Biblio "SEBO"
O tinir das espadas, os gritos agoniados e o cheiro de sangue fresco quebravam a tranquilidade da noite. As pernas de Anaxandra pressionavam instintivamente a montaria, para que o cavalo apressasse o passo na trilha da floresta. Atenta, levantou a cabeça, os ouvidos alertas para qualquer som.
Seu acompanhante vinha logo atrás, lutando para manter o mesmo ritmo, apesar das dificuldades em vencer a densa vegetação.
_ Os sons da batalha estão próximos _ disse, franzindo a testa. _ Esses guerreiros da montanha são conhecidos por sua valentia e determinação e adoram perseguir seus inimigos à noite.
Anaxandra sorriu.
_ Sei disso. Foi essa a razão que me atraiu para cá: poder vê-los pessoalmente.
Um grito arrepiante cortou o ar, levando os cavalos a saltar assustados e a sapatear nervosamente. Foi preciso um bom esforço para acalmar os apavorados animais.
_ Deveríamos sair daqui _ o companheiro de Anaxandra, Randulf, ponderou, puxando a moça pela manga da veste.
Mas Anaxandra ignorou a sugestão e voltou a montaria na direção de onde vinham os sons da luta. Sob o seu comando, o animal apressou o passo, levando-a para dentro da mata fechada e mais próxima do perigo.
Ela não se preocupava em ver se Randulf a seguira, confiante de que ele obedeceria a seu comando sem questionar. Talvez fosse perigoso aventurar-se assim, tão perto da batalha, mas o perigo era algo por que Anaxandra sempre se sentira atraída.
Era uma mulher que fazia o que queria, seguindo seus caprichos e permitindo que sua natureza apaixonada e volátil lhe governasse as ações. Usufruía de poder e influência entre seu povo e, embora houvessem tentado mais de uma vez, não havia homem algum que dominasse sua vida ou lhe desse ordens.
O infeliz Randulf tinha sido escolhido para ser seu guardião, e ela tolerava a presença do homem por que ele a divertia. Randulf, por sua vez, adorava Anaxandra, defendendo-a de todas as críticas e tolerando, sem reclamar, as nuances de humor e arroubos de temperamento que lhe eram próprios.
O som da luta ficou ainda mais perto, enquanto subiam a trilha íngreme até o topo. Os dois tentaram ficar bem quietos, temendo ser percebidos, mas logo descobriram que tal precaução não seria necessária.
Na pequena clareira abaixo, dois grupos lutavam com determinação, alheios a qualquer coisa que não fosse a batalha que travavam. Os lados eram compostos por números diferentes de guerreiros, apesar de logo se tornar claro que o grupo menor possuía habilidades mais aprimoradas de luta.
_ Ingleses! _ Randulf murmurou no ouvido de Anaxandra. _ Eles têm mais homens, embora pareçam estar perdendo a luta.
Anaxandra balançou a cabeça, concordando. Os cavaleiros ingleses encontravam-se montados em cavalos, protegidos por armaduras e carregando tanto espadas como escudos. Pendurados em seus cintos, havia um machado de duas lâminas, ganchos e correntes com bolas de ferro. Seus rostos escondiam-se por trás de capacetes, mas, mesmo à distância, Anaxandra podia ver-lhes os olhos cheios de ódio.
Ignorando os pedidos de Randulf para que ficassem escondidos, ela levou o cavalo para mais perto, procurando por uma vista melhor. Os guerreiros das terras altas da Escócia montavam cavalos menores e nenhum deles, nem os animais, usavam armaduras. Os escoceses não tinham escudos, somente espadas longas e afiadas, que levantavam com ambas as mãos quando atacavam.
O impacto inicial daquelas espadas contra os escudos era horrendo.
Um a um, os cavaleiros ingleses foram sendo gradualmente derrubados de suas montarias e caíam como pedras no chão duro. Aqueles que não estavam mortos ou inconscientes logo se levantavam, as lâminas prontas para o combate. Alguns dos escoceses haviam desmontado e estavam prontos para a batalha final.
A luta que se seguiu foi brutal, no entanto um dos guerreiros das terras altas chamou a atenção de Anaxandra, pois lutava não apenas com notável força e habilidade, mas com absoluta confiança. Ele abriu caminho em meio aos ingleses e, mesmo quando perdeu a espada, golpeou o capacete do oponente e atingiu-lhe o rosto. O cavaleiro ficou abalado por um momento, depois voltou ao combate. O escocês já estava pronto. Atingiu o nariz do outro, fazendo o sangue jorrar, e o enorme inglês caiu no chão, gemendo de dor.
_ Callum!
O escocês ouviu o chamado e virou-se. Esfregou o sangue da mão na camisa, depois transferiu a espada para a mão limpa. Levantando a espada acima da cabeça, atacou três dos cavaleiros, soltando urros que Anaxandra jamais ouvira sair de lábios humanos. O som arrepiou todos os pelos de seu corpo.
_ Ele é magnífico! _ murmurou, admirada.
Seu olhar buscou o rosto do guerreiro. Era forte, arrogante, destemido. Sob o luar, seus olhos eram de um tom azul prateado. Frios, penetrantes, mortais, cheios de um brilho sanguinário.
Anaxandra estremeceu, deliciada.
Logo, só um cavaleiro inglês permanecia ainda vivo, encurralado contra um tronco de árvore. Um grupo de escoceses o rodeava.
_ O que dizem homens? _ um escocês a cavalo questionou. – Devemos ser misericordiosos com ele?
_ Porco inglês! Eles mataram mulheres e crianças inocentes e torturaram um velho apenas para se divertir! _ O cavaleiro virou a cabeça e gritou: _ Acabe com esse bastardo!
Sua ordem foi obedecida prontamente.
Rápido demais, Anaxandra lamentou.
A tensão da noite cedeu, e o humor dos soldados tornou-se jovial. Rindo e brincando, os escoceses logo despiram os inimigos de suas armaduras, armas e roupas.
_ Devemos sepultar os mortos? _ perguntou um deles.
_ Não _ o homem chamado Callum respondeu.
_ Deixe-os para os lobos e os corvos. _ É isso o que merecem.
Depois de se apossar do espólio, os homens da montanha partiram, deixando para trás corpos nus e o chão coberto de sangue.
Fez-se um silêncio mortal logo que eles partiram.
Anaxandra desmontou e caminhou até os cavaleiros abatidos, a mente revivendo a batalha e destacando a figura de um guerreiro escocês. Tinha de vê-lo novamente.
Por quanto tempo ficou parada ali, ela não pôde precisar. Uma sensação estranha e embriagadora a envolveu, levando-a a um estado quase catatônico.
_ Os corpos ainda estão quentes _ Randulf observou. _ É bobagem perder tal presente.
Anaxandra sentiu o estômago revirar. Usualmente, desfrutava da caçada tanto quanto do prazer de matar, mas, no momento, não ficaria contrariada se outros fizessem o trabalho. Por alguma razão, não se sentia propensa a fazê-lo ela mesma.
_ Não preciso de alimento agora _ descartou, taciturna. _ Se quiser fazer a festa, seja rápido!
Com um grito de alegria, Randulf lançou-se sobre os corpos, e os sons que fazia ao sugá-los quebraram o silêncio que reinava na clareira.
Anaxandra montou seu cavalo e esperou com impaciência que o seu guardião terminasse. Uma vez saciado, Randulf voltou, e ela liderou o caminho através da densa floresta.
Chegaram a um castelo, que surgia mais adiante na mata. Desmontaram e amarraram os cavalos em um tronco caído. Através da escuridão, podiam ouvir o ruído de uma celebração, vindo detrás das paredes de pedra que cercavam a fortaleza.
_ A partir de agora, iremos a pé _ Anaxandra decidiu.
_ O quê? _ Randulf arregalou os olhos, alarmado. _ Não pode entrar nessa fortaleza. Os escoceses formam um grupo fechado e não são generosos com estranhos. Você viu o que fizeram com os ingleses.
_ Não sou inimiga deles _ retrucou. _ Eles não terão motivos para me matar.
_ Pelos chifres de Lúcifer! _ Randulf praguejou ruidosamente e correu para seguir Anaxandra, que já ia à frente. _ Mulheres sem acompanhante não aparecem de repente diante dos portões de um castelo, no meio da noite. Sua chegada vai despertar suspeita e levantar questões que não podem ser respondidas.
_ Dificilmente poderei chegar em pleno dia, com uma escolta e uma dama de companhia _ lembrou Anaxandra.
_ Não deveria ir lá de modo algum _ Randulf insistiu e, quando Anaxandra continuou o caminho, praguejou baixinho. _ Sua teimosia ainda vai levá-la à morte.
_ Será preciso mais do que uma espada escocesa para acabar com minha existência _ retrucou, obstinada.
Seu passo não diminuiu, nem mesmo quando percebeu que Randulf não a seguia. Talvez fosse melhor, já que sozinha seria mais fácil entrar no castelo sem ser vista. Embora seu coração houvesse disparado, Anaxandra caminhou sem hesitar para o castelo.
A construção era enorme, com uma estrutura de dois andares e uma torre quadrada em cada um dos quatro cantos. Um corredor interligava as extremidades, em intervalos iguais, em toda sua extensão. Era evidente: o clã tinha feito bom uso da abundância de pedra na região, tendo construído grande parte da obra com ela.
Para maior proteção, havia um segundo muro de pedra. Uma ponte de troncos constituía a única entrada daquela formidável fortaleza. A ponte fora abaixada e encontrava-se repleta de pessoas dirigindo-se à entrada do castelo para participar da celebração. Anaxandra uniu-se em silêncio àquelas pessoas, deixando o muro de pedra para trás sem qualquer incidente. Com a cabeça baixa, entrou no grande salão.
Como previra, havia uma contagiante alegria ali dentro e ninguém estranhou sua presença ou pediu para que se identificasse. Mesmo assim, ela caminhou junto às paredes, tentando não chamar a atenção. Embora aparentemente houvesse desprezado as advertências de Randulf, não era nenhuma tola. Passaria por maus bocados se alguém ali quisesse saber quem ela era. E sabia que ameaça maior viria das mulheres, não dos homens. Sua beleza exótica sempre despertava grande ciúme nas mulheres.
Pegou uma caneca de cerveja preta da travessa carregada por um criado, bebeu e ficou observando, à procura de seu belo guerreiro. Esperava encontrá-lo sentado em um lugar de honra, mas não havia trono algum: somente mesas de madeira, todas de igual tamanho.
Sentados em bancos compridos, junto às mesas, estavam homens e mulheres, comendo, bebendo, rindo e cantando. Uns poucos dançavam. Criados corriam, atendendo a todos, procurando manter a mesa sempre cheia de comida e bebida.
Os olhos de Anaxandra continuaram a buscar entre os rostos masculinos do salão. Quando começava a acreditar que não mais o veria, ele apareceu.
Usava uma camisa branca limpa, com uma capa xadrez jogada casualmente no ombro esquerdo. Os cabelos negros e ondulados caíam-lhe até os ombros; o queixo, firme, tinha suas linhas suavizadas quando ele ria e brincava com os homens que o rodeavam.
Fascinada, Anaxandra aproximou-se. Sob a luz do salão, podia agora ver o brilho de seus olhos: um brilho tão intenso que ameaçava consumir tudo e todos que se aventuravam a chegar perto demais. E fora justamente essa espécie de fogo no olhar que a cativara a princípio, e que a atraía ainda mais agora. E soube, naquele instante, que o destino, por fim, atendia um grande desejo seu, o de ter um companheiro à sua altura. Nunca antes tinha surgido alguém a quem ela desejasse, não como um amante passageiro, mas como seu homem. Callum tinha a capacidade de fazê-la vibrar de desejo. Sem dúvida, ele era mais do que um mortal, já que a enfeitiçara a tal ponto que, pela primeira vez na vida, ela nem pensara em dominá-lo. Queria Callum exatamente como ele era.
O coração de Anaxandra disparou, excitado. Tinha de encontrá-lo quando estivesse sozinho. Mas como? Ele estava rodeado de seus companheiros, sendo visivelmente o centro das atenções. Estava a ponto de perder a paciência, quando reparou que Callum bebia mais do que comia. Eventualmente, ele teria que sair do salão para atender ao chamado da natureza.
Sua observação provou estar certa. Em menos de uma hora, o guerreiro deixou o círculo dos soldados. Ela o seguiu com os olhos, então, posicionou-se no lugar por onde ele passaria. No momento em que Callum retornava, Anaxandra colocou-se em seu caminho. Seus olhares se encontraram e ela suspendeu a respiração. Sentiu-se perdida, flutuando na paixão profunda daqueles olhos, e, por um instante, ficou sem fala, completamente atordoada.
Ele franziu a testa.
_ Está procurando alguma coisa?
_ Você _ ela murmurou, sentindo o calor invadir-lhe o corpo, ao ouvir o tom grave da voz de Callum.
Ele sorriu, revelando dentes brancos e perfeitos.
_ Ora, como pode ser isso? Nem fomos apresentados.
_ Tem certeza? _ Um sorriso sedutor embelezou ainda mais o rosto de Anaxandra. Atrevida, ela colocou a mão no centro do peito largo e sentiu o coração de Callum bater forte. Sem conseguir resistir, começou a deslizar a mão pelos músculos rijos. _ Eu o conheço e posso lhe dar grande prazer!
Ele franziu as sobrancelhas, esforçando-se para lembrar se realmente a conhecia de algum lugar.
_ Sou uma mulher ousada, mais ousada do que qualquer outra que você conheça.
Quase a ponto de perder o controle sobre suas ações, Anaxandra acariciou os músculos firmes do abdômen de Callum, depois foi pressionando o kilt xadrez que ele usava, em busca de sua ereção. A impaciência a deixava mais arrojada, no entanto o belo guerreiro ainda parecia resistir àquela ousadia toda. Anaxandra sorriu e repetiu a carícia, desta vez tocando o membro rijo.
Ele soltou um gemido.
Triunfante, ela pressionou-o contra a parede de pedra e apoiou todo seu peso nele.
_ Quem é você? _ Callum perguntou, com voz rouca.
_ O seu destino.
A cabeça de Callum McGinnis não parava de girar. Sabia que tinha bebido cerveja demais, mas aquela celebração acontecia pela vitória contra os ingleses, conquistada com muita luta. O bando de cavaleiros ingleses que vinha aterrorizando seu clã por meses estava destruído, e era um alívio verem-se livres de toda aquela tirania. Desde que chegara ao grande salão, reunira-se a seus homens para um brinde e, aparentemente, o álcool consumido estava-o levando a ter alucinações. Certamente, a qualquer momento, ele voltaria daquele sonho erótico e se descobriria sozinho, o corpo pulsando de desejo, o sexo pesado e rígido.
A misteriosa criatura de cabelos negros vestia-se com um traje vermelho. Os olhos eram mais escuros que o céu da meia-noite, a pele, pálida como a neve, e as mãos..., ousadas como as de uma cortesã.
Por um instante, Callum não conseguiu respirar. O ar parecia denso demais para passar por seus pulmões. Embora sua mente insistisse em acreditar que ela era uma visão, naquele exato momento parecia ser muito sólida e real. Não havia parte no corpo dele que não reagisse, tamanha era sua excitação. Estendeu a mão e acariciou o rosto da desconhecida.
_ Não precisa ser tão gentil, meu guerreiro. Não estou querendo ser ternamente cortejada.
Como prova do que dizia, ela levantou o queixo e tomou o dedo dele na boca. Lambeu-o lentamente, depois mordeu forte, tirando sangue.
Callum grunhiu de dor e tentou tirar o dedo ferido, mas ela começou a sugá-lo, mantendo-o dentro da boca úmida e quente. Ele fechou os olhos e gemeu de prazer, fantasiando que ela sugava seu corpo. De algum modo, sabia que tudo que precisava era dizer em voz alta o que queria, e a mulher cairia de joelhos. Era tentador, tão tentador!
_ Precisamos de mais cerveja, mais tortas e outro barril de vinho _ uma voz calma anunciou. _ E peça a Rowen para trazer mais madeiras para os fornos da cozinha! Há ainda muito a assar. Maev!
O som da voz familiar fez Callum voltar à realidade. Munindo-se de um esforço considerável, largou a mão que já tocava o seio da mulher e libertou o dedo. Ela resmungou, aborrecida, e tentou recapturar seu prêmio, contudo ele deu um passo para trás, engolindo o desejo. Aquilo não era certo. Tinha consciência disso, mas, mais importante, sabia-o com o coração.
_ Maev, minha querida, eu a ouvi pedindo ajuda. _ Callum saiu de debaixo do arco, colocando-se totalmente na área iluminada. _ Há alguma coisa que eu possa fazer por você?
Maev McClosky colocou as mãos delicadas no quadril e dirigiu ao noivo um olhar penetrante.
_ Não se preocupe, posso dar conta de tudo sozinha. Além do mais, você parece já estar com as mãos ocupadas.
Callum sentiu-se culpado e enrubesceu. Voltou-se para o lado onde estivera, porém a misteriosa mulher desaparecera.
_ Eu estava voltando para o castelo _ falou confuso, passando a mão sobre o rosto e tentando entender o que tinha acontecido. _ De repente, uma mulher apareceu, querendo falar comigo. Não sei quem era, tenho certeza de nunca a ter visto antes.
_ Compreendo. _ Maev deu-lhe as costas e continuou dando ordens a um criado, como se nada de anormal tivesse ocorrido. Seu gesto de pouco caso aumentou ainda mais o sentimento de culpa de Callum. Esperou que a noiva desse todas as ordens, em seguida, pegou suas mãos, como para evitar que ela fugisse dali.
Maev virou-se para ele, e o coração de Callum reagiu a seu rosto lindo e orgulhoso. As feições eram delicadas, a pele clara e macia, e os olhos amendoados eram de um verde incomum.
Ele a conhecia desde que eram crianças, mas somente no ano anterior descobrira que a amava. Intensa e apaixonadamente, a ponto de se ver tomado por instintos assassinos ao mero pensamento de que qualquer homem ousasse olhar para ela.
_ Coloquei as mãos sobre os seios dela, confessou timidamente.
O padre sempre havia dito que a confissão faz bem à alma, no entanto, naquele momento, não parecia estar surtindo bom efeito.
_ Verdade?_ Maev ficou pensativa por alguns instantes, como se analisasse a situação com cuidado. _ Suponho que não possa culpá-lo, Callum. Embora eu a tenha visto só de relance, a mulher por certo tinha um busto magnífico.
Callum não soube como agir diante do aparente desinteresse de Maev. Se as posições estivessem trocadas, ele já teria despachado para o inferno o homem que ousara tocar sua futura esposa.
_ Deveria estar sentindo ciúmes Maev.
_ Ah, eu deveria?
_ Sim, deveria. _ Ele abriu um sorriso. _ Como sobrinho do chefe de nosso clã, sou considerado um bom partido. No entanto, foi você que escolhi como esposa.
_ Escolhemos um ao outro _ Maev o corrigiu, e seus olhos verdes brilharam. _ Apesar de que, quando você começa a agir com essa vaidade, chego a duvidar da sanidade da minha decisão. Não espere que saiam de meus lábios palavras doces. Já há mulheres demais querendo agarrá-lo. Juro aos céus que, se ouvir mais alguma história desse tipo, sua cabeça vai ficar grande demais para passar pela porta.
