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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A OUTRA / Juliana Dantas
A OUTRA / Juliana Dantas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Faz três meses que deixei Lakewood e todos que amava para trás.
E ainda acordava toda noite banhada em suor, depois de sonhos que se transformavam em pesadelos. Neles sempre estou em Lakewood. Revivo meus dias como Melanie, cuido de suas crianças como se fossem minhas e me apaixono por seu marido como se ele fosse meu. Então, depois, tudo desaparece. E me vejo sozinha em frente à casa, as portas fechadas para mim. E lá dentro escuto o choro das crianças. Escuto a voz de Connor consolando-as. E, de repente, Melanie surge ao meu lado. Ela segura minha mão e sorri para mim.
— Você precisa ser forte, irmã.
O sonho termina quando acordo chorando, sentindo um vazio que temo que nunca mais será preenchido.

 


 


Capítulo 1


— Melanie.

Desvio os olhos do livro em minhas mãos ao ouvir o balbuciar da minha mãe por cima do barulho das máquinas que a mantinham respirando, e me aproximo de sua figura pálida e doente.

— Mãe?

Ela ainda tem os olhos fechados, e me pergunto se está consciente. Os momentos de lucidez são cada vez mais raros ultimamente.

Ainda era difícil para mim entender que aquela pessoa definhando em uma cama de hospital era minha alegre e aventureira mãe. Nora havia passado mal há apenas um mês e, ao ser hospitalizada, os médicos descobriram um câncer que tinha se espalhado do seu pâncreas para vários órgãos e foram enfáticos em dizer que uma cura neste estágio era impossível. Só nos restava esperar para o fim. Assim, eu voara para São Francisco para providenciar que ela fosse trazida para um hospital em Nova York, para que eu pudesse ficar perto até o inevitável fim.

— Melanie...

De novo ela balbucia este nome. Será que estaria confundindo meu nome em estado mental precário?

— Mãe, sou eu, Melissa. Estou aqui.

Ela abre os olhos que pousam confusos e angustiados em mim.

— Será que vocês ainda são iguais?

— Quem são iguais?

— Você e sua irmã.

— Irmã?

Franzo a testa preocupada com aquele delírio. Eu era filha única. A vida inteira fomos só eu e Nora. Ela era um espírito livre. Gostava de estar sempre rodeada de gente, indo a festas agitadas e vivendo como se aquele fosse o último ano de sua vida. Tão diferente de mim que era difícil acreditar que era minha mãe. O que me fazia pensar que eu devia ter puxado ao meu pai. Aquele homem que existia só na minha imaginação. Era duro para mim, aceitar que minha mãe e meu pai tenham se separado antes mesmo de eu nascer e nunca o ter conhecido.

— Melanie... — ela repete agitada.

— Mãe, fique calma. — Toco sua mão com o soro, mas ela continua agitando a cabeça de um lado para outro, fazendo um esforço para falar.

— Traga Melanie aqui...

— Quem é Melanie? Sou eu, Melissa!

— Não, estou falando da outra.

Finalmente, ela parece mais calma e para de agitar a cabeça, com um surpreendente olhar sereno e lúcido.

Eu me assusto. Um arrepio percorrendo minha espinha.

— Que outra?

— A outra igual a você. Vocês eram duas...

— Mamãe, está me assustando...

— Ah querida, eu sei. Eu escondi isso de você, mas agora eu temo ter errado tanto...

— Eu ainda não entendo. O que escondeu de mim?

— Sua irmã Melanie.

Meu coração para de bater.

— Eu tenho uma irmã? — sussurro com minha mente dando voltas. Será que era um delírio de Nora?

— Por favor, pegue minha bolsa — ela pede, e eu faço o que ela pediu. — Está na minha carteira.

Eu reviro a carteira, onde tem vários cartões, uma foto minha e, por fim, uma outra foto amarelada pelo tempo.

São dois bebês recém-nascidos. Duas meninas. Iguais.

Minha mente começa a rodar e com as mãos trêmulas estendo a foto para minha mãe, que sorri enternecida.

— Melanie e Melissa...

— Como? Eu tive uma irmã gêmea? Por que nunca me disse? O que aconteceu?

— Eu a deixei ir.

— Ela morreu?

— Não. Ela se foi, com seu pai.

— Não consigo entender. — É bizarro e surreal demais para acreditar.

— Queria vê-la.

— Eu ainda não estou entendendo. Você quer dizer que eu tenho uma irmã e que ela está com meu pai?

— Sim.

Oh Deus... Então era mesmo verdade? De repente me sinto transportada para outra realidade. Como se todos os vinte e oito anos que vivi até hoje fossem apenas uma ilusão.

— Por que nunca me disse?

— Eu não podia... Eu só queria paz, só queria viver, mas ele não queria me deixar ir.

— Ele quem?

— David.

— Meu pai?

Nora começa a se agitar de novo.

— Não quero vê-lo. Ele vai me levar embora...

— Mãe, fique calma!

— Mas eu quero ver Melanie. Quero vê-la antes de morrer.

— Como... Como posso achá-la?

— Lakewood.

— É uma cidade?

— Apenas Melanie, me prometa, não fale nada para David. Ele não pode... Não quero vê-lo. Ele não pode me levar para Lakewood de novo. — Ela começa a chorar e não consigo conter as lágrimas também.

— Mãe...

— Me prometa! Não conte a David!

— Eu prometo.

— Promete que vai achá-la. O nome dela é Melanie... Melanie Martin.

A enfermeira e um médico entram no quarto alertados pelo barulho dos aparelhos que medem sua pulsação agitada.

— Ela precisa se acalmar. Deixe-nos cuidar dela, senhorita Blake.

Eu me afasto, ainda atordoada, para os corredores do hospital. Caminho sem rumo, minhas emoções são um emaranhado de fios desconexos e sem sentido causando um curto circuito em minha cabeça.

Irmã.

Eu tenho uma irmã gêmea.

Seu nome é Melanie.

Eu paro quando o vento atinge meu rosto. Olho para cima, o céu está caindo sobre minha cabeça, ou é assim que sinto.

O mundo em que eu vivi até alguns minutos atrás não me pertence mais.

Eu vivi uma mentira por vinte oito anos.

Contemplo a foto em minhas mãos de novo, ainda chocada. Então, apanho meu celular e disco os números de Charlote.

— Mel? Está tudo bem? Ia mesmo te ligar... Como sua mãe está?

— Está na mesma. Charlote, eu preciso de um favor.

— Claro, qualquer coisa.

— Preciso que encontre o telefone de uma pessoa que mora em uma cidade chamada Lakewood.

— Lakewood? Nunca ouvi falar.

— O nome dela é Melanie Martin.

— Quem diabos é Melanie Martin?

— Eu acho... acho que ela é minha irmã gêmea.


***


A vida, às vezes, toma um rumo totalmente inesperado sem que possamos prever ou evitar. A primeira grande mudança em minha vida foi há três anos, quando me tornei, do dia para noite, uma das escritoras mais badaladas da atualidade, depois de minha chefe em uma editora, onde eu era uma simples assistente, ler meu manuscrito e acreditar que tinha potencial. Sinceramente eu não acreditava que iria ser grande coisa. Eu era apenas uma garota que depois de um encontro desastroso, foi largada no Central Park de noite e ficou fantasiando que poderia aparecer um vampiro bonitão para tirá-la daquela enrascada, enquanto caminhava à procura de um táxi. Ou talvez eu fosse a vampira e assim não precisaria esperar por nenhum homem.

Obviamente, tive sorte de encontrar um taxista, depois de caminhar quase uma hora pelas ruas escuras usando salto alto. Minha pequena fantasia acabou rendendo um livro que, depois de Charlote ler e se apaixonar, me convenceu a transformar numa trilogia.

— Este vai ser a joia da coroa desta editora, minha querida! — ela dizia com seus olhinhos brilhando, os enormes brincos balançando nas orelhas que seus cabelos muito curtos deixavam entrever. Charlote era alegre, excêntrica e otimista, e eu apenas revirava os olhos, concordando com seu delírio, no fundo não levando muita fé.

Minha mãe havia me criticado quando liguei para ela naquela noite contando as novidades.

— Isso é incrível! Eu sempre soube que você seria um sucesso.

— Mãe, não exagera! Minha editora é pequena. Certamente vai ser uma tiragem ridícula e duvido que alguém irá ler.

— Você tem que ser mais otimista! Credo, Mel, por isto não arranja um namorado, com esse humor sombrio.

— Humor sombrio? Mãe!

— Ah, sabe que tenho razão! É louca para ter uma família, do jeito que é chata duvido que...

— Agora a senhora está me ofendendo!

— Querida, eu falo para o seu bem. Você quer um namorado, mas prefere ficar em casa escrevendo.

— Eu não prefiro escrever, eu até tento sair, aparentemente Nova York está infestada de babacas pretensiosos que só querem me levar para cama! Sinceramente nos últimos três anos depois que saí da faculdade preferi realmente ficar em casa escrevendo ou lendo um bom livro do que sair com algum desses idiotas!

— Não sei o que você quer. Talvez o príncipe encantado que está esperando não exista, meu bem! Escute o que estou dizendo.

— Só porque a senhora não teve sorte no amor, não quer dizer que também não vou ter.

— Lá vamos nós! Já falei que minhas experiências não são parâmetros para a sua vida.

— Sim, eu tento lembrar — disse, desgostosa, lembrando o pai que nunca conheci. Talvez por isso que eu tenha essa vontade de ter uma família. Nora nunca foi o que podemos chamar de mãe ideal e muito cedo eu tive que aprender a cuidar de mim mesma.

Essa conversa foi há três anos e no final minha mãe e Charlote tinham razão, pois meu livro se tornou um sucesso. Tanto que a pequena editora foi comprada por outra bem maior, alavancando ainda mais minha carreira e fazendo com que o segundo livro da minha saga, lançado um ano depois, fosse um sucesso mais estrondoso ainda. Charlote se tornou minha agente e melhor amiga.

Ainda era incrível que eu fosse a autora daquela saga sobrenatural adolescente que tinha vendido milhões de livros, conquistado uma legião de fãs no mundo inteiro e que, inclusive, teve os direitos para a versão cinematográfica adquiridos por um importante estúdio de Hollywood. Eu, a tímida e insegura Melissa Blake, uma garota que passou a infância e adolescência se mudando de cidade em cidade, criada por uma avoada mãe que vivia a caça da próxima aventura, ou do próximo namorado, que se mudou para Nova York aos dezoito anos para fazer faculdade e escrevia apenas para si, nas horas vagas, enquanto suportava um emprego chato como secretária numa pequena editora e tinha encontros mornos com caras desinteressantes, sempre sonhando que um deles iria arrebatar seu coração e colocar em sua mão um lindo anel para depois terem lindos bebês e serem felizes para sempre.

Bem, aquele velho sonho do cara perfeito e família feliz eu não havia conquistado e, aos vinte e oito anos, estava começando a acreditar que nunca conquistaria, porém, de repente eu era uma jovem mulher muito rica. Havia me mudado para um espaçoso apartamento no Upper East Side e tinha mais dinheiro do que poderia gastar, afinal, eu continuava sendo uma garota simples que odiava ser o centro das atenções.

E era justamente por causa desse pavor que mantinha minha privacidade muito bem resguardada. Quando concordei com Charlote em publicar o livro, deixei claro que não queria associá-lo a minha imagem. O problema era que quanto mais sucesso o livro fazia, mais a assessoria de imprensa da editora insistia em me lançar publicamente. Até agora, com a ajuda de Charlote consegui me manter anônima, mas depois da divulgação de que os direitos para o cinema foram adquiridos, justamente na semana de lançamento do último livro, a coisa tinha começado a fugir do controle.

A doença de Nora me tirara de circulação e eu tinha conseguido, com Charlote, deixar aquele assunto em compasso de espera, mas eu sabia que era apenas uma questão de tempo para tudo explodir, o que me deixava apavorada.

Porém, agora, enquanto caminho pelo aeroporto a espera de uma suposta irmã que eu nem sabia que existia até alguns dias, sinto um verdadeiro pavor muito mais paralisante.

Depois da revelação de minha mãe e de seu pedido para que eu encontrasse a outra irmã, não demorou muito para que Charlote me retornasse com o contato de uma tal de Melanie Carter.

— Carter?

— Eu pesquisei o nome que passou, mas parece que esse era o nome de solteira, pois há uma Melanie Carter em Lakewood que antes era Melanie Martin.

Então minha suposta irmã era casada? Eu estava surpresa. Bem, o que naquela história não era surpreendente?

Eu fiquei olhando para o número de telefone em minhas mãos, hesitando em ligar. Minha mãe estava inconsciente desde nossa última conversa sobre a gêmea e desde então eu vivia como se estivesse presa em um sonho estranho. Mas depois de alguns momentos de apreensão e ansiedade se debatendo dentro de mim, finalmente tomei coragem e disquei os números.

A voz que atendeu o telefone era igual a minha.

— Alô?

Não consegui falar. Meu coração disparado no peito.

— Alô? — a outra insistiu.

— É... Oi, você é Melanie Martin? Quer dizer, Melanie Carter? — indaguei num fio de voz, ainda esperando que a outra mulher risse e dissesse que tudo era um engano.

— Sim, quem está falando?

— Meu nome é Melissa... Melissa Blake. E acredito que nós somos irmãs.

— O quê?

— Sei que parece estranho, mas seu pai é David Martin?

— Sim, este é o nome do meu pai, quem diabos é você? Eu não tenho irmã!

— Eu também achei que não tinha até minha mãe me revelar sobre você.

— Sua mãe? — De repente senti que tinha sua atenção.

— Minha mãe se chama Nora Blake.

— Oh, meu Deus — ela exclamou, e sei que, do outro lado da linha, estava tendo a mesma reação que eu quando minha mãe me contou. — Nora é o nome da minha mãe, mas nunca a conheci, ela foi embora quando eu nasci.

— E eu nunca conheci meu pai, que se chama David Martin.

— Como é possível? Então é mesmo sério? Somos irmãs?

— Acredito que somos gêmeas.


Essa conversa foi há dois dias.

E, às vezes, ainda achava que tinha imaginado tudo. Contei à Melanie que Nora estava doente e que pediu que entrasse em contato e, para minha surpresa, Melanie não hesitou em dizer que estava vindo para Nova York imediatamente.

— Mas você pode vir assim?

— Claro que sim. Nossa, ainda estou em choque, mas acredito em você. Eu quero ver minha mãe, quero ver você. Eu vou... Acho que tenho que falar com David, como ele pode ter escondido isso...

— Não! Não fale com David.

— Mas tenho que falar com ele! O que está me contando é grave demais!

— Mamãe pediu que não contasse. Ela pediu que apenas você viesse.

Por mais que eu quisesse conhecer meu pai, sabia que não podia desobedecer um pedido da minha mãe neste momento.

Haveria tempo... Depois, penso com meu coração doendo ao pensar que os dias de Nora estavam contados.

E assim, eu passei todas as informações a Melanie e ela me retornou com uma mensagem sucinta de que estaria em um voo para Nova York. Agora eu espero, entre ansiosa e amedrontada pelo encontro que vai mudar minha vida para sempre.

As pessoas passam por mim, chegando de viagem, rostos cansados ou animados, rostos estranhos. Até que um me faz prender a respiração.

É como ver a mim mesma andando em minha direção.

Os olhos cinzentos, como os meus, se arregalam quando ela para na minha frente.

— Oh Deus, somos iguais — a outra sussurra assombrada.

Engulo em seco ainda perdida na minha estupefação.

Os mesmos cabelos castanhos, a pele branca, até as poucas sardas no nariz...

Idênticas.

Por um momento, não consigo sequer respirar, quanto mais falar. A outra está sorrindo. O mesmo sorriso que eu via todos os dias no espelho.

Assustadoramente igual.

— Isto é tão surreal. — A outra estende a mão e toca meu rosto. — Nós somos mesmo gêmeas. Você vai desmaiar? Porque está branca feito papel!

Eu finalmente respiro fundo, saindo do meu estado de estupefação.

— Não, eu só... Estou assombrada. Até este momento estava achando que podia ser tudo um delírio. Mas vendo você... vejo que somos iguais.

Não consigo parar de encará-la. É como encarar minha imagem no espelho.

Ela continua sorrindo. Também há assombro em seu olhar, mas, ao contrário de mim, agora ela parece achar tudo muito divertido.

— Não é incrível? Olhe para isso! Só nosso cabelo é um pouco diferente!

Sim, os cabelos da outra são mais compridos que os meus. Tirando isto, o resto é uma cópia minha.

— Somos mesmo irmãs. Eu tenho uma irmã — murmuro, meu cérebro finalmente começa a aceitar a nova realidade.

— Gêmeas! — E sem aviso ela está me abraçando.


Capítulo 2


Eu convido Melanie a entrar em meu apartamento e ela olha tudo ao redor, encantada.

— Seu apartamento é lindo! E esta vista? Nova York é tão incrível! Você tem tanta sorte de morar aqui. Eu daria um braço para viver numa cidade como esta.

Eu sorrio de seu deslumbramento, meu apartamento era mesmo um achado. Depois que saímos do aeroporto e entramos no táxi, não falamos muito. O motorista olhava de uma para outra embasbacado e seria divertido se nós mesmas ainda não ficássemos nos encarando admiradas.

— Não imagino como deve ser Lakewood, é Washington, não é?

Ela revira os olhos.

— Uma cidadezinha perdida no mundo. É um lugar tão sem graça e não tem absolutamente nada para fazer. Nem gente interessante! Mamãe fez bem em dar o fora de lá, só poderia ter me levado junto. — Sua expressão ganha um ar de pesar.

— Como sabe que ela foi embora? Ela nunca me disse que esteve neste lugar até falar sobre você há alguns dias, mas sua consciência vai e vem e não me deu mais informação a não ser seu nome, a cidade onde vive e o sobrenome do meu pai, que até agora ela nunca tinha me contado.

— É o que o David sempre dizia para mim quando perguntava sobre minha mãe. Que ela deu o fora e nos deixou.

Eu tenho vontade de perguntar tudo a ela sobre meu pai, mas ela acabou de chegar de viagem e deve estar cansada.

— Veio de tão longe, deve estar cansada da viagem.

— Mal podia contar as horas para te conhecer, para estar aqui e... eu queria ver a mamãe.

— Nós iremos amanhã cedo no hospital, tudo bem? — Já era noite e Nora estava inconsciente mesmo. Eu ainda não tinha dito isto a Melanie e temo que ela fique decepcionada. — Venha, vou te colocar num quarto de hóspedes.

— Sim, estou um pouco cansada, mas também me sinto energizada.

Rio de sua animação quase infantil. Ela lembra demais o jeito de Nora. Toda alegre e despreocupada.

Pego sua mala e ela me segue, exclamando o tempo inteiro como acha tudo lindo.

— Você é muito sortuda, este lugar é maravilhoso!

— Mudei não faz muito tempo — explico, levando-a ao quarto.

— Ah claro, você é uma escritora famosa agora!

— Como sabe?

Ela dá de ombros.

— Depois que nos falamos eu pesquisei seu nome na internet e fiquei realmente surpresa de saber que minha irmã era famosa e rica.

Fico vermelha.

— Isto não é importante.

— Como não? Seu livro vai até virar filme! Se fosse eu, estaria dando pulos de felicidade.

Ela se joga na cama, como uma criança.

— Que delícia!

— Fique à vontade. Descanse. Tome um banho se quiser.

— Sim, vou tomar um banho! Mas não quero dormir. Quero conversar mais com você. Também acho que estou com fome.

— Certo, então tome um banho e venha até a cozinha, vou preparar algo para comer.

Saio do quarto e paro no corredor, respirando fundo.

Aquilo estava realmente acontecendo? Acabo de deixar no quarto minha irmã gêmea? Parece que sim.

Entro na cozinha e começo a cozinhar. Está anoitecendo lá fora, quando Melanie retorna. Ainda é surreal olhar para ela.

— Você olha para mim como se visse um fantasma.

— É esquisito, desculpe.

Ela dá de ombros, ajeitando-se num banco sob a ilha que domina a cozinha.

— Eu sei. Mas é tão incrível!

Deus, como ela se parece com Nora, sempre enxergando o lado positivo das coisas. Chega a doer meu coração.

Coloco um prato de massa a sua frente e um vinho.

— Hum, que cheiro bom!

— Espero que goste deste molho — digo, assim que ela começa a comer.

— Está muito bom! Você que cozinhou? — pergunta espantada.

— Sim, adoro cozinhar.

— Eu odeio! Só cozinho porque sou obrigada!

— Puxou a mamãe então.

— Jura?

— Sim, ela odiava cozinhar e quando cozinhava a comida era horrível.

— Como eu.

— Por isto aprendi a cozinhar muito cedo, senão morreria de fome!

— Cozinha maravilhosamente bem. Achei que alguém com todo seu dinheiro tivesse uma penca de empregados ou algo assim.

— Ah não! Odeio gente me bajulando. Tenho uma equipe de limpeza que vem uma vez por semana.

— Pelo menos já ajuda, ninguém merece fazer faxina.

— Não me importo. Até gosto de serviços de casa.

— Credo! Detesto! Você tem tanta sorte de ter esta vida maravilhosa!

— Minha vida não é tão maravilhosa assim. E agora mamãe doente...

— Ela está muito doente?

Eu havia contado apenas por cima o real estado de Nora.

— Sim, ela está. Eu sinto muito, mas ela foi desenganada.

Os olhos de Melanie se enchem de lágrimas.

— Quis a vida inteira conhecer ela e agora... Isso é tão injusto.

— Eu sempre quis conhecer o papai também.

Engulo o nó na garganta. Tantos anos querendo conhecê-lo. Saber como ele era. Sua aparência e personalidade. O que fazia da vida. Por que nunca me quis...

De repente me sinto imensamente triste. E um tanto revoltada. Ele não me quis. Mas quis aquela garota na minha frente, a outra.

Por quê? Por que escolheu apenas uma de nós?

— Sei o que está passando pela sua cabeça. A mesma coisa que se passou pela minha quando descobri que tinha uma irmã — Melanie diz e eu a encaro. — Por que mamãe não me levou com ela? Por que escolheu você?

— O que será que aconteceu? Por que nunca nos conhecemos? Por que sequer sabíamos uma da outra? Cresci com minha mãe dizendo que meu pai a havia abandonado antes de eu nascer. E agora nada mais faz sentido.

— Ela não te disse mais nada?

— Ela disse que eu tinha uma irmã. Que éramos gêmeas e que estava com o meu pai.

— E eu cresci com meu pai dizendo que minha mãe foi embora quando eu era bebê. Só não me contou que ela levou junto minha irmã gêmea.

— Por que eles mentiram? — Ainda não conseguia acreditar. Minha vida inteira tinha sido construída em cima de um castelo de mentiras.

— Provavelmente, por algum motivo estranho que só faz sentido para eles, decidiram se separar e cada um ficar com uma filha.

— Isto não faz sentido algum! É cruel! Até entendo que cada um tenha ficado com a guarda de uma criança, no entanto por que a mentira? Por que papai nunca quis me ver?

— Não acha que tenho me perguntado a mesma coisa? — Ela sorri de repente. — Mas pelo menos nos reencontramos.

Consigo forçar um sorriso, embora ainda esteja muito confusa e revoltada com toda aquela história. Sim, era uma história horrível. Estava com raiva da minha mãe também por ter me privado de ter um pai e uma irmã. Mas de que adiantaria esta raiva? Nora estava morrendo e eu me perguntava se ela ainda teria tempo de nos contar toda a verdade.

— Ainda estou meio assustada com tudo isto, mas acho que estou feliz de te conhecer.

De repente, escuto o barulho de um celular tocando.

— Droga — Melanie sussurra e pega um celular no bolso, olhando o visor e seu rosto se fecha. Ela engole em seco e desliga sem atender.

— Quem era? — pergunto cautelosamente, e ela me encara.

— Era o Connor, meu marido.

— Ah sim, agora é Melanie Carter. Então, é casada há quanto tempo? — De repente me sinto curiosa sobre a vida dela.

— Mais tempo do que deveria! — ela fala rindo, porém é um riso amargo. O que me deixa ainda mais intrigada.

— Temos vinte e oito anos, muitas mulheres já são casadas com essa idade.

— Você não!

— É, não sou — agora é minha vez de soar amarga.

— Não está perdendo nada, acredite.

— Não tem como eu saber.

— Ah, mas eu sei. — Ela se serve de mais vinho. — E acredite, estou casada há bastante tempo para saber.

— Quanto tempo?

— Dez anos.

Quase cuspo o vinho da minha taça.

— Sério? Então se casou com...

— Eu tinha quase dezoito. Ridículo, não é? — Ela termina o conteúdo de sua taça.

— É realmente bastante tempo. Por que se casou tão jovem?

— Pelo motivo que todo mundo se casa aos dezoito anos. Engravidei.

Meus olhos se arregalam ainda mais.

— Você tem um filho?

— Não um filho. Tenho três.

Agora meu choque é colossal.

Jesus, ela tinha três crianças? Com vinte e oito anos?

— Parece chocada. — Ela ri. Acho que está ficando meio bêbada.

— Bom, não seria o primeiro choque de hoje. Aliás, depois de descobrir que tenho uma irmã gêmea nada mais deveria me chocar.

Ela ri ainda mais.

— Não é?

— Uau! Então tem três crianças. Deve ser incrível! — Não consigo deixar de expressar meu encantamento. Na minha mente imagino a vida de minha gêmea. Numa bucólica cidade de Washington, com um marido e três filhos. Uma vida simples e feliz. Acho que me sinto um tanto invejosa agora.

— Incrível? Incrível é eu ter sido burra e engravidado não só uma, mas três vezes!

— Imagino que não deve ter sido fácil engravidar tão nova. Foi um acidente?

— Com certeza! Até parece que ia engravidar de propósito quando mal tinha terminado a High School! Com a minha vida toda pela frente, faltando poucos meses para eu poder finalmente dar o fora daquela cidade pequena e sem vida.

— Não deve ter sido tão ruim, já que ficou com pai do seu bebê e construiu uma família.

Seus olhos se fixam na taça como se estivesse cheia de lembranças.

— É... Talvez.

De repente eu me sinto muito curiosa.

— Me conte sua história. Como conheceu o... Connor, não é?

— Ah, ele era o garoto mais lindo da escola.

Eu sorrio.

— Fiquei louca por ele. Obcecada mesmo sabe? Ele era inatingível.

— Então você o conquistou.

— Não sei se esta seria a palavra certa. Eu era bem popular sabe.

— Você era popular? — Era espantoso que minha irmã fosse popular. Eu não era nem um pouco na escola. Fazia mais o jeito tímida e nerd.

— Sim, fazia todas aquelas coisas de ser presidente do grêmio, líder do time de vôlei...

— Espera! Você era boa jogando vôlei?

— Eu era muito boa com esportes.

— Nossa, não poderíamos ser mais diferentes! Sou totalmente descoordenada.

Ela ri.

— Então somos diferentes nisto mesmo. Eu adorava jogar e ainda fazia parte da equipe de dança.

— Fala sério! Eu tenho dois pés esquerdos.

— Deve ter puxado ao papai, então.

— E você a mamãe. Ela amava dançar! Também foi presidente do grêmio?

— Sim, amava falar em público. Só não fui oradora da turma na formatura, porque estava ridiculamente grávida!

— Oh.

— É. Fui uma idiota, o que posso dizer? Fiquei cega por Connor Carter.

— Imagino que ele era tão popular quanto você e faziam o estilo rei e rainha do baile.

— Connor, rei do baile? Não era bem assim. Ele era novo na cidade. Quando chegou todo mundo ficou babando. Ele podia ter ficado com qualquer garota, mas não dava bola para ninguém.

— Deu para você.

— Nem para mim! E aquilo foi tão irritante! Eu namorava Harry Norton na época, que antes do Connor aparecer era o garoto mais popular da escola. Depois que o Connor chegou, eu não tinha mais olhos para ninguém e quanto mais gelo ele me dava mais interessada eu ficava.

— Ele te deu gelo?

— Eu falei, irritante!

— Por que ele não dava bola para ninguém?

— Porque ele estava todo focado em estudar para conseguir uma bolsa para a universidade. Ele sonhava em ser médico.

— Ah, entendi. — Este tal de Connor Carter tinha sido como eu na escola então. Sempre me matei de estudar para tentar me sobressair e conseguir uma bolsa para a faculdade.

— Eu não ia desistir. Demorou um pouco, mas consegui que saísse comigo. Nós tivemos alguns encontros e então ele me deu o fora.

— Sério? Achei que tivesse se apaixonado por você.

— Eu também, na verdade, eu já nem via tanta graça nele. A gente era muito diferente sabe? Ele era todo certinho, todo compenetrado, só queria estudar enquanto eu só pensava em festas e bem... sexo! — Ela rola os olhos e eu rio.

— Perdeu a virgindade com Connor.

— Não! Eu já havia perdido a virgindade fazia tempo.

— Melanie! — Fico chocada, e ela ri.

— Ah sério, esperar para quê? Eu gostava de aproveitar a vida e ainda bem que fiz isto, porque minha vida foi bastante curta! Pelo menos a de solteira.

— Se era tão descolada e experiente como pôde engravidar?

— Foi um descuido. Uma total falta de sorte, eu e Connor transamos só uma vez e bum! Fiquei grávida. Descobri quando não estávamos mais juntos, quando ele ficou sabendo quis se responsabilizar. Eu queria abortar, ele não deixou.

— Você queria tirar o bebê? — Encaro-a horrorizada.

— Não me olhe assim. Só tinha dezoito anos e as malas prontas para dar o fora de Lakewood. Tudo o que mais queria na vida era sair daquele lugar sufocante. Sonhei a minha vida inteira com isto, mas estava grávida e quando papai descobriu praticamente exigiu que Connor se casasse comigo.

— E você concordou.

— O que poderia fazer? Não ia ficar sozinha com uma criança e papai não iria me ajudar. Só me restava contar com o Connor. Então nós nos casamos. Ele teve que desistir da faculdade e eu de ir embora de Lakewood. E, sem planejar, estávamos formando uma família.

— E estão juntos até hoje. Pelo menos deu certo.

— É... — Ela de novo se perde em pensamentos.

— Me fale sobre seus filhos.

— Olívia tem nove anos e é um tanto rebelde. Ela nem tem dez anos e acho que já está chata como uma adolescente! Só Connor consegue controlá-la. Mandy tem quatro anos e é tão manhosa! E Anthony tem cinco meses.

— Você tem um bebê?

— Sim, contrariando tudo o que disse quando Olívia nasceu!

— Se não queria mais ter bebês por que engravidou de novo?

— Mandy foi planejada. Eu... — Ela para como se escolhesse as palavras. — Olívia estava indo para a escola e achei que talvez fosse bom para nós termos outro filho, por assim dizer. Não sei se... — Ela para, respirando fundo. — Enfim, se soubesse que Mandy ia ser tão manhosa, teria desistido da ideia.

— Ainda teve mais um bebê.

— Anthony foi um descuido. De novo! — ela resmunga e sacode a taça vazia. — Opa, acabou o vinho!

— Acho que já bebemos demais. — Olho a garrafa vazia e levo os pratos à pia.

— Sim, acho que agora estou com sono. E um tanto bêbada. — Ela ri, já se levantando.

— Sim, vá descansar. Foi um longo dia, para nós duas.

Naquela noite, custo a pegar no sono, ainda assombrada com todos os acontecimentos. Era inacreditável, eu tinha uma irmã. E gêmea!

Tínhamos o mesmo rosto. Embora nossas personalidades não pudessem ser mais diferentes.

Assim, como nossa história de vida.

Melanie era casada desde muito jovem. Tinha três filhos e vivia numa pacata cidade do interior. De repente me vejo muito curiosa sobre como seria aquela vida. Uma vida, reconheço, da qual sinto uma certa inveja. Minha irmã tinha tudo aquilo que eu sonhava para mim.

Antes de adormecer algo vem a minha mente. Por que ela não atendeu a ligação do marido?


***


Acordo cedo como sempre e me sinto um pouco animada quando lembro de que não estou sozinha. Agora eu tenho uma irmã.

Desde que eu fiquei sabendo da extensão da doença de Nora, eu achava que estaria sozinha no mundo quando ela morresse. Os pais de Nora haviam morrido antes mesmo de eu nascer e ela só tinha alguns tios e primos distantes com quem não tínhamos contato algum.

Agora me pergunto se ela mentiu sobre isto. Como mentiu sobre meu pai e Melanie.

— Bom dia! — Melanie aparece na cozinha bocejando e ainda de pijama.

— Tudo bem?

Ela se espreguiça.

— Acho que acordei muito cedo, ainda estou com sono.

— Já passa das nove!

Ela dá de ombros, servindo-se de café.

— Odeio acordar cedo!

— Ouvi dizer que quando se tem filhos fica bem difícil dormir até tarde.

— Ah, nem me lembre! — Ela faz uma careta. — Aqueles monstrinhos realmente acordam com as galinhas! Graças a Deus Connor é quem cuida deles de manhã.

— Que sorte a sua então! Connor deve ser um pai que te ajuda muito — questiono, curiosa.

— Ele é sim — ela responde casualmente. — Hum, tem mais deste pão? É muito bom! — Ela mastiga um croissant.

Eu lhe passo o pacote.

— E você retornou sua ligação?

Ela me encara sem entender.

— Ontem ele ligou e você não atendeu.

Ela engole, desviando o olhar.

— Vou ligar para ele, claro. — Ela sorri. — Que horas vamos ver a mamãe?

A pequena felicidade que estava sentindo por ter uma irmã por perto se arrefece quando me lembro da doença de minha mãe.

— Assim que estiver pronta.

— Tudo bem.

— Eu vou tomar um banho.

Quando saio do quarto depois de tomar banho e me arrumar me surpreendo ao ouvir vozes na sala. Quando chego lá, Charlote me encara como se estivesse vendo um fantasma.

— Oh, Meu Deus! Vocês são iguais!

— Vejo que já conheceu minha irmã, Melanie.

Seu olhar se arregala mais um pouco.

— Sua irmã, mas... Você é Melissa? Achei que...

Melanie solta uma sonora risada.

— Me desculpe, eu não resisti.

Então eu entendo.

— Você achou que Melanie fosse eu? — pergunto aturdida.

— A culpa é minha! — Melanie pisca. — Eu vi que ela achou que eu fosse você e não desfiz a confusão para ver até onde ia. Foi divertido. Acho que ninguém nunca vai saber se trocássemos de lugar! Com licença, vou tomar um banho para sairmos.

Ela se afasta e Charlote me encara ainda perplexa.

— Uau, isto é incrível, vocês são mesmo idênticas! — Charlote ainda está em choque.

— É o que parece...

— Tenho novidades.

— Aposto que é sobre a tal turnê mundial, Charlote, sabe muito bem o que penso sobre...

— Ei, calma, respira. Não entre em pânico, está tudo sob controle. Você sabia que isto ia acontecer em algum momento e...

— Não está falando sério!

— Mel, seu livro está em primeiro lugar na lista do New York Times! Vão fazer um filme baseado nele! Acreditou realmente que conseguiria continuar anônima depois disto tudo?

— Eu não posso! Você me conhece, sabe que eu sou péssima para falar em público, pelo amor de Deus! Além da turnê haverá entrevistas em programas de TV! — Eu sentia vontade de vomitar só de imaginar.

Ainda me lembrava de todas as vezes em que tive que apresentar trabalhos na faculdade, de como realmente chegava a passar mal antes de todas aquelas sessões de tortura.

— Está exagerando! Tenho certeza de que se pensar melhor no assunto vai ver que será incrível.

— Vai ser uma sessão de tortura! E vou estragar tudo.

— Não vai. Eu te garanto que vai ser bárbaro. Tem que vencer este medo, quem sabe fazer umas sessões de terapia se for preciso, ainda temos dois meses.

— Dois meses?

— Sim, a primeira sessão de autógrafos será aqui em Nova York e temos primeiro uma entrevista no Good Morning America.

— Oh, Deus! — Eu luto para respirar. Era um pesadelo. — Charlote, você sabe que minha mãe está doente, não posso me comprometer com isto.

— Eu sinto muito, consegui adiar o máximo que pude. Não fique assim! Vai dar tudo certo. Você é uma escritora incrível, linda e bem-sucedida. Tem que ter orgulho disto. Agora vai ser famosa. Acostume-se! — Ela se levanta e pega a bolsa. — Preciso ir. Manteremos contato, ok? E a Leslie quer saber se tem algo novo para ela. — Leslie era minha editora.

Eu lhe lanço um olhar irritado, que a faz rir a caminho da porta.

— Eu sei, eu sei! Vou manter a Leslie na linha! E se precisar de alguma coisa me liga. Estou feliz que tenha sua irmã com você neste momento.

— Eu também.

Charlote fecha a porta atrás de si e eu caminho até a janela, olhando o céu cinzento tentando aceitar que dali a dois meses estaria saindo numa turnê mundial, tendo que entreter milhões de fãs e entrevistadores.

Era simplesmente impossível para mim. Eu não queria aquela vida. Nunca quis. Eu só escrevia por hobby antes do meu manuscrito cair nas mãos de Charlote. Eu só desejava ser uma pessoa anônima e simples. Encontrar um cara legal para amar e ter bebês. Nada naquela vida de glamour, riqueza e fama me atraía.

— Vamos? — Melanie volta à sala arrumada e eu volto ao presente.

— Sim, vamos.

***

Nora ainda está desacordada quando entramos no quarto e parece mais pálida ainda contra os lençóis.

Eu deixo que Melanie se aproxime e segure sua mão. Ela chora baixinho com extremo pesar.

— Ela deve ter sido tão bonita.

— Sim, ela era.

— Será que ela ainda vai acordar? Queria tanto ouvir sua voz. Perguntar porque ela me deixou para trás.

Eu me aproximo e toco seus ombros.

— Eu sinto muito.

— É tão injusto.

— Eu sei.


Nós passamos os próximos dias no hospital, ao lado de Nora, enquanto a vida vai deixando seu corpo lentamente.

Sua consciência nunca mais voltou e isto me deixava arrasada. Eu queria que pudesse ter visto Melanie como era seu desejo, mas Nora apenas definhava cada vez mais, dia após dia, ignorando a nossas súplicas.

E a cada dia que passava, eu sentia meus laços com aquela outra pessoa igual a mim, se intensificando apesar da dor. Era como se nos conhecêssemos a vida inteira, apesar de sermos tão diferentes e sabermos tão pouco da vida uma da outra.

— Eu acho que eram muito parecidas — digo à Melanie um dia, enquanto ela segura a mão de Nora com um olhar pesaroso.

Se já era difícil para mim me despedir, imagina para Melanie que nunca a teve?

— Sério?

— Sim, ela era tão alegre e exuberante. Gostava de rir e conversar e vivia sempre em busca da próxima aventura.

— Será que ela me deixou porque não suportava a vida em Lakewood? — pergunta baixinho.

— Eu não sei. Não sabemos nem se é verdade que foi ela quem foi embora. Apenas David poderá nos dizer.

Muitas vezes, naqueles dias, eu me perguntava se deveria pedir para Melanie avisar David sobre Nora, mas me lembrava do seu pedido e me calava.

Os dois viviam vidas separadas há vinte e oito anos, não sei se faria alguma diferença agora. Talvez David nem se lembrasse mais que Nora existia, afinal tinha negado sua existência à própria filha por todo este tempo.

Assim como negou a minha.

— Ela era feliz assim? — Melanie pergunta.

— Sim, ela era.

— Será que se eu falar com ela, poderá me escutar? — ela pergunta de um modo quase infantil, e eu sorrio tristemente.

— Você pode tentar.

— Mamãe, é Melanie. A Melissa me trouxe, como pediu. Eu queria tanto que tivesse me pedido para vir antes, quando ainda estava boa. Por que me deixou mamãe, por que me deixou para trás? Eu seria tão mais feliz com você. Por que não me levou na sua aventura?

Melanie conversa com ela, como se Nora pudesse realmente escutá-la. Conta sobre sua infância, sobre como sentiu falta todos os dias de ter uma mãe e percebo que o vazio que Melanie sentiu era o mesmo que eu senti a vida inteira por não conhecer meu pai.

— Como David é? — eu pergunto certa tarde.

— Chato — Melanie resmunga, e eu sorrio.

— Queria tanto conhecê-lo.

— Ainda poderá conhecer.

— Eu não sei se ele vai querer, afinal ignorou a minha existência a minha vida inteira.

— Por que as pessoas fazem isso?

— Isso o quê?

— Levam a vida cheias de rancor e ignorando o que as faz feliz como se a vida não fosse tão curta, tão efêmera?

Eu não entendo direito o que ela quer dizer. Talvez esteja falando de David e Nora, que, por algum motivo, que nos era desconhecido, tinham escolhido viver vidas separadas e nos separando no processo.

— Eu perdi tanta coisa — ela murmura, e eu seguro sua mão, apertando-a. Imagino sua tristeza por estar perdendo uma mãe que nunca teve.

— Você vai ter que ser forte, irmã.

Ela olha para mim e sorri, e deita a cabeça em meu ombro.

— Estou feliz que pelo menos eu pude conhecer você.

— Eu também.


Nora nos deixou algumas semanas depois, numa linda tarde de verão, o tipo de tempo que ela adorava.

Realizamos um cerimonial íntimo, apenas com a presença de Charlote, já que todos os amigos de Nora estavam em São Francisco.

E, na manhã seguinte, comecei a me questionar quando Melanie voltaria para Lakewood, afinal, ela tinha uma família lá. E já sentia meu coração se apertando, eu tinha me apegado a Melanie mais do que imaginava.

— Bom dia — Melanie aparece sonolenta, e eu mordo os lábios apreensiva.

— Terá que voltar a Lakewood?

— Não vou deixar você sozinha agora.

— Você não tem que voltar logo? — pergunto com cuidado.

— Claro que não! Estou com minha irmã, que passei vinte e oito anos sem conhecer, quero passar o máximo de tempo com você. Precisamos uma da outra agora.

Fico emocionada por ela querer ficar comigo, também um tanto preocupada. Melanie tinha marido e filhos pequenos esperando por ela em Lakewood.

— E quanto a sua família?

— Você é minha família também, Mel — ela diz com convicção.

— Só fico preocupada...

— Não fique sua boba. Está tudo sob controle, não se preocupe.

Eu sorri, enternecida. Não sei o que seria de mim se Melanie não estivesse ali.

— O que quer fazer?

— Acho que vamos ficar mais tristes se ficarmos em casa. Poderia me levar para conhecer Nova York.

— Claro, acho que será bom sair e espairecer. Mamãe gostaria disto. Ela sempre odiava enterros e falava que nós devíamos celebrar a vida.

— Então vamos deixar ela feliz! — Melanie sorri e eu sorrio de volta. Ainda é um sorriso triste, mas eu espero que o tempo cure nossa dor. Pelo menos temos uma a outra.


Capítulo 3


Melanie parece uma criança em suas primeiras férias, quando a levo para conhecer alguns lugares icônicos da cidade. E realmente, com o passar dos dias, ficava mais fácil sorrir e deixar a dor da saudade ir embora.

— Esta cidade é muito incrível! Sempre morou aqui? — ela pergunta, quando estamos tomando sorvete numa tarde na tradicional Serendipity.

— Nós moramos em muitas cidades. Vivíamos nos mudando. Me estabeleci aqui quando vim fazer faculdade.

— Eu amei a cidade.

— Fico feliz que esteja gostando.

Ela retribui o sorriso. E meu celular vibra na mesa. É uma mensagem de Charlote. “Veja quem está ficando famosa.”

Abro o link embaixo e vai direto para uma página de internet com a notícia sobre a turnê de lançamento do livro e, para meu pavor, há uma foto minha.

— Ah não! — digo, horrorizada, e Melanie me encara curiosa.

— O que foi?

Mostro o celular.

— Wow, que legal! — Ela fica toda empolgada, franze a testa ao me encarar. — Por que está brava? Não é legal?

— Odeio exposição! Sempre me mantive quase no anonimato, não gosto de aparecer.

— Seu livro é muito famoso. Claro que vai ficar famosa também.

— Não quero! Tenho conseguido evitar, agora com este negócio do filme, está fugindo do controle! Marcaram esta turnê, entrevistas... Estou pirando só de pensar.

— Não entendo como pode não estar amando.

— Não quero ser famosa, ficar dando entrevista, sendo reconhecida na rua, é um pesadelo!

— Pode se preparar. Agora será sua realidade.

— Não sei como vou conseguir passar por tudo isso.

— Está sendo exagerada. Será tudo maravilhoso, vai ver. Eu daria um braço para estar no seu lugar.

— Nós somos muito diferentes, não é?

Ela concorda.

— Verdade. Duvido que ia querer ficar no meu lugar! Minha vida é tão sem graça.

— Não acho que seja verdade — digo com convicção. — Você tem um marido, três filhos, uma vida completa.

— Completa na opinião de quem? Só seria completa se vivêssemos na década de 50! Eu queria ser como você! Ter estudado, ter uma profissão. Ganhado bastante dinheiro, vivido numa cidade vibrante como essa e... — ela para com uma expressão entre culpada e ansiosa — e ter conhecido muitos homens interessantes também, por que não?

— Ah, Melanie, você é casada! Como pode falar assim? — Definitivamente não a entendo.

Ela joga a cabeça para trás soltando uma grande gargalhada.

— Não seja boba! É tudo na minha imaginação, né? Olha só, acho que poderia até ser escritora também, sou boa em fantasiar coisas que nunca irão acontecer! — Revira os olhos. — Até parece! Nunca fui boa nem em redação. Não curto escrever.

— Mamãe também não curtia.

Ela sorri.

— Adoro quando fala dela. Assim a conheço um pouco mais.

— São tão parecidas... A mesma alegria e vivacidade... Vocês se dariam muito bem.

— E você se daria muito bem com o David.

Fico ansiosa.

— Acha que ele gostaria de me conhecer?

Ela dá de ombros.

— Não sei. Ainda estou com um pouco de raiva por ele ter escondido tudo isto de mim. Você gostaria de conhecê-lo?

— Não sei. Acho que ele não tem nenhuma vontade de me conhecer, então, talvez seja bobagem eu tentar uma aproximação — digo tristemente.

— Ora vamos, não fique triste! Por que não vamos a uma livraria e eu compro seu livro para ler? Estou muito curiosa.

Eu me deixo contaminar por sua euforia e nós saímos em direção à livraria que eu gostava de frequentar. Algumas pessoas olham para a gente na rua, curiosas, e Melanie me cutuca.

— Olhe, todo mundo fica espantado com o quanto somos iguais. — Ela ri.

— Odeio que fiquem me olhando! — resmungo e coloco chapéu sobre meus cabelos para tentar disfarçar a semelhança e ainda completo com meus óculos de grau, que geralmente só uso para trabalhar.

Melanie ri.

— Você é tão boba!

Nós entramos na livraria e ela fica eufórica quando vê meus livros.

— Olha só!

— Ah, Meu Deus, é a Mel Blake! — De repente nós nos viramos para a adolescente que grita. Automaticamente me viro, apavorada, preparando-me para dizer que está enganada, mas a garota está apontando e vindo em direção a Melanie. — Não acredito que é você!

— Oh, meu Deus!

— Fique calma, eu cuido disto! — Melanie cochicha para mim. — Vá! — Ela praticamente me empurra e me afasto quase correndo e só paro quando estou a alguns passos de distância da adolescente histérica que automaticamente é seguida por outras que agora cercam Melanie.

— É mesmo ela! — uma outra diz perto de mim, indo na mesma direção enquanto eu observo Melanie sorrindo e conversando com as garotas animadamente.

— Vi sua foto hoje de manhã! Você é mais bonita pessoalmente.

— Ah, obrigada! — Melanie sorri envaidecida.

— Por que nunca aparece? Sempre fui tão curiosa para saber como era.

— Sou um pouco tímida, garotas.

As meninas riem.

— Você poderia autografar meu livro?

— O meu também!

— Claro, uma de cada vez!

De repente ela está com uma caneta nas mãos autografando os exemplares das garotas que agora estão eufóricas.

— Podemos tirar uma foto? — elas pedem e Melanie se apressa em tirar self com todas.

Toda a situação dura uma meia hora, até que um segurança da livraria aparece e consegue tirar Melanie do meio da horda de leitoras ávidas.

Ela vem quase pulando em minha direção.

— Você viu isto?

— Estou chocada!

Ela ri.

— Foi tão legal!

— Para mim pareceu mais uma sessão de tortura! Como conseguiu? Eu teria ficado em choque, paralisada só pensaria em fugir! Elas pareciam querer arrancar um pedaço de você!

— Só queriam atenção! Nunca teve um ídolo, Mel? É assim mesmo. E tirei de letra! Foi muito divertido ser você! Não sei como pode não gostar. Eu me diverti muito!

— Sim, se saiu muito bem. Acho que preciso agradecer. Eu teria pagado mico na frente daquelas meninas e elas certamente iriam para as redes sociais me esculhambar e minha agente iria me matar!

— Ficou tudo bem! Enquanto estiver aqui pode contar comigo, caso mais uma fã afoita apareça. Vou ser sua dublê!

Rio do absurdo, embora esteja realmente me sentindo agradecida. Melanie me livrou de uma situação que teria sido constrangedora para mim.


Nós passamos todas as horas juntas enquanto a levo para conhecer Nova York. Ela fica encantada com tudo e a cada momento que passa fico mais espantada com o quanto nós somos diferentes. Ela adora fazer compras, por exemplo, coisa que só faço por necessidade. Eu havia dito que precisava de algumas roupas de verão e ela me acompanhou a uma loja, vibrando enquanto escolhia roupas para mim.

— Não preciso de nada disto, Melanie.

— Vai precisar para a turnê, esqueceu? E também vai aparecer em programas de TV, tem que estar muito elegante!

— Está bem! — Acabo concordando, ainda sem saber como é que vou passar por toda aquela situação.

— Olha este vestido! — Ela segura um vestido preto de brocado muito curto. — É lindo, tem que levar.

— Nem pensar. Não faz meu estilo.

— Faz o meu!

— Então leve para você.

— Até parece que tenho dinheiro para comprar algo assim! — Ela o coloca de volta no cabide.

— Não seja por isto, eu te dou de presente.

— Sério? — Ela arregala os olhos.

— Claro que sim! Aliás, pode escolher o que quiser!

Ela dá um pulo de alegria.

— Oh, é o máximo! Tem certeza? — Ainda fica indecisa.

— Tenho sim.

— Esta loja é bem cara, Mel!

— Não tem problema, tenho mais dinheiro do que consigo gastar.

— Mesmo assim, é seu dinheiro, não quero que pense que sou interesseira ou algo assim.

— Jamais pensaria isto, Melanie. Somos irmãs. Não tenho ninguém. E, pense assim, o que é meu é seu, ok?

Ela sorri e me abraça e vejo seus olhos cheios de lágrimas quando me encara de novo.

— Eu te amo, irmã.

— Eu também. Estou feliz que esteja aqui. — E é a pura verdade. Depois da chegada de Melanie não me sentia mais sozinha e sua presença era um bálsamo na ferida da perda de Nora.

Ela suspira e se afasta pegando o vestido.

— Vou experimentar.

Ela escolhe várias roupas, muitas delas considero um tanto inapropriadas para uma mulher casada de cidade pequena e ela ri quando pergunto se isto não lhe trará problema.

— Não seja boba! Eu sempre quis usar roupas maravilhosas assim! Não vou perder a oportunidade.

Eu me questiono o que o marido dela iria achar, mas me calo. Melanie não fala mais do seu marido e filhos e me pergunto se ela faz de propósito. Tenho vontade de perguntar, porém não quero ser intrometida.

— Papai nunca se casou de novo? — pergunto naquele fim de tarde depois que voltamos das compras.

— Nunca. Acho que ele ficou meio amargurado sabe? E a mamãe?

— Ah, ela tinha muitos homens na vida dela. Vivia se apaixonando. Um atrás do outro. Nunca dava em nada.

— Mamãe era esperta, sabia aproveitar a vida.

— É, olhando por este prisma.

— E você?

— Eu?

— Sim, não tem um namorado? Ou dois? — Ela havia me cutucado com um sorriso malicioso me deixando vermelha.

— Eu não tenho sorte com homens.

— Ah, por favor! Você é linda e rica, como pode não ter um namorado, ou pelo menos um monte de encontros excitantes?

— Não tenho um encontro há muito tempo.

— Por quê?

— Porque parece que só atraio os babacas!

— Talvez não tenha procurado direito.

Eu esboço um sorriso amargo.

— Cansei de procurar, esta é a verdade. Cansei de ficar indo de um encontro a outro, buscando o príncipe encantado, querendo encontrar aquele cara por quem vou me apaixonar loucamente e viver feliz para sempre.

— É o que procura? Um príncipe encantado?

Dou de ombros.

— Sei que parece idiota e tão anos 50.

— Você que está dizendo. — Ela levanta as mãos rindo.

— Sempre quis me casar. Ter filhos. Ter uma família só minha, uma vida bem normal sabe? Sempre me senti incompleta.

— Por quê? Você tem uma vida incrível!

— Minha vida não é tão incrível assim. Sei que tive sucesso na minha profissão e realmente amo escrever, mas a vida não é só isso. Às vezes me pergunto se não tem algo extraordinário esperando por mim. — Perco meu olhar no nada e sinto a mão de Melanie sobre a minha.

— Quer saber um segredo? Também sempre pensei nisso. Sempre olhava para minha vida e pensava se era só aquilo. Vou viver e morrer assim? Cadê o extraordinário? — Nós duas rimos. — E, quer saber? Meu extraordinário é você.

Sorrio enternecida.

— Conhecer você, estar aqui neste momento... É todo o extraordinário que eu queria viver.

— Está sendo incrível para mim também.

Ela rola os olhos.

— Ah é? Porque acho que você acharia mais extraordinário mesmo é conhecer o senhor perfeito que tanto sonha e dar umas trepadas bem dadas.

— Ah, meu Deus, Melanie!

— É sério, deveria sair mais.

— Com a doença da mamãe, eu não me preocupava com mais nada.

— Eu entendo. Mas ela se foi e você está viva.

— Nós estamos.

— É... — Seu sorriso parece triste de repente. — Nós estamos.

— Quer sair para jantar?

— Claro, e se quiser poderíamos ir dançar depois.

— Eu não danço.

— Beber drinks, flertar e...

— Ah, já sei aonde quer chegar.

— E sabe que tenho razão! Está precisando de diversão de verdade, Mel!

— Eu não...

— Quer sim. Sou sua irmã, sei das coisas. Tive uma ideia. Vamos colocar um daqueles vestidos lindos que compramos hoje e vamos a alguma boate da moda.

— Eu não sei...

Ela já está de pé, toda animada.

— Levante a bunda daí e vá tomar um banho.

— Eu não gosto de boates, nem sei dançar.

Ela ri.

— Minha querida, você estará comigo vou te ensinar tudo o que precisa.

— Ah, Deus, tenho até medo de perguntar se está pensando em mais alguma coisa além de alguns passos de dança.

Ela pisca.

— Sou muito boa de flerte também, não se preocupe.

Ela sai rindo e se tranca no quarto, e eu bufo.

Melanie era um furacão e estava pouco a pouco virando minha vida maçante e certinha de ponta cabeça.

E eu gostava da confusão?

Bom, não era ruim. Sinceramente, apesar da dor da perda, nós tínhamos até nos divertido naquelas últimas semanas. Talvez Melanie tivesse razão e eu precisasse vestir uma roupa bonita e sair para me distrair.

E já estou me levantando para ir tomar um banho quando o celular, que ela deixou em cima da mesa, toca. Olho o visor e vejo o nome que pisca.

Connor.

É o marido de Melanie.

Penso em deixar tocar, já que escuto o som do chuveiro ligado, mas o celular continua tocando insistentemente. Mordendo os lábios eu o pego e atendo, com o intuito de dizer que Melanie está no banho e que ele pode retornar depois, preocupada que pudesse ser algo importante.

— Alô — atendo por fim, colocando o aparelho na orelha.

— Melanie, que inferno, quando é que ia atender minhas ligações? — uma bonita voz masculina esbraveja.

Oh. Ele acha que eu sou Melanie.

Antes que eu consiga abrir a boca para desfazer o mal-entendido ele continua.

— Estou cansado desta sua brincadeira! Já chega! — grita, me deixando paralisada. — Você precisa voltar para casa! — Ele respira fundo e continua numa voz mais calma, agora num tom mais suplicante. — Melanie, por favor, as crianças estão perguntando por você, seu pai está preocupado e não sei mais o que inventar para não ter que confirmar a ele que você sumiu.

— Mel? — Levanto o olhar e Melanie está olhando para mim vestindo um roupão. — É o meu celular?

— Melanie? — o homem do outro lado da linha insiste.

Tiro o celular do meu ouvido e passo para Melanie.

— É seu marido. Devia atender.

Ela empalidece ao pegar o telefone.

— Connor...

Não escuto mais o que ele diz. Fico olhando para ela, ainda meio em choque com o que havia escutado.

— Connor, não adianta insistir — ela diz por fim. — Não estou preparada para voltar para casa. Estou bem, ok? Estou em segurança e não vou dizer onde estou. Apenas entenda... Só vou voltar quando eu quiser! Tchau, Connor! — Ela desliga e me encara.

— Droga! — praguejou. — Me desculpe.

— Só atendi porque tocou muito e queria avisar que ia retornar...

— Você falou com ele?

— Não, nem consegui falar nada, ele só esbravejava que você tinha que voltar para casa, que tinha sumido. Melanie, o que está acontecendo?

Ela assume um ar culpado.

— Saí de Lakewood sem avisar ninguém, simplesmente fugi. Fugi para te encontrar.

— Não contou sobre a mamãe ou sobre mim?

— Você disse que David não deveria saber.

— Mas e o seu marido?

— Ele contaria ao papai.

— E até agora não contou nada? Como pôde fazer isto? Deve ter deixado tudo mundo preocupado. Seu marido parece apavorado! Tinha que ter combinado com sua família, avisado as pessoas que ia viajar.

— Eu saí de Lakewood sem saber o que ia encontrar aqui, se era mesmo verdade que éramos irmãs.

— E seus filhos, Melanie, você abandonou seus filhos!

— Não abandonei!

— Seu marido parece pensar que sim.

— Connor não entende.

— Por que não conversa com ele, explica o que está acontecendo. Diga que está comigo.

— Por que ele vai querer me obrigar a voltar.

— Talvez... talvez devesse voltar para casa.

Seus olhos se enchem de água.

— Quer que eu vá embora?

— Claro que não, mas você tem sua vida. Tem seus filhos e marido.

— Não quero voltar agora, Mel. Não posso. Não estou preparada ainda, por favor, não me obrigue a ir.

— Ah, Melanie... — Eu a abraço. Querendo entendê-la, mas é difícil para mim.

Por mais que ame sua presença comigo e lamente que existam pessoas esperando por ela em outro lugar bem longe de mim, não consigo esquecer o tom de súplica na voz de Connor. Do seu marido.

Ele parecia desesperado por sua volta.

— Por favor, Mel, não me mande embora — ela insiste.

Eu a encaro.

— Ok, não posso obrigá-la, só acho que deveria considerar contar tudo ao Connor. Ele irá entender. Se souber que está bem, talvez ele fique tranquilo.

— Duvido, ele não vai sossegar até me obrigar a voltar — ela diz quase com raiva.

— Não sente saudade da sua família?

Ela dá de ombros.

— Estou feliz aqui com você. Nunca sonhei com um momento assim, e está sendo tão maravilhoso que só quero aproveitar o máximo que puder, por favor. Deixe que eu resolva as coisas com o Connor a seu tempo. Por enquanto, só quero curtir este momento.

— Tudo bem. É a sua vida.

Ela sorri.

— Obrigada. E aí, que tal ir tomar um banho para gente se arrumar?

— Certo!


Horas depois sinto minha mente girando e a música alta quase estoura meus ouvidos. Eu e Melanie estávamos numa badalada boate de Manhattan e ela havia me obrigado a ingerir dois drinks, dizendo que era para eu me soltar, quando me recusei a ir dançar.

— Venha, vamos dançar — ela insiste, toda agitada. Está realmente bonita usando o vestido de brocado curto e justo, seus cabelos presos num coque.

— Não me obrigue, sou tão descoordenada.

— Ah, eu duvido! Você é muito tímida, isto sim. Tem que parar com isso, duvido que minha irmã não seja boa de dança! — Ela me arrasta em direção a pista. — Olha só, está linda, tem que se exibir.

Eu rio. Estou usando um vestido vermelho que não é nem tão curto e não tão justo quanto o dela, mas devo admitir que estou realmente me sentindo bonita. Fazia tempo que não me arrumava desse jeito.

Melanie me leva para o meio da pista e todos olham para nós, provavelmente notando a semelhança.

— A gente está arrasando! — ela grita por cima da música, começando a dançar sensualmente.

Oh, Deus, eu me mexo com menos entusiasmo tentando não parecer ridícula.

Não demora para alguns homens nos cercarem.

Fico um tanto sem graça e Melanie se aproxima, cochichando no meu ouvido.

— Está vendo, já tem vários caras de olho em nós! Tenho certeza de que não vai sair daqui sozinha!

Rolo os olhos e ela volta a dançar, rindo e soltando o cabelo, incitando-me a fazer o mesmo, nem ouso. O gesto parece combinar com ela, com sua personalidade exuberante, tenho certeza de que ficaria ridícula fazendo o mesmo.

Enquanto estou ali, vendo Melanie rindo e se divertindo, cantando a música, hipnotizando todos ao redor, sinto alguma inveja da vitalidade que emana daquela garota. Ela realmente parece ter nascido para estar ali, vestindo um sensual vestido caro e dançando numa boate da moda, na cidade mais fervilhante do mundo.

Volto para a mesa sem ela perceber, tão entretida em seu show particular. O garçom se aproxima e peço uma água. Não ia mais beber porque já estava sentindo minha cabeça rodando.

Fico olhando Melanie dançando até a pista começar a encher e a perco de vista. Tento não ficar aflita, afinal, ela podia ser uma garota do interior, mas parecia saber se virar melhor que eu num ambiente daqueles.

Mesmo assim, fico um tanto preocupada, quando o tempo vai passando e não a vejo mais. Levanto-me da mesa e vou em direção a pista procurando-a com o olhar por entre a horda de corpos dançantes. Ela não está lá. Onde teria se metido? De repente fico realmente alarmada, enquanto vou em direção ao bar e reconheço o vestido de brocado, mas quando me aproximo sou surpreendida ao ver que Melanie não está sozinha, tem um homem na sua frente, que sussurra, sabe-se Deus o que, em seu ouvido, enquanto Melanie ri.

— Melanie! — grito por cima da música e ela se vira, atordoada. Seu rosto se tinge de vermelho quando me vê.

— Mel!

— Que merda está fazendo, ficou louca? — Eu me aproximo mais e a puxo pelo braço.

— Ei, docinho, esta daí é sua gêmea? Uau, que sorte a minha! — O homem vem atrás de nós, eu paro, lançando um olhar irado para ele.

— Não se aproxime!

— Ei, calma, docinho...

— Não sou seu docinho e muito menos minha irmã.

— Mel, calma! — Melanie tenta intervir, eu a calo com o olhar e ela tem o bom senso de parar.

— Nós estamos indo embora! — Dou a noite por encerrada e a arrasto para o caixa, pagando nossa conta, enquanto ela continua em silêncio.

Saímos para a rua e entramos num táxi.

Melanie continua calada.

Meu Deus, que cena foi aquela? Ainda estou muito irritada para sequer falar alguma coisa. Quando chegamos em casa, finalmente ela começa a falar.

— Você está com raiva.

Eu a encaro.

— Estou... chocada! Melanie, você é casada e estava flertando com um cara!

— Você não entende.

— Realmente não entendo! Como pôde fazer isto? Esqueceu que é casada?

— Sei que é difícil entender, deve estar pensando que sou uma vaca.

— Não é isto, mas...

— Preciso que entenda que eu e o Connor estamos passando por problemas. Já faz tempo. A verdade é que faz meses que ele está dormindo no sofá.

— Oh! — Aquilo era novo.

— Sei que não deveria estar encorajando aquele cara, acho que não estava pensando, só estava tão feliz que um homem me achou atraente, flertou comigo, não sabia quem eu era. Em Lakewood sou só uma mulher casada que tem que cuidar de três crianças e hoje era uma mulher atraente e livre. E me deixei levar.

— Então você e o Connor vão se separar? — pergunto com cuidado.

— Não sei. — Uma lágrima cai do seu olho maquiado. — Está tudo confuso. Nós estamos juntos há tanto tempo, já passamos por tantas crises, mas sempre permanecemos juntos. Talvez por causa das crianças... Ah, a quem quero enganar? Claro que foi por causa delas. Já pensei tantas vezes em ir embora, em deixá-lo, mas o que eu seria na vida a não ser uma mulher separada que teria de cuidar dos filhos sozinha? Não sei se consigo. Sempre quis ser livre, mas é tarde demais para mim. Talvez eu precise encarar este tempo com você como umas férias da Melanie Carter, mãe e esposa, para ser apenas Melanie Martin, livre e feliz, que terá que voltar a sua vida quando as férias terminarem.

— Ah, Melanie, não sei o que dizer.

— Me desculpe — ela murmura por fim.

— Tudo bem, vá dormir. Amanhã nós conversamos, ok?

— Ok, boa noite.

— Boa noite Melanie.

Eu a vejo se afastar e fico tentando entender aquela outra pessoa tão igual a mim e ao mesmo tempo tão diferente.

Estou realmente chocada por saber que ela estava longe de ser feliz como eu imaginava. E, de repente, entendo porque ela quase nunca falava de sua vida em Lakewood, com seu marido e filhos. Do porquê de não atender as ligações de Connor.

Ela estava realmente fugindo.


Capítulo 4


A vida é realmente muito estranha e às vezes nos leva por caminhos totalmente inimagináveis, penso enquanto corro no Central Park naquela manhã.

Os primeiros raios de sol por entre as folhas me fazem sentir viva. Gosto de correr àquela hora da manhã, quando não tem quase ninguém no parque e posso curtir a solidão. Nora dizia que eu era um coração solitário, às vezes, pensar em minha mãe faz meu coração doer um pouquinho de saudade, embora já não me dê vontade de chorar. E tudo isto tinha a ver com aquela nova e inesperada presença na minha vida. Minha irmã.

Melanie.

Duas semanas haviam se passado desde a noite na boate e, apesar daquela discussão e de eu realmente não compreender como Melanie podia ser tão desprendida de sua outra vida em Lakewood, com marido e filhos, tínhamos nos conectado ainda mais. E, apesar de meu lado sensato desejar que ela realmente voltasse para sua família, iria me sentir muito solitária quando fosse embora.

Inevitavelmente este dia chegaria e teria que me preparar.

O sol está ficando quente quando saio do parque e caminho até o Starbucks na esquina do meu prédio para comprar café para Melanie.

Enquanto espero me chamarem, relanceio o olhar pela loja e vejo uma garota em uma mesa no canto lendo um dos meus livros, sorrio discretamente, dando graças a Deus por ninguém saber quem eu sou e não me atazanarem àquela hora da manhã. Infelizmente, sei que este anonimato está prestes a acabar. A tão temida entrevista para a TV vai acontecer amanhã e, só de pensar nisso, tenho vontade de vomitar.

— Melissa — chama a atendente, e pego meu café, saindo da loja.

Na pressa de sair esbarro em alguém e subo o olhar sorrindo sem graça.

— Oh, me desculpe.

O rapaz em quem eu esbarrei sorri de volta e me mede de uma maneira nada sutil.

— Imagina, linda!

Eu coro e saio para a rua, ignorando a paquera descarada. Fico me perguntando se Melanie me criticaria duramente. Ela vivia me repreendendo por não flertar mais.

— Não estou no clima para encontros — eu desconversava, porém ela não cansava de insistir.

— Você é solteira e livre, pelo amor de Deus! Deve sair, conhecer homens incríveis, fazer sexo gostoso, fala sério, vive igual a uma freira.

— Estou cansada de fazer sexo ruim com caras babacas.

— Não pode desistir só porque não teve boas experiências! Se eu fosse você...

— Você não é! — Eu suspirava e ela sorria tristemente.

— Não, não sou.

Quando chego em casa, Melanie está jogada no sofá lendo meu livro. Ela já estava no terceiro volume e adorando.

— Já acordada, que milagre é esse? — Melanie não acordava antes das dez da manhã.

Ela se vira e me vê.

— É para mim? — Pula do sofá e tira o café das minhas mãos.

— É — respondo, olhando as correspondências no aparador.

— Hum, isso é o paraíso! Obrigada Irmã.

— De nada, querida.

— Ah, sua agente esteve aqui. Veio avisar sobre uma entrevista que tem amanhã.

— Oh, não! — Solto um gemido desalentado. — Esta merda de entrevista!

— Ei, não fique assim, vai dar tudo certo!

— Como? Estou apavorada!

— Está sendo dramática, vai ser demais!

— Duvido muito! — Suspiro. — Bom, vou tomar um banho.

— Tudo bem vou fazer uma omelete para você se animar.

— Não, obrigada, eu mesma faço. — Melanie era péssima cozinheira e eu me perguntava como o marido e os filhos sobreviviam.

Ela ri, se jogando no sofá de novo pegando o livro novamente.

— Eu tentei!

***

Naquela noite não consigo dormir, tensa por causa da maldita entrevista em poucas horas. Cansada de ficar rolando na cama de um lado para outro, levanto disposta a buscar um livro em minha biblioteca e, ao passar pelo quarto de Melanie, vejo a luz do abajur acesa pela porta entreaberta.

— Mel? — ela me chama e abro a porta.

— Ainda acordada? — Percebo que seus olhos estão vermelhos. — O que foi? Está chorando?

Ela enxuga os olhos, sorrindo tristemente.

— Connor me ligou. E já pode imaginar.

— Oh, Melanie. — Eu entro no quarto e sento na cama segurando sua mão, esquecida momentaneamente do meu drama.

Minha aversão aos holofotes parecia tão mesquinha se comparada ao drama que minha irmã vivia.

— Vocês brigaram?

— Com certeza.

— Ele quer que você volte para casa.

Desde o dia em que eu tinha atendido a ligação do marido de Melanie, nunca mais a vi falando com ele. Nem sabia se ele ligava ou não. Ou se ela ligava para casa.

— Ele não quer, ele exige — ela responde com raiva. — Fica me ligando todo dia e, como não atendo, fica deixando recados cada vez mais furiosos. Estou tão de saco cheio.

— Ele é seu marido, Melanie — digo baixinho.

Fico imaginando Connor Carter do outro lado da linha, com três crianças perguntando pela mãe. Sem saber onde ela estava e quando ia voltar. E me compadecia de seu sofrimento.

Eu não conseguia deixar de sentir certa inveja de Melanie. Ela tinha alguém que a amava e a queria de volta. Tinha filhos que precisavam dela. Um marido que sentia sua falta.

Eu não tinha ninguém. Meu pai fingia que eu não existia. E Melanie certamente, uma hora ou outra, iria se comover com os pedidos desesperados do marido e iria me deixar, voltando para sua vida em Lakewood.

E eu ficaria sozinha.

— Nós somos casados, porém não estamos mais juntos — ela refuta. — Já te disse, estamos separados.

— Moram juntos. Então ainda estão juntos.

— Ele dorme no sofá, pelo amor de Deus. Há tempos! Eu nem lembro a última vez em que fiz sexo com ele. Que casamento é esse?

— Casamento não é somente sexo.

— Não, não é. É também nossas brigas constantes, ou o fato de eu acordar todo dia e pensar “que vida de merda é esta que estou vivendo? Por que não sou feliz?” — Ela soluça, e eu toco seus cabelos, compadecida.

— Como pode não ser feliz? Você tem três filhos. Até entendo que seu casamento esteja passando por uma crise.

— Crise? Não sei se é somente uma crise, Mel. A gente já passou por muitas coisas, sei do que estou falando.

— E seus filhos? — insisto.

— Estou cansada de tentar consertar tudo por causa deles. — Ela suspira. — Sei que pareço ser uma mãe horrível ficando aqui e os deixando lá sozinhos. Às vezes acho que tinha que ser assim. Que eles estão melhor sem mim.

— E você? Está melhor sem eles?

Ela sorri por entre as lágrimas.

— Eu seria uma pessoa muito horrível se dissesse que sou mais feliz aqui?

— Ah Melanie... — Choro também. — É difícil tentar entender porque não sou você. Nunca tive um marido ou filhos, nem sei como lidaria com uma situação como a sua.

— Você me acha horrível.

