ver a surpresa no olhar de Caroline. Até àquele momento, não sabia o que ela Lhe dava.

Apesar da extrema paixão e do desejo que sentia, a constatação deteve-o.

- Caroline! Ela sorriu.

- Kaifar - disse quase sem ar. - Não é maravilhoso? Oh, mas dói! Vem novamente, é um paraíso! Nunca senti algo tão maravilhoso em toda a minha vida...

- Caroline! Por Alá, estás a dar-me... a tua virgindade?

Investiu novamente no corpo macio e Caroline perdeu-se, navegando em ondas de prazer e sensações que Lhe roubavam a fala, a audição e tudo o mais. Nada importava a não ser a força da experiência que saboreava.

- Sei que tem algo para me mostrar - disse David Percy, sem demonstrar emoção.

O homem magro estava de pé, com uma enorme caixa de veludo contra o peito. David tinha quase a certeza de estar á desperdiçar o seu tempo. Mas o homem insistira em ter um encontro pessoal. Recusara-se a mostrar a peça guardada na caixa.

- Está bem, vamos ver o que tem aí. Sente-se. O homem dirigiu-se para a poltrona que estava diante da secretária e acomodou-se. Ergueu a caixa de veludo e fê-la deslizar lentamente pela

mesa.

David Percy pegou nela com uma impaciência pouco disfarçada. Detestava as cortesias estrangeiras que queriam sempre impor em situações como aquela. Sempre as considerara uma manipulação. De qualquer maneira, as pessoas que vinham até ele ou eram ladrões ou pobres coitados que tinham perdido tudo. Por isso era esperar de mais que ele os tratasse com cortesia.

- Vamos ver - disse, abrindo a caixa. Então deteve-se, surpreso. - O que diabos é isto?

A sua mão pousou na jóia. Ergueu-a. Olhou-a fixamente por um momento e então relaxou-se.

- Talvez já tenha ouvido falar na Grande Jóia do Selo de Shakur - comentou o homem suavemente.

- Claro que ouvi falar dela.

- O meu chefe oferece- lhe...

- Não estou interessado. É falsa!

Nasir arqueou as sobrancelhas, enquanto David Percy pousava a pedra nacaixa e se acomodava melhor na cadeira. Sorriu e inclinou a cabeça.

- Mas é claro que é uma cópia, senhor Percy.

E naturalmente o senhor, dentre todas as pessoas, sabe bem disso.

- Porque é que eu haveria de saber mais do que outra pessoa?

- É um grande especialista, senhor Percy. O que mais poderia eu ter querido dizer?

- Não compro cópias.

- Mesmo assim, o meu chefe espera que o senhor queira comprar esta. Uma troca que o deixaria satisfeito.

David cruzou as pernas.

- Saia daqui e leve a sua esmeralda falsa. Nasir não se moveu. A expressão no seu olhar era de teimosia, mas David Percy optou por não a reconhecer.

- Embora o meu chefe esperasse encontrá-lo num estado de espírito mais... honroso, realmente ocorreu-lhe que o senhor não ficaria ansioso sem encorajamento. Acontece que o meu chefe possui outro tesouro, senhor Percy. Talvez esteja interessado em tê-lo.

Levou a mão ao bolso e tirou uma fotografia. Colocou-a virada para baixo sobre a mesa, empurrando-a em direcção a David.

Ele observou-a com um léve sorriso, franzindo relutantemente a testa. Qualquer fraqueza que demonstrasse seria extremamente perigoso. Pegou na fotografia e virou-a. Sentiu-se regelar.

- O que é isto?

Na sua mião estava uma fotografia de Caroline Langley.

- Constou-me que esta jóia era o prémio maior da sua colecção particular. Assim como o Selo de Esmeralda o era, para o meu chefe. O seu tesouro, senhor, está nas mãos do meu chefe. Ele tem a certeza de que gostaria que esta jóia tão rara e perfeita lhe fosse devolvida - fez uma pausa, mas não houve reacção. - Embora ele admire muito esta jóia - Nasir, com gentileza, indicou a fotografia, - pediu-me para Lhe dizer que, se me entregar ajóia dele, o meu chefe devolver lhe-á o seu próprio tesouro. Se revelar os pormenores desta oferta à imprensa ou à polícia, o meu chefe adverte-lhe que a sua jóia, senhor Percy, desaparecerá da face da Terra.

Caroline acordou, feliz, no início da noite. Sentiu o aroma delicioso a comida e espreguiçou-se langorosamente, enquanto um sorriso pairava nos seus lábios.

Oh, mas que amante encontrara! Kaifar dera- lhe tudo num só dia. Não precisava de o comparar com outra pessoa para saber que a magia entre eles era rara, linda e única.

- Caroline, porque é que não me disseste?

- Teria mudado alguma coisa?

- Porque é que ainda eras virgem?

- Porque não?

- Mas tens... vinte e dois, vinte e três anos?

- Tenho vinte e três anos e algumas semanas Ele acariciou-lhe a testa, observando-a atentamente.

- Porque é que não tiveste amantes? Ela encolheu os ombros.

- Para me preservar. Decidi, quando tinha dezasseis anos, que não me iria entregar ao sexo casual.

- E porque é que mudaste de ideias agora?

Caroline não poderia responder, a menos que lhe contasse a verdade. Nada tinha mudado. Aquilo não fora sexo casual, pelo menos para ela. Apaixonara-se e fizera amor com Kaifar, porque o amava. Essa era a promessa que fizera a si mesma aos dezasseis anos: nada de sexo até estar profunda e honestamente apaixonada pelo homem com quem quisesse passar toda a sua vida. Sorriu.

- Quando quiseres mesmo saber a resposta a essa pergunta, é possível que eu te conte.

O olhar dele mostrava preocupação. Kaifar não disse nada, apenas a manteve nos seus braços. Após alguns minutos, ela adormecia profun damente.

Caroline ouviu louças a serem postas na outra sala e levantou-se. Descobriu que estava nua, enrubesceu, depois sorriu e procurou o seu vestido de Verão, que descansava sobre uma linda cadeira antiga. Ao olhar à sua volta, sentiu-se impressionada. O quarto parecia uma cópia das mil e uma noites, com paredes brancas, janelas que davam para umjardim, esculturas em madeira decorando numerosos arcos e nichos. Era espaçoso, arejado, cheio de estátuas, pinturas e tapetes de seda. Os tapetes pendurados sobre a cama eram bordados a ouro.

Onde estaria? Ao princípio, julgara encontrar-se no apartamento ou na casa de Kaifar, mas será que ele poderia possuir algo tão magnífico? Talvez o tivesse herdado do pai.

Dirigiu-se para a casa de banho, se é que se podia chamar assim. Nunca tinha visto mármore tão lindo ou uma sala tão grande devotada inteiramente ao corpo humano. A banheira parecia mais uma piscina, com degraus de ambos os lados, suficientemente grande para vinte pessoas. Havia lindas esculturas douradas ao longo de uma parede, espelhos e uma pilha de toalhas brancas.

Quando saiu do banho, o aroma a comida era ainda mais forte. Abriu a porta e seguiu o cheiro pela sala onde tinham comido na primeira noite. Através de um arco, viu uma longa extensão de lajes de mármore branco e preto, sofás de seda, poltronas e mais tapetes. O pai de Kaifar, disse a si mesma, deve ter sido muito importante.

Um homem de camisa e calças compridas brancas acabava de pôr uma pequena mesa de estilo ocidental perto de umajanela que dava para o jardim. O pôr do Sol tornava tudo dourado. Ele sentiu a sua aproximação, apesar de Caroline estar descalça, e virou-se.

- Salaam, madam - saudou e fez uma mesura. Disse algo mais, mas nada que ela pudesse compreender.

- Salaam - respondeu Caroline.

- Por favor - pediu o homem, indicando, por sinais, que ela devia sentar-se nas almofadas que rodeavam a mesa baixa.

Havia uma bandeja com bebidas e diversas vasilhas com alimentos exóticos. Caroline sentou-se e tirou algo de uma tigela que lhe foi oferecida.

- Onde está Kaifar? - indagou, experimentando a comida deliciosa.

O homem arregalou os olhos.

- Kaifar?

Como poderia descrevê-lo? O homem que me trouxe até aqui? O dono deste lugar?

Será que era mesmo o dono? Aquele sítio luxuoso pertenceria a Kaifar?

- Madam, querer vinho? - mais um sorriso charmoso.

- Sim, obrigada.

O homem serviu o líquido branco numa pesada taça de cristal dourado. Caroline descontraiu-se por alguns minutos. Então, ao ver que Kaifar não aparecia, sentiu que se devia ir embora e vestir roupas mais adequadas no hotel. Pousou a taça de vinho na mesa e levantou-se.

- Eu gostaria de ir até ao hotel - informou o empregado.

Ele encarou-a, parecendo nada compreender.

- Não poder ser, madam - ergueu as mãos e baixou-as, para indicar que Caroline devia permanecer ali. - Comer.

- Oh, está bem...

De qualquer maneira, era improvável que o empregado fosse capaz de a levar até ao hotel. Teria de caminhar até encontrar um táxi.

Levantou-se e foi até ao quarto, à procura do seu saco. Quando regressou, o homem permanecia de pé, aguardando-a, parecendo preocupado e desapontado.

- Voltarei dentro de meia hora - declarou Caroline, dirigindo-se para a porta que conduzia à escadaria.

Havia um homem sentado no jardim, que se aprumou quando Caroline se aproximou do muro. Com um aceno, ela passou pela porta em formato de arco e dirigiu-se até à parede alta e girou a maçaneta do portão. Estava trancado.

- Madam, madam!

Caroline virou-se para encarar o empregado e o outro homem, ambos movendo-se agitadamente na sua direcção. Gritavam palavras em árabe que ela não compreendia.

Caroline sorriu calmamente, mas estava firme no seu propósito.

- Abra esta porta, por favor.

- Não vá, não vá, madam! - protestou o empregado.

Colocou as mãos no portão, para indicar que estava trancado e que devia permanecer assim.

Depois proferiu uma série de palavras incompreensíveis.

- Não entendo uma palavra do que diz – disse ela. - Abra o portão - pediu de novo, indicando o que queria por meio de sinais.

Ooutro homem virou-se e disse algo. O empregado anuiu lentamente.

- Principe! - disse, feliz por ter encontrado a palavra. - Príncipe vem!

Caroline arregalou os olhos.

- Príncipe? Quem é Príncipe?

- Sentar! sentar. vinho...

Apontou para a escadaria e para o local onde ela estivera a beber vinho. Sem lhe tocar, tentou fazer com que voltasse para lá.

Subitamente, Caroline sentiu medo. Onde estaria Kaifar? Que lugar era aquele? Quem eram aqueles homens? Acima de tudo, porque a tentavam manter ali?

Embora a noite estivesse quente, ela estremeceu. Ignorando os gestos que faziam, girou a maçaneta mais uma vez. Nada. Tentou permanecer calma, virou-se e encarou os homens.

- Abram este portão!

Mais uma vez os dois proferiram desculpas e explicações. E então caíram num silêncio. Em seguida ouviram passos. Caroline lançou-se contra o forte portão de madeira e começou a bater afoitamente.

- Socorro! Socorro! Deixem-me sair! Socorro, por favor, socorro! - gritou. - Polícia! Polícia!

Os homens começaram a falar novamente, tentando em vão tranquilizá-la. Caroline gritou mais uma vez e então houve uma batida à porta.

Uma voz gritou, em tom de urgência, algo em árabe.

Os homens responderam e, então, para grande alívio de Caroline, o que estivera sentado no jardim levou a mão ao bolso e tirou uma enorme chave de ferro. Ela aproximou-se, sustendo a respiração, enquanto o homem usava, primeiro, a chave preta e, depois, a dourada.

Oportão abriu-se. Um homem entrou e Caroline apenas começara a balbuciar um agradecimento, quando notou duas coisas que lhe causaram um nó na garganta e puseram um fim às suas palavras.

A primeira foi que o homem que entrou conversava com os outros dois de um modo bastante familiar. A segunda era que trazia nas mãos a bagagem dela, que estava no hotel.

 

                         Capítulo Dez

O coração de Caroline perdeu força. O homem bloqueou a saída com o próprio corpo enquanto os outros fechavam o portão e voltavam a trancá-lo.

Caroline ficou imóvel, tentando acalmar-se.

- Quem é o senhor? - exigiu saber. - O que faz com as minhas coisas?

Não esperava receber uma resposta, mas o terceiro homem, após entregar a sua bagagem ao empregado e murmurar um comando, enviando-a para o andar de cima, repôs:

- Sinto muito, madam. Por favor, não tenha medo. Ninguém lhe irá fazer mal.

- Gostaria de me ir embora.

- Lamento, terá que esperar aqui.

- Esperar o quê? E onde, exactamente, é aqui"?

