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A Luta das Quatro Potências / Clark Darlton
A Luta das Quatro Potências / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A Luta das Quatro Potências

 

A única coisa que os detinha era o medo... mas este os fazia ainda mais perigosos.

Comandos terranos, formados por cientistas, soldados, agentes especiais e mutantes, tiveram de sofrer pesadas perdas durante as tentativas de desvendar os segredos dos vermes do pavor. Finalmente quatro homens da USO, o chamado “Corpo de Bombeiros Galáctico”, dirigido pelo Lorde-Almirante Atlan, conseguiu entrar em contato com o jovem verme do pavor do planeta Euhja. Este verme do pavor revelou o segredo de sua espécie e conseguiu que seu povo formasse com os terranos uma aliança contra os blues, seres que dominam um grande reino estelar situado no setor leste da Via Láctea e já chegam a ameaçar a área da Aliança Galáctica.

É bastante estranha a aliança que os terranos celebraram com as monstruosas inteligências do planeta Tombstone. E esta aliança envolve um grande risco.

A gravidade do risco torna-se patente se considerarmos que os vermes do pavor juntamente com seus descendentes, os gafanhotos córneos, privaram certos mundos de toda a vida. No entanto, os donos dos vermes do pavor, os blues, com seu expansionismo, representam um risco bem maior, ou melhor, representam um risco enorme.

É que suas espaçonaves, que possuem blindagens de molkex, não podem ser destruídas — a não ser por algum acaso feliz.

Na construção de seu reino estelar os terranos tiveram muita sorte. Mas em julho de 2.327, quando A Luta das Quatro Potências irrompe em virtude de um terrível mal-entendido, a sorte abandona os terranos...

 

                                               

 

A nave Explorer 5207 tomou a direção do sistema Labin-3. Bem no interior de seu enorme corpo esférico com quinhentos metros de diâmetro, as máquinas do sistema de propulsão começaram a zumbir. As primeiras irrupções ofuscantes de fótons foram saindo dos propulsores de sua protuberância circular. A nave exploradora começou a acelerar.

Acabara de receber um pedido de socorro.

A nave espacial Kostana estava em perigo. Mais que isso, a nave talvez já tivesse sido destruída, se o oficial de rádio da Explorer 5207 tinha ouvido bem. Não havia nenhum registro em fita, porque tudo fora muito rápido.

Enquanto o sistema de pilotagem automática estava armazenando os dados sobre a rota, e os propulsores aceleravam a nave até a mesma atingir uma velocidade próxima à da luz, o Coronel Hiesse voltou a recordar os acontecimentos.

Fora ele quem recomendara o sistema Labin-3 como um mundo desabitado e por isso mesmo apropriado aos fins que tinham em vista. O quarto planeta desse sistema, denominado Trion, parecia ser ideal para receber um verme do pavor. Era completamente desabitado e consistia unicamente em rochas e desertos cheios de pedras.

Concluía-se, deste modo, que a Kostana pousara em Trion, onde descarregara o verme do pavor para que o mesmo pudesse pôr seus ovos e morrer tranqüilamente. Mais tarde a crosta mineral desse mundo morto alimentaria os gafanhotos córneos que sairiam dos ovos, fazendo com que o estranho ciclo vital daquela raça ainda mais estranha não sofresse nenhuma interrupção.

Até ali, tudo bem.

De repente receberam o pedido de socorro.

O oficial de rádio da Explorer 5207 imediatamente avisara o Coronel Hiesse. Este correra para a sala de rádio e pedira que o radiooperador lhe entregasse o bilhete com a mensagem. Nesse bilhete lia-se o seguinte:

 

...sobrevivente contaminado de radiações... ana destruída... atacada por desconhecidos. Possuem... espaçonaves... pousaram neste mundo...

 

Era só.

Mas era mais que suficiente.

...ana...! — Sim, esta era a sílaba final da palavra Kostana. Quanto a isso não havia a menor dúvida. Os desconhecidos haviam pousado em Trion e atacado os terranos, provavelmente de surpresa. Se não fosse assim, o pedido de socorro teria sido irradiado pelo transmissor da nave, e não pelo minicomunicador, cuja potência era muito reduzida.

Hiesse não teve muito tempo para refletir. Uma nave fora atacada, e talvez destruída. Havia sobreviventes. Tinha a obrigação de tomar providências imediatas. Seria impossível expedir um pedido de socorro não codificado em direção ao planeta Terra. Ninguém deveria saber que neste setor da Via Láctea havia naves terranas, pois tratava-se de um setor pertencente aos blues. Estes jamais poderiam descobrir que alguém estava ajudando os vermes do pavor. Para os blues estes seres eram criaturas não-inteligentes, selvagens, que só eram capazes de atos instintivos. Nem desconfiavam da inteligência incrível dos enormes vermes, cujas metamorfoses ontogenéticas eram extremamente complicadas. A essa altura a expedição de uma mensagem de rádio só poderia pôr os blues de sobreaviso.

O Coronel Hiesse resolveu ater-se às ordens terminantes de Rhodan, segundo as quais as mensagens de rádio não codificadas eram proibidas. E nada de mensagens de hiper-rádio. O perigo da localização goniométrica era muito grande.

O pedido de socorro vindo de Trion já representava uma violação da proibição das comunicações pelo rádio, mas Hiesse compreendia perfeitamente que um homem que se encontrava em situação aflitiva pudesse ser levado a desobedecer uma ordem. Provavelmente teria agido da mesma forma. Além disso, teve de repente um sentimento de culpa. Ele mesmo comunicara à Kostana que o sistema Labin-3 era desabitado. Acontece que, segundo se constatara, espaçonaves haviam aparecido por lá. E era quase certo que essas naves provinham do mesmo sistema.

Hiesse sabia que se fizera culpado de negligência. Deveria ter realizado um exame mais minucioso, mas o tempo fora muito escasso. E mais: o último dos três vermes do pavor estava quase morrendo, por isso tinham de encontrar um mundo apropriado. E este mundo fora Trion.

Ao que parecia, haviam incidido num erro trágico.

A Explorer 5207 permaneceu abaixo da velocidade da luz e atravessava velozmente o sistema, em direção ao quarto planeta. O Coronel Hiesse estava decidido a atacar implacavelmente os desconhecidos, não importava quem.

— Acho que deveríamos ir primeiro ao terceiro e ao segundo planetas — disse o Major Garryklu, imediato da 5207. — Se é que existe vida neste sistema, o que em minha opinião é pouco provável, ela vem de lá.

Hiesse teve suas dúvidas.

— Acontece que no quarto planeta, denominado Trion, um grupo de terranos corre perigo de vida. Não podemos perder um segundo que seja. Mais tarde cuidaremos do terceiro e do segundo planetas. Cumpra as ordens que eu lhe dei, major.

Sem dúvida era uma atitude nobre e humanamente compreensível mas, conforme se constataria mais tarde, Hiesse estava cometendo outro erro.

Garryklu ficou indeciso.

— Acho recomendável que ao menos o comandante da Explorer 318 fosse informado. Se a Kostana foi destruída por desconhecidos, dali se conclui que esses desconhecidos têm uma tecnologia superior à nossa. É possível que de repente também nos vejamos numa situação em que precisemos de reforços. Por isso seria conveniente que a 318 soubesse onde nos encontramos.

Hiesse fitou-o e fez um gesto afirmativo.

— É uma boa idéia, se bem que sua execução representa uma violação da proibição de usar o rádio. Usaremos raios direcionais, para que o perigo da localização goniométrica seja reduzido a um mínimo. Quer providenciar isso, major?

Garryklu confirmou com um aceno de cabeça e dirigiu-se à sala de rádio.

Hiesse seguiu-o com os olhos.

Qual fora mesmo a sugestão de seu imediato? Ir em primeiro lugar ao terceiro e ao segundo planetas?

Talvez não fosse má idéia. Não havia dúvida de que um drama se tinha desenrolado no quarto planeta, denominado Trion. Era possível que o socorro chegasse tarde. O homem que transmitira a mensagem, cujo nome fora mutilado, aludira à contaminação por radiações. Provavelmente já estava morto. Ninguém sabia quais os perigos que os esperavam no quarto planeta.

O Coronel Hiesse começou a duvidar de que a decisão de ir diretamente ao planeta Trion fosse a mais acertada. Deveria seguir a recomendação do Major Garryklu? Não deveria tomar as precauções que já deveria ter tomado antes?

O major voltou.

— Estabelecemos contato pelo raio direcional com a Explorer 318, senhor. Avisei o Coronel Griffin Tuchmann sobre os acontecimentos de Trion. Ofereceu auxílio, mas eu lhe disse que o senhor avisaria pelo rádio quando precisasse dele. Ele nos desejou boa sorte.

— É estranho, mas tenho a impressão de que precisaremos disso — resmungou Hiesse e logo acrescentou: — Vamos mudar a rota, major. Trion está atrás do seu sol. Passaremos pelo planeta número três e faremos um exame de rotina de sua estrutura superficial. Se encontrarmos qualquer sinal de vida inteligente...

Hiesse calou-se de repente.

O Major Garryklu já compreendera o que seu comandante queria dizer: se ocorresse a hipótese a que acabara de aludir, Hiesse teria de confessar que o primeiro exame do sistema representara um erro. Neste caso Hiesse seria culpado, ao menos em parte, pela catástrofe que atingira a Kostana.

— A Explorer 318 encontra-se a quatro anos-luz de distância — disse Garryklu.

Hiesse limitou-se a acenar com a cabeça. Suas preocupações eram outras.

O terceiro planeta do sistema apareceu na tela de imagem. Suas camadas de nuvens e a atmosfera cor de safira lembravam a Terra. As massas de terra firme ficavam principalmente ao norte e ao sul do equador. Havia dois grandes continentes, um ao norte e outro ao sul, separados pelo oceano em forma de cinto.

Hiesse começou a admirar-se por não ter percebido tudo isso no primeiro exame, bastante ligeiro, do sistema. A própria semelhança com a Terra deveria ter chamado sua atenção. O terceiro planeta de Labin-3 ficava a uma unidade astronômica de seu sol, tal qual acontecia com a Terra. Dessa forma situava-se na chamada zona de vida. A unidade astronômica era um valor relativo, que variava de sistema para sistema. Dependia da potência do sol e do tamanho dos astros. A unidade astronômica representava a escala de distância mais favorável para o surgimento da vida.

— Altitude dez mil — disse Garryklu, lançando um olhar para os instrumentos. Já reduzira a velocidade, e a Explorer 5207 estava entrando numa órbita. Foi descendo cada vez mais. — Altitude cinco mil.

O terceiro planeta era um mundo habitado.

O Coronel Hiesse baixou a cabeça. Tinha plena consciência de sua culpa. Só havia uma explicação para seu procedimento. Durante a primeira passagem pelo sistema tudo fora muito rápido. Dispunham de pouco tempo, porque havia necessidade de encontrar um mundo apropriado para o verme do pavor.

Os ensaios por robôs estavam sendo realizados. Desta vez foram mais cuidadosos. Além disso as condições eram diferentes.

A nave exploradora continuava a descer.

— Dois mil quilômetros — anunciou o Major Garryklu.

O centro de comando de fogo transmitiu o sinal de alarme prévio. Hiesse ligou o videofone.

— O que houve, Marfitz?

O oficial do centro de controle de fogo apareceu na tela. Havia em seu rosto uma expressão de grande nervosismo. Agitava as mãos e apontava para baixo.

— O planeta está habitado, senhor, e...

— Já sabemos. Mais alguma coisa?

— Dispararam um foguete, senhor. Um projétil teleguiado. Atingirá nossa órbita dentro de dois minutos e quarenta segundos e deverá colidir com nossa nave.

— Fique de sobreaviso, capitão. Aguarde novas ordens. Não faça nada sem me consultar. Entendido?

Marfitz confirmou com um gesto. Empalideceu um pouco.

O Major Garryklu, que ouvira a palestra, tomou suas providências. Ligou as telas de imagem ampliada. A superfície do terceiro planeta parecia correr em direção aos que a observavam.

As estruturas quadráticas das cidades desenhavam-se nas telas. Além disso, apareceram os traços cintilantes que deviam representar algum tipo de linha de comunicação, amplas áreas verdes, montanhas, lagos e pequenas povoações. Tudo estava entremeado de portos espaciais.

— Portos espaciais! — disse Hiesse, surpreso. — Não compreendo como isso nos pode ter escapado no primeiro exame.

— Deixamos que o analisador colhesse seus dados a uma distância de dez milhões de quilômetros — disse Garryklu sem a menor recriminação na voz. — Era tudo uma questão de segundos, senhor.

— Falta um minuto — disse Marfitz, cujo rosto apareceu na tela.

Havia o projétil.

Encontraram-no na tela de imagem ampliada. Era um pequeno ponto cintilante, que se aproximava numa velocidade estonteante. Crescia rapidamente. Era um foguete comprido e esguio. Provavelmente devia ter uma ogiva atômica.

Hiesse sorriu. Comprimiu um botão e ligou o campo energético defensivo. A partir desse instante a nave exploradora ficou isolada do mundo exterior. Nenhuma explosão, por mais violenta que fosse, seria capaz de abalar o envoltório energético que a protegia. Hiesse nem sequer julgou necessário enviar um foguete defensivo ao encontro do atacante, para destruí-lo antes que atingisse o alvo.

O rosto de Marfitz, que continuava na tela, voltou a adquirir sua cor natural.

O foguete e a Explorer 5207 encontraram-se exatamente no ponto de interseção das duas órbitas, previamente calculado. Houve uma terrível detonação. Um lampejo atômico surgiu na tela e voltou a apagar-se. Não aconteceu mais nada. O foguete acabara de ser destruído, enquanto a nave exploradora prosseguia tranqüilamente em sua rota.

Tudo isso demorara apenas alguns segundos.

— Atingiram um estágio avançado de desenvolvimento — disse o Major Garryklu. — Já possuem foguetes com ogivas atômicas. Além disso praticam a navegação espacial. Como serão eles?

Hiesse desligou o campo energético.

— Logo saberemos, quando chegarmos ao quarto planeta. Siga em direção a Trion, major. Está na hora de cuidarmos dos companheiros que se encontram lá.

A Explorer 5207 acelerou e disparou pelo espaço.

O terceiro planeta ficou para trás e foi diminuindo rapidamente.

O segundo foguete teleguiado nunca alcançou seu objetivo.

 

Barel-Kut, comandante da segunda base de Trion, instalada no quarto planeta, estava decidido a destruir os desconhecidos vindos do espaço. Não comandara pessoalmente a luta contra a nave esférica que pousara ali, mas vira que fora fácil surpreender e destruir os desconhecidos. Era um bom sinal.

Ninguém tinha a menor idéia de quem eram eles.

Depois de pesquisas que se desenvolveram durante décadas, finalmente haviam conseguido substituir os primitivos foguetes movidos por combustível líquido por naves espaciais de propulsão nuclear. Aquela descoberta representava o primeiro passo. Era possível alcançar os planetas do sistema sem correr maiores riscos. O quarto planeta foi o primeiro objetivo. Mais tarde poderiam abandonar o sistema e seguir em direção a outras estrelas.

O quarto planeta era desabitado, conforme se esperava. Nele foram descobertos minerais e outros recursos preciosos. Mas antes que sua exploração pudesse ser iniciada, surgiram os desconhecidos vindos do espaço.

Pousaram com sua nave esférica e trouxeram um monstro gigantesco e pavoroso, que instalaram em cavernas no pé das montanhas. Não havia a menor explicação para isso.

Seguiu-se o ataque de surpresa, durante o qual foi destruída a nave dos desconhecidos, apesar das armas superiores de que a mesma dispunha. Os sobreviventes foram localizados e mortos um após o outro, no deserto de pedra.

Barel-Kut suspirou aliviado, mas não teve muito tempo para deleitar-se com a vitória. A estação de rádio da segunda base entrou em contato com ele.

— O que houve?

— Mais uma nave desconhecida foi avistada sobre nosso mundo de origem. Foi atacada, mas conseguiu retirar-se. Os cálculos de rota realizados por nosso computador indicam que vem para cá. Provavelmente quer ir em auxílio dos outros desconhecidos. Quais são suas ordens, senhor?

Barel-Kut pôs-se a refletir:

“Quando chegarem ao planeta, sem dúvida que estarão preparados. Já sabem que o quarto planeta não está desabitado, e o pior: possuem armamentos melhores e sabem defender-se.”

— Todas as bases devem ficar de prontidão — ordenou. — Só atacaremos depois que a nave desconhecida tiver pousado. Ignoraremos qualquer tentativa de contato. Ainda precisamos descobrir por que aquela criatura gigantesca foi descarregada no planeta, pois representa um perigo terrível para nossos comandos de desembarque.

Também será destruída assim que for localizada.

Barel-Kut não se sentiu muito à vontade ao tomar essa decisão, mas não teve alternativa. As condições políticas de seu planeta de origem haviam instilado a desconfiança em sua alma. Desconfiava de tudo, principalmente daquilo que era desconhecido. Sua mente era dominada por preconceitos segundo os quais tudo que não era conhecido era mau e perigoso. Portanto, os desconhecidos que vinham naquela nave espacial só podiam ser maus e perigosos; por isso, para remover o mal, devia-se matar todos eles.

E isso já tinha sido feito.

Mas agora vinha nova leva de desconhecidos.

E para isso só podia haver uma conclusão lógica: esses desconhecidos também deviam ser destruídos.

Logicamente estava certo, mas apesar disso Barel-Kut cometera um engano...

Mandou que o planador de comando o levasse para perto do lugar em que fora destruída a nave dos desconhecidos. A única coisa que restava do veículo espacial era uma gigantesca cratera. Esta fora aberta menos pelas armas de superfície que pela explosão que se verificara no interior da nave. Quantidades enormes de energia deviam ter sido liberadas com a mesma. O fundo da cratera ainda estava incandescente.

Barel-Kut e seus subordinados ficaram à espreita. Avisou as outras bases e mandou que ficassem de prontidão. Os desconhecidos seriam atacados implacavelmente assim que tivessem pousado no planeta.

Barel-Kut não sabia da existência dos campos defensivos energéticos. Em seu mundo de origem não havia ninguém que escrevesse livros de ficção científica...

 

O Coronel Hiesse observava as telas de imagem, enquanto a Explorer 5207 se aproximava do quarto planeta.

Os sistemas de interpretação estavam funcionando.

Durante a primeira órbita que a nave descreveu, não se descobriu o menor sinal da Kostana. Finalmente o Major Garryklu descobriu a cratera aberta no deserto de pedra que se estendia à frente da cadeia de montanhas.

— Ali, sir! Está vendo o nível de radiações? Só pode ser...

— Quer dizer que só pode ser a Kostana? Será que foi totalmente destruída, a ponto de formar uma cratera?

Hiesse preferiu nem pensar na possibilidade de que algum dia pudesse ser acusado de ter causado a destruição da Kostana. Sua mente estava ocupada em evitar um segundo erro.

— Quem é o inimigo? Onde está ele? Será que o quarto planeta está habitado?

— Em Trion existem inteligências desconhecidas, senhor. Isto está plenamente provado.

— Acontece que estas inteligências vieram do terceiro planeta. Descobriram a navegação espacial e fizeram expedições. Quando a Kostana apareceu, devem ter entrado em pânico. Atacaram nossos companheiros e conseguiram surpreendê-los. Só assim se explica a destruição da Kostana.

— Quer dizer que não acredita na superioridade técnica do inimigo?

— De forma alguma, senhor. A cratera não prova nada. Talvez tenha sido produzida pela explosão dos propulsores e não pela ação das armas inimigas. Vimos a civilização reinante no terceiro planeta. Está trezentos anos atrás da nossa. Se quiséssemos, poderíamos destruir o quarto e o terceiro planetas, sem que seus ocupantes tivessem qualquer possibilidade de defesa. A Kostana também poderia tê-lo feito, mas não teve tempo. Seus tripulantes foram surpreendidos. A nós isso não deve acontecer, senhor.

— Não nos acontecerá — disse Hiesse num tom mais áspero do que pretendia. — Pousaremos ao lado da cratera e faremos com que os assassinos dos tripulantes da Kostana prestem contas de seus atos. Agiremos com a mesma frieza com que eles agiram.

— Segundo as normas que regem o pouso em mundos habitados...

— Pelo que o senhor mesmo diz, este mundo não é habitado. Trata-se apenas do destino dos primeiros astronautas de uma raça que ainda não conhecemos, e que agiu com uma brutalidade inexplicável. Se necessário, retribuiremos com uma ação implacável. Acho que o Administrador Geral estaria de acordo com isto.

— Fica a seu critério, senhor.

O oficial do centro de controle de armamentos falou. Face ao regime de prontidão, mantinha contato ininterrupto com a sala de comando, pelo videofone.

— Tenho uma sugestão, senhor.

— Fale, Marfitz.

— Minha sugestão é melhor, senhor — principiou o capitão.

Hiesse fez um esforço para controlar-se. Não gostava muito de seu oficial de armas, mas afinal não pudera escolher os tripulantes de sua nave. Marfitz subira a bordo como matemático, e no momento estava desempenhando a segunda função para a qual tinha qualificações, que era a de oficial de armas. Muitas vezes suas sugestões eram boas, mas outras vezes eram impossíveis. Não tinham lógica, mas nem sempre o raciocínio tático baseava-se na lógica.

— Quer dizer que tem uma sugestão melhor? Ouçamos!

— Poderíamos soltar uma bomba atômica, senhor.

Hiesse fitou Marfitz e sacudiu a cabeça.

— O senhor é matemático. Basta calcular o que aconteceria. Além disso, o verme do pavor seria destruído.

Marfitz recuou da tela. Parecia ofendido. Costumava ofender-se, mesmo que seu interlocutor tivesse razão. Ou talvez justamente por causa disso.

— Cuide da operação de pouso, major — disse Hiesse, dirigindo-se a Garryklu. — Temos de pousar rapidamente e de surpresa. Deixe os campos defensivos ligados. As peças de artilharia ficarão em regime de prontidão. Organizarei um comando de desembarque. O senhor assumirá o comando da nave e não sairá dela enquanto eu não der ordem. Entendido?

— Entendido, senhor. O senhor transmitirá o sinal?

— Quando eu der o sinal, o senhor deve desligar o campo defensivo por dez segundos. Não pode haver nenhuma falha — acenou com a cabeça. — Confio em sua cobertura de fogo.

O planeta já estava bem mais perto.

Não havia nada de novo em sua superfície. Só montanhas peladas e desertos cheios de pedras, que se estendiam a perder de vista. Era um mundo sem nenhum incentivo material, a não ser talvez por alguns depósitos minerais. Não parecia valer o sacrifício de uma única vida humana.

