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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A NOIVA DAS TERRAS ALTAS / Hannah Howell
A NOIVA DAS TERRAS ALTAS / Hannah Howell

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Sire Eric! Sir Eric!

O sir Eric Murray voltou-se para olhar o homem que corria em sua direção. Encontrara um local bastante ermo no jardim para poder ler as notícias de casa. Embora gostasse muito de sir Donald, não estava satisfeito que aquele raro momento de paz fosse abruptamente interrompido. Quando sir Donald parou a sua frente, Eric empertigou-se no banco de pedra.

— Eu não sabia, que você tinha voltado — disse sir Donald, enxugando o suor da face. — A mensagem que o rei lhe enviou foi entregue depressa, não foi?

— Sim. — Foi tudo que Eric retrucou, sabendo como sir Do­nald era ávido por uma fofoca.

—O rei o aguarda. Ele também não sabia que você tinha voltado.

— Não contei. Queria um momento de sossego para ler as no­tícias de casa.

— E sua encantadora esposa, está bem? Seus filhos?

—Todos bem, embora eu comece a sentir necessidade de voltar. Minha Gillyanne pôs na cabeça que quer ver as terras de seu dote.

— Ora, que bela coincidência! É sobre as terras de dote de sua filha Gillyanne que o rei deseja conversar.

— É algo que tentamos manter em segredo, pelo menos com relação ao tamanho e o lugar.

— A maior parte da corte sabe o tamanho e o lugar.

— Como?

Sir Donald engoliu em seco, nervoso. A expressão de sir Eric era dura, quase ameaçadora.

— Bem, faz fronteira com todas as terras de três lordes, e no entanto eles não sabiam exatamente a quem pertencia. O rei disse aos proprietários que a terra era o dote de sua filha, que ela ainda não se casara e que na sua opinião eles deveriam procurá-lo. — Donald deu um passo para trás quando sir Eric levantou-se de repente. — São todos cavaleiros e lordes, sir Eric. Não consigo entender por que a objeção em concordar em casar sua filha com um deles.

— Oh, mas claro que faço objeções! — exclamou sir Eric num tom gelado. — Eu me oponho de todo coração. Primeiro, quero que minha filha se case por amor, como eu o fiz, como meus irmãos o fizeram, como muitos de nosso clã fizeram. Segundo, com certeza não gostaria que homens famintos por um pedaço de terra tentassem obtê-la por meio de minha pequena Gillyanne. Algum desses cavaleiros ainda está aqui?

— Não. Ficaram por uns poucos dias depois de saber quem era o dono das terras e foram embora. É provável que estejam plane­jando vê-lo depois, quem sabe quando fizerem a corte a sua filha.

— Ou podem ter corrido para ver quem pode ganhar minha mocinha primeiro e arrastá-la para diante de um padre. — sir Eric saiu em largas passadas dos jardins, com sir Donald de olhos arregalados em seus calcanhares.

Tudo em que Eric conseguia pensar era em sua pequena Gilly sendo arrastada e magoada por algum tolo que desejava apenas suas terras. O pensamento enraiveceu-o.

— O rei soltou uma matilha de lobos em cima de Gillyanne. Rezo para que minha esposa tenha trancado a garota a sete chaves, e que ela fique assim até eu chegar em casa.

 

 

 

 

- Não creio que mamãe fique muito contente com isso, disse Gillyanne.

Gillyanne sorriu para James, o belo rapaz que cavalgava a seu lado. Era o irmão de seu coração e sabia que a mulher a que chamava de mãe era na realidade tia dele.

— Na verdade, mamãe e eu sabemos pouco sobre sua casa da torre, a não ser que não é uma ruína — ele continuou. — Claro que seria preciso um olho feminino para avaliar melhor o lugar.

— Se tiver uma cama, banho e comida, ficarei contente por agora. O conforto como os que existem em Dublin podem vir depois — ela falou.

— Não tenho certeza de ter entendido essa sua vontade teimosa de vir aqui.

— Nem eu, também. — Gillyanne deu de ombros. — As terras são minhas! Não posso dizer nada além disso. São minhas e queria conhecer por mim mesma.

— Entendo... — Franziu a testa, com uma expressão um tanto preocupada. — Fico imaginando como se sentirão as pessoas que vivem em suas terras de dote quando virem uma garota como você reclamar a posse.

— Mamãe pensa assim também e procurou cercar-se de alguma segurança. Parece que não irão se importar. É apenas uma pequena fortaleza com poucas pessoas, e ela teve a impressão de que irão receber bem qualquer um. O único que chamam de líder é um intendente idoso. Por isso mesmo estão um bocado inseguros sobre o futuro.

— Isso conta em seu favor, então — assentiu James. — Por que tenho a impressão de que você pretende se estabelecer em suas terras?

Gillyanne deu de ombros outra vez. Porém havia dentro dela uma inquietude que não conseguia compreender. Amava profundamente a família, mas eles apenas pareciam tornar aquela inquietude pior. Talvez se tivesse suas próprias terras para cuidar pudesse se sentir útil e assim saciar a fome que lhe consumia as entranhas. Havia outra razão. Tinha um sabor muito parecido com o da inveja, porém ela descobrira que era cada vez mais difícil estar ao lado de tantos casais tão felizes, de observar seus primos constituírem suas próprias famílias. Cada novo nascimento a que comparecia era, para ela, uma mescla de prazer e sofrimento crescentes. Ela logo completaria vinte e um anos e nenhum homem a fitara de maneira mais calorosa. As viagens à corte tinham sido penosas, prova de que os homens simplesmente não a julgavam desejável, e todo amor e conforto da família realmente não suavizavam esse espinho que a magoava.

Por vezes, se zangava consigo mesma. Não precisava de um homem para sobreviver, sabia que poderia ter uma vida plena e feliz sem nenhum homem a seu lado. Porém, junto com essa certeza havia o fato de que ansiava por paixão, por amor e especialmente por filhos que um marido poderia lhe dar.

— Se você se esconder aqui, como vai encontrar um marido? — perguntou James, trazendo-a de volta à realidade.

— Não pensei que fosse um problema que eu precisasse enfrentar, primo. Se houver um par para mim, e eu tenho poucas provas de que exista um, ele poderá me encontrar aqui tão facilmente como poderia em Dublin ou na corte do rei.

James sorriu.

- Você fala como se estivesse desistindo. Elspeth e Avery eram quase da sua idade quando encontraram seus maridos.

— Quase, mas mesmo assim mais jovens. Creio que também experimentaram o ocasional comichão de interesse dos homens com quem se casaram. — Ela sorriu para o primo quando ele franziu a testa. — Não se preocupe. Minhas primas encontraram seus parceiros em lugares inesperados. Quem sabe eu também encontre. — Gillyanne enveredou por uma fieira de árvores e anunciou. —- Ah, e eis que surgem. Meu castelo e minhas terras.

Ald-dabhach obviamente consistia de pouco mais que uma torre fortificada. No decorrer dos anos, duas pequenas alas haviam sido acrescidas à torre e ela era agora rodeada por uma alta e resistente muralha. Assentada sobe uma colina íngreme, era facilmente protegida. A minúscula vila que se instalara sob sua sombra parecia limpa, os campos ao redor eram bem cuidados ou usados como pastagem para o gado e as ovelhas. Um regato serpeava seu trajeto por trás da fortaleza, o sol poente a tornar as águas fulgurantes. Era, decidiu Gillyanne, um local bastante bonito, e ela esperava que fosse tão pacífico como parecia quando incitou a montaria para os portões.

— É robusta — disse James ao se postar perto de Gillyanne sobre as muralhas da fortaleza, depois do jantar.

Gillyanne riu e concordou. Não havia muito mais a dizer a respeito da propriedade. Era limpa, porém tinha pouco daqueles toques femininos tais como toalhas de linho para as mesas no salão. Não era de surpreender, já que uma maioria de homens morava em Ald-dabhach. Havia aquelas mulheres que dormiam dentro da fortaleza, duas mais velhas casadas com soldados, e uma garota muito tímida de seus doze anos, a filha da cozinheira. Sir George, o intendente, estava na casa dos sessenta e era surdo e de vista ruim. A maior parte dos soldados era de meia idade. O que veio a confirmar sua opinião de que aquele era um local pacífico. Os cinco homens que tinham viajado com ela eram jovens, fortes, e haviam sido saudados quase tão efusivamente quanto ela.

— Creio que seus homens ficarão — disse James —, o que agradará as criadas daqui.

— Oh, sim. Veja a repentina afluência de criadas para o jantar. Devem ter visto nossa chegada da vila.

— E correram direto para cá. Evidentemente existe uma escassez de jovens saudáveis. — James suspirou.

— Para algumas. — Ela fez um gesto de cabeça em direção ao manco que desaparecia nos estábulos. — Vi a esposa e ele juntos. A moça olha para ele como se ele fosse um homem mais bonito, forte e corajoso que já nasceu.

— Você enxerga demais e vê tudo com muita clareza.

— Vejo o lado bom das coisas. Nossa prima Elspeth a maioria das vezes pressente coisas, vê algo nos olhos. E eu? Juro que muitas vezes posso sentir o que há. Elspeth é muito boa em adivinhar se alguém mente, pressente medo ou perigo quando isso se apresenta. Eu? Vamos apenas dizer que, às vezes, uma sala cheia de gente pode ser uma tortura.

— Eu não tinha percebido que era assim tão forte. Deve ser muito difícil ser constantemente confrontado com os sentimentos de todo mundo.

— Não de todos. O pior de se captar é o ódio. É uma sensação aterradora. O medo também não é tão bom. Já fugi cegamente de lugares apenas para de repente recuperar a sensatez. É então que me dou conta que o medo se foi, pois o deixei com a pessoa que realmente o sentia.

— E isso é o que Elspeth sente também?

— Um pouco. Ela diz que sua habilidade é uma coisa mais suave, como um cheiro no ar a que ela pode dar um nome.

— Fico feliz por não ter tais habilidades.

— Você tem a sua própria, especial, James — Gillyanne mur­murou e afagou-lhe a mão.

— Oh? E o que é?

- Você pode mandar uma garota para o paraíso. Todas as garotas dizem isso. — Ela soltou a risada quando ele enrubesceu e fez cara feia.

- Capta alguma coisa aqui, Gilly? — ele perguntou. — Alguma coisa com que eu deveria me preocupar?

- Não, no momento tudo que sinto é uma calma, uma paz, um suave contentamento. Há também uma sensação de antecipação, de espera. Sinto como se tivesse tomado a decisão certa ao vir aqui. Este lugar ou quem sabe essas terras me dão uma sensação de posse.

— Seus pais ficarão magoados se escolher ficar. Gillyanne suspirou.

— Sei disso, mas eles compreenderão. Não gostaria de deixá-los e, valha-me Deus, é provável que eu vá lamentar continuamente o fato de não estar tropeçando nos parentes a cada vez que me viro. Sofri muitas dúvidas enquanto viajava para cá, mas, depois de ultrapassar aqueles portões, senti que era o certo. Este é o lugar onde eu deveria estar. Não sei por que ou por quanto tempo, porém, por ora, aqui é onde eu faria meu lar.

— Então, deve ficar. Precisa ouvir esse chamado. Você não se sentiria assim sem motivo.

Ela recostou-se contra ele por um instante. James não partilhava de nenhum dos estranhos dons que pareciam vicejar no clã Murray, pois não tinha o mesmo sangue. Suas forças eram compaixão e uma doçura de natureza. Ele nunca questionava, contudo, nunca duvidava ou temia os dons de outros. Na verdade, ela raramente sentia algo com relação ao que ele pensava ou sentia. Eram apenas duas pessoas comuns quando estavam juntos e ela encontrava mui­to conforto ao lado dele.

— Não estou certo de que encontrará um homem aqui, no entanto — ele continuou. — Estão em falta, é evidente.

— É verdade, mas isso não importa. Há o suficiente para nos defender a todos se a necessidade obrigar.

— Não estou falando de defensores, ou alguém para erguer coisas pesadas, e você sabe disso. Não é aqui que você encontrará seu parceiro.

Realmente não havia nenhum homem a escolher por ali e, de acordo com sir George, os homens dos três clãs que circundavam suas terras não eram de pagar visita. E qualquer visita de alguém de um daqueles clãs seria certamente tratada com receio e uma grande dose de cautela. Gillyanne detestou pensar que a paz, o contentamento que sentia não era de ver suas terras e a fortaleza, mas por aceitar, do fundo do coração, que sempre seria nada mais que a Tia Gilly, a solteirona tia Gilly, a passada tia Gilly, o velho pau seco Gilly.

— Não importa — disse ela, por fim, sem acreditar numa palavra do que dizia. — Nunca precisei de um homem para ser feliz.

— Não queria filhos? Precisa de um marido para ter alguns deles.

— Não, apenas de um amante. — Ela quase caiu na risada diante da expressão chocada de James. — Ou — apressou-se a continuar antes que ele se saísse com uma descompostura -—, posso treinar as garotas para serem damas de suas próprias terras e lares. Ou poderia recolher algumas das crianças esquecidas que sempre se vê nas ruas de toda cidade, vila e aldeia. Existem muitas crianças com graves carências de amor, cuidados e um lar.

— É verdade, mas não é a mesma coisa.

— Não se preocupe comigo, James. Sou capaz de construir minha própria felicidade. Um futuro com um marido amoroso e filhos seria melhor, mas posso encontrar alegria em viver sem tais bênçãos. Na verdade, uma das razões pelas quais eu quis sair de casa foi porque me cansei da preocupação amorosa de todos; isso começou a se tornar uma irritação e não é o que eu quero.

— Sinto muito — murmurou James. — Eu estava fazendo o mesmo, não estava?

— Embora doa ficar longe de minha família, se eu permanecer uma solteirona, se é essa realmente minha sina, estar longe é provavelmente o melhor. Eu prefiro conduzir minha própria vida que me tornar por demais emaranhada na dos outros. Prefiro ser visitada que ser hóspede para sempre.

- Você realmente acredita que a tratariam com falta de gentileza, Gilly? — James franziu a testa.

- Jamais de propósito, James — ela retrucou sem hesitar. —

Contudo, estão todos tão contentes com suas vidas, com seus maridos e seus bebês, que naturalmente desejam o mesmo para mim. Assim, apresentam-me a homens, arrastam-me para a corte, tentam gentilmente vestir-me melhor ou mudar o jeito que uso meus cabelos. — Gillyanne deu de ombros. — Tenho vinte anos agora, porém, conforme os anos passarem, essas alfinetadas podem se tornar mais fortes, a preocupação mais evidente. Não, é melhor se houver alguma distância. Podem parar de tentar me encontrar um parceiro e eu não sentirei mais a triste consternação de todos quando ninguém aparecer.—Ela enganchou o braço no dele e começou a descer a estreita e íngreme escadaria que conduzia ao pátio interno. — Venha. Vamos ver como são nossas camas. Foi um longo dia.

James nada mais disse, embora Gillyanne tivesse a sensação de que ele gostaria de lhe infundir coragem, acalmá-la com elogios que de alguma forma a fizessem sentir-se com algum encanto, mas não conseguira encontrar algo bom para dizer.

Ao se apressar em ir para a cama, planejou alguns poucos melhoramentos para o quarto despojado. Havia trabalho a fazer ali e ela sabia que poderia encontrar satisfação nisso. Poderia fazer daquelas terras o seu futuro, sua vida. Talvez se ela e a família cessassem de procurar tão arduamente por um parceiro, este finalmente aparecesse.

Suspirou e enfiou-se debaixo das cobertas, com a viva suspeita de que sua estatura tinha algo a ver com a falta de pretendentes. Não havia muito nela, em porte ou em curvas femininas. Os homens apreciavam um pouco de carne nos ossos e ela quase não tinha nenhuma daquela suave carnadura de que gostavam.

Seus gatos de repente juntaram-se a ela, na cama. Sujinha aconchegou-se a seu peito e Maltrapilho contra suas costas, a agasalhá-la com o calor dos corpos. E quando ela fechou os olhos, de­sejou que os homens pudessem ser facilmente agradados, tal como os gatos. Um lugar quente para dormir, uns poucos afagos e uma barriga cheia, e estavam contentes. Seus gatos não se importavam se seus seios eram pequenos, se tinha uma perspicácia muitas vezes aguda e a habilidade de sentir uma mentira, às vezes antes mesmo de ser dita. O que ela precisava era de um homem de necessidades simples, um que pudesse ver além da falta de curvas e dos modos estranhos. Nos sonhos, ele existia, mas Gillyanne receava que fosse o único lugar onde poderia encontrá-lo.

 

- Eles estão aqui.

jillyanne olhou para George. A face do recém-chegado tinha linhas sombrias e ela percebeu que ele estava preocupado. Já que era a sensação que sentia constantemente nele desde que chegara, havia dois dias, não se abalou.

— Quem são eles, George?

— Os lordes.

— Que lordes?

— Os três que nunca vimos e nem gostaríamos de ver.

— Ah, esses lordes.

— Fico a imaginar porque eles vieram, milady, quando nunca fizeram isso antes. De vez em quando cruzam nossas terras, porém nada mais. Assim, pergunto a mim mesmo, por que agora? Por que vir aqui agora?

— E é uma boa pergunta — disse Gillyanne. — Já que eles são os únicos que podem respondê-la, creio que deveremos perguntar diretamente a eles.

— Deixá-los entrar?

Havia um esgar de medo na voz de George, mas Gillyanne o ignorou.

Apenas os três lordes — sozinhos e sem suas armas. Leve sir James para ficar com você — ela gritou a George, que já saía para executar suas ordens.

Ao ver a jovem Mary entrar no grande salão, Gillyanne pediu à garota que providenciasse comida e bebida para os hóspedes e voltou os pensamentos para os visitantes não convidados.

Até que soubesse por que estavam ali, a melhor coisa a fazer era agir ela mesma como um lorde, régia e indiferente, ainda que não em demasia para não causar ofensa. Sentou-se ereta na cadeira do senhor da casa, à cabeceira da mesa, baixou os olhos e esperou que nenhum dos lordes percebesse que seus pés nem tocavam o chão. Ao ouvir o som de pessoas que se aproximavam do salão, endireitou as costas e começou a repetir para si mesma que Ald-dabhach lhe pertencia.

James fez entrar três homens que eram seguidos de perto por dois de seus soldados. George esgueirou-se por trás deles e desapareceu nas sombras. Os três homens a fitaram e em seguida correram os olhos pelo salão à procura de mais alguém. Então, a encararam. Os dois mais baixos deixaram cair o queixo, ostensiva­mente, enquanto o mais alto ergueu uma sobrancelha ligeiramente.

—Meus senhores, dou-lhes as boas-vindas a Ald-dabhach. Sou Lady Gillyanne Murray. Por favor, venham e sentem-se à minha mesa. Comida e bebida lhes serão servidas.

O lorde de cabelos pretos foi o primeiro a dar um passo à frente e curvar a cabeça numa reverência.

— Sou Robert Dalglish, lorde de Dunspier, senhor das terras que fazem fronteira com as suas ao leste e ao sul. — Sentou-se à direita dela, deixando espaço para James, que foi rápido em tomar o lugar ao lado de Gillyanne.

O lorde de compleição quadrada e de cabelos ruivos avançou em seguida, a reverência tão ligeira que quase chegava a ser um insulto.

— Sou sir David Goudie, lorde de Aberwellen, cujas terras fazem fronteira com as suas a oeste e ao sul. — Sentou-se do lado oposto a sir Robert, mas seus olhos estavam fixos em James.

Lentamente o homem alto deu um passo à frente, fechou a expressão e em seguida curvou-se.

-Sou sir Connor MacEnroy, de Decladach. O senhor de todo o resto das terras que circundam as suas. — Sentou-se à esquerda de Gillyanne.

Mary, com seus irmãozinhos como pajens, trouxe a comida e a bebida, dando a Gillyanne um bem-vindo instante para recuperar o fôlego. Havia uma desconcertante mescla de cautela, tensão e hostilidade que emanava dos homens, e Gillyanne teve de lutar para impedir que isso a afetasse. Algo lhe dizia, contudo, que aqueles senhores não estavam ali simplesmente para lhe dar as boas-vindas a Ald-dabhach.

Sir Robert não parecia uma má pessoa. Seu cumprimento fora elegante, as palavras ditas com polidez e, depois do primeiro olhar de surpresa, sua expressão se tornara de leve interesse. Sir David a deixava cautelosa. O homem parecia desafiar-lhe o direito de sentar-se na cadeira do senhor da casa. Gillyanne sentiu a forte sensação de que sir David não gostava da ideia de uma mulher possuidora de terras ou de qualquer outra coisa de valor. sir Robert era um cortesão e sir David de certa forma um guerreiro bruto. Gillyanne sabia que isso era de uma simplificação extrema, mas ainda assim serviria para ajudá-la no trato com cada um deles, até que soubesse mais.

O homem sentado à esquerda a preocupava mais. Gillyanne não conseguiu sentir nada quando fixou a atenção sobre o impressionante sir Connor, nada a não ser o ligeiro toque de cautela direcionado aos outros dois lordes. Mal lhe dirigira o olhar.

Ele a incomodava e contudo Gillyanne não tinha certeza se era por causa do tamanho, por sua incapacidade de sentir alguma coisa quando se concentrou nele ou, suspirou involuntariamente, pela beleza daquele homem. sir Connor MacEnroy era alto, de ombros largos. Seus cabelos eram de um rico dourado e caíam em vastas ondas até os ombros. Suas feições eram do tipo de fazer uma muner suspirar a despeito da larga cicatriz que corria do canto de seu olho esquerdo numa leve curva sobre a maçã do rosto até logo abaixo da orelha esquerda, e da ligeira irregularidade do nariz reto que revelava que fora quebrado pelo menos uma vez. Havia uma pequena marca na linha forte do queixo e outra na testa. Suas sobrancelhas belamente recurvas eram vários tons mais escuras que seus cabelos, assim como os longos cílios. Os poucos olhares de relance que ela obtivera daqueles olhos tinham feito com que o coração de Gillyanne batesse mais rápido. Ela não acreditava que tivesse visto um azul tão esplêndido nos olhos de alguém mais. Eram da cor de campânulas, uma flor que ela sempre apreciara. Um rápido olhar para baixo, para as mãos dele, revelaram que eram também bonitas — fortes, bem torneadas, com longos dedos graciosos. As cicatrizes nas costas das mãos diziam que, a despeito da juventude, ele era um homem de batalhas.

— Então, a senhora reclamou Ald-dabhach, não é? — disse sir David, num tom de voz que fez a pergunta soar como uma inquirição.

— Sim, é minha — Gillyanne retrucou, com doçura. — Meu tio-avô deu-a a mim como meu dote. — Foi muito gentil da parte dele.

— Terras de dote são para uma moça dar a seu marido. Já se casou ou está noiva?

— Não. — Era uma pergunta impertinente, e Gillyanne achou difícil falar com gentileza. — Meu tio-avô assegurou-me que eu não preciso de marido para ter Ald-dabhach. São minhas terras. — Quando sir David fez uma carranca e resmungou, Gillyanne sentiu um impulso forte de esbofeteá-lo, mas James segurou-lhe o punho.

— Precisa de um marido, moça — sir David anunciou —, e eis porque viemos aqui no dia de hoje.

— Para me arranjar um marido?

— Não, não há necessidade de procurar. Nós nos casaremos com a senhora.

- Todos vocês? Não creio que a igreja vá permitir uma coisa dessas. — Gillyanne disse, com escárnio.

- Não. A senhora escolherá um de nós.

Que sir David julgasse que suas palavras devessem ser tomadas a sério quase fez Gillyanne rir. sir Robert o fitava como se não conseguisse saber se deveria rir ou esmurrar o idiota. Um rápido olhar para sir Connor mostrou que ele a observava atentamente agora, embora ela não se atrevesse nem a tentar a adivinhar o motivo.

- E por que eu faria isso? — ela perguntou.

- Uma moça não pode possuir terras por sua conta — disse sir David. — A senhora precisa de um homem para mandar aqui.

— Minha senhora — interrompeu sir Robert com presteza, antes que Gillyanne pudesse rebater os comentários arrogantes de sir David —, meu amigo aqui pode não falar com as palavras mais suaves, porém existe algo de verdade naquilo que ele diz.

Gillyanne pensou que se sir Robert estava tentando acalmá-la, fazia um péssimo trabalho.

— Não são tempos pacíficos, minha senhora — continuou Sir Robert. — Cada clã deve esforçar-se por ser tão forte e tão pronto para a batalha quanto possível. Inteligente e perspicaz como a se­nhora deve ser, sabe que isso é trabalho para um homem treinado.

— Sei disso. Eis porque me sinto tão segura aqui — como um lorde. Não apenas sou amplamente assistida por meu primo sir James Drammond, lorde de Dunncraig, e pelos homens que meu pai sir Eric Murray treinou, mas por sir George, um homem bastante experiente escolhido por meu tio-avô. — Gillyanne pousou as mãos na mesa e sorriu para os três visitantes. — E estou rodeada por três poderosos senhores os quais sir George me as­segurou que nunca causaram problemas ou nos ameaçaram.

Minha senhora... — começou sir Robert. Deixe estar, Robbie — interrompeu sir David. — É claro que a moça se recusa a ver a razão.

Razão? O senhor disse que eu preciso de um marido e eu, educadamente, discordei — retrucou Gillyanne. — Nada mais nada menos.

— Não se faça de tola. Sabe que nós queremos essas terras, queremos que um de nós seja seu dono e não alguma moça frágil que a recebeu como um presente de um parente amoroso. Ou a senhora escolhe um de nós como marido ou nós faremos a escolha por você — sir David declarou, ao se levantar.

Depois de uma breve hesitação, tanto sir Robert como Sir Connor também se levantaram e Gillyanne suspirou com verdadeiro pesar.

— Todos concordam, então? Todos se levantam juntos? — Quando Sir Robert meneou a cabeça em concordância, ela se voltou para sir Connor. — O senhor não disse nada, sir Connor. Fica ao lado desses homens, concorda com todos os seus planos para mim e minhas terras?

— São belas terras, minha senhora — sir Connor respondeu — e terras que temos todos cobiçado por longo tempo.

Gillyanne quase praguejou quando os três se afastaram. James apressou-se em acompanhá-los até os portões e para fechar a passagem em segurança por trás deles.

— Creio que temos um pequeno problema — James resmungou, ao voltar para o salão.

— Verdade? — ela murmurou.

James fitou-a com um olhar desgostoso e sentou-se. Serviu-se do vinho.

— Eles a querem.

— Querem estas terras.

—Estamos arruinados—disse George, ao emergir das sombras e caminhar até a cabeceira da mesa. — Há um monte de homens lá fora.

— Um monte? — Gillyanne perguntou a James.

— Sim, porém não creio que cairão todos sobre nós de uma vez — respondeu James.

- Parece que o presente de meu tio não é a bênção que julguei que fosse.

- Você acabou de receber três propostas de casamento. —

James riu e desviou-se da tentativa de Gillyanne de lhe dar um tapa.

- Porque não aceita um deles, milady? — perguntou George.

- Cada um é um cavaleiro sagrado e um lorde e embora eu não possa adivinhar o que influi na escolha de uma moça, nenhum deles parece muito feio de se olhar. São jovens e fortes, também. Com boas terras.

- Tenho certeza de que cada um é uma excelente pessoa — disse Gillyanne, sorrindo para o preocupado sir George. Eles não me querem, no entanto, querem? Querem estas terras. Eu me tornei o prêmio de algum jogo. Não é exatamente a corte cavalheiresca dos sonhos de uma moça.

— Poucas conseguem isso.

— Triste verdade. — Ela suspirou e tamborilou os dedos sobre a mesa. — Contudo, não quero derramamento de sangue por causa disso. Nem creio que desejem ver muito prejuízo causado a Ald-dabhach e a seu povo.

— Oh, não. E terão de ser cautelosos para não machucá-la ou matá-la.

—Seria um pouco difícil desposar-me e reclamar minhas terras se estiver morta. Isso também os deixaria num impasse com meu tio-avô, algo que parecem relutantes em fazer. James franziu a testa e coçou o queixo.

Podem recear que você despose alguém — alguém de olho em mais terras. Os MacMillans mostraram-se vizinhos pacíficos, se não verdadeiros aliados. Qualquer homem com quem você possa se casar poderia se provar ser bem menos amistoso.

Sendo tão pacífico aqui, eu teria pensado que esses lordes tentariam fazer um tratado primeiro — disse Gillyanne.

Nem sempre foi pacífico, senhora — retrucou George. — Os Pais daqueles três lordes, e os pais antes deles, e os antepassados também eram um bando de sedentos homens sangüinários, cheios de cobiça. Ald-dabhach sofreu também, mais principalmente por ser cruzada por grupos em incursão e foi tratada como uma despensa por aqueles idiotas. Tratados eram feitos e quebrados vezes seguidas. Traições eram comuns. Estas terras se ensoparam de vermelho com o sangue de todos os três clãs e de alguns dos nossos também.

— O que pôs fim a isso? Perguntou Gillyanne.

— Os pais dos lordes se mataram uns aos outros. Pouco restou, a não ser terra revolta e sepulturas, embora eu pense que os Mac-Enroys sofreram mais. Os lordes eram simples garotos, mas saíram das ruínas e fizeram um pacto entre si. As guerras e os assassinatos terminariam com eles. À época em que os velhos lordes morreram, eu fiquei espantado de que alguém continuasse vivo para se reer­guer da tragédia que aqueles tolos deixaram para trás e começar tudo de novo.

— Ah. Isso explica porque não querem que nenhum estranho venha aqui, case-se comigo e reclame minhas terras de dote.

Gillyanne acomodou-se mais confortavelmente na enorme cadeira. O que precisava fazer era ganhar algum tempo, tempo em que seu pai poderia chegar. O instinto lhe dizia que ele rumaria para Ald-dabhach tão logo tivesse encerrado a reunião com o rei. Então voltaria suas ótimas habilidades de persuasão sobre os três lordes e desfaria a confusão. Até que isso acontecesse, ela precisava de alguma forma manter o pulso firme em Ald-dabhach e conseguir que ninguém de qualquer lado fosse morto ou ferido. Não era um problema fácil de resolver.

 

Decisões, decisões, Gillyanne resmungou para si mesma, os olhos fixos no teto do salão. Defrontava-se com uma decisão que poderia afetar o seu próprio futuro. E ela que pensara que tudo se resolveria quando finalmente se mudasse para Ald-dabhach.

Não. Ela, que não fora nem de leve cortejada agora tinha três lordes a lhe bater nos portões, tentando obrigá-la a se casar com um deles.

A paz que aquelas terras tinham desfrutado por tanto tempo estaria acabada. Pessoas seriam feridas, até mesmo mortas. Tudo que tivessem construído seria danificado ou destruído. E por quê? Por que ela não queria se casar com um daqueles três lordes perfeitamente aceitáveis? Por que ela não queria perder o controle sobre suas terras de dote? Por que ela gostava tanto de sua virgindade que não desejava sacrificá-la para ganhar tempo até que seu pai chegasse e a ajudasse naquela confusão? Nada valia o risco das vidas das pessoas. Era uma dura verdade que ela simplesmente não poderia ignorar.

— A resposta que você procura está escrita lá em cima? Gillyanne sorriu quando James sentou-se a seu lado.

Se estiver, está bem escondida atrás da sujeira. — Ela suspirou. – Se aqueles idiotas lá fora dos portões se preparam para lutar de verdade, então, existe apenas uma única resposta, não é?

—Eu com certeza não encontrei outra e, creia, pensei muito sobre o assunto, tanto que minha cabeça dói. É um duro golpe para meu orgulho de homem, mas o único que pode resolver as coisas em seu favor é nosso pai. É ele quem tem o poder de impedir isso não apenas porque é seu pai, mas por ser chegado ao rei.

— O qual, aparentemente, lançou aqueles cães de caça sobre meu rastro.

James esboçou um sorriso triste.

— Para muitos, foi uma solução bastante razoável. Poucos pais iriam contestar a escolha oferecida, e eles se apresentaram para deixar claras as intenções. Somos nós, os Murrays, que somos vistos como estranhos com nossa insistência em ter opções. Exis­tem muitos que diriam que você agora tem mais escolhas que a maioria das moças.

— Sei disso. Eu não reuniria simpatias se reclamasse para alguém fora do clã. — Ela suspirou.—As pessoas aqui demonstram simpatia, mas não muito. Acho que compreendem porque eu não gostaria de entregar minhas terras para homens que nem mesmo tentam conquistar-me. Porém, são três belos lordes dispostos a me desposarem. Nada feios, nem velhos, nem fracos, nem pobres. Realmente, cada um é aquilo que muitas mulheres desejam. Se aqueles homens agora pretendem lutar de verdade, devo pôr um fim ao jogo.

— Deveremos ter uma resposta para o que planejam fazer quan­do a noite acabar.

— Oh? Como assim?

— Mandamos um rapaz lá fora para ver o que pudesse, talvez mesmo esgueirar-se perto o bastante para ouvir uma palavra ou duas. Não precisa ficar preocupada. Até George julgou que era seguro, que o pior que poderia acontecer é ele ser capturado e nós não saberemos mais do que sabemos agora. Sim, se os lordes planejam uma batalha, o povo sofrerá, mas George está confiante de que não iriam ferir o rapaz se o pegarem. Afinal, se quisessem apenas abrir caminho pelos portões sem se importar com as terras ou as pessoas, teriam agido assim desde o início.

— É verdade. Espero que ele volte logo. Algo me diz que é melhor eu ter uma boa noite de sono, que seria prudente estar descansada pela manhã. Afinal, se alguém se defrontasse com uma grande mudança na vida e na sorte, seria péssimo se bocejasse no caminho.

Connor recostou-se a uma árvore, braços cruzados no peito. Olhou muito sério para os outros dois lordes. David e Robert estavam deixando que a raiva os dominasse. Se dessem rédeas soltas a ela sobre Ald-dabhach, não sobraria muito que reclamar. Poderiam facilmente ferir ou matar a mulher que queriam desposar.

— Você acha que estarão mais calmos ao amanhecer? — Diar-mot perguntou, ao se aproximar de Connor.

— Não — retrucou Connor, baixinho, para não ser ouvido.

— Talvez você pudesse convencê-los a deixá-lo ir primeiro. Se os portões da fortaleza precisarem ser derrubados, acho que você faria isso com menos custo para Ald-dabhach e seu povo.

— Eles não se aproximarão sozinhos. — Connor meneou a cabeça. — A moça é orgulhosa. Afinal, são terras de dote que ela entregaria ao marido. Seja como for, talvez devêssemos ter pelo menos tentado cortejá-la.

Alguma vez cortejou uma moça?

— Não, mas como poderia ser difícil? Acho que poderia ter feito isso.

Creio que Robert poderia fazer melhor. Acho que você perderia o jogo.

Connor Julgou haver alguma verdade naquilo que Diarmot disse. Não que não se se sentisse um Pouco insultado. Ele tivera mulheres, não muitas, mas provavelmente porque não se ausentava com freqüência de Deilcladach. Havia algumas que estavam sempre dispostas a se deitarem com ele. Das raras vezes em que viajara, desfrutara dos favores de algumas poucas, respondera a sorrisos acolhedores.

Ao pensar nisso por um momento, ele se deu conta de que responder ao convite lascivo de uma mulher não era na verdade cortejar. Nem era questão de se deitar com uma prostituta nos arredores de Deilcladach. Mas não valia a pena se preocupar com isso. Logo ou estaria ou não casado com Lady Gillyanne. Não se precisava cortejar uma esposa e era prudente que não se cortejasse a esposa de outro homem.

— Bem, está conosco ou não? — bradou sir David. Dirigindo a atenção de volta ao assunto do ataque a Ald-dabhach, Connor olhou para sir David. Parecia que a única pessoa que poderia impedir um derramamento de sangue era a própria dama em questão. Já que teria que desposar um deles para fazer isso, Connor tinha plena certeza de que seria em benefício de Ald-dabhach e de seu povo.

— E o que acontecerá se a senhora for ferida ou morta no ataque? — perguntou.

— Então fica tudo como era.

— Você não crê que os MacMillans ou os Murrays ou o clã de seu primo, os Drummonds, poderiam se zangar?

— A mulher disse não e eu me recuso a ir para casa como um cão surrado, escorraçado por uma moça de meio metro. Então, está conosco ou não está?

— Estou com vocês, se não porque, no momento, pareço ser o único que gostaria de ver a moça viva pelo tempo necessário para se casar com um de nós.

— Oh, nossa — Gillyanne murmurou quando George introduziu no salão o rapaz que mandara para espionar os lordes. — George parece preocupado.

— George sempre parece preocupado — James retrucou, ao tomar um gole de vinho.

— Descobri que ele tem muitos níveis diferentes de preocupação. Essa parece ser de natureza particularmente forte. O rapaz não parece muito feliz também. — Ela sorriu para George e o rapaz. - Sente-se, George, e você, Duncan, não é o seu nome?

Serviu-lhes de um pouco de vinho quando se juntaram a ela.

- Sim, senhora, é Duncan. Sou tio da pequena Mary.

Ela deixou que tomassem um gole do vinho antes de perguntar.

- E o que conseguiu saber, Duncan?

- Tive muita sorte, senhora. Cheguei perto o suficiente para ouvir coisas e todos os três lordes estavam reunidos.

- Foi muito gentil da parte deles. Presumo que não estivessem muito contentes comigo.

- Bem... não, não estão. sir Robert e sir David estão muito zangados, embora sir David seja o pior.

— Isso não me surpreende.

— Planejam atacar-nos amanhã, senhora.

Gillyanne suspirou.

— Era o que eu temia. Não um de cada vez, eu suponho.

—Não. sir David disse que irão se juntar para derrubar nossos portões e resolver quem fica com a senhora depois.

— Se eu ainda estiver viva depois do combate. Você não mencionou sir Connor.

Duncan engoliu rapidamente outro gole do vinho.

— Ele não falou muito, senhora. Ficou lá de cara feia para os outros dois e trocando algumas palavras com o irmão. Quando sir David exigiu saber por fim se sir Connor estava com eles ou não, ele disse que um ataque brutal a poria em risco. sir David acha que isso só faria as coisas voltarem ao que eram. sir Connor perguntou se o idiota não julgava que poderia aborrecer seus parentes, mas sir David disse que a senhora começou tudo isso e que não voltaria para casa com o rabo entre as pernas. Então sir Connor disse que estava com ele mas apenas porque parecia ser o único homem que gostaria de vê-la viva o tempo suficiente para desposar um deles.

– É Evidente que meu tempo se esgotou — disse Gillyanne. Acredito que chegou a hora, embora eu esperasse que os três demorassem a chegar a essa decisão. Talvez façam uma última tentativa para me convencer a fazer o que querem.

— Pelo que vi e ouvi, senhora, dois deles estão muito zangados para conversar, mesmo sobre o melhor jeito de atacar.

— Querem simplesmente investir contra as muralhas? — perguntou James.

— Sim, embora eu não tenha certeza de quantos MacEnroys farão isso. Seu lorde não gostou da ideia, mas os Goudies e os Dalglishes não respeitam nossas habilidades de combate. — Duncan sorriu. — sir Connor disse que não precisaríamos de muita habilidade para encher um bando de idiotas de flechas. Diz que não era preciso trazer uma escada para a escalada pois suspeitava que logo seriam empurrados para a morte. Tentei ficar e ouvir mais, mas alguns dos homens começaram a andar e chegaram perto de onde eu me escondera. Então me esgueirei para longe, mas ficou bem claro que as palavras de sir Connor não seriam levadas em consideração. sir David lidera e sir Robert tomou o partido dele e, portanto, sir Connor deve segui-los.

— Gilly, deixe-nos... — começou James.

— Não. — Olhou para James e para os cinco homens do clã dos Murrays, que a haviam acompanhado. — Se houver derramamento de sangue lá fora, isso marcaria o fim de uma longa paz. Em vez de uma divergência entre aqueles três tolos e eu, isso se transformaria numa rixa sangrenta, interminável, disseminada.

— Santo Deus — resmungou James.

— Exatamente. E por quê? Por que não escolhi um dos lordes para marido? — Ela meneou a cabeça. — Não. Isso seria loucura. Não gostaria de me casar com qualquer deles, nem eles planejam me cortejar para me fazer mudar de ideia, mas escolherei um e porei um fim a isso. Prometi que não permitiria que isso se tornasse uma carnificina e mantenho minha palavra.

— Mas você se casará com um homem que não escolheu.

— Isso será uma coerção com testemunhas. Quando meu pai chegar, ele consertará as coisas. Ninguém mais pode, nem mesmo você, James. Já conversamos sobre isso antes — várias vezes.

Posso não gostar, porém talvez aquele que eu escolha pode se comprovar aquele que eu gostaria de manter. -— Gillyanne percebeu que Mary espiava pela porta. — Alguma coisa errada, Mary?

— Não, senhora. — Mary avançou uns poucos passos. — Eu queria ver se meu tio estava bem.

— Bem, venha cá e dê uma boa olhada. Não estamos dizendo algo que não possa ouvir.

Gillyanne sorriu quando a garota correu para perto do jovem tio e o abraçou. Duncan ficou vermelho, parecendo tanto feliz como um pouco constrangido com a preocupação da sobrinha.

— Mary, você é uma mulher — Gillyanne reprimiu um sorriso quando a garota se empertigou toda —, então, diga-me, se estivesse no meu lugar, que homem escolheria?

—Não seria sir David Goudie — ela retrucou, sem hesitação. — Não estou dizendo que seja mau, mas acho que é um daqueles homens que julga que uma moça está em seu lugar de direito apenas quando tem a bota de um homem em seu pescoço.

— Você é uma moça esperta—disse James. — Todas são boas razões para Gillyanne não escolher aquele idiota. E boa razão para não acontecer algo pior.

— O quê? — Gillyanne perguntou, ao ver o sorriso de James.

— Que você tentasse matar o idiota dias depois do casamento.

—Horas depois — ela corrigiu e juntou-se aos outros num coro de risadas. Ficou séria de novo e voltou-se para Mary. — Concordo. sir David seria uma péssima escolha. E Sir Robert Dalghish?

Mary mordeu o lábio.

—Não tenho certeza, senhora. Quando veio aqui com os outros, ele pareceu ser um cavaleiro e é um belo homem. No entanto, não me sinto segura quanto a ele.

— Seus pensamentos fazem eco a muitos dos meus. O que nos deixa com sir Connor MacEnroy.

— Sim, senhora, e se eu tivesse de escolher um homem por sua aparência, ele certamente seria a primeira escolha.

— É verdade. — Foi difícil não rir diante do modo com que os homens reviraram os olhos. — Parece um antigo nórdico.

— Oh, sim. Um poderoso viking. Nunca ouvi nada de mal a respeito dele. Ouvi contarem como é um bom lorde, que arrancou seu clã da miséria e os tornou prósperos mesmo que não passasse de um rapazola. Acho que mesmo que ele não parecesse tão belo e tão forte, eu o escolheria. Pelo menos ele demonstrou que pode controlar o temperamento.

Gillyanne concordou mesmo enquanto pensava que sir Connor não apenas controlava o temperamento mas quase toda e qualquer emoção. sir Connor poderia ser como James, que possuía alguma estranha armadura invisível que impedia pessoas como ela de o desvendarem. Gillyanne não conseguia acreditar que um homem que tirara seu clã da ruína não tivesse um enorme coração também.

Voltou os olhos para os homens que a observavam.

— E vocês, cavaleiros, concordam com a pequena Mary? — Todos concordaram. — Então Sir Connor MacEnroy é. aquele a quem darei minha mão. Amanhã, quando os exércitos começarem a se reunir, sir James e eu iremos até os lordes e eu lhe direi minha decisão.

James franziu a testa.

— Não seria melhor que os chamasse aqui?

— Sim, mas não creio que concordem com isso.

— Não, é provável que não. Entretanto, poderia ser perigoso.

— Como? Querem me desposar para ter estas terras. Acho que o pior que pode acontecer é começarem a lutar entre si mesmos e nós seremos forçados a fugir para não sermos pegos no meio da batalha. Além disso, se eu for até eles, isso pode impedir que qualquer daqueles homens se instale dentro das muralhas. Uma vez dentro, seriam difíceis de expulsar.

— Porém, esta fortaleza é do que querem se apossar através de um casamento com você — disse o mais jovem dos Murrays.

— É verdade, Iain — retrucou Gillyanne —, mas acredito que a primeira coisa que meu escolhido há de querer fazer é casar-me comigo e manter-me trancada atrás das muralhas de sua própria fortaleza tão depressa quanto possa.

— Porque não confia nos outros dois lordes — disse James.

— Não por completo. Não creio que vá se instalar uma disputa, mas suspeito que podem considerar a ideia de se apoderarem do prêmio. Portanto, o resto de vocês deve fechar os portões e mantê-los trancados a menos que eu lhes diga para abri-los — não importa o que aconteça. Se por nada mais, meu pai há de querer respostas quando chegar aqui e vocês são os melhores para respondê-las. E, James, você voltará para Dublin para levar notícias no caso de papai ir para lá primeiro. Depois eu gostaria que fosse procurar-me em Deilcladach, para me levar o que quer que seja que possa ter sido forçada a deixar para trás.

Depois de vários instantes de acalorada discussão, Gillyanne finalmente chegou à concordância que buscava. Felizmente, os planos faziam sentido e, a despeito do orgulho ferido, eles acederam. Logo depois, ela se viu sozinha com James.

— É como deve ser, James — disse ela, gentilmente. — Sabe disso, não sabe?

— Minha cabeça sabe. O resto de mim se revolta com isso. E eu não gostaria de levar essa notícia para nossa mãe.

— Depois que a pobre Sorcha foi raptada, surrada quase até a morte e depois se juntou a um convento, papai receia pela saúde de nossa mãe. Agora, isso. Acho que ela começará a recear que alguma maldição foi lançada sobre suas filhas.

— E papai ficará furioso. Não apenas pelo que foi feito a você, mas pela preocupação que isso provocará em mamãe.

— Faça-a entender que ficarei bem.

— É essa a verdade?

— Sim. É a verdade. Não consigo sentir nada com respeito a sir Connor. Ele é tão fechado para mim como você, talvez mais, eu creio. Mesmo assim, embora isso me preocupe um pouco, acre­dito que também me intriga. Mas, quando rebusco dentro de meu coração, não sinto medo desse homem. Sim, estarei na cama de alguém sobre o qual não sei muito; porém, quando tento me preo­cupar com isso, uma vozinha em minha cabeça me lembra que ele é um homem muito atraente. James riu e meneou a cabeça.

— Você passou muito tempo com aquele nosso primo safado, Payton. — Então, ficou sério. — Direi a mamãe o que você falou. Se papai estiver lá, contarei tudo a ele de alguns passos de distância.