— Não! Eu só... são crianças e saíram de dentro de você, como pode não querer estar com elas o tempo inteiro? Protegê-las, vê-las crescer?

— Você não entende como é...

— E Connor? Você o ama? — pergunto baixinho, e ela baixa o olhar.

— Eu não sei — sussurra e me encara. — Não sei nem se um dia o amei.

— Ah, querida, sinto muito.

— Por isto estou aqui. Por isto fiquei tão feliz quando descobri sobre você. Era um motivo para eu fugir, para ser outra pessoa. Alguém mais parecido com o que eu sempre quis ser. Você entende? Acordar todo dia pensando que aquela não é a sua vida? Que você deveria ser outra pessoa?

— Acho que posso imaginar.

— Não, eu duvido. Você tem tudo o que eu queria.

Sorrio tristemente.

— Está tão enganada, irmã.

— Está falando de sua vontade de ter bebês e um marido? Você pode ter. Basta querer. Estale os dedos e arranjará um cara incrível para se apaixonar e fazer bebês lindos se for seu desejo.

— Não é tão fácil assim. Acho que nem é só isto. Eu... perdi a mamãe. E sinto tanta falta dela, era a única pessoa que eu tinha. Você pelo menos tem o papai enquanto eu nem sei como ele é.

Ela morde os lábios e então sorri.

— Ah, isso podemos resolver.

Ela pega a celular começa a remexer e então me entrega.

— Este é nosso pai. — Ela aponta para a imagem de um homem de meia idade com cabelos escuros. Ele veste um respeitável uniforme da polícia.

— Oh, meu Deus! — Choro, emocionada.

— Nós temos os olhos dele — ela diz com carinho. — Mas ele é tão chato e mandão!

Nós duas rimos.

Eu passo o dedo pela tela e então a imagem muda e me deparo com a foto de um homem deslumbrante.

— Ah, este é o Connor — Melanie diz.

Eu não consigo desviar o olhar. Aquele é o Connor da Melanie?

É simplesmente lindo. Seus cabelos são de um loiro escuro e seus olhos tão verdes que parecem brilhar. E seu sorriso é matador.

— Nossa! — Não consigo deixar de exclamar, e Melanie solta uma risadinha.

— Eu sei.

Com muito custo consigo desviar o olhar da foto e a encaro boquiaberta.

— Ele é lindo de morrer, Melanie.

Ela ri ainda mais.

— Eu te disse que ele era lindo.

— Realmente, mas sei lá. Vocês eram adolescentes quando se encantou por ele. Ele podia estar careca e gordo.

— Não, o tempo foi generoso com Connor. Ele continua tão lindo quanto no dia que transamos pela primeira vez no banco de trás do seu carro.

— Posso imaginar porque não conseguiu manter as pernas fechadas.

Ela ri, me dando um soco no ombro de brincadeira.

— Ok, nem vou me ofender. Ele era realmente maravilhoso.

— Ele é maravilhoso — refuto. — Então por que...

Eu queria dizer que não entendia o motivo de ela não estar neste exato momento correndo para Lakewood para se jogar nos braços deste cara perfeito e fazer mais alguns bebês, mas me refreio.

Ela fica séria de novo.

— Talvez o amor não tenha nada a ver com aparência, Mel. Todo mundo que olha minha família de fora pode pensar que somos perfeitos, embora estejamos bem longe disto.

— Queria saber como são seus filhos, tem fotos deles?

— Sim, claro. Pode passar.

Eu passo a imagem e aparecem três crianças lindas.

Todas têm os mesmos cabelos de Connor. Uma garota mais velha que deve ser Olívia é linda e sorri, enquanto segura na mão de uma garotinha menor de uns quatro anos. Mandy.

— Elas são lindas! — Suspiro.

— E dão muito trabalho! — Melanie rola os olhos.

Eu passo a foto e Connor está segurando no colo um bebê muito fofo.

— Wow, que coisa mais...

— Irritante! — Melanie completa e eu a repreendo com o olhar.

— Não, ia dizer fofa!

— Ah, duvido que pense assim tendo que acordar no meio da noite quando ele chora com cólicas ou destrói seus seios mamando!

— Você amamentou?

— Muito pouco. Meus pobres seios não mereciam aquilo.

— Pense no quanto foi bom para eles.

— É o que dizem.

Passo de novo e desta vez há uma mulher morena e linda segurando o bebê.

— Esta é minha concunhada Natalie, casada com o irmão do Connor, Sam. Ela me odeia.

— Sério?

— Sim. Uma chata! Morre de inveja de mim porque não pode ter filhos.

— Coitadinha!

— Ela vive me criticando! Deve estar todo dia socada na minha casa enchendo a cabeça do Connor dizendo como sou puta e tudo o mais.

Passo a foto e há outro casal segurando o bebê.

— Estes são Lilian e Adam. Nossos vizinhos. Lilian, apesar de meio avoada, é boa gente. Adam é o melhor amigo do Connor eles são padrinhos do Anthony.

Passo a foto e a próxima é uma garota de cabelos encaracolados com Melanie, que ela diz ser sua melhor amiga Addison. Encontro também outra foto de David, agora ao lado de Melanie o que faz meu coração apertar, com uma inveja dolorida.

— Tenho tanta inveja de você por ter tido ele a vida inteira — murmuro.

— Devia conhecê-lo. Se não fosse entrar em turnê, podia ir a Lakewood conhecê-lo.

— Conhecer Lakewood... — Suspiro. — Acho que gostaria muito, embora duvide que seja possível. O David nunca quis me conhecer, nunca quis que nos conhecêssemos. Acho que seria uma confusão se eu aparecesse por lá.

— Sim, foi uma tremenda sacanagem o que nossos pais fizeram.

Seguro sua mão, colocando o celular de lado.

— Você deveria voltar Melanie — digo seriamente.

— Posso te confessar algo? Às vezes não quero mais voltar para aquela vida — murmura com um olhar culpado.

— E seus filhos? Eles precisam de uma mãe! Precisam de você!

— Acha que eu não sei? Por causa deles aguentei até hoje.

Nós ficamos em silêncio depois de sua confissão triste, até que de repente ela me encara.

— Mel, sei o que devemos fazer.

Eu a encaro sem entender.

— Nós?

Ela sorri.

— Sim, nós poderíamos trocar de lugar.


Capítulo 5


— Está louca?

Eu tento soltar a minha mão que Melanie segura com força. Ela não me solta. E mais assustador do que a força com que ela segura minha mão é a determinação que vejo em seu olhar.

— Sim! Não vê? É perfeito. A solução perfeita. Para nós duas.

— Trocar de lugar? — repito, como que tentando achar um sentido naquela simples frase absurda.

Como Melanie podia sequer cogitar algo tão insólito?

— Sim! Eu faço a turnê promocional e você fica no meu lugar em Lakewood. — Ela sorri agora. No seu rosto há uma alegria fervorosa.

Enquanto eu ainda acho que ela enlouqueceu.

— É tão ridículo!

— Não é!

— Melanie, está falando sério? — De alguma maneira, eu continuava achando que ela poderia estar brincando.

— Com certeza!

— Não. — Puxo minha mão e pulo da cama ignorando o olhar ansioso de minha gêmea.

— Sei que parece uma ideia insana, porém, quanto mais eu penso mais sentido faz para mim — insiste.

— Não, você só pode estar delirando! Onde pode haver algum sentido em trocarmos de lugar! Meu Deus!

— Por favor, Mel! Pense bem, a gente consegue!

— Claro que não! E você deveria deixar estas ideias malucas de lado e pensar em voltar para sua casa e seu marido antes que seja tarde.

— Eu já te disse que não posso. Não ainda! Mas também sei que Connor não vai esperar muito. Sua paciência está se esgotando e ele vai me forçar a voltar — diz cheia de angústia. — Por outro lado, se você for no meu lugar...

— Meu Deus, é tão errado em tantos níveis.

— Não, se ninguém descobrir!

— Como acha que vamos conseguir fazer algo tão temerário?

— É possível e sabe muito bem. Ninguém sabe que somos gêmeas. E somos iguais. Eu te falei, Charlote acreditou que eu fosse você e nem desconfiou de nada.

— Está delirando.

— Não estou! Faz muito sentido! Sem contar que se você fosse pra Lakewood, poderia conhecer o papai.

— E você ficaria aqui.

— Sim! Seria perfeito, você se veria livre de toda esta coisa de promoção, porque eu faria no seu lugar e dentro de dois meses a gente trocaria novamente.

— Não, está louca. — Não querendo admitir a existência de um assustador sentido na proposta irresponsável de Melanie.

No entanto eu sou uma pessoa sensata. Claro que é algo muito errado.

Insano.

Suspiro.

— Vá dormir Melanie. E pense no que deve fazer, eu a amo e a quero comigo, mas tem uma família que precisa de você e precisa voltar para eles. E eu tenho que continuar com a minha vida.

— Uma vida que odeia. Assim como odeio a minha.

— Feliz ou não é a vida que temos.

— Podemos trocar. Apenas por um tempo, fugir...

— Boa noite, Melanie.

Vou para meu quarto, ignorando as palavras tão insanas quanto sedutoras de Melanie quando finalmente deito a cabeça no travesseiro e tento dormir.

***

Não me sinto bem.

Tento conter a onda de náusea que me acomete enquanto me visto para a tão temida entrevista.

É impossível. Antes de conseguir abotoar a blusa corro de novo para o banheiro e vomito. Outra vez. Já era a terceira vez naquela manhã.

Levanto-me tropegamente e olho minha imagem no espelho. Estou péssima. Não preguei o olho quase a noite inteira e, quando finalmente consegui adormecer, fui acometida por pesadelos. E agora não conseguia parar de vomitar. A quem eu queria enganar?

Estava apavorada.

— Mel? Já está pronta? — Escuto a voz de Melanie entrando no quarto e respiro fundo, fechando os olhos, uma nova onda de ânsia me dominando. — Seu porteiro acabou de avisar que a Charlote está subindo. Meu Deus! — Ela arregala os olhos no momento que entra no banheiro, porque estou com a cara enfiada na privada novamente, expelindo o que ainda resta no meu estômago. — O que você tem?

Começo a chorar.

— Está doente? — Melanie insiste. — Charlote está subindo para te buscar.

Eu a encaro.

— Acho que não consigo fazer o que preciso. — Soluço.

— Ah, Mel, você tem que ir, Charlote está chegando e...

— Ela terá que cancelar, estou péssima. Vou dar vexame.

Melanie fica me encarando por um momento, o rosto cheio de consternação, até que escutamos a campainha.

— Espere aqui, vou falar com ela.

— Não... — Mas Melanie já desapareceu porta a fora.

Encosto minha cabeça no piso frio. Mais do que nunca me sinto horrível. Como é que ia encarar toda uma turnê promocional se na primeira entrevista já estava tomada de pânico?

Não sei dizer quanto tempo se passa, se segundos, minutos ou horas quando escuto passos se aproximando e me preparo para ver Charlote surgir no meu campo de visão, mas quem aparece é Melanie.

— Vem, vou colocar você na cama. — Ela me ergue facilmente do chão e me deixo levar até a cama onde Melanie me faz deitar e puxa as cobertas sobre mim.

— Charlote... — balbucio, porém Melanie já se afastou de mim. Com minha visão ainda turva a vejo abrir meu closet e começar a tirar as próprias roupas. — O que está fazendo?

— Não se preocupe, tudo dará certo — diz, enquanto coloca um vestido preto e saltos.

— Melanie, porque está vestida assim?

Ela se aproxima da cama e sorri.

— Vou no seu lugar.

— O quê? Não... — Tento me levantar, mas ela me segura com as mãos firmes.

— Acalme-se, Mel! Ninguém vai saber. Nem a Charlote. Fique aí e descanse. Vou salvar sua pele! — Ela pisca, como se tivesse prestes a viver uma grande aventura e não uma farsa perigosa.

Não tenho forças para detê-la, enquanto a vejo sair do quarto e fechar a porta devagar atrás de si.

E a quem eu queria enganar? Não queria detê-la.

Estava aliviada por ter outra Mel para tomar o meu lugar.

Após sua saída, começo a me sentir melhor pouco a pouco. Já não existe o pavor de ter que encarar uma tarefa que odeio e me aterroriza.

Levanto-me da cama e tomo um banho, quando volto para o quarto vejo as roupas de Melanie no chão, uma bagunça sobre o carpete.

Então o medo me bate de novo. E se descobrirem?

E se ela responder alguma besteira e sacarem que aquela não é a escritora Mel Blake?

Por que descobririam? Ninguém sabe que tenho uma gêmea. Que somos idênticas. E, se ela enganou Charlote que me conhece muito bem, conseguiria enganar multidões.

Visto um roupão e vou para a sala, ligando a tevê. Sintonizo no canal da entrevista que já deve estar para começar.

O casal de apresentadores aparece na tela e então, lá está ela.

A outra Mel.

— Estamos aqui hoje com a autora do best seller que conquistou uma legião de fãs pelo mundo “Os vampiros de Nova York”, Mel Blake.

Ela sorri para a câmera e responde às perguntas com desenvoltura impressionante. É simpática, charmosa e engraçada. Tudo que eu nunca fui e nunca vou ser.

Fico ali, olhando fascinada para aquela mulher. Tão parecida fisicamente comigo que poderíamos passar facilmente pela mesma pessoa. E tão diferentes na personalidade. As perguntas se multiplicam na tela. Os apresentadores a levam para fora, onde uma horda de fãs a espera com cartazes apaixonados. Ela sorri e acena, assina os livros estendidos, abraça as fãs que choram emocionadas por poder tirar uma self.

E de repente me imagino ali. Como seria? Seria carismática e tranquila como Melanie?

Claro que não. Estaria travada e sem saber se ria ou chorava com todo aquele alvoroço.

Definitivamente, não nasci para aquele papel.

Eu amava escrever. Amava dar vida a novos personagens, novos mundos. Porém, de maneira alguma gostaria de ser famosa daquele jeito.

De repente escuto o som de um telefone tocando e vejo que Melanie deixou o celular em cima da mesa de centro.

Apanho o aparelho e o nome Connor Carter brilha na tela. Por um momento me recordo da beleza quase assombrosa daquele homem. Meu rosto se tinge de vermelho culposo no instante seguinte. O telefone continua a vibrar e tocar em minhas mãos. Insistentemente.

Posso imaginar o que ele sente. A urgência que aquele toque persistente significa. A carência. A preocupação. O desespero.

Sem ao menos pensar no que estou fazendo observo meus dedos trêmulos deslizarem para atender. Coloco o fone no meu ouvido.

— Connor? — sussurro.

— Melanie, pelo amor de Deus, por que não atendeu minhas ligações? Que inferno! — Sua voz é feroz. Pura fúria e dor.

— Me desculpe — me escuto murmurando.

— Porra! — ele solta um palavrão. Vários. Me pergunto se é um cara de boca suja ou se só está furioso.

Fico ali, com o telefone no ouvido, incapaz de desligar nossa conexão.

Até que ele respira fundo.

— Eu falei que não ia mais brigar. Que não ia mais insistir, mas que inferno, Melanie. Se não se importa comigo, pense nos seus filhos.

Fecho os olhos, comovida e solidária com sua dor.

— E Deus sabe que eu queria deixar você ir, mas eles precisam de uma mãe. Precisam de você.

— E você? — De repente me vejo perguntando. — Você precisa de... — Ia dizer “de Melanie”, mas consigo me manter firme na farsa — de mim?

Silêncio. Escuto seu respirar profundo.

— Volte para casa, Melanie. Volte e podemos tentar consertar tudo.

Deus, eu acredito. Acredito tanto nele. Quero tanto que ele tenha o que quer.

E ele quer que Melanie volte para casa. A casa para a qual ela disse que não estava preparada para voltar. Não ainda...

— Tudo bem. Vou voltar, Connor — me vejo dizendo. — Voltarei para Lakewood. Para você.

— Quando? — indaga, entre ansioso e desconfiado.

— Só mais alguns dias. Eu prometo.

Desligo e fico olhando para o celular na minha mão. Meus dedos estão molhados. Demora para eu perceber que são das minhas lágrimas.


***

Quando Melanie aparece horas depois, ainda estou no mesmo lugar. Ela bate à porta e vem em minha direção. O rosto vermelho de calor e empolgação, enquanto retira os saltos e se joga em cima de mim num abraço desajeitado.

— Mel, foi incrível! Incrível! — Ela ri e então me encara. — Você está bem? — Sua animação arrefece um pouco quando vê meu semblante inexpressivo. — Ainda está mal? Pensei que fosse só medo e que iria melhorar.

— Estou bem — respondo por fim.

— Então fique feliz! Eu consegui. Quer dizer, nós conseguimos! — Ela ri. — Ninguém desconfiou de nada e, quer saber? Amei!

— Melanie, Connor ligou.

Seu riso congela no rosto.

Continuo.

— Eu atendi.

— Você...

— Ele pensou que era você. Parece que mais alguém estava criando uma farsa nessa manhã, embora minha audiência fosse menor — ironizo.

— Ele achou que fosse eu?

— Eu não disse quase nada, mas...

— O que ele falou? — Ela ri sem humor. — Claro, deve ter brigado, xingado, implorado...

— Eu disse que você ia voltar para casa.

Ela arregala os olhos horrorizada.

— O quê? Não!

— E você vai voltar Melanie.

— Não, não posso, eu já disse...

— Vou voltar no seu lugar — digo por fim, o que, percebo agora, já estava na minha mente desde que disse a Connor que Melanie voltaria.

Sabia que ela não queria voltar para casa ainda.

Assim como eu começava a perceber que seria extremamente sedutor deixá-la tomar o meu lugar. Ela havia provado que era capaz de ser eu. Até melhor do que eu mesma.

Ela era a Mel Blake perfeita.

Será que eu seria a Melanie Carter, esposa de Connor Carter perfeita?

Sinto um frio na barriga.

E não é só de medo.

E isto é mais assustador do que tudo.


Capítulo 6


— “Atenção senhores passageiros, iniciaremos os procedimentos para aterrissagem”.

Respiro fundo tentando dominar o pânico quando o piloto avisa que estamos pousando em Seattle. Agora não tinha mais volta. Eu estava oficialmente a minutos de me tornar Melanie Carter, esposa de Connor Carter. O cara que estaria me esperando no aeroporto dois meses depois da fuga de sua esposa.

Pergunto-me de novo que diabos estava pensando ao concordar com aquela ideia insana de Melanie. Naquele momento eu acreditava realmente que era uma saída. Estava apavorada por ter que fazer a turnê promocional do livro e Melanie provou ser perfeita para a missão. Porém, ela tinha um marido e filhos esperando-a em Lakewood. Então, eu iria ficar em seu lugar. Assim, me livraria da turnê infernal e poderia conhecer Lakewood e meu pai.

Além disso, havia aquela vozinha aterradora no fundo da minha mente cochichando em meu ouvido que eu também estava curiosa para conhecer Connor Carter. O que era no mínimo uma insanidade. No momento em que concordei com sua ideia absurda, joguei esta sensação para longe, enquanto Melanie começou a rir e me abraçou, balbuciando palavras de incentivo e confiança, como lhe era típico. Completamente convencida de que estávamos fazendo a coisa certa. E eu me deixei contaminar por sua certeza.

Isto aconteceu há uma semana.

E agora, vendo o avião aterrissar, tentava achar dentro de mim aquela convicção. No entanto, enquanto caminhava com minha mala pelo portão de desembarque só sentia mais pavor.

Detenho-me, tomando uma respiração profunda. Quando chego ao saguão do aeroporto, apinhado de gente, meus olhos percorrem o ambiente e então eu o vejo.

Connor Carter está a alguns passos de mim.

Eu o observo de longe. Sua figura alta e forte. Parecendo um animal enjaulado, andando de um lado para outro. Seu olhar é feroz. Os dedos, vez ou outra, passam pelos cabelos enquanto solta pequenas imprecações baixinho.

Ele está bravo. Furioso.

Comigo.

Ou melhor, com Melanie. A esposa ausente. Que fugiu dele sem dar satisfações. Deixando-o sozinho com três crianças.

Deus, onde eu tinha me metido? Este homem provavelmente estaria odiando a esposa neste momento.

E eu iria representá-la dali em diante. Por dois meses inteiros.

De repente, ele levanta a cabeça, seu olhar varrendo a multidão, e sei que está procurando Melanie. Procurando por mim.

Sinto uma necessidade urgente de fugir. Dar meia volta e fingir que nunca tinha feito aquela insólita viagem. Como pude concordar com aquela loucura de Melanie? Era errado em tantos níveis que não conseguia nem começar a classificar. Como pude acreditar que seria capaz de mentir e enganar daquele jeito um homem que já tinha motivos de sobra para odiar a esposa?

Então seu olhar finalmente pousa em mim.

E sinto-me incapaz de me mover.

Vejo várias emoções passarem por sua expressão. Surpresa. Incredulidade. Alívio. Percebo que ele achava que Melanie não apareceria. Que ela não voltaria para casa afinal, como prometido.

E ele estava certo.

Ela não voltou.

Eu estava ali.

De repente sinto que estou dando um passo atrás do outro. Não fugindo, mas em sua direção. E quanto mais me aproximo, percebo que a foto de celular não faz jus a toda perfeição de Connor Carter. Sinto-me impactada com seu rosto de beleza angulosa, queixo forte coberto por uma fina camada de barba por fazer, no mesmo tom claro dos cabelos bagunçados que necessitam de um corte.

Seus olhos que acompanham meu movimento são de um verde perturbador. Quando me aproximo o suficiente, deixo meus próprios olhos percorrerem sua figura alta. Ele veste uma jaqueta de couro por cima da camisa xadrez e calça jeans que se colam às suas pernas.

Nossa, ele é alto. Tenho que levantar a cabeça para encará-lo.

E a raiva que vejo em sua expressão me faz recuar um passo, assustada com a força de sua fúria.

— Você está aqui! — São suas palavras sibiladas, numa voz rouca e bonita, cheia de acusações.

Engulo em seco.

Trêmula de medo não só da sua raiva, sobretudo ciente da farsa que estou representando. E se ele descobrir, aqui e agora que não sou Melanie?

Pelo amor de Deus, eles estavam casados há dez anos, mesmo com todos os problemas, certamente ele conhecia a esposa como a palma da sua mão e, embora eu e Melanie fôssemos idênticas, nossas personalidades eram tão diferentes como a noite e o dia.

— Eu prometi que voltaria — consigo responder num fio de voz.

Ele solta um palavrão baixinho, que mal consigo ouvir, enquanto desvia o rosto do meu, olhando em volta e respirando fundo várias vezes, como se estivesse acalmando o animal feroz dentro de si. Aquele animal que estava pronto para me atacar.

— Desculpe-me se acho difícil acreditar nas suas promessas.

Dou mais um passo para trás, como se suas palavras cheias de cólera tivessem me atingido fisicamente.

Deus, eu não estava preparada para todo aquele rancor.

Claro que sabia que ele e Melanie estavam com sérios problemas. O fato de ela estar em Nova York há dois meses e dizer que não estava pronta para voltar e encarar aqueles problemas de frente era um aviso bem claro.

No entanto, sinceramente, acho que subestimei a situação real.

Aquele homem diante de mim era uma tempestade prestes a desabar, com toda violência e fúria de um furacão capaz de devastar uma cidade inteira.

— Estou aqui, não estou? — opto por sair pela tangente. Certamente não era seguro começar uma discussão agora.

Não era o lugar nem o momento. Inferno, eu não era a pessoa com quem ele queria e precisava brigar.

De novo me bate a vontade de fugir. Ou quem sabe abrir a boca e revelar toda a verdade. Dizer que não sou Melanie. Que ele não precisa ter raiva de mim.

De repente quero tirar aquela raiva de seus olhos e descobrir como seria o sorriso de Connor Carter, se a circunstância fosse outra e ele estivesse feliz em me ver.

De ver Melanie, me corrijo.

Bem, provavelmente eu não precisaria estar aqui. Talvez, se eles estivessem bem, Melanie nunca se veria compelida a fugir, para começo de conversa.

— Sim, você está — ele diz por fim com uma voz lacônica, enquanto se agacha e pega minha mala. — Vamos para casa!

Ainda permaneço parada, vendo-o se afastar de mim pelo saguão, enquanto me pergunto se é tarde demais para dar meia volta e desaparecer.

Infelizmente sei que não posso fazer isto. Tinha prometido a Melanie.

— Não fique tão encanada — ela havia dito com seu jeito despreocupado, como se estivéssemos prestes a encenar uma peça de teatro na escola e não uma farsa sem tamanho para enganar seu próprio marido e filhos. — Nós somos iguais, ninguém vai desconfiar de nada.

— Fisicamente. Nossas personalidades são tão diferentes...

— Eu sei! Talvez eles estranhem, quer saber? Acho que até vão preferir você.

— Não acredito! Você é tão exuberante, tão...

— Problemática — ela completa. — Mel, você é a pessoa mais doce que conheço. Sei que vai conseguir conquistar todo mundo em Lakewood.

Tive vontade de perguntar se iria conquistar até Connor, mas isto era descabido.

— Mas Connor... — ainda tentei argumentar.

— Eu te disse, estamos vivendo separados! Ele dorme no sofá e é só você dizer que nada mudou, que continua não querendo reatar nada. E, sinceramente, duvido que o Connor queira. Ele está morrendo de raiva de mim, depois da minha fuga é provável que evite você o tempo inteiro. É o que faria comigo.

— Por isto mesmo, vai ser horrível!

— Não vai! Connor está cheio de ressentimento, mas é uma pessoa boa. Jamais irá te maltratar ou ser abusivo, se isto te preocupa.

— Se ele é tão legal, porque não voltar para ele?

— Eu já te disse que não estou pronta! E eu estou fazendo isto por você, para que não se dê mal na turnê.

— Talvez eu não devesse ir para Lakewood...

— Você vai! Já enviei uma mensagem ao Connor dizendo até o voo que vai chegar. Ele vai te esperar em Lakewood. Não podemos voltar atrás.

— Você pode dizer a verdade, que não está pronta. Que mamãe morreu, que veio a Nova York para encontrar uma irmã, que...

— Para ele vir atrás de mim? Nem pensar! Mel, vai dar certo. São só dois meses. Só precisa ir pra Lakewood, fingir que sou eu. Você vai adorar minhas crianças, eu sei. E elas vão te amar.

Eu sorri ao imaginar. Sim, conhecer meus sobrinhos era uma parte que me deixava ansiosa.

E assim, Melanie me convenceu mais uma vez.

No entanto agora, enquanto forço minhas pernas a irem em direção ao meu tortuoso destino, recordo de suas últimas palavras quando nos despedimos naquela manhã.

— Seja boa com o Connor — pediu com um sorriso triste. — Não se deixe enganar por toda aquela raiva. Ele é um cara legal.

Quis de novo dizer que ela podia voltar para casa e desistir de toda aquela loucura, mas o Uber chegou naquele momento e ela riu, colocando-me para fora.

Agora ela era oficialmente Mel Blake por dois meses.

E eu estava prestes a me tornar a Senhora Carter.

O silêncio no carro é opressor. Assim que chegamos ao estacionamento, Connor joga minha mala no porta malas e entra no carro sem dizer nada. Eu ainda hesito por um momento, mas que alternativa eu tenho a não ser sentar no banco do carona e prosseguir?

Não sei há quanto tempo estamos percorrendo a estrada. A consciência sufocante da tensão que emana de Connor me atinge como se estivesse sob o vento inclemente de uma nevasca, com o frio congelando e cortando minha pele, fazendo calafrios percorrerem minha espinha. Eu me encolhi, quase inconscientemente, dobrando-me sob o peso daquela frieza.

Eu nunca passei por algo assim na vida. Ninguém nunca teve aquele rancor tão forte em relação a mim. E, mesmo sabendo que a raiva não era direcionada a mim propriamente, afinal eu não era a verdadeira Melanie, era meu corpo que estava ali, levando as chibatadas quase físicas da ira de Connor Carter. Repentinamente sou tirada do meu devaneio quando o Connor joga o carro no acostamento, brecando com tudo e me jogando para a frente com um baque surdo, segura apena pelo cinto de segurança.

E ainda não me recuperei do primeiro susto, quando Connor bate o punho com força contra o volante.

— Que merda está acontecendo?

— O... quê?

— Não se faça de idiota, Melanie, não combina com você!

— Eu... não estou entendendo.

Ele ri amargamente.

— Vai continuar? Que porra está pretendendo agindo assim?

— Assim como? — questiono, mas já começo a entender.

— Assim como? Eu te conheço há dez anos e você ainda acredita que pode me fazer de bobo?

— Não estou fazendo... — falo devagar, tentando pensar em como agir. Como Melanie agiria naquele momento, droga?

— Desde que a vi naquele aeroporto está agindo como outra pessoa!

Empalideço.

— Sou a mesma, eu...

— Sim, estou vendo que é a mesma! Claro que sei quem é você e do que é capaz! E gostaria muito de esquecer, mas é impossível! Afinal me deixou faz dois meses sem dizer aonde ia!

— Eu...

— E pior, deixou nossos filhos! Sabe o quanto perguntam por você, o quanto sentem a sua falta?

— Connor, eu...

— Que merda! — Ele sai do carro batendo a porta no processo, o carro sacoleja. Eu me encolho ainda mais assustada.

Fico olhando Connor andar de um lado para outro na frente do carro, como se estivesse se contendo para não voltar e me agredir.

Tento me lembrar de Melanie dizendo que Connor não era um cara mau. Que não seria abusivo comigo.

“Seja boa com o Connor” suas palavras voltam à minha mente e me recordo de sua dor ao telefone. Quando me deixei convencer a vir para Lakewood no lugar de Melanie. Do quanto ele parecia precisar dela. Da mãe dos seus filhos. Certamente não deve ter sido fácil aceitar o que Melanie fez. Entendo seu rancor e sua raiva.

Respiro fundo, saio do carro e caminho em sua direção, parando ao seu lado. Ele está com as mãos apoiadas contra o capô respirando forte.

— Eu sinto muito — digo com a voz mais firme. Sei que não é assim que Melanie agiria. Provavelmente estaria rindo e minimizando a situação. Talvez sendo sarcástica. Mandando Connor parar de ser dramático e entrar no carro porque quer chegar logo em casa e descansar da maldita viagem. Quase consigo ouvir seu riso, como se tivesse ali, querendo tomar meu corpo numa incorporação divina.

Chego a abrir a boca para dizer exatamente o que acho que Melanie diria. Talvez fosse mais fácil para Connor lidar com aquela Melanie, afinal, vinha lidando com ela por dez anos. E tinha pedido para que voltasse, apesar de todas as desavenças. Mas algo me impediu. E não sei dizer bem o que era. Não entendia o que era na verdade. Só sei que não queria ser a Melanie que ele conheceu.

Eu não era ela.

— Sei que está com raiva e acho que mereço depois do que fiz.

Ele finalmente me encara. A força daquele olhar me tira do prumo por um momento, mas eu o sustento.

— Acha que simplesmente voltar e pedir desculpas, agindo como se fosse outra pessoa, resolve alguma coisa?

Luto para não me encolher de novo com a violência de suas palavras. Não por saber que Melanie não agiria assim, mas porque precisava fazê-lo entender que não estava ali para magoá-lo ainda mais.

— Eu mudei Connor. Sei que não acredita em mim, porém aquela Melanie... Ela não está mais aqui.

Ele rola os olhos.

— Agora mais essa.

— Sei que não acredita. E entendo. Mas você vai ver. Eu voltei, como você pediu.

De súbito ele se volta para mim, com o rosto furioso muito perto do meu.

— Não pense nem por um minuto que pedi que voltasse porque sentia sua falta e te queria aqui! Sabe o que senti quando acordei e vi que tinha sumido? Alívio! Mas infelizmente nossos filhos ficavam perguntando de você. E o que dizer a eles? Que a mãe era tão egoísta que tinha partido sabe Deus para onde deixando-os para trás? Aí eu acordei. Eu não podia me permitir sentir alivio porque você tinha ido embora levando junto todos os nossos malditos problemas. Diferentemente de você, eu penso nos meus filhos e me preocupo com eles. Quero protegê-los e também que eles tenham uma mãe. Mesmo que seja uma criatura egoísta feito você! Então, sim, eu pedi que voltasse. Implorei para que criasse juízo e retornasse sabe Deus de onde tinha ido. Faço isto pelos meus filhos. Pela família que construímos. É por eles que estou te aceitando de volta.

Ele dá meia volta e retorna para o carro batendo a porta no processo, percebo que estava sem respirar enquanto ele atira suas palavras ressentidas em cima de mim como uma metralhadora.

Respiro uma longa golfada de ar e enxugo as lágrimas que nem tinha notado estar vertendo.

Retorno para o carro e bato a porta também.

Connor voltou ao silêncio, quando dá partida no carro novamente e nós prosseguimos a caminho de casa.

A casa de Melanie.

Que será a minha casa pelos próximos dois meses. Assim como seus filhos serão meus filhos.

E aquele homem irascível do meu lado será meu marido.


Capítulo 7


O resto do percurso até Lakewood foi feito em silêncio total.

Deixei meu olhar amedrontado preso à janela e mais além, quando a paisagem começou a mudar. Era lindo. Tudo verde, as árvores, os troncos cobertos de musgo, a pálida luz do sol que as folhas das árvores filtravam. Aos poucos o verde luxuriante da floresta à beira da estrada mudou para a paisagem típica de uma cidade pequena, com uma rua principal cheia de lojas e alguns transeuntes sem nenhuma pressa.

Então, esta era Lakewood. O odiado lar da minha irmã gêmea. Não parecia tão ruim. Mas o que eu sabia? Também tinha achado que não seria tão difícil assim assumir seu lugar junto daquele homem enfurecido. E veja como fui recebida. Será que Lakewood seria mais gentil comigo?

Era uma boa pergunta.

O carro deixa a rua principal e segue por uma estrada ladeada pelo verde da mata. Há casas espalhadas pela via, aqui e ali, a maioria delas bem simples, embora pareçam acolhedoras. Uma delas me chama a atenção, por ser maior que as outras e até mesmo muito bonita, num estilo clássico, destoando daquelas pelas quais passamos. Aquela deve ser a casa dos Carter. Os pais de Connor, Helen e Willian, lembro-me de Melanie me instruindo sobre a família Carter e suas peculiaridades.

— Os pais de Connor se chamam Helen e Willian. São gente boa, me tratam bem, mas no fundo acho que não vão com a minha cara, sabe?

— Por que não?

— Para eles sempre a garota assanhada que não manteve as pernas fechadas e aprontou uma armadilha para o filhinho deles, roubando seu futuro brilhante.

— Deve estar exagerando...

Melanie apenas revirou os olhos e continuou.

— Helen é dona de casa. Willian médico. Eles se casaram bem jovens, quando estavam na universidade. E se mudaram para a cidade quando um tio de Helen morreu deixando-lhe a casa de herança. É uma casa linda, acho que uma das mais bonitas da região.

— Onde moravam antes?

— Eles são de Chicago, mas Willian era médico voluntário em uma região inóspita do Alasca.

— Nossa, que inusitado.

— Que horrível, quer dizer! Às vezes acho até bom Connor ter desistido da faculdade e não ter se tornado médico, já pensou se ele resolve nos levar para um lugar pior que Lakewood? Deus me livre! — Ela riu. — Lakewood não é tão ruim assim se eu tentar me imaginar morando nos cafundós do Alasca!

Volto ao presente quando Connor estaciona o carro defronte a uma menor e pitoresca casa, não muito longe da casa dos Carter.

Respiro fundo, deixando meu olhar vagar pelo jardim bem cuidado da casa mais ao fundo que lembra um lindo chalé. O lar de Melanie.

O lar de onde ela fugiu.

— Já arrependida? — A voz fria de Connor me tira dos meus devaneios e estremeço quando ele sai do carro batendo a porta na sequência.

Sim, estou começando a me arrepender. Embora não seja da maneira que ele imagina.

Bloqueio meu medo e saio do carro, esfregando as mãos suadas e trêmulas no jeans no processo, meus olhos seguindo Connor. Por um momento me sinto abismada contemplando sua figura alta e esguia. Ele tem um andar decidido e sinuoso, como uma figura noturna de algum conto mítico. Até que minha atenção é capturada por algo além dele. Uma mulher morena e bonita está sentada à sombra de uma árvore com um bebê em seus braços.

Reconheço a moça e a criança. É Natalie Carter, esposa do irmão de Connor e o bebê é Anthony, filho de Melanie. A moça sorri para Connor, virando o bebê em seu colo, enquanto se levanta.

— Olha quem chegou Anthony, o papai! — A criança acena animada, com um sorriso banguela em direção ao pai, e não consigo deixar de sorrir também, enternecida. Meu coração se enchendo de alegria por ver um dos meus sobrinhos pela primeira vez. Desde que Melanie me mostrou as fotos e falou sobre eles, vinha acalentando um desejo louco de que este momento chegasse. Para uma pessoa sozinha no mundo saber que tinha não só uma irmã, mas também três sobrinhos lindos era o paraíso.

No entanto, meu sorriso congela no rosto, quando o olhar surpreso de Natalie detecta minha presença. O sorriso da moça também morre na mesma proporção que o meu, porém, enquanto minha expressão agora é de certa timidez, a dela é de puro ódio.

— Você voltou! — ela cospe as palavras em minha direção, cheias de veneno e ira.

Connor se vira brevemente, encarando-me como se não tivesse notado minha presença atrás dele.

Luto para não sair correndo, ou começar a balbuciar pedidos de desculpas. Eu começava a perceber que aquela tarefa seria mais difícil do que o previsto e que demandaria muito mais força do que eu imaginava.

Uma força que não sabia se existia dentro de mim.

— Oi, Natalie — uso o tom mais firme que consigo.

— Você é muito cara de pau!

— Natalie! — Connor a repreende. O que não deixa de ser espantoso, já que eu estava imaginando os dois se virando contra mim, com dedos apontados e gritos acusadores, cuspindo ofensas e agressividade.

A atenção de Natalie se volta para Connor novamente.

— Por que não me disse que ela estava voltando? Por que não disse a ninguém?

Hum... Connor tinha mantido segredo da volta de Melanie? Por quê?

— Ela está aqui agora. — É sua resposta impaciente, esquivando-se da pergunta de Natalie.

— Difícil acreditar — Natalie sibila com sarcasmo.

— Onde estão as crianças? — Connor pergunta.

— Mandy está dormindo. Olívia está fazendo um trabalho de escola na casa de uma amiga — responde ainda me encarando, como se esperasse que eu fizesse ou dissesse alguma coisa, e só então percebo que muito provavelmente Melanie, naquela situação, estaria respondendo aos impropérios da cunhada furiosa.

Bem, eu não era Melanie.

Busco dentro de mim uma atitude além da inércia nascida do medo, fora daquele mal-estar inicial normal de quando somos jogados em uma situação nova e inusitada. Como quando visitamos a casa da família do namorado pela primeira vez e não sabemos onde sentar ou se devemos agir como se fôssemos de casa ou visita.

Sei que preciso reagir de alguma maneira, então dou um passo à frente e faço o que meu coração está pedindo para fazer. Estendo a mão para pegar a criança do seu colo. Natalie me surpreende ao dar um passo atrás, como se uma estranha tivesse tentando arrancar a criança dela e não a própria mãe. Bem, eu não era a mãe de Anthony, só que ela não sabia. Sua atitude descabida me enraivece de uma maneira que surpreende até a mim mesma.

Por alguns segundos, nós três estamos parados naquele quintal, como atores numa comédia de erros ou num drama ruim. Como se nenhum de nós estivesse preparado para interpretar o nosso papel de verdade. Natalie agia como se fosse a mãe do bebê em seu colo, com os braços firmes rodeando seu corpinho indefeso. Enquanto eu percebo que começo a agir de uma maneira estranha a mim mesma. Quero arrancar aquela criança dos braços usurpadores de Natalie, como se ele fosse meu filho de verdade e cuspir na sua cara que ela não tinha mais direitos sobre ele do que eu.

Connor assiste àquela estranha interação como um espectador subitamente curioso em relação ao desenrolar da cena.

Dou mais um passo à frente.

— Me dê o bebê, Natalie — peço devagar, com todas as letras, uma ameaça sutil no tom da minha voz.

Vejo o olhar de Natalie turvar com certo assombro. Muito surpresa por eu fazer aquele pedido. Como se o lugar de Anthony fosse no seu colo e não no da mãe.

Então ela olha pra Connor, em busca de... apoio? Não consigo entender direito.

— Natalie... — A voz de Connor é de cansaço. Parecendo subitamente exausto com todo aquele mórbido espetáculo.

— É assim? Ela volta e tudo vai ficar como antes? — Natalie se irrita.

Eu respiro fundo diante aquele desabafo e sem aviso mergulho meus braços entre os seus e tiro Anthony dela, antes que consiga impedir.

— Se querem ficar discutindo a meu respeito fiquem à vontade. Acabei de chegar de viagem e tenho mais o que fazer — digo e dou meio volta.

Estou tremendo quando caminho em direção a casa. Perturbada não só com aquele confronto, mas, acima de tudo, assombrada pela maneira como saí dele.

— Não estou acreditando, Connor, desde quando sabia que ela iria voltar? — Ainda escuto Natalie questionar.

— Ela me disse há alguns dias.

— Por que não nos disse nada?

— Não acreditava que estivesse falando a verdade. — São as últimas palavras que escuto de Connor antes de entrar na casa.

Encosto-me na porta, respirando uma longa golfada de ar, ainda tremendo inteira.

Meu Deus, o que foi aquilo?

Os bracinhos da criança em meu colo se mexem impacientes. Anthony me encara com seus olhos inocentes e curiosos. Será que me reconhece? Será que a aparência da mãe lhe é familiar? Ou será que sabe que não sou sua mãe de verdade?

— Ei, bebê, você é lindo sabia? — digo baixinho, sabendo-me sozinha.

Ele sorri para mim e sinto meu coração se enchendo de uma ternura totalmente nova. Passo os dedos pelo tufo de cabelo claro em sua cabecinha e beijo seu rostinho. Ele tem um cheiro bom de bebê.

— Pelo menos você parece gostar de mim, Anthony. — Sorrio, deixando a tensão que governou meus passos desde que cheguei a Lakewood um pouco de lado.

— Já levei suas malas para dentro. — A voz de trovão de Connor corta minha onda de ternura e volto a ficar tensa ao levantar a cabeça e vê-lo entrando por outra porta.

Só agora percebo que estou na cozinha da casa, com armários de madeira branca e uma mesa da mesma cor no meio. O ambiente está bem arrumado, noto. Por quem? Natalie? Era bem provável.

Fazer aquela constatação me deixa um tanto irritada. Do mesmo jeito que fiquei quando Natalie afastou Anthony de mim.

— Obrigada — respondo a Connor, ainda intimidada.

Ele passa os dedos pelos cabelos. Ainda parecendo um animal enjaulado. Sinto vontade de me aproximar e tocar sua mão. Dizer que tudo vai ficar bem.

Obviamente nem ouso.

— Bem, está em casa — ele diz, por fim me encarando brevemente, antes de seus olhos se desviarem outra vez. Percebo que faz muito isto.

Está tentando bravamente não me encarar.

— Preciso voltar ao trabalho. — Ele dá meia volta e desaparece. Escuto a porta da sala se fechando. Não consigo me impedir de andar até a janela e abrir a cortina, acompanhando seus passos decididos até o carro. Ele ainda para por um momento, a porta semiaberta, respirando fundo. Seu tronco sobe e desce. De onde estou sinto a tensão.

E me dou conta de que não era apenas raiva que norteava Connor.

Era dor.

Aquele era um homem ferido.

Ele finalmente entra no carro e dá partida. Afasto-me da janela e me deparo com Natalie na porta da cozinha olhando para mim.

Dava para ver a quilômetros que ela queria briga.

Relanceio meus olhos pela sala, que também está impecável e noto um cercadinho no canto, caminho até lá e coloco Anthony nele. Não queria estar com ele no meu colo quando Natalie começasse com seus ataques que eu sabia serem iminentes.

— O que foi? Está notando a diferença? — ela diz com ironia. — Esta casa estava parecendo um chiqueiro quando cheguei aqui.

— Fiquei fora um tempo — começo a me justificar, e ela ri sem humor.

— Estava ruim mesmo antes de você ir, nem sei porque se dá ao trabalho de tentar se defender.

— Não estou tentando me defender — afirmo, caminhando até a cozinha.

Tento não hesitar quando abro o armário, rezando para ser ali que guardam os copos. Para meu alívio era. Retiro um, colocando-o sob o filtro de água.

— É só o que tem a dizer? — Natalie continua.

Eu a encaro, depois de beber a água.

— O que quer, Natalie? Agradecimentos? Ok, obrigada.

— Você é inacreditável! Só me pergunto qual o joguinho da vez! Sim, porque aquela ceninha de mãe zelosa lá fora não engana ninguém! Claro que tem ciúmes de mim com seus filhos, sempre teve...

— O quê?

— Nem vai dizer que está com ciúme! Depois de ficar dois meses desaparecida não tem direito a nada. Achei que nem fosse voltar!

— Natalie... — Tento interrompê-la, porém, como um carro desgovernado, Natalie está fora de controle.

— Aliás, nem deveria ter voltado! Mesmo Connor sofrendo ele ia esquecê-la algum dia! Acho até que já estava se conformando.

— E você ia ficar bem satisfeita, não é? Poderia ficar com meus filhos para você. — Eu me recordo das palavras de Melanie, Natalie tinha ciúme dela porque não podia ter seus próprios filhos e, levando-se em conta toda aquela cena que eu presenciei, constato que é a mais pura verdade.

Natalie não estava com raiva apenas por Melanie ter desaparecido largando o marido e filhos para trás sem explicação, ela estava furiosa porque Melanie havia voltado.

— Por que não? — Ela não nega minha acusação. — Se a mãe nunca os quis?

— Ia ficar com meu marido também? — As palavras cheias de suspeitas saem da minha boca e flutuam entre nós antes que consiga sequer entender porque tinham sido proferidas.

Antes que eu consiga me defender, Natalie se aproxima com dois passos e estapeia meu rosto com força.

Eu a encaro horrorizada e sem reação diante de sua súbita violência.

— De onde tirou isto, sua vaca! Acha que sou você? — Natalie está me encarando com mais ódio do que nunca agora e não sei o que pensar.

Ainda estou em choque pelo tapa.

Por que demônios eu disse aquilo? Achava mesmo que Natalie, que era casada com o irmão de Connor, queria mais do que ser sua cunhada?

Como eu poderia saber se estava ali há cinco minutos? Tudo o que sabia era o que Melanie me disse e em momento algum ela colocou isto em cheque. A única coisa que Melanie dizia era que Natalie tinha inveja por não ser mãe.

— Nunca mais ouse dizer este tipo de coisas sobre mim, entendeu? Sei que acha que toda mulher não presta como você. Mas não sou da mesma laia de vagabundas do seu tipo que não têm nem um pouco de moral! Que larga o marido para ir para Deus sabe onde com Deus sabe quem, deixando os filhos para trás! E ainda acha que tem moral para questionar alguém?

As palavras de Natalie me calam, porque não são para mim. São para Melanie. Foram suas atitudes que fizeram com que fosse fácil jogar todas aquelas ofensas em sua cara.

Em minha cara, agora.

Seriam elas mentirosas?

Melanie realmente partiu sem dar explicação, deixando Connor e seus filhos para trás. De certa forma, embora quisesse abrir minha boca e defendê-la, sabia que Natalie tinha alguma razão.

E Melanie não estava ali para se defender.

No entanto eu estava.

E as coisas seriam do meu jeito agora.

Respiro fundo e a encaro novamente.

— Não vou revidar seu tapa porque, como disse, não somos da mesma laia — respondo com ironia. — Não é desse jeito que resolvo as coisas.

Ela solta uma risada sem humor.

— Pelo amor de Deus...

— E com certeza você deve estar louca de vontade que eu revide para ir chorando contar ao Connor e a todos o quão vagabunda sou por bater em você. — Ela resmunga, cruzando os braços. Obviamente ela pretendia fazer exatamente isto. — Sabe de uma coisa, Natalie? Conheço gente como você, então, nem tente fazer seu jogo comigo. Não vai funcionar.

— Hum, soltando as garras finalmente?

— Pense como quiser, estou pouco me importando. Vou esquecer este episódio. Afinal, você é da família — continuo — e agradeço sua boa vontade de cuidar da minha casa e dos meus filhos. Mas agora as coisas mudarão por aqui. Eu estou de volta e ninguém mais precisará de você nesta casa.

— Vai demorar quanto tempo até se cansar de novo e partir, desta vez para sempre?

— Isto não é da sua conta. Vá cuidar da sua vida e do seu marido! — Eu me volto, lavando o copo, dando nossa conversa por encerrada.

— Tenho tanta pena do Connor...

— Ainda está aqui? — Pergunto sem nem olhar para ela.

Natalie é uma daquelas mulheres que gostam de atenção. De dar a última palavra.

— Eu te conheço. Todos nós te conhecemos. Você não engana ninguém. Eu vou sim, porém um dia, quando decidir ir embora de vez, cuidarei dos seus filhos. Nem precisa agradecer!

E com estas palavras ela sai, batendo a porta atrás de si.

Desligo a torneira e solto o ar que nem percebi que estava segurando.

Caramba, acho que nunca na vida protagonizei uma briga como aquela! Toco meu rosto quente e estou vermelha de irritação. Ainda sinto a raiva borbulhando dentro de mim e a adrenalina circulando no meu sangue, me energizando.

Agora que Natalie Carter tinha partido levando junto todo seu rancor contra mim, ou melhor, contra Melanie, sinto certa culpa e até um pouco de arrependimento. Eu não era aquela pessoa. Aquele tipo de gente que encarava uma briga, que lutava para vencer uma discussão, colocando a outra pessoa em seu lugar. E ainda me espantava o fato de ter feito aquilo.

Estaria me esforçando para ser como minha gêmea? Será que Melanie teria agido do mesmo jeito? Não tenho ideia. Melanie era alegre e despreocupada, será que teria lutado com Natalie? Ou teria sido sarcástica o tempo todo, rido da raiva de Natalie sem se dar ao trabalho de ficar nervosa? Era o mais provável. Era como minha mãe teria agido.

Lembro-me de minha fase um tanto contestadora na adolescência, que não concordava com algumas imposições de Nora e de como tentava discutir, mas ela não me levava a sério. Melanie e Nora eram muito parecidas. Não. Melanie não teria brigado com Natalie. Não daquele jeito pelo menos.

Então, quem era aquela pessoa brigando com a cunhada de Connor?

Antes que conseguisse tentar entender, passinhos incertos se aproximam e uma pequena figura surge no meu campo de visão. Ela usa um pijama rosa e segura um ursinho velho entre as mãos me encarando sonolenta. Seus cabelos são da mesma cor dos de Connor, cortados em estilo Chanel.

— Mamãe, você voltou! — Ela pula em meus braços, obrigando-me a segurá-la em meu colo, enquanto aninha a cabeça em meu ombro e os bracinhos ao redor do meu pescoço.

Ainda estou tentando me recuperar do choque quando a porta se abre e uma garotinha de uns nove anos entra limpando os pés no tapete.

— Olívia — exclamo, e ela levanta os olhos, surpresos, me encarando.

— Mãe?

Atrás dela, um homem alto, usando uniforme de polícia também está me encarando.

É David. Meu pai.

Sinto o chão fugir sob meus pés.


Capítulo 8


Quando era criança costumava sonhar como seria conhecer meu pai. Às vezes, quando andava na rua e via algum homem que chamava minha atenção, ficava pensando se poderia ser ele. Conforme fui crescendo, aquele sonho foi se extinguindo dando lugar à realidade: eu nunca conheceria meu pai. No entanto, em todos os meus sonhos de criança, nunca imaginei que quando olhasse para mim, na verdade, ele estaria olhando para outra pessoa.

David era exatamente como a fotografia no celular. Os cabelos castanhos no mesmo tom dos meus e de Melanie, os olhos tão similares aos nossos.

— Melanie! – Ele pronuncia o nome num misto de exasperação e surpresa. — Quando voltou...? Como... Onde... – solta um palavrão exasperado e escuto um arfar abalado. Nós dois olhamos para a criança que olha de um para outro com uma expressão assustada.

— Oi, Olívia — consigo dizer o mais calma possível e até esboço um sorriso, ainda com Mandy grudada em meu pescoço que, pelo ressonar profundo, percebo que adormeceu de novo.

Olívia não retribui meu sorriso.

— Oi. — Sua voz é fria, como nunca imaginei que a voz de uma criança poderia ser. E isto, acrescido da rejeição em seu olhar, antes de ela arrastar os pés para fora da cozinha desaparecendo do meu campo de visão, corta meu coração.

Era óbvio que Olívia estava magoada.

Volto a encarar David. Meu pai.

Meu Deus!

— Onde diabos estava, Melanie?

Engulo em seco.

Não era sobre aquilo que eu queria falar. Queria falar sobre vinte e oito anos atrás. E de repente tenho vontade de despejar toda a verdade. E gritar. E perguntar por que ele nunca me quis.

Um resmungo da criança em meu colo faz eu me acalmar e suspiro, apertando Mandy.

— Vou colocá-la na cama — digo, não só porque preciso mesmo colocar a criança adormecida para dormir, também porque quero escapar de sua presença por um momento.

Ao passar pela sala, noto que Anthony continua brincando tranquilo com um chocalho no cercado. O que não deixava de ser admirável, considerando-se o tempo que estava sozinho. Talvez estivesse acostumado a ficar só, por isso não chorava em busca de atenção?

Chego ao corredor e paro indecisa. Há três portas e me pergunto onde seria o quarto de Mandy?

Caminho resoluta e, ao passar pela primeira porta do lado direito, vejo Olívia lá. Paro por um momento. O quarto tem uma cama branca de ferro com colcha rosa, um estante com livros, uma escrivaninha e alguns ursinhos espalhados. Olívia, que estava mexendo na mochila sentada na cama, levanta a cabeça quando me vê, se aproxima da porta com poucos passos e a bate na minha cara.

Luto contra a dor no peito e continuo em frente.

Graças a Deus a próxima porta deve ser o quarto das outras crianças, pois tem uma cama menor e um berço. Deposito Mandy na cama e puxo a coberta sobre ela, que resmunga e continua a dormir.

Permaneço um pouco ali, ouvindo seu ressonar tranquilo, engolindo o nó que cresce em minha garganta até se tornar grande demais para segurar e se romper em soluços dolorosos. Choro pela raiva de Connor, que machuca mais do que os punhos de Natalie em meu rosto. Choro por aquela criança que dorme tranquila, que havia se agarrado a mim, cheia de uma carência sofrida. Pelo bebê que brincava sozinho no cercadinho, sem ter atenção. Pela menina que bateu a porta na minha cara minutos atrás, cheia de mágoa. Pelo homem que sonhei a vida inteira em conhecer e que agora me olha como se eu fosse outra pessoa.

E, sobretudo, choro pela minha inocência ao concordar em substituir Melanie sem fazer ideia da confusão que ela deixou para trás e que agora eu teria que resolver.

— Melanie? — Escuto David chamar e enxugo o rosto rapidamente.

Respiro fundo algumas vezes no corredor e volto para a cozinha.

David me encara como eu imagino que um pai deve encarar a filha que aprontou algo que ele não gostou. Pergunto-me se era com este olhar que encarava Melanie quando ela não andava na linha quando era adolescente. Deve ter acontecido muitas vezes, se levarmos em conta as coisas que Melanie aprontava.

— Estava chorando? — Ele franze o cenho. Dou de ombros.

— Olívia está com raiva — opto por parte da verdade.

— Esperava o quê? Ela não é como Mandy, que conseguimos enganar dizendo que a mamãe foi viajar e iria voltar logo! Ela não acredita mais em historinhas inventadas.

— Eu...

— O que se passa em sua cabeça, Melanie? Sabe pelo que o Connor passou quando desapareceu? O que todos nós passamos?

— Não foi minha intenção...

— Nunca é! — Ele joga as mãos para cima, exasperado. — Eu tento desculpar suas criancices, mas desta vez você passou de todos os limites do que é aceitável! Sumir no meio da noite, largando seus próprios filhos para trás, não dar notícia...

— Eu falava com Connor.

— Quando ele insistia muito! Nunca deu uma satisfação, nem disse onde estava.

Eu podia contar de Nora. Podia dizer que Melanie foi embora para encontrar a mãe ausente que pediu sua presença antes de morrer. Mas se eu contasse a verdade estaria colocando nossa farsa em jogo.

— Ele iria querer que eu voltasse — opto por repetir as palavras de Melanie.

— E não deveria querer? Ele é seu marido.

— Nós estamos com problemas. — Não sei até onde Melanie contou a David sobre seus problemas conjugais.

— E não estão desde sempre? Eu devia ter impedido que se casassem, esta é a verdade! Mas o que eu podia fazer? Você estava grávida! E Connor parecia um rapaz muito correto, achei que seria bom para você ter alguém com a cabeça no lugar para te guiar, aparentemente o que fiz foi jogar uma bomba para este pobre rapaz segurar.

Eu me encolho com o desabafo de David.

— Papai...

— Agora sou papai? Onde está o David? — Opa, Melanie não chamava David de pai? — O que está pretendendo Melanie?

— Por que todo mundo acha que estou pretendendo algo escuso, não posso simplesmente ter voltado para casa?

— E quer que todo mundo aceite sua volta como se nada tivesse acontecido?

— Estou aqui, não estou?

— Sim, está. Onde esteve todo este tempo?

— Com uma amiga — digo vagamente o que eu e Melanie combinamos.

— Amiga? Onde?

— Nova York.

— Como arranjou uma amiga de Nova York?

— Pela internet.

— Ah, Melanie, quantos anos você tem? Não vai crescer nunca? Se aprontasse uma destas quando tinha quinze anos, eu até entenderia, mas você tem vinte e oito. É mãe de três filhos! Quando vai criar responsabilidade? Não sei como Connor aceita seus desvarios! Acho que tenho que agradecer por ele não te colocar para fora de casa com essas crianças, outro no lugar dele faria isso!

— Você teria me aceitado em casa, se meu casamento acabasse? — Ouso perguntar. Porque me lembro que Melanie não estava feliz. Que não dividia a cama com Connor há muito tempo. E foi para Nova York sem hesitar, sem olhar para trás. Talvez minha tentativa de tomar seu lugar e tentar consertar as coisas até a sua volta não resultasse em nada afinal. Seria uma pena. Mas eu não era Melanie. E minha presença era só paliativa.

— O lugar de uma esposa é ao lado do seu marido — ele diz.

Me dá vontade de perguntar se ele pensava assim quando mamãe foi embora, e por que ele não fez nada para impedir. Será que não a amava o suficiente?

E eu?

Por que ele escolheu Melanie e me deixou ir?

— Olha Melanie, apenas... — Ele solta um suspiro cansado. — Só resolva esta confusão que criou. Mas saiba que não vai ser fácil.

— Acha que conseguirei? Acredita que Connor vai me perdoar? — ouso perguntar.

— Connor está pensando nos filhos. Ele sempre pensa neles em primeiro lugar, por isso te aceitou de volta.

— Acha que um casamento deve ser assim? Se não tem mais amor... —digo baixinho, expressando algo que nunca havia nem cogitado em pensar. Que não existisse amor entre Melanie e Connor.

Era doloroso pensar assim. Ela era minha irmã, existia um lado meu que queria o melhor para ela. Que queria que tivesse uma vida feliz. Que resolvesse suas diferenças com Connor, voltasse para casa e fosse feliz. De longe, não entendia por que para Melanie era tão difícil se esforçar para ser feliz ali. Afinal, a vida que ela pintava, com um marido e filhos era tudo o que sempre quis para mim. Era meu desejo secreto. Mas ela insistia que não estava feliz. Que a vida em Lakewood, uma cidade pequena, com um marido e filhos, com pouca grana e sem a agitação de uma cidade grande, não a satisfazia. Eu não compreendia. Achava que Melanie estava exagerando sua insatisfação, que era apenas uma crise que poderia acontecer a qualquer um. Eu mesma não estava em crise com a minha vida, quando qualquer pessoa de fora diria que eu tinha a vida perfeita? Era jovem, rica, famosa, bem-sucedida numa carreira glamorosa.

No entanto, nada disto era o que queria. Trocaria facilmente por uma vida simples, como a de Melanie.

E havia realmente trocado.

Agora sendo Melanie e vendo sua vida mais de perto, começava a entender que os problemas dela eram mais profundos do que eu imaginava afinal.

E não sabia como lidar com eles.

Inferno, eu não era ela. E nem deveria estar ali.

Mas eu estava.

— Você não ama mais seu marido? — David pergunta por fim.

E o que posso responder? Eu não sou Melanie.

De algum lugar da casa um choro de bebê se faz ouvir e David me encara.

— Vá cuidar do seu filho, Melanie.

Ele sai pela porta e fico paralisada, com vontade de chorar.

Com vontade de correr atrás dele e me agarrar em suas pernas, como a criança carente que fui.

Que eu ainda sou.

O carro de polícia parte e o choro de bebê fica mais alto. Enxugo as lágrimas que nem percebi estar vertendo e corro para pegar Anthony.

— Ei, bebê, está tudo bem? — O acalento, ele continua a chorar. Será que está com fome? Deus, o que eu sabia sobre cuidar de uma criança?

Resolvo olhar a fralda e constato que está toda molhada. Tentando conter o medo, o levo para o quarto, graças a Deus seu choro já está passando quando chego lá. Coloco-o sobre um móvel que parece um trocador e abro as gavetas embaixo. Para meu alívio, encontro fácil fraldas e lenços para limpá-lo.

— Hum, vamos lá, garoto, me ajuda hein? — peço baixinho, Anthony parece ser um bebê tranquilo, pois não oferece resistência, quando tiro sua fralda, o limpo e coloco outra.

Bem. Não foi tão difícil!

Vejo um carrinho num canto e o acomodo nele e volto para a cozinha. A noite já caiu, percebo, ao olhar pela janela e começo a abrir todos os armários, até encontrar algumas mamadeiras.

Encontro o leite, colocando-o para ferver e depois na mamadeira. Espero ter acertado, fico aliviada quando Anthony aceita a mamadeira sem reclamar. Provavelmente deveria estar com fome.

E estou terminando de dar a mamadeira quando Connor entra pela porta.

Ele me encara com aqueles mesmos olhos frios de antes até desviá-los para o bebê no meu colo. Antes que qualquer um de nós fale alguma coisa, Mandy aparece choramingando.

— Papai...

A expressão de Connor muda completamente quando fita a filha, colocando-a no colo em seguida.

— Ei, querida, o que foi? — Ele a abraça, passando a mão em suas costas.

— Estou com fome.

Connor me lança um olhar mortal.

O quê? Ele ia me acusar de não dar comida a menina? Ela estava dormindo, pelo amor de Deus!

— Não precisa chorar, vamos ver o que a tia Natalie deixou para você.

Reviro os olhos ao ouvir o nome de Natalie, é inevitável. A briga da tarde ainda está fresca em minha memória.

Connor coloca a criança no chão e abre a geladeira, apanhando um pote que parece ser sopa e o coloca no micro-ondas.

Mandy vem em minha direção e se encosta em mim.

— Onde estava, mamãe? — resmunga com sua vozinha doce e chorosa. — Estava com saudade.

Oh, Deus, meu peito se aperta até doer.

Sorrio para ela, usando minha mão livre para acariciar seu rosto.

— Fui visitar uma amiga, mas estou de volta... — O barulho de um copo caindo no chão e se espatifando assusta nós duas, que olhamos em direção ao barulho para ver Connor perto da pia, catando os cacos do chão com cara de poucos amigos.

— Papai quebrou o copo.

— Sim, querida, fique aí, senão pode se machucar.

Aperto Mandy próxima, para ela não ir até lá.

— Por que não se senta para esperar a comida? — digo.

— Quero ir no seu colo. — Ela empurra Anthony que acabou de mamar, e eu rio.

— Não pode fazer isto, Mandy, ele é um bebê.

— Mas eu quero seu colo também.

— Mandy, venha comer! — Connor diz de repente, tirando Mandy de perto de mim e a sentando do outro lado da mesa.

Ela começa a chorar.

— Eu quero a minha mãe.

Connor não responde, apenas começa a dar a comida para ela, que vai parando de chorar pouco a pouco.

Eu me levanto com Anthony, sem saber o que fazer.

Olívia aparece e me lança um olhar mortal.

— Olívia, tem lanche para você na geladeira — Connor diz.

— Posso fazer o jantar — arrisco dizer, Olívia e Connor me encaram como se eu tivesse dito que explodiria a cozinha ou algo absurdo assim.

— Deus me livre — Olívia resmunga, abre a geladeira e retira um sanduiche de lá junto com uma garrafa de suco de laranja.

De repente me sinto muito deslocada ali, no coração daquela família que acabei de conhecer. Eu deveria ser a mãe. Embora nenhum deles estivesse disposto a abrir um espaço para mim.

Para Melanie, corrijo.

Será que ela teve um lugar ali antes?

Olívia pega o lanche, um copo de suco e sai da cozinha. Escuto uma televisão ser ligada na sala.

— Vai esperá-lo sufocar ou vai colocá-lo para arrotar como se deve? — Connor resmunga e noto, ruborizada, que tenho que mudar a posição do bebê para que ele arrote.

Droga.

Mudo Antony no meu colo e mordo os lábios.

Connor termina de dar comida a Mandy.

— Vá para a sala com Olívia.

Mandy vem em minha direção.

— Mamãe, pode me pegar agora?

— Querida, deixe eu terminar com o Anthony, está bem?

Connor solta uma imprecação baixa.

— Mandy, não seja teimosa.

Olívia retorna naquele momento jogando o prato na pia e puxa Mandy.

— Ainda não aprendeu que a mamãe não gosta de dar colo, Mandy? Não seja burra!

As duas desaparecem e encaro Connor que se ocupa lavando a louça.

Anthony está quase adormecendo. Tenho vontade de puxar conversa com Connor, qualquer coisa mesmo que seja para levar patadas.

Em algum momento ele vai ter que parar, não é?

Ele finalmente termina e estende os braços.

— Me dê o bebê.

— Ele está bem aqui.

— Não comece com seus joguinhos, Melanie, não usando as crianças, que porra! — ele esbraveja e tira Anthony do meu colo.

A criança começa a chorar e ele a acalenta, saindo da cozinha.

Fico ali, apalermada com a acusação. Que diabos?

Respirando fundo, abro a geladeira e começo a pegar algumas coisas para fazer o jantar. Escuto a movimentação fora da cozinha e de repente me sinto mais sozinha do que nunca.

Onde estava com a cabeça quando achei que ia me sentir parte de uma família?

Acabo de preparar o jantar quando Connor retorna. A casa está em silêncio agora.

— Cadê as crianças?

Ele abre a geladeira.

— Dormindo. Onde mais?

Ele pega um sanduiche igual ao que Olívia comeu.

— Foi Natalie quem fez este lanche? — Ele começa a comer ignorando a comida quente que deixei na mesa. Começo a sentir raiva.

— Sim, foi ela.

— Natalie é muito intrometida para meu gosto. — Quase mordo a língua quando digo isto, sem saber de onde veio.

— Você odeia a Natalie, qual a novidade?

— É ela que me odeia!

— Sinceramente, suas picuinhas com Natalie não me interessam. Pelo menos ela estava aqui me ajudando com as crianças quando você estava sabe Deus onde!

— Claro que estava! E não precisa comer isto, fiz o jantar...

Ele olha para mesa com desdém e me encara.

— Agora é este seu joguinho? Desde quando cozinha?

— Qual o problema?

— Problema? Diga você! — Ele termina o lanche e levanta-se da mesa.

— Não estou fazendo jogo — tento me defender, ele se vira me lançando um olhar mortal.

— Para seu próprio bem, fique longe de mim por hoje, estou me contendo para não explodir, se não percebeu.

— Talvez você deva explodir e assim a gente resolve isto de vez.

— É o que quer? Quer brigar?

— Você que está dizendo! Desde que cheguei quero conversar civilizadamente e você só me dá gelo.

— Melhor gelo do que fogo! Porque, quando eu explodir com você Melanie, não vai restar nem cinzas para contar a história.

Ele sai da cozinha pisando duro, e pisco para conter a vontade de chorar. Por Deus, como eu iria aguentar aquilo por dois meses?

Talvez eu devesse ir embora amanhã. E acabar logo com tudo.

Guardo a comida na geladeira. Não estou com o menor apetite. Saio da cozinha e, ao passar pela sala, Connor está arrumando uma cama sobre o sofá com lençóis e travesseiros.

Ele não olha em minha direção e eu passo direto.

A porta do quarto de Olívia está fechada e nem ouso abrir para ver se está dormindo. Ela está tão ressentida quanto Connor.

Diferentemente das outras crianças, que ainda são pequenas, ela já tem idade para perceber os problemas que seus pais estão passando. Talvez já saiba que Melanie e Connor têm problemas. E me pergunto o que Melanie teria dito à filha. Ou até mesmo Connor. E com a viagem de Melanie sem avisar, ela deve ter ficado muito ressentida. Como culpá-la? Nem tinha dez anos e já estava no meio de todo aquele drama. Ela não merecia.

Passo pelo quarto de Anthony e Mandy, ela dorme tranquila. Eu me aproximo e a beijo.

— Amanhã, vou te dar bastante colo, está bem? — murmuro, sentindo-me culpada por não ter podido atendê-la. Mandy parecia uma criança muito carente e lembro de Melanie dizendo que ela era manhosa.

Anthony também dorme, apenas o cubro direito e vou para o último quarto do corredor. Abro a porta e acendo a luz.

Era o quarto do casal. De Melanie e Connor.

Ou o quarto que Melanie dormia sozinha desde antes do nascimento de Anthony.

Como foi que o casamento deles chegou àquele estágio? Será que um dia foram realmente felizes? E quanto daquilo era culpa de Melanie e de sua incapacidade de não aceitar a vida que escolheu?

O quarto está arrumado assim como toda a casa e abro o closet. Sorrio ao ver as roupas de Melanie. E as de Connor.

Toco uma camisa xadrez. Tem cheiro dele. Cedro e homem.

Solto a blusa, culpada com aquele pensamento nada a ver.

Olho em volta e pego minha bolsa que Connor trouxe para dentro mais cedo junto com a mala. Retiro de lá o celular, o aparelho de Melanie, e disco.

— Mel? Meu Deus, estava surtando. — A voz dela se faz ouvir e fecho os olhos com força. — Fala alguma coisa! Estou indo para Los Angeles amanhã, não é o máximo? E aí, como estão as coisas?

— Melanie, como você pôde? — começo a dizer, não consigo terminar, minha voz cortada por soluços.

— Mel, meu Deus, o que... por que está chorando?

— Você não imagina?

— Oh... Foi difícil sua recepção?

— Difícil? Está sendo horrível! Connor está furioso!

— Eu te avisei que ele podia ser difícil.

— Ele me odeia, quer dizer, te odeia.

— Odeia nada! Só está com raiva porque sumi, vai passar logo.

— Você acha que é assim tão fácil? Você sumiu deixando todo mundo! Ninguém aqui aceitou bem. Você criou uma confusão sem fim.

— O povo desta cidade é muito provinciano, credo! Eu tinha todo o direito de sair da cidade e visitar quem eu quisesse! Quem mais você encontrou além do Connor?

— Natalie estava aqui cuidando da casa e das crianças.

— Claro que estava! Sabia que ela não perderia tempo. Deve ter ficado puta que voltei! — Melanie ri. — Quer dizer, você entendeu!

— Ela me deu um tapa.

— O quê? Aquela vadia! Você revidou pelo menos?

— Claro que não.

— Devia ter aproveitado para bater na cara daquela sonsa.

— Bater nela só iria piorar tudo! As pessoas já te odeiam, não precisam de mais motivos.

— E como estão as crianças?

Suspiro. De repente hesito em dizer que as crianças estão mal. Será que Melanie iria se condoer? Será que desistiria de tudo e voltaria. Só sei que se fossem meus filhos eu largaria tudo na hora.

— Fisicamente estão bem. Foram bem cuidadas, deve agradecer a Natalie.

— Nunca!

— Elas sentiram sua falta, Melanie. Mandy está tão carente...

— Mandy sempre foi carente. Não a deixe te enrolar. Já tem quatro anos, precisa parar de agir como bebê.

— E Olívia está revoltada. Bateu a porta na minha cara e mal trocou duas palavras comigo.

— Típico. Quando essa menina se tornar adolescente não sei o que vai ser.