Ele trocou algumas palavras em árabe com o homem das chaves.

- O príncipe está atrasado. Virá em brev, Conversará consigo e explicar-lhe-á tudo.

- O príncipe? Que príncipe? De que é que está a falar?

- A Sua Serena Alteza Príncipe Karim, de Barakat Oeste, madam. Sou Jamil, o seu assistente e secretário particular.

- Onde está a pessoa que me trouxe até cá? Onde está Kaifar? - ao ver que o homem mal a encarava, Caroline ficou aterrorizada. - O que fizeram a Kaifar?

- Não lhe posso dizer mais nada, madam. A Sua Serena Alteza explicará tudo quando chegar. Pediu-me que aguardasse. Por favor, talvez se queira vestir. O chefe fez-Lhe ojantar. Comida muito, muito boa. É o cozinheiro principal do príncipe Karim.

Caroline quase riu diante da menção da comida, num momento daqueles. Mas numa coisa o homem tinha razão. Quem quer que estivesse a caminho, e ela não acreditava que fosse um príncipe, não a deveria encontrar com um vestido de Verão coberto de sal e um biquini.

Permitiu ser conduzida até ao quarto, onde as malas já tinham sido colocadas. Trancou a porta e respirou fundo. Vestiu umas calças de ganga, uma t-shirt e uns ténis. As suas coisas tinham sido cuidadosamente empacotadas, incluindo a caixa com o anel de noivado. Mas faltava o passaporte e o dinheiro.

Ela fechou os olhos, para dominar a sensação crescente de terror. Ninguém sentiria a sua falta, ninguém perguntaria onde estava!

- Vou descer e esperar por Sua Serena Alteza lá fora - informou ela, escondendo o medo que apertava o seu coração.

Ele não fez menção de a deter, mas, assim que Caroline desceu, viu que o guarda ainda estava nojardim. Ficou a deambular pelo magníficojardim, muito perturbada para contemplar e sentir o aroma das flores, escutar a música das quedas de água e as canções dos pássaros.

O seu coração estava tão amargurado pelo medo que sentia. O que se passava com ela? O que lhe fariam? O que queriam?

Porque é que lhe contavam mentiras ridículas a respeito de um príncipe? Seria um princípio de tortura psicológica, para abalar a sua estabilidade mental?

Era uma refém. Eles deviam querer dinheiro de David. O pensamento aterrorizou-a. O que fariam se não obtivessem nada?

- Uma das coisas que a minha esposa terá de compreender é que sou completamente contra pagar resgates por sequestros - dissera ele, um dia. Pensou, amargurada, que a data em que escrevera a carta não poderia ter sido pior. Será que alguém acreditaria que ela já não estava compro metida com David?

A noite chegou e as estrelas brilharam no céu, antes de ela ouvir o som do motor de um carro

do lado de fora da propriedade. O automóvel parou, o motor foi desligado e então ouviu passos.

O seu coração batia com força. Caroline dirigiu- se até ao portão e, permanecendo de pé, es perou que o guarda o destrancasse. Nas sombras, tardou um momento a reconhecer o homem que entrava. Então, um grito de alívio escapou da sua garganta.

- Kaifar! - este virou- se, sorrindo, e Caroline atirou-se para os seus braços. - Kaifar, eu pen sei... Pensei que eles te tivessem matado ou ferido! Rápido, vamos sair antes que fechem o portão! Está a acontecer algo de estranho. Temos que sair daqui!

- Caroline - disse ele, suavemente. Então, notou que o guarda fazia uma mesura. - Sinto muito ter chegado tarde.

Atrás dela chegara Jamil.

- Boa noite, Sua Alteza - disse e Caroline sentiu, mais do que viu, a breve negativa de cabeça de Kaifar.

Afastou-se do abraço, temerosa, e começou a rir, com um misto de confusão e alívio.

- Kaifar, o que é que se passa? Não brinques comigo. Quem são estes homens? Foram buscar a minha bagagem ao hotel e não me deixaram sair. Eles...

Kaifar fê-la calar-se, ao colocar-lhe a mão no braço.

- Sinto muito que tenhas ficado amedrontada, Caroline. Há muito a ser explicado. Prepararam-nos uma refeição. Vamos para o andar de cima e eu explicar-te-ei.

Ela permaneceu firme, enquanto um gelo diferente, uma espécie diversa de temor, corria pelas suas veias. Olhou para cima e encarou aqueles olhos escuros.

- Não - disse, tentando afugentar da sua voz o pânico. - Quero abandonar este local agora. Vamosjantar noutro sítio.

- Não me peças isso. Peço-te que subas comigo.

- Abre o portão, Kaifar!

Que espécie de tola fora ela e porque confiara naquele homem, quando nada sabia a seu respeito? Oh, o que iria fazer?

- Não posso - informou ele, tristemente. Caroline fitou-o, enquanto milhares de sonhos se transformavam em pó.

- Sou refém?

Ele encarou-a, sem responder. Caroline fechou os olhos.

- Bastardo - disse, sem emoção.

- É natural que sintas raiva.

- Sou tua refém ou de outra pessoa?

- Minha - disse ele, num tom possessivo.

- Porque é que dizem que és um príncipe?

- Vamos para o andar de cima, onde poderemos conversar confortavelmente. Tenho muito para te contar.

- E eu tenho escolha?

Ele ficou em silêncio durante um longo momento, enquanto Caroline ouvia o som profundo da sua respiração. Tudo parecia imóvel.

Então, ela começou a sentir o aroma do jardim e da noite novamente. Durante os últimos minutos, tivera os sentidos bloqueados, mas, aos poucos, o mundo voltava ao que era.

E a presença do mundo feria-a. O mundo precioso e lindo com todas as suas cores e aromas, amor e alegria... Durante quanto tempo ainda o conheceria?

- Caroline...

- Se eu tiver opção, a minha escolha é deixar este lugar agora. Se não tiver, esperarei por uma

ordem de Sua Majestade. Mas não vou fingir que

irei de boa vontade, em tua companhia.

- Então, ordeno-te que vás para o andar de cima - respondeu ele, calmamente, e naquele momento Caroline quase acreditou que se tratava mesmo de um príncipe, tal a facilidade com que emitiu a ordem.

Sem dizer uma só palavra, ela virou-se e precedeu-o pelo pequeno arco que, há apenas algumas horas, parecera ser a porta do paraíso.

A comida foi servida assim que apareceram. O cheiro era delicioso. Com certa relutância, Caroline começou a sentir a fome que lhe fora roubada pelo nervosismo.

- Gostaria de ouvir a tua explicação - declarou com frieza, com as mãos entrelaçadas.

- Come. Não te deves ter alimentado desde esta manhã.

- Não vou comer na sua companhia, senhor.

- Então, não receberás explicações.

- Não tenho fome.

Ele inclinou-se um pouco para ela.

- Se pretendes fazer greve de fome, fá-lo-ás ; desconhecendo a tua situação.

Por um momento, ela encarou-o. Mas sabia, sem pensar no assunto, que não poderia negar a necessidade de conhecer o que se passava. O tormento seria insuportável.

Praguejou em pensamento e pegou num pedaço de naan. Kaifar ajudou-a a encher o prato com as iguarias deliciosas e fez o mesmo para si.

Então, enquanto começavam a comer, ele sorriu.

Mas Caroline não correspondeu ao sorriso.

- Estou a comer. Então, porque é que não me dizes o que tens em mente? Esta é a minha última refeição? Se é, acho que deveria fazer um esforço particular para a apreciar, a despeito da companhia em que me encontro.

- Não é a tua última refeição. E não serás ferida ou ameaçada por ninguém. Diz-me... lembras-te da história dos três filhos do xeque de Barakat?

- E como poderia eu esquecê-la?

- Sou um desses três filhos. O meu nome é Karim. O xeque Daud era meu pai. Quando morreu, esta parte de Barakat foi-me dada como herança. Além disso, aos meus cuidados ficou um dos tesouros reais, o Selo Esmeralda do nosso ancestral Shakur. Crê-se que o monarca reinará apenas enquanto aJóia de Shakur estiver em seu poder.

- Fascinante.

Ele ignorou o sarcasmo.

- As tribos partilham dessa crença tradicional. Se o selo for perdido ou roubado, muitos temerão o futuro. Mas alguns verão isto como a oportunidade para desafiar o meu reinado e o dos meus irmãos. Uma guerra civil seria o resultado quase inevitável. Muitas vidas seriam perdidas. Muitos sofreriam. Nações vizinhas também poderiam encarar esta fraqueza como uma oportunidade para invasões.

- Obrigada por esta breve visão dos problemas do reino.

- O teu noivo, David Percy, roubou o Grande- Selo Jóia de Shakur e colocou em seu lugar uma jóia falsa.

Caroline quase se engasgou. - O quê?

- Ele subornou um dos guardas do tesouro Primeiro, providenciou para que um relojoeiro fizesse uma cópia dajóia; então a cópia foi substituída e ajóia verdadeira, roubada.

- Não acredito em ti!

- Foi feito com muito cuidado. Demorámos muito tempo a descobrir que o ladrão era David Percy. E recuperar ajóia é impossível sem arriscar a própria vida.

- Recuso-me a acreditar nisso!

Caroline antecipou que tentariam dizimar o seu mundo; fazê-la perder a fé, o que fatalmente ocorreria se acreditasse naquela história. Pelo que sabia, nem mesmo os rivais de David nos negócios desafiavam a sua integridade profissional.

- É natural que uma mulher acredite no homem com quem se comprometeu, tão natural quanto ele acreditar na honra da noiva - disse o príncipe Karim com gentileza.

- Oh, eu compreendo! - disse com amargura e cinismo. - Como dormi contigo, não tenho direito de desconfiar de ti! Kaifar... ou deveria tratar-te por Sua Alteza Real? Onde está a tua moral?

- Eu não esperava que fosses virgem.

Ela encarou-o durante uns segundos, depois desviou o olhar e fittou o nada.

- Porque é que não me raptaste simplesmente? Porque é que quiseste brincar com as minhas emoções? Fazia parte da tua vingança?

- Não. Sinto muito. Esperava trazer-te até aqui sem violência e manter-te neste local sem te contar nada. Não esperava ter que te explicar tudo. Desejava evitar os terrores que um sequestro te causariam. Mas fui detido longe daqui e a minha equipa não compreendeu plenamente a situação.

- Oh, és tão atencioso!

- Não era minha intenção...

- Tua intenção! Era tua intenção fazer o que foi feito, sim! Suponho que tenhas um conselheiro psicológico, que te tenha orientado a fin gir interesse por mim até eu me apaixonar. Depois, dir-me-ias os teus motivos e eu ficaria instantaneamente desestabilizada! Se não posso confiar em ti, também já não posso confiar em mais ninguém. O que é que devo sentir e em que é que devo acreditar agora?

Ele aguardou, esperando o término daquela explosão de ira. Quando Caroline parou e voltou a fitá-lo, Karim indagou:

- Qual pensas que possa ser a verdade? Porque é que áchas que eu te mantenho como refém?

- Não faço a mínima ideia. Talvez tenhas vendido ajóia a David por um preço fenomenal, e agora que o teu povo descobriu, estejas a tentar forçá-lo a devolver-te o Selo! Além disso, como posso saber que és quem alegas ser? Porque devo acreditar que és o príncipe Karim? Pode ser apenas a tua maneira de me dominar. Talvez ama nhã me digas que és um famoso ladrão com reputação de esquartejar vagarosamente as mulheres que tomas como reféns.

Caroline sentia lágrimas a queimarem- lhe os olhos.

- Não tenho intenção de te dominar. Vou provar-te que sou o príncipe Karim, se é isso que queres. Naquele momento, o empregado entrou na sala e Karim falou com ele em árabe. O homem anuiu, pousou a bandeja e tirou uma pequena moeda do bolso. Extraiu também uma nota de vinte dirhans e, com cuidado, desdobrou-a, colocando-a na mesa com um pequeno meneio.

- Olha para a figura, Caroline.

Ela já estava familiarizada com a gravura colorida dos três príncipes.

-Já a vi antes.

- Olha com mais atenção.

Era verdade que um daqueles rostos parecia

ser o dele.

- Deves ser tu, não? - disse ela, rudemente. Ou algum artista se apercebeu da tua semeLhança com o príncipe e está a tirar proveito da situação?

Karim sorriu e franziu a testa.

- Estás no meu palácio.

Ela olhou à sua volta. Isso parecia explicar muito.

- Estou?

- Esta é a parte privativa de um antigo harém usado durante séculos por mulheres que visitavam pessoas importantes do Estado. Nos tempos do meu avô, a rainha Vitória ficou hospedada nestes quartos.

Subitamente, Caroline perdeu toda a força.

Baixou a cabeça.

- Não me importo quem possas ser.

- Mas é claro que te importas. É importante que saibas que o que te digo é verdade. Vem.