A cratera abria-se ao pé de uma cadeia de montanhas de cinco mil metros de altura. Viram-se os primeiros sinais de uma vegetação primitiva. Eram plantas semelhantes a samambaias, não muito altas e de folhagem pouco abundante. Foi a única flora que conseguiram descobrir. Os desertos de areia lembravam os antigos desertos do planeta Marte, pertencente ao Sistema Solar.

A Explorer 5207 pousou junto à cratera.

— Se fosse o senhor, mandaria desembarcar em primeiro lugar um grupo de robôs. Ainda não se sabe quem é o inimigo, qual é sua força e se ele nos atacará.

— Conhecemos o inimigo — objetou Hiesse, que desejava reparar seus erros, fossem quais fossem as circunstâncias. — Tendo o senhor e a nave atrás de mim, nada me poderá acontecer. Se formos atacados, agiremos em legítima defesa.

O Tenente Jones e os outros homens escolhidos para participar do comando de desembarque já estavam à espera na eclusa. Jones era um homem esbelto, de cabelos escuros e uma expressão decidida no rosto. Tinha dois desintegradores presos ao cinto e segurava um terceiro na mão.

— Quer oferecer um fogo de artifício? — perguntou Hiesse.

— Se quero! Conhece um meio melhor de vingar a Kostana?

Hiesse abanou a cabeça, mas não fez nenhum comentário. Comprimiu o botão do videofone.

— Pronto, Garryklu?

O imediato levantou as mãos.

— Dentro de exatamente um minuto desligarei o campo por dez segundos. Faço votos de que seja suficiente. Quantas pessoas irão, senhor?

— Dez, comigo. Ainda não há sinal do inimigo?

— Tudo quieto e vazio. Só vejo a cratera. Há algumas cavernas escavadas na rocha. É possível que estejam lá dentro.

— Lá dentro só deve estar o verme do pavor. Faltam trinta segundos...

A eclusa abriu-se. Hiesse viu o deserto vermelho e a rocha da montanha próxima. Acima dessa montanha estendia-se um azul-escuro. O frio penetrou na eclusa. O ar do planeta continha menos oxigênio que a atmosfera do planeta Terra. Os dez homens do comando carregavam aparelhos respiratórios leves, que poderiam ser usados a qualquer momento. Se o ar fosse muito escasso, bastaria colocar uma mangueira. Se fizessem um grande esforço, isso poderia tornar-se necessário.

Os homens atravessaram apressadamente a zona crítica. A barreira energética voltou a fechar-se atrás deles. Essa barreira protegia a nave. Um efeito polarizador artificialmente criado permitia que os raios energéticos a atravessassem de dentro para fora. A nave poderia atirar, mas nunca seria atingida.

Uma antena especial que sobressaía da abóbada energética possibilitava a comunicação entre o Coronel Hiesse e o imediato que permanecera na nave.

— Pelo que vejo daqui, o planeta está vazio, senhor. Não observei nada de extraordinário.

— Não deixe que as aparências o enganem, major. A força dos trionenses — e vamos continuar a chamá-los por este nome — está na capacidade deles usarem o fator surpresa. Estou certo de que aparecerão de repente e atacarão. Não sei com quê, mas se nossos instrumentos não se enganam, também atacarão com bombas atômicas, já que detectamos a presença de radiações.

— Bombas atômicas?

— Isso mesmo. Não viu os funis de superfície vitrificada durante o pouso?

— E possível que estes funis tenham sido produzidos pelas armas da Kostana.

— Neste caso a nave dificilmente teria sido destruída, pois a evolução dos trionenses ainda não chegou a este ponto. Tenho certeza de que possuem armas atômicas e atacarão com elas. Sua reação deve ser adequada. Rechace os ataques. Entendido?

O Tenente Jones, que fora incumbido do comando do grupo especial, apontou na direção das montanhas.

— Os trionenses devem estar escondidos por lá. As montanhas oferecem um excelente esconderijo e são o melhor ponto de partida para um ataque de surpresa.

— São dois quilômetros. Pretende atravessar o terreno aberto a pé? Deveríamos ter trazido trajes de combate.

O terreno ia baixando para a direita. Um vale estreito penetrava nos contrafortes relativamente baixos das montanhas. Samambaias cresciam no chão úmido. Mais ao fundo via-se uma depressão circular muito grande, cercada de rochas altas.

— Vamos entrar ali. Os trionenses podem estar aqui ou a dois quilômetros de distância. Alô Major Garryklu, acompanhe nossa rota com o rastreador de relevo. Siga nossas indicações. Se formos atacados, envie um tanque voador.

— Entendido, senhor.

O grupo do Coronel Hiesse não foi atacado.

Os planos dos trionenses eram outros: atacar a Explorer 5207, e também o verme do pavor!...

 

Barel-Kut dividiu suas forças em dois grupos. Um deles saiu à procura do monstro apavorante que se escondera nas cavernas, enquanto o outro atacaria a nave que acabara de pousar.

Barel-Kut pertencia ao segundo grupo.

Dirigiu a operação.

A história desta operação não é comprida, graças principalmente à confiança dos trionenses e à vigilância do Major Garryklu. Mas acontece ainda que, depois da primeira operação bem-sucedida, os trionenses subestimaram os terranos.

Barel-Kut aproveitou o terreno excelente para chegar o mais perto possível da Explorer 5207. Os lança-foguetes atômicos, que ficaram mais para trás, aguardavam o sinal para entrar em ação. Um sinal transmitido pelo rádio seria suficiente para desencadear as fúrias do inferno.

Barel-Kut e seus homens cercaram a nave. Não sabiam se sua presença tinha sido notada, mas quando viram que nada acontecia, tomaram posição numa depressão do terreno e puseram-se a esperar. Viram dez terranos saírem da nave e avançarem em direção às montanhas. Barel-Kut pensou em fechar-lhes o caminho e destruí-los, mas resolveu não molestá-los. Não agiu deste modo por causa de um caráter nobre, e sim seguindo uma reflexão lógica: uma vez destruída a nave, seria fácil enfrentar os dez terranos.

Dessa forma, o Coronel Hiesse não desconfiou de nada quando passou a quinhentos metros dos trionenses e desapareceu no vale juntamente com seu grupo. E muito menos desconfiou de que no interior do vale enfrentaria um inimigo muito mais perigoso.

Barel-Kut esperou mais trinta minutos antes de transmitir o sinal combinado para as posições de artilharia. Os artilheiros comprimiram os botões de disparo. Dali a alguns segundos a Explorer 5207 foi envolvida por uma abóbada de granadas atômicas que explodiam, mas não poderiam causar nenhum dano. Apenas reforçaram as radiações daninhas daquele planeta, que de repente se transformara num cruel centro de combates.

Não havia ninguém que esclarecesse o mal-entendido.

Barel-Kut não pôde deixar de notar que os desconhecidos possuíam alguma coisa que ele não sabia muito bem o que era. Uma abóbada energética, que as bombas atômicas não podiam abalar, cobria e protegia a nave.

E não foi só.

A nave esférica respondeu ao fogo.

Os raios energéticos passaram pouco acima dos trionenses que se mantinham escondidos, abrindo caminho para o alvo situado nas montanhas distantes. O dispositivo positrônico de defesa da Explorer 5207, frio e desalmado, destruiu o foco de perigo num só golpe.

Barel-Kut estava no seu abrigo. Não via o que estava acontecendo nas posições de artilharia, mas a comunicação com as mesmas foi interrompida subitamente. Não viu nenhum cogumelo atômico. O resto era fácil de deduzir.

Nestas condições seria uma loucura tentar atacar a nave desconhecida. Fez sinal para que seu grupo se retirasse.

Os instrumentos rastreadores da Explorer 5207 assinalaram sua presença.

Apesar disso a sorte voltou a favorecê-los.

Foi o único que conseguiu fugir. Conseguiu fugir para o vale em cujo interior o Coronel Hiesse acabara de penetrar.

 

Mol-Dar comandava o outro grupo. Ele mesmo vira os desconhecidos levarem o monstruoso verme do pavor para as montanhas em que havia grandes cavernas, e o monstro desaparecera no interior de uma delas.

Era claro que os trionenses não sabiam o que era um verme do pavor. Não faziam a menor idéia do perigo que realmente representava, mas também não desconfiavam de sua disposição de colaborar com os humanos. E o verme do pavor não sabia distinguir entre um ser humano e um trionense, porque ambos pertenciam à raça dos humanóides. Para o verme do pavor todo trionense era um terrano. Via nele um amigo. Eles o tinham trazido para cá, a fim de que pudesse pôr seus ovos. Mais tarde, quando os gafanhotos córneos tivessem saído cada um dos seus casulos para transformar-se em outros vermes do pavor, eles voltariam para levar os jovens animais para Tombstone.

Mol-Dar e seu grupo aproximaram-se do paredão, passando por uma vala aberta do terreno. Sabia que dependia exclusivamente de si mesmo: não poderia contar com qualquer espécie de auxílio. Barel-Kut estaria ocupado no ataque à nave desconhecida e na eliminação de seus tripulantes.

Os desconhecidos eram criaturas iguais a eles. Era um fato espantoso, que levara Mol-Dar a pensar bastante. Quando finalmente haviam conseguido sair de seu planeta e chegar a um mundo vizinho, ali só conseguiram encontrar seres humanos. Não havia dúvida de que os mesmos não vinham de seu sistema solar. Talvez tivesse sido um erro atacá-los e destruí-los sem aviso. Acontece que o aparecimento do monstro terrível influíra em sua decisão. Além disso Mol-Dar não era responsável pelo que acontecera, pois apenas tinha cumprido ordens.

Desta vez recebera ordens para localizar e matar o monstro.

Nem desconfiava no que ele se metera.

A vala ia se alargando, transformando-se num vale baixo. O paredão íngreme com as cavernas foi-se aproximando. Mol-Dar não sabia qual era a caverna certa. Só lhe restava revistá-las uma após a outra.

Bem ao longe rugiram as detonações de granadas atômicas de tamanho médio. O ataque à nave começara. Mol-Dar não se Preocupou com isso. Penetrou na primeira caverna com seu grupo, sem deixar uma sentinela postada na entrada.

As paredes eram lisas e uniformes. Não Poderiam ter sido criadas pela natureza. Em alguns lugares viam-se restos de rocha derretida. Mol-Dar acreditava que o corredor se formara em virtude de influências vulcânicas, pois não conseguia imaginar que alguém pudesse ter interesse em criar uma caverna artificial.

Quando os marca-passos indicaram que já tinham penetrado mais de cem metros no labirinto, Mol-Dar mandou que parassem. Tinha a impressão de que haviam andado em círculo. Os instrumentos eletrônicos não estavam funcionando. Além disso era impossível estabelecer contato pelo rádio com o outro grupo, e nem sequer conseguiram entrar em contato com o centro de comando. De repente Mol-Dar viu-se completamente isolado.

Os rostos perplexos de seus homens fizeram com que se lembrasse de sua responsabilidade. A iniciativa era exclusivamente dele. Cabia-lhe dar as ordens.

O que fazer?

— O monstro deve estar aqui — disse com a voz firme. — Precisamos encontrá-lo! Os desconhecidos trouxeram-no para o quarto planeta. Devem ter tido seus motivos. Se matarmos o monstro, estragaremos seus planos, sejam lá quais forem.

— Os desconhecidos vieram das estrelas — disse um dos trionenses.

Mol-Dar fitou-o. À luz das lâmpadas os rostos pareciam ter uma palidez assustadora.

— E daí? É possível que nossos antepassados também tenham vindo das estrelas. Gin-Dor, você sabe que nossos cientistas supõem que algo como isso tenha acontecido. Nossas origens estão ocultas nas trevas dos tempos. Ninguém as conhece. Mas pelo que se diz, nossos antepassados desceram do céu. Quem sabe se não foram astronautas?

Mol-Dar nem desconfiava de que não estava longe da verdade, embora os antepassados de sua raça não tivessem sido propriamente astronautas. Os trionenses eram descendentes de aconenses mal encaminhados. Este povo usara gigantescos transmissores de matéria para colonizar essa parte da Via Láctea. Alguns desses transmissores entraram em pane, o que fez com que os colonos se vissem separados de suas fontes de suprimento. Regrediram a um estágio primitivo de sua evolução e tiveram de começar tudo de novo. Levaram alguns milênios para redescobrir a navegação espacial. E agora, que estavam dando os primeiros passos nessa direção, encontravam-se com seres estranhos e transformavam-se em vítimas de sua própria ideologia política.

— Você acredita nas teorias dos nossos sábios?

— Por que não haveria de acreditar? Pois o encontro com estes desconhecidos não é a melhor prova de que não somos as únicas inteligências do cosmos? Mal conseguimos dar o salto que nos leva a um mundo vizinho, e já nos encontramos com outros astronautas. A Via Láctea está cheia deles.

— Por que os combatemos, em vez de procurar entender-nos com eles?

Mol-Dar fitou Gin-Dor. Parecia estupefato.

— Procurar um entendimento? Com os desconhecidos? Por quê?

— Seu pensamento se move nas trilhas estreitas traçadas por certos políticos, para os quais só a luta é um sinal de energia individual, não a vontade de viver em paz. Devo confessar que as condições reinantes em nosso mundo muitas vezes induzem este tipo de pensamento, mas por que não haveríamos de fazer uma revisão no mesmo? Não foram os desconhecidos que deram início à luta. Atiramos em primeiro lugar.

— Foi apenas por precaução.

— Está certo, Mol-Dar. Pode ter sido por precaução. Mas para mim foi um procedimento tolo e preconceituoso. E agora estamos num aperto.

— Barel-Kut destruirá a nave inimiga.

— E daí? Já é a segunda. Sabe lá quantas naves dos desconhecidos estão esperando lá entre as estrelas? Eles se vingarão. Voltarão para atacar nosso mundo. Talvez até o destruam. Não sabemos se são superiores a nós, mas suponho que sim.

— Como se explica então que destruímos sua nave?

— Foi por acaso. Pegamo-los de surpresa. Não contavam com a possibilidade de que alguém os atacasse neste mundo. Mol-Dar fez um gesto de pouco caso.

— Basta. Falaremos sobre isso mais tarde. Primeiro precisamos descobrir o monstro.

Gin-Dor pôs-se a refletir.

— É possível que esse monstro nem seja um monstro — disse. — Talvez só pareça. Não concordei em que fosse atacado. Os estranhos devem ter pensado em alguma coisa quando o trouxeram para cá. Acho que antes de mais nada deveríamos entrar em contato com ele.

Mol-Dar começou a desconfiar de que os argumentos de Gin-Dor tinham sua base. Sentiu que apenas reforçavam suas próprias dúvidas. Contrariando a própria convicção, disse:

— Este monstro não pode ter sido trazido aqui para uma finalidade boa. Este planeta pertence ao nosso sistema. Os desconhecidos não deveriam ter vindo. Se querem usar o monstro em alguma experiência, deveriam ter-nos consultado.

— Nós não lhes demos oportunidade — disse Gin-Dor, apontando para o corredor que se estendia à sua frente. — Vamos andando. Estamos perdendo tempo.

Mol-Dar fez que sim.

Depois de uma curva o corredor alargou-se, transformando-se numa espaçosa caverna. O teto era mais alto. Havia nichos cavados nas paredes laterais. Nesses nichos viam-se objetos brilhantes em forma de vagem com doze centímetros de comprimento. Nenhum dos trionenses desconfiava de que essas vagens eram os ovos do verme do pavor, dos quais um dia sairiam os terríveis gafanhotos córneos para devorar tudo que havia no quarto planeta. — O que é isso?

Antes que alguém pudesse manifestar sua opinião, ouviu-se um ruído vindo do lado oposto da caverna, onde a mesma voltava a estreitar-se.

Os trionenses dirigiram seus holofotes para o lugar de onde vinha o ruído.

Era o verme do pavor que, rastejando, voltava à caverna!

 

O Coronel Hiesse e os dez homens de seu grupo souberam por intermédio do Major Garryklu do ataque frustrado dos trionenses e da destruição dos mesmos. Isso confirmava a tese do comandante, segundo a qual a Kostana só fora destruída por acaso. A tecnologia dos trionenses era inferior à dos terranos; quanto a isso não havia a menor dúvida. Devia haver um meio de derrotá-los numa ação súbita.

Ouviram o ruído de fogo de metralhadora vindo de algum lugar de trás, no terreno irregular. Alguns grupos deviam ter escapado ao fogo destrutivo da nave exploradora e resolvera bombardear o envoltório energético da nave com suas armas primitivas.

O Major Garryklu voltou a chamar.

— Fiz sair um grupo de choque, senhor. É comandado pelo Capitão Marfitz. Ele pretende localizar e desarmar os últimos inimigos.

— Logo Marfitz! — resmungou Hiesse, — Então é por isso que estão abrindo fogo.

— Tivemos contato com o inimigo, senhor. Onde está neste momento?

— Num vale próximo às montanhas. Por enquanto não vimos nenhum trionense. Poderia enviar um planador para a atmosfera, a fim de que tenhamos uma visão melhor?

— Um observador? Tudo bem, senhor. Também servirá para nós. Mais alguma ordem?

— Aja segundo seu critério e conforme as circunstâncias de cada situação. Resolvi Pôr ordem neste planeta, na medida em que isso é possível. De qualquer maneira, não Podemos permitir que um único trionense fique aqui. Quando os gafanhotos córneos saírem dos ovos, não deve haver ninguém neste planeta. Um único gafanhoto córneo Pode ser um desastre para o terceiro planeta. Ele se multiplica por simples divisão e destrói todas as formas de vida. Se destruirmos as naves dos trionenses que se encontram neste planeta, até lhes estaremos fazendo um favor. Mas como fazê-los compreender isso?

— O planador está saindo, senhor — disse Garryklu depois de algum tempo. — Ficarei em contato com o senhor.

O piloto do planador informou o Coronel Hiesse de que o mesmo estava sendo perseguido por um único trionense.

Então o coronel resolveu prender o trionense.

 

Barel-Kut ainda não se recuperara do choque.

Vira com os próprios olhos as bombas atômicas estourarem sobre o campo energético da nave esférica desconhecida, sem produzir o menor dano. Logo depois os raios da morte ofuscantes passaram por cima dele e de seus companheiros e destruíram as posições de artilharia.

Finalmente chegara a destruição para seu grupo. Ele fora o único que conseguira escapar. Completamente atordoado de susto, saíra correndo, encontrara o vale e perdera a nave de vista. Procurou estabelecer contato pelo rádio com seus chefes, mas ninguém respondeu aos seus chamados.

O barulho infernal da batalha energética que se desenvolvia atrás dele foi diminuindo, até cessar de vez. Sentiu-se só e abandonado. Era possível que todas as estações de rádio tivessem deixado de funcionar. Mas não era possível que as naves e bases de seu povo tivessem sido destruídas.

Submeteu seu pequeno rádio a um ligeiro exame e soltou um suspiro de alívio. O aparelho fora danificado; não estava funcionando. Concluiu que ainda havia uma esperança. Seu destino pessoal não tinha a menor importância, quando o futuro de sua raça estava em jogo.

Apesar disso Barel-Kut queria sobreviver.

Só lhe restava continuar a caminhar pelo vale. Em hipótese alguma poderia voltar. Os desconhecidos o descobririam e o matariam. Pelas experiências que já fizera, não esperava nenhuma compaixão. Talvez encontrasse Mol-Dar e seus homens, se continuasse a andar. Certamente o vale terminava junto à montanha.

Não teve mais tanto cuidado para proteger-se, pois no lugar em que se encontrava sentia-se seguro. De ambos os lados os paredões de rocha subiam ingrememente. No fundo do vale cresciam samambaias e musgos densos. Por certo as raízes extraíam a umidade das profundezas do solo árido. Grandes blocos de pedra espalhavam-se por todos os lados. O céu azul-escuro cobria o planeta que os trionenses conheciam há séculos como uma estrela brilhante, e que recentemente se transformara no destino de suas primeiras viagens espaciais.

O vale alargou-se. As encostas tornaram-se menos íngremes. Mais adiante as montanhas pareciam fechar a saída do vale. Subiam ao céu como se fossem uma gigantesca muralha.

Barel-Kut sabia que lá adiante ficavam as cavernas. Em uma delas estava escondido o monstro trazido pelos desconhecidos. O grupo de Mol-Dar devia estar por lá. Se conseguisse encontrá-lo antes que fosse tarde, estaria salvo.

Teve dificuldade em orientar-se. Isso não fazia mal, porque de qualquer maneira só podia seguir numa direção. Mas quando o vale começou a alargar-se ainda mais, teve dificuldade em encontrar o caminho mais fácil. Muitas vezes teve de voltar para encontrar uma passagem melhor.

De repente viu um trecho mais longo, que não oferecia a menor proteção. O solo estava coberto de pedrinhas. Barel-Kut não perdeu tempo. Precisava chegar à montanha. Continuou a andar.

E correu para dentro da armadilha que lhe fora preparada.

De repente viu feixes de luz em torno dele. Os raios energéticos das armas inimigas superiores às suas vinham de todos os lados e penetravam na rocha. Criaram valas fumegantes de matéria em ebulição. Valas que o cercavam, percebeu Barel-Kut imediatamente.

Eles o queriam vivo!

Atirou-se numa depressão baixa, que quase não oferecia nenhuma proteção, e tirou a arma do cinto. Tratava-se de uma pistola automática que continha cinqüenta projéteis com cargas explosivas.

E tinha mais um pente de balas de reserva.

Era fácil seguir o caminho dos raios energéticos. Barel-Kut fez pontaria para o ponto de partida de um deles e puxou o gatilho. Uma salva de dez ou quinze projéteis detonou numa pequena rocha e reduziu-a a pedaços. O raio apagou-se.

O primeiro pente de balas foi gasto e o trionense substituiu-o por outro. Já colocara fora de ação três das armas energéticas do inimigo. Tão depressa não o agarrariam — e muito menos vivo!

O círculo borbulhante tornava-se cada vez mais apertado e as frestas foram fechadas, o calor estava ficando insuportável. Barel-Kut teve certeza de que estava preso numa armadilha. Se quisessem, poderiam matá-lo. Por que não o faziam?

Conseguiu liquidar mais dois desconhecidos com os projéteis e atirou fora a arma que se tornara inútil. A mesma caiu dentro dos raios energéticos que incidiam obliquamente e evaporou-se imediatamente. Barel-Kut estremeceu e reconheceu que sua raça cometera um erro terrível ao atacar a nave desconhecida.

Será que havia um meio de modificar o passado para anular um erro?

Levantou-se devagar e ficou de pé no centro do círculo formado pela rocha borbulhante. Era um alvo fácil para os inimigos desconhecidos. Deu-se conta de que não conseguiria escapar. Poderiam matá-lo. E acabariam por fazê-lo, se quisessem.

Os raios energéticos apagaram-se. A rocha foi endurecendo e o chão da vala tornou-se firme.

Viu movimentos atrás da rocha. Vários vultos humanos saíram de seus abrigos e aproximaram-se. Eram cinco ao todo. Sua contagem fora correta. Matara metade deles. Dificilmente poderia esperar compaixão daqueles que restavam.

