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Series & Trilogias Literarias
Devido a um trauma sofrido na infância, lady Blanche Harrington é incapaz de sentir alguma emoção, muito menos amor. Agora, as circunstâncias exigem que se case, mas Blanche tem medo de escolher entre a multidão de pretendentes aduladores que a assediam, porque o solteiro certo não se candidatou…
Rex de Warenne, um herói de guerra que se tornou um ermitão, admira lady Blanche há muito tempo. E embora o destino e seu caráter difícil levem toda a esperança de forjar um futuro que semelhante dama merece, Rex está decidido a reprimir seus próprios sentimentos e ajudá-la. No entanto, quando sua amizade, cada vez mais forte, leva-os a partilhar uma noite de paixão incrível, as memórias de Blanche ameaçam seu frágil amor... E sua própria vida.
Capítulo 1
Março, 1822
Duzentos e vinte e oito pretendentes. Deus Santo, como ia conseguir escolher um, entre todos eles?
Blanche Harrington estava a sós em um pequeno gabinete anexo ao grande salão onde logo começaria a invasão de visitantes. Aquela manhã retirou as cortinas de luto pela morte de seu pai. Blanche tinha conseguido se livrar do matrimônio durante oito anos, mas sabia que, ao ter morrido seu progenitor, necessitava um marido que a ajudasse a administrar sua considerável e complicada fortuna.
Entretanto, tinha pavor à avalanche de admiradores, tanto pavor quanto sentia pelo futuro.
Sua melhor amiga entrou agitadamente no gabinete.
—Blanche, querida, está aqui! Agora mesmo vamos abrir as portas! —exclamou com entusiasmo.
Blanche olhou pela janela para o passeio circular. Tinham concedido a seu pai o título de visconde muitos anos antes, depois de acumular uma enorme fortuna com o negócio de fabricação. Tantos anos antes, que agora ninguém os considerava novos ricos. Blanche não conheceu outra vida que a da riqueza, dos privilégios e o esplendor. Era uma das grandes herdeiras do império, mas seu pai tinha permitido que rompesse seu compromisso matrimonial oito anos antes e embora nunca deixasse de lhe apresentar candidatos, sempre quis que sua filha se casasse por amor. É obvio aquela era uma ideia absurda.
Não porque as pessoas não pudessem se casar por amor; era absurda porque Blanche sabia que era incapaz de apaixonar-se.
Entretanto, ia se casar. Embora Harrington falecesse de maneira repentina por causa de uma pneumonia, e não podendo expressar sua última vontade, Blanche sabia que seu pai queria vê-la casada com um homem honrado.
No precioso passeio de entrada da casa havia três dúzias de carruagens. Blanche recebeu quinhentas visitas de condolência seis meses antes. Dos cartões que os visitantes deixaram, duzentos e vinte e oito eram de solteiros considerados candidatos aceitáveis; ela se perguntava quantos deles não eram oportunistas. Como fazia muito tempo que Blanche desistiu de apaixonar-se, sua intenção era se casar com um homem sensato, decente e nobre.
—Oh, Senhor — disse Bess Waverly enquanto se aproximava dela— Está inquieta. Conheço-te melhor que você mesma. Somos amigas desde os nove anos! Por favor, não me diga que quer se despedir de todo mundo, depois que eu tenha anunciado que seu período de luto terminou. Teria sentido continuar com o luto seis meses mais? Só estaria atrasando o inevitável.
Blanche olhou sua melhor amiga. Eram tão diferentes como a noite e o dia. Bess era teatral, vivaz e sedutora; estava em seu segundo casamento e tinha seu vigésimo amante, no mínimo. Não tentava dissimular que desfrutava de todos os aspectos da vida, incluindo a paixão. Blanche tinha quase vinte e oito anos, nunca quis se casar até aquele momento e continuava virgem. Achava a vida o suficientemente prazerosa; gostava de passear pelo parque, ir tomar chá, sair às compras, à ópera e aos bailes. Entretanto, não tinha a mínima ideia do que era a paixão.
Tinha um coração defeituoso; pulsava, mas se negava a sentir emoções intensas.
O sol era amarelo, nunca dourado. Uma comédia podia ser divertida, nunca hilariante. O chocolate era doce, mas podia prescindir dele com facilidade. Um homem podia ser bonito, mas nenhum a deixava sem respiração. Blanche nunca desejou que a beijassem nenhuma só vez na vida.
Fazia muito tempo que se deu conta de que nunca sentiria a paixão pela vida que, supostamente, uma mulher devia sentir. Entretanto, outras mulheres não tinham perdido a mãe durante um motim, um dia de eleições, à idade de seis anos. Blanche estava com sua mãe naquele dia, mas não recordava nada, e tampouco era capaz de lembrar nada de sua vida anterior a aquele momento. O pior era que tampouco recordava nada de sua mãe, e quando observava seu retrato, que ocupava um lugar de honra sobre a escadaria da casa, via uma senhora bonita, mas que lhe era estranha.
Além disso, havia algum lugar de sua mente que estava povoado por imagens do passado, escuras e violentas, por monstros que sempre estiveram ali. Blanche sabia da mesma maneira que outras pessoas diziam que viviam com um fantasma, ou tal e como um menino tinha um companheiro imaginário para brincar. Mas não importava, porque ela nem sequer queria identificar seus demônios. Pelo resto, quantos adultos eram capazes de recordar como era sua vida antes dos seis anos?
Entretanto, não tinha derramado uma só lágrima de pesar desde aquele tumulto durante o qual sua mãe tinha morrido. A tristeza também estava além das capacidades de seu coração. Blanche era consciente de que se diferenciava de outras mulheres; e esse era seu segredo. Seu pai conhecia toda a verdade, e o motivo daquela diferença. Pelo contrário, suas duas melhores amigas pensavam que um dia Blanche se converteria em uma mulher tão apaixonada e insensata como elas. Suas duas melhores amigas estavam esperando que se apaixonasse perdidamente.
Blanche sempre foi sensata. Naquele momento, voltou-se para Bess.
—Não. Não acredito que tenha motivo para atrasar o inevitável. Papai tinha sessenta e quatro anos, e teve uma vida maravilhosa. Certamente, ele quer que eu siga adiante tal e como tínhamos planejado.
Bess a rodeou com um braço. Tinha o cabelo castanho, uns olhos verdes espetaculares, uma figura exuberante e uns lábios carnudos, que, segundo ela, os homens adoravam. Uma vez, Blanche desejou ser como sua amiga, ou ao menos, uma versão atenuada dela. Entretanto, recentemente se deu conta de que não ia mudar. Por mais coisas que lhe oferecesse a vida, ela ia vivê-la sensata e serenamente. Não haveria drama, nem tortura, nem paixão.
—Sim, isso é certo. Passa a vida se escondendo — disse Bess — Por mais triste que seja Harrington morreu. Não ficam desculpas, Blanche. Ele já não está aqui para seguir te adorando. Se continuar te escondendo, ficará sozinha.
Era incrível, mas não sentiu quase nada ante a menção do nome de seu pai. Estava intumescida, quando deveria ter chorado e soluçado; estava dura desde sua morte. A tristeza que sentia era uma onda suave, quase indolor. Sentia sua falta, como não sentiria falta? Seu pai foi o pilar de sua vida do terrível dia da morte de sua mãe. Oxalá pudesse chorar de tristeza e de indignação. Entretanto, só notou uma leve umidade nos olhos.
Blanche sorriu com uma expressão sombria e se afastou da janela.
—Não estou me escondendo, Bess. Ninguém dá tantas festas como eu em Londres.
—Esteve te escondendo da paixão e do prazer — replicou Bess.
Blanche sorriu sem poder evitá-lo. Tinham falado daquilo em incontáveis ocasiões.
—Não tenho uma natureza apaixonada — disse brandamente a sua amiga— E embora papai já não esteja graças a Deus tenho Felicia e ti. Eu amo muito as duas. Não sei o que faria sem vocês.
Bess pôs os olhos em branco.
—Vamos te encontrar um jovem bonito que te adore, Blanche, para que por fim possa viver sua vida! Pensa! Há mais de duzentos pretendentes, e pode escolher entre todos eles!
Blanche sentiu uma pontada de insegurança.
—Tenho medo de semelhante avalanche — disse— Como vou escolher? As duas sabemos que todos são caçadores de fortunas, e meu pai desejava algo melhor para mim.
—Mmm… Não me ocorre nada melhor que um caçador de fortunas de vinte e cinco anos! Sempre e quando for muito bonito e viril.
Blanche, que estava acostumada a aqueles comentários, nem sequer se ruborizou.
—Bess.
—Será feliz quando tiver um marido vigoroso, querida, ouça o que eu digo. Quem sabe? Possivelmente termine com sua indiferença por tudo o que te oferece à vida.
Blanche sorriu, mas sacudiu a cabeça.
—Isso seria um milagre.
—Uma boa dose de paixão pode ser milagrosa! —exclamou Bess com seriedade— Estou tentando te alegrar. Felicia e eu lhe ajudaremos a escolher, a menos, claro, que ocorra um milagre e te apaixone.
—As duas sabemos que isso não vai acontecer. Bess, não ponha essa cara tão triste! Tive uma vida quase perfeita. Desfruto de muitas benções.
Bess negou com a cabeça com tanta angústia quanto à alegria que demonstrou um momento antes.
—Não diga isso! Embora nunca tenha se apaixonado, eu conservo a esperança de que um dia o faça. Oh, Blanche, não te dá conta do que está perdendo. Sei que acha que sua vida foi perfeita até que Harrington morreu, mas não é verdade. É uma ilha. É a pessoa mais solitária que conheço.
Blanche ficou tensa.
—Bess, este já é um dia difícil de por si só, com todos esses pretendentes esperando na porta.
—Estava sozinha antes que Harrington morresse, e agora está inclusive mais sozinha. Detesto te ver assim, e acredito que o matrimônio e os filhos mudarão isso — afirmou Bess.
Blanche se sentia tensa. Queria negar, mas sua amiga tinha razão. Por muitas visitas que fizesse e recebesse, por muitas festas que celebrasse, por muitos bailes que assistisse, ela era diferente, e sabia. De fato, sempre havia se sentido separada e desvinculada dos que estavam ao seu redor.
—Bess, não me importa estar sozinha — disse, e era a verdade— Você não entende, mas vou ser sincera: sei com certeza que, quando me casar, seguirei estando sozinha em espírito.
—Não estará sozinha em espírito quando tiver filhos.
Blanche sorriu.
—Ter um filho seria maravilhoso.
Bess tinha dois meninos aos quais adorava. E apesar de suas aventuras românticas, era uma mãe maravilhosa.
—Entretanto, embora tenha essa ideia fantástica de me emparelhar com um jovem viril, eu quero a alguém mais amadurecido, alguém de meia idade. Deve ser bom e ter força de caráter. Deve ser um cavalheiro de verdade.
—Claro, quer a alguém mais velho que atenda todos os seus caprichos. Quer a alguém que substitua Harrington, Blanche — disse Bess— mas nós não vamos buscar um substituto ao seu pai. Seu marido tem que ser jovem e atraente E agora que resolvemos isso, posso escolher eu mesma algum cavalheiro entre os restos?
Blanche riu brandamente, e se deu conta de que Bess desejava encontrar um novo amante entre seus duzentos pretendentes.
—É obvio — disse a sua amiga, e se afastou.
Não pôde evitar, mas naquele momento, quando pensou em todos os aspirantes, só uma pessoa apareceu em sua mente. Era uma imagem escura, inquietante. Um homem solteiro que não a visitou. Não só não a visitou, mas também não lhe tinha devotado os pêsames pela morte de seu pai.
Blanche não queria continuar pensando nele. E, por sorte, sua outra melhor amiga entrou na sala. Felicia tinha se casado recentemente com seu terceiro marido. O anterior era um jovem muito bonito, e também um cavaleiro muito temerário que morreu ao saltar a cavalo um obstáculo perigoso.
—Jamieson está abrindo a porta principal, queridas! —exclamou com um sorriso— Oh, Blanche, me alegro muito de que tenha tirado o negro. O cinza pérola te senta muito melhor.
Blanche ouviu o som de muitas vozes masculinas, e de muitos passos. O estômago encolheu. As hordas acabavam de chegar.
Blanche sorriu cortesmente ante a brincadeira de Felicia, que na realidade não tinha ouvido. Imediatamente, viu-se rodeada por seis jovens, e outros cinquenta e outros que entraram no salão. Não ficou um só assento livre. Ela já conhecia quase todos os cavalheiros que tinham ido à visita. Levava muitos anos sendo a anfitriã de Harrington. Entretanto, estava muito cansada: converteu-se no centro da atenção, e não estava certa de que pudesse suportar outro olhar de admiração nem responder a outro comentário insinuante.
Deviam ter dito que tinha bom aspecto umas cem vezes durante as últimas horas. Uns quantos atrevidos haviam lhe dito inclusive que era uma beleza. Como Blanche era mais velha, comparada com outras moças casadoiras, estava farta de fingir que acreditava naquelas adulações. E quantos galãs lhe pediram que os acompanhasse de passeio pelo parque? Felizmente, Bess tinha lhe sussurrado ao ouvido que arrumaria todas as entrevistas. Sua querida amiga revoava ao seu redor, e Blanche estava segura de que sua agenda estava completamente comprometida para todo o ano seguinte, no mínimo.
Dentro da casa, o ambiente estava muito carregado. Blanche sorriu com cortesia a Ralph Witte, o muito bonito filho de um barão, enquanto se abanava com a mão. Perguntava-se quando terminaria aquela tarde, ou se atreveria a escapar da noite.
Entretanto, chegavam mais e mais visitas. E Blanche viu outra de suas mais queridas amigas, a condessa de Adare. Naquele momento, lady de Warenne entrava no salão com sua nora, a futura condessa, Lizzie de Warenne. Seguia-as um homem alto, moreno. Imediatamente, Blanche ficou imóvel, muito surpreendida.
Rex de Warenne não convivia em sociedade, e ela se perguntou muitas vezes o porquê. Quem não? Entretanto, deu-se conta de que se enganou. Era Tyrell de Warenne, e não seu irmão, quem entrava no salão. Evidentemente, o futuro conde de Adare acompanharia sua esposa a uma visita social.
—Blanche? —perguntou-lhe Bess— Aconteceu algo?
Blanche se voltou, consciente de que sentia uma ligeira e absurda decepção. Era uma tolice sentir-se mal pelo fato de que sir Rex não tivesse a visitado com sua família, porque ela mal o conhecia. Blanche teve um breve compromisso com Tyrell, e por essa razão era amiga de sua mãe e da esposa de Tyrell. Entretanto, mal tinha trocado algumas palavras com sir Rex durante os oito anos que passaram desde aquele compromisso. Todo mundo sabia que era um ermitão que preferia permanecer em seu imóvel na Cornualia a alternar com os membros da boa sociedade. Entretanto, de vez em quando se deixava ver em algum baile ou em algum evento. Sempre tinha uma atitude calma e era silencioso. Como Blanche.
E Blanche pensou que era melhor que ele não fosse lhe dar os pêsames nem a tivesse visitado. Seu olhar escuro e intenso sempre conseguia que se sentisse incômoda.
—Vou saudar lady Adare e a lady de Warenne —disse rapidamente.
—Vou começar a insinuar por aqui e por lá que está cansada. Não demoraremos muito em nos despedirmos de todo mundo.
—E é certo que estou cansada — disse Blanche. Depois, avançou por entre a multidão e esboçou um sorriso genuíno— Mary me alegro muito em te ver!
Mary de Warenne, a condessa de Adare, era uma mulher loira, muito bela e elegante. As duas mulheres se abraçaram. Como Blanche tinha quebrado seu compromisso com Tyrell anos atrás para que ele pudesse casar-se com a mulher a qual amava, foi fácil estreitar a amizade.
—Querida, como está? —perguntou-lhe Mary com afeto.
—Estou bem, dadas as circunstâncias — assegurou Blanche— Lizzie está verdadeiramente maravilhosa.
A esposa de Tyrell estava radiante. Tinha quatro filhos com seu marido, e Blanche se perguntou qual seria o segredo para que um matrimônio fosse tão feliz como o deles.
—Ty e eu passamos a tarde juntos — disse Lizzie, apertando-lhe as mãos — O tenho tão poucas vezes só para mim! Há Blanche, veio muita gente.
Blanche sorriu sem vontade.
—E todos são pretendentes.
Depois olhou Tyrell. Já não o confundia com seu irmão. Rex era um herói de guerra, e o mais bonito dos dois, embora quase nunca sorrisse. Além disso, Tyrell tinha os olhos azuis escuro e um olhar amável. Rex tinha os olhos castanhos, e um olhar escuro, às vezes inquietante.
—Milord, obrigado por vir a esta reunião — disse Blanche.
Ele inclinou a cabeça.
—É um prazer te ter de volta, Blanche. Se houver algo que possa fazer para te ajudar no que necessite, deve me avisar.
Blanche sabia que ainda lhe guardava gratidão por tê-lo liberado de seu compromisso para que pudesse casar-se com Lizzie, voltou-se novamente para as mulheres:
—Estarão muito tempo na cidade? —perguntou. Normalmente, a família passava longas temporadas em Adare, que estava na Irlanda.
—Estamos aqui desde o Ano Novo — respondeu Mary com um sorriso— Assim estamos a ponto de voltar.
—Oh, é uma pena — disse Blanche— O capitão de Warenne e Amanda também estão aqui? Como estão?
—Só estamos nós três — explicou Lizzie— e meus quatro filhos, claro. Cliff e Amanda estão nas ilhas, mas virão na primavera. Estão muito contentes, muito apaixonados.
Blanche titubeou, pensando em sir Rex.
—E como estão os Ou’Neill?
—Sean e Eleanor estão em Sinclair Hall, e Devlin e Virginia estão celebrando seu nono aniversário em Paris, sem as crianças.
Ela sorriu. Então se deu conta de que não ficava mais remédio que perguntar por sir Rex. Teria sido grosseiro não fazê-lo.
—E sir Rex? Encontra-se bem?
Lizzie assentiu.
—Está em Land’s End.
Mary interveio:
—Ultimamente, Cliff é o único que o viu, e só porque passou por Land’s End a caminho das ilhas no outono passado. Rex se desculpa dizendo que está reabilitando seu imóvel e que não pode partir. Eu não o vi desde que Cliff voltou para Londres com Amanda.
Aquilo tinha acontecido um ano e meio antes. Blanche sentiu preocupação.
—E acreditam em sir Rex? Será que tem alguma coisa mal?
Mary suspirou.
—Acredito, sim. Já sabe que evita a sociedade por todos os meios. Mas, como vai encontrar esposa se sempre estiver no sul da Cornualia? Ali não há moças para poder escolher!
Blanche sentiu o coração encolher, estranhamente.
—E ele deseja casar-se? —perguntou. Rex era dois anos mais velho que ela, e já deveria ter celebrado seu matrimônio.
Mary encolheu os ombros.
—É difícil de dizer.
Lizzie a tomou pelo braço.
—Nós as mulheres de Warenne decidimos que ele precisa de uma família própria. E isso requer uma esposa.
Então as de Warenne queriam vê-lo casado. Blanche teve que sorrir. Seus dias de solteiro estavam contados. Tinham razão: Rex devia casar-se. Não estava bem que vivesse tão sozinho.
—E para consegui-la, é necessário que saia de Land’s End — continuou Mary— Entretanto, Edward e eu vamos celebrar em maio nosso trigésimo aniversário aqui, em Londres. Rex assistirá. Toda a família vai se reunir para a celebração.
Blanche sorriu.
—Isso soa maravilhosamente bem. Felicidades, Mary.
—Tenho tantos netos que já perdi a conta — disse Mary com os olhos brilhantes. Depois, tomou a mão de Blanche— Blanche considero-te como uma filha desde seu compromisso com Tyrell. Espero com toda minha alma que você também encontre a felicidade que eu sinto.
A condessa era uma das mulheres mais boas e generosas que Blanche conhecia. Seu marido, seus filhos e seus netos a adoravam. Blanche sabia que falava com todo o coração, mas, entretanto, sentiu-se um pouco triste. Ela nunca desfrutaria da mesma alegria e felicidade que Mary de Warenne. Se tivesse a capacidade de apaixonar-se, certamente já o teria feito, porque sempre havia cavalheiros que visitavam Harrington Hall. Blanche não imaginava o que seria sentir tanto amor, sentir-se tão querida e estar rodeada de uma família assim.
—Eu já não desejo evitar mais o matrimônio — disse ela lentamente— Não tem sentido. Não posso administrar sozinha um patrimônio tão grande.
Mary e Lizzie se olharam, agradadas.
—E já pensou em alguém em especial? —perguntou-lhe Lizzie com entusiasmo.
—Não, não — respondeu Blanche, e se deu conta de que a metade da sala ficou vazia. Era muito mais fácil respirar. Abanou-se e comentou— foi uma tarde muito longa!
—E é só o começo — disse Lizzie. Blanche sentiu uma pontada de consternação— Bom, eu vi alguns bons candidatos. Se quiser que te passe a informação, diga-me isso. — Lizzie riu enquanto estendia a mão a seu marido. Imediatamente, ele se separou de seu grupo e se colocou junto a ela, tomando a mão. Ambos compartilharam um olhar de comunicação íntima.
—Deveríamos ir. Tem aspecto de estar cansada, querida — disse Mary a Blanche. Então, as mulheres se abraçaram e se despediram.
Blanche passou a seguinte meia hora sorrindo aos cavalheiros que partiam, fazendo tudo o que podia por parecer interessada em cada um deles. Assim que o último dos visitantes partiu, deixou-se cair na poltrona mais próxima. O sorriso tinha apagado dos lábios, e notava que lhe doíam às bochechas.
—Como vou poder fazer isto? —perguntou queixosamente.
Bess sorriu enquanto se sentava no sofá.
—Me parece que tudo saiu muito bem.
Felicia pediu a um das serventes que servisse xerez para as três.
—É certo — disse a voluptuosa morena com um sorriso— Deus Santo, tinha me esquecido quantos homens casadoiros e bonitos há no mundo!
—O que saiu bem? —perguntou Blanche— Eu tenho uma enxaqueca terrível! A única coisa positiva que ouvi em toda a tarde é que os condes de Adare vão celebrar seu trigésimo aniversário de casamento em maio.
Felicia ficou surpreendida. Bess não.
—E Rex de Warenne vai assistir à festa — disse.
Blanche olhou com curiosidade para Bess. O que sua amiga queria dizer?
—Está segura de que quer um marido amadurecido, Blanche? —perguntou-lhe sua amiga com um sorriso.
Blanche se sentiu incômoda.
—Sim, estou segura. Por que mencionou sir Rex?
—Pois, verá, estava atrás de ti quando falava dele com sua família — respondeu Bess.
Blanche não entendeu a resposta.
—Sinto-me confusa. Perguntei por toda a família, Bess. Está insinuando que tenho algum interesse em sir Rex?
—Como vou dizer algo assim? —respondeu Bess com ironia— Vamos, Blanche, esta não é a primeira vez que se menciona seu nome.
—É um amigo. Conheço-o há muitos anos — insistiu Blanche, e encolheu os ombros— Só me perguntava por que não me visitou. Foi uma falta de educação. Um pouco insultante. Isso é tudo.
Bess se ergueu em seu assento.
—Deseja que te corteje?
—Claro que não! O que desejo é ter um futuro sereno. Sir Rex é um homem muito sombrio. Todo mundo sabe que é uma pessoa inquietante e um ermitão. Não encaixaríamos. Além disso, minha vida está aqui, em Londres, e a sua está na Cornualia.
Bess sorriu docemente.
—Na realidade, sempre me pareceu inquietantemente sexual.
Blanche empalideceu. Não queria saber o que sua amiga insinuava! E só Bess podia escapar ilesa depois de ter feito um comentário assim. Ela decidiu lhe dar ouvidos.
—De todos os modos, eu quero recuperar minha antiga existência — disse com aspereza.
—Sim claro, sua antiga existência era tão perfeita… cuidando de seu pai e vivendo a vida através de Felicia e de mim.
Felicia aproximou uma turca enquanto por fim lhes serviam o xerez.
—Bess, eu tentei seduzi-lo depois de que Hal morreu. É um inculto. De fato, tem tal falta de encanto que é grosseiro. E mais, não há candidato pior para ser o marido de Blanche.
Blanche não hesitou em defendê-lo, porque odiava a malícia de qualquer tipo.
—Está julgando mal a um homem introvertido, Felicia — disse com suavidade— Sir Rex é um cavalheiro. Ao menos, comigo sempre foi um perfeito cavalheiro, e possivelmente, só possivelmente, não desejava paquerar contigo.
Felicia avermelhou.
—Os homens da família de Warenne são famosos por suas aventuras, até que se casam. Possivelmente ele não seja viril.
—Essa é uma coisa terrível! —exclamou Blanche, horrorizada.
Bess interveio.
—Tem reputação de preferir às criadas antes que às mulheres da nobreza, Felicia. E também tem a reputação de ter uma grande resistência e habilidade, apesar da sua ferida de guerra.
Blanche ficou olhando fixamente sua amiga, consciente de que estava se ruborizando por momentos.
—Isso é pura fofoca — disse— Não me parece apropriado falar de sir Rex desta maneira.
—Por que não? Falamos todo o tempo de meus amantes, e com muito mais detalhes.
—Isso é diferente — disse Blanche, embora inclusive ela se desse conta de que sua objeção não era racional. Nunca tinha pensado em sir Rex de outro modo que como um amigo da família, embora distante.
—É incrível que se deite com as criadas — disse Felicia com desdém— Que ordinário!
Blanche notou que se incrementava o calor de suas bochechas.
—Não pode ser verdade.
—Ouvi duas donzelas falando de sua destreza com muito entusiasmo. Uma delas tinha desfrutado dessa mestria — comentou Bess com um sorriso.
Blanche ficou olhando-a com mais inquietação que antes.
—Preferiria que não falássemos mais de sir Rex.
—Agora vai te converter em uma dissimulada? —perguntou-lhe Bess.
—É censurável que uma pessoa da nobreza tenha aventuras com as serviçais — insistiu Felicia, decidida a ser maliciosa.
—Bom, eu desfrutei muito com meu jardineiro — replicou Bess, referindo-se a um antigo episódio.
Blanche não sabia o que pensar. Ela não queria julgar sir Rex; não era próprio de seu caráter julgar nem condenar a ninguém. Realmente, não era aceitável que os nobres tivessem aventuras com os serventes, mas de vez em quando acontecia. Era aceitável que um cavalheiro tivesse uma amante, sempre e quando se respeitasse a discrição. Provavelmente, sir Rex tinha uma amante. Além disso, não desejava seguir pensando em sir Rex daquele modo. Como tinha começado a conversa? Seriamente ele tinha a reputação de ser hábil e resistente? Blanche não queria saber!
—Quando foi à última vez que falou com Rex de Warenne?
Aquele era um terreno muito mais seguro.
—Durante a aposta de compromisso de Amanda de Warenne — respondeu Blanche— Antes que Amanda se casasse com o capitão de Warenne.
Bess ficou boquiaberta.
—Está me dizendo que bebe os ventos por um homem ao que não vê há dois anos?
Blanche suspirou e sorriu.
—Bess, eu não bebo os ventos por ele. E isso foi só há um ano e meio. Além disso, já tive suficiente conversa por hoje — disse, e ficou em pé bruscamente.
Bess também ficou em pé e, como um terrier com um osso, continuou.
—Querida, te dá conta de que sir Rex não se apresentou aqui como teu pretendente?
—Claro que me dou conta — respondeu Blanche— Sei o que estão pensando. Ele necessita uma fortuna e uma mulher, assim que essa conduta é estranha. É evidente que não deseja casar-se ainda.
—Quantos anos têm? —perguntou Bess.
—Acredito que tem trinta anos, mas não estou segura. Bess rogo-lhe isso, deixe-o já. Vejo aonde quer chegar. Não pense em me emparelhar com sir Rex!
—Angustiei-te — disse Bess— E você nunca te angustia. Sinto muito, Blanche. Deve ser o estresse da festa. Eu nunca te emparelharia com ninguém contra sua vontade. Sabe.
Blanche se sentiu aliviada.
—Sim, sei. Mas me causou preocupação. Nós duas sabemos quão persistente é. Bess, não posso suportar a pressão desses pretendentes, e isto foi só o primeiro dia. Se não te importar, vou me retirar já ao meu quarto.
Bess lhe deu um abraço.
—Vá tomar um banho quente. Darei instruções para que lhe mandem o jantar em seu quarto. Que passe uma boa noite.
—Obrigado.
Blanche sorriu a sua amiga, abraçou Felicia e saiu da sala. Notou que começavam a cochichar, e se deu conta de que falavam dela. Não importava. Sabia que só queriam o melhor para ela, e estava muito cansada. Além disso, tinha que escapar da conversa a respeito de sir Rex. Tinha-lhe resultado inquietante, e de uma maneira muito estranha.
—Sei que está tramando algo — declarou Felicia.
Bess a puxou pela mão.
—Acredito que por fim Blanche está interessada em um homem, embora nem sequer ela se dê conta. Deus Santo, e quanto tempo? Acredito que o conhece há oito anos!
Felicia ficou boquiaberta.
—Não é possível que pense que gosta de Rex de Warenne. É um homem grosseiro, inculto, sempre está na defensiva!
—Escutei a conversa que Blanche manteve com a condessa de Adare. Não sei sequer se ela mesma se dá conta de seu interesse. Quando começou a falar de sir Rex, sua expressão mudou por completo, e se ruborizou. Além disso, Felicia, quando a viu angustiada? Ou sobressaltada por nossos bate-papos? E se sente insultada porque não lhe tenha dado os pêsames! Não há ninguém que possa insultar Blanche.
Felicia estava horrorizada.
—Pode conseguir alguém muito melhor! Como pode gostar desse homem? É tão… escuro.
—Sim, é muito escuro. Algumas mulheres preferem os homens inquietantes. Você está incomodada porque te rechaçou. Se Blanche tiver algum interesse em sir Rex, devemos fazer algo a respeito.
Felicia suspirou.
—Se tiver razão, se Blanche se interessa por ele, devemos fazer algo. Mas Deus, espero que esteja enganada. O que planejou?
—Deixa que repense — respondeu Blanche, e começou a passear pela sala, absorta em seus pensamentos.
—Ele vai vir em maio — disse Felicia.
—Maio está muito longe. — Felicia assentiu. —Já conhece o dito: «Se não poder enganchar o cavalo ao carro, engancha o carro ao cavalo». Nós vamos a Cornualia — disse Bess.
A Felicia não ocorria nada pior. A Cornualia estava no fim do mundo, e naquele momento do ano, fazia muito frio.
—Por favor, não. Dá a casualidade de que acabo de me casar de novo e eu gosto de meu marido.
Bess descartou aquela objeção com um gesto da mão.
—Oh, não se preocupe. Vamos organizar umas pequenas férias para nós três, mas quando chegar o momento de se por a caminho, você estará doente, e minha filha sofrerá um acidente montando a cavalo.
Felicia abriu uns olhos como pratos e Bess continuou com um grande sorriso.
—Acredito que, em menos de uma semana, Blanche precisará escapar de todo este torvelinho. De fato, estou segura de que já deseja fazê-lo. E nós, suas queridas amigas, a convenceremos para ir de férias ao imóvel que Harrington tinha no sul.
—Não sabia que Harrington tinha um imóvel no sul.
—Não tem. Ao menos, que eu saiba. Entretanto, estive ajudando Blanche a organizar a enorme fortuna que herdou, e vou fazer uns retoques interessantes em alguns dos documentos. Assim, sim há um pequeno imóvel na Cornualia, que está a poucos quilômetros de Land’s End. Imagine o que Blanche terá que fazer quando chegar ali e comprovar que houve um engano. Estou segura de que sir Rex não permitirá que fique sem alojamento.
Felicia sorriu lentamente.
—É tão inteligente… — disse.
—Acha mesmo?
Capítulo 2
Golpeou o prego, com todas suas forças, e de uma só martelada o afundou na viga de maneira que a cabeça ficou ao mesmo nível da madeira. O suor caía pelos olhos e cobria o torso nu. Voltou a golpear, e a cabeça do prego desapareceu. Entretanto, Rex sabia que o exercício físico, por mais intenso que fosse não ia mudar nada.
Embora já tivessem passado dez anos, seguia vendo a Península espanhola como se estivesse ali. Os canhões disparavam da crista que se erguia sobre ele, os sabres entrechocavam, os homens gritavam. O ar estava cheio de fumaça que não permitia a passagem da luz do sol. E ele corria para resgatar seu amigo Tom Mowbray. De repente, uma dor abrasadora explodiu no joelho…
A fúria e a frustração se apropriaram dele. Não queria recordar a guerra. Atirou o martelo a um lado e a ferramenta impactou contra uma coluna. Os homens que estavam ajudando-o a construir o estábulo seguiram com suas tarefas, não lhe prestando atenção.
A carta sempre despertava as lembranças e a dor, e ele preferia esquecer. Rex se apoiou na muleta e tentou acalmar-se. O pior era que necessitava desesperadamente daquela carta, e que, no fundo, não lamentava haver salvado a vida de Tom Mowbray, nem tampouco lamentava ter tido aquela breve aventura com a mulher a qual tinha amado.
Enxugou o suor da testa e recuperou um pouco de quietude. O passado era isso, passado, e tinha que mantê-lo enterrado. Entretanto, não podia esquecer a carta sobre seu filho porque, embora temesse seu conteúdo, estava ansioso por lê-la. Produzir-lhe-ia uma grande alegria, e também uma grande dor.
Rex se rendeu. A missiva tinha chegado naquele mesmo dia, e estava em seu escritório. Só recebia aquela carta uma vez ao ano, assim não podia atrasar mais sua leitura. Rapidamente, cruzou a estrutura de madeira do que seria o estábulo. Fora contemplou a edificação de pedra que tinha ante si, depois da qual se erigia a capela do século quatorze. Sobre tudo isso, o céu típico da Cornualia: azul e salpicado de nuvens brancas. Ao avançar, espionou na distância suas ovelhas e seu gado, e sentiu uma grande satisfação. E, além dos pastos, como sempre, ressonavam as ondas do oceano ao se chocar contra as rochas, e lhe recordavam onde estava e quem era.
Bodenick Castle era seu lar. Construiu-se no século dezesseis sobre um escarpado de rocha negra, e era um edifício quadrado do qual só ficava uma torre em pé. Ele tinha passado quatro anos reabilitando-a, desde que a tinham outorgado como prêmio ao valor que tinha demonstrado durante a guerra. Entretanto, não tentou reconstruir a segunda torre, da qual só ficavam algumas das pedras originais. A lenda local dizia que os piratas a tinham desmantelado peça por peça, em busca de um tesouro escondido. Alguns afirmavam que o tesouro seguia enterrado ali.
Como único adorno, o castelo contava com um carvalho muito velho, e com a hera e as roseiras silvestres que subiam por seus muros. Rapidamente, Rex passou ao salão e notou que fazia mais frio, inclusive, mais no interior da residência que fora dela. Estremeceu, tinha esquecido a camisa no estábulo. Dirigiu-se apressadamente para seu escritório, que ocupava o andar debaixo da torre. E o medo voltou a apoderar-se dele.
No interior do escritório reinava a penumbra, já que a estadia de forma redonda, só tinha duas janelas. Rex se aproximou do escritório, onde tinha seus papéis e documentos perfeitamente organizados em pastas. A carta estava no centro da mesa, e não teve que olhá-la para saber de quem era. Sua escrita lhe resultava familiar, e também desprezível.
Uma tormenta estalou no peito. Stephen tinha nove anos. A carta tinha chegado tarde; Rex deveria tê-la recebido em janeiro. Entretanto, assim era Julia; enviava-lhe o relatório sobre seu filho quando se dignava a fazê-lo. Tinha lhe deixado bem claro que considerava que aquela tarefa estava por baixo de suas atribuições.
Como estava Stephen? Seguia sendo correto e solene, e decidido a se sobressair em tudo o que fazia para agradar o homem a quem acreditava seu pai? Seguia preferindo a matemática aos clássicos? Tinham contratado o professor de esgrima que ele tinha recomendado?
Rex sentia a respiração entrecortada. Teve que sentar-se na borda do escritório, com a muleta sob o braço direito. Depois a tomou com as mãos trêmulas.
Aquilo despertou muitas lembranças. Tinha chegado em casa depois de uma longa reabilitação no hospital militar, e sua família completa lhe tinha dado as boas-vindas, junto a seus vizinhos e amigos. Entretanto, sua prometida, Julia, não estava ali, e só lhe tinha visitado duas vezes enquanto estava no hospital. Ele tinha ido imediatamente vê-la, mas ela não estava em casa. Tinha encontrado-a em Clarewood, o imóvel familiar dos Mowbray, nos braços de Tom.
Desde aquele dia de primavera de mil oitocentos e treze, tinha tentado não voltar a ver nunca Julia nem Mowbray. Estava decidido a ignorar sua existência, como se aquele casal apaixonado não existisse, como se ela não tivesse sido sua amante, e como se Rex não tivesse arriscado a vida e tivesse sofrido a amputação de um membro para salvar a vida de Tom.
Entretanto, a sociedade a qual pertenciam era um círculo pequeno, fechado. Um ano mais tarde tinha chegado aos seus ouvidos à notícia do nascimento do primeiro filho dos Mowbray, em outubro. Rex não queria pensar, mas as contas eram irrefutáveis. Como ele tinha deixado Julia justo depois do Ano Novo, Stephen podia ser filho dele, embora Mowbray tivesse desfrutando dos favores de Julia ao mesmo tempo em que ele. E depois, Rex tinha ouvido os rumores: que o menino tinha sido substituído por outro ao nascer, ou que tinha sido adotado, ou inclusive que era filho de um dos amantes de Julia. Tanto seu pai como sua mãe eram muito loiros, mas o menino era moreno como um irlandês.
Cheio de angústia, Rex foi a Clarewood para ver o menino por si mesmo, e tinha comprovado que tinha a tez morena e uma grande semelhança com os de Warenne.
Os homens da família de Warenne se pareciam com um de seus dois ancestrais. Ou eram loiros, ou muito morenos, e normalmente, tinham os olhos azuis, muito brilhantes. Rex viu um menino que podia ser seu irmão Tyrell de pequeno. Ou ele mesmo.
Fazia muito tempo que os Mowbray e ele tinham chegado a um acordo. Não era a primeira vez que ocorria aquilo em seu círculo social. O matrimônio criaria Stephen, porque, naquele ponto, Julia foi inflexível; Mowbray lhe faria herdeiro de uma fortuna que Rex nunca poderia lhe proporcionar. Em troca de entregar seu filho ao casal, Rex receberia relatórios anuais e poderia visitá-lo em alguma ocasião. Entretanto, ninguém deveria conhecer a verdade. Mowbray não queria que ninguém soubesse que Julia esteve com outro homem.
Tudo era irônico, porque tinha passado uma década, e Stephen ia ter mais que uma boa herança de Mowbray. Quando Clarewood faleceu, Tom tinha herdado o ducado, porque seu irmão mais velho tinha morrido em um naufrágio. Além disso, não teve mais filhos. Parecia que Mowbray não podia ter descendência. Portanto, um dia Stephen Mowbray seria o duque de Clarewood, um dos senhores mais ricos e importantes da nação.
Rex estava fazendo o que era melhor para seu filho, sem dúvida. Entretanto, naquele momento se sentia como se estivessem lhe cravando uma faca nas vísceras.
Rex abriu a carta.
Como sempre, Stephen se destacava em todas as aulas e todas as atividades. Ia muito adiantado em leitura e matemática, que seguia sendo sua disciplina preferida. Falava francês, alemão e latim com fluidez, tinha começado a aprender a dançar e se dava muito bem no manejo da esgrima. Também era muito bom cavaleiro, o presentearam com um puro-sangue no seu aniversário. Já saltava obstáculos com facilidade. E, pouco antes, Mowbray o tinha levado a sua primeira caça a raposa.
Desde que tinha começado a ler, Rex tinha a vista imprecisa. Não podia ver mais. A folha se manchou com as lágrimas, e teve que interromper sua leitura e deixá-la em cima da mesa. Não podia parar de chorar.
Estava muito cansado de fingir que Stephen não era seu filho. Odiava aquelas cartas; o que de verdade queria era abraçá-lo. Queria lhe ensinar a saltar obstáculos, e levá-lo a caçar raposas. Entretanto, sabia que não podia fazê-lo; aquela solução era a melhor. Não queria que Stephen terminasse exilado em Land’s End, como ele. Oxalá, ao menos, pudesse vê-lo alguma vez. Nunca o visitou, porque sabia que para manter-se forte, devia manter a maior distância possível entre eles.
Rex olhou os muros de pedra entre os que se encontrava, e se sentiu como se estivesse enterrado em vida, ali em Bodenick, onde tinha trabalhado tanto para converter umas ruínas em algo lucrativo. Entretanto, Land’s End se converteu em um lugar de desterro assim que se deu conta de que devia ceder seu filho. Não importava que ele mesmo tivesse escolhido aquele destino; o dia em que chegava a carta anual era o dia que lhe parecia o mais inútil de toda sua vida. Era o dia no que não podia respirar, e no qual o peso da vida se fazia insuportável.
Rex brandiu a muleta violentamente. O abajur caiu ao chão e se fez pedacinhos, e seus papéis, perfeitamente organizados, voaram por toda parte. Ele se levantou e golpeou o que ficava sobre a mesa. O copo, o decantador, o peso de papel e mais documentos, tudo caiu ao chão com grande estrépito.
Ofegou, fechou os olhos, esforçou-se em recuperar o controle de seus atos. Aquele dia passaria. Sempre passava. Entretanto, a dor e o desespero rasgavam as vísceras.
Olhou o decantador, que não se quebrou. Inclinou-se; as molas da muleta lhe permitiam contraí-la ao seu desejo, e pôde recolher a garrafa. Fazia muito tempo que tinha aprendido a usar a muleta de todas as formas possíveis. Estava feita a sua medida, e tinha dobradiças. Rex já não era consciente de que tivesse que valer-se dela. Agora era uma extensão de seu corpo, em sua perna direita.
Ainda ficava um pouco de uísque, e ele bebeu o quanto pôde de um só gole.
Naquele momento entrou uma donzela na habitação.
—Milord! —exclamou, ao ver a desordem que ele tinha ocasionado.
Rex terminou o conteúdo do decantador e o deixou sobre o escritório. Depois olhou à donzela. Havia um modo melhor para esquecer.
Anne estava de joelhos, recolhendo os papéis do chão. Tinha vinte anos. Era de peito exuberante, muito bonita e viçosa. Tinha começado a trabalhar para ele dois meses antes, e deixou bem claro que desejava fazer muito mais que lhe limpar a casa e lavar a roupa. Ele não ia se negar o prazer e a paixão, e já estava cansado da aventura que tinha com a filha viúva do hospedeiro. No momento, tinha contratado Anne. Sua primeira tarefa tinha sido compartilhar a cama com ele, e ambos tinham desfrutado imensamente. Levavam fazendo-o após. Ele não tinha sido seu primeiro amante, e não seria o último. Rex compensava por seus deveres extras com provisões para sua família; eram granjeiros arrendados pertencentes à paróquia vizinha, que tinham que fazer grandes esforços para subsistir. Rex, além disso, pagava um salário generoso a Anne.
Entretanto, pouco tempo antes ele a viu paquerando com o ferreiro do povoado, um bonito moço de sua idade que acabava de chegar a Lanhadron. Rex tinha a sensação de que estava lhe enganando, mas não se importava, porque Anne merecia ter uma família e um lar próprios. De fato, sempre e quando ele pudesse encontrar outra criada, e outra amante, ajudaria a que se formasse aquele casal, e lhes daria um bom presente de bodas.
Mas Anne ainda não se casou com o ferreiro, e o prazer podia proporcionar a Rex uma via de escape.
—Anne. Deixa isso para depois.
Ela se surpreendeu e elevou a vista.
—Milord, cuida de seus documentos como minha mãe cuida de minhas irmãs. Sei que são muito importantes!
Ele notou uma tensão nas calças; o que queria sentir.
—Vem aqui — disse muito brandamente.
A moça ficou imóvel. Tinha entendido imediatamente. Levantou-se pausadamente, deixou alguns papéis na mesa e o olhou com as bochechas avermelhadas. Começou a sorrir.
—Milord, não se satisfez ontem à noite? —murmurou.
Devolveu-lhe o sorriso e a puxou pela mão.
—Sim, claro que sim. Muito. Mas a noite de ontem já terminou, não?
—É um lorde muito luxurioso.
—E te importa? —perguntou ele, acariciando as costas para baixo, até que chegou ao traseiro e o agarrou. Atraiu-a para sua virilidade enquanto permanecia solidamente apoiado na muleta.
—Como vai importar-me, quando é um cavalheiro e sempre se preocupa com meu prazer?
Aquele comentário agradou Rex. Não entendia um encontro satisfatório sem que a mulher com quem compartilhasse sua cama não desfrutasse também.
—Quer ir aos seus aposentos? —sussurrou a moça, enquanto acariciava a grossa longitude que se escondia em suas calças.
O fôlego dele cortou.
—Não. Desejo te tomar aqui mesmo, no sofá.
Então, com soltura, ele fez que girasse e que caísse brandamente sobre o divã, e lhe abriu as pernas empurrando-lhe com as coxas. Apertou-se contra seu sexo e ela gemeu. Com a respiração entrecortada, a donzela estendeu as mãos sobre seu torso nu, úmido, e foi descendo até que lhe acariciou a ereção com as pontas dos dedos.
Ele emitiu um grunhido e colocou as mãos sob a saia. O melhor de uma criada bem disposta era a falta de complicações, a falta de fingimento. Era exatamente o que parecia. Anne queria sexo e prazer, e comida sobre a mesa de sua família. Queria exatamente o que ele podia lhe oferecer, e um pouco de dinheiro extra, nada mais. Ela não cometeria uma traição.
E naquele momento, estava muito, muito bem disposta. Rex esfregou a carne úmida e quente com os dedos até que os olhos dela se encheram de lágrimas e começou a rogar que se apressasse. Ele seguiu acariciando-a até que a moça se retorceu e então, Rex se moveu para baixo e utilizou a língua. Quando ela chegou ao clímax, ele experimentou uma sensação de triunfo.
Anne não se fez rogar. Entre ofegos, abriu-lhe a braguilha das calças com habilidade, e ele sorriu de satisfação e ficou imóvel para lhe permitir que fizesse o que quisesse. Assim que o teve entre suas mãos, Anne se inclinou para ele e tomou ansiosamente na boca para lhe devolver o favor. Rex jogou a cabeça para trás. Já só havia prazer.
Por que não tinha ido antes a Cornualia?
Blanche estava olhando pela janela da carruagem, sobressaltada pelo agreste, desolado daqueles páramos. Era uma paisagem plana, pálida, sem árvores, e parecia que se estendia até o infinito. Soprava um vento gelado, e ela, que tinha tirado a cabeça pela janela, tinha o nariz muito frio. Entretanto, o céu era de um azul brilhante, as nuvens eram brancas e a luz do sol era resplandecente.
Blanche colocou a cabeça dentro do carro, Tinha o coração acelerado desde que tinham tomado a estrada secundária que levava para Land’s End e o castelo de Bodenick. Apoiou-se no respaldo do assento e abriu a outra janela para que o ar frio entrasse no carro. O oceano tinha uma cor safira impressionante e se fundia com o azul eterno do céu no horizonte. A vista era incrível. Na costa, as ondas rompiam contra uma praia branca que estava salpicada de rochas negras na base dos escarpados.
—Milady — disse Meg, com os dentes batendo — Faz muito frio.
Blanche fechou a janela.
—Sinto muito, Meg.
Seriamente estava entusiasmada com aquela aventura? Isso parecia!
Meg assinalou com um gesto da cabeça a outra janela, que permanecia aberta. Blanche estava a ponto de fechá-la quando divisou um rebanho de ovelhas que pastava no páramo. Tinham que estar perto de Land’s End. E ela estava impaciente por chegar; claramente, tinha passado muito tempo na cidade.
Ainda não tinha passado por Penthwaithe, o imóvel de seu pai. Assim que se deu conta de que suas amigas tinham razão e que umas férias na Cornualia eram perfeitas para escapar de todos seus pretendentes, tinha decidido que aproveitaria a oportunidade para visitar sir Rex. Não estava interessada nele do modo que tinha pontuado Bess. Isso era absurdo. Entretanto, lhe fazer uma visita era o correto do ponto de vista social, e não fazê-lo, um insulto. Embora, certamente, era mais correto ir diretamente a Penthwaithe, instalar-se e depois ir visitar Land’s End.
Entretanto, a decisão de ir de férias ao sul tinha sido tomada com tanta espontaneidade que não teve tempo de enviar aviso ao inquilino de Penthwaithe para lhe avisar de sua chegada. De fato, nem sequer sabia quem era. Seus advogados acabavam de descobrir a existência daquela propriedade, porque a escritura estava perdida por uma das gavetas. Bess era quem tinha decidido que fossem diretamente a Land’s End, passassem ali uma noite e depois se instalassem na casa de campo de Blanche, que estava na zona.
Parecia algo lógico ir diretamente a Land’s End e pedir a sir Rex que lhes permitisse pernoitar em sua casa, mas Blanche viajava sozinha, salvo pela companhia de sua donzela, Meg. No último momento, Felicia ficou doente. Blanche sabia que era um truque para não ter que separar-se de lorde Dagwood. Entretanto, a filha de Bess sofreu uma queda de seu cavalo; claramente, sua amiga desejava voltar rapidamente para casa, e Blanche lhe tinha assegurado que não lhe importava ir de férias sozinha.
E na realidade, não lhe importava. A solidão era estranha, mas também era agradável. Blanche esteve rodeada de amigas e de visitantes durante toda sua vida. Quando não estava exercendo de anfitriã em uma festa, estava dedicada por completo a suas atividades caridosas, que requeriam muitas entrevistas e reuniões.
Levavam dois dias de viagem de Londres. À medida que avançavam, os povoados se faziam mais escassos e mais distantes, e cada jornada, encontravam a menos viajantes e menos casas pelo caminho. Aquele dia não tinham visto nem um só veículo, e tinham passado pelo último povoado horas antes.
Blanche esteve observando com atenção todos os detalhes da paisagem, enquanto, ao seu lado, a donzela se movia com inquietação, morta de frio, e a olhava como se estivesse louca ante seus comentários de admiração.
Há pouco tempo começaram a vislumbrar uma série de edifícios. As colinas pelas quais passavam estavam cheias de cercados. Blanche inspirou profundamente e voltou a olhar pela janela para poder ver o castelo à medida que se aproximavam. Não podia considerar uma casa de campo, absolutamente. Era um castelo de verdade, que tinha um torreão. O caminho de entrada ao pátio estava ladeado por muitas árvores altas. Junto aos muros escuros do castelo se erguia um enorme carvalho. Ao ver sua carruagem, uma manada de cavalos esplêndidos pôs-se a correr. Blanche se ergueu com entusiasmo no assento para observar os animais galopando junto ao veículo. A manada virou e desapareceu atrás de uma colina.
À medida que se aproximavam do pátio, Blanche divisou as rosas e a hera que adornavam a fachada do castelo, e que evidentemente estavam bem cuidadas. Aquela edificação devia ter séculos, e ao menos no exterior estava em perfeitas condições. Junto a ela havia uma nova estrutura que, certamente, ia ser um estábulo. Viu vários carrinhos de mão ordenados entre os edifícios e percebeu o som de um martelo. Havia sebes perfeitamente recortadas junto à torre. De fato, tudo estava muito bem cuidado e limpo.
Não parecia que Land’s End fosse tão decadente como diziam. Para Blanche parecia que tudo estava impecavelmente mantido. E aquilo lhe causou satisfação. A condessa não teria que preocupar-se, porque claramente seu filho estava concentrado na reabilitação do imóvel e não tinha tempo para ir à cidade submeter-se as tentativas de sua família casá-lo.
O chofer deteve a carruagem a pouca distância da porta principal de Bodenick. Blanche, de repente, vacilou. Não mandou aviso, e sir Rex era conhecido por sua tendência à privacidade. Entretanto, era amigo da família e, além disso, vizinho. Sem dúvida, alojá-la-ia por uma noite. Sempre foi um perfeito cavalheiro quando se encontraram, e ela não podia imaginar que a deixasse na rua.
Blanche sorriu ao seu lacaio e baixou ao chão.
—Por favor, espere até que possa falar com sir Rex e lhe pedir que nos dê alojamento por esta noite antes de te ocupar dos cavalos. Meg? Por favor, fique aqui, no carro, até que saibamos se sir Rex está em casa.
Meg assentiu.
Blanche se dirigiu à porta principal e chamou. Ninguém respondeu, e enquanto esperava que abrissem, observou as roseiras que subiam pela fachada. Estava claro que sir Rex tinha um jardineiro que os cuidava. Perguntou-se quando teria sido o último degelo, e quando floresceriam. Depois voltou a chamar, com certa preocupação. Devia levar uns cinco minutos esperando.
—Milady? —disse Meg do carro— Possivelmente não haja ninguém em casa.
Blanche chamou uma terceira vez. Embora ela não tivesse muito frio, Meg estava gelada. Se não havia ninguém no castelo, entrariam e esperariam enquanto Clarence dava água aos cavalos. Sir Rex não se importaria.
Chamou com firmeza, mas pouco depois teve que render-se, porque tampouco obteve resposta. Não havia ninguém em casa. Meg estava tremendo; havia várias horas de caminho de volta ao último povoado pelo qual tinham passado e estava ficando tarde. Sir Rex não se importaria que esperassem lá dentro, nem que acendessem a lareira. Entretanto, Blanche se sentia insegura. Por que nenhum servente tinha aberto a porta?
Blanche tomou o pomo da porta e abriu. Passou a um salão não muito grande e olhou ao seu redor. Para seu alívio, na lareira ardia um bom fogo. Aquilo indicava que a casa não estava vazia.
Então, disse em voz alta:
—Olá? Há alguém em casa?
Não houve resposta.
Observou a sala. As paredes estavam recém pintadas, e o mobiliário, embora modesto, era muito adequado, e as tapeçarias eram novas. Só havia duas poltronas, ambas em frente à lareira de pedra, e dois tapetes orientais de boa qualidade. Aquele salão lhe pareceu agradável, salvo pelas espadas e as armas de fogo que tinha penduradas em uma das paredes.
Então, ouviu um ruído.
Era um golpe.
E depois, mais golpes.
Blanche se surpreendeu. De trás da porta adjacente chegava um som rítmico; ela supôs que aquela porta conduzia à torre. Havia alguém em casa, depois de tudo? E se fosse assim, o que estava ocorrendo?
Titubeou enquanto olhava a porta fechada.
—Sir Rex? —disse timidamente do salão. Depois pigarreou e voltou a chamá-lo com mais ânimo— Sir Rex? Há alguém em casa?
O ritmo dos golpes se incrementou, e Blanche pareceu ouvir a voz de um homem, mas sem palavras. Um gemido de dor, possivelmente.
Imediatamente se alarmou e se aproximou apressadamente à porta. Entretanto, voltou a ouvir aquele som masculino, e se deu conta do que era.
Era um grunhido de prazer.
Blanche ficou imóvel.
O ritmo do movimento continuou cada vez mais rápido e forte.
«Oh, Deus», pensou com assombro. Acabava de precaver-se de que alguém estava fazendo amor naquela sala. Encolheu-lhe o estômago. Tinha que partir dali imediatamente.
Era sir Rex quem estava na torre?
Levou as mãos às bochechas, que ardiam. Que outra pessoa podia ser?
«Prefere às donzelas… tem reputação de ser resistente e habilidoso».
Sabia que tinha que ir, sim. Aquele era um assunto muito privado. Entretanto, não podia mover-se. O som era cada vez mais rápido, e ela imaginou vagamente uns amantes estendidos sobre uma cama, entrelaçados.
Blanche se deu conta de que estava a centímetros de distância da porta. Assombrou-se de si mesma. Estaria sir Rex ali? Era de verdade tão bom amante? Sua imagem começou a tomar forma, escura e nua, com uma mulher entre os braços.
E a mulher soluçou de prazer.
O coração de Blanche se acelerou. Sentiu pânico. Queria dar a volta e partir, mas tropeçou contra a porta, e a porta se abriu.
Blanche se encontrou ante tal masculinidade que não pôde mover-se. Sir Rex estava fazendo amor, freneticamente, com uma mulher de cabelo castanho que estava deitada em um sofá. Blanche vislumbrou suas costas morenas, brilhante, seu perfil marcado e um embrulho de saias. Ele só usava umas calças, e tinha o físico de um cavalheiro medieval: os ombros largos e os braços musculosos, o traseiro duro e as coxas poderosas. Blanche não viu muito de sua perna direita, posto que sir Rex tivesse perdido a metade inferior por uma amputação durante a guerra, mas a esquerda estava plantada no chão, e ela não viu o que não devia ver.
Entretanto, era incapaz de dar a volta. Não podia deixar de olhar. Ele era um anjo escuro, com o cabelo negro e úmido, as pestanas negras posadas sobre as maçãs do rosto altas e seu nariz reto. Era magnífico.
E ela devia ir. Aquilo era horrível, tinha visto muito! Ordenou a seus pés que se movessem que a tirassem dali. Entretanto, Blanche nunca tinha visto uma expressão tão intensa no rosto de alguém, e ele estava movendo-se com dureza e rapidez. Por mais ingênua que ela fosse, compreendeu-o. Ele tinha uma expressão de êxtase. Um ofego escapou dentre seus lábios.
Blanche também ofegou.
E se deu conta de que ele a tinha ouvido. De repente, sir Rex voltou à cabeça.
Ela viu seus olhos, escuros e desfocados.
Blanche soube que tinha metido o pé até o fundo.
—Sinto muito! — gritou presa do pânico.
Começou a caminhar para trás enquanto o olhar de sir Rex mudava e se voltava lúcido, e se deu conta de que a reconhecia, porque ele abriu os olhos desorbitadamente.
Blanche deu a volta e saiu correndo.
Capítulo 3
Rex se sentou no sofá sem poder sair de seu assombro. Lady Blanche Harrington, uma mulher a qual ele admirava como a nenhuma outra, o viu com Anne!
Respirou profundamente, rogando que tudo aquilo não fosse mais que um pesadelo, e que quando despertasse, se desse conta de que Blanche Harrington não acabava de surpreendê-lo com sua amante.
Anne sussurrou:
—Quem era milord?
Rex cobriu o rosto com as mãos. Sentia-se completamente mortificado.
Durante um longo momento, sucumbiu ao horror e à vergonha. Não conhecia bem Blanche Harrington, embora ela estivesse comprometida com Tyrell durante um breve período de tempo. Certamente, só se encontrou com ela meia dúzia de vezes desde que se conheceram, oito anos antes. Entretanto, ele tinha sentido uma admiração instantânea por ela, porque seu comportamento era elegante e refinado. Rex tinha pensado que seu irmão estava louco e cego quando seu compromisso foi quebrado. As poucas ocasiões nas quais conversaram, Rex se esforçou por ser todo um cavalheiro. Como ia enfrentá-la depois do que tinha ocorrido? E o que podia estar fazendo aquela mulher em Land’s End?
—É sua prometida?
Rex recordou que Anne estava sentada ao seu lado. Lentamente, deixou cair às mãos. Anne tinha colocado a roupa, mas ainda tinha o cabelo revolto, e parecia como quem esteve na cama com alguém. Com ele.
—Não — respondeu Rex. Por que tinha pensado aquilo? Anne estava pálida e angustiada.
—Sinto muito, milord — disse.
—Não tem por que te desculpar. A falta de bom senso e de boas maneiras foi minha.
No que esteve pensando para envolver-se em uma relação sexual, em pleno dia, em seu escritório? Oh, sim, claro, queria esquecer o que ocorria com Stephen. Bem, isso tinha conseguido. Podia piorar o dia? E o que ia fazer e dizer a próxima vez que se encontrasse com lady Harrington?
Rex tomou a muleta e ficou em pé. Assim que o fez, viu pela janela a grande carruagem da dama, em seu pátio, e sentiu incredulidade.
Ela seguia em Bodenick. Não partiu correndo. Rex sentiu a respiração cortar.
Rapidamente, ocultou-se atrás da cortina, junto à janela, e viu Blanche Harrington com seu chofer e com uma donzela. Ela estava de costas à janela, e parecia que conversava com seus serventes. Rex a olhou. Seu porte era como sempre, muito correto, mas parecia que tinha os ombros muito erguidos, tensos. Estava desgostosa, como era normal.
Rex teve que reprimir o impulso de esconder-se até que ela partisse. Assombrava-lhe o fato de que não subiu à carruagem e mandasse o chofer empreender o caminho de saída rapidamente. Fosse qual fosse a razão pela qual tinha ido a Land’s End, devia ser algo importante.
Soltou uma maldição entre dentes. Não podia evitá-la: devia desculpar-se. Entretanto, uma desculpa seria algo muito embaraçoso e humilhante para ele. Embora se não se desculpasse tudo seria pior… E, maldição, não havia forma de apresentar seu arrependimento de maneira digna.
Oxalá tivesse ofendido a qualquer outra pessoa que não fosse Blanche Harrington.
Rex olhou seu torso nu.
—Anne, por favor, me traga uma camisa e uma jaqueta. Rápido — disse.
Anne saiu rapidamente do escritório para fazer o que lhe tinha indicado. Rex continuou olhando pela janela, pensando que não devia deixar-se vencer pela vergonha. Ofereceria à dama uma desculpa e suavizaria a situação, embora naquele momento não lhe ocorresse como.
De repente, Blanche deu a volta e olhou para a casa.
Rex se separou de um salto da janela e se ocultou. Naquele momento, Anne voltou com uma camisa de cambraia e uma jaqueta cor azul marinho.
—Servirá isto? —perguntou com o semblante grave.
—Sim, muito obrigado. Ajude-me, por favor.
Enquanto lhe ajudava a colocar a camisa, perguntou-lhe:
—É uma grande dama, sir Rex?
—Sim, uma grande dama. Por que pergunta?
—Porque está muito preocupado.
Ele colocou a jaqueta.
—Conheço lady Blanche Harrington há anos. Há senhoras da alta sociedade às quais não se importariam em presenciar uma cena assim. Por desgraça, lady Harrington não é desse tipo.
Acabava-lhe o tempo. Rex saiu apressadamente do escritório e atravessou o salão. A porta principal estava aberta. Notou que acelerava o coração e que ardiam às bochechas. Quando saiu ao pátio, sabia que estava de cor púrpura.
Ela estava de costas a casa novamente, olhando para a carruagem.
—Lady Harrington — disse.
A dama se voltou. Sorria, mas estava tão ruborizada quanto ele.
—Sir Rex! Quanto me alegro de voltar a vê-lo! Bom dia, senhor. Faz muito tempo!
Ele se deteve. Seriamente ia fingir que não acabava de surpreendê-lo fazendo amor com sua donzela? Seus olhares ficaram apanhados durante um momento. Ela tinha uns maravilhosos olhos verdes, rasgados, e Rex tinha esquecido o quanto esbelta e bonita era. Entretanto, nunca a viu assim, trêmula, ruborizada e consternada. Demorou um instante em falar.
—Foi uma surpresa — disse Rex com aspereza.
—Vamos de caminho a Penthwaithe — disse ela, sem olhá-lo no rosto— Mas, sabendo que você estava perto, pensei em lhe visitar primeiro.
Penthwaithe? Rex se sentiu confuso. Ele nunca esteve naquela granja, mas tinha entendido que seu dono residia em Londres e que tinha deixado decair a propriedade. Para que ela ia a Penthwaithe?
Lentamente, lady Harrington o olhou, e o sorriso foi apagando dos lábios.
—Devo me desculpar por ter lhe ofendido — disse ele. Odiava a si mesmo pelo que tinha ocorrido.
—Não me ofendeu! —respondeu ela; embora fosse firme, ele detectou certo tremor em seu tom de voz— Faz uma tarde preciosa, e deveríamos ter ido diretamente a Penthwaithe. Depois, eu deveria ter lhe enviado uma nota para que soubesse de minhas intenções. Sou eu a que deve desculpar-se por lhe haver causado incômodo, sir Rex tínhamos muito frio, e como ninguém abria a porta, tive a esperança de que pudéssemos nos esquentar em seu salão — explicou. Depois, acrescentou— Sua casa é preciosa, senhor. Preciosa.
Ele não podia suportar vê-la em tal estado de confusão. E para rematar tudo, era ela quem estava pedindo perdão.
—Você nunca poderia me causar incômodo — disse— Não têm por que se desculpar. Por favor, lady Harrington, aceite minhas desculpas por não ter visto sua carruagem no pátio… por não ter lhe saudado adequadamente… E por não ter tido um servente a sua disposição.
Ela esboçou um sorriso.
—Aceito sua desculpa por não ter visto a carruagem. Entretanto, dou-me conta de que não podia prever que teria companhia. Não me incomoda que não haja nenhum servente para nos acompanhar. Estou muito acostumada a como são as coisas em Londres, onde nos visitamos uns aos outros sem avisar… Esqueci-me que, no campo, as coisas são diferentes!
Ele se sentiu aliviado por receber uma resposta tão gentil. Lady Harrington se comportava de uma maneira generosa, própria da classe de dama que era. Não o olhava com frieza, nem com desdém. Tampouco mexericaria sobre o que tinha visto quando voltasse para sua casa. Disso, Rex não tinha dúvida.
—Faz muito frio na Cornualia! —disse ela, sorrindo— Seguiremos nosso caminho. Mas antes, Clarence tem que dar água aos cavalos, se não o importar.
—É obvio — respondeu ele.
Depois de indicar ao chofer onde podia refrescar os animais, voltou junto a lady Blanche e a encontrou silenciosa. Estava séria e tensa. E então, ele se deu conta de que tinha o nariz avermelhado pelo frio.
—Lady Harrington, já é tarde, e parece que está fatigada — disse— Você gostaria de tomar algo quente? Possivelmente um chá?
Ela vacilou.
—Foi uma viagem longa de Londres — disse— Eu não tenho muito frio, mas minha pobre donzela está gelada. Se não for incômodo, eu adoraria tornar uma xícara de chá, e que Meg tomasse outra.