Levantou-se, dando uma ordem ao empregado, enquanto puxava a cadeira de Caroline.

Conduziu-a por um corredor longo e destrancou uma porta muito pesada.

Caroline seguiu-o de um quarto para outro, passou por corredores intermináveis, tudo tão belamente decorado que só podia ser um palácio

ou um museu. Ou ambas as coisas. Viu pinturas nas paredes, que reconheceu de postais e reproduções. Tudo a fez ficar sem fôlego. Observou

quadros de belos homens com barba e turbantes,

e mulheres com vestidos luxuosos e jóias enormes. Viu peças de mobília magnificamente trabaLhadas e aparentando possuir muitos anos de vida.

Finalmente, ficaram diante de uma porta de ferro, com um moderno painel electrónico com código de entrada. O príncipe Karim digitou um número. A porta abriu-se e ele afastou-se um pouco para o lado.

Caroline ficou boquiaberta. Nunca vira tantas jóias juntas. Nunca imaginara que pudessem existir rubis, esmeraldas, safiras e diamantes daquele tamanho. Reconheceu alguns dos originais, enfeitando homens e mulheres nos quadros que acabara de ver. No centro de uma parede existia uma redoma de vidro. O príncipe Karim conduziu-a até lá.

- É aqui que o Selo Jóia de Shakur tem descansado há muitas gerações, desde que este palácio foi construído.

- Onde está a cópia?

Caroline acreditava nele. Só não achava que David fosse o autor do roubo, mas estava convencida de tudo o mais. Nenhuma outra explicação seria plausível.

- Em Nova Iorque. Nós quisemos primeiro dar ao teu... ao senhor Percy a oportunidade de fazer a restituição sem qualquer referência a roubo ou qualquer ameaça. Apenas lhe oferecemos a informação de que sabíamos do seu envolvimento no roubo e uma troca: ajóia verdadeira pela cópia. Mas ele recusou.

- Bem, mas é claro que sim. Os teus espiões terão de aceitar que cometeram um erro. Não foi David.

Mesmo assim, uma parte secreta dela pensava na frieza do noivo.

- Não houve engano algum. Sinto muito ter de te dizer estas coisas a respeito do teu noivo. Até mesmo sem a prova que temos, o nome dele teria figurado no topo da lista de suspeitos. David Percy é conhecido como o homem que não faz perguntas embaraçadoras sobre documentos de exportação, quando viaja pelo mundo em busca de tesouros antigos. A sua riqueza é temida por oficiais de todos os países, profissionais que têm como missão proteger os tesouros dos seus cidadãos.

Ela não respondeu. Ficou ali de pé, fitando o nada. Começava a acreditar na história. Seria assim que tudo funcionava? Os raptores repetiam vezes sem conta uma mentira até que soasse razoável? Seria verdade?

Pensou nalguns dos tesouros que David lhe mostrara. O seu espanto fora enorme ao contemplar peças que não poderiam ser encontradas noutro lugar, a não ser em museus. Sabia tão pouco a respeito do mundo de David...

Karim moveu-se para abrir o receptáculo que se encontrava ao lado de Caroline e tirou um lindo enfeite de cabeça que ela vira no retrato de uma mulher de olhos escuros. Feito de esmeraldas e diamantes, tinha umajóia central e diversas outras, mais pequenas, de cada lado.

Karim levantou-o e colocou-o na testa de Caroline, virando-lhe o rosto para o antigo espelho situado numa parede entre dois armários.

A exclamação de espanto foi quase um assobio. Ela nunca vira algo tão adorável e delicado.

A enorme esmeralda central pousava como se fosse um terceiro olho, uma flor delicada rodeada por diversas folhas de diamantes. E de cada lado pequenos arranjos enfeitavam a sua testa e cabelos.

Oenfeite era lindo e deixava-a maravilhosa, dando aos seus olhos uma cor profunda. Parecia

misteriosa, quase de outro mundo.

- Esta era ajóia favorita da minha mãe - confessou o príncipe, com suavidade, a voz vindo de uma curiosa distância. - O meu pai permitiu-lhe escolher qualquer jóia do seu tesouro, quando nasci.

O rosto dele apareceu atrás do de Caroline, no espelho, a pele morena em contraste contra a pele clara. Ela olhou para o reflexo daqueles olhos negros e sentiu-se capturada. Com vagar, umas enormes mãos apertaram-lhe os ombros e Caroline observou, indefesa, o olhar de Karim deixar o reflexo e pousar nela, com uma expressão indecifrável.

- Vou dar-te estajóia.

As mesmas mãos fortes fizeram-na virar-se e o seu olhar encontrou o dele. Os seus lábios tocaram os de Karim, que inclinou a cabeça, beijando-a. Então, abraçou-a com intensa paixão: Durante um momento maravilhoso e terrível, Caroline sentiu o seu próprio desejo surgir para encontrar o dele. Então, o seu bom senso voltou e ela afastou-se violentamente. Ergueu a mão e tirou ajóia maravilhosa.

- Não, obrigada - sussurrou quase sem ar, estendendo-a de volta ao príncipe. - Nada do que

aconteceu te dá o direito de presumir que eu esteja à venda. Nem mesmo por este preço, embora

eu me deva sentir lisonjeada por ser tão alto!

Ele cerrou os maxilares, como que mordendo uma resposta, e, sem dizer nada, pegou na jóia que lhe era devolvida. Colocou-a de novo na redoma onde ficava exposta e, em silêncio, conduziu Caroline para a porta.

Lá fora, a segunda etapa da refeição aguardava-os. A banalidade de partilharem um jantar numa situação daquelas assaltou-a. Tudo aquilo , faria parte de umjogo? De uma manipulação?

- Quando é que planeaste isto tudo? Quero dizer, esperavas por mim no aeroporto, com o plano já elaborado? Como sabias que vinha para o teu país?

- Fui eu que arranjei as coisas de maneira a que viesses.

Ela arregalou os olhos.

- Arranjaste? O quê... Disseste que eu deveria vencer... - a sua mente trabalhava mais depressa

do que a sua fala e Caroline interrompeu-se a si mesma. - Queres dizer que a história da rifa foi uma farsa? - começou a rir nervosamente. - David tinha razão! Ele disse que era uma farsa! Se ao menos lhe tivesse dado ouvidos...

- Pára de rir, Caroline. A rifa foi inventada na esperança de que o teu noivo comprasse um bilhete. Quando tu o compraste, presumimos que

ambos fariam a viagem.

- E como é que agirias, se tivesses David na tuas garras?

- Isso não é importante agora. Tivemos de alterar os nossos planos para os adequar às circunstâncias. Estás aqui e o teu noivo não. Ele tem a minha jóia. Agora eu tenho a dele.

Caroline sorriu.

- Deve ser realmente óptimo saber que desabrochaste o botão... O único problema é que David nunca soube que eu era virgem e os homens ocidentais não dão valor à virgindade. Por isso, se eu não contar a David, ele jamais saberá quão completa foi a tua vingança.

- Compreendo a tua amargura.

- Oh, isso é óptimo! - troçou ela. - Então, não te importará que te diga que és um maldito bastardo?

- Farei algumas concessões à tua raiva, mas não vou permitir que fales comigo assim.

Ela sentiu um arrepio.

- Qual é a penalidade por insultar o rei nesta parte do mundo? Vais cortar-me a língua? Uu e uma das ofensas cuja penalidade é o corte da mão direita? - Karim encarou-a. Ela ficou em silêncio. - E então, o que farás agora?

- Um dos membros da minha equipa está em Nova Iorque. Informou o teu noivo de que estás a ser mantida aqui e pediu a devolução da Jóia de Shakur. Quando ele regressar a Barakat com a jóia, serás libertada.

- E até lá serei tua prisioneira? - Caroline tomou um gole de vinho e fitou-o. - Ele não o fará.

- Como?

- David disse-me, quando ficámos noivos, que não concordaria em pagar nenhum resgate, em caso de sequestro.

O olhar de Karim estreitou-se e ele disse algo que Caroline não compreendeu. Estava entre aterrorizada e triunfante. Masjá era tarde de mais para se arrepender da tolice que acabara de dizer.

Na verdade, não poderia ter a certeza do que David faria. Se tivesse recebido a carta do rompimento do noivado, não aceitaria a exigência do resgate.

Mas... e caso contrário? Oh, porque fora tão apressada em escrever aquela carta? Quanto ao príncipe Karim... O que faria se David enviasse o emissário com a sua carta e negasse conhecer o Selo?

O que sabia ela, afinal, a respeito do seu raptor? Tudo o que lhe contara, no papel de Kaifar, era mentira. Talvez fosse colocada numa cela até à morte, como um aviso a outros ladrões. Tudo era possível.

O mundo estava diferente e o seu futuro alterado em relação ao que imaginara algumas horas atrás, ao acordar do seu sonho de felicidade.

 

                           Capítulo Onze

Caroline apagou a luz. Quando pôde, pela claridade do luar, distinguir o formato da cama, girou a maçaneta antiga e, lentamente, abriu a porta.

Então ficou imóvel, à espera, escutando, a escuridão deixava mais apurada a sua audição. Sem emitir um ruído, andou descalça pelas lajes frias e por tapetes de seda.

À volta do pescoço levava os ténis, amarrados pelos cordões. Não tinha nem dinheiro nem passaporte nem bilhete de avião. Mas tinha o solitário de diamantes e todas as outrasjóias. Poderia usá-las como dinheiro, se necessário.

Seria simples subir a uma árvore e saltar o muro dojardim. Isso, claro, se o guarda estivesse a dormir ou se ela o conseguisse enganar. A outra possibilidade, mais arriscada, talvez tivesse maiores oportunidades de sucesso. Certamente ninguém esperava que ela tentasse escapar pelo interior do palácio... onde o príncipe Karim a levara antes. Tinha quase a certeza de que ele trancara a porta.

Demorou diversos minutos a percorrer o corredor. Chegou à porta e viu que estava aberta.

Pôde sentir o movimento do ar, ao entrar na parte principal do palácio. Ali podia ver com mais facilidade, pois as luzes do exterior banhavam ao de leve as vastas salas.

O palácio tinha gigantescas janelas, centenas de portas. Ela procurava umajanela aberta, uma porta externa destrancada. Mas, se não saísse naquela noite, iria esconder-se até ao dia seguinte. E então, com sorte, poderia sair daquele lugar. E fingiria ser uma turista perdida.

Havia centenas de possibilidades e o seu coração estava cheio de esperanças. Pelo menos, até a uma porta se abrir, uma luz ser acesa e o príncipe Karim aparecer descalço, de tronco nu, com os cabelos em desalinho.

- Então, encontraste o caminho, hein? Caroline virou-se sem dizer uma palavra e começou a correr. Viu-se num saguão cheio de pilares. À esquerda, havia uma escadaria que dava para o andar superior, ladeado por uma gigantesca janela de vidro. Descalça, não fez barulho quando se aproximou da escada e, segundos depois, estava no piso seguinte.

Um longo e amplo corredor marcado por pilares, arcos e janelas até ao chão espraiava-se diante dela. A brisa suave indicou-lhe que havia umajanela aberta. Encontrou-a e correu para uma varanda, com o coração acelerado. Mas a varanda dava para um pequenojardim interno. Não ganharia nada, excepto a possibilidade de partir um pé, saltando dali.

Regressou a tempo de ver Karim entrar no corredor. Esperando que não a tivesse visto, escondeu-se atrás de um pilar, tirou os ténis do pescoço e atirou-os para longe, por um longo corredor, contra uma mesa.

Em seguida, desatou a correr no sentido contrário. Viu-se a percorrer uma sucessão de portas e salas. Não se podia arriscar a fazer uma pausa para escutar. Limitou-se a continuar a correr, na esperança de avistar umajanela que desse para o exterior.

Não podia acreditar no tamanho daquele local. Parecia haver uma sucessão interminável de salas, nas quais camas se alternavam com divãs,

pouco visíveis devido à luz ténue. Algumas vezes, batia em pequenas mesas e, outras, ouvia o som de louças a partirem-se.

Então, por fim, ouviu o que estivera a rezar para não escutar: o barulho suave de uns pés nus a aproximarem-se. Abriu outra porta e correu...

directamente para um armário. Um grito abafado escapou-lhe da garganta ao virar-se. Karim estava ali, à porta, indo na sua direcção. Em pânico, Caroline tentou escapar mas ele capturou-a.

Ergueu-a e atirou-a para cima da cama. Colocou-se sobre ela, furioso, mantendo-a imóvel

com o próprio corpo e agarrando-a com as suas mãos rudes. Então, segurando-a quase dolorosamente, inclinou-se e, com rispidez, baixou a boca sobre a de Caroline.

Ela contorceu-se, mas os movimentos do seu corpo apenas o faziam pressioná-la com mais firmeza e tornavam a pressão daquela boca mais

rude. A caçada do príncipe Karim traduzia-se em exigência sexual.

