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A NOIVA DISSE JAMAIS / Sandra Marton
A NOIVA DISSE JAMAIS / Sandra Marton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A NOIVA DISSE JAMAIS

 

Damian Skouras não gostava de casamentos.

Um homem e uma mulher, diante de um sacerdote, amigos e familiares, fazendo votos de amor e fidelidade que nenhum ser humano era capaz de cumprir, constituía o tema impossível dos romances e contos de fadas para mulheres choramingonas.

Com certeza, não retratava a realidade.

Não obstante, lá estava ele, diante de um altar ornado de flores, ao som estrondoso da Marcha Nupcial de Mendelssohn, assistindo, junto com mais uma centena de pessoas, ao avanço compassado de uma noiva enrubescida em sua direção.

Era bonita, tinha que reconhecer, mas recordava o velho ditado. Toda noiva é bonita. Aquela, majestosa num antiquado vestido de cetim e renda brancos, segurando um buquê de minúsculas orquídeas branco e púrpura, apresentava uma aura que a tornava mais que bela. Através do veuzinho diáfano, vislumbrou seu sorriso radiante ao chegar ao altar.

O pai beijou-a. Ela soltou-lhe o braço e fitou amorosamente o noivo à espera, e Damian agradeceu em silêncio aos deuses de seus ancestrais gregos por não ser ele.

Se bem que o fato de ser Nicholas não era menos mau.

Nick agitou-se, e Damian olhou para o rapaz que estivera sob sua tutela até três anos antes.

- Tudo bem? - murmurou, vendo-o pálido.

O noivo engoliu em seco, movimentando o pomo-de-adão.

- Claro.

Ainda não é tarde demais, meu caro, Damian desejou dizer, mas conteve-se. Aos vinte e um anos, Nick já não era mais criança. Além disso, era tarde demais, uma vez que ele acreditava estar apaixonado.

Certa noite, ele aparecera em seu apartamento contando que ia se casar com uma garota que conhecera menos de dois meses antes.

Com paciência e palavras cuidadosamente escolhidas, apresentara uma dezena de motivos pelos quais era errado casar-se tão apressadamente e nessa idade. No entanto, uma vez que o rapaz tinha resposta pronta para cada argumento, explodira:

- O que foi que aconteceu, afinal? Vocês passaram dos limites? Indignado, Nick o esbofeteara, ou melhor, tentara esbofeteá-lo.

Apesar de ser dezessete anos mais novo, era mais baixo e não tivera as mesmas lições duras de Damian nas ruas de Atenas; na juventude.

- Ela não está grávida - garantira Nick, mantido a um palmo de distância. - Nós estamos apaixonados.

- Sei - desdenhara ele.

O rapaz tinha os olhos obscurecidos de fúria.

- Puxa, Damian, será que não sabe o que é o amor?

Damian sabia, sim. Sabia também que o que prendia Nick era o desejo, não o amor, e quase lhe dissera isso, mas a essa altura já se acalmara o bastante para perceber que assim só provocaria mais briga. Era evidente que, quanto mais discutiam, mais o rapaz se determinava a fazer as coisas a seu modo.

Mudando de tática, imitou a atitude que sua irmã e o marido dela teriam tomado, se estivessem vivos. Ao final do sermão sobre responsabilidade e maturidade, com ênfase na sabedoria da espera durante alguns anos, Nick esclarecera que já ouvira tudo aquilo dos pais de Dawn, e que os conselhos até podiam se aplicar a algumas pessoas, mas não tinham nada a ver com ele e Dawn e com o que sentiam um pelo outro.

Então, Damian, que fizera fortuna por saber quando ser agressivo e quando capitular, aceitara o inevitável, desejando ao sobrinho felicidade, esperando que um dos jovens apaixonados recuperasse o bom senso.

Mas isso não aconteceu, e lá estavam eles, ouvindo a ladainha do sacerdote a respeito da vida e do amor, enquanto um monte de mulheres bobas, incluindo a mãe da noiva, choravam em silêncio. Por quê? Ela era divorciada. Bolas, ele também era divorciado e, retrocedendo uma geração, se reconhecesse que o casamento de seus pais fora uma farsa, estes também engrossavam a triste estatística das uniões desfeitas. Metade dos convidados provavelmente provinha de casamentos fracassados, incluindo o pastor hipócrita que conduzia aquela enfadonha cerimônia não-grega.

Tanta pompa e circunstância, e para quê? Não fazia sentido. Ao menos sua breve e memorável incursão à praça de guerra do casamento, doze anos antes, nunca fora um enlace verdadeiro. Não houvera convidados, nem música de órgão, nem flores em profusão. Nada de cânticos gregos, nem de um clérigo insípido como aquele.

Casara-se por impulso, em Las Vegas, após um final de semana comemorando seu primeiro grande negócio com muito sexo, champanhe e pouco juízo. Infelizmente, só fizera esse balanço vinte e quatro horas depois. O casamento-relâmpago resultara num divórcio não tão rápido, graças à cônjuge avarenta e sua comitiva de advogados gananciosos.

Tudo por causa da lascívia, que Nick não imaginava capaz de se fazer passar por amor.

Os gélidos olhos azuis de Damian obscureceram-se. Não era hora de pensar nisso. Talvez ocorresse um milagre e tudo desse certo. Talvez, dali a anos, olhasse para trás e reconhecesse que estivera errado.

Céus, assim esperava!

Amava Nick como se fosse sua própria carne e sangue. Tratava-se do filho que nunca tivera e provavelmente nunca teria, considerando a realidade do casamento. Eis por que concordara em comparecer à cerimônia tediosa e até em dançar com uma dama de honra gorducha, a melhor amiga da noiva, tímida e desesperadamente temerosa de ver-se um enfeite de parede na recepção que se seguiria.

Sim, faria tudo o que cabia a um pai postiço. Então, no fim do dia, voltaria à hospedaria no lago onde passara a noite anterior com Gabriella e a levaria novamente para a cama.

Era a melhor maneira de superar a frustração de não ter orientado o sobrinho bem o bastante para se proteger da dor que certamente o golpearia em pouco tempo, bem como de purgar a mente de todo aquele inútil artifício sentimental.

Damian olhou para sua amante do momento, acomodada na terceira fileira. Gabriella não se deixava enganar, tampouco. Assim como ele, já experimentara o casamento e não gostara. Casamento não passava de uma palavra alternativa a escravidão, afirmara ela, no início do relacionamento... se bem que ela mudara, desde então. Tornara-se menos amorosa, mais possessiva.

- Onde esteve, Damian? - interrogava, se ele falhasse em telefonar um dia.

interpretara equivocadamente a mudança dele para um novo apartamento. Por pouco, não lhe fizera a "surpresa" de comprar mobília nova.

Gabriella reagira furiosa, mas ele percebera nela uma fragilidade que nunca imaginara antes desse episódio. Hoje, porém, ela era só doçura e luz.

Na noite anterior, durante o ensaio, já notara um brilho diferente em seus olhos castanho-escuros. Num dado momento, lançando-lhe um sorriso trêmulo, ela levara o lenço rendado ao canto dos olhos.

Era preocupante. Talvez fosse hora de romper com Gabriella. Estavam juntos havia quase seis meses. Quando uma mulher começava a olhar daquele jeito...

- Damian?

Esforçou-se para se concentrar nas palavras do pastor.

- Se há alguém entre nós que saiba de algum motivo pelo qual Nicolas Skouras Babbitt e Dawn Elizabeth Cooper não podem se casar, que fale agora ou se cale para sempre...

Bam!

A porta de duas folhas na frente da igreja escancarou-se, batendo contra as paredes caiadas. Ouvindo um farfalhar de tecido, os convidados agitaram-se nos bancos, voltando-se para ver o que acontecia. Até os noivos olharam para trás, surpresos.

Uma mulher permanecia à entrada, a silhueta bem-delineada contra a luz da tarde primaveril. O mesmo vento que lhe tomara as portas agitava seu cabelo selvagemente e enfunava-Ihe a saia em torno das pernas.

A mulher avançou do brilho exterior para a sombra interior. Os murmúrios tornavam-se mais excitados.

Não era de admirar, concluiu Damian. A recém-chegada era de uma beleza incrível.

Ela não parecia estranha, mas se já houvessem se encontrado certamente saberia seu nome. Um homem não se esquecia facilmente de uma mulher como aquela.

Os cabelos dela tinham a cor do outono, um ruivo profundo com mechas douradas, encaracolando-se junto ao rosto oval, de maçãs altas. Os olhos grandes pareciam cinzentos, ou azuis. Não exibia jóia alguma, se bem que jóias não teriam chamado atenção tendo ao fundo tanta beleza. Seu vestido lilás também era simples, de decote redondo e mangas compridas, mas não havia nada de modesto no corpo que cobria.

Apreciou a mulher, notando os seios altos, a cintura fina e os quadris arredondados. Era uma estranha combinação de sensualidade e inocência, ainda que esta última fosse dissimulada. Tinha de ser. Não se tratava de uma criança. Tratava-se de uma mulher atordoante demais, muito segura de si.

Outra rajada de vento entrou pela porta aberta. A mulher segurou a saia, mas não antes que ele desse uma boa olhada em suas longas e bem torneadas pernas, o sonho de qualquer homem, bem como na calcinha de renda preta que ela usava por baixo.

Os espectadores agitavam-se mais e mais. Alguém riu alto. A mulher ouviu, mas, longe de demonstrar constrangimento, endireitou os ombros e adotou uma expressão de desdém.

Posso mudar essa sua expressão, pensou Damian, sentindo o desejo derramar-se em seu sangue como lava derretida.

Bastava-lhe percorrer o corredor, erguê-Ia nos braços e carregá-Ia para o prado que se estendia como um tapete verde colina abaixo, atrás da igreja. No topo de uma das colinas seguintes, iria pousá-Ia na relva macia e sorver a doçura de sua boca, ao mesmo tempo que lhe abriria o zíper do vestido lilás. Após degustar cada centímetro de seu corpo, iria acomodar-se entre suas coxas e penetrá-Ia, movendo-se em meio a seu calor até que ela gritasse de paixão.

Damian sentiu a boca seca. O que se passava com ele? Não era nenhum adolescente concupiscente. Não fazia sentido. Eis que a mulher levanta o rosto e contempla o altar, os olhos seguros procurando os dele. E sorriu-lhe, como se dissesse: "Sei o que está pensando, e acho muito divertido".

Com um troar nos ouvidos, Damian cerrou os punhos e deu um passo na direção do corredor.

Nesse instante, outra rajada de vento arremessou as portas de novo contra as paredes caiadas da velha igreja. Um convidado na última fileira levantou-se e foi fechá-Ias.

A mulher procurou um lugar vago. Uma vez acomodada, cruzou as pernas maravilhosas e pousou as mãos no colo, parecendo entediada, como se indagasse: "Por que não prosseguem?"

Lentamente, quase relutantes, os convidados voltaram-se para o altar.

- Bem, de acordo com as leis de Deus e do Estado de Connnecticut, eu os declaro marido e mulher - concluiu o sacerdote, apressado, como se temesse novas interrupções.

Nick voltou-se para a esposa, segurou-a pelos ombros e beijou-a.

O organista iniciou outra marcha, os convidados levantaram-se e Damian perdeu a mulher de vista na confusão de rostos e corpos.

 

Salva pelo gongo, pensou Laurel, ou melhor, por uma marcha executada ao órgão.

Que jeito de entrar! Já era ruim o bastante ter-se atrasado para o casamento da sobrinha, mas interrompê-lo, chamando a atenção de todos ...

Reprimiu um lamento.

Na semana anterior, durante o almoço, Dawn previra que aconteceria exatamente isso.

Annie, sua irmã mais velha, levara a filha a Nova York para a última prova do vestido de noiva e todas encontraram-se para almoçar no Tavern on the Green. Dawn, com toda a frivolidade de seus dezoito anos, olhara para ela e suspirara diante de suas fotos de moda.

- Oh, tia Laurel, você é tão linda! Gostaria de ser parecida com você.

Olhando por sobre a mesa para o belo rosto inocente, isento de maquiagem e das marcas da estrada árdua que era a vida, Laurel lhe sorrira.

- Se eu tivesse o seu rostinho, ainda seria capa de revista - retrucara, gentil.

Passaram a conversar sobre a carreira em declínio de Laurel, Annie e Dawn insistindo que não estava em declínio de forma alguma, bem como sobre seus planos futuros, que na verdade não eram tão interessantes quanto conseguira fazer crer.

Inevitavelmente, falaram em seguida do casamento da adolescente.

- Vai ser a noiva mais linda do mundo - garantira Laurel. Vermelha, Dawn declarou que esperava que Nick a visse assim, embora tivesse certeza de que a mulher mais bonita presente à cerimônia seria sua tia Laurel.

Nesse instante, Laurel prometera a si mesma não roubar os holofotes, nem mesmo inadvertidamente. Um rosto famoso, ou um rosto outrora famoso, podia fazer isso ao entrar num recinto simplesmente, e jamais submeteria as pessoas que amava a tal situação...

Com isso em mente, naquela manhã, em vez do fino conjunto cor-de-rosa comprado para a ocasião, vestira aquele modelo lilás já com dois anos de armário. E em vez de prender os cabelos no penteado que tornara famoso, puxado para trás e presos em coque frouxo no alto da cabeça, com caracoizinhos soltos ao longo do pescoço, apenas escovara-o, deixando-o solto sobre os ombros. Disspensara também as jóias, bem como o batom e o rímel aplicados levemente que costumava usar quando não estava nas passarelas, nem diante das câmeras.

E até saíra de casa cedo, tomando na Penn Station um trem que devia tê-Ia deixado em Stratham pelo menos uma hora antes do início da cerimônia. Só que o trem pifara em New Haven, e ela começara a procurar um táxi, quando anunciaram que um outro trem estava a caminho para completar a viagem dos passageiros.

Esperara, então, por quase meia hora, e soube que não era um trem que estivera a caminho, mas um ônibus, que levaria muito mais tempo para completar o percurso. Se houvessem informado corretamente, teria tomado logo um táxi. Como já estava atrasada, embarcou no ônibus mesmo e, quando finalmente chegou a Stratham, perdeu mais algum tempo procurando um táxi.

- Tia Laurel?

Laurel levantou o rosto. Dawn e seu belo e jovem marido chegavam ao banco em que estava sentada.

- Oh, querida - encantou-se, levantando-se para abraçar a sobrinha.

- Foi uma chegada e tanto - provocou Dawn, marota.

- Oh, Dawn, desculpe...

Tarde demais. Os recém-casados já seguiam para o fim do corredor, rumo às portas agora abertas e à escadaria frontal da igreja.

Laurel lamentou-se. Sabia que a sobrinha apenas brincara, mas, se pudesse refazer a terrível cena de sua chegada...

Após saltar do táxi, diante da igrejinha, afligira-se indecisa entre comparecer à cerimônia atrasada mesmo ou perdê-Ia, concluindo que ausentar-se seria pior. Abrira as portas com todo o cuidado, mas então o vento as arrebatara de suas mãos e o que viu em seguida foi todos os pares de olhos presentes voltados em sua direção.

Incluindo o dele. Daquele homem. Daquele homem detestável, arrogante e egoísta.

Seria o tutor de Nicholas? Ou melhor, ex-tutor. Damian Skouras, se bem se lembrava. Só podia ser ele, ocupando aquela posição importante no altar.

Bastara-lhe uma olhada para saber tudo sobre Damian Skouras.

Infelizmente, conhecia bem o tipo. Tinha o físico por que todas as mulheres suspiravam: ombros largos, cintura estreita, corpo duro e rosto bonito, com olhos azuis que pareciam reluzir em contraste com a pele morena. Os cabelos penteados para trás lembravam ondas do mar à meia-noite, pondo em destaque um minúsculo brinco de ouro.

Beleza e dinheiro, concluiu Laurel, amarga. Não era só a casaca elegante e a calça preta cobrindo aquelas pernas musculosas que o denunciavam, mas sua atitude arrogante, negligente. Era também o modo como ele a olhara, imaginando um novo brinquedo, embrulhado para presente, pronto para seu prazer. Até lhe sorrira gentil, mas seus olhos disseram tudo: "Gostaria de livrá-Ia desse vestido e ver o que há por baixo"

Pois pode esperar sentado, desdenhou Laurel, fria.

Estava cansada de tudo aquilo. O mundo estava cheio de homens insolentes que deixavam o dinheiro e o poder subir-Ihes à cabeça,

Não passara quase um ano nas mãos de um deles?

O restante da comitiva percorria o corredor agora, as damas-de-honra trocando risadinhas num frenesi de saias em tons pastéis, os pajens sorridentes e lindos na roupa formal. Annie aproximou-se com o ex-marido e deteve-se rapidamente para abraçar Laurel.

Ela misturou-se aos convidados apressada, sabendo que ele vinha em seguida, o sujeito que a despira com os olhos. Lá estava ele, fechando o cortejo, o braço enganchado numa dama de honra que mais se arrastava do que andava.

A mocinha fitava-o maravilhada, enquanto ele despejava em cima dela todo seu charme, os dentes alvos cintilantes contra a pele bronzeada artificialmente. Aparentemente, o tipo musculoso com conta bancária saudável a fascinava. E o machão estava adorando a adulação.

Sem poder se conter, Laurel destacou-se dos demais espectadores e postou-se diante do homem.

A dama de honra, ofuscada pelo acompanhante, foi detida pelo braço enganchado quando ele estacou.

- O que foi? - indagou a mocinha.

- Nada - respondeu ele, os olhos fixos nos de Laurel.

A dama de honra olhou para Laurel. Apesar da pouca idade, foi tomada pela desconfiança.

- Então, vamos, Damian! Temos de alcançar os outros.

- Vá você, Elaine. - Ele soltou-lhe o braço. - Estou logo atrás.

- Claro - concordou a mocinha, mal-humorada.

Tão próxima agora, Laurel constatou que os olhos do homem exibiam um tom de azul que ela nunca vira antes, frio, claro, o contorno das íris bem preto, como que realçado por lápis. Gelo puro, concluiu. Lâminas de gelo do mar polar.

Sentiu a pulsação no pescoço. Devia ter ficado escondida, em vez de confrontar-se com ele dessa maneira.

- Pois não? - indagou ele, com leve sotaque.

A voz grave combinava perfeitamente com a frieza de seus olhos. A igreja já estava vazia. A poucos metros, além das portas, ouviam-se risos, mas ali, em meio ao silêncio e as sombras do fim da tarde, ela só ouvia o próprio coração.

- Tem algo a me dizer?

Ele falava com educação, mas as palavras geladas tiravam o fôlego de Laurel. Pensou em fugir, mas nunca fugira de nada na vida. Além disso, por que deixaria aquele estranho levar a melhor?

Não havia nada a temer. Em absoluto.

Sendo assim, esticou-se em toda a altura, lançou os cabelos para trás e adotou sua máscara de indiferença, a mesma que exibia em público e que a ajudara a tornar:se uma estrela nas passarelas de Nova York a Milão.

- Apenas que você estava lamentável flertando com aquela mocinha.

Ele pareceu não entender.

- O quê?

- Que tal propor seu joguinho a alguém com idade bastante para reconhecer suas intenções?

O homem contemplou-a por vários segundos, tantos que Laurel chegou a considerar-se em vantagem. Mas então ele sorriu de um jeito que fez seu coração saltar, aproximando-se até que apenas um palmo os separasse.

- Qual é o seu nome?

- Laurel. Laurel Bennett, mas isso não.

- Concordo plenamente, srta. Bennett. O jogo é muito mais divertido quando disputado por pessoas do mesmo nível.

Ela chegou a ver, nos olhos dele, o próximo movimento, mas era tarde demais. Antes que pudesse recuar, ele avançou, tomou-a nos braços e beijou-a.

 

Laurel consultou o relógio disfarçadamente.

Mais uma hora e poderia ir embora sem chamar a atenção. Só mais uma hora, presumindo que agüentasse tanto tempo.

O homem a seu lado à mesa para seis, Evan Sei-Lá-o-Quê, contava uma piada. Ou melhor, o doutor Evan Sei-Lá-o-Quê, conforme observara Annie, a eterna cupido, ao cumprimentar os convidados pouco antes.

Tratava-se de boa pessoa, apesar do nariz vermelho e cara de coelho, só que aquela já era sua nona piada, ou qüinquagésima nona, da noite. Simplesmente perdera a conta entre o coquetel de camarão e o delicioso Beouf aux Chanterelles.

Pouco importava. De qualquer forma, não teria conseguido concentrar-se no que quer que fosse aquela noite. Seus pensamentos teimavam em voltar-se sempre na mesma direção, direto para Damian Skouras, que permanecia à mesa na plataforma ao lado de uma loira ricamente vestida. Não que a presença da mulher o impedisse de observá-Ia.

Sabia que ele a observava, mesmo sem virar-se para confirmar.

Não havia necessidade. Sentia a força do olhar em seus ombros. Se olhasse para ele, veria um par de raios laser azuis partindo daquele rosto orgulhoso e arrogante.

Confirmara tão-somente tratar-se mesmo de Damian Skouras, o tutor de Nicholas. Ou ex-tutor. Nick contava vinte e um anos, três mais do que precisaria para poder casar-se sem permissão. Annie não desejara o casamento, bem o sabia. Dawn e Nick eram jovens demais. Abstivera-se-de opinar, mas, agora, conhecendo o homem que criara Nick, espantava-se com o fato de a irmã não ter apresentado uma segunda objeção.

Quem desejaria para genro um rapaz que tivera como modelo um egoísta como Damian Skouras?

Até já o chamara de egoísta na cara, ao se encontrarem pela segunda vez, depois daquele beijo, na fila de cumprimentos. Pois tentara passar ignorando-o, como se não existisse, mas ele lhe segurara a mão e apresentara-se com toda a educação, como se nunca houvessem se visto até aquele instante.

- Relaxe, srta. Bennett - sussurrara ele, enquanto ela tentava desvencilhar a mão. -Não vai querer fazer outra cena, vai? Basta uma por dia, mesmo para você.

- Não fui eu que fiz aquela cena, seu...

- Meu nome é Damian Skouras - cortou ele, sorrindo irônico.

- Talvez goste de chamar a atenção, mas hoje é o dia de Nicholas e Dawn, portanto, comporte-se, sorria e finja estar se divertindo, está bem?

O pior era que ele tinha razão. A fila parara de andar e os convidados atrás dela já esticavam o pescoço, tentando descobrir qual era o problema. Sorrindo simpática, garantiu ao déspota que lhe prendia a mão que se divertiria ainda mais fazendo de conta que ele desaparecera da face da Terra.

Damian apertara ainda mais sua mão, os olhos de repente obscuros e assustadores.

- Nunca vai conseguir fazer isso no que se refere a mim replicou, em voz baixa. - Já se esqueceu do que aconteceu quando a beijei?

Laurel sentira a cor tomar-lhe as faces. Com a mão liberta, por fim, seguiu adiante apressada.

Não, ela não se esquecera do que sentira ao ser beijada por ele. Após a primeira reação de raiva e choque, agarrara-se aos ombros largos dele e entreabrira os lábios sob os dele, juntando seus corpos deliciosamente...

Os demais convivas à mesa explodiram numa gargalhada, à conclusão de mais uma piada do doutor Evan Sei-Iá-o-Quê, e Laurel riu também, com um segundo de atraso.

- Parece que já conhecia essa - comentou o piadista, como se se desculpasse.

- Não, não conhecia - garantiu Laurel, polida. - Acho que estou com problema de fuso horário. Cheguei de Paris ontem e ainda não me adaptei.

- Paris, linda cidade! - comentou Evan. - Estive lá no ano passado, numa conferência.

- É mesmo?

- Estava lá a trabalho ou de férias? - quis saber ele.

- A trabalho.

- Imagino que vá lá com freqüência.

- Bem...

- Para desfiles, não é assim que chamam?

Laurel fitou-o surpresa.

- Isso mesmo. Como foi que... ?

- Eu a reconheci - explicou Evan. - Além disso, Annie me contou. Sou o dentista dela e de Dawn. Na última consulta, Annie comentou: "Espere só até conhecer minha irmã caçula no casamento. É a modelo mais linda do mundo. - Apagou o sorriso. Mas não concordo.

Laurel nem piscou. Lá vinha mais uma cantada.

- Ah, não?

- Você não é a modelo mais linda do mundo, é a mulher mais linda do mundo.

Laurel riu bem-humorada.

- Precisa perdoar Annie. Ela adora o papel de cupido.

- Mas não é nem um pouco exagerada - retrucou Evan, inclinando-se para mais perto dela. - Se visse alguns dos "encontros" que andaram arranjando para mim...

- Isto não é um encontro, doutor - observou Laurel, fria.

Vendo-o recuar, abrandou-se.

- Quero dizer, imagino. Também já fui vítima de arranjos equivocados, digamos assim.

O dentista balançou a cabeça.

- Cupidos. Nunca desistem, não é mesmo? E, por favor, me chame de Evan.

- Está bem, Evan.

- Só que Annie não errou desta vez - comentou o dentista, voltando à carga. - Quero dizer, você... não está comprometida?

Annie, o que faço com você?, pensou Laurel, exausta. A irmã tentava arranjar-lhe um par havia anos, mas aumentara os esforços após seu rompimento com Kirk.

- Antes, não queria se prender por causa da carreira - ralhava Annie, cada vez que se encontravam. - Agora, é porque se decepcionou com Kirk.

- Não quero falar sobre isso - esquivava-se ela.

Mas a irmã prosseguia na tortura, exaltando as alegrias do matrimônio, como se ela mesma não houvesse desmanchado o dela anos antes, tanto que via-se obrigada a mentir, garantindo que se casaria assim que encontrasse o homem certo.

Na verdade, porém, não pretendia se casar. Em sua opinião, a mulher precisava do homem só para abrir vidros de conservas e se satisfazer sexualmente. Pois já havia no mercado acessórios para abrir vidros de conservas. Quanto ao sexo... costumava-se superestimá-Io, eis o que aprendera em seu relacionamento com Kirk. Talvez fosse mais importante para mulheres que não se dedicavam a uma profissão. Para quem tinha a agenda sempre cheia, o sexo não passava de uma necessidade biológica, a exemplo de comer e beber, mas bem menos importante do que estas.

- Desculpe, eu não devia ter perguntado - disse Evan, constrangido.

Laurel saiu do devaneio.

- Oh, não, não se desculpe. É que...

Alguém aproximou-se por trás de ambos.

- Srta. Bennett?

Laurel enrijeceu-se. Não precisava voltar-se para saber quem era. Ninguém conseguiria pronunciar seu nome com tanto efeito a não ser Damian Skouras.

Levantou o rosto e viu de de pé ao lado da cadeira.

- Pois não? - respondeu, gélida.

- Gostaria de dançar? - 'convidou ele, sorridente.

- Lamento, estou indisposta.

- Ah, mas estão tocando nossa música!

Laurel encarou-o estupefata. Até então, mal prestara atenção às músicas tocadas pela banda, velhos sucessos da década de sessenta. Agora que os músicos descansavam, o que fluía dos altofalantes era uma valsa.

- Uma valsa antiquada, para uma moça antiquada - observou Damian, estendendo a mão.

Os demais convivas à mesa prenderam a respiração. Laurel sentia todos os olhares sobre si, mas não se constrangeu. Damian Skouras já fora longe demais em seu atrevimento.

- No lugar de onde venho, um homem que abandona a acompanhante numa festa para dançar com outra mulher chama-se...

- E então, estão todos se divertindo? - interrompeu uma alegre voz feminina .

Era Dawn, aproximando-se da mesa sorridente na companhia de Nick.

Todos procuraram se recompor, e alguém respondeu:

- Sim, a festa está maravilhosa!

- Que bom! - exultou Nick, só então notando Damian de pé ao lado da cadeira de Laurel. - Oh, vejo que já se conheceram!

Damian tentou disfarçar o embaraço.

- É, já tivemos o prazer.

- Damian acaba de comprar um apartamento em Paris - comentou Nick, dirigindo-se a Laurel. - Podia lhe dar umas dicas de compras, você sabe, móveis, objetas de decoração ... Deve conhecer as melhores lojas, pais viaja tanto para lá a trabalho!

Laurel raciocinou rápida.

- Na verdade, não conheço a cidade tão bem assim. O trabalho me toma quase todo o tempo que passo lá.

- Que cidade você conhece bem, então? - questionou Damian, irônico.

- Nova York - respondeu Laurel, mal-humorada.

- Que coincidência! - festejou ele. - Acabei de comprar um condomínio lá.

