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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A NOIVA DE NICOLAS / Josiane Veiga
A NOIVA DE NICOLAS / Josiane Veiga

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Ele precisava de uma noiva...
Às vésperas de assumir a Presidência da Empire Eletronics, Nicolas Padyris se viu pressionado pela abastada família a se casar.
Sentia-se no século passado, mas os tradicionais gregos Padyris não lhe repassariam tal posição se não encontrasse a noiva perfeita.
Ela precisava de dinheiro...
Carolina Miranda saiu do Brasil para trabalhar. Completamente falida, ela chegou às ilhas gregas com a intenção de juntar dinheiro para retornar ao país e abrir sua própria empresa.
A proposta de um dos clientes do bar em que servia pareceu vinda dos céus. Fingir-se de noiva de um magnata grego por uma boa quantia lhe daria a chance de se restabelecer.
O que nenhum deles contava é que aquela farsa tornaria-se uma amizade verdadeira que logo se vincularia ao amor.

 


 


Capítulo 01

Carolina Miranda tinha aquele algo a mais. Desculpe, caro leitor, mas eu não saberia especificar o quê exatamente era esse algo, mas posso afirmar sem medo que ela o tinha.

Poderia estar em uma multidão de pessoas, mas você a veria de longe e diria para si mesmo: “ Olha lá, uma mulher com algo a mais! ”. Era exatamente essa a sensação.

Estava a poucos meses de completar trinta anos, mas mantinha a jovialidade atrás dos olhos castanhos escuros. O cabelo tinha uma tonalidade clara, mas não beirava ao loiro. O corpo, esguio, era muito belo, mas, acima de tudo, o que mais chamava a atenção naquela mulher era a singularidade de sucesso.

O noivo e a melhor amiga haviam se associado a ela em um salão de beleza que havia se tornado uma rede em poucos anos. Agora, a beira do casamento, ela percebia o quão era afortunada.

Uma mulher bonita e de sucesso. E com aquele algo a mais.

Mas, “ algo a mais ” não poupava ninguém de uma traição.


Não se poderia dizer que ela não estava desconfiada. Sabia que Arthur tinha uma amante, não só por estar alheio ao sexo, mas também porque ele andava frequentemente com aquele olhar de quem está aprontando.

Mesmo assim, afundada em trabalho, Carolina não deu muita atenção ao fato. Ora, ele logo voltaria para ela, sabia. Não apenas pelo sentimento que os unia, mas também porque tinham uma empresa juntos, um elo tão forte quanto um filho.

Alguns a chamariam de fria por estar tão natural quando algo estava se desenvolvendo em suas costas, mas Carolina tinha lá seus motivos. A mãe, em especial, também recebera um enorme par de galhos na cabeça. Ao contrário dela, não manteve a frieza, caiu numa depressão profunda, perdeu o marido, e as levou a miséria.

Carolina sabia o que doía mais que uma traição: a falta de dinheiro.

Não ter o que comer ou o com o que pagar as contas era muito pior do que uma escapadinha qualquer de um macho. Ou assim ela imaginava.

Todavia, todas as suas certezas foram testadas num dia em que chegou mais cedo a um dos salões. Um novo fornecedor lhe apresentaria uma linha de cosméticos e como o homem estava de partida, eles combinaram de ver os produtos às sete da manhã, ainda com o salão fechado.

Tão logo abriu a porta, ouviu os sons comuns do sexo. Os gemidos afoitos, as ondas eletrizantes. Estancou diante da imagem de Arthur e Kátia, sua melhor amiga.

Seus dois sócios.

A punhalada era dupla.


Nessa narrativa, querido leitor, quero deixar claro que não estou defendendo minha protagonista. Não, Carolina não era do tipo altiva e razoável. O fato de ela deixar o salão de beleza sem tecer nenhum comentário e não fazer nenhum barraco, não se devia a uma grandeza ou elegância portada pelas mulheres mais requintadas.

Bem da verdade, se não estivesse tão mortificada, ela arrancaria os cabelos de Kátia e castraria Arthur. Ela até conseguia se visualizar segurando o pinto mediano do noivo e passando o facão nele.

Contudo, o choque foi maior que qualquer outro sentimento. Então, enquanto os dois se vestiam rapidamente despejando desculpas esfarrapadas, Carolina simplesmente deu as costas e saiu da empresa.

Estranhamente, uma espécie de alívio a tomou.

Arthur não parecia o homem certo para ela. Kátia a muito a irritava com suas reclamações sem fim sobre os lucros do salão.

Agora ela não precisaria mais aguentá-los. Sentiu-se livre.


— Você está falida?

A indagação de Simone, uma amiga de infância que atualmente morava na Grécia e estava no Brasil apenas a passeio, tinha razão de ser.

Sentadas em um bar, Carolina escondeu o rosto com as mãos.

— Eles pagaram a minha parte, eu achei que conseguiria criar outro salão... Mas, a burocracia é enorme e... enfim...

— Acabou o dinheiro?

— Sim.

A única garantia que Carolina contava na vida era a financeira. A mãe perdeu a sanidade por amor, então ela sempre manteve seus sentimentos bem seguros atrás de uma muralha.

Mas, agora, até mesmo o dinheiro estava lhe dando adeus.

— Te ofereço um emprego — a amiga murmurou.

— Na Grécia?

— Sim, no meu bar.

— Ser garçonete?

Parecia tão pouca coisa para alguém que há poucas semanas era uma empresária de sucesso.

— O salário é justo, as gorjetas são generosas. Meu bar fica numa ilha cheia de gente poderosa. Eles pagam muito bem por um bom papo.

— E eu lá sei falar grego?

— E precisa? Apenas sorria, se comunique com gestos. Você é simpática, vai se dar bem. Além disso, o que te prende aqui? Lá, ao menos, terá uma bela paisagem para esquecer o chifre que te colocaram.

Era justo.

— Me sinto como aquela personagem da novela que foi traficada...

— Ei! — Simone ralhou. — Não vou te prostituir, viu?

Carolina riu.

— Ganharia bem pouco dinheiro porque estou bem por baixo.

— Besteira — negou. — É muito linda. Apenas precisa respirar outros ares e esquecer tudo que fizeram. Precisa se redescobrir...

— Redescobrir?

— Mulher — apontou.

Carolina pareceu pensar um pouco.

— Quando eu voltar com uma boa grana, abrirei um salão perfeito e roubarei todas as clientes daqueles dois filhos da puta.

— Esqueça-os — Simone aconselhou.

— É fácil para você dizer isso. Não é sua cabeça que está pesada!

— Ei — chamou sua atenção, segurando suas mãos, carinhosa. — Há muito para você viver, amiga. Há tantas pessoas maravilhosas lá fora...

— Você só pode estar zoando com a minha cara? Depois de Arthur, não sou louca de me apaixonar por alguém. Acabou. Virei lésbica!

A gargalhada de Simone foi sonora, chamando a atenção dos outros.

— Você odeia boceta — Simone apontou, baixinho.

— Tem cheiro de bacalhau!

— Limpinha não. — A outra deu uma piscadela. Simone era bissexual e Carolina sabia disso.

— Desisto de ser lésbica — negou. — Estou assumindo celibato.

— Você sabe? — sua amiga de longa data murmurou, enquanto bebia um cálice de vinho. — Seu problema é o egoísmo.

— Egoísmo?

— Não é uma ofensa. — justificou, em defensiva. — Mas, ao assumir um celibato, você está deixando um cara muito legal, alguém que te faria feliz, sozinho.

— Homens assim não existem.

— Então uma mulher — Deu-se por vencida.

— Já falei que não vou ser sapatão! Além disso, é egoísmo mesmo! — retrucou. — Até porque é exatamente o que falta ao mundo, hoje. As pessoas pensam muito pouco em si mesmas.

— Está brincando? Egoísmo é o que falta ao mundo?

— Veja bem. As pessoas entopem-se de comidas industrializadas, álcool, drogas, intoxicam-se com músicas ruins e literatura burra... Nem vou falar dos programas de televisão — deu os ombros. — Elas estão minando o próprio corpo com desgraças. Falta amor próprio. Falta egoísmo.

Simone deu um longo suspiro.

— Amor próprio e egoísmo são sinônimos na sua cabeça? Eu desisto de você.

— Mas o emprego ainda está de pé?

A amiga riu.

— Sim, será ótima com meus clientes. Ainda bem que não fala grego, assim não vai me espantar toda a clientela.

 


Capítulo 02

 


"É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna deve estar necessitando de uma esposa ".

Orgulho e Preconceito (Jane Austen)

 

Os Padyris eram do tipo tradicionais. Ortodoxos . Seu sobrenome datava da Idade Média e, pelo que se sabia, sempre foram ricos, investidores, mercadores e poderosos, que mantinham grandes propriedades e uma fortuna avaliada entre as cem maiores do mundo.

Ainda assim, Nicolas Padyris sentia-se um coitado preso a regras sociais que não valiam de nada e não tinham a menor importância.

Quem, em nome de Deus, em plena atualidade, precisava de uma esposa?

Estava tão bem, numa vida divertida, cheia de mulheres bonitas, famosas e interessantes. Trabalhava na maior empresa da família, a Empire Eletronics e, nas folgas, saía com alguma beldade que sempre lhe custava pouca coisa além de algum brilhante.

Mas, elas faziam valer a pena. A vida valia a pena.

Todavia, a avó Lúcia, uma portuguesa de oitenta anos, não parecia assim tão disposta a aceitar seus argumentos.

Andreas, o primo, sentado ao seu lado, parecia concordar com ela.

Cresceram juntos. Os pais eram irmãos. Ambos estavam numa viagem com as esposas quando o avião que os transportava caiu.

Sobrou aos avós lhes criar. O avô, um grego enérgico faleceu quando eram adolescentes, mas a avó portuguesa – que o Padyris mais velho havia conhecido em uma viagem para Portugal e pela qual se apaixonara perdidamente – permaneceu firme e educou os dois meninos para gerirem a fortuna da família.

Podiam ter se unido, em algum momento daquela caminhada, mas os primos sempre foram rivais. Nicolas era o mais velho, e por isso estava sendo preparado para assumir a Presidência. Andreas nunca escondeu o tanto que achava aquilo injusto.

— Vovó — Nicolas começou, tentando ser razoável. — Um casamento no momento...

— Você tem trinta e dois anos. Com trinta e dois anos seu pai já estava casado e com um filho. Eu não morrerei sem saber que você também tem uma família.

— Eu entendo a sua posição, mas me pressionar assim...

— Não estou te impondo nada. Estou apenas dizendo que se não se casar com alguma boa moça – e veja bem, nada daquelas malucas da moda, ou hippies que fazem filmes -, mas sim uma boa moça, refinada, educada, gentil e doce... Se isso não acontecer em seis meses, toda a administração da fortuna da família passará a seu primo, e você será apenas um funcionário com salário compatível a função.

Todas as mulheres que ele conhecia que aceitariam um enlace daqueles eram modelos ou atrizes. Interpretar uma noiva devia ser algo para alguém assim, não? E de onde ele tiraria alguém doce e gentil? Não sabia a avó que os tempos mudaram e as mulheres agora eram mais agressivas no que queriam?

Quase podia ver o sorriso maroto do primo, ao lado. Andreas tinha certeza que ele fracassaria. Pois teria uma grande surpresa.

Não sabia de onde, mas arrumaria essa mulher. A Empire Eletronics era dele. Podia não ser o melhor dos homens, mas sempre foi responsavel e apaixonado pela empresa.

— Não queria falar nada, mas estou tendo um relacionamento sério — apontou, fazendo o primo arregalar os olhos.

A avó, sentada em sua costumeira poltrona, pareceu brilhar.

— É mesmo?

— Mas, não sei se ela está pronta para se casar.

— Quero ver a moça! — decretou. — É alguma daquelas mulheres que você paga para sair?

— Não é uma prostituta, vó. É uma boa moça, muito gentil e delicada. Trabalha... — Céus, por que estava mentindo assim? —, num bar para completar a renda. É estrangeira.

— É mesmo?

Ele logo pensou em alguma imigrante precisando de dinheiro. No dia seguinte iria atrás de uma mulher nesses moldes.

— Falarei com ela.

— Mas, você a ama? — A avó indagou. E parecia esperar uma resposta compatível.

Se dissesse que não, iria exigir que ele saísse de uma relação sem futuro e buscasse a pessoa certa.

— A amo muito.

Sentiu Andreas fungar ao seu lado.

— Por que nunca nos falou dessa mulher? — o primo indagou.