— Está magoada, Melanie! Sua mãe sumiu sem deixar vestígio.

— Ela vai superar. Você está aí para isto, não é?

— Não sou a mãe dela!

— Enquanto estiver aí você é — Melanie diz com convicção, e fecho os olhos, sentindo de novo vontade de chorar.

— Não sei se o que fizemos está certo...

— Está sim! Você não conseguiria lidar com esta turnê!

— Também não conseguirei lidar com sua vida.

— Você vai, Mel. Sei que vai.

— E se eu contasse a verdade?

— Não! É tarde demais! Olha, sei que deve ser difícil. Mais do que ninguém, sei da confusão que deixei aí. Porém, se existe alguém que pode consertar tudo, é você Mel. Eles precisam de você. Por favor. Por favor, irmã. Seja forte. Por Connor. Pelas crianças. Por mim.

Não consigo dizer nada. Sei que em um ponto ela tem razão. É tarde demais.

Quando desligo o telefone e deito minha cabeça sobre o travesseiro de Melanie, ouvindo o vento de Lakewood uivar lá fora, me pergunto o que o segundo dia como Melanie Carter me reservava.

E as últimas palavras de Melanie ressoam no meu ouvido.

Seja forte. Por Connor. Pelas crianças. Por mim.


Capítulo 9


Acordar sem ouvir os sons de caos característicos de Nova York é algo novo para mim. Ou pelo menos algo que não vivencio há muitos anos. Em vez das buzinas e carros freando, meus ouvidos são inundados pelo som do vento batendo nas folhas das árvores, pelo doce canto dos passarinhos e da quietude.

Por um momento aquela tranquilidade quase sublime, faz uma sensação de paz alastrar-se por meu coração, que estava submerso em angústia e apreensão. Entretanto, eu sabia que aquela calmaria era apenas aparente. Do outro lado da porta já podia sentir a pressão da farsa que estava vivendo.

Ali, eu não era Mel Blake. Teria que me vestir de Melanie Carter, a esposa do homem que não estava nem um pouco contente com este fato no momento.

Com um suspiro resignado, engulo o medo que me dá vontade de me esconder o dia inteiro e saio da cama. Verifico a hora no celular e ainda é cedo, pouco mais de seis horas. Saio do quarto e rumo para o banheiro, um tanto aliviada pela casa ainda estar em silêncio. Depois de um banho, arrisco-me a ir até a sala e não há mais sinal de Connor por ali, a cama que deveria estar arrumada sobre o sofá não existe mais. Será que ele já havia saído para trabalhar tão cedo?

Na cozinha, tudo está também na mais completa paz. Procuro no armário e geladeira ingredientes para fazer o café da manhã e me questiono se foi Natalie quem deixou a dispensa arrumada. Provavelmente, constato, sem conseguir evitar um certo engulho. Faço a cafeteira funcionar e consigo até bater algumas panquecas. Será que devo acordar as crianças? Olívia tem escola e não sei se ela acorda sozinha.

Não sem certa apreensão depois do gelo de ontem, vou até o quarto de Olívia, a cama está vazia. Ouço o som do chuveiro ligado e compreendo que deve estar tomando banho. Sigo para o quarto das outras crianças e Mandy ainda dorme, Anthony já está acordado brincando com os móbiles acima de sua cabeça.

Sorrio ao pegá-lo no colo.

— Você é muito quietinho, não é? — Ele faz barulhos de bebê, as mãozinhas se embrenhando em meus cabelos. Verifico sua fralda e está limpinha. Ela foi trocada recentemente. Connor? Provavelmente, claro.

Volto para a cozinha e faço a mamadeira dele, ocupando-me em alimentá-lo. Desta vez não me esqueço de colocá-lo para arrotar antes de deixá-lo no carrinho para preparar o resto do café da manhã. Então escuto um barulho estranho, como madeira estalando. Aproximo-me da janela e arregalo os olhos para a cena diante de mim.

Com a ajuda de um machado, que até hoje só tinha visto nos filmes, um Connor sem camisa desfere pesados golpes num tronco. Suas costas largas brilham de suor, assim como os braços fortes e os cabelos claros. A força e a fúria com que golpeia a madeira é assustadora e fascinante ao mesmo tempo.

Por um momento me sinto hipnotizada por aquela cena inesperada. O verde luxuriante da mata, os primeiros raios de sol tentando se libertarem das nuvens escuras e pesadas no céu e o homem impressionante absorto naquele trabalho.

Até que, como se soubesse estar sendo observado, ele levanta a cabeça em minha direção. Dou um passo atrás, deixando a cortina cair, respirando com dificuldade por ter sido flagrada espionando.

Não demora para Connor irromper na cozinha. Ele sabe que estou ali, claro. Não sou transparente. Ele finge que não estou enquanto passa por mim e precipita-se até a geladeira, abrindo-a e tirando de lá a garrafa de água que leva até a boca. Não consigo impedir meus olhos de espreitá-lo furtivamente. Connor tem um corpo alto e magro com músculos suaves na medida certa para ser atraente sem ser exagerado. É exatamente quando aquele pensamento descabido se forma na minha mente que duas coisas acontecem: eu me dou conta, horrorizada, de que estou secando descaradamente o marido da minha irmã.

E tenho certeza de que Connor se dá conta da mesma coisa quando levanta a cabeça e me olha de esguelha, com um brilho estranho de espanto no olhar.

Desvio meus olhos rapidamente, mais vermelha que um pimentão. Com vergonha não só de Connor, mas de mim mesma também. Achar o marido da minha irmã atraente era errado em tantos níveis que não conseguia nem classificar.

— Está tentando se redimir? — Suas palavras frias me fazem levantar a cabeça novamente.

— Fazer o café da manhã vai ser motivo para me acusar de estar fazendo algum jogo com você também? — Não consigo conter a ironia.

Lá se vai a esperança que nem tinha me dado conta de estar carregando de que Connor estaria mais disposto a, pelo menos, tolerar minha presença nesta manhã.

— Desde quando você se dá ao trabalho de acordar cedo Melanie? Quanto mais fazer café da manhã? — continua, no mesmo tom ríspido.

Eu devia imaginar que Melanie não era uma criatura doméstica. Ela havia me alertado sobre isto em uma das nossas conversas e, quando estava em casa comigo, não lavava um prato, quanto mais fazer comida. E ela realmente amava acordar tarde. De alguma maneira eu imaginava que ela não devia ser tão preguiçosa em sua própria casa, sendo mãe de três crianças pequenas.

Então engulo em seco e dou de ombros.

— Talvez esteja mesmo tentando me redimir — respondo, sustentando o olhar desafiador de Connor que agora está meio desconcertado.

— Então é isto? Toda esta sua súbita boa vontade é alguma artimanha para me fazer perdoá-la e esquecer o que fez?

— O que eu fiz? Eu fiz uma viagem. E voltei! — Sei que estou minimizando os atos de Melanie. Realmente imaginava que sua ida a Nova York não passava de uma simples viagem com data marcada de volta. E, mesmo depois de descobrir que ela tinha marido e filhos esperando-a, ainda pensava que era uma questão de tempo até retornar e tudo estaria resolvido. Que mesmo que ela e o marido estivessem com problemas, a relação dos dois teria conserto. Afinal, quantos casais não passavam por uma crise? Agora, me deparando com a extensão da raiva que Connor guarda dentro de si, começo a perceber que todo aquele ressentimento é muito mais profundo e forte do que algo causado apenas por uma viagem sem aviso.

Mesmo assim, cá estou eu. Defendendo-a.

O que me resta fazer? Estou aqui em seu lugar e posso ao menos tentar reparar o estrago feito por Melanie. Sei que não sou ela. Que em dois meses estarei longe, que ela voltará para casa depois de me substituir. Como posso simplesmente passar aquele tempo, apenas substituindo-a, sem me empenhar em melhorar os ânimos naquela família?

Era o mínimo que podia fazer. Quem sabe assim, quando Melanie voltasse, Connor já não estivesse com tanto rancor no coração e as suas crianças estivessem mais felizes. Então, ela perceberia que seu lugar é ao lado deles?

— Eu devia esperar uma resposta assim vinda de você, sempre minimizando tudo, achando que nada do que faz é errado ou condenável — ele dardeja, descartando o resto de água na pia junto com a garrafa com tanta força que eu não sei como não quebrou.

— Eu sei que pode parecer errado, mas Mela... — Engulo em seco quando erro. — Eu tinha meus motivos.

— Chega, Melanie! — ele sibila perigosamente baixo. — Estou cansado das desculpas para suas loucuras! Para seu descaso para com esta família! Você vem nos despedaçando há anos, quer saber, este seu último desvario passou de todos os limites! Estou simplesmente de saco cheio de... — Ele para, respirando fundo.

Sinto-me como se tivesse sendo esmurrada por suas palavras. Dói ouvir aquilo. Mesmo sabendo que não era de mim que ele estava falando.

Engulo o nó na minha garganta ao contemplar, na confissão de Connor, a extensão do estrago no casamento deles. O que Connor ia dizer? Que estava cansado de Melanie? Do casamento?

Será que Melanie não estava sozinha naquele abismo que ela achava que se encontrava o casamento?

— Está de saco cheio de que, Connor? De mim? De nós?

Antes que ele possa responder, Olívia entra na cozinha, interrompendo a discussão.

— Bom dia papai. — Não me passa despercebido que ela fala apenas com Connor.

— Vou tomar um banho para te levar na escola — ele diz, antes de se afastar.

Luto por um instante para me recompor e encaro Olívia com um sorriso que já sei que não será bem-vindo, mas faço mesmo assim.

— Bom dia, Olívia.

— Bom dia — ela resmunga e seu olhar recai sobre a mesa. — O que é isto?

— Oras, café da manhã. Por que não se senta, acho que ainda tem tempo, antes que Connor saia do banho.

— Não estou com fome. Me acostumei a não comer de manhã, já que nunca faz nada, aliás, pensei que estivesse dormindo.

Eu mantenho o sorriso.

— Ah, agora vou acordar mais cedo e também fazer o café da manhã.

— Para quê?

Paciência, Mel. Paciência. Murmuro para mim mesma.

— Olha o que eu fiz fresquinho? Suco de laranja. — Encho um copo, ignorando seu mau humor comigo. Ela permanece séria.

— Por que está fazendo isso?

— Eu falei, acostume-se, querida. Teremos novos hábitos por aqui — continuo animada.

— Me acostumar como quando você disse que não ia mais esquecer de fazer nosso jantar ou preparar meu lanche e depois nem acordava para fazer e muitas vezes nem estava em casa na hora de a gente comer à noite? Ou quando íamos fazer aula de dança juntas e desistiu um mês depois? Ou como quando eu era mais nova e você dizia que ia me buscar na escola e me esquecia lá? Ou todas as vezes que se arrependia de ter brigado comigo e vinha pedir desculpas dizendo que nunca mais ia acontecer, a culpa não era minha e sim sua, que estava muito cansada por qualquer motivo ou brava por ter brigado com o papai? — Ela engasga e para, virando o rosto e saindo da cozinha quase correndo.

Eu fico um momento ali, paralisada de terror. Chocada com a quantidade de ressentimento que ela botou para fora em meio a sua epifania.

Deus do céu, que tipo de mãe Melanie estava sendo para aquela pobre criança?

Escuto a porta da frente bater e estremeço, saindo do torpor. Enxugo minhas próprias lágrimas que nem percebi estar vertendo, rapidamente pego algumas coisas na geladeira preparando um sanduiche colocando em um saquinho. Então corro até a porta da sala e a abro, encontro Olívia encostada no carro de Connor. Ela não chora mais, mas seu olhar está cheio de raiva quando me vê.

Eu não me acovardo.

— Me desculpe. Eu sei que... — De novo paro ao me atrapalhar e respiro fundo. — Sei que não estou sendo uma boa mãe para você. E que também está brava porque viajei sem avisar, deixando vocês sozinhos. Mas estou aqui agora e quero realmente que tente me perdoar. Prometo que tudo vai ser diferente. — Estendo o sanduiche que tinha preparado. — Seu lanche para a escola.

Ela olha para minha mão e depois para mim. Seus olhos estão cheios de lágrimas que ela luta para não derramar, mas mantém a postura defensiva.

Bom, sabia que não ia ser fácil.

— Por favor, Olívia, pegue! — peço com firmeza. Como acho que as mães deveriam fazer quando querem que os filhos a obedeçam, mesmo quando estão fazendo birra. Não sei se Melanie adotava aquela postura, mas eu precisava tentar de tudo.

Olívia finalmente pega o lanche da minha mão e coloca na bolsa, ainda com mau humor.

— Como se diz? — questiono, com vontade de sorrir, por ao menos ela ter pegado o lanche, porém permaneço séria.

Ela rola os olhos.

— Obrigada, mamãe? — insisto.

— Obrigada, mãe — ela resmunga e entra no carro.

Abro um grande sorriso. Não era uma vitória, mas já era alguma coisa.

De repente o barulho de um carro se aproximando me faz virar. É um jipe dirigido por um homem alto e loiro que me encara com um sorriso largo, porém sarcástico.

Reconheço Sam Carter, o irmão mais velho de Connor.

— Olha só, a fujona voltou!

— Oi, Sam, como vai?

Ele levanta a sobrancelha.

— Nossa, que educada! Onde esteve? Em uma escola de boas maneiras? Bem que a Natalie disse que estava esquisita.

Respiro fundo ao ouvir o nome de Natalie.

— O que mais ela disse?

— Que você a escorraçou daqui quando deveria ter agradecido por ela ter cuidado da sua casa e dos seus filhos.

— Eu não escorracei. Só disse que agora que eu tinha voltado não precisava mais dela aqui. E agradeci sim, talvez ela não tenha entendido. Talvez ela seja devagar para compreender as coisas. — Deus do céu, de onde vinha aquele sarcasmo todo? Fico surpresa comigo mesma.

Em vez de achar ruim o fato de eu ter criticado sua esposa, Sam solta uma sonora gargalhada.

— Aí está, a velha Mel! — Ele para. — Opa, desculpe-me por te chamar de Mel, esqueci que odeia, Mel. — Ri um pouco mais, piscando.

Melanie não gostava que a chamassem de Mel? Era justamente o contrário de mim.

— Ah, pode me chamar de Mel, não ligo mais.

— Não? O que fizeram com você? Lavagem cerebral?

Dou de ombros.

— Quem sabe.

— Ah, eu sempre gostei de você, Mel. Legal ter voltado! Pena que parece que nesta família só eu tenha gostado. E aí, Connor! — Ele olha além de mim e me viro para ver Connor saindo da casa, parecendo magnífico de banho recém-tomado, não dá para negar.

Ah, inferno. Eu precisava parar com aquilo.

Ele olha para mim com a mesma frieza de antes.

— Mandy acordou e está te procurando — resmunga como se eu estivesse fugindo da menina.

— Já vou cuidar dela.

— É bom mesmo. Ela foi a que mais sentiu sua falta. Ainda é criança demais para perceber que a mãe não está nem aí.

— Connor, não fale assim.

— Só estou falando uma verdade que nós dois conhecemos.

— Eu te disse que...

— Ei, vocês dois, acho que está muito cedo para briga, não? — Sam nos interrompe e fico vermelha.

— Tem razão, Sam — digo.

— Não que eu me importe, somos família, né? Mas a filha de vocês está bem ali.

Connor olha pra Olívia e seu rosto suaviza. Ele volta a me fitar com mais raiva ainda, como se a culpa da discussão fosse minha e não dele com sua raiva.

— Connor, você vai para a oficina? Vou fazer aquela prateleira dos Norton agora de manhã.

— Sim, eu estarei lá — ele resmunga, entrando no carro sem se dar ao trabalho de me dar um “até logo”.

Eu me recordo de Melanie explicando o trabalho de Connor. Ele e Sam tinham uma oficina de marcenaria que ficava na casa dos pais.

— Ele e o irmão faziam isto por hobby, sabe? Coisas com madeira, aparentemente não havia muita coisa para fazer na época que moravam no Alasca e eles gostavam de cortar madeira e fazer coisas. Aí quando ele não pôde mais ir para a faculdade, Sam o chamou para trabalhar com ele.

— Sam também não foi para faculdade?

— Ele é dois anos mais velho que o Connor. E até tentou, ele é meio burrinho, sabe? Não deu muito certo e voltou para casa.

Agora vendo-os se afastarem me pergunto se Connor teria preferido ir para a faculdade a ficar ali com o irmão.

Quando entro, Mandy está sentada no sofá assistindo desenho animado e sorri ao me ver.

— Mamãe, você não foi embora de novo! — Ela vem em minha direção estendendo os braços, e a pego no colo.

— Eu não vou a lugar nenhum, querida.

— Você foi embora — ela reclama, chorosa, e sinto meu coração se apertar.

— Não vou mais a lugar nenhum, está bem? — prometo, rezando para que Melanie possa manter aquela promessa.

Apesar de Mandy ser manhosa e estar bastante grudada em mim, não é difícil cuidar dela. A única coisa que ela quer é atenção.

Eu a alimento, depois a ajudo a trocar de roupa e ela pede que eu brinque com ela arrastando um pequeno fogão cor de rosa para o meio da sala.

— O Anthony pode brincar também? — pergunto, tirando o bebê do carrinho e o colocando no carpete sobre o chão.

— Ele é muito pequeno, mamãe!

— Mas é seu irmãozinho, por que não brinca com ele também?

— Está bem — ela acaba concordando, e não demora para que comece a tentar alimentar Anthony com suas comidinhas de mentira.

— Eu gosto quando brinca comigo, mamãe — Mandy diz em certo momento. — Você vai brincar comigo todo dia agora?

Sorrio.

— Claro que sim!

A manhã passa rápido enquanto estou ocupada dando atenção às crianças menores e adoro cada momento. Até que Mandy me encara confusa após eu lhe dar o almoço.

— Mamãe, eu não vou na escolinha hoje?

Oh, merda, Mandy tinha escola?

Tento me recordar de Melanie falando alguma coisa sobre isto, porém não me lembro. E agora?

— Claro que vai. — Sorrio, tentando aparentar tranquilidade e a levo para o quarto. Ela mesma pega um uniforme dentro da gaveta.

Eu noto o nome da escola na camisa do uniforme e pego meu celular, pesquisando o endereço. Pelo menos eu sabia onde era.

Ajudo Mandy a terminar de se arrumar e me recordo que Melanie disse que tem um carro.

— É um troço mais velho do que Maomé, que milagrosamente ainda anda! Eu ganhei de David quando era adolescente e, como nunca parou de funcionar, ainda a usamos. Eu amaria ter um carro novo, mas não caberia em nosso orçamento.

Encontro as chaves no aparador e, com Mandy e Anthony, rumo até a garagem nos fundos da casa. Nunca gostei de dirigir e depois que me mudei pra Nova York todo mundo usava o metrô ou táxi.

— Vamos mamãe! — Mandy me puxa e eu os coloco no carro. Arrumo Anthony na cadeirinha de bebê e dou partida.

Graças a Deus não bato em nada ao sair da garagem e pegar a estrada. Olho para o celular onde coloquei o itinerário no GPS, rezando para não me perder, respiro aliviada quando finalmente estaciono em frente à escola.

Há uma pessoa na porta colocando as crianças para dentro e a levo até lá.

— Senhora Carter, que surpresa — a mulher diz com um tom azedo. — Que milagre não estar atrasada.

Sorrio amarelo.

— Às vezes eu acerto.

— Andou sumida. A senhora Natalie disse que tinha viajado.

— Sim, já voltei — corto-a e beijo o rosto de Mandy. — Entre querida.

— Tchau, mamãe! — Ela acena, desaparecendo porta adentro com as outras crianças.

— A propósito, esqueci, a que horas tenho que buscá-la mesmo?

A mulher me encara como se eu fosse louca.

— Quem sempre busca Mandy não é o senhor Carter?

— Ah, claro. Tinha me esquecido.

Eu me afasto e entro no carro, a mulher ainda me acompanha com o olhar.

Que fosse cuidar da vida dela.

Mesmo querendo dar um passeio pela cidade, retorno rapidamente, pois fico com medo de dirigir por mais tempo aquele carro velho sem ter muita experiência.

Quando chego em casa, coloco Anthony no carrinho e termino de desfazer a mala, tomando o cuidado de esconder as coisas que não eram de Melanie e sim minhas.

Havia trazido a mala de Melanie com todas as suas coisas, mesmo perguntando se ela não queria manter nada pessoal com ela.

— Não preciso de nada disto, é melhor que leve tudo para não haver nenhuma desconfiança.

— Tem certeza de que não vai querer ficar com nada?

— Todas essas coisas velhas? — Ela riu. — Não esqueça de que sou você agora.

— Bom, precisarei levar meu laptop e meu caderno de anotações, além da foto da mamãe que está sempre comigo. Também acho prudente levar um cartão de crédito para alguma emergência. Pelo menos isto.

— Tudo bem, só tome muito cuidado e esconda tudo muito bem. Connor não costuma mexer nas minhas coisas, mas é melhor ser cuidadosa.

Aproveitando que estou sozinha na casa, ligo meu laptop e, sem conseguir me conter, digito meu nome no Google. Em meio a informações sobre os meus livros, encontro uma conta do twitter recém-aberta em meu nome.

— Mas que merda... — Clico na conta e há várias mensagens bem-humoradas sobre como “estou” gostando de Los Angeles e até uma foto “minha” com uma leitora no aeroporto.

— Melanie, o que anda aprontando? — Sinto-me esquisita ao ver aquilo. Não sei se tem um pouco de ciúmes, ou somente alívio por não ser eu que estou a caminho de uma livraria para uma sessão de autógrafos com centenas de fãs enlouquecidas.

Com uma curiosidade mórbida continuo ali, stalkeando as leitoras na “minha conta”, que começam a postar fotos delas mesmas na fila de autógrafo, que está enorme. Umas usam camisetas temáticas, levam presentes e faixas. É assustador. Depois começam as fotos do bate-papo, onde vejo uma Melanie sorridente usando um chamativo vestido preto que nunca vi.

— Andou fazendo compras, Melanie? — pergunto e clico em um vídeo curto, onde Melanie discorre sobre o enredo do livro. E devo dizer que o faz tão bem que ninguém diria que não foi ela quem escreveu.

Já anoiteceu quando finalmente fecho o laptop e o evento ainda não terminou. E já tem uma centena de vídeos e muitas fotos. Todas com Melanie muito carismática e cheia de sorrisos. E os elogios a sua simpatia só aumentam.

Pelo menos ela estava se dando muito bem como minha substituta. Enquanto eu, ali em Lakewood, estava sendo detonada por sua família. Com um suspiro, levanto, escondendo o laptop, e volto para a cozinha.

Bem, aquele foi praticamente o primeiro dia. Ainda tinha dois meses. E não podia desistir. Um pouco mais animada com minha resolução, abro a geladeira e escolho alguns ingredientes. Ia aproveitar que Anthony ainda estava tirando a soneca da tarde para fazer o jantar.

Connor estava demorando a chegar com as crianças. Anthony tinha acordado de sua soneca e eu brincava com ele no meu colo, adorando ouvir sua risada gostosa, enquanto aguardava, sentindo alguma apreensão com o passar das horas.

Quando a porta finalmente se abre e Olívia entra, ainda com cara de poucos amigos, com Connor segurando uma Mandy adormecida no colo, olho o relógio e já passa das dez da noite.

Connor passa direto para o quarto, provavelmente para colocar Mandy na cama.

Encaro Olívia, que está indo em direção ao quarto também.

— Vocês chegaram tarde! — digo, com um tom meio acusatório. — Vou ter que esquentar o jantar.

— Nós jantamos na casa da tia Natalie.

— Mas eu fiz o jantar!

— Você nunca faz! E a gente sempre janta na casa da tia Natalie, afinal não podemos ficar com fome! — ela resmunga, indo para o quarto em seguida. E eu bufo, irritada.

Anthony se mexe sonolento e o acalento no colo, levando-o para o quarto. Connor ainda está lá, colocando um pijama numa Mandy adormecida.

— Por que não me avisaram que iam para a casa de Natalie? — pergunto, colocando Anthony no berço. Ele já estava dormindo.

— Devia saber que iríamos.

— Não devia não. — Cruzo os braços em frente ao peito. — Vou deixar você ajeitar Mandy, te espero na cozinha!

Marcho para cozinha e começo a retirar a mesa que tinha posto com todo esmero, assim como a comida que fiz.

Tudo um desperdício.

Fico me perguntando se Connor ia ignorar minha intimação, quando ele entra na cozinha com uma postura defensiva.

— O que foi dessa vez?

— O que foi? Olha só para isto? Fiz comida para nada!

— Você raramente se digna a fazer o jantar, Melanie, queria que eu adivinhasse? E as crianças não podiam ficar com fome.

Respiro fundo para me acalmar.

— Tudo bem, entendo este ponto. Como eu disse as coisas vão ser diferentes agora.

— O que quer dizer? — Sua postura é debochada. Ah, ele ia ver.

— A partir de amanhã, não quero que leve as crianças para a casa de Natalie, porque vou fazer o jantar. De agora em diante todos jantam aqui. Inclusive você. E isto não está em discussão. — E, sem lhe dar tempo de resposta, saio da cozinha e rumo para o quarto, só parando quando fecho a porta atrás de mim.


Um barulho diferente me acorda de repente e demoro um instante para entender que é choro de bebê.

Sem pensar muito me levanto e abro a porta do quarto, rumando até o berço de Anthony. O bebê está esperneando, com o rostinho vermelho de chorar, estendo os braços embalando-o no meu peito.

— Ei, bebê, não chore, qual o problema?

Preocupada que ele acorde Mandy, saio do quarto e o levo até a cozinha, me perguntando se estaria com fome, já que a fralda está limpa.

— Desde quando você acorda de madrugada ao ouvir Anthony chorar? — Tomo um susto ao ouvir a voz de Connor e, ao me virar, o vejo parado na porta da cozinha, sem camisa, usando apenas uma calça de pijama, com os cabelos despenteados e um olhar estranho no rosto de barba por fazer.


Capítulo 10


— Ele estava chorando. — Abraço o bebê em meu peito como um escudo contra a rispidez de Connor.

— Sim, mas você raramente escuta — ele continua seu ataque.

— Bem, eu escutei hoje. Acredito que pode estar com fome, já que a fralda está limpa. — Ignoro o olhar ainda desconcertado de Connor, começando a procurar a mamadeira no armário. Quando a encontro, pego o leite na geladeira, não está sendo fácil preparar tudo com o bebê chorando no colo.

— Me dê ele! — Eu me surpreendo ao ouvir a voz de Connor próxima e quando levanto o olhar ele está com os braços estendidos para pegar Anthony.

— Ele está bem comigo — rejeito, tentando equilibrar a criança e colocar o leite na mamadeira com uma mão só.

— Será mais rápido sem ele, Melanie, não seja irritante. — Com um suspiro rendido, lhe ofereço o bebê e, no processo de mudar de colo, as mãos mornas de Connor roçam minha pele, fazendo-me arrepiar.

Eu me viro rápido, sem graça, ocupando-me em terminar a mamadeira.

— Ei filho, está tudo bem, não precisa chorar. — Connor embala o bebê sussurrando-lhe com voz suave e olho aquela cena, cativada com o carinho com que ele lida com o bebê. Anthony deve perceber também, pois vai parando os soluços pouco a pouco, antes mesmo de eu estender a mamadeira para Connor, que a leva à boca da criança.

— Parece que ele estava mesmo com fome.

Connor me fita de novo com os olhos franzidos.

Eu identifico o significado de sua expressão. Desconfiança. Suspeita.

O tempo inteiro ele me olha assim, cético com cada gesto meu, por mais bem-intencionado que seja. E eu me pergunto quando aquele receio vai deixar seu olhar.

Estou ansiando por isto. Muito.

— Obviamente — responde ríspido, voltando sua atenção para o bebê.

Suspiro pesadamente. Não hoje, compreendo.

Um tanto decepcionada, me viro para a pia e me ocupo em lavar alguns poucos utensílios, só para ter algo para fazer. Não quero ir dormir antes de me certificar de que Anthony não precisa de mais nada. Connor pode achar que não estou interessada, não me importo. Se ele está ressentido demais para perceber que estou com boas intenções, eu ainda posso me concentrar em Anthony.

Assim que termino de guardar a louça no armário, ouso relancear a cabeça em sua direção e surpreendo seu olhar em mim, mais precisamente em meu peito. Olho pra baixo e vejo que minha camisola está parcialmente aberta, deixando entrever meus seios.

Fecho os botões rapidamente, vermelha de vergonha.

— Não se preocupe, não estou interessado — Connor fala asperamente, desviando o rosto com uma expressão irritada saindo da cozinha levando Anthony.

Que merda foi essa?

Será que ele estava pensando que deixei minha roupa aberta de propósito? Para de alguma maneira tentar seduzi-lo?

Era um absurdo!

De súbito, paro minha linha de pensamento. Era Melanie quem estava ali. Sua esposa. Com certeza ela já deve tê-lo seduzido uma centena de vezes. Não nos últimos tempos, certamente, se levar em conta que eles não estavam dormindo juntos há meses. Então, eu não deveria ficar ofendida por ele ter entendido errado, não é? O que Melanie teria feito?

Provavelmente riria e seria irônica. Daria uma resposta no mesmo tom de desdém, dizendo que também não estava nem um pouco interessada.

Enfim, foi uma cena bem desagradável, a qual eu deveria esquecer.

Apago a luz da cozinha indo direto para o quarto, notando que Connor ainda está com Anthony. Tive vontade de me aproximar e ver se precisava de algo, mas com certeza não seria bem-vinda e, depois da cena na cozinha, era melhor ficar bem longe por hoje.

Ao fechar a porta, percebo que não estou com nem um pouco de sono. Depois de me certificar que a porta está devidamente trancada, pego meu laptop e sento sobre a cama. Abro o editor de texto e começo a trabalhar em uma nova história. Escrever sempre é terapêutico para mim.

Não penso muito sobre o que estou escrevendo, apenas deixo meus dedos vagarem sobre os teclados, sem destino certo. Quando o dia começa a clarear lá fora me dou conta, espantada, de que tinha desenvolvido um livro novo sobre um homem morando solitário em uma cabana, depois de perder toda sua família. E que este homem se parecia demais com Connor. Tinha até uma cena em que ele cortava lenha sem camisa.

— Hum, é só ficção — resmungo para mim mesma, fechando o laptop e indo dormir, finalmente.

Quando acordo novamente, relanceio meus olhos sonolentos para o relógio e constato que já são mais de sete horas.

— Droga! Estou muito atrasada!

Pulo da cama, vestindo-me rapidamente. Quando passo pela sala, Olívia está saindo pela porta e me lança um olhar irônico.

Connor vem logo atrás dela com as chaves do carro na mão.

— Me desculpe, dormi demais...

— Não é nenhuma novidade.

— Eu sei, só que estou mesmo disposta a acordar cedo e cuidar de tudo.

— Eu já devia saber que suas promessas são tão vazias quanto suas intenções.

Droga!

— Cadê o Anthony e a Mandy?

— Eu os levei à casa da minha mãe. Vão ficar lá hoje, já que não sabia que horas ia se dignar a acordar.

— Podia ter me acordado.

— Para você ficar irritada e de mau humor? Descontando nas crianças?

— Eu não ia fazer isto!

— Você sempre faz, essa discussão é inútil. Preciso levar Olívia na escola.

E sem mais ele fecha a porta na minha cara, deixando-me sozinha, perdida e irritada comigo mesma.

Por que não dormi a noite para acordar no horário? Claro que Connor agora achava que Melanie não tinha mudado nada! Desta vez a culpa era minha. Vencida, decido que não adianta chorar sobre o leite derramado. Foi um vacilo e não deixaria acontecer novamente.

Tomo um banho e, aproveitando que as crianças não estão para requerer minha atenção, arrumo e limpo a casa, então, arranjo coragem para ir até a casa dos Carter buscar Mandy e Anthony.

Ao chegar na porta da residência imponente, toco a campainha meio hesitante. E não demora para uma distinta senhora de cabelos loiros abrir a porta e me encarar surpresa. Helen Carter.

— Melanie, que surpresa.

— Oi — quase me apresento, como se fosse a primeira vez que nos víamos, mas me contenho a tempo. — Oi Helen, como vai?

— Muito bem, entre! — Ela abre espaço para eu passar e relanceio o olhar pela casa, admirada de como tudo é bonito e bem cuidado.

— Vim buscar as crianças — digo sem rodeios, e ela parece um tanto surpresa.

— Claro. Mas não precisava se preocupar. Sabe que eles estão bem. Não me importo de cuidar deles.

— Claro que sei. E agradeço. Infelizmente acordei tarde e Connor achou que...

— Não precisa se justificar, Melanie.

— Eu quero. Sei que não fui uma pessoa muito responsável até agora, admito, estou tentando mudar.

Helen parece admirada.

— Isto é surpreendente, mas bem-vindo. Por acaso foi esta sua viagem que a deixou mais conscienciosa?

— Quem sabe? — Dou de ombros. — Eu precisava de um tempo para pensar... Sei que causei uma comoção, agora voltei e estou disposta a ser uma pessoa melhor. — De alguma maneira sinto que preciso da aquiescência daquela mulher. Ela é a matriarca da família. E recordo-me de Melanie dizendo que tanto Helen quanto Willian Carter eram boas pessoas, que a tratavam com educação, embora achasse que não gostavam dela.

Também, sabendo o quanto Melanie era relapsa com seus filhos e marido, não era de se admirar.

— Uma mãe melhor — completo.

— Uma esposa melhor? — Helen não hesita em perguntar e fico vermelha.

Não sei se estava ao meu alcance ser uma esposa melhor para Connor. Provavelmente não. Eu podia mostrar a ele que tinha mudado em relação às crianças e responsabilidades. Podia até ser gentil com ele e tentar fazê-lo enxergar que ainda havia uma chance para aquele casamento.

Matrimônio era mais do que ser uma boa mãe, uma esposa atenciosa e responsável. Tinha a ver com companheirismo. Tinha a ver com amor. E aquele amor que deveria existir entre um homem e uma mulher, este não cabia a mim mostrar a Connor. Apenas Melanie poderia.

E me perguntava se ela ainda estava disposta a tanto.

— Farei o meu melhor. Não quero mais magoar o Connor.

Helen sorri.

— Espero que tudo se resolva entre vocês.

— Eu também.

Mandy aparece correndo e abraça minhas pernas.

— Mamãe!

Eu a pego no colo.

— Eu vim te buscar, precisa se arrumar para ir à escola.

— Se quiser deixar Anthony aqui enquanto leva Mandy, posso cuidar dele.

— Obrigada, vai ser bom.

Naquela noite, a mesma coisa da noite anterior se repete, apesar de eu ter dito a Connor que faria o jantar e que queria todos em casa, ele só chega com as crianças um pouco depois das dez horas. Claro que não estava nem aí para o que eu tinha dito. Ou não levou a sério.

Quando a porta se abre, Mandy corre na minha direção e eu a pego no ar.

— Oi mamãe, olha o que eu ganhei da tia Natalie. — Ela mostra, toda empolgada, um caderno de colorir. Tento não me sentir enciumada.

— Que lindo, querida!

Connor e Olívia entram logo atrás.

Olívia com cara de poucos amigos, assim como o pai.

Eles são até bem parecidos, com seus orgulhos feridos.

Paciência, Mel. Paciência. Digo a mim mesma.

— Oi, Olívia — cumprimento-a com um sorriso.

— Oi. — Ela pelo menos responde, mas sem sorrir.

— Como foi seu dia na escola?

— Como sempre, desde quando se interessa?

Meu Deus, quando foi que aquela menina aprendeu a ser tão agressiva?

Tenho vontade de repreendê-la, mas não o faço pois sei que vai ser pior.

— Oi, Connor — o cumprimento, fazendo questão de não sorrir. Não estou feliz por ele ter ignorado meu pedido.

Olívia aproveita que a atenção não está nela e vai para o quarto.

Coloco Mandy no chão, que também se afasta atrás da irmã.

— Cadê o Anthony? — Connor pergunta, seco.

— Dormindo.

— Minha mãe contou que você foi buscá-los hoje.

O que mais será que Helen disse ao filho? Será que contou sobre as resoluções de mudança que eu tinha lhe confessado?

— Sim, a casa deles é aqui. Não queria dar trabalho para sua mãe mais do que necessário.

— Você não parecia se importar antes.

— Agora me importo. Assim como me importo por você não ter feito o que pedi em relação ao jantar.

— Acha que devia acreditar em você depois de acordar tarde hoje como sempre fez?

— Eu não acordei tarde. Só me atrasei um pouco, desculpe-me.

— Eu já esperava por algo assim. Suas resoluções nunca duram muito.

Ele se afasta e eu rosno, irritada. Vontade de ir atrás dele e fazê-lo me ouvir. Eu sabia que precisava ir com calma. Connor estava muito ferido e ressentido pelos anos de maus tratos de Melanie. Não seria de um dia para outro que iria acreditar que ela havia mudado.

Vou até o quarto de Mandy e a ajudo a colocar o pijama, depois a ponho para dormir, apagando a luz e saindo assim que me certifico de que Anthony está dormindo.

Volto para a cozinha para tomar um copo de água, Connor e Olívia estão lá. Connor está abraçando a menina.

— Boa noite, querida — ele diz, beijando seus cabelos.

Eles me veem e a expressão de amor que estavam trocando rapidamente muda para frieza. Sinto meu peito se apertar.

— Boa noite, Olívia — digo quando ela passa por mim. Ela responde num resmungo, sem se virar.

— Vocês são tão parecidos. — Entro na cozinha e me ocupo em tomar água.

Connor franze o cenho.

— Os dois são muito orgulhosos — esclareço.

— O que quer dizer?

— Você sabe muito bem!

— Mamãe... — Somos interrompidos por Mandy que entra na cozinha arrastando os pezinhos no chão e estendendo os braços para mim.

— O que foi, querida? Não devia estar dormindo?

— Quero dormir com você! — Ela gruda os bracinhos em mim e sorrio pronta para responder que sim, Connor me interrompe.

— Mandy, sabe que deve dormir na sua cama.

— Não, ela pode dormir comigo — o corto rispidamente.

— Você odeia quando ela inventa isso!

— Não odeio, não. E ela pode dormir comigo, sim, afinal, eu durmo sozinha, não é? — Antes que ele possa responder, saio da cozinha.

E é só quando chego ao quarto e repasso minhas últimas palavras que me pergunto por que diabos tinha dito aquilo. Podia parecer a Connor uma reclamação por eu dormir sozinha? Será que ele tinha entendido desta maneira?

Na manhã seguinte, acordo na hora certa, ainda bem cedo e até Mandy levanta comigo. Eu a levo ainda sonolenta para a cozinha e preparo o café da manhã. Não há sinal de Connor no sofá e muito menos cortando lenha como no outro dia. Busco Anthony no quarto, troco sua fralda e o levo para a cozinha, colocando-o no carrinho.

Não demora para Olívia aparecer toda arrumada para a escola.

— Bom dia, Olívia, sente-se para tomar café.

— Você acordou cedo.

— Eu te disse que passaria a acordar cedo.

— Não acordou ontem.

— Não vai mais se repetir — prometo com um sorriso.

Ela parece desconfiada e se senta à mesa, começando a comer.

— Onde está seu pai? — ouso perguntar.

— Deve ter ido correr né? Não é o que ele sempre faz de manhã?

— Claro. — Apanho Anthony no carrinho e estou lhe dando a mamadeira quando escuto a porta da sala se abrir e vejo Connor passando para o banheiro apenas de relance. Ele usa um moletom de corrida.

— Eu dormi com a mamãe, Olívia — Mandy diz com sua vozinha infantil, chamando a atenção da irmã.

— Até parece que a mamãe ia deixar — Olívia desdenha.

— É verdade, sim! Diz para ela, mamãe!

— Sim, é verdade — respondo, colocando Anthony para arrotar.

— Você nunca me deixou dormir com você. Nunca! — ela diz acusatoriamente em tom de ciúme.

— Pode dormir quando quiser então — respondo com um sorriso que ela não retribui.

— Claro que não quero! É coisa de criança! — Ela desvia o olhar.

— Você ainda é criança.

— Você sempre diz que eu não sou.

Suspiro. Ah Melanie, quantas merdas mais você disse para estragar tanto a cabeça desta menina?

Eu teria que ter uma conversa muito séria com ela antes que retornasse, estava claro que ela não sabia como tratar Olívia, estava evidente nas maneiras da menina tratar a mãe.

— Sim, você não é mais uma criança pequena como a Mandy, já vai fazer dez anos, mas ainda é uma criança, querida. Então, se quiser um dia dormir comigo, juro que não vou me importar.

Ela não responde e me pergunto o que estará passando pela sua cabeça.

Coloco Anthony no carrinho e Connor entra na cozinha, já arrumado e, de novo, não consigo deixar de notar como ele fica bem com aquele simples jeans desbotado e camisa xadrez. E aqueles cabelos molhados e...

— Olívia, já está pronta?

— Não vai tomar café, Connor?

— Sabe que eu tomo café com minha mãe.

— Isto era quando eu não estava aqui.

Connor não responde. Apenas se aproxima de Mandy beijando seus cabelos e depois pegando Anthony.

Olívia se levanta e lhe estendo o sanduiche que preparei para seu lanche.

— Obrigada — agradece, e eu reparo um leve tom diferente em sua voz. Ainda é distante. Porém não tem mais tanta frieza.

Quando ela se afasta, encaro Connor.

— Vai trazer as crianças para jantar em casa hoje? Por favor?

— Melhor não. — Ele recoloca Anthony no carrinho.

— Por quê?

— Sua comida é horrível, Melanie, tenho certeza de que as crianças preferem comer na Natalie ou na minha mãe — ele rebate com um leve sorriso sarcástico. Ainda assim é lindo. E eu me toco que é a primeira vez que o vejo sorrir. E ainda estou ali, meio abalada, quando percebo que ele já saiu da cozinha há tempos.

Naquele dia, eu deixo Anthony com Helen para levar Mandy à escola porque estou disposta a fazer algo que já devia ter feito.

— Eu vou visitar meu pai depois, tudo bem? — pergunto a Helen, e ela sorri.

— Claro. Esta criança é um anjinho, não dá nenhum trabalho.

— Obrigada!

Eu deixo Mandy na escola e dirijo até a casa de David. Não foi difícil descobrir o endereço e me lembrei de Melanie dizendo que David sempre almoçava em casa.

Pego o almoço que tinha trazido pronto e entro na casa, usando a chave de Melanie.

Então foi ali que minha irmã cresceu? Caminho pelos cômodos da velha casa de dois andares, com móveis antigos, sentindo uma nostalgia de algo que nunca vivi. Imagino uma pequena Melanie descendo correndo aquelas escadas que agora subo com cuidado, meus passos fazendo a velha madeira rugir. Entro no primeiro quarto, tipicamente masculino. Passo meus dedos pelo uniforme jogado descuidadamente em cima da cama. Pergunto-me se minha mãe morou ali. Se dormiu naquela cama com David antes de ir embora.

E por que ela partiu?

Caminho até o próximo quarto e abro a porta. É o antigo quarto de Melanie. Ainda há uma cama de ferro com uma colcha rosa, uma estante com ursinhos empoeirados e um mural com fotos antigas. Me aproximo e vejo Melanie em diferentes épocas de sua vida. Uma menina de dez anos com biquíni em frente a um rio. Uma garota de uns doze anos rodeada de amigas. Uma adolescente linda com vestido de baile. É como ver fotos de mim mesma.

Saio do quarto ao ouvir o carro de polícia estacionando e desço as escadas. David remexe curioso na comida que deixei sobre a mesa.

— Melanie, que diabos faz aqui? Você que trouxe? Quem fez? Está cheirando bem... Com certeza não foi você. — Ele ri.

Eu me aproximo e o observo enquanto coloca a comida no prato muito satisfeito.

— Desde quando vem fazer visitas? Está precisando de alguma coisa? Não me diga que veio pedir dinheiro para alguma asneira que inventou?

Mordo os lábios. Uma vontade imensa de abrir a boca e pedir que me chame de Melissa. Que não sou Melanie.

De repente ele levanta o olhar e parece notar meu estranho silêncio.

— O que foi?

— Pai. Me fale sobre a mamãe. Quero que me conte tudo sobre ela.

David empalidece.


Capítulo 11


— De novo este assunto? Eu já te disse tudo o que tinha a dizer, Melanie! — desconversa.

— Não acho que disse toda a verdade.

Ele volta a me encarar.

— O que está querendo insinuar?

— Me diga você.

— Que conversa é essa? Foi por isto que veio aqui toda mansinha me trazendo comida? Eu devia ter percebido que estava arquitetando alguma coisa.

Eu me exaspero.

— Por que vocês sempre têm que achar que estou aprontando? Que inferno!

— Não é sempre assim?

— Eu não sou... — Paro, engolindo a resposta que estava pronta na ponta da minha língua. Eu queria dizer não sou como Melanie, mas me calo. — Olha, eu só quero conversar sobre a minha mãe. É pedir muito?

— Sua mãe nos abandonou, não há nada para falar sobre ela! Você sabe muito bem que não gosto deste assunto.

— Você sempre diz a mesma coisa só nunca disse o porquê.

— Acha que sei os motivos da sua mãe? Ela era uma cabeça oca, deslumbrada com a ideia de outra vida bem longe daqui e eu nunca deveria ter me casado com ela.

— Mas casou. E teve filhos com ela!

— Não sou o primeiro e nem o último idiota a acreditar em uma mulher dissimulada.

— O que está querendo dizer? Está me comparando à minha mãe?

— Por muito tempo enquanto crescia, tive medo que fosse como ela. Te criei tão austeramente quanto podia, tentando colocar juízo em sua cabeça, no entanto quanto mais você crescia mais parecida ficava... E quando engravidou, achei que talvez fosse diferente afinal. Que Connor e você seriam felizes. Acho que me enganei muito, não é? Quando Connor veio aqui em casa à sua procura eu pensei “ela fez o que eu sempre temi. Abandonou o marido exatamente como a mãe fez um dia”.

— Eu voltei — digo com vontade de chorar. Porque sabia que, embora as palavras de David fossem horríveis, continham uma boa dose de verdade. Melanie era exatamente como Nora. Só tinha aguentado mais do que minha mãe.

Mas Melanie ia voltar não ia?

— Confesso que fiquei surpreso — David resmunga. — Realmente achei que nunca mais fosse voltar a Lakewood.

— Então odeia minha mãe. Sempre odiou.

— Não perco meu tempo pensando em sua mãe! Ela escolheu o caminho dela e não me interessa mais. E ponto final. Agora chega deste assunto! — Ele se vira para a geladeira, procurando algo que sei não ser nada. Quer apenas se esquivar de meu interrogatório.

Engulo a vontade de gritar. David continua mentindo. Ele mentiu por vinte e oito anos. E talvez a mentira esteja tão arraigada dentro dele que tenha se tornado uma verdade. Ele só tem uma filha.

Eu não existo em sua vida. Em seus pensamentos.

Enxugo uma lágrima, inundada de tristeza.

— Vou embora — digo antes de me virar e sair, só parando quando estou do lado de fora. Ergo o rosto para o céu, lutando contra a onda de dor que atravessa meu corpo. Uma chuva fina cai sobre meu rosto, misturando-se com minhas lágrimas.

— Melanie!

Abro os olhos e uma garota de cabelos encaracolados acena de dentro de um carro. Ao lado dela no banco do motorista está um rapaz loiro.

Quem diabos era aquela?

— Sua sumida! — A moça sorri e se vira para o rapaz, diz algumas palavras e sai do carro correndo em minha direção e me abraçando. — Onde se meteu, sua louca? Por que não respondeu minhas ligações? Fiquei preocupada também! — Ela me dá um tapa no ombro. — Quando voltou? Por que não me procurou? Quero saber de tudo, tudo! — Ela metralha e olha para trás. — Harry, pode ir, vou com a Melanie.

— Addison, nós estávamos indo à oficina para acertar as cores dos armários, esqueceu?

Addison! Então era a melhor amiga de Melanie.

— Vou com a Melanie, pode deixar! Você não entende nada mesmo e quem manda nas cores dos armários da nossa futura casa sou eu.

O rapaz se dá por vencido e, com um último aceno, dá partida no carro, desaparecendo pela estrada.

— E aí, que cara é essa? Vamos sair da chuva. — Ela me puxa para o carro e não tenho alternativa a não ser entrar e dar partida. — Tudo bem você me levar até a oficina do Connor, não é? Sabe que finalmente marquei o casamento? — ela praticamente grita, com sua voz de gralha quase estourando meus tímpanos. — Eu nem estou acreditando. Prepare-se que será minha madrinha, viu? Será daqui a cinco meses e estou correndo com todos os preparativos, nossa, é uma loucura. Connor e Sam estão fazendo nossos armários da cozinha, fiquei de passar lá hoje para definir a cor, você acha que azul marinho seria legal? Vi numa revista que está na moda essa cor e...

Meu Deus, esta tal de Addison era uma matraca!

— Ah, desculpe, não parei de falar de mim! — Ela ri num tom mais chato do que sua voz. — Me conta tudo! Onde estava? E fazendo o quê?

— Estive em Nova York — respondo simplesmente.

— Sério? E como é a cidade? Aposto que é fabulosa!

— Sim, é.

— Só isto? Vai bancar a misteriosa? Não seja chata! Sabe que causou uma enorme confusão aqui, não é? Connor estava furioso! Ele pensou que eu soubesse onde você estava e quando falei que não fazia ideia, ficou mais irritado ainda! E de verdade fiquei me perguntando se você tinha realmente fugido... Ei, pare aqui, chegamos, doida! Está com a cabeça onde?

Eu freio o carro. Estamos próximos da casa dos Carter e me lembro de que Melanie disse que a oficina de Sam e Connor ficava no terreno da casa deles.

Nós descemos do carro, com Addison tagarelando sobre os benditos armários e caminho um pouco atrás dela, para não dar na cara que não fazia ideia de onde estávamos indo. Passamos pela casa dos Carter através do jardim, até que chegamos a um galpão mais ao fundo, próximo a um lago.

Ao adentrarmos na construção, deixo meus olhos vagarem para as prateleiras cheias de madeira e materiais como cola e tinta. Há uma mesa grande no centro, além de alguns móveis espalhados em diferentes estágios de fabricação.

— Olá, posso ajudar? — Uma moça ruiva sorri alegremente, atrás de uma mesa de escritório, até que seus olhos pousam em mim. — Melanie!

— Oi, Camila, lembra-se de mim? — Addison se coloca na minha frente. — Vim com meu noivo, Harry Norton, na semana passada para fazer um orçamento...

— Que surpresa vê-la por aqui. — A tal Camila ignora Addison e continua me encarando. — Fico feliz que tenha voltado — ela diz, me olhando de um jeito que tenho a nítida impressão de que felicidade é a última coisa que sente no momento.

— Ah, claro, podemos ver sua felicidade! — Addison ri, cheia de ironia, e percebo que estou perdendo alguma coisa. — Cadê o Connor ou o Sam?

— Estão na casa.

— Então o que está esperando para ir chamá-los? Tenho hora marcada!

Camila revira os olhos.

— Certo, volto já.

Ela passa por nós saindo do galpão, e encaro Addison, morrendo de vontade de perguntar quem diabos era aquela ruiva bonita que parece não gostar de mim.

— Não parece surpresa de ver a Camila aqui! — Addison comenta.

— Claro que estou — jogo verde.

— Pois é! Também fiquei quando a vi aqui na semana passada, pensei “essa parece que não perde tempo”, afinal, que coincidência ela estar aqui justamente quando você sumiu, não é? Acho que tinha razão em odiá-la!

— Eu não a odeio, por que a odiaria? — jogo verde de novo. Então Camila era alguém de quem Melanie não gostava?

— Como não? Ela foi namorada do Connor antes de você, como se isto já não fosse motivo suficiente a sonsa ainda apareceu aqui depois que se formou na faculdade toda linda e elegante dizendo que tem um emprego fabuloso para o Connor em Seattle. — Addison ri. — Lembra de como você ficou puta? Você queria arrancar os olhos dela, ficou cheia de ciúme e até engravidou de Mandy de propósito para prender o Connor do seu lado, impedindo que ele fosse embora com a bruxa.

Meu Deus, será que Addison estava falando a verdade? Melanie engravidou de Mandy por medo de que Connor a largasse para ir embora com Camila?

— Claro que eu disse que Connor não teria coragem de te largar, porém você estava certa que iria acontecer e quando coloca algo na cabeça... Aí, depois de perceber que tinha perdido, a Camila foi embora e não demorou a se casar com um ricaço de Seattle.

— E o que ela está fazendo aqui? — Não consigo deixar de perguntar.

— Ah, ainda não soube? Ela se separou do marido! Está passando um tempo na casa dos Carter, disse que estava muito deprimida e queria espairecer. Sei! Acha que é coincidência ela se separar justamente quando a notícia de que você tinha abandonado o Connor se espalhou? E vir espairecer justamente em Lakewood? Fala sério, não é?

— E o que ela está fazendo na oficina do Connor?

— Ainda não percebeu que ela veio para reconquistar o Connor? Não escutou o que eu disse? Claro que sou cara de pau e perguntei o que ela estava fazendo aqui quando vim fazer meu orçamento na semana passada, ela disse que tinha pedido para ajudar, porque estava entediada. Sei muito bem qual é o tédio dela, deve estar se oferecendo para o Connor, aproveitando que você tinha dado no pé! Eu te liguei para contar, você não atendeu minhas ligações! Pelo menos você voltou! Ela deve estar morta de ódio! — Addison ri. — Vai ser divertido ver você colocando esta sonsa no lugar dela. Só não vá engravidar de novo, hein?

— Você pode estar exagerando, talvez ela só esteja mesmo deprimida com o fim do casamento.

— Melanie, você bateu a cabeça? Era mais inteligente. Esta garota foi a primeira namorada do Connor, só terminaram porque ele se mudou para Lakewood! Ela é afilhada dos Carter, eles se conhecem desde sempre, ela até se intitula prima deles, pelo amor de Deus! E você mesmo me disse que ela achava que ia para a mesma faculdade que o Connor, eles já tinham combinado e tudo, então você engravidou e acabou com os planos deles! Claro que ela te detesta e quer roubar o Connor de você.

Estou perdida em conjecturas, tentando raciocinar em cima de todas aquelas informações, quando Camila retorna e junto com ela estão Connor e Sam.

Connor não parece feliz em me ver, obviamente. Camila caminha ao seu lado com uma expressão que eu entendo como presunção. Por quê?

Addison tinha razão, era tudo verdade? Camila era uma espécie de eterna apaixonada por Connor que, mesmo depois de ele ter se casado, ainda o queria para si, tanto que tentou roubá-lo de Melanie há cinco anos? E agora estava de volta depois de saber que Melanie havia sumido? Realmente, fazia um assustador sentido.

Um assustador e nojento sentido, penso, cruzando os braços sobre o peito estudando os dois com novos olhos agora. E não gosto nada do que vejo.

As palavras de Addison voltam a minha mente. Ex-namorados. Se conhecem a vida inteira. Tinham planos juntos.

Sinto vontade de gritar.

— Ei, Mel, que surpresa! — Sam acena para mim quando entram no balcão e se vira pra Addison. — E aí, Addison, veio escolher as cores?

Os dois se afastam e me viro para Connor.

Camila retornou para atrás da mesa e finge estar ocupada.

— O que está fazendo aqui, Melanie? — Connor pergunta, entre curioso e desconfiado.

— Vim acompanhar Addison apenas. — Viro em direção a porta de saída e Connor me acompanha. — Não me contou que Camila estava trabalhando com você — tento parecer casual, sei que falhei miseravelmente quando me volto para Connor que está na defensiva.

O que me deixa com mais raiva ainda.

— Você não estava aqui.

Então explodo.

— É por isto que está frio comigo? Por isso ficou com raiva? Por que eu voltei? Tinha outros planos, Connor? Muito conveniente sua ex-namorada aparecer justo quando sua esposa não está na cidade. Pena que eu voltei, não é?

Depois da minha explosão não sei quem está mais aturdido, se Connor ou eu.

Que insanidade tinha se apossado de mim para despejar tudo aquilo em cima dele? Estou tremendo de raiva e de revolta mesmo depois de ter cuspido tudo o que estava rondando minha mente depois de saber da história de Connor e Camila. Era óbvio o motivo da presença daquela mulher e o fato de Connor não ter tocado no assunto também podia ser considerado suspeito. Mas que direito eu tinha de estar enfurecida?

Eu não era a verdadeira esposa de Connor.

E, quando finalmente esta percepção me toma dou um passo atrás, ruborizada. Envergonhada de minha descabida explosão de ciúmes.

— Que porra está insinuando? – Connor indaga perigosamente baixo e eu pisco, atordoada.

— Eu... – respiro fundo tentando achar palavras coerentes dentro da bagunça que é minha mente neste momento. O que Melanie faria? Será que estaria mesmo com raiva? Se o que Addison contou era verdade, estaria possessa com certeza, por Camila ter voltado e estar tentando roubar Connor.

Ou não?

Onde estava a verdadeira Melanie agora? A pessoa que deveria estar ali defendendo seu território como fez no passado? Será que ela realmente se importaria?

— Você está insinuando que estou de alguma maneira envolvido com a Camila? — Connor insiste.

— Você está? — sussurro, com medo de ouvir a resposta.

Melanie tinha ido embora sem avisar. Se recusava a voltar ou até mesmo a dizer onde estava quando Connor ligava. Eles estavam em crise muito antes de ela sumir.

Então por que Connor ficaria sozinho esperando? Quando tinha a linda Camila à disposição e muito interessada em consolá-lo? Por outro lado, se Connor queria Camila, por que tinha insistido na volta de Melanie?

— Você realmente não me conhece nem um pouco Melanie, se acredita que eu iria me envolver com outra pessoa, principalmente a Camila.

— Ela era sua namorada...

— Ainda vamos ter esta discussão? Como da outra vez que Camila esteve em Lakewood?

— O que espera que eu pense? Você me odeia agora! Sei de todos os nossos problemas, você insistiu para que eu voltasse e não entendo se queria tanto — respiro fundo e continuo — que eu voltasse, por que me trata como lixo? Me queria de volta só pelas crianças? É só isso? Acha que de alguma forma este casamento vai dar certo se continuar insistindo em me detestar e maltratar? Para piorar eu chego aqui e sua linda ex-namorada por quem foi apaixonado está na sua vida novamente. Acha que devo pensar o que Connor?

Antes que as lágrimas me ceguem corro em direção ao carro e dou partida, deixando a casa dos Carter e Connor para trás.

Eu só quero chegar na minha casa.

Espera.

Minha casa?

Soco o volante, chorando ainda mais.

Aquela não é minha casa. Assim como aquele homem de quem eu acabei de cobrar atitudes decentes não era meu marido.

E eu tinha acabado de lhe atirar uma crise de ciúme.

Pois no fundo, eu estava mesmo com ciúme.

Estaciono o carro em frente à casa de Melanie, enterrando minha cabeça no volante, chorando por problemas que estavam dilacerando meu coração e que nem eram meus.

Connor não era meu.

— Melanie?

Levanto a cabeça e uma moça está me fitando da varanda da casa.


Capítulo 12


Seus cabelos têm vários tons de loiro com mexas rosas nas pontas e eu sei que já a vi antes, em alguma foto que Melanie me mostrou, mas forço minha mente por alguns segundos até me lembrar que aquela é Lilian, a esposa do melhor amigo de Connor.

— É mesmo você! — Lilian continua quando saio do carro enxugando o rosto e sua expressão tolda-se de consternação quando percebe. — Estava chorando?

— Não é nada. — Forço um sorriso.

— Não me parece nada... Meu Deus, acho que nunca te vi chorando, é sempre tão efusiva, tão despreocupada.

— Talvez esta Melanie tenha ficado em outro lugar — digo amargamente, abrindo a porta de casa. — Quer entrar?

— Claro! — Lilian sorri e me acompanha para dentro. — Eu não sabia como ia ser recebida, então fiquei na minha, só queria ver se estava tudo bem por aqui. Estava viajando. Fui passar uns dias na casa da minha sogra com Adam e hoje de manhã vi Helen no mercado, ela me contou que tinha voltado.

Ao que parece Lilian também era uma tagarela, embora parecesse mais agradável do que Addison.

— Posso te oferecer um chá? — pergunto quando entramos na cozinha e ela franze o cenho.

— Está mesmo me oferecendo um chá?

— Sim, está um pouco frio. — Coloco água em uma chaleira ignorando sua confusão. Ao que parece Melanie não era muito receptiva com Lilian.

— Claro, por que não? — Ela se senta à mesa. — Por que estava chorando? Se é que posso perguntar.

— Eu briguei com o Connor — acabo por confessar. E era a verdade, não era?

— Ah, entendo. — Lilian sorri sabiamente. — Continuam brigando? Tive esperança, quando Helen me contou que voltou para casa, que tinham se acertado ou algo assim.

— As coisas não são bem assim...

— É, sei que não vai ser fácil vocês resolverem todas as diferenças. Foi tempo demais jogando a sujeira para debaixo do tapete...

— O que quer dizer?

— Me desculpe, esse é o momento que me chama de intrometida e manda eu cuidar da minha vida. — Ela ri como se realmente esperasse que eu fosse fazer exatamente isto.

— Não, estou curtindo nossa conversa, continue. — Sirvo duas xícaras de chá. — O que quis dizer?

Ela pega a xícara, meio atordoada com minha resposta.

— Eu já tentei te dizer, você não quis ouvir, então... — ela diz com cuidado.

Eu sento na sua frente.

— Estou te dando permissão.

— Eu acho que você e o Connor vivem juntos há tanto tempo, mesmo o casamento nunca indo bem e não fazem nada para mudar a situação.

— Espera. Nunca? Você acha que esse casamento nunca funcionou?

— Não posso afirmar com propriedade, Melanie. Não é meu casamento. Sei apenas do que eu vejo de fora, como uma pessoa próxima. Você deve saber sua realidade melhor do que eu.

É aí que ela se enganava. Eu sabia muito menos que ela. Lilian não fazia ideia.

— Enfim, todo mundo percebe que as coisas não são fáceis entre vocês. Entendo que talvez, pelas crianças, ainda tentem ficar juntos, será o suficiente?

— Eu sei — concordo com ela. — Mas este casamento já dura dez anos. Acho que fomos felizes sim — afirmo, algo que nem sei se é verdade, no qual quero muito acreditar. Não é por isto que estou ali? Tentando salvar a pele de Melanie naquele casamento? — Connor pediu que eu voltasse e agora não me perdoa pelo o que eu fiz e me trata muito mal. A situação está insustentável e, por mais que eu tente fazê-lo entender que as coisas são diferentes agora...

— As coisas são mesmo diferentes? — Lilian indaga curiosa. — Sério?

— Por que é tão difícil acreditar?

— Por que nunca vi você tentando de verdade. Desculpe-me por dizer.

— Não, eu te dei permissão para dizer a verdade.

— Você nunca me pareceu feliz aqui. Realmente feliz sabe? Claro que não sei mais do que você, mas é o que sempre pareceu. Adam é o melhor amigo do Connor e ele confidencia muitas coisas a ele, claro que meu marido não me conta tudo, afinal são segredos deles, alguma coisa sempre escapa e o que fico sabendo me deixa de cabelo em pé.

Meus lábios coçam de vontade de saber do que Lilian está falando. Ao mesmo tempo não sei se quero realmente saber.

— Então você voltou disposta a reconquistar Connor e salvar este casamento? — Lilian vai direto ao ponto, e mordo os lábios desviando meus olhos.

O que posso dizer? Eu queria que Melanie dissesse sim. Que é tudo o que ela quer. Como saber se é realmente essa sua intenção? Eu cheguei ali achando que era possível. Que Melanie deveria estar só um pouco confusa, que depois de um tempo voltaria para seu marido e filhos. Que voltaria a ser feliz. Agora, depois de ver a verdadeira realidade que ela estava vivendo antes de ir embora, minha certeza estava seriamente abalada.

— Quero que ele pare de achar que estou fazendo jogos, ou sendo falsa e tentando ser quem não sou — confesso. — É horrível vê-lo tão ressentido e na defensiva. Quero que ele me escute e que entenda que não sou a mesma pessoa. Que não vou e não quero magoá-lo.

— Bem, isto já é um começo, estou admirada. — Ela sorri. — Tem certeza de que não foi abduzida por algum alienígena? Cadê a Melanie que eu conheço? O que fez com ela?

Sei que Lilian está tentando ser brincalhona, mesmo assim desvio o rosto, culpada.

— Eu gosto desta nova Melanie — ela diz por fim, e retribuo seu sorriso.

— Acho que gosto de você também, Lilian.

— Eu te conheço desde a adolescência, não é? E nunca fomos amigas, quando me casei com Adam, achei que poderíamos ser amigas, você nunca quis.

— Me desculpe. Eu deveria ter aceitado sua amizade. Você é uma pessoa legal. De verdade.

Ela termina o chá e se levanta.

— O papo está bom, mas tenho que ir.

Eu a levo até a porta e ela me estuda atentamente.

— Gostei do seu cabelo.

— O quê?

— Você cortou, não é? Sempre quis colocar as mãos nos seus cabelos, ficou ótimo!

— Não entendi...

— Ora, sou cabeleireira e sempre quero mexer no cabelo de todo mundo! Te vejo sábado no salão? Trouxe umas cores novas de esmalte, vai gostar.

Ela se afasta e fecho a porta atrás de mim, encostando-me nela.

Lilian parecia uma pessoa muito legal. Ia ser bom ter uma boa amiga em Lakewood.

Naquela noite, como já deveria esperar, Connor só aparece depois do jantar com Mandy e Olívia.

Mandy está dormindo e Connor passa direto para o quarto com ela e, quando Olívia entra logo atrás, eu a intercepto sem aviso, segurando sua cabeça me abaixo e beijo seus cabelos.

Ela fica tensa instantaneamente, totalmente surpresa, eu não me acovardo.

— Tudo bem, Olívia? — Seguro sua cabeça para que olhe para mim. Seus olhos estão assustados. Como se o fato de a mãe a beijar e perguntar se está tudo bem fosse algo inédito. Ou ao menos, deveria ser bem raro.

— Sim — ela responde baixinho, ainda hesitante.

Sorrio e acaricio seus cabelos soltando-a.

— Que bom, o jantar na casa da tia Natalie estava bom?

— Ela fez peixe, sabe que não gosto muito.

Hum, pelo menos estava respondendo normalmente. Já era alguma coisa.

— Claro que sei — minto, guardando aquela informação para nunca fazer peixe para ela. — E como foi a escola?

— Bem... — Ela dá de ombros.

— Você não tem tarefa para fazer? Precisa de ajuda?

— Sério que quer me ajudar?

— Claro que sim.

— Nunca se importou.

Eu suspiro.

— Querida, eu te disse, agora me importo, ok?

— Eu fiz na casa da tia Natalie.

— Você não prefere vir da escola para nossa casa?

— Sempre fiquei na tia Natalie.

— Esta é sua casa. Se quiser, pode vir. Estarei aqui.

— Está bem — ela responde meio desconfiada.

— Certo, vá trocar de roupa para dormir.

Ela se afasta e me congratulo por aquele pequeno diálogo sem que ela tenha sido grossa ou saia batendo a porta me deixando falando sozinha.

Sim, ainda podia ter esperança de as coisas melhorarem. Pelo menos com Olívia. Porque, quando Connor volta, parece ter alguns demônios sobre seus ombros, para a seu azar, eu também tenho os meus para matar hoje.

— Vou ter que insistir sobre o jantar — começo.

— Eu já disse que não.

— E eu continuo insistindo. Sei que não me importava antes, mas agora me importo. Eu te disse que as coisas mudaram e quero que as crianças saibam disso.

— Quer realmente que elas acreditem que você mudou?

— Elas são crianças e, sim, elas vão acreditar porque é verdade! Por que você não acredita?

— Porque vivo com você há dez anos e é difícil acreditar que de uma hora para outra se tornou outra pessoa.

— E se eu for?

— Pare de tentar ser quem não é!

— Esta sou eu! Será que não consegue entender? Estou tentando mostrar que mudei e você não facilita para mim.

— Não posso! Quando vejo você, toda carinhosa com Mandy, não reclamando de ter que cuidar de Anthony e tentando reconquistar Olívia, existe um lado meu, o lado idiota, que certamente gostaria de acreditar que mudou. Aí eu volto à realidade e só consigo me perguntar até quando vai durar e quando é que vai decidir ir embora de novo.

— Ok, Connor, se quer ser turrão, pode ser. Depois não venha me culpar por tudo.

— O quê? Está jogando a culpa em mim?

— Estou. Estou tentando ser uma pessoa melhor, e você só sabe brigar e ser grosseiro comigo! Acha que as crianças não percebem?

— Eu quero protegê-los de você.

— Não vai ajudar se continuar sendo rude comigo. Só quero paz, Connor, seria pedir muito? Eu errei, ok? Sei muito bem. Estou admitindo a minha culpa, satisfeito? Você vive dizendo que estamos aqui pelas crianças, então temos que fazer direito. Talvez as coisas entre nós não tenham conserto. Não agora pelos menos. — Não quero dizer que daqui a dois meses quando Melanie voltar, talvez seja possível. Ela pode resolver reconquistar Connor. Quem sabe? Sei que não cabe a mim resolver todos os estragos daquele casamento. — Você precisa parar de me hostilizar. Não pode negar que estou tentando. Me dê uma chance. Um voto de confiança. É tudo o que peço. Estou tentando e só quero que você tente também. Boa noite, Connor!

Eu o deixo sozinho para pensar no que eu disse, sentindo-me mais leve quando entro no quarto e fecho a porta atrás de mim, rezando para que ele tenha me escutado e suas atitudes mudem.

Naquela noite, ligo para Melanie.

— Irmã, que bom que ligou! Estou curiosa para saber como estão as coisas aí.

— Está realmente interessada? — pergunto, sem disfarçar a ironia.

— O que foi? Está brava comigo?

— Se fosse só eu que estivesse seria bom, Melanie! Você mais do que ninguém sabe as merdas que fez e com as quais tenho que lidar!

— Ei, calma. Sei que deve ser difícil. Mas você vai conseguir Mel, não desista, por favor.

— Não disse que ia desistir. — Deus, eu estava realmente dizendo aquilo? Eu podia dizer a Melanie que estava de saco cheio de ser ela e partir. Ela que se virasse para dar um jeito em sua própria vida. Porém, deixar Lakewood para trás, significava deixar Olívia magoada de novo. Mandy sem uma mãe. E Anthony descuidado.

Significava deixar Connor acreditando que, no fim, ele tinha razão.

Melanie realmente não havia mudado.

— Ah que bom, achei que estivesse tão brava que ia desistir. Não pode! Se te serve de consolo, aqui está tudo dando certo! Está tudo tão bom, tão maravilhoso.

— Eu vi os vídeos da sessão de autógrafos. Você parece realmente fabulosa.

— Não sou? — Ela ri despreocupadamente. — Los Angeles é incrível, Mel, eu moraria aqui facilmente. Ontem eu e Charlote fomos numa boate tão chique, sabe que as Kardashians frequentam também? E seus fãs são tão maravilhosos! Não sei como pode ter medo deles, eles te amam.

— Eles amam você.

— Eles amam seu livro! Deixe de ser boba!

— Fico feliz que ao menos uma parte do que planejamos esteja dando certo, porque aqui... às vezes acho que não tem mais conserto, Melanie — confesso baixinho.

— Eu também penso assim, às vezes — ela diz no mesmo tom.

— Então o que estou fazendo aqui?

— Você está me dando tempo. O tempo que preciso neste momento. E eu estou te ajudando, ok? Não esqueça que estou aqui por você. E que está aí por mim. Connor não iria permitir que eu ficasse mais tempo longe.

— Será que ele se importa tanto quanto você pensa? Sabe quem eu encontrei hoje trabalhando na oficina de Connor? Camila!

— O quê? Sério? O que essa ridícula está fazendo aí?

— Ela se separou do marido. Exatamente quando você desapareceu e parece que alegou estar deprimida ao vir pra Lakewood, então pediu para ajudar na oficina.

— Não acredito na cara de pau desta mulher! — Melanie ri e me surpreendo.

— Está achando engraçado? Addison me contou que odiava Camila e que inclusive teria até engravidado para prender o Connor por causa dela.

— Não foi bem assim. — Percebo a culpa na voz de Melanie.

— Então é verdade?

— Essa Camila era namorada do Connor, o pai dela é médico e também trabalhou no Alasca e até em outras cidades nas quais os Carter moraram, ela é praticamente família. O Connor terminou com ela quando se mudaram para Lakewood.