Um desejo feroz correu-lhe pelas veias, silenciando os seus protestos. Ele ergueu a boca,

interrompendo o beijo, e moveu as ancas furiosamente, enquanto a observava na escuridão. Caroline debatia-se, mas as suas mãos foram imediatamente presas no alto da cabeça. A sensação de vulnerabilidade lançou-a numa onda sensual.

Naquele momento, Karim parecia capaz de Lhe ler o pensamento. Afastou-lhe as coxas e começou a friccionar-se contra ela num ritmo alucinante.

Ela já não conseguia ocultar o seu desejo. O prazer acometeu-a tão subitamente, que as suas ancas deixaram de lhe obedecer. Arquearam-se, desesperadas, para não perder o contacto que alimentava aquele prazer.

O príncipe repetia os movimentos, sem dó.

Então, uma nesga de razão dominou-a, dando-lhe forças. Quando Karim ergueu um pouco o corpo, Caroline empurrou-o e rolou para fora da cama, ficando de pé. Encarou-o. Ele deitou-se, observando-a em silêncio.

- Não! Como é que te atreves?

Silencioso como um gato, Karim levantou-se.

Pousou uma mão na cintura.

- És tola ao ponto de acordares um homem para dizeres não, Estás à procura de quê, senão de fazer amor novamente? O que queres para além de ser caçada e dominada?

- Estava a tentar escapar da minha prisão afirmou e percebeu, um segundo mais tárde, que fora um disparate contar-Lhe. - Esqueceste-te de que estou aqui contra a minha vontade? Não te quero. Como ousas imaginar que eu...

O olhar dele cintilou ao pálido luar que entrava pela janela. Com um gesto rápido, agarrou-a pelo pulso.

- Eu não imagino, Caroline. Se não queres mesmo que eu te prove como o teu corpo busca prazer no meu e o encontra, não me tentes com desafios. Trago nas veias o sangue de gerações de homens que sabem como satisfazer uma mulher.

Ocoração de Caroline batia dolorosamente.

Conseguiu impor uma distância de meio braço, mas ainda tinha o pulso preso pelo príncipe.

- Isso é revoltante!

- Uma questão de sobrevivência. Uma mulher que se submete a um homem fraco terá filhos fracos. Por isso, ela cria oportunidades para um homem provar que é forte, antes de se submeter.

Esta é a lei da natureza.

- Pois eu prefiro ter filhos fracos a torres de força sem nenhum sentimento, como as tuas mulheres terão!

Lentamente, ela afastou uma madeixa de cabelo da testa e o diamante de David cintilou no seu dedo.

- Na verdade - disse ele, - se te casares com esse homem, terás filhos fracos... Isso, se tiverem algum.

- David é alto e exercita-se três vezes por semana.

- Os teus filhos com ele serão fracos de coração, fracos de espírito. No deserto, ensinam-nos que a força física de um homem é um véu que esconde forças maiores.

- Como sequestrar uma mulher por causa de um resgate? - provocou Caroline. - Isso faz parte do teu magnífico código do deserto?

- Não uses esse tom de voz comigo. Sou o rei. Tenho um código adicional, o código da responsabilidade em relação ao meu povo. O teu noivo atacou a paz de Barakat, tanto como se tivesse vindo com um grupo armado, tanques e tudo o mais. Um homem assim, e todos aqueles que lhe pertencem, devem estar conscientes de que, quando ele começa algo, a situação pode ser encerrada por outros, e de maneira diferente da prevista.

- Não precisavas de fingir interesse por mim! Não precisavas de conhecer a minha vida! Não precisavas de fazer amor comigo para proteger o teu povo! Porque é que simplesmente não me sequestraste na rua? Seria muito mais fácil do que...

As palavras saíam quase num soluço, sinal da turbulência provocada por outros sentimentos que ela não queria nomear.

- Não fazia parte do meu plano. Não fingi sentimentos em relação a ti, Caroline, embora fosse melhor não sentir nada. Sabes disso.

- Sei?

- Se não sabes é porque, na tua inocência, não compreendeste nem a minha paixão nem os teus próprios esforços em despertá-la. Além do mais, digo-te para não fazeres coisas como ires aos meus aposentos a meio da noite.

- Não fui até aos teus aposentos! Estava à procura de uma maneira de escapar deste palácio!

Karim permaneceu em silêncio durante alguns minutos.

- Conduzir-te-ei de volta ao harém - anunciou ele, por fim. - Se vieres até mim novamente, à noite, não haverá protestos. Tomar-te-ei nos braços, como desejas que o faça, assim como eu quero fazer.

Ela estremeceu. Havia tantas palavras na sua garganta que não sabia por onde começar. Por fim, o silêncio foi a sua resposta. Após um momento, ele virou-se e, sem a soltar, conduziu-a para fora do quarto.

- Só quando regressaram ao harém é que ele acendeu a luz. Tinham caminhado na escuridão em silêncio, um silêncio rompido apenas pelo bater descompassado do coração de Caroline. No salão principal, Karim levou-a até a uma cadeira.

- Espera aqui.

- Desapareceu por um corredor e regressou minutos mais tarde com uma cafeteira. Em Kaifar, aquela atitude seria normal. Vindas do príncipe Karim, no entanto, pareciam memoráveis. Ele sentou-se e serviu duas chávenas.

- Estavas a tentar escapar?

Ela levantou o queixo e contemplou-o.

- Sim.

- Uma mulher decidida talvez consiga escapar do meu palácio. É improvável, mas não te vou dizer que seja impossível. É mais fácil porque todos os meus empregados foram instruídos para não te tocar, nem para te ajudar nem para te deter.

Não vão abrir as portas, mas ninguém te irá deter, caso tentes saltar o muro. Irão chamar-me e eu certamente, te impedirei de partir.

- A sério? - perguntou, com desafio.

- Sob tais circunstâncias, peço a tua palavra:

Promete-me que não tentarás escapar, enquanto não tivermos concluído as negociações com o teu noivo.

Ela começou a rir chocada.

- Estás maluco? É possível que eu consiga escapar, mas queres que te prometa não o tentar

sequer?

- Não precisas de me compreender. O sequestro é crime em Barakat Oeste. Mas eu, dentre todos os cidadãos deste país, estou acima da lei.

Um rei pode desrespeitar a lei pelo bem do seu país, mas não deve, excepto em casos extremos, pedir a qualquer cidadão que infrinja a lei por ele. Foi por isso que te sequestrei pessoalmente.

Assim, não foi necessário envolver outra pessoa.

Apenas poucos indivíduos sabem que estás aqui

contra a tua vontade. E são-me leais.

A presença de Karim era dominadora. O peito poderoso, os braços nus a brilharem sob a luz suave, o cheiro almiscarado da pele faziam com que ela se lembrasse do seu toque. Os olhos e os movimentos da boca eram hipnóticos.

- Porque é que me estás a contar isso tudo? indagou ela.

- Porque, se um guarda te encontrar a deambular pelo palácio ou pelo jardim, como eu te encontrei esta noite, com gentileza, imaginando que esse seria o teu destino, conduzir-te-á até ao meu quarto, e ambos sabemos o que acontece quando vens até mim à noite.

Ela sentiu um arrepio.

- Como ousas? - explodiu, furiosa. - Que espécie de ameaça é essa?

- Não é uma ameaça. Sabes muito bem que o teu corpo e a tua mente estão em guerra por causa de mim. Estás furiosa porque traí a tua confiança, mas estás com mais raiva ainda de ti mesma porque o teu corpo não experimentou traição. Entre os nossos corpos, a proméssa que ouviste foi mantida - Karim inclinou-se e acariciou-lhe o rosto. Ela fechou os olhos. - O teu corpo quer mais e confia em mim para te fornecer o que queres. Expliquei-te todas estas coisas porque eras virgem. Com uma mulher experiente, não teria sido necessário. Mas tu... O teu corpo pode conduzir-te a um caminho que não queres seguir e arrepender-te-ias. Por essa razão te advirto.

- Acredita em mim, o meu corpo não me conduziria até ti nem que fosses o último homem do mundo!

Ele olhou-a dos pés à cabeça, faminto de desejo. - Sou um homem experiente. O laço físico entre nós tem grande poder. Não subestimes essa força. Deves proteger-te de ti mesma.

- E tu, não te vais proteger?

Ele sorriu.

- Quero-te muito. Não deito o meu corpo na cama à noite sem sonhar contigo, de como responderias às minhas caricias... Até mesmo agora o meu coração, o meu corpo, o meu sanguejuram que, se te acariciar, beijar, não resistirás.

Ela engoliu em seco, lutando contra a urgên cia de o desafiar. Pensou em provocar o seu desejo até a um ponto em que nenhum dos dois pudesse resistir. Mas resolveu não fazer nada.

- Não sabes se é algo especial para mim, Karim. Desconheces se sou assim com todos os ho mens que conheço.

- Se tivesses sentido essa paixão por outros, não terias permanecido virgem.

Ela deu-Lhe uma sonora bofetada no rosto. Pânico, fúria, raiva, desejo, dor e necessidade de expressar fisicamente os seus sentimentos por ele clamaram vingança. Por isso o esbofeteara com toda a força que conseguira reunir.

 

                           Capítulo Doze

Karim agarrou-lhe no pulso. Ambos permaneceram imóveis, encarando-se. Após um momento, o príncipe foi soltando-a deliberadamente, com vagar, e os seus olhos moveram-se para observar mais uma vez o diamante do anel de noivado.

- Vais casar-te com esse homem, apesar de tudo o que eu te disse a respeito dele? A despeito de tudo o que soubeste sobre o seu carácter?

Se Caroline lhe contasse a verdade, estaria a admitir quão profundamente se envolvera com ele.

- Não é por isso que existe a frase. na alegria e na tristeza, De qualquer maneira, como é que sabes que David roubou a jóia? Porque é que eu havia de acreditar na tua palavra, que não tem sido das melhores?

Karim ignorou o sarcasmo.

- Na verdade, não te vais sacrificar no altar por causa do amor pelos teus pais. Vais sacrificar-te pela riqueza, por ti mesma. Queres ser es posa de um homem rico?

- Não sabes nada a meu respeito. E sabes ainda menos sobre honra. Então, por favor, não te armes em moralista comigo, Kaifar... ou Karim, ou como quer que te chames!

O brilho naquele olhar era mais duro do que diamante.

- Sou Kaifar e Karim. Kaifar significa retribuição. Eu darei uma retribuição ao teu noivo.

Ela estremeceu ao som daquela voz. Pelo bem de David, assim como para o seu, esperava que o noivo aceitasse pagar o resgate.

- O que é que isso significa? Que não me mentiste?

- Não compreendes que algumas coisas são mais importantes do que as pessoais, Caroline. Não compreendes que as minhas tarefas como administrador do meu país estão acima de qualquer outra coisa. Achas que mentir-te sobre o meu nome e ocupação foi pior do que deixar um país cair em guerra civil, aberto a ataques!

Ela baixou as pálpebras e não respondeu.

- Responde-me!

Como poderia dizer-lhe que não era a mentira sobre o nome que a tinha destruído, mas sim a mentira sobre quem ele era? Não poderia admitir que tinha sonhado. Sonhado que Kaifar não conhecia o próprio coração, que descobriria, por fim, que a amava.

Quando o príncipe transformou o seu sonho em pó, ela percebeu que tolas eram as suas esperanças. No fundo esperava que Kaifar se casasse com ela, sonhara em fazer daquele país o seu lar.

- Não tens o direito de me julgar pelo que estou a fazer. Ou de julgar David.

Ele ergueu a chávena de café e inclinou a cabeça para tomar um gole. Voltou a fitá-la. A sua voz não demonstrava emoção. Parecia resignado.

- O que quer que penses sobre o bem e o mal, agora entendes o que quis dizer. Tiveste tempo para pensar. Pergunto-te novamente se me darás a tua palavra de que não tentarás escapar até eu ter o Selo nas minhas mãos. O que dizes?

Caroline identificou exasperação e fadiga naquela voz e o seu coração contraiu-se. Sentia uma profunda vontade de o confortar, de lhe dizer que estava do seu lado e que o ajudaria a obter a jóia de volta.

Quando abriu a boca, percebeu que até naquele momento a estava a manipular. E mesmo assim Caroline continuava a amá-lo. Queria fazer sacrifícios por esse amor! Não podia acreditar que amor e ódio pudessem existir lado a lado.

- Podes contar comigo tanto quanto eu posso contar contigo. Se eu estivesse no teu lugar, não me perderia de vista.

Karim anuiu, como se aquela resposta fosse exactamente a que tinha esperado. Pousou a chávena sobre a mesa e levantou-se.

- Compreendo. Talvez queiras voltar para a cama agora. É muito tarde.

- Não me digas o que fazer!