— Mesmo furioso, papai saberá que é melhor que isso seja resolvido com palavras, não com espadas. Também saberá que um casamento realizado sob coação pode ser desfeito e, diferentemente daqueles três lordes, ele conta com o apoio do rei. — Ela deu de ombros. — E, quem poderá dizer? Talvez quando eu ganhe a chance de ir-me embora, eu possa não querer ir. Pelo menos sei, sem qualquer dúvida, que terei essa escolha no final. Poucas moças têm. Isso não precisa ser para sempre.

— E é por isso que é capaz de aceitar, não é?

— Em parte. Realmente não tenho medo daquele homem. Quando pronunciar os votos, em meu coração continuará a certeza reconfortante de que, se não houver esperança de que seja um bom e verdadeiro casamento, eu posso me afastar.

— Vai dizer isso a sir Connor?

— Vou adverti-lo a respeito de papai, mas o instinto me diz que o homem não levaria em consideração o que eu dissesse.

James sorriu.

— O tolo. Papai cairá como uma grande surpresa sobre ele. E, creio, assim você também.

— Sem dúvida, primo. Ele acha que basta casar-se comigo, reclamar minhas terras de dote e tudo será como deveria. Vai ser interessante de presenciar quanto tempo custará a ele para ver que nada do que ocorre com uma moça dos Murrays pode ser assim tão simples.

 

- A moça deixou a segurança da fortaleza e tem apenas um homem com ela — gritou sir David, e correu para sua montaria.

— O que está fazendo? — bradou Connor, tirando as rédeas das mãos de David, para impedi-lo de sair em disparada.

— Vou me apoderar da moça.

— Ela está vindo para cá com uma bandeira de trégua e sem ninguém a não ser o primo ao lado. Você deve agir com honradez.

— Devo, não é?

— Sim, David — disse Robert —, você deve. O próprio rei sabe que viemos para cá. Seria prudente trilhar o caminho da cautela.

Depois de uma leve hesitação, David desmontou e Connor deixou escapar um suspiro de alívio. David agia com uma espécie de fúria cega com relação à moça. E havia também a chance de Robert julgar ser uma oportunidade para se apoderar do prêmio. Connor não ficaria surpreso com isso, apesar das palavras de sir Robert.

— Meus senhores — exclamou Gillyanne, ao parar a poucos metros de distância. — Quero fazer um trato. Estão vendo a bandeira de trégua?

— Sim — disse Connor. — Estamos dispostos a conversar.

34

— E se não chegarmos a um acordo, eu terei permissão para voltar à fortaleza com meu primo.

— Deixaremos que volte e se prepare para a batalha — exclamou David, com olhar feroz.

Gillyanne o encarou com um ligeiro sorriso.

— Esperava não ter a necessidade de vê-lo investir contra minhas muralhas em alguma fútil porém máscula exibição de fúria.

Sir David deu um passo ameaçador para adiante, mas sir Robert segurou-o pelo braço e o puxou para trás. sir David poderia se mostrar um problema no futuro, pensou Gillyanne, o que era outra boa razão para escolher sir Connor.

— Gostaria de pedir que esperassem até que meu pai chegasse — disse ela, olhando para sir Connor.

— Por que faríamos isso?

— Discutir o problema do casamento com meu pai é o certo e o adequado.

— Por quê? Temos a aprovação de nosso soberano.

— Meu pai não ficará feliz com isso e seria prudente pensar a respeito.

— Você não crê que seu pai possa discutir uma decisão real — disse David, com arrogância.

Ao ver que os olhos de Gillyanne se estreitavam de raiva, Connor resolveu interferir.

— Possa ou não seu pai mudar a cabeça do rei, isso simples­mente não importa. Resolveremos tudo agora. Qualquer discor­dância com seu pai poderá ser resolvida mais tarde.

Era óbvio que nenhum dos homens acreditava que o pai dela iria contra a vontade do rei. A sugestão real era como se fosse uma ordem.

— Que seja — resmungou ela e deixou escapar um suspiro de impaciência e resignação. — Quando essa tolice começou, jurei que não permitiria que sangue fosse derramado.

— Mudou de ideia? — perguntou Sir Connor.

35

- Não. Porei um ponto final a isso agora. Escolho Sir Connor MacEnroy como o lorde que tomarei como marido.

Houve um pesado instante de silêncio no qual Gillyanne pôde sentir a raiva dos dois outros pretendentes. Então Connor deu um passo à frente, fez uma ligeira reverência e tomou-a pela mão. Gillyanne assustou-se e James ficou tenso, quando sir Connor começou a caminhar para uma igrejinha mal visível do local onde estavam, puxando-a. Todos se apressaram em segui-los.

— O que está fazendo? — ela esbravejou, lutando para não tropeçar.

— Levando-a para um padre — respondeu Connor.

— Trouxe um padre consigo?

— Sim, e ele não está nada contente por ter sido obrigado a esperar por quatro dias.

— Vai me arrastar e se casar comigo? Não planejou uma festa ou algo assim? — Quando ele a fitou por sobre o ombro, Gillyanne julgou aquele um gesto irritante. — Esse dia deveria ser marcado de alguma forma na vida de uma moça.

— Você reuniu três exércitos. Poucas moças podem ter uma festança assim.

Gillyanne não conseguiu argumentar contra os fatos. Contudo, não previra aquele desenlace. E ficou feliz por ter deixado tudo acertado antes de deixar a fortaleza. Quando Connor obrigou-a a ajoelhar-se ao lado dele em frente ao padre, esperou que não pretendesse também consumar o casamento com tamanha pressa.

Mal acabara de pronunciar os votos, Connor levantou-se. Gillyanne foi puxada para cima e ficou de pé. Connor envolveu-a nos braços e com um gesto igualmente abrupto, ergueu-a no ar. Gillyanne ia protestar quando ele a beijou. Mas aqueles lábios eram cálidos, macios, tentadores. Presa contra aquele homem, ela não se sentiu intimidada. Na verdade, achou a experiência muito agradável. Porém, logo quando começava a sentir um calor intrigante a se espalhar por suas veias, ele a soltou e ainda a arrastando pela mão, saiu da igreja. Aturdida, ela o seguiu.

36

— Para onde a está levando? — bradou James, parando em frente a Connor.

— Vou levar minha esposa para Deilcladach.

— Não vai tomar posse de Ald-dabhach? — perguntou Robert, ao se aproximar.

— Já fiz isso. — Connor puxou Gillyanne para mais perto. — Estamos casados. É o suficiente por enquanto.

— Maldição — esbravejou James —, você não pode arrastá-la, casar-se com ela e levá-la para longe.

— Não? Por que não? — Connor desviou-se de James e seguiu em direção ao acampamento.

— Ao olhar por sobre o ombro, Gillyanne pôde ver que a ira de James, raramente vista, emergia.

— Não se preocupe, James. Você tem coisas que precisa fazer — disse ela. E ficou aliviada quando ele concordou com um gesto e rumou de volta à fortaleza.

— O que ele precisa fazer? — perguntou Connor, ao se aproximar do cavalo selado. De um pulo, montou.

— Avisar minha família — ela retrucou, ao ser gentilmente puxada para cima e instalada atrás dele, na sela. — Você se recusa a ver o problema em que se meteu, mas ele logo estará às portas de Deilcladach. E quando ele chegar, será como se o próprio demónio tivesse chegado.

— É bom que uma moça tenha tanta fé no próprio pai. Gillyanne não teve chance de responder. Connor esporeou o cavalo depois de umas curtas ordens a seus subordinados e um gesto igualmente curto de despedida para sir David e sir Robert. Quando ela o agarrou pela cintura, olhou por sobre o ombro, para o acampamento que deixavam a galope. A maioria dos MacEnroys os seguia e uns poucos homens ficavam para trás. O instinto disse a Gillyanne que aqueles manteriam vigilância sobre Robert e Da­vid, para certificar-se que não invadiriam Ald-dabhach.

Embora esperasse aquele desenrolar dos acontecimentos, não previra tal pressa. Parecia mais um rapto que um casamento. Ela estava apenas com as roupas que usava e muitos dias decorreriam antes que James pudesse levar suas coisas até Deilcladach. Definitivamente, não era o casamento com que sonhara.

Numa tentativa de manter o espírito elevado, ela tentou recordar-se de tudo que havia de bom naquele acordo. Ald-dabhach e seu povo estavam a salvo. Seu pai logo iria resgatá-la, se ela ainda precisasse ser resgatada. Mesmo que tivesse sido forçada a escolher Connor, ele era, de muitas maneiras, uma bela escolha. Uma moça encontraria poucos tão belos de olhar ou tão fortes de com­pleição. O beijo na igreja não fora desagradável, mostrara uma promessa de paixão. E ao encostar a face contra aquelas costas largas, ela pensou que poderia existir algo de agradável no meio daquela maldita confusão.

Connor soltou um resmungo de satisfação e rolou de cima de Gillyanne. Ela fitou o teto da cabana e ficou a imaginar o que tinha mais vontade de fazer, gritar ou chorar. Depois de apenas duas horas de cavalgada, ele parara naquela cabana, pedira ao casal de idade que saísse dali, e a arrastara para um catre, ao lado do fogo. Seus beijos tinham lhe calado os protestos. Suas carícias lhe derretido os ossos. Então, de repente, ele estava dentro dela. A paixão que começara a incendiar-se dentro dela se desfizera por um momento, sobrepujada pelo fim abrupto e quase indolor da virgindade. Logo Connor encontrara a própria satisfação e a deixara. Dolorida e insatisfeita, ela pensou, com raiva, que assim que a deflorara, e ela nem gritara ou chorara, ele deixara de se importar com o que ela sentia ou precisava.

Gillyanne olhou para baixo e puxou as saias. Ele nem mesmo tirara as roupas. E já se levantava. Por um instante, quando ele ajudou-a gentilmente a ficar de pé, ela julgou que poderia haver um momento de ternura, um beijo leve ou uma carícia, mas ele simplesmente continuou-a a fitá-la, uma ruga de preocupação a lhe crispar a face.

— Eu a machuquei? — ele perguntou.

— Não.

— Ótimo. — Dirigiu-se para a porta. — É hora de terminar a viagem para casa.

Gillyanne gostaria de ter um chicote para surrá-lo. Não poderia dizer que fora estuprada ou abusada, mas certamente não fizera amor. Sentia um leve desconforto entre as pernas, inconseqüente diante da dor profunda de uma paixão insatisfeita. A resmungar todas as pragas que sabia, ela achou uma jarra com água, limpou-se depressa, arrumou as ceroulas e saiu da cabana. Estava zangada demais para ficar constrangida ao se deparar com os homens de Connor e o casal lá fora, à espera de que Connor consumasse o casamento.

Dois jovens claros chegaram a galope e desmontaram. Um deles tinha um largo chapéu que quase lhe ocultava as feições. Connor fitou-os com expressão aborrecida. Voltou-se para Gillyanne.

— Quero que conheça meu irmão Andrew e minha irmã Fiona. — Olhou para os dois. — Minha esposa, Gillyanne.

Não foi fácil esconder a surpresa ao saber que o jovem mais miúdo era na verdade uma mulher, mas Gillyanne sorriu.

— Por que vieram aqui? — Connor perguntou aos irmãos.

— Ficamos a imaginar o que teria acontecido a você — disse Andrew. — Quando partiu, disse que ficaria fora por um dia ou dois.

Connor tinha quase certeza de que Gillyanne resmungara algo que soara como "porco arrogante", mas ignorou o fato, mantendo o olhar firme sobre os irmãos.

— Eu lhes disse que ficassem em Deilcladach.

— Estávamos preocupados com você e Diarmot — protestou Fiona.

— Não era preciso. Desobedeceram minhas ordens. Andrew pigarreou, nervoso.

— Bem, já que não está ferido e obviamente conquistou o prêmio, Fiona e eu voltaremos agora mesmo para Deilcladach.

— Iremos juntos — disse Connor. — Não é seguro para vocês cavalgarem por estas terras sozinhos.

Fiona olhava para os pés, mas Gillyanne percebeu que a garota a estudava. Não captou raiva ou cautela na inspeção, apenas curiosidade. Julgou que a garota tivesse se vestido como um rapaz por causa da viagem desaprovada, mas então, antes que pudesse explorar essa possibilidade, Connor puxou-a pela mão e ergueu-a para a sela do cavalo.

— Por que usa roupa de homem? — perguntou-lhe Connor. Confusa, Gillyanne olhou para o vestido.

— Muitos homens usam saia, não é?

— Refiro-me às ceroulas que usa sob as anáguas.

— Uma porção de mulheres em minha família usa ceroulas.

— Você não usará.

Ela ia discutir aquela ordem ríspida quando ele esporeou o cavalo a um galope. E Gillyanne resolveu deixar aquela discussão para depois. Era difícil arranjar argumentos com um cavalo em disparada. Era uma coisa tipicamente de macho dizer a ela que não poderia usar uma indumentária masculina quando a irmã de Connor andava pela região vestida como um rapaz.

Considerando o histórico dos MacEnroys durante os últimos doze anos, havia a possibilidade de Fiona ter sido criada como mais um irmão. Fiona estava se transformando numa mulher ou estava bem próxima disso. O que explicaria a intensa curiosidade que a garota mostrara. Gillyanne deu de ombros. Decifraria o enigma mais tarde.

Gillyanne sabia que havia vários mistérios a desvendar. O homem que era agora seu marido era um enigma por si só. De imediata importância para ela, contudo, era saber como um belo sujeito como ele poderia se mostrar um pobre amante. Uma das coisas que tivera a esperança de ganhar naquela confusão fora um sabor de paixão. Bem, ele lhe dera uma amostra, mas a deixara faminta. Se aquela era a maneira de agir dele na cama, Gillyanne suspeitava que logo estaria rezando para que o pai viesse resgatá-la.

Depois de várias horas de cavalgada, chegaram a Deilcladach. Gillyanne tentou dar uma boa olhada na fortaleza, mas era difícil, por trás das largas costas do marido. Aquelas terras não pareciam tão ricas como as de Ald-dabhach. Parecia que mal produziam o bastante para alimentar o povo que vivia ali, e isso apenas nos melhores dos anos. O que poderia explicar o profundo interesse de Connor em se apossar de seu dote.

Entre aqueles que acorreram para saudar Connor e seus homens estavam dois jovens altos e loiros. Connor, Andrew e Diarmot adiantaram-se para cumprimentá-los e Gillyanne franziu a testa quando foram rodeados por muitos do clã. Era óbvio que aqueles dois eram também irmãos. E também plenamente evidente que ela ou fora esquecida ou se esperava que cuidasse de si mesma. Já imaginava como desmontar do cavalo enorme de Connor com alguma elegância quando Fiona aproximou-se e a fitou. A garota tinha lindos olhos cor de violeta, percebeu Gillyanne e experimentou uma pontada de inveja.

— Meus outros irmãos — disse Fiona, apontando para os dois jovens que Connor cumprimentava. — Angus e Antony. Andrew tem dezoito anos, Angus tem vinte e Antony vinte dois. Quase da mesma idade e parecidos de muitas maneiras. Nós os chamamos de Angus, Nanty e Drew.

Fiona não esperou resposta e correu para se reunir aos irmãos. Angus, Nanty e Drew eram todos da mesma altura, tinham os mesmos cabelos de um dourado escuro e eram magros. Gillyanne julgou que levaria algum tempo até distingui-los.

Um instante depois ela bufou ao ver que todos desapareciam dentro da fortaleza, deixando-a ainda montada no cavalo de Connor. Devia ser essa a reclamação de algumas esposas, a falta de cortesia dos homens assim que os votos eram pronunciados. Mas duvidava que fosse tão simples. Olhou para o chão e pensou se deveria se deixar escorregar ou dar um pulo.

— Precisa de ajuda, senhora?

Gillyanne olhou para o homem alto e magro que parara ao lado do cavalo.

— Quem é você?

— Me chamam de Encaroçado, senhora.

— Um tanto indelicado.

— Não, não pretendem caçoar de mim. Meu nome é Iain e existem oito Iains aqui e assim dá menos confusão nos chamar por outro apelido.

— Ah, claro... — Gillyanne resolveu ignorar o brilho divertido nos olhos do homem. — Creio que eu poderia precisar de alguma ajuda para descer desta montaria, já que o imbecil do meu marido me esqueceu.

— Oh, não, senhora — Encaroçado protestou, enquanto a ajudava a desmontar. — Ele está contando a todos como trouxe o prêmio para casa.

O prêmio, pensou Gillyanne, e ficou a imaginar se alguém no­taria se ela se jogasse no chão e tivesse um ataque de fúria. Ao olhar para o vestido empoeirado e todo amassado, resolveu que não valia a pena, não enquanto James não lhe trouxesse outras roupas.

— A senhora é bem pequena — murmurou Encaroçado. Gillyanne fez o que esperava fosse uma cara bem feia.

—Se quiser ver seu próximo aniversário, seria prudente guardar sua opinião para si mesmo.

— Ah... como desejar. Estranho, eu não tinha percebido que a senhora era ruiva.

— Isso é porque não sou. Meus cabelos são castanhos — ela resmungou, ao limpar as saias.

— Não, senhora, com o sol sobre eles, são vermelhos. E eu não tinha imaginado que tivesse os olhos verdes também.

— Vou lhe contar um segredo, Encaroçado. Quando meus olhos estão dessa cor, é bom que ande com cautela perto de mim. — Ele recuou um passo. — Para onde foram todos? — ela perguntou.

— Para o salão, senhora. Vão celebrar a vitória e o retorno do lorde com uma festa.

— Que bonito — ela murmurou, por entre os dentes cerrados. Era mais do que poderia suportar, pensou Gillyanne ao olhar para o pátio interno. Ela finalmente tinha um marido e ainda assim era ignorada. De mãos dadas com sua raiva estava a mágoa, e as duas emoções alimentavam uma à outra, até que ela se sentiu quase doente. Lentamente, começou a contar, lutando para recuperar o controle. Se fosse atrás de Connor agora, receava que fosse fazer papel de tola. Os MacEnroys poderiam pensar que fosse louca e a trancariam numa cela.

— Senhora, o que está fazendo?—perguntou Encaroçado, com um ar desconfortável.

—Contando—ela retrucou, sentindo vontade de chorar e usan­do a raiva para conter as lágrimas.

— Contando o quê? — insistiu Encaroçado, olhando para o chão que ela fitava com tanta intensidade.

Gillyanne respirou fundo e abriu os punhos cerrados. —Apenas contando. Minha prima Avery diz que podemos conter nosso temperamento se contarmos bem devagar.

— E funciona?

— Não. Em vez de contar e me acalmar, eu me descobri contando todas as maneiras de poder magoar e torturar aquele idiota com quem acabei de me casar.

Ela viu que o sangue coloria a face magra de Encaroçado e ficou a imaginar se o deixara aborrecido. Um instante depois ela se deu conta de que o sujeito não estava furioso; lutava para não cair numa gargalhada. Gillyanne suspirou com resignação. Parecia que, se não a ignoravam, os homens a achavam divertida.

— Creio que estou pronta para entrar no salão agora — disse ela.

— Sim e é melhor se apressar. A comida vai desaparecer bem depressa.

Depois de usar toda a sua força para abrir as pesadas portas e entrar, Gillyanne seguiu o som das vozes até o salão. Parou na soleira e olhou ao redor. Seu marido estava sentado à cabeceira da mesa e era evidente que regalava os ouvintes com as histórias de tudo que acontecera em Ald-dabhach. Ninguém parecia notar que a mulher que lhes trazia a abundância não estava sentada perto do marido.

Algo da raiva que procurara controlar ganhou vida outra vez quando Gillyanne viu que nem mesmo havia um lugar para ela à mesa. Respirou algumas vezes, lenta e pausadamente, para recuperar a calma. Então, entrou no salão. Primeiro iria conseguir alguma coisa para comer e beber. Depois pretendia trocar uma palavrinha ou duas com o novo marido. As terras que ele estava tão feliz por ter se apossado eram suas terras de dote. Se ela quisesse, se o casamento terminasse, ele perderia essas terras. Isso dava a Gillyanne uma pequena parcela de poder, poder que tinha intenção de usar.

 

Era quase impossível fazer a comida passar pelo nó de raiva em sua garganta, mas Gillyanne tentou. Recordou a si mesma que aquele não era um casamento de amor. Tomou um longo gole do vinho e tentou tirar o gosto amargo da humilhação da boca. Era duro, difícil de aceitar que não passava de um feito para aquele homem, e muito duro de aceitar que ele evidentemente a esquecera desde o instante que a colocara em segurança por trás dos portões da fortaleza. Ela teria tido de desmontar sozinha se não fosse a ajuda de Encaroçado, tivera de seguir atrás dele, tivera de lutar até mesmo por um lugar na grande mesa assim como por um pouco de comida.

O que Gillyanne não conseguia compreender era porque se sentia magoada e porque não pudera convencer-se de que tudo que sofria era de orgulho ferido, tal como antes, quando era ignorada pelos homens. Aquele um era agora, afinal, seu marido. Haviam se casado diante de um padre e o casamento fora consumado. Não penosamente, na verdade, mas no que lhe dizia respeito, com muita pressa e não muito bem. Gillyanne ainda estava completamente atónita que um homem tão bonito pudesse ser um amante tão pobre. Talvez ele não tivesse dado o melhor de si por considerar o ato não mais que a assinatura de um tratado.

Uma das criadas aproximou-se por trás de Connor e o envolveu com os braços pelo pescoço, quase lhe enterrando a cabeça nos fartos seios. Connor riu e a risada cheia de luxúria agiu sobre Gillyanne como fagulhas em carvão. Ela praguejou e ficou de pé, ignorando o repentino silêncio ao rumar para a cadeira do marido.

— É melhor sair — sibilou, ao colocar as mãos sobre os seios da mulher e empurrá-la para trás. — Preciso dos ouvidos de meu marido por um instante.

— Está se excedendo, moça — disse Connor, tranqüilo, mas espantado com a fúria que via naquela face e a maneira com que a raiva inflamava os olhos de Gillyanne, tornando-os de um verde resplandecente.

— Moça não. Esposa. Lembra? A mulher cuja casa da torre e cujas terras você tanto cobiçava? Aquela que arrastou para diante de um padre e com quem se deitou de uma forma tão inepta? — Ela ignorou os arquejos de indignação que subiram em uníssono dos homens e da família, interessada apenas no vermelho de raiva que coloriu a face de Connor.

— Um marido tem o direito de bater em sua esposa.

— Tente. Você se recusa a ver o problema em que se meteu pelo que fez, mas ele está lá fora, seu tolo, e logo estará clamando alto em seus portões. E irá cair sobre você decuplicado se meu pai vir um único arranhão em mim. Como se atreve a me tratar com tão pouco respeito?

— Um homem tem direito a seus prazeres. — Ele lutou para esconder a surpresa diante do rumo daquela conversa.

Ela se empertigou.

— Então certamente deve seguir seus impulsos, assim como uma mulher.

— Cuidado, moça.

Gillyanne ignorou-o. Sabia que a raiva gélida naquela voz deveria fazê-la hesitar, porém estava furiosa demais para ser cautelosa. Depois de um rápido olhar ao redor, agarrou o irmão de Connor, Diarmot, pelo braço e o fez ficar de pé. E começou a arrastá-lo para fora do salão.

— Jesus, moça, você fará com que eu seja morto — Diarmot gaguejou, chocado e preocupado em manter os olhos no irmão que começava a se levantar.

— Não, você não — retrucou Gillyanne, recusando-se a olhar para trás, para o homem que podia ouvir que se aproximava de­pressa. — Eu, sim, quem sabe, porém não você. Ele pode esmurrá-lo, mas pelo pouco que vi até agora, você deve estar acostumado.

Ela soltou um pequeno grito de surpresa quando Diarmot foi, de repente, arrancado de seu lado. Viu de relance o jovem a escorregar de costas pelo chão antes que um braço forte a circundasse pela cintura. Connor carregou-a para fora do salão como um saco de farinha. Gillyanne pensou em enterrar os dentes naquele traseiro, mas seus cabelos estavam no caminho. Resolveu então que não seria prudente agravar a situação.

Depois de subir as escadas com passos pesados, ele abriu uma porta com um chute e entrou num quarto. Jogou-a numa cama larga. Gillyanne ficou de pé a tempo de vê-lo rumar para a porta. Com uma praga, ela saltou da cama, correu atrás dele e fechou a porta. Ficou na frente dele, braços cruzados sobre o peito, a encará-lo. Embora não tivesse certeza do que queria dele, certamente não era que deixasse o quarto e voltasse para a convidativa Meg.

— Saia, moça — ordenou Connor.

— Meu nome é Gillyanne — ela retrucou. — E não permitirei que volte à sua rotina adúltera.

Connor fitou-a, dividido entre a raiva e uma súbita vontade de rir. Ela era pequena, delicada, mal chegava a seus sovacos e ainda assim o encarava como igual. Além de sua irmã Fiona, nenhuma mulher o xingara, insultara ou caçoara dele. Franziu a testa. Mulheres deviam ser dóceis, obedecer à palavra de um homem, principalmente moças de alta classe. Connor começou a imaginar em que tipo de família Gillyanne fora criada, para que pudesse ignorar aquela verdade.

— Seu marido ordenou que saia — disse ele.

— Puxa, então você se lembrou que é um marido? Isso significa que irá começar a me tratar como uma esposa?

— Maldição, estou tratando você como uma esposa. Gillyanne pestanejou.

— Posso perguntar como acredita que uma esposa deva ser tratada? — ela perguntou, com alguma doçura.

— Ele com certeza não a deixaria ir atrás de outro homem. Qualquer fruto desse seu corpinho será meu e só meu.

— Seria quase isso. Diarmot é seu irmão, afinal. — Ela julgou a expressão chocada daquela face extremamente satisfatória. — Como acha que uma esposa deveria ser tratada?

Resolvendo que ela estava brincando com relação a Diarmot, Connor respondeu:

— Gentilmente.

Ela franziu a testa quando ele não disse mais nada.

— E?

— Deve providenciar para que seja bem alimentada.

— Oh? Então quem sabe o marido possa parar um instante para ver se ela tem um lugar à mesa e um prato cheio diante dela antes de voltar a atenção para uma vagabunda.

Ele tinha de reconhecer que falhara nesse ponto.

— Não estou acostumado com uma esposa ainda. E o nome dela é Meg.

É Meg, a Mutilada, se não parar com esses jogos, pensou Gillyanne, mas apenas resmungou:

— Que bom para ela. O que mais?

— Um marido deve ver que ela esteja bem vestida ou pelo menos aquecida.

Gillyanne olhou para o vestido sujo e amassado e em seguida o encarou, a sobrancelha erguida.

— Acabamos de chegar aqui. Não houve tempo para pegar seus vestidos antes de deixarmos Ald-dabhach.

Ele estava começando a parecer na defensiva e Gillyanne julgou que era um bom sinal.

— Ótimo. E depois?

— Uma dama deve ser possuída com gentileza e cuidada com carinho até que carregue um bebê. Deve ser tratada com respeito por sua modéstia. Um homem reserva suas paixões cruas para mulheres como Meg. Tais coisas chocariam uma dama.

— Que besteira! — Ela ignorou o olhar de surpresa do marido. — Quem lhe disse tamanha bobagem?

—Meu tio, sir Neil MacEnroy. Ele é perito no trato com damas de bom nascimento.

— É? — ela resmungou, sem esconder a cara de escárnio. — Conhece todas as damas, conhece, para que possa falar com tanta segurança?

Forçado a pensar no assunto enquanto buscava por uma resposta, Connor percebeu que não tinha certeza de quando ou onde seu" tio conhecera damas. O homem raramente falava de alguma. Más era algo que não iria admitir para a mulherzinha zangada à súa frente.

— Ele me ensinou tudo que sei — disse, e viu que o olhar da jovem era de absoluto escárnio.

— Seu tio foi ensinado de uma maneira diferente da minha — disse Gillyanne, ao rumar para a cama, onde se sentou, confiante de que Connor não sairia agora. — Ele tem razão quanto à comida e roupas e um lugar para viver.

—- Ah, um lugar para viver. Eu lhe dei isso. — Connor ficou contente de ter feito uma coisa certa.

— Porém, como uma dama bem criada, eu mesma, devo discordar de tudo o mais que ele disse.

— Uma moça não discute com um homem. A palavra dele é lei. Gillyanne olhou para Connor, maldizendo a incapacidade de ver dentro dele. Não podia crer que fosse oco. Só precisava de educação.

— Esta moça aqui discute — retrucou.

— Começo a perceber.

Ela parecia absolutamente adorável sentada na beira da cama, os pés a vários centímetros do chão. Connor sentiu o desejo se acender dentro dele e tentou controlá-lo. Não foi fácil quando ele podia recordar com clareza a beleza daquele corpo pequenino, e o calor aconchegante e firme quando estivera dentro dela. Ele derramara sua semente dentro dela como era seu dever de marido, porém continuara insatisfeito. A vida de restrições a que se acostumara lhe roubava os prazeres da cama. Eis porque se voltara para Meg e, contudo, tinha de admitir, Meg não despertava sua luxúria afinal. Isso poderia ser um problema pois, se não satisfizesse aquela fome que o consumia, poderia tentar saciá-la com a esposa. E ela era uma dama. Também era pequena e delicada de­mais, e ele receava que pudesse machucá-la.

— Esta moça está lhe dizendo que um marido não pode sair farejando as saias de outras mulheres. Isso é adultério. É pecado.

— Um homem é movido por desejos poderosos, moça, desejos que precisam de muito para ser saciados. Uma dama não toleraria isso. Eis porque existem moças tais como Meg.

— Bobagem de merda.

— Uma dama não deveria usar uma linguagem tão vulgar.

— Continue falando tais besteiras e logo verá como eu posso ser chula. — Ela suspirou e caiu de costas na cama. — Ora, vá e deite-se com sua vagabunda. Não sei por que eu deveria me importar. Você não foi muito bom nisso, afinal. — Gillyanne não ficou surpresa quando ele de repente debruçou-se sobre ela. Parecia bem aborrecido.

— Fui muito bom — ele esbravejou. — Tirei sua virgindade sem quase um grito de sua parte. Não a machuquei.

— Não, não machucou. Também não me deu muito prazer. Ele a fitava como se ela fosse a criatura mais estranha que já conhecera. Ela o encarou de volta, mas sem conseguir penetrar-lhe as emoções. Era frustrante.

— Damas não querem prazer, não o sentem. Esperam que seu homem satisfaça essas cruezas com as amantes.

Gillyanne ergueu-se sobre os cotovelos e aproximou a face da dele, tanto que seus narizes quase se tocaram. Sentia-se decepcionada. As circunstâncias a haviam forçado a um casamento com aquele belo homem e ela julgara que poderia, finalmente, pelo menos provar um pouco daquele prazer que colocava faíscas nos olhos das primas. Em vez disso, conseguira um homem que a tratava como se ela pudesse quebrar com uma carícia apaixonada. Houvera tantas promessas naqueles primeiros beijos, e ela estava resolvida a fazer com que aquelas promessas se cumprissem. Se não, bem, ela esperaria até ser resgatada. Ignorou o murmúrio em sua mente que lhe disse que jamais seguiria aquele plano.

— Farei uma troca com você — disse ela. — Mostre-me esses prazeres rudes, esses desejos crus. Trate-me como se eu fosse sua amante, não sua esposa. Se eu não agüentar, não o importunarei mais acerca de sua vagabunda. Só exijo uma coisa — não me envergonhe andando com suas amantes diante de meus olhos e de seu povo. Faça isso e me exporá ao escárnio das pessoas de seu clã. Isso eu não tolerarei, não em silêncio. Portanto, venha, mostre-me o que supõe que pode me revoltar.

Connor endireitou-se e levou a mão para os laços de seu casaco. Estava tentado a aceitar a barganha. Queria demonstrar toda a plenitude do desejo que sentia por ela, queria ver se poderia levar a chama da paixão àqueles olhos lindos. Queria tocar cada centíme­tro sedoso daquele corpo sem se preocupar que ela ficasse chocada, queria beijar aquele ventre, refestelar-se nos mamilos da cor de framboesa, lamber aquelas coxas muito brancas. Começaria aos poucos, mas queria correr a língua pelos cachos de um marrom avermelhado entre aquelas pernas bonitas, algo que ouvira contar, porém nunca sentira o ímpeto de fazer.

E, por que não, resolveu, ao tirar o casaco. Poderia assustá-la ou aborrecê-la, porém ela lhe dera permissão, pelo menos desta vez. A menos que desmaiasse ou começasse a brigar, ele se permitiria saciar todos os desejos. Se, depois disso, voltassem a um ocasional relacionamento para que pudesse enchê-la com a semente que lhe daria um herdeiro, teria pelo menos uma lembrança para nutrir. O jeito com que ela começou a arregalar os olhos quando ele tirou as roupas o fez imaginar que a coragem de Gillyanne já começava a falhar.

Gillyanne sentiu uma onda de calor tomar conta de si quando seu marido tirou as roupas. Vira muito pouco dele antes. Ele era todo músculos duros e carne macia, de uma pele dourada. Uma fina linha de pêlos começava abaixo do umbigo, tornava-se mais espessa na genitália e escurecia cada centímetro das pernas longas e musculosas. Era belo e muito másculo, ela pensou, ao olhar para aquela virilha. Não vira muitos órgãos masculinos, a não ser dos primos pequenos, e a maior parte do que sabia vinha daquilo que Avery lhe contava entre risadas, quando ficavam "aborrecidos". Tinha certeza, contudo, que Connor era particularmente abençoado nesse quesito.

Com medo? — ele perguntou, ao erguê-la e começar a desnudá-la.

— Não, apenas notei que você não está nada aborrecido — ela mrmurou, tentando não se sentir constrangida com a luz do quarto, enquanto ele lhe tirava as roupas.

— O que quer dizer com isso?

— É como minha prima Avery chama um pênis em descanso.

— Quantos você viu? — ele perguntou, parando de soltar os laços da combinação para encará-la.

— Bem, não costumo espiar os homens — disse ela, ligeiramente insultada com a acusação não verbalizada. — Porém, numa fortaleza cheia de gente e com uma multidão de primos e irmãos, uma garota vê alguns de relance, aqui ou acolá. Avery dá nome a várias, ah... posições. Há os aborrecidos, um pouquinho interes­sados, e nada aborrecidos.

— Moças não deveriam ficar olhando o sexo dos homens e não deviam dar nomes a essas coisas.

— Tantas regras — ela murmurou, com desdém.

Ele tirou-lhe a camisola e olhou para as ceroulas de linho, lutando para não cair na risada. Era intrigante como ela conseguia diverti-lo, a ele, um homem que não costumava rir. Exceto por uma ocasional risada, ele não conseguia se lembrar da última vez que dera uma boa gargalhada. Não era o tipo de coisa que um lorde faria. Se o vissem assim, logo ele perderia o controle de seu povo. Era a força que os mantinha unidos.

— Você ainda está usando essas ceroulas.

— Sim, estou, e pretendo conservá-las.

— São roupas de homem.

— E tal como um homem protege as regiões baixas, como se espera que uma moça suporte o frio e arrisque a se machucar quando cavalga? E não importa o quanto uma moça seja modesta e cuidadosa, sempre haverá algum tolo tentando espiar debaixo de suas saias. Bem, o que está debaixo de minhas saias não é para os olhos de ninguém, a não ser os meus e os de meu marido. Portanto, não pense que me fará deixar de usá-las.

A simples ideia de que algum homem poderia querer dar uma espiada naqueles tesouros foi o suficiente para Connor resolver que ceroulas, afinal, não eram uma coisa ruim para uma moça usar. Soltou os laços da roupa e, no momento em que caíram a seus pés, ele ergueu Gillyanne e colocou-a sobre a cama. Ela parecia extrema­mente pequena deitada ali, delicada e frágil.

Gillyanne ruborizou-se diante daquele olhar preocupado. E seu embaraço logo se transformou em constrangimento. Sabia que era pequena, porém assim era a maioria das mulheres de sua família e seus homens pareciam bem satisfeitos. Um rápido olhar para o pênis enrijecido lhe disse que o olhar de Connor não significava falta de interesse.

— Vai ficar só olhando ou tem intenção de ir em frente? — ela resmungou, incapaz de suportar aquele olhar por mais um instante.

— Ir em frente — retrucou Connor e deitou-se sobre ela. Ela resmungou deliciada quando ele lhe deu outro daqueles beijos que guardavam tantas promessas. Gillyanne passou os braços em torno do pescoço do marido e puxou-o para mais perto. Ele era grande, quente, pesado, e ela gostou da sensação daquele corpo contra o seu. A primeira investida daquela língua contra seus lábios, ela os entreabriu. Conforme ele a invadia em leves estocadas, ela sentiu aquele delicioso calor a lhe fluir pelas veias, e aquele estranho porém prazeroso formigar em seu ventre estava de volta. Agora ela saberia do que se tratava, aprenderia o que colocava aquele olhar nos amantes.

Connor podia sentir aqueles belos mamilos endurecerem contra seu peito, ao beijar Gillyanne. Queria tomá-la de imediato, mas disse com firmeza a si mesmo para vir devagar. Não tinha certeza da razão, mas queria fazer mais com Gillyanne do que fizera com mulheres como Meg, mais que umas carícias mútuas, alguns beijos, e em seguida enterrar-se e socar até espalhar seu sémen. E isso, ele pensou, quase sorrindo ao beijar-lhe o pescoço em direção aos seios adoráveis pelos quais ansiava, era a melhor coisa em ter uma esposa. Ele não precisava se retirar no último momento, para ejacular do lado de fora, no frio. Se, juntamente com o prazer de continuar quente e agasalhado dentro dela quando encontrasse alívio, ele pudesse ter em Gillyanne um pouco de amor, também, poderia na verdade encontrar algo bem próximo ao contentamento.

Quando escorregou em direção aos seios dela, ele se apoiou nos cotovelos e cobriu os pequenos montes com as mãos. Era como se ali fosse o lugar deles. Em razão de seu tamanho, ele sempre procurara mulheres cheias de corpo para levar para cama, de seios fartos, e mesmo assim ele não julgava que sentira algo mais perfeito do que segurar os seios pequeninos e firmes de Gillyanne e sentir aqueles mamilos duros a lhe roçarem as palmas conforme ela respirava. Deslizou as mãos para as laterais e depois de um instante de apreciação diante da visão daqueles bicos escuros e rosados, tão rijos e convidativos, lentamente ele os lambeu. O gemido sufocado de Gillyanne o fez hesitar, aborrecido que a tivesse chocado tão depressa. Então, sentiu que ela se arqueava, se esfregava contra ele, a tremer. Repetiu o gesto e ela reagiu quase da mesma forma. Atónito, ele se deu conta de que ela gostara muito da carícia. Então, refestelou-se, lambendo, sugando até que teve de segurá-la pelo quadril ondulante para acalmá-la.

Sabendo que estava perto de perder o controle, ele beijou-a pelo ventre. Quando correu a língua em torno do umbigo, deslizou a mão entre as pernas dela. E desta vez sabia que a reação que a ergueu a cama significava que ela apreciava suas carícias; podia sentir o calor e a umidade a convidá-lo a entrar. Comprimiu a face contra o ventre firme de Gillyanne, lutando para controlar a vontade de beijá-la ali, naqueles belos pêlos castanhos. Era muito cedo ainda. Em vez disso, satisfez-se em respirar profundamente, saboreando o cheiro de pele limpa e o almíscar cálido da excitação feminina.

Era demais para conseguir se conter e ele se ergueu. Assim que ela o envolveu com as pernas fortes, como se para impedi-lo de fugir, ele a penetrou. A sensação quente e apertada daquele ninho o fez gemer. Ela resmungou-lhe o nome, a voz rouca e abalada pela força da necessidade. E Connor sentiu que o último de seu controle se esvaía. Ao começar a se mover, cada centímetro daquele corpo esguio a encorajá-lo a não atenuar as investidas, ele beijou-a e provou daquela avidez selvagem. Sentiu quando ela aliviou o aperto e mergulhou mais fundo, sacudido pela própria força do impulso. O modo como aquele corpo parecia bebê-lo, a maneira como ela lhe enterrava as unhas nas costas apenas acrescentava intensidade ao prazer que sentia. Finalmente, ele caiu sobre ela, a face enterrada contra o travesseiro.

Gillyanne começou a acariciar Connor conforme recuperava o senso. Soltou um lamento quando o pênis, agora frouxo, deslizou para fora de seu corpo. Aquilo fora como deveria ser, ela resmun­gou, enquanto esfregava os pés naquelas canelas fortes. Agora entendia aqueles longos olhares e os suaves suspiros. E precisava ter certeza de que Connor compreendia que não teria de satisfazer suas paixões cruas em outra parte.

— Ainda estou viva — disse ela, brincando, mas não surpresa ao perceber um toque de espanto na própria voz.

— Acho que eu também — ele resmungou, lançando um olhar a ela e sentindo uma satisfação extrema consigo mesmo ao ver o brilho demorado de paixão naquela face.

— E não fiquei aborrecida nem um pouco.

— Não, não ficou, mas isso é apenas uma pequena amostra.

— Apenas uma pequena amostra?

— Sim. Eu ainda posso fazer algo que a desgoste.

— Puf. Vá em frente e tente.

Ele pretendia, pensou Connor, e sorriu para o travesseiro. Era difícil para ele aceitar que seu tio estivesse enganado. Era mais fácil pensar que Gillyanne era um achado raro, uma em um milhão. Talvez sua família a tivesse criado para não ver nada de errado em desfrutar do sexo com o marido. Uma porção de perguntas enchiam-lhe a cabeça, mas ele as afastou. Fossem quais fossem as razões, Gillyanne gostava de fazer amor, livremente e com loucura. Seus gritos de prazer tinham sido doces e verdadeiros.

E altos, ele pensou, e sorriu outra vez. Ele não ficaria surpreso se todos em Deilcladach tivessem ouvido. Apenas um idiota questionaria um tal presente, e Connor MacEnroy não era um tolo.

 

Connor abriu os olhos e fitou o seio que quase lhe tocava o nariz. Era um seio adorável — pálido, sedoso, macio, firme e convidativo. O seio pequenino de sua esposa. Sentiu, de súbito, uma forte sensação de posse. Nenhum homem poderia beijar aquele seio, brincar com aquele mamilo cor de framboesa até endurecê-lo, ou ter aquela forma perfeita a aquecer a palma da mão. Pelo menos não sem se arriscar a uma morte lenta e profundamente dolorosa, ele pensou, e então ficou a imaginar por que a simples ideia de outro homem a tocar Gillyanne fazia suas entranhas se contorcerem de raiva. Ter uma esposa não era tão simples como havia julgado em princípio. Claro, poderia ser apenas aquela esposa em particular, resolveu, ao circular aquele belo mamilo com o dedo e ao ver Gillyanne se retorcer. Estava prestes a tomá-lo entre os lábios quando alguém bateu à porta.

— Que inferno — ele resmungou e viu que Gillyanne o obser­vava, os olhos nublados de desejo.

— Já é de manhã — ela murmurou e puxou o lençol para o peito conforme Connor se sentava.

— Uma hora boa para uma peleja. — Olhou feio para a porta. — Hoje, não, porém. O que é? — berrou.

— Tio Neil está aqui — Diarmot gritou, em resposta. — Quer vê-lo. Agora.

— Diga-lhe que estou providenciando meu herdeiro.

—Diga você. Nosso tio não está contente de que tenha se casado sem conversar com ele. Quer conhecer sua esposa.

—Mantenha-o com a boca cheia. Descerei em poucos minutos. — Praguejando contra o tio, Connor lavou-se, vestiu-se e rumou para a porta, dizendo por sobre o ombro:

— É melhor se apressar e descer para o salão.

Gillyanne nem mesmo teve a chance de responder antes de ele sair. Caiu sobre os travesseiros. Que jeito brusco e rude de acordar, pensou. Uma chispa de mágoa acendeu-se em seu coração, mas ela rapidamente a apagou. Connor era iniciante na arte de ser um marido tal como ela em ser uma esposa. Precisavam de prática.

Saiu da cama e começou suas abluções. Havia outras coisas das quais não tinha certeza. A despeito da noite de gloriosa paixão que haviam partilhado, Gillyanne não sabia se mudara qualquer das estranhas ideias de Connor com respeito ao tratamento das esposas. Na verdade, tudo que provara a ele fora que uma dama bem-nascida poderia enfrentar o que ele chamava de paixão crua. Isso não era exatamente um largo passo adiante.

De súbito, recordou que Tio Neil fora o idiota que enchera a cabeça de Connor com todas aquelas noções absurdas sobre mulheres. Apressou o passo. Não era prudente deixar o marido sozinho com aquele homem em particular por muito tempo.

— Tio Neil — disse Connor, ao entrar no salão. — Bem-vindo. Ao se sentar, com Meg de cara feia a lhe servir uma caneca de leite de cabra, Connor estudou o tio. O homem grisalho enchia a própria caneca de cerveja, não obstante a hora matutina. Neil parecia que sofrera uma noite ruim.

— Então você se casou, rapaz — disse Neil, parecendo pouco satisfeito com a notícia. — Por quê?

— Diarmot não lhe contou?

—Apenas disse que você estava lá em cima com a moça quando perguntei onde você e sua esposa estavam.

— Como soube que eu tinha uma esposa?

— Quase todo mundo daqui até Edimburgo sabe disso, rapaz. Três cavaleiros sagrados e lordes a se fazerem de tolos tentando agarrar uma moça é o tipo de história que se espalha depressa.

Connor ficou a imaginar porque se sentia tão aborrecido com aquela resposta. Então, deu de ombros. Na verdade as notícias corriam.

— Ganhei o jogo, peguei o prêmio e agora Ald-dabhach está sob meu domínio — retrucou, com algum orgulho.

— Embora a moça tenha escolhido você.

— Escolheu, porém apenas depois que cada um de nós tentou e fracassou em tomar Ald-dabhach e demonstramos que estávamos preparados para tentar outra vez, com mais força e, talvez, com menos cuidado para com a terra e seu povo. Ela é uma mocinha inteligente, porém boa de coração. Não quis derramamento de sangue. Assim que seus estratagemas falharam, ela resolveu encerrar o jogo.

— Não foi estratagema — protestou Gillyanne, ao entrar no salão a tempo de ouvir as palavras de Connor. — Foi estratégia.

Neil olhou para Gillyanne e fechou a cara.

— Por Deus, moça, não poderia ter esperado até crescer mais um pouco?

Conforme Gillyanne rumava para sentar-se ao lado de Connor, ela resolveu que não seria prudente parar ao lado do tio do marido e dar-lhe um coque na cabeça.

— Já cresci.

— Puxa, não fez um bom trabalho. E pela aparência dos trapos que usa, é pobre também.

— Ela trouxe Ald-dabhach como dote de casamento, tio — disse Connor, ocultando a raiva que sentiu diante das palavras pouco gentis do tio. — Não é preciso mais nada. E seu primo logo trará todas as coisas dela. Não houve tempo para recolhê-las, pois julguei melhor tê-la em segurança aqui.

— Acha que os outros tentarão tomá-la de você?

— Creio que podem tentar, sim.