- Pensei que tinha sido em Paris.

- Paris, Manhattan... - Damian deu de ombras. - Meus negócios me levam a muitos lugares, srta. Bennett, e não há nada melhor da que voltar para casa à noite.

- E gozar da companhia da moça loira que o acompanha? - sugeriu Laurel.

- Tia Laurel! - repreendeu Dawn, pasma.

- Está tudo bem, querida - apaziguou Damian, sem tirar as olhos de Laurel. - Sua tia e eu nos entendemos muito bem,não é, srta. Bennett?

- Sem dúvida, sr. Skouras. - Laurel voltou-se então para o convidado a seu lado - Gostaria de dançar, Evan?

O dentista ficou vermelho como tomate e olhou para Damian.

- Mas pensei que...

- Pensou errado, senhor - cortau Damian, polido. – Enquanto ouvíamos as interessantes pontos de vista da srta. Bennett, tive a chance de reconsiderar. - Voltou-se para a noivinha feliz. Querida, eu ficaria honrada se abandonasse Nicholas e me concedesse essa valsa.

Dawn mal disfarçou a alívio... - Vou adorar.

Os dois casais partiram para a pista de dança.

Ponto para mim, comemorou Laurel, olhando hostil para Damian Skouras por cima do ombro de Evan. Da próxima vez, aquele arrogante pensaria duas vezes antes de impor-lhe seus joguinhos.

 

Gabriella Baldini cruzava e descruzava as longas pernas desajeitadamente sob a painel da carro alugado de Damian.

- Francamente, Damian, não sei por que não arranjou uma limusine - reclamou.

Ele suspirou, concentrado na tortuosa estrada da montanha, decidindo não responder à observação que a acompanhante já fizera mais de dez vezes desde que haviam saído de Stratham.

- Logo vamos chegar à pousada - comentou. - Por que não recosta a cabeça e tira um cochilo?

- Não estou cansada, Damian. Só estou dizendo que...

- Sei o que está dizendo. Que preferia outro carro...

Gabriella cruzou as braços.

- É.

- Um carro maior, com chofer.

- Isso mesmo. Ou podia ter pedido a Stevens que nos trouxesse. Não precisamos passar desconforto, mesmo no meio do mato.

Damian riu.

- Não estamos no meio do mato, Gaby. A pousada fica a apenas sessenta quilômetros de Bostan.

- Não precisa interpretar literalmente! - irritou-se a moça.

- Sei onde estamos. Passamos a noite passada lá, não passamos?

Cruzou as pernas outra vez, a saia de seda preta erguendo-se mais um pouca sobre as coxas.

- O que me faz lembrar: já que aquele estabelecimento não oferece serviço de quarto...

- Lá tem serviço de quarto.

- Lá vem você de novo interpretando literalmente. Não tem serviço de quarto após as dez. Já esqueceu o que aconteceu quando pedi um chá ontem à noite?

Damian apertou as mãos no volante.

- O gerente ofereceu-se para prepará-Io e levá-Io pessoalmente à suíte, Gaby.

- Acontece que eu queria chá de ervas, não aquela coisa de saquinho.. E já lhe disse mais de mil vezes que não gosto que me chamem de Gaby.

Inferno, pensou Damian, fatigado.. Não era casado com aquela mulher, mas qualquer um que os ouvisse teria a certeza de que estavam unidos pelos sagrados laços do matrimônio havia no mínimo uma década.

Não que um pouco de altercação não o divertisse, de vez em quando, a exemplo da que tivera com a estonteante convidada na casamento de Nicholas. Laurel Bennett enfurecera-o, no final, expondo-o ao ridículo diante de todos, mas, tinha de reconhecer, era perspicaz.

- "Gaby" parece apelido de alguma personagem idiota num filme do Velho Oeste... - prosseguia a acompanhante, incansável.

E arrebatadora. Quanto mais a via, mais, se convencia de que nunca vira rosto mais belo. Dawn contara-lhe que ela era modelo. Sempre achara as modelos uns seres andróginos, só pele e osso, mas Laurel Bennett tinha curvas bem femininas. Eis por que a convidara para dançar. Para ter aquele corpo nas mãos e verificar se era tão macio quanto parecia.

- Não está correndo muito? - advertiu Gabriella. - Mal enxergo o caminho, está tão escuro...

Damian endureceu o queixo e diminuiu a pressão do pé sobre o acelerador.

- Melhorou?

Gabriella não respondeu. Recostando-se no banco, cruzou os braços, amuada.

O carro foi tomado pelo silêncio. Damian começava a relaxar quando a acompanhante voltou a se manifestar:

- Francamente, algumas pessoas não têm senso de ridículo. Damian olhou-a rapidamente.

- Concordo.

- Como aquela mulher, por exemplo.

- Que mulher?

- Aquela que entrou daquele jeito escandaloso. Aquela de cabelo vermelho ressecado.

Damian suprimiu o riso. Eis o motivo do mau humor de Gabriella.

- Não achei o cabelo dela ressecado - contrariou.

- Ah, os homens não entendem nada disso.

Entendemos, sim, pensou Damian. O que teria acontecido à natureza dócil de Gabriella, bem como a seu charmoso sotaque italiano? A primeira começara a desaparecer de algumas semanas para cá. O segundo vinha enfraquecendo cada vez mais ao longo da última hora.

- E o vestido dela, você viu? - continuou a moça, desdenhosa. - Quem podia imaginar que fosse a tia da noiva?

- Quem? - indagou Damian, sonso.

Gabriella olhou-o raivosa.

- Estou falando daquela mulher de vestido barato e cabelo pintado.

- Ah. - Vendo a saída para a pousada, Damian diminuiu a velocidade e tomou o caminho de cascalho. - A modelo.

- Modelo, pois sim! Todo mundo sabe que vida elas levam, principalmente aquela lá. - Gabriella bufava de indignação. Dizem que já teve dezenas de amantes.

- Jura? Que mais dizem dela?

A acompanhante baixou o protetor solar e mirou-se no espelho do verso.

- Não perco meu tempo com fofocas - replicou, afofando o penteado. - Mas o que se pode pensar de alguém que posa nua?

Damian foi assaltado pela imagem de Laurel Bennett nua em sua cama. Com esforço, conduziu o carro pelos poucos metros que faltavam.

- Nua? - repetiu, disfarçando o interesse.

- Para a campanha publicitária de um estilista aí, saiu numa revista este mês. - Gabriella recolocou o protetor solar no lugar. - Nu artístico, como dizem, tudo meio indistinto, velado... - Satisfeita, concluiu: - Só podia ser assim, considerando que ela já está meio "passada". De qualquer forma, ela posou nua em pêlo!

Damian continuava imaginando Laurel sem roupa nenhuma em poses provocantes.

- Interessante - comentou.

- Vulgar, isso sim! - opinou a acompanhante, impiedosa. - É por isso que não entendo por que lhe dirigiu a palavra.

- Pare com essa bobagem, Gabriella.

- Vi muito bem o jeito como você olhou para ela e não gostei nem um pouco! Você me deve satisfações, sim!

Damian parou à entrada da pousada, desligou o motor e voltou-se para Gabriella.

- Satisfações?

- Isso mesmo. Já estamos juntos há um bom tempo. Isso não significa nada para você?

- Eu não fui infiel.

- Não é disso que estou falando e você sabe. - Ela respirou fundo. - Consegue dizer na minha cara que não sentiu nada durante toda a recepção?

- Senti o que sempre sinto em casamentos - retrucou Damian. - Incredulidade ao ver duas pessoas submetendo-se a um absurdo desses, com a esperança inútil de fazer dar certo um arranjo que vai contra a natureza.

A moça comprimiu os lábios.

- Como pode dizer isso?

- Porque é verdade. Sempre soube minha opinião a respeito, desde o início. E disse que pensava da mesma forma.

- Esqueça o que eu disse! - esquivou-se ela. - E você ainda não respondeu a minha pergunta. Por que abordou aquela mulher?

Porque quis. Porque você não é minha dona. Porque Laurel Bennett me intriga, ao passo que você nunca me intrigou, nem no começo de nossa relação.

Damian expirou sonoramente. Já era tarde, estavam ambos cansados e sem condições de argumentar ou tomar decisões. Passou os dedos de leve no rosto de Gabriella, então inclinou-se por sobre seu colo e abriu-lhe a porta.

- Por que não espera no saguão enquanto estaciono o carro?

- Não falei? Se tivéssemos vindo de limusine, você não teria que me abandonar aqui, no meio do nada. Mas você faz tudo sempre a seu modo, sem a menor consideração por mim ou meus sentimentos.

Damian fitou o rosto da amante, agora banhado pela luz fluorescente, e não o achou tão belo quanto antes, a petulância e o ciúme indisfarçado endurecendo-lhe os traços.

- Gaby, já é tarde. Não vamos falar disso agora.

- Não pense que me engana com essa fala mansa, Damian. E já lhe disse para não me chamar de Gaby!

Ele endureceu o queixo. Inclinando-se por sobre a moça outra vez, fechou a porta e pôs o carro em movimento.

- Um momento! - protestou Gabriella. - Não vou com você estacionar carro. Não vou andar toda esta distância em chão de cascalho de salto alto... - Estranhou ao vê-Io percorrer a entrada circular e rumar de volta à estrada... Damian? O que está fazendo?

- O que lhe parece? - replicou ele, os olhos fixos na estrada. - Voltando para Nova York.

- Agora? Mas já é muito tarde. E as minhas coisas que estão na pousada? Minhas roupas e maquilagem? Damian, isto é ridículo!

- Assim que a deixar em casa, vou telefonar para a pousada e pedir a eles que recolham e despachem tudo.

Gabriella voltou-se para ele.

- Deixar-me em casa? Como assim? Nunca passo o fim de semana no meu apartamento e você sabe disso.

- Você tinha razão no que disse há pouco: devo-lhe uma satisfação. - Damian encarou-a por um instante, então, concentrou-se na estrada. - E vou ser franco. Adorei esse tempo que passamos juntos, mas...

- Mas o quê? Está me dando o fora?

- Gabriella, acalme-se.

- Não me peça para ficar calma! - gritou a moça, estridente. - Ouça bem, sr. Skouras, pode fazer gato e sapato das pessoas que trabalham para você, mas eu não vou admitir isso!

- Seria bom que encerrássemos isto como adultos civilizados. Ambos sabíamos que nosso relacionamento não duraria para sempre.

- Pois mudei de idéia! Como se atreve a me pôr de lado, agora que encontrou uma...

- Não encontrei nada - cortou ele, duro e frio. - Só estou dizendo que nossa relação já deu o que tinha que dar.

- Isso é o que você pensa! Já eu acho que você me induziu a nutrir certas expectativas. Meu advogado disse que...

Gabriella calou-se sem concluir, mas já era tarde demais. Damian estacionou no acostamento e voltou-se para ela ameaçador. Ela se encolheu no banco ante a expressão dele.

- Está me dizendo que já expôs nosso relacionamento a um advogado?

- Não... Quero dizer, só trocamos algumas idéias... Damian, eu só estava pensando em me proteger. - Os faróis de um carro vindo da direção contrária revelou suas feições de repente duras. - E parece que fiz bem! Aí está você, tentando se livrar de mim sem nada mais que algumas palavras gentis.

Damian virou-se para a frente e ligou o rádio no volume máximo, e afogando a voz de Gabriella. De volta à estrada, pisou fundo no acelerador.

Menos de três horas depois, chegavam a Manhattan. Com o trânsito livre àquela hora da madrugada, em poucos minutos Damian estacionava diante do edifício em que Gabriella morava.

A moça saltou sem a menor elegância e inclinou-se para encaará-Io uma última vez.

- Você me paga! - sibilou, rancorosa.

Impassível, Damian arrancou, deixando a mulher numa nuvem de fumaça. Ela que esperneasse o quanto quisesse. No que se referia a ele, ela já pertencia ao passado.

 

Jean Kaplan era a assistente particular de Damian Skouras havia muito tempo.

Já na meia-idade, a sra. Kaplan tinha um casamento feliz e dedicava-se ao trabalho. Era também inabalável. Nada a perturbava.

Se bem que não pôde disfarçar a surpresa quando o patrão, ao chegar na segunda-feira pela manhã, pediu-lhe que fosse comprar revistas de moda na banca da esquina.

- Revistas de moda, sr. Skouras?

- Sim, sra, Kaplan -confirmou Damian, sério. - Tenho certeza de que conhece a maioria delas.

A assistente aquiesceu.

- Sim, senhor.

"Bem, o patrão nunca fora mesmo um empresário convencional", raciocinou a sra. Kaplan, no elevador. O dirigente daquilo que a imprensa chamava de Império Skouras não precisava se preocupar com detalhes como esse.

Talvez ele estivesse pensando em comprar uma publicação. Ou duas. Ou três. De volta ao décimo terceiro andar do edifício, colocou as revistas de moda ordenadamente sobre a escrivaninha de carvalho da presidência-executiva.

- Aqui estão, sr. Skouras. Espero que fique satisfeito com o que encontrei.

Damian aprovou.

- Está ótimo.

- Devo enviar rosas para a srta. Boldini, como de hábito?

Damian lançou-lhe um olhar gélido ao esclarecer:

- Não é necessário.

- Oh, desculpe-me, senhor. Só pensei que...

- Aliás, se a srta. Boldini telefonar, diga-lhe que não estou.

- Sim, senhor. Isso é tudo?

- É só. Suspenda todas as ligações até segunda ordem, por favor.

A assistente aquiesceu e saiu fechando a porta.

Dispondo as revistas lado a lado, Damian espantou-se com as chamadas nas capas: "Você é Sexy o Bastante para Manter o Interesse Dele?", "Dez Maneiras de Excitá-Io", "Estilos Sexuais para o Verão", "Bronzeado Perfeito Já!", e assim por diante.

Existia de fato um mercado para aquelas baboseiras? Vira Gabriella folheando publicações semelhantes muitas vezes, mas nunca se interessara pelas frases nas capas.

Nem pelas modelos que as enfeitavam. Por que a maioria delas dava a impressão de estar sem comer havia semanas? Não era possível que algum homem se por mulheres assim, com os ossos quase protuberando através da pele!

Sem falar nas caras e bocas. Analisou detidamente o rosto macilento, coberto de maquiagem, que se destacava numa das páginas. Era aquele o padrão de beleza vigente?

Recomeçou a folhear, ansioso. Não encontrava a fotografia de Laurel. Não que isso tivesse importância. Não queria ver a foto. Mandara a assistente comprar revistas de moda só por capricho.

Ora, a quem tentava enganar?

Dormira muito mal aquela noite, despertando ao amanhecer atormentado pelas imagens de um sonho fragmentado, o corpo febril e latejante de desejo ...

E lá estava. A fotografia de Laurel Bennett.

Gabriella exagerara. Laurel não estava totalmente nua, fato que o encheu de alívio.

De costas para a câmera, ela olhava para trás por sobre o ombro. Uma comprida faixa de seda branca cobria-lhe frouxamente os quadris, deixando à mostra a base de sua espinha. A impressionante cabeleira avermelhada derramava–se -Ihe sobre a pele cremosa como línguas flamejantes.

Damian estudou a fotografia. Tratava-se de uma mulher, nada mais, nada menos. Bonita, sem dúvida, e muito desejável, mas não a ponto de justificar, os sonhos excitantes que lhe povoaram a noite,

Fechou a revista, colocou-a em cima das outras e levou a pilha toda para uma mesinha lateral. A assistente disporia das publicações como bem entendesse. Não estava mais interessado nelas, nem em Laurel Bennett.

Damian teve uma manhã atarefada.

Havendo seus assessores detectado um problema numa pequena firma de investimentos recém-adquirida pela Skouras International, Damian encontrou a solução após uma estafante sessão de brain storming que durou várias horas. A seguir, participou de uma teleconferência com seus banqueiros em Paris e Hamburgo, fechando um negócio multimilionário após meses de impasse.

Ao meio-dia e vinte, pegou para ler as anotações que a sra. Kaplan colocara no canto de sua mesa, preparando-se para o almoço de negócios a que compareceria à uma hora, mas não conseguia se concentrar, lendo e relendo as mesmas palavras e sentenças.

Por fim, desistiu e afastou a cadeira da mesa.

Inquieto, levantou-se e percorreu a sala espaçosa. Seu olhar caiu sobre o aparador, sempre com café fresco à disposição, e para a mesinha lateral sobre a qual depositara as revistas de moda.

A revista com a foto de Laurel estava no topo da pilha. Abriu-a de novo na página marcada e contemplou a foto. Os cabelos dela pareciam de seda. Seriam macios ao toque, ou duros por efeito do spray, como os de Gabriella? Que aroma exalaria a graciosa curva entre seu ombro e pescoço? Que gosto apresentaria?

Céus, o que se passava? Jamais sentiria o aroma daquela mulher, ou o gosto.

Analisou-lhe a expressão. A frieza em seus olhos contrastava com a boca macia, sensual, vulnerável. Assim a sentira ao beijá-Ia, ambos entregues à paixão, e ao beijo.

Ainda se perturbava ao recordar o calor e a tensão que haviam tomado conta de seu corpo. Jamais se deixara envolver tanto por um beijo ou pela lembrança daquilo que não passara de um simples encontro.

Mas envolvera-se, e descontrolara-se.

Damian endureceu o queixo. Era ridículo. Nunca se descontrolava. Aquilo não passava de uma coceirinha e, para alivia-Ia, bastaria uma noite com Laurel.

Telefonaria convidando-a para tomar um drinque ou jantar fora.

Ela correspondera ao beijo, portanto, devia desejá-Io tanto quanto ele a desejava. Teimosa como era, porém, talvez o rejeitasse...

Só agora reparava no artigo promovido por aquela foto publicitária. Não se tratava de perfume, nem de cosméticos, mas de microcomputadores portáteis. E o anunciante era justamente uma empresa que a Skouras International comprara uns dois meses antes.

Pegou o telefone.

Estava com sorte. Dez minutos depois, tendo cancelado o almoço de negócios, pegava o carro e embrenhava-se no trânsito rumo a um estúdio no Soho onde fotografavam para a próxima série de anúncios.

 

- Laurel, esse não é um bom ângulo - observou o fotógrafo Haskell. - Vire o rosto para a direita, por favor.

Ela obedeceu.

- Agora, incline-se na minha direção. Isso!

Laurel estava amuada. Aquele trabalho não a agradava. Por que tudo, de creme dental a barcos, tinha de ser anunciado com sexo?

- Só mais um pouquinho - pediu o fotógrafo. - Perfeito. Pode dar um sorriso, por favor?

Ela não conseguia sorrir. Estava de muito mau humor.

- Laurel, você tem que entrar no espírito da campanha. Está com expressão fechada,entediada.

Na verdade, estava zangada. "Não pense mais nisso!", repreendeu-se. "Nem naquele homem".

- Ah, Laurel, agora está franzindo o cenho! Isso dá rugas, sabia? Relaxe e pense na cena: você está no convés de um iate particular, no mar... Egeu!

- No mar do Caribe! - corrigiu ela.

- Que diferença faz? Tem algo contra os gregos? Mas que seja o Caribe! Lá está você, num barco junto à costa de Madagascar.

- Madagascar fica na África.

- Ai, precisa ser tão exigente? Esqueça a geografia, está bem? Você está num iate, no mar de sua preferência, tomando sol e usando seu microcomputador portátil para escrever cartões-postais a todos os seus amigos.

- Isso é ridículo, Haskell! Não é para isso que serve o microcomputador!

O fotógrafo perdeu a paciência.

- Francamente, Laurel, não estou nem um pouco interessado no uso que se faz dele!, Você bem poderia estar escrevendo suas memórias, ou contabilizando os milhões em sua conta bancária na Suíça. Quero apenas que use a imaginação e dê um belo sorriso para a câmera.

Laurel suspirou. O colega tinha razão. Era modelo profissional e aquele era seu trabalho. Infelizmente, dormira mal e acordara de mau humor. Para completar, sentia-se tola posando de biquíni contra um cenário de fundo simulando céu e mar. O que biquínis, céu e mar tinham a ver com vender microcomputadores portáteis?

- Laurel, lá vem você de novo fechando a expressão! Concentre-se, querida. Pense em algo agradável e o mantenha em mente. O restaurante em que vai jantar esta noite, por exemplo. O lugar em que passou o fim de semana. Sei que hoje é segunda-feira, mas deve haver algo bom em que você possa pensar...

Onde jantaria à noite? Laurel teve vontade de rir. No balcão da cozinha, e o menu seria queijo fresco e salada verde. A seguir, acompanhando o cafezinho, um bom romance de mistério.

Quanto ao final de semana, era a última coisa de que queria se lembrar! Fora humilhada por Damian Skouras.

- Laurel, você está piorando em vez de melhorar! Vamos lá, garota, pense em algo maravilhoso!

Algo maravilhoso? Dar um soco no queixo de Damian Skouras!

- Ótimo! - aprovou o fotógrafo.

E uma joelhada no lugar certo!

- Excelente! - O fotógrafo batia chapas ininterruptamente, deslocando-se com agilidade em busca de novos ângulos. - Agarre-se a essa imagem, porque está dando resultado!

Uma cotovelada no abdômen!

- Muito bem, Laura, é esse o espírito! Graças ao microcomputador portátil, você pode passar o dia ao sol, em vez de trancada no escritório, e daqui a dois minutos vai descer à cabine e atirar-se nos braços de um bonitão! Conhece um bonitão, não conhece?

Damian Skouras.

Laurel enrijeceu-se. Pronunciara em voz alta? Não, Haskell continuava deslizando a sua frente, acionando a câmera sem parar.

Sim, Damian Skouras era bonitão, com aquele corpo másculo e rosto de belos traços, ainda que frios, como que esculpidos em granito. Os olhos exibiam, um tom raro de azul e a boca bem poderia pertencer a uma estátua de mármore, não houvesse se revelado quente, macia e excitante ao tomar a sua.

- Isso mesmo! - O filme acabou e o fotógrafo colocou a câmera sobre a mesa. - Laurel, você foi grande. Sua expressão estava... simplesmente bárbara!

Laurel pousou o microcomputador portátil no chão, levantou-se e vestiu o roupão que deixara numa cadeira.

- Acabamos?

- Acabamos, graças à imagem que surgiu em sua mente, seja qual for! - Haskell riu. - Não vai me contar quem é ele?

Laurel deu um sorriso enigmático.

- Não pensei em ninguém. Apenas imaginei meu jantar desta noite.

- Ah, um bife não provocaria tal expressão numa mulher - replicou o fotógrafo, perspicaz. - Quem é o sortudo, e por que não sou eu?

- Talvez a srta. Bennett esteja dizendo a verdade - declarou uma terceira voz, masculina.

Laurel voltou-se. Banhada pela luz dos holofotes, não distinguia nada nos cantos obscuros do estúdio.

- AfInal, já passou muito da hora do almoço - completou o recém -chegado.

Laurel sentiu o coração se descompassar. Não, não podia ser ele...

Damian Skouras saiu das sombras como se emergisse de um nevoeiro.

- Olá, srta. Bennett...

Por alguns segundos, Laurel, ficou sem reação diante do homem a quem esperara jamais rever. Então, apertou o roupão fechado junto ao corpo.

- Isso não teve graça, sr Skouras.

- É ótimo ouvir isso, srta. Bennett, considerando que a comédia não é o meu forte.

O fotógrafo Haskell parecia contrariado.

- Laurel, você conhece esse sujeito? Quero dizer, combinou encontrar-se com ele aqui?

- Não, eu não conheço este senhor - declarou ela, gélida. Damian sorriu malévolo.

- É claro que ela me conhece. Chamou-me pelo nome, não ouviu?

- Não conheço este senhor e com certeza não combinei encontrar-me com ele aqui - teimou Laurel.

O fotógrafo avançou um passo na direção de Damian.

- Ouviu a moça, companheiro. Isto aqui não é um local público. Se quiser contratar meus serviços, fale com meu agente.

Damian não se intimidou.

- Tenho todo o direito de estar aqui. Sou o dono da Redwood Computers e desta campanha publicitária, portanto. Pode telefonar para a agência e confirmar.

O fotógrafo espantou-se.

- Você é aquele Skouras?! Laurel mostrava-se cética.

- Não seja bobo, Haskell. O fato de ele se apresentar como dono da Redwood não significa que seja verdade.

- Ele é, sim - murmurou Haskell. - Li no jornal. Ele comprou a empresa.

Laurel ergueu o queixo.

- Que seja, sr. Skouras. Isso não lhe dá o direito de invadir este estúdio como se lhe pertencesse, também.

Damian sorriu apaziguador.

- Peço desculpas a ambos. É que soube que haveria uma sessão de fotos para a minha campanha aqui hoje e resolvi passar para ver.

Laurel olhou-o com desprezo.

- Acontece que a sessão já acabou. Se não se importa... Damian segurou-a pelo braço quando ela tentou passar por ele. - Que tal almoçarmos?

- Não.

- Ora, vamos, srta. Bennett. Está um lindo dia lá fora.

- Estava, até que o senhor apareceu.

O fotógrafo pigarreou.

- Bem, se me dão licença, tenho outro compromisso. Laurel afligiu-se.

- Haskell, espere...

Mas ele se foi, e os dois ficaram sozinhos no estúdio.

- Por que tem que tornar tudo tão difícil? - questionou Damian.

- Não estou, tornando nada difícil. - Laurel olhou para o pulso, que ele ainda segurava com firmeza. - Solte-me, por favor.

Damian também pareceu espantar-se com a própria atitude.

Desde que conhecera aquela mulher, mal se reconhecia. Havia muito não se valia da força física para nada, desde que trocara os trabalhos temporários no Brooklyn por um apartamento de cobertura na Park A venue.

Não era homem de perseguir uma mulher obsessivamente, tammpouco. Por que o faria, tendo à disposição tantas beldades dispuutando sua atenção?

Eis o que lhe aguçava o interesse por Laurel Bennett. Ela demonstrava, ou fingia, desinteresse por ele, mas não o enganava, havendo correspondido tão febrilmente a seu beijo. De qualquer forma, a cura era a mesma. Uma noite na cama com ele. Após satisfazer a mais primitiva das necessidades, esqueceria aquela mulher de uma vez por todas.

Mas era preciso manter-se civilizado.

Damian soltou o pulso de Laurel e respirou fundo.

- Srta. Bennett... Laurel, sei que começamos mal, mas...

- Errado. Não começamos absolutamente nada. O senhor continua com seu joguinho de gato e rato, mas, no que se refere a mim, nem sequer nos conhecemos.

- Bem, podemos dar um jeito nisso. Vamos jantar juntos esta noite.

- Já tenho um compromisso.

- Amanhã, então.

- Também já tenho compromisso. Aliás, estou com, todas as noites comprometidas, até o fim da vida. - Ante o riso de Damian, Laurel indignou-se: - Eu disse algo engraçado, sr. Skouras?

- Damian. Eu só estava imaginando qual, de nós dois está fingindo o quê.

Ela ficou rubra de raiva.

- Mas o senhor só pode ter um ego gigantesco mesmo! Acha que estou participando do seu jogo? Que estou me fazendo de difícil?

Ele recostou-se na mesa de trabalho do fotógrafo, o paletó aberto e as mãos nos bolsos da calça.

- Eu acho.

- Escute aqui, sr. Skouras...

- Damian.

- Sr Skouras. - Laurel estreitou o olhar. - Vou ser bem simples e direta, de modo que compreenda: primeiro, não gosto do senhor. Segundo, não gosto do senhor. E, terceiro, não quero almoçar, nem jantar, com o senhor.

- Já tem pretendentes demais?

Laurel cogitou apagar aquele sorriso arrogante do rosto dele com um tapa sonoro.

- Isso mesmo. Eu os encaixo no café da manhã, no almoço, no jantar e até no chá das cinco. Como vê, é impossível encaixar o senhor também em minha agenda.

Damian divertia-se abertamente agora, os olhos azuis cintilantes, e Laurel quis golpeá-lo bem no meio do peito...

Além de atirar os braços em torno de seu pescoço e beijá-lo até que ele a erguesse nos braços e levasse para um canto escuro do estúdio...

Seus olhos se encontraram. Ele sabia no que ela estava pensando.

- Laurel?

Ela o fitou muito séria por alguns instantes.

- Não.

Com isso, deu-lhe as costas e correu para o vestiário, com medo não de Damian, mas de si mesma. Recostada contra a porta fechada, sentia o coração pular no peito.

 

No estúdio, Damian olhava fixamente para a porta cerrada do vestiário, sentindo o corpo todo rígido, o sangue percorrendo febrilmente as artérias.