— Ela é uma moça simples e não queria que tivéssemos uma imagem de interesseira. Nunca nem me permitiu pagar um apartamento melhor. Mora em um kitnet ...

A avó pareceu encantada.

— Se você a ama, vai pedi-la em casamento e a nos apresentará — exigiu.

— Mas, e se ela não aceitar? — tentou argumentar.

Céus, estava cada vez mais enrolado...

— Que mulher se negaria a um homem como você? — ela perguntou. — Oh, Andreas — bateu palmas, alegre, chamando a atenção do outro homem na sala. — Iremos conhecer a noiva de Nicolas. Não é maravilhoso?


Fodeu.

Fodeu.

Fodeu muito.

E agora? De onde arrumaria uma mulher como a que descreveu?

Aliás, como diabos ele a havia descrito? A personalidade não importava, a mulher podia fingir. Mas, fisicamente? Estrangeira. E o que mais? Achava que teve a sorte de não dizer nada comprometedor.

Naquela tarde, após o expediente, ele estivera em cinco bares à beira do mar. A primeira garçonete que interceptou lhe atirou uma taça com licor na cara. As demais foram menos agressivas ao lhe dar um sonoro não.

Agora, achegando-se a beira de um balcão longo no Brazilian Bar , ele parecia perdido. Assumir a mentira estava fora de cogitação, mas poderia dizer à avó que a moça havia terminado tudo.

“ Daí dona Lúcia irá lhe exigir o endereço da mulher, irá atrás de alguma desconhecida e lhe questionará porque abandonou seu amado netinho! ”.

Fodeu.

Fodeu.

Fodeu muito.

Pediu uma bebida para um dos garçons.

Perder a empresa não era algo que estava em seus planos. Antes dele, seu pai havia sido o Presidente. No momento, um acionista havia assumido o cargo provisoriamente, mas ele já estava pronto para ser indicado pela avó, que era a dona da maior parte das ações.

E ele queria... Queria muito.

— Filhos da puta! Pau no cu daqueles dois!

Ouviu os palavrões e observou as duas mulheres ao longe.

— Fique calma — uma delas pediu.

— Foda-se Simone, ninguém aqui entende o que estou dizendo! — Uma beldade ao longe pareceu choramingar. — Não acredito que eles faliram o Salão e deixaram uma dívida para mim.

— Mas você não tinha vendido a sua parte para eles?

— Me enganaram! Enganaram-me de novo! Acreditei que haviam tirado meu nome da sociedade, mas na verdade não quiseram gastar com advogados e mantiveram os papeis iguais. Agora estou falida e devendo quase vinte mil para a receita no Brasil. De onde vou tirar essa grana?

Ali... Ali há alguns metros dele, estava a resposta a todas as suas preces.

 

Capítulo 03

 


“Filha, a gente não tem dinheiro para o presente, mas escolhe uma estrela no céu, e fica com ela pra toda a vida.”

Jeannette Walls, O Castelo de Vidro


Se havia algo de que Nicolas entendia em sua vida era estratégia. Ele sabia que devia interceptar a garçonete no momento certo, e isso precisava ser num tempo suficiente para ela vivenciar a dor da dívida, e também no tempo de ela procurar ajuda e não encontrar.

Porque era simples assim. O dinheiro estava escasso. Mesmo ali, com as crises dos últimos anos, poucas pessoas – se é que ela tivesse muitos amigos – lhes dariam um empréstimo sem garantia.

Então, dois dias depois, ele voltou ao bar, e sentou-se em uma mesa para duas pessoas. Aguardou que ela se aproximasse. Logo a mulher surgiu, o rosto tentando ser simpático, mas as olheiras denunciando que havia algo errado.

— Ya [1] — Ela o cumprimentou.

Mesmo uma simples palavra, estava com a pronúncia errada. Nicolas não escondeu um sorriso, aguardando mais alguma coisa. Sabia que devia fazer seu pedido, mas aguardou que ela prosseguisse, apenas para vê-la sofrendo diante de sua mudez.

— Héro polí ya ti gnorimía .

Ele quase gargalhou. Ela tentava dizer algo como “ é um prazer conhecê-lo ”. Tentava. Enfim, a percebeu enrubescer e olhar para os lados. Buscava ajuda. Sabia que estava cometendo uma gafe atrás da outra.

— Está tudo bem falar em português. — ele disse, aliviando-a.

— Oh, céus, sério? — ela riu, nervosa. — É de Portugal? Do Brasil?

O simples fato de ele falar seu idioma pareceu lhe tirar uma tonelada das costas.

— Minha avó é de Portugal. Sou grego.

— Estou há poucos meses aqui, ainda não aprendi direito o idioma de vocês... Mas, me expressei bem no pouco que disse?

Ele quase riu.

— Sim — mentiu. Depois, ficou ereto na cadeira, tentando ser sério. — Na verdade, eu vim aqui porque gostaria de falar contigo. Tenho uma proposta a fazer.

Houve uma dúbia expressão naquele olhar intenso.

— Sabe que sou brasileira? — ela questionou, de súbito. — Muitos já me propuseram coisas desde que comecei, mas quero deixar claro...

— Por favor, não me leve a mal — interrompeu-a. — Quando procuro por prostitutas, pago as melhores e mais caras do mundo. Minha proposta não envolve nada imoral.

Nada imoral? Aquilo era bem questionável. Mesmo assim, o olhar feminino aliviou.

— Poderia se sentar? — ele indagou, apontando a cadeira à sua frente.

— Estou no meu horário de trabalho...

— Querida, se ouvir minha proposta e aceitá-la, nunca mais precisará trabalhar em toda a sua vida.

Carolina não se sentou por ambição. Foi a curiosidade que a moveu até a cadeira e fê-la pousar a prancheta de pedidos em cima da mesa.

— Fale — mandou. — Espero que valha meu tempo.

Houve um sorriso na face masculina. Analisou o homem brevemente. Era muito bonito. Aristocrata. Claramente, grego. Tinha aquela face de queixo proeminente, e olhar penetrante. Era bronzeado e de músculos salientes por baixo da camisa de marca.

Um homem daqueles fazendo-lhe uma proposta já era um tempo válido em sua vida.


— Então, os Padyris são uma família extremamente poderosa que não lhe darão nada do que você considera seu direito enquanto não vê-lo casado? — ela repetiu suas palavras, para tentar entendê-lo melhor. — No desespero, você jurou que era apaixonado por uma mulher que, nas suas palavras, você melhor descreveria como qualquer imigrante que precisa de dinheiro.

Apesar do aparente desprezo na voz, Nicolas assentiu.

— Achei que fosse mais fácil encontrar uma noiva de mentira — afirmou.

— Nenhuma mulher aceitou?

— Que se encaixa na descrição? Não. Mas, eu sei que você aceitará.

— É mesmo? — ela odiou aquela arrogância.

— Ouvi sua conversa com sua chefe. Está devendo um bom dinheiro no seu país.

— Não tanto para eu cometer um desatino desses.

Nicolas pegou sua prancheta e escreveu um valor nela. Carolina arregalou os olhos diante dos números expressos.

— Seis meses da sua vida — murmurou. — Seis meses circulando em uma mansão, comendo do bom e do melhor, usando roupas finas, fazendo um teatrinho para minha avó. Então, no final do prazo, eu lhe pagarei o valor e você estará livre.

— E se ela insistir pelo casamento?

— Seis meses é o tempo para que um casamento tão importante seja organizado. Nesse tempo, crendo no “nosso amor”, minha avó me indicará a Presidência. Depois disso, facilmente podemos dizer que brigamos, que não demos certos, que não estavámos tão apaixonados assim...

Houve um breve silêncio entre eles, logo cortado pela voz aústera de Nicolas.

— E você teria dinheiro o suficiente para voltar ao seu país e recomeçar. Ou, quem sabe, viver aqui, na Grécia. Abrir seu próprio comércio. Ou simplesmente viver de investimentos. Francamente, não me importo com o que fará com o dinheiro, mas sei que aproveitará bastante dele.

Ela se levantou.

— Preciso pensar — avisou.

— Respeito isso, mas preciso de uma resposta logo. Qual seu prazo?

— Hoje à noite. Me encontre na saída. — Ela pareceu se distanciar, mas logo retornou. — Não me disse seu nome.

— Nicolas. E qual o seu?

— Nicolas? Vou te chamar de Nick — sorriu. — Fui fã dos Backstreet Boys .

Ele gargalhou.

— Sério mesmo?

— Sim. Se me quer por noiva, vai ter que aguentar meu gosto musical.

Moveu a cabeça, concordando.

— Por obséquio, seu nome? — insistiu.

— Carolina.

— Carol, então — piscou para ela. — Acho que seremos ótimos amigos.


O tempo não fora agradavel. Havia uma nuvem grossa de chuva que encobriu toda a estensão daquela cidade, e permaneceu lá, acobertando o sol, mas sem despejar uma gota de água.

Carolina não gostava de dias nublados. Eles a angustiavam. Lembravam-na da mãe, deitada no sofá, choramingando pelo marido infiel, sem importar-se com a filha que precisava comer e viver.

Soube, naquela época, que era a única pessoa com quem devia contar. Mais ninguém era confiavel.

E ela não se auto decepcionou. Arrumou um emprego de meio período numa floricultura, estudou à noite, ralou pra cacete, mas enfim, conseguiu o que se poderia definir por sucesso.

Mas, a vida também dava voltas. Agora, com a noite chegando e as nuvens grossas sobre sua cabeça, ela meditou sobre isso.

Em outra época, mandaria o poderoso Nicolas Padyris plantar batata. Talvez com um pouco menos de educação, mas mandaria.

Todavia, seu nome limpo era uma das poucas coisas que ela mantinha e que lhe era muito caro.

E o tal Nicolas estava aberto a possibilidade de mantê-la bem no Brasil. Francamente, o que lhe custaria seis meses fingindo um noivado? Estava até fazendo um favor ao rapaz.

Quando a noite chegou e ela saiu do bar, encontrou-o à sua espera. Pela primeira vez o notou mais masculino, como se estivesse pronto para um encontro, pronto para seduzi-la se fosse necessário.

Não era.

— Eu aceito — ela disse, de supetão.

Toda aquela pose desfez-se em segundos.

— Não vai se arrepender — ele prometeu.

Ela sabia.


— Não sou muito boa em ser doce e gentil.

— Interpretação — ele murmurou.

Sentados na areia, eles conversavam acerca do plano. Não era nada complicado, Nicolas não tinha intenção de se mostrar um noivo pegajoso. Bastava que ela interpretasse uma jovem trabalhadora apaixonada e estava tudo certo.

Carolina deitou-se na areia, o olhar sob o céu nublado. Ao seu lado, Nicolas a acompanhou. Tudo em volta deles era o breu.

— Você já pensou em como somos tão pequenos no universo? — ele murmurou, diante da imensidão do céu e do som das águas.

Ela sorriu.

— Não sou muito apta a filosofia — resmungou. — Pensava em outras coisas.

— Que coisas?

— Nos livros de Lynne Graham que eu lia na adolescência.

— Nunca ouvi falar.

— Literatura feminina — brincou. — Sempre havia um milionário poderoso para se casar com a mocinha.

— Só para garantir, você não está começando a pensar que isso é real, não é?

— Eu só me apoio em minha próprias pernas e nas minhas próprias forças, meu querido.

Repentinamente, um movimento ao lado.

— Tome.

Nicolas deu a ela um anel de brilhantes. Claramente, indicando o compromisso.

— Oficialmente sua noiva?

— Um anel à altura de uma Padyris.

Ela riu.

— Tive um parecido com esse a menos de um ano.

Na escuridão, ela não viu seu olhar surpreso.

— Estava noiva?

— Ele me traiu com minha melhor amiga.

— Que homem pode trair uma mulher como você?

Algo no âmago de Carolina explodiu diante da frase. Porque era a pergunta que ela não se atrevia a fazer. Exatamente a questão que lhe corroía. Era batalhadora, bonita e bem disposta. Uma pessoa boa. Por que fora traída pelas duas pessoas que mais gostava?

— Tudo na vida é um aprendizado — murmurou. — Foi assim que aprendi a não confiar em ninguém.

Lá em cima, uma nuvem se moveu e uma pequena estrela surgiu diante dos olhos do par.

— Pode confiar em mim, Carol — ele afirmou. — Sou um homem de muitos defeitos, mas a deslealdade não é um deles.

 

 


Capítulo 04

 


"E para falar a verdade, se fôssemos analisar as pessoas em todos os seus aspectos, não creio que sobraria muita gente boa."

Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski


Francesca era doce como mel. Não, não era apenas uma denotação romântica, mas a modelo amante de Andreas realmente tinha um gosto açucarado derivado dos inúmeros cremes que usava em seus tratamentos estéticos.

Estava quase chegando aos trinta anos, uma idade fatídica para a maioria das mulheres da sua profissão, mas a sorte lhe encaminhou o mais jovem da família Padyris, que a adorava como amante e a queria como mulher.

Ela gemeu gentil enquanto a língua do homem passeava pela sua pele.

— Não consigo me concentrar — ele murmurou, contradizendo o torpor delicioso que a envolvia.

Abriu os olhos e encarou o jovem.

— Apenas por causa de dois anos de diferença, Nicolas ficará com tudo que é meu — murmurou.

— Não seja bobo. Vocês dividirão a fortuna igualmente. Apenas, ele será o Presidente da Companhia.

Houve um leve fungar e então Andreas levantou-se. A mulher o observou vestir as calças com nítida raiva.

— Você não me entende! — Andreas ralhou, incomodado. — Tanto eu quanto Nicolas trabalhamos desde a mesma idade na empresa. Por que, então, ele assumirá a Presidência? Por que não tenho sequer uma chance de tentar?

Francesca sabia, mas não diria. Na juventude, percebeu que não era uma modelo procurada, a que teria um futuro promissor na agência. Assim, aprendeu a agradar os homens para ter vantagens. E, às vezes, agradar Andreas era manter silêncio.

Especialmente quando esse silêncio envolvia Nicolas Padyris. Era verdade que os dois jovens começaram juntos na empresa, mas Nicolas era mais devotado à causa.

Era, como diria Francesca, o primeiro a chegar, o último a sair. Queria manter o bom nome da família a qualquer custo, e isso não se seguia a vida de playboy do amante Andreas.

Lúcia, a avó dos dois, tinha total ciência do fato. Mesmo assim, Francesca, como a amante fiel que era, faria qualquer coisa para que seu querido pudesse realizar seu sonho.

E esse sonho era muito mais que ter a Empire nas mãos. Vencer Nicolas significava tudo.

— Vou precisar de sua ajuda — ele avisou, fazendo-a arregalar os olhos.

Francesca cobriu-se com o lençol e ergueu o torso para ouvir atentamente as palavras masculinas.

— Vou te assumir como noiva.

Ela abriu a boca, embasbacada. No fundo, uma série de sentimentos brotou.

— Sério?

— Sim, diremos a minha avó que você já foi modelo, mas que não deu certo. Que está desempregada depois de trabalhar em uma loja. Entende? Não quero que ela tenha a imagem de que era alguém envolvida com esse meio.

— Que meio?

Apesar de não querer, havia certa irritação em sua voz.

— Minha avó não gosta muito de modelos, atrizes, etc...

A pergunta que ela queria fazer era “ por quê? ”, mas apenas assentiu.

— Quero que dê em cima de Nicolas e termine com o noivado dele. Farei o mesmo com a tal noiva.

Era ultrajante. Revoltante. Mas, Francesca apenas assentiu. Até porque seus trabalhos rarearam muito nos últimos anos e Andreas estava pagando suas contas.

— Tudo bem — ela disse por fim, vencida.

O homem sorriu.

Francesca não expressou nenhum sentimento.

 


Aquela mansão de visão magnífica e de tonalidade clara ficava diante do mar. A praia – privativa tinha um píer onde a família ancorava seus iates – no plural, sim, pois cada membro daquele abastado clã tinha sua própria embarcação –, e era de uma beleza exuberante. Na encosta, uma montanha de árvores diversas completava a visão dos sonhos.

Carol calculou mentalmente a quantidade de peças que aquela mansão tinha. Quartos? Provavelmente uns vinte. E para quê? Se apenas a avó e os dois netos usufruíam de todo aquele paraíso?

Enfim, o que os ricos faziam e esbanjavam não era de seu interesse ou perturbação. Mascarando em sua face um sorriso doce, ela fingiu-se de acanhada para a mulher de cabelos brancos que se aproximava com um sorriso contente no rosto.

Percebeu a análise. Percebeu o nervosismo de Nick ao seu lado. Carol era capaz de entender cada nuance daquele momento.

— Seja bem vinda, minha querida — a outra cumprimentou-a naquele português comum do país europeu. — Você é brasileira, não?

— Sim.

— O país que nós descobrimos e conquistamos — Lúcia não escondeu a arrogância.

Sentiu a antipatia imediata. Havia aquele clima de rivalidade entre as nações. Mas, nada chegava a ser muito explícito.

— Uma pena — murmurou. — Teria sido melhor deixar a nação aos índios.

Pronto, ali estava a Carol que fodia com tudo em sua vida. A Carol incapaz de conter a boca, que estava ansiosa para cobrar cada ouro que os antepassados de Lúcia Padyris haviam tirado de sua terra. Todavia, um leve aperto em sua mão fê-la voltar ao normal.

Estava ali sob contrato. E Nick pagaria bem por seu fingimento. O resto não tinha o menor valor.

— Vai me fazer muito bem conversar no meu idioma com alguém além dos meus netos — a mulher comentou, mantendo o sorriso na face, não pareceu incomodada com seu comentário grosseiro.

Carol assentiu. Não tinha tanta certeza.

 

A deslumbrante sala de jantar mantinha uma mesa requintada adornada com flores e abastecida com uma quantidade de comida que manteria uma família inteira por cerca de um ano.

Ficou incomodada. Os pratos pareciam decorativos. Mal sabia o que devia comer e o que devia admirar.

Todavia, sua atenção foi desviada logo. Um homem de idade aproximada de Nick surgiu na sala e lhe cumprimentou com um gentil beijo na mão.

Um cavalheiro.

— Andreas Padyris, meu primo — Nick os apresentou.

— Nós não havíamos ouvido falar de você até alguns dias — Andreas a advertiu. — Mas agora entendo que Nicolas apenas queria esconder a beldade para ele.

Aquele elogio desproporcional causou um sorriso falso na face de Carol.

De que porra de beldade ele estava falando? Ela mal poderia ser considerada uma mulher normal. Não tinha um corpo exuberante, nunca frequentou uma academia, não fazia dietas e só não era gorda porque tinha um metabolismo bom que, sentia, estava começando a se tornar mais fraco a cada ano.

— Obrigada — disse, mesmo assim.

Sentiu a mão de Nick ficar mais firme. Percebeu imediatamente que o “noivo” não gostara da aproximação. A rivalidade entre os dois homens era gritante.

Foi levada até à mesa.

Seu pânico tornou-se palpável tão logo sentou-se. Não pela comida, apesar de que um feijão e arroz seriam muito mais agradáveis que aquelas coisas estranhas que ela nem sabia o nome.

O fato de ter uma infinidade de talheres diante dela a preocupou.

— Comece com os mais afastados — Nick murmurou aos seus ouvidos e ela sentiu um alívio absurdo diante disso. Era como se ele dissesse que estava ali para ela. — Conforme for necessário, lhe darei um pequeno chute para que você mude para os próximos.

Quis abraçá-lo pela compreensão. O encarou. Viu o olhar negro de beleza clássica. Até então não havia percebido o quanto ele era educado e gentil. Sorriu para ele e o percebeu estranho. Sentia ele aquela mesma sensação de familiaridade que ela?

— Tenho algo a dizer. — Sua atenção foi desviada para Andreas que se sentou à sua frente.

— É mesmo, querido? — Lúcia indagou, sorridente.

— Eu também pedi uma jovem em casamento.

Houve um silêncio estranho à mesa. Carol não pôde esconder os sentimentos conflitantes.

— E nós conhecemos a jovem?

— Não, mas conhecerão — ele avisou.

— E é uma moça decente como Carolina ou uma vadia qualquer?

Céus, que cena! Que constrangimento! E a cozinheira já começava a servi-los. E havia os garfos. As facas. Que porra de negócio verde gosmento era aquele que colocaram no seu prato?

— Francesca é uma mulher maravilhosa — Andreas rebateu. — Logo terão o prazer de conhecê-la.

Houve um silêncio perturbador. Mais um daqueles muitos. Carol se concentrou no dinheiro que receberia e então preparou-se para comer.

Levou o garfo mais afastado do prato até o negócio verde e logo o enfiou na boca.

PUTA QUE PARIU!

Era ruim demais. De fato, ela não nasceu para ser rica. Preferia mil vezes uma a La Minuta , com um bife mal passado. Aquilo sim que era comida de verdade.

Logo, um chute nas pernas. Largou o garfo e pegou o próximo. Evitou o vômito. Nem mastigou, engoliu o negócio verde tentando evitar o sabor.

Mais um chute.

Cacete!

Pegou o próximo garfo e voltou a mastigar. Foi quando estava no quarto garfo que sentiu a mão quente de Nicolas segurando a sua.

Ergueu a face. As outras duas pessoas à mesa a encaravam com estranheza.

A vergonha que sentiu não pôde ser escondida. Sentiu-se diminuída e com lágrimas nos olhos.

Levantou-se rapidamente e deixou o jantar como se estivesse em uma daquelas cenas de novela mexicana.

Ser uma “ Maria do Bairro falida ” era seu fundo do poço.

 

Capítulo 05


“Que tempos penosos foram aqueles anos – ter o desejo e necessidade de viver, mas não a habilidade.”

Misto Quente – Charles Bukowski

Quando era pequena, na época em que a mãe enfurnara-se em sua própria depressão e o pai esquecera-se de sua existência enquanto perambulava com mulheres jovens pela cidade, Carolina Miranda lembrava-se de caminhar sozinha pelas vielas e imaginar-se bem distante daquela vida complicada.

Ainda criança, sentiu-se um estorvo em casa. A mãe nem a via, o pai sequer se preocupava com ela. Enquanto a comida nas panelas começava a faltar, ela se imaginava diferente.

Porque haveria um dia em que conheceria um príncipe encantado muito bonito e rico, e ele a tiraria daquela vida triste e sem cor.

— Isso não vai dar certo — ela murmurou.

Sentiu uma presença ao seu lado. Logo Nicolas sentava-se próximo e parecia compreensivo e gentil.

— Por que não daria?

— Não viu o mico que paguei na mesa?

— Mico?

— Gafe — ela explicou. As gírias do seu país eram difíceis para ele. — Não sei me portar...

— Quanta besteira. Ninguém se importou.

— Você começou a me chutar... Fiquei nervosa, me atrapalhei — o acusou.

Repentinamente, ele arqueou as sobrancelhas. Era lindo, assim, sério. Carol tentou desviar os pensamentos, mas estava difícil controlar as emoções quando sentia-se tão desamparada e aquele homem estava tão completamente protetor.

— Não lhe dei nenhum chute.

Então, a verdade veio a ambos. Foi Andreas, que estava sentado à frente dela, o autor das entocadas.

— Por que seu primo me chutaria?

Pela primeira vez na vida de Nicolas, ele sentiu-se inflamar por causa de uma mulher. Andreas se atrevia a tocá-la mesmo sabendo-a sua noiva?

Ergueu-se, pronto a ir à direção do outro. Repentinamente, contudo, foi segurado por Carol.

— Não — ela aconselhou, e Nicolas pareceu vacilar.

Que poder era esse que o fazia obedecer a voz feminina? Que aura estranha cruzava entre os dois que o tocava tão profundamente?

— Ele se atreveu...

— Isso não tem importância. O que importa é o nosso acordo, e eu não lhe serei desleal.

A firmeza naquele olhar fê-la observar mais atentamente.

— Já foram muito desleais com você, não? Seu noivo e sua melhor amiga?

Ela sorriu.

— Apesar do que parece, não senti tanto assim a dor. Houve momentos piores. Eu com oito anos vendo meu pai indo embora para viver com outra mulher, enquanto minha mãe se dopava de antidepressivos, dormia o dia todo, e me deixava sozinha — contou, e nem sabia por que o fazia.

Nicolas sentiu uma forte necessidade de abraçá-la e apertá-la. Dizer que tudo ficaria bem. Mas, o relacionamento deles era puramente profissional, e ele precisava respeitar aquele limite.

Até porque o quão fácil seria se apaixonar por ela? Uma mulher forte, de olhar altivo e que o atraia em tudo. Contudo, sabia que quando o prazo se findasse, não restaria nada entre eles. Nem mesmo aqueles momentos sublimes onde a alma de ambos parecia exposta.

 

Eles voltaram à sala de mãos dadas. Nicolas fingiu ignorar o primo, mas estava em ebulição em sua alma. Contudo, a maneira como Carol segurou-se a ele deixava claro que ambos poderiam se apoiar um no outro para evitar problemas.