As palavras duras foram proferidas de maneira brincalhona e, por um momento, Callum acreditou que Maev tinha deixado de lado o incidente. Entretanto seu rosto manteve um ar de preocupação. Ele observou aquele rosto adorável, sentindo que ela sofria por conta da tolice que fizera minutos antes.
_ Não significou nada pra mim, eu juro. Eu nem conhecia a mulher. Apenas fiquei confuso com a ousadia dela.
Callum esperou ansiosamente enquanto Maev analisava as palavras, como se estivesse pesando se aceitava ou não seus argumentos.
_ Tenho de saber se posso confiar em você_ ela disse solenemente. _ Mesmo quando as mulheres estão se atirando em seus braços, querendo sua atenção e outras coisas mais.
Callum sentiu que ficava vermelho de vergonha.
_ Pode confiar em mim, Maev. É você quem eu amo. Agora e sempre.
Ele deu um passo à frente e passou a mão possessivamente pelas costas dela. Maev era pequena e delicada. Mas, debaixo daquele corpo frágil, havia uma personalidade forte. Era uma das coisas que ele mais admirava nela. Maev não seria uma daquelas esposas que se submetiam docilmente às ordens do marido, mas o questionaria e defenderia suas ideias. Uma vez cedida, sua lealdade era indiscutível, e seu apoio, sólido. Com Maev a seu lado, Callum sabia que seria um líder melhor e, mais importante, um homem melhor. Acariciou seu rosto até que a noiva fechou os olhos e apoiou-se em seu peito. Esse simples ato de perdão ativou ainda mais o amor que pulsava dentro do coração de Callum. Ele se inclinou e seus lábios se encontraram.
Maev gemeu e, por um instante, ele receou que ela recusasse. Mas, então, sentiu o tremor daquele corpo delicado e tomou sua boca com mais paixão. Ousando mais, entreabriu os lábios dela e introduziu a língua em sua boca, testando sua doçura. Ela estendeu os braços e o enlaçou pelo pescoço, enquanto mergulhava os dedos em seus cabelos e pressionava o corpo contra o dele.
Os joelhos de Callum quase fraquejaram de desejo. Grunhiu, ao sentir o corpo quente encostar em seu membro. Tocou os seios dela. Ela gemeu, deliciada, e permitiu-lhe massagear os mamilos. Cada carícia foi seguida de outra, e mais outra. Mesmo coberto pela roupa, o calor do corpo de Maev chegava até os dedos de Callum. Ele posicionou seus corpos para que os quadris se tocassem, sua masculinidade tocando intimamente a suavidade dela. O sangue começou a latejar em sua cabeça.
_ Devemos parar, amor?_ murmurou, os lábios deslizando pelo queixo delicado.
_ Temo que sim _ ela disse baixinho, enquanto afastava o corpo.
Procurando acalmar-se, Callum suspirou pesadamente. Sabia o que ouviria agora, embora sempre se sentisse desapontado. Os abraços ardentes sempre terminavam bem antes da consumação do ato, pois Maev tinha decidido permanecer virgem até que se casassem. Não importava o quanto fossem apaixonadas as carícias, ela nunca havia cedido.
Maev deu mais um passo para trás e lançou-lhe um olhar estranho. De imediato, Callum percebeu a ansiedade que tomara conta da noiva. Talvez, por vê-lo nos braços da mulher misteriosa, estivesse repensando sua decisão sobre o relacionamento físico deles. Mas, apesar de desejar possuí-la completamente, Callum não queria vencer por conta de uma situação como aquela. Maev merecia mais do que isso.
Ele foi tomado por uma sensação de vazio agora que não a tinha nos braços. Era como se tivesse perdido uma parte essencial do seu ser. Sabendo poder aliviar pelo menos um pouco daquele desconforto, colocou os braços em torno dos ombros de Maev e a puxou para junto do seu peito. Ela tremia e Callum deslizou a mão por seus cabelos em um gesto de carinho.
_ Creio que me considera uma tola por insistir em esperar até que nos casemos _ Maev falou. Inspirou profundamente. _ É que isso significa muito para m...
As palavras falharam. Callum suspirou novamente, afagou mais uma vez os cabelos da noiva e a beijou por todo o rosto. Aquela restrição imposta por ela era difícil de suportar, mas se era tão importante para Maev, respeitaria sua vontade.
_ Penso que esteja determinada a testar minha força de guerreiro, Maev McClosky _ disse, e sua voz soou provocadora. _ Embora eu possa sofrer com isso, minha querida, não vou me abater.
_ Ah! Não há ninguém em toda Escócia capaz de superá-lo _ ela comentou, com um brilho divertido nos olhos.
_ Elogios, Maev? Está se arriscando querida... Podem subir à minha cabeça, e torná-la tão grande que não passaria pela porta.
_ Neste exato momento, sua cabeça é a parte do seu corpo que menos me preocupa, Callum McGinnis _ ela gracejou, com um sorriso encantador. _ Agora, pare de me provocar e ajude-me a levar para o salão um barril de cerveja.
Com um grunhido bem humorado, ele a seguiu para fora do hall, mal acreditando que ela houvesse conseguido transformar uma enorme ofensa em um incidente trivial.
Os amigos viviam debochando dele, por sua lealdade à sua futura esposa, porém Callum fazia ouvidos moucos para as caçoadas. Respeito. Era uma emoção que jamais pensara sentir por uma mulher, mas Maev o inspirava a isso. Ela era tudo o que queria na vida, chegava a se surpreender com a verdade de que jamais amaria outra criatura como amava Maev.
O céu estava escuro, com nuvens já baixas, quando Anaxandra reconheceu que o amanhecer se aproximava.
_ Precisamos encontrar um abrigo_ Randulf observou apreensivo.
Ainda que quisesse discordar, Anaxandra sabia que não tinha escolha. Eram criaturas da noite, parte de uma raça de imortais que não podia tolerar o mais leve beijo da luz do sol. Um mero raio poderia provocar dor em seus corpos e, até mesmo, ameaçar sua existência.
_ Lembro-me de cavernas situadas nesse lado da montanha _ Anaxandra disse. _ Se nos apressarmos, poderemos chegar até uma delas antes que a luz surja.
Randulf concordou. Levaram os cavalos num galope, abandonando os animais quando a subida se tornou íngreme demais. Tendo apenas a débil claridade da lua como guia, foram seguindo através da neblina, que cobria seus pés e pernas, buscando, com ansiedade crescente, por uma caverna funda o bastante para manter o sol afastado.
_ Aqui! Achei uma _ Ranulf falou, aliviado._ A abertura não é muito larga, mas a caverna é profunda.
Enquanto passavam pela fresta, lutando para encontrar a escuridão das trevas, Anaxandra repassou os acontecimentos daquela noite. O guerreiro tinha sido perfeito, a essência de tudo aquilo que ela queria e desejava. No entanto, havia falhado em seduzi-lo e capturá-lo.
Sentiu um gosto amargo na boca, ao lembrar-se do som melódico da voz da mulher escocesa. Um som que levara o guerreiro a se apartar dela. Embora não houvesse ficado ali por muito tempo, tinha visto que a outra era pequena e delicada, alguém que não merecia aquele guerreiro fantástico. Uma sensação dolorida de perda a envolveu, no entanto ela procurou afugentá-la. Nada estava terminado. Quando chegasse a hora certa, ela voltaria.
E quando partisse novamente, não estaria sozinha.
TRÊS MESES DEPOIS...
A manhã estava quase no fim, o sol brilhava, contudo seus raios não conseguiam afastar a brisa fria que anunciava a chegada próxima do inverno. Alguns membros do clã andavam reclamando do clima, porém Maev não se encontrava entre eles. Não se importava se chovesse ou nevasse, ou mesmo se chovesse e nevasse ao mesmo tempo. Não havia força capaz o suficiente de lhe tirar o bom humor naquele dia mágico: o dia de seu casamento.
_ Fique quieta, Maev, ou nunca vou conseguir colocar todas as flores em seus cabelos, nem que leve o dia inteiro.
Maev respirou profundamente e tentou obedecer a mãe, mas não era fácil. Tinha os nervos à flor da pele, e seu único alívio era movimentar-se o tempo inteiro.
_ Terminou?_ perguntou impaciente, olhando a própria imagem no espelho, o objeto de mais valor que a mãe dizia possuir na casa.
_ Deus do céu, menina, é preciso ter a paciência dos santos! _ exclamou a mulher mais velha, dando um ajuste final ao penteado e olhando também para o espelho, a fim de ver os resultados do imenso trabalho que havia tido aquela manhã.
_ Sou eu mesma? _ Maev perguntou, a voz baixa.
_ Claro que é. É a noiva mais linda que o clã McGinnis terá visto até agora.
Um sorriso surgiu no rosto de Maev, ao ouvir as palavras da mãe.
Com um suspiro de felicidade, passou os dedos pelo delicado vestido verde esmeralda. O pano tinha sido um presente de Callum, e ela e a mãe haviam passado horas bordando, tomando cuidado com os fios de ouro em torno da gola e das mangas. Por sugestão de sua mãe, haviam colocado um forro avermelhado, que conferia um tom original ao traje. Seus cabelos dourados estavam presos para trás com fitas vermelhas e pérolas, e a grinalda feita com flores frescas parecia uma coroa.
_ Sinto-me uma princesa _ ela murmurou suspirando. _ Espero que Callum me reconheça quando eu chegar à igreja. Imagino que não terá olhos para mais nada.
Exultante de felicidade, Maev se voltou e abraçou a mãe. Embora Brenda McClosky não fosse sua mãe natural, era a única que havia conhecido.
Trazida para vila como única sobrevivente de um brutal ataque a um grupo de peregrinos, por um bando de foras-da-lei, a criança, ainda bebê, a quem ninguém queria, tinha sido adotada pela bondosa e recém-viúva Brenda. Os corpos dos peregrinos haviam sido despidos, não deixando qualquer pista da origem do bebê. Muitos do clã temiam que ela tivesse sangue inglês e, assim, não desejaram adotá-la, mas Brenda não deu importância a isso, e Maev tornou-se a filha que ela não havia tido em seu casamento.
À medida que Maev crescia, sua nova mãe exigira que o clã aceitasse sua filha adotiva, o que foi acontecendo aos poucos. Maev, por sua vez, adorava Brenda. Sentia-se agradecida por todos os cuidados recebidos e pelo sacrifício da boa mulher. As duas haviam-se tornado muito unidas.
A batida na porta do pequeno chalé interrompeu os preparativos da noiva. Com um sorriso, Brenda abriu a porta e deixou entrar um jovem soldado. _ Está na hora_ ele declarou. _ Callum me mandou aqui para escoltar a noiva e sua mãe até a igreja.
Mesmo sendo delicado, o rapaz não parecia de todo satisfeito com a função, sem dúvida acreditando que aquela não era tarefa que coubesse a um guerreiro.
_ Estou pronta _ Maev falou com um suspiro, voltando-se para o recém-chegado.
Quando o rapaz olhou para a noiva, seus olhos se arregalaram.
_ Alguma coisa errada?_ perguntou Maev, mesmo sabendo do que se tratava.
_ Você parece uma visão. _ O rosto do soldado ficou vermelho como um tomate, quando percebeu que expressara sua admiração em voz alta.
Um sorriso iluminou o lindo rosto da noiva.
_ Eu lhe agradeço pelo belo elogio, agora vamos, ou chegarei tarde à igreja.
O trio deixou o chalé. Maev sorriu ao ver o cavalo magnífico que Callum reservara para ela: um animal branco, lavado e escovado, que brilhava sob a luz do sol. Uma grinalda de flores fora colocada em sua cauda e, a partir da sela, um tecido elaboradamente bordado chegava até o chão.
Uma vez em cima do enorme animal, Brenda arrumou o elaborado vestido de Maev, tentando evitar que se amassasse. Por fim, deu-se por satisfeita e permitiu que o soldado conduzisse o cavalo, enquanto ela andava orgulhosa ao lado da filha.
Maev realmente sentiu-se um membro da realeza, ao adentrar a ala do castelo montada no esplêndido garanhão. Notou sorrisos e recebeu cumprimentos pelo caminho, mas entendia muito bem que muitos continuavam com reservas. O povo não esquecera sua origem desconhecida e achava que Callum deveria ter escolhido uma de suas filhas, irmãs ou sobrinhas como noiva, pois acreditavam que ela era inferior ao cavaleiro. Mesmo tendo vivido ali por toda a vida, Maev sabia: muitos não a consideravam membro do clã. Mas isso não estragaria a magia daquele dia tão especial, pensou.
As emoções encheram seu peito e enfraqueceram seus joelhos, quando visualizou o noivo. Seus olhares encontraram-se, e Callum abriu um enorme sorriso. Um sorriso tão feliz que Maev se viu entrando em êxtase. Ele era um belo homem, e era dela. Seus cabelos negros estavam penteados para trás, mais compridos do que o dos outros guerreiros. Havia um broche de prata prendendo a manta sobre seus ombros, e as pernas nuas sob o kilt xadrez eram longas e fortes.
Maev abaixou o rosto, invadida por uma repentina timidez. Quando levantou a cabeça, os olhos de Callum encontraram os dela, e Maev viu o amor dentro deles. Soube naquele momento que queria, mais do que tudo no mundo, ver aquele rosto todos os dias, pelo resto da vida.
Como ditava a tradição, o casal de noivos deveria fazer os votos fora da igreja, diante de todas as testemunhas. A leve brisa que soprou os véus das mulheres foi bem recebida pela multidão ali aglomerada.
_ Há alguém que queira apresentar uma razão que impeça os noivos de fazerem seus votos?_ o sacerdote perguntou.
Maev segurou a respiração, ouvindo os murmúrios vindos dos membros do clã, que olhavam uns para os outros. Tinha plena consciência do ciúme que as mulheres sentiam dela, inclusive por que o noivo seria o futuro chefe do clã. Respirou fundo quando o sacerdote continuou com a cerimônia, aliviada por ninguém se opor publicamente ao casamento. Voltou a cabeça e manteve o olhar fixo em Callum.
_ Deem-se as mãos _ o sacerdote comandou.
Maev obedeceu, maravilhando-se com o toque gentil do futuro marido. Repetiu os votos em voz alta, querendo que todos a ouvissem. O anel de ouro que Callum colocou em seu dedo deu-lhe uma sensação de calor e conforto: uma prova tangível do elo que agora os unia.
_ O que Deus uniu em sagrado matrimônio, que o homem não possa dissolver. Podem selar a união com um beijo de paz.
Maev levantou o rosto, aguardando o grande momento. Callum, ao que parecia, não precisava de outro encorajamento. Ele a tomou nos braços e a beijou, fazendo seu coração disparar de felicidade.
Diante do gesto, um brado de aprovação veio dos homens. Umas poucas mulheres suspiraram. Agora que haviam testemunhado o casal trocando votos no pátio, a multidão apressou-se a entrar na igreja para assistir a celebração da missa. Tão logo terminou a cerimônia, o casal recebeu a benção final e, então, a verdadeira celebração começou.
O grande salão logo ficou cheio e animado para a festa.
Os melhores caçadores haviam passado três dias em busca dos melhores animais, e as mais talentosas cozinheiras haviam transformado a carne em verdadeiras delícias. Não fora poupada despesa alguma em comida, bebida ou decoração, na festa do sobrinho do chefe do clã.
Maev e Callum sentaram juntos no meio do salão, mantendo as mãos dadas por baixo da mesa, sorrindo de contentamento.
A refeição foi servida com fartura, assim como o vinho e a cerveja, que fluíam livremente. Quando os convidados já estavam saciados de comida e bebida, as danças tiveram início. Os noivos aderiram a elas, e Maev logo ficou sem fôlego, enquanto passava de um par a outro. O som dos pés batendo no chão de pedra ressoava, fazendo as paredes de madeira estremecer e misturando-se à música e ao riso.
De súbito, Callum apertou a mão de Maev e a retirou da pista de dança, segurando-a para lhe dar mais firmeza. Rindo, ela se encostou em seu peito. Callum a conduziu para uma saleta ali perto. Ela percebeu vagamente que se tratava da sala onde se fazia a contabilidade, no entanto seu interesse pelos arredores terminou no momento em que Callum envolveu seu rosto nas mãos.
_ Enfim, um momento a sós _ declarou ele, inclinando a cabeça. Sua boca tomou a dela e, ansioso, entreabriu os lábios de Maev com a língua, que Maev sugou faminta. Ele tinha um sabor maravilhoso de vinho.
Dominada pela paixão dos beijos do marido, ela sentiu o corpo amolecer. Os lábios e a língua de Callum exploraram sua boca, até que ele começou a beijar seu pescoço, morder sua orelha, depois o ombro....
_ Doce Maev _ murmurou, enquanto massageava possessivamente um dos seios da mulher.
Ela estremeceu ao sentir os mamilos enrijecerem e doerem, sensíveis, apesar do tecido que os cobria. O desejo a invadiu, exigente.
_ Você é tão linda _ ele disse, com a voz rouca. _ Eu a amo demais.
Callum baixou a cabeça e mordiscou o mamilo por sobre o tecido. Maev gemeu, e ele o mordeu novamente, enquanto afagava o outro com os dedos.
_ Callum... _ ela suspirou, arqueando as costas. Segurou-o pelos cabelos, mergulhando os dedos na cabeleira negra.
Da garganta de Callum vinham sons profundos, e Maev compreendeu que também gemia. O aposento em torno pareceu sumir, e todos os seus pensamentos envolviam paixão e desejo.
Rudemente, ele a ergueu e a encostou na mesa de madeira onde a contabilidade era feita. Maev não pensava em nada que não fosse Callum, quando ele lhe abriu as pernas e pressionou seu corpo contra o dela, ignorando a roupa que os separava. Ela ofegou, excitada. Callum pretendia possuí-la naquele momento, enquanto a festa continuava ali ao lado?
Desejando que isso acontecesse, abraçou-o, permitindo que suas partes íntimas entrassem em maior contato com as dele. Sentiu uma das mãos de Callum deslizando por baixo das roupas, acariciando os pelos macios entre suas coxas, explorando-a até encontrar seu ponto mais íntimo, que latejou a seu toque. Ela soltou um gemido. Cada porção de seu corpo parecia ter despertado. O sangue corria mais depressa, a pele queimava. A boca de Callum continuava a atormentá-la com pequenos beijos, a mão a inflamá-la com lentas e ousadas carícias. Ela se entregou com abandono, a própria vontade desaparecendo. Não era o lugar ideal para se perder a virgindade, mas a lógica não imperava onde a paixão reinava com tanta força.
Callum enfiou a outra mão por baixo de sua saia, tocando-a nos quadris e coxas. O ar frio que roçou sua pele, ao ter a roupa levantada, trouxe-lhe, de repente, um pensamento que a horrorizou: já imaginava os comentários do povo, caso ela não apresentasse no dia seguinte um lençol com sangue, prova de sua honra e valor como esposa do futuro chefe do clã.
Com um lamento, Maev procurou afastar-se, apreensiva. Encontrou o olhar do amado, os rostos tão próximos que quase se tocavam.
_ Não podemos esperar até que tenhamos mais tempo de dar prazer um ao outro? Por favor, Callum, não quero que nossa primeira vez seja assim, tão apressada.
_ Eu a desejo demais, Maev _ Callum declarou. Tinha a respiração difícil, o rosto transtornado por uma espécie de dor. _ Temo que nossa primeira vez juntos seja muito rápida, ao menos pra mim... _ Ele soltou um suspiro. _ Mas não a forçarei, querida.
