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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A MORTE NÃO TEM AMIGOS / Lou Carrigan
A MORTE NÃO TEM AMIGOS / Lou Carrigan

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Jess Dunn ajudava conduzir uma imensa manada de gado quando numeroso bando de assaltantes tentou roubá-la.

No intenso tiroteio, onde demonstrou ser excepcional no uso do rifle, seu companheiro de trabalho, Robert Dack, salvou-lhe a vida.

Após entregarem o gado no destino, separaram-se e Jess Dunn viajou para Rivertown, Arizona, onde pretendia comprar um pequeno rancho e iniciar a criação gado; ali encontrou Betty Russell, a voluntariosa sobrinha do xerife de Rivertown.

Logo de cara, livrou Rivertown de três indesejáveis perigosos, angariou a simpatia da população e o amor de Betty e comprou um pequeno rancho onde pretendia fixar-se.

As coisas iam bem, até que um bando de criminosos apareceu para assaltar o banco... e Jess teve de saldar sua dívida, livrando do linchamento seu antigo companheiro, Robert Dack, agora um dos assaltantes...

 

 

 

 

Robert Dack ergueu-se um pouco, apoiando-se no cotovelo esquerdo. Estava deitado no chão, exausto, despendendo grande esforço para manter os olhos abertos.

- Que foi, Jess! - espantou-se, ao olhar para seu companheiro de ronda, que empunhava um dos Colts.

Jess Dunn ajoelhara-se a seu lado.

- Não sei, Bob, mas... estou com uma sensação estranha. É como se alguma coisa muito misteriosa estivesse ocorrendo.

Bob Dack levantou-se, ajeitando o cinturão de balas com os coldres.

- Vamos ver... - decidiu, com uma espécie de bocejo.

- Sem acordar os outros?

- Ih! Nem fale nisso, Jess! Serão capazes de nos matar, se tudo não passar de mera impressão... nossa. Conduzir esta manada não é brincadeira e os rapazes estão estourados. Você chegou a tirar algum cochilo?...

- Não! - ofendeu-se Jess Dunn. - Eu nunca durmo quando monto guarda. E justamente por isso que estou seguro de ter ouvido ou... percebido algo estranho.

Bob Dack cocou a nuca.

- Bem, seja o que for, será melhor guarnecermos a entrada da garganta. Quanto ainda falta para você ser substituído por Garland?

- Mais de uma hora.

- Ah... Está bem. Você irá pela esquerda e eu pela direita. Que vai fazer?

- Apanhar o rifle.

- Para quê, Jess? Se houver algum encontro será de perto e você não poderá usá-lo.

Jess Dunn sorriu, sem que Robert Dack visse, por causa da escuridão.

- Você nunca me viu manejar um rifle, hem, Bob?

- Hum? Oh, não, creio que não. Por quê?

- Então está sendo precipitado, afirmando que não poderei usá-lo a curta distância. Com um rifle, sou capaz de...

- Está bem, Jess, leve o seu adorado rifle - cortou Bob Dack, chateado. - Estamos falando demais em vez de agir.

Jess Dunn tirou o Winchester de alavanca do coldre preso à sela de seu baio e os dois vaqueiros, mantendo-se a uma distância de cinco metros, para não oferecerem alvos fáceis, afastaram-se de onde repousavam os companheiros, rumando para a entrada da garganta rochosa.

Apenas uma nesga de lua e algumas estrelas iluminavam o acidentado terreno e os vaqueiros se moveram cautelosamente para não tropeçar em pedras, alertando possíveis inimigos.

Ainda não haviam percorrido cinqüenta metros, quando Bob, que se adiantara um pouco, quase gritou chamando Jess Dunn.

Preferiu atuar. Deu dois saltos em direção a uma moita pela qual seu companheiro não tardaria a passar, arriscando sua própria vida nesse lance audaz.

Um homem acabara de se erguer por trás da moita ressequida, disposto a saltar sobre Jess para eliminá-lo com uma faca de vaqueiro. Com­preendendo que fora visto, o desconhecido ainda tentou esfaquear Jess, porém Bob Dack foi muito mais ágil, colhendo no ar sua mão armada. Torceu o braço do desconhecido até encostar a ponta da faca em seu ventre e empurrou com terrível frieza e violência. O homem soltou um grito rouco e se encolheu, oportunidade que Bob Dack soube apro­veitar para liquidá-lo com uma coronhada na nuca.

Só então compreendeu seu erro. Devia ter usado o Colt logo de início, para alertar seus companhei­ros, pois aquele homem não podia estar sozinho naquela empresa.

Por sorte Jess Dunn também viu os outros inva­sores do acampamento e disparou furiosamente seu rifle de alavanca. Os inimigos pareciam brotar dentre as pedras.

- Aqui, rapazes! - gritou Bob Dack, para orientar seus camaradas, unindo-se a Jess no combate aos invasores.

Produziu-se um tiroteio infernal, enchendo a noite de estampidos, lampejos avermelhados e gritos lancinantes de mistura com ameaças e impro­périos.

- Aguentem, rapazes! - gritou alguém por trás de Bob e Jess.

Vários Colts entraram em cena e pouco depois a reação defensiva transformou-se em ataque. Uma bala perdida ricocheteou no paredão rochoso, lan­çando um punhado de terra nos olhos de Bob, que conseguiu limpá-los com a manga da camisa e voltou ao ataque, desconcertando-se, ao não conse­guir ver seu companheiro Jess Dunn por perto.

Jess, dando demonstração inequívoca de sua destreza com o rifle, tomara a dianteira e disparava sua arma como um louco.

Bob Dack coonseguiu vê-lo graças às línguas de fogo lançadas por seu rifle e correu para ajuntar-se a ele.

- Estou gostando de ver, Jess! - exclamou, apertando os gatilhos dos Colts.

- Você ainda não viu nada! - berrou Jess Dunn, continuando a empregar o Winchester com disparos mortíferos.

Foi quando um dos invasores, já ferido, ergueu-se do chão, empunhando uma faca, disposto a matar Jess Dunn pelas costas. Bob Dack virou-se com espantosa agilidade e apertou os gatilhos. O indiví­duo estremeceu e tombou para a frente, mas sem largar sua faca, cuja ponta quase se cravou no rosto de Bob, abrindo-lhe um risco sangrento na face esquerda.

A tênue luz da lua permitiu a Jess ver o ferimento.

- Bob! É grave?

- Não, Jess, é coisa de criança... - sorriu Bob Dack, metendo o Colt esquerdo no coldre para sustar o sangue com o lenço do pescoço.

O tiroteio havia arrefecido, pois os invasores restantes, compreendendo que seriam facilmente liquidados, correram para seus cavalos e bateram em retirada. Mas dois tombaram na fuga, alcança­dos pelos tiros certeiros do Winchester de Jess Dunn.

- Estão ouvindo? - indagou um dos vaqueiros da equipe que conduzia a grande manada. - Se for o que estou pensando!...

- Sim, deve ser isso! - gritou Bill 0'Craig, o capataz. - Os miseráveis dividiram-se em dois grupos. Enquanto uma metade nos mantinha atarefados, a outra desviava a maioria das reses para a saída da garganta!

Não foi preciso que ele desse ordens. Seus auxiliares, todos experimentados, correram para suas montarias dispostos a neutralizar a manobra dos ladrões de gado.

Foi um tropel desesperado. Ziguezagueando por entre as reses deixadas pelos ladrões, conseguiram alcançar a retaguarda do rebanho. Dois grupos de assaltantes ladeavam a manada, gritando e dispa­rando seus Colts para forçá-la a correr. Bill 0'Craig compreendeu que seria impossível dar combate aos assaltantes, caso seus homens se dividissem em dois grupos e preferiu ordenar o ataque apenas pelo flanco direito da boiada.

Os assaltantes do flanco direito, atemorizados, esporearam cruelmente suas montarias, lançando-as num galope desenfreado para alcançar a cabeça do rebanho.

- Alto! - gritou Bill 0'Craig, que encabeçava seus homens, seguido de perto por Jess Dunn e Bob Dack.

Todos obedeceram, mas Bob protestou:

- Assim, nunca mais conseguiremos alcançá-los!

- Você pode ser melhor do que eu com as armas, porém sou dez vezes melhor do que você nesta espécie de trabalho - gritou Bill 0'Craig. - Aqueles miseráveis pretendem juntar-se aos seus e desviar o gado para a direita, deixando-nos envolvidos no estouro da boiada. Seríamos liquidados. Avançar pela esquerda!

Volteou seu cavalo e, imitado por seus homens, esperou que a boiada passasse para lançar-se de novo á perseguição.

Aconteceu exatamente conforme ele previra. A ponta da manada desviou-se para a direita e retro­cedeu. Caso tivessem continuado a perseguição pela direita, teriam sido colhidos pelas reses em desespero, derrubados dos cavalos e pisoteados. Os poucos restantes teriam sido exterminados a bala.

Os ladrões de gado, certos da eficácia de sua manobra e impossibilidade de ver e ouvir a aproxi­mação dos vaqueiros, foram colhidos de surpresa cavalgando juntos. Quando deram pela coisa já os Colts e rifles dos vaqueiros estavam dando início a uma das maiores chacinas de ladrões de gado da história do oeste. Com os que já haviam tombado antes, foram trinta e seis assaltantes liquidados a tiros. Toda a turma de Buck "Orelhas", assim apelidado por ter orelhas enormes.

Dos dezoito vaqueiros mercenários que conduzi­am a manada sob as ordens do capataz Bill 0'Craig, apenas este, seu xará Robert Norman e o velho Yancey Loomis perderam a vida na batalha notur­na.

- Será melhor deixarmos as bichinhas descan­sar... - comentou Jim Drury, substituto eventual de Bill 0'Craig, referindo-se às reses. - Será fácil arrebanhá-las ao amanhecer. Vamos dormir um pouco, rapazes. Seria muito azar ocorrer outro assalto esta noite.

Tinham acabado de enterrar seus mortos. Sem cruzes, porque não havia vegetação naquelas para­gens.

Logo às primeiras luzes da aurora estavam campeando o gado. Recomposta a manada e após improvisado churrasco com carne de reses abatidas acidentalmente durante o tiroteio, os quinze valen­tes boiadeiros continuaram a longa viagem de entrega de gado para o abate. Destino: Kansas City, Kansas.

Jim Drury olhou ao redor, interrogativamente.

- Como é? Todos satisfeitos? Foi melhor do que esperávamos...

- Claro - responderam diversos vaqueiros, em coro.

Um a um, os homens contratados por ele e Bill 0'Craig para conduzir a manada foram saindo do quarto que Drury alugara em um hotel em Kansas City para servir de escritório. Cada qual pensava na melhor maneira de gastar o que ganhara com tanto sacrifício.

- Como pretende acabar com esses dólares? -indagou Bob Dack, falando ao seu amigo Jess Dunn.

- Não vou acabar com eles. Pretendo...

- Como! - Não vai aproveitar para mergulhar em uísque e nos braços das mulheres? Pretende comer esse dinheirão?...

Jess Dunn preferiu calar-se. Temendo ser alvo de maior zombaria.

- E você, Bob? - perguntou, após caminhar alguns metros ao lado do amigo. - Que vai fazer com o que ganhou?

- Gastar tudo imediatamente, Jess. Eu já disse: uísque e mulheres. A vida, com dinheiro, é uma delícia!

- De fato - murmurou Jess, pensativo. - Para quem sempre tem...

- Eu sempre terei dinheiro, Jess. E juro nunca mais conduzir outra manada! Podíamos ter deixado a pele naquela maldita garganta, Jess. Já imaginou quantas candidatas a esposa ficariam decepciona­das?

Jess Dunn deu uma risadinha.

- De fato... Está bem, Bob. Você já está grandinho e sabe o que faz. Eu, por meu lado, descansarei alguns dias em Kansas City e depois rumarei para o Sul. Texas, Arizona, Novo México... Quem sabe?

- Não me agrada a idéia de nos separarmos, Jess. Até que poderíamos ganhar muito dinheiro juntos. Sou rápido com os Colts e você provou ser um demônio com o rifle.

- Que idéia é essa? - surprecndeu-se Jess Dunn.

- Não compreendo...

- Esqueça... A verdade é que temos idéias diferentes sobre a vida e possivelmente não daria certo. Com que, então, vai para o Sul, heim?

- E. Irei para o Sul. Jamais esquecerei que você ganhou essa cicatriz salvando a minha vida, Bob. Jamais esquecerei.

- Tolice, Jess. Estou certo de que você teria feito o mesmo por mim.

- E você também jamais esqueceria...

- E verdade. Bem. Jess, que a sorte o acompanhe - desejou Robert Dack, estendendo-lhe a mão. -Talvez nossos caminhos se cruzem cm algum lugar deste mundo sem fim...

- Pretende sair de Kansas City ainda hoje? -surpreendeu-se Jess, apertando a mão do amigo.

- Assim que curar a bebedeira e a garota permi­tir... - sorriu Bob, muito senhor de si. - Meus planos não incluem esta cidade - acrescentou, reticente.

- Está bem, Bob. Seja feliz.

Caminharam lado a lado ate o primeiro saloon, no qual Robert Dack se meteu depois de acenar com a mão para o amigo.

Jess Dunn foi ao barbeiro livrar-se da barba de vários dias, alugou um quarto em outro hotel e meteu-se numa tina com água tépida, para se despojar do suor e da poeira.

Depois, deitou-se e dormiu como um anjo.

 

Jess Dunn fez parar seu cavalo no alto da montanha, empertigou-se e olhou para baixo, respi­rando fundo, satisfeito.

- Aqui! - exclamou.

Depois de muito rolar pelo oeste bravio, encon­trara, finalmente, um lugar de seu agrado para se fixar como rancheiro.

Começou a descer lentamente e, quanto mais descia, mais se afeiçoava à região. Prados sem fim, ­verdejantes, estranhamente, próximos ao deserto. O povoado que ele via, a distância, também tinha aspecto bastante agradável e de prosperidade.

Jess sorriu, certo de que os olhares dos habitantes daquele povoado, à sua chegada, seriam idênticos aos dos outros lugares que ele visitava. Seu aspecto muito contribuía para tal reação dos homens sim­ples. Alto, bem proporcionado, nariz aquilino e maxilar de homem voluntarioso, olhos castanhos escuros de olhar inteligente, cabelos negros ligeira­mente ondulados nas pontas, caindo sobre a nuca. Um homem leal, de pontaria mortífera. Costumeiramente vestia calças de brim grosso, camisa quadriculada de preto e vermelho, lenço no pesco­ço, botas texanas de meia cana, esporas de rosetas mexicanas e cinturões de balas cruzados nos qua­dris.