— Você não precisa se preocupar, minha querida — Lúcia comentou, quando a jovem se aproximou. — Algumas aulas de etiqueta e estará pronta para ser uma Padyris.

Lúcia não fazia questão de esconder o quanto a considerava um objeto decorativo para seu amado neto. Todavia, Carol era uma mulher de alma rebelde, acostumada a lutar por si só.

Segurou algumas palavras malcriadas e apenas sorriu, assentindo.

O show tinha que continuar.

 

Capítulo 06

 


“ Você quer um coração? Você não sabe o quão sortudo és por não ter um. Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem ”.

O Mágico de Oz – L. Frank Baum

A Presidência da Empire ficava no 6º andar, apesar de o prédio ter mais de vinte.

Diziam que o avô de Nicolas era supersticioso e gostava do número 6, porque ele beirava a perfeição. Outros mais maledicentes diziam que a família tinha um pacto com o demônio e era por isso que usavam tal andar como o de gerência.

Mas a verdade é que o sexto andar era o que dava a melhor visão da praia ao longe, e das garotas que o avô costumava observar com os binóculos que Nicolas encontrou quando assumiu sua cadeira.

Porque era assim, o velho Aquiles. Um homem que gostava de interpretar um bom marido, mas que não resistia a puladas de cercas frequentes, deliciando-se com mulheres diversas.

Foi por conta disso que Nicolas nunca se casou. Sempre pensou ter o mesmo temperamento do avô. Dessa forma, para que assumir uma mulher apenas para vê-la sofrer como ele mesmo viu a avó durante anos?

Lúcia era uma portuguesa sonhadora quando conheceu o grego e tornou-se sua esposa. Não vinha de uma família abastada, mas também não eram pobres. Ela passou a ser uma matriarca devotada e leal.

Nunca recebeu qualquer retribuição por isso. Viveu pela aparência e pela aparência manteve-se em luto por todo aquele tempo, mesmo o avô já tendo falecido há anos.

Bilíngue, Lúcia era inteligente e comunicativa. Viajava bastante. Conhecia muitas culturas. Mas, esperava que os netos casassem-se com moças de pensamento igual ao seu.

E seria muito difícil achar alguém assim. Pois era assim que a avó os via. Tanto a ele como a Andreas. Duas cópias do avô que também trairiam as esposas. Dessa maneira, era melhor que a mulher que viesse fosse uma pessoa sem voz e que não tentasse um divórcio que manchasse o sobrenome que Lúcia tanto se orgulhava de manter.

Repentinamente uma batida na porta. Logo, a imagem de Andreas surgiu diante dele, cortando seus pensamentos e lhe remetendo ao toque que o primo ousou causar em Carol.

— Os papeis que você pediu — Andreas largou em sua mesa.

Quando ele preparava-se para sair, a voz máscula e forte de Nicolas sobressaiu-se.

— Nunca mais encoste em Carolina.

O tom ameaçador fez o outro volver-se a Nicolas. Repentinamente, contudo, um sorriso.

Era uma guerra que se iniciava.

 


— Carolina, sabe como é importante o guarda-roupa de uma dama?

Carol bebeu um gole do chá, pensando nas palavras de um mestre de yoga que ela havia visto na televisão.

“ Respire fundo ”.

— Não que você se vista mal, mas são roupas sem qualidade, logo se vê.

Assentiu, sentindo vontade de jogar aquela xícara na cabeça da avó de Nicolas, apesar da idade da senhora.

Aquele mundo de aparências definitivamente não combinava com ela. Carolina sempre teve um temperamento forte. Não por opção. Quando se cresce solitária, é necessário ser dura para sobreviver.

— E bebês? Sua família é fértil?

Agora sim, completava o quadro de vaca parideira sendo avaliada.

Ímpetos de palavras surgiram em seus lábios, mas a entrada de outra mulher fê-la calar-se.

Era uma diva. O tom da pele num moreno quase mulato, como os das cariocas marcadas pelo sol. Tinha o corpo esguio, era alta e de beleza natural. E, obviamente, vestia-se muito bem.

Ali estava exatamente a mulher que Carolina gostaria de ser.

— Você é Francesca? — Lúcia indagou, e havia um tom de desprezo que não foi despercebido.

— Muito prazer — a outra respondeu.

— Andreas me disse que você viria. — Ergueu-se e a mediu dos pés a cabeça. Depois, voltou-se para Carol. — Carolina, essa é a namorada de Andreas.

— Noiva — a outra corrigiu. — Muito prazer, também.

O sorriso dela era cativante. Carolina sentiu súbita simpatia porque havia outra mulher ali além dela a passar pela aprovação abominável da portuguesa.

— Você fala português tão bem — murmurou, estendendo a mão.

O cumprimento foi delicado.

— Sou de Moçambique.

Era realmente uma enorme coincidência que os netos Padyris escolhessem mulheres que falavam o mesmo idioma. Talvez, no fundo, queriam uma cópia da avó.

Mas nem fodendo Carol seria como Lúcia!

Subitamente deu-se conta das palavras. Nicolas não a queria, era apenas uma estratagema para enganar a anciã.

Lúcia voltou a se sentar e Francesca também agiu da mesma forma, sem esperar que a outra a convidasse. Parecia afrontada, e devia estar. Ser julgado era realmente ultrajante.

— Você é modelo? — a pergunta de Carol era apenas para constatar o óbvio. Sequer imaginava que aquilo era desprezível para Lúcia.

Ouviu aquele “Há” de repugnância e arqueou as sobrancelhas. Contudo, Francesca apenas assentiu, segura.

— Trabalhei muitos anos como tal, mas estou me aposentando.

— Porque se casará com um Padyris — Lúcia apontou. — Conseguiu seu objetivo. Que mulher não gostaria de ser sustentada por um dos meus netos.

— Eu não. — As palavras escaparam da boca de Carol e ela se recriminou por isso. Mas, como permanecer em silêncio ouvindo tamanho desaforo? — Eu trabalho desde jovem.

— Sim, garçonete, não? Um trabalho digno.

Abriu a boca, espantada. Carolina percebeu que qualquer trabalho para Lúcia era digno contanto que não fosse vinculado a moda ou dramaturgia.

Volveu-se para Francesca, olhando-a como se dissesse “ eu sinto muito ”. Mas, a outra estava extremamente tranquila e bebericou o chá como se as palavras da portuguesa não a afetassem.

 

Quando Nicolas surgiu no final daquela tarde, Carolina quase correu até ele e o abraçou como uma noiva apaixonada.

E não, não era fingimento, nem nada que representasse uma flecha esporádica do cupido. Era simplesmente o alívio em poder se afastar da presença pesada e perturbadora de Lúcia.

Ele percebeu seu estado e logo notou que a avó a havia submetido as suas intermináveis sessões de questionamentos. Assim, decidiu aliviar sua mente, a convidando para andar à beira-mar.

E definitivamente as ondas parecerem aliviar a mente de Carolina. O barulho que o mar fazia a aliviou e logo ela viu-se a sorrir, esquecida da tarde pavorosa.

— Minha avó a torturou muito? — ele indagou, brincando, mas a viu arquear as sobrancelhas e ficou alarmado.

— Não a mim. Fiquei com muito pena de Francesca — contou.

Nicolas havia visto a moça de relance quando viera buscar Carolina. Andreas havia escolhido com muito esmero a noiva.

— Minha avó odeia modelos, atrizes...

— Por quê?

— Não é óbvio? Meu avô era chegado numa beldade.

Carol abriu a boca, pasma.

— E o marido? Ela o odiava?

Nick riu. Ao longe, percebeu a avó observá-los da sacada da mansão. Assim, fez um leve gesto com a fronte para Carol e depois segurou sua mão.

Houve um momento tão tenro naquele gesto que o coração dela deu um salto. Tentou ignorar a situação, de imediato.

O olhar deles se encontrou.

— Minha avó está olhando — ele justificou.

E ela sentiu-se a mais tola e boba das mulheres.

— Bom — Nicolas não percebeu sua reação, e prosseguiu na sua história —, dona Lúcia era uma jovem florista em Lisboa quando meu avô foi à cidade a negócios. Ficou encantado com a jovem. Nos dias que permaneceu lá, eles viveram uma história de amor digna dos filmes. Assim, antes de retornar a Grécia, pediu-a em casamento.

— E o sonho acabou assim que ela chegou aqui?

— Não sei dizer — ele deu os ombros. — Minha avó sempre elogiou o marido.

Aquela situação era típica de algumas mulheres. Ao invés de culpar o homem com quem dividiam a vida, elas voltavam-se contra as rivais que podiam tomá-los delas.

— Isso nunca aconteceria comigo — Carol murmurou.

— É mesmo?

— Quando eu me casar, meu marido será fiel. Isso, ou eu o castrarei.

Nicolas fez uma careta.

— Ou o divórcio — ela prosseguiu, rindo da face que ele fez.

— A separação é o justo, não? Disse-me que seu noivo havia te traído...

— Com minha melhor amiga — ela completou. — Uma traição dupla, mas...

— Mas...?

— Foi um alívio para mim — confessou.

E como era difícil dizer aquilo. Porque havia o orgulho e a vaidade feminina em jogo. Sentia-se mal porque não reagira, não fizera um espetáculo para demonstrar qualquer sentimento.

— Está me julgando? — ela perguntou, sentindo-se estranha.

— Por quê? Por seu autocontrole?

— Não foi autocontrole. Foi vazio.

— Você não o amava. E provavelmente já não sentia nenhuma afeição por sua amiga. Essas coisas acontecem.

Ela sorriu, perdoando-se pela própria apatia diante das palavras confortadoras de Nicolas.

— E quanto a ti? — ela perguntou, brincando, rindo, sentindo-se animada diante daquela cumplicidade. — Quantas amantes irá ter?

Percebeu o olhar quente em si. Havia algo mágico naquele instante, algo que fê-la novamente sentir-se fraca e palpitante.

Quis fugir ao mesmo tempo em que ansiou para que ele a apertasse nos braços.

— Eu não acho que um homem que consiga uma mulher como você tenha realmente vontade de ter outra — ele murmurou. — A não ser que não veja o quanto é especial. Só um cego como seu ex-noivo para justificar uma traição...

O que dizia? A própria Carol sabia que Nicolas era dado a muitas mulheres. Gostava da variedade.

Então, percebeu-o a curvar-se perante ela. Um beijo parecia um preço tão pequeno para um momento tão especial.

Mas, ela soube, no instante que sentiu o hálito de canela dele, que caso ele a tomasse nos lábios, ela seria dele para sempre, mesmo que ele não mais a quisesse depois do acordo.

E então a imagem da mãe surgiu em sua mente. Uma mulher desgraçada por um amor não correspondido.

Girou o rosto, recusando a carícia. Afastou as mãos e voltou a andar, como se nada tivesse acontecido.

O amor era um risco sem medidas. Um risco que ela não estava disposta a correr.

 

O bom da fossa é poder se entupir de sorvete de chocolate enquanto escuta Raça Negra com suas melhores canções dos anos 90, sem sentir nenhum tipo de culpa.

Porque a verdade que custava a aceitar era que, em algum momento desde que Nick surgira em sua vida, ela havia se encantado por ele. Mas, sabia totalmente, era um caso perdido, pois o homem só queria dela o acordo para a Presidência da Empire.

Buscou na internet fofocas sobre ele. Foram tantas fotos acompanhado de beldades diversas que ela achou que um pote de sorvete seria pouco.

Enfim, devia tirar aquelas besteiras da cabeça e voltar a ser objetiva. Com o dinheiro que Nicolas lhe arrumaria, Carol poderia pagar suas dívidas com a Receita Brasileira e depois abrir um novo negócio.

Era o plano inicial e ela devia se focar nele.

Naquele instante o telefone tocou. Simone não costumava ligar desde que ela tirara uma folga da vaga de garçonete. Puxou o aparelho e viu o prefixo do Brasil.

Não havia deixado família para trás. A mãe não falava com ela há anos, o pai a ignorava, e os poucos amigos que tinha haviam ficado ao lado do novo casal.

Mesmo assim atendeu.

— Carolina?

A voz do outro lado da linha era de Arthur. Sentiu vontade de desligar, não estava no clima para brigar com o antigo noivo, mas repentinamente travou.

— O que você quer?

— Foi um erro — ele murmurou. — Sei que nem devia estar ligando para você agora, depois desses meses, depois de tudo que fiz... Mas, eu precisava. Nós dois nos amávamos.