Maev suspirou também.
_ Callum, é um sacrifício tão grande pra mim, como é pra você. _ Ela o beijou, tentando mostrar que também estava tomada pela paixão e pela necessidade física. _ Eu o desejo demais!
Ele lhe pegou a mão e a levou até a junção das coxas.
_ É isso o que faz comigo... _ disse, em voz rouca, enquanto a fazia tocar seu membro rijo. Maev não retirou a mão. Ao contrário, começou a massageá-lo.
_ Quer que eu o alivie?_ Lembrou-se da noite em que o tinha tocado até vê-lo chegar ao ápice. Passou a deslizar as mãos cada vez mais rápido, recordando-se da intimidade e do prazer que o ato trouxera a ambos.
Callum prendeu a respiração. Com um grunhido, afastou-lhe a mão.
_ Não!_ respirou profundamente._ Isso não me satisfará esta noite. Quero estar dentro de você. Quero despertar todo o seu desejo e tocar cada ponto do seu corpo. _ A voz dele soou como se estivesse embriagado de paixão.
Os lábios de Maev se curvaram em um sorriso provocante. Nunca o amara tanto como naquele momento. Alisou-lhe os cabelos, tirando-os da testa.
_ Se apressarmos os brindes e os discursos antes que se tornem longos demais, podemos ficar sozinhos em nosso quarto em menos de uma hora.
O belo rosto de Callum abriu-se num sorriso.
_ Sempre soube que era uma garota esperta, Maev McGinnis. _ Ele a puxou para mais perto e a beijou, correndo as enormes mãos por seus quadris. Então, ambos ajeitaram as roupas.
Rindo, como duas crianças peraltas, entraram no salão para participar da celebração.
Callum suspirou de satisfação, quando seu olhar deslizou pelo corpo nu da esposa. Ela era extraordinária. Iluminada pela luz das velas, Maev era de uma rara beleza. Cada pedacinho dela. As linhas do pescoço, o formato do queixo, a curvatura do ombro. Os seios eram pequenos, mas perfeitos, os mamilos eram de um rosa escuro. A cintura era fina e o quadril arredondado, e os pelos dourados entre as coxas pareciam macios e delicados.
Nenhuma mulher jamais lhe parecera tão tentadora.
Ele havia esperado quase um ano para possuí-la e, agora, excitado diante de sua nudez, sentia o coração bater descompassado, tomado pela ansiedade, porque, enfim, estaria realizando algo com que sonhara por tanto tempo.
Maev o olhou com a expectativa que ele sempre sonhara ver, dando-lhe permissão para que ele se saciasse de todas as maneiras possíveis e a satisfizesse também.
_ Está com medo?_ Callum perguntou. _ Ouvi dizer que a primeira vez pode ser dolorosa para a mulher.
_ Não estou com medo. Mamãe disse que a dor é aguda mas breve._ E um sorriso encantador surgiu no rosto dela._ Eu amo você, Callum. Não há nada que eu não faça para agradá-lo.
Ela aproximou-se, e ele pôde sentir e aspirar o calor daquela pele adorável. O cabelo glorioso cercava-lhe o corpo como um véu de seda dourada, e ele não resistiu ao desejo de deslizar as mãos pelos fios. Nada poderia estragar aquele incrível momento.
Quando se aproximou da noiva, no entanto, um arrepio estranho envolveu o corpo de Callum. Algo estava errado. Seu instinto de batalha, conquistado com a experiência dos anos, levou-o a entrar em alerta. A porta encontrava-se fechada pelo lado de dentro, justamente como ele a deixara, mas havia um leve movimento num dos cantos do quarto, uma nítida sombra do mal. Callum sentiu os pelos do pescoço arrepiando-se.
Nu e desarmado, ele buscou pela espada que deixara no armário, junto à porta. Enquanto corria para pegá-la, ouviu o grito de agonia e medo de Maev.
Deus misericordioso!
Com o coração tomado pelo medo, agarrou a espada com ambas as mãos, levantou-a acima da cabeça e soltou um grito de guerra. Não podia ver o inimigo na penumbra, mas sabia que estava ali, ameaçando tudo que ele mais valorizava e amava. Seus pés quase deixaram o chão quando ele se atracou com seu invisível oponente. Os gritos de Maev continuavam. Lutou com coragem, desferindo golpes com a espada.
Desta vez, porém, não alcançou a vitória.
Enquanto lutava, tentando chegar mais perto de Maev, sentiu um golpe na nuca. Uma dor explodiu em seu cérebro. Em seguida, a escuridão abateu-se sobre ele.
_ Eles estão fechados nesse quarto por quase dois dias_ Brenda disse preocupada, olhando para a pesada porta de madeira._ Não me importo que estejam querendo ficar sozinhos, mas não é normal que passem tanto tempo sem comida ou bebida. Você precisa mandar abrir essa porta agora mesmo.... Quero ver minha filha!
O chefe do clã McGinnis torceu os lábios, sentindo-se aborrecido.
_ Talvez sua filha não queira vê-la, Brenda.
_ Então, ela poderá me dizer exatamente isso e eu vou embora. _ Brenda fez um sinal para que as criadas esperassem no corredor. Elas aguardaram respeitosamente, segurando as bandejas com as refeições.
Brenda levantou o braço e bateu na porta, mas não se ouviu resposta alguma.
_ Maev? É sua mãe... Eu trouxe comida e refrescos para você e Callum. Abra a porta, e poderemos entregar a refeição antes que esfrie.
O silêncio continuou. Brenda insistiu, desta vez oferecendo uma banheira para que o casal pudesse tomar um delicioso banho quente.
_ Devem estar dormindo _ uma das criadas observou.
_ Ou somente exaustos _ disse outra, e ambas riram.
_ Ora, ora _ ironizou o tio de Callum. _ Deixem as bandejas no corredor. Quando eles quiserem, vão procurar comida.
Era uma sugestão lógica, mas a inquietação havia tomado conta de Brenda. Talvez fosse uma mãe protetora demais, mas, de súbito, tornara-se de vital importância ver e falar com Maev.
Empurrou a porta, mas era pesada demais. _ Está fechada pelo lado de dentro _ deduziu, com o coração tomado pelo medo. Voltou-se para o tio de Callum: _ Abra a porta, por favor.
A irritação brilhou nos olhos do chefe do clã, contudo ele respirou resignado.
_ Não espere que eu a proteja da ira de meu sobrinho _ avisou. Em seguida, investiu o ombro contra a madeira._ Muitos homens querem ficar sozinhos com suas noivas, e Callum não é exceção.
Foi preciso mais do que uma tentativa para que a porta cedesse. Quando esta cedeu, com enorme barulho, por fim, Brenda levou a mão ao peito. Não era possível que o casal continuasse dormindo agora. No momento em que viu o caminho aberto, entrou, seguindo o tio de Callum.
Mal acreditou no que viu: _ Mãe de deus!
Callum encontrava-se caído no solo, com o rosto pressionado contra o chão de pedra. Maev estava de costas, na cama, a cabeça virada em uma posição estranha. Ambos estavam nus, as peles com a cor doentia. Debaixo deles, havia uma mancha enorme e escura de um líquido seco. Sangue! Oh, Senhor! Ela nunca vira tanto sangue. O cheiro parecia estar em toda a parte.
Brenda sentiu um gosto terrível na boca. Soluçando e gritando o nome de Maev, correu até a filha. Chacoalhou seu corpo inerte, tentando ignorar o cheiro que emanava dos lençóis.
Atrás dela, ouviu os gritos de surpresa e dor do tio de Callum. Ouviram-se outros passos e gritos, todos de angústia e horror.
_ Ele está morto!
_ Meu deus quem fez isso?_ gritou Brenda, desesperada.
_ Precisamos fazer uma busca por todo o castelo. O responsável por essa carnificina tem que ser apanhado e punido!
Brenda colocou a cabeça de Maev sobre o colo, passou as mãos pelos cabelos da filha e encontrou um ferimento com sangue seco. Maev estava fria, mas não totalmente gelada. Chorando, continuou a acariciar-lhe o rosto e os cabelos, nem gesto que sempre confortava Maev quando criança. De súbito, sentiu um leve pulsar no pescoço da filha. Lágrimas escorriam por seu rosto, e seu coração se encheu de esperança. As batidas eram fracas e mal podiam ser ouvidas, mas estavam lá.
_ Ela está viva!_ Brenda abraçou a filha, enquanto seus lábios se moviam em uma prece de agradecimento.
Em meio à comoção, ninguém ouviu seu lamento. Exceto Maev. Milagrosamente, seus olhos se abriram. Por um longo momento, ficou olhando apara a mãe, completamente confusa.
_ Callum – murmurou, num fio de voz.
Brenda sacudiu lentamente a cabeça.
_ Ele está com o Senhor.
O rosto de Maev contorceu-se de dor. Seus olhos pareceram perder o foco e, então, ela os fechou.
Foi um dia trágico para o clã McGinnis. Aqueles que tão recentemente se haviam reunido para celebrar a alegria pelas núpcias de Callum, agora estavam mais uma vez presentes, mas ao lado de seu túmulo, oferecendo preces por sua alma.
Maev, com o corpo e o espírito em frangalhos, a mente atordoada, não quisera ir à missa fúnebre, nem ao enterro. Brenda permaneceu ao seu lado, tentando oferecer-lhe cura e consolo.
_ Por favor, minha querida, precisa tentar engolir um pouco da sopa que preparei _ implorou, aflita. _ Nada passa por seus lábios há dias.
Maev virou-se e dirigiu à mãe um olhar vazio. Seu rosto continuava da cor do linho do travesseiro onde sua cabeça repousava. Callum, que Deus guardasse sua alma, estava morto, pensou. Mas também sua vida fora tirada, e o mistério que envolvia o ataque fatal ainda pesava sobre cada um deles.
Todas as áreas do castelo e da vila haviam sido vasculhadas, porém nenhum intruso fora encontrado. A porta tinha sido trancada pelo lado de dentro. A altura da janela até o chão, embaixo, era grande demais, o que tornava difícil acreditar que alguém pudesse escapar assim tão facilmente. Como o assassino fugira? Não havia grandes ferimentos em Maev ou em Callum, o que tornava mais intrigante a presença de tanto sangue. Outro mistério.
O chefe do clã a interrogara seguidas vezes, no entanto ela não tinha respostas, repetindo que não vira nada, não se lembrava de nada. O estado de espírito dos membros clã chegara ao limite, a simpatia inicial que lhe haviam dispensado desaparecera. Tal fato preocupava Brenda, pois ela sabia que muitos olhavam para a filha com suspeita e acreditavam que ela, em parte, era responsável pela tragédia.
De repente, a porta do quarto se abriu e o tio de Callum entrou. Vinha rodeado de seus mais leais guerreiros e, pela expressão terrível em seus rostos, Brenda soube que haveria mais problemas à frente. Sentiu o estômago revirar.
_ O que foi? O que aconteceu?_ perguntou, preocupada.
O tio de Callum ignorou a pergunta e olhou para Maev. Havia tanto ódio em seu olhar que o coração de Brenda se apertou. Sabia que culpariam sua filha pela morte do rapaz, por mais absurdo que fosse uma moça tão frágil ter matado um guerreiro do tamanho de Callum.
_O túmulo de Callum foi profanado e seu corpo levado embora _ o homem anunciou._ Quero ouvir o que Maev tem a dizer sobre isso.
Brenda segurou o ar diante da acusação.
_ Maev está fraca demais, mergulhada em dor e tristeza. Não tem forças nem para ir ao quarto de banho, como poderia mover-se até o tumulo do marido?
_ Feitiçaria _ declarou um dos homens._ Um trabalho do demônio e da filha do demônio.
_ Isso mesmo_ outro concordou. _ Devemos sepultá-la no mesmo túmulo que ela roubou e deixá-la lá até que sua carne suma de seus ossos!
Brenda soltou um gemido de horror. Olhou desesperada para a porta, em busca de uma chance de escapar, mas os homens bloqueavam a saída. Além do mais, não poderia sair dali sem levar Maev, e a sua pobre filha não estava em condição de correr. Brenda fechou os olhos e seus lábios começaram a se mover em uma prece silenciosa, enquanto os homens discutiam o destino de Maev.
_Se nós a matarmos, o feitiço se tornará mais forte. Pode ser melhor bani-la daqui.
_Sim. Podemos mandá-la para um lugar isolado, bem distante da gente decente.
_ Não! _ Brenda gritou com veemência, abrindo os olhos. Encarou cada um dos homens agoniada, porém seus semblantes exibiam a mesma expressão de vingança.
O herdeiro do clã estava morto, seu corpo, desaparecido, e alguém tinha de pagar por aquilo. E eles sempre haviam desconfiado da origem de Maev. Agora, acreditavam que a tragédia era a prova de que sua filha tinha poderes malignos.
_ Há uma velha torre de pedra na fronteira norte das terras McGinnis _o tio de Callum lembrou. _Levem-na para lá e digam-lhe que, caso se afaste mais de uma milha ou duas dali, será executada.
_ Ela morrerá, se ficar lá sozinha!_ Brenda gritou, o pânico tomando conta de seu coração. Desesperada, jogou-se, aos pés do chefe do clã, implorando pela vida da filha. _ Não pode fazer isso a ela... Maev nada fez, nada!
A expressão do tio de Callum não se abrandou.
_ Meu sobrinho está morto e seu corpo foi roubado. Não tenho duvida de que há feitiçaria nisso.
_ Mas como culpar Maev?
O silêncio reinou por alguns instantes no quarto.
_ Se a mandar para longe, eu vou com ela _ declarou Brenda.
_ Pense bem sobre essa decisão. Se for, nunca mais poderá voltar.
_ Ela é minha filha. E é inocente.
O tio de Callum não lhe deu resposta alguma.
Brenda sentiu como se o mundo à sua volta tivesse enlouquecido. Por sorte, a raiva a manteve firme. Foi-lhe dado pouco tempo para apanhar suas coisas.Vestiu-se depressa e pegou um traje de lã para Maev. Então, insistiu para que o baú contendo o dote da filha fosse colocado na carroça.
Temendo deixar Maev sozinha com os homens, Brenda não apanhou qualquer objeto pessoal. Sua preocupação era com a filha, cuja cabeça manteve encostada no peito por toda a longa jornada em que a carroça viajou por estradas cheias de buracos. Enquanto subiam cada vez mais, o ar ia-se tornando mais e mais frio, e os bosques, mais fechados.
Finalmente, os homens pararam ao lado de uma e torre velha e arredondada. Ficava em um dos picos da montanha, totalmente abandonada, com o mato tomando conta de tudo. A porta de entrada rangia com o vento desolador.
Brenda não viu qualquer sinal de vida nos arredores. Tudo era tão silencioso que podia ouvir a própria respiração. Depois de tirar os baús da carroça, os homens se foram, sem dizer uma palavra. Amparando a filha pela cintura, Brenda a levou para dentro. Era escuro e úmido ali, o chão de pedra, paredes faltando. Ambas estremeceram de frio, quando o vento vindo das aberturas as atingiu por inteiro. Havia um banco de madeira em um canto, e Brenda ajudou a Maev a sentar-se. Ela respirou fundo e tentou formular um plano de ação, mordendo o lábio quando não conseguiu organizar os pensamentos.
O lugar era tenebroso. Distante de tudo, isolado demais, sem qualquer estrutura que atendesse suas necessidades básicas. Era uma barbaridade esperar que alguém vivesse ali pelo resto da vida.
Brenda olhou ao redor e os últimos vestígios de esperança, que tinha mantido firmes até aquele momento, foram desaparecendo. Desesperada, caiu de joelhos e se pôs a soluçar.
Para que espécie de inferno eles a haviam condenado?
TRÊS ANOS DEPOIS...
De pé no parapeito da janela, no alto da torre, que enfrentava os elementos da natureza, Maev McGinnis podia ver a densa floresta estendendo-se por milhas e milhas, em todas as direções. A terra era extensa e assustadora, uma região selvagem e indomada, repleta de perigos desconhecidos. Não era lugar para os fracos ou tímidos. Havia uma trilha que levava da floresta à torre, por onde ninguém parecia passar. Ninguém. Estava sempre vazia.
Maev passava longas horas olhando em direção ao horizonte sem fim, no entanto, jamais vira qualquer sinal de viajantes, nem a pé nem a cavalo: nenhum movimento humano de qualquer espécie. Com frequência, ficava imaginando como reagiria, o que sentiria se visse alguém se aproximando. Medo? Alívio? Indiferença? Seus ombros estremeceram quando o vento soprou mais forte. Procurou agasalhar-se melhor com o xale, porém este oferecia pouca proteção contra o frio.
Notou um casal de cervos na mata fechada, ouviu um bando de pássaros chilreando nas árvores e, então, avistou vários coelhos em uma pequena clareira. Tomara estivessem para cair em uma das armadilhas que preparara. Haviam-se passado muitos meses desde a última vez em que ela comera carne. Seu corpo pedia por sustento, pelos alimentos que encontrava antes em sua mesa com tanta facilidade.
Os homens do clã McGinnis eram exímios caçadores, orgulhavam-se em assegurar que seu povo não passasse fome. Mas a fome de Maev não era mais preocupação deles. Ela era uma pária. Não que se importasse muito com isso, pensou, indiferente. Viver no clã em que passara sua infância não aliviaria a dor em seu coração, nem eliminaria o desespero que ocupara em seu espírito como uma densa neblina. Cada vez mais, pressentia que a única coisa que a mantinha viva era a presença da mãe ali, a seu lado.
Tinha sido um duro inverno, e Brenda sofrera o tempo inteiro com febres e tremores. Quando a primavera chegou, ela permaneceu fraca, e Maev sabia que, quanto mais tempo ela ficasse doente, mais difícil seria para a mãe recuperar a saúde, especialmente sem uma alimentação mais substancial, capaz de fortalecer a seu corpo.
Decidindo que valia a pena olhar as armadilhas, Maev desceu da torre com cuidado. Os degraus de madeira não estavam mais firmes, a despeito de suas tentativas de consertá-los. Como o sol batia apenas no alto da torre, o único aposento onde ela e Brenda viviam ficava sempre imerso nas sombras.
Maev rumou com muito cuidado em direção à lareira. Uma mesa quadrada rústica, um banquinho e uma cadeira de três pés com as costas quebradas eram as únicas peças de mobília no cômodo, no entanto ela não queria fazer barulho, derrubando móveis. Poderia assustar a mãe, que não se levantava da cama havia mais de uma semana.
_ Vou dar uma olhada nas armadilhas _ sussurrou, inclinando-se sobre o colchão onde Brenda estava.
Tocou de leve a testa da mãe, perturbando-se por achá-la quente e febril. Brenda suspirou profundamente. Seus olhos se abriram e fecharam mais uma vez, como se estivesse lutando para acordar._ Fico preocupada com sua segurança, Maev. Já é muito tarde para entrar na mata. Melhor esperar até a manhã chegar.
_ Não vou me demorar _ ela assegurou à mãe.
_ Tenho esperança de que algum coelho gordinho tenha caído na armadilha, assim poderei preparar uma boa refeição para o jantar.