— Você acha que ele ainda gostava dela?

— Como vou saber? Eu não poderia cobrar do Connor nada que tivesse acontecido antes de mim, afinal, eu também tinha um histórico né? Aliás, um histórico bem grande, muito maior do que o do Connor, devo dizer. — Ela ri. — Enfim, eu nem sabia que essa tal existia quando fiquei com ele, como te contei, a gente saiu muito pouco, porque logo percebi que não tínhamos nada em comum.

— Aí descobriu que estava grávida.

— Pois é. O resto você já sabe. David pressionou, Connor concordou e nós acabamos nos casando.

— Como era seu casamento, Melanie? – Pergunto curiosa. Lembro-me de Lilian dizendo que fazia muito tempo que Melanie e Connor estavam com problemas. Será que foi sempre assim?

— A gente tentou né? Não vou mentir para você que estava tremendamente apaixonada quando me casei, porque seria mentira. Eu me casei porque estava grávida. E acho que para o Connor foi a mesma coisa. Mas ele é gostoso, não é? — Ela ri. — O que posso dizer? Éramos jovens e cheios de hormônios, as coisas correram bem por um tempo. Talvez eu tivesse a esperança de que a gente se apaixonasse, não sei. Então Olívia nasceu e claro que não foi fácil. Eu era muito imatura e inexperiente. Não tinha o menor jeito para ser mãe, essa era a verdade.

— Mas você era.

— Sim, como me esquecer? E, assim como com Connor, eu tentei. Juro, Mel. Porém, a cada ano que passava só me sentia mais presa numa armadilha completamente incapaz de sair. Eu te disse que sempre quis deixar Lakewood. Nunca senti que era meu lugar. Quando me casei tive que me conformar. E, quanto mais o tempo passava, mais infeliz me sentia. Esta felicidade que todo mundo diz que é a maternidade, nunca senti. Eu só me sentia cansada e cobrada o tempo inteiro. E as brigas com Connor começaram, a gente foi percebendo que não tinha nada a ver, essa era a verdade. Mas continuamos levando, o que podíamos fazer? Acho que no fundo nós dois sabíamos que talvez nossa vida juntos estivesse fadada ao fracasso. Então, de repente, Olívia estava com cinco anos e indo para a escola. Finalmente havia crescido o suficiente para não ser tão dependente e pensei que talvez eu pudesse fazer alguma coisa da minha vida. Tinha certeza de que me separar de Connor era questão de tempo. E acho que ele também sabia.

— E o que Camila tem a ver com tudo isto?

— Eu sabia que Connor tinha tido uma namorada cuja família era constantemente citada pelos Carter, eles até viajaram para visitá-los algumas vezes. Eu e Connor não fomos, claro. Até que um dia Camila apareceu na cidade para passar férias. Férias em Lakewood, pode imaginar? Quando eu vi aquela garota, ruiva, linda e tão bem arrumada, que usava roupas que eu só imaginava que existiam, fiquei morrendo de inveja. Ainda mais quando ela disse que estava fixando residência em Seattle e que tinha acabado de se formar com louvor na faculdade e conseguido um emprego fabuloso. Deus, Camila era tudo o que eu sempre sonhei ser. O que podia ter sido e que me foi tirado. Para completar ela ainda era apaixonada pelo Connor. Isto ficou muito claro, ela não fazia a menor questão de negar. Então veio com uma conversa de que o Connor deveria ir pra Seattle, que ela arranjaria um emprego para ele... E tive certeza de que Connor ia aceitar. Iria me deixar e se mudar pra Seattle.

— Você acredita realmente que Connor teria ido?

— Descobri que eles tinham planos de ir para a mesma universidade, Mel. Obviamente quem me contou foi a Natalie, né? Para fazer fofoca. E quando confrontei Connor, ele não negou. Simplesmente confirmou que eles iriam estudar juntos.

— Ele disse que ainda gostava dela quando casou com você?

— Claro que não. Eu perguntei e ele negou. Não sei se acreditei. Porque agora lá estava aquela garota, rondando, acenando com uma vida melhor para ele. Uma vida sem mim, a esposa que ele foi obrigado a tolerar e uma criança que ele nem queria.

— Não fale assim, ele nunca abandonaria Olívia.

— Quem poderia saber? Fiquei em pânico. Eu não queria que ele fosse embora. Eu ia ficar sozinha com uma criança para cuidar. Sozinha em Lakewood, enquanto ele ia ser feliz em Seattle com aquela bruxa! Eu sabia, Mel, vi no olhar dele. Ele queria me deixar. Queria seguir em frente.

— Será que não teria sido o melhor, Melanie? Você disse que não estava mais dando certo, que era uma questão de tempo para acabar.

— Eu sei, mas, quando a situação foi colocada na minha frente, fiquei com medo. Então engravidei. E fiz mais, eu disse a ele, quando contei que estava grávida, que eu havia planejado. Que seria nossa segunda chance, que eu queria que nosso casamento melhorasse e desse certo, que iria tentar, pela nossa família.

— Ah, Melanie. E por que não deu?

— Eu estava errada, Mel. Camila foi embora, se casou com outro cara e, quando ela não estava mais aqui, pensei “que merda eu fiz?” Mandy nasceu e lá estava eu, com outro bebê, presa do mesmo jeito de antes. Então deixei a vida correr.

— E Connor?

— Fomos nos distanciando. A gente se esforçava cada vez menos para dar certo. Acho que no fundo a gente sabia que não ia dar. E aí recomeçaram as brigas, ele achava que eu era péssima mãe... e talvez fosse mesmo. Eu não conseguia fazer direito, sabe? Era sempre tanta cobrança, tanta gente dizendo o que eu deveria fazer... estava de saco cheio. E só pensava “O que estou fazendo aqui?”

— E ainda veio Anthony.

— Um descuido. Nunca deveria ter acontecido. Acho que foi a última vez que transei com Connor. Nossa vida sexual tinha virado uma merda também, esta era a verdade.

— Eu não sei se quero saber sobre...

— Acho que você precisa saber.

— Por que está me dizendo só agora?

— Para você entender porque tudo parece tão ruim.

— E o que vai acontecer daqui a dois meses, Melanie?

— Vamos viver um dia de cada vez, ok?


Capítulo 13


Dois dias se passaram até que eu obtivesse minha primeira vitória naquela casa em relação a Connor.

Eu havia recuado um pouco depois na nossa última discussão e da conversa tensa que tive com Melanie sobre o casamento deles. Tentava entender que a distância e raiva de Connor estavam enraizadas demais em sua mente, que seria difícil se despir da desconfiança e confiar na esposa de novo.

Eu não iria desistir. Continuei firme em meu propósito de mostrar com minhas atitudes que as coisas eram diferentes. Na manhã seguinte fui novamente gentil com Olívia e ela tomou café sem reclamar ou ser rude, embora continuasse distante e desconfiada. Quando Connor apareceu, não dirigiu a palavra a mim, também não falou nada grosseiro. Ajudou que eu não tentasse me aproximar, evitando que ele fosse arisco. No entanto, ignorou meu pedido de levar as crianças para jantar em casa. Tive vontade de brigar e exigir outra vez, mas sabia que só ficaria pior. Então, resolvi dar mais um tempo a ele, para que visse e comprovasse que eu estava falando sério.

Na outra manhã, foi algo bem parecido, sem brigas ou ironias. Olívia até retribuiu meu sorriso quando me despedi dela, animada. Ainda era um sorriso tímido e comedido, porém me fez ter esperança de que seria uma questão de tempo até que ela se abrisse para mim. Connor também continuou taciturno e impassível. Eu dizia a mim mesma que era melhor do que levar patadas que levariam a discussões sem sentido.

Pelo menos com Mandy e Anthony as coisas eram melhores. Acho que eles eram os únicos que gostavam realmente de mim naquela casa. Ele era um amor de bebê e já parecia me reconhecer, abrindo o sorriso banguela quando me via, enchendo meu coração de amor. Uma noite, o escutei chorar, mas ouvi os passos de Connor indo verificá-lo e, embora tivesse ficado com vontade de ir ver se precisavam de mim, fiquei com medo de Connor se irritar. Na atual conjuntura, optei por evitar. E Mandy era uma criaturinha doce e amorosa, que só queria atenção e carinho. Eu brincava com ela todas as manhãs, a arrumava para levar à escola e depois passava as tardes sozinha com Anthony. Às vezes tinha vontade de retornar à casa de David, mas temia não conseguir manter a mentira, foi horrível vê-lo omitindo a verdade sobre minha existência. Doía demais.

Assim, chegamos à manhã de sábado, quase uma semana depois da minha chegada a Lakewood. Olho o sol subindo através das folhagens escuras da floresta, pensando que pareciam anos e não apenas uma semana que eu estava ali, infiltrada naquela família. Me questiono se já poderia fazer uma análise do meu tempo naquela casa. Com certeza estava sendo bem diferente do que eu imaginava. Não sei bem o que esperava, com certeza não era aquela avalanche de fúria e repúdio com que fui recebida. Também tive meus olhos abertos para a verdadeira situação do casamento de Melanie, assim como o que todos naquela cidade pensavam a respeito dela, depois de seu comportamento.

Será que estava valendo a pena? Eu não saberia dizer, às vezes, quando abraçava Mandy ou Anthony dormia em meu colo, tão confiante, sentia que sim. Quando Connor era frio e rude e Olívia tão desconfiada, tinha minhas dúvidas.

— Bom dia, mamãe! — Mandy se aproxima sonolenta e eu a pego no colo, beijando seu rostinho.

— Bom dia, meu amor.

— Estou com fome.

— Tenho certeza de que sim, vamos encher esta barriga.

Alimento Mandy e estou dando mamadeira a Anthony quando Connor passa pela sala. Provavelmente devia estar correndo. Era um hábito, ao que parece.

Olívia aparece logo depois e está arrumada.

— Bom dia, Olívia — a cumprimento com um sorriso e ela apenas responde sem sorrir.

— Por que está arrumada? Não é sábado?

Eu não fazia ideia do que a família fazia aos sábados, para falar a verdade, será que se refugiavam todos na casa de Natalie? Penso irritada.

— Vou passar o dia na casa da Lily. E, à tarde, nós vamos tomar sorvete e ir a parque.

Quem será que era Lily, eu me pergunto.

— Sei... E você pediu permissão? Onde mora essa tal de Lily?

Ela me encara como se eu fosse louca. Bom, eu sempre podia usar a desculpa de que eu não dava a mínima antes mesmo. Ninguém ia estranhar.

— Você conhece a mãe dela, A Naomi!

— A claro, Lily, filha da Naomi — repito, ainda não fazendo ideia de quem era aquela gente.

— Você precisa que eu a leve na casa dela?

— Não, a mãe da Lily vem me buscar daqui a pouco.

— Você poderia ter me dito que ia sair, sabe que tem que pedir permissão.

— O papai sabe. E você nunca se importou.

Eu respiro fundo.

— Eu me importo agora.

— Você está estranha. — Ela me encara confusa.

— Como assim?

— Está agindo de maneira tão diferente desde que voltou de viagem.

— Eu mudei, Olívia. E está melhor não está? — pergunto suavemente.

— Eu ouvi o papai te dizendo que acha que você vai embora de novo.

Ah, Connor, olha a merda que você fez!

— Não é verdade. Eu nunca mais vou embora.

Quando Olívia aquiesce, voltando a comer em silêncio, provavelmente remoendo minhas palavras, eu me questiono se estou falando a verdade. Por que eu vou embora daquela casa. Eu só tenho dois meses. Mas Melanie vai voltar, não vai?

Ao terminar de comer, Olívia vai para a varanda esperar a tal de Naomi e eu me aproximo e lhe estendo uma nota de cinquenta dólares.

— O que é isto?

— Para você. Disse que iam sair, ir o parque, pode querer comer alguma coisa ou brincar, não sei.

Ela pega o dinheiro desconfiada.

— Você nunca me deu dinheiro.

— Você já é bem grandinha e acho que pode ter este luxo.

— O papai não vai ficar zangado? — ela pergunta baixinho.

— Por que ficaria?

— Ele sempre fica quando você gasta dinheiro com coisas que ele diz que são desnecessárias. Diz que a gente precisa economizar.

— Ah, não se preocupe. Ele não vai ficar bravo, este dinheiro eu guardei, está bem?

— Tudo bem. — Ela guarda em sua mochila.

— Você pode agradecer com um sorriso. — Eu a provoco e ela sorri para mim.

— Obrigada.

Um carro para na estrada e uma moça morena acena.

— Oi Melanie. Está pronta Olívia?

— Estou. — Olívia pula do banco e eu a acompanho.

— Ei, não mereço um abraço de despedida?

Ela hesita, então se aproxima e me abraça. Eu beijo seus cabelos.

— Divirta-se, querida.

— Tchau.

Ela corre e entra no carro de Naomi. Quando eu me viro, Connor está me observando da varanda.

— Bom dia, Connor — digo, voltando para a casa, já esperando que vá me ignorar, mas, para minha surpresa, ele responde.

— Bom dia, Melanie.

Estava passando por ele naquele momento e paro encarando-o abismada.

Não sei se percebe meu assombro, ele ignora e vai para a cozinha. Sorrio lentamente, meu rosto corando de uma satisfação quase infantil.

Retorno para a cozinha, Connor está com Anthony no colo.

Mandy se enrosca nas minhas pernas.

— Já comeu todo seu cereal? — pergunto carinhosamente.

— Não quero...

— Ah, mas precisa comer! — Eu me sento à mesa com ela no meu colo e a ajudo a comer.

Sei que Connor está me observando e coro ridiculamente.

Quando termina, Mandy vai para a sala ver desenho e me levanto, começando a tirar a mesa.

— Você está bem carinhosa com ela — Connor comenta, num tom de surpresa e desconfiança.

Não me abalo.

— Por que não seria?

— Não era assim antes.

— Estou sendo agora. Já falamos sobre isto, Connor. Esqueça o antes. Concentre-se no agora.

— Fácil assim? — rebate irônico, e eu reviro os olhos.

— Certo! — Eu paro o que estou fazendo e o encaro. — Vamos fazer um exercício.

— O quê?

— É sério. Por um momento, concentre-se e pense em mim. Em todas as minhas atitudes depois que voltei. E te desafio a encontrar qualquer coisa realmente negativa ou que vá contra tudo o que estou tentando te mostrar.

Ele bufa e eu seguro seu olhar.

— Estou falando sério. Vamos, me diga algo horrível que eu tenha feito nesta semana.

Ele não responde, um sorriso lento de vitória se abre em meu rosto.

— É esta sua resposta. Fácil assim!

Eu me viro para a louça ainda sorrindo.

— Poucos dias não apagam anos — ele responde por fim.

— Então deixe o tempo correr e veja.

Connor recoloca Anthony no carrinho e sai da cozinha.

— Aonde vai? — ouso perguntar.

— Vou cortar alguma lenha antes de ir para a oficina.

— Vai trabalhar hoje?

— Eu sempre trabalhei aos sábados, Melanie, nada mudou.

— Certo, tudo bem.

Ela sai da cozinha e, de onde estou, em frente à janela, o observo tirar a camisa, antes de pegar o machado e rumar para as árvores.

Mordo os lábios, estudando seus movimentos, o sol pálido incidindo em suas costas largas, os músculos suaves em movimentos graciosos, enquanto seus braços desferem golpes precisos sobre o tronco. Ele é realmente algo muito bom de se ver. Assim que esse pensamento se forma em minha mente, desvio os olhos, envergonhada de mim mesma. Connor é um homem lindo. E até comentei com Melanie quando ela me mostrou sua foto, porém, achar bonito e ficar secando descaradamente era algo bem diferente. Não está certo sentir qualquer atração pelo marido da minha irmã.

Espera... Atração?

Sem conseguir me conter, deixo meus olhos vagarem de novo para além da janela, onde Connor continua golpeando a madeira, e solto um gemido desalentado ao me dar conta de que, sim, eu o acho atraente. Como não achar? Qualquer mulher acharia, não é? Isso não faz de mim uma pecadora. Tenho uma perfeita noção de que ele é um homem comprometido. E com a minha irmã gêmea. E, embora eles estejam com problemas, isto não muda o fato de que eles são casados.

E sei perfeitamente qual o meu papel naquela casa. Só estou aqui para amenizar a revolta de Connor para com Melanie. Para tentar dar algum alento àquela família tão desestruturada.

O que vai acontecer daqui dois meses? Uma vozinha incômoda sussurra na minha cabeça.

Não sei responder.

Termino de lavar a louça e Connor ainda continua trabalhando. De repente um pensamento se forma em minha mente, pego uma caneca encho de café e, antes que a coragem me abandone, rumo para onde Connor está e a estendo para ele, que interrompe o trabalho e me encara desconfiado.

— É só café, não tem veneno — brinco.

Connor continua parado, meio perplexo.

— É só tomar, Connor — insisto, e finalmente ele pega a caneca da minha mão e a leva à boca.

Fico ali observando sua reação, seria até engraçado ver sua cara espantada ao me encarar de novo, se não estivesse meio nervosa.

— Está bom.

Eu sorrio aliviada.

— Por que não estaria?

— Desde quando sabe fazer café?

— Qual foi a última vez que experimentou um café feito por mim? — arrisco.

— Nem me lembro, faz anos que desisti.

— Então acho que faz anos que faço um café incrível. E você nem sabia. Pelo visto não me conhece tão bem, Connor, talvez devesse deixar para trás os velhos preceitos sobre mim e abrir os olhos para quem eu sou agora. Pode se surpreender. — Sorrio e volto para a cozinha, sentindo seus olhos cravados em mim.

Meu celular está tocando quando volto para a cozinha e ao verificar vejo que é Addison. Ela havia ligado algumas vezes naqueles dias, eu não tinha atendido, não sentia a menor simpatia pela amiga faladeira de Melanie. Hoje resolvo atender e ver o que ela quer.

— Oi, Addison.

— Oi, e aí, vai ao cabeleireiro hoje? Estou aqui e Lilian falou que você vinha.

— Ah, eu não sei.

— Venha! A gente pode conversar e colocar os assuntos em dia enquanto fazemos as unhas, como sempre! Estou com saudade de conversar com você.

— Tudo bem. Vou deixar as crianças com Helen e vou.

Desligo e Connor está na cozinha tomando água.

Nunca tinha reparado antes que um homem podia ser sexy tomando água, penso, desviando o olhar e me estapeando mentalmente. Precisava parar com aqueles pensamentos descabidos. Já estava se tornando ridículo.

— Tudo bem se eu deixar as crianças com Helen para ir ao cabeleireiro? — pergunto com cuidado.

— Desde quando pede permissão?

— Estou apenas me certificando de que não há problema, Connor, não faça disso um cavalo de batalha.

— Faça como quiser. Sempre faz. Pode deixar que eu levo as crianças para minha mãe quando for para a oficina.

Antes que eu possa rebater, ele sai da cozinha e eu suspiro.

Um passo à frente, dois para trás! Paciência, Mel.


Não é difícil achar o salão de Lilian. Estaciono a picape em frente e desço um tanto receosa.

O lugar é todo decorado em rosa e creme, de um jeito meio cafona, mas até que agradável, Lilian está escovando o cabelo de ninguém menos que Natalie Carter, quando me vê.

— Olha quem retornou! — Ela abre um grande sorriso. O meu em resposta é mais comedido.

— Oi.

Natalie se vira e me vê, e sua expressão é de desdém.

— Oi, Natalie — eu a cumprimento. Não quero que saia dizendo que fui grossa com ela. Afinal, ela é da família do Connor e tenho que vencer aquele meu ranço.

— Está falando comigo?

— Com quem mais? — tento não me irritar.

— Depois de me escorraçar da sua casa me acusando de coisas absurdas eu não duvido de mais nada vindo de você.

— Me desculpe — peço, sem disfarçar a má vontade.

— Vai fazer as unhas Melanie? — Lilian corta nossa conversa tensa.

— Por que não?

— Dana, ajude a Melanie — Lilian pede a uma garota loira que sorri para mim.

— Melanie, aqui — Addison me chama, com os pés mergulhados em água quente, sento-me ao lado dela, deixando que a tal Dana mexa nas minhas unhas. — E aí, como estão as coisas? Você voltou para casa aquele dia e nem se despediu. Achei que estivesse com raiva por causa da Camila.

Dana levanta a cabeça curiosa e eu mudo de assunto.

— Me conte sobre os preparativos para o seu casamento, estou louca para saber de tudo — minto descaradamente e, como previ, Addison desanda a falar sobre seu casamento e me livro de suas palavras inconvenientes.

Ainda sinto o olhar mortal de Natalie sobre mim, mas finjo não perceber.

Quando Lilian termina com ela, surpreendo-me ao vê-la vindo em minha direção.

— Como está o Anthony? Não o vejo desde que me botou para fora da sua casa.

— Está ótimo.

— Tenho minhas dúvidas, você nunca cuidou direito do coitadinho.

— Estou cuidando muito bem agora, não precisa se preocupar. Aliás, seria ótimo que você parasse de insistir com o Connor para as crianças jantarem todo dia na sua casa.

— Eu não insisto, não posso fazer nada se sua comida é tão horrível que nem seu marido e filhos aguentam.

— Nossa, que nojenta você é, hein? — Addison se intromete e Natalie lança um olhar mortal em sua direção.

— Não se intrometa Addison!

Lilian vem em meu socorro.

— Sim, Addison, não se dê ao trabalho. Acho que Natalie já terminou aqui.

Natalie bufa e vai embora, para meu alívio.

Lilian sorri.

— Ela está com muita raiva de você.

— Porque queria roubar meus filhos — resmungo, e Lilian ri.

— Não seja maldosa, Melanie. Ela só é amargurada por não ter seus próprios filhos e acabou se apegando aos seus — Lilian diz com certa censura. E não consigo evitar me sentir meio mal.

Talvez eu estivesse mesmo sendo dura demais com Natalie. Ela não tinha feito nada além de dar atenção e cuidar das crianças quando foram abandonadas pela mãe. Talvez eu tenha me contaminado com as palavras de Melanie. Também tinha ficado com ciúme dela com os filhos da minha irmã, não podia negar. Ainda mais quando eu queria poder mostrar que era capaz de cuidar deles e eles ficavam metade do tempo na casa de Natalie.

— Certo, já acabou aí? — Lilian olha minhas unhas pintadas de rosa. —Que tal, já que mexeu um pouco no cabelo, eu vou fazer um corte bem legal.

Quando saio do salão, à tarde, passo na casa de Helen para pegar as crianças e ela diz que posso deixa-las lá, pois estão dormindo e Connor as levará quando voltar para casa. Acabo concordando, porque não quero acordá-los.

Aproveitando que estou sozinha em casa, abro meu laptop e escrevo até que a noite cai. Com medo que Connor possa chegar a qualquer momento, guardo o laptop e tomo um banho. Sem saber se alguém se dignará a jantar em casa hoje ou não, o que é mais provável, decido fazer apenas sanduiches e estou terminando quando Olívia chega.

— Olá, querida, como foi seu dia?

— Foi legal. Eu e Lily fizemos nosso projeto de ciências e a tarde fomos ao parque — ela responde animada.

— Está com fome? Fiz sanduiches.

— Estou. — Ela se senta para comer.

Droga, eu deveria ter feito comida de verdade, já que tive a oportunidade.

— Onde estão Mandy e o Anthony?

— Com sua avó. Eu os deixei lá para ir ao cabeleireiro.

Ela me encara atentamente.

— Seu cabelo está um pouco diferente.

— Gostou?

Lilian não havia cortado muito, só repicou as pontas dando mais movimento.

— Você já tinha cortado quando voltou.

— É, dei uma mudada. Se você quiser, pode ir comigo no próximo sábado. O que acha?

— Ir com você ao salão da tia Lilian?

— Sim, vai ser divertido, pode até fazer as unhas.

Ela sorri, parecendo empolgada com a ideia.

— Acho que eu ia gostar.

— E o que você acha de assistirmos a um filme?

— Só eu e você?

— Sim, enquanto o papai não chega com Mandy e Anthony, topa?

Ela sacode a cabeça afirmativamente com um sorriso feliz e sinto que ganhei meu dia. Faço até pipoca para comemorar o momento raro e nos sentamos no sofá, escolhendo um filme da Disney para assistir.

Connor chega quando o filme já está no final com Anthony e Mandy, que corre e se enrosca no meu colo.

— Que saudade, mamãe.

Connor olha de mim pra Olívia.

— O que estão fazendo?

— Estamos vendo um filme. E não atrapalhe, Mandy — Olívia diz.

— Ela não vai atrapalhar — respondo, e Connor fica ali, olhando de mim para Olívia e sei que deve estar vendo algo inédito.

Que se acostume, penso, voltando minha atenção para a televisão.

Quando o filme termina, levo Mandy adormecida para a cama e a cubro. Anthony já está dormindo feito um anjinho também e beijo seu rostinho antes de sair do quarto.

Olívia está escovando os dentes junto com Connor e riem no banheiro.

— Você parece bem feliz com a volta de sua mãe — ele diz casualmente e sei que não é bem assim. Escondo-me nas sombras do corredor.

— Ela está mais legal. Eu estava zangada com ela, acho. Ela falou que não vai mais embora, papai. E está bem diferente, não acha?

— Sim, está. — A resposta de Connor soa soturna aos meus ouvidos, como se o fato de a esposa fugitiva ter voltado diferente fosse um mistério sem solução.

Claro, ele não fazia ideia.

— Espero que ela fique assim para sempre — Olívia diz, esperançosa, e tenho vontade de chorar.

Queria tanto garantir àquela garotinha que seria assim para sempre, mas quem era eu para garantir?

Ela sai do banheiro e sorri ao me ver.

— Boa noite, mamãe.

Eu me aproximo e a abraço, beijando seus cabelos.

— Boa noite, querida, durma bem.

Ela vai para seu quarto e Connor vem em minha direção. Por um momento, sou incapaz de me mexer. Ele passa por mim, então para e eu o encaro.

— Seu cabelo está diferente.

Sorrio.

— Só agora notou, eu voltei com ele cortado.

— Sim, eu vi que estava ligeiramente um pouco mais curto, agora está mais diferente.

— Lilian cortou.

— Ficou bom.

Coro ridiculamente com o elogio.

— Obrigada — murmuro, e ele continua me encarando estranhamente.

— Não é só isto que está diferente.

Engulo o medo. Ele não desconfiava, não é? Não tinha porque ele desconfiar.

— O que quer dizer? — pergunto baixinho, e Connor continua me estudando com os olhos franzidos.

— Não sei. Ainda é a mesma, mas às vezes parece outra pessoa. — Ele se inclina ligeiramente, aspirando e fechando os olhos. — Até seu perfume... Nunca senti antes. Parece Jasmim.

— Eu comprei na viagem.

Ele abre os olhos, sua expressão é dura novamente.

— Claro, a sua viagem misteriosa...

— Connor... — Eu não sei o que ia dizer, apenas queria que ele não voltasse a ser rude como antes.

— Boa noite, Melanie! — Ele dá meia volta e me deixa sozinha no corredor.


Capítulo 14


Acordo na manhã seguinte com o choro de Anthony. Corro para pegá-lo, sem me preocupar em trocar de roupa. Depois de acalmá-lo, enquanto estou indo para a cozinha é que me preocupo por não estar vestida adequadamente, mas Connor já não está em casa, como de hábito no sofá não há sinal da cama improvisada.

Ainda é cedo, penso que provavelmente Olívia e Mandy dormirão até mais tarde, mas não demora para elas aparecerem na cozinha sonolentas e vestindo pijamas.

— Bom dia, meninas! — Beijo Mandy e a coloco na cadeira para comer e me aproximo de Olívia, beijando seus cabelos adorando quando ela não se esquiva como antes, até esboça um sorriso.

— Bem, hoje é domingo, o que gostariam de fazer? — pergunto enquanto coloco cereal para Mandy.

— A gente almoça sempre na casa da vovó esqueceu? — Olívia esclarece algo que eu obviamente já devia saber.

Sorrio amarelo.

— Claro, tinha me esquecido.

De repente a porta se abre e Connor entra carregando algumas sacolas de supermercado. Então ele não estava correndo esta manhã e sim fazendo compras?

— Oi papai! — Mandy pula da cadeira e corre pra Connor que a pega no colo e a beija.

— Bom dia, querida.

Ele a coloca no chão de novo.

— Vá tomar seu café para o papai arrumar isto aqui.

— Venha terminar de comer Mandy! — Aproximo-me e seguro sua mão, puxando-a de volta para a mesa, e Connor me lança um olhar estranho.

Desvio meu rosto, vermelha, e nem sei por quê.

— Pode deixar que eu arrumo — digo, quando coloco Mandy para comer de novo e volto para seu lado para ajudá-lo com as sacolas.

— Quer mesmo ajudar? — Não me passa despercebido seu tom de ironia. Suspiro, invocando paciência. Não quero começar com as brigas de novo.

— Vamos ver, vai dizer que não sou muito afeita a isto também.

— Estaria mentindo? — Ele abre o armário e começa a guardar as coisas e vou lhe passando o restante.

— Não, como eu te disse já um milhão de vezes esta semana, estou disposta a mudar. Então, da próxima vez que precisar ir ao mercado, pode contar com a minha ajuda.

Connor não fala nada, terminamos de guardar o resto das compras em silêncio e percebo que está perdido em pensamento, como se tivesse matutando o que eu disse. Provavelmente está se questionando se deve acreditar em mim ou não. Bem, pelo menos está começando a levar em consideração minhas atitudes e palavras. Pior era quando simplesmente não acreditava em nada.

Anthony começa a chorar de repente e vou em sua direção imediatamente, assim como Connor. Sou mais rápida e o pego no colo.

— Ei, o que foi meu amor? — O acalento e ele vai se acalmando, quando levanto o olhar, Connor está nos olhando daquela maneira estranha.

Imagino o que deve estar passando por sua cabeça neste momento, os mesmos pensamentos sobre como sou mais atenciosa com Anthony. Pensar nisso, em como provavelmente ele acha isto estranho porque Melanie não era atenciosa corta meu coração. Sei que de certa forma eu deveria ter raiva de Melanie por ser tão negligente com os filhos, mas não consigo. A única coisa que sinto é um imenso pesar. Não só pelas crianças, que careciam tanto de uma mãe como por ela mesma, que não sabia ser.

A pergunta mais importante agora era: quando retornasse, ela estaria disposta a mudar?

Tinha medo da resposta. E só podia rezar para que estivesse.

Pelas crianças, por Connor e pela própria Melanie.

E o que será de você depois de tudo, Mel? — Uma vozinha traiçoeira sussurra em minha mente e essa incerteza resvala em meu coração.

Também tenho medo da resposta.

— Deveria se trocar — Connor diz de repente, e me dou conta de que ainda estou de camisola. Fico vermelha igual pimentão ao perceber que Connor me mede com um olhar de reprovação. Ora, eu podia até ficar sem graça porque não era Melanie, mas para ele quem estava na sua frente era sua esposa, então por que achava inadequado que ela estivesse usando camisola? Ele deveria ter visto Melanie vestida assim muitas vezes. Por que parecia irritado?

Recoloco Anthony agora mais quietinho no carrinho, com vontade de fazer algum comentário mordaz, ao me virar para Connor reparo que ele está se servindo de café.

— Está bom o café? — Não consigo me impedir de perguntar.

Ele dá de ombros.

— Deve saber.

— Sim, eu sei.

Disfarço um sorriso e me afasto para me trocar.


Devo dizer que estou ligeiramente nervosa quando chegamos a casa dos pais de Connor. É a primeira vez que enfrentarei toda a família reunida de uma vez e pensar nisso apaga parte da alegria que estava sentido pelas pequenas vitórias na casa de Connor.

Olívia empurra o carrinho de Anthony, brincando de corrida com Mandy e as duas desaparecem dentro da casa dos Carter.

— O que foi? — Connor pergunta, e, quando olho para ele, vejo que está me fitando de maneira desconfiada.

— Nada.

— Está de mau humor desde que saímos de casa. Sei que detesta estes encontros de família.

— Oh, não estou mal-humorada por isto, aliás, nem estou mal-humorada.

— Então qual o problema? — Ele para, encarando-me irritado. — Sabe que prefiro que fique em casa ou vá fazer o que bem entender se for para criar clima na casa dos meus pais.

— Ei, Connor, calma aí, não é nada disto! Eu só estou nervosa.

— Como assim nervosa?

— Por que é a primeira vez... — hesito, corrigindo minha frase — é a primeira vez depois que voltei que vou encontrar com todos e você sabe que pode ser uma situação difícil.

— E quando não é?

— Eu não quero confusão e nem estragar o almoço de sua família. Acredite em mim, aquela Melanie de antes não é esta aqui que está na sua frente agora. Só quero que tudo fique bem.

Ele me estuda por um momento, analisando minhas palavras e então a coisa mais bizarra acontece. Ele segura minha mão.

Connor está segurando minha mão.

E está me levando para dentro da casa. Mal consigo respirar, quanto mais andar e é bom que ele esteja me puxando enquanto entramos na sala da casa dos Carter. Meu cérebro subitamente desnorteado só consegue repetir “Connor está segurando minha mão”, como um computador bugado.

E quando esta mesma mão aperta a minha, volto à realidade para sentir alguns pares de olhos fixados em nós.

Noto Lilian com um homem barbudo do seu lado, que deve ser Adam. Ela pisca para mim, como se guardássemos um segredo. E me lembro de nossa conversa quando eu disse que havia mudado e queria que Connor entendesse. Talvez ela estivesse achando que, pelo fato de Connor estar segurando minha mão, a gente tivesse feito as pazes ou algo assim.

— Oi, Melanie, Connor. — Helen se levanta do sofá onde deixa um homem grisalho ainda muito bonito brincando com as crianças. Aquele deve ser Willian, o pai de Connor.

— Oi, mãe — Connor responde, largando minha mão para abraçá-la.

— Ei, olha só a fujona — Natalie comenta, sentada ao lado de Sam que está entretido assistindo a um jogo na TV e só acena para nós.

Natalie já está segurando Anthony no colo e minha vontade é me aproximar e arrancá-lo de seus braços, as palavras de Lilian me chamando de maldosa por Natalie ser estéril e só querer ajudar com as crianças me freiam.

— Olá, Natalie — uso a voz mais gentil que encontro dentro de mim, embora para mim mesma ainda soe meio falsa. Bem, eu estava me esforçando. Se Natalie continuasse me agredindo ninguém poderia me acusar de ser a vilã.

— Melanie, que bom vê-la novamente — Willian soa educado e me pergunto se realmente está feliz de ver Melanie de volta ou se preferia que ela tivesse sumido da vida de seu filho para sempre.

— É bom estar de volta — respondo com um sorriso, sentando-me ao lado de Lilian. — Não sabia que estaria aqui — cochicho.

— Não estou sempre? Na verdade, adoro a comida da Helen e não reclamo quando eles nos convidam. É bom ter uma folga dos afazeres doméstico pelo menos aos domingos.

— Tem gente que gosta de folga dos afazeres domésticos todos os dias — Natalie alfineta.

De novo tenho que morder minha língua para não responder. Falei para Connor que não queria confusão e era verdade.

— O almoço está pronto, vamos para a mesa? – Helen chama e todos nos dirigimos para a sala de jantar. A casa dos Carter é bem bonita, com móveis clássicos e antigos e quase deixo escapar um comentário, mas consigo me conter a tempo, pois Melanie já conhece a casa.

Foco minha atenção nas crianças primeiro e Olívia parece bem à vontade, afinal já é autossuficiente. Connor está com Mandy, ajudando-a a sentar e perguntando o que ela quer comer, então estendo meus braços para Natalie que está se aproximando com Anthony.

— Pode me dar o bebê, Natalie, assim fica à vontade para comer.

— Não, deixe-o comigo, estou acostumada a comer com ele! – Ela passa por mim e se senta ao lado do marido. Tenho vontade de insistir, mas desisto. Melhor não caçar briga desnecessária.

Não consigo deixar de ficar observando Natalie com Anthony, ela parece bem feliz por estar cuidando dele realmente. Por um momento me permito passar por cima do meu ciúme e da óbvia hostilidade que existe entre nós para sentir um pouco de pena.

Penso em mim mesma, que sempre tive o sonho de ter uma família, meus próprios filhos e me pergunto como me sentiria se descobrisse que não poderia tê-los. Ficaria dilacerada com certeza. Então, como Natalie deveria se sentir?

— Melanie, não está comendo nada — Helen chama minha atenção e percebo que todos me observam. Coro.

— Ela deve estar pensando que gostaria de estar em outro lugar, certamente — Natalie diz maldosamente.

Bem. Eu tentei.

— Não estou, Natalie. Estou adorando estar aqui — rebato e olho para Helen. — Aliás, sua comida está uma delícia Helen — completo gentilmente.

Todos continuam me olhando como se eu fosse um alienígena. Não, corrijo, provavelmente estavam pensando se algum alienígena tomou posse do corpo da verdadeira Melanie. Apesar da vontade de me abrigar embaixo da mesa para fugir daqueles olhares, mantenho minha compostura e volto a comer.

Quando o almoço termina, Helen começa a recolher os pratos e me levanto de pronto para ajudá-la, de novo todo mundo fica olhando espantado.

Meu Deus, até quando?

Me faço de desentendida e ajudo Helen a recolher os pratos e levar para a cozinha.

— Obrigada, querida.

— Posso lavar a louça.

— Claro que não. Vá ficar com as crianças, eu termino tudo por aqui.

Estou voltando para a sala quando paro ao ouvir a voz de Sam.

— Que diabos você deu para sua esposa, cara?

— Do que está falando? — Connor pergunta impaciente.

— Vai dizer que não percebeu que ela parece outra pessoa?

— Ela só está tentando ser uma pessoa melhor, Sam — é Lilian que responde e, de onde estou, consigo ver que na sala só estão ela, Sam e Connor.

— Acho esquisito, para falar a verdade! — Sam continua.

— Não é esquisito. As pessoas mudam. Não é, Connor?

Fico atenta para escutar a resposta de Connor.

— Só o tempo dirá — é sua resposta taciturna.

— Tomara que ela continue assim, seria melhor para todo mundo que não voltasse a ser aquela porra louca! — Sam ri.

— Melanie, está escondida aí?

Eu me viro e Adam está me fitando de forma desconfiada. Ele não era de falar muito, pelo o que eu havia percebido, ao contrário de sua esposa falante.

— Não, eu... — Fico sem graça por ter sido flagrada espionando.

— Estou surpreso com sua volta — diz muito sério e percebo que provavelmente Adam era o que mais sabia da realidade do casamento de Connor e Melanie, sendo seu melhor amigo. E provavelmente não devia nutrir muita simpatia por sua esposa.

— Parece que todos estão — respondo simplesmente. — Você também era do time que achava que eu não iria voltar?

— Sou do time que acha que o Connor ficaria melhor sem você.

Wow. Aquela doeu.

— Connor não pensa assim, foi ele que implorou para que eu voltasse.

— Estava pensando nas crianças.

— Também penso nelas.

— Devia pensar mais em seu casamento primeiro. Nenhum casamento sobrevive apenas porque existem crianças envolvidas.

— Eu sei — sussurro.

— Sabe mesmo? Difícil de acreditar.

— Sei que não gosta de mim e entendo seus motivos, Adam. Mas eu mudei, não quero mais magoar o Connor ou as crianças.

— Fugir e deixar todo mundo para trás foi sua maneira de mostrar isto?

— Eu não fugi.

— Foi o que pareceu e acabou de me falar que só voltou porque o Connor implorou.

— Ia voltar de qualquer maneira, só precisava de tempo — repito os argumentos de Melanie.

— E, do nada, voltou milagrosamente mudada? — Sua ironia é perceptível.

Dou de ombros.

— Sim, eu mudei. E todos vão comprovar que estou sendo sincera.

— Espero mesmo para o bem do Connor que seja verdade, que essa sua súbita vontade de ser boa esposa e boa mãe não seja mais uma de suas maluquices que vai terminar em pouco tempo quando se cansar. — Ele dá um passo à frente e baixa o tom de voz. — Espero que não magoe o Connor de novo, porque a paciência dele esgotou! Quando você foi embora sabe o que ele pensou? Em deixá-la ir. Ele sentiu alívio por não ter mais que lidar com você. E foi só a consciência de que os filhos precisam de uma mãe, mesmo sendo uma como você, o fez te querer de volta. Mesmo eu dizendo que ele não deveria te aceitar.

— Você disse ao Connor para não me aceitar?

— Só quero o melhor para ele. E você vem fazendo da vida dele um inferno por dez anos.

— Eu? Acha mesmo que um casamento é feito só de uma pessoa? Não, Adam, são duas! E Connor teve o mesmo tempo que Me... que eu para tentar fazer o melhor. Mesmo que fosse pedir o divórcio, mas ele ainda está aqui, com as mesmas atitudes.

— Está culpando o Connor? Sério?

— Sei que errei muito, não precisa me dizer! Mas estou lutando agora. Eu vou consertar tudo e...

— E o quê? Acredita que este casamento de vocês tem conserto?

— Por que não teria?

— Porque você não ama o Connor.

— Como pode saber?

— Então estou errado? Você ama?

Recuo, sem saber o que responder.

Como posso responder? Somente Melanie pode saber de seus sentimentos.

— Ei, vocês dois, estão fazendo o que aí? — Lilian aparece. — Adam, já ia verificar se tinha caído na privada.

— Só estava batendo um papo com a Melanie.

— Então venham bater papo na sala! Nós já vamos começar a jogar.

Nós entramos na sala e vejo Connor e Sam posicionados num jogo de xadrez. Lilian e Adam começam outro jogo.

— Nem vou te chamar, Melanie, pois sei que não gosta.

— É, verdade... Onde estão Willian e Natalie?

— Meu pai está tirando seu tradicional cochilo de depois de almoço — Connor responde. — Natalie foi colocar Anthony para dormir.

— E as crianças?

— Estão brincando lá fora.

— Vou ver se está tudo bem. — Aproveito para me afastar e encontro Olívia e Mandy brincando em um balanço.

— Mamãe me empurra — Mandy pede e me aproximo com um sorriso, empurrando-a e a fazendo rir. Depois empurro Olívia e até deixo que elas me empurrem, ficamos brincando nos balanços até que vejo Willian Carter nos observando.

— Oi. — Deixo as meninas brincando e me aproximo meio receosa. Mas tinha muita vontade de conhecer o pai de Connor melhor.

— Você parecia estar se divertindo.

— Sim, nós estávamos.

— Não me lembro de ter visto você brincando com as crianças assim.

Dou de ombros sem responder nada.

— Estou feliz que elas estejam felizes. É notável a diferença em Mandy e Olívia perto de você.

— Também fico feliz — respondo simplesmente.

— Isto é bom.

— O senhor não vai começar a me acusar de estar fazendo algum jogo ou dizer que vou me cansar de ser legal com elas e partir novamente? — Não consigo deixar de perguntar, era o que todo mundo vinha me dizendo.

Ele ri.

— Acho que anda ouvindo muito essas coisas, não é?

— Mais do que gostaria.

— Não, não vou dizer. Nunca me intrometi na sua vida com Connor, Melanie, sabe muito bem. Quando Connor te engravidou falei que ele não precisava se casar, apesar da insistência do seu pai. Eu sei que duas pessoas precisam estar realmente comprometidas para que o casamento dê certo.

— E você acreditava que não estávamos.

— Acho que era óbvio para todo mundo. E eu queria que meu filho fosse para a faculdade. Era um desperdício vê-lo perder esta chance.

— Você acha que estraguei a vida dele?

— E ele estragou a sua?

A pergunta feita assim na lata me pega desprevenida. Recordo-me das confissões de Melanie, do quanto era infeliz e comparava o casamento a uma armadilha. Das escolhas equivocadas que fez, como engravidar de Mandy, de suas atitudes erradas com Connor e com os filhos, tudo porque não se sentia feliz e não teve maturidade para agir de maneira diferente.

E das minhas palavras para Adam, de que a culpa não podia ser só de Melanie.

Então me questiono se alguma culpa podia mesmo ser atribuída a Connor? Melanie teve atitudes condenáveis que arruinaram o casamento, mas o que Connor poderia ter feito para impedi-la? Ou ao menos tentar ajudá-la? Será que ele realmente tentou? Ou se acomodou naquele círculo vicioso que se tornou a vida deles? Tanto que preferia aceitá-la de volta, apenas para não a perdoar, e cravá-la de agressividade e rancor.

— Vá brincar com suas filhas, Melanie! — Willian desiste de minha resposta ante ao meu silêncio e se vira, entrando na casa.

Depois que as meninas se cansam de brincar, elas correm para a cozinha e pedem que Helen faça um bolo para elas. Quero me oferecer para fazer, mas acho que Helen pode preferir fazer ela mesma, já que é a avó e domingo parece ser o dia de ela cuidar da família, então fico na minha, apenas observando.

Quando Helen põe o bolo no forno, as meninas se afastam para a sala e eu prefiro continuar ali, não querendo encarar Natalie e Adam que devem estar por lá também. Melhor evitar confusão por hora.

— As meninas estão tão felizes com sua volta — Helen comenta me servindo um chá. Sorrio.

— Estou feliz também.

— Vou te confessar Melanie, sempre sonhei que um dia você mudasse, que crescesse sabe, e tivesse maturidade para aceitar sua vida.

Não consigo dizer nada e Helen continua.

— Parece que finalmente este dia chegou. Não sei o que aconteceu para você ir embora e nem porque acabou voltando, mas agradeço por isto. Estas crianças precisam de você e sua nova atitude as reconquistou. Mas devo te alertar de uma coisa — ela crava seu olhar sábio em mim —, não vai reconquistar Connor com a mesma facilidade.

Engulo em seco, porque sei muito bem que Helen tem razão.

— Só espero que seja forte o suficiente para tentar e rezo para que consiga. Quero muito que vocês sejam felizes. Mais chá? — ela muda de assunto repentinamente e fico agradecida.

Helen chama a todos para comer o bolo e eu tento continuar na minha, apegando-me a Mandy e Olívia e as ajudando quando necessário. Sinto o olhar de Connor em mim e evito olhar em sua direção. Fico me perguntando se Adam falou algo sobre nossa conversa.

Até que Natalie aparece com Anthony de novo e decido que já fui paciente demais. Eu me aproximo e estendo os braços.

— Ele está bem aqui.

— Tenho certeza de que sim — resmungo, mas mergulho os braços e pego Anthony.

Natalie parece irritada, Sam a puxa.

— Deixa, baby, ela é a mãe — ele diz, beijando seu rosto e, antes de me virar, vejo que os olhos de Natalie estão marejados.

— Pensei que Camila estaria aqui — Lilian comenta no meio da conversa.

Eu tinha até me esquecido que a ex de Connor estava hospedada na casa dos Carter.

— Ela voltou a Seattle — Helen diz simplesmente, e me pergunto se sua ida tem a ver com o meu retorno. Provavelmente.

— Ela está reatando com o marido? — Não consigo evitar perguntar.

— Pelo que sabemos não — Willian responde.

— Bem que você queria, não é? — Natalie resmunga e eu ignoro.

— Acho que já vamos, está anoitecendo — Adam diz, e Connor e eu também nos despedimos.

Nós voltamos para casa envolvidos com o tagarelar de Olívia e Mandy, sobre assistir um filme quando chegarmos.

— Você assiste com a gente mamãe? — Mandy pede.

— Claro, já escolheram?

As duas discutem um pouco, acabam decidindo por um filme da Disney e eu me sento para assistir com elas.

— Não vai assistir com a gente papai? — Olívia pergunta.

— O papai prefere ler, querida — Connor responde, pegando um livro na estante e se afastando para a varanda.

O quê? Connor gostava de ler? Isso é inesperado. Então me recordo de Melanie dizendo que ele era um nerd quando se conheceram. Sorrio secretamente. Talvez eu tenha um assunto em comum com Connor afinal.

Quando termina o filme dou banho em Mandy e a coloco na cama, depois de fazer Anthony dormir passo no quarto de Olívia e ela está fazendo lição de casa.

— Quer ajuda?

— Não precisa.

— Tudo bem, se precisar é só pedir.

Ela sorri e eu me afasto, Connor ainda não deu sinal de vida, então vou para o banheiro e tomo um banho. Antes de ir dormir, decido fazer um chá, tendo o cuidado de colocar um roupão por cima da camisola, vou para a cozinha. Quando termino de fazer o chá e estou voltando para o quarto, passo pela sala e Connor está fazendo a sua cama no sofá.

Eu paro por um momento, observando, sem conseguir me conter.

Ele está vestindo a calça de um pijama e é só. Mordo os lábios, sentindo minha boca seca ao deixar meus olhos percorrerem suas costas, a calça caída nos quadris, deixando entrever alguns pelos que correm por sua barriga e desaparecem pelo cós quando ele se vira... e me flagra o observando.

Enrubesço, apertando a xícara em minhas mãos, sem conseguir me mover.

— O que está fazendo aí, Melanie? — ele pergunta, entre irritado e desconfiado.

E de repente percebo que ele é lindo assim, com os olhos verdes me fuzilando, o peito desnudo subindo e descendo, pelo pequeno esforço físico para arrumar a cama improvisada.

— Melanie? — Ele me chama de novo, mais exasperado ainda e eu pisco, limpando a garganta, buscando algo para dizer.

— Esse sofá parece desconfortável.

— Está me convidando para dormir na sua cama?


Capítulo 15


— Está me convidando para sua cama?

Por um momento a pergunta se repete na minha mente e tenho certeza de que ouvi errado. No momento seguinte, quando percebo que não alucinei e que realmente ouvi o que Connor acabou de perguntar, coro horrorizada pelas insinuações naquela questão.

— Não! — nego com a voz chocada, só então percebendo que Connor estava sendo irônico, quando ele simplesmente volta ao que estava fazendo, ignorando minha presença.

Porém o estrago já estava feito. Naqueles milésimos de segundo em que a questão viajou através do meu cérebro confuso, imaginei várias coisas absurdas, como, por exemplo, Connor estar insinuando que eu poderia querer convidá-lo para minha cama. E não era para dormir.

Quando me dou conta do absurdo, também percebo, ainda mais chocada, que uma parte de mim pensava que talvez Connor não estivesse tão errado assim em suas suposições.

Envergonhada, corro para o quarto e bato a porta, protegendo-me lá dentro. Mas quem iria me proteger dos meus pensamentos tortuosos?

A partir daquele momento virei prisioneira de meus próprios medos. Como se não bastasse eu ter que me proteger do fato de estar ali me passando por outra pessoa, ainda teria que lutar contra aquela parte de mim que estava entrando na fantasia de esposa de Connor Carter mais do que seria permitido.

E, como se a caixa de pandora tivesse sido aberta liberando todos os pensamentos pecaminosos do mundo, comecei a perceber que me manter sã naquele jogo seria mais difícil do que eu previ. Era como se, por mais que eu quisesse negar, a presença de Connor tivesse tomado um outro significado.

Um significado tão tentador quanto assustador.

Era isto, eu era uma criatura apavorada. E constantemente tentada.

E o universo estava definitivamente conspirando contra mim, quando na manhã seguinte, eu saio do quarto no mesmo momento em que Connor está saindo do banheiro. Banho recém-tomado. Cabelo molhado. Apenas uma toalha na cintura.

Por um momento, a tentação é mais forte e deixo meus olhos famintos e inconvenientes percorrerem sua figura quase indecente para minha paz interior, até me dar conta, encabulada, do que estava fazendo. E, ao encarar Connor, percebo que ele sabia exatamente o que se passava na minha cabeça.

Antes de tentar decifrar sua reação me afastei sem olhar para trás, fingindo que nada tinha acontecido.

Fingir que nada estava acontecendo se tornou um mantra naquela semana.

Pelo menos as brigas haviam cessado. Não sei se ganhei a guerra contra a raiva de Connor, afinal, ele continuava parecendo não curtir minha presença e mantendo as crianças na casa de Natalie à tarde até depois do jantar. Mas acredito ter ganho algumas batalhas. Ele dizia bom dia pela manhã e tomava o café preparado por mim. Ao chegar com as crianças à noite, agia educadamente, embora mantivesse alguma distância.

Seus olhos evitavam os meus. Não posso negar, era um alívio.

Porque, cada vez mais eu sentia dificuldade para lidar com aquela atração crescente pelo marido de Melanie.

Era errado. Insano. Perigoso demais não só para a farsa que estava vivendo, como também para meu coração. Não estava ali para desenvolver sentimentos por Connor Carter. Ele era marido da minha irmã gêmea. E, apesar de o casamento estar em crise, eu não podia e não devia me intrometer.

Seria uma atitude condenável demais da minha parte.

Mesmo assim, não podia evitar meus olhos cada vez mais atraídos e meus medos aumentavam conforme as defesas de Connor contra as atitudes da nova Melanie iam caindo.

Na sexta-feira, decido ir ao mercado comprar alguns ingredientes para fazer um bolo para as crianças no sábado. Fuçando em todos os cantos da casa naquela semana para arrumá-la e para me familiarizar com tudo, encontrei um pote na cozinha com algum dinheiro. Devia ser o que Connor deixava para Melanie gastar com compras domésticas, deduzo. Tenho vontade de usar meu próprio dinheiro, porém não quero que Connor fique desconfiado. Seria esquisito de repente Melanie começar a gastar um dinheiro que não deveria ter.

Estou caminhando entre as prateleiras naquele fim de tarde, após deixar Anthony com Helen quando vejo Natalie e Olívia.

— Mamãe! — Olívia sorri ao me ver e Natalie fecha a cara.

Respiro fundo tentando conter o ciúme.

— Que surpresa vê-la fazendo compras. Achei que fosse o Connor que fizesse, já que detesta.

— Como deve ter percebido não me importo mais — respondo, mantenho um tom de voz comedido, porque Olívia está ali nos observando.

— É, Olívia me contou sobre sua “mudança”... — Não me passa despercebida sua ironia.

— O que está fazendo aqui, mamãe? — Olívia pergunta e sorrio para ela. Era incrível a mudança ocorrida na maneira como ela me tratava. Ainda era ligeiramente hesitante ao tomar a iniciativa em relação a mim, mas não se esquivava quando eu me aproximava.

— Vou fazer um bolo amanhã.

— Oba!

— E já que está aqui, poderia me dizer qual o seu preferido?

Percebo meu erro ao ter feito aquela pergunta quando ela sai da minha boca. Melanie deveria saber o sabor preferido da filha!

— Típico não fazer ideia nem do que a filha gosta — Natalie desdenha.

Fico vermelha e elas entendem errado.

— Não tem problema ela ter esquecido — Olívia diz com a voz meio apagada, e me sinto mal.

— Tem problema sim, me desculpe — digo, tentando remediar —, mas você pode me relembrar.

— Gosto de chocolate — ela diz.

— Certo, então por que não vai buscar um achocolatado para mim? Enquanto dou uma palavrinha com sua tia?

Ela se afasta um pouco mais animada.

— Não cansa de magoar esta menina? — Natalie dardeja.

Eu a ignoro.

— Quero aproveitar que nos encontramos para pedir que as crianças retornem para casa mais cedo.

— Connor prefere que elas fiquem comigo.

— Eu sou a mãe, também tenho poder de decisão. E estou pedindo, Natalie. Sabe que eu tenho direito, por favor, não faça uma cena. Eles são meus filhos e os quero na minha casa, se sua preocupação é que eu seja negligente e não os alimente direito, pode ficar tranquila, porque isto não vai mais acontecer. Embora não goste de mim, você não é cega e nem burra e já deve ter percebido que as coisas mudaram.

Ela engole em seco e percebo que está buscando argumentos em sua mente para me contradizer.

— Tem razão, você é a mãe, só que eu ainda prefiro que o Connor decida.

Olívia retorna com o chocolate e coloca no meu carrinho, nos interrompendo.

— Pronto mamãe.

— Obrigada, querida. Preciso ir. Nos vemos mais tarde, ok?

— Está bem... — Por um momento tenho a impressão de que Olívia quer pedir para ir comigo, mas Natalie já segura sua mão firmemente.

E não quero uma cena. Aquela situação precisava ser resolvida.

— Tudo bem, é justo. — Recuo. — Falo com o Connor então ele mesmo mudará isso, se prefere! — Encaro Olívia — peça para o papai não as levar tão tarde para casa, está bem?

Olívia assente e me afasto para o caixa.

Fiquei me perguntando se estava disposta a arriscar entrar numa briga sobre aquele assunto com Connor novamente, ele já havia deixado clara sua posição. Será que agora, quase duas semanas após minha chegada e depois de ter constatado todas as mudanças, continuaria sendo intransigente?

Só havia uma maneira de saber.

Ao chegar em casa, coloco as compras no armário e rumo para a oficina.

Eu me aproximo do galpão, ainda meio receosa e amedrontada. Sei que pode ser uma conversa difícil na melhor das hipóteses. Acabar em discussão não era impossível. Eu temia destruir aquela trégua silenciosa e a pequena paz conquistada. No entanto, não poderia deixar aquele assunto de lado.

Ao entrar no galpão, escuto uma música baixa vinda de algum lugar, um folk nostálgico que rivaliza com o som de uma lixa contra a madeira. Connor está ali, com o olhar compenetrado, ao que parece terminando o trabalho em uma mesa.

— É bonito — digo e ele para o trabalho, erguendo o olhar que se tolda de surpresa quando me vê.

— Olá, Melanie — tento não fazer uma careta ao ouvir a voz de Camila atrás de mim.

— Você ainda está aqui — sibilo ao me virar e me deparar com seu sorriso presunçoso.

— Você também — ela rebate no mesmo tom.

— Ouvi dizer que tinha voltado para Seattle.

— Com certeza era o que você gostaria, nunca gostou de mim.

Cruzo os braços em frente ao peito a encarando com desdém.

— Por que não gostaria de você?

— Porque tem ciúmes do Connor.

Eu me viro para Connor que está a poucos passos ouvindo nossa conversa, com certeza.

Ele parece irritado, passando os dedos nervosos pelos cabelos, não o suficiente para intervir, ao que parece.

— O que acha, Connor? Camila tem razão? Tenho ciúme dela? Ou talvez a questão não seja o que eu sinto e sim o que a Camila sente? Aí a palavra certa não seria ciúme e sim inveja?

— Melanie, chega! — ele finalmente reage, aproximando-se de nós.

— Você continua sendo uma vadia — Camila sussurra para que só eu possa ouvir.

— Para seu azar — retruco no mesmo tom. Camila que fosse para o inferno.

— Queria falar comigo? — Connor chega perto o suficiente e saio do galpão, com ele me seguindo.

Só paro quando estamos longe de Camila. Estou ofegando de raiva por ter entrado no jogo dela.

— Que merda foi aquilo lá dentro?

— Está falando da Camila me provocando? Você ouviu, ela começou, a culpa não é minha!

— Esta briga de vocês sempre foi ridícula, Melanie!

— Não foi uma briga. Simplesmente respondi às provocações dela! Queria que eu fizesse o quê?

— É, eu devia saber que ia ficar irritada, nunca deixou barato a presença de Camila. Por um momento, vendo você responder com as mesmas provocações, vislumbrei a mesma Melanie de antes.

Engulo em seco. Era a primeira vez que alguém dizia que eu parecia Melanie. Era estranho ouvir isto, quando tudo o que diziam era o quanto estava diferente, mudada.

— E o que sentiu? Ficou irritado ou com saudade daquela Melanie? — ouso perguntar, sem saber o motivo.

Ele passa os dedos pelos cabelos, o olhar perdido por um momento, como se estivesse buscando a resposta dentro de si, então volta a me encarar.

— Eu prefiro a nova Melanie.

Deixo de respirar por um momento com aquela resposta, perdida em seu olhar intenso, percebo em meio a meu enlevo e confusão, que ele está olhando para mim. Realmente me olhando. Seu olhar preso no meu, sem fugir. O coração desanda no peito, sem que consiga impedir, assim, como o sangue que corre mais rápido nas minhas veias, quente, pulsante, fazendo tudo ao redor desaparecer e restar somente Connor e as sensações que ele provoca em mim.

— Ei, Mel! — Sam passa por nós vindo da casa dos Carter, quebrando nosso momento e entra no galpão. Respiro uma longa golfada de ar, desviando meu olhar de Connor.

Meu rosto corado e meu coração agora apertado.

Que diabos estava acontecendo?

— Camila tem razão? — ele pergunta de repente. — Estava com ciúme?

Mordo os lábios, lutando para achar a resposta. Claro que sabia que devia responder sim, Camila tinha razão. Estava morrendo de ciúme, embora fosse absurdo.

No entanto, eu não era a pessoa que deveria estar ali respondendo aquela pergunta. Eu não tinha direito algum sobre Connor. Melanie tinha e era ela quem ele via, então, que mal havia em ser sincera?

Volto a encará-lo.

— Sim eu estava com ciúme.

Por um momento, Connor parece extremamente surpreso.

— Acha que eu não deveria sentir? Talvez pense que em nossa atual situação eu tenha perdido o direito...?

— Eu não imaginava que ainda fosse capaz de sentir qualquer coisa Melanie. É uma surpresa para mim, o que posso dizer? — ele confessa com a voz cansada. Sofrida. Ferida. — Há muito tempo que nenhum de nós se dá ao trabalho de sentir nada.

Aquilo doeu.

Não sei o que dizer. Estamos indo por um caminho muito perigoso. Um caminho que não deveria seguir. Um caminho feito para Connor e sua verdadeira Melanie.

Tenho vontade de chorar de repente e desvio o olhar, respirando fundo.

— Eu não vim aqui falar de nós dois — mudo de assunto deliberadamente.

Connor percebe, claro. Parece ter ficado aliviado também.

— O que foi?

— Encontrei Natalie hoje no mercado, pedi para ela deixar as crianças voltarem para casa mais cedo, para jantarem comigo.

— Natalie não tem culpa. Ela apenas está sendo gentil deixando que as crianças fiquem lá.

— É mais do que isto para ela, e sinceramente, nem acho que seja saudável, sabe do que estou falando.

— Isso não era um problema antes.

— Por favor, vamos nos concentrar no agora. E você sabe que tenho razão, que eu sou perfeitamente capaz de cuidar deles.

— Agora. E no futuro, Melanie?

— É este o seu medo?

— Não deveria ser?

— Por favor, Connor. Me dê um voto de confiança. Não somente por mim, pelas crianças. Você sabe que elas gostariam.

— Ok — ele responde por fim e quase nem consigo acreditar —, vou levá-los para jantar em casa hoje.

Sorrio, uma alegria desmedida tomando conta de mim.

— Obrigada.

E, antes de Connor se virar para voltar para o galpão tenho certeza de que vi um arremedo de sorriso em seu rosto também.

Naquela noite, espero ansiosa como nunca estive na vida, olhando o relógio a todo momento, atenta a Anthony que brinca no tapete.

Ainda parece delírio da minha mente que Connor tenha concordado em trazer as crianças para jantar em casa. Enquanto preparava o jantar queria repassar nossa conversa novamente, mas não o fiz, sabia que era melhor esquecer. Havia muita coisa naquele nosso diálogo que devia ignorar. Seria mais saudável para meu coração e minha mente apenas voltar aos planos originais.

Quando escuto a porta abrir, dou um pulo do sofá correndo para o hall de entrada para ver Mandy vir correndo na frente, agarrando-se às minhas pernas.

— Mamãe, que saudade! — Sorrio, pegando-a no colo e a abraçando forte.

— Eu também, meu amor. — Coloco-a no chão e então vejo Olívia entrando, e logo atrás dela Connor.

— Ei, Olívia. — Abro os braços para ela, que me abraça sem hesitar.

— Verdade que vamos jantar em casa hoje? — pergunta insegura e eu sorrio.

— Claro que sim, ou prefere ficar na casa da tia Natalie? — Será que no fim das contas ela ia preferir a tia?

Ela hesita e sinto meu coração afundar.

— Prefere? — insisto, sem conseguir esconder meu desapontamento.

— Provavelmente ela está com medo de comer comida ruim — Connor diz ao passar por mim, muito perto do meu ouvido e me arrepio inteira.

— Garanto que não está ruim.

— Não tem problema, mamãe — Olívia diz. — Vou gostar de qualquer jeito. — Ela parece preocupada e eu sorrio.

Olívia estava preocupada com meus sentimentos?

— Vamos jantar antes que esfrie então, vá lavar as mãos e lave as de Mandy também.

Elas se afastam e eu vou para a cozinha, Connor está lá com Anthony no colo, olhando admirado para a mesa. Optei por algo simples como pasta para começar. Seria esquisito se Melanie de repente parecesse uma chef de cozinha.

— O cheiro está bom pelo menos. — Ele parece duvidoso, fico imaginando quão ruim deve ser a comida de Melanie para justificar o medo de Connor.

Contenho uma risada.

— O gosto está aceitável — garanto.

Mandy e Olívia voltam e começo a servi-las, enquanto Connor coloca Anthony no carrinho.

— Hum, isto está gostoso — Olívia exclama, admirada após a primeira garfada.

— E você Mandy, gostou?

— Sim, mamãe, está uma delícia! — ela responde, com sua boca toda suja de molho.

Então eu fixo os olhos em Connor enquanto ele come e não consigo evitar um sorriso ao vê-lo provar a comida e fazer uma expressão surpresa de apreciação.

— Aceitável? — pergunto e ele dá de ombros.

— Parece que milagres acontecem — ele diz e eu rio, voltando a atenção para meu prato, muito satisfeita.

Ao fim da refeição, em que todos rasparam seu prato, Anthony começa a chorar sonolento e me levanto para pegá-lo.

— Vou colocá-lo para dormir. — afasto-me para o quarto e não demora muito para ele adormecer.

Retorno para a sala e Mandy está colorindo seu livro, presente de Natalie, e Olívia assiste a um programa qualquer na TV.

Vou para a cozinha e me surpreendo ao ver Connor lavando a louça.

— Eu podia fazer isso.

— Você fez a comida, nada mais justo.

— Eu não me importo.

— Não é como se fosse a primeira vez que eu tenho que lavar louça nesta casa, Melanie — ele responde ríspido e me encolho, surpresa com aquele ataque.

Que merda era aquela? Ele estava com raiva? Por quê?

Tenho vontade de perguntar, mas me calo. Não quero começar uma discussão.

— Vou ficar com as meninas.

Volto para a sala, incomodada com aquela estranha reação de Connor e Mandy pede que eu a ajude com o desenho, fico com ela, até que começa a bocejar.

— Acho que é hora de dormir.

Ela ainda reclama um pouco, mas consigo fazê-la escovar os dentes e ir para a cama. Depois passo no quarto de Olívia que está se preparando para dormir também.

—Tudo bem?

— Sim.

Beijo seus cabelos, cobrindo-a em seguida.

— Estou feliz de ter vindo jantar em casa com você hoje.

— Eu também, querida.

— Podemos fazer isto sempre? — Sinto meu peito se apertar.

— Com certeza.

Apago a luz e fecho a porta.

A casa está em silêncio, encontro Connor na varanda, sentado em um velho banco, olhando a noite.

Hesito em me aproximar, porém ainda estou incomodada com sua rispidez após o jantar.

— Ei.

Ele levanta o olhar sem se mexer.

Eu me aproximo e sento do seu lado.

Não falo nada.

— Vá dormir, Melanie — ele diz de repente.

Eu me viro para ele, estudando seu perfil perfeito.

— Por que não me chama de Mel?

— Por que você odeia.

— Não odeio mais.

Ele finalmente me encara. Há desconfiança em seu olhar.

Dói em mim.

— Onde esteve, Melanie?

— O... quê? — Engulo em seco, desconcertada.

— Entendeu a pergunta — diz incisivamente.

Desvio os olhos.

— Em Nova York.

— Fazendo o quê? Com quem?

Volto a fitá-lo. Podia contar que fui ver minha mãe, que ela estava morrendo. Mas tenho medo que isto desencadeie alguma desconfiança.

— Isto realmente importa? Estou aqui agora.

— Onde aprendeu a cozinhar?

Dou de ombros.

— Andei lendo livros e treinando, como todo mundo que decide aprender, não é nada demais.

— Nada demais. Nunca se interessou e de repente...

Não falo nada. Tenho medo de piorar tudo. Connor é um poço de tensão e confusão neste momento.

— Por que está tão mudada? — Aí está, a dúvida que o atormenta, o intriga. Vejo em seu olhar que ele anseia por respostas tão intensamente que me perturba.

Eu o entendo. E quero apagar aquela bagunça que deve estar na sua mente. Mas não posso e não devo.

Como posso fazer isto se fui eu quem a colocou lá?

— Estou sendo eu mesma.

E Connor fica me fitando como se tentasse montar as peças do quebra-cabeça que era aquela nova Melanie.

Sinto vontade de dizer a verdade. Quero apagar aquela dor em seu olhar. Aquele anseio por algo que ele sabe que está na sua frente, mas que teme pegar, porque pode desaparecer a qualquer momento.

Que direito tenho eu de apagar uma dor e causar outra ainda maior?

É tarde demais.

— Não, você nunca foi assim — ele diz por fim, com certa raiva na voz. Mesclada com frustração.

— Talvez eu esteja lutando por uma segunda chance — respondo baixinho. E espero que baste. É só o que posso dar.

Enquanto Connor estuda meu rosto e minhas palavras, engulo minha ansiedade. E digo a mim mesma que estou ali trabalhando por Melanie.

Por sua família. Por sua felicidade.

Pela felicidade daquele cara na minha frente.

Sem poder dizer mais nada e temendo ter ido longe demais, como naquela tarde, me levanto e vou para o quarto.

Quando coloco a cabeça sobre o travesseiro e tento acalmar meu coração confuso, volto a sussurrar para mim mesma que estou ali por Melanie. Por sua felicidade. Pela felicidade de sua família.

Quem sabe se eu repetir muitas vezes consiga me convencer.


Devo ter adormecido porque acordo com o barulho da porta se abrindo e, de repente, a silhueta de Connor surge contra a claridade tênue do corredor.

Por um momento, ele fica ali parado me fitando.

Eu me sento rapidamente, colocando o lençol em frente ao corpo, assustada, acendendo o abajur ao lado da cama.

— Connor?

Então ele fecha a porta atrás de si e vem em direção da cama.


Capítulo 16


— Connor, não deveria estar aqui — consigo achar a voz perdida em algum lugar do meu assombro, os dedos castigando o lençol que seguro como um escudo contra o corpo. Meu coração que havia falhado miseravelmente com a entrada de Connor no quarto, volta a bater num ritmo descompassado contra as costelas quando percebo que, ignorando totalmente minhas palavras, ele continua vindo na direção da cama. Em minha direção.

— Eu não deveria, Melanie? — ele indaga num tom rouco de exasperação e determinação que me assusta. Me fascina.

Deus do céu!

Mal consigo respirar quando ele finalmente se aproxima o suficiente para sentar na cama de frente para mim, tão perto, tão errado.

Sei que devo fugir. Levantar e correr. Não consigo me mover. Só fico ali, com minha respiração presa na garganta. Tremendo de medo. E de um anseio que vem tão forte, tão arrebatador que atropela qualquer senso de preservação que ainda exista em mim.

— Connor, por favor... — Ainda luto, consigo virar meu rosto, desprender meus olhos de sua figura que me atrai como um imã. Há um resquício de sobriedade em minha mente, que começa a entrar em colapso com a proximidade inebriante dele.

— Por favor, o que, Melanie? — Ele levanta a mão e toca meu rosto, me obrigando a fitá-lo. E o que vejo em seu olhar é um reflexo do meu. O mesmo anseio. O mesmo desejo. O que faz um arrepio de medo e antecipação me percorrer inteira. — Venho tentando ignorar este seu olhar. Este mesmo que está suplicando para mim agora, pedindo que eu fique, que eu te toque, como se realmente quisesse e precisasse disto.

— Não...

— Sim! — Sua outra mão está enquadrando meu rosto, me forçando a ficar quieta. — Você passa o tempo inteiro me seguindo com o olhar, deslumbrada, sem respirar... Me lembra quando éramos adolescentes, quando você me perseguia pela escola, olhava para mim com um olhar cheio de malícia, fazendo caras e bocas, jogando o cabelo, querendo ser sexy, mas não, é diferente agora.

De repente sua voz suaviza e suas mãos escorregam por meus cabelos, seguem por meus ombros. Fecho os olhos, incapaz de segurar um suspiro. Quando ele volta a falar, sua voz está dentro do meu ouvido.