Esperou que chegassem mais perto, saltou por cima da vala e foi ao encontro do grupo.

 

O verme do pavor sentiu que o fim estava próximo.

Estava na hora de pôr os ovos que restavam. Mas não encontrou a paz necessária para concentrar-se nesta tarefa. Os terranos o perturbavam. No início fora a terrível batalha energética, cujo resultado lhe era desconhecido. Por que esses terranos brigavam entre si? Qual seria a causa do conflito?

A luta já estava começando de novo!

Sentiu a proximidade dos humanos, mas não tinha a menor idéia de que havia uma diferença entre os trionenses e os terranos. Voltaram para perturbá-lo. Desta vez não seria tão complacente. Mostraria a eles que um contrato existe para ser cumprido. Era verdade que eles o haviam deixado neste planeta, mas, além disso, deveriam permitir que tivesse a paz necessária para pôr seus ovos e morrer, cumprindo o ciclo natural de todo verme do pavor.

Haviam penetrado na caverna. Estavam no lugar em que se encontravam seus ovos.

O que queriam?

Fez uma pergunta, mas não obteve nenhuma resposta. Os trionenses não possuíam conversores de símbolos.

Diante do silêncio, o verme do pavor estranhou ainda mais o procedimento dos terranos. Foi avançando lentamente pelos corredores, em direção à caverna. Não havia muito lugar e seria impossível virar-se. Não poderia voltar para trás.

Entrou na caverna e avistou os terranos.

Voltou a perguntar o que estavam fazendo por lá. A resposta deixou-o assustado.

Então abriram fogo contra ele...

No primeiro instante o verme do pavor não pôde esboçar a menor reação, de tão perplexo que ficou. Os projéteis bateram em sua pele invulnerável e explodiram. Não se importou com os estilhaços, pois os mesmos só feriam os trionenses. Dois deles caíram ao chão com um gemido e ficaram imóveis. Os outros bateram em retirada.

O verme do pavor recuperou-se do choque. Sentiu-se dominado por uma terrível raiva por causa da traição de que fora vítima. A energia armazenada em seu corpo descarregou-se num único lampejo saído de sua boca. O raio mortífero perseguiu os trionenses. Os que vinham atrás foram atingidos e morreram imediatamente. Mol-Dar e Gin-Dor foram os únicos que escaparam. Chegaram à entrada da caverna, ofegantes e estupefatos.

A experiência por que passaram não os deixaram nada tranqüilos.

Viram Barel-Kut caminhar em direção às montanhas, cercado por um grupo de estranhos.

Atrás de si ouviram o barulho rastejante do verme do pavor que se aproximava.

— Devemos render-nos — cochichou Gin-Dor, apavorado. — É a única possibilidade de sairmos vivos daqui. Além disso já agarraram Barel-Kut. Talvez consigamos conversar com eles.

Mol-Dar segurava firmemente a arma.

— Eles nos matarão.

— O monstro que vem ali atrás nos matará. Não temos alternativa. É preferível ficar com os estranhos... Quem sabe se não nos pouparão?

Antes que Mol-Dar pudesse responder, alguém lhes tirou o peso da decisão. Os estranhos notaram sua presença, e o verme do pavor apareceu atrás de suas costas.

Os dois trionenses desceram correndo pela encosta pedregosa, ao encontro dos terranos que conduziam Barel-Kut. Não viraram mais a cabeça, e por isso não viram o verme do pavor retirar-se para o interior da caverna.

Pararam à frente do grupo.

O Coronel Hiesse baixou a arma energética. Fez um sinal para os homens do grupo. O Tenente Jones adiantou-se e tirou as armas dos dois trionenses. Os prisioneiros deixaram que os terranos os revistassem e, depois de terem verificado que não tinham mais armas, os amarrassem.

— Basta amarrar as mãos.

Hiesse lançou os olhos para cima, em direção à entrada da caverna. Não viu sinal ao verme do pavor.

— Nosso amigo meteu-lhes um belo susto. Não é de admirar. Eu também correria se me encontrasse com ele e não soubesse que é uma criatura inofensiva.

O coronel voltou a cometer um erro.

O erro era uma conseqüência lógica dos acontecimentos que já se tinham verificado.

— Voltaremos à nave com os prisioneiros — disse, encostando o minicomunicador à boca. — O senhor me ouve, Major Garryklu?

— Ouço-o muito bem. O que há de novo?

— Temos três prisioneiros e precisamos de reforços. Envie um planador com cinco homens. O piloto poderá levar os prisioneiros. Procure interrogá-los. Ainda não conseguimos tirar uma única palavra da boca deles. Entendido?

— O planador chegará dentro de dez minutos, senhor.

Escolheram um lugar adequado para o pouso do planador e sentaram-se nas pedras espalhadas na área.

Dali a dois minutos algumas granadas atômicas explodiram nas proximidades. Em meio ao barulho das explosões ouviu-se o ruído das pistolas automáticas e metralhadoras. O chiado dos potentes raios energéticos foi abafado pelo estrondo.

O Capitão Marfitz também estabelecera contato com o inimigo.

O Coronel Hiesse não sabia explicar, mas sentia certa alegria pela desgraça do outro.

Porém, nem desconfiava de que Marfitz trouxera a desgraça final.

 

A nave dos trionenses pousou a alguma distância do teatro dos acontecimentos, sem que os terranos percebessem. O planador que fora enviado por Garryklu numa missão de observação estava recolhendo os três prisioneiros, para levá-los à Explorer 5207.

Desta forma os trionenses receberam reforços sem que ninguém procurasse impedi-los.

Uma nave pousou numa depressão redonda, cercada de rochas altas, era comandada por Wo-Tha. Havia uma passagem estreita por onde podiam sair da depressão.

As bases dos trionenses ficavam a apenas dois quilômetros de distância, e de lá podia-se ver a planície em que estava pousada a nave dos terranos.

A nave de Wo-Tha era a vanguarda de uma grande frota. Outras unidades estavam a caminho, para dar apoio aos pioneiros que se encontravam em situação difícil. Além disso, traziam armas e mantimentos. Haviam sido informados sobre os acontecimentos que se desenrolavam no planeta por meio de mensagens transmitidas a velocidade que não ultrapassava a da luz.

O ataque frustrado contra a segunda nave dos desconhecidos e o desaparecimento dos dois comandos abafou a autoconfiança dos trionenses. Esperavam uma vitória fácil, mas tiveram de constatar que o inimigo lutava com armas superiores e muito estranhas.

— Na situação atual um ataque praticamente não teria a menor chance — disse o comandante da base durante a primeira conferência mantida pelo rádio. — A espaçonave montou um campo energético que não conseguimos romper. Até mesmo as armas atômicas fracassaram por completo. Não sei mais o que fazer.

— Recebemos ordens para destruir o inimigo — respondeu Wo-Tha. — Haja o que houver. Dentro de algumas horas deverão chegar mais cinco naves. Se agirmos em conjunto, conseguiremos romper o campo protetor dos desconhecidos.

— As experiências que já fizemos me levam a duvidar disso e...

— Felghan e Artrot são de opinião que os desconhecidos representam um perigo para nossa raça. Enquanto permanecerem em nosso sistema, todos corremos perigo. Portanto, a ordem é destruí-los!

Wo-Tha não aguardou outras explicações. Formou um comando de desembarque e mandou que os carros de combate fossem colocados em terra. Tratava-se de veículos blindados com motores de combustão primitivos. O armamento consistia em canhões de tiro rápido e metralhadoras. Cada carro podia levar cinco pessoas, além do motorista.

Dali a pouco cinco carros desse tipo prosseguiam pelo vale, em direção à planície. Wo-Tha achou preferível não atacar com a nave propriamente dita. Primeiro queria testar a força e resolução dos desconhecidos. Além disso, achou que um ataque concentrado das seis naves seria mais eficiente.

A coluna passou pela base dos trionenses e prosseguiu.

O solo era cada vez mais acidentado, mas assim mesmo a gigantesca nave dos desconhecidos podia ser vista a uma distância enorme. A esfera de mais de quinhentos metros de altura parecia uma montanha gigantesca. Era coberta por uma abóbada cintilante — o campo energético.

Wo-Tha nunca vira uma nave desse tamanho. Vista da atmosfera, parecia menor. Começou a desconfiar de que a tática do entendimento teria sido mais recomendável, mas já era tarde para isso. Tinham iniciado o ataque, e já não havia como voltar atrás.

Dobrou ligeiramente para a esquerda, para seguir na proteção das montanhas e dos vales secundários. Dali em diante o terreno não oferecia proteção suficiente. Era claro que um ataque à nave, desfechado com os cinco veículos blindados, seria um absurdo, mas Wo-Tha tinha esperança de encontrar alguns grupos de choque dos desconhecidos. Saberia como lidar com eles. Sem dúvida seria conveniente fazer alguns prisioneiros.

A oportunidade para isso parecia surgir no momento em que a coluna parou junto às cavernas escavadas na rocha e de repente recebeu fogo lateral.

Um dos carros de combate servia de alvo aos ofuscantes dedos energéticos vindos de uma área pedregosa. Os raios energéticos concentraram-se nesse alvo relativamente pequeno. Houve uma tremenda explosão, quando os recipientes de combustível pegaram fogo. O metal evaporou-se.

Wo-Tha compreendeu imediatamente que no interior dos veículos blindados estariam irremediavelmente perdidos, já que os mesmos não os protegiam contra as diabólicas armas energéticas dos desconhecidos. Deu ordem de abandonar os veículos e atacar o inimigo com fuzis automáticos.

Esperou até que os homens tivessem desaparecido entre os blocos de pedra, voltou a fechar a porta de seu veículo blindado e permaneceu imóvel. Certamente os estranhos deviam ter visto o que acontecera. Sem dúvida acreditavam que ninguém tinha ficado no carro.

As frestas estreitas permitiram que visse parte do terreno. Viu um movimento na encosta de pedras. Um dos estranhos se levantou. Segurava na mão uma arma pequena, aparentemente inofensiva. Outro homem apareceu à sua direita. Seria fácil liquidar os dois com uma rajada de metralhadora, mas não era esta a finalidade de sua tática. Queria que todos morressem.

Os trionenses avançaram rastejando. Eram mais de vinte. O número dos estranhos era desconhecido. Talvez fosse possível cercá-los e vencê-los num golpe de surpresa, apesar de seu armamento superior.

Wo-Tha certificou-se de que o cinto estava cheio de cartuchos. Os pequenos projéteis explosivos tinham um efeito desastroso, ainda mais numa área pedregosa, onde os ricochetes aumentavam sua eficiência. Se agisse com rapidez, poderia liquidar uma dúzia de inimigos numa questão de segundos.

As guerras de seu mundo tinham sido transferidas para o espaço, mas o inimigo era outro.

Com muito cuidado foi acertando a posição do cano de sua arma. Ele o fez bem devagar, para que ninguém notasse o movimento. O inimigo devia ser levado a acreditar que os veículos blindados estavam vazios. Só assim se evitaria que ele abrisse fogo contra os mesmos.

Os trionenses haviam avançado mais um pedaço. Aproveitavam os abrigos que o terreno oferecia e tiveram o cuidado de não aparecer mais que o estritamente necessário. Não havia necessidade de explicar-lhes o perigo que corriam. A destruição do carro blindado lhes dissera tudo.

Wo-Tha ficou à espera.

Sua paciência foi submetida a uma Prova muito dura, mas ele sabia que quase tudo dependia do êxito de seu estratagema. Se conseguisse prender um dos desconhecidos, talvez conseguisse obter algumas informações a seu respeito. Possivelmente o Prisioneiro até pudesse ser usado como refém.

Se não conseguisse fazer nenhum prisioneiro, então talvez houvesse oportunidade de matar alguns dos desconhecidos.

Viu outro movimento mais ao longe, junto à rocha. Wo-Tha já reconhecera três inimigos. Devia haver outros escondidos atrás das pedras. Talvez saíssem de seus abrigos quando estivessem sendo atacados pelos companheiros de Wo-Tha.

O ângulo de tiro era muito favorável. Bastaria girar um pouco a metralhadora, para num segundo cobrir toda a área ocupada pelo inimigo. Bem que gostaria de saber quantos inimigos estavam escondidos atrás daquelas pedras.

Os trionenses perceberam que seu comandante ficara para trás. Permaneceram indecisos por um instante, mas logo abriram fogo.

 

O Capitão Marfitz era dominado por uma ambição que quase chegava a ser doentia.

Quando o Major Garryklu resolveu formar uma patrulha, ele se ofereceu para comandar a mesma. O imediato pouco se importou com os motivos que levavam o capitão a agir assim, mas se tivesse mais senso psicológico talvez teria prestado atenção a este detalhe. Muitas vezes os motivos são o fator decisivo que determina o êxito ou o fracasso de uma operação.

Marfitz só levou quatro homens. Tentariam localizar os sobreviventes do primeiro ataque à nave e fazer prisioneiros. O exame do terreno revelou que dificilmente algum trionense escapara aos efeitos devastadores do fogo energético da artilharia da Explorer 5207. As crateras vitrificadas ainda estavam quentes e brilhavam. Marfitz teve o cuidado de não se aproximar muito das mesmas. Os contadores Geiger tiquetaqueavam furiosamente.

À sua direita ficava a entrada do vale no qual o Coronel Hiesse penetrara com seus homens. Marfitz passou por este lugar e levou seu grupo na direção norte. Manteve contato de rádio com a nave e foi informado sobre a batalha que Hiesse travara com um único trionense, o que matara cinco terranos antes que conseguissem prendê-lo.

Atingiu as montanhas. A planície estava coberta de pedras que ofereciam inúmeros esconderijos. Marfitz não se interessou pela cavernas que ficavam perto dele. Cabia a Hiesse tomar todas as providências Para que o verme do pavor não fosse perturbado em sua atividade.

De repente um dos homens anunciou a aproximação de cinco carros blindados.

Marfitz mandou que se abrigassem mediatamente. Depois cometeu um erro: iniciou o combate muito cedo. Um dos blindados foi destruído, mas antes que o fogo energético pudesse ser concentrado nos outros veículos, estes foram abandonados pelos ocupantes, que se espalharam pelo terreno acidentado. Seria praticamente impossível localizá-los um após o outro. Marfitz achou que não seria necessário destruir os blindados primitivos. Desta forma cometeu outro erro fatal.

Wo-Tha estava escondido em um dos veículos, esperando uma oportunidade de vingar-se.

Marfitz levantou-se e procurou descobrir os desconhecidos que se aproximavam rastejando. Manteve o desintegrador apoiado na curva do cotovelo, com o dedo no gatilho. Olhou em direção à encosta da montanha. A planície estava cheia de blocos de pedra, que ofereciam a qualquer atacante toda proteção que ele poderia desejar. Podia-se avançar aos poucos sem ser visto.

— Eles só possuem armas antiquadas — disse, inclinando-se em direção aos homens de seu grupo. — Atirem assim que virem alguma coisa. Talvez consigamos ferir alguém que eles deixem para trás durante a retirada.

— Se é que eles se retirarão — disse um dos homens em tom de dúvida.

Marfitz não respondeu. Acabara de ver um trionense que saiu de trás de um bloco de pedra, apontando a arma em direção aos terranos. Marfitz levantou o desintegrador e comprimiu o botão-gatilho. Antes que o inimigo fosse atingido e morto pelo raio ofuscante, uma saraivada de balas foi despejada sobre o terrano. Marfitz atirou os braços para cima e caiu para trás, vindo parar no interior da depressão. Seu corpo fora perfurado por um projétil explosivo.

Mais três terranos foram mortos. O último sobrevivente procurou fugir. Seguros da vitória, os trionenses saíram de seus abrigos e perseguiram o inimigo derrotado. Queriam pegá-lo vivo.

Wo-Tha, que esperara em vão o momento de entrar em ação, saiu do veículo blindado e correu atrás dos homens de seu grupo. Este alcançara uma vitória fácil, que só poderia ser coroada pela captura de um estranho.

O terrano perdeu seu desintegrador enquanto passava por cima de uma pedra. Redobrou seus esforços, mas os trionenses foram mais rápidos. Alcançaram-no, aprisionaram-no e levaram-no de volta para o deserto pedregoso.

Era bem verdade que no entusiasmo do combate Wo-Tha nem notara que o caminho da retirada lhe fora cortado.

 

O Coronel Hiesse resolveu não voltar à Explorer 5207 pelo mesmo caminho. Recebera um reforço de cinco homens e não precisava cuidar mais dos prisioneiros. Voltou para as cavernas e caminhou na direção oeste, ao pé da cadeia de montanhas. As bases dos trionenses deviam ficar por lá, em meio ao terreno acidentado.

O terreno foi subindo. Deixaram para trás as saídas do vale, que ficavam à sua esquerda. A visibilidade melhorou. A Explorer 5207 ficava à sua frente, um pouco à esquerda. Ficava a mais de quatro quilômetros de distância, mas parecia uma montanha que se erguesse abruptamente em meio à planície.

O minicomunicador de Hiesse emitiu um zumbido.

— Sim.

— Um grupo de trionenses está se deslocando exatamente em sua direção — avisou o piloto do planador, que já estava circulando novamente nas alturas da atmosfera. — Este grupo foi atacado pelo Capitão Marfitz. Pelo que consigo ver daqui, o grupo de Marfitz parece ter sido destruído. Os trionenses possuem carros blindados.

— Blindados?

— São quatro veículos, pelo que vejo daqui.

— A que distância estão?

— Mil metros no máximo, senhor.

— E Marfitz...?

— Não vejo sinal dele e de seu grupo. O terreno é muito acidentado e...

— Sei disso. Avise o Major Garryklu. Procurarei interceptar os blindados. Afinal, já temos prisioneiros.

Desligou o aparelho de rádio. Os homens olharam-no com uma expressão de dúvida.

O Coronel Hiesse teve a impressão de que estava cometendo outro erro. Sabia que a situação exigia medidas de outra espécie. A guerra era um erro, mas sem equipamentos era impossível deter um atacante sem derramamento de sangue. Acontece que não podia usar o rádio para solicitar esses equipamentos. Além disso não poderia imaginar que uma operação de rotina se transformaria numa questão interestelar. E ele era o único culpado. Se naquela oportunidade tivesse tido mais cuidado, o verme do pavor não teria sido colocado neste planeta.

Hiesse estava decidido a liquidar o caso com seus próprios recursos, fossem quais fossem as circunstâncias. Ainda não se dera conta de que dessa forma estava cometendo outro grande erro. Possivelmente uma tentativa de entendimento com os trionenses teria sido bem-sucedida, mas na situação em que se encontravam ambos os lados estavam comprometidos com a luta, e já era tarde para encontrar uma solução pacífica.

Era ao menos assim o que o coronel Hiesse acreditava.

Avistaram os quatro veículos blindados, que se deslocavam junto às montanhas.

Do ponto de vista militar o Coronel Hiesse estava em condições de enfrentar a situação. Numa operação rápida dividiu seus homens, mantendo contato com eles pelo rádio. Cada veículo blindado ficou por conta de dois ou três homens. Desta forma Hiesse evitou o erro cometido por Marfitz.

Wo-Tha teve uma surpresa desagradável. E não foi só ele, mas todo o grupo.

Nem um deles escapou ao inferno dos raios luminosos, que de repente desabaram sobre eles, vindos de todos os lados.

Desta vez o Coronel Hiesse saiu vencedor.

 

Cinco espaçonaves atravessavam o grande vazio que se interpunha entre o terceiro e o quarto planetas.

Haviam decolado há algumas horas e pretendiam ir em auxílio da colônia estabelecida no quarto planeta, que se encontrava em situação muito difícil. Seu armamento consistia em canhões de grande calibre e bombas atômicas. A propulsão das naves também se baseava na energia atômica.

O quarto planeta foi crescendo nas telas de imagem das cinco naves. Os contornos das planícies pedregosas avermelhadas começaram a desenhar-se, e as montanhas pareciam cada vez mais nítidas. Lá embaixo os desconhecidos vindos das estrelas os esperavam. Havia astronautas de outras raças. Eram agressores vindos do espaço!

Seriam mesmo...?

As estações transmissoras do quarto planeta entraram em contato com as naves.

Car-Mo, comandante da pequena frota, recebeu um relatório resumido sobre os acontecimentos que se tinham desenrolado. Wo-Tha e sua patrulha não haviam voltado. Barel-Kut lançara um ataque à nave desconhecida, mas fracassara; ele mesmo fora aprisionado. Os homens de seu grupo estavam mortos. Mol-Dar e Gin-Dor estavam desaparecidos. Provavelmente também foram mortos ou aprisionados.

— Atacaremos os desconhecidos do ar — sugeriu Car-Mo assim que conseguiu digerir as notícias. — De surpresa! Se estivessem interessados em negociações, já se teriam comunicado conosco. Ao menos teriam tentado.

 — Os planos de Wo-Tha eram semelhantes — confirmou o comandante das bases. — Providenciarei para que sua nave também decole no momento adequado, para aumentar o poder de fogo. Deve haver um meio de romper o campo defensivo do inimigo.

Discutiram mais alguns detalhes táticos e interromperam o contato.

Porém demoraram segundos demais...!

A estação de rádio da Explorer 5207 acabara de captar os sinais vindos do espaço.

 

O Major Garryklu chamou o Coronel Hiesse, cujo grupo estava examinando os veículos blindados tomados ao inimigo.

— Captamos sinais de rádio vindos do espaço, senhor. São indecifráveis, mas diante deles é de supor que os trionenses estejam recebendo reforços de seu planeta. Quais são as ordens?

Para o Coronel Hiesse foi uma decisão muito difícil.

Deveria voltar imediatamente à nave, ou seria preferível permanecer do lado de fora, para cair nas costas dos trionenses? A vitória fácil sobre os quatro carros blindados e seus ocupantes fez com que optasse pela segunda alternativa. Era bem possível que os trionenses que se encontravam nas bases também resolvessem intervir na luta que se aproximava. Neste caso seria conveniente preparar-lhes uma surpresa.

— Ficarei aqui com meu grupo — respondeu depois de algum tempo. — Nada poderá acontecer aos senhores, que estão protegidos pelo campo energético. Procure não destruir a nave inimiga, mas apenas danificá-la para obrigá-la a pousar. E os prisioneiros?

— Usamos os conversores de símbolos, mas sem resultado. A língua dos trionenses inclui elementos conhecidos do arcônida; quanto a isso não há a menor dúvida. Acontece que eles não nos compreendem. Talvez não queiram compreender.

— Ainda vamos descobrir. Mas deixemos isto para mais tarde — respondeu Hiesse, zangado. Estava decidido a desvendar o mistério que cercava os trionenses. Sua indiferença o deixava irritado. — Prepare-se para o provável ataque. Fique em contato comigo. Entendido?

Olhou em torno.