Porém o que mais impressionava e assustava no rapagão eram os coldres baixos com as tiras atadas às coxas e os Colts 45 com a oxidação preta, de fábrica, acinzentada, brilhante, indicando muito uso. E o olhar tranqüilo, penetrante, demorado, em perfeita harmonia com o andar gingado, preguiço­so, mas firme e decidido.

 

Porém Jess Dunn não era um pistoleiro. Seu aspecto e sua fabulosa habilidade no manejo de revólveres e rifles tinham levado muitos homens de bem a xerifes a hostilizá-lo injustamente e diversos pistoleiros a desafiá-lo estupidamente. Os primei­ros viram-se obrigados a desculpar-se; os pistoleiros, bem... Jess continuava vivo e gozando de perfeita saúde.

Ao entrar em Rivertown, Arizona, pouco depois, Jess sabia que não mais teria de fazer remessas de dinheiro para o Sud West Bank, porque esse banco ficava justamente naquele povoado.

Percorreu a rua principal, conservando o cavalo a passo e olhando discretamente para os lados a fim de, pelos olhares dos viandantes, ter uma idéia de como era recebido. Espantou-se bastante ao cons­tatar que, a despeito de mostrar curiosidade, os habitantes de Rivertown não pareciam contrariados com a sua chegada.

Alisou o bolso da camisa, onde levava o docu­mento que o credenciava para retirar suas economi­as do Sud West Bank quando lhe aprouvesse. O Banco estava fechado àquela hora, pois já anoitecia e Jess resolveu molhar a garganta.

Sorriu ao deparar com o letreiro que encimava o alpendre do Saloon: LIFE IS WONDERFUL A vida é maravilhosa! Com que, então, o proprietário do estabelecimento era um homem bem humorado.

Saltou do baio, atou as rédeas à barra, atravessou o alpendre e olhou por cima da porta de vaivém. Ambiente agradável... Entrou, foi ao balcão e pediu um uísque...

Três indivíduos que jogavam pôquer ergueram a cabeça, ao vê-lo atravessar o salão com seu andar preguiçoso, gingado.

- Ei, amigo! - chamou um deles.

Jess, que acabara de segurar o copo, virou-se devagar.

- E comigo?

- Claro. Que tal um a partida de pôquer?

- Não.

- Não? Por quê?

- Não gosto de jogo.

Dito isso, Jess virou-se de novo para o balcão e saboreou um gole de uísque.

- Eu perguntei por que não joga conosco - insistiu o indivíduo.

- E eu respondi que não gosto de jogo. Não se trata de não jogar precisamente com você. Não jogo com ninguém. Aliás, vovó me disse que é feio brincar com cartas... O indivíduo levantou-se e se aproximou de Jess.

- Engraçadinho, hem? Vocês ouviram, rapazes? A vovó do garoto não quer que ele brinque com cartas...

Encarou Jess Dunn e sua fisionomia se contraiu, assim que os outros dois pararam de rir.

- Pelo que vejo, a vovó não o proibiu de beber... - zombou.

- Engana-se, amigo. Ela também é contra bebi­das.

- Mas você está bebendo... - insistiu o indivíduo, um homenzarrão ruivo, espadaúdo, quase tão alto quanto Jess Dunn.

- Só bebo escondido - murmurou Jess, virando-se para apoiar os cotovelos no balcão, encarando o desconhecido.

- Ah... - fez o grandalhão, olhando para os Colts de Jess. - E... ela sabe que você anda armado?

Jess Dunn sorriu. Sempre a mesma coisa. Sua irremediável pinta de pistoleiro incitava os valen­tões, levando-os invariavelmente à provocação.

- Bem... Também nisso estou sendo um garoto desobediente - zombou Jess, com um sorriso tenso. - Você não vai contar à velhinha, não é verdade, amigo? Eu lhe pago um uísque... Na verdade, seus amigos também estão convidados.

O homenzarrão permaneceu imóvel diante dele, os pés bem separados, as mãos oscilando a curta distância das armas, olhando-o duramente nos olhos.

- É... Pelo que vejo, você não passa de um menino mau. Eu sou Coogan. Essas duas bestas são os meus amigos Simpson e Patrick. Diga o seu nome.

- Jess Dunn.

- Jess Dunn - repetiu o homenzarrão. - Sabe que tem nome de imbecil?

Simpson e Patrick, embora aproveitando o convi­te para beber de graça, deram boas risadas. Jess manteve-se inalterável. Falou:

- É possível. Sabe? Meu pai duvidava de minhas aptidões mentais, quando nasci. Todo recém-nasci­do é disforme...

Coogan e seus dois comparsas se olharam, per­plexos.

- Que está dizendo! - exclamou Coogan.

O que você ouviu, amigo Coogan. Meu pai era médico. Costumava dizer que os indivíduos queixudos, de cabeça pequena e testa curta, são boçais. Os caras assim como você, entende?

Coogan olhou para os companheiros em busca de explicação para o que acabara de ouvir.

- Não é verdade que esse forasteiro está chaman­do você de boçal, Jimmy? - falou Simpson, nesgando os olhos. - Não é ele quem está caindo no ridículo...

James Coogan adiantou a esquerda, agarrando Jess Dunn pela jaqueta de couro preto.

- Escute, boneco! - rosnou. - Espero que Simpson esteja enganado!

- Claro que não está - sorriu Jess Dunn. - Você não pretendia convencer-nos de que é inteligente!

O homenzarrão saltou para trás e sacou o Colt direito para abrir fogo contra o forasteiro. Jess, sem se alterar, esperou que ele sacasse para adiantar a perna direita, dando-lhe um certeiro pontapé na mão. O Colt voou longe. Ao mesmo tempo, Jess projetava o vigoroso punho direito, esborrachando o nariz de Coogan, que colhido de surpresa, caiu sentado, bufando.

Depois de esfregar o nariz e contemplar a mão ensangüentada, James Coogan levantou-se, berran­do:

- Vou reluzi-lo a pedaços!

Estacou para meter a cara no cano de um revólver.

- Calma, Coogan! - aconselhou o proprietário do saloon empunhando o Colt. - Estou farto de suas arruaças em minha casa! Se pretende lutar, dêem o fora daqui. De acordo?

Houve uma gritaria inesperada e Jess Dunn compreendeu que os habitantes de Rivertown rara­mente testemunhavam uma luta para valer. Todos os que estavam no Life is Wonderful aplaudiram a sugestão de Russel. Bem no meio do círculo, olhando-se como dois galos de briga, Jess Dunn e James Coogan.

Sem que houvesse qualquer sinal indicativo de que podiam engalfinhar-se, Coogan saltou para frente, dando dois murros terríveis no peito de Jess Dunn, que caiu para trás sentado.

- Isso é desleal! - rosnou Jess, baixinho, acusan­do os impactos.

- Levante-se! - urrou Coogan, de punhos cerra­dos e olhos faiscantes de ódio. - Vou reluzi-lo a pedacinhos!

Jess Dunn a todos surpreendeu, principalmente a James Coogan. Era de se esperar que ele se levantasse para adotar posição de ataque ou cair na defensiva. No entanto, parecendo ser constituído de molas, ele saltou do chão sobre Coogan, aprovei­tando sua guarda momentaneamente aberta para lhe martelar o baço e o fígado com vertiginosa saraivada de murros.

Coogan foi se dobrando para a frente, com gemidos abafados, até ser alcançado em pleno rosto por um gancho de esquerda que o mandou a distância, de costas, aos tropeções, até chocar-se com a cerca dos fundos da casa do ferreiro Russel e cair sentado, vendo estrelas.

Jess Dunn arqueou as sobrancelhas e sorriu, esfregando as mãos.

- Mais difícil do que você esperava, hem, amigo Coogan? - zombou. - Por que não desiste enquanto é tempo?

Coogan apoiou as mãos no chão para levantar-se, no momento exato em que soaram dois disparos e duas balas passaram zunindo a pouca distância da ­cabeça de Jess, que, imaginando ter o grandalhão disparado suas armas sem sacá-las dos coldres, sacou os Colts com espantosa rapidez.

- Foi a filha de RusselI! - gritou alguém, do círculo de espectadores, evitando que Jess apertas­se os gatilhos. - Está com o xerife...

Não tardou a que Jess Dunn visse o orifício de um cano diante dos olhos e, por trás da arma, um rosto de mulher. Bonito, embora contraído.

- Temos aqui mais um desses desocupados que só servem para emporcalhar as cidades - falou a mulher, olhando-o nos olhos. - O melhor que se pode fazer é metê-lo no xadrez.

O homem esguio que acompanhava a mulher deu um sorriso contrafeito, indagando:

- Não acha que está exagerando, Betty?

- Conheço os vadios à simples vista - disse ela, sempre encarando Jess Dunn.

- Escute, menina - falou Jess, com espantosa calma. - Não sou nada do que acaba de dizer. Por outro lado, você, com essa arma na mão, me faz lembrar certas mulheres que conheci em outros ambientes...

Ela franziu a testa e só não apertou o gatilho porque Jess havia devolvido os revólveres aos coldres.

- E possível - murmurou. - E talvez eu seja melhor do que elas com uma arma na mão. Portan­to, não facilite. Estou farta de testemunhar brigas estúpidas nos fundos de minha casa. Da próxima vez, atirarei para matar.

- Saiba que foi um desprazer conhecê-la - respondeu Jess, com altivez, dando meia-volta para se afastar. - Adeus!

Foi detido pelo xerife, que o segurou pelo braço.

- Um momento, jovem. Você é forasteiro, não?

- Sou. Cheguei ao anoitecer.

- Betty exagerou muito, mas acontece que estamos saturados de aturar desocupados e indesejáveis. Assim sendo, você passará a noite no xadrez e, se amanhã, ao fim do dia, não tiver arranjado trabalho, deverá sumir de Rivertown.

- O senhor também se engana a meu respeito, xerife - sorriu Jess, livrando-se com delicadeza da mão do homem da Lei. - Não sou nem indesejável, nem desocupado. Sou... isso é, pretendo ser, um rancheiro justamente aqui em Rivertown.

- Não diga! - ironizou o xerife.

- É verdade. Quando lhe aprouver, certifique-se, no Sud West Bank, de que disponho de uma conta corrente razoável. Há mais de quatro meses que estou remetendo a mesma quantia de um povoado a outro em busca de um que me pareça oferecer boas perspectivas. Rivertown é esse povoado. Sai­ba que há um depósito de dois mil e quinhentos dólares em nome de Jess Dunn e que... Jess Dunn sou eu.

- Dois mil e quinhentos, hem? Não lhe parece pouco dinheiro para se estabelecer como ranchei­ro?

- De fato, mas não disponho de mais dinheiro -sorriu Jess, conquistando a simpatia do xerife.

- Bem... - fez o homem da Lei, voltando-se para Betty. - Isso muda o aspecto da questão... Má sorte a sua ao escolher para desabafar justamente o único forasteiro que não é um desocupado nem um indesejável.

Betty ergueu orgulhosamente o nariz, explodin­do:

- Dá na mesma! Se ainda não é nada disso, não tardará a ser... e até muito mais!...

Deu meia-volta e entrou no quintal de sua casa, desaparecendo atrás de um galinheiro.

- Bem, jovem, é um prazer recebê-lo em nossa cidade - disse o xerife, estendendo a mão para Jess. - Na verdade, simpatizei como você desde o início, mas Betty estava furiosa... O simples fato de haver esmurrando Jimmy Coogan deixa-o em boa situa­ção aos olhos da Lei. Ele é o pior arruaceiro que já deu as caras em Rivertown, mas sempre consegue arranjar urna justificativa para suas atrapalhadas. No dia em que conseguir apanhá-lo de jeito, terá de dar o fora ou engolir algumas onças de chumbo! -olhou de maus bofes para Coogan. - Levante-se e dê o fora!

Coogan obedeceu como um cordeirinho, com­portamento que sempre lhe favorecera no trato com a Lei.

- Compreendo, xerife - sorriu Jess, ainda aper­tando a mão da autoridade. - Espero que isso tenha servido de lição a Coogan, porque estou disposto a me estabelecer na região e não quero complica­ções.

Largou a mão do xerife, que comentou com muito tato:

-Talvez você não esteja financeiramente muito... forte.

 

- Creio que meu dinheiro dará para começar xerife. Sou homem conformado com as circunstân­cias e me contentarei em adquirir um ranchinho com algumas reses. Para começar, é claro.

- Enquanto andar dentro da Lei poderá contar comigo - disse o xerife, sorrindo. - Vamos tomar um gole...

 

Na manhã seguinte, Jess Dunn estava radiante de felicidade ao sair do hotel. Tomara um banho de tina, fizera a barba e mudara de roupa. Um chinês, empregado do hotel, "tomara a liberdade'" de engraxar seus cinturões, coldres e botas, como lhe dissera o oriental, ao lhe entregar tais peças de uso, com as roupas bem passadas.

- Li só não englaxá zaqueta de coulo pia não ficar fedendo glaxa - informara o chinês, desmanchando-se em reverências. Meio dólar de gorjeta...

Caminhando pela calçada esquerda da rua princi­pal, não tardou a chegar ao Sud West Bank. O banco tinha aspecto organizado e limpo, o que contribuiu para ampliar o sorriso do elegante forasteiro. guichês com vidraças bisoté de ramagens foscas, belíssimas.

- Desejo verificar uma transferência... - disse, falando ao caixa do primeiro guichê.

O funcionário, homem magríssimo, extremamen­te pálido, careca, bem barbeado e vestido à ociden­tal, olhou-o com total indiferença e, sem nada dizer, levantou-se, foi ao fundo do salão, abriu uma porta maciça com trabalhos de entalhe e desapareceu de vista. Pouco depois voltou e, com um gesto, convi­dou Jess Dunn a acompanhá-lo ao gabinete do diretor.

Um homem corpulento, estatura média e sorriso de superioridade levantou-se atrás da mesa, mo­vendo a mão para indicar uma cadeira.

- Sente-se, por favor - convidou. - Seu nome?

- Jess Dunn. Fiz uma transferência de dois mil e quinhentos dólares de Nopales para este Banco.

- Sim, eu me lembro de seu nome - admitiu o banqueiro. - E um prazer conhecê-lo, mister Dunn. Eu sou Nelson Geofrey, diretor do Sud West em Rivertown, e confio ter a satisfação de tê-lo entre nossos clientes. Caso fixe residência aqui, é claro... - sorriu mais amplamente.

Sujeito besta! - pensou Jess, sem desfazer o sorriso que armara para falar com o diretor.

- Pretendo ficar nesta cidade e, naturalmente, farei meus depósitos em seu banco - declarou.

- Ótimo. Quanto tempo faz que providenciou a transferência?