— Então a luta irá recomeçar.

Aquilo alarmou Gillyanne e ela tentou se concentrar no leite e no pão que um rapazinho colocara diante dela. Ela se rendera e concordara com o casamento para impedir derramamento de sangue. Era horrível pensar que, ao salvar o povo de Ald-dabhach, pudesse ter dado início a uma nova rixa entre os clãs.

— Não — disse Connor, com firmeza. — Não haverá a ressurreição de antigas rixas e ódios. Robert e David não querem mais isso, tanto como eu. Nós três passamos nossa juventude limpando a confusão que nossos pais deixaram para trás. Estamos cansados disso.

Meg chegou e colocou um prato de pão diante de Connor. A mulher esfregou-se contra ele e lhe lançou um olhar tão voluptuoso que Gillyanne sentiu vontade de cravar a faca de comer no traseiro volumoso da mulher. Connor afastou-se de Meg e fez um gesto para que saísse.

— Não deveria ser tão frio com sua amante, Connor -— avisou Neil. — Mulheres têm maneiras de fazer um homem pagar.

— Meg não é mais minha amante.

— Ah, arranjou uma nova? Quem? Jenny? Uma bela moça, cheia de corpo, aquela uma.

— Sou um homem casado agora, tio.

Connor ainda não tinha certeza se concordava ou mesmo acreditava numa porção de coisas que Gillyanne lhe dissera na noite passada, a não ser numa delas. Era errado ofendê-la diante da família. Realmente isso lhe roubaria todo o respeito, fazendo com que fosse difícil, se não impossível para ela assumir seu lugar como senhora de Deilcladach. Isso não poderia acontecer. E se Gillyanne continuasse a aceitar e retribuir sua paixão como fizera naquela noite, ele realmente não via necessidade de ter uma amante. Era um homem de libido ativa, porém nunca ansiava por um sortimento contínuo e mutante de mulheres. Tudo que queria era que a moça fosse acolhedora e desejosa, e Gillyanne mostrava ser a promessa de ambas as coisas. Olhou para a esposa e não ficou surpreso ao vê-la encarar de cara feia seu tio, embora tentasse disfarçar. Ele fora grosseiro.

— O que tem um homem casado a ver com tomar uma amante? — perguntou Neil, enchendo sua caneca de cerveja outra vez.

— Se Connor trotar atrás de outras éguas agora, isso é adultério e eu creio que seja um pecado — murmurou Gillyanne.

— Um homem precisa de vez em quando de uma moça aco­lhedora e desejosa. — Quando Gillyanne bufou diante daquela opinião, ele perguntou: — Quem é você, moça?

— Gillyanne Murray de Dublin, filha de sir Eric Murray e Lady Bethia.

— sir Eric Murray? — Neil encarou-a por um instante e então voltou os olhos para Connor, alarmado. — Ele é um homem do rei!

Se só o nome do homem deixava seu tio tão desconfortável, Connor começou a pensar que as advertências de Gillyanne acerca do pai poderiam não ser ameaças vãs. Claro, era absolutamente inaceitável para uma esposa ameaçar o marido, porém seria prudente fazê-la falar um pouco mais sobre o pai.

— O próprio rei sugeriu que se um de nós desposasse a moça seria a melhor maneira de impedir confusões.

— Ah, bom, isso pode ajudá-lo. Suspeito que dirão tudo isso a sir Eric quando ele vier aqui à procura de sua menina.

Gillyanne espalhou uma grossa camada de mel sobre uma fatia de pão e comeu-a lentamente, enquanto estudava o tio de Connor. Se a maneira com que engolia cerveja àquela hora da manhã era alguma indicação, o sujeito era um bêbado. A conversa anterior revelara uma sutil porém profunda desconfiança quanto às mulheres. Havia algo a respeito daquele homem que a deixava incomodada. Senti-a no homem uma profunda culpa e raiva que ele não conseguia engolir com toda a bebida que entornasse pela garganta. sir Neil MacEnroy era um homem com segredos. Negros e feios segredos que ele ficava aterrorizado que alguém pudesse desvendar.

Resolveu observar o homem de perto para ver se realmente ele era o perigo que ela pressentia.

Sua atenção concentrou-se quando Neil começou a contar uma fofoca da corte, a qual, suspeitava, ele citava de propósito. Não a surpreendeu ouvir o nome de seu primo Payton seguido por uma longa citação dos casos amorosos em que se envolvera. Então, quando Neil se pôs a falar de seu pai e depois de contar dois pequenos incidentes que indicavam que ele trilhava o mesmo cami­nho leviano de Payton, a raiva obrigou Gillyanne a levantar-se.

— Insulta meu pai, senhor — ela exclamou.

— Insultar? — Neil pareceu atónito. — Eu apenas contei ao rapaz que belo homem cheio de luxúria seu pai é.

— Ele é um homem excelente e julgo que seja cheio de vida, mas essa fofoca que o coloca nas camas de outras mulheres nada mais é que uma mentira. Meu pai não é adúltero.

— Ora, moça, você, sendo filha, não quer ver a verdade.

— Conheço bem a verdade — ela o interrompeu. — Meu pai jamais trairia minha mãe. — Ela cerrou os punhos e teve vontade de esmurrar aquele homem que revirava os olhos. — Ele a ama. Se isso não pesa para o senhor, então atente bem para o que ele próprio diz. Ele admite ter sido muito parecido com meu primo Payton na juventude, mas não agora. Como ele mesmo diz, pronunciou os votos diante de Deus e não iria se arriscar a pecar andando com alguma vagabunda. Papai também diz que, se não por nada mais, mamãe é a mulher que arriscou a própria vida para lhe dar filhos, que cuida de seu lar e de seu conforto, e que estará ao lado dele quando for velho, curvado e acabado. Por tudo isso, ele deve pelo menos lhe ser fiel. Eu não ouvirei nenhuma outra inverdade a respeito dele.

Gillyanne não esperou para ter licença e saiu do salão. Pretendia ventilar a própria raiva fazendo uma limpeza no quarto de Connor.

— A moça com quem se casou não entende o mundo — disse Neil.

— Talvez não — concordou Connor —, mas creio que conhece a família muito bem.

— Está tomando o lado dela?

— Não vejo um lado nisso, tio. Ela não disse nada quando você contou as aventuras picantes do primo. Foram as histórias sobre o pai dela que a deixaram zangada.

— Não foi nada mais que a verdade. Crianças tolas não querem pensar que seu pai se comporta como os demais homens.

Connor não queria discutir com o tio, ainda que sentisse um forte impulso de defender a raiva de Gillyanne.

— Bem, seja ou não verdade, foi um pouco indelicado repetir tais histórias. Ambos sabemos quantas fofocas se ouvem, principalmente aquelas sobre a corte, não é?

Neil estudou Connor por um instante e então disse:

— Você não acredita que as histórias sobre o pai dela sejam verdadeiras.

— Não é meu papel acreditar ou não. Entretanto, a moça crê em tudo que disse e com tanta convicção que deve haver algo ali. Portanto, sinto-me inclinado a pensar que sejam mentiras, talvez com a intenção de atingir um homem tão íntimo do rei que causa inveja. Mesmo que fosse verdade, ainda assim não é o tipo de história para ser repetida diante da própria filha do envolvido.

— Connor tem razão quanto a isso, eu creio, tio Neil — disse Diarmot, que estava ao lado. — Lady Gillyanne é muito orgulhosa de seu pai. Pode-se perceber isso quando diz o nome dele. Para ser justo, ninguém gosta que falem mal do pai. É um belo homem, ele?

—As moças dizem que sim—resmungou Neil.—Ele e aquele primo dela. Ambos fazem as mulheres quase brigarem para levá-los para a cama. Principalmente o primo. Falam dele como se fosse tudo de belo e bom num homem—Neil bufou de desgosto e bebeu um gole de cerveja.

Enquanto seus irmãos procuravam saber mais, Connor recostou-se na cadeira e tentou classificar seus sentimentos. Discutira com o tio sobre algo concernente à sua esposa, ainda que ligeiramente. Poderia ser exatamente o que um marido deveria fazer, ainda que implicasse num toque de ternura da parte dele. E teria de se guardar desse tipo de coisa, pensou, ao ver Fiona se esgueirar para fora, já que a pequena Gillyanne aparentemente tinha uma grande habilidade para atrair aliados.

— O que está fazendo?

Gillyanne desviou a atenção da lareira que esfregava, surpresa ao ver Fiona entrar. Desde a primeira vez que vira a irmã de Connor, percebera o lampejo de curiosidade nos adoráveis olhos cor de violeta daquela menina-moça. Era difícil sentir o que a jovem tinha dentro de si. Aquela proteção aos sentimentos era evidentemente um traço dos MacEnroys.

—- Estou limpando o quarto do lorde — retrucou Gillyanne e olhou para Joan que enrolava o tapete do lado da cama de Connor. — Não, Joan, tire as cortinas, as tapeçarias e as roupas de cama primeiro. Oh, e veja que uma das mulheres suba com mais água e alguma coisa para esfregarmos este chão.

— Isso é trabalho de Meg — disse Fiona e arqueou uma sobrancelha numa perfeita imitação de Connor. — Meg faz o que quer, é verdade, porém realmente seu lugar é na limpeza.

— Está claro que ela não tem intenção de assumir o trabalho. Não como dormia nesta cama... Gillyanne olhou para a cama de Connor, pensou nele enrodilhado com outra mulher debaixo das cobertas, e desejou pôr fogo na cama.

— Meg nunca esteve nesta cama. Nenhuma das mulheres de Connor esteve. Não que ele tenha muitas. Fiquei surpresa em saber já que você se deitou nela, porém você é esposa dele e muito limpa. Ele quer que os lençóis sejam trocados toda semana. — Fiona franziu a testa. — Nem sei quando os meus foram trocados.

— Cuidarei de seu quarto em seguida, então. Venha, ajude-me a colocar os colchões na janela, para tomar ar — disse à garota, assim que Joan saiu. — Depois, quando os colocarmos de novo na cama, espalharemos ervas entre cada camada.

—Acho que Connor é tão exigente com respeito à cama porque passou muitos anos em choupanas úmidas enquanto reconstruíamos a fortaleza.

Joan voltou para retirar os tapetes para serem batidos. Trouxe junto a prima Mairi armada de vassoura, um balde e um esfregão. Gillyanne pensou por um instante se Connor perceberia a limpeza em regra em seu quarto e então, suspirou, involuntariamente. Ele poderia notar, porém ela duvidava que dissesse alguma coisa. Continuou a esfregar a lareira e disse a si mesma que não precisava de aprovação ou elogios do marido. A satisfação de um trabalho bem feito era uma recompensa por si só.

— Há algo que eu possa fazer? Sou uma mulher agora e tenho de encarar a dura verdade. Não posso ser um guerreiro, nem ser como meus irmãos. Minha sina é desposar um homem e dar-lhe filhos. É bom que eu saiba como lutar ao lado de meu homem, porém ele há de esperar que eu saiba como cuidar de sua lareira. — Fiona começou a lavar as paredes.

— Não lhe ensinaram nenhuma das prendas femininas?

— O que poderiam Connor, meus outros irmãos e meu tio saber de prendas femininas? Não me entenda mal. Não reclamo da maneira com que fui criada. Connor fez o melhor que pôde, como um rapazinho que era, com uma menina para cuidar e tanto a ser reconstruído. É por ele também que eu agora quero aprender como ser uma dama. Não o envergonharei, nem a mim ou a meu marido com minha ignorância.

— Embora muitos de meus parentes pudessem morrer de rir comigo a ensinar uma jovem os modos de uma dama, eu farei o meu melhor para ajudá-la.

Trabalharam em silêncio por algum tempo, porém no instante em que Mairi saiu, Fiona murmurou:

— Acho que terei de aprender a usar um vestido. Gillyanne riu.

— Sim, receio que terá. Quando meu primo James me trouxer minhas roupas, posso lhe dar um dos meus. — Mediu Fiona com os olhos. — Irá precisar apenas de alguns ajustes. — Hesitou, por um momento. — Ouvi algumas histórias do que aconteceu aqui, toda a luta e as mortes, mas você poderia me contar tudo enquanto trabalhamos?

Fiona respirou fundo e começou a longa e sombria história de anos de batalha, destruição e morte. Quando Mairi voltou para polir o assoalho, adicionou um ou dois relatos tristes. Conforme todo aquele horror lhe era contado, Gillyanne começou a com­preender quais forças tinham feito de Connor o homem que era hoje em dia.

Mal chegado aos quinze anos, Connor presenciara o brutal assassinato de muitos de seu clã, inclusive de seus pais. As terras tinham sido devastadas, deixando pouco alimento ou abrigo para os remanescentes dispersos do clã do qual fora alçado à condição de lorde. Depois, seguiram-se anos de penúria conforme ele conduzia a reconstrução e proteção dos irmãos e do povo. Era algo do que se orgulhar, mas Gillyanne teve de concordar quando Fiona disse que sentia que Connor ainda sofria de alguma culpa por não ter lutado e morrido ao lado do pai.

Aquilo explicava muito. O fardo colocado sobre os jovens ombros de Connor teria derrubado muitos outros, porém ele se forçara a fazer o que era necessário. Os sentimentos do marido estavam enterrados dentro dele, firmemente presos por anos de disciplina e luta pela sobrevivência. Não houvera tempo nem espaço para emoções mais suaves e algo mais que ele receasse pudesse ter um toque de fraqueza. Agora, embora tudo estivesse em paz e restaurado, a não ser a vida dos entes amados, que não poderiam ser reconduzidos à vida, Connor ainda se mantinha agarrado à imagem de um homem duro.

E daria um trabalho danado quebrar aquela casca, Gillyanne pensou, com um suspiro. Depois de tantos anos, ela não tinha certeza que sobrara alguma alegria ou suavidade dentro de Connor.

Um homem que fazia amor com uma mulher como Connor fizera com ela tinha de guardar alguns restos de emoções mais doces dentro de si, e no entanto ela também compreendia que poderia não haver nada mais além de luxúria por trás daqueles beijos incandescentes. Ela enfrentaria uma dura batalha se fosse procurar no casamento algo da beleza e da alegria que suas primas haviam encontrado nos delas. O que lhe enregelava o sangue era o receio de não saber como vencer uma tal batalha, nem se tinha as armas certas.

 

Ela não trouxe a água quente para cima outra vez. Gillyanne olhou para a banheira vazia. Depois de cinco noites repletas de paixão e dias em que passava ignorada pelo marido, ela concebera um plano. Infelizmente, limpar o lugar de forma adequada estava demorando mais do que ela previra e Connor não percebera muito do esforço. Assim, ela se vira tentada a pensar em todos os pequenos confortos que uma esposa poderia dar ao marido. Um daqueles fora um belo banho quente pronto para ele ao fim do dia. Tal decisão fora tomada três dias atrás e

não saíra como queria.

Era dever de Meg trazer a água para o quarto do lorde. Gillyanne esperava algum problema, porém jamais aquela flagrante desobediência. O absoluto desrespeito de Meg por qualquer ordem dada pela esposa do lorde estava também enfraquecendo a posição de Gillyanne na fortaleza, mais do que o evidente desdém e o desgosto de tio Neil. Se as mulheres com que Gillyanne lidava não fossem tão compreensivas e Meg não fosse tão profundamente detestada, ela suspeitava que logo seria pouco mais que uma piada para o povo de Deilcladach.

— Por que quer um banho quente toda noite? — perguntou Fiona.

— Estou cansada de ser quase absolutamente ignorada por meu marido todos os dias — retrucou Gillyanne.

— E acha que um banho mudaria isso?

— É um daqueles pequenos confortos que uma esposa pode dar a seu marido. Pensei que se enchesse a vida dele com pouco de mimos, ele logo me notaria fora da cama. E se ele se banhasse e comesse aqui, terá de passar um tempo comigo, tempo que pode incluir um pouco de conversa para que possamos saber mais um sobre o outro. Ele poderia se acostumar a isso.

— Sim, ou ele pode levá-la para a cama antes de jantar. Gillyanne suspirou e concordou.

— Existe essa possibilidade, porém poderia ficar acostumado a se banhar no conforto do próprio quarto e, talvez, ser ajudado no banho por uma mulher.

— Ele já é ajudado por uma mulher — Fiona fungou e levou a mão à boca.

— Deixe-me adivinhar. — Gillyanne levantou-se, punhos cerrados. — Meg.

— E Jenny e Peg — disse Fiona, observando Gillyanne com cautela.

— As três vagabundas de Deilcladach. Não é de se admirar que Meg não me traga a água. Ela tem a perfeita oportunidade para seduzir Connor ao final de cada maldito dia. Bem, não mais — esbravejou e rumou para fora do quarto.

— Não acho que você deveria ir até a casa de banho — Fiona avisou ao se apressar a ir atrás de Gillyanne. — Há homens nus lá.

— Já vi um homem nu antes.

Fiona maldisse a própria língua comprida ao seguir Gillyanne. Soltou um grito de surpresa quando, ao passar pela cozinha, Joan agarrou-a pelo braço.

— Você contou a ela, não contou? — Joan parecia mais resignada que aborrecida.

— Eu não pretendia. Saiu de minha boca — retrucou Fiona.

— Ela parece furiosa.

— Sim, e é por isso que tenho de ir com ela.

—Puxa, para proteger aquela sem-vergonha da Meg? Para quê?

— Dependendo do que ela encontre, pode não ser apenas Meg que ela enfrente. E para uma mulher tão pequena, poderia ficar machucada.

Joan sorriu ao soltar Fiona.

— Ah, se acontecer uma briga entre aquelas duas, acho que eu apostaria em nossa senhora. Sim, realmente eu apostaria.

Fiona afastou-se, um pouco preocupada de como seu irmão poderia reagir ao ser confrontado por uma esposa zangada diante dos outros homens. Ao ver que Gillyanne estava quase à porta da casa de banho, correu para alcançá-la. Seu coração lhe dizia que aquele casamento seria bom para Connor e estava com medo de que o irmão falhasse com o compromisso de alguma forma, talvez a ponto de afastar Gillyanne dali.

Gillyanne praguejou baixinho ao se aproximar da casa de banho e ouvir as risadas de homens e mulheres. Não acreditava que Connor estivesse se deitando com Meg de novo, porém sua incapacidade de captar o que ele sentia ou pensava roubava-lhe a confiança nas próprias opiniões. Se estivesse fazendo o papel de boba, queria saber.

A visão que teve ao entrar na casa de banho fez Gillyanne estacar e fechar os punhos com tanta força que suas unhas se enterraram nas palmas. Estava apenas vagamente consciente dos outros homens. Toda a atenção de Gillyanne estava fixada no alto e belo marido. Ele não estava nu. Usava as ceroulas de linho. Diante dele estava uma sorridente Meg, as mãos a soltarem os laços da cueca. Gillyanne tentou decidir qual dos dois ela deveria matar primeiro.

Connor estava prestes a soltar as ceroulas quando Encaroçado começara a contar uma história divertida sobre o ferreiro e sua esposa. Ele prestara pouca atenção a Meg quando se esgueirara para perto dele e lhe empurrara as mãos, assumindo a tarefa. Então Encaroçado ficara de repente mudo, os olhos tão arregalados que Connor julgou que fossem pular das órbitas. Antes que pudesse perguntar o que havia acontecido, todos os outros saltaram para dentro das banheiras, mesmo aqueles ainda de calças ou cuecas. Uns poucos agarraram roupas molhadas e se cobriram com elas, parecendo donzelas envergonhadas. Os pêlos na nuca de Connor se eriçaram quando lentamente ele se voltou para a direção em que todos olhavam.

No instante que viu Gillyanne postada ali, os olhos verdes fais-cando de fúria e com uma Fiona preocupada a seu lado, Connor tornou-se dolorosamente consciente dos dedos de Meg a lhe roçarem a pele quando ela terminava de lhe soltar os laços da ceroula. Enxotou Meg para longe e fechou a abertura da cueca. E ficou atónito que tivesse de morder os lábios para conter uma enxurrada de desculpas e explicações. Não fizera nada errado, pensou, ainda que se sentisse como se tivesse falhado de algum modo.

— Não deveria estar aqui — exclamou, amarrando a ceroulas. — Há homens nus aqui.

— Já vi homens nus antes — ela esbravejou.

— Bem, não era casada então. Este não é lugar para mulheres.

— Há mulheres aqui, ora.

— Bem, elas já viram todos nós...

— E experimentaram também, eu suponho.

As faces de Connor queimaram num rubor. Sentia-se constrangido e um pouco envergonhado embora não compreendesse por­quê. Afinal, ele nem mesmo conhecia Gillyanne quando desfrutava dos favores de Meg, Jenny e Peg. Quando percebeu que a fitavam com olhares insolentes, encarou-as com tanta fúria que até mesmo Meg se afastou.

— Agora eu entendo porque você não me levou a água quente que pedi — disse Gillyanne, olhando para Meg que se encolhia atrás de um homem gordo enrolado numa toalha.

— Ela não levou a água para seu banho? -— Connor esperava não estar sendo arrastado para meio de alguma disputa feminina, porém não poderia ficar ali e permitir que Meg desrespeitasse sua esposa.

— Na verdade, era seu banho que eu tentava preparar. Julguei que poderia ter seu banho no conforto de seu próprio quarto, assistido por sua esposa. Isso é uma entre muitas outras coisas que esposas podem fazer por seus maridos.

— É? — Connor julgou que apreciaria isso.

—Sim, mas é evidente que você gosta dessa reunião de homens. — Gillyanne percebeu que Meg acariciava o homem de quem se aproximara, a mão metida entre as dobras da toalha, e ele começava a reagir com claro interesse. — Meg, acha que pode refrear seus modos desavergonhados enquanto Fiona estiver aqui? Ela sabe que você é uma vagabunda, mas é muito jovem ainda para ver como você se comporta. — Então, reconheceu o homem. — E você é Malcolm, o marido de Joan. Devia envergonhar-se de si mesmo.

— Um homem tem suas necessidades — protestou Malcolm, embora tentasse se afastar de Meg.

— Oh? Compreendo. Joan o recusa na cama—disse Gillyanne, sabendo perfeitamente bem que a mulher não fazia isso. — Se ela lhe nega os direitos de marido, então eu suponho que merece a profunda e dolorosa humilhação de que se deite com Meg e que todos saibam disso.

— Todos? — resmungou Malcolm.

Gillyanne ignorou-o, a imaginar como o homem poderia ser tão estúpido para pensar que apenas uns poucos soubessem de sua infidelidade.

—E é provável que seja uma punição justa que Joan não apenas faça o seu próprio trabalho mas aquele deixado sem fazer pela mulher com que você a trai. Sim, cada vez que ela faz as tarefas de Meg porque Meg está ocupada com você, Joan deveria ser castigada por falhar como esposa. Uma justiça rígida, porém necessária, eu suponho.

Malcolm parecia doente de vergonha e Gillyanne ficou encantada. Olhou para Connor que franzia a testa para Malcolm.

— Bem, já que é aqui que prefere se banhar, eu deixarei que desfrute de seu banho — disse, feliz com a doçura da própria voz.

Connor tinha de admitir que se banhar com a esposa o atraía mais que partilhar uma enorme tina de madeira com outros homens nus enquanto três prostitutas lhes esfregavam as costas e ocasionalmente se divertia com um dos homens.

Gillyanne voltou-se para sair e então olhou para trás, para Connor, sua expressão de tristeza, com um toque de arrependimento.

— Sendo uma dama sensível e bem nascida, receio que acharei muito difícil tocar aquelas suas partes tocadas por outra mulher. Vai custar muito até eu poder banir essa imagem sórdida e dolorosa de minha pobre mente atormentada. — Esboçou um sorriso triste, agarrou Fiona pela mão e afastou-se.

— Você tem jeito com as palavras — disse Fiona, olhando para Gillyanne com admiração.

— Minha mãe diz que é um presente de meu pai. — Gillyanne suspirou ao se aproximarem do castelo. — Não conte a Joan sobre Malcolm.

— Ele parecia prestes a vomitar.

— Sim, porém a culpa e a vergonha de um homem podem ser coisas efémeras. Não creio que o idiota não julgasse que a esposa sabia de tudo. Será que os homens acham que as mulheres não conversam entre si?

Fiona sorriu.

— Os homens não percebem, mas aquelas três mulheres realmente julgam que abrir as coxas para os homens de Deilcladach as torna importantes. Creio que perceberam que Connor não ficou feliz em saber como negligenciam o trabalho. — Olhou para Gillyanne. — Acha que Connor irá tomar banho no quarto agora?

— Não sei, mas eu pretendo tomar um.

— Então, a senhora não apanhou — disse Joan, quando Gillyanne entrou na cozinha —, e já que não está coberta de sangue, suponho que não bateu em ninguém também.

—- Não, embora a tentação fosse grande — retrucou Gillyanne.

— Pensei que a tentação fosse ver aqueles MacEnroys nus — disse Mairi, e suspirou.

Gillyanne riu.

— Sinto muito mas não prestei muita atenção e todos correram para se cobrir.

— Enchemos a tina no quarto — disse Joan. — Mesmo que o lorde não se junte a senhora, pensei que poderia querer um banho.

— Obrigada, Joan, eu quero.

— Acho que minha esposa me ameaçou — murmurou Connor, ao ver Gillyanne desaparecer dentro do castelo.

—Ah, sim—concordou Encaroçado, ao acenar para que Jenny se afastasse. — Se ficar aqui para ser banhado por essas moças terá uma cama fria para deitar esta noite e quem sabe outras mais depois. Ficou bem claro.

— Uma esposa não deveria ameaçar o marido.

— Lorde, sua esposa o encontrou aqui com as mãos de sua amante nas ceroulas e duas outras moças com quem já se deitou ao lado. Ora, não sei muito sobre mulheres. Contudo, creio que posso entender por que sua esposa ficou zangada ao surpreendê-lo aqui, com três mulheres com quem já andou, e com ela mesma preparada para lhe proporcionar um belo banho diante do fogo. Acho que tem sorte de a ameaça ser deixar sua cama fria.

Connor franziu a testa, surpreso quando vários homens resmungaram, concordando.

—Então, todos pensam que eu deveria ceder diante dessa chantagem?

— Bem, você poderia ir, tomar seu banho e repreendê-la com firmeza por falar com o marido com tanto desrespeito.

Um sorriso lento curvou os lábios de Connor quando seus homens riram. Ele, evidentemente, tinha a aprovação de todos para seguir Gillyanne e não perderia autoridade ao fazer isso. Ao apanhar suas roupas, Meg adiantou-se e acariciou-lhe o traseiro. Connor empurrou-a.

— Se aquela mulherzinha é tola o bastante para se afastar de você, você sabe onde procurar calor — disse Meg, insultada.

— Sou um homem casado. Por enquanto, pretendo cumprir os juramentos que fiz. Minha esposa não me deu nenhuma razão para fazer o contrário. — Connor olhou para Malcolm, que continuava encostado à parede.—Na verdade, creio que é hora de estabelecer outra regra. Não posso e não tentarei controlar a moral de meu clã. Contanto que as normas que violem não sejam minhas e não afeiem a segurança ou prosperidade de Deilcladach, então isso é com a consciência e a alma de cada um. Entretanto, parece que alguns entre meu povo estão sendo magoados e isso eu não posso permitir. Portanto, dentro destas muralhas, vocês, mulheres, não se deitarão com homens casados. Não aqui em Deilcladach. Se tiverem relações com um homem casado, façam isso em outro lugar e pelo menos tentem manter a discrição.

Connor não ouviu objeções dos homens, viu na verdade vários gestos de aprovação e concordância.

— E, mais uma coisa. Vocês, mulheres, podem considerar isso como um aviso. Abrir as pernas para os homens não é considerado como seu trabalho. Parece que se julgam mais importantes do que realmente são. Vocês farão a parte do trabalho que lhes cabe. Eu não permitiria que os homens se afastassem do dever ou do trabalho por prazer. E certamente não permitirei que as mulheres o façam. Todas têm tarefas a cumprir e as cumprirão ou deixarão Deilcladach. — Fixou um olhar duro sobre Meg, que parecia furiosa. -— E você cumprirá as ordens de Lady Gillyanne. Ela é minha esposa, a senhora de Deilcladach, e portanto pode exigir seu respeito e obediência.

Ele não ficou surpreso quando Meg simplesmente se afastou, obviamente furiosa demais para discutir ou mesmo retrucar.

— É melhor ficar de olho nela — avisou Encaroçado, ao sair do banho, pegar a toalha com que Jenny tentava enxugá-lo e começar a se secar sozinho. — Senhor, Meg vai lhe causar problemas. Já causa, de certa forma. Ela se deitou com seu tio, com o lorde e com seus irmãos. Durante os últimos anos, ficou cada vez mais arrogante. Está claro que tem tratado sua esposa, a senhora de Deilcladach, com absoluto desrespeito.

— Isso prova que ela se julga bem mais importante do que é, mas como a tornaria um possível perigo?

— Não sei. — Encaroçado sorriu e esfregou o queixo. — Tudo que sei é que ela tem se comportado como se fosse a senhora deste castelo, mandando nas outras mulheres que não reclamam porque ela estava partilhando de sua cama ou a de um de seus parentes. Quando o senhor se casou e decidiu tentar manter seus votos, tirou algum poder de Meg. Hoje, tomou quase tudo que restava. Assim que as mulheres souberem o que o senhor disse aqui, não irão se curvar às ordens ou exigências de Meg, nem fazer caladas o trabalho que é dela. Elas a tratarão como aquilo que realmente ela é —: nada mais que uma moça de classe inferior que não pode manter as pernas fechadas. Meg ficará furiosa com isso.

— Você nunca se deitou com ela, não é? — disse Diarmot, olhando para Encaroçado com alguma surpresa.

— Não. Minha mãe e minha irmã falam com freqüência da vagabunda. Sei o quanto ela trata mal as outras mulheres. — Encaroçado deu de ombros. — Isso seria como dar um tapa na face de minhas parentes. Sim, fraquejo de vez em quanto, e tive um caso com Jenny, mas gostaria que não tivesse acontecido. Ela e Peg seguem Meg. E, bem, para dizer a verdade, não posso esquecer que estou colocando meu precioso num vaso muito usado.

Diarmot deu uma gargalhada.

— Creio que eu tentarei não me esquecer disso. Maldito seja por colocar tal imagem em minha cabeça.

— Eu ficarei de sobreaviso — disse Connor. — Se ela causar problemas, eu a mandarei embora. Ela pode se prostituir na vila ou mesmo numa choupana no bosque. Agora, já que desisti de meu banho aqui, é melhor correr para meu quarto ou perderei a chance de tomar um lá.

Diarmot cruzou os braços no peito e ficou a observar o irmão que se afastava.

— O que acha, Encaroçado?

— Não, refiro-me à esposa de meu irmão.

— Acho que é uma boa moça. A pequena Fiona gosta dela.

— Quando a moça está por perto, posso ver um lampejo de vida em Connor, mesmo o luzir de uma risada de vez em quando. Ela é espirituosa, de opinião e muito inteligente. E o desafia. Meu tio não gosta dela.

— Não, não poderia gostar. Connor a escuta. Sir Neil não é mais o único que ele ouve.

— E isso também é uma boa coisa. Nunca senti a confiança que Connor tem naquele homem. Sempre me pareceu que ele poderia ter nos ajudado mais do que ajudou. Fez muito pouco além de vir de vez em quanto e então encher nossas cabeças com suas opiniões. Seria bom se Gillyanne pudesse fazer Connor enxergar nosso tio com mais clareza, porém é mais importante para ele aprender como viver de verdade outra vez. Acho que essa moça poderia conseguir isso.

— Se ele deixar. Existe sempre a chance de que, se ela começar a alcançar aquelas partes que ele enterrou bem enterrado porque precisava sobreviver, ele possa se afastar dela.

— Então, meu amigo, você e eu teremos de observar para que possamos agir depressa e impedir que isso aconteça.

 

Gillyanne apoiou os braços nas laterais da banheira e fitou os pés que mal chegavam à superfície da água. Tinha de aceitar a verdade. Uma mulher não se sentiria como ela se sentira ao ver Meg a tocar Connor com tamanha intimidade a menos que seu coração estivesse envolvido. Sentira raiva, tanto de Connor como de Meg, porém também mágoa. A imagem ainda persistia em sua mente e lhe apertava as entranhas.

Estava se apaixonando por um homem que lhe dava muito pouco de si mesmo. Connor não estava morto para os sentimentos, porém revelava apenas toques de emoção. Um brilho de divertimento, a sombra de um sorriso, um lampejo de raiva. Era como se a necessidade de ser forte, de proteger a família e o clã tivesse esmagado todas as outras emoções, surrado os outros sentimentos até a submissão e ainda os mantivesse cativos. Gillyanne sabia que poderia não sobreviver com apenas sombras, brilhos e lampejos de emoção. Ela não esperava que o marido se tornasse um tolo de palavras doces e coração mole, porém precisava de mais do que apenas paixão. Envolvera o coração agora e precisava ter uma pequena parcela que fosse do dele.

De repente, bufou de desgosto consigo mesma. Não queria uma pequena parte do coração de Connor, queria-o inteiro. Parecia justo já que dera tudo a ele. Naquele instante, contudo, ficaria contente com qualquer pequeno sinal de que o estava alcançando, provocando uma rachadura naquela armadura que lhe enclausurava as emoções. Só uma pequena fenda, uma pela qual pudesse espiar e se esgueirar para dentro até que, um dia, Connor acordasse e percebesse que ela estava lá, no fundo do coração. E descobrisse que desejava que ela ficasse ali. Isso tomaria tempo, no entanto.

O som da porta do quarto que se abria abruptamente arrancou Gillyanne de seus devaneios. Praguejou baixinho, de surpresa, cruzou os braços sobre os seios e encolheu as pernas para esconder a nudez. Seu embaraço aliviou-se apenas um pouco quando Connor entrou no quarto. O olhar que ele lhe deu ao fechar a porta a fez mais consciente da própria nudez.

— Ah, ótimo, não perdi a chance de tomar um banho — disse ele, ao começar a se despir.

— Ainda não tomou?

—Não. — Ele jogou de lado a última peça e entrou na banheira, quase sorrindo, pois Gillyanne parecia adorável toda encolhida numa tentativa de guardar alguma modéstia. — Resolvi que precisava vir e repreender minha esposa.

— Repreender?

— Sim. Uma esposa não deveria ameaçar o marido.

— Eu não o ameacei.

— Não? Soou como uma ameaça para mim.

Ela não ficou surpresa quando Connor tirou o braço de Gillyanne dos seios e colocou um esfregão em sua mão.

— A não ser naquele pedacinho — ele apontou para um ponto logo abaixo do umbigo, — continuo intocado.

Mesmo que uma voz suave em sua cabeça lhe dissesse que era um erro, Gillyanne olhou para o lugar que ele apontava. No entanto, não foi naquele pedaço de pele que seus olhos se fixaram, mas na prova ereta e dura de que Connor estava interessado em bem mais que um banho. Ela julgou estranho que um pingente que sempre julgara ligeiramente engraçado pudesse agora fazer seu sangue ferver e o pulso disparar. E fazê-la sentir-se impelida a tocá-lo, pensou, ao estender a mão.

Connor gemeu de prazer quando os longos dedos de Gillyanne se curvaram sobre ele. A carícia o deixou em chamas e a crescente ousadia da esposa o agradou. Por um instante ele fechou os olhos e saboreou o toque, ainda hesitante. E não demorou muito para que percebesse que, a menos que pusesse um fim na brincadeira, não tomaria banho. Com relutância, afastou-lhe a mão.

Foi incapaz de reprimir um sorriso ao apontar o esfregão que ela ainda segurava.

— Banho primeiro, depois a diversão. A brincadeira estava me fazendo esquecer disso. — O bom humor que sentia era compreensível, pois que homem não ficaria alegre com um tal olhar caloroso nos olhos da esposa?

Gillyanne libertou-se de um pouco do desejo e começou a banhar o marido. Não era apenas a visão daquele belo corpo que lhe desordenava os pensamentos, porém o jeito como ele agia. Dera uma risada e esboçara um sorriso. Disse a si mesma que não dei­xaria que as esperanças alçassem vôo, que não veria aquele inusitado bom humor com outros olhos. Poderia ser uma resposta natural e masculina ao fato de ser banhado por uma mulher nua no conforto do quarto e por saber que, assim que o banho acabasse, poderia se deitar com ela. E devia estar envaidecido diante de sua incapacidade em esconder quanto prazer ela extraía ao vê-lo.

— Marido — ela gaguejou quando ele empalmou-lhe os seios, a provocar os mamilos com os polegares —, você disse que precisava de um banho.

— Eu estava lavando você. — Ele ainda julgava incrível que pudesse se sentir excitado por aquilo que muitos homens haveriam de considerar uma triste ausência de seios.

— Já me banhei.

Resolvendo que seria mais fácil lavar as costas e os cabelos do marido do lado de fora da banheira, Gillyanne livrou-se das mãos dele, levantou-se e enrolou uma toalha em torno de si.

— Você se esqueceu de algumas partes — disse ele e estendeu o braço para puxá-la.

Ela se esquivou, postou-se atrás dele e começou a lhe lavar os cabelos.

Percebendo que lhe acariciava a cabeça, um gesto por demais revelador, Gillyanne enxaguou os cabelos do marido e começou a lhe lavar as costas.

Connor saiu da banheira e começou a se enxugar. Então viu o jeito que Gillyanne olhava para seu corpo quando ele enrolou a toalha em torno de si.

— Uma esposa não deveria enxugar o marido depois de dei­xá-lo todo molhado com o banho? — ele perguntou, estendendo-lhe a toalha.

Gillyanne pegou-a e começou a secá-lo. Começara a sentir-se mais ousada, recusando-se a permitir que o medo a impedisse de tentar alguma coisa. Assim já descobrira umas poucas partes em que Connor adorava ser acariciado. Outras além daquela óbvia, ela pensou, forçando-se a ignorar o pendente que parecia lhe atrair a atenção. Enquanto o enxugava com gestos caridosos, ela o fitou. Ele tinha os olhos fechados e havia uma sombra de um sorriso naquela bela face.

Quando lhe enxugava as longas pernas, ela se recordou de algo que sua prima Elspeth lhe contara. E Avery concordara com a espantosa revelação de Elspeth. Na ocasião ela julgaria uma coisa estranha de se fazer, porém agora, com o pênis de Connor ao al­cance de um beijo, não parecia estranho afinal. Resolvendo que uma alma frágil não ganharia um lorde ousado, ela soltou a toalha, colocou as mãos naqueles quadris estreitos e beijou a prova evidente do desejo do marido por ela. O corpo todo de Connor se enrijeceu e em seguida, ele estremeceu. Gillyanne julgou que era um sinal de interesse e lambeu-o.

Connor ficou atónito quando sentiu os lábios macios de Gillyanne a lhe tocar o pênis. Olhou para ela e viu que corria a língua úmida e quente lentamente por todo o comprimento do membro.

Arrepiado e trémulo com a ferocidade do prazer que lhe percorreu o corpo, ele enterrou a mão nos cabelos molhados da esposa e lhe empurrou a cabeça para trás. Um lampejo de cautela nublou o olhar de desejo na face dela, e ele sentiu uma leve tristeza.

— O que está fazendo?

—Pensei que fosse evidente—Gillyanne resmungou, intrigava ao ver que o brilho da paixão de certa forma contradiziam as linhas severas da boca do marido e o lampejo de incerteza naqueles olhos.

— Isso é coisa que esposas fazem com maridos? Não é algo próprio de prostitutas? — Das poucas vezes que ouvira falar de tal delícia, uma vagabunda bem paga lhe fizera aquele favor.

— Minha prima Elspeth me contou que seu marido gostava e, curiosa como eu sou, perguntei a Avery se acontecia o mesmo com ela. Ela me disse que sim. Nenhuma é prostituta e seus maridos ficariam ansiosos para tirar a vida de alguém que as chamasse assim. Porém, se quer que eu pare...

— Ah, bem... não. Se for uma coisa que uma esposa pode fazer para um marido, você pode continuar.

Ela o fitou com um olhar divertido quando o marido lhe soltou a cabeça. Connor estremeceu de novo quando Gillyanne o lambeu outra vez. Aquilo parecia mais delicioso do que ele poderia supor­tar, pensou, quando o toque dos lábios e a carícia quente da língua o fizeram cerrar os punhos de volúpia. Quando ela o tomou na quentura da boca, ele lutou para manter o controle a que se acostumara durante os anos, mas foi inútil. Fio a fio, escapou-lhe até que ele gemeu, caiu de joelhos e empurrou Gillyanne de costas. Com mãos trémulas, arrancou-lhe a toalha e caiu sobre ela.

Gillyanne ofegou e em seguida riu baixinho quando foi de repente jogada de costas. Era profundamente excitante amar Connor daquele jeito, sentir aquele corpo grande e forte tremer em suas mãos. Ele se ajeitou sobre ela com tal fervente paixão que dava medo, porém também ela se sentia tomada de igual ferocidade. Quando Connor se enterrou dentro dela, Gillyanne percebeu que ele perdera todo o controle. Também soube que teria uma mancha roxa ou mais na pele delicada, porém não se importava. Com as pernas a enlaçá-lo com firmeza, o último pensamento claro de Gillyanne foi de que um homem que pudesse se entregar de forma tão apaixonada teria de ter outras fortes emoções dentro do peito, e ela pretendia despertá-las todas.

Connor continuou esparramado sobre Gillyanne, metade sobre o tapete, metade sobre ela. Sua face comprimia-se contra o lado do pescoço da esposa enquanto ele lutava para recuperar o senso. Perdera todo o controle. Isso, em si, era alarmante, ainda mais diante do fato de que despejara toda a loucura apaixonada sobre a frágil e delicada esposa. Sob a mão que ele pusera sobre os seios dela ele podia sentir as batidas do coração, perceber que o peito subia e descia com a respiração. Ele não a matara. Com um olhar de relance, não viu sinal de lágrimas, então provavelmente não a magoara. Ela não tentara fugir de modo que ele tinha de presumir que não a deixara apavorada quando caíra sobre ela como um animal louco e lascivo. Gillyanne, contudo, parecia uma boneca quebrada e não se mexia.

— Gillyanne? — ele chamou, baixinho.

— Humm? — Gillyanne ergueu os dedos preguiçosos e correu-os pela coluna de Connor.

Ele não a deixara inconsciente, também, pensou com um sus­piro sufocado de alívio. Agora teria de dar um jeito de se afastar sem que aquela absoluta falta de controle fosse mencionada. For­çando o corpo a se mexer, ele lhe deu um leve tapa nas nádegas e levantou-se. Quase sorriu com o olhar enviesado que ela lhe endereçou antes de apanhar a toalha que jogara de lado e enrolar-se nela.

— É melhor nos apressarmos para descer ao salão ou aqueles idiotas comerão toda a comida — disse ele, ao começar a vestir uma roupa limpa.

Quando Gillyanne ficou de pé, Connor já estava vestido. Ele a puxou para dentro dos braços para um beijo breve e em seguida saiu, dizendo de novo que se apressasse. Gillyanne suspirou e, de­pois de se lavar rapidamente, começou a se vestir. Teria de ensinar ao marido que um pouco de ternura, um beijo e um abraço, depois de uma relação tão apaixonada, poderiam ser muito agradáveis.

Ficou surpresa ao encontrar Connor, Diarmot e Encaroçado todos de pé no patamar da escada quando finalmente ela rumou para o salão.

— Alguma coisa errada? — ela perguntou, ao perceber que os três irmãos a espiavam, atrás de Diarmot.

— Seu primo está aqui — retrucou Connor.

— Oh, que bom — gritou Gillyanne, ao descer correndo os últimos degraus e rumar para as portas que conduziam ao pátio. — Ele deve ter trazido minhas coisas e algumas notícias de casa.

Connor agarrou-a pela mão e puxou-a para o seu lado.

— Ele veio com dois outros homens, bem armados, ao lado.

— Claro que veio. Apenas um tolo viajaria por essas terras sem alguma proteção.

— Ele pode deixar suas coisas nos portões e se afastar.

Gillyanne ficou a imaginar como num momento poderia se sentir desesperada pelo toque daquele homem e, no instante seguinte, querer arrancar-lhe as orelhas.

— Ele aceitou este casamento e veio como um amigo. É provável que queira ficar uns poucos dias para se assegurar que estou sendo bem tratada.

— Você está sendo bem tratada. Ele pode aceitar minha palavra quanto a isso.

— Por quê? Ele não sabe quem é você, nunca ouvira falar de sua pessoa até que você chegasse chutando os portões de minha fortaleza.

— Nanty, você, e Angus e Drew, tragam nosso hóspede não convidado para dentro. — Connor olhou para Gillyanne. — Os dois homens com sir James podem encher suas barrigas e ficar por uma noite, porém partirão ao alvorecer. Seu primo pode ficar aqui por algum tempo, se sentir que precisa. — Puxou-a de volta ao salão. — Esperaremos por ele aqui.

— Mas, James deve ter trazido minhas roupas e eu gostaria de trocar este vestido — ela protestou, ao precisar correr para acertar o passo ao dele.

— Você pode esperar por mais uma noite.

Não demorou muito até que um James sorridente entrasse no salão. Gillyanne correu a lhe dar as boas-vindas e a abraçá-lo. Mas logo o marido a puxou e a fez sentar-se ao lado de Fiona.

Connor olhou para James. Não conseguia pensar em algo que não gostasse ou não confiasse naquele homem, embora se sentisse relutante em tê-lo em Deilcladach. sir James Drummond era um belo demónio e muito íntimo de Gillyanne. Aquilo realmente preocupava Connor e ele franziu a testa. Tinha um toque de ciúme e era algo que também o deixasse incomodado. Tal emoção poderia ser uma fraqueza e ser usada contra ele.

— Muito gentil de sua parte me convidar para ficar — disse James.

— Você pode ver que ela está com saúde e é bem tratada — retrucou Connor —, portanto não precisa fazer disso uma longa visita.

James riu.

— Oh, sim, acho que ficarei aqui por um tempo. Até que tudo esteja acomodado, a moça precisa ter algum parente à mão.

— Está tudo bem agora. Ela é minha esposa. O casamento foi consumado — muitas vezes.

— Porém você não tem a bênção do pai dela.

— Gillyanne tem quase vinte e um anos. Não precisa da aprovação do pai. — Franziu a testa quando James deu de ombros. — Ele virá para cá?

— Ah, sim, tão depressa quanto puder.

— Com um exército?

— A princípio, não. Estive em Dublin e assegurei a mamãe que Gillyanne estava segura. Papai há de querer conversar primeiro.

Connor concordou, ocultando o alívio.

— Como a filha, o homem não há de querer sangue derramado por isso.