— Desde que voltou existe algo diferente em você... — Seus lábios tocam a pele atrás da minha orelha, suas mãos estão em minha cintura e deslizando. — Eu estava conformado, acreditando que não havia mais desejo entre nós... — Oh, Deus, seus lábios deslizam por meu rosto, com pequenos beijos que são suaves como plumas. Suas mãos em mim são como brasa, queimando por onde passam. — Eu só pedi que ficasse por causa das crianças... — Arquejo, quando seus lábios tocam meu queixo, descendo por meu pescoço. — Então você voltou e me olha de um jeito que nunca olhou antes. Algo em você... — Suas mãos sobem para retirar alguns fios de cabelo do meu rosto e abro os olhos enevoados para vê-lo me encarando. — Algo em seu olhar... — Seus dedos tocam meus lábios que se entreabrem. — Ainda é você, mas está tão diferente. Está me deixando louco.

Então seus lábios estão nos meus e nós dois suspiramos juntos. Eu estou em outra dimensão. Estou num lugar no mundo em que só existe este homem e o que ele me faz sentir. Sua língua acariciando a minha, como se tivesse esperado a vida inteira para conhecê-la. Seu coração batendo no mesmo ritmo que o meu. Voraz. Errante. Alucinado.

Rendo-me, gemendo contra sua boca, beijando-o de volta, com vontade, com todo o anseio que vinha guardando no lugar mais fundo e secreto do meu ser. Meus braços sobem como se tivessem vida própria para cingir seus ombros fortes, meus dedos adorando sentir sua pele nua, perfeita. Eu me perco em seus beijos molhados, possessivos, doces. Gemendo, suspirando e o atraindo para mim, querendo tudo, querendo muito. Perdendo-me um pouco mais naquela perfeição e, sem que me desse conta, ele está me empurrando na cama, seu corpo se esticando ao lado do meu, o lençol desapareceu. Nossos corpos se movendo na mesma direção, para nos encaixar melhor, para sentir melhor. Sua boca desgruda da minha, permanecendo em meu rosto, a mão se infiltra em meus cabelos e eu o respiro. Minhas narinas atraídas por seu cheiro único, masculino. Constato, com uma pequena parte do meu cérebro que ainda está atenta, que ele também está me cheirando, seu nariz deslizando por minha clavícula.

— Até seu cheiro está diferente. — Seu nariz sobe para minha garganta, ao mesmo tempo em que move uma mão para meu seio e eu me derreto num gemido. — Seus gemidos... é diferente... — E sem aviso, ele se move em cima de mim, minhas pernas se abrem para ele se imiscuir no meio delas, sua ereção roçando em mim, exigindo, como se ali fosse seu lugar. Sua casa. Seu refúgio. Devastando o resto do meu autocontrole. — Seu gosto... — Ele beija meus lábios de novo, encarando-me com uma fome no olhar que me tira o fôlego. — É diferente.

E, de repente seu olhar muda. E onde antes havia só desejo, agora há aquela velha desconfiança.

— Por que, Melanie... Por que está fazendo isto comigo? Quando eu achava que não tinha nada, a não ser cinzas. Quando eu achava que não me importava mais. Quando já tinha cansado de esperar por você... — Meus olhos se enchem de lágrimas e meu peito se aperta tanto que eu acho que vai explodir. — Cansado de esperar por aquilo que venho almejando desde o dia em que nos casamos e jurei que ia tentar, pela nossa filha... Tenho esperado que você olhe para mim, como está olhando hoje... Esperando que finalmente eu me apaixone por você por dez malditos anos... Por que agora?

Fecho os olhos, engolindo o nó que ameaça romper em minha garganta, assim, como a verdade que quer irromper pela minha boca.

Eu não posso!

— Não posso, Connor! — O empurro finalmente.

E ele se afasta sem resistir. Ele já havia caído na real, esta era a verdade.

No fundo, embora aquele desejo estivesse queimando entre nós, ele ainda tinha medo da velha Melanie. Dos velhos ressentimentos.

Do sofrimento que o acompanhou por dez anos.

Eu me encolho na cama, quando ele se vai, levando todo o calor. Sai do quarto, fechando a porta atrás de si sem olhar para trás, deixando-me com minhas lágrimas e minha culpa.

Que porra eu tinha feito?

Eu estava ali somente como uma substituta. Esperando a verdadeira Melanie retornar. Eu devia apenas representar um papel. Não deveria entrar nele como se fosse meu por direito.

Eu não tinha nenhum direito.

Melanie era a verdadeira esposa do Connor, a mulher que deveria estar aqui, consertando as merdas que tinha feito em seu casamento. Em vez disto, ela estava vivendo outra vida. Uma vida que também não era dela, mas que ela ansiava demais. Assim como eu ansiei por tudo aquilo que estava vivendo. Ter uma casa com filhos. E um marido como Connor.

Era tudo um sonho.

Que estava se transformando em pesadelo.


***


Na manhã seguinte, estou tomada pelo medo e a incerteza.

A verdade era que eu ergui um castelo de confiança cujo alicerce era feito de pura ilusão quando as crianças começaram a me aceitar e as desconfianças de Connor começaram a se dissipar.

E pior, comecei a construir um jardim de esperança, repleto dos meus sonhos mais secretos, como se realmente tivesse direito a eles. Agora eu via a realidade sem o manto que havia criado para escondê-la de mim mesma, porque sabia o quão errado era. Eu dizia a mim mesma o tempo inteiro que estava fazendo pelo futuro de Melanie, quando no fundo, estava construindo uma armadilha para mim mesma. Usando a família de Melanie para realizar meus próprios sonhos. Me apaixonando por um homem que era o homem dos meus sonhos.

E que pertencia a outra mulher. Minha própria irmã.

E agora como escapar daquela armadilha? Eu estava perdida.

Contar a verdade a Connor? Eu não conseguia sequer imaginar o quanto iria dilacerá-lo. Sem contar as crianças.

Exigir o retorno de Melanie?

Era o mais correto a fazer. Precisava ir embora dali. Deixar que Melanie resolvesse seus próprios problemas, sem contaminar ainda mais meu coração e minha sanidade.

Enquanto estou na cozinha mais tarde, servindo o café da manhã para seus filhos, que estão tão felizes, tão esperançosos de um futuro melhor, me pergunto como poderei deixá-los para trás?

Que garantias eu tinha de que Melanie iria mudar?

Quando Connor aparece, depois de sua corrida, desvio o olhar, me ocupando em amamentar Anthony, com o coração mais apertado do que nunca e me fazendo a pergunta mais difícil de todas.

Como deixá-lo para trás também?

— Bom dia, Melanie — Connor diz, depois de abraçar as duas meninas e vir em minha direção. Levanto o olhar indecisa sobre o que fazer e sem saber como ele agiria esta manhã.

— Bom dia.

Ele está sério, circunspecto, estende os braços para pegar Anthony e eu deixo que ele se vá. Suas mãos roçam em mim no processo me causando arrepios, fazendo toda gama de lembranças quentes e proibidas da noite passada retornar à minha mente e, quando nossos olhares se encontram por um ínfimo segundo, sei que elas estão frescas na memória de Connor também. E isto não ajuda em nada. Na verdade, piora mais ainda.

— O que vai fazer hoje, mamãe? — Olívia pergunta e é o que eu precisava para me distrair do tormento que era querer Connor e não poder ter.

— Vou ao cabeleireiro, vamos comigo?

— Sério? — Ela parece animada e eu sorrio.

— Claro. Podemos passar o dia juntas!

— E eu? — Mandy choraminga e Connor a consola.

— Você vai ficar na oficina com o papai, Mandy.

— Está bem...

As crianças se afastam para se arrumar e o encaro, ainda sem graça depois de tudo.

— Você leva o Anthony para ficar com a sua mãe?

— Claro.

— Obrigada.

E nós ficamos nos olhando, um de cada lado da cozinha, a tensão poderia ser cortada com uma faca. Mas não é a mesma tensão que existia entre nós quando cheguei e Connor estava tomado de raiva e rancor.

Era muito mais perigosa e sufocante. Cheia de lembranças daquilo que queríamos. E não podíamos. Não devíamos.

— Papai, me ajuda? — A voz de Mandy quebra nossa conversa silenciosa e ele se afasta.

Eu me encosto na pia fechando os olhos e respirando rapidamente.

Como iríamos conviver com aquela tensão sexual que ameaçava nos devorar a todo instante?

Eu temia a resposta.


***


Naquela tarde, depois de passar o dia no salão com Olívia, que parecia muito feliz com suas pequenas unhas pintadas no mesmo tom que as minhas, acabo aceitando o convite de Lilian para tomar um café.

Infelizmente Addison, que também estava por lá e não se cansava de tagarelar sobre seu casamento iminente, se convidou para ir junto e como eu poderia recusar, já que para todos os efeitos ela era minha melhor amiga? Seguimos as quatro para um charmoso café no centro da cidade e, quando Addison sai para ir ao banheiro com Olívia, Lilian me fita curiosa.

— E então, como está tudo na sua casa?

Eu mordo os lábios com vontade de contar tudo a ela, sobre a minha última crise com Connor pelo menos. Será que ela entenderia? Talvez ela achasse que eu devia ter feito as pazes com o Connor fazendo sexo selvagem de reconciliação e que estaria tudo certo. Ela não fazia ideia das reais implicações.

— Melhoraram por um lado — digo com cuidado.

— O lado que melhorou foi com a Olívia, posso ver.

Esboço um sorriso.

— Sim, ela finalmente me perdoou e estamos bem.

— Fico muito feliz. Adam me disse que conversaram ou algo assim — joga curiosa.

— Não sei se foi bem uma conversa, soou mais como ameaça.

— Tem que perdoar meu querido marido, Melanie. Ele é muito protetor em relação ao Connor.

— Eu entendi esta parte.

— Eu disse a ele que você tinha mudado.

— E ele acreditou?

Ela toma um gole de seu café.

— Vai acabar acreditando, assim como todos. Inclusive Connor. — Ela pisca.

De repente, minha atenção é levada até a porta do café, onde uma garota loira muito bonita acabou de entrar de braços dados com um cara moreno, usando uma jaqueta de motoqueiro.

O homem olha em minha direção e sorri lentamente. E até pisca.

O quê?

Aquele cara estava flertando comigo mesmo estando com uma garota?

Eu viro a cara, irritada. Que idiota!

— O que foi? – Lilian olha na mesma direção e então ri.

— Ah, o Zane.

Hum, eu devia conhecer?

— Parece que Maria está irritada com alguma coisa — Lilian comenta e olho para eles de novo. A garota está discutindo com o namorado.

Bem feito!

Os dois saem do café, ainda debatendo, na mesma hora que Addison e Olívia retornam.

Addison acena para o casal que saiu e vem em nossa direção.

— E aí, aconteceu algo interessante por aqui?

— Mamãe, quero um sorvete.

— Acho que aqui não tem sorvete, querida.

Lilian se levanta.

— Vou levá-la até a sorveteria do outro lado da rua, que tal, Olívia? Nós já voltamos.

As duas se afastam e Addison me encara animada.

— Eu vi Maria brigando com o Zane, o que aconteceu?

— O quê? Eu lá sei!

— Pelo amor de Deus, Mel, não vá dizer que está dando em cima do Zane novamente? Ele está noivo agora!

O quê?

Perco o ar. Do que Addison estava falando?

— Por que merda eu daria em cima dele?

— Ok, não se irrite, estava só checando! Você disse que o caso de vocês tinha terminado, mas vai saber né?

Arregalo os olhos com as últimas palavras de Addison.

Melanie tinha um caso com este tal de Zane?


Capítulo 17


— Eu não tenho um caso com este cara! — Minha primeira reação é negar veementemente, mesmo com Addison afirmando o contrário.

— Que reação é essa? Esqueceu que me contou? Que me conta tudo? Vai ter a cara de pau de negar? Eu hein! Está com amnésia? Lembro como se fosse hoje você me contando que o Zane ficava rondando e dando em cima de você descaradamente. Eu até disse que você seria louca se caísse na dele, mesmo sabendo que você e o Connor estavam sempre brigando. Você me garantiu que não queria nada com o Zane, que não seria louca de se envolver com outro cara que nunca iria sair de Lakewood para continuar na mesma merda de sempre. Aí um dia você disse que acabou rolando, que estava entediada e que foi só uma brincadeira. Só que Zane queria muito mais então você terminou tudo, porque trocar Connor por Zane seria a mesma coisa, continuaria enfurnada nesta cidade! E quando engravidou até pensou que podia ser do Zane!

— Claro que não! — Estou lívida com todas aquelas revelações de Addison. — Anthony não é filho do Zane!

— Para sua sorte. — Ela ri. — Ele nasceu a cara do Connor, bem que você ficou bastante temerosa que fosse diferente. Então, só para te lembrar, nem adianta querer dar uma de santa comigo, amiga.

Mal consigo respirar, minha mente dando voltas.

Então Melanie tinha realmente traído Connor com aquele cara? Por isto que ele piscou para mim descaradamente? Sinto meu estômago revirar.

— Ei, por que esta cara? — Addison me estuda, franzindo o cenho. — O que aconteceu quando Zane entrou? Acho que a noiva dele sabe, ela parece te odiar.

— Ele piscou para mim, ficou flertando — digo horrorizada.

— Ah, Zane é muito descarado! Ele é a fim de você faz tempo, você nunca deu bola para ele, aí casou com o Connor. Acho que depois que ficaram juntos, ele pensou que você podia largar o Connor por ele, sei lá.

— Eu não faria isso — afirmo, enquanto na minha mente repito “Melanie não faria isto”. Como ela poderia trocar Connor por aquele cara? Como ela pode sequer ter pensado nesta possibilidade?

— Eu sei que não! Até parece que ia largar o Connor por um cara pé rapado feito o Zane! Fez certo em pôr um ponto final no que aconteceu. Espero que Zane crie juízo e não comece a correr atrás de você de novo, afinal, ele está noivo.

— Mais alguém sabe?

— Como assim? Como vou saber? Se está insinuando que contei para alguém, vou ficar ofendida, sabe que sempre guardei todos os seus segredos. E até perdoei você por ter transado com o Harry, afinal, eram adolescentes e eu e Harry não tínhamos nada ainda.

Não consigo mais prestar atenção, só pensar que Melanie tinha feito mais burrada do que eu podia imaginar. Eu arranjei uma desculpa para todos os seus deslizes, mas aquele... Aquele não tinha perdão.

— Preciso ir! — Levanto, deixando algumas notas na mesa.

— Por quê? Lilian e Olívia nem voltaram...

Não respondo, saio do café, desnorteada, me perguntando onde estariam Lilian e Olívia, só querendo ir para casa, ligar para Melanie e confrontá-la. Então sinto mãos fortes segurando meu braço e me puxando. Assustada, levanto o olhar e vejo Zane sorrindo para mim e, sem que eu consiga detê-lo, passa os braços por meu corpo e me beija.

Consigo virar o rosto, aterrorizada.

— Solte-me! — O empurro com toda força que consigo reunir e, para meu alívio, ele me solta, apesar de ficar rindo para mim.

— Adoro quando fica irritada!

Ofego, chocada, olhando em volta, preocupada que alguém tenha visto aquela cena, mas Zane havia me puxado para um beco ao lado do café.

— Ficou maluco?

Ele dá de ombros, ainda sorrindo.

— Sou maluco por você, Mely, sabe disso...

— Nunca mais se aproxime de mim, entendeu? — Estremeço de nojo e medo.

— Tem certeza? Você dizia a mesma coisa antes, então um dia cedeu... Talvez eu devesse insistir de novo...

— Nunca mais! Nem tente, porque não vai rolar!

— Você voltou mais bonita, esta viagem fez bem a você... Achei até que tinha ido embora de vez, já que vivia se lamentando que era infeliz com seu marido.

— Cala sua boca, não sabe nada sobre mim!

— Sabia um bocado...

— Pois esqueça! Não sou mais a mesma pessoa! E você é noivo, não tem vergonha?

— E você que é casada! — Ele ri e me enfureço.

— Eu nem deveria estar falando com você. — Corro para fora do beco, só parando quando estou bem longe.

Por um momento, fecho os olhos, tentando me acalmar. Então volto para a rua do café para encontrar Lilian e Olívia, mas não as encontro nem no café, nem na sorveteria, assim como Addison.

Olho meu celular e há um recado preocupado de Lilian.

“Onde você está? Não a encontramos no café, Addison disse que você saiu muito esquisita. Tudo bem? Vou levar Olívia para a casa da Helen, ok?”

— Droga! — Digito rapidamente uma desculpa para Lilian, dizendo ter ido ver algo em uma loja e que nos desencontramos. Entro no carro, indo para casa.

Sei que deveria ir buscar Olívia, mas como ela está segura na casa da avó decido aproveitar para ir para casa sozinha e tentar ligar para Melanie.

Estou tremendo quando finalmente me tranco no quarto e ligo para ela, que atende depois de alguns toques.

— Ei, irmã, que saudade! — Sua voz é animada e confiante. Fecho os olhos, respirando fundo para não explodir.

— Como pôde trair o Connor, Melanie?

— O quê?

— Não se faça de desentendida! Você sabe muito bem do que estou falando, ou preciso refrescar sua memória citando um tal de Zane?

— Oh – Melanie fica em silêncio do outro lado da linha. Deus, sua confissão nem precisava ser dita em voz alta.

— Que merda, Melanie! Como pode ter feito isto? Meu Deus! — explodo.

— Calma, não precisa gritar, por favor, eu... devia ter de contado.

— Devia? Devia? Não devia ter feito, isto sim! Eu tento achar desculpas para tudo de horrível que você fez! Tento entender que foi jogada jovem e imatura demais num casamento que não queria, que não estava preparada para ser mãe e não soube como fazer para mudar tudo. Juro que tentei entender e até te perdoar, mesmo depois de ver a forma relaxada com que tratava sua família, seus amigos. Todos tinham algo de horrível para dizer sobre você e seu comportamento. Mesmo assim, tentei entender. E perdoei. E mais, estou fazendo de tudo para mudar a sua reputação. Para consertar a vida de todas as pessoas que você destruiu com seu egoísmo e imaturidade, mas isso, Melanie? Não sei nem como tentar entender...

— Oh, Deus, Mel, me perdoa! — Melanie está chorando do outro lado da linha e percebo que também estou.

— Não é a mim que deve pedir perdão!

— Eu sei — ela diz baixinho. — Eu devia ter contado... fiquei com vergonha.

— Vergonha? Nem sei se acredito em você. Se tem algum sentimento de remorso em você...

— Eu nunca quis trair o Connor. Aconteceu...

— Esse tipo de coisa não acontece simplesmente.

— Eu me arrependi. Juro. Sei que não acredita, terminei tudo quando percebi que estava indo longe demais.

— Não devia nem ter começado.

— Eu sei! O Zane sempre deu em cima de mim quando éramos jovens, nunca quis nada com ele, então casei. Mas ele continuou me rondando de tempos em tempos...

— Você deveria ter resistido.

— Eu resisti! Mas... Ah, Mel, eu era tão infeliz. Sabe há quanto tempo não tinha um homem me olhando do jeito que o Zane me olhava? Me elogiando, me cortejando... Eu nem me lembrava mais como era.

— Você tinha o Connor.

— Connor não estava nem aí para mim! Vivia o tempo inteiro irritado, decepcionado ou me ignorando. Quando a gente transava, já não havia a menor graça, era quase que uma obrigação, sabe? Não havia paixão, ou envolvimento.

— Meu Deus, Melanie, você se apaixonou por aquele Zane?

— Não! Eu fiquei... empolgada. De repente era como se eu fosse adolescente outra vez, vivendo toda aquela emoção e paixão. E me deixei levar, apesar de saber que era errado.

— Não pensou no Connor? Que ele poderia descobrir?

— Acho que ele nem ia se importar, na verdade — ela diz com amargor. — Como foi que você descobriu? Meu Deus, o Connor descobriu também?

— Não. Addison me falou sobre isso hoje, porque o tal Zane apareceu no café que estávamos e ficou flertando.

— Ele está noivo, achei que tivesse superado.

— Pois não superou. Ele estava acompanhado da noiva e sendo descarado comigo. Até me cercou em um beco e tentou me beijar.

— Que merda! Zane é muito sem noção.

— Fiquei morrendo de medo.

— Ah, sinto muito, Mel... Nunca pensei que o Zane fosse criar problema.

— Addison disse que você até achou que Anthony fosse filho dele.

— Graças a Deus estava errada. Na verdade, nem sabia de quem Anthony podia ser, porém ele nasceu a cara do Connor.

— Minha nossa, como você pode conviver com isso? E se o menino fosse do Zane? Como iria ser?

— Não sei.

— Ah, Melanie — suspiro pesadamente —, como pode querer consertar as coisas agindo deste jeito?

— Não sei se tem conserto, Mel — sussurra.

— O que está querendo dizer? Estou aqui por você, para que você volte e conserte tudo, você tem que consertar! É a sua família, seus filhos e seu marido.

— Mel, preciso desligar.

— O quê? Não.

— Estou no aeroporto, Charlote está me chamando. Estamos indo para a Europa.

— Melanie, não desligue.

— A gente se fala depois. Seja forte. Prometo que tudo vai dar certo.

Ela desliga, deixando-me sozinha na linha.


***


Não sei quanto tempo passo ali, estática, meus pensamentos dando voltas, sem saber o que fazer ou o que sentir.

Até que escuto a porta da casa se abrindo e me dou conta de que já está escuro lá fora. Levanto-me de um átimo abrindo a porta, e Connor está entrando com as crianças.

— Oi... Eu nem me dei conta do passar as horas — balbucio, e Connor me encara com ironia.

— Não seria a primeira vez.

Oh, inferno!

Olho pra Olívia notando que ela estava amuada e sem olhar para mim.

— Querida, me desculpe ter me desencontrado de você e Lilian hoje à tarde.

Ela dá de ombros.

— Tudo bem. — Passa por mim, arrastando os pés e me sinto péssima. Sigo-a até o quarto.

— Ei, não fique chateada, prometo que não vai acontecer novamente, apenas fui ver uma loja e...

— Tudo bem, mãe — ela me corta, começando a se trocar para dormir.

Sinto meu peito apertado porque sei que para Olívia não está tudo bem.

— Que tal assistirmos um filme? Eu e você? — Arrisco um sorriso. — Faço até pipoca!

Ela dá de ombros, parecendo ainda chateada.

Eu me aproximo e a puxo pelo braço.

— Venha, você pode escolher o filme.

Deixo Olívia na cozinha e vou para o quarto de Mandy e Anthony. Connor está preparando o menino para dormir e Mandy já está na cama, sonolenta.

Eu me aproximo, beijo seus cabelos, ajeitando a coberta e olho para Connor.

— Olívia ficou chateada comigo, juro que não tive a intenção.

Ele coloca Anthony no berço e me encara.

— Nunca é sua intenção.

— Ah, Connor, sério que vamos voltar a isso? Foi só um acaso hoje — minto. Se ele soubesse o que realmente aconteceu... Melhor nem pensar.

— Você parece não se lembrar da quantidade de vezes que “acasos” te desviaram do seu caminho, fazendo-a perder a hora para compromissos comigo, ou com Olívia... Pensei que não fosse mais agir desse jeito.

— E não vou. Juro — murmuro, querendo desesperadamente que ele acreditasse em mim.

— Você está abatida — ele comenta de repente, estudando meu semblante e quase dou um pulo quando seus dedos tocam meu rosto. — Esteve chorando?

— Não, eu... — Suspiro. — Não foi nada.

Ele tira sua mão do meu rosto. Quero colocá-la lá de novo.

— Foi por causa do que aconteceu ontem? — ele pergunta, os olhos intensos presos nos meus. Ofego.

— Nada aconteceu...

— Fiquei o dia inteiro pensando e me perguntando se não deveria ter acontecido.

Oh, Deus. Sua voz adquire um tom baixo, profundo. Carente.

— Não devia.

— Você já foi melhor mentirosa.

Ele sai do quarto, deixando-me ali, respirando parcamente e com meu pulso acelerado.

O que foi aquilo? Connor disse num tom que dava a entender que só dependia de mim para algo acontecer, ou eu entendi errado?

Ainda atordoada volto para a sala e Olívia está no sofá, com Connor sentado ao seu lado.

— Papai vai assistir ao filme com a gente! — Olívia diz toda animada.

Olho para Connor e ele me encara de volta, em desafio.

Ah merda, que jogo era aquele?

— Vou fazer pipoca.

— Deixe que eu faço! — Connor se levanta, afastando-se para a cozinha e consigo respirar um pouco aliviada.

Sento ao lado de Olívia que coloca o filme. Meu alívio dura pouco, pois Connor volta para a sala e senta do meu lado, passando a tigela de pipoca para Olívia.

Ele precisava sentar tão perto? Tento não sentir aquele cheiro único de cedro e homem que vinha dele, intoxicando meus sentidos. Então, de repente, sinto sua mão que estava no encosto do sofá, roçando meu braço.

Ah, já era demais.

Eu me levanto de um pulo.

— Preciso ir dormir.

— O quê? O filme começou agora — Olívia reclama.

Nem ouso olhar para Connor.

— Desculpe, querida, estou com dor de cabeça. Amanhã eu assisto, ok?

Saio praticamente correndo em direção ao meu quarto.

Quando fecho os olhos para dormir me pergunto se Connor teria coragem de aparecer de novo.

Mal posso pregar os olhos só de imaginar...

Sentimentos de repúdio e anseio se digladiando dentro de mim.

Quando acordo na manhã seguinte, percebo que meus medos foram infundados. Será que ele desistiu daquele jogo de gato e rato?

Eu deveria sentir alívio, no entanto só sinto decepção.

Quão ferrada eu estava?


Capítulo 18


— Hoje nós vamos almoçar na casa do Sam — Connor comunica assim que falo para Olívia e Mandy que devem sair de frente da TV, onde se instalaram depois do café da manhã, para se arrumarem para irmos à casa de Helen.

Eu o encaro, aturdida.

Era a primeira vez que ele falava comigo nessa manhã. Quando acordei, ele não estava em casa e me perguntei se tinha ido correr ou ao mercado, como fez no domingo anterior. Assim, tomei café com as crianças ficamos assistindo desenho. Também queria me redimir com Olívia que ficou visivelmente chateada por eu ter ido dormir ontem, cancelando nossa sessão de filme.

Olívia não estava facilitando. Ela me deu um apagado bom dia quando acordou e estava calada desde então. Tive vontade de insistir, mas sabia que precisava lhe dar espaço. Afinal, desta vez ela tinha razão de ter se chateado comigo.

— Por quê? — questiono.

— Meus pais têm um almoço do hospital. E Sam nos convidou.

Tenho vontade de dizer que podemos muito bem almoçar em casa, será que Connor irá concordar? Só de pensar em ir à casa de Natalie já me dava embrulho no estômago.

— Algum problema? –— ele insiste, estudando-me e sacudo a cabeça negativamente.

— Não, tudo bem. Vou ver se Mandy já se arrumou.

Quando entramos no carro para seguir para a casa de Sam e Natalie estou ligeiramente apreensiva.

Connor parece ter adotado uma distância segura de mim e me pergunto o que se passa em sua mente. Depois do que aconteceu ontem, não sei o que pensar. Devia me sentir feliz por ele se manter afastado, porém me pego a toda hora querendo que me dê atenção. Agora mesmo, enquanto dirige, o olho de esguelha, observando seu perfil bonito, suas mãos firmes no volante e tenho que fechar minha mão em punho para não a erguer e tocar em seus cabelos, arrumando as mechas rebeldes. De repente ele se vira e me pega em flagrante, coro instantaneamente, virando o rosto para a rua.

Quando chegamos, as meninas saltam na frente, correndo, e eu me apresso em pegar Anthony para manter minhas mãos ocupadas. Quem sabe assim evito fazer bobagem. No entanto, entrando com Connor porta adentro, me questiono se ele teria segurado minha mão como fez na casa dos Carter.

— E aí, família — Sam aparece nos cumprimentando.

— Oi. — Connor passa por ele e vejo que Lilian e Adam também estão por ali. Lilian acena e sorrio aliviada por ver um rosto amigo.

— E aí, Mel. — Sam pisca para mim. — Deixe-me segurar este rapaz. — Deixo que ele leve Anthony quando estende os braços e, ao vê-lo brincar com o bebê, sinto certa pena ao imaginar que Sam nunca terá seus próprios filhos. Como será que ele se sente sobre isto?

De repente me sinto observada e, ao me virar, Natalie está nos encarando com o semblante fechado.

— Oi, Natalie — a cumprimento, fazendo um esforço para soar agradável.

— Oi, já conhece a Camila, não é? — Só então eu reparo na moça ruiva atrás de Natalie que está segurando uma bebida.

Ah, que ótimo. Era o que faltava.

— Oi, Camila. — Apresso-me a sentar ao lado de Lilian, para evitar que Camila comece algum ataque. Aposto que Natalie ia adorar.

— O que aconteceu ontem? — ela cochicha para mim.

Adam e Connor estão conversando na varanda.

— Nada, apenas me perdi de vocês — desconverso e sei, pelo olhar de Lilian, que ela não está acreditando nem um pouco.

— O almoço está servido — Natalie nos chama e me encaminho para a mesa.

Obviamente, Natalie já está com Anthony no colo e, desta vez, não me oponho porque não quero começar uma discussão. Vamos tentar manter a paz, penso. Eu me ocupo em ajudar Mandy, quando me viro para Olívia e pergunto se está tudo bem, ela apenas resmunga, sem me olhar. Fico abalada e quando levanto o olhar vejo Natalie me observando com cara feia.

Que droga! Agora ela vai pensar que eu estava maltratando Olívia outra vez.

— Quando vai voltar a Seattle, Camila? — Lilian pergunta e eu volto a atenção à conversa.

— Não tenho previsão.

— Não tem um trabalho para voltar? — ouso perguntar, e ela me encara com desdém.

— Saí do meu emprego quando me separei.

— Acha que foi uma boa ideia? Talvez devesse ter continuado no seu trabalho, seria uma distração e até mesmo um meio de se manter independente.

— Sério que está tentando me dar conselhos? Você?

Natalie dá uma risadinha ante o sarcasmo de Camila e respiro fundo para não as mandar à merda.

— Bem, então talvez aceite o meu — Lilian diz. — Eu aconselharia a mesma coisa.

Natalie se intromete.

— Sam disse que gostam muito da presença da Camila na oficina. Talvez ela deva ficar e ser assistente deles para sempre.

Ah, fala sério.

— Uma profissional como a Camila estaria sendo desperdiçada aqui — desta vez é Adam quem fala. Bem, pelo menos ele é sensato.

— E você, Connor, acha que a Camila deve ficar ou ir embora? — Natalie pergunta.

Eu fico atenta a sua resposta.

— Camila deve fazer o que achar melhor, não cabe a mim dizer o que deve fazer ou não.

— Você gosta da presença dela na oficina, não gosta?

— Natalie... — Sam lança um olhar de censura à esposa. — Como o Connor falou, Camila deve fazer o que achar melhor. Sim, ela nos ajuda bastante na oficina, mas todos sabemos que sua presença aqui é temporária.

— Se a Camila for embora, vão sentir falta de alguém ajudando vocês nas questões burocráticas, acho que ela agregou muito e...

—– Eu posso ajudar — falo sem pensar, e todos se voltam para mim, deixando-me vermelha. — Quer dizer, por que não?

— Por que você tem filhos para cuidar? — Natalie ironiza.

— Talvez eu queira fazer algo mais da minha vida além de ficar em casa cuidando dos filhos — rebato.

— Foi por isso que foi embora largando-os para trás?

— Basta, Natalie! — Connor pede, irritado. E Sam cutuca Natalie, apontando para a presença de Olívia e Mandy na mesa.

E só então eu olho para as crianças. Mandy brinca com seu macarrão sem dar atenção à conversa dos adultos, enquanto Olívia está amuada.

Tenho vontade de pular no pescoço de Natalie naquele momento.

— E aí, quem quer sobremesa? — Sam corta o silêncio tenso.

— Não quer me ajudar, Olívia? — Natalie pergunta, passando Anthony para o colo de Sam. — Fiz seu bolo preferido. De chocolate.

Olívia acompanha a tia à cozinha e me ocupo em fazer Mandy comer o resto da comida com a qual ela ainda brinca no prato.

— Natalie precisa parar de falar merda na frente das crianças — Connor diz irritado para Sam, que dá de ombros.

— Foi mal. Sabe como ela é. Me desculpe, Mel.

— Por que a chama de Mel? — Connor pergunta.

— Ela me deu permissão, mano. — Sam ri, e Connor me fita intrigado.

— Sim, eu dei. E dei inclusive a você também.

— Sempre odiou esse apelido.

— Não me importo mais.

— Não quero mais, mamãe — Mandy reclama.

— Tudo bem, querida, não precisa comer.

Natalie volta da cozinha com o bolo e nada mais é dito sobre mim, felizmente. Mas o estrago estava feito. Olívia está mais chateada comigo do que antes.

— Podemos ir embora? — pergunto a Connor quando o almoço termina e todos vão para sala.

— Acho que também já vamos — Lilian diz, e tenho certeza de que é em meu apoio. Se eu continuar naquela casa mais discussão poderá surgir.

Connor parece ponderar, então acho que entende o pedido mudo em meu olhar preocupado.

—Tudo bem, vamos para casa.

Respiro aliviada, pegando Anthony do colo de Sam.

— Quero ficar com a tia Natalie — Olívia comunica.

Natalie sorri triunfante, beijando os cabelos da menina.

— Pode ficar meu amor.

Sinto vontade de dizer “não vai não”, mas do que iria adiantar. Era a vontade de Olívia.

— E você Mandy, quer ficar com a titia? — Natalie pergunta, Mandy se enrosca nas minhas pernas.

— Eu quero ir com a minha mãe.

Bem, pelo menos Mandy era do meu time ainda.

Connor a pega no colo e nos despedimos com Sam, garantindo que levará Olívia mais tarde.

Nós entramos no carro e Mandy adormece quase imediatamente, eu encaro Connor.

— Natalie não perde oportunidade de me provocar.

— Você gostava de provocá-la também.

— Eu não faço mais, só que ela não facilita! E convidar a Camila? Foi para me irritar.

— Camila é praticamente da família, nem tudo gira em torno de você, Melanie.

— Acredita mesmo que foi um convite inocente? Você não percebeu os ataques no almoço? Não se faça de bobo, Connor, você sabe muito bem o que estava rolando.

Ele para o carro em frente a casa e me encara.

— E o que estava rolando, Melanie?

— Elas queriam me deixar com ciúme!

— E conseguiram?

Ele me encara intensamente, esperando minha resposta. Sinto a temperatura no carro aumentar.

—– Você sabe a resposta. — Saio do carro e pego Anthony na cadeirinha, sem olhar para Connor, que se ocupa em pegar Mandy.

Nós colocamos as crianças adormecidas no quarto e me pergunto o que vai acontecer agora.

O que eu e Connor poderíamos fazer sozinhos em casa.

— Eu vou trabalhar — ele comunica.

— O quê? Hoje é domingo!

— Tenho muito trabalho e não posso atrasar encomendas, o dinheiro nos faria falta.

— Você... Nunca pensou em fazer outra coisa? — pergunto com cuidado, recordando de Melanie ter dito que ele havia desistido da faculdade para ficar em Lakewood depois que ela engravidou.

— O que quer dizer?

— Você sonhava em ir para a faculdade.

Ele sorri amargamente.

— Você sabe muito bem porque tive que desistir.

— Você me culpa. — Não é uma pergunta.

— Você não engravidou sozinha — ele rebate. — E desistiu dos seus sonhos também, não é?

— Você sabia deles?

— Como não saber se você joga na minha cara a cada briga que temos? Acha que não sei o quanto odeia Lakewood? O quanto odeia nossa vida?

— Eu não odeio, eu... — paro, sem saber o que dizer. Connor não está dizendo mentiras. Melanie realmente odeia sua vida.

— Nós dois não temos a vida que almejamos um dia, Melanie. Mas precisamos tentar fazer o melhor com o que temos, não só por nós, pelos nossos filhos também.

— É o que o motiva, não é? Sua responsabilidade com as crianças, por isto se esforça para ficar comigo, para que eu fique aqui.

— Aparentemente não faço o bastante, não é?

— Você acha que faz o bastante? — pergunto, lembrando de Melanie dizendo que Connor não a notava, que não se importava com ela.

— Nunca quis que você fosse infeliz — ele diz por fim. — Só que nunca soube o que fazer para te deixar feliz.

— Talvez você não tenha nem tentado.

— E você? Em algum momento realmente tentou, Melanie?

— Acho que não — afirmo por fim.

— E agora? O que está acontecendo agora?

— O que você acha? — pergunto num fio de voz.

— Eu não sei. — Ele respira fundo, desviando o olhar atormentado, passando os dedos pelos cabelos, frustrado.

Tenho a impressão de que gostaria de dizer tanta coisa, mas tem medo.

Medo de acreditar.

— Você falou sério lá na casa da Natalie, que não gostaria de fazer algo além de ficar em casa e cuidar das crianças?

— Por que não? — arrisco.

Se Melanie não era feliz, podia chegar a um acordo com Connor. Talvez se arranjasse um trabalho fosse melhor para ela.

— Você nunca manifestou nenhuma vontade de trabalhar antes, Melanie.

— Eu tinha crianças para cuidar. — Não sei se foi este o motivo de Melanie, mas era bem plausível.

— Acho que a gente nunca conversou de verdade, não é? Sobre estes assuntos?

— A gente nunca conversou sobre um monte de coisa. Talvez devêssemos conversar mais. — Arrisco um sorriso.

E ganho meu dia quando Connor sorri de volta.

— Talvez.

E ele se afasta fechando a porta atrás de si.

Enquanto continuo sorrindo.

Minha felicidade se desfaz totalmente à noite quando Olívia chega.

Escuto o barulho de um carro estacionando, saio na varanda e Olívia pula do carro de Sam, despedindo-se animada.

Quando me vê, sua expressão muda completamente.

Tento manter meu sorriso, quando ela se aproxima.

— Oi, querida como foi sua tarde?

— Por que quer saber? Você não se importa.

Eu me encolho com o ataque.

— Olívia, não é verdade.

— Você não mudou nada. E eu acreditei em você! Mas continua a mesma. Preferia que a tia Natalie fosse minha mãe, ela não promete coisas e depois não cumpre. — Ela começa a chorar. — Queria que nem tivesse voltado. — Sai correndo, batendo a porta de casa atrás de si.

Um soluço corta meu peito e não aguento a dor de saber o quanto aquela menina está magoada. E nem é mais com Melanie, é comigo. É demais para mim, começo a chorar, sentindo-me horrível.

— Melanie? — Abro os olhos e Connor está se aproximando com um semblante preocupado. — O que foi? Por que está chorando?

— A Olívia me odeia.

— Ela não te odeia.

— Odeia, sim. Eu achei que a tivesse reconquistado que ela iria esquecer tudo de antes, ela me disse tantas coisas horríveis, não sei como consertar. — Soluço, chorando ainda mais.

Então Connor me puxa para si.

Deixo que ele me abrace e choro em seu ombro, minhas lágrimas molhando sua camisa enquanto suas mãos acariciam meus cabelos, minhas costas. Então, a dor vai passando, assim como minhas lágrimas e vou me dando conta de onde estou.

Estou nos braços de Connor. Encostada em seu corpo firme, minhas mãos apoiadas em seu peito, enquanto seus braços me rodeiam, acariciando meus cabelos, meus ombros...

Eu ofego, meu corpo estremecendo não mais de dor e sim de algo diferente, mais profundo. Afasto minha cabeça de seu peito para encará-lo e, quando nossos olhares se cruzam, sei que está se passando a mesma coisa em sua cabeça.

E sei que devia me afastar, porém, o único movimento que consigo fazer é o de me aconchegar ainda mais para senti-lo melhor. E Connor faz o mesmo, suas mãos deslizando por minhas costas, trazendo-me para mais perto. Sua respiração esquenta meu rosto e meus lábios se entreabrem e, como num sonho, vejo sua boca se aproximando da minha. E então, estamos nos beijando.


Capítulo 19


Por um momento, esqueço de tudo.

Deixo que as sensações dominem minha mente e saboreio o delírio perfeito que é ter Connor me beijando. É como um oásis no meio do deserto. Seu calor atravessa as camadas de roupas que nos cobrem e esquenta minha alma. Suspiro, passando os braços por seu pescoço, deixando meus dedos se infiltrarem em seus cabelos. Connor me puxa para mais perto, gemendo dentro da minha boca, suas mãos descendo por minhas costas apertando meus quadris, estremeço de um prazer quente e proibido ao senti-lo excitado.

Sim... Todo meu ser se agita em ansiedade e desejo, querendo um pouco mais daquela perfeição.

Quando o beijo termina e ele encosta a testa na minha respirando comigo no mesmo anseio, mantenho meus olhos fechados, não querendo acordar daquele enlevo. Mas sou obrigada a despertar para o desatino que estava cometendo quando ele sussurra um sofrido e ansioso “Melanie”.

Meu coração afunda no peito.

Não sou Melanie. O lugar entre os braços de Connor não me pertence.

Aperto meus olhos com força, assim como meus braços em volta de Connor uma última vez antes de empurrá-lo.

Connor se afasta me encarando confuso.

—– Não posso — digo com vontade de chorar de novo.

— Que merda, Melanie! — Sinto a frustração, a raiva em sua voz, e me encolho.

— Me desculpe, não posso. Isto... não...

— Nada mudou, não é? Continua sendo o que você quer, quando você quer... — Rosna, encarando-me com mal contida fúria. — A antiga Melanie ainda está aí em algum lugar, não adianta você tentar mudar. Olívia já percebeu e talvez eu tenha que cair na real também.

Ele entra na casa, deixando-me sozinha com minha dor e culpa.

Que diabos eu estava fazendo? Estava ali apenas para substituir Melanie e estava causando tanta dor quanto ela causava. Só que, diferentemente de Melanie, eu sentia a dor de Connor como se fosse minha e a decepção de Olívia deixava meu coração em pedaços.

Não queria magoá-los, mas pelo visto eu não conseguia fazer diferente, afinal. E pior, estava me dilacerando também naquele processo. Mais envolvida do que deveria com aquela família.

Com Connor.

O que eu podia fazer? Contar a verdade a Connor, dizer que eu não era Melanie? Não podia, pois sentia que aquele segredo não pertencia só a mim, pertencia sobretudo a Melanie.

Como continuar naquela casa, enganando Connor e seus filhos todos os dias, esperando que Melanie voltasse e decidisse o que fazer com a vida que pertencia a ela?

Como continuar ali quando meu coração batia cada vez mais forte e alto por Connor?

Não, eu não podia mais.

Engolindo o nó na minha garganta corro para o quarto e pego minha mala. Respiro fundo, pensando no que estou prestes a fazer.

Fugir, exatamente como Melanie.

Talvez a gente não seja tão diferente afinal.

Meus olhos se enchem de lágrimas e minhas mãos tremem ao pegar o celular, preciso ao menos avisá-la. Preciso que volte.

Nossa brincadeira já foi longe demais.

O telefone chama e cai na caixa postal. Tento de novo, as lágrimas me cegando. E de novo e de novo.

Até que desisto.

Então escuto como se viesse de muito longe um choro de bebê. Fecho os olhos com força, tentando ignorar. O choro continua cada vez mais alto. Por que Connor não foi pegá-lo?

Não aguentando mais, corro para o quarto de Anthony e o bebê está chorando a todo pulmão, os bracinhos se agitando e o rostinho vermelho.

— Oh, Anthony. — Eu o pego, acalentando-o. — Shi, não precisa mais chorar. Eu estou aqui... — Choro também, sabendo o que estava prestes a fazer e sentindo a certeza do que era certo se esvair do meu peito. Como poderei deixá-los sozinhos? O abraço forte, beijando seus cabelos. — Shi, bebê, a tia Mel está aqui. Estou aqui...

— Mamãe? — Escuto a vozinha de Mandy. Ela está acordada e vem em minha direção, os olhinhos pesados, os cabelos bagunçados. Seus bracinhos rodeiam minha perna. — O Anthony chorou e você não estava aqui.

— Oh, Mandy. — Acaricio seus cabelos. — Estou aqui agora.

— Você não vai embora, vai? — ela pergunta, e percebo que, embora Mandy pareça muito tranquila, ela também sente a fragilidade da minha presença ali.

— Não, não vou — prometo. Uma promessa que não poderei cumprir.

Só espero que quando eu partir, a mãe dela de verdade esteja de volta.

Dou banho em Mandy e Anthony quando retorno para cozinha para dar-lhes jantar, me pergunto onde Connor se meteu. Numa rápida olhada para fora, vejo que o carro não está. Ele saiu? Para onde?

Olívia também não deu sinal de vida. Depois de alimentar as crianças menores e colocá-las para dormir, arrisco bater na porta do quarto de Olívia, ela já está dormindo.

Eu entro e ajeito as cobertas sobre seu corpinho e acaricio seus cabelos.

— Durma bem, querida. — Beijo seu rosto, fazendo uma prece silenciosa para que seu coração não se aflija mais. Ela era jovem demais para carregar os pesos de tantos problemas.

Connor ainda não deu sinal de vida quando me arrumo para dormir, volto para a cozinha para fazer um chá. Escuto o barulho de um carro estacionando e olho pela janela, não é Connor quem está ali, é Sam que salta do carro.

Abro a porta para ele, confusa.

— Sam, o que faz aqui?

— O Connor está? — Ele parece agitado.

— Não — respondo meio sem graça. — Ele saiu.

— Merda! — Ele passa os dedos pelos cabelos e noto que está nervoso.

— O que aconteceu?

— Eu tive uma briga com a Natalie.

Eu o deixo entrar e ele aceita um chá, enquanto nos sentamos à mesa da cozinha.

— Gostaria de me contar? — arrisco.

Ele continua em silêncio e imagino que não deve ser fácil para ele falar de problemas de casamento justo com Melanie.

— Quer dizer, se não quiser falar...

— Às vezes não é fácil ter um casamento como o meu.

Não entendo o que ele quer dizer.

— Quando sabemos que nunca poderemos ter filhos — ele esclarece, então eu entendo.

Sempre pensei que era difícil apenas para Natalie, saber que não poderia ser mãe. Estava claro pelo jeito que ela se apegava aos filhos de Connor e Melanie. Nunca pensei em como deveria ser para Sam.

— Nós descobrimos só depois que nos casamos — ele continua. — Nós namoramos na faculdade, quando eu desisti ela continuou, se formou e veio atrás de mim. Nós namoramos a distância por todo esse tempo e sempre fizemos planos de ter uma grande família. Era o que ambos queríamos. Nós tentamos por um tempo e nada acontecia. Quando fomos verificar, depois de uma batelada de exames, descobrimos que o problema era com ela.

— Deve ter sido difícil.

— Você sabe como foi. — Não, eu não sabia, mas o deixo prosseguir. — Ela ficou arrasada. Nós ficamos, na verdade, eu... me conformei. Gosto de Natalie independentemente do fato de termos filhos ou não. Mas ela... ela não esquece e, pior, desenvolveu esta obsessão por seus filhos.

— Eu não acho que...

— Você sabe que é verdade. Vocês já brigaram uma centena de vezes por causa disto, embora no final tenha acabado sendo cômodo, já que você não era a melhor das mães, desculpe-me por dizer.

Não falo nada, como posso defender Melanie depois de tudo o que descobri?

— Eu não me importava, talvez fosse cômodo para mim também. Assim, Natalie ficava feliz, satisfazia seu anseio de ter crianças para cuidar e mimar. Não percebi o quanto sua atitude era perigosa até você voltar e querer tirar as crianças de perto dela.

— Eu não fiz isso — refuto, apesar de saber que não é bem verdade. Eu realmente quis tirar as crianças de perto de Natalie.

— E está tudo bem, os filhos são seus. Era o que deveria ter feito faz tempo, assumir seu lugar como mãe deles. Eu fiquei feliz pelas crianças. — Dá de ombros. — Pelo Connor também.

— Eu tinha ciúme das crianças com a Natalie — confesso. — Pelo fato de ela as compreender melhor que eu.

— Mas você é a mãe.

Ah, Sam, não podia estar mais errado.

— Nem sempre as mães são a melhor opção — digo baixinho, o medo de que Melanie não consiga melhorar me corroendo. Talvez manter Natalie como responsável pelas crianças não seja tão ruim, afinal. Pelo menos eles terão alguém.

É tão duro admitir.

— Você está mudada. Todo mundo percebeu.

— Olívia está com raiva de mim novamente.

— Ela é uma menina arisca. Já sofreu demais, todo mundo via que seu casamento com Connor era uma merda desde o começo e ela esteve no centro de tudo.

— Não quero que ela continue se magoando.

— Ela vai perceber que você mudou e quer o melhor.

— Eu não sei. Hoje ela me disse que preferia que Natalie fosse mãe dela, porque eu nunca iria mudar.

— Ela chorou um bocado lá em casa hoje.

— Sério? — Sinto meu coração se apertar. — Aposto que Natalie aproveitou para falar mal de mim.

— Não. Natalie não fala mal de você para as crianças. Nunca precisou na verdade, suas atitudes já gritavam contra você alto o bastante.

Suspiro pesadamente.

— Ela não gosta de mim. As crianças percebem.

— Ela tem inveja. Queria ter as crianças que você tem e não se conformava por você não dar o devido valor. E começou a achar que as crianças seriam dela em algum momento. Que você mais dia menos dia iria embora, deixando-as para trás.

Quero dizer que Natalie tinha razão afinal. Porém Melanie não partiu para sempre, não é. Ela vai voltar.

Ela precisa voltar.

— E hoje, quando ela viu Olívia magoada, começou a pensar assim de novo. Quando Olívia partiu, começou a dizer que tínhamos que convencer Connor a deixar as crianças irem morar com a gente.

— Isto é absurdo, Connor nunca permitiria.

— Nem deveria. Falei que ela estava louca e tivemos uma discussão terrível. Só então percebi o quão deprimida ela está com essa situação. Que ela se sente mal por não poder me dar filhos. Ela se culpa.

— Sinto muito.

— A culpa não é sua. — Ele sorri com amargor. — Todo casamento tem problemas, não é?

Sorrio com a mesma amargura.

— Sei bem como é.

De repente a porta se abre e Connor entra. Quero perguntar onde estava, nem ouso.

Ele olha de mim pra Sam.

— O que faz aqui?

— Ele e Natalie brigaram — respondo me levantando. — Acho que querem conversar, não é?

— Na verdade nossa conversa já ajudou bastante — ele diz. — Eu queria dormir aqui hoje, pode ser mano? — pergunta a Connor.

— Claro — Connor responde.

— Tudo bem ficar com o seu sofá?

Ops.

O sofá era do Connor. Se ele não ia dormir no sofá...

Connor parece se dar conta da mesma coisa.

— É, Sam, talvez...

— Tudo bem — respondo. — Pode ficar com o sofá.

Encaro Connor.

— Eu te espero no quarto.

Dou meia volta para sair, antes que me arrependa. Connor vai atrás de mim.

— Melanie — ele me chama no corredor e eu me viro. — Não acho que seja uma boa ideia — diz impassível.

Dou de ombros.

— É só uma cama, Connor nós só precisamos dormir. Não vamos fazer disto um cavalo de batalha. E Sam precisa de nós.

Sem mais, eu entro no quarto, perguntando-me se Connor ousaria dormir na mesma cama que eu.

Querendo não ficar apavorada com esta possibilidade.

Querendo não ficar ansiosa.

Quando a porta se abre, mais ou menos uma hora depois, tento não entrar em pânico. Connor surge no quarto semiescuro. Usando uma calça de pijama e uma camiseta, ele se aproxima da cama. Eu mal respiro.

— Não se preocupe, eu não vou tentar nada — diz friamente.

E nem sei se é motivo para alívio ou decepção.

Talvez um pouco dos dois.

O colchão de move quando ele deita e não consigo deixar de respirar aquele seu cheiro maravilhoso.

Nós ficamos em silêncio por um momento, ambos olhando o teto. Os olhos abertos.

— Lembro-me de quando nos casamos — Connor fala de repente. — De como era estranho dividir a cama. Era uma intimidade esquisita para nós dois. Nós mal nos conhecíamos.

Não ouso dizer nada. O que poderia dizer? Não compartilho aquelas lembranças com Connor.

— Com o tempo nós nos acostumamos... tanto que chegou uma hora que nem notávamos mais a presença um do outro na cama. Como se o outro não existisse, não fizesse diferença.

A voz de Connor é melancólica ante aquela confissão tão cheia de verdade. Era como Melanie tinha dito afinal. Connor parou de percebê-la. Assim como Melanie que fez o mesmo.

— Então acho que foi um alívio quando decidi deixar esta cama de vez. Você não reclamou, nem tentou argumentar. Deve ter se sentido aliviada também.

— Eu sinto muito — murmuro, porque não posso dizer mais nada.

Nós ficamos em silêncio novamente e já estou me perguntando se Connor dormiu quando o escuto dizer.

— E tem razão, aquele sofá é realmente desconfortável.

Nós rimos e, em meio a nossa risada, percebo que é a primeira vez que rimos juntos.

É a melhor sensação do mundo. Aquece meu peito com algo doce e permanente.

É assustador.

É maravilhoso.

E apesar de saber que deveria achar muito errado, não consigo deixar de me sentir feliz.

Naquela pequena fenda do tempo, onde eu e Connor não somos nada além de duas pessoas rindo juntas. Sem passado, sem futuro, sem mentiras.

Apenas nós.

Nossa risada vai morrendo, dando lugar a uma sublime quietude e fecho os olhos, embrulhando aquele momento precioso como o mais lindo e secreto presente e guardando-o no fundo do meu coração.

Talvez eu precisasse dele quando não estivesse mais ali.

Esta possibilidade enche meu peito de uma saudade de algo que nem aconteceu ainda. E, sem pensar, me aproximo de Connor e deito a cabeça em seu peito. Ouvindo as batidas ritmadas do seu coração, torcendo para que ele não me rejeite. Não quero nada mais do que ficar ali, deitada junto dele. Para ter mais um momento para guardar.

Quando ele passa os braços a minha volta e também fecha os olhos, me permito deslizar para o melhor sono da minha vida.

E um último pensamento varre minha mente.

Queria que fosse para sempre.


Capítulo 20


Quando acordo, estou sozinha na cama. Não sei se sinto alívio ou pesar. Deveria sentir alívio. Por alguns instantes, permaneço deitada, repassando a confissão de Connor em minha mente. Recordo-me de ele falando como o casamento começou estranho, sem intimidade, o que era esperado, levando-se em consideração que eles se casaram sem se conhecerem direito. E de como tudo melhorou, para depois virar um hábito tão rotineiro, que passaram a ignorar um ao outro. Era triste.

Então um sorriso se distende em meus lábios, ao me lembrar de como rimos juntos. De como pareceu íntimo e certo. Só que não era certo. Talvez a presença de Connor naquela cama fosse, mas eu era uma impostora.

Com um suspiro, rolo de bruços e aspiro o cheiro que ficou no travesseiro. Cheiro de Connor. Me pergunto o que se passou em sua mente ao estar ali outra vez, um lugar que era dele por direito, do qual abdicou há tanto tempo. Será que gostou de dividir a cama com Melanie de novo? Ou foi apenas por obrigação, pelo fato de Sam estar dormindo no sofá? E se gostou, por que em vez de ficar feliz eu estava sentindo ciúme?

Eu sabia o porquê.

Foi com Melanie que ele riu ontem à noite. Foi para ela que ele fez aquelas confissões. Foi com a cabeça de Melanie aninhada em seu peito que ele dormiu.

Sinto vontade de chorar.

E, pela primeira vez em todo aquele tempo que estou ali, sinto ciúme e inveja da minha irmã.

Quando vou para cozinha as crianças já estão tomando café, verifico o relógio confusa e constato que estou um pouco atrasada. Passei mais tempo do que deveria cheirando o travesseiro de Connor.

Olívia não me olha enquanto come, porém Mandy sorri ao me ver.

— Bom dia, mamãe.

Sorrio de volta e me aproximo, beijando seus cabelos. Faço o mesmo com Olívia, que responde um bom dia apagado fazendo meu coração apertar, porém não forço outra reação. Em sua mente, ela acha que tem razão de estar zangada e talvez tenha. Foram tantos anos sendo negligenciada, que qualquer coisa que eu fizesse fora da curva seria considerada como uma volta aos velhos hábitos.

— Onde está Anthony? — pergunto ao ver o carrinho vazio.

— Papai e tio Sam acabaram de sair. Papai o levou para a casa da vovó. — Olívia responde num tom de censura.

— Eu nem me atrasei tanto assim. E ele podia ter me chamado — resmungo. Será que Connor estava irritado com meu atraso? — Preciso te levar a escola então.

— Não precisa, a Naomi vai me levar. Papai ligou para ela e pediu.

— Se quiser, posso te levar — insisto.

— Eu não quero. — É sua vez de resmungar. Pegando sua mochila e saindo da mesa quando um carro buzina lá fora.

Suspiro pesadamente. Lá vamos nós de novo.

Enquanto tomo café, escutando o tagarelar infantil de Mandy, pergunto-me se ainda me restam forças para começar tudo de novo. Recomeçar a luta para fazer Olívia entender que a mãe mudou. Tentar fazer com que Connor não odeie a esposa.

E para quê?

Eu não era Melanie. Existia um lado meu que estava farto daquele jogo. E sabia bem qual era o lado. Era aquele que estava gostando demais daquela vida, se apegando demais à Lakewood, às crianças que não me pertenciam. Almejando ter uma vida conjugal de verdade com um homem proibido. Que toda vez que sorria para mim, me beijava, me desejava, na verdade estava pensando em outra pessoa. Tudo isto estava causando pequenas rachaduras em meu coração e meu medo era de que ele se estilhaçasse mais dia menos dia.

E se isto acontecer duvido que tenha conserto.

Estou perdida em minha autocomiseração, quando a porta da cozinha se abre e vejo Natalie na minha frente.

— Tia Natalie! — Mandy pula da mesa e abraça Natalie, que sorri para a menina. Percebo que seu rosto está pálido e seus olhos sombreados por olheiras.

— Oi, querida.

— Mandy, que tal ir assistir desenho? — Melhor Mandy não estar por perto caso Natalie comece com suas grosserias.

Espero a menina sair da cozinha para encarar Natalie.

— A que devo sua visita? — Tento ao menos ser educada e me livrar dos velhos julgamentos. Afinal, ela tem seus próprios demônios para exorcizar.

— Sam está aqui? — pergunta, e percebo o quanto é difícil para ela estar ali.

— Já sabe que ele passou a noite aqui?

— Sim, para onde mais ele iria? — ela diz com amargor. — Estive na oficina e ele não está e nem Connor, por isto vim ver se ainda está aqui.

— Não, eles foram bem cedo.

Ela respira fundo. Suas mãos trêmulas apertam a bolsa. Parece que está a ponto de estourar. Sinto um pouco de pena.

— Não quer tomar um chá? — pergunto, já colocando a chaleira para esquentar.

— Isto é muito surreal. Você sendo educada comigo.

— Acho que ambas podemos deixar as velhas desavenças e sermos no mínimo educadas, não acha?

— Acha possível?

— Nós somos da mesma família. — Dou de ombros. — Talvez devêssemos tentar ser amigas.

— Não temos nada em comum, Melanie.

— Temos as crianças. Nós as amamos, não é?

— Nunca acreditei que amasse seus filhos.

Aí estava.

— Sei que pode pensar assim por causa de minhas atitudes no passado — digo devagar, servindo o chá em uma xícara. — No entanto já deve ter percebido que eu mudei.

— E, de uma hora para a outra, decidiu que vai ser esposa e mãe exemplar?

— Não foi de uma hora para outra.

— Não? Você voltou desta viagem como se um alienígena tivesse tomado seu corpo! É no mínimo esquisito demais.

— Você ainda acha que é alguma espécie de jogo que estou fazendo...

— Por que não? Precisava do perdão de Connor.

— Sim, eu precisava. Porém estou sendo sincera. Sou outra pessoa — murmuro — e só quero que tudo fique em paz. Com as crianças, com Connor e até com você.

— Como se tivesse alguma preocupação comigo.

— Eu tenho.

Ela faz uma expressão de descaso.

— Sei que sempre brigamos, que nem sempre fui fácil com você. Assim como não foi comigo. Mas acho que agora te entendo.

— Entende? Ninguém entende — ela engasga.

— Ninguém se preocupou em entender a... — respiro fundo — em me entender também. Eu era só uma garota de dezoito anos que foi obrigada a casar e amadurecer mais cedo criando crianças sem saber como.

— Eram crianças, e elas são sagradas. Como pode não apreciar?

— Nem todo mundo tem este instinto, Natalie.

— E do nada agora você acha que tem.

— Olha, podemos ficar aqui discutindo o dia inteiro. De nada vai adiantar. E estou cansada de discutir.

Ela larga a xícara.

— Sim, vou embora.

— Faço votos que se entenda com o Sam. Ele ama você.

— Eu sei. Às vezes é difícil um casamento como o nosso.

— Deve apreciar o que tem, Natalie. Nem sempre a vida é como a gente sonhou, como imaginou... — Penso na minha própria vida vazia. E na vida de Melanie. — Mas você ama o Sam e ele a você, apesar de tudo. Não desperdice o que têm com amargor.

Ela não diz nada, perdida em seu próprio sofrimento, antes de ela sair pela porta eu a chamo.

— As crianças podem jantar com você uma vez na semana.

— Sério?

— Só quero o bem deles e você os ama também. Só não se esqueça que eles nunca serão seus, eles têm mãe. E um pai. — Seu rosto se contorce de dor. — Mas podem ter uma tia amorosa também, contanto que ela tenha consciência de que é apenas uma tia.

Ela parece querer falar alguma coisa, então apenas assente.

— Vou almoçar com meus pais em Tacoma, no próximo domingo. As crianças já estiveram lá comigo uma vez e adoram. E meus pais... gostam de ter crianças por perto também.

— Certo, eles podem ir com você.

— Obrigada.

Depois que Natalie se vai, sinto que o conselho que lhe dei serve para mim também. Não sou a mãe daquelas crianças, embora as amasse com tal força que era difícil acreditar que não tivessem saído de dentro da minha barriga e que convivíamos há tão pouco tempo. Eu era a tia delas e podia amá-las como tal, mas elas tinham uma mãe.

E a pergunta era: onde estava essa mãe? E quando ela voltasse, será que iria finalmente assumir seu lugar naquela casa, como esposa e mãe amorosa? De novo sinto aquele aperto no peito. Deve ser o que Natalie sente. O vazio. O desejo impossível. Nós tínhamos mais em comum do que se podia imaginar, afinal. Pelo menos ela desejava apenas três crianças que não podia ter. Enquanto eu desejava o pai delas também.

Naquela tarde me pergunto se Olívia virá para casa após a escola, o que não acontece. Eu não devia ficar surpresa. Será que virão jantar em casa considerando-se que na sexta-feira vieram e puderam comprovar que a comida de Melanie já não era tão ruim assim?

É com alívio que vejo Connor, Mandy e Olívia aparecerem em casa mais cedo naquela noite.

— Vieram jantar em casa? — pergunto, esperançosa.

— Sim, mamãe! — É Mandy que responde, abraçando minhas pernas e abraço-a também.

— Isto é muito bom, então vá lavar as mãos!

Quando olho em volta, Olívia já não está por ali e Connor está com Anthony no colo.

— Oi — digo, meio insegura de como agir.

— Oi — ele responde num tom de fria gentileza.

— Espero que não tenha ficado irritado comigo hoje.

— Por quê?

— Porque acordei atrasada. Podia ter me acordado!

— Eu sei. Só... quis deixá-la dormir.

— Quis?

Ele dá de ombros parecendo meio sem graça.

— Sei que dormimos tarde ontem, não tem problema algum.

— Eu tenho crianças para cuidar, não é certo...

— Posso cuidar delas também Melanie.

— Ficava com raiva antes...

Ah inferno, por que eu estava entrando naquele assunto?

— Antes você não se importava.

— Acha que me importo agora?

— Eu quero acreditar.

— Fico feliz por isso — digo cheia de emoção.

— Só — ele suspira pesadamente — não quebre o coração delas de novo, Melanie.

— E o seu? Eu já quebrei seu coração? — pergunto baixinho.

— Você acha que algum dia teve meu coração?

Oh, Deus!

— E agora?

Ele não diz nada. A gente fica apenas se olhando e sei que ele não quer falar sobre um assunto tão espinhoso quanto sentimentos.

E eu não quero que ele fale de sentimentos.

Ao mesmo tempo desejo que fale. Uma pequena parte delirante do meu ser desejando que fale que as coisas são diferentes agora.

Que existe a minúscula possibilidade de eu ter seu coração.

De que adiantaria?

Ele está vendo Melanie.

Tenho que me ater a isso.

Para não pular no precipício de vez.

De repente, Mandy retorna dizendo que está com fome e Connor sai para chamar Olívia.

Nosso jantar é quase tranquilo. Se eu ignorar que Connor está calado, perdido em pensamentos e Olívia também só responde quando é solicitada, como um robozinho sem sentimento que, com certeza, ela gostaria de ser neste momento. Bem, talvez dividíssemos a mesma fantasia. Eu também queria não ter emoção alguma dentro de mim, principalmente aquela que borbulhava ao retomar o estranho diálogo com Connor.

Quando o jantar termina, Mandy pede que Connor a ajude a montar um quebra-cabeça e eu pergunto a Olívia se ela quer assistir algo comigo, ela responde um não apagado e vai para seu quarto.

— Não a force — Connor diz de repente.

— Ela está magoada comigo.

— Só está sendo teimosa. Vou conversar com ela.

— Não... Não a force a nada também. Ela tem seus motivos...

— Ok, talvez tenha razão.

— Vamos papai! — Mandy o puxa.

— Quer montar quebra cabeça conosco?

Hesito. Claro que gostaria de ir com eles. Fingir mais um pouquinho que éramos uma família quase feliz.

No entanto talvez já fosse hora de eu dar um passo atrás.

Para o bem da minha sanidade.

— Vou ler.

Ele levanta a sobrancelha.

— Ler?

Oh, droga. Melanie não gostava de ler.

— É, qual o problema? Tentando coisas novas, vai que eu gosto.

— Ok.

Ele me olha de uma forma estranha, mas não fala mais nada, seguindo Mandy.

Eu me ocupo em arrumar a cozinha e depois coloco Anthony para dormir e vou para o quarto. Com o coração pesado, pego o telefone, discando para Melanie. E novamente chama e ela não atende.

— Melanie... Por favor, atenda o telefone. Precisamos conversar. Por favor... — Deixo um recado na caixa postal.

Nos dias que se seguem Melanie não retorna meus inúmeros recados desesperados.

E vou me sentindo cada vez mais angustiada. Seguindo-a pelas redes sociais, vejo-a brilhando em seu papel de autora famosa e descolada, seus olhos brilhando de felicidade por desfrutar de uma vida que não é sua, mas que lhe cai bem como uma luva. Questiono a merda do destino que fez Nora e David nos dividirem deste jeito. Se ao menos Melanie tivesse ido com Nora e eu tivesse ficado em Lakewood... Será que teria conhecido Connor? Será que eu teria corrido atrás dele como ela fez, até conseguir uma transa no banco de trás do seu carro? E será que eu teria engravidado e me casado? E nosso casamento seria feliz ao invés do desastre que era o casamento de Melanie?

Eu nunca saberia.

E as coisas em Lakewood tinham alcançado uma estranha calmaria. Agora que eu tinha me dado conta da extensão do meu envolvimento com Connor e as crianças, vinha tentando me resguardar. Se é que era possível.

Olívia continuava reticente, distante e respondendo com monossílabos, pelo menos não tinha sido mais grosseria e nenhuma discussão havia acontecido. Sua mágoa me deixava triste e eu só podia torcer para que voltasse a ser aquela menina feliz e dócil que se revelou a mim por alguns dias. Connor trazia as crianças para jantar em casa todos os dias e sabia que elas ainda passavam um tempo com Natalie à tarde, não me importava mais com isso. Afinal, ela era a tia, assim como eu, e agora que comecei a entender seu amor pelas crianças só esperava que pelo menos ela parasse com aquele comportamento obsessivo e destrutivo para si mesma e para seu casamento.

E havia Connor. Desde a nossa estranha conversa, nós vínhamos nos tratando com quase gentileza, embora sempre com certa distância. Ele dizia bom dia educadamente de manhã, tomava café com as crianças e até travávamos alguma conversa sobre o tempo ou qualquer amenidade. À noite, ele chegava com as crianças, me cumprimentava com igual educação e jantávamos juntos, sem nenhum imprevisto. Depois Olívia sempre ia direto para seu quarto, às vezes ele ficava com ela e eu me perguntava se ele falava de mim ou a repreendia, não saberia dizer. Outras vezes ele pegava um livro e ficava na varanda lendo ou brincava com Mandy até colocá-la para dormir. Quanto a mim, procurava não ficar no mesmo ambiente sempre que possível. Se ele ficava na sala com Mandy, eu inventava o tal livro para ler, por exemplo. Apesar de toda aquela cordialidade fria, ainda era palpável a atração entre nós. De vez em quando eu me pegava olhando para ele, quando estava distraído, mordendo meus lábios e me esquecendo de respirar, apenas o achando incrível. E sei que ele olhava para mim também, quando achava que eu não estava percebendo. O que fazia com que as pequenas faíscas dentro de mim se transformassem em labaredas que estavam cada vez mais difíceis de disfarçar.

Até que, sexta-feira, decido ter uma folga de toda aquela tensão e ir jantar com David. Aviso Connor, de manhã, sobre meus planos, ele não se opõe.

— Tem certeza de que não tem problema?

— Gosto que vá ver seu pai. Você quase nunca fazia isto.

— Eu sei, por isso mesmo.

— Levarei as crianças para jantarem na minha mãe.

— Não na Natalie?

— Sam e ela tiveram uma conversa e parece que não é mais para eu levar as crianças para jantarem lá por um tempo, acho que é algum acordo que fez com a Natalie.

— Entendo... Por acaso... A Camila estará no seu pai?

— Não, ela viajou para Seattle para o fim de semana.

Disfarcei um sorriso.

Então, naquela noite, chego à casa de David e me ocupo em fazer o jantar. Quando ele chega, fica surpreso com minha presença.

— Que milagre é este? — pergunta, desconfiado, e eu sorrio.

— Milagre algum, só fazia um tempo que não nos víamos.

— E você está cozinhando?

— Sim.

— Você não sabe cozinhar.

— Não sabia, agora sei.

— Como assim?

— Oras, não moro aqui há dez anos acha que não aprenderia a cozinhar?

— Seu marido e até sua filha já me falaram que sua comida é horrível.

— Bem, melhorei nos últimos tempos.

— Deixe-me adivinhar... — Ele cruza os braços em frente ao peito enquanto me ocupo em colocar as travessas na mesa. — Depois desta sua viagem misteriosa.

Dou de ombros, tentando aparentar naturalidade.

— Um pouco antes, claro... Vamos sentar e comer? Garanto que não vai ter uma congestão.

Ele se senta ainda desconfiado, quando começa a comer suspira de prazer.

— Sério que cozinhou este peixe?

— Claro que sim.

— Misericórdia, está muito bom.

— Eu falei.

Nós comemos em silêncio por um tempo até que ele volta a me fitar intrigado.

— E a que devo esta visita e o jantar?

Respiro fundo tentando não me chatear.

— Não há nada por trás, apenas... queria ficar um pouco com você.

— Que conversa é essa? Nunca quis passar um tempo comigo, nem quando morava aqui.

— Eu era imatura, não dava valor a você — desconverso.

— Ah é?

— Você é meu pai. É importante. Sabe que algumas pessoas... passam a vida inteira sem conhecer o pai? Elas devem se sentir horríveis. — Engulo o nó na minha garganta. — E quando elas têm a oportunidade de tê-los em sua vida devem aproveitar os momentos com ele.

David me fita com os olhos franzidos.

— O que está acontecendo, Melanie? Porque está sendo sentimental deste jeito?

Sorrio, enxugando minhas lágrimas que teimam em cair.

— Acho que estou na TPM.

Ele revira os olhos.

— Só podia ser.

— É sério. Talvez nunca tenha dito isto, mas... eu te amo pai.

Minhas palavras parecem abalar David, embora ele disfarce.

— Bem, a comida estava boa pelo menos.

Nós nos levantamos da mesa e começo a retirar os pratos.

— Deixa que eu lavo, já que cozinhou. Sei que odeia lavar a louça.

— Está bem.

Vou para varanda tentar me recompor também. E dali algum tempo David aparece e para ao meu lado.

— Está tudo bem... na sua casa?

— Está... As coisas melhoraram.