—Você nunca poderia causar incômodo — repetiu ele com a voz rouca, e conseguiu sorrir apesar de seu sobressalto— Por favor — disse, e lhes fez um gesto para que entrassem na casa. Então, encontraram a Anne no salão.
Rex notou que se ruborizava. Sentia-se muito envergonhado, mas seu outro servente, Fenwick, tinha saído. Teve bom cuidado de não olhar lady Blanche naquele momento.
—Anne, por favor, nos traga um serviço de chá e uns sanduíches. E por favor, mostre à donzela de lady Harrington onde pode lanchar e se aquecer.
Anne assentiu e partiu com Meg.
Rex se voltou para Blanche, que as seguia com o olhar. Não necessitava uma bola de cristal para saber que a dama estava se perguntando qual era a relação que tinha com sua criada, e possivelmente recordando o que viu muito pouco antes. Quando ela se deu conta de que Rex tinha notado que olhava Anne, ruborizou-se e dirigiu a vista para a janela.
—Não sabia que a costa era tão bela por esta região.
—Se for passear pela praia, deve tomar cuidado. As marés são muito vivas, e o mar sobe rapidamente.
—Recordarei.
—A melhor hora para passear é as dez ou às onze da manhã.
Blanche sorriu.
—Darei um ou dois passeios antes de voltar para a cidade.
Rex se surpreendia que ela pudesse recuperar tão rapidamente a compostura. Blanche passeou o olhar pelo salão e se voltou para ele.
—Tem uma residência muito bonita, sir Rex.
—Passei vários anos reabilitando o castelo e o imóvel. Eu gosto. Obrigado.
—Não sabia que era um castelo — disse ela. Seus olhares se encontraram durante um instante, e ela baixou os olhos.
Ele sentiu o coração acelerar.
—Eu tampouco sabia quando me concederam o título e as terras — respondeu Rex, e pigarreou— Posso lhe perguntar por que vai a Penthwaithe?
—Decidi escapar de meus pretendentes — disse ela com ironia— Recorda minha amiga, lady Waverly? Sugeriu-me que viesse o imóvel de meu pai.
Rex ficou olhando-a com estranheza. Todo mundo sabia que Blanche Harrington não queria casar-se. Ele sempre pensou que finalmente ela mudaria de opinião, e parecia que tinha acertado.
—O que tem a ver Penthwaithe com Harrington?
Ela piscou.
—Acabo de saber que a casa de campo é parte da fortuna Harrington. Temo que meu pai me manteve na ignorância de seus assuntos, e agora, como é natural, devo aprender o que não sabia.
Ele ficou perplexo.
—Pensava que Penthwaithe era de um cavalheiro que prefere a vida na cidade, e que permitiu que a propriedade ficasse virtualmente em ruínas. Nem sequer sei se tem inquilinos.
—Deve estar enganado — disse Blanche— Penthwaithe era de meu pai. Meus advogados descobriram recentemente a escritura desse imóvel.
—Usou o tempo passado.
—É que não sabe? —perguntou ela.
—O que devo saber lady Harrington?
—Meu pai faleceu.
—Não tinha ideia! —exclamou Rex. E, sabendo quão unida Blanche estava com seu pai, como o queria, sentiu uma profunda tristeza por ela— Lady Harrington, não tinham me informado. Lamento muitíssimo!
Sentiu o impulso de tocá-la, de tomar a mão, mas se reprimiu. Nunca teria feito semelhante coisa.
Ela seguiu olhando-o fixamente.
—Obrigado. Morreu faz seis meses, afligido de uma pneumonia fulminante. Acabo de deixar o luto.
—Oxalá soubesse. Teria ido a Londres para lhe dar os pêsames.
Blanche sorriu.
—Não tinha me dado conta de que não me tinha dado — disse isso depois de uma pausa, e olhou para a janela.
Naquele momento entrou Anne com uma bandeja de chá. Enquanto a depositava sobre uma mesinha que havia junto a Blanche, Rex disse a sua convidada que ele o serviria. Ela se surpreendeu.
—Sir Rex, me permita.
Ele ficou tenso.
—Eu servirei — insistiu.
Estava seguro de que lady Harrington se ofereceu porque ele tinha só uma perna, e não sabia que podia levantar-se perfeitamente e servir o chá face à lesão. Rex desdenhava a compaixão, e com aprumo, serviu uma xícara a ela primeiro.
Quando ele também esteve sentado com sua xícara, precaveu-se de que estava entardecendo. O céu se tingia de arroxeado sobre os páramos. Imediatamente sentiu preocupação.
—Lady Harrington, fica uma hora para Penthwaithe, e sinceramente temo que possivelmente haja um engano em todo este assunto. E embora não houvesse, estou seguro de que não encontrará um alojamento apropriado ali.
Se oferecesse, perguntou-se Rex, ela aceitaria ficar ali para passar a noite?
Blanche posou a xícara e o prato na mesa e o olhou diretamente nos olhos.
—Parece-me que não fica mais remédio.
—Possivelmente eu tenha a solução, embora não sei se será de seu agrado.
—Sou toda ouvidos — respondeu ela com um sorriso angélico que, algumas vezes, ele viu em sonhos.
Rex titubeou, mas depois, tentando que seu oferecimento parecesse despreocupado, falou:
—Bodenick é bastante simples, como pode ver, mas tenho vários quartos para convidados, e um deles foi mobiliado pela condessa para seu próprio uso. É seu, se o desejar.
Ela abriu muito os olhos.
Rex umedeceu os lábios.
—E, é obvio, há também quartos para sua donzela, o chofer e o lacaio na zona de serviço.
Ela voltou a sorrir.
—Muitíssimo obrigado. Eu adoraria pernoitar aqui, sir Rex.
Blanche sabia que ficou olhando à donzela enquanto a bonita moça deixava uma jarra de água sobre a mesinha de noite. O dormitório estava muito bem decorado em tons dourados, verde e bege. Aos pés da cama havia um assento com a tapeçaria de brocado de ouro, situado frente à lareira de pedra. O dossel da cama tinha cortinados verde escuro e havia dois tapetes persas cobrindo o chão. As paredes estavam pintadas de amarelo, e havia um armário de cerejeira em uma delas, e junto à outra, uma escrivaninha. Havia também um luxuoso divã verde. Claramente, a condessa tinha mobiliado aquele quarto e tinha feito dele um lugar quente e acolhedor.
Sir Rex estava atrás dela, no corredor. Blanche sentia com intensidade sua presença. Ele pigarreou.
—Espero que o dormitório seja de seu agrado.
De algum jeito incompreensível, Blanche tinha recuperado a compostura depois daquele descobrimento tão escandaloso. Para ela, a compostura e o bom senso sempre eram muito importantes. Entretanto, pela primeira vez em sua vida se sentia frágil, como se aquelas duas coisas pudessem esfumar-se em um instante com muito pouco motivo. Tinha a sensação de que devia aferrar-se com força a elas, ou do contrário, se veria sumida em uma grande confusão. E para conservar seu bom senso e sua compostura, devia esquecer a todo custo o que viu. Devia esquecer a natureza apaixonada de sir Rex.
Sorriu e se voltou para ele.
—O dormitório é precioso, perfeito. Não sei como lhe agradecer.
—É um prazer para mim — respondeu ele— O jantar é as sete, mas, se necessitar algo, só têm que enviar sua donzela — disse, e fez uma reverência.
Blanche sorriu novamente, aliviada quando o viu afastar-se pelo corredor. Sua presença tinha um intenso efeito nela… Meg permaneceu na soleira da porta, com os olhos como pratos, enquanto Anne passava entre elas e se apressava a seguir seu senhor… e amante.
Imediatamente, Blanche se deixou cair sobre o assento. Sir Rex era tão viril como afirmavam os rumores. Então sim perdeu a compostura.
—Abre a janela, por favor — sussurrou.
Meg obedeceu rapidamente, com preocupação.
—Milady, está doente? Comporta-se de uma maneira tão estranha!
Blanche fechou os olhos com força e abandonou todo o fingimento. Só o que podia ver era sir Rex, masculino, muito bonito, sobre aquela mulher, como uma massa de carne úmida e brilhante. «Tantos músculos, tanta força e tanta paixão», pensou com ofuscação. Abriu os olhos, levou as mãos sobre as bochechas para tentar refrescar-se e inspirou profundamente.
Meg lhe estendeu um copo de água com cara assustada.
Blanche tomou e bebeu a água a sorvos até que conseguiu acalmar-se. Tinha que encontrar a maneira de esquecer o que viu. Não devia pensar em sir Rex naquele momento de paixão.
—Por favor, me dê um leque — sussurrou Blanche.
Se não conseguisse apagar da mente aquele incidente, como ia jantar com ele às sete?
Sua imagem morena e magnífica voltou a aparecer na mente de Blanche. Então, ela se suavizou, porque embora houvesse se sentido totalmente envergonhada, também tinha visto a mesma mortificação nos olhos de sir Rex. Sentiu compaixão.
Que tipo de homem se isolava do resto do mundo, sem ir à cidade? Que tipo de homem tinha uma relação sexual com uma donzela na metade do dia? Por que preferia as criadas às damas? Tinha que haver uma explicação para tudo aquilo, porque sir Rex não era ignóbil nem ordinário. E, o mais importante de tudo, por que seguia solteiro na sua idade?
—Sente-se com febre? —perguntou-lhe Meg.
Blanche lhe entregou o copo. Odiava as fofocas, por que normalmente eram maliciosas. Entretanto, naquele momento queria entender seu anfitrião, e necessitava uma confidente.
—Dir-te-ei por que estou alterada se me prometer que não contará a ninguém o que vi.
Meg assentiu com evidente surpresa. Era muito estranho que sua senhora quisesse falar com ela de algo privado.
—Topei com sir Rex enquanto ele estava com a donzela… em um momento indiscreto.
Meg deixou escapar uma exclamação de assombro.
—Acha que sir Rex lhe professa carinho? —perguntou-lhe Blanche. E ao fazê-lo, soube que não sentia preocupação, a não ser consternação ante aquela notícia.
—Não sei milady.
Blanche ficou em pé e caminhou pensativamente.
—Sir Rex é um herói de guerra e um cavalheiro, Meg. Conheço-o há muitos anos. É um dos homens mais corteses e respeitosos que conheço, e não me importa quais sejam os rumores. Entretanto, seu comportamento é muito pouco comum.
Meg mordeu o lábio.
—O que você pensa?
—Quer minha opinião? —perguntou-lhe Meg, com os olhos abertos como pratos.
—Sim.
Meg titubeou um instante.
—Sente luxúria, milady, isso é tudo.
Blanche ficou olhando-a com perplexidade.
—Isto é muito solitário — continuou Meg— Olhe ao seu redor. Passamos pelo último povoado faz horas. Está claro que um homem bonito como este quer ter uma mulher em sua cama. Quando se cansar desta, haverá outra. Assim são os senhores. Milady não sei se lhe tem carinho ou não. Não está se deitando com a donzela por carinho — disse, e se ruborizou.
Blanche assentiu. Meg tinha compreendido muito bem a situação. Sir Rex vivia sozinho, no meio do nada, e era um homem muito viril. Anne podia satisfazer suas necessidades, assim simples. Entre a nobreza se davam muitas aventuras apaixonadas, sir Rex só estava tendo uma delas.
Uma vez que o tinha entendido, Blanche se disse que devia deixar de pensar nisso.
—Quer que abra seu baú de viagem? O que vai usar para o jantar? —perguntou-lhe Meg.
Blanche se sentiu tensa. Acabava de superar um terrível começo, e sempre que ela conseguisse controlar a lembrança do que tinha visto e permanecesse calma, o jantar seria agradável.
—Pode me preparar o vestido de tafetá cinza, Meg?
Meg assentiu. Blanche não pôs outra cor que não fosse o cinza desde que terminou o luto.
Enquanto Meg começou a desfazer o baú, Blanche se aproximou da janela. Dali via o mar, que naquele momento era de um cinza claro, e que se estendia para o horizonte dos escarpados. Quando as ondas rompiam contra eles, transformavam-se em espuma branca. Por muito magnífica que fosse aquela vista, experimentou uma aguda sensação de isolamento. O que sentiria sir Rex quando se aproximava de sua janela? Podia alguém viver tão afastado da sociedade, em uma zona remota, e não sentir-se só e distante?
Estava sozinho sir Rex?
Blanche decidiu que estava muito intrigada por seu anfitrião, muito confusa. Entretanto, ele seguia sendo um amigo, e inclusive sua própria família estava preocupada com ele. Além disso, Blanche não pensava que sir Rex pudesse vencer a condessa, sua irmã e suas três cunhadas, o que significava que seus dias de solteiro estavam contados.
Ele não era um homem perfeito, e aquela tarde era uma demonstração. Entretanto, merecia algo mais que uma existência solitária naquele imóvel da Cornualia, assim como ela merecia algo mais que a fortuna dos Harrington. Sabia que era bom e que queria a sua família, e lhe desejava o melhor. E não tinha dúvida de que, quando sir Rex se casasse, abandonaria seu gosto pelas donzelas. Por algum motivo, Blanche sabia que seria um marido bom e fiel. Todos os homens de Warenne eram assim.
Embora não queria pensar, foi inevitável. Ele necessitava uma esposa, e ela necessitava um marido. Entretanto, também sabia que não seria um bom marido para ela. Eram muito diferentes, como a noite e o dia, e ela sentia que sob sua escura aparência havia graves complicações. Além disso, sua masculinidade era muito poderosa para alguém como ela. Não sabia por que pensava no futuro de sir Rex no momento em que pensava no seu.
Voltou-se. Meg estava alisando a saia do vestido cinza.
—Meg? Mudei de opinião. Porei o vestido de seda verde e as esmeraldas.
Capítulo 4
Rex tinha dois criados a seu serviço. Era espartano por natureza e não tinha uma grande economia, assim preferia ter poucos serviçais. Entretanto, naquele momento gostaria de ter um chef, porque desejava que o jantar saísse perfeito.
Era Anne quem preparava a comida, e seu criado, Fenwick, fazia os trabalhos de mordomo e de ajudante de quarto. Por desgraça, Fenwick estava fazendo recados aquela tarde e não pode receber lady Harrington de um modo apropriado; isso teria evitado a desagradável cena que teve lugar.
Rex nunca se incomodava com o menu diário, e jamais entrava na cozinha. Não obstante, aquele dia foi ver como Anne estava se arrumando, e a encontrou curvada enquanto cozinhava cordeiro e faisão.
—Anne, está tudo em ordem para o jantar?
—Sim, milord — disse ela, retorcendo as mãos com nervosismo.
—Onde está Fenwick? —inquiriu. Tentou falar calmamente, mas não teve ajuda com a gravata e as abotoaduras, e se sentia muito incômodo. Além disso, parecia que Anne estava transtornada.
—Enviei-o ao povoado para procurar uma empanada.
Ele se sentiu tenso. Havia uma hora de caminho até o povoado, e Rex temeu que Fenwick não estivesse de volta a tempo para servir o jantar.
—Quando voltará?
Anne respondeu com nervosismo.
—Acredito que às oito.
Rex ficou olhando-a. Soube que seria muito difícil que ela servisse o jantar enquanto ele tentava manter uma conversa cordial com lady Harrington. Seria uma situação muito embaraçosa. A frustração que sentia durante todo o dia se intensificou. Era como se tudo tivesse que sair mal. Entretanto, lady Harrington aceitou alojar-se ali aquela noite, e iriam jantar juntos. O coração se acelerou. Depois de tudo, tinha ocorrido algo bom. Rezou para que não ocorressem mais desastres, porque queria impressioná-la.
—Jantaremos à francesa — disse então à donzela.
Anne o olhou com total confusão, e ele se deu conta de que estava a ponto de chorar.
Então, suavizou-se.
—Deixará as bandejas sobre a mesa, e nós mesmos nos serviremos — disse— Não se preocupe Anne. O cordeiro cheira muito bem.
A expressão da moça foi de alívio.
Justo naquele momento, a donzela de Blanche entrou na cozinha. Ele ficou muito surpreso, e ela fez uma reverência.
—Por que não está com sua senhora? —perguntou-lhe com mais tensão do que gostaria.
—Lady Harrington está no salão — respondeu ela.
O coração deu um tombo. Ia ter que controlar sua excitação e sua ansiedade, pensou, ou Blanche se daria conta de que sentia uma atração inapropriada por ela. Assentiu olhando à donzela e saiu da cozinha ajeitando a gravata. Esteve a ponto de vestir o fraque, mas lhe pareceu absurdo. Finalmente se decidiu por umas calças claras, uma faixa prateada e uma elegante jaqueta marrom escura. Ao menos, sua aparência era impecável, pensou.
Quando entrou no salão, cambaleou.
Blanche estava junto à janela, olhando o céu noturno, que estava coalhado de estrelas. Usava um vestido verde decotado, com pequenas mangas franzidas, e o cabelo encaracolado e recolhido. Tinha um aspecto delicado e estava muito bela. Rex tinha que admitir que sempre pensou que era muito bela, mas de um modo respeitoso. Entretanto, naquele momento, enquanto a contemplava com admiração, teve vontade de tomá-la entre seus braços e beijá-la. Aquilo não ia ocorrer nunca, é obvio, mas por desgraça seu corpo o traiu e Rex se sentiu excitado.
Lady Harrington se voltou para saudá-lo com um sorriso.
Parecia que tinha recuperado o ânimo por completo, e a admiração que Rex sentia por ela aumentou. Daria tudo para que tivesse esquecido de verdade sua aventura com Anne, e pensasse que era irrelevante quanto a seu caráter.
—Boa noite. Parece que descansaste — disse, e fez uma reverência.
—Sim, dormi um pouco. Chego com muita antecipação? Os outros convidados não vieram.
—Temo que não haja mais convidados.
Ela se sobressaltou.
—Acreditava que teríamos companhia… Sinto. Não tem importância.
Embora seu tom fosse calmo, ruborizou-se.
Ele sorriu forçadamente, perguntando-se se lady Harrington se sentia consternada por ter que jantar a sós com ele.
—Temo que não conheça meus vizinhos.
—Mas já está vivendo há muitos anos aqui.
—Sim, é certo. Entretanto, ao não ter anfitriã, não dou festas.
Aquilo não era de tudo certo; na realidade, desprezava as conversas sociais e odiava que as esposas de outros homens o perseguissem.
Ela voltou a sorrir.
—Sinto muito, sir Rex. Supus que convidaria algum vizinho. Mas assim é melhor, não? Você é o de Warenne a quem menos conheço.
Ele sentiu acelerar o coração. Acaso desejava conhecê-lo melhor? Estava assombrado… estava entusiasmado. Entretanto, o mais seguro era que houvesse dito aquilo só por amabilidade.
—Espero não lhe aborrecer com minha torpe conversa.
Ela sorriu.
—Não recordo que fosse um conversador aborrecido.
Ele preferiu não comentar que seus bate-papos, ao longo de todos aqueles anos, tinham sido muito curtos e escassos.
—Gostaria de tomar um xerez ou um vinho? —perguntou-lhe.
—Não, obrigado — respondeu ela.
Ele se moveu para o bar, consciente de que ela o observava. Serviu uma taça de vinho tinto e a olhou.
—Foi tudo de seu agrado? Há algo que possa lhe procurar para que sua estadia seja mais agradável?
—Não tenho a mínima queixa. Tudo é perfeito. Sua mãe tem feito de seus aposentos um lugar muito cômodo.
Entretanto, Rex pensou com ironia que sim teria coisas das quais podia queixar-se.
—Vi sua coleção de armas — comentou Blanche.
Ele se sobressaltou.
—Foram minhas armas durante a guerra.
—Sim, foi o que pensei. É uma exposição interessante.
—Você não gosta delas — disse ele. De algum modo, sabia que aquela coleção a desagradava.
—Oh, não tinha intenção de criticar a decoração de sua casa.
—Lady Harrington estou seguro de que você nem sequer criticaria ao mais torpe dos serventes, assim, muito menos ao seu anfitrião. Mas tenho curiosidade. Por que você não gosta de minha coleção?
—Não sou completamente ignorante — disse por fim— Ouvi muitas narrações sobre a guerra, e uma das organizações caridosas que patrocino proporciona um lar e outros serviços aos veteranos que, ao contrário de você, já não podem ganhar a vida.
Ele arqueou as sobrancelhas.
—Refere-se à Sociedade de Patriotas?
—Sim, exato.
Aquela organização era uma grande ajuda para quem ficara mutilado ou incapacitado na guerra. Rex se sentiu impressionado, e embora parecesse impossível, admirou inclusive mais aquela mulher.
—É por que seu pai sentia simpatia por essa causa?
Ela negou com a cabeça.
—Papai me permitia administrar nossas contribuições à beneficência. De certo modo, tínhamos uma sociedade. Eu dirigia Harrington Hall e tomava decisões sobre as doações caridosas, e ele se ocupava do patrimônio e da fortuna da família.
Rex não se deu conta de que lady Harrington era mais que uma dama e uma anfitriã.
—É por isso que lhe desagrada minha coleção de armas? Por que a recorda que a guerra destroçou muitas vidas?
Ela inspirou profundamente.
—É um dos motivos, sim. Ao contrário de outras mulheres, eu não encontro nada romântico na guerra.
—Têm razão. Não há nada romântico nem agradável na guerra. — Então, olharam-se fixamente. —E qual é a outra razão pela qual você não gosta de minha coleção?
—Não estou segura de qual é, mas não me sinto de todo bem quando a contemplo. De fato, causa-me tristeza. Por que deseja ver essas armas todos os dias? Não é uma lembrança dolorosa para você?
Ele estremeceu. Qualquer outro homem teria rechaçado aquele comentário terrível. Ele não o fez.
—Há homens que morreram sob meu comando — disse— Claro que é uma lembrança dolorosa.
Ela o olhou com mais atenção.
Então, Rex sorriu com cortesia e começou a falar do tempo.
O cordeiro tinha gosto de papelão. Blanche não tinha apetite, mas se obrigou a comer a metade do prato, de igual maneira se obrigou a permanecer calma. Entretanto, cada vez que levantava a vista, encontrava sir Rex a olhando fixamente. Blanche estava acostumada aos seus olhares, mas não assim. Em um baile, podiam se olhar uma ou duas vezes entre a multidão. Possivelmente lhe dedicasse um sorriso, ou possivelmente fosse ele quem sorrira. Aquilo, pelo contrário, era diferente. Havia tensão no ambiente. O olhar de sir Rex era muito masculino e terrivelmente escrutinador, tanto, que parecia atrevido. Oxalá tivesse convidado alguns vizinhos para jantar. Para Blanche era muito difícil suportar aquela situação, já que eram dois estranhos jantando cara a cara depois de uma crise como a daquela tarde.
Como era possível que um pequeno incidente a afetasse tanto?
Tinham feito tudo para manter uma conversa amável, embora forçada; um milagre, no seu ponto de vista. Não obstante, finalmente se impôs um embaraçoso silêncio entre eles.
Ela observou as mãos de sir Rex pela extremidade do olho. Eram umas mãos grandes, morenas, fortes; tinha os dedos longos e quadrados. Entretanto, movia-os com uma graça extraordinária, igual seu corpo, apesar de usar muleta. Ao ver como dirigia a faca e o garfo, pensou naquelas mãos sobre o corpo de Anne.
Encolheu-lhe o coração, e notou que o corpo quase doía.
Ele disse lentamente:
—Estive pensando em Penthwaithe.
Blanche tragou um bocado, aliviada de poder falar de um tema apropriado. Afastou os olhos de suas mãos e olhou ao seu rosto. Sentiu-se abrasada por seu olhar penetrante, mas conseguiu sorrir.
—O que fará se encontrar Penthwaithe nas condições nas que eu acredito que está?
—Espero que esteja enganado. Mas se tiver razão, farei algumas reformas e reparações na casa.
—Permitiria que a acompanhasse pela manhã, lady Harrington?
Ela ficou assombrada, e seus olhares voltaram a encontrar-se. Blanche não podia imaginar-se compartilhando a carruagem com Sir Rex. Antes que pudesse responder, ele continuou:
—Preocupa-me como pode estar o imóvel. Tenho o pressentimento de que poderia necessitar minha ajuda, caso não houve um engano com as escrituras da propriedade.
Aquela petição era perfeitamente adequada, e era certo que possivelmente necessitasse sua ajuda. Entretanto, como ia passar um dia inteiro a sós com ele, quando mal podia comportar-se com naturalidade durante um jantar? Seria de ajuda que ele não a contemplasse com tanta fixidez. Seria de ajuda que ela pudesse esquecer que o viu com sua donzela. Por desgraça, aquela cena permanecia gravada em sua mente, e permaneceria durante muito mais tempo. Além disso, nos limites de sua carruagem, estariam sentados muito perto, e aquela lembrança seria muito mais difícil de evitar. A presença de sir Rex era muito masculina.
Deveria evitá-lo ao menos até que recuperasse o controle de si mesma.
Blanche voltou a lhe olhar as mãos, obrigando-se a esquecer as imagens daquela tarde.
—Não queria lhe importunar — disse— Estou segura de que têm muito que fazer aqui.
—Não me importuna — insistiu ele— Meus assuntos podem esperar. Estou preocupado, e como amigo de sua família, acredito que devo lhe acompanhar.
Ela se sentiu tensa.
—Pode ser que Penthwaithe esteja em perfeitas condições. Quero pensar que assim é, e que posso me transferir para ali com meus pertences. — Ele a olhou de uma maneira inflexível. —É obvio que pode me acompanhar — disse ela finalmente. O último que queria fazer era insultá-lo, e não tinha modo educado de negar-se.
Ele assentiu.
Um criado ao qual ela não tinha visto previamente retirou os pratos. Blanche aproveitou a oportunidade para recuperar a calma. Entretanto, estava convencida de que devia ir ao médico assim que voltasse para a cidade, porque ocorria algo mau em seu coração. Pulsava-lhe com muita rapidez.
Serviram-se as sobremesas. Blanche sabia que não poderia tomar um só bocado. Do mesmo modo, sir Rex afastou seu prato.
—Têm muitos pretendentes? —perguntou de repente.
Ela se surpreendeu, mas respondeu sem rodeios.
—Duzentos e vinte e oito.
Ele ficou boquiaberto, quase de uma maneira cômica.
—Brinca!
—Por desgraça, não — disse Blanche com um sorriso— É um número muito alto, verdade?
—Sim, certo — respondeu Rex. Depois, tomou um sorvo de vinho.
Blanche se perguntou o que estaria pensando.
—E há entre eles algum ao qual admire?
—Não, não realmente.
Ele sorriu sem vontade.
—Estou seguro de que aparecerá o candidato apropriado.
Ela evitou seu olhar e tentou reprimir a imagem de uns músculos brilhantes, úmidos, de uns braços volumosos e de uma expressão de êxtase.
—Sim, isso espero.
Blanche se inclinou para diante quando a carruagem virou para o caminho de Penthwaithe. Eram às onze da manhã seguinte. A noite anterior, ela tinha deixado sir Rex a sós no salão com sua taça de vinho, perguntando-se se tinha intenção de embriagar-se e se assim era como passava as noites. Assim que se deitou, Blanche adormeceu. Tinha descansado muito bem, e só despertou com a ajuda de Meg.
Sir Rex não tomou o café da manhã com ela. Haviam lhe dito que estava ocupado com os cavalos, e naquele momento não viajava na carruagem, mas sim montava um magnífico corcel com grande destreza, valendo-se de uma bengala onde deveria estar sua panturrilha direita. Parecia que era uma continuação do animal. Mas, é obvio, todos os membros da cavalaria deviam assistir a uma academia de equitação antes de ser admitidos no exército.
Durante o trajeto, Blanche tinha começado a sentir certa inquietação. O caminho pelo qual avançavam estava cheio de buracos, buracos e pedras, algumas tão grandes que o chofer teve que começar às esquivar. Blanche se perguntou por que não estava em melhores condições, e olhou para o páramo. Não havia nenhuma só vaca, nenhuma ovelha pastando.
Olhou sir Rex, que cavalgava junto à carruagem. Tinha dobrado a muleta pelas dobradiças e a pendurou em um gancho na sela. Ele também a olhou, com uma expressão sombria. Blanche soube que a falta de manutenção daquela estrada lhe parecia deplorável.
Então, viu uns quantos edifícios à direita. À medida que se aproximavam, deu-se conta de que só eram estruturas de pedra cujo interior fora destruído muito tempo atrás. Entretanto, não soube se por causa do fogo, dos elementos ou da falta de cuidado.
Começava a pensar que sir Rex tinha razão e que Penthwaithe estava quase em ruínas. Seu plano era alojar-se naquele imóvel durante as férias; mas possivelmente não pudesse fazê-lo, e não estava preparada para voltar para Londres e enfrentar sua horda de admiradores. Por outro lado, sabia que não podia importunar seu anfitrião durante muito mais tempo, sobre tudo depois do que presenciou.
—A casa está mais adiante — disse ele do cavalo.
Blanche tirou a cabeça pela janela da carruagem para olhá-la. Viu uma edificação quadrada de estuque, simples e pouco atraente, sem árvores, hera nem sebes. Havia uma pequena fonte no pátio, mas não funcionava. Havia outra edificação de pedra mais afastada, que certamente era o estábulo. Depois dela, algumas ovelhas pastavam junto a um par de vacas muito magras. Blanche viu de repente dois meninos pequenos, a gente arrastando um balde, o outro levando uma cesta. Estavam descalços e usavam as calças muito curtas. Ambos entraram na casa.
Penthwaithe não era uma casa próspera. O contraste com Land’s End saltava à vista. Pior ainda, Blanche não teve que entrar para saber que não ia se alojar ali.
O chofer se deteve. Blanche esperou que seu lacaio a ajudasse a descer da carruagem e se uniu a sir Rex, que tinha desmontado e estava olhando a seu redor. Do pátio dianteiro via pilhas de excrementos de animal por toda parte, e um carro abandonado quase na metade do caminho principal.
Blanche fez uma careta de desagrado. Como era possível que seu pai permitisse aquele descuido em um de seus imóveis? Não era próprio dele; era um homem muito meticuloso, e ela não podia acreditar que permitisse aqueles granjeiros permanecer no imóvel se a mantinham tão mal.
Sir Rex se voltou e lhe falou com gravidade.
—Não vai ficar aqui — disse.
—É evidente que não — disse ela— Não tinha idéia de que… isto é terrível.
—Está completamente descuidada. Este imóvel não é meu assunto, mas se meus arrendatários fossem assim, cancelaria o contrato de aluguel rapidamente.
Blanche titubeou. Pensou nos dois pequenos descalços. Ele seguiu olhando-a fixamente.
—Fez uma longa viajem de Londres. Pode ficar em Land’s End o tempo que quiser.
Ela ficou muito surpreendida.
—Não posso abusar assim de sua hospitalidade.
—Por que não?
Antes que ela pudesse responder, ele girou para a porta da casa. Enquanto chamava, Blanche o seguiu e se deteve ao seu lado.
Abriu uma mulher que estava amamentando um bebê. Ficou perplexa.
—Apresento lady Harrington — disse sir Rex com firmeza, sem olhar o bebê— Eu sou sir Rex de Warenne. Onde está seu marido?
Assustada, a mulher afastou o menino e fechou o vestido.
—Deve estar no estábulo, ou nos campos, arando.
—Chame-o, por favor. Desejamos falar com ele.
A mulher se voltou.
—James! Vá procurar seu pai, vamos! Diga-lhe que há um senhor e uma senhora esperando-o. Depressa!
Blanche olhou além de Rex. Tinha visto miséria como aquela em Londres. Em seu trabalho com as irmãs de Santa Ana, atendeu mulheres muito pobres e doentes em suas casas. Entretanto, parecia que não tinham limpado nem arrumado aquela casa de campo durante anos. Faltavam tábuas do chão de madeira, havia muito poucos móveis e a pintura das paredes estava descascada. Blanche viu no interior da casa duas meninas e um dos meninos que viu antes. Os três meninos, que estavam entre dois e oito anos, estavam observando-a de trás das saias de sua mãe. Tinham os olhos muito abertos e não muito boa cara.
Aquela pobre família sofria uma aguda necessidade. Blanche estendeu o braço e, por instinto, tocou a mão de sir Rex. Ele se sobressaltou e se voltou para ela.
Blanche baixou a mão, mas lhe sustentou o olhar.
—Terei que fazer algo.
—Milord, milady! —exclamou um homem que se aproximava correndo, com a respiração entrecortada.
Blanche girou, e o mesmo fez sir Rex. O homem era alto e muito magro, e tinha uma expressão de alarme. Imediatamente, inclinou-se ante eles.
—Quem é você? —perguntou sir Rex.
—Sou Jack Johnson, milord.
—Sir Rex de Warenne, e lady Blanche Harrington.
—Por favor, passem. Bess prepare chá.
Sua mulher se apressou a obedecer.
—Por favor, não queremos tomar chá, nem necessitamos nada — disse Blanche com firmeza. Não estava disposta a lhes privar de suas escassas provisões— Só vim inspecionar o imóvel.
O homem puxou nervosamente o pescoço da jaqueta.
—Vai comprá-la? Por isso veio inspecioná-la?
Blanche negou com a cabeça.
—Meu pai faleceu senhor Johnson, e este imóvel é parte de minha herança. Soube recentemente.
Johnson se moveu com inquietação.
—Somos boa gente, milady. Mas…
Sir Rex estava olhando fixamente o homem, certamente, pensando em que aquele abandono e aquela miséria não tinham justificativa.
—Mas o que?
—Não quero ser desrespeitoso, mas estou confuso. Lorde Bury foi o proprietário deste imóvel durante anos. Não sabia que tinha morrido, nem que tivesse herdeiros! Era muito jovem, e solteiro.
Blanche ficou tensa e olhou Rex.
—Não conheço nenhum lorde Bury, senhor Johnson. Agora sou eu quem está confusa. Quer dizer que lorde Bury é o proprietário deste terreno? Meu advogado encontrou recentemente um título de propriedade que indica que é parte do patrimônio Harrington.
—Lorde Bury herdou Penthwaithe de seu pai, faz uns seis ou sete anos. De fato, esteve aqui faz três meses para fazer uma inspeção e recolher suas rendas. Acreditava que possivelmente vocês fossem agentes deles, que tinham vindo comprovar se tinha feito melhoras, como lhe prometi. Mas, vendeu-lhe o imóvel? Não sabia.
Blanche ficou gelada.
Rex a olhou.
—Lady Harrington, está segura de que viu as escrituras?
Blanche sacudiu a cabeça. Deus Santo, houve um engano. Parecia que aquele terreno não era de seu pai. Se lorde Bury esteve ali recolhendo suas rendas três meses antes, como seu pai teria lhe comprado o imóvel? Já havia falecido.
Teve um pressentimento. Bess?
E, rapidamente, recordou os eventos que tinham rodeado a descoberta daquela escritura de propriedade. O advogado que lhe falou do documento se mostrou muito surpreso de sua existência. Foi muito franco: não tinha ouvido falar de Penthwaithe em todos os anos que trabalhou para Harrington. Bess estava com eles durante aquela conversa, e comentou que aquele tipo de confusões acontecia muito frequentemente. Oh, que despreocupada e segura se mostrou! E tinha um estranho brilho nos olhos!
Blanche se deu conta de tudo. Levavam falando de sir Rex durante uns dias. Bess lhe perguntou se desejava que a cortejasse. Havia-lhe dito que não, mas quando Bess tinha uma ideia, era como um terrier com um osso. Claramente, Bess tinha decidido enviar Blanche a Cornualia a todo custo para que estreitasse relação com sir Rex.
Encolheu-lhe o coração. Olhou sir Rex com estupefação. Talvez aquele homem necessitasse uma esposa, mas eles não tinham nada em comum! Sim, ele necessitava ganhos adicionais, e era muito atraente, mas estava exilado em suas terras da Cornualia. E certamente, não estava interessado nela como possível esposa, porque se fosse assim teve oito anos para dizer-lhe. No que Bess estava pensando?
E por que ela sentia que tinha acelerado tanto o coração?
Por que se sentia tão afetada?
—Está começando a pensar que tudo foi um engano?
Blanche conseguiu esboçar um sorriso. Não podia revelar a sir Rex que sua melhor amiga a enviou ali com a desculpa de que era a proprietária de um imóvel vizinho. E, por outra parte, ele estalaria em gargalhadas se soubesse que Bess queria emparelhá-los. Ela mesma deveria rir! Não?
—Lady Harrington? —murmurou ele, e a agarrou pelo ombro para sustentá-la.
Blanche se forçou a responder.
—Parece que possivelmente essa escritura é um engano, como você pensava.
—Um homem falecido não pode adquirir um imóvel, e parece que a família Bury é a proprietária de Penthwaithe há anos — disse ele com seriedade, observando-a fixamente— Está consternada.
«Muito consternada», pensou ela, «e quando vir Bess penso lhe dizer quatro coisas».
—Então, está claro. Houve um engano — disse.
Emparelhá-la com sir Rex? Aquilo não só era um engano, mas também uma loucura.
Salvo que Bess Waverly era uma das mulheres mais ardilosas que Blanche conheceu em sua vida.
Capítulo 5
Johnson estava os observando, mas Blanche quase se esqueceu de sua presença. Voltou-se para acalmá-lo, aliviada pela distração.
—Não somos enviados de lorde Bury, senhor Johnson. E parece que eu não sou a proprietária deste imóvel.
Ele fraquejou de alívio.
—Não quero dizer nada negativo de lorde Bury, mas tenho cinco filhos aos quais alimentar!
—Entendo-o.
—Se vê sua senhoria, por favor, lhe diga que estou trabalhando tudo o que posso — disse queixosamente o granjeiro.
—Não conheço lorde Bury, mas se deseja, buscá-lo-ei em Londres e lhe falarei em seu favor — disse Blanche, com intenção de cumprir sua promessa.
Johnson não dava crédito ao que tinha ouvido.
—Poderia fazê-lo, por favor?
Blanche assentiu.
—Estou encantada de ajudá-lo.
—Bom dia — disse Rex com firmeza, tomando brandamente Blanche pelo braço.
Enquanto caminhavam de volta à carruagem, observou-a com atenção. Blanche deu a volta para despedir-se de Johnson, sua mulher e seus filhos agitando a mão. Depois, Rex e ela se detiveram junto ao veículo.
—Encontram-se bem? —perguntou ele.
Ela negou com a cabeça.
—Nunca me encontro bem quando trato com aqueles que vivem na necessidade.
—Isso já vejo — respondeu ele— Muitas famílias desta zona sofrem a pobreza.
—E isso o faz aceitável?
—Eu não disse isso. O que deseja fazer?
—Se não se importar, eu gostaria de ir ao povoado. Ali queria comprar provisões para esta família. Parece que Johnson é sincero, e possivelmente com um pouco de ajuda possa levantar Penthwaithe. E seu arrendador não lhe ajuda muito lhe exigindo suas últimas libras como renda.
Sir Rex a olhou como se tivesse descoberto certa ira sob sua aparência angélica.
—Isso é o que fazem os latifundiários, lady Harrington.
—Nem todos —replicou — você exigiria aluguel de Johnson?
Ele se ergueu.
—Não, eu não.
Blanche achava que fosse assim.
—Meu programa é distinto dos de outros proprietários. De fato, renunciei frequentemente às rendas porque prefiro que as granjas prosperem. A longo prazo, todo mundo se beneficia desse tipo de investimento. Se a granja prosperar, finalmente o granjeiro pode pagar a renda e eu posso recebê-la.
—Sua política é impressionante — disse ela. Não sabia que sir Rex fosse um latifundiário benévolo.
—É pura lógica — continuou ele— E parece que compartilhamos a mesma opinião. Você está afligida pela situação da família Johnson. Frequentemente, eu me sinto aflito pelo mesmo, porque nesta zona é muito comum. Na realidade, a pobreza é comum em toda Cornualia. Entretanto, a caridade não é suficiente. Essas famílias mais pobres não necessitam caridade. Necessitam um modo de ganhar a vida.
Blanche o olhou diretamente nos olhos e se deu conta de que em face de quão escuros eram, tinham reflexos dourados. Sir Rex era um homem compassivo. Ela conhecia muitos aristocratas que sentiam indiferença pela vida daqueles que tinham menos fortuna que eles.
—A maioria das damas da alta sociedade carece de sua sensibilidade — acrescentou sir Rex— Estão muito imersas em suas próprias vaidades.
Que estranho, pensou Blanche. Tinham pensando quase o mesmo. Ele tinha razão, muita razão, mas ela não ia condenar todas as aristocratas de Londres.
—Essa é uma acusação muito grave.
—Certo — conveio ele com um sorriso— Não tenha medo, não vou pedir que esteja de acordo comigo. Você nunca jogaria pedras em suas amigas.
—Não, não o faria.
O olhar de sir Rex era cálido.
—Admiro sua compaixão, lady Harrington, não só pelos Johnsons, mas também pelos veteranos de guerra. Têm um caráter muito generoso.
Blanche ficou surpreendida. Sir Rex nunca lhe fez uma adulação.
—É muito amável.
—Acredito que não. Vamos fazer essas compras. Ajudar-lhe-ei, se o deseja — respondeu ele com um sorriso.
Transformava-se em um homem muito atraente quando sorria, pensou Blanche.
—Sir Rex, de algum modo me vi envolta na situação dos Johnson, mas você não. Posso arrumar isso para adquirir algumas provisões para eles.
Estava segura de que ele não podia permitir o luxo de fazer mais caridades.
Ele apagou o sorriso dos lábios, como se soubesse que ela não queria que ele investisse seus recursos nos inquilinos de Penthwaithe.
—Me alegro de poder contribuir. Enviarei Fenwick ao armazém, e podemos estar de volta em Bodenick a tempo para uma comida tardia — respondeu ele com firmeza.
Blanche assentiu. Claramente, ele estava decidido a lhe demonstrar que era generoso, mas ela já se deu conta de que o era apesar de seu modesto patrimônio. Por que a elogiou? Ele não paquerava com as mulheres. E por que ela se sentia agradada? Estava acostumada às adulações e a paquera. Não podia entrar em nenhum salão sem que algum homem a abordasse com elogios insinceros e superficiais.
Enquanto seguia Rex para a carruagem, observou seu perfil clássico, forte. Aquele homem era muito mais do que aparentava. Levava uma vida encerrada e bebia bastante, mas ela não podia condená-lo por semelhante comportamento, por que também era trabalhador, honesto e inteligente. Não estava esbanjando sua vida; pelo contrário, sua vida estava cheia de progressos e lucros.
Para Blanche, de algum jeito, ele sempre a tinha atraído. Tinha carisma, e sempre que ela entrava em um salão e ele estava ali, notava sua presença imediatamente. Nunca pensou sobre isso, mas naquele momento se perguntou se sempre gostou dele. Verdadeiramente, sir Rex tinha uma força de caráter que era muito atraente em um homem. Era o tipo de pessoa em que alguém podia apoiar-se, sem dúvida.
Ele a surpreendeu olhando-o e sorriu.
Eram às três da tarde quando por fim retornaram a Land’s End. Blanche se aproximou da casa com satisfação pelas compras que tinham feito para a família Johnson. Tinha sido impossível dissuadir sir Rex de que fizesse uma contribuição igual à sua.
Meg saiu correndo da casa, seguida de Anne, que caminhava mais lentamente. Meg estava sorrindo. Anne olhou a Blanche de uma maneira estranha, de lado. Blanche não se importou, mas tampouco soube decifrar aquele olhar, e decidiu não fazer conta.
—Milady, teve um bom dia? —perguntou-lhe Meg com um grande sorriso— Desfrutaram de seus almoços?
—Foi um dia estranho — respondeu Blanche— Não vamos a Penthwaithe, depois de tudo — lhe disse, e depois de um momento de hesitação, acrescentou— Sir Rex encontrou a solução.
Meg a olhou com curiosidade. Anne afastou a vista.
Sir Rex, que estava falando com o chofer, aproximou-se.
—Pedi a Anne que nos preparasse umas cestas com comida se por acaso precisássemos — disse, e se voltou para a donzela, que tinha tirado uma das cestas da carruagem— Por favor, Anne, leva a comida ao salão. Lady Blanche deve estar faminta. Comeremos em seguida.
Blanche pensou que era detalhista e meticuloso. Olhou-o com tanta fixidez que ele arqueou as sobrancelhas.
—Lady Harrington?
—Eu… né… tenho muita fome. Faz um dia muito bonito. Não poderíamos comer fora? Meg me disse que têm uma preciosa vista dos jardins.
A noite anterior, o ambiente durante o jantar foi embaraçoso; a sala de jantar pareceu um pouco pequena para os dois. E, com o repentino interesse que sentia por ele, seria melhor comer fora. O ambiente não seria tão íntimo.
Ele ficou um pouco surpreso.
—Pode-se ver a América, ou isso dizem os locais, mas os jardins estão entorpecidos neste momento do ano.
—Não me importa.
—Está segura de que não terá frio? Esteve fora a maior parte do dia.
Se ela não tivesse surpreendido-o durante sua aventura no dia anterior, o consideraria o cavalheiro perfeito.
—Estou desfrutando do ar fresco — respondeu com um sorriso, sem olhá-lo.
Tinha pensado Bess em emparelhá-los porque sabia que ele tinha a força e a integridade necessárias para ajudá-la a dirigir sua fortuna?
Sir Rex a observava atentamente, mas ela não correspondeu seu olhar. Ele disse:
—Anne, traga um xale quente para lady Harrington.
Depois, fez uma reverência a Blanche para lhe ceder o passo, e a seguiu para a parte posterior do castelo, além da torre. Ela se deteve ao comprovar que sir Rex tinha razão: dali a gente podia ver até a América, ou isso parecia, ao menos.
Os jardins terminavam onde a terra se fundia com o oceano, e embora ela soubesse que havia um escarpado mais à frente, não podia vê-lo. Aquele dia, o Atlântico estava cinza como o aço e tinha irisações brilhantes, douradas e laranjas.
—Oh — sussurrou ela.
—Passou um banco de peixes — disse ele brandamente— Deixam um rastro metálico.
Estava tão perto de Blanche que ela sentiu a carícia de sua respiração na nuca. Afastou-se e pôs uma distância adequada entre eles, com o coração acelerado. Seus corpos não se roçaram, mas era como se tivesse acontecido, porque havia sentido o calor de sir Rex.
Estava muito alterada. Mal podia respirar, e não entendia que tivesse uma reação tão intensa por aquela proximidade, que, claramente, era um engano.
—Sinto muito, não queria lhe assustar — disse ele, com a voz rouca.
Ela não se permitiu recordá-lo com Anne. Negou-se a pensar o que podia significar aquela voz rouca. Em vez disso, observou de passada os jardins; viu roseiras, glicínias e tulipas. Meg estava estendendo uma manta; Anne estava abrindo a cesta. Rex sorriu a Blanche e depois se voltou para a donzela.
—Traz uma garrafa de vinho branco e duas taças, por favor — indicou.
—Isto tem que ser muito bonito no verão — comentou Blanche.
—Sim. Deve voltar — respondeu Rex com um sorriso.
Blanche notou um comichão no estômago. Não sabia o que lhe estava ocorrendo, mas ele tinha um sorriso precioso, e era uma pena que o mostrasse tão poucas vezes. Se passasse mais tempo em Londres, não seguiria solteiro; alguma jovem bonita já o teria apanhado. Blanche não tinha nenhuma dúvida. Sua fortuna era modesta, mas tinha outros atributos, e nem todas as debutantes se deixavam deslumbrar pela galanteria. De fato, era estranho que sir Rex não se casou ainda.
Teria pensado Bess em emparelhá-los realmente?
Enquanto estava absorta em seus pensamentos, Blanche sentiu seu olhar penetrante, sedutor, masculino. Ao voltar-se para ele, sir Rex se ruborizou e afastou a vista. Ela se aproximou da manta e se sentou rapidamente, arrumou a saia, com as bochechas ardendo. Aquele picnic lhe parecia muito má ideia, mas já não podia escapar da situação.
O que significava aquele olhar tão potente e tão direto?
—Lady Harrington? —Rex se sentou ao seu lado e depositou a muleta sobre a erva.
Ela sorriu forçadamente. Dava-se conta de que não tinha escapatória, assim decidiu encontrar um tema estimulante.
—Tomar um pouco de vinho é muito boa ideia! —disse.
Ele a olhou fixamente, escrutinadoramente.
—Algumas vezes, quando a olho, vejo que têm a preocupação refletida no semblante.
Blanche abriu muito os olhos. Parecia que lhe tinha lido o pensamento.
—Eu gostaria que deixasse de se preocupar. Os Johnson se arrumarão bem até a primavera. Se desejar, eu me ocuparei pessoalmente de seu bem-estar.
Tinha pensado que estava se preocupando com aquela família, disse-se Blanche com alívio.
—Obrigado. Sim me preocupa seu bem-estar, e seria muito nobre da sua parte que os ajudassem um pouco — respondeu.
Sir Rex seguiu olhando-a, e ela soube que seu comportamento devia lhe parecer estranho. Estendeu-lhe um prato com frango frio e salada e Blanche se concentrou na comida. Entretanto, parecia-lhe impossível comer, porque ele estava sentado muito perto dela. De fato, compartilhar uma pequena manta era algo mais íntimo que estar sentada frente a seu anfitrião no salão.
—Inteirei-me de que a condessa e o conde celebrarão seu aniversário em maio — conseguiu dizer.
—Sim — respondeu ele, enquanto Anne aparecia com uma garrafa de vinho desarrolhada e duas taças. Agradeceu-lhe, e a donzela partiu. Depois de servir o vinho, entregou uma das taças a Blanche e tomou seu prato— Será uma celebração familiar. Estou desejando que chegue o dia.
—Parece que seguem tão apaixonados como sempre — comentou Blanche, depois de comer um pouco de frango.
—Querem-se muito. Ambos eram viúvos quando se conheceram assim seu casamento foi por amor. E seguem juntos por amor.
Blanche ficou olhando-o. Era impossível não pensar que todo mundo em sua família estava felizmente casado, e que seu celibato era uma exceção notável. Entretanto, sabia que não podia lhe perguntar qual era o motivo de seu celibato, por muito que desejasse saber.
—Parece que o comum em sua família é casar-se por amor.
—Sim, isso parece.
—Possivelmente você seja o próximo.
Ele afastou o olhar e tomou sua taça de vinho.
—Uma ideia romântica — comentou, e a olhou de novo— É romântica, lady Harrington?
—Não. Não só não estive apaixonada em toda minha vida, mas também me casarei por conveniência e por economia.
—Normalmente, o matrimônio é algo conveniente, mas não entendo em que sentido sua escolha pode afetar a economia.
Ela suspirou. Aquela era uma conversa adequada.
—O mês passado comecei a trabalhar com os agentes e advogados de meu pai para conhecer e pôr em claro as empresas Harrington. É tão complicado! Há negócios de ultramar, ações de companhias que eu não conhecia e sociedades também desconhecidas para mim. Eu não tenho uma mente matemática. Estou acostumada a administrar as doações de caridade, e isso me interessa. Entretanto, não entendo os livros de contabilidade, e muito menos os investimentos tão variados de meu pai.
—Assim necessita de um marido — disse ele, e terminou seu vinho— Estou de acordo. Harrington tinha reputação de ser um empresário brilhante. Tenho amigos que queriam aprender como tinha levado a cabo suas últimas empresas e investimentos para copiá-lo. É obvio, ele mantinha seus assuntos em segredo. Por que teria que dirigir uma herança tão grande sem ajuda? Deve se casar, mas, como vai escolher qual é o melhor pretendente para você?
—Minhas melhores amigas estão me aconselhando.
Ele ficou um pouco surpreso.
—Lady Waverly e… não recordo à morena.
—Agora é lady Dagwood. Felicia se casou recentemente.
—E o que lhe aconselham suas amigas? São conscientes de que, de seus duzentos e vinte e oito pretendentes, duzentos são vagabundos?
Ela umedeceu os lábios antes de responder, porque os deixava terrivelmente secos.
—Não estou de acordo. De meus duzentos e vinte e oito pretendentes, duzentos e vinte e oito são vagabundos.
A expressão de sir Rex foi de alívio. Sorriu.
—Graças a Deus que é uma mulher sensata. E o que lhe aconselham suas amigas? Como vai escolher entre todos esses candidatos?
—Elas esperam que escolha alguém jovem e bonito, e não lhes importa que só esteja interessado em minha fortuna.
—Mas você não dará ouvido a essas duas!
—Não me importa que meu marido seja jovem e bonito — respondeu ela, e olhou a manta. Sir Rex era muito bonito; às vezes, Blanche pensava que muito.
Ele se acalmou.
—Espero que siga sendo sensata ante um homem que lhe sussurre palavras de amor eterno ao ouvido, em tom de sinceridade, embora tudo o que lhe diga seja falso.
—Duvido que me enganem sir Rex — replicou ela.
—Devo lhe advertir lady Harrington.
—Por quê?
—Porque, face ao que possam pensar, sou um cavalheiro — disse ele— Você é um alvo perfeito para um oportunista e não necessita um marido que esbanje sua fortuna em vez de preservá-la. Embora o primeiro ano de matrimônio houvesse diversão, depois lhe causaria anos de sofrimento. O homem ao qual me refiro gastará todo seu dinheiro e depois partirá quando o desejar.
—Isso sei — disse ela.
—Bem — respondeu sir Rex, e se serviu de mais vinho, com aspecto de estar zangado.
—Quer me dar seu conselho? —perguntou-lhe Blanche.
Cravou-lhe um olhar muito intenso.
—Aconselho que não escolha seu marido dentre esse grupo de pretendentes — disse ele— O cavalheiro ao qual está procurando não se mostrará. Possivelmente se considerará por debaixo de você, e pensará que apresentar-se como candidato, tendo em conta sua fortuna e sua falta de fazenda está por debaixo dele.
Blanche pensou que nunca tinham lhe dado melhor conselho. Ele tinha razão. Devia rechaçar aqueles duzentos e vinte e oito pretendentes e encontrar outros. E era aquela a razão pela que sir Rex não se ofereceu? É obvio. Ele não era um caçador de fortunas, e nunca ficaria em posição de poder parecê-lo.
Por outro lado, isso não significava que, de ter tido ela menos meios, ele tivesse se devotado. E Blanche não desejava que ele a cortejasse! Recuperou-se da impressão de vê-lo em uma situação tão privada, e certamente admirava muitas das qualidades que ele possuía, mas era um homem muito masculino para uma mulher como ela.
Blanche se deu conta de que tinha a respiração entrecortada. Aquela era a essência da questão: ela nem sequer sabia beijar, e sir Rex era claramente, um homem de grandes apetites e muita experiência. Nunca se dariam bem.
—Não comeu — disse ele.
Blanche bicou seu prato, consciente de que as mãos tremiam, com cuidado de evitar o olhar de sir Rex.
—Obrigado. Acredito que seguirei seu conselho — lhe disse— Ou, ao menos, tentarei.
Não ia conseguir conciliar o sono.
Blanche estava na janela de seu dormitório, observando o céu noturno salpicado de estrelas e o oceano negro e prateado que brilhava serenamente. Era quase meia noite, e ela esteve dando voltas pela cama durante quase uma hora, muito preocupada com seu anfitrião.
Devia descartar todos seus pretendentes; tinha decidido porque aquele conselho era o mais correto. Entretanto, o que devia fazer depois?
Devia considerar sir Rex como futuro marido?
E por que ele, na sua idade, continuava solteiro?
Escutou o som do mar, mas não conseguiu acalmar-se. No dia e meio que estava ali tinha acontecido muitas coisas, e Blanche se sentia como se tivesse transcorrido um ano. Seu mundo lhe parecia completamente distinto, como se estivesse situada junto a um precipício e, com apenas um passo em falso, fosse a cair no vazio. Era desconcertante.
Entretanto, não tinha sonhado com o dia em que lhe acelerasse o coração, e que sentisse outra coisa que não fosse paz e quietude?
O que ocorria era que não esperava que aquele dia chegasse. Estava muito confusa, porque sir Rex tinha conseguido que sua existência cambaleasse. Mas isso era melhor que deixar que seu mundo continuasse tão perfeitamente equilibrado e que ela nunca tropeçasse, não?
Se mantivessem dormitórios separados, sir Rex possivelmente fosse o melhor marido que ela poderia escolher. Ele administraria sua fortuna com honestidade, meticulosamente. Além disso, parecia que passavam bem um com o outro e que estavam se tornando amigos, e Blanche sabia que os poucos matrimônios bem advindos da cidade se apoiavam em um profundo carinho. Entretanto, seguia tendo alguns receios para com ele. Sua tendência a beber de mais lhe preocupava. E sua exposição de armas no salão lhe preocupava ainda mais. Fosse o que fosse que lhe tinha ocorrido durante a guerra, o obcecou e parecia que lhe causava uma grande infelicidade. Ela podia passar por cima de seu isolamento; sir Rex iria e voltaria da cidade quando quisesse.
Na realidade, o que mais a perturbava em tudo aquilo era sua virilidade.
Era evidente que tinha necessidades intensas. Indubitavelmente, sir Rex necessitava uma companheira apaixonada, e Blanche sabia que essa mulher não era ela. Muitos casais tinham dormitórios separados. Entretanto, se fosse assim, ele iria querer uma amante, e é obvio, ela teria que olhar para outro lado com indiferença. Poderia sentir indiferença, verdade? E o que ocorreria com os filhos?
Estava adiantando-se muito. Estava considerando sir Rex um candidato, face às dúvidas que pudesse ter sobre ele, e nem sequer sabia ainda por que permanecia solteiro. Tampouco sabia se poderia convencê-lo de que aceitasse o matrimônio em caso de que ela decidisse lhe expor seu plano.
E se ela fizesse uma proposta, e ele a aceitasse, o que aconteceria?
Anne tinha soluçado de prazer entre seus braços. Para Blanche, aquilo tinha sido uma impressão; e o encantamento dos traços de sir Rex tinha sido uma impressão ainda maior.
Separou-se da janela. Não muito antes, Blanche era imune a uma cara bonita. Entretanto, sir Rex sempre tinha atraído seu olhar quando entrava em uma sala, e naquele momento, conseguia que lhe acelerasse o coração. Acaso um homem estava começando a lhe atrair, por fim?
Era aquilo desejo? Blanche tentou imaginar o que faria e como se sentiria se ele a acariciasse com ternura. E, só de pensar, o coração pulsou com mais força, sentiu um comichão na pele e uma estranha e ligeira dor no corpo.
Ruborizou-se, e notava calor nas bochechas. Não lhe importaria que ele a puxasse pela mão, nem tampouco que tentasse beijá-la.
Blanche se sentou bruscamente, assombrada. Tinha quase vinte e oito anos, e pela primeira vez em sua vida, sentia atração por um homem e pensava em seus beijos. Como tinha ocorrido aquilo?
Tomou um momento para esclarecer a mente. A atração e o desejo não eram boas razões para casar-se. Já não conseguiria conciliar o sono. Decidiu que desceria para tornar um brandy. No dia seguinte faria uma lista de vantagens e desvantagens. Não tinha pressa. Tinha esperado muito tempo para casar-se, e tinha que fazer a escolha correta.
Abriu o armário e colocou o vestido que usou aquele dia. Depois saiu de seu quarto e escutou atentamente, mas o corredor estava tão silencioso que poderia ter ouvido um grampo caindo ao chão.
O salão estava vazio quando entrou; havia fogo na lareira, umas pequenas chamas e brasas que brilhavam. Blanche se aproximou do bar e se serviu uma taça de uma das muitas garrafas que havia no móvel. Então se deu conta de que a estavam observando.
Deu a volta e viu sir Rex sentado no sofá, tão imóvel que podia ter estado dormido. Entretanto, estava acordado. Em meio às sombras, seu olhar estava fixo nela, e à luz do fogo, seus olhos escuros tinham um brilho dourado e âmbar, e eram vigilantes como os de um leão.
Ela ficou gelada. O coração deu um tombo.
Ele tomou a muleta que tinha deixado no chão. Tirou a jaqueta e o colete, e usava só uma camisa enrugada, as calças e os sapatos. A camisa estava desabotoada até seu umbigo.
Blanche não pôde evitar olhá-lo, embora soubesse que não devia fazê-lo. E lhe recordou à estátua de David de Miguel Ângelo.
Sir Rex ficou em pé.
—Lady Harrington?
Então, ela o olhou no rosto.
—Deve pensar que sou uma bebedora furtiva — disse com a voz rouca.
—Não. Está tremendo. Encontra-se bem?
—Não podia dormir, e pensei que possivelmente uma taça de brandy me ajudasse.
Com uma mão, sem desviar o olhar dela, sir Rex abotoou a camisa até o pescoço.
—Pode tomar todo o brandy que deseje — disse com suavidade, com o brilho das chamas brincando em seu rosto— Mas está servindo um porto.
—Temo que não me desse conta da diferença.
—Me permita — pediu ele, e se aproximou.
Ele serviu uma taça de brandy e a entregou. Quando Blanche tomou, suas mãos se roçaram, e ela ficou mais tensa.
—Obrigado por ser tão amável.
—Deseja falar do que a perturba?
Ela não soube o que dizer. Era difícil responder a sua pergunta. A mente funcionava a toda pressa, e tentava compreender todos seus sentimentos de inquietação. Aquele momento era muito íntimo. Blanche se deu conta de que o ritmo acelerado de seu coração e o tremor de seus membros era prova de seu desejo. Entretanto, também estava assustada. Sentia-se como se estivesse suspensa de uma corda em um precipício.
E, quando se atreveu a lhe devolver o olhar, estremeceu. Seu olhar escuro ardia de uma maneira que ela nunca tinha visto antes.
—O ar fresco ajuda a dormir — comentou sir Rex. Então, baixou as pestanas negras e espessas, e com a voz ligeiramente rouca, disse— À luz das velas, parece tão inocente como uma menina de quinze anos.
O coração de Blanche começou a pulsar com estrondo. Era certo que tinha a mesma experiência que uma menina de quinze anos, e sua inocência. Sentia-se tão tímida e ansiosa como uma adolescente! Entretanto, ele não podia saber.
—Logo farei vinte e oito anos.
Sir Rex a olhou de esguelha, de um modo estranho. Era como se estivesse dizendo que não lhe importava.
Ela lutou consigo mesma. Ele estava inusualmente loquaz, e possivelmente aquele fosse o momento oportuno, depois de tudo.
—Por que está acordado, sir Rex? Deve ser mais das doze da noite.
Ele a olhou fixamente. Não parecia que estivesse disposto a responder.
E, de repente, Blanche se deu conta de que estava esperando sua amante. Notou que lhe ardiam as bochechas.
—Sinto-o… vou! —exclamou, e deu a volta para sair correndo.
Ele a agarrou pelo pulso.
—Não está incomodando.
De algum jeito, conseguiu que Blanche desse a volta.
—Se não pode dormir, compartilhemos nossa insônia.
Seu pulso queimava. Com o coração na garganta, sussurrou:
—Seriamente, tenho que ir a meu dormitório.
—Não.
Blanche ficou gelada.
—Por favor — pediu ele— Não me importa ter companhia. Eu gosto.
Ela começou a tremer. Estava bêbado? Ou estava sendo franco e atrevido?
—Eu também desfruto de sua companhia, sir Rex — disse ela com tanta despreocupação quanto pôde. Parecia que ele se sentia divertido. Entrecerrou os olhos. —Invejo-lhe este lugar.
Ele esboçou um sorriso, irônico, mas muito belo.
—Como é possível que você, a proprietária e senhora de Harrington Hall, inveje Land’s End?
—Possivelmente por essa mesma razão… é o fim do mundo. Eu não tenho privacidade em minha casa. Aqui estou desfrutando da solidão.
—Quanto tempo vai ficar?
—Não sei. Não posso incomodar mais.
—E se eu desejasse que ficasse?
Ela se sobressaltou, e seus olhares se cruzaram.
—Possivelmente deva confessar —disse ele lentamente, e ela ficou tensa de impaciência — que me sinto sozinho.
Blanche ficou assombrada. Sir Rex se sentia sozinho. Ela tinha percebido, e ele acabava de confirmar-lhe. Sentiu compaixão.
—Deveria ir mais frequentemente à cidade.
Ele fechou os olhos brevemente. Murmurou, como se não a tivesse ouvido:
—Não têm que decidir neste mesmo instante. Blanche?
Ela percebeu o uso íntimo e suave de seu nome. Soube que ele não se deu conta de havê-lo pronunciado.
—Sei que esta residência não está a sua altura — acrescentou brandamente— Mas se me disser o que necessita, moverei céu e terra para lhe agradar — disse, e sorriu outra vez, lhe passando o olhar por todo o rosto, descendendo até a borda de seu decote e subindo novamente.
Blanche se deu conta de que o dizia seriamente, mas, por que ia querer acomodá-la de tal modo?
—É obvio que esta casa está a minha altura! —a emoção com que respondeu a deixou surpreendida. Não sabia qual era sua origem— Eu adoro… eu gosto muito de Land’s End. Eu gostaria de ficar… um pouco mais.
—A meia-noite sempre é a melhor hora para as confissões.
—Têm outra confissão a fazer?
O sorriso de sir Rex vacilou.
—Me viu em minha pior faceta, e não saiu correndo para o bosque. Nem sequer fugiu de meu salão, nem de mim. Tem uma gentileza assombrosa, lady Harrington. Dou-me conta de que sempre pensa em fugir, inclusive agora.
Ele tinha razão. Ela respirou profundamente.
—O que ocorre é que esta situação é estranha… eu nunca conversei com um cavalheiro assim, a estas horas. É muito… íntimo.
Ele a observou com mais atenção.
—Isto é íntimo?
Blanche riu nervosamente.
—Já sabe que sou muito correta — disse ela. E dissimulada, devia ter acrescentado.
—E por que ficou? Por que não escapou ontem?
Ela inalou uma baforada de ar, tremendo. Recordou vivamente a imagem de sua aventura.
—Têm todo o direito a manter… seus assuntos privados.
Passou um longo momento.
—Fiz pedacinhos de sua compostura outra vez?
—Minha compostura —respondeu ela com dificuldade — se desvaneceu ontem, e não sei se a recuperei.
—Então, seu fingimento foi admirável. Estou lhe alterando de novo. Não queria lhe incomodar. Envergonha-me que conheça a verdade sobre mim.
Ela se sobressaltou de novo e o olhou com os olhos muito abertos.
—Andou bebendo, sir Rex?
Em seus lábios se desenhou um belo sorriso.