— Não pense que será com você ou seu povo que ele se irritará. Ele sabe que, em qualquer batalha, não importa se vencida rapidamente, muitos dos seus serão feridos ou mortos e, portanto, conduz suas batalhas com muita cautela. Papai é um bom homem, um cavalheiro, normalmente de temperamento afável, prezando o bom-senso acima da força, e é muito perspicaz. E embora seja controlado, quando irritado, pode ser violento. E nada pode dei­xá-lo mais furioso que um dano feito à sua família.

— Não machucarei Gillyanne.

— Não fisicamente — murmurou James, estudando James. — Você é um homem duro, sir Connor MacEnroy, duro até os ossos, eu acho.

— Tive de ser — retrucou Connor e imaginou porque sentia a necessidade de defender o seu modo de ser, aquilo que se tornara para manter a segurança do clã.

— Gillyanne é uma mulher doce, de espírito livre, aberta de coração, cheia de vida. Uma alma apaixonada, amorosa, dadivosa. Um homem duro como você poderia machucá-la de muitas maneiras sem erguer uma mão e, o que é uma pena, sem saber que fez isso. Portanto, ficarei por algum tempo até ver que tudo corre bem. Veja, sir Connor, pode ter enterrado toda a suavidade dentro de si, porém não permitirei que a asfixie em minha prima.

Connor compreendia as palavras de James. Só não tinha certeza se entendia o que ele queria dizer. Não era hora de pensar nisso, contudo, e assim ele afastou os pensamentos desconfortáveis de que poderia magoá-la involuntariamente.

— Você é primo dela, então por que chama os pais de Gillyanne de pai e mãe? — perguntou, procurando uma explicação para os laços íntimos entre James e sua esposa.

— Ah, bem, a mãe dela é minha tia. Sou filho da irmã gémea de Lady Bethia. Quando meus pais foram mortos, eu era um bebê.

Sire Eric ficou com minha guarda, concedida pelo rei e ele e minha tia me criaram como um de seus filhos. Assim que tinha idade de compreender, contaram-me toda a verdade, porém eram e são meus pais e os filhos meus irmãos. A verdade não mudou meus sentimentos. Usamos a palavra primo apenas para explicar por que eu sou um Drummond e os outros são Murrays, mas eles são minha única e verdadeira família.

Por um breve instante, Connor sentiu uma pontada de inveja. Não houvera ninguém assim quando ele e seus irmãos se viram sozinhos, sem teto, e enfrentando a miséria e a inanição. De súbito, ao correr o olhar pela mesa, viu o tio que enchia de novo a caneca de cerveja. Até mesmo o único adulto que continuara vivo pouco fizera a não ser aparecer de vez em quando para fazer preleções. Era um pensamento traiçoeiro, porém, agora que se insinuara em sua consciência, Connor não conseguiu expulsá-lo.

Seguindo a direção do olhar de Connor, James murmurou:

— Você deveria ficar de olho naquele homem. Ele não gosta de minha prima.

— Aquele homem é meu tio — disse Connor, com um suspiro. — E você tem razão. Ele não gosta. — Fitou Gillyanne. — Minha esposa também não gosta dele.

— Uma coisa de que deveria saber sobre sua esposa é que se ela revelar alguma inquietação acerca de alguém, fique atento.

— Ela apenas se aborreceu com algumas coisas que meu tio disse.

— Então ela mostraria a ele sua língua afiada, nada mais. Acredite ou não, Gillyanne capta coisas sobre as pessoas que as outras não conseguem sentir. É como se pudesse ler dentro de seus corações. — James sorriu e passou a mão pelos cabelos. — É difícil de explicar porém é como se Gillyanne pudesse ver e sentir o que os outros sentem. E agora você há de pensar que ambos somos loucos.

— Não. Já ouvi falar de tal habilidade. — Connor sentiu-se de repente quase nu. — Ela pode fazer isso com todos?

— Não. Raramente adivinha o que eu sinto e disse que tentar ler você é como se arrojar contra uma muralha. Tudo em que insisto é, preste atenção em Gillyanne se ela tiver dificuldade com alguém. E aparentemente ela tem um problema com seu tio. Descubra a razão.

De novo os pensamentos estranhos sobre tio Neil perturbaram Connor. Ele não queria que as opiniões da esposa se somassem àquela mudança em seus sentimentos para com o parente. Iria examinar as próprias ideias atribuladas primeiro e depois, cuidaria das dela.

 

Fora uma das coisas mais difíceis que já fizera, mas Gillyanne conseguira afastar-se de sir Neil MacEnroy. Não o esbofeteara como gostaria. Não retrucara a seu veneno verbal, a suas provocações e insultos, embora as palavras lhe queimassem a língua. Na verdade ela precisava impor alguma distância entre si e o tio de Connor e não apenas porque receava aborrecer o marido envolvendo-se uma discussão aos gritos com um dos poucos que tinham sobrevivido a uma longa e sangrenta rixa entre clãs. Gillyanne só poderia rezar para que estivesse enganada acerca da sensação de que ele não era inocente daquela chacina, que de alguma forma havia a mão dele naquela rixa sangrenta.

Pegou uma cesta e saiu da fortaleza. Era um puro alívio afastar-se de sir Neil, embora as palavras não ditas lhe pesassem nas entranhas. O homem recendia a amargura e raiva. E medo, medo que os segredos sombrios que ocultava dentro de si pudessem escapar. A cada vez que estivera perto dele, o torvelinho daquele espírito em conflito a atingia e a puxava para seu atoleiro. E isso a fazia sentir-se doente e agitada.

— Desculpe, estou atrasada — disse Fiona, ao correr e alcançar Gillyanne.

Gillyanne sorriu para a garota.

— Tem certeza de que é isso que quer?

— Esta é uma lição de como ser uma dama de um castelo que eu julgo que poderia gostar. Conhecer as ervas e seu poder curativo me parece interessante e muito útil. Olá, Encaroçado — exclamou quando o rapaz se aproximou. — Atrasado também?

— Acho que não — retrucou Encaroçado. — Penso que milady é que está um pouco adiantada.

— Sim, receio que sim. — Gillyanne esboçou um sorriso triste. — Temo que estivesse com vontade de bater na cabeça de sir Neil com um porrete.

— Meu tio não parece gostar de você, Gilly, e não compreendo porque — murmurou Fiona, parecendo constrangida. — É como se não quisesse que Connor tivesse se casado, o que não faz sentido. Sei que ele não gosta de mulheres. Mal fala comigo e ficou pior desde que comecei a me mostrar mais feminina. — Sacudiu as tranças loiras que lhe pendiam pelas costas. — No entanto, é dever de um lorde se casar, e você trouxe belas terras como dote.

Que tivesse se casado em troca daquelas terras não era algo de que Gillyanne realmente quisesse ser lembrada, porém não disse nada a Fiona. Nem poderia contar à garota que o tio guardava segredos e que Gillyanne começava a pensar que Neil tivesse medo de que ela os descobrisse.

— Talvez, como você diz, ele não goste de mulheres e portanto veja o casamento como uma maldição.

— Sim, acho que é isso. E como seu plano está funcionando? Mostrar suas qualidades de esposa suavizou o trato com Connor afinal?

Gillyanne lançou um olhar de soslaio para Encaroçado.

— Faz apenas uma semana, Fiona.

—Não se incomode, senhora—disse Encaroçado. — A menos que fale em matar o lorde enquanto dorme, eu não contarei nada a ele. — Esfregou o queixo e postou-se ao lado de Gillyanne ao entrarem no bosque. — O lorde é um homem duro como rocha e tem de ser senhora, e isso nos tem servido bem. Não temos muitos homens da idade dele. Muitos rapazes morreram.

— É triste de se pensar. Como você sobreviveu?

— Eu lutava ao lado de meu pai, com meus dois irmãos mais velhos já mortos, quando o velho lorde viu que não poderíamos vencer. Mandou que todos com menos de dezoito anos fugissem, que era agora nosso dever ajudar e proteger as mulheres e crianças, assegurar que os MacEnroys não se dissipassem na poeira daquele dia negro. Meu pai olhou pra mim e me disse para ir, para salvar minha mãe e minha irmã. Já então não havia muitos de nós com vida, porém todos fizemos o que ordenaram.

Ela podia sentir a mesma culpa em Encaroçado que adivinhava que Connor nutria.

— Você só precisa olhar ao redor para saber que foi a decisão correta, a melhor coisa a fazer. Os MacEnroys seriam apenas uma lembrança se não fosse isso. E as mulheres e crianças precisavam de vocês.

— A maior parte do tempo sei que isso é verdade. Vez ou outra eu desejaria ter ficado ao lado de meu pai e vingado a morte de meus irmãos.

— Não os teria vingado. Teria morrido. E pense em seu pai. Viu dois dos filhos mortos e sabia que, se você ficasse, poderia ver seu menino mais novo morrer também.

— Eu tinha dezesseis anos, senhora. Era mais que um menino.

— Ah, Encaroçado, suspeito que naquele momento você era mais menino que homem para seu pai. Ele já vira dois dos filhos mortos e a ideia de que você poderia se juntar a eles era provavelmente um tormento. Você lhe deu paz quando fugiu. Deu-lhe esperança de que os MacEnroys não se tornariam pouco mais que versos na canção de algum trovador. Fé que sua esposa e a filha teriam alguém para ajudá-las a sobreviver. E, quem sabe, ele tenha pensado em sua mãe também, de como iria lhe despedaçar o coração ter de enterrar todos os filhos, e assim o mandou de volta para ela. Não, seu dever naquele dia era sobreviver, ajudar sua mãe e sua irmã, ajudá-las a reconstruir um lar e um clã ao qual pertencer. — Ele a fitava tão intensamente que Gillyanne pesta­nejou e desviou o olhar.—Algumas vezes é mais difícil ficar vivo. Depois de um longo instante de silêncio, Encaroçado murmurou:

— A senhora tem razão. Nunca pensei muito nisso. Agora, penso que era realmente nosso dever e não temos nada do que nos envergonhar.

— Nenhum adulto sobreviveu?

— Não os MacEnroys que lutavam na fortaleza. Apenas alguns camponeses e lavradores que ficaram escondidos. Meninos, crianças, mulheres e uns poucos homens de idade ou incapazes que não podiam lutar. Deve notar quantas mulheres não tem maridos.

— Sim, há uma porção de viúvas.

—Algumas voltaram para suas famílias. As que tinham nascido e se criado aqui não tinham para onde ir.

— E todas procuraram por Connor.

—Ele tinha apenas quinze anos. É por isso que é tão endurecido. Antes, ele costumava ser um rapaz espirituoso e pronto para rir. Aquele rapaz não pode ser jamais ressuscitado, porém existem aqueles de nós que pensam que seria melhor se soltasse um pouco as cadeias em que prendeu a alma.

— Sim, seria. Só temos de esperar que essas cadeias não tenham aprisionado aquele rapaz de espírito livre até a morte.—Gillyanne meneou a cabeça. —- Chega dessa conversa sombria. Fiona, é hora de aprender sobre ervas e as propriedades de cura. Minha tia Mal-die e sua filha Elspeth são conhecidas por suas habilidades de cura. Todas as mulheres do clã Murray treinam com elas. Algumas são melhores que as outras.

— Talvez você devesse fazer uma poção do amor para Connor — exclamou Fiona.

— Isso não existe.

— Ora, claro que existe. É uma das coisas que as moças procuram com mulheres sábias.

— E desperdiçam o dinheiro que seria mais bem aproveitado em outra coisa. As poucas receitas de poções de amor que vi são mais capazes de matar um pobre homem. E se existe, quantas vezes deveriam ser ministradas? Uma vez ao dia, uma por semana ou por mês? Acho que a criatura mais tola logo iria se perguntar por­que sua mulher o faria beber tantas poções. Você também tem de ter muito cuidado ao fazer isso.

— Ah, porque ele poderia ver outra moça e se apaixonar por ela. Teria de ser num lugar isolado então. Como aqui.

— Poderia servir, mas poderia dar tudo errado. Ele poderia beber a poção e, ao terminar, não olhar direto para você em primeiro lugar. Poderia olhar para a esquerda ou à direita e a próxima coisa que você saberia é a de que ele estava propondo casamento a uma salamandra.

Assim que pararam de rir, Gillyanne começou a ensinar Fiona sobre ervas, plantas e a arte da cura. Fora interessante ter uma tal conversa séria com Encaroçado. A cada dia ela sabia mais sobre os MacEnroys, acerca da tragédia que os cercara. E sobre Connor. Infelizmente, pouco desse conhecimento vinha do próprio Connor. Sua vida de esposa resumia-se ao relacionamento carnal. Que os banhos levassem a isso não era surpresa, já que os dois estavam nus. O que a surpreendera fora quando lhe levara algo de beber e comer, quando estava fora, nos campos, dois dias atrás, e ele a possuíra atrás de uma sebe. Connor parecia pensar que as várias tentativas de Gillyanne de lhe oferecer o conforto de uma esposa eram um convite para fazer sexo.

Não que fosse uma coisa ruim, ela pensou, saboreando as lembranças picantes. A paixão poderia ajudá-la a penetrar no coração do marido. Ainda partilhavam pouco mais que isso, contudo, mesmo depois de uma quinzena de casados. Ela poderia jurar que ele se assustara com aquele breve instante de bom humor e o selvagem ato sexual depois do primeiro banho, pois se tornara tão distante quanto possível por dois dias inteiros, depois disso. Felizmente se acalmara; porém, se ele fosse recuar três passos para cada um que avançasse, ela jamais o alcançaria.

Fiona reclamou-lhe a atenção e Gillyanne se alegrou com isso. Tinha tempo para refletir sobre o casamento numa outra hora. As­sim que teve certeza de que Fiona reconheceria o tipo de musgo que queria, Gillyanne permitiu que a jovem se afastasse para procurar por mais.

Ao ver uma planta particularmente rara que tinha muitos usos, Gillyanne apressou-se a colhê-la. E se viu com as saias presas nos espinhos das sarças. Enquanto praguejava baixinho, Encaroçado, com ar de riso, veio ajudá-la. Assim que ele soltou o último pano das saias, Gillyanne viu algo se mover atrás do rapaz. Abriu a boca para gritar, mas já era tarde. Um homem barbudo desferiu um golpe com o cabo da espada na cabeça de Encaroçado, e este caiu inconsciente.

— Você! — Gillyanne arquejou, enquanto diversos outros homens surgiam por entre o mato e um, bonito e alto, se aproximava.

Sir Robert curvou-se ligeiramente.

— Sim, eu. Podemos ir, senhora?

Por um breve instante, Gillyanne pensou em gritar por ajuda. Isso atrairia Fiona para uma armadilha. Cogitou em seguida em lutar, tentar fugir e olhou para a meia dúzia de homens que cercavam sir Robert. Não ganharia nada, a não ser arranhões. E o barulho iria fazer Fiona aparecer. Praguejando, Gillyanne ergueu as mãos e deixou que sir Robert a levasse.

Ao retornar com uma braçada de musgo, Fiona ouvira o tilintar de arreios de vários cavalos e o instinto a fizera se esconder. As habilidades duramente aprendidas a ajudaram a se aproximar sem ser vista para se deparar com Encaroçado atingido por um golpe e Gilly a ser seqüestrada.

A questão agora era o que fazer a seguir. Controlou o impulso de correr atrás de Gillyanne. Não poderia ajudá-la. Seu próximo pensamento foi correr para Deilcladach e contar a Connor o que acontecera. Então, olhou para Encaroçado. Não poderia deixar o rapaz sozinho e ferido. Inconsciente, o pobre Encaroçado não tinha como se proteger de algum perigo, fosse humano ou animal. Com toda a cautela, Fiona saiu de seu esconderijo e foi ajudar Encaroçado.

Depois de livrá-los dos espinhos da sarça e virá-lo de costas, examinou-o por um momento. Não seria fácil levá-lo de volta a Deilcladach. Fiona tirou o manto, estendeu-o no chão e rolou o corpo inanimado para dentro. Era uma pobre liteira, mas teria de servir, ela resolveu, ao agarrar uma ponta e começar a puxar. Dera apenas alguns poucos passos quando começou a rezar para encontrar logo alguém. Encaroçado era a pessoa mais magra que já conhecera, mas Fiona julgou que os ossos do rapaz pareciam de chumbo.

Não conseguia puxar o desacordado por mais um centímetro quando Colin, o guardador de porcos, e seu filho apareceram em­purrando uma carroça cheia de lenha. Correram para ajudá-la. Esvaziaram a carroça e colocaram Encaroçado dentro dela. Fiona rumou para Deilcladach. E enquanto corria, rezava para que Connor estivesse por perto, para que Gillyanne estivesse bem, e mais ainda, com fervor, para que não começassem as rixas sangrentas outra vez.

Connor viu Fiona entrar numa corrida pelo pátio.

—Gillyanne...—ela arquejou, mas teve de parar para recuperar o fôlego.

—Calma, menina—disse Connor, envolvendo-a pelos ombros e sentindo que ela tremia. — Isso, devagar, respire fundo. — Andrew chegou com um trapo molhado e limpou as faces e as mãos de Fiona. — Acalme-se.

Enquanto esperava que a irmã se recuperasse, Connor lutava para acalmar a si mesmo. Fiona saíra com Gillyanne para aprender como colher plantas medicinais. Encaroçado fora escolhido para acompanhá-las. Era evidente que algo acontecera tanto a Gillyanne como a Encaroçado.

—Onde está Encaroçado?—perguntou, obrigando-se a resistir ao impulso de saber de Gillyanne.

— Colin e seu filho o estão trazendo na carroça — respondeu Fiona.—Ele foi golpeado na cabeça. Tentei-o arrastá-lo para casa, porém é mais pesado do que parece.

— Você viu o que aconteceu?

— Não tudo. Eu fora recolher musgo e voltava quando ouvi ruído de cavalos. Escondi-me e me esgueirei até o mais perto que pude. Parecia que Encaroçado ajudava Gillyanne a se livrar de alguns espinhos quando caíram sobre ele e o desacordaram. Talvez tenha sido melhor pois, se lutasse, poderia estar muito ferido ou morto.

— Quem fez isso, Fiona?

— Homens do clã Dalglish. sir Robert em pessoa estava lá. Aquilo pegou Connor de surpresa. Embora esperasse problemas com sir David, não considerara sir Robert uma ameaça.

— E Gillyanne foi com eles? Fiona concordou.

— Ela não queria. Ficou parada, encarando o idiota com fúria. Então praguejou e deixou que a levassem. Acho que ela ficou com medo que eu fosse atraída pelo barulho e não quis que isso acontecesse.

— Por que a levariam? — perguntou Diarmot, com ar confuso.

— Ela está casada com você, Connor. As terras são suas agora. Tudo estava certo e acordado quando saímos de Ald-dabhach. Quem ganhar a moça fica com as terras e pronto. O casamento foi consumado. Então, o que pode aquele idiota ganhar?

— Na verdade o casamento pode ser anulado — disse James.

— Ela foi coagida.

— Ela disse "sim" — retrucou Connor, porém um nó de desconforto lhe apertou o peito.

— Só depois de três ataques e a ameaça de um quarto. Connor tornou-se de súbito consciente do fato de que muitas mulheres julgavam Robert atraente, apreciavam sua corte.

— Então ele pretende seduzir minha esposa para que me deixe e se case com ele.

— Talvez peça resgate por ela — disse Diarmot. — Para conseguir pelo menos uma parte da terra que ele perdeu quando Gillyanne escolheu você, Connor.

— Talvez ele leve a moça para cama julgando que você não vai querê-la de volta — disse Neil, ao se aproximar. — Depois irá conquistá-la e tomar todas aquelas terras. Você não pode aceitar este insulto, rapaz. Isso dará início a uma nova rixa e tudo por culpa daquela tola.

— Mais uma palavra, velho, e eu calarei essa sua boca funesta com um soco — esbravejou James, antes de lançar um olhar raivoso sobre Connor.—Ele não poderá seduzi-la. Um homem capaz de raptar uma moça? Não. Nenhum homem consegue seduzir uma Murray a menos que ela queira ser seduzida.

— Ele tem habilidade e as moças o julgam bonito.

— E Gillyanne se considera uma mulher casada.

— Como se isso atrapalhasse uma moça — resmungou Neil, e então encarou Connor. — Está tão desejoso por aquela terra que tomará de volta uma esposa coberta de vergonha?

Connor impediu que James avançasse sobre Neil e em seguida olhou para o tio com o cenho fechado.

— Não tenho nenhuma razão para falar mal de Gillyanne em­bora o senhor tenha resolvido fazer isso desde que aqui chegou. Guarde suas palavras, tio, pois esta é a última vez que impeço este rapaz de tirar satisfações.—Neil o fitou, chocado e com raiva. — E a menos que haja mais coisas, além de Robert tentar roubar um prêmio que ele perdeu de modo justo e combinado, não haverá nenhuma rixa.

— E se ele a machucar? — perguntou James.

— Então será uma questão entre nós dois — ele e eu. Vingança numa luta justa. Se ele a seduzir...

James quase sorriu diante do lampejo de dúvida e incerteza na face de Connor.

— Gillyanne considera-se sua esposa, ligada por votos pronunciados diante de Deus. Ela não os quebrará. E não existe palavra doce ou gesto sedutor que ele possa tentar, pois ela o rejeitará, não reconhecerá um elogio falso. Existem muitos belos rapazes em nossa família, alguns bem versados em seduzir as mulheres. Gillyanne conhece cada truque e mentira que um homem pode tentar. Se ela tivesse algum interesse por aquele homem, ela o teria escolhido, não teria?

Connor julgou aquele lembrete profundamente reconfortante, o que o preocupou um pouco. Isso indicava que poderia sentir algo bem maior por Gillyanne do que possessividade ou uma compreensível preocupação de marido. Também sugeria que ele estava perdendo a batalha de se manter afastado dela a alguma distância, de pensar nela apenas como a esposa, a mulher que lhe daria herdeiros e que cuidaria do lar. Tal fraqueza crescente explicava porque, a despeito da conversa sobre negociação e evitar a ressurreição de novas disputas sangrentas, ele ansiava por devastar as terras de Robert e cortar aquele homem em pedacinhos.

— Vamos parar de falar e ir atrás dela — exclamou Fiona.

— Você ficará aqui — ordenou Connor.

— Mas...

— Não. Você e Drew ficarão aqui. — Connor ignorou os protestos de Drew. — Sabem que eu nunca levo todos juntos ao mesmo tempo.

Todos se calaram com a chegada de Encaroçado. Estava desperto e agradecia a Colin e ao filho. Porém, estava muito pálido. Connor ajudou-o a sentar-se na carroça.

— Não vi nada — começou Encaroçado, a voz rouca de dor.

— Fiona viu. sir Robert raptou Gillyanne—contou-lhe Connor.

— Iremos atrás dela agora?

— Alguns de nós. Você ficará aqui. Seria bom tê-lo a meu lado porém creio que levará algum tempo até que possa montar um cavalo.

— Sim. O que aquele idiota pode estar pensando?

— Não sabemos. Parece que é um jeito de pôr um fim a meu casamento. Coerção pode ser motivo de anulação—explicou Connor, diante do olhar de surpresa do amigo. — Se Robert puder convencê-la, ela pode voltar-se para o lado dele e pedir ao pai que desfaça o casamento comigo.

Joan e Mairi chegaram para cuidar de Encaroçado. James, Diar-mot, Nanty e Angus se juntaram, à espera do comando para partirem. Connor montou o cavalo que lhe traziam e fez um gesto para que o seguissem. E percebeu que seu tio não fazia menção de se reunir a eles, indo simplesmente se postar ao lado de Meg, os dois com o mesmo olhar furioso.

— Qual é seu plano, meu lorde? — perguntou Encaroçado, parando ao lado da montaria de Connor quando Joan e Mairi o ajudavam a caminhar.

— Ora, irei fazer uma visita a sir Robert Dalglish — retrucou Connor.

Encaroçado revirou os olhos.

— Quer dizer que pretende bater-lhe aos portões e dizer; Por favor, senhor, posso ter minha esposa de volta?

Connor esboçou um lento sorriso.

— Sim, algo assim—retrucou, ao incitar o cavalo a um galope.

 

Gillyanne correu os olhos pelo salão. Era bem maior que o de Connor, com belas tapeçarias, cadeiras e candelabros. O homem gastava mais com seu próprio conforto do que Connor gastava.

A crescente nota de irritação na voz de Robert indicou a Gillyanne que poderia ser hora de parar de ignorá-lo. A despeito de todos os esforços dele para elogiá-la e cortejá-la, ela não lhe diri­gira a palavra uma só vez desde que fora capturada. E podia quase sentir o cheiro da raiva dentro dele. Os homens realmente detestavam quando uma mulher os ignorava, pensou, ao endereçar a Robert um olhar glacial quando ele lhe encheu de novo a taça de vinho.

— Você é um tolo — disse, e tomou um gole do vinho enquanto ele a encarava com surpresa logo substituída por uma fúria rapidamente oculta.

— Ah, sim? Um tolo saberia que você pode pôr um fim a seu casamento com Connor? — ele perguntou.

— Talvez. Que interesse isso poderia ter para você?

— Você pode mudar de ideia, alterar a escolha que fez.

— Oh? Acha que eu me livraria de Connor e depois penderia para você? São para isso todos esses elogios insípidos e os gestos sedutores? Para tentar me seduzir e me afastar de Connor?

— Connor pode ser um excelente lorde e um guerreiro, porém duvido que seja um marido muito bom. O homem não sente nada. É duro e frio. Seu único interesse é o clã, torná-lo e mantê-lo forte.

Aquele sujeito tinha ciúme de Connor, Gillyanne percebeu. Ao estudá-lo melhor, percebeu outra emoção mais negra dentro dele. Ele tentava cortejá-la, porém não a queria. Não, se ela sentira certo, Robert estava revoltado com o pensamento de se apossar dos restos de Connor. A sensação era tão forte que era como se ele a gritasse a plenos pulmões.

— Connor pode ser tudo que você disse, porém é melhor um homem duro e frio que um cujo estômago se revolta ao pensamento de desposar e se deitar com uma moça com que Connor se deitou antes — disse Gillyanne, e pela maneira com que ele empalideceu, percebeu que havia acertado.

— Será como se você fosse viúva — ele resmungou e tomou um longo gole de vinho.

— Eu logo seria uma se me casasse com você.

— Não, Connor se empenha para que impeçamos- as velhas disputas de renascerem.

— Também é um homem muito possessivo. Como você disse, ele vive para o clã. Como sua esposa, sou agora desse clã e você me colocou numa situação aflitiva.

— Eu não a machuquei.

— Não. Mas feriu Encaroçado. Isso pode aborrecer Connor um bocado. E certamente aborrecerá minha gente e todos os seus aliados. Deixe-me ver, por esse ato de cega cobiça, você poderia se defrontar com Connor, com os MacMillans, os Armstrongs de Aigballa, sir Cameron MacAlpin e seu clã, os Drummonds e os Kircaldys. Talvez uns poucos outros, se necessário, pois tenho uma família numerosa.

— Maldição, mulher, eu lhe ofereço casamento e não desonra ou dano. Isso não é motivo para guerra.

Gillyanne deu de ombros.

— Se eu quiser tornar a ser senhora de minhas próprias terras, livre de maridos que não queria, isso seria um problema. Minha família não fica contente quando uma de suas moças é obrigada a fazer o que não deseja. É tradição permitir que escolhamos nossos próprios parceiros, você sabe.

— Ninguém deixa a escolha nas mãos de uma moça.

— Meu clã deixa.

— Você não ama Connor nem o teria escolhido sob outras circunstâncias. O homem a ignora a maior parte do tempo e anda com prostitutas na fortaleza. O próprio tio dele a insulta e Connor não faz nada para defendê-la. Você trabalha duro para tornar aquele castelo rústico um lugar mais civilizado e ele nem nota ou agra­dece. É isso realmente o que quer? Você merece bem mais. Eu pode lhe dar mais.

Era de espantar ouvir seu casamento ser descrito assim, principalmente quando muito do que Robert dizia era verdade. Pondo de lado a mágoa e a tristeza que aquelas palavras despertavam, Gillyanne concentrou-se num fato: Robert sabia demais a respeito do que se passava por trás das muralhas de Deilcladach. Era evidente que tinha um espião dentro da casa de Connor.

— Como sabe tanto assim? — perguntou.

Robert ia responder porém sua atenção desviou-se para batidas sonoras que ecoavam pelo salão.

— Em nome de Deus, o que é isso?

— Meu senhor — gritou um homem, ao entrar correndo no salão —, são os MacEnroys!

Robert praguejou ao correr os dedos pelos cabelos.

— E vocês deixam que batam em nossos portões?

— Mas... não lutamos contra os MacEnroys. Quer que comecemos agora?

Por um momento eletrizante, Robert nada disse. Gillyanne receou que ele pudesse escolher a batalha. Ela e suas terras teriam reacendido uma rixa mortal. Era um pensamento apavorante e no entanto ela não sabia o que dizer ou fazer para impedir isso. Pelo que pudera ver, os Dalglish não tinham sofrido tanto com a guerra e Robert poderia não querer manter a paz.

— Não, não lutaremos — esbravejou Robert, a frustração e a raiva claramente impressas na voz. — Deixe o idiota entrar antes que destrua nossos portões. — Encarou Gillyanne quando o homem se afastou. — Não creio que você vá mudar de ideia.

— Desistir de um marido indesejado por outro? Não, acho que não.

— Começo a pensar que Connor a merece.

— Obrigada.

— Não é um elogio.

— Não? Perdão. Engano meu. Ah, creio que ouvi o ressoar das botas de meu marido.

Robert a fitava como se ela fosse a mais estranha das criaturas que já conhecera e uma que ele gostaria muito de estrangular. Mas a entrada repentina e impressionante de Connor no salão o afastou daquele pensamento.

— Saudações, meu marido - ela disse, endereçando-lhe um ligeiro sorriso e em seguida cumprimentou Diarmot, James, Angus e Nanty, todos postados atrás dele.

— Minha esposa — disse Connor, examinando-a atentamente antes de voltar a atenção para Robert.

Connor estava aliviado em ver que Gillyanne parecia bem. Imaginou, contudo, porque ainda se sentia fortemente inclinado a espetar sir Robert na ponta da espada. Possessividade, disse a si mesmo. Úm simples, descomplicado e masculino senso de posse. Gillyanne era sua e nenhum homem tomaria o que era seu. Provavelmente se sentisse assim se Robert lhe tivesse roubado o cavalo. Ou quase assim. A fúria que o consumia se abrandou um pouco e ele conseguiu enxergar o rival mais claramente.

— Não vai lutar para conservar o que roubou? — perguntou a Robert.

— Vai batalhar para tê-la de volta? — retrucou Robert, em vez de responder diretamente.

— Ela é minha esposa.

Gillyanne quase pestanejou e então disse a si mesma que era uma tola por se sentir atingida por aquela demonstração de possessividade.

— Eu poderia pedir um resgate por ela — murmurou Robert.

— E eu poderia desafiá-lo, lutar com você e deixá-lo a sangrar no chão.

— Talvez. Mas isso poderia iniciar uma disputa sangrenta novamente.

— Não, pois seria uma batalha de honra entre dois cavaleiros. Um desafio feito, um desafio aceito. O que o levou a fazer isso? Todos concordamos em aceitar a escolha de Gillyanne.

— Ela poderia ter mudado de ideia e eu achei que estava pronta para isso.

— Por quê?

Robert deu de ombros e tomou um gole de vinho.

— Rumores.

— Mais que rumores — disse Gillyanne. — Este homem sabe muito, Connor. Tem olhos e ouvidos dentro de Deilcladach.

— Quem é seu espião, Robert?

— Não coloquei nenhum espião em Deilcladach — retrucou Robert.

— Então quem resolveu se tornar um?

— Isso realmente importa?

— Meg — Gillyanne murmurou e ouviu Diarmot, James, An­gus e Nanty lhe fazerem eco.

Connor concordou com os companheiros, mas continuou a encarar Robert.

— Você não julgou que ao roubar minha esposa e tentar ficar com as terras de dote iria prejudicar a mim e ao meu clã?

— Perdão — Gillyanne, encarando o marido. — Ele apenas me raptou. Não vejo Ald-dabhach amarrada às minhas costas, você vê? Ele me pegou. Apenas a mim.

— Estou ciente disso — Connor resmungou e tentou esconder o lampejo de riso ao olhar para a face zangada da esposa.—Talvez você deva sair e esperar junto aos cavalos. Meus companheiros podem levá-la. Então Robert e eu poderemos conversar de homem para homem sem preocupações que nossas palavras possam magoar seus ternos sentimentos.

Gillyanne respirou fundo para responder, mas James e Diarmot a agarraram pelos braços. Levaram-na com pressa para fora do salão, com Nanty e Angus logo atrás. Ela se ressentiu por ser tratada como uma criança problemática mas resolveu que seria melhor não ouvir nem mais uma palavra sobre aquelas terras malditas. Isso só a aborreceria mais.

— Lidou muito bem com a situação — disse Robert, assim que ficaram a sós, sem esconder o sarcasmo.

— Como eu lido com minha esposa não é da sua conta — retrucou Connor, com frieza. — Nada do que ocorre dentro de meu castelo é. Você deixou que uma cadela ciumenta o conduzisse para perto do desastre.

— Então, teria lutado por ela, não teria?

— Ela é minha esposa, uma MacEnroy agora!

— E você precisa daquelas terras.

— Sim, isso não é segredo. A abundância de lá dará uma salvaguarda a meu clã contra a fome. E Gillyanne me dará herdeiros, pode mesmo agora estar carregando meu filho. — Percebeu que Robert sorria disfarçadamente. — Não creio que você gostaria de ter meu filhote em seu ninho.

— Eu teria esperado para me casar com ela até ter certeza de que não estava grávida.

Connor avançou para Robert e apontou a espada para a garganta do rival. Os olhos de Robert se arregalaram e Connor percebeu que ele se maldizia por não ter mandado um de seus homens ficar a postos.

— Você a tocou?

— Não. Na verdade, ela só agora começara a falar comigo. E apenas para me ameaçar com você e todos os parentes.

Connor reprimiu um sorriso ao embainhar a espada. Sua mulher tinha a língua afiada.

— Terei problemas com sir David a seguir? — perguntou.

— Não, não contei a ele o que eu soube e não vejo razão para isso agora. Pode ser tudo verdade, porém não se mostrou útil. Além disso, David não a quer. Ela feriu-lhe o orgulho.

— Você também não a quer, não é? Robert sorriu.

— Eu prefiro uma esposa mais dócil.

— Bem, quando resolver que seja hora de conquistar a sua, sugiro que evite qualquer uma da família Murray. E também sugiro que seja mais prudente com aquilo que ouve. Uma amante dispen­sada jogará seu próprio jogo sem pensar nas conseqüências para você.

— Então, você dispensou sua amante para agradar sua esposa. Eu deveria ter levado isso em consideração. Contudo, o que ela disse tinha um toque de verdade, diante do homem que você é e tudo o mais.

Aquilo espicaçou a curiosidade de Connor, porém ele resistiu ao impulso de exigir que Robert se explicasse.

— Se aquela cobra venenosa vier sibilar em seus ouvidos, eu não prestaria atenção. Ela não irá privar mais de nada que aconteça dentro de minhas muralhas.

— Ah, então a amante desdenhada só será escorraçada.

— Você faria o mesmo.

— Na verdade, eu seria bem mais duro em minha punição. E já que foi tão gentil em me dar um conselho — resmungou Robert —, permita-me retribuir o favor. Existe mais de uma cobra em seu ninho, meu senhor.

— Quem? — Connor ficou tenso.

— Não, não lhe darei um nome. Não tenho provas e não farei acusações sem isso. Não são seus irmãos nem sua esposa nem aquele idiota do Encaroçado. Afinal, como está ele?

— Praguejando contra você a cada latejar da cabeça. — Numa tentativa de acalmar-se e sufocar o impulso de arrancar um nome de Robert, Connor contou como Fiona levara Encaroçado de volta, roubando o tempo que Robert esperava para conquistar Gillyanne.

— A menina é uma MacEnroy até os ossos. Não é ela também a serpente de que falei.

— É bom saber disso. Porém seria melhor saber quem é.

— Terá de descobrir sem minha ajuda. Não acusarei alguém de traição sem prova. Cuide-se, pois toda cobra se expõe eventualmente ao sol.

Connor concordou e saiu para levar a esposa para casa. Sentia-se um pouco tolo e era uma sensação desconfortável. A despeito de tudo, ficara surpreso com a traição de Meg. Ignorara as atitudes ousadas da mulher e a maneira com que Meg tentara tornar as coisas difíceis para Gillyanne, e não imaginara como iria longe na tentativa de se livrar da rival.

Quando a dispensara e ordenara que fizesse sua parte do trabalho, ele lhe tirara o poder, a deixara reduzida ao que era, uma prostituta. Deveria ter lhe ocorrido que ela faria alguém pagar por isso, que veria Gillyanne como uma inimiga e tentaria se livrar dela. Connor prometeu a si mesmo que começaria a prestar mais atenção ao que as mulheres de Deilcladach faziam ou diziam.

Primeiro, porém, pensou com um suspiro, ao ver como a esposa o encarava, teria de escutar algumas coisas que a esposa haveria de lhe dizer. Colocou-a na sela e montou atrás. Ela poderia não saber disso, mas se um resgate fosse pedido, ele teria usado uma parte, se não o todo das terras dela para libertá-la. Já que uma tal confissão iria se tingir de algum dos sentimentos contra os quais lutava, Connor resolveu que a guardaria para si. Não queria revelar fraqueza.

— Bem, suas belas terras estão seguras agora — Gillyanne resmungou e então se maldisse por deixar clara sua mágoa.

— Sim — ele retrucou, calmamente. — E tudo a tempo de você me dar meu banho. Você poderia se lavar também — Fingiu cheirar-lhe os cabelos.

Ela o socou na coxa, mas percebeu que o suave gemido era de surpresa, não de dor. Ela duvidava que pudesse machucar aquele tronco musculoso que Connor chamava de perna. Sabia que ele a provocava, caçoava dela de propósito. Era tolice não aceitar uma simples provocação. E que deveria estar contente de que ele estivesse disposto a brincar.

— Tomarei um banho quando você escorraçar Meg na ponta das botas para longe de Deilcladach — ela exclamou. — Ela o traiu, disse a sir Robert o que se passa dentro de seu castelo e, eu suspeito, onde e quando eu estaria fora das muralhas.

Embora Robert não tivesse dito, Connor deduzira isso por si próprio. Não havia como negar que Meg queria que Gillyanne fosse embora de Deilcladach. Poderia se considerar um sujeito de sorte por Meg ter procurado um aliado e não um inimigo.

—Pensei apenas em avisá-la para não tentar tais jogos de novo. Meg provavelmente não pensou que eu iria descobrir sua participação nisso tudo.

— É provável que não. Na verdade, suspeito que se a repreender, ela agirá toda contrita, e pedirá perdão enquanto chora rios de lágrimas. E irá jurar pela mãe morta que nunca mais fará isso. Mentira. Assim que sentir que você foi enganado por essa atitude penitente, tentará outra coisa. Já foi ruim você a obrigar a ser o que realmente ela é, uma simples criada e uma vagabunda. Você deverá pagar por esse insulto e, já que aconteceu depois que me casei com você, Meg me julga a causa disso. Está furiosa comigo e me odeia.

— E não é o ciúme que a faz dizer isso? Nem a vontade de ver minha antiga amante longe de suas vistas?

— Claro que eu gostaria de vê-la longe, ela e as duas amigas prostitutas. Meg é mais que um espinho em minha vida, contudo, e você sabe disso. Se não for punida por essa traição, pensará que é livre para tentar de novo. E tentará. Quer se vingar. Não tenho certeza de que você corre algum perigo, porém creio que eu possa correr, e maldigo a mim mesma por não ter percebido isso.

— Ela irá embora. Eu estava apenas curioso para saber porque você achava que ela precisava ser expulsa.

Gillyanne praguejou involuntariamente. Esperava não ter revelado o ciúme profundo que sentia por Meg e, em menor grau, pelas outras duas mulheres com que Connor se deitara. O sujeito já era muito arrogante. Certamente não precisava achar que tinha o coração da esposa na palma da mão, o que, para aflição de Gillyanne, ela suspeitava que já tivesse. Até que notasse algum sinal da parte dele de que lhe despertava mais que apenas a luxúria e o senso de posse, ela pretendia guardar para si os próprios sentimentos. Se o casamento fracassasse, ela ficaria magoada, porém se recusava a ser humilhada.

No momento em que cruzaram os portões de Deilcladach, Gillyanne sentiu que Connor ficava tenso. Estava se preparando para ser o senhor severo, ela se deu conta. Qualquer pequeno toque de suavidade que pudesse extrair dele, tal como quando estavam sozinhos, se desvanecia quando ele tinha de encarar o clã como o lorde. Embora pudesse compreender, aquilo tinha o sabor de der­rota. Afinal, não poderia separá-lo do clã, não poderia impedi-lo de ser o lorde. Tudo que poderia esperar era que pudesse ensiná-lo a ser tanto um marido amoroso como um senhor forte e respeitado. Não seria fácil.

Ele desmontou e ajudou-a a descer.

— Veja que providenciem nosso banho, mulher. Gillyanne correu para o castelo, parando apenas para saber de Encaroçado e Fiona antes de ir preparar o banho de Connor. Era uma oportunidade que tinha de lhe oferecer conforto e calma depois de um dia extenuante. Tinha certeza de que era uma da­quelas coisas que faziam um homem apreciar uma esposa. Embora ansiasse por afeição, resolveu que poderia encontrar satisfação na apreciação de Connor. Afinal, pelo menos era um pequeno passo, um na direção correta.

 

Connor sorriu ao entrar no quarto e surpreender Gillyanne nua, ao lado da banheira. Ela soltou um gritinho de susto e entrou na água. Ao começar a se despir, ele se deu conta, de súbito, do quanto apreciava aqueles banhos, na verdade ansiava por eles ao fim do dia. Depois de encarar a possibilidade de perder a esposa para Robert e se defrontar com uma traição dentro do próprio clã, sentia-se especialmente ansioso por isso. Havia um perigo por trás daquela ansiedade, porém, naquele instante, ele resolveu ignorá-lo. Os berros de fúria de Meg ainda lhe retiniam aos ouvidos e ele queria substitui-los pelos gemidos de paixão de Gillyanne. Ou, de preferência, pelos gritos de prazer, ele pensou, e sorriu de novo ao entrar na banheira.

— Do que está rindo? — perguntou Gillyanne.

—Eu estava pensando em ficar surdo com seus gritos de paixão ele resmungou, quando ela começou a lhe esfregar os pés.

— Está me dizendo que faço escândalo? — ela não tinha certeza se deveria se sentir insultada ou apenas constrangida diante da ideia.

Quase põe abaixo as muralhas que nos rodeiam.

Existem algumas coisas que os homens não deveriam dizer as esposas. — Gillyanne esfregou-lhe os braços. — Ele deveria considerar a possibilidade de constranger a pobre e modesta esposa tão profundamente que ela não ousará nem respirar nem exalar o mais suave dos suspiros, a despeito dos melhores esforços da parte dele.

— Uma observação reveladora, mulher — ele murmurou.

— Penso que sim. — Ela lavou-lhe os cabelos com cuidado e depois começou a lhe esfregar as costas.

Connor tirou o esfregão da mão de Gillyanne.

— Claro, alguns homens poderiam ver isso como um desafio.

— Oh, puxa!

Gillyanne olhou para o teto, feliz com o peso do corpo do marido sobre o seu, e decidiu que ele tinha uma habilidade impressionante com um esfregão. Ela só esperava que os lençóis secassem antes que fosse hora de dormir. E tinha de confessar a si mesma, com alguma tristeza, que se mostrara um pequeno desafio para Connor. Ela não tinha certeza de quanto barulho fizera, mas supunha que fora bem alto, o que provavelmente deixara gratificado aquele grande tolo. Tudo que ela poderia fazer era rezar para que ninguém fosse rude o suficiente para dizer que a tinham ouvido:

— O que aconteceu a Meg?—perguntou a Connor, procurando desviar os pensamentos para o que poderia ser causa de constrangimento.

— Ah, sim, Meg. — Ele esfregou o nariz no pescoço de Gillyanne. — Ela tentou negar tudo e depois implorou perdão. Eu disse a ela que permitir que continuasse vivendo era todo o perdão que iria conseguir.

— E ela não entendeu, não é?

— Não, a ingrata. Praguejou contra mim e contra você. Connor sentou-se e se espreguiçou. E percebeu que conseguia pensar na sórdida confrontação com Meg sem raiva, agora. A satisfação sensual borbulhava em suas veias, mantendo a raiva distante. Beijou Gillyanne, saiu da cama e começou a se vestir.

— Você apenas a baniu — disse Gillyanne. — Foi muito misericordioso. Muitos outros lordes poderiam ter feito mais do que simplesmente mandá-la ir embora.

- Robert disse que não seria tão gentil. E ela me pareceu ter mais coisas do que tinha, quando partiu e, assim, suspeito que se pode somar o furto aos crimes que cometeu. Eu planejava colocá-la numa choupana bem rústica, porém ela está numa cabana na vila. Isso me fez sugerir a Jenny e Peg que se juntem a ela, lá. Sem a arrogância de Meg para protegê-las das outras mulheres, creio que aceitarão a sugestão.

— Acha que elas a ajudaram, que tiveram parte na traição?

— Penso que sabiam o que ela estava fazendo e não me avisaram. Isso é ruim do mesmo jeito. E resolvi que era injusto para as moças que davam duro e eram virtuosas terem de conviver com prostitutas a andar tão aberta e livremente pelo castelo. Aquelas mulheres podem cuidar de seus negócios na vila.

Connor segurou Gillyanne pela mão e rumou para o salão. Ao entrarem, ficou um pouco surpreso ao encontrar todos prontos, a esperar. Era algo que se tornava a cada dia mais comum. Ele sentou-se e se serviu enquanto os demais ocupavam rapidamente os seus lugares à mesa.

— Como a comida foi servida assim que desci? — perguntou a Diarmot, vencido pela curiosidade. — Não ouvi nenhum sino ou algo parecido.

—Não precisava de sino—retrucou Diarmot. — Só esperamos pelo berro.

— O berro?

— Sim, o berro. Assim que ouvimos, sabemos que você descerá para jantar em meia hora. Ou, com mais freqüência, em quinze minutos.

Gillyanne sentiu as faces em fogo. Tentou convencer-se de que Diarmot não poderia estar se referindo ao que ela pensava que estaria, mas os olhares divertidos ao redor não permitiram. Soltou um gemido e pousou a testa na mesa, envergonhada.

Começava a rezar para que o chão se abrisse e a engolisse, quando um ruído estranho chamou-lhe a atenção. Então a sensação de alegria emanada pelos outros na mesa a cercou. Lentamente ela ergueu a cabeça e olhou para Connor. E levou um minuto inteiro até perceber que ele estava rindo. Uma gargalhada sonora e contagiante.

—Um toque de clarim—Connor disse, com a voz entrecortada, e riu de novo.