Brenda franziu a testa, e instantaneamente, Maev sentiu raiva de si mesma, por mencionar a possibilidade de servir uma comida melhor. Não queria que a mãe ficasse desapontada, caso a armadilha não funcionasse. Desde que haviam chegado àquele lugar desolado, seu próprio apetite sumira, mas Brenda sempre falava como seria bom comer um pão bem quentinho, bifes suculentos e outras delícias culinárias que nunca mais tiveram a oportunidade de saborear. Nos últimos três anos, as duas continuavam vivas consumindo unicamente o que conseguiam encontrar na mata: raízes, frutas e, ocasionalmente, algum animal que Maev conseguia apanhar. Na verdade, viviam uma existência miserável.
Maev ativou o fogo, acrescentando pedaços de madeira. Ajeitou o fino cobertor - o único que possuíam -, em torno dos ombros da mãe e, depois, pegou o arco e as flechas que conseguira fazer.
Saiu apressada, caminhou em volta da torre e parou. O sol estava praticamente se pondo e precisava decidir que caminho tomar. Havia luz suficiente apenas para alcançar algumas das armadilhas. Pegando um atalho, Maev seguiu para oeste, desejando que a claridade continuasse por mais um pouco. Foi parando aqui e ali para recolher algumas raízes, desconfiada de que seriam a única comida que teriam para o jantar daquela noite.
Como havia temido, as armadilhas estavam vazias. Maev fechou os olhos, desesperada.
Brenda precisava de nutrientes que só a carne fresca podia proporcionar. A cada dia que passava, sua mãe parecia mais fraca. Não só fisicamente, também seu espírito definhava. Enquanto observava seu sofrimento, Maev tinha consciência de que era responsável pela condição de Brenda. Se não fosse por ela, a mãe estaria em casa, onde era o seu lugar, em meio ao conforto, e com o estômago cheio. Ainda teria suas amigas e a proteção dos homens, além da orientação espiritual de um padre. Em vez disso, fora condenada a viver num lugar desolado, perdida numa floresta densa, tendo como única companhia a filha, que já não tinha vontade de viver.
Maev engoliu com dificuldade, tinha um nó na garganta.
Aquela mulher ensinara-lhe as mais importantes lições: como amar e rir, como ser leal e bondosa, como manter a cabeça erguida... e merecia uma existência melhor. E quanto a ela própria, Maev perguntou-se. Não merecia coisa melhor? Afastou o pensamento.
Callum tinha ido embora, e ela gostaria de tê-lo acompanhado naquela última jornada. O chefe do clã e seus homens haviam pensado que a tinham punido, transformando-a em pária, contudo ela não se importava com mais nada. Sem Callum, sua vida não tinha significado, nem propósito, nem alegria, nem sonho ou futuro. Era como se houvesse caído em um buraco negro. A luz interior de sua alma fora drenada, e ela não tinha forças para superar. Se não fosse pela mãe, teria permitido que o desespero a levasse ao encontro de seu amado, no entanto Brenda havia sacrificado tudo para salvá-la, e Maev não podia pagar tanto amor com covardia.
Sabendo que a mãe se preocuparia, se demorasse a voltar, ela tomou o caminho de volta. Quando estava chegando, um estranho silêncio envolveu a clareira onde a torre se erguia. Ela já se acostumara aos sons da natureza ao redor, mas, dessa vez, percebeu algo diferente. Como uma mudança no ar. Olhou para o céu. Não viu estrela alguma, mas notou a formação de nuvens escuras, prenunciando chuva muito forte.
Na esperança de chegar antes que a chuva caísse, apressou o passo. Já seguia para a entrada da torre e, então, distinguiu um volume junto à porta. Era uma sacola de pano, fechada no alto com uma corda.
Surpresa, Maev parou. Seu primeiro impulso foi esconder-se. Quem quer que tivesse deixado o pacote poderia ainda estar por perto. Talvez até a observasse naquele exato momento! Cheia de suspeitas, olhou em volta, mas não viu ninguém.
Um trovão ressoou, e relâmpagos iluminaram o céu.
Assustada, Maev correu para a porta. As primeiras gotas de chuva molharam seu rosto, quando ela se abaixou para examinar o pacote. Tensa, ela apalpou o volume, depois, lutou para desatar o nó da corda e, com mãos trêmulas, abriu o saco.
_ Oh! Meu Deus!
A chuva agora a molhava inteira, começando a encharcar sua roupa. Entretanto, ela não sentia o frio nem a umidade. Seus olhos estavam presos no conteúdo da sacola de pano. Era carne! Havia ali carne suficiente para alimentar a mãe por semanas! Mas a alegria misturou-se a suspeita e, em seguida, ao medo. Quem poderia ter deixado a comida? E o que iria querer em troca?
_ Tem alguém ai?_ Maev gritou, com o olhar vasculhando a floresta.
Mas a escuridão era completa. Quem quer que tivesse deixado a carne não estava visível e, com certeza, tinha ido embora. Pelo menos, ela esperava que sim. Pressionando o achado contra o peito, entrou na torre e fechou a porta.
Ele ficou parado no escuro, observando-a levantar o pesado saco, esperando que ela ficasse feliz quando visse o que continha. Sua voz soara rouca e estranha, como se não a usasse muito, mas ainda mantinha traços familiares.
O som doce trouxera-lhe lembranças de sua ternura e amor, da delicadeza e afeição que Maev nutria por ele... assim como uma dor profunda no peito.
Ele deixou o lugar onde se escondia, desejando ver-lhe o rosto. Sabia que a ausência de luz impediria que fosse visto por ela, mas a visão especial que ele possuía agora permitia enxergá-la como se fosse dia claro.
Maev estava mais magra, o rosto mais fino, porém as feições continuavam refinadas. Mesmo àquela distância, conseguia ver os olhos amendoados e doía-lhe não responder ao seu chamado. Nunca pensou que a veria novamente. Não acreditou que seria possível ouvir sua voz, deliciar-se com o modo como seus quadris ondulavam ao andar.
Maev.
O passado explodiu no presente, e a dor o invadiu por inteiro. Uma dor intensa e terrível, que deveria ter diminuído com o tempo, mas que retornou mais aguda do que nunca. Uma dor que queria destruir o escudo protetor que usava para suportar o mundo de pesadelos em que vivia. Dor que estivera enterrada bem fundo naqueles últimos três anos.
Maev. Minha linda noiva. Eu a encontrei, enfim.
Brenda cochilava enquanto Maev preparava o jantar. A febre piorara, e Maev esperava que o aroma da carne assada melhorasse o ânimo da mãe. Eventualmente, o cheiro acabou por acordar Brenda. Mas, apesar da boa mulher elogiar os talentos culinários da filha, não foi capaz de engolir mais do que uns poucos pedaços da carne deliciosa. O que mais preocupou Maev era notar que a mãe sequer ficara curiosa em saber como ela arranjara toda aquela carne. Outra indicação de que a saúde de Brenda se deteriorara.
Como não havia sal, Maev preparou logo uma grande porção de carne para mais tarde. Deixou a panela cozinhando em fogo baixo, desejando que o rico caldo pudesse despertar o apetite da mãe no dia seguinte.
O trabalho de cozinhar, somado à preocupação com o estado de Brenda, deixou-lhe pouco tempo para especular sobre a identidade de seu desconhecido benfeitor. Contudo, mais tarde, naquela mesma noite, enquanto tentava acomodar-se na cama de folhas secas, pegou-se imaginando se o misterioso estranho voltaria.
Poucas horas mais tarde, Maev acordou com os sons dos próprios gritos, sacudida por um pesadelo onde o rosto sem vida de Callum a fitava. Cheia de desespero, ergueu-se na cama, com um gosto amargo na boca, a respiração difícil. Banhada em suor, afastou a coberta e sentou-se, ouvindo o som disparado do próprio coração. Brenda roncava suavemente a seu lado, inconsciente da dor da filha.
O tremor foi diminuindo aos poucos. Maev cerrou os olhos com força. Jamais sonhara com Callum antes. Na verdade, durante as horas em que estava acordada, mal podia se lembrar do belo rosto de seu marido e preferia mesmo que fosse desse jeito. Não havia somente tristeza associada à imagem de Callum, mas, igualmente, uma dor que não conseguia suportar.
Inquieta, ela deixou a cama. Subiu os degraus que levavam ao alto da torre, de onde podia ver o céu estrelado. Respirou fundo e ficou admirando as estrelas. Tremeu de frio e desejou ter trazido a coberta. Estava tudo muito quieto, mas pretendia permanecer ali até que a escuridão desse lugar ao amanhecer.
Um som estranho na parede oposta chamou-lhe a atenção. Ela girou e ficou observando o vulto que surgia nas sombras, apreensiva, esperando que desaparecesse. Mas não aconteceu. Ao contrário, aproximou-se mais. Estranhamente, ela não sentiu nenhum medo. Apenas esperou que a sombra fosse definida pelo luar e se revelasse.
_ Callum?_ murmurou de repente, os olhos enchendo-se de lágrimas.
Acreditou que não mais se recordaria de suas feições, mas estivera iludindo-se. Ela reconhecia-o agora, mesmo se fosse uma ilusão.
_ Primeiro, eu sonho com você, e, então, você me aparece como uma visão... Será que fiquei louca?
Pelos chifres de Lúcifer! Pensou Callum. Não pretendera mostrar-se. Apenas entrara na fortaleza e observara Maev dormindo. Quando um pesadelo a despertou, ele abandonou o quarto rapidamente e subiu até a torre, esperando que ela voltasse a adormecer. Então, voltaria mais uma vez para deslumbrar-se com sua beleza. Até o amanhecer.
Tinha chegado ali tomado pela raiva e pela dor, trazido pela necessidade de estar perto da mulher que amara e perdera. Não havia planejado observá-la assim de perto, mas quando Maev surgiu na torre, a poucos metros de onde ele estava, a oportunidade pareceu tão irresistível que se agarrou a ela, mesmo sabendo que nada além de problemas resultaria disso.
Maev imaginou que ele fosse um fantasma. Talvez fosse melhor que pensasse nele dessa maneira, em vez de identificá-lo como a criatura decadente em que se transformara. Se ela viesse a conhecer a verdade, ficaria com medo e o desprezaria. Tanto quanto ele desprezava a si mesmo... Calculou a distância dali até o chão. Seria uma queda expressiva, mas nada lhe aconteceria se saltasse. Levantou a perna e preparou-se para pular, quando a voz dela soou novamente.
_ Pensei que seria insuportavelmente doloroso tê-lo outra vez em meu coração, vê-lo em minha mente... mas não é _ o tom de voz era reflexivo e emocional, a tristeza, um eco dos sentimentos que ele trazia enterrados no fundo do peito._ Talvez eu tenha estado errada fechando-me a isso de propósito, recusando-me a lembrar o quanto sempre amei você, o quanto você fazia minha vida completa.
Bem devagar, Callum abaixou a perna. Maev olhava-o com tanta intensidade que ele engoliu em seco. Aproximando-se mais, ele estendeu o braço e segurou-lhe a mão. Seus olhares encontraram-se. Gentilmente, Callum levou a mão delicada ao rosto, incapaz de resistir ao desejo de experimentar aquele toque em sua pele.
_ Você é sólido _ ela murmurou, puxando a mão, aflita _ e frio... pensei que fantasmas fossem espíritos que perdiam toda a carne e forma.
Ele sacudiu a cabeça, temendo assustá-la. Ao sentir a carne quente de Maev em contato com a pele, foi tomado pela poderosa necessidade de abraçá-la, arrancar-lhe a fina camisola e ver seu corpo nu. Resistiu bravamente, porém.
_ Não sou nenhum fantasma_ sua voz saiu rouca e emocionada.
Maev levou a mão ao peito, tentando acalmar as loucas batidas do coração.
_ Posso ouvir sua voz! Embora ela me soe diferente do que eu recordava. Está mais rouca, mais rude.
O que ele poderia dizer? Que suas cordas vocais tinham sido danificadas na noite em que fora atacado, na noite em que se convertera em uma criatura imortal?
_ Está com medo de mim?
_ Deveria?
Callum sorriu. Sua antiga Maev ainda existia apesar de todo o sofrimento.
_ Não vou machucá-la de modo algum.
Maev hesitou e, então, devolveu o sorriso.
_ Sei que não é meu inimigo.
Callum estranhou a resposta.
_ Você tem inimigos? Por isso, você e sua mãe escolheram viver nesse lugar tão afastado do resto do clã?
Maev fechou os olhos por um momento.
_ Não escolhemos nada _ respondeu, por fim._ Fui considerada culpada por sua morte, e meu castigo foi ser banida do clã para sempre. Foi um veredicto inteligente, pois é uma sentença longa e sem qualquer misericórdia.
_ Eles acreditam que você me matou?_ Callum ficou chocado. _ Como?
_ Com feitiçaria. _ Os lábios de Maev curvaram-se em um sorriso amargo. _ Talvez estivessem certos... Talvez eu tenha poderes. Afinal, não me encontro conversando com um fantasma?
Ele não se preocupou em desmenti-la. Sua mente ainda estava registrando as revelações que acabara de ouvir. Como seu clã pôde concluir que Maev seria capaz de fazer-lhe mal? Como podiam ter sido assim cruéis, a ponto de puni-la de forma tão desumana.
_ Você é inocente, Maev. E aqueles que a condenaram injustamente sofrerão por ter cometido tal erro.
_ Não! _ Sua respiração veio seguida de um soluço. _ Por favor, não deve buscar vingança castigando-os. O sofrimento dos outros não aliviará minha dor. Não me trará de volta o que perdi, tudo o que nós dois perdemos.
Ele observou quando o rosto de Maev foi tomado por emoções descontroladas. A falta de egoísmo dela o surpreendia. Mesmo na situação miserável que se encontrava, defendia aqueles que a tinham tratado de forma tão desumana. Embora ele admirasse tanto a beleza exterior daquela mulher, mesmo estando seu corpo coberto por andrajos, era a beleza interior de Maev que ele mais amava, que o fazia lembrar da razão de tê-la amado tão completamente.
Deus! Precisava tê-la em seus braços.
Ciente da apreensão que havia nos olhos dela, Callum aproximou-se bem devagar. A respiração de Maev ficou mais rápida, contudo ela não fugiu. Tomando cuidado para não machucá-la com seu peso, ele a aprisionou contra a parede da torre, as mãos acariciando o rosto delicado, os dedos deslizando pelos cabelos, embrenhando-se nos fios compridos.
_ Sempre adorei seu cabelo... _ falou. _ Quase tanto quanto a adoro. Posso beija-la?
_ Será como antes?_ Lágrimas brilhavam nos olhos de Maev. _ Eu sentirei a mesma excitação de quando seus lábios tocavam os meus?
_ Não sei. Mas vamos descobrir.
Callum a beijou suavemente, e as sensações que o envolveram foram fortes e verdadeiras. Alívio e alegria fluíram por ele. Era até melhor, pensou, deliciado, pois parecia um presente raro e precioso, que ele julgara perdido para sempre. Ele passou a beijá-la com paixão, e Maev entreabriu os lábios, ansiosa por receber aquela carícia. Sem hesitação, rodeou o pescoço do marido com os braços. Com um profundo suspiro, ele pressionou-lhe os quadris contra seu corpo excitado. Ele a desejava tanto! Precisava dela para banir a solidão e a mágoa que sentira naqueles três longos anos.
Anaxandra havia-lhe dito que Maev morrera e, desesperado, ele vasculhara as terras do clã McGinnis em busca da noiva sem sucesso. Com o coração despedaçado, deixara para trás o mundo dos mortais, tornando-se uma criatura das trevas, um ser do mal. Movido pela revolta, tinha feito coisas horríveis e participara de muitos atos hediondos. No entanto, parte de sua humanidade sobrevivera. A parte de sua alma onde Maev habitava tinha-se mantido incorruptível e, agora, graças ao amor que eles haviam compartilhado, ele reencontrava sua essência.
O problema era, uma vez que a encontrara, como poderia deixá-la novamente? Alguma coisa doeu dentro dele. Embora se beijassem apaixonadamente, saboreando um ao outro como se tivessem todo o tempo do mundo para estarem juntos, Callum sabia que aquilo não era verdade. Uma voz interior o alertava: se prolongasse aquele prazer, só tornaria a partida mais dolorosa. Terminou o beijo com esforço e deu um passo para trás. Era a coisa mais dolorosa que ele já fizera na vida, porque talvez não houvesse outra chance de envolver Maev nos braços e mostrar o quanto ainda a amava.
_ Preciso ir _ Callum murmurou.
Maev estendeu o braço e colocou a mão em seu peito.
_ Eu o verei novamente?
_ Não sei _ ele respondeu, com toda a sinceridade.
Antes que ela pudesse dizer qualquer outra coisa, Callum aproximou-se do parapeito e começou a descer pela pedra que recobria a torre com a graça de um felino, desaparecendo na escuridão da noite.
Quando acordou na manha seguinte, Maev estava deitada na cama, ao lado da mãe, como de costume. O fogo da lareira ainda ardia, e o cheiro de carne assada enchia o ar do pequeno espaço onde elas se encontravam. Carne assada. Maev podia identificar aquele delicioso aroma em qualquer lugar. E ainda sobrara muito do alimento deixado pelo benfeitor desconhecido. Isso, pelo menos, era verdade.
Quanto ao fantasma de Callum Mcginnis, Maev não tinha certeza. Tudo parecera tão real. Mas questionava se o encontro tinha acontecido de verdade. E por que teria acontecido só agora, depois de todos aqueles anos? Certamente, era um truque de sua mente cansada, mas, por mais que se esforçasse, parecia impossível esquecer a visão dos olhos tristes de Callum.
Maev suspirou. Gostaria muito de discutir o incidente com Brenda, mas temia que a mãe pensasse que estava louca, caso afirmasse ter visto, falado e beijado o fantasma de Callum na noite anterior. Precisando clarear a mente com ar fresco, deixou a torre no final da manhã. Enquanto caminhava pelos bosques, agora familiares, viu-se olhando para trás a todo instante, observando, com cuidado, as sombras da densa floresta. Os espíritos materializavam-se durante o dia ou só andavam pela terra durante a noite?
Afastando da cabeça aqueles tolos pensamentos, procurou concentrar-se em suas tarefas. Reuniu madeira para a lareira, colheu alguns cogumelos. Então, voltou para casa para se lavar. Pelo meio do dia, conseguira convencer-se de que a aparição de Callum fora um sonho, uma espécie de fuga de sua triste existência.
O clima ruim voltou, e as chuvas ocasionais durante a tarde deram lugar a uma tempestade à noite. Maev ouviu o barulho da água caindo lá fora e sentiu-se uma tola por estar desapontada. Se não estivesse chovendo forte, pensou, poderia subir ao alto da torre na esperança de rever o fantasma de Callum.
Dormiu mal naquela noite, acordando a toda hora com uma sensação de renovada decepção, ao ouvir que a chuva continuava. No dia seguinte, iniciou suas tarefas em estado letárgico. Depois de colocar mais lenha no fogo, para afastar o frio da manhã, começou a preparar a comida para a mãe.
Quando olhou para Brenda, um sentimento de medo a invadiu. Alguma coisa estava errada. Aproximou-se da mãe sobressaltada. Embora Brenda estivesse com os olhos abertos, estes tinham um ar perdido, como se ela olhasse para algo que realmente nem via. Maev ajoelhou-se a seu lado e tocou-lhe o ombro com delicadeza.
_ Mamãe?
Brenda moveu-se. Começou a falar lentamente, os lábios movendo-se com dificuldade.
_ Estou morrendo, Maev.
Por um momento, Maev não conseguiu respirar.