Para o sul estendia-se a imensa planície Pedregosa, na qual estava pousada a Explorer 5207. Para oeste o terreno era parecido. Era onde ficavam as bases ocultas dos trionenses. Para o norte ficava a cadeia de montanhas com suas encostas íngremes e cavernas. Para leste abria-se o vale.

As cavernas!

De repente o Coronel Hiesse lembrou-se e um lugar em que podia aguardar os acontecimentos em relativa segurança: no interior das cavernas. O verme do pavor era seu amigo. Não os atacaria.

— Iremos para as cavernas, Garryklu. Se as comunicações pelo rádio forem interrompidas, não se preocupe. De lá poderemos observar a nave, se ficarmos próximo à entrada.

Deixaram para trás os carros blindados destruídos e seguiram em direção ao norte. As entradas escuras das cavernas destavam-se perfeitamente em meio à rocha vermelha. Por lá tudo parecia estar bem. Os trionenses, nem pensariam em aproximar-se das cavernas. Afinal, haviam visto o verme do pavor.

Os dez homens subiram pelo terraço que se antepunha à primeira caverna, que era natural mas tinha uma ligação direta com a caverna artificial em que se abrigava o verme do pavor. Hiesse e os homens de seu grupo ainda não sabiam disso.

A entrada da caverna era ampla e ficava bem acima do nível da planície permitindo uma boa visão sobre a mesma. Distinguia-se perfeitamente a Explorer 5207. Não havia o menor movimento por perto. Hiesse avisou Garryklu.

— O senhor e a caverna aparecem nitidamente em nossas telas. A sala de rádio captou novos sinais do espaço. Os sinais tornaram-se mais fortes. As naves inimigas estão se aproximando.

— Será que é mais de uma nave?

— A julgar pelos sinais, sim. As mensagens são transmitidas em várias freqüências. Devem ser pelo menos quatro ou cinco naves.

— Será uma parada dura.

— Para os outros — disse Garryklu, seguro de si. — Não nos poderão fazer nada. Mas estou preocupado pelo senhor.

— Aqui estamos em segurança. Hiesse nem desconfiava de que estava cometendo um terrível engano.

 

O verme do pavor voltara a despejar seus ovos, depois que conseguira expulsar os bípedes que tanto o perturbavam, e que até então julgara seus amigos. Ainda não sabia que os trionenses não tinham nada em comum com os terranos. Não conhecia as causas das lutas que se travavam entre os bípedes, mas isto não o interessava muito. Eles o perturbavam em sua atividade, e era só o que importava.

Retirou-se para as profundezas da montanha e descobriu um recinto amplo, que Parecia adequado à sua atividade. Mal começou a concentrar-se em sua tarefa, sentiu um forte abalo que o atirou ao chão.

Levou algum tempo para recuperar-se do espanto.

Então estavam começando de novo!

Será que os terranos não sabiam que ele precisava de sossego para concentrar-se no trabalho? Eles o perturbavam de propósito para impedi-lo de despejar seus ovos? Será que tudo não passava de um golpe de astúcia destinado a romper o contrato sem violá-lo abertamente?

Eram inúmeras as indagações que assaltavam sua mente. Não encontrou resposta a nenhuma delas. Não conseguia enxergar a finalidade de uma atitude tão traiçoeira da parte dos terranos, mas acreditava que eles o estavam traindo.

Pensou em avisar sua raça por meio de hiper-símbolos, mas preferiu não fazê-lo. Estes sinais só eram permitidos em situações de grave emergência, e ele não acreditava que esta situação já estava configurada.

Um novo abalo deixou-o sobressaltado.

Nem podia pensar mais em despejar seus ovos. Fez um grande esforço para virar-se e retornou pelo longo caminho pelo qual viera. Queria certificar-se pessoalmente sobre o que estava acontecendo na superfície de seu planeta. Realmente era o seu planeta. Todas as formas de vida existentes no mesmo seriam destruídas no momento em que seus descendentes saíssem dos ovos. Eles se multiplicariam por divisão celular e devorariam toda a matéria que encontrassem pela frente, prosseguindo até não encontrar mais nada.

Será que os terranos estavam brigando por alguma coisa que dentro de pouco tempo deixaria de existir?

O verme do pavor chegou à entrada da caverna.

O quadro com que se deparou deixou-o chocado.

A nave esférica que o tinha trazido jazia sob a abóbada reluzente do campo energético. Havia alguns pontos escuros nas camadas mais altas da atmosfera. Destes pontos destacaram-se pontos menores, que caíam e aumentavam durante a queda. Junto à superfície, nas proximidades da nave esférica, os mesmos transformavam-se em ofuscantes sóis energéticos. Provavam a incandescência das rochas desprotegidas e faziam com que as mesmas se evaporassem. A planície pedregosa que se estendia entre a nave esférica e as montanhas transformara-se num inferno de matéria borbulhante. Nenhuma criatura viva poderia resistir nesta área.

O verme do pavor compreendeu que os Pontos que se desenhavam na estratosfera eram espaçonaves que bombardeavam a nave terrana. Não tinham a menor consideração para com ele, o que deixou o verme do pavor extremamente enraivecido.

Por enquanto conseguiu controlar-se.

As naves desceram e aumentaram de tamanho. Eram quatro. O verme do pavor não podia saber que duas delas já haviam sido derrubadas pela Explorer 5207. O impacto dessas naves no solo e sua explosão provocaram os abalos que haviam espantado o verme do pavor em meio à sua atividade.

Mais quatro bombas atômicas explodiram acima da nave esférica. O campo energético da mesma resistiu, mas as energias liberadas iam consumindo suas forças. Houve rupturas em sua estrutura, pelas quais penetrava parte das radiações mortíferas. Isso não representava nenhum perigo, desde que os tripulantes não se arriscassem a sair da nave. E no momento ninguém estava pensando nisso.

A artilharia da Explorer 5207 disparou outra salva energética. Os raios ultravioleta ofuscantes atingiram o alvo com a velocidade da luz. Outra nave dos trionenses caiu e foi explodir na planície, bem ao sul, fazendo com que ondas de pressão causassem o desabamento de parte das cavernas.

Os trionenses que se encontravam nas bases não deram sinal de vida e nem pensavam em intervir na luta de gigantes, pois com isso só poderiam provocar sua morte prematura. A área em torno da nave terrana tornara-se intransitável. As radiações emitidas pelas crateras incandescentes eram tão intensas que as partículas duras romperiam qualquer traje protetor. As bombas, porém, continuavam a detonar.

O Coronel Hiesse também percebeu que nada poderia fazer escondido, ali, naquela caverna, e também não podia voltar para a Explorer 5207. Primeiro teriam de recolher o restante do grupo, para voltarem à mesma, e saírem dali o mais rápido possível.

Outra nave dos trionenses foi derrubada. O piloto conseguiu controlá-la no último instante por meio dos estabilizadores, e o veículo espacial foi descendo num vôo íngreme. Atingiu o solo entre a Explorer e as cavernas. O abalo foi tão forte que Hiesse e os homens de seu grupo foram atirados ao chão. Um lago borbulhante de matéria incandescente surgiu entre as montanhas e a nave. Os contadores Geiger do grupo de Hiesse começaram a tiquetaquear com tanta força que os contadores se atropelaram e deixaram de funcionar.

— Para trás! — ordenou o coronel. — Precisamos entrar na caverna. Se ficarmos aqui, estaremos mortos dentro de cinco minutos.

Estavam convictos de que os trionenses usavam bombas de fissão nuclear do tipo mais primitivo, pois só assim se explicava o nível perigoso de radiações, que representavam um grande risco para eles Mesmos. Provavelmente no momento nem se importavam com isso.

Alguns blocos de pedra que caíram do teto obrigaram o verme do pavor a sair da caverna. Deu um salto de mais de cento e cinqüenta metros e foi parar no vale, cujas encostas íngremes o protegiam contra as radiações e o calor gerado no campo de batalha. Esperou que suas pernas parassem de tremer e voltou a visar a caverna abandonada. Não poderia abandonar seus ovos. Mais tarde teria oportunidade de vingar-se da traição dos terranos. Eles se arrependeriam amargamente de sua deslealdade. Nenhum deles sairia vivo do planeta, pois lhes danificaria a nave, para que a mesma não pudesse decolar. Era só o que tinha que fazer. O resto ficaria por conta dos seus descendentes gafanhotos córneos, que sairiam de seus ovos. Então saltou.

Rastejou os últimos metros, afastando as pedras caídas, e penetrou no labirinto. Uma parte dos ovos fora esmagada com o desabamento do teto, porém a maioria deles estava intacta.

A raiva do verme do pavor tornava-se cada vez mais forte. Os bípedes haviam passado dos limites. Tinham destruído sua descendência — ao menos parte da mesma — e pagariam por isso.

Seria impossível atacar a nave. Para impedir sua decolagem e prender a tripulação ao planeta, teria de penetrar em seu interior e destruir os propulsores. Não havia outra possibilidade. O veículo espacial esférico era tão invulnerável quanto ele mesmo. Um não podia fazer nada ao outro. Mas o mais inteligente teria uma chance.

E o verme do pavor teve sua chance, pois neste momento o Coronel Hiesse cometeu mais um erro fatal...

 

A última nave dos trionenses foi destruída. O local da queda foi tão distante que a explosão não lhes poderia causar nenhum dano. Mas as crateras das bombas e o lago de lava que se viam entre a Explorer 5207 e as montanhas continuavam a expelir suas radiações.

— Alô, senhor.

Só da terceira vez o Coronel Hiesse ouviu o chamado de Garryklu.

— Tudo bem, major?

— O ataque foi rechaçado...se é que também pensa assim. Só destruímos as naves, o que aconteceu com as bases dos trionenses? Acho que uma nova surpresa nos espera. E é possível que haja outras naves a caminho.

— Não me preocupo com a Explorer, major, mas estou muito preocupado com o verme do pavor. Deve estar louco de raiva. Um homens de meu grupo viu-o abandonar a caverna e voltar à mesma. Preciso acalmá-lo.

— Se houver novos ataques, teremos de sair deste mundo — sugeriu Garryklu.

Ninguém desconfiava que era a sugestão mais sensata feita no curso da operação, e muito menos o Coronel Hiesse.

— Em hipótese alguma nos retiraremos antes que tenhamos vingado a Kostana. O que Rhodan acharia, se soubesse?

— Perry Rhodan não gosta de vingança, e nem eu.

Hiesse engoliu a censura. Não deu nenhuma resposta. Não poderia contar ao major que seu motivo não era apenas a vingança. Na verdade, Hiesse estava interessado, antes de mais nada, que o erro por ele cometido fosse esquecido.

— Quais são suas ordens, senhor? — perguntou Garryklu, ao notar que o coronel não respondia.

— Um momento, major... Que tal se levássemos o verme do pavor de volta para a nave?

Garryklu ficou estupefato. Não conseguiu entender a finalidade da sugestão.

— Por que, senhor?

— É simples. Este mundo não serve para os gafanhotos córneos. Quando saírem dos ovos, muitos deles serão mortos pelos trionenses. Além disso, Rhodan deu ordens terminantes para que os vermes do pavor só fossem colocados em mundos desabitados. Por engano desobedecemos a estas ordens. Para reparar o erro, teremos de transportar o verme do pavor para outro sistema, desaparecendo daqui o mais depressa possível. Mas antes disso — acrescentou Hiesse em tom amargo — precisamos vingar a destruição da Kostana. O Major Garryklu não se apressou.

— Se me permite, não acho que seja uma boa idéia, senhor — disse depois de algum tempo. — O verme do pavor já deve ter começado a despejar seus ovos. Se nós o perturbarmos, teremos problemas. Continuo a achar que deveríamos sair daqui o mais depressa possível. Não precisamos preocupar-nos com o animal, pois ele saberá lidar com os trionenses, e o seus descendentes também o saberão.

— O senhor se esquece de que há uma fase intermediária, major. Assim que tiver posto seus ovos, o verme do pavor morrerá. E os ovos não sabem defender-se.

— Os trionenses dificilmente imaginarão que estes ovos poderão tornar-se perigosos. Nem pensarão em recolhê-los o mais depressa possível e largá-los no espaço, o que seria a única maneira de afastar o perigo. Se ficar para trás um único ovo, já será demais. Um único gafanhoto é capaz de eliminar toda a vida deste planeta.

— É verdade — reconheceu o Coronel Hiesse. — Mas continuo a achar que minha sugestão é certa. Temos de colocar o verme do pavor na nave, nem que seja para convencê-lo de que nossas intenções são boas.

Garryklu estava desesperado.

— Como pretende fazer isso? No momento não existe a menor possibilidade de atravessar este inferno de matéria incandescente. Além disso, as radiações emitidas pela mesma são muito perigosas.

— O senhor decolará com a Explorer 5207 e pousará no fim do vale, junto às montanhas. A largura do vale é suficiente. Haverá lugar de sobra e não existe o menor risco. Enquanto isso tentarei entrar em contato com o verme do pavor. Temos um conversor de símbolos.

— É dos pequenos? Não bastará...

— De uma pequena distância funciona tão bem quanto o grande, que se encontra no interior da nave. Aguardarei sua chegada. Entendido?

Garryklu deu um suspiro. Pelo tom de sua voz notava-se que continuava a não entender nada.

— Entendido — respondeu assim mesmo.

Hiesse pretendia sair da caverna e passar correndo pela área contaminada por emanações radioativas, mas um dos homens disse que talvez houvesse uma ligação subterrânea. A idéia não podia ser posta de lado, pois no interior das montanhas havia inúmeras cavernas. A pedra vermelha não era dura e estava sujeita às influências dos fenômenos atmosféricos. Era possível que entre os diversos labirintos tivessem surgido passagens de cuja existência ninguém desconfiasse.

Hiesse não pôde deixar de reconhecer que era preferível procurar uma ligação deste tipo a correr o risco da contaminação radioativa.

Levaram uma hora para descobrir a ligação. Avançaram para leste por uma passagem irregular. Muitas vezes tinham de rastejar, para atravessar um ponto mais estreito. Encontraram até um pequeno lago subterrâneo, cujo nível era superior ao da planície pedregosa.

Finalmente a passagem foi-se alargando e houve bifurcações. Ninguém sabia se tinham chegado à caverna do verme do pavor. O Coronel Hiesse mandou então ligar o conversor de símbolos e chamou a gigantesca criatura.

O verme do pavor levou dez minutos para responder.

Hiesse apresentou-lhe a sugestão segundo a qual deveria voltar à nave, para que pudesse ser transportado a um mundo desabitado, onde pudesse despejar seus ovos com toda tranqüilidade.

— Já pus metade dos meus ovos — respondeu o verme do pavor. — Seria inútil abandonar este planeta. Por que faria uma coisa dessas? Morrerei dentro de pouco tempo. Só me resta esperar pelo fim — opinou. Depois de uma ligeira pausa, parecem mudar de opinião. — Como poderei chegar à nave, se lá fora estão explodindo as bombas atômicas? Atualmente não sou invulnerável.

— Já pensamos nisso — asseverou Hiesse. — A grande nave pousará bem em frente da caverna. Neste lugar não há radiações. E as naves inimigas foram destruídas.

Se Hiesse se tivesse dado ao trabalho de explicar quem eram os inimigos, as coisas talvez fossem diferentes. Mas o coronel acreditava firmemente que o próprio verme do pavor sabia avaliar a situação.

Este erro, contudo, não foi cometido somente pelo coronel.

— Está bem; concordo — respondeu o verme do pavor, silenciando sobre o fato de que acreditava que nessa altura seria inútil sair da caverna. De repente via uma chance de vingar-se dos terranos. Não acreditou numa palavra do que o Coronel Hiesse lhe dissera. Até suspeitou de que se tratasse de uma armadilha. Assim que conseguisse chegar ao interior da nave, faria com que ninguém pudesse sair do planeta. Pelo menos com aquela nave esférica.

A Explorer 5207 pousou no vale. Não houve novos ataques e os aparelhos de rastreamento da nave não revelavam a presença de qualquer veículo espacial dos trionenses. Por isso o Major Garryklu mandou desligar o campo energético. Total-mente desprotegida, a nave jazia no fundo da depressão. A escotilha de carga abriu-se na parte inferior da nave, para recolher o verme do pavor.

Quando viu a espaçonave, Hiesse soltou um suspiro de alívio. A distância que o separava da mesma não chegava a um quilômetro. No lugar em que se encontravam não era de recear qualquer ataque inimigo. Além disso as encostas rochosas ofereciam uma boa proteção.

O verme do pavor foi saindo da caverna e rastejou pela planície. Preferiu não dar grandes saltos. Locomovia-se encolhendo e esticando rapidamente o corpo. Quatro garras que possuía na parte posterior do crânio apoiavam seus movimentos. Foi tão rápido que Hiesse e os homens de seu grupo mal conseguiram acompanhá-lo. Tiveram de correr, para que a distância não aumentasse demais.

O verme do pavor desapareceu no interior da escotilha de carga, que se fechou imediatamente.

Antes, porém, que o Coronel Hiesse atingisse a nave, esta transformou-se num inferno.

De repente ouviram-se pedidos de socorro e gritos desesperados pelo rádio.

Uma terrível explosão arrancou os propulsores de seus suportes e os arremessou centenas de metros para dentro da rocha. A metade superior da esfera sofreu um deslocamento. Fumaça e fogo saíam das rachaduras. Os explosivos convencionais armazenados no depósito de armas detonaram. Escotilhas abriam-se, e homens corriam para fora. Fugiam desesperadamente em direção ao grupo de Hiesse. Em sua maioria usavam os trajes leves de bordo e não estavam armados. Não se detiveram diante dos gritos “de parem” do coronel. Continuavam a correr, dominados pelo pânico, e desapareceram nas cavernas e nos desfiladeiros que se abriam nas montanhas.

O Coronel Hiesse começou a acreditar que estava tudo perdido, mas ainda não perdera todas as esperanças. Quem sabe se não seriam salvos por um milagre? Chamou Garryklu, mas o major não respondeu. Devia estar morto, ou então abandonara a sala de comando.

Houve outras explosões no interior da Explorer 5207. A nave foi cortada em pedaços. Ainda havia sobreviventes que conseguiam abrir caminho para fora da nave, onde estariam em segurança. Um dos cientistas reconheceu Hiesse e aproximou-se do mesmo.

— Salve-se, coronel! O verme do pavor deve ter enlouquecido. Está destruindo a nave...

— O verme do pavor? Quer dizer que é ele?

— É, sim, senhor. Ataca tudo que se move com seus raios energéticos. Destruiu todos os mecanismos. O equipamento de rádio não funciona mais. Os propulsores...

— Eu vi — interrompeu Hiesse. —- Onde está o Major Garryklu?

— Não tenho a menor idéia. Procurou isolar o centro da esfera, mas o verme do pavor rompeu as paredes e escotilhas. Não havia nada que o segurasse.

De repente o Coronel Hiesse sentiu-se desanimado. Para ele a vida deixara de ter sentido, já que cometera uma série de erros. Fracassara lamentavelmente. Só tomara decisões erradas. Como poderia justificar-se diante de Rhodan?

— Venha comigo — gritou o cientista e saiu correndo, ao ver que Hiesse permanecia imóvel.

Dos destroços fumegantes já não saíam sobreviventes. O verme do pavor, que tinha a pele blindada carbonizada, saiu tranqüilamente dos restos daquilo que já fora uma imponente nave exploradora. Viu o Coronel Hiesse, o terrano que o atraíra para o interior da nave.

Com um enorme salto parou bem à frente do oficial, que recuou apavorado. Seria inútil tentar a fuga diante do animal enfurecido. Eram quase oitocentos metros que o separavam da caverna. E o verme do pavor era mais rápido que qualquer ser humano.

O Coronel Hiesse compreendeu que chegara a hora de pagar por seus erros.

Arrancou o desintegrador do cinto, fez pontaria para a cabeça do ser monstruoso e puxou o gatilho.

O verme do pavor viu nisso a confirmação definitiva de que os terranos o haviam traído. Não pretendera matar o comandante, mas diante da atitude deste não teve mais nenhuma contemplação.

Deu um salto muito pequeno em comparação com o seu tamanho e as forças que possuía e cobriu o Coronel Hiesse com seu corpo.

Os terranos que se encontravam no planeta Trion ficaram sem comandante.

Não era a pior coisa que lhes poderia acontecer, pois a morte que revestia milhares de facetas já os esperava.

Vinha do espaço — atraída pelo verme do pavor!

 

Um objeto enorme, de formato estranho, atravessava as profundezas misteriosas do espaço. Se não fossem as escotilhas que derramavam luz na noite eterna, poder-se-ia acreditar que era um meteoro. Sombras moviam-se atrás das escotilhas. Eram sombras compridas e muito estreitas, que não poderiam ser consideradas humanóides no rigor do termo.

O meteoro gigante era uma nave, conduzida através do cosmos por seres inteligentes.

Desenvolvendo noventa por cento da velocidade da luz, penetrava num sistema solar solitário, que ainda não figurava nos mapas cósmicos. Dezoito planetas gravitavam em torno do gigantesco sol vermelho. Em sua maioria eram mundos de metano muito frios, com uma atmosfera congelada. Só os três planetas interiores encontravam-se a uma distância suficientemente reduzida do sol não muito quente, para talvez poderem sustentar certas formas de vida.

Uma conferência estava sendo realizada na sala de comando da nave.

Os estranhos seres tinham uma figura esbelta e graciosa. Eram pouco maiores que um ser humano. Tinham pernas curtas e um par de braços normais. As mãos possuíam quatro dedos principais e três polegares, que lhes conferiam uma habilidade extraordinária. A pele dos seres era azul, graças aos pêlos suaves que cobriam quase todas as partes da pele. Em cima de um pescoço fino e comprido ficava a cabeça, que tinha a forma de um disco redondo e achatado. Os quatro olhos estavam dispostos de tal maneira que os blues — nome que se costumava dar a esta raça — podiam enxergar em todas as direções ao mesmo tempo. As orelhas eram estruturas em forma de lamelas quase invisíveis. A boca ficava no lugar em que no ser humano se encontra a laringe.

Aquela nave de formato irregular era uma das unidades de reconhecimento dos gatasenses, povo que dominava a raça dos blues. Sua tarefa consistia em localizar planetas ainda não descobertos e catalogá-los e, se necessário, destruir as formas de vida ali encontradas. Neste ponto os gatasenses não tinham escrúpulos. Não permitiam, em seu espaço vital, quaisquer inteligências que pudessem representar um perigo para eles.

Se quiséssemos reproduzir aproximadamente os sons que compõem o nome do comandante da nave, diríamos que o mesmo se chamava Gogol.

— Os planetas exteriores não têm vida e não se prestam aos fins que temos em vista. Começaremos com o quarto planeta. Não será necessário pousar.