— Nós não precisamos tocar o sino desde que você começou a tomar seu banho no quarto—Diarmot disse e caiu na gargalhada.

— Não é alto assim — Gillyanne esbravejou.

— Não? Moça, você poderia derrubar as muralhas de Jericó — disse James, entre risadas.

— Vocês todos estão se comportando como crianças — Gillyanne exclamou, pondo-se de pé. Pegou o prato e a taça. — Irei comer na cozinha. — Ao se afastar, percebeu que Fiona parava de rir apenas o tempo suficiente para pegar sua comida e segui-la.

Ao entrar na cozinha, Gillyanne praguejou baixinho e depois suspirou. Joan, Mairi e as duas cozinhas riam tanto que tinham lágrimas nos olhos. Sentindo-se extremamente constrangida, Gillyanne sentou-se à mesa apenas para constatar que seu apetite se fora.

— Milady — disse Joan, a voz rouca de tanto rir—, isso não deve envergonhá-la ou magoá-la.

— É um assunto particular — resmungou Gilíyanne.

— Os homens nem sempre pensam assim. — Joan levou a mão ao peito e tentou controlar o riso. — Oh, moça, o lorde está rindo. Rindo! Eu nunca mais tinha ouvido algo parecido desde as mortes.

— Não creio que algum dia tenha ouvido meu irmão rir—disse Fiona.

— Bem... isso certamente me deixa contente — admitiu Gillyanne. — Infelizmente os idiotas foram rápidos em me recordar sobre o quê estavam rindo. Foi humilhante. E detesto ser relembrada que posso ser escandalosa. Que maldição! Parece que posso convocar todos para jantar quando o safado de meu marido me dá prazer.

— Sim, e posso lhe afirmar que debaixo daquelas risadas campeia a inveja. — Joan meneou a cabeça quando Gillyanne a fitou, indecisa. — Que homem não gostaria de dar prazer à sua mulher tão bem que ela abalasse as pedras com seus gritos? Eu não ficaria surpresa que o orgulho masculino de poder fazer isso e que agora todos saibam, é parte da razão de Connor estar rindo assim.

- Connor grita também — disse Fiona. — Podem não ser gritos tão potentes como os meus, mas ninguém precisa apurar os ouvidos para ouvi-lo.

Era algo reconfortante de saber, porém Gillyanne suspirou.

- Será difícil encará-los nos olhos agora que sei que todos conhecem meus assuntos particulares.

- Milady, no instante em que começou a dar banho ao lorde naquele quarto, todos sabíamos o que iria acontecer — disse Joan. — Só algum tolo pensaria que dois jovens cheios de luxúria poderiam tomar banho juntos de forma inocente.

— Penso que terei de fazer um esforço para ficar muda.

— Seria um desafio para Connor.

Ao recordar o ato de amor que causara tantas conversas, Gillyanne sorriu e piscou para Joan.

— Sim, poderia ser — Juntou-se às outras num borbulhar de gargalhadas.

—- Espero não termos ferido os sentimentos da moça — disse Diarmot, quando todos pararam de rir.

— Acho que ela estava apenas um pouco constrangida — mur­murou Connor, olhando para a cozinha. — Por que ficaria zangada?

— As mulheres não gostam que seus assuntos particulares sejam comentados — disse James. — Gillyanne ficou embaraçada.

— Somos casados. Mesmo que não fôssemos, quando um homem e uma mulher entram num quarto e fecham a porta, qualquer idiota sabe o que estão fazendo. Gillyanne deveria saber disso.

Claro que sabe. Quando papai se ausenta por algum tempo, ele e mamãe quase sobem correndo as escadas e o barulho pode ser ouvido pela casa toda. — James revirou os olhos. — E quando nossas primas Avery e Elspeth nos visitam com os maridos, o ruído que se ouve ao se ir para os quartos faz pensar que estamos em algum bordel para marinheiros lascivos. Até a comida desaparece.

E fica difícil manter a língua dentro da boca quando se escuta as criadas reclamarem de como é difícil tirar o mel dos lençóis. Contudo, nunca falamos disso. Embora ocorram brincadeiras. O que deixa as moças furiosas toda vez.

Connor encarou James num silêncio espantado. Simplesmente não conseguia conceber a vida tal como o primo de Gillyanne descrevera. Era verdade que ele e seus irmãos algumas vezes se permitiam jogos mais eróticos, mas havia pouco tempo para tanta frivolidade. Mesmo antes das mortes, as únicas bobagens ou risadas vinham de brincadeiras, quando ele e outras crianças se esqueciam de que estavam num constante estado de guerra. Os Murrays pareciam felizes, e Connor percebeu que sentia uma pontada de inveja.

— Mel? Por que haveria mel nos lençóis?

James riu, olhou ao redor para se certificar que não havia qualquer mulher por perto, e começou a contar as delícias de se brincar com comida. E Connor se deu conta de que havia ali uma porção de coisas sobre jogos amorosos que ele jamais aprendera. Não iria admitir, porém. Era de algum conforto saber que, pelas expressões dos outros homens, ele não era o único ignorante.

Era tarde, hora de ir para a cama, quando Connor percebeu que sua esposa não voltara. Procurou por Gillyanne na cozinha, porém apenas uma das criadas estava lá, terminando seu trabalho. Ao rumar para o quarto, Connor ficou a imaginar se ela ficara ofendida com as risadas. Ele sentia um grande orgulho de poder fazer sua pequenina esposa berrar como um guerreiro a liderar um ataque, porém damas poderiam ser sensíveis com relação à modéstia. Se ficara magoada, talvez envergonhada, ele deveria tentar acalmá-la, e Connor duvidava que tivesse tal habilidade. Contudo, se a mágoa ou o ultraje ameaçassem a plenitude da paixão que ele e Gillyanne compartilhavam, ele suspeitava que poderia encontrar um jeito de sossegá-la. Finalmente ele aceitara que encontrava alegria e contentamento nos braços da esposa. Contanto que não parecesse fraqueza aos olhos dos outros, ele não tinha intenção de perder o que conquistara.

De súbito, pensou na gargalhada que se permitira. Fora ótima, refrescante. Connor sabia que deixara seu povo espantado com tamanha alegria. Fora até mesmo bem acolhida, deu-se conta com surpresa. Nem gerara alguma falta de respeito, qualquer enfraque­cimento em sua posição de lorde. Ótimo. Na verdade, ao tornar a provar o gosto bom de uma risada, duvidava que pudesse resistir à outra de vez em quando.

Connor soltou um suspiro de alívio ao entrar no quarto e encontrar Gillyanne na cama. Pelo menos não se escondera dele. Contudo, ele pensou com um sorriso ao começar a se despir, não havia muito dela para se ver, acima das cobertas. Depois de uma rápida ablução, ele se enfiou na cama e puxou-a para dentro dos braços. Ela continuou de olhos fechados. Se tentava fingir estar dormindo, fazia uma pobre encenação.

— Está emburrada? — ele perguntou, acariciando-lhe as costas e franzindo a testa ao perceber que uma camisola o impedia de sentir a suavidade daquela pele.

— Por que estaria eu emburrada? — ela resmungou. — Constrangimento e humilhação não valem mais que uma piscadela ou duas, não é? Ora, eu só pensei em me enfiar num buraco bem fundo e jogar terra por sobre minha cabeça.

Connor roçou os lábios no pescoço de Gillyanne, escondendo a expressão. Sabia que não era a hora de demonstrar divertimento. A moça tinha um jeito de falar que o fazia querer rir, contudo, e isso desde o instante em que a conhecera.

— Ninguém queria envergonhá-la.

Eu não disse vergonha. Não senti vergonha. Fiquei embaraçada, profundamente constrangida. — Ela suspirou. — Isso é um assunto particular entre nós dois.

—- Gilly, somos casados. No momento em que buscamos privacidade, todos sabem o que estamos fazendo. Isso é exatamente o que estariam fazendo ou gostariam de estar fazendo.

- Sei disso, porém não deveriam falar sobre isso, pelo amor de Deus. Os homens podem se vangloriar e as mulheres também comentam entre si, porém não é algo para se falar publicamente. Assim sendo, tomei uma decisão — disse ela. Connor a encarou com cautela.

— E qual seria?

— Que devo me tornar mais discreta. Sim, todos sabem o que fazemos aqui, porém eu não os divertirei mais com o barulho. Não, não chamarei ninguém mais para o jantar.

Gillyanne não se surpreendeu quando ele estreitou os olhos. O orgulho masculino pressentira um desafio, justamente como ela suspeitara. Compartilhar da paixão era ainda o único momento em que ela sentia que conseguia alcançar Connor, penetrar-lhe as defesas, mesmo que por algum tempo. E ela não deixaria que brincadeiras rudes a forçassem a se afastar disso. Na verdade, não tinha certeza de que conseguiria. Ansiava demais pelo prazer que Connor lhe proporcionava para deixar que algo interferisse nisso.

Connor empurrou-a de costas. A princípio julgara que ela estava de camisola porque fora para a cama sozinha e estava com frio. Agora, ele percebia que fazia parte do plano de se mostrar mais modesta. Poderia até tentar ser como a maioria das moças bem-nascidas, como seu tio lhe contara, e se comportar como elas no quarto. Isso ele não permitiria. Passara longos e tortuosos dias antes de aceitar o fato de que ansiava pelos momentos de intimidade no quarto. Nenhum ataque de modéstia lhe roubaria a esposa ardente a quem tanto desejava.

—O que é isto?—ele perguntou, puxando os laços da camisola.

— O que uma esposa modesta usaria na cama — retrucou Gillyanne.

— É? E eu teria de abrir caminho no meio disso?

Ela arquejou quando Connor de repente puxou-lhe os ombros da camisola e forçou o tecido para baixo até que seus seios apareceram desnudos. Gillyanne não sentiu medo, sabia no fundo do coração que Connor não a machucaria. Porém os braços estavam presos dos lados e ela teria que se debater para se livrar. Contudo, aquilo a excitou. Tornara-se uma libertina, pensou, com um sorriso secreto.

Ele beijou-a, e Gillyanne deixou que a magia sensual daquele beijo a envolvesse. A sensação daquele peito largo comprimido contras seus seios era o bastante para fazê-los doer. Gillyanne tentou mexer os braços e percebeu que ele amarrara de novo a camisola. Gemeu de frustração.

- Connor, não posso me mexer — ela protestou, quando ele começou a lhe beijar os seios.

- Damas modestas não se mexem. — Usando os dedos e a língua, ele acariciou-lhe os mamilos até torná-los duros e tentadores. - Damas modestas devem se deitar como mártires silenciosas e deixar que seus maridos satisfaçam as vontades.

— Não penso que isso seja certo.

Ela ia continuar a discutir, porém Connor sugou o botão do seio para dentro da boca. A cada sucção, ela perdia a capacidade de raciocinar. E Gillyanne se espantou com a rapidez com que Connor lhe acendia o desejo. Ele era como um fogo em suas veias, uma necessidade imperiosa que ela temia desejar pela vida toda. O que ela mais receava, porém, era que aquele casamento se revelasse um absoluto fracasso.

Mesmo essa preocupação esvaiu-se de sua mente quando Connor começou a lhe beijar a parte interna das coxas. E quando ele levou aqueles beijos mais para cima, os lábios e depois a língua a tocarem a suavidade quente entre suas pernas, Gillyanne soltou um grito de protesto. Connor agarrou-a pelas nádegas, segurando-a com firmeza quando ela tentou se esquivar e, em breve, ela não queria mais se afastar. Um prazer de enlouquecer percorria-lhe o corpo a cada estocada daquela língua.

A única ideia que lhe ficou na cabeça era que tinha de se mexer, tinha de acariciá-lo. Então, ela ouviu o tecido se rasgar e sentiu que estava livre. Um instante depois, Gillyanne percebeu que atingia o orgasmo.

Agora, Connor, por favor, agora!

— Não, mulher. Solte-se e se entregue a mim.

Gillyanne não conseguiu se conter. O êxtase a tomou de assalto e ela ainda tremia com a força do orgasmo quando Connor a fez gemer outra vez. Desta vez, quando ela o chamou, ele não hesitou e penetrou-a, unindo seus corpos. E Gillyanne se agarrou a ele enquanto atingiam as alturas.

Um tempo indefinido se passou antes que Gillyanne fosse capaz de se mover, quanto mais falar. Preguiçosamente, ela acariciou a coxa de Connor, desfrutando da sensação do peso daquela perna forte sobre a sua. Uma parte de si ainda se sentia chocada pela maneira libertina com que correspondera a uma tal intimidade, porém logo ela afastou o sentimento. Connor era seu marido.

— Berrei de novo, não foi? — era mais uma constatação que uma pergunta.

— Sim, duas vezes. Meus ouvidos ainda estão retinindo — ele retrucou, com mal disfarçado orgulho.

— Animal arrogante.

— Talvez eu devesse sair e ver se algum daqueles idiotas saiu da cama na esperança de que a mesa seja posta.

Gillyanne soltou uma risadinha.

— Ora, vá, então.

— Não, não consigo me mexer. — Ele bocejou e beijou-a no pescoço, sonolento. — Você drenou todas as forças de mim.

— Eu também estou me sentindo um pouco fraca.

— Ótimo, então cumpri meu dever de marido e posso agora descansar.

Embora Gillyanne sorrisse com a brincadeira, sentiu-se um tanto desapontada também. Depois de tal paixão cega, depois de uma tão bela conjunção carnal, preferiria palavras de amor a piadas. O que a preocupava era que poderia nunca escutá-las e que, a despeito da perfeição do desejo que compartilhavam, Connor pudesse mantê-las todas trancadas dentro dele. Gillyanne beijou-lhe os cabelos e ficou a imaginar por quanto tempo esperaria por aquelas palavras doces antes de começar a parecer uma tola.

 

- O que você está fazendo? - Gillyanne suspirou ao se voltar para responder àquela voz profunda e familiar, atrás de si. Connor sempre a apanhava no momento pior. Era verdade que a horta em que estava trabalhando parecia em ordem, bem cuidada e rica em plantas viçosas. Infelizmente era também verdade que ela parecia ter chafurdado na lama. Franziu a testa ao perceber que ele tinha uma expressão tensa.

— Alguma coisa está errada?

— Seu pai está aqui.

— Aqui? No castelo?

— Não. Está do lado de fora de nossos portões com uma dúzia de homens armados.

— Oh, meu Deus.

Exige falar com você. Eu o fiz prometer que não iria retê-la ou tentar levá-la para longe daqui.

Gillyanne sorriu, suspeitando que o pai tivesse achado isso uma promessa amarga.

- Então, posso ir e falar com ele?

— Sim, se jurar que não tentará fugir.

— Eu juro.

Não era hora de simplesmente fugir para casa com o pai. Ela ainda era a esposa de Connor. Também desejava tornar aquele casamento uma união feliz. Era muito cedo para desistir da luta. Também não seria coisa simples. Era esposa de Connor pelas leis da igreja e da Escócia e não se poderia ir contra tais leis sem levantar controvérsias.

— Diga a meu pai que sairei para conversar com ele em quinze minutos. Preciso me limpar desta sujeira. Seria melhor cumprimentá-lo parecendo tão bem quanto eu puder.

— Acho que aquele homem ficaria muito contente em lhe arrancar as entranhas — murmurou Encaroçado, depois que Connor repassou a mensagem de Gillyanne ao pai, do alto das muralhas.

Ao ver o modo com que Sir Eric andava de um lado para outro, à frente de seus homens, Connor concordou.

— Posso perceber de quem a moça herdou o temperamento.

— Você não vai sair, vai? — protestou Encaroçado, apenas para correr atrás de Connor quando o lorde começou a descer as escadas.

— Não vou me aproximar muito. É melhor que pai e filha conversem com privacidade. Só quero estar presente.

Gillyanne atravessou os portões de Deilcladach e correu para os braços abertos do pai. Era bom ser abraçada pelo pai de novo. Quando ele a afastou ligeiramente, ela ficou imóvel enquanto sir Eric a inspecionava de alto abaixo. A conversa que estavam prestes a ter seria sem dúvida desconfortável às vezes e ela não estava com pressa para iniciá-la.

— Você não foi maltratada — disse sir Eric, com uma leve entonação de questionamento na voz.

— Não, papai. sir Connor jamais me machucaria.

— Conte-me o que aconteceu.

— O senhor não parou em Dublin e ouviu a história de mamãe? Mandei James contar a ela.

— Ela me relatou. Agora, quero ouvir de você.

Gillyanne sorriu, mas contou-lhe tudo, superficialmente. E descreveu com pressa a parte que incluía o casamento e a volta a Deilcladach. Porém o olhar duro de seu pai lhe disse que ela não o faria de tolo.

- Foi consumado?

- Sim! papai — ela respondeu, olhando para os pés para esconder o rubor.

- É ele ali, entre nós e os portões?

Gillyanne olhou para trás, surpresa de que Connor estivesse fora das muralhas.

— Sim. O homem alto à frente dos outros.

— E quem são os outros?

— Os irmãos Diarmot, Drew, Nanty e Angus, a irmã Fiona e seu braço-direito, Encaroçado, cujo nome verdadeiro é Iain.

— Há uma moça naquele grupo?

— Sim, a menor. Tem quase treze anos.

Eric coçou o queixo e olhou de Connor para Gillyanne e de volta algumas vezes antes de perguntar:

— Jura que ele não a machucou? É um sujeito grande.

— Oh, sim. — Ela corou violentamente, sem precisar que a sobrancelha erguida do pai mostrasse que ela revelara um toque de luxúria com aquela exclamação. — Juro ao senhor, papai, Connor jamais me machucaria.

Falei com o rei. — Ele sorriu ligeiramente quando a filha o encarou, preocupada.—Ele mostrou-se até mesmo contrito. Tudo isso está em minhas mãos. Ele não voltará atrás naquilo que é visto como uma permissão, porém se eu optar por colocar um fim no casamento, ele aceitará e apoiará minha decisão. Quer ver isso terminado?

— Não. - disse Gillyanne, um pouco surpresa de como a negativa lhe pulara dos lábios, pois ficara indecisa por um longo tempo. - Ainda não. O casamento foi abençoado por um padre e consumado. Não deveria eu pelo menos tentar fazer dele um bom casamento?

— Sim, deveria. Você ama aquele bruto?

-— Existem boas chances de que eu possa amá-lo. Alguns dias eu o amo, outros não tenho certeza.

— E por que é uma coisa tão difícil de resolver? Sente algo falso naquele homem?

— Não. Na verdade, posso captar muito pouco dos sentimentos ou pensamentos de Connor. Quando tento alcançá-lo, é como bater contra uma muralha. Contudo, não creio que haja algo de falso dentro dele. — Ela suspirou. — É um homem duro, excessivamente controlado.

— O que soube a respeito dele?

Gillyanne relatou ao pai as histórias da vida de Connor. E pôde sentir que sir Connor se acalmava e que um brilho de respeito luzia nos olhos dele. Não havia dúvida de que, se ela pudesse fazer o casamento dar certo, seu pai prontamente aceitaria Connor como parte da família. Felizmente seu pai também compreendia que mesmo que um homem parecesse bom para outro, isso não fazia dele necessariamente um bom marido.

— Creio que compreendo — murmurou Eric, examinando o alto lorde cujas feições se endureciam à medida que mais ele e Gillyanne conversavam. — Uma vida como essa e a necessidade de liderar quando se é pouco mais que um rapaz sem barba poderia estrangular toda a ternura dentro de um homem.

— Exatamente. Ele tem honra, coragem, força e um profundo senso de responsabilidade. — Sentiu que corava porém forçou-se a ser honesta. — Compartilhamos uma paixão. O tio dele incutiu-lhe algumas ideias estranhas sobre damas bem-nascidas, porém Connor teve juízo para ouvir outra opinião. Pelo menos estava preparado para ver que nem precisava de uma amante nem que era particularmente prudente ter uma.

— Você não me disse nada de ruim ainda, menina.

— Como lhe contei, toda a ternura foi aparentemente esmagada dentro dele. Eu não pediria que ele se tornasse algum cortesão a dizer poemas e elogios. Tudo que quero é alguma... bem, emoção, algo que indique que ele sente algo por mim além de paixão.

- Você quer que ele a ame.

- Sim, quero. No momento, ficaria feliz com alguma pista de que lhe alcancei o coração, que provoco mais do que apenas desejo. Ah papai, ele riu duas noites atrás e deixou todos espantados. Uma das mulheres chegou a chorar de tão comovida. Felizmente seu povo não o deixou constrangido.

- Um pequeno passo de cada vez.

Gillyanne concordou.

- Não continuarei com um casamento em que meu marido não vá ou não possa dar algo de si mesmo. Desejo, no entanto, continuar como esposa dele até que consiga aquilo que preciso para ficar ou até saber que ele não tem algo a dar, pelo menos a mim, e então irei embora.

Eric abraçou-a pelos ombros e beijou-a na testa.

— Você quer tentar fazer um bom casamento, porém também precisa saber que não ficará presa a um relacionamento frio.

— Sim, papai. Sei que partirei meu coração em pedaços se tiver de partir, porém, se não conseguir um pedaço para mim no coração de meu marido, isso me magoará mais, se eu ficar.

— Você é prudente em prever isso, minha Gilly. Eu jamais a deixaria diante dessa sina. Existe uma maneira de sair da situação.

Coerção? — Eric concordou. — Não aceitei de boa vontade, realmente. Sim, eu o escolhi entre os três e fiz o juramento, porém apenas depois de três ataques e a promessa ou ameaça de um quarto, com força conjunta. Isso servirá de argumento?

—- Servirá. — Eric olhou na direção de Connor e quase sorriu.

Ele está ficando impaciente.

— Eu jurei que voltaria.

— James, meu rapaz — disse Eric, fazendo com que James se aProximasse.-Vai ficar aqui?

Sim, a menos que o senhor precise de mim. — James viu que Gillyanne se afastava para conversar com o marido. — Ele está inquieto.

— Ambos juramos que ela ficaria. Talvez ele não esteja tão intocado como ela pensa.

— É difícil dizer, porém eu poderia apostar que ela lhe tocou o coração. A questão é se ele deixará ou não Gillyanne saber disso ou mesmo se ele próprio aceitará a verdade. Existe ainda a possibilidade de que se ele souber disso, faça um esforço para sufocar o sentimento. Creio que ele vê tais emoções como sinal de fraqueza e não se permitirá tê-las.

— Então, julga que é um bom plano Gillyanne tentar conquistá-lo.

— Será pelo menos divertido, pelo menos às vezes. Gilly o ama. Tenho certeza. Se o casamento terminar, ela precisa saber que fez tudo o que foi capaz para conquistar o coração do marido. Tudo repousa na forma como ele enterrou as emoções e a vontade de libertá-las outra vez.

— Ela terá tempo. Mesmo com boas razões para pôr um-fim ao casamento, isso não é algo que possa ser feito rapidamente. — Eric cruzou os braços no peito e sorriu. — Creio que estou prestes a conhecer meu novo genro.

— Connor — disse Gillyanne, ao se aproximar do marido —, por que está aqui?

— Eu queria ver seu pai de perto — ele retrucou. — Não é um homem muito grande, é?

— Um que não precisa ser algum gigante para empunhar bem uma espada. — Ela o encarou e cruzou os braços. — Só queria vê-lo, hein? Que tolice a minha pensar, por um instante, que você poderia julgar que papai ou eu não manteríamos nossa palavra.

— Sim, tolice a sua. — Connor examinou-a. — Conversaram por um longo tempo.

— Tínhamos muito a dizer. Afinal, enquanto meu pai servia ao rei, eu me deitava em minha cama de solteira, reclamei meu lugar como senhora de Ald-dabhach, repeli três ataques a meu castelo, fui arrastada para diante de um padre...

- Você não foi arrastada — resmungou Connor.

Gillyanne ignorou a interrupção. e lançada, completamente despreparada, nas águas revoltas do casamento e fechada atrás das grossas muralhas de Deilcladach. Papai estava um pouco curioso, é natural.

— Acabou?

— Creio que disse tudo.

— Ótimo, agora pode me apresentar a seu pai.

— Não tenho certeza se devo aproximar os dois — ela murmurou, quando Connor avançou, puxando-a pela mão.—Ele não está muito feliz com você.

— Talvez não, porém não creio que ele estará empunhando a espada.

Quando pararam em frente de sir Eric, Connor ficou surpreso ao ver como o homem era magro e baixo. A figura de sir Eric não era ameaçadora para Connor. Nos olhos dele, contudo, Connor podia ver o perigo. Ali jazia a verdade; a despeito de sua elegância e feições bonitas, aquele homem poderia ser um inimigo mortal. Ali estava a capacidade e a perspicácia que compensavam a falta de altura ou de peso. Era um homem com o qual poderia aprender habilidades que já vira James exibir.

— Papai, este é sir Connor MacEnroy, lorde de Deilcladach, e meu marido — disse Gillyanne. A maneira com que os dois se encararam a deixou inquieta. — Connor, este é meu pai, sir Eric Murray, lorde de Dublin. — Embora a reverência que ambos fizessem fosse breve, ela soltou um suspiro de alívio.

Eric olhou por sobre o ombro de Connor.

— Receio que meus homens possam ficar nervosos se esse estranho grupo de pessoas atrás de você como uma sombra chegar mais perto.

— Para trás — Connor esbravejou, sem nem mesmo olhar para trás, para ver se era obedecido.

Eric resistiu à vontade de rir quando o grupo recuou depressa.

— Você deveria ter me procurado primeiro.

— Como uma moça de vinte anos, dona de suas próprias terras, eu não julguei que ela precisasse da permissão do pai para se casar.

— Não, porém você precisava.

— Papai — Gillyanne murmurou, preocupada.

— E você não me dará a permissão agora, dará? — perguntou Connor, segurando com força a mão de Gillyanne.

— Não, ainda não, rapazinho. — Darei assim que julgar possível.

—Vai voltar a Dublin primeiro?—perguntou Gillyanne, dando um passo na direção do pai apenas para ser puxada com firmeza para junto de Connor.

— Sim. Sua mãe está ansiosa por notícias. Ela pode me acompanhar da próxima vez que eu vier visitá-la.

— Se vier como um parente, será bem-vindo a Deilcladach. — Connor ignorou o chute na perna que Gillyanne lhe deu.

— Muito justo.

Quando seu pai se aproximou para lhe beijar a face,; Gillyanne teve de lutar com o puxão de Connor para receber o beijo. No instante que seu pai se endireitou, Connor puxou-a de novo para o lado. Alguém poderia pensar que ela se despedia de um amante em vez de dizer adeus ao pai, Gillyanne pensou, aborrecida. Connor inclinou-se em despedida, antes de puxá-la de volta a Deilcladach.

Gillyanne voltou-se como pôde para acenar para o pai e franziu a testa ao ver que James ainda estava ao lado dele.

— James? Vai partir com papai? — ela perguntou, precisando falar aos gritos conforme Connor continuava a arrastá-la para o castelo.

— Não, voltarei num instante — James gritou de volta, rindo baixinho ao ver a maneira que Gillyanne encarava o marido enquanto ele a puxava. — Ela ficará bem, papai — assegurou a sir Eric.

— Sim, sei disso. Acho que a mocinha está mais perto de seu objetivo do que pensa. Contudo, como você disse, o idiota pode lutar contra os sentimentos que o fazem arrastá-la para o castelo com receio que eu possa tirá-la dele. Gillyanne, contudo, verá tal ato como nada mais que um tolo querendo manter o controle das terras que cobiça. — Então perguntou, abruptamente: — Ele sabe da habilidade de Gillyanne?

— Eu mencionei isso e não provoquei nenhum desconforto.

— Ele é parente de um homem chamado sir Eric MacEnroy? Os olhos de James se arregalaram.

— Sim, sir Neil é tio dele. Gillyanne não gosta dele. O senhor também não?

— Fique de olho nesse homem. Eu o encontrei umas poucas vezes e embora não tenha as habilidades de Gillyanne, ele me provocou uma sensação muito ruim. Você não se importa de ficar aqui até que eu possa voltar?

— Não. A não ser aquele tio e as prostitutas do castelo, cada homem, mulher e criança quer que Gillyanne seja a senhora. As prostitutas se mudaram recentemente para a vila e eu ficarei de olho no tio. Já que também pretendo tentar empurrar aquele grande tolo para a direção correta, tenho muito com que me manter ocupado. Boa viagem, papai. — James riu quando, assim que Eric e seus homens se afastaram, todos desembainharam as espadas para saudar Gillyanne, que acenava das muralhas.

— Eles a saudaram como a um guerreiro — resmungou Neil, e se afastou depressa, antes que alguém pudesse dizer alguma coisa.

Connor fechou o cenho ao ver o tio descer das muralhas. Neil ficava mais zangado e mais zombador a cada dia que passava. Sem saber o que fazer com relação a isso, Connor voltou a atenção para a esposa, que se debruçara na amurada para acenar para o pai.

Aquela tola vai cair da muralha — ele resmungou, ao seguir até onde ela estava.

"or que seu tio ficou tão aborrecido com aquela saudação? perguntou Encaroçado, ao acompanhar Connor.—Puxa, a moça repeliu três ataques sem derramar uma gota de sangue e apenas se rendeu para proteger seu povo. Merece uma saudação de seus parentes.

— Meu tio não está feliz com este casamento. Não sei porque ele não gosta de Gillyanne. Ela não merece tanto veneno.

— Não, não merece. O que será que o incomoda?

— Não sei. Nunca o vi tão agressivo de temperamento e palavras antes.

— Antes, eram você, os rapazes e as prostitutas. Uma esposa muda tudo.

— É verdade. — Connor andou mais depressa. — A menos que aquela criaturinha caia da muralha. — Agarrou-a pela cintura e puxou-a de volta. — Uma brisa mais forte por trás, moça, e você não seria mais do que uma mancha no chão. Seu pai não pode vê-la mais.

— Sei disso — Gillyanne disse e, quando Connor a soltou, ajeitou as saias.

— Por que seu tio estava tão irritado?

Por um breve instante, Connor pensou em mentir. Porém resolveu ser franco.

— Ele não gostou que você recebesse o tipo de saudação dada a um grande guerreiro.

Gillyanne revirou os olhos e seguiu para os estreitos degraus que conduziam ao pátio.

— Aquele homem não julga que uma moça possa servir para alguma coisa a não ser para ser usada ou levar um coque na cabeça. Acho que jamais conheci alguém tão mal-humorado.

Neil era bem mais que mal-humorado, parecia ter se empenhado numa cruzada para lhe tornar a vida miserável e todos sabiam disso. Dizer tal coisa a Connor poderia facilmente ser interpretado como uma suja tentativa de banir alguém que a irritava. Ela precisava de uma prova concreta de que Neil não era o amigo e o protetor mais velho que Connor julgava que fosse.

Isso logo viria à tona. Ou a cerveja e o vinho que bebia iriam fazer irromper o turbilhão dentro de Neil ou ela revolveria o lodo daquela alma, pois os segredos que Neil guardava estavam transbordando dentro dele com a força de uma enchente. Gillyanne pensou que talvez Neil soubesse que ela podia sentir a verdade sobre ele, ler aqueles segredos sombrios e as mentiras que ele guardava no íntimo e era por isso que se mostrava tão torpe para com ela. Aquilo poderia torná-lo perigoso. Um homem que guardava tais segredos e por tanto tempo poderia estar disposto a fazer qualquer coisa para impedi-los de serem expostos à luz.

Aquele pensamento continuava a atormentá-la e portanto ficou feliz ao ver James, quando este foi reunir-se a ela na horta de ervas medicinais na qual ela voltara a trabalhar.

— Papai quis que você ficasse comigo?

— Não precisamente, porém ele ficou contente quando eu preferi ficar. Ele me disse para vigiar sir Neil de perto.

— Papai sabe quem é sir Neil? Encontrou-se com ele antes?

— Brevemente, na corte. Lamentou o fato de não ter suas habilidades, porém disse que o homem lhe passou algo ruim. Você também pensa assim, não é?

Gillyanne concordou.

— Parece que está nas garras da culpa e do ódio. Essa raiva e agora uma boa dose de aversão está dirigida a mim. Acho que ele sabe que posso ver a verdade de seu negro coração e de sua alma atormentada.

— E você acha que ele pode tentar cegá-la para esse fato?

— Sim. Cegar-me e depois enterrar-me — bem fundo.

 

- Tem certeza de que Fiona precisa aprender a dançar? —perguntou Joan, ao sentar-se à mesa, no salão vazio.

—Esta é uma daquelas coisas que todas as moças bem-nascidas devem aprender — retrucou Gillyanne.

Nos dois meses desde que Gillyanne chegara a Deilcladach, Fiona tinha começado a parecer cada vez mais com uma mocinha. Ainda precisava apresentar-se a todos num vestido, mas se sentia constrangida. Contudo, com os fartos cabelos presos com uma larga tira de couro e as saias enfeitadas com bordados, Fiona não mais parecia ou se comportava exatamente como um menino. Gillyanne percebera muitas vezes um olhar de surpresa, até mesmo de interesse nos olhares dos jovens de Deilcladach. Fiona era uma garota adorável e seria indubitavelmente uma bela mulher.

— Acho que eu poderia gostar de dançar — disse Fiona. — A triste verdade é que muitas das coisas que as damas devem aprender não são muito interessantes ou divertidas, como o trabalho de agulha. Contudo... — ela sorriu e tocou as flores bordadas da saia —, é bonito. As artes de cura, as ervas e poções são muito interessantes.

— E você demonstra uma verdadeira habilidade, um instinto agudo que é inestimável — retrucou Gillyanne. — Se tem realmente pendor para tais coisas, talvez pudesse visitar minha tia Maldie ou minha prima Elspeth. Elas são verdadeiras curandeiras.

— Creio que eu gostaria.

- O que estão fazendo? — disse Connor, ao se aproximar.

— Eu ia ensinar Fiona, Mairi e Joan a dançar.

- São coisas que uma dama deve aprender, Connor—retrucou Fiona.

— Parece uma grande perda de tempo.

— Bem, sim, algumas vezes é — concordou Gillyanne. — Na verdade, Fiona pode nunca precisar disso. Por outro lado, se ela for a alguma grande casa ou mesmo para a corte, poderia mesmo parecer inferior diante de outras damas se não soubesse dançar.

Connor abriu a boca para dizer que havia pouca chance de que algum MacEnroy fosse convidado a um grande castelo ou à corte do rei, mas então a fechou de novo. Fiona bem que poderia ver-se lançada num mundo de que não fizera parte e do qual conhecia pouco.

— Precisa fazer isso aqui? — ele perguntou.

— E o que me diz daquele campo fora das muralhas? Seria um ambiente mais privado, porém ainda seríamos vistas.

O primeiro pensamento de Connor foi dizer não. Então percebeu que não havia motivo. Robert não tentaria agarrá-la de novo e lhe assegurara que David não tinha interesse nem em tentar. Não havia relato de estranhos ou ladrões na área. Resolveu deixá-la ir, a despeito da inquietação que o invadiu. Ela não sairia das muralhas sozinha, contudo.

—Pode ir, mas Encaroçado e Diarmot irão com você. Seu primo também, se você quiser.

- Isso não será muito reservado — ela protestou.

— Reservado o bastante.

Em questão de minutos, Gillyanne, Fiona, Joan e Mairi caminhavam para um campo gramado com Encaroçado, Diarmot e James a segui-las.

— Aqui é um bom lugar — anunciou Gillyanne, parando no meio do pequeno campo e olhando ao redor.

— Será fácil manter os olhos em vocês — disse James. — Diarmot e eu ficaremos por perto.

— Na verdade, James, eu gostaria que você cantasse. Não é fácil cantar e ensinar a dançar ao mesmo tempo. Se você cantar, posso conduzir a dança. Assim que aprenderem os passos, posso cantar enquanto praticamos.

— Diarmot e eu vamos caminhar pelo terreno — disse Encaroçado. — Tente não esgoelar muito alto. — Riu e evitou a tentativa de James que fingiu esmurrá-lo. — Não estaremos longe.

Enquanto Diarmot e Encaroçado se afastavam, e depois de conversar sobre o que ela queria ensinar a Fiona, Gillyanne e James escolheram as canções que ele cantaria. Ele começou a cantar a primeira e Gillyanne a instruir o pequeno grupo nos passos-da dança.

Entre risadas, Gillyanne puxou Diarmot e Encaroçado para que entrassem na aula, assim que retornaram.

— O que Diarmot está fazendo? — perguntou Angus, ao juntar-se a Connor nas muralhas e seguir-lhe o olhar na direção do grupo, no campo.

— Acho que está aprendendo a dançar — retrucou Connor.

— Por que ele haveria de querer isso?

—Minha esposa diz que é algo que se espera dos bem-nascidos. Parece que é prática em alguns castelos e na corte.

— Nunca vi danças no castelo do conde de Dinnock.

— Mas estivemos lá apenas duas vezes e em nenhuma era uma ocasião festiva. Gillyanne e James estiveram ambos na corte e, eu creio, desfrutaram de mais entretenimentos do que nós.

— Oh... — Angus franziu a testa.—Acha que todos deveremos aprender?

Connor deu de ombros.

— Talvez. Eu estava aqui pensando que, algum dia, vocês irão se casar. Agora tenho algo a oferecer a Diarmot — Ald-dabhach. Porém não tenho nada para o resto de vocês.

— Não precisamos de nada, Connor.

— Sei disso e é bom que estejam contentes em viver aqui ou em Ald-dabhach. Contudo, você, Drew e Nanty poderão ganhar terras através do casamento, como aconteceu comigo. Para encontrar moças com dinheiro ou terras, vocês terão de ir a castelos como o do conde ou até mesmo à corte do rei. Terão que se apre­sentar bem perante rapazes que têm mais a oferecer que um rosto bonito e um bom sangue.

Angus concordou.

—Um pouco de refinamento, algumas habilidades para cortejar.

—Exatamente. Vocês foram todos abençoados com corpos fortes e uma aparência de que as moças parecem gostar. Adicione-se um ligeiro toque de cortesia, o que as jovens parecem também apreciar, e poderão fazer um bom casamento.

— É isso que planeja para Fiona? Já tem um homem em vista para ela?

— Receio não ter percebido o quanto ela estava próxima de se tornar uma mulher, e assim, não, não escolhi ninguém — retrucou Connor. — Enquanto estava aqui, a observá-la, recordei-me de muitas coisas que minha esposa me disse e creio que deixarei Fiona escolher por conta própria.

— Não! É verdade?

— É verdade. Manterei os olhos em quem a cortejar e continuarei com direito de impedir o que eu possa ver como um mau casamento, porém quem desposar será escolha dela. Desejo a felicidade de Fiona muito mais do que gostaria de ganhar com um casamento. Se ela aprender as maneiras que a maioria das damas bem-nascidas conhecem desde o berço, isso lhe ampliará as escolhas. - O instinto me diz que, quando Fiona estiver na idade de se casar, a família de Gillyanne ajudará a providenciar que a garota tenha acesso a lugares que lhe proporcionarão boas escolhas e em bom número.

Angus sorriu e piscou para o irmão.

— Eu estava pensando que a família de sua esposa também poderia nos oferecer damas solteiras como uma ampla escolha.

Connor deu uma risada.

— Quando procurei esta noiva, estava de olho em Ald-dabhach. Agora percebo que havia mais a ganhar do que apenas a terra. Temos muitos novos aliados, Angus. Sim, podem não ser de grandes clãs poderosos, porém não estamos mais sozinhos. O laço já existe, a nos ligar.

— Virgem Maria, é claro. Eu não tinha pensado nisso. E, sim, ao lembrar como o pai dela parecia zangado, você terá de fazer algo para acalmá-lo. Afinal, se James falou a verdade, esse seu casamento pode ter um fim.

— Gillyanne não terminaria nosso casamento — disse Connor, com mais confiança do que realmente sentia.

— Você me diz como seria boa ideia aprender os modos da corte para conquistar uma dama com dote, e contudo não segue o próprio conselho.

— O que quer dizer com isso?

— Ora, você poderia tentar conquistar sua esposa, mais do que fazê-la berrar de prazer. Você é uma pessoa muito dura e solene, Connor e... — ele olhou para o grupo no campo — sua esposa é cheia de alegria de viver. Teve liberdade para desfrutar de todas as coisas que nós não tivemos, desde dançar até simples brincadeiras e piadas entre parentes. Ela precisa de afeição, Connor. Creio que foi rodeada por isso por toda a vida.

— Espera que eu me torne um bajulador?

— Oh, não. Não creio que conseguisse, por mais que tentasse. Tudo o que digo é que você sabe que ela tem um jeito de escapar do casamento, portanto você deveria ver bem o que precisa fazer para que ela deseje ficar. Não acho que Gillyanne deseje que você se torne algo que não é e não gostaria de ser. Porém, seria muito difícil dizer uma palavra gentil de vez em quando, falar com ela fora do quarto ou dizer como ela está bonita? Não vale a pena um pequeno esforço?

Connor olhou para os dançarinos no campo e pensou nas palavras de Angus. Parecia que a ameaça que pairava sobre seu casamento era de pleno conhecimento da família, que as palavras de James haviam sido ouvidas e levadas em consideração. Gillyanne tinha um lugar de escape e a família estava evidentemente preo­cupada que ele pudesse empurrá-la por esse caminho.

A ameaça de que seu casamento pudesse terminar era real. Angus era apenas um dos vários que tinham se sentido compelidos a avisá-lo, que percebera que ele precisava fazer algo mais se pretendesse manter a esposa. Se fosse cauteloso, ele supunha que poderia fazer umas poucas coisas sem se expor demais. Ele notara o quanto seu castelo estava mais limpo e mais confortável agora e custaria pouco cumprimentá-la ou agradecê-la por isso. Ele cumprimentava e elogiava os homens pelos trabalhos bem feitos; não pareceria fraqueza fazer o mesmo com a esposa.

Ao abrir a boca para dizer a Angus de sua decisão, algo lhe chamou a atenção no campo. Todos tinham parado e olhavam para Gillyanne. Um instante depois, ela caía ao chão. Connor ouviu os próprios gritos estrangulados de agonia, ao correr para baixo nas muralhas.

 

A flecha veio do nada. Gillyanne sentira alguma coisa chocar-se contra suas costas e empurrá-la na direção de Diarmot que estava à sua frente na dança. Os outros haviam se imobilizado como se transformados em pedra e a fitavam com espanto. Só quando a dor a invadiu, ela percebeu que todos começavam a se mover. Encaroçado empurrou Mairi para o chão, protegendo-a com o corpo. Joan fez o mesmo com Fiona. Gillyanne ouviu um estranho barulho vindo do castelo, como o grito de um animal ferido. Toda a força lhe sumira das pernas e ela caía no chão quando Diarmot puxou-a e protegeu-a com o corpo. Gillyanne olhou para o lado e viu o olhar preocupado de James.

— O que aconteceu comigo? — ela murmurou.

— Levou uma flechada — ele retrucou, e olhou pra o bosque à procura do inimigo.

— Onde?

— No ombro esquerdo.

— Oh, meu Deus — ela murmurou e mergulhou na escuridão que a envolvia.

Connor caiu de joelhos ao lado de Gillyanne enquanto seus homens se espalhavam para dar uma busca no bosque vizinho. Mesmo quando corria até ali, ele vira o suficiente para saber que não encontrariam nenhum exército. Porém, tentaria resolver o que aquilo significava mais tarde. Por ora, a vista daquela flecha cravada nas costas de Gillyanne prendia-lhe toda a atenção. Levou a mão para arrancá-la.

- Não—Fiona gritou e arrastou-se para longe de Joan a tempo de agarrar o pulso de Connor e impedi-lo de tirar a flecha.

- A flecha precisa ser removida — exclamou Connor.

— Sim, mas não desse jeito. Precisamos empurrá-la, cortar a cabeça fora e depois puxá-la.

— Isso será uma agonia!

— Sim, porém se arrancar como ia fazer, vai causar mais danos.

— Fiona tocou a face de Gillyanne com os dedos trémulos. — Ela explicou tudo para mim. Precisamos voltar ao castelo onde estão as ervas, a água e panos limpos.

A despeito da tristeza e do medo que faziam a voz de Fiona tremer, Connor percebeu confiança em tudo que ela dizia. E concordou. Com toda a gentileza e cuidado de que foi capaz, ele ergueu Gillyanne nos braços e ficou de pé.

— Connor — protestou Diarmot, ao se levantar também —, é seguro fazer isso?

— Sim — retrucou Connor, já a caminho do castelo, em passos rápidos, sem querer piorar o estado de Gillyanne com uma corrida.

— Não há nenhum exército ou grupo de ataque no bosque.

— Jesus, isso foi assassinato.

—Uma tentativa. Apenas uma tentativa—esbravejou Connor, recusando-se a considerar qualquer outra possibilidade.

Sem mais palavras, entrou no castelo e subiu as escadas para o quarto. Sentou Gillyanne na cama. Fiona estava pálida como morta, porém suas mãos e a voz estavam firmes enquanto distribuía ordens. Connor segurou Gillyanne conforme a flecha era removida, sentindo as entranhas se revolverem quando ela gritou, embora inconsciente.

Guarde a flecha — ele ordenou, e saiu do aposento para falar com um dos homens que já voltara da inspeção no bosque.

Connor não ficou surpreso ao saber que os únicos sinais encontrados eram de uma pessoa só e que tinham sido impossíveis de seguir. Olhou para a besta que o homem lhe entregou e teve de lutar contra o impulso de atirá-la no fogo. Poderia ajudá-lo a encontrar aquele que tentara matar sua esposa. Era uma arma que não muitos poderiam ter. Depois de dispensar o homem, Connor voltou para o quarto e colocou a besta perto da flecha.

Fitou, admirado, a irmã trabalhar. Joan, Mairi e mesmo James atendiam às ordens de Fiona sem perguntas ou hesitação. Era evidente que Fiona não apenas aprendera as lições sobre cura, porém tinha uma verdadeira habilidade. A despeito do medo que sentia por Gillyanne, Connor experimentou uma sensação de orgulho pela mulher que sua irmã estava se tornando.

Quando Fiona fez tudo que poderia, dispensou Joan e Mairi. Lavou-se e afundou numa cadeira que James colocara ao lado da cama. Depois de um longo olhar para Gillyanne, Fiona cobriu as faces com as mãos. Connor aproximou-se e lhe afagou os cabelos.

— Trabalhou bem, garota. Estou orgulhoso de você:

— Isso eu sei —- ela murmurou, ao erguer a cabeça e limpar as lágrimas. — Só posso rezar para que ela não pegue uma infecção pois tínhamos apenas começado as aulas de como tratá-las.

— Não tenha receio — disse James. — Podemos sempre chamar minha tia Maldie ou a prima Elspeth. E Gillyanne é mais forte do que parece.

— Oh, Connor, quem tentaria matar nossa Gilly? — gemeu Fiona.

— Isso é algo que eu gostaria muito de saber — resmungou James.

— Também eu — disse Connor. — Temos as armas. Podem nos ajudar a encontrar o bastardo.