Provocara Laurel ao ponto de enfurecê-Ia, mas então, de repente, tudo mudara. Foi como se ela descobrisse algo, chocada, e se acautelasse. A expressão em seu belo rosto a denunciara, e ele compreendera de imediato.

Ela fugira não dele, mas de si mesma. A ele, bastaria abrir aquela porta e tomá-Ia nos braços. Um toque, e ela se desmancharia toda.

Ele a possuiria e se veria livre daquela insanidade.

Inspirou ofegante. Laurel Bennett era uma mulher interessante, e não só devido ao fogo que crepitava por trás de seu comportamento frio. Outros detalhes intrigavam-no, fascinavam-no, a exemplo de sua participação naquilo que se tornava um jogo complexo, além de sua determinação em negar a atração óbvia que os atormentava. Ela era um enigma. Um desafio.

Havia muito não encarava desafios. Era o preço que pagava pelo sucesso.

De repente, a idéia de ter apenas uma noite de paixão com Laurel Bennett não lhe parecia satisfatória. Gostaria de divertir-se com ela por mais tempo. E tinha a impressão de que ela não quereria nem pediria mais nada, como a interesseira Gabriella.

As feministas talvez o crucificassem como chauvinista, mas na verdade apenas fazia uma avaliação inteligente de uma mulher. Laurel Bennett era sofisticada, liberada, já tivera muitos amantes. Um caso breve e intenso satisfaria a ambos.

Estava decidido, então. Teria Laurel Bennett, mas não apenas uma vez, num canto escuro qualquer.

Passou a mão nos cabelos, endireitou a gravata e saiu à rua.

 

Com amplos cômodos arejados e ensolarados, o apartamento de Laurel ocupava todo o andar superior de um belo sobrado muito bem localizado, no alto da zona leste de Manhattan.

Por tratar-se de construção antiga, porém, o encanamento às vezes apresentava problemas e os inquilinos tinham de se apressar a resolvê-Ios, pois se fossem esperar que o proprietário, tão velho quanto a casa, tomasse providências...

Por sorte, Laurel podia contar com a ajuda do vizinho Grey Morgan, o galã de telenovelas que antes da fama fora aprendiz de encanador no Brooklyn, de cuja esposa, a bailarina Susie, tornara-se amiga.

- Desculpe-me por estar demorando - pediu Grey, dentro da banheira de Laurel, girando uma chave inglesa em torno de um registro. - Acho que agora descobri o que é.

- Ora, eu é que tenho de agradecer por você estar se dando ao trabalho - replicou Laurel, acomodada sobre o assento baixado do vaso sanitário, com uma braçada de ferramentas no colo.

O ator lançou para trás os cabelos loiros e sorriu-lhe.

- Susie não permitiria que fosse de outro modo - comentou. - Ela acha que devo executar estas tarefas para me manter humilde.

- Sábia Susie! - apoiou Laurel.

Não que Grey fosse arrogante. Ao contrário, era muito camarada. O sucesso não lhe subira à cabeça, conforme acontecia com alguns homens. Um pouco de fama e fortuna e no que se transformavam?

Em indivíduos como Damian Skouras. Ou Kirk Soames. Bolas, por que só atraía aqueles tipos fúteis e egoístas?

Evidentemente, nem sempre fora tão perspicaz. Tendo conquistado sozinha seu espaço no mundo, logo descobrira que muitos homens intimidavam-se com sua fama, com sua independência e até com sua beleza. Como poderia não ter-se impressionado com a segurança demonstrada pelo poderoso, rico e bonito Kirk? Quando ele a convidou para morarem juntos, já estava totalmente apaixonada.

A irmã Annie logo a advertira:

- Morar juntos?! Por que ele não a pede em casamento?

- Por cautela - justificara, em defesa do amante. - Ele considera o casamento um passo muito sério.

- Claro que é - concordara Annie. - Mas se ele a ama e você o ama...

- Annie, tenho trinta e dois anos e posso muito bem ir morar com um homem sem que o mundo se acabe por causa disso. Não quero me precipitar, tampouco.

Annie não se deixara enganar. Sabia que ela teria se casado num estalar de dedos, se o amante houvesse proposto.

Certa de que Kirk a pediria em casamento, no devido tempo, mudara-se para a mansão dele em Long Island, a cinqüenta quiilômetros de Manhattan. Ele insistira em que ela mantivesse o apartamento, para usar como pousada sempre que fosse à cidade para sessões de fotos e desfiles, oferecendo-se até para pagar o aluguel, o que ela recusara.

- Como explica que um milionário como ele não tenha um apartamento na cidade? - questionara Annie, implacável.

- Ele prefere a paz e quietude da casa em Long Island explicara, não muito convicta.

Ficara sabendo, por acaso, que Kirk tinha um apartamento em Manhattan, quando o síndico do prédio telefonara perguntando qual dia, o sr. Soames achava mais conveniente para se executar uma pequena reforma no terraço.

Confusa, crente em que tratava-se de algum mal-entendido ou de uma surpresa de Kirk para ela, fora até o endereço fornecido e convencera o porteiro a deixá-Ia entrar sem anunciá-Ia. No vigésimo andar, respirara fundo antes de tocar a campainha.

O próprio Kirk abrira a porta, de roupão branco, espantando-se ao vê-Ia.

- O que está fazendo aqui, Laurel?

Antes que ela pudesse responder, uma voz feminina o chamou lá do fundo:

- Kirk, quem está aí, amor?

E surgiu uma loira de roupão creme, corada após uma longa tarde de amor,

Laurel não dissera uma palavra. Nem sequer voltara a Long Island para pegar seus pertences. Somente meses depois, superada a dor da traição, conseguira analisar o caso com frieza, imaginando como pudera sentir-se atraída por um homem como Kirk Soames, para começar.

Considerara-o seguro quando na verdade era arrogante, determinado quando era de fato um egoísta. Ela, que sempre se orgulhara de seu autocontrole, deixara-se envolver pela atração física, e nem sob esse aspecto o relacionamento fora satisfatório. Nunca sucumbira à paixão nos braços de Kirk.

Já o beijo de Damian provocara-lhe paixão. Na forma de um fogo devastador, enchera-a de um desejo tão doce que ameaçara destruí-la.

Mas Damian Skouras não era o homem certo, tampouco. Tratava-se de uma cópia de Kirk, tão bem acompanhado de loiras como ele!

- Pode me passar a chave de fenda, Laurel? - pediu Grey, completando o reparo. - Não a Phillips. Essa outra...

Laurel bateu a ferramenta com força na mão do galã-encanador.

- Oh, Grey, me desculpe - pediu, perturbada. - Foi sem querer.

O vizinho sorriu.

- Tudo bem. - Devolveu-lhe a ferramenta e pôs um pé fora da banheira. - Vamos testar?

- Cuidado com essa poça de água...

Tarde demais: Grey escorregou na banheira molhada e agarrou-se ao apoio mais próximo, o registro do chuveiro. A água gelada jorrou forte para todos os lados, ensopando a ambos num instante.

- Droga! - exclamou Grey, esquivando-se do jato. - Bem, pelo menos está funcionando.

Laurel ria, enxugando o rosto com uma toalha.

- Susie vai pensar que tentei afogar você!

O vizinho saiu da banheira, ao mesmo tempo que despia a camiseta molhada por sobre a cabeça. Quase escorregou de novo ao pisar nos ladrilhos antigos.

- Seria bom um encanador profissional dar uma olhada nessa válvula - avisou. - Talvez tenha de substituí-Ia por uma nova.

- Vou falar com o velho Grissom amanhã logo cedo - retrucou Laurel, referindo-se ao dono da casa. -Lamento que tenha se molhado.

- Não foi nada. - Grey apoiou o braço nos ombros ele Laurel e ambos seguiram pelo corredor até a porta. Já no corredor, sugeriu: - É como se tivéssemos participado daquela campanha:

"Poupe água, tome banho com um amigo"...

Uma fria voz masculina retrucou:

- Louvável.

Era Damian Skouras, de terno escuro, camisa branca, gravata de seda vermelha e expressão muito séria.

Laurel engoliu em seco. Estivera tentando se enganar. Aquele homem não era cópia de nenhum outro. Kirk era atraente, mas Damian era lindo de morrer.

Mas não fora convidado. E não era bem-vindo. Desencostando-se do batente, enfrentou-o com igual seriedade.

- O que faz aqui?

Damian ignorou a pergunta. Estava ocupado demais tentando adivinhar o que se passava ali, entre Laurel e aquele sujeito.

Ela estava de camiseta molhada, colada ao corpo como uma segunda pele, os seios bem delineados e protuberantes. De seu short jeans gotejava água, bem como de seus cabelos. Para completar, estava descalça e seu rosto brilhava, livre de maquiagem.

Estava mais linda do que nunca.

Damian concentrou-se então no homem ao lado dela, ou melhor, meio à frente agora, como se disposto a defendê-Ia a qualquer custo. Sem camisa, ele exibia músculos bem exercitados e as mulheres deviam achar seu rosto bonito. A calça jeans molhada grudava-se a seus quadris, destacando-lhe a parte viril do corpo.

Era como se Laurel e aquele aspirante a galã acabassem de chegar debaixo de chuva.

Só que não chovia havia dias.

''Poupe água, tome banho com um amigo", dissera o sujeito, brincando. Ora, casais não tomavam banho vestidos, nem saíam da cama com as roupas molhadas, mas tais conclusões lógicas não o tranqüilizavam.

Aparecer de surpresa parecera-lhe uma grande idéia, Para conquistar uma mulher como Laurel, nada como uma limusine à espera com champanhe gelada no bar embutido e rosas vermelhas de cabo longo em vaso de cristal, pronta para levá-Ios à mesa reservada de um novo restaurante com uma vista espetacular da cidade.

Ao procurar o endereço dela na lista telefônica, não lhe ocorrera que ela podia não morar sozinha.

- Conhece esse homem, Laurel? - indagou Grey.

- É claro que ela me conhece! - replicou Damian, ríspido.

Meio relutante, Laurel confirmou:

- Conheço, mas não o convidei. Grey cruzou os braços.

- Ela o conhece, mas não o convidou. Damian sorriu pacífico.

- Eu entendi o que ela disse, senhor...

- Morgan. Grey Morgan.

Laurel resolveu encurtar a cena:

- Nesse caso, vai entender minha próxima frase: Vá embora.

- Vá embora - repetiu Grey, hostil.

Apreciando os músculos do antagonista, Damian desejou exercitar-se também. Em sua rotina de executivo, priorizava o intelecto, esquecendo-se do lado físico.

Laurel quase sentia o cheiro de testosterona no ar. Sem camisa, de calça jeans apertada, o vizinho era todo músculos, enquanto Damian mostrava-se o epítome da urbanidade em seu caro terno escuro, mas não tinha dúvida de quem sairia vencedor, caso a disputa descesse àquele nível primitivo.

O arrogante e egoísta Damian Skouras estava acostumado a ter o mundo a seus pés, mas agora mais parecia uma cobra, pronto para revidar qualquer ataque. Céus, como se livraria dele?

- Laurel o mandou ir embora - reiterou Grey, impaciente.

- Você é quem? - desafiou Damian. - O tradutor dela'?

- Escute aqui, companheiro, Laurel e eu somos...

- Somos muito íntimos - completou Laurel, enganchando o braço no do vizinho, que a olhou confuso. - Não é mesmo, querido; Grey levou só um segundo para entender e continuar:

- Sim, somos muito íntimos.

Damian ergueu as sobrancelhas. Talvez precisasse mesmo de um tradutor. Acontecia algo significativo ali, mas não conseguia determinar o quê. A sensação era a mesma que experimentava em reuniões de negócios em Tóquio. Todos falavam um pouco, de inglês, ele mesmo sabia um pouco de japonês, mas às vezes uma palavra ou frase parecia não fazer sentido.

Laurel o encarava vitoriosa.

- Sendo assim, sr. Skouras, se não se importa, gostaríamos...

- George? - chamou uma voz feminina, subindo pela escadaria. - Está aí, querido? - Uma bela morena juntou-se a eles. - Oi, Laurel, ainda está precisando do meu marido?

Damian ergueu as sobrancelhas de novo, olhando para Laurel.

Ela enrubesceu e soltou o braço do vizinho.

- Oi, Suze. Não, não estou mais precisando dele.

- Ótimo! - retrucou a amiga. - Ele fez um bom trabalho?

Laurel ficou ainda mais vermelha.

- Muito bom.

A morena sorriu para o marido.

- Viu, George? Se sua popularidade for por água abaixo, você pode voltar a desentupir privadas.

Laurel engoliu em seco e esclareceu:

- Ele consertou o meu chuveiro. Damian permanecia impassível.

- Entendo.

O vizinho começou a explicar a situação à esposa:

- Suze, Laurel está com um probleminha aqui.

- Não, está tudo bem - cortou Laurel, pensando em liberar o casal amigo. - O sr. Skouras já estava de saída, não é mesmo? - Sim, estava - confirmou Damian.

- Como vêem...

- Assim que você trocar de roupa - interpôs Damian. Cruzando os braços, apreciou-a dos pés à cabeça. - Essa que está usando é interessante, mas seria bom ao menos calçar sapatos, pois nunca se sabe o que pode haver nas ruas de Nova York.

Estupefata, Laurel ergueu o queixo, protestando:

- Não pretendo ir a lugar algum com o senhor!

- Mas reservei nossa mesa para as oito - replicou Damian, fazendo-se de desentendido.

Laurel mostrou-se confusa.

- Mas para quê?

- Para jantarmos. - Damian olhou para Susie e viu que tinha uma aliada. - Eu devia estar ofendido por ela ter-se esquecido do nosso compromisso, mas sei que teve um dia cheio posando para a campanha da Redwood.

Grey arregalou os olhos.

- Fala da Redwood dos microcomputadores portáteis? Damian deu de ombros, modesto.

- Essa mesmo. Acabo de comprá-Ia e estou muito contente por ter Laurel na campanha publicitária.

Susie estava boquiaberta,

- Claro! Skouras. Damian Skouras. Vi sua foto numa revista... Grey estendeu a mão.

- Muito prazer, sr. Skouras! Minha esposa e eu acabamos de comprar um lote de suas ações.

Damian apertou a mão do galã de novelas.

- É mesmo? Fico satisfeito em saber.

"Não acredito", lamentou-se Laurel. Seria uma conspiração? Primeiro, a irmã Annie e a sobrinha Dawn, agora, Grey e Susie... - Mas que sorte a de Laurel, ser escolhida para anunciar o seu produto! - comentou a vizinha, insinuante.

- Não foi bem assim... - protestou Laurel.

- A agência de publicidade a escolheu - cortou Damian. - Com a minha aprovação, é claro.

- Lógico - concordou Susie.

- Imagine minha surpresa quando nos encontramos no casamento de meu sobrinho, ontem - prosseguiu ele, enredando Laurel cada vez mais. - Foram horas agradabilíssimas, não foram, Laurel? E combinamos jantar juntos esta noite. Para tratar de negócios é claro.

- Claro - colaborava Susie, olhando para Damian e Laurel como se fossem um pacote completo.

Laurel conteve o impulso de agarrar a amiga pelo pescoço.

- Não gostariam de juntar-se a nós? - convidou Damian. Há espaço para todos na limusine.

- Na limusine?! - Susie conseguiu conter-se. - Não, vocês não precisam de um casal casado como nós para segurar vela.

Laurel emitia faíscas pelos olhos.

- Susie; não é nada do que está pensando...

- Eu sei, vão tratar de negócios - completou a vizinha. Não foi o que disse, Damian?

A cobra chamada Damian sorriu.

- Exatamente.

- Mas ainda vamos jantar juntos, quem sabe em nosso apartamento - declarou Susie. - Conheço uma receita de estrogonofe... o que me faz lembrar, Grey, se não formos logo, nosso jantar vai se queimar...

O vizinho olhou uma última vez para Laurel.

- Tudo em ordem, então?

Ela moveu o queixo duro. De que adiantaria arrastar espectadores inocentes para a linha de fogo? Tratava-se de uma guerra particular, entre ela e Damian.

- Tudo em ordem, Grey - afirmou, dispensando-o. - Obrigada por consertar o chuveiro.

- Sempre que precisar, é só chamar. - O rapaz estendeu a mão a Damian. - Foi um prazer conhecê-lo.

- Igualmente - respondeu Damian, cortês.

Susie não resistiu à tentação de sussurrar a Laurel atrás das costas largas do marido:

- E não me contou nada, hein! Ele é lindo de morrer!

Damian Skouras era um rato, pensou Laurel, mas mordeu a língua.

 

O restaurante escolhido por Damian era soberbo: Apresentava iluminação suave, mesas bem distanciadas umas das outras e uma vista magnífica. O serviço era impecável, a carta de vinhos, impressionante, e todas as sugestões no menu pareciam deliciosas:

Mas Laurel ainda não provara nada.

Ao vê-Ia ignorar o menu, Damian simplesmente pedira para ambos. Caviar Beluga, salada verde, pato assado coberto com cerejas Montmorency e conhaque e, para um grand finale, suflê de chocolate decorado com um creme de leite que parecia leve como o ar.

Nem o garçom, nem Damian notavam a greve de fome de Laurel. O primeiro servia e recolhia os pratos, o segundo saboreava as iguarias fazendo comentários agradáveis aos quais ela não respondia.

- Café? - indagou Damian, enquanto se deliciava com a sobremesa. - Ou prefere chá?

Ate prisioneiros em greve de fome tomavam líquidos. Laurel encarou seu algoz por sobre a mesa.

- O que vai tomar?

- Café puro, bem forte.

Era exatamente o que ela costumava tomar após as refeições.

Suspirou.

- Nesse caso, vou querer chá.

Damian riu, e o garçom foi buscar as bebidas quentes.

- Há algo que eu possa fazer para que você se sinta menos inclinada a me insultar?

- Você faria, se houvesse?

- Por que tenho a sensação de que sua resposta seria letal?

Laurel adotou uma expressão malévola.

- Acertou em cheio!

Damian suspirou e balançou a cabeça, mas seus olhos cintilaavam de divertimento.

- Damas não devem se expressar assim.

- Uma vez que você não é um cavalheiro, por que eu me expressaria como uma dama? Como se não bastasse toda a diversão que lhe proporcionei hoje, primeiro com Haskell, depois com Grey e Susie e, agora, bancando a boba da corte enquanto o rei janta.

Damian esperou que o garçom servisse o chá e o café e se fosse.

- É assIm que pensa? Que eu a trouxe aqui para me divertir!

- Você gosta de ver as pessoas dançando conforme a sua música.

Damian pôs de lado o prato de sobremesa e posicionou bem a sua frente o pires com a xícara de café.

- Não foi por isso que a convidei para jantar esta noite. .

- Convidar?! Coagir, você quer dizer,

- Minha intenção era convidá-Ia com toda a educação, Laurel, mas quando a vi com aquele lá! de Grey, ele sem camisa... bem, tive de escolher entre pedir-lhe desculpas pelo ocorrido no estúdio no início da tarde e convidá-Ia para jantar ...

- A resposta teria sido "não".

- E dar um soco no queixo daquele sujeito, colocá-Ia por sobre meu ombro e levá-Ia embora.

Laurel empalideceu de indignação.

- Isso... não teve graça nenhuma!

- Eu não quis fazer graça. - Damian tocou a mão dela na mesa. - Aconteceu algo entre nós ontem.

- Não sei do que está...

Ele apertou os dedos em torno dos dela, impedindo-a de se libertar.

- Não minta! Não para mim. Nem para si mesma. - Seus olhos brilharam predatórios. - Sabe muito bem do que estou falando. Eu a beijei, e você correspondeu.

Seus olhares se encontraram, e Laurel soube que de nada adiantaria mentir. Por sorte, aprendera alguns truques durante tantos anos diante das câmeras.

- E daí? - questionou, friamente. - Você me pegou de surpresa. O que mais deseja, Damian? Que eu admita que você beija bem? É lógico que já sabe disso, ou será que sua amiga loira não elogiou o bastante para satisfazer seu ego?

- É esse o problema? Gabriella? - Ele fez um gesto impaciente. - Já terminei tudo com ela.

- Quer dizer que ela não gosta de ver o amante flertando com outra mulher? - Laurel conseguiu livrar a mão. - Ela não é tão idiota quanto parece.

- Rompi com ela ontem à noite. Laurel ergueu a sobrancelha.

- Só porque...

- Estava acabado há muito tempo, eu é que demorei a perceber. - Damian sorriu satisfeito. - Não me ocorreu que você sentiria ciúme.

- Ciúme?! De você com aquela mulher? Seu ego não é grande, é gigantesco! Nunca vi coisa igual...

- Vamos nos conhecer melhor, então.

- Para quê? Não quero me envolver com você.

- Não estou pedindo você em casamento - esclareceu ele, ríspido. - Somos adultos. E aconteceu algo no instante em que nos vimos.

Laurel voltou os olhos para o teto.

- Só falta você dizer que nunca lhe aconteceu algo parecido na vida.

Laurel colocou o guardanapo sobre a mesa, pronta para ir embora. Estava farta das cantadas pretensiosas de Damian Skouras.

Ele a segurou pelo pulso.

- Laurel...

Ela o fitou no belo rosto másculo em que os ossos destacavam-se tensos. Seus olhos pareciam negros de tão obscuros.

- Venha comigo para a cama. Vamos fazer amor até que nenhum de nós consiga pensar direito.

Laurel enrubesceu.

- Solte-me - murmurou.

- Sonhei com você a noite passada - prosseguiu ele, ainda retendo-a. - No sonho, beijei sua boca macia até que ficasse inchada e acariciei seus seios com a língua até que gemesse de prazer. E a penetrava bem fundo, enquanto você gritava meu nome.

Com as pernas fracas, Laurel ouvia a própria pulsação retumbando em seus ouvidos.

- Foi o que eu quis, o que nós dois quisemos, no instante em que nos vimos. Por que insiste em negar?

Aquelas palavras diretas, o calor nos olhos dele, a lembrança do que sentira em seus braços fortes, tudo contribuía para que Laurel capitulasse.

Tudo o que Damian dizia era verdade. Não podia mais negar.

Não gostava dele. Ele representava tudo o que ela mais desprezava, não obstante, desejava-o, como nunca desejara nenhum homem, com uma intensidade que a aterrorizava.

Com a visão embaçada, viu a si mesma deitada sob aquele corpo musculoso, correspondendo a cada beijo, envolvendo-o com as pernas e erguendo os quadris de encontro a suas investidas possessivas.

Desesperada, levantou-se e caminhou apressada à saída do restaurante, mas Damian alcançou-a pouco além da porta, segurando-a com dedos que pareciam de aço.

- Diga que estou errado e farei com o que o chofer a deixe em casa. Nunca mais irei importuná-Ia.

O tempo pareceu parar. Na cálida noite primaveril, fitaram-se longamente, ofegantes, até que Laurel entregou-se aos braços de Damian com uma avidez que já não conseguia disfarçar.

 

Estavam dentro da limusine, isolados do chofer e do mundo, percorrendo velozmente as ruas da cidade imersa na noite. O carro e Damian eram tudo o que existia no universo de Laurel.

Com os braços fortes, ele a mantinha colada a seu corpo rijo, a boca quente e aberta junto à dela, penetrando-a com a língua num ato íntimo tão intenso que a fazia estremecer. Sentia-se frágil e feminina, consumida pela masculinidade dele. O beijo dele exigia rendição total, prometendo, em troca, a realização de suas fantasias mais loucas.

Não haveria desistência. Não naquela noite. Não com ele. Errado, isto é errado. As palavras insinuavam-se em sua mente, mas a mensagem pulsando em seu sangue era muito mais eloqüente: Pare de pensar. Entregue-se às sensações.

E ela se entregou. Sentia a dureza do corpo de Damian. A avidez de seus beijos. O calor de suas mãos ao tocá-Ia. Era tudo tão novo... mas não parecia. Acabavam de se conhecer, mas Damian não era um estranho. Talvez por isso algumas pessoas acreditassem em vidas passadas. Era como se houvesse conhecido Damian em outra vida, ou desde o início dos tempos.

Fechou os olhos quando ele tomou seu rosto nas mãos e o tateou, deslizando-as ao longo de seu pescoço até alcançar os seios. Ele roçou os mamilos com os polegares, ao que ela gritou junto à boca dele.

Damian sussurrou seu nome com voz rouca, depois murmurou palavras em grego, que ela não entendia. Mas não havia dúvida quanto ao fogo que ele deitava em sua pele com a ponta dos dedos, ao sabor de seus beijos e a sua intenção ao pegar-lhe a mão e colocá-Ia junto ao poder e rigidez de sua masculinidade.

- Sim - murmurou Laurel, ofegante.

Com um grunhido baixo, ele levantou-lhe a saia, deslizou a mão ao longo de suas pernas e mergulhou-a no calor que encontrou entre suas coxas.

O choque ante aquela sexualidade crua atravessou o corpo de Laurel como um raio. Com um lamento, ela agarrou-lhe o pulso. O que sentia, o que ele a fazia sentir, era quase insuportável.

- Damian ... Damian, por favor!

- Diga-me o que quer - ordenou ele, severo. - Diga.

Você, pensou ela. Quero você.

Sim, queria-o como nunca quisera um homem, não só com o corpo, mas também com algo mais, algo que não conseguia definir...

A ponto de desvendar o segredo, ela desviou o rosto da boca sedenta de Damian.

- Escute, acho que...

- Não pense - interrompeu. ele. - Não esta noite.

Antes que ela pudesse protestar, ele enterrou os dedos em seus cabelos, tomou-lhe o rosto e beijou-a.

Não estava agindo de maneira civilizada.

Damian sabia disso, mas tomou a boca de Laurel novamente. A mesma necessidade selvagem corria nas veias dela, conforme evidenciava pelos suspiros, pelas carícias, pela resposta faminta a seus beijos. Contudo, ela recuava, temerosa da tempestade de paixão que rugia entre ambos, supunha ele.

Bem, não podia culpá-Ia.

Acontecia algo ali, algo que ele nem tinha a pretensão de compreender. Sabia apenas tratar-se de algo poderoso e elementar demais para se negar. Preferiria parar de respirar a abrir mão daquele momento.

Minutos antes, quanto a tocara intimamente, fazendo-a gritar derrotada, por pouco não lhe arrancara a calcinha, abrira o zíper da calça e penetrara bem fundo nela.

Não se detivera por decoro, nem por juízo. Poderia até iludir-se, mas a verdade era mais simples, e muito mais básica. Detivera-o uma necessidade vital de despi-Ia lentamente, de sorver-lhe a beleza nua com os olhos, as mãos e a boca.

Queria fitá-Ia no rosto ao acariciá-Ia com vagar, ver suas pupilas se dilatarem ante o prazer, tocá-Ia a provocá-Ia até que ansiasse por ser possuída. Queria-a na cama, em sua cama, nua em seus braços, com a pele ardente, rumo a um clímax que se revelaria o mais espetacular que ambos já haviam experimentado. A intensidade de seu desejo era alarmante, mas não ligava a mínima.

Não agora, com o corpo todo rígido e fervente. Queria Laurel mais do que jamais quisera algo, ou alguém, no mundo.

No restaurante, ela o acusara de não ser um cavalheiro, mas ele nunca fora mesmo. Agora, tendo o rosto dela em suas mãos, fitando-a nos olhos, descobria que preferiria enfrentar o fogo do inferno a fingir-se um cavalheiro.

Damian morava na Quinta Avenida, num apartamento duplex de cobertura servido por elevador privativo. Isolado, parecendo inatingível, a sensação era de se estar num castelo de conto de fadas.

Quando as portas do elevador se fecharam, viram-se a sós no saguão fracamente iluminado. A noite estava tão silenciosa que Laurel podia ouvir as batidas do próprio coração.

Ainda havia tempo. Ela poderia dizer: "Foi um equívoco", e exigir que a levasse para casa. Damian não apreciaria, mas e daí? Simplesmente não era o tipo de mulher que ia para a cama com um homem que conhecera menos de vinte e quatro horas antes.

Ele apoiou as mãos em seus ombros e fez com que se voltasse.

O que viu refletido nos olhos dele eliminou todo pensamento lógico de sua mente.

- Laurel...

Era o bastante para que ela se entregasse aos braços dele. Ele a beijou impetuoso, erguendo-a de encontro a si, as mãos apertando-lhe os quadris de encontro a sua ereção. E provocava-lhe a boca entreaberta. Mordiscou-lhe o lábio inferior e então tratou o pequeno ferimento com a língua, até que ela, trêmula, Se agarrasse a sua lapela.