_ Não fale assim! Está com febre, por isso sente-se deprimida. A primavera logo chegará, e o calor do sol vai melhorar sua disposição, tenho certeza! Lá fora tudo estará florido, e poderemos apanhar novas raízes. Vai se sentir melhor depois que tomar um pouco do remédio que prepararmos com elas.
_ É preciso mais do que sol e raízes, filha _ respondeu Brenda, com um suspiro pesado.
Maev quis negar, mas as palavras não saíram de sua garganta. A mãe estava certa. Tinha a pele azulada, e os ossos pareciam saltar de seu corpo. Embora Maev tentasse convencer-se do contrário, sabia que havia pouca esperança de Brenda sobreviver mais algumas semanas. Estava doente demais.
_ O que devemos fazer?_ perguntou, tomada por um misto de revolta e agonia.
Por fora, mantinha-se forte, por dentro, sentia-se uma menina assustada.
_ Precisamos rezar._ Brenda fechou os olhos. _Você se lembra de suas preces, não é, filha? Minha alma precisará de muita ajuda para alcançar o céu, já que estarei partindo da terra sem a presença de um padre, sem confessar e sem receber a benção dos últimos ritos.
Maev procurou armar-se de um ar confiante.
_ Minha fé no Senhor tem sido bastante testada nos últimos três anos, mas se isso a fizer sentir melhor, rezaremos dia e noite.
A boca de Brenda curvou-se em um leve sorriso.
_Você sempre foi uma boa garota, Maev. E tornou-se uma boa mulher. Tenho orgulho de chamá-la de filha.
Maev engoliu as lágrimas que ameaçavam invadir seus olhos. A devoção de Brenda por ela sempre fora absoluta. Ela havia generosamente compartilhado sua casa e seu coração, dado tudo a ela, inclusive sua própria vida.
Começaram a rezar juntas. Brenda logo se cansou, mas Maev prosseguiu as orações. Quando a voz se tornou rouca, fechou os olhos e rezou em silêncio, oferecendo a Deus várias preces que ela ouvira um dia, implorando pela misericórdia divina para aquela mulher tão boa, que merecia um destino melhor.
Enquanto Brenda mergulhava em um sono calmo, Maev compreendeu que não havia feito tudo que podia para dar à mãe a paz que ela desejava, a paz que merecia. Brenda queria um padre para ouvir sua confissão e ministrar os últimos ritos, e ela, Maev, era a única que poderia atender esse desejo final. Embora fosse difícil julgar, acreditava que Brenda não sobreviveria mais do que uma semana ou duas. Em seu coração, Maev sabia que essa era a coisa certa a fazer. A única coisa a fazer. No entanto, a decisão a enchia de medo. Brenda ensinara-lhe que seguir as próprias convicções exigia grande coragem, e nunca antes aquela lição tivera tanto significado. Maev rezou para ter a força necessária para realizar aquela importante tarefa. Pela mãe, precisava deixar a amargura de lado, engolir o orgulho e voltar ao castelo. E, verdade seja dita: a idéia de retornar e rever os membros do clã McGinnis era mais assustadora do que a morte.
Quando a noite caiu, Maev sentou-se no banquinho próximo ao fogo da lareira improvisada, o queixo apoiado nos punhos, os ouvidos sintonizados com a respiração da mãe, que, enfim, adormecera. Havia decidido partir ao amanhecer. Precisava apressar-se, antes que Brenda piorasse ainda mais. Se contasse com um pouco de misericórdia, voltaria no mesmo dia, trazendo a única coisa que amenizaria o sofrimento da mãe: um padre.
Forçou-se a comer. E iniciou os preparativos para a viagem. Talvez o tempo ruim clareasse pela manhã. A chuva contínua e estradas enlameadas tornariam a caminhada muito mais difícil, retardando a chegada ao seu destino. Depois de devolver ao pote a comida que a mãe não conseguira engolir, Maev arrumou-se para dormir. Mas o sono não veio. Repentinamente, ouviu o som de algo sendo derrubado, seguido de um resmungo. Levantou a cabeça, atenta aos sons.
_ Callum?
Após um longo silêncio, quando Maev já começava a perder as esperanças, ela o viu sob a claridade que havia em um dos cantos do aposento. Apreensiva, notou a incerteza no olhar de Callum.
_ Oh, Maev, eu tentei! _ ele murmurou, com uma expressão desolada no belo rosto. _ Mas descobri que não posso me afastar de você.
Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas.
_ Estou mais do que feliz que esteja aqui. Mesmo sabendo que não é real, você me faz sentir menos medo.
Ele a observou por um momento, depois abriu os braços. Maev ergueu-se e caminhou até ele, enlaçando-o pelo pescoço. Pressionou o corpo contra o peito largo, e percebeu que ele suspirava em seus cabelos.
_ Isto é loucura.
Ela levantou a cabeça e colou os lábios nos dele, interrompendo as palavras que ele pretendia dizer. Em meio ao beijo ardente, a dor e a solidão no coração de Maev diminuíram. Era loucura sim. A cada minuto que passava, ela mais dependente ficava daqueles encontros com Callum para sobreviver. Quando o beijo terminou, Maev o puxou para junto do fogo. Sentaram-se juntos no chão, um olhando para o outro. Callum parecia tão real, tão vivo, que o coração dela quase parou. Havia muitas perguntas a fazer, mas aquela não era a hora. Devia reservar todo seu pensamento para a mãe e para a missão que estava prestes a empreender na manhã seguinte.
_ Parece preocupada _ Callum observou. _ Aconteceu alguma coisa?
Ela parou de brincar com o enfeite da camisola.
_ Minha mãe está morrendo. Há alguma coisa que você possa fazer para ajudá-la?
Um profundo desgosto tomou conta da expressão de Callum.
_ Não tenho poderes para aliviar o sofrimento de ninguém.
_ Era o que eu temia. _ Maev clareou a garganta com dificuldade _ Vou ao castelo amanhã em busca de um padre. O último desejo de minha mãe é se confessar e conseguir absolvição para seus pecados.
Callum levantou-se de pronto.
_Você não pode voltar ao castelo, eles a matarão.
_ Estou ciente dos riscos _ ela respondeu, dando de ombros. _ Mas não tenho outra escolha.
_ Deixe-me fazer isso.
_Quer ir em meu lugar? Como?
_ Eu me movimento com mais rapidez e facilidade no escuro. Tirarei um padre de sua cama e o trarei aqui antes mesmo que amanheça.
Maev levantou-se de imediato.
_ Se o padre descobrir de repente que está na torre, sem recordar como chegou até aqui, o clã terá as provas de que precisa para provar que tenho poderes diabólicos e faço uso de magia negra. Se for assim, a minha vida e a de minha mãe não serão poupadas.
Callum franziu o cenho diante do argumento lógico de Maev.
_ Então arranjarei um padre em outro lugar. Um que não tenha envolvimento com o clã McGinnis. Não permitirei que saiba onde foi trazido e, quando eu o levar de volta à sua paróquia, ele não terá como encontrá-la. Você continuará em segurança.
Maev gostaria de concordar com o marido de todo coração.
_ Isso poderia levar dias, Callum, talvez mais tempo. Minha mãe não vai durar tanto assim.
Ela pôde sentir a frustração que tomou conta de Callum, porém ambos sabiam que ela tinha razão.
_ Pelo menos, deixe-me acompanhá-la nessa jornada.
_ Não. Preciso saber que ficará aqui olhando por minha mãe, ou não serei capaz de deixá-la. Vou buscar o padre sozinha.
_ Maev...._ Ele capturou o rosto dela entre as mãos, beijando-a gentilmente, tocando-lhe o nariz com os lábios._Você sempre foi a mulher mais corajosa que conheci. Prometa-me que tomará cuidado.
_ Prometo.
Ela deixou-se envolver pelos braços fortes de Callum, buscando força neles, desejando ser corajosa como ele acreditava que fosse. Aos poucos, a tranquilidade foi tomando conta de sua mente e ela bocejou. Quando o fez pela segunda vez, Callum a levou para perto da lareira e deitou-a na cama de folhas suavemente. Segurando firme a mão dele, por fim, ela adormeceu.
Ao acordar, ele não estava mais ali, como havia esperado. Desapontada, ela levantou-se e colocou mais lenha na lareira. Vestiu-se com suas roupas mais quentes e deixou comida e água ao alcance da mãe. Brenda mal se mantinha consciente, deixando Maev mais assustada. Tinha de partir assim mesmo, porém. Convencendo-se de que podia sair, já que Brenda estaria bem no aposento aquecido, Maev saiu lentamente da torre.
Callum!
Ele arranjara uma montaria para que a jornada fosse mais rápida e fácil. Sentiu uma onda de ternura invadir todo o seu ser. Só ele poderia ter deixado o animal. Mas Callum não era real, só uma frágil visão de sua mente solitária... No entanto, não podia negar a realidade diante de seus olhos: a égua existia. Tudo o que ela mais precisava se materializara: primeiro, a carne, agora, a pequena égua com uma estranha mancha na testa. Como era possível?
Maev sacudiu a cabeça confusa, sabendo que naquele momento não seria possível ficar buscando respostas para o mistério. Tinha um cavalo e podia ir ao castelo e retornar antes do anoitecer. Acariciou o nariz do animal. Depois de se conhecerem melhor, Maev puxou a égua para dentro da floresta pelas rédeas. Parou no momento em que encontrou o que precisava: um tronco velho derrubado pela chuva, que lhe facilitaria montar o animal. Usando as rédeas e as pernas, guiou a égua pelo caminho que conduzia à saída da floresta, sem saber ao certo o tempo que levaria para alcançar o castelo. Não tinha lembranças da jornada que a trouxera ali, três anos atrás. Entretanto, quando criança, ouvira muitas vezes pessoas do clã comentando que visitaram a torre de pedra. A distância não devia ser muito grande.
Era estranho estar novamente montada em um cavalo, porém Maev logo começou a relaxar. Vencidas algumas milhas, chegou a esquecer a razão que a trouxera até ali, desfrutando a liberdade de cavalgar.
Depois de várias horas, seu estômago começou a roncar de fome, mas ela procurou ignorá-lo, entupindo-se de água quando alcançou um riacho e desmontou, para dar descanso ao animal. Diminuiu um pouco o passo ao recomeçar a viagem, procurando certificar-se de que tomava o caminho certo. Contava apenas com a posição do sol para guiá-la. Acalmou-se quando alguns detalhes do lugar mostraram-se familiares. Com o coração batendo mais forte, apressou o passo, aproximando-se cada vez mais de seu antigo lar.
Enfim, encontrou-se na última das colinas, avistando dali os muros do castelo. Mesmo a uma boa distância da fortaleza, podia enxergar homens e mulheres movimentando-se em suas tarefas diárias. Sentiu como se houvesse passado uma vida inteira desde que ela também fizera parte daquela comunidade.
Por um lado queria seguir diretamente para os portões do castelo com a cabeça erguida e a determinação no olhar. Mas isso seria uma bobagem enorme... um desperdício de orgulho. Sem dúvida seria detida muito antes de chegar à capela. Não, não seria capaz de entrar sem ser presa. Mas o padre podia sair e entrar no castelo quando quisesse, sem qualquer restrição, e Maev sabia muito bem que ele visitava as casas dos camponeses que cuidavam do campo, quase todas as tardes. Tudo que tinha a fazer era esperar que ele estivesse a uma boa distância do castelo e surgir na frente dele.
Escondeu a égua em uma área cheia de arbustos, e deixou o animal feliz, mastigando a grama macia. Em seguida, posicionou-se junto à estrada principal, com clara visibilidade do que se passava à sua frente. Depois de uma hora, sua paciência foi finalmente premiada: ao ver o padre com seu manto longo e negro, voando com a força do vento, sentiu o coração disparar dentro do peito. Esperou que ele estivesse mais próximo e, então, saiu de onde estava.
_ Boa tarde_ disse, encarando o religioso com uma ousadia que estava longe de sentir.
O rosto do homem ficou vermelho. Ele grunhiu algumas vezes, depois fez o sinal da cruz. Maev controlou o desejo de sibilar para ele, mas o bom senso a deteve. Precisava da cooperação do padre. Antagonizá-lo dificilmente seria uma atitude sensata.
_ Não tinha certeza de que me reconheceria_ continuou, em tom neutro. _ Mas agora tenho certeza de que sabe quem sou.
_ Não devia estar aqui, moça_ o padre respondeu, a testa franzida de preocupação._ Se o senhor souber que se ousou aproximar deste local, não conseguirá escapar da morte.
Maev serrou os punhos.
_ Não desejo criar problemas, não estou aqui por minha causa, mas por minha mãe. Ela está gravemente doente e anseia por se confessar. O senhor me acompanhará e lhe administrará a extrema-unção?
O padre fez uma careta e meneou a cabeça em negativa.
_ Não ouso desobedecer as ordens de meu senhor. Todos no clã sabem que é proibido ter qualquer contato com a senhora ou com sua mãe.
_ Mas eu não fiz nada de errado! Tudo não passa de um monte de mentiras diabólicas._ Maev começou a se descontrolar. _ Pode jogar a culpa em mim se quiser, mesmo eu não sendo culpada de nada, mas ninguém de coração bom e justo pode achar que minha seja culpada de algo. Seu único crime foi dedicar a mim um amor enorme e uma lealdade incondicional.
O padre revirou as contas do terço que tinha pendurado na cintura. Depois de uns poucos minutos, deu um suspiro.
_ Não posso ajudá-la. _ Abaixou os próprios olhos. _ Melhor será ir embora antes que alguém a veja e dê o alarme.
_ Por favor, precisa reconsiderar! Não pode permitir que o medo e a ignorância o impeçam de fazer o que é certo _ ela implorou, disposta até a atirar-se ao chão, caso aquilo terminasse por convencê-lo. _ Como pode recusar o pedido de uma mulher moribunda que implora pelo consolo divino? Mesmo o senhor não pode ser tão cruel a ponto de negar a uma alma a chance de reunir-se ao Salvador.
Por um instante, o padre pareceu arrependido, e Maev teve esperanças de tê-lo convencido. Mas, então, ele declarou sua decisão definitiva:
_ O destino de sua mãe já foi definido por Deus. Se Deus quisesse que ela tivesse uma padre em sua hora final, não teria permitido que fosse banida de seu clã. É a vontade Dele e não posso interferir em suas decisões. Um gemido de pura frustração escapou dos lábios de Maev.
_ Como pode ser tão cruel e ainda dizer que é um homem de Deus? Onde está o perdão cristão e a misericórdia, quando eles são mais necessários?
O padre segurou a respiração, o rosto pálido.
_ Deixo a Deus o ato de ter misericórdia, minha jovem. _ Enfiou as mãos no bolso e tirou de lá um pequeno crucifixo de madeira. _ Dizem que este crucifixo recebeu a benção do Santo Padre. Leve-o para sua mãe. Eu rezarei para que ele lhe dê consolo na hora final.
Com um soluço, Maev aceitou a cruz. O que realmente gostaria de fazer era jogá-la no chão e pisá-la, mas sabia que o crucifixo seria o único consolo que a mãe teria. A menos que pudesse dominar fisicamente o padre e forçá-lo a acompanhá-la. Maev deixou de lado a idéia, ao mesmo tempo em que ela surgia.
_ Possa a consciência atormentá-lo pelo resto de sua vida, padre... E que o senhor nunca se esqueça de como preferiu ser covarde e virar as costas para uma alma inocente. Que Deus nunca o perdoe por seu pecado.
Com o gosto amargo do fracasso na boca, Maev deu as costas ao religioso e seguiu para o lugar onde deixara a égua escondida. Na verdade, desde que partira, as chances de voltar com um padre tinham sido remotas. Mesmo assim, ousara sonhar com um pequeno milagre. Profundamente desapontada, começou a longa jornada de volta, temendo o que poderia encontrar ao chegar.
Brenda faleceu exatamente ao amanhecer. Maev chegou a tempo de pegar a mãe nos braços, cantar para ela suas canções favoritas, repetir as histórias que ela lhe contava sobre suas peraltices quando criança. Sua mãe partiu em paz, mas ela ainda se sentia culpada por não ter conseguido dar-lhe a alegria de receber a benção de um padre. Em seu coração, entretanto, entendia que fizera tudo que era possível.
Cheia de tristeza, Maev preparou a cerimônia fúnebre. Por uma hora, foi ao regato pegar baldes de água limpa para lavar o corpo da mãe. Completada a tarefa, tomou o cuidado de vesti-la com finas roupas de baixo e seu vestido verde de noiva: aquele que ambas haviam passado tantas horas bordando. Era o melhor vestido que ela possuía. Lembrava-se de como Brenda ficara orgulhosa no dia de seu casamento com Callum McGinnis. Aos olhos de Maev, aquela era a escolha mais acertada quanto ao traje com que uma mulher especial como a mãe deveria ser enterrada. Quando o corpo estava pronto, por fim, colocou o crucifixo que o padre lhe dera na mão de Brenda.
Levou um bom tempo para cavar uma cova bastante funda, uma vez faltando-lhe as ferramentas adequadas. Assim, usou uma pedra lisa, primeiro afofando o chão duro, depois tirando a terra meticulosamente. Tão logo conseguiu colocar o corpo da mãe na cova profunda, foi revertendo o processo até ter um monte de terra marcando o lugar. Cobriu a área inteira com pequenas pedras, em seguida, usou alguns galhos para fazer uma cruz de madeira. Quando o túmulo ficou pronto, pôs-se de joelhos e rezou fervorosamente pela alma da mãe, implorando pela compreensão e misericórdia de Deus.
Física e emocionalmente exausta, Maev voltou à torre. Como se em um estado de transe, lutou para tirar a terra do corpo, enquanto uma voz dentro dela a atormentava, repetindo incessantemente que ela estava agora completamente sozinha.
Callum, escondido nas sombras, observou Maev limpar-se, notou como ela respirava com dificuldade, por conta dos soluços. A tristeza dela o dilacerava. Ele sabia que devia esperar que ela adormecesse para, então, aproximar-se, mas a dor nos olhos da esposa era grande demais para ser ignorada. Chegou mais perto. Maev limpara a terra do corpo e descansava sobre a cama de folhas secas. Estava de costas, as mãos estendidas ao longo do corpo nu. Fechara os olhos. O belo rosto exibia ainda vestígio das lágrimas derramadas. Callum ajoelhou-se a seu lado, segurou-lhe uma das mãos. Os dedos estavam frios, e ele os massageou para aquecê-los. Maev gemeu e abriu os olhos.
_ Oh, graças a Deus você veio esta noite!
Ela soluçou, voltando-se para o marido.
_ Estou aqui, minha querida _ ele assegurou, com a voz rouca.
_ Minha mãe se foi _ Maev murmurou, em meio às lágrimas._ Ela se foi e não tenho ninguém mais que eu ame nessa terra. Ou que me ame, ou se importe comigo.
_ Estou aqui _ ele observou, comovido.
Maev soltou uma risada histérica.
_Oh! Sim, eu tenho você, graças à minha loucura, para me trazer consolo. Nossa união foi feita no céu, não é?
Callum não soube o que responder. Maev ainda achava que ele fosse um fantasma. Poderia revelar a verdade, contar no que havia se tornado? Isso consolaria Maev, ou causaria uma dor ainda maior? A expressão de medo e preocupação nos olhos dela fazia doer seu coração. Enternecido, ele a abraçou com estremo carinho, pressionando o rosto contra os cabelos fartos e loiros. Ela os tinha deixados soltos, e Callum não podia negar-se o prazer de acariciá-los com os lábios. Deslizou as mãos por aquela cortina dourada, macia e sedosa, cujo perfume perturbava os sentidos.