—- Acha que foi um Goldie ou um Dalglish?—perguntou Fiona.

— Não, mas procurarei entre eles.

— Ora, Robert raptou-a, tentou roubá-la de você.

— É verdade, porém não a maltratou. Robert foi induzido a acreditar que poderia mudar a escolha que ela fez. Isso é tudo que ele procurava. Também me garantiu que eu não precisaria me preo­cupar com sir David. Não, isso não foi ordenado por nenhum deles.

— Creio que foi alguém mais próximo — disse James. — Alguém próximo o bastante para observar e esperar por uma ocasião perfeita para atacar.

— O que faz do assassino um dos meus — Connor retrucou, baixinho, incapaz de refutar a lógica de James.

— Sim, pois um estranho a rondar logo seria notado. Isso incluiria qualquer inimigo que possamos ter.

— Mas, por quê? — perguntou Fiona. — Por que tentar matar Gillyanne?

—Uma boa pergunta. — Connor afagou a face pálida de Fiona. — Se eu puder encontrar uma resposta, acho que encontrarei o bastardo que tentou matar Gillyanne. O porquê apontaria para quem. Pena que eu não possa pensar em alguma razão para que alguém quisesse ferir minha esposa. Isso não me impediria de ter um herdeiro. Já tenho quatro e ninguém tentou matar nossos irmãos. Ninguém pode ficar com as terras dela. Elas viriam para mim ou retornariam aos parentes dela. E ela não desprezou nenhum amante. — Connor olhou para James, que meneou a cabeça. — Portanto, não pode ser ciúme. Não faz sentido.

— Você desprezou uma amante — disse Fiona, baixinho. — Uma que já tentou causar problemas entre você e Gilly.

— Meg? Onde arranjaria uma besta e o que teria a ganhar se fosse bem-sucedida?

— Sua cama estaria vazia outra vez — disse James, num tom de incerteza.

— Sim, porém eu não a encheria com uma prostituta que me traiu, como Meg — retrucou Connor. — E ela sabe disso.

— Ódio e ressentimento — murmurou Fiona. — Meg tinha uma boa vida aqui. Não trabalhava e era a mulher do lorde. Tinha Poder sobre as outras mulheres também. Tudo isso se foi. Ela nunca gostou de Gillyanne e eu não ficaria surpresa que a odiasse agora. Pode odiá-lo também, Connor. Por que vocês parecem tão indecisos? — ela perguntou, ao ver que ambos a encaravam com ar hesitante. — Não acham que uma mulher pode odiar com força o bastante para querer matar alguém? Ou acham difícil imaginar que uma mulher pudesse matar outra? Talvez ela não tenha feito isso por si mesma, tenha seduzido algum tolo para fazer o trabalho por ela.

— Não vou ignorar o fato — disse Connor. — Ignorei antes e ela me traiu. Não sou tolo para repetir o erro. Contudo, primeiro conversarei com sir Robert e sir David. sir Robert me avisou que havia outro traidor, além de Meg, porém não me disse quem. Talvez agora ele me conte.

— Vá então — disse Fiona. — Ficarei olhando por Gillyanne, e Joan e Mairi me ajudarão. Você não pode fazer nada aqui, a não ser esperar.

— Eu ficarei — James apressou-se em dizer. — Se acontecer alguma coisa que Fiona não possa dar conta, buscarei ajuda com minha família.

Connor não queria partir, embora soubesse que deveria. Poderia ser uma longa espera antes que soubessem se Gillyanne iria piorar ou melhorar. Nesse ínterim, o atacante poderia fugir até fora do alcance. A menos que se espalhasse a notícia do que acontecera, as pessoas poderiam se esquecer do que tinham ouvido ou presenciado, coisas que poderiam se mostrar importantes. Havia dúzias de razões para sair na trilha do atacante de Gillyanne de imediato, porém ele ansiava por estar ao lado dela.

— Se alguma coisa der errado, me avise — ele ordenou e forçou-se a sair, depois de enfiar a besta e a flecha num saco.

— Como está Gillyanne? — perguntou Diarmot, quando ele e Encaroçado encontraram Connor ao pé da escada.

— Descansando — retrucou Connor. — A flecha foi removida, a ferida limpa, costurada e coberta. Fiona está cuidando dela.

— Fiona? — Diarmot fez um ar de dúvida.

- Se tivesse visto a maneira calma porém rápida com que trabalhava, iria perceber que nossa irmãzinha promete ser uma excelente curandeira. Tudo que podemos recear é uma infecção, pois Fiona mesmo admite que sabe pouco sobre isso, apenas começou a aprender. sir James vem de um clã com curandeiras renomadas e não mostrou dúvidas a respeito de nossa Fiona. Joan e Mairi também ajudarão.

— Você não vai ficar ao lado de sua esposa?

— Se eu esperar muito para caçar o covarde que fez isso, ele pode escapar de minhas garras para sempre. Portanto, não, vou sair à caça. Primeiro, conversarei com nossos aliados. — Saiu do castelo e rumou para os estábulos, com Diarmot e Encaroçado logo atrás.

— Não posso acreditar que seja um deles — disse Encaroçado. — Não ganhariam nada a não ser o renascimento da rixa entre famílias que todos demos duro para enterrar e bem fundo.

— Sei disso. Porém, quando resgatei Gillyanne, Robert me avisou sobre outro traidor. Ele sabe de alguma coisa. Disse que não poderia acusar alguém sem provas, a não ser rumores. Ele pode me dizer que rumores são esses agora.

— Não, não lhe darei um nome — protestou Robert, a observar Connor que, furioso, andava de um lado para outro no salão. — Você quer alguém morto, Connor, e não lhe darei uma vítima quando não tenho nada que lhe prove a culpa.

—Maldição, Robbie — Connor esmurrou o tampo da mesa —, se eu não pegar o bastardo que fez isso, ele poderia tentar outra vez e ser bem-sucedido. Eu quero um nome!

Robert meneou a cabeça.

- Não. Vou lhe dizer apenas uma coisa. Procure sua prostituta.

— Eu não tenho uma prostituta - protestou Connor. — Não Preciso. Tenho uma esposa agora.

Meg o traiu uma vez — disse Robert. — Acha que a raiva passaria porque você a chutou de Deilcladach?

Connor jogou o saco com as armas sobre a mesa.

— Foi uma besta, Robbie. Uma arma pesada de homem. Meg não teria força ou conhecimento para usá-la. E não é uma arma que se encontre facilmente. — Ficou desapontado quando Robert olhou para as armas e mostrou que não as reconhecia.

— Eu não disse que foi ela, Connor. O que eu soube é que sua esposa pode ver a alma das pessoas, ler um homem como um livro. Pode olhar e saber todos os segredos de uma pessoa. — Robert deu de ombros. — A princípio ignorei os murmúrios. Ela é uma estranha, uma forasteira, embora tenha se casado com você. As pessoas sempre falam de desconhecidos. Então, quando ela esteve aqui... — Ele meneou a cabeça. — Sua esposa me fitou por um instante e depois me disse exatamente o que jazia em meu coração. E então eu soube que os murmúrios eram verdadeiros.

— O primo dela me contou que ela tem um dom e, bem, sente coisas e que eu deveria ouvir se ela me advertisse contra alguma pessoa. — Connor franziu a testa. — Não posso acreditar que ele tenha contado a muita gente. Como começaram esses murmúrios?

— Com aqueles que você deixou zangados. E de alguém que tem muitos segredos a esconder, o tipo de segredo que o faria matar para os manter escondidos. Esse alguém tem medo do dom de sua esposa, teme que ela exponha verdades que jazem enterradas. Esse alguém é aquele que você procura. E, insisto, fique de olho em Meg, pois quem compartilha um ressentimento e um inimigo muitas vezes se reúne.

—- Falarei com sir David e depois irei atrás de Meg — disse Connor, furioso que Robert ainda se recusasse a citar nomes, mas sabendo que não o faria mudar de ideia.

— David não tem nada a ver com isso.

— Sei disso. Contudo, se você viu e ouviu coisas que eu não vi ou ouvi, talvez ele também.

— É verdade, mas não se zangue se ele não puder ajudá-lo. David não é muito perspicaz. Se ouviu ou viu alguma coisa, pode não ter percebido que era importante.

Connor concordou. Robert tinha razão. David era um guerreiro de inegável força e coragem. No entanto, poderia ser curto de ideias a ponto de fazer alguém desejar chutá-lo. Não obstante isso, ele iria procurá-lo. A vida de Gillyanne fora ameaçada. E ele não poderia ignorar nada ao tentar descobrir quem a ameaçara. Connor também sabia que se David tivesse um nome ou dois para dizer, o homem não hesitaria. David não se preocuparia com as conseqüências. Nem consideraria a possibilidade de que pudesse dar o nome errado.

Connor rumou para o castelo de sir David, ansioso para conversar sobre o que precisava saber e voltar assim que possível para Deilcladach. O perigo do ferimento de Gillyanne, a ameaça de febre ou infecção eram algo que não lhe saíam da cabeça. Tinha de encontrar quem fizera aquilo, porém também precisava ficar perto dela para vigiá-la de perto.

Gillyanne se tornara importante para ele, Connor se deu conta. Muito importante. Quando a ameaça que pesava sobre ela se dissipasse, ele sabia que teria que examinar detidamente o que sentia e ver o que poderia fazer a respeito. Precisava encontrar uma maneira de dar a Gillyanne o suficiente para que quisesse ficar a seu lado e contudo não deixar que os sentimentos que fervilhavam dentro dele o enfraquecessem de alguma forma. A força e sobrevivência de seu clã tinham de ser a coisa mais importante e por isso ele precisava manter-se forte. Ainda mais importante, ele precisava parecer forte, com completo controle e sem fraquezas, física ou emocionalmente. No momento, contudo, isso estava além de sua capacidade. Sentia-se aflito por causa de Gillyanne e cheio de raiva por aquele que a ferira.

— Sente-se, Connor — resmungou David, ao servir-se de um copo de cerveja. — Beba. Vou segurar minha língua, embora isso me custe muito. Mas a moça me envergonhou. Não se pode culpar um homem por ficar aborrecido. Contudo, eu não tentaria matar a moça por causa disso.

— Eu sei. O que busco aqui é informação. Robbie tem ouvido coisas, tem suspeitas, porém não me deu nomes.

— Ele conversou comigo e também não citou nomes. Robbie é um homem cauteloso, você sabe. Precisa de provas, sempre mais provas. Não dará ouvidos a rumores. -— David deu de ombros. — Boatos nem sempre refletem a verdade. Ouvi alguns poucos com respeito à sua esposa.

— Como os que Robbie ouviu?

— Não sei. Dizem que sua esposa pode ver a alma de um homem. Pode descobrir segredos que alguém guarda no coração. As pessoas não gostam desse tipo de coisas. Faz pensar em coisa do demónio ou em bruxas. Você deveria dar um jeito de silenciar essa bobagem. A menos, é claro, que seja verdade.

— Gillyanne não tem poderes mágicos, talvez uma natureza mais... sensível. Pode até mesmo ter um ouvido privilegiado. Uma pessoa não pode esconder tudo o que se passa em seu íntimo. Mostra coisas na maneira com que age, fala ou deixa transparecer. Muitos de nós não vemos isso a menos que seja muito evidente ou forte. Minha esposa só precisa de um sussurro. Como eu disse, sem mágica, sem demónio, apenas uma habilidade útil. Se ela conhecesse os segredos, seria magia. Saber que alguém os esconde não é.

— Tem razão. Mesmo assim, os rumores começaram em algum lugar. Você tem de descobrir onde e porquê.

— Robbie me disse para conversar com minha amante Meg.

— Por que tem uma amante? Tem uma esposa agora!

A última pessoa de quem Connor poderia esperar uma tal atitude de condenação seria David. Ele dormira com a maioria das mulheres em suas terras e tinha uma legião de bastardos.

— Não tenho uma amante agora. Contudo, mesmo que eu tenha posto Meg para fora de minha cama quando me casei, fui forçado pela traição de Meg a expulsá-la de Deilcladach. Ela ficou zangada e poderia pensar em se vingar em Gillyanne. Mas precisaria de um homem como aliado, para tentar matar minha esposa, pois Meg não poderia disparar uma besta nem teria uma tal arma nem saberia onde arranjar uma.

— Bem, essa Meg pode não ter disparado a flecha, mas está claro que procurou ver que sua esposa fosse morta. Acusar uma mulher de ser bruxa, mesmo que através de boatos, poderia significar a morte dessa mulher, não poderia?

A observação de David fez Connor cair em silêncio e mergulhar em pensamentos durante o trajeto de volta a suas terras. David tinha razão. Eram murmúrios perigosos, do tipo que provoca mortes. Aquilo o preocupava; porém, o que o preocupava mais era que, novamente, algo particular, algo não conhecido por todos em Deilcladach, se espalhara além de suas muralhas. Meg não sabia do dom de Gillyanne antes de ser expulsa de Deilcladach. Alguém lhe contara depois que ela partira e apenas uma das pessoas que sabia fora ver Meg na cabana na vila.

— Irei sozinho conversar com Meg — Connor disse a Diarmot e Encaroçado.

— Mas, se ela for parte disso... — começou Diarmot.

-— Então, pagará. Posso me defender contra ela, não que eu julgue que seja estúpida o bastante para me atacar quando toda a vila me vir entrar em sua cabana. — Não vou demorar.

— Ótimo. Tome cuidado.

Ao rumar para a cabana de Meg, Connor lutou contra as conclusões que se formavam em sua mente. Eram traiçoeiras, ingratas, dolorosas. Infelizmente, também respondiam a muitas perguntas. Desmontou. Dizendo a si mesmo que uma verdade dolorosa era melhor que mais mentiras e uma ameaça contínua contra Gillyanne, entrou na cabana.

O cheiro de sangue pesava no ar. Com cautela e sacando a espada, Connor começou a rebuscar o lugar. Parou de repente e praguejou diante da cena com que se deparou ao entrar no quarto no alto da pequena escada. Seu tio estava esparramado sobre os lençóis amarfanhados de uma cama, uma caneca ainda presa entre os dedos enquanto olhava sem ver para as vigas no teto. Estava coberto de sangue. Alguém esfaqueava Neil várias vezes, o golpe final e verdadeiramente mortal direto no coração. E Connor viu que o crime fora cometido com o seu próprio punhal.

Connor jogou a espada sobre a cama. Não haveria respostas agora, ele pensou, ao fechar os olhos de Neil, pelo menos não aquelas pelas quais ansiava. Tirou-lhe o punhal do peito, endirei­tou-se e então ficou rijo ao sentir as pontas de três espadas lhe tocarem as costas.

— Não pensei que você seria tolo o bastante para buscar sua faca — disse uma voz profunda que Connor reconheceu como sen­do de Peter MacDonald, o sargento de armas do conde de Dinnock.

— Não matei o homem — retrucou Connor, ao se ver desar­mado. Os homens lhe amarraram as mãos atrás das costas.

— Pode contar sua história ao conde.

Ao saírem da cabana, Connor avistou a irmã e a mãe de Encaroçado. Contou-lhes o que havia acontecido e pediu que avisassem seu irmão e Encaroçado. Depois, permitiu que os homens do conde o levassem, sabendo que não tinha outra escolha.

 

Pairava um ar frio no salão de Dinnock. Connor suspeitou que viesse do homem de olhar glacial que agora encarava. Era dever do conde conduzir a justiça em suas terras, porém era sabido que ele não gostava de ser aborrecido com tais problemas. Pior, o homem tinha grande orgulho de sua limpeza e aparência. Depois de passar mais da metade do dia na sela, a buscar a verdade, Connor não ficaria surpreso de que o fato de estar sujo, cheirar a suor e cavalo ofendesse a seu lorde soberano.

— Ficou desse jeito ao tentar fugir de meus homens? — per­guntou o conde.

— Não, milorde. Não lutei contra seus homens. Meu triste estado é em virtude de ter cavalgado durante quase todo dia enquanto procurava o vilão que tentou matar minha esposa.

— Ela está morta? — Lorde Dunstan MacDonald pareceu honestamente preocupado.

— Não, pelo menos quando parti para começar minha busca.

- Ótimo. Não precisamos que os malditos Murrays ou quaisquer outros de seus parentes apareçam por aqui em busca de vingança. Então você matou sir Neil porque ele tentou assassinar sua esposa.

Não matei meu tio. — Embora a insinuação de que pudesse matar um homem idoso, desarmado, provavelmente bêbado fosse um insulto, Connor lutou contra a raiva que borbulhou dentro dele. — Eu precisava dele vivo, tinha perguntas que somente ele poderia responder.

— Sua adaga foi encontrada fincada no peito do homem. — O conde olhou para o punhal que fora colocado sobre a mesa e correu o dedo pelo desenho céltico encravado no cabo. — Até mesmo eu me recordo desta arma de uma de suas raras visitas aqui. É um belo trabalho e muito antigo.

— Foi passado de pai para filho, de lorde a lorde, desde que o primeiro MacEnroy reivindicou as terras de Deilcladach.

— Uma peça da qual você cuida com zelo.

— Sim. Eu a guardo em meu quarto, retirando-a apenas em ocasiões importantes, tais como quando vim aqui. É muito valiosa, uma das poucas peças de minha história que sobreviveu à destrui­ção com a rixa entre famílias, para ser usada como um punhal comum. O fato de usá-la raramente é indubitavelmente o motivo de eu não saber que fora roubada.

Lorde Dunstan o estudou detidamente, ainda acariciando o cabo da adaga.

— Quer nos fazer crer que foi roubada?

— Sim. — Connor sabia que, pergunta após pergunta, o conde tentaria levá-lo a uma confissão. E só poderia rezar para que a verdade fosse suficiente para afastá-lo de alguma armadilha em que o astuto lorde pudesse pensar.

— E aconteceu de estar na cabana naquele exato momento?

— Sim. Eu já tinha conversado com sir Robert Dalglish e sir David Goudie. O que me disseram me levou a falar com a mulher que vive lá. Eu também queria conversar com meu tio, porém não imaginei encontrá-lo na cabana..

— Nem na casa de sua amante, com certeza.

—Meg foi minha amante, milorde. Livrei-me dela quando desposei Lady Gillyanne Murray. Escolhi dispensar aquela mulher. Meg não trabalhava, causava desavenças e insatisfação entre o resto das mulheres, era abertamente confrontadora e desrespeitosa com minha esposa e, finalmente, me traiu.

— Dizem que você culpou essa mulher pelas ações impulsivas de sir Robert com relação à sua esposa. Você não disse nada a respeito, e raptar a esposa de um lorde é um crime sério.

— O senhor ouviu provavelmente o relato de como eu vim a me casar. — O conde concordou e Connor ficou feliz de não ter de contar aquela história complicada e de certa forma constrangedora. — Meg contou a sir Robert coisas particulares de meu castelo e o fez crer que a escolha de minha esposa poderia ser alterada. Existe um modo de minha esposa pôr um fim ao casamento. Robbie julgou que poderia seduzir minha esposa e levá-la a se descartar de mim e casar-se com ele. Ele não maltratou Gillyanne e não me enfrentou quando fui buscá-la de volta. Achei que fosse um erro que poderia ser mantido entre nós dois.

— Seria ótimo se outros lordes pudessem resolver seus problemas com tanta calma — murmurou o conde.

— Todos conhecemos bem o alto custo de fazer o contrário, milorde.

— É claro. Contudo a mulher contou apenas um pedaço de todos os boatos. Não foi uma grande traição.

— Ela procurou sir Robert e lhe contou exatamente o que era necessário para causar problemas. sir Robert é um aliado e o problema mostrou-se pequeno. Isso não diminui o crime. Meg fez isso simplesmente para ganhar algo para si própria ou por vingança. Não vi razão para lhe dar uma segunda chance, para arriscar que contasse a algum inimigo segredos mais importantes. Eu ia expulsá-la para algum casebre nas charnecas porém resolvi que uma cabana na vila seria melhor pois eu poderia mandar as duas companheiras com ela. Afinal, sabiam o jogo que Meg fazia e mantiveram silêncio, prestando mais lealdade a ela do que a seu senhor.

Eu teria sido mais duro em minha punição, se o que você diz é verdade. Peter, dê a sir Connor um pouco de vinho — o conde ordenou a seu subordinado.—Tenho mais perguntas a fazer a ele. Não queremos que sua garganta seque.

Connor aceitou o vinho apesar de ter de tomar gole a gole pela mão de Peter, já que as suas permaneciam amarradas. O maior problema de ser acusado de algo, pensou, era a necessidade de provar que se dizia a verdade. Era difícil de crer que o conde aceitasse a palavra de uma prostituta contra aquela de qualquer lorde, e no entanto o homem obviamente levava a história de Meg em consideração. Connor desejou que Gillyanne estivesse a seu lado pois de súbito teve a certeza de que o velho sabia algo que ele não sabia, algo que o fazia considerar a história de Meg além do que seria concebível. Gillyanne poderia farejar algo, enquanto ele simplesmente começava a se sentir mais e mais inquieto, como se apanhado em algum jogo do qual não conhecesse as regras.

— Então, sir Connor — disse Lorde Dunstan, assim que Connor terminou o vinho —, suas explicações têm o toque da verdade, contudo existem três mulheres que contam a história de uma forma muito diferente.

— Três prostitutas — Connor retrucou, calmamente. — Três mulheres que expulsei de Deilcladach onde estavam muito confortáveis. Três criaturas que agora precisam trabalhar para comer, o que nunca tiveram de fazer antes.

— Algo a considerar — murmurou o conde.

— Posso saber exatamente o que disseram? É evidente que as mulheres me culpam pelo assassinato de meu tio, porém disseram por que eu fiz isso?

— Porque finalmente soube a verdade sobre ele.

— A verdade? — Connor ficou tenso, sua inquietação a se transformar em medo, embora não soubesse com certeza porque se sentia assim.

— As mulheres dizem que você se zangou ao descobrir que seu tio estava se deitando com sua amante. Já que seu tio era um bêbado, não cuidava das próprias palavras. Expressava desgosto por sua esposa, porém foi a revelação sobre o passado que fez com que você o agredisse. Quando as mulheres me contaram do que o homem era culpado, confesso que senti que ele bem mereceu a sina de ser morto. No entanto, não posso permitir o assassinato de um par do reino. Seria melhor que o tivesse desafiado para um duelo. Um combate homem-a-homem para resolver velhos erros.

— Não matei meu tio — Connor repetiu.

— Ora, rapaz, compreendo o que o levou a fazer isso. O sujeito era um traidor. Ele manteve aquela rixa mortal viva, envenenou cada tentativa de se pôr um fim às desavenças. Soube que ele cortejava sua mãe, porém ela foi dada ao lorde seu pai. Sempre julguei que foi escolha dela, porém seu tio falava disso como coisa forçada pelos pais dela. Tornou-se amargo, porém nunca imaginei o quanto isso era profundo, que se transformara em ódio assassino. A rixa evidentemente estava demorando demais para fazer o que ele queria. Essa é a única explicação para tamanha traição de alguém do próprio sangue. Instigar os inimigos do próprio irmão com mentiras e depois ajudá-los a rodear as defesas de Deilcladach. Ele deveria saber que sua traição poderia matar com facilidade muitos mais do que apenas seu irmão. Ele colocou a família inteira sob uma espada. Talvez tenha passado a odiar a mulher que amava também. — O conde deu de ombros. — Dizem que um amor escarnecido pode se tornar um ódio profundo. Duvido que ele tenha dedicado um só pensamento a você e às outras crianças quando soube que haviam sobrevivido. Talvez julgasse que morreriam ou partiriam nos tempos difíceis que se seguiram, pois ele certamente não prestou nenhuma ajuda. Deve ter parecido uma bênção para ele ter todos que sabiam o que ele fizera assassinados naquele dia sangrento.

Lorde Dunstan fixou o olhar agudo sobre Connor.

— Diga-me a verdade, rapaz, e eu me esforçarei por livrá-lo. Eu o faria agora não fosse o próprio rei que exigiu o fim de tais derramamentos de sangue, de se fazer justiça com as próprias mãos. Não posso lutar por seu bem se você se recusar a me dizer a verdade.

Connor estava admirado por ainda continuar de pé. Cada palavra que o conde dissera fora como um soco em seu estômago. Desde que Gillyanne chegara a Deilcladach, Connor soubera que se conduzira de forma cega com relação ao tio, começara a enxer­gá-lo com mais clareza e não gostara do que vira. Aquela história terrível explicava muita coisa que Connor sabia e lhe mostrava a verdade, verdade que o cortara tão profundamente que estava surpreso em não sangrar.

Debaixo da dor havia uma profunda e humilhante vergonha. Fora um tolo, apegara-se à cegueira da juventude. Permitira que o assassino de seus pais entrasse em sua casa, em sua vida, nas vidas de outros que a traição de Neil deixara órfãos ou viúvas. Durante todo o tempo em que Connor se esforçara por ser um lorde forte, para reconstruir suas casas e terras, abraçara o próprio homem que levara Deilcladach à ruína. Se aquele devastador ataque final não houvesse saciado a necessidade de seu tio por vingança, Connor percebia que possibilitara a seu tio uma vasta possibilidade de matá-los a todos. Embora isso não tivesse acontecido, Connor sabia que era ainda assim um fracasso, um de tais propor­ções que não acreditava ter qualquer direito de chamar a si próprio de lorde.

Agora era hora de defender-se, de explicar que não sabia de nada disso. Porém, como poderia explicar tamanha ignorância? Com os pensamentos tumultuados, não conseguia pensar com clareza e duvidava que o conde ficasse sentado pacientemente enquanto ele lutava contra as emoções que o devastavam.

— Não matei meu tio — foi tudo que pôde dizer e ele percebeu que a afirmação soava fria, distante, sem nada revelar de seu choque ou sofrimento.

— Ah, rapaz, eu tinha esperança que pudesse confiar em mim.

—- Eu confio, milorde.

— Não o bastante. Eu lhe darei tempo para pensar. Peter irá retê-lo num pequeno quarto da torre do qual não há saída. Depois de alguns dias, falaremos outra vez.

Connor sabia que deveria agradecer àquele homem, porém só conseguiu se curvar numa reverência antes que Peter o levasse do salão. O quarto da torre em que foi colocado era pequeno, porém não desagradável. Antes que as tiras que lhe prendiam as mãos fossem cortadas, uma bandeja com comida e vinho fora colocados no quarto, trouxeram água para que se banhasse e o fogo foi aceso com lenha deixada a mais ao lado da lareira. Ele parado ali, incapaz de se mexer ou falar, enquanto as mãos eram libertadas e os homens saíam do aposento.

Sozinho, Connor praguejou, ao se jogar de costas sobre a cama, surpreendentemente confortável. Não queria pensar. Não queria contemplar a vil traição de um homem no qual confiara, gostara e respeitara durante anos. Mesmo na morte, o senso distorcido de vingança de seu tio o alcançava, para lhe arruinar a vida. Poderia ser enforcado pela morte de um homem que merecia morrer, um homem cujas mãos estavam encharcadas do sangue do próprio irmão e de muitos do mesmo clã.

Mesmo que escapasse ou tivesse o nome limpo, como poderia retornar a Deilcladach como lorde? Seu fracasso fora muito grande. Connor levou as mãos aos olhos e não se surpreendeu ao senti-los molhados de lágrimas. Era,quem sabe, uma boa hora para lamentar, para chorar por aqueles que tinham morrido por causa dos ciúme de um homem, e pela sua própria cegueira em ver a verdade. Por mais fraqueza que isso denotasse, Connor esperava que ao dar rédeas livres à fraqueza, sua cabeça ficasse clara. Quando se postasse diante do conde outra vez, precisaria estar de posse de toda a perspicácia e de um plano.

— Senhor — disse Peter, ao voltar para junto do conde —, não tenho certeza de que sir Connor seja culpado.

— Não? — O conde sopesou o punhal de sir Connor. — Você não mataria o homem que quase trouxe a completa destruição de seu clã, sua família e suas terras?

Sim, e provavelmente tão lenta e dolorosamente quanto pudesse.

Contudo, não creio que ele soubesse de alguma coisa até que o senhor lhe contou. — Peter meneou a cabeça. — Ele não disse nada. Repetiu a declaração de inocência como uma criança que repete uma lição. Quando o levamos para o quarto da torre, tive a sensação de que ele estava atónito, completamente estarrecido. Agia como alguém que fora atingido na cabeça com uma pedra até desmaiar. É difícil de explicar.

— Não explicou tão mal. Creio que mandarei uma mensagem ao rei.

— Por que julga que sir Connor é culpado?

— Ele tinha motivo, foi dele a arma e três mulheres, prostitutas que sejam, alegam que ele fez isso. Deveria ser simples, porém não é. Não posso crer que sir Connor matasse um homem assim. Por tudo que ouvi dizer, não creio que ele agisse de modo tão tolo nem se permitiria ser consumido pela raiva. Alguma coisa não se encaixa aqui, e eu devo informar ao rei. Ele precisa saber que um de seus cavaleiros está morto, porém não acusarei ninguém do crime ainda.

— Ah, é claro. Deverei levar a mensagem?

— Sim — o conde levantou-se. — E esteja pronto para ir tão logo eu acabe de escrever o maldito comunicado.

Diarmot enxugou as palmas suadas em seu gibão enquanto esperava que o guarda destrancasse a porta da prisão de Connor. Não conseguia crer no que estava acontecendo. Num momento vira Connor se afastar para falar com Meg e, no momento seguinte, a mãe quase incoerente de Encaroçado lhe contava que Sir Neil es­tava morto e que os homens do conde tinham arrastado Connor para Dinnock para responder pela acusação de assassinato. Diar­mot não conseguira dormir, ficara a andar de um lado para outro no quarto, a mente cheia de perguntas, à espera do dia raiar para que pudesse seguir para Dinnock. O próprio conde não fora muito claro, porém pelo menos permitira que ele visse Connor. Depois de lhe tirarem todas as armas, fora conduzido à torre.

No instante em que Diarmot entrou no quarto, a porta foi fechada atrás dele. Custou-lhe um momento para que pudesse enxergar com clareza, o aposento iluminado apenas por um pequeno fogo. Quando finalmente viu Connor numa cadeira ao lado da lareira, Diarmot sentiu sua inquietude crescer. Não havia sequer uma marca em seu irmão, porém Connor parecia ter sido surrado até o estupor.

— O que, pelo amor de Deus, está acontecendo? — Diarmot perguntou, aflito com o brilho sombrio nos olhos do irmão.

— Fui acusado da morte de sir Neil MacEnroy — retrucou Connor.

— Você não mataria nosso tio.

— Depois do que eu soube, sim, eu teria arrancado as entranhas daquele porco sem hesitação. — Connor encheu novamente sua caneca e perguntou: — Vinho?

Diarmot puxou uma banqueta para sentar-se em frente de Connor e serviu-se de um pouco de vinho da jarra que Connor segurava. Havia uma raiva glacial por trás das palavras de Connor. Era como se toda a afeição e o respeito pelo tio tivessem de repente sido brutalmente mortos. Diarmot só esperava que a despeito do ânimo sombrio do irmão, ele pudesse contar-lhe tudo.

— Seu punhal foi encontrado enterrado no coração de tio Neil.

— Sim, e não teve um uso tão bom em uma geração. Eu gostaria de ter sido aquele que o enterrou lá.

— Por quê, Connor? Por que haveria de querer matar um homem que você sempre respeitou e reverenciou, e por que ele merecia morrer?

Connor descansou a cabeça no encosto da cadeira, bebeu um longo gole de vinho e então fechou os olhos. Numa voz monótona, sem qualquer emoção, contou a Diarmot a terrível verdade sobre sir Neil MacEnroy. Quando terminou, o silêncio era tão pesado que Connor podia quase sentir que o oprimia. Olhou para Diarmot e não se surpreendeu ao ver o irmão pálido e abalado.

Jesus, e nós deixamos que aquele bastardo fosse quando quisesse a Deilcladach, demos-lhe as boas-vindas, ficamos agradecidos que pelo menos um dos nossos parentes mais velhos ti­vesse sobrevivido — Diarmot balbuciou finalmente. — Como o conde soube disso?

— Meg e as outras mulheres lhe contaram — retrucou Connor. — Disseram ao conde que Meg e eu ainda éramos amantes, que eu discuti com Neil e, enfurecido, Neil, bêbado, pusera para fora toda a verdade que ocultara durante tantos anos. E eu, enlouquecido, o esfaqueei. Depois enterrei meu punhal em seu coração e saí. Depois de passado o tempo suficiente para que Meg e suas companheiras fossem contar tudo ao conde e para o conde enviar seus homens em minha captura, eu de repente me lembrei de meu punhal e voltei para recuperá-lo.

— Então, Meg não apenas tenta enforcá-lo por um crime que você não cometeu, porém faz com que pareça um perfeito idiota também — resmungou Diarmot. — Por que nosso tio contaria a Meg um segredo tão perigoso? Ele não confiava em mulheres.

— Não, porém adorava beber. Acho que ele e Meg- queriam que Gillyanne fosse embora, depois a quiseram morta quando ela não mostrou sinais de que iria partir. Talvez eles tenham discutido quando a última tentativa de se livrarem de Gillyanne pareceu fracassar. Neil pode ter deixado escapar uma parte da verdade e Meg conseguiu arrancar o resto dele.

— Meg não perdeu ninguém nas rixas. Por que se importaria com o responsável pelas mortes?

— Não creio que ela matou Neil por esse crime. Não ficaria surpreso se Meg tivesse pensado em usar esse segredo contra nosso tio para engordar a própria bolsa. Neil deve ter feito ou dito alguma coisa que a provocou. Eu também não me surpreenderia se souber que Meg roubou meu punhal quando foi expulsa, pensando em vendê-lo depois. E tramou para me culpar depois de assassinar nosso tio. Somente ela pode nos dizer porque o matou. Só não consigo compreender porque ele lhe disse tanto, mesmo caindo de bêbado.

- Talvez tenha sido sua esposa que lhe destravou a língua.

Nosso tio a detestou desde o começo, agiu como um miserável com ela. Bem, existe a possibilidade de que soubesse que ela tem o dom de captar o que um homem pensa ou sente. Isso poderia tê-lo deixado com medo e esse medo trouxe as lembranças das mortes hediondas muito perto da língua. Depois, foi apenas uma questão de tempo antes que ele as deixasse escapar.

- Acha que ele temia Gillyanne? Ouvi falar várias vezes sobre as habilidades dela, ontem. E os rumores se espalharam. E fazem seu dom parecer maior do que é. Dizem que ela pode ler os segredos ocultos no coração de um homem. É claro que ela tem um senso aguçado de percepção, porém o resto é tudo mentira, rumores para espalhar o medo e o ódio por minha esposa. Julgo agora que Neil, com a ajuda de Meg e talvez com a de Jenny e Peg também, espalhou essas histórias na esperança que os outros pudessem livrá-los de Gilly. — Connor riu, uma risada fria e amarga. — Foi David quem me revelou a ameaça que tais rumores representavam. Mesmo David enxergou mais claramente que eu. — Meneou a cabeça e então perguntou, de repente: — Como está Gillyanne?

— Bem, ainda descansando. Fiona está mais calma, não receia mais que haja febre ou infecção, e James concorda. James planeja ir a Dublin em breve para contar a história para a família. Receia que algum boato sombrio possa chegar aos ouvidos dela e quer ter certeza de que todos saibam da verdade.

— Ah, sim, sendo que a verdade é que eu quase fiz com que a filha deles fosse morta.

— Você? Que bobagem é essa? Você não tem nada a ver com isso.

Eu nada fiz a não ser dar abrigo a um assassino. Abracei nosso inimigo mais mortal, trouxe-o para perto da esposa que jurei Proteger. Enquanto eu estava aqui, pensando...

- Remoendo-se—Diarmot resmungou, mas Connor o ignorou. Percebi que Neil jamais nos ajudou realmente e ele poderia ter feito isso muitas vezes e de muitas maneiras. Eu deveria ter me questionado sobre isso.

— Você não o fez porque provavelmente pensou que ele não tinha nada a oferecer. Também sentiu que era seu dever liderar-nos, nos livrar da destruição.

— Orgulho tolo. Jesus, alguma vez que deveria ter pelo menos imaginado porque nós não poderíamos nos agasalhar nos estábulos de nosso tio, por trás de espessas muralhas, em vez de em pequenas choças ao ar livre. Com minha cegueira, falhei com todos.

— Maldição, você não falhou com ninguém! Connor, eu nunca gostei de nosso tio. Julgava que era um inútil que não fazia nada além de vir ver nossa luta, de vez em quando, que comia demais e bebia mais ainda — mesmo quando havia tão pouco — dormia com nossas moças e nunca ergueu um dedo para fazer alguma coisa. Sentia-se livre para dizer o que fazer, no entanto, nãoé mesmo? E houve ocasiões que tive vontade de bater en você por dar ouvidos àquele beberrão pomposo. O jeito que agia como se a pobre Fiona não existisse me enraivecia.

— Você o enxergou com mais clareza do que eu.

— Já que não era eu que carregava o fardo de cuidar de todos nós, tive tempo e discernimento para pensar em outras coisas. No entanto, em todos esses anos, mesmo os dias em que eu quase odiava o idiota, jamais pensei que ele fosse responsável por tudo o que aconteceu. Eu o julgava mal-humorado, egoísta, inútil, leviano e preguiçoso, mas ainda estou tão chocado quanto você de ouvir essas terríveis verdades. Por Deus, Connor, o homem era nosso tio! Claro que nem você nem qualquer um de nós poderia imaginar que ele tivesse algo com a morte do próprio irmão, da cunhada ou de tantos do mesmo clã.

—Mas eu era o lorde! Eu deveria ter visto. Em algum momento, em doze longos anos, eu deveria ter enxergado. — Connor esfregou a mão no rosto. — Não sou adequado para ser o lorde. É você que... — as palavras de Connor foram interrompidas pela entrada do guarda.

- O conde acha que sua visita já demorou bastante — disse o homem.

- É verdade — concordou Diarmot, e olhou com ar zangado para Connor ao se levantar e rumar para a porta.

— Diarmot.

— Não, não posso me demorar. — E você, fique aí sentado ruminando sobre sua falha em ter o olho que tudo vê do próprio Deus. Eu pretendo encontrar o verdadeiro assassino e tirar você daqui. Só não se remoa tanto a ponto de colocar uma corda no pescoço por um assassinato que não cometeu. Gostaria que estivesse ainda vivo quando eu voltar. Talvez então eu possa colocar algum bom-senso nessa sua cabeça. Suspeito que sua esposa poderá me ajudar. — Diarmot bateu a porta atrás de si.

 

- Você tem de contar a ela.

Diarmot suspirou e procurou ignorar as palavras da irmã. Connor estava mergulhado numa depressão perigosa e era acusado de assassinato. E isso deixara Diarmot com o tipo de responsabilidades as quais não queria.

A parte mais difícil, sabia, era contar ao resto da família a terrível verdade sobre o tio. Gostassem ou não do homem, seriam notícias duras de aceitar. Ele mantivera três clãs em constante desavença, era responsável por mais mortes do que Diarmot poderia imaginar. Mais duro ainda seria compreender que aquela verdade dava ao conde uma razão muito concreta para crer que Connor era culpado pelo assassinato do tio. Se não conseguissem encontrar o verdadeiro assassino, o melhor que poderiam esperar era que Connor fosse perdoado da morte em razão dos crimes de sir Neil.

— Como ela está passando?

— Muito bem, na verdade. Uma cura bastante rápida. Ela é bem mais forte do que se acreditava. Peguei-a de pé esta manhã e embora estivesse muito pálida, mostrou-se firme. Ela precisa saber o que está acontecendo com Connor. Irá ajudar.

— Você acha que notícias tão ruins poderiam ajudá-la na recuperação? — Diarmot indagou, atónito.

- É melhor que ela saiba a verdade. Pelo menos então ela não ficará pensando que Connor foi ferido ou está morto ou que não se importa com ela.

— Ah, é claro. — Diarmot levantou-se. — Reúna os rapazes, Fiona, e leve-os ao quarto do lorde. Encaroçado também. E onde está James?

— Partiu logo depois que Gilly acordou. Disse que via que ela ficaria bem e queria levar notícias aos parentes. Sua família poderia ouvir boatos e ele queria que soubessem da verdade. Também disse que os Murrays têm alguma experiência com falsas acusações e ele poderia trazer algumas sugestões de como libertar Connor.

— Vamos, menina, reúna a família.

— É assim tão sério?

— Muito sério.

Gillyanne ficou tensa e quase temerosa quando toda a família dos MacEnroys e Encaroçado entraram no quarto. A tensão e a inquietação de todos desabaram sobre Gillyanne.

— Primeiro, preciso lhe contar acerca de nosso tio — começou Diarmot.

— Ele foi assassinado — disse Nanty.

— O que precisamos lhe contar é sobre aquilo que foi descoberto depois que ele morreu. Nosso tio não era quem aparentava ser. Havia coisas sobre ele que nunca soubemos, jamais poderíamos imaginar.

Gillyanne sentiu um calafrio.

— Oh, todos aqueles segredos sombrios vieram à tona, não é?

— Sim, e são horrivelmente sombrios. — Com um suspiro fundo, Diarmot repetiu tudo que soubera de Connor a respeito de sir Neil. — Quando viu o quanto todos estavam pálidos, Diarmot Aspirou. — Talvez não seja certo contar isso a vocês.

— Não — protestou Fiona, limpando as lágrimas da face. — Fez bem. — Os outros murmuraram, concordando. — Essas verdades terríveis ficaram ocultas por tempo demais. Agora se espalharão depressa. — É melhor saber de você do que murmuradas a nossos ouvidos mais tarde por algum estranho. Conforme passarem de boca em boca, ficarão mais sombrias, embora eu não possa ver como poderiam ser mais tenebrosas—Fiona murmurou, ao se sentar na cama, ao lado de Gillyanne. — E é por isso que o conde pensa que Connor matou nosso tio?

— Sim — retrucou Diarmot. — Era a adaga de Connor que estava no coração de sir Neil.

Gillyanne ficou branca como cera.

— Meg a roubou quando partiu.

— É muito provável. Connor acha que Meg e Neil estavam tramando juntos para se livrarem de você. Conversas sobre o dom que você tem de captar o que as pessoas pensam ou sentem se espalharam. E bastante exageradas. Imagino que Neil acreditasse nisso e que o medo de ver a verdade descoberta soltou-lhe a língua. Até você chegar, ele provavelmente não pensava muito nisso. Então, de repente, estava tudo de volta à sua mente o tempo todo e ele ficou apavorado que todos soubessem ou que você o desmascarasse.

— Julgaram que poderiam fazer as pessoas apavoradas se livrarem de mim por eles ou me obrigar a fugir dos murmúrios perigosos.

—Não há nenhuma prova, nenhuma confissão e poucas pessoas em Deilcladach sabiam de sua habilidade. Deve ter sido nosso tio que espalhou os boatos.

— No que foi ajudado por Meg, Jenny e Peg. — Gillyanne calou-se por um instante e então perguntou: — Onde está Meg?

—O conde disse que ela e as outras mulheres receberam ordens de voltar para a cabana e de ficar lá, porém, quando parei na casa ao voltar de Dinnock, não vi sinal de nenhuma delas — retrucou Diarmot.

— Não é surpresa. Duvido que tenham ido muito longe — murmurou Gillyanne, e procurou confortar Diarmot. — Elas não têm para onde ir, não têm dinheiro e nenhum parente. Meg também poderia querer ficar por perto para ver os resultados de suas tramas e crimes.

— Você tem algum plano, Gilly?—Fiona perguntou, ao ajudar Gillyanne a se levantar, depois de dar a ela uma caneca de vinho.

— Tenho certeza de que Diarmot tem, Fiona — murmurou Gillyanne.

— Porém não tive tempo ainda de escolher a melhor solução. A não ser a necessidade de encontrar o verdadeiro assassino.

— É Meg, não é? — Gillyanne tinha certeza que era, porém receava que o ciúme e o desgosto pudessem obscurecer sua razão.

— Creio que sim — disse Diarmot. — E Connor também. Não pelas razões pelas quais nós mesmos poderíamos ter matado aquele bastardo. Talvez nosso tio tenha destilado o seu veneno contra as mulheres ou enraivecido Meg ao escarnecer de alguma ideia que ela tivera.

Gillyanne meneou a cabeça.

— Ela é capaz de tudo, principalmente se se sentir insultada, e seu tio poderia se mostrar bastante ofensivo. Contudo, poderemos descobrir a verdade quando encontrarmos Meg e as outras duas. É a primeira coisa que precisamos fazer.

— Concordo — disse Diarmot e voltou-se para os quatro outros rapazes. —- Poderemos iniciar a busca por elas agora mesmo.

— Como está Connor? Está zangado? — Gillyanne perguntou.

— Ah, não. Está deprimido.

— Oh, meu Deus. Seria melhor se estivesse zangado.

—Bem melhor. No entanto, ele acha que falhou para com todos nós, não merece ser nosso lorde. — Diarmot ergueu a mão para silenciar os protestos da família e de Encaroçado. — Fiz o melhor Para fazê-lo ver que ninguém poderia adivinhar que segredos nosso tio escondia em seu negro coração. Como alguém haveria de conceber uma coisa dessas?

Ele não mudou de ideia, no entanto.

Não, Gilly. A traição corta fundo, eu creio, pois Connor via o homem quase como um pai. Agora se sente um completo idiota.

É fácil de ver quantas vezes Neil poderia ter terminado a matança de todos os MacEnroys. E Connor pensa em como deixou aquele homem chegar perto de você, Gilly, como não viu a ameaça que representava para sua vida. Isso e muito mais. Ele está preso num quarto da torre e tem todo conforto, porém fica sozinho na penumbra durante horas.

— E assim pode ficar se remoendo sem parar. Bem, isso se resolve. Preciso vê-lo.

-— Não. São várias horas de cavalgada e você foi seriamente ferida, dois dias atrás.

— Porém não foi nada sério. — Ela ergueu a mão quando Diar-mot ia argumentar contra. — A flecha atingiu meu ombro no alto. O músculo está bem, o osso não foi atingido e não sangrei muito. Sim, ainda dói, mas não tanto como antes. Contanto que eu tenha cuidado e não reabra o ferimento, ficarei bem.

— Mas a viagem...

— Irei num coche que mandarei preparar para suavizar a jornada.

Diarmot franziu a testa.

— Isso irá retardar a viagem. Não creio que possa ir e voltar no mesmo dia.

—Então ficarei em Dinnock. Diarmot, não se pode deixar Connor sozinho num quarto escuro a remoer o que ele julga ser a pior das falhas. Desde o dia que seus pais morreram, o único propósito na vida de Connor foi a proteção e a sobrevivência do que restou de sua família e de seu clã. Ele não pode se convencer de que fracassou. Ele precisa de alguém que lhe ponha senso na cabeça.

— Você tem razão, porém talvez fosse melhor se eu fizesse isso.

Gillyanne negou com a cabeça.

