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Na Terra e nos outros mundos da Humanidade registra-se o início do ano 3459.
A última jogada do oponente da Humanidade, que se manifesta no conceito Anti-Aquilo, foi rechaçada com sucesso quando, em abril do ano anterior, Perry Rhodan encerrou a sua “Odisséia Cerebral” e retornou ao seu corpo original.
Contudo, parece que o período de provações ao qual a Humanidade foi submetida ainda está longe de terminar. O ser imaterial Aquilo, que no jogo de “xadrez cósmico” estava do lado da Humanidade, também aludira a algo semelhante.
E é assim que, cerca de oito meses após o retorno de Perry Rhodan, surge um novo e inesperado confronto das profundezas do espaço sideral.
Inteligências estranhas de uma outra galáxia aparecem no Sistema Solar e fazem uma demonstração de seu extraordinário poder, ao qual a Humanidade não tem nada comparável a contrapor, e exigem a incorporação da Via-Láctea à Liga dos Sete...
Como era gostoso flutuar sobre o telhado com o órgão antigravitacional ativado, inspirando o ar suave da noite e observando o cintilar das máquinas voadoras dos terranos. Calloberian passava quase todas as noites em cima do telhado da casa de Chinnel, pois, ao contrário dos seus anfitriões, não precisava dormir.
Anton Chinnel, que observava o xisrape da janela do sótão, sorria compreensivo. Sua família adotara o xisrape degredado quando ele estava na sua terceira escamação (o que correspondia a seis anos terranos) e o acolhera em sua casa. Calloberian era um dos cerca de mil e duzentos xisrapes que, ainda bebês, haviam sido encontrados em diversos planetas da Galáxia com atmosfera de oxigênio. Eles haviam sido abandonados ali por suas mães. Ninguém entendia por que algumas mães xisrapes agiam de forma tão desumana — com exceção de certos políticos ignorantes de algumas províncias, que viam perigo em qualquer estranho e acreditavam numa invasão secreta dos xisrapes.
Bastava Chinnel olhar para o estranho que pairava sobre o telhado para saber que Calloberian era completamente inofensivo.
O xisrape parecia-se com um lençol branco de dois metros, para fora do qual aqui e ali despontavam braços e pernas bem fininhos.
Além dos membros, cuja quantidade não era nada fácil para um observador determinar (Chinnel sabia que eram dezesseis), existiam ainda inúmeras intumescências orgânicas sob a pele branca.
Na extremidade superior do corpo de Calloberian existiam três protuberâncias visuais, uma vesícula falatória e um órgão auditivo semelhante a uma esponja. Para se alimentar, esse estranho ser fazia uso de uma superfície epidérmica com poros graúdos através da qual sugava fluídos albuminosos para dentro do seu corpo.
Calloberian adorava leite, mas nem por isso desprezava cerveja, água, vinagre ou óleo, de acordo com a situação.
Quando Anton Chinnel fez menção de se recolher, o xisrape desceu flutuando até ele.
— Você ada está acordado, Ton? — Calloberian não conseguia emitir os sons “an” e “in” com a sua vesícula falatória. — Espero que não de preocupado comigo.
— Sargia deixou mais uma garrafa de leite no seu quarto — avisou Anton. — Lembre-se, amanhã é o seu primeiro dia de aula.
Em Terrânia, existia uma escola para extraterrestres.
O “corpo docente” compunha-se basicamente de aparelhos tradutores e positrônicas, pois esta era a única alternativa para ensinar uma infinidade de seres diferentes.
Dois galatopsicólogos experientes e alguns assistentes dirigiam a escola.
— Tes fosse você meu professor, Ton! — disse Calloberian, triste.
— Não tenho experiência e sabedoria para isso — retrucou Chinnel. — Você deve aprender a agir por conta própria — mesmo num mundo estranho para você como a Terra. Além disso, não precisa se preocupar. Na escola, todos tratarão você como um amigo e o aprendizado vai parecer uma brincadeira.
— Estou um tto seguro para o trabalho psicológico — confessou o xisrape. — Às vezes acho que eles têm a tenção de me transformar num terro.
— Você acredita mesmo que os nossos galatopsicólogos seriam capazes disso?
— Não...! — A resposta soou hesitante.
A voz de Calloberian não era muito alta.
Por causa dos constantes movimentos pulsantes da vesícula falatória, ouvia-se sempre um ruído como que de água fervendo.
Quando dera abrigo ao xisrape, a maior dificuldade de Chinnel foi fazer Calloberian entender que era preciso inserir uma pausa entre as palavras. No começo, tudo o que aprendia custosamente Calloberian repetia aos borbotões, de forma que quase não se podia perceber um sentido.
Agora isso havia mudado. A não ser pelas diferenças anatômicas, o entendimento entre Calloberian e a família Chinnel ia de vento em popa.
— Você sabe que não é nem nunca foi um peso para nós — continuou Anton. — Mas seria prejudicial para a sua autoconsciência se você não aprendesse a tomar as suas próprias decisões e agir de acordo com elas. Você precisa se tornar completamente independente. E para isso tem muito o que aprender.
— Isso eu entendo! — disse Calloberian, girando cuidadosamente sobre o seu próprio eixo. Os finíssimos apêndices externos da pele eriçaram-se obliquamente em relação ao corpo. — Sem dúvida será muito teresste!
— Interessante! — Vez por outra Anton ainda se via corrigindo as inevitáveis violações verbais do xisrape. — Também é importante que você tenha contato com outros alienígenas. Isso vai aliviar o peso da solidão que, mais cedo ou mais tarde, você também vai sentir. O importante é que na escola você vai ter um contato mais freqüente com outros xisrapes.
— Não estrho mais esta casa — considerou Calloberian. — Sabe, não consigo me imagar distte daqui por muito tempo.
— Sargia, Meckton e eu também sentiremos muito a sua falta — admitiu Chinnel. — Mas não se trata de uma separação definitiva. Vamos nos ver todos os fins de semana, sem falar das férias.
— Sei muito bem o que vocês todos fizeram por mim. — Um dos quatro bracinhos apareceu e tocou suavemente o rosto de Chinnel. — Por isso devo muito a vocês.
Quando Calloberian quis entrar na casa pela janela, todas as estrelas no céu se apagaram de repente.
Foi um fenômeno tão abrupto e inesperado, que nem Chinnel nem o xisrape o perceberam ou puderam entender de imediato.
No começo, foi apenas uma modificação moderada na atmosfera. Uma sombra ameaçadora se projetava sobre o lugar. Anton Chinnel tinha a sensação de estar sendo estrangulado. Ele curvou o corpo para se proteger e encolheu-se dentro do sótão. Seu coração ameaçava parar de bater.
Calloberian emitiu um som de lamento.
Quando Chinnel ergueu a cabeça, o céu estava escuro. Era como se alguém tivesse puxado uma gigantesca cortina negra na frente das estrelas.
— As estrelas sumiram! — exclamou Chinnel horrorizado. — O que significa isso?
— Estou vendo! — concordou Calloberian. — Isso está me assustdo.
Ele voltou para fora e ficou flutuando ao ar livre para poder observar melhor. Anton Chinnel também saltou para fora. Nas casas as luzes iam se acendendo. As pessoas que já estavam dormindo também pareciam sentir a alteração e iam para as janelas de suas residências.
Chinnel podia ouvir os gritos de pavor que vinham da rua.
Os planadores que circulavam à noite saíam dos corredores aéreos e dirigiam-se ao local de pouso mais próximo.
— Todos estão vendo! — disse Chinnel. — Não é uma alucinação.
— Poderiam ser nuvens? — perguntou Calloberian.
Chinnel apontou para a meia-lua claramente visível.
— O céu está completamente limpo. Continuamos vendo a Lua normalmente. A barreira que se instalou entre nós e as estrelas. deve estar muito além no espaço. Provavelmente nos limites do Sistema Solar.
Ele segurou uma das perninhas de Calloberian.
— Tenho certeza de que a qualquer momento vamos ter uma transmissão extraordinária da Televisão Terra.
Agora Chinnel ouvia Sargia e Meckton chamando por ele dentro de casa. Eles também haviam acordado e estavam com medo.
Chinnel e o xisrape saíram do sótão.
Sargia estava em pé no corredor, com Meckton nos braços. O menino escondera o rosto no ombro da mãe e soluçava. Do corredor, Anton podia ver a sala de estar. A janela estava aberta. Dava para ver um pedaço do céu, ainda escuro. Ou seja, o fenômeno ainda não havia passado.
— As últimas notícias! — ordenou Anton.
O televisor de parede tridimensional, programado para obedecer aos comandos de voz dos dois membros mais velhos da família, reagiu instantaneamente e iluminou-se.
Anton viu o símbolo do Império Solar: uma mão humana e uma não humana sobre o fundo da Via-Láctea.
Logo abaixo, em sete idiomas distintos:
EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA.
— Já vamos saber o que está acontecendo! — disse Chinnel.
Ele acendeu todas as luzes da casa, mas a claridade não conseguiu espantar o seu temor. A imagem do céu escuro não saía de sua mente.
— Será um campo de energia? — perguntou Sargia.
— Não sei — respondeu Chinnel perplexo.
Ele olhou para sua mulher. Ela era alta e magra, com ombros bem desenvolvidos, em proporções incomuns nas mulheres. Ela sacrificara os seus cabelos verdadeiros em favor de uma peruca biossintética em estilo escova, em moda no momento. Antes de Sargia, Chinnel já assinara contratos matrimoniais com outras quatro mulheres. Nenhum desses casamentos havia dado certo.
Uma vez por ano, Chinnel encontrava-se com uma de suas ex-esposas para não perder o vínculo sexual com elas. Sargia não se opunha a isso. Ela era equilibrada, quase fria. Às vezes, Anton tinha a impressão de que ele não passava de um cálculo matemático na vida dela. Como Meckton ainda era muito novo para assumir a chefia da família, Sargia e Anton revezavam-se nessa tarefa.
Quando era a sua vez, Anton Chinnel sempre tinha a sensação de que não conseguia dar conta do recado muito bem. Apesar disso, estava satisfeito. O casamento parecia estável e sem maiores problemas.
Os três humanos e o xisrape reuniram-se diante do televisor de parede.
Pelo jeito, também em Império Alfa estavam todos perplexos.
De repente, Calloberian disse:
— Amhã não poderei ir à aula!
— Bobagem! — retrucou Anton energicamente. — Em algumas horas tudo estará normalizado.
— Não é por isso — retrucou Calloberian calmamente. Desde que haviam deixado o telhado, ele dava a impressão de ser uma outra pessoa. Para Anton, ele parecia mais adulto e independente. — Tenho que ir até Império Alfa e falar com Perry Rhod.
Anton encarou-o.
— Acorda, Calloberian! Você não sabe o que está dizendo. Ninguém vai lhe dar atenção — muito menos na situação atual. Você não passa de um jovem xisrape.
— Acredito que possuo algumas formações importtes — afirmou Calloberian, determinado. — Vou oferecê-las aos responsáveis. Dependerá deles aceitá-las ou não.
— Calloberian precisa ficar com a gente! — intrometeu-se Meckton. — Não quero que ele vá embora.
O xisrape flutuou em direção à criança e a acariciou.
Meckton tranqüilizou-se e ergueu a cabeça.
— Você vai voltar, Calloberian?
— Isso nguém pode responder — retrucou o xisrape. — Mas sei que devo muito à Humidade. Talvez seja essa a chce de poder retribuir.
Anton e sua mulher trocaram um olhar.
Chinnel sabia que, com a adoção, assumira também a responsabilidade por aquele jovem alienígena. Calloberian parecia totalmente perturbado. Muitas vezes Anton já notara que o jovem estranho apresentava uma relação especial com os fenômenos naturais. Assim, toda vez que chovia, o xisrape ficava entorpecido, completamente estático.
Esse comportamento se dava tanto dentro de casa como ao ar livre.
— Vou comunicar minha decisão a Sargia — disse Anton.
Calloberian ergueu todos os quatro bracinhos. Eles não tinham pêlos e constituíam-se de uma massa firme, sem ossos.
— Isso nem você, Ton, nem Sargia vão decidir — disse. — Por favor, não tornem as coisas mais difíceis para mim, pois eu irei de qualquer meira.
Sargia sentou Meckton numa poltrona.
— Calloberian! — exclamou atônita. — O que você está dizendo? Você faz parte da nossa família. Gostamos de você e não queremos perdê-lo. Você está fora de si.
Antes mesmo que Calloberian pudesse responder, a imagem no televisor de parede mudou. A transmissão não vinha dos estúdios da TVT, mas sim, diretamente de Império Alfa. A abertura sinalizava aos telespectadores que o programa estava sendo transmitido para todo o sistema e poderia, portanto, ser captado nos outros planetas e luas do Sistema Solar, bem como em todas as naves e estações que se encontrassem nesse setor.
Um rosto apareceu no televisor de parede.
— Perry Rhodan! — gritou Anton Chinnel surpreso. Ele não esperava que o Administrador-Geral fizesse pessoalmente um pronunciamento para toda a Humanidade.
Isso vinha confirmar a importância do acontecimento de alguns minutos atrás.
— Muitas pessoas que vivem no lado diurno do nosso planeta ainda não sabem o que aconteceu — iniciou Rhodan o seu pronunciamento. Ele parecia completamente sereno, mas isso não significava nada. Sabia-se que o Administrador-Geral raramente perdia o autocontrole. — Neste momento, através dos noticiários e deste pronunciamento, é que saberão o que está se passando. Aparentemente o Sistema Solar foi completamente desligado do resto do Universo. Não é mais possível visualizar as estrelas e galáxias. Da mesma forma, as nossas naves estacionadas na fronteira do sistema não conseguem mais localizar as estrelas. A comunicação por rádio entre as estações externas do Sistema Solar e a Terra continua funcionando sem problemas. Para além desses pontos, porém, até agora todas as tentativas de estabelecer um contato fracassaram. Já providenciei para que diversas naves saiam do Sistema Solar e tentem alcançar um sistema estelar vizinho.
“No momento, podemos apenas formular hipóteses a respeito do tipo de fenômeno que está ocorrendo. Nossos cientistas mais importantes acreditam que todo o Sistema Solar encontra-se envolto por um invólucro energético pentadimensional.
“Como isso aconteceu é completamente desconhecido. Não existe nenhum perigo imediato no que se refere à segurança dos habitantes do Sistema Solar. Vocês serão mantidos informados por este canal.
Com isso o pronunciamento foi encerrado.
No lugar de Rhodan, apareceu um hiperfísico que discorria sobre as possibilidades de diversos tipos de campos energéticos.
Chinnel já não prestava mais atenção.
Era surpreendente como o pronunciamento simples e direto de Perry Rhodan, restrito a poucos detalhes, conseguira tranqüilizá-lo.
— Vocês ouviram — disse ele, dirigindo-se à família. — Não existe perigo imediato.
As palavras seguintes foram para Calloberian.
— Com isso também as suas incertezas devem ter sido eliminadas.
— Preciso mter a mha decisão — respondeu o xisrape. — E também não adita esperar até amhã. Vou partir agora.
O modo como o xisrape falava impressionou Chinnel. Diante dele não estava mais um extraterrestre infantil que precisava de sua ajuda, mas sim um alienígena adulto que sabia exatamente o que pretendia. Para Chinnel era uma situação embaraçosa. Ele se sentia cada vez mais constrangido. De repente, já não sabia mais como agir com Calloberian.
O xisrape parecia sentir essa insegurança.
— Não precisa se preocupar comigo, Ton!
Chinnel tomou sua decisão.
— Não vou deixar você partir, Calloberian. Amanhã cedo vou falar com o galatopsicólogo que dirige a escola. Ele vai saber nos aconselhar.
O xisrape desmoronou sobre si mesmo.
Ele parecia um pedaço de pano amarfanhado no chão.
— Era isso que eu temia — disse ele. — Você não pode me deter, Ton!
Ele deslizou rente ao chão em direção à porta aberta. Com três passos, Chinnel ultrapassou-o e fechou a porta, postando-se com as costas apoiadas contra ela. Sargia e Meckton observavam a cena em silêncio.
— Se for preciso, vou usar a força para impedi-lo, Calloberian!
— Isso você não pode fazer, Ton! — repetiu o estranho.
Pela primeira vez, havia irritação em seu tom de voz. O relacionamento de pai e filho que até agora unia Chinnel e o xisrape parecia haver se invertido completamente: ele, Anton Chinnel, sentia-se uma criança indefesa perante Calloberian.
A voz de Chinnel soou descontrolada:
— Não vou deixar você partir!
Nesse momento, uma névoa azulada quase imperceptível saiu de Calloberian e envolveu a cabeça de Chinnel. Ele sentiu a inércia tomar conta dele. Simplesmente ficou ali, imóvel, olhando para Calloberian.
— Não sou seu imigo — disse Calloberian. — Ada sou seu amigo, acredite em mim.
Então, ele afastou Chinnel para o lado, atravessou o corredor e saiu.
Sargia emitiu um som que deixava perceber claramente sua perplexidade. O desenrolar dos acontecimentos a surpreendera de tal forma que se sentia incapaz de tomar qualquer atitude.
Só Meckton pulou da poltrona e correu atrás de Calloberian.
— Aonde você vai?
— Estou do para Império Alfa — explicou o xisrape. — Não se esqueça de mim, Meckton.
— Você vai voltar? — indagou o garoto.
— Não!
Meckton pressentiu que se tratava de uma separação definitiva.
— Eu vou com você — disse o garoto com sua lógica infantil.
— O seu lugar é junto da sua família — recusou Calloberian. — De qualquer forma, é melhor você ficar com Ton e Sargia.
Meckton, que ainda bem pequeno aprendera a impor suas vontades quando necessário, reconheceu a autoridade daquele que até esse momento fora seu hóspede. Então virou-se e voltou para sua mãe, que já vinha atrás dele.
Calloberian desceu a escada flutuando e abriu a porta que dava para o quintal. Ouviu o barulho que vinha da massa de pessoas que afluíra às ruas. Em todos os lugares elas davam sinais de que estavam com medo.
Certamente ninguém pensaria em dormir nessas circunstâncias.
Calloberian passava pela rua quase sem ser notado. Flutuando, foi até a estação transmissora mais próxima.
Um homem e uma mulher aguardavam na frente dele para darem um pulo no Centro.
— Vocês se comodam se eu os acomphar? — perguntou Calloberian educadamente.
O homem estava nervoso. A mulher, ao contrário, parecia sonolenta e ainda não ter se dado conta do que estava acontecendo.
— Você é um xisrape, não é mesmo? — perguntou o homem.
— Sou — respondeu Calloberian.
— O que você acha de toda essa história?
Talvez, pensou Calloberian achando a idéia divertida, o terrano acredite que um extraterrestre saiba mais acerca desses fatos.
Neste caso em especial, ele não estaria longe da verdade.
— Sei tto quto o senhor.
— Estação livre! — chamou a positrônica transmissora.
Os dois humanos e Calloberian atravessaram a antecâmara.
— O senhor pode pré-programar o seu desto — sugeriu Calloberian.
O homem aproximou-se da coluna lateral e disse o seu destino.
— Agora é a sua vez — disse, dando lugar a Calloberian.
— Gostaria de ir até o mais perto possível de Império Alfa — disse Calloberian.
Mas imediatamente ocorreu-lhe que talvez a pequena positrônica não tivesse condições de entender essa frase e acrescentou:
— Local: Império Alfa! O mais próximo possível.
— Aonde você pensa que vai? — perguntou o homem atrás de Calloberian, franzindo a testa. Agora, além de nervoso, ele também ficou desconfiado. — Você pertence à Segurança Solar?
— Não! — negou Calloberian. — Quero apenas tentar ajudar a Humidade.
As estrelas desapareceram no dia 20 de dezembro de 3458.
Todo o Sistema Solar parecia ter sido repentina e definitivamente separado do Universo.
Além dos planetas e luas solares não se podia mais ver, nem mesmo nos observatórios, nenhum outro corpo celeste. O sistema de radiocomunicação dentro dos limites do Sistema Solar continuava funcionando. Já, ao contrário, era impossível entrar em contato com os mundos coloniais e as estações repetidoras localizadas além da fronteira do sistema.
As espaçonaves vindas de fora não podiam mais entrar.
As naves que haviam partido ao comando de Perry Rhodan conseguiam alcançar sem problemas o espaço linear, todavia não encontravam outros sistemas solares ou naves além da fronteira do sistema. Isso parecia confirmar a teoria dos cientistas que afirmavam que o Sistema Solar se encontrava encerrado num envoltório energético pentadimensional. O sucesso dos vôos de longa distância das naves de reconhecimento fora apenas aparente — na verdade, as unidades da Frota Solar moviam-se numa zona supra-relativista onde os dados e números acabavam desorientando as naves.
O Parlamento Solar mantinha-se em sessão permanente. Era impossível descrever a agitação generalizada.
Todos os grandes computadores eletrônicos e positrônicos do Sistema Solar, sobretudo Nathan, estavam ocupados com o fenômeno.
Apesar de algumas especulações fantasiosas, nenhum cientista importante acreditava num fenômeno natural.
Por fim, chegou-se à conclusão de que só podia se tratar de uma demonstração de um poder infinitamente superior.
As autoridades mantinham a calma. Não estava acontecendo nada que de alguma forma colocasse a Humanidade ou o Sistema Solar em perigo.
Em 29 de dezembro de 3458, Perry Rhodan, num novo pronunciamento transmitido pela TVT, proferiu a clássica sentença:
“Não temos dúvidas de que se trata do ‘Caso Harmonia’.”
Já fazia mais de um ano que os cientistas haviam devolvido o Traje da Destruição a Alaska Saedelaere. Apesar das pesquisas exaustivas, ninguém conseguira descobrir o segredo do traje.