- Humm... Creio que aproximadamente um mês.

- Pelo visto, o senhor gastou muito tempo para vir de Nopales ate aqui... - sondou o banqueiro.

- Andei por aí buscando o povoado que mais me agradasse. Como sabe, nosso oeste é muito grande.

- Oh, sim, sim! Talvez grande demais... - brincou Nelson Geofrey, remexendo uns papéis de um portfólio. - Aqui está! Jesss Dunn. Procedência, Nopales. Quantia transferida, dois mil e quinhentos dólares. Naturalmente, o senhor terá meios de provar que é realmente Jess Dunn...

- Claro - respondeu Jess, exibindo o comprovan­te do Banco de Nopales.

- Ah... - fez Nelson Geofrey, examinando o comprovante. - Deseja retirar a importância?

- Oh, não! Eu queria apenas certificar-me de que poderei dispor desse dinheiro a qualquer momento, pois tenciono comprar terras e me estabelecer como criador de gado.

Geofrey olhou para ele com uma expressão mista de risonha e zombeteira.

- Comprar terras com dois mil e quinhentos dólares?

- Não posso gastar tudo em terras, pois também necessitarei de material de construção, ferramentas e implementos. Além disso, terei de adquirir algu­mas reses, para começar.

O banqueiro se esforçou para não rir na cara de Jess, desviando o olhar para alguns papéis de cima da mesa. De repente, bateu na testa, exclamando:

- Caramba! Ontem mesmo Williams esteve fa­lando de vender sua propriedade. É um pequeno rancheiro que se arruinou, sabe? Tem poucas terras, mas a casa já está pronta e o senhor poderia ocupá-la imediatamente. Ele pede dois mil...

Jess cocou a nuca, desconcertado.

- O diabo é que seu empregar dois mil no terreno com a casa não terei dinheiro para o resto.

Geofrey sorriu, mostrando-se acessível:

- Com uma garantia do rancho, o Banco lhe emprestaria dinheiro com juros razoáveis - sugeriu.

- Feito! - exclamou Jess, levantando-se. - Onde mora esse Williams?

Pouco depois, Jess Dunn saía do banco mais satisfeito do que entrara. Encaminhou-se para a estrebaria pública onde deixara seu baio, na véspe­ra, disposto a partir imediatamente para o encontro com mister Williams. Caminhava apressado quan­do divisou, andando em sentido contrário, uma mulher vestida de vaqueiro. Ao se cruzarem, tirou o chapéu e fez uma reverência, recebendo em troca um olhar desdenhoso. Encolheu os ombros e con­tinuou andando, mas estacou ao ouvir gargalhadas estrondosas. Virou-se e viu James Coogan com seus dois pingentes, Simpson e Patrick.

- Ei, forasteiro! - gritou Coogan. - Vejo que não tem sorte com mulheres. Agora observe como essa delícia faz caso de mim.

Acompanhado dos pingentes, atravessou a rua e alcançou Betty Russell, segurando-a pelo braço.

- Escute, delicada - rosnou, com um sorriso alvar. - Dê um beijinho em Jimmy para mostrar a esse bobo que sou do seu agrado.

Puxou-a para si, disposto a beijá-la, mas uma ordem gélida obrigou-o a deter-se:

- Largue essa moça. Será melhor para todos. James Coogan largou Betty Russell e virou-se, encarando Jess Dunn.

- Escute, seu meio quilo de estupidez! Ontem você teve sorte, mas hoje vai conhecer os meus punhos!

Jess Dunn manteve-se inalterável, falando com a mesma frieza:

- Seu eu soubesse, ontem, o que agora sei a seu respeito, as coisas teriam sido bem mais decisivas.

- Ah, é? Então, prepare o focinho para ser esmurrado! - gritou Coogan, balançando-se sobre Jess, disposto a derrotá-lo aos primeiros golpes.

Felizmente para ambos, o xerife interveio uma vez mais, gritando, já com os Colts nas mãos:

- Quietos! Coogan, é a última vez que tolero suas arruaças! Na próxima, será obrigado a deixar Rivertown com esses dois vadios - olhou ameaçadoramente para Simpson e Patrick, que baixaram os olhos, com cinismo.

- Claro, xerife - respondeu zombeteiramente Coogan.

O xerife Owells preferiu fingir não ter percebido a zombaria.

- Dêem o fora daqui! - ordenou. - Voltem para seus covis!

Coogan, Simpson e Patrick obedeceram, dirigin­do a Owells, Jess e Betty olhares que não faziam prever bons acontecimentos. Atravessaram a rua, metendo-se no saloon. Foram detidos pela voz de Jess Dunn:

- Coogan! O valentão virou-se.

- Pode latir... - sorriu.

- Tem um cavalo?

Coogan arqueou as sobrancelhas, surpreso, mas respondeu:

- Claro que tenho.

- Então, monte nele e dê o fora de Rivertown o quanto antes. Estarei ausente por algumas horas. Quando voltar, não quero encontrá-lo aqui.

- Ui, que medo! - exclamou Coogan, com um gritinho ridículo. - E se eu não partir?

Jess Dunn sorriu.

- Desaparecerá de Rivertown e... do mundo dos vivos.

James Coogan parecia divertir-se muito com tais palavras. Apontando para os Colts que pendiam dos quadris estreitos de Jess, indagou:

- Pretende convencer-me de que sabe usar isso?...

- Se não partir, ficará sabendo. Possivelmente voltarei antes do anoitecer e entrarei em Rivertown pelo extremo Norte desta rua.

- Vai ser divertido, forasteiro - respondeu Coogan, com os olhos faiscando de ódio. - Sim, muito divertido. Até logo.

Afastou-se com seus capangas. Jess Dunn voltou-se para Betty Russell, tirando o chapéu.

- Creio que a culpa foi minha, pois não devia... Interrompeu-se, porque Betty, em vez de aceitar suas escusas, virou-se e, de cabeça erguida, deixou-o plantado no meio da rua. As calças de brim azul índigo, muito justas, ressaltavam bastante suas formas, e ela, pretendendo gingar como um autên­tico cowboy, nada mais fazia do que rebolar provocantemente.

Jess Dunn arqueou as sobrancelhas e, com expressão marota, olhou para o xerife Owells, que fingiu não se deixar impressionar pelo rebolado:

- Não fique ressentido, Jess. Conheço-a desde pequena. Ela sempre foi muito irascível, mas é boa menina.

- Quem pode ficar ressentido com uma coisa dessas?... - sorriu Jess Dunn, dando uma última olhadela para os quadris de Betty Rusell. - Ficaria melhor sem aquele Colt...

- Também acho, Jess, porém ela insiste em andar armada. E olhe que é um demônio com a arma na mão. Cuidado...

- Com esse tipo de adversário prefiro o corpo-a-corpo...

Despediram-se com boas risadas.

Tal como havia declarado, Jesss Dunn regressou a Rivertown quando o sol começava a desaparecer no horizonte. E, nem bem havia entrado na rua principal, compreendeu que James Coogan não abandonara o povoado. Havia grande expectativa nos olhares dos que o observaram à sua passagem.

Pelo visto, sua chegada era ansiosamente espera­da por Jimmy Coogan, pois o grandalhão logo surgiu no meio da rua, a uns oitenta metros de distância. Por trás dele, como sempre, Patrick e Simpson.

Os quatro homens estacaram. Jess Dunn não quis gritar que o desafio não era extensivo aos capangas para não se imaginar que ele estivesse com medo. Desmontou, atou as rédeas a uma barra e voltou para o meio da rua.

A certeza de que se matasse aqueles três arrua­ceiros seria motivo de grande satisfação para os habitantes de Rivertown dissipou a repugnância que vinha sentindo, ultimamente, ao empunhar as armas.

Coogan e Jess deram mais alguns passos, até se plantarem a uma distância de uns trinta metros um do outro, com Simpson e Patrick um pouco recua­dos, de cada lado do grandalhão.

- Ainda pode desistir, Coogan - aconselhou Jess. Em vez de responder, James Coogan deu uma cusparada no chão e tornou a andar.

- Está bem, Coogan. Se prefere morrer... Estavam a uns vinte metros quando Jess intuiu o movimento da mão direita de James Coogan. Uma fração do segundo depois, duas línguas de fogo brotavam do quadril do arruaceiro.

Porém Jess Dunn se deixara cair sobre o joelho direito, fazendo três disparos quase simultâneos. As balas de Coogan passaram silvando de ambos os lados de seu chapéu, porém as suas encontraram os alvos.

Patrick foi o primeiro a despencar. Caiu de bruços, com a cara mergulhada na poeira da rua.

Simpson despencou logo a seguir, depois de rodopiar e levar as mãos ao peito, estourando o lábio inferior com o cano de seu próprio revólver. Caiu de lado e permaneceu imóvel, como se estivesse dormindo."

James Coogan continuou de pé e sua mão direita, armada, foi baixando lentamente até ficar pendida ao longo do corpo e largar o Colt. Entreabriu os lábios grossos como se fosse dizer algo, porém o máximo que conseguiu foi lançar um jato de sangue. Caiu sentado e dobrou-se para a frente, imobilizando-se com a cabeça entre as pernas. Dado o seu volume, parecia um enorme sapo.

Jess Dunn ergueu-se sem pressa, meteu os revól­veres nos coldres e espanou, com a mão, a poeira do joelho direito. Contemplou, enojado, a porção de gente que, movida por forte curiosidade mórbi­da, aproximava-se dos cadáveres.

O xerife Owells, que decidira não intervir naque­le duelo leal e público, a menos que as coisas saíssem mal para Jess Dunn, aproximou-se do rapaz e segurou-o pelo braço, comentando:

- Bom trabalho, Jess. Não precisou de minha ajuda...

- Quer dizer que estava disposto a me ajudar?

- Claro. Afinal de contas, era um duelo entre um homem honrado e três arruaceiros que em­porcalhavam Rivertown. Admito que devia tê-los liquidado há muito tempo, mas confesso que não me aventurei a enfrentar, sozinho, três sujeitos perigosos.

- Já que estamos vivendo momentos de confis­sões, devo revelar que só desafiei James Coogan confiando em que os outros dois não se metessem na briga. Se eu soubesse...

- Além de valente, modesto, hem? Que tal uma estrela de prata no peito, em vez de se estourar no campo, cuidando de reses? Quero dizer que está convidado para ser meu comissário, Jess.

- Em vez de estourado pelo trabalho, estourado por balas de pistoleiro... - sorriu James Dunn, agitando a mão negativamente. - Não, muito obri­gado, amigo Owells. Na verdade, estou começando a enjoar das armas e pretendo tornar-me um pacífico rancheiro. Acabo de fechar negócio com mister Williams. Assim que as coisas andarem bem, arranjarei uma esposa e...

Foi interrompido por uma gargalhada do xerife.

- Não precisa dizer com quem vai casar, Jess -disse Owells, ainda rindo. - E uma questão de convencê-la a não andar armada.

- Acha que estou louco? - explodiu Jess, arrega­lando os olhos. - Essa mulher é orgulhosa e metida a macho. Não gosto de mulheres que andam por aí de calças justas, rebolando para tudo quanto é homem ficar com von... Bem, não gosto de mulher-macho!

O xerife deu-lhe uma pancadinha no ombro.

- Eu já lhe disse que Betty é uma boa menina - lembrou.

- Não duvido, mas não pretendo ser o maluco que terá de domar essa potranca selvagem.

- Pelo menos noventa por cento dos rapazes deste povoado gostariam de poder fazê-lo, Jess.

- Pois não me inclua entre esses loucos. Até mais ver. E lembre-se de que, embora não aceite o lugar de comissário, estarei sempre ao seu dispor para situações difíceis.

- Até mais ver, Jess.

 

Jess Dunn levantou a cabeça ao ouvir o galope, interrompendo momentaneamente o trabalho de reparar a cerca de seu rancho.

O cavaleiro fazia seu cavalo galopar diretamente para ele, não lhe sendo nada difícil reconhecer quem montava o belo tordilho. Não obstante, Jess entregou-se de novo à reparação da cerca, como se nada estivesse acontecendo.

- Está cego? - indagou Betty Russell, ferida em seu orgulho. - Faz mais de um minuto que estou aqui!

- Oh! É de verdade! - exclamou Jess, com irritante cinismo. - Como você não disse nada, pensei que fosse coisa de minha imaginação. Bem... Ainda assim, vou tentar convencer-me.

Aproximou-se dela e, inesperadamente, deu-lhe um beliscão na coxa, exclamando:

- Caramba! É mesmo!

Betty Russell enrubesceu, furiosa, apertando os lábios sem nada dizer, em dúvida sobre se devia chicoteá-lo ou simplesmente voltear o tordilho e partir a galope. Jess, sorridente, continuou:

- Assim, enrubescida, você parece ser mulher.

- Grosseiro! - explodiu Betty, Finalmente, er­guendo o braço para agredi-lo com o rebenque.

Jess Dunn já esperava por isso. Esquivou-se habilmente, arrancando-lhe o rebenque da mão.

- Não parece estar bem intencionada, hem? -zombou.

Ela, de lábios apertados, deu um gritinho pelo nariz, esporeou o tordilho e partiu, cavalgando com extrema elegância.

Jess deu uma risada. Depois, correu para o seu cavalo, montando-o em pêlo, no estilo dos índios. Saiu em perseguição de Betty, que não olhava para trás mas sabia que logo seria alcançada não só porque o baio de Jess era superior ao seu tordilho, como também porque o rapagão era excelente cavaleiro. Além disso, ela desejava ser alcançada.

Fingindo buscar o melhor meio de fugir à perseguição, Betty desviou o cavalo para um pe­queno bosque de abetos que se divisava a menos de uma milha. Porém, antes de chegar a ele, já o rapagão tinha emparelhado os dois cavalos. Duran­te alguns segundos os animais galoparam juntos como se estivessem atrelados a um varal, mas de repente Jess inclinou-se com incrível habilidade, estendeu os braços e, demonstrando o vigor de seus músculos, arrebatou Betty da sela do tordilho, encarapitando-a no lombo do baio.

Betty Russel, assustada com o equilíbrio precário e com a maior velocidade que Jess imprimira à montaria, agarrou-se fortemente ao jovem para não cair, conseguindo pedir, com um sopro de voz:

- Por... favor! Quero descer! Não pode...!

Teve os lábios fechados por um beijo rápido mas violento de Jess Dunn, que, puxando a crina do ­animal, obrigou-o a parar.

- Oh, Jess...! - exclamou Betty, empolgada. Era seu primeiro beijo.

- Caramba! Ela sabe o meu nome! - zombou Jess Dunn, deixando-a inteiramente desconcertada.