Não, ela nunca o havia amado. Ela simplesmente aceitara a presença dele em sua vida porque era uma presença sem risco. Arthur nunca destroçaria seu coração porque era incapaz disso.

Mas, Nick...

— Carolina? — O pensamento foi interrompido. — Por favor, volte ao Brasil para que possamos conversar.

Mas, não havia palavras a serem ditas.

— Desculpe-me — ela murmurou. — Estou noiva. Não ligue mais.

Ao encerrar a ligação, ela estava extremamente aflita. Não por Arthur, mas pelas palavras proferidas com tanta facilidade.

Noiva... de Nick...

Era tão fácil... E não devia ser!

Precisava fortalecer suas defesas antes que não sobrasse nada dela.

 

Capítulo 07

 

“Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas” .

O Mundo de Sofia - Jostein Gaarder

 

— Está tudo bem?

A pergunta masculina fê-la erguer o olhar para o homem trajado com um terno negro à sua frente.

Céus, como ele era lindo. Tinha uma presença marcante, e não parecia envergonhado pelo charme que escapava por seus poros e dominava o ambiente requintado do restaurante em que haviam se encontrado naquela noite.

Assentiu.

— Tudo bem — murmurou.

Mas, nada estava bem.

— Diga-me, Nick... Depois que tudo isso passar, o que pretende fazer?

— Ora, seguir a vida.

— Vai ter uma família?

— Você terá? — ele devolveu.

Sentiu ímpetos de se defender.

— Meu antigo noivo me ligou ontem.

Estranhamente, a mão dele fechou e ela percebeu que ficou vermelha pela forma como se apertava.

— E? — inquiriu.

— Nada, apenas as bobagens sobre perdão de sempre.

— De sempre?

— Não é o que todos os homens fazem? Iludem, traem e depois voltam como cachorros que morderam os chinelos, a pedir afago dos donos?

— Mulheres também traem.

Era verdade. Mas, infidelidade não fazia parte do caráter de Carolina.

— Eu não sou assim.

— Eu também não.

— Sério? Vi algumas imagens suas com muitas mulheres... — Comentou.

— Andou vasculhando sobre minha vida? — ele perguntou, não parecia ofendido, no entanto. — Foram apenas acompanhantes. Nunca tive um compromisso, realmente.

— Por que não?

— Medo, talvez, de ser como meu avô.

— Acha que é?

— Eu sempre pensei que se manter fiel a uma única mulher era algo extremamente difícil. Contudo, desde que começamos a sair, não estive com mais ninguém.

O garçom chegou e serviu-lhes a gemista. Carol ficou encarando o prato típico da Grécia com incredulidade. Quando o homem se afastou, ela questionou:

— E por quê? Nosso acordo não inclui fidelidade.

— Não acho digno um homem expor uma mulher como sua e, na obscuridade, estar com outra.

Nick podia se autoconsiderar um homem muito defeituoso, mas não imaginava como Carolina o admirou naquele instante.

— Me fale de você — ela pediu.

Não soube por que do pedido, mas queria saber cada detalhe da vida dele. Interessava-lhe. Talvez guardasse aquelas histórias na alma quando tudo se findasse.

— Eu amo minha avó, apesar de admitir que ela é uma mulher muito difícil — ele começou.

Ela não esperava que aquela fosse a primeira coisa que ele dissesse. Ficou surpresa.

— E amo meu primo — ele contou, em seguida. — E ele também me ama, apesar de não saber ou não aceitar. A verdade é que somos como irmãos.

— O que aconteceu com o pai de ambos?

— Nossos pais eram irmãos. Haviam combinado uma viagem com as esposas, nossas mães. Andreas e eu ficamos com vovó Lúcia enquanto eles pretendiam conhecer terras paradisíacas. Houve um acidente de avião e o resto é história.

Silêncio. Carol não disse, mas transmitia seus pêsames com o olhar.

— Minha avó perdeu os dois filhos e ficou com duas crianças para cuidar. Ela fez o que pôde. Tem defeitos – quem não os tem? – mas é uma mulher admirável.

Carolina assentiu, compreensiva.

— Por que está mentindo para ela, Nick?

— Não sei mais se estou mentindo para ela, Carol — ele devolveu.

E eles não conseguiram mais trocar uma única palavra naquela noite.


“ Eu estou tão assustada ”.

Aquela confissão silenciosa foi feita para a chuva que caía do outro lado da janela.

A noite estava silenciosa e apenas os trovões ao longe eram possíveis de serem ouvidos.

“ Eu estou tão assustada ”.

Não era mais a mulher que reconstruíra a vida mesmo após uma traição grotesca. Não era mais a mulher de olhar forte e indiferente, capaz de superar qualquer coisa.

Era a garotinha sentada no fundo do corredor, vendo a mãe se dopar de remédios tranquilizantes enquanto o pai arrumava as malas e ia embora.

Era a adolescente que precisava trabalhar meio turno para ter o que comer, porque a mãe era incapaz de lutar por elas.

O amor nos torna fracos. O desamor é uma fortaleza.

Novamente, pensou em Kátia e Arthur transando naquele salão deserto. E no vazio que sentiu diante do ato.

Porque não importava. Nada era capaz de feri-la.

Uma lágrima solitária desceu por sua face ao perceber que talvez as coisas tivessem mudado naquelas últimas semanas.


O Brazilian Bar continuava igual. Carol sorriu ao pensar que fazia poucos dias que deixara aquele trabalho, mas pareciam meses.

Simone logo surgiu e a convidou para sentarem-se na parte externa do ambiente.

— Como vai o noivado? — brincou. Sabia da verdade, e havia incentivado Carol a aceitar o acordo.

— É sobre isso que quero falar — a outra murmurou.

— Nicolas Padyris lhe decepcionou?

— Ao contrário — murmurou.

E enfim, toda a veracidade das suas emoções estavam ali estampadas na forma como a brasileira encarava a amiga.

— Jogue-se — Simone aconselhou. — Atire-se com tudo nesses sentimentos.

— Para sofrer?

— Quem garante que irá sofrer?

— Eu irei sofrer — prevaleceu.

— Foda-se, então, sofra! Mas, sofrerá por algo real, algo que poderá tocar e deixá-la feliz. Porque isso é a vida. É rir e amar. É sofrer e chorar. Viva, Carol, viva!

 


Capítulo 08


“Todos os amantes, de qualquer sexo, ficam alertados que o amor, além de ser uma benção, é algo também extremamente perigoso, imprevisível, capaz de acarretar danos sérios”.

O Livro dos Manuais - Paulo Coelho

 

— A cada dia que se passa, a televisão se torna obsoleta. Não digo que devemos abandoná-la de um todo, mas investir em novas tecnologias para que o aparelho se torne algo além do que é usado atualmente.

— E o que sugere? — Nicolas indagou ao primo.

Naquela reunião em que muitos acionistas estavam presentes, Andreas pareceu incomodado por ter sido o parente a lhe indagar tal coisa.

— Uma junção com demais tecnologias, como Bluetooth, entradas para memórias externas ou notebooks , etc.

Houve um breve silêncio. Por mais que a ideia fosse favorável, ninguém tinha interesse em prosseguir na fabricação de televisores. A maioria dos acionistas queria focar a Empire em tecnologia da informática. Andreas sabia disso, e sabia que o julgavam como um retrógado sem ambição por sua sugestão.

— Eu concordo — Nicolas afirmou, fazendo todos encará-lo como se estivesse louco. — Faremos isso.

O atual presidente, que já ocupava o cargo de forma decorativa, apenas assentiu. Nicolas estava prestes a assumir a Empire e ninguém queria contradizê-lo. Um a um, assim, os acionistas concordaram com a ideia e a reunião se encerrou.


— Eu não te devo nada.

A afirmação veio carregada de um tom ressentido. Nicolas ergueu os olhos da papelada que assinava e encarou o primo que estava à porta, parecendo buscar briga.

— Eu não disse que devia.

— Por que ficou ao meu lado na reunião? Acha que o projeto será um fracasso e me quer ver amargando isso?

O outro abriu a boca, pasmo.

— Você acha que eu gosto de jogar dinheiro fora?

— Por que ficou ao meu lado na reunião? – repetiu.

A resposta custou a vir.

— Porque acredito no seu projeto — murmurou.

A porta bateu. Nicolas entendeu o quanto de ressentimento havia ali, naquele ato. Não o entendia, mas o aceitava.


— Não sou idiota!

Francesca quase achava que sim. Andreas queria investir em uma nova tecnologia de televisores, trabalhara naquilo, estudara o assunto, e quando o apresentou aos acionistas e conseguiu o aval deles, simplesmente agia como uma criança birrenta.

— Ele quis me humilhar — contou a ela, que bebeu o café, em silêncio. — Quis mostrar que ele é quem manda.

E não era exatamente isso? Nicolas era o mais velho e teria direito a Presidência. Mesmo assim, ficou em silêncio, aceitando o desabafo.

— Quero que vá com tudo para cima dele — mandou.

Aquela frase causou asco à mulher, mas ela permaneceu em silêncio.

— Seduza-o. Se conseguir que o noivado dele termine, minha avó passará a Empire para mim.

Era um plano ridículo, mas ela era uma mulher nas mãos daquele homem. Não só psicologicamente, como financeiramente. Então, vergonhosamente, aceitou.


Carolina Miranda chegaria em poucos minutos a seu escritório e ele ainda não havia conseguido terminar uma papelada importante que precisava ser conferida e autorizada ainda naquele dia.

Ter uma noiva tinha essas desvantagens...

Com qualquer mulher ele simplesmente cancelaria o encontro, mas não podia deixar Carol sozinha em um jantar do dia dos namorados.

Não por ela, claro. Sabia que se explicasse, a brasileira compreenderia. Mas, era Lúcia que ficaria chocada se ele não a levasse ao melhor restaurante daquela cidade e não lhe oferecesse uma joia cara. A encenação do romantismo era importante.

O que estranhamente lhe fazia formigar.

Porque no fundo queria encerrar aquele trabalho, ir para casa, tomar um banho e depois sentar-se com Carol num sofá confortável e assistir a algum filme comendo sorvete.

Quase podia visualizá-la sem as roupas bonitas que a avó a obrigava a vestir. A mulher ficaria maravilhosa em um abrigo confortável e cinza, com as madeixas delicadas caindo sobre os ombros.

Sorriu diante do pensamento.

Ele gostava dela. De verdade. Sem a maquiagem e sem a encenação dos cílios batendo desesperadamente. Sem as tentativas de sedução, simplesmente usando a verdade das palavras.

Estranhamente, aquele noivado falso era a experiência mais verdadeira que já vivenciara em toda a sua vida.

— Olá?

Volveu a porta e deu de cara com Francesca.

Havia visto a mulher poucas vezes, e até tentara uma aproximação para cultivar uma amizade, mas ela parecia deslocada e nervosa demais diante dos Padyris.

— Podemos conversar?

Ele assentiu.

Ali estava a escolha do primo. A mulher com quem ele se casaria. Nicolas sentiu pena da escolhida. Não porque o primo fosse desagradável – bem da verdade, longe de Nicolas, ele costumava ser gentil com as pessoas –, mas porque Lúcia em nada se agradava da outra.

— Por favor, entre — convidou-a.

Francesca adentrou o escritório usando seus saltos altíssimos, ecoando no assoalho de madeira. Ela altiva e bonita; e sorria como se estivesse buscando forças para uma conversa difícil.

— Acho que sei sobre o que veio falar — Nicolas tentou ser solidário.

— Sabe?

— Andreas.

Ela arregalou os olhos. Subitamente, lacrimejou. Depois, escondeu as emoções exatamente como Carol fazia sempre que o noivado parecia real demais e Nicolas se deixava impulsionar contra ela.

— Tenha paciência com ele — pediu. — É um bom homem, mas se sente rejeitado.

Nicolas sabia daquilo. A avó preferia o mais velho porque ele herdaria a Presidência. Não que rejeitasse o mais novo, mas dava mais atenção àquele que herdaria o bebê do seu falecido avô.

— Está tudo bem, Francesca. Eu terei paciência.

Lembrou-se de Andreas tocando Carol e percebeu que estava tendo mais que paciência.

Se fosse qualquer outro homem...

Ah... Ele...

Ele faria o quê?

O impacto dos pensamentos causou-lhe um frenesi.

Que direitos tinha sobre Carol? Logo eles não teriam mais nenhum vínculo.

— Você está bem?

Sentiu a mão direita de Francesca deslizar pelo seu peito. Estranhou a ação, mas não a deteve. O olhar deles cruzou e Nicolas sentiu, por instinto, que aquilo era algo que nenhum deles desejava.