Alaska, cujo rosto fora deformado por um transmissor, guardava o traje numa das alas residenciais de Império Alfa. Ele queria evitar a qualquer custo que o presente que lhe fora dado por um misterioso cyno chamado Schmitt caísse em mãos erradas.
Já havia se tornado um hábito para Alaska, sempre que se encontrava em Império Alfa, ir até o seu quarto e abrir o armário onde guardava o traje.
E desta vez não foi diferente.
Devido à situação incerta, todos os membros do Exército de Mutantes haviam sido chamados a Império Alfa. Após uma breve exposição feita pelos dirigentes do Império Solar sobre a situação atual, eles foram liberados para irem para os seus aposentos particulares.
O mutante mascarado, um tanto avesso aos encontros sociais, aproveitou a oferta mais que depressa.
Até agora o fragmento cappin que possuía no rosto não havia reagido às modificações cósmicas que estavam acontecendo.
Ele se mantinha completamente imóvel, de modo que Alaska de vez em quando conseguia se esquecer daquele grumo orgânico em seu rosto.
Ao abrir a porta dos seus aposentos, o mutante mascarado teve uma surpresa.
Bem no meio do quarto havia um ser estranho.
Um extraterrestre.
— Não quis assustá-lo — garantiu o jovem xisrape. — Mas há dias estou tentdo encontrar algum membro importte do governo e não estou consegudo.
— Eu não sou um membro do governo! — respondeu Alaska automaticamente.
Ao mesmo tempo percebeu como era absurda aquela frase na atual situação. Lá estava um desconhecido, em pleno Império Alfa, no seu quarto — e ele não tinha a menor idéia se alguém havia autorizado a entrada do xisrape.
— Meu nome é Calloberi — disse o visitante. — Venho do setor Afcartz. Lá eu vivia como membro adotivo numa família terra.
Ao que tudo indicava, o invasor não estava armado. Também não parecia que estivesse ali para atacá-lo. Mesmo assim, o mutante mascarado, que tinha o costume de agir com cautela, lançou um olhar para o alarme e para o terminal de comunicação ao lado da porta.
— Pode chamar reforço, se quiser. — disse Calloberian. — Ada assim, eu ficaria muito contente se tes pudesse me ouvir.
— Como? — perguntou Alaska, atônito.
— Oh! — exclamou o xisrape. — Esqueci de avisar que não consigo pronunciar dois encontros fonéticos de sua lgua. Mas logo o senhor se acostuma.
— Quem o mandou aqui?
— Vim por iciativa própria.
— Nenhum estranho, cujo acesso não tenha sido autorizado, consegue entrar em Império Alfa.
A pele do xisrape, que se parecia com um pedaço de pano, começou a vibrar.
Alaska teve a impressão que o intruso estava se divertindo. Os xisrapes, lembrou Saedelaere, eram tidos como amistosos e inteligentes. Jamais houve incidentes envolvendo aqueles seres.
Mais cedo ou mais tarde, esperava Alaska, também haveria uma explicação para a presença daquele estranho.
Quase implorando, Alaska ergueu as duas mãos.
— Então vamos começar do começo: como você chegou até aqui?
— Pela porta! — respondeu Calloberian.
— O limite externo de Império Alfa! Como você o ultrapassou sem ser notado?
— Eu passei para um outro nível de energia — explicou Calloberian.
Saedelaere suspirou. Sua garganta estava seca. Por um lado o visitante instigava sua curiosidade e, por outro, sabia que era sua obrigação notificar imediatamente violações como aquela. Ele deveria prender Calloberian e entregá-lo à Segurança Solar. O assunto deveria ser investigado.
Mas o desconhecido não parecia nada perigoso.
— O que você quer aqui? — perguntou Alaska.
— Eu vim para ajudar os humos.
— Você acha mesmo que precisamos da sua ajuda?
— Acho! Nenhum humo consegue ver as estrelas.
O interesse de Alaska foi aumentando.
O que o xisrape sabia sobre os bastidores do “Caso Harmonia”?
— De que forma você quer nos ajudar?
Um dos quatro braços fininhos despontou de baixo da superfície cutânea e apontou para o firmamento.
— Eu consigo ver as estrelas! — declarou o xisrape.
A presença de tantos cientistas, médicos e membros do governo não incomodava Calloberian. Ele flutuava ao lado da longa mesa, bem entre os assentos de Perry Rhodan e Reginald Bell. Nesse meio tempo, já haviam sido coletadas informações a seu respeito.
A família Chinnel do setor de Afcartz confirmara que Calloberian até agora havia sido um hóspede amistoso. Alguns dados indicavam que a capacidade visual do xisrape se orientava energeticamente e que ele conseguia se movimentar entre diferentes níveis de energia. Essa assombrosa capacidade era inata, assim como seu órgão antigravitacional.
Os cientistas, céticos a princípio, aos poucos foram aceitando as informações que Calloberian fornecia.
No dia 20 de dezembro de 3458, quando as estrelas sumiram, Calloberian também deixou de vê-las num primeiro momento.
Mas isso foi só por alguns minutos e logo estavam visíveis novamente — pelo menos para ele e os outros mil e duzentos xisrapes que viviam na Terra.
Os órgãos sensoriais de Calloberian haviam se adaptado à nova situação.
— Segundo as palavras do nosso visitante, portanto, nada mudou — falou o professor Waringer a todos os que se encontravam reunidos no salão de conferências.
— As estrelas e o Sistema Solar permanecem inalterados no seu lugar. Quase se poderia dizer que somos vítimas de uma ilusão de óptica provocada deliberadamente. Como não recebemos notícias de fora do Sistema Solar, e desde o dia 20 de dezembro também não chegou nenhuma nave de fora, só podemos supor que o Sistema Solar também não está visível para os observadores que estiverem fora de suas fronteiras. O fenômeno, portanto, é bilateral.
— Trata-se do “Caso Harmonia” — contrapôs Julian Tifflor. — Temos que descobrir de qualquer maneira quem é o responsável por isso.
— Mais importante é saber o motivo! — opinou Perry Rhodan. — Não creio que haja perigo de ataque imediato.
Bell apontou para o xisrape.
— Quem sabe ele possa nos ajudar a solucionar o enigma.
— Podem contar comigo! — disse Calloberian, solícito.
— Antes de nos aprofundarmos em nossas pesquisas, precisamos indagar se o desaparecimento das estrelas não seria apenas um primeiro passo das forças desconhecidas
— Rhodan levantou-se e curvou-se sobre a mesa. Ele olhou com seriedade para os seus amigos e colaboradores. — É possível que estejamos apenas no início do “Caso Harmonia”.
Ele não poderia imaginar que suas palavras se confirmariam tão rapidamente.
Alguns dias depois, no dia 5 de janeiro de 3459, iniciou-se a segunda fase do “Caso
Harmonia”.
Às seis horas da manhã — hora oficial terrana — as estrelas voltaram a brilhar.
Embora inicialmente isso pudesse ser percebido apenas pelos habitantes do hemisfério em que era noite, em poucos minutos toda a população da Terra já havia sido informada do restabelecimento da normalidade.
A comunicação de hiper-rádio com as espaçonaves e as colônias remotas também voltou a funcionar.
As autoridades na Terra receberam confirmações de que o Sistema Solar, do ponto de vista dos que estavam do lado de fora, também havia desaparecido nesse período.
Perry Rhodan enviou mensagens por hiper-rádio aos governos de todos os grandes povos da Galáxia, propondo-lhes debates sobre o que havia acontecido. Nas mensagens ele advertia que o fenômeno poderia representar um perigo para toda a Galáxia.
A primeira resposta chegou algumas horas depois. Ela vinha do governo dos neo-arcônidas.
Os arcônidas propunham uma conferência geral com todos os povos galácticos importantes para discutir o assunto.
Essa resposta praticamente equivalia a uma recusa à proposta de Rhodan, pois a preparação de uma conferência requeria muito tempo — e a questão era se de fato eles ainda tinham algum tempo.
O efeito psicológico causado pelo reaparecimento das estrelas fez com que os habitantes do Sistema Solar começassem a esquecer o assunto.
Porém, antes que o alívio geral pudesse se espalhar por todo canto, a espaçonave alienígena surgiu sobre a Terra.
O dia já estava claro, mas mesmo assim os três homens que estavam em pé na cobertura do edifício principal de Império Alfa conseguiam ver a espaçonave descrevendo sua órbita ao redor do planeta.
— Quatro voltas — disse Atlan, objetivo. — E apesar disso ainda não conseguimos determinar tecnicamente a posição desse objeto voador. Apenas os nossos olhos nos provam que ele existe.
— Ele penetrou no Sistema Solar sem que percebêssemos e só se tornou visível depois que entrou em órbita — respondeu Reginald Bell. — Portanto, trata-se indiscutivelmente de uma segunda demonstração de poder técnico. Até a chegada desta nave misteriosa, eu teria jurado que nem mesmo um rato poderia entrar no Sistema Solar sem ser percebido.
Rhodan olhou para ele de esguelha.
— Você e seus ratos! Na verdade, o que importa não é o tamanho, mas sim as capacidades do objeto voador.
— Essa nave parece ser bem grande — falou o arcônida. — E esférica.
— É o que parece — concordou Rhodan.
— Mas essa aparência esférica também pode ser produzida por um envoltório de energia.
— As naves da Frota Solar que tentaram uma abordagem também não conseguiram descobrir muito mais — lamentou Reginald Bell. — E os recém-chegados não reagem às mensagens que enviamos.
Atlan olhou para os outros dois.
— Talvez nem sequer seja uma nave espacial, mas apenas uma forma desconhecida de energia.
— É uma nave espacial, disso você pode ter certeza — afirmou Perry.
O objeto que os perturbava desde sua aparição sumiu no horizonte.
— Vamos aguardar os relatórios que virão do lado noturno do planeta — propôs Rhodan. — Talvez finalmente algo se mexa a bordo da nave alienígena. Se alguém está querendo nos visitar, não vai se dar por satisfeito em ficar voando indefinidamente ao redor do nosso planeta.
Nessa altura da conversa, o alarme geral já havia soado. A Frota Solar estava pronta para entrar em ação a qualquer momento. Os tripulantes das fortificações espaciais da Terra concentravam toda a sua atenção sobre o objeto voador não identificado.
Apesar de todas as medidas de precaução, Perry Rhodan não contava com um ataque dos desconhecidos. Quem quer que estivesse naquela espaçonave não parecia ter intenções bélicas, pois do contrário teria aproveitado o fator surpresa.
Contudo, aquelas eram apenas considerações humanas, como Rhodan tinha que admitir. Nunca se poderia ter certeza de que um extraterrestre pensaria da mesma forma.
Através de seu radiotransmissor de pulso, Rhodan foi informado de que a inquietação da população na Terra era cada vez maior. Alguns administradores exigiam represálias.
Há cerca de meia hora, o Parlamento reunira-se novamente. Todavia, seus integrantes exaustos estavam por assim dizer fadados à inatividade, pois com um objeto voador impassível pairando sobre a Terra não era possível tomar nenhuma atitude política. Havia até alguns políticos que defendiam um ataque preventivo contra a nave espacial, uma reivindicação a que Rhodan nem sequer deu atenção.
Os pensamentos de Perry Rhodan foram interrompidos com o chamado de Julian Tifflor da Central.
— Aqui embaixo o pessoal não está muito satisfeito com essa reunião particular aí no telhado — disse Tifflor. — Eles querem que você fique permanentemente na Central.
— Nós subimos aqui apenas para poder ver a coisa mais de perto, Tiff — respondeu Rhodan. — Diga aos cientistas e membros do governo que não há motivo para apreensão.
Mas, apenas como medida de precaução, vamos descentralizar Império Alfa.
— Evacuar! — corrigiu Tifflor.
Rhodan não se deixou desconcertar.
— Trata-se apenas de uma medida preventiva. Não sabemos o que os alienígenas podem ter em mente — se é que de fato existe alguém a bordo desse objeto voador. Atlan e eu já descartamos a possibilidade de um ataque, mas não podemos correr riscos.
Os departamentos mais importantes de Império Alfa possuíam tamanha mobilidade, que em curtíssimo espaço de tempo podiam ser transferidos para estações secundárias espalhadas pela Terra. Apesar disso, eles se mantinham em comunicação.
— Será que estamos sendo observados? — cismou Atlan. — Ficarei muito decepcionado se não conseguirmos descobrir quem nos deu o prazer desta visita.
— Nós vamos descobrir! — profetizou Bell, irritado.
Pelo seu radiotransmissor de pulso, Rhodan ouvia as primeiras notícias do hemisfério noturno. Não havia novidades importantes.
Aquela espaçonave que surgira de forma tão misteriosa parecia se dar por satisfeita em ficar girando ao redor do terceiro planeta.
O que se escondia por trás de tudo aquilo?
Sem dúvida, podia-se falar de uma demonstração de poder técnico. Quem conseguia isolar o Sistema Solar do restante do universo durante semanas e depois simplesmente entrava em órbita ao redor da Terra com uma simples espaçonave só podia ser muito superior à Humanidade.
Até agora, nenhuma tentativa de entrar em contato com os alienígenas através do hiper-rádio havia dado certo. Também foram infrutíferas as tentativas com os aparelhos de rádio normais. Rhodan tinha certeza de que tudo aquilo, antes de mais nada, era apenas um motivo de ordem psicológica.
— Eles querem nos deixar com a pulga atrás da orelha! — resmungou baixinho. — Talvez os desconhecidos estejam bem intencionados — interferiu Julian Tifflor. Ele podia acompanhar as mensagens pelo radiotransmissor de pulso de Rhodan.
Atlan deu uma gargalhada.
— Isso não dá para imaginar. Se alguém chega apenas com boas intenções, não precisa fazer uma demonstração de força desse tipo.
— Um momento! — exclamou Tifflor. — Está chegando uma mensagem interessante de Brasília. Os cientistas de lá conseguiram determinar o tamanho aproximado do objeto. Ele mede cerca de quinhentos metros.
Rhodan acenou com a cabeça para Bell e o arcônida.
— Vamos voltar à central de comunicação — sugeriu ele. — Tenho uma outra idéia para tentar fazer contato com os visitantes. Quem sabe, dá certo.
Bell coçou a nuca.
— Talvez eles sejam tão diferentes que não há possibilidades de comunicação.
— Seres inteligentes sempre conseguem se comunicar uns com os outros, não importa se as diferenças são grandes ou não — retrucou Perry Rhodan.
Juntos, entraram no pequeno transmissor instalado na cobertura e informaram o seu destino. Em tempo zero chegaram à Central de Império Alfa, onde estavam instalados todos os tipos de equipamentos de grande porte para radiocomunicação.
Rhodan aproximou-se de um intercomunicador e ligou o vídeo.
— Quero que todos os campos de energia ao redor de Império Alfa sejam desativados — ordenou ele.
Bell deu um cutucão nas costas de Atlan.
— O que diabos ele pretende com isso?
Antes que Atlan pudesse responder, Rhodan virou-se sorrindo para os dois amigos.
— Agora vamos transmitir uma mensagem através das ondas ultra curtas — explicou ele. — Talvez eles reajam.
Os especialistas em comunicação da Central entreolharam-se incrédulos. Eles sabiam que muitas vezes Rhodan escolhia caminhos insólitos, mas desta vez não acreditavam que ele pudesse ter êxito.
— Aqui fala Perry Rhodan! — começou ele. — Não conseguimos determinar a sua localização, mas nós os enxergamos. Suas exibições até agora não foram nada ruins. Mas isso já está se tornando monótono. Todo bom programa precisa ter um fim, senão perde a graça.
Para surpresa de Rhodan, dois alto-falantes reproduziram o som fraco de uma risada, que foi aumentando gradualmente. O riso parecia quase cordial e expressava algo de aprovação.
— Eles reagiram! — exclamou Bell, surpreso.
Ele postou-se atrás do assento de Rhodan, atento.
De repente, ouviu-se uma voz desconhecida, grave e sonora.
— Não nos enganamos a respeito de Perry Rhodan! — disse alguém num perfeito intercosmo.
— Vocês nos presentearam com uma semana de escuridão — respondeu Rhodan imediatamente. — Depois entraram sem permissão em nosso sistema estelar com o seu objeto voador e entraram em órbita ao redor do nosso planeta principal. O que diriam se tivéssemos reagido com o poder de fogo de uma grande nave de guerra terrana?
Bell prendeu involuntariamente a respiração. Rhodan estava querendo provocar o alienígena?
Novamente ouviu-se a voz desconhecida.
— Estávamos justamente nos preparando para enviar-lhes uma proposta semelhante, Perry Rhodan. Cada um dos lados deve saber a que se ater. Faça um teste. Nós os desafiamos.
Perry Rhodan não contava com aquela resposta. Mas não deixou transparecer seu espanto e reagiu imediatamente.
— Aceitamos o seu gentil convite. A nossa nave-capitânia é a Marco Pólo. Ela vai atacar o seu objeto voador com todo o arsenal que tem a bordo. Para isso, é necessário que a sua nave recue para longe no espaço, pois tenho certeza de que já deve ter imaginado que não vamos querer colocar o nosso planeta em perigo.
— Que assim seja — disse o desconhecido.
Então aconteceu algo surpreendente. Uma das telas se ligou. O estranho ficou visível.
Sua forma era semelhante à dos humanos. Ele tinha um pouco mais de um metro e meio de altura. De sua estrutura musculosa e do tórax em formato de barril podia-se deduzir que ele vinha de um mundo onde a gravitação era maior do que a da Terra. Todas as partes do corpo da criatura que não estavam escondidas pelas roupas iam de uma marrom escuro até um negro profundo. A pele parecia mais áspera e espessa do que a de um humano. O homem que se via na tela possuía dois braços e duas pernas. As mãos tinham cinco dedos. A cabeça, chata, apoiava-se sobre um pescoço curto e musculoso.
Cabelos só cresciam na cabeça do alienígena. Alguns chegavam a ter a espessura de um dedo e lembravam espirais embaraçadas entre si. O ser cortara os cabelos em forma circular, de modo que ele parecia ter um ninho no alto da cabeça.
Os olhos verde-esmeralda ficavam bem separados um do outro, bem no fundo das cavidades ósseas correspondentes. Eram grandes e brilhantes, e deles emanava a extraordinária inteligência do seu dono. O nariz era largo e chato e, diferentemente dos humanos, possuía quatro aberturas que podiam se fechar. A boca era larga e os lábios grossos tinham uma cor amarelada, o que levou Rhodan a supor que nas veias do visitante corresse sangue amarelo.
Além dos cabelos espessos, também as orelhas do ser chamaram a atenção de Rhodan.
Lembravam brânquias translúcidas em forma de meia-lua que se estendiam pelo pescoço abaixo, de forma que à primeira vista pareciam suíças.
Quando o desconhecido falava entreviam-se alguns dentes largos e arredondados.
— É hora de você saber quem eu sou — disse ele cordialmente. — Meu nome é Hotrenor-Taak, e sou o emissário dos hetossanos.
— Não creio que eu precise lhe dizer quem eu sou — disse Rhodan, acentuando cada sílaba.
— Nós, os lares, conhecemos bem toda a Galáxia — admitiu o alienígena sem rodeios.
Seus gestos lembravam a Rhodan um tio bondoso que vinha para recompensar um sobrinho desobediente ou repreendê-lo com certa condescendência.
— De onde vêm os seus conhecimentos? — Rhodan quis saber. — Até agora nenhum de nós se deparou com um representante dos lares.
— Realizamos observações profundas — explicou Hotrenor-Taak imediatamente. — Mas isso não significa que somos habitantes desta galáxia. Viemos de uma galáxia localizada a vinte e um milhões de anos-luz, que vocês conhecem pela designação NGC 3190.
Esta informação, enunciada de forma aparentemente despretensiosa, certamente tinha o objetivo de provocar um novo choque.
Com toda a cordialidade, deixava-se bem claro para os terranos do que o povo que os visitava era capaz. Essa política fora talhada exatamente nos moldes da mentalidade terrana, o que levou Rhodan a ter certeza de que os alienígenas já haviam realizado estudos profundos em toda a Galáxia.
“Mas há quanto tempo?”, perguntava-se o Administrador-Geral, cada vez mais perplexo.
São necessários mais do que alguns meses para reunir os conhecimentos fundamentais sobre uma galáxia. Uma tarefa dessas requer anos, mesmo que se disponha de uma tecnologia tão formidável.
Isso significava que os lares já se encontravam na Galáxia há bastante tempo.
Mas com que objetivo?
Será que tinham planos de conquista?
Se eles realmente vinham da nebulosa espiralada NGC 3190, essa hipótese deveria ser descartada. Uma invasão a uma distância de vinte e um milhões de anos-luz, mesmo que fosse possível para a tecnologia dos lares, não se mostrava como um empreendimento lógico.
— Certamente vocês não estão fazendo todo esse esforço para nos dar uma amostra de suas capacidades técnicas — ponderou Rhodan. — Deve haver mais alguma coisa por trás disso.
— Sem dúvida — confirmou o interlocutor de Rhodan. — Eu sou o embaixador do Concílio ou Liga das Sete Galáxias. Também chamamos esse concílio de Hetos dos Sete.
Na mente de Rhodan surgiu instantaneamente a imagem de uma conferência em sessão permanente, na qual estavam reunidos os membros de sete galáxias.
Existiria realmente uma potência como aquela?
— O Concílio dos Sete — prosseguiu Hotrenor-Taak — chegou à conclusão de que os povos da Via-Láctea, sobretudo a Humanidade, já alcançaram um estágio de evolução que lhes permite ingressar nessa liga cósmica.
Num átimo, Rhodan juntou alguns fatos.