Porém Betty era mulher de personalidade. Sobre­pôs-se ao impacto da zombaria e indagou com absoluta seriedade:

- Ainda me considera uma mulher-macho, Jess? Desta vez foi ele quem se desconcertou.

- Quem lhe contou que eu disse isso?

- Owells. Responda, Jess: ainda me considera...?

- Aquele linguarudo! - estourou Jess Dunn, interrompendo-a. - Com que direito foi passar adiante...!

- O xerife é meu tio, Jess.

- Ah! Se é assim...

- Como vê, titio estava no direito de me contar. Mas você ainda não respondeu à minha pergunta.

- Você carece de feminilidade - disse Jess, com rudeza.

Só então Betty percebeu que continuava abraçada a Jess Dunn. Afastou-se um passo e indagou desafiadoramente:

- Se pensa assim, por que fez questão de me beijar? Responda, se tem coragem bastante para admitir...

- Foi para conhecer o sabor dos lábios de uma... digamos, de uma mulher sem feminilidade.

- Seu atrevido! Seu...! Seu...! - descontrolou-se Betty Russel, tentando esbofeteá-lo.

Jess segurou-lhe a mão e torceu-a ate prendê-la às costas e, dominando-a completamente, tornou a beijá-la, desta vez com uma delicadeza que a surpreendeu bastante.

Betty parecia uma gatinha atrevida, ao indagar, cheia de orgulho feminino:

- Você está caído por mim, não é verdade, Jess Dunn?

Jess olhou-a nos olhos, demoradamente, deu meia volta, saltou para o lombo do baio em pêlo e, antes de esporeá-lo, admitiu:

- Talvez...

Betty não parecia preocupada com o fato de ter ficado a pé. Acompanhou com o olhar o garboso Jess Dunn e, acariciando os lábios, murmurou, emocionadíssima:

- Eu o amo, Jess. E sei que também me ama. Só quem ama beija assim...

Encaminhou-se devagar para o bosque, onde o tordilho pastava. Por que ter pressa em voltar para Rivertown, se o amor estava perto dali, consertando a cerca de seu pequeno rancho?

Espantosa transformação se operou repentina­mente em Betty Russel. A garota atrevida, disposta a enfrentar qualquer um a bala, tornou-se dengosa, sonhadora, a ponto de colher o animal pelas rédeas e continuar a pé, deliciando-se com a beleza do prado que se estendia até o horizonte.

Só uma coisa não se alterou em Betty, por ser impossível modificar a natureza: ela continuou rebolando provocadoramente.

 

Poucos dias depois, pela manhã, Jess resolveu ir a Rivertown para comprar algumas ferramentas e provisões.

Estava satisfeito. Havia trabalhado muito, mas o ranchinho adquirido de Williams parecia outro. Com mais alguns dias de trabalho, terminaria o pequeno curral para algumas reses. Claro que lhe restava pouco dinheiro e se Nelson Geofrey, diretor do Banco, não lhe concedesse um empréstimo apreciável, ele só poderia adquirir no máximo vinte e cinco cabeças de gado, encontrando-as a bom preço.

- Vou ver se consigo mil dólares com Geofrey... - murmurou, enquanto selava seu baio.

Partiu bem cedo e manteve o cavalo a trote. Ao entrar pela extremidade norte da rua principal de Rivertown fazia cálculos mentais sobre seus gastos, convencido de que, com menos de mil dólares adicionais, não conseguiria estabelecer-se como rancheiro.

- É o diabo a gente começar endividado! - exclamou em voz baixa, segundo o seu hábito de falar sozinho.

Foi quando ouviu os estampidos. Logo a seguir, ouviu forte explosão acompanhada de cerrado tiroteio. Esporeou o baio e não teve de percorrer cinquenta metros para compreender tudo. Diante do Banco, alguns homens, esgueirados atrás das fortes colunas do alpendre, disparavam furiosa­mente contra outros que haviam escolhido igual proteção na calçada fronteira.

- Assalto ao banco! - quase gritou. - Adeus, empréstimo.

 

Sacou o Winchester da sela, saltou e correu para trás de um bebedouro para cavalos, quase no prolongamento da calçada de tábuas em que se encontravam os assaltantes.

Parecia não haver muitas chances para os bandi­dos, mas as esperanças de Jess se esfumaram quando dois cilindros geminados surgiram de uma das janelas do Banco, voando, com um chiado, para a calçada em frente. Os homens que ali se encon­travam compreenderam que seriam liquidados, se persistissem no ataque aos assaltantes, e correram para o extremo da rua.

Não foram atingidos pela explosão das bananas de dinamite, mas em sua corrida desordenada tornaram-se alvos fáceis para os assaltantes.

Jess Dunn soltou uma imprecação, e acionando a alavanca do rifle, fez quatro disparos rapidíssimos contra os bandidos. Não conseguiu alvejá-los, po­rém a surpresa dos tiros pelo lado deixou-os bastante desconcertados, dando aos atacantes a possibilidade de fugir.

Estes, refeitos do susto, atiraram-se ao chão e, de bruços, dispararam suas armas ainda mais furiosa­mente contra os assaltantes que se viram colhidos entre dois fogos.

Jess assomou cuidadosamente a cabeça por um dos lados do bebedouro e apontou seu rifle, aper­tando o gatilho.

Oitenta metros mais adiante, um homem se levantou de um salto, agitou os braços e caiu morto, com uma bala no peito.

Como resposta, elevaram-se diversas nuvens de poeira ao redor do bebedouro de cavalos, com as balas ricocheteando e zumbindo como abelhas malucas. Os assaltantes haviam conseguido locali­zar o misterioso atirador que os mantinha em xeque.

Jess Dunn manteve-se imóvel atrás do bebedou­ro. Ouviu novas explosões de dinamite e tornou a espiar, vendo um punhado de homens saírem do banco e, juntado-se aos que já estavam no alpendre, montarem e lançarem seus cavalos a galope, dispa­rando contra os que atiravam estirados no chão contra ele.

Pareceu haver discordância entre os assaltantes, pois estacaram seus cavalos e gesticularam apon­tando em direções opostas, mas acabaram por chegar a um acordo, seguindo todos para o extremo norte da rua principal, exatamente para onde se encontrava o bebedouro que servia de proteção a Jess.

Compreendendo que estava com a vida por um fio, Jess colou-se ao estreito ângulo formado pelo chão com o bebedouro de grosso tronco encravado.

De passagem, um dos assaltantes acendeu um cartucho de dinamite e lançou-o contra Jess, que sentiu frio na boca do estômago, imaginando-se despedaçado.

Felizmente para ele, a banana de dinamite foi cair dentro do bebedouro e a mecha improvisada se apagou.

Assomando a cabeça por cima do bebedouro, Jess viu os assaltantes cm plena fuga e um deles, após inclinar-se sobre o pescoço do cavalo, esfor­çando-se para não cair, despencar de cabeça. Compreendeu que outro atirador escoteiro dispara­va contra os fugitivos. Quem seria o voluntário?

Apoiou o cotovelo esquerdo na beira do bebe­douro e, caprichando na pontaria fez vários disparos acionando velozmente a alavanca do Winchester.

Dois cavalos tropeçaram lançando os cavaleiros por cima da cabeça, esmagando-os com seu peso.

Cem metros adiante de Jess, o outro atirador isolado alvejou mais um fugitivo, que se agarrou a crina do cavalo, oscilou violentamente e despen­cou, permanecendo imóvel no chão.

Os demais assaltantes desapareceram na distân­cia, envoltos em grande nuvem de poeira vermelha que cintilava ao sol.

De repente, verdadeira multidão, possivelmente todos os habitantes de Rivertown, surgiu nas calça­das, correndo para onde se encontravam os assal­tantes abatidos, alguns deles apenas baleados e outros desacordados por causa da queda de seus cavalos.

Jess Dunn compreendeu perfeitamente as inten­ções daquela gente: aplicariam a Lei de Lynch!

Jess Dunn sentiu asco por aqueles homens dupla­mente covardes que, além de se esconderem em suas casas e nas lojas, no momento do tiroteio, se propunham a fazer justiça por suas próprias mãos, linchando os poucos sobreviventes. Decidiu ir ao Banco para saber de Nelson Geofrey de quanto tinha sido o roubo e se isso afastava a possibilidade de um empréstimo, mas ainda não tinha dado dez passos, quando o diretor saiu correndo do Banco, ­passou por ele sem lhe dar a menor importância e se encaminhou para o celeiro municipal onde se dariam os enforcamentos. Na fachada desse galpão havia forte viga com polia e corda para içar os sacos de cereais e fardos de forragem.

O xerife Owells e seu comissário Teddy mostra­vam-se impotentes para conter a fúria dos linchadores, a maioria dos quais empunhavam armas para evitar a intervenção dos homens da Lei.

Três cordas já haviam sido passadas por cima da viga e assim que uma delas se distendeu, marcando o fim de um homem, Jess virou-se para não testemunhar a brutalidade. Ao se virar, viu, de relance, o rosto do segundo candidato ao enforca­mento.

Uma cicatriz atravessava diagonalmente a face esquerda do bandido. E seus olhos frios estavam fixos em Jess.

Foram segundos de estupefação que angustiaram terrivelmente Jess Dunn, levando-o a uma reação imprevisível para os linchadores. Acionando a alavanca do Winchester, Jess ordenou, com voz tensa:

- Quietos, todos! Quem se mexer terá feito o último movimento de sua vida!

A estupefação dos homens que manobravam as cordas foi bem maior que a sua ao deparar com o homem da cicatriz. Pretendia o novo rancheiro mister Dunn acobertar aqueles criminosos?

Foi o que todos pensaram, encarando, temerosos, o rapagão.

- Soltem este homem! - ordenou Jess, movendo o rifle em leque.

Ninguém se mexeu porque todos continuavam perplexos.

- Eu mandei soltar esse homem! - rosnou Jess. - Estou disposto a matar qualquer um para vê-lo em liberdade!

O xerife, que não se esforçara devidamente para impedir o linchamento, aproximou-se dele e disse:

- Vamos levá-lo para o xadrez...

- Nada disso, mister Owells - discordou Jess. -Não pretendo salvar a vida desse homem para metê-lo atrás das grades, de onde logo seria retirado e morto. Quero vê-lo bem longe daqui.

O xerife estava visivelmente desconcertado. Os demais encontraram no enforcamento de mais dois assaltantes a desculpa para fingir que não estavam amedrontados e para dar vazão aos seus sentimentos de vingança.

- Mas... - quase gemeu Owells.

- Já sei que não compreende, xerife, mas exijo que esse homem seja posto em liberdade. Repito que estou disposto a matar qualquer um para libertá-lo.

- Não será necessário tornar-se um criminoso - murmurou o xerife, com tristeza. - Teddy, solte esse canalha!

Seu comissário obedeceu resmungando e o assal­tante aproximou-se de Jess Dunn, começando:

- Obrigado, Jess. Vejo que...

- Dê o fora! - cortou Jess.

- Eu queria apenas dizer...

- Desnecessário. Fora!

- Como queira, Jess. E... obrigado. Por que não vem conosco?

Jess Dunn apontou o cano do rifle para os outros bandidos, já enforcados, sorrindo de modo estra­nho.

- Você queria dizer para irmos os dois... Agora está sozinho. Não, eu não quero acompanhá-lo.

- Por que, Jess?

- Porque me sinto muito bem como homem honrado.

O homem da cicatriz deu uma risada.

- Creio que o xerife duvidará muito disso, Jess. Bem, o problema é seu. Até a vista.

Com grande agilidade, o bandido saltou para a garupa do primeiro cavalo que encontrou, esporeando-o impiedosamente para forçá-lo a um galope desenfreado.

O xerife virou-se para Jess e, pousando-lhe a mão no ombro, declarou:

- Sinto muito, Jess, mas terá de me acompanhar. Tentarei ajudá-lo, tendo em conta que há pouco contribuiu para limpar Rivertown matando Coogan, Simpson e Patrick. Fez um bom trabalho e estou convencido de que é um homem honrado, mas o fato é que...

Interrompeu-se, voltando.para Nelson Geofrey, diretor do Sub Western Bank, que se aproximou movimentando os braços e vociferando:

- É cúmplice dos ladrões! A estória da transfe­rência de dois mil dólares foi um ardil para se inteirar de pormenores sobre o funcionamento do Banco, especialmente dos depósitos e da localiza­ção do cofre-forte! Devemos linchá-lo!

- Cale-se, Nelson - ordenou o xerife, com toda a calma. - Não complique as coisas. O rapaz se entrega sem resistência, não é verdade, Jess? Des­cobriremos se é cúmplice dos assaltantes.

- Deixe que o enforquem e trate de recuperar o dinheiro! - bradou Geofrey. - Isto me custará o meu cargo e não conseguirei outro igual!

- Faremos o possível para reaver o dinheiro, Nelson - respondeu Owells, inalterável. - O pouco que se conseguirá não será graças aos seus gritos.

- Você não conseguirá recuperar esse dinheiro - afirmou o diretor do Banco, mais calmo.

O xerife encolheu os ombros, dando-lhe as cos­tas, sugeriu:

- Então, ofereça um prêmio. Aparecerá alguém disposto a arriscar a pele...

Geofrey Nelson bufou, furioso, caminhando apres­sadamente para o Banco.

Nesse instante, Betty Russell surgiu correndo e, ao deparar com Jess Dunn sendo conduzido pelo xerife, não pôde conter um gemido de angústia. Então, era verdade! Jess...!

Aproximou-se dele e segurou o braço de Owells, protestando:

- Titio, você não pode encarcerar Jess!

- Não? Ele próprio está de acordo.

- Não! - exclamou Betty, voltando-se para o rapaz. - Você não pode...!

- É verdade, Betty.

- Mas... por quê?

- Bem. Isso é assunto meu. Desconcertada, Betty olhou alternadamente para o tio e para Jess Dunn, como se ainda fosse possível alguma explicação salvadora para o rapaz, mas Owells limitou-se a fazer um sinal para Jess, convidando:

- Vamos, rapaz. Eu não me surpreenderia se, como sugeriu o maluco do Nelson, quisessem linchá-lo em lugar do homem que você ajudou a fugir.

- Acha que me linchariam? - indagou Jess, com espantosa pureza.

O xerife deu uma risada.

- Você é o sujeito mais ingênuo que já conheci - afirmou. - Claro que o linchariam, Jess! O homem não passa de uma fera disposta a matar à primeira oportunidade. Esquecemos depressa os favores recebidos. Vamos.

Jess baixou a cabeça, pensativo.

- É, xerife, cheguei a essa conclusão durante a Guerra Civil, mas relutava em admitir que fosse verdade. Pensei ter conquistado a amizade dessa gente...