- Digo-te o que fazer, sim! Esqueceste-te de que és minha prisioneira? Vai para o teu quarto:

Se não dormires, o problema é teu.

- E o que farás se eu não obedecer?

- Chega de discussão. Se não fores para o teu quarto de livre e espontânea vontade, levar-te-ei à força até lá. Mas, nessa altura, terás de encarar

a possibilidade de eu não sair imediatamente.

Se permitires que te carregue até à tua cama, deves esperar que fique. Escolhe.

Caroline tentou esconder a onda de excitação que a invadiu. Aprumou-se e, fingindo uma indignação que não sentia, abriu a porta do quarto. Quando se virou para falar, ele estava a centímetros de distância, com uma almofada na mão.

- O que vais fazer com isso?

Karim arqueou as sobrancelhas.

- Vou usá-la como travesseiro, já que não me deixarás deitar entre os teus seios - percebeu que as palavras a perturbavam e sorriu. - Ou talvez mudes de ideias. Talvez te estejas a recordar que ter-me foi um prazer enorme.

Ela queria gritar com aquele homem, mas as palavras ficaram-Lhe presas na garganta.

- Não vais dormir aqui!

Karim sorriu e atirou a almofada para o chão.

- Não, enquanto não me convidares - disse suavemente. - Entretanto, dormirei aqui à tua porta.

- Estás louco?

Ele ignorou o comentário.

- Entra e fecha a porta. E não saias até ao amanhecer.

- Não podes dormir no chão!

O príncipe riu.

- Porque não?

- Não é confortável! Não conseguirias dormir!

- Se eu ficar acordado, não será porque o chão é desconfortável - assegurou ele.

O comentário provocou uma onda de excitação no corpo de Caroline.

- Mas...

- Não entraste nem fechaste a porta - interrompeu-a

Karim. - É porque me desejas na tua cama?

- Dorme no chão. Não me importo com o teu conforto.

- E porque é que havias de te importar? ajoelhou-se, sorrindo, e acrescentou, de modo sedutor: - Se não me queres convidar para a tua cama, poderias dormir aqui, em cima de mim. O meu corpo é mais macio do que o chão.

- Nunca!

- Ah, Caroline, como lisonjeias um homem! O meu corpo excita-se ao ouvir essas palavras.

Caroline sentiu o corpo derreter. Se dissesse que sim, o príncipe voltaria a fazer com ela o mesmo que fizera na noite anterior...

Karim capturou-lhe uma das mãos, sentando-se de pernas cruzadas e puxando-a para baixo. Até mesmo o toque daquela pele a fazia arrepiar-se.

As suas bocas uniram-se num longo beijo. Uma descarga eléctrica atormentou os sentidos de Caroline e os seus lábios entreabriram-se involuntariamente. Então, encontrando um último resquício de resistência, afastou-se.

- Deixa-me em paz!

Se permitisse que o príncipe a amasse novamente, seria uma tola. Viciá-la-ia no prazer, ti nha a certeza. Mas, quando tivesse a suajóia de volta, mandá-la-ia simplesmente para casa. Não se queria sentir mais desprezada do que já se sentia.

- Deixa-me em paz! - pediu novamente e en trou no quarto.

- Tranca a porta - aconselhou o príncipe com suavidade, antes de estender o corpo forte na soleira.

- Acho que não compreendeu a proposta do meu cliente - disse o advogado.

David Percy, o seu advogado e Nasir estavam sentados num escritório muito espaçoso, no topo de um edifício de Nova Iorque.

- Não? - indagou Nasir.

- O meu cliente não tem em seu poder aJóia de Shakur. Nunca a teve. Consequentemente, não está em posição de atender ao pedido do seu chefe.

- Perdoe-me, senhor Standish, mas temo que o senhor não tenha entendido a posição do seu cliente. O Selo Jóia de Shakur está em seu poder. Temos informações e evidências. Doravante, o seu cliente deverá pensar com muito cuidado, antes de tomar qualquer atitude intransigente.

- Estamos a informá-los, a si e ao príncipe de Bàrakat Oeste, que não podemos atender a tal exigência. E que deve libertar a menina Langley imediatamente, se deseja evitar que o meu cliente e os pais da rapariga recorram à polícia.

Nasir ficou muito sério, mas não respondeu.

- Avise o seu chefe de que os norte-americanos não permitem que os cidadãos deste país sejam tomados como reféns em países estrangeiros. E, se o seu pequeno reinado deseja continuar a ter relações amigáveis com o governo, o senhor deveria fazer tudo o que está ao seu alcance para devolver a menina Langley aos seus familiares - afirmou David.

- Se esta história for parar à imprensa, pode ter a certeza de que os turistas norte- americanos nunca mais porão os pés no seu país - complementou o advogado.

- Lembramo-lo de que os Estados Unidos assi naram acordos comerciais muito favoráveis com os Emirados Barakat. Sem dúvida, o príncipe Karim gostaria de considerar todas as possibilidades antes de levar adiante esta situação ridícula.

Houve um silêncio, quando David acabou de falar. Nasir olhou tristemente de um homem para outro.

- Esta é a sua posição final sobre o assunto, senhor Percy? - indagou Nasir.

O advogado respondeu por ele:

- Sim. Dadas as circunstâncias, não poderia ser outra.

Nasir anuiu, com muito pesar, e pôs-se de pé. - Lamento, cavalheiros. Sei que a Sua Serena Alteza Príncipe Karim também ficará muito triste quando souber das novidades. Já os adverti para

não tornarem este caso público nem para comu nicarem com a imprensa ou com a polícia. Não preciso de repetir a advertência. Tenham um bom dia.

 

                           Capítulo Treze

Caroline acordou tarde. Sentia-se deprimida e cansada. O seu pai não a amava, nem o seu noivo. O único homem em quem realmente confiara enganara-a, apenas para a atrair para aquela prisão. Este último desengano tinha sido o pior. Destruía as crenças mais profundas que tinha nos outros seres humanos.

Seria tão pouco merecedora de um amor assim? Nunca haveria ninguém capaz de amar Caroline Langley?

Pôde ouvir música, vinda de algum lugar. Uma balada barakati que imaginou poder aprender a amar. Mas ninguém lhe pediria para amar aquela música.

Refém do príncipe Karim. A tolice dos seus sonhos era tão evidente à luz da realidade... Suspirou. Pensar não a levaria a lado nenhum. Levantou-se e tomou um banho frio. E, então, na esperança de que lhe permitissem caminhar pelo jardim, colocou um vestido de algodão. Não se calçou, porque gostava da sensação do mármore frio debaixo dos pés. Quando se dirigiu para o salão principal, Karim encontrava-se lá com outro homem, sentado à mesa.

- Bom dia, Caroline.

- Bom dia, Sua Alteza - respondeu ela.

- Este é o meu irmão. Rafi, esta é Caroline.

- Olá, Caroline.

Rafi estendeu a mão, mas ela ignorou o gesto.

- Como está a Sua Serena Alteza? Mas que honra conhecer outro membro desta nobre família! - disse com ironia.

Karim fitou-a e Caroline conteve-se.

- Vem e senta-te.

Ela acomodou-se na extremidade oposta da mesa e ficou a encarar os homens. Tinham os semblantes preocupados.

- O que é que se passa?

- David Percy recusou a nossa oferta - disse Karim. - Não vai devolver a jóia.

Caroline fechou os olhos e uma onda de tristeza assolou-a. Uma coisa era David adverti-la, outra era dizer a Karim que assim seria. A confirmação era muito dolorosa.

Ela não valia a pena nem mesmo aos olhos de David... Ele não devolveria um objecto roubado para lhe salvar a vida. Era tudo profundamente deprimente.

Mas não deixaria que Karim percebesse. Forçou-se a encará-lo, disfarçando os seus sentimentos.

- Eu não te disse? - disse, com rudeza. - O que é que vão fazer agora? - engoliu em seco e, por fim, encontrou forças para indagar: - Enviarão a David um pedaço do meu corpo?

Começou a tremer. O que fariam com ela? Que esperanças poderia ter? Estava nas mãos de uma força poderosa. Quem faria perguntas a um rei? Quem a iria procurar?

Olhou para os dois homens. Poderiam fazer o que quisessem. Ela não tinha esperanças.

O mundo tornou-se acinzentado. O príncipe Rafi entregou-Lhe uma chávena de café quente e ela, agradecida, tomou um gole, que a acalmou.

- Não temos intenção de te magoar - assegurou Rafi.

- Ficar aquijá me magoa.

- Gostaríamos de nos aproximar do teu pai - explicou Karim. - Pedir-lhe que interfirajunto de David Percy. Se isso não funcionar, procuraremos outros meios. O que é que achas, Caroline? O que achas da influência do teu pai sobre aquele homem?

- Estás a partir do princípio que o meu pai quer fazer uso da sua influência?

Rafi olhou para o irmão e para Caroline.

- É claro - disse Karim.

- Bem, perdoem a ousadia, mas há apenas alguns dias vocês descobriram que os meus pais não me amavam! - exclamou com amargura e então, desejou não ter dito nada, porque fê-la sentir vontade de chorar.

- Não há tantos homens como David Percy no mundo. Talvez o teu pai tenha amado os outros filhos mais do que a ti, mas, se não te desejar ajudar agora, não seria apenas egoísta, como um monstro.

- Gostaríamos que conversasses com o teu pai ao telefone, para lhe garantires que estás bem e lhe pedires que faça pressão sobre o teu noivo - acrescentoú Rafi.

Era impressionante como aquelas palavras a faziam ansiar por ouvir a voz do pai. Estava ansiosa por qualquer traço que lhe fosse familiar e confortável.

Precisava de algo que a fizesse lembrar-se de quem era. A voz do seu pai faria isso... teria de fazer!

- Sim - disse, incapaz de disfarçar a ansiedade. - Tenho a certeza de que se ele souber o que David fez... Sim, conversará com ele!

- Só uma coisa - interveio Karim. - Não deves dizer onde estás. Se o fizeres, seremos obrigados a levar-te para outro local. E não será tão confortável quanto o palácio.

- Está bem, prometo.

O telefone já estava ali, um modelo antigo com auscultador curvo e detalhes em ouro e marfim. Karim marcou o número, falou com alguém, aguardou e, então, estendeu o auscultador.

- Está?

Era a voz do seu pai e Caroline começou a chorar.

- Papá? Papá, és tu?

- Caroline! Onde estás?

- Em Barakat. Não te posso dizer onde exactamente. Papá, David contou-te o que aconteceu?

- Não foi David quem trouxe a novidade. Foi um jornalista. Estivemos a tentar obter notícias durante todo o dia. É verdade? Caroline, o que é que se passa? Fugiste?

- Não. Pediram-me para fazer este telefonema. Papá, falaste com David?

- Ele nega qualquer envolvimento com o desaparecimento dajóia. Diz que é uma espécie de táctica.

- O príncipe Karim diz que tem provas de que foi David.

- Provas de que David roubou ajóia? - ele pareceu chocado.

- Sim.

- Conversaste com o príncipe pessoalmente?

- Sim, conversei. Papá, vão obrigar-me a desligar agora. Falarás com David?

- Sim, querida. E, se David tiver aquela jóia, é melhor acreditares que a irá devolver. Fica sossegada, vamos tirar-te daí - assegurou o pai e então a ligação foi cortada.

Caroline irrompeu em soluços. Era a primeira vez que o seu pai a tratava por querida.

Karim pousou o auscultador no gancho e comentou com Raf:

- O pai dela foi avisado por umjornalista. Raf praguejou e levantou- se.

- Maldição! Eujá volto - disse e correu para a parte principal do palácio.

Caroline ficou a soluçar.

- Tira o anel - pediu Karim.

Ela enxugou o rosto, encarando-o sem compreender.

- O quê?

- Tira o anel. Consideras-te noiva de um homem daqueles? É obsceno. Humilhas-te usando essa aliança.

A voz dele era dura, a expressão sombria.

- Eu disse-te que David não pagaria o resgate.

- Mas eu não acreditei. Pode haver um homem assim no mundo? Como podes acreditar que ele te ama? Nem sequer te respeita! Tira o anel.

- É uma questão de princípios. Se ele pagar o resgate, ficará vulnerável. De qualquer maneira, diz que, se todos se recusassem a pagar resgates, não haveria sequestros.

Karim riu.

- Diverte-me ouvir o que David Percy diz sobre princípios! Isso não passa de um disfarce para o egoísmo e a falta de amor.

Ela pousou a mão direita sobre o diamante.

- Sei que ele não me ama. Sempre o soube - sorriu em sinal de troça, embora Lhe custasse muito. - Acho que a tua pesquisa não foi muito boa, Alteza. Se quisesses atingir David, deverias ter-lhe roubado uma das suas peças de valor incalculável. Então, conseguirias um acordo.