— Isto é bom, parece que está criando juízo.

Nós ficamos em silêncio por um tempo.

— Acho que já entendi porque está aqui.

Eu o encaro sem entender.

— Amanhã é aniversário deste velho e, por incrível que pareça, você lembrou.

— Claro que foi — minto. — Já que é seu aniversário amanhã, que tal um almoço na minha casa. Com toda a família?

— Está falando sério?

— Claro que sim. As crianças iriam adorar. E parece que eu preciso me redimir, não é?

— Tudo bem, quem sou eu para recusar boa comida.

Esboço um sorriso e faço algo que estava com vontade de fazer há muito tempo. Eu o abraço.

Há quanto tempo desejava abraçar meu pai? Acreditava que nunca seria possível. Pelo menos toda aquela confusão que eu e Melanie criamos serviu para eu poder realizar esse sonho.

Se ao menos eu pudesse contar a verdade a ele...

Talvez um dia.

— Preciso ir. — Sorrio me afastando.

— Certo.

— Será que a gente poderia fazer isto mais vezes? — pergunto, hesitante e esperançosa. Quero passar mais tempo com David enquanto posso.

— Claro.

— Nos vemos amanhã, então?

— Amanhã! — Ele acena, e me afasto para meu carro.

— Melanie? — Ele me chama quando estou abrindo a porta.

— O quê?

Ele sacode a cabeça.

— Nada... só uma bobagem que passou pela minha cabeça de repente... — Ele sacode a cabeça, perdido em seus pensamentos. — Não é nada.


Capítulo 21


Quando chego em casa, sou uma mistura de sentimentos.

Passar a noite com David me deixou com uma sensação agridoce no coração. A vida inteira sonhei com momentos assim com meu pai. Conhecê-lo, conversar com ele, abraçá-lo. Algo que sempre almejei e que nunca considerei possível. Hoje este sonho se tornou realidade, embora, ele não soubesse quem eu era de verdade. Ainda doía saber que ele havia rejeitado uma filha, deixando-a ir embora e passado a vida fingindo que ela não existia. O que aconteceria quando eu contasse a verdade?

Sim, enquanto dirigia para casa através das ruas escuras de Lakewood, pela primeira vez, cogitei revelar a verdade, pelo menos para David. Ele precisava saber quem eu era. E eu precisava dizer na sua cara quanto mal ele causou com sua decisão de me deixar. Aquela certeza estava solidificada em minha mente quando estacionei defronte à casa de Melanie.

Quando vejo Connor sentado na varanda me observando, pergunto-me se deveria contar a verdade a ele também.

Será que um dia isto seria possível? Depois que Melanie voltar? Algo frio aperta meu coração, quando penso na volta iminente de Melanie. Sempre soube que minha presença ali era temporária. Eu era apenas uma substituta, para que Melanie pudesse ficar no meu lugar na turnê que me achava incapaz de fazer. Tanta coisa mudou desde então e a mudança principal ocorreu dentro de mim. Em meus sentimentos.

Enquanto caminho em direção a casa, com Connor observando meus passos, uma vontade quase irresistível de simplesmente abrir a boca e contar nosso segredo me invade. Então, ele abre um sorriso para mim, um ainda contido e um tanto inseguro embora seja o bastante para iluminar tudo ao redor. Queria tanto que ele fosse sempre assim. Queria que não fosse eu a tirar aquele sorriso cheio de esperança de seu rosto bonito, aquele homem ferido nunca teve algo como a esperança de uma vida mais feliz. No entanto, era tudo uma ilusão e, se eu despejasse toda a verdade, iria destruí-lo. Destruiria aquela família.

Não, eu não podia contar a verdade.

— Como foi com David?

— Muito bom na verdade. — Sorrio de volta, porque a mim não resta mais nada a fazer naquele momento. A não ser chafurdar mais um pouquinho naquela farsa.

— Fico feliz por vocês. Nunca tiveram um bom relacionamento. — Connor parece verdadeiramente impressionado, agora o sorriso no meu rosto é repleto de tristeza. Mas não sei se ele percebe.

— Parece que bons relacionamentos nunca foram o forte por aqui.

O sorriso se apaga do seu rosto com minha constatação.

— Nunca é tarde para remediar.

— Você acredita em segundas chances?

— Você acredita?

— Quero acreditar, estou aqui por causa disto.

— Esta é nossa segunda chance, Melanie?

Engulo em seco, desviando o olhar. Queria dizer que sim. Queria dizer que Connor podia me perdoar.

Perdoar Melanie me corrijo.

Começar de novo.

Nunca aquela possibilidade me pareceu tão palpável quanto agora.

E em vez de ficar feliz, sinto vontade de chorar. Estou consertando o caminho para Melanie, embora esteja destruindo o meu.

— Boa noite, Connor. — Quando passo por ele me surpreendo quando segura minha mão e me puxa em sua direção. Em seguida, deposita um beijo em minha testa.

Estremeço de emoção e anseio. E compreendo, naquele momento, que bastaria um gesto meu, uma única palavra, e estaria em seus braços. E ele estaria em minha cama.

Na cama de Melanie.

Esse pensamento me faz recuar e me afasto para o quarto sem olhar para trás.

Quando chego ao quarto, pego o telefone e disco de novo para Melanie.

O que irei dizer?

“Pode voltar, já reconquistei seu marido para você”?

O que Melanie diria? Será que ela saberia que eu estava fazendo mais do que tínhamos combinado? Que os laços de Connor com esta nova Melanie tinham se estreitado de um jeito que não esperávamos?

Desligo o celular com um suspiro. De novo Melanie não atendeu.

Desta vez, sinto certo alívio.

Porque temia precisar dizer a verdade mais aterradora de todas.

Que eu tinha me apaixonado por seu marido.


Quando acordo, cuido de Mandy e Anthony, os primeiros a acordarem e, como sempre, Connor já não está em casa.

Olívia acorda algum tempo depois e ainda é aquela criança quieta, no entanto sorrio para ela e tento fazer o meu melhor para que se alegre um pouco, porém não consigo mais mentir para mim mesma. Tenho medo de reconquistar Olívia e Melanie magoá-la de novo.

Só de pensar nisso tenho vontade de gritar. Que garantias eu tenho de que Melanie vai tomar juízo? A verdade é que eu não tenho nenhuma. E essa constatação dói. Eu havia aprendido a amar aquelas crianças e sofria em saber que eles poderiam voltar a se magoar com a mãe.

Eu queria ter esperanças. E devia ter, senão enlouqueceria.

— Hoje é a aniversario do vovô e ele virá almoçar conosco — comunico às crianças depois do café.

— Por quê? — Olívia pergunta confusa.

— Oras, é uma comemoração. Vamos almoçar todos juntos e até farei um bolo, quer me ajudar?

Ela dá de ombros, mas sinto que ela parece um pouco mais animada, talvez pela vinda de David.

— Vou fazer um desenho para o vovô! — Mandy grita, correndo para a sala para pegar seu bloco de pintura e vou atrás com Anthony. Olívia liga a televisão.

— Pode ficar de olho neles, enquanto limpo a cozinha?

Ela dá de ombros e acho que é a resposta.

Connor aparece um tempo depois e noto que ele não estava correndo.

— Oi, onde estava? — arrisco-me a perguntar.

— Fui fazer umas entregas da oficina.

— Entendi.

— O que está fazendo? Não vai ao cabeleireiro hoje? Passei para levar as crianças à casa da minha mãe.

— Na verdade esqueci de te falar ontem, convidei o David para almoçar aqui. Hoje é aniversario dele.

Connor parece hesitante.

— Tem certeza?

— Qual o problema? — Começo a tirar os ingredientes da geladeira.

— Você nunca preparou almoços para a família antes.

— Para tudo existe uma primeira vez! — Sorrio confiante. — Aliás, podia chamar seus pais, talvez Lilian e Adam e quem sabe Natalie e Sam se eles quiserem.

— Certo, vou fazer algumas ligações.

Ele se afasta e continuo o preparo, colocando uma carne no forno e começando a preparar a massa de bolo.

Quando Connor retorna, estou cortando legumes.

— Todos vêm.

— Sério?

— Ainda é tempo de desistir.

— Claro que não. Estou animada! — Sorrio e ele sorri de volta. Meu estômago se revolve.

— Quer ajuda?

— Quer realmente ajudar?

— Por que não? Esqueceu que sei cozinhar?

— É claro que sabe — resmungo ao me lembrar que Connor deve ter preparado várias refeições para a família, já que Melanie detestava este trabalho.

— Quero fazer uma torta de legumes, pode cortá-los para mim, enquanto faço a cobertura do bolo?

— Ok, serviço de subchefe — resmunga, e eu rio.

Connor liga o rádio e um folk animado invade a cozinha e ele pega a faca, tomando meu lugar.

— Gosto desta música — cantarolo animada, pegando a batedeira, e Connor levanta a sobrancelha.

— Desde quando? Pensei que fosse pedir para trocar por Katy Perry ou estas baboseiras pop de que tanto gosta.

— Gosto de folk também. — Ele parece aceitar minha explicação.

E não demora para estarmos em perfeita sincronia na cozinha, nos movimentando facilmente entre um preparo e outro, enquanto cantarolamos a música na rádio.

Até que Connor me surpreende segurando minha mão me levando para junto dele, nos fazendo dançar ao som da música. Eu rio.

— Não faça isto, não sei dançar!

— Você dança muito bem, Melanie, falsa modéstia agora?

Fico vermelha.

— Faz tempo acho... — desconverso. De repente começa a tocar uma música mais lenta e Connor não me solta, apenas diminui o ritmo, nossos olhares se encontrando e se prendendo.

— Às vezes olho para você e é como se fosse outra pessoa — ele murmura. Prendo a respiração. — Tento adivinhar o que se passa em sua mente, mas não consigo... Queria poder ler seus pensamentos. Te entender. Por que nunca foi desse jeito antes? Será que posso confiar que a nova Melanie veio para ficar? Que ainda há uma chance?

Mordo os lábios com força, sem saber o que dizer.

Ah, Connor, se eu pudesse... Se pudesse ficar para sempre, você me amaria? A mim, Mel e não outra pessoa?

— Alguém em casa? — A voz de David na porta da sala faz com que nos separemos e volto a cobrir o bolo, sem olhar para Connor.

Antes que ele vá receber David me surpreendo quando se aproxima e sussurra no meu ouvido.

— Eu gosto desta nova Melanie.

Fecho os olhos com força, minhas mãos tremendo.

Oh Deus, o que eu ia fazer?

— Que cheiro bom! — É a voz de Adam que escuto.

— Melanie está cozinhando.

— O quê? — Desta vez escuto mais vozes num coro estupefato e reviro os olhos.

— Sim, também fiz a mesma cara que vocês — Connor responde, seu tom é divertido e me faz sorrir feito boba.

Dali a alguns segundos Lilian entra na cozinha.

— Oi, vim ver se Connor estava falando a verdade. Achei que tivessem encomendado comida ou que ele ia fazer, sei lá.

— Não, eu estou cozinhando. — Termino o bolo e coloco na geladeira.

— Não me leve a mal, acho que estamos todos meio chocados.

— Eu sei, e entendo.

— Quando foi que aprendeu a cozinhar?

— Já venho treinando faz algum tempo — minto. — Sabe? Vendo receitas na tevê, estas coisas.

— Que legal! Talvez possamos até trocar algumas receitas, cá para nós, só sei fazer o básico. Adam sofre um pouquinho também.

Nós rimos juntas e, quando levanto a cabeça vejo David na porta da cozinha me encarando estranhamente.

— Oi, pai, algum problema?

— Não, nenhum...

— Ei, David, quer cerveja? — Sam passa por mim, segurando um engradado cheio de cerveja e joga uma para David.

— Oi, Sam — o cumprimento.

— Ei, Mel! Quer cerveja?

— Não gosto.

— Não? Desde quando? — Ele levanta uma sobrancelha.

Oh, inferno, Melanie gostava de beber também? Eu mal tomava uma taça de vinho de vez em quando.

— Quer dizer, não estou a fim hoje.

— Ok, sobra mais para nós! — Sam ri, colocando a cerveja na geladeira e se afastando com David. — Vamos ver o jogo, David?

— Precisa de alguma ajuda? — Natalie entra na cozinha e pergunta com uma voz de fria gentileza. Ela segura uma tigela em suas mãos.

— Hum, o que é isto? — pergunto, curiosa, e ela estende os braços para eu pegar a travessa.

— Salada de batata. Achei educado trazer algo.

— Claro, que ótimo. Quanto mais comida melhor! — Sorrio, ela não sorri de volta.

Bom, pelo menos parou de me atacar.

— Não quer mesmo nenhuma ajuda?

— Se quiser ir colocando a mesa...

— Legal, eu ajudo. — Lilian se prontifica.

Helen e Willian chegam em seguida e, como os outros, parecem muito surpresos por eu estar cozinhando.

Ficam de boca ainda mais aberta quando sentamos para comer e provam a comida.

— Meu Deus, isto é bom para cacete!

— Sam! — Natalie ralha.

— Sim, está muito bom Melanie — Willian concorda, assim como os outros, e sorrio sem graça.

— Desde quando é capaz de cozinhar desse jeito? — Adam indaga.

— Amor! — Lilian sorri sem graça, segurando sua mão. — Não ofenda a Melanie! Todo mundo pode se esforçar e aprender a cozinhar bem.

— Bom, nunca pensei que fosse dizer isto, você devia aprender um pouco com a Melanie então.

— Foi o que eu falei para ela.

— O Connor deve estar feliz por estar comendo comida que preste! — Sam ri.

— Não estou reclamando. — Connor sorri também, e percebo que nunca o vi tão relaxado.

— As crianças devem estar felizes também. — Sam ri. — Não é Olívia?

A menina dá de ombros.

— Que foi? Está tão quietinha, o gato comeu sua língua?

— Que tal irmos buscar o bolo do vovô, Olívia? — eu a chamo.

— Não quero — ela responde rispidamente e engulo em seco.

— Eu vou, eu vou! — Mandy se prontifica, pulando de sua cadeira ao lado de Connor e me acompanhando. Ainda escuto a conversa na copa e me surpreendo ao ouvir a voz de Natalie.

— Não devia ter falado assim com sua mãe, Olívia.

O quê? Natalie estava me defendendo?

— Ela sabe que não deve. — Ouço a resposta firme de Connor.

— Deixe eu levar mamãe! — Mandy pede, e sorrio para a menina, pegando o bolo da geladeira.

— Você pode deixar cair, meu amor.

Sigo de volta à sala de jantar e todos cantamos parabéns para David.

— Obrigado filha — ele diz emocionado, e beijo seu rosto.

— Querida, o bolo está tão bom quanto sua comida! — Helen elogia.

— Sim, Melanie, está de parabéns! — Willian endossa, olhando para Connor e depois para mim. — Aliás, está de parabéns por tudo.

Sorrio tristemente para ele, porque sei que está agradecendo por tudo que mudou depois que cheguei.

Enquanto olho em volta da mesa, para os membros daquela família, confraternizando tão amorosamente, penso que minha vinda não foi em vão.

Mandy está tão mais segura, enquanto brinca com Sam, Natalie carrega Anthony no colo, me recordo que ela só o pegou depois que Connor pediu, não mais agindo como se tivesse direito supremo a isto. Adam já não me olha com desconfiança e Lilian pisca para mim, como uma velha amiga. Willian e Helen conversam com Olívia, que ainda está um tanto amuada, mas sei que até ela percebe, no fundo, que tudo mudou, só está sendo orgulhosa, é uma criança e, mais dia menos dia, vai sorrir confiante de novo. E do outro lado da mesa está Connor. Quando levanta a cabeça e percebe meu olhar, ele sorri para mim. E, desta vez não há hesitação naquele sorriso, somente gratidão.

E eu me levanto e me afasto, acompanhando tudo de uma distância segura. Há felicidade dentro de mim, sim, porque aprendi a amar aquelas pessoas e quero o melhor para elas.

Também há aquela inexorável tristeza por saber que meu tempo ali está se esgotando.

Meu sonho de uma família feliz está com os dias contados.

Naquele fim de tarde, todos se vão, inclusive as crianças, que foram dormir com Natalie para irem viajar cedo na manhã seguinte ficando somente eu e Connor.

Por um momento nenhum de nós diz nada. É a primeira vez que estamos realmente sozinhos e o ar recende a uma doce tensão.

— Quer ajuda com a louça?

— Não, Lilian e Helen já ajudaram bastante, tem pouca coisa para arrumar.

— Você quer... fazer alguma coisa? — Ele hesita, como se fôssemos um flerte novo e não um casal de dez anos de convivência. Bem, na verdade éramos um flerte novo. Ele só não sabia disto.

E como todo flerte, vejo ali milhões de possibilidades brilhando e me chamando. Seus olhos brilham e me chamam na mesma intensidade do meu desejo.

Sei que não devo, embora cada célula do meu ser queira se misturar com as dele.

— Vou... descansar — digo rapidamente, afastando-me e me trancando no quarto.

Então, sento na cama e pego meu telefone.

Como sempre, apenas chama. Desta vez deixo um recado.

— Melanie... não sei por que não quer falar comigo, ou talvez saiba. Sei que tem medo. Sei que sua vida aqui não era boa, mas está tudo diferente agora. Connor não te odeia mais, e ele quer ter um casamento de verdade com você. E seus filhos... eles precisam de uma mãe. Todos estão felizes e... — Uma lágrima cai dos meus olhos. — Você pode voltar e ser feliz também. Eu só quero que volte e veja como consertei tudo para você. Por favor... volte para casa. Tudo vai ficar bem.

Desligo, enxugando minhas lágrimas.

Pego meu computador e vou até o twitter de Melanie, vendo ali suas fotos em Londres, suas sessões de autógrafos numa grande feira de livro em Roma e então algo que choca meus olhos.

Melanie com um homem. Eles estão de mãos dadas numa livraria, alguns fãs registram várias imagens colocando legendas curiosas do tipo “este é o namorado dela”?

Não consigo respirar. Sem acreditar no que meus olhos veem.

Quem era aquele homem com Melanie? Segurando sua mão, sussurrando em seu ouvido com intimidade? A imagem era clara. Sinto vontade de vomitar. Vontade de gritar. De pegar o primeiro avião para Roma e sacudi-la até que crie algum juízo! Será que ela podia ser tão egoísta a este ponto? De trair Connor daquele jeito?

Ela já havia traído antes, uma vozinha sussurra dentro de mim. Com Zane. E tinha flertado abertamente com aquele cara na boate.

Ah, Melanie, como você pôde?

Estou ali por ela, para que sua família não se sinta abandonada, enquanto ela me substitui. O tempo inteiro acreditando que era uma questão de tempo até ela voltar e consertar tudo.

Ainda com esperança de que ela queira consertar tudo.

Enquanto sofria em silêncio me apegando cada vez mais àquilo que não me pertencia.

Sendo leal a ela.

E para quê?

Com um suspiro pesado, fecho o notebook e saio do quarto.

Não sei mais o que fazer. Meus pés pesam como chumbo.

Chego à cozinha e me coloco em frente a pia, respirando fundo, lutando por ar. Escuto o som inconfundível do machado na madeira e corro os olhos para fora, para ver Connor cortando lenha.

Sem pensar, abro a porta e saio para o sol pálido de fim de tarde.

Eu não sei o que estava pretendendo quando saiu da casa. Se iria contar a verdade, gritar minha revolta para o mundo ou ajoelhar e chorar.

Ou até mesmo correr e fugir.

Então, quando Connor para o que está fazendo e olha para mim, tudo desaparece ao meu redor.

E só vejo ele. E o desejo em seu olhar, que é um reflexo do meu.

De repente estou em seus braços.

Sua boca na minha.

E sei que não tem mais volta.


Capítulo 22


O mundo está em chamas.

Aquele velho mundo em que vivi até segundos atrás não existe mais. Eu não existo mais.

Não sou mais Mel, ou Melanie.

Sou um ser sem nome, sem identidade, sem passado, sem presente, sem futuro.

Que apenas sente.

E que vive somente com um propósito. Saciar aquele desejo que arde dentro de mim o mais rápido possível, algo que só aquele cara que me beija com fome e avidez pode fazer. Vivo e respiro para ser consumida por aquele fogo que ele acende em mim.

É como se eu tivesse passado a vida inteira esperando por este momento. Cada segundo em que andei por esse velho mundo foi para que chegássemos a este instante, com sua boca sobre a minha, mãos deslizando afoitas por meu corpo, queimando por onde passam, pousando em meus quadris que ele aperta contra sua ereção exigente.

Sim. Mil vezes sim.

É isto.

Eu preciso disto. Dele. Agora. Dentro de mim. Com força. Vezes sem fim.

— Porra, sim! — Connor sussurra contra meus lábios, e me dou conta de que tinha dito aquelas palavras em voz alta. Não me importo. Ele está me beijando de novo, agora com mais força, gemendo dentro da minha boca enquanto suas mãos erguem meu quadril e, no segundo seguinte estou sendo prensada contra a árvore, seu corpo forte se esfregando no meu e é a minha vez de gemer, perdida, derretendo, fraca e entregue àquela vontade, enquanto passo meus braços e pernas a sua volta.

Com uma pequena parte do meu cérebro ainda consciente percebo que está me levando para dentro de casa, vagamente percebo os cômodos ficando para trás, até que estamos no quarto e os lençóis frios me dão boas vindas, assim como o peso maravilhoso de Connor sobre mim.

Oh, Deus, está acontecendo...

Registro a inevitabilidade daquele momento, enquanto o resto do meu ser, alma, corpo e coração deslizam numa doce inconsciência, onde existem somente sensações e aquele homem que desliza minhas roupas para fora do meu corpo trêmulo de desejo.

E tudo passa como numa névoa. A pressa com que as roupas vão desaparecendo. As minhas. As dele.

Nosso desejo é urgente e voraz, não pode esperar mais. Já estamos nas preliminares desde o dia em que eu cheguei ali.

Então, só suspiro, rendida, puxando-o para mim, abrindo minhas pernas para sua invasão mais do que desejada. E, quando ele vem nós dois gememos alto e me movo em sua direção, não só por prazer, também para saber como ele é depois de todo aquele tempo desejando. E é perfeito. É sublime.

Ele se encaixa perfeitamente em mim, como duas peças perdidas de um único ser.

E todo meu corpo se desmancha naquele prazer incrível e diferente de tudo o que já tinha sentido. Nada do que já vivi se comparava a Connor. A força com que ele se movia dentro de mim, arrancando prazer de onde eu nem sabia que era possível, fazendo meu corpo arquear e queimar. Um redemoinho de sensações sendo construído no recanto mais profundo e escondido do meu ser, até se desmancharem em uma onda gigante de êxtase que me faz gritar, perdida naquele arrebatamento enquanto Connor geme roucamente em meu ouvido, seu corpo tencionando sobre o meu em seu próprio gozo.

Depois a quietude é quebrada apenas pelos sons de nossas respirações ofegantes voltando ao normal.

Quando também vai voltando a minha consciência.

Oh, Deus, o que eu tinha feito? Eu tinha transado com Connor. E foi maravilhoso.

Eu devia estar arrependida. Porém só sinto vontade de fazer de novo.

Quão ferrada eu estava?

Connor se afasta, deitando do meu lado e nós permanecemos em silêncio por um tempo.

Eu não sei o que fazer. Ou o que dizer.

Sei que devia dizer que foi um erro, pedir para ele sair daquela cama. Pedir para esquecer. Mas não quero.

Não quero me afastar dele ainda. Não posso.

Viro-me sobre o colchão e fico olhando sua figura perfeita enquanto ele olha para mim.

— Melanie... — ele começa a falar, e sei que várias coisas estão se passando pela sua cabeça. Sei que é o momento em que vai começar uma conversa séria sobre em que pé estava o relacionamento. Mas não quero ouvir. Porque não tenho nada a dizer. Não quero pensar no passado. E nem no futuro. Quero ficar naquele mundinho de ilusão que criei desde que ele me beijou lá fora.

Um mundo onde tudo é possível.

Onde só existe o agora.

— Shi... — Toco seus cabelos e me aproximo, beijando seu peito. — Não diga nada.

Por um momento, acho que vai insistir. Por fim, ele passa o braço a minha volta, me puxando para perto e beijando meus cabelos.

Suspiro, enfiando meu rosto em seu peito. O crepúsculo cai lá fora, enquanto adormeço.


Quando acordo já é dia, e estou sozinha na cama. Sento-me, agitada, retirando o cabelo do rosto e olhando o relógio. Fico assustada quando constato que passa das dez horas.

Nossa, eu tinha dormido muito.

Mas, como as crianças não estão em casa, não há pressa. Deito-me novamente olhando o teto, relembrando todos os acontecimentos do dia anterior.

Connor e eu fazendo amor. Fecho os olhos, com um suspiro.

Foi perfeito. E, mesmo sabendo que estava fazendo algo muito errado, não conseguia me arrepender. Eu teria feito tudo de novo.

Não sei como aquela história terminaria. Provavelmente nada bem, pelo menos para mim, que estava vivendo uma mentira e apaixonada por um homem casado. E com a minha irmã. Um homem que tinha transado comigo achando que eu era outra pessoa. Pensar nisto, tira um pouco do brilho dos acontecimentos, embora não totalmente. Ainda era eu ali, foi dentro de mim que ele gozou. Foi a mim que ele desejou.

Ele só não sabia.

E se soubesse? Uma vozinha sussurra dentro de mim.

Provavelmente passaria a me odiar.

Eu simplesmente não estava pronta para ter Connor me odiando. Não ainda.

E o que eu devia fazer?

Levanto-me, tomo um banho e me visto. A casa está em silêncio. Preparo um café e vou até a varanda. Surpreendendo-me ao ver Connor sentado ali.

Fico meio tímida ao me aproximar e sentar ao seu lado.

— Bom dia — murmuro, mordendo os lábios.

— Bom dia.

— O que está fazendo sozinho aqui? — Por que não ficou na cama comigo? Quero questionar, mas de repente algo passa pela minha mente. Eu podia não estar arrependida, será que Connor estava? Não podia esquecer de todos os problemas que o fizeram sair daquela cama, para começo de conversa. Voltar não devia ser algo fácil, depois de tudo.

— Eu precisava pensar.

— Pensou?

Ele sorri indeciso.

— Acho que precisamos conversar, não é? — Ele não parece muito satisfeito.

Bem, nem eu.

— Podemos deixar para depois? — pergunto baixinho.

Ele fica me estudando. Sei que está tentando entender o que está se passando pela minha cabeça.

— Eu só não quero... — Dou de ombros e acho que ele entende de alguma maneira. Talvez, embora saiba da necessidade, ele também não queira ter uma conversa séria no momento.

— Temos que ir para a casa dos meus pais — ele muda de assunto. — Eles estão nos esperando para almoçar.

— Certo.

Volto para a cozinha, coloco a xícara na pia e saio com Connor.

Nós caminhamos em silêncio até a casa dos Carter e, em determinado ponto, sinto a mão de Connor segurando a minha.

É o bastante para acalmar um pouco meu coração.

Naquele dia apenas Helen e Willian estão em casa e nós almoçamos tranquilos, conversando sobre amenidades. É um alívio que Camila tenha viajado para Seattle. Hoje não estava com humor para aguentar seu veneno.

À tarde fico observando Connor jogando xadrez com seus pais, quando me canso vou até o quintal e me sento no balanço. Sinto falta das crianças. Era incrível como havia me apegado a elas tão completamente em tão pouco tempo.

Não vejo as horas passarem até que Connor surge. Não consigo conter o sorriso ao vê-lo vindo em minha direção. Ele é tão perfeito que faz meu coração falhar.

— As crianças já devem estar voltando — ele diz. — Melhor irmos para casa.

— Claro, já sinto falta delas.

— Sério? Achei que ficaria aliviada por ter um descanso.

— Não, não me sinto assim — digo simplesmente.

Quando chegamos, Sam está saindo do carro segurando Anthony e Mandy corre em minha direção.

— Mamãe!

— Que saudade! — Eu a pego no ar, beijando seu rostinho.

Coloco-a no chão, notando que Connor já está com Anthony.

— Cadê a Olívia?

— Ela já entrou.

— E a Natalie? — Connor pergunta.

— Eu a deixei em casa.

— As crianças se comportaram? — Connor pergunta.

— Claro que sim. Os pais da Natalie as adoram. Foram bem mimados. Olha, valeu por deixá-las irem com a gente.

— Sempre que quiserem — respondo.

Ele se despede e nós entramos em casa.

— Vou trocar o Anthony — Connor diz.

— Ok, vou dar banho na Mandy.

Coloco Mandy na banheira e vou ver Olívia.

Ela está arrumando sua mochila para o dia seguinte na escola.

— Oi, querida.

— Oi.

— Gostou do passeio na casa dos pais da Natalie?

— Sim, eles são legais. — Ela dá de ombros.

— Está com fome?

— Estou.

— Vou só dar banho na Mandy e preparo um lanche, ok?

Ela dá de ombros.

Não parece mais tão agressiva, apesar de ainda estar um tanto inexpressiva.

Eu não me acovardo e me aproximo, beijando seus cabelos.

Acabo de arrumar Mandy e a levo para a cozinha, para preparar um lanche. Ela e Olívia já estão comendo quando Connor aparece com Anthony e lhe passo a mamadeira que já havia preparado.

Depois de alimentadas, as crianças estão sonolentas e nós a colocamos para dormir sem problema. Vou para o quarto, enquanto Connor fica com Olívia e me pergunto o que vai acontecer esta noite.

Será que ele vai voltar a dormir no sofá?

Hesito, sem saber o que fazer.

Até que ele entra no quarto e se aproxima de mim, tocando meu rosto.

— Ainda não sei o que está acontecendo — ele diz. — Não sei... aonde estamos indo... Porém não quero resistir.

Fecho meus olhos, deslizando quase sem sentir para perto. Ele beija minha testa, meu nariz, minha boca.

Eu me afasto, retirando minha blusa pela cabeça e ele faz o mesmo com sua camisa.

Nós sorrimos um para o outro enquanto vamos nos desnudando devagar. Não há pressa agora.

E minha boca seca ao ver seu corpo perfeito sendo desnudado diante de mim. Ele é maravilhoso.

Por um momento me preocupo. Será que meu corpo também é igual ao de Melanie?

Connor me fita com desejo quando a última peça de roupa se vai e mordo os lábios insegura.

— Não me lembrava de como era perfeita — ele sussurra roucamente. Os dedos tocando meus lábios.

— Acha que estou diferente? — arrisco.

Ele sorri.

— Não, apenas... — Desliza sua mão por meus seios. Engulo um gemido, um calor úmido se alojando no meio das minhas pernas. Desejando. Ansiando. — Não sei dizer o que é...

E então ele está me beijando e me levando para a cama. E não há mais lugar para conversa. Rolo por cima dele, encaixando nossos corpos, porque o desejo é fremente de novo. E nos movimentamos juntos, naquele vai e vem perfeito, deixo meus lábios correrem por seu queixo, sua boca, enterro minhas unhas em seus ombros jogando a cabeça para trás, deslizando numa doce inconsciência até gozarmos ruidosamente, perdidos num mundo de prazer.

Depois, deito com sua cabeça em meu peito, meus dedos acariciando seus cabelos suados.

E me permito viver aquela pequena fantasia na qual ele é meu.

Não me importo. Podia ser a decisão mais egoísta que tomei na minha vida, mas não queria acordar daquele sonho. Não ainda.

Eu vou vivê-lo como se eu fosse a personagem de um dos meus livros. Naquele momento eu sou esposa daquele homem. Eu sou Melanie Carter. E, quando ela voltar... Não, não quero pensar nisto.

Melanie está vivendo sua própria fantasia também, com a vida dos seus sonhos e outros homens.

E eu ia me permitir viver a minha.

Sem pensar no amanhã.


Capítulo 23


Quando acordo estou sozinha como na noite anterior, ainda é cedo, acordei no meu horário habitual. Arrumo-me e saio do quarto para cuidar de Mandy e Anthony, Olívia também não demora a aparecer.

Eu me aproximo e beijo seu rosto, ela continua reticente, embora não me rejeite o que considero uma pequena vitória.

Connor aparece de banho tomado depois de sua corrida matinal e mordo os lábios para não suspirar. Vejo-o dando um beijo de bom dia nas crianças e me pergunto, entre ansiosa e temerosa, se também ganharei um beijo hoje. Tudo era diferente agora e, se por um lado me sentia feliz, por outro temia, por mais que quisesse ignorar, ainda havia uma montanha de problemas à nossa volta.

Quando ele se aproxima, minhas mãos seguram a xícara de café com força, em expectativa, até que sinto seu beijo em minha testa. E depois na minha boca. É leve e rápido, porém suficiente para me deixar suspirando e com um sorriso bobo no rosto.

— Bom dia — ele diz se servindo de uma xícara de café.

— Bom dia — respondo, um tanto vermelha.

Quando olho para a mesa, Olívia está nos encarando de forma estranha e me pergunto o que se passa em sua cabecinha. Com certeza há tempos que ela não via os pais se beijando.

Será que isso a deixa mais segura ou piora tudo? Não sei dizer.

Naquela tarde, deixo Anthony com Helen para levar Mandy à escola, quando retorno, sinto uma vontade louca de fazer uma visita a Connor na oficina. A verdade é que, agora que ficamos juntos, não consigo parar de pensar nele por nem um segundo. Estou viciada em Connor Carter. Como todo viciado, sei que este vício pode acabar muito mal para mim, mas não consigo parar.

Estaciono em frente à casa dos Carter e caminho até a oficina, sentindo meu estômago revirar de ansiedade e, quando chego lá, Camila está sozinha no galpão.

Ah, droga, tinha me esquecido daquela sonsa.

— Ora, ora, quem veio fazer uma visita... — Ela sorri de modo afetado.

— Onde está Connor?

— Foi fazer uma entrega, já deve estar voltando. E você? Veio fazer o que aqui?

— Não é da sua conta! — Dou meia volta para sair, ela me chama.

— Já se cansou de brincar de esposa perfeitinha?

Eu me viro irritada.

— E você não está cansada de ficar dando em cima de homens casados?

Ela levanta a sobrancelha.

— Hum, está com ciúme?

— Eu deveria?

— Você que está dizendo... Devia ser mais segura Melanie. Afinal, não é a esposa perfeita agora? Parece que todos os Carter estão encantados com esta nova Melanie, tão amorosa, tão boa mãe... Até Natalie está te defendendo.

— E isto é ruim para você, não é? Já que voltou para tomar meu lugar.

Ela não nega.

— Você tinha dado o fora!

— Eu voltei. E se eu fosse você voltava para sua casa e para seu marido, antes que fique sem ninguém, porque nunca vai ter o Connor!

Meu Deus, eu estava realmente discutindo com aquela mulher por causa de Connor?

— Eu não teria tanta certeza... Talvez eu fique aqui, esperando você se cansar de brincar de casinha e finalmente dar o fora e não voltar nunca mais da próxima vez.

— Melanie? — Antes que eu consiga responder aos impropérios de Camila, Connor surge na porta da oficina.

Sem pensar eu me aproximo e, ficando na ponta dos pés, beijo sua boca com vontade.

Escuto um assovio ao mesmo tempo em que Connor me afasta, com o olhar confuso.

— Isto é o que eu chamo de beijo! — Sam está rindo, entrando na oficina e eu nem tinha percebido sua presença.

Fico vermelha.

— O que foi isto? — Connor franze a testa e eu congelo, ele não está reagindo do jeito que eu esperava. Fico mais sem graça ainda, só não vou dar o braço a torcer na frente de Camila.

— Nada, vim fazer uma surpresa — e me viro para Camila, passando os braços em volta da cintura de Connor —, infelizmente só a Camila estava aqui.

— Eu disse que você tinha ido fazer uma entrega — Camila se intromete.

— E eu estava pensando em te esperar...

— Connor está trabalhando, Melanie! — ela sibila, irritada.

— Mas eu posso ficar aqui, esperando meu marido.

— Nossa, quanta insegurança.

Connor suspira irritado, retira meus braços de sua cintura e me leva para fora da oficina.

— Que diabos está fazendo?

— O quê? Está irritado comigo?

— Você sabe muito bem por quê. Toda aquela cena para provocar a Camila.

— Como é? A sua ex não pode ser provocada? Nossa quanta consideração!

— Vamos começar com esta porcaria de novo? Veio aqui para me vigiar?

— Não! Também não sou obrigada a aguentar Camila dizendo que o quer de volta.

— O que... que absurdo é esse? Então eu tinha razão, estamos de novo nesse estágio? Que merda, Melanie!

— Não acredito que está brigando comigo e ficando do lado daquela sonsa da Camila.

— E eu não acredito que veio aqui para fazer cenas infantis! Achei que não fosse mais assim.

Perco o ar com aquela acusação.

— Ah é? Eu sou errada agora, enquanto a santa Camila não pode ser irritada, vá se foder, Connor!

— Está sendo ridícula! Você veio até aqui e fez uma cena só para criar confusão, estou de saco cheio deste tipo de comportamento, sabe muito bem.

— Que ótimo! Então fique aí com Camila, já que a prefere. E pode voltar a dormir no sofá também! — grito e saio correndo sem olhar para trás.

Que merda eu estava fazendo? É o que passo a tarde me perguntando, depois da discussão com Connor. E, cada vez que a retomava em minha mente, mais ridícula me sentia.

Eu tinha primeiro discutido com Camila, entrado no jogo cretino dela, cujo objetivo era me fazer ficar com ciúme. E depois havia me agarrado a Connor na frente dela apenas para provocá-la e provar um ponto.

Connor tinha toda razão, fui absurda e infantil. Provavelmente agindo exatamente como Melanie. E agora ele acreditava que eu não havia mudado nada neste quesito. E eu ainda terminei a discussão dizendo que ele podia voltar para o sofá.

“Será que não seria melhor assim?” Uma vozinha cheia de sensatez sussurra em meu ouvido, enquanto meu coração diz exatamente o contrário e só pensa em consertar aquilo.

Quando Connor chega em casa com as crianças à noite, ele está com o semblante fechado, lembrando muito o Connor de quando eu cheguei em Lakewood. Sinto vontade de correr para ele, de me agarrar em sua camisa e pedir desculpas, porém fico na minha.

Cumprimento as crianças, beijando cada uma, Olívia ainda daquele jeito amuado e Mandy toda carinhosa.

— Quem está com fome?

Eu as levo para jantar e Connor se afasta com Anthony

— Vou colocar Anthony para dormir.

Mandy tagarela sobre seu dia e tento arrancar alguma conversa de Olívia, sem muito sucesso.

Quando elas terminam Olívia declina o convite de assistir um filme, como sempre e vai para seu quarto e Mandy se enrosca em mim, sonolenta.

— Acho que está na hora de dormir.

Eu a levo para o quarto preparando-a para dormir, Connor já não está ali com Anthony, que dorme um sono tranquilo. Onde será que se meteu?

Conto algumas historinhas para Mandy e quando ela finalmente pega no sono, vou até o quarto de Olívia que está dormindo também. Aproximo-me, arrumando suas cobertas e beijando seu cabelo.

E vou à procura de Connor que não está em lugar nenhum.

Ele saiu e eu nem vi? Sinto um aperto no peito. Será que íamos voltar à estaca zero? Com Connor distante e frio? Me odiando? Sinto vontade de chorar só de pensar. Talvez antes fosse mais fácil, quando eu era apenas a substituta e sabia que a sua raiva era dirigida a outra mulher. Agora a culpada era eu, mesmo sendo resquício de uma raiva antiga. E isto doía.

Fico ali na varanda esperando por sua volta, ele não aparece, então vou para o quarto, coloco a camisola e me deito atenta a qualquer movimento. Até que escuto a porta se abrindo e passos pela casa. Prendo a respiração na expectativa de que ele entre no quarto a qualquer momento, mas, pelo visto, ele levou a minha sugestão de voltar a dormir no sofá a sério porque escuto todas as luzes sendo apagadas e depois o silêncio.

Por um momento, razão e emoção de digladiam no meu interior. Sei mais do que nunca que era melhor assim. Deixar tudo como era antes. Eu já estava envolvida demais naquela farsa sem tamanho.

Porém eu sentia falta dele em meus ossos. A cama parecia vazia demais sem sua presença. Meu corpo frio demais sem suas mãos para me agasalharem.

Então me levanto saindo do quarto e, como previ, Connor está deitado em sua cama improvisada no sofá. Eu me aproximo e sento do seu lado. Connor abre os olhos na semiescuridão.

— Me desculpe — murmuro. — Você tinha razão, fui ridícula. Eu só... estava com ciúme.

— Não tem motivo para ter ciúme de Camila, Melanie — ele diz com a voz cansada.

— Você sabe, bem no fundo, os motivos de ela ter voltado.

— Os motivos dela não me interessam. Nossa história acabou há muito tempo.

— Talvez devesse dizer isso a ela com todas as letras.

— Nosso problema não é Camila — ele diz com amargura, deixando meu coração pesado.

Ah, Connor, você não faz ideia.

— Nosso problema é você achar que não posso mudar, não é? Acha que continuo sendo a mesma Melanie, é disso que tem medo?

— Você sabe que tenho motivos de sobra para me sentir inseguro. — A dor em sua voz quebra minhas defesas. Connor é um cara que já foi tão ferido que só tenho vontade de abraçá-lo e protegê-lo de todo o mal.

Mas quem vai protegê-lo de mim? De minhas mentiras?

— Também me sinto insegura, já parou para pensar nisso? — digo com minha voz embargada.

E sinto a mão de Connor na minha.

— O que vamos fazer? — pergunta baixinho.

Eu fico olhando para aquele homem. Tão inseguro. Tão quebrado.

E penso no vazio da minha vida. Do quanto desejei ter alguém exatamente como ele do meu lado, e o quanto é injusto que eu o tenha agora apenas por tão pouco tempo.

Mas o que é o tempo? Ele pode ser infinito, enquanto eu sonhar.

Respiro fundo, lutando para desfazer o nó na minha garganta.

— Vamos fazer um acordo. — Seguro suas mãos na minha. — Não sou mais Melanie... Sou Mel — sussurro contra seu olhar confuso. Esperançoso. E me dá esperança também. — Não pense mais no passado, em quem eu era. O que nós éramos. Somos duas pessoas diferentes agora. Que acabam de se conhecer. — Bem, isso não era mentira. — E vamos viver um dia de cada vez.

Ele hesita como se tentasse entender e fico com medo. Por fim, ele solta minha mão e toca meu rosto.

— Muito prazer, Mel...

Fecho os olhos, minha alma suspirando de puro contentamento.

— Fale de novo — murmuro contra sua boca, que está tão próxima da minha.

— O quê?

— Me chame de Mel.

— Mel... — Ele beija meus lábios de leve. — Mel... — Beija meus olhos fechados. – Mel... — E sua boca toma a minha.

E sinto como se fosse o primeiro beijo de todos.

O primeiro beijo de muitos.

E de novo estou em seus braços, enquanto ele me abraça com desejo, gemendo dentro da minha boca, e toco seu rosto com barba por fazer, encaixando meu corpo ao dele com avidez.

— Faça amor comigo — sussurro quando seus lábios traçam um caminho úmido até meu pescoço, sua mão achando o caminho para o meio de minhas pernas, onde anseio por ele mais do que nunca.

— Sim... — Ele começa a tirar minha roupa e então para. — Não podemos ficar aqui...

Eu abro um sorriso malicioso.

— As crianças estão dormindo... Acho que tenho uma fantasia de transar com você aqui... — Ele sorri de volta, fazendo meu pulso acelerar mais ainda e continua a tirar minha roupa e faço o mesmo com a dele, ansiosa para senti-lo inteiro contra mim. Quando finalmente estamos nus, nossas peles quentes roçando, mil faíscas nos fazendo gemer e suspirar, deixo minhas mãos correrem, mapeando seu corpo, fechando os olhos quando ele desliza para fazer o mesmo caminho no meu, não só com as mãos, mas com a boca e a língua, me fazendo arquear e tremer, fraca de necessidade fremente.

Corro minhas mãos afoitas por seu peito até sua ereção incrível, adorando ouvir Connor gemer roucamente em meu pescoço.

— Me leve para dentro de você. — Ele morde minha orelha e faço como ele mandou, então nós dois nos encaixamos à perfeição, nos movendo juntos naquela dança sublime. E quando ele goza dentro de mim sinto lágrimas em meus olhos quando sussurra em meu ouvido “Mel...”

Depois ele me leva finalmente para a cama e me abraça, seu corpo se encaixando atrás do meu no sono e, bem no fundo do meu coração, rezo para que me seja concedido um milagre e que eu o tenha assim para sempre.

Na manhã seguinte, quando Connor entra na cozinha, estou com Anthony no colo, ele se aproxima depois de beijar Olívia e Mandy e beija de leve meu rosto, servindo-se de café.

— Bom dia, Mel.

Sorrio com mil borboletas sobrevoando meu estômago.

— Você chamou a mamãe de Mel? — Olívia questiona confusa.

— Sim, é como eu quero ser chamada — respondo simplesmente.

— Vou ter que chamar a mamãe de Mel também? — Mandy pergunta e nós rimos.

Menos Olívia. O que faz minha felicidade se arrefecer um pouquinho. E digo a mim mesma para ter paciência. Talvez esta nova intimidade seja confusa para ela digerir também.

Naquela noite, quando pego meu celular, vejo que tem um recado de Melanie. Minha mão treme e hesito em escutá-la.

No fundo sei que, dependendo do que tiver ali, será o fim da minha ilusão.

Então ignoro a mensagem e, em vez disto apanho o notebook e vou stalkear os últimos passos de Melanie como Mel Blake.

Há apenas uma foto dela com algumas leitoras na saída de um evento literário. E um recado de Melanie chamando os leitores para uma sessão de autógrafos em Paris na tarde seguinte. Não há sinal do homem com ela antes.

Bem, ela continuava com os nossos planos originais. Talvez nem tivesse se importado com minhas mensagens implorando para que voltasse.

Quero dizer que estou brava com isso, porém, bem no fundo, sinto alívio.

A verdade é que ainda não estou preparada para abrir mão da minha ilusão com Connor. Não quero pensar no que vai acontecer ou nas consequências dos meus atos. Não agora.

Pela primeira vez, quero ser um pouquinho egoísta.

Então quando ele chega, sorrindo para mim daquele jeito lindo, beijando minha boca levemente e nos sentamos com as crianças para jantar, deixo-me levar mais um pouquinho por aquela doce fantasia. Onde Connor é meu marido de verdade e aqueles são meus filhos.

Jogo para o fundo da minha mente o medo do futuro, quando ele me abraça e faz amor comigo.

E nos dias que se seguem, flutuo naquele lindo e perigoso devaneio, ignorando a mensagem de Melanie e apenas stalkeando seus passos para garantir que ela ainda está bem longe de Lakewood.

Sei que um dia, eu terei que acordar daquele sonho, porém o que me acorda em uma noite, não é um sonho e sim um pesadelo.

Nele, eu caminho pelo bosque atrás da casa, numa manhã fria e cinzenta de Lakewood, até que vejo uma mulher de costas. Parece Melanie. Estremeço de susto, quando ela se volta, não é Melanie. É minha mãe.

— Mãe?

— O que está fazendo Mel? — Sua voz está cheia de decepção. — Não tem vergonha do que está fazendo com sua irmã?

— Ela não quer estar aqui! Ela foi embora! — defendo-me.

— E isso te dá o direito de roubar seu marido? Seus filhos?

— Foi ela quem me mandou! Por causa dela estou nesta enrascada!

— Tem certeza? Ou foi o desejo de conhecer aquele homem da foto? O marido dela? De poder fingir que tem a família que sempre quis ter?

— Não.

— Você sabe que tenho razão. Pare de culpar Melanie.

— Mas ela odeia esta vida! Ela não quer nem os filhos e nem Connor e eu os amo! Por que eles não podem ser meus? — grito por entre minhas lágrimas.

— Você está construindo uma armadilha para si mesma, Mel. Nada de bom pode surgir das mentiras que você e sua irmã inventaram.

— Eu só queria ser feliz.

— Ela também. Mas a que preço? Vocês precisam resolver essa confusão. Acorde Mel, antes que seja tarde.

Acordo com um tremor e Connor está me tocando.

— Mel, o que foi? Estava tendo um pesadelo?

Soluço, sem conseguir me virar e fitá-lo.

— Fale comigo!

— Por favor, não pergunte nada — sussurro, e ele apenas me abraça.

Depois de alguns momentos, estou mais calma e percebo que Connor dormiu.

Eu me desvencilho dos seus braços e pego o celular saindo do quarto.

Sento na varanda escura e finalmente escuto a mensagem de Melanie.

— Irmã, não sabe como fico com meu coração aliviado por saber que tudo está melhor aí em Lakewood. Tenho certeza de que isto aconteceu por sua causa, pela pessoa boa que você é... — Ela hesita por um momento. — Sei que preciso voltar, porém você sabe que tenho um trabalho a fazer aqui, por você. Está tudo dando certo, Melanie, não percebe? Nós somos perfeitas na vida uma da outra. — Sua voz tem um que de tristeza que eu entendo. Entendo demais. — Preciso desligar. Aguente mais um pouco. Seja forte. Cuide bem da minha família. Prometo que tudo vai ficar bem. Eu prometo.

E é só.

Suspiro. Melanie não fazia ideia.

Nada ia ficar bem. Não depois que ela voltasse.

Sinto-me morrer um pouquinho.

Então disco seu número. E cai direito na caixa postal.

Respiro fundo.

— Melanie, irmã... Nada vai ficar bem. Preciso te confessar uma coisa que devia ter confessado há muito tempo — minha voz embarga —, eu me apaixonei pelo Connor. Eu sinto muito... sinto muito. — Os soluços tomam meu peito. — Não pude evitar. E agora não sei o que fazer. Só acho que precisava ser sincera, eu... Eu vi você com aquele homem, Melanie, e não resisti mais, dormi com o Connor e sei que nem posso te culpar agora, porque sou mais errada do que você. Eu sinto muito. Não sei como vamos resolver esta situação.

Desligo e continuo ali, chorando sozinha no escuro, até não restarem mais lágrimas dentro de mim e o dia já ter amanhecido.

— Mel? — Connor aparece na varanda e, por um momento, penso em contar tudo.

Eu podia acabar com tudo neste exato momento.

Porém ele se aproxima de mim, senta-se ao meu lado, seus dedos em meus cabelos, puxando-me para que eu descanse minha cabeça em seu ombro.

— Por favor, diga que não vai embora de novo — ele pede, inseguro, e sinto meu peito se apertar de mil maneiras.

Deus, como poderei deixar este homem? Como posso decepcioná-lo?

Só mais um dia, digo a mim mesma. Só mais um dia e vou contar tudo. Melanie já sabe de tudo e não me surpreenderei se ela voltar correndo.

Então eu vou viver mais um dia.

— Não, não vou a lugar nenhum — respondo, beijando seu queixo e me aconchegando em seus braços.

Apenas mais um dia.


Capítulo 24

 

Quando Connor perguntou se hoje eu iria fazer o que sempre faço aos sábados, a velha rotina de Melanie de ir ao cabeleireiro de Lilian, eu expressei o desejo de que passássemos o dia juntos. Eu tinha ciência de que meu tempo com aquela família estava mais contado do que nunca e queria aproveitar ao máximo o que ainda me restava.

Claro que eu sabia que geralmente Connor trabalhava aos sábados, para meu alívio, ele aceitou de pronto e disse que podíamos ir à praia. O tempo não estava bom, como na maioria das vezes, embora o outono estivesse no começo, sugeri um piquenique, o que foi muito bem aceito pelas crianças. Até Olívia pareceu animada.

E realmente foi uma boa ideia. O dia estava cinzento, mas mesmo assim lindo. Estendemos nosso cobertor na areia e comemos sanduiches, Mandy e Olívia foram brincar com uma pipa que Connor comprou para elas no caminho.

Agora eu os observo, enquanto nino Anthony em meus braços, Connor sorrindo enquanto as ensina a colocar a pipa no ar e elas pulam animadas, com os pequenos pés descalços afundando na água.

Uma mistura de emoções desencontradas contrai meu peito.

Desde meu pesadelo na noite anterior, já não conseguia agir como se tudo fosse normal. Como se fôssemos uma família normal. Minha fantasia estava pouco a pouco se desvanecendo como aquelas ondas quebrando na areia.

E o pior de tudo é que me sentia mais ligada a Connor do que nunca. Talvez ele intuísse, sem nem mesmo saber por que, que nosso tempo estava contado. Ele pediu para eu dizer que não ia embora novamente, como se soubesse no fundo do peito que o que estávamos vivendo era um sonho e que a qualquer momento iríamos acordar. Mesmo assim, de vez em quando ele sorri para mim, fazendo meu coração inchar de amor e medo. Era lindo e doloroso ao mesmo tempo.

E no fundo da minha mente, uma pergunta martelava. O que ia acontecer?

Eu estava certa de que deveria contar a verdade a ele, porque não suportava mais mentir. No entanto, saber da dor que ia trazer, não só a ele, mas à toda família, me fazia desejar nunca precisar falar nada.

Melanie já sabia a verdade e eu não tinha ideia do que ela ia fazer. Ficaria furiosa? Ou nem se importaria, feliz com sua vida de mentiras, viagens glamorosas, liberdade e flertes com outros homens? Ela nunca foi feliz com Connor e os filhos. Transformou a vida de todos e a sua própria numa sucessão de dias ruins, sem perspectiva de felicidade. A verdade é que se não estivermos felizes, não podemos fazer os outros felizes também. Infelicidade gera infelicidade.

O que aconteceria se eu deixasse as decisões nas mãos de Melanie? Será que ela voltaria ao fim dos dois meses e continuaria como se nada tivesse acontecido, assumindo seu lugar naquela família e eu simplesmente partiria? Connor nunca descobriria a troca. Nunca sofreria. Nem ele nem suas crianças. Em vez de me sentir aliviada com um desfecho como esse só sentia um vazio sem fim.

Ou talvez Melanie não quisesse voltar nunca mais. E então, eu poderia ficar? Fingindo eternamente que sou Melanie? Desfrutando de uma vida com Connor e seus filhos, o transformando em meu marido e àquelas crianças em meus filhos. Tenho certeza de que os faria feliz, porque eles me faziam feliz. Mas a que preço? Eu conseguiria passar a vida inteira sob o peso da mentira?

Acho que era ilusão demais pensar nesta alternativa. Eu mal conseguia conviver com aquela farsa agora, quem dirá o resto da vida.

Connor retorna e senta ao meu lado.

— Tudo bem? — pergunta me estudando. E sei que ele sente que há algo errado, só não sabe o que é. — Você parece distante... — Sua voz está um tanto ressentida. Será que estaria lembrando de todas as vezes que Melanie ficou distante?

Sorrio para tentar despreocupá-lo. Querendo aquela magia da ilusão de novo, ao menos um pouquinho.

Um pouquinho mais.

— As meninas amaram a pipa — desconverso, e ele sorri, olhando as filhas brincando felizes. — É bom ver Olívia sorrir.

— Sei que fica chateada com ela.

— Claro que fico, mas entendo.

Ele toca minha mão.

— Precisamos ir embora daqui a pouco.

— Já? Por quê? — Não quero ir embora.

— Olívia tem uma apresentação na escola hoje no fim de tarde.

— O quê? Que apresentação, eu não estava sabendo de nada!

— Ela me disse hoje de manhã.

— Ela devia ter me dito.

— Não se cobre tanto, Olívia é muito orgulhosa.

— Só comigo — digo baixinho, magoada, e Connor me puxa para perto, fazendo minha cabeça deitar em seu peito e passando os braços a minha volta.

— Tudo vai ficar bem — sussurra contra meus cabelos, e fecho os olhos. Querendo acreditar.

Não sei quanto tempo se passa até que Connor fica tenso em minhas costas e abro os olhos para sentir o sangue gelar ao ver ninguém menos que Zane caminhando pela praia ao lado de sua noiva, Maria.

Sem pensar, viro o rosto e olho para Connor que está com o maxilar contraído. O que é isso? Ele não gosta de Zane?

Ou desconfia de algo?

Meu estômago revira.

Volto de novo a atenção para Zane ele está passando por Olívia e Mandy. E fico ainda mais tensa quando ele para e conversa com as meninas, chegando até a pegar a linha de Mandy colocando sua pipa ainda mais no alto, para o prazer da criança que ri e pula empolgada.

Sua noiva Maria não parece nem um pouco contente observando tudo com o semblante fechado.

— Idiota! — Connor resmunga e se levanta.

— O que foi, Connor? — Indago apreensiva.

— Não gosto desse cara com as minhas filhas.

Quero perguntar por que, mas tenho medo da resposta.

Connor se afasta na direção deles e fico ali, sem saber o que fazer, temendo pelo pior.

Ao ver Connor se aproximando, Zane devolve a linha para Mandy e segura a mão de Maria, acenando e continuando seu caminho. Depois de alguns passos em outra direção, ele se vira e pisca para mim.

Que cretino!

Desvio os olhos me perguntando se Connor viu.

Algum tempo depois Connor retorna e diz que devemos ir embora. Ele não parece irritado, embora esteja um tanto distante. Nós pegamos nossas coisas e entramos no carro, aproveito para questionar Olívia.

— Que apresentação é esta de hoje à tarde?

— Não é nada.

— É algo sim e devia ter me contado!

Ela dá de ombros.

— Você precisa de alguma coisa? — insisto, e ela morde os lábios. — Olívia?

— É um musical. Preciso de um vestido de princesa. Vou pedir para a tia Natalie conseguir um para mim.

— Não vai nada, eu vou providenciar.

— Você nunca se interessa. Duvido que vá conseguir!

— Olívia, já chega! — Connor a repreende.

E nós passamos o resto do percurso em silêncio.

Quando chegamos, Mandy está reclamando de dor de cabeça e seu rostinho está um pouco quente. Ela também tosse um pouco e eu fico preocupada, mas ela adormece em seguida e eu me lembro que tenho que conseguir o vestido para Olívia.

— Preciso arranjar o tal vestido para Olívia!

— Acha que consegue alguma coisa? Está em cima da hora.

— Eu tenho que conseguir, mas estou preocupada com Mandy.

— Eu fico de olho. Daqui a pouco vou levar Olívia à escola, ela tem algumas horas de ensaio antes, mas peço para minha mãe vir olhar Mandy e Anthony.

— Certo, diga a Olívia que levarei o vestido na escola.

E sem pensar fico na ponta dos pés e o beijo.

— Me deseje sorte!

Ele sorri e penso que inventei aquela distância que havia imaginado depois do encontro com Zane.

— Boa sorte!


— Melanie! O que faz aqui? — Lilian pergunta quando chego em seu salão.

— Preciso de ajuda.

— Que ajuda?

— Olívia tem uma apresentação na escola e precisa de um vestido de princesa, onde diabos posso arranjar isso?

— Para hoje?

— Pois é!

— Devia ter procurado antes, Melanie! Hoje vai ficar difícil.

— Ela só me avisou hoje, a culpa não é minha!

— Entendi. Não fique nervosa.

— Não estou nervosa, só preciso que me ajude.

— Certo, já estou fechando e a gente vê o que consegue fazer.

Eu ajudo Lilian a fechar o salão e ela diz que tem uma ideia, em seguida faz uma careta.

— Que ideia?

— Na verdade, acho que não seria viável...

— Fala logo!

— Podemos ir na Doris.

— Que Doris?

— Como assim que Doris? A Dona da loja de vestidos de gala, a única desta cidade, esqueceu?

— Certo, acha que lá pode ter roupa de criança?

— Claro que sim, só é bem caro, não vai dar para gastar tanto num vestido para uma peça.

— Não tem problema, eu pago.

— Melanie, sabe que os vestidos lá são bem caros, não acho que consiga pagar.

— Darei um jeito. É uma emergência.

— Está bem, se insiste.

Entro no carro, deixando o de Lilian seguir na frente, pois não faço ideia de onde fica a tal de Doris.

Ao chegarmos lá uma bonita e espalhafatosa senhora ruiva artificial nos atende com um sorriso surpreso.

— Ora, ora, não vejo vocês por aqui desde o baile de formatura! Quer dizer, você né Lilian? Melanie não foi ao baile, se bem me lembro.

Eu rolo os olhos, não interessada naquele papo furado.

— Preciso de vestido de criança, estilo princesa, você tem?

— Claro que sim, tenho alguns, eles são bem caros.

— Quero ver — insisto, e a mulher retira alguns da arara.

— Este é lindo — Lilian diz, segurando um rosa de corpete de brocado e saia de tule.

— Parece com o de uma princesa?

— Se colocar uma tiara, ninguém vai dizer que não é. — Ela olha a etiqueta. — E uma princesa rica, pelo preço.

— Certo, vou levar.

— Melanie, tem certeza?

Vou para o caixa e pego o dinheiro. De repente, noto uma adolescente que estava olhando alguns vestidos me encarando curiosa. Que diabos?

De repente ela se aproxima.

— Oi, sei que parece louco, mas você não é a Mel Blake?

Eu empalideço e olho em direção a Lilian, mas ela está do outro lado da loja, verificando algumas araras.

— Não, está me confundindo.

— Nossa, é muito igual, nunca te disseram isso?

— Eu nem sei quem é essa Mel Blake. — Eu olho para Doris que está me devolvendo o troco, curiosa.

— Sim, quem é ela? Nunca ouvi falar.

— É uma escritora. Mas ela escreve livro de adolescente, por isso vocês nem devem conhecer.

— É... Eu preciso ir. — Pego a sacola e me afasto, acompanhando Lilian para fora da loja.

— Melanie, tem certeza de que não vai te criar problema? Como tinha todo aquele dinheiro? Connor pode ficar bem bravo.

— Eu tinha um dinheiro guardado. E era uma emergência — justifico. — Preciso ir para a escola de Olívia levar o vestido. Obrigada pela ajuda.

Entro no carro e vou para a escola, torcendo para que tudo dê certo e o vestido sirva.

Entro na escola, seguindo o movimento, e consigo encontrar o auditório onde algumas crianças ensaiam no palco.

Há algumas mães assistindo, eu me sento afastada, não querendo conversa com alguém que pode achar que me conhece, seria constrangedor.

Quando o ensaio acaba, as mães se movimentam para a coxia e eu vou junto. Olívia está sentada sozinha com os olhinhos preocupados que se arregalam ao me ver.

— Oi! Acho que cheguei a tempo. E olha o que eu trouxe.

Eu desembrulho o vestido e ela parece petrificada.

— Você conseguiu.

— Eu disse que conseguiria. Acho que precisa se arrumar, não é? — Olho em volta e as mães ajudam as filhas a se trocarem.

Ela hesita.

— Você vai ficar?

— Claro que sim.

— Você nunca quis participar de nada...

— Agora eu quero e muito! — Sorrio e ela sorri de volta, ainda um tanto desconfiada.

Mesmo assim, permite que eu a ajude a trocar de roupa e fica maravilhada com o vestido.

— É lindo! — Rodopia, e noto alguns olhares admirados a sua volta.

— Sim, é o mais bonito, com certeza — expresso meu orgulho.

— Onde conseguiu um vestido tão lindo?

— Eu dei um jeito. Afinal você merece ficar linda! Agora temos que arrumar seu cabelo.

Ela já está bem mais animada enquanto prendo seu cabelo e coloco uma tiara que a professora deu para todas ficarem iguais.

— Oh, você está linda!

— Estou?

— Com certeza! Parece uma princesa de verdade!

— Crianças, vamos nos preparar para entrar. Os pais, por favor, podem ir para a plateia.

— Você vai ficar, não é? — ela pergunta, e beijo sua testa.

— Não perderia por nada no mundo.

Eu me sento na plateia que já está parcialmente cheia com os outros convidados e me pergunto se Connor virá assistir. O espetáculo começa e ele não aparece. E me pergunto por quê.

Olívia está radiante junto das outras crianças e, ao término do musical, aplaudo orgulhosamente sua performance.

— Você arrasou! — Abraço-a quando vou ajudá-la a tirar a roupa e ela sorri timidamente.

— Eu não canto bem...

— Canta sim, estava maravilhosa!

Ela fica em silêncio depois disso. E, mesmo depois que entramos no carro para ir embora, continua pensativa.

— O papai não veio.

— É, acho que ele tinha algum serviço na oficina — minto por Connor.

— Tudo bem, ele sempre vem, posso perdoar.

Fico triste ao pensar que Melanie não demonstrava interesse em ajudar a filha nessas atividades.

Quando chegamos em casa à noite está caindo e, antes que Olívia entre em casa, eu a puxo pela mão para sentarmos na varanda.

— Sei que está chateada comigo e te entendo. Queria pedir perdão por tudo. Por não ser a mãe que esperava que eu fosse, por não demonstrar interesse... — Engulo em seco, é difícil pedir desculpas em nome de outra pessoa. — Isso não quer dizer que eu não te ame. Eu só... Tenho problemas para resolver dentro de mim mesma que não têm nada a ver com vocês. Sinto muito se sofreram por minha causa — tento explicar o que deve passar pela cabeça de Melanie. — Juro que tudo o que eu quero nesse mundo é que não se magoem mais.

Ela me encara com os olhinhos confusos.

— Quero acreditar em você... — Ela começa a chorar e me faz chorar também. — Mas tenho medo de que tudo volte a ser como antes, queria que fosse sempre assim.

— Oh, querida.

Eu a abraço, trazendo-a para meu colo.

Rezando para que ela não precise ser magoada nunca mais.

Porém que garantias eu tenho? Se eu contasse a verdade, a próxima pessoa a magoá-la seria eu mesma.

O choro finda depois de um tempo e ela me encara.

— Você dizia que eu era grande demais para ficar no colo.

Sorrio.

— Não é não. Eu queria te manter sempre aqui, vai ser sempre uma bebezinha para mim, está bem?

Ela sorri de volta, beijo seus cabelos e limpo suas lágrimas com meus dedos.

— Eu te amo, ok? Nunca se esqueça!

Ela sacode a cabeça.

Quando levanto os olhos, Connor está nos encarando.

Olívia pula do meu colo e vai até ele o abraçando.

— Papai, foi tão incrível! Mamãe conseguiu um vestido lindo para mim. E eu era a mais bonita! E ela ficou comigo, me arrumou. Uma pena que não pôde ir.

— Me desculpe, querida...

— Eu disse que você teve uma emergência.

Ele não fala nada sobre a minha mentira.

Olívia corre para dentro de casa e eu encaro Connor.

Ele está me encarando de uma maneira estranha.

Será que ainda é a coisa com Zane? De novo sinto um arrepio de medo.

— Ela ama você — ele diz com uma voz esquisita, como se isso fosse admirável.

— Você está me olhando de um jeito estranho — murmuro com medo.

Ele desvia o olhar, respira fundo e percebo suas mãos trêmulas.

Deus, ele sabe sobre Zane. Só pode ser isso.

— Precisamos conversar. Algo aconteceu hoje...

— Na praia? É sobre Zane... — Sinto que vou desmaiar.

De repente somos interrompidos por Olívia que grita por Connor da porta de casa.

Nós dois corremos sem pensar.

— Mandy está doente! — ela grita apavorada. — Ela não acorda. Ela não acorda, papai.


Capítulo 25


— Pneumonia — o médico comunica horas depois, após Mandy ser atendida na emergência, para onde a levamos totalmente desesperados.

Aperto a mão da menininha que tinha me conquistado, sentindo meu coração apertar vendo seu rostinho pálido contra os lençóis.

Connor está conversando com o médico e está tão transtornado quanto eu.

Quando Olívia gritou que Mandy não acordava nós corremos para dentro para encontrá-la ardendo em febre. Connor a pegou no colo, dizendo que tínhamos que levá-la ao hospital imediatamente e só tive sangue frio para pedir a Olívia que ligasse para Natalie vir ficar com ela e Anthony que, graças a Deus, estava dormindo.

Mandy começou a vomitar no carro, chorando e reclamando de dor no peito e eu rezei o caminho inteiro para que ela ficasse bem. Chegamos ao hospital onde ela foi atendida e medicada, agora o médico nos dava o diagnóstico.

— É grave? — Connor pergunta apreensivo.

— Pneumonia sempre requer muitos cuidados, ela terá que ficar internada e só poderá ter alta quando a febre baixar.

— Mamãe, está doendo — Mandy choraminga e acaricio seus cabelos.

— Vai ficar tudo bem, meu amor.

A enfermeira entra para colocar o soro em Mandy e ela chora ainda mais, agarrando-se a mim, e sinto vontade de chorar também.

Ela se acalma depois de um tempo e acaba pegando no sono.

Sigo para o corredor, onde Connor está no celular.

— Ela está com pneumonia. Terá que ficar no hospital. – Ele me encara. — Nós vamos ficar com ela.

Ele desliga.

— Estava falando com Sam. Pedi que levasse Olívia e Anthony para a casa deles. Ele disse que Olívia quer vir para o hospital, ela está transtornada e chorando muito. E se recusa a ir para a casa de Natalie.

— Oh, Deus, coitadinha.

— Odeio pensar nela sozinha.

— Ela não está sozinha, está com Natalie.

— Inferno, ela já passou por tanta coisa — desabafa, fazendo alusão ao descaso que Olívia foi tratada antes e isso me faz dar um passo atrás. — Eu acho que devo ir acalmá-la, porém não quero deixar Mandy.

— Eu vou.

Ele me encara indeciso.

— Mandy está dormindo. Você fica com ela, e eu vou acalmar Olívia, ok? Tem razão. Ela está fragilizada demais.

— Tudo bem — ele concorda por fim, percebo que está distante comigo e de novo me recordo de suas estranhas palavras antes de Mandy passar mal.

Algo que aconteceu trouxe aquela desconfiança ao seu olhar de novo. E eu temia que tivesse descoberto sobre Zane. Como ele poderia saber? Melanie falou que Connor não sabia de nada.

Tenho vontade de perguntar, mas desisto. Connor está preocupado demais com Mandy e não é o momento para mais nada.

Ele me passa a chave do carro e volto para casa para acalmar Olívia.

Quando entro, ela está encolhida no sofá e, ao me ver, corre em minha direção. Eu a abraço.

— Fique calma, meu amor.

— O que aconteceu com a Mandy?

— Ela está com pneumonia, é uma doença que a fará ficar no hospital por um tempo para poder melhorar, mas vai ficar bem — a acalmo e noto que Natalie está ali com Anthony no colo.

— Obrigada, por cuidar deles.

— Nem precisa agradecer. Como está Mandy?

— Eu a deixei dormindo e tomando soro.

— Espero que ela fique bem.

— Ela vai ficar.

— Mamãe não quero ir para casa da tia Natalie, por favor, podemos ficar aqui? — Olívia pede agarrada a mim e, mesmo querendo voltar para o hospital para ficar com Mandy, não tenho coragem de deixá-la, não agora que recuperei sua confiança.

— Vou ficar com você, está bem?

Sam entra em casa neste momento e diz que vai até o hospital.

— Vou com você — Natalie comunica. — Quero ver Mandy, estou preocupada.

— Claro. Vou ficar e cuidar das crianças. — Ela me passa Anthony. — Você pode avisar ao Connor que vou ficar com Olívia?

— Aviso sim.

Eles se despedem e saem de casa.

Aproveito para ligar para Helen e Willian e descubro que Sam já os avisou e que eles avisaram Lilian e Adam, todos estão sabendo e a caminho do hospital.

Apesar de ela não querer, obrigo Olívia a jantar. Ela parece ainda muito abalada.

— Você quer dormir comigo? — pergunto.

Seus olhinhos se iluminam.

— Quero.

Na manhã seguinte, eu e Olívia vamos ao hospital e Mandy continua tomando soro e reclamando de dores.

— Quero ir para casa, mamãe.

— Eu sei querida, antes precisa ficar boa e tomar todos os remédios.

— Ela não quis comer nada ainda — Connor diz. Ele tem olheiras e imagino que a noite passada no hospital não foi nada fácil. — Ficou perguntando por você.

— Você não estava aqui mamãe — ela resmunga.

— Vou ficar sempre, está bem? Estava cuidando da sua irmã.

Olívia se aproxima e toca os cabelos da irmã.

— Desculpe-me, Mandy. A mamãe vai ficar sempre com você, está bem?

Sorrio em agradecimento por ela estar sendo mais madura e entendendo que a irmã doente precisa de mim.

Helen e Willian chegam ao hospital e depois de verem Mandy, vão à cafeteria e levam Olívia.

— Você deveria ir para casa — digo a Connor. — Está horrível.

Ele sorri com o semblante cansado.

— Ela me deu um susto — sussurra, tocando os cabelos de Mandy, que dormiu.