—Estou completamente bêbado.
Aquilo explicava seus olhares longos e abrasadores e suas confissões. Na realidade, ele não a desejava; estava bêbado. Entretanto, aquilo não explicava sua necessidade de embriagar-se.
—O que? Não vai tentar me persuadir brandamente que me retire? Não vai me repreender por ter me embebedado? Não sente desprezo?
Blanche cruzou os braços.
—Conhece-me o suficientemente bem para saber que não sou maliciosa. E a verdade é que… têm todo o direito a manter aventuras amorosas — disse consciente de que se ruborizou— Ao contrário de outros, você não está enganando nenhuma esposa.
Os olhos de sir Rex brilhavam.
—Nunca teria imaginado que manteria uma conversa assim com você. E não estava me referindo a minha excessiva tendência a beber vinho e licores.
Então, ela evitou o contato visual.
—Você… É obvio que pode ficar acordado pelas noites, desfrutando de uma taça de vinho!
«Pergunte», disse-se. «Faça-o!»
—Não é isso o que disse. Assim não condena minha aventura amorosa… não é amorosa, mas você já sabe.
—Não tenho desejo de lhe condenar.
Houve um silêncio.
Ele a olhou durante um momento interminável, tão comprido que ela começou a retorcer-se.
—Por que tenho a sensação de que quer me perguntar algo?
Deus Santo, era muito perceptivo!
—Estive me perguntando algo… mas não quero ser impertinente. Acredito que devo voltar para meu quarto.
Ele voltou a tomá-la pelo pulso.
—Agora sinto muita curiosidade. Pode falar livremente, pode me perguntar o que queira — disse com muita suavidade— Vamos, é meia-noite, estamos sozinhos, confessando nossos pensamentos e desejos íntimos.
—Por que nunca se casou?
—É isso o que deseja me perguntar?
Ela assentiu.
—Acredito que já conhece a resposta.
Blanche ficou sem respiração. Não conhecia a resposta absolutamente.
—Os homens de Warenne se casam por amor. Ou ao menos, isso se diz.
Capítulo 6
Blanche estava assombrada. Repetiu mentalmente o que ele havia dito, uma e outra vez: que se casaria por amor. Era romântico. Sir Rex era um romântico. Não tinha se casado porque estava esperando o amor.
—Parece que está surpreendida. E consternada.
Blanche sorriu.
—Estou surpreendida, sim. Não acreditava que fosse tão romântico quanto o resto de sua família.
—Devo me sentir insultado?
—Não! Claro que não, você é o último homem a quem insultaria.
Ele não sorriu.
—Assombra-me que lhe interesse minha vida matrimonial, ou minha falta de vida matrimonial, na verdade — disse.
Blanche encolheu os ombros.
—Recentemente falei com sua mãe e com Lizzie. Surgiu o tema de seu celibato.
Seus olhos brilharam.
—Sério? E você participou da conversa?
—Elas se preocupam com você, sir Rex. É evidente que desejam que se case e tenha uma família própria.
—E você está de acordo?
—Eu acredito que logo encontrará um amor — disse ela com ligeireza.
Ele emitiu um som rouco.
—O amor está valorizado em excesso.
—Mas você disse…
—Estou bêbado — disse ele— E, a propósito, sua pergunta não me pareceu impertinente.
—Então, estou com sorte.
—Acredito que agora é minha vez de perguntar.
—Vamos jogar um jogo?
—E por que não? Você pediu um conselho. Não posso pedir o seu?
Blanche se sentia como se estivessem em um combate. Tinha que sentar-se, ou desmaiaria. Deixou-se cair na poltrona mais próxima.
—Devolver-lhe-ei o favor — disse.
—Há algum motivo pelo qual deva contentar as mulheres de minha família?
—Todo mundo está melhor com uma família.
—Então, estaria melhor casado com uma harpia ou uma fera?
—Não tem por que ser assim. Possivelmente encontre o amor. É algo comum em sua família.
—Possivelmente eu seja a exceção à regra — replicou ele— Ou possivelmente já o tenha encontrado. Já lhe disse que o amor está valorizado em excesso, de uma maneira absurda — disse, e se afastou.
Ela ficou ali sentada, boquiaberta. Sir Rex tinha o coração quebrado. Isso explicava tudo.
Então ele deu a volta. Sorria com frieza, e já não era sedutor. Estava zangado.
—O que lhe manteve em vigília esta noite?
Aquela abrupta mudança de assunto resultou inquietante para Blanche.
—Um sonho — respondeu.
—Espero que seja um bom sonho. Com quem sonhava?
—Sir Rex!
—Isso me parecia — disse ele— É uma mulher extraordinária. Sempre pensei assim. Antes me limitava a aceitar o fato de que é uma das poucas damas de verdade da alta sociedade, mas recentemente me perguntei algumas coisas sobre você.
Ela pensou que estava muito bêbado. Não gostava daquela mudança na conversa.
—Devo me retirar ao meu dormitório — disse rapidamente.
—É uma grande dama, mas é humana. Têm sangue nas veias, como todo mundo. E como outros, sonha. Não posso evitar me perguntar com o que e com quem sonha.
Ele deu um passo para ela. Não parecia que estivesse bêbado, mas devia estar, ou não teria formulado semelhante pergunta. Além disso, seu olhar era tremendamente intenso.
—Sir Rex, sinto-me desconcertada!
—Porque sou um grosseiro. Um bêbado grosseiro. Vamos, não negue, sei o que se diz de mim. Então, por que, Blanche? Por que decidiu ficar aqui durante duas noites, quando só teria necessitado ficar uma? Nós dois sabemos que ontem lhe deixei horrorizada. Se alguma vez tive sua admiração, ontem a perdi. Entretanto, disse que não queria me insultar, assim não entendo nada! De fato, disse que sou o último homem do mundo ao qual gostaria de insultar. É tudo fingido, lady Blanche? Não pode ter falado sério.
Blanche se deu conta de que estava negando veementemente com a cabeça.
—Sempre o admirei, sir Rex.
Ela olhou em silêncio.
—Diz com sinceridade?
—Sim! Impressiona-me sua capacidade de trabalho e o fato de que seja uma pessoa cheia de recursos! Não esperava encontrar um imóvel tão bem mantido, tão bem dirigido! — Ele abriu muito os olhos. —Sua ajuda em Penthwaithe foi muito generosa. É um homem generoso e nobre!
—Mas me deito com minha criada.
Ela levou as mãos às bochechas ardentes.
—Isso não é da minha conta. Nunca saberia se não tivesse me intrometido, e lamento muito tê-lo feito!
Depois de um momento, ele perguntou:
—Como posso recuperar seu respeito?
—Têm todo meu respeito. Não conheço os detalhes de sua vida, mas estou segura de que sofre alguma dor, não de todo físico, da guerra. E acredito que essa dor provoca momentos como estes. E suas aventuras.
Além disso, ela acrescentaria o coração destroçado à equação.
Depois de olhá-la fixamente, Rex disse:
—Têm razão. Há algo que possa fazer que suscitasse suas críticas?
Blanche negou com a cabeça.
—Não tenho tendência a criticar ninguém, e não vou começar com você. Entretanto, sugiro-lhe que retire a exposição de armas da parede. — Ele abriu muito os olhos. —Acaso deseja se torturar com um aviso constante de sua dor? É isso?
Sir Rex emitiu um som rouco.
—Que ardilosa é.
—Sei que é um herói. Todo mundo sabe que salvou o segundo filho do duque de Clarewood da morte, e agora, Mowbray é o duque. Os heróis merecem respeito, não censura. Os heróis merecem aprovação e afeto.
—Eu não sou um herói — replicou ele com aspereza— Porque se tivesse que fazê-lo de novo, se Mowbray estivesse ali atirado, perto da morte, deixá-lo-ia para que o diabo o levasse.
—Não fala a sério!
Ele estava tremendo, e Blanche se deu conta de que estava embargado por fortes emoções que ela não entendia.
—Sabe muito de mim, lady Harrington.
De repente, Blanche soube que estava muito incômodo, perigosamente incômodo. Sentiu-se muito tensa. Era hora de partir.
—Todo mundo sabe isso de você, sir Rex.
—Minha família sabe que resgatei Mowbray. Ninguém mais recorda.
—Você recorda — disse ela.
E, assim que terminou de falar, desejou ter se calado.
Sir Rex se afastou furiosamente dela, e perdeu o equilíbrio.
Blanche gritou e se lançou para ele, mas enquanto o agarrava pelo braço para impedir que caísse, chocaram juntos contra a parede. E, durante um instante, ela esteve em seus braços. Naquele instante, o corpo duro e tenso de sir Rex a apertou contra a parede, e o medo que Blanche pudesse ter de se ferir, se desvaneceu. Ele era tão grande que se viu engolida por uma massa de músculos, e foi consciente do vulnerável, pequena e feminina que era. Nunca esteve assim nos braços de um homem. Sentiu um comichão nas vísceras, e assombrada, elevou a vista. Ele estava olhando sua boca. Naquele momento, soube que Rex de Warenne a desejava.
Naquele momento, soube que Rex de Warenne, o homem mais masculino que ela conhecia, ia beijá-la.
Sentiu excitação e medo ao mesmo tempo, porque aquilo era o verdadeiro desejo.
Entretanto, ele não se inclinou para beijá-la. Em vez disso, olhou-a e se separou dela respirando profundamente.
Blanche se inclinou sobre a parede, incapaz de mover-se, tremendo. Fraquejavam os joelhos.
—Ninguém deve enfrentar o leão em sua guarida.
Ela demorou um momento em assimilar o significado de suas palavras.
—Desci para tomar uma taça. Não sabia que estava aqui — respondeu.
Ao olhá-lo nos olhos, deu-se conta de que estava furioso.
—Sim, assim como entrou ontem em meu escritório.
Ela se ruborizou.
—Eu…
—Se enfrentar à besta, lhe morderá — gritou ele com frustração.
Blanche sentiu consternação. Sabia que tinha razão. Tinha lhe feito perguntas muito íntimas e lhe deu conselho sobre seus assuntos privados. Merecia sua ira, mas não até tal ponto.
—Sinto-o — disse, e deu a volta para partir. A noite se tornou um desastre.
De repente, lhe bloqueou o caminho. Com o rosto muito perto do dela, exigiu-lhe:
—Me diga, de verdade, em que jovem esteve pensando esta noite para não poder dormir. Com que comparação de masculinidade deseja casar e se deitar? É sua vez de fazer confissões, Blanche.
Ela estava horrorizada. Nenhum homem lhe tinha falado assim, nunca.
—Tomarei uma decisão sensata — disse ela para defender-se.
—Sem nenhuma consideração romântica?
—Escolherei com bom senso — repetiu ela.
—Merece mais. — Ela o olhou com os olhos exagerados. —Estou bêbado, assim lhe direi exatamente o que penso. Merece um homem honesto, um homem com bom caráter. Um homem que lhe admire, defenda-lhe, respeite-lhe… e lhe adore.
Que tipo de diatribe era aquela?
Ele elevou a mão e lhe acariciou a bochecha com suavidade.
Blanche ficou imóvel, paralisada de pânico, mas também de desejo.
—Merece um homem que faça com que seu coração se acelere, que lhe faça chorar de prazer.
Ela parou de respirar.
Ele baixou a mão.
—Desejo-lhe sorte para encontrar semelhante exemplo de dignidade.
Blanche gritou.
Sir Rex partiu.
Sir Rex esteve a ponto de beijá-la.
Blanche olhou seu chá, que tinha ficado frio. Estava sentada na mesa do café da manhã, a sós, recordando com detalhe cada momento da noite anterior. Sir Rex estava bêbado e tinha uma atitude muito atrevida, muito masculina. Tinha o coração quebrado e estava traumatizado pela guerra, e pensava que ela merecia admiração, respeito e paixão.
Estava tão angustiada que as mãos tremiam, e teve que deixar a xícara no prato. Ela nunca poderia experimentar o tipo de paixão a qual ele se referiu.
Como pode lhe dizer semelhante coisa? Como pôde ela lhe dizer todas as coisas que havia dito?
Blanche olhou seu chá gelado. Nunca se sentiu tão confusa. Também estava muito triste por sir Rex. Sentia compaixão, mas não havia modo de oferecer-lhe. Não era um menino a quem pudesse abraçar e acariciar.
A noite anterior esteve lhe lançando olhares escuros, ardentes.
A noite anterior esteve a ponto de beijá-la.
Blanche não precisava ter experiência para saber. Entretanto, estava muito bêbado. Sua atração provinha da garrafa, não de um desejo real, verdade?
Pôs-se a tremer. A noite anterior, ela tinha desejado que a beijasse! E não tinha sido por mera curiosidade.
Depois de todos aqueles anos nos quais acreditou que nunca sentiria a paixão, a parte mais feminina dela tinha despertado por fim. Como era possível que estivesse ocorrendo? E o que teria ocorrido se ele a tivesse beijado?
Se ficasse mais tempo em Bodenick, beijá-la-ia?
Blanche não sabia o que fazer nem o que pensar. Podia aceitar o assombroso fato de estar interessada em um beijo. Já era hora. Felicia e Bess a animariam. Mas, e se isso conduzisse a algo mais?
Desejar um beijo em meio da escuridão da noite era muito distinto a desejar satisfazer toda uma paixão. E ela não era o tipo de mulher que teria um amante, e menos ainda naquele momento, quando estava tentando encontrar marido. O melhor seria partir de Land’s End imediatamente, antes que uma coisa levasse a outra, antes que houvesse mais intimidade, antes que não houvesse saída.
Entretanto, não poderia sir Rex tirar aquelas armas da parede antes que ela se fosse?
Se saísse com a sua, se pudesse ajudá-lo, ela se desfaria daquela exposição para que ele pudesse esquecer a guerra e os fantasmas que o estavam obcecando. E quem seria a mulher que lhe quebrou o coração? Se continuasse assim, sir Rex ia suspirar por um modelo de perfeição feminina até o dia em que morresse, pensou Blanche, e se sentiu muito triste por ele. Merecia muito mais na vida. Ela tinha começado a entender por que trabalhava tanto. À luz do dia, deixava seus fantasmas atrás com o trabalho duro, e de noite, com a garrafa de vinho ou de brandy.
Certamente, devia partir de Land’s End e concentrar uma lista de pretendentes mais adequados, os quais estivessem interessados em algo mais que sua fortuna, mas Blanche pensava que tinha que fazer algo antes de partir, algo que facilitasse a vida de sir Rex e que lhe proporcionasse alegria.
Uma sombra apareceu no salão. Blanche ficou tensa.
Não teve que elevar o olhar para saber que era sir Rex.
Sua presença era muito intensa. Naquele momento, lhe acelerou o pulso e entrecortou a respiração, e esqueceu os demônios daquele homem, e só recordou com total claridade que tinha estado entre seus braços.
Conseguiu sorrir, com a esperança de não ruborizar-se, e o olhou.
Ele tinha um olhar terrível e muito direto. Entretanto, não tinha mal aspecto; ela nunca teria pensado que a noite anterior estava muito bêbado, se não tivesse visto.
—Bom dia. Surpreende-me lhe ver aqui — disse sir Rex.
—Bom dia — respondeu ela, desejando que não continuasse com aquele tema de conversa— Faz um dia esplêndido — disse com firmeza.
—Não tinha me dado conta — disse sir Rex, e seu olhar não vacilou— Sei que ontem cometi outra ofensa imperdoável, ou na verdade, umas quantas ofensas — afirmou, e suas bochechas se tingiram de cor vermelha.
Ela mordeu o lábio. Ele estava muito descontente e, claramente, condenava a si mesmo de novo.
—Sir Rex — disse Blanche— quer que lhe sirva uma xícara de chá?
Ele soltou uma gargalhada seca.
—Acreditava que já teria partido, mas me dou conta de que vai agora. Vi seu chofer preparando os cavalos. Devo lhe oferecer minhas mais sinceras desculpas uma vez mais. Suportou uns comentários muito grosseiros e meu comportamento atrevido. Não tinha direito a lhe falar desse modo. Não tinha direito de jogar com você.
O coração de Blanche pulsou com uma força inusitada. As palavras que ele pronunciou a noite anterior deveriam ter parecido grosseiras, mas não foi assim. Transmitiam muita sensualidade. Tinha jogado com ela a noite anterior? Tinha tentado confundi-la com sua agressiva sexualidade?
—Não tinha me dado conta de que nossa conversa era algo diferente para você que para mim.
—Não? —perguntou sir Rex— Não há desculpa que possa lhe compensar por meu comportamento.
Com uma terrível angustia, Blanche ficou em pé.
—A verdade é que eu não deveria ter invadido sua privacidade ontem à noite. Esta é sua casa. Têm todo o direito a desfrutar de seu salão depois do jantar.
—Você é minha convidada. Também têm direito de me acompanhar. Eu lhe pedi que ficasse não recorda?
—Por favor, sir Rex. Não se castigue. Eu não tornei a pensar no que aconteceu ontem à noite — mentiu ela com as bochechas ardendo.
Ele a olhou com incredulidade, e ela soube que não acreditava em suas palavras.
Blanche olhou sua xícara de chá.
—Tivemos uma conversa pouco comum — disse— Foi curioso, refrescante, nada mais.
—Não é possível que acredite nisso. Certamente, agora me condena.
—Não tenho nada que condenar. Bess e eu falamos de todo tipo de coisas. Ela é muito franca, às vezes, de um modo escandaloso — respondeu Blanche, e se esforçou por sorrir, embora estivesse tão nervosa que tremiam os joelhos.
—Eu não sou Bess.
—Os amigos falam com sinceridade. Estou segura de que queria me dar conselho, não me ofender. Não me ofendeste —acrescentou com convicção — Nunca tive um amigo.
—Um amigo — repetiu ele— Agora sou um amigo?
Ela titubeou.
Lentamente, sir Rex disse:
—É incrivelmente elegante. Dá um exemplo que todo mundo, homens e mulheres, deveriam seguir.
Ela se ruborizou, entusiasmada por seu louvor.
—Não é certo.
—Agora estou mais seguro que nunca de que sua amabilidade não tem comparação possível. Oxalá tivesse lhe deixado desfrutar a sós de sua taça noturna.
Ela mordeu o lábio.
—Desejava ter companhia. Isso não é estranho, sir Rex. Além disso, acaso eu não lhe ofendi? Eu também me intrometi em seus assuntos. E o fiz deliberadamente, não posso negar. Possivelmente deva ser eu quem se desculpe por meu comportamento.
Ele sacudiu a cabeça com incredulidade.
—De novo deu a volta na situação para que seu comportamento pareça inapropriado. Está tentando não ferir meus sentimentos.
—Ontem à noite disse o que penso. É um homem bom e honrado. Sempre lhe tive em grande estima.
Ele se sobressaltou.
—Sinto-me como se tivéssemos sobrevivido a outro furacão.
Ela sorriu com alívio.
—Eu também.
Por fim ele sorriu, mas brevemente, com um olhar atento.
—Então, separamo-nos em bons términos?
Blanche o olhou nos olhos e se deu conta de que não queria partir. Ao menos, aquele dia não. Possivelmente no dia seguinte.
—Está me pedindo que vá embora? Entendo que fiquei mais do que o adequado.
—Não! Supunha que estava se preparando para partir.
—Tinha pensado ir a Lanhadron. Os meninos dos Johnson estavam descalços. Não tinha pensado em voltar para Londres ainda. Devo confessar que não estou pronta para voltar a enfrentar minhas hordas de admiradores, sir Rex. Tenho medo da escolha que me verei obrigada a fazer.
—Não posso dizer que a culpe. Não há pressa. Sua fortuna não vai se desvanecer da noite para o dia, e, portanto, seus admiradores tampouco. Pode ficar todo o tempo que queira.
—Se em algum momento me converto em uma moléstia…
—Você nunca poderia ser uma moléstia.
—Obrigado. Eu adoraria ficar um pouco mais.
Ele a olhou de novo, daquela maneira escrutinadora que a fazia tremer, que fazia seu coração dançar.
—Tenho uma reunião no povoado ao meio-dia — disse sir Rex— Se puder esperar uma hora mais, sentir-me-ei muito agradado de lhe acompanhar.
Blanche murmurou que aquilo seria um prazer.
Capítulo 7
Blanche tinha o coração muito leve quando entregou as compras para a família Johnson ao chofer.
—Viu sir Rex, Clarence?
—Temo que não, milady.
Levava duas horas de compras por aquele pitoresco povoado, e não tinha visto que sir Rex saísse da reunião a qual tinha assistido na igreja. Ele foi ao povoado a cavalo, assim na realidade não havia nenhum motivo pelo qual devesse esperá-lo, mas queria fazê-lo.
Seguia pensando na conversa daquela manhã, e na estranha amizade que tinha surgido do encontro da noite anterior. Seguia pensando no caráter de sir Rex, em suas qualidades e seus defeitos. Ninguém era perfeito. Ela não era perfeita. Seus próprios defeitos faziam que os dele lhe parecessem encantadores.
E, quanto mais pensava nele, mais sabia que não lhe importaria que a beijasse.
—Milady? —disse-lhe uma mulher.
Blanche se voltou. A jovem que se dirigiu a ela também levava bolsas de compras.
—Olá — disse ela amavelmente.
A jovem, que era meio gordinha e tinha o cabelo moreno, fez uma reverência com as bochechas ruborizadas.
—Espero não lhe ofender — disse— mas não pude evitar ouvir dizer no povoado que é convidada em Land’s End.
—Sim, sou amiga da família. Sou lady Blanche Harrington — disse ela. O povoado era pequeno, do tamanho de duas ruas de Londres, e era provável que em uma população assim todo mundo se conhecesse. O que queria aquela mulher?
A jovem voltou a inclinar-se.
—Sou Margaret Farrow. Meu marido e eu somos vizinhos de sir Rex de Warenne.
Blanche se surpreendeu.
—Me alegro muito de lhe conhecer — disse com seriedade.
Aquilo era muito oportuno. Deu-se conta de que, apesar de seu nervosismo, a mulher tinha um olhar agradável. Não parecia frívola nem presunçosa. Parecia uma jovem de bom caráter e médio poder econômico.
—Vivemos a meia hora do castelo — prosseguiu a senhora Farrow— Como os visitantes são tão escassos, pensei que devia lhe conhecer.
—Assim, seu marido e você devem conhecer bem sir Rex — disse Blanche.
—Temo que não — respondeu Margaret.
—Bom… sei que sir Rex não recebe muitas visitas, mas se forem seus vizinhos mais próximos, devem lhe conhecer.
Margaret se ruborizou.
—Casei-me com o senhor Farrow faz cinco anos, e nunca fomos convidados ao castelo. Nós convidamos sir Rex de Warenne várias vezes a Torrence Hall, mas sempre declinou nossos convites.
Blanche não podia dar crédito a aquelas notícias.
—Mas admiramos muito sir Rex! Sabemos que é uma pessoa muito reservada. É um cavalheiro muito cívico. Fez grandes coisas pelo povoado.
Era muito embaraçoso que sir Rex não tivesse convidado seus vizinhos a sua casa, e que não tivesse aceitado nenhum convite deles. Blanche tinha que defendê-lo.
—Não tem anfitriã — disse com um sorriso— e possivelmente por isso… Uma vez que se case, começará a receber visitas. Provavelmente estava em Londres quando recebeu seus convites. Entretanto, sir Rex deve conhecer seu marido. Não saem juntos a pescar e a caçar?
Margaret sorriu com nervosismo.
—Temos uma mina em Torrence Hill, assim têm alguns assuntos em comum, como a reunião de hoje. Entretanto, eles não se conhecem, e nunca saíram juntos de caça, que eu saiba. Embora eu só leve cinco anos vivendo aqui.
Blanche pensou que ia desmaiar. Aquela jovem era muito agradável. Acaso seu marido era um ogro, então? Não. O mais provável era que sir Rex fosse um ogro, pensou com consternação.
Estava muito sozinho. Ele mesmo confessou. Pois bem, aquela era uma maneira de remediar.
—Sir Rex não me disse nada da reunião.
Margaret explicou.
—Uma vez ao mês, mais ou menos, sir Rex de Warenne convoca uma reunião com os mineiros. Está muito interessado nas condições das minas locais. Há oito neste distrito. Faz três anos houve um terrível desmoronamento em uma delas, e morreram dez homens. Após, sir Rex exige que as minas se mantenham cuidadosamente.
Blanche não se surpreendia que sir Rex desejasse fiscalizar as minas do distrito para assegurar-se de que os mineiros trabalhavam em condições seguras.
—Sir Rex tem uma natureza caridosa.
—É obvio que sim. Doa uma percentagem de seus benefícios ao asilo de São Judas — explicou a jovem— E teve a ideia de reabilitar a igreja normanda. O povo tinha deixado que se desmoronasse. Nossas famílias mais pobres sabem que sempre podem encontrar comida nas cozinhas de sir Rex.
—A reunião está se celebrando nessa igreja?
Margaret assentiu.
—Está ao final desta rua. Daqui se vê o campanário. Vai ficar muito tempo por aqui?
—Não decidi ainda — respondeu Blanche— mas espero que voltemos a nos ver logo. Possivelmente possam jantar uma noite em Bodenick.
Margaret Farrow ficou boquiaberta.
—Oh, nós adoraríamos ir jantar. O senhor Farrow admira muito sir Rex. Diz que é um herói de guerra. O primo de meu marido também esteve no Décimo primeiro Regimento de Dragões, na Península.
Blanche sentiu que lhe acelerou o coração.
—Era esse o regimento de sir Rex?
—Isso é o que meu marido acredita.
Blanche sentiu uma grande excitação, e depois, um momento de dúvida. Possivelmente o marido de Margaret soubesse o que atormentava sir Rex. Por outro lado, com toda segurança, sir Rex não gostaria que tivesse lugar uma conversa sobre a guerra durante um jantar em sua casa. Blanche soube que devia proceder com cuidado.
—Organizarei um jantar, se puder — disse à vizinha com franqueza.
—Oh, por favor.
—Mas deve advertir o senhor Farrow que sir Rex não gosta de falar da guerra.
—Sim, direi.
Um momento depois, as mulheres se despediram. Como não havia nem rastro de sir Rex, nem se via nenhum mineiro pela rua, Blanche decidiu aproximar-se da igreja. Não estava segura de poder conseguir que sir Rex acessasse celebrar um jantar em sua casa, mas ia apresentar-lhe os Farrow de um modo ou outro. Por muito que ele dissesse que gostava de viver em solidão, aquilo não era benéfico para seu bem-estar. Blanche nunca se envolveu com tanto atrevimento na vida de ninguém. Não era próprio de sua forma de ser. Bess e Felicia ficariam perplexas se soubessem o que estava planejando. Entretanto, ela estava segura de que fazia o melhor para Sir Rex.
Blanche tinha chegado ao curto caminho que conduzia à igreja. Ao subir até a porta principal, ouviu muitas vozes, acaloradas e veementes, que discutiam de uma vez. De repente, a tensão se apoderou dela.
Dentro do templo tinha lugar uma discussão. Disse-se que não devia preocupar-se. Provavelmente, aqueles debates seriam comuns em uma assembleia de um povoado. Na realidade, não sabia; nunca esteve em uma reunião numerosa, porque não gostava das multidões. Desmaiou no Dia 1º de Maio quando tinha oito anos, e em um circo um ano depois, e após evitava as multidões, e os grupos mais avivados. Mas isso tinha sido muito tempo antes.
Era uma tolice sentir-se tão insegura naquele momento. Além disso, tinha muita curiosidade por saber o que ocorria na reunião, e qual seria o papel de sir Rex nela.
Entretanto, alguém começou a gritar com fúria no interior do templo.
Blanche ficou gelada. Teve um desejo entristecedor e instantâneo de sair correndo. E durante um segundo, recordou seu despertar naquela celebração do Dia 1º de Maio, no chão, nos braços de seu pai, rodeada por uma dúzia de granjeiros e suas esposas, e o medo que sentia. Havia sentido o mesmo terror ao despertar no circo. Era como se lhe cravassem umas garras nas vísceras.
A mesma sensação que notava naquele momento.
Tentou sobrepor-se. Não tinha nenhum motivo para sentir ansiedade nem pânico. Era só uma reunião, e ela não tinha por que evitar os grupos numerosos de pessoas. Nunca teve problemas com a multidão em um baile nem em um museu. O que lhe ocorria?
De repente, deu-se conta de que sua mente estava povoada de imagens escuras, desfocadas, com as quais tinha vivido durante anos tentando ignorá-las. Entretanto, naquele momento as imagens tinham saído de sua letargia e exigiam que lhes prestasse atenção. Ela sabia que aquelas imagens eram apavorantes e violentas. Blanche sentiu uma espetada de dor muito aguda na cabeça.
O que estava acontecendo? O pânico era cada vez mais intenso. Por que tinha a terrível sensação de que, se tentasse de verdade, aquela imagem se esclareceria finalmente, depois de tantos anos de indefinição? Não tinha vontade de recordar aquele antigo motim.
Então ouviu Sir Rex falar, com calma, com aprumo.
Foi como se ele tivesse estendido os braços e a tivesse segurado antes que caísse. Inspirou profundamente e a angústia se atenuou. Ele era um homem no qual alguém podia apoiar-se. Voltou a respirar profundamente e entrou na igreja. Era tola por recordar aqueles fantasmas de vinte anos antes e por deixar que exigissem sua atenção.
Blanche olhou ao seu redor. Havia uns cinquenta mineiros na igreja. Estava abarrotada. Todos os bancos estavam ocupados e havia pessoas de pé. Sir Rex estava com outros cinco cavalheiros no altar. Ele também a viu, e apesar da sua surpresa, sorriu.
Ela correspondeu ao seu sorriso. Entretanto, resultava-lhe difícil respirar.
Então, uma dúzia de homens começou a falar de uma vez. A tensão de Blanche se intensificou. Olhou ao seu redor e soube que não devia ter entrado. Aquelas imagens escuras se embolavam em sua mente.
O que era aquilo? O que estava ocorrendo? Não podia respirar. Não havia ar. Muitos gritos!
Soube que ia desmaiar. Tinha que escapar daquela multidão. Avançou cegamente para a porta, e tocou com a mão um ombro coberto de lã. Afastou-se e procurou com o olhar sir Rex, tentando não deixar se dominar pelo ataque de pânico.
—A viga se derrubou! Ele não o dirá, assim que eu o farei! Derrubou-se, e é um milagre de Deus que todos os homens tivessem saído já! —gritou alguém.
Uma dúzia de vozes furiosas começou a gritar lhe dando a razão.
O chão começou a mover-se violentamente. Ela se encontrou com uns olhos pálidos, cheios de ódio. Gritou. O homem a olhava e estava a ponto de agarrá-la. Havia sangue por toda parte.
—Blanche!
Lutou por liberar-se, e o caos se desatou ao seu redor. Tantos corpos, tantos homens… ela empurrou a todo mundo, voltou-se, tentou fugir, mas alguém a agarrou. Tinham apanhado mamãe. Mamãe!
—Blanche!
Cambaleou contra a parede, presa por uns braços que não queriam libertá-la, olhando com espanto à multidão. Brandiam os punhos no ar. Os traços se voltaram imprecisos. As pás e as forcas se elevavam.
Conseguiu escapar e pôs-se a correr pelas escadas. Caiu ao chão, e as pedras e o cascalho a morderam através das luvas e lhe arranharam a bochecha. Tanto ódio, e havia sangue por toda parte, e ela estava em um atoleiro de sangue, e mamãe não estava…
Lutou por respirar, mas era muito tarde. As sombras se abatiam sobre ela, e também a violência e a morte, e depois só houve escuridão.
Rex a soltou assim que se deu conta de que estava fora de si. Blanche correu para o exterior e caiu pelas escadas. Ele correu atrás dela, horrorizado. Os homens o conheciam e se afastaram imediatamente para deixá-lo passar. Ele a seguiu a uma velocidade incompatível com sua lesão, e se ajoelhou a seu lado.
—Blanche!
Atirou a muleta a um lado e tomou nos braços. Estava branca como o papel e tinha um arranhão na bochecha.
—Blanche, desperte.
—Sir Rex.
Deu-se conta de que seu capataz lhe estendia uns sais. Rex os aproximou do nariz de Blanche, e imediatamente, ela tossiu e abriu os olhos. Rex a abraçou com mais força, e se deu conta de que se sentia terrivelmente aliviado.
—Tudo vai bem — disse ele em voz baixa— Desmaiou. Não se mova durante um momento.
Entretanto, havia muito mais que isso, e ele sabia. Tinha visto o terror refletido em seus olhos verdes. Blanche começou a recuperar a cor das bochechas. Então, ela olhou mais à frente e de novo o medo se refletiu em seu rosto. Ele elevou a vista e viu todos os homens da reunião ao seu redor.
—Vão para trás! Necessita de ar!
Os homens obedeceram imediatamente.
Blanche tentou sentar-se, e ele a ajudou.
—Desmaiei? —perguntou com a voz rouca.
—Isso parece. Fica quieta um momento, por favor.
Ela respirou.
—Sinto-o muitíssimo — murmurou.
E Rex viu que derramava uma lágrima.
—Não se atreva a se desculpar agora! —ordenou ele. Olhou a seu capataz, Jack Hardy— Pede que traga a carruagem dos Harrington. — Hardy se apressou a obedecer. Embora muito preocupado, Rex sorriu de uma maneira reconfortante a Blanche. —Descanse um momento, por favor — murmurou, e lhe tirou a lágrima com a ponta do dedo indicador.
Ela sorriu fracamente.
—A igreja estava abarrotada. Não podia respirar.
Ele se limitou a assentir. Todas as janelas da igreja estavam abertas, e não faltava ar.
—Sente-se melhor?
Blanche assentiu. Tinha melhor aspecto e tinha recuperado a cor.
—Estou bem, de verdade.
Ele vacilou.
—Senhor.
Um mineiro lhe estendeu a mão.
Com ajuda do homem, Rex levantou Blanche. Alguém lhe entregou a muleta, na qual se apoiou imediatamente. Negava-se a soltar Blanche. Acaso ela sofria de claustrofobia?
—Blanche, desmaia frequentemente?
—Não.
Rex não gostou daquela resposta.
—Vou mandar um aviso ao doutor Linney para que vá a Bodenick.
—Estou bem, sir Rex — disse ela. Separou-se dele, e Rex não teve mais remédio que lhe permitir que se afastasse— Foi minha imaginação, ou todo mundo estava zangado?
Ele se surpreendeu.
—Normalmente, estes debates são muito acalorados. Cada tema que se trata, pode ser assunto de vida ou morte. Estes homens trabalham muito, em condições duras, e normalmente a compensação é pequena. Sim, estavam zangados, mas quem pode culpá-los por isso?
Ela estremeceu.
—Eles lhe farão mal?
Ele não entendeu a pergunta. Temia ela por sua segurança?
—Eu pago bem aos meus trabalhadores. Além disso, mantenho minhas minas bem iluminadas e ventiladas. As vigas são inspecionadas todas as semanas. Prefiro perder benefícios que vidas. Confio nos homens que trabalham para mim.
Ela o olhou fixamente, como se não pudesse decidir se devia acreditar ou não.
Rex sorriu.
—Era uma assembleia, lady Blanche. Um debate. Nunca tivemos uma confrontação violenta desde que abri as minas de Bodenick, faz seis anos. O objetivo destas reuniões é evitar enfrentamentos.
Blanche estremeceu de novo.
—Acreditava que a violência era iminente — disse em voz baixa— Acreditava que podia estar em perigo, que os dois estivéssemos em perigo. Mas, imaginei isso?
—Acredito que sim. — Naquele momento chegou à carruagem da casa Harrington e se deteve ao lado da igreja. —Está muito agitada. Irei no carro de volta a Land’s End com você, se não lhe importar.
—Claro que não. Sem dúvida, meu carro é muito mais cômodo que o lombo de um cavalo.
Ele sorriu.
—Sempre preferi o lombo de um bom cavalo.
Ajudou-a a subir à carruagem, e quando estiveram acomodados, lhe disse:
—Sinto muitíssimo ter causado alarme.
—Não se desculpe por um desmaio! —exclamou ele.
Ela o olhou nos olhos.
—Sabe que não sou uma histérica.
—Claro que sei. Nunca conheci uma mulher tão equilibrada quanto você, Blanche. É elegante em todas as ocasiões.
Ela seguia olhando-o com atenção, como se verdadeiramente fosse importante o que ele dizia. Ao cabo de um instante, sorriu e relaxou. Voltou à cabeça e olhou pela janela.
Ele a imitou para lhe dar a oportunidade de recuperar a calma. Havia algo que não ia bem. Aquilo tinha sido produzido por algo mais que um medo espontâneo a uma sala cheia de gente. Rex se sentia muito preocupado.
Durante a meia hora que durou o trajeto de volta a Bodenick, nenhum falou. Ambos estavam absortos em seus pensamentos. Um pouco antes de chegar, ela murmurou:
—Devo-lhe uma explicação.
Não era certo. Não devia. Entretanto, Rex queria escutá-la. Mas, no momento, aquela explicação podia esperar.
—Por que não descansa até que cheguemos a Bodenick? Falaremos mais tarde, quando se sentir melhor.
—Você contou alguns de seus segredos. Eu também desejaria lhe contar algo.
—Não têm por que me revelar nada, Blanche. Estou preocupado por seu desmaio, mas isso não significa que tenha que despir sua alma.
—Não tenho claustrofobia —disse ela — Me viu muitas vezes em bailes abarrotados. Há um problema, sir Rex, mas eu não tinha me dado conta de que persistia. Não havia voltado a desmaiar desde os nove anos.
Ele se sentiu tenso. Do que se tratava tudo aquilo?
—Pensa que estou louca.
—Sei que não é certo.
—Eu não gosto de multidões porque minha mãe morreu em um motim quando eu tinha seis anos.
Ele não sabia. Ergueu-se no assento.
—Sinto muito.
— Os bailes não me incomodam, porque todo mundo é muito agradável em uma festa — disse Blanche, e mordeu o lábio— Eu estava com ela. Era o dia das eleições.
Ele ficou aniquilado… e horrorizado, porque frequentemente os dias de eleições eram de violência e tumultos. Era uma desculpa para que a turfa enfurecida de gente pobre se agrupasse e atacasse os ricos. Os dias de eleições, as janelas de Harmon House eram fechadas com tábuas de madeira, como todas as demais da vizinhança. Os dias de eleições, os inocentes podiam resultar golpeados, pisoteados até a morte, enforcados. E as turfas não distinguiam entre quem era dos seus, ou ricos e privilegiados. Frequentemente, também havia vítimas muito pobres.
Blanche sorriu com uma expressão sombria.
—É obvio, eu não me lembro. Não recordo nada daquele incidente nem daquele dia.
—É uma bênção que não recorde nada da morte de sua mãe.
—Quando fiz treze anos, pedi a meu pai que me contasse a verdade. Disse-me que minha mãe tropeçou, caiu, e que bateu tão fortemente a cabeça que morreu — disse ela, e encolheu os ombros— Eu sei que esse dia houve muitos motins.
Ele se deu conta de que o pai de Blanche tinha lhe mentido. Ela também sabia. Rex se inclinou para diante e tomou sua mão. Aquele foi um gesto atrevido, mas demônio, não lhe importava.
Ela abriu os olhos desmesuradamente.
—O que está fazendo?
Rex sorriu.
—Oxalá eu soubesse. Mas sua desconfiança e seu rechaço para as multidões têm sentido. Deixe o passado no passado, porque não pode trocá-lo. E não refiro aos mineiros, Blanche. Eles são homens respeitáveis e bons, juro. Não querem fazer mal a você, nem a ninguém.
Por fim, ela sorriu.
Rex acrescentou com gravidade:
—Eu não permitiria que sofresse nenhum dano.
Seus olhares ficaram presos.
—Acredito-lhe — disse ela com um suspiro.
Rex percebeu com claridade a mudança que tinha acontecido entre eles. Tinha-lhe confessado um detalhe muito íntimo de sua vida, lhe permitindo conhecer algo que permitia muito pouca gente conhecer, como tinha feito ele, possivelmente sem deliberação, na noite anterior e à tarde de sua chegada. Estava se formando um vínculo entre os dois, um vínculo de respeito, de admiração e de amizade, e de algo mais. Rex estava seguro de que ela sentia atração por ele, como ele sentia atração por ela.
Não podia sair nada bom daquilo.
Soltou-lhe a mão.
Blanche se sentiu aliviada quando, por fim, Meg partiu. Desde que sir Rex tinha lhe contado que sofreu um desmaio, a donzela esteve revoando ao seu redor. Uma vez sozinha, com um bom fogo na lareira de sua estadia, aproximou-se da janela e olhou para o oceano.
O céu estava coberto e cinza. Ia começar a chover.
Sentia-se inquieta. Não estava segura se devia ter falado a sir Rex sobre o motim que tinha acabado com a vida de sua mãe, mas não queria que ele acreditasse que era uma mulher histérica. Sua admiração e sua amizade se converteram em um ponto muito importante para ela. E por que desmaiou se não havia tornado a lhe acontecer desde que tinha nove anos? Teve realmente a impressão de que poderia recordar o que ocorreu durante aquele motim se tentasse?
O incidente da igreja a deixou muito confusa. Por que tinha sofrido aquele ataque de pânico? Durante um momento, lhe pareceu que via de verdade uns homens brandindo forcados.
Não queria recordar nada do dia em que sua mãe tinha morrido. Se aqueles homens tinham forcados, não queria saber. Os monstros que povoavam sua mente deviam permanecer encerrados para sempre. Não podia entender por que tinha perdido o controle, mas sabia que naquele momento o tinha recuperado.
E tampouco parecia que sir Rex tivesse mudado o conceito que tinha dela por aquele desmaio tolo. Ela sempre havia se sentido orgulhosa de sua natureza tranquila e não queria que ele pensasse que era frívola ou nervosa.
Alguém bateu na porta, e Blanche soube de antemão quem era. Voltou-se da janela, sorrindo.
—Por favor, entre.
Sir Rex se deteve na entrada do dormitório enquanto Meg passava com uma bandeja nas mãos. Imediatamente, seus olhares se encontraram, e ele sorriu. Entretanto, Blanche se deu conta de que tinha uma expressão preocupada.
—Soube que só comeu uma torrada para tomar o café da manhã. Anne preparou um refrigério. Sentir-se-á melhor depois de comer algo.
Sorriu-lhe. Tinha o coração tão ligeiro que acreditava que ia escapar do peito.
—Já não sou uma menina pequena para que possa me obrigar a comer.
Meg deixou a bandeja na mesa que havia junto ao sofá, e lhe sorriu, mostrando uma covinha que se formava na bochecha.
—Já não é uma menina, mas come como um pássaro. Como um pardal, na realidade. Lady Blanche estou preocupada por você. Por favor, me agrade agora.
—Vai acompanhar-me? —perguntou-lhe ela, com a esperança de que ele aceitasse o convite.
Ele se surpreendeu e afastou o olhar.
Blanche notou que acelerava o pulso. Nunca foi arteira, mas o sedutor convite que lhe tinha feito escapou dentre seus lábios antes que pudesse evitá-lo; possivelmente, porque desejava muito sua companhia. Então, viu sir Rex aproximar a cadeira da escrivaninha ao sofá.
—É obvio — disse— Ninguém gosta de comer sozinho — acrescentou, e fez um gesto para o sofá.
O coração de Blanche voou. Ele sempre jantava sozinho, e parecia que levava fazendo-o durante anos. Ela se acomodou no sofá e agradeceu a Meg pela bandeja ao tempo que sir Rex se sentava.
Enquanto mordiscava um sanduíche, Blanche pensou que esteve entre seus braços poucas horas antes. A noite anterior, seu abraço tinha sido poderoso, tão masculino que quase a assustaram. Aquele dia, entretanto, ele tinha sido maravilhosamente tenro. Era um homem bom, e merecia muito mais que a vida que levava. Não merecia estar sozinho.
Entretanto, ela ia mudar aquilo. Tinha planos bem organizados.
Deu-se conta de que ele a estava observando e lhe devolveu o olhar com um sorriso.
—Parece-me que não o agradeci apropriadamente por ter me salvado hoje.
—Não há nada que agradecer, e sim já me agradeceu.
—Há muito que agradecer — respondeu ela.
—Está me dizendo que pensava que ia lhe deixar inconsciente na rua?
Blanche soltou uma gargalhada.
—Possivelmente deva ir para casa e acabar com os rumores ao seu respeito.
Ele vacilou, e depois riu.
—Sim, você tem a coragem e a audácia necessárias para fazê-lo.
Blanche ficou imóvel. Nunca tinha ouvido sir Rex rir com alegria. O som era quente e belo.
Entretanto, ele apagou o sorriso dos lábios.
—Tenho algo estranho na cara?
Ela se deu conta de que ficou olhando-o sem fôlego.
—Sou a mulher menos audaz do mundo.
Sir Rex voltou a sorrir.
—Subestima-se. Entretanto, não é necessário que me defenda ante a boa sociedade, lady Blanche. Faz muito tempo que deixou de me importar o que pensa a aristocracia.
A Blanche sim importava. Desprezava as fofocas. E a primeira que ia atalhar era a de sua querida amiga Felicia.
—Não está comendo.
—Nunca tive um grande apetite.
—Isso é evidente. Monta a cavalo?
Aquela pergunta surpreendeu Blanche.
—Monto bastante bem, embora não tanto quanto você é obvio.
Um sorriso precioso, completamente sedutor, liberou-se.
—Venha comigo manhã. Cavalgaremos pelos páramos, e lhe mostrarei as ruínas de um castelo normando. Estará morta de fome —acrescentou— quando voltarmos.
O pulso dela acelerou, e sentiu uma calidez estranha por todo o corpo. Gostava daquele homem. Gostava muito. E assim que estivesse a sós, escreveria a Bess e lhe pediria conselho. Se Bess tinha pensado uma vez em emparelhá-los, provavelmente seguiria acreditando que era boa ideia.
—Está me observando fixamente.
Ela se ruborizou.
—Você deve estar acostumado a ser admirado pelas damas.
—Isso é um elogio?
—É obvio! — Tinha pensado ele que o estava insultando? Passou pela mente dela que os estranhos podiam observá-lo por causa de sua perna— É um homem muito bonito e, certamente, as mulheres o olham. Sei que Felicia o admirou, e ouvi que outras damas também.
—Ah.
Ela ficou sem saber o que dizer.
—Queria lhe fazer um elogio, sir Rex.
Ele franziu os lábios.
—Não me importa o que pensem as damas da alta sociedade.
—A maioria dos homens estaria agradada…
—Eu não sou a maioria dos homens. Importa-me o que você pensa. O que você pensa?
Blanche ficou boquiaberta. Estava lhe perguntando se ela o achava bonito? E, se fosse assim, o que devia responder?
O olhar de sir Rex era inflexível. Tinha um ligeiro sorriso nos lábios.
—Está procurando uma adulação, sir Rex — disse ela, com nervosismo.
—Certo — respondeu ele, e se relaxou em seu assento— Não é muito cavalheiresco da minha parte, não?
—Não, não é.
Ele sorriu.
Devolveu-lhe o sorriso. Parecia que tinham chegado a um terreno novo, inclusive mais próximo.
—Eu adoraria ir montar a cavalo pelos páramos — disse Blanche brandamente— Com você.
—Bem. Então, está decidido. Sempre e quando o tempo permita claro.
Ambos olharam para a janela. O céu se obscurecia rapidamente. Blanche rezou para que o tempo estivesse limpo e ensolarado na manhã seguinte.
—Mudando de assunto, conheci seus vizinhos. — O sorriso de sir Rex se desvaneceu. —Ou, na verdade, conheci sua vizinha, a senhora Farrow de Torrence Hall. — Sua sensação de bem-estar se desvaneceu também. A expressão de sir Rex se tornou impenetrável, e pior ainda, negava-se a falar. —É uma jovem encantadora. Tivemos uma conversa muito agradável. Não sabia que tinha vizinhos a menos de meia hora de caminho em carruagem — disse. Entretanto, a falta de interesse de sir Rex era evidente— Sir Rex? Não deseja fazer nenhum comentário?
—Não em especial — respondeu ele. Ficou em pé e ajustou a muleta— O que pretende lady Blanche?
Ela ficou tensa.
—Não pretendo nada — mentiu.
Ele esboçou um sorriso irônico.
—Vejo que minha vizinha foi uma fonte de informação.
Blanche pensou em deixar aquela questão imediatamente, mas ele precisava ter um pouco de vida social.
—É muito curioso — disse — Está a cinco anos casada e vivendo neste distrito, mas nunca jantou em Bodenick.
—Em efeito —respondeu ele com aspereza— Esqueceu? Sou um ermitão, e prefiro a companhia do álcool a das jovens agradáveis.
Ela sentiu uma profunda consternação e ficou em pé, cambaleando.
—É que eu não sou agradável? E jovem? E você mesmo me pediu que lhe fizesse companhia!
Ele elevou a mão esquerda.
—Isso é injusto.
—Não quero ser injusta. Só me pareceu que podia planejar uma noite agradável para todos nós.
—Entendo.
—Não acredito que entenda, mas não tinha me dado conta de que o mero feito de mencionar seus vizinhos pudesse provocar uma crise.
Sir Rex ficou tenso.
—Não é assim.
—Não posso comentar que conheci uma vizinha que me agradou?
—É obvio que pode.
—Possivelmente também interessassem a você!
—Duvido.
Blanche teve vontade de sacudi-lo. Desejava lhe dizer que, se sempre se comportasse como um ermitão considerar-no-ia como tal. Entretanto, ele já sabia, e não lhe importava. Ela era quem se preocupava com as pedras que lhe lançavam.
—E agora o que? Está me olhando fixamente de novo. Ganhei seu desagrado! —exclamou ele.
Parecia que lhe importava muito que lhe tivesse respeito, pensou Blanche.
—Sim, estou decepcionada.
—Tão importante é para você que conheça meus vizinhos?
Ela mordeu o lábio. Não queria ter esperanças.
—Na realidade, sim.
—Por quê?
—Porque acredito que sua vida poderia melhorar com algumas relações sociais.
Ele a olhou como se ficasse louca.
—Deseja melhorar minha vida.
—Sim.
—Por quê? Só é minha convidada. Por que se incomoda?
—Ficamos amigos!
Ele respirou profundamente, com resignação.
—Está bem. Convide.
Não parecia que estivesse zangado, mas deu a volta para partir do quarto.
Blanche correu para ele e lhe bloqueou o caminho. Sir Rex se deteve bruscamente e cambaleou, e ela o tomou pelo braço, instintivamente.
—Perdi o equilíbrio, mas não porque me falte à metade da perna.
Ela suspirou.
—Se pensa em se zangar como um menino não convidarei os Farrow para jantar.
—Então, agora devo lhe prometer que serei encantador?
—Sim.
—Muito bem. Então, serei encantador, prometo.
Blanche sorriu, entusiasmada.
—Atrevo-me a dizer que desfrutará da noite.
Ele apertou a mandíbula.
—Ao menos, com você na mesa, não será uma noite infernal.
Ela sacudiu a cabeça.
—Que drama! Agora, sou eu quem lhe faz uma promessa, sir Rex.
—Estou esperando.
—Se não se divertir, nunca mais interferirei em sua vida.
Ele elevou o queixo.
—Então, me divertirei.
Blanche se sobressaltou.
—E, a propósito, é muito audaz — disse ele.
Depois, fez uma reverência e partiu.
Capítulo 8
Querida Bess:
Espero que, ao receber esta carta, os meninos e você se encontrem muito bem.
Temo que necessite que me dê conselho. Levo em casa de sir Rex de Warenne uma semana, como deve saber. Foi muito angustiante descobrir que Penthwaithe não forma parte de minha herança. Estou segura de que agora está sorrindo com petulância, assim devo te perguntar se pensou a sério que devo me emparelhar com sir Rex.
É um homem de muitas qualidades. Tem força e integridade de caráter, com o que pode administrar a fortuna Harrington. Seus atributos compensam em muito seus defeitos. Acredito que formamos uma boa amizade apoiada no afeto e o respeito mútuo. E me atrevo a dizer que me resulta muito atraente. Bess estou pensando em lhe pedir que contraiamos matrimônio.
Por favor, me responda rapidamente e me diga qual é seu parecer. E se ainda pensa que uma união apoiada na amizade, o afeto e a força de caráter é a mais adequada, por favor, me diga exatamente como devo proceder.
Finalmente, não tenho a mínima ideia se ele será receptivo a minha proposta. Eu não gostaria de sofrer seu rechaço.
Por fim, Blanche deteve a pluma com um nó de medo no estômago. Oh, odiaria que ele a desprezasse. Preferiria seguir assim, como amigos, que lhe propor que formassem um matrimônio e sofrer um desprezo doloroso.
Além disso, tinha passado por cima de seus defeitos. Entretanto, não era necessário que Bess soubesse tudo. Por muito que a quisesse, Blanche sabia que sua amiga adorava fofocar. Tremendo, molhou a pluma no tinteiro.
Sua amiga leal,
Blanche Harrington.
Ao terminar, recostou-se no respaldo da cadeira aliviada por ter escrito em fim aquela carta. O correio era rápido. Bess receberia a carta em dois dias, e se respondia com urgência, Blanche poderia ter a resposta em quatro dias.
Tinha a esperança de que sua amiga lhe dissesse que seguisse adiante com seu plano. Entretanto, antes que tivesse ocasião de refletir mais sobre o tema, ouviu um escândalo no pátio.
Havia homens gritando na rua.
—Que alguém abra a maldita porta!
Blanche ficou em pé de um salto e correu para a janela, mas quando olhou ao pátio, estava vazio.
—Lady Harrington! Lady Harrington! —gritou sua donzela do andar de baixo.
Alarmada Blanche saiu correndo do quarto. Enquanto descia os degraus a toda pressa, viu uns homens no vestíbulo, formando um círculo, e sentiu medo. Soube que algo terrível tinha ocorrido a sir Rex.
—Afastem-se! —gritou.
Os homens se fizeram a um lado e ela viu sir Rex estendido no chão, com a camisa branca manchada de sangue. Estava inconsciente. Não podia estar morto!
Blanche se ajoelhou ao seu lado enquanto observava sua palidez. E então, viu a fonte da que brotava o sangue. A camisa estava rasgada, e ele tinha um corte muito profundo no peito. Blanche passou do medo ao terror. Olhou para cima e viu Meg.
—Me traga uns lençóis limpos para cortar a hemorragia — disse com calma. Rasgou um pedaço limpo da combinação que usava por baixo e o apertou rapidamente contra a ferida.
Havia muito sangue.
—Hardy, verdade? —perguntou a um dos homens, sem afastar a vista do pálido rosto de sir Rex.
—Sim, senhora.
—Vá avisar o médico mais próximo agora mesmo — disse. Depois de ouvir que vários homens saíam correndo do castelo, fez um gesto a um moço. — Jovem, quero que aperte com tanta força como é possível minha combinação contra a ferida, enquanto eu tomo o pulso de sir Rex — disse.
O menino ficou de joelhos e se fez cargo da tarefa de tapar a ferida.
Blanche pôs as pontas dos dedos na carótida de Sir Rex e lhe encontrou o pulso em seguida. Era mais fraco do que gostaria, e muito rápido, perigosamente rápido. Seu coração trabalhava furiosamente para bombear sangue a todo o corpo, depois de ter perdido tanto. Acariciou-lhe o rosto, para que soubesse de algum modo que estava ali e que ia cuidá-lo.
—Anne?
—Sim, milady — sussurrou Anne, e se adiantou. Estava tão branca como um lençol.
—Ponha água para ferver e me traga isso. Traz também fio e agulha. E necessito sabão, água temperada, trapos limpos e uísque. Muito uísque.
Anne se apressou a cumprir suas indicações. Meg chegou com os lençóis limpos. Blanche olhou para cima e viu cinco homens.
—O que ocorreu? —perguntou com a voz rouca.
—Estava trabalhando com um garanhão jovem, milady. Normalmente, é um cavalo muito tranquilo. Deve ter se assustado por algo. Tudo ocorreu muito depressa. O cavalo deu um coice e sir Rex o esquivou, mas o chão estava enlameado e escorregou. O cavalo saiu correndo e… um cavalo nunca pisotearia uma pessoa, milady, nunca!
—Maldita seja — gritou Blanche— Está me dizendo que um cavalo o pisoteou?
—Fez-lhe um corte com um dos cascos, milady.
Blanche estava furiosa, mas lutou por conservar a calma e sorriu ao moço, que estava tremendo de preocupação.
—Como te chama?
—Jimmy.
—Agora, eu me farei cargo de tudo. Pode ir procurar Anne e ajudá-la para que me traga tudo o que lhe pedi?
Quando o moço saiu correndo, ela levantou o pedaço de sua combinação, que estava de cor vermelha, empapado em sangue; antes de substituí-lo pelo lençol de linho, observou com atenção a ferida. O corte era profundo e necessitaria muitos pontos. Além disso, Blanche não acreditava que o médico chegasse a tempo. Tinha medo de que a ferida se infectasse, porque estava suja de terra.
Sir Rex gemeu de dor.
—Por favor, levem-no ao andar de cima com cuidado — pediu aos homens.
Não podia evitar o fato de movê-lo. Ele precisava estar em uma cama, e ela tinha que atendê-lo rapidamente. Quando os quatro homens o levantaram do chão, sir Rex grunhiu, e ela sentiu os olhos encherem de lágrimas. Rapidamente, as secou. Aquele não era momento de recuperar a capacidade de chorar, demônios pensou Blanche, furiosa consigo mesma. Sir Rex a necessitava.
—É um homem grande e forte, milady — sussurrou Meg— Ficará bem.
—Perdeu muito sangue — respondeu Blanche. Depois, com firmeza, disse a sua donzela— Ferve minhas pinças também, para limpar a sujeira da ferida. Conto contigo, Meg. Tem um estômago forte?
Meg titubeou.
—Farei o que posso.
—Bem. Necessito o uísque, o sabão e a água imediatamente.
Blanche levantou as saias e subiu correndo as escadas.
Os homens tinham depositado sir Rex na cama. Ela viu uma garrafa de brandy sobre sua mesinha de noite. Tomou e se sentou no colchão. Ao afastar o lençol, da ferida brotou mais sangue.
—Segurem-no — disse.
Quando os homens seguraram, verteu o brandy sobre o corte.
Sir Rex gritou e abriu os olhos, e se levantou com tal força que nem sequer os quatro homens puderam impedir-lhe. Brevemente, seu olhar confuso, de acusação e incredulidade, encontrou-se com o de Blanche.
—Recebeu um coice. E sinto, mas não terminei.
A acusação desapareceu. Ele tinha compreendido o acontecido.
—Demônios — disse, e se desabou sobre a cama com a testa coberta de suor.
Blanche se deu conta de que tinha que ser desumana.
—Segurem-no —repetiu— E, por favor, não permitam que volte a levantar-se. — Rex não deixava de observá-la. —Por favor, não se mova — lhe disse ela, e jogou o resto do álcool sobre a ferida.
Ele emitiu um grunhido de dor, e depois um ofego.
Blanche tomou outro lençol limpo e o apertou contra o corte.
—Sinto muito —lhe disse— Pode respirar bem? Dói-lhe quando respira? —perguntou. Tinha que fazê-lo para assegurar-se de que o cavalo não o tinha pisoteado e não tinha lhe quebrado uma costela.
Ele conseguiu fazer um gesto negativo com a cabeça.
—Bem. Então, se deixe levar, sir Rex. É melhor que desmaie.
Entre ofegos, Rex abriu os olhos.
—É muito grave?
—É um corte que necessita pontos. Além disso, tenho que limpar a ferida com água e sabão.
A dor lhe contraiu o rosto.
—Faça — disse a Blanche. E se desvaneceu.
Blanche se sentiu aliviada. Naquele momento, Meg entrou no quarto com a água e o sabão, e com um par de tesouras.
—Pensei que possivelmente as precisasse — sussurrou a donzela.
—Sim — disse Blanche.
Alegrava-se de que Meg tivesse mantido a cabeça clara. Fez um gesto aos homens para que se afastassem e cortou a camisa de sir Rex de modo que pudessem tirar-lhe sem movê-lo. Depois secou a ferida; parecia que tinha deixado de sangrar.
—Como posso ajudar milady? —perguntou-lhe Meg.
Blanche se deu conta de que todos a estavam olhando. Ela tinha experiência como enfermeira porque ajudava a curar os pobres como parte de seu trabalho em Santa Ana, mas não tinha tanta experiência para costurar aquele corte.
—Alguém alguma vez costurou uma ferida deste tipo? — Todos negaram com a cabeça.
—Pode esperar o médico, milady. Chegará antes do anoitecer.
Blanche sentiu desespero. Aproximou-se do lava mãos e começou a lavar-se cuidadosamente. Meg a seguiu.
—É muito hábil com a agulha, milady — sussurrou.
—Nunca costurei um homem — replicou Blanche.
Meg sorriu com tristeza.
—Dá-me medo esperar que chegue o médico. Só o que sei é que, quanto mais tempo esteja aberta uma ferida, mais possibilidades têm que se infecte.
Meg assentiu.
—Possivelmente também tenha que tornar um gole de uísque você mesma.
Blanche estava horrorizada. Aproximou-se de sir Rex de novo.
—Limparei bem a ferida. Se acordar, devem segurá-lo com força — disse aos homens, que assentiram com gravidade.
Um deles lhe disse:
—Será melhor que lhe dê um pouco de uísque antes de costurá-lo.
Blanche estava de acordo.
—Se não recuperar o conhecimento, o despertaremos antes de lhe dar os pontos e lhe daremos o uísque.
Aproximou a cadeira à cama e começou a limpar a ferida.
Blanche atravessou a pele de sir Rex com a agulha pela vigésima terceira vez. Não podia acreditar que tinha terminado por fim. Fez um nó com o fio e conseguiu manter-se calma durante um momento mais. Meg lhe estendeu as tesouras e Blanche cortou o fio limpamente. Depois entregou os instrumentos à donzela. Sir Rex continuava inconsciente.
Ela ficou ali sentada, incapaz de mover-se. Só o que podia fazer era respirar profundamente.
Sir Rex estava há horas sem sentido. Entretanto, depois que limpou a ferida, que tinha terra, areia e inclusive cascalho por dentro, seus homens o tinham despertado e o obrigaram a beber meia garrafa de uísque. Ela nunca esqueceria como a tinha olhado, como se confiasse em que ia curá-lo.
Começou a tremer incontrolavelmente. As lágrimas derramaram pelas bochechas. Como tinha conseguido limpar e costurar aquela terrível ferida?
E se tivesse deixado alguma pedrinha?
E se ele sofresse uma infecção?
Onde estaria aquele maldito médico!
—Não ocorre nada, milady. Ele não sente nada — sussurrou Meg com suavidade.
Blanche colocou as mãos sobre o rosto e tentou recuperar a compostura. As lágrimas queimavam nas pálpebras. Ela nunca quis chorar assim, e nem sequer estava segura de por que chorava. O pior da crise tinha passado, não?
Deu-se conta de que estava chorando de temor. Não recordava ter se sentido assim nunca, nem ter derramado tantas lágrimas, mas tinha terror a que sir Rex, embora fosse um homem forte, não sobrevivesse ao acidente.
—Ficará bem, milady — disse um dos homens enquanto se afastava para a porta.
—Um coice não lhe vai fazer mal, absolutamente — acrescentou Hardy enquanto saía.
Blanche assentiu para despedir-se quando eles partiam.
—Obrigado — sussurrou.
Depois se voltou para sir Rex, que seguia muito pálido. Os pontos estavam vermelhos, inchados e irritados. Blanche lhe acariciou a bochecha.
—Ficará bem — lhe disse, rogando que fosse certo.
—Agora tem que descansar milady — disse Meg com firmeza.
Blanche voltou a lhe acariciar a bochecha. Inclusive doente, era tão bonito como um anjo escuro. As pálpebras tremeram um pouco quando ela se afastou; Blanche não queria despertá-lo. Quando recuperasse o conhecimento, não ia se sentir precisamente bem: sofreria os efeitos da ferida e de todo o uísque que tinha ingerido.
—Milady, por favor — insistiu Meg.
Blanche a olhou, e se deu conta de que Anne estava junto à porta. Ambas as donzelas tinham sido de grande ajuda. Todo mundo tinha ajudado muito, e aquilo era um testemunho do respeito que sentiam por seu senhor.
—Não sei como lhes agradecer — sussurrou.
—Anne e eu faremos turnos para nos sentar junto a ele. Anne pode ficar primeiro, e eu lhe prepararei um banho quente e lhe levarei o jantar — disse Meg.
—Não, Meg. Não tenho fome e não vou deixá-lo ainda. Entretanto, pode me trazer algo de comer e um copo de vinho, porque preciso me alimentar. E onde está esse médico?
Anne aproveitou o momento para partir.
Blanche ficou olhando-a, e depois perguntou a Meg:
—Por que o doutor demora tanto?
—Estou segura de que chegará a qualquer momento — disse Meg— Eu ficarei com ele. E enviarei Anne a sua casa. Milady, ao menos tome um descanso. E olhe seu vestido! Está manchado!
Blanche se sentiu tensa. Acaso Meg pensava que tinha tanto afeto a seu anfitrião para desejar afastar sua amante?
—Se sir Rex tiver febre, necessitaremos a ajuda de Anne. Está doente, e quero atendê-lo eu. Foi generoso e bom comigo, e eu não tenho feito mais que incomodar — disse, e evitou o olhar de Meg. Voltou a acariciar de novo, brevemente, a bochecha de sir Rex. —Fez muito por mim. Tenho que ficar.
Blanche despertou. Estava sentada na mesma cadeira, junto à cama de sir Rex, e o sol brilhava com força, indicando o começo de um novo dia. Adormeceu ao redor da meia-noite e não podia acreditar que tinha permanecido tanto tempo em uma postura tão incômoda naquela cadeira, com a cabeça apoiada na estrutura de madeira do respaldo. Tinha o pescoço tão rígido que o fato de erguer causou dor.
Entretanto, alargou a mão e a posou na testa de sir Rex. Estava fresca. Se teve febre, foi baixa e insignificante. Sentiu um imenso alívio. Não tinha aspecto de estar doente; tinha recuperado a boa cor, e estava descansando placidamente. Blanche esfregou os olhos, que de repente tinham umedecido, e se deu conta de que, apesar de ter dormido, estava exausta. A ansiedade das horas anteriores lhe cobrava.