A suposição de Gogol confirmou-se. O quarto planeta ficava na periferia da zona vital do sistema. As enormes calotas polares provavam que a maior parte de sua superfície estava coberta por uma grossa camada de gelo. Só na zona equatorial viam-se alguns desertos pedregosos e cadeias de montanhas cobertas de neve. Bastou que a nave descrevesse uma única órbita em torno do planeta para que Gogol dissesse:

— É um planeta desabitado. Não se presta muito bem aos fins que temos em vista. Se necessário, poderíamos colocar vermes do pavor no mesmo.

Naturalmente Gogol não disse “vermes do pavor”, mas usou a expressão correspondente em sua língua. Os vermes do pavor de Tombstone constituíam a base da existência dos blues. Forneciam o precioso extrato de molkex, que esse povo usava na blindagem de suas naves. Era uma substância impenetrável, que substituía qualquer anteparo energético, por mais potente que fosse. Para assegurar o suprimento regular da substância, tornava-se necessário colocar constantemente novas levas de vermes do pavor em mundos desabitados, para que os mesmos pudessem pôr seus ovos e morrer. O extrato tão cobiçado era produzido pelos gafanhotos córneos.

— Quem sabe se neste sistema não encontramos quatro planetas apropriados? — perguntou um dos oficiais do corpo científico. — Neste caso estaríamos executando nossa tarefa de forma exemplar.

— Veremos — e Gogol dirigiu os frios olhos frontais para as telas, enquanto o par de olhos existente na parte posterior do crânio fitava o oficial. — Seguir em direção ao terceiro planeta.

A nave voltou a acelerar e abandonou a atmosfera rarefeita do quarto planeta. Desenvolvendo velocidade pouco inferior à da luz, aproximou-se do terceiro planeta do sistema vermelho, cujo nome não figurava nem mesmo nos mapas cósmicos dos terranos.

Também era um mundo desabitado. Graças ao seu clima, foi incluído como apropriado nos registros dos blues. Dentro de pouco tempo ali seria descarregado um verme do pavor. Despejaria seus ovos, destes sairiam os gafanhotos córneos, que devorariam a escassa vegetação. Sobraria um planeta vazio, morto por vários séculos. Só paulatinamente a vida voltaria a surgir em sua superfície, quando os primeiros fungos fossem captados por seu campo gravitacional e atraídos para a superfície. Mais alguns milênios se passariam antes que surgissem os primeiros seres unicelulares. Dentro de alguns milhões de anos o primeiro mamífero — talvez — faria sua aparição no planeta.

Para encurtar o vôo, a nave dirigiu-se ao primeiro planeta, já que o segundo se encontrava atrás do sol. Era um planeta muito próximo a seu sol, mas apesar disso era um mundo primitivo com um gigantesco oceano de águas mornas. A estrela central do sistema era uma gigantesca bola vermelha, que parecia um deus ameaçador sobre aquela paisagem primitiva.

— Também é um planeta apropriado — constatou Gogol, satisfeito, enquanto a nave deslizava a pequena altitude sobre a superfície do mar. — De qualquer maneira, quero pousar nele. Há terra no horizonte. Desceremos lá.

— Dificilmente haverá habitantes terrestres — disse o oficial que se encontrava a seu lado. — No mar talvez...

— Talvez eu seja um tipo sentimental — retrucou Gogol. — Quero ver como se forma a vida. No começo de sua evolução nosso mundo também deve ter sido assim. Nós também viemos do mar, há tempos imemoriais.

A nave foi descendo assim que a terra ficou à vista. Pousou no litoral rochoso. Dentro de pouco tempo uma escotilha abriu-se na grossa blindagem de molkex. Gogol e o cientista pisaram na superfície do planeta virgem. Usavam trajes climatizados muito justos. Suas mãos seguravam desintegradores.

Em terra não havia sinal nem mesmo de uma vegetação incipiente. A vida ainda não saíra da água. Alguns milênios provavelmente passariam antes que o longo processo de formação da vida terrestre tivesse início.

Viram-se à margem do imenso mar primitivo.

As ondas baixas rolavam devagar em direção à praia pedregosa. Ainda não havia areia — somente pedregulho. Estranhos seres nadavam nas águas mornas e pouco profundas, que nem mesmo de noite esfriava. Aproximaram-se, curiosos, mas não se deixaram tocar com a mão.

Gogol notou um brilho verde nas rochas tocadas pela água. Ficou curioso e aproximou-se.

— Olhe! Já começou — disse. — As primeiras algas subiram pelas pedras e começam a adaptar-se à vida em terra firme. Logo serão seguidas por outras. É uma pena, mas nunca conseguirão.

— Por causa do verme do pavor — constatou o cientista sem o menor toque de sentimento. — Seus descendentes devorarão até mesmo a rocha, e não sobrará nada além da vida aquática. Só serão privadas de um pequeno avanço. Dentro de mil anos recuperarão a perda.

Gogol passou os dedos pela camada fina e gosmenta.

— Nós também saímos disso — explicou. — Todas as formas de vida inteligente saíram dali, e continuarão a sair quando tivermos deixado de existir.

— Nossa raça nunca desaparecerá — disse o cientista com uma recriminação inequívoca na voz. — Nossa raça é perfeita e eterna.

Gogol confirmou com um gesto. Conhecia de sobra as teorias arrogantes de sua raça — e acreditava nelas. Tinha de acreditar, porque do contrário não seria um gatasense... e muito menos um comandante.

Mas muitas vezes duvidava de que os atos que andava praticando fossem corretos. Sempre se esforçava para reprimir essas dúvidas. Sua raça vivia há milhares de anos, pela mesma forma que ainda estava vivendo. As estrelas haviam sido criadas para eles e para mais ninguém. As outras inteligências não tinham o menor direito de viver nos mundos que gravitavam em torno das estrelas dos gatasenses. O mais forte sempre tinha razão — e os gatasenses eram mais fortes que os outros.

Gogol refletira muito sobre estas coisas. Chegara à conclusão de que a implacável política de extermínio adotada por sua raça não era uma questão de crenças religiosas primitivas, mas tivera sua origem nas relações de dependência para com os vermes do pavor. A raça dos blues tornara sua civilização inteiramente dependente do suprimento regular de molkex. Se não fosse o molkex, esta civilização seria destruída. E para receber o molkex tornava-se necessário tomar todas as providências para a multiplicação dos vermes do pavor. Tinham de encontrar mundos desabitados para eles e levá-los para lá. Se algum planeta estava habitado, o mesmo era transformado num mundo desabitado.

Era uma política dura e impiedosa.

Gogol sacudiu essas idéias. Era perigoso ouvir a voz da consciência. Isso acontecera a um amigo de Gogol. Os resultados foram desastrosos. A suprema corte de Verth V condenou-o à morte porque ele se recusara a destruir uma civilização florescente, instalada num planeta que seria apropriado para receber um verme do pavor.

— É assim que começa a vida — disse, contemplando as ondas pequenas que brincavam em torno das pedrinhas. — Começa aqui e agora. Por que sempre tem um fim súbito e violento?

— Porque nós queremos! — respondeu o cientista em tom áspero. — Nossa vida nunca terminará.

“Terminará, sim; um dia chegará ao fim”, pensou Gogol amargurado, porque não via saída para suas dúvidas. “Um dia há de chegar uma raça mais forte que nós. E esta raça nos exterminará. Talvez seja o império situado do outro lado da Galáxia. Seus habitantes se chamam terranos. Já provaram que são — ou ao menos podem ser — mais fortes que nós. Talvez eles nos ensinem a respeitar a vida: Mas que pensamentos são estes? Quem sabe se não sou um traidor? Será que enlouqueci?”

Gogol assustou-se consigo mesmo. Seus pensamentos rompiam uma tradição mais antiga do que qualquer idéia. Seus antepassados haviam sido comandantes de espaçonaves — homens destemidos, oficiais da frota de reconhecimento e extermínio. Por que saíra diferente? Será que a mortandade sem fim sacudira sua alma?

Gogol foi caminhando lentamente sobre a rocha primitiva, em direção à nave. O cientista seguiu-o, envolto em pensamentos. Não perturbou o comandante.

“Ainda bem”, pensou Gogol, “que neste mundo também não há nada a fazer. Os descendentes do verme do pavor não encontrarão muita coisa para destruir. Talvez algumas algas que rastejaram em direção a terra.”

“Mas resta o segundo planeta! O mesmo fica no centro da zona vital. Nele podem ter-se desenvolvido formas mais elevadas de vida. Teremos de eliminar estas formas de vida, a fim de criar lugar para o verme do pavor.”

“Precisamos realmente matar? De qualquer maneira, os gafanhotos córneos extinguirão toda vida que por acaso exista por aqui, assim que saírem dos ovos. Acontece que os animais matrizes não podem ser perturbados na postura. E as inteligências tornariam mais difícil esta atividade complicada, porque toda inteligência é curiosa. Além disso, temos nossas ordens, que regulam tudo. Até regulam o pensamento.”

Livrando-se destes pensamentos, Gogol deu ordem para decolar.

A nave seguiu em direção ao segundo planeta.

 

Quando a nave ainda se encontrava a grande altitude, os telescópios eletrônicos já mostravam que o segundo planeta era habitado por inteligências avançadas.

Essas inteligências haviam alcançado certo avanço tecnológico, pois tinham construído cidades e vias de comunicação muito largas. Rios haviam sido canalizados e a selva fora desbravada. As áreas residenciais eram cercadas por gigantescas plantações. Navios movidos a vapor cruzavam os mares. As inteligências que habitavam o planeta conheciam a eletricidade, mas ao que tudo indicavam não tinham a menor idéia a respeito da energia atômica. A navegação espacial também não fora inventada.

— Civilização do nível sete — constatou o cientista gatasense. — É muito pouco para representar um perigo para nós, mas é bastante avançada para perturbar o verme do pavor. Portanto, devemos tomar a medida número dois.

Gogol respirava com dificuldade. Aquilo que ele tanto temera acabara de acontecer. Tinha que destruir, destruir impiedosamente e sem aviso. Tinha que destruir toda vida inteligente de um planeta, para que um monstro pudesse pôr seus ovos. Tinha que matar para que um monstro pudesse morrer em paz.

Todo seu ser revoltava-se contra isso, embora já tivesse feito a mesma coisa várias vezes. Nunca se preocupara com isso. Por que estava se preocupando agora? Será que os raios do sol daquele sistema tinham perturbado seus pensamentos? Será que o gigantesco mar primitivo do planeta número um o tornara mole e condescendente?

— Vamos pousar — disse quase contra a vontade.

Os oficiais fitaram-no, perplexos.

Não era costume o pouso num mundo habitado. Só se pousava depois que os habitantes tinham sido destruídos — e se houvesse ordem para isso.

— Não compreendo — disse o cientista em tom hesitante.

— Quero pousar. Quero saber como são os habitantes do planeta e quem são eles. Cumpra minhas ordens! Sou o comandante.

O cientista fez um sinal afirmativo para os oficiais e disse:

— Gogol, temos de cumprir suas ordens, mas quero avisar que o conselho científico será informado sobre a ocorrência. Ninguém pode objetar qualquer coisa contra um pouso num mundo desabitado. Quais são os motivos que o levam a querer pousar neste planeta?

A nave penetrou nas camadas superiores da atmosfera.

— Nenhum motivo. Ou melhor, tenho um motivo. Quero saber se realmente é necessário aplicar a medida número dois. É possível que a medida número três — a evacuação — seja suficiente.

O cientista ficou estupefato.

— A medida número três só pode ser aplicada quando se trata de uma raça que nos possa ser útil.

Gogol olhou para as telas. Fechou os dois olhos traseiros, para não se deixar distrair. Não deu mais atenção ao cientista.

A superfície do planeta foi chegando mais perto.

Gogol sentiu os olhares hostis dos oficiais às suas costas. Não os via porque continuava com os olhos traseiros fechados. E eles, por sua vez, não compreendiam seu comportamento. Ele não se importava com isso. Ele mesmo não sabia o que lhe tinha acontecido. Nunca tivera problemas de consciência quando se tratava de eliminar uma espécie inteligente desconhecida para servir à sua raça.

Servir — ora bolas!

As imagens ampliadas nas telas mostravam massas populares que levantavam os olhos para a espaçonave que se deslocava em baixa altitude. Eram seres humanóides, que lembravam os tão odiados terranos.

Os habitantes do segundo mundo não fizeram nada para defender-se contra o intruso. Talvez não possuíssem armas para isso. Olhavam para cima quando a nave voava sobre uma cidade, mas não faziam absolutamente nada. Cuidavam tranqüilamente de seus afazeres, assim que a nave tinha passado.

A repugnância contra aquilo que ele teria de fazer tornava-se cada vez mais forte no espírito de Gogol. Já percebera que lá embaixo vivia uma raça pacata, que talvez nem soubesse o que era uma guerra. Tinham construído uma civilização simples, viviam seu modesto dia-a-dia e não conheciam as grandes ambições. Cuidavam de seus negócios, construíam cidades e mantinham relações amistosas com os vizinhos. Não tinham inimigos e não precisavam de armas.

Um belo dia, então, apareciam os gatasenses e os eliminavam da superfície de seu mundo, e isto sem motivo, sem compaixão e sem aviso. Como se fossem simples insetos nocivos.

Não!

Gogol sabia que naquele momento estava rompendo com a tradição. Também sabia que estava arriscando a vida quando ordenou aos seus oficiais que fizessem pousar a nave na grande área adjacente à cidade.

 

Os pergalenses descendiam dos velhos arcônidas. Era o que se depreendia de velhos escritos guardados no templo. Em tempos idos existira uma grande raça, que dominava parte da Via Láctea. Eram os arcônidas, que enviaram colonos. Estes se estabeleceram em planetas apropriados, onde fundaram suas próprias civilizações. Muitas vezes as comunicações entre estes colonos e o mundo de origem eram interrompidas. Foi o que aconteceu com os pergalenses, já que o sol Pergal ficava muito distante do mundo misterioso de onde haviam vindo seus antepassados.

Os pergalenses tinham algum conhecimento sobre suas origens, mas o passado estava tão profundamente envolto no manto do tempo que não havia como tirá-lo de lá. A navegação espacial caíra no esquecimento. Sabia-se que ela já existira, mas o interesse pela mesma fora perdido. O planeta Pergal II era um mundo maravilhoso. Os pergalenses tinham tudo de que precisavam para viver.

Mesmo que de repente aparecesse uma nave dos antepassados de que não se guardava lembrança, esta seria muito bem recebida, mas os habitantes do planeta a mandariam embora. Desde que se deixasse mandar.

Por isso o espanto que se instalou na mente de um ou outro pergalense quando a nave desconhecida apareceu no céu só poderia ser muito leve. “Uma nave vinda das outras estrelas”. E daí?

Os habitantes do planeta não se interessaram muito pela mesma. Foi só.

Ninguém teve a idéia de que aquela nave lhes pudesse trazer a morte. Os pergalenses nem sabiam o que vinha a ser um assassinato. Fazia séculos que não havia nenhum.

Foi assim que Gogol teve a maior surpresa de sua vida quando atravessou a área livre, em direção à cidade, fortemente armado e acompanhado por três oficiais. O quarto acompanhante do grupo foi o cientista, que era também o plenipotenciário do governo de Gatas.

Encontraram-se com um grupo de cinco nativos, que cruzou seu caminho.

Os dedos de Gogol seguraram firmemente a arma, mas ele viu que os nativos não estavam armados. Traziam instrumentos de trabalho e vinham do campo. Não deram atenção à nave. Este fato, por si só, já era bem estranho. Não era possível que estes humanóides tivessem algum conhecimento de espaçonaves. Ainda acontecia que o sistema vermelho ficava longe de todas as linhas conhecidas de navegação e nem sequer constava dos mapas cósmicos.

Quando já se tinham aproximado bastante, um dos nativos levantou os olhos. Fixou seu par de olhos nos quatro desconhecidos, fez um gesto amável e seguiu seu caminho.

Um cumprimento! Era tudo que eles tinham para os desconhecidos vindos das estrelas. Um cumprimento igual ao que se dispensa a uma pessoa que só se conhece ligeiramente: “Olá, como vai?”

Pela primeira vez na vida Gogol sentiu o medo do desconhecido. Isto nunca lhe acontecera. Em todos os mundos que ainda não conheciam a navegação espacial os gatasenses tiveram uma recepção hostil ou então foram alvos de uma veneração misturada de pavor — quando havia tempo para isso — porém nunca se tinham deparado com uma indiferença total.

— Estão fingindo — disse o cientista que acabara de alcançá-los. — Querem enganar-nos. Daqui a pouco nos atacarão com as armas que trazem escondidas.

Gogol não respondeu.

O grupo de nativos prosseguiu sem virar a cabeça.

O caminho para a cidade estava desimpedido. Não se viam veículos, apenas alguns pedestres. Estes se deleitavam com o bonito dia. Alguns deles caminhavam em direção à nave que acabava de pousar, como se estivessem numa excursão.

Passaram pelos quatro gatasenses sem cumprimentá-los.

Gogol sentia-se cada vez mais inseguro. Não sabia o que fazer naquela situação, porque não havia base de comparação. Se tivessem oferecido resistência, não seria tão difícil dar a ordem de destruição. Mas do jeito como as coisas estavam ele não conseguia fazê-lo. O comportamento dos nativos era mais que estranho. Faziam de conta que o pouso de uma aeronave desconhecida não tinha nada de extraordinário. Chegaram à cidade.

Os prédios não eram muito altos. Tinham três ou quatro andares. Os telhados horizontais eram um convite para um bom bate-papo no ar morno do anoitecer. O gigantesco sol vermelho aproximava-se da linha do horizonte. Os transeuntes acotovelavam-se nas ruas. Andavam devagar, como quem não tem nada a fazer. Alguns anúncios luminosos faziam propaganda de locais de recreação. Havia poucos veículos, na sua maioria estacionados junto ao meio-fio.

Gogol e seus três companheiros ficaram cada vez mais apavorados. Ninguém lhes dava atenção, mas os gatasenses viram com seus olhos traseiros que, vez por outra, alguém se virava para eles. Mas era só isso.

— Só encontro uma explicação. Alguém esteve aqui antes de nós — cochichou um dos oficiais ao ouvido de Gogol. — Mas como? Por que não eliminaram os habitantes do planeta? Por que esta civilização ainda existe?

Gogol não sabia responder a estas perguntas. A reação dos nativos não combinava com suas experiências, nem com a dos seus três companheiros, e não podia ser compreendida sem alguma explicação. Fez sinal para um dos oficiais.

— Pegue a psicotradutora — disse. — Talvez consigamos comunicar-nos com eles, isto é, desde que pensem. E tenho certeza de que pensam alguma coisa, mesmo que não nos dêem atenção.

A tradutora era um pequeno aparelho, capaz de receber os impulsos mentais e as ondas cerebrais de qualquer ser inteligente e transformá-los em sons compreensíveis — igualmente ao conversor de símbolos dos terranos. Desta forma podia-se entrar em contato com qualquer ser pensante.

Gogol esperou mais um pouco.

Quando iam passando por um grupo de pergalenses, pisou involuntariamente no pé de um deles. Gogol parou para observar sua reação. Em seu mundo o incidente daria origem a uma discussão acalorada.

Mas aqui as coisas eram diferentes.

O pergalense fez uma mesura e cochichou um pedido de desculpas.

A tradutora trouxe a melhor prova disso.

— Desculpe, venerável, que meus pés sujos ficaram no seu caminho — soou a voz saída do aparelho. — Não mereciam ser pisados pelo senhor, e volto a pedir muitas desculpas. Caso deseje uma reparação, terei muito prazer em cultivar seus campos por dois meses.

Gogol fitou o pergalense. Empertigou-se e continuou andando, sempre acompanhado por seus companheiros, que pareciam estupefatos.

— Não é possível! — gaguejou. — Será que ele não percebeu que nós somos diferentes?

— Quer que eu experimente? — perguntou o cientista e olhou em torno, à procura de uma vítima. — Aposto que conseguirei deixá-lo nervoso.

Gogol pôs-se a refletir. Se estes nativos pacatos, chamados de pergalenses, não se deixavam abalar por nada neste mundo, talvez haveria a possibilidade de recorrer à medida número três sem cometer traição. Mas não lhe cabia decidir sozinho. A decisão deveria ser tomada por deliberação da maioria dos oficiais. Como comandante só poderia retardar a decisão, o que até então tinha feito com pleno êxito.

— Não posso impedi-lo — disse depois de algum tempo, dando seu consentimento. — Provoque os pergalenses. Mas acho que a reação não será a que o senhor espera e deseja.

Naturalmente o cientista compreendeu a insinuação do comandante. Já percebera que Gogol retardava a destruição, que era uma medida inevitável, e estava à procura de desculpas. Não compreendia tal atitude.

Aproximou-se de dois pergalenses que estavam parados à frente de uma loja, contemplando os artigos expostos sem dar atenção aos estranhos visitantes. O oficial que segurava a tradutora permaneceu a seu lado.

— Sabem quem somos? — disse, e esperou que o aparelho traduzisse suas palavras numa língua que ele não compreendia. Os pergalenses viraram a cabeça, olharam para ele e fizeram um gesto incompreensível com a cabeça.

— Não — disse um deles. — Nem queremos saber. Vão para o lugar de onde vieram. Não os queremos aqui.

O gatasense bateu no rosto do pergalense.

Gogol ficou chocado, mas via no incidente uma pequena chance de evitar o pior. Se os nativos não se deixassem arrastar a qualquer ato de violência, poderia invocar a lei de seu povo. Fazia séculos que esta lei não era interpretada em sentido positivo, mas alguém tinha que ser o primeiro.

O pergalense que recebera a bofetada no rosto ficou com as mãos abaixadas. Fitou o oficial, fez uma ligeira mesura, cochichou um pedido de desculpas — e saiu andando. Seu companheiro foi com ele.

O oficial de Gogol seguiu-os com os olhos. Se seu rosto frio fosse capaz de mostrar alguma emoção, naquele momento se veria nele uma expressão de raiva e desapontamento. Nenhum dos transeuntes incomodou-se com o incidente. Fizeram de conta que Gogol e seus companheiros não existiam.

— Não deveríamos ter pousado — disse o cientista, dirigindo-se a Gogol. — Foi um erro.

— Não acho. Esta raça é tão pacata que não deve ser destruída sem que o Conselho delibere a este respeito. O senhor conhece a lei, não conhece? Ela admite exceções e até proíbe a limpeza de um planeta habitado por uma raça diante de cujo comportamento se possa concluir que a mesma manterá uma atitude totalmente passiva diante dos vermes do pavor. Acho, portanto, que acabamos de encontrar uma raça que corresponde a esta descrição.

— Quem lhe garante que esta raça é incapaz de qualquer violência? — havia um tom de espreita na voz do cientista. Até parecia que o mesmo estava armando uma cilada ao comandante. — É possível que só se tenham conformado com nosso comportamento porque nós os surpreendemos. Ninguém aceita humilhações ou ofensas por muito tempo, sem procurar defender-se contra as mesmas. Basta que um deles se revolte contra nós para que a lei esteja do nosso lado. Quem sabe não conseguiremos encontrar um dos representantes legais de seu governo?