Então, por que ela agia assim?

Antes que mais perguntas fossem feitas, a figura taciturna de Carol surgiu na porta.


Carolina percebeu o clima e, por algum estranho motivo, sentiu todo o corpo formigar de raiva.

Todavia, o som de sua chegada fez Francesca afastar-se repentinamente e sair, dizendo uma frase mal compreendida de despedida.

Só então o olhar de Carol voltou-se para Nicolas.

— O que estava acontecendo? — inquiriu.

E era mais que uma pergunta. Era uma exigência.

— Não faço a menor ideia.

— Não faz a menor ideia? — o deboche em seu tom era nítido e ela se recriminou por ele. — Está tendo um caso com a noiva do seu primo?

Nicolas gargalhou, achando cômico aquele surto de ciúmes.

Mas, sua risada logo se encerrou quando sentiu uma bofetada no rosto. Arregalou os olhos, observando a mulher que não tinha o direito de fazer aquilo.

Ela pareceu tão chocada quanto ele. Quis segurá-la e dizer que estava tudo bem, que não se ofendera com o ato, mas Carolina Miranda simplesmente lhe dera as costas e fugira de sua presença como o diabo fugia da cruz.

 

Se Carolina havia tido uma infância difícil, Francesca havia tido uma infernal.

Fruto de um adultério, ela foi renegada tanto pelo pai quanto pela mãe. Foi criada pela avó, que nunca escondeu o quanto se incomodava por ter que sustentar uma criança que não fizera.

Logo cedo, trabalhou de doméstica na casa de ricos, e foi lá que perdera a virgindade, vítima de um estupro que a levou ao hospital.

A avó a culpou. Foi ela que seduzira o patrão, homem cristão de família, pai de três filhos, assalariado de uma empresa importante e cumpridor dos deveres religiosos.

Assim, expulsa de casa, ela passou a perambular de trabalho em trabalho até que uma empresária do ramo da moda a viu.

Abriu-se um leque de oportunidades para Francesca, depois disso. Fez alguns desfiles, cumpriu algumas agendas, conseguiu alugar um quartinho, e passou a ter independência.

Apesar de nunca ter se prostituído, soube que precisava dominar a arte de ser carinhosa com os homens poderosos para prosseguir na profissão.

Era conselheira, amiga e confidente.

Ganhou respeito. Mas, o tempo já começava a passar e ela via aquela segurança desmoronar quando conheceu Andreas Padyris.

Não foi por dinheiro que se entregou a ele.

Definitivamente, se apaixonou. E soube que ele não a queria da mesma forma, porque ele a escondia muito bem, fingindo que o romance que durava anos fosse apenas um passatempo.

Quando ele lhe dissera que seriam noivos, ela se emocionou. Os planos seguintes desmoronaram o castelo de seus sonhos.

Fazê-la tentar seduzir Nicolas era apenas parte de um estratagema bem montado. E ela era apenas uma peça do tabuleiro para Andreas.

Aquilo teria que ter fim.

Ela tinha que ser feliz. Ela tinha esse direito. Nunca fizera mal a ninguém, não merecia ser apenas um instrumento da vontade dos outros.

Quando pegou o celular da bolsa, disse a si mesma que era um ser humano. Sua vida merecia ser respeitada.

— E então? — Andreas indagou, do outro lado da linha.

— Não fiz — ela retrucou.

— Claro que não! — ele gritou. — Eu nunca pedi que dormisse com ele, nem ouse pensar nisso! O que eu quero é apenas que o faça desistir do casamento.

Ela sabia disso, Andreas não precisava ter explicado. Ele podia ser um canalha e não amá-la, mas ainda assim era possessivo com sua propriedade bonita.

— Não farei isso.

E desligou o aparelho.

Aquela seria a última vez que Andreas ouviria a voz dela por muito tempo.

 

Quando Francesca apareceu diante de sua porta, Carolina sentiu-se a pior das mulheres.

Céus, era tão inferior. Aquela deusa de cor marrom tinha olhos amendoados, uma pele acetinada, lábios volumosos e um corpo magro e curvilíneo que faria qualquer homem virar a cabeça.

— Entre — convidou.

A outra caminhou para dentro do kitnet , não parecendo estranhar que a noiva de um homem tão poderoso morasse em um lugar pobre.

— Desculpe a bagunça...

Só então Francesca pareceu notar os copos quebrados perto da parede. Sorriu.

— Você tem um jeito bem estranho de extravasar a raiva.

— Eu queria quebrar a cara de Nicolas, mas...

Calou-se. Não podia dizer mais nada. Até porque, nem era seu direito. Ah, mas se aquele noivado fosse real, ele pagaria muito caro... ah se pagaria!

— Você sabe que não aconteceu nada, não é? — Francesca indagou.

— Ah, me poupe. Eu percebi o clima.

— Foi forjado. Andreas me pediu para fazer isso. Queria que eu destruísse seu noivado.

E ela contava assim? Com aquela face serena de quem estava pouco se fodendo com o futuro da relação da outra?

— Por que está aqui? — Carol indagou.

— Você sabe porquê — Francesca retrucou. — Você também ama um Padyris. E você tem uma chance de ser feliz com ele. Não há Lúcia para atacá-la, nem um homem querendo usá-la para conseguir a Presidência da Empire.

Carolina sentiu os olhos úmidos diante daquilo. Se Francesca soubesse a verdade. Ela também era apenas um meio para Nicolas ter o que queria.

— Sabe? Para mim, chega! — Francesca sorriu ao dizer isso. — Estou indo embora, vou reconstruir a minha vida. Tenho uma poupança guardada do meu tempo de modelo. Peço que transmita a Andreas que foi muito bom enquanto durou e que tudo que ele me deu está no apartamento que havia comprado para mim. Não quero nenhuma daquelas joias ou presentes. Ele pode ficar com tudo ou doar para a caridade.

Carolina ficou pasma. Francamente, se não estivesse tão encrencada financeiramente, tinha vontade de fazer o mesmo.

— Boa sorte — desejou.

E aquilo vinha do fundo do coração.

Depois, a brasileira acompanhou a outra moça até a porta. Houve um leve pestanejar, mas, por fim, trocaram um abraço de solidariedade.

Quando se afastaram, Carol percebeu Nicolas a encará-las no fundo do corredor.

 

Capítulo 09

 

"Ele é mais eu do que eu mesma. Do que quer que seja que nossas almas são feitas, a minha e a dele são iguais"

Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë

 

— Me permita pensar — Nicolas disse, revoltado. — Eu, que nada fiz, levo um tabefe na cara, enquanto ela, que me alisou, recebe um abraço?

Carolina deu espaço na porta e o homem entrou. O olhar dele era carregado de mistério. Seu tom parecia revoltado, mas o semblante estava abrandado. De alguma maneira, percebeu que Nick não queria uma briga.

Ele era assim. Para o mundo, o homem de negócios rigoroso e dominador. Diante dela, um garotinho um tanto acanhado, sem saber como agir.

Provavelmente uma faceta que só demonstrava para sua parceira de crime. Sorriu diante do pensamento.

— Francesca não teve culpa.

— E eu tenho?

— Seu primo armou para ela fazer isso — contou. — Ele queria nos separar.

De alguma maneira, Nicolas esperava por aquilo. Um dia as palavras mal colocadas, as indiretas e as grosserias se tornariam palpáveis e reais.

— Isso não vai ficar assim! — murmurou, entre os dentes.

Preparou-se para ir quando as mãos de Carol seguraram sem antebraço.

— Às vezes a família não é algo fácil, mas se você a tem, lute por ela.

 

— Não serei hipócrita e direi que foi fácil — a mulher comentou, enquanto bebia um gole de cerveja.

Sentado ao seu lado no sofá pequeno, Nick resvalou para trás, apoiando-se no encosto confortável.

— Quantos anos você tinha? — ele perguntou.

Carol sorriu diante do tom. Era interessado.

— Não lembro com precisão daqueles dias porque foram muito difíceis.

Nicolas assentiu.

— Autopreservação — observou. — Também fiz isso.

— Mesmo?

— No dia que percebi que meus pais haviam morrido, e que agora seriam apenas minha avó e meu primo, eu me bloqueei das sensações.

— Vocês sempre foram rivais?

— Às vezes tenho relances da infância, de antes do acidente dos nossos pais. Lembro-me de brincarmos na praia, de corrermos na areia... — murmurou. — Mas, depois, tudo se tornou rancor.

— Da parte dele?

— Sempre foi da parte dele. Ou...

A sobrancelha dela ergueu-se, curiosa.

— O que foi?

— Estou pensando aqui... colocando-me no lugar de Andreas. Se eu fosse menor, mais pequeno e indefeso, e meus pais morressem e minha única família adulta desse todas as atenções ao meu primo... Eu também não teria rancor?

A constatação de que Lúcia havia destruído a amizade dos primos caiu como uma bomba em cima de Nicolas.

— De qualquer forma, não é sua culpa.

O murmuro feminino fê-la encará-la. E, talvez fosse a cerveja, mas ele nunca a viu tão perfeita e linda.

Carolina parecia um porto seguro em quem ele queria ancorar.

Moveu-se como um guepardo ansiando pela caça. Ela não se moveu, e permitiu que os lábios dele a tomassem, a exigissem.

Houve um gemido baixo que explodiu muitas sensações no âmago do homem.

Nunca quis uma mulher como a queria naquele momento.

Estava duro, ansioso, desejoso... Tanto que poderia derrubá-la no sofá e tomá-la ali mesmo, rapidamente, sem qualquer preparação.

— Eu não quero — ela o afastou e o choque o tomou.

— Você quer — ele contrapôs porque sentia na pele a necessidade carnal.

Percebeu as lágrimas femininas, mal contidas, e recriminou-se.

— Eu quero o sexo — ela confessou. — Mas, não apenas isso. E nada além disso você pode me dar. Então, é melhor você ir embora.

Nicolas ficou parado por alguns instantes. A cerveja amornando na palma da mão.

Por fim, ele se ergueu e rumou a saída.

 


Capítulo 10

 


“ Às vezes, sentir falta da pessoa que está na cama com você dói mais do que a saudade de quem está em outro continente.”

O Castelo nos Pirineus (Jostein Gaarder)

 


A mulher refletida no espelho estava deslumbrante. O vestido de cetim branco caía com perfeição sobre o corpo curvilíneo.

No mês anterior, haviam tirado as medidas. Agora, ela o provava pela primeira vez.

A mulher no espelho pareceu lacrimejar. Carolina deu-se conta, logo, que a tal era ela mesma, e segurou as lágrimas.

— Eu sei, é emocionante — a voz de Lúcia chegou a ela, e Carol assentiu, fingindo.

Desde a noite no kitnet , Nick e ela mal se viam. Claro, ainda encenavam o noivado, e continuariam na encenação até que a avó lhe passasse oficialmente a Presidência da Empire.

Isso não demoraria muito. O presidente alegórico já havia anunciado a sua aposentadoria e Lúcia já agendada uma festa na empresa para o comunicado.

Assim, provavelmente, aquela era a primeira e última vez que Carolina usava seu vestido de noiva.

— Mandei fazer uma encomenda de cem bolsas de marca. É bom saber que precisa evitar usar as mesmas roupas e acessórios.

Carol assentiu. Um desperdício, em sua opinião. Usava a mesma bolsa comprada numa liquidação há mais de um ano.

— Semana que vem precisamos fazer as entrevistas com os seus futuros funcionários.

— Funcionários?

— Seu maquiador, seu cabelereiro particular — apontou. — Também penso em contratar um modista para vesti-la todas as manhãs.

Carolina se arrepiou.

Subitamente, deu-se conta de tudo que sentia por Nicolas. Adorava sua voz, sua presença, seu cheiro, até seu beijo – mesmo que trocado numa única vez.

Mas, seria o suficiente para mantê-la naquela vida teatral, onde sequer poderia escolher a roupa que usaria ou a maneira como pentearia o cabelo naquele dia?

Aquela mulher não era ela.

Aquele vestido não era dela.

Carolina gostaria de se casar numa cerimônia simples, com um vestido simples, sem aquele monte de diamantes e pérolas. Com convidados amigos – mesmo que poucos – e não cercada de fotógrafos e da imprensa.

Queria uma casa normal, uma vida normal, um marido que estivesse longe dos holofotes e onde pudesse experimentar os pequenos prazeres da vida.

Céus, ela amava Nicolas.