Enquanto o alívio se apoderava dela, contemplou sir Rex.
O lençol e a manta fina de lã que o cobriam tinham baixado até os quadris. Pensou em tampá-lo mais, mas titubeou. E, naquele instante, viu com toda claridade quão masculino era, e também que os dois tinham compartilhado o quarto aquela noite e seguiam sozinhos naquele momento.
Com a boca seca e o coração acelerado, moveu o olhar lentamente sobre seu umbigo e o quadrado que os músculos e tendões tinham gravado em seu abdômen tenso e plano. Teve que reconhecer o que estava fazendo: admirá-lo abertamente. Entretanto, não podia negar-se aquela oportunidade. Estava hipnotizada ante a visão de tanta masculinidade. Tinha o torso largo, musculoso, com um pouco de pêlo moreno; inclusive dormido, seus bíceps ressaltavam. Tinha os ombros três vezes mais largos que os dela, e possivelmente duas vezes mais largos que os quadris, estreitos e poderosos. Blanche seguiu olhando para baixo, e viu mover o lençol.
Durante um instante, observou fixamente. Formou-se um avultamento, e ela sabia o que significava… de um pulo ficou em pé para partir. Era possível semelhante coisa?
De repente, ele a tomou pelo pulso e impediu que se afastasse.
Blanche o olhou nos olhos.
O olhar de sir Rex era fixo e intenso.
Blanche se deu conta de que não só estava acordado, mas, além disso, esteve contemplando-a enquanto ela o devorava com os olhos, e de que estava tendo uma reação masculina.
—Não vá.
Ela respirou profundamente e se sentou. Estava aturdida, e notava intensamente o tato da palma de sua mão no pulso. Seus olhares tinham ficado presos.
Tragou saliva, tentando lhe olhar só o rosto. Entretanto, parecia que sua vista tinha vontade própria. Pela extremidade do olho seguiu vendo o estômago plano e o lençol avultado. Notou um calor intenso nas bochechas.
—Como se sente?
Ele a soltou.
—Sinto-me como se tivesse estado de farra.
—Obrigamo-lo a beber meia garrafa de uísque. O médico não chegou. Houve um parto complicado em Tythwrithgyn. Mas a ferida está limpa e costurada, e não teve febre.
Ele se olhou no peito. Depois olhou a ela, e depois, observou a saia de seu vestido.
—Obrigado.
Ela vacilou ao dar-se conta de que tinha visto todo o sangue da saia.
—Espero que deem um tiro no cavalo.
Seu rosto se contraiu.
—Fá-lo-ei se desejar, mas não foi mais que um acidente desafortunado.
Blanche assentiu.
—Dói-lhe o peito?
—Dói-me, mas o uísque mitiga muito a dor. Quantos pontos necessitaram?
—Vinte e três — disse ela.
Ele assimilou a quantidade.
—Posso beber um pouco de água?
Blanche se apressou a servir um copo da jarra que havia sobre a mesinha de noite. Devia ter muita sede.
—Pode sentar?
—Talvez precise de ajuda — respondeu ele brandamente.
Claro que precisava de ajuda, pensou Blanche. Certamente, usar o braço direito causava uma grande dor. Isso significava que passaria um tempo até que pudesse utilizar a muleta. Deixou o copo sobre a mesinha, sentou-se junto ao quadril de sir Rex e lhe passou o braço pelas costas. Assim que o fez, sentiu a calides de seu corpo e sua respiração.
Sentiu a pele arder. Não sabia o que fazer com a mão.
Ele não moveu um músculo.
Blanche apoiou a mão a um lado de suas costas; seu ombro ficou contra o lado esquerdo do torso de sir Rex, e seu peito, um pouco mais abaixo, contra seu lado. Blanche já não podia respirar. Recordou-se que aquilo era necessário, mas estava nos braços de um homem quase nu. E não de qualquer homem, mas sim de sir Rex.
Ele deslizou o braço esquerdo ao seu redor. Era tão poderoso que ela esteve a ponto de desmaiar. Lentamente, Blanche olhou para cima.
E se sobressaltou, porque ele a observava com um olhar inconfundivelmente masculino, abrasador, e seu rosto estava a poucos centímetros do dela. Durante um instante, teve certeza de que ia beijá-la.
O coração batia grosseiramente, esperançosamente.
Ele disse, com a voz rouca:
—Pode ser que você tenha salvado a minha vida.
Ela custou um instante em responder.
—Pode sentar?
Rex não respondeu. Levantou a mão direita e lhe acariciou a bochecha. Ela deixou escapar um suave suspiro. Sem afastar o olhar, lhe acariciou o rosto, colocou-lhe uma mecha de cabelo atrás da orelha e sorriu. Blanche inspirou profundamente, segura de que ia beijá-la. Ele deteve a mão em sua bochecha durante um segundo. Blanche notou que lhe fechavam os olhos. Deixou-se cair ligeiramente contra ele. O coração ia sair do peito.
Então ele a soltou e se levantou sem ajuda.
Blanche ficou em pé de um pulo, ruborizada, consciente do que tinha lhe feito suas carícias. Tinha-lhe causado uma dor palpitante no corpo, que ia ao mesmo ritmo que seu coração.
Ele sorriu com uma expressão sombria; ficou muito pálido.
—Por que não me deixou ajudá-lo a sentar? — exclamou— Se machucou? Deixe-me ver os pontos!
Naquele momento, esqueceu-se do beijo que esteve a ponto de acontecer, se acaso esteve a ponto de acontecer, porque temia com toda sua alma ter que substituir um ponto que se soltou.
Ele ficou imóvel contra o travesseiro, e ela viu rapidamente que os pontos estavam intactos. De repente, sentiu-se furiosa e os olhos encheram de lágrimas.
—Sir Rex! Já basta! Não têm ideia do que passei para suturar o corte! Não estão curados e, até que o estejam, insisto em que seja um bom paciente!
—Sinto muito —disse ele —Tinha esquecido a ferida.
—Esqueceu a ferida? —repetiu ela com incredulidade e fúria— Pois eu não esqueci que limpei sua carne e lhe cravei uma agulha muitas vezes! Até que esteja curado, vai permanecer na cama, repousando, por mais difícil que seja. Se precisar sentar, alguém o ajudará… Anne o ajudará! —gritou-lhe.
—Sinto muito — respondeu sir Rex — Sinto muitíssimo. Blanche está esgotada. Passou a noite ao meu lado?
Ela deu a volta para tomar o copo de água da mesinha.
—Sim, temo que sim — respondeu Blanche, e se sentou a seu lado na cama, negando-se a sentir outra coisa que não fosse preocupação por ele. Enquanto segurava o copo junto aos seus lábios, seus olhares se encontraram. Ele bebeu toda a água; depois, Blanche se levantou com decisão para preencher o copo.
—Não desejo mais, obrigado — disse sir Rex — porque não vai à cama e descansa?
—Está desidratado pela perda de sangue e pelo uísque — respondeu Blanche. Naquela ocasião ficou em pé para ajudá-lo a beber. Infelizmente, estava a ponto de chorar.
—Causei-lhe angústia — disse ele brandamente — Sinto muito!
—Deveria sentir, sim — respondeu Blanche, tremendo.
—Blanche… — sussurrou sir Rex com um sorriso que a desarmou— Prometo que descansarei. Comportar-me-ei bem. Mas só se for para a cama dormir.
—Têm razão. Estou muito cansada — reconheceu ela— Meg o atenderá; Anne está ocupada na cozinha —disse, embora não tinha ideia se era verdade.
Sir Rex sorriu como se soubesse que ela queria mantê-los afastados.
—Tenho outro pedido mais. — Blanche se deteve junto à porta. —Como prêmio ao meu bom comportamento, deve prometer que me fará companhia mais tarde — lhe pediu ele com um sorriso.
Ela ficou imóvel e sentiu que os batimentos de seu coração se aceleravam de uma maneira frenética.
—Não é apropriado, agora que está se recuperando.
—Não me importa que seja apropriado ou não — repôs ele — E ninguém saberá, salvo os serventes.
Blanche ficou assombrada com sua resposta, e ele esperou, sorrindo.
—Eu saberei.
—Mas se sofrer um terrível aborrecimento, desejarei deixar a cama.
—Está negociando comigo, sir Rex?
—Estou tentando me dar bem à base de encanto.
—Possivelmente possa me encantar — respondeu Blanche, tremendo por dentro — em uns quantos dias, quando o médico disser que está preparado para se levantar.
Sir Rex estava flertando com ela!
—Posso aceitar esse trato — disse ele brandamente.
Ela sentiu uma rajada de entusiasmo.
—Virei lhe ver mais tarde. Descanse sir Rex, por favor.
Capítulo 9
Durante um momento, sentiu-se surpreendida ao ver um leão olhando-a da porta de seu dormitório. Vagamente, deu-se conta de que estava muito cansada, e vagamente, deu-se conta de que devia estar sonhando. Não podia haver um leão em seu quarto. Era um animal magnífico, e estava olhando-a com olhos familiares, com reflexos ambarinos, abrasadores. Embora Blanche percebesse uma intensidade predadora neles, não se assustou. Em vez disso, sentiu uma estranha emoção.
Então, o rosto do leão se transformou em algo bestial, parte monstruoso e parte humano, e grunhiu, deixando à vista umas presas enormes, brancas, brilhantes. Blanche estremeceu de medo, e viu que o sangue começava a gotejar das presas, que passaram a ser negras e se transformaram nas lâminas de uma foice… o sangue também gotejava delas…
Gritou e se levantou de repente em sua cama.
Deu-se conta de que teve um pesadelo. Estava aterrorizada, e o coração pulsava com tanta força que seu peito doía. Voltou-se para olhar pela janela. Lá fora o sol brilhava. Era meio da tarde, e estava dormindo a várias horas. Recordou por que: tinha passado toda a noite cuidando de sir Rex.
Respirou profundamente e afastou as mantas, e recordou também que antes de se deitar Meg a tinha ajudado a tirar o vestido manchado de sangue, e que se deitou diretamente com a regata de seda e a calça de renda. Aproximou-se rapidamente da janela e a abriu de par em par. Por que teve aquele pesadelo? E por que era tão terrível?
Naquele momento a porta de seu quarto se abriu.
Sir Rex estava ali, vestido só com umas calças. Tinha uma expressão de alarme.
—Blanche?
Durante um instante, ela o olhou fixamente, vendo de novo o leão dourado. Depois, sua mente começou a funcionar.
—O que faz em pé? —perguntou-lhe em tom de acusação.
—Achei que um ladrão estava te assassinando enquanto dormia —respondeu —Vai pegar uma pneumonia se seguir junto à janela vestida assim.
Blanche se deu conta de que estava em roupa interior.
Correu para o armário e colocou uma bata, ruborizada, perguntando-se o quanto sua fina regata teria revelado.
—Tive um pesadelo — disse enquanto atava o cinturão da bata com firmeza— Deveria ter chamado.
—Gritou como se alguém estivesse lhe matando —respondeu ele com aspereza — foi horripilante, igual seu grito da outra tarde, na igreja.
Ela ficou tensa e se voltou lentamente para olhá-lo. Pensou que aquele sonho a tinha assustado tanto quanto os mineiros da assembleia. Sentia-se insegura e inquieta. Entretanto, estava mais calma naquela ocasião, o suficientemente calma para perceber que sir Rex continuava com as mesmas calças que usava quando sofreu o acidente, e que estavam manchadas de barro e de sangue. Entretanto, sua ferida estava adequadamente enfaixada.
—O médico veio? —perguntou.
—Sim, veio. O doutor Linney aprovou seus pontos de sutura, e disse que vou me recuperar com toda segurança.
—E também aprovaria que esteja correndo pela casa pouco depois que eu tenha lhe dado esses pontos?
—Se a ouço gritar assim virei correndo. Não duvide — respondeu ele com resolução.
Ela abraçou a si mesma. Em parte, aquilo a entusiasmava.
—E se houvesse um salteador aqui, não poderia enfrentá-lo em seu estado, sir Rex.
A expressão tensa de Sir Rex se abrandou.
—Quem quer, pode. Está bem?
—Sim. Só foi um pesadelo. Pode voltar para a cama, por favor? Precisa descansar.
—É obvio, mas antes, me diga com o que sonhava?
—Com leões e monstros! —respondeu ela com brutalidade. Não tinha vontade de falar de seu pesadelo com ninguém, e menos com ele.
Ele abriu uns olhos como pratos.
Blanche se envergonhou.
—Sinto muito. Não queria gritar. — O leão de seu sonho se parecia muito a ele. Estava segura de que o simbolizava. Quanto ao resto, tinha que esquecer. —Boa tarde sir Rex — disse com firmeza para acabar com a visita.
—Por favor, deixe de se desculpar ante mim quando não há nada pelo que desculpar-se respondeu ele, e com um seco assentimento, saiu sem incomodar-se em fechar a porta.
Blanche se deu conta de que o ofendera ou feriu seus sentimentos ao ser tão brusca. Entretanto, não queria compartilhar o resto de seus segredos com ele. Aproximou-se apressadamente da porta para fechá-la, mas ao vê-lo caminhar pelo corredor para seu quarto, notou que seu passo era lento. Estava fatigado, por mais que quisesse fazer um alarde de força masculina. Além disso, devia lhe causar muita dor o fato de usar a muleta. Sir Rex tinha sofrido uma ferida grave, e ela não estava segura de que estivesse completamente fora de perigo.
Com rapidez, colocou um vestido, umas meias e uns sapatos, prendeu o cabelo e foi ao seu quarto. A porta estava aberta, mas de todos os modos chamou.
Sir Rex a viu da cama.
—Posso entrar? — Ele assentiu. —Devo me desculpar por ser grosseira com você quando…
—Desculpa aceita.
Ela o olhou fixamente. Depois perguntou:
—O médico lhe disse que está fora de perigo?
—Disse que era pouco provável que sofresse uma infecção se não a tive até agora.
—E lhe indicou que ficasse na cama?
Blanche sabia que sim. Serviu-lhe um copo de água e esperou sua resposta.
Ele não respondeu. Tomou o copo e deu um sorvo. Depois, inquiriu:
—Têm pesadelos frequentemente?
—Não, nunca. Nunca tive pesadelos. Pelo geral, durmo profundamente — respondeu ela, e encolheu os ombros— A noite foi muito longa. Ainda estou cansada. Passei muita preocupação — explicou com um sorriso forçado— Provavelmente estava sonhando com você, sir Rex, e com o fato de suturar sua ferida. Duvido que possa me recuperar de semelhante trauma! —acrescentou com ligeireza.
—Não quero que se preocupe comigo —disse ele com firmeza, sem sorrir — Me sinto consternado pelo fato de que teve que me atender. E, certamente, não quero ser a causa de seus pesadelos.
—Não é. Não ia deixar que um granjeiro lhe costurasse a ferida.
—Terei que acrescentar a tenacidade a sua lista de qualidades — disse ele brandamente.
Ela suspirou.
—Posso admitir que seja um pouco tenaz. Se tiver a convicção de que algo está bem, nada pode me dissuadir.
Ele sorriu.
—É também obstinada?
—Não. Sou aberta e razoável.
—Então, não nos parecemos — comentou ele, e tomou sua mão.
Ela se sobressaltou e sentiu uma de onda de desejo.
—É teimoso? Porque eu vi um homem racional, sensato.
—Seriamente? —perguntou sir Rex, e olhou a seu redor no quarto— Onde? Eu gostaria de conhecê-lo.
Ela riu.
—Bom, é possível que seja muito decidido, mas isso não me importa.
—Por que não? Todo mundo se importa. Por que você não se importaria?
—Porque eu o entendo mais do que pensa. E agora… têm fome?
Ele se limitou a observá-la com os olhos entrecerrados, muito escuros.
Ela tremeu.
—Trarei uma bandeja — disse, alterada por aquele olhar tão claro.
A meia-noite, no salão, Blanche tinha pensado que o desejo de sir Rex era consequência do álcool. Pela manhã tinha pensado o mesmo. Entretanto, naquele momento não havia explicação possível, salvo que possivelmente ele a admirasse como mulher.
—Traga comida para dois — disse ele— e a compartilharemos.
Blanche desceu rapidamente as escadas. Tinha uma sensação de peso no corpo, e muito calor para sentir-se cômoda. Por outro lado, sentia-se muito contente de que sir Rex estivesse recuperando-se.
Ao aproximar-se da cozinha, ouviu uma voz masculina e pensou que era a de Fenwick. Entretanto, quando entrou, viu Anne na porta traseira, falando em voz baixa com um homem alto e loiro que usava roupa de trabalho. Devia ter a idade de Anne e era muito atraente. A donzela e ele falavam em sussurros.
Blanche ficou imóvel. Não teve dúvida de que aquele jovem era o amante de Anne. Ela tinha a mão em seu antebraço, e a conversa era séria. Blanche se sentiu consternada, porque de algum modo sentia que aquilo era uma traição para sir Rex. Ele não merecia que o traíssem; embora não gostasse que ele tivesse uma aventura.
De repente, o homem loiro a viu. Abriu muito os olhos, o que confirmou as suspeitas de Blanche. Ele deu a volta e partiu. Anne girou e, durante um instante, sua expressão foi de ira. Depois baixou as pálpebras e fez uma reverência.
—Milady.
Blanche atravessou a grande cozinha.
—Quem era? —perguntou a donzela com frieza.
—O ferreiro. Veio ferrar um dos cavalos de sir Rex.
—É de sua família?
Anne elevou o queixo.
—Não, milady, não é. Por que pergunta?
—Parece que se conhecem — disse Blanche.
Anne esboçou um sorriso crispado.
—Acaba de chegar a Lanhadron. Mal conheço Paul — disse a Blanche. Encolheu os ombros e se afastou, o qual foi um gesto grosseiro, porque Blanche não tinha terminado a conversa.
Blanche se sentiu muito tensa. Nunca teve problemas com nenhum servente. Era justa, amável e generosa com seus serviçais. Entretanto, Anne não lhe caiu bem desde que descobriu sua relação com sir Rex. E apesar de tudo, tinha sido amável até aquele momento; que Anne se afastasse daquela maneira não era amável absolutamente.
Finalmente, Blanche lhe disse:
—Por favor, prepare comida para dois e leve ao quarto de sir Rex.
Anne sorriu, ou fez uma careta, sem elevar a cara.
—O que vão comer?
—Frios e um pouco de pão com queijo. E chá.
Anne voltou a sorrir e se dirigiu para a despensa.
—Onde está Fenwick? —perguntou-lhe Blanche, falando para as costas da donzela, muito incômoda pelo fato de que a moça não se voltasse.
Anne não se deteve.
—Enviei-o ao povoado para comprar provisões.
Blanche esteve a ponto de lhe ordenar que a olhasse quando estava falando com ela. Entretanto, Anne desapareceu dentro da despensa, e Blanche ficou muito irritada.
Anne não se impressionava com títulos, isso estava deixando bem claro. Não eram rivais, mas Blanche se sentia como se fossem. Ela não ia competir com uma criada. Seguiu Anne e se deteve na soleira da porta da despensa, que estava escura e fresca.
—Eu não gosto de ter que te seguir para falar contigo — disse, tentando manter um tom de calma— Estou segura de que demonstra muito mais respeito a sir Rex.
Anne tinha aberto uma câmara de gelo, e se levantou.
—Oh, desculpe. Pensei que possivelmente ele tivesse muita fome, tendo em conta o que aconteceu — disse com um sorriso.
Não havia nada que Blanche pudesse dizer ante aquilo.
—Quando Fenwick voltar, diga-lhe que sir Rex precisa trocar as calças. Suponho que preferirá ficar na cama com um pijama cômodo.
Anne a olhou com uma expressão de inocência.
—Eu posso lhe ajudar a trocar de roupa… milady.
Blanche sentiu uma terrível tensão. Respondeu lentamente, em tom firme, mas com cuidado.
—Fenwick o ajudará quando voltar. Seus deveres, Anne, estão na cozinha.
—Claro —respondeu a moça— Salvo quando sir Rex tem outros deveres para mim.
Blanche ofegou bruscamente. Ruborizou-se e saiu da cozinha apressadamente. Ao olhar atrás, viu que Anne a observava friamente. A donzela era espantosa. Não, a situação era espantosa.
Sir Rex não deveria ter se aproveitado de uma criada, por muito disposta que estivesse. Anne era uma donzela e a amante de seu senhor, e aquela era uma situação muito difícil para a moça. Provavelmente, tinha ressentimento contra Blanche, mas sua grosseria e sua falta de respeito eram intoleráveis. Blanche estava horrorizada.
Quando subiu as escadas, entretanto, forçou-se a adotar uma expressão agradável. A porta do quarto de sir Rex permanecia aberta, e ela se deteve ali. Ele deixou a um lado o livro que estava lendo e sorriu. Pôs uma camisa, mas a deixava aberta.
—Anne está preparando a comida.
O sorriso de Rex desapareceu.
—O que aconteceu?
—Nada — respondeu ela, pensando em Anne— Seu ferreiro esteve aqui.
A expressão de sir Rex mudou.
—Não tenho ferreiro. Eu mesmo ponho as ferraduras em meus cavalos.
Blanche ficou olhando-o com incredulidade.
Dois dias depois, Blanche estava sentada no salão, lendo a correspondência que seus advogados tinham lhe enviado. Embora soubesse que era impossível que a resposta de Bess chegasse até o dia seguinte, se sentiu decepcionada ao receber o correio. Estava lendo o primeiro de dois informes muito extensos, quando ouviu que sir Rex descia as escadas.
O coração se acelerou de alegria, e sorriu. Ele entrou na sala e lhe devolveu o sorriso.
—Imagino que me permite me levantar da cama. Fui um bom paciente — disse.
Ela ficou em pé.
—Um paciente modelo. Como está?
—Bem. Gostaria de dar um passeio a cavalo pelos páramos. Com você.
Ela sentiu um comichão no estômago.
—Só faz três dias que teve o acidente — disse com suavidade. Entretanto, sentiu uma grande alegria, porque se dava conta de que sir Rex estava bem. De fato, estava muito bem.
—Estive na cama, fazendo ali as papeladas. Nego-me a me converter em um indolente ou, que Deus não o permita, a engordar. Meu corpo necessita exercício vigoroso. Estou bem, Blanche —disse— Certos movimentos me causam uma ligeira dor no peito, isso é tudo.
Blanche teve que reprimir uma gargalhada.
—Você nunca vai engordar.
—Se ficar sentado todo o dia, sim. Olhe —disse a tomou pelo braço e a girou por volta da janela — O dia é perfeito.
Seus corpos se tocaram do ombro ao quadril. O coração deu um salto. Notou um comichão por toda a pele.
—Eu também preciso fazer exercício ao ar livre — disse.
—Bem —respondeu sir Rex, e se moveu — Anne, vá aos estábulos e pede que preparem meu cavalo, e Isabella para lady Harrington.
Blanche se girou e viu Anne na soleira da porta do salão. Anne fez uma reverência e partiu.
Sir Rex tocou o ombro de Blanche.
—O que é o que a inquieta? Ocorreu algo com a donzela?
Blanche esperava não ter se ruborizado.
—Por que ia ocorrer algo com sua criada? —perguntou, e encolheu os ombros — vou me trocar. Meti na mala o traje de montar — disse, e com hesitação, elevou o olhar até seu rosto. — Me alegro muito de que esteja recuperado, sir Rex.
Ele se limitou a olhá-la também, e a tensão aumentou entre eles.
Blanche achou sua égua muito doce. Era tranquila e dócil. Sir Rex assinalou para diante quando se detiveram em uma colina que se erguia sobre os páramos. O céu estava azul, salpicado de nuvens brancas, e o sol brilhava. Parecia que o inverno tinha terminado na Cornualia; a temperatura era cálida e agradável.
—Vê essas pedras? —perguntou-lhe sir Rex de seu cavalo cinza.
—As ruínas? —perguntou-lhe, observando uma torre solitária contra o horizonte.
—Sim. Gostaria de ir a meio galope?
Ela o olhou nos olhos. Tinha os olhos cheios de calidez e alegria.
—Sim.
Ambos galoparam para as ruínas do castelo normando, que se ergueu ante eles à medida que se aproximavam. Os restos dos muros do castelo formavam uma torre de três andares que carecia de interiores e de telhado. Detiveram os cavalos junto à estrutura. Tudo tinha ficado em um assombroso silêncio, como se os fantasmas estivessem em posse daquele lugar.
Blanche via além das ruínas, que estavam situadas no ponto mais alto de uma colina. Mais à frente se estendia um vale boscoso e um povoadozinho pitoresco.
—É precioso.
—Sim — disse sir Rex. — Segundo o mito local, Hastings, meu antepassado, mandou construir um forte neste lugar. Entretanto, Rolf de Warenne foi enviado para perseguir o norte, e nunca voltou. O forte passou às mãos de outro dos tenentes de William — lhe explicou, e com um sorriso, acrescentou — Inclusive então, os homens de Warenne encontravam e reclamavam o amor verdadeiro. Sabe que se apaixonou por uma princesa saxã que não era sua esposa?
Blanche sorriu, perguntando-se se aquela história seria verdadeira.
—E terminou junto a sua apaixonada?
—Sim, porque é a matriarca de nossa família. Chamava-se Ceidre.
—Um nome pouco comum — disse Blanche, observando atentamente sir Rex.
Seu humor tinha melhorado dia a dia desde o acidente, ou inclusive antes. Sorria frequentemente, e ela não havia tornado a ver nenhum sinal de cólera ou frustração nele. Além disso, não havia voltado a beber, salvo uma taça de vinho durante o jantar.
Blanche continuava se perguntando quem teria quebrado seu coração. Se a lenda de sua família era verdadeira, sofreria por ela para sempre. Entretanto, não parecia que estava sofrendo naquele momento.
Sir Rex desceu de seu cavalo e lhe estendeu a mão.
—Vamos — disse.
Ela vacilou, mas ele estava sorrindo, e Blanche sentiu o coração derretendo.
—Não vou cair nem me quebrar — insistiu ele.
Blanche tomou sua mão e deslizou da cela para o chão. Aterrissou brandamente sobre os pés nos braços de sir Rex.
Ele sorriu, como se a tivesse exatamente onde queria.
—Gostou do passeio? —perguntou-lhe sir Rex em um sussurro, com um olhar cálido e escrutinador.
Ela tragou saliva.
—Sim.
—Posso lhe dar Isabella de presente?
Blanche ficou perplexa.
—Não têm por que fazer tal coisa — disse, com a voz entrecortada. Mal podia pensar, assim, entre seus braços.
—Mas se deram muito bem. Formam um par perfeito. Ela é uma égua preciosa, e você… uma mulher formosa.
Blanche pensou que ia desmaiar.
—Está flertando, sir Rex?
—Sim, claramente sim. Mas me dá a impressão de que não vai desprezar meus flertes. Tenho razão? —sussurrou.
Ela assentiu. Não podia falar. O desejo se apoderou de seu corpo.
—Queria lhe beijar, lady Blanche. Posso fazê-lo?
Blanche assentiu de novo, e elevou o rosto. Deu-se conta de que estava a ponto de chorar.
—Não chore — pediu ele — Somente me permita que a beije.
Ela viu como baixava sensualmente as pestanas; viu como sua boca se desviava para seu rosto. Com incredulidade, com ilusão, esperou, e sentiu os lábios de sir Rex roçar os seus com a leveza de uma pluma.
Fechou os olhos ante aquela sensação, enquanto ele começava a lhe acariciar com a boca, lentamente, brandamente. Blanche notou que o coração explodia, e notou um pulso frenético no corpo. Segurou-se em seus ombros e se apertou contra ele e, assim que o fez, a boca de sir Rex se fez mais firme, a pressão aumentou.
Ela suspirou.
Então, lhe abriu a boca com os lábios e passou a mão pela nuca, e começou a beijá-la com fome e necessidade. Uma grande excitação se apoderou dela; ele a estava beijando como se não pudesse fazê-lo com a suficiente profundidade.
O mundo começou a dar voltas.
Blanche sentiu que o ar faltava.
Sentiu-se consumida por aquele corpo grande, duro, masculino, por sua boca, por seu abraço. Ele deslizou as mãos para baixo, quase até suas nádegas, e a pressão que se criou entre eles se incrementou. Blanche soube, com assombro, que desejava que ele a acariciasse para satisfazer seu desejo.
Afundou-lhe a língua na boca, profundamente; emitiu um som gutural, sexual, masculino. Blanche soluçou brandamente.
Ele afastou seus lábios dos dela e a abraçou com força, lhe apertando o rosto contra seu torso, posando a bochecha na têmpora de Blanche. Ela notou o coração pulsando grosseiramente no peito, e o coração dele, pulsando inclusive com mais fúria sob sua bochecha. Os dois tinham a respiração entrecortada.
Desejo pensou Blanche. Tanto desejo…
Começou a chorar.
Nunca teria imaginado que chegaria aquele dia.
Desejava sir Rex. Queria beijá-lo e acariciá-lo, e queria que ele a beijasse e a acariciasse também. E queria muito mais, por muito escandaloso que fosse.
—Blanche — disse ele em voz baixa, e lhe fez inclinar a cabeça para trás — por que chora? —perguntou ao vê-la, com alarme.
Ela não vacilou em responder, enquanto as lágrimas se derramavam pelas bochechas.
—Não sabia que um beijo podia ser assim.
Ele se surpreendeu. Depois, disse:
—Eu tampouco.
Capítulo 10
Para sir Rex era muito difícil permanecer ali como um cavalheiro. Nunca sonhou que Blanche o olharia com confusão, com os lábios inchados e o cabelo revolto. Nunca teria sonhado que a beijaria. Nunca desejou uma mulher tão desesperadamente como desejava a ela.
Uma suave brisa soprou algumas mechas de cabelo loiro platino contra as bochechas de Blanche. Ele sorriu, como se não acabassem de beijar-se apaixonadamente, como se não quisesse voltar a abraçar seu corpo pequeno e suave e fazer muito mais que beijá-la.
—Seguimos? —perguntou-lhe, assinalando as ruínas.
Ela tragou saliva e suspirou, e abriu os lábios suaves. Ele recordou nitidamente sua textura úmida e seu sabor doce. Tudo tinha mudado desde aquele dia na igreja; Rex sabia quando uma mulher era receptiva para ele, e embora não soubesse assinalar o momento preciso em que Blanche Harrington começou a sentir atração, tinha acontecido. A cada momento que passava, estava mais seguro disso.
Teve a intenção de que o beijo que compartilhariam seria casto, mas ao roçar seus lábios a paixão tinha estalado imprevisível, até que a tinha tomado com fome e necessidade. E lhe havia devolvido o beijo, não tão desenfreadamente, mas com o ardor suficiente. Além disso, tinha derramado lágrimas entre seus braços.
Naquele momento, Blanche assentiu e sorriu tremulamente para responder a sua sugestão de que caminhassem entre as ruínas. E ele sorriu também, interiormente; sempre soube de algum modo, que era uma mulher apaixonada, embora aparentasse de um controle infalível em todas as ocasiões.
Entretanto, aquele comentário seu lhe pareceu estranho:
«Não sabia que um beijo podia ser assim».
O que quis dizer, exatamente?
Blanche fez uma pausa e olhou para a torre. Sorriu-lhe dúbia por cima do ombro.
—Se houver fantasmas nesta torre, não podem ser seus antepassados.
Ele se maravilhou uma vez mais do elegante e encantadora que era, inclusive depois daquele parêntese.
—Meus antepassados perseguiriam o norte.
Ela se agachou, recolheu uma florzinha de cor arroxeada e a levou ao nariz, pequeno e delicado.
—O tojo quase nunca floresce até meios do verão —disse sir Rex - Esta é uma mudança estranha no tempo.
Ela o olhou com as bochechas rosadas.
— Os cavalos não escaparão?
—Não.
—Acha que esta torre está encantada?
—Não acredito nos fantasmas.
Ela assentiu.
—Eu tampouco.
Blanche seguiu caminhando para o muro da torre. Isso proporcionou a sir Rex a oportunidade de admirar livremente seu rosto e sua figura. Mas, assim que ela voltou a olhá-lo, ele baixou a vista. Devia controlar melhor seu desejo, pensou. Um beijo entre dois adultos de sua idade não significava nada, não queria dizer que ela queria ir mais à frente com ele.
—Está muito pensativo — comentou Blanche brandamente.
—Estive admirando a paisagem — respondeu sir Rex.
Ela se ruborizou.
—Tenho uma idade um pouco avançada — disse.
—Falei a sério.
Sir Rex quis aproximar-se dela mais rapidamente do que deveria, e a muleta golpeou contra uma pedra. Tropeçou, mas conseguiu guardar o equilibro. Ela o agarrou pelo braço, assustada.
—Tenho caído centenas de vezes aprendendo a usar esta muleta — disse ele.
—Cair não tem que ser agradável.
—Não é, mas perder a perna tampouco.
—Deve ser difícil caminhar neste tipo de terreno.
—É difícil, mas não impossível. Blanche.
Ela se sobressaltou ao ouvir aquele uso tão familiar de seu nome.
—Falei a sério. Eu não falo com leviandade. Eu não gosto de flertar. Estava admirando sua silhueta.
—Não sei o que dizer… obrigado — Blanche afastou o olhar, mas estava sorrindo — Sou uma boba, mas me sinto adulada todo o tempo. Agradeço sua admiração, sir Rex.
Isso era o que ele esperava.
—Vou ser incrivelmente atrevido — disse, e embora visse que ela abria muito os olhos, prosseguiu — Não entendi o que queria dizer antes. Disse que não sabia que um beijo podia ser assim. O que significa?
—Seriamente quer falar disso? —perguntou Blanche em voz baixa.
—Sim. Ambos somos adultos, e é evidente que temos afeto. Não há nada mau em dar um beijo, nem sequer um beijo apaixonado.
—Mas dar um beijo e falar sobre isso é duas coisas distintas.
Ela tinha razão. Aquele era um tema íntimo. Entretanto, Rex tinha que saber se quis dizer que lhe fizera sentir mais que qualquer outro homem.
—Admirei-lhe durante muito tempo. Faz muito tempo que queria lhe beijar.
—Oh… não sabia. É verdade?
—Sim — disse ele.
—Mas… Mal nos falávamos, e sempre foram conversas muito breves.
—Agora já sabe que eu não gosto muito de me acotovelar em sociedade. E a verdade é que os rumores são certos. Não tenho encanto, sou um inculto.
—Não! Comigo sempre foi encantador.
—É muito fácil ser encantador com você. Sua gentileza facilita.
—Gostaria que tivessem melhor conceito a seu respeito.
Ele a olhou com surpresa. Então, sem afastar a vista de seu rosto, ela continuou:
—Gostaria que a mulher que lhe rompeu o coração nunca o tivesse feito.
Ele piscou assombrado.
—Me perdoe, mas não tenho o coração quebrado.
—Não estou de acordo — falou em voz baixa— pelo modo como falou do amor a outra noite.
—Faz muito tempo me apaixonei, mas ela me traiu. Aquilo terminou há anos. Não recordo o que falei essa noite, mas sei seriamente que não tenho o coração quebrado.
—Disse que dão excessiva importância ao amor.
—Não me recordo — repetiu ele, embora recordasse suas palavras.
Ela o olhou.
—Bom, como estou me metendo, essa é uma resposta conveniente. Mas para mim é evidente que essa é a razão pela qual vive isolado no fim do mundo.
A expressão de sir Rex ao ouvi-la foi de incredulidade.
—Sou o segundo filho de um conde! Escolhi me unir ao exército de Sua Majestade. Como sabe, lady Blanche, concederam-me este imóvel como recompensa. Claro que vivo aqui. Fiquei para conseguir que Land’s End prospere.
Ela se ruborizou, e ele percebeu o brilho da tenacidade em seu olhar.
—Mas poderia ir à cidade mais frequentemente, reconheça.
Sir Rex suspirou.
—Sim, reconheço. Poderia ir mais frequentemente à cidade, mas a verdade é que eu não gosto de alternar em sociedade, além de estar com minha família. Sinto muito. E por isso dizem que sou um inculto.
—Sim, as pessoas sabem o que os aprecia, que os desprezam, e em resposta lhe jogam pedras — disse ela com calma.
Sir Rex teve que sorrir. Entretanto, sentiu-se aliviado por terem deixado o tema odioso de seu sofrimento por amor.
—É tão horrível que queira viver em um lugar afastado e ganhar a vida honestamente?
Agarrou-lhe pelo antebraço, e ele ficou rígido.
—É admirável em muitos sentidos — respondeu Blanche.
Depois olhou a mão, pousada em sua manga, e a tirou.
Sir Rex teve que controlar-se para não tocá-la. E depois se rendeu. Com as pontas dos dedos, roçou-lhe a bochecha. Seus olhares se encontraram novamente.
—Me explique o que queria dizer. Acredito que entendi mal.
—Temo que não recorde o tema.
Então, sir Rex se inclinou para ela.
—Quer que ajude a recordá-lo?
Olhou fixamente seus lábios, e depois, sem poder conter-se, deslizou a mão por sua nuca e a beijou. Ao fazê-lo sentiu uma selvagem necessidade de possuí-la e lhe abriu os lábios com a boca para poder afundar sua língua profundamente nela, sabendo como seria possuí-la com seu corpo masculino, investindo uma e outra vez.
Ela ofegou, e depois devolveu o beijo, usando a língua.
Ele sabia que devia manter o controle, mas não pôde fazê-lo e a abraçou com força, entrando mais em sua boca, até que ela esteve trêmula entre seus braços. Rex se afastou, aturdido, tonto, murmurando seu nome.
—Blanche…
Seus olhos verdes se cravaram nos dele.
Rex queria mais. Era um homem e sentia uma grande atração por ela. Não podia remediar. Entretanto, suspirou e lhe perguntou:
—Refresquei-lhe a memória?
—Não sabia — balbuciou Blanche, com os olhos cheios de lágrimas.
Ele se sobressaltou, porque ela começou a chorar de novo.
Roçou-lhe o lábio, como se estivesse aniquilada.
—Por que chora? Machuquei-a?
Ela negou com a cabeça enquanto secava as lágrimas das bochechas.
—Como iria me machucar com um beijo como este? Não. Só tinham me beijado duas vezes — explicou — e aqueles beijos foram castos, quase por dever. Eu não tinha ideia de que…
Ele estava perplexo.
—O que?
Blanche encolheu os ombros, olhou a um lado e fechou por um instante os olhos.
—Seriamente deseja saber?
—Só lhe beijaram duas vezes?
—Não deveríamos falar disto.
Ele começou a deduzir coisas; ela não teve nenhum amante; o homem que a tinha beijado foi seu irmão Tyrell. Fazia muito tempo, quase oito anos, Tyrell e ela estiveram comprometidos durante poucos meses.
—Ty estava apaixonado por Lizzie.
—Sim — disse ela, e o olhou com consternação— Os dois estávamos cumprindo com nosso dever. Não havia atração.
Ele seguiu olhando-a. Ty só a tinha beijado duas vezes, de maneira casta. Blanche Harrington não soube o que era um beijo de verdade até um momento antes.
E não tinha conhecido o prazer e o êxtase que um homem podia lhe proporcionar na cama.
Não tinha ideia de todo o prazer que ele poderia lhe proporcionar na cama… ele seria o primeiro para ela.
Olhou para baixo, a erva, tremendo. Teve uma selvagem sensação de triunfo. Já sabia por que Blanche Harrington, algumas vezes, parecia nervosa e inocente como uma menina de quinze anos.
E, Deus Santo, na cidade havia duzentos e vinte e oito vagabundos esperando para tê-la entre suas garras. Aquela ideia o deixava doente.
Não permitiria que nenhum só deles saqueasse aquele tesouro. Entretanto, como ia protegê-la? Era como uma ovelha em um bosque infestado de lobos.
—Por que está tão consternado?
Rex a olhou enquanto se recuperava rapidamente de seu assombro. Falaria com ela de seu futuro mais adiante. E encontraria uma maneira, possivelmente com ajuda da condessa, de proteger os interesses de Blanche. No momento, concentrar-se-ia na revelação que ela acabava de lhe fazer.
—Sinto — disse com suavidade — Pensei que uma mulher tão bela como você teria desfrutado de algumas relações discretas.
—Eu não tomo a paixão levianamente.
Rex sentiu que o coração inchava bobamente.
—Eu tampouco.
Ela o olhou com incredulidade.
Imediatamente, ele se deu conta de que Blanche nunca acreditaria. Entretanto, ela não entendia a diferença entre a paixão e a luxúria e aquele não era o momento nem o lugar para lhe explicar essa diferença.
—Incomoda-o que Tyrell me beijasse?
Ele tentou sorrir.
—A primeira vez que a vi, em Adare, pensei que meu irmão estava louco por ser tão indiferente. Supus que teria compartilhado alguns momentos com você. Não tinha pensado realmente nisso… até agora.
Ela relaxou.
—Ele estava tão apaixonado por Lizzie…
—Sei. A verdade é que… sinto-me honrado por ter me concedido tais liberdades.
Blanche se ruborizou. Vacilou durante um instante. Depois, disse:
—Já era hora, não acha? Alguém tinha que me beijar por fim.
—Sim, é certo.
—Além disso, pareceu-me perfeito que fosse você.
—Milady? Necessita algo? —perguntou-lhe Meg.
Blanche girou. Haviam retornado do passeio uma hora antes, e após, ela estava percorrendo seu quarto de lado a lado, pensando freneticamente. Olhou sua donzela e lhe disse:
—Entra Meg. Necessito seu conselho.
Meg obedeceu rapidamente e fechou a porta.
—Quer meu conselho? —perguntou-lhe com incredulidade.
—Sim.
—Encontra-se bem?
Blanche respirou profundamente.
—Não posso esperar mais a resposta de Bess. Enviei-lhe uma carta esperando que me desse seu parecer. Meg! Estou pensando em propor a sir Rex que se case comigo.
Meg começou a sorrir.
—Seriamente, milady?
—Não te assombra?
—Surpreende-me um pouco, mas me parece que se guardam afeto. Além disso, ele é bonito e sólido. De todos os pretendentes da cidade, nenhum é tão sólido quanto sir Rex.
Blanche voltou a respirar profundamente.
—É muito inteligente — disse a sua donzela.
—Então, vai lhe propor um matrimônio? —perguntou-lhe Meg com entusiasmo, sorrindo.
Blanche encolheu os ombros.
—Já sabe que bebe… e odeia a cidade. Em certas coisas somos opostos um ao outro.
—Muitos homens bebem. Sempre e quando não a tratar mal, sempre e quando puder administrar seu patrimônio, que importância tem isso? Além disso, acredito que se sente sozinho. Eu não o vi beber ultimamente. E se não gosta da cidade, ele pode passar mais tempo no campo enquanto a senhora está em Londres, recebendo visitas. Muitos casais vivem separados algumas temporadas.
—Sim, é certo. Não seria estranho que tivéssemos vidas separadas — disse Blanche, embora aquela ideia lhe desgostasse. Entretanto, seria necessário em uma união assim. Sabia que sir Rex nunca passaria toda a temporada de eventos sociais em Londres com ela. — Nem sequer sei se vai me aceitar.
—A olha como se fosse uma princesa de conto —disse Meg com um sorriso — Não sei por que iria desprezar sua oferta.
A Blanche ocorria umas quantas razões, incluindo o fato de que a mulher pela qual esteve apaixonado lhe quebrou o coração. Além disso, ele era um de Warenne. Sua negativa tinha sido evidentemente, uma falsidade. Entretanto, seu matrimônio não estaria apoiado no amor. Apoiar-se-ia na amizade, na conveniência e na economia, entre outras coisas. Blanche umedeceu os lábios, que ainda estavam inchados pelos beijos de sir Rex. Aquele matrimônio também se apoiaria no desejo.
—Beijou-me.
Meg reprimiu um sorriso.
—Foi maravilhoso — disse Blanche, e se deu conta de que estava chorando outra vez.
Entretanto, eram lágrimas de alegria, e possivelmente de alívio. Com aqueles beijos havia se sentido consumida pelo desejo, como se sentiria qualquer mulher. Embora pensasse que nunca poderia ser tão apaixonada como ele requeria, já não pensava que devessem ter quartos separados.
—Nunca pensei que desejaria os beijos apaixonados de um homem — acrescentou em um sussurro.
—Possivelmente esteja apaixonada — sugeriu Meg. — Milady, é a melhor dama que conheci. De todas as senhoras, você deveria casar-se por amor.
Blanche ficou olhando sua donzela com o coração encolhido. Meg tinha que estar delirando, porque ela não era capaz de amar. Verdade?
—Quando sir Rex entra em uma sala, sinto-me muito alegre de vê-lo. Quando não está, penso nele de todos os modos. Preocupei-me por ele, por sua vida, por seu passado, por sua solidão… e tive muito medo quando esse cavalo o escoiceou!
—Isso me parece amor — disse Meg alegremente.
Blanche a olhou, mas na realidade via sir Rex. Dançava-lhe o coração, e levou uma mão ao peito. Sir Rex lhe importava muito, não podia negar, mas, era amor? Estava se apaixonando depois de tantos anos?
Era como as demais mulheres, depois de tudo?
Atreveu-se a fazer algo mais que ter esperança; rezou por isso. Desejava com todas suas forças ser uma mulher normal, capaz de sentir emoções profundas. Entretanto, aquela ideia também lhe causava temor, porque temia o desprezo de sir Rex. Começou a tremer de incerteza, porque, uma vez mais, estava deslizando por um precipício. Entretanto, não havia se sentido assim do momento em que tinha chegado a Land’s End?
O que devia fazer? O que podia fazer? Sir Rex se converteu em alguém muito querido para ela.
E, enquanto tremia consumida na confusão, as sombras invadiram sua mente. Ficou tensa porque sabia o que havia naquele negrume. Um monstro a estava esperando, um monstro que queria sua morte.
Uma faca lhe atravessou a cabeça.
Sentiu uma dor tão forte que caiu de joelhos, segurando a cabeça, cegada pelo sofrimento.
Meg gritou e se aproximou correndo dela.
Todos os pensamentos sobre sir Rex se desvaneceram. Sentia-se como se estivessem partindo a cabeça em duas. E viu o monstro, meio humano, meio animal, com os dentes amarelos e os olhos cheios de ódio. Atrás dele havia uma multidão vaga de outros seres monstruosos. A faca lhe afundou de novo na cabeça, através da têmpora direita. Blanche gritou e tampou os ouvidos com as mãos.
Meg a abraçou.
—Milady, o que ocorre? Oh, Deus, o que está acontecendo?
O monstro a olhou e brandiu no ar uma foice ensanguentada.
O pânico a dominou. Não podia respirar. Tudo dava voltas ao seu redor; viu Meg, que a olhava, e depois viu sir Rex, que a olhava com uma expressão de alarme. Queria lhe rogar que a salvasse, mas quando abriu a boca para falar, tudo sumiu na escuridão.
Capítulo 11
—O doutor Linney chegou — anunciou sir Rex da porta do dormitório.
Blanche se sentou na cama, completamente vestida, em cima da colcha. Sir Rex a depositou ali enquanto estava inconsciente, e depois a despertou com um frasco de sais. Então foi rapidamente em busca do médico, menos de uma hora antes.
Blanche lhe sorriu fracamente.
—Devia estar perto.
—Sim — respondeu sir Rex enquanto entrava.
Tinha uma expressão de inquietação. Parecia que estava angustiado, consternado. Acaso pensava que ela estava louca? Blanche queria reconfortá-lo, mas não podia. Desmaiou pela segunda vez em menos de uma semana, e ela também se sentia alarmada. O que lhe estava acontecendo?
Deus Santo, por acaso estava começando a recordar de verdade algo daquele motim? As imagens foram reais, embora muito breves, mas ela não queria recordar absolutamente nada daquele dia.
O doutor Linney seguiu sir Rex ao interior do quarto. Era um homem baixo, elegante, que sorria alegremente.
—Gostaria de tê-la conhecido em outras circunstâncias, lady Harrington — lhe disse.
—Obrigado por vir — respondeu ela.
—Pareceram-me admiráveis os pontos de sutura que fez o outro dia — disse ele em tom calmo.
Entretanto, Blanche não podia relaxar.
—Se alguma vez quiser ser enfermeira, só tem que me dizer isso.
Finalmente, ela sorriu. Então olhou sir Rex. Ele tinha uma expressão tão tensa que parecia que ia rasgar a pele. Ela apagou o sorriso dos lábios. Acaso estava tão doente?
—Sir Rex me disse que desmaiou duas vezes em poucos dias. Por que não me explica o que aconteceu?
Ela afastou o olhar de sir Rex.
—Não há muito que contar. Desmaiei no princípio da semana, quando entrei na assembleia que os mineiros celebravam na igreja. Não podia respirar. As multidões sempre me desagradaram.
O médico assentiu.
—E hoje?
As imagens apareceram em sua mente: o passeio pelos páramos, seu primeiro beijo verdadeiro, o desejo e seu frenético debate sobre se devia ou não devia propor a sir Rex que se casassem. E os monstros que se apoderaram de sua cabeça levando forcados ensanguentados. O que ia contar ao doutor Linney? Não estava claro que aquelas fossem lembranças do passado. Seu pai nunca lhe disse uma palavra sobre uma multidão armada com forcados. E não tinha mencionado o sangue.
Sua mãe tinha escorregado e golpeou fortemente a cabeça…
Blanche fechou os olhos. Atreveu-se a falar com sir Rex sobre aquele motim e seu medo das multidões, mas nunca ia lhe contar a verdade completa. Não podia permitir que ele soubesse que tinha deficiências de caráter e que tinha vivido uma existência desprovida de emoções até recentemente. Tampouco queria que o médico soubesse. Eram assuntos muito privados.
Entretanto, tinha medo. Não queria que aquelas imagens violentas voltassem a assaltá-la, e temia qual podia ser seu significado. Temia também aquela dor de cabeça terrível. E, se os monstros não eram lembranças, o que eram? E se eram reais, por que retornavam naquele momento precisamente?
Blanche sorriu forçadamente ao médico. Contar-lhe-ia o que pudesse, com a esperança de que as dores tivessem uma explicação médica.
—Sir Rex e eu tínhamos passeado pelo campo — disse consciente do olhar escrutinador de seu anfitrião— Foi um passeio muito agradável. Depois voltamos para casa, e à meia hora, quando eu estava em meu quarto conversando com Meg minha donzela, senti uma horrível dor de cabeça. Era como se me atravessasse uma faca. Depois caí, porque não podia suportar a dor. Vi Meg e sir Rex, e logo tudo se tornou escuridão.
—Teve uma dor de cabeça similar alguma vez?
—Algumas vezes tive uma enxaqueca, mas poucas vezes. Isto não foi uma enxaqueca. Era muito mais forte.
—E, em geral, como é sua saúde?
—Boa. Nunca fico doente.
—Mas mal come — interveio sir Rex— Só come uma torrada para tomar o café da manhã. E saímos para cavalgar antes de comer.
Blanche o olhou.
—Isto não é sua culpa.
—Possivelmente o desmaio se devesse à fome — disse o doutor Linney— Algumas senhoras não comem o suficiente. Você é uma mulher esbelta, lady Harrington. Não precisa passar fome.
—Nunca tive um grande apetite — respondeu Blanche— Não sigo nenhum regime.
—Seu pai morreu faz seis meses —disse sir Rex — Eu conheço lady Harrington há anos. Ele era sua única família, e estavam muito unidos. Após, viu-se assediada pelos pretendentes, porque tem uma grande fortuna. Veio a Land’s End descansar, mas temo que minha casa não esteja muito tranquila.
—Sugere que o ocorrido durante estes meses está cobrando seu preço?
—É só uma sugestão, porque eu não sou médico.
—Há algo mais que deseje acrescentar, lady Harrington? —perguntou o médico a Blanche.
Blanche titubeou. Sir Rex teria razão? Ela tinha tomado com calma a morte de seu pai. Não derramou nenhuma lágrima. Queria chorar, mas não foi capaz. Acaso sua morte tinha lhe causado uma grande tensão? Ter que suportar duzentos e vinte e oito pretendentes também era uma carga, e, além disso, estava muito preocupada com seu futuro. Até aquele momento sempre teve uma vida serena, desapaixonada, mas de repente se via arrastada por um redemoinho de paixão. Entretanto, atrever-se-ia a confessar o desconcerto que sentia ultimamente? Era aquela tensão o que lhe provocou os desmaios?
E era parte daquela tensão o fato de escolher sir Rex como futuro marido?
—Lady Harrington?
Blanche olhou as mãos, e sentiu toda a atenção de sir Rex fixa nela, como se ele se desse conta de que não ia revelar o que devia.
—Não, não há nada mais. Sir Rex tem razão, tive muita tensão durante estes últimos meses, e agora, em certos sentidos, é maior.
O médico disse então que ia examiná-la, e indicou a sir Rex que devia sair do quarto. Ele obedeceu à contra gosto. O doutor Linney tomou o pulso de Blanche, auscultou-a e depois lhe fez algumas perguntas relativas à sua saúde. Quando terminou, fechou sua maleta e sorriu.
—Não lhe encontro nada mau, lady Harrington. De fato, sua saúde é excelente.
Blanche sorriu sem vontade.
—Acredito que sir Rex tem parte da razão. A tensão destes últimos meses está cobrando seu preço. Essa tensão, junto a seus hábitos de alimentação, ocasionou os desmaios.
Blanche assentiu. Esperava com todas suas forças que tivesse razão. Esperava com todas suas forças não voltar a ver aqueles monstros.
Sir Rex bateu na porta e abriu.
—Passe. Já vejo que esteve esperando ansiosamente, como um marido a sua esposa. —disse Linney, com os olhos brilhantes de diversão, olhando a um e depois ao outro.
Sir Rex se aproximou rapidamente de Blanche.
—Diz que os desmaios são devido à tensão — lhe explicou ela.
Ele emitiu um grunhido.
—Possivelmente esteja começando a ter enxaquecas. Esperemos que não. Não vou me preocupar com isso, já que a dor veio e se foi. Receitar-lhe-ei um remédio para que possa relaxar e descansar. Sir Rex pode enviar um servente à farmácia.
Parecia que sir Rex estava furioso.
—Enquanto, melhora sua alimentação, querida, e descanse. Deixar-lhe-ei um par de doses de láudano no caso de voltar a ter dores. Tente não se angustiar — lhe disse o doutor, lhe dando uns golpezinhos no braço.
—É esse seu diagnóstico? —inquiriu sir Rex.
—Parece que sua saúde é boa —respondeu o médico— mas me avise se sofrer outro ataque.
Sir Rex o acompanhou à porta, e depois voltou junto a Blanche.
Ela se sentiu tensa.
—Levar-lhe-ei a Londres. Ali pode ir a outro médico. A dor que descreveu não é uma enxaqueca.
—Eu… sinto-me melhor. O doutor Linney tem razão, provavelmente. Estive muito nervosa e…
—Eu aumentei sua tensão. Não negue. Assustei-a no salão a outra noite, e hoje lhe pressionei.
—Não diga que o que compartilhamos esta manhã me provocou um desmaio horas depois de acontecer. Desfrutei muito de hoje.
—Não está bem, Blanche. É uma mulher delicada, muito boa, que se dá generosamente a todo mundo salvo a si mesma. Preocupa-se com todos, não é assim? Inclusive me cuidou, quando poderia tê-lo feito um servente. Quem cuidou de você quando lorde Harrington morreu? E quem lhe cuidará agora?
—Tenho muitos criados.
Ele a olhou fixamente.
—Seu pai morreu, e depois sofreu o assédio de um montão de vagabundos. Veio aqui e eu insisti com minhas insinuações. Não me surpreende que desmaie. Acredito que eu fui à gota que encheu o copo, porque não podia tolerar mais pressão.
Blanche notou que pulsavam as têmporas, mas com uma dor normal, não aquela dor brutal e terrível de antes. Queria lhe dizer a verdade. Sim estava sofrendo uma grande tensão, mas não pelas razões que ele pensava. Era a tensão de tantas emoções, quando não estava acostumada as sentir. Era a pressão que lhe produzia tomar uma decisão que mudaria sua vida inteira. Se ele não a desprezasse.
—Anne está preparando uma bandeja com o jantar — disse Rex. Deu a volta para partir, mas então voltou para seu lado bruscamente— Você me cuidou quando eu estava doente, e agora é a minha vez. Não proteste! Descansará uns quantos dias e nos esqueceremos desta tarde.
Ela não queria esquecê-la.
—Sir Rex, isto não é sua culpa. Não sou tão frágil para me romper porque me olhem mal.
—Sinto algo em você que nunca tinha percebido. Sempre notei sua vulnerabilidade, mas há mais. E é fragilidade. Dei-me conta de que, sob sua fachada de elegância e perfeição, é muito frágil. Engano-me?
Ela não pôde responder, porque sabia que no fundo ele tinha razão. Se perdia a compostura, contrariamente ao que acabava de dizer a sir Rex, podia quebrar-se. Os monstros assim demonstravam.
—Isso me parecia —disse ele— Agora, deixe que suba uma bandeja, e coma algo. Agrade-me nisto, por favor.
Acariciou-lhe a mão.
—Sir Rex… não se preocupe tanto. Estou bem. — Ele não respondeu. —Sinto-me muito mal por lhe incomodar. Meg pode…
—Não está me incomodando. Não me incomodaria em nenhuma circunstância. Apesar de meu comportamento, apesar de tudo, você me cuidou quando tive o acidente, e possivelmente me salvou a vida. Blanche tenho uma grande dívida com você. Deixe-me pagar isso. — Ela o olhou com fixidez. —Por favor. Deixe-me cuidá-la.
Finalmente, Blanche assentiu.
—Obrigado.
—Como estou? —perguntou Blanche à manhã seguinte.
—Ninguém pensaria que ontem estava doente — respondeu Meg, enquanto ela se olhava ao espelho — Está muito bela, milady.
Blanche começou a tremer. Ia propor a sir Rex que se casassem.
Era quase meio-dia. A dose de láudano foi exatamente o que necessitava, porque dormiu durante toda noite sem mover-se. E, assim que despertou, tinha pensado em seu anfitrião.
Banhou-se e pôs um elegante vestido de cor lilás. Depois tinha se penteado e pôs um colar de ametistas e diamantes. Arrumou-se com esmero; sir Rex lhe tinha afeto, desejava-a, e ela ansiava que ele aceitasse sua proposta.
—Estou muito nervosa — sussurrou.
Como se lhe tivesse lido o pensamento, Meg respondeu.
—Será um bom marido, milady. Preocupa-se tanto por você!
—Sim, é certo. Decidi que serei franca. Na maioria dos sentidos nos encaixamos. Este será um matrimônio de conveniência e amizade, e o que tem de mau?
Meg lhe deu uns golpezinhos no braço.
— Seja você mesma milady. Diga-lhe que lhe importa.
Blanche lhe devolveu o sorriso com o coração acelerado.
—Já veremos como sai. Deseje-me sorte!
Depois, desceu ao salão e se deteve na porta. Sir Rex estava sentado no sofá, olhando para a saída como se tivesse notado que ela ia aproximar-se. Então, ele percebeu seu vestido, seu penteado, e a olhou nos lhos. Lentamente, levantou-se e se apoiou na muleta.
—Volta para a cidade?
—Não!
O alívio se refletiu em seu rosto.
—Está vestida como se fosse sair por Londres.
Ela se ruborizou.
—Seriamente? Meg me sugeriu o vestido lilás, não sei por que. — Ele entrecerrou os olhos. —Na realidade — disse ela— estava me perguntando se tem um momento. Há um assunto de que queria falar com você.
—É obvio. Está melhor, então?
Ela assentiu e fechou a porta. Depois se aproximou consciente de que ele tinha presenciado aquela ação pouco usual. Sir Rex a olhava com receio.
—Dormi muito bem, e estou maravilhosamente. Inclusive pedi uma omelete para tomar o café da manhã.
Ele assentiu.
—Está nervosa, e não entendo por que. Acaso quer falar de um assunto de negócios?
Ela sorriu. Normalmente, o matrimônio era um acordo de negócios.
—Sim… mais ou menos.
Ele não disse nada.
Blanche tomou fôlego.
—O que houve?
—Há algo do qual quero lhe falar, mas não sei se serei capaz. Nunca falei disso.
—Ajudar-lhe-ei se puder. Quer me pedir ajuda para um negócio?
—Não exatamente. Embora em certo sentido, sim.
—Isso me esclarece muito — ironizou sir Rex.
—Sir Rex —disse ela com um sorriso — Ontem tinha razão. Suportei muita pressão, mas não tinha nada a ver com o passeio que demos pelos páramos.
Ele a olhou com mais atenção. Seu olhar não vacilou nem uma vez.
—Então, o que é o que lhe causou essa tensão pela tarde?
—Estive pensando em meu futuro. Meditei muito, e debati muito interiormente. É esse medo sobre o futuro o que me causou a tensão, sir Rex. Acredito que esse é o motivo pelo qual desmaiei, ou ao menos, em parte.
—Aonde quer chegar?
—Não vou escolher a nenhum dos pretendentes que tenho atualmente. Esse foi o conselho que me deu quando cheguei a Land’s End, e vou segui-lo. Sir Rex acredito que entre nós surgiu uma amizade pouco comum durante estes dias, embora nos conhecêssemos há anos.
—Sim, estou de acordo.
—Sei que me professa certa estima, e eu também lhe tenho afeto, mas isso eu já disse.
—O que quer dizer?
—Cheguei a lhe conhecer, e sei que têm magníficas qualidades… é inteligente, sagaz, trabalhador e honesto. — Ele abriu os olhos de par em par. — Impressionou-me sua gestão do imóvel e de seu patrimônio. E, por tudo isso pensei muito em…
—No que? Estou perdido.
—No assunto do matrimônio. — Sir Rex ficou petrificado. —Acredito que poderíamos nos encaixar, e me perguntava se aceitaria uma proposta de matrimônio de minha parte.
Ele abriu a boca, mas não pôde pronunciar uma só palavra.
—Vejo que ficou muito surpreso…
—Está sugerindo um matrimônio entre nós?
—Sim — respondeu Blanche, consciente de que se ruborizou intensamente. A ideia tinha parecido espantosa a sir Rex!
—Você e eu? —perguntou ele, em tom áspero.
—Sim — repetiu ela, consternada por sua reação— Você precisa de uma esposa, e eu um marido. Você necessita uma fortuna, e eu necessito a alguém que possa administrá-la, que tenha integridade e um caráter sólido. Claramente, um matrimônio assim, de conveniência e economia, com o valor da amizade, seria benéfico para os dois.
—Um matrimônio de conveniência e economia — repetiu ele com incredulidade.
—Temos necessidades que se complementam — disse Blanche.
—Seriamente? Se eu quisesse me casar com uma mulher rica, o teria feito há muito tempo.
Por um momento, Blanche ficou olhando-o sem dar crédito, angustiada. Depois, cambaleou.
—Está me desprezando?
—Pensou atentamente nisto? — Parecia que estava zangado.
—É obvio que sim — respondeu Blanche, tremendo. Sir Rex estava contrariado, zangado. Estava desprezando-a.
—Eu prefiro o campo, e você a cidade. Você é uma grande anfitriã, e eu um ermitão. Supõe-se que tenho que me mudar a Londres? Quanto tempo durarei presidindo sua mesa no lugar reservado para o anfitrião do evento?
—Muitos casais têm vidas separadas — disse ela, tentando conter as lágrimas.
—Vidas separadas —repetiu sir Rex com incredulidade — Entendo. Eu administrarei seu patrimônio. Você viverá na cidade, eu viverei aqui.
Ela ficou rígida.
—Cometi um terrível engano — sussurrou. Deu a volta para partir, cambaleando, cegada pelas lágrimas.
Entretanto, quando ia chegar à porta, ele a adiantou e lhe cortou o passo.
—Blanche, não parta agora! Não pode me impressionar com uma proposta como esta e depois ir sem mais! —exclamou ele.
—Mas parece que minha proposta o desagradou muito, quando em Londres há mais de duzentos cavalheiros que estariam entusiasmados e adulados ao receber semelhante oferecimento.
—Eles são caçadores de fortunas. Eu não. Acaso interpretaste mal nossa amizade, ou minhas insinuações? Acha que sou um vagabundo que lhe sussurraria palavras de amor ao ouvido para ficar com sua fortuna?
—Claro que não!
—Então, me explique o que está pensando, porque eu não entendo. Se o que quer ter é um matrimônio de conveniência com vidas separadas, por que não me pede simplesmente que administre sua fortuna em troca de uma compensação? Depois de tudo, seria mais barato para você, e me economizaria o desprezo de suas amizades.
—Meus amigos não o desprezarão.
—Eu nunca poderei ser um bom anfitrião na solidão.
—Não estou pedindo que viva na cidade. Pensei que você passaria a maioria do tempo no campo, e que de vez em quanto iria a Londres, quando a situação o requeresse.
—Ah, o golpe de graça. Vidas separadas, e camas separadas?
Ela se ruborizou.
—Não acredito que o tema do dormitório seja apropriado neste momento.
—Eu acredito que é muito apropriado, tendo em conta a paixão que compartilhamos ontem.
Ela ficou tensa.
—Quero ter filhos, sir Rex.
O olhar duro de sir Rex se voltou escrutinador. Seguiu um terrível silêncio. Finalmente, ele disse:
—Entendo.
Separou-se da porta.
Ela se apoiou contra a parede sem olhá-lo. Nunca pensou que sua proposta de matrimônio provocaria uma discussão tão furiosa.
—Minha intenção não era lhe insultar —sussurrou ao recordar o conselho de Meg — Lhe tenho muito afeto para desejar lhe ofender ou lhe fazer mal.
Ele se voltou a olhá-la. Tinha a expressão cheia de angústia.
—Pensarei. Não esperava sua proposta. Tampouco tinha pensado em me casar. Estou seguro de que pode me conceder um ou dois dias para meditar sobre semelhante proposta. A menos, claro, que queira retirá-la.
—Não vou retirá-la, sir Rex. Entretanto, eu gostaria de lhe perguntar se interpretei mal nossa amizade.
Possivelmente seus sentimentos de afeto não eram mútuos. O coração se encolheu dolorosamente.
—Não — disse ele.
—Então, não entendo esta conversa. Não lhe entendo, sir Rex.