- Então sabes que o teu noivo não te ama? Nesse caso, porque é que ele pagou tanto ao teu pai por ti? Porque é que te quer, se não é por amor?

- Quer me porque sou parecida com uma estátua grega. A de Alexandre, o Grande.

Karim estreitou o olhar, espantado e incrédulo.

- O quê? - sussurrou com ferocidade.

- Está num museu. É o seu busto favorito. Tentou, diversas vezes, adquirir a peça ao museu, oferecendo-Lhe quantias astronómicas, mas foi em vão.

- Ele compra uma mulher de carne e osso em vez de uma estátua de mármore? E tu permites isso? Por dinheiro?

- Exactamente, Alteza.

- Pára de me chamar Alteza! Sou Karim e deves usar o meu nome! - explodiu.

Caroline sentia-se inquieta quando ele ficava nervoso e não ousava desafiá-lo. Embora lamentasse a própria covardia, não respondeu.

- Que não o amas eujá sabia. É claro que sabia, depois do modo como me amaste. Mas não pensei que ele não te amasse. Tu nunca te vais casar com David Percy - disse com raiva. - Vais dar-te a um homem que mal tem o direito de ser considerado humano? Deixarás que ele te tire todos os prazeres de que a tua alma e o teu corpo forem capazes? Irás gerar os seus filhos?

Ela contemplou o diamante. Não queria dizer uma mentira directa, mas, se lhe contasse a verdade, ficaria ainda mais vulnerável. Se o príncipe soubesse que rompera o noivado por causa dele...

Karim queria-a. Dissera-lhe isso, os seus olhos também o diziam. Mas, se Caroline se entregasse à paixão, o que teria quando estivesse tudo acabado? E, se fosse intenção dele magoá-la, caso David não devolvesse ajóia?

- A vida é minha, Karim. O que faço com ela não é da tua conta.

O príncipe deu uma gargalhada.

- É perverso! Que alguém compre uma estátua porque Lhe faz lembrar uma mulher que não pode possuir, isso um homem pode compreender. Que ele compre uma mulher espirituosa, sensual e linda, porque lhe faz lembrar uma estátua... isso é incompreensível! - riu alto e abanou a cabeça. Então tocou-lhe no queixo, obrigando-a a fitá-lo. - Caroline, aceita o prazer que te ofereço.

Ela estremeceu diante do desejo urgente que viu naquele olhar.

- Pára, por favor.

- Um homem como ele irá matar a tua natureza sensual e o teu espírito. E não apreciarás mais nada. O toque de qualquer homem desgostar-te-á - Karim inclinou-se e a sua voz tornou-se profunda, repleta de sedução. - Deixa-me ensinar-te os deleites do amor antes de seguires o teu destino. Uma vida inteira não seria suficiente para saborearmos tudo. Mas vou dar-te uma amostra. Deixa-me fazer isso. Diz-me que me deixarás.

 

                           Capítulo Catorze

Caroline pôs-se de pé. Sem nenhum comentário, Karim seguiu-a. Aproximou-se dela, aguardando pela resposta.

Ela sentiu uma vontade avassaladora e amedrontadora de se lançar naqueles braços, apagar todo o pesar do mundo, apoiando-se naquele peito. Não compreendia porque é que se sentia assim. Tanta confusão assustava-a.

- Caroline?

- Mantém-te longe de mim.

- Diz-me o motivo.

- Sabes perfeitamente porquê. Sempre o soubeste - disse, contendo as lágrimas.

- Não, Caroline, eu não sei. Tens que me dar um motivo. Estou enganado? Não te dei o prazer que julgava ter-te dado?

Ela engoliu em seco.

- Não insistas, por favor.

- Se for esse o caso - prosseguiu ele, - então peço-te outra oportunidade. Se te sentiste desapontada, talvez tenha sido porque eras virgem. Mas o teu corpo irá aprender a confiar e a obter prazer do meu, tenho a certeza.

Ela fez um sinal negativo com a cabeça, mordendo os lábios.

- Não?

- O meu corpo nunca confiará em ti, Karim - voltou a encará-lo, os olhos repletos de acusações. - Qualquer que tenha sido o prazer que me deste, e não nego que tenhas dado, o meu corpo nunca confiará no teu, porque nunca mais vou confiar em ti.

Não queria estar a dizer-lhe aquilo, não queria ter uma conversa sobre o assunto, mas simplesmente não o conseguiu evitar.

- Porque não, Caroline?

- Porque me usaste, usaste o que sinto por ti. Porque fingiste desejo quando a única coisa que querias era uma refém. Porque fui traída por ti.

- Não foi assim - pegou- lhe na mão, levou-a até aos lábios e pousou um beijo delicado na palma. Conduziu-a até ao sofá e fê-la sentar-se. Nunca fingi desejo por ti. Sempre te desejei. Isso eu espero vir a controlar. Não era minha inten ção fazer amor contigo. Não, quando estava a planear tornar-te minha refém.

Caroline riu, tirou um lenço do bolso e enxugou os olhos.

- Tinha-lo em mente desde o princípio. Foste até ao aeroporto com esse propósito.

- Não. Lembra-te de que Rafi e eu fomos ao aeroporto buscar-te a ti e a David Percy. Então, como poderia eu ter tais intenções?

- E, assim que viste que a tua presa teve o bom senso de fugir da armadilha, saltaste em cima de mim. Negas isso?

- Assediei-te, sim. Disse que ficaria com ajóia dele e forçá-lo-ia a devolver a minha - o olhar de Kaifar ardia de paixão e ela estremeceu. - Contudo, o outro ponto não fazia parte do meu plano. O facto de eu te desejar... comojamais desejei outra mulher... foi algo que não procurei. Então, as minhas motivações tornaram-se confusas. Disse a mim mesmo que seria melhor assim. Poderia trazer-te para cá e partilhar dias e noites de amor. E tu jamais saberias que eras refém.

- Até que tudo estivesse acabado, é claro!

- Quando voltaste para cá comigo, desfiz essa estúpida confusão e soube que não deveria amar-te em tais circunstâncias, mesmo para te salvar da dor de saber que eras minha refém. Ter-te-ia deixado, estava determinado a não tirar vantagem de ti, mas... Bem, a minha partida tornou-se impossível. Sabes porquê.

Era verdade. Ela implorara-lhe para ficar. Até comprara preservativos.

- Sim, eu sei. Mas não saíste do quarto para... ir buscar preservativos?

- Não. Ia sair para te salvar de mim. Do meu desejo avassalador. Ter- te-ia deixado. Mas não foi o que aconteceu. Estavas tão linda e pediste com tanta suavidade... E eu não sabia que eras inexperiente. E, então, tornei-te minha. Foi a mais doce das experiências, Caroline.

- Foi? - indagou ela, com amargura.

Chorava abertamente, sem sequer saber porquê. Karim abraçou-a e encostou-a ao seu peito. Caroline capitulou e começou a soluçar.

Uma porta bateu, houve passos e uma voz. Karim afrouxou o abraço e levantou-se no instante em que Rafi entrou na sala.

- A maldita história já está nos jornais! - gritou para o irmão.

Passou junto deles e abriu uma porta. Karim seguiu-o e, após um momento, Caroline fez o mesmo. Naquela outra sala havia um aparelho de televisão. Raf ligou-o.

um porta-voz do consulado dos Emirados Barakat em Washington disse esta noite que estavam a investigar as alegações. Poderá saber mais acerca desta história pelo nosso correspondente.

Os príncipes entreolharam-se.

- Más notícias? - indagou Caroline.

- Não esperávamos isto - admitiu Karim.

- Talvez - disse Raf.

Ergueu o controlo remoto e aumentou o volume. Ruínas no deserto apareciam no ecrã.

- Os Emirados Barakat - dizia a voz do repórter,

- três pequenos reinados unidos por uma moeda comum e um Parlamento Supremo.

 

Ouviram em silêncio. Pelo que as pessoas do consulado sabiam, o Grande Selo de Shakur não desaparecera, ainda ocupava o seu lugar no tesouro de Sua Serena Alteza Sayed Hajji Karim ibn Daud ibn Hassan al Q, uraishi, príncipe de Barakat Oeste e guardião do Selo.

Então, o rosto de David apareceu no ecrã, fingindo relutância.

Provavelmente orquestrara a entrevista, mas fingia ter sido apanhado de surpresa.

Sim, tinham-lhe contado que a sua noiva era refém do príncipe Karim. Ele não queria dizer muita coisa, com medo das repercussões. Não estava nas suas mãos restituir ajóia desaparecida, pois nunca pousara os olhos naquele objecto e tinha informado o emissário de Barakat, que não aceitara a sua palavra.

No entanto, não aceitaria, sob qualquer circunstância, negociar com sequestradores. Nem pagaria o resgate exigido. A sua equipa fora instruída a agir assim, se ele próprio fosse sequestrado. Explicara a sua posição à noiva e ela concordara plenamente com a sua postura.

Caroline nunca vira David parecer tão frio como naquela entrevista. Longe de parecer um noivo preocupado, não mostrava nenhuma emoção, nem mesmo a que uma pessoa demonstraria para com um estranho na situação de Caroline.

- Naturalmente, a família da minha noiva e eu estamos devastados e esperamos que ela seja libertada - disse, sem convicção.

Caroline olhou para o seu anel e pensou que, se saísse ilesa daquela situação, estaria eternamente grata a Karim, por a ter feito ver a verdade.

Quando a entrevista acabou, os príncipes ficaram imóveis, chocados e em silêncio.

- Porque é que é tão terrível assim? - indagou ela.

Karim encarou-a.

- Lembras-te quando passámos por uma vila do deserto e eu apontei para a antena no telhado da casa do chefe?

- Claro.

- Dentro de um ou dois dias, talvez menos, a maior parte dos cidadãos de Barakat saberá que o Selo de Shakur foi roubado e que já não está no país. Cidadãos comuns vão esperar má sorte de toda a natureza. Pior: o meu irmão Omarjá teve problemas com um dos xeques do deserto. Isso dará ao homem coragem renovada. Outras tribos poderão juntar-se a ele. Então, a má sorte que as pessoas esperam, acontecerá mesmo.

Caroline não percebeu que começara a sentir os problemas de Karim como se fossem seus. Seria terrível se o egoísmo e a ganância de David dessem início a uma guerra naquele lugar lindo e exótico.

- Oh! E não podem fazer nada?

- Temos que fazer - respondeu Karim.

- Não tivemos esta possibilidade em contaexplicou Rafi. - No nosso plano, o senhor Percy não iria à imprensa. Não considerámos estes riscos - olhou com tristeza para Karim. Fora Rafi quem tivera a ideia de sequestrar Caroline. Pensámos que as ameaças o manteriam calado.

Karim disse algo em árabe. Rafì virou-se para ele, encolheu os ombros e murmurou um óbvio pedido de desculpas.

- Com o que é que vocês o ameaçaram? - perguntou ela, vagarosamente.

Karim manteve a expressão impassível. Raf encolheu os ombros e não respondeu.

- Ameaçaram matar-me?

Estava impassível naquele momento. Em estado de choque. A sua voz soava alta e clara, sem a interferência das emoções. Rafi murmurou o que pareceu ser outro pedido de desculpas, levantou-se e saiu.

- Estavas a falar a sério? - inquiriu ela.

- Não tenho intenção de te magoar. Ameaçámos o teu noivo pelos motivos que já te contei. Para evitar que a informação chegasse às tribos.

Falava com impaciência, como se se dirigisse a um amigo, alguém que naturalmente acreditaria e confiaria nele. Alguém de quem gostava. Seria uma fachada? Seriam as coisas assim?

- Não sou eu quem te coloca em perigo, mas sim o teu próprio noivo! Que casamento terrível terias com aquele homem!

Caroline encarou-o, começando a acreditar nele, querendo desesperadamente que fosse verdade. Simplesmente não se sentia preparada para resistir a um assalto daqueles.

Mas não lhe devia dar ouvidos. Isso significaria parar de tentar escapar ou baixar a guarda.

- Ele não sabe que não te vou ferir E, mesmo assim, deixa-te à minha mercê. Tira esse anel!

Como se não tivesse ouvido, Caroline repôs:

- Mas não me matarias de qualquer modo, não de imediato. Nunca obterias a tuajóia de volta, se o fizesses. Terias de me manter viva para enviares parte do meu corpo à minha mãe e ao meu pai, não é?

Karim franziu a testa, levantou-se e aproximou-se dela.

- Não sejas tola!

- Por onde é que vais começar? Por uma orelha? É uma parte bastante popular, não? - comentou com ironia.

- Pára com isso!

- Ou um dedinho? - furiosa, com os olhos rasos de água, Caroline empurrou-o, quando Karim parou diante dela. - Porque é que não mo cortas agora? Não queres deixar David escapar, pois não? Ele pode pensar que venceu!

Karim pegou na mão que lhe foi oferecida e tirou-lhe o anel do dedo com fúria. Surpreendida, ela ouviu o objecto bater contra o piso de mármore.