Ele se lembrou das provações pelas quais a Humanidade passara. O aparecimento dos lares seria uma conseqüência daqueles fatos? Aquilo prometera à Humanidade que um dia ela poderia dominar o Universo — desde que nenhum erro decisivo fosse cometido. Será que a Humanidade estava diante do próximo estágio de sua evolução?
— Para começar, precisamos de um habitante desta galáxia que a represente no Concílio dos Sete — disse Hotrenor-Taak. — E você foi o escolhido por nós, Perry Rhodan.
Um silêncio absoluto tomou conta da Central de Império Alfa. Humanos e alienígenas que trabalhavam nas várias subdivisões daquele amplo local e tinham ouvido as últimas palavras do lare interromperam suas atividades e olharam para Rhodan.
Todas as testemunhas daquele diálogo sentiam instintivamente que vivenciavam um momento decisivo.
O próprio Rhodan ficou desconcertado.
Ele nunca poderia esperar um desdobramento como aquele. O convite, feito em tom amistoso, o surpreendeu.
— Você é o Primeiro Hetran da Via-Láctea, Perry Rhodan — declarou Hotrenor-Taak. — Você falará em nome de todos os seres inteligentes da sua galáxia no Concílio dos Sete.
— Pelo visto, o seu estudo sobre a nossa galáxia não foi muito cuidadoso — disse Rhodan, recobrando rapidamente o autocontrole. — Do contrário, saberiam como são as relações dos terranos com os outros diversos povos espaciais. Não consigo imaginar que um blue ou um aconense permitiriam que eu os representasse.
O alienígena abriu um sorriso largo. Pela primeira vez a sua amabilidade parecia calculada e sua voz adquiriu um tom levemente ameaçador.
— Quando o Concílio dos Sete nomeia um Primeiro Hetran, dá a ele todo o seu apoio — assegurou. — Não consigo imaginar a existência de alguém em toda a Galáxia que pudesse ignorar as decisões que esse representante viesse a tomar no interesse do Hetos dos Sete.
É claro! Rhodan reprimiu sua indignação.
Aquele não era o momento mais adequado para mostrar sentimentos. Ele precisava avaliar friamente qual a melhor forma de agir para não provocar uma catástrofe.
As palavras do visitante davam a entender que a potência que ele representava estaria de qualquer forma por trás do Primeiro Hetran. E, ao que tudo indicava, o Concílio dos Sete estaria decidido a trazer povos rebeldes de volta à razão, caso necessário.
Um protesto dos blues contra a nomeação de Perry Rhodan poderia trazer graves conseqüências para esse povo.
Rhodan, porém, não sentia nenhuma inclinação para conquistar uma posição de poder à custa de outros povos, muito menos no papel de mandatário de alienígenas.
Naquelas circunstâncias, Perry Rhodan precisava ganhar tempo. Ele tinha que descobrir qual era a verdadeira força dos demais povos da liga.
Apesar de toda a amabilidade do emissário dos hetossanos, como Hotrenor-Taak se intitulava, Rhodan sentiu-se encostado contra a parede pela proposta do desconhecido.
Só com uma tática muito hábil ele conseguiria se desvencilhar daquela situação.
Ele sabia que podia confiar nos seus colaboradores.
Enquanto falava, certamente a Segurança Solar e a USO já teriam dado início a análises e processamentos. Contudo, não era muito provável que as duas organizações encontrassem soluções muito rapidamente.
— Acredito — disse Rhodan calmamente — que nos desviamos da questão principal deste momento. A sua proposta é muito interessante. Mas antes de passar às negociações de fato, voltemos ao teste.
Hotrenor-Taak riu. Ele parecia se divertir.
— Esta é uma das suas típicas reações, terrano — disse. — Já contávamos com ela. Agora vamos recuar para bem longe no espaço e então você poderá mandar uma das suas naves atrás de nós — por mim, até toda a Frota Solar, se assim o quiser.
A imagem foi desaparecendo da tela.
Aquilo parecia, por ora, o fim da conversação para o lare.
Rhodan recostou-se na cadeira e fechou os olhos. E assim ficou por alguns segundos.
Ninguém o incomodou. Na Central imperava um silêncio profundo.
— Então agora estamos sendo recompensados — disse Rhodan finalmente. — Só que eu imaginava tudo isso de uma forma um pouco diferente.
Tifflor apontou para a tela na qual há alguns instantes se via o alienígena e que agora estava novamente escura.
— Achei-o bastante cordial e amistoso! — disse o Marechal Solar.
— Você sempre foi uma pessoa bondosa demais, Tiff — comentou Atlan. — Não podemos nos deixar impressionar pela amabilidade do lare.
— Os blues, os aconenses e os saltadores vão ficar muito satisfeitos quando souberem o que os lares pretendem — disse Rhodan, sarcástico. — Por outro lado, certamente seria tolice recusar o convite do estranho. Precisamos ganhar tempo. Isto é extremamente importante agora.
— Já estou me alegrando com o teste! — falou Bell, esfregando as mãos. — Nossos visitantes estão bastante seguros de si, mas eu acho que em poucos segundos já vão pedir o cessar-fogo.
— Duvido — retrucou Atlan. — Eles são inteligentes demais para se exporem a um verdadeiro risco e já devem ter tudo calculado. Sou de opinião que foi um erro da nossa parte aceitar o teste. Os lares vão se aproveitar da situação para nos mostrar mais uma vez a sua superioridade.
Rhodan ergueu os dois braços.
— Não vamos brigar por causa disso! Gorducho, entre em contato com o coronel Elas Korom-Khan. Instrua-o exatamente sobre o que precisa ser feito. Os oficiais de ataque da Marco Pólo devem usar as armas mais pesadas.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Tudo isso me parece completamente absurdo. Não deveríamos nos meter com esses lares de jeito nenhum, mas sim procurar alternativas para pôr em prática os nossos próprios planos.
— Você tem alguma idéia? — Rhodan olhou para o velho amigo. — Além disso, no momento estou mais preocupado com outras coisas. Se a nova era da Humanidade já vai começar com um relacionamento de hostilidade, não vejo grandes perspectivas para o futuro.
— Vamos até os sistemas de localização — interrompeu Julian Tifflor impaciente. — Estou ansioso para ver como será o ataque da Marco Pólo.
Calloberian abrira a porta do armário e com duas mãos alisava a manga do Traje da Destruição. Alaska Saedelaere observava-o atentamente.
— Os cientistas jamais conseguiram descobrir o significado dessa peça misteriosa — disse o mutante mascarado. — Depois que fiquei sabendo que você consegue se mover entre níveis de energia, pensei em mostrá-lo a você.
O xisrape olhou para a peça respeitosamente.
Desde a sua chegada a Império Alfa, Calloberian era hóspede de Alaska Saedelaere. Os cientistas interrogaram o xisrape e concluíram que ele falava a verdade. Logo depois do aparecimento da nave alienígena, ele fora chamado à Central de Império Alfa, mas desta vez não pôde dar nenhuma informação.
Calloberian, no entanto, pedira autorização para poder continuar a viver em Império Alfa. Rhodan, na esperança de que esse ser ainda pudesse prestar alguma ajuda com suas capacidades singulares, resolveu atender o pedido.
Calloberian passou a ser o protegido de Alaska Saedelaere. Em alguns poucos dias os dois seres, essencialmente diferentes, já eram quase amigos.
— Posso tirar do armário? — perguntou Calloberian.
— Por favor — Alaska o incentivou. — Não se acanhe. Eu queria muito saber o que foi que Schmitt me deu de presente.
Calloberian tirou o traje do armário, flutuou alguns passos para longe do móvel e deitou a peça no chão.
Em seguida, desceu e acomodou-se sobre o traje.
Alaska deixou-o à vontade. Ele mesmo já havia realizado diversos experimentos com o traje. Parecia ser uma peça comum de vestuário, confeccionada com um material desconhecido.
Em um lado, o traje estava um pouco danificado e faltava um pedaço da manga.
— É realmente uma peça sgular — disse Calloberian. Nesse meio tempo Alaska já se acostumara à fala de Calloberian e entendia bem o visitante. — Sto uma irradiação peculiar difícil de explicar.
— Dá para identificar algo especial?
— Existe algo sgular — respondeu Calloberian — mas não consigo descrever. É estrho demais. Quem sabe se eu me ocupar dele mais vezes, consiga descobrir o que é.
Saedelaere ficou um pouco desapontado, embora já tivesse imaginado que Calloberian não poderia lhe dar novas informações.
— Quem sabe este traje não é para humanos — disse Alaska, pensativo. — É possível que...
O intercomunicador zuniu. Na pequena tela em cima da mesa apareceu o rosto de Bell.
— O teste combinado com os lares já vai começar — informou o Marechal Solar. — Perry gostaria de que você viesse à Central junto com o seu protegido para observar o acontecimento.
— Posso imaginar bem por quê — retrucou Alaska. — Rhodan espera que Calloberian consiga notar algum fenômeno de energia na espaçonave alienígena que eventualmente não seja perceptível para nós.
Bell acenou com a cabeça, confirmando.
— Não se demore, Alaska!
O mutante mascarado pendurou o traje no armário. Em seguida, junto com Calloberian, saiu da ala residencial. Em poucos segundos, através de estações transmissoras e poços antigravitacionais, os dois estavam na Central.
Na frente dos sistemas de localização aglomeravam-se as pessoas que trabalhavam ali embaixo.
Alaska e Calloberian logo foram conduzidos para a primeira fileira.
Com um olhar de esguelha, Perry Rhodan registrou a chegada de Alaska e do xisrape. Calloberian foi colocado bem na frente da tela panorâmica para que pudesse observar tudo muito bem.
A nave alienígena, como sempre, não podia ser vista nas telas dos sistemas localizadores. Mas como nesse meio tempo já fora possível calcular seu curso, um ponto de localização simulado indicava sua posição.
A Marco Pólo, por sua vez, estava perfeitamente visível. Ambas as naves encontravam-se fora da órbita da Lua.
O comandante da Marco Pólo, o coronel Elas Korom-Khan, mantinha-se em contato permanente com a Central. Como os sistemas localizadores hiper-energéticos da nave-capitänia não conseguiam determinar a posição da nave alienígena, os oficiais de localização a bordo da Marco Pólo utilizaram velhos radares e aparelhos de ondas ultra curtas. Dessa forma eles conseguiram detectar o alvo.
Alaska ouviu a voz do comandante.
— Estamos nos aproximando sem dificuldades — informou o astronauta. — A nave alienígena é esférica e reflete um brilho amarelo-ocre. Ela me lembra um pequeno sol.
— Essa força de irradiação a torna visível a longa distância — respondeu Perry Rhodan. — Já temos relatórios de Brasília.
Lá estão estimando o diâmetro da nave em quinhentos metros. O que você acha?
— Poderíamos confirmar com algumas reservas — relatou Elas Korom-Khan. — É claro que não sabemos se sob a redoma de energia visível se esconde um corpo menor.
— Com exceção dos canhões conversores ultra pesados, que poderiam atingir os planetas solares, você deve usar todas as outras armas — ordenou Rhodan. — Os lares concordaram com isso. Podemos ter certeza de que eles estão muito bem informados sobre a qualidade do armamento que temos a bordo.
Pouco depois, o coronel informou:
— Atingimos a posição de combate!
— Não se trata de um combate — corrigiu Rhodan. — Trata-se apenas de um teste.
— O que acontecerá se destruirmos essa nave alienígena com uma carga de fogo? — perguntou Tifflor. — Vou até mesmo um pouco mais longe e pergunto se não é exatamente isso o que os estranhos desejam.
Talvez eles queiram um pretexto para poderem lançar um ataque contra nós.
Esse pensamento também já passara pela cabeça de Perry Rhodan. Ele já havia avaliado as várias formas que o final desta operação poderia ter, com todas as respectivas conseqüências, e acabou concluindo que era impossível prever como isso iria terminar.
Ele inclinou-se sobre o aparelho de rádio.
— Abra fogo agora, coronel!
Os canhões de impulso e os desintegradores abriram fogo. Ao mesmo tempo, começou o ataque com os canhões conversores mais leves. Torpedos eram disparados em direção à nave desconhecida, ao mesmo tempo em que ela era coberta por ondas paralisantes.
Alguns instantes depois Rhodan ouviu o comandante da nave-capitânia suspirar.
— A nave alienígena não reage! — exclamou Korom-Khan.
Rhodan e Reginald Bell trocaram um olhar incrédulo.
— Não reage? É impossível que com um ataque massivo como esse não haja conseqüências visíveis. — Rhodan ergueu a voz.
— Observe a nave com mais atenção!
— A coisa parece um engolidor de energia — disse o coronel um tempo depois. — Os cientistas do observatório de bordo acabaram de levantar a hipótese de que as paredes do casco desta nave não são de aço ou um outro metal rígido qualquer, mas sim de pura energia compactada, que se amolda segundo a vontade de seus construtores.
— Se isso realmente for verdade, estamos diante de uma nave inatacável — disse Atlan, derrotado.
— Ela está se transformando! — exclamou o coronel. Seu rosto, visível em algumas das telas de comunicação, exibia sinais de grande excitação.
— O que está acontecendo? — Rhodan quis saber.
Ele estava admitindo que no começo tivera esperança de que o teste alcançasse algum sucesso.
— A nave está ficando cada vez maior. Está inchando, sem perder a sua forma circular, como uma bexiga — o coronel falava cada vez mais depressa. — Agora a bola começou a emitir um brilho amarelo-pálido.
Todos ficaram mudos na Central. A Marco Pólo continuava disparando com todas as armas, com exceção da artilharia conversora ultra pesada.
Rhodan estava convencido de que na central de ataque já haviam se esquecido há muito tempo de que se tratava apenas de um experimento proposto pelos visitantes.
Os astronautas estavam levando a coisa a sério.
— A bola parou de crescer — informou Korom-Khan alguns minutos mais tarde. — Agora a nave alienígena mede exatamente cinco mil metros e encontra-se completamente estável.
— Cessar fogo, coronel! — disse Rhodan, desanimado. — Não tem nenhum sentido continuarmos a nos expor dessa maneira.
— Waringer quer falar com você — informou Korom-Khan.
O famoso cientista terrano estava a bordo da Marco Pólo. A expressão de seu rosto, que surgia nas telas, refletia exatamente o que se passava na mente daquele homem genial. Waringer estava abalado e vencido.
— Continua parecendo um astro luminoso — disse ele em tom indeciso. — Os cientistas que supõem a existência de um envoltório externo de pura energia devem estar certos.
— Será que não pode ser um campo protetor que despertou essa impressão? — perguntou o professor Kranjohn, que estava na Central de Império Alfa.
— Isso podemos descartar — retrucou Waringer. Ele apertou os lábios e tentou esboçar um sorriso. — Com a nossa rapidez de sempre, também já encontramos uma denominação para esse objeto. Nós o chamamos de nave de células energéticas de estrutura variável ou nave CEV.
Atlan virou-se para Rhodan.
— Está na hora de você falar outra vez com os lares. Quanto mais esperarmos, mais eles vão achar que estamos confusos.
Rhodan assentiu com a cabeça. Enquanto Bell continuava a conversa adiante com Waringer, Rhodan foi até o rádio de ondas ultra curtas. Mais uma vez, num curtíssimo espaço de tempo, ele precisava tomar decisões da maior seriedade.
Quando entrou em contato com Hotrenor-Taak, nada se podia notar das suas aflições.
— Foi realmente um teste brilhante — disse ele calmamente. — Vocês podem se orgulhar deste objeto voador. Agora que terminamos, não vamos querer que fiquem limitados a apreciar a Terra apenas de sua órbita. Vocês são nossos convidados. Aterrissem em nosso planeta e sejam bem-vindos.
Convidar alguém que poderia ter forçado um pouso sem nenhuma dificuldade fazia parte do plano de Rhodan para não permitir que os recém-chegados notassem a inquietação que se instalava na Terra.
Hotrenor-Taak deu uma risada amigável.
— Já reduzimos a nossa nave ao tamanho habitual. Assim, não causaremos problemas ao pousar no maior espaçoporto de Terrânia — disse ele.
Perry Rhodan captou muito bem o tom arrogante, mas não esboçou nenhuma reação.
Intimamente, tentava relacionar a amabilidade dos lares com aquela ironia tão evidente.
— Eles são gentis e amáveis — observou Bell, furioso.
— Isso mostra que eles julgam que a sua superioridade não tem limites — explicou Atlan. — Provavelmente, para eles não passamos de um bando de semi-selvagens. Eles nos proporcionam um pequeno espetáculo para mostrar do que são capazes e depois, generosamente, nos aceitam em sua liga — Seu olhar recaiu sobre Perry Rhodan, e a expressão do seu rosto mudou. — Pelo menos parece que eles têm algum respeito por você. Hotrenor-Taak falou de um Concílio dos Sete. Os lares são, portanto, apenas um dos povos dessa liga cósmica. Vamos torcer para que os outros membros sejam um pouco mais agradáveis. Quem sabe não enviaram os lares para nos submeter a um último teste.
Rhodan apertou os olhos.
— Se algum dia tiver que existir um verdadeiro embaixador da Galáxia, ele deve ser eleito por todos os povos da Via-Láctea. Os lares estão partindo de um outro caminho. Eles se arrogam o direito de escolher esse representante.
— E eles escolheram você — falou Bell enfaticamente. — Na verdade, isso é apenas uma conseqüência da situação política na Galáxia.
— Por enquanto ainda não vou recusar — assegurou Rhodan. — Com toda certeza, a atitude mais inteligente é fazer de conta que estou aceitando o convite. Mas depois, quando soubermos mais sobre esse Concílio, algumas coisas vão mudar.
— Existem caminhos que, uma vez escolhidos, não nos permitem voltar — preveniu Tifflor.
— Não acho sensato ir tão a fundo nesta aventura que não sabemos aonde vai dar.
— Vamos esperar e ver o que acontece! — Rhodan levantou-se. — Tiff, você e Atlan vêm comigo ao espaçoporto. Vamos lá receber nossos convidados.
Bell fechou a cara.
— Existem duas coisas que me levaram a deixar você aqui — explicou Rhodan. — O seu temperamento, difícil de refrear, e a necessidade de ter alguém em Império Alfa que não perca a visão do conjunto mesmo nas situações mais críticas.
— Eu não sou um ratinho que sempre quer ficar escondido na sua toca — reclamou Bell.
— Um dia — profetizou Perry Rhodan, — os ratos vão descobrir que você sempre faz um mau uso deles em suas comparações, e vão reclamar com seu parente maior para que ele faça algo contra você.
— Seria melhor que Gucky se ocupasse dos alienígenas — opinou o gorducho.
— Disso você pode ter certeza! — retrucou Rhodan. — Assim que a nave CEV pousar, todos os mutantes estarão reunidos no espaçoporto.
Silenciosa como um gigantesco balão cintilante, a espaçonave dos lares pairava no céu, aproximando-se do espaçoporto de Terrânia. Milhares de curiosos aglomeravam-se para vê-la. A Televisão Terra transmitia o acontecimento. Desde o começo, Rhodan estava consciente de que não seria possível ocultar o pouso da nave — isso não era do interesse dos lares, que queriam atrair a atenção de todo o mundo. O fato de tudo se desenrolar oficialmente não teria outro efeito senão tranqüilizar os terranos.
O campo de pouso, todavia, encontrava-se bloqueado e apenas os responsáveis tinham acesso a ele. Câmeras-robô teleguiadas da TVT circulavam sobre a nave CEV.
Unidades da Segurança Solar, cuidadosamente camufladas, enfileiravam-se nas margens do campo de pouso. Rhodan não acreditava que pudesse enganar os lares, mas tinha certeza que esperavam dele essas medidas de precaução.
Os mutantes estavam espalhados por toda parte. Nem mesmo Rhodan sabia exatamente onde eles haviam se colocado.
Somente Rhodan, Atlan e Julian Tifflor se aproximariam da nave CEV após o pouso. Pela primeira vez, Perry Rhodan via a misteriosa nave de perto. O seu brilho era tão intenso que ofuscava os olhos.
— Uma esfera de energia — falou Atlan.
— Exatamente como os cientistas da Marco Pólo descreveram.
A espaçonave CEV estacionou no ar rente ao chão. Não se via nenhum tipo de coluna de apoio. Rhodan supôs que a nave repousava sobre um colchão antigravitacional.
O Administrador-Geral sentou-se no lugar do piloto de um planador energético que estava pronto na lateral do campo de pouso. Os três homens ainda estavam a mais de um quilômetro do local de pouso da nave CEV propriamente dito.
— É arriscado demais irmos sozinhos ao encontro deles — disse Tifflor.
— Sem dúvida, Tiff! — respondeu Rhodan, e apontou para o assento de trás vazio.
— Mas eles precisam saber que não estamos com medo.
O homem magro de feições jovens esboçou um sorriso.
— Mas eu estou com medo! — admitiu.
— Então procure escondê-lo! — instruiu-o Atlan. — Você já teve alguns séculos para treinar essas coisas.
— Mas não tantos quanto você! — devolveu Tifflor.
Rhodan deu a partida e eles foram impulsionados pelo campo de repulsão que se formara embaixo da máquina, saindo em disparada. Uma câmera-robô os acompanhava. O brilho da nave dos lares diminuiu. Rhodan não acreditava que isso pudesse ter alguma relação com as medidas de segurança, mas estava certo de que esse fato tinha alguma relação com os processos energéticos que aconteciam no envoltório de energia da nave.
Rhodan parou o planador a cerca de cem metros da espaçonave CEV.
— Agora é a vez deles! — disse Atlan.
Ficaram esperando. Nem mesmo agora Rhodan sentia diminuir a angústia que havia tomado conta dele desde que aquela nave aparecera. No ar pairava uma sensação de ameaça impossível de ser afastada.