Ela sabia. Não mais escondia isso de si mesmo. Em algum momento dentro daquela farsa, a amizade que passou a sentir por ele tornou-se desejo e, por fim, amor.

Mas, nem aquele sentimento excepcional, experimentado pela primeira vez, a permitia desejar ser uma Padyris.

— Uma coisa importante, Carolina — Lúcia fê-la volver-se para ela. — Precisa de novas amizades. Amizades importantes. Sua única amiga nessa cidade é a dona de um bar — desprezou. — Pessoas poderosas devem andar com pessoas poderosas.

Sentiu-se zonza.

— Gente podre atrai pobreza.

— Acho melhor tirar o vestido — comentou, cortando o assunto, afastando-se rapidamente.

Lúcia sorriu e assentiu. Parecia ansiosa em moldar a esposa perfeita de seu neto.

Mas, aquela noiva jamais seria um estereótipo. Carolina era livre daquelas amarras sociais.

E isso só escancarava o quão longe ela estava de Nicolas Padyris.

 


Capítulo 11

 


“ Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade a conduzem a isso. ”.

Demian - Hermann Hesse

Nicolas soube que ela estava diferente tão logo a percebeu mastigar o peixe sem tecer nenhum comentário adicional sobre o quão bonito estava aquele prato.

Porque Carolina era de tudo observadora. E gostava de falar. Ela sempre o entretinha em conversas sem fim sobre qualquer assunto que o animasse.

— Você está bem?

— É importante para você ser o Presidente da Empire?

A indagação parecia sem qualquer propósito. O próprio noivado deles tinha aquele motivo.

— Que pergunta é essa? — ele riu.

— Por que é tão importante ser o Presidente da empresa se você é herdeiro de uma fortuna?

Era um jogo de poder, claro. Nicolas havia sido educado para aquilo e estava exercendo seu papel.

— É difícil explicar...

— Eu preciso respirar — ela o cortou.

Ela ergueu-se da cadeira e afastou-se. Nicolas Padyris encarou o prato mal tocado e a aguardou.

Todavia, Carolina Miranda não retornou ao restaurante.

 

Francesca havia conseguido sair daquela relação doentia. Claro, a moça de Moçambique não sabia exatamente onde estava se enfiando quando conhecera Andreas, e Carol sempre soube que tudo fazia parte de uma intriga por ganância.

Mas, ela não aguentava mais. A cada dia que passava, a cada apontamento de Lúcia sobre sua vida, seus amigos, suas roupas ou sua maneira de sentar, andar ou falar, ela sentia-se mais sufocada.

E depois? De que lhe serviria o dinheiro se ela estava completamente a mercê de Nicolas Padyris em alma e coração?

Precisava escapar... Precisava... Antes que se tornasse a mãe, alguém sem vontades, viciada em remédios e repleta de vazio existencial.

Sentou-se na cama. Havia voltado ao kitnet sem se despedir do rico grego. Queria espaço para pensar, espaço para conseguir colocar as próprias emoções em ordem.

Na vida, sempre acreditou que o dinheiro a manteria segura. Agora, a mercê de Nicolas, ela notava o quanto havia sido tola.

Ela trocaria tudo... tudo... Por um simples toque daquelas mãos másculas. Por uma palavra de carinho. Por uma jura de amor...

A porta bateu com força e ela soube que era ele. Devia ignorá-lo, mas viu-se a ir até a abertura e permitindo sua entrada em seu lar.

— Você me deixou sozinho no restaurante — a acusou. — E por quê? Posso saber?

Não podia. Nunca poderia.

Carolina o observou. Aquela boca máscula, a testa franzida, o queixo tremendo. E então, ela avançou, beijando-o com todo o ardor que jamais experimentara.

“ Foda-se, então, sofra! Mas, sofrerá por algo real, algo que poderá tocar e deixá-la feliz ”, as palavras de Simone chegaram a ela.

Era o preço. O sofrimento.

Carolina sentiu seu corpo sendo segurado com força, e sendo projetado contra a parede. Não era apenas ela que explodia naquele desejo avassalador. Nicolas Padyris também já havia se controlado demais.

— O que está fazendo, Carol? — ele murmurou, contra seus lábios. — Entende que não poderei me conter?

Sentiu o membro duro dele contra a calça jeans . Percebeu o tamanho do desejo e deixou-se resvalar contra ele. Era como uma gata manhosa, jogando todas as precauções as favas.

Suas decisões já haviam sido tomadas. Mas, ainda lhe restava aquele curto momento na história do tempo. Um momento em que nada importava, apenas Nick e ela.

E ela faria daquele momento algo tão memorável que marcaria a carne de ambos para sempre.

 

Carol baixou as mãos, envolvendo Nicolas numa carícia doce e torturante. O mais velho dos Padyris inclinou o corpo para cima, soltando pequenos gemidos de satisfação. Era uma visão tão linda quanto erótica, combinando perfeitamente com os olhos sensuais daquele grego arrebatador.

— Está com frio? – Carolina indagou ao observar a pele arrepiada e os mamilos endurecidos.

— Não, sinto muito calor...

Então ela desceu a boca aos mamilos de Nicolas. A luz do abajur lateral o tornava tão sensual. Era uma tentação! Mas ao mesmo tempo, era tão puro quanto um anjo.

Porque assim era ele. Um homem que beirava os extremos.

— Como você consegue fazer isso comigo?

Era Nicolas que havia falado? A boca havia se aberto e dito as palavras, mas ele não reconheceu a própria voz. Parecia mais um grunhido de um gato no cio. Sentiu vontade de gargalhar com a ideia.

— Feiticeira — brincou.

Ela riu.

Até aquele momento, Nicolas duvidava que houvesse algo nos atos de Carolina além do desejo carnal. Eles nunca falavam de amor. Viviam uma relação baseada em cumplicidade, na qual ele já havia notado que ela tornara-se sua melhor amiga.

Mas, toda a incerteza quanto aos sentimentos de Carolina se reduziram a frangalhos ao vê-la rindo. Não porque estivesse se divertindo, mas porque havia lágrimas entre o riso.

— Nicolas – a voz de Carolina o desconcentrou por um momento.

— O que foi?

— Eu não sei mais o que fazer com as sensações que desperta em mim.

Um fogo incandescente começou a se acender dentro do herdeiro. Ouvi-la murmurar aquilo, daquele jeito baixinho, com o hálito morno, quente e tão próxima ao seu rosto, o arrepiou.

Abraçando-a pelo pescoço, começou a beijá-la. Primeiro no rosto, depois no pescoço. Sentia-se tão desejoso, quente, úmido.

— Eu te quero tanto... – disse, olhando nos olhos da falsa noiva.

— Eu também.

— Faremos amor todas às noites até morrermos.

Carolina gargalhou diante da promessa, porque se aquilo se concretizasse, a morte deles seria naquela noite. E ela definitivamente não se importava em morrer naquele momento. Morreria feliz.

O movimento do seu corpo provocado pelo riso o enlouqueceu ainda mais. Deslizando as mãos para baixo, tocou nas nádegas redondas de Carol. Logo as abriu, usando os dedos para penetrá-la levemente.

Um gemido profundo saiu da garganta da mulher, arrepiando-se pela ousadia masculina. Como Nicolas conseguia dominá-la daquela maneira?

— Nick...

— Fique calma, amor – apertou os lábios contra Carol, num beijo profundo. – Não farei nada que você não queira.

Como a percebeu se retesar, Nicolas segurou seu queixo, encarando os olhos escuros com devoção.

— Tudo tem seu tempo — ele murmurou, e não parecia apressado.

Mas ela estava. Desesperadamente e urgentemente apressada.

— Me fode...

As palavras deveriam chocá-lo, mas não o fizeram. Parecia tão natural eles estarem daquela maneira, fazendo amor daquele jeito e conversando sobre aquilo.

Nicolas abraçou-a pela cintura, disposto a tentar dar o máximo possível de segurança a amante. Só quando ouviu o gemido de resignação, se colocou em ataque e, aos poucos, foi possuindo o corpo febril.

Naquela primeira vez deles houve dor. Pouca, verdade, mas houve. Não que Carol não o quisesse, mas ficou um pouco seca ao se concentrar no tempo que se passava. Sendo assim, Nicolas fez tudo que pôde para ser o mais jeitoso possível.

Ela queria que aquele homem que agora a adentrava fosse seu homem! Afinal, era ele que havia amado pela primeira vez na vida. Que admirava mais que tudo no mundo. Era ele... sua vida, seu ar, cada célula do seu corpo.

Dois corpos fazendo-se um. A perfeição da junção de duas almas que agora se encontravam.

Não eram mais uma brasileira e um grego. Uma pobretona falida e um multimilionário. Ali, naquela cama era apenas Carol e Nicolas. Duas pessoas que mantinham em sua mente tormentos do passado, mas que, ainda assim, lutavam por um futuro.

Mas um futuro longe um do outro.

Longe... para sempre.

Nicolas então se moveu dentro dela.

Ah, a dança!

A sensual dança que havia feito com alguns homens sem rosto, um colega da faculdade, Arthur e um breve namorado na adolescência.

Todavia, naquela noite, aquela dança era feita de forma diferente, um ritual que os levava a mais firme sensação de que era algo único.

Sim, Carol tinha um passado. Nicolas tinha um passado. Mas, ali, diante deles, estava algo que eles nunca haviam compartilhado com mais ninguém.

Estremecendo, mordeu os ombros do homem! Sentindo que se expandia dentro de dela, na vigorosa força do amor, arquejou. Um prazer indescritível começou a fazê-la perder a razão.

— Por favor... – gemeu angustiada.

Que dure para sempre , pensou.

Aquela sensação era tão maravilhosa que se morresse nos braços dele agora, morreria feliz. Deslizando as mãos pelo cabelo molhado de suor de Nicolas, Carol viu seu quadril começar a mover-se cada vez mais rápido.

Então o orgasmo os tomou. Juntos! Ao mesmo tempo! Aquela sensação máxima quando a dança já se tornava quase violenta. Nicolas derramou seu líquido quente dentro da camisinha, mas Carol sentiu o calor e o molhado.

Quando ele saiu, caiu exausto do seu lado e a puxou para perto de si. Carol deitou a cabeça no seu peito enquanto os cabelos negros de Nicolas se esparramavam pelo travesseiro.

— Nunca pensei que fosse tão bom – confessou o homem.

Nem ela... Nem ela.

 


Capítulo 12

 


“É nos fracassos que

aprendemos e não

no delírio do sucesso!”

Drácula - Bram Stoker

 

Quando abriu os olhos, naquela semiescuridão, Nicolas pensou nos momentos em que acordava em camas femininas e sentia-se tão vazio como nunca.

A rotina era sempre a mesma. Ele ia tomar banho e, caso a moça o agradasse, trocariam telefones para mais alguns encontros sem importância, e depois não mais se veriam.

Mas, naquele momento, estava diferente. Tudo estava diferente. O corpo ainda mantinha aquele sentimento pós-orgasmo, aquela dor prazerosa, e um sorriso feliz despontou em seus lábios.

Tateou a cama em busca de Carolina. Não a achou. Então, ergueu o torso e a viu, de pé, vestida, aos pés da cama, a observá-lo.

— Eu quero terminar — ela disse, à queima-roupa.

— O quê?

Tudo era muito confuso. Num segundo ele estava no paraíso e no momento seguinte, conhecia o ardor infernal.

— Eu estou completamente apaixonada por você — ela confessou. — E eu sei o que espera de mim. E isso não envolve sentimentos.

O que ele devia fazer? Sequer pensara no montante de sensações que ela lhe despertara. Porque não era papel do homem analisar tais coisas, não é?

Seu silêncio pareceu ser a resposta que ela esperava. Então, Carolina se afastou, e ele sentiu que aquela distância era muito maior do que a física.

Sem saída, vestiu-se e foi embora.


A avó havia ido à uma festa filantrópica na noite anterior e, por segurança, havia permanecido na cidade do evento, dormindo em um luxuoso hotel.

Quando entrou na mansão em que morava, esperava encontrar o ambiente vazio, mas logo visualizou Andreas sentado em uma poltrona, com várias garrafas de licor e vodca espalhadas no chão, e outra dormitando sobre seu colo.

Devia ignorá-lo. Era o que o outro faria se o encontrasse em estado lamentável. Mas, não o fez.

Aproximou-se, pronto para o confronto.

— Por que somos inimigos? — Nicolas indagou, fazendo o primo encará-lo. Havia uma pequena lucidez ali, e por ela Nicolas prosseguiu. — O que me fez? O que eu te fiz?