- Diga-me o que quer agora - ordenou ele, num sussurro selvagem.

A resposta estava nos olhos dela, mas ela deu-lhe voz:

- Você ... Você, você, você...

Damian beijou-a, o coração descompassado ante o triunfo, e levou-a no colo escadaria acima.

O quarto de Damian era enorme. A cama, banhada pelo luar, ficava junto a uma parede de vidro além da qual a metrópole cintilava na noite.

Sem pressa, ele colocou Laurel de pé no chão. Por alguns instantes, não a tocou. Então, ergueu a mão e acariciou-lhe o rosto. Ela fechou os olhos, entregue à sensação.

Ele passou a mão nos cabelos dela, ainda presos.

- Solte-os - pediu, brando.

Laurel abriu os olhos e levou as mãos ao penteado já meio desfeito. Gostaria de ver o rosto de Damian enquanto soltava os grampos restantes, mas ele se mantinha mis sombras. A massa de cabelos derramou-se em seus ombros.

- Lindos... - admirou ele, dando um passo à frente. Damian pegou um dos brilhantes cachos avermelhados e levou-o aos lábios. Foi como roçar seda nos lábios, e a fragrância lembrava um jardim após uma chuva de primavera. Soltou-o.

- Agora, os brincos...

Laurel ocupou-se das pequenas contas de cristal em fio dourado que pendiam de suas orelhas. Parecia confusa, como se houvesse esperado algo diferente, um mergulho nas chamas da paixão, mas não era, em absoluto, o que ele tinha em mente. Seu autocontrole estava por um fio: Não podia tocá-la agora. Se o fizesse, tudo estaria acabado antes de começar, e não queria isso.

Não haveria pressa. Não com ela. Não naquela noite. Damian estendeu a mão e Laurel entregou-lhe os brincos. Ela levou as mãos aos botões prateados da jaqueta de seda, e ele assentiu. Dali a segundos, a peça caía ao chão.

- É só - determinou ele, em seguida, segurando-lhe os pulsos.

- Eu cuido do resto.

Ela sentiu a urgência na voz dele, o ligeiro tom de comando.

Seus olhos azuis fulguravam, uma paixão sombria dominava-lhe o semblante, provocando nela uma pulsação errática.

Mas ele se mostrou gentil ao despi-Ia, tão vagarosamente que ela pensou que morreria de prazer. Primeiro, a blusa, depois, a saia, a combinação, o sutiã, até que se viu diante dele só de sandálias de salto alto, meias, meia-liga e calcinha de renda branca.

Sem fôlego, Damian deu um passo atrás para apreciá-Ia. Sentindo que enrubescia, ela quis levar os braços cruzados aos seios, mas ele a impediu:

- Não se esconda de mim! Laurel, matya mou, como você é linda...

Laurel não compreendia aquelas palavras estranhas, mas queria dizer a Damian que, não importava o que ele pensasse, aquela era sua primeira noite, que nunca se entregara a nenhum homem dessa maneira, nunca desejara nenhum homem dessa maneira.

Queria dizer mil coisas, mas só conseguiu murmurar o nome dele.

Damian tomou-a nos braços, beijou-a e levou-a para a cama. Após abrir os fechos da meia-liga, baixou-lhe as meias e jogou-as no chão. Então, beijou-lhe os pés e sugou-lhe os dedos. Ajoelhando-se a seu lado, ocupou-se da cinta-liga. Suas mãos tremiam, o que era estranho, pois já vivera aquela cena centenas de vezes: levar uma mulher para a cama e despi-Ia. No entanto, ao ver Laurel nua diante de seus olhos, sentiu o coração bater descompassado.

Segurando-a pelos ombros, ergueu-a de encontro a si e beijou-a na boca, ao mesmo tempo que ela lhe agarrava o paletó. A tensão crescia dentro dela, ameaçando o pouco controle que lhe restava. Sabia que estava na hora de parar de tocá-Ia. Precisava livrar-se das próprias roupas e sentir-se dentro daquela mulher, sob pena de se humilhar como um garoto inexperiente, mas não conseguia.

Nada o impediria de descobrir o sabor da pele de Laurel. Beijou-lhe os seios, sorvendo os mamilos enrijecidos. Ela gritou seu nome e arqueou o corpo de encontro ao dele, numa excitação contagiante. Deslizou a mão sobre o quadril arredondado, os dedos roçando os pêlos macios que formavam um triângulo entre as coxas macias, sentindo a tensão no próprio abdômen aumentar.

- Laurel, olhe para mim.

Ela abriu os olhos, as íris azuis quase tomadas pelas pupilas negras. Ofegante, ela exibia o rosto e os seios tingidos com o vermelho da paixão.

Ele lhe fizera isso, gabou-se Damian, proporcionara-lhe aquele prazer. Com os olhos fixos nos dela, baixou ainda mais a mão e tocou-a, ao que ela emitiu um gritinho selvagem.

Damian abandonou-a na cama e começou a tirar a roupa. Suas mãos tremiam, como se estivesse para entrar num mundo desconhecido, sem saber se encontraria a alegria indescritível ou o desespero enlouquecedor. Mas não ligava a mínima.

Só o que importava era aquele momento, aquela mulher. Laurel. Belíssima Laurel...

Nu, ele se ajoelhou na cama. Ela o contemplou, pálida agora, exceto pelas bochechas rosadas. A urgência dentro dele pareceu se aplacar. Por alguns instantes, quase acreditou que bastaria tê-Ia nos braços e beijá-Ia a noite toda, sentindo o coração feminino palpitante junto ao seu.

Mas quando ela sussurrou seu nome e abriu os braços chamando-o, ele soube que precisaria de mais. Precisaria penetrá-Ia, possuí-Ia, como os homens faziam desde o início dos tempos.

- Laurel...

Quando seus olhos se encontraram, ele desistiu de raciocinar, separou-lhe as coxas e mergulhou fundo em seu calor.

 

Laurel levantou-se da cama com todo o cuidado.

Damian dormia profundamente, a julgar por sua respiração tranqüila, regular.

Suas roupas estavam espalhadas pelo chão. Ao recolher as peças uma a uma, silenciosamente, imaginou como ele a despira, como ela lhe permitira despi-Ia, como ela desejara que ele a despisse.

Sentiu o estômago embrulhado, de repente.

Deixou o quarto e percorreu o apartamento em penumbra. Não queria acender as luzes, arriscando-se a acordar Damian.

O que foi que fizera?

Sexo, respondeu a si mesma, fria. Uma aventura, do tipo que as outras mulheres viviam se gabando, ao mesmo tempo maliciosas e desdenhosas. Sim, tivera uma noite de loucura nos braços de um homem que certamente sabia como arranjar companhia feminina.

Suas mãos tremiam ao fechar o zíper da saia.

Violara todos os preceitos morais sob os quais sempre vivera.

Humilhara-se.

Deixou escapar um lamento. Transformara-se numa outra mulher, e a idéia de que tal mulher existia dentro de seu ser a perseguiria para sempre.

As coisas que fizera naquela noite, as coisas que deixara Damian fazer...

O que lhe acontecera? Bastara vê-Io ajoelhado entre suas coxas para entregar-se. Afinal, tratava-se de um espécime masculino perfeito, magnífico, com aqueles ombros largos reluzentes, aqueles cabelos escuros em torno do rosto. O brinquinho de ouro na orelha era o único adorno que um homem precisava.

Então, quando ele a penetrara... Estendera o corpo para recebê-Io, para contê-Io. E ele investira contra ela, vezes sem conta, até fazê-Ia gritar e estilhaçar-se em milhões de pedacinhos.

- Damian... Oh, Damian... - murmurara ela.

- Eu sei - confortara ele, os lábios sobre os dela.

Ele começou a se mexer de novo, e ela o sentiu ainda lá dentro, fundo. As chamas encorparam-se mais lentamente da segunda vez, não porque ela o desejara menos, mas porque ele quisera assim, recuando para depois avançar, preenchendo-a, elevando-a cada vez mais, até que ela se viu, de novo, percorrendo um céu noturno como um cometa, para só então voltar à Terra.

Conhecera o paraíso, imaginara, imobilizada entre os braços de Damian. Ele sussurrou-lhe palavras doces ao ouvido, fazendo-a corar, beijou-a na testa e na boca, abraçando-a com força, até que ela mergulhou num sono sem sonhos.

Horas depois, um som, uma brisa leve entrando pela janela, despertou-a. Por um segundo, sentira-se confusa. Aquele não era seu quarto...

Então, lembrou-se. Estava nos braços de Damian, na cama dele, com o cheiro dele por toda a pele. De repente, sob os primeiros raios do sol na madrugada, enxergava a noite conforme fora realmente.

Barata. Espalhafatosa. Feia.

Que paraíso, qual nada! Uma aventura de uma noite. Fora para a cama com um estranho, e fizera com ele coisas que jamais... sentira coisas que jamais ...

- Laurel?

Ela engoliu em seco e voltou-se. Damian estava à porta do quarto, banhado pela luz dourada de um abajur. Nu sem o menor pudor. Parecia uma estátua grega que criara vida, cinzelada não em mármore frio, mas em carne quente. O sorriso meio sonolento começava a desaparecer.

- Desculpe-me se o acordei, Damian... Tentei não fazer barulho, mas...

Céus, ela estava gaguejando! Nunca saíra sorrateiramente do apartamento de um homem antes, mas com certeza não lhe faria tal revelação. De qualquer forma, sempre havia uma primeira vez para tudo. Aquela noite era uma prova disso.

Damian caminhava em sua direção. - Laurel...

- Não, não precisa me acompanhar! - apavorou-se ela. - É só descer a escada e tomar o elevador...

- O que está havendo? - questionou ele, bravo.

- Nada. Só que é tarde. Ou cedo, não sei bem. Preciso ir para casa trocar de roupa - Laurel calou-se quando ele a tomou nos braços. - Damian, não.

- Ah, já entendi. - Satisfeito, ele mordiscou-Ihe a orelha gentilmente. - Arrependimento matinal. Conheço o remédio para isso...

- Não... - protestou ela, sem a menor convicção.

Sua cabeça tentava impor o juízo, mas seu corpo traidor seguia no caminho oposto. Percebia a agitação de Damian, o que lhe provocava um calor nas entranhas.

Sério de repente, Damian fitou-a com os olhos agora em tom cinzento.

- Laurel, volte para a cama.

- Não. Já lhe disse, não posso.

Ele inclinou a cabeça e beijou-a de novo, separando-lhe os lábios.

- Pode, sim, e quer contrariou. - Sabe tão bem quanto eu.

Laurel fechou os olhos enquanto Damian a beijava no pescoço.

O pior era que ele estava certo. Ela queria acompanhá-lo à cama imensa ainda impregnada do amor que tinham feito à noite.

Mas aquilo não fora amor. Fora... Havia uma palavra que definia o que haviam feito, um termo tão feio, tão vil que só de pensar nele sentia-se suja.

Ele já lhe desabotoava o primeiro botão da blusa. Dali a pouco, teria desabotoado todos, começaria a tocá-Ia e ela não quereria detê-Io...

- Pare! - gritou, segurando-lhe os pulsos. - Nós... nos divertimos, eu admito, mas não vamos estragar tudo. Ambos sabemos que foi uma dessas coisas que acontecem. Não é preciso dizer mais nada.

Damian a encarava de cenho franzido.

- Pensei que...

- Que fôssemos passar mais tempo juntos? - Laurel forçou um sorriso. - Lamento, Damian, mas prefiro parar por aqui. Conhece o ditado, o exagero estraga.

E aguardou imóvel a resposta dele, sabendo que, se ele a tomasse nos braços e beijasse de novo, sua patética demonstração de coragem se revelaria uma farsa.

Mas ele não a tocou. Observou-lhe o rosto detidamente e então cedeu:

- Como quiser. Creio que tem razão. Nunca é bom exagerar em nada. - Com um sorriso gentil, deu-Ihe as costas. - Apenas me dê um minuto para me vestir, e a levarei para casa.

Laurel apavorou-se.

- Não, eu pego um táxi! Ele deu meia-volta.

- De jeito nenhum.

- Sou perfeitamente capaz de ir para casa sozinha.

Damian cruzou os braços, impondo-se em todo o esplendor de sua nudez.

- Acontece que estamos em Nova York e não sou homem de deixar uma mulher andar sozinha pelas ruas a esta hora.

- Deixar?! Não preciso que me deixe fazer nada! Adeus, Damian.

Rápido, ele a segurou pelo braço, enterrando os dedos em sua carne.

- Que se passa, Laurel? Pode me dizer? Ela olhou para o teto.

- Eu já disse ...

- Eu ouvi, mas não acredito em você. - Ele afrouxou a mão, transformando o aperto num contato prazeroso. - Você sabe que quer mais do que isso.

- Pare de dizer o que acha que eu quero!

Damian sorriu...

- Está bem. Espere eu me vestir, vamos tomar café e conversar a respeito.

- Quantas vezes vou ter de dizer que não estou interessada, Damian?

Os olhos dele se obscureceram. Longos segundos se passaram e, então, ele a soltou. De volta ao quarto, pegou o telefone e apertou uma tecla.

- Stevens? A srta. Btmnett já vai. Pegue o carro, por favor.

- Por que fez isso? - protestou Laurel. - Não precisava acordar o chofer!

Damian olhou-a impassível.

- Stevens apreciaria sua consideração, mas ele trabalha para mim há anos e está acostumado a cumprir missões nas horas mais inusitadas. Consegue chegar ao elevador ou devo chamar a empregada?

- Consigo.

- Ótimo. Nesse caso, se me dá licença...

Damian fechou a porta com toda a delicadeza.

Laurel permaneceu alguns segundos olhando para a superfície polida, sentindo o sangue tomar-lhe as faces, odiando a si mesma e odiando a ele. Então, foi embora.

Algum dia esqueceria o que fizera naquela noite? Ou melhor, algum dia esqueceria que, a única vez que vislumbrara o céu, fora nos braços de Damian Skouras?

 

No saguão de entrada do apartamento, só de calça jeans, Damian olhava carrancudo para o painel do elevador cujos números iluminados marcavam a descida de Laurel.

Bolas, o que acontecera entre o momento em que fizeram amor e agora? Adormecera abraçado a uma mulher satisfeita e, ao acordar, encontrara uma estranha vestindo-se no corredor.

Não, não era uma estranha. Laurel apenas voltara a ser o que era antes de se conhecerem, uma linda mulher de língua afiada e humor de urso cinzento. E esforçara-se ao máximo para convencê-Io de que para ela tudo não passara de uma aventura de uma noite.

O elevador chegou ao térreo. O chofer já devia estar aguardando Laurel em frente ao prédio.

Apressado, foi ao terraço e a viu entrar no carro. Stevens fechou a porta, postou-se atrás do volante e partiu.

Ponto final.

Ora, a quem queria enganar? Não desistiria tão facil. O cheiro dela ainda lhe impregnava a pele e os lençóis. A voz dela sussurrando seu nome enquanto faziam amor ecoava em sua mente.

Era mentira que seu chofer estivesse acostumado a cumprir missões em horários inusitados. Nenhuma mulher jamais dispusera-se a deixar sua cama tão depressa. Aliás, seu maior problema era livrar-se delas, não convencê-Ias a ficar.

No quarto, um pequeno brilho no carpete chamou-lhe a atenção. Era um dos brincos de Laurel. Colocou-o na mesa-de-cabeceira. Já amanhecia, estava cansado e, pensando bem, o bom da noite fora todo o trabalho que tivera para levar Laurel Bennett para a cama.

Assobiando, foi para o chuveiro.

 

Sentada à mesa da cozinha de Laurel, Susie Morgan observava-a sovar uma massa com fermento.

Talvez "castigar" fosse um termo mais preciso. Laurel batia na pobre massa havia pelo menos quinze minutos, desde que ela chegara para assistir a sua tradicional confecção de pães das manhãs de sexta-feira.

Nunca, nos três anos em que se conheciam, vira a amiga tão zangada. Se bem que ultimamente Laurel vinha alternando estados de ira e de infelicidade sem motivo aparente.

Pensando bem, a mudança se dera de umas quatro semanas para cá, desde que ela saíra para jantar com Damian Skouras. Ela nunca mais mencionara o nome dele, e ele não aparecera de novo, tampouco.

Ora, vira muito bem o modo como Damian olhara para Laurel, e vice-versa. Só faltara soltarem faíscas!

Bem que tentara sondar, no dia seguinte:

- E como vai o Adonis?

Laurel franzira o cenho.

- Quem?

Susie suspirara.

- O grego, aquele bonitão cheio da grana.

- Como vou saber?

- Não estão mais se encontrando?

- Só me encontrei com ele uma vez, sob protesto.

- Bem, imaginei que...

- Imaginou errado - cortara Laurel, encerrando o assunto.

- Certo. Mas, se quiser desabafar...

- Obrigada, mas não há nada para se falar a respeito.

Susie a deixara em paz então, mas nem um pouco convencida. Agora, vendo-a, descarregar toda a fúria numa pobre massa de pão, achou por bem intervir:

- Laurel?

- Hum?

- Não acha que já está bom?

Laurel deu mais um soco na massa e afastou uma mecha de cabelo da testa.

- Ainda não.

Susie contraiu os lábios. Endireitando-se na cadeira, cruzou as longas pernas de bailarina e cruzou as mãos em torno do joelho.

- É alguém que conheço?

- Hum?

- Esse que você está massacrando. Acredito que há nessa massa um rosto que só você pode ver.

Laurel passou as costas da mão pela testa.

- Está imaginando coisas. Estou fazendo pão, não desabafando minhas frustrações.

- Sei...

Laurel deu mais alguns socos na massa, jogou-a numa vasilha e cobriu-a com um pano molhado.

A vizinha voltava à carga:

- Achei que podia ser Damian Skouras o objeto de sua ira. Ele não apareceu mais?

Laurel limpava as mãos com um pedaço de toalha de papel.

- Suze, você me perguntou isso no outro dia e eu respondi que não.

- Disse também que não esperava, nem queria que ele a procurasse.

- Exato. - Laurel pegou a cafeteira no fogão e encheu de novo a xícara da vizinha. Ia se servir também, mas sentiu um enjôo ao sentir o cheiro da bebida e desistiu. - Mas, diga-me, como vai o bonitão do seu marido?

- Ah, ele está na academia torneando os músculos para manter o interesse das fãs. E não tente mudar de assunto. É do seu bonitão que estamos falando.

Laurel expirou ruidosamente.

- Damian Skouras não é nada meu. Quantas vezes vou ter de repetir isso?

- Milhares. - A vizinha ergueu a xícara com as duas mãos, soprou o vapor quente e tomou um golinho. - Por que não faz sentido. Você é a mulher mais lógica e sensata que conheço.

- Obrigada.

- Por isso, fico me perguntando: como uma mulher tão lógica e sensata pode dar as costas, a um milionário? Não dá para entender!

- Simplesmente porque não há nada para entender! Já lhe disse: saí para jantar com Damian Skouras e...

- Já percebeu como fala dele? - questionou Susie.

- Como?

- Dizendo o nome completo, como se não tivessem a menor intimidade.

Como se nunca houvéssemos dormido juntos, completou Laurel, sentindo que enrubescia.

O rosto da vizinha se iluminou. - Ah, está vendo?

- O quê?

- Você sempre fica vermelha ao falar de Damian Skouras.

Laurel levantou, foi até a pia e abriu a torneira. - Adoro você, Suze, mas é muito xereta, sabia?

- Laurel, eu só quero ajudar...

Laurel demorava-se lavando as mãos.

- Mas não estou com nenhum problema!

- Querida, eu estava aqui naquela noite, lembra-se? Vi o modo como vocês dois se olharam. Saem para jantar e nunca mais se vêem...

Laurel voltou-se, ainda enrubescida, mas de raiva agora. - Espero nunca mais ver aquele bandido!

A vizinha ergueu o sobrolho, perspicaz.

- Quer dizer que ele lhe fez alguma coisa?

Laurel desviou o olhar. Não era um caso de sedução e abandono.

Deitara-se com Damian e abandonara a cama dele por vontade própria. Se agora as lembranças a perseguiam e humilhavam, não tinha a quem culpar senão a si mesma.

- Susie, vamos mudar de assunto, está bem? A vizinha conformou-se:

- Se prefere assim...

- Prefiro.

- Assunto encerrado, então.

- Obrigada.

- Tenho só mais uma observação.

Laurel grunhiu de desgosto, mas não tinha alternativa senão ouvir.

- Qual?

Fazendo suspense, Susie abriu o armário e pegou uma caixa de biscoitos.

- Foi a primeira vez que soube de você chegando sorrateiramente de manhãzinha. - Abriu a caixa. - Oh, restam dois, um para mim, um para você.

Laurel olhou para o biscoito de marshmallow coberto com chocolate e sentiu o estômago se revirar. - Acho que vou deixar passar.

- Posso comer os dois?

- Considere este seu dia de sorte. Mas como soube que cheguei de manhãzinha?

A vizinha já saboreava um biscoito.

- Resolvi correr naquele dia e acordei bem cedo. Sabe como range o assoalho deste casarão velho. Ouvi você andando para lá e para cá, parecendo nervosa.

Eu só estava tentando me convencer de que não devia me odiar pelo que fizera, porque já pertencia ao passado e eu jamais faria de novo!

- Para onde ele a levou naquela noite? - perguntou a amiga. Laurel começou a lavar uma xícara como se fosse uma fôrma queimada.

- Para jantar.

- E depois?

Para o paraíso, pensou Laurel. De repente, as lembranças que tanto lutara para enterrar, das sensações que experimentara naquela noite, voltaram com toda força.

Talvez não devesse ter abandonado Damian. Talvez devesse ter ficado com ele. podia ter começado do ponto em que a loira havia parado...

A xícara escorregou de suas mãos e espatifou-se no chão.

- Oh, não! - Com lágrimas nos olhos, abaixou-se e começou a recolher os cacos de porcelana. Levantando-se, jogou-os no lixo e enxugou as mãos na parte traseira da calça jeans. Encarou a amiga. - Quer mesmo saber o que aconteceu naquela noite?

- Laurel, querida, eu não quis....

- Eu dormi com Damian Skouras.

Susie ficou boquiaberta.

-Vau!

- Dormi com um homem que mal conhecia, com quem não simpatizava e a quem não queria rever, porque... porque...

- Eu entendo - ajudou a vizinha.

Os olhos de Laurel brilharam de raiva.

- Como você pode entender, se eu mesma não entendo?

- Porque dormi com Grey na primeira vez que saímos.

Laurel sentou-se numa banqueta.

- Jura?

- Juro. E nunca tinha feito isso antes.

- Por que resolveu fazer, então?

Susie deu um sorriso constrangido.

- Sei lá! Destino. Hormônios. Simplesmente aconteceu. Acho que meu coração e meu corpo sabiam o que meu cérebro ainda não tinha concluído: que Grey e eu éramos almas gêmeas.

Laurel desanimou-se.

- Mas eu não tenho nem essa desculpa. Damian Skouras e eu não somos almas gêmeas. Fiz o que fiz, e agora tenho de viver com isso.

- Nunca imaginei que o Adonis fosse capaz de um papelão desses!

Laurel riu.

- Há um minuto, você o idolatrava!

- Há um minuto, eu não sabia que ele tinha se aproveitado de você e depois tomado a atitude machista clássica.

- Ele não se aproveitou de mim - esclareceu Laurel. - Fui porque quis.

A vizinha pegou o último biscoito da caixa. - Mesmo assim. Ele se satisfez e então a dispensou.

Laurel fitou a amiga por um segundo. Então, voltou à pia e começou a esfregá-Ia.

- Eu disse para ele não me ligar.

- O quê?!

- Ele queria me ver mais vezes. Eu disse que estava fora de questão, que não estava interessada naquele tipo de relacionamento.

- Você e Damian fizeram amor, foi maravilhoso e você disse que não queria mais vê-l o?

Laurel suspirou, cansada, sempre esfregando a pia. - Nós não fizemos amor. Só dormimos juntos.

A vizinha deu de ombros. - Qual a diferença?

- Susie, é diferente do que houve entre você e Grey. Você o amava. Mas eu não amava Damian, não posso me imaginar amando Damian. Ele é arrogante, egoísta e machista demais. - Cansada de esfregar, Laurel enxaguou as mãos e secou-as numa toalha. - Isso é tudo.

A vizinha parecia cética. - Deve estar havendo algum equívoco. Vi como vocês dois se olharam.

Laurel voltou a sentir enjôo, mais forte dessa vez, tanto que teve de se apoiar na beirada da pia.

- Laurel, você está bem?

- Não foi nada. Só estou um pouco...

- Cansada de aturar uma vizinha xereta - concluiu Susie.

- Vou deixá-Ia em paz. Ei, que tal jantar lá em casa hoje à noite? Grey vai fazer aqueles pasteizinhos, lembra-se? Você adorou!

Sim, Laurel lembrava-se dos pasteizinhos recheados com carne moída e cebola, encharcados de manteiga...

- Claro que me lembro, estavam deliciosos! - Disfarçou o mal-estar. - Mas acho que este pão vai ser minha única extravagância por algum tempo. Sou modelo, você sabe. Tenho um trabalho na semana que vem e preciso perder uns quilinhos. Fica para a próxima, está bem?

A vizinha recostou-se na pia.

- Esqueça os pastéis, então. Grey e eu também precisamos manter a linha. Que tal uma lasanha light no microondas?

Laurel recordou o aroma ácido do molho de tomate que acompanhava a tradicional massa italiana. Engoliu em seco.

- Susie, para ser franca, eu estava pensando em não jantar hoje. Acho que, peguei gripe. Deve ter sido naquela sessão de fotos em Bryant Park, na semana passada. Muitos da equipe tossiam e espirravam e, de lá para cá, tenho me sentido péssima.

- Gripes de verão são as mais perigosas - enunciou a amiga. - Tome duas aspirinas, uma boa canja de galinha e... Laurel, você está bem?

Mal do estômago, Laurel de repente arregalou os olhos, levou a mão à boca e saiu correndo da cozinha,

Quando saiu do banheiro, vários minutos depois, pálida e trêmula, Susie a aguardava no quarto.

- Melhorou?

- Acho que sim...

A amiga fitou-a detidamente no rosto lívido.

- Está com enjôo?

- Estou, deve ser por causa da gripe...

- Sabe, minha irmã teve algo parecido no ano passado, náusea pela manhã, aversão a comida e mal-estar contínuo.

Laurel afastou os cabelos do rosto. Sentia a pele pegajosa e o enjôo persistia, apesar de estar com o estômago totalmente vazio:

- Susie...

- Então, ela foi ao médico.

- Não vou ao médico. Só preciso descansar por uns dois dias e...

- Estava grávida.

Laurel ficou boquiaberta.

- Grávida?! Não diga bobagem, Susie!

Era como se o chão lhe fugisse aos pés. Não, não era possível. Ou era? Quando tivera a última menstruação? Não se lembrava. Fora na época em que estivera com Damian?

Não. Não!

Sentou-se na beirada da cama, mole como uma boneca de pano.

Tudo acontecera tão rápido naquela noite. Damian usara preservativo? Não que se lembrasse. Ela não tomara a menor precaução. Para que tomar pílulas, se o sexo era uma das últimas prioridades em sua vida? Algumas mulheres mantinham na bolsa o diafragma, mas não ela. Não era do tipo que se atirava na cama de um homem sempre que surgia a oportunidade.

Encarou a amiga Susie tentando parecer descontraída.

- Não posso estar grávida.

- Tem certeza?

- Ora, uma única noite...

Uma única e interminável noite.

- É melhor marcar uma consulta com o médico - aconselhou a vizinha.

- Não. Eu não estou grávida. É só uma gripe.

Susie suspirou.

- Que seja. Não custa confirmar.

Laurel levantou-se e declarou:

- Vou tomar aspirina e passar o dia todo de amanhã em repouso, tomando líquidos. Se na segunda-feira ainda não estiver melhor, irei ao médico.

- Ao ginecologista - especificou a amiga.

- Isso mesmo. - Laurel acompanhou Susie até a saída. - Agora, descanse essa sua cabecinha criativa, enquanto me recupero desta gripe. Ah, e você e Grey estão me devendo um jantar, hein!

- Se precisar de algo, é só chamar - concluiu a vizinha.

- Obrigada, mas tenho certeza de que não é nada. Depois de amanhã, estarei novinha em folha!

Susie saiu ao corredor e acenou-lhe antes de descer a escadaria. Laurel deixou de sorrir assim que fechou a porta. Recostando-se na parede, fechou os olhos com força, murmurando:

- Não estou grávida.