Os soluços de Maev começaram a diminuir, e, gradualmente, Callum sentiu que ela não estava mais tão tensa. Quis dar-lhe apenas um beijo. Mas um beijo levou a outro e, depois, a um terceiro, e logo as roupas dele estavam caídas no chão e ambos se encontravam nus, seus corpos unidos em meio a uma mútua demonstração de prazer e desejo.
Tudo aconteceu muito depressa. Em minutos, Callum viu-se de joelhos diante de Maev, o membro túmido posicionado entre suas coxas macias. Olhou para o centro de sua feminilidade, tão delicado e doce, tão pronto para o amor. Um só gesto e Maev seria sua. Finalmente, ele poderia ter de volta o que lhe tinha sido roubado, finalmente, seria capaz de recuperar parte de sua humanidade. Levantou a cabeça e seus olhares se encontraram. Maev tinha o olhar vazio. Não havia medo refletido nele, mas ela tampouco demonstrava reconhecê-lo.
_ Diga meu nome _ele pediu, apreensivo.
Ela lhe lançou um olhar agoniado.
_ Callum... você é meu Callum.
Ele sentiu a tensão tomar conta de todos os seus músculos e estremeceu. A dor de Maev era quase tangível. Ela ainda acreditava que ele fosse um fantasma, um ser criado por sua imaginação, mas aquilo não era verdade. Bem no fundo de sua mente, uma voz exigia que ele continuasse o que tinha começado, que aceitasse o que ela lhe oferecia, e que ele tão desesperadamente precisava. Mas não podia. Tanto já tinha sido tirado daquela mulher. Rolou o corpo para o lado, e colocou o braço sobre os olhos, envergonhado. Como podia pensar em sujar a última coisa decente, pura e linda que possuíra em sua vida anterior? Como podia abusar da confiança e do amor que ela sentia para tentar escapar do inferno que sua existência se tornara? Era possível que tivesse chegado aquele nível de decadência? Sentiu que ela se movia e se retesou.
_ Callum? _ O corpo de Maev tremia, o braço apoiado em seu peito.
Ela deslizou os dedos pelos músculos fortes, então repousou a cabeça em seu ombro. A ponta de um mamilo roçou seu peito, e ele sentiu-se queimado por brasas.
_ Sei que você não é real, mas é sólido e quente. Posso até ouvir seu coração batendo... _ Maev riu, incrédula. _ A loucura está me tomando totalmente agora, mas não a temo mais... Eu lhe dou boas vindas, pois ela faz que eu e você estejamos juntos.
Callum apertou os olhos. Seu corpo inteiro gritava de desejo, aquela suavidade de Maev o alucinava, fazia-o querer perder o controle. Ele devia contar a verdade. Toda a verdade. Não havia outra escolha. Depois, quando Maev soubesse o que tinha acontecido, no que ele se havia transformado, ele só podia rezar para que a pobre mulher não fugisse apavorada. Respirou bem fundo, abraçando-a com mais força. Maev continuava a tremer, e Callum compreendeu que ela chegara ao ponto de exaustão máxima. Sua confissão naquele momento poderia terminar de destruí-la. Reconheceu que estava sendo covarde retardando a revelação de sua assustadora condição. Mas queria ganhar mais algum tempo. Esperaria que ela dormisse algumas horas, descansasse e se recuperasse um pouco de todo aquele drama.
_ Durma Maev, eu ficarei aqui vigiando.
_ Não consigo dormir, você despertou meu corpo e me deixou ansiando por mais carícias.
Ele sorriu na escuridão, mal acreditando que daquela vez era ele que estava se recusando a consumar a união dos dois.
_ Quer tomar um banho frio? Era o que eu fazia nas noites em que você me deixava assim, excitado e querendo mais.
Notou que ela sorria na penumbra.
_Um banho de água fria é bem o que mereço, pois agora sei o quanto abusei de sua paciência.
_ Fez mais do que abusar da minha paciência _ ele replicou, rindo.
Então, virou-a de costas e colocou as mãos no quadril dela, abrindo-lhe as pernas gentilmente, deixando o membro ereto deslizar por ela. Maev gemeu e Callum repetiu o movimento, provocando-a e tocando-a com mais intensidade.
_ O que está fazendo comigo?_ ela perguntou, num gemido.
_ Gosta disso?
_ Muito._ Ela suspirou e empurrou o corpo contra ele._ Quero que entre em mim Callum... Por favor, preciso senti-lo como parte de mim.
Ele cerrou os dentes, sabendo que não poderia atender ao pedido. Mas decidiu que daria prazer a ela mesmo assim. Tornou a virá-la para si e, com a mão, afagou os pelos dourados entre suas coxas macias, procurando por seu ponto mais sensível. Quando encontrou, Maev gemeu. Beijou-a apaixonadamente, usando a língua para sugá-la até sentir que ela se movia num ritmo alucinado contra ele... Tocou-a com mais intensidade, circulando seu sexo com a ponta dos dedos. Maev estremeceu e ofegou, próxima do êxtase. Instintivamente, ela arqueou o corpo, buscando o toque de Callum. Tinha as mãos crispadas nas folhas, o olhar cerrado de desejo, os lábios entreabertos.
_ Isso mesmo, meu amor_ ele murmurou, pressionando a boca na pele macia do pescoço de Maev. _ Solte o corpo, deixe vir o prazer.
De repente, as mãos dela se fecharam em torno de suas nádegas, querendo-o mais próximo. Tomada por profundo excitação, Maev chamou por ele que, incapaz de se conter, também gritou, sentindo o sêmen deixar o corpo para cobri-la. Sentiu-se como um garoto, por perder o controle tão vergonhosamente. Callum comprimiu os lábios. Ao perceber que Maev parecia alheia a seu desconforto, no entanto, acabou relaxando. Exaurida, ela caiu em sono profundo.
Ainda sem fôlego, Callum rolou para o lado. O fogo na lareira crepitou e calou-se em seguida. Maev murmurou alguma coisa e se aninhou junto dele. Callum beijou-a no topo da cabeça e puxou a coberta, permitindo que seus corpos ficassem bem unidos. Ficou pensando se o que tinha feito era a coisa certa para Maev, pois agora ela parecia depender mais dele do que nunca. No entanto, sua necessidade era grande demais. Precisava do amor e da paixão daquela mulher. Precisava apenas conversar com ela e fazer com que o ouvisse. Precisava do consolo que ela poderia lhe dar, pois voltar a existir sem Maev parecia impossível. Fitou o teto escuro e tentou respirar normalmente. Embora não houvesse dormido nos últimos três anos, fechou os olhos e esperou que a luz do dia chegasse.
À medida que o amanhecer se insinuava, Callum começou a ficar inquieto. Deixou Maev dormindo sobre a cama de folhas secas e remexeu os baús, procurando por roupas feitas com tecido mais pesado. Surpreendeu-se ao constatar que a maior parte dos trajes de Maev encontrava-se em excelentes condições. Era óbvio que ela não os usara ali em seu retiro, escolhendo as roupas mais simples e mais velhas.
Callum apanhou alguns dos vestidos de Maev e, tomando muito cuidado, tratou de prendê-los nas altas janelas que rodeavam a torre, bloqueando a entrada de qualquer traço de luz natural. O fogo tinha morrido e restavam somente algumas brasas acesas, porém ele podia enxergar bem no escuro. Decidiu esperar até que Maev acordasse antes de acender qualquer tocha. Acrescentou água fresca ao cozido que ela pendurara bem alto sobre o fogo para impedir que se queimasse.
O cheiro de carne cozida despertou seu apetite, contudo ele ficou imaginando se o alimento não o faria adoecer, caso o comesse. Resolveu que não valia a pena arriscar, mesmo não tendo comido nada desde o dia anterior. Sabia, por experiência própria, que podia passar dias sem caçar. A falta de alimento diminuiria sua força física, mas sua capacidade mental continuaria intacta e era disso que ele precisava nesse momento. Percebendo que não tinha mais nada a fazer, posicionou-se junto à escadaria que levava aos parapeitos da torre e esperou – o medo aumentando a cada instante -, que Maev acordasse.
Ela acordou de repente, achando ter escutado um ruído. Sentou-se, desejando ver Callum, mas o quarto estava banhado na escuridão. O fogo se apagara, e ela não tinha idéia se era dia ou noite. Sentiu uma brisa fria e se arrepiou, a mente atordoada pelo sono e o corpo dolorido. Seu estômago roncou e ela virou-se instintivamente para a cama da mãe, pensando se poderia convencer Brenda a comer alguma coisa.
A visão da cama vazia, entretanto, foi um sinal brutal de que a mãe se fora para sempre. A vontade de chorar voltou e Maev soluçou baixinho. Ao menos, a mãe tinha encontrado a paz, embora sua partida houvesse deixado um vazio dolorido dentro dela. Fechou os olhos com força. Estava completamente sozinha. Exceto pela companhia do fantasma de Callum, talvez. Riu alto da ironia. Seria desse modo o restante de seus dias? Viveria na dependência das fantasias criadas por sua mente frágil e carente de consolo? Soltou um murmúrio. Só de pensar nisso, sua cabeça começara a doer. Sentiu a boca seca.
Procurou uma roupa e vestiu-se. Acendeu uma das tochas presas à parede e voltou-se ansiosa, ao ouvir o barulho de passos pesados descendo os degraus da torre. Estremeceu, segurando a respiração.
Callum!
Ele ficou parado por um instante. Havia um brilho diferente em seus olhos que fez o coração de Maev bater mais rápido. Ao se lembrar de seu comportamento ousado, na noite anterior, sentiu que ruborizava.
_Você ainda está aqui. Isso significa que ainda é noite.
_ Não. Já amanheceu há algum tempo_ ele respondeu, em voz baixa.
_ Então por que está escuro?
_ Por que cobri as janelas _ ele explicou, a contragosto._ A luz machuca meus olhos.
Maev ficou em silêncio, sem entender muito bem o significado daquilo tudo. Callum tinha uma expressão estranha no rosto e parecia nervoso, como se algo estivesse errado.
_Tenho uma coisa para contar _ falou, e Maev percebeu o coração encher-se de pavor.
_ O que é?
_ Não sou um fantasma, Maev.
_ Claro que não, Callum. _ Ela quase riu. _ Você não é fantasma, nem um duende, nem um príncipe de conto de fadas. É apenas minha mente pregando peças. Sei que não está verdadeiramente aqui comigo. Sei que não é real.
_Não sou real? Isto parece ar?_ Ele pegou a mão dela e a pressionou contra o peito.
Ele estava certo, ela pensou, engolindo em seco. O peito de Callum era sólido, duro, com ossos e músculos. Obrigou-se a fitá-lo nos olhos.
_ Sei que parece real, mas isso não pode ser verdade _ murmurou, assustada. _ Você está morto.
_ Eu estive morto. Mas renasci como uma criatura da noite, um imortal que precisa se alimentar do sangue dos vivos para sobreviver.
As palavras atingiram Maev como um raio. Atordoada, colocou a mão na parede para não cair e precisou esforçar-se para respirar. Piscou várias vezes, indagando se teria escutado bem o que Callum acabara de dizer. Quando recuperou o controle, virou-se. E o encarou. Ele continuava impassível.
_Como isso é possível?
_Fui atacado em nosso quarto, na noite de nosso casamento, lembra-se? Essas criaturas da noite possuem força descomunal, muito maior do que a de qualquer humano. Embora eu tenha lutado muito, fui vencido e, uma vez vencido, fui transformado em um deles.
_ Não me recordo de nada do que aconteceu em nosso quarto aquela noite _ Maev murmurou. Sem pensar, estendeu a mão e tocou o braço de Callum, sentindo sua solidez. _ Quem lhe fez isso? De onde vêm essas criaturas terríveis?
Callum deu alguns passos para trás e ela baixou a mão.
_ Essas criaturas andam por toda parte. Vive em lugar nenhum e em todos os lugares ao mesmo tempo._ Callum estremeceu. _ Recorda-se da mulher misteriosa que apareceu no hall do castelo, na noite da celebração pela vitória contra os ingleses? _ perguntou, ansioso.
_ Sim. _ Maev aproximou-se de Callum, entretanto ele recuou mais um passo. Seu rosto mostrava toda a sua preocupação.
_ Ela é conhecida entre os de sua espécie como Anaxandra. Viu-me lutando contra os ingleses e decidiu que me queria como seu companheiro. Se eu lhe tivesse dado oportunidade, creio que teria me atacado naquela mesma noite, mas você nos interrompeu antes que ela tivesse a chance.
O coração de Maev se contorceu de dor.
_ Foi nisso que você se transformou, em companheiro dela?
Toda a expressão sumiu do rosto de Callum.
_ Não vou mentir para você. Estive com Anaxandra, mas foi há muito tempo. E não significou nada. Nem mesmo senti prazer.
Maev tremeu diante da frieza dele. Ainda assim, a verdade doía. O mistério que envolvia Callum estava sendo revelado, porém ela não tinha certeza se não preferia continuar acreditando que ele era fruto de sua mente fantasiosa. Aquela nova realidade a assustava. Estudou o rosto estóico, o olhar distante, e pôde quase sentir o ódio e a frustração queimando dentro de Callum. Aquele não era o homem a quem havia amado e com quem se casara. Ou era?
_ Por que veio me procurar?_ murmurou. _ Por que não continuou com sua nova espécie?
Os olhos dele brilharam.
_ Precisei de você Maev. Seu espírito chamou por mim e, mesmo sabendo que deveria ficar afastado, não consegui.
_ E agora que me encontrou, o que pretende fazer?_ Por um momento, Maev segurou a respiração diante do olhar atormentado de Callum.
_ Eu só quero o seu amor... mas me preocupo com isso também. Se eu continuar vindo aqui, você estará em perigo.
_ Perigo? Vindo de quem?
_ Dos imortais._ A voz dele soou rouca e hesitante._ Odeio pensar que eu possa ter-lhe trazido mais problemas.
Maev deu de ombros, resignada.
_ O que mais um imortal pode fazer para aumentar a minha dor? Os humanos já transformaram minha vida em um inferno.
_ Não tem idéia dos poderes que possuem._ Callum riu sem vontade. _ Eles são criaturas do mal, não sabem o que é misericórdia. Não demonstram compaixão, sejam quais forem as circunstâncias.
Maev estremeceu.
_ E agora você é um deles.
_Sim._ Ele a fitou. _ Isso a aborrece?
Maev não conseguiu emitir nenhuma resposta.
A culpa a envolveu, seguida, de imediato, por um misto de piedade e desespero por Callum. Não havia sido culpa dele, mas ela não conseguia assimilar aquelas revelações. Não podia aceitar o que ele se havia tornado.
_ Você está bem?_ Callum perguntou, aproximando-se com as mãos estendidas, como se temesse que ela caísse a seus pés.
As palavras tiraram Maev da paralisia e ela retrocedeu alguns passos, a mente confusa.
_Não, não estou bem. Por favor, saia daqui _ pediu, mais revoltada do que jamais estivera._ Preciso ficar sozinha.
Callum negou com um gesto da cabeça._ Não posso deixar a torre, a luz vai queimar minha pele.
_ Deus do céu!
Maev experimentou uma dor aguda no estômago. Esfregou o lugar, mas a dor não passou. Com um suspiro de desgosto, abriu a porta e saiu em direção ao sol, mal acreditando que uma coisa tão confortante e natural pudesse fazer mal a Callum. A floresta em volta era densa, e ela se alegrou com o esplendor da primavera. Caminhou sem direção, precisando apenas de ar fresco e solidão para digerir as notícias que a haviam deixado tão abalada e sem fala.
Sabia que não tinha o direito de julgar Callum pelo que acontecera, no entanto uma mistura de ciúme e raiva a dominava. Se ele não tivesse flertado com a mulher imortal, aquilo não teria acontecido. Ou teria? Teria sido o destino de Callum selado no momento em que a tal criatura o vira lutar em uma batalha?
Mantendo a cabeça baixa enquanto caminhava, Maev massageou as têmporas. Os pensamentos e as imagens que se encontravam em sua mente continuavam conflitantes. Tomou consciência da mata e das árvores, de como com seus galhos balançando com o vento pareciam sussurrar alguma coisa... mas não eram respostas às suas perguntas. Andando mais devagar, olhou ao redor e notou que poderia estar perdida. Não se importou com isso, entretanto. Parou aqui e ali, descansando por breves intervalos antes de reassumir sua jornada.
Pelo meio da tarde, foi forçada a admitir que, por mais que andasse... o fato é que não podia fugir da verdade. Com um grito de frustração, Maev sentou-se em uma pedra e afundou o rosto nas mãos. Lágrimas ardentes banharam sua face. Não entendia seus sentimentos, as emoções desencontradas que se apoderavam de seu ser. Endireitou os ombros e retomou a marcha de volta à torre. Suas mãos tremiam um pouco quando abriu a porta. Surpreendentemente, o peso em seu peito pareceu sumir e ela sentiu alívio ao entrar no quarto.
_ Você esperou por mim _ disse, suspirando ao ver Callum sentado diante ao fogo.
_ Não tinha muita escolha._ A voz dele soou cheia de amargura _ Mesmo sabendo de seu desprezo por mim, não pude ir, tenho que esperar pelo anoitecer.
Maev baixou a cabeça, sentindo o peso da culpa. Sem querer, ela o magoara.
_Você parece, soa e sente como antes, quando era um homem. No entanto não pode tolerar o calor do sol em seu rosto e precisa consumir sangue dos vivos para sobreviver. No que mais se tornou diferente, Callum?
_Tenho a força de vinte homens, meu rosto e corpo jamais envelhecerão e, se eu for ferido, os cortes irão sarar sozinhos em poucas horas, ou em menos tempo ainda._ Ele sentou-se novamente próximo ao fogo e olhou para Maev. _ Os imortais mais poderosos podem enfrentar tempestades, aprisionar um humano com um mero olhar e se transformar em um animal, para depois retornar à forma humana novamente.
Maev arregalou os olhos.
_ Podem transformar-se em qualquer animal?
Callum deu de ombros.
_ Normalmente em morcegos, mas alguns se transformam em lobos ou até mesmo em ratos.
_Você alguma vez... _ a voz dela sumiu.
_ Não. Nunca tive interesse em aprender essas coisas. Posso manter a minha essência, do mesmo modo que em minha vida mortal, e é isso que eu vou fazer. Disseram-me, inclusive, que eu poderia controlar meu desejo por sangue, embora sempre vá precisar dele para sobreviver. Mas não preciso matar cada vez que tenho que me alimentar, o sangue dos animais me sustenta. Não preciso atacar humanos.
Maev respirou fundo, tentando parar o tremor dos joelhos. Callum falava com tanta naturalidade daquelas coisas.
_ Não há um modo de reverter essa maldição? Quem sabe um padre possa ajudá-lo.
A expressão no rosto dele deixou clara a resposta.
_ Estou além da ajuda dos homens ou de Deus.
Maev engoliu a compaixão que sentia.
_ E vai viver eternamente nesse estado? Não há meio de matar um imortal?
_Uma estaca de madeira ou de prata enfiada em meu coração, ou mesmo uma exposição direta ao sol poderá me matar._ Callum passou os dedos nervosamente pelos cabelos._Teme ter de se defender de mim?