- O que...

O príncipe não lhe deu oportunidade de falar. Como se aquele acto tivesse destruído todo o seu autocontrolo, puxou-a contra o seu corpo, abraçando-a. Então, tomou-lhe os lábios num beijo apaixonado.

 

                        Capítulo Quinze

Uma alegria sensual dominou Caroline. Queria, precisava dos toques, das carícias selvagens daquele homem.

- Karim!

- Nada de protestos! - disse ele, unindo os lábios aos dela.

Beijou-a com terna ferocidade, a língua saboreando a maciez da boca, explorando-a. Soltou-a apenas para lhe levantar a saia do vestido e en contrar a pele nua das coxas e as finas cuecas de renda. A sua mão insinuou-se entre as coxas, os dedos começaram a vencer a barreira de renda. Ela estremeceu, indefesa. Já não conseguia resistir.

Fechou os olhos e gemeu. Caroline derretia, zonza, cheia de vida e de luz. Excitação, paixão, desejo, tudo parecia um furacão a envolvê-la. Soluçou e agarrou-se a ele, enquanto uma doce sensação de alívio a dominava.

Devorando-lhe novamente os lábios, o príncipe ergueú-a nos braços e virou-se rumo ao quarto luxuoso.

- Agora! - disse, triunfante, erguendo-a no alto. - Agora és minha!

Era verdade. Caroline já não podia protestar.

Queria todo o prazer que ele lhe pudesse dar. O amanhãjá não importava.

- Senhor Nasir Khan?

- Sim. Quem fala, por favor?

- O meu nome é Camille Packer. Suu escritora e estou a escrever um livro sobre as práticas ilícitas do comércio de antiguidades. Tenho pesquisado o assunto nos últimos dois anos, senhor Khan.

- Sim?

- Investiguei David Percy. Há rumores de que têm fortes evidências de que ele fez uma cópia da Jóia de Shakur e que a substituiu pela real. Pergunto-me se gostaria de discutir o assunto comigo.

- Menina Packer, onde obteve essa informação?

- Senhor Khan, há meia hora fui convidada para escrever um artigo para a revista Times sobre o assunto. Prometo ouvir tudo de modo amigável. Podemos encontrar-nos?

- Telefonarei ao meu chefe, menina Packer, e pedirei instruções.

Karim pousou Caroline na cama e permaneceu de pé, observando-a com um misto de triunfo e desejo. Os seus olhares encontraram-se, enquanto ele desabotoava a camisa e a atirava para longe com impaciência. Quando as mãos se moveram para a cintura, Caroline gemeu baixinho.

Viu-o ficar nu, o corpo esplendoroso, a musculatura perfeita. A pele era morena e o peito, soberbo.

- Gostas, Caroline?

Karim ergueu-lhe o vestido novamente e puxou-lhe as cuecas de renda. Caroline ficou deitada, indefesa, seminua, desejando tudo. Sentiu o vento banhar as suas coxas. Então, ele começou a inclinar o corpo e, subitamente, Caroline sentiu medo. Tentou virar-se, para se afastar. Como podia querer um homem que...

Mas era tarde de mais. O príncipejá estava sobre o seu corpo, a pele nua e exigente de encontro à sua. Beijou-a com uma fúria silenciosa, apaixonada.

Ela encarou-o, dilacerada por desejos conflituosos, pelo medo da própria reacção, pelo profundo desejo de que aquela doce invasão acontecesse.

- Mentiste-me... enganaste-me...

- Entrega-te, Caroline. Sobre isto nunca te menti. Prometi-te prazer e vou dar-te prazer.

- Não quero o teu prazer!

Ele pressionou-a, lançando-lhe arrepios de antecipação.

- O teu corpo quer o meu, o meu corpo quer o teu, nunca houve um desejo assim. Não mintas. Esta é a verdade entre nós. Entrega-te.

- É uma ordem, Alteza?

Karim riú.

- Não. Mas, se quiseres que eu aja como um rei e te dê uma ordem, posso fazê-lo - tomou-Lhe os pulsos e manteve-os acima da cabeça de Caroline. - já és minha.

Ela sentia o corpo arder. Numa irresistível resposta, entregou-se.

Karim fechou os olhos enquanto a emoção da aceitação feminina o abraçava. Esboçou um sorriso de triunfo, enquanto a possuía. Caroline era sua. Podia deixá-la indefesa com o prazer que o seu corpo Lhe proporcionava.

Caroline gemeu e o som deixou-o ainda mais faminto. Karim gritou selvaticamente, possuindo-a repetidamente, ensandecido pelos gritos de paixão.

Nunca soubera tão rapidamente o que uma mulher queria dele. Nunca sentira nada tão in tenso.

Possuiu-a muitas vezes. E então, quando os gritos de Caroline atingiram um tom afoito, penetrou- a mais profundamente e segurou-Lhe nas ancas. Sentiu o néctar fluir pelo seu corpo e voltou a investir.

Nunca experimentara um desejo tão poderoso, um prazer tão avassalador. Não sabia o que lhe dava forças para resistir à sua própria urgência. Tinha alcançado um lugar em si mesmo, onde a dor da resistência se traduzia em prazer.

Isto é loucura. A loucura de que os poetas falam", pensou.

Aspirou o perfume da paixão e isso também era prazer, dor e loucura. A sua boca pousou nos seios ainda cobertos pelo leve tecido de algodão, a língua lambeu o tecido, enquanto a mão tentava alcançá-los por debaixo.

Caroline emitiu um grito ao sentir que os seus corpos se afastavam. O ar frio tocou a sua pele. Trôpega, estendeu a mão para o tocar.

Karim segurou-lhe no braço e fê-la ficar de joelhos, despojando-a completamente do vestido.

- Toca-me, Caroline - sussurrou.

As mãos delicadas passearam pelo peito, explorando os ombros, a musculatura poderosa das mãos, o estômago firme, coxas... Karim mal con seguia respirar. Ela sorriu enquanto o acariciava, glorificando a sua força, faminta de paixão. Sem ter consciência, baixou a cabeça e beijou- o. Ao fazê-lo, ouviu-lhe um gemido de prazer.

O príncipe começou a penetrá-la novamente e o prazer era tão intenso que quase doía. Ela gritava a cada investida. A excitação abraçou-a até Caroline não saber onde estava ou o que gritava.

Cada movimento era muito forte. Criava a ameaça da explosão que ela tanto buscava. Lançava uma sensação de fogo pelas suas veias, pele e cérebro.

Caroline chamou e implorou, gritou por ele, bebeu em sensual deleite e tormento até que subitamente explodiu. Começou a soluçar e a gemer e a escuridão envolveu-a em ondas.

Karim sentia o controlo esmorecer. Ela entreabriu os olhos enevoados de paixão e sorriu. Então, o príncipe segurou-lhe na cabeça e beijou-a profundamente, com ternura.

Subitamente, o seu corpo descontrolou-se e ele começoú a possuí-la selvaticamente, como que procurando a resposta para um profundo mistério.

Os seus gritos confundiam-se, mesclavam prazer e alegria. E uniram-se no mesmo gemido de paixão e, por um instante, ele soube qual era a resposta que procurava.

Mas, enquanto tentava decifrá-la, a resposta foi-lhe afastada, envolta numa nuvem de mistério.

 

                       Capítulo Dezasseis

- Devolve a jóia! - exigiu Thom Langley.

-Já te disse diversas vezes que não está comigo. Nunca esteve.

- Muito esperto da tua parte. Ouvi dizer que as mentiras se acumulam no inferno...

- Estás a ser ridículo, Thom. Compreendo a tua ansiedade, naturalmente também a sinto, mas...

- David, um dos homens do xeque trabalhou como teu empregado durante os últimos seis meses. Não conseguiu tirar-te a jóia por causa dos teus seguranças, mas viu-a. Eu vi a fotografia que ele tirou. E há outras evidências. Essa história cheira mal!

- De que é que estás a falar, Thom?

- Há umajornalista no teu encalço há anos e desta vez apanhou-te. Posso dizer-te como o fizeste, caso te tenhas esquecido. Subornaste um dos seguranças do tesouro do príncipe Karim, para que tirasse uma fotografia do Selo. Então, levaste-a a um joalheiro e pediste-lhe que executasse uma cópia, com uma esmeralda falsa, uma pedra que engana até mesmo os especialistas. Depois, entregaste a cópia ao segurança do palácio e ele trocou-a pelo tesouro verdadeiro.

- Onde é que obtiveste essa informação?

Thom Langley sorriu.

- Será publicado no Times amanhã. Telefonaram-me a pedir uma entrevista. Disse-lhes que, se a minha filha voltasse viva, não se casaria com um homem como tu.

- No Times?

- Começas a cheirar a podre, David.

O quarto estava iluminado, mas o sol quente era filtrado pelas plantas, do lado de fora dajanela. Caroline, deitada, sentia a brisa passar pelos galhos e o sol lançar sombras na parede.

Ela era aquela árvore e Karim, o vento. Estava tão indefesa em relação àquele homem quanto a árvore ao vento. Podia dançar ao seu sabor.

Ergueú o braço e sorriu. Começou a cantarolar. Ele não a magoaria. Compreendera-o, acreditava nisso. Chamara-a amada" e Caroline reparara no tom apaixonado com que o proferira.

Amava-o e precisava de confiar nesse amor. Sentia-se drenada e revitalizada ao mesmo tempo. Quando se levantou, as suas pernas quase cederam.

Sorriu involuntariamente, recordando-se da noite anterior, um arrepio errante passou pelo seu corpo, enquanto o seu coração parecia derreter-se novamente.

Enrolou o roupão no corpo e foi até à casa de banho. A banheira estava cheia de água quente e havia, pela primeira vez, uma ajudante de câmara, cuja óbvia intenção era cuidar dela.

Quando tentou ir para o chuveiro, a mulher sorriu e acenou negativamente, conduzindo-a para uma longa superfície de mármore coberta por um colchão de espuma.

Caroline foi encorajada a deitar-se e, num minuto, divertida, viu-se massajada com um óleo aromático, por umas mãos poderosas.

Meia hora mais tarde foi cuidadosamente conduzida pelos degraus de mármore até à banheira. A mulher entregou-lhe uma barra de sabonete deliciosamente perfumado.

- Posso acabar por me habituar! - comentou com a mulher, que sorriu em aprovação e proferiu uma resposta incompreensível. - O Xeque Karim esteve aqui?

Rindo, a mulher gritou:

- Xeque!

Disse mais algumas palavras, acompanhadas por um arsenal de sinais, indicando um homem com pressa, que tomara banho e saíra.

Minutos depois, enrolada numa grossa toalha branca que lhe chegava aos pés, Caroline voltou para o quarto para se vestir.

Quando foi até ao salão principal, encontrou três telefones sobre a mesa. Rafi parecia falar em todos ao mesmo tempo. Quando viu Caroline, tapou o auscultador e apontou:

- Estávamos a ver televisão. Serve-te uma bebida. Comeremos em breve.

Ela foi até à mesa lateral e serviu-se de um pouco de vinho branco. Então, caminhou pelo magnífico piso de mármore branco e preto até à sala onde Karim, usando um belíssimo roupão de brocado e estranhas sandálias orientais, estava deitado sobre um divã, a ver o noticiário.

Sorriu-lhe de um modo que a deixou sem fôlego. Ergueu o braço na sua direcção e, quando Caroline se aproximou, pegou-lhe no pulso e beijou-lhe a palma.

- Estás bem, querida?

- Muito bem.

Sorriu preguiçosamente, os seus olhos reflectiam tudo o que ele precisava de saber.

- Senta-te ao meu lado. Vão repetir a notícia brevemente e quero ver se há alguma novidade.

Caroline aguçou os ouvidos, quando o noticiário recomeçou.

- A história a ser publicada amanhã no Times alegará que a principal evidência do roubo da década conduz a David Percy. O Grande Selo Jóia de Shakur ainda deve estar em seu poder. A jornalista e escritora Camille Packer, que investiga crimes no mercado de arte e antiguidades para escrever um livro, falou com o nosso intermediário.

Caroline ouviu, fascinada, Camille anunciar que a fraude e a desonestidade são comuns no mercado de antiguidades e artes e depois comunicar a evidência que apontava para David Percy.

- Na sua opinião, onde está o Grande Selo Jóia de Shakur agora? - indagou o entrevistador.

- Não há evidência que indique que ajóia tenha sido vendida. Portanto, deve estar com o senhor Percy.

Naquele momento, Caroline perdeu o fôlego. Viu os pais aparecerem no ecrã. A sua mãe chorava. Estavam de pé do lado de fora da Kasa, diante de diversos microfones. O seu pai lia um pedaço de papel, olhando para a câmara no fim de cada frase.