 

Laurel estava grávida.

De quatro semanas, informava-lhe a sexagenária dra. Glassman em seu amplo consultório em Manhattan.

- Certeza absoluta, Laurel. Você está grávida.

Grávida. Do filho de Damian.

- Você se casou, desde a última vez que a vi? - especulou a médica. - Ou resolveu ter um filho sozinha, como fazem cada vez mais mulheres?

Laurel baixou os olhos.

- Não, não me casei.

- Não me leve a mal, por favor; mas gostaria que considerasse participar a notícia ao pai da criança. - A médica olhava-a de modo maternal. - Toda criança deve contar com o pai e a mãe, sempre que possível.

Laurel não disse nada.

- Alguma dúvida? - indagou a dra. Glassman.

- Não. Por ora, não.

- Então, por hoje é só. - A médica pegou um cartão, rabiscou qualquer coisa nele e entregou-o a ela. - Ligue-me na terça-feira para saber o resultado dos exames de laboratório, mas garanto que não vai haver novidades. Você goza de excelente saúde e não vejo por que seu bebê não nasceria perfeito e saudável também.

Laurel levantou-se, seguida pela dra. Glassman. A médica lhe sorriu, mas ela não conseguiu sorrir de volta.

A dra. Glassman recostou-se na mesa.

- Laurel? É claro que, se estiver pensando noutra possibilidade...

- Estou grávida de quatro semanas, a senhora disse.

- Mais ou menos.

- E... tudo parece em ordem?

- Mais perfeito, Impossível.

Laurel fitava as próprias mãos, agitada.

- E se eu decidisse... quero dizer, se...

- Ainda tem bastante tempo para decidir, minha cara - tranqüilizou a médica. - Pense bem.

Laurel aquiesceu. Sentia-se com mil anos de idade.

- Obrigada, doutora.

A médica envolveu-Ihe os ombros com o braço ao acompanhá-Ia até a porta.

- É uma decisão muito séria - observou. - Se precisar conversar com alguém, procure-me.

Um bebê, pensou Laurel, descendo pelo elevador. Carne de sua carne. Um filho seu e de Damian.

Filhos deviam ser concebidos por amor, não nos espasmos de uma paixão sem sentido, tão despropositada que passara as últimas semanas tentando bani-Ia das recordações. Sem sucesso. A cada alvorecer radiante, lembrava-se do que fizera e odiava-se por isso.

À noite, porém, quando o luar abrandava as sombras, sonhava com Damian e despertava enrolada nos lençóis, com a lembrança das beijos dele ainda quentes em seus lábios.

As portas do elevador se abriram no andar térreo do edifício comercial e Laurel concentrou-se na realidade. Não era hora de sonhar. Tinha uma decisão a tomar. Não havia lugar em sua vida para um bebê. Seu apartamento não era grande o bastante. Sua vida era agitada demais. Ao mesmo tempo, sua carreira como modelo estava em declínio e o futuro assomava incerto a sua frente. Além disso, conforme observara a dra. Glassman, toda criança devia poder contar com o pai e a mãe, sempre que possível.

O som de seus saltos altos contra o piso de granito ecoava pelo amplo saguão do prédio ao atravessá-Io na direção da saída.

Um bebê. Uma criatura inocente, toda sorrisos e balbucios. Uma criança para se cobrir de amor. Para aquecer-lhe o coração e dar um propósito a sua existência. Uma parte de Damian que seria sua para sempre. Sentiu um nó na garganta.

Na calçada, um vento forte agitou-Ihe os cabelos e fez rodopiar papéis de bala e uma folha de jornal a seus pés.

Por que continuar se torturando? Não teria aquela criança. Já não decidira isso? Tinha uma justificativa lógica...

- Laurel?

Seu coração descompassou-se. Conhecia aquela voz, recordara-a mil vezes naquelas últimas longas e torturantes semanas. Mas não podia ser Damian. Era a última pessoa em quem queria pôr os olhos, ainda mais agora.

- Laurel?

Ela se voltou e o viu saindo da mesma limusine preta que, um mês antes, levara-a da sanidade ao delírio. De repente, o vento pareceu ficar mais forte. Com a visão embaçada, sentiu as pernas fracas.

Estava caindo, caindo... e só os braços de Damian poderiam levá-Ia à segurança.

 

Que tipo de homem queria uma mulher que já deixara claro que não o queria?

Só um homem muito idiota, e Damian nunca se considerara como tal.

Não obstante, quatro semanas após Laurel Bennett ter dormido em seus braços e então saído de sua vida, ainda não conseguira esquecê-Ia.

Sonhava com ela, sonhos ardentes, eróticos, do tipo que tivera na adolescência. Pensava nela nos momentos mais inesperados do dia. Ao tentar purgar a mente e a carne envolvendo-se com outra mulher, não dera certo. Durante aquele mês, já havia levado para jantar meia dúzia das mulheres mais bonitas de Nova York e fizera todas encerrarem a noite confusas, decepcionadas e sozinhas.

Agia estupidamente e isso o irritava. Não era homem de perder tempo lamentando oportunidades ou sonhos perdidos, conforme a crença que o norte ara desde a infância. Por que mudar agora? Laurel correspondia ao que, no mundo das finanças, chamavam, de caso perdido. Uma bela mulher, de corpo espetacular e coração de gelo. Ela o usara do jeito que ele usara outras mulheres no passado.

Por que não conseguia tirá-Ia da cabeça?

Atormentava-se com essa pergunta sem resposta no momento em que a limusine estacionava diante do arranha-céu que abrigava suas empresas. De início, mal acreditara. Mas não era alucinação. Laurel saía do prédio vizinho, mais linda do que nunca.

Na calçada, ficou meio sem ação. Deveria esperar que ela o visse? Na verdade, não tinha nada a lhe dizer, no entanto, queria falar-lhe. Bolas, queria mais do que isso. Queria ir ao encontro dela, tomá-Ia nos braços e acariciar-lhe os lábios até que ...

Mas havia algo errado. Pálida, ela caminhava hesitante em meio aos pedestres apressados que ameaçavam atropelá-Ia.

Ela estava chorando!

- Laurel?

Ela não ouviu.

Ele chamou mais alto:

- Laurel?

Ela levantou o rosto e o viu.

Por um segundo, ele acreditou que ela se alegrara, mas então ela arregalou os olhos, ficou ainda mais pálida e murmurou o nome dele como se fosse uma obscenidade.

Ele contraiu a boca. Se era assim, que fosse, para o inferno... Céus, ela parecia estar desmaiando!

- Laurel!

Damian avançou entre os transeuntes e segurou-a nos braços antes que caísse.

Fraca, ela murmurou qualquer coisa enquanto ele a mantinha junto ao corpo.

- Está tudo bem, Laurel. Vou ajudá-Ia. Ela o fitava, mas parecia não focalizar. - Damian?

Aquele murmúrio cortou-lhe o coração. Era estava frágil como cristal. Ela era alta para uma mulher e ele nunca imaginara tê-Ia assim tão vulnerável em seus braços.

- Damian, o que aconteceu?

- Eu não sei! - Ele falara mais ríspido do que pretendera e procurou se abrandar. - Eu estava saindo do carro quando vi você a ponto de desmaiar.

- Desmaiar? Eu? Não diga bobagens. Nunca desmaiei em toda a minha... - A cor voltou-lhe às faces ao lembrar-se do médico e do diagnóstico. Apertou os olhos. - Oh, não...

Damian afligiu-se.

- O que foi? Está se sentindo mal outra vez?

Laurel respirou fundo e reabriu os olhos. Damian parecia zangado. Era compreensível. Esperara nunca mais vê-Ia e lá estava, amparando-a no meio de uma calçada movimentada, como um cavaleiro assistindo a contragosto sua donzela perturbada, com o detalhe de era ele o motivo de sua perturbação! Se nunca houvesse pousado os olhos nele, se nunca houvesse saído para jantar com ele se nunca houvesse se deixado seduzir por ele...

Não era verdade. Ele não a seduzira. Ela fora para a cama com ele por vontade própria. Ansiosamente. Mesmo agora, sabendo que seu mundo jamais voltaria a ser o mesmo, não importava o que decidisse, presa aos braços dele sentia-se, sentia-se...

Rígida de repente, apoiou-se no peito duro a fim de se desvencilhar. - Não vou desmaiar de novo, não. Já estou melhor. Pode me por no chão.

- Não concordo.

- Não seja ridículo!

Os transeuntes observavam-nos curiosos. Mesmo em Nova York, um homem com uma mulher nos braços no meio de uma calçada cheia de gente chamava a atenção.

Mantendo-a firme nos braços, Damian começou a abrir caminho de volta ao prédio comercial de onde Laurel acabara de sair.

- Para onde está me levando? - protestou ela.

- Deve haver dezenas de consultórios médicos aqui. Vou entrar no primeiro que vir e...

- Não! - exclamou Laurel, em pânico. - Não preciso de médico.

- É claro que precisa. As pessoas não passam mal no meio da rua sem uma causa.

- Mas eu sei a causa. É que... estou de dieta. Preciso emagrecer dois quilos em dois dias.

Damian olhou-a incrédulo. Dois quilos? Ela lhe parecia perfeita, macia e com todas as curvas nos lugares certos, exatamente como lhe aparecia nos sonhos todas as noites.

- Você não precisa perder dois quilos.

- Os fotógrafos não vão concordar com você.

Ele não pôde evitar um sorriso malicioso.

- Talvez não a tenham visto com a mesma intimidade que eu. Laurel enrijeceu-se outra vez.

- Vejo que continua o cavalheiro perfeito, Damian. Agora, pela última vez, ponha-me no chão!

- Como queira. - Ele estacou no meio do saguão e colocou-a de pé no piso de granito, mas segurou-a pelo cotovelo. - Vamos embora, então.

Ela tentou se libertar, em vão.

- Vamos embora?! Para onde? Damian, por que não me deixa em paz?

Sem lhe dar ouvidos, ele quase que a arrastou para fora do prédio. A limusine permanecia estacionada junto ao meio-fio. O chofer Stevens segurava a porta aberta, como se estivesse acostumado a auxiliar o patrão no seqüestro de mulheres na rua.

- Entre no carro, por favor, Laurel - pediu Damian, sempre segurando-a pelo cotovelo.

Ela olhou-o furiosa, sabendo que a única alternativa era fazer um escândalo. E ela detestava escândalos.

Acomodou-se no banco traseiro da limusine, logo seguida por ele.

- Como se atreve a me tratar dessa maneira? - questionou Laurel, quando o carro se pôs em movimento. - Como se eu fosse uma mercadoria qualquer, que você pode levar para onde quiser?

A limusine avançava lentamente em meio ao trânsito congestionado. - Imagine! - desdenhou Damian. - Você não, passa de uma mulher obcecada por emagrecer, prestes a se matar de fome ou cair na rua e bater a cabeça, o que acontecer primeiro.

Laurel emitiu faíscas pelos olhos.

- Quer parar? Eu só tive um pouco de tontura, mais nada. Damian olhou-a convencido.

- À visão de minha pessoa!

Ela desdenhou: - Não seja pretensioso!

Não trocaram mais uma palavra sequer durante todo o trajeto até o apartamento de Laurel. Assim que a limusine estacionou, ela abriu a porta e saltou antes que Damian ou o chofer tivessem tempo para ajudá-Ia.

- Obrigada pela carona. Gostaria de dizer que foi um prazer revê-Io, mas para que mentir?

- Laurel, estou emocionado - retrucou Damian, sarcástico.

- E lembre-se do que eu disse: você não precisa perder dois quilos.

- Falou o especialista!

- Quando acabar a dieta, apareça em minha cobertura. Não sabe o que perdeu da última vez. Caviar, pato, suflê...

Caviar, gorduroso e salgado. Pato, cheio de gordura sob a pele.

Suflê de chocolate, coberto com creme de leite batido...

Laurel sentiu o estômago virar-se do avesso. Oh, não, por favor, não... O pouco que ela ingerira naquele dia despejou-se na calçada.

Zonza, ouviu Damian saltar da limusine pela outra porta, apressado em acudi-Ia. Ele a segurou com firmeza pelos ombros enquanto seu estômago continuava a se revirar. Quando os espasmos cessaram, apoiou-se nele, envergonhada e tão enfraquecida que não podia dispensar o conforto que ele oferecia.

- Desculpe-me... – Murmurou baixinho.

Damian a fez voltar-se para ele, tirou um lenço do bolso e enxugou-lhe a testa suada e a boca. A seguir, ergueu-a nos braços e tomou a escadaria rumo a seu apartamento.

Laurel não tinha forças para protestar. Quando ele lhe pediu a chave, entregou-lhe a bolsa pequena. Assim que ele a pousou no sofá da sala, deixou-se afundar nas almofadas. Ele descalçou-lhe os sapatos, abriu-lhe os botões superiores do vestido e cobriu-lhe as pernas com uma manta.

Damian despiu o paletó, atirou-o numa cadeira e foi para a cozinha. Laurel ouviu-o abrir a geladeira e imaginou seu espanto ao ver o que continha. Devido ao enjôo constante, não fizera compras nem cozinhara muito ultimamente. Com sorte, talvez ele encontrasse uma lata de refrigerante...

Era o que Damian tinha nas mãos ao voltar.

- É gasoso, mas vai lhe fazer bem. Tome um golinho de cada vez.

Mais uma ordem, só que ela não tinha forças para contrariar.

Obedeceu.

- Havia um experimento químico na sua cozinha - comentou

Damian, enquanto ela sorvia a bebida devagar. - Um o quê?!

- Parecia um alienígena na bancada junto à pia.

Laurel riu e recostou-se.

- Ah, minha massa de pão!

- Era isso? Espero que não se importe, mas joguei fora. Tive a impressão de que logo tomaria conta do apartamento.

- Obrigada.

- Como se sente?

- Melhor - Laurel bocejou, esforçando-se para manter os olhos abertos. - Devo ter comido algo estragado.

- Feche os olhos e descanse um pouco - sugeriu Damian.

- Não estou cansada.

- Está, sim.

- Damian, pare de bancar o sabe-tudo ...

Laurel deixou a cabeça pender e adormeceu.

Damian levantou-se. Não, não era um sabe-tudo, mas parecia-lhe que uma mulher em dieta de emagrecimento dificilmente comeria algo capaz de lhe fazer mal. Ainda mais quando essa mesma mulher tinha na bolsa um cartão com os dizeres: Doutora Vivian Glassman, Ginecologista e Obstetra.

Talvez não significasse nada. Todo mundo vivia recebendo cartões e guardando na bolsa e nos bolsos e, mesmo que Laurel houvesse se consultado com aquela médica naquela dia, o que provava? Toda mulher devia submeter-se a check-ups ginecológicos regularmente.

Bateu os dedos sobre o cartão. Pouco antes, ao voltar da cozinha e ver o rosto de Laurel, uma idéia ocorreu-lhe.

Ao longo das últimas semanas, sonhara com Laurel todas as noites, revivendo as poucas horas que passaram nos braços um do outro. O fogo, a ternura, recordava cada sensação. Agora, porém, outro detalhe chamava-lhe a atenção, um que fazia suas entranhas se contraírem.

Em nenhum momento daquela longa noite selvagem, lembrara-se de usar o preservativo.

Jamais se portara tão louca e irresponsavelmente. Era como se houvesse se intoxicado, inebriado pelo cheiro da pele de Laurel, pelo gosto de sua boca. Ele não usara o preservativo. Ela não usara o diafragma. Agora, enjoada e abatida; ela consultava uma médica obstetra.

Bem, havia a possibilidade de Laurel estar tomando pílulas anticoncepcionais.

Estava na hora de obter algumas respostas. Respirou fundo e foi usar o telefone da cozinha.

 

Laurel despertou aos pouquinhos.

Estava no sofá da sala. Já era noite, mas alguém acendera o abajur.

Quem? Damian.

Ele estava sentado na cadeira logo ali, o rosto duro como pedra. - Como se sente?

Laurel avaliou a si mesma. Seu estômago roncava, mas se aquietara.

- Bem melhor. - Afastou a manta e ergueu o tronco, ponto os pés no chão. - Obrigada por tudo, Damian, mas não precisava ter ficado aí enquanto eu dormia. - O silêncio dele afligiu-a. Havia algo errado. - Que horas são? - indagou, tentando aliviar a tensão. - Devo ter dormido um tempão...

- Quando pretendia me contar?

Laurel sentiu o coração se descompassar. - Contar o quê? .

Levantou-se, e ele fez o mesmo, aproximando-se dela. Onde estavam seus sapatos de salto alto? Assim, mais baixa do que ele, ficava em desvantagem.

- Talvez não tivesse intenção de me contar - considerou ele, severo. - Era esse o seu plano?

- Não sei do que você está falando - declarou Laurel, tentando ultrapassá-Io. - E não estou com disposição para adivinhações.

Damian a deteve pondo a mão em seu ombro.

- E eu não estou com disposição para mentiras. Ela o encarou raivosa.

- Acho melhor você ir embora.

- Você está grávida.

Grávida. Grávida. A palavra parecia ecoar pela sala.

- Não sei do que você está falando.

- É melhor você me contar a verdade.

Laurel desvencilhou-se dele e apontou para a porta.

- É melhor você dar o fora daqui.

- Esse filho é meu?

Laurel bufou.

- Não existe nenhum filho. Não sei de onde tirou essa idéia, mas ...

- Com quantos homens esteve naquela semana, além de mim? Laurel olhou-o incrédula.

- Saia já daqui!

- Repito: esse filho é meu?

Ela o encarou, os lábios trêmulos. Não! quis gritar. Estive com dez homens naquela semana. Com cem. Com mil.

- Responda! - Colérico, Damian agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a. - É meu?

Laurel não conseguiria mentir.

- É - respondeu, num sussurro. - É seu.

Damian ficou imóvel por alguns segundos. Então, conduziu-a ao sofá.

- Sente-se, Laurel.

Ela o encarou e estremeceu. Deu um passo atrás e, ao sentir a borda do sofá junto às pernas, deixou-se cair como uma boneca de pano.

- Como foi que descobriu?

Ele esboçou um sorriso e tirou do bolso o cartão da médica, atirando-o em seu colo.

- A dra. Glassman contou a você? Ela não tinha esse direito! Ela ...

- Ela não me contou nada - declarou Damian. - Mas ao mesmo tempo contou tudo.

Laurel balançou a cabeça. - Não entendo.

- Vi o cartão em sua bolsa ao pegar a chave, telefonei para o consultório e disse à atendente que era um "amigo" seu preocupado com sua saúde.

Laurel enrubesceu até as orelhas. Caíra numa armadilha de Damian.

- Sua médica é uma profissional séria - elogiou ele. - Foi muito discreta. Admitiu apenas conhecer você. Disse que somente você poderia me informar sobre suas condições físicas.

Laurel empalideceu. Então, você não sabia! Blefou! Induziu-me a...

- Somei dois e dois, isso é tudo. Fiz uma pergunta e você respondeu.

- Não foi assim! - contrariou Laurel, indignada. - Você disse que sabia que eu estava ...

- Perguntei se o filho era meu. - Ameaçador, ele se aproximou dela, pousou as mãos em seus ombros e obrigou-a a fitá-lo nos olhos faiscantes. - Meu filho! O que pretendia fazer, Laurel? Entrega-Io à adoção? Abortá-lo?

- Não!

O grito lhe escapara da garganta, mas era verdade. Não abriria mão daquela vida dentro dela. Queria o bebê, de todo o coração e alma, quisera desde o instante em que a médica confirmara sua gravidez.

- Não - repetiu, mais controlada. - Não vou fazer nada disso. Vou ter o bebê e criá-lo.

Damian sorriu desdenhoso.

- Ah, você vai criá-lo. Posso saber como vai criar um filho sozinha?

- Você ficaria espantado em saber o quanto as mulheres se tornaram independentes! - replicou Laurel. - Somos tão capazes de criar filhos quanto de dá-l os à luz!

- Uma criança vai atrapalhar essa vida desregrada que você leva!

- Você não sabe nada da minha vida!

- Ora, uma mulher que dorme com estranhos não pode ser uma mãe adequada para um filho meu!

Laurel golpeou-o no ombro.

- Seu hipócrita! Quem é você para me julgar? Nós dois geramos este bebê, Damian, dois estranhos na cama por uma noite!

Ele expressou superioridade. - É diferente.

A Laurel, bastava. Levantou-se com ímpeto.

- Faça-nos um favor, e dê o fora daqui. Fora da minha vida. Não quero nunca mais ver a sua cara!

- Eu desapareceria com prazer, mas você se esquece de que essa vida que carrega pertence a mim.

- É uma criança, Damian, e uma criança não pertence a ninguém. Imagino que seja difícil para você entender, mas uma criança não é uma mercadoria.

Damian olhou-a detidamente, refletindo. Aquela discussão não os levaria a nada. O fato era que Laurel estava grávida de um filho seu. Um filho. Sempre pensara que criar Nick seria o mais perto que chegaria da paternidade. Agora, o destino e uma mulher que o perseguia em sonhos uniam-se para lhe apresentar uma nova realidade.

- Quero meu filho - declarou, simplesmente. Laurel permaneceu impassível.

- Como assim?

- Essa criança é minha e não vou abrir mão de meus direitos sobre ela.

Direitos?! Laurel sentiu as pernas fraquejarem. De tempos em tempos, os noticiários anunciavam que pais haviam reclamado, e ganho, a custódia de seus filhos. Não era uma decisão judicial comum, mas o rico e poderoso Damian Skouras com certeza arrancaria o filho dela num estalar de dedos.

Acalme-se, pediu a si mesma. Não o deixe perceber o quanto está amedrontada.

- Damian, podemos discutir isso noutra hora? Estamos nervosos.

- Não há nada a discutir. Estou lhe dizendo que vou assumir meu filho.

- Bem... não estou me opondo a que você assuma seu papel. Aliás, a dra. Glassman até comentou como é importante que a criança conte com o pai e a mãe. Tenho certeza de que podemos chegar a um acordo.

- Vai ceder os fins de semana? Laurel mordiscou o lábio.

-Vou.

Ele sorriu falso.

- Quanta generosidade Laurel.

- Vamos montar um esquema que agrade a ambos.

- Já lhe contei que cresci sem pai?

Laurel ficou constrangida.

- Damian, não sei qual era a situação entre seus pais, mas...

- Eu preferia ter nascido bastardo.

- Damian.

- Não boto fé no casamento, Mas, quando há filhos envolvidos, boto ainda menos fé no divórcio.

- Bem, nosso caso é totalmente diferente - observou Laurel.

- Já que não somos casados, não vai haver divórcio...

- Meu filho merece algo mais - interpôs Damian. - Ele, ou ela, merece um pai, uma mãe e estabilidade.

- Também acho. Por isso, concordo em que você assuma seu papel.

- Ah, você concorda?

Laurel arrependeu-se da péssima escolha de palavras.

- Eu me expressei mal. Não vou impedi-Io de ver meu... nosso filho. Eu juro.

- Ah, você jura? - Damian era puro sarcasmo. - Que comovente. Acha que devo confiar na palavra de uma mulher que sequer tencionava contar-me que estava grávida?

Laurel perdeu a paciência.

- Bolas, Damian, por que não diz logo o que quer?

- Serei breve e conciso: não pretendo renegar meu filho, nem lhe dar meu nome apenas, e não quero saber de acordos firmados entre advogados.

- Pois bem, sem advogados, nem juízes - concordou Laurel.

- Vamos conversar, como duas pessoas civilizadas, e entrar num acordo que satisfaça a ambos.   Aaaiiii! - gritou, quando ele a agarrou com força pelos pulsos. - Damian, você está me machucando!

- Pensa que sou idiota? - Ele mantinha o rosto transtornado a milímetros do dela. - Imagino o tipo de acordo que seria do seu agrado.

Laurel estava exausta.

- Damian, não sei do que está falando...

Ele a calou colando a boca à dela, iniciando um beijo que ameaçou tirar-lhe a sanidade. Quando ele finalmente se afastou, ela estava trêmula. De ódio. De raiva. E de desalento, por descobrir que o beijo dele ainda lhe provocava um desejo avassalador.

- Sempre acreditei que só se deve ter filhos na santidade do casamento – declarou Damian. - Um paradoxo, uma vez que o casamento, para mim, sempre pareceu uma farsa. De qualquer forma, não vejo alternativa neste caso. - Ergueu a mão para afagar-lhe os cabelos, mas desistiu: - Vamos nos casar daqui a uma semana.

Laurel sentiu o sangue fugir-lhe do rosto.

- Vamos o quê?!

- Vamos nos casar, ter o nosso filho e criá-Io juntos.

- Você está louco! Não vou me casar com você nunca! Ouviu bem? Nem em um milhão de anos!

- Você me acha arrogante, egocêntrico, mas é melhor que saiba: sou Damian Skouras. Disponho de recursos que você nem imagina. Oponha-se a mim, e só ganhará péssima publicidade para si mesma, sua família e nosso filho!

Trêmula, Laurel encarou-o por um segundo e então se libertou dele. Enxugou as lágrimas quentes com as costas da mão.

- Odeio você, Damian! Sempre vou odiar!

Parecendo divertir-se, ele pegou o paletó e pendurou-o no ombro.

- Por mim, tudo bem, querida Laurel. Pelo que sei do matrimônio, esse seu sentimento é normal.

Assobiando, abriu a porta e foi embora.

 

Cinco dias depois, Laurel e Damian aguardavam, o mais afastados possível um do outro, na antesala da câmara de um juiz numa cidade a norte de Nova York.

O juiz Weiss era amigo de um amigo de Damian.

- Não me interessa - cortara Laurel, quando ele começara a explicar a conexão.

Só queria que tudo aquilo se acabasse logo.

Não convidara ninguém para a cerimônia. Não contara à amiga Susie, nem à própria irmã Annie, que ia se casar. Com que cara confessar que cometera o erro feminino mais antigo do mundo e, agora, classicamente, pagaria o preço de desposar um homem que não amava.

Concluíra que seria melhor dar a notícia quando o fato já estivesse consumado. Diria que ela e Damian haviam cedido a um impulso passional. Susie não se deixaria lograr, mas Annie, romântica como era, provavelmente ficaria exultante.

Olhou para Damian. Ele estava de costas para ela, olhando pela janela. Fazia dez minutos que observava o trânsito na rua, como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

Compreendia-o, pois estivera contemplando o retrato de um homem de costeletas e beca judicial. Era uma maneira de pensar em algo além do que estava para acontecer.

Laurel respirou fundo. Ainda havia tempo. Talvez conseguisse convencê-Io da loucura daquele plano, que não seria bom para ele, nem para ela, nem para o bebê.

- Sr. Skouras? Srta. Bennett?

Laurel e Damian olharam para a mulher grisalha à porta da câmara do juiz.

Laurel apertou as mãos em torno da bolsa. Era como entrar no consultório de um dentista. Sentia o coração descompassado e as mãos suarentas.

Só que não se tratava do consultório de um dentista, e não ia obturar um dente. Estava ali para entregar sua vida a Damian Skouras.

- Laurel? - chamou Damian. Ela o viu aproximar-se dela.

- O juiz mandou nos chamar - informou ele.

- Eu ouvi.

Laurel sentiu uma náusea, mas não devido à gravidez. Estranhamente, seu mal-estar cessara no dia em que Damian descobrira sobre seu estado. Estava apreensiva quanto ao passo que estava para dar.

Nâo posso. Nâo posso!

- Damian... acho melhor conversarmos.

Ele lhe segurou o pulso com força, como que advertindo, e sorriu polidamente à funcionária.

- Por favor, diga ao juiz que entraremos num minuto. Assim que a porta se fechou, Damian olhou severo para Laurel. - Já conversamos sobre isto. Não há nada mais a dizer.

- Não discutimos nada! Você baixou decretos e eu abaixei a cabeça, obediente. Só que não vai dar certo. Acho que...

- Laurel! - cortou ele, bravo. - Estamos numa enrascada e, como sou o responsável por ela, a solução também cabe a mim. Não há outra alternativa.

- Que seja do seu gosto - observou Laurel. - Será que não pode ser razoável...

- E aceitar o que você considera adequado?

- É. Não. Pare de torcer as minhas palavras! - Laurel passou a mão na testa. - Pense. Não temos nada em comum. Mal nos conhecemos. Nem sequer gostamos um do outro, mas você insiste em... em que eu me case com você, me torne sua mulher.

- Exatamente. Laurel enfureceu-se.

- Você é um déspota! Tem que ser tudo a seu modo, não é?