Naquele dia as buscas foram infrutíferas.

O cientista provocou mais alguns pergalenses, mas teve o desgosto de ver que nenhum deles pensou em outra coisa senão formular um pedido de desculpas muito cortês e continuar andando. Nem mesmo quando os três oficiais surraram uma mulher em plena rua principal, qualquer dos pergalenses esboçou uma reação. Assistiram a tudo com a maior indiferença ou prosseguiam no seu caminho. A mulher levantou-se, pediu desculpas por ter nascido, desejou aos desconhecidos uma agradável permanência no planeta, ajeitou as roupas e saiu andando.

Aquilo era de enlouquecer.

— Então? Está convencido? — perguntou Gogol, quando se encontravam novamente a bordo da nave.

O cientista conseguiu controlar a raiva.

— Por que faz tanta questão de invocar o parágrafo benevolente, que há muito tempo tinha caído no esquecimento? Até agora nunca pousamos para visitar os habitantes dos mundos que consideramos apropriados. O senhor está vendo o resultado.

— Qual é mesmo o resultado? Neste sistema descobrimos três planetas apropriados. Será que não basta? Os pergalenses — descobrimos que eles se chamam assim — não conhecem a navegação espacial. Portanto, não têm como chegar aos outros planetas e perturbar o verme do pavor. Por que iríamos destruí-los? Somente para conseguir mais um mundo?

— Nunca temos mundos que chega...

— Devemos cumprir a lei. Sei que nos últimos séculos a mesma raramente tem sido aplicada em sentido positivo, mas o fato é que ela existe. Tenho certeza de que desta vez temos todos os motivos para observá-la. Alguma objeção?

— Tenho muitas, comandante. Já que faz tanta questão de poupar os pergalenses, o senhor terá de convencer a mim e aos outros oficiais de que nada, absolutamente nada, pode levar os nativos a praticar uma violência. Amanhã destruiremos parte da cidade deles, saquearemos as lojas e mataremos todas as pessoas com que nos encontrarmos. Se depois de tudo isso eles ainda nos deixarem em paz, eu me submeterei à sábia decisão de meu comandante.

Os outros oficiais fizeram gestos de assentimento. Via-se que tinham certeza absoluta de que no dia seguinte conseguiriam derrotar o comandante na votação.

Gogol aceitou a sugestão do cientista. Não teve alternativa.

 

O destacamento que desembarcou no planeta foi comandado por Gogol. O cientista acompanhou-o com mais dez gatasenses que não sabiam o que eram escrúpulos. Estavam todos fortemente armados, inclusive Gogol.

Grupos de pergalenses trabalhavam nos campos que cercavam a cidade. Alguns deles levantaram os olhos ao verem os desconhecidos passar. Mas ninguém seria capaz de dizer o que se passava em seu cérebro. Ninguém que não os conhecesse.

Não havia tanta gente nas ruas como no fim da tarde do dia anterior. Alguns veículos desviaram-se do destacamento, dirigindo com cuidado e em velocidade reduzida. Os gatasenses foram vistos, mas ninguém lhes dava atenção.

— Escolha o lugar em que devemos começar — disse Gogol.

— O lugar não importa — o cientista apontou para um edifício enorme que ficava à sua direita. Estava cercado por um jardim e um muro alto separava-o da rua. Havia dois pergalenses uniformizados junto à entrada. — Deve ser alguma repartição. Talvez até seja a sede da polícia.

— Ainda não vi nenhum policial.

— Neste caso deve ser outra repartição. Vamos reduzi-la a cinzas. Mãos à obra...

Gogol quis objetar alguma coisa, mas sabia que seria inútil. Afinal, ele mesmo mandara o cientista escolher o objeto de sua experiência.

Os homens espalharam-se. Alguns transeuntes ficaram parados para assistir a tudo. Um dos oficiais ameaçou-os com a arma. Os transeuntes cumprimentaram-no com um gesto amável, sem sair do lugar. O oficial atirou. Dois pergalenses foram mortos na hora.

Os outros pergalenses viraram-se e saíram andando, como se nada tivesse acontecido.

— Devem estar loucos! — gritou o cientista, enfurecido. — Nunca reagem, nem mesmo a uma coisa destas! Vamos, destruam o palácio! Não deixaremos pedra sobre pedra. Veremos se isso não os faz sair de sua maldita calma.

Dez desintegradores gaseificaram os alicerces do edifício, que ruiu numa questão de segundos, sepultando os ocupantes sob os escombros. Uns poucos que conseguiram escapar foram mortos a tiros pelos gatasenses.

Gogol ficou parado na rua, assistindo ao espetáculo. O cientista encontrava-se a seu lado.

— Então...? Vejamos se ainda nos tratam como amigos.

Um automóvel vindo do centro da cidade aproximou-se. Parou perto dos dois gatasenses. Dele desceram dois pergalenses, que usavam uma espécie de uniforme enfeitado com numerosas faixas douradas. Seus rostos continuaram amáveis, enquanto se aproximavam de Gogol e do cientista. Gogol ligou a tradutora.

— Vejo que o edifício da prefeitura ficou no seu caminho — disse um dos pergalenses. — Sinto muito. Bastaria avisar-nos, e nós o teríamos demolido. O senhor nem imagina quanto prazer teríamos em poupar-lhes o trabalho... Queiram desculpar.

Gogol fitou-o.

O cientista não levou tanto tempo para recuperar-se da surpresa.

— Nós o destruímos de propósito — disse.

— Ah, quer dizer que isso lhes deu algum prazer? — o pergalense não parecia ter nenhuma objeção a que um edifício destes fosse destruído por puro prazer. Nem falou nos mortos. — Neste caso queiram desculpar o incômodo — virou-se para ir embora.

Gogol segurou-o pela manga do casaco.

— Um momento... Não vai perguntar por que fizemos isto? Não está interessado em saber quem somos e de onde viemos? Não se importa em que algumas pessoas de sua raça sejam mortas sem qualquer motivo? Por que não se defendem?

O pergalense olhou para a mão que o segurava pelo braço. Não fez menção de afastá-la.

— Será que obteríamos alguma resposta às nossas perguntas? — indagou em tom indiferente. — O que significa defender-se?

Gogol soltou-o. Recuou um passo e fez um sinal para o cientista. Agora o problema era dele.

Os outros gatasenses pertencentes ao destacamento aproximaram-se. Formaram um círculo em torno do grupo.

O cientista segurou um dos pergalenses na altura do peito e sacudiu-o violentamente.

— Será que não há nada que possa abalar vocês? Vamos! Defendam-se! Façam alguma coisa! Ataquem-nos, procurem expulsar-nos...!

Gogol ficou satisfeito no seu íntimo ao notar certo desespero na voz do cientista. Este já não sabia o que fazer. As reações dos nativos deste mundo eram completamente anormais. Quase chegavam a ser apavorantes. Deixavam que fizessem qualquer coisa com eles, cumprindo literalmente as condições do dispositivo legal que Gogol queria aplicar.

O cientista empurrou o pergalense para longe. O rosto do mesmo contorceu-se num sorriso.

— Destruiremos a cidade — disse em tom furioso. — Um destes idiotas pacatos há de esquecer a educação que recebeu e levantará a mão contra nós. Quando isso acontecer, nada nos impedirá de...

— O senhor está enganado — interrompeu Gogol. — Dei permissão para provocar os pergalenses. O senhor incendiou o edifício da prefeitura deles e matou grande número de nativos. Já basta! Ordeno a aplicação da medida número quatro.

— Da medida número quatro? — o cientista não procurou dissimular o espanto. — Quer dizer que o planeta será deixado em paz? Nós o consideraremos inadequado aos nossos objetivos?

— É isso mesmo! Encontramos três mundos neste sistema. É quanto basta.

— O conselho dos oficiais decidirá isto — voltou a olhar para trás e viu os dois pergalenses entrarem no carro e irem embora. Um deles virou a cabeça e despediu-se com um gesto amistoso. Até parecia que os gatasenses eram velhos amigos. A mão do cientista fez um movimento em direção à arma, mas conseguiu controlar-se. Ficou parado, até que o carro desaparecesse. — O senhor ainda não ganhou a parada, comandante. Enviarei um relatório minucioso ao conselho de Verth V.

— Tudo bem — respondeu Gogol com o coração aflito. — Desde que o senhor não se esqueça de nada.

Ficou para trás, enquanto o cientista e seus dez acompanhantes saíam andando.

Os pergalenses não lhe davam nenhuma atenção. Passou pelas lojas, hotéis e residências, e admirou-se de que pudesse existir uma civilização como esta, que não conhecia a violência. Afinal, mesmo neste planeta deveria haver divergências, que sempre podem levar a desentendimentos. Nem tudo pode ser resolvido pacificamente. O que fazia essa gente quando havia um confronto de opiniões, sem que se pudesse chegar a um acordo? O que fariam se alguém lhes dissesse que precisava de seu mundo para garantir a reprodução de um monstro e lhes dissesse que seriam exterminados?

Gogol deteve um pergalense. Trazia a pequena tradutora presa ao cinto. Ligou-a.

— Desculpe por dirigir-lhe a palavra — disse Gogol em tom amável. O pergalense fitou-o com uma expressão de tranqüilidade. — Viemos de um mundo diferente. Posso fazer-lhe algumas perguntas?

— Pergunte...

Esta palavra foi pronunciada num tom tranqüilo e impessoal. Até parecia que alguém lhe dirigira a palavra na praça principal de uma cidade, para perguntar as horas.

— Provocamos e até chegamos a matar alguns representantes de sua raça. Destruímos um edifício. Ofendemos seu povo. Fizemos tudo para provocá-los. Por que não reagem? Por que aceitam tudo isso? Amam a paz a tal ponto que preferem morrer a ferir alguém?

— Por causa de uma ofensa ninguém perturbará a paz — respondeu o pergalense. — Quanto à morte... É inútil resistir a ela. Por que se haveria de resistir? O que vem depois da morte é mais belo que a vida. Todos anseiam pela morte. As pessoas que vocês mataram são invejadas. Por todos nós.

— Quer dizer que para vocês a morte é uma coisa desejável? — Gogol já não acreditava no que a tradutora dizia, muito menos no que ele mesmo ouvia. — Se amam tanto a morte, por que ainda estão vivos?

O pergalense sorriu como quem sabe tudo.

— Como poderíamos experimentar a morte se não tivéssemos vivido?

— E as guerras e armas? Vocês não as conhecem? Se amam a morte, por que não lutam?

— Tudo é predeterminado pelo destino, forasteiro. Não adianta rebelar-se contra o mesmo. Se o destino quer que eu seja morto por vocês, nada posso fazer. Se eu morresse agora, minha vida estaria cumprida.

— Se a morte é tão bela, por que vocês não se matam?

O pergalense fez um gesto de repulsa.

— Matar-nos? Nunca! Pois isso nos privaria dos frutos da morte. Será que você não sabe que só o suicida morre de verdade?

“É uma espécie de religião”, pensou Gogol, decepcionado. “A estranha concepção de vida ou concepção da morte dessa gente baseia-se em motivos religiosos. Então é isso! A filosofia deles não tem nada que ver com a estrutura social desta civilização.”

— Sabíamos que um dia isso aconteceria, mas não estamos assustados. Um dia irão embora, porque aqui não encontrarão nada que tenha valor para vocês. É possível que matem mais alguns dos nossos, mas com o tempo acabarão cansando.

“Então é isso”, pensou Gogol. “Eles pensam que matamos por prazer. Se não se defendem, isso não nos daria nenhuma satisfação. É apenas uma tática. Será mesmo...?”

— Viemos para exterminar a raça de vocês — disse Gogol, falando bem e enfatizando cada palavra. — Ninguém continuará vivo, porque queremos este planeta sem vida.

O pergalense fez um gesto amável.

— A morte para todos? Dê licença, mas preciso comunicar isto aos amigos. Ficarão felizes; pelo menos alguns deles. Naturalmente sempre existem aqueles que não querem se separar da vida, ou melhor, desta existência sombria que costumamos chamar de vida.

E saiu apressadamente.

Gogol seguiu-o com os olhos.

Faria tudo que estivesse ao seu alcance para evitar a destruição desta raça. Sua afeição pela morte era estranha e antinatural, mas era inegável que tinham um gênio pacato. Nem mesmo os oficiais e cientistas poderiam negar isso. Os pergalenses nunca representariam um perigo para os gatasenses. Apenas queriam conservar seu mundo para si mesmos.

Depois de ter tomado esta decisão, Gogol sentiu-se aliviado. Depois de tantas crueldades cometidas por ele, a consciência da própria bondade lhe fazia bem. Talvez tivesse matado demais sem pensar. Todavia, desta vez as coisas seriam diferentes. Descobrira que um antigo dispositivo legal podia ser aplicado ao caso. Estava no seu direito quando insistia em que este planeta do sol vermelho fosse poupado.

Chegou à nave sem que ninguém o molestasse.

Os oficiais já estavam à sua espera. Seus rostos não diziam nada, porque não eram capazes de exprimir qualquer coisa.

— Comandante — disse o cientista — decidimos que o segundo planeta deste sistema será reservado para o verme do pavor.

Isto significa que sua sugestão foi recusada. A operação de extermínio será iniciada imediatamente.

Gogol permaneceu imóvel à frente dos controles da sala de comando. Sabia que, quando a maioria dos oficiais tomava uma decisão, não se podia fazer nada contra isso. Nestas coisas o poder do comandante de uma nave gatasense não era ilimitado. Estava submetido ao conselho dos oficiais, ao menos no que dizia respeito às tarefas exploratórias propriamente ditas. E naturalmente a assuntos como este de que tratavam agora.

— Lanço meu protesto contra a operação — disse Gogol sem muita esperança.

— O senhor tem toda liberdade de dirigir oportunamente sua queixa ao conselho dos cientistas.

— Quando eu fizer isso, a raça que se encontra lá fora já terá sido exterminada. Volto a invocar o parágrafo...

— Este dispositivo já não tem aplicação, Gogol. Não sei o que houve com o senhor. Por que faz tanta questão de que estas criaturas sem fibra sejam poupadas? Que finalidade pode ter a vida deles, se nem sequer se defendem de um ataque?

— Se eles o tivessem feito, nenhuma lei poderia ser invocada a seu favor.

— Pouco importa! A decisão foi tomada. Dê início à operação. Ou prefere que eu assuma seu posto? Neste caso terá de responder a um processo em Verth V, por rebeldia no cumprimento do dever...

Gogol teve a impressão de que um laço se fechava em torno de seu pescoço. Não se arrependeu do que pensara e fizera, mas sabia que dificilmente conseguiria reabilitar-se. E tudo isso acontecia porque cedera a um impulso súbito e totalmente incompreensível, que não combinava com seu caráter.

Ele, o comandante cruel e implacável de uma nave de extermínio, de repente sentia compaixão por uma raça desconhecida, muito inferior à sua. Por uma raça que, em comparação com os gatasenses, podia ser considerada um bando de selvagens.

Seriam realmente selvagens?

— Então? — perguntou o cientista em tom impaciente.

Gogol já não via nenhuma saída. Empertigou-se.

— Conduzirei a operação, que terá início dentro de uma hora...

Não usou a palavra hora, mas referiu-se à unidade de tempo dos gatasenses. Os oficiais concordaram e fizeram os preparativos. Tomaram-se todas as providências para que a nave pudesse entrar em ação. Subiria à estratosfera e de lá mataria a população do planeta.

Gogol ficou parado junto à escotilha da sala de comando e lançou os olhos para os campos verdes que cercavam a cidade. Viu grupos de trabalhadores entre as longas fileiras das plantações. Vez por outra olhavam para a nave, falavam uns com os outros e riam. Um deles chegou a acenar com a mão.

De repente soou a campainha de alarme da sala de comando.

Gogol sobressaltou-se. Atravessou aos saltos o corredor que levava para a sala de rádio, onde um oficial gesticulava nervosamente com as mãos.

O hiper-receptor transmitia impulsos rítmicos. Estes impulsos não poderiam ser traduzidos em palavras, mas não havia a menor dúvida quanto à sua origem.

Eram os impulsos organo-hipermecânicos de um verme do pavor adulto, que estava enviando um pedido de socorro para Tombstone, que era seu planeta de origem. Este sinal foi captado por puro acaso.

— Um verme do pavor? Onde?

— Estamos fazendo a determinação goniométrica de sua posição, senhor.

Era o pedido de socorro de um verme do pavor, o sustentáculo de sua raça!...

Gogol reconheceu imediatamente a chance que isso representava. Um pedido de socorro como este tinha prioridade absoluta sobre qualquer tarefa. Tinha de ser atendido. Não podia haver tarefa mais urgente que a de ir em apoio de um verme do pavor que se encontrava em dificuldades, ajudá-lo e destruir seus inimigos.

Gogol não poderia saber qual era o verme do pavor que estava transmitindo o pedido de socorro. Havia centenas de exemplares de sua espécie em mundos desabitados e por vezes em mundos habitados. Esta criatura podia ficar exposta a inúmeros perigos, mesmo que seu corpo fosse invulnerável. Desde o momento em que os terranos que habitavam o outro lado da Galáxia se haviam intrometido nos assuntos dos gatasenses, sempre havia dificuldades.

— Já tenho a direção, senhor — disse o oficial de rádio, entregando um bilhete ao comandante. — Estamos fazendo a determinação da distância.

Gogol aproximou-se dos mapas cósmicos. A direção...? Havia uma concentração solar a cerca de cinqüenta anos-luz de distância. Quem sabe...

— Aqui está a distância, senhor.

Isto mesmo. O pedido de socorro vinha da tal concentração solar. As coordenadas cosmonáuticas exatas poderiam ser fixadas durante o vôo de aproximação.

— Obrigado.

Gogol saiu da sala de rádio e voltou ao centro de comando o mais rápido que pôde. Os cientistas e alguns oficiais já estavam à sua espera. Gogol mostrou o bilhete.

— É o pedido de socorro de um verme do pavor — disse em tom de triunfo. — Partiremos imediatamente.

O cientista aproximou-se. Falou em tom ameaçador.

— E o planeta em que estamos? O senhor esqueceu?

Se pensava que poderia intimidar o comandante, estava muito enganado. Se o cientista sentia um ódio inexplicável pelos pergalenses, que eram uma raça amante da paz, Gogol tinha uma simpatia também inexplicável por eles. Mas no fundo o prestígio de um e de outro estava em jogo.

— Não esqueci coisa alguma, e recomendo-lhe que não esqueça as leis supremas de nossa raça. O pedido de socorro tem prioridade. Ordeno a decolagem imediata. Agora é sua vez de protestar contra minhas ordens, mas quero deixar bem claro que o chamarei à responsabilidade perante o tribunal dos cientistas.

O cientista encolheu-se.

— Não estou protestando, mas exijo que este planeta seja registrado como um mundo apropriado.

— Deixe isso por minha conta — respondeu Gogol, e decidiu esquecer o registro no diário de bordo. — Conheço minhas obrigações. Do contrário não estaria no comando desta nave.

O cientista voltou a fitá-lo com uma expressão sombria antes de retirar-se da sala de comando. Havia um brilho traiçoeiro no par de olhos que ficava na parte traseira do crânio.

Gogol deu ordem para que a nave decolasse.

Dali a alguns minutos ficou junto à escotilha, um tanto pensativo, e observava os campos verdes que pareciam deslocar-se para baixo. A cidade tornava-se cada vez menor e o planeta transformou-se numa bola.

Nunca se esqueceria dos trabalhadores do campo, que olhavam com uma expressão amistosa para a nave que se afastava.

O sol vermelho ficou para trás rapidamente, quando a nave saltou para o hiperespaço. Dali a alguns segundos surgiu na região da proa a concentração estelar à qual os terranos haviam dado o nome de concentração de Hiesse.

As operações goniométricas foram iniciadas.

Dentro de pouco tempo o resultado foi entregue a Gogol.

O pedido de socorro do verme do pavor vinha de um sistema solar não registrado, que possuía oito planetas. Depois de mais algumas horas constatou-se que o ponto de partida da hipertransmissão só podia ser o quarto planeta do sistema.

Gogol mandou que a nave se dirigisse a este planeta, e que as armas de extermínio fossem preparadas.

Desta vez não teria a menor complacência.

O episódio do planeta Pergal II estava esquecido.

Isto foi uma felicidade para os pergalenses, que não desconfiavam de nada.

Mas foi uma grande infelicidade para os seres que ainda continuavam vivos no planeta Trion.

 

O Major Garryklu escapou da morte por pura sorte. Quando o verme do pavor deu início à sua obra de destruição, ele se encontrara perto da escotilha de carga inferior. A onda de pressão provocada pela primeira explosão atirou-o para fora da nave. Quando conseguiu colocar-se de pé, não teve como deter a fuga em massa dos sobreviventes. Pelo contrário. Também foi dominado pelo pânico e fugiu.

Tal qual a maioria dos tripulantes, tomou a direção do vale que se estendia até as cavernas. Passou perto do Coronel Hiesse, mas não o viu. A sua retaguarda o ar foi sacudido pelas explosões atômicas. O verme do pavor estava transformando a nave Explorer 5207 num monte de sucata radioativa.

Os sobreviventes haviam encalhado em Trion. Nem sequer foi possível transmitir um pedido de socorro, porque tudo se passou muito depressa. Era verdade que a Explorer 318 estaca informada sobre sua posição, mas ninguém sabia quando o Coronel Tuchmann julgaria necessário verificar o que estava acontecendo neste planeta. Não tinha motivo para supor que existisse uma situação de emergência.

Além disso havia os trionenses, inimigos implacáveis dos terranos, que não descansariam enquanto não tivessem vingado seus mortos.

Garryklu nem chegou a pensar no verdadeiro inimigo. Mas pensou no verme do pavor e ficou refletindo sobre os motivos que poderiam ter levado o animal a, em sua fúria, destruir a nave terrana, sem antes entrar em contato com seus aliados.

Nem se lembrou da possibilidade de que tudo poderia ter sido causado por um mal-entendido. Para ele era perfeitamente natural que qualquer criatura fizesse uma distinção entre os trionenses e os terranos.

Parou para descansar. Atrás dele um cogumelo de fumaça escura cobria a planície pedregosa. Alguns sobreviventes haviam fugido encosta acima e estavam esperando. “O que estão esperando?”, pensou Garryklu. “O verme do pavor?” O verme do pavor!

Não havia como fugir do monstro ou resistir ao mesmo. Não se conhecia nenhuma arma capaz de destruí-lo. De outro lado, o monstro não teria a menor dificuldade em deslocar-se aos saltos para alcançar os terranos e matá-los. Suas radiações orgânicas eram capazes de derreter o aço a dezenas de metros de distância.