— Eles não estão com pressa — observou Tifflor após alguns minutos durante os quais nada acontecera.
— Isso faz parte do jogo psicológico deles — conjeturou o arcônida. — Eles estão nos tratando como crianças pequenas.
De repente, surgiu uma mancha escura no envoltório brilhante da espaçonave CEV. Um ser apareceu e, aparentemente sem dificuldade, deslizou através das paredes de energia. Ele possuía o mesmo aspecto do alienígena que falara com Rhodan pelo rádio.
— Deve ser Hotrenor-Taak — presumiu Rhodan. — Este é o seu segundo grande ato.
Sem nenhuma transição, Hotrenor-Taak havia aparecido diante de sua espaçonave, como se tivesse sido projetado por um transmissor invisível. Ele vestia um traje colado ao corpo em tons vermelho-escuros.
O alienígena ergueu um braço.
— Eu sou Hotrenor-Taak, o emissário dos hetossanos — disse ele, saudando os três homens que estavam em pé diante do veículo e aguardavam. — É um prazer estar frente a frente com os humanos — As palavras que se seguiram dirigiam-se exclusivamente a Perry Rhodan. — Mas, principalmente, fico feliz em poder saudar Perry Rhodan.
A amabilidade parecia ser sincera, mas tinha sem dúvida também algo de desdém. O lare comportava-se como se o fato de estar naquele mundo constituísse um ato de grande generosidade de sua parte.
Hotrenor-Taak deu meia-volta em direção à espaçonave e fez um sinal.
Logo em seguida apareceram duzentos outros lares diante da nave. Eles também vestiam trajes iguais ao de Hotrenor-Taak, todavia de uma cor amarelo-ocre. Rhodan presumiu que aquela diferenciação de cores distinguia as personalidades dirigentes.
Os duzentos astronautas alienígenas não traziam qualquer tipo de equipamento visível nem armas, fato que poderia tanto significar autoconfiança como uma exibição consciente da própria superioridade.
— Este — bradou Hotrenor-Taak para os seus acompanhantes enquanto apontava para Perry Rhodan — é o Primeiro Hetran da Via-Láctea.
Rhodan sabia que logo acima de suas cabeças pairavam as câmeras-robô da TVT. A imagem e o som estavam sendo transmitidos para todas as regiões da Galáxia. Só isso já deixava Rhodan bastante desconfortável.
Como os outros povos iriam se comportar ao assistir àquele evidente favorecimento dos terranos? Como reagiria, por exemplo, o Comando Energético dos aconenses quando tomasse ciência de que um terrano também falaria em nome de seu povo numa liga que abrange sete galáxias?
As conseqüências que já se podiam prever seriam incontroláveis. Mas parecia que essas reflexões não passavam pela cabeça de Hotrenor-Taak, ou ele simplesmente as ignorava.
— Este homem distinguiu-se várias vezes — prosseguiu o lare. A impressão era a de que ele continuava falando para os membros da tripulação de sua nave, mas Rhodan não tinha dúvidas de que, na verdade, aquelas palavras dirigiam-se aos humanos e a todos os povos da Via-Láctea. — Ele é digno de ser o representante dos povos desta galáxia no Concílio dos Sete.
A expressão do rosto de Rhodan não se alterou.
Atlan, nervoso, raspava o chão com os pés. Ele era inteligente e experiente o bastante para captar o verdadeiro sentido das palavras do alienígena.
— Eu convido o Primeiro Hetran da Via-Láctea a me acompanhar até um sistema estelar do Concílio — disse o lare então. E abriu um largo sorriso. — Para evitar confusão, gostaria de explicar em poucas palavras o que é o Concílio dos Sete. A liga compõe-se de sete potências galácticas totalmente distintas. Uma dessas potências são os lares, um povo do qual faço parte. Assim como os outros seis povos, também nós, os lares, colocamos um planeta à disposição especialmente para a reunião. Atualmente as sessões do Concílio realizam-se na nossa galáxia, a nebulosa espiralada NGC 3190, que se encontra a vinte e um milhões de anos-luz de distância daqui. Nós, os lares, fomos encarregados de levar o Primeiro Hetran da Via-Láctea até lá e apresentá-lo ao Concílio.
Rhodan estava aturdido. O alienígena desejava que ele subisse a bordo da espaçonave CEV e voasse até uma galáxia distante mais de vinte milhões de anos-luz e, como embaixador, falasse em nome da Via- Láctea numa assembléia.
Agora Rhodan lamentava ter permitido a presença das câmeras da TVT, e era tarde demais para revogar a autorização. A mensagem do “emissário” se espalharia como um raio por todos os cantos da Galáxia. Rhodan não precisava ir muito longe para imaginar qual seria a reação na Via-Láctea.
— Você precisa responder! — sussurrou Atlan do seu lado. — Agora é mais importante deixar bem claro para toda a Galáxia o que nós achamos desse tipo de convite do que propriamente dar uma resposta para o sujeito.
Rhodan concordou fazendo um movimento quase imperceptível com a cabeça.
— Agradeço as saudações do Concílio — disse lentamente. Ele procurava as palavras certas, pois sabia que não podia dizer nada que o comprometesse. — Mas estou admirado com o fato de que ninguém tenha pensado em pedir a nossa concordância. Naturalmente o Hetos dos Sete deve estar preparado para o fato de a nossa Galáxia não estar disposta a juntar-se à liga. E igualmente quanto à minha nomeação como Primeiro Hetran da Via-Láctea. Nunca antes tivemos contato uns com os outros. Os lares e todos os povos que eles aqui representam devem ter incluído em seus planos a possibilidade de o convite não ser aceito. Qualquer outra alternativa seria considerada por nós como presunçosa e um cerceamento da nossa liberdade de escolha.
Pela primeira vez Hotrenor-Taak pareceu perplexo. Rhodan notou que o lare não contara absolutamente com uma resposta como aquela.
Era possível que não fossem correntes no vocabulário dos lares expressões como “liberdade de escolha” e “concordância”?
— Não consigo compreendê-lo — disse Hotrenor-Taak. — Você não se sente feliz pelo fato de lhe ter sido conferido o alto posto de um Hetran?
Esta pergunta parecia confirmar as suspeitas de Rhodan. Diante dele surgiam novos problemas. Como ele poderia deixar clara a sua recusa para um ser que não conseguia entender tal posicionamento?
O lare deu um passo em direção a Rhodan.
— Você está nervoso — constatou. — Isso prejudica a sua capacidade de estabelecer as correlações. Será que você não consegue perceber que, a partir deste momento, passa a ser o homem mais poderoso desta galáxia? Nós, com toda a nossa força, estaremos apoiando-o. Você poderá impor tudo nesta galáxia.
— E eu quero isso? — murmurou Rhodan tão baixo, que só Atlan e Tifflor podiam ouvir.
Ele tinha que se decidir, aqui e agora. Evasivas não iriam adiantar.
O que aconteceria se ele recusasse? Isso era uma incógnita. Porém Rhodan estava convencido de que uma recusa traria consigo graves conseqüências para a Humanidade.
— Você não terá mais problemas com povos rebeldes — insistiu Hotrenor-Taak. — Todos os seres inteligentes terão que aceitá-lo. Disso nós cuidaremos.
Rhodan encarou os outros perplexo.
Parecia que os lares pretendiam transformá-lo em um ditador da Via-Láctea.
— Tenho as minhas próprias idéias sobre esta situação — finalmente conseguiu dizer. — Mas, principalmente, preciso refletir sobre todas essas coisas. Espero que aceite a hospitalidade do meu povo até que eu tenha tomado a minha decisão.
Rhodan virou-se repentinamente e pulou para dentro do planador. Ele deu a partida tão depressa, que mal deu tempo para que Atlan e Tifflor também pulassem para dentro.
— O que deu em você? — gritou Atlan.
Rhodan agarrava o controle da direção com tanta força que parecia querer quebrá-lo. As torres de controle ao lado do campo de pouso iam sumindo de vista. Naquele momento ele seria capaz de pular no pescoço do lare.
— Eles nos aceitam em sua liga! — disse Rhodan ofegante. — Isso mesmo, eles nos aceitam. Nas condições deles!
Ele freou tão bruscamente que Atlan, que estava com o corpo curvado para a frente, quase foi arremessado para fora do veículo.
— Foi para isso que nós lutamos! — exclamou exasperado. — Foi para isso que agüentamos tudo, para que agora cheguem uns alienígenas e venham nos dizer o que devemos fazer.
— Não vejo um perigo imediato — disse Atlan, procurando atenuar a irritação do amigo.
— Primeiro Hetran da Via-Láctea — disse ele em tom amargo. Ele olhou para baixo. — Após todas essas provações, finalmente poderei ser o que os meus oponentes sempre viram em mim: um ditador da Via-Láctea.
Ele soltou o corpo, reclinando-se no assento.
— Mas terão um outro Rhodan, bem diferente do que eles imaginam! — exclamou ele.
Atlan deu um sorriso irônico.
A primeira reação veio do planeta Kormeet, uma pequena colônia situada no sistema Apridos — e, curiosamente, tratava-se de uma reação positiva.
Estamos muito orgulhosos — assim começava a mensagem que o administrador de Kormeet transmitiu pelo hiper-rádio — de que um homem do nosso povo tenha sido escolhido para ser o embaixador da Galáxia.
Rhodan apenas lançou um olhar rápido para a versão decodificada que lhe entregaram.
— Este sujeito está querendo se fazer de importante — disse ele. — Ou então quer conseguir um empréstimo a longo prazo para a sua economia.
Rhodan, Bell, Atlan e alguns membros do Exército de Mutantes encontravam-se numa ala administrativa de Império Alfa.
— Estou achando muito estranho ainda não termos recebido outras reações — disse Fellmer Lloyd. — Parece que todos estão pasmos na Galáxia.
— Logo isso vai mudar — conjeturou Atlan. — Suponho que os povos que não simpatizam conosco vão reagir de forma crítica, mas isso somente depois que tiverem chegado a um acordo entre eles.
Bell aproximou-se de uma das telas. Ali se podia ver um detalhe do espaçoporto.
— Os lares ainda estão em sua nave — verificou ele.
Rhodan oferecera acomodações de luxo para Hotrenor-Taak e sua tripulação, mas os visitantes recusaram e preferiram ficar a bordo de sua nave.
— Mais notícias da central de comunicação! — exclamou Balton Wyt. — Estão chegando outras manifestações.
Rhodan pegou as mensagens decodificadas e virou-se para os seus colaboradores.
— Tenho em mãos notas de protesto em tom desfavorável dos aras e dos antis — disse ele. — Não vai demorar e logo as dos aconenses, blues e saltadores, e também dos arcônidas, vão se juntar a esse protesto.
Evidentemente, esses povos não concordam com a escolha de um terrano como o Primeiro Hetran da Via-Láctea.
Atlan jogou-se numa poltrona e esticou as pernas.
— Não acredito que Hotrenor-Taak vá se deixar influenciar por causa disso.
— Eu também não — concordou Rhodan.
— Mas nós, de qualquer forma, temos que levar em consideração a opinião desses povos. Grandes inquietações e divergências não são interessantes para nós no momento atual.
— E o que vamos fazer? — perguntou Bell, sem rodeios. — Sugiro que informemos Hotrenor-Taak destas manifestações de protesto.
— Por mim, tudo bem — disse Rhodan.
— Não acredito que vá acontecer alguma coisa, mas quem sabe, assim consigamos ganhar mais tempo.
— Devo estabelecer um canal de comunicação pelo rádio?
— Não, gorducho! Vou enviar um mensageiro.
Fellmer, por favor, assuma esta tarefa.
No decorrer das horas seguintes, chegaram mais mensagens de muitas outras partes da Galáxia. Para as autoridades de Império Alfa era surpreendente como a maioria dos administradores das colônias se manifestava positivamente. Algumas mensagens eram verdadeiros aplausos no papel.
Rhodan, nada entusiasmado, olhou a pilha de mensagens que estava sobre a sua mesa.
— Parece que ninguém percebe o que está por trás disso tudo.
— Não — concordou Atlan. — Todas essas pessoas simplesmente estão orgulhosas pelo fato de um dos seus dirigentes ter sido o escolhido para desempenhar este papel. É só isso que eles conseguem enxergar por ora.
Rhodan olhou para o chão.
— Isso torna ainda mais difícil recusar o convite de Hotrenor-Taak.
Os cantos da boca do arcônida tremeram.
— Mas por que você quer isso? — perguntou ele, sentando-se no canto da mesa. — Deve existir um outro caminho. Poderíamos mandar um aviso a todos os administradores e representantes dos grandes povos alienígenas da nossa galáxia através da USO e da Segurança Solar. Ao mesmo tempo, comunicamos que vamos simular que aceitamos as condições dos lares para podermos obter melhores informações a respeito.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Ninguém vai acreditar nisso!
— Mas ganhamos tempo — retrucou Atlan.
O ânimo entre os amigos estava exaltado.
Mas também os outros membros do grupo estavam nervosos. Ninguém sabia exatamente como os terranos deveriam agir nessa situação inesperada.
Cerca de meia hora mais tarde, Fellmer Lloyd chamou do espaçoporto pelo rádio.
O rosto do mutante expressava preocupação.
— Falei com o lare — relatou ele.
— Com o chefe deles? — quis saber Atlan.
— Sim, com Hotrenor-Taak — confirmou o telepata. — O emissário dos hetossanos não consegue compreender as suas preocupações. Ele me perguntou, literalmente, como é que um ser inteligente do seu gabarito poderia apresentar objeções tão esquisitas. Ele mais uma vez garantiu que não precisamos nos preocupar com os outros povos. Se necessário, os lares tomarão providências para que não haja inquietação. — Lloyd deu um sorriso sem graça. — Já posso até imaginar como seriam essas providências.
— Eu também — observou Bell, irado.
Rhodan ergueu-se de um pulo.
— O que você vai fazer? — perguntou Atlan, espantado.
— Agora vou reunir um grupo — comunicou o Administrador-Geral. — Os lares vão ter que aceitar o fato de que não me disponho a voar até a galáxia natal deles sem levar meus acompanhantes.
No envoltório brilhante da espaçonave CEV surgiu uma mancha escura, e no mesmo instante Hotrenor-Taak foi projetado na frente da espaçonave. Nesse meio tempo Rhodan já estava convencido de que esse envoltório de energia da nave também possuía uma função semelhante à de um transmissor.
Desta vez, Rhodan viera sozinho. Toda a área ao redor da espaçonave CEV estava completamente cercada por unidades especiais da Segurança Solar. Câmeras da TVT foram proibidas naquela região. Os repórteres da televisão compreenderam a necessidade dessas medidas e se deram por satisfeitos com um protesto formal. Eles teriam o direito de convocar o Parlamento e, com a maioria de votos prevista, poderiam revogar as ordens do governo. No entanto, os responsáveis da TVT não eram caçadores de notícias sensacionalistas e sabiam das suas responsabilidades como dirigentes de um meio de comunicação de massa.
— Espero que sua vinda não seja para anunciar novos atrasos — assim o lare iniciou o diálogo. A parte superior do seu traje espacial estava aberta de forma que Rhodan podia ver a pele escura do alienígena.
Os cabelos de Hotrenor-Taak, que lembravam arames, encontravam-se cuidadosamente trançados em forma de ninho.
O emissário dos hetossanos continuava amável, mas sua impaciência já se fazia notar.
— Está chegando a hora de regressarmos — disse ele. — Na minha pátria, ninguém compreenderia tanta demora numa viagem dessas.
Rhodan olhou para ele e se perguntou quem poderiam ser os outros seres que faziam parte desse Concílio. Certamente não seriam tão parecidos com os humanos como Hotrenor-Taak.
— Eu gostaria de saber mais sobre os outros seis povos que integram o Concílio, Hotrenor-Taak.
— Isso você vai saber quando chegar a hora! — O lare não estava disposto a deixar se levar para uma discussão. — Eu tinha certeza de que desta vez você tinha vindo para me comunicar a sua decisão.
Rhodan inclinou a cabeça afirmativamente e apontou para o outro lado do campo de pouso. Ali, havia alguns minutos, pousara a MC-8. Esta era a corveta mais moderna da Marco Pólo. A nave auxiliar media sessenta metros de diâmetro.
— Está vendo aquela nave? — perguntou ao lare.
Hotrenor-Taak virou-se e então olhou novamente para Rhodan. Ele estava indeciso, pois não sabia o que Rhodan pretendia.
— Com esta nave — anunciou Rhodan calmamente — meus acompanhantes e eu voaremos até NGC 3190.
A perplexidade tomou conta do lare, mas apenas por um instante.
— Nenhuma nave terrana pode cobrir uma distância dessas — disse ele, irritado. — Você sabe muito bem que conhecemos as suas capacidades técnicas. Nessas circunstâncias, chega quase a ser ridículo tentar ganhar tempo com um truque bobo como esse.
— Não é um truque! — retrucou Rhodan.
— Se a sua nave for tão boa quanto a impressão que ela dá, poderá levar a MC-8.
A velha amabilidade do visitante espacial reapareceu imediatamente.
— Eu o entendo! — disse ele. — Você deseja ter a sua própria nave quando chegar à minha pátria.
O silêncio de Rhodan significava mais do que muitas palavras.
— Isso eu consigo compreender — garantiu Hotrenor-Taak. — Como emissário dos hetossanos, tenho plenos poderes. O Primeiro Hetran da Via-Láctea não deve se apresentar perante o Concílio como um mendigo. Sendo assim, vamos trazer essa pequena nave para dentro. — Os olhos de cor verde-esmeralda se estreitaram. — É claro que preciso de uma lista com o nome de todos os componentes da tripulação dessa corveta.
Rhodan pegou um papel no bolso e entregou-o ao alienígena.
— Eu já contava com isso e já trouxe uma relação.
O lare inclinou a cabeça em reconhecimento.
Embora desse a impressão de que se divertia desafiando o terrano psicologicamente, ele aceitava as reações com calma e até com admiração. Parecia que não esperava que o tratassem com consideração ou muito diplomaticamente.
O lare olhou para o papel.
— Mentro Kosum, Alaska Saedelaere e Toronar Kasom — leu. — Icho Tolot, Lord Zwiebus, Paladino VI, Geoffry Abel Waringer, Mart Hung-Chuin, Atlan, Gucky, Ras Tschubai, Fellmer Lloyd... — Ele interrompeu a leitura e ergueu o olhar — Este Lloyd é o mutante que me foi enviado com as manifestações dos povos extraterrestres? — Ele não esperou resposta, pois provavelmente queria apenas provar a Rhodan como conhecia bem a Terra. Então leu o nome dos demais integrantes da tripulação: — Irmina Kotschistowa, Dalaimoc Rorvic, Nerman Tulocky, Powlor Ortokur e Calloberian.
Ele ergueu a cabeça.
— Quem é este Calloberian?
— Um xisrape — explicou Rhodan.
— Não o conhecemos — o lare teve que admitir. — Mas eu sei que você não dá um passo sem ter algum motivo. Pode ter certeza de que vamos descobrir por que você o está levando. Por isso sugiro que nos conte logo o segredo.
— Ele chamou a nossa atenção há apenas algumas semanas — disse Rhodan contando a verdade. Ele estava espantado com o fato de que Hotrenor-Taak não houvesse imposto restrições contra a presença de mutantes a bordo da MC-8, mas apenas quisesse saber do xisrape. — Verificamos que os xisrapes podiam ver as estrelas apesar do escurecimento que vocês provocaram.
Hotrenor-Taak parecia irritado, mas não fez objeções à presença do xisrape. Sem dizer mais nada, enfiou a lista no bolso.
— Preciso de mais doze horas para alguns preparativos finais — pediu Perry Rhodan. — Em seguida cumprirei com meus novos compromissos.
Com um aceno, Hotrenor-Taak concordou com o pedido, muito pensativo. Antes que Rhodan pudesse continuar o diálogo, o indesejado visitante desapareceu no interior de sua nave CEV.
Rhodan ficou se perguntando o que os seus amigos iriam dizer quando soubessem que conseguira, sem maiores dificuldades, que um grupo pequeno, porém extremamente combativo, participasse do vôo planejado.
Os lares com certeza sabiam quem eles estavam admitindo a bordo de sua nave. Ou eles se sentiam tão superiores que não viam perigo na presença de mutantes e especialistas, ou queriam evitar novas complicações.
Rhodan tinha que reconhecer que os lares estavam ficando cada vez mais insondáveis.
Quais eram os seus verdadeiros objetivos? Não se podia chamá-los de invasores no sentido usual, pois, com todo o poder que possuíam, poderiam ter ocupado a Terra sem o menor esforço.
Rhodan ligou o seu intercomunicador de pulso. Ele foi conectado à Central, onde já aguardavam seu relatório.
Atlan atendeu.
— Eles aceitaram tudo! — antecipou o arcônida antes que Rhodan pudesse contar alguma coisa.
Rhodan arregalou os olhos.
— Você é adivinho?
— Neste caso — retrucou Atlan mal-humorado — eu estaria mais satisfeito se não tivesse acertado.
Era uma daquelas noites silenciosas em que Anton Chinnel tinha a sensação de que fazia parte de um mundo irreal. Sua inquietação interna parecia impeli-lo a tomar certas atitudes, porém ficava sentado imóvel na cadeira, fitando o vazio. Meckton já estava dormindo e Sargia, como em toda quinta-feira, dava aula de música na escola de rua. O televisor de parede estava desligado.
Os pensamentos de Chinnel vagavam por entre a névoa e se perdiam. Às vezes ele desejava ardentemente ficar sozinho, mas toda vez que se sentava naquela sala sem a família, sentia-se perdido.
A janela estava entreaberta, mas quase não vinha barulho da rua. Praticamente todos os veículos e máquinas voadoras que circulavam neste horário possuíam motores silenciosos.