A porta da câmara do juiz abriu-se novamente. - Sr. Skouras? - chamou a funcionária. - O juiz está com a agenda meio apertada esta manhã. Se o senhor e a srta. Bennett não se importarem...

- Claro! - exclamou Damian, e olhou para Laurel - pronta, querida?

Ele Sorria, mas seu olhar era de advertência. Faça o que estou mandando, ou sofra as conseqüências.

Laurel recompôs-se, ergueu o queixo e aquiesceu. - Estou pronta.

A câmara do juiz era uma sala grande, com móveis de carvalho e paredes lambrisadas com uma madeira no mesmo tom. Flores murchas num bule de café sobre a lareira contribuíam para um ambiente pesado, cujo odor de cigarro o antigo aparelho de ar condicionado não conseguia eliminar.

- Sr. Skouras - saudou o juiz, levantando-se atrás da escrivaninha. - Srta. Bennett. Que belo dia para um casamento!

De fato, lá fora o sol brilhava e nuvens brancas deslocavam-se sem pressa pelo céu azul-claro. Nada a ver com aquela câmara abafada.

Toda mulher sonhava casar-se num lugar cheio de luz, cercada de flores frescas e amigos, com um homem cheio de amor para lhe dar.

Se ao menos Damian a quisesse de verdade, se a amasse... Mal disfarçou um soluço.

 

Damian olhou-a compreensivo. Ela não queria se casar. Mas a vontade dela não importava. Somente o filho deles importava. Tinham que se casar, pelo bem da criança. Era a coisa certa a fazer.

Se ao menos ela o quisesse, se recordasse o que haviam compartilhado naquela noite...

- É um prazer conhecê-los e oficializar sua união - dizia o magistrado.

- Obrigado por nos encaixar em sua agenda, Sua Excelência - replicou Damian. - Imagino como foi difícil, mas resolvemos tão de repente...

O juiz Weiss riu.

- Sei como são essas coisas, meu rapaz. - Animado, esfregou as mãos e pegou um livro preto já bem gasto. - Bem, podemos começar?

- Não! - gritou Laurel. O juiz apagou o sorriso.

- Algum problema, srta. Bennett?

- Problema nenhum - interpôs-se Damian. - É que decidimos às pressas e minha noiva... está tendo um ataque de nervos, Sua Excelência. - Enlaçou-a pela cintura e olhou cúmplice para o homem mais velho. - Sabe como ficam as mulheres no dia do casamento...

- Damian...

Ele a calou com um beijo na boca. Foi um beijo rápido, gentil, pouco mais que um roçar de lábios.

Se ele a houvesse beijado profundamente, introduzindo a língua sedosa, fazendo-a recordar a paixão que os consumira, tudo teria se acabado naquele instante.

Mas não. Ele a beijou do jeito que um homem beija a mulher amada, com uma ternura que lhe entorpeceu os sentidos.

- Tudo vai dar certo, kali mou - murmurou ele. Depositou um beijo na palma de sua mão e fechou-a. - Confie em mim.

O juiz pigarreou.

- Estão prontos agora?

- Estamos - declarou Damian.

A cerimônia teve início, sem floreios, mas não muito diferente daquela que ambos haviam presenciado menos de cinco semanas antes, numa igrejinha em Connecticut.

O juiz falou de companheirismo e amor, da seriedade dos votos, de compromisso e respeito.

Por fim, as palavras que Laurel temia:

- Laurel Bennett, aceita Damian Skouras como seu legítimo esposo?

Um nó na garganta a impedia de responder. O juiz e Damian olharam para ela.

- Desculpe-me... - murmurou ela. - Não ouvi bem... O juiz sorriu e repetiu:

- Perguntei se está preparada para tomar Damian Skouras como seu legítimo esposo.

Laurel fechou os olhos. Pensou no bebê, no poder de Damian e... no modo como ele a beijara pouco antes.

Abriu os olhos.

- Sim.

 

A limusine aguardava-os junto à calçada.

- Meus parabéns, senhor! – cumprimentou o chofer Stevens, ao abrir-lhes a porta. – Felicidades, senhora!

Felicidades? Laurel teve vontade de rir. E de chorar. Ora, o coitado devia pensar que se tratava de uma união por amor.

- Obrigada, Stevens – murmurou, desanimada.

No banco traseiro do carro, Laurel cruzou os braços, olhando fixo à frente.

Damian parecia satisfeito.

- Você se comportou melhor do que eu esperava – comentou.

- Só fiz isso por causa do meu filho – retrucou Laurel, gélida. - Caso contrário, não estaria aqui sentada, levando adiante esta farsa de casamento.

- Farsa? - Damian tirou do bolso uma folha de papel dobrada. - Nós nos casamos, Laurel. Você é minha mulher e eu sou seu marido.

Ela o fitou com olhos cheios de ódio.

- Podemos até ser, Damian, mas em meu coração, que é o que importa, você jamais será meu marido! Você me forçou a este casamento, mas não pode mudar meu sentimento.

Damian acariciou-lhe o rosto e enterrou os dedos em seu cabelo presos. Os grampos começaram a afrouxar e se soltar.

- Pare - pediu ela, amuada.

- Fica mais bonito assim - opinou ele.

Era difícil para Laurel respirar, com Damian tão próximo. Pensou em afastá-Io; mas então lembrou-se daquela noite fatídica em que o agarrara pelo pescoço e o beijara.

Gostaria de beijá-Io de novo daquele jeito...

- Minha mulher - murmurou Damian, detendo a mão em seu pescoço. Sob os dedos, sentia-lhe a pulsação como um pássaro encurralado, confirmando sua suspeita de que ela não estava tão impassível quanto queria fazer crer. - A idéia lhe é tão insuportável assim?

- Aprendi uma coisa no início de minha carreira de modelo - replicou Laurel. - Nunca faça uma pergunta a menos que queira mesmo ouvir a resposta.

Ele roçou o polegar no lábio inferior dela.

- Não - murmurou Laurel, ofegando levemente.

Damian sentiu o corpo se aquecer. Ela o queria, estava escrito em seus olhos, a despeito do que dizia.

Podia tê-Ia naquele instante, retribuindo seus beijos, entregando-se em meio a suspiros enquanto ele a despia.

Inclinou o rosto e beijou-lhe o pescoço esguio. Ela exalava um aroma de sol e flores, de chuva de verão. Febril, afastou-lhe o decote e beijou-Ihe a pele fina, mais macia do que seda, mais tépida do que mel fresco.

- Laurel ... - murmurou.

Afastando-se um pouco, fitou-a no rosto. Seus olhos expressavam confusão e desejo.

Mais uma vez, roçou o polegar pelos lábios carnudos. Quando ela os entreabriu, introduziu-o no calor que continham. Ela deixou escapar um gemido, e ele sentiu a língua quente em torno do seu dedo.

Laurel pousou as mãos em seus ombros e, então, abraçou-lhe o pescoço. Ele grunhiu e a fez deitar-se no assento.

Céus, como a desejava! E a possuiria. Ela era sua mulher e o queria também. Aquela mulher sexy nunca mais teria outro homem.

Que escolha tinha ela senão quere-l o?

Damian afastou-se de repente, deixando-a deitada.

- Viu? - gabou-se, desdenhoso. - Não vai ser tão ruim ser minha mulher.

Laurel enrubesceu.

- Vá para o inferno - murmurou, com voz trêmula. Damian voltou-se para a janela e apreciou a paisagem. Tinha a leve impressão de já estar no inferno.

 

Damian estava admirado.

Impassível, Laurel até agora não indagara para onde estavam indo. Ele a informara de que viajariam para o exterior após o casamento, mas ela nem piscara antes de embarcar no jatinho da Skouras International.

Uma vez acomodada no assento, ela travou o cinto de segurança, pegou uma revista e mergulhou em sua leitura, a qual interrompeu apenas para recusar, polidamente, o lanche oferecido pela aeromoça.

Mas nem mesmo uma boa atriz como Laurel era capaz de dissimular indefinidamente. Após quatro horas de vôo, ela baixou a revista e se mexeu no assento.

- É uma prova de resistência? Queria saber quanto tempo eu agüentaria antes de perguntar?

Damian desviou o olhar da tela de seu microcomputador portátil.

- Como?

- Basta, Damian. Para onde estamos indo?

Ele encerrou o arquivo no qual fingira trabalhar, desligou o microcomputador, guardou-o na pasta de couro e colocou-a de lado antes de responder: - Para o exterior. Eu lhe disse ontem.

- Você me disse que tinha negócios para resolver e que eu deveria levar meu passaporte - recordou Laurel. - Acontece que estamos viajando há horas e eu gostaria de saber para onde estamos indo.

- Para a Grécia - informou Damian.

Laurel ficou muda. Já estivera na Grécia. Em meio a tanta beleza, sentira-se transportada para uma outra época, quando as regras de comportamento entre os sexos eram muito diferentes das atuais.

- Para a Grécia?! - exclamou, por fim. - Por quê?

- Por que não?

- Não estou com humor para brincadeiras, Damian! Por que estamos indo para a Grécia?

Damian tinha várias respostas, todas razoáveis e verdadeiras. Porque tenho uma ilha lá, e quero ver os estragos causados por uma tempestade no mês passado, por exemplo. Porque tenho negócios pendentes em Creta. Porque gosto do sol quente e da água azul-safira.

Mas optou pela mais simples de todas:

- Porque nasci lá.

A reação de Laurel foi a mais inesperada possível.

- Não quero que meu filho nasça lá! Ele, ou ela, será cidadão americano!

Damian divertiu-se.

- Não vamos ficar tanto tempo. É apenas um lugar tranqüilo no qual poderemos nos conhecer melhor.

Com isso, espreguiçou-se no melhor estilo felino. Disposto a ficar à vontade, despiu o paletó, tirou a gravata, desabotoou o colarinho e arregaçou as mangas. Sua pele, reluzia como ouro à luz suave da cabine, realçando os músculos bem torneados. Laura disfarçou um arrepio. Apesar do conceito que tinha dele, não podia negar que era um belo espécime masculino.

E era todo seu. De papel passado. Poderiam reviver aquela noite mágica, nas areias a beira-mar à meia-noite, ou no topo de uma colina erma sob um sol quente. Poderia beijá-Io na boca e deslizar as mãos por sua pele, sussurrando seu nome enquanto ele a afogava em prazer ...

- Não quero ir para a Grécia! - protestou, em pânico. Seria pedir muito consultar-me antes de fazer seus planos?

Damian estudou-lhe o rosto. Ela estava com medo. Dele. Laurel tinha razão. Ele devia tê-Ia consultado. Mas lhe parecera tão boa a idéia de irem para sua ilha, Actos. Por algum motivo, queria que ela conhecesse o lugar onde ele perdera o menino que um dia fora e encontrara o homem que se tornou.

Sentiu um aperto no coração.

- Laurel... - murmurou, e tocou-lhe o ombro.

- Não toque em mim! - rosnou ela.

Damian endureceu-se novamente. Laurel não merecia ser levada a Actos.

 

O jatinho pousou numa pequena pista em Creta. Um carro tirou-os de lá rapidamente, passando por hotéis lotados de turistas e marinas onde se atracavam inúmeros iates reluzentes.

Laurel disfarçou um sorriso. Os gregos eram tradicionais navegadores. Um milionário como Damian devia ter uma embarcação. Logo a conheceu. Não era um iate, mas um veleiro, bonito e esguio.

- Damian? - chamou uma voz masculina.

O homem surgira tão logo passaram da prancha para o convés. Baixo, magro e careca, tinha barba escura e trajava calça jeans e camiseta listrada.

Damian conversou um pouco com ele em grego antes de apresentá-Ios.

- Laurel, este é Cristos. Ele cuida de Circe para mim, quando não estou.

- Olá - murmurou Laurel, ainda mal-humorada.

O grego fez algum comentário e Damian interpretou: - Ele lhe dá as boas-vindas e diz que você é uma Afrodite que criou vida.

Nem assim Laurel se animou.

- Mesmo? Pensei que Helena é que tivesse sido raptada. Damian não se abalou nem um pouco. Instruindo-a a esperar, desceu à cabine.

Esperar, como um animalzinho de estimação. Pois sim!

Seguiu rumo à prancha, disposta a desembarcar e passear pelo atracadouro.

Cristos imediatamente se colocou em seu caminho. - Só vou dar uma volta - explicou ela.

- Perdão, senhora, mas não pode.

Ora, o homem falava um inglês razoável! E recebera ordens.

O que Damian temia, afinal? Que ela se atirasse ao mar e nadasse até o continente? Aliás, não era má idéia.

Com um suspiro, recostou-se à amurada e contemplou o oceano. Tarde demais. Estava presa.

 

Laurel mal reconheceu Damian ao revê-Io.

Ele estava de calça jeans com as pernas recortadas, camiseta branca e mocassins.

Não havia dúvida quanto a quem estava no comando daquela embarcação. Era Damian, e ele o assumia não dando ordens, mas tomando a iniciativa.

Não pôde deixar de admirá-Io ao conduzir o veleiro destramente através do canal estreito rumo ao mar aberto. Ao vento agitava-lhe os cabelos escuros, o sol refletia-se em seu minúsculo brinco, bem como na pele bronzeada. Quando o calor se intensificou, ele despiu a camiseta e jogou-a de lado.

Quase sem fôlego, Laurel lembrou-se do corpo dele nu na noite em que haviam perdido a razão. Como era másculo aquele estranho a quem desposara, forte, poderoso e lindo.

Uma rajada de vento mais forte afrouxou os grampos que lhe prendiam os cabelos. Ocupou-se em prender de novo os cachos rebeldes.

- Você está bem? - indagou Damian.

Laurel fez que sim. Ele estava tão próximo que ela podia sentir o cheiro de sol e sal em sua pele, o aroma almiscarado de sua transpiração. Imaginou a si mesma beijando-o no pescoço, degustando-o com a ponta da língua.

Ele pousou a mão em seu ombro. - Se sentir-se mal, me avise.

- Não se preocupe. Não sinto mais enjôo e a dra. Glassman disse que estou perfeita. Pilote seu barco, não precisa ficar me olhando.

Damian observou-a por um segundo. Era incrível como sua beleza se realçara naquele cenário mitológico, muito mais do que ele imaginara. Inclinou-se para sussurrar-lhe: - Olhar para você é tudo de que um homem precisa para alimentar a alma.

Quando ela o fitou no rosto, ele a puxou pela nuca e beijou-a com ímpeto.

- Solte os cabelos - pediu, numa pausa, e voltou a beijá-Ia. Relutante, concentrou-se de novo no timão.

Laurel esperou o coração se acalmar e olhou para Damian, altivo em seu posto de capitão. Era assim que devia se sentir uma flor quando suas pétalas se abriam sob o carinho do sol.

As últimas palavras dele ainda lhe ecoavam na mente. Solte os cabelos. Ele dissera o mesmo na única noite em que fizeram amor, pouco antes de despi-Ia, lenta e cuidadosamente.

Mas aquela noite pertencia ao passado e não significava mais nada.

Rígida, ergueu os braços e começou a prender o cabelo novamente. Mas o vento estava do lado de Damian. Com uma golfada, arrebatou os grampos e lançou-os ao mar.

 

Laurel já estivera na Grécia para fazer uma capa de revista. Fora fotografada numa minúscula ilha de incrível beleza natural.

Actos não era tão bonita. Em seu pequeno atracadouro em forma de crescente, não havia nenhum iate ancorado, apenas pequenos barcos de pesca. Casinhas caiadas de telhados vermelhos abrigavam-se à sombra dos penhascos rochosos pouco além. Acima de tudo, aves marinhas faziam acrobacias contra o céu azul-claro, chilreando estridentes.

Dali a pouco, desembarcavam. No píer, um velho de bigode aguardava-os junto a uma velha caminhonete meio enferrujada.

Damian fez as apresentações, ajudou o ancião a carregar as .malas e fez questão de pegar o volante, com Laurel a seu lado e o velhinho, chamado Spiro, no banco de trás.

A caminhonete avançava devagar mas com constância por uma tortuosa estradinha de terra penhasco acima, por entre agrupamentos de ciprestes e afloramentos de rocha cinzenta. Passaram por várias casas, cada vez mais afastadas uma da outra. Após algum tempo, já não se viam casas, apenas uma ou outra cabana de pastor. Um coro de cigarras animava a viagem em meio ao calor intenso.

A estradinha estreitou-se ainda mais. Quando Laurel já imaginava que acabariam nas nuvens, surgiu uma casa. Era de pedras brancas com telhado azul e erguia-se sobre um promontório rochoso de frente para o mar.

Tanto a casa quanto o cenário eram simples, mas de uma beleza gritante. Sem dúvida, era a casa de Damian.

Fez-se um silêncio. súbito quando Damian desligou o motor.

Spiro saltou imediatamente e começou a descarregar a bagagem.

Damian apressou a ajudá-Io e os dois começaram a discutir, até que o velhinho entrou bufando na casa.

- O que houve? - quis saber Laurel.

- Apenas lembrei a ele que já está com mais de oitenta e cinco anos e não deve se exceder - explicou Damian. - Toda vez que venho aqui, brigamos.

- Ele foi chamar alguém para ajudar?

- Não há mais ninguém na casa, a não ser Eleni, a caseira. - Damian começou a descarregar as malas, empilhando-as na grama, os músculos retesando-se sedutoramente sob a malha da camiseta. - E então? Acha que sobrevive uma semana sozinha comigo nesta casa?

Uma semana sozinha com ele? Ela não o satisfaria declarando que fora bem-sucedido em faze-Ia esquecer alegremente tudo o que lhe era seguro e familiar.

- Bem, não é Southampton, mas deve ter água quente e luz elétrica pelo menos.

Inabalável, Damian ergueu parte da bagagem e seguiu para a porta frontal da casa.

- Não vai passar necessidade, querida - garantiu. - Não somos tão selvagens quanto imagina.

O interior da casa era de um frio glacial, comparado ao calor desprendido pelas rochas ao sol. Piso de alvo mármore estendia-se ao encontro das paredes pintadas de branco. Ventiladores de teto giravam ociosos.

Damian deixou as malas no chão e pôs as mãos nos quadris.

- Eleni?

Ouviu-se uma porta distante e logo surgiu uma mulher magra, de meia-idade, de cabelos e olhos castanho-escuros.

Damian disse-lhe algumas palavras em grego e então voltou-se para Laurel.

- Eleni não fala inglês, portanto, não perca seu tempo tentando ganhá-Ia como aliada. Ela vai mostrar seu quarto e atender as suas necessidades.

Aliviada por não ser Damian a conduzi-Ia, Laurel seguiu a empregada escadaria acima. Gostou do quarto amplo e bem decorado, com banheiro contíguo.

- Obrigada - disse a Eleni. - Efeharistá.

Era a única palavra em grego da qual Laurel se lembrava.

A caseira foi embora e Laurel viu-se, enfim, só. Aparentemente, Damian concedera-lhe uma trégua. Deveria estar feliz.

Mas, por algum motivo, não estava.

Os ciprestes lançavam sombras alonga das sobre a encosta. Logo, seria noite.

 

De pé no terraço de tijolos, Damian contemplava o mar. Sabia que deveria estar se sentindo exausto. Fora um longo dia, na esteira de uma longa semana, aquela que iniciara imaginando que jamais reencontraria Laurel e terminara tomando-a como esposa.

Sua esposa.

Tomou um gole de ouzo gelado, deliciando-se com a sensação da bebida sabor de anis garganta abaixo, um dos poucos prazeres em todo aquele dia.

Ainda mal acreditava. Até pouco tempo atrás, sua vida seguira um curso determinado, tendo como centro seu império empresarial. Então, num piscar de olhos, ganhava uma esposa, cujo desprezo e frieza provocavam-lhe uma instabilidade arterial semelhante à dos vulcões que jaziam naquelas ilhas.

Laurel não gostara de sua casa. Devia ter previsto. Afinal, tratava-se de uma construção simples no meio de lugar nenhum, com pouco mais que eletricidade e água quente como conforto. Laurel era uma mulher da cidade, acostumada ao luxo e devia estar mortificada com a idéia de passar sete dias numa casinha no topo de uma colina rochosa defronte ao mar Egeu na companhia do monstro que a forçara ao casamento..

Onde estava com a cabeça quando decidira leva-Ia ali? Aquilo não era cenário para lua-de-mel, supondo que fosse haver uma. Spiro, aquele raposão velho, dissera-lhe que se casara já não era sem tempo.

Só que aquilo não era um casamento, era um arranjo, e talvez fosse melhor ter isso em mente. Aliás, arranhando-se a superfície, descobria-se que nenhum casamento se dava por amor, mas por desejo, ou por solidão, ou pela procriação. Nesse sentido, ele e Laurel estavam adiante no tempo. Não havia fingimento na relação entre eles. Nada além da necessidade levara-os àquele ponto da estrada.

Damian encheu de novo o copo com ouzo. Pensando bem, não tinha do que reclamar. Teria um filho. Ao longo da semana, alegrara-se mais e mais com a perspectiva da paternidade. Apreciara cuidar do sobrinho Nicholas, mas o garoto entrara em sua vida já meio crescido. Seria diferente segurar um bebê nos braços, sabendo que tinha seus genes e que o criaria desde o início.

Sorriu irônico. A despeito de todos os avanços da ciência, um homem ainda precisava de uma mulher para ter um filho. Ou melhor, de uma esposa, tomando-se a atitude correta, e Laurel parecia-lhe mais que adequada.

Era bonita, inteligente e sofisticada. Passara a vida entre os ricos e famosos. De certa forma, era um deles. Desempenharia brilhantemente o papel de anfitriã nas festas e jantares que ele promovia com freqüência e, sem dúvida, seria uma boa mãe para o filho de ambos.

Quanto ao resto... Bem, o que conseguissem fazer na cama manteria a ambos satisfeitos. Ela não o rejeitaria para sempre. Apesar dos protestos, ela o desejava. Era uma mulher apaixonada que gostava de sexo. E que pertencia a ele. Se ela um dia se atrevesse a matar a sede com outro homem...

O copo estilhaçou-se em sua mão. Com um gemido de dor, deixou os cacos caírem no chão.

Enquanto se afobava para tirar o lenço do bolso, alguém segurou-lhe o pulso da mão ferida.

- Deixe-me ver isso - ordenou Laurel.

Damian olhou-a, zangado por ter perdido o controle e por ela tê-Io surpreendido nesse estado.

Ao vê-Ia tão linda, porém, seu humor melhorou.

De camisola longa e transparente, ela teria passado por Afrodite. Quando ela se abaixou para examinar-lhe a mão ferida, seus cabelos soltos exalaram um aroma fresco de xampu.

- O corte não parece profundo - tranqüilizou ela, enxugando o sangue. - Vamos lá para dentro passar uma água.

Damian não queria se mover. O momento era perfeito demais.

O corpo de Laurel roçando o seu. A respiração dela aquecendo-lhe os dedos...

Ela o fitou, curiosa. Os olhos dele estavam tão obscuros quanto a noite que espreitava na borda do mar. Ele parecia tenso...

De repente, os ombros dele pareciam mais largos sob a camisa de algodão escura. Podia-se ver a artéria pulsante em seu pescoço bronzeado, junto ao pomo-de-adão. Pela gola aberta, vislumbrava os pêlos escuros que lhe cobriam o peito musculoso.

Era como se uma fenda se abrisse diante dela, aterrorizando-a com sua profundidade incalculável.

- Precisamos lavar e desinfetar o corte - repetiu ela.

- Depois - murmurou ele. Com a mão boa, afastou-lhe o cabelo do rosto. - O que quer de mim, kali mou? Diga-me, e farei.

Beije-me, pensou Laurel, e faça-me admitir a verdade a mim mesma, de que não o odeio, de que não o desprezo, de que...

Soltou a mão ferida dele e afastou-se.

- Quero que me deixe limpar esse ferimento e fazer um curativo - declarou, agitada. - Estamos num local muito isolado. Se esse corte infeccionar, eu não saberia nem como conseguir ajuda.

Damian conformou-se.

- Tem razão. - Enrolou o lenço na mão machucada e sorriu polido. - Você se veria sozinha com um marido indesejado e incapacitado. Desculpe-me pelo egoísmo, Laurel. Por favor, sirva-se de limonada. Eleni preparou-a especialmente para você. Vou cuidar deste corte e, então, jantamos, Você me dá licença?

Laurel assentiu. Sozinha no terraço, voltou-se para o oceano. À medida que milhares de estrelas se acendiam no negro céu aveludado, lágrimas foram brotando de seus olhos, inexplicavelmente.

 

Laurel acordou cedo na manhã seguinte.

O coro de cigarras persistia, acompanhado agora pelo trinado de um pássaro. Não era como despertar ao som do despertador, ou das buzinas dos carros presos no congestionamento.

Trajando um vestido amarelo de verão, perambulou pela casa até chegar à cozinha. Eleni saudou-a com um sorriso, uma xícara de café preto bem forte e uma expressão indagadora, com certeza querendo saber o que preparar-lhe como desjejum.

Após muita mímica e algum mal-entendido que terminou em risadas, Laurel acomodou-se ao balcão de mármore para saborear uma tigela de iogurte fresco com morangos fatiados. A porta do terraço aberta deixava entrar uma brisa com aroma de flores e mar, aguçando-lhe o apetite. Depois de tomar a segunda xícara de café no terraço, saiu para caminhar na grama.

Era incrível como uma boa noite de sono e o sol da manhã podiam mudar o aspecto de tudo. No dia anterior, aquela casa parecera-lhe austera, mas agora via com que perfeição ela se inseria naquele cenário, aliás, longe de ser desagradável. Proporcionava uma sensação indescritível estar no topo de uma montanha, com o mundo diante dos olhos.

Num impulso, descalçou as sandálias e seguiu para os fundos da casa, de onde chegavam sons de marteladas. Devia ser o velho Spiro consertando alguma coisa.

Não, não era Spiro. Era Damian, com a mesma calça jeans de pernas recortadas, luvas de couro, mocassins surrados e absolutamente nada mais. Ajoelhado na terra, ele batia uma marreta contra uma pedra enorme, obviamente querendo despedaça-Ia.

Com movimentos rítmicos, ele se mantinha absorto no trabalho.

Laurel sabia que era errado observá-Io às escondidas, por detrás de um cipreste, mas não conseguia tirar os olhos do marido.

Ele era lindo demais! O sol refletia-se em seus ombros despidos, bronzeando ainda mais a pele dourada. Seu corpo todo cintilava sob uma fina cama de suor, destacando a potência dos músculos. Para completar, ele emitia um grunhido rouco, másculo, a cada marretada.

Laurel voltou dois anos no tempo, à época em que vivera com Kirk. Ele malhava sete dias por semana durante duas horas na academia de ginástica completa montada no porão de sua mansão em Long Island, mas nunca conseguira modelar o corpo à perfeição natural que Damian exibia.

Lembrou-se então da sensação dos braços fortes de Damian em torno dela ao fazerem amor...

- Laurel?

Ela piscou e voltou, ao presente. Damian voltara-se e a vira.

Pousando a marreta, agora enxugava o rosto e o pescoço com uma toalha.

- Desculpe-me, não quis assustá-Ia - declarou ele, aproximando-se.

- Não assustou. Sempre acorda assim tão cedo?

Ele descalçou as luvas e pendurou-as num bolso traseiro.

- Sempre. É preciso começar cedo aqui no verão, ou não se faz nada. Dormiu bem?

Laurel fez que sim. - E você?

- Sempre durmo bem quando estou em casa.

Não era bem verdade. Damian passara metade da noite acordado, pensando em Laurel, que dormia a poucos metros de distância. Quando finalmente adormeceu, foi atormentado por sonhos frustrantes. Pensara em ocupar todo o período da manhã com um trabalho pesado, mas a visão de sua esposa descalça, bela como uma Vênus com a, brisa agitando-lhe a saia do vestido, desconcentrara-o totalmente.

- O que está fazendo? - indagou ela.

- Uma idiotice, segundo Spiro. Pensei em preparar um canteiro de flores bem aqui.

Laurel franziu o cenho.

- Spiro não gosta de flores?

- Ah, gosta, mas acha que nunca vou conseguir vencer esta pedra. - Damian deu um chute no obstáculo. - Imagine se vou desistir sem lutar.

Laurel não conseguia imaginar Damian desistindo de nada sem luta. Não era por isso que ela estava ali, casada com ele?

- Além disso, eu estava mesmo precisando tornear os músculos... - prosseguia ele. - Dias inteiros atrás da escrivaninha, almoços e jantares de negócios... Sempre descubro um jeito de emagrecer alguns quilos quando venho a Actos.