Garryklu viu um movimento entre os destroços fumegantes da nave. Era o verme do pavor que saía das ruínas rastejando. Aproximou-se lentamente do vale. O major viu um homem que se colocou à sua frente ser morto. Não sabia que era o Coronel Hiesse, que tentara entrar em contato com o verme enfurecido.

Garryklu continuou a correr. Precisava chegar às cavernas antes que o verme do pavor o alcançasse. Lá encontraria alguns sobreviventes. Talvez houvesse uma possibilidade de comunicar-se com os trionenses, que, a esta altura, tinham também o mesmo inimigo comum: o verme do pavor.

“Mas estaremos todos perdidos se ninguém vier buscar-nos”, pensou Garryklu. Um dia os gafanhotos córneos sairiam dos ovos, e então não haveria salvação para eles.

Mais uma vez esqueceu outro grande perigo: os blues.

Cerca de trinta homens reuniram-se ao pé das montanhas. Garryklu ficou satisfeito ao notar que entre eles havia alguns oficiais e cientistas experimentados. Esperava que com o auxílio dos mesmos conseguiria entrar em contato com os trionenses. Mandou que o sargento Wilkins e o Tenente Krause, que era muito entendido em semântica, comandassem a patrulha. Wilkins era o substituto de Marfitz, que morrera. Era um dos melhores técnicos em armamentos que existiam a bordo da Explorer 5207. Mais cinco homens os acompanharam. Garryklu e os outros ficaram nas cavernas, fazendo votos de que no labirinto das mesmas pudessem escapar do verme do pavor.

Ninguém desconfiava de que o pedido de socorro do monstro já tivesse atravessado o espaço e fosse captado pela nave dos blues.

Krause e Wilkins examinaram suas armas, deram as últimas instruções aos membros da patrulha e saíram andando. O terreno oferecia proteção suficiente em todas as direções. Não havia como voltar à nave. Só havia uma possibilidade de salvar a vida: o entendimento com os trionenses e a formação de uma aliança contra o ex-amigo, o verme do pavor que enlouquecera.

— Que pena que os três prisioneiros morreram — disse Wilkins, quando depois de uma hora de marcha resolveram fazer uma pausa, parando atrás de um monte de pedras soltas. — Bem que poderiam ser-nos úteis. Tem uma idéia de como conversar com essas criaturas sem o conversor de símbolos?

— Não tenho a menor idéia — confessou Krause. — Estive presente quando foram interrogados pela primeira vez. Disseram algumas palavras em arcônida. É provável que os trionenses sejam descendentes dos arcônidas ou dos aconenses. Acho que a última hipótese é a mais provável. Creio que poderei comunicar-me um pouco com eles. Meus conhecimentos devem dar para alguma coisa.

— Seria bom se o senhor pudesse explicar-lhes que nossas intenções são pacíficas — disse Wilkins sem demonstrar muita esperança. — Já me daria por satisfeito com isso.

— Eu também — confessou Krause.

— É possível que carregar armas seja um erro. Esta atitude pode levar a mal-entendidos.

— Não tenho a menor vontade de deixar trucidar-me sem defesa — protestou Krause. — Se não quiserem ficar em paz conosco, prefiro morrer combatendo.

O terreno foi descendo um pouco. Mais a oeste voltava a subir. Gigantescos blocos de pedra impediam a visão. Apesar disso Wilkins viu um brilho metálico a cerca de um quilômetro de distância. Parou.

— Há alguma coisa lá na frente — disse, baixando instintivamente a voz. — Quem sabe se não estamos perto da base deles?

— E agora? — perguntou um dos homens.

— Precisamos dar-lhes um sinal. Quando notarem que procuramos entrar em contato com eles, não abrirão fogo.

— Alguém tem um lenço branco? — perguntou o tenente.

— Acha que um sinal destes seria compreendido? — perguntou Wilkins em tom de dúvida. — Como é que os trionenses podem saber...?

— Não é isso, sargento. Verão que estamos fazendo sinais, e isto deveria ser suficiente para mostrar que viemos para negociar.

— Não custa tentar — resmungou Wilkins e tirou um lenço. Era azul. — Acho que a cor não importa.

— Também acho.

Wilkins ordenou aos homens que, se necessário, lhe dessem cobertura, subiu numa rocha e ficou de pé. Tinha uma ótima visão do terreno e reconheceu imediatamente as torres de canhões da base inimiga. Viu os canhões girarem lentamente em sua direção. Seria fácil atingi-los e colocá-los fora de ação com seu desintegrador. Preferiu não fazê-lo. Levantou a mão que segurava o lenço e agitou-o violentamente.

Os canhões estavam apontados exatamente em sua direção. Wilkins sentiu que seu estômago se contraía. Se os trionenses atirassem, nada poderia salvá-lo. Nunca estivera tão próximo da morte. Os canhões pesados encontravam-se a menos de mil metros de distância.

Movia mecanicamente o braço, acenando com o lenço.

“Não podem deixar de me ver”, pensou, em desespero. “Nós não atiraríamos em alguém que viesse para negociar. Afinal, são uma raça civilizada como nós. Devem compreender quais são nossas intenções.”

Os canhões ficaram em silêncio.

De repente Wilkins viu um movimento no topo de uma colina, e a silhueta de um homem destacou-se contra o céu.

Era um trionense!

Via-se perfeitamente que segurava um fuzil. Ergueu-o acima da cabeça, manteve-o nesta posição por algum tempo — e atirou-o para longe. Depois disso acenou com a mão.

Era uma linguagem de sinais.

Wilkins compreendeu imediatamente. Pegou seu desintegrador, também o levantou de tal maneira que o outro pudesse vê-lo — e atirou-o para longe.

O homem que se encontrava em cima da colina desapareceu.

Wilkins virou-se para seus homens.

— Acho que eles nos compreenderam, tenente. Suba com os outros. Temos de atirar fora as nossas armas, de tal forma que eles o vejam. Devem ter um medo terrível de nossas armas energéticas. Acho que se formos desarmados para perto deles nada nos acontecerá.

— É um risco danado — resmungou Krause em tom desconfiado. — Sem uma arma sinto-me nu neste planeta. Ficarei ao menos com a pistola.

— Não acho recomendável, mas é possível que não sejamos revistados.

Ficaram parados por um minuto sobre a rocha plana. Sabia que os trionenses os viam perfeitamente, talvez através dos binóculos ou em telas de imagem. Um após o outro foram atirando a arma para longe.

Ficaram à espera.

Novamente notaram um movimento na colina. Os canos ameaçadores dos canhões voltaram a ser girados, desta vez em direção ao céu. Já não apontavam para a patrulha. Alguns vultos vieram andando pela encosta pedregosa, formando um grupo. Pelo menos uma dezena de trionenses aproximaram-se dos terranos, em formação de leque.

— Sinto uma sensação esquisita — disse Krause. — Mas se quisessem matar-nos já o teriam feito. Quem sabe se não estão dispostos a negociar, apesar de se encontrarem em situação mais favorável? Ainda não sabem que o verme do pavor destruiu nossa nave.

Wilkins ficou calado. Não tirava os olhos dos trionenses que se aproximavam. Notou que estavam armados. Fez um movimento discreto em direção ao bolso onde estava escondida sua pequena arma energética. A sensação do metal frio fez com que recuperasse a autoconfiança. Ficou satisfeito por ter aceito o conselho de Krause. Afinal, os trionenses também estavam armados.

Encontraram-se a uns quatrocentos metros da colina.

Os trionenses cercaram-nos e iam estreitando o círculo. Mantinham os fuzis antiquados apontados para eles. Wilkins sabia que com sua arma energética poderia matar sozinho metade deles, antes que fosse atingido por uma bala. Se tivesse sorte até poderia sair vencedor do confronto. Mas a base estava muito próxima. Os canhões o liquidariam juntamente com os outros homens do grupo.

Um dos trionenses adiantou-se. Parou a dez metros dos terranos.

Não se distinguia de qualquer ser humano. Talvez fosse um pouco mais magro que o terrano médio, mas era só isto. Wilkins logo se deu conta de que a criatura que se encontrava à sua frente era um descendente dos velhos arcônidas ou talvez até dos aconenses. Em todas as partes Galáxia eram encontrados os descendentes dos colonos abandonados, que haviam construído um novo mundo e esquecido seu mundo de origem. Desta forma foi colonizada a Galáxia, e todas as raças inteligentes se pareciam.

Até mesmo na língua havia elementos comuns.

O Tenente Krause aproximou-se de Wilkins.

— Vocês nos compreendem? — perguntou, dirigindo-se ao chefe dos trionenses, que o fitava com uma expressão sombria, certamente pensando nos mortos e na perda de seis espaçonaves. — Viemos em paz.

A resposta foi incompreensível, mas Krause conseguiu imaginar duas ou três palavras. Se o trionense falasse devagar, talvez conseguisse entender mais. A comunicação seria difícil, mas não impossível. Devia haver boa vontade de ambos os lados.

O trionense procurou explicar aos terranos que os mesmos deviam acompanhá-lo.

Naquele momento seria completamente inútil tentar discutir. Os terranos obedeceram prontamente. Caminharam em direção à base, cercados pelos trionenses. A base ficava escondida entre as rochas.

Uma cúpula baixa de metal estava grudada ao terreno irregular. As posições de artilharia estavam espalhadas em torno da mesma. Provavelmente possuíam ligações subterrâneas. Outros trionenses saídos de valas próximas apareceram, segurando fuzis. Pareciam curiosos. Wilkins não achou que fossem antipáticos. Por que não haviam tentado antes negociar com eles? Provavelmente esta guerra só irrompeu por engano — como acontece com a maior parte das guerras.

Uma porta abriu-se na cúpula. Um homem uniformizado muito alto saiu da mesma. Não estava armado e devia ser um oficial de patente elevada, a julgar pelos distintivos no uniforme. Parou à frente de Wilkins e seu grupo. Krause fez um grande esforço de concentração, para ver se entendia pelo menos metade do que o outro dizia. Como especialista em semântica tinha uma capacidade toda especial de adivinhar o sentido de uma frase com base em alguns fragmentos. Além disso, certos gestos podiam reforçar o significado e a importância de algumas palavras. Além disso, a linguagem de símbolos contribuía para conferir um sentido a certos símbolos verbais.

Apesar disso Krause não tinha certeza de ter compreendido bem o que o trionense quis dizer.

— O que vocês querem?

Krause entendeu a expressão “o que”. O núcleo destas palavras mudara pouco e ainda era empregado no intercosmo. O resto era fácil de adivinhar.

Krause usou sinais e palavras para explicar ao oficial-comandante trionense que não queriam lutar mais contra eles. Foi compreendido. O rosto do comandante assumiu uma expressão mais amável. Fez um sinal e retirou-se para o interior da cúpula. Os sete terranos seguiram-no. Sentiam-se mais aliviados. O grupo de choque dos trionenses ficou do lado de fora.

O interior da cúpula era bastante espaçoso. Vista de fora a abóbada parecia achatada, mas ela continuava embaixo do solo. Nela tudo era novo. Evidentemente os trionenses só a haviam construído há algumas semanas ou meses. A cúpula envolvia a base subterrânea, mas Wilkins constatou que a mesma poderia ser destruída com simples canhões energéticos. Não oferecia nenhuma proteção, pois ficaria incandescente e todos os trionenses que se encontravam embaixo da mesma morreriam carbonizados.

De ambos os lados viam-se portas fechadas, que certamente levavam para as posições de artilharia e aos centros de comando. O corredor estava mal iluminado, o que levava a acreditar que as instalações fossem provisórias.

O comandante dos trionenses levou os prisioneiros para uma sala não muito grande. Alguns oficiais já os esperavam. Convidaram-nos a sentar e foram muito amáveis. Wilkins teve a impressão de que os trionenses desejavam a paz tanto quanto eles mesmos: os sobreviventes da Explorer 5207.

A primeira conversa entre terranos e trionenses revelou que as hostilidades poderiam ter sido evitadas, se de ambos os lados tivesse havido menos desconfiança nas ações e no pensamento. Fazia pouco tempo que os trionenses tinham chegado ao quarto planeta e instalado bases militares no mesmo. Não o fizeram para proteger-se contra estranhos, mas contra seu próprio povo. As condições políticas reinantes em seu planeta justificavam esse tipo de desconfiança. Havia dois blocos de poder em confronto — o de Felghan, ao norte, e o de Artrot, ao sul. Cada um temia que o outro quisesse construir uma base interplanetária da frota para a guerra atômica que se esperava. Foi por isso que surgiram as bases em Trion. Certo dia apareceram os desconhecidos, ou melhor, os terranos. Com o súbito aparecimento de um terceiro inimigo, a guerra latente entre os dois blocos de trionenses foi esquecida.

Wilkins não pôde deixar de pensar no passado dos terranos. Havia estranhos paralelos, apesar das dezenas de milhares de anos-luz que separavam os dois sistemas. No planeta Terra também tinha havido crises deste tipo, e não há dúvida de que a Humanidade se teria destruído a si mesma e transformado seu mundo num planeta inabitável, se a primeira expedição lunar não tivesse encontrado a lembrança deixada pelos arcônidas. A chamada Terceira Potência evitara a guerra atômica. No caso dos trionenses, os terranos estavam unindo dois mundos separados pela dissensão, muito embora por enquanto isso só tivesse acontecido em pequena escala, num planeta vizinho.

O Tenente Krause contou sua história. Teve dificuldades em explicar aos trionenses como era o verme do pavor. Não sabia se conseguiria, mas ao menos tentou demonstrar o perigo que representava o monstro. Por meio de sinais explicou ao trionense que tanto seu povo como os terranos não tinham outra alternativa senão abandonar o quarto planeta. Quem ficasse estaria perdido.

Naquele momento não imaginava que os fatos iriam confirmar suas palavras.

— Neste mundo existem matérias-primas, e precisamos delas. Não podemos abrir mão das mesmas. Elas nos pertencem.

— No momento este mundo pertence ao verme do pavor e aos seus descendentes, que ficarão livres de seus casulos dentro de alguns anos.

— Acontece que precisamos das matérias-primas agora. Mataremos o monstro.

Krause lançou um olhar para Wilkins e suspirou profundamente.

— Ninguém consegue matar o verme do pavor, nem mesmo com nossas armas energéticas. Ele é invulnerável. Quando descobrimos que vocês estavam aqui, procuramos tirá-lo do planeta. Durante a tentativa ele destruiu nossa nave. Precisamos de auxílio. Vocês têm de acreditar que temos de sair deste mundo o mais depressa possível. Não poderiam solicitar o envio de naves?

— Mal começamos a construir espaçonaves. Ainda temos poucas e seis delas foram destruídas. Estas seis naves poderiam ter-nos levado para casa.

O Tenente Krause começou a desconfiar de que só havia uma possibilidade de saírem dali enquanto era tempo: enviando uma mensagem pelo rádio para a Explorer 318, apesar da proibição. Mas de que forma, se o hipertransmissor não existia mais? Poderia ligar vários minicomunicadores em cadeia. Talvez dessa forma conseguisse entrar em contato com o Coronel Tuchmann.

— Talvez tenhamos possibilidade de chamar uma nave, desde que os senhores nos cedam sua central energética — disse, falando devagar.

O comandante dos trionenses fitou-o por alguns segundos sem dizer uma palavra. Depois pôs-se a conferenciar com seus oficiais. Falavam tão depressa que Krause não entendia uma palavra sequer. Mas desconfiava do que estavam conversando. Discutiam se não seria preferível confiar nas próprias naves, em vez de recorrer aos desconhecidos.

— Se quiserem chamar uma nave, não teremos nada a objetar — disse o trionense depois de algum tempo. — Podem dispor de nossa central energética.

Krause teve vontade de irromper em júbilo. Estavam salvos.

— Permite que usemos nossos transmissores para informar nossos amigos sobre o que acaba de ser decidido?

Obteve a permissão e logo conseguiu estabelecer contato com os companheiros.

— Uma hipermensagem? — o Major Garryklu não parecia muito contente. — Se for captada pelos blues, será o diabo. O senhor sabe que eles não devem ter conhecimento da existência do verme do pavor em Trion.

— Não temos alternativa. Só tenho um minicomunicador comigo. Precisamos pelo menos de cinco. Alguém dos seus homens tem um minicomunicador?

Verificou-se que seria possível juntar cinco aparelhos.

— Quer que lhes mande levar os aparelhos? — perguntou Garryklu.

Os trionenses não tiveram nenhuma objeção.

Krause aproveitou a espera para conversar com o comandante. Ficou sabendo quase tudo sobre a raça dos trionenses, a estrutura de sua civilização, seus problemas e angústias. De repente simpatizou com eles, pois sua história apresentava muita semelhança com a dos terranos.

Garryklu veio pessoalmente. Trouxe quatro aparelhos.

A central energética parecia suficientemente forte para enviar alguns impulsos condensados. Os pequenos aparelhos de rádio foram ligados em cadeia. Krause preparou a mensagem, indicou sua posição e relatou os acontecimentos, solicitando socorro urgente. Codificou a mensagem e transmitiu-a por três vezes. Não era possível aguardar a confirmação, porque a energia do receptor não era suficiente. Desta forma nem ficaram sabendo se o Coronel Tuchmann recebera seu hipersinal.

O comandante dos trionenses convidou Garryklu a reunir seus sobreviventes na base. O major ficou agradecido e aceitou. Aqui estariam em relativa segurança. Assim que o verme do pavor retornasse às cavernas, mataria tudo que lhe cruzasse o caminho.

O trionense também entrou em contato com seu mundo. Era uma operação complicada, porque sua tecnologia ainda não criara o hiper-rádio. Os sinais de rádio levaram alguns minutos para vencer a distância. E a resposta demorou o mesmo tempo.

Os sobreviventes da Explorer 5207 chegaram, trazendo suas armas. Largaram-nas sem que ninguém pedisse. A desconfiança entre terranos e trionenses foi desaparecendo. O Tenente Krause era o único que podia comunicar-se com eles, mas isso bastava.

Formaram uma patrulha conjunta para colher informações sobre o paradeiro do verme do pavor. Pelos rastros ele se retirara para as cavernas. Talvez ficasse lá, sem interessar-se pelos humanóides.

Krause e Wilkins foram alojados num quartinho. Os outros terranos passaram a noite num depósito vazio.

— Será que Tuchmann recebeu nossa mensagem?

Krause hesitou.

— Não podemos ter certeza. A energia talvez fosse suficiente, mas não sei se os aparelhos acoplados conseguiram vencer a distância. O senhor deve estar lembrado de que recebemos uma mensagem semelhante de um dos tripulantes da Kostana. Mal conseguimos decifrá-la. Se com Tuchmann acontecer a mesma coisa...

Wilkins confirmou com um gesto.

— Ele conhece nossa posição. Sabe que estamos aqui. Se receber uma mensagem “mutilada”, saberá que há algo de errado por aqui.

— Mas ficará sem saber o que está errado. Bem, podemos avisá-lo se entrar no alcance do nosso rádio.

Wilkins bocejou e deitou no leito primitivo.

— Ainda bem que conseguimos entrar em entendimento com os trionenses. Já é uma preocupação a menos.

— Até parece que estamos quase conseguindo — confirmou Krause.

Nem ele nem Wilkins poderiam desconfiar de que estavam cometendo um terrível engano.

Tuchmann recebeu uma mensagem mutilada e seguiu em direção ao sistema Labin-3. Mas chegou com dez horas de atraso.

 

Eis a história destas dez horas.

O verme do pavor voltou para a caverna. Durante o caminho que o levava para longe dos destroços da nave, através do vale e até as montanhas, alcançou constantemente terranos em fuga e os matou impiedosamente. Os terranos haviam cometido uma traição, e um traidor merece a morte.

Além da mente, também seu corpo estava tumultuado. Sentiu que o fim estava próximo. Dali a pouco morreria, mas antes disso precisava pôr seus ovos, deixando-os num lugar seguro. Isso seria possível enquanto houvesse um terrano no planeta? Não, não seria.

Mas sentia-se cada vez mais fraco. Não agüentaria a constante perda de energia por muito tempo. O mais simples seria chamar os benévolos — chamá-los seguidamente, até que aparecessem. Estes completariam sua obra e destruiriam os terranos.

Ficou parado à frente da caverna e voltou a emitir seu pedido de socorro. Enviou-o em direção a Tombstone, seu planeta de origem, mas sabia que qualquer nave que entrasse no setor atingido pelo impulso emitido em leque, seria capaz de captá-la e proceder à localização goniométrica. Bastaria deslocar-se na direção de onde viera a transmissão para chegar ao sistema em que ele se encontrava. O resto seria simples.

Não havia mais nenhum terrano no interior da caverna.

Encontrou seus depósitos de ovos intactos. Não tinham estado lá. Rastejou cautelosamente pelos corredores, à procura de um lugar apropriado.

Por que os terranos foram tão insensatos? Refletira muito sobre isso, mas não chegara a qualquer conclusão lógica. Por que eles o haviam trazido para perturbá-lo depois? Era uma atitude incompreensível! Aonde queriam chegar? Poderiam ganhar alguma coisa com isso?

Não encontrou resposta a estas perguntas, mas não se importou. O que importava era somente o comportamento traiçoeiro dos terranos. Seus motivos não o interessavam. Quando os benévolos chegassem, ele lhes contaria que sua raça se deixara levar pelas belas falas dos traiçoeiros terranos, e os informaria sobre o contrato que os vermes do pavor haviam celebrado com os terranos.

O pequeno descuido do Coronel Hiesse começou a trazer conseqüências catastróficas, não apenas para os sobreviventes de sua nave, mas também para Perry Rhodan. O erro cometido por um homem poderia abalar os alicerces de um gigantesco império.

 

A nave-molkex de Gogol aproximava-se da concentração estelar de Hiesse.

Havia sete sistemas solares na direção indicada pelos goniômetros. Se não fosse possível realizar outra determinação goniométrica, teriam de revistar os sete sistemas.

O cientista gatasense, que até então se mantivera em silêncio, aproximou-se de Gogol. Examinou os controles.

— O que pretende fazer, comandante?

— O senhor deve conhecer os regulamentos — disse Gogol em tom frio.

O cientista não perdeu a calma.

— Assim mesmo resolvi fazer a pergunta. O senhor sabe que tenho meus motivos.

— Está bem. Se isto o deixa mais tranqüilo, eu lhe direi.

Gogol transmitiu algumas instruções para a sala de rádio e prosseguiu:

— Encontraremos o verme do pavor e descobriremos qual é o perigo que o ameaça. Dar-lhe-emos toda ajuda, o que é nossa obrigação. É possível que tenha sido largado num mundo habitado, e alguém o esteja ameaçando. Como sabe, um verme do pavor velho é um ser fraco. A tarefa mais importante que têm de cumprir antes de morrer é a postura dos ovos. Se forem impedidos por muito tempo, morrerão sem descendentes. E isto é a pior coisa que pode acontecer a um verme do pavor.