Andreas riu. Aquele mesmo riso triste que Carol havia dado a ele na noite anterior.

— Francesca me deixou — contou. — Já tem semanas, mas eu... — tossiu. Depois, prosseguiu. — Ah, eu achei que ela fosse voltar atrás. Ela já havia me deixado antes, mas agora... Ela fugiu de mim. Não a encontro em lugar nenhum.

Nicolas sentou-se na poltrona ao lado. Pegou um copo e o encheu com conhaque. Era dado a bebidas mais fortes.

— Carolina também me deixou.

O outro riu, debochado.

— Está sofrendo?

— Era uma farsa — antecipou. — Eu a paguei para que ela fingisse ser minha noiva, até vovó me passar a Presidência da Empire.

Andreas não pareceu impressionado.

— Realmente, temos o mesmo sangue. Eu pedi o mesmo para Francesca.

O barulho na porta anunciou a chegada de mais alguém. Logo Lúcia aparecia diante dos netos, estranhando aquela súbita bebedeira juntos.

Nicolas, não bêbado, imaginou se o primo contaria seu segredo à avó. Mas, estranhamente, Andreas permaneceu em silêncio.

Foi a primeira vez em que se lembrava de que eles realmente pareciam os parentes que eram.

 

Capítulo 13

 

“A ausência desune

tanto quanto a morte”.

O conde de Monte Cristo – Alexandre Dumas


— Como seu sanduiche fica tão bom? — Simone indagou, e Carol sorriu.

— A maionese sempre tem que ficar junto do tomate — apontou.

Retornara ao antigo trabalho tão logo desfez o acordo com Nicolas. Simone a aceitou de braços abertos e, em uma semana, ela já estabelecera novamente a rotina.

No começo, imaginou que ele viria até ela. Mas, nos primeiros dias não soube nenhuma notícia de Nicolas. Por fim, ele surgiu, no primeiro sábado após a separação.

Ela o serviu como serviria a um cliente qualquer, mas quando se afastou, ele segurou sua mão.

— Eu aumento o preço — ele murmurou. — Dobro o que te prometi.

Foi como ser acusada de prostituição. A sensação de ser uma puta de esquina. Aquele amargor da humilhação que dominou sua alma e fê-la soltar-se do aperto em seu braço.

Logo, lágrimas cascateavam em seu rosto. E não eram pelo amor que sentia por ele ou pela decepção de ele não nutrir a mesma coisa. Aquele choro era de ódio, porque o acordo deles nunca envolvera afronta.

— Saía daqui — mandou.

— Triplico o valor — ele perseverou.

E só percebeu que ela falava sério quando sentiu a plaqueta de notas sendo batida contra sua face.

Foi preciso dois garçons para tirar Carolina de cima do homem. Ela chutou, socou e cuspiu enquanto tentava machucá-lo. Ele apenas se defendeu, em estado de choque pela reação feminina.

Até então acreditava que sabia tudo sobre as mulheres.

Estava errado.


— Precisamos fazer a pré-lista de convidados — Lúcia comentou para o organizador.

— A noiva lhe passou a lista dos próprios convidados?

— Ela não teve essa audácia — Lúcia riu. — Só tem amizade com pobres.

Trocaram um risinho debochado quando perceberam a presença de mais alguém na sala.

— Nicolas! — A avó exclamou, erguendo-se, mostrando-lhe os papeis. — Estamos cuidando dos preparativos do seu casamento. E onde está sua noiva? Ligo para ela, mas o telefone está desligado.

Nicolas encarou o outro homem. Pediu licença. Quando estavam sozinhos, enfim ele disse a verdade à avó.

— Não haverá casamento.

— Como?

— Carolina desistiu.

Lúcia não parecia triste ou chocada. Estava simplesmente ultrajada.

— O que ela fez?

— Já disse.

— Como uma mulher qualquer rejeita um Padyris? — retrucou.

— Sou um homem como qualquer outro.

— Não, não é! É um Padyris. Um homem...

— Chega, vó!

Lúcia abriu a boca, pasma com a maneira obtusa com que o neto a interrompeu.

— Essa sua necessidade de nos fazer superiores aos demais... Isso cansa — confessou.

— Nicolas...

— Foi por causa disso que eu menti desde o princípio. Carolina nunca foi minha noiva real. A senhora me fez criar uma fantasia, saí pelos bares da cidade e pedi a garçonetes para fingirem um compromisso. Ela estava endividada e foi a única que aceitou.

Subitamente, lágrimas. Um homem como ele não era acostumado a chorar. Mesmo quando os pais morreram, ele evitou demonstrar sua dor na frente dos demais.

Mas, agora, lágrimas espessas escorriam pelo seu rosto.

— E por que terminaram a farsa? — a avó inquiriu.

Pela primeira vez na vida, ele sentiu carinho e cumplicidade na pergunta.

— Ela se apaixonou — murmurou. — Foi o que me disse. Não poderia seguir com essa farsa porque... — as lágrimas novamente o interromperam.

Sentou-se no sofá e escondeu o rosto com as mãos. Logo, as mãos da avó, ajoelhada diante dele, pareciam consolá-lo.

— E você, Nicolas?

— O que tem eu?

— O que sente? Você a ama?

Nicolas não sabia a resposta.


“ Nicolas, a função de um homem é prover o melhor para sua família ”.

A voz do avô chegou a sua mente. Lembrava-se bem daquelas palavras. Havia sido dita numa das noites em que flagrara os avós brigando. Lúcia havia saído da sala tão logo ele chegou, mas o avô permaneceu no mesmo lugar, completamente tranquilo.

“ E se ele fornece casa, comida e teto, o que faz em silêncio e com discrição não deve ser levado em conta pelas esposas ”.

Aquela justificativa era falha. Nicolas pensou nas lágrimas da avó e percebeu que nem tudo era prover alimento ou abrigo a mulher. Havia o respeito. Uma palavra tão em desuso naquela família.

Assim, decidiu nunca enganar alguém.

Não se casaria. Porque se não se casasse, não tivesse compromisso, poderia ter tantas mulheres quanto quisesse sem ferir nenhuma delas.

Mas, desde Carol...

A única que ele queria era aquela brasileira acalorada. Desde que surgira em sua vida com sua personalidade geniosa e sua amizade sincera, não houvera espaços para outra.

Precisava dizer isso a ela. Mesmo que ainda não entendesse o que era amor, ele poderia lhe jurar fidelidade. Porque não queria mais ninguém naquela vida, além dela.

Entrou no bar. Estava bastante vazio naquela noite. Circulou os olhos pelo ambiente, na procura da garçonete.

— Ela foi embora — uma voz feminina às suas costas fê-lo encarar a proprietária.

— Como?

— Ela está voltando para o Brasil — Simone contou. — Acho que não consegue mais ficar no mesmo país que você.

— Quando?

Simone o observou atentamente. Por fim, voltou os olhos para o relógio de pulso e decretou.

— O voo deve estar saindo daqui à uma hora.

 


Capítulo 14

 

“- Que vá! – respondeu

o garoto. - É o que

um homem tem

de fazer”.

O velho e o mar – Ernest Hemingway


O voo de partida para a Espanha estava com atraso por causa de uma passageira. Era a terceira vez que chamavam por uma tal de Maria Pierro nos microfones, mas a mulher não comparecia à sala de embarque.

Carolina começou a bater o pé, incomodada.

Se a mulher não aparecesse logo, ela começaria a dar um espetáculo. Estava nervosa, estressada, triste e abatida. E a porra da Maria Pierro não tinha o respeito de ir pro caralho da sala de embarque e subir no cacete do avião!

Olhou no próprio relógio. Faltavam poucos minutos para começarem a chamar os passageiros de seu voo.

Observou a parede de vidro e percebeu aquela terra bonita ao longe, imaginando que seria a última vez que lá estaria.

Quando chegasse ao Brasil, pretendia recomeçar.

Ainda não sabia como, mas ela se reinventaria como pessoa, mulher e dona do próprio nariz.

— Carolina!

Por alguns segundos ela pensou que estivesse sonhando. Ou tendo um pesadelo. A figura de Nicolas diante dela não parecia lhe dar certeza de que era real ou uma miragem provocada pela sua vontade extrema de ser feliz.

— O que você...?

— Você não vai!

Não pediu. Ordenou. E o sangue subiu para a face da mulher na mesma velocidade que ele agarrava sua mochila e a puxava.

— Você ficou louco?

Pareciam duas crianças brincando de corda. Cada qual em uma alça, puxando com toda a força que tinham!

— Eu te amo! — ele disse, repentinamente, e ela soltou a alça.

Nicolas quase caiu para trás.

— Você nem sabe o que é amor...

As palavras femininas podiam ser verídicas se o peito dele não estivesse explodindo de emoção pela simples visão da mulher.

— Eu vou ser fiel a você. Leal. Juro que serei seu melhor amigo de agora em diante, que cuidarei de ti, que nunca te trairei, nem com mulheres, nem em nenhuma questão de nossas vidas. Eu serei o melhor pai que puder para os filhos que teremos e...

Repentinamente, calado com um beijo. Sorriu, ainda com os lábios colados.

— Você é tão idiota — ela riu. — Parece tão sério, mas quando começa a falar, não para mais...

— Idiota... — Nicolas murmurou. — Idiotamente apaixonado... — Depois, ficou mais circunspecto. — Aceita ser minha esposa?

Era uma questão chave.

— Eu não posso ser a esposa do Presidente da Empire.

 

 

 

Capítulo 1 5

 


"Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz.”.

O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint-Exupéry


Nicolas ajeitou o paletó e postou-se ao lado do homem nervoso.

— Você não parece muito feliz para quem assumiu a Presidência da Empire ontem — murmurou para o primo.

Andreas volveu o olhar. Ao contrário dele, o noivo não escondia a felicidade.

— Desistiu de tudo por ela — apontou. — Por quê?

Nicolas sorriu. Perto deles, o Presbítero que casaria Nicolas e Carol parecia preocupado com seu sermão e não lhes deu atenção.

A capela estava cheia. Amigos de ambos, pessoas conhecidas e até empregados faziam parte dos convidados.

— Porque eu a amo — a resposta foi tão simples. — Eu faria qualquer coisa para ter Carolina como minha esposa.

Andreas ficou em silêncio mais alguns segundos.

— Você sente falta dela? — o mais velho indagou.

— Eu penso em Francesca todos os dias, mas foi ela que me abandonou — murmurou. — Eu tenho meu orgulho.

— Ela tinha sonhos, e você os destruiu. Devia ir atrás dela.

Andreas calou-se diante do conselho. Em muito porque não sabia se devia segui-lo, em muito porque Carolina entrava na nave da igreja e estava tão encantadora que tudo se perdeu naquele momento mágico.

Lúcia, afastada, a encarava com repúdio. Aquele casamento simples de poucos convidados e sem foco nas colunas sociais não parecia apropriado. A própria saída de Nicolas da Empire era uma desonra para a avó.

Mesmo assim, ela tentou sorrir para a noiva quando o olhar das duas se cruzou.

Para Lúcia, ainda lhe restava um neto. Andreas teria que cumprir com suas obrigações.


A lua no céu parecia brilhar com mais intensidade naquela noite, como se estivesse agraciando o casal apaixonado, um presente divino pela vitória do amor.

Nicolas observou Carolina. Sentada na sacada do hotel, ela ainda permanecia vestida de noiva, e observava o céu como se agradecesse cada segundo daquele dia mágico.

— Sabe — ouviu o som da voz dela e se aproximou. Beijou de leve sua têmpora e depois sentou-se ao seu lado.

— Hum?

— Quando eu era pequena, sempre sonhei com isso. Mas, conforme crescemos e nos decepcionamos, vamos escondendo essa vontade — alisou o vestido. — Achei que nunca fosse acontecer comigo.

— Casar-se?

— Casar qualquer um casa. Mas, casar por amor? Casar com a pessoa certa? Ter a certeza que escolhi meu melhor amigo? — ela confessou e Nicolas a tomou nos lábios, emocionado. — Obrigada.

Nicolas riu.

— Minha avó parecia resignada.

— Depois de me fuzilar com os olhos, pareceu sim.

— Mas foi ela que nos uniu. Foi por causa dela que nós nos conhecemos.

— Eu gosto de pensar que teríamos nos cruzado em um momento ou outro.

— É mesmo? Por quê?

— Porque era para ser.

Ele assentiu. Depois, puxou-a pela mão e a levou até o leito.

A noite de núpcias seria o início de uma vida a dois da qual eles jamais se arrependeriam.

 

 

                                                                  Josiane Biancon da Veiga

 

 

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