- Gostaríamos de implorar ao xeque Karim para que nos desse mais algum tempo - disse Thom. Os seus olhos estavam lacrimejantes e a voz, instável. - Conhecemos a envergadura do roubo a que foi sujeito, mas eu gostaria que se lembrasse de que esta família não teve parte no roubo. Caroline Langley é inocente. A única coisa que fez foi ficar noiva do homem errado - olhou, amargurado, para as câmaras. - E posso garantir a Sua Alteza que o noivado acabou, pelo menos no que nos diz respeito a nós. Pedimos a David Percy que cooperasse com os representantes de Barakat.

Olhou, então, para a mãe de Caroline, que engoliu diversas vezes em seco e soluçou. Por fim, conseguiu dizer:

- Por favor, David, por favor, por favor... É a única coisa que posso dizer. Por favor, não deixes a nossa filha morrer por causa da tua colecção de arte - então, desabou completamente.

Observaram o fim da reportagem e o príncipe Karim desligou a televisão. Caroline estava com os olhos rasos de lágrimas. Karim virou-a para que o encarasse e beijou as lágrimas do seu rosto.

- Estás surpreendida?

- Um pouco. Nunca vi os meus pais assim.

- Talvez tenha sido preciso uma crise para lhes mostrar o que se passava nos próprios corações.

Ela anuiú.

- O que acontecerá agora? Karim encolheu os ombros.

- David Percy tem duas escolhas. Pode devolver ajóia ou prosseguir com a mentira de que não a tem. A segunda opção seria muito tola, mas tantos homens têm sido tolos...

- O que farás?

- Devemos esperar e ver - beijou-a novamente com ternura e suavidade. - Caroline...

Mas Rafi estava à porta.

- Nasir está ao telefone.

Correram para a sala principal e Karim pôs o auscultador no ouvido. Disse algumas palavras em árabe e fez uma pergunta. Por fim, desligou, olhando para Caroline e Rafi.

- O Selo Jóia de Shakur foi entregue à porta do consulado há cinco minutos atrás por uma pessoa anónima. Nasir está a caminho do aeroporto.

A notícia foi divulgada, assim que o avião real de Barakát saiu do espaço aéreo americano. David Percy, embora continuasse a negar ter algo a ver com ajóia, era o vilão mais apontado.

Por volta das nove horas daquela noite, Caroline telefonou para os pais, para lhes dizer que estava segura. Em seguida, juntou-se a Karim, para jantar: Sentaram-se entre almofadas na mesa baixa.

Karim colocou porções entre os lábios de Caroline, mas era o seu olhar de paixão que a ali mentava. Quando se saciaram e um servo colocou pequenas xícaras de café defronte dos dois, o príncipe acomodou-se melhor e fez Caroline ajeitar-se no seu ombro.

- Querida?

- Sim?

- O teu pai disse que já não te vais casar com aquele homem. Concordas?

Ela levantou a cabeça e sorriu.

- É importante para ti? - indagou, sabendo, com quase toda a certeza, qual seria a resposta.

- Ajóia dos meus ancestrais foi devolvida, mas eu não posso devolver ajóia de David Percy. Fica comigo!

O coração dela parecia flutuar e velejar na luz.

- Karim... - disse, quase sem ar.

- Não te podes casar com aquele homem!

- É uma ordem, Alteza? - provocou ela.

- Obedecerias a essa ordem? - sussurrou Karim.

- Oh, sim!

- Obedecerias á outra ordem que te desse agora?

Ela aspirou profundamente, mas tinha de confiar no seu coração. Anuiu.

- Sim.

- Minha pérola sem preço, ordeno que rompas o teu noivado e fiques aqui, para te casares comigo e me ajudares a administrar o reino. Fá-lo- ás?

O coração dela batia suficientemente alto para a ensurdecer.

- Casar-me contigo? - sussurrou.

- Claro! - agarrou-lhe no rosto delicado e encarou-a. - O que é que tinhas pensado, Durrz?

- Bem, corrige-me se estiver enganada, mas isto é um harém e os xeques ainda têm concubinas - disse, sorrindo.

- Não quero uma concubina. Quero-te como minha esposa.

- Porquê? - perguntou ela. Sabia qual seria a resposta, mas tinha que a ouvir.

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- Porque te amo como nunca amei outra mulher.

- Mas Karim, esqueceste- te? Tua esposa... Far-me-ias tua rainha?

- É claro que serás minha rainha! - ela arregalou os olhos, temerosa, e ouviu-o dizer, em tom de urgência: - Serás a rainha do meu povo. Eles também te vão amar e tu amá-los-ás. Caroline, dá-me uma resposta.

- A propósito, já rompi o meu noivado há alguns dias.

- O quê?

- Rompi o noivado antes de tu e eu fazermos amor pela primeira vez. Foi por isso que tirei o anel.

- Mas... porquê?

- Porque... estava apaixonada por Kaifar e acreditava, a despeito das advertências dele, que poderia.

Parou de falar, sorrindo. Karim observou-a, entendendo a profundidade daquele amor.

- Se Kaifar te tivesse pedido em casamento, o que terias respondido?

Caroline ainda sorria.

- Kaifar nunca me pediu.

Karim não sorria.

- Pede-te agora, Caroline. Não me atormentes, dá-me a tua resposta!

Ela parou de sorrir, ao olhar para aqueles olhos famintos.

- Sim - disse simplesmente.

Karim quase a abafou com o seu beijo apaixonado.

- Foi por isso que David Percy não quis desistir dajóia? Porque já não era teu noivo?

- Acho que ele não recebeu a minha carta...

Karim franziu a testa.

- Carta? - repetiu, pensando nas duas cartas confiscadas na gaveta da sua escrivaninha.

- Tentei telefonar, mas as linhas internacionais estavam com problemas.

- Mas estavas a usar o anel que ele te dera!

- Coloquei-o na noite em que tentei fugir, porque me tiraste todo o dinheiro e achei que o anel poderia pagar o táxi até à embaixada. Depois mantive-o como uma... protecção contra ti.

- Não precisas de protecção contra mim. Deixou-a tão faminta que ela enlaçou aquele pescoço largo e puxou-o para baixo, de encontro ao seu coração.

 

                           Epílogo

- Bom, Marta - disse o apresentador. - Parece que o sequestro ocorrido em Barakat Oeste tem um final feliz.

- Sim, Barry. A Grande Jóia do Selo de Shakur, que é o nome oficial da jóia roubada, foi devolvida, ontem, ao consulado dos Emirados de Barakat, em Washington. Foi analisada por especialistas e considerada, oficialmente, autêntica. Neste momento, já se encontra a salvo no tesouro real do príncipe Karim. Caroline Langley, a ex-noiva do senhor David Percy, ainda não foi libertada.

- Estamos à espera, precisamente, de notícias a esse respeito. A nossa correspondente em Barakat Oeste irá informar-nos. Andreia, que notícias tens a respeito de Caroline Langley?

- Neste momento, estou diante das portas do palácio, onde, segundo os rumores, o príncipe em pessoa irá fazer um comunicado. Como estamos a usar os nomes oficiais, referir-me-ei a ele como Sayed Ha Ìji Karim ibn Daub ibn Hassan al Quraishi. Espera-se que ele ou algum representante do seu governo nos diga que a refém vai ser libertada de imediato.

Atrás da correspondente, gerou-se uma grande agitação.

- Andreia, sucede algo atrás de ti.

A câmara focou a porta principal. E, para surpresa de todos, esta abriu-se, dando passagem ao príncipe Karim, que saía acompanhado por uma mulher loira.

- Meu Deus! - exclamou Marta. - Será Caroline Langley?

O casal aproximou-se dos microfones e deteve-se.

A brisa abanou a saia e os cabelos de Caroline. Ela sorria, satisfeita, para osjornalistas e fotógrafos.

O príncipe esperou pacientemente que a multidão se calasse.

Dirigiu-se primeiro ao seu povo. Informou-os de que a jóia já tinha sido recuperada e que a mulher que estava junto dele seria sua esposa e sua rainha. Recordou-lhes que a primeira esposa do seu pai também tinha sido estrangeira e que reinara com sabedoria.

Depois, começou a falar em inglês, para que a mensagem fosse compreendida pela audiência internacional.

- Primeiro, quero agradecer aos cidadãos americanos e a todos os que no resto do mundo nos apoiaram, sendo pacientes nestes dias tão dificeis. Recebemos mensagens de raiva, mas também muitas que expressavam a sua indignação pelo ultraje de que estava a ser objecto o nosso país.

Fez uma breve pausa e prosseguiu:

- A Jóia do Selo do meu antepassado Shakur tem mais de mil anos. Jamais tinha havido alguma disputa quanto à sua pertença. Neste momento, é minha, como foi anteriormente do meu pai, do meu avô, do meu bisavô. Como já devem saber, por toda a informação difundida nos últimos dias, é um símbolo de estabilidade para o meu povo. Tive que adoptar medidas drásticas para recuperar o que pertence ao meu povo e voltarei a fazê- lo, se algum ladrão decidir voltar a tomar o nosso tesouro nacional.

Karim ergueu a mão e Nasir apareceu de entre as sombras com uma caixa belamente ornamentada.

Pegou nela e ergueu-a num gesto possessivo.

A luz do sol brilhou sobre a bonita esmeralda.

- Que ninguém duvide jamais que defenderei este selo acima de tudo!

A população começou a lançar vivas. E Karim recebeu, com alívio, os gritos comprazidos do seu povo.

Tinha voltado tudo à normalidade. A sua postura e a sua actuação pareciam ter assegurado ao seu povo de que teriam sempre um bom governante.

Karim fechou a caixa e entregou-a novamente a Nasir.

Dirigiu-se à multidão uma vez mais. As pessoas escutaram-no.

- Agora chegou o momento de cumprir a minha parte do trato. Mas tenho que vos imformar de que Caroline Langley não regressará definitivamente para os Estados Unidos.

Ao completo silêncio que se tinha gerado sobrepôs-se o cantar de um pássaro. Toda a gente pareceu respirar em uníssono.

- Regressará apenas para visitar a sua família. Depois, voltará e converter-se-á em minha esposa e na rainha deste povo.

O silêncio transformou-se em exclamações de surpresa, murmúrios e comentários.

- Andreia, estavas a par disto?

- Não, Marta - respondeu e deixou que a voz do príncipe se voltasse a escutar.

- Visto que este país se converteu no foco de interesse durante os últimos dias, muitos saberão que o meu pai também desposou uma mulher estrangeira. O casamento durou até ao fim dos seus dias, repleto de alegrias e de tristezas. Estou convencido de que o meu casamento com Caroline Langley terá a mesma força e será tão feliz quanto o do meu pai. Tal como ele o fez, prometo a Caroline que será a minha única esposa. Obviamente, teremos um casamento de estado e espero que muitos de vocês regressem ao nosso país nessa altura. Obrigado.

A multidão gritava, osjornalistas rogavam a Caroline que proferisse algumas palavras.

Karim virou-se para ela.

- Queres dizer algo?

Ela estava realmente nervosa.

- Achas que derrubarão o palácio se não o fizer? - brincou ela. Mas o sorriso do seu amado deu-lhe forças. Aproximou-se dos microfones.

- Menina Langley, é uma decisão que tomou de livre vontade?

- Quando voltará para os Estados Unidos?

- Viajará sob vigilância?

-Já falou com o senhor David Percy?

- Rompeu o seu compromisso?

- O que é que ele acha?

- Menina Langley, porque é que tomou esta decisão?

- Porque me apaixonei.

Depois de responder a um milhão de perguntas, o príncipe Karim e a sua futura esposa saudaram a multidão e voltaram a entrar no palácio.

- Bom, Barry, fiquei sem fala - declarou Marta.

- Acabas de perder a tua grande oportunidade. Entretanto, Karim e Caroline dirigiam-se para a câmara do tesouro.

Caroline tinha nas suas mãos a caixa da bonita esmeralda do selo.

Karim abriu a urna de cristal e colocou cuidadosamente a caixa no seu lugar.

Um raio de luz iluminou ajóia e Caroline suspirou.

- É tão bonita! Tem realmente um brilho mágico - exclamou. - Era capaz de chegar a acreditar que tem o poder de fazer com que o reino se mantenha em paz.

Karim anuiu e fechou a caixa.

- Agora, minha amada - disse-lhe e abriu outra caixa, da qual extraiu a maravilhosa diadema que lhe tinha oferecido noutra ocasião. - É um costume no nosso reino dar às noivas um presente de casamento. Rogo-te, uma vez mais, que aceites esta prenda.

- Karim, é tão bonita! - declarou ela, atónita. Mas Karimjá não olhava a peça, mas sim a sua jóia mais valiosa.

Abraçou-a com força.

- Tu és mais bonita do que qualquer jóia, minha pérola - sussurrou-lhe e os seus lábios encontraram-se.

 

                                                                                Alexandra Sellers

 

 

                      

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