— Assustou todos nós.

— Eu não sei o que faria se algo acontecesse com algum deles. É uma sensação horrível vê-los tão vulneráveis.

— Ela vai ficar bem.

— E como Olívia ficou ontem? Fiquei bastante preocupado também.

— Ela estava fragilizada e assustada, consegui acalmá-la e acho que ela entende que Mandy precisa mais dos meus cuidados no momento.

— Mesmo assim não quero deixá-la sozinha.

— Nós podemos nos dividir.

— Você fica com Mandy, ela te chamou a noite inteira e acho que vai ficar melhor com você.

— Tudo bem.

Ele me encara por um momento e sinto que quer dizer alguma coisa. E de novo tenho medo.

— Devia ir... — Desvio o olhar para Mandy.

— Vou levar Olívia. Volto à tarde para ver como ela está.

— Certo.

Ele se afasta e eu respiro fundo.

Seja lá o que aconteceu, Connor não irá dizer até que Mandy esteja bem. Assim como eu não diria nada sobre minha farsa.

Mandy era nossa prioridade no momento.

Enquanto rezava com todas as forças para que ela ficasse bem, temia pelo amanhã.


***


Mandy ficou no hospital por mais cinco dias, monopolizando toda a nossa atenção. Eu passava todos os momentos com ela, obrigando-a a comer e a mimando para que não se sentisse triste por estar doente. Connor precisava trabalhar, quando saía passava no hospital, então eu ia para casa tomar um banho, dar jantar a Olívia e descansar. Depois voltava para dormir com Mandy no hospital e Connor ficava com Olívia em casa. Anthony estava com Natalie, que também passava no hospital todos os dias para ver Mandy.

Lilian e Adam também foram algumas vezes, e Lilian parecia esquisita, como se quisesse me dizer alguma coisa e estivesse esperando um momento menos atribulado. Eu não fazia ideia do que poderia ser.

E as coisas com Connor estavam em suspenso. Nós nos víamos muito pouco, nos momentos em que trocávamos de turno no hospital, revezando os cuidados com Mandy e ele era gentilmente educado e atencioso, mas continuava distante e às vezes eu sentia que havia uma certa raiva em seu olhar, depois achava que estava imaginando. Talvez fosse obra da minha culpa e medo.

A nossa estranha conversa interrompida pela doença de Mandy sempre voltava a minha mente me fazendo ter calafrios de medo.

Várias vezes naquela semana pensei em ligar para Melanie, mas não o fiz. Sei que devia avisar que a filha estava doente. Porém, o que ela ia fazer? Largar a turnê e correr para Lakewood? Será que se preocuparia o suficiente para acabar com nossa farsa?

Não sei dizer. Em meio a tanto caos, optei por não entrar em contato. Mesmo assim eu olhava meu celular silencioso todos os dias, esperando alguma resposta à minha mensagem, onde confessei meus pecados. Isso nunca aconteceu.

No fundo, achava que Melanie nem havia escutado minha mensagem. Talvez ela estivesse me ignorando, não querendo que eu a confrontasse sobre o homem que eu vi com ela nas fotos.

E eu tinha medo daquele silêncio. Do mesmo jeito que temia o que ia acontecer entre mim e Connor quando Mandy fosse para casa.

Finalmente, ela melhorou o suficiente para ter alta no sábado de manhã.

— Senti tanta saudade, Mandy. — Olívia a abraçou, contente, prometendo que ia deixá-la escolher todas as brincadeiras.

— Você parece exausta! — Natalie me estuda, segurando Anthony.

— Foi uma semana difícil. Aliás, obrigada por cuidar de Anthony. Ajudou muito.

— Adorei ficar com ele. — Ela sorri. — Marquei de ir na Lilian, devia vir comigo. Vai se sentir melhor, cuidar um pouco de você.

Hesito, ainda era esquisito ter Natalie me tratando com cordialidade.

— Sim, devia ir. — Connor entra na cozinha e pega Anthony do colo de Natalie. — Fico com as crianças.

— Tem certeza? — Sabia que aquela semana tinha sido difícil para Connor também.

— Sim, pode ir.

Tenho vontade de ficar ali com ele. A verdade era que agora me dava conta de que havia sentido uma saudade dolorida de sua presença e daquela conexão que tínhamos forjado. Embora temesse aquela nossa conversa.

— Então eu vou.

Quando chegamos ao salão de Lilian ela sorri, hesitando ao ver Natalie e eu juntas.

— Ora, ora, isso é novo.

Natalie revira os olhos.

— Não comece com sua psicologia barata, Lilian, sabe que detesto. Pode cortar meu cabelo?

— Claro que sim. — E seus olhos vão para mim. — Oi, Melanie. Fiquei sabendo que Mandy finalmente voltou para casa.

— Voltou. Está bem melhor.

— Fico muito aliviada e... Está tudo bem?

— Sim, por que não estaria? — Desafio, e ela morde os lábios.

— Eu não tenho o dia inteiro, Lilian! — Natalie a chama.

— Acho que vou fazer minhas unhas. — E me afasto até as manicures.

Ainda achando estranho aquele comportamento de Lilian.

No fim do dia, Lilian me chama para tomarmos um café.

— Ok.

— Posso ir também? — Natalie se convida e Lilian dá de ombros, porém percebo que não gostou muito.

E imagino que queria falar algo em particular comigo.

Nós vamos a um café e, depois de fazermos nossos pedidos, Natalie se afasta para ir ao banheiro e Lilian me encara muito séria.

— Eu queria muito falar com você.

— Percebi.

— Não queria que Natalie escutasse, então... — Ela respira fundo. — Estive em sua casa no sábado passado, no fim da tarde. Queria saber se tinha dado tudo certo com o vestido de Olívia. E Maria, a noiva do Zane estava lá, discutindo com Connor.

Empalideço.

— Você ouviu o que discutiam?

— Acho que você já sabe.

— Oh, Deus.

— Melanie, ela estava te acusando de ter um caso com o noivo dela. Pedia aos gritos que o Connor cuidasse da esposa e a afastasse do Zane senão ela iria quebrar sua cara.

— Meu Deus! — Coloco a mão sobre a boca, horrorizada.

Então minhas desconfianças eram verdadeiras. Connor sabia sobre Zane. Por isso queria falar comigo.

— Eu não fazia ideia. Como pôde trair o Connor?

— Lilian... foi há muito tempo. Eu errei, juro que não tenho mais nada com o Zane. Eu juro. E agora Connor sabe.

— Ele não falou nada?

— Ele ia falar, quando cheguei da escola de Olívia, então Mandy passou mal e acho que desistiu. A semana inteira ele estava esquisito. Preciso ir — murmuro, pegando minha bolsa. Não tenho mais como ficar. Preciso ir falar com Connor.

E o que eu ia dizer? Pedir perdão por algo que não fui eu que fiz?

Ou finalmente dizer a verdade?

Oh, Deus, eu não sei.

Só de pensar em Connor ferido por ter sido traído cortava meu coração.

— Ei, o que está acontecendo? — Natalie estranha quando volta e Lilian e eu estamos saindo do café.

— Melanie quer ir embora.

— Olha só quem encontro de novo. — Nós três viramos e vemos Zane se aproximando e sorrindo para mim.

— Ignore — Lilian sussurra, puxando-me. Zane é mais rápido e segura meu braço.

— Ei, docinho, não vai embora não...

— Tira a mão dela, seu cretino! — É Natalie quem se intromete, colocando-se entre nós.

— Ei, não se meta! O assunto é entre a Melanie e eu.

— Me intrometo, sim! Deixe ela em paz! Não está noivo?

— Não é da sua conta!

— Ei, Natalie, chega... — digo, mortificada.

— Sim, vamos embora! — Lilian puxa Natalie.

— Que idiota! — Natalie resmunga.

— Gente, está tudo bem? Preciso ir buscar meu carro. — Lilian diz.

Natalie continua resmungando, nervosa, enquanto entra no carro e eu abraço Lilian antes de entrar no carro também, encarando Natalie depois de um tempo em silêncio.

— Você sabia...

— Sim, eu sabia. Por isso te odiava — ela confessa secamente.

— Entendo...

— Você foi realmente uma idiota de se envolver com aquele cara.

— Alguém mais sabia?

— Não. Só descobri porque sua amiga Addison é meio boca aberta e gosta de fazer fofoca.

— Acho que agora o Connor sabe — conto a ela sobre o que Lilian me falou.

— É uma bela merda. Achei que tudo ia ficar bem agora.

— Eu também — sussurro baixinho, com vontade de chorar.

Natalie para o carro em frente à minha casa.

— Olha, eu te odiei por muito tempo e sabe disso. Quando descobri do seu caso, você nem estava mais aqui e eu teria te dado uma surra se tivesse descoberto antes, então Addison garantiu que você tinha terminado tudo há muito tempo.

— É verdade.

— E depois que voltou, sabe que estava com raiva. Você mesma jogou na minha cara meus motivos. No entanto... agora eu vejo que, pela primeira vez, você está disposta a fazer o Connor feliz ao se dedicar a sua família. Embora não pareça, eu torço muito por vocês.

— Mas queria que eu não voltasse para ficar com as crianças.

— Estou trabalhando nesse sentido. — Ela sorri tristemente. — Eu os amo e quero que sejam felizes.

— Eu também. Só não sei como consertar tudo.

— Você não deve desistir. Connor está apaixonado por você.

— Você acha? — Sinto meu coração disparar.

— Qualquer um vê que ele está feliz como nunca foi. Não perca essa chance. Não perca Connor.

— Não quero... mas há tanta coisa... tanta... — Natalie não faz ideia.

— Eu sei. Deve lutar. E se eu puder te ajudar... Pode contar comigo.

Saio do carro e Olívia está me esperando na varanda.

— Mamãe!

Eu a abraço e nós seguimos para dentro.

— Tudo bem por aqui?

— Sim. Mandy estava perguntando por você e a vovó veio ficar com a gente.

Entro na sala e Helen está assistindo desenho com Mandy, que sorri ao me ver. Eu a pego no colo, colocando a mão na sua testa para ver se não tem febre.

— Ela está bem, querida — Helen diz.

— Não estou mais doente, mamãe — Mandy garante e a coloco no chão.

— Onde está Connor? — pergunto olhando Anthony que está quietinho em seu carrinho, brincando com um mordedor.

— Ele teve que ir até a casa de Adam.

Mordo os lábios, será que Connor tinha ido contar a Adam sobre Melanie e Zane?

— Já que você chegou eu preciso ir.

— Tudo bem.

Depois que Helen vai embora, alimento as crianças e as deixo brincando na sala.

Vou para a varanda e fico esperando Connor.

Quando ele chega estou um poço de apreensão.

Vejo-o se aproximar, tão lindo e com um semblante impassível. E desejo poder ler sua mente. O que se passa dentro dele.

Será que me odiava?

— Oi — sussurro, meio apreensiva.

— Tudo bem com as crianças? — ele pergunta, sentando do meu lado.

— Sim, estão brincando. Mandy não teve mais febre.

— Isto é bom...

Ele não me encara. Tenho medo.

— Connor, sei que quer conversar comigo. Lilian me contou que Maria esteve aqui. Sobre as coisas que ela te disse... sobre Zane. Oh Deus, eu sinto muito.

Ele finalmente me encara.

— Sente? — Eu não entendo, o que ele quer dizer? Está duvidando de mim? Da minha sinceridade. Tento me lembrar que para Connor é Melanie quem está ali. A esposa adúltera.

De certa forma imaginei Connor gritando, furioso e revoltado se descobrisse, mas ele parece estranhamente triste.

E me pergunto se Natalie estava certa. Talvez Connor não tivesse sentimento nenhum por mim... Ou Melanie.

— Não sei o que dizer...

— Talvez não devesse dizer nada.

Realmente não consigo dizer nada. Como posso inventar desculpas para um erro que não fui eu que cometi?

— Eu já desconfiava.

— O que?

— Eu poderia ter brigado na época... A verdade é que no fundo, não me importava. Acho que entendo as razões. — Ele respira fundo. — O casamento era uma merda para todos os envolvidos e a culpa foi minha também. Eu devia ter feito algo, lutado ou... desistido.

Sinto vontade de chorar.

— Você me odeia?

Ele finalmente me encara.

— Está me perguntando se odeio a antiga Melanie?

— Me odeia agora? Quem eu sou agora?

— Eu queria dizer que sim... Tenho tantos motivos para dizer sim... então eu olho para você... O jeito que trata as crianças, como elas te amam, como estão felizes... como cuidou de Mandy...

— Eu as amo também.

— Até quando? Até quando vai ficar satisfeita aqui brincando de casinha?

Engulo o nó na minha garganta. Sentindo sua dor.

Queria tanto dizer que nunca mais iria magoá-lo.

Eu sabia que era mentira.

Quando ele descobrisse a verdade...

— Papai — Mandy aparece e abraça Connor.

Eu me viro, enxugando algumas lágrimas que teimam em cair.

— Oi, meu amor.

— Vem brincar comigo!

Ele entra com ela e eu permaneço ali, perdida em minha dor.

Até que meu celular toca e vejo que é Lilian.

— Oi, Lilian.

— E aí? Connor conversou com você, falou alguma coisa?

— Sim... Não falou muito, mas o suficiente. Ele disse que já desconfiava... — conto a ela nossa conversa.

— Ah, Mel, se ele não brigou talvez tenha uma chance de ele perdoar. E ele disse que não te odeia...

— Você não entende.

— Connor esteve aqui conversando com Adam. Como sempre, ele não quer me dizer nada e pediu para eu não me intrometer.

— Acho que é o melhor a fazer.

— Sinto muito, mas não posso ficar de mãos atadas.

E ela desliga sem falar mais nada.

Já anoitece quando entro em casa e Connor continua ali brincando com as crianças. Eu vou para a cozinha e faço o jantar.

E me surpreendo quando Lilian aparece.

— Lilian, o que faz aqui?

Ela sorri.

— Depois que desliguei, falei com a Natalie. Afinal, ficou claro, na briga com aquele idiota, que ela já sabia de tudo. Aquela lá tem uma intuição que nunca vi.

— Continuo não entendendo.

— Nós conversamos e bolamos um plano. — Ela pisca.

— O quê?

— Oi, Connor. — Ela olha além de mim, e me viro para ver Connor entrando na cozinha segurando o celular.

— Acabei de receber um recado estranho seu, Lilian.

— Ah, eu queria te adiantar o assunto. — Ela sorri. — E aí, tudo bem?

— Que diabos está acontecendo? — questiono, confusa.

— Lilian e Natalie, aparentemente, armaram uma espécie de encontro para nós — ele diz, impassível.

Arregalo os olhos e encaro Lilian.

— Como é?

— Sim, vocês passaram por maus bocados esta semana, cuidando de Mandy e acho que precisam relaxar. Então eu e Natalie tivemos a ideia de dar a vocês uma noite livre. Sugerimos que fossem jantar. E, claro, eu cuido das crianças!

Connor e eu nos encaramos e tento descobrir o que ele está pensando.

— E nem pensem em recusar! Natalie está vindo para me ajudar, se estão preocupados com minha falta de experiência.

— Não sei o que dizer — murmuro indecisa.

— Não diga nada! Por que não vai tomar um banho e se arrumar um pouquinho, Connor?

Encaro Connor, apreensiva, esperando que ele vá dizer que não vai sair comigo, mas ele apenas assente e se afasta.

Lilian sorri toda animada.

— Ele aceitou! Viu?

— Vocês são loucas!

— A gente só quer ajudar! O primeiro passo foi dado, agora é com você. Acho que sabe o que fazer! — Ela pisca maliciosamente. — Hum, que cheiro bom, estou morrendo de fome.

— Eu estava acabando de preparar o jantar.

— Hum, que delícia! — Ela enfia o garfo dentro da panela de macarrão, sem cerimônia.

— Lilian!

— Oh, desculpe-me. É que eu ando meio faminta, sabe...

Ela fica vermelha.

— Acho que para você eu posso contar. Estou grávida.

— Oh, que bom! Parabéns! — Eu a abraço.

— Estou tão feliz.

— Eu imagino.

— Demorei para engravidar sabe... Eu tinha certo medo, quer dizer, ainda tenho, de não ser uma boa mãe. Mas acho que todas nós temos esse instinto, não é?

Penso em Melanie, em sua falta de interesse pelos próprios filhos, em sua infelicidade com aquela vida.

— Não, não temos — discordo — A sociedade quer que a gente seja assim, mas, na verdade, maternidade não é para todas nós. Algumas mulheres não estão prontas. E talvez seja um pouco cruel forçá-las.

— Você era assim? Está falando de você? Mas você mudou! É outra pessoa! É quase inspirador o jeito que cuida dos seus filhos, está me inspirando a não ter medo.

— Ah, Lilian, não tenha medo. Se você quer ser mãe, seja! Só falei que, às vezes, algumas mulheres não têm este instinto ou demoram a ter. Cada um sabe o que quer na vida.

— É, tem razão. Agora vá se arrumar. Eu estou prevendo uma noite mágica para você.


Capítulo 26


Connor me fita sob a luz da varanda, depois de Lilian nos colocar para fora, dizendo um malicioso divirtam-se. Sinto-me um tanto tímida, como se estivesse indo ao meu primeiro encontro com um cara. E, por um momento, desejo que seja exatamente assim. Que Connor seja um homem que acabei de conhecer e que a gente esteja saindo pela primeira vez, com um milhão de possibilidades a nossa frente. E não o marido da minha irmã por quem eu estava apaixonada, além de estar vivendo uma grande farsa. Pensar nisso tira um pouco da doce ansiedade que sentia desde que comecei a me arrumar para aquele encontro e que se transformou em frio na barriga quando vi Connor me esperando, tão lindo como num sonho.

— Você parece triste.

— Eu só queria que este fosse realmente nosso primeiro encontro. Que não houvesse nada nem antes nem depois. Apenas este momento. Seria possível?

— Você acha que seria? Você acredita em segundas chances? É o que estamos fazendo?

Quero dizer que esta é a primeira chance na minha vida. Talvez a única.

Ou última.

Sei que nossas horas estão contadas. Que meu sonho dourado com Connor estava terminando. Só de pensar nisso me faz querer transformar aquela noite em algo memorável, de que me lembraria para sempre.

— Você gostaria? De uma segunda chance para ser feliz?

Ele parece hesitar. Parece ter medo.

Eu o entendo.

E ele nem faz ideia.

Então, ele sacode a cabeça quase imperceptivelmente. Como se não ousasse dizer em voz alta.

Dou um passo à frente e seguro sua mão.

— Vamos fingir que acabamos de nos conhecer. E não temos nada a perder.

Ele hesita novamente. E de novo eu tenho medo. Talvez Connor já esteja farto daquele jogo. Talvez esteja cansado de lutar por sua felicidade com Melanie.

Porém não é Melanie que está ali. Queria tanto que ele soubesse.

Então ele solta o ar lentamente, sua mão aperta a minha e sorrio timidamente, buscando seu olhar. É tão intenso, tão cheio de esperança, tão ávido por acreditar, que me faz querer ser a pessoa que vai realizar todos os seus desejos.

— Certo, Mel. Vamos viver esta noite como se fosse única — diz por fim e me puxa para o carro.

— Aonde quer ir? — pergunta quando o carro entra na estrada escura.

— Eu não sei... não queria que fosse algo clichê como um restaurante ou algo do tipo. Acho que não estou com humor para ver mais ninguém.

Espero que Connor entenda que prefiro que fiquemos sozinhos e ele parece entender.

— Tive uma ideia.

Uma hora depois estamos caminhando pela areia fofa da praia, na qual estivemos com as crianças faz poucos dias. Connor estende um cobertor e eu coloco o que compramos para viagem num restaurante da cidade.

A praia está escura àquela hora e somos iluminados apenas pela lua e a lanterna que mantemos ligada.

Ele estende a mão e me puxa para sentarmos.

— Está sendo suficientemente não clichê para você? — pergunta, divertido, e eu rio.

— Acho que está de bom tamanho.

— Ainda pode mudar de ideia e te levo de volta ao restaurante.

— Por que acha que eu iria querer? — Nós começamos a comer.

Ele dá de ombros, abrindo um vinho.

— Não achei que gostaria de algo tão rústico. — Ele parece inseguro ao fazer essa colocação, enquanto me passa um copo de plástico com o vinho.

— Sério? Acho que não me conhece.

Ele não fala nada.

— Mesmo depois de dez anos, as pessoas podem não se conhecer o suficiente — digo. Afinal, talvez não esteja falando uma mentira. Pelo que sabia do relacionamento de Connor e Melanie, eles se casaram mal se conhecendo e não se esforçaram muito para mudar nada durante o tempo que ficaram juntos.

— Acho que tem razão — diz, meio sombrio. E me arrependo um pouco de ter dito aquilo. Não quero que fique carrancudo lembrando dos dias sombrios de seu casamento. Quero manter nossa promessa de pensar só no agora.

— Então, como é nosso primeiro encontro, acho que podemos nos conhecer melhor.

— É justo! — Ele volta a sorrir.

Respiro aliviada.

— Conte-me algo sobre você que nunca contou.

Ele fica pensativo me encarando.

— Todos os dias penso na vida que não tive... — Sua voz é baixa e cheia de nostalgia e culpa.

Parece que não era só Melanie que era infeliz pelas escolhas que foi obrigada a fazer.

— Amo as crianças, não consigo imaginar minha vida sem elas, mas...

— Também gostaria de ter vivido os sonhos que abandonou por causa delas — completo.

Ele me encara.

— Sim, e me sinto horrível por pensar desse jeito.

— Não sinta. Às vezes a gente passa a vida sonhando com o impossível.

— Você sonha com o impossível?

— Você não faz ideia.

— Sinto muito — ele diz de repente. E sorrio tristemente.

— Seus sonhos, Connor, não são impossíveis.

— O que você sabe sobre eles?

— Você queria ser médico. Por causa do casamento você deixou seu sonho de lado. Mesmo sendo difícil, ainda pode correr atrás deles. Não vê?

— Não é tão fácil assim...

— Nada é fácil, mas nós podemos tentar. Você passou tempo demais se abstendo de ser feliz para ser responsável.

— Não é o que os pais devem fazer? — Sinto certa reprovação em suas palavras. Ele está falando de mim. Ou melhor, de Melanie.

— Sim. Porém os filhos não serão felizes se os pais não forem. Deve saber disso.

Ele suspira pesadamente.

Nós ficamos em silêncio por um tempo, olhando as ondas batendo na areia.

— E quais os seus sonhos, Mel? — pergunta de repente, e eu abaixo o olhar.

O que posso dizer?

Não posso falar dos meus sonhos para Connor, meus verdadeiros sonhos, não os de Melanie, os que ela estava vivendo neste exato momento em algum lugar do mundo.

Queria dizer a ele sobre meu desejo de ter uma família para amar.

O sonho que vivi ali com ele, que não passava de uma ilusão.

Talvez eu devesse ser corajosa e dizer que meu sonho, desde que me apaixonei por ele, era que ficássemos juntos para sempre.

Não seria justo.

Porque era um sonho impossível.

Então, sem poder falar eu me inclino o beijo.

Ele acaricia meus cabelos e encosta a testa na minha.

— Por favor, me fale alguma coisa — ele insiste e tenho vontade de chorar.

— Eu queria que este momento durasse para sempre — sussurro e ele me beija outra vez. E eu permito que meu mundo seja transformado naquele beijo.

Naquele momento, meu mundo inteiro é aquele homem.

Suspiro quando ele me puxa para mais perto, suas mãos acariciando minhas costas com um carinho infinito mesclado com um desejo suave.

Apenas uma promessa de paraíso.

— Espero que tenha gostado do nosso encontro — Connor diz, e sorrio o encarando, minhas mãos se infiltrando em seus cabelos.

Deus, ele é tão lindo que faz meu coração doer de mil maneiras diferentes.

— Sempre sonhei em tomar vinho ruim num copo de plástico. — Rolo os olhos e ele ri.

— Me desculpe.

— Não se desculpe. A perfeição que almejo não é sobre comida ou vinho.

— E o que seria perfeição para você?

— Você.

Ele toca meu rosto e vejo a incredulidade em seu olhar.

— Nunca pensei em ouvir isso.

— É verdade — digo baixinho.

— E o que faremos? — Sei que não está falando apenas daquele encontro, mas prefiro manter as coisas naquele nível.

— Não quero ir para casa ainda...

— E o que sugere? — Ele está beijando meu rosto, trilhando um caminho por minha pele, até a minha orelha.

Sinto meu corpo inteiro arrepiar.

— Está quente aqui?

Ele ri roucamente em meu ouvido e então fica de pé me puxando.

— Temos o mar bem a nossa frente.

Arregalo os olhos.

— Nem pensar!

Mas ele já está rindo e tirando a roupa.

E não tenho alternativa a não ser fazer o mesmo. Connor me pega no colo e me leva para a água gelada até que estejamos mergulhando sob as ondas.

— Que frio! — Emerjo, tiritando e rindo, Connor me abraça.

— Vamos ver se isto ajuda... — Então ele está devorando minha boca e realmente seu calor me esquenta por inteiro.

Gemo em sua boca, passando meus braços por sua nuca e me colando inteira a ele.

Este era um bom exemplo de perfeição.

Até que Connor me solta e afunda minha cabeça rindo e emerjo cuspindo.

— Connor!

Ele continua rindo e nada para longe, vou atrás, mergulho e puxo seu pé. E é a vez de ele emergir tossindo. Continua rindo. E acho que nunca o vi rir deste jeito, com uma inocência quase infantil. É lindo de se ver.

Nós ficamos um bom tempo nadando e nos beijando, entre risos e brincadeiras. Até que, cansados, nos abraçamos, deixando a onda nos acariciar.

Connor me aperta mais, beijando meus cabelos e eu o encaro.

O que vejo em seu olhar faz meu coração falhar.

— Era assim que devia ter sido — diz baixinho, e sinto vontade de chorar.

Apenas encosto a cabeça no seu ombro e sussurro:

— Nunca fui tão feliz.

— Está gelada! — Connor diz depois de um tempo. — Vamos sair!

Nós saímos do mar, colocamos nossas roupas e arrumamos as coisas, correndo para o carro.

Connor coloca tudo no porta-malas enquanto espero no banco do carona, ainda tremendo. Quando ele entra, percebo que me encara preocupado.

— Está com os lábios roxos. — Toca minha boca e sorrio, segurando sua mão e beijando seus dedos.

Seu olhar escurece de desejo.

— Talvez devesse me esquentar?

Connor não precisa de uma segunda sugestão, pois me beija com força, nesse momento não há mais nada além do mais puro desejo correndo entre nós.

— Quero você agora — sussurra entre beijos eu apenas assinto.

— Sim, por favor — respondo contra seus lábios, derretendo com suas palavras, não ofereço resistência quando ele me leva para o banco de trás.

Em meio a meu enlevo, me lembro que foi assim que ele transou com Melanie um dia, quando ela ficou grávida. E constato que tinha desejado a mesma coisa desde que vi sua foto em meu apartamento. É meu último pensamento coerente porque Connor já se apressa em tirar minhas roupas do caminho, apenas as necessárias, beijando-me com força, gemendo em meu ouvido quando me penetra fundo, roubando um pouco da minha alma enquanto se move rapidamente dentro de mim. Agarro-me a ele deixando aquele desejo insidioso me tomar por inteiro, até a estocada final, quente e doce, me fazendo gritar alto e adorando ouvir Connor gozando.

— Acho que nunca mais vou conseguir me mexer — digo um tempo depois, quando nossas respirações estão voltando ao normal e me dou conta da posição desconfortável em que estamos.

Connor ri enquanto se move, puxando-me para junto dele.

— Por um momento pensei que tinha dezesseis anos novamente.

— Ah é? Transou com muitas garotas dentro do carro? — pergunto, ocupando-me em colocar minhas roupas enquanto Connor faz o mesmo.

Ele dá de ombros.

— Meu histórico não é tão grande.

— Transou com a Camila dentro do carro?

Oh, merda, porque eu tinha perguntado isso?

Connor não parece zangado.

— Parece que existe algo irresistível no banco de trás que atrai as garotas, o que posso fazer? — Ele dá de ombros e eu rio. Adoro vê-lo assim, descontraído, mesmo sentindo ciúme de pensar nele com Camila.

Também não posso esquecer que já tive uma experiência no banco de trás com um cara na faculdade, mas nem de longe tinha sido tão incrível quanto com Connor.

— Suspeito que você seja irresistível e não o carro — digo, indo para o banco da frente, e Connor apenas ri, indo para o banco do motorista e dando partida.

Enquanto vamos chegando em casa a realidade vai voltando pouco a pouco e percebo que ele sente a mesma coisa.

Mesmo assim, ainda reluto em deixar a magia ir embora totalmente.

Lilian aparece na varanda quando chegamos.

— E aí? Tudo bem? — Ela olha de mim pra Connor.

— Obrigado por ter cuidado das crianças — Connor diz simplesmente.

— Sim, estão todas dormindo. Natalie já foi e eu preciso ir também.

Ela acena e vai embora.

Nós entramos em casa, passamos nos quartos das crianças para nos certificar de que estão todos dormindo tranquilamente e meu coração dói um pouco ao imaginar que aqueles podem ser meus últimos momentos com elas.

— O que foi? — Connor pergunta ao me encontrar no corredor quando saio do quarto de Olívia.

— Nada. — Eu me aproximo e o beijo.

— Acho que precisa de um banho. — Ele me leva para o banheiro e nos despimos, entrando juntos sob o chuveiro. Nada mais é dito. Como se soubéssemos que tudo era mais frágil agora.

E novamente fazemos amor, sob a água quente, deixando nossos temores serem levados pelo vapor que nos envolve.

Depois vamos para a cama e Connor me abraça, encaixando seu corpo no meu. Fecho meus olhos sentindo um aperto horrível no peito, como um presságio ruim.

Acordo de repente e o quarto ainda está escuro. Connor, abraçado a mim, ressona tranquilamente.

Abro os olhos e meu coração para de bater quando vejo Melanie me olhando.


Capítulo 27


— Melanie? — sussurro, perdendo o ar.

Ela se aproxima da cama, sentando do meu lado e passando a mão no meu cabelo.

— Irmã...

— Melanie, como... O que faz aqui...? — De repente me dou conta de onde estou e com quem. E meu coração afunda no peito. — Oh, Deus... me desculpe, me desculpe, não pude resistir.

— Eu sei... Vai ficar tudo bem. Você precisa ser forte, irmã. Eu te amo.

Ela se levanta e eu me sento, sem entender nada.

— Melanie, o quê...

De repente eu acordo de verdade e olho em volta, chocada. Não há ninguém no quarto.

Eu estava sonhando.

Olho para o lado e vejo Connor dormindo, ainda bem que ele não acordou com meu pesadelo.

Agora não consigo dormir.

Aquele sonho com Melanie era minha culpa me perseguindo.

Enxugando as lágrimas me levanto e pego o celular saindo do quarto. Ligo para ela e cai na caixa postal.

Não tenho coragem de deixar recado.

Volto para o quarto e deito ao lado de Connor.

Sei que a hora da verdade chegou. Quando ele acordar, estaremos em outra realidade.

Toco seus cabelos.

— Eu te amo — sussurro. — Talvez nunca vá saber que eu te amei. Não como Melanie, mas com toda a força do meu coração. Eu sinto muito... sinto muito.

Saio da cama e, seguindo um instinto, me visto e entro no carro.

Ainda está amanhecendo em Lakewood quando chego a casa de David.

Ele está sentado em uma mesa de madeira no fundo do quintal, um copo de café nas mãos, olhando o horizonte e franze o cenho quando me vê.

— Filha?

— Oi, pai. — Eu me sento diante dele. — Acho que precisamos conversar.

Ele suspira, passando a mão pelos cabelos.

— Parece que adivinhou que perdi o sono pensando...

— Em quê?

— Em sua mãe.

Engulo em seco e não falo nada.

— Nós nos casamos muito jovens. Eu estava muito apaixonado. Sua mãe engravidou e eu a pedi em casamento, acreditando que seríamos felizes para sempre. Porém Nora nunca foi feliz. Ela se ressentia, pois odiava Lakewood e a vida na cidade pequena. Tentei fazê-la feliz, nada parecia adiantar, nem descobrir que teríamos duas filhas.

— Duas? — Mal consigo respirar quando finalmente escuto David admitindo minha existência.

— Sim, sua mãe estava grávida de gêmeos. Eu sinto muito por nunca ter contado isso.

— E o que aconteceu?

— Um dia acordei e ela tinha ido embora. Simples assim. Vocês não tinham nem nascido. Fiquei desesperado. Não fazia ideia de onde procurar, até que um dia recebi uma ligação de um hospital em Seattle. Meu número ainda era seu contato de emergência e ela estava em trabalho de parto. Parti para lá e vocês nasceram.

David respira fundo e sei o quanto está sendo difícil para ele revelar aquela história depois de tanto tempo.

— Queria que Nora voltasse para casa. Pedi que ela voltasse. Disse que a amava e que íamos criar nossas filhas. Ela se recusou. Eu gritei, briguei, houve muita ofensa. Ela falou que ia embora para a Califórnia. Que estava tudo certo para encontrar uma amiga lá. Eu falei que então iria levar as crianças comigo.

O quê? David queria ficar com nós duas?

— Ela disse que as levaria. Argumentei que nem emprego ela tinha e que não poderia lidar com duas crianças. Era absurdo. De repente ela concordou comigo, que não poderia criar duas crianças sozinha e, então, pediu que eu ficasse com uma de vocês.

— Oh, meu Deus!

— Sim, eu menti todos estes anos. Eu tive duas filhas e deixei que uma se fosse com sua mãe.

— Por que nunca as procurou?

— No começo eu ligava sempre, sua mãe ia de uma cidade a outra... pensei que ela ia se cansar de criar uma criança sozinha e que voltaria para mim, mas isso nunca aconteceu. Até que um dia, perdi o contato, a criança devia ter pouco mais de dois anos. E não sabia mais onde ela e sua irmã estavam. Procurei durante algum tempo, então eu percebi que Nora não queria ser encontrada.

— Você a deixou ir... Sua filha...

— Não houve um dia em que eu não pensasse nela, porém a vida tomou rumos estranhos. E fiquei com você.

Eu me levanto, um tanto revoltada e, ao mesmo tempo, aliviada porque David não tinha me abandonado como eu pensava. Tinha sido Nora que abandonou Melanie.

— Tudo é tão injusto — digo e, quando me volto, David está em pé também. — Por que está me contando tudo agora?

— Porque desde que voltou parece outra pessoa... — Ele deixa a questão no ar. — Eu dizia a mim mesmo que era absurdo, que você só havia mudado muito, mas... não sai da minha cabeça.

— E se eu disser que não é absurdo. Que eu sou outra pessoa.

David empalidece.

— Meu Deus...

— Sou eu pai, sua outra filha. Eu sou Melissa! — começo a chorar e, em um segundo, David está me abraçando.

Não sei quanto tempo passamos abraçados chorando até que David me afasta, tocando meu rosto, meu cabelo.

— Como é possível? É mesmo você?

— Sim.

— Deus do céu... todo este tempo?

Sacudo a cabeça afirmativamente.

— Desde quando? Onde está Melanie? Vocês... trocaram de lugar?

— Sim.

— Você sabia que tinha uma irmã?

— Não, a mamãe nunca me contou, assim como você nunca contou a Melanie.

— Isto é surreal...

— Eu sei. Foi o que pensei quando mamãe me contou sobre Melanie.

— Como?

— Mamãe estava doente quando me confessou sobre Melanie e pediu que eu a encontrasse. Eu liguei para Melanie e ela foi nos encontrar em Nova York.

— Por isto a viagem...

— Sim.

— E vocês simplesmente trocaram de lugar? Onde está Melanie?

— Ela está me substituindo, talvez na Europa ainda.

— Europa?

— Eu sou escritora. Tinha uma turnê muito grande para fazer e estava apavorada por ter que encarar o público, me deu pânico e Melanie se ofereceu para ir em meu lugar. E pediu que eu viesse para Lakewood.

— Isso é terrível...

— Eu sei, a princípio não concordei, porém, no fim, acabei deixando-a me convencer.

— E todo este tempo tem mentido...

— Sim, sinto muito.

— Meu Deus, vocês foram longe demais.

Volto a chorar.

— Você e a mamãe também foram longe demais nos separando e nunca contando que éramos gêmeas. Tem ideia de como nos sentimos quando descobrimos depois de todos estes anos?

— Eu pensei que estivesse perdida para sempre, que nunca iria aparecer... Deduzi que Nora também tinha escondido a verdade e... Onde está Nora?

— A mamãe morreu, pai. Ela tinha câncer. Foi muito rápido, ela já estava muito mal quando me confessou sobre Melanie e pediu que eu a encontrasse. Mas Melanie nunca conseguiu falar com ela, pois já estava inconsciente quando chegou. Ela morreu semanas depois.

David empalidece novamente e caminha trôpego até o banco, segurando a cabeça entre as mãos.

— Nora está morta...

— Sim. Sinto muito.

Ele fica um tempo, perdido em sua própria dor e me pergunto se depois de todo aquele tempo ele ainda gostava de Nora. Tento me ver daqui a trinta anos sem Connor. Será que ainda o amarei com a mesma intensidade? Só de pensar, dói.

Eu me sento diante dele.

David volta a me encarar com os olhos atormentados.

— Mais alguém sabe?

— Não.

— Meu Deus, se todos descobrirem... Connor, as crianças... Vocês não deviam ter feito isso, é monstruoso.

— Não sei o que fazer pai. Tenho vivido um inferno.

— Como foi capaz de concordar com algo assim? Vir para cá e simplesmente tomar a vida de sua irmã, viver com seus filhos, seu marido... E Melanie permitir!

Fico vermelha.

— Ela me disse que eles estavam separados, que Connor dormia no sofá. Que seria temporário, apenas para que ele parasse de pedir por sua volta. E eu me iludi achando que seria somente isto. E ainda teria o bônus de conhecer você.

— Você poderia ter vindo me conhecer como você mesma!

— Você fingia que eu nem existia! Achei que nunca iria querer me ver.

— Meu Deus, filha, pensei em você todos estes anos, inferno! Eu me arrependi todo este tempo... Acho que nunca consegui amar sua irmã direito, como se devia, porque sentia culpa. Como dar amor a ela, quando tinha te abandonado?

— Oh, pai... — Eu soluço.

— E, agora, o que vai acontecer? O que fizeram... Connor não vai suportar...

— Acha que não tenho pensado nisso?

— Me pareceu que tinham feito as pazes, no meu aniversário, que estavam bem, meu Deus, nem era Melanie, era você!

— Eu me apaixonei pelo Connor — confesso. — Juro que tentei resistir e ele me odiava no começo, odiava as atitudes de Melanie. Então eu me vi querendo fazer tudo diferente, fazê-lo esquecer a mágoa...

— Era o marido de sua irmã!

— Ela não gosta dele! Você sabe muito bem! Ela me disse com todas as letras, que não gostava da vida que vivia, que você a obrigou a se casar.

— Melanie é como sua mãe. Nunca foi feliz em Lakewood.

— Sim, e você errou muito em não a compreender persuadindo-a a se casar.

— Ela estava grávida!

— Estamos no século XXI! Ninguém mais precisa se casar por causa disso!

— Trata-se de Lakewood e não de Nova York.

— Não interessa, tratava-se da felicidade de sua filha.

— Eu achei que ela seria feliz! Queria que ela tivesse juízo e Connor era um rapaz muito compenetrado.

— Ela nunca o fez feliz! E nem ele a fez, porque nunca deveriam ter se casado!

— Por causa disto achou que estava tudo bem dormir com ele?

— Não fale assim, não transforme o que sinto por Connor em algo sujo.

— Não tem que se preocupar só com o que eu penso. Connor...

Sinto meu estômago revirar.

— Pensei várias vezes em contar. Porém, não é um segredo só meu. Melanie é a verdadeira esposa dele e ela disse que vai voltar.

— Acha que Melanie vai voltar?

— Não sei mais dizer... Ela não responde minhas ligações. E eu confessei a ela numa mensagem que tinha dormido com o Connor e me apaixonado por ele.

— Minha nossa!

— Eu só precisava dizer, não sei o que ela pensa... se está com raiva, se está voltando.

— E o que vai acontecer quando ela voltar? Acredita que ela simplesmente vai assumir seu lugar? Ou vai contar a verdade a Connor?

— Eu não sei.

— Acho que devia acabar logo com isso. Esta farsa já foi longe demais.

— Connor vai sofrer muito.

— Ele irá sofrer de qualquer jeito.

— Mas Melanie...

— Melanie é uma criatura egoísta. Dói dizer, mas acho que ela não vai voltar... Fechei meus olhos todo o tempo, vendo os problemas em seu casamento, não querendo me intrometer. E todos os dias pensava que ela podia ser como sua mãe, que iria embora para sempre.

— Como ela pôde pensar em deixar Connor para sempre? Só de pensar em deixá-lo sinto que vou morrer. Eu o amo muito.

— Por isso mesmo ele precisa ouvir a verdade de você. Temos que assumir nossos próprios erros.

— Sim, tem razão. Pode me acompanhar, por favor?

David entra no carro comigo.

— Sinto muito, Melissa — Ele toca minha mão, quando vê que continuo chorando, estou tremendo só de antever a conversa com Connor.

— Me chame de Mel — murmuro.

Nós saltamos defronte à casa e respiro fundo.

David segura minha mão e, a cada passo que dou, sinto o medo se alastrando por minha pele.

— Você terá que ser forte — David diz quando entramos em casa e me recordo das palavras de Melanie no sonho. Teria sido um presságio?

Sinto um arrepio frio na espinha.

— Parece que não tem ninguém em casa — David diz perante o silêncio.

— Sim... — Pergunto-me o que Connor deve ter pensando quando acordou e eu tinha sumido.

De repente escuto passos e penso que é Connor vindo da sala, o chão foge dos meus pés quando vejo Charlote surgir na minha frente.

— Mel!

— Charlote, o que... o que está fazendo aqui, como... — Oh, Deus, eu estava sonhando ainda?

Charlote está chorando quando se aproxima de mim.

— Mel, graças a Deus!

— O quê... Como sabe... Como... — Estou petrificada.

— Aconteceu um acidente, eu sinto muito... Melanie... Ela está morta.

Tenho a impressão de que toda a vida é ceifada de mim naquele momento, enquanto tento entender o que Charlote está dizendo.

— Meu Deus — David sussurra e olho para ele vendo tudo embaçado, as palavras de Charlote se embaralhando em minha mente.

Morta. Acidente.

Melanie está morta.

Meu sonho...

— Não! — sussurro.

— Sinto muito querida, ela estava no carro... capotou... não resistiu... na madrugada... — As palavras dançam em meu cérebro que está escurecendo, assim como minhas vistas.

— Não! — grito, agora em total horror, e a última coisa que vejo antes de desmaiar é Connor entrando na casa.

Tenho certeza de que ele ouviu as palavras de Charlote, mas já estou deslizando para a escuridão.


Capítulo 28


Como sabemos se estamos dentro de um pesadelo ou acordados?

Eu simplesmente não tenho noção das horas e da realidade a minha volta, perdida em minha dor.

A primeira vez que acordo ainda estou na casa de Melanie e David está me levando no colo para o carro. Não vejo Connor ou Charlote.

— Connor — digo, chorando alto e gritando. David diz baixinho para eu me acalmar. Sinto que ele está chorando também.

Não sei para onde está me levando, minha cabeça repassa as palavras de Charlote e não consigo parar de gritar.

Não pode ser verdade. Simplesmente tem algo errado. É um engano...

Talvez eu ainda esteja sonhando.

David me arrasta para dentro de sua casa e me coloca no sofá. Obrigando-me a tomar um comprimido. E deslizo para a inconsciência outra vez.

Não sei quantas horas se passam até que acordo novamente. A sala está escura. É noite.

Por um momento acho que foi tudo um sonho. Porém, quando me levanto, percebo que não estou na casa de Connor. Estou na casa de David e, se estou aqui...

— Oh, Deus! — Perco o ar de novo e grito, a dor voltando.

David aparece.

— Mel...

— Diga que é mentira! Que ela não está morta! Não pode ser...

— Sinto muito, mas ela se foi.

— Não! — Soluços doloridos tomam meu corpo.

Então é realmente verdade. Melanie se foi.

Sinto que estou estilhaçando por dentro.

Recordo-me de Melanie se aproximando de mim no aeroporto, aquela criatura igual a mim. Minha irmã.

E ela se foi.

— Não.

— Eu sei, querida. Eu sei. — David me abraça.

— Não posso acreditar.

— Está sendo duro para todos nós...

Nós...

Connor?

Encaro David, de repente me dando conta de que, da última vez que vi Connor ele estava entrando na casa. Ele ouviu o que Charlote disse.

— Oh, meu Deus, Connor... ele sabe.

— Sim.

— Não. Não era para ser assim.

— Se acalme Mel, agora é tarde.

Eu me desvencilho. Tenho que ir até Connor. Tenho que fazê-lo entender, tenho que...

— Não! — David me alcança na porta de casa e me arrasta esperneando para dentro.

— Preciso ver Connor!

— Não pode! Connor está em Tacoma.

— Ele não vai entender.

— Você tem que se acalmar! Connor foi com Charlote até Tacoma para reconhecer o corpo de Melanie.

— Não. — Por que isto está acontecendo? O que será que Connor está pensando? E as crianças?

Oh, Jesus, as crianças.

— Elas estão com Natalie e Lilian — David esclarece, e percebo que falei em voz alta.

— Elas vão sofrer. Preciso vê-las, elas precisam de mim.

David me sacode, obrigando-me a olhar para ele.

— A última pessoa que eles querem ver agora é você, Mel, entenda. Todos estão tendo que lidar com a morte de Melanie e com a descoberta de que a mulher que esteve na vida deles por mais de um mês não era ela!

Eu gelo por dentro.

Oh, Deus.

O que foi que eu fiz?

David consegue me dar outro comprimido e perco a consciência. Desta vez, o sono é bem-vindo.

Acordo nas primeiras horas da manhã. Minha cabeça dói.

A realidade é terrível e faz meu peito doer de uma forma que acredito que nunca mais serei a mesma.

Minha irmã morreu. Aquela mulher igual a mim, que tinha tantos sonhos. Que ficou no meu lugar.

Não existe mais.

Levanto-me do sofá, a casa está silenciosa. David dorme numa poltrona.

Ignorando a dor que faz com que eu queira me jogar no chão em posição fetal, vou para a cozinha e pego o aparelho de David. Disco o número de Charlote.

— Alô?

— Charlote sou eu.

— Mel?

— Sim, onde está?

— Querida, não acho...

— Por favor, Charlote, estou num inferno, onde você está? Preciso ver minha irmã.

— Nós estamos no necrotério em Tacoma. Estamos esperando a liberação do corpo.

Aperto o telefone com força.

— Connor?

— Está aqui em algum lugar.

— Oh, Deus!

— Eu sinto muito Mel, não sei o que dizer.

Desligo.

Pego as chaves do carro que estão ali e saio, fechando a porta devagar.

Não sei dizer como consigo chegar em Tacoma. Consigo na internet o endereço do necrotério e, quando chego lá, meu corpo inteiro está tremendo.

Avisto Charlote sentada em uma cadeira na sala de espera e vou até ela.

Seus olhos se arregalam quando me vê.

— O que faz aqui?

— Preciso ver minha irmã...

— Mel...

— Por favor, não estou conseguindo acreditar. Por favor...

Charlote segura minhas mãos geladas e sacode a cabeça.

Ela fala com alguns funcionários até que sou levada a uma sala fria.

Mal consigo sentir meus batimentos cardíacos quando me aproximo do corpo sobre a mesa.

— Não... — Minhas pernas tremem. É como ver a mim mesma.

Ela está pálida. Com ferimentos em seu rosto e braços. Tirando isso, parece estar dormindo. Em paz.

— Oh, Melanie. — Charlote me segura. Eu me arrasto até poder tocar seus cabelos. — Sinto muito... não pode ir embora e me deixar aqui sozinha... Você era meu extraordinário lembra?

— Precisamos sair daqui — Charlote diz.

— Não quero deixá-la.

— É só um corpo. Ela se foi.

— Ela não pode ter ido e me deixado... Melanie, e seus filhos? E Connor? Por favor volte, eu juro que vou embora. Nunca quis roubar sua vida, não assim. Me desculpe. O que vai ser...

Charlote consegue me arrastar até o corredor e, quando ergo o olhar, vejo Connor e Sam.

De novo minhas pernas falham.

Não consigo ver nenhuma emoção no rosto dele.

É como se estivesse tão morto quanto Melanie.

Não há raiva, fúria, dor. Nada.

— É melhor sairmos — Charlote diz baixinho, temerosa.

Eu me desvencilho de Charlote.

— Connor... — Caminho até ele, com Charlote tentando me puxar. — Oh, Deus, eu sinto muito... eu...

— Preciso ir assinar a liberação do corpo da minha esposa — ele finalmente diz, numa voz destituída de emoção, e se afasta.

— Connor! — Tento ir atrás dele, mas desta vez é Sam que se coloca na minha frente.

— Deixe-o em paz.

— Sam, por favor, preciso falar com ele.

— Ele não quer falar com você. Sei lá como é seu nome! Caramba, ainda é surreal, vocês são idênticas.

— Me desculpe, preciso falar com o Connor. Ele deve estar me odiando, preciso explicar...

— Acho que todo mundo já entendeu o que rolou, você e a Melanie são iguais e resolveram trocar de lugar enganando todo mundo.

— Não foi maldade... preciso dizer ao Connor.

Consigo me desvencilhar e encontro Connor na porta da sala onde está Melanie. Ele não me encara.

Seu rosto concentrado em assinar vários papéis que um homem de branco lhe passa.

Caminho devagar. Com medo.

— Connor — sussurro, por fim ele me encara e vejo um pouco de emoção.

É dor.

— Eu sinto tanto... Não era para ser assim. — Ele não diz nada. — Por favor, fale comigo, fale alguma coisa. Pode gritar, me xingar... Apenas fale comigo.

Ele respira fundo, passando os dedos trêmulos pelos cabelos.

— Não consigo lidar com isto agora. Minha esposa morreu. A mãe dos meus filhos morreu. — Sinto suas palavras como punhais em meu coração. — E tenho que entrar nesta câmara fria e levar seu corpo para casa. Uma casa que ela odiava e que abandonou. E eu só penso que não sei como vou contar para meus filhos.

Então ele se afasta, fechando a porta na minha cara sem olhar para trás.

Deixando-me de fora.

Expulsando-me de sua vida.

— Mel, seu pai ligou, está preocupado, vamos embora.

— Ele me odeia. E Melanie se foi... — Recomeço a chorar.

Sam se aproxima.

— Olha, com certeza vocês vão precisar falar sobre os acontecimentos, não agora. O Connor está lá liberando o corpo da esposa, entendeu? Acha que está se sentindo como? Caramba, ele está em choque! Nem deve ter parado para pensar em toda a merda que fizeram! O melhor que faz é ir com sua amiga.

Finalmente deixo que Charlote me leve.

Choro o percurso inteiro. Agora, junto com a dor da perda de Melanie, sinto a culpa avassaladora comprimir meu peito. A dor de Connor.

Ele está sofrendo por Melanie. A mulher que viveu com ele por dez anos. A mãe de seus filhos. E ainda tem que lidar com a dura realidade de que quem viveu com ele no último mês foi outra pessoa.

Eu só queria acordar daquele pesadelo.

No entanto, sei que estou bem acordada para sempre. Fui acordada do meu sonho da pior maneira possível.

E tinha medo do futuro.

Charlote me leva para a casa de David e não consigo parar de chorar. Eles tentam me fazer comer. Eu como sem sentir gosto de nada. E de novo eles me dão calmantes que me fazem fugir da realidade.

Quando acordo, estou na cama que foi de Melanie e já é dia. O dia está cinzento lá fora. Assim como meu coração.

Saio do quarto e encontro David na cozinha. Ele está com olheiras profundas e me pergunto se dormiu. Provavelmente não.

— Sente-se e coma! — ordena, e faço o que mandou, de novo não sinto gosto de nada.

Acho que nunca mais vou sentir.

— O enterro será hoje.

Estremeço.

— Acho que não deveria ir.

— Eu tenho que ir.

— Mel... depois de tudo, não sei...

— Eu preciso estar lá.

— Bom dia! — Charlote aparece e senta ao meu lado. — Está se sentindo bem?

— Acho que nunca mais vou me sentir bem.

David se levanta e sai da cozinha.

Encaro Charlote, um tanto mais calma, me perguntando como ela descobriu.

— Como sabia?

— Eu soube desde o primeiro dia da turnê.

— Como assim?

— Melanie me contou.

— Ela contou?

— Eu achei seu comportamento muito estranho, diferente demais de você. Aí ela me contou que era sua irmã.

— E você não fez nada?

— Eu queria que a turnê acontecesse! Achei um absurdo, claro, mas uma coisa era certa. Melanie era boa no que fazia. E a turnê foi um sucesso.

— Nossa, eu não fazia ideia...

— E acabamos nos tornando amigas. Eu... estou sentindo muito a morte dela.

— O que aconteceu? Por que ela estava em Tacoma? Estava voltando para casa?

— Acho que sim.

— Você não sabe?

— Eu não via Melanie há mais de uma semana.

— Vocês estavam em turnê!

— Tivemos esta folga depois que voltamos da Europa e ela sumiu.

— Como assim sumiu?

— Eu a deixei na sua casa, quando voltei. Mas ela sumiu. Fiquei com vontade de falar com você, então pensei que Melanie podia apenas ter ido viajar, não sei. Porque tínhamos que continuar a turnê.

— Acho que ela estava voltando para casa depois da minha ligação.

— Vocês se falavam?

— Sim, pelo menos no começo, depois ela começou a me ignorar.

— Ela me disse que combinaram não ter contato.

— Ela mentiu.

— Acho que era porque eu queria muito falar com você. Eu disse que precisava te ligar e entender isso, mas ela me convenceu que era melhor não. E sabe como ela era persuasiva.

— E como chegou até aqui depois do acidente?

— Eu era o contato em sua agenda, quer dizer agenda que ela estava usando. E me ligaram. Vim direto para cá. Fiquei tão assustada, não sabia se era você ou Melanie, se de repente já teriam trocado...

— Como foi o acidente?

— Ela estava dirigindo um carro alugado e capotou. Morreu na hora.

— Oh, Deus...

— Quando a vi... Eu já conseguia ver as pequenas diferenças entre vocês.

— Aqui ninguém nunca desconfiou de nada.

— Por que ninguém sabia que Melanie tinha uma gêmea.

— Meu pai sabia e foi o único que pensou na hipótese, claro.

— Sim, nós conversamos ontem à noite. Está devastado, coitado.

— Sim... — coitado de David. Ele tinha perdido uma filha.

— E quando eu vi, só soube que precisava te encontrar.

— Estavam pensando que eu tinha morrido.

— Desfiz a situação na hora, foi um pouco complicado, disse que eram gêmeas e poderia haver confusão, então vim até aqui.

— O que... Connor te disse alguma coisa?

— Ele estava em choque eu acho... Quando contei e você desmaiou, seu pai a segurou eu o encarei, sabendo que aquele era o marido de Melanie e repeti que ela estava morta. Ele ficou petrificado. Aí lembrei da mentira de vocês e como aquilo devia estar sendo confuso. Seu pai pediu que eu cuidasse de você e levou Connor para fora. Acho que para contar sobre a troca.

— Meu Deus!

— Depois ele entrou e disse que eu devia levá-lo até Melanie. Ele não disse uma palavra em todo percurso sobre você ou a troca. Apenas perguntou o que tinha acontecido no acidente.

— Ele deve me odiar.

— Sinceramente, acho que ainda está em choque. Às vezes as pessoas reagem assim.

— Sim, ele perdeu Melanie, fico pensando nas crianças...

— É tão triste.

— Preciso ir ao velório.

— Seu pai disse que era melhor não ir.

— Eu preciso.

— Certo. Você quem sabe.

Seu celular toca e ela se afasta.

Vou para a sala e me surpreendo ao ver Lilian. Ela me encara como se estivesse vendo um fantasma.

— Meu Deus, ainda estava duvidando que fosse verdade. Você não é Melanie...

Sacudo a cabeça negativamente.

— Nossa, é tão surreal...

— Eu sei.

— Esse tempo todo... Inacreditável. Bem que eu sabia que tinha alguma coisa estranha, claro, nunca poderia imaginar...

— Sinto muito por mentir para você.

— Não mentiu somente para mim. Mentiu para todo mundo. Para o Connor.

Fecho os olhos, lutando contra o nó na minha garganta.

— Como ele está?

— Devastado.

— Ele falou alguma coisa sobre mim?

— Ele não quer falar. Ele se fechou. Nem com Adam.

— E as crianças? Como estão? Elas já sabem da morte de Melanie?

— Connor contou a elas, quer dizer, só Olívia entende, não é?

— Oh, ela deve estar sofrendo tanto...

— Connor primeiro contou que não era a mãe que estava com eles neste último mês.

— E como ela reagiu?

— Chocada, tadinha. E em seguida contou que Melanie morreu.

— Oh, Olívia...

— Ela chorou tanto, deu muita pena.

— E Mandy?

— Mandy não entendeu. Ela fica perguntando de você. Teve uma hora que Olívia gritou “ela não era nossa mãe, Mandy, pare de chamar ela! Nossa mãe de verdade morreu! E ela tinha ido embora e nem se importava com a gente"!

— Oh, meu Deus! — Agora não consigo evitar minhas lágrimas.

— É uma situação horrível.

— Eu nunca quis que terminasse desse jeito.

— E Natalie quer te matar. Ela até veio aqui, o David a expulsou.

— Nossa...

— Você... Vai ao enterro?

— Preciso ir. É minha irmã.

— Ainda é tão inacreditável... David explicou a todos nós ontem à noite toda a história de vocês. E o motivo de Melanie não ter voltado e mandado você no lugar. Parece novela! Então você é uma escritora famosa e Melanie estava se passando por você porque tem pânico ou algo assim.

— Sim, é verdade. Você me odeia?

— Não sei, acho que ainda estou em choque como todos.

— Juro que não fiz por diversão, ou por mal. Só vim porque Melanie disse que ela e Connor estavam separados.

— E se apaixonou por ele?

— Sim.

— Nossa, é triste demais. Tanta confusão, seria mais fácil Melanie assumir que queria ir embora. Acho que o Connor nem se importaria tanto assim, agora...

— Entendo, nós fizemos tudo errado e agora Melanie está morta. Era para eu ter morrido.

— Não fale assim.

— Ela estava voltando para casa.

— Sério?

— Sim, por isso estava em Tacoma, é a única explicação.

— Sinto muito, imagino que deve estar sofrendo muito.

— Eu sofro por ela e por toda dor que causei a Connor e às crianças.

— Você mentiu sim, mas também trouxe mais amor e alegria para aquela casa em um mês do que Melanie em dez anos. Não se culpe tanto.

— Tudo acabou tão mal... Eles perderam Melanie.

— Ela já estava perdida para eles faz tempo.

Fungo, sabendo que Lilian tinha razão. Embora ainda fosse difícil digerir.

— Olha, vou trazer uma roupa para você ir ao velório, tudo bem?

— Obrigada.

Estou no carro com David e Charlote quando saltamos no cemitério. No fim, eles tinham me convencido a não ir ao velório apenas ao enterro.

— Pense nas crianças e no Connor. Isto não vai ser bom, Mel.

A chuva está caindo fraca e David segura minha mão, com Charlote seguindo na frente, o que me camufla um pouco, as pessoas estão reunidas diante do túmulo aberto, com o caixão pronto para ser baixado. Minhas pernas falham. Há um padre dizendo as palavras finais.

Passo os olhos vendo Adam e Lilian. Ela sorri tristemente para mim, Adam tem o semblante fechado. Sam parece apreensivo e vejo claramente quando segura Natalie que me encara com um olhar de puro ódio.

Helen e Willian estão contidos, me encaram como se tivessem visto um fantasma, acho que eles ainda não entendem. Há algumas outras pessoas, como Addison que também está petrificada e seu noivo segurando-a no lugar, repreendendo-a.

Então vejo Connor e seu semblante está preso no caixão, enquanto segura Anthony, que parece estar adormecido. A seu lado está Mandy, agarrada a suas pernas enquanto Olívia chora copiosamente abraçada a ele.

Meu Deus, eles não mereciam tanto sofrimento. Tudo o que desejo é me juntar a eles, abraçá-los, confortá-los. Tirar um pouco de conforto para mim também. Mas não ouso. Connor levanta o olhar e me encara. Vejo certa surpresa e depois a dor. Ele desvia o olhar novamente para o caixão.

— Mamãe! — Mandy grita ao me ver, desvencilhando-se de Connor e correndo em minha direção, sem que ninguém consiga impedir.

Eu a pego no ar e a abraço.

Sinto o olhar de todos em mim, as pessoas sussurram.

— É um absurdo, ela não devia estar aqui! — Escuto a voz de Natalie.

— Ela é a irmã! — Sam diz.

— Ela enganou todos nós!

— Continua sendo irmã de Melanie. — É a voz de David que se faz ouvir, muito firme. — Ela tem todo direito de estar aqui.

— Mamãe, me disseram que tinha ido embora... que era você naquela caixa...

— Oh, querida, é a mamãe naquela caixa — murmuro.

— Mas você está aqui.

Não sei o que dizer.

— Mandy, venha aqui! — Levanto a cabeça e Connor está na minha frente, puxando Mandy do meu colo.

Ele não me encara.

— Mas é a mamãe... — Mandy choraminga e ele sussurra algo em seu ouvido enquanto se afasta. Ela parece se acalmar.

Olho para Olívia e ela me encara chorando, quando vê que estou olhando, desvia o olhar, como fazia quando estava com raiva de mim.

Isso corta o coração.

— Por favor, padre continue — David pede.

E o padre retoma.

Choro baixinho, enquanto o caixão vai sendo baixado, até que a terra o cobre totalmente.

As pessoas começam a se afastar. Vejo Connor indo embora com as crianças. Ainda sem olhar para mim.

Os olhares desconfiados e curiosos dos outros. Os olhares coléricos de Natalie e Adam.

Até que todos se vão.

— Vamos embora! — David diz, sacudo a cabeça negativamente.

— Quero ficar mais um pouco.

— Tudo bem.

Ele se afasta com Charlote e fico ali, chorando, sem conseguir me despedir. Por que tudo tinha acabado daquele jeito?

Talvez fosse um castigo pelo que tínhamos feito.

Volto para a casa de David, e Charlote diz que devíamos ir embora.

— Sei que está sofrendo, porém, o melhor que tem a fazer no momento é voltar para sua casa.

— Preciso conversar com o Connor antes — digo com a voz sem vida.

— Não sei se ele quer falar com você.

— Eu preciso tentar.

Antes que David ou Charlote possam me impedir, pego a chave do carro de David e vou para a casa de Melanie pela última vez.


Capítulo 29


Eu observo a casa onde vivi por tão pouco tempo e onde fui feliz como nunca tinha sido antes. A casa onde me apaixonei por três crianças maravilhosas e entreguei meu coração ao homem dos meus sonhos.

A casa onde vivi a mais linda ilusão, que agora havia terminado.

Respiro fundo e caminho com passos inseguros até a porta, quando vou abri-la hesito e apenas bato. Mal respiro enquanto espero. Escuto passos e, quando a porta se abre, me deparo com Sam.

— Melanie... quer dizer... Como é mesmo seu nome?

— Meu nome é Melissa. Pode me chamar de Mel.

— Sam, quem está aí? — Natalie surge e sua expressão é de raiva quando me vê. — Você!

— Natalie... — Sam segura seu braço, mas não consegue impedi-la de me dar um tapa.

— Sua vadia! Como tem coragem de vir aqui? Não bastou o que fez a esta família?

Engulo a vontade de chorar. É mais do que previsível a raiva de Natalie. Talvez no lugar dela eu tivesse a mesma reação.

— Amor, chega! — Sam a puxa.

— Vá embora!

— Preciso falar com o Connor.

— Para quê? Ele está devastado! Todos estamos!

— Por favor...

— Não vai entrar!

— Mamãe! — Mandy surge correndo, jogando-se contra minhas pernas e eu a seguro e a envolvo em um abraço.

— Natalie, pare com isto, pense nas crianças, elas já estão sofrendo demais. — Sam puxa Natalie para longe.

— Não acho justo... — Ainda a escuto, porém prendo minha atenção em Mandy.

— Por que não está mais aqui em casa, mamãe? Eu sinto saudade.

Sorrio tristemente e me sento com ela no banco da varanda. Acaricio seu rostinho rosado, seus olhinhos estão tristes e confusos. A pior parte de tudo vai ser me despedir das crianças. Saber que eles agora não têm mais uma mãe me dói. Mesmo que Melanie fosse uma mãe relapsa, ainda assim era uma presença materna naquela casa. E como seria de agora em diante?

— Escute Mandy, eu não sou a mamãe.

— A tia Lilian disse que você era uma titia também, mas você é a mamãe.

— Sou a irmã da mamãe, assim como Olívia é sua irmã.

— Mas vocês são iguais.

— Sim, o nome é gêmea, somos idênticas.

Ela fica pensativa.

— Se você é igual a mamãe... eu tenho duas mães?

Rio de sua lógica.

— Eu não me importaria de ser sua mamãe. Mas pode me chamar de tia Mel.

— Prefiro chamar de mamãe. Porque o papai falou que minha outra mamãe foi morar no céu.

Sinto vontade de chorar.

— Sim, ela foi morar no céu. — Soluço.

— Não chore, mamãe Mel.

— Estou triste porque sua mãe se foi.

— Mas nós temos você! — Ela abraça meu pescoço com seus bracinhos, e eu suspiro de pesar.

— Olha, meu amor — eu a faço me encarar —, vou precisar ir embora.

— Não!

— Não quero que chore ou fique triste, eu vou estar sempre pensando em você.

— Posso ir com você?

— Precisa ficar aqui com o papai. Senão ele vai sofrer. Ele vai ficar muito triste por um tempo, por causa da mamãe. Você será uma boa menina, não é? Preciso que seja obediente e cuide do papai, da Olívia e até mesmo do Anthony. Pode fazer isso?

Ela sacode a cabeça afirmativamente com um olhar solene.

— E quem vai cuidar de você quando estiver triste?

— Oh, querida, vou te guardar em meu coração e isso vai me deixar feliz.

— Você vai voltar?

— Sim, prometo que um dia eu volto.

Não sei se poderia cumprir aquela promessa, porém precisava acreditar que seria possível.

— Eu vou esperar, mamãe. Eu gosto de ter você como minha mãe também.

Sorrio e a abraço.

Seria tão mais fácil se a lógica de Mandy servisse para todos.

Por fim, eu a coloco no chão e ela entra na casa. Quero acreditar que as crianças esquecem tudo facilmente, que um dia ela vai esquecer de mim também e não vai mais sofrer.

— Papai, a mamãe Mel está aqui! — Escuto a voz de Mandy e estremeço. Connor está ali.

Eu me viro e o vejo saindo da casa. Seu olhar é impassível. Ele fecha a porta atrás dele. Fecha a porta de sua casa para mim. Seu gesto dói mais do que eu poderia imaginar.

Fixo o olhar naquele homem que em tão pouco tempo tornou-se o centro do meu universo. Que acreditei, em minha ilusão, que poderia me amar também, mesmo que em cima de mentiras. E agora ele deveria me odiar, justamente por causa das minhas mentiras. E, ainda por cima, ele havia perdido Melanie.

— Eu sinto muito por tudo — digo, ante seu silêncio. — Nunca quis te magoar. Melanie só deixou vocês porque mamãe estava morrendo. E só trocamos de lugar porque ela quis me ajudar, por favor, não a odeie. — Sinto necessidade de defender Melanie. Talvez por ela ser minha irmã, ou por não querer que Connor passe o resto da vida odiando-a por mais este erro. — Ela estava confusa e perdida. Bem, você sabe mais do que eu os problemas que tinham e...

— Pare! — ele pede com uma voz assustadora.

Eu me assusto.

— Eu não quero ouvir... — As palavras parecem sair do recando mais sombrio de sua alma. Como se falar lhe custasse a vida.

— Eu preciso falar! Sei que não tem perdão para o que fiz! Mas Melanie morreu e...

— Sim, ela morreu! — Seu olhar está cheio de dor e fere meu coração. — Eu não consigo lidar com isso — ele faz um gesto de mim para ele — agora.

Como dói. Demais!

Estou quebrando em mil pedaços.

As palavras de Connor são como tiros em minha alma, estraçalhando tudo dentro de mim. Minando toda a vida que ainda me resta.

— Por favor, não me odeie.

— Eu odeio o mundo neste momento. — Uma lágrima cai de seus olhos. — Porém, esse é o mundo em que minhas crianças vivem e não sei como consertá-lo para elas.

— Sinto tanto por elas, não queria que estivessem passando por isto. Se tiver qualquer coisa que eu possa fazer... qualquer coisa...

— Vá embora! — Empalideço. — A única coisa que pode fazer é ir embora. Elas precisam lidar com a perda da mãe de verdade. Sua presença somente iria confundi-las mais, causar mais dor. E já causamos dor o suficiente a elas.

Sacudo a cabeça.

Sim, por mais que doesse, talvez Connor tivesse razão.

— Tudo bem... eu só queria me despedir.

Ele não fala nada.

Desço os poucos degraus da varanda e então, de repente, não aguento e olho para trás.

Connor está de costas, abrindo a porta para entrar.

— Eu te amei! — Ele para. — Talvez nunca acredite, mas eu te amei de verdade. Só queria que soubesse que, para mim, tudo foi verdadeiro. E que tenho um milhão de arrependimentos, mas ter amado você não é um deles, nunca será. Adeus Connor.

Corro e entro no carro.

Ele entra na casa e a porta se fecha.

Antes que eu consiga me recompor para dar partida e finalmente ir embora, Lilian sai da casa segurando Anthony e vem em minha direção.

Eu não penso duas vezes antes de sair do carro.

— Imaginei que você quisesse se despedir dele também. — Ela sorri tristemente.

Seguro Anthony pela última vez, abraçando seu corpinho quente e querido. — Vou sentir tanta saudade...

— Vai mesmo embora de Lakewood?

— Não há mais nada que eu possa fazer aqui. Connor tem razão, minha presença só causaria mais dor.

— Connor está confuso e em choque. Eu não concordo com ele.

— Talvez eu também precise desta distância. Preciso lidar com a morte de Melanie, com minha culpa...

— Não sinta culpa!

Eu lhe devolvo Anthony depois de beijar seu rostinho.

— Olívia está no balanço na casa dos Carter — ela diz. — Não quer falar com ninguém.

— Não sei se ela quer me ver.

— Acho que vai ser pior se você for sem se despedir. Ela está ferida, porém um dia sua ferida vai se curar e ela vai entender.

Entro no carro e dirijo até o terreno dos Carter e, ao saltar, vejo a pequena figura solitária no balanço. Ela me vê também e noto a dor em seu olhar, antes de ela desviar o rosto.

— Vim me despedir.

Ela não fala nada.

— Eu sinto muito por ter mentido para você. Nunca tive a intenção de te magoar, muito pelo contrário. Desde que cheguei só me esforcei para que fosse feliz, porque era o que você e seus irmãos mereciam. Sei que é difícil entender agora, é demais para qualquer pessoa. — Vejo as lágrimas silenciosas que rolam dos seus olhos, quebrando meu coração. — Sinto muito que tenha perdido sua mãe. Ela era minha irmã e eu a amava, por isto atendi o pedido dela para cuidar de vocês. Sei que nós duas erramos e magoamos todo mundo. Só espero que um dia consiga entender. Eu te amo de verdade, como uma filha, e espero que um dia possa me perdoar e me amar ao menos como sua tia, que sou. Apenas... fique bem.

Quero me aproximar e abraçá-la, porém sei que seria pior. Então simplesmente me afasto, antes de chegar ao carro vejo Natalie vindo em minha direção, em vez de fugir vou a seu encontro.

— Antes que comece a falar, apenas escute. Sei que está com raiva. E eu mereço. Só quero que saiba que eu amo esta família. E estou com o coração partido por ter que deixá-los.

— Como pôde fazer algo tão absurdo? Acreditei em você e o tempo inteiro era tudo mentira...

— Era mentira que eu era Melanie, mas nunca a minha dedicação a eles. E no fundo, você sabe. Espero que quando a raiva passar, você entenda.

— O que você e Melanie fizeram... não sei se tem conserto.