—Não, não pode. Devo lhe perguntar que tipo de futuro vamos partilhar. Não porque tenha reservas com respeito a você, mas sim porque tenho muitas reservas com respeito a mim mesmo.
Capítulo 12
Quando Blanche saiu do escritório, Rex fechou a porta e ficou olhando-a cegamente enquanto sua mente dava voltas.
Nunca esperou uma proposta de matrimônio de Blanche Harrington. Tinha que estar louca para pensar que podia ser um marido adequado. Ela era muito boa para ele, e podia encontrar alguém que estivesse a sua altura.
Rex tinha a respiração entrecortada. Estava muito afetado. Um matrimônio com uma mulher assim era um sonho feito realidade, mas ele já não albergava aqueles sonhos. Nunca mais.
Tremendo, voltou-se para a janela e olhou para o exterior. Ali, no campo, davam-se bem, e claramente a amizade que cresceu entre eles a fez pensar de uma maneira tão insensata. Entretanto, em Londres? Ali não se dariam bem. Ele a decepcionaria.
E um matrimônio de conveniência? Um matrimônio apoiado na economia, e vidas separadas?
Sua incredulidade se intensificou. Ele não queria um matrimônio autêntico, e muito menos um de conveniência. Só um tolo pensaria em levar uma vida separada de uma mulher como Blanche Harrington. E ele não era tolo. Se aceitasse sua oferta, desejaria estar com ela tanto quanto fosse possível. Percebeu durante aqueles últimos dias.
Tentou analisar a situação com um pouco de calma. Ele desprezava a sociedade, sempre o tinha feito. Não era nenhum segredo, todo mundo sabia. Isso nunca ia mudar. Era um homem simples de gostos simples. E Blanche também sabia! Não estava pensando com claridade.
Sim, eram amigos. E sim, entre eles havia paixão. Entretanto, a amizade e o desejo não garantiam um futuro bem-sucedido. Ele não poderia viver na cidade, não poderia agradar aos aristocratas da boa sociedade de Londres. Não era um bom conversador, nem encantador, nem engenhoso. Além disso, todo mundo sabia a verdade sobre ele.
E odiaria sua vida se vivesse na cidade. Já estava amargurado, e não imaginava como seriam as coisas se se amargurasse mais. Entretanto… não poderia odiar sua vida por completo, porque ela seria um ponto de luz em uma existência que, de outro modo, seria escura. Blanche seria como um sorvo de água em meio do deserto.
De repente, se imaginou como senhor de Harrington Hall, conversando com seu mordomo na biblioteca, caminhando por suas incontáveis salas e corredores, para encontrar-se com Blanche, sua esposa, enquanto ela falava placidamente com suas visitas no salão. E sorriu. Acelerou-lhe o coração.
A verdade era que daria o braço direito por casar-se com uma mulher como aquela, e já tinha perdido um membro.
Apesar de tudo, Rex não enganou a si mesmo. Se se atrevesse a aceitar sua proposta, teriam vidas separadas. Não poderia suportar passar mais de um mês em Londres. Pensou minuciosamente nisso: ele viveria a maior parte do tempo no campo, e Blanche seria sua mulher e viveria na cidade. Sua vida seria muito parecida com a que levava naquele momento. Enviar-se-iam cartas, é obvio. E provavelmente, ele viveria para aquelas cartas. Estava acostumado à solidão, mas já sabia que quando Blanche partisse de Land’s End uns dias depois, esse sentimento de solidão aumentaria. Como ia enfrentar o fato de que ela voltasse para Londres depois de que se casassem, e depois de ter compartilhado uma casa e o tipo de assuntos que compartilhava um matrimônio? E depois de ter compartilhado a cama?
Blanche queria ter filhos.
Rex se apoiou contra a porta. Ele poderia ser o pai de seus filhos, e embora não quisesse menos a Stephen, e embora a perda desse filho sempre o angustiasse, sabia que ter uma família seria uma grande alegria.
Estava a ponto de desmoronar. Aquele matrimônio seria difícil, e por cada prazer haveria dor, não duvidava.
Blanche Harrington era a mulher ideal, perfeita. Seria uma esposa ideal, perfeita. Entretanto, aquele par era imperfeito. Ele nunca tinha pensado em casar-se; os homens de Warenne se casavam por amor. Rex tinha se dado conta, muitos anos antes, que o amor não era para ele, e por isso quis continuar solteiro. O amor requeria confiança, e aquela palavra não era parte de seu vocabulário. Apagou-se dele na primavera de mil oitocentos e treze. Mas Blanche Harrington era diferente… Rex já confiava nela. Sempre tinha confiado.
O que significava que estava em perigo de apaixonar-se. E isso sabia que não devia fazê-lo.
Como iria aceitar sua oferta?
Como iria desprezá-la?
Blanche voltou para seu quarto apressadamente, muito afetada, a borda do pranto. A reação de sir Rex a machucou.
—Milady! —gritou Meg, horrorizada.
—Estou bem, Meg. Seriamente — mentiu Blanche. Ante o olhar de assombro de Meg, cobriu o rosto com as mãos. —Minha oferta lhe causou consternação, ira. E não sei por que.
—Oh, venha a sentar — lhe disse Meg, e a levou até a cadeira mais próxima.
—Na realidade, não me rechaçou. Está pensando em minha proposta de matrimônio.
—Sinto muito! Eu pensava que a queria…
—Sir Rex não se comportou como um homem apaixonado, e temo que vá rechaçar-me — disse Blanche, e ao fazê-lo, sentiu uma dor no peito, perto do coração.
—Vou preparar-lhe uma taça de chá — disse Meg, que tinha se zangado— Não têm por que suportar semelhante grosseria, nem semelhante tensão.
Acabava de pronunciar aquelas palavras quando Blanche sentiu aquela navalhada de dor na cabeça. Gritou e tampou os ouvidos com as mãos.
—Milady!
Blanche não a ouvia. Não podia. Encolheu-se, sem poder respirar por causa da dor.
Então apareceu o monstro, mas seu rosto se converteu no de um homem magro, gasto, furioso, que a olhava com ódio.
—Irei procurar sir Rex!
Blanche não podia falar. O monstro estava lhe tirando a faca, lentamente, da cabeça. Ela começou a respirar profundamente, à medida que a dor se mitigava, até que só foi uma sombra. Ergueu-se, tremendo.
O monstro tinha rosto.
«Não quero recordar nada mais». O estômago se revirou, e se deu conta de que ia vomitar.
Então se deu conta do que Meg havia dito, e de aonde ia.
—Meg! Volta! Estou bem!
Meg voltou pelo corredor e entrou no quarto com o rosto muito pálido.
Blanche começou a respirar com normalidade.
—Vem — lhe disse — O ataque passou.
Meg tinha os olhos cheios de lágrimas.
—Milady, está doente.
Não estava doente. Era algo pior. Seus piores medos estavam se fazendo realidade. Estava recordando detalhes do motim.
Estava segura de que foi aquele homem, ou um deles, que assassinou sua mãe. Ficou muito tensa; sua mãe tinha morrido ao golpear a cabeça contra o chão. Não foi assassinada. Não entendia por que pensou algo assim.
Esboçou um sorriso.
—O doutor Linney tem razão. É uma enxaqueca. Não sou a primeira mulher que sofre dores de cabeça. Não há necessidade de preocupar-se.
Então, Meg disse o que ela estava pensando.
—Possivelmente deveríamos voltar para a cidade. Acredito que levamos muito tempo no campo.
—É possível que tenha razão — respondeu Blanche.
Fechou os olhos, porque seu coração estava protestando e se deu conta de que não queria ir. Entretanto, aquela tensão era intolerável. E era mais intolerável, inclusive, que aparecessem algumas de suas lembranças perdidas.
—Milady — lhe disse Meg, sussurrando— sir Rex me pediu que se reunisse com ele no jardim.
Blanche se levantou no divã, onde esteve deitada, e olhou o fogo. Tinha tomado a decisão tão rapidamente? Havia dito que necessitaria um ou dois dias, mas, entretanto, só demorou umas horas. Blanche olhou Meg com gravidade.
—Vai rechaçar-me.
—Se for assim de obtuso, melhor será livrar-se dele. Você pode encontrar alguém muito melhor! — disse Meg com aborrecimento.
—Achei que gostasse dele.
—Já não! Não, depois do que a está fazendo passar! É egoísta por escolher sua vida solitária de melancolia em vez de uma vida com você. Acreditava que era um cavalheiro. Os cavalheiros cuidam de suas mulheres.
—Eu não sou sua mulher.
—Pois ele se comportou como se o fosse.
—Disse-me que sua decisão não era por mim, mas sim por suas dúvidas a respeito de si mesmo. Tem medo de falhar em sociedade, de não estar a minha altura como anfitriã… Possivelmente seja melhor assim. Possivelmente tenha razão, e de todo modo, não posso lhe obrigar a contrair matrimônio se não está interessado — disse Blanche— Será muito embaraçoso permanecer aqui, assim deveria começar a fazer as malas.
—Oh, milady…
—É melhor assim.
Blanche saiu do quarto e desceu as escadas lentamente. Saiu ao jardim e se deu conta de que o dia ficou cinza e pesado, como seu coração. Ia chover. O que era apropriado.
A silhueta de sir Rex se recortava contra a cor cinza aço do oceano, e contra o horizonte pálido. À medida que ela se aproximava lhe encolheu o coração, e soube com segurança que o rechaço de sir Rex não ia mudar o afeto que sentia por ele. Era um homem formidável, bonito, poderoso. Deu a volta com uma mão metida no bolso da jaqueta de lã marrom, e a outra apoiada na muleta. À distância, seus olhares se encontraram.
Ele se aproximou dela a borda do escarpado e entrou no jardim. Blanche se deteve incapaz de dar um passo mais. Quando sir Rex chegou junto a ela, tinha uma expressão sombria.
—Deixou-me aniquilado — disse a Blanche.
—Me dei conta — respondeu ela.
—Blanche, sinto-me honrado pelo fato de que pense que sou um candidato adequado para você.
—Não me parece que se sinta honrado. Parece-me que está consternado e zangado, mas não honrado. Sei que está a ponto de me rechaçar.
—Não. Sinto-me honrado. E senti muitas coisas esta tarde, mas a consternação não foi uma delas. Na realidade, desejava falar com você um pouco mais deste assunto.
—Está jogando comigo, sir Rex? —perguntou ela ao ouvi-lo.
—Não, é obvio que não. Nunca faria algo assim. Tudo o que falei antes falei a sério, e agora eu gostaria de acrescentar que acredito que você é muito boa para um homem como eu. Não obstante — disse, para evitar seu protesto— desejaria aceitar sua proposta se tiver pensado de verdade a respeito do que significaria um matrimônio entre nós dois.
Ela ficou perplexa.
—Não vai me rejeitar diretamente?
—Não. Entretanto, não quero aceitar sua proposta e lhe decepcionar depois.
—Não me decepcionará.
—Está segura? Sei que em Land’s End nos demos muito bem, mas, pensou como será que viveremos juntos, embora só seja durante um mês, na cidade? Imaginou-me presidindo sua mesa durante um jantar? Será infeliz quando eu retornar ao campo? Incomodar-se-á, se a decepcionar? E o que fará se ouvir fofocas a suas costas, fofocas que me condenem, ou que condenem inclusive aos dois?
Blanche estava assombrada.
—Acaso quer me proteger?
—Claro que sim. Desejo lhe proteger de um futuro de infelicidade, de mim.
—E como pode predizer um futuro assim? Eu acredito que será um futuro agradável.
—Se pudesse predizer um futuro agradável, não duvidaria em aceitar. Prefiro sua felicidade à minha.
—Estou começando a me dar conta —disse ela — Então, seriamente sente por mim algo do afeto que eu sinto por você? —perguntou-lhe, cheia de esperança.
—Eu não minto. Falei que sentia afeto por você, e é certo.
—O conheci em seus piores momentos, sir Rex.
—Estava a ponto de falar sobre isso. Acaso pode me culpar de que sua proposta tenha me surpreendido tanto, quando me surpreendeu com a donzela, e bebendo a sós a meia-noite? Essa noite eu estava bêbado, meus comentários eram inapropriados, e alguns deles muito provocadores. E, em vez de me condenar, oferece-me matrimônio.
—Comecei a lhe compreender, sir Rex.
—Seriamente?
—Sim, e não pode negar que a guerra e uma mulher são as responsáveis por grande parte de seu sofrimento.
—Não vou admitir algo assim. Ambos temos direito a guardar certos segredos. Não queria lhe decepcionar. — Disse ele firmemente — Não quero que, dentro de um ou dois anos, encontre-me a sós com meus demônios e me despreze, e tenha que lamentar este dia.
—Eu nunca poderia lhe desprezar.
—Sério?
—É obvio!
Ele assentiu.
—Blanche, não posso lhe prometer que serei capaz de estar em Londres tanto tempo quanto você gostaria. Não posso lhe prometer que não me atacará a insônia, e que não beberei a sós de noite. Tampouco posso lhe prometer que serei amável nem agradável se você se aproximar de mim nesses momentos.
Ela mordeu o lábio. O coração pulsava rapidamente. Sir Rex estava a ponto de aceitar seu oferecimento, mas insistia em deixar claro cada um de seus defeitos.
—Sou consciente de que se me aproximar da guarida da fera, posso sofrer uma dentada. Entretanto, acredito que seus latidos são piores que suas dentadas.
—Então, não posso lhe dissuadir? É consciente das dificuldades que nos esperam em um matrimônio assim?
—Sim, e não, não pode me dissuadir — respondeu ela.
—Então, devo lhe fazer uma última confissão.
Blanche se sobressaltou. Sentiu medo. Já não houve suficientes confissões? O que ia admitir naquele momento?
Ele umedeceu os lábios com nervosismo.
—Entenderei perfeitamente que retire sua oferta quando souber o que tenho a lhe dizer.
—Está me assustando.
—Não posso seguir adiante sem lhe revelar isto. Blanche tenho um filho.
A surpresa de Blanche não teve limites. Nunca ouviu nada a respeito, não esperava!
—Vive com sua mãe, segundo um acordo ao qual chegamos faz quase uma década — disse, com uma expressão de profunda infelicidade.
Então, ela soube: seu sofrimento não era por causa da guerra, mas sim daquela mulher, a mãe de seu filho, e de seu filho.
—Não há mais herdeiros — prosseguiu sir Rex — Faz muito tempo me dei conta de que eles podem oferecer ao meu filho uma vida e uma herança que eu não tenho.
— Outro casal está criando seu filho?
Ele assentiu.
—Chama-se Stephen, e tem nove anos — disse.
De repente, ficou muito rígido e se voltou. Seu perfil se converteu em uma máscara de controle. Blanche percebeu de que estava lutando contra uma profunda tristeza.
Blanche sentiu o coração romper. Ele sofria por aquele menino, a quem não podia reconhecer nem criar. Quis consolá-lo, mas não se atreveu; dava-se conta de que se o tocasse, ele se desmoronaria. Sabia que não devia comprometer seu orgulho.
Ele respirou profundamente.
—Um dia, herdará um grande título, um dos mais altos do país, e uma grande fortuna — disse, enquanto se voltava lentamente para ela.
—Me fale sobre ele — sussurrou — É moreno como você? É loiro?
—Não posso. Acredito que estou fazendo o melhor para meu filho. Ele não sabe que sou seu pai. E nunca saberá, até que não herde.
—O que está fazendo é muito generoso — disse ela— e é o que faria qualquer bom pai.
Ele assentiu secamente.
—Obrigado. Ninguém sabe. É um segredo que suportei sozinho. Já é suficientemente difícil aceitá-lo para mim mesmo, não precisa que minha intrometida e dogmática família também saiba.
—É obvio. Seu segredo está a salvo comigo.
—Não vejo horror em seu rosto. E tampouco vejo que me condene.
—Não vou lhe condenar por ter um filho ilegítimo. Deus Santo, a metade da boa sociedade de Londres está cheia de filhos ilegítimos.
—Sem dúvida, é a mulher mais generosa que conheci.
—Isto não é questão de generosidade, sir Rex. Os amigos não se julgam, não se acusam, nem se condenam. Os amigos são leais.
—Quer refletir sobre sua proposta? Acabamos de ter uma conversa muito sincera. Acredito que deveria pensar em tudo isso.
—Não tenho nada sobre o que refletir — respondeu ela, e tomou sua mão— Meu afeto permanece intacto, assim como as minhas esperanças de ter um futuro em comum com você. Não me dissuadiste.
Ele assentiu, e levou sua mão aos lábios. Quando lhe beijou o dorso, ela se sentiu tonta de entusiasmo.
—Há algo que posso lhe prometer — disse sir Rex — Sempre terá minha lealdade em todos os sentidos. Farei tudo o que estiver em minhas mãos para lhe defender e para proteger seus interesses. E nunca serei infiel.
Ela pensou em Anne, e titubeou. Como ia permitir que lhe fizesse semelhante promessa?
—O que? — perguntou ele — Acaso duvida de mim? Os homens da família de Warenne são famosos por suas aventuras de solteiros, e também por sua ridícula fidelidade como maridos.
—Sei — sussurrou ela — Sempre soube que seria fiel a sua esposa.
—Serei fiel a você — disse ele firmemente — Quero ser fiel.
—E se for impossível cumprir sua promessa?
—O que significa essa pergunta? Está sugerindo que vou ter aventuras? Por que ia querer ser infiel? Quer dizer que vai me negar entrada ao seu dormitório?
Ela se liberou de sua mão e se afastou um passo. Quem dera pudesse lhe confessar toda a verdade! Devia-lhe o mesmo tipo de confissão que ele acabava de lhe fazer. Quem dera pudesse lhe contar a verdade sobre sua vida, e o estranha que era comparada com outras mulheres. Se pudesse lhe explicar que nunca sentiu o que havia sentido aquela semana, a angústia e a alegria, o desejo e o desespero, que tudo aquilo eram emoções novas para ela, então possivelmente ele pudesse compreender que ela não era uma mulher apaixonada. Que, em algum momento, ia decepcionar a ele, e não o contrário.
Mas não podia revelar-lhe. Era muito humilhante.
—Pensa me jogar fora de sua cama depois de conceber um filho?
—Não —sussurrou ela — Não tenho essa intenção.
—Então, o que quer dizer?
—Vivi em contato com a sociedade toda minha vida. Minhas melhores amigas têm aventuras amorosas. Eu entendo e não as condeno por isso, embora meu caráter não seja como o delas — disse, com a esperança de que ele pudesse compreendê-la.
Rex sacudiu a cabeça com confusão.
E ela encontrou outra maneira de explicar-lhe.
—Passaremos meses separados um do outro. Se chegar o momento, e você sentir que necessita uma amante, prefiro não saber; mas, se me inteirar, olharei para outro lado.
—Isso é o mais generoso e absurdo que ouvi em minha vida. Se me casar, serei fiel, e não me importa quais sejam as circunstâncias maritais. Não me importa que passem anos antes que coabitemos. De fato, a mera ideia da infidelidade no matrimônio me é repulsiva.
Ela elevou a vista. Soube que sir Rex não a trairia, acontecesse o que acontecesse no dormitório. Embora ela o decepcionasse, seria fiel. Blanche teve que secar os olhos.
—Não sei se está desolada ou entusiasmada — disse ele.
—Estou afligida —respondeu Blanche, tomando ambas as mãos — Sei que pensa que é um herói muito escuro, mas é um herói, simples e sinceramente.
—Possivelmente seja um herói de guerra, mas não sou um herói escuro nem de nenhum outro tipo — repôs sir Rex. E depois acrescentou— Está segura de que não quer ir ao seu quarto, ou voltar para Londres, para pensar em tudo o que acabamos de nos contar?
Ela negou com a cabeça.
—Quero ficar aqui, com você.
Sir Rex assentiu.
—Tenaz — disse — E obstinada.
Blanche quase sorriu.
—Neste momento me sinto muito obstinada.
—Então, dou-me por vencido. Sua tenacidade é maior que a minha. Desejo aceitar sua generosa oferta. Serei seu marido, e farei tudo o que esteja em minhas mãos para que este matrimônio seja sólido e agradável.
Blanche o agarrou pelos ombros com o coração acelerado, e sorriu.
—Oh, estamos comprometidos!
Ele fez que elevasse o queixo e fixou o olhar em sua boca.
—Farei todo o possível por lhe agradar — acrescentou brandamente — Em todos os sentidos.
Ela soube o que ele queria dizer exatamente. E o desejo foi instantâneo, foi uma resposta que mal podia acreditar. Entretanto, toda aquela semana tinha sido como um sonho selvagem.
—Posso?
Ela assentiu e sorriu.
—Não precisa pedir mais, Sir Rex.
Ele esboçou um meio sorriso e a beijou. E enquanto o fazia, sussurrou:
—Rex. Embora ainda não seja oficial, deve me chamar Rex.
Capítulo 13
Sir Rex foi chamar um moço dos estábulos, e Blanche caminhou até a borda dos jardins e se aproximou do escarpado para olhar o mar, cujas ondas rompiam estrepitosamente contra as rochas. Ela tinha um sorriso resplandecente. Era muito feliz; Sir Rex a aceitou.
Nunca se sentiu tão entusiasmada. Quem teria imaginado que sua vida ia mudar tanto e tão rapidamente desde sua chegada a Land’s End?
E o que devia fazer em primeiro lugar? Tinha que organizar as bodas, e embora não falaram disso, Blanche sabia com segurança que ele preferiria uma celebração íntima, com a família e alguns amigos. E, além disso, ela tinha que escrever a Bess imediatamente; sua amiga ia desmaiar e saltar de alegria. E, é obvio, tinha que oferecer aos Farrow o jantar que tinha prometido. Não havia melhor oportunidade que aquela para que sir Rex e ela anunciassem seu compromisso.
Blanche deu a volta para voltar para a casa enquanto pensava febrilmente na cerimônia das bodas, a recepção e o jantar, e na carta que devia escrever a Bess… Entretanto, ao passar junto à torre, o sorriso se apagou dos lábios e diminuiu o passo. O que estava fazendo? No que estava pensando? Sir Rex tinha aceitado sua proposta, e tinham que começar com os preparativos das bodas, mas, devia começar a receber os vizinhos em casa tão rapidamente? Tinha deixado bem claro que não tinha interesse em fazê-lo. O fato de pensar em um evento social tinha sido uma reação instintiva. Blanche se deu conta de que estava impaciente por dizer a todo mundo que sir Rex era seu prometido.
Voltou a sorrir. Seu prometido. Gostava muito do som daquelas palavras. E, por Deus, seria amor o que estava tomando conta de seu coração? Levou as mãos às bochechas. Primeiro, confusão e desejo, e depois, com toda segurança, amor. Depois de tantos anos, ocorreu o milagre. Converteu-se em uma mulher normal, com paixões normais, e estava a ponto de levar uma vida normal.
Era muito feliz.
E o medo a atacou.
Sentiu terror. Blanche ficou rígida enquanto todos seus sentimentos de ternura desapareciam e um medo intenso a invadia. Não tinha por que sentir temor, e não sabia de onde tinha saído aquele medo enorme. Então, viu-o, e soube.
Gritou ao sentir que uma faca lhe afundava na cabeça, enquanto um monstro magro se abatia sobre ela com um objeto letal na mão, algo negro, metálico, com puas. Os olhos do monstro resplandeciam de ódio. Alargou os braços para ela.
Blanche sentiu que se afogava de terror. Viu centenas de homens, entre as sombras, atrás do monstro, ao seu redor, gritando com raiva e ódio, com lanças e facas. Ouviu os relinchos de um cavalo. Blanche se voltou. Tinham cortado as rédeas do animal e estava no chão, agitando as patas sob os golpes da multidão. O sangue corria…
Blanche tampou os ouvidos com as mãos, soluçando.
Aquilo não era real. Era uma lembrança! Não soube quanto tempo esteve lutando para acreditar, mas se viu lutando contra os homens, os sons, os aromas, o medo. As sombras a rodearam e ela lhes deu as boas-vindas. Queria sumir na escuridão. Queria a inconsciência.
Entretanto, as sombras se afastaram. Deu-se conta de que estava estendida no chão e que a multidão se desvaneceu. Não obstante, as lembranças tinham ficado gravadas em sua mente, e não teve dúvida de que tinha visto o que aconteceu naquele horrível dia. Piscou e olhou ao céu cinza, e se deu conta de que tinha começado a chover. Tinha a roupa úmida.
—Milady?
Blanche viu uns olhos escuros e se deu conta de que Anne estava sobre ela, olhando-a fixamente.
Blanche se levantou e se sentou no chão, consternada. O quanto Anne tinha visto? Quanto tempo estava ali, observando-a, enquanto ela revivia o passado? Sabia que seu pai lhe mentiu sobre o que tinha ocorrido. Imaginava por que, e podia lhe perdoar por isso, mas não queria recordar nada mais. Não devia voltar a sentir-se como uma menina perdida entre a multidão.
—Quer que avise sir Rex? —perguntou-lhe Anne.
—Não! —exclamou Blanche. Não queria que sir Rex a visse assim. Como podia estar lhe acontecendo aquilo naquele preciso momento?
Por quê?
Blanche voltou a olhar Anne. A donzela estava imóvel, olhando-a, com uma expressão de indiferença. E Blanche se deu conta de que Anne estava contente. Soube que a donzela a odiava, que a invejava e que desejava vê-la cair. Depois de ter presenciado aquela cena, Anne sabia mais do que deveria.
—Quer que avise sua donzela, então? —perguntou Anne.
—Não. Ajude-me a me levantar — lhe disse Blanche, levantou-se para tomar a mão da criada.
—Ajudá-la-ei a entrar —disse Anne, e com um brilho nos olhos, acrescentou— antes que o senhor a veja em semelhante estado.
Blanche girou para olhar à criada.
Anne sorriu.
Rex entrou em seu escritório, tentando dominar suas emoções. Era impossível. Sentia-se leve e alegre. Sentia-se feliz. Era feliz. Não recordava a última vez que havia se sentido tão bem.
Recordou-se que aquele matrimônio não ia ser fácil, Blanche pensasse o que pensasse. Ela era otimista, e ele estava contente por isso, mas sabia que devia ser precavido. Não queria decepcionar sua mulher.
Com um sorriso, sentou-se em seu escritório. Sua esposa. Ia casar-se com Blanche Harrington e mal podia acreditar.
Era hora de tentar melhorar.
E tinha que compartilhar aquelas boas notícias. Tomou papel e pluma e começou a escrever uma carta a seu irmão Tyrell. Enquanto o fazia, voltou a sorrir, Ty ficaria aniquilado. Oxalá pudesse lhe ver a cara quando lesse as notícias que ele ia enviar a Londres.
Quando assinou a carta e a agitou brandamente para que a tinta secasse, sentia-se como se estivesse flutuando. Ty ficaria assombrado, sim, como o resto da família. E toda a cidade.
O sorriso se apagou dos lábios. As fofocas se disparariam com seu compromisso; não lhe importava. Fazia muito tempo que tinha aprendido a fazer pouco caso das palavras maliciosas. Blanche havia dito que tampouco lhe importava, mas ele não acreditava, e nunca acreditaria. As senhoras eram mais sensíveis que os homens. Rex tinha que encontrar a maneira de protegê-la dos rumores daninhos.
A melhor forma seria reaparecer na cidade como se tivesse mudado milagrosamente. Não estava seguro de que pudesse levar a cabo semelhante atuação, mas iria tentar.
Colocou a carta em um envelope, pôs o endereço e a selou.
—Senhor?
Elevou a vista ao ouvir a voz de Anne. Ela estava na porta, sorrindo-lhe, e imediatamente, ele recordou todos os momentos que tinham passado juntos no dormitório. Toda sua ligeireza de ânimo se esfumou. Acabava de comprometer-se com Blanche, e a presença de Anne em sua casa era muito embaraçosa. Ficou em pé e esboçou um sorriso forçado.
—Entre, por favor.
Ela entrou, com um olhar inquisitivo.
—Estou a ponto de preparar o jantar, e me perguntava se gostaria de um guisado de carne — disse Anne com um sorriso.
Ele saiu de trás de seu escritório.
—Temos que falar.
Os olhos de Anne se alargaram ligeiramente.
Ele já não tentou sorrir mais.
—Lady Harrington e eu acabamos de nos comprometer.
Ela ficou gelada. Depois, adotou uma expressão de vago interesse.
—Parabéns, milord.
—Anne, por favor. Fomos amantes, e isto deve ser um golpe para ti. Essa não é minha intenção. Foi uma serviçal leal, e eu desfrutei muito de nossa relação, mas tudo deve mudar agora.
—É obvio — disse ela inclinando-se e afastando o olhar.
—Vou ter que despedir-lhe — disse ele — mas o farei te dando o salário de um mês completo e uma carta de recomendação. — Pareceu-lhe que ela sorria com ironia. Era difícil distinguir, porque Anne estava olhando o chão. — Sei que deve estar afligida.
Ela elevou a vista.
—Sempre soube que um dia se casaria milord. Todos os homens o fazem — respondeu com um sorriso — Nunca pensei que poderia continuar aqui desta maneira.
—Não parece que esteja triste, nem sequer zangada.
—Não sou uma mulher tola senhor. Alegro-me por você, mas eu gostaria de lhe perguntar se lady Harrington está doente.
Ele ficou tenso.
—É delicada. Muitas damas são. Por que o pergunta?
Anne encolheu os ombros.
—Ouvi falar de seus desmaios, isso é tudo.
Teve a impressão de que mentia, e de que sabia algo que ele ignorava.
—Há algo mais que queira dizer? Algo que possivelmente eu devesse saber?
—É obvio que não, milord. Deseja que fique para ajudar na casa até que encontre outra pessoa?
—Isso é muito generoso da sua parte, Anne. Entretanto, acredito que é melhor que parta em seguida. Fenwick e Meg terão que arrumar-se durante um tempo — lhe disse ele. Depois hesitou; ela elevou os olhos e o olhou diretamente nos olhos — Me alegro de que seja tão sensata. É uma mulher apaixonada e esperava uma cena.
—Não me surpreende. Notei que admiraste lady Harrington várias vezes.
Ele entrecerrou os olhos. Ela seguiu olhando-o atrevidamente, e ele soube que era melhor terminar com a entrevista.
—Vou te dar um cheque — disse.
Sentou-se atrás do escritório, tomou os cheques de uma gaveta e escreveu uma soma generosa. Ela tomou e o guardou no decote.
—Sou uma mulher apaixonada, como disse.
Ele ficou tenso.
—E nós dois sabemos que você é um homem apaixonado. Não me importaria que nos despedíssemos apropriadamente, sir Rex. Desfrutaria muito.
Sua voz era rouca e sensual. Quando lhe pôs a mão sobre o torso, lhe disse brandamente:
—Sinto muito, Anne. Não posso. Esse comportamento seria vergonhoso. Por minha parte, não pela tua.
—Não é vergonhoso sentir desejo, sir Rex — sussurrou ela— E ainda não está casado.
Ele tirou sua mão do peito, incômodo.
—Por que não vai recolher suas coisas?
Então ela ficou olhando-o fixamente, e embora ele não pudesse ver suas emoções refletidas em seu rosto, sentiu-as. Sentiu a malícia que lhe parecia ter visto.
Entretanto, ela fez uma reverência e deu a volta para sair.
E então, ele viu Blanche na porta. Estava-os olhando com os olhos muito abertos, pálida, despenteada.
Rex ficou horrorizado.
Anne se apressou a sair do escritório. Passou junto a Blanche de caminho à porta, e Blanche se ruborizou.
—Não queria interromper — disse.
—Não é o que pensa! —exclamou ele enquanto se aproximava rapidamente — Blanche!
—Não — disse ela, e se retirou uns passos. Entretanto, sorriu— Quero dizer que… não estamos casados, e ela tem razão. Tem todo o direito de…
—E um corno! —gritou Rex, e a agarrou por ambos os braços— Tenho feito uma promessa. É efetiva do momento em que a fiz. Não penso rompê-la! Não vou negar que a criada se insinuou, mas eu acabava de despedi-la.
—Se deseja estar com ela, entenderei.
—Não ouviu o que eu disse? Blanche despedi Anne. Foi recolher suas coisas.
—Oh.
—Eu não a desejo. Desejo a ti.
Ela sorriu de novo, com incerteza.
—Estou me comportando como uma tola.
—Não. Já te decepcionei.
—Não, Rex. Reagi com exagero… tive outra dor de cabeça.
Ele ficou gelado.
—Foi muito forte?
Ela sorriu rapidamente, falsamente.
—Não tão má como as outras, mas fiquei um pouco angustiada. E a presença de Anne aqui aumentou minha confusão.
Ele assentiu.
—Espero que fale a sério, porque não me importo com a donzela. Como iria tentar-me, se tenho a ti?
—Me alegro de que a tenha despedido.
—Vamos ao salão. Vejo que te molhou com a chuva. Sentaremo-nos junto ao fogo e podemos falar do que quer me contar — disse ele, sorrindo.
—Já me conhece tanto? —perguntou-lhe ela com outro sorriso.
—Sim. Mas imagino do que se trata. Quer falar de nossas bodas.
—E que mulher não deseja planejar suas bodas?
—Estarei de acordo com o que você queira.
—Tão fácil?
—Tão fácil.
—Eu gostaria que você também desfrutasse de nossas bodas.
Ele teve que sorrir, e a puxou pela mão.
—Oh, e desfrutarei. Conte com isso.
Seus olhos se cruzaram.
—Estava pensando em uma celebração pequena. Só assistiriam minhas amigas mais íntimas e sua grande família.
Ele se alegrou.
—Está tentando me agradar? Porque se for assim, conseguiste. Entretanto, esperava que você quisesse celebrar umas grandes bodas.
—Não. Pensamos o mesmo — disse ela.
—Isso parece.
Rex não pôde resistir. Ela estava tão encantadora como uma menina. Tomou o rosto entre as mãos e a beijou. Queria que fosse um beijo suave, mas assim que seus lábios se tocaram, Rex sentiu uma explosão de desejo. Aquela grande mulher ia ser sua esposa. Queria possuí-la ali mesmo, e lhe proporcionar um grande prazer. Soltou-a.
Seus olhos brilhavam. Seu sorriso era tímido, mas de satisfação.
Rex pensou que esteve a ponto de estragar tudo um momento antes; entretanto, milagrosamente, não o tinha feito. Porque parecia que Blanche confiava nele, e parecia que sempre pensava bem dele, acontecesse o que acontecesse. Era muito generosa.
E ele devia correspondê-la.
—Fez planos já para o jantar que vamos oferecer aos vizinhos? —perguntou-lhe despreocupadamente.
Ela abriu os olhos de par em par.
—Estava pensando, mas decidi que não havia pressa. Não temos por que começar a receber gente tão logo…
—Mas eu quero fazê-lo. Como você já disse, já é hora. E, além disso, agora tenho anfitriã — disse ele, e voltou a tomar suas mãos, só porque desejava sentir seu tato.
—Bom — disse ela timidamente— sei que os Farrow estariam encantados de receber um convite. Poderíamos convidar também o doutor Linney e sua esposa, para ver como vão as coisas.
—Como você queira. Só tem que me dizer quando será, e como quer que me vista, e estarei ali para saudar nossos convidados.
«Nossos convidados». Aquelas palavras ressoaram em sua mente agradavelmente.
Blanche ficou pensativa.
—Terei que pedir a Anne que ajude com o jantar. Meg não sabe cozinhar, e Fenwick terá que servir a mesa.
Ele sabia que Anne não devia ficar nem sequer uma noite mais.
—Não podemos procurar outra pessoa do povoado?
—Posso tentar. Mas, Rex, pagou-lhe generosamente e ela conhece muito bem a cozinha. Seus guisados são passáveis. — Ele titubeou. Então, Blanche disse — Por que não esperamos até depois das bodas para começar a receber convidados?
Aquela ideia lhe encantou, mas queria agradar Blanche com um jantar agradável.
—Direi a Anne que tem que ficar até depois da noite do jantar.
Blanche tinha decidido que se arrumaria para seu primeiro jantar com seu prometido. Pôs um vestido de noite de cor marfim e rosa, e estava observando-se ante o espelho, tremendo de impaciência como se fosse uma menina de dezesseis anos. Tinha o coração alegre.
E então, o monstro apareceu ante ela, lhe mostrando os dentes amarelos, úmidos.
Um cavalo começou a relinchar de angústia e de tortura, muito perto.
Blanche gritou e tampou os ouvidos com as mãos. Toda sua felicidade se desvaneceu e só pôde sentir terror. Sabia que aquele homem a estava procurando e que, sem dúvida, ia apanhá-la. Naquele momento era uma menina pequena que estava muito assustada. Onde estava mamãe?
«Levaram mamãe, tiraram-na da carruagem».
O monstro de olhos claros tentou agarrá-la. Ela saltou e correu, não pelo quarto, mas através da multidão, em uma Rua de Londres, escorregando pela pavimentação cheia de sangue. À medida que corria, os relinchos do cavalo se esfumavam. A imagem do homem se desvanecia. Quando olhou para trás, já não era real, só era outra lembrança espantosa que tinha gravado para sempre na mente. Blanche se deu conta de que estava agarrado o corrimão, no final do corredor, ofegando, com o coração acelerado. Tinha as bochechas cheias de lágrimas, e não se atrevia a soltar o corrimão para enxugá-las. Não sabia como tinha saído de seu quarto e chegado nas escadas.
—Blanche?
Ela estremeceu ao dar-se conta de que sir Rex estava abaixo, esperando-a. Entretanto, ele sorria. Não tinha visto seu ataque de loucura. E, enquanto ela o olhava aterrorizada nos olhos, o medo diminuiu. Ele usava uma jaqueta branca própria de uma festa de noite, e Blanche nunca o tinha visto tão bonito. Teve a sensação de que era muito importante descer ao seu lado. Ele era como um porto seguro, um destino, um lugar ao qual devia ir.
Entretanto, tinha todo o direito de saber o que estava acontecendo.
Blanche desceu as escadas mudando rapidamente de expressão e tentando que acalmasse a respiração para que ele não suspeitasse que algo ia mal.
—Vejo que nós dois pensamos em nos arrumar — disse ela. Não devia lhe dizer o que acabara de ocorrer. Pensaria que estava louca de pedra! Blanche se envergonharia profundamente.
Ele a olhou com toda atenção.
—Algo vai mal?
Blanche hesitou. Como não iria dizer que aqueles ataques não cessavam, ele mereceria algo muito melhor do que ela podia lhe oferecer.
—Tem aspecto de estar assustada — disse ele com suavidade.
Ela ficou muito tensa. E mentiu, quando nunca foi uma mentirosa, porque não se atrevia a perder sir Rex.
—Estou um pouco nervosa pelo jantar.
Ele sorriu, mas o sorriso não lhe alcançou o olhar.
—Às vezes, dá-me a sensação de que guarda segredos.
—Não tenho nenhum segredo que valha a pena guardar.
—Não quis dizer de um modo ofensivo — disse ele rapidamente— Blanche tem algum problema?
—Não sei o que quer dizer — replicou Blanche— O único problema que tenho é a complicada fortuna que meu pai me deixou em herança, e que está a ponto de passar as suas mãos, o qual fará que minha vida seja muito mais fácil.
Ele sorriu com incerteza.
—Espero que possamos ir logo à cidade. Sei que desejará fazer o anúncio de nosso compromisso e planejar as bodas, embora seja simples.
Ela não pôde sorrir naquela ocasião.
—Odeia a cidade, e agora quer ir imediatamente?
Ele encolheu os ombros.
—A condessa ficará muito contente ao saber a notícia. — Blanche o olhou fixamente. —Muito bem. A verdade é que quero que vá a um médico ali. Estou preocupado por ti.
—Estou bem, Rex — mentiu ela — Não há necessidade de voltar para a cidade, e menos pelo que acaba de dizer. Morro de fome! O jantar estará pronto? —perguntou, e se afastou dele.
E, pela extremidade do olho, viu seu olhar escuro, escrutinador.
«Sabe que estou mentindo», pensou ela com abatimento. «Sabe que me ocorre algo horrível».
Então, disse-se que aquela não era maneira de começar um matrimônio. No fundo de seu coração, sabia que sir Rex não merecia uma esposa doente ou louca. Em último caso, deixá-lo-ia antes que tivessem começado.
Capítulo 14
Um pouco depois, das cinco e meia, Blanche baixou à cozinha. Os convidados iriam chegar em pouco tempo, e ela tinha um mau pressentimento. Ao entrar na cozinha, percebeu o aroma do pescado.
Ficou consternada.
—Anne!
Com irritação, aproximou-se das fontes de assar que estavam sobre a mesa. Estavam cheias de filetes de bacalhau e batatas. Tinha indicado à donzela que devia cozinhar galinhas da Cornualia e pernas de cordeiro. Aproximou-se do forno, que estava quente, entretanto, dentro não havia nada. Sobre o fogo da cozinha encontrou mais batatas e feijões verdes.
—Anne? — Ao olhar ao seu redor, viu Anne pela janela. A criada estava fora, falando tranquilamente com o ferreiro. Blanche saiu. —Anne! Queria falar contigo neste momento!
Anne e o jovem se voltaram para olhá-la. O ferreiro sorriu então e tirou a boina de lã. Blanche assentiu com tensão. Anne se aproximou, sem pressa.
—Onde estão as galinhas e o cordeiro? —perguntou-lhe Blanche.
—Milady, desculpe, mas disse a sua donzela que não havia galinhas no mercado, e não temos cordeiro.
—Meg não me disse nada.
—Deve ter esquecido.
—O bacalhau é uma comida muito comum! Ninguém oferece bacalhau em um jantar formal. — Anne a olhou com indiferença. Blanche continuou. —É este o jantar? Pedi também uma salada de verduras frescas.
—Temo que só haja feijões verdes e batatas. E o bacalhau.
—Está tentando sabotar o jantar?
—E por que ia fazer algo assim? Sir Rex foi muito generoso comigo, milady, e muito, muito amável.
Blanche ficou olhando-a, segura de que Anne lhe estava esfregando sua aventura com sir Rex em sua cara.
—Então, quer sabotar a mim?
—Nunca me ocorreria zangar a uma grande dama como você, lady Harrington —disse Anne. Embora suas palavras fossem irônicas, seu tom de voz era inócuo.
—Parece-me que quer me fazer mal por me casar com sir Rex! —exclamou Blanche.
—Não. Alegro-me por vocês, e se deseja que o jantar se sirva as sete, o melhor será que eu volte para a cozinha.
Blanche se sentiu muito tensa ao ver que Anne dava a volta e se afastava sem mais explicações, deixando-a plantada fora da cozinha.
Então, esfregou a testa, porque tinha dor de cabeça, e isso lhe dava medo. Esperou com angústia o ataque de outra lembrança, mas só viu as imagens que tinha visto antes. Quando se deu conta de que não sentia a navalhada de dor no crânio, e soube que não ia ter nenhuma lembrança nova, relaxou um pouco. Talvez, finalmente, estivesse melhorando.
Entretanto, naquele momento não se reconhecia. Tornou-se uma pessoa volátil em vez de calma e racional. Acaso Anne era hostil para ela? Queria sabotar aquele jantar? Ou acaso Blanche estava nervosa e desequilibrada e suas suspeitas eram infundadas? Não podia distinguir.
Tremendo, entrou na casa e subiu correndo as escadas. De repente, estava segura de que aquele jantar não ia sair tão bem quanto ela queria.
Ficou imóvel. Por que tinha pensado algo assim? Ela tinha dado jantares milhares de vezes e tinha muita prática. Era uma conversadora muito habilidosa e sabia como conseguir que seus convidados se sentissem cômodos. Claro que o jantar sairia bem. Ninguém comentaria nada da pobreza do menu e ela se asseguraria de que se servisse muito vinho. Não havia por que preocupar-se.
Meg bateu e entrou no quarto. Blanche perguntou, enquanto a donzela a ajudava a terminar de arrumar-se:
—Meg, por que não me disse que não havia galinhas no mercado e que não tínhamos cordeiro?
Meg a olhou com surpresa.
—Milady, não sabia.
—Anne não te pediu que me dissesse que havia uma mudança no menu?
—Não, não. De fato, nem sequer falei com ela hoje.
Blanche ficou perplexa.
Então, Meg disse brandamente:
—É maliciosa, milady. Eu não gosto e não confio nela.
—Sim — disse Blanche — Acredito que tem razão. Mas não importa. Sobreviveremos ao jantar desta noite. Se estava pensando em frustrar meus planos, está bem, conseguiu, mas é só uma questão de incômodo. Seus dias em Land’s End estão contados, e ela não vai mudar o fato de que agora a senhora sou eu.
Meg sorriu.
—Não pode mudar o fato de que vai ser você a esposa de sir Rex.
Blanche pensava que a noite estava sendo um êxito, face à modesta comida. Os Farrow estavam tão encantados de estar em Bodenick que fizeram vários elogios sobre o jantar. O doutor Linney era um homem afável, e sua mulher uma faladora. A senhora Linney não deixava de conversar sobre a elevada família de sir Rex. Já tinha falado com entusiasmo do conde e seu herdeiro, embora não conhecia o homem em pessoa, e estava falando da condessa.
—E, é obvio, todo mundo sabe que a condessa é tão encantadora quanto generosa. É célebre por suas obras de caridade. Deve imitá-la, sir Rex. Desejo conhecê-la quando vier de visita! Fiquei muito desiludida ao não encontrá-la nem sequer pelas ruas de Lanhadron. Avisar-nos-á a próxima vez que venha verdade, sir Rex? —perguntou a gordinha dama com entusiasmo.
Sir Rex tinha sido amável, embora reservado, durante todo o jantar. Blanche se deu conta de que era só um homem discreto que não gostava das conversas frívolas. E não importava, porque a senhora Linney e o senhor Farrow tinham mantido viva a reunião.
—Farei o que puder.
—Oh, isso não é suficiente, verdade, Margaret? Lady Harrington, não está de acordo? Sir Rex deve nos informar quando a condessa estiver em Bodenick, para que possamos visitá-la adequadamente. Receber-nos-á, verdade?
—Estou seguro de que o fará encantada — respondeu sir Rex, olhando Blanche, do outro extremo da mesa. Sorriu, e lhe devolveu o sorriso.
—A condessa é uma dama extraordinária — disse Blanche— E apesar de seu título, não tem nenhum ar de superioridade, e nunca desprezaria os vizinhos de sir Rex. De fato, quando eu voltar para a cidade, dir-lhe-ei que espere sua visita a próxima vez que esteja na Cornualia.
A senhora Linney sorriu.
—É uma dama maravilhosa, lady Harrington. Já entendo por que sir Rex está tão encantado com você.
Blanche se sobressaltou um pouco surpreendida, e se fez silêncio. Sir Rex voltou a olhá-la, com uma expressão divertida. Paul Farrow terminou galantemente com o momento.
—Eu também estou encantado com lady Harrington. Tínhamos ouvido falar muito de você, milady, mas nunca imaginamos que jantaríamos com uma anfitriã tão elegante. E tem que felicitar o chef!
Sir Rex disse brandamente:
—Sim, estou encantado com lady Harrington.
Blanche se ruborizou de prazer. A senhora Linney ficou muito surpreendida. A expressão de seu marido foi de satisfação, e os Farrow se olharam, não pela primeira vez durante o jantar. Blanche estava segura de que o casal suspeitava que sir Rex e ela se professassem afeto.
Margaret Farrow disse rapidamente:
—Não nos disse quanto tempo vai ficar no campo conosco.
—Não tenho feito planos para retornar à cidade ainda — disse Blanche, sem deixar de sorrir a sir Rex— Nunca estive na Cornualia, e eu adoro o clima.
Margaret se limitou a sorrir, porque naquele momento estava chovendo.
Houve outro pequeno silêncio. Então, a senhora Linney disse:
—Eu não suporto este clima, para ser sincera. Salvo no verão, claro. Deve voltar no verão, lady Harrington.
Blanche e sir Rex trocaram um olhar.
—Essa é minha intenção — disse ela.
E ele entendeu.
—Na realidade, há uma notícia que nós gostaríamos de anunciar.
Todos se olharam, e Blanche sorriu. Sir Rex disse:
—Lady Harrington aceitou tornar-se minha esposa. Embora não é oficial e ainda não assinamos os contratos, estamos comprometidos.
Houve um estalo de exclamações. Os dois homens se voltaram para sir Rex para felicitá-lo, e as senhoras olharam Blanche.
—Já me parecia que havia algo —disse Margaret, sorrindo — Oh, é maravilhoso. Seremos vizinhas, ao menos durante uma temporada ao ano.
—E podem me visitar em Harrington Hall — disse Blanche enquanto se apertavam as mãos.
Margaret assentiu alegremente.
—Nunca pensei que veria este dia — disse a senhora Linney, inclinando-se para ela — Pensava que seguiria solteiro para sempre. Oh, que afortunado é sir Rex por ter se comprometido com uma dama tão boa como você!
—Eu sou a afortunada — disse Blanche com um sorriso.
—Ele tem seus maus humores — lhe advertiu a senhora Linney.
—Não me importa — respondeu Blanche.
—Comprometeste-se com um herói de guerra — disse Paul — Meu primo diz que ele tirou o duque de Clarewood do campo de batalha nas costas, com apenas uma perna. Se não fosse por sir Rex, Clarewood estaria morto — afirmou com um sorriso.
Blanche ficou tensa e olhou sir Rex. Ele tinha baixado o olhar, e tinha cor nas bochechas.
Imediatamente, Paul Farrow compreendeu seu engano.
—Sir Rex, me desculpe. Meu primo estava também no Décimo primeiro Regimento de Dragões, mas não deveria ter mencionado nada disto.
Sir Rex tomou um gole de vinho tinto. Olhou Paul e encolheu os ombros.
—Fiz todo o possível por esquecer a guerra. Ocorreu faz muito.
—Não é de se surpreender — disse Paul nervosamente — Foi uma guerra horrível, mas graças a Deus, ganhamos, e graças também a heróis como você.
Blanche ficou em pé bruscamente, com ansiedade, porque sir Rex estava olhando a taça como se fosse uma bola de cristal que lhe revelava imagens do passado.
—Por que as damas não passam ao salão? Os cavalheiros podem desfrutar dos charutos e do brandy aqui.
O doutor Linney lhe piscou um olho.
—Uma excelente sugestão. Já levo atraso para minha taça de brandy.
Enquanto Margaret e a senhora Linney se levantavam, Blanche se aproximou da cabeceira da mesa.
—Direi a Fenwick que sirva o brandy — sussurrou a sir Rex.
Ele não a olhou.
—Obrigado.
Ela se angustiou. Fossem quais fossem os demônios que o obcecavam da guerra, soube que naquele momento o tinham entre suas garras. Voltou-se para as damas.
—Irei ao salão em um momento.
Depois, Blanche foi à cozinha, onde Meg estava ajudando Anne, e Fenwick estava sentado na mesa com um jornal.
—Anne, o jantar foi um êxito. Parabéns.
Anne deu um pulo.
Blanche pediu então a Fenwick que servisse o brandy aos cavalheiros, e partiu da cozinha. Antes de entrar no salão, deu-se conta de que as mulheres estavam cochichando e, instintivamente, deteve-se. Por que falavam em sussurros? O que era o que não queriam que ouvisse?
Aproximou-se sigilosamente à porta e escutou.
—Sinto-me tão inquieta, e tão angustiada por ela! —sussurrou a senhora Linney.
—Estou segura de que não é certo — respondeu com firmeza Margaret.
—A irmã de sua mãe está empregada na casa de Squire Deedy. É certo. A pobre lady Harrington não tem ideia de que sir Rex está tendo uma aventura com sua donzela… diante de seu nariz! É vergonhoso, vergonhoso!
Margaret ficou calada. Blanche não dava crédito ao que estava ouvindo. Então, Margaret afirmou:
—Não acredito.
Blanche se apoiou contra a parede, aterrorizada e abatida. Sir Rex advertira que haveria rumores contra eles, e tinha razão. Entretanto, não imaginou que fossem rumores tão maliciosos, e pior ainda, certos. Pôs-se a tremer. Pela primeira vez em sua vida, não soube o que fazer.
Não tinha maneira de acabar com semelhantes falatórios. E se a senhora Linney sabia, a maioria do povoado do distrito saberia.
Tinha o coração encolhido. Ela podia suportar aquele rumor odioso, mas sir Rex não tinha por que aguentar mais fofocas a suas costas. Antes teria entrado elegantemente no salão, fingindo que não ocorria nada. Entretanto, naquele momento, incapaz de sorrir, entrou na sala com toda decisão. Ambas as mulheres se voltaram para ela. A senhora Linney, sorrindo, e Margaret com expressão de inquietação. Quando a viram, as duas ficaram pálidas. Blanche se deu conta de que devia ter uma expressão fera.
—Eu não gosto de intrigas em minha casa — disse Blanche sem rodeios.
A senhora Linney empalideceu inclusive mais.
Ela se voltou para Margaret.
—Não é certo — disse Blanche, formulando a maior mentira de sua vida— Sir Rex teve problemas com Anne desde o começo, e ela é quem estendeu esses rumores para vingar-se dele, embora ele tenha sido generoso com ela —disse, e se encarou com a senhora Linney — Sir Rex é um cavalheiro, e não permitirei que ninguém diga o contrário. Meu futuro marido nunca teria relações com uma criada.
—Sinto-o — balbuciou a senhora Linney — Não queria ser grosseira.
Blanche ficou olhando e tomou ar para acalmar-se, mas não pôde sorrir.
—Agradecer-lhe-ia que acabasse com esses rumores, senhora Linney.
—Farei o que puder — disse a senhora lentamente — Sabe que negarei todo este assunto! Depois de tudo, agora temos feito amizade.
Blanche sabia que não poderia convencê-la da inocência de sir Rex, mas a senhora Linney não era tola. Queria outro convite a Bodenick, e não o conseguiria se não cedesse ao pedido de Blanche.
—Obrigado. E, sim, eu valorizo muito nossa nova amizade. Por isso estou segura de que este assunto feio será esquecido em seguida.
Margaret a olhou com preocupação.
—Quer se sentar, milady? Peço um chá?
Blanche sorriu. Margaret Farrow era uma jovem decente e amável.
—Angustiei-me com essa difamação, mas agora estou melhor.
Então, deu-se conta de que sir Rex estava na porta, justo onde ela esteve escutando uns momentos antes. Blanche soube, por sua expressão sombria, que tinha ouvido tudo.
Ele entrou no salão.
—Sei que está cansada, e sugiro que terminemos a noite prematuramente — disse com tensão. Blanche suspeitou que estivesse tentando controlar sua fúria.
—É obvio! — exclamou Margaret nervosamente — Lady Harrington tem muitas coisas na cabeça, e deve estar aflita — disse, e se voltou para Blanche — Se puder ajudar em algo, fá-lo-ei encantada. Por favor, não hesite em me avisar. E muitíssimo obrigado pelo jantar. Foi uma noite muito agradável.
Blanche lhe agradeceu enquanto os cavalheiros entravam no salão. A senhora Linney pegou suas mãos.
—Espero não ter lhe ofendido. Sinto-me muito contente por sir Rex e por você. Visitar-lhes-ei esta semana — disse, e acrescentou rapidamente — se não se importar.
Blanche sorriu forçadamente.
—É obvio que não. Boa noite.
Um momento depois, viu como Fenwick fechava a porta depois que saísse o último dos convidados. Enquanto sir Rex entrava na sala, ela sorriu.
—Foi um jantar muito agradável, verdade? —disse com despreocupação, com a esperança de que ele assentiria.
Ele a olhou com gravidade.
Ela notou que sua ansiedade se incrementava.
—Foi bem — repetiu.
—Seriamente? —perguntou Rex com ironia.
Imediatamente, Blanche soube que estava de muito mau humor.
—Sinto que tenha ouvido isso! Mas foi um anfitrião perfeito!
—Não, você foi, e é uma anfitriã perfeita. Mas aceitou se casar comigo… E isto é o que conseguiu. Verdades horríveis.
—Mas eu já aceitei essa verdade. Superaremos. E de algum modo, entre nós se criou um vínculo de afeto, apesar de certos desafios.
Ele a olhou de esguelha.
—Concedo-te uma coisa: Margaret Farrow é uma jovem muito amável, e espero que se façam amigas.
Blanche sentiu um ligeiro alívio.
—E Paul é um homem muito simpático…
—É débil e incapaz. Posso tolerá-lo por uma noite, se for obrigado.
Aquilo era uma grosseria, pensou Blanche.
—Não quero discutir por esta noite, nem por nenhuma outra coisa. Estou cansada.
Ele se aproximou do bar. Ali serviu um brandy. Não parecia que estivesse bêbado, mas lhe preocupou que bebesse muito. Sir Rex girou.
—Adverti que não tolero semelhantes tolices.
—Está zangado comigo por que quis celebrar este jantar? Ou está zangado contigo mesmo por ter satisfeito suas necessidades com uma criada?
Ele ficou muito rígido. Sua expressão foi de incredulidade.
—Assim, finalmente, condena-me.
—Não. Só sei que, se não tivesse essa aventura, não haveria rumores maliciosos. — Sir Rex a olhou com dureza. —Não estou te condenando — disse ela desesperadamente —E acredito que esta noite foi um êxito!
—Tem razão. Deveria ter tido uma aventura com a senhora Farrow. Ou com uma de suas amigas. Isso sim seria aceitável.
Blanche sentiu os olhos encheram de lágrimas.
—E lamento minhas necessidades. E mais que isso, lamento que não me preocupe em desafiar à sociedade. Lamento minha indiferença pelas fofocas. Mas agora me importa. Agora me importa o que digam e o que pensem os outros. Importa-me por ti.
Ela secou uma lágrima.
—Não é relevante. Sempre houve rumores. Primeiro murmurarão sobre nós, porque seremos fonte de especulações e diversão. Entretanto, em um ou dois anos, se fixarão em outros.
Ele se aproximou da lareira e, de um gole, terminou sua taça de brandy.
Blanche titubeou. Estava muito cansada, e detestava aquela confrontação, mas também desejava consolá-lo. Não queria ir dormir deixando aquele conflito sem resolver.
—Rex? A noite foi agradável, face o deslize de Paul, até que a senhora Linney começou a mexericar.
Ele se voltou lentamente para ela.
—Tem razão. Entretanto, eu tenho muitos esqueletos no armário, e todas as noites poderiam terminar assim. Está segura de que esta é a vida que deseja? Porque só tem que dizer uma palavra e te liberarei de seu compromisso.
Blanche ficou rígida. Levou uma desagradável surpresa. Não sabia o que fazer nem o que dizer.
Ele emitiu um grunhido.
—Não! — disse ela rapidamente— Não interprete mal minha hesitação. Quero me casar contigo. Entretanto, Rex, quando está assim, confundo-me, e não sei o que dizer nem o que fazer. Não sei se devo tomar sua mão ou fugir de ti!
—Então, deveria pensar muito bem no futuro que estamos planejando, porque nunca te prometi que não me encontraria meditando a meia-noite.
Blanche mordeu o lábio com consternação.
Ele preencheu o copo e se foi ao seu escritório. Blanche deu um pulo quando a porta se fechou de repente.
Então, ela começou a tremer. Como tinham chegado a aquele ponto, no qual uma palavra ou um movimento em falso podiam separá-los? Ela estava se apaixonando por sir Rex. Acaso ele queria que ela terminasse com o compromisso? E como iriam conviver se um simples jantar podia alterá-los assim?
Sentiu uma profunda tristeza. Sabia que não podia perdê-lo. Rompia-lhe o coração ao pensar. Iria buscá-lo na torre e lhe diria o muito que lhe importava. Entretanto, a angústia se intensificou. Foi contundente, paralisante e insuportável. Naquele momento, Blanche soube que não era a dor pela possibilidade de perder sir Rex. Era muito mais.
A imagem de seu pai lhe apareceu na mente. E foi seguida pela imagem do retrato de sua mãe, que continuava pendurado sobre a escada de Harrington Hall.
Então, Blanche gemeu, segurando o peito. Não tinha derramado uma só lágrima quando seu pai tinha morrido, e não recordava absolutamente a sua mãe, e muito menos sua morte, mas naquele momento, de repente, teve vontade de chorar e gritar de raiva. A sensação de perda era aguda. A sensação de estar perdida era inclusive pior.
—Blanche?
Ela se voltou para sir Rex, que se aproximava rapidamente dela.
—Não chore! Por favor, não chore! — rogou-lhe, espantado.
Ela queria lhe dizer que não era culpa dele, mas não pôde. Queria lhe rogar que a ajudasse a encontrar a felicidade e a alegria, e a escapar da angústia, mas não pôde. Só o que podia fazer era sacudir a cabeça, incapaz de falar, e tentar entrar no círculo de seus braços, contra seu corpo poderoso, a um lugar no qual se sentia segura. Ele a abraçou com força.
As imagens passavam na mente de Blanche; o cavalo morto, com os olhos abertos e frágeis, e seu corpo golpeado e ensanguentado, o homem monstro, com seus dentes amarelos, as puas de um forcado, e rosto de mamãe, perfeita, sorrindo como fez para o pintor de seu retrato.
Seu pai tinha morrido seis meses antes e ela nem sequer recordava um momento com sua mãe. Por que tinha que sofrer naquele momento? Era muito para poder suportar! Tudo estava ocorrendo ao mesmo tempo, e ela não podia fazer frente a tantas emoções. Começou a entender o que estava acontecendo; ao chegar em Land’s End, o coração tinha despertado. Primeiro tinha sentido confusão, depois desejo, depois amor. Seu coração era um órgão completo que pulsava e funcionava, e não experimentava só coisas positivas, mas também dor, tristeza, ira.
Naquele instante, teria dado tudo pela existência plácida que tinha levado durante quase toda sua vida.
—Blanche — sussurrou ele, lhe acariciando as costas e abraçando-a com força— Sinto muito! Perdoe-me!
Ela girou o rosto roçando a pele quente de seu pescoço e sua mandíbula. Respirou sua essência masculina e lhe acariciou a pele com os lábios, e sentiu que sua própria carne se acendia grosseiramente; o pesar se mitigou, e em seu lugar sentiu uma terrível urgência. Blanche se agarrou aos seus ombros, maravilhando-se de sua largura e sua força, e notou que o corpo dele esticava.
Era tão grande, tão forte, tão embriagador… Blanche lhe passou as mãos pelos bíceps, que imediatamente se contraíram sob sua palma. Ela moveu a boca, timidamente, contra sua garganta, e o ouviu suspirar. O coração deu um salto, e começou a sentir um batimento do coração sob as várias capas de roupa.
—Blanche — sussurrou ele, tomando-a pela cintura.
Ela elevou a vista.
—Me faça amor.
Ele abriu os olhos de par em par.
Blanche ficou imóvel, com o coração acelerado.
Acariciou-lhe a bochecha.
—Está muito angustiada. Não fala a sério.
—Sim —respondeu ela — Tenho vinte e sete anos e ainda sou virgem. Entretanto, meu corpo me roga que sinta o teu.
Os olhos dele obscureceram. Então, agarrou-a pela nuca e a aproximou para beijá-la.
Quando seus lábios se uniram, ela notou que ele estremecia, e soube que estava exercendo um grande controle sobre si mesmo. Beijou-o com força, desejando que ele abrisse a boca. Quando o fez, Blanche se deu conta de que lhe escapava um gemido, suave, feminino, sem fôlego.
O beijo se fez mais profundo. Blanche caiu sobre o sofá, e sir Rex em cima dela, enquanto suas bocas se derretiam. Deu-se conta de que lhe abria as coxas. E sentiu sua virilidade, dura e grande, contra a perna e a pélvis, através da saia de seu vestido.
Rex interrompeu o beijo, e ela respirou profundamente. O coração pulsava com tanta rapidez que quase a assustava.
—É tarde — disse ele com a voz rouca, mas lhe beijou a garganta, e depois, por debaixo do colar de diamantes, e depois, o decote que revelava seu vestido.
Blanche ofegou de prazer, assombrada pelas sensações arrebatadoras que lhe produziam seus lábios entre os peitos, e seu membro contra a coxa.
—Não, não é tarde. Sir Rex… me leve para cima.
Capítulo 15
Rex vacilou. Tinha aquela mulher pequena, delicada e frágil, que ia ser sua esposa, entre os braços. Mal podia pensar com claridade. Estava sendo muito difícil controlar-se.
Sorriu-lhe trêmulo.
«Quer ir acima. Quer que façamos amor. Por que não?».
—Blanche… não há nada que gostaria mais que te levar a minha cama. Mas não quero que te arrependa disto amanhã.
Ela sacudiu a cabeça e lhe acariciou a bochecha sem dizer nada.
O coração dele acelerou. Inclinou-se e voltou a beijá-la sem poder conter-se. Fez-lhe abrir os lábios e brincou com sua língua. Queria saborear até o último centímetro dela, não só sua boca. Trocou de postura e pressionou diretamente entre suas coxas. Ela ofegou brandamente e se arqueou para receber todo o prazer que ele pudesse lhe dar.
Seu desejo masculino aumentou. Era decidido, predador. Ela era virgem. Estava muito disposta. Iriam casar logo. Blanche queria ter filhos com ele, e queria que ele a fizesse dele…
Afastou sua boca da dela e, com um sorriso, disse-lhe:
—Vêm. Vêm comigo.
Ela suspirou. Rex viu muita confiança e inocência em seu rosto, e sentiu euforia.
Por que não? Ele era um homem, e ela era a mulher a qual desejava. Era a mulher a qual sempre tinha desejado. Ainda não podia dar crédito ao que estava acontecendo, mas a urgência de possuí-la estava acabando com qualquer dúvida.
Enquanto subiam as escadas, olhou-a.
—Pode mudar de opinião a qualquer momento — disse em um sussurro.
—Não quero mudar de opinião.
—A qualquer momento — repetiu ele, enquanto seguiam caminhando para seu dormitório — Mas mais cedo seria melhor que mais tarde.
Na porta, Blanche olhou sua cama com dossel, e negou com a cabeça.
Então, Rex fechou a porta e a abraçou. Ela tremia, mas não tanto quanto ele.
—Desejo-te tanto — murmurou lhe acariciando a bochecha — Me sinto como um moço de novo. Blanche, não te farei mal, prometo-lhe isso.
—Eu gosto que seja tenro — sussurrou ela.
Ele vacilou, porque não estava seguro de sua capacidade para a ternura, mas a mensagem de Blanche estava clara: não queria um encontro frenético, e ele não a culpava. Sorriu e lhe acariciou os lábios com a boca. Depois a guiou para o leito.