— Ton — falou neste momento uma voz bem familiar. — Eu tha que vir aqui mais uma vez, mesmo que isso apenas trsforme a despedida numa situação ada mais difícil.
Chinnel ergueu-se com o susto e viu Calloberian flutuando para dentro através da janela aberta. O xisrape desceu até o chão na frente de Chinnel.
— Nas atuais circunstcias, não foi fácil chegar até aqui — prosseguiu Calloberian. — Parece que nguém em Império Alfa consegue se colocar no meu lugar.
— Mas o que é que está acontecendo?— perguntou Chinnel custando a acreditar no que via. — Há alguns dias recebi um comunicado do governo informando que você não voltaria mais para cá. Fui liberado das obrigações de adoção.
— Ton — disse Calloberian. — Eu vou abdonar este pleta.
Chinnel levantou-se e pediu uma caneca de leite para Calloberian.
Levou apenas alguns segundos para que se abrisse uma portinhola na parede da sala que a separava da máquina da cozinha.
Chinnel pegou a caneca e entregou-a para Calloberian.
— Não me pergunte nada, Ton — pediu Calloberian.
— Isso tem algo a ver com esse alienígena — presumiu Chinnel.
— Sem perguntas! — disse o xisrape.
Chinnel olhou para ele inseguro. O ser que estava diante dele não era mais o xisrape que conhecera. Calloberian mudara.
— Como você está se saindo? — perguntou Chinnel para esconder o seu embaraço.
— Bem! Já arrjei um novo amigo. Ele se chama Alaska Saedelaere, o mutante mascarado.
— Então ele existe mesmo? — perguntou Chinnel. — Sempre achei que ele fosse apenas um personagem inventado. É quase impossível acreditar que nos dias de hoje ainda exista alguém que tenha que andar por aí com uma máscara de plástico no rosto quando já temos o biomolplast, um material sintético com o qual se pode esconder todas as deformações.
— O fragmento capp que se encontra no rosto de Alaska rejeitaria uma máscara orgica — explicou o xisrape.
Chinnel suspirou.
— Primeiro preciso me acostumar outra vez ao seu modo de falar, Calloberian. Estou contente por você ter encontrado um bom amigo. Quem sabe você possa vir nos visitar de vez em quando.
— Não — respondeu o xisrape. — Estou feliz por ter arrjado uma forma de vir aqui mais uma vez. Mas esta é a última visita.
Ele parecia indeciso quanto ao que ainda poderia dizer a Chinnel. Evidentemente também Calloberian sentia como se fossem estranhos.
Coisas demais haviam acontecido naquelas últimas semanas. Chinnel, que não se encontrava bem informado e via os fatos de um outro ângulo que Calloberian, ficou aborrecido. Ele era suficientemente sincero para admitir que estava com ciúmes de um homem que nem sequer conhecia: Alaska Saedelaere. A sua razão, psicologicamente treinada, dizia-lhe também que a base desse sentimento era o egoísmo: uma prova segura de que não havia trazido Calloberian para o seio da sua família apenas por compaixão, mas também por motivos próprios.
— No momento não estou em condições de falar sobre tudo com você — disse ele, mal-humorado. — Com certeza nem você tem muito tempo.
— É, não tenho — murmurou o xisrape.
— Preciso voltar, senão vão imagar que não quero participar.
Chinnel fez um gesto de desamparo com os braços.
— Nós... nós sempre desejamos o melhor, Calloberian.
— Eu sei — confirmou o xisrape. — Fui muito feliz aqui.
Ele flutuou para fora pela janela. Chinnel ficou um tempo parado e depois ativou o televisor de parede. Agora ele queria pensar em outras coisas.
Durante cerca de meia hora, ficou assistindo o programa sem maior interesse, mas de repente surgiu o aviso de uma edição extraordinária que chamou a sua atenção.
Um porta-voz do governo informava os habitantes da Via-Láctea de que, na manhã seguinte, Perry Rhodan partiria com os alienígenas numa viagem espacial para ser recebido pelo Concílio dos Sete como representante da Galáxia.
Chinnel sacudiu a cabeça.
Como é que um único homem queria falar em nome de todos os povos e indivíduos? Evidentemente Perry Rhodan, sob pressão dos acontecimentos do momento, perdera toda e qualquer noção de como agir racionalmente.
O envoltório esférico de energia que envolvia a nave CEV começou a brilhar. A nave dos lares se expandiu. Dentro da nave ampliada havia um convés energético. Como eles conseguiam fazer isso, por enquanto ainda era segredo dos lares.
Kosum e Kasom, os dois únicos membros da tripulação escolhida que neste momento já se encontravam a bordo da corveta, receberam pelo rádio instruções para levá-la para dentro da nave CEV.
Kosum era um emocionauta, considerado um dos melhores pilotos da Frota Solar.
Conduzir a MC-8 para dentro da nave CEV certamente não era uma tarefa complicada, mas não deixava de ser algo bastante incomum.
Perry Rhodan, Atlan e os demais membros da tripulação destacada para irem até uma galáxia distante observavam o curto vôo da corveta instalados numa das torres de controle ao lado do campo de pouso.
No envoltório da nave lare abriu-se um grande vão.
Rhodan queria ver primeiro como essa manobra iria terminar, antes de subir ele mesmo a bordo com seu grupo de homens. Ele fizera uma proposta nesse sentido a Hotrenor-Taak, e o lare a havia aceitado.
— Não consigo me livrar da sensação de que estou voando para dentro de uma boca gigantesca — disse Kosum pelo rádio. — Em outras palavras: ainda não sei direito o que os lares realmente querem!
— Deixe isso para depois, Mentro! — censurou Rhodan. — Não se esqueça de que você foi promovido faz pouco tempo. Agora é um coronel da Frota Solar.
— Coronel! — repetiu Kosum e deu uma risada amarga. — Se sairmos inteiros dessa, talvez o senhor me promova a almirante ou até general.
— Não quero irritá-lo desnecessariamente — tranqüilizou-o Rhodan. — Você sabe muito bem que a Frota Solar não é e nem pode ser um sistema hierárquico. A manutenção das hierarquias é apenas uma bela tradição, que também não queremos interromper no futuro. Isso não vai evitar que um cabo pise nos seus calos se ele assim achar conveniente.
A MC-8 voou em direção à nave CEV.
Alguns instantes depois ela desapareceu no interior da espaçonave dos lares.
— Parece que deu certo — disse Atlan aliviado. — Até agora não temos nenhum motivo para nos queixarmos da honradez dos lares.
Depois de alguns minutos, Hotrenor-Taak e Mentro Kosum surgiram diante da nave CEV.
— Está tudo em ordem — informou Kosum no seu comunicador de pulso. — A corveta encontra-se em segurança num convés de energia. É espantoso, mas também no interior da nave dos lares todas as paredes e conveses intermediários são compostos de energia estabilizada. A vantagem disso é que eles podem modificar a qualquer momento os espaços de acordo com as respectivas necessidades.
A sua breve estada na nave lare havia impressionado Kosum, o que se podia perceber nitidamente pelo seu tom de voz.
— Muito bem — disse Rhodan. — Vamos embarcar.
A espaçonave alienígena, levando a bordo a MC-8 com a sua tripulação, partiu em direção à órbita da Lua. Lá, com uma aceleração de mais de dois mil quilômetros por segundo ao quadrado, deu início à sua viagem.
Com um rápido flamejar do seu envoltório energético, entrou no espaço linear. Pelo menos foi esse o quadro que os observadores do Sistema Solar puderam visualizar.
O formidável desdobramento de energia na transferência para um outro continuum não teve conseqüências para o Sistema Solar.
Os lares desapareceram da mesma maneira misteriosa com que haviam aparecido.
Embora os instrumentos a bordo da corveta funcionassem sem problemas, era difícil para a tripulação acompanhar o vôo da nave que a transportava. A espaçonave CEV fazia manobras cujos valores muitas vezes os equipamentos da corveta não conseguiam calcular.
Desde a partida, os lares e os terranos ainda não haviam tido contato uns com os outros. Na MC-8, o nervosismo e a inquietação eram cada vez maiores.
Tolot foi um dos primeiros a falar abertamente das suas apreensões:
— Eu acho que eles enganaram vocês, meus filhos! Está na hora de formarmos um grupo para sair da corveta e fazer um reconhecimento dentro da nave CEV.
Atlan e Lord Zwiebus apoiaram esta proposta, mas Rhodan não tinha dúvidas.
— Os lares vão se manifestar — disse ele. — Provavelmente, no momento ainda estão muito ocupados com a sua nave.
— Toda esta coisa cada vez se parece mais com um rapto bem organizado — agourou Atlan. — Aos poucos, começo a entender por que Hotrenor-Taak tolerou a presença de todos nós a bordo sem ressalvas.
Assim, com uma só tacada ele conseguiu capturar a mais poderosa força armada da Humanidade.
— Ainda é cedo demais para esse tipo de suspeita — disse Rhodan. Ele dirigiu-se a Gucky e Fellmer Lloyd: — Vejam se vocês conseguem captar pensamentos ou sentimentos dos lares.
— E o que você acha que estamos fazendo esse tempo todo? — perguntou Gucky, melindrado. — Mas tudo que consigo captar são os pensamentos do nosso pequeno grupo.
Em uma situação dessas até o ilt teria perdido o humor, observou Rhodan.
Finalmente, Hotrenor-Taak subiu a bordo em companhia de duas mulheres lares. Ele dirigiu-se até a cabine de comando onde toda a tripulação da MC-8 se encontrava reunida.
Até agora Rhodan apenas vira lares do sexo masculino. E, apesar de um pouco esquisitas, ele achou as mulheres que acompanhavam Hotrenor-Taak atraentes.
— Estranhei o fato de vocês até agora ainda não terem saído de sua nave — disse Hotrenor-Taak. — Vocês são livres e podem andar em nossa esfera de energia. Com certeza encontrarão várias coisas muito interessantes.
Embora as palavras fossem dirigidas a todos, Rhodan tomou-as como sendo uma provocação pessoal. Ele não perdia a impressão de que o lare tentava sistematicamente minar a sua autoconfiança. Não se tratava de uma ação fulminante, mas sim, de uma hábil tática de desgaste.
Rhodan decidira não ignorar a provocação.
— Nós preferimos esperar pelo seu convite — redargüiu Rhodan. — Além disso, queremos saber como vai o andamento do vôo. Estamos observando tudo da nossa cabine de comando.
— Não quero deixá-lo desinformado por mais tempo — disse o lare. — Já nos encontramos na fronteira de sua galáxia e agora vamos ativar os nossos propulsores mais potentes. Com isso saímos das dimensões de Einstein e rompemos a barreira de um outro universo. Assim conseguimos vencer grandes distâncias.
Ele foi para o meio dos seus ouvintes, com uma mulher de cada lado, que até então se mantinham caladas.
— Nosso verdadeiro objetivo não é NGC 3190 — prosseguiu o lare. — Por determinados motivos tivemos que transferir o local da reunião para uma região onde temos certeza de que quase não teremos perturbações: o vazio intergaláctico!
— O senhor não nos contou essas coisas antes de partirmos! — disse Atlan, irritado. — Estou até convencido de que o senhor reteve essa informação deliberadamente.
— É verdade — admitiu Hotrenor-Taak sem vacilar. — Mas fiz isso no interesse de vocês. Eu apenas teria despertado desconfianças desnecessárias se tivesse contado tudo.
— O que mais o senhor ainda está ocultando de nós? — perguntou Waringer.
— Existem informações que só devem ser transmitidas em pequenas doses — respondeu o emissário dos hetossanos. — Como cientista, você deveria saber disso. Não temos nenhum interesse em deixá-los completamente confusos, mas podemos lhes assegurar que não queremos esconder nada.
“Ele fala conosco como se fossemos um grupo de crianças sem a faculdade da razão!” pensou Rhodan consigo. A irritação fez o sangue subir-lhe à cabeça, mas ele conseguiu se dominar e ficou calado.
— Logo estaremos a treze milhões de anos-luz da nebulosa de Andrômeda — prosseguiu o astronauta lare. — Nosso objetivo é um sol no nada absoluto entre as galáxias. Ele foi expelido durante a explosão de uma nebulosa espiralada e depois encontrou o seu lugar no espaço vazio. Trata-se de um sol amarelo com seis planetas. Nós o chamamos de Hartzon. O segundo mundo é o planeta da conferência e se chama Hetossa. — Ele lançou um olhar para os controles da MC-8. — Embora seja um fato sem importância, desde que partimos já percorremos mais de doze milhões e meio de anos-luz. Em algumas horas, segundo o tempo terrano, vocês também poderão reconhecer Hartzon e os seus seis planetas nas telas de sua nave.
A voz tornara-se bem baixa, num tom quase sonolento. Rhodan forçou-se a pensar.
Não podia deixar que os acontecimentos o perturbassem. Por que o Concílio dos Sete se reunia no espaço vazio?
Não era absurdo o fato de que inúmeros delegados tivessem que percorrer distâncias inimagináveis para chegarem ao planeta da conferência?
Talvez, analisou Rhodan, tivesse que modificar as suas antigas noções sobre o que é um concílio.
— Tudo isso vocês precisavam saber antes da sua chegada! — Desta vez, Hotrenor-Taak dirigiu-se diretamente a Rhodan.
— Prepare-se para uma grande recepção. A chegada de um novo Hetran é sempre um acontecimento imponente. Afinal de contas, isso não acontece todos os milênios.
Hotrenor-Taak sabia muito bem que, com suas palavras de encerramento, mais uma vez conseguira uma saída triunfal.
Ele colocou seus braços sobre os ombros das duas mulheres e saiu com elas.
Os membros da tripulação da MC-8 os observaram até desaparecerem no corredor da comporta.
— Ele parece um mágico que em cada ato tira coelhos maiores de dentro da cartola — disse Mart Hung-Chuin. — Conheci muito poucos seres para os quais cada palavra e cada gesto fossem tão importantes como para este lare.
— Não confio nele — falou Irmina Kotschistowa. — Não quero me fiar na minha intuição feminina, mas sinto que tem alguma coisa errada com esse emissário.
— Eu acho que ele quer apenas nos deixar inseguros — Alaska Saedelaere entrou na conversa. — Quanto mais desamparados estivermos na atual situação, tanto mais poderemos ficar dependentes dele. Acredito até que ele não esteja desempenhando este papel por nossa causa, mas sim por puro egoísmo. Talvez ele não seja necessariamente uma liderança entre o seu povo. O fato de trazer um Primeiro Hetran provavelmente lhe dê oportunidade para se auto-promover. Quem vai levar a mal se ele se aproveitar desta situação?
Rhodan confessou para si mesmo que ainda não havia analisado o comportamento de Hotrenor-Taak sob esse ângulo. Porém, também não acreditava que Alaska estivesse certo com essa suposição.
De um modo geral, todas essas considerações e discussões não levavam a lugar nenhum. Eles tinham que aguardar até que estivessem em Hetossa.
Pelo menos quanto a um aspecto, Hotrenor-Taak falara a verdade: seis horas depois da sua passagem a bordo da corveta, surgiu na tela da MC-8 o brilho suave de um sol amarelo. Alguns dos seus seis planetas também podiam ser divisados.
O sistema Hartzon realmente se localizava no espaço vazio intergaláctico. Lá estava ele sozinho entre as galáxias.
A bordo da nave terrana realizavam-se todos os preparativos para o pouso. Rhodan não dera instruções especiais aos seus amigos, pois ninguém poderia saber o que os esperava nesse segundo mundo do sistema desconhecido. Todos os membros da tripulação da corveta possuíam experiência suficiente para se adaptarem aos problemas mais diversos possíveis.
— De qualquer forma, por ora vamos adotar um comportamento passivo — falou Perry Rhodan instantes antes do pouso. — Temos que admitir que os lares, num mundo controlado por eles, não devem ter menos recursos do que na Terra. Ninguém do nosso grupo pode perder o autocontrole. Teremos as nossas chances, pois não acredito que os estranhos saibam exatamente quais são os nossos recursos.
— Quanto mais depressa obtivermos detalhes sobre este Concílio e os seus membros, mais facilmente poderemos nos preparar para as exigências que os lares certamente nos farão — acrescentou Atlan. — Por isso, será de muito pouca valia se todos nós ficarmos agrupados em volta de Perry. Ele deve se destacar em primeiro plano e com o seu comportamento chamar toda a atenção dos lares para si. Isso talvez dê oportunidade para que outros membros do grupo possam dar uma olhada em Hetossa.
Rhodan soltou uma gargalhada.
— Pelo que vejo, você já distribuiu todos os papéis, não é, arcônida. Mas dou-lhe toda razão. Temos que descobrir quem realmente são os lares e o que pretendem na nossa galáxia e na Terra. Esse deve ser nosso principal objetivo num primeiro momento.
— Mas isso também não quer dizer que alguém do nosso grupo deva correr riscos — tomou a palavra Waringer. — Precisamos agir com uma certa serenidade, mesmo que isso seja difícil nestas condições.
Inesperadamente, um membro da tripulação lare surgiu a bordo neste instante. Tratava-se de um homem jovem que os terranos até então não tinham visto.
— Venho por ordem de Hotrenor-Taak!
— Ele era tão amável quanto o próprio emissário dos hetossanos. Pelo menos neste aspecto, os lares eram todos muito parecidos.
Essa amabilidade benevolente não parecia ensaiada, mas sim um traço autêntico. Apesar disso, um mal-estar tomou conta de Rhodan.
— O que você quer? — disse Rhodan bruscamente.
Ele suspeitava que haviam enviado um espião para observá-los constantemente a partir de agora. Por outro lado, Perry Rhodan tinha que partir do princípio de que os lares possuíam recursos técnicos suficientes para vigiar cada passo dos seus visitantes.
— Fui enviado para ficar à disposição de vocês no caso de terem alguma pergunta — respondeu o jovem lare. — Me chamo Muskenor-Aart. Vivi por muito tempo em Hetossa e conheço bem o lugar. Se vocês quiserem, após a nossa chegada posso guiá-los pela cidade.
— Preferimos formar nós mesmos nossa impressão deste mundo — disse Atlan.
Rhodan considerou este comentário um tanto precipitado, mas Atlan em várias situações era mais impulsivo do que os seus amigos terranos.
— Como preferirem — respondeu Muskenor-Aart. — Então, vou me retirar se não precisarem mais dos meus serviços.
— Isso não é preciso — disse Rhodan rapidamente. Ele sabia que a recusa daquele homem apenas traria inconvenientes. No lugar de um acompanhante oficial, eles teriam inúmeros observadores invisíveis atrás deles. — Fique conosco, pode ser que venhamos a precisar de você.
Muskenor-Aart sorriu amavelmente e retirou-se para o fundo da cabine de comando.
Agora já era possível ver a superfície do planeta Hetossa nas telas. Rhodan sabia a quem ele devia agradecer a correta transmissão dessas imagens. Como eles se encontravam encerrados na capa energética da espaçonave CEV, a MC-8 jamais teria tido condições de fornecer tais imagens. Os lares transmitiam as suas próprias observações ao sistema dos terranos. Como eles faziam isso, por enquanto ainda era um dos seus muitos enigmas.
— Uma atmosfera com oxigênio, como esperávamos — disse Mart Hung-Chuin. Ele voltou-se para Muskenor-Aart. — Certamente você pode nos dar informações mais precisas.
— Naturalmente — disse o lare prestativo.
— A rotação deste planeta em torno do seu eixo compreende vinte e nove horas, e a gravitação situa-se pouco acima do valor da Terra. Do ponto de vista de vocês, as temperaturas poderiam estar um pouco acima da média.
— Ainda há outras coisas que nos interessam — disse Waringer. — Como é composta a população deste planeta?
— Em primeiro lugar, naturalmente, são os lares que vivem em Hetossa — respondeu Muskenor-Aart. — O sistema Hartzon foi colocado à disposição por nosso povo e deve servir aos propósitos do Concílio. Há quase vinte milhões de seres inteligentes, dos quais cinco milhões vivem na capital. A propósito, ela chama-se Mivtrav. — Muskenor-Aart fez um gesto de lamento. — Pode ser que sintam falta de uma indústria desenvolvida em Hetossa, pois ela não existe lá. O planeta destina-se a outros fins. É claro que existem alguns estaleiros de reparos para as nossas espaçonaves e alguns depósitos de abastecimento. Este mundo é mais um ponto de apoio do que propriamente uma colônia.
Rhodan e Atlan trocaram um rápido olhar. Parecia que o lare realmente não escondera nada. Por outro lado, era preciso levar em conta que os dados fornecidos eram bastante genéricos. Rhodan tinha certeza de que inúmeras surpresas ainda os aguardavam.
— O pouso será concluído rapidamente — anunciou o lare. — Perry Rhodan deve deixar a nave como o Primeiro Hetran junto com o emissário dos hetossanos. Por favor, prepare-se adequadamente para isso.
Além do seu papel de guia indesejado, parecia que Muskenor-Aart também era um tipo de mestre de cerimônias.
A nave de energia mergulhou na atmosfera do planeta. Por um instante, apareceu na tela a imagem de uma gigantesca cidade com ruas de energia cintilantes e construções de linhas arrojadas.
— Esta é Mivtrav — ouviu-se a voz de Muskenor-Aart. — O espaçoporto fica na periferia da cidade. Como as nossas naves não fazem barulho nem sujeira, o nosso campo de pouso também poderia ter sido instalado bem no centro da cidade.
Lá vinha outra vez a típica arrogância dos lares.
De repente, apagaram-se todas as telas. Os lares haviam encerrado sua transmissão.
Irritado, Atlan dirigiu-se ao lare.
— E agora, o que significa isso?