- Você cresceu aqui, nesta casa? Damian riu.

- Não, não nesta casa. - Tomou-lhe as sandálias e ajoelhou-se. - Assim que as calçar, vou lhe mostrar tudo por aqui.

Laurel estava constrangida.

- Não, não precisa me ajudar. Não sou inválida. Só estou...

- Grávida - completou ele, severo. Cumprida a tarefa, levantou-se e afagou a barriga dela. - E de um filho meu.

Ela o fitou desafiadora. Mas o contato com a mão dele a enfraquecia, subjugava.

Damian estendeu a mão.

- Vamos.

- Não, não quero que pare seu trabalho.

- Esta pedra e eu somos velhos inimigos. Podemos fazer uma trégua. Venha, Laurel. Esta ilha é sua também. Deixe-me mostrá-Ia.

Laurel quis contrariar, mas ele já a puxava pela mão, os dedos fortes parecendo queimá-Ia. Bem, que mal havia em passear um pouco com ele?

Damian mostrou-lhe tudo, e com muito orgulho, a julgar pelo entusiasmo com que falava. Os antigos celeiros de pedra, os pastos, os carneiros que não passavam de pontinhos brancos lá no fundo do vale e até as galinhas ariscas que atravessavam o caminho. Ele considerava tudo importante, e por isso mesmo os empregados o respeitavam.

Acabaram descendo um morrinho em direção ao arvoredo que parecia moldado pelo vento soprado do mar.

- Aqui é o coração de Actos - anunciou Damian, solene.

- Estas oliveiras? Você as plantou?

- Não, de jeito nenhum. Estas árvores são muito antigas, algumas têm centenas de anos. Mas cuido delas, levei anos para recuperá-Ias. Esta propriedade passou muito tempo abandonada, até que a comprei.

- Quer dizer que não era de sua família?

- Acha que herdei a casa e as terras? - Damian balançou a cabeça, descontraído. - Não, a única coisa que herdei de meus pais foi o nome... e às vezes até disso duvido.

Laurel embaraçou-se.

- Desculpe-me. Não quis ser inconveniente.

- Não, não se desculpe. Você tem o direito de conhecer a minha história. - Damian respirou fundo, buscando inspiração. - Meu pai era marinheiro, Engravidou minha mãe e só se casou com ela porque ela ameaçou ir à polícia e acusá-Io de estupro. Abandonou-a assim que nasci.

Laurel ficou chocada.

- Oh, Damian...

- Sem piedade, por favor. - Damian caminhou até a muralha de pedra à beira do penhasco e admirou o mar brilhante. - Nunca acreditei muito nessa história. Minha mãe era uma prostituta de taverna.

- Oh, Damian, lamento... Ele a olhou.

- Por quê? Não contei isso para que ficasse com pena de mim, mas porque você tem o direito de conhecer a história podre do homem com quem se casou.

- Um homem honrado - completou Laurel, sincera. - Nem todo homem tomaria a decisão que você tomou sobre o bebê, sobre o nosso bebê.

- Uma decisão que não a agradou - observou Damian.

- Nunca gostei que decidissem por mim.

Ele sorriu perspicaz. - Está me chamando de autoritário?

- Vai dizer que não é?

Uma rajada devendo agitou os cabelos de Damian e ele afastou-os do rosto, num gesto quase infantil.

- Tenho a impressão de que você e Spiro vão se aliar para me tornar humilde.

- Você? Humilde? - Laurel riu, incrédula. - Só se ele for um milagreiro. Aliás, quem é ele, afinal?

Damian respirou fundo o ar marinho.

- É apenas o homem que salvou não só minha vida, mas também minha alma. Ele me achou nas ruas de Atenas, quando eu tinha dez anos. Eu já tinha passado dois anos perambulando ao deus-dará.

Laurel arregalou os olhos. - Mas... e sua mãe?

Damian deu de ombros. - Certo dia, acordei e ela tinha ido embora. Tinha deixado um bilhete, algum dinheiro... Não me importei. Já fazia tempo que eu mesmo tomava conta de mim.

Laurel tentava imaginar o que era ser criança e ver-se de repente só no mundo.

- Como?

- Oh, não foi difícil! Eu era pequeno e ágil. Vivia surrupiando frutas e tomates nas bancas. E, com um sorriso e um pouco de sorte, conseguia uns trocados dos turistas. - Damian afastou os cabelos que flutuavam em torno do rosto de Laurel. - Tornei-me também um exímio batedor de carteiras, até o dia em que Spiro surgiu em minha vida.

- Você tentou roubar, e ele o pegou? Damian fez que sim.

- Já era velho como Matusalém na época, mas forte como uma oliveira. Apresentou-me duas alternativas: a polícia, ou ir com ele. Fui com ele.

- Mas, Damian... você não tem uma irmã? Nicholas é seu sobrinho, não é?

- A mãe dele e eu nos considerávamos irmãos, mas não tínhamos ligação de sangue. Retomando a história, Spiro me trouxe para morar com ele aqui. Então, no verão em que completei treze anos, um casal de americanos descendentes de gregos veio a Actos, em busca de suas origens. Spiro achava que eu merecia um futuro melhor do que o que ele podia oferecer e pediu aos americanos que me levassem para os Estados Unidos.

- E eles concordaram?

- Eram boas pessoas, e Spiro apostou em sua lealdade grega. Levaram-me para Nova York e colocaram-me na escola. Estudei bastante e consegui uma bolsa de estudos em Yale... - Damian deu de ombros. - Tive sorte.

- Sorte - repetiu Laurel, incrédula.

- Sorte, esforço próprio... quem sabe onde termina uma e começa o outro? Uma coisa é certa: não fosse Spiro, eu estaria tendo uma vida diferente.

- Vou agradecer a ele - decidiu Laurel. Damian surpreendeu-se.

- Você? Se ele houvesse me deixado na rua, eu jamais teria invadido e transtornado sua vida.

- Eu sei.

A fim de feri-Io, Laurel podia dizer que preferia que Spiro não o houvesse recolhido do abandono, mas não o fez. Seu silêncio dizia o contrário.

- Matya mau - sussurrou Damian.

- O que significa isso, afinal? - indagou ela.

Damian inclinou o rosto e encostou os lábios nos dela. - Quer dizer "minha querida".

Laurel enterneceu-se.

- Gosto do som das palavras. É difícil aprender grego?

- Eu ensino a você. - Ele afagou-lhe o lábio inferior. - Faço tudo o que você quiser...

A Laurel cabia agora uma mentira, para proteger-se, mas como mentir àquele homem, que acabara de se abrir para ela?

- Acho que não sei o que quero, Damian. Só sei que, quando estou com você...

Ele tomou-lhe a boca num beijo profundo, apaixonado. Ela resistiu por alguns segundos, então, enlaçou-lhe o pescoço e retribuiu.

 

Damian estava desconcertado com o beijo de Laurel.

Não devido à paixão ardente que revelava, mas por conter um sabor de derrota.

Ela lhe pertencera naquela noite em Nova York, mas apenas temporariamente. Agora, abraçando-a no topo de uma colina refrescada pela brisa do mar Egeu, fez um voto secreto. Dessa vez, quando fizesse amor com ela, iria tê-Ia para sempre.

Estaria estreitando-a com muita força? Beijando-a com ímpeto excessivo? Provavelmente sim, e deveria controlar-se ... mas não conseguia, não quando tinha a boca de Laurel tão macia e dócil sob a sua, não quando sentia o descompasso do coração dela. O desejo a consumia tanto quanto a ele. O desejo e algo mais.

Não conseguia pensar. Só conseguia sentir. Quando ela gemeu baixinho e se apertou contra ele, para que sentissem seus corpos moldados um ao outro, ele quase perdeu a cabeça de excitação. - Damian... Damian, por favor...

Ele afundou os dedos nos cabelos dela, contornando-lhe as faces com os polegares, e fez com que levantasse o rosto. Viu olhos obscuros de desejo, o rubor tomava-lhe as bochechas.

- Diga - murmurou ele, como da primeira vez. - Diga, o kalí mou.

Laurel roçou os lábios nos dele.

- Faça amor comigo - -pediu ela, e suspirou.

Damian ergueu-a nos, braços e levou-a a uma torre de pedra, parte integrante da muralha.

Fora dali que, mil anos antes, guerreiros haviam protegido a ilha dos ataques dos piratas. Agora, ao acomodar a esposa sobre um monte de feno limpinho e cheiroso, Damian sabia que estava para lutar numa batalha em que não se saberia quem era o vencido e quem era o vencedor.

Ordenou a si mesmo que a despisse devagar, a despeito da urgência que o devorava. Mas quando ela pousou as mãos em seu peito e começou a deslizá-Ias em sentido descendente, até chegar a sua excitação enrijecida, o restinho de controle que mantinha evaporou-se.

Avido, Damian arrancou-lhe o vestido de verão e viu-a toda seda e rendas sobre uma pele quente e perfumada. Tentou de novo desacelerar o processo, mas Laurel não o deixava. Beijando-o com ardor, ela massageou-lhe os ombros e o peito musculosos, tocou-lhe o ventre rijo e introduziu os dedos sob o elástico da bermuda. Com um grunhido, ele levou as mãos para junto das dela e, juntos, livraram-se da peça.

Finalmente, tinham pele contra pele, calor contra calor, isolados no universo.

- Damian... - murmurou Laurel.

Ele inclinou o rosto sobre o dela e beijou-a. - Sim, querida ... Sim, o kaloz mou.

No instante seguinte, ele estava dentro dela, mergulhado em seu ponto mais íntimo.

Pouco antes de desintegrar-se nos braços do marido, Laurel por fim admitiu a si mesma a verdade.

Estava apaixonada, completamente apaixonada, por Damian Skouras.

Muito tempo depois, sob o sol abrasador do meio-dia, voltaram para casa.

A empregada fechara as persianas de todas as janelas, a fim de manter o saguão sombreado e fresco. Tudo estava em silêncio, com exceção das pás do ventilador girando lentamente no teto. - Onde estará Eleni? - indagou Laurel, olhando em torno.

- Por quê? Precisa de alguma coisa? - Damian puxou-a de encontro a si e beijou-a. - Eu a servirei. Não quero dividir você com mais ninguém.

- Não estou precisando de nada, Damian. Só imaginei - Ela enrubesceu. - Se ela nos vir, vai saber que estivemos...

Damian sorriu. Havia feno emaranhado nos cabelos de Laurel, e sua pele rosada era uma indicação de que passara horas ardentes nos braços dele.

- Ela vai saber que fizemos amor, keeria mou – concluiu, com naturalidade.  

- O que quer dizer keeria mou?

- Quer dizer"minha esposa". - Damian beijou-a nos cabelos.

- E o marido pode fazer amor com sua mulher sempre que quiser. - Tocou-lhe o queixo e a fez levantar o rosto. - Em Actos, em Nova York... em qualquer lugar, desde que ela também queira. Concorda?

- Só se as mesmas regras se aplicarem à esposa. Damian sorriu.

- Não aprendeu na escola que a democracia foi inventada aqui, nestas ilhas?

Laurel aquiesceu. - Sendo assim...

Erguendo-se na ponta dos pés, aproximou os lábios do ouvido do marido e sussurrou-lhe algo.

Damian riu.

- Eu não teria sido mais criativo!

Tomou-a nos braços e carregou-a escada acima, rumo ao quarto de ambos.

Os dias, e as noites, passaram voando, correspondendo a cada um uma revelação.

Damian, o homem capaz de tudo, de salvar uma corporação em apuros a investir contra uma pedra, tinha um defeito.

Um defeito grave, na opinião de Laurel. Ele não sabia jogar baralho.

Mas jurou que sabia jogar bacará e que até já ganhara um ou dois dólares num jogo de pôquer.

Laurel não se deixou lograr. Como podia ter chegado aos quarenta anos sem aprender a jogar baralho?

- Trinta e oito - corrigiu ele, dispondo-se a aprender, se ela quisesse ensinar.

Das seis rodadas que já haviam completado, ele perdera todas.

- Ah, esse jogo não é muito interessante... - resmungou ele, justifIcando o fiasco.

- Bem, podemos jogar por pontos - sugeriu Laurel.

- Mesmo assim, é muito chato... Que tal apostarmos dinheiro?

- Está bem. Um dólar por rodada.

Damian olhou-a ainda mais desanimado.

- Chama isso de aposta?

Laurel empertigou-se.

- Saiba que sou campeã não oficial de baralho no circuito Milão-Paris. O que quer apostar?

Ele sorriu maroto. - Uma peça de roupa por rodada... Ela estreitou o olhar.

- Acho que você vai se dar mal...

Meia hora depois, Laurel estava só de calça jeans e sutiã. As sandálias, o cinto, a camisa e até a fita com que amarrara os cabelos estavam espalhados sobre o tapete branco da sala de estar. - Isso não é justo - reclamava. - Você já sabia jogar!

Damian sorriu vitorioso. Acabava de vencer mais uma rodada.

Sentado no tapete, recostou-se nas almofadas e cruzou os braços. - E então?

Laurel contraiu os lábios e tirou um brinco.

- Desde quando brincos são peças de roupa, keeria mou? questionou ele. - Não vou deixar por menos.

Constrangida, ela abriu o zíper da calça e tirou-a.

- Vou virar esse jogo - prometeu. - Aí, vou me vingar, você vai ver!

Irônico, Damian embaralhou e distribuiu as cartas mais uma vez. Ganhou.

Laurel sentiu um calor incômodo no ventre.

- Damian, você não vai me fazer tirar...

Seus olhares se encontraram. Ela engoliu em seco, ficou de joelhos e abriu o fecho do sutiã. Sem pressa, baixou dos ombros uma alça de cada vez e, por fim, colocou-a de lado.

Damian ofegava, sem tirar os olhos de cima dela.

- Pronto - murmurou Laurel.

Com um grunhido rouco, Damian derrubou-a sobre o tapete.

A partir daí, por um longo tempo, os únicos sons na sala eram suspiros e sussurros de amor.

Damian ainda não acreditava que Laurel sabia cozinhar. Discutiram a respeito, certa tarde, no meio de um campo de margaridas, ele com a cabeça no colo dela.

Indignada, ela mencionou a massa de pão fermentado que ele encontrara em sua cozinha em Nova York. Desdenhoso, ele lembrou que pensara tratar-se de um experimento químico mal-sucedido.

Laurel arrancou um punhado de margaridas e espalhou-as sobre o peito dele.

- Um dia, você vai provar meu pão e comprovar que é o mais gostoso do mundo.

- Mal posso esperar...

- Pode perguntar a Grey, meu vizinho!

- Ele não conta. Está embasbacado por você e elogiaria seu pão mesmo que tivesse gosto de papelão.

Laurel ficou estupefata.

- Isso é uma ofensa! Saiba que Grey é apaixonado pela esposa, Susie!

Damian ergueu o tronco e entrelaçou os dedos nos dela.

- Folgo em saber. Também sou apaixonado pela minha...

Laurel espanou uma pétala de margarida dos cabelos dele.

- Jura?

Ele precisava contar-lhe um fato. Não tinha por que adiar mais.

Não significava nada para ele, mas sua esposa tinha o direito de saber.

- Já lhe contei que fui casado uma vez? Laurel deixou de sorrir.

- Não.

- Pois fui. Durou exatas três semanas.

- O que aconteceu? - Laurel ergueu a mão. - Não, deixe-me adivinhar. A moça lhe serviu papelão dizendo que era pão e você a mandou passear.

- Antes tivesse sido! O problema era que não tínhamos nada em comum. Ela queria meu nome e meu dinheiro, enquanto eu...

- O que você queria?

- Foi um equívoco - desconversou Damian.

- Mas por que se casaram, então? - insistiu Laurel. - Ela estava grávida também?

Ao ver Damian endurecer o semblante, ela se arrependeu das palavras impensadas.

- Não, ela não estava grávida - replicou ele. - Nesse caso, ainda estaríamos casados, eu lhe garanto.

- Por dever - concluiu Laurel. Levantando-se, espanou as partículas de flores das roupas. - Claro. Esqueço-me de quão nobre você é, Damian. Desculpe-me. - Tomou o rumo de casa.

Damian segurou-a pelos ombros e virou-a de frente para ele.

- O que há com você, Laurel? Está zangada comigo por eu ter me divorciado de uma mulher que não amava? Ou por admitir que teria agido corretamente com ela, se necessário?

- Não estou zangada com você - declarou ela. - Só gostaria que não me culpasse por ser curiosa, Damian. Afinal, acabo de saber que você já teve uma esposa.

- Esse casamento não significou nada, eu já lhe disse. Conhecemo-nos, pensamos estar apaixonados e nos casamos. Quando percebemos a verdade, já era tarde demais.

- É o que acontece, quando uma pessoa se casa por impulso... Damian sacudiu-a, fumegante de raiva.

- Não ouse comparar esse casamento com o nosso! Casei-me com você por... por...

- Porque eu estava grávida.

- Não. Quero dizer...

- Não precisa explicar - dispensou Laurel, gélida. - Ambos sabemos quão honrado você é. Você se casou comigo pelo bem de seu filho e pelo mesmo motivo continuará casado. Certo?

Damian agarrou-a nos braços e beijou-a, exatamente como fizera ao anunciar que a tomaria como esposa.

Mas Laurel não correspondeu. Não sentia nada. Nem desejo, nem raiva. Nada. Desvencilhou-se dele.

- Deixe-me em paz!

Com isso, iniciou a subida da colina, rumo à casa.

Damian tinha os punhos cerrados. Onde foi que errara? Imaginara que haviam superado o problema, que Laurel finalmente se conformara às circunstâncias daquele casamento, mas via que não.

Estivera ela fingindo sempre que fizeram amor? Mesmo abandonada em seus braços, beijando-o, tocando-o, desejava que ele nunca a houvesse forçado a se casar? Porque ele forçara, que fato. Céus, agira como um déspota!

De qualquer forma, agora eram marido e mulher. Laurel tinha de aceitar o fato. Quanto àquela briga que tinham tido... bem, ele a faria esquecer aquela bobagem ao levá-Ia para a cama, à noite.

Respirou fundo, enfiou as mãos nos bolsos e contemplou o oceano. Não, Laurel não fingira sempre que fizeram amor. Seus suspiros e sussurros tinham sido verdadeiros.

Se fossem falsos, teria percebido. Não teria?

 

No quarto em que passara a primeira noite naquela casa, Laurel mirava-se no espelho da penteadeira.

Não o ocupara mais, desde então. Todas as outras noites, além de muitas manhãs e tardes, passara no quarto de Damian... na cama dele.

Com mão trêmula, pegou a escova com cabo de prata e começou a arrumar os cabelos.

O que acontecera com ela naquela tarde? Damian já fora casado uma vez. E daí? Ela também já tivera um relacionamento antes, um casamento informal, ainda que Kirk nunca o considerasse como tal. Fora fiel, amorosa e, ao ver-se traída, seu coração não ficara menos despedaçado do que se fosse a sra. Kirk Soames. Amara-o de verdade, como a um marido...

Incapaz de sufocar o choro, largou a escova e enterrou o rosto nas mãos.

Não era verdade. Nunca amara Kirk realmente, sabia agora.

O que sentia por Damian fazia seus sentimentos por Kirk parecerem insignificantes.

Isso explicava seu vexame daquela tarde.

Levantou o rosto e analisou os olhos inchados refletidos no espelho.

Damian lhe contara que já se casara uma vez, por impulso, e que a união fracassara. Concluíra, então, que ele se casara com ela também por impulso, cumprindo um dever.

Oh, como esperara que ele negasse!

Casei-me com você porque te amo, esperara que ele dissesse. Porque sempre vou te amar.

Mas ele não dissera. Damian se casara com ela apenas para que o filho tivesse um pai. Ao mesmo tempo que reconhecia sua atitude correta, decente, ansiava por ouvi-l o declarar que a desposara por amor.

Mas ele jamais faria tal declaração. Era esposa de Damian Skouras, mas não o amor de sua vida. Davam-se bem na cama, mas, se ela continuasse a fazer cena como as daquela tarde, nem aquilo teriam mais.

Contraiu os lábios, amargurada. Sabia tudo sobre homens como Damian e suas promessas de fidelidade.

- Laurel?

Através do espelho, Laurel viu a porta se abrir. De roupão felpudo; Damian manteve-se à soleira. Sabia, por experiência, que ele não usava nada por baixo. Teve que se segurar para não se atirar nos braços dele.

A dor e o orgulho mantinham-na firme no lugar. Laurel voltou-se na banqueta.

- Sim?

- Está melhor?

Ela declinara o jantar, alegando estar com dor de cabeça. Jamais teria revelado que o que doía era seu coração.

- Muito melhor, obrigada. Eleni trouxe-me chá e aspirina. Damian avançou um passo.

- Já é tarde.

- É mesmo? Nem notei.

Ele aproximou-se mais, erguendo a mão, e ela temeu que ele lhe tocasse os cabelos. Seria sua perdição. Mas ele apenas endireitou o espelho da penteadeira.

- Você vem dormir? - indagou.

Laurel voltou-se para o espelho. Como podia ele agir tão descontraidamente após a discussão feia que tinham tido? Talvez já houvesse esquecido. No que lhe dizia respeito, ela era sua esposa e devia acompanhá-Io ao leito conjugal, no qual, aliás, ela sempre. se mostrara à vontade. Engoliu em seco ao recordar o que já haviam feito naquela cama.

Por que o fato de amar um homem que não a amava, que jamais a amaria, de repente fazia tudo parecer tão vulgar?

- Vou passar esta noite aqui - informou, pegando a escova outra vez. - Ainda estou com um pouco de dor de cabeça.

- Quer que eu mande buscar um médico em Creta?

- Não, de jeito nenhum.

- Tem certeza? Laurel, se não estiver se sentindo bem...

- Eu estou bem. O bebê está bem. - Ela deu um sorriso fraco no espelho. - É apenas um velho hábito meu, Damian. Gosto de ter uma noite só para mim. Kirk costumava dizer que...

- Kirk?

- O homem com quem vivi. Ou melhor, o homem com quem pensei em me casar. Nunca lhe falei sobre ele?

- Não.

Laurel olhou para Damian através do espelho e arrependeu-se da falta de tato.

- Damian...

Mas ele já seguia para a porta, junto à qual se deteve.

- Tem razão. Uma noite separados vai nos fazer bem. Até amanhã.

Damian fechou a porta com força e seguiu para a suíte principal, contendo o impulso de esmurrar a parede. Escancarou ás portas duplas do terraço. O cálido ar noturno envolveu-o, sufocante.

Então, Laurel já vivera com um homem. E daí? Não importava.

Agora, estava casada com ele, certo?

Mas casara-se sob protesto. Sob a ameaça de perder a guarda do filho. Vítima de chantagem.

Deu meia-volta e esmurrou a parede. Ante a dor aguda, levou os dedos à boca e sentiu um gosto de sangue. Gostaria que fosse o sangue do tal Kirk. Ora, devia ser um idiota, tendo aberto mão de Laurel.

Qualquer homem a desejaria. Qualquer homem se apaixonaria por ela.

Então, Damian enxergou a verdade. Amava Laurel. Amava sua esposa.

- Eu a amo - sussurrou à noite, e riu incrédulo. Como não percebera isso antes?

E talvez ela o amasse também.

Levantou o rosto para o céu sem lua, como se a resposta estivesse lá, junto aos milhões de estrelas cintilantes que o adornavam.

Isso explicaria tudo.

A maciez dela em seus braços. A paixão que ela não conseguia disfarçar sempre que ele a tocava. E até sua reação exacerbada naquela tarde, após ele contar-lhe que já fora casado antes.

Seu coração encheu-se de esperança. Talvez aquilo que interpretara como raiva fosse, na verdade, dor. Talvez, ao saber de sua ex-mulher, ela houvesse sentido o mesmo ciúme que ele sentira ao saber de Kirk.

Mas, se o amava, por que ela decidira dormir sozinha? Teria apreciado tanto assim contar-lhe que já vivera com outro homem e quase o desposara?

Damian respirou fundo. Sempre orgulhara-se de saber como fazer um traço direto entre A e B num diagrama, mas agora sentia-se andando em círculos.

Só havia uma coisa a fazer. Voltar ao quarto de Laurel, arrastá-Ia de volta à suíte principal e sacudi-Ia, ou beijá-Ia, até que confessasse o que sentia de fato por ele.

O telefone tocou. Quem podia ser àquela hora adiantada?

- Quem quer que seja, espero que tenha um bom motivo para estar telefonando.

Era Hastings, seu advogado particular, ligando de Nova York.

- Parece que estamos com um problema, sr. Skouras. Damian sentou-se na beirada da cama, apreensivo. Ao saber do que se tratava, ficou rubro de ódio, comparável a um vulcão prestes a explodir.

- Gabriella quer me processar por quebra de promessa?! Ela está louca? Vai vender a história aos jornais se eu não atender a suas exigências? E daí... - Empalideceu. - Se ela arrastar minha esposa para essa lama...

Segundo o advogado, Gabriella tinha como trunfo o fato de ter tido apenas Damian como amante desde que se divorciara.

Damian agarrou o fio do telefone.

- Pois bem, Hastings, preste bem atenção no que quero que você faça... - Após dar as instruções, finalizou: - Consiga as informações para amanhã. Isso mesmo. Amanhã, nos vemos em Nova York.

Furioso e determinado, gastou os minutos seguintes tomando providências. Falou com Spiro pelo interfone e telefonou para o piloto do jatinho, em Creta.

Deveria acordar Laurel e avisá-Ia de que estava partindo? Não. Como explicar-lhe que sua vingativa ex-amante armava o cenário de um escândalo, ela no papel de ingênua abandonada e Laurel como a vilã calculista que engravidara de um milionário para dar o golpe do baú?

Pela manhã, Spiro lhe diria que ele voltara a Nova York devido a um negócio urgente. Ela não ia gostar, mas seria só por um dia ou dois. De volta a Actos, ele a tomaria nos braços, declararia seu amor e, se os deuses quisessem, ouviria dela que o amava também. Se ela não dissesse... ora, se ela não dissesse, ele a faria amá-Io, beijando-a até apagar de sua mente a lembrança do tal Kirk, de modo que pudessem recomeçar do zero.

Precisava apenas revê-Ia, mais uma vez, antes de partir. Saiu ao corredor às escuras. Nenhuma luz escapava do quarto de Laurel. Sem fazer barulho, abriu a porta e entrou.

Ela dormia a sono solto, deitada de costas. Como estava linda. E como a adorava.

- Kali mou - murmurou. - Meu amor. Inclinou-se e roçou os lábios nos dela. Ela se mexeu um pouco e suspirou. Damian lutou para não estender-se ao lado dela e aperta-Ia junto ao corpo.

Primeiro, cuidaria de Gabriella. Com as feições endurecidas, deixou o quarto da esposa, fechando a porta devagar,

Gabriella que o aguardasse.

 

Laurel despertou para um sol brilhante com a memória tão etérea quanto uma nuvem.

Sonhara, ou Damian entrara mesmo em seu quarto no meio, da noite, beijara-a e chamara-a de "minha amada"?

Parecera tão real... Mas não podia ter sido. Haviam brigado. Ele até tentara fazer as pazes, mas ela se recusara.

Soergueu-se na cama, afastou o lençol que a cobria e esfregou as mãos no rosto. Ou melhor, ela não recusara a oferta de paz. Praticamente o esbofeteara, esfregando em seu nariz o relacionamento que tivera com Kirk. Por que fizera aquilo? O homem que amava, o único que já amara, era Damian.

Vestiu-se rapidamente, sem caprichar muito. Tinha pressa para retificar o dano que causara na noite anterior. Damian não a amava, não ainda, mas gostava dela. Ao menos, estava gostando, até ela fazer aquela cena horrível.

Bem, só havia um jeito de remediar aquela situação.

Tinha que contar a verdade a Damian. Pouco importava o orgulho e a dor que sentiria ao confessar que o amava sem ouvir dele que a amava também. Iria procura-Io, dizer-lhe que Kirk nunca representara nada em sua vida e que nenhum outro homem jamais representaria, exceto ele.

Sentia o coração acelerado, de apreensão e expectativa. Após romper com Kirk, jurara nunca mais mostrar-se tão vulnerável a um homem. Mas Damian não era um homem qualquer. Era seu marido, seu amante, o homem que sempre amaria.

Endireitou os ombros e saiu ao corredor.

Damian não estava no quarto dele. Não era de surpreender. Já passava das oito horas, era tarde, pelos padrões dele, e naquela manhã nada o segurara na cama. Não tivera a ela aninhada em seu braço, a cabeça apoiada em seu ombro, sussurrando-lhe "bom dia" lânguida e sedutoramente.