Havia um pequeno fogo na lareira, assim não acendeu nenhuma outra luz. Rapidamente tirou a jaqueta e desabotoou a camisa. Depois deitou Blanche brandamente no colchão e lhe beijou o pescoço e o lóbulo da orelha. Ela estremeceu e suspirou.
Imediatamente, aquela urgência ressurgiu nele. Em sua mente o principal era a impaciência, o preciso momento em que estivesse dentro de seu corpo. Sorriu e a beijou brandamente, lhe acariciando a cintura e os braços. Ela suspirou de novo.
—Quero te acariciar todo o corpo — sussurrou ele, deslizando a palma da mão trêmula sobre seu sutiã e seu seio. Enquanto o fazia, cobriu-lhe de beijos a garganta e o torso. Ela se pôs a tremer e começou a retorcer-se, deixando cair à cabeça para trás.
Ele passou as mãos para as costas e começou a lhe desabotoar o vestido. Blanche abriu os olhos de repente e ele sorriu. Ela olhou para o fogo, e Rex compreendeu o que queria lhe dizer.
—É muito bela — sussurrou— e quero te olhar.
—Sir Rex, como vou ser bela se já sou velha? —protestou ela com seriedade.
Aquele protesto o fez rir.
—Não é velha, e quero que deixe de pensar — disse, enquanto lhe rodeava a cintura com os braços e a beijava profundamente— Quero que sinta.
Baixou-lhe o vestido até a cintura e tentou não inalar com brutalidade. Entretanto, sua camisa era transparente, e o espartilho de cor marfim. Passou-lhe as mãos pelo seio, e sem querer, emitiu um grunhido. Sua excitação disparou.
Blanche fechou os olhos. Ele não podia pensar e não queria fazê-lo. Baixou-lhe a camisa por cima do espartilho e lhe lambeu um dos mamilos. Ela ofegou.
Rex enlouqueceu. Empurrou-a contra o travesseiro enquanto tentava desabotoar o espartilho. Ela ofegou de novo. Ele afastou o espartilho, abraçou-a e lambeu o outro seio. Ela estremeceu convulsivamente.
Blanche tinha o sutiã e a camisa ao redor da cintura. Levantou-lhe a saia e a combinação e a despojou das calcinhas de seda; depois, deslizou-lhe a mão pela coxa, suave e esbelta. Ela gemeu quando, finalmente, roçou-lhe o sexo. Estava cálida, inchada e úmida.
—Blanche, querida…
Então, Rex deslizou a mão com firmeza sobre ela, estendendo suas dobras, e ela se retorceu entre ofegos e se arqueou. Ele não titubeou. Inclinou-se para baixo e passou a língua por seu corpo. Ela ficou rígida, sem dúvida, pela impressão, mas ele apertou mais intimamente, e Blanche voltou a estremecer.
—Me deixe — sussurrou ele — Relaxe, Blanche, e deixa que te dê prazer.
Houve um silêncio. Ele notou que seu corpo ficava lasso, e a ouviu gemer.
—Oh, Deus.
E então, ofegou, com um calafrio, e ele notou seu orgasmo contra a língua e a bochecha. Sorriu, enquanto uma sensação de triunfo o percorria dos pés a cabeça.
Quando ela ficou imóvel, ele se levantou e tirou a camisa. Ao voltar-se, viu que ela o estava observando e sorriu. Então, Blanche cobriu os seios com o lençol, e alargou o braço para lhe acariciar o torso. Imediatamente, tomou a palma da mão e a apertou ali com força.
Ela não disse nada.
Rex sorriu lhe segurando a mão contra sua pele nua, inclinando-se para ela.
—Vou te dar prazer outra vez, e outra, e outra.
Blanche inspirou profundamente.
—Rex…
Então, ele a abraçou e a levantou contra seu peito nu. Ela se aferrou a seus ombros. Era pequena, perfeita; encaixava muito bem em seu corpo grande, pensou. Segurou-a com mais força, lhe beijando o cabelo.
—Eu gostaria de me liberar desse vestido — disse brandamente— A menos que tenha mudado de ideia…
Acariciou-lhe o seio com os lábios.
—Se você te liberar de sua roupa, eu também o farei. — Rex sorriu. —Um trato com benefícios mútuos.
E, como não pôde resistir, fez-lhe elevar o queixo e a beijou profundamente, e depois, inclinou-se e beijou o mamilo. Ela se arqueou para ele.
Ela sugou lentamente em sua boca, e depois deu um suave puxão.
—Oooh — sussurrou ela.
Ele afastou os lençóis e, sem afastar os olhos de seu corpo, tirou-lhe a saia. Depois tirou a camisa e a combinação.
Ela deslizou sob os lençóis rapidamente, mas ele tinha visto seu corpo esbelto, precioso.
—Estou muito magra — disse Blanche, ruborizando-se.
—É perfeita — respondeu ele enquanto tirava a roupa. Com as mãos tremendo, começou a desabotoar as calças — A visão de minha perna amputada vai te desagradar? — perguntou-lhe com despreocupação, embora, na realidade, a pergunta era muito importante para ele.
Blanche abriu muito os olhos.
—Te vi quase nu, Rex. — Ele arqueou as sobrancelhas. —Tem o hábito de afastar os lençóis quando está dormindo. Cuidei-te quando teve o acidente, não recorda?
Ele assentiu.
—Lembro que despertei e te vi me olhando com uma intensidade singular.
—Estava admirando seu corpo — disse ela, e umedeceu os lábios. Ele soube que era um gesto de nervos e de apetite, e que ela não se deu conta de que o fazia.
—Bem — disse Rex. Então tirou toda a roupa e a jogou no chão. Depois se estendeu ao seu lado e a abraçou, beijou-lhe a bochecha, a têmpora, o cabelo. Enquanto o fazia, tremia contra sua coxa sem poder evitar. —Se está preocupada… — sussurrou.
—Não! Não, não estou preocupada — lhe assegurou. Depois se agarrou a seus ombros e o beijou apaixonadamente.
Ele ficou aniquilado, mas só durante um instante. Depois tomou o controle do beijo. Situou Blanche abaixo dele e lhe afastou as coxas com a perna; moveu-se contra seu corpo, tentando não ofegar, beijando-a profundamente. Devolveu-lhe o beijo, e ele soube que sentiam a mesma urgência.
Sem deixar de abraçá-la, escondeu o rosto contra seu pescoço e começou a esfregar-se contra ela; Rex se movia o mais brandamente possível. Blanche gemia enquanto sua carne úmida, quente, distendida, roçava-se com a dele.
—Oh, Deus!
Rex quis sorrir, mas não pôde. O suor caía pelas têmporas e o peito. Empurrou toda a longitude de seu sexo por ela, várias vezes, mas desejava desesperadamente penetrar em seu corpo.
—Quero te fazer amor. Quero estar dentro de ti — sussurrou, e lhe beijou a orelha — Mas não quero te pressionar, Blanche.
Ela o rodeou com os braços, e ele notou que passava a perna por cima de sua cintura.
—Sim, Rex!
O desejo se multiplicou. Ele se moveu e entrou. Sua carne estava úmida, mas apertada. Rex apertou os dentes, tentando ir mais devagar. À medida que avançava, a pressão era maior, tão forte que não pôde suportá-la. Naquele instante soube que estava perdido.
—Demônios — ofegou, e investiu para romper sua membrana. Então, explodiu incontrolavelmente. Ao final de um clímax intenso, deixou de mover-se, afundou-se nela, derramando muita semente e deleitando-se na glória daquela liberação.
Porque estava com Blanche, e era glorioso.
Entretanto, quando as últimas convulsões tiveram terminado, ficou horrorizado. Abraçou-a com mais força, mas não a olhou. Seguia dentro de seu corpo, o suficientemente ereto para permanecer assim.
—Blanche, sinto muito — sussurrou. Ela estava tremendo. Passou-lhe a mão pelas costas com uma carícia trêmula. —Te machuquei — perguntou-lhe ele, espantado por sua ejaculação prematura. A desejou tanto durante anos… entretanto, sua atuação não foi impressionante. Pior ainda, ela não tinha chegado ao clímax com ele.
—Só um instante — respondeu Blanche com a voz rouca.
E ele a sentiu pulsando contra seu corpo.
Uma paixão vermelha o cegou. Ele ainda a desejava; necessitava-a. Então, Rex começou a mover-se lentamente, profundamente, e ela ofegou de prazer. Ele sorriu e sentiu uma selvagem determinação, uma rajada de triunfo. Ia proporcionar-lhe um grande prazer, disse-se, enquanto seu membro recuperava a ereção. Empurrou lentamente, uma e outra vez, mantendo-se elevado para poder admirá-la. Ela tinha os olhos fechados, as bochechas rosadas. Faltava-lhe o fôlego e movia a cabeça de um lado a outro. Ele se afundou mais profundamente, mais rapidamente; ela gemeu, e seus olhares ficaram presos.
Então, Rex soube que Blanche estava viajando na espiral para o êxtase. Sorriu e se retirou. Ela protestou, e ele voltou a penetrar nela, lenta e profundamente, observando-a com atenção. Blanche se moveu entre seus braços, e ele notou que suas unhas afundavam na pele.
—Mais? —perguntou-lhe, consumido pela paixão.
Ela assentiu.
Então se moveu rapidamente, saiu dela e voltou a entrar com força. Blanche se aferrou a seus braços, ofegante. Ele acariciava suas dobras com o membro, terrivelmente inchado, e enquanto ele se afundava em seu corpo uma e outra vez, ela abriu os olhos e cegamente o olhou.
Arqueou-se grosseiramente, lhe arranhando a pele, gemendo com suavidade.
Tanta luxúria, desejo, paixão e prazer o consumiram. Rex se dobrou para trás, afundou-se profundamente, explodiu e gritou, com um ruidoso e rouco, grito de triunfo. A euforia foi completa.
Blanche.
Blanche voltou lentamente para a cama de Rex. Começou a dar-se conta de que acabava de experimentar a paixão verdadeira, e encheram os olhos de lágrimas de alegria. Estava nua entre os fortes braços de seu amante, com a bochecha apoiada em seu ombro e a mão apoiada em seu peito. Ele tinha a perna sobre suas coxas. Oh, Deus Santo, acabava de lhe fazer amor, e ela tinha conhecido um prazer sem limites.
Tinha o coração cheio de amor. Sorrindo, sentindo-se insegura e tímida, olhou lentamente para cima.
Ele a estava observando com tanta ternura que o sorriso de Blanche vacilou, e seu coração deu um salto. Rex sorriu; em seus olhos escuros só havia calidez.
Blanche soube que se ruborizou, e recordou sua habilidade masculina. Adorava estar em seus braços daquela maneira. Esfregou a bochecha contra seu peito, e notou uma vibração contra uma das coxas. Seus olhares se cruzaram.
—Parece que está satisfeita — disse ele brandamente.
—Muito — respondeu ela com as bochechas ardendo, ao notar que aquela parte tão masculina dele ficava rígida contra sua perna.
—Resulta-me assombrosa, e não posso evitar o desejo de voltar a te satisfazer.
—Você é assombroso, não eu. — Ele riu. Blanche nunca tinha ouvido um som tão quente, tão maravilhoso. —Está contente?
—Mais que contente Blanche.
Seu sorriso se desvaneceu.
Blanche notou que o seu também.
—O que foi?
Ele sacudiu a cabeça.
—Nunca pensei que chegaria este dia, você e eu, amantes, a ponto de nos casar.
Acariciou-lhe a bochecha.
—Nem eu tampouco.
Então, viu que ele tinha um arranhão no bíceps. Abriu os olhos de par em par; ficou assombrada.
—Não importa —disse ele — Me agrada ver que há uma gata selvagem em ti.
Blanche não podia acreditar que tivesse arranhado sir Rex.
Ele a abraçou com força.
—Quero te deixar louca de paixão — disse, e lhe acariciou o pescoço com o nariz. Enquanto, ela sentia seu membro contra o ventre. Acelerou-lhe o sangue e notou um comichão delicioso entre as coxas.
—Não posso acreditar que tenha feito algo semelhante. Sinto muito.
—Não te desculpe por perder a cabeça quando está comigo na cama — sussurrou ele. Depois deslizou a mão em uma carícia assombrosa pelas costas e a nádega. Ela começou a tremer de desejo, e lhe acariciou o bíceps, desfrutando do tato de sua pele e seus músculos.
—Tem um físico assombroso — sussurrou ela, movendo a palma da mão para seu peito. O mamilo contraiu quando Blanche acariciou o peitoral.
Ele não disse nada.
Blanche seguiu acariciando-o, deslizando a mão para as costelas, e se deteve quando chegou a seu umbigo. Inclusive seu abdômen era tenso e duro.
Ele gemeu.
Com surpresa, ela elevou a vista e viu que ele tinha fechado os olhos e tinha jogado a cabeça para trás. Estava jogado contra o travesseiro, e seu convite era claro.
Blanche olhou seu membro e sentiu tanto desejo que não pôde mover-se nem pensar. A respiração de sir Rex era entrecortada.
Queria lhe acariciar como ele a tinha acariciado, mas titubeou.
Sem abrir os olhos, ele a agarrou pelo pulso e lhe moveu a mão para baixo. Depois a soltou.
Então, Blanche respirou profundamente e deslizou os dedos pela ponta ereta. Ele ofegou e abriu os olhos de repente, e ela se deu conta de que lhe estava proporcionando o mesmo prazer que tinha proporcionado a ela. Seguiu acariciando-o por toda a longitude de sua virilidade e pelas pesadas bolsas que havia mais abaixo. Ele grunhiu, e Blanche se rendeu. Sentiu todo o prazer de tocar aquela pele de veludo, aquela calidez, aquela dureza de aço.
Ele se sentou, com os olhos cheios de fogo. Abraçou-a e a beijou. Blanche correspondeu a seu assalto e ambos se estenderam sobre o colchão. Ela passou a perna sobre seu quadril e lhe passou a mão pelas costas até as nádegas duras. Não queria esperar. Queria senti-lo dentro de seu corpo. Queria ser parte daquele homem maravilhoso. Rex entendeu; com um suspiro entrecortado, abriu-lhe as pernas com a coxa e penetrou nela.
Blanche sentiu tanto prazer e tanta urgência que não pôde suportar. Agarrou-se em seus ombros e se arqueou contra ele para acolhê-lo melhor. Ele ofegou e vacilou; estava tão dentro de Blanche que parecia impossível. Ela sentiu seu pulso, quase dentro de seu útero, e notou a vibração de sua própria resposta. Ele a olhou enquanto se retirava lentamente, centímetro a centímetro, e Blanche sentiu uma onda cada vez mais intensa. Ele soube, afundou-se de novo e começou a investir, e a onda rompeu. Blanche soluçou de prazer naquela ocasião.
E Rex também.
Por fim, o sol brilhante despertou.
Blanche piscou. Sentia-se deliciosamente feliz, como se estivesse flutuando. Suspirou e recordou a noite que acabava de passar com Rex.
Abriu os olhos e voltou à cabeça, mas o outro lado da cama estava vazio. Ela olhou para a janela e viu que o sol estava bem alto no céu. Começou a sorrir. Oh, Deus Santo, não sabia que a paixão pudesse ser tão maravilhosa; sir Rex era maravilhoso!
Aconchegou-se no travesseiro, recordou sua paixão e sua ternura, e recordou também seus próprios estalos de desejo e de atrevimento. Inclusive depois da noite que tinham compartilhado, seguia sentindo desejo e necessidade. Oh, Deus, converteu-se em uma mulher apaixonada.
Quem teria imaginado?
Vagamente, recordou que ele se inclinou junto a seu ouvido e tinha sussurrado que tinha assuntos dos quais ocupar-se, mas que ela podia dormir até tarde. Blanche estava segura de que lhe tinha beijado o cabelo antes de sair do quarto. Encheram-lhe os olhos de lágrimas. Era um homem bom, tenro, mas só ela sabia. E estava muito apaixonada. Seu matrimônio ia ser um êxito, já não tinha dúvida.
A alegria invadiu o peito, e de repente, surgiu o pesar.
Blanche ficou rígida. Toda a felicidade se esfumou, e sentiu tal desesperança, tal dor e tal solidão que não pôde respirar. Imediatamente apareceu uma sucessão de imagens: seu pai prostrado na cama com pneumonia, e sua mãe, na carruagem assediada pela turfa, pálida de medo. E os homens que tinham arrancado a portinhola…
—Não!
Não queria recordar aquele horrível momento!
Entretanto, a lembrança estava ali, e não havia forma de apagá-la. Sua mãe a agarrava com força enquanto os homens desencaixavam a portinhola para tirá-las para a rua. Blanche gritou. Estava muito enjoada. Botou as mãos na cabeça enquanto começava a intensa dor. Uma faca lhe atravessou o crânio.
Tinha que parar aquilo! Não queria saber o que tinha ocorrido depois. Cambaleando, levantou da cama enquanto sua mãe gritava.
«Não matem minha filha! Deixem minha filha! Por favor, não matem minha filha!».
Blanche ficou aniquilada ao saber que sua mãe tinha rogado que lhe perdoassem a vida. Uma dúzia de homens as separou. Havia sangue por toda parte, e mamãe estava suplicando outra vez enquanto a levavam, para que Blanche não pudesse vê-la…
Blanche gritou.
—Mamãe! —converteu-se em uma menina aterrorizada— Mamãe!
Então, o monstro de olhos pálidos apareceu.
—Sai do carro, menina — lhe ordenou.
Ela tinha tanto medo que não podia mover-se, e a fúria do monstro se intensificou.
—Não me obrigue a lhe tirar — advertiu.
—Mamãe!
E os gritos começaram.
Mamãe gritava enquanto a torturavam brutalmente…
Ele a agarrou e a tirou a rastros do carro. Atirou-a no chão. Mamãe chorava e gritava, pedindo que não fizessem mal a sua filha.
—Mamãe!
—Blanche! Corre! Se esconda!
O monstro ia agarrá-la para torturá-la também. Blanche se retorceu e ficou engatinhando, arranhando os joelhos e as mãos na pavimentação, e se arrastou tão rapidamente quanto pôde entre tantos homens enfurecidos. Alguém lhe pisou na mão. A dor explodiu, e ela desabou. Mamãe seguia gritando sem parar.
Ela tampou os ouvidos com as mãos. Estava ocorrendo algo horrível a sua mamãe. Ajoelhou-se. «Por favor, já basta», pensou com desespero.
«Mamãe, mamãe, por favor, basta, por favor, basta, mamãe…».
Estava paralisada de terror. Cantarolou até que sua própria voz afogou os gritos de mamãe morrendo, e os gritos dos homens alegrando-se por sua morte.
—Por favor, já basta — sussurrou ela, e de repente se deu conta de que a pavimentação tinha desaparecido, e de que não tinha seis anos.
Entretanto, tinha medo de deixar de balançar-se, e seguiu cantando, porque aquele cântico se converteu em uma espécie de oração para ela. Sabia que era uma mulher adulta, e que estava em Land’s End. Seguia tendo tanto medo que não lhe importava. E não queria se levantar nem se mover do canto aonde havia se ajoelhado.
Os monstros estavam espreitando-a nas sombras da manhã, esperando para poder voltar.
Seguiu balançando-se e cantando durante um longo tempo, com desespero.
—Milady, por que não me chamou? Eu a teria ajudado a vestir-se, mas o senhor me disse que não a incomodasse — disse Meg.
Blanche estava ante o armário aberto. Tinha tirado quase todos os vestidos e os tinha posto na cama. O senhor… sir Rex. Não queria pensar nele. Sabia que sua prudência era muito frágil e, certamente, temporária. Deu a volta e sorriu para Meg.
Meg a olhou com assombro.
—Milady?
Blanche nunca tinha estado tão calma, tão composta. Tinha encontrado um lugar seguro e silencioso dentro de si mesma, e nada mudaria. Entretanto, devia dar cada passo com cuidado. Sabia que caminhava na borda de um precipício.
—Bom dia, Meg. — A imagem de sir Rex apareceu, mas ela a apagou de sua mente. Não devia pensar nele. Ia doer, e só Deus sabia o que poderia ocorrer se sentisse dor. —Pode terminar de fazer a bagagem? Vou pedir que preparem o carro.
Meg ficou imóvel.
—Por favor, Meg, depressa — lhe pediu Blanche calmamente.
—Vamos? —perguntou à donzela— Mas, e sir Rex? Milady encontra-se bem?
—Perfeitamente. Temo que vou romper com o senhor.
Assim. Era melhor não pronunciar seu nome. Não podia continuar como tinha planejado. Nem a alegria nem a paixão valiam a pena em troca de tanta dor e tanto medo. Tudo tinha começado com sua chegada a Land’s End, e embora ela não culpasse o lugar e tampouco seu anfitrião, pensava que ambas as coisas tinham muito a ver com aqueles ataques a sua prudência. Blanche tinha despertado como mulher em Land’s End, tinha despertado em corpo e alma. Entretanto, não podia escolher suas emoções, e de algum modo essas emoções a tinham conduzido a aquelas lembranças horríveis, esquecidas. As lembranças haviam tornado-a louca.
Não ia permanecer em Land’s End depois de ter sobrevivido a aquela manhã. Queria ir embora rapidamente. Fosse o que fosse o que tinha ocorrido durante aquela semana e meia, tinha terminado. Tinha recuperado a calma e isso era o que queria. De fato, ia permanecer naquele limbo durante o resto de sua vida.
Entretanto, embora não quisesse falar com sir Rex, tinha que vê-lo e lhe explicar que seu compromisso era um tremendo engano. Estava segura de que ele ia sentir-se muito decepcionado com a ruptura, mas superaria, conheceria outra mulher, uma mais bonita, mais jovem e mais apaixonada do que ela nunca poderia ser. E ela voltaria para sua tranquila existência de Harrington Hall. Ele se casaria com uma mulher sã, não com uma louca. Blanche se disse que também estava fazendo o melhor para Rex.
O coração encolheu de dor. Blanche tomou um pouco de água para distrair-se de qualquer tristeza ou emoção. Pensar em sir Rex era muito perigoso.
—Oh, milady, o que aconteceu? —sussurrou Meg.
—Recuperei o bom senso, Meg, isso é tudo. Não te desgoste. Estou impaciente por voltar para casa. Já estivemos tempo suficiente no campo, não acha?
Meg a olhou com confusão e lástima.
—Mas sir Rex… ele vai se ficar arrasado.
Blanche sentiu uma grande tensão. Não queria fazer mal a sir Rex. Levou as mãos às bochechas, com a respiração entrecortada, com uma intensa dor no peito.
«Por favor, basta».
«Por favor, basta, basta, basta».
Respirou profundamente. Tinha encontrado aquele lugar calmo e cinza outra vez.
—Eu falarei com sir Rex. Depressa, Meg.
Aquilo era o melhor para si mesma e o melhor para ele.
Blanche não tinha dúvida.
Rex entrou em seu escritório e se sentou atrás da mesa, sorrindo. Sua égua favorita tinha parido aquela noite, mas ele sabia que aquela não era a causa de seu bom humor. Olhou os documentos que tinha ante si, mas só viu o rosto de Blanche. Tão preciosa, tão boa, e inclusive naquele momento, tão inocente que o tinha acariciado como nenhuma mulher o fez antes. Estava muito contente de ter sido o primeiro homem que lhe fizesse amor. E seria o último.
Estava muito apaixonado por sua prometida.
A porta do escritório tinha ficado entreaberta, mas alguém chamou. Ao olhar para cima, viu Blanche e sorriu. Entretanto, enquanto ficava em pé, o sorriso se desvaneceu. Ela tinha uma expressão muito estranha, e durante um momento, Rex não a reconheceu.
—Sir Rex? Podemos falar um momento? —perguntou-lhe ela com seriedade.
E, naquele momento, ele soube que tudo foi abaixo. Sua vida estava a ponto de estalar. Sentiu medo.
—Bom dia — lhe disse ele, com o coração em um punho.
Ela sorriu.
—Bom dia, sir Rex. Têm um momento?
—Sempre tenho um momento para ti.
Não estava tentando ser galante. Olhou-a, mas não viu uma só emoção refletida em seu rosto. Seus olhos estavam vazios. Não brilhavam como os de uma mulher apaixonada.
Estava arrependendo-se.
—Não está feliz — disse ele.
Ela sorriu brevemente.
—Dei-me conta de que tenho que voltar para Londres.
—Vai me deixar.
Ela sorriu de novo. Esboçou um sorriso falso, como a de uma boneca de porcelana.
—Sir Rex, foi um anfitrião maravilhoso. Não teria esperado tanta generosidade, mas acredito que já incomodei o suficiente.
Estava deixando-o. Rex se sentiu tonto. Apoiou-se na muleta, mas de todos os modos cambaleou.
—Está me deixando.
Ela não voltou a sorrir.
—Não quero que tenhamos um enfrentamento. Entretanto, estive pensando e acredito que este compromisso é um engano. Sinto muitíssimo. Mas você pode encontrar alguém melhor… a encontrará…
—Vai — disse ele.
Não podia respirar. Ante ele só havia uma mulher bela que falava desapaixonadamente, prova de que não lhe importava, prova de que não era mais que outra boneca traiçoeira da sociedade.
—Desculpe? —perguntou ela, sobressaltada.
—Fora daqui! —gritou Rex.
Blanche fugiu.
Ele desabou sobre a mesa e atirou ao chão tudo o que havia sobre ela. Depois caiu no chão com um rugido animal.
E ainda estava ali sentado, perplexo, com a cara sobre um joelho, consumido pela raiva e a dor, quando ouviu a carruagem partir.
Capítulo 16
Enquanto percorria os luxuosos corredores e salas de Harrington Hall, Blanche se deu conta de que tinha tomado a determinação correta ao voltar para casa. Embora encontrasse um servente quase em cada sala, a casa estava silenciosa e tranquila, e ela nunca havia sentido tanta paz. Entretanto, não era o que tinha esperado. Tinha pensado que quando estivesse ali de novo, recuperaria a vida que tinha levado antes de ir a Cornualia. Entretanto, sua existência anterior estava se esquivando dela.
Porque, embora já não se sentisse sempre a borda de um precipício perigoso, era consciente de que qualquer mau passo podia lhe provocar um terrível ataque de loucura. Devia permanecer em um espaço cinza, nebuloso, flutuando, não sentindo, refugiada em sua compostura. Tinha medo de experimentar o menor prazer ou a menor tristeza, mas aquelas emoções estavam em seu coração, gritando, lhe exigindo que as liberasse. Blanche sabia. O esforço era enorme, mas de algum modo ela pode permanecer insensível, e não tinha sofrido nem um só ataque desde que tinha saído da Cornualia, três dias antes. Estava decidida a não ficar louca.
Entretanto, os fantasmas a esperavam em cada canto de sua casa. A cada passo que dava, cada gesto que fazia e cada palavra que pronunciava, algo parecia que conspirava para revelar as visões que ela desejava evitar. Se passasse pela biblioteca, via seu pai inclinado sobre a escrivaninha, como era seu costume quando vivia. Blanche sentia que o coração encolhia, mas conseguia dominar a tristeza. O retrato de sua mãe permanecia pendurado sobre as escadas. Ela o olhava e via sua mãe como estava na carruagem, antes que a arrastassem ao chão e a matassem. Aquela imagem tinha que afastar de sua cabeça.
E, no mais profundo de sua mente, também estava sir Rex, espreitando-a, ameaçando-a, destruindo sua compostura.
Naquele momento, olhou pela janela do vestíbulo de mármore. Havia oito carruagens na entrada de sua casa, nas quais os pretendentes esperavam que o relógio marcasse o meio-dia, para poder visitá-la. Soube-se rapidamente que tinha voltado para Londres, embora tivesse chegado à noite anterior. Entretanto, ela já era consciente de que não poderia escolher um marido dentre todos aqueles homens, e menos depois do que tinha ocorrido durante as semanas passadas. Se se atrevesse a revelar a verdade, poderia admitir que tivesse o coração quebrado. Entretanto, não devia pensar naquilo. Não podia admitir aquilo com calma, sem sentir. Uma só greta originaria centenas de fissuras. Tinha um terrível segredo, e não queria revelar a outros.
Passou por uma das maiores salas da casa, o Salão Dourado, onde podia receber a cinquenta ou sessenta convidados. Enquanto o atravessava, o mordomo apareceu em uma das portas.
—Sim, Jem?
—Milady, lady Waverly e lady Dagwood chegaram. Permiti-as passar, caso desejasse vê-las antes de receber seus pretendentes.
Blanche se sentiu agradecida. Sorriu, e se deu conta de que aquele era seu primeiro sorriso genuíno desde que tinha saído da Cornualia. Tinha muita vontade de ver suas duas melhores amigas. E, enquanto pensava nisso, a imagem de sir Rex tentou abrir caminho em sua mente. Rapidamente, negou-lhe o espaço. Apesar de sua vontade, sentiu um calafrio desagradável. Antes teria contado tudo a Bess e a Felicia, mas naquele momento não deviam saber nada. O mordomo lhe indicou que estavam no Salão Azul, e depois de lhe agradecer, Blanche se dirigiu para ali.
—Já voltaste! —exclamou Bess quando a viu, e correu para ela para abraçá-la.
—Sim, e eu também me alegro muito de lhes ver — disse Blanche, sorrindo. Depois abraçou Felicia. Sua amiga tinha um brilho no olhar que ela reconheceu imediatamente: o brilho dos olhos de uma mulher apaixonada— Como estão as duas? —perguntou. O coração tinha encolhido de uma maneira estranha. Era difícil não pensar em sir Rex, mas se alegrava muito de que Felicia estivesse apaixonada por seu novo marido.
—Sentimos sua falta — disse Bess— Blanche, o que ocorreu em Land’s End? Propôs a sir Rex que se casasse contigo? Quase morro quando li sua carta!
Blanche ficou tensa e se voltou.
—Tinha me esquecido essa carta tola e impulsiva.
Bess e Felicia se olharam.
—Parecia que estava apaixonada —disse Felicia— Bess me deixou lê-la!
—Não — respondeu Blanche.
Entretanto, a imagem de sir Rex a assaltou vividamente contra sua vontade. Seu olhar ardia de paixão e de calor quando se estendia sobre ela, na cama. Sentiu uma pontada de dor na alma, porque não se permitiu recordar nada durante dias. E então, viu-o furioso, lhe gritando que se fosse.
A sala começou a dar voltas. A dor se apropriou dela. E tudo se mesclou: sir Rex, seu pai, sua mãe… todos estavam ali.
Blanche deu a volta, botou as mãos nas bochechas e fechou os olhos, tentando lutar contra a angústia. «Agora não, não quando tudo é perfeito. Por favor, agora não!». Acreditava que tinha encontrado um modo de conduzir-se pelos lugares mais escuros de sua vida, mas em um momento tudo havia tornado a converter-se em algo ameaçador e perigoso. «Por favor, já basta», rogou em silêncio.
Não devia permitir-se sentir. Nem agora, nem nunca. Sir Rex era parte do passado, como seu pai e sua mãe, e ela não queria nem devia recordar.
Respirou profundamente.
—Blanche, o que aconteceu? —perguntou-lhe Felicia com preocupação.
Blanche recuperou a calma. As imagens se desvaneceram. Deu a volta e sorriu.
—Escrevi aquela carta precipitadamente. Não vou me casar com sir Rex.
Bess ficou assombrada.
—Recebi sua carta faz uma semana, e de repente já não te importa, quando nunca na vida tinha te interessado em um homem?
—Não quero falar de sir Rex — disse Blanche, com mais aspereza da que gostaria. Entretanto, a angústia havia voltado, e o coração tinha acelerado de novo e se negava a obedecer a sua mente. Sentia-se doente.
Bess lhe passou o braço pela cintura.
—Bom, parece-me que algo não vai bem. Nunca tivemos segredos…
—Não aconteceu nada! —gritou Blanche.
Bess estremeceu, e Felicia soltou uma exclamação de assombro.
Blanche se deu conta de que se desmoronou com muita facilidade.
—Necessito ar — sussurrou.
—Vamos para fora —disse Bess rapidamente — Felicia, vá procurar os sais.
Blanche não se atrevia a mover-se. Esfregou a testa.
«Fora!».
Nunca teria imaginado que sir Rex lhe gritasse com tanta ira e tanto ódio.
«Fora do carro, senhora, saia».
O monstro estava agarrando mamãe. Blanche começou a tremer. Mamãe se agarrou em sua mão com tanta força que a machucou.
«Fora!».
De repente, tiraram mamãe a puxões do carro, e umas mãos também a agarraram.
Mamãe gritou.
«Blanche corre!».
Blanche conseguiu liberar-se e caiu ao chão de pedras. Mamãe estava gritando de dor. Blanche tentou arrastar-se para ela, mas o chão se movia terrivelmente, cada vez mais rápido, e os gritos de sua mãe eram ensurdecedores.
Blanche se rendeu e se enrolou em si mesma, paralisada pelo medo. Tampou os ouvidos e começou a concentrar-se nos tapetes que cobriam o chão, e não na pavimentação da rua. Bess estava lhe falando.
Ela respirou profundamente. Deu-se conta de que o ataque estava terminando. Parecia um novelo no chão do Salão Azul, tal e como havia se enrolado na rua depois de que a tirassem da carruagem. Não havia tornado a recordar nada desde que tinha saído de Land’s End, mas assim que tinha começado a falar de sir Rex com Bess, tinha sofrido uma recaída.
Bess lhe aproximou um copo de água.
—Toma um golinho.
Blanche assentiu consciente de que tinha as bochechas molhadas de lágrimas. Bebeu, pensando que suas amigas deviam achar que ficou louca. Lentamente, olhou para Bess.
Bess a observava com os olhos exagerados.
—Está melhor? —perguntou-lhe em voz baixa.
Blanche assentiu.
—Nunca devemos falar de sir Rex.
—Vem, vamos ao sofá. Conte-me o que aconteceu.
Blanche ficou de pé e olhou Bess. Tinha acreditado nela desde a infância, e necessitava desesperadamente contar a alguém.
—Estou começando a recordar o motim.
Bess deu um pulo. Sabia da perda de cor de Blanche.
—O motim durante o qual sua mãe morreu?
Blanche assentiu.
—Parece que estou recordando tudo. É horrível, e não quero me lembrar, e estou decidida a fazer todo o possível para sufocar essas lembranças.
Bess a rodeou com um braço e a guiou para o sofá, onde se sentaram.
—Não acreditava que fosse recordar, e não acreditava que tivesse importância.
—Sim tem! Não acaba de ver o que me fez as lembranças?
Bess assentiu.
—Estava gritando e chorando no chão como se fosse uma menina. Felicia foi procurar os sais, e eu sou quão única que presenciou — disse Bess. Estava pálida, e Bess nunca empalidecia — Graças a Deus que ninguém mais a viu. O que te ocorreu?
—Não são só lembranças —sussurrou Blanche — Estou revivendo o motim, momento por momento.
Começou a chorar. Não havia lugar para a vergonha naquele momento. Tinha muito medo do que estava lhe acontecendo.
Bess ficou boquiaberta.
—Não é possível.
—Sim. É como se tivesse seis anos outra vez. Esta sala se converteu em uma Rua de Londres. Não te via. Estava perdida entre a multidão!
Bess ficou em silêncio. Blanche a conhecia o suficientemente bem para saber que estava horrorizada e tentava ser racional.
—Tudo isto começou em Land’s End —disse Blanche, com uma grande pressão no peito — íamos nos casar, Bess. Apaixonei-me, e aconteceu isto!
Bess a olhou com incredulidade.
Blanche sentiu uma aguda dor nas têmporas e as segurou com força.
—Quero recuperar minha vida. Não quero sentir nada. E não quero recordar nada mais daquele dia.
Bess lhe acariciou as costas.
—O fato de que recorde tudo isto agora é muito estranho. Entretanto, por estranho que pareça acredito que pode ser saudável, vamos deixar isso a um lado durante um momento. Blanche, sempre tive a esperança de que te apaixonasse. Tinha um pressentimento sobre sir Rex.
—Não entende — disse Blanche, angustiada— Com o amor e a paixão chega à dor! Apaixonar-me foi um engano. Olhe o que me fez!
—Mas, como vão estar relacionadas essas duas coisas? Blanche, se sir Rex te importar…
—Não! Isso terminou! —gritou ela. E o pânico começou.
Bess disse, com uma expressão sombria:
—Pela cidade corre o rumor de que estão comprometidos. Encontrei-me com a condessa na Bond Street, e parece que sir Rex escreveu ao seu irmão e contou.
A dor de cabeça de Blanche se intensificou. Ela gemeu.
—Vou me lembrar de mais coisas, sei. Cada vez que me sinto alegre ou triste, tenho uma nova lembrança. Por isso rompi o compromisso. Necessito paz, não paixão. E agora, sir Rex me odeia como era de esperar! Bess devo terminar esta conversa antes que sofra outro ataque.
Bess empalideceu.
—Como uma conversa vai te provocar um ataque?
—Não sei. Mas tudo é uma terrível ameaça para meu estado de ânimo — gritou Blanche.
—Nunca tinha te visto tão alterada. Nem tão emocional. É algo surpreendente.
—Não quero falar dele nunca mais.
—E como pensa que vai poder evitar sentir, de todos os modos, agora que é capaz de sofrer e de chorar? Assim que começamos a falar dele, desmoronou.
—Tenho que tentar — respondeu Blanche entre lágrimas.
—Mas, Blanche, provavelmente tenha que enfrentar às lembranças. Não pode evitar pensar que se o fizer encontrará paz de espírito e felicidade.
—Agora é você a que ficou louca — disse Blanche a sua amiga com fúria — Porque não tem nem ideia do que fizeram a minha mãe!
Bess ficou rígida.
—Está zangada.
—Sim, claro que sim! E se não deixar este tema, vou começar a recordar esse dia maldito!
—Está bem. Deixarei, embora esteja segura de que seria o mais benéfico. Quantas vezes teve estes ataques?
—Quatro ou cinco vezes. A princípio era só uma lembrança. Agora, cada vez que me lembro de um detalhe, vejo-me imersa no passado.
—Possivelmente tenha razão. Possivelmente o fato de recordar esse dia seja uma má ideia — disse Bess, e se interrompeu bruscamente.
—Por quê?
—Não quero que ninguém, nem sua donzela, nem Felicia, te veja como te vi eu. Ninguém entenderia. Já sabe como são as pessoas. Nosso círculo social não é precisamente tolerante.
—Pensarão que estou louca e os rumores se estenderão rapidamente —disse Blanche nervosamente — E a verdade é que estou louca. Não é assim?
—Não! Claro que não está louca. Mas tem razão. Este deve ser nosso segredo. Ele sabe o que está te ocorrendo?
Blanche negou com a cabeça.
—Desmaiei duas vezes. Acredito que pensa que tenho claustrofobia e que não como o suficiente.
—Tem que ver um médico. Alguém a quem possa dizer a verdade. Alguém que possa te receitar medicação para te ajudar a superar esses ataques. Vou investigar. Entretanto, até que localize o médico mais adequado, por que não toma uma dose de láudano e dorme? Sentir-se-á melhor quando despertar, estou segura — disse Bess, e sorriu para lhe dar ânimos — passou por muitas coisas durante estas últimas semanas! Deve estar esgotada, e descansar um pouco não te virá mau.
Blanche olhou sua amiga.
O sorriso de Bess se desvaneceu.
—O que foi?
—Uma vez ouvi um médico dizer que não receitava láudano às mulheres grávidas. Disse que havia um estudo que demonstrava que era prejudicial para a criança.
Bess a olhou com os olhos exagerados.
—O que está dizendo?
—Tem a possibilidade de que eu esteja grávida — respondeu Blanche, e começou a chorar.
—Sir Rex e você foram amantes?
—Só foi uma noite, uma noite muito longa e apaixonada. Oh, Bess! Oxalá esteja grávida!
Bess a olhava com gravidade.
—Se dá conta do que está dizendo?
—É obvio.
—Posso esperar que diga a sir Rex e mude de opinião sobre seu matrimônio com ele?
Blanche sentiu medo.
—Não posso dizer-lhe, não posso me casar com ele… porque isto piorará.
—Está segura de que seus sentimentos para com ele seja a causa destes ataques? Embora não o conheço bem, estou segura de que permaneceria ao seu lado se tivesse mais recaídas.
—Não! Ninguém deve me ver. Ele não deve me ver deste modo. E ele merece uma esposa sã, não uma louca! Tinha acreditado que podia me controlar, mas não é assim. Não vou receber a ninguém, se posso evitar, e não vou sair a menos que não tenha outro remédio.
—Oh, Deus — disse Bess.
—Não posso me arriscar — gritou Blanche.
—Então, seria melhor que decidisse entre um de seus pretendentes. É evidente que se estiver grávida terá que te casar.
—Sempre e quando o pretendente seja alguém que não me importe, poderei suportar - sussurrou ela, retorcendo as mãos.
Bess também derramava lágrimas.
—Talvez isto passe. Provavelmente deixe de recordar e de ter ataques. Talvez isto não tenha nada a ver com sir Rex.
—Não posso me permitir experimentar emoções, e menos ainda amor — disse Blanche.
Bess ficou muito séria.
—Oh, Deus. Blanche, o que vai fazer? Como vai continuar?
—Não se desespere. De algum modo, arrumarei isso.
—Lady Harrington? Um tal senhor Carter deseja vê-la.
Blanche estava na biblioteca, lendo documentos referentes às empresas de seu pai. Tinha passado uma semana desde sua volta à cidade. Bess tinha mantido seus pretendentes a raia, e tinha evitado toda conversa sobre sua possível gravidez e sobre sir Rex. Blanche tinha se conduzido com muito cuidado, e não tinha sentido pesar nem ira, e não sofreu nenhum ataque. Em vez disso, dedicou-se a ler e a redecorar o Salão Dourado. Os jardins também seriam redesenhados.
Como as coisas foram tão bem, Bess tinha lhe perguntado no dia anterior se desejava receber convidados. Havia muitos rumores. Os membros de seu círculo desejavam saber por que tinha voltado para casa e por que se encerrou. Bess lhe havia dito, a contra gosto, que todo mundo especulava sobre ela. Alguns diziam que se comprometeu com sir Rex, e que estava planejando suas bodas. Outros diziam que tinha lhe quebrado o coração. E outros diziam que, simplesmente, tinha retomado o luto. Era hora de sossegar todos os falatórios.
Blanche deixou os papéis sobre a mesa e se deu conta de que tremiam as mãos. Temia a recepção daquela tarde, mas se recordou que ela era uma anfitriã muito boa. Parecia-lhe bem ter uma distração. Olhou seu mordomo e disse:
—Não recordo a nenhum senhor Carter, Jem. Não tem cartão?
—Milady, é um homem tosco, e estaria encantado de despedi-lo.
Blanche ficou assombrada.
—Disse o que queria?
—Disse que tem um assunto urgente que tratar com você, relativo à suas férias em Land’s End.
Blanche sentiu o coração dar um salto.
—Mande-o embora — disse. Embora, em realidade, estava desesperada por saber o que queria aquele senhor Carter.
Jem fez uma reverência e partiu. Entretanto, voltou em poucos minutos.
—Milady, não quer partir. Diz que tem que lhe ver, e que ficará na entrada da casa até que consiga.
Blanche ficou em pé, tremendo. O que podia ser tão urgente? Não queria pensar que sir Rex estivesse doente, ou bebendo excessivamente… e não queria pensar nele nem sentir nada por ele. Entretanto, sua preocupação não tinha limites.
—Diga-lhe para entrar, Jem.
Jem assentiu e saiu. Ao pouco, soaram uns passos no corredor, e quando Blanche deu a volta, viu o ferreiro da Anne na soleira da porta.
Sobressaltou-se pela surpresa.
Carter tirou a boina de lã e sorriu enquanto inclinava a cabeça.
—Obrigado, milady.
Blanche não imaginava o que podia querer o ferreiro. Aproximou-se da porta, sorriu a Jem e a fechou com firmeza.
—Senhor Carter — lhe disse quando estiveram a sós— Que surpresa, sir Rex está bem?
Carter sorriu com malícia.
—Isso acredito. As coisas não mudaram no castelo desde que você partiu.
—Anne segue trabalhando ali?
—Sim.
Blanche se sentiu doente. Acaso sir Rex tinha retomado sua aventura com Anne? Ou ela tinha continuado trabalhando na casa por conveniência? Sentiu uns ciúmes terríveis, um amargo desagrado. Também dor e ira. Os batimentos de suas têmporas se intensificaram. Em uma hora, Bess e Felicia abririam as portas da casa para receber os visitantes. Tinha que averiguar o que aquele homem queria para despedir-se dele e poder descansar.
—Parece afligida — disse Carter com ironia.
—Se estou afligida não é assunto seu.
—Tem razão. É assunto dele. E por isso vim — disse ele— Para falar de seu assunto… com sir Rex.
Blanche ficou petrificada.
—Como?
—Vamos, lady Harrington. Sei que compartilhou a cama com sir Rex durante suas férias, e sei que rompeu com ele. Parece que ainda está no mercado para conseguir marido. Não posso culpá-la por preferir a outro em vez desse bêbado — disse Carter.
Ela se viu cega pela fúria.
—Como se atreve a falar de sir Rex de um modo tão desrespeitoso! Ele é cem vezes mais homem que você, e não é um bêbado! —gritou colericamente.
—Embebeda-se todas as noites, ou Anne isso diz — lhe respondeu ele, e piscou um olho.
—Fora! —gritou Blanche, tão furiosa que não pôde controlar-se. E sentiu uma intensa dor de cabeça.
Ele não se moveu.
—Estou seguro de que não quer que seus pretendentes saibam que se deitou com sir Rex. Calar-me-ei, e Anne também, se nos compensar por isso.
Blanche demorou um instante em compreender o que lhe pedia.
—O que?
—Cem libras para cada um, e nós levaremos seu segredo à tumba — explicou ele com um sorriso.
—Atreve-se a me chantagear?
—Sim.
Blanche estava tremendo incontrolavelmente.
—Diga a todo mundo! Não me importa! Tenho vinte e sete anos, e ninguém pode me culpar por ter uma aventura!
—Possivelmente seu novo prometido sim — disse ele, e seu olhar se voltou perigosamente escuro.
—Fora! —gritou Blanche.
—Lamentará. —disse ele.
Blanche viu como o ferreiro se dirigia para a porta enquanto lhe afundava uma faca de dor no crânio. Agarrou as têmporas enquanto a cabeça se enchia de lembranças. Sir Rex, furioso, lhe ordenando que partisse; o monstro, tirando sua mãe da carruagem; o cavalo morto e ensanguentado.
Anne sabia.
Anne a tinha visto na metade de um ataque. Demoraria muito pouco tempo em começar a estender o rumor.
—Espere! —gritou. Carter se voltou. —Está bem. Volte amanhã, e lhe darei o dinheiro em efetivo.
Ele sorriu.
Tomou três xícaras de chá relaxante, e estava rodeada de admiradores. Ou, mas bem, vagabundos que desejavam sua fortuna. Antes disso, Blanche tinha passado meia hora estendida em sua cama, sem pensar na chantagem, concentrando-se em um lago tranquilo, e vendo a si mesma flutuando nele. Naquele momento estava flutuando. Estava calma. Sabia que poderia superar aquela tarde sem problemas.
—As férias na Cornualia lhe fez muito bem, lady Harrington — lhe disse um jovem muito bonito, alto, de cabelo castanho e olhos azuis. Seu olhar era direto.
Blanche tentou recordar seu nome. Era o terceiro filho de um conde, e não tinha um penique. Além disso, era um conhecido mulherengo. Bess dizia, entretanto, que, além disso, não tinha mais defeitos. Não jogava e não gastava o que não tinha.
—Nunca tinha visto lhe mais encantadora — disse o jovem com um sorriso, que formou uma covinha na bochecha.
Blanche lhe devolveu o sorriso enquanto recordava seu nome. James Montrose. Olhou-o com atenção. Era realmente bonito e tinha um corpo bem formado, alto, musculoso. Certamente, passava muito tempo montando a cavalo. Ela não sentiu nada. Nem um só pulsar de desejo.
—Desfrutei do descanso —disse — Nunca tinha viajado tão ao sul. É precioso.
—Esteve no norte? —perguntou-lhe ele com um sorriso — Meu pai tem uma casa de caça nas Highlands. Eu adoraria levá-la ali.
—Nunca fui além de Stirling — respondeu Blanche. Então, viu a condessa de Adare entrando na sala. Blanche ficou gelada. Lizzie a acompanhava, e também a enteada da condessa, Eleanor Ou’Neill.
—Ocorre algo? —perguntou-lhe Montrose, voltando-se para seguir seu olhar.
Pensariam que estava comprometida com sir Rex? Bess tinha passado uma semana dizendo a todo mundo que não houve tal compromisso. Sua amiga lhe havia dito que devia insistir no mesmo. Do contrário, haveria perguntas, perguntas que podiam alterá-la. Inclusive naquele momento em que ninguém estava fazendo perguntas, ela já estava angustiada.
Doíam-lhe as têmporas.
«Por favor, agora não», rogou em silêncio.
—Lady Harrington? Deseja se sentar? —perguntou-lhe Montrose com amabilidade, em tom de preocupação.
Naquele momento, ela soube que aquele homem não valeria.
—Estou bem. Chegou lady Adare, e devo ir saudá-la. - Então, tentou sorrir e fez caso omisso do olhar do jovem, que havia se tornado curioso de repente. Ela respirou profundamente, jogou mão de todo seu aprumo e avançou.
—Mary!
Mary de Warenne sorriu e a abraçou.
—Estive desejando que chegasse o dia em que recebesse visitas —exclamou — Quase lhe envio uma nota.
Blanche tentou sorrir enquanto notava que o coração pulsava grosseiramente. Pensaria Mary que estava comprometida com seu filho? Voltou-se e abraçou Lizzie.
—Como está, Lizzie?
—Muito bem, mas possivelmente não tão bem como você — disse Lizzie com um sorriso.
Blanche não pôde correspondê-la. Girou para Eleanor, uma mulher alta e loira de olhos cor âmbar.
—Não sabia que tinha chegado a Londres, querida. Como está? Como está Sean? E os meninos?
—Sean e os meninos estão muito bem — disse Eleanor, e pegou suas mãos — Está comprometida com meu irmão ou não? —perguntou-lhe com emoção.
Blanche ficou olhando-a fixamente, com o coração tão dolorido que não podia suportar.
Sem lhe soltar as mãos, Eleanor exclamou:
—Rex escreveu a Ty e lhe disse que estão comprometidos. É um segredo? Quando ele vai vir à cidade? Deus Santo! Devem estar apaixonados; do contrário, não conseguiria apanhar meu dificilíssimo irmão!
A dor embargou Blanche. Ela queria sir Rex. Sempre o amaria. Tentou respirar e soltar as mãos de Eleanor.
—Eleanor, querida, está perturbando Blanche — disse Mary em voz baixa, com uma expressão grave.
—Foi um engano — disse Blanche, com os olhos cheios de lágrimas— Sinto muito, não estamos comprometidos.
As três damas a olharam com decepção e assombro.
«foi um engano».
«Fora!».
«Fora do carro, senhora!».
Uma faca lhe afundou na cabeça. E começaram os gritos.
A sala começou a girar grosseiramente, e os gritos de angústia de sua mãe encheram a sala. As pessoas elegantes se transformaram em uma multidão de trabalhadores. Os candelabros e os abajures se desvaneceram e se converteram em um céu cinza. Os gritos eram gritos de terror. O Salão Dourado desapareceu por completo e foi substituído por uma Rua de Londres e uma multidão enfurecida. Ela tampou os ouvidos com as mãos e correu.
—Blanche, corre! —gritava-lhe mamãe. Depois, seus gritos mudaram.
Viu mamãe cair, e os homens sobre ela, apunhalando-a com forcados e lanças. Blanche gritou temerosa de correr e temerosa de ficar. Estavam fazendo mal a mamãe. E os gritos de sua mãe cessaram justo quando umas mãos a agarraram…
Tentou curvar-se e proteger-se dos homens, soluçando. Entretanto, levantaram-na do chão, e topou com o olhar pálido do monstro. Seu terror se multiplicou, e imediatamente, a escuridão envolveu tudo.
Flutuou entre as nuvens durante um longo tempo, sem querer despertar. Entretanto, o cinza se esfumou. Uma luz intensa lhe iluminou as pálpebras. Blanche inalou os sais, e o aroma repugnante a despertou entre tosses. Levantou-se com os olhos totalmente abertos.
Estava no sofá da Sala Azul. Bess e Felicia estavam ao seu lado, e tinham fechado a porta. Blanche ouviu os convidados ao outro lado daquela porta. Naquele instante, recordou o que tinha ocorrido.
—Oh, Deus Santo — sussurrou.
Bess a segurou. Estava muito pálida e muito séria.
—Só desmaiou durante um instante. Deite.
Blanche não fez conta.
—Por favor, me diga que não fiz nada que possa lamentar.
Felicia estava atrás de Bess, com cara de impressão.
—Começou a gritar e a correr pela sala. Depois caiu e se enrolou gritando e chorando!
Blanche ficou imóvel, tentando não sentir nada.
—Estou sentenciada.
—Lady de Warenne está acalmando as visitas e lhes pedindo que partam —disse Felicia.
Blanche se deu conta de que Bess evitava seu olhar.
—Foi muito mau?
Finalmente, Bess a olhou. Estava a ponto de chorar, e era incapaz de falar.
—Blanche, foi espantoso! —disse Felicia — O que está acontecendo? Foi um ataque de loucura?
Blanche tentou fazer provisão de orgulho e dignidade.
—Parecia isso?
—Nunca tinha visto ninguém se comportar assim — respondeu Felicia, que se sentou em uma cadeira ao seu lado e tomou a mão — mandei procurar seu médico, Blanche.
Então, Bess disse de repente:
—Blanche teve uma enxaqueca. Começou as ter recentemente, e a debilitam tanto que já vê o que ocorreu.
Blanche olhou sua amiga com gratidão. Bess sorriu a contra gosto e a olhou nos olhos, mas só durante um instante. Depois ficou em pé.
—Eu também vou tranquilizar as pessoas.
Bess saiu. Quando abriu a porta, Blanche viu a condessa de Adare no corredor, junto a Lizzie e a Eleanor, todas muito pálidas. Parecia que todos os pretendentes se foram, salvo um. James Montrose estava apoiado contra a parede, com as mãos nos bolsos e um olhar pensativo. Bess se aproximou do pequeno grupo e todo mundo lhe prestou atenção. Quando começou a falar, eles olharam para a Sala Azul. Blanche afastou a vista.
—Fecha a porta, Felicia — lhe sussurrou brandamente.
E rezou para que Bess pudesse convencer a todo mundo de que estava doente, não louca.
Capítulo 17
Assim que recebeu a carta, teve um mau pressentimento. Rex deixou o envelope na mesa e, embora fosse meio-dia, serviu-se uma taça de uísque.
A carta era de sua cunhada Lizzie. Sua família lhe escrevia com frequência, mas ele ia à cidade no fim do mês para assistir à celebração do aniversário de bodas de seus pais, e lhe pareceu estranho que Lizzie lhe escrevesse só duas semanas antes de sua chegada. Não queria saber quais eram as notícias que ela queria lhe transmitir.
Imediatamente viu a imagem de Blanche. Ficou furioso por permiti-la entrar em seu pensamento, assim bebeu. Nunca pensava nela. Negava-se a fazê-lo. Estava muito ocupado para fazê-lo: o novo estábulo estava terminado, e tinha se posto a reconstruir a velha torre da parte sul da casa. Levantou novos cercados de pedra para os prados de pasto, e ele estava abrindo um par de janelas maiores na sala principal.
Tomou a taça entre as mãos. Já tinha começado o mês de maio. Em poucas semanas chegaria o verão. A primavera tinha passado muito devagar, e apesar de que ele tinha trabalhado muito, fazia jornadas intermináveis junto aos seus homens, como um trabalhador a mais. Estava preparado para que chegasse o verão. Ia sair daquele maldito lugar. Nunca havia se sentido mais isolado, apesar de todas as reformas, estava começando a odiar Land’s End. Sempre passava umas quantas semanas na Irlanda, mas normalmente em julho ou agosto. Naquela ocasião, iria diretamente de Londres.
E possivelmente, naquela ocasião, nunca voltasse e enviasse ao demônio aquele imóvel.
Olhou a carta da Lizzie. Por que lhe escrevia?
Estava quase seguro de que conhecia a resposta para aquela pergunta. Tyrell tinha lhe escrito oito semanas antes, e após, não tinha recebido mais cartas da família. Não foi capaz de abrir aquela carta de seu irmão, e não sabia se continha um parabéns ou um pêsames. Tinha queimado-a.
A dor se apropriou dele. Olhou o retrato de Stephen. Era a imagem de um menino pequeno, sério, moreno. Rex perdeu muito dele. Tinha passado todos os dias e as noites daquelas últimas semanas experimentando uma aguda sensação de perda por seu filho. Não entendia por que sentia tanta tristeza naquele momento, e não anos antes, e com aquela dor, o desejo terrível de retificar uma situação que tinha fracassado. Cada dia jurava que ia escrever a Mowbray e que ia dizer que queria conhecer seu filho, mas nunca o fazia. Começava o jantar, e com ele, sempre havia uma boa garrafa de vinho tinto, seguido de seu brandy de sobremesa. E então, já não pensava em Stephen, a não ser em Blanche, a quem odiava e queria, e tinha saudades também.
Nas horas mais escuras da noite, permitia-se um saque emocional. Naquelas horas, pensava nela e queria odiá-la com toda sua alma. Seu único consolo era o brandy. Recordava todos os momentos que tinham passado juntos, quando estavam apaixonados, ou quando parecia que ela o queria tanto quanto ele a queria. A dor, a raiva, o ódio e o amor se convertiam em uma só coisa.
Não ia pensar em Blanche então, a meio-dia. E Lizzie não se intrometeria, verdade? Sua irmã era a intrometida. Entretanto, provavelmente Eleanor ainda não tinha chegado à cidade, assim ele podia ter um adiamento. Entretanto, pela primeira vez em sua vida, não estava desejando que chegasse a reunião familiar.
Rex apurou a taça de brandy, depois olhou a carta de Lizzie. Esteve a ponto de queimá-la também, mas possivelmente sua cunhada lhe contasse que havia uma mudança de planos. Sentir-se-ia aliviado se o aniversário se celebrasse em Adare, porque assim não teria que ir a Londres, e não teria que tomar uma decisão quanto a uma mudança em sua relação com Stephen, nem se expor a encontrar-se acidentalmente com Blanche.
Tomou o envelope e o abriu.
Querido Rex:
Como está querido cunhado? O conde chegou à semana passada à cidade, e também Sean, Eleanor e seus meninos. Virginia, Devlin e seus filhos chegarão qualquer dia. Ned e Michael já são outra vez grandes amigos e estão esperando que seu cabeça, Alexi, se una a eles. Entretanto, Cliff e Amanda não chegarão até dentro de uma semana. Rogam tem já três anos e recorda a sua mãe. É um peralta, e faz muito bons miolos com meu Chaz, que é seu companheiro perfeito de diabruras. Reina o caos, mas é maravilhoso, e sentimos sua falta! Escrevo-te para te convidar a que venha à cidade antes do que estava planejado. Existe a possibilidade de que possa fazê-lo? E não me diga que está ocupado reabilitando o imóvel!
Rex teve que sorrir, embora tivesse os olhos cheios de lágrimas. Em efeito, Harmon House era um caos quando toda a família estava presente, mas ele estava de acordo com Lizzie: era um caos maravilhoso, causado por muitos meninos felizes, fanfarrões e bons. Ele adorava seus sobrinhos, e normalmente estava desejando passar tempo com eles. Era sempre agridoce. Rex era o único solteiro presente; sempre estava rodeado de afeto e amor, mas algumas vezes se perguntava como seria ter uma esposa leal e apaixonada.
Também pensava em Stephen, que estava crescendo sem seus primos, tios, tias e avós. Aquilo lhe doía muito. Estava decidido a levar Stephen a Harmon House de visita, embora não lhe revelasse sua identidade.
Rex continuou lendo. Imediatamente, ficou rígido.
A verdadeira razão pela qual te escrevo é porque me preocupa muito Blanche Harrington. Tyrell e eu ficamos muito confusos, porque recebemos aquela primeira carta tua, e depois, nenhuma mais. Visitamos Blanche o dia depois de que voltasse para a cidade, com a esperança de que nos desse notícias tuas, mas não foi assim. Contou-nos que o compromisso contigo foi quebrado. Não vou meter-me, porque sei que é muito reservado, mas sei que deve ter sentido afeto por ela, e quero te contar algo: deve saber que seu estado de saúde é delicado. Se segue sendo seu amigo, possivelmente queira visitá-la quando vier à cidade. Possivelmente possa lhe oferecer consolo, inclusive apoio. Ela já não recebe visitas, o que causou muitos rumores. Apesar de tudo, sua casa permanece sitiada pelos pretendentes, e se diz que logo escolherá marido.
Por favor, me perdoe por meu atrevimento, mas minha preocupação por Blanche supera minha amabilidade para com meu querido cunhado. E se vocês dois tiveram uma rixa que pode ser reparada, animo-te a que dê um passo e o faça. Blanche segue sendo uma das melhores mulheres que conheço.
Com carinho,
Lizzie.
Rex ficou olhando a folha com perplexidade. E então, o pânico o invadiu, consumiu-o.
O estado de saúde de Blanche era delicado? Deus Santo, queria dizer Lizzie que Blanche estava grávida? Mas se só tinham passado oito semanas! Era impossível sabê-lo tão cedo, verdade?
Começou a tremer. Mal podia pensar com claridade. O medo o cegava. Tinha perdido um filho cedendo-lhe a Clarewood, não podia perder outro!
Tentou recuperar a calma para poder raciocinar. Nenhuma mulher podia saber se estava grávida em oito semanas. Estava quase seguro. Entretanto, Blanche estava delicada e, o que podia significar isso? Naquele momento, recordou o dia em que ela tinha saído correndo da igreja de Lanhadron e desmaiou lá fora. Entretanto, a ansiedade que sentia mal diminuiu; acaso Blanche estava sofrendo mais dores de cabeça? Desmaiou novamente? Durante sua estadia em Land’s End, tinha tido outros dois desmaios. Estava doente? Teria visitado um médico? Demônios, Lizzie devia ter sido mais explícita!
Serviu-se outra taça, mas o único que fez foi olhá-la com expressão sombria. Pouco a pouco foi se acalmando e pôde raciocinar. Com a informação da que dispunha, só podia chegar a duas conclusões: ou Blanche estava doente, ou estava grávida. Ao pensar naquela última possibilidade, sentia terror. Entretanto, naquele momento aplicou a sensatez: Blanche não podia saber com tão pouco tempo se esperava uma criança, e se soubesse, não o teria dito a Lizzie de Warenne.
Isso significava que Blanche estava doente. Aquele não era assunto dele, pensou Rex. Ela era uma mulher adulta, sem família, mas com amigos; alguém cuidaria dela… Seu novo prometido cuidaria dela. Entretanto, sentia-se muito inquieto. Tirou uma folha da primeira gaveta do escritório e molhou a pluma no tinteiro para escrever a sua cunhada.
Querida Lizzie:
Alegrei-me muito de receber sua carta e estou desejando chegar a Harmon House para ver toda a família. Estou impaciente por ver os meninos e mais que disposto a fazer de babá de Ned, Michael e Alexi. Por-me-ei firme com eles! Entretanto, duvido que possa chegar com antecipação à data que planejei, porque estou muito ocupado com a reabilitação de Land’s End.
Sinto que Blanche Harrington continue sentindo-se mau. Eu sigo considerando-a amiga da família, e por isso te aviso de que já estava delicada quando esteve aqui na Cornualia. Por favor, convença-a para que vá aos melhores médicos da cidade.
Rex vacilou. Era consciente de que toda sua família queria saber o que aconteceu. Não era assunto de ninguém, mas isso não ia desanimar seus irmãos, meio-irmãos e sua intrometida irmã, Eleanor. Suspirou e escreveu:
Sei que minha precipitada carta de uns meses antes deve ter suscitado muita emoção. Blanche e eu fomos amigos durante muito tempo. Brevemente, pensamos que poderíamos formar um par estável, mas pouco depois nos demos conta de que não encaixávamos absolutamente, por razões evidentes. Desculpo-me pela confusão.
Até finais de mês, com todo meu carinho,
Seu irmão Rex.
Não havia ninguém melhor que Lizzie. Tinha um coração de ouro. Rex estava seguro de que conseguiria que Blanche fosse a um bom doutor.
Secou a tinta da carta, meteu-a em um envelope e pôs o lacre com seu selo. Então, notou uma pontada de medo.
Era evidente que Blanche estava doente, mas, e se também estava grávida?
Tinham passado toda a noite fazendo amor. Como estavam comprometidos, e ambos desejavam ter filhos, ele não tinha tomado nenhuma precaução. De fato, aquela noite ele quis deixá-la grávida.
Ficou em pé, cambaleando. Não podia imaginar nada pior que o fato de engendrar outro filho e não poder criá-lo. Ela estava a ponto de escolher outro marido.
E então, o pânico que sentia se viu substituído pela força de vontade. Não permitiria que seu filho fosse criado por outro homem. Era, simplesmente, inaceitável.
Blanche sorriu com firmeza quando Jem abriu a porta principal para deixar passo a uma dúzia de admiradores. Bess e Felicia estavam junto a ela para saudar os visitantes, e ambas as mulheres levavam a mesma expressão que Blanche no semblante.
Ela já estava oito semanas na cidade, e uma vez a cada sete dias recebia visitas. Blanche era consciente de que corriam muitos rumores sobre ela. O último ataque que tinha sofrido, muitos cavalheiros tinham presenciado, e se especulava que se tornou louca, e não que sofresse enxaquecas. Entretanto, não havia tornado a haver mais incidentes, ao menos não em público; sim em privado. E Blanche se negou a visitar os médicos que Bess lhe tinha recomendado. Tinha medo de qual pudesse ser o diagnóstico.
Em vez disso, concentrou-se em dominar seus sentimentos, tinha evitado as saídas e tinha começado a receber visitas só uma vez à semana. Assim que começava a notar uma pequena dor de cabeça, deixava silenciosamente a sala. Naquele momento se encontrava muito calma. Tinha tomado várias xícaras de infusão relaxante com um pouco de brandy.