— Como esposa, tenho umas poucas maneiras de... ah... melhorar o humor de Connor, que você não tem. — Gillyanne piscou para Diarmot, que sorriu, enquanto os outros caíam na risada.

Ele não irá me esmurrar se eu disser alguma coisa que ele não queira ouvir.

— Ora, esse é um argumento forte — murmurou Diarmot e riu. — Pode ir. Leve Fiona, Encaroçado e dois outros homens com você. Meus irmãos e eu iremos caçar Meg enquanto você estiver fora e arrancar a verdade dela.

— Se não conseguirem, eu farei isso ao regressar.

— Creio que posso ser um bocado mais ameaçador que você.

— Sim, para uma moça que não conheça você como Meg conhece. Ela sabe de suas fraquezas.

— Que fraquezas? — perguntou Diarmot, ofendido.

— Ora, o fato de que você provavelmente não conseguiria machucar uma mulher.

— Ah, eu não tinha pensado nisso. — Ele franziu a testa. — Também não tenho certeza de que ela acreditaria que você pudesse ferir alguém.

— Confie em mim, Diarmot, ela acreditará. Para deixar Meg apavorada, levarei Joan para ajudar-me. — Riu ao ver que todos os homens arregalavam os olhos. — E, uma última coisa — descubra tudo que Connor fez naquele dia. Onde esteve, quando foi à cabana e quem o viu.

— Por quê?

— Podemos provar que ele simplesmente não teve tempo ou oportunidade de matar ninguém.

— Moça, você tem uma mente admirável.

— Obrigada. Agora, vamos nos preparar para ir ao encontro do conde e de meu marido deprimido.

Connor olhou incrédulo para a pessoa que Peter introduzia no Quarto. Julgou que estivesse sonhando. Gillyanne não poderia estar ali de pé, um tanto pálida, mas saudável. Da última vez que a vira, ela estava inconsciente, e acabara de ter retirada uma flecha do Oonbro. Embora ele tivesse perdido a noção de tempo, isso fora aPenas três dias atrás.

— Jesus, Connor, não lhe deram nenhuma vela? — perguntou Gillyanne, estreitando os olhos numa tentativa de enxergá-lo me­lhor na penumbra.

— Se eu acender uma, você pode desaparecer, já que não é mais que uma visão provocada por bebida demais e pensamentos dolorosos.

— Você parece muito deprimido.

Connor acendeu uma vela e voltou-se para fitá-la. Realmente parecia um pouco pálida, porém estava firme de pé e a expressão irritada na face era mesclada de um toque de pesar. Era impossível que uma mulher frágil como Gillyanne, que fora ferida por uma flecha, três dias antes, em Deilcladach, estivesse ali em Dinnock, agora, fisionomia fechada a encará-lo.

— Você não deveria estar na cama? — ele perguntou.

— Soube que você estava deprimido e resolvi que precisava que eu lhe pusesse senso na cabeça.

Gillyanne sentou-se na banqueta e Connor voltou para sua cadeira.

— Talvez eu apenas tenha sonhado com o ataque — ele resmungou.

— Não. Fui ferida. — Abriu o corpete, puxou-o para o lado e ergueu a bandagem de linho que cobria o ferimento. — Viu? Está feio, porém está sarando.

Ela tinha razão, ele pensou, ao olhar o ferimento. Parecia mais antigo. Na pele clara e macia, parecia feio. Por um instante, o olhar de Connor caiu sobre os seios de Gillyanne. Seu corpo retesou-se à vista dos mamilos rosados, duros e convidativos. Desviou de novo a atenção para a ferida, de volta à horrível recordação de como falhara em protegê-la. Então, levantou-se e recostou-se contra o aparador de carvalho da lareira e fitou as chamas. Ainda a queria, com loucura, mas não tinha mais qualquer direito de tocá-la.

Gillyanne franziu a testa. Por um breve momento, Connor reagira como era comum diante da vista dos seios apenas cobertos pelo tecido fino. Agora, teria de ser mais agressiva. Connor precisava ser trazido ao bom-senso, porém parecia estar afundado em depressão. E isso tinha de ser afastado para que ele pudesse ouvi-la, paixão, ela resolveu, seria a maneira de consegui-lo..

Não seria difícil, imaginou, ao fitá-lo. Ele usava apenas as ceroulas de linho. Pelos cabelos molhados, ele devia ter acabado de tomar um banho. Ao apreciar cada centímetro daquele corpo, o olhar de Gillyanne parou sobre a evidente prova de que ele não estava completamente controlado como queria fazer supor. Se ela pudesse fazê-lo sentar, Gillyanne sabia exatamente como seria seu plano de ataque.

— Você não deveria ter vindo aqui, Gillyanne — disse Connor, ao olhar finalmente para ela e ver que não cobrira os seios.

— Não? Eu deveria ter ignorado o fato de que você está sendo acusado de um crime que não cometeu e que está deprimido a ponto de tomar uma decisão insensata?

Connor afundou-se na cadeira, tomou um longo goled e vinho e encarou-a com o rosto fechado.

— Não sou o homem adequado para ser lorde. É dever de um lorde proteger sua família e o clã. Eu fracassei. Fui um cego, abracei meu inimigo, deixei que entrasse em minha casa e atacasse minha própria esposa.

Gillyanne ajoelhou-se entre as pernas do marido.

—Ele era seu tio, Connor.—Pôs a caneca de lado e lhe acariciou as coxas. — Sangue do seu sangue. Quase todo mundo confia no sangue até que façam algo terrível que quebre essa confiança.

—Ele sobreviveu. Isso deveria ter levantado uma suspeita, uma dúvida. — Connor estava julgando difícil ignorar as carícias e a aquela posição provocante.

— Não, isso provocaria exatamente o que provocou — fazê-los gratos que um outro membro da família tivesse sobrevivido à matança.—Ela se inclinou, deslizou as mãos até os quadris de Connor

beijou-lhe o ventre liso. — Você é um homem justo e honrado, Connor MacEnroy, que passou a maior parte da vida lutando para manter seus irmãos vivos. Não é de se surpreender que, dentre todos, jamais considerasse a possibilidade que um homem pudesse fazer de tudo para ver o irmão e a família mortos. Se fosse outro qualquer, talvez você pudesse se maldizer por não ter visto a ameaça, mas era seu tio, o próprio irmão de seu pai, acolhido com amor na casa. Você não pode se culpar por não ter visto o demónio nele. Ninguém mais viu.

— Você viu — Ele estendeu a mão e afagou os cabelos de Gillyanne, o corpo todo a ansiar por ela.

— Não, vi uma alma atribulada. — Ela soltou-lhe as ceroulas. — Vi um homem atormentado. — Curvou os dedos em torno do membro ereto e acariciou-o, saboreando o tremor que percorreu o corpo de Connor por inteiro e a maneira com que as pernas dele se fechavam, prendendo-a. — Vi que ele estava cheio de raiva e segredos sombrios, porém nunca teria imaginado a plenitude de seus crimes. — Gillyanne inclinou-se mais e substituiu os dedos pela língua, feliz com o profundo gemido de prazer que arrancou do marido.

— Diarmot disse a mesma coisa — ele conseguiu dizer, por entre os dentes cerrados.

— Temos razão, e se você parasse de se martirizar, concordaria com isso.

— Talvez — Ele começava a acreditar que permitira que a autopiedade o consumisse, porém o desejo o impedia de falar.

Connor recostou a cabeça na cadeira e fechou os olhos enquanto lutava para se controlar. Queria ter a força para se sentar ali, simplesmente desfrutando dos toques quentes daquela língua, do calor daqueles beijos, da carícia dos dedos longos. Gillyanne parecia saber o quanto ele ansiava para se demorar naquele atordoamento sensual. E quase agradeceu o breve instante de ausência de carícias, quando ela parou para lhe tirar as ceroulas.

Então, ela o tomou por inteiro na boca. Connor agarrou-se nos braços da cadeira, a lutar para conter o prazer até um nível próximo à necessidade de liberação. Ela fazia amor lentamente, de uma maneira que o deixava louco. Como uma criança a tentar fazer seu doce favorito durar tanto quanto possível, ele pensou, e a ideia lhe pareceu tão elogiosa que ele percebeu que precisava pôr um fim àquela brincadeira.

Afastou-a com doçura. Com cuidado para não lhe tocar o ferimento, ergueu-a nos pés. Gillyanne parecia ligeiramente atordoada.

— Tire seu vestido — ele pediu, e ficou a observá-la enquanto ela se despia até ficar apenas com a fina combinação e as meias.

Quando ele lhe ergueu a perna, pousando-lhe o pé sobre sua coxa, e começou a lhe tirar a meia, Gillyanne apoiou-se no braço da cadeira com uma das mãos e, com a outra, fez um gesto de modéstia.

Ao lhe tirar a mão da combinação, Connor murmurou:

— Não, permita a seu pobre homem espiar aquilo que ele tanto quer.

Gillyanne enrubesceu, mas não discutiu, mesmo quando o olhar foi mais que uma espiada. Logo, a maneira com que ele lhe acariciava a perna, da coxa até o pé, a deixou em chamas. Quando ele tirou a outra meia, ela tremia toda. E quando deslizou a mão até o meio das pernas e começou a provocá-la, ela suspirou de prazer.

— Tão quente e tão úmido — ele murmurou e beijou-a no ventre. — Sente-se aqui.

Puxou-a e sentou-a nas pernas, as coxas a lhe prenderem as nádegas. Lentamente tirou-lhe a combinação. Ainda a prendê-la nas coxas, beijou-a, um beijo lento e ávido.

Gillyanne gemeu de puro prazer quando ele a ergueu ligeiramente e começou a lhe sugar os mamilos. Depois, Connor beijou-lhe e lambeu-lhe o ventre, até os quadris. Ela então, enterrou os dedos nos cabelos dele, exigindo que desse fim àquele tormento. Ele lentamente puxou-a para baixo, unindo seus corpos. Começou a lhe beijar os seios outra vez. E Gillyanne envolveu-o nos braços. Um instante depois, ele deslizou a mão por entre os corpos para tocar aquele ponto sensível acima da junção carnal.

Então, os espasmos começaram dentro dela. Por um instante, ele saboreou a sensação, o grito de prazer a lhe ecoar nos ouvidos, antes de berrar ele próprio quando chegou às alturas do delírio.

Gillyanne abriu os olhos e viu que Connor espiava seu ferimento. Doía um pouco. Percebeu que estavam na cama. Recordou-se de Connor carregá-la até ali.

— Dói um pouco, mas não mais do que doía quando cheguei — ela murmurou.

Quando ele ia responder, uma batida soou na porta. Connor praguejou. Levantou-se e vestiu as ceroulas quando se deu conta de que ninguém nunca batera antes. Olhou para Gillyanne que puxara as cobertas até os olhos e, então, rumou para a porta. Abriu-a e viu Peter e Encaroçado no corredor.

— Você não deveria ter deixado que Gillyanne fizesse essa viagem — disse a Encaroçado.

— Sua esposa é tão teimosa quanto você — retrucou Encaroçado, ao colocar uma pequena sacola dentro do quarto. — Partirei ao amanhecer.

Peter entregou uma bandeja com comida e bebida nas mãos de Connor e em seguida fechou e trancou a porta. Connor colocou a bandeja sobre a cama. Depois, olhou para a sacola antes de encarar Gillyanne.

— Veio preparada para ficar? — perguntou.

— Bem, depressão pode ser difícil de expulsar. — Gillyanne sentou-se, puxou os cabelos por sobre os seios e serviu-se de uma grossa fatia de pão.

— Bem, creio que ela sumiu por enquanto — retrucou ele, ao tirar as ceroulas e enfiar-se na cama. — Mesmo assim, é bom que você fique para passar a noite, só para o caso de eu cair de novo nela, uma ou duas vezes até o sol nascer.—Piscou para Gillyanne, que riu, e então perguntou: — Então, vai voltar a Deilcladach? Para fazer o quê?

— Pretendo encontrar o verdadeiro assassino e tirar você daqui. Ele examinou-a por um instante, atónito ao perceber que aquela frágil mulher iria ajudá-lo, iria salvá-lo. Fazia um longo tempo, se é que acontecera alguma vez, que alguém fizera algo por ele. Sorriu.

— Se alguém pode conseguir, é você, minha esposa — ele murmurou. — Agora, coma. Precisa de forças.

— Meu ferimento está sarando bem.

— Não é por isso.

— Para pegar o assassino?

— Nem por isso também. Por cumprir seu dever como minha esposa e banir qualquer depressão que eu possa me sentir inclinado a ter durante a noite.

— Ah, será um prazer, meu marido.

— Eu realmente pretendo que seja, minha esposa.

 

Gillyanne sentou-se à mesa para comer. Voltara do castelo do conde fazia horas, porém todos tinham permitido que ela descansasse. Fiona provavelmente lhes saciara a impaciência repetin­do tudo que Gillyanne lhe contara.

Estava morrendo de fome depois daquela longa noite sensual com Connor e também pela cansativa viagem.

De repente, recordou-se como dera boas-vindas à manhã, com Connor dentro de si, e estremeceu de renovado prazer. Connor abandonara a depressão. Mostrara-se até irritado e frustrado por depender dos outros para livrar-se do problema. Ela sabia que não era por não confiar nos demais, mas porque era um homem acos­tumado a liderar, não seguir, e certamente não costumava ficar sentado e esperar.

— Encontraram Meg — anunciou Fiona, ao entrar no salão.

— Por favor, conte-me tudo.

— Um pobre idiota pensou que Deus lhe sorria ao lhe mandar três moças adoráveis que procuraram refúgio em sua humilde cabana. Não se sentiu tão glorioso quando todos aqueles MacEnroys zangados e bem armados bateram à sua porta. Angus disse que o homem quase jogou as mulheres nuas para fora e bateu a porta, mas Diarmot lhe ordenou que deixasse que elas recolhessem os pertences. Meg começou a xingá-los e tentou fugir. Eles lhe ataram as mãos e a amordaçaram. Isso fez com que as duas outras se mostrassem bastante cooperativas. Portanto, Meg está aqui, à espera de interrogatório.

— Isso vai estragar o que parecia um dia lindo — Gillyanne resmungou e sorriu quando Fiona soltou uma risada. — Ah, aí vem o resto.

— Suponho que Fiona já lhe contou tudo — disse Diarmot, quando ele, os irmãos e Encaroçado se sentaram à mesa. — Tentei fazer Meg falar, mas ela infelizmente não revelou nada enquanto praguejava, entre insultos e ameaças a nós. Oh, e nos assustou com a possibilidade de Connor ser enforcado pelo assassinato de nosso tio.

— Terei de falar com ela, não é?

— Receio que sim, Gillyanne — retrucou Diarmot. — Tem certeza de que poderá fazê-la confessar? Eu... ah... não vejo porque você deva sofrer com o veneno que ela vai destilar.

— Com a ajuda de Joan, eu a deixarei com muito medo ou talvez muito zangada. Vocês já verificaram tudo o que Connor fez naquele dia para que possamos provar que ele não teve tempo nem oportunidade para matar o tio?

— Sabemos o que fez porém todas as testemunhas são de MacEnroys. Não são as melhores para o conde.

— Não. Contudo, se o sangue ainda estava fresco quando os homens do conde chegaram, poderemos argumentar que o assassinato foi cometido depois do meio-dia. Estranho, pois considerando o quanto demoraria para Meg chegar até o conde, contar a história e em seguida para os homens rumarem para a cabana, mesmo que forçassem os cavalos, teria se passado tempo bastante para o sangue secar.

— Porém Meg não precisou cavalgar até Dinnock. Ela encontrou os homens do conde a meio caminho, numa vila em que faziam patrulha. Peter mandou as moças contarem ao conde o acontecido enquanto ele e seus homens seguiram para a cabana. Quando Peter voltou a Dinnock, já com Connor, o conde mandara as moças para a vila.

— Portanto, seu tio foi assassinado depois que eu fui atacada. Seria fácil provar que Connor não poderia fazer isso, pois estava comigo e em seguida foi procurar sir Robert e depois sir David. Será que poderão atestar isso?

— Por que não pergunta você mesmo? — disse Diamort. Gillyanne olhou para a porta do salão e quase arquejou. Encaroçado entrava, ao lado de sir Robert e sir David.

— Pensei que estivesse ferida — disse Robert, ao se aproximar da mesa, com sir David a segui-lo.

— Estava — retrucou Gillyanne, convidando-os a sentar. — O ferimento está sarando depressa.

— Faz apenas três dias.

— Quatro, e não foi nada sério.

— Soubemos o que aconteceu a Connor e julgámos que podemos ajudar. Ele passou a maior parte daquele dia cavalgando para falar conosco. — Robert franziu a testa. — Não sei porque alguém haveria de pensar que Connor pudesse matar o tio. O sujeito era irritante e inútil, porém Connor parecia gostar muito dele.

Gillyanne levantou-se.

— Vou deixar que Diarmot e os outros lhe contem toda a história. Preciso ir e arrancar uma confissão de Meg.

— Acha que ela matou sir Neil? — perguntou Robert.

— Oh, sim, embora eu não saiba a razão. — Gillyanne olhou para Diarmot. — Onde está Meg?

— Amarrada a uma cadeira na cozinha. Suas duas amigas estão presas nos estábulos.

— A cozinha é um bom lugar. Fica distante e com a porta fechada, será impossível distinguir se os gritos são de raiva, medo ou dor.

— Pretende fazê-la gritar? — perguntou Robert. Gillyanne preferiu ignorar o ar divertido nas feições de Robert.

— Creio que ela fará uma gritaria pois está furiosa e com medo que a verdade venha à tona. Contudo, qualquer um sentado aqui ficará convencido de que a mulher está sendo cruelmente torturada. Portanto — olhou para Diarmot —, traga as outras para cá. Acho que você pode fazê-las acreditar que estou arrancando a pele de Meg viva na cozinha. Elas contarão tudo, mesmo que Meg não fale.

— Moça esperta — resmungou Diarmot —, muito esperta.

— Se conseguir uma confissão, então não precisará de nós — disse David, quando Drew e Nanty saíram para buscar as duas amigas de Meg.

— Oh, sim, precisarei — disse Gillyanne. — Pretendo apresentar ao conde tantas provas da inocência de Connor quanto eu possa conseguir. Assim, ele não ficará apenas livre, porém seu nome será limpo.

— Um bom plano, senhora — disse Robert —, embora eu não tenha certeza de que seja capaz de assustar Meg a ponto de confessar um crime pelo qual será enforcada.

— Não? — Gillyanne sorriu. — Meg está presa na cozinha, que está cheia de todo tipo de coisas ameaçadoras, facas enormes. E prestes a ficar frente a frente com uma mulher cujo marido se deitava com ela enquanto tinha de fazer todo o trabalho que Meg não fazia, e comigo, uma mulher a quem destratou. Creio que ficará muito, mas muito assustada quando a porta estiver fechada. — Gillyanne pôde ouvir as risadinhas dos homens ao se dirigir para a cozinha.

Aquilo seria um calvário, pensou Gillyanne, ao entrar e olhar para Meg. Meg não estava machucada ou sangrando, porém o estado de suas roupas e os cabelos emaranhados diziam a Gillyanne que ela lutara e que os homens não haviam sido gentis ao rendê-la. E a mulher também tremia com a fúria da raiva que a do­minava. Gillyanne captou o cheiro de medo, ódio e abominação. O que parecia estranho era que aquelas emoções fortes não pareciam dirigidas apenas a ela e a Joan, porém a todos. A mesma mistura que infectara sir Neil MacEnroy. Não era de se admirar que duas almas contaminadas depois de juntas por um certo tempo, acabassem por entrar em choque.

— Que tolice matar seu protetor — disse Gillyanne, cruzando os braços no peito, ao encarar Meg.

A risada de Meg foi de escárnio.

— Connor matou o velho idiota. O bastardo será enforcado por isso.

Ela jogou a cabeça para trás para afastar os cabelos do rosto com uma arrogância que fez Gillyanne desejar esbofeteá-la.

— Eu era a melhor que ele poderia ter e o idiota me pôs de lado. Por quê? Por uma nanica sem peito?

Gillyanne percebeu que o insulto não a atingia. Connor gostava de seus seios, achava-os excitantes. Isso a deixava imune às provocações de Meg.

—Isso não vem ao caso. Amantes são muitas vezes descartadas. Porém não esfaqueiam um bêbado e acusam o antigo amante do crime. Por que você matou aquele homem?

— Não o matei. Como poderia uma mulher matar um homem? Não, foi Connor. Ficou louco quando soube a verdade sobre o tio. Talvez essa verdade impeça Connor de ser enforcado, já que o homem que ele matou merecia a morte.

— Na verdade, acho que a última coisa de que você gostaria é a liberdade de Connor. Ele sabe quem matou seu tio e jogou a culpa nele. Assim que ficar livre, pode procurar por você. — Gillyanne percebeu que o medo de Meg tornava-se mais forte.

— Ele não se daria ao trabalho. E eu não estarei aqui. Eu, Jenny e Peg vamos à corte do rei. Lá existe dinheiro e amantes gentis e excelentes, não os grosseirões que moram em Deilcladach.

— Não creio que ela vá nos dizer o que queremos saber, Joan — disse Gillyanne.

— Então precisamos persuadir a vagabunda — retrucou Joan. Joan parecia ansiosa, pensou Gillyanne. Provavelmente queria se vingar do sofrimento que Meg lhe causara. Porém Gillyanne confiava que Joan lhe seguiria as ordens.

O que era preciso era algo ou para assustar Meg ou para enraivecê-la a ponto de cuspir a verdade, mesmo que num estado de fúria desafiadora. Então Gillyanne viu Meg jogar os cabelos para trás daquele seu jeito arrogante e percebeu qual tática usar. Meg era vaidosa de suas feições, seu corpo e seu cabelo. Não teriam coragem de machucá-la no corpo ou no rosto, porém certamente poderiam fazer um dano considerável àquela cabeleira.

— Eu lhe darei a última oportunidade de nos dizer a verdade, Meg — disse Gillyanne.

Os olhos de Gillyanne se arregalaram com a praga que Meg lhe rogou: Então ela se dirigiu à bancada onde várias facas e outros instrumentos pontudos e cortantes estavam dispostos, estudando-os. Se ela e Joan investissem contra o orgulho e a vaidade de Meg, tanto com palavras como com atos, Gillyanne tinha certeza de que todo o ódio e abominação iriam transbordar. Com isso, arrancariam uma confissão que livraria Connor de qualquer suspeita.

— O que faremos agora? — perguntou Joan, num sussurro, ao testar o peso e o fio de uma faca enorme.

—Vamos cortar-lhe os cabelos—Gillyanne retrucou baixinho.

— Os cabelos?

— A mulher é vaidosa, Joan. Já que nenhuma de nós teria coragem de lhe cortar a face ou aqueles malditos seios com que seduz cada homem, poderemos acabar com aquela espessa cabeleira de que ela tanto se orgulha.

— Ah, entendo. Se ela não confessar até quando lhe cortarmos tudo fora, podemos raspar-lhe as sobrancelhas e arrancar aqueles malditos cílios longos Sim, isso a deixaria mais calva do que um ovo.

Gillyanne mordeu o lábio para não cair na risada.

— Devemos cortar-lhe os cabelos da forma mais lenta que pudermos, e, assim, acabarmos com aquele enorme orgulho dela. Ela está afogada em ódio e eu espero que nos diga o que aconteceu quando dirigir essa raiva sobre nós. Acha que pode fazer isso?

— Sim. Posso. — Joan pegou a faca que Gillyanne segurava. — E a retalharei com palavras.

— Diga qualquer insulto que lhe vier à mente. Precisamos enterrá-la em escárnio e ridículo.

— Não seria difícil — Joan murmurou e, faca na mão, avançou para Meg, com Gillyanne logo atrás.

A risada de Meg foi tão desafiadora que fez Gillyanne rilhar os dentes. E ela caçoou.

— Você não tem coragem de usar isso em mim.

Joan agarrou uma mecha espessa dos cabelos de Meg e cortou fora e antes de jogá-lo de lado, examinou-o.

— Como eu pensei — cheio de piolhos. Gillyanne concordou.

— É difícil mantê-los limpos quando se passa a maior parte de costas com as pernas para o ar.

— Suas putas!

Não demorou muito para Gillyanne saber que aquelas duas palavras berradas seriam as coisas mais gentis que Meg diria. E a mulher realmente berrou, o que iria deixar apavoradas as outras sentadas no salão. Gillyanne rezou para que entre as pragas proferidas, as blasfémias e os insultos, um pouco da verdade emer­gisse, antes que ela ficasse surda.

— Pelos santos e mártires, o que se passa aqui?

Diarmot olhou para James, que estava na soleira da porta, parecendo preocupado enquanto os berros de Meg ecoavam pelo salão. Saltou da cadeira e correu para encontrar James antes que o homem pudesse dizer mais alguma coisa. As duas mulheres estavam prestes a se render, Diarmot tinha certeza, e logo contariam tudo. Uma palavra errada da parte do primo de Gillyanne poderia arruinar todo o plano.

Diarmot aos sussurros contou-lhe tudo o que acontecera desde que James partira.

— Jesus — James resmungou. — Acha que o plano de Gilly vai funcionar?

— Ah, sim. Aquelas moças estão batendo os dentes de medo. Se souberem de alguma coisa sobre o assassinato, logo estaremos ouvindo tudo. — Diarmot passou o braço pelos ombros de James e conduziu-o até a mesa.—Não creio que a brincadeira vá demorar muito.

Quando James sentou-se, um grito horripilante veio da cozinha. Um rápido olhar para as outras duas mulheres lhe disse que Diarmot tinha razão. Qualquer que fosse a lealdade que tivessem por Meg, estava desaparecendo.

— Ela a está matando, não está? — perguntou Jenny, chorosa.

— Jesus — murmurou Jenny, o olhar apavorado fixo na porta da cozinha. — Ela está gemendo agora... Nós não fizemos nada! — berrou, de repente.

— Calada — esbravejou Peg. — Se disser alguma coisa, Meg vai nos matar.

— Não acho que é com Meg que precisamos nos preocupar agora, você acha? — Jenny olhou para Diarmot. — Meg matou aquele velho idiota. Eles estavam tramando contra a senhora do castelo desde o começo. Primeiro tentavam fazê-la querer ir em­bora, depois induziram sir Robert a raptá-la e por fim tentaram matá-la.

Peg concordou.

— Acharam que dizer aquelas mentiras sobre ela faria o povo ficar com medo e a matar como uma bruxa. Isso não pareceu funcionar e então resolveram que precisavam eles mesmos fazer isso. Meg era como uma rainha aqui até Lady Gillyanne chegar. Culpou-a quando perdeu todo aquele conforto e vida fácil. Não sei porque seu tio a queria morta, contudo.

— Ele disse certa vez que o casamento com ela deixou a todos muito fortes — emendou Jenny. — Disse que não veria o fim de vocês agora. Não explicou o que queria dizer, apenas balbuciou alguma coisa sobre não permitir que aquela Murray os tornasse fortes e quem sabe ricos. Assim, ficou à espreita em Deilcladach por alguma chance de livrar-se dela e encontrou naquele dia quando ela e outros dançavam no campo. Quando a flecha não a matou, ele desistiu.

— Sim — concordou Peg —, e foi isso que começou a discussão. Meg queria que ele continuasse tentando. O velho alegou que estava cansado de tudo e que estava morrendo, de qualquer forma. Meg gritou com ele e Sir Neil começou a falar de fantasmas e pecados do passado e de como iria morrer porque seus intestinos estavam sangrando e que ele fracassara porque muitos de vocês continuavam vivos. Meg tentou obrigá-lo a fazer o que ela queria, até mesmo lhe dar um monte de dinheiro, ameaçando de contar a todos os crimes do velho.

Jenny meneou a cabeça.

— Ele riu e disse a ela que não viveria muito para enfrentar qualquer carrasco. Depois começou a insultá-la e ridicularizá-la. Meg ficou cega de raiva. Então, de repente, começou a esfaqueá-lo, várias vezes. Nem sei quantas facadas lhe deu, até enterrar aquele punhal no coração de sir Neil.

— E depois vocês foram procurar o conde e confirmar as mentiras de Meg — Diarmot disse, a voz fria de raiva.

— Estávamos com medo — disse Peg, quando Jenny começou a chorar de novo. — Um cavaleiro sagrado estava morto e Meg não estava bem da cabeça. Não sabíamos mais o que fazer.

— O que farão é contar essa história ao conde — esbravejou Diarmot — e retirar a acusação contra meu irmão.

— Mas Meg...

— Creio que Lady Gillyanne cuidará dessa ameaça.

— Eu não esperava que ela fosse chorar — murmurou Joan, ao se recostar contra a parede e olhar para Meg. — Não parecia ser uma mulher capaz disso.

Gillyanne olhou para Meg, que chorava e resmungava na cadeira.

— Ela não está rezando ou pedindo perdão. São lágrimas de raiva e ela está praguejando contra nós.

— Acha que ela está louca?

— Sim. Assim como com sir Neil, a raiva e a amargura finalmente lhe roubaram o juízo, a deixaram maluca. — Ouviu-se uma suave batida na porta e Gillyanne entreabriu-a e quase riu diante da espiada cautelosa que Diarmot deu para dentro. — Acabamos aqui. E as outras?

— Puseram para fora tudo que queríamos saber e estão choran­do e clamando inocência.—Diarmot entrou na cozinha e arquejou: — Nossa, ela está quase careca!

Ao se voltar, Gillyanne olhou para Meg por um instante. Parecia realmente patética. Tudo que sobrara da gloriosa cabeleira eram uns tufos aqui e ali pela cabeça. Joan fora, talvez, excessivamente zelosa em seu trabalho, o que era compreensível. E Meg se mostrara notavelmente teimosa na recusa em confessar, apesar da ira violenta em que mergulhara.

— Deixamos um pouco — murmurou Gillyanne. — Cuidado ao se aproximar dela. Está quase louca, eu acho, e é um tipo de loucura perigosa. Todo ódio e fúria são em grande parte dirigidos aos homens. Ela precisa ficar bem presa também.

Diarmot chamou seus irmãos, Drew e Nanty, para ajudar a ele e a James. Foram preciso os quatro pois, no momento em que foi solta da cadeira, Meg começou a lutar como um animal encurra­lado. Enquanto ela e Joan tentavam ficar o mais longe possível da mulher que gritava vingança, Gillyanne desejou que um dos homens apenas deixasse Meg inconsciente. E acompanhou Joàn no profundo suspiro de alívio quando Meg foi finalmente amarrada e amordaçada. Drew chamou dois outros homens para levar Meg dali, para os calabouços.

Quando Gillyanne entrou no salão, a maneira com que todos a fitaram deixou-a constrangida. Os olhos arregalados de Peg e Jen-ny eram os piores e Gillyanne sentiu-se aliviada quando Diarmot as levou para um pequeno quarto da torre. Ela se aproximou da mesa e serviu-se de uma caneca de vinho.

— Deveremos partir para o castelo do conde ao raiar da manhã — disse Diarmot, ao voltar. — Acha que pode nos acompanhar?

—Talvez eu pudesse cavalgar com alguém. Não creio que pese tanto que possa atrasar o passo do cavalo. Diarmot sorriu e concordou.

— Só preciso decidir quem irá ficar aqui. Drew — ele começou e suspirou com o protesto do jovem. — Você conhece as regras de Connor. Um dos cinco irmãos deve sempre ficar.

—Não—James o interrompeu —, eu ficarei. Depois de chegar de Dublin, não estou com vontade de voltar ao lombo de um cavalo.

— Já que está tudo resolvido, creio que irei me deitar — disse Gillyanne, inclinando a cabeça ao desejar boa-noite aos homens e sorrindo para James, que se apressou em acompanhá-la até o quarto. — Como está a família?

— Muito bem. Mamãe mandou um ungüento para passar no ferimento. Espera ver como vai a cura com os próprios olhos muito em breve.

— Em breve? — Gillyanne ficou tensa.

— Dois, três dias. — James pousou a mão no ombro de Gillyanne, obrigando-a a fitá-lo. — Ainda incerta?

— Sim. Mas creio que estou muito cansada para pensar nisso agora.

— Descanse. Só uma última coisa. Mamãe diz para você se perguntar se está disposta a arriscar tudo antes de desistir de Connor, se seu orgulho vale tanto, que talvez fosse melhor deixá-lo de lado e deixar que o homem soubesse exatamente o que irá perder se você o deixar. Durma bem, prima. — Beijou-a na face e se afastou.

 

Payton? — Gillyanne exclamou, incrédula, quando o belo primo levantou-se para cumprimentá-la, assim que ela entrou no salão de Dinnock. — Payton! — gritou, e correu para lançar-se nos braços dele.

— Você está ótima, adorável — disse Payton, e beijou-a na testa.

— Sim, estou bem.

Gillyanne tomou a mão de Payton na sua e apresentou-o aos demais. Encaroçado e Fiona o cumprimentaram alegremente, porém os outros permaneceram cautelosos. Os homens sempre reagiam assim para com Payton, até conhecê-lo melhor. Contudo, Gillyanne ficou a imaginar porque sir Robert e Sir David mostravam-se tão cautelosos como os irmãos de Connor. Talvez fossem aliados mais próximos do que algum deles tivesse se dado conta. O laço não fora reconhecido porque não fora testado antes.

— Como aconteceu de você estar aqui, Payton? — ela pergun­tou. — Não sabia que conhecia o conde.

— Oh, não conheço, apenas de cumprimentar — retrucou Pay­ton. — Eu o vi na corte. Estou aqui porque o conde notificou ao rei o assassinato de Sir Neil MacEnroy. O intendente do conde, Peter, me caçou, explicou o assunto e disse que o conde julgava melhor ter um de seus parentes aqui. — Payton deu de ombros. — Então fui ao rei, disse-lhe que voltaria para casa por algum tempo e perguntei se tinha alguma diligência da qual quisesse me encarregar, principalmente uma que pudesse realizar por ele durante minha viagem a Donncoill. Por conseguinte, fui escolhido para trazer a resposta do rei a Dinnock e o assunto não ficou inteiramente nas mãos do conde.

— Oh, que bom.

— Você tem provas de que seu marido é inocente? O conde e eu jantamos juntos e ele me contou a triste história. Seu marido tinha boas razões para querer o tio morto.

— Connor não matou o tio, Payton. Não sabia a verdade sobre aquele homem até que o conde lhe contou tudo. Tenho provas que mostram que o assassinato foi cometido quando Connor não estava perto daquela cabana e duas testemunhas do paradeiro dele para confirmar isso. Também tenho a verdadeira assassina, embora eu receio que esteja louca no momento. Existem contudo duas testemunhas do assassinato. São as mesmas mulheres que acusaram Connor. Acha que o conde aceitará isso?

— Só há um jeito de ter certeza. Você deve perguntar a ele. Ei-lo que chega. Você se sairá bem.

—Esteja pronto para trazer aquelas mulheres — Gillyanne dis­se a Diarmot e então caminhou até o conde.

Gillyanne rilhou os dentes por ter de cumprir as formalidades. A cortesia às vezes era pura tortura.

— Então, milady, veio impedir que seu pobre marido caia em depressão mais uma vez? — perguntou o conde. — Ouvi dizer que foi muito bem-sucedida antes.

Gillyanne controlou o impulso de enrubescer e praguejar. Não precisava ver o brilho divertido nos olhos do conde nem ouvir a inflexão de sua voz para saber que ele lhe ouvira os berros de prazer na noite em que visitara Connor. Talvez tivesse de usar uma mordaça quando ela e o marido faziam amor. Logo toda a Escócia saberia que Lady Gillyanne MacEnroy berrava como um clarim quando se deitava com o marido. Era de mortificar qualquer um.

— Ele está deprimido de novo, milorde? — ela perguntou, sabendo que seu ar de inocência não enganaria o conde.

— Não. Está cansado de ficar aprisionado, entretanto. Quem são aquelas pessoas com seu primo?

Apontando cada um enquanto os nomeava, Gillyanne acrescentou:

— Vieram me ajudar. Creio que posso provar que Connor não poderia ter matado Neil pois estava em outro lugar quando o as­sassinato foi cometido. — Ela olhou para Peter. — Você chegou à cabana ao entardecer?

— Sim—respondeu Peter. — Voltamos depressa para cá antes que escurecesse.

— E o sangue ainda estava fresco?

— Estava mais fresco que seco.

— E já que Meg lhe contara que vira Connor matar o tio, isso significa que o homem foi morto depois do meio-dia.

— Sim, isso seria o mais provável — retrucou o conde.

— Então Connor não poderia ter cometido o assassinato pois estava à procura de sir Robert Dalglish, em Dunspier, para ver se ele poderia ajudá-lo a descobrir quem tentara me matar. Dali, foi atrás de sir David Goudie, em Aberwellen, para ver o que ele sabia. Depois, tomou o rumo de Deilcladach e mandou Diarmot e Encaroçado continuarem em frente enquanto ele passava na cabana para conversar com Meg e talvez com o tio, duas pessoas que agora sabia serem as culpadas. Eu trouxe sir Robert e sir David comigo, pois eles se ofereceram gentilmente para atestar tudo que acabei de dizer.

Gillyanne ficou sentada enquanto o conde ouvia os dois cavaleiros. Robert e David não apenas confirmaram o que ela dissera, mas também deixaram claro que não acreditavam que Connor pudesse ter matado sir Neil. Quando o conde os dispensou, Gillyanne percebeu que o conde acreditava na inocência de Connor. Podia lhe sentir o alívio por poder declará-lo inocente.

— Muito bem pensado, milady — disse o conde. — Eu jamais julgaria que uma mulher fosse capaz de perceber a importância de o sangue estar ou não seco.

— Ah, ora, venho de uma família abençoada com muitas curandeiras experientes — ela retrucou. São pequenos detalhes que se observa ao aprender tais habilidades.

— Não seja modesta, milady. Foi uma bela defesa, precisa e sem deixar dúvidas. Suponho que pretenda me apresentar o verdadeiro assassino agora.

— Sim, mas acho que o senhor já sabe quem é. — Olhou para os companheiros. — Podem trazê-las agora, por favor?

O conde suspirou e meneou a cabeça.

— As mulheres, é claro. Aquela de nome Meg?

— Sim, milorde. As outras duas mentiram por ela, porém estavam com muito medo. Há loucura brilhando nos olhos de Meg, milorde, e eu posso entender porque as mulheres a temiam e faziam o que ela dizia, principalmente ao se verem às voltas com o assassinato de um cavaleiro. Contudo tais mentiras mancharam o nome de meu marido e poderiam mandá-lo para as galés. E elas não contaram a verdade de boa vontade ou apenas porque era o certo, mas por medo. Eu as defrontei com uma ameaça maior e mais imediata. Portanto, receio que eu não possa resolver o que fazer com elas.

— Se não empunharam o punhal ou tramaram o assassinato, não as mandarei enforcar.—Ele sorriu quando Gillyanne suspirou de alívio.—Porém, o mais depende de quanta culpa compartilham com a líder. Pelo amor de Deus — exclamou, ao olhar de olhos arregalados para a porta.

Gillyanne encolheu-se ligeiramente quando Diarmot e Angus arrastaram Meg até diante do conde, com Robert e David a acompanhar Peg e Jenny, extremamente abatidas. Amarrada e amorda­çada, a se debater na mão dos captores, a cabeça raspada evidente, era uma triste figura, realmente. Seu olhar, contudo, e os sentimentos de ódio e abominação que Gillyanne ainda sentia nela, diziam que qualquer simpatia que sua aparência pudesse despertar logo seria dissipada quando a mordaça fosse retirada.

O conde mostrou-se firme quando falou com Jenny e Peg. As duas mulheres contavam a verdade agora, encolhendo-se entre Robert e David quando Meg a fitava com um olhar malevolente.

Depois que as duas foram retiradas do salão, o conde ordenou que a mordaça de Meg fosse removida. Mesmo o conde arregalou os olhos diante dos palavrões, blasfémias e a confusa ladainha de ódio e fúria que brotou da boca da mulher. Gillyanne rezou para que ele não estivesse tão chocado que perdesse os bocados de confissão que se espalhavam entre tanto veneno.

— Amordace-a — Lorde Dunstan ordenou, com voz sombria. — Como não enxerguei tamanha loucura? — ele se perguntou enquanto Meg era amordaçada e arrastada para fora pela guarda.

— Estava bem escondida, milorde — Gillyanne retrucou. — Creio que o assassinato trouxe tudo à tona. Mesmo as razões pelas quais ela matou sir Neil MacEnroy podem ter ajudado a romper o controle que ela exercia sobre isso. Depois, o plano bem elaborado de ver Connor enforcado pelo crime foi por água abaixo. A cada pequena coisa que dava errado, ela perdia mais e mais o controle sobre essa loucura que habitava dentro dela. Assim que a raiva tornou-se tão grande que arrebentou as rédeas, isso tudo transbordou.

— O que aconteceu aos cabelos dela?

— Ah, bem, assim como se faz quando alguém tem febre, foi preciso cortá-los para tentar libertar os demónios de que ela está possuída.

— Demónios, hein? Então por que deixaram alguns tufos aqui e ali?

Gillyanne pôde perceber que o conde não acreditara em uma Palavra do que ela acabara de dizer. Felizmente também sentiu

que não se importava com a mentira nem que ela tivesse forçado a confissão de Meg.

— Bem, nós não quisemos deixá-la inteiramente careca. — Gillyanne esperou que todos parassem de rir e perguntou, com doçura: — Vai libertar meu marido agora, milorde?

— Claro. Peter, vá e traga o marido dela. — Assim que Peter saiu, o conde voltou-se para Gillyanne. — Vou mandar enforcar Meg. Pode ser até uma gentileza já que ela está completamente louca. As outras duas mulheres serão mandadas para uma propriedade distante. Não terão permissão de partir, porém poderão escolher — ou trabalham honestamente ou de costas. Não me importo.

Nem Gillyanne. Não queria que fossem enforcadas porém precisavam ser punidas pelo que tinham feito, ao acusar Connor injustamente.

Payton postou-se ao lado da prima e lhe deu um abraço.

— Saiu-se bem, moça. Muito bem. Ah, creio que seu marido está chegando — ele murmurou. — E com pressa. Ansioso para sair daquele quartinho, sem dúvida.

Gillyanne agarrou o punho que Connor ia desferir no belo rosto de Payton e exclamou:

— O que está fazendo?

— O que parece que eu estou fazendo? — Connor esbravejou e logo teve vontade de rir ao ver o jeito com que Gillyanne se pendurava com as duas mãos em seu punho. — Pretendo esmurrar esse sujeitinho bonito e esborrachá-lo no chão. — Solte-me.

— Ele é meu primo. E um hóspede do conde. Não pode esmurrá-lo.

Connor olhou para o conde e concordou.

— Creio que você tem primos demais — resmungou. Gillyanne soltou o punho de Connor e ficou surpresa quando ele a segurou pela mão e puxou-a para perto.

— Connor, este é meu primo, sir Payton Murray de Donncoill — ela murmurou, quando Payton se postou diante deles outra vez.

— Payton, este é meu marido, sir Connor MacEnroy, lorde de Deilcladach. — Os dois se inclinaram de um jeito brusco.

— Por que está aqui? — Connor perguntou a Payton, ao se recordar de algumas das histórias que Neil havia contado a respeito daquele belo homem.

— Quando o conde avisou o rei sobre a morte de sir Neil MacEnroy, perguntando se o julgamento poderia ser deixado em suas mãos, pediu também que um Murray fosse aquele que trouxesse a resposta do rei. Afinal, você está casado com uma Murray. Por enquanto.

Ao ver o modo com que os olhos de Connor se estreitavam, Gillyanne se apressou em dizer:

— Bem, agora poderemos desfrutar de uma bela visita.

— Não, agora voltaremos a Deilcladach. — Connor olhou para o conde. — Estou livre?

— Sim — respondeu o conde. — Sua esposa me trouxe o verdadeiro assassino. Seu acusador — aquela mulher, Meg. Ela será enforcada e as duas companheiras mandadas para bem longe.

E, naturalmente, como herdeiro de sir Neil, todas as propriedades dele virão para você. É um pequeno legado porém creio que, com quatro irmãos e uma irmã para sustentar, você ficará satisfeito.

— Diarmot levantará tudo que meu tio possuía, milorde. Não creio que sir Neil tivesse um relatório.

Ou um relatório honesto, pensou Gillyanne. A maneira com que o conde e Connor se olhavam lhe dizia que ambos pensavam o mesmo. Não havia como saber o que Diarmot acabara de receber porém com certeza faria bom uso disso.

— Eu a verei em breve — Payton disse a Gillyanne.

— Quando? — ela perguntou, vendo que Connor o fitava de cara fechada.

— Depois de amanhã. Daqui a duas noites. Espero que saiba o que fazer com elas, querida.

— Se partirmos agora, chegaremos em casa a tempo de você me preparar um banho — disse Connor, ao puxar Gillyanne pela mão e arrastá-la para fora do salão.

Ainda atordoada com as palavras de Payton, Gillyanne despediu-se com palavras de gratidão para o conde. Duas noites, o primo dissera. Duas curtas noites para tentar conseguir um sinal de afei­ção por parte do marido, antes de fazer uma escolha. Na primeira, resolveu, ela iria simplesmente desfrutar do fato de que Connor estava livre e seguro. Depois de tudo que acontecera nos últimos dias, não tinha cabeça para arquitetar algum plano.

Quando rumavam para casa, Gillyanne olhou ao redor e percebeu que estavam cavalgando longe dos demais. E estremeceu quando a mão do marido insinuou-se para dentro de suas ceroulas e ele começou a acariciá-la lentamente.

— Connor — ela gemeu, baixinho —, os outros.

— Não podem nos ver.

— Posso fazer barulho.

— E eu o abafarei com um beijo.

— Vão perceber o que estamos fazendo.

— Se olharem por outro ângulo, pensarão que estou tentando seduzir minha esposa.

— Isso é sedução?

— Sim. — Mordeu-lhe o lóbulo da orelha. — Agora, quietinha, mulher — ele deslizou um dedo para dentro dela, bem fundo, e saboreou o gemido de prazer — e cavalgue.

 

A claridade do quarto assustou Gillyanne, quando ela se espreguiçou. Então suspirou e sentou-se. Era o sol, a brilhante luz do sol da manhã tardia. Connor naturalmente decidira que ela precisava descansar e ordenara a todos que a deixassem dormir. Era consideração, gentileza da parte dele, e poderia ser um sinal de ternura. Também era a última coisa que Gillyanne desejava. Tinha muito a planejar para ficar dormindo o dia todo.

Fez as abluções matinais e se vestiu. Chegara a hora de conseguir uma clara indicação do que o marido sentia por ela.

Pergunte a si mesma se seu orgulho irá lhe dar tanto conforto. Resolva o quanto está disposta a arriscar se desistir de Connor.