A revelação pareceu abrir um fosso entre eles, entretanto Maev sentiu que o amor que tinha dentro do peito era capaz de estreitar a distância.
_ Sei que nunca iria me atacar, Callum McGinnis, não importa que criatura se tenha tornado._ Ao dizer as palavras, Maev soube que eram verdadeiras.
Emocionada, ela estendeu a mão e segurou a de Callum. O toque deixou-o visivelmente tenso, porém Maev manteve-se calma. Sabia que aquele era o momento em que deviam dar forças um ao outro.
_ Oh, Callum!... _ murmurou, aproximando-se mais e encostando o corpo ao dele._ Lamento tanto que tenha sofrido, meu amor.
Ele pressionou os lábios em seus cabelos com um suspiro.
_ E eu lamento que nós dois tenhamos sofrido. Lamento pelo que ambos perdemos.
_Tudo o que quero é compartilhar minha vida com você. Quero fazê-lo feliz e orgulhoso, quero ser a mãe de seus filhos... quero que me ame tanto quanto amo você Callum. _ Maev respirou bem fundo. _Diga-me, isso é ainda possível?
Com ternura, ele afastou um cacho loiro do rosto delicado.
_Não tenho muita certeza quanto aos filhos... Mas, quanto ao resto, é possível.
_ Como? Também devo tornar-me uma imortal?
_ Não, pode ficar como é._ Callum dirigiu-lhe um olhar indagador._ Já encontrei um lugar para vivermos, onde não seremos perturbados. Poderemos viver em um mundo só nosso.
_É longe daqui?
_Não muito. Fica no alto das colinas: uma verdadeira fortaleza dos homens das montanhas. Não posso viver permanentemente a mais de cento e sessenta quilômetros do lugar onde nasci, a não ser que leve comigo um pouco de seu solo. Esse lugar de que falo pode se tornar nosso santuário, e isso nos permitira permanecer em nossas terras.
_ E quanto aos que vivem lá? Não levantarão suspeitas quanto a nós?
_Suspeitas? Por quê? Só porque me transformo em morcego?_ Callum caiu na risada.
Maev não resistiu e riu junto.
_Esse não é bem um tema para piadas _ ela observou, tristonha.
A expressão do rosto dele adquiriu um ar solene.
_ Aqueles que habitam as montanhas são uma raça diferente. Alguns são indivíduos fora-da-lei, mas a maioria é formada de gente decente que perdeu suas casas em disputa com algum membro de seu clã ou para o chefe, só buscam paz e um refúgio. Eles vivem suas vidas e não se interessam pela dos outros.
_ Como nós _ Maev observou, compreendendo que ela e Callum não formavam um casal normal. No entanto, isso não parecia importar, já que estavam juntos.
_Eu trouxe dois cavalos para montarmos e outros dois para carregar nossos pertences. Podemos deixar esse lugar logo que o sol se puser no horizonte._ Callum dirigiu a Maev um olhar tenso._Você irá comigo? Continuará a ser minha esposa e compartilhará meu destino?
_Sim_ Maev suspirou. _ Não tenho razões para ficar, nem arrependimentos por deixar minha prisão. Precisarei somente de uma hora para arrumar minhas coisas.
A jornada levou mais de uma noite. No começo, foi assustador viajar pelo escuro em um lugar desconhecido, contudo Callum liderava o caminho com confiança, e Maev acabou se acalmando. Tendo as altas montanhas à direita, eles atravessaram uma dúzia de riachos, ou até mais do que isso, até chegarem a um pequeno lago. Em torno, erguiam-se colinas íngremes, e um cheiro de mata permeava o ar. Seguiram pelas margens que rodeavam o lago por várias milhas e passaram por dentro de uma estreita caverna até chegarem ao outro lado.
À distância, uma raposa ganiu e teve resposta de outra, porém Maev não prestou atenção. Seus olhos estavam fixos na estrutura de pedra que ficava à beira da colina. Parecia uma pequena fortaleza com muros de pedra a protegê-la. Embora construída em menor escala em que o castelo onde o clã McGinnis morava, parecia ter tudo o que era necessário para manter uma vida auto-suficiente, incluindo um moinho de trigo, uma ferraria e até uma cervejaria.
Maev surpreendeu-se ao ver que a área cercada pelos muros trazia uma vegetação de jardim de um lado e outra para pastoreio de ovelhas e gado. Um fosso seco circulava os muros, aumentando as defesas. Havia também uma ponte de entrada. O que era estranho e um pouco assustador naquele lugar era o fato de não haver pessoa alguma por ali. Surpreendentemente, a propriedade não tinha ar de abandono. Todas as construções pareciam em bom estado, com suas paredes de madeira branca e telhados cobertos de palha. Os animais pastavam em seus cercados e baliam ruidosamente, quebrando o silêncio da noite.
Por um momento, ela se sentiu estranha por estar em um lugar tão grande com ninguém à sua volta. Mas anos de vida com apenas a mãe por companhia haviam-lhe ensinado a apreciar o silêncio.
Logo depois que os cavalos foram alimentados e acomodados no estábulo, ela e Callum entraram na casa principal. Uma vez lá dentro, Callum liderou o caminho até a torre maior, subindo por uma escada de pedra que levava primeiro a dois quartos.
_ Estes serão nossos quartos_ anunciou, ansioso._ Espero que goste da mobília.
Maev percebeu os pés afundarem no tapete macio que cobria grande parte do piso e olhou, admirada, a decoração luxuosa do quarto. Havia tapeçarias belíssimas cobrindo as paredes, mobília da melhor qualidade, vários alaúdes pendurados perto das tapeçarias e uma mesa de jogo sobre a qual se encontrava um elegante tabuleiro de xadrez com peças de marfim. Depois de anos vivendo em um aposento em ruínas, dentro de uma torre, Maev ficou imaginando se conseguiria se acostumar com um espaço tão cheio de fausto.
Callum acendeu várias tochas penduradas em uma das paredes, e ela entrou no segundo quarto, separado do primeiro por um arco.
Maev parou instantaneamente, os olhos detendo-se em uma enorme cama que ocupava uma parede por inteiro. Era larga o suficiente para acomodar com conforto seis pessoas no mínimo e tão alta que tinha uma pequena escada de madeira para facilitar a subida. Cortinas de veludo verde pendiam do dossel. Quando descidas deviam garantir total privacidade para quem estivesse dentro. Concluiu que o cortinado serviria também para proteger contra os ventos fortes que deviam atingir aquela região das montanhas... e para manter o sol do lado de fora.
_Onde arranjou todas essas coisas lindas?_ perguntou, quando Callum entrou no quarto trazendo a bagagem.
Ele se inclinou para ela e murmurou ao seu ouvido.
_São alguns dos poucos benefícios que minha situação atual proporciona. Mas eu e você nunca vamos precisar de tantos confortos no mundo dos humanos.
_ Você fez tudo isso sem ajuda de criados?
_ Fiz um acordo com o pessoal do vilarejo. Eles trabalham para mim ocasionalmente em troca de produtos, geralmente comida e cerveja. Mas à noite voltam para suas casas.
Maev arregalou os olhos surpresa.
_ Se eles trabalham durante o dia, como consegue se comunicar com eles e lhes passar instruções?
_Por causa da chuva_ Callum sorriu satisfeito. A beleza desse retiro nas montanhas é que o tempo está sempre nublado. Descobri que se for cuidadoso, posso sair por curtos espaços de tempo quando a nuvens estão densas e a chuva cai continuamente.
Ele acendeu uma vela e a colocou em uma armação pendurada na parede. O aposento iluminou-se e Maev decidiu acomodar suas coisas no enorme armário perto da cama. Usou quase todos os cabides que estavam dentro do móvel. Estivera relutante em carregar os belos vestidos que tinha costurado e bordado com a mãe em tempos felizes, mas agora estava satisfeita que Callum tivesse insistido para que os trouxesse. Eles combinavam com o ambiente adorável. Quando guardava o último modelo, Callum voltou ao quarto, trazendo uma bacia e um balde com água quente, além de uma bandeja contendo cerveja, taças, pão preto e queijo. Depois de lavar as mãos, Maev sentou-se e consumiu até a ultima migalha de pão. Satisfeita, bebeu a cerveja preta.
Sentado em uma bela poltrona, Callum a observou, feliz, porém sem acompanhá-la na refeição. Maev custou a notar que ele não se alimentava. Sua presença enchia o quarto, dominando o ar que ela respirava.
_Venha aqui.
Maev sentiu o pulso disparar. Era o pedido de um amante, e o olhar que lhe dirigiu fez com que ela quase derretesse. Com um suspiro, ela se levantou e caminhou até Callum. Ele afastou as pernas e ela acomodou-se entre elas, sentando-se em seu colo. Seus corpos estavam agora totalmente unidos e seus olhares se encontravam.
_Nem consigo acreditar que estou aqui com você _ Maev murmurou, comovida.
_ Eu sei. Houve vezes em que acreditei que me devoraria vivo de desejo por você, Maev McGinnis... Está pronta para se tornar minha esposa?
_ Mais do que pronta. _ A resposta foi fácil e traduzia a verdade.
A boca de Callum cobriu a dela com enorme ternura. Maev se entregou ao prazer que os lábios famintos lhe proporcionavam, sentindo o corpo inteiro tremer. Callum abriu seus lábios com a ponta da língua e a introduziu em sua boca com insistentes e provocantes carícias. Testou-a, devorou-a, e ela respondeu com a mesma paixão.
_ Não pode imaginar o quanto eu preciso de você, Maev! _ A voz dele soou cheia de emoção, depois de anos de desejo e recusa.
Como se tivessem vida própria, as mãos dela deslizavam pelo peito largo, sedentas de amor. Ele a levantou com um movimento brusco, ajeitando-a melhor sobre o colo. Maev sentiu a sua língua quente no pescoço, e seus mamilos intumesceram no mesmo instante. A excitação que brotou dentro dela foi tão forte que foi como se estivesse sendo tragada por uma onda enorme e poderosa.
Callum buscou os laços do vestido que ela usava, desfazendo-os. Pouco depois, Maev sentia a pele nua roçar contra o peito igualmente despido do homem que amava, que a ajudara a se livrar das roupas quase com desespero.
_ Minha linda Maev _ ele murmurou, acariciando as nádegas da mulher com mãos ávidas.
Maev gemeu quando Callum baixou a cabeça e lhe sugou um seio, a língua atormentando-a com carícias vagarosas e alucinantes, ao mesmo tempo que alcançava a região macia entre suas coxas. Um arrepio percorreu-lhe o corpo e ela deitou a cabeça para traz, completamente atordoada de paixão. Procurando se encaixar totalmente em seu amado, fechou os olhos, perguntando-se se resistiria a tanto desejo. Callum ainda a torturava com a boca, sugando, acariciando, enquanto suas mãos exploravam seus recantos mais íntimos com frenesi.
_ Abra-se para mim_ ele pediu, a voz entrecortada.
Ela umedeceu os lábios, antecipando o que sentiria a seguir. Ergueu-se de leve, abriu as coxas e envolveu os quadris de Callum.
_ Assim?
Ele grunhiu, posicionando o membro na estreita abertura. Vagarosamente, foi mergulhando dentro dela. Maev não sentiu dor alguma. Apenas a sensação de estar sendo possuída por inteiro. Reprimiu o desejo de gritar de prazer, temendo assustá-lo.
_Você é tão quente, meu amor. Tão deliciosa... mas temo machucá-la_ ele confessou, agoniado.
_Não sinto qualquer dor. Isto é glorioso, quero mais...
Callum fechou os olhos por um instante e gemeu, as mãos deslizando da cintura de Maev para agarrar seus quadris.
Maev pressionou o corpo contra o dele, enquanto Callum a penetrava mais profundamente. Sentiu então uma dor aguda, que sumiu em um instante, substituída por uma sensação incrível de prazer. Com sua estreita passagem desimpedida, pôde senti-lo por inteiro, finalmente. O calor foi aumentando e tomando conta de seus corpos, o deleite logo chegando a um ritmo frenético, libertando-os para uma paixão avassaladora.
A respiração de Callum se tornou mais difícil de repente. Com uma exclamação de puro prazer, ele investiu mais fundo e derramou nela sua semente. Maev pôde senti-lo invadir seu corpo, quando ela mesma chegava a mais um orgasmo. Seu corpo tremeu por inteiro e lágrimas de alegria encheram-lhe os olhos. Finalmente eles eram um só. Ficaram agarrados por longos minutos, até que Callum a abraçou com força, ergueu-a nos braços e a levou para a cama, ainda com a respiração agitada.
_ Nunca imaginei que diria isso, mas acredite, Maev, meu amor.. valeu a pena esperar.
Ela riu, embaraçada, e recostou o rosto no peito largo, aspirando seu aroma másculo, sentindo a carne quente contra o rosto. Callum era todo músculos e força e, no entanto, tão capaz de expressar seu amor. E somente com ela. O que tinham acabado de compartilhar era uma união intensamente física, porém carregada de uma emoção que ia além das palavras. Era como se tivessem se unido também em espírito.
Maev ergueu o rosto para fitar seu amado. Os olhares se encontraram e, sem a necessidade de se expressar com palavras, ela soube que Callum sentia o mesmo que ela quanto a esse amor. O pensamento a fez estremecer. As realidades do mundo se esvaíram naquele exato instante. Com um suspiro, Callum estendeu um braço e a puxou para mais perto. Exausta, Maev aconchegou-se junto ao peito do marido e fechou os olhos, começando a adormecer. Em seu coração e mente estava a alegria de saber que não importava o que viesse a acontecer no futuro: aquele momento perfeito, terno e amoroso jamais lhe seria tirado.
Semanas e meses se passaram e foram as mais felizes da vida de Maev. Durante as horas do dia, ela geralmente ficava nos braços de Callum, descansando, dormindo ou fazendo amor. À noite, eles andavam pela fortaleza, consertando uma coisa ou outra, dividindo as tarefas, felizes por estarem juntos.
Em alguns dias de cada semana, várias pessoas que moravam nos chalés dos arredores vinham ao castelo procurando trabalho. Logo que se espalhou a notícia de que havia uma mulher vivendo ali, outras mulheres começaram a aparecer. Ofereciam seus préstimos de cozinheiras e faxineiras e, já prevendo suas futuras necessidades, Maev montara uma sala de costura e fiação. Em troca de trabalho, cada mulher era paga com tecido da melhor qualidade.
Embora se mantivesse a certa distância, Maev gostava da companhia dessas mulheres. Elas podiam estar curiosas a respeito dela e de Callum, no entanto mantinham suas perguntas para si mesmas. Parecia que naquela região todos tinham alguma coisa a esconder, e isso criava um estranho elo entre eles.
Era Callum, porém, quem trazia verdadeira felicidade à vida de Maev. A cada dia que passava, ela ficava mais certa de que o amava mais do que antes. Graças ao poder de seu amor, não sofria ao se lembrar do passado. Eles trocavam recordações da infância, de sua mãe e da vida que tinham deixado para trás. Embora fosse levar algum tempo, Maev ainda acreditava ser capaz de perdoar o clã McGinnis, que a tinha banido de seu convívio e condenado, sem prova alguma, há vários anos de privação.
A abundância e a variedade de alimentos frescos haviam melhorado consideravelmente sua saúde. A magreza de seu rosto desaparecera e a cor voltara à sua pele. Sentia-se grata por essa segunda chance de compartilhar a vida com seu amado, mas dentro dela restava uma sensação estranha, como se ainda faltasse algo para tornar aquele amor mais completo.
Ainda que Callum parecesse o mesmo com o passar dos dias, Maev tinha consciência de que ele não era mais o homem que ela havia conhecido antes. Callum jamais havia se alimentado diante dela, contudo Maev sabia que ele precisava de sangue fresco. Apesar de não sentir repugnância quanto a isto, afinal ela própria já matara animais para sobreviver, aquilo parecia destacar a diferença entre eles. Uma diferença que os separaria um dia.
_ Callum... venho pensando muito e tomei uma decisão_ ela falou uma noite, resoluta._ Quero tornar-me igual a você. Quero ser uma imortal.
Ao ouvi-la, ele levantou a cabeça. Estavam deitados lado a lado na enorme cama, saciados depois de um vigoroso ato de amor. Ele até cochilara, até que as palavras de Maev o deixaram completamente desperto. Ela queria se tornar como ele? Piscou várias vezes, tentando certificar-se de que estava mesmo acordado, depois se virou para ela.
_ Esta falando bobagens, Maev. Não quero ouvir mais nada sobre esse assunto.
Ela o puxou pelo braço e o fez se voltar novamente para olhá-la.
_ Não é bobagem, tampouco uma fantasia passageira. Eu quero de fato tornar-me igual a você. Sei que se isso acontecer, não haverá volta._Ela mordeu o lábio, mas apertou o braço de Callum com mais força._ Também sei que é o único modo de ficarmos juntos para sempre.
Callum soltou o ar que estivera segurando. A voz de Maev soava baixinha e ele percebeu que ela estava tensa. Nunca a tinha visto como estava naquele momento.
_ Maev, isso é impossível.
Os olhos dele se encheram de lágrimas.
_ Não pode me negar isso, Callum! No fundo, sabe que é a coisa certa a fazer.
Ele sentiu que ela tremia e se admirou. Maev falava sério. Estava disposta a sacrificar tudo, até mesmo sua humanidade, apenas para estar com ele. Callum franziu a testa. Jamais se sentiu tão confuso e abalado. Com um suspirou, inclinou-se e a beijou no ombro.
_ Eu lhe agradeço de todo coração por esse gesto de amor... mas não vou permitir que isso aconteça, Maev. Não posso fazer isso.
_ Por que não? Não sabe como fazer?
_Claro que sei.
_Então prove.
Callum a olhou frustrado, quase rindo da ironia daquilo tudo.
_ Não sou um garotinho que tem que provar suas habilidades.
Alguma coisa brilhou nos olhos dela, e ela pegou a mão de Callum entre as suas.
_Também não sou uma garotinha com a cabeça cheia de fantasias. Sou uma mulher, sua mulher. E nunca vou querer me separar de você.
_ Não posso acreditar que alguém deseje voluntariamente abraçar esse destino._ Callum resmungou.
_ Pois acredite, é verdade.
Seguiu-se um longo momento, quebrado apenas pelos sons de sua respiração. Por fim, Callum esticou o braço e a trouxe para mais perto, deliciando-se com a sensação de tê-la contra seu corpo nu.
_Você me deu o presente mais precioso que existe Maev.
_ O meu amor?
_ Não, você me deu sua confiança.
Comovida, ela o envolveu pelo pescoço e se deixou beijar apaixonadamente. Depois de um momento, levantou a cabeça e o olhou decidida.
_ Estou pronta. Fará isso agora?
_ Logo _ ele respondeu, tentando afastar qualquer dúvida._ Mas há um mistério que você precisa resolver. Não sabemos onde você nasceu. Se vier a se converter em um imortal, não poderá viver a uma distância maior do que cento e sessenta quilômetros do lugar onde nasceu, ou terá de levar consigo um pouco de terra do solo natal para mantê-la na área onde dorme.
_ Mas não sei que solo é esse! _ Maev gemeu._ O que me acontecerá se eu não seguir essa norma?
_ Ficará muito fraca e doente.
Ela suspirou frustrada.
_ Parece que minhas origens continuam a determinar o rumo da minha vida._ A voz dela soou amarga._ Há alguma coisa que possamos fazer?
Callum ficou pensativo por alguns segundos.