Blanche sorriu a vários dos cavalheiros que desfilavam por seu salão. A porta principal continuava aberta, e ela acabava de saudar um conhecido mulherengo, Harry Dashwood, quando viu alguém que lhe resultava familiar no jardim. Ficou gelada: era Paul Carter.
O ferreiro sorriu e tirou a boina a modo de saudação. Depois se afastou e saiu do campo de visão de Blanche. Seu coração acelerou. Que fazia aquele homem na cidade? Blanche lhe pagou uma boa quantidade oito semanas antes, e tinham chegado ao acordo de que ele nunca voltaria a pôr os pés em Harrington Hall.
—Lady Harrington —disse Dashwood com uma reverência — Quem é?
Blanche tentou dominar o medo que sentia e sorriu a Dashwood.
—Desculpe?
—Esse camponês, que lhe deu um susto tão grande — disse, olhando-a com benevolência. Ela tragou saliva.
—Não sei — disse, tentando aparentar despreocupação — Faz um dia precioso, não lhe parece lorde Dashwood?
Ele sorriu.
—Precioso seriamente, quando me encontro ante sua beleza.
Ela sabia perfeitamente que nunca teve pior aspecto. A tensão e a falta de sono, junto à perda de apetite, tinham-na deixado magra e gasta. Dashwood sempre estava lhe fazendo louvores falsos. Não lhe importava. Era melhor que sentir o olhar inquisitivo de James Montrose, que não tinha deixado de visitá-la nenhuma só semana.
Dashwood podia valer. Tinha trinta anos, e era tão presunçoso e egocêntrico que nunca deixaria a um lado sua promiscuidade, o qual significava que a deixaria em paz em seguida e nunca teria nenhum interesse verdadeiro nela. Era bonito, mas Blanche não sentia a mínima atração por ele. Embora fosse muito superficial, sim tinha várias empresas rentáveis. Era um ardiloso homem de negócios. Com a ajuda de uns administradores inteligentes, poderia se encarregar da gestão de sua fortuna. Além disso, era filho de um barão.
É obvio, ela não tinha intenção de casar-se a menos que estivesse grávida. Entretanto, embora fosse cedo para saber, Blanche pressentia que havia uma vida crescendo em seu ventre. Estava entusiasmada, e também angustiada. Como ia ser mãe de um menino quando sua prudência era tão frágil?
—Posso ser atrevido? —perguntou-lhe Dashwood com um sorriso.
—Não esperaria menos de você — respondeu Blanche automaticamente, tentando paquerar.
—Eu gostaria de dar um passeio em sua companhia. É possível? —disse ele, e lhe ofereceu o braço.
—Claro.
Saíram pela porta principal. Imediatamente, Blanche olhou ao seu redor e se sentiu aliviada ao não ver Paul Carter. Enquanto rodeavam a casa para entrar nos jardins, relaxou. Não poderia enfrentar Carter naquele momento.
Dashwood começou a falar de ópera. Blanche sabia que ia convidá-la que o acompanhasse, e enquanto escutava amavelmente, pensava em uma desculpa para recusar o convite. E então, viu Carter cochichando com o jardineiro chefe. Cambaleou.
Dashwood a segurou.
Blanche se aferrou a ele sem dar-se conta, olhando fixamente o ferreiro. Ele se voltou e lhe cravou os olhos.
O pânico começou. O que estava dizendo ao jardineiro? O que queria? Por que havia voltado?
As têmporas estalaram de dor.
Estava acontecendo. Estava a ponto de ter um ataque. Agarrou-se com força em Dashwood. Queria lhe dizer que se sentia doente e que estava a ponto de ter uma enxaqueca, mas não conseguiu pronunciar uma só palavra.
Ele empalideceu.
—Lady Harrington?
Os gritos de sua mãe estalaram e os jardins desapareceram, converteram-se em uma rua empedrada. A multidão rugia a seu redor enquanto ela engatinhava para mamãe, e o monstro lhe gritava com fúria enquanto tentava agarrá-la pelo tornozelo.
Alguém tropeçou com ela. Blanche ficou gelada enquanto a agarravam, e então foi quando mamãe deixou de gritar, e quando ela a viu jazendo em um atoleiro de sangue.
Sabia que era o sangue de sua mãe.
As pedras começaram a girar a seu redor. Ela lutou por respirar, embora desejasse que chegasse a escuridão. E então chegou…
Capítulo 18
Duas semanas depois, Rex saudou o porteiro de Harmon House e entrou no espaçoso vestíbulo da casa. Ouvia as risadas das crianças e os protestos agudos de uma de suas sobrinhas. Sorriu, e pela primeira vez em meses, teve a sensação de que era quase feliz.
Atravessou a entrada e passou ao salão familiar, uma sala decorada em cores verdes e douradas que se abria ao jardim. Ned e Alexi estavam rindo e agitando uma boneca no ar, enquanto Elysse os olhava a ponto de chorar. Ariella tinha cara de poucos amigos. A loira filha de seu irmão Cliff foi a primeira que o viu.
—Tio Rex — gritou— essa boneca é um presente de Paris! Vão rasgá-la!
—Espero que não — respondeu ele, maravilhando-se de seu exotismo. Apesar de ter o cabelo muito loiro, sua pele era morena, e seus olhos de um azul assombroso. Voltou-se para os meninos, que o olharam com surpresa— Cliff não o vai pensar duas vezes antes de lhes passar pela quilha.
Os dois meninos morenos gritaram em uníssono e se aproximaram dele correndo depois de atirar a boneca no sofá. Ele lhes revolveu o cabelo.
—Por que torturam suas primas? —perguntou ao maior de Tyrell — É o herdeiro de seu pai. Um dia, será o patriarca desta família. Um dia, se Elysse tiver problemas, irá a ti. Será sua responsabilidade velar por seus interesses.
Ned se ruborizou.
—É só uma boneca, e ela é como um camundongo — disse, e a olhou— Miau.
Rex o agarrou pelo ombro.
—Seu pai não vai gostar de saber que está causando estragos com a ajuda de Alexi.
Então, Alexi disse atrevidamente:
—O tio Ty disse que podíamos ir pescar ao rio.
—Não vão pescar —disse Rex — Está se comportando como um pirata, e você sabe qual é a diferença entre um pirata e um corsário. Essa boneca não é tua.
Ariella disse:
—Chegamos ontem, tio Rex, porque o vento esteve em calma durante três dias. E Alexi e Ned não deixaram de incomodar Elysse após.
Elysse assentiu, choramingando.
—Metem-se comigo.
—Isso é porque você é bonita, e os meninos adoram meter-se com as garotas bonitas — disse Rex. Elysse tinha o cabelo dourado de seu pai, e a beleza delicada de sua mãe. Era como uma princesa. Ele olhou Alexi— É a primeira vez que vê sua prima? —perguntou-lhe.
Alexi se ruborizou e afastou a vista de Elysse.
—Lhe tirar a boneca foi ideia de Ned. Não podemos ir pescar porque o tio Ty diz que terá que esperar a maré baixa, embora nos dois sabemos nadar muito bem —acrescentou, fanfarroneando e olhando Elysse.
Ela o olhou com altivez e tomou sua boneca.
—Claro que nada bem. Os piratas têm que saber nadar, porque os obrigam a caminhar pela prancha. E você é mais pirata que corsário, como seu pai — acrescentou.
Rex olhou ao céu com resignação, mas antes de poder repreender Elysse, ouviu passos pelo corredor. Voltou-se e viu seus dois irmãos. Sorriu. Tinha esquecido quanto necessitava aquelas reuniões familiares.
Tyrell tinha todo o aspecto de ser o herdeiro familiar, embora estivesse em mangas de camisa. Cliff tinha todo o aspecto de ser o pirata que não era, porque usava um aro de ouro na orelha e umas grandes esporas adornadas com rubis.
—Por fim — exclamou Cliff, sorrindo. E abraçou Rex com força.
—Estão incomodando às meninas outra vez? —perguntou Ty com desaprovação.
—Tentaram me roubar a boneca —disse Elysse com os olhos cheios de lágrimas — É de Paris. Papai me trouxe — acrescentou isso, e se abraçou à boneca em espera da reação de seu tio.
Ty lhe deu uns golpezinhos na cabeça e se voltou para seu filho e seu sobrinho.
—Não há pesca em toda a semana. Vão para cima. Sei que tem que terminar um ensaio, Ned. Lê-lo-ei antes do jantar. Alexi, você pode fazer os mesmos deveres.
Ned baixou a cabeça, mas Alexi se rebelou e olhou seu pai.
—Prefiro que me passem pela quilha.
—Por desgraça, nunca o pus em prática. Entretanto, parece-me que você pode ser meu primeiro experimento — disse Cliff a seu filho — Se comporte — lhe advertiu — ou te deixarei em Windsong a próxima vez que venhamos a Londres.
—Sim, papai — disse Alexi.
Os dois meninos partiram, e as meninas foram brincar em seus quartos. Assim que os irmãos estiveram a sós, Cliff fechou as portas do salão.
—O que aconteceu? —perguntou a Rex.
Rex tinha albergado a esperança de terminar com a conversa antes que começasse.
—A que te refere? —perguntou com despreocupação — estive trabalhando como um escravo durante este ano, e meu imóvel prosperou muito.
Cliff sacudiu a cabeça, enquanto Tyrell olhava Rex fixamente. Então, Tyrell se aproximou do bar e desarrolhou uma garrafa de vinho. Cliff disse:
—Acredito que escreveu a Tyrell dizendo que estava comprometido com Blanche Harrington. O que aconteceu?
Rex ficou tenso.
—Acredito que também escrevi a Lizzie e o expliquei. Somos muito diferentes. Embora sejamos amigos, no final nunca teríamos conseguido ter um matrimônio sólido.
Cliff o olhou especulativamente.
—Blanche Harrington e você —disse ele brandamente — Nunca teria pensado. Está apaixonado por ela?
—Não.
—De verdade? Um homem de Warenne só se casa por amor. É uma tradição familiar.
—É uma mitologia familiar —grunhiu Rex — E não estamos casados.
—Mas estavam a ponto de fazê-lo.
Tyrell se aproximou com uma taça de vinho para cada um.
—Agora está comprometida com Harry Dashwood. Ou, ao menos, isso se diz.
Rex sentiu o estômago encolher. Dashwood? Conhecia-o. Tinha-o visto de vez em quando no White’s. Não trocaram mais que alguma saudação, mas Rex o viu apostando. Jogava bem, com cautela; ganhava pequenas quantidades e então abandonava a mesa. Era um homem egocêntrico, e Rex sabia que teve aventuras com a maioria das mulheres casadas mais ricas de Londres. Sempre saiu um pouco mais rico depois dessas aventuras.
Rex ficou doente. Estava Blanche comprometida? Estava apaixonada?
—O que sabe de Dashwood? — Perguntou, fingindo indiferença.
—Não muito —respondeu Tyrell — teve muitas aventuras. Tem algumas empresas rentáveis. É frívolo.
—E qual é sua reação? —perguntou Cliff — Eu ficava muito ciumento cada vez que um pretendente olhava Amanda, e isso que estava tentando lhe buscar marido! —exclamou.
—Sim, foi idiota —disse Eleanor, que entrava naquele momento no salão — O que perdi? —perguntou enquanto abraçava Rex — por que não está comprometido com Blanche? O que quer dizer isso de que não encaixam? Parece-me maravilhosa para ti!
—Olá, Eleanor. Eu também me alegro de te ver, eu acho — disse Rex. Entretanto, sorriu ao ver sua irmã.
—Lizzie quer ir visitá-la amanhã — disse Tyrell. Naquele momento Rex notou que havia uma conspiração — Quer vir conosco? Estou seguro de que se alegrará de te ver. Depois de tudo, seguem sendo amigos.
O coração de Rex deu um salto.
—Amanhã tenho que fazer outra visita — disse.
—Que visita? —perguntou Eleanor.
—Uma visita privada.
—Vai ver outra mulher?
—Eu não disse isso.
—Então, aonde vai? Posso ir contigo?
—Não, não pode ir comigo.
—Está evitando Blanche? —perguntou-lhe Eleanor.
Ele suspirou.
—Não. Espero que esteja apaixonada por Dashwood. Merece ser feliz.
Eleanor sacudiu a cabeça, confusa, e tomou sua mão.
—Eu me alegrei muito quando Tyrell nos disse que tinham se comprometido. Senti-me feliz por ti. Quero que tenha o que eu tenho, o que têm Ty e Cliff.
—Eu não estou procurando o amor, Eleanor — disse ele com calma.
—Por que não? Todos nos casamos por amor e somos felizes. E sobre filhos?
Rex ficou muito tenso. A imagem de Stephen lhe apareceu na mente. Soube que se alguma vez falasse com seus irmãos de seu filho, abriria a caixa de Pandora. Eleanor tentaria persuadi-lo para que rompesse o acordo com Mowbray, mas acreditava que possivelmente seus irmãos fossem mais práticos. Na realidade, aquela lembrança lhe parecia débil, no mínimo. Apertou os lábios e disse:
—Não acredito que ter filhos seja para mim.
—Isso é uma tolice —interveio Cliff — São para ti se quiser que o sejam.
Eleanor voltou a tomar Rex pela mão. Ele se voltou. Sabia que sua irmã estava triste por ele.
—Às vezes posso ser uma burra, verdade?
Ele se sentiu aliviado.
—Sim, mas está perdoada.
Ela vacilou.
Cliff tomou um gole de vinho e disse de repente:
—Se não disserem, farei eu.
Eleanor fez uma careta.
—Estou tentando reunir forças.
Rex olhou fixamente a seus irmãos.
—Me dizer o que?
—Há um rumor muito feio —disse Cliff — E você deveria saber.
—Blanche está doente — disse Rex, com uma pontada de medo.
—Não. Os rumores dizem que ficou louca.
Rex piscou da surpresa.
—É um rumor espantoso —disse Eleanor — mas a verdade é que a vi por mim mesma. E inclusive eu me pergunto se perdeu a prudência.
Mais tarde, naquele dia, Rex entrou no White’s com seus meio-irmãos, Devlin e Sean. Embora fossem às cinco horas, o salão do clube já estava cheio de cavalheiros que bebiam o porto e fumavam. Em um canto, sentado em uma poltrona, estava Tom Mowbray.
Rex ficou muito tenso.
Clarewood estava lendo um jornal, com uma taça de porto na mesinha que havia junto dele. Entretanto, seus olhos azuis não estavam no jornal, a não ser cravados em Rex. Assim que seus olhares se cruzaram, o duque baixou o seu. Rex disse aos seus irmãos que ia saudar o duque.
Enquanto Rex se aproximava dele, Clarewood baixou lentamente o jornal.
—Mowbray.
Tom Mowbray o olhou fixamente.
—Rex.
Rex não gostou de seu tom, nem a forma muito familiar de dirigir-se a ele. Deu-se conta de que não havia tornado a falar com aquele homem fazia nove anos, e apenas o tinha visto. Mowbray parecia muito diferente, e não só porque estivesse mais magro e envelhecido.
—Recebeu minha carta?
Mowbray ficou em pé. Seguia sendo bonito, mas seu rosto era duro e extraviado, quando em sua juventude tinha uma expressão afetuosa. Inclusive seu olhar era áspero.
—Mal recordo essa missiva.
Rex se irritou, mas se limitou a sorrir.
—Eu gostaria de falar um momento contigo… Tom.
Mowbray deu um pulo.
—Sabe que é Clarewood, Rex. Clarewood ou excelência.
Assim iriam ser as coisas, pensou Rex, surpreso e incomodado.
—Não era assim quando lutamos juntos na Espanha, matando franceses, vendo nossos camaradas morrerem.
—Esses dias passaram faz muito —disse Mowbray com desdém — E não tenho tempo para falar. Devo ir — resolveu. Lançou o jornal à mesinha e se dispôs a sair.
Rex teve vontade de agarrá-lo, de lhe dar um golpe. Em vez disso, disse em voz muito baixa, para que ninguém pudesse ouvi-lo:
—Vou visitar Stephen.
Mowbray girou bruscamente para ele.
—Parece-me que não — exclamou.
—A menos que lhe leve da cidade, decidi que esta situação já não me resulta satisfatória. — Mowbray o olhou com suma frieza. — Não desejo fazer nenhuma revelação —continuou Rex —mas desejo conhecê-lo. Quero visitá-lo. Não posso esperar mais.
Mowbray se aproximou dele e lhe disse com aspereza:
—Não permitirei nenhuma mudança em nosso acordo.
—Não quero fazer nenhuma mudança importante. Em todos os sentidos, salvo no biológico, Stephen é teu filho. Entretanto, eu tenho alguns direitos. E em origem, nosso acordo tinha algumas visitas previstas.
—Você renunciou a seus direitos, tal e como devia, para melhorar o futuro de Stephen! Não vou me converter agora em um bobo.
Rex não gostou nada aquela atitude.
—Surpreende-me que não diga também que não quer pôr em perigo o futuro de Stephen.
—Eduquei-o como meu filho. Dei-lhe todos os privilégios. Não permitirei que os velhos rumores voltem a estender-se.
—Essa não é minha intenção — disse Rex, muito afetado.
Stephen importava a Mowbray como filho? Até aquele momento, Rex tinha acreditado assim, porque de outro modo, Mowbray poderia contar a verdade facilmente. Entretanto, naquele momento, Rex estava assombrado, inquieto e inseguro.
—Só desejo lhe fazer uma visita. Nós somos velhos amigos. Salvei sua vida durante a guerra. É de conhecimento público. Um dia, Stephen também saberá. Tenho muitas razões para ir visitar Clarewood, e você pode dizer a Stephen — disse, com o pulso acelerado. E quando Mowbray o olhou com repulsão, acrescentou— Me deve isso.
—E um corno —respondeu Clarewood — Faz dez anos. Minha dívida já está paga — disse com fúria. — Visita-o então, se quiser. Mas não o converta em um costume.
Com aquilo, partiu.
Rex ficou imóvel, consciente de que estava suando. O que tinha acontecido a Clarewood, para passar de ser um moço agradável a um homem duro e frio? Rex se preocupava por seu filho, porque mal podia reconhecer seu antigo amigo.
Agarrando a muleta com muita força, Rex se voltou para seus meio-irmãos. Enquanto se sentava, Sean lhe cravou seus olhos cinza.
—O que há entre Clarewood e você?
—Somos velhos amigos — respondeu Rex, evitando seu olhar. — Não o tinha visto há anos, da guerra.
—Pois foi um reencontro muito amistoso — ironizou Sean.
Rex lhe sorriu.
—Estava escutando?
—Não. Minha cadeira está olhando naquela direção.
Rex se deu conta de que era certo.
—Pensei em recuperar a velha amizade, mas Clarewood mudou drasticamente.
—É um homem frio, rígido —disse Devlin — Eu tenho entendimentos com ele. Parece-me que está amargurado. Não lhe salvou a vida na Espanha?
Rex se sentiu tenso, mas sorriu.
—Tirei-o do campo de batalha quando ele não podia caminhar. Suponho que poderia dizer-se que sim.
Devlin tomou um gole de sua taça de uísque, com um olhar impenetrável. Rex se deu conta de que seus meio-irmãos, que eram homens muito inteligentes, suspeitavam dele. Trocou de tema.
—Vai a Adare este verão, Sean? Eu vou passar umas semanas ali depois de partir de Londres.
Sean sorriu ante a evasiva.
—Ainda não fizemos os planos para o verão — respondeu. Depois olhou por cima da cabeça de Rex e abriu muito os olhos. — Seu amigo Dashwood acaba de entrar.
Para Rex foi muito difícil permanecer sentado. A imagem de Blanche lhe encheu a mente e causou uma tensão indesejada. Lamentou estar situado de costas à sala, e lentamente, girou.
Dashwood estava um pouco mais à frente, com dois amigos. Os três riam escandalosamente. Rex tinha esquecido que aquele homem vestia impecavelmente, e que era bastante atraente e atlético. Sentiu ciúmes. Pela primeira vez desde que soube que Blanche estava comprometida, lhe passou pela mente que possivelmente já estivessem deitando-se juntos.
Não pôde suportar aquela ideia. Nublou-lhe a vista.
—Assim, é o afortunado — disse a Dashwood um de seus amigos.
—Mas bem, é o desafortunado — disse o outro cavalheiro, rindo.
—Sou afortunado, não desafortunado, Will — disse Dashwood, rindo também. — Acabamos de começar a redigir os contratos.
Rex se voltou por completo e o olhou sem dissimulações. Assim ia ser oficial, pensou.
—Possivelmente esteja tão louco como ela — disse em voz alta o primeiro homem. — Afortunado ou não, eu nunca teria a condescendência de me casar com uma mulher assim.
Rex ficou gelado. Não acreditava. Aqueles idiotas estavam falando de Blanche? Estavam-na declarando louca diante de todo mundo?
—Não sou condescendente — disse Dashwood com um sorriso.
—Então, não está endoidecida?
—Sim, está como um guizo. Para começar, vi-a em um de seus ataques — disse Dashwood, e baixou a voz. — E isso me convém, amigos. Convém-me porque loucos não têm direitos a semelhante fortuna entendem?
Rex voltou a sentir a vista nublar. Seam o agarrou pelo braço.
—Não.
Rex tomou a muleta e deu um golpe em Dashwood nas costas, mas não amavelmente. Depois, ficou em pé.
Dashwood se voltou com os olhos abertos como pratos. Viu Rex e arqueou uma sobrancelha.
—De Warenne — disse com frieza. — Suponho que queira me dar os parabéns.
Rex sorriu. Depois moveu a muleta e golpeou o outro homem atrás dos joelhos e o fez cair de costas. De sua posição horizontal, Dashwood olhou Rex com perplexidade. Depois grunhiu:
—Desgraçado.
—Lady Harrington, sua futura esposa, não está louca — lhe disse Rex friamente. — E lhe sugiro que reconsidere seu compromisso se é tão pouco respeitoso com ela.
Dashwood se levantou e deu um salto. Rex tentou afastar-se, mas foi muito tarde. Dashwood o agarrou pelo braço e ambos terminaram no chão, rodando como dois meninos de colégio. Dashwood ficou em cima.
Rex tentou inclinar-se para esquivar o golpe, mas Dashwood lhe deu um murro no lábio. Rex lhe golpeou com a muleta entre as pernas e Dashwood emitiu um uivo de dor. E então, numerosas mãos os separaram.
Rex se levantou com ajuda de seus meio-irmãos, tocando o lábio ensanguentado. Dashwood ficou ajoelhado, segurando as genitálias. Ofegando, Rex disse:
—Lady Harrington é uma querida amiga desta família. Sugiro-lhe que pense de novo seus planos. Não permitiremos que abuse dela, senhor.
—Vamos — disse Sean ao ouvido.
—Pagará por isso — disse Dashwood. — E ela será minha esposa! Vamos assinar os contratos amanhã!
Rex ficou imóvel, e teve o impulso de dar a volta e amassar Dashwood. Sean lhe puxou pelo braço. Devlin se ajoelhou junto a Dashwood.
—Eu pensaria bem se fosse você, moço —disse, e com um sorriso, levantou — Vamos.
Rex saiu do White’s, ladeado por Sean e Devlin.
Rex estava junto à janela do salão, com um brandy intacto entre as mãos. Estava olhando o céu, que aquela noite estava cheio de estrelas, sem deixar de pensar no incidente com Dashwood.
Atrás dele, seus dois irmãos e seus dois meio-irmãos estavam sentados comodamente, falando enquanto tomavam uma taça. Seria possível que Blanche se apaixonou por Dashwood, ou ia se casar com ele por conveniência? Estariam compartilhando a cama? E estava Dashwood levando a cabo um plano para despojá-la de sua fortuna declarando-a mentalmente incapaz quando estivessem casados?
Alguém se sentou junto a ele, e Rex ficou tenso. Voltou-se e viu Cliff, que lhe sorriu ligeiramente.
—Uma noite para os amantes — lhe disse. — Vou subir a me reunir com minha esposa.
Rex não pôde sorrir.
—Acredito que nunca tinha visto Amanda tão encantadora e tão feliz.
Cliff assentiu, e depois disse:
—E acredito que eu nunca tinha te visto tão triste. Inteirei-me do que ocorreu no White’s. Está claro que segue sentindo afeto por Blanche Harrington. Não entendo por que não faz o que deseja fazer.
Rex soltou uma gargalhada seca. Nunca revelaria que ela o tinha rejeitado.
—Dashwood estava declarando-a louca abertamente.
—Isso também ouvi. Alguém tem que pará-lo.
—Acredito que pensa casar-se com ela e declará-la legalmente incapaz para poder controlar sua fortuna.
—Pode ser que esse seja seu plano, mas parece muito horroroso. Está seguro de que não chegou a uma conclusão equivocada?
—Ouvi-o. Disse que tinha presenciado um de seus ataques, e que uma louca não tinha direito a semelhante fortuna. Tem razão; alguém tem que pará-lo.
—Então, o que vai fazer?
—Eu sou o louco, por querer me meter. Vou contar a Blanche o que ouvi. Entretanto, estou seguro de que ela não acreditará que alguém possa ser tão mau. Tenho que convencê-la de algum modo para que deixe Dashwood.
Cliff sorriu.
—Dá-me a impressão de que não vai ser muito difícil de conseguir.
—Blanche não vai agradecer minha intromissão… estou seguro.
Cliff o agarrou pelo ombro.
—Boa sorte.
Ninguém fazia visita pela manhã, salvo a família. Rex desceu da carruagem dos de Warenne junto a Harrington House. Havia outra carruagem, mas era tão bonita e tão luxuosa que não podia pertencer a Dashwood. Perguntou-se se era de Blanche e se ela ia sair naquele momento. E se perguntou quando chegaria Dashwood para assinar os contratos. Se Rex tivesse sorte, Blanche não receberia mais aquele canalha.
Esteve toda a noite sem dormir, e naquele momento, enquanto subia as escadas que levavam a imponente porta de ébano da casa, sentia uma terrível tensão. A cada lado da entrada havia dois porteiros uniformizados, imóveis. Ele chamou com firmeza. Estava muito nervoso, porque tinha muito em jogo: o destino e a felicidade de Blanche estavam em jogo. Não podia imaginar qual seria sua reação quando lhe dissesse qual era o plano de Dashwood. Provavelmente, agradecer-lhe-ia amavelmente por sua visita e o despediria.
Outro porteiro lhe abriu e o guiou até uma sala. As paredes estavam balizadas com cadeiras douradas, e havia numerosos retratos a óleo e uma mesa de pedra com um acerto floral no centro da sala.
Rex ouviu uns passos suaves, femininos. Ergueu-se, cheio de ansiedade. Então, viu lady Waverly entrar na sala, com uma expressão tensa.
Ele se sentiu consternado. Fez uma reverência.
—Lady Waverly.
—Sir Rex, que surpresa — disse ela com sarcasmo.
Ele ficou olhando-a. Estava zangada? Por quê? O que Blanche haveria lhe dito sobre ele?
—Sei que é muito cedo, mas tenho que falar com lady Harrington sobre um assunto de suma importância.
—São às dez da manhã — disse ela com frieza.
Rex se deu conta de que a confrontação era inevitável.
—Sei que horas são. Entretanto, o assunto que tenho que tratar com lady Blanche é muito importante — repetiu.
Bess o olhou com fúria.
—Não recebe visitas hoje, sir Rex. Recebe às visitas as quintas-feiras. Terá que voltar então.
Ele também se zangou. Teve que tragar uma resposta destemperada.
—Por favor, lhe diga que estou aqui. Somos amigos, e me receberá.
Lady Waverly colocou as mãos nos quadris.
—Na realidade, ela não deseja lhe ver. Deixou bem claro faz dois meses.
Aquelas palavras tinham que ser uma mentira. Entretanto, atravessaram-lhe o coração como uma adaga.
—Quando partiu de Land’s End, estávamos em bons termos. Resultar-me-ia muito chocante que isso tivesse mudado — disse ele, embora na realidade fosse Blanche quem se comportou adequadamente.
Lady Waverly pôs-se a tremer de exaltação, para surpresa de Rex.
—Mudou! Tudo trocou! E agora, bom dia, senhor!
Ele não se moveu.
—Sei que vai assinar hoje os contratos matrimoniais — disse por fim, contendo sua ira — É muito urgente que falemos antes que o faça.
E então, lady Waverly explodiu.
—Não permitirei que a veja! Não precisa de você! Só o que fará é lhe causar mais problemas! Adeus, sir Rex — lhe gritou.
Ele ficou estupefato.
—Deixe Blanche em paz — terminou ela. Depois, deu a volta e partiu pelo corredor.
Sir Rex ficou ofuscado. Que demônio estava acontecendo? Não tinha intenção de ir, assim tomou a muleta e seguiu o caminho que tinha tomado lady Waverly. Passou junto a dois bonitos salões, sem ouvir nada salvo o som de seus próprios passos. Não conhecia a casa, mas se lady Waverly estava ali, Blanche estava com ela, sem dúvida.
Enquanto percorria um corredor, viu abrir uma porta. Deteve-se, sem tentar esconder-se, com a esperança de que Blanche saísse por ela. Entretanto, viu um homem vestido de camponês. Era Paul Carter, o prometido de Anne. O que estava fazendo o ferreiro na cidade, em Harrington Hall? Naquele instante, recordou o ressentimento de Anne para com Blanche, e teve uma terrível suspeita. Aquela visita do ferreiro não podia ter nada de bom.
Rapidamente, bateu na porta que Carter tinha deixado entreaberta. Ao abri-la, viu uma grande biblioteca com muitos assentos. E viu Blanche, sentada em um canto, em uma pequena mesa, com as mãos agarradas a frente assim, como uma menina pequena.
O coração encolheu. Rex esqueceu que tinha jogado cruelmente com ele e que tinha quebrado seu compromisso a traição. Esqueceu que devia desprezá-la, ou, ao menos, não sentir nada por ela. Era como um anjo, um anjo frágil que necessitava ajuda e amparo.
E Rex não se moveu. Era consciente de que ainda a queria, de que sempre a quis e sempre iria querer. Assimilou sua aparência elegante, porque sabia que possivelmente não tivesse aquela oportunidade outra vez. De repente, Blanche elevou o olhar.
Emitiu uma exclamação de surpresa.
Rex fechou a porta e se aproximou da mesa. Pulsava-lhe o coração com tanta força que acreditava que ela ia ouvi-lo também.
Blanche permaneceu sentada, imóvel, tensa.
Ele sentiu uma terrível tristeza. Por que tinham que ser assim as coisas?
—Esperava que seguíssemos sendo amigos — lhe disse brandamente.
Ela tragou saliva.
—Como entrou?
—Sua amiga quis me enxotar, mas decidi tomar as rédeas do assunto. Vejo que está consternada, assim me perdoe.
Ela respirou profundamente.
—Não posso fazer isto, Rex.
Ele se sobressaltou. Havia algo muito mal.
—Não pode falar comigo, nem sequer como amigo?
Rex a viu tremer.
—É muito duro — sussurrou ela.
—Blanche, não entendo. Fiz algo muito ofensivo em Land’s End a você, algo que não possa me perdoar e que tenha convertido seu afeto em ódio e repugnância?
—É obvio que não! —Blanche ficou em pé, cambaleando — Não te odeio —disse, e os olhos encheram de lágrimas — Admiro-te… sempre seremos amigos.
Ele fechou os olhos e teve que conter o desejo implacável de tomá-la entre seus braços. Depois sorriu para lhe dar ânimos.
—Então, estamos de acordo, porque eu também te admirarei sempre… e sempre serei seu amigo. — Ela respirou com brutalidade e soluçou. —Por que chora? —perguntou-lhe Rex brandamente. —E o que fazia aqui Paul Carter?
Blanche deu um pulo.
—Não ouviste os rumores? Acaba de chegar à cidade?
—Cheguei ontem. E sim ouvi que vai te comprometer.
Ela se ruborizou e afastou o olhar. Em voz baixa, disse:
—Refiro-me aos outros rumores.
—Não, não ouvi nada — mentiu.
Ela sorriu forçadamente.
—Estou louca.
—Não está louca! É a mulher mais sensata que conheço. Não acredite nessa estupidez. Isto é coisa de Dashwood?
Blanche negou com a cabeça, entre lágrimas.
—Claro que não.
—Devo falar contigo sobre ele.
Ela esfregou as têmporas.
—Não posso. Não posso falar contigo sobre ele. Rex, isto é muito duro.
—Blanche, segue tendo dores de cabeça? Não quero ser grosseiro, mas não tem bom aspecto, e me preocupa muito.
Ela sacudiu a cabeça.
—Tem que ir. — Disse, e tomou uma xícara de chá com as mãos trêmulas.
Ele se sobressaltou ao ver uma garrafa de brandy sobre a mesa, com uma colher.
—O que é isso?
—O brandy me ajuda — gemeu ela, sorvendo o chá. Quando deixou a xícara sobre o prato, a porcelana se golpeou com violência.
Tomou sua mão e se deu conta de que a tinha gelada.
—Blanche, vim para falar de Dashwood, mas me preocupa muito sua saúde. Deve me prometer que não vai assinar nenhum contrato hoje. Foi ver algum médico? Blanche?
Ela sacudiu a cabeça, tocou a têmpora e sussurrou:
—Me solte.
Ele obedeceu.
—O que te ocorre?
Ela tampou os ouvidos. Tinha o rosto contorcido, sua expressão era de terror.
—Blanche!
Ela gritou, afastou-se dele e pôs-se a correr.
Ele a seguiu, mas a viu cair de joelhos, tampando os ouvidos, soluçando.
—O que está acontecendo? —perguntou-lhe, ajoelhando-se junto a ela. Passou-lhe o braço pelos ombros, mas assim que viu seu rosto, soube que Blanche não o via. Voltou a gritar tentando escapar dele, com uma expressão de terror.
Horrorizado, ele a soltou.
Então, Blanche se enroscou em si mesma. E ficou em silêncio.
Rex estava paralisado de medo. Temia lhe falar, igual temia tocá-la.
Lady Waverly entrou na biblioteca.
—O que fez? —gritou-lhe. Ajoelhou-se junto a Blanche e a abraçou— Fora!
—Não — sussurrou Blanche, enrodilhada ainda.
—Fora! —voltou a gritar lady Waverly.
Blanche começou a balançar-se, murmurando tão baixo que ele não pôde decifrar suas palavras. Entretanto, soube que estava repetindo algo uma e outra vez.
Rex tomou a muleta do chão. Levantou-se e ficou imóvel.
—Seu segredo está a salvo comigo — disse em voz baixa.
Bess Waverly o olhou. Estava chorando.
—Desejaria falar com você, lady Waverly. Estarei fora — disse, e titubeou— Blanche, se me ouvir, nada mudou. Farei tudo o que possa por te ajudar.
Ela seguiu cantando silenciosamente, e ele soube com segurança que não o tinha ouvido.
Então deu a volta com os olhos cheios de lágrimas. E saiu dali, além do medo.
Capítulo 19
Bess acariciou as costas de Blanche, tentando controlar suas emoções para poder consolar sua amiga. Temia desesperadamente por ela. Blanche estava ficando pior, não havia dúvida. Aqueles ataques violentos e horríveis aconteciam diariamente. Estava se deslizando lentamente para um mundo do qual não ia voltar? O maior medo de Bess era que, um dia, Blanche tivesse um ataque de loucura que nunca terminasse.
Aquela possibilidade era espantosa, e Bess se negava a aceitá-la. Entretanto, tinha que pensar nisso, porque era muito provável que Blanche estivesse grávida. Tinham passado dois meses e meio e não tinha o período. Se Blanche não conseguisse superar o mal que a afligia, como ia poder ser a mãe daquela criança? Bess tinha estado convencendo Blanche para que se casasse rapidamente. O filho de Blanche ia precisar de um pai muito mais do que Blanche precisava de um marido.
Bess se sentiu aliviada quando, por fim, Blanche se levantou e se sentou. Passou as mãos pelo rosto cuidadosamente, evitando olhar para Bess. Blanche estava envergonhada, e ela também.
—Deixa que te sirva chá — lhe disse Bess brandamente.
—Terminou — respondeu Blanche.
Bess ficou em pé. Com delicadeza, perguntou-lhe:
—Recordou algo novo?
Blanche a olhou por fim, antes de ficar em pé.
—Não. Pude ficar em um ponto daquele motim.
Estremeceu. Bess soube que estava decidida a não recordar nenhum outro detalhe daquele dia e do assassinato de sua mãe, se pudesse. Então, Blanche olhou para a porta da biblioteca.
Bess pensou também em sir Rex. O instinto lhe dizia que lhe jogasse a culpa daquele último ataque, mas, como ia fazer isso? Blanche tinha ataques sem sua presença. Eram tão frequentes, que Blanche tinha começado a encerrar-se em suas habitações. Bess não a culpava, mas não servia de nada. Toda a servidão sabia a verdade.
«Farei o que possa para te ajudar».
Bess ficou muito tensa. Sir Rex ficou horrorizado. Ela tinha visto sua expressão de espanto; entretanto, tinha sido bom, e estava preocupado. Bess também se deu conta disso.
E era o pai do menino.
Blanche se abraçou e esfregou os braços como se tivesse frio.
—Está aí ainda?
—Acredito que sim, mas me parece que seria melhor que não o visse agora.
—Senti muita dor ao vê-lo.
—Quê-lo ainda?
—Como vou deixar de querer a um homem assim?
—Então, quer reconsiderar seu compromisso com Dashwood?
Bess estava começando a pensar que, depois de tudo, aquele matrimônio não seria benéfico.
Blanche a olhou.
—Você me disse que é o suficientemente preparado para administrar meu patrimônio.
—Sim — disse Bess. Mas sir Rex também era.
—Não posso ter este filho sem um marido —acrescentou — Já me converti em uma parelha.
—Não, não pode.
—Sinto-me muito confusa —disse Blanche — Quero me retirar, Bess. Dói-me muito a cabeça.
Bess pensou que seria o melhor.
—Avisarei a Meg.
Entretanto, as duas sabiam que não era necessário. Meg permanecia alerta como um soldado em ação, sempre atenta a mínima necessidade de sua senhora. Bess tinha se dado conta de que a jovem donzela se preocupava de verdade por Blanche. Não tinha preço.
Bess acompanhou Blanche fora da biblioteca. Ao passar pela porta do Salão Dourado, viu sir Rex dentro, apoiado na muleta, as observando atentamente. Blanche se ruborizou e afastou o olhar rapidamente, apressando-se a subir as escadas. Bess deu a volta e voltou para salão.
—Como vai? —perguntou-lhe sir Rex.
—Está melhor. Foi para seu quarto descansar.
—Quanto tempo isto está acontecendo?
Ela sentiu receio. Não sabia quanto devia lhe revelar.
—Blanche tem enxaquecas muito severas.
—Isso não foi uma enxaqueca —replicou ele — Não me trate como se fosse tolo.
Bess vacilou.
—Agradeço sua preocupação, mas não sei se a algo que possa fazer para ajudar.
—Ela não está louca.
Bess viu o medo refletido em seu olhar. Estava apaixonado por Blanche? Seria remotamente possível? Entretanto, não era ela mesma quem tinha tido o pressentimento de que sir Rex era do tipo de homens que permaneceria junto a sua mulher em qualquer circunstância, inclusive na enfermidade?
—Não posso falar sobre os assuntos privados de Blanche, sir Rex.
—Nunca gostei de você, lady Waverly. Entretanto, hoje mudei de ideia. É uma amiga leal. Desculpo-me por meus julgamentos passados.
Bess sacudiu a cabeça.
—Eu sempre soube que não me acreditavam o suficientemente boa para a Blanche. E não sou. Blanche é boa e generosa. Eu sou frívola e egoísta — disse, e encolheu os ombros — Mas a amo. Sempre a amei — afirmou, e sorriu sem vontade — Blanche voltou assim de Land’s End. Ali ocorreu algo que a alterou tanto que sente muitas emoções para seu próprio bem. Importaria me dizer o que pôde ser?
O olhar de sir Rex era penetrante.
—Dá-me a sensação de que já sabe. Entretanto, eu tampouco quero falar dos assuntos privados de Blanche, nem sequer com você.
Bess não esperou uma resposta tão nobre. Aquele homem era honrado, embora tivesse uma natureza muito reservada. E tinha importância o que ocasionou aqueles ataques de Blanche?
—Blanche não acredita que seja bom lhe ver de novo, sir Rex. Eu apoiava a ideia, e por isso lhe pedi que fosse. Entretanto, me alegro de que não me fizesse conta. Acredito que deveria saber que estas enxaquecas acontecem quase diariamente.
O abatimento se refletiu em seu semblante.
—Diariamente — repetiu. Então, entreabriu os olhos — Quer dizer que Blanche me culpa destas enxaquecas?
Bess vacilou.
—Acredito que ela partiu de Land’s End pensando que as enxaquecas cessariam.
Ele arqueou as sobrancelhas.
—Culpa-me?
—Não diria isso. Nem sequer penso. Mas deve ter acontecido algo em Land’s End, não, sir Rex? Tudo começou em sua casa.
Sir Rex ergueu os ombros.
—Ocorreram muitas coisas, sim. Por outra parte, Blanche sofreu muita tensão durante os últimos meses, depois de que seu pai faleceu.
Isso também era certo, pensou Bess.
—Estes dias, Blanche permanece encerrada. Não tem vida, salvo as quintas-feiras, quando recebe às visitas. Como vai seguir assim, escondendo-se de todo o mundo, e com todo nosso círculo social esperando que saia para presenciar um dos ataques? Os rumores sobre Blanche são à ordem do dia. Lá aonde vou, estão rindo dela.
—Não me importam nada os rumores. Importa-me ela, assim como a você. Foi ao médico?
—Nega-se.
—E por quê?
—Acredito que teme o diagnóstico. — Ele ficou calado. —Veio aqui hoje para me falar de seu matrimônio, não é assim?
—Sim —respondeu ele — Não pode casar-se com Dashwood.
—Ela mesma o escolheu.
—É o pior dos murmuradores.
Bess ficou aniquilada.
—Ele também murmura sobre ela?
—Ouvi-lhe contando aos seus amigos que uma louca não tem direitos sobre sua fortuna. Acredito que quer incapacitá-la legalmente para ficar com o controle da fortuna Harrington quando tiverem casados.
Bess se pôs a tremer.
—Se está planejando algo tão desprezível, tem razão, esse matrimônio deve evitar-se a todo custo.
—Alegra-me que estejamos de acordo — lhe disse Rex. Então, olhou para fora do salão, para a escada — Eu gostaria de falar com Blanche quando se sentir melhor.
Bess não lhe disse que não havia nenhum momento seguro para poder falar com ela.
—Falarei a ela.
Perguntou-se o que faria sir Rex se averiguasse que estava grávida dele. Então, soube que insistiria em casar-se com Blanche. Acaso não tinha pensado que eles eram um casal compatível desde o começo, antes que Blanche adoecesse? Entretanto, Blanche tinha quebrado o compromisso, embora o amasse. Faria sir Rex que piorasse seu estado? E tinha importância? Porque, quanto mais podia piorar o estado de Blanche? E, se piorasse ao menos sir Rex cuidaria dela e de seu filho.
—Está me olhando fixamente — disse ele com aspereza.
Bess sorriu.
—Me desculpe. Estava pensando no que disse. Farei com que os contratos se percam durante um tempo, até que possamos resolver as coisas.
Ele entrecerrou os olhos. Tinha percebido o uso plural do verbo, tal e como ela queria.
—Bom dia, sir Rex — disse Bess brandamente.
Sir Rex não partiu de Harrington Hall. Deu a volta na casa, atravessando o jardim, com a intenção de falar com Meg, a donzela de Blanche.
Sentia-se muito angustiado. Tinha medo por Blanche, porque claramente estava muito doente. Compreendia por fim o motivo pelo qual ela tinha quebrado seu compromisso, embora não a lógica que a tinha levado a tomar aquela decisão. Fosse o que fosse o que lhe ocorria, ele não era a causa. Blanche o necessitava, e necessitava seu amparo de canalhas como Dashwood. E necessitava uma cura. Não podia estar louca.
Entretanto, Rex não acreditava que uma enxaqueca a tivesse feito atirar-se ao chão gritando. Ele nunca tinha ouvido algo assim. Não sabia qual podia ser aquela enfermidade, e sim tinha lhe parecido que Blanche agia como alguém louco.
Ninguém enlouquecia de repente, mas ele sabia que as enfermidades mentais eram hereditárias. Tinha conhecido o pai de Blanche, lorde Harrington, e era um homem completamente cordato, mas Rex não sabia nada de sua mãe. Tinha muito medo por ela. Teve que recordar-se que Blanche era a mulher mais sensata e sã que tinha conhecido.
Rex avançou lentamente para a cozinha, cheio de desesperança. Ao menos, Bess estava de acordo em que não podiam permitir que Blanche se casasse com Dashwood. Ele devia desaparecer de sua vida o quanto antes. Além disso, tinham que controlar os rumores, e tinham que obrigar Blanche a ir a um bom médico.
Naquele momento, Rex viu o ferreiro de Lanhadron, paquerando com uma donzela na porta das cozinhas. Quando Carter o viu, surpreendeu-se seriamente. Então, entrecerrou os olhos; tirou a boina e o saudou com uma inclinação da cabeça.
—Milord.
—Vem caminhar comigo — lhe ordenou Rex sem rodeios.
Carter o seguiu para o jardim. Depois de uns instantes, Rex se deteve em seco e se voltou para o ferreiro.
—Que assunto o traz a Harrington Hall, Carter?
Carter elevou lentamente os olhos pálidos para ele.
—Milord, Annie admira muito lady Harrington, e me pediu que lhe trouxesse um presente como amostra de seu afeto. Trouxe-lhe uma forquilha de tartaruga marinha. Annie a escolheu.
Rex não pôde controlar sua fúria. E não quis.
—E um corno! Anne só tinha inveja e ressentimento para lady Harrington. Isso ficou bem claro quando eu me comprometi com ela. Estou seguro de que não pretende nada bom. Ameaçaste-a?
Carter o olhou com um gesto de desprezo.
—Eu não sou seu servente… milord.
Rex não se surpreendeu por aquela falta de respeito.
—Se voltar a aparecer por aqui, não encontrará trabalho nunca mais no distrito. Nem Anne tampouco. Está claro?
Carter se congestionou de cólera.
—Todos os senhores são iguais! Pensam que são Deus, verdade? E não lhes importa nada o que acontecer com os pobres!
—Não me interessa sua visão do mundo. Sai da propriedade de lady Harrington.
—Suponho que ainda tem relações com ela, não? Seguro que a seu novo prometido adorará sabê-lo.
Rex não podia acreditar no atrevimento daquele homem, nem sua tolice. Rapidamente, decidiu lhe seguir a corrente.
—Devo te recordar que se preocupe de seus próprios assuntos.
—Encantado… por um preço.
Então, Rex se deu conta de que Carter tinha chantageado Blanche. Cortou-lhe a respiração. Lutou por manter o controle, e de algum modo, conseguiu-o.
—Parte e não volte por aqui. Sugiro-te que parta também do distrito. Ganhou um inimigo e, se não obedecer, lamentará.
—Partirei do distrito, mas meu preço é duzentas libras.
Rex sorriu friamente.
—Quanto lady Harrington te pagou?
Carter sorriu.
—Por que não pergunta a ela? Pagou-me para que possa viver bem durante dois anos!
Naquele momento, Rex se cegou. Tomou Carter pelas lapelas da jaqueta enquanto afundava a muleta no chão para não perder o equilíbrio.
—Quanto teve que te pagar?
—Muito! Quinhentas libras!
Rex o soltou. Espantava-lhe que Blanche tivesse sofrido aquele abuso por parte do ferreiro.
—Aqui já não tem nada que fazer.
Carter ajeitou jaqueta.
—Direi aos seus amigos sobre seu amante, milord.
—Adiante — disse Rex. Girou, viu um par de jardineiros e lhes fez um gesto — Acompanhem este indivíduo fora da propriedade —lhes disse.
Carter gritou de indignação quando cada um dos empregados o pegou por um braço. Rex observou com satisfação como quase tiveram que arrastá-lo pelo jardim. Acabava de liberar a vida de Blanche de outra enfermidade.
Então, sentiu seu olhar. Ficou rígido e se voltou lentamente para olhar para a casa. Elevou a vista e a viu na janela, emoldurada por um par de cortinas de cor marfim. Seus olhares ficaram presos.
As cortinas caíram e ela desapareceu.
Blanche se aproximou pausadamente à lareira de seu quarto. Claramente, sir Rex tinha jogado aquele horrível ferreiro da casa. Esteve lhe pagando semanalmente por seu silêncio, e aquilo foi um alívio em meio do caos que se apropriou de sua vida.
Pôs-se a tremer. Nunca havia sentido tanto desejo e tanto pesar. Queria a sir Rex com todo seu coração e sentia falta dele. Com apenas vê-lo, tinha recordado todos os momentos que passaram juntos, sua maravilhosa amizade, sua honestidade, sua preocupação e sua bondade. Entretanto, seus sentimentos não serviam de nada, porque estavam poluídos. Nunca havia sentido tanta vergonha.
Estava mortificada. Cobriu o rosto com as mãos e se afundou na poltrona que havia ante a lareira. Sir Rex a tinha visto em um de seus ataques de loucura. Sir Rex conhecia a terrível verdade.
Blanche não podia negar que piorava cada dia. Tinha mentido a Bess: com cada ataque recordava outro detalhe nítido e horrível. Cada ataque era mais terrível e violento que o anterior. Cada vez que voltava para o passado e se convertia em uma menina perdida em meio daquele motim, seu vínculo com o presente era mais frágil. Sua parte adulta cada vez era mais débil, e a menina cada vez mais forte. Blanche se perguntava se um dia a adulta se desvaneceria por fim e só ficaria uma menina aterrorizada que chorava com as mãos cobertas de sangue de sua mãe.
«Estou louca», pensou desesperadamente. E estava grávida de sir Rex.
Não acreditava que sua vida recuperasse a normalidade de antes. E, se acontecesse aquilo, como ia ser mãe de seu filho quando nascesse? Se ela continuasse tendo ataques ou perdia a prudência por completo, poria em perigo a vida do pequeno. Quem ia ocupar-se dele ou ela? Dashwood?
Blanche começou a chorar de sofrimento por seu filho. O pequeno merecia algo mais que uma mãe como ela. E Dashwood seria muito mau pai. No que esteve pensando?
Ela teve a esperança de que, se deixasse sir Rex, poderia viver um tipo de vida que não lhe provocasse mais ataques de loucura. Entretanto, não tinha sido o suficientemente forte para manter a enfermidade a raia. Tentou viver em calma, sem sentir nada, mas fracassou. Não havia calma e não havia paz. Só havia uma tensão interminável, um medo incessante e momentos de loucura. Sua vida ficou insuportável. E já não tinha mais esperança.
Sabia que não ia poder recuperar a vida que tinha levado durante anos, antes de apaixonar-se por sir Rex. E evidentemente, não poderia ser uma boa mãe para seu filho. Entretanto, ia ser mãe e devia proteger o bebê de si mesma, e assegurar-se de que tivesse um futuro seguro em todos os sentidos.
Começou a tomar uma determinação. Já que não podia salvar sua própria vida, não seguiria tentando, mas sim devia pensar na de seu filho.
Sir Rex era o pai do menino e poderia criá-lo. Seria um pai maravilhoso, Blanche não tinha dúvida. Era honesto e sólido. Era forte e bom. Amaria seu filho ou sua filha e o educaria da melhor maneira possível. Além disso, o menino teria uma magnífica família de primos, tias, tios e avós. Ele era o tipo de pai que todo mundo merecia e deveria ter.
Rex tinha todo o direito de saber que ia ser pai. Blanche tinha que dizer-lhe e logo. Não estava segura de por que tinha demorado tanto em chegar a aquela conclusão. Não obstante, temia o momento de voltar a vê-lo. Temia como ia olhar a ele. Sir Rex evitaria o contato visual, evitaria qualquer roce. Todos o faziam.
Entretanto, não daria as costas a seu filho.
Portanto, a solução estava clara. Ela se retiraria ao campo para ter seu filho. Depois, o entregaria a sir Rex.
Blanche se pôs a chorar de novo.
Capítulo 20
Era como se um temor conduzisse a outro. Rex se encontrava no vestíbulo de Clarewood e tinha a imagem de Blanche gravada na mente. O medo que sentia por seu bem-estar se misturava com a necessidade de ver seu filho e de assegurar-se de que tinha feito o melhor para ele. Ao outro extremo daquela sala de mármore havia duas portas arqueadas. Uma delas conduzia a um grande vestíbulo, e a outra a um corredor largo do qual podiam ver-se vários salões. Rex se encaminhou para a recepção. Aquela sala também tinha o tamanho de um salão luxuoso, e os chãos eram de mármore com nervuras douradas. Mais à frente, Rex viu uma escadaria de mármore coberta de carpete cor granada. Imediatamente, fixou-se no retrato que pendurava em cima das escadas.
Julia e Stephen estavam um junto ao outro, acompanhados de um par de cães spaniel e com uma frondosa árvore no fundo. Julia era loira, elegante e bonita. Stephen estava austeramente vestido, com jaqueta e gravata, e embora não devia ter mais de seis ou sete anos, sua expressão era tão séria que parecia mais um homem que um menino.
Rex sentiu o coração partir. A miniatura que Julia lhe tinha enviado tinha uma expressão similar. Significava isso que Stephen mal ria? Tinha um caráter sério, ou possivelmente só estava posando para o quadro, seguindo instruções de parecer grave e inclusive distante?
De repente, soaram os passos de uma mulher que usava saltos. Rex ficou tenso quando Julia apareceu no corredor, além das escadas. Ao vê-lo, ela abriu muito os olhos devido à surpresa. Embora Rex já não sentisse atração por ela, comprovou que tinha amadurecido bem. Também lhe surpreendeu dar-se conta de que não sentia nenhuma hostilidade. A desprezou durante muito tempo, quase uma década, e naquele momento não sentia mais que indiferença.
Ela, não obstante, ergueu-se ao vê-lo.
—Sir Rex — disse, com a voz mais aguda do que ele recordava — Não sabia que estava na cidade — comentou com um sorriso forçado.
Ele fez uma reverência.
—Lady Clarewood. Têm muito bom aspecto — disse com um sorriso.
De novo, Julia refletiu a surpresa nos olhos. Não sorriu, e com certa desconfiança, respondeu:
—Você também.
Não fez gesto de convidá-lo a outra sala para poder falar. Rex se deu conta de que estava à defensiva, e ficou muito nervoso.
—Vi lorde Clarewood no White’s. Não lhe disse que tinha intenção de visitar Stephen?
—Não, não me disse isso!
Rex se deu conta de que lhe inspirava medo.
—Por que não vamos à outra sala onde possamos conversar?
Ela assentiu e o conduziu à biblioteca, de cujas janelas se viam uns magníficos jardins, cheios de fontes, estanque e com um maravilhoso labirinto. Ali, Julia fechou ambas as portas e se voltou bruscamente para ele.
—Como pode fazer isto?
—Dou-me conta de que está afligida. Essa não é minha intenção. Entretanto, devo te recordar que eu sofri a perda de meu filho durante uma década.
Julia ficou muito tensa, com as costas apoiada na porta.
—E de repente decide vir de visita, e fazer o que?
—Quero ver meu filho em pessoa. Quero falar com ele. Quero ouvir sua voz e ver seu sorriso. É pedir muito? —perguntou com calma.
—E por suas necessidades egoístas, vai estragar seu futuro? —gemeu ela.
—Não vou dizer a Stephen quem sou. Não vou romper nosso acordo. Entretanto, quero ver meu filho de vez em quando. Nada nem ninguém poderá me dissuadir. — Julia o olhou com os olhos cheios de lágrimas. E não era teatro. —Nunca me ocorreria à ideia separá-lo de sua mãe —disse ele —Essa ideia é uma atrocidade.
Por fim, ela assentiu.
—Assustaste-me. Sempre me perguntei quando apareceria em nossas vidas para levá-lo ou ao menos, para lhe dizer a verdade.
—Não me conhece bem.
—Não, não te conheço, porque há dez anos fiz uma escolha horrível, e paguei muito caro.
—O que quer dizer?
Ela encolheu os ombros.
—Deve saber que quero que Stephen seja o próximo duque de Clarewood, e farei tudo para que receba sua herança.
Ele se inquietou, mas não se alarmou.
—O ama muito.
—É obvio que sim. É meu filho. Meu único filho, e tem direito a herdar tudo isto — disse ela, e fez um gesto que abrangeu a grandiosa sala.
—Eu também quero que tenha o poder e a riqueza que Tom e você podem lhe dar Julia — respondeu ele com calma. — mas não posso seguir afastado dele desta maneira. Poderia me apresentar como um amigo da família.
Julia fez um gesto de ansiedade que ele não nunca tinha visto.
—Possivelmente seja melhor que forme parte de sua vida.
—Por quê? Ocorre algo mau?
—Não ocorre nada mau, salvo que estou casada com um homem difícil. É um marido difícil e um pai difícil. Eu não sou capaz de agradar ao Tom. Por mais que o tente, nada é suficiente.
—E Stephen?
—Stephen é um aviso constante do que falta ao Tom.
—O que significa isso?
—Significa que Stephen se sobressai em tudo aquilo que se propõe, e isso não é suficiente tampouco.
Rex notou que o coração pulsava com uma força desmedida.
—Então, Tom se tornou exatamente igual ao seu pai.
—Sim.
—Stephen não é feliz?
Ela vacilou.
—Não é infeliz, Rex. Tem um caráter sério e responsável. Deseja ter êxito no que faz. Já fala três idiomas com soltura, e passou da matemática à álgebra. Agora está estudando anatomia, e domina a biologia. Seus tutores dizem que é brilhante.
—Mas se só tem nove anos! —exclamou Rex. Não sabia se sentia se entusiasmado ou assustado, orgulhoso ou consternado.
—Sinto-me orgulhosa dele, e você também deveria estar. Entretanto, parece que perdeu a infância — disse, e olhou para o jardim. —Já vem.
Rex girou e viu Mowbray e seu filho aproximando-se da casa, ambos vestidos com um traje de montar formal. O coração deu um tombo. Mal podia respirar. Mowbray não falava, e tampouco Stephen. Imediatamente, Rex notou que o pequeno caminhava como um príncipe, com o porte rígido, orgulhoso e tremendamente correto.
Ele se aproximou das portas do terraço e saiu. Quando esteve junto ao corrimão, Mowbray o viu e fez uma careta de desagrado. Olhou para baixo e disse algo a Stephen.
Stephen elevou a vista para o terraço, e o olhar de Rex se encontrou com o de seu filho. Embora certa distância os separasse, pareceu-lhe que percebia um desdém frio.
«É tão arrogante como Mowbray», pensou com consternação. Entretanto, com o poder que teria um dia em suas mãos, podia ser tão altivo como o príncipe de Gales, se quisesse.
Homem e menino subiram as escadas do terraço. Rex se deu conta, então, de que Stephen o estava observando com uma atitude distante, mas também com curiosidade.
—Querido — disse Julia, aproximando-se de seu filho. — Temos uma visita. Faz muitos anos que não vê sir Rex! —exclamou com um sorriso — Se divertiu montando a cavalo?
—Sim, mamãe. Mostrei a papai quão bem Odysseus salta o muro de pedra.
Julia olhou Rex.
—Monta como vocês quando estavam na cavalaria, sir Rex. Já é todo um cavaleiro.
Rex se dava conta de quão nervosa estava Julia. Entretanto, ele também tinha os nervos à flor de pele. Mal acreditava que estivesse tão perto de seu filho. Não podia lhe tirar os olhos de cima. Assentiu para saudar Mowbray.
—Olá, excelência. Alegro-me de lhe ver novamente.
Mowbray tinha a cara marcada de amargura.
—Sir Rex — disse. — Que agradável é sua visita. Sinto que não tenha avisado com antecipação; temo que tenha compromissos na cidade e não poderei ficar.
Rex sorriu e voltou a olhar Stephen, que o estava observando com atenção, como se avaliasse cada um dos matizes de suas palavras e seus gestos.
—Olá — disse Rex, com tanta normalidade como pôde.
—Stephen, por favor, saúda sir Rex de Warenne. É um velho amigo da família. Seu pai é Adare.
Stephen se inclinou, mas ligeiramente. Estava claro que era consciente de que sua fila era maior.
—Bom dia — disse com solenidade— Acredito que conheci seu pai durante um passeio pelo parque.
Rex respirou profundamente.
—Não sabia. Alegro-me. Que altura tem esse muro de pedra?
Pareceu que Stephen queria sorrir.
—Quase um metro.
Rex se sentiu impressionado.
—Isso é um salto muito alto para um menino.
—Posso saltar mais ainda — repôs Stephen.
—Meu filho se sobressai em tudo aquilo que faz — disse Mowbray, em um tom vagamente zombador. — Não há nada que não possa fazer. Se decidisse ir à lua, conseguiria.
Stephen se ruborizou. E Rex teve vontade de pegar Mowbray por ter cortado a conversa de seu filho cruelmente, sem motivo.
—Não corte sua visita — disse Mowbray com um sorriso frio. — Estou seguro de que minha esposa está muito contente de lhe ver depois de tanto tempo.
Depois, despediu-se e entrou na casa.
Imediatamente, Rex girou para Stephen, que já tinha recuperado a compostura.
—Estou seguro de que seu pai está muito orgulhoso de ti — disse brandamente. — Sei que sua mãe está.
Stephen o olhou com os olhos entrecerrados.
—E como sabe que minha mãe está orgulhosa de mim, se não nos visitou em anos?
Rex se deu conta de que Stephen não deixava escapar nada.
—Vi-a em uma ou duas ocasiões em eventos sociais, e ela sempre te elogiou.
Sorriu. Queria tocar em seu filho, mas sabia que não devia fazê-lo.
Stephen assentiu.
—Minha mãe é fácil de agradar. Acredito que todas as mulheres são — disse o menino, mas não mencionou o óbvio, que seu pai não era. — Me parece que a meu pai nada agrada.
—Isso não é certo! —exclamou Julia.
Rex disse:
—Conheço seu pai da guerra. A guerra muda os homens, Stephen, e mudou aos dois.
Stephen estava muito interessado.
—Tenho lido muito sobre a guerra. Meu pai lutou na Espanha. Também estava na cavalaria — disse com orgulho. —No Décimo primeiro Regimento de Dragões.
—Sei. Estava sob meu comando — disse Rex.
Stephen o escrutinou com o olhar.
—Não sabia.
Julia interveio.
—Tem que saber que sir Rex é um herói de guerra condecorado. Recebeu a medalha de valor por seu heroísmo. Resgatou seu pai, Stephen, quando estava ferido na batalha e não podia sair do campo. Provavelmente, sir Rex salvou a vida de Clarewood.
Stephen ergueu os ombros, embora tivesse os olhos abertos como pratos.
—Então, a família tem uma grande dívida com você, sir Rex — disse com solenidade. — Um dia vou pagá-lo, embora meu pai já o tenha feito.
Rex se desmoronou. Seu filho já era um homem de honra. Que mais podia pedir?
—Não tem que pagar nada. Resgataria a qualquer homem que estivesse sob meu comando nas mesmas circunstâncias.
—Então, com medalha ou sem ela, é um herói de verdade — disse Stephen. — Foi assim que perdeu a perna?
Rex soube que devia controlar as lágrimas que estavam se formando nos olhos. Entretanto, sentia-se completamente orgulhoso e comovido, e adorava seu filho.
—Perdi a perna enquanto levava seu pai a um lugar seguro — disse. Stephen o olhou com admiração. —É passado.
Stephen se voltou para sua mãe.
—E por que não tinha conhecido sir Rex antes?
Julia vacilou um instante.
—Ele passa muito tempo em seu imóvel na Cornualia. Você é muito pequeno para assistir aos eventos de sociedade — lhe explicou, e encolheu os ombros. — Mas me alegro de que por fim tenha chegado este dia — disse, e sorriu a Rex.
Stephen se voltou para Rex.
—Clarewood tem propriedades por toda parte, mas nenhuma na Cornualia. Nunca estive no sul. Como é?
Rex inspirou profundamente. Aquela era uma boa oportunidade, e ia aproveitá-la.
—Agreste, desolado e majestoso.
Stephen abriu muito os olhos.
—Vou ler coisas sobre a Cornualia — afirmou.
Rex não titubeou.
—O melhor momento do ano para visitá-la é julho, quando florescem os tojos e a urze. Sua mãe pode te levar de visita, se quiser. Podemos montar pelos páramos. Há muitas cercas para saltar.
Stephen sorriu, e em seus olhos azuis e seu rosto se refletiu o entusiasmo de um menino.
—Monta escarranchado?
—Sim — disse Rex.
Stephen se voltou para Julia.
—Mamãe? Quero ir. Estive na França, na Holanda, na Alemanha, em Portugal e na Espanha, na Escócia e na Irlanda, mas nunca estive na Cornualia!
Julia olhou brevemente a Rex.
—Estou segura de que poderemos organizar isso.
—Sir Rex está no salão, lady Harrington — disse o mordomo da família de Warenne.
Blanche se pôs a tremer. Tinha que falar com sir Rex, mas depois do que tinha visto, estava a ponto de sair correndo. Já lhe ardiam as bochechas de sobressalto, mas elevou o queixo. Respirou profundamente, temendo o olhar de seus olhos quando a visse, mas seguiu ao servente pelo vestíbulo.
Então ouviu risadas de crianças. A porta do salão era grande, e quando o mordomo se deteve, Blanche viu o interior da sala. O coração acelerou.
Rex estava sentado no sofá, rodeado de meninos e meninas que jogavam aos soldados ou liam livros. Eram os filhos de Devlin, Eleanor e Tyrell. Em Blanche rompeu o coração. Pelo semblante de Rex enquanto conversava com os pequenos, soube que adorava estar com seus sobrinhos. Seria um pai maravilhoso.
Blanche viu também as duas mulheres que estavam sentadas ante a lareira. Amanda, a esposa de Cliff, e Lizzie, estavam se levantando, obviamente surpreendidas por sua presença, e foram saudá-la. As portas do terraço se abriram naquele momento e Cliff de Warenne entrou com um menino a cada lado, segurando-os pelo cotovelo. Tinha uma expressão de aborrecimento, e os meninos estavam ruborizados, certamente por que acabavam de cometer alguma travessura.