- Não há amizades coletivas, Jess. Os homens, quando se reúnem, tomam-se matilhas de lobos. Esteja certo de que, em todo esse povoado, somente eu e, possivelmente, Betty Russell, acreditamos em sua honradez. Somos os únicos a não querer enforcá-lo. Saiba que a morte não vê obstáculos...

Jess Dunn indicou, com o queixo, o lugar por onde desaparecera o cavaleiro que ele salvara e respondeu, com um sorriso amargo:

- Você pôde constatar que a morte topou com um obstáculo. Talvez por isso esteja disposta a vingar-se, exigindo, em troca, a minha cabeça.

- E...! - fez Owells, preocupado. - Jess, estou absolutamente convencido de que você tem uma dívida seriíssima com aquele homem. Mas acho que nenhuma dívida, seja ela qual for, justifica um homem dar sua vida por outro.

- Nem mesmo quando esse outro...?

Owells ergueu a mão espalmada, exigindo que ele não prosseguisse:

- Não, Jess, prefiro ignorar seus motivos. Com­preendo que devem ser grandiosos. Reserve suas explicações para o júri...

Jess encolheu os ombros e caminhou para a delegacia, escoltado pelo xerife e seus dois comis­sários Teddy e Barton. Não protestou quando Owells meteu-o atrás das grades. Estirou-se de costas na enxerga, com as mãos embaixo da cabeça, fechando os olhos. Queria pensar.

Ao anoitecer, ouviu a voz do xerife, que, em seu gabinete, conversava com alguém, admitindo:

- Tem razão, Nelson. Não conseguimos localizar os bandidos. Possivelmente meteram-se no rio, que é raso, galopando sem deixar rastro. Ou então... - fez ligeira pausa - encontram-se tão perto de nós que nem sequer podemos vê-los.

- Perto de nós? - repetiu Nelson Geofrey, surpre­so.

- Esqueça, Nelson. Vai para casa agora?

- Vou.

- Então sairemos juntos. Tenho de fazer a primei­ra ronda. Teddy! - chamou. - Assim que Percifal chegar, vá ter comigo. E leve Barton, porque esta noite os ânimos estão exaltados.

Pouco depois ouviam-se ruídos de passos e Jess Dunn acendia um cigarro, começando a crer que se aproximava o seu fim. As últimas palavras do xerife deixaram bem clara a disposição que anima­va os habitantes de Rivertown. Deviam estar meti­dos no saloon, buscando coragem no álcool para invadir a delegacia, arrancá-lo dali e enforcá-lo na viga do celeiro municipal. Sorriu, murmurando, como era seu costume: - Betty vai ter que arranjar outro candidato a marido...

Jogou a guimba de cigarro longe e fechou os olhos, disposto a tirar um cochilo. Ninguém é obrigado a morrer com sono...

 

Pouco depois, Jess foi arrancado do cochilo pela sensação de ouvir um galope se aproximando. Apurou os ouvidos e se convenceu de que não havia sonhado quando o galope parou perto da delegacia, iniciando-se um tiroteio cerrado.

Trepou na enxerga e deu um salto, conseguindo segurar-se pelos dedos no peitoril da janelinha engradada que ficava a uns três metros do chão. Flexionou o corpo e olhou pra fora, vendo numero­sos grupos de cavaleiros, atirando para todos os lados. Se não eram vaqueiros embriagados, por certo seriam os homens que deveriam arrancá-lo da cela para enforcá-lo no celeiro municipal.

Deixou-se cair sobre a enxerga, que rangeu com o seu peso, quando ouviu uma voz metálica no gabinete do xerife. Seguiram-se alguns disparos e a figura de Robert Dack surgiu diante dele, na porta do corredor das celas. Tinha nas mãos as chaves do xadrez.

- Olá, Jess...

Ele não respondeu, estirando-se a fito comprido na enxerga. Bob Dack se aproximou e abriu a cela, indagando:

- Está maluco, Jess? Tem a fuga coberta pelos rapazes!

Jess Dunn sentou-se na enxerga.

- Estou livre! - exclamou.

- Claro, Jess. Ninguém poderá impedi-lo de fugir. Virá conosco. No Novo México também há Bancos, diligências, trens...

Jess olhou-o nos olhos e falou devagar, em tom convincente:

- Escute, Bob. Naquela noite você me salvou, ­arranjando essa cicatriz no rosto. Há pouco eu salvei sua vida quanto já estava praticamente com a corda no pescoço. Estamos quites.

- Claro, homem, claro! - sorriu Bob Dack. -Agora, mexa-se, porque os rapazes estão impacien­tes e podem fazer algumas besteiras...

- Se está sugerindo que eu me una ao seu grupo de assaltantes, perde se tempo, Bob.

Robert Dack, que se aproximava para lhe passar o braço pelos ombros, na maior camaradagem, estacou, boquiaberto.

- Que está dizendo?

- Que não pretendo sair daqui para juntar-me a vocês.

- Por quê!

A voz de Jess Dunn tornou-se desagradavelmente fria:

- Bob, em toda minha vida eu só empreguei as armas para me defender e não faria uso delas para roubar. Talvez esteja errado, mas sou assim e não desejo mudar. Entenda, Bob: sou um homem hon­rado.

Bob Dack ficou olhando para ele com expressão indefinível, acabando por estourar:

- Você enlouqueceu! Se ficar aqui, será lincha­do! Esses estúpidos jamais o perdoarão por me haver libertado! Não banque o imbecil!

- De acordo: sou um imbecil. Mas pretendo ficar aqui. Além disso, sei que não me lincharão.

Bos soltou uma gargalhada indecente.

- Ora, vamos, Jess, não seja ingênuo! Esses estúpidos são mais assassinos do que nós, porque aproveitam a desculpa de punir criminosos para terem o prazer de enforcar impunemente. Nós, pelo menos, temos a coragem de matar por dinheiro. Eles matam por prazer!

- Talvez... Seja como for, agradeço sua boa intenção, mas não aceito a ajuda. Não pretendo discutir seus pontos de vista e só espero que respeite os meus. Trate de dar o fora antes que os... estúpidos de Rivertown se unam para capturá-los. Que tiros foram aqueles no gabinete do xerife?

- Oh... - fez Bob Dack, com um sorriso zombeteiro. - Um vara-pau com estrela no peito tentou impedir minha entrada e fui obrigado a despachá-lo.

- Percifal! - exclamou Jess, consternado. - Tinha mulher e três filhos! Era um homem honrado!

- Azar o dele - respondeu Bob Dack, com indiferença. - Se não queria morrer, que arranjasse outra profissão. Decidi libertá-lo, Jess, e, como você sabe, quando quero uma coisa não vejo obstáculos.

A morte não vê obstáculos, pensou Jess Dunn, lembrando-se das palavras do xerife.

- Principalmente agora, sabendo a que doloroso preço eu teria a minha liberdade, não sairei daqui -declarou, estendendo-se na enxerga.

- Só agora entendo que arrisquei a vida por um estúpido igual aos demais que vivem neste povoa­do! - rosnou Bob Dack, irritado.

Jess ergueu-se na enxerga e, encarando o pistoleiro afirmou:

- Salvei sua vida por uma dívida de morte, porém, como já disse, estamos quites. E seu estilo de vida matou nossa amizade. Você acaba de adquirir uma dívida comigo por matar Percifal, um dos melhores sujeitos de Rivertown, sob o pretexto de me salvar. Poderia tê-lo dominado com as armas. Dê o fora e nunca mais volte a este povoado, se tem amor à pele. Caso não pretenda viver preocupado com estas palavras, meta-me uma bala na cabeça agora mesmo.

- Pretende caçar-me, caso consiga sair desta com vida? - zombou Bob Dack.

- Talvez...

Bob Dack deu uma risada e, tornando a fechar a porta da cela a chave, saiu do corredor, desapare­cendo de vista.

Jess Dunn deixou-se cair para trás, com as mãos debaixo da cabeça, pensando na viúva de Percifal e em seus três filhos órfãos.

Ficou tenso ao ouvir a voz de Robert Dack, do gabinete do xerife:

- Temos um encontro combinado, Jess Dunn. Eu sempre quis saber qual de nós é mais rápido...

Jess Dunn nesgou os olhos. Quando ficar sabendo não poderá contar a ninguém..., pensou, com um sorriso amargo.

 

Os acontecimentos se sucederam rapidamente.

- Jess!

Jess Dunn saltou da enxerga como se fosse de molas.

- Betty! Que faz aqui?

- Vim ajudá-lo a fugir, amor! - disse ela, com empolgação. - Você é tudo para mim e não quero perdê-lo. Titio está conseguindo manter os linchadores a distância, mas não sei por quanto ­tempo eles respeitarão sua autoridade. Aqueles pistoleiros contribuíram para evitar que os homens de Rivertown invadissem a delegacia, enquanto titio fazia a primeira ronda. Atiraram para todos os lados, indistintamente, matando e ferindo até mu­lheres e crianças.

- Meu Deus! - deixou escapar Jess Dunn, pálido como um defunto. - E tudo por minha causa! Ele me pagará...!

- Quem, Jess?

- Esqueça. As chaves estão lá no fim do corredor.

- Jess. Quem esteve aqui?

- Eu já disse para esquecer o assunto. Vá buscar as chaves.

Betty Russell obedeceu. Abriu a cela e, lançando-se nos braços de Jess, beijou-o sofregamente, implorando:

- Fuja, amor! Imediatamente! Nelson Geofrey está instigando os homens para que invadam a delegacia! Exige seu enforcamento!

- Conheço os propósitos desse maluco - disse ele, afastando-a delicadamente, depois de beijá-la nos lábios.

- Jess, o homem que esteve aqui, é o mesmo que

você salvou do linchamento - disse Betty, olhando-o nos olhos. - A esta altura já não podemos ocultar nada um do outro, não acha?

Jess Dunn pensou durante alguns segundos, antes de responder:

- Sim, é ele.

- Por que não o libertou?

- Eu não quis fugir com a sua ajuda. O preço seria degradante.

- O preço?

- Não podemos entra em detalhes agora. Depois falaremos a respeito.

- Está bem, amor. Agora, fuja, porque Nelson ofereceu um prêmio de dez por cento do dinheiro roubado para quem conseguir recuperá-lo. São cinqüenta mil e o prêmio será de cinco mil. Os homens andaram bebendo e parecem dispostos a vir interrogá-lo a respeito, vencidos pela cobiça.

- Acreditam sinceramente que eu faça parte do bando... - murmurou Jess, chateado.

- É o que Nelson meteu na cabeça de todos.

- Não é verdade, Betty.

- Eu sei. E por isso que vim libertá-lo. Saíram para o escritório do xerife e Jess estacou, ­contemplando o cadáver do comissário Percifal.

- Miserável! - exclamou, num gemido. - Matar o bom do Percifal!

- Mataram muitos inocentes, Jess. Agora, esque­ça isso e fuja.

- Buscaria Robert Dack até o inferno para matá-lo!

- Esse Robert Dack pretendeu ajudá-lo, Jess -lembrou Betty, procurando dissuadi-lo da persegui­ção.

- Engana-se a respeito desse homem, Betty. Ele age por orgulho, para se sentir superior. Quando saldei nossa dívida de morte, ele resolveu salvar-me para que eu continuasse como devedor. E um sanguinário que não vê obstáculos para realizar seus propósitos. Um legítimo representante da morte.

Tornou-se muito sério e, olhando Betty nos olhos, declarou de um modo que fez a jovem estremecer:

- Por tudo isso, vou matá-lo!

- Abriu a gaveta da mesa do xerife e recolheu seus cinturões de balas com os Colts 45, atando à cintura depois de examinar as armas para certificar-se de que estavam carregadas. Experimentou-as, ­sacando com uma rapidez que deixou Betty estarrecida, e devolveu-as aos coldres com igual presteza.

- Seu cavalo está no beco ao lado... - disse Betty, puxando-o pelo braço para fora da delegacia.

Jess Dunn lhe sorriu, agradecido, indagando:

- Que faria se Percifal não tivesse sido morto?

- Coloquei no café um narcótico que surrupiei do consultório do doutor Flair. Todas as noites sirvo um cafezinho ao comissário de serviço e como sou ajudante do médico...

- Que mulherzinha perigosa! - exclamou Jess, beijando-a com violência, de surpresa. - Se desistir de andar armada, talvez eu tenha coragem de raptá-la. Adeus.

Que romântico! pensou Betty, encantada, assustando-se ante a idéia de Jess morrer nas mãos de Bob Dack.

- Jess, esse homem é um assassino profissional -murmurou, ao ouvido do rapaz, abraçada a ele. -Deve ser muito rápido e...!

- Sou dez vezes mais rápido do que ele, querida. Minha rapidez e pontaria excepcionais me garan­tem a sobrevivência, mas tornaram-se verdadeira maldição. Todo pistoleiro me desafia e sou obriga­do a matá-lo para não morrer. Quando nos casar­mos jogarei meus Colts no rio...

Fez uma pausa, enquanto Betty, enlevada como uma colegial apaixonada, pensava: Ele quer casar comigo!

- Sabe, querida? - prosseguiu Jess, com um sorriso malicioso. - Eu disse uma bobagem. Quan­do nos casarmos, manterei os Colts bem limpos e lubrificados. Terei de proteger a mulher mais provocante deste mundo. Esse seu jeito de andar, rebolando...

- Jess! - exclamou Betty, enrubescendo.

- Adeus.

Jess Dunn correu para o beco, saltou para o lombo do baio e lançou-o em furioso galope ao longo da rua principal de Rivertown no momento exato em que numeroso grupo de homens, gritando por linchamento, avançava em direção à delegacia.

Surpreendeu-se quando uma bala passou zunindo perto de sua cabeça. Alguém disparava um rifle de uma ruela. Empregando um truque que aprendera com os índios, ladeou o corpo de modo a situar-se ao lado do corpo do animal e, tirando o rifle da sela, disparou contra o desconhecido.

Este, sem dúvida, percebendo que não consegui­ria alvejá-lo, desistiu de atirar.

Jess Dunn saiu de Rivertown naquela estranha postura, como se fosse a encarapitar-se na sela quando não havia perigo de ser alvejado por algum atirador voluntário.

A noite estava fresca, facilitando longas cavalga­das...

 

O xerife Jack Owells vinha na dianteira do grupo que bradava por vingança. Cientificado da fuga de Jess Dunn, tivera suas convicções a respeito do rapaz fortemente abaladas, admitindo que, possi­velmente, Jess era cúmplice dos assaltantes.

Entrou na delegacia, gritando:

- Peguem todas as armas!

Estacou e olhou para o sobrinha, espantado.

- Betty! Que está fazendo aqui?