_ Podemos descobrir onde você nasceu.
_ Depois de todos esses anos?_ Maev passou a mão nervosamente pelos cabelos _ Como faríamos isso?
_Uma vez que você se transformar, sua fraqueza começará gradualmente. No momento que isso acontecesse, viajaríamos para o local onde você foi encontrada quando bebê. Dali, escolheríamos um rumo com cuidado, primeiro indo para o sul. Sua força irá voltando à medida que nos aproximarmos do local de seu nascimento. Assim, se não melhorar, voltaremos ao ponto de partida, indo para o leste. Se também por aí não houver resultados positivos, a última opção seria ir para oeste. Mais cedo ou mais tarde, descobriríamos o seu lugar de nascimento.
A expressão no rosto de Maev permaneceu cheia de incertezas.
Assim que encontrarmos o lugar certo, precisamos cavar um buraco e tirar terra dele. _ Callum começou a sorrir, certo de que o plano poderia dar certo._ Podemos guardar a terra sob a nossa cama... apenas isso impedirá que você adoeça.
Maev o fitou surpresa.
_ E teremos de guardar terra em nosso lindo quarto?
Callum riu e sacudiu a cabeça.
_ Não consigo acreditar que esteja preocupada com uma bobagem quando está pronta para desistir de sua própria existência humana._ Riu de novo e a abraçou com carinho._ Eu encontrarei um lindo baú e, depois, o forrarei de ouro e pedras preciosas, para nele colocarmos a terra. Assim seus sentidos não ficarão ofendidos, não acha?
Ela arregalou os olhos.
_ Não preciso de luxo algum, nem de arca forrada de ouro. Se for de madeira simples, já estará bom para mim. Mas não sei como poderemos partir por dias deixando nossa casa, assim, sem proteção alguma. Quando voltarmos a encontraremos vazia, e tudo de valor dentro destes muros terá sumido daqui.
_ Ninguém entrará neste castelo enquanto não estivermos aqui... O povo acredita que o lugar é amaldiçoado.
_ Por minha causa?
_Claro que não. A propriedade foi abandonada e estava quase em ruínas quando a descobri, no ano passado. Quando perguntei aos pescadores por que ninguém vivia aqui, contaram que os últimos habitantes do castelo haviam morrido de varíola, e que todos que tentaram residir na área cercada por estes muros tiveram o mesmo destino.
_ Eles não estranharam o fato de vivermos aqui e não adoecermos?
_ Devem ter suas desconfianças, mas talvez acreditem que o feitiço foi quebrado. Mas mesmo assim, teriam medo de testar essa teoria. E isso serve bem aos nossos propósitos.
Maev lançou ao marido um olhar de satisfação.
_ Então podemos colocar em prática o nosso plano.
Um arrepio percorreu a espinha de Callum. Maev falava com naturalidade, mas ele podia sentir que ela estava apreensiva. Um sentimento de culpa invadiu-lhe a consciência, porém a verdade era que ele queria manter Maev a seu lado o maior tempo possível. Era a única mulher no mundo que nunca exigira mais do que ele poderia dar. Uma mulher sem qualquer egoísmo, que jamais traíra seu amor. Como poderia recusar o mais precioso presente que ela estava disposta a lhe dar?
Ele deslizou as mãos sobre os quadris de Maev, pressionando-a contra o corpo. O calor que vinha dela o excitou novamente, mas ele procurou se controlar. Não queria associar aquele momento com prazer físico, embora, de uma maneira estranha, também fosse um ato de amor. Uma demonstração de puro amor, de Maev por ele.
_Tem certeza?
_ Tenho._ O sorriso dela surgiu luminoso.
Callum cedeu. Bem devagar, acariciou a pele sensível do pescoço da esposa, procurando localizar o ponto exato onde mordê-la, de modo a causar-lhe o mínimo de dor. Maev gemeu por um instante, e ele procurou tornar o movimento ainda mais leve. Enquanto continuava a carícia, Maev o abraçou, lançando a cabeça pra trás, os lábios vermelhos entreabertos, os olhos fechados. Sem conseguir resistir, Callum enterrou os dentes no pescoço alvo e se entregou totalmente ao momento, que pareceu devorar a ambos. Maev soltou um gemido, depois passou a sussurrar o nome dele repetidamente, apaixonadamente. Ele a abraçou com ternura até que ela se aquietou e ele a deitou sobre a cama.
_ Durma, meu amor_ murmurou, comovido.
Quando endireitou o corpo, sentia a cabeça leve. Apoiou a mão no pilar do dossel, procurando equilíbrio. Uma vez mais firme, vestiu o roupão e buscou refúgio no canto mais escuro do quarto. Respirando pesadamente, abaixou-se, os olhos presos na cama, esperando Maev morrer.
Ao acordar, Maev não notou diferença alguma em seu corpo ou em sua mente, mas a fraqueza mencionada por Callum logo apareceu. Quando ela lhe contou, ele de imediato fez os preparativos para a viagem. Depois de garantir que o castelo ficaria em segurança e que os animais fossem alimentados, eles deixaram a fortaleza assim que a noite caiu.
Viajaram sob a luz da lua, seguindo pelas trilhas das montanhas. Chegando, por fim, a um vale, entraram em matas fechadas, agora, com os tons do outono. Maev continuava cansada e letárgica, às vezes caindo no sono, mesmo sentada sobre o cavalo. Callum a vigiava constantemente para assegurar que ela não sofresse uma queda. Terminou por amarrá-la à sela. Bem tarde da noite, uma semana inteira após o inicio da jornada, alcançaram um muro alto.
_ O que é isso?
_ A muralha Hadrian. _ Foi construída pelos romanos há mil anos atrás, para separar o mundo civilizado dos bárbaros.
Maev estremeceu, e ele caiu na risada.
_ Os escoceses e os ingleses.
_ Suponho que éramos considerados os bárbaros _ Maev protestou, indignada, como se fosse verdadeiramente uma escocesa.
_ Somos ainda um povo incivilizado, sobretudo nas montanhas. Vivemos lutando contra outras tribos. Robert Bruce quer unir nosso povo e se tornar nosso rei, mas duvido que nos consiga domar completamente. Um verdadeiro escocês segue as ordens de seu clã, lutando quando e onde escolhe. Não aceitamos ordens de ninguém mais.
_ Não há nada de errado em ser livre e corajoso_ Maev insistiu.
_Concordo. Isso mantém nosso sangue circulando nas veias.
Ela riu, mas sua alegria desapareceu, quando seu olhar deslizou pelo muro de pedra.
_ Como chegaremos ao outro lado?
_ É fácil escalar.
Callum levou os cavalos até uma clareira e os amarrou em um galho baixo.
Observando o muro alto, Maev teve lá suas dúvidas, mas ergueu o queixo e desmontou. Quando se aproximava do estranho muro, sentiu um aperto no estômago. A nuvem de incerteza que pairara sobre ela por toda a vida, naquele momento, parecia grande demais para ser vencida. O que lhe aconteceria quando descobrisse a verdade sobre sua origem? Sentiu-se apreensiva quando estendeu a mão para Callum. Ele percebeu de imediato o estado de espírito da mulher e ofereceu-lhe seu sorriso mais encorajador, enquanto a ajudava a escalar.
No momento em que chegaram ao outro lado, Maev percebeu a energia entrando em seu corpo. Curvou-se, abraçando a si própria. O choque a atingiu com toda a força, e a verdade iluminou seu cérebro.
_O que aconteceu Maev?_ Callum a fitou preocupado_ Está sentindo alguma dor?
Seus braços fortes a envolveram, e ele a se apoiou contra o peito largo.
_ Sou inglesa._ As palavras cessaram, já que as lágrimas escorriam por seu rosto. Voltou a cabeça e soluçou contra o pescoço do marido, o corpo todo tremendo pelas emoções.
Callum não pareceu absolutamente perturbado.
_Que vergonha, Maev McGinnis... Depois de todas as atribulações por que passou, e de todos os obstáculos que vem enfrentando, desmancha-se em lágrimas por saber que nasceu inglesa?
Maev deu um último soluço, depois secou as lágrimas com as costas das mãos.
_Quando você coloca dessa maneira, parece mesmo ridículo, mas estaria mentindo se não lhe confessasse que estou profundamente desapontada.
Callum levantou a mão da esposa e beijou cada um de seus dedos.
_Se conseguiu me amar mesmo depois daquilo em que me transformei, certamente posso encontrar em meu coração forças para superar a surpresa de descobrir sua origem.
Maev suspirou. Ora, ela nascera inglesa. E daí? Que culpa tinha uma criança pelas circunstâncias de seu nascimento? Nascera na Inglaterra, porém crescera na Escócia, aprendendo e amando a herança da terra que a adotara.
_ Sou tão escocesa quanto você, Callum McGinnis, qualquer que seja o local em que eu tenha nascido.
As palavras o silenciaram. Admirado, ele percebeu que a mulher estava vermelha de raiva. Reprimiu um sorriso. Maev ousava discordar dele.
_ Prece que o solo inglês soltou sua língua, bem como fez voltar sua força_ provocou._ É bom ouvi-la falando novamente coisas com sentido, mulher... engraçado.... nunca imaginei que já havia beijado uma inglesa antes._ O sorriso era tentador._ Pelo visto, tudo que é proibido é mesmo excitante.
A descontração de Callum acabou por envolver Maev, e ela sorriu. Deu um passo à frente e levantou o rosto para que ele a beijasse.
_ Você sempre gostou do que era proibido_ observou, antes que seus lábios se encontrassem. _ E nunca antes estive tão grata de que fosse assim.
Trocaram um beijo apaixonado, um acariciando o corpo do outro, saboreando a alegria de estarem juntos. Pareciam ser as únicas criaturas no universo, criaturas que jamais se separariam. Trêmulos, fizeram amor sobre a relva, com a muralha Hadriam às suas costas. Deixaram para trás sentimentos e sonhos, glorificando a realidade, que era muito melhor do que podiam ter esperado. Maev soltou uma exclamação de puro prazer quando Callum a penetrou. Seu corpo sólido e seus movimentos rápidos e firmes não demoraram a levá-la ao auge da excitação. Moviam-se como se fossem um só, antecipando o toque um do outro, os corpos se encontrando repetida e apaixonadamente, num ato deliberado e deliciosamente primitivo. Chegaram ao clímax juntos, seus gritos de êxtase quebrando o silêncio da noite. Saciada e exausta, Maev aconchegou-se ao peito de Callum, amando a sensação de segurança que ele lhe passava. Acariciou os pelos do peito largo e ofegante. Ele era maravilhoso. Callum abriu os olhos.
_ Precisamos encontrar um abrigo. Vai amanhecer.
_ Em um minuto..._ Maev murmurou, sentindo-se lânguida demais para se mover.
Precisava se esforçar para sair daquele estado de letargia, mas estava perdendo a batalha. Foi quando seus olhos começaram a se fechar que ela viu a sombra de uma mulher inclinando-se sobre seu marido.
A visão acabou com qualquer traço de exaustão de seu corpo. Alarmada, ela rolou para o lado, no exato momento em que a mulher atacava Callum. A total falta de reação dele revelou que ele nem sequer a vira se aproximando. Maev sentiu as pernas amolecerem de medo. Tentou escapar dali, mas a estranha visão bloqueou-lhe o caminho.
_ O que fez com Callum?_ gritou, desesperada.
_ Ele está apenas atordoado. Nunca machucaria alguém que me é precioso, mas não vou tolerar a interferência dele neste assunto.
Os olhares das duas se encontraram, e Maev se sentiu mais perturbada ainda ao perceber que o rosto da bela mulher era familiar. Seus cabelos negros e sua pele pálida, os estranhos olhos dourados que lembravam tanto os de um demônio.
_ Você é Anaxandra _ murmurou, reconhecendo-a por fim.
_ Sim, sou eu._ A mulher lhe dirigiu-lhe um olhar hostil._ E você é um grande transtorno em minha vida. Pensei que a tivesse matado na noite em que Callum se tornou meu homem. Parece que deixei o trabalho inacabado... agora, preciso completá-lo.
Maev começou a tremer de modo descontrolado. Desde que soubera a verdade, havia desejado confrontar aquela víbora, mas naquele momento descobria que lhe faltava coragem. Como poderia derrotar aquela criatura do mal? Por outro lado, como poderia fugir à luta? O futuro dela e de Callum dependia da vitória.
_ Vá embora daqui, Callum não é um objeto que possa ser comprado, vendido ou possuído. Ele é um homem livre. E embora você viva tentando se jogar nos braços dele, Callum escolheu a mim para ser sua mulher.
O rosto de Anaxandra ficou vermelho como fogo.
_ Você não o merece_ ela gritou, fulminando Maev com o olhar.
_Pois ganhei o amor dele_ Maev insistiu_ enquanto você só obteve de Callum o seu desprezo.
Cada músculo do corpo de Anaxandra recebeu a observação como um insulto.
_ Ele não ama você!
_ Ah! Ama sim.
Maev respirou fundo, tentando armar-se de toda confiança possível. Ela e Callum haviam sofrido anos de agonia por causa daquela mulher e ela retornava para ameaçar a felicidade de ambos, conseguida a duras penas. Não toleraria isso.
_ Callum me ama como eu o amo. É um amor puro, nascido da bondade, do reconhecimento de sua nobreza. Um amor que você nunca irá compreender, muito menos conseguir... Nem que viva um milhão de anos.
_ Bondade e nobreza_ Anaxandra debochou._ Que sentimentos mais vergonhosos!
Os lábios da criatura se torceram enquanto falava.
Com medo, Maev deu um passo para trás, buscando, com os olhos, uma arma com que pudesse se defender. Viu o corpo inerte de Callum, mas mesmo que se aproximasse dele, não seria possível pegar sua espada.
Anaxandra tinha a sua e a levantou com ambas as mãos, usando-a para atingir o peito de Maev. Ela conseguiu se esquivar do golpe a tempo, o que tirou o equilíbrio da oponente. Porém Anaxandra logo se endireitou e voltou a atacar. Maev safou-se dos ataques seguintes com agilidade, mas, de repente, a lateral da espada da vampira atingiu-a no lado da cabeça. A dor lancinante a fez soltar um grito. Anaxandra instantaneamente percebeu sua vantagem e investiu contra ela novamente. Maev conseguiu não ser ferida novamente rolando o corpo pela relva.
Foi então que se deu conta de que a criatura do mal não era muito hábil com a espada. Quando Anaxandra atacou novamente, deu um salto para frente chutando e tirando a espada de suas mãos. Com um grito Anaxandra caiu sobre ela, os dedos crispando-se com a intenção de feri-la. Usando ambas as mãos, Maev foi evitando os golpes da oponente, mas seus braços começavam a tremer com o cansaço. Sabia que sua força diminuía assustadoramente, mas, ainda assim, estava determinada a lutar até o fim. Reunindo as últimas reservas, conseguiu empurrar Anaxandra para fora da área mais sombria.
No mesmo instante que o corpo da vampira tocou o chão, os raios de sol começaram a atingi-la. Maev tapou os ouvidos, quando os gritos da inimiga começaram a escapar de sua garganta. Sentindo a pele queimar, Anaxandra caiu de joelhos, usando os braços para tentar proteger-se da luz. O ar ficou impregnado do cheiro de carne queimada. Pouco depois não havia vida alguma no corpo da criatura que havia sido uma imortal.
Maev jogou-se na área protegida pela sombra, e assistiu, perplexa, à cena macabra. Quando não restava mais nada de Anaxandra, sentiu uma imensa paz tomar conta de si. Tudo estava terminado.
_Maev?
Ela se voltou para Callum que, milagrosamente, havia-se recuperado do golpe na cabeça e saía de seu estupor.
_ Graças aos céus._ Correu para ele, deixando-se envolver em um forte abraço.
_ Eu não conseguiria aguentar a dor de perdê-la de novo meu amor._ Callum murmurou em seu ouvido, enquanto a mantinha bem perto ao corpo.
Lágrimas surgiram nos olhos de Maev ao sentir-se finalmente protegida nos braços do marido. Tinha vontade de gritar de alegria, mas, mesmo assim, ainda se preocupava com as repercussões daquilo que fizera. Agora que Anaxandra tinha sido destruída, seu povo ia querer vingá-la?
_ Os imortais não vivem juntos como em um clã, e parecem importar-se pouco uns com os outros_ Callum explicou, quando ela expôs seus medos.
_ Nenhuma criatura virá em busca de Anaxandra? Ninguém estranhará seu desaparecimento?
Callum franziu o cenho de leve.
_ Randulf sempre a acompanhava, entretanto Anaxandra caçoava dele o tempo inteiro depois que me fez imortal, e ele se afastou. Ainda assim, com certeza será melhor não deixarmos à vista nenhum traço do que aconteceu por aqui. Sem pista alguma, Randulf dificilmente conseguirá desvendar o mistério do desaparecimento de Anaxandra... isso se ele estiver disposto a investigar.
Foi difícil aguardar o anoitecer, mas eles não tinham outra escolha. Por sorte, enquanto a luz do dia banhava os arredores, ninguém apareceu na clareira ou estranhou a pilha de roupas sobre a relva.
Iluminados pelo luar, Maev e Callum pegaram os trajes de Anaxandra e os queimaram totalmente. Então, enterraram as cinzas com o resto dos ossos da vampira em um buraco bem fundo, na parte mais fechada da floresta. Terminada a tarefa, tudo que restava era o medalhão de ouro e pedras preciosas que Anaxandra sempre carregava com ela.
_ O que vamos fazer com isto?_ Maev perguntou, levantando a joia que brilhava._ Deve valer o resgate de um rei.
_As jóias são raras e valiosas, mas não precisamos delas. Não acredito que a peça tenha algum poder especial, mas, se possuir, o poder acaba se for destruída._ Callum ficou em silêncio por alguns instantes._ Vamos enterrar o medalhão, mas num lugar bem distante dos restos de Anaxandra.
Tomada a decisão e aproveitando que a escuridão continuava, os dois vestiram seus mantos e montaram os cavalos. Com Callum à frente seguiram para o sul por várias horas. Maev sentia a força aumentar a cada quilômetro, prova de que era verdadeiramente inglesa.
Quando se viram em determinado ponto do caminho, Callum cavou um buraco profundo, enterrando o talismã dentro. Depois cobriu a cova. Em seguida, encheu duas sacolas de terra e as pendurou na sela do cavalo. Com a missão cumprida, sorriu para a mulher, e Maev sentiu-se calma por fim. O medo de perder Callum nunca seria esquecido. Mas isso tornava a realidade ainda mais doce. Jogou-se nos braços do marido, desfrutando a solidez de seus músculos, a proteção que ele lhe oferecia. Porém, mais do que tudo, desfrutou seu amor.
_Leve-me para casa, Callum McGinnis. Posso ter nascido em solo inglês, mas me considero uma mulher escocesa.
Um sorriso feliz surgiu no rosto de Callum. Tudo o que ele sentia pela esposa estava refletido em seus olhos.
_E eu sinto orgulho de chamá-la de minha mulher. Minha, e de ninguém mais.
Rindo, ele ergueu Maev e a colocou sobre a sela do cavalo, então, subiu em sua própria montaria.
Formavam uma estranha visão: um cavaleiro e sua dama, cavalgando sob o luar. Embora ainda presos a um destino que não tinham escolhido, haviam aprendido a aceitá-lo, pois era o único modo de poderem estar juntos.
Adrienne Basso
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