— Eu também não sei explicar exatamente — respondeu Muskenor-Aart gentilmente. — Mas imagino que haja razões psicológicas que levaram Hotrenor-Taak a encerrar a transmissão. Certamente ele quer evitar que Perry Rhodan fique confuso ao ver o espaçoporto com todos os preparativos que foram realizados. O Primeiro Hetran da Via-Láctea, logo em seguida à sua chegada, não pode ser levado a um estado igual, digamos, ao do ator antes da estréia.
Agora já não havia mais dúvidas de que Muskenor-Aart exercia uma política de pequenas alfinetadas constantes em Perry Rhodan. Nessas condições, Rhodan não podia deixar de se perguntar se Hotrenor-Taak não aplicava toda aquela série de pequenas humilhações inconscientemente.
Talvez fizesse parte da mentalidade dos lares tratar assim os seres estranhos a eles.
Não era possível comprovar se o pouso já fora concluído. Os homens que trabalhavam nos aparelhos sistema localização da MC-8 haviam perdido todo o contato com o mundo externo depois que os lares encerraram as transmissões de imagem.
Mas logo Hotrenor-Taak apareceu na corveta para buscar Perry Rhodan.
— As acomodações para os seus acompanhantes já estão preparadas — disse o emissário dos hetossanos. — Após a recepção você também poderá retirar-se para junto deles, para descansar.
Ele apontou para o jovem lare.
— Muskenor-Aart cuidará dos seus amigos enquanto assistimos à recepção.
Rhodan não encontrou nenhuma oportunidade para fazer uma objeção. Também, teria sido ridículo realizar uma viagem tão longa e depois criar atrito por causa de questões protocolares.
Junto com Hotrenor-Taak, ele saiu da corveta. No caminho para o lado de fora, ele atravessou pela segunda vez o interior da espaçonave CEV. A claridade das paredes e do convés doía nos seus olhos. Os lares pareciam já estar acostumados.
Aparentemente, a bordo daquela nave não havia centrais de controle. Os elementos de comando encontravam-se em nichos e concavidades. Também os membros da tripulação pareciam dispersos por todos os cantos da nave. Mesmo assim, a nave funcionava como uma unidade.
— Uma vez dominados os métodos da estabilização e deformação da energia, a fabricação de naves como esta é muito fácil — soou a voz de Hotrenor-Taak. — Para seres que seguem uma orientação técnica, uma nave como esta deve parecer um verdadeiro milagre.
Rhodan olhou-o de esguelha.
— E que orientação seguem os lares e os povos a eles ligados?
— Acredito que conseguimos encontrar algumas soluções ótimas — esquivou-se o emissário dos hetossanos. — Só o fato de coordenarmos sete galáxias já é uma prova disso.
Eles entraram no campo de irradiação da camada externa do envoltório da nave e foram projetados no campo de pouso. Rhodan não sentiu nenhuma dor por causa da transmissão.
Ele lançou um olhar rápido ao seu redor.
Do outro lado do espaçoporto, havia uma fileira de espaçonaves CEV brilhantes. Evidentemente, elas formavam uma espécie de ala de recepção. Havia um tapete de energia que ia diretamente da nave de Hotrenor-Taak até os prédios ao lado do campo de pouso. Cerca de dois a três mil lares aglomeravam-se nas laterais daquele curioso caminho. Eles estavam ricamente trajados e erguiam o braço num gesto de saudação.
— São todos representantes altamente graduados. Como nós, os lares, somos os anfitriões, por enquanto somente nós é que vamos tratar com vocês — Hotrenor-Taak pegou Rhodan pelo braço e o levou para o caminho de energia. — Mais tarde você conhecerá os outros integrantes do Concílio. Por ora, terá que tratar apenas com os lares.
— Isso quer dizer que não vou poder me pronunciar diante do Concílio? — perguntou Rhodan.
— É claro que lá você vai poder se pronunciar, mas a conferência permanente, no presente momento, está sendo conduzida apenas por lares. Você pode imaginar como seria complicado trazer a toda hora os delegados das sete galáxias até aqui.
A contradição nas afirmações do emissário dos hetossanos era evidente. E Rhodan não teve medo de expressar isso.
— Algo me diz que estou sendo enganado — disse ele.
Hotrenor-Taak sacudiu a cabeça energicamente.
— Isso é um absurdo. Você está aqui porque passou por todas as tarefas e provações que lhe foram impostas. Você se afirmou e pode ser o Primeiro Hetran da sua galáxia.
Dessas palavras, Rhodan depreendeu que havia certas ligações entre o Hetos dos Sete e as duas entidades Aquilo e Anti-Aquilo.
— Que contatos você tem com Aquilo e Anti-Aquilo? — ele quis saber.
O lare sorriu.
— Nós conhecemos essas provações e agimos de acordo. Isso é tudo o que posso lhe dizer.
Eles flutuaram sobre o caminho de energia e passaram pelos lares exultantes. Rhodan compreendeu que Hotrenor-Taak também era um líder em Hetossa — se não o mais importante de todos os lares.
— O Concílio dos Sete — informava Hotrenor-Taak de passagem — sempre esteve ocupado em escolher grandes povos adiantados, para pôr um fim com a sua ajuda a todas as discórdias existentes entre as galáxias.
Rhodan ouvia atentamente.
— É claro que este processo também exige compreensão do seu lado. Em breve vocês terão que desarmar a sua frota e providenciar para que os outros povos da sua galáxia façam o mesmo — Hotrenor-Taak ergueu a cabeça. — Eu sei que o grande objetivo de vocês é a paz em sua galáxia natal. Agora está em suas mãos a única chance de consegui-la para sempre.
Rhodan não respondeu. Os pensamentos rodopiavam em sua cabeça.
A paz em toda a Galáxia, sem dúvida, era um objetivo desejável. Um objetivo a que Rhodan e todos os seres humanos também se tinham proposto. E agora vinham os lares com promessas de que tudo seria bem simples se as ordens deles fossem seguidas.
Rhodan não contara com a possibilidade de os lares pedirem o desarmamento da Frota Solar. Todavia, Hotrenor-Taak falara disso como se fosse nada mais do que um fato corriqueiro.
— Você está muito quieto — constatou o emissário dos hetossanos, descontente. — Eu contava com uma concordância entusiástica.
— Tudo isso ainda é muito novo para mim — retrucou o terrano, evasivamente. — Além disso, o visual da sua cidade me fascina.
A silhueta de Mivtrav realmente era impressionante.
Entre os prédios estreitos esgueiravam-se as ruas de energia como serpentes brilhantes. Havia pontes apoiadas sobre pilares de energia. Apenas os prédios mais baixos não apresentavam suportes energéticos. Mivtrav oferecia um quadro de cores maravilhosas. Quase não se viam aviões e veículos. Todo o trânsito fluía nessas esteiras rolantes de energia, que muitas vezes serpenteavam entre os edifícios numa velocidade estonteante. Pelo menos era assim naquele lado da cidade. Em outras regiões, parecia que as coisas eram mais calmas.
Lá existiam parques projetados com grande generosidade, com lagos e jardins suspensos.
Mivtrav fora construída por seres que queriam uma paisagem agradável ao seu redor. E isso eles conseguiram.
Hotrenor-Taak apontou para uma cúpula que se erguia ao lado da rua de energia.
— Esta é uma das inúmeras estações projetoras que podemos encontrar por todos os lugares na cidade — explicou ele. — Este sistema pode ser comparado às suas estações transmissoras, embora o seu funcionamento seja bem menos complicado. Você vai se entender com elas rapidamente.
Rhodan sentiu-se aliviado quando o lare mudou de assunto. Mas ele também sabia que, mais cedo ou mais tarde, seria novamente confrontado com perguntas decisivas.
Rhodan lançou um olhar para trás e viu que agora outros integrantes da tripulação da MC-8 estavam do lado de fora e, acompanhados por diversos lares, deslizavam para uma outra rua de energia. Tudo aquilo era uma experiência nova para Rhodan. Os lares aparentemente conseguiam construir estradas onde bem entendessem, assim como podiam simplesmente desmanchar outras. O sistema viário de Mivtrav apresentava uma mobilidade ainda maior do que a do envoltório de energia da espaçonave CEV que havia trazido o grupo de Rhodan para Hetossa.
Logo depois, Rhodan viu seus amigos desaparecerem atrás de alguns edifícios. Hotrenor-Taak interpretou corretamente o olhar do seu acompanhante.
— Eles estão sendo levados às suas acomodações, exatamente como eu disse. Não precisa se preocupar.
Da margem do campo de pouso, Rhodan pôde comprovar que o espaçoporto de Mivtrav não era muito grande. Claro que não se podia compará-lo com um espaçoporto como o de Terrânia. Contudo, Rhodan não deu muita importância a esse fato. Em função das suas características, as espaçonaves CEV podiam praticamente pousar e decolar em qualquer lugar. Além disso, para os lares não devia ser nenhum problema criar campos energéticos de pouso.
Alguns lares que estavam em pé ao lado do caminho aproximaram-se de Hotrenor-Taak e Perry Rhodan.
— Estes são membros do Concílio — anunciou Hotrenor-Taak. — Todos eles desejam lhe dar as boas vindas.
O primeiro lare adiantou-se. Ele era mais largo que Hotrenor-Taak, e os seus olhos verde-esmeralda quase desapareciam atrás das salientes protuberâncias ósseas.
— É um grande prazer para nós poder saudar o Primeiro Hetran da Via-Láctea no Hetos dos Sete — disse ele, amável. O lare possuía uma voz sonora, que podia ser ouvida à distância.
— Meu nome é Corvernor-Bran, e sou o Primeiro Orador dos ark-lares no Concílio.
Ele estendeu a mão de acordo com os costumes terranos, mas Rhodan hesitou em pegá-la. Tudo indicava que em Hetossa os lares supunham que Rhodan aceitaria de imediato o papel a ele destinado. Ou eles foram falsamente informados por Hotrenor-Taak ou sequer podia passar pela cabeça deles que alguém poderia se opor aos seus desejos.
A situação tornou-se constrangedora. Rhodan pegou a mão estendida e apertou-a rapidamente. Todavia não disse nada.
Depois de Corvernor-Bran foram-lhe apresentados os outros lares. Rhodan logo notou que, apesar das altas posições que sem dúvida ocupavam, eles reconheciam em Hotrenor-Taak o seu líder.
O emissário dos hetossanos determinou a continuação da cerimônia.
— Os terranos não são lá amigos de grandes discursos — explicou aos lares. — Eles costumam ir direto ao assunto. Por isso, proponho que nos encontremos em algumas horas no local da conferência. Nesse meio tempo, deveríamos dar oportunidade para que o nosso convidado possa descansar.
Ele apontou para uma das formações sinuosas ao lado do caminho.
— Vou levá-lo ao seu alojamento.
As acomodações dos terranos situavam-se bem no meio de um amplo parque. Logo em seguida à sua chegada, Rhodan ficou sabendo por intermédio de Atlan que não haveria impedimentos à saída dos membros do grupo. Eles podiam ir e vir livremente, não lhes sendo vedado sair do prédio para onde foram levados. Hotrenor-Taak retirou-se novamente.
— Não há guardas — informou o arcônida. — Estão nos deixando totalmente à vontade.
Com o sistema de localização do Paladino, rastreamos toda a região e temos quase certeza de que também aqui não temos câmeras ou aparelhos de escuta. Ao que tudo indica, os lares estão levando a sério essa história da hospitalidade.
Rhodan se questionava se talvez estivesse avaliando aquele poderoso povo de forma errônea. Por outro lado, não podia esquecer que para os lares não havia nenhuma espécie de risco em deixar os seus visitantes sem serem vigiados.
Se os terranos quisessem voltar ao seu mundo natal, eles precisariam dos lares e, portanto, não podiam se permitir nenhuma ação que pudesse atrair a animosidade deste povo.
— Dentro de algumas horas eles virão me buscar para a primeira conferência — informou Rhodan. — Para eles já está decidido que eu serei o Primeiro Hetran. Temo que uma recusa possa acarretar-nos conseqüências sérias e por isso estou decidido a, pelo menos aparentemente, aceitar as propostas dos lares.
— Portanto, está na hora de tomarmos a iniciativa — continuou Perry. — Ras, você e Gucky devem partir para um reconhecimento da situação. Preciso do relatório de vocês ainda antes do início propriamente dito da conferência.
Do outro lado de Mivtrav, existia um gigantesco maciço rochoso. Rochas escuras, sem qualquer vegetação, emprestavam um aspecto sombrio à paisagem. Gucky e Ras Tschubai, que haviam se materializado em meio às montanhas, estavam prestes a sair dali quando viram relâmpagos atrás da encosta.
— Ras, ali está acontecendo alguma coisa — observou o ilt. — Raios de energia que chegam bem alto na atmosfera.
— Provavelmente no outro lado destas montanhas existe uma estação experimental dos lares — supôs Tschubai. — Neste momento, não é esta a minha preocupação mais importante.
Gucky olhou-o compreensivamente.
— Você acha que os lares não perceberam a nossa teleportação para este local?
— Mas é claro! Eles seriam loucos se não estivessem nos vigiando.
— Nós nos teleportamos de dentro do nosso alojamento — lembrou o rato-castor.
— Até agora não detectamos sinais de capacidade parapsíquica entre os lares. Ao que tudo indica, eles sabem que no nosso grupo existem mutantes com dons psíquicos, mas não acredito que tenham condições de medir os saltos de teleportação.
Não era fácil convencer Tschubai.
— Mesmo que eles não tenham registrado a teleportação, mais cedo ou mais tarde vão notar a falta de dois membros do grupo.
Gucky deu uma risadinha.
— Perry vai explicar para eles que fomos passear no parque — afinal de contas, isso não é proibido.
Assim Gucky encerrou a conversa sobre esse assunto, pois estava mais interessado nos acontecimentos do outro lado das montanhas.
— Ras, acho que devemos arriscar uma teleportação para o topo da montanha — disse ele. — Lá do alto provavelmente teremos uma vista melhor.
Tschubai agarrou-o pelo braço.
— Você consegue detectar impulsos de pensamento?
— Até agora, não — respondeu o seu acompanhante. — Imagino que ali se encontrem grandes campos de energia que não deixam passar nada.
Os dois se teleportaram para o cume da montanha. As rochas ali lembravam basalto negro. Algumas pedras eram tão quebradiças que desmancharam sob o peso de Tschubai. O africano foi para trás de uma rocha pontiaguda e espiou encosta abaixo. O que viu fez com que prendesse a respiração instintivamente.
Lá embaixo desencadeava-se um combate fantástico.
Lares e comandos-robô lares haviam cercado uma esfera brilhante amarelo-ocre e disparavam suas armas energéticas contra ela. A esfera encontrava-se num vale e media cerca de duzentos metros. Os adversários dos lares estavam dentro dessa esfera.
Tschubai notou, admirado, que o fogo dos agressores podia ser respondido de dentro da formação energética. Assim, o envoltório externo preenchia duas funções: protegia contra os tiros que vinham de fora e se mostrava permeável aos tiros que partiam de dentro.
Alguns robôs lares estavam quebrados e incendiados. A apenas trezentos metros de Tschubai via-se um planador cujo piloto evidentemente perdera o controle da máquina, que acabara por se chocar contra uma rocha.
O teleportador acenou para Gucky, para que ele se aproximasse.
O ilt rastejou até o lado dele e deu um assobio.
— Veja só! — exclamou ele. — Os nossos amigos lares. Eles nos asseguram uma paz eterna na nossa galáxia enquanto lutam entre si em um dos seus próprios mundos.
— Eles poderiam argumentar que se trata apenas de uma escaramuça local — disse Ras.
— No que você está pensando? Talvez um tipo de perseguição a criminosos? — A voz de Gucky ia ficando cada vez mais estridente por causa da agitação. — Eu queria muito saber quem é que está dentro dessa cúpula de energia. Até agora os agressores estão atacando com unhas e dentes.
— Parece que a esfera de energia está sendo constantemente recarregada — observou Ras. — Por isso os agressores também não conseguem abrir uma fenda na estrutura. Eu imagino que o escudo vai absorvendo energia do hiperespaço continuamente.
Os dois mutantes continuaram a observar a região. Eles viram que a quantidade de agressores aumentava. Robôs voadores e planadores de combate chegavam de Mivtrav para tomar parte no conflito.
— Bem que eu queria poder fazer algo pelos desconhecidos — falou Tschubai, oprimido.
— Nós não conhecemos a situação — retrucou Gucky. — Só temos certeza de que lá embaixo há um confronto entre dois grupos hostis. Do nosso ângulo, até agora, não é possível identificar quem está com a razão.
O silêncio de Tschubai dava razão ao ilt.
De repente, surgiram lampejos nas encostas rochosas mais adiante. Lá havia seres numa posição em que podiam disparar contra os agressores.
— Está vendo! Os seres que estão dentro da esfera não estão completamente sozinhos.
— Quanto mais eu reflito, mais me convenço de que em algum lugar destas montanhas existe uma estação. Imagino uma organização secreta que eles conseguiram criar e que agora foi descoberta pelas posições lares oficiais.
— Hum... — fez Tschubai. — Esta é uma boa história, só que não sabemos se é verdade.
— Vamos esperar!
Naquele momento, os mutantes podiam apenas ficar observando o andamento da luta. As tropas de robôs haviam se espalhado e agora também atacavam aqueles pontos de onde os aliados dos ocupantes da esfera de energia tinham aberto fogo.
Tschubai estimava que já havia quase três mil robôs operando nas montanhas. O número de planadores de guerra já somava de quarenta a cinqüenta.
Os lares protegidos por uniformes especiais não participavam diretamente na luta, já que não se encontravam a bordo dos planadores.
Parecia que isso era perigoso demais para eles.
— Vou me teleportar de volta ao nosso alojamento — resolveu Gucky. — Perry precisa saber imediatamente o que está havendo por aqui. Se for possível, vou trazê-lo para cá, para que ele mesmo possa ter uma idéia da luta. Tenho a impressão de que aqui está o trunfo que nos faltava.
Tschubai fez uma careta, mas não levantou nenhuma objeção. Um breve cintilar, e o local onde antes estava o ilt ficou vazio.
O terrano de tez escura ficou sozinho.
Ele viu como agora os ataques aos redutos nas montanhas haviam se intensificado. De um desses esconderijos um lare saiu cambaleando e caiu ao chão. Evidentemente, fora atingido por raios que iam destruindo lentamente o sistema nervoso. Era um quadro horrível.
Para Tschubai, não restavam mais dúvidas de que havia lares brigando nos dois lados. No interior da esfera de energia, provavelmente também existiam lares.
Esses seres, que haviam prometido a paz eterna à Galáxia, encontravam-se em guerra contra seus irmãos num de seus mundos. Tschubai já não acreditava mais que o confronto fosse de grupos de policiais contra uma organização criminosa.Aquilo ali era mais do que uma perseguição a bandidos.
Tschubai procurou uma posição mais segura, pois era bem possível que as lutas se ampliassem e chegassem à região em que Gucky e Tschubai ressurgiram. Mas, por ora, o mutante ainda podia ficar no lugar em que estava.
Neste instante, surgiram Gucky e Rhodan.
Eles se materializaram bem ao lado de Tschubai. Com um rápido olhar, Rhodan captou a cena.
— O que você descobriu nesse meio tempo, Ras? — ele quis saber.
— Há lares lutando em ambos os lados — respondeu o teleportador. — Eles empregam armas desumanas. Vi um lare morrer com grande sofrimento.
— Que motivos você supõe?
Tschubai sacudiu os ombros.
— Podem ser questões políticas ligadas à luta pelo poder que desencadearam este conflito. Mas também podem ser razões ideológicas ou religiosas.
Rhodan apertou os lábios.
— Agora não precisamos mais ter dúvidas em considerar os lares inadequados para nos proporcionar a paz. Eles estão pensando na paz à maneira deles, que, se necessário, vão impor com força bruta. Não é de se admirar que Hotrenor-Taak logo tenha falado de um desarmamento da Frota Solar.
Tschubai deu uma risada amarga.
— Transformam-no no Primeiro Hetran e, como pagamento, querem embolsar a Via-Láctea.
— É isso mesmo! — confirmou Rhodan furioso. — Agora já temos uma boa idéia de onde estamos metidos.
— O que você vai fazer? — quis saber o ilt. — Recusar a posição oferecida?
— Vou tomar cuidado — respondeu Rhodan.
— Uma atitude dessas apenas reduziria a margem de negociação. Uma recusa só serviria de incentivo para os lares tomarem medidas mais duras.
O rosto de Tschubai expressava preocupação.
— Vai ser difícil explicar para os habitantes da Via-Láctea por que você se deixou eleger o Primeiro Hetran.
— A coisa é muito pior — complementou Rhodan. — Nós nem ao menos podemos tentar explicar para alguém da Via-Láctea, pois os lares seriam os primeiros a saber.
— É mesmo! — concordou Gucky. — Na Galáxia todos os seres inteligentes precisam acreditar que Perry Rhodan está a serviço do Hetos dos Sete por convicção.
— Este é o papel mais triste de todos os que já desempenhei — disse Rhodan com amargura.
Sobre a esfera de energia lá embaixo no vale, havia se formado nos últimos minutos uma segunda estrutura de energia. Era uma espécie de cúpula que descia vagarosamente sobre a esfera.
Os observadores vindos da Terra estavam certos de que se tratava de uma arma de ataque das forças lares. A esfera de energia deveria ser partida de modo a quebrar definitivamente a resistência dos seus defensores.
Mas antes de chegar a esse ponto, a atenção dos dois homens e do ilt foi desviada por um segundo fato igualmente dramático.
Logo abaixo deles, viram um lare ferido se arrastando entre as rochas e procurando por um esconderijo. O homem era, sem dúvida nenhuma, um dos membros do grupo ao qual também pertenciam os ocupantes da esfera de energia. Ele conseguira escapar da região do conflito sem que fosse descoberto.