—Estiveram apontando aos vizinhos com os estilingues — anunciou Cliff. — De fato, Alexi acertou lady Barrow em um lugar inominável. Quer dizer, que também tinham entrado sem permissão na propriedade dos Barrow. Ned estava a ponto de disparar em sua filha.
—Foi um acidente — disse Alexi.
—Foi ideia de Alexi — disse Ned.
«Que meninos tão bonitos», pensou Blanche. E só estava presente a metade dos primos.
Cliff vacilou ao ver Blanche na porta. Ela continuou imóvel atrás do mordomo, tentando manter a compostura. Os meninos ficaram calados ao dar-se conta de que estavam na presença de uma visita.
Blanche sorriu ao capitão de Warenne, a Lizzie e a Amanda.
—Sir Rex, lady Harrington está aqui — disse o mordomo.
—Obrigado — respondeu Rex, e a olhou.
Blanche tentou conservar a calma. Não podia afastar a vista de seus olhos negros, e notou muito calor nas bochechas, à medida que aumentavam sua vergonha e sua humilhação. Certamente, ele pensava que era uma lunática. Entretanto, só encontrou bondade e preocupação em seu olhar. Onde estava o desprezo que ela pensava que ia sofrer?
O salão começou a mover-se, e o chão tremeu, e ela pensou que tudo ia começar a dar voltas e que ia ver-se arrastada de novo ao passado.
Sir Rex se aproximou apressadamente dela e a segurou pelo braço, como se soubesse que seu equilíbrio era precário naquele momento.
—Lady Harrington — disse brandamente— que surpresa mais agradável. Entre e sente-se, por favor.
Blanche não entendia por que não a olhava como se tivesse a peste. Não entendia por que a tocava sem repugnância. Conseguiu sorrir quando as mulheres se aproximaram dela.
—Amanda, Lizzie, me alegro muito de lhes ver de novo — disse com sinceridade, apesar de seu nervosismo.
Depois das saudações, os adultos começaram a pedir aos meninos que desalojassem o salão. Face aos protestos infantis, Rex e Blanche ficaram a sós em poucos instantes.
—Vem sentar — lhe disse ele brandamente, guiando-a para o sofá.
—Obrigado — sussurrou ela, e se sentou. Viu que ele se aproximava rapidamente da porta e a fechava. Depois, voltou-se para olhá-la.
Seu coração encolheu. Quase tinha esquecido quão bonito era. Entretanto, havia muito mais. Sentia-se como se estivesse à deriva no mar da Cornualia, e ele fosse uma rocha, um lugar firme ao qual segurar-se, um lugar que podia mantê-la segura.
Rex se sentou ao seu lado.
—Como te encontra hoje?
Blanche se ruborizou e afastou o olhar.
—Bastante bem.
Ele a obrigou a subir o queixo e que o olhasse nos olhos. Depois, baixou a mão.
—Não finja comigo.
Ela ficou tensa e voltou a evitar seu olhar. Acaso desejava que lhe fizesse uma confissão de sua loucura?
—Estou bem… hoje, Rex.
—Tem cara de aflição.
Blanche se olhou o colo.
—Queria agradecer sua amabilidade de ontem.
—Não o faça. A amabilidade não teve nada a ver. Está doente, e me importa — disse ele, sem rodeios.
Ela se encolheu.
—Oxalá não o tivesse visto!
Tomou ambas as mãos.
—Quero te ajudar, Blanche.
Blanche respirou profundamente, sem dar crédito a suas palavras.
—Como vai querer me ajudar se te deixei?
—Porque é o que quero fazer. Além disso, acredito que agora entendo mais as coisas.
Ela escapou de suas mãos. Estava envergonhada, porque ele entendia que se tornou louca; embora, ao menos, não era condescendente nem depreciativo.
—Pode me contar o que está acontecendo? —perguntou-lhe ele, depois de uma pausa.
Blanche fechou os olhos. Estava a ponto de contar-lhe tudo, pensou, porque necessitava desesperadamente sua força. Depois, olhou-o.
—Vim hoje por um motivo.
—E qual é?
—Acredito que estou grávida.
Ele se ergueu surpreso, mas não ficou impressionado.
—Tinha me perguntado… — disse, e em tom duro, inquiriu— Sabe se o menino é meu?
Blanche deu um pulo.
—Não houve ninguém mais.
Ele assentiu.
—Me alegro.
Blanche não entendeu. Então, ele voltou a tomar as mãos.
—Temos muito do que falar. E tem que ir ver um doutor, Blanche.
—Vou para minha casa em Kent. Ali terei o menino. E depois — disse, e tragou saliva, enquanto sentia que derramavam as lágrimas pelas bochechas. — Eu gostaria que você ficasse com nosso filho e o criasse.
Ele ficou aniquilado.
—É óbvio — prosseguiu Blanche. — Que eu não posso ser a mãe deste menino. Mas você será um pai maravilhoso. Nosso filho te necessita, Rex.
—Não.
—O que?
—Não vou rejeitar a ti, que é a mãe de meu filho. Cuidarei dos dois. Não vou tomar nenhuma outra decisão — disse ele com veemência.
—Mas… você viu o que ocorreu o outro dia. Sabe… o que sou. Não posso ser uma carga para ti… não estaria bem. Entretanto, agradeço-lhe isso. Só quero que me prometa que procurará ao nosso filho todos os benefícios que possa.
Ele respirou profundamente e exalou.
—Encontraremos a cura para sua enfermidade. Casar-me-ei contigo, e nosso filho terá um pai e uma mãe — disse com firmeza.
Blanche estava assombrada. Não podia falar.
—E, por favor, não discuta comigo!
Ela começou a compreender o que ele havia dito.
—Quer te casar comigo?
—Sim. De fato, quero me casar imediatamente, tendo em conta seu estado. Deveríamos fazê-lo esta semana — lhe disse Rex com um olhar de fera.
—Estou louca. Como vai querer uma esposa louca, e pior ainda, uma mãe louca para seu filho?
Ele a agarrou pelos ombros.
—Não está louca. Nunca acreditarei nisso. Ajudar-te-ei durante este período de enfermidade. Blanche, este é meu juramento para ti.
Ela sacudiu a cabeça.
—E se este período não termina alguma vez? Lamentará o dia em que te casou comigo.
—Não posso te abandonar. Não vou te abandonar, aconteça o que acontecer — disse com gravidade. — Que tipo de homem abandona à mãe de seu filho?
E começou o alívio. Ela não deveria estar aliviada; deveria protestar. Sir Rex merecia mais! Entretanto, Blanche não pôde conter-se. O consolo a afligiu, porque estava sozinha a muito tempo. Aproximou-se de sir Rex, que lhe passou a mão pela nuca e fez com que apoiasse a bochecha em seu peito. Blanche soluçou brandamente contra o sólido muro de seu corpo e, enquanto ele a abraçava, perguntou-se se podia existir a esperança de sentir um pouco de felicidade a partir de então.
Acariciou-lhe o cabelo.
—Quero falar de sua enfermidade. — Ela negou com a cabeça. —Por favor. Quero me casar contigo, doente ou não. Não ouviste essa frase de «na saúde e na enfermidade»?
—É obvio que sim — disse ela, sorrindo, e assombrada por ter vontade de sorrir. — É o homem mais honrado que conheci.
Rex encolheu os ombros.
—Conte-me.
—Estive recordando o dia do motim.
Ele se sobressaltou.
—Se falar disto, possivelmente sofra um ataque — lhe advertiu Blanche.
Rex lhe acariciou a bochecha.
—E eu estarei aqui para te segurar.
Blanche nunca acreditou tanto em ninguém.
—É algo mais que lembranças. Estive revivendo o passado, tanto, que sinto que estou no passado, naquele motim. E quando acontece, não tenho vínculos com o presente.
—Continua.
—A multidão era violenta. Levavam facas, lanças e forcados — murmurou Blanche. Então, ao recordar os homens que rodearam a carruagem da família, ao recordar a cara pálida de sua mãe, e o medo, as têmporas começaram a pulsar e uma terrível tensão se apropriou dela. Teve medo de afundar-se no passado. — Abordaram nosso carro, soltaram o cavalo e o golpearam até matá-lo. Depois tiraram mamãe e a mim. Minha mãe gritava e gritava, mas eu não podia vê-la. Mataram-na.
A dor se intensificou, mas não nas têmporas, a não ser em seu peito. Olhou sir Rex nos olhos. Ele estava angustiado, mas não se separou dela. Blanche se deu conta de que estava obstinada a sua mão como se fosse uma tábua de salvação.
—Seus gritos eram de terror e de dor. Apunhalaram-na até matá-la, Rex. Com facas e forcados.
—Meu Deus.
—Depois, os gritos cessaram — disse ela, e olhou suas mãos agarradas com a vista nublada. — Eu escapei do monstro que tinha me apanhado e avancei engatinhando entre a multidão, até que cheguei a ela. Nunca esquecerei como estava.
Sua mãe estava ensanguentada, destroçada. Blanche olhou para cima, esperando que a sala começasse a dar voltas. Em vez disso, encontrou-se no poderoso abraço de Rex.
Ele sussurrou:
—Entendo.
Aquilo a confundiu, porque ele não podia entendê-la. Fechou os olhos, inalou seu aroma, apoiou-se em sua força para lutar contra a tontura, contra as imagens. Uma faca lhe atravessou as têmporas, e Blanche sentiu que a sala começava a girar. Então, esperou os gritos de sua mãe.
—Não me deixe.
Blanche estremeceu, abriu os olhos. Sir Rex lhe sorria com gravidade.
—Tenho que te dizer uma coisa.
A faca saiu de sua cabeça. A lembrança do corpo esmigalhado de mamãe se fez impreciso, embora não se desvanecesse. O que ia dizer-lhe?
Ele sorriu de novo e lhe acariciou o rosto.
—Quando voltei da guerra, despertava na metade da noite, ou do dia, e me via arranhando terra ensanguentada, atirado em uma planície, sob o ardente sol espanhol. Os homens gritavam de dor, os sabres entrechocavam e os canhões disparavam. Cheirava a pólvora, a carne queimada, o sangue, a morte.
—Como?
—De repente, dava-me conta de que estava na cama, ou no sofá. Estava em Harmon House, ou em Bodenick, não na Espanha.
Blanche estava assombrada.
—Era muito real — continuou Rex. —Algumas vezes, estava falando com meus irmãos, ou com um servente, e todo mundo desaparecia. Eu estava naquele campo de batalha, ferido, com a perna destroçada, em plena luta. E de repente, voltava a estar no salão e me dava conta de que era uma espantosa lembrança, mas tão real quanto um sonho.
Blanche começou a tremer violentamente.
—E o que ocorreu? Segue tendo esse tipo de lembranças?
—Não. Durou seis meses, possivelmente um ano. Dia a dia, ocorria com menos frequência, até que acontecia uma vez à semana, uma vez ao mês, e depois, já nunca mais.
Blanche gemeu.
—O que quer me dizer?
—Blanche, eu não sou o único. Muitos soldados tiveram estes ataques, ou como queira chamá-los, depois da guerra. Tenho amigos que passaram pelo mesmo. Conheço outros soldados que não o experimentaram, mas todos sabemos que alguns sofreram muito durante a guerra, e que trouxemos as lembranças para casa. A guerra foi violenta e traumática. Esse motim foi tão violento e traumático quanto qualquer batalha. Acredito que sua enfermidade é a mesma eu sofri e que sofreram também outros soldados.
Blanche sussurrou, sem sair de seu assombro:
—Mas meus ataques são piores, e cada vez mais frequentes.
—A primeira vez que me ocorreu, fiquei fundo, aterrorizado. Depois, sofri os ataques com frequência. Mas depois, quando minha vida começou a recuperar a normalidade, foram remetendo. Bess me disse que tudo isto começou em Land’s End. Isso foi muito recentemente, tendo em conta que o motim ocorreu faz mais de vinte anos.
—Sim parece que estou tendo essa mesma enfermidade — sussurrou ela.
—Em Londres há um médico que dedicou sua carreira a cuidar destes soldados. Inclusive nomeou a enfermidade, embora eu não recorde como. De todos os modos, deve ir vê-lo. Iremos juntos.
Blanche se deu conta de que estavam se agarrando as mãos com tanta força que tinham os nódulos brancos.
Olhou sir Rex, e lhe devolveu o olhar.
Possivelmente, depois de tudo, não estivesse louca.
Havia esperança.
—Obrigado — sussurrou.
Ele a abraçou.
Capítulo 21
Rex encontrou Cliff no andar de cima, na suíte de habitações que compartilhava com sua esposa e seus dois filhos. Alexi estava sentado no escritório, escrevendo uma desculpa a lady Barrow, enquanto seu pai o olhava com severidade. Ariella havia se aconchegado em uma poltrona frente ao fogo, lendo, como de costume. Entretanto, ao vê-lo na porta, sua sobrinha lhe sorriu. Amanda saiu da sala, sorrindo também. Seus olhos verdes brilhavam de alegria.
—Como está Blanche?
Ele vacilou. Tinha insistido em que Blanche se retirasse a um dos quartos de convidados, porque tinha sofrido uma pressão muito forte e ficou exausta. E o fato de que tivesse aceitado e desabou na cama quando ele a tinha acompanhado lhe tinha demonstrado que tinha razão. Entretanto, Rex já sabia que ela não estava louca. O tempo curaria sua enfermidade. Além disso, iriam ter um filho, e Blanche ia ser sua esposa.
Estava muito preocupado por ela, tanto que não podia pensar com claridade no futuro que compartilhariam nem no menino que teriam. Sua preocupação mais imediata era que descansasse. Sua segunda preocupação era que ela se recuperasse do trauma do motim; Rex tinha a esperança de poder acelerar aquela recuperação, embora não sabia se poderia. Entretanto, deviam casar-se o quanto antes pelo menino. E aí entrava em jogo seu irmão Cliff.
—Está passando mal durante um tempo, e agora está descansando em um dos quartos de convidados — respondeu. — Queria roubar seu marido um momento.
Amanda o olhou atentamente, e ele se deu conta de que estava controlando sua curiosidade.
—Sempre e quando me devolver — disse isso agradavelmente. — Blanche vai jantar com a família?
—Não.
Rex não queria lhe fazer passar por uma situação tensa. Sabia que temia sofrer outro ataque, e também sabia que lhe envergonhava que as pessoas pensassem que estava louca. Assim, muito menos queria que sua família pensasse isso.
Cliff apareceu com os olhos, muito azuis, cheios de interesse. Fez um gesto a Rex para que saíssem para falar no corredor, e fechou a porta atrás deles.
—Necessito que me faça um favor — disse Rex.
—É obvio.
—Antes que possa fazer a petição, deve me prometer que guardará o segredo. Ninguém deve saber, nem sequer sua esposa.
Cliff abriu uns olhos como pratos.
—Tem me intrigado, mas eu não gosto de ocultar coisas de minha esposa. Nunca o tenho feito, e não quero começar agora.
—O segredo será temporário, e só porque Blanche está doente.
Cliff ficou sério, e tocou o braço de Rex.
—O que posso fazer para lhes ajudar, Rex? É claro que guardarei o segredo.
—Quero que nos case — disse Rex.
Cliff ficou assombrado. Começou a compreender.
—Então, vão casar depois de tudo, mas desejam fazê-lo em segredo.
—Importar-te-ia de baixar a voz?
—E querem se casar em meu navio?
—Cliff, Blanche está doente. Não poderá suportar a pressão de umas bodas e uma celebração formal. Vamos fazer em segredo, sim, e será mais fácil para ela se pudermos nos casar aqui mesmo, no porto. Quero que nos casemos esta semana.
Cliff ficou olhando-o com perplexidade.
—Tão doente está?
Rex titubeou.
—Ainda tem que visitar um médico especializado, mas não está louca, Cliff. Está sofrendo a mesma enfermidade que sofri quando voltei da guerra. Sua mãe foi assassinada violentamente quando Blanche era menina, e ela viu tudo. Agora está recordando o assassinato, tal e como eu recordava meus últimos dias de batalha quando cheguei em casa da Península. O tempo a curará, estou seguro, como curou a quase todo mundo que eu conheço.
—Não tinha ideia, e sinto. Mas, há alguma razão para a pressa?
—Isso parece.
Os irmãos trocaram um olhar.
Cliff sorriu e o agarrou pelo ombro.
—Me alegro muito por ti. Pelos dois. Claro que lhes casarei. Entretanto, sabe que as mulheres da família ficarão decepcionadas quando souberem que se casaram em segredo?
—Sim, mas o bem-estar de Blanche está primeiro.
—Fala como todo um apaixonado — disse Cliff, sorrindo. — Ao final, todo mundo, inclusive mamãe, estará entusiasmada, salvo Eleanor. Possivelmente ela não lhe perdoe isso nunca — advertiu seu irmão.
—Me preocuparei mais tarde com nossa irmã — disse Rex, que começava a relaxar.
Em poucos dias, possivelmente em semanas, Blanche e ele se casariam. E ele a levaria a Land’s End, ou a Irlanda. Sempre e quando estivessem no campo, onde havia paz e tranquilidade para que Blanche pudesse descansar não lhe importava aonde fossem.
Assim que se casassem, estariam de lua de mel. Entretanto, a alegria de recém casados teria que esperar. Não acreditava que Blanche se preocupasse com a paixão naquele momento. Na realidade, ele tampouco, porque só queria que ficasse bem.
—Me avise quando quiser fazê-lo — disse Cliff, e voltou a agarrar seu irmão pelo ombro.
—Obrigado — disse Rex.
Blanche despertou lentamente, por etapas, como se tivesse tomado uma dose de láudano. Encontrava-se flutuando entre nuvens brancas, com uma sensação de alívio e de paz. Depois dos meses que tinha passado, era uma alegria ter aquela sensação. Deu-se conta de que estava sorrindo. Abriu os olhos e se encontrou em um quarto estranho, mas em seguida recordou que estava em Harmon House, e que sir Rex e ela se casariam. Tinha entardecido e a sala estava em penumbra; na lareira ardia um bom fogo. Moveu o olhar para a poltrona que havia frente à lareira e viu sir Rex, que a observava com fixidez.
Ela se levantou lentamente, e se deu conta de que estava coberta com uma manta de cor marfim. Lembrou-se de que quando sir Rex a tinha levado a aquele quarto desabou na cama e adormeceu imediatamente. Evidentemente, ele devia tê-la coberto; agradou Blanche que ele se preocupou de fazê-lo.
Sorriu. O coração pulsava com uma alegria e uma excitação que não podia negar.
—Quanto tempo está sentado aí?
Ele se aproximou.
—Duas horas, acredito.
Tinha estado olhando-a enquanto dormia. Blanche nunca havia se sentido tão segura nem tão querida.
—Não tinha que ter ficado — disse com suavidade.
—Posso? —perguntou ele. Ela assentiu, e Rex se sentou ao seu lado na cama. — Queria estar contigo enquanto dormia — disse. — Estou preocupado por ti, mas essa não era a razão. Senti sua falta.
Blanche se sentiu exultante e, impulsivamente, tomou a mão.
—Eu também senti sua falta… tanto…
O olhar dele obscureceu.
—Cliff aceitou nos casar.
Blanche se sobressaltou. Demorou um momento em dar-se conta do que queria dizer.
—É capitão de navio. Pode nos casar em sua fragata!
—Sim — disse ele com um sorriso. — Estava seguro de que não queria celebrar uma cerimônia formal, nem sequer uma pequena com minha grande família. Só necessitamos duas testemunhas.
Blanche assentiu.
—Bess e Meg. Ambas devem estar presentes.
—Como desejar — disse Rex, e vacilou. — Não quero te pressionar.
Blanche sacudiu a cabeça.
—Casaria contigo esta mesma noite se você quisesse.
Ele abriu os olhos de par em par.
Blanche se deu conta de que queria casar-se com ele quanto antes possível. Ruborizou-se.
—Sei que é uma situação estranha, e não quero precipitar as coisas — disse, afastando o olhar.
Rex tomou ambas as mãos.
—Blanche, não precipita as coisas. Há uma razão para ter pressa. Além disso, eu adoraria que nos casássemos esta noite, se está falando sério.
—Acha que nos atreveríamos a tentar? —perguntou ela com uma profunda emoção.
—Falarei com Cliff, mas não vejo razão pela qual não possamos nos casar depois do jantar.
Com todas as velas recolhidas, com os mastros e os equipamentos de barco tocando o céu repleto de estrelas, a fragata balançava brandamente, ancorada no porto, sobre a superfície de ébano da água. Havia uma lua cheia, resplandecente. Blanche se deteve no mole, junto a Rex, com grande incredulidade. Fora vê-lo aquela tarde para lhe contar que ia ter um filho e fazer o maior sacrifício que uma mulher podia fazer e em vez de ter que fazer esse sacrifício, Rex e ela iam casar-se.
Blanche viu umas quantas figuras fantasmagorias na coberta do navio. Voltou-se para Rex.
—Se me beliscar despertarei? —sussurrou-lhe.
Ele sorriu.
—Eu estava pensando o mesmo. Vamos. Todo mundo já está aqui.
Blanche assentiu, tremendo, e começaram a subir pela passarela. Ela reconheceu Cliff de Warenne quando puseram os pés em coberta, porque tinha uma figura formidável, e ninguém poderia tomá-lo por outra coisa que não fosse o capitão daquele navio apesar de seu traje escuro. Os outros homens eram, claramente, marinheiros; estavam acendendo os grandes faróis do navio. Blanche rezou por não estar em meio de um fantástico sonho.
Bess a saudou e lhe fez gestos para que se apressasse, e junto a ela estava Meg; Blanche se deu conta de que havia uma terceira mulher. Era Eleanor de Warenne.
Rex lhe disse brandamente:
—Necessitava uns anéis. Foi à desculpa para trazer minha indomável irmãzinha às bodas.
—Sempre gostei de Eleanor e me alegro de que esteja aqui — disse Blanche brandamente, com o coração tão acelerado que quase não podia respirar.
Bess se aproximou deles com os olhos muito abertos, com uma expressão de incredulidade.
—Quando recebi sua nota para que me reunisse contigo no navio do capitão de Warenne pensei que verdadeiramente estava sonhando! Então chegou Meg e me disse que iria casar de verdade com sir Rex — Bess a estava abraçando. — E então, Eleanor me mostrou os anéis e o capitão de Warenne me confirmou isso. Estou tão contente!
Blanche riu e a abraçou também.
—Me alegro de que te alegre — brincou.
Bess se surpreendeu.
Blanche não se deu conta de que levava meses sem rir, e que tampouco tinha feito brincadeiras em todo aquele tempo. Ficou séria.
—Nos deseje boa sorte — pediu em voz baixa a sua amiga.
—Claro que te desejo a melhor das sortes — respondeu Bess, olhando-a fixamente.
—Sir Rex sabe tudo — lhe sussurrou Blanche. — É um homem muito bom. Está familiarizado com minha enfermidade, e me disse que é comum entre os veteranos de guerra. Não estou louca, Bess.
Bess se emocionou.
—Tem cura?
—Parece que o tempo a cura — respondeu Blanche. Depois se voltou para Meg. — Me alegro muito que tenha vindo.
—Milady, é um grande dia… noite! —exclamou a ruiva. — Me alegro tanto por você… Sabia que o amava, e sabia que ele a amava!
Blanche riu de novo, embora não estava segura de que o amor fosse um fator determinante na decisão de Rex. Entretanto, não importava. Ele era sua âncora, e ela era feliz.
Eleanor se adiantou.
—Estive muito tempo esperando este momento — lhe disse com um enorme sorriso. — Meu irmão e você foram feitos um para o outro. Sabia que encontrariam a maneira de voltar a estar juntos!
Blanche se ruborizou e devolveu o sorriso a sua futura cunhada. Naquele momento, Rex interveio.
—Começamos? Cliff está preparado, se você o estiver.
—Sim, estou preparada — respondeu ela com emoção.
Cliff lhes indicou que deviam situar-se ante ele.
—Sabem que meu navio, a Fair Lady está destinado a unir os amantes —disse a Blanche. — Amanda e eu também nos casamos aqui.
—Tinha ouvido. Toda a cidade sabe que ela lhe roubou o navio e não só a perseguiu, mas também, além disso, se casou com ela — disse Blanche com um sorriso. — Eu pensava que era uma fofoca. Era certo?
—Totalmente certo — respondeu ele, encantado. Depois olhou Eleanor. — Tem os anéis?
—Claro que sim — exclamou Eleanor.
—Então, procedamos. Reunimo-nos aqui esta noite, na graça de Deus, para unir este casal em matrimônio — afirmou, e olhou Rex. — Sir Rex de Warenne, aceita esta mulher, lady Blanche Harrington, como esposa, para amá-la e respeitá-la, na saúde e na enfermidade, até que a morte lhes separe?
Blanche olhou o perfil forte e maravilhoso de Rex. Ele se voltou para ela.
—Sim, aceito-a.
Blanche sorriu.
—Lady Blanche Harrington, aceita este homem, sir Rex de Warenne, como marido, para amá-lo e respeitá-lo, na saúde e na enfermidade, até que a morte os separe?
Não havia nada que Blanche desejasse mais.
—Sim, aceito.
—Eleanor, por favor, os anéis — disse Cliff.
Eleanor tirou os anéis. A peça era uma singela aliança de ouro, e o outro tinha uma pérola engastada entre diamantes.
Rex tomou o último e o deslizou no dedo anelar de Blanche. O anel era precioso, e Blanche soube que tinha pertencido a Eleanor. Sorriu a sua cunhada com gratidão e tomou a aliança de ouro para colocar em Rex. Depois, seus olhares se encontraram.
Blanche tremeu sob o olhar cálido e possessivo de Rex. Queria-o muito, e decidiu que encontraria a coragem necessária para dizer-lhe. Ele sorriu como se estivesse sentindo o mesmo que ela, como se conhecesse seus pensamentos.
—Pode beijar a noiva — disse Cliff a Rex.
Rex se inclinou e Blanche fechou os olhos. Seus lábios se roçaram, e o coração dela acelerou de alegria, felicidade e emoção.
—Pelo poder que me concede como capitão deste navio — disse brandamente Cliff, sorrindo— declaro-lhes marido e mulher.
Blanche sorriu a Jem quando entrava no vestíbulo pela mão de sir Rex. Sentia-se nervosa, e estava quase tonta depois daquelas bodas repentina. Parecia-lhe incrível, como um conto de fadas. Blanche se perguntava o que podia fazer a partir daquele momento.
Durante o trajeto na carruagem mal tinham falado, mas sir Rex subiu ao carro como se estivesse em seu direito, o que era certo.
Ficaria com ela? E onde ia dormir cada um aquela noite? Blanche estava segura de que Rex não tinha intenção de consumar seu matrimônio aquela noite, nem sequer em poucos dias. Entretanto, ela desejava aquela união. Deu-se conta de que lhe ardiam as bochechas.
—Jem, agora sou lady de Warenne. Sir Rex e eu acabamos de nos casar.
Jem ficou surpreso, mas fez uma reverência, porque estava sorrindo e queria dissimulá-lo.
—Bem-vindo a Harrington Hall, milord. Parabéns, milady, sir.
Blanche mordeu o lábio enquanto olhava Rex. Ele estava muito depravado.
—Obrigado — disse sir Rex. — Amanhã às oito me reunirei com todos os empregados.
Jem inclinou a cabeça.
Sir Rex se voltou para Blanche.
—Quer tomar um pouco de champanha para celebrar, ou está cansada? Sei que foi um dia longo e surpreendente.
—É obvio que quero tomar uma taça de champanha contigo.
Ele sorriu com calidez, com tanta calidez que ela pensou, naquele momento, que apesar de tudo, Rex ainda a desejava.
—Jem, por favor, uma garrafa do melhor champanha.
—Sirvo caviar, milord? Lorde Harrington tem estoque de todo o mar Cáspio.
—Se lady Harrington deseja — disse sir Rex, sorrindo.
Blanche assentiu. Sir Rex estava encaixando em seu posto de senhor de Harrington Hall como se tivesse nascido para isso. Mas, é obvio, ele era filho de Adare, e tinha nascido para desfrutar do poder, e dos privilégios e da riqueza. Era seu direito.
Entretanto, Meg se aproximou com insegurança por trás quando Jem partiu.
—Milady? —sussurrou, como se não quisesse que sir Rex ouvisse o que tinha a dizer.
Blanche a escutou com nervosismo. Sabia o que Meg queria perguntar e vacilou, olhando seu marido. Ele estava observando com supremo interesse o chão de mármore.
Blanche perguntou brandamente:
—Rex? Como vamos nos instalar esta noite? Sei que nos casamos com pressa, e não houve tempo de preparar o quarto principal, e certamente, sua família estará te esperando…
Ele a puxou pela mão.
—Só desejo que esteja contente — disse ele, lhe beijando o dorso. —E minha família, neste momento, já conhece até o último detalhe de nossas bodas. Ninguém me espera, e prefiro ficar aqui.
Ela queria que ficasse. Não podia pronunciar as palavras. Não podia lhe recordar que precisariam, ao menos, algumas horas para preparar uma suíte de lua de mel, por medo de ser rejeitada. E levaria mais tempo preparar uma suíte principal se decidissem compartilhá-la.
—Ocuparei qualquer quarto de convidados — disse ele brandamente.
Blanche sorriu, mas afastou a vista, porque na realidade se sentia consternada por sua escolha.
—Prepare a Suíte Esmeralda, Meg.
Meg assentiu e partiu.
—Não demorarão. Frequentemente temos convidados, e sempre há alguns quartos preparados — disse Blanche sorrindo com muito entusiasmo.
Tomou sua mão.
—O que foi?
Ela ficou tensa e o olhou.
—Como vai ocorrer algo mau, se acabar de me resgatar de um destino horrível?
Ele sorriu.
—Com Dashwood?
—Não sei no que estava pensando!
—Eu sei o que eu estava pensando — respondeu Rex, em voz baixa.
Ela se precaveu de seu olhar atrevido. Aquele olhar tão masculino fez com que lhe tremessem os joelhos.
—Vai desmaiar? —perguntou-lhe ele, tomando-a pelo cotovelo.
—Não sei o que sinto. Sou uma confusão de emoções! Salvo que sinto alívio, é obvio. Tudo foi um pesadelo, mas parece que já está terminando.
—Sim. Esse pesadelo terminou — disse ele com firmeza. — Quero que seja feliz.
—Sou — disse Blanche. — Sou muito feliz, mas me dou conta de que está cumprindo com seu dever.
Ele se surpreendeu.
—Vamos nos sentar.
Blanche assentiu, e ambos se acomodaram em um dos salões.
—Blanche, tenho um dever para ti e para o menino, mas não me expliquei bem se acha que só estou cumprindo com meu dever ao me casar contigo.
Blanche não pôde sorrir.
—Embora me recupere, não sou a mesma mulher que desfrutou de sua hospitalidade em Land’s End.
—Não estou de acordo! É a mesma mulher, a mulher a qual guardo tanto afeto, e não há condições: recuperar-te-á. Achei que tínhamos esclarecido isso.
—Em Land’s End era a noiva perfeita.
—Agora é a noiva perfeita.
—É alguma vez cruel?
—Não é próprio de meu caráter — disse ele.
De repente, Blanche se deu conta de que não havia pensando no motim nem no assassinato de sua mãe desde sua conversa aquela tarde com Rex. Não teve mais lembranças, mas naquele momento, perversamente, as imagens sangrentas surgiram. Viu o cavalo morto, e sua mãe destroçada. A multidão espreitava. Ficou rígida.
—Blanche?
O medo tomou conta dela. Desejou não ter pensado naquele horrível dia, e esperou que a faca lhe transpassasse as têmporas. Não ocorreu.
Sir Rex tomou seu rosto com as mãos.
—Fica comigo — lhe pediu brandamente.
Ela permaneceu imóvel, esperando ouvir os gritos de sua mãe. Esperou converter-se em uma menina de seis anos outra vez.
—Faz uma noite preciosa — comentou Rex. Ao princípio, Blanche nem sequer o entendeu. — Ouve os grilos?
Ela o olhou nos olhos e, de repente, ouviu o canto dos grilos no jardim, e as imagens desapareceram de sua mente. Pôs-se a tremer de incerteza.
—Acredito que só eram lembranças.
Santo Deus; não tinha se afundado no passado.
Ele sorriu como se estivessem falando de uma excursão, ou de umas corridas de cavalos.
—Gostou da cerimônia, embora fosse tão breve?
Devolveu-lhe o sorriso.
—Foi muito bonita.
Ele riu.
—Não acredito que meu irmão tivesse ideia do que estava fazendo, minha querida.
Blanche ficou maravilhada. Sua risada a banhou como uma onda sensual e quente. E a tinha chamado «querida». Blanche queria estar nos braços de sir Rex, queria mais que seus beijos ligeiros. Queria que voltasse a chamá-la «querida».
O olhar dele obscureceu. Acariciou-lhe a bochecha.
—Não sei se poderei ser um cavalheiro se me lançar esse convite com os olhos.
—Estamos casados — sussurrou ela. — Sei que agora não estou muito atraente, mas não tem que ser cavalheiresco absolutamente.
—Blanche, tem um aspecto tão frágil como um novo casulo de rosa. Não quero te fazer mal, te alterar nem te angustiar. Já passa por dificuldades suficientes.
Ela ficou muito surpreendida… entretanto, devia saber que sir Rex pensaria em seu bem-estar antes que em nenhuma outra coisa.
—Não vou quebrar Rex — lhe disse. — Disso estou segura.
Entretanto, não estava segura, porque a única vez que tinham feito amor, ela tinha se quebrado mental e emocionalmente, e possivelmente em espírito, também. De todos os modos, estava disposta a correr o risco.
Ele a agarrou com delicadeza pelos ombros.
—Nunca tinha desejado tanto alguém. Blanche, sempre te desejarei. Sempre te quererei.
Blanche ficou paralisada enquanto o coração explodia de alegria. Então sussurrou, lançando toda a cautela pela amurada:
—Por favor.
Os olhos de Rex se transformaram em fogo. Inclinou-se para ela e a beijou. E, de repente, abraçou-a, chorando silenciosamente de alegria e necessidade, beijando-a uma e outra vez.
Blanche notou que todo seu corpo ardia. Desejava suas carícias e sua invasão com tanta intensidade que tremeu entre seus braços e gemeu. Os beijos de Rex trocaram e se deslizaram por seu pescoço.
—Me leve acima, por favor — lhe rogou ela.
—Está segura se de que não te farei mal? Blanche, agora somos marido e mulher. Temos toda a vida por diante.
—Estou segura. Necessito-te tanto…
Foi difícil controlar-se. Entretanto, Rex ia cumprir o que havia dito, por mais que tivesse sentido a falta dela e por mais que desejasse mover-se dentro de seu corpo naquele momento. Não queria lhe machucar nem lhe provocar mais tensão.
Desabotoou as costas do vestido de Blanche, consciente de que tinha os dedos torpes e de que tremiam as mãos.
Blanche respirava entrecortadamente. Quando seu vestido se abriu, deixando à vista a camisa e o espartilho, ele não pôde conter-se. Inclinou-se e lhe beijou a pele junto à espinha dorsal. Imediatamente, ela ficou arrepiada.
Blanche ofegou de prazer.
Ele já estava muito excitado e teve que controlar-se. Fez com que Blanche desse a volta e o vestido caiu como uma cascata a seus pés. Blanche tinha os olhos de fumaça azul e verde. Era tão bela e tão feminina, pensou Rex. Tomou seu rosto entre as mãos e a beijou, longa e profundamente. Ela gemeu.
Então, ele ficou frenético. Só o que queria fazer era lhe dar prazer.
Apertou-a contra seu peito, seu torso, seus quadris e seu ventre. Ela ofegou de novo, e Rex a pressionou contra o vulto firme de sua virilidade, posando brevemente a boca em sua bochecha, quando o que queria em realidade era invadir seu corpo e afundar-se nele, selvagem e docemente de uma vez.
—Está segura?
—Sim — respondeu ela, aferrando-se a seus ombros.
Em poucos segundos, ambos tinham se despojado da roupa. Caíram na cama e ele se estendeu sobre ela e lhe separou as coxas com a perna. Rex não podia dominar-se. Entretanto, de algum modo conseguiu parar.
—Sinto-me muito feliz de ser seu marido — murmurou.
Ela abriu os olhos de par em par.
E ele sorriu enquanto afundava sua longitude inchada nela, observando como sua expressão se voltava tensa, como lhe umedeciam os olhos.
Blanche gemeu, porque estava sentindo a mesma fricção quente e deliciosa que ele. Ruborizaram-lhe as bochechas, lhe desfocou a visão e ele não pôde suportar. Rendeu-se. Finalmente, sua prudência desmoronou, e só sentiu a imperiosa necessidade de ouvir seu clímax e chegar a sua explosiva liberação. Entre os dois criaram uma sensação escorregadia e um prazer intenso que se converteu em uma paixão delirante. Ela ofegou, abriu os olhos e se arqueou para trás; ele experimentou o triunfo.
A visão de seu orgasmo o cegou. Seguiu afundando-se em seu calor úmido e se abandonou a um êxtase ardente e exaustivo. Rex ofegou uma e outra vez.
«Blanche».
Passou um longo momento enquanto ele a abraçava com a respiração alterada. Quando se recuperou, estendeu-se ao seu lado para não lhe machucar acidentalmente. Beijou-lhe as têmporas e o cabelo. «Minha esposa», pensou. «Minha esposa perfeita, bela».
—Acredito que sou o homem mais afortunado do mundo — sussurrou.
Ela abriu os olhos e o olhou. A expressão de atordoamento de seu rosto se desvaneceu. Sorriu, e ele se entusiasmou. Posou-lhe uma mão sobre o peito e a apertou ali.
Incapaz de controlar-se tomou a mão e a beijou.
Estava farto de amor. Deus Santo, estavam casados. Blanche Harrington era dele.
—Está bem? —perguntou-lhe com ternura.
—Estou maravilhosamente — respondeu Blanche. E então, deixou-o assombrado, porque tomou a mão e apertou seus lábios contra a palma. Um precioso e delicado rubor lhe cobriu o rosto.
Ele se apoiou em um cotovelo e admirou seu rosto e sua figura.
Embora estivesse magra, lhe resultava incrivelmente atraente.
—É muito bela, Blanche — lhe disse, e deslizou a mão por um de seus seios.
—Você deve ser o louco — murmurou ela, mas quando se deu conta do que havia dito, ficou tensa.
Ele sorriu.
—E você é tão modesta!
Blanche ficou calada, observando-o.
—Me alegro de te parecer bonita.
—Parece-me muito bela. E não tente negar mais.
Ela esboçou um sorriso encantador.
—Só se eu posso ser igualmente sincera.
Ele sorriu.
—Como de sincera?
—É tão bonito! —exclamou ela, lhe passando a mão pelo peito. — E habilidoso — acrescentou, mordendo o lábio.
Rex riu terrivelmente satisfeito.
Então, Blanche ficou imóvel e o sorriso apagou dos lábios. Olhou além dele, como se esperasse encontrar um intruso. Naquele instante, ele soube. Blanche estava pensando no motim. A preocupação de Rex não teve limites.
—Querida, ainda não conhece a diferença, mas fazer amor apressadamente não é desejável. Entretanto, me alegro de que pense que sou habilidoso, e te asseguro que, quando tiver passado certo tempo, ficará muito agradada. Tenho intenção de passar uma deliciosa lua de mel.
Ela voltou a olhá-lo nos olhos. Sorriu.
—Mas eu desejava fazer amor apressadamente.
Ele ficou imóvel, e completamente excitado.
—Me alegro — disse com a voz rouca.
—Sempre sabe quando te preciso — acrescentou Blanche.
Ele a beijou. Tinha compreendido o que ela queria dizer.
—Quer falar disso agora?
—Não — sussurrou.
Rex a observou com suma atenção, e soube que não estava em perigo de sofrer um ataque. Embora pudesse trocar o peso do corpo com facilidade e fazer o que desejava fazer, disse:
—Sei que agora está esgotada…
Deslizou-lhe a mão para o ventre.
—Não muito.
E lhe dedicou o sorriso mais sedutor que ele tinha visto em sua vida.
Capítulo 22
Blanche despertou com a bochecha apoiada no peito nu de Rex, com seu corpo inteiramente pego ao dele, com uma das pernas entre suas coxas. O sol entrava em torrentes pelas janelas, porque ninguém tinha deslocado as cortinas. Estavam cobertos até a cintura, mas nada mais. Sentiu uma grande alegria.
«Amo tanto meu marido», pensou com um sorriso. Inalou seu aroma, desfrutou do tato de sua pele, de seus músculos, de seu cabelo, e refletiu sobre o milagroso feito de que fossem marido e mulher. A noite anterior lhe tinha feito amor duas vezes. Sir Rex era um amante maravilhoso, além de um homem extraordinário.
Amava-o tanto que o coração doía da emoção.
Olhou mais à frente, para as janelas do outro extremo do quarto. Começaram a formar umas imagens, imagens que ela odiava. Desejava que desaparecessem para sempre. Em Land’s End, depois de fazer amor com Rex, aquelas lembranças a tinham invadido, e a tinham levado a um passado espantoso.
Também naquele momento estava apaixonada por sir Rex. Deu-se conta de que aquela paixão e aquela alegria lhe provocavam dor e lembranças. Blanche ficou muito tensa.
Doíam-lhe as têmporas, mas não com a intensidade de outras vezes. As imagens eram nítidas. Nunca esqueceria a visão do cavalo morto nem de sua mãe assassinada. Esperou que soassem seus gritos, que a tirassem da cama e a levassem a outro mundo.
—Blanche?
O rosto de sua mãe estava branco, deformado pelo terror. Blanche nunca a esqueceria, enquanto o monstro a obrigava a sair da carruagem. Sabia as palavras de cor. «Saia do carro, senhora».
O medo se apropriou dela, embora o sentisse como se estivesse repetindo as lembranças, não as revivendo. A cama descendeu; viu Rex levantar-se, e notou uma ligeira carícia do ombro ao braço.
—Estamos em Harrington Hall — lhe disse ele sossegadamente. — Somos marido e mulher.
Ela se sentou, observando seu esplêndido torso, e notou que o desejo despertava de novo. Fazia muito tempo que não podia admirá-lo a plena luz do dia.
—Sei — respondeu ela.
A imagem do rosto de sua mãe permaneceu em sua mente, como os olhos pálidos e enlouquecidos do homem monstro. As imagens giraram e se converteram no cavalo morto, e depois, em sua mãe de novo. Blanche sentiu uma intensa dor, muito parecida ao de uma navalhada, mas no peito, não na cabeça. Deu-se conta de que aquela dor era o pesar.
—Me diga o que está acontecendo, Blanche.
Ela estremeceu.
—Estou me lembrando de como minha mãe estava depois que a mataram a punhaladas.
Rex assentiu e empalideceu.
—Pode ficar comigo? —perguntou-lhe.
—Estou esperando que os gritos de minha mãe me estalem na cabeça. Estou esperando me converter em uma menina de seis anos, mas só vejo essas imagens, tão claras como retratos. Sinto muita tristeza.
Ele a agarrou pelo ombro.
—Não teve a oportunidade de sofrer a perda de sua mãe, porque esqueceu o motim e sua morte. Possivelmente já é hora de que sofra.
Blanche ficou espantada ao dar-se conta de que queria chorar pela morte de sua mãe. E também pela perda de seu pai.
Ele a deixou assombrada quando disse:
—E tampouco chorou a perda de Harrington. Faz o que deve fazer Blanche. Todo mundo tem que sofrer pela perda daqueles que se ama.
Ela tinha a vista imprecisa.
—Queria-a muito. Era a mãe mais doce e melhor que uma criança pudesse ter. Agora me lembro de tudo.
—Essa é uma boa lembrança.
—Por que tiveram que matá-la? Por quê?
Ele a rodeou com um braço.
—Quando um grupo de gente se converte em uma turfa, é como um mascote que se contagia da raiva. Não há razões. A turfa se converte em uma besta selvagem, incontrolada. Nunca haverá explicação para o que ocorreu esse dia, Blanche.
Ela esfregou os olhos, chorando em silêncio pela morte de sua mãe. E por seu pai; Blanche recordava bem sua dor, a dor de vinte e dois anos antes.
—Meu pai nunca se recuperou daquele dia. Amava minha mãe. Agora me lembro do pálido e triste que estava, e de que tinha os olhos avermelhados. Lembro que eu estava muito confusa. — Sir Rex lhe acariciou o ombro. —Não pude chorar quando meu pai morreu, mas já tinha lhe contado isso. Foi como um sonho. Sabia que tinha morrido, mas não era capaz de sentir nada. Agora me dói.
—Sei que dói, mas não pode evitar isto, Blanche. É humana e tem que sofrer pela morte de seus pais, antes ou depois.
—Acredito que será antes — sussurrou, porque caíam as lágrimas. Aquilo era a tristeza. Não tinha se dado conta do muito que sentia falta de seu pai, e de quanto tinha amado sua mãe.
Sir Rex a abraçou.
Blanche botou a cabeça para fora pela janela da carruagem quando entraram no caminho que levava ao castelo de Bodenick. Surpreendeu-se, porque viu que a torre em ruínas estava reabilitada, e a silhueta da edificação tinha mudado muito. Elevava-se para o céu azul e brilhante. Os páramos, mais à frente, estavam salpicados de vermelho e dourado, e Blanche viu uma manada de éguas correndo com seus potros. E, um pouco mais longe, o mar. As ondas rompiam contra os escarpados negros e contra a praia. Três dias antes, Rex lhe tinha proposto que partissem da cidade e que se retirassem ao campo para passar o verão. Blanche se entusiasmou com a ideia.
Entretanto, tinha sentido apreensão além de impaciência. Não podia esquecer que tinha começado a recuperar a memória em Land’s End, e, portanto, aqueles ataques que a devolviam ao passado também tinham começado ali. Durante os três dias que tinham transcorrido desde que Rex e ela se casaram, tinha recordado muitas coisas, mas não havia tornado a ver-se apanhada no passado. Seu marido tinha muito a ver com isso. Tinha cuidado dela e, quando as lembranças ameaçavam consumindo, a distraia. Blanche sabia que sua preocupação por ela era completa. Ele tinha se convertido em sua âncora e a estava ajudando a superar aquela etapa tão difícil.
Entretanto, sir Rex também sabia quando devia deixá-la só para que enfrentasse sua dor. Aquele sofrimento a invadia tão repentinamente que ficava aniquilada, mas era muito melhor que perder-se no dia do motim. Antes de sair de Londres, Blanche tinha ido visitar as tumbas de seus pais. Preferiu ir sozinha.
Naquele momento, Blanche se sentiu inquieta. Estava muito contente por ter voltado para Land’s End, mas não sabia o que esperar. Voltou-se e disse:
—Eu adoro isto. O ar está tão limpo que se percebe o aroma do mar.
Rex sorriu e lhe acariciou a mão. O carro se deteve e, um momento depois, ele a ajudava a descer. Blanche olhou ao seu redor, viu o novo estábulo terminado e deu a volta para admirar a torre.
—Mobiliaste já as salas novas?
Ele sorriu outra vez.
—Serão as tuas, e você deve fazê-lo.
Blanche estava impaciente. Também estava desejando ampliar o jardim e plantar flores em todos os cantos do pátio. Sir Rex a seguiu.
—Este é um momento estranho, porque estou lamentando a perda de minha perna — disse brandamente.
Ela ficou muito surpreendida.
—Mas só porque desejaria cruzar a soleira com minha esposa em braços.
Blanche lhe acariciou o rosto.
—Por que não beija sua esposa na soleira, então? —murmurou. Entretanto, não estava pensando nos beijos, a não ser na noite que passariam juntos.
Sir Rex a pegou pela mão e, quando estiveram na soleira, abraçou-a com força e a beijou, sem preocupar-se com o público. Blanche se esqueceu de que o chofer e os trabalhadores estavam no pátio, e o beijou também. Quando lhe faltava o fôlego, e quando ele estava claramente excitado, ela sussurrou:
—Talvez pudesse me ajudar a desfazer as malas…
Ele riu.
—Posso fazer tudo o que você queira, querida.
Blanche sentiu uma grande alegria no peito, uma que nunca daria por certa. Entretanto, apareceu uma sombra atrás deles, e quando deu à volta, sua alegria se desvaneceu.
Anne fez uma reverência.
—Milord, milady — disse.
Blanche olhou à donzela e, imediatamente, recordou Paul Carter, que a tinha chantageado por uma cifra considerável de dinheiro. Era evidente que sua amante o tinha convencido para que levasse ao fim aquele suborno, e Blanche se sentiu enfurecida.
—Sinto muito —lhe disse Rex — Não tive tempo de enviar aviso.
Blanche não se importou. Aproximou-se de Anne. A donzela se ergueu e a olhou com malevolência. Blanche lhe disse:
—Sai agora mesmo desta casa.
Anne deu um pulo. Depois, olhou a sir Rex. Ele não se alterou.
—Estou falando contigo — disse Blanche com tensão.
Anne lhe devolveu o olhar.
—Ouço-a perfeitamente, milady — respondeu em tom insolente.
—Muito bem, então escuta isto: seu amante e você se beneficiaram muito ao me subornar, e, portanto, está despedida sem referências. Não se incomode em recolher suas coisas. Enviarão a você.
Anne a olhou friamente, com ódio.
—Não pode me despedir. Mas não se preocupe, vou embora, pois sei que Sir Rex me despedirá.
Sir Rex ia falar, mas Blanche se voltou para ele com um olhar furioso, lhe indicando que não devia intervir.
Depois, enfrentou Anne novamente.
—Estava em seu direito ter uma aventura com sir Rex. Não te culpo por isso. Só te culpo por sua maliciosa tentativa de me destruir depois que parti de Bodenick. Isso foi desprezível, e é o ilustrativo de sua verdadeira natureza, que é muito baixa. É a natureza de uma mulher que deseja o que seus superiores têm, como se lhe devessem. Eu não te devo nada. Você me deve respeito. Sai de minha casa agora mesmo — disse Blanche— antes que peça ao chofer que te tire a rastros.
—Assim, se casou com ele — disse Anne, e cuspiu aos pés de Blanche. Depois encolheu os ombros e a olhou de maneira desafiante.
Blanche se pôs a tremer e esteve a ponto de golpear a donzela. Entretanto, nunca bateu em ninguém, e não ia fazer isso naquele momento.
—Adeus, Anne.
Anne partiu.
Blanche seguia tremendo quando Rex se aproximou. Ela se voltou para ele.
—Esteve se deitando com ela durante os dois meses e meio passados? —perguntou-lhe. E imediatamente, horrorizou-se por havê-lo feito.
—Não. Estava muito ocupado reabilitando a casa de dia e afogando minhas magoas em álcool de noite — respondeu ele com secura.
—Sinto muito — sussurrou Blanche, tomando sua mão. — Não, deveria ter falado assim.
Ele sorriu.
—Tinha direito a suspeitar de mim, Blanche. Mas não sou um mentiroso, e nunca te mentirei. Anne ficou aqui porque eu necessitava uma donzela. Mas tinha o coração quebrado, e não queria me deitar com nenhuma outra mulher.
—Sinto muito.
—Não se preocupe. Elogio como a dirigiste.
Blanche não lhe soltou a mão.
—Não está zangado comigo?
—Embora estivesse o que não estou, isso não mudaria o que sinto por ti. Nem os votos que fizemos. Certamente, teremos discussões algumas vezes, mas nunca mudarão o que tenho no coração.
Blanche o abraçou.
—Algumas vezes, não me reconheço — sussurrou.
Nunca havia se sentido tão furiosa como um momento antes, com Anne. Tampouco nunca tinha sido tão feliz. E pelas noites, nos braços de Rex, sentia-se tão apaixonada como uma cortesã.
—Então, é uma sorte que eu sempre te reconheça — murmurou ele.
Blanche o olhou fixamente nos olhos e lhe acariciou o queixo.
—Possivelmente Meg devesse preparar um pouco de jantar enquanto desfazemos a bagagem.
—Sim, possivelmente devesse.
Uma semana depois, Blanche ia sentada junto a Rex em uma calesa, percorrendo a rua principal de Lanhadron. Ele a tinha levado ao povoado para fazer algumas compras e comer na estalagem. Foram de volta para casa, pela tarde, mas lhe perguntou:
—Importar-te-ia de esperar um pouco enquanto entro um momento no Bennet’s para perguntar se já chegaram os meus charutos?
Blanche lhe sorriu.
—Claro que não me importa — respondeu. — E menos ainda quando você esteve esperando com tanta paciência enquanto eu comprava uma dúzia de vasos de barro.
Ele jogou o freio da calesa e baixou ao chão.
—Eu gosto das mudanças que está fazendo em Bodenick. Agora parece um lar.
—É um lar — respondeu ela. — Nosso lar.
Ele sorriu. Depois, Blanche o viu cruzar a rua, cheia de satisfação. Quem teria pensado que a vida de casada era tão agradável? Além disso, não sentia falta de Londres.
De repente, a imagem pálida de sua mãe surgiu em sua mente. Blanche já não tinha medo das lembranças, porque embora tivesse várias dores de cabeça, já não sofria ataques. As lembranças apareciam tão repentina e frequentemente como o pesar. Cada vez que pensava em sua mãe, só sentia tristeza.
Pareceu-lhe ouvir umas notas musicais e deu a volta. Então ouviu claramente um violino. Olhou para o outro extremo da rua, e viu vários carros de cores vivas que se aproximavam, vermelhos, azuis e amarelos, rodeados por uma multidão de gente. À medida que a melodia se aproximava, Blanche se dava conta de que entrava no povoado uma caravana de ciganos.
Esqueceu sua mãe enquanto observava a multidão. Nunca tinha visto ciganos de verdade, só alguma adivinha em uma feira ou um mercado.
Os homens, as mulheres e os meninos caminhavam pela rua junto dos vagões, vestidos com roupas diferentes e variadas. Os habitantes do povoado saíam das lojas e das casas para admirar o desfile. As mulheres, que vestiam saias esvoaçantes e blusas, atiravam flores para os homens. Um homem moreno e alto, que ia na frente, deteve-se para fazer uma reverência muito cortês a duas jovenzinhas. Elas riram e se ruborizaram.
Blanche olhou para a loja em que Rex tinha entrado. Disse a si mesma que ele estava muito perto, mas não podia evitar, odiava as multidões e ser uma mulher casada não ia mudar isso. Sentiu-se muito tensa enquanto os primeiros ciganos se aproximavam conduzidos pelo homem moreno.
Era muito bonito. Usava umas botas altas, umas calças e uma blusa branca de algodão com uma faixa vermelha. Ao vê-la, ele sorriu, mas ela se manteve séria. Olhou para o Bennet’s outra vez. Não havia rastro de Rex.
O coração estava acelerando devido à ansiedade, e tentou convencer-se de que as pessoas eram inofensivas a plena luz do dia, e que salvo por sua baixa condição social, não tinham nada em comum com a turfa que tinham assassinado sua mãe. Entretanto, Blanche se dava conta de que aquele tipo de sucessos podia devolvê-la a aquele dia do passado. Esperou sentir uma dor intensa na cabeça.
O cigano se dirigiu para ela enquanto o segundo carro passava junto à calesa.
—Milady, não está de muito bom humor. Seria possível que eu trocasse isso? —perguntou-lhe. Seu sorriso era encantador, como seus olhos azuis. Tinha profundas covinhas nas bochechas, os dentes muito brancos e o cabelo encaracolado. Era um homem pelo qual muitas mulheres suspirariam.
Blanche quase sorriu, porque ele tinha um sorriso contagioso.
—Estarei de bom humor quando meu marido voltar—respondeu.
Ele fez uma pausa e a olhou com atenção, e depois, um sorriso ainda mais amplo se desenhou em seu rosto.
—Uma mulher apaixonada é uma bonita visão, verdadeiramente. E uma mulher apaixonada por seu marido. Devem ser recém casados.
—É você muito impertinente — disse Blanche, mas sorriu. — Sim, sou recém casada.
—Então, felicito-a — disse ele, e lhe fez uma elegante reverência. — Bem, quando estiver menos casada, pense em mim de vez em quando. Não me importaria.
Blanche relaxou por completo.
—Nunca estarei menos casada — respondeu. — Deve ir flertar em outra parte.
Ele riu.
—Afundou-me, milady.
—Blanche!
Blanche girou para o som da voz de Rex. Estava no outro lado da rua. Parecia que se assustou por ela. Entretanto, apesar de que Blanche sentia uma ligeira inquietação, saudou-lhe com a mão para que soubesse que se encontrava bem.
O cigano seguiu seu olhar.
—Um homem bonito e forte. Sem dúvida, tem riqueza e título. Está claro que um príncipe cigano não pode competir com ele — disse. Fez outra reverência e se afastou.
Blanche o viu afastar-se. Divertiu-se, tal e como ele queria. Depois, seguiu olhando os carros ao passar. Por entre as pessoas, divisou Rex, que não podia cruzar a rua ainda. Blanche respirou profundamente até que o coração se acalmou. Passou o último carro, e Rex se aproximou com rapidez da calesa.
—Está bem? —perguntou-lhe enquanto se sentava a seu lado.
—Sim, surpreendentemente, sim.
—Teve medo?
—Um pouco — respondeu Blanche pensativamente. — Mas o medo foi suave. Não tive que lutar contra as lembranças. Os ciganos me recordaram à turfa, isso é tudo. — Ao final, Blanche sorriu, porque tinha se dado conta de algo. — Não estive em perigo de sofrer um ataque.
—Bem — disse Rex, e lhe beijou o dorso da mão. — Está melhorando, Blanche. Tem boa cor, e o vejo em seus olhos.
Blanche se olhou no espelho. Sir Rex tinha razão, pensou enquanto estudava sua própria imagem. Tinha recuperado o apetite, e tinha ganhado um pouco de peso, o suficiente para não ter o rosto abatido. E tinha as bochechas brandamente rosadas. Nos olhos já não tinha nem rastro de medo nem desespero. De fato, estavam muito brilhantes.
Tocou o rosto.
«Sou bonita de novo», pensou, e sorriu.
Estava se curando. Se um desfile de ciganos não conseguiu que se desmoronasse, o que poderia consegui-lo?
O sorriso se apagou dos lábios ao pensar em seu marido. Apaixonou-se por ele meses antes, quando foi sua convidada em Land’s End, mas nunca tinha pensado que o amaria tanto, ou que o desejaria tanto. E ele também estava muito apaixonado.
Quando despertava na metade da noite, ele estava profundamente adormecido ao seu lado, abraçando-a. Não havia tornado a isolar-se nenhuma só vez nem havia tornado a beber de noite. Aquilo era devido, sem dúvida, a que tinha repensado a relação com seu filho. Embora Blanche esperasse que o amor que sentiam um pelo outro tivesse algo a ver com isso também.
Ele estava fora naquele momento, falando com o chefe dos estábulos, falando sobre um dos cavalos. Ao vê-lo, Blanche sentiu secar a boca. Estava loucamente apaixonada por seu marido. Rex tinha se convertido em tudo para ela: seu amigo, seu amante, seu marido e um grande apoio. Conseguiu superar aquela enfermidade graças a ele, e estava repondo-se. Sentia-se quase normal, salvo que a antiga Blanche Harrington tinha desaparecido. Em seu lugar havia uma mulher normal, uma mulher capaz de sentir grande alegria, tristeza, paixão e amor. E seu marido também estava apaixonado por ela.
Enquanto o observava, com o coração cheio de emoção, sir Rex elevou subitamente a vista. Seus olhares ficaram presos durante uns instantes. Depois, ele se despediu do moço e entrou no castelo pela porta principal.
Blanche tremeu de impaciência e necessidade. Desabotoou os primeiros botões do vestido, pelas costas, e estava lutando por alcançar outro quando se abriu a porta do dormitório.
Sir Rex apareceu com o olhar cheio de fogo. Fechou a porta e avançou para ela.
—Estive ajudando os jardineiros a plantar essa enorme árvore que queria — lhe disse brandamente, enquanto ela ficava de costas a ele.
Blanche fechou os olhos ao sentir suas mãos sobre os ombros nus antes que começasse a lhe desabotoar o vestido.
—Tenho calor e estive suando — lhe disse ele, enquanto, com um dedo, acariciava-lhe as costas e deslizava o vestido até sua cintura. Manteve-o ali.
Blanche se apoiou nele e sentiu uma rajada de prazer e triunfo quando notou nas nádegas sua virilidade. Em resposta, ele a agarrou pela cintura.
—Não me importa — lhe disse.
Então, Rex a despojou do vestido e a combinação, deixando que caíssem a seus pés. Lentamente, Blanche deu a volta e deslizou as mãos pela abertura de sua camisa. Rex tinha a pele úmida e quente, e um olhar abrasador.
Blanche lhe acariciou o torso duro, consciente de que Rex estava muito tenso e imóvel. Abriu-lhe a camisa e pousou os lábios sobre seu peito; ele ofegou.
Blanche tentou aproximar-se mais para lhe beijar a pele, e se esfregou contra seu corpo excitado. Então, lambeu-o. Estava salgado.
—Blanche — sussurrou ele com a voz rouca. Foi um débil protesto.
Blanche sorriu contra sua carne.
—Você saboreou até o último centímetro de mim — disse, e lhe passou a língua sobre um mamilo.
Sir Rex ofegou de novo. Naquela ocasião, agarrou-a pelos quadris e fez que seus corpos se esfregassem. Blanche o arranhou brandamente com os dentes e ele grunhiu. Então, ela deslizou as mãos mais abaixo e agarrou pela cintura de suas calças. Sir Rex ficou imóvel, salvo por sua pesada respiração.
Desabotoou-lhe a calça e sussurrou:
—Vem comigo à cama.
—Não tem que fazê-lo - disse ele.
Blanche sorriu ao notar que sua virilidade se erguia em sua mão.
—Quero te amar como você me ama.
Ele se deixou cair na cama. Blanche se inclinou sobre ele e, por fim, saboreou sua carne quente, suave. Sir Rex agarrou uma mecha de seu cabelo, entre ofegos, cegado pela paixão. Lambeu-o enquanto o desejo se apropriava dela de tal maneira que só Rex poderia satisfazê-lo.
Então, ele gemeu e, de repente, Blanche se viu sob seu corpo, em seus braços. Sustentou-lhe o rosto para beijá-la profundamente, com o mesmo frenesi que ela sentia. Imediatamente, Blanche se moveu para acolhê-lo. Ele se afundou nela, e sentiu que tinha chegado ao céu.
—Aquele cigano te disse alguma coisa para torná-la tão ardente?
Blanche riu. Estava aconchegada nos braços de Rex.
—Temo que alguém me deixou ardente, mas não foi um cigano nômade.
Ele a abraçou com força e a beijou na têmpora.
—Eu adoro ouvir sua risada. Eu adoro ver como brilham seus olhos quando ri e é feliz.
—Sou tão feliz que me corta a respiração — disse Blanche brandamente, e lhe acariciou o braço. — Meu único temor é não poder te fazer igualmente feliz.
E era certo. Olhou-o com esperança.
Ele se surpreendeu.
—Nunca sonhei em sentir tanta felicidade. Pensava que ia passar toda a vida sozinho. E aqui estamos Blanche — disse com um sorriso. — Quando te vi na janela, e me dei conta do que queria, pensei que tinha que ser um sonho. Lady de Warenne! —repreendeu-a. — Pensar em fazer amor com seu marido em plena luz do dia!
Blanche riu e lhe beijou o peito.
—Foi tão terrível que fizesse sinal para que estivéssemos juntos a estas horas? Por favor, seja sincero, querido.
—Pode requerer meus serviços a qualquer hora, meu amor — respondeu ele, e lhe acariciou a bochecha — Blanche, me chame querido outra vez.
Então, ela se levantou e seu semblante se tornou sério.
— Querido você é mais que meu amor: é minha vida.
Igualmente grave, ele se sentou e a abraçou.
—Obrigado. Sinto exatamente o mesmo.
Blanche vacilou. Tinha muitas coisas que lhe dizer.
—Salvou minha vida.
—Oxalá fosse verdade, mas estou seguro de que o tempo te curou, Blanche, não eu.
Ela negou com a cabeça.
—Você despertou meu coração ferido, Rex. Ensinou-me o que era a alegria, a paixão e o amor… e então chegaram aquelas terríveis lembranças. Faz três meses pensei que o preço era muito doloroso, mas me enganei. Acredito que o medo desapareceu. Agora posso enfrentar às lembranças e à dor. Cada dia é um pouco mais fácil. E, além disso, não quero esquecer. Minha mãe merece que a recorde.
—Sei — respondeu ele solenemente. — Percorreu um caminho muito longo em muito pouco tempo. Sinto-me muito feliz por ti, por nosso filho, por nós.
Blanche sorriu.
—Estou impaciente para que nosso bebê nasça. E estou impaciente por conhecer Stephen quando vier este verão de visita.
Rex sorriu.
—Vão ocorrer muitas coisas — disse brandamente.
Ela completou o que pensava.
—E com tantas coisas, é difícil saber por onde começar.
Ele a olhou com ternura. Então, lentamente, passou-lhe a mão pelas costas.
—Possivelmente o melhor seja concentrar-se no presente.
Blanche se entusiasmou, Viu como ele percorria seu corpo com o olhar, e viu como suas altas maçãs do rosto se ruborizavam. Lentamente, Rex a olhou com uma intensidade que fez que se estremecesse. Então, surpreendeu-a.
—Você também salvou minha vida, Blanche.
Os olhos dela se encherem de lágrimas ao recordar a solidão e o isolamento que tinham reinado em sua vida.
—Nunca voltará a estar sozinho.
—Sei.
Seu olhar mudou e se fez ardente.
Blanche notou a vibração do desejo no corpo, e umedeceu os lábios.
—Por que não jantamos no quarto, querido? —perguntou-lhe com suavidade.
Sir Rex sorriu.
—Esse cigano também te ensinou a ler o pensamento? —perguntou-lhe ele, enquanto lhe acariciava entre os seios com o nariz.
Ela riu, mas então, sua risada se afogou, porque notou a boca de sir Rex na pele, e aquilo lhe causou umas sensações tão deliciosas que teve que deixar que a estendesse na cama.
Alegremente.
E não necessitou uma bola de cristal para saber o que lhes proporcionaria o futuro.
Brenda Joyce
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