— Já sei — respondeu o cientista, entediado.

Gogol ficou calado.

— Quero saber o que pretende fazer.

— Espere e verá — respondeu Gogol. Não deu mais atenção ao cientista. Há tempo desconfiava de que o mesmo era um alcagüete do serviço secreto gatasense. Oficialmente estava subordinado a Gogol, mas não oficialmente tinha mais poder que o comandante da nave. Era uma situação confusa, com a qual teria de lidar. E o pior: o cientista ainda o tinha na mão, por causa do episódio ocorrido no planeta do sol vermelho. Uma investigação meticulosa do caso representaria o fim da carreira militar de Gogol. Por que ele se deixara vencer pelo sentimento? Começou a arrepender-se da própria fraqueza.

Para redimir-se, teria de ser mais implacável na tarefa seguinte.

E a oportunidade estava chegando.

O intercomunicador emitiu um zumbido.

Gogol empurrou para o lado o cientista que se encontrava no caminho e comprimiu um botão. A ligação com a sala de rádio também foi de natureza óptica. O rosto de um gatasense apareceu na tela.

— Que houve?

— Recebemos novos impulsos do verme do pavor. Provavelmente ele os emitiu para que possamos fazer a determinação goniométrica de sua posição. A operação foi iniciada imediatamente e conseguimos localizar o sistema do qual vêm os sinais. Os dados foram transmitidos ao setor de astronáutica.

— Obrigado.

Gogol desligou e virou-se para o cientista.

— Então? — perguntou.

O cientista caminhou em direção à porta.

— O senhor deve saber o que fazer — observou em tom indiferente, e retirou-se.

Gogol seguiu-o com os olhos, até que a porta se fechasse.

Naturalmente sabia o que tinha que fazer. Desta vez até tinha seu motivo — aliás, dois motivos. Se o verme do pavor realmente estivesse sendo ameaçado por seres inteligentes, estes seriam destruídos. Nem que isso representasse a morte de toda a população de um planeta. O verme do pavor e seus descendentes, e principalmente o molkex que seria produzido por estes, eram mais importantes.

Dirigiu-se ao setor de astronáutica.

— Já fixaram a rota? O oficial fez que sim.

— É o sol amarelo que fica bem à nossa frente, senhor. Possui oito planetas. Os impulsos vêm do quarto planeta.

Gogol estava satisfeito. Já conheciam o destino. Nada poderia sair errado.

E o alcançaram dentro de duas horas...

 

O verme do pavor encontrou um recinto vazio e começou a pôr os ovos restantes.

De repente ouviu um ruído.

Interrompeu a postura, sofrendo as dores atrozes ligadas a isso. Sua raiva subiu ao infinito. Seriam eles que estavam voltando para perturbá-lo mais uma vez? Deviam saber o que o atraso representava para ele, como lhe exauria as forças que restavam e aproximava sem fim.

Seria esta a intenção dos malditos terranos?

Os motivos e as intenções não importavam. Ele os castigaria. Mesmo que tivesse de sacrificar suas últimas reservas de energia. Já pusera metade dos ovos. Se necessário, deixaria de despejar os restantes. Um único ovo bastaria para garantir sua descendência, pois o processo ininterrupto de divisão celular assegurava o nascimento de um número de gafanhotos córneos que fosse suficiente para transformar a matéria da superfície do planeta em molkex.

Os benévolos ficariam satisfeitos. Os benévolos — não os terranos!

O ruído foi-se aproximando.

Provinha do sargento Dr. Anders, o único membro da equipe biológica que sobrevivera aos ataques furiosos do verme do pavor e à destruição da nave. Na fuga perdera o grupo que se formara em torno de Wilkins. Estava só, armado apenas com uma pequena arma energética manual. Procurava a saída do labirinto de cavernas.

Não a encontrou, mas perdeu-se cada vez mais no interior desse labirinto.

Ainda bem que tinha consigo a lanterninha, e não precisava economizar a energia da mesma. Suas provisões de mantimentos reduziam-se à ração de emergência que qualquer tripulante de uma nave era obrigado a trazer consigo. Dariam para uma semana.

A caverna mais ampla em cujo interior se encontrava era de origem natural. As paredes irregulares eram a melhor prova disso. Era possível que o verme do pavor não aparecesse neste lugar. O sargento Anders não era medroso, mas sabia que diante do monstro não teria a menor chance.

Precisava encontrar o grupo que perdera.

O corredor chegou ao fim. Degraus iam descendo para as profundezas, e lá embaixo a luz da lanterninha era refletida pela superfície lisa de um lago subterrâneo. Num planeta seco como este a água era uma raridade. Anders possuía tabletes de água, mas estes eram um substituto muito pobre do verdadeiro líquido.

Foi descendo cautelosamente. Queria tomar um gole de água de verdade, mesmo que isto lhe custasse algumas horas. Os degraus eram escorregadios e muitas vezes sua altura chegava a dois metros. Sempre acabava encontrando uma saliência que lhe permitia continuar a descida. Quando chegou à água, estava completamente exausto.

O líquido frio, límpido e saboroso conferiu-lhe novas forças. Ingeriu algumas doses de alimentos concentrados e sentiu-se rejuvenescido. Olhou em torno.

A caverna em cujo interior ficava o lago era alta e espaçosa. Era tudo rocha nua e úmida. Fazia frio e Anders sentiu calafrios.

Precisava movimentar-se para não morrer de frio.

Voltou a beber e iniciou a subida. Precisava encontrar a saída. Se conseguisse reencontrar-se com os outros sobreviventes, ainda haveria esperança de sair vivo daquela situação. Sozinho neste labirinto, sucumbiria fatalmente.

A subida voltou a aquecê-lo. Quando chegou ao corredor, já estava novamente com sede. Um sorriso forçado surgiu em seu rosto. Tivera tanto trabalho para descer e refrescar-se no lago, e agora estava com a mesma sede de antes.

De repente o sorriso desapareceu.

Ouviu um ruído na escuridão do labirinto de cavernas.

Era o verme do pavor!

Não conseguiu reprimir a tosse. Parou apavorado e pôs-se a escutar. Lá adiante alguma coisa rastejava. O verme do pavor devia tê-lo ouvido e vinha para matá-lo.

O verme do pavor era de índole pacata. Possuía inteligência, mas por causa de suas características físicas era incapaz de manipular os recursos da tecnologia terrana. Sentira-se feliz com o auxílio dos terranos, mas de repente os perseguia que nem um louco.

O Dr. Anders também não compreendia o motivo disso. Não conhecia a psique do verme do pavor e não sabia que um verme do pavor era incapaz de distinguir os terranos de outros humanóides, como, por exemplo, os trionenses e os arcônidas.

O ruído chegou mais perto.

Anders avançou furtivamente, até encontrar um corredor lateral. O mesmo devia levar para a entrada da caverna. Atravessou a passagem estreita, e logo o corredor se alargou. O ruído desaparecera.

Suspirou aliviado. A arma que trazia na mão estava pronta para disparar, mas sabia que num confronto com o monstro a mesma seria inútil. A pele do verme do pavor era tão resistente que o mesmo suportaria facilmente o fogo concentrado de um canhão energético.

O corredor alargou-se ainda mais, transformando-se numa enorme caverna.

E nesta caverna estava acocorado o verme do pavor, que fitava o biólogo com os olhos enormes muito abertos. O choque deixou o Dr. Anders paralisado.

Os segundos transformaram-se numa eternidade.

No momento em que o Dr. Anders, em pânico, se virou para sair correndo, o verme do pavor agiu.

Um raio energético saiu de sua boca muito aberta, atingiu o Dr. Anders e matou-o no mesmo instante...

O verme gigante caiu ao chão, completamente exausto.

Mal lhe restou energia suficiente para que rastejasse e saísse fora da caverna, onde esperaria a chegada dos benévolos... ou a morte...!

 

Quando o dia amanheceu, o Tenente Krause e o sargento Wilkins foram despertados pelo som estridente do sistema de alarme dos trionenses.

Levantaram-se de um salto, puseram a roupa e correram para perto do comandante. Mais uma vez Krause serviu de intérprete.

— Uma nave pousou no planeta — disse o comandante. — É uma nave bastante estranha. Não é de nosso mundo, nem se parece com as naves de vocês.

— Como é mesmo essa nave?

— Parece uma nave disfarçada de meteoro. Seu formato é irregular. É muito grande e seu revestimento tem um brilho estranho.

— Molkex! — exclamou Wilkins, apavorado. — São os blues!

— Os blues? Quem são eles?

— Trata-se de uma raça inteligente que tem perigosas idéias de ser o povo escolhido — explicou Krause e relatou ao trionense o que sabia a respeito dos blues. Não era muita coisa, mas bastou para que o comandante empalidecesse.

— O que devemos fazer? O senhor acha recomendável que procuremos negociar com eles? Talvez consigamos chegar a um acordo.

— Isso é impossível. Os blues nos matarão assim que souberem da nossa existência. Onde pousou a nave?

— Perto das cavernas.

— Perto do verme do pavor! — exclamou Krause, assustado. — Não é de admirar. Já começo a compreender. O verme do pavor enviou um pedido de socorro. Os blues captaram seus hiperimpulsos e vieram para levá-lo daqui. Se fosse só isto, tudo estaria bem. Mas receio que o verme do pavor revele tudo que sabe a nosso respeito. Se isso acontecer, só nos restará pedir que Deus tenha pena de nós.

— Por quê? — perguntou o comandante.

— Por quê? Porque neste caso estaremos irremediavelmente perdidos. A blindagem das naves dos blues é invulnerável. Não pode ser rompida nem mesmo por nossos canhões. Acha que suas ridículas granadas atômicas adiantariam alguma coisa?

Suas explosões nem chegarão a arranhar o revestimento da nave.

O trionense tomou conhecimento das informações, mas ao que tudo indicava achava que os terranos estavam exagerando. Mandou que todas as bases ficassem de prontidão, com os canhões prontos para disparar.

— Não adianta! — disse Wilkins, dirigindo-se a Krause. — Se os blues perceberem que estamos aqui, eles nos atacarão. E nos destruirão com suas armas energéticas. Não poderemos fazer nada para impedi-los.

— Quem dera que Tuchmann chegasse logo!

— Nem mesmo isso adiantaria. Não teria como atacar os blues. Enquanto nossas equipes de projetistas de armamentos não descobrirem um meio de romper a blindagem de molkex, nada poderemos fazer. Os blues não nos podem fazer nada enquanto mantemos um campo defensivo ativado, e nós não lhes podemos fazer nada enquanto possuírem esta blindagem. Não podemos ativar um campo defensivo sem a respectiva nave. Logo...

Krause estava desesperado. O comandante dos trionenses acompanhara a conversa sem entender nada.

— O que sugere? — perguntou.

— Nada — respondeu Krause. — Não tenho nenhuma sugestão. A única coisa que podemos fazer é ficar quietos e fazer votos de que os blues não notem nossa presença. Até que profundidade a base penetra na crosta do planeta?

O comandante disse um número. Krause pôs-se a refletir.

— São trinta metros no lugar mais profundo. É pouco. Se os blues resolverem atacar, derreterão a rocha até uma profundidade de cinqüenta metros, no mínimo. Só vejo uma saída, comandante. Dê às outras bases ordens rigorosas para não revelarem sua presença. Não deverão fazer nenhum movimento, nada que possa despertar a atenção dos blues. É possível que voltem a decolar sem revistar a superfície do planeta. É a única chance que temos de sobreviver à sua visita. Mas há um fator desconhecido e perigoso: o verme do pavor. Se foi ele que os chamou, também lhes comunicará o que aconteceu aqui.

 

Gogol avistou o planeta.

Ao que tudo indicava estava desabitado. Não se via nenhum sinal da presença de uma civilização. Não chegou a ver as cúpulas insignificantes das bases dos trionenses. Não deixou de ver as crateras ainda radiantes produzidas pelas naves destruídas, mas para ele as mesmas eram apenas um sinal de vida extinta, igual aos que tantas vezes encontrara em outros planetas.

Mais uma vez a nave captou os pedidos de socorro do verme do pavor. Eram fracos e pouco concentrados. O setor de goniometria da nave de Gogol conseguiu localizar o animal. Estava ao pé de uma cadeia de montanhas bastante extensa, de cinco mil metros de altura. Ao que tudo indicava, estava quase sem forças.

Gogol deu ordem para pousar.

O cientista formulou uma objeção.

— Tem certeza de que o planeta está desabitado? E os outros planetas do sistema?

— Antes de mais nada, devo cuidar do verme do pavor. O senhor deveria saber disso. Ou será que não conhece as leis? Porque sei que costuma recitar artigos e parágrafos a qualquer hora. Atenha-se à lei, e o senhor há de compreender que não posso agir de outra forma. Depois que tivermos socorrido o verme do pavor veremos o resto.

O cientista não respondeu. A nave pousou.

Gogol comandou pessoalmente o destacamento que desembarcou no planeta. Levou-o em direção às montanhas. O verme do pavor reconheceu-os e rastejou ao seu encontro. A comunicação foi feita por intermédio de tradutoras automáticas semelhantes aos conversores de símbolos. Mas apresentavam uma grande diferença em relação aos aparelhos terranos. Só captavam parte dos impulsos cerebrais do verme do pavor e a retransmitiam, mas não permitiam qualquer conclusão sobre o grau de inteligência desse ser. Para os blues era uma criatura não-inteligente. Acreditavam que a emissão de hiperimpulsos era um ato puramente instintivo.

— Ainda bem que vieram — disse o verme do pavor; sentiu que estava recuperando as forças, pois sabia que seria salvo. — Fui traído pelos terranos.

Gogol procurou entender o sentido destas palavras, mas não conseguiu. Ainda não imaginava a surpresa que o esperava. Fora escolhido para informar sua raça sobre um fato espantoso. Os terranos haviam celebrado uma aliança com os vermes do pavor. Rhodan queria que o fato permanecesse em segredo, mas ele logo se tornaria conhecido em toda a Galáxia, assim que Gogol tivesse oportunidade de transmitir a notícia a seus superiores.

Quem poderia impedi-lo de fazer isso?

Aos poucos o quadro foi-se completando. Gogol compreendeu o que acontecera, mas nem pensou em explicar ao verme do pavor que ele estava enganado. Neste caso o engano era aliado dos gatasenses.

— Levá-lo-emos para o lado oposto do planeta — comunicou ao verme do pavor. — Lá você poderá prosseguir em calma na tarefa já iniciada. Ainda temos um trabalho a fazer neste planeta.

O verme do pavor deu a entender que estava de acordo. Passou pela escotilha e entrou no grande compartimento de carga da nave-molkex. Deitou para descansar. Ficou satisfeito por ter uma pausa que lhe permitiria recobrar as forças.

Não sabia o que estava acontecendo fora da nave.

A sétima hora estava começando.

 

Os sinais de rádio, com que foi iniciada a mensagem que o comandante dos trionenses pretendia enviar a seu planeta, foram interrompidos de repente.

A estação de rádio, completamente desprotegida, ficava numa colina situada a menos de cinco quilômetros da base principal. Havia ligações diretas com todas as cúpulas. Desde que a nave estranha aparecera ao pé das montanhas, uma situação de alarme reinava nas bases. Ninguém podia sair delas ou da estação de rádio.

A nave desconhecida decolou e desapareceu. Por um momento houve uma sensação de alívio. Era bem possível que os desconhecidos nem tivessem notado a presença de bases no planeta.

Mas dali a meia hora a nave voltou.

Voou baixo por cima das superfícies desérticas, como se estivesse à procura de alguma coisa. Aproximou-se e desceu ainda mais. Abriu fogo sem aviso.

Feixes energéticos saíram do estranho objeto voador. Numa questão de segundos gaseificaram os mastros e edifícios da estação de rádio.

Dali a um minuto só havia uma profunda cratera incandescente no lugar em que os trionenses haviam levado sua primeira construção naquele mundo inexplorado.

A nave dos gatasenses continuou a sobrevoar o planeta.

Gogol largara o verme do pavor no outro lado do planeta. Por lá também havia montanhas e cavernas, e ninguém o perturbaria em sua atividade. Dentro de alguns meses viriam as naves cargueiras de Verth V para levar a preciosa camada de molkex que cobriria o planeta Trion.

A estação de rádio fora destruída. Faltava encontrar as outras bases, o que não era nada fácil, pois os terranos e os trionenses agiam de tal forma que a descoberta só seria possível depois de uma busca bastante demorada.

O cientista voltou à sala de comando.

— Use bombas de reação, Gogol — sugeriu.

O comandante já pensara nisso, mas tinha suas dúvidas.

— Com isso destruiríamos a estrutura molecular de grande parte da superfície. Os gafanhotos encontrarão menos alimentos, e dessa forma o suplemento de molkex seria reduzido. Não sei se o...

— O risco será reduzido, comandante. Vale a pena. Precisamos ter certeza de que todos os humanóides serão destruídos. Sabemos que só estão deste lado do planeta. Não vejo outro meio, a não ser que o senhor queira desembarcar um comando que procure os humanóides e os liquide um por um.

— Isso demoraria muito. Não sabemos se não há reforços a caminho. Devemos evitar qualquer confronto direto com os terranos. É, acho que o senhor tem razão: as bombas de reação são o único meio.

O cientista refletiu um pouco, mas, no final, deu razão ao comandante.

As bombas de reação eram semelhantes às bombas-árcon dos arcônidas, mas seus efeitos eram mais limitados. Enquanto uma bomba-árcon era suficiente para transformar um planeta inteiro num inferno atômico, a reação em cadeia da bomba de reação só se processava por um tempo limitado. O incêndio atômico extinguia-se automaticamente. Mas como prosseguia com muita rapidez, provocava alterações moleculares em áreas bastante extensas, destruindo-as completamente.

Gogol fez algumas medições e mandou atirar as bombas.

Graças ao seu impacto, aproximadamente a quarta parte da superfície do planeta seria atingida por seus efeitos.

E as bases dos trionenses ficavam bem no centro do inferno!

 

Quando soou a nona hora, só havia um único ser vivo no planeta Trion: o verme do pavor. Aquilo que os terranos desejavam desde o início acabara por transformar-se em realidade, mas de uma forma terrível.

Gogol contemplou a superfície incandescente. Seus quatro olhos exprimiam satisfação. A impressão de ter cometido um erro há dez ou quinze horas desaparecera. Desta vez cumprira seu dever. Até mesmo o cientista que não simpatizava com ele foi pródigo em elogios.

— Vamos voltar ao sol vermelho — disse. — Esquecemos uma coisa.

Gogol sabia que tudo seria muito simples. Bastava concordar, e dentro de algumas horas tudo estaria esquecido. Era possível que assim mesmo o espião o denunciasse, mas isso não importaria mais. Era o resultado que contava.

Mas Gogol pôde agir de outra forma.

— O sol vermelho não tem pressa — disse em tom penetrante. — Até parece que o senhor ainda não compreendeu a importância da mensagem que nos foi transmitida pelo verme do pavor. Devemos avisar nossos chefes, e isto pessoalmente. Darei ordem para voltarmos o mais depressa possível para Verth V, a fim de apresentarmos nosso relatório ao Conselho. Não se esqueça de que os vermes do pavor nos traíram, celebrando uma aliança com os terranos. É possível que dentro de pouco tempo tenhamos novas leis.

— É possível — admitiu o cientista, sem arriscar outras objeções.

A nave dos gatasenses foi subindo lentamente.

De repente acelerou com incrível rapidez, rompendo as camadas superiores da atmosfera.

Dentro de alguns segundos desapareceu nas profundezas do espaço, deixando para trás um planeta morto.

Ainda continuava incandescente a parte da superfície rochosa em que houvera um fim de mundo limitado, causado pela desconfiança e pelo medo. Não havia vestígios do que antes existira por lá. Era possível que os mesmos surgissem assim que a lava endurecesse. Mas também era possível que nunca mais aparecessem.

A décima hora começou.

Em algum lugar nas montanhas o verme do pavor estava pondo seus ovos. Também não era culpado pelo que acontecera. Apenas agira conforme mandava seu instinto. E não parecia ter agido corretamente? A calma não voltara a reinar neste mundo agitado?

Quando terminou a postura, ficou parado. Estava exausto.

Sentiu que sua hora tinha chegado. Poderia morrer em paz, porque cumprira seu dever para com a raça. E ele a informara sobre a traição dos terranos — se é que sua mensagem fora recebida em Tombstone.

Deitou pela última vez para reunir as forças que lhe restavam, quando seus hiperórgãos muito sensíveis captaram impulsos fracos. Não conseguiu identificá-los, mas tinha certeza de que não vinham da nave dos benévolos, que há tempo mergulhara nas profundezas do espaço.

Ergueu-se e rastejou para fora.

Ficou com os olhos muito abertos mas não conseguiu ver quase nada, de tão cansado que estava. A caminhada para fora da caverna consumira suas últimas reservas de energia. Dali a pouco morreria. Poderia demorar algumas horas, no máximo um ou dois dias.

Estava satisfeito, pois cumprira sua tarefa.

Os impulsos tornavam-se cada vez mais fortes, à medida que a fonte que os expedia se aproximava.

Deitou entre os blocos de pedra que se espalhavam pela planície desértica. Sua camuflagem era perfeita. De cima ninguém conseguiria distingui-lo destes blocos.

Não chegou a ver a nave descer, depois de ter rompido as camadas superiores da atmosfera. Teve uma percepção fraca dos impulsos inconstantes dos propulsores atômicos da nave, mas estes não puderam abalá-lo mais. Nada lhe poderia acontecer, mesmo que fosse descoberto.

Seria uma nave dos terranos?

Teriam vindo para ajudar os companheiros, ou para vingá-los?

De repente o verme sentiu uma grande satisfação pelo que acabara de fazer. Provavelmente um dia seu povo lhe ficaria grato, por tê-lo conduzido novamente para junto dos benévolos.

Os impulsos desapareceram quando a nave desceu além da linha distante do horizonte. Mas houve outros impulsos.

Impulsos de rádio!

As criaturas estranhas procuravam entrar em contato com alguém. Suas tentativas seriam vãs, porque não havia mais ninguém por ali. Nunca saberiam o que tinha acontecido, pois ele, o verme do pavor, levaria o segredo para o reino das sombras eternas.

Sentiu sua vida extinguir-se.

Ergueu-se mais uma vez e enviou a energia que lhe restava a seus hiperórgãos, transformando-as num impulso de despedida destinado à sua raça, que vivia em Tombstone.

Depois disso sua consciência apagou-se.

A nave desconhecida, um veículo esférico com duzentos metros de diâmetro, seguiu viagem. Seus tripulantes não viram o verme do pavor.

Finalmente o Coronel Tuchmann chegara. Dera início à busca de sobreviventes das naves Kostana e Explorer 5207, mesmo sem pousar...

...porém encontrou nenhum...

 

                                                                                            Clark Darlton  

 

                      

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