Perry Rhodan rapidamente tomou uma decisão.
— Vá buscá-lo, Ras! — ordenou ele.
O mutante olhou Rhodan sem acreditar no que ouvia.
— Nós vamos entrar na briga? — perguntou. — Tem certeza de que devemos agir assim?
— Lá embaixo está um ser em grande perigo — redargüiu Rhodan, impaciente. — Nós vamos ajudá-lo. Contudo, não só por compaixão, mas também porque precisamos de informações.
Tschubai desmaterializou-se e no mesmo instante apareceu logo mais abaixo na encosta, ao lado do lare ferido. Rhodan viu que o fugitivo assumia uma postura defensiva.
O surgimento repentino de uma pessoa estranha devia ter sido um verdadeiro choque para ele. O lare agarrou uma arma em forma de bastão, mas Tschubai foi mais rápido e, com um golpe, jogou-a no chão.
Em seguida, tocou o ombro do ferido e o teleportou.
Rhodan viu o alienígena surgir à sua frente junto com Tschubai. O lare cambaleou. A parte superior do seu traje estava rasgada, e uma ferida profunda no ombro mostrava claramente o estado em que este homem se encontrava. Sangue amarelo escorria por cima da pele escura e da roupa.
O homem emitia sons incompreensíveis.
Ele estava completamente confuso. Rhodan deu um passo em sua direção e o apoiou.
— Nós somos os representantes da Terra — disse ele. — Por um acaso chegamos a esta região e testemunhamos a luta. O que está acontecendo por aqui?
— Nós... nós queríamos aproveitar o momento da sua... chegada para fazer uma manifestação — conseguiu o lare dizer com extrema dificuldade. Ele falava um intercosmo perfeito, um sinal que mostrava claramente que seu grupo pretendia um contato com os visitantes. — Meu nome é Peztet e sou membro de uma... organização de resistência.
Ele teve um acesso de fraqueza e quase teria caído ao chão se Rhodan não o tivesse agarrado com mais firmeza. Rhodan olhou ao redor em busca de um lugar mais adequado para acomodar o ferido. Tschubai ajudou-o a deitar o homem numa parte plana entre duas rochas.
— Vou me teleportar até o alojamento para buscar material de primeiros socorros! — exclamou Gucky.
— Fique aqui! — ordenou Rhodan. — Não tenho certeza se o que temos a bordo pode ajudar este lare. Quem sabe, conseguimos descobrir onde se encontra a base deste ser. Peztet terá mais ajuda se o levarmos até lá.
Um estrondo semelhante a uma explosão fez com que ele se virasse. Olhou encosta abaixo e viu que a esfera de energia havia explodido. Pouca coisa restara dos seus ocupantes. Por cima do local da explosão, circulavam robôs armados.
— Logo eles estarão percorrendo toda a região em busca de fugitivos — previu Gucky.
— Até lá precisaremos já ter sumido daqui.
O perigo de que fossem encontrados ali crescia a cada minuto, e também Perry Rhodan sabia disso. Ele voltou-se novamente para Peztet:
— A resistência dos seus amigos foi totalmente destroçada — disse ele. — Se você quiser nossa ajuda, precisa nos dizer para onde podemos levá-lo para que fique em segurança.
O lare revirou os olhos. Parecia que ele não tinha entendido Rhodan muito bem.
— Ele está morrendo! — observou Gucky, consternado. — Não vai sobreviver a estes ferimentos graves.
Rhodan segurou um palavrão. Finalmente encontrara um informante do qual poderiam obter respostas para perguntas importantes, e agora este homem ameaçava morrer antes que pudesse dizer alguma coisa.
Rhodan inclinou-se sobre o ferido.
— Peztet! — ele chamou com insistência — Está me ouvindo?
O moribundo disse algo em idioma lare e depois arregalou os olhos. Parecia então ter compreendido onde estava.
— Protejam-se das bestas cruéis do Concílio dos Sete — disse ele em tom penetrante.
Sua voz agora soava bem clara, como se tivesse reunido todas as suas forças uma última vez. — O Hetos dos Sete está voltado exclusivamente para subjugar outros povos. Isso vale tanto para os lares como para os outros seis membros do Concílio.
— Mas você também é um lare! — exclamou Tschubai impulsivamente.
Peztet parecia não tê-lo ouvido.
— Para mim qualquer ajuda chegará tarde demais — disse ele, esgotado. — Deixem-me aqui. Mas peço que salvem Roctin-Par.
— Quem é Roctin-Par? — perguntou Rhodan.
Peztet virou a cabeça para o lado. Parecia que suas forças o abandonavam definitivamente.
Todavia, ele continuou a falar.
— Roctin-Par é o líder do nosso grupo de resistência. Sem ele é impossível a existência desta organização. Se o pegarem, em breve não haverá mais nenhum lare que tenha coragem de falar a verdade sobre este Concílio. — Sangue amarelo escorreu pelos seus lábios. — Em qualquer circunstância é preciso que Roctin-Par...
— Onde podemos encontrá-lo? — Rhodan interrompeu o lare. — Isso é importante agora.
Peztet ergueu a cabeça.
— Existe... uma estação secreta aqui nas montanhas. Até agora ela não foi encontrada.
Espero... — Sua voz tornou-se incompreensível.
Então ele ergueu um braço e apontou na direção das montanhas mais altas do maciço rochoso — As... as rochas brancas!
— As rochas brancas! — repetiu Rhodan. — Onde elas estão?
Porém não obteve mais nenhuma resposta. O lare perdeu as forças e não se mexeu mais.
— Está morto — murmurou Gucky.
Rhodan fitava o morto no chão.
Este homem era a prova máxima dos objetivos ocultos do Concílio dos Sete. Em Hetossa existiam lares que não concordavam com as medidas adotadas por essa instituição. Rhodan estava convencido de que também em outros mundos havia resistências organizadas.
Peztet dissera claramente que os lares tinham planos de conquista.
Era inadmissível que um ser que vivia em Hetossa pudesse se enganar. Afinal de contas, Peztet não era um opositor isolado, mas pertencia a uma organização que, evidentemente, encontrava-se bem equipada.
— As rochas brancas — falou Tschubai pensativo. — Onde será que elas podem estar?
— O braço esticado do morto nos aponta sua direção — sugeriu o ilt. — Vamos procurar rochas brancas nas montanhas mais altas.
— Podem ser rochas calcárias — presumiu Tschubai.
— Não temos muito tempo — disse Rhodan pensativo. — Não posso me esquecer de que os lares vêm me buscar para a primeira conferência. Por isso, é melhor que Ras me leve de volta à nossa base. Lá vou encenar uma festa bem barulhenta, para que os lares acreditem que tudo está em ordem.
E Ras volta para cá com Calloberian.
— Com o xisrape? — perguntou Gucky atônito. — O que a gente vai fazer com ele aqui?
— Ele já mostrou diversas vezes que possui algumas capacidades incomuns — retrucou Rhodan. — Acho que ele pode nos ajudar a descobrir a base secreta. Precisamos encontrar esse Roctin-Par antes que os comparsas de Hotrenor-Taak o façam.
Ras Tschubai observava os acontecimentos no local da batalha. Algumas dezenas de robôs haviam pousado e agora vasculhavam os escombros da esfera de energia destroçada. Sem dúvida estavam à procura de pistas. Os soldados lares ainda se mantinham recuados. Eles não se arriscavam. Presumivelmente, temiam que ainda existissem guerreiros da resistência escondidos nas proximidades.
— Venha, Ras! — disse Rhodan. — Temos que nos apressar.
O teleportador pegou a mão de Rhodan e se concentrou. Ele teleportou-se junto com o Administrador-Geral diretamente para dentro do alojamento da tripulação da MC-8.
Nada acontecera ali nesse meio tempo.
Nenhum lare fora visto. Rhodan esperava que ninguém tivesse notado a ausência de alguns membros do seu grupo.
Ele fez um curto relato dos acontecimentos nas montanhas.
— Os lares não são, portanto, esses bons amigos que querem mostrar ser — encerrou ele. — Mas como de qualquer forma eles são superiores a nós em todos os aspectos, devemos continuar o nosso jogo. Agora nós vamos festejar um pouco por aqui enquanto Gucky, Ras e Calloberian procuram por Roctin-Par.
— O risco é grande — considerou Atlan.
— Apesar disso, concordo com os seus planos. Precisamos fazer alguma coisa para que não fiquemos completamente sem forças à mercê dos membros do Concílio.
Waringer adiantou-se.
— Apesar disso, não vejo lógica alguma nesse procedimento — explicou ele. — Se esse bem armado grupo de resistência que conhece muito bem Hetossa está fadado ao desaparecimento, não somos nós que vamos poder ajudar.
— Agora trata-se apenas de Roctin-Par — respondeu Rhodan. — Ele, como líder da organização de resistência, pode nos fornecer informações valiosíssimas.
— Portanto, nós é que vamos precisar da sua ajuda — constatou o cientista. — Isso é mais ou menos como se um aleijado fosse ajudar um cego a atravessar a rua.
Rhodan já contara com todas essas objeções. Ele também as considerava justas. Só que na atual situação tinha que incluir contratempos nos seus planos.
— Eu ainda não terminei — disse Waringer. — Se tivermos sorte para resgatar esse Roctin-Par antes que as tropas o encontrem no seu esconderijo, teremos um outro problema: onde vamos escondê-lo?
— Tenho certeza de que ele mesmo saberá o que fazer assim que estiver fora da zona de perigo — disse Perry Rhodan. — Sobre isso ainda podemos discutir assim que Ras e Calloberian tiverem saído. — Ele acenou com a cabeça para o teleportador. — Ras, pode ir.
Tschubai voltou-se para o xisrape.
— Você está com medo?
— Não — assegurou Calloberian. — Faço tudo o que for necessário para ajudar esse Roct-Par.
O mutante sorriu, aprovando a resposta.
— Afinal de contas, há muito tempo você já é adulto e um homem — disse ele.
Calloberian ajeitou os seus lobos epidérmicos mais junto de seu corpo magro.
— Acho que há um engo. Eu não sou do sexo masculo.
Rhodan franziu a testa.
— O que significa isso?
— Posso imagar que seja muito difícil para os terros identificar as características sexuais nos alienígenas. A família Chnel também sempre achou que eu fosse um meno.
— E isso não está certo? — presumiu Mart Hung-Chuin.
— Não — confirmou Calloberian. — Ada que tenham me dado um nome masculino, eu sou uma mena.
Boquiabertos, os outros encaravam-na sem acreditar no que ouviam.
— Isso realmente não sabíamos — disse Rhodan. — Considerando esses fatos, você prefere ficar aqui no alojamento?
— Claro que não! Vou com Ras.
Rhodan fez um sinal para o teleportador.
Tschubai pegou um dos bracinhos da xisrape e desmaterializou-se.
— Você esteve o tempo todo com ele... com ela — Rhodan virou-se para Alaska Saedelaere, — e nunca percebeu nada?
— Não — lamentou Alaska. — Também nunca pensei a respeito. Nós conversamos muito pouco sobre o povo xisrape, pois os outros problemas me pareciam mais urgentes.
— Agora, vamos festejar um pouco — anunciou Rhodan. — Os lares devem nos ver bem alegres e animados quando vierem me buscar para a próxima reunião.
— Não consigo imaginar como, nestas circunstâncias, vou conseguir representar toda essa alegria — resmungou Atlan. — Mais difícil ainda vai ser me controlar quando esse finíssimo Hotrenor-Taak aparecer por aqui novamente.
Quando Tschubai e Calloberian se materializaram ao lado de Gucky, o ilt já os aguardava impaciente. Abaixo, na encosta, os robôs lares espalhavam-se cada vez mais e vasculhavam os arredores do campo de batalha.
— Um grupo grande também voou na direção onde imaginamos que está a base secreta do grupo de resistência — relatou Gucky. — Receio que os lares tenham obtido alguma indicação sobre onde podem encontrar Roctin-Par.
— Isso dificulta nossa tarefa — disse Tschubai. — Sugiro que nos teleportemos separadamente até os cumes mais altos e de lá procuremos as rochas brancas.
Gucky concordou. Como Ras Tschubai já havia realizado vários saltos cansativos, agora ele deveria ir sozinho. Gucky levaria a xisrape consigo.
O ilt não perdeu tempo. Assim que ele e Calloberian desapareceram, Tschubai lançou um último olhar lá para baixo no vale onde agora fervilhavam comandos lares. Os homens carregavam grandes aparelhos. Provavelmente procuravam por rastros.
Tschubai sabia que cada minuto a mais naquela região era perigoso. Ele se teleportou para os picos vizinhos.
A região onde foi parar quase não se diferenciava daquela onde estivera há pouco. Contudo, ali não descobriu lares ou robôs.
Após encontrar um lugar propício, pôs-se a procurar por rochas brancas.
Quando resolveu abandonar esse cume e saltar para o próximo, Gucky e Calloberian surgiram ao seu lado.
— Encontrei um grupo de rochas brancas — relatou o ilt, excitado. — Quer dizer, não são brancas, mas sim apenas mais claras do que as que estão à sua volta.
— Você também chegou a ver lares ou robôs?
O ilt sacudiu a cabeça.
— Acho que conseguimos chegar a tempo. Agora temos que encontrar Roctin-Par e salvá-lo antes que os seus inimigos se aproximem.
Juntos, teleportaram-se para a região em que Gucky avistara as rochas claras.
— Bem ali! — Gucky apontava na direção correspondente. — Entre essas rochas, parece que há uma garganta profunda.
— Não sei se o melhor a fazer é nos teleportarmos diretamente para essa garganta — refletiu Tschubai. — Se ali existir uma base da organização de resistência lare, certamente estará protegida pelas mais diversas armas defensivas.
— Você tem razão — concordou Gucky.
Sem que os mutantes esperassem, Calloberian imiscuiu-se na conversa.
— Eu poderia assumir o reconhecimento desse lugar — ofereceu-se ela. — Para mim é fácil plar por cima das monthas e vestigar a gargta do alto.
— Acho que é uma boa solução — disse Ras. — Comece imediatamente, Calloberian.
A xisrape partiu flutuando no ar em direção às rochas. Os dois mutantes seguiram-na com o olhar. Tschubai admirava-se de como Calloberian avançava rapidamente.
Alguns instantes após ter partido, ela já pairava por cima da garganta.
— Você consegue captar os pensamentos dela? — perguntou Ras ao rato-castor.
— Ela ainda não conseguiu descobrir nada que pudesse indicar a presença de uma base, portanto vai descer mais para o fundo da garganta.
Tschubai olhou desconfiado para o amigo.
— Seria melhor ela não fazer isso!
Um barulho do outro lado do maciço desviou a atenção dos dois mutantes. Horrorizado, Tschubai viu algumas centenas de robôs voadores se aproximando, flanqueados por planadores que levavam soldados lares a bordo.
— Eles estão chegando! — gritou Gucky. — Espero que não saibam a localização exata da garganta.
O comando lare se deslocava lentamente, o que levou Tschubai a concluir que o grupo não sabia exatamente onde deveria procurar. Calloberian, que voara mais para o interior da garganta e não conseguia ver os robôs, ainda não se encontrava em perigo.
— Eles devem ter descoberto a existência da base — disse Tschubai contrariado. — Imagino que devem ter feito prisioneiros e arrancado deles as informações. Com tudo o que vimos até agora, não creio que tratem os seus prisioneiros de uma forma muito delicada durante um interrogatório.
Neste momento, Calloberian reapareceu.
Gucky deu um grito de pavor. A xisrape encontrava-se agora no campo visual do comando lare. Calloberian parecia ainda não ter percebido os robôs e os planadores, pois ela acenava com dois bracinhos para chamar a atenção de Gucky e Ras para alguma coisa. Para sorte da xisrape, ela ainda não fora descoberta pelo comando de busca dos lares.
Gucky arriscou tudo. Ele teleportou-se até o local sobre o qual a xisrape pairava, agarrou-a e saltou de volta para o esconderijo entre as rochas. Calloberian ficou surpresa demais para dizer qualquer coisa.
— Acho que mais uma vez tivemos sorte — observou Ras, que não tirava o olho dos inimigos. — A sua intervenção não despertou reação alguma do lado deles. Evidentemente, a atenção deles continua concentrada nas encostas do outro lado.
Gucky dirigiu-se a Calloberian.
— Conseguiu descobrir alguma coisa?
— Ada não sei ao certo — respondeu aquele ser singular. — A gargta é extremamente profunda e está na mais completa escuridão. No entto, meu órgão antigravitacional foi afetado qudo tentei ir mais fundo.
Isso deve ter sido causado por máquas de energia.
— Então a base localiza-se no fundo da garganta! — Tschubai balançava a cabeça, desesperado. — Chegamos tarde demais.
Se tentarmos resgatar Roctin-Par agora, ele vai nos considerar agressores e reagirá de acordo.
Gucky ficou calado. Ele observava o comando de busca, que lentamente, mas sem dúvida nenhuma, se aproximava da garganta.
Com os seus localizadores, os lares, mais cedo ou mais tarde, fariam as mesmas descobertas que a xisrape.
— Podemos nos retirar — disse Ras Tschubai, derrotado. — Aqui não há mais nada a fazer.
— Ainda não, Ras — contradisse Gucky. — Quero ver como as coisas vão se desenrolar.
— Você está contando com um milagre!
— Não, apenas com uma pequena oportunidade.
Tschubai resolveu concordar, uma vez que para eles não havia perigo naquele momento.
Ele não sabia o que o ilt pretendia, mas estava resolvido a impedir uma eventual intervenção suicida.
Nesse meio tempo, os primeiros robôs alcançaram a garganta. De acordo com as expectativas de Ras, eles começaram a sobrevoar a abertura natural entre as rochas.
Os planadores aceleraram e se juntaram aos robôs. Para essa manobra existia apenas uma explicação plausível: os lares haviam encontrado a pista que procuravam. Pelo menos, eles estavam desconfiados.
Os três observadores ocultos tiveram que assistir passivamente aos primeiros robôs descerem para dentro da garganta.
Alguns segundos depois deu-se uma forte explosão. Da garganta subiu uma imensa labareda que ultrapassou o cume da montanha. Pedaços de alguns robôs foram lançados para fora. As outras unidades dos lares recuaram imediatamente e formaram um círculo ao redor da garganta.
— Estão confabulando para ver o que podem fazer — adivinhou Gucky. — Provavelmente, mais cedo ou mais tarde, vão começar a bombardear a base no fundo da garganta. O destino da base e dos seus ocupantes já está traçado.
Tschubai conhecia o ilt há tempo suficiente para saber que aquelas palavras eram mais do que uma constatação; elas podiam ser entendidas como o anúncio de uma decisão já tomada.
Ele olhou para Gucky espantado.
— O que você pretende?
— Vou me teleportar para o interior da estação e tentar salvar alguns dos seus ocupantes.
— Então vamos saltar juntos — exclamou Tschubai.
Gucky não fez objeções. Eles seguraram Calloberian cada um por um lado e se teleportaram.
O salto teve que ser às cegas, o que na atual circunstância não deixava de ser perigoso. Eles chegaram a um salão grande, claramente iluminado. Antes que conseguissem se orientar, o chão onde se encontravam tremeu violentamente.
— Deram início ao bombardeio! — gritou Gucky.
Começou a cair material do teto. Uma parede de energia que estava a cerca de sessenta passos de Gucky desmoronou com um forte rangido. Um lare, que estava em pé do outro lado, foi atingido por uma descarga elétrica e consumido pelas chamas. Parecia que toda a montanha vibrava.
— A estação está desmoronando! — gritou Tschubai. — Precisamos sair daqui!
Ele viu Calloberian sair voando.
— Fique aqui! — gritou.
Mas a xisrape parecia saber exatamente o que estava fazendo. Enquanto os dois mutantes eram ofuscados por raios de energia e mal conseguiam distinguir alguma coisa, o estranho ser atravessava pelo ar o corredor que desmoronava. Tschubai correu atrás dela. Gucky deu um curto salto teleportador e de repente estava diante de Calloberian para detê-la.
A xisrape esticou um dos seus finos bracinhos.
— Ali! — gritou ela agitada. — Um homem!
Tschubai não entendeu de imediato o que ela queria dizer, mas então viu um vulto cambalear em sua direção, saindo de uma parede de fogo. O homem caiu ao chão. Seu traje lançava pequenas labaredas azuladas. O mutante correu até ele e tirou-o da área de perigo.
O rosto do lare estava inchado. O teleportador viu que o homem não sobreviveria aos graves ferimentos. A expressão dos olhos verde-esmeralda revelavam perplexidade. Era evidente que o ataque chegara de forma completamente inesperada.
— Roctin-Par! — gritou Tschubai. — Onde ele está?
Ele esperava que o moribundo à sua frente não fosse o próprio Roctin-Par. Como ele não tinha certeza se o lare conseguia entendê-lo, pronunciou repetidas vezes o nome do líder da resistência.
— Sigam-me! — ele ouviu Calloberian chamando. — Eu sei onde ada tem alguém.
Tschubai lançou um olhar aflito para o moribundo e seguiu Calloberian e o rato-castor.
Uma explosão rompeu a parede lateral, expondo a rocha nua. Calloberian, que planava rente ao chão, foi lançada para longe como uma folha de papel. Contudo, ela se recuperou e retomou a dianteira.
Tschubai e Gucky pularam por cima de uma fenda que se abria transversalmente no chão.
No fundo do salão, eles viram um vulto circundado por uma cobertura de energia.
Um lare! O homem portava uma arma e apontava-a para os três recém-chegados.
— Não atire! — gritou Tschubai, esperando que o outro o entendesse. — Somos terranos e viemos para salvar Roctin-Par.