Gillyanne praguejou quando o conselho da mãe ressoou em sua mente. Sua mãe tinha razão e ela sabia disso. Só gostaria que não tivesse. Valia a pena subjugar o orgulho, mesmo que por uma noite? A resposta era sim.

Depois de prender os cabelos, Gillyanne abriu a porta e seguiu até o salão. Era assustador pensar em abrir o coração, expor os sentimentos a um homem que dera poucas indicações do que sentia Por ela. Connor era muito possessivo, o que a maioria dos homens era. Não mais se mostrava ardente de noite e frio durante o dia, Porém não era mais afetuoso. Conversava mais com ela agora, porém somente quando estavam sozinhos no quarto e muito pouco. Era uma verdadeira troca de preocupações, mágoas ou alegrias. A paixão entre os dois era fervente e poderosa, porém ela não tinha certeza se Connor a sentia profunda e completamente. A paixão de Gillyanne era mesclada de amor. A de Connor poderia não passar de simples luxúria. Porém teria de enfrentar o jogo. Iria se abrir com ele à espera que tivesse algo com que retribuir. Se não lhe desse nada, magoaria mais do que ela gostaria de pensar. Por isso estava assustada.

— Ah, Joan — disse, quando a criada saiu da cozinha com uma bandeja de pão, queijo, maçãs e leite de cabra —, preciso falar com você. Meu primo Payton disse que minha família chegará amanhã.

Joan colocou a bandeja sobre a mesa e sentou-se ao lado de Gillyanne.

— Vai nos deixar?

— Não existe segredo por aqui?

— Muito pouco. Todos ouvimos o que sir James disse a nosso lorde. A senhora pode pôr um fim a este casamento porquê foi forçada a se casar.

— É quase certeza que meu pai conseguiu o direito de terminar meu casamento com Connor. Só espero que Connor não saiba que me defrontarei com essa escolha amanhã.

—Não direi a ele.—Joan sorriu.—Parece desleal, mas apenas um pouquinho. A senhora quer deixá-lo?

— Oh, não. Eu realmente amo aquele bruto. Joan concordou.

— Porém...

— É errado de minha parte querer alguma coisa dele, algum sinal de afeição? Peço tanto assim?

— Não, senhora. Se não tivesse escolha, eu lhe diria para fazer o melhor com isso, encontrar a felicidade que pudesse. Talvez com os filhos que pusesse no mundo ou em manter a casa bem cuidada ou até mesmo ao usar suas habilidades de cura. Porém, a senhora tem outra opção. Trouxe-lhe um belo pedaço de terra e muitos novos e úteis aliados. Na verdade, deu muito a ele, mesmo ao fazê-lo ver que não faz mal se divertir um pouco. Ele poderia lhe dar mais além de gritar de prazer e ser fiel, embora não seja pouco. Eu poderia jurar que existe algo mais. Contudo...

— Se houver, será que ele iria demonstrar ou manter enterrado dentro dele? Este casamento tem boas coisas, se comparado a outros. Porém, preciso de mais, Joan. Preciso saber o que realmente interessa a meu homem, que eu tenho um pedaço de seu coração. Para ser honesta, eu o queria por inteiro mas, por enquanto, acei­taria um pedaço. Vou seguir o conselho de minha mãe, deixar o orgulho de lado e deixar que Connor saiba exatamente o que irá perder se eu o deixar.

— Uma mulher sábia. E como planeja fazer isso?

— Pretendo mostrar o que está em meu coração. Não sou como ele, porém ninguém pode desejar oferecer tudo apenas para se sentir menosprezada. É muito sofrimento. Contudo, eu o farei e quem sabe ele se mostre mais terno e me dê algo em que ancorar minhas esperanças. Se não, bem, a humilhação não há de durar para sempre, pois posso ir-me embora amanhã.

— Se ele não lhe der essa esperança, merece que a senhora o deixe. E se ele cair em si mais tarde?

— Não me torturarei com essa esperança, porém se ele me oferecer um pouco do que preciso,-posso voltar. Eu o amo demais.

— E como posso ajudar?

— Bem, começo a recear que toda a Escócia saiba que existe um lugar onde Connor e eu combinamos. Eu gostaria que isso fosse um pouquinho diferente — sedutor, romântico.

— Porque você poderia ter a coragem de que precisa.

— Exatamente. Talvez umas poucas ervas para o banho. De cheiros másculos, é claro. Se sentir o aroma de rosas e lavanda, provavelmente vai fugir para Edimburgo. — Gillyanne riu com Joan. — E velas.

— Das boas, com um toque de perfume. Sim, temos algumas.

— Todas as comidas favoritas de Connor, principalmente os doces. Nada de morangos. Se eu comer um, vai me dar coceiras.

— O que não é muito sedutor.

— Não. Cobertas macias junto com as que estão lá. Meu primo Payton sempre diz que coisas macias agradam a um homem e que as mulheres adoram a sensação delas na pele. E se alguém sabe de algo a respeito disso, é meu primo Payton. Ah, e algo provocante para vestir. Eu tenho.

— Tem?

— Sim. Minha prima Avery me deu. Ela acha que roupas assim fazem uma moça se sentir linda e atraente. E diz mais, que algumas vezes provoca mais um homem do que se você estivesse nua.

— Se a senhora ficar, gostaria de conversar mais sobre o que seus primos lhe ensinaram. — Joan corou. — Talvez se eu for... bem, mais esperta, meu Malcolm não vá procurar outra moça de novo.

— Ah, Joan, eu ficaria feliz em lhe contar. Porém, Malcolm, eu creio, acreditava no que aquele idiota do Neil lhes disse durante anos — que ter amantes e uma esposa é perfeitamente aceitável, todos os homens têm e as esposas sabem, permitem e até agradecem.

Joan sorriu ligeiramente.

—Quando Malcolm veio se desculpar, eu lhe disse essas coisas. Eu realmente julgava que eu não me importava, que sabia o que todos os homens faziam. Acho que o deixei surdo ao reclamar de tamanha idiotice.

— Que bom para você. Agora, vamos aos planos para minha noite de confissão.

— Ah, senhora, estou tão esperançosa que dê certo...

— Não mais do que eu, Joan, não mais do que eu.

Connor entrou no quarto e parou, imobilizado de surpresa. Lentamente fechou a porta atrás de si. Havia um aroma a pairar no ar, um cheiro de ervas que achou muito agradável. A lareira não estava acesa, porém havia velas por todo o quarto, a iluminá-lo com uma luz suave. Ele não sabia de onde tinham vindo, mas o chão estava coberto com macias peles de carneiro e um manto de veludo vermelho estava sobre a cama. A mesa perto da lareira exibia uma grande variedade de comida e bebida. Gillyanne estava de pé ao lado da banheira, usando uma camisola e um négligée do mais puro linho que eleja vira, preso ao corpo por fitas delicadas.

— O que é tudo isso? — ele perguntou, ao se aproximar dela e começar a tirar o gibão.

— Uma pequena celebração. Você está livre e o perigo passou — ela murmurou, ao ajudá-lo a se despir.

Só de vê-la se mover, as roupas e os longos cabelos a se balançarem numa provocante dança, fez com que Connor desejasse dei­tá-la sobre uma das peles de carneiro e possui-la no chão.

— Você já se banhou.

— Sim. — Gillyanne dobrou-lhe cuidadosamente as roupas e colocou-as de lado enquanto ele entrava na banheira. — Esta noite é para você.

— Para mim? Quero você comigo dentro da banheira.

— Não.— ela murmurou, ao esfregá-lo. — Temos a noite toda. Aquilo soava muito intrigante, pensou Connor. Uma coisa que ele tinha de sobra era paciência e controle, ou pelo menos costumava ter até que descobrira o que era fazer amor com Gillyanne. Também gostava da ideia de celebrar a liberdade, de ter o nome limpo. Quisera celebrar na noite anterior, porém depois de uma relação altamente satisfatória, ele percebera que Gillyanne estava exausta. Tinha feito de tudo para livrá-lo da acusação, e ele quase se esquecera que fora ferida, poucos dias antes. Era evidente que estava bem descansada agora, ele pensou, ao sair da banheira e ao deixar que a esposa o enxugasse.

Arregalou os olhos ao sentir que depois da toalha que lhe enxugava as costas, veio o toque cálido dos lábios dela. Connor fechou os olhos e respirou fundo, procurando controlar-se. Quando ela o beijou nos quadris, ele estremeceu.

Ela continuou a secar-lhe os braços e a excitá-lo com pequenos beijos.

— Quanto tempo pretende demorar? — ele perguntou, numa voz rouca.

— Muito tempo. Por que negar a uma moça a oportunidade de desfrutar desse belo corpo?

Connor estremeceu mais uma vez quando ela lhe lambeu os mamilos. E Gillyanne continuou até o ventre, acariciando-lhe as nádegas e murmurando elogios. Ele sabia que era grande e forte e que as moças pareciam gostar de sua aparência, porém ninguém jamais dissera isso em tons tão calorosos. Gillyanne dizia em voz alta o que ele vira nos olhos dela e ele descobriu que isso provocava um sentimento prazeroso dentro de si. Ela o julgava bonito, perfeito, o que o excitava. Era bobagem, claro.

— Esqueceu um lugar — disse, quando ela passou do ventre para as pernas, ignorando aquela parte dele que ansiava em ser tocada.

— Como se pudesse — ela murmurou, ao enxugar e beijar as longas pernas e o vão das coxas. — Só estou guardando o melhor para o final.

Começou a enxugar-lhe os testículos com mais cuidado e atenção do que era necessário. Tocou-lhe o membro com um gesto suave.

— Tão grande, tudo que qualquer mulher pediria. Acho que você é lindo aqui também. Todo feito de seda e aço. Quando eu o vejo assim, duro e arrogante, só posso pensar em como se enterra dentro de mim, enchendo-me de prazer.

Connor gemeu baixinho, e enfiou os dedos nos cabelos de Gillyanne, enquanto ela o lambia.

— Moça, você já me deixou ardendo em chamas e não tenho certeza do quanto eu possa agüentar.

—Aproveite, meu amor. Eu posso esperar. Aproveite até o fim, se desejar.

Ele não sabia exatamente o que Gillyanne dissera, se realmente lhe oferecia um prazer do qual só ouvira falar e que não tivera coragem de pedir ou tentar induzi-la a fazer. Só pôde deixar escapar um gemido rouco quando ela começou a amá-lo com a boca. O calor da cavidade, o toque da língua e as carícias das mãos hábeis o faziam tremer. Por tanto tempo quanto conseguiu, ficou a vê-la acariciá-lo, mesmo que soubesse que a visão tornava mais difícil manter o controle. Então perdeu a capacidade de pensar com coerência, e afundou no prazer que ela lhe proporcionava.

Após um alívio que o deixou cego e trémulo, passado algum tempo, Connor se deu conta do que fizera. Gillyanne o mantivera no limiar do clímax por tanto tempo que ele não sabia exatamente quando mergulhara no êxtase. Cautelosamente, abriu os olhos, e viu que ela lhe beijava o ventre. Ao erguê-la de pé, percebeu que estava atordoada e ruborizada de desejo. Nenhum sinal de desgosto. Por dentro, soltou uma risada de prazer e alívio e levou-a para uma das cadeiras perto da mesa. Sentou-se e puxou-a para o colo.

Começou a dar-lhe de comer e deixou que ela o alimentasse, vendo que a respiração de Gillyanne voltava ao normal. Era um homem de sorte. Jamais tivera uma amante tão apaixonada e nunca haveria de esperar encontrar uma na pessoa frágil e bem-nascida de Gillyanne. Timidez e modéstia ocasionalmente emergiam, tentando confinar a paixão, porém Gillyanne não as deixava vencer. Ele, por sua vez, queria tais emoções completamente afogadas. Pretendia pagar de volta o ato de amor que ela lhe dera e um pouco de vinho facilitaria tudo. Fez Gillyanne beber um bom gole.

Algo, contudo, o angustiava. Uma leve insatisfação. Não fazia sentido. O que poderia ser? Tinha uma esposa que lhe trouxera um belo dote, uma que ajudava a restituir a Deilcladach a glória que nem ele sabia que algum dia havia desfrutado, uma que achava linda e uma que o chamava de "meu amor".

Quase se engasgou com o vinho que bebia. Meu amor, ela o Chamara de meu amor. Connor percebeu de súbito o quanto desejava realmente que isso fosse verdadeiro. Ele a queria bem mais do que apaixonada, mais que apreciadora de seu corpo, mais que obediente e cumpridora de seus deveres como esposa. Ele queria que gostasse dele, que o amasse. Ali estava a raiz da insatisfação. Ele não sabia realmente como Gillyanne se sentia a respeito dele, só podia imaginar pelo jeito com que o fitava ou o acariciava. Ao pensar nas maneiras de mantê-la a seu lado, ele ponderara sobre a paixão que partilhavam, até considerara dar-lhe filhos, porém, agora, ele sabia que o que era preciso para mantê-la em Deilcladach era amor. Gillyanne tinha de amá-lo ou ele não poderia jamais ter certeza de que ela ficaria ali. E Connor resolveu que, antes que deixassem aquele quarto, teria de saber o que havia realmente no coração da esposa.

— Foi uma ótima refeição, moça — disse, e colocou-a de pé. Gillyanne franziu a testa quando Connor começou a tirar todas as coisas da mesa.

— Não precisa fazer isso.

— Sim, preciso. — Assim que a mesa estava limpa, olhou para ela. — É uma noite para mim, não é? Para celebrar?

— Sim.

— Então tire essa roupa bonita, moça.

— Era para provocá-lo.

— Oh, já fez seu trabalho e é por isso que quero que tire. Connor ficou a observar enquanto ela soltava o négligée e a camisola, deixando-as escorregar até os pés. Os longos cabelos a reluzir com toques avermelhados à luz das velas, eram um manto a lhe cobrir os seios enquanto Gillyanne dobrava cada peça e as colocava numa cadeira. Ela era magra e frágil, porém ele julgava aquele corpo simplesmente lindo. Um arrepio percorreu Gillyanne quando ele beijou-a pela coluna e depois pelas nádegas, antes de voltá-la para que o encarasse. Afastou-lhe os cabelos e deslizou as mãos para os seios. E se deliciou quando os mamilos endureceram ao toque de seus dedos e a respiração de Gillyanne se acelerou. Lentamente, ele correu as mãos até o ventre dela e insinuou-as entre as pernas. Ela tentou comprimir as coxas. Um rápido olhar para a face de Gillyanne mostrou que estava ligeiramente constrangida.

— Ah, moça, você diz que me acha bonito. Para mim — ele acariciou-lhe a parte mais íntima com os dedos hábeis —, isto é beleza. — Endireitou-se, pegou a pele de carneiro e estendeu-a sobre a mesa. Depois, ergueu a esposa do chão e sentou-a sobre a pele. — Pretendo me afogar em tamanha beleza — murmurou, ao puxar a cadeira para perto da mesa e sentar-se.

— Connor — ela balbuciou, mas os ombros largos entre suas pernas a impediram de fechar as coxas.

— Ora — ele tirou a mão com que ela tentava se proteger —, não lhe neguei o prazer que me proporcionou.

— Não, porém você é homem. Homens não têm qualquer modéstia.

— Vou ensiná-la a não ter nenhuma neste quarto.

Connor inclinou-se e começou a beijar-lhe os seios até sentir que ela se soltava. Acariciando-lhe as pernas, prendeu-as entre os ombros. Quando se pós a lhe beijar o ventre, Gillyanne já se agitava e balbuciava e gemia do jeito que ele tanto gostava. Todo o corpo dela ficou tenso, contudo, quando ele finalmente alcançou o objetivo e correu a língua por aqueles pêlos macios e avermelhados.

—Minha linda Gilly, seja sincera; você gosta disso tanto quanto eu. Só estou retribuindo o presente que você me deu. — Beijou-a de novo. —: Diga-me, Gilly. Diga-me o quanto gosta disso.

Gillyanne gritou num misto de prazer e relutância quando o calor daquele beijo íntimo espalhou-se por todo seu corpo, a acabar com toda a resistência e a deixar apenas o prazer.

— Sim, Connor, sim. Isso me deixa louca.

Ela enterrou os dedos nos cabelos dele, enquanto ele a amava. Ficou a observá-lo possui-la assim, e subitamente compreendeu Porque ele a observara quando lhe dera prazer. Era embriagador, aumentava as sensações deliciosas. Logo a força do desejo obrigou-a a fechar os olhos. Quando o alívio explodiu em convulsões, ela caiu sobre a mesa, a lhe gritar o nome, porém ele continuou incansável, a lhe reacender o desejo antes que findasse. Da segunda vez em que chegou ao clímax, ela gritou que o amava.

Quando Gillyanne recuperou o senso, sentiu que Connor acalmava o calor que ainda a requeimava com um pano úmido. E quando isso provocou uma faísca de interesse em seu corpo saciado, ela se maldisse: era uma devassa. E se lembrou que seu plano lhe escapara das mãos. Corou e então sorriu, quando Connor inclinou-se e beijou-a na face.

— Então, minha esposa me ama — disse Connor, ao lhe mordiscar a orelha.

Ela estremeceu de prazer quando ele traçou o contorno da orelha com a língua. Era uma completa rendição ao plano que ela concebera. Sabia que pretendia lhe dizer que o amava. Contudo, seria de um jeito romântico, quando ela estivesse no controle. Berrar quando estava sobre a mesa como um filé de hadoque era indigno. Pior, isso dava o controle a Connor e não o faria sentir-se obrigado a lhe oferecer algumas palavras de afeição, em retorno.

— Sua esposa disse isso, não é?

— Sim, disse.

— Talvez você tenha imaginado. — Seu corpo ávido fez com que ela lhe acariciasse as pernas com os pés.

— Já que colocou isso aos berros para fora, suponho que posso perguntar ao pessoal no salão, para verificar. Talvez até mesmo aos rapazes no estábulo.

— Estou começando a pensar que sou eu que estou enganada — ela resmungou e gemeu quando ele a penetrou profundamente, segurando-a pelas nádegas.

—E creio que terei de fazê-la dizer de novo. Só para ter certeza, sabe?

Gillyanne olhou para o teto do quarto e repetiu cada palavrão que sabia. Ele a fizera dizer de novo que o amava. Na verdade, daquela vez que ele lhe amarrara os pulsos nos paus da cama e lambera o creme que espalhara sobre ela, Gillyanne suspeitava que tivesse murmurado que o amava uma dúzia de vezes.

E que declarações ouvira? Nenhuma. Nem uma. Ao pensar no que ele dissera naquela noite exaustiva e sensual, ela não conseguia encontrar uma única palavra que expressasse algum sentimento mais profundo da parte dele. Sabia da paixão de Connor, sabia que o excitava, porém o que havia no coração do marido, ela não tinha a menor ideia.

Saiu da cama e se lavou rapidamente. A vontade de chorar era forte, porém ela se recusou a permitir isso. Não conseguira arrancar alguma palavra de amor de Connor com toda a paixão que haviam compartilhado. Certamente não haveria de querer uma vaga declaração de afeição porque ele estivesse com pena dela ou só por­que ele quisesse que ela parasse de chorar.

Depois de tomar um gole de cidra, voltou para a cama e viu as duas faixas de linho amarradas aos paus da cabeceira. Olhou para o marido adormecido, deitado de costas, e depois para o pote de creme espesso sobre a mesa. Talvez fosse a hora de recuperar o controle do jogo. Pelo menos mais tarde, quando se visse atormentada pelas lembranças daquela noite, ela pudesse se recordar que tudo terminara com ela a segurar as rédeas.

Connor acordou ao sentir um pano frio e úmido a lhe correr pelo corpo. Abriu os olhos a tempo de ver Gillyanne jogar o pano de lado. Estava ajoelhada a seu lado, completamente nua e linda, e bebia uma caneca de vinho. Quando levou a mão para alcançá-la, ele arregalou os olhos. Estava bem amarrado aos paus da cama. Encarou-a de novo. Gillyanne colocava a caneca de lado e pegava o pote de creme que ele espalhara sobre ela e lambera por imenso e delicioso prazer. Um calor o percorreu por inteiro. Ao lhe encontrar o olhar, pensou ter visto uma profunda tristeza e sofrimento refletidos ali, mas que desapareceram depressa. Talvez tivesse imaginado coisas.

— Vingança?

— Sim.

— Bem, o pobre prisioneiro pode pedir um pequeno bónus?

— Espera misericórdia?

— Um pouquinho. Quando eu não puder mais suportar o tormento, quero meter-me dentro de você. Quero estar enterrado bem fundo em seu calor quando tudo terminar.

— Pensarei nisso — disse ela, e limpou a rouquidão denunciadora da voz.

— E quem sabe você seja boazinha para se aproximar um pouco, de vez em quando, para que eu possa provar um bocadinho doce.

Quando ficava a imaginar que bocadinho doce iria oferecer primeiro, Gillyanne praguejou involuntariamente. Era duro sufocar o orgulho só para estar com as rédeas na mão.

 

- Connor, creio que temos um problema.

Arrancado da agradável lembrança de Gillyanne a lhe dizer que o amava, Connor levou algum tempo para entender. Fechou o livro de contabilidade.

— Problema?

— Sim. Os Murrays voltaram.

— Onde está Gillyanne?

— Saiu para encontrá-los. Ela sabia que estavam para chegar.

Connor saltou da cadeira. Agora compreendia o pleno signifi­cado da noite anterior. Ou Gillyanne estava lhe dizendo adeus ou quisera algo dele, algo que ele falhara em lhe dar. Descartou a ideia de que fosse uma despedida, embora gostasse menos ainda da outra alternativa. Uma mulher não falaria com um homem como ela fizera, o amaria como o amara ou lhe desnudaria a alma, se tudo que quisesse fosse ir embora. Ela tentara obter dele uma razão para ficar, algo além da paixão que compartilhavam. E tudo que ele fizera fora tirar.

Ele parou nos portões e olhou para as coisas de Gillyanne, todas empacotadas. Voltou os olhos para onde Gillyanne conversava com o pai, com uma mulher baixinha que ele supôs fosse a mãe, com James e aquele sujeito irritante de tão belo, Payton. E ignorando as palavras de advertência de Diarmot, rumou para onde estavam os Murrays, vagamente consciente que seus irmãos e Encaroçado o seguiam.

—Bem, menina, posso levá-la daqui agora—Eric disse, depois que Gillyanne abraçou e beijou a mãe.

— Aceitaram a alegação de coerção?

— Sim. E seu ferimento?

—Curado o suficiente para cavalgar—ela murmurou, tentando engolir a tristeza.

— Gilly, querida — disse Bethia —, responda-me a três perguntas.

Gillyanne suspirou e olhou para os pés, imaginando porque julgara que poderia ocultar seus sentimentos da mãe.

— Preciso?

— Sim, precisa. Você o ama?

— Sim.

— Quer ir embora?

— Não.

— Está grávida do filho dele?

Era uma pergunta que Gillyanne tinha medo até mesmo de levar em consideração. E no momento em que sua mãe a fez, ela tentou se lembrar da última vez em que menstruara e só conseguiu se recordar que fora pouco antes do casamento. Por um momento tentou afogar a suspeita crescente com desculpas, mas não conseguiu.

Continuou a olhar para o chão. Não era justo, pensou. Estar casada com um homem que ela adorava porém que não podia ou não conseguiria amá-la seria um inferno na terra. Seu pai tinha os meios para livrá-la dessa triste sina e no entanto agora ela não tinha certeza se conseguiria escapar.

— Ah, Gilly — murmurou Bethia, e então suspirou e meneou a cabeça.

— Não tenho certeza — Gillyanne protestou, sem convicção.

— Você tem certeza. Posso ver em seu rosto. Não será tão fácil agora.

— Não foi fácil antes — ela resmungou, lutando contra a vontade de chorar.

— Não conseguiu obter dele alguma coisa para fazê-la ficar? Não existe esperança de que ele goste de você, se não agora, quem sabe mais tarde?

— Não consegui nada e tentei ver com muita insistência.

— Estou certa que sim.

— Você disse que Connor era um homem duro, extremamente controlado — disse Eric. — Talvez você não tenha se esforçado o bastante. Você não pode sentir o que ele sente ou pensa. Está esperando que ele aja como os homens de sua própria família? Você não teve muita sorte com os homens.

— Não tive sorte alguma, papai.

— Idiotas, todos eles. Contudo, quem sabe esse desapontamento lhe anuvie o julgamento. — Eric sorriu. — Ah, Gilly, querida, sei o que receia, sei porque você temeria se defrontar com uma desilusão ano após ano, e contudo, tem certeza absoluta que iria ser assim? Você ama aquele tolo. Não é algo de que possa se afastar. E depois, há o bebê...

— Isso muda tudo — ela terminou por ele. — O que quer que eu faça, papai? Sei que não seria certo ir embora carregando o filho dele e contudo, se eu ficar até ter certeza... — ela deu de ombros. — Se eu ficar, se não estiver grávida, logo ficarei.

— Oh, querida — murmurou Bethia. — Ele é como aquele lá, um homem forte? — Seu olhar não estava em Gillyanne.

Gillyanne suspirou.

— Ele está vindo para cá, não está?

— Sim. Quem são aquelas pessoas atrás dele?

— Encaroçado e os irmãos de Connor—Gillyanne respondeu, depois de se voltar e ver a pequena comitiva que se aproximava. — Diarmot, Nanty, Angus e Drew. Não vejo Fiona. Puxa, e parece que cada homem, mulher e criança de Deilcladach está olhando para cá. Seria tolice pensar que esse assunto seria algo particular. E Connor não parece que pretenda torná-lo agradável.

— Um homem pode ficar irritado se sua esposa decide deixá-lo — murmurou Eric, recebendo um olhar de reprovação tanto da esposa como da filha.

Connor parou a poucos passos de distância de Gillyanne e sua família. Ela estava com aquele olhar tristonho outra vez e ele sabia que fora ele que o pusera ali. Só não sabia como tirá-lo. Ela queria algo que Connor não sabia se poderia dar. Os sentimentos que ela buscava estavam lá, dentro dele, ele não poderia mais negar, porém ele não sabia como fazer para que ela soubesse disso, sem que tivesse de desnudar a própria alma. Era aceitável para uma mulher falar tais coisas, mas ele era um homem, um lorde. Deixar que o mundo soubesse o quanto ele precisava dela poderiam fazê-lo parecer fraco, mole. Ela precisava entender que ele não poderia se permitir isso.

— Esposa, venha cá. — Ele estendeu a mão. Ela avançou um passo e então parou.

— Por quê?

— Por quê? Você é minha esposa.

— Não por muito tempo mais.

— Você fez os votos.

— Coagida.

— Maldição, Gilly!

Os irmãos e Encaroçado o cercaram e o obrigaram a recuar uns poucos passos. Connor sabia que deixara o temperamento levar a melhor, mas revelar a raiva era melhor que mostrar o medo que lhe corroía as entranhas. Berrar era mais másculo que cair de joelhos e implorar que ela ficasse.

— Senhor — exclamou Encaroçado —, não vai impedi-la de partir se tudo que sabe fazer é berrar com ela.

Connor respirou fundo para acalmar-se. Controlou o impulso de agarrar Gillyanne e trancá-la no quarto. Depois encontraria tempo para imaginar como poderia ser o poderoso senhor que Deilcladach precisava e dar à esposa um pouco do amor que ela queria. Não tinha esse tempo agora. Sentia-se encurralado e não gostou.

— Tudo bem, concordo. Não gritarei mais com ela.

— Umas poucas palavras com sentimento não fariam mal — disse Diarmot, quando Connor voltou a aproximar-se dos Murray.

— Volte a Deilcladach comigo, Gillyanne — disse ele, num tom que esperou fosse calmo. — Conversaremos. Tenho certeza de que não quer ir embora.

— Não? Para que eu estaria aqui fora? — Gillyanne ficou surpresa ao sentir que Connor estava profundamente agitado.

— Você é minha esposa. E me ama.

— Sim, ouvimos você lhe dizer — exclamou Drew. — Quase todos em Deilcladach ouviram você dizer isso aos berros.

Gillyanne quase agradeceu a Diarmot por empurrar o irmão para trás. Ela ouviu o pai repetir a palavra berro e não se voltou para encará-lo. O mais importante agora era Connor e se ele daria ou não uma razão para ficar.

— Sim, não se esqueça disso. Eu a faço gritar — disse Connor e ignorou os resmungos dos irmãos que o reprovavam.

Era quase doloroso resistir ao impulso de chutá-lo, especialmente quando Gillyanne ouviu o pai sufocar uma risada, deixando claro que entendera a insinuação de Drew.

— Suponho que com o tempo eu possa encontrar outro que faça o mesmo — A despeito da tristeza, ela quase sorriu diante dos olhares ultrajados de Connor, dos irmãos e de Encaroçado.

— Não, não fará isso — ele resmungou por entre os dentes cerrados. — Você é minha esposa.

— Connor — disse ela, ao se aproximar uns passos —, preciso de uma razão para continuar aqui. Sim, eu o amo. Porém, enquanto é por isso que anseio por ficar, também é a razão de eu querer partir.

— Isso não faz sentido.

— Faz. Não posso ficar, amando-o como eu amo, quando não tenho nada de volta de sua parte. Não — ela retrucou, quando ele ia falar —, não falo da paixão que compartilhamos. De alguma forma, isso pode ser obtido em algum outro lugar. Se eu ficar, meu amor por você logo se tornará mais uma maldição que uma bênção. Vejo diante de mim dias de doar a você tudo que eu tenho dentro de mim e de lentamente ficar esfaimada por alguma retribuição. Não posso suportar nem pensar nisso. Pode ser que eu seja egoísta, porém preciso de alguma coisa de você. Não é o caso de ter tudo ou nada. Só peço um pedaço de seu coração.

Ele olhou para todos ao redor e depois para Gillyanne. Connor sabia do que ela precisava, mas as palavras não surgiram. Ao contrário, ele ficou furioso com ela a pressioná-lo assim, com os Murrays por tentá-la levá-la para longe e mesmo com sua família, por esperar tanto dele. Ele se tornara aquilo que Deilcladach precisava e os salvara a todos, e no entanto, agora, pareciam insatisfeitos com o que ele era, queriam que mudasse.

— Então, vá — ele disse, numa voz glacial. — Quebre seus votos. — Voltou-se e rumou para Deilcladach.

— Ele voltará — disse Diarmot, quando ele e os irmãos correram atrás de Connor.

Gillyanne sentiu que sua mãe a circundava pelos ombros, numa demonstração de conforto. O homem que ela amava acabara de lhe dizer que fosse embora e se afastara. Ela deveria se sentir devastada e, contudo, não se sentia. Para sua surpresa, estava na verdade esperançosa. Então percebeu que captava o que Connor estava sentindo. Não eram sentimentos agradáveis, pois Connor lutava contra a raiva, a frustração, a confusão e, o mais surpreendente, contra o medo. Isso porém não importava. Ela o sentira e tinha certeza de que isso era bom.

— Está aborrecida, Gilly, querida — a mãe lhe perguntou, ao ver a expressão pensativa de Gillyanne.

— Não. Acho que talvez eu tenha sido um pouquinho injusta, julgando que Connor pudesse colocar de lado doze anos de auto­controle por apenas dois meses e meio de casamento. Pela primeira vez, pude sentir o que ele sente, mamãe.

Eric cruzou os braços no peito quando Connor foi recebido nos portões de Deilcladach por um grande grupo de mulheres.

— Suas aliadas, eu suponho.

— Oh, meu Deus — murmurou Gillyanne ao reconhecer Mairi, Joan e Fiona à frente do que parecia a reunião de toda e qualquer mulher em Deilcladach. — Isso não o deixará muito contente. Ele é o lorde. É quem ele é. É o quê ele é. Connor é muito rígido sobre o que ele deve fazer e ser para cumprir seu dever como lorde. — Franziu a testa ao perceber o olhar severo do pai. — O que foi?

— Sua resposta, moça. Ele se impôs regras quando era quase um menino e seu povo o seguiu. Tais regras mantiveram a todos vivos, ou assim ele acredita. Na verdade, vi um rapaz ordenar que você voltasse para casa e um homem que provavelmente lhe daria tudo que seu coração pudesse desejar, porém que não pensa que consiga.

—Não se quiser permanecer um lorde forte e poderoso e manter Deilcladach em segurança.

— Exatamente. E não creio que seja você que possa forçar uma completa mudança. Está nas mãos do clã de Connor fazê-lo enxergar que ele não perderá estatura se mostrar ternura para com a esposa.

— Talvez eles tenham de mostrar a ele que Connor não precisa lutar por sua aprovação e lealdade. Ele já as conquistou.

— Parece que você deixou sua esposa para trás, Connor — disse Fiona, com um olhar zangado para o irmão.

— Ela quer ir embora — ele retrucou e ficou espantado com os bufos de reprovação das mulheres ao redor.

— Se ela quer partir, é porque você não fez nada para fazê-la querer ficar. Por que não pode dizer alguma coisa gentil pelo me­nos uma vez? Diga que é bonita.

— Eu digo — ele protestou, perturbado com a maneira que as mulheres reviravam os olhos de desgosto.

— Não é bom dizer a ela quando estão na cama — disse Joan.

— Não adianta dizer que a mulher é a coisa mais linda do mundo quando se quer que ela erga as saias. Você tem de dizer outras vezes para que ela saiba que pensa assim.

Connor ficou a imaginar quando as rédeas tinham fugido de suas mãos para que seu povo se atrevesse a lhe dar instruções.

— Sou um lorde e um homem, e um homem não... Ai! — olhou para a mulher magra que acabara de lhe espetar a perna com uma vara. -— Mãe Mary!

Encaroçado tentou afastar a mãe só para receber um soco no estômago.

— Mãe, a senhora não pode fazer isso. Ele é nosso lorde.

— Sei disso. Também tem idade para ser meu próprio filho. Eu estava com a mãe dele quando ele nasceu. Fui sua ama-de-leite. E é um direito que reclamo agora, o direito de uma velha que o limpou e segurou-o no peito. — Agarrou Connor pela orelha. —-Essa mulher pretende ter uma conversinha com você, rapazinho — disse, ao empurrá-lo para longe das outras. — Se eu ouvir mais uma palavra sobre o que um homem faz ou deixa de fazer, Connor MacEnroy, vou surrá-lo até arrancar sangue. Enterre essas bobagens que aquele velho demónio lhe disse, possa sua alma venenosa queimar no inferno.

— É difícil esquecer de coisas que aprendemos quando crescemos — murmurou Connor.

— Algumas jamais deveriam ser ensinadas. Ora, rapaz, a moça o ama. E você não liga para ela?

— A senhora não compreende. Tenho de ser forte para o clã. Um homem forte...

— Não deixa a mulher abandoná-lo.

— Mãe Mary, um lorde não pode ter fraquezas. Um lorde tem de pensar apenas em seu clã, em sua sobrevivência.

Ela encostou o dedo magro nos lábios dele.

— Você é forte, Connor. Puxa, acho que é a pessoa mais forte que já conheci. Quando saímos dos esconderijos para nos depararmos apenas com nada mais que morte e destruição, pude ver o aço a lhe moldar a espinha. Parte de mim chorou pelo rapaz que desaparecia ante meus olhos, porém outra disse, sim, é assim que se faz. Seja duro, seja forte. Era do que precisávamos. E você o fez. Tínhamos de sobreviver em tempos difíceis, contra a fome e o frio, e o sofrimento pela perda de tantos. Porém, rapazinho, isso acabou. Estamos aqui. Estamos em paz. Você não precisa ser a única rocha em que nos apoiamos. As viúvas estão fortes outra vez, os rapazes e as moças são homens e mulheres agora e mesmo as crianças mais fracas ainda estão vivas.

— Contudo, precisamos ser fortes para continuar assim. Eu preciso ser forte.

— O pai da moça parece ser um homem fraco? Um que se poderia ignorar?

— Não.

— Então olhe bem para aquele lorde. Veja como acaricia os cabelos da filha, como mantém a esposa bem ao lado. Sorri para elas, beija-as na frente dos homens, brinca com elas e com os rapazes. Toda essa ternura à vista de todos. E no entanto, a moça confia na capacidade do pai de ajudá-la, protegê-la. Ele ordena e os homens obedecem. Aquelas duas mulheres sabem que são queridas e contudo respeitam aquele homem.

Connor sabia o que Mãe Mary queria que ele visse. Sabia que a ternura que sir Eric demonstrava poderia dar lugar à coragem e bravura se estivesse com a espada em punho.

— Aquela moça o ama, seu tolo. Pelo que ouvi dizer, vocês se dão muito bem no quarto. É idiota o bastante para pôr isso de lado também? Ela saiu da cama de enferma para procurá-lo quando você estava afundado em depressão. Resolveu as coisas, não resolveu? E não descansou até vê-lo livre, com o nome e a honra imaculados. Parece uma moça frágil e delicada, porém me contaram que tem tanto aço na espinha quanto você.

— Sim, ela é muito forte — ele retrucou. Inteligente. Cheia de vida.

— É a esposa perfeita para um lorde. E um bom lorde haveria de pensar naquelas belas terras que ela tem de dote e em todos os novos aliados que podem tornar o clã mais poderoso. Ah, rapaz, nós lhe devemos nossas vidas. Queremos ter certeza de que não irá arruinar a sua. Vá até lá. Diga uma palavra doce e traga sua esposa para casa. — Mãe Mary deu-lhe um tapinha no rosto. — Confie numa velha mulher. Isso não vai doer nada.

As risadinhas pararam de repente quando Connor se voltou e olhou para todos.

— Se eu tiver sucesso em trazer minha teimosa esposa de volta, os Murrays irão precisar de comida e de camas. Vocês não iriam desapontá-los com a hospitalidade em Deilcladach, iriam?

Sentiu-se um pouco melhor quando todos se afastaram, apressados, Mãe Mary a rir, a segui-los. Depois, endireitando os ombros, ele rumou para onde estava a esposa. Era constrangedor que tivesse de ser repreendido por Mãe Mary antes de enxergar a verdade. Só desejava ter a coragem de falar francamente com Gillyanne ou,. pelo menos, de usar as palavras certas.

— Seu marido está voltando — disse Eric. — Quem é a mulher que lhe puxou a orelha?

— Parece ser a mãe de Encaroçado — retrucou Gillyanne, tomada de ansiedade e de esperança crescente. — Ele está muito sério, não é?

— É de um assunto sério que ele vem tratar. Menina, não o pressione demais.

— Aprendi bastante nas últimas semanas para saber que, algumas vezes, com Connor, um pouco pode ser demais. Só penso que nenhum homem poderia ter feito o que Connor fez por seu clã se não tivesse um enorme coração.

— Menina esperta — Eric murmurou, quando Connor parou a alguns passos de distância.

— Veio dizer adeus? — Gillyanne perguntou, ao encará-lo. Como sempre, havia pouco a ler naqueles olhos ou expressão, porém ela pôde sentir o turbilhão que havia dentro dele. Ficou aliviada. A concha estava se quebrando. Poderia ser uma simples rachadura, porém não poderia ter acontecido em melhor hora.

— Não, disse aquilo porque estava... bem, irritado.

— Irritado?

— Não quero que você vá embora. — Connor estendeu a mão para ela. — Não quero que me deixe — disse, baixinho.

— Eu também não quero, Connor.

— Porque me ama.

— Sim.

— Eu preciso de você — ele murmurou, ao puxá-la para mais perto.

Gillyanne ficou profundamente sensibilizada, não apenas pelas palavras, mas pela emoção que havia por trás delas. O estranho é que ele parecia quase doente. Havia gotas de suor na face de Connor e ele estava pálido. Deixar o coração falar era evidentemente um tormento, ela pensou, e reprimiu um sorriso. Que alegria ver o amor correspondido.

— Você me ama — ele balbuciou.

— Sim, creio que ficou bem claro.

— Então isso não deveria ser assim tão difícil. Gillyanne avançou um passo e envolveu-o num abraço forte.

— Está tudo bem, meu viking. Posso esperar. Você pode tentar de novo mais tarde, quando estivermos sozinhos.

Era uma oferta tentadora, mas Connor resistiu em aceitar. Gillyanne confessara abertamente o amor por ele. Pelo menos uma vez ele poderia fazer o mesmo por ela. Também se recusava a permitir que o medo e a confusão o impedissem. Eram apenas três pequenas palavras. E ele as diria.

— Não, farei isso agora. — Respirou fundo, ergueu-lhe o rosto e disse: — Eu a amo.

Gillyanne enterrou a face no peito de Connor e deixou que as lágrimas corressem. Todos os medos haviam sido banidos e todas as esperanças renovadas com aquelas três palavras.

— Está tudo certo agora?

Ela encarou-o e sorriu.

— Tudo certo.

Um grito de surpresa escapou dos lábios de Gillyanne quando Connor ergueu-a no colo e rumou para Deilcladach, a correr depois de algumas largas passadas. Só parou quando estavam no quarto.

— Acha que ele disse o que ela queria ouvir? — Bethia perguntou ao marido, enquanto via a filha ser carregada para o castelo.

— Sim. Ele parecia quase doente um instante atrás. — Voltou-se para cumprimentar a mocinha bonita que parou em frente a eles. — Bem-vinda.

— Bem-vindo, milorde — disse Fiona. — Sou Lady Fiona MacEnroy, irmã do bárbaro que acabou de se afastar. Dou-lhe as boas-vindas a Deilcladach e peço que entre.—Fez uma reverência e então levou as mãos à cintura, com ar orgulhoso. — Fico satisfeita em receber sua família também. Gillyanne é nosso tesouro. Está me ensinando a ser uma dama.

Fiona pestanejou quando o breve silêncio terminou numa gostosa gargalhada de todos. Gilly tinha razão: sua família acharia engraçado que ela ensinasse alguém a ser uma dama. Então, Fiona sorriu. Connor tinha sua Gillyanne, porém havia muito mais a ganhar daquela união além de uma esposa adorável, boas terras e aliados fortes. Ali havia alegria. Havia amor pela vida. Ao enlaçar os braços nos dos pais de sua nova irmã e conduzi-los a Deilcla­dach, ela teve certeza de que a fortuna lhes sorrira quando Connor rumara para Ald-dabhach para disputar Gillyanne. Para um irmão, ele poderia se mostrar inteligente algumas vezes.

Connor olhou para a esposa, enquanto a acariciava devagar. — Você iria realmente me abandonar? — perguntou.

— Esse era meu plano.

— Mudou de idéia?

— Sim, mamãe me fez três perguntas.

— Quais?

— Se eu o amava.

— E você disse sim.

— Disse. Depois, se eu queria mesmo deixá-lo.

— E você disse não.

— Sim, embora estivesse com medo de ficar por amá-lo tanto e não saber o que você sentia por mim. — Aceitou o lento beijo como um pedido de desculpas.

— E a terceira pergunta?

— Se eu estava grávida. — Gillyanne surpreendeu-se quando Connor ficou rígido e imóvel.

— E?

— Foi quando eu comecei a pensar que poderia ter de mudar meus planos.

Connor ergueu-se, as mãos apoiadas ao lado dos ombros dela.

— E você iria embora, levando meu filho, para longe? Ela acariciou-lhe o peito.

— Não, não conseguiria.

— Ainda sim, me pressionou.

— Você não teria feito o mesmo? Recordando-se da noite anterior, ele murmurou:

— Faria. — Sentou-se e pousou a mão no ventre da esposa. — Tem certeza?

— Sim. Não menstruei desde o dia anterior ao casamento.

— Você ficará bem — ele murmurou, a empalmar-lhe o rosto com doçura.

— Sim, porque você me ama.

— Como você me ama.

— Sim, como eu a amo.

Connor beijou-a. E Gillyanne riu involuntariamente. Seu viking poderia nunca ser capaz de acarinhá-la com palavras de ternura, porém ela tinha tudo de que precisava. E, quando ele penetrou-a com carinho, ela julgou que as ações poderiam valer mais do que palavras. Poderiam ser bem mais agradáveis.

 

Todos estavam reunidos no salão de Deilcladach para o batizado dos gémeos, um menino e uma menina, os filhos saudáveis que Gillyanne dera a Connor, e que estavam agora com seis semanas. Connor engoliu o vinho, nervoso, quando chegou a hora dos brindes. Sentiu um fio de suor correr-lhe pelas costas.

— Você está bem? — perguntou Gillyanne, julgando que ele estivesse doente.

— Sim, só estou me preparando para falar.

— Não precisa fazer isso, Connor.

— Sim, preciso.

Ao chegar sua vez, ele se endireitou e levantou-se.

— Agradeço a todos que vieram aqui para celebrar o batizado de nossos filhos. E agradeço também os belos presentes. Mais do que tudo, gostaria de agradecer aos Murrays por minha esposa. Ela é minha alegria, meu coração e o melhor presente com que qualquer homem poderia ser abençoado. — Olhou para Gillyanne e ergueu a caneca de vinho. — Eu te amo.

Gillyanne mal ouviu os gritos e aplausos. Agarrou a mão de Connor assim que ele se sentou. Ele estava um tanto verde e evidentemente suado, porém jamais o vira tão belo. Beijou-o.

—Não era para fazê-la chorar—ele resmungou, ao lhe enxugar as lágrimas com um guardanapo.

— Oh, Connor, foi tão lindo...

— Bem, eu queria agradecê-la. Sabia que todos estariam brindando às crianças e era a você que eu queria brindar. Amo meus filhos, porém...

— Eu sei.

— Afinal, você merece.

Gillyanne sorriu. Ele dissera diante de todos que a amava. Duvidava que Connor soubesse o que tal atitude significava para ela. Era um presente tão puro e tão grandioso que ela não sabia como corresponder. Contudo, poderia tentar, mais tarde.

Connor suspirou de satisfação ao entrar no quarto. A festa fora suntuosa e bem preparada, agradara à esposa com suas palavras, e toda a família, tanto dela como dele, parecia contente. Aqueles que não conhecia o haviam aceitado e ele pudera entrever a promessa de fortes alianças.

Fechou a porta atrás de si e então franziu a testa. Havia algo diferente. Olhou para a porta.

— Temos uma porta nova—murmurou Gillyanne, nua ao lado da banheira. — Duas, aliás. — Apontou para aquela que dava para o quarto das crianças. — E bem grossas.

— Tem certeza?

— Absoluta. E há um novo sino para chamar os rapazes para o jantar. Não serei o sino mais.

Connor começou a rir.

— Ah, Gilly, você é minha alegria.

Ela correu e deixou que o marido a envolvesse nos braços.

— Eu o amo.

— E eu a amo. — Beijou-a de novo e fitou-a, com ar de dúvida, ao enfim perceber que ela estava nua. — Gilly?

— Pensei que você pudesse querer um banho...

— As crianças estão com seis semanas apenas. Tem certeza?

— Não apenas tenho certeza, estou desesperada — ela murmurou, ao desfazer-lhe os laços da calça.

— Ah, minha esposa, você é meu coração, minha felicidade e minha bênção.

— E você é a minha, meu viking. Agora e para sempre.

— Bem, então, vamos testar as novas portas.

 

 

                                                                                                    Hannah Howell

 

 

 

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