Ele não estava na cozinha, tampouco, nem no terraço, bebericando a segunda xícara de café enquanto repassava com Spiro os trabalhos a serem realizados naquele dia.

Encontrou Eleni aguando os vasos de amor-perfeito e brinco-de-princesa.

- Kaliméra sas.

- Kaliméra sas, Eleni - cumprimentau Laurel. - Sabe onde está o sr. Skouras?

A empregada ergueu as sobrancelhas. - Madame?

- Meu marido, tem idéia de onde ele passa estar? - Laurel balançou a cabeça. - Esqueça. Pode deixar que eu o encontro.

Mas não encontrou. Ele não estava no celeiro, nem passeando sobre a muralha, nem marretando a pedra.

- Kaliméra sas.

Era Spiro. Aproximara-se dela sem fazer barulho, como uma sombra.

- Kaliméra sas - respondeu Laurel. Sabia que o ancião entendia algumas palavras em inglês. Talvez conseguisse informá-Ia do que queria saber. - Spiro, sabe onde está o sr. Skouras... Damian?

O velhinho respondeu do jeito que sabia: - Sair... ilha... senhora.

Laurel franziu o cenho.

- Ele deixou a ilha? Foi para ereta?

- Ir... Nova York. Negócio.

- A negócios - repetiu Laurel.

Então, sem poder se conter, começou a chorar. Spiro afligiu-se.

- Não... chorar... senhora.

- A culpa é minha... -murmurou ela. - Toda minha. Nós brigamos e eu o magoei muito ... Nunca vou poder dizer a ele o quanto...

Sentou-se num banco e enterrou o rosto nas mãos. Spiro observava-a preocupado, sem saber como ajudar. Ofereceu-lhe um lenço.

- Tudo... ficar... bem.

Laurel assoou o nariz e levantou-se.

- Não, não vai ficar tudo bem. Você não entende, Spiro. Eu menti para Damian. Foi uma mentira horrível. Eu disse coisas cruéis...

- Você... ama... ele - adivinhou .o ancião. Laurel aquiesceu.

- Sim, eu o amo, de todo o coração. Se ao menos eu o houvesse acompanhado ontem à noite. Se não tivesse sido tão orgulhosa. Se ao menos pudesse ir ao encontro dele agora ..

Era o que Spiro imaginara. Damian e a esposa haviam brigado.

Por isso ele a deixara no meio da noite.

- Aonde vai a essa hora? - questionara, ao ver Damian pronto para partir.

- Para Nova York - respondera Damian. - E, antes que pergunte, Laurel não sabe que estou indo e não vou contar a ela.

- O que vou dizer quando ela perguntar?

- Diga o que quiser - respondera Damian.

O ancião franziu o cenho. Damian e essa mulher amavam-se profundamente, era evidente, mas, par motivos além da compreensão, não reconheciam o fato.

- Spiro? - chamou Laurel. Mais calma, exibia os olhos límpidos e cheios de determinação. - Sei que você ama Damian. Bem, eu também o amo. Preciso dizer-lhe que nunca houve ninguém além dele e que nunca haverá.

Diga o que quiser...

O velho endireitou os ombros.

- Sim, senhora... dever... contar... a ele. Vou... ajudar.

 

No auge do verão, a cidade de Nova York sufocava-se em meio ao calor terrível.

Fazia calor em Actos também, mas lá o sol brilhante, o mar límpido e o céu claro cercavam a terra de uma beleza mística.

Em Manhattan, uma camada cinzenta de poluição impedia que se visse o sol em todo o esplendor. O ar era pesado, opressivo.

Era com alívio que Damian tamava o elevadar rumo a seu apartamento de cobertura. Tivera um dia cheio.

Despiu o paletó, tirou a gravata e ligou o ar-condicionado. Uma corrente de ar frio refrescou o saguão. Tanto o chofer quanto a empregada estavam de férias, de modo que tinha o lugar só para si. Isso era ótimo.

De olhos fechados, sentiu o corpo resfriar-se ao desabotoar a camisa e arregaçar as mangas. Não bancaria o cidadão civilizado naquela noite, não após lidar com Gabriella. Passara uma hora trancado numa sala com ela e seus advogados, O perfume horrível dela ainda impregnava-lhe as narinas,

- Tem certeza de que quer uma reunião frente a frente com ela? - questionara seu advogado, Hastings.

Damian teria preferido estrangular a mulher, mas a reunião era a única alternativa possível. Enquanto a vigarista chorava lágrimas de crocodilo no lencinho de renda, fazendo-se de vítima, ele imaginou o que foi que vira nela um dia.

O cabelo oxigenado. A maquiagem bem-feita, mas excessiva. As jóias vistosas, que ele lhe dera, aliás. Tudo o ofendia. Mas mantinha-se calmo tendo em mente a última imagem de Laurel, dormindo resplandecente na noite tranqüila de Actos.

Por fim, cansara-se da discussão legal e da atitude de Gabriella.

- Basta.

Todos olharam para ele. Satisfeito com a atenção, Damian atirou sobre a mesa o dossiê com as informações que obtivera a seu respeito,

- O que é isso, querido? - indagara ela, afetada. Pela primeira vez na reunião, ele sorriu.

- Seu passado, querida, alcançando-a.

Pálida, Gabriella abriu a pasta e... fim de farsa. Começou a xingá-Io de tudo quanto era nome e a proferir ameaças descabidas, fora de si.

Enquanto isso, o advogado dela tomava conhecimento do conteúdo do dossiê. Havia uma lista com os nomes de todos os homens com quem ela já se envolvera e fotos recolhidas dos arquivos de vários detetives particulares, incluindo uma com ela de topless sentada entre as coxas de um homem nu numa praia cheia de palmeiras.

Damian mal se conteve ao ver o advogado de Gabriella deixar a sala sem dizer palavra.

- Aos detetives particulares! - brindou Damian, servindo-se de vodca com gelo. Com outro copo na mão, subia agora para o quarto em que fizera amor com sua esposa pela primeira vez. E fora amor. Tinha certeza agora. Era ilógico, era embaraçosamente romântico, mas já não tinha a menor dúvida de que se apaixonara por Laurel à primeira vista.

Mal podia esperar para dizer-lhe isso.

Assim que chegasse a Actos, iria tomá-Ia nos braços e despejar o que estivera em seu coração todo o tempo: que a amava e sempre amaria, que não importava quem ela amara no passado, porque ele, Damian Skouras, era seu futuro, e só o futuro importava.

Pousou o drinque, despiu o resto das roupas e entrou no banheiro. Seu jatinho já o aguardava no aeroporto. Em poucas horas, estaria em casa.

Tomou um banho rápido. Não havia um minuto a perder. Quando mais cedo partisse, mais cedo se veria nos braços de Laurel.

Só precisava passar em mais um lugar.

Com uma toalha presa à cintura, passou os dedos pelos cabelos molhados e pegou de novo o drinque.

Iria à joalheria Tiffany's. Não dera a Laurel um anel de noivado.

Agora, repararia a falta, com um pouquinho de atraso. O que ela preferiria? Diamantes e esmeraldas? Diamantes e safiras? Talvez fosse melhor comprar-lhe logo vários anéis.

Desceu a escada animado. Mais um drinque, não alcoólico, pois queria a mente lúcida na hora da escolha da jóia, e sairia.

Mas o que era aquilo?

O painel de seu elevador privativo indicava que alguém estava subindo à cobertura. Não estava esperando ninguém. A portaria não deixaria ninguém subir.

A menos que fosse Laurel. Seu coração descompassou-se.

Não era possível: Laurel estava em Actos. Não conseguiria ir embora da ilha sozinha, a menos que Spiro...

Spiro não aprovara sua partida repentina: Aquele velho teimoso sempre fizera tudo a seu modo, sem ligar a mínima para o que ele desejava.

Teria Spiro tomado uma atitude drástica, outra vez, com relação a sua vida?

O elevador chegou e Damian prendeu a. respiração. As portas se abriram... e surgiu Gabriella.

- Surpresa! - saudou ela, irônica.

Ao vê-Ia num vestido cor-de-rosa transparente que não deixava nada à imaginação e lábios carregados de batom vermelho, Damian sentiu tanto ódio que ficou mudo por alguns segundos. Por fim, recuperou a voz.

- Não quero nem saber como entrou sem que a portaria me avisasse. Simplesmente dê meia-volta, entre nesse elevador e desapareça da minha vista!

- Damian, querido, isso é jeito de receber uma visita? - Gabriella foi direto ao bar. - O que está bebendo? Hum, parece vodca. Acho que vou querer também, mas bem pouquinho, só para acompanhar.

- Você está surda? Fora daqui!

- Calma, querido, ainda nem conversamos. - Gabriella tomou um gole da bebida e pousou-a de lado. - Sei que se aborreceu esta manhã, mas a culpa foi minha. Eu não devia ter tentado convence-Io a voltar para mim daquele jeito...

- Tentando me convencer a... - Damian agitou-se, nervoso. - Sem joguinhos, está bem? Você tentou me chantagear, mas se deu mal. Agora, faça-nos um favor e dê o fora daqui, antes que eu perca a cabeça.

- Damian, eu entendo... Você teve de se casar com essa mulher. Foi obrigado. Todos já sabem que essa Laurel engravidou de você...

Damian estava de frente para a parede. Voltou-se tão de repente que espantou Gabriella, a suas costas.

- Vou contar até cinco. Se não tiver ido embora, eu a pegarei pelo pescoço e atirarei dentro desse elevador. Um, dois, três...

- Você não pode me tratar assim! - gritou Gabriella. - Você me prometeu um monte de coisas!

- Eu não prometi nada! Fora daqui!

- Não se iluda, Damian. Logo vai se cansar dela. - A mulher desafivelou o cinto, abriu o vestido e exibiu o corpo nu. - Você quer isto. Você quer a mim.

Mais tarde, Damian imaginaria como deixara de ouvir o elevador fechando as portas para retornar ao térreo. A verdade era que não ouvira nada, tamanho o volume da própria pulsação furiosa em seus ouvidos.

- Cubra-se - ordenou.

Nesse instante, as portas do elevador abriram-se novamente. Ao ver a expressão satisfeita e vitoriosa de Gabriella, Damian soube quem estava ali.

- LaureL. - murmurou, voltando-se.

Ao vê-Io dar um passo, Laurel ergueu a mão. Seu rosto alternava expressões de choque e de dor.

- Não! - declarou, e apertou um botão no painel.

Damian tentou alcançá-Ia, mas bateu o nariz na porta do elevador. Nesse instante, Damian soube que perdera para sempre sua última chance, a única que já tivera, de conquistar o amor e a felicidade.

 

A água da chuva lavava as janelas. Relâmpagos de fim de verão iluminavam o céu cinzento, seguidos por trovões sacudindo a metrópole.

Sentada à mesa de sua cozinha, Laurel olhava fixo para a caneca de café descafeinado a sua frente. A vizinha Susie e a irmã Annie evitavam entreolhar-se.

- Odeio café descafeinado - resmungou Laurel. - De que adianta tomar café sem cafeína?

- É melhor para você - retrucou Annie. - Com o bebê e tudo...

- Eu sei! Fui que decidi não tomar mais café, não? Só acho burrice beber uma coisa que tem cheiro de café, cor de café, mas gosto de...

A irmã levantou-se e abriu o armário.

- Vejamos... Aqui tem chá de ervas, chocolate, chá-mate...

- Chá-mate contém mais cafeína do que café - informou Laurel. - Grande ajuda, Annie!

- É mesmo - lembrou-se a irmã. Abriu a geladeira. - Que tal um copo de leite?

Laurel fez uma careta. - Ugh!

- Refrigerante? Suco de laranja? - Annie aprofundou-se na geladeira. - Tem um jarro lá no fundo, deve ser suco de tomate.

- Não é.

- Molho de tomate?

- Nem me lembra da última vez em que comi macarrão.

A irmã pegou o jarro e examinou-o.

- Não se deve guardar experimentos químicos na geladeira... Laurel enfureceu-se.

- Por que disse isso?

Annie e Susie entreolharam-se. - Calma, Laurel...

- Só porque há uma coisa esquisita na geladeira de alguém, não quer dizer que... - Laurel respirou fundo e olhou para as companheiras. - Desculpem-me. Não quero prendê-Ias mais. Sei que têm afazeres...

- Eu não - declarou Susie. - Grey está assistindo à televisão. Estou livre como um pássaro.

- Nem eu - garantiu Annie. - Sabe como a minha vida é um tédio.

- Tédio? Com seu ex voltando à carga? - questionou Laurel.

- Aliás, não está pensando em tomar essa estrada outra vez, está?

Annie teve o impulso de contar toda a história a Laurel, mas conteve-se. A vida da irmã já estava tão complicada!

- Claro que não! - garantiu. - Não sou mais nenhuma adolescente boba.

- Ah, bom! - Laurel empurrou a cadeira, levantou-se e foi à pia. - Se existe uma verdade neste mundo, é a de que os homens não prestam.

- Ôpa! - protestou Susie. - O meu Grey é uma exceção! E aposto minha vida cama seu marido também é.

Laurel voltou-se, os olhos faiscando de raiva.

- Ele não é meu marido! Estou me divorciando dele! E já lhes disse que não quere mais ouvir falar de Damian Skouras!

- Laurel, você precisa desabafar! - ralhou a irmã. - Já faz dois meses que me telefonou aos prantos contando que havia se casado com aquele... grego safado e que o flagrou nos braços da amante sem-vergonha uma semana depois.

- Não preciso desabafar nada! - Laurel levou a mão à testa, exausta. - Céus, quem me dera não ter comparecido ao casamento de Dawn!

A vizinha Susie entusiasmou-se.

- Qual nada, deve ter si da um casamento e tanto! O ex de Annie tentando reconquistá-la, mais aquela amiga sua que conheceu um bonitão lá e acabaram tendo um romance louco...

- Stephanie - lembrou Annie. - Grande coisa! Sabe o que penso de romances loucos. Veja aonde isso levou minha irmã.

- É mesmo - concordou Susie. - E Damian parecia tão perfeito. Bonito, rico ...

- Querem parar de falar da minha vida? - protestou Laurel.

- Não quero mais ouvir falar de Damian Skouras, entenderam?

- Está bem. - concordou Annie. - Pode nos dizer então como pretende criar esse filho sozinha?

- Dou um jeito.

- Você mesma se considera uma profissional em fim de carreira.

Laurel expressou desgosto.

- Obrigada por me lembrar disso. Fique sabendo que consegui economizar algum dinheiro nos últimos anos.

- Mas custa muito educar um filho - preveniu a irmã. - Mesmo que tenha uma poupança, se não tiver um rendimento...

Laurel enfureceu-se.

- Você está falando como ele!

- Ele quem?

- Damian! Ou melhor, o advogado dele. "Educação é o item mais oneroso nas despesas com um filho" - citou, imitando o tom formal de John Hastings. - "O sr. Skouras está em condições de arcar com essas despesas."

Annie olhou-a complacente. - Laurel, pense bem...

- Já disse que não vou aceitar um centavo daquele homem horrível!

Susie e Annie calaram-se. Laurel estava irredutível e de nada adiantava enervá-la ainda mais.

Laurel já descarregava a raiva esfregando vigorosamente a esponja na pia. Queria esquecer Damian de uma vez por todas, mas as lembranças atormentavam-na, não só dos momentos íntimos maravilhosos que haviam partilhado, como das patéticas tentativas dele de explicar-se, procurando-a em seu apartamento naquela mesma noite do flagrante, quando ela lhe batera a porta na cara, e telefonando-lhe inúmeras vezes, deixando gravadas as desculpas mais esfarrapadas.

Até que desistira.

- Ele não a procurou mais? - indagou Annie, cautelosa.

- Não. - Laurel juntou-se às companheiras à mesa. - Ou melhor, deixou mais uma mensagem gravada.

Susie e Annie entreolharam-se.

- O que foi que ele disse? - indagaram, juntas.

- Disse que não tinha o direito de me obrigar a viver com ele, que entendia que eu jamais sentiria por ele o que senti por Kirk...

- Kirk?! - espantou-se a irmã. - Como esse monstro entrou nessa história?

Ignorando a pergunta, Laurel prosseguiu:

- Reconheceu que errou ao me forçar ao casamento e que uma união sem amor jamais daria certo.

Susie entrelaçou as mãos sobre a mesa.

- Hum, sei que vão querer me matar, garotas, mas Damian Skouras está se revelando mais digno do que imaginei.

Annie pegou a mão de Laurel.

- Será que não devia ter falado com ele, querida? Laurel desvencilhou a mão.

- Para quê? Mais tarde, telefonei para ele e deixei gravada a resposta. Disse que concordava plenamente com ele: que um casamento sem amor jamais daria certo, e que uma união em que a esposa odiava o marido já começada malfadada. Disse também que o odiava, que sempre o odiei, e que tudo não passara de sexo. Não me olhe assim, Annie! Quer que eu acredite que ela loira oxigenada simplesmente apareceu sem convidar e tirou a roupa?

Annie e Susie entreolharam-se.

- Não é impossível- opinou a irmã. - Eu a vi no casamento de Dawn e ela não me pareceu do tipo sutil.

Laurel levantou-se bruscamente.

- Só falta vocês duas me dizerem que tive uma ilusão de ótica!

- Como se não bastasse ter sido enganada por Kirk, o homem a quem pensava amar, fui traída por Damian, meu próprio marido, o único homem que já amei... - Começou a soluçar. - E ainda amo! Nunca vou deixar de amá-lo! - Olhou para as companheiras, os lábios trêmulos. - Vão embora - pediu. - Quero ficar sozinha.

Susie e Annie atenderam ao pedido, mas só depois de ajuda-la a se despir e se acomodar na cama.

Então, sem poder fazer mais nada para ajudar, foram embora.

 

Que mais lhe restava fazer?, cogitou Damian, atacando furiosamente com a marreta a pedra no quintal de sua casa em Actos.

Nada. Nada além de bater naquela pedra indestrutível de sol a sol, esperando cair exausto na cama à noite e não sonhar com Laurel.

Era um bom plano. Mas não funcionava.

Já fazia dois meses que não via Laurel, nem ouvia sua voz.

Não obstante, ela o acompanhava em todos os minutos do dia. À noite, era ainda pior. Sozinho no escuro; na cama que já partilhara com a esposa, agitava-se durante horas até mergulhar num sono intranqüilo, povoado de sonhos.

Pensara em voltar a Nova York, mas não suportaria permanecer na mesma cidade em que Laurel estava. Por isso, permanecia em Actos, supervisionando os negócios a distância, via computador, telefone e fax. Imaginava quando a dor em seu âmago cessaria.

Mas a dor só fazia aumentar.

Eleni e Spiro já não disfarçavam a preocupação.

- Ele vai se matar desse jeito! - afligira-se a empregada, naquela manhã. - Você tem que detê-lo, Spiro!

Damian fingira não ouvir. Seu velhinho benfeitor não se atreveria a intrometer-se em sua vida novamente. Já causara bastante estrago.

- Foi você quem providenciou para que minha esposa deixasse a ilha e voltasse a Nova York? - indagara a Spiro, ao chegar à Grécia.

- Sim, fui eu - declarou o ancião.

- Com que direito, eu posso saber?

- Achei que devia. A mulher não era prisioneira aqui. Disse-me que tinha algo muito importante para lhe dizer. Chegaram a se encontrar?

Damian baixara o rosto.

- Chegamos. - Antes que o ancião especulasse, informou: - Assunto encerrado. Não se fala mais dela aqui.

E nunca mais se falou. Mas isso não significava que ele não pensava nela, nem sonhava com ela. Sentiria Laurel falta de seus beijos e abraços tanto quanto ele sentia dos dela?

- Damian, a rocha não é sua inimiga - observou. Spiro, aproximando-se.

- E você não é filósofo.

- Não é à pedra que você ataca, mas a si mesmo.

Damian ia responder, mas conteve-se ao ver o ancião com o rosto enrugado muito afogueado.

- Está muito calor - comentou, descalçando as luvas. - Vamos lá para casa tomar uma cerveja.

Spiro alegrou-se. - Ótima idéia.

Dali a minutos, Eleni servia-lhe a bebida no terraço da casa. Ignorando os copos, Damian passou uma garrafa aberta a Spiro e pegou outra para si. Preferiam beber do gargalo.

- Quando volta a Nova York? - indagou o ancião, mais refrescado.

- Tudo isso é pressa de se livrar de mim? - replicou Damian, recostado na grade, e tomou mais um gole de cerveja gelada.

- Não pode evitar a realidade para sempre, Damian.

- Spiro, vamos mudar de assunto. Não estou com disposição para ...

O velho calou-se.

Damian esvaziou a garrafa e pousou-a na mesa.

- Vou voltar ao trabalho. Acho melhor você ficar em casa, é mais fresco.

- Vi o quanto ela o faz feliz, Damian, e o quanto você a faz feliz - retomou Spiro, sério. - Spiro...

- Você ainda a ama.

- Não, eu não amo ninguém! O amor nos torna idiotas!

O velho cruzou os braços.

- Será que vou ter que lhe dar uma sova, como fiz tantas vezes após tirá-lo das ruas de Atenas, até que aprendesse a ser gente?

- Posso voltar ao trabalho? - desconversou Damian.

- Ela o ama.

- Não, ela não me ama, seu velho chato. Ela me detesta por tudo o que sou e, principalmente, por forçá-Ia a um casamento indesejado.

- Ela o ama.

- Não, ela ainda ama outro, seu tolo sentimental!

- Ela me disse que o amava profundamente.

Damian sentiu o coração falhar uma batida. Mas não se deixaria iludir.

- Você deve ter entendido mal. Não sabe bem inglês.

- Entendi muito bem, Damian.

- Nesse caso, ela devia estar mentindo. Sabia que, assim, conseguiria sua ajuda para deixar a ilha e voltar a Nova York.

- Você está com medo de encarar a verdade. Ama aquela mulher, mas, porque ela o magoou, prefere viver sem ela a arriscar-se a procurá-Ia.

Damian cedeu:

- Está bem! Eu a amo, sim! Só que ela não me ama!

- Como sabe?

- Ela disse. Está satisfeito?

- Alguma vez disse a ela que a ama?

Damian olhou para o céu.

- Não. Não tive chance. Chegou de surpresa em meu apartamento, flagrou-me com outra mulher e não me deixou explicar nada.

O velho estreitou o olhar.

- E o que você estava fazendo com essa outra mulher, filho? Damian enrubesceu.

- Nada, mas a impressão foi de que... Não importa. Laurel é minha mulher. Devia confiar em mim.

- Claro. Você fez por merecer a confiança dela. Engravidou-a forçou-a a se casar.

Damian ficou sem resposta.

- Eleni diz que se pode ver no rosto de uma mulher quando ela está grávida - comentou Spiro. - Todos percebemos que nenhum dos dois estava feliz quando chegaram aqui. Mas, então, tudo mudou. Foi como se ambos admitissem o que existia em seus corações desde o começo.

- Sim, eu me apaixonei por ela. Mas não é tão simples.

- O amor nunca é simples.

Damian levantou-se e apoiou-se na mureta do terraço.

- O que devo fazer, Spiro?

- Siga seu coração. Procure-a e diga-lhe que a ama. E dê-lhe a chance de dizer o mesmo a você.

- E se ela não disser?

- Nesse caso, volte aqui e bata nessa pedra até esgotar seus braços. Pelo menos, saberá que tentou conquistar a amada, em vez de desistir sem lutar. - O velho pôs a mão no ombro de Damian. - Sempre há esperança, meu filho. É isso que nos faz prosseguir, não é?

Ao longe, na baía, um barquinho de pesca era engolfado pelo vento. As vagas altas ameaçavam engoli-Io.

Mas o vento enfraqueceu tão de repente quanto surgira. O barrquinho continuava à tona.

Sempre há esperança.

Damian voltou-se e abraçou o ancião. Antes que perdesse a coragem, entrou na casa.

 

Elas estavam erradas. Totalmente erradas.

Laurel sovava furiosamente a massa de pão com fermento. Susie e Annie não sabiam de nada. Annie era divorciada e Susie era casada com um homem bonzinho. Nenhuma das duas tivera a infelicidade de se envolver com um maníaco machista como Damian Skonras.

Estava calor! Calor demais para se fazer pão, mas de que outra maneira dispersaria a energia reprimida?

Soprou um fio de cabelo do rosto, passou as costas da mão na testa e recomeçou a sovar.

Desde o dia anterior, quando, fragilizada, confessara amar Damian, vinha evitando contato com a vizinha e com a irmã. Não queria deixar-se influenciar por elas, agora aliadas do milionário egocêntrico!

Não que houvesse possibilidade de reconciliação. Jamais perdoaria Damian por tê-Ia abandonado no meio da lua-de-mel para se encontrar com aquela loira oxigenada.

Mas você o magoara, Laurel, esqueceu-se disso?

Não, não se esquecera. Mas não importava. Ele a magoara ainda mais ao partir sem se despedir.

Ele não a amava, enquanto que ela o amava tanto que bastava fechar os olhos para ver seu rosto, ouvir sua voz...

- Laurel?

Podia jurar que o ouvira chamar seu nome, bem ali, em sua cozinha ...

- Laurel, mátya mou...

Laurel deu meia-volta e seu coração falhou.

- Damian?

Ela sentiu as pernas bambas. Ele correu a ampará-Ia, tomou-a nos braços e carregou-a para a sala.

- Respire fundo - ordenou, sentando-se no sofá junto dela. - Não vai desmaiar agora, vai?

Laurel esperou a visão se desembaçar.

- Claro que não. Eu nunca desmaio.

- Não, só quando me vê! - brincou ele.

- O que está fazendo aqui, Damian? E como foi que entrou?

- Grey, aquele amigão, me ajudou.

- Grey lhe entregou minha chave-reserva?! Mas ele não tinha esse direito!

- Cheguei em boa hora. Você estava realizando experiências na cozinha outra vez.

- Eu estava fazendo pão! E não mude de assunto. Não tinha o direito de entrar sem bater...

- Eu sei, e peço desculpas. Mas achei que me deixaria no corredor, como da outra vez.

- Claro que deixaria. - Laurel apoiou-se nos ombros dele para se levantar. - Agora, se me dá licença...

- Eu te amo, Laurel.

O coração dela encheu-se de esperança, mas o medo continuava mais forte.

- Você só quer seu filho - afirmou.

- Eu quero o nosso filho, querida, mas, mais do que isso, quero você. Eu te amo, Laurel. - Damian tomou-lhe o rosto nas mãos. - Eu te adoro. Você é a única mulher já amei, a única mulher que sempre amarei e, se não voltar para mim, minha vida estará perdida.

Os olhos dela encheram-se de lágrimas.

- Oh, Damian, você jura?

Ele a beijou. Foi um beijo demorado, doce, maravilhoso. No final, ela estava trêmula.

- Eu devia ter me despedido de você naquela noite, antes de deixar a ilha, mas você estava tão zangada, e eu estava tão ferido por saber que você já tinha amado outro homem.

Laurel apressou-se em esclarecer:

- Eu não o amava. Só falei dele para magoar você. Nunca amei ninguém, a não ser você.

- Diga isso de novo - pediu Damian. Ela sorriu.

- Eu te amo, Damian. Nunca amei outra pessoa. Nunca vou amar. Para mim, só existe você...

Ele a beijou de novo. Depois, encostou a testa na dela.

- Quanto a Gabriella, juro que não a chamei naquela noite... Laurel calou-o com um beijo. Dispensava as explicações. Acreditava nele.

- Vamos voltar para Actos - decidiu ele, quando estavam mais tranqüilos, - E convidar aquele velho intrometido para tomar champanhe conosco.

Laurel abraçou o pescoço do marido e olhou-o apaixonada. - Nunca ninguém lhe disse que é um arrogante?

Damian levantou-se com ela nos braços.

- É, parece que uma pessoa já me disse isso, um ou duas vezes...

Seguiu para o quarto.

Laurel sentia o coração acelerado quando Damian a colocou na cama.

- Pensei que íamos voltar para Actos - comentou.

- E vamos. - Ele começou a desabotoar a camisa. - Mas, antes, vamos matar a saudade.

Laurel ficou encabulada, mas desabotoou a blusa também.

- E quando tempo vai levar isso, querido?

Damian olhou-a intensamente.

- A vida toda, amor.

Sem pressa, estendeu-se na cama e abraçou-a.

 

                                                                                Sandra Marton  

 

                      

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