Ela titubeou momentaneamente, porém soube dominar-se e respondeu com outra pergunta:

- Ora, titio, já esqueceu que todas as noites trago um cafezinho para o comissário de serviço?

- Ah... - fez Owells, arregalando os olhos. -Percifal! Aquele miserável matou Percifal!

- Eu não disse? - gritou um dos linchadores apoderando-se de um Winchester do armeiro da delegacia. - Enquanto alguns nos mantinham a distân­cia, outros vieram libertá-lo. Devíamos tê-lo enfor­cado. O senhor falhou, mister Owells!

Betty gritou, fora de si:

- Jess não é cúmplice de bandidos! Já esquece­ram que sem sua intervenção os bandidos teriam conseguido fugir com o dinheiro sem sofrer nenhu­ma baixa? Acham que ele atiraria contra seus próprios companheiros?

Jack Owells apoiou a sobrinha:

- Ela tem razão. Esse rapaz agiu de modo que não permite más interpretações. Não sei como cheguei a duvidar dele!

O linchador que falara antes, chamado Carter, encarou o xerife. Se não é amigo de bandidos, por que ajudou aquele homem a fugir? O senhor acha que um sujeito como ele arriscaria a vida por um criminoso se não é seu comparsa? Estou convencido de que os dois se conheciam muito bem...

- Talvez tenham sido amigos. As poucas palavras que trocaram naquele dia deixaram perceber isso. E Jess me disse...

Owells interrompeu-se para evitar que aqueles alucinados se enfurecessem ainda mais. Além dis­so, Betty lhe dirigira um olhar de súplica.

Porém Carter não dava ouvidos a nada. Agitando os punhos, argumentou:

- Claro que são velhos amigos! Primeiro, ele ajudou o bandido; depois, o bandido voltou a ajudá-lo.

Houve gritos de aprovação e mais homens corre­ram para o armeiro a fim de recolher revólveres e rifles. Porém todos estacaram estupefatos, quando Betty, encolerizada, gritou:

- Vieram ajudar Jess, mas ele não aceitou a ajuda.

- Ah... não? - ironizou Carter. - Mandou os outros embora e depois saiu sozinho... Será que roeu, com os próprios dentes, as barras da cela?...

- Eu abri a porta para que ele fugisse.

Um silêncio quase espesso dominou o ambiente. Os homens pareceram buscar uns nos outros a confirmação das palavras que julgavam ouvir mal. O irascível Carter foi o primeiro a reagir:

- Desmiolada! Embora o xerife seja seu tio...!

Avançou ameaçadoramente para Betty, mas es­barrou nos canos dos Colts 45 do xerife Jack Owells, que lhe falou com aquele tipo de calma que prenuncia a morte:

- Um momento, Carter! Se puser as mãos imun­das nesta menina, engolirá várias onças de chum­bo... Além disso, se perdermos a serenidade será muito pior.

- Percifal também perdeu a serenidade, xerife? -indagou Carter, irônico.

- Justamente em memória do bom Percifal, devemos ser prudentes e fazer as coisas da melhor maneira possível, a fim de evitar que esses facíno­ras escapem. Os culpados serão castigados. Quanto a Percifal, o melhor que podemos fazer por ele será enterrá-lo condignamente, depois de avisar a sua esposa. Quem se incumbirá de falar com Shirley?

Foi água na fervura. Toda a valentia e toda a fúria homicida dos linchadores esfriaram instantanea­mente. Os homens se olharam na esperança de que algum se apresentasse voluntário para a difícil tarefa, mas ninguém abriu a boca e Betty, mostran­do ter mais coragem moral do que eles, declarou:

- Eu falarei com Shirley.

Todos respiraram aliviados e Owells concordou prontamente:

- Sim, Betty, você, como mulher, saberá fazê-lo melhor do que qualquer um de nós.

Chegaram a perdoá-la de ter dado fuga ao preso, tal o alívio que sentiram. O xerife começou a dar ordens:

- Bem, amanhã, ao amanhecer, sairemos em perseguição...

- Amanhã! - protestou Carter. - Por que não agora mesmo!

Owells ficou de ombros caídos, procurando en­cher-se de paciência.

- Você se considera capaz de seguir rastros à noite? - indagou.

- Bem... - vacilou Carter. - Poderíamos pelo menos tentar...

- Aproveitaremos a noite para organizar o plano ­de busca, escolhendo os melhores batedores para encabeçar os grupos - prosseguiu Owells, sem lhe dar mais atenção. - Se partíssemos agora mesmo, desorganizadamente, talvez escolhêssemos exata­mente a direção oposta à que seguiram os bandidos. Sabemos que rumaram para o Norte, mas quem nos diz que não fizeram um rodeio, seguindo outra direção?

Houve um murmúrio de assentimento. Os linchadores não haviam pensado nesses detalhes.

- Ei, Betty! Onde vai?

- Falar com Shirley.

- Ah... Está bem. Mas deixe aí esse bule de café. Vamos necessitar dele para não cochilar...

Betty ficou desconcertada. Aquele café continha boa dose de narcótico.

- Já está frio...

- Não faz mal. temos um fogareiro - insistiu seu tio.

Ela pareceu hesitar, mas argumentou:

- Será melhor eu mesma esquentá-lo, titio. Farei mais e trarei o suficiente para todos. Bem quentinho.

- Boa idéia essa de coar mais café, Betty – sorriu o xerife. - Mas esse aí já está pronto. Deixe-o em cima da mesa, que eu vou apanhar o fogareiro.

Betty chegou a sentir as pernas bambas. Se aqueles homens tomassem o café, logo descobriri­am seu ardil para libertar Jess Dunn e... era crime narcotizar uma autoridade policial. Ficou angustia­da. Virou-se devagar e se encaminhou de volta para a mesa, convencida de que nem mesmo o fato de ser sobrinha do xerife serviria para livrá-la do xadrez.

Foi quando viu a bota de um dos homens e a idéia lhe veio de estalo: tropeçou no pé do linchador e, para se apoiar a mesa a fim de não cair, largou a bandeja com o bule.

- Ooooh! - exclamaram todos, em coro, ao ver o café derramado no chão.

- Oh! - fez Betty, simulando grande decepção. -Que descuido!

- Não tem importância, menina - confortou-a Owells. - Estava frio...

- Obrigada, titio.

Com um suspiro de alívio, Betty recolheu do chão a bandeja com o bule e as canecas, saindo do gabinete com demasiada agilidade.

- Barton! - chamou o xerife.

- Pronto, chefe.

- Vá buscar serragem para enxugar isso.

O comissário saiu e teve início a discussão sobre a melhor maneira de caçarem os assaltantes do Sub West Bank.

 

Jess Dunn havia cavalgado durante toda a noite, levando sobre o xerife Owells e os linchadores de Rivertown a vantagem de estar quase certo quanto ao caminho seguido pelos bandidos.

Robert Dack cometera o descuido de lhe dizer, no xadrez, que se ele o acompanhasse iriam para o Novo México, onde havia boas oportunidades para uma quadrilha de assaltantes.

Que caminho mais lógico, portanto, para fugiti­vos da lei, que o do deserto, passando diretamente do Arizona ao Novo México?

Um caminho perigoso, sem dúvida, mas rápido e amedrontador para quaisquer perseguidores.

Pouco após o raiar do dia, Jess já se havia adentrado bastante no áspero deserto, nesgando os olhos para atenuar os reflexos ofuscantes, apurando a vista a fim de localizar possíveis rastros. Arbustos desfolhados, ressequidos, tombados, imóveis na areia ardente. Ao longe, os penhascos achatados, terrosos, já do Novo México.

Poucas horas depois, com o sol no zênite, Jess decidiu escalar um desses penhascos que despedi­am cintilações avermelhadas, num esforço deses­perado para se orientar quanto ao rumo seguido pelos fugitivos.

Foi uma subida heróica. Com o sol lhe queiman­do as costas, cravando as pontas das botas e os dedos em pequenas reentrâncias e correndo a cada movimento o risco de projetar-se fatalmente nas areias escaldantes, e ainda mais o perigo da desi­dratação, Jess Dunn deu provas de excepcional vigor físico, conseguindo chegar ao platô. Deitou-se de bruços e olhou para baixo. Lá do alto, seu cavalo avantajado lhe pareceu um gracioso pônei. Vasculhou com o olhar, atentamente, a vastidão desértica, soltando uma exclamação de alegria.

Não muito longe dali. à sombra de outros penhas­cos, as figuras imóveis de alguns homens. A pouca distância deles, encontravam-se seus cavalos.

Jess estudou o terreno circundante e se acomodou melhor naquele lugar, do qual dominava grande extensão do deserto.

Contou oito homens. Era atirador ligeiro e convenceu-se de que, antes dos homens, alertados pelo primeiro disparo, conseguirem rodear o penhasco a cuja sombra se protegiam, eleja teria descarregado todo o seu Winchester

As doze balas significam muita coisa, quando o atirador c perito.

Calculou a distância em aproximadamente setecentos metros, graduou a alça de mira e apontou a arma.

Robert estava sentado na areia, recostado na pedra avermelhada do penhasco. Ao seu lado, ­homens de aspecto sujo e rude ouviam as suas palavras. Ele demonstrara, até aquele momento, ser bom chefe.

- Claro que ninguém de Rivertown conseguiu nos seguir, principalmente o velho xerife. Antes de mais nada, porque à noite é difícil, senão impossí­vel, seguir pegadas. Depois, porque são poucos os que se atrevem a atravessar este maldito inferno.

Ouviram-se grunhidos. Seus homens estavam fartos do sol, da terra avermelhada que refletia seus raios e das rajadas de areia que começavam a fustigá-los trazidas pelos ventos erradios do deser­to.

Sem dar atenção aos grunhidos, Bob Dack pros­seguiu:

- Ficaremos aqui até que o sol se abrande. Não convém nos esgotarmos à-toa. Depois, aproveitare­mos a sombra deste penhasco e assim que a temperatura cair um pouco, reiniciaremos a marcha forçada para o Novo México... se é que ainda não nos encontramos nesse Estado.

Um dos homens se levantou e postou-se diante dele, com os olhinhos avermelhados pelo calor, cintilantes de maldade.

- Eu acho...

- Sim? - apressou-se a fustigá-lo Bob Dack.

- ... que podia aproveitar esta parada e repartir o dinheiro. Este golpe representou uma falha para você, Bob.

Cofiou a barba hirsuta, encarando desafiadora-mente o chefe da quadrilha.

- Você acha, Lowell? - zombou Bob Dack.

O pistoleiro esteve tentado a desafiar Bob, mas preferiu recuar:

- Bem... talvez não tenha sido por sua culpa... mas todos admitirão que um golpe de vinte mil não se compara com um de cinqüenta mil...

- Fui informado de que havia cinqüenta mil no cofre.

- Quem informou?

- Isso não lhe importa, Lowell. O informante sabia.

- Sem dúvida, porém arrisquei a vida por cin­qüenta mil e não por vinte mil.

- Eu sinto mais do que você e estou certo de que a informação era segura. Meu informante não mentiu.

- Não, hem? Pois eu estou convencido de que ­esse camarada nos tapeou. Gostaria de pôr as mãos no safado!

Solly, outro pistoleiro do grupo, que se mantinha imóvel, estendido a fio comprido na areia, com as mãos embaixo da cabeça, indagou sem se mexer:

- Está sugerindo que deveríamos voltar, Lowell?

- Claro: Esse camarada teria de nos explicar por que houve essa diferença de trinta mil dólares. Muito dinheiro para gente esquecer tão facilmente.

- Não voltaremos - sentenciou Bob Dack. Lowell voltou-se de novo para ele.

- Por quê?

- Porque seria muito arriscado. Além disso, quando voltamos a Rivertown, durante a noite, não o vi por lá.

O pistoleiro Lowell pareceu surpreso.

- Não o procurou?

- Não muito. Tinha coisa mais importante a fazer.

- Mais importante! - espinhou-se Lowell, diri­gindo olhares significativos aos demais pistoleiros. - Vocês ouviram? Ele foi fazer coisa mais impor­tante do que descobrir o paradeiro de trinta mil dólares...

- Foi o que eu disse.

- Foi o que todos ouvimos - rosnou Lowell, com um sorriso de hiena. - E... pode-se saber o que era?

- Não é da sua conta.

- Claro que é! Da minha conta e da conta de todos nós. Você é o chefe porque acreditamos em sua capacidade para nos dar vantagens. Não sendo assim, temos o direito de conhecer os motivos. Especialmente quando, para atender a interesses pessoais, causa um prejuízo de trinta mil dólares à turma.

Os dois se olhavam nos olhos.

- Continue, Lowell - convidou Bob Dack, com uma entonação que pressagiava a chegada da morte. - Até que você fala bem e...demais.

- Pois vou falar, Bob. Opino que, desta vez, como foi o causador direto dessa perda, não deve ter a parte de chefe. Será mais justo dividirmos em partes iguais.

Robert Dack demorou alguns segundos para responder com uma entonação gélida:

- Minha parte será, como de costume, a que me cabe como chefe da turma. Sabe? E bem possível que até seja aumentada... Depende de você.

- Não me amedronta - rosnou Lowell.

- Pois bem. Todos estão testemunhando. De­monstre.

Ergue-se de um salto, com a mão direita oscilan­do a curta distância do revólver.

O preguiçoso Solly despendeu grande esforço para se levantar, colocando-se entre os dois.

- Ficaram malucos? - indagou, muito sério. - Não podemos lutar agora. Também não acho oportuno dividirmos o dinheiro neste momento. Estou conven­cido...

De repente, a cabeça de Lowell pareceu estourar.

Antes que os assaltantes se sobrepusessem à perplexidade, o preguiçoso Solly se contorceu, impulsionado fortemente para trás.

Quase ao mesmo tempo, ouviram-se dois disparos.

- Estamos sendo...!

Outro pistoleiro, que iniciara o comentário, estre­meceu violentamente e um jato de sangue lhe brotou do peito.

Menos de dois segundos depois, ouvia-se o terceiro estampido.

Porém os demais bandidos já haviam adotado as medidas defensivas ao seu alcance, atirando-se ao chão.

Estavam sendo alvejados com tiro de rifle. Mas de onde?

Robert Dack foi o primeiro a ver, acima do penhasco que tinham pela frente, três nuvenzinhas de fumaça branca contrastando com o céu de um azul intenso.

- Disparam daquele penhasco! - avisou aos companheiros. - Colem-se bem ao chão.

Um punhado de areia saltou, enchendo os olhos de Lammy, que disse um impropério.

Outra nuvenzinha se elevou do penhasco, porém o estampido sé chegou até eles quase três segundos depois.