— Eu sou Roctin-Par — disse o lare.
Ele se aproximou. Neste momento, o teto desabou sobre a base. Escombros caíam por todos os lados. Por alguns segundos, Tschubai perdeu Roctin-Par de vista. Mesmo assim, ele seguiu em sua direção. Gucky ia ao seu lado.
Aí ouviu-se um grito de Calloberian. Ela fora atingida por uma laje e jazia no chão.
— Cuide do lare! — gritou Tschubai para o ilt e curvou-se sobre Calloberian. Ela ainda vivia, mas o seu corpo frágil fora esmagado.
— Ton? — perguntou ela sussurrando.
Tschubai engoliu em seco.
— Não — disse ele. — Sou eu, Ras Tschubai.
— Ton — disse ela, carinhosa. Parecia que não sabia mais onde se encontrava e nem quem estava junto dela.
Tschubai puxou a laje para o lado, mas logo percebeu que não poderia mais ajudar a xisrape.
Seguiram-se mais explosões. Agora o fogo ardia por toda parte. Fumaça e labaredas bloqueavam a visão. De dentro da fumaceira, saíram Gucky e Roctin-Par.
— Calloberian! — gritou Gucky.
— Fique quieto — disse Ras bruscamente.
— Ela não nos entende.
Ele lançou um último olhar para a xisrape agonizante e então fez um sinal para Gucky.
Eles seguraram Roctin-Par pelas mãos e teleportaram-se para fora da base condenada à destruição.
Logo após o pôr-do-sol, dois lares entraram no alojamento dos terranos. Hotrenor-Taak não estava com eles. Os dois homens eram bem mais velhos do que o emissário dos hetossanos. Eles apresentaram-se como Crompanor-Fangk e Hepros-Amtor.
Rhodan se perguntou se eles sabiam que três do seu grupo não estavam presentes.
— Somos juízes adjuntos do Concílio dos Sete — esclareceu Crompanor-Fangk. — Hotrenor-Taak sugeriu que falássemos com o senhor antes que se encontre com os outros membros do Concílio. Ele acha que talvez o senhor tenha perguntas. Além disso, ele gostaria de que o senhor participasse desta conferência bem preparado. Afinal de contas, trata-se da incorporação de sua galáxia natal ao Concílio dos Sete.
Se os dois lares haviam notado a ausência de Gucky, Tschubai e Calloberian, eles deviam tê-la considerado sem importância, pois do contrário teriam feito perguntas.
Mesmo assim, Rhodan ficou inquieto. Ele não sabia o que estava acontecendo nas montanhas naquele momento. Fellmer Lloyd e Gucky poderiam ter estabelecido um contato telepático, mas naquele momento Lloyd não podia informar Rhodan sobre os impulsos que captava.
— O senhor está ausente — afirmou Crompanor-Fangk. — O que o preocupa?
— Várias coisas — respondeu Rhodan, evasivo.
Hepros-Amtor olhou ao redor.
— Fico contente em saber que estão se sentindo em casa — disse ele. — Como posso ver, houve uma grande festa por aqui.
— O senhor tem razão! — falou Rhodan.
— Meus amigos e eu comemoramos a minha nomeação como Primeiro Hetran da nossa galáxia.
Hepros-Amtor sorriu compreensivo.
— Eu não poderia ter imaginado uma razão melhor. — Seu sorriso aprofundou-se ainda mais. — Logo o senhor vai perceber quais são as vantagens de chegar a esta posição.
— Tenho algumas perguntas — falou Rhodan. — Com a incorporação de nossa galáxia, o Concílio mudará de nome?
Os dois lares ficaram estupefatos com a pergunta.
— Como assim? — quis saber por fim Hepros-Amtor.
— Simples: gostaria de saber se, com a incorporação da nossa Galáxia, o Concílio se vê diante da questão de alterar o seu nome para “Hetos dos Oito”.
Os dois lares trocaram um olhar.
— Isso não costuma acontecer — respondeu finalmente Hepros-Amtor.
— Ao Hetos dos Sete pertencem muitas galáxias — complementou o seu acompanhante.
Para Rhodan, essa declaração era uma confirmação indireta das acusações de Peztet contra o Concílio.
Tinha-se, aqui, a união de alguns povos num poderoso bloco que desenvolvera um método especial para subjugar outras galáxias.
Os pensamentos de Rhodan evocavam por Aquilo.
Era aquele o prêmio que receberia após todas as sérias provações por que passara?
Será que Aquilo fora desligado de Anti-Aquilo? Onde você está, Aquilo!, pensou Rhodan, concentrando-se intensamente. Ele ficaria agradecido por qualquer sinal.
Mas não houve nenhuma reação de Aquilo. O ser imaterial não se manifestou.
— Espero, contudo — disse Rhodan para os dois juízes, — que eu, como Primeiro Hetran da Via-Láctea, tenha o direito de fazer determinadas exigências.
— Isso está correto — confirmou Crompanor-Fangk. — O Primeiro Hetran da Via-Láctea não só pode fazer exigências, como também dar ordens. Todavia, isso apenas se refere ao âmbito do seu império. Inicialmente ele terá que se afirmar perante o Concílio dos Sete.
— Entendo — respondeu Rhodan indignado.
Os lares já tinham elaborado um plano de como a Via-Láctea seria incorporada. E os povos da Via-Láctea não seriam levados em consideração nessa incorporação.
Provavelmente levariam a cabo o seu plano mesmo que Rhodan recusasse sua nomeação. O terrano se questionava se todos os povos do Concílio possuíam a mentalidade dos lares. Ele suspeitava de que os lares eram o povo dominante no Hetos dos Sete.
Todavia, era difícil para Rhodan imaginar que sete povos, todos eles sedentos de conquista, pudessem se entender sem conflitos entre si. Quem sabe esse não seria um ponto de partida para futuras ações dos terranos.
Neste momento, pensou Rhodan abatido, ele não sabia o nome dos outros seis integrantes do Concílio nem como manipulavam o seu poder.
Por enquanto, os terranos apenas lidavam com os lares — o que já era suficientemente ruim.
— O senhor tem mais perguntas? — quis saber Crompanor-Fangk.
Rhodan tinha a impressão de que os dois visitantes se entendiam perfeitamente. Hotrenor-Taak escolhera cuidadosamente os seus enviados.
Rhodan acreditava entender cada vez melhor os motivos do lare.
— Não tenho mais perguntas — respondeu ele.
— Mesmo assim, ainda vamos lhe passar mais algumas informações importantes — explicou Hepros-Amtor. — Evidentemente o senhor não se encontrará de imediato com todos os membros do Concílio. Primeiro vamos prepará-lo. Isso quer dizer que o senhor tem muito o que aprender.
Rhodan ficou desconfiado. Estariam os lares planejando submetê-lo a um tipo de lavagem cerebral para moldá-lo de acordo com as vontades deles? Até agora ele não havia pensando em tal possibilidade, contudo as palavras do lare eram ambíguas.
— Estou ciente de que ainda preciso de muitas informações para fazer jus à minha tarefa — disse ele. — Gostaria de saber como pretendem passar todas as informações necessárias no prazo mais curto possível.
— O senhor assistirá a alguns filmes, acompanhará palestras e realizará entrevistas — anunciou Hepros-Amtor. — Com todas as suas capacidades, não será muito difícil adaptar-se rapidamente à nova situação.
Rhodan ficou aliviado. Isso não soava como se quisessem mudar a sua psique. Entretanto, ele não podia confiar nos lares.
Ninguém sabia exatamente o que realmente se escondia por trás daqueles rostos amáveis e sorridentes. Peztet designara os seus semelhantes como “bestas cruéis”. Devia existir uma razão para tal.
— O senhor conhecerá Hetossa — prosseguiu Hepros-Amtor. — Até agora não viu muito deste mundo. Gostaríamos de que se familiarizasse com os costumes dos lares.
— Se entendi bem, os lares serão a nossa ligação com o Concílio dos Sete — falou Rhodan.
Crompanor-Fangk inclinou a cabeça longamente, em sinal de confirmação.
— Os lares assumiram a responsabilidade por sua galáxia. Isso significa que, de um modo geral, o senhor trabalhará em conjunto conosco e sua ligação com o Concílio será Hotrenor-Taak.
— O emissário dos hetossanos é o chefe governante dos lares? — quis saber Atlan.
— Ele é um dos líderes do povo lare — foi a resposta. — Vocês podem se dar por felizes pelo fato de ele estar tratando pessoalmente de seu caso. Hotrenor-Taak tem noções claras sobre a incorporação de sua galáxia.
— Pois esta impressão eu também tenho — disse Atlan secamente.
Hepros-Amtor dirigiu-se para Rhodan.
— Permanece sempre a impressão de que alguns dos seus amigos não concordam com as nossas medidas! — Desta vez desaparecera toda a amabilidade da voz de Hepros-Amtor. — É sua tarefa convencê-los da utilidade de nossos acordos.
— Eu sei — disse Rhodan.
Os cantos da boca do lare tremeram.
— Se for necessário, cuidaremos disso.
— É melhor que deixem isso por minha conta — contrapôs Rhodan calmamente. — Conheço bem os meus amigos e sei exatamente como devo agir. Como Primeiro Hetran da Via-Láctea, espero que os senhores interfiram nas minhas questões apenas se eu assim o solicitar.
Para sua surpresa, nenhum dos dois visitantes lares sentiu-se ofendido com seu tom áspero.
Crompanor-Fangk até expressou uma certa admiração quando disse:
— Hotrenor-Taak tem razão: o senhor é o homem certo para esta difícil tarefa. Ele já nos avisou que não deveríamos provoca-lo.
Rhodan interrompeu.
— Vamos logo ao assunto. Concordo que ainda tenho muito a aprender. Por outro lado, posso imaginar que na minha galáxia as pessoas estão começando a ficar inquietas.
Crompanor-Fangk forçou um sorriso largo, mostrando seus dentes.
— Exatamente — confirmou ele. — As notícias que recebemos não deixam dúvidas.
Rhodan teve a impressão de que Hepros-Amtor lançara um olhar de censura para o seu acompanhante. Evidentemente Crompanor-Fangk falara demais.
Se os lares recebiam notícias da Via-Láctea, isso significava que eles possuíam bases e homens de ligação lá. Provavelmente até existiam espiões lares na Terra.
Esse pensamento era aterrador, mas Rhodan precisava se conformar com a realidade.
— Os senhores vão entender que, sob estas circunstâncias, eu gostaria de retornar o mais rapidamente possível — falou Rhodan. — Quanto mais esperarmos, tanto mais difícil será ter o domínio da situação novamente.
Hepros-Amtor deu uma risada arrogante.
— Para um Primeiro Hetran não existem dificuldades! Ninguém na Galáxia tem condições de se voltar contra nossos interesses comuns.
Para o inferno com você!, pensou Rhodan, furioso. A arrogância do lare provocava-o, mas ele precisava se controlar. Ele sabia que, como Primeiro Hetran, poderia ser trocado. Os lares não hesitariam em escolher um aconense ou um anti para a posição.
Nesse caso, os terranos estariam desligados por completo do centro dos acontecimentos.
Não se podia deixar chegar a isso.
Como Primeiro Hetran, apesar de tudo, Rhodan gozava de uma certa influência. A questão era apenas por quanto tempo ele conseguiria se manter nessa posição. Cedo ou tarde, os lares iriam perceber que ele fazia um jogo duplo.
Antes de chegar a esse ponto, ele já teria que ter descoberto uma alternativa para a adoção de contramedidas. Ele ainda não conseguia imaginar como deveria agir, mas tinha certeza de que o caminho surgiria. Nos primórdios do Império Solar, a Humanidade vencera forças superiores. Naquela época, a relação entre as forças dos saltadores, de um lado, e dos terranos, do outro, apresentava exatamente as mesmas diferenças como agora entre lares e terranos.
Mais uma vez, Rhodan teria que voltar à política de “um passo após o outro” e lançar mão de truques similares aos de então.
Só assim a Humanidade teria uma chance contra os lares.
Crompanor-Fangk e Hepros-Amtor despediram-se e comunicaram que viriam buscar Perry Rhodan na manhã seguinte.
— O senhor então se encontrará novamente com Hotrenor-Taak — disse Hepros-Amtor.
Os dois lares mal haviam saído quando Gucky e Ras Tschubai se materializaram no alojamento dos terranos, trazendo consigo um lare de aspecto cansado.
— Eu havia estabelecido um contato telepático com Fellmer — avisou Gucky. — Por isso eu sabia o momento exato para voltar.
Ele virou-se na direção do desconhecido.
— O nome deste homem é Roctin-Par! Nós o resgatamos da sua base. Ele é um guerrilheiro da resistência.
— Tem certeza de que é ele? — perguntou Atlan, desconfiado.
Roctin-Par esboçou um sorriso.
— Não posso provar nada. Vocês terão que acreditar em mim, e então, quem sabe, restará alguma chance de escaparem do terror do Concílio.
— Onde está Calloberian? — interrompeu Alaska Saedelaere.
Gucky abaixou a cabeça.
— Ela morreu — respondeu ele. — Não conseguimos salvá-la.
Rhodan e Atlan olharam-se consternados.
— Vamos torcer para que os lares se ocupem o menos possível conosco — falou Icho Tolot. — Se perceberem que falta um membro do nosso grupo, vão fazer perguntas desagradáveis.
— Creio que não vão chegar a esse ponto — opinou Atlan. — O interesse dos lares concentra-se em Perry. Quanto a nós, estão nos deixando em paz e nem vão perceber o que aconteceu com Calloberian. E se por acaso realmente perguntarem por ela, vamos desconversar. Diremos simplesmente que ela saiu e não voltou.
— Acho uma boa idéia — aprovou Roctin-Par. — Os lares vão supor que as forças de resistência foram as responsáveis pelo desaparecimento do seu amigo. Mas não creio que vão investigar o seu desaparecimento. Eles se sentem tão seguros no que fazem que nem vão dar atenção ao seu grupo.
Rhodan estava pasmado em ouvir um lare falando dessa maneira. Roctin-Par citava os lares como se eles fossem estranhos. E os regentes de Hetossa pertenciam ao seu próprio povo.
— Agradeço por sua ajuda — prosseguiu Roctin-Par. — Neste momento, não posso pagar a minha dívida, pois preciso cuidar dos meus amigos, que estão todos em perigo.
— Vai nos deixar? — perguntou Rhodan, surpreso.
Ele já havia refletido sobre qual seria a melhor forma de esconder o rebelde.
E agora ele vinha com essa virada repentina.
— Preciso concluir algumas coisas que são necessárias para a proteção da nossa organização de resistência — esclareceu Roctin-Par. — Aconselho-os a não se deixarem enganar pelos lares. O único objetivo do Concílio dos Sete é o completo domínio de sua galáxia natal.
Roctin-Par falou completamente convencido do que dizia.
— Voltarei a entrar em contato com vocês — ele prometeu então. — Se lhes perguntarem alguma coisa sobre os acontecimentos nas montanhas, devem negar tudo.
Ele puxou um pequeno aparelho do bolso e apertou-o entre os dedos. Instantaneamente formou-se uma bolha de energia em volta do lare.
— Tenho que ir! — disse ele.
— Você não tem receio de que possam descobri-lo e matá-lo?
— Tenho! — redargüiu ele. — Mas há coisas mais importantes do que a minha segurança pessoal.
Ele virou-se para a saída, claramente decidido a ignorar as possibilidades de salvar a própria pele.
— Quais são os objetivos da sua organização? — perguntou Atlan apressadamente. — Pelo que você e os seus amigos lutam?
— No momento não existe um objetivo pelo qual pudéssemos lutar, pois a correlação de forças é extremamente desigual para obter resultados decisivos. Por isso, é melhor perguntar contra o que nós lutamos. Isso eu consigo responder. Lutamos contra o Hetos dos Sete e todos os seus membros. Nós os atacamos onde quer que se mostre uma oportunidade. — Ele deu uma risada rouca. — Posso imaginar que vocês estejam desapontados, mas é só isso que temos a oferecer.
Com estas palavras, ele finalmente saiu da sala.
— Devo segui-lo? — perguntou Ras Tschubai.
— Não — opôs-se Rhodan. — Por enquanto, não vamos nos envolver mais neste confronto entre os lares e a oposição militante.
— Esse rapaz parece ser um revolucionário bem consciente — afirmou Atlan. — Pensei que ele fosse falar de liberdade e justiça, mas evidentemente nem ousa pensar nesses conceitos.
— Creio que, para as circunstâncias locais, ele é o tipo correto de revolucionário — disse Gucky. — Ele é o líder de uma organização revolucionária. Quem quiser conseguir algo com isso em Hetossa não pode ser um cabeça de vento.
— Acredita mesmo que ele vai entrar em contato conosco novamente? — perguntou Irmina Kotschistowa.
— Sim — respondeu Rhodan, hesitante.
— Pelo menos, eu espero.
Lá fora já havia escurecido.
O dia seguinte traria a confrontação com o Concílio dos Sete. Para Rhodan, isso não era motivo para ver o futuro com esperança. Pelo menos agora ele possuía em Hetossa algo como um aliado.
Na Terra, existia uma central dos xisrapes. Tratava-se de um escritório bem simples no qual alguns xisrapes procuravam dar conselhos e ensinamentos aos seus semelhantes que viviam na Terra.
Esse escritório localizava-se em Terrânia.
Anton Chinnel teve uma sensação estranha quando dirigiu-se para lá na manhã do dia 23 de janeiro de 3459. Ele havia sido chamado para uma visita.
Um xisrape telefonara para Chinnel e pedira algumas informações sobre Calloberian.
Chinnel quis logo responder, mas o interlocutor preferiu uma entrevista pessoal.
O escritório localizava-se num dos prédios mais antigos das imediações do espaçoporto. A decoração da sala onde entrou era tão espartana que Chinnel se perguntou se ela poderia cumprir alguma função assim. Ali havia sete xisrapes, todos eles representantes adultos desse povo.
Chinnel foi recebido com um cumprimento cordial por um xisrape chamado Koff, que o levou até uma salinha localizada no fundo.
— Perdemos o contato com Calloberi — começou ele sem delongas. — Onde ela está?
— Ela? — repetiu Chinnel, confuso.
— Ah! — fez Koff, desculpando-se. — O problema de sempre: você não sabia que Calloberi era uma mena.
— Não — disse Chinnel. — E também não sei onde ele... ela está agora. Ela partiu por vontade própria, sem deixar informações precisas. Apenas disse que se sentia na obrigação de agradecer aos humanos e que surgira uma oportunidade de fazê-lo.
— Você não tem formações dela?
Chinnel negou, balançando a cabeça. Ele tinha a impressão de que estava sendo submetido a um tipo de interrogatório. Ele ficou irritado. O que aqueles seres queriam com ele?
— Sempre tratei Calloberian muito bem! — retrucou veementemente. — Ela era um membro muito querido da nossa família.
— Você está me terpretdo mal — falou Koff. — Não se trata do que aconteceu com Calloberi enquto vivia com sua família. Sabemos que durte esse período tudo estava em ordem.
— Eu não sei de nada — disse Chinnel.
— Entre todos os xisrapes que vivem num determado mundo existe um tipo de elo energético — explicou Koff. — Assim que esse elo se parte, sabemos que o xisrape morreu ou abdonou o planeta.
— E o elo com Calloberian se rompeu! — adivinhou Chinnel.
— Sim, e isso já há algumas semas. Sistimos nas buscas, mas felizmente foram frutíferas.
— Eu imagino que tenha deixado a Terra numa espaçonave. Ela falou de uma despedida para sempre.
Koff suspirou como um humano. Chinnel perguntava-se inconscientemente se o xisrape à sua frente era um macho ou uma fêmea.
— Você pretende adotar um xisrape novamente?
— Acho que não — respondeu Chinnel.
— O desaparecimento de Calloberian nos afetou demais. Ela deixou um vazio atrás de si. Principalmente para o meu filho, que ainda não se recuperou do acontecido.
— Tes de tudo, lhe pedimos desculpas — falou Koff. — Somente numa entrevista pessoal é que poderíamos constatar a sua idoneidade.
— Ah, é? — disse Chinnel, confuso.
— Pode ser que Calloberi tenha reencontrado a sua mãe — refletiu Koff. — Todavia isso é pouco provável. Acho que temos que nos conformar com a idéia de que ela está morta.
Chinnel perguntou:
— Por que as crianças xisrapes continuam sendo abandonadas por suas mães?
Koff fitou-o pensativo. Ele dava a impressão de que cogitava em confiar um segredo a Chinnel.
— Quem sabe não é uma espécie de sistema de segurça? — disse ele, como se estivesse falando consigo mesmo. — Coloque-se no lugar de um povo que precisa travar uma luta terrível. Para sobreviver, ele venta os truques mais críveis.
A cabeça de Chinnel fervilhava.
— Como, por exemplo, o degredo de crianças para regiões controladas por povos com cuja ajuda eles sabem que podem contar.
— Sim — disse Koff, surpreso com a rapidez das conclusões de Chinnel.
— E quem — perguntou Chinnel — são os inimigos dos xisrapes?
— Não vou lhe dizer mais nada — retrucou Koff. — Aliás, ada tenho que lhe pedir silêncio sobre o que acabou descobrdo aqui. Tenho certeza de que não vai falar nada, pois, afal de contas, você teve uma xisrape como filha.
— Sou apenas um cidadão comum — falou Chinnel. — Todas essas estranhas relações cósmicas me assustam. Contudo, se algum dia precisarem de mim...
— Vamos nos lembrar — prometeu Koff.
Ele flutuou no ar ao lado de Chinnel até o enorme escritório e dali o acompanhou até o poço antigravitacional.
— Obrigado por ter vindo — disse.
WilliamVoltz
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