 

Jess viu cair o homem que ele escolhera e estava de pé. Acionou a alavanca do Winchester e fez novo disparo, derrubando outro homem, que acaba­ra de se levantar.

- Que imbecis! - exclamou, com seu velho hábito de falar sozinho. - Derrubo dois e os outros nem se mexem!

Mais um se levantou e Jess também o derrubou ­com certeiro disparo, impressionadíssimo com ta­manha facilidade para eliminar paulatinamente os bandidos.

Simplesmente, dada a distância que o separava dos pistoleiros, uns setecentos metros, os estampi­dos só chegavam até eles após transcorridos quase três segundos. Quando os bandidos ouviram o primeiro disparo, Jess já havia feito o segundo e, quando começaram a se mover, ele fez o terceiro disparo.

Foi quando os assaltantes se atiraram ao chão.

Jess Dunn sorriu. De algo lhe servira ter sido combatente na Guerra de Secessão: aprendera a manejar prodigiosamente o rifle. Homem experi­mentado, logo compreendeu que os bandidos não respondiam aos disparos porque, ao desmontarem, não tiveram o cuidado de levar consigo os rifles que estavam nas selas de seus cavalos, convencidos de não estarem sendo seguidos pelos habitantes de Rivertown. Outra experiência adquirida na Guerra Civil: forçados a permanecer deitados na areia, assim que a sombra do penhasco se deslocasse, os raios de sol incidiriam sobre suas costas e eles não poderiam suportar.

 

Decidiu esperar. O sol se tornara seu grande aliado. Caso algum dos pistoleiros cometesse a estupidez de se levantar para tentar correr até seu cavalo e recolher o rifle, teria a satisfação de abatê-lo, caprichando na mira...

Robert Dack, deitado de bruços, perpen­dicularmente ao penhasco em que se encontrava o misterioso atirador, para lhe oferecer o menor alvo possível, sugeriu:

- Devemos correr o risco de ir buscar os rifles. Se não respondermos em igualdade de condições, ele nos manterá colados ao chão até que o sol nos cozinhe o cérebro.

- O primeiro que se erguer será abatido, Bob -discordou um dos pistoleiros. - Seja quem for, é um atirador excepcional.

- Eu o conheço.

-Conhece! - surpreendeu-se o mesmo pistoleiro. - Quem é?

- Chama-se Jess Dunn. Bem... Imagino que seja ele.

Bob Dack deduziu que, possivelmente, Jess con­seguiria fugir por conta própria; ou que o xerife de Rivertown lhe tivesse concedido a liberdade.

- Eu deveria tê-lo liquidado... - murmurou.

- Que vamos fazer? - indagou Lammy.

- Eu mesmo irei buscar os rifles - declarou Bob Dack, demonstrando ser o mais corajoso e, portan­to, o mais capacitado para chefiar.

- Acho melhor esperar que anoiteça - sugeriu o bandido Speed. - De acordo?

- Não. Dificilmente terá vindo sozinho. Se der­mos aos seus acompanhantes, ou aos que o segui­ram, tempo para chegar, seremos eliminados.

- Se houvesse mais, já estariam disparando... -argumentou Lammy.

- E possível, mas não devemos confiar em suposições.

Speed insistiu:

- De noite será mais difícil a caçada, Bob.

- Mas acontece que dentro de duas ou no máximo, três horas, o sol cairá em cheio sobre nós. Foi justamente por temermos o sol que decidimos parar aqui, esperando que começasse a anoitecer. Se esse sol é capaz de levar à loucura um homem ­em movimento, que não lhe fará se ele permanecer imóvel? Além disso, se aquele atirador for real­mente quem estou pensando, será melhor darmos o fora imediatamente.

- Está bem, Bob - concordou, por fim, o pistoleiro Speed. - Nós lhe daremos cobertura, embora não possamos balear aquele Satanás.

Robert Dack deu uma risada que surpreendeu seus camaradas. Eles ignoravam que, se o atirador exímio fosse mesmo Jess Dunn, daria boas garga­lhadas ao testemunhar os estúpidos disparos do revólver.

Ainda rindo, Bob Dack ordenou:

- Comecem a disparar!

 

Vigiando os bandidos para que não se erguessem de repente, alcançando seus rifles, Jess deu tratos à bola, esforçando-se para deduzir quem poderia ter sido o homem que atirara nele isoladamente à sua saída do povoado.

Claro que Bob Dack não deixaria um de seus homens atocaiado para colhê-lo de surpresa e matá-lo, porque teria podido liquidá-lo impunemente no xadrez.

O que mais estranhava era justamente o fato de apenas um atirador insistir em derrubá-lo, postando-se bem distanciado dos linchadores.

Suas cogitações foram interrompidas pela repen­tina atitude de um dos assaltantes, que, levantando-se de um salto, corria para os cavalos que estavam na sombra do penhasco, buscando inutilmente algum broto de mato. Não corna em ziguezague nem em linha reta, mas de um modo desconcertante para qualquer atirador.

- E Bob! - exclamou Jess. - Conheço sua maneira de correr p;ira fugir a disparos.

Acionou a alavanca do Winchester e fez vários disparos, quase sem apontar e Bob Dack provou também conhecê-lo bastante, conseguindo esqui­var-se às balas. E justamente quando chegava junto a um dos cavalos, o percussor do rifle de Jess bateu em seco.

- Raios! - rosnou Jess Dunn, furioso, Remuniciou freneticamente o Winchester, mas os pistoleiros de Bob Dack compreenderam o que ocorria e, levantando-se ao mesmo tempo, corre­ram para seus cavalos. Jess Dunn convenceu-se de que teria sido melhor ­ignorar Bob Dack e destinar suas balas aos demais bandidos. Recarregada a arma, ainda conseguiu abater um assaltante, que, em vez de apoderar-se de seu rifle e atirar-se ao chão, cometeu a tolice de continuar de pé, tentando alvejar o atirador miste­rioso do penhasco.

Viu dois bandidos montar e voltear seus cavalos no intuito evidente de rodear o penhasco e resguardar-se de seus tiros.

Dedicou-se a responder aos disparos dos outros pistoleiros, os quais, deitados de bruços na areia, afinavam cada vez mais a pontaria.

Um deles levantou-se e tentou saltar para a sela do cavalo. Jess caprichou na pontaria e apertou o gatilho. O pistoleiro se agitou e caiu para trás.

Os dois que tinham conseguido montar e contor­nar o penhasco reapareceram a uma distância fora do alcance do Winchester. Jess compreendeu que pretendiam escalar o outro lado do penhasco e surpreendê-lo pelas costas. Atento aos movimentos dos que tencionavam dar esse golpe, relaxou a vigilância e um disparo de rifle quase o atingiu, enchendo-lhe a cara de terra. Quando reabriu os olhos, os pistoleiros já haviam desaparecido. Sou­beram aproveitar o descuido do atirador.

A situação tornara-se difícil. Claro que ele não poderia combater duas frentes. Conseguiu localizar os pistoleiros, que se haviam entrincheirado nas saliências do penhasco e disparavam sem parar. Recuou rastejando para situar-se em outro ponto da beira do platô e, empregando boa tática aprendida na guerra, visou apenas um inimigo de cada vez. Escolheu o primeiro e apontou cuidadosamente.

- Já não deve faltar muito para chegarmos ao território de Novo México, hem, xerife?

- E... - fez Jack Owells, sem olhar para o homem que cavalgava a seu lado. - De qualquer forma, teremos de continuar perseguindo esses canalhas até os limites do primeiro povoado.. Aí eles estarão acobertados pela maldita lei de não-extradição!

- Quer dizer que, uma vez em um lugar desses, os miseráveis poderão até rir em nossa cara! -rosnou o perseguidor, desconcertado.

- Assim é a lei, Barton. Teremos de obter ordem de captura, de um juiz, para que eles possam ser ­detidos ou mortos em qualquer Estado da União. Como um de meus comissários já deve saber disso. Por que não aproveita as horas vagas para ler aqueles livros que estão na minha estante, em vez de ficar perseguindo as mulheres do saloonl

- Tentei várias vezes, mas não entendo nada. Desconheço a maioria das palavras daqueles livros - admitiu Barton.

- E o mal de se ter um comissário analfabeto... -brincou Owells. - Percifal conhecia as leis melhor do que eu.

- Nem por isso deixou de morrer estupidamente.

- De fato! - murmurou o xerife, esporeando seu cavalo branco de crinas amareladas, um dos mais belos corcéis da região.

Mais de dez homens formavam o grupo de perseguidores chefiado por Owells, não incluindo seus comissários, Barton e Teddy. Todos bons conhecedores do deserto. Bem mais para trás, outros tantos habitantes de Rivertown, que se haviam oferecido para tomar parte na perseguição. Começavam a arrepender-se do arroubo de valen­tia. Eram sujeitos pacatos, trabalhadores, que havi­am chegado a Rivertown sem atravessar aquela área escaldante, inóspita, onde as terríveis casca­véis se aqueciam ao sol, durante o dia, e os coiotes uivavam assustadoramente dentro da noite.

O terceiro grupo, que se juntara aos demais por simples estupidez mental, à hora da partida, havia muito que se deixara ficar para trás, desistindo da loucura. Covardões que cometem os maiores des­propósitos por mero espírito de imitação, mas logo se arrependem e não vacilam em confessar seu erro.

De repente, Owells ergueu o braço, como apren­dera na Cavalaria do Exército Confederado, orde­nando alto. Apurou os ouvidos, porém Teddy se adiantou a ele, definindo:

- São disparos!

- Foi o que me pareceu ouvir... - respondeu o xerife com cara de quem não quer ser superado. -Mas de onde? Neste maldito deserto não se pode determinar a procedência de nenhum som. E temos de localizar esses estampidos. Daqui por diante, avançaremos bem separados, mas sem nos perder­mos de vista - decidiu.

Imediatamente, os cavalos foram volteados e o grupo se abriu em leque, adotando a formação ­ordenada por Jack Owells. O segundo grupo, chefiado pelo agigantado ferreiro Lawrence, ex-sargento da Cavalaria Confederada, imitou a mano­bra de aproximação.

Dificilmente os fugitivos, em números menor, resistiriam por muito tempo à carga da cavalaria improvisada.

 

Jess Dunn apertou finalmente o gatilho e um dos pistoleiros se ergueu do chão, como se a areia lhe tivesse queimado o peito, e caiu logo a seguir, ficando imóvel.

Outro bandido, que estava perto do que fora alvejado, levantou-se e correu, numa tentativa desesperada de alcançar seu cavalo. Jess até sorriu ao apertar o gatilho, comentando: - Creio que esse também está frito... Foi quando ouviu ruído de pedras rolando às suas costas e, ao virar a cabeça, compreendeu que era tarde demais.

- Quieto, Jess! - rosnou Bob Dack. - Afaste-se do rifle, sem se levantar.

Robert Dack respirava com dificuldade, por causa do esforço para escalar o penhasco, e seus olhos destilavam ódio. Empunhava um Colt 45.

Jess obedeceu. Continuando de bruços, deslocou-se lentamente para a direita, afastando-se do Winchester.

- Chega! - ordenou Bob Dack. - O lugar em que se encontra agora é tão bom quanto qualquer outro para morrer...

- Pretende liquidar-me? - zombou Jess.

- Naturalmente. E não pretenda ganhar tempo fazendo perguntas estúpidas. Só não está morto porque eu não quis liquidá-lo, sem você saber que estava sendo vencido por mim, Robert Dack.

Jess Dunn sorriu. Agora compreendia. Até seu ex-amigo Bob invejava suas qualidades de atirador c pretendia liquidá-lo para sentir-se superior a ele!

Desviou o olhar enquanto pensava e quase gritou de alegria ao divisar dezenas de nuvenzinhas de areia movendo-se velozmente no deserto, em dire­ção aos penhascos. Soube evitar que sequer sua ­fisionomia refletisse satisfação, especialmente por compreender que, embora aqueles cavaleiros se aproximassem a galope desenfreado, não chegari­am a tempo de lhe salvar a vida.

- A Lei sempre colhe em suas malhas os que se afastam dela, Bob. Declarou, num esforço para ganhar tempo. - Sua satisfação de matar um homem superior a você em tudo será grandemente anulada pelo desgosto de se ver capturado. Quanto a mim, morrerei sabendo que dentro em breve nos encontraremos do outro lado. Aí vem a Lei, Robert Dack!

Robert Dack virou um pouco a cabeça e também viu os perseguidores em formação de ataque. Sorriu.

Disparou sem apontar e a bala só não despedaçou a cabeça de Jess porque ele a desviou. Mas seus olhos se encheram de areia avermelhada do pe­nhasco. Através da cortina formada pela areia, viu o sorriso diabólico de Bob Dack, que dizia como se mordesse as sílabas:

- São seus últimos minutos, Jess Dunn. Confesso que me alegra matá-lo. Você sempre me humilhou com as suas qualidades de atirador. Rejeitou minha ajuda, desprezou minha companhia e matou a maioria de meus homens. Recuou o percussor, declarando, jubiloso:

- Compreenderá, tarde demais, que sou superior a você!

- Um momento, Bob! - pediu Jess Dunn. -Minha última vontade... Quero saber quem dispa­rou um rifle contra mim quando fugi do xadrez.

Robert Dack, surpreso, arqueou as sobrancelhas.

- Como posso saber! Além disso, que me impor­ta? Quero apenas dizer que me alegra você não ter sido morto por esse atirador misterioso, porque só assim posso ter o prazer de matá-lo. Espere! — exclamou.

- Você disse que um só homem tentou matá-lo quando fugiu?

- Exato.

- Onde se encontrava?

- Bem...Oculto numa ruela da saída sul, distante dos que pretendiam arrancar-me da cadeia para me enforcar.

- Agora compreendo! Canalha! Eu voltarei a Rivertown para...

- Então, você sabe quem foi, Bob.

- Sei, mas isso já não lhe importa. É um patife que nos enganou, ficando com trinta mil dos cinquenta mil que pretendíamos roubar do Banco. Só ele sabia exatamente quanto...

- É o bastante - cortou Jess. - Essas palavras não deixam dúvidas.

- Sabe quem é? - indagou Bob Dack, arqueando de novo as sobrancelhas.

- Sei.

- Diga.

Jess Dunn pronunciou um nome e Bob Dack sorriu com ódio.

- Eu sempre disse que você era um cara inteli­gente. Não tanto quanto eu, como se pode ver agora, mas inteligente - olhou para os cavaleiros, os quais agora convergiam para aquele penhasco. - Boa viagem, Jess Dunn...

Uma língua de fogo saiu da boca do cano do Colt 45 de Bob Dack e Jess sentiu um forte impacto, com terrível ardência, no costado esquerdo. Permanecera de bruços, durante todo o diálogo, e talvez tenha contribuído para que Bob Dack não lhe alvejasse certeiramente o coração.

Porém Jess Dunn não era homem de aceitar qualquer situação com fatalismo. Antes mesmo do tiro ter falhado, ele já estava bolando um meio de reagir decisivamente. Contraindo-se de dor, rolou ­no platô do penhasco e, ainda girando, disparou o Colt direto sem sacá-lo do coldre.

Robert Dack abriu muito os olhos, entreabriu os lábios para dizer algo e se inclinou para a frente, lentamente, até despencar com um baque surdo.

Jess Dunn sentia dores atrozes, compreendendo que tivera pelo menos uma costela atingida. Fechou os olhos com um gemido, mas logo os abriu de novo, ao perceber ruído de passos cautelosos.

Ali estava o pistoleiro que acompanhara Bob Dack na escalada do penhasco. O bandido, vendo seu chefe morto e Jess Dunn ainda com vida, resolveu disparar seus dois Colts, embora se equi­librasse precariamente na beira do penhasco.

Uma vez mais a sorte bafejou Jess Dunn. Ele ainda não havia largado o cabo do revólver e teve apenas de apertar o gatilho uma vez.

O pistoleiro agitou os braços desesperadamente, apertando os gatilhos por contrações nervosas, bamboleou e despencou do penhasco com um grito de angústia.

O baque foi tal que seu corpo chegou a afundar na fofa areia do deserto.

Terminada a luta no platô, Jess Dunn, apesar de gravemente ferido, virou-se no chão para observar os dois pistoleiros restantes. Ou seria apenas um?

Tinha os olhos lacrimejantes e pestanejou para remover, com as lágrimas, a areia que lhe irritava o globo ocular, dificultando-lhe a visão. Assomou a cabeça.

Compreendeu que tudo havia terminado. Lá embaixo, alguns habitantes de Rivertown, dentre eles o xerife Owells e seus dois comissários Teddy e Patrick, estavam empenhados, a fim de os iden­tificar. Havia recompensas para os captores da quadrilha de Robert Dack, buscada no Texas e no Arizona.

Temendo que sua presença no alto do penhasco não fosse notada, e também que, fazendo algum disparo para chamar atenção, fosse tomado por um dos assaltantes e crivado de balas, Jess Dunn tirou o lenço do pescoço, atou-o à maça de mira do Winchester e, despendendo grande esforço, agitou-o no ar.

Seu lenço foi visto.

 

Teddy ajudou Jess a descer do penhasco e Patrick, com outro cidadão de Rivertow, carregou o cadáver de Robert Dack.

Um dos participantes da perseguição entendia de enfermagem e olhou o ferimento de Jess, que, contrariamente ao que ele imaginara, não afetara seriamente suas costelas. A bala apenas descolara as ligaduras musculares.

Sentado ao chão e encostado a uma rocha do penhasco, Jess Dunn contemplou sua obra: oito assaltantes mortos. Sacudiu a cabeça, desgostoso.

Por que o destino teimava em fazer dele um matador?

- Bom trabalho, rapaz - disse o xerife Owells, batendo-lhe carinhosamente no ombro direito. - Naturalmente, isso o isenta de quaisquer suspeitas e anula a má impressão causada pelo fato de ter dado fuga a um destes homens.

Sem responder, Jess arrastou-se até junto do cadáver de Robert Dack e o contemplou com imensa tristeza, murmurando:

- Por quê, Bob! Éramos tão amigos! Agora já sabe, tarde demais, que a morte não vê obstáculos...

Os integrantes dos dois grupos de perseguidores, uns vinte ao todo, contemplavam aquela cena e trocavam olhares de entendimento. Não havia, em seus rostos, a menor expressão de rancor para com Jess Dunn, o forasteiro que pouco antes eles pretendiam linchar.

Seguiu-se a cerimônia de enterramento em covas rasas, cavadas na areia com as mãos, e ao anoitecer, teve início o regresso a Rivertown.

No dia seguinte, também ao anoitecer, os perse­guidores entravam no povoado.

A notícia se espalhou ligeiro e a rua principal se encheu de gente. Em meio à densa expectativa, aumentada pelo aspecto lamentável de Jess Dunn e pela circunstância dele não estar sendo conduzido como um pistoleiro, mas rodeado de atenções, chegaram diante da delegacia e o xerife ordenou a um do grupo:

- John, vá chamar o doutor.

- É para já!

Os demais, rodeados por numeroso círculo de curiosos, desmontaram e entraram na delegacia. O silêncio que marcara a chegada a Rivertown trans­formou-se em infernal falatório na rua principal.

- Enquanto aguardamos o médico, podemos mandar chamar o nosso " amigo", xerife - sugeriu Jess.

- Sim, mas...

- O senhor não contou o dinheiro que está no alforje de Bob Dack?

- Claro.

- Então, aguarde o desenrolar dos acontecimen­tos. Se não quiser intervir, por ter sido amigo do patife, ninguém irá reparar.

- Não se trata disso, Jess - murmurou o xerife, visivelmente contrafeito. - E que... me custa crer.

- Pois eu sei que Bob Dack, embora tivesse defeitos, jamais mentiu.

- De acordo, Jess. Só espero que não esteja enganado. Teddy e Barton, podem ir buscá-lo! E ­cuidado com o que dizem!

- Não se preocupe, chefe - sorriu Barton.

Os dois comissários examinaram as cargas de seus revólveres e, sem alimentarem as dúvidas que angustiavam o xerife, saíram, apressadamente da delegacia.

Nesse instante entrou o médico, um homem maciço e ruivo, de aspecto vigoroso e olhar inteli­gente.

- Quem é o ferido?

- Eu... - apresentou-se Jess.

- Quem fez esse serviço? - indagou o médico, apontando para as bandagens improvisadas.

- Barton — informou Owells.

- Pois devia ser metido no xadrez!

Era homem tradicionalmente mal humorado, po­rém de invulgar habilidade profissional. Seus dedos grossos pareciam adquirir asas, operando verdadei­ros milagres nas piores feridas de bala. Cinco minutos depois, Jess Dunn estava até sorrindo.

- Agora se ri, hem! - rosnou o médico, encarando Jess. - Quando cheguei, estava com cara de defun­to! Vai ver, está pensando que foi Deus quem o salvou!

Meteu na maleta seus badulaques profissionais e saiu, tão intempestivamente como havia chegado.

Carter, que estava espiando pela janela, avisou:

- Já vem...

- Sozinho? - quis saber Owells. -É.

- Ótimo - murmurou Jess. - Sem dúvida, Teddy e Barton estão fazendo o que eu lhes disse. Será melhor sairmos ao alpendre, xerife. Leve o alforje com os vinte mil...

Todos saíram e ficaram no alpendre, contemplan­do o homem que se aproximava a pé.

O círculo de curiosos, que havia aumentado, formou duas alas com uma passagem no meio e o homem, ao percorrer aquele corredor humano, indagou, com perceptível ansiedade:

- É verdade que recuperaram o dinheiro, xerife? Owells ergueu o alforje.

- Aqui, Nelson.

Arremessou-o para o banqueiro, que o colheu no ar, parecendo emocionado.

- Excelente trabalho, Jack! - exclamou. - Você merece...

- Nada disso - cortou Jack Owells. - Eu me limitei a cumprir o meu dever. Na verdade, seria mais justo dizer que não fiz nada. Todos devemos agradecer a Jess Dunn - apontou para o rapaz. - Foi ele quem enfrentou os bandidos no deserto, elimi­nando um por um. Bem... Para ser mais exato, ele nos deixou um deles... Nelson Geofrey dirigiu-se a Jess:

- Lamento haver pensado mal de você, rapaz. Quando quiser, vá ao meu gabinete receber a recompensa que prometi.

- Obrigado, mister Geofrey. Caso não se importe, prefiro receber agora mesmo.

- Agora?

- Sim, agora.

- Bem... - fez Geofrey, com um sorriso indefinível. - Por que não? Uma vez que levantei suspeitas sobre sua honradez, é justo que o prestigie em público. Prometi dez por cento, não?

- Exato.

Nelson Geofrey enfiou a mão no alforje, tirou uma pilha de notas e contou cinco mil dólares, entregando-os a Jess Dunn, que com absoluta calma, passou a contar o dinheiro.

- Faz muito bem, Jess Dunn - declarou Geofrey, sorrindo em círculo, para os espectadores. - Di­nheiro foi feito paia ser contado...

- O senhor cometeu um engano, mister Geofrey. Aqui há dinheiro demais.

- Como assim! Dez por cento de cinqüenta mil são cinco mil!

- De fato, mas dez por cento de vinte mil são dois mil.

- Não entendo!

- Foi quanto lhe devolvemos, recuperados dos assaltantes.

- Mas... E o resto!

- Mistério, mister Geofrey. Todos estavam pre­sentes, quando o xerife Owells contou o dinheiro.

Nelson Geofrey mostrou-se consternado, mas admitiu, com um sorriso ultra-artificial:

- Bem, vinte mil são melhor do que nada, não acham?

Jess, que olhava para o extremo da rua, viu os comissários Teddy e Barton se aproximarem cor­rendo. Barton acenava com volumoso pacote.

- Um momento, mister Geofrey! - exclamou Jess, recolhendo a mão que estendera para devolver três mil dólares ao banqueiro. — Creio que já temos os trinta mil que faltam para cinqüenta mil.

Quando Geofry, depois de olhar para os comissá­rios que se aproximavam, voltou-se de novo para Jess, estava intensamente pálido.

Jess Dunn sorria.

- Caramba! Que sorte! - exclamou, olhando para Geofrey. - Bem, agora terá de me deixar com estes cinco mil.

- Cia...claro- gaguejou o banqueiro.

- Sim, dez por cento...

Barton chegou primeiro e depositou o pacote junto do alforje que continha os vinte mil. Depois, subiu ao alpendre e postou-se a um dos lados do xerife, sendo imitado pelo comissário Teddy.

- Como vê, mister Geofrey, os trinta mil dólares restantes foram recuperados pelos comissários e eles são os verdadeiros merecedores dos três mil de recompensa.

- Sim, sim... Entregue-lhe o dinheiro...

Fez menção de se retirar com o alforje e o pacote, porém Jess elevou a voz. indagando:

- Por que tanta pressa, Geofrey? Não se interessa por saber onde estavam os trinta mil dólares? Na verdade, o senhor nem se deu o trabalho de contá-los...

- Bem... Se Teddy e Barton afirmam ter encon­trado essa quantia, não há por que duvidar. O importante é termos de volta o que foi roubado do Banco!

- Se não quer se certificar, o problema é seu, mister Geofrey. Porém não pode negar a esses rapazes o direito de relatar sua façanha para reaver o dinheiro - argumentou Jess. - Não   verdade, rapazes? - indagou dos comissários, piscando-lhes o olho.

- Sim, queremos contar - adiantou-se Barton. -Fale, Teddy.

O comissário Teddy avançou dois passos e, estendendo a braço, apontou para o banqueiro, que empalideceu intensamente.

- Estavam no cofre da mesa de Nelson Geofrey.

- É mentira! - gritou Geofrey, recuando alguns passos.

- Nelson Geofrey, eu...!

- Um momento, xerife - cortou Jess. - Quero ter a satisfação de apresentar a denúncia perante os cidadãos de Rivertown. Nelson Geofrey, eu o denuncio como conivente com os bandidos que assaltaram o Sub West Bank, ajudando-os a roubar um dinheiro que os clientes lhe confiaram. Robert Dack, chefe dos assaltantes, me confiou o segredo do plano, antes de morrer em minhas mãos.

- Você o libertou quando ia ser enforcado! -gritou Geofrey. - Era seu amigo e cúmplice! -virou-se para os assistentes: - Não confiem nele!

- De fato, eu fui amigo de Robert Dack, quando éramos vaqueiros, no Texas, antes dele se tornar um pistoleiro. Salvou minha vida, durante um assalto á manada que conduzíamos para Kansas City, e foi por isso que me considerei no dever de salvá-lo quando ia ser linchado. Ficamos quites. Quando ele matou o comissário Percifal para me tirar do xadrez com a idéia de me incorporar ao seu bando, acabou nossa amizade. Rejeitei sua ajuda, neguei-me a ser seu comparsa e jurei matá-lo para vingar o pobre Percifal. Creio ter cumprido minha promessa e meu dever dc homem honrado que veio fixar-se em Rivertown.

Aplausos entusiásticos e gritos de urrah! para o novo pequeno rancheiro, destacando-se uma voz de mulher:

- Jess! Jess!

Os curiosos foram abrindo alas e Betty Russell chegou até Jess Dunn, para lançar-se em seus braços, sob novos aplausos de todos.

Nelson Geofrey pretendeu aproveitar o momento sentimental para fugir e, ao se virar, esbarrou com a montanha que era o agigantado ferreiro Russell, pai de Betty.

- Onde vai, Nelson?...

Geofrey empalideceu ainda mais, olhando ao redor como fera acuada.

- E tem mais, Geofrey - gritou Jess, afastando Betty com delicadeza. - Eu também o denuncio por ­tentativa de assassinato contra a minha pessoa, por ter disparado várias vezes contra mim, do beco entre o armazém de Smith e a barbearia de Jones. Foi visto por mistress Lindei, uma das muitas viúvas cujas economias você quis roubar.

Geofrey se viu manietado pelos comissários Teddy e Barton, sendo arrastado para a delegacia, a fim de ser metido no xadrez.

Só então Jess Dunn reparou num detalhe que o deixou boquiaberto: Betty Russell estava com um vestido cinza claro, ultra-chique. Ela, muito coquete, rodopiou, perguntando:

- Que tal, valentão?

Jess Dunn, ainda boquiaberto, conseguiu balbuciar, encantado:

- Você até parece mulher!

- Seu cretino! Vai sofrer muito nas minhas mãos!...

Beijaram-se demoradamente, sob a gritaria dos admiradores de ambos.

O xerife Jack Owells recolheu do chão o alforje e o pacote, com os cinqüenta mil dólares, procla­mando:

- De acordo com a Lei, enquanto não for nomeado outro diretor, o xerife é o responsável pelos haveres do Banco. Nomeio para diretor ­interino o caixa Edward Smiles. As portas estarão abertas às nove da manhã, como de costume, com funcionamento normal para depósitos e retiradas. Fez uma pausa e gritou, fingindo-se zangado: - Vamos dar o fora! Dispersem! Nunca viram dois jovens namorar?

Jess Dunn e Betty Russell não perdiam tempo. Caminhavam de mãos dadas pela calçada de ma­deira, enlevados, a caminho da casa do pastor Boswell, que prometera casá-los imediatamente.

 

 

                                                                                                    Lou Carrigan

 

 

 

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