— Espero muito que tenha pelo bem de Connor e das crianças. Que eles esqueçam e vivam bem, acima e apesar de tudo. Estarei rezando todo dia para isso. Mesmo que nunca mais possa vê-los, vou ficar feliz de saber que eles estão bem. Então, por favor, mais do que nunca, eles vão precisar de amor. De carinho e apoio. De alguém forte, como você. Cuide deles, por favor, não os deixe cair. Apenas... cuide deles.

Entro no carro e dou partida, saindo da propriedade dos Carter sem olhar para trás.

No fim daquela mesma noite me despeço de David na porta de sua casa. Ele está chorando, o que me deixa mais triste ainda.

— Não queria que fosse assim...

— Eu preciso ir, já fugi demais da minha vida e minha permanência aqui só traria mais confusão.

— É, tenho que concordar com você. Connor e as crianças precisam superar e passar pelo luto.

— Sim.

— Mel, vamos? — Charlote entra no carro.

Abraço David mais uma vez.

— Não queria te perder de novo.

— Não vai me perder. Tem meu endereço, meu telefone. Vamos manter contato e você pode me visitar em Nova York sempre que quiser.

— Vá com Deus, filha.

Entro no carro e Charlote dá partida.

E, pouco a pouco, vejo Lakewood e seus tons de verde e cinza ficando para trás.

— Quer que eu fique com você? — Charlote pergunta quando saio do táxi em frente ao meu prédio em Nova York.

Na mala, meus poucos pertences pessoais que David pegou na casa de Connor. E também os pertences que estavam com Melanie e que eram meus, afinal.

— Não, quero ficar sozinha.

— Não se preocupe com as questões práticas. Passei um comunicado que você perdeu um ente da família, que o restante da turnê foi cancelado e que você estará indisponível para promoção até segunda ordem.

— Obrigada! — Abraço-a e saio do carro.

Entrar no meu apartamento depois de tanto tempo é como voltar no tempo. Como se eu tivesse vivido ali em outro século, outra vida.

Tudo parece continuar igual ao que deixei, enquanto caminho pelos cômodos elegantes. Antes eu o achava lindo, agora tudo me parece insípido e sem vida. Tão diferente da casa simples e acolhedora de Connor.

Pensar em Connor faz meu coração doer daquele jeito que sei que irá doer para sempre, ainda é difícil me acostumar com a ideia.

Entro no meu banheiro e tiro a roupa toda. São roupas de Melanie.

Olho-me no espelho e a vejo olhando para mim. Ela ainda está em mim. Em meus olhos. Foi aquela semelhança que nos fez trocar de lugar. Uma querer a vida da outra. Enganar a todos com nosso egoísmo. Sim, não foi só Melanie que errou.

Eu concordei com tudo. Mantive a farsa por todo aquele tempo. Lutei para conquistar um homem que não me pertencia e que agora sofria.

Agora odeio aquela semelhança. Quero me livrar dela. Quero arrancar os olhos de Melanie de mim, sua pele, seus cabelos.

Não consigo mais...

Com um soluço, pego a tesoura na gaveta e começo a cortar meu cabelo. De qualquer jeito. Minhas mãos tremendo, meu corpo vergando de dor, até que largo a tesoura e caio no chão, tomada pelo sofrimento.

Choro até que reste somente o vazio.


Capítulo 30


Dizem que o tempo cura tudo. Ainda estou esperando esta máxima funcionar comigo.

Faz três meses que Melanie se foi.

Três meses que deixei Lakewood e todos que amava para trás.

E ainda acordava toda noite banhada em suor, depois de sonhos que se transformavam em pesadelos. Neles, sempre estou em Lakewood. Revivo meus dias como Melanie, cuido de suas crianças como se fossem minhas e me apaixono por seu marido como se ele fosse meu. Então, depois, tudo desaparece. E me vejo sozinha em frente à casa, as portas fechadas para mim. E lá dentro escuto o choro das crianças. Escuto a voz de Connor consolando-as. E de repente Melanie surge ao meu lado. Ela segura minha mão e sorri para mim.

— Você precisa ser forte, irmã.

E o sonho termina quando acordo chorando, sentindo um vazio que temo nunca mais ser preenchido.

É o vazio de Melanie na minha vida. É o vazio da vida que ela me presenteou para depois me ser tirada.

E assim os dias transcorrem, tristes, vazios, sombrios.

Não consigo escrever, abro meu laptop todos os dias e fico horas olhando para a tela vazia. Não há nada dentro de mim que possa ser colocado no papel.

Estou oca por dentro.

E todas as noites vou dormir após rezar por Connor e pelas crianças. Para que eles estejam melhores que eu. Que estejam superando pouco a pouco o sofrimento pela perda de Melanie e a nossa mentira.

Rezo para que não guardem rancor da mulher que se foi.

E que, se possível, não guardem rancor de mim.

Naquela manhã, corro pelo Central Park como sempre faço, agora ignorando o frio do inverno. Correr me ajuda a espairecer, embora me faça lembrar das corridas matinais de Connor. E todas as vezes acabo chorando em silêncio.

Eu sentia tanta falta dele. Tanta, que doía em meus ossos.

Será que ele já me esqueceu? Existia um lado meu que torcia para que Connor superasse o que eu tinha feito. Enquanto um outro, inconsequente e egoísta, queria que ele não esquecesse.

Que não esquecesse de mim.

Afinal, quem ele amou? Sempre fui Melanie para ele. Todas as vezes em que me beijou, que fizemos amor... era Melanie que ele desejava.

Eu era apenas um corpo e um rosto igual ao dela.

Pensar nisso fazia doer demais.

E eu tentava esquecer. Eu devia esquecer. Eu precisava esquecer.

Quem disse que eu conseguia? A cada dia que passava só sentia aquele amor se solidificar mais.

Não ajudava nada que David me ligasse de vez em quando e eu não aguentava e sempre perguntava por eles.

No começo a resposta era sempre a mesma.

— Vou todas as semanas lá. Connor não tem ido à oficina, está se dedicando somente às crianças.

— E como elas estão?

— Olívia continua bem calada e reticente, negando-se a falar sobre você ou sobre a mãe que morreu.

— Pobrezinha. E Mandy?

— Mandy pergunta muito por você. Ela diz que sente saudade e que você prometeu voltar. E quando vou embora ela sempre diz: “vovô, diz para a mamãe que estou esperando”.

— Oh! — Eu sempre terminava chorando.

— E Connor?

— Ele está triste, mas mantém a postura pelas crianças. Ele precisa ser forte por elas e é o que está fazendo.

— Ele fala sobre mim?

— Até tentei conversar com ele, mas é difícil.

— Ele finge que eu não existo.

— Entenda, Mel, ele sofreu demais com tudo. Coloque-se no lugar dele. Ele passou um mês inteiro com uma mulher que no fim não era quem ele pensava. E ainda descobriu que a esposa e mãe dos seus filhos morreu. Ninguém sai de algo assim de uma hora para outra. Dê tempo ao tempo.

— Sinto tanto a falta deles.

— Eu sei, querida.

E por semanas as respostas não eram diferentes, por fim, as coisas começaram a mudar.

Olívia não estava mais tão triste o tempo todo, embora ainda se negasse a falar sobre mim ou Melanie. Connor havia voltado a trabalhar na oficina meio período, enquanto as crianças estavam na escola. E Natalie cuidava de Anthony enquanto isto.

— E Camila? — Não conseguia deixar de perguntar.

— Essa se mancou e foi embora na semana passada.

— Sério?

— Sim, voltou com o marido, pelo que ouvi dizer.

Não contive o suspiro de alívio.

Não podia negar o medo que existia dentro de mim de que Connor resolvesse dar uma chance a Camila agora que estava viúvo.

— E você, filha, como está? — ele perguntava, e eu sempre tentava parecer melhor do que realmente estava.

— Melhorando. Um dia de cada vez, não é?

— Sua voz não me parece boa.

— Vou ficar bem, pai.

O natal estava chegando e, enquanto saio do parque diminuindo o passo, relanceio meus olhos pela decoração da cidade, sentindo um aperto no peito. Como será que seriam as coisas em Lakewood naquele feriado?

Quando chego em casa Charlote está me esperando.

— Olá, como vai? — Ela está sempre preocupada comigo, não há nada que eu possa fazer.

— Estou bem. Estava correndo.

— Percebi.

— O que deseja?

— Sabe o quê. Quero saber como vai seu livro novo.

— Nada ainda, continuo tentando.

— De verdade?

— Por favor, Charlote, não me pressione.

— Sabe que é minha obrigação. É o que você faz, Mel. Escreve. Não pode parar só porque...

— Só por que o quê? — Eu me irrito.

— Me desculpe.

Suspiro, arrependida por ter sido grosseira.

— Me desculpe.

— Eu só quero te ajudar. Já passaram meses. Precisa seguir com a sua vida.

— Estou tentando.

— Não, não está. Está se escondendo.

— O que mais eu posso fazer? Não vejo motivos para viver — confesso.

Charlote se aproxima e toca minha mão.

— A vida é curta, Mel. Veja a vida de Melanie, ela passou dez anos num casamento vazio, sendo infeliz e só tomou coragem de ir embora quando era tarde e foi só para tomar a vida que nem era dela. Para viver uma ilusão.

— Pelo menos ela parecia feliz... — Recordo da minha ligação, confessando meu amor por Connor, o que sempre me atormentava. Será que eu fiz Melanie sofrer? Ter raiva de mim?

Eu nunca iria saber e era difícil de suportar.

— Sim, ela parecia feliz, embora soubesse que em algum momento tudo acabaria, que era só uma ilusão.

— Assim como eu também sabia.

— Sim... Acabou. É passado. E não podemos mudar o que fizemos de errado, o passado não volta. Só podemos seguir em frente.

— Como?

— Se perdoando.

— Não sei se consigo.

— Precisa tentar.

Ela beija meus dedos e se afasta.

— Eu já vou. Pode sair para fazer umas compras comigo amanhã?

— Não.

— Vai sim. Vamos nos divertir gastando algum dinheiro.

Depois que ela se vai o telefone toca e vejo que é David.

— Oi, pai.

— Oi, filha, tudo bem?

— Tudo e você?

— Sim, e... está tudo bem aí? — pergunto baixinho. David sabia o que eu estava querendo dizer.

— Eu te liguei para pedir que venha a Lakewood para o Natal.

— O quê?

— Você ouviu.

— Você sabe que não posso! — Sinto minhas mãos suarem só de pensar em voltar a Lakewood.

— Já se passaram três meses, Mel. Está na hora de retornar à cidade.

— Não sei se devo. Não há nada que eu deseje mais do que retornar... rever as crianças e...

— Connor?

— Sim, o senhor sabe como me sinto. Connor me mandou embora, ele disse que eu tinha que me afastar para o bem das crianças.

— Ele disse no calor do momento e eu acreditava que era o melhor também.

— E foi melhor. O senhor mesmo disse que as coisas estão melhorando pouco a pouco.

— Sim, por isso mesmo está na hora de você voltar.

— Todos me odeiam.

— Não é bem assim. Foi um choque para todos, porém o tempo cura tudo, filha.

— Connor não me quer aí — digo baixinho.

— Mel, Connor vai se mudar de Lakewood.

— O quê? Como assim?

— Ele desfez a sociedade com Sam e vai morar em Kenmore com as crianças, fica aqui em Washington mesmo.

— Por quê?

— Ele está tentando entrar na universidade de lá.

Abro minha boca, totalmente estupefata.

Connor tinha resolvido voltar a estudar? Eu mal podia acreditar.

— Sério?

— Sim, parece que os últimos acontecimentos causaram uma mudança brutal nele. Ele me contou sua decisão na semana passada.

— Ele tem dinheiro para isso? — Não podia deixar de perguntar.

Quando voltei, tinha conversado com David e dito que queria mandar dinheiro, afinal, eu tinha muito, ele disse que Connor nunca aceitaria.

— Parece que vem guardando há muito tempo. Ele disse que era para a faculdade das crianças, então alguém lhe disse que os pais merecem ter seus sonhos realizados também, até mesmo para o bem dos filhos.

Fecho meus olhos, meu coração se expandindo.

Fui eu quem disse a ele. Meu Deus!

De repente sinto algo que não sentia há muito tempo.

Esperança.

— Fico tão feliz por ele.

E é a mais pura verdade.

— Então filha, por favor, venha a Lakewood. Venha passar o natal com este velho.

Sorrio por entre as lágrimas.

— Tudo bem, eu vou.

Em meus mais loucos sonhos, sempre me imaginava voltando para Lakewood, mas, no fundo, nunca achei que seria possível.

Não depois da maneira como tinha ido embora.

Agora saio da área de desembarque, recordando que a primeira vez que cheguei foi como Melanie.

Agora sou eu mesma, não consigo deixar de sentir uma certa nostalgia ao me lembrar daquele dia. Da primeira vez que vi Connor. Tão lindo e furioso em sua perfeição.

— Filha! — Levanto a cabeça e é David que está me esperando desta vez.

Eu o abraço forte.

— Que bom que está aqui.

— Sinto o mesmo. — Sorrio, tentando parecer corajosa, quando na verdade estou morrendo de medo.

— E este cabelo?

Dou de ombros.

— Queria ficar diferente.

David não diz nada enquanto pega minhas duas malas pesadas. Acho que entendeu.

— O que tem aqui?

Fico vermelha.

— Não resisti e trouxe presentes para as crianças.

— Tem alguma coisa aqui para seu velho também?

Sorrio, enquanto entramos no carro.

— Com certeza.

Nós seguimos para Lakewood e de novo me vejo deslumbrada pela paisagem. Sinto um aperto de saudade no peito.

— Connor sabe que estou chegando?

— Contei a ele, claro — David responde.

— E o que ele disse?

— Não disse nada. Ele nunca diz.

— E as crianças?

— Deixei que Connor decidisse. Só disse a ele que achava certo ele deixar você vê-las. Afinal é a tia delas.

— Acha que ele vai permitir?

— Não sei.

Nós chegamos à casa de David e ele coloca minhas coisas no antigo quarto de Melanie.

— É estranho estar aqui.

— É estranho para mim também — ele diz tristemente.

— Sente falta dela?

— Eu e Melanie nunca fomos muito ligados ou amorosos um com o outro. E a culpa é minha. Mas sinto falta dela, sim, e sinto mais falta ainda do relacionamento que podíamos ter tido se eu não tivesse sido corroído pela culpa.

— Deve parar de se culpar e seguir em frente. Não podemos mudar o passado — repito as palavras de Charlote.

— Sim, estou tentando, eu só... Não queria errar mais com você também.

Sorrio.

— Não vamos deixar acontecer. Sonhei a vida inteira em ter você na minha vida, não vai se livrar de mim.

— Eu queria perguntar... — Ele hesita. — Sua mãe... ela foi feliz?

— Sim, ela foi — respondo. — Foi feliz do jeito dela, acho que conseguiu o que queria e foi assim até o fim. Ela foi a mais corajosa de todos nós.

— Mas a que preço?

— E não é sempre assim? Tudo tem um preço. Eu optei pela paixão em vez da verdade e não estou pagando?

Ele só assente e sai do quarto fechando a porta atrás de si.


Naquela noite eu ceio com David e, juntos, assistimos a neve cair até irmos dormir.

Na manhã seguinte, sei que não posso adiar mais. Vou até a janela e vejo a neve caindo. Ainda parece surreal que esteja em Lakewood.

Só consigo pensar no quanto estou perto agora.

Connor e as crianças estão por perto.

Meu coração se expande de expectativa e medo, quando pego minha mala retirando de lá os presentes que havia escolhido junto com Charlote.

Apanho tudo e levo para o carro de David.

Ele me encara da varanda.

— Quer que eu vá junto?

— Não, acho que tenho que fazer isto sozinha.

Sinto um misto de emoções quando estaciono em frente à casa de Connor. Salto e fico olhando a fachada, a neve cobrindo quase tudo. É lindo. Assim como minhas lembranças. E me apego a elas. Para ousar ter esperança.

Talvez Connor não brigue comigo, talvez permita que eu veja as crianças de vez em quando. Talvez eu tenha a chance de conquistá-las como tia, como deveria ter sido.

E quanto a Connor ... Bem, nem ouso pensar. Porque dói. Porque sei que ainda é algo impossível, embora meus sentimentos não tenham mudado.

— Mel? — Levanto o olhar e vejo Natalie. Ela segura Anthony no peito e arregalo os olhos, porque mal o reconheço. Está maior, e quando ela o coloca no chão, dá alguns passinhos trôpegos.

— Ele está enorme! — Eu me aproximo, então paro olhando para Natalie, pedindo permissão com meu olhar. Tão diferente da primeira vez que cheguei e a vi com ele e senti ciúme e posse. Agora eu sabia que não tinha direito. Natalie me surpreende.

— Sim, ele está dando os primeiros passinhos. — Ela sorri. — Olhe, Anthony! Lembra da tia Mel? Por que não anda até ela?

O menininho sorri, há dentinhos novos em sua boca e meus olhos se enchem de lágrimas quando ele dá dois passinhos em minha direção, estende os bracinhos e eu o pego no ar, trazendo-o para meu peito.

— Oh, que saudade!

— Acho que ele sentiu sua falta também.

Encaro Natalie.

— Acho que todos sentimos.

— Todos?

Ela dá de ombros.

— Não vou pedir perdão pelo tapa, você mereceu. Estava com raiva pelo sofrimento que causou às crianças. Também não podia esquecer tudo o que fez e como os amou. Depois que a raiva passou só queria que você pudesse voltar e...

— E o quê? Acredita que há um lugar para mim nesta família?

— Você é que tem que saber. Que tal tentar?

Ela se aproxima e pega Anthony.

— Estamos num café da manhã de natal.

Hesito.

— Todos estão aí?

Ela sacode a cabeça afirmativamente.

— Não sei se devo.

— Cadê aquela garota corajosa que chegou aqui me botando no meu lugar? Tenho certeza de que ela está em algum lugar aí dentro de você. — E ela segue para dentro, deixando a porta aberta para mim.

Respiro fundo e sigo em frente.

Estou tremendo inteira quando passo por aquela porta. Tantas emoções contraindo meu peito.

Sei que não deveria me sentir assim, é como voltar para casa.

— Olá, estranha! — Lilian está me aguardando na porta e arregalo os olhos para sua barriga proeminente antes que ela me abrace.

— Você está enorme!

Ela ri.

— Quase nem vejo meus pés! Seis meses já!

— Parece radiante.

— Porque estou.

Engulo em seco ao ver Adam a poucos passos.

— Não ligue para ele, ainda é um tanto rancoroso.

— Eu entendo.

— Ele só precisa ver o Connor e as crianças felizes e vai te perdoar, não se preocupe.

— Acha que é possível? — pergunto baixinho, e ela sorri.

— Nunca perdi a esperança.

Dou mais um passo e vejo Willian e Helen.

— Como vai, Mel? — Willian me cumprimenta com uma gentileza educada.

Fico me perguntando o que se passa em sua cabeça.

Helen é um pouco menos fria e se aproxima.

— Você parece bem.

— Obrigada.

— Também parece estar morrendo de medo.

— Não vou negar — confesso, e ela sorri.

— Pode não ser fácil, porém não desista — ela diz baixinho, para que só eu possa ouvir. — Você é a tia deles, apesar de todos os erros passados. E sua irmã morreu. É natural que queira fazer parte da vida deles. Eu tive raiva de você quando descobri a farsa, mas eles estavam melhor enquanto esteve aqui. E é nisso que me apego.

Eu não sei o que dizer.

— Mamãe! — De repente Mandy surge correndo e a pego no ar, abraçando-a com força.

— Oh, meu amor, que saudade!

— Eu sabia que você ia voltar, eu sabia! — Ela trava os bracinhos no meu pescoço e não quero que ela solte nunca mais.

Então olho por cima do cabelo de Mandy e vejo Olívia na porta da cozinha e, atrás dela, segurando seus ombros, está Connor.

Não consigo me mexer, petrificada no lugar. Meu coração disparado no peito ao revê-lo. Seu rosto lindo e impassível.

E há Olívia, ela é tão parecida com Connor, os dois escondendo o que realmente sentem.

Coloco Mandy no chão.

— Oi, Olívia. — Ouso sorrir.

— Oi — ela responde sem inflexão.

Pelo menos ela está falando.

Então olho para Connor.

— Oi, Connor. — Deus, meu coração está falhando no peito.

É tanta saudade, dor e desejo misturados que temo entrar em colapso.

— Oi, Mel.

Ah, aquela voz... que adentra em meu ouvido e vai deixando um rastro de vida por onde passa, por todo meu corpo, todo meu ser. Embala meu coração saudoso.

— Mamãe, nós vamos abrir os presentes! — Mandy pula, puxando minha mão, e respiro fundo, saindo do torpor que rever Connor me causou.

— Eu trouxe presentes também, estão no carro.

— Opa, vou buscar. Ajuda aí, Adam. — Sam surge e, ao passar por mim, pisca animado. — Bem-vinda, Mel.

Mandy me puxa para a sala e todos nos seguem, ainda estou ligeiramente atordoada. Quero ficar olhando para Connor, matando a saudade de seu rosto perfeito, mas não ouso. Por isto sigo Mandy, enquanto ela pula toda empolgada.

Sam e Adam voltam à sala com todos os meus pacotes, deixando Mandy ainda mais agitada.

— Eu começo distribuindo os meus e de Sam — Natalie diz e vejo que Anthony está no colo de Willian.

Natalie distribui seus presentes, depois Lilian, seguida de Helen e até mesmo Connor distribui pacotes, principalmente para as crianças.

Mandy pede ajuda para abrir os dela e me concentro nisso, na sua alegria infantil, não ousando olhar além. Para onde meu coração deseja.

— E os seus, Mel? — Lilian pergunta.

— Ah, tem nome em todos.

— Nossa, quanta coisa! — Lilian e Natalie começam a ler os nomes, não me limitei às crianças, trazendo presentes para todos da família.

— Espero que gostem, não conhecia bem o gosto de vocês — digo sem graça.

— Imagine, acho que acertou em cheio! — Lilian diz, sacudindo o perfume francês que trouxe para ela e um parecido para Natalie.

— Parece caro! — Natalie comenta, e Sam a cutuca.

— Não reclame! — Lilian ri.

— Não estou reclamando, adorei, obrigada.

Olho para as crianças e vejo Mandy animada com sua boneca que é quase do tamanho dela.

— O que ganhou, Connor? — Lilian pergunta, curiosa, e ele mostra uma coleção de livros enormes de capa dura sobre anatomia.

— Hum? — Lilian parece decepcionada e coro violentamente quando ele olha para mim.

— Achei que seria útil, David me contou... sobre você tentar a faculdade.

— Sim, gostei muito. Obrigado! — diz simplesmente. Desvia o olhar para Olívia. — E você, filha?

Ela levanta os olhos cheios de lágrimas. Eu havia lhe comprado um notebook, lembro-me de ela dizendo que gostaria de ter um para fazer as lições de casa.

— Gostou? — pergunto esperançosa e, em vez de responder, ela levanta e sai da sala.

— Olívia! — Connor faz que vai atrás, mas eu me levanto.

— Não, deixe que eu fale com ela.

Connor hesita, preocupado.

— Você sabe que é comigo.

Eu saio atrás de Olívia. Ela está chorando na varanda e me aproximo devagar.

— Querida, fale comigo — peço.

Ela me encara.

— Você foi embora! Você disse que não ia mais me magoar, mas me deixou para trás! Assim como a mamãe fez! E acreditei em você, então você fez como ela... E eu senti tanta saudade...

— Oh, Olívia! — Eu a abraço, chorando também.

Ela deixe que eu a abrace. E choramos juntas por um tempo.

— Senti tanta saudade também — digo, e ela me encara.

— Então por que foi embora?

— Porque não fui sincera. Menti para vocês, fingindo que era sua mãe. E tudo virou uma confusão quando ela morreu.

— Você podia ter ficado...

— Seu pai achou melhor que eu fosse, para não confundir mais vocês.

— Acho que ele sentiu falta de você também.

— Oh, querida... — Deus, eu queria tanto acreditar.

— Mandy dizia que ia voltar, e eu queria acreditar, mas você nunca voltava.

— Pensei em vocês o tempo todo.

— Eu também. E me senti culpada quando a mamãe morreu porque eu pensava o tempo inteiro que eu preferia a mãe que você foi em vez dela. Mas pensei que não queria mais ficar aqui bancando nossa mãe.

— Eu não podia mais fazer isso, porém... ainda sou a tia de vocês, a tia Mel.

Enxugo seus olhinhos.

— Eu amo muito você e seus irmãos.

— Queria que pudesse ficar. Era tão bom quando estava aqui.

— Vocês vão mudar, não é?

— O papai quer estudar. Eu achei legal.

— É, tem que dar toda a força para ele. Ele vai precisar.

— Eu vou! — Ela sorri pela primeira vez naquele dia e eu a abraço.

— Podemos voltar para dentro?

Nós voltamos e quando todos a veem sorrindo, respiram aliviados.

A entrega de presentes termina e todos se despedem.

Natalie coloca Anthony no meu colo e fico ali na sala, vendo todos irem embora, Connor foi levá-los.

O que eu faço? Devo ir também?

Não consigo deixar as crianças ainda.

Connor não retorna, então peço que Olívia fique com Anthony e Mandy e saio à sua procura.

Eu o encontro perto da árvore em que ele tinha me beijado e prendo a respiração enquanto me aproximo. Tenho tanta coisa para dizer, vou perdendo a coragem à medida que vou me aproximando. Já causei tanta dor àquele homem. Talvez ele só queira que eu vá embora e o deixe em paz.

— Você quer que eu vá embora?

Ele desvia o olhar e passa os dedos pelos cabelos.

— Não. Estava esperando todos irem embora para podermos conversar.

— Claro... Acho que quer uma explicação, não é? Sobre eu ter me passado por Melanie e...

— Eu sabia.

— O quê?

— Melanie me contou.

Paro de respirar.

— O que está dizendo?

— Melanie esteve aqui no dia da apresentação de Olívia. Ela me contou tudo, Mel. Desde aquele dia que eu sei quem você é.

Oh, Deus, sinto que vou desmaiar.


Capítulo 31


Connor


Nunca imaginei que minha vida com Melanie seria fácil. Olhando para trás, nem sei dizer o que é que eu imaginava. Ou o que esperava. Eu era apenas um jovem que sonhava ser médico e, por isso, tentava se concentrar nos estudos passando longe das garotas que podiam me desviar do meu objetivo, estando tão perto de alcançar meus sonhos. Então Melanie Martin cruzou meu caminho.

Ainda me lembro de seus olhos me seguindo por todos os lados, seu riso sempre mais alto do que o das outras quando eu entrava numa sala, o jeito que ela jogava o cabelo e sorria para mim numa sedução calculada para que não houvesse possibilidade de fuga.

No início, apenas a observei um pouco mais atento, avaliando suas curvas suaves, rosto bonito e cabelos incríveis, afinal, era também um cara cheio de hormônios que não saía com ninguém desde que tinha me separado de minha namorada Camila. Deixar Camila não foi difícil, não éramos tão apaixonados assim, eu disse a ela que queria me concentrar nos estudos e não queria ficar perdendo tempo com um namoro a distância. Ela concordou dizendo que poderíamos ir para a mesma faculdade e, então, quem sabe? Eu não tinha porque não concordar. Camila era bonita e nossas famílias eram amigas. Eu gostava dela. Tente entender que eu não era um cara que sabia alguma coisa sobre amor de verdade ou paixões avassaladoras. Talvez fosse muito sensato e racional para isso. Então, logo percebi que Melanie Martin seria nada além de problemas. Sim, eu poderia levá-la para dar uma volta no meu carro e passar algumas horas quentes com ela no banco traseiro, porque a palavra fácil estava escrita no decote pronunciado de sua mini blusa em letras piscantes. Mas não queria problemas. Estava fugindo deles.

Assim, tentei ignorar sua presença. Mas ela era insistente. E não desistiu como as outras garotas que cercaram Sam e eu, assim que chegamos à cidade, como se fôssemos atores de Hollywood ou algo assim. E o que eu posso dizer? Acabei cedendo. Eu a convidei para sair. Levei para jantar, amassos no cinema e uma transa no meu carro. Como imaginei foi fácil e esquecível. A verdade era que, tirando a parte dos amassos, nós não tínhamos nada a ver um com o outro. Nossos gostos eram tão distantes quanto o sol e a lua. E, para meu alívio, o interesse de Melanie arrefeceu tão rápido quando o meu.

O que nenhum dos dois esperava era que ela ficasse grávida.

E ali, sem que nenhum de nós esperasse, nossas vidas mudaram para sempre.

Obviamente eu nunca tinha pensado em ser pai naquela altura da minha vida e, claro, fiquei apavorado. Mas também me sentia responsável. Fui inconsequente quando transei com Melanie, não podia deixar que toda a culpa recaísse sobre ela. Meus pais deixaram claro que podia pedir que fizesse um aborto, eles não queriam que eu me responsabilizasse por uma criança sendo tão jovem. O pai de Melanie pensava diferente e disse que o certo era que nos casássemos, que eu arcasse com as consequências dos meus atos, pois ele não daria nenhum apoio a Melanie se ela ficasse solteira.

Melanie me disse que queria tirar o bebê. Por um momento cheguei a concordar com ela. O que seria de nossas vidas? A gente mal se conhecia. Então eu pensei que estávamos falando do meu filho que, se foi concebido, havia uma razão de ser. De repente, me vi querendo aquela criança, embora soubesse de todas as dificuldades.

Fui ingênuo? Provavelmente.

Me arrependi? Muitas vezes.

Quando tive que declinar da vaga que consegui na Universidade de Princeton e adiar meus sonhos, principalmente. Eu ainda era um tanto otimista acreditando que um dia poderia tentar novamente. Só não naquele momento. Naquele momento usei o dinheiro que meus pais tinham juntado para arcar com minhas despesas na faculdade para montar uma casa para mim e Melanie e começar um negócio com meu irmão Sam, que tinha acabado de desistir dos estudos, voltando a Lakewood.

No começo, não era tão ruim. Embora, a cada dia que passasse eu percebesse que além de certa afinidade sexual, nada mais existia entre nós. Não gostávamos das mesmas coisas, não conseguíamos manter uma conversa adulta sem nos entediarmos ou acabar discutindo e, principalmente, tínhamos ideias diferentes do que era uma vida em comum.

Não que eu tivesse muita noção do que estava fazendo. Porém convivi com meus pais, que tinham casamento muito feliz e harmonioso a vida inteira e acho que me iludia acreditando que eu e Melanie poderíamos alcançar a mesma maturidade matrimonial, ao menos. Rapidamente percebi que Melanie não estava interessada nisso. Ela odiava cozinhar ou até mesmo manter a casa limpa. Eu tentava ter paciência, afinal, tudo era novo para ela. Ela se ressentia também de seu corpo mudando, dos enjoos, de não poder mais fazer as mesmas coisas que fazia quando era solteira. E, enquanto a gravidez evoluía, também aumentava seu mau humor e impaciência. Nossa lua de mel acabou bem rápido. Quanto a mim? Trabalhava muito para que tivéssemos dinheiro para pagar nossas contas e as despesas com o bebê que ia nascer.

Quando Olívia nasceu esperei que Melanie mudasse. Que sentisse o mesmo amor que eu senti por aquele pequeno ser que, a partir dali, transformou-se na razão de tudo. Isso nunca aconteceu. Ela reclamava de ter que acordar no meio da noite, de amamentar, algo que fez muito pouco porque não queria estragar os seios, reclamava de Olívia depender dela para tudo.

Isto me deixava puto. E nossas brigas começaram a se tornar cada vez mais frequentes. Até que me cansei de brigar ou de exigir que Melanie fosse diferente e tomei para mim a maioria das responsabilidades com Olívia.

Assim os anos foram passando, Olívia foi crescendo e nós vivíamos numa espécie de guerra fria dentro de nossa casa. Às vezes as coisas ficavam bem, geralmente depois de alguma briga mais séria. Ela pedia desculpas, dizia que ia mudar, que tudo ia ser diferente, que iria tentar. E eu acreditava. Afinal, tínhamos uma filha que precisava de pai e mãe. Aí ela sempre voltava a ser o que era antes.

Então, Camila chegou em Lakewood.

Meus pais ainda eram amigos dos pais dela, embora nós não tivéssemos mantido contato, afinal, ela acabou indo para a faculdade e eu não. Fiquei feliz em vê-la, nada além, já não existia nenhuma possibilidade para nós. Ela disse que gostaria que eu fosse para Seattle, que podia me arranjar um emprego. Para mim, a ideia era absurda, afinal, eu tinha meu negócio com Sam e uma família.

— É uma chance muito boa! — ela dizia. — Você é inteligente demais para ficar aqui, Connor! Sei que queria ser médico, porém isto já passou. O salário é bom, e você pode crescer na empresa, quem sabe até juntar dinheiro e entrar numa faculdade. Eu te ajudaria! Lembra-se dos nossos planos? Sabe que eu te apoiaria em tudo!

— Tenho uma família agora, Camila — argumentei, embora as palavras de Camila fossem um tanto sedutoras para mim. Eu não amava aquele trabalho com Sam e em Lakewood não existiam muitas alternativas. Ganhar um salário melhor seria muito bom. Será que poderia levar Melanie e Olívia comigo?

— Elas podem ficar aqui — Camila respondeu por mim. — Melanie não pode te impedir de ter uma vida melhor.

— Não é assim que as coisas funcionam — desconversei.

Camila continuou insistindo. Chegou a falar com meus pais, que também começaram a acreditar que era uma boa opção.

— Seria complicado me mudar com Melanie e Olívia, são muitos gastos. Um risco muito grande.

— Querido, você não acha que este seu casamento com Melanie já chegou ao limite? — Minha mãe disse calmamente, e eu sabia o que ela queria dizer.

Era algo que passava pela minha cabeça todos os dias.

Até quando eu e Melanie continuaríamos tentando manter aquele casamento que estava fadado ao fracasso desde o começo? Eu não me apaixonei por ela, como Sam insinuou um dia “com a convivência, acho que você pode passar a gostar dela, afinal, até que ela é bem gostosa”. E ela claramente não gostava de estar casada comigo. Acho que a única coisa que nos mantinha juntos era Olívia.

Será que minha mãe tinha razão? Eu deveria ir para Seattle, deixar Melanie? Seria justo com ela? Com certeza eu não poderia trabalhar e cuidar de uma criança sozinho se resolvesse levar Olívia. E a verdade era que eu não confiava muito em Melanie sozinha com nossa filha. Eu estava num beco sem saída.

Então a segunda gravidez de Melanie mudou o curso de tudo novamente.

Fiquei surpreso, nós nos precavíamos depois de Olívia. Não havia nenhum plano de ter outro filho. Melanie disse que queria tentar de novo. Que acreditava que ter um outro filho seria uma segunda chance, que devíamos isso à Olívia, uma família feliz. E de novo, fui ingênuo ao acreditar que era possível.

Se eu gostaria de ter uma vida diferente? Sim, mas era esta que me foi oferecida, por que não acreditar que podia dar certo?

Camila foi embora e por um tempo houve certa paz e até um pouco de esperança. Não demorou para Melanie começar suas reclamações, ainda mais quando Mandy nasceu. A verdade era que Melanie continuava uma mãe imatura. Ela ainda não gostava de trocar fraldas, amamentar e ficar acordada cuidando de Mandy quando ela adoecia.

Então eu tinha duas meninas para criar e uma esposa com a qual não sabia lidar.

E, de novo, as brigas voltaram, geralmente fruto da minha insatisfação com o comportamento de Melanie com as crianças. Eu não gostava de brigar, ainda mais quando as crianças cresceram o suficiente para entender as desavenças, principalmente Olívia. Sei que ela sofria quando eu e Melanie gritávamos um com o outro, então comecei a tentar ignorar as coisas que me irritavam em Melanie, em nome de uma falsa paz. Pensando que seria o bastante. Viver um dia após o outro, retirar pequenas alegrias dos sorrisos de minhas filhas e tentar esquecer que um dia almejei uma vida diferente.

Eu acordava todas as manhãs e olhava para aquela mulher adormecida do meu lado, que eu ainda mal conhecia e dizia a mim mesmo que a vida não era tão ruim. Nós nem brigávamos tanto, era só eu ignorar a louça para lavar quando chegava à noite, as crianças reclamando que queriam mais carinho dela, ou seus sumiços sem explicação. Ela sempre parecia voltar mais animada nestas ocasiões. Se achei que ela pudesse estar vendo outro homem? Por um tempo talvez não. Hoje, sei que eu sempre soube.

Só não me importei o suficiente.

Uma vez, Adam teve uma briga violenta com Lilian, quando estávamos num churrasco na casa de amigos. Tudo porque ela dançou com um cara que ousou flertar com ela. Fiquei preocupado por eles, por toda aquela cena, Lilian foi embora chorando. Lembro-me de ir atrás dela, já que Adam estava muito irritado. Ela estava chorando num canto e a consolei. Ela me surpreendeu quando seu choro terminou.

— Está com raiva dele? — perguntei. Obviamente estava pronto a defender meu amigo. Então ela sorriu.

— Se há ciúme é porque existe amor. Ele tem medo de me perder. É assim que o amor é. Irracional às vezes. Eu entendo. E claro que o perdoo.

Aquelas palavras voltaram a minha mente um tempo depois, durante uma das minhas últimas brigas com Melanie. Ela tinha sumido novamente e, desta vez, fiquei com raiva porque se esqueceu de buscar Olívia na escola. Ela riu e disse que eu estava com ciúmes, que estava em um bar com Addison e outras garotas solteiras, flertando. Não sei porque ela disse isso e nem se era verdade. Mas entendi ali, que se fosse, eu não me importava. E eu disse a ela. E, pela primeira vez vi um pouco de mágoa em seus olhos. Não era mágoa da nossa vida que ela nunca aceitou ou da maternidade que nunca foi algo fácil para ela, mas de mim. Da minha total incapacidade de amá-la.

Naquela noite me mudei para o sofá. Ela nunca pediu que eu voltasse. Nem mesmo quando dias depois a bomba sobre a gravidez de Anthony caiu sobre nós.

— Você fez de propósito? — acusei, desconfiado. Porque já tinha entendido há tempos que ela engravidou de Mandy para que eu não a deixasse. De alguma maneira, ela intuiu na época que eu estava pensando em deixar Lakewood.

— Claro que não! Acho que quero toda esta merda de novo? Sabe muito bem que detesto estar grávida.

Eu odiava quando ela dizia isto. Eu não entendia como ela podia se sentir assim. Criar nossas filhas não era a tarefa mais fácil do mundo, porém será que ela não sentia nenhuma recompensa nisso? O amor que elas devotavam a nós nunca tocaria seu coração?

Naquela época eu não entendia o tamanho de sua dor.

A dor que a faria ir embora e nunca mais querer voltar.

A dor que a fez colocar outra mulher em seu lugar.

Um dia acordei e Melanie havia desaparecido. Eu me lembro do choque, da incredulidade. Eu tinha certeza de que ela havia fugido.

E, enquanto estava aqui, neste mesmo lugar tentando respirar, entendi que de alguma maneira sempre esperei que acontecesse. Os sinais estavam em todos os lugares. Ela odiava Lakewood. Odiava a vida que tínhamos. Se ela odiava nossas crianças? Eu não sei se chegava a tanto, apesar de ser óbvio que não havia sentimento o suficiente para fazê-la ficar. Do mesmo jeito que não havia sentimentos por mim.

E, por um instante, senti alívio. Alívio por ela ter a coragem que nunca tive, de terminar com algo que nunca deu certo de verdade. Então Mandy apareceu sonolenta, perguntando onde estava a mamãe. Anthony chorava e Olívia estava com raiva de novo porque hoje era dia de Melanie levá-la, e onde estava Melanie?

O que eu ia dizer a nossos filhos? Por que ela podia ir embora e me deixar com aquelas crianças que eram tão dela quanto minhas? Não era justo.

Sim, hoje compreendo que fui movido pelo rancor quando liguei para Melanie pedindo para ela voltar. Eu achava que estava sendo movido pela preocupação com as crianças. Que precisavam da mãe. Mas será que elas precisariam realmente do tipo de mãe que Melanie era? Provavelmente estariam melhor sem ela. Porém, eu a quis de volta. Eu a quis aqui.

Deus, acho que este foi o maior erro que cometi.

Eu não sabia se ela iria voltar. Se atenderia meus apelos e ameaças. E não sei dizer o que senti quando ela falou para eu esperá-la no aeroporto. Talvez um pouco de alívio, principalmente porque as crianças sentiam sua falta. Eu não aguentava ver meus filhos sofrerem, apesar de saber que Melanie sempre os magoaria. Enquanto estava a caminho do aeroporto repensei tudo, lembro-me de estar dirigindo e me recordando de cada passo da nossa vida juntos e me perguntando se valia a pena. O que ainda existe que vale ser salvo? Eu não saberia dizer. E me deu uma tristeza tão grande, uma vontade de dizer para Melanie que ela podia ir. Mas agora era tarde. Ela estava de volta e eu me perguntava como seria.

Acho que esperava a mesma coisa, ou que fosse um pouco pior, levando-se em conta que praticamente a obriguei a voltar.

Mas nunca, nem nos meus mais loucos devaneios, esperava que ela voltasse tão diferente.

Como se fosse outra pessoa.

Se desconfiei que havia algo tremendamente errado? Com certeza. No entanto, nunca imaginei que não era ela que estava ali. Como poderia? Vocês são iguais. O mesmo rosto, os mesmos olhos. Talvez o cabelo um pouco diferente, isso era completamente compreensível com um corte recente. Até o mesmo corpo vocês tinham. Mas semelhanças acabavam aí.

No começo estava com tanta raiva, com tanto ressentimento, que só pensava que a sua súbita mudança era para me enganar, me manipular para ser perdoada. Talvez estivesse fazendo a mesma coisa que fez quando engravidou de Mandy, iludindo-me com aquela conversa de que tudo seria diferente, que poderíamos tentar de novo. Disse para mim mesmo que isso não ia acontecer. Eu sabia quem Melanie era. Não existia mais nada para ser salvo naquele casamento a não ser as crianças. Então eu a agredia com minhas palavras duras, dizendo que não acreditava nesta mudança de atitude. Até mesmo quando comecei a ver que as mudanças eram drásticas demais. O jeito que brigou com Natalie por Anthony, um bebê com o qual nunca se importou antes. A maneira que era carinhosa com Mandy, algo que nunca teve a menor paciência de ser. E até como tentava conquistar Olívia apesar de toda sua resistência.

Era assustador de se ver. Aí comecei a duvidar da minha sanidade. Eu tinha inventado a antiga Melanie? Porque esta nova era uma criatura completamente diferente. Era doce, amorosa, responsável com as crianças e a nossa casa, tratava bem meus amigos e familiares. E algo ainda mais assustador: me olhava com um desejo que eu nunca tinha visto antes.

Acho que te disse isso quando entrei naquela noite em seu quarto, o quanto eram confusas as diferenças, principalmente essa. Eu não entendia. Dava um nó na minha cabeça, nos últimos anos de casamento eu e Melanie quase nem íamos para a cama juntos, nunca mais depois que comecei a dormir no sofá. Não existia nem mais aquele tesão do início do casamento. Eu sempre a achei linda, mas a atração se desvaneceu quando não havia nada dentro dela que me atraísse. Nada em comum. Nossas mentes e emoções nunca se conectaram.

Então a nova Melanie começou a se tornar irresistível para mim de um jeito que não compreendia. Como isso era possível? Talvez eu tenha me enternecido com o carinho que finalmente dedicava a nossos filhos, até Olívia parecia tão feliz como nunca foi. Ou a maneira que parecia satisfeita em simplesmente estar nesta casa, cuidando inclusive das refeições, algo que pode parecer sem importância, mas que para mim pareceu surreal, já que Melanie nunca se preocupou se as crianças estavam alimentadas ou não. A nova Melanie insistia que eu trouxesse as crianças para comer em casa. Acordava a noite para cuidar de Anthony.

E continuava a me olhar de um jeito que nunca olhou antes.

E acho que foi esse olhar que começou a desarmar minha resistência. Era como se... me chamasse. Era mais que sedução, era como se quisesse me dizer algo além das palavras. Que eu compreendesse o que verdadeiramente estava acontecendo. Como se quisesse me dizer que meus olhos estavam me enganando, me pregando uma peça. Eu não entendi, claro. Só... comecei a não querer resistir.

E, embora minha razão gritasse para me afastar, que não era possível alguém mudar tanto, minhas emoções diziam algo totalmente diferente.

E foi a primeira vez na minha vida que segui aquelas emoções. Nunca havia entendido este amor de romance que as pessoas falavam. Eu gostei de Camila, quis várias garotas, inclusive Melanie. E senti tesão por outras mulheres, mesmo estando casado, afinal sou humano e quis, sim, muitas vezes, seguir meus desejos, acabar um pouco com o vazio que era esta parte da minha vida. No entanto eu não achava certo. Fui criado por um pai fiel, que sempre incutiu em mim que seria errado trair minha esposa, mesmo meu casamento sendo do jeito que era. E estava fechado demais em minha autocomiseração para sequer cogitar que a vida podia ser diferente. Mesmo porque só seria diferente com outra pessoa que não Melanie, afinal nós tivemos dez anos para comprovar que não dávamos certo juntos.

De repente lá estava eu desejando esta nova Melanie, não só seu corpo e rosto bonito que me atraíram um dia, também seu novo coração generoso que nunca tinha visto antes.

E lá estava, o impossível. A conexão que nunca havia existido antes, de mente e emoção. Estava ali na minha frente, sendo-me oferecida. Até tentei resistir, havia muita mágoa por todos aqueles anos. Eu ainda tentava entender todas aquelas diferenças, perguntava-me que diabos tinha acontecido para provocar uma mudança tão grande. Se eu poderia realmente confiar, poderia acreditar que depois de dez anos nós poderíamos ser felizes.

Tentei deixar as coisas apenas num nível de desejo sexual. Era mais aceitável para mim, já tínhamos sido compatíveis antes. Porém, depois que transamos percebi que eu estava me enganando. Era diferente. Era muito mais. Antes existia apenas sexo, agora eu sentia uma emoção diferente e comecei a desconfiar que podia estar me apaixonando por aquela nova Melanie. E, apesar do medo, afinal foram anos de um casamento vazio, anos culpando a antiga Melanie, percebi que queria ser feliz. Eu queria que a gente fosse assim para sempre.

E por que não foi desse jeito antes? Por que só agora? O que havia mudado, eu ainda não conseguia entender. Se foi milagre ou qualquer outra coisa que fez Melanie mudar. Então comecei a perceber que as mudanças tinham ocorrido não só em Melanie, mas em mim também. Eu também estive ali naqueles dez anos. Também tinha minha parcela de culpa. Eu nunca havia tentado de verdade. Assim como Melanie. A gente se conformou porque vimos que não tínhamos amor um pelo outro.

Mas será que havia agora?

Eu queria acreditar que sim. Queria manter aquela Melanie comigo. Então disse a mim mesmo que não iria me acovardar desta vez, que iria lutar. Percebi isso quando vi Zane na praia. E, pela primeira vez, senti ciúme e medo. Medo de perder aquela nova Melanie.

O que eu nunca poderia imaginar era que naquela tarde, depois de levar Olívia na escola, eu chegaria aqui, neste mesmo lugar e encontraria Melanie.

Ela estava encostada nesta árvore e sorria para mim, eu me aproximei e então, achei algo tão estranho... O cabelo estava maior, e usava uma roupa que nunca tinha visto, elegante. Por um momento eu tive um déjà-vu. Como se aquela fosse a Melanie de tanto tempo atrás e não a nova Melanie.

— Oi, Connor. — Ela deu um passo em minha direção e senti um arrepio na espinha. Ainda não entendia o que era.

— Melanie?

Eu queria perguntar se tinha conseguido o vestido para Olívia e por que estava ali usando aquelas roupas estranhas e aquele cabelo diferente. Não havia explicação.

— Sim, sou eu. Melanie. Está sentindo alguma diferença? — Ela sorria. — Você sabe que tem algo errado, não é? Sempre soube, desde que ela chegou. Ela era muito diferente e ao mesmo tempo tão igual.

— Melanie, que merda é essa?

— Você vai entender, Connor. A pessoa que estava aqui com você, todo esse mês. Tão diferente de como eu era... Não era eu. Nunca foi.

Eu achei que estivesse sonhando.

— Que brincadeira é essa?

— Você sabe que não estou brincando. Eu e Mel somos iguais na aparência, porém diferentes demais na personalidade e atitudes. Tive um pouco de medo ao mandá-la ficar no meu lugar, porque ela era doce demais. Não tinha como saber, não é? Vocês a aceitaram e acharam que eu tivesse mudado. — Ela ri. — Como se fosse possível alguém mudar tanto. Sabe disso, não é, Connor? Você, tão sensato e inteligente, no fundo no fundo, sempre soube que não era eu. Era outra.

— Deus, Melanie, o que deu em você? Está louca? — Não podia acreditar naquele monte de bobagens sem sentido, só sentia um presságio ruim. O que estava acontecendo com Melanie? Por que de repente ela parecia a antiga Melanie outra vez?

— Vim te contar a verdade.

— Que porra de verdade? O que está fazendo? Nunca mudou, não é? Estava se divertindo este tempo todo com a minha cara? Deus do céu!

— Pare de se enganar, Connor. Sim, eu não mudei. Continuo sendo a mesma Melanie de sempre. Porém, você não está louco. Realmente existe outra de mim aqui, só que seu nome e Melissa e ela prefere ser chamada de Mel.

— Inferno, pare com esta merda! Pare com esta brincadeira absurda! — Eu a segurei, sacudindo-a.

— Sim, Mel, minha irmã gêmea!

— O quê? Que Porra está dizendo? Por que está inventando? Está passando dos limites!

Ela se desvencilhou, pegou o celular no bolso e mexeu rapidamente na tela. Respirei fundo, tentando não enlouquecer. Ou agredir Melanie se ela não parasse com aquele jogo.

— Veja aqui. Se não acredita... — Ela colocou o celular em minhas mãos e o chão fugiu dos meus pés quando olhei a imagem.

Duas Melanies.

Iguais.

Elas estavam abraçadas numa self.

Idênticas...

Meu Deus...

— Entendeu? — Melanie disse. — Agora faz sentido, não é? Quem estava aqui era Melissa, minha irmã. O tempo inteiro. Não eu.

Larguei o telefone e dei dois passos trôpegos, segurando-me na árvore e vomitando todo meu horror.

Não sei quanto tempo passei ali, até que não restasse nada dentro de mim. Desconfiei inclusive que tivesse perdido a sanidade.

— Connor, fale comigo! — Melanie pediu. Eu não podia. — Ok, sei que está chocado, então vou sentar bem aqui e esperar você falar. Vim de longe para termos esta conversa.

Caí de joelhos, sem forças, minha mente dando voltas. Recordando-me do momento em que vi Melanie saindo da área de desembarque. De como a achei diferente. De como ela estava diferente desde que voltou, inferno!

Como se fosse outra pessoa...

Finalmente comecei a entender. A verdadeira razão de tudo. De Melanie estar diferente. De ser amorosa com as crianças, gentil com todos. De demonstrar interesse por uma vida da qual antes nunca gostou.

De me olhar com um desejo que nunca olhou.

De ter a mesma aparência, mas atitudes tão diferentes.

De parecer outra pessoa.

Ela era outra pessoa.

Deus...

Eu mal conseguia respirar.

Finalmente olhei para Melanie. A verdadeira Melanie.

Assombrado.

Como pude me enganar tanto?

E como diabos tudo aquilo havia acontecido?

— Como assim você tem uma gêmea? — Tentei manter a calma.

Eu precisava achar um sentido naquela história insólita.

— Um dia ela me ligou. Disse que era Melissa, minha irmã gêmea, que tinha siso levada pela minha mãe. Eu fiquei chocada, óbvio. Não fazia ideia. Ela disse que mamãe estava morrendo, por isso lhe confessou a verdade, que nem ela fazia ideia e que mamãe queria me ver. Eu não hesitei nem um minuto em ir até elas, em Nova York.

— Por isso foi embora?

— Sim, e lá chegando constatamos que éramos idênticas. Iguaizinhas.

— Por que não me disse?

— Eu não pensei em nada. Só queria ir ver minha mãe.

— Não, você fez de propósito. Isso foi apenas uma desculpa para algo que sempre quis fazer.

— Talvez... — Ela deu de ombros. — Minha mãe morreu algumas semanas depois, eu nem pude falar com ela.

Peguei o telefone ainda caído e olhei a foto novamente.

Não dava para distinguir uma da outra. Meu estômago revirou outra vez.

Com as mãos trêmulas mudei de foto. Havia outras das duas. Em Nova York. E então eu comecei a enxergar as pequenas diferenças. O cabelo da verdadeira Melanie era mais comprido, o da outra um pouco mais curto, ela tinha um sorriso mais contido, uma expressão quase tímida. Enquanto Melanie era toda espalhafatosa.

— É tão inacreditável...

— Eu sei.

— Como... Por que trocaram de lugar? — Fiz a pergunta crucial e ela me contou sobre a irmã ser famosa. Sobre o pavor dela de enfrentar multidões e holofotes, de como Melanie sugeriu que ela fosse em seu lugar na turnê promocional.

— Para isso pedi que ela viesse ficar no meu lugar.

— Melanie, que porra passou pela sua cabeça? Por que simplesmente não me disse a verdade desde o começo?

— Você não teria entendido! Teria me forçado a ficar como sempre me forçou!

— Eu nunca te forcei a nada!

— Não? Eu nunca quis me casar!

— Não te forcei a se casar comigo!

— Foi sempre assim que me senti!

Nós ficamos nos olhando com raiva. Aquele tipo de mágoa existente entre nós há dez anos.

— E você achou que seria divertido mandar sua irmã me enganar? Enganar todos nós, inclusive seus filhos? Por que simplesmente não me disse que não ia voltar?

— Eu a mandei para que você se apaixonasse por ela. Eu a mandei para você.

— O quê?

— Confesso que não sei o que eu pretendia de verdade quando fui para Nova York sem contar nada a ninguém. Só estava muito infeliz... Você sabe disso. Do quanto eu achava que não me encaixava nesta vida. Eu tentei, juro. Concordei em me casar, porém nada aconteceu. Eu só sentia cada vez mais raiva de ser obrigada a viver uma vida que eu não desejei. E as pessoas me julgavam. Você me julgava. Ninguém entendia que eu não queria ser mãe.

— Como pôde não amar seus filhos?

— Como pode alguém que nunca teve amor saber o que é o amor?

— Melanie, isso não pode ser verdade.

— Você sabe que é! Meu pai sempre foi amargo! Eu não entendia, depois que descobri sobre Mel acho que entendi um pouco. Talvez ele sentisse culpa, não sei. Nunca tive mãe, ela me abandonou. E minha vida inteira só desejei uma coisa: ir embora de Lakewood. Acho que, no fundo, eu queria encontrar minha mãe, perguntar por que ela me deixou. Além disso, também queria outra vida. Queria ser livre, viver aventuras. E, em vez disso, engravidei de um cara que me odiou por eu ter estragado a vida dele.

— Eu nunca te odiei! — Odiei?

— Às vezes sim, Connor. — Seu sorriso era triste. — Assim como eu te odiei. Nós só fomos covardes e imaturos para não entender que nunca deveríamos ter casado. Então fiquei aqui, sentindo-me presa, cometendo um erro atrás do outro. Acho até que fazia de propósito. Que, no fundo, fiz de tudo para você me detestar, quem sabe, assim, me deixasse ir.

— Você engravidou de Mandy de propósito!

— Eu tive medo. Quando a oportunidade surgiu, me acovardei. Eu ia ser uma mãe solteira com uma criança pequena... Sozinha. Não era assim que eu imaginava minha vida. E também tive inveja de Camila. Eu a odiava! Ela era tudo o que eu não era e ainda ia ficar com você. Sim, fui imatura e egoísta. Engravidei. Disse que íamos ser felizes quando sabia que nunca seria possível. A gente não tem nada a ver Connor. Você sabe tão bem quanto eu.

— Por isso dormiu com o Zane?

— Você sabia?

— Desconfiei.

— Mas nem se importou, não é? É, acho que até isso foi com um propósito. Só estava gritando por socorro. Me afogando em minhas próprias armadilhas. Sem saber como sair desse círculo vicioso, transformando a vida de todo mundo a minha volta num inferno. Então apareceu Mel e eu me apaixonei pela vida dela. Eu a invejei. Quis ser ela. Pensei, mamãe podia ter me levado, em vez dela. Aquela seria minha vida. E ela ficaria aqui. Então pensei que poderia ser ela a te conhecer? E sabe a qual conclusão cheguei? Que ela seria perfeita para você. Ela era tão doce, tão inteligente, até meio nerd como você, tinha o mundo a seus pés e disse que trocaria tudo por uma família. Ela só queria ser amada. E aí um plano maluco se formou na minha mente. — Ela sorriu por entre as lágrimas. As minhas estavam caindo também. — Achei que ela devia ficar no meu lugar, que seria perfeito. Eu tinha certeza de que ela era tudo o que você sempre quis que eu fosse e eu nunca pude ser.

— Foi o que combinaram? — Nem sabia o que pensar.

— Não. Eu disse que você ia me obrigar a voltar e que eu não podia passar mais dois meses fora. E a convenci a vir.

— Ela é tão inconsequente quanto você! Vocês riam de nosso engano?

— Não! Mel não é assim e você sabe! Ela é exatamente a pessoa boa que conviveu com você por todo esse tempo. Não é como eu, não podia ser mais diferente e você percebeu, não é?

— Eu via a diferença, achava tudo estranho o jeito que era doce com as crianças, gentil com todos...

— E amorosa com você?

Desviei o olhar, sentindo culpa. Dando-me conta de que todo aquele tempo que desejei Melanie era na verdade outra pessoa. Eu transei com outra pessoa.

No final, acabei traindo também, não é?

— Não pense que me traiu. — Ela entendeu o rumo dos meus pensamentos. — Sabe por que estou aqui?

Voltei a encarar.

— Porque Mel me ligou. Ela me confessou que estava apaixonada por você. Que tinha dormido com você. Ela se sentia culpada.

— Então não foi exatamente isso que combinaram?

— Claro que não. Ela só concordou em vir porque eu disse que você dormia no sofá, que não tínhamos mais uma vida sexual.

— Deus, eu não consigo pensar... é tudo tão monstruoso!

— Não pense desse jeito. Sei que forjamos uma farsa, sei que fomos inconsequentes, mas, por favor, tente perdoar.

— Acha que tem perdão? Você e... aquela mulher, enganaram meus filhos! Eu podia tentar não querer matá-las se fosse só comigo, mas meus filhos... Porra, Melanie, são seus filhos também!

— E Mel os ama. E eles amam Mel. Ou vai negar?

— Eles acham que é você.

— Mas não sou eu. Eu jamais poderia ser como ela.

— E que diabos veio fazer aqui? Quando é que iam desfazer a merda que fizeram? Pensaram nisto? — Eu me levantei revoltado.

— Eu disse a ela que voltaria em dois meses. Não sei se ela acreditou. Talvez quisesse acreditar.

— E seria simples assim.

— Não, porque nunca planejei voltar.

— E o que pensou que ia acontecer?

— Não pensei. Aconteceu. — Ela sorriu. — Melanie se apaixonou por você. E você por ela.

— Eu achava que era você!

Ela rolou os olhos e então, antes que eu pudesse prever, segurou minha cabeça e me beijou, depois olhou para mim.

— É igual?

— Não — eu confessei. Porque era verdade. Como é que eu nunca percebi?

— Agora você sabe. Não era eu. No fundo sabia, Connor. Está com raiva e confuso agora, quando o choque passar irá entender.

— Não sei se consigo entender essa merda toda, Melanie. Você passou dos limites!

— Decidi vir porque Mel estava surtando. Estava sofrendo e se sentindo culpada. — Ela ignorou minhas palavras e continuou: — Eu parei de responder seus telefonemas, pensando que pudesse ajudar, eu já havia percebido que ela estava envolvida demais. E outro dia ela me deixou um recado dizendo que estava tudo bem por aqui, que todos estavam bem com “Melanie”, que eu podia voltar. Então eu entendi. Ela havia conseguido conquistar a todos. Ninguém mais iria precisar de mim aqui. Vocês tinham Mel.

— Isso é absurdo...

— Não é!

— E o que você pretende fazer?

— Vim me despedir de você. Achei que precisava saber a verdade da minha boca, Mel não merecia ter que passar por isto. Fui eu que comecei e tenho que terminar.

— Então vai embora?

— Eu já fui, Connor. — Ela sorriu. — Você só não sabia.

— E nossos filhos?

— Eu gostaria de me despedir deles...

— Não. Não vai. O que vai dizer? Que porra! Como vamos resolver esta merda?

— Não quero magoá-los, Connor.

— Mas foi o que sempre fez, o que vai fazer quando eles descobrirem.

— Eu sinto muito.

— Sente nada!

— Você está zangado, eu entendo. Por favor, deixe a raiva esfriar. Não maltrate Mel, ela te ama. E ama as crianças.

— Você acha que pode simplesmente ir embora e deixar tudo nas mãos de outra mulher?

— Nas mãos da minha irmã! — Ela colocou a mão no bolso e retirou um envelope. — Esta carta é para ela.

— Você vai sem falar com ela?

— Eu não posso. Ela é tão correta, não vai entender, vai querer que eu fique. Por enquanto, deixo esta carta. E espero que ela entenda. Fale para ela que um dia eu voltarei e espero que ela possa me perdoar por não me despedir.

— Vai continuar usurpando a vida dela?

— Claro que não. Foi um arranjo temporário. Eu preciso encontrar meu próprio caminho, Connor. É o que vou fazer. Vou atrás da minha felicidade.

— Melanie, não faça isso...

— Eu tenho que fazer. E sei que pode não entender nesse momento, mas vai ficar tudo bem. Você tem alguém para amar. E as crianças também. Eu só quero me despedir delas, não falarei da troca.

— Não. Não vai. Você fez sua escolha. Então vá embora. E não volte.

— Eu sinto muito, Connor. Nós deveríamos ter nos despedido há muito tempo. — Ela se aproximou e tocou minha mão, colocando a carta. — Espero que um dia me perdoe. Adeus.

Foi a última vez que vi Melanie viva.


Mel


Estou petrificada, escutando as confissões de Connor. Ainda é difícil acreditar em tudo.

Que Melanie esteve ali, naquele mesmo lugar.

Que veio contar tudo a Connor...

E que Connor sabia, desde o dia em que retornei do teatro com Olívia, que não era Melanie quem estava ali. Lembro de ele me olhando esquisito. Lembro de suas mãos trêmulas e de ter pensado que era por causa de Zane.

E, o tempo inteiro, ele sabia.

— Oh, meus Deus, por que não me disse?

— Fiquei aqui, sem conseguir me mexer, depois que Melanie partiu. Ainda era tudo surreal demais, até achei que podia ser minha imaginação. Repassei nossa conversa vezes sem fim e então me permiti pensar em você. — Ele me encara com amargor. — Eu estava com raiva. Disse a mim mesmo que ia esperar você chegar e mandá-la embora. Eu me sentia traído. Enganado. Não só por Melanie, sobretudo por você. Eu não sabia quem você era, seus motivos para estar aqui. Eu não te conhecia. Eu me sentia horrível.

Sinto lágrimas quentes rolando por meus olhos.

Oh, Connor ...

— E por que não fez isso? Eu não entendo... Lilian disse que viu Maria e pensei que estivesse com raiva por causa dela!

— Ela esteve aqui. Depois que Melanie partiu. Desceu do carro gritando impropérios. Eu a mandei embora. Tinha coisas mais urgentes e sérias para processar naquele momento. Minha vida estava de cabeça para baixo. Depois que ela foi embora, ainda fiquei pensando, tentando achar uma saída. Tentando entender o que eu sentia. E me dei conta de que sentia um pouco de alívio por Melanie ter partido. Era quase libertador. Claro que ainda havia a raiva por toda a farsa. Porém, agora que ela tinha ido, eu sentia mais raiva de você.

— Oh... Eu sinto muito, sei que errei demais. Por que não me falou que sabia naquele dia? A gente ainda... Oh, Deus! — Mal consigo respirar, nosso encontro na praia voltando a minha mente. E Connor sabia... sabia...

— Sabe por que eu estava com raiva? Descobri que o motivo da minha raiva era porque eu estava apaixonado por você.

Sinto meu coração falhar.

— E nem sabia quem você era. Você poderia estar aqui apenas para brincar, sei lá. Então eu a vi com Olívia. O amor entre vocês. E me dei conta dos seus sentimentos. Que nisso Melanie não havia mentido. Você realmente amava as crianças, e elas te amavam. Então Mandy ficou doente e senti que naquele momento, não poderia contar. Optei por esperar que ela ficasse bem. Porque ela precisava de você. Disse a mim mesmo que contaria quando ela melhorasse.

— Você não contou... Nós... Nós fomos naquele encontro e você não falou nada! Me deixou pensar...

— Eu pensei em aproveitar aquela noite para contar. Mandy já estava em casa. E tínhamos que resolver aquela situação. Então olhei para você. Estava tão linda. Realmente a vi pela primeira vez, como outra pessoa que não Melanie. E, de repente, só queria ser um pouco egoísta também. Só queria ficar com você. Fingir que tudo era possível. E foi exatamente o que você pediu, lembra?

Sacudo a cabeça, chorando. Claro que eu me lembrava daquela noite mágica e saber agora que Connor já sabia que era eu, faz meu peito quase explodir.

— E a cada hora que passamos juntos eu só pensava “Eu gosto dessa mulher, como posso tornar possível?” Eu queria te conquistar, queria que ficasse para sempre. Naquele momento, estava feliz por Melanie ter ido embora. E disse a mim mesmo que no dia seguinte, iria te contar.

— Então Melanie morreu...

Seu semblante se fecha de culpa.

— Eu pedi para ela ir embora, Mel. Eu disse que ela não devia voltar, nem pelas crianças, que tinha feito sua escolha. Eu estava com raiva. Eu nem deixei que se despedisse dos filhos e agora ela estava morta. — A voz dele se alquebra. — Tem ideia de como me senti? Eu estava feliz por estar transando com a irmã dela! Sendo egoísta! Quando meus filhos nunca mais iriam ver a mãe viva, por minha culpa.

— Ah, Connor... — De repente começava a entendê-lo no dia da morte de Melanie.

— Eu não conseguia nem olhar para você. Só queria que fosse embora e eu pudesse me livrar dos meus pecados.

— Por isso me deixou ir...

— Fui sincero quando disse que não conseguia lidar com a gente naquele momento.

— Acho que eu te entendo. Também me senti culpada.

Connor coloca a mão no bolso e estende um envelope branco.

— Esta é a carta.

Eu a pego e a abro.


Irmã


Quando receber esta carta provavelmente estarei longe. Sei que pode não entender, mas eu precisava ir.

Só voltei a Lakewood para contar a verdade a Connor, ele merecia ouvi-la da minha boca.

Queria poder me despedir, mas acho que será melhor assim. Um dia, eu voltarei e espero que esteja feliz e realizada. Você tem mais coragem dentro de você do que imagina. Você é uma escritora maravilhosa e o público vai amar te conhecer. Não se esconda. O mundo precisa conhecer a pessoa incrível que você é, todos vão se apaixonar por você, como Connor se apaixonou.

Tenha paciência com o Connor, ele pode ficar com raiva por um tempo, mas tenho certeza de que ele ama você e vai perdoá-la.

E, querida, não se culpe por amá-lo. Eu sempre soube que você iria se apaixonar por ele e ele por você. Desejei isso do fundo do meu coração.

Connor merece alguém para amá-lo depois de tudo e essa pessoa é você. Um dia você disse que o que era seu também era meu, então estou dizendo o mesmo para você. Eu não confiaria minhas crianças a ninguém mais a não ser a minha querida irmã. As pessoas acham que eu não amo meus bebês, mas eu os amo o suficiente para saber que eu não era a mãe que eles mereciam.

Seja feliz, irmã.

Eu te amo.

Nos vemos um dia...

Melanie


Aperto a carta contra o peito chorando. Ah, Melanie, você nunca vai voltar...

— Sinto muito só entregá-la agora — Connor diz. Ele está chorando também. — Quando Melanie foi embora, eu a guardei. Ia te entregar quando contasse que sabia de tudo, então ela morreu e fiquei tão perdido em minha dor e culpa, só queria que você se fosse e nem me lembrei. Eu a encontrei outro dia e soube que precisava te entregar. Também tem outra coisa que preciso te mostrar.

— O quê?

Ele caminha pelo quintal e vejo alguns brinquedos. Há uma boneca sentada em um pequeno balanço.

— Isto é novo?

— Sim, eu coloquei aqui para Mandy, é esta boneca. — Ele me entrega. É uma boneca bonita, destas de louça.

— Não entendo.

— Olhe a etiqueta.

Olho e meus olhos se arregalam.

— Foi comprada na Itália.

— Melanie estava lá, não é?

— Como...

— Meu pai trouxe esta boneca para casa um tempo depois que você se foi, disse que Mandy esqueceu no hospital. Nunca tinha visto esta boneca antes e perguntei a Mandy quem deu e ela disse “foi a mamãe, ela foi ao hospital me ver e me deu”.

— Oh, Deus! — Soluço. — Melanie esteve com Mandy no hospital.

— Sim, acho que foi por isso que ela continuou por aqui uma semana depois.

— Ela não foi embora.

— Acredito que ela esperou Mandy se recuperar. Só isso explica.

— Oh, Melanie... Ela não te escutou... — Sorrio tristemente.

— Não, fiquei encucado com aquilo e algo me disse para conversar com Olívia.

— Não me diga que ela viu Olívia?

— Olívia me contou que estava no balanço da casa dos meus pais e que você apareceu e conversou com ela. Foi na semana que ficou com Mandy no hospital.

— Não era eu! Não saí do lado de Mandy naqueles dias!

— Eu deduzi que era Melanie.

— Oh, ela conseguiu falar com as crianças, Connor!

— Sim, acredito que deve até mesmo ter visto Anthony sem que ninguém percebesse.

Nós ficamos em silêncio por um tempo. Dobro a carta e guardo no bolso do meu casaco.

— Então está tudo melhor agora? — pergunto baixinho.

— Sim. Sinto muito pela maneira como te tratei naqueles dias. Eu só não conseguia lidar com minha culpa e queria que as crianças se recuperassem, foi demais para elas saberem que a mãe morreu e quem estava aqui era outra pessoa.

— Sim, eu entendo.

Ele estuda meu rosto.

— Eu fiz você sofrer.

— Eu iria sofrer de qualquer jeito. Perdi minha irmã quando acabei de conhecer.

— E eu fiz você ficar longe dos filhos dela.

— Você queria protegê-los.

— Sim, agora... — Ele respira fundo. — O tempo passou. Acho que precisávamos desse tempo, todos nós. Todos ficaram com raiva de você, claro, acho que hoje entendem. Eles sabiam que você amava as crianças de verdade e que transformou nossas vidas.

— Eu pensei que estivesse com raiva de mim ainda.

— Depois que tudo foi clareando... eu pensava cada vez mais em você. E decidi que a vida é curta, por isso iria para faculdade, ia retomar as rédeas da minha vida que um dia deixei para trás. Mas antes ia passar em Nova York.

— Você ia me procurar?

— Sim, aí David me contou que vinha para cá no natal.

— E o que ia acontecer?

Então ele sorri, timidamente, lindamente.

— Eu ia pedir um encontro.

— Oh! — Sinto meu coração voltar a bater forte, sem acreditar.

— E torcer para você aceitar. Sou só um pai solteiro com três filhos, pouca grana e você é uma escritora famosa.

— Ah, Connor... — Recomeço a chorar e ele estende a mão tocando meu rosto.

— Você aceitaria?

— Tenho medo de que sempre veja a Melanie em mim... — confesso meu maior medo.

— Por isso cortou o cabelo? — Ele toca meus cabelos ainda na altura do pescoço.

— Eu não consegui me olhar no espelho sem vê-la.

— Eu gostei. Mas gostaria de você de qualquer jeito.

— Por ser igual a Melanie?

— Não tem nada a ver com aparência, Mel. Tem a ver com o que há dentro de você. É isso que eu amo. Meu coração reconheceu o seu.

— Oh... — Sem mais me conter, o abraço, meu corpo voltando à vida lentamente quando finalmente estou em seus braços.

— Você não disse se aceita.

O fito com um sorriso.

— Fiquei sabendo que vai se mudar...

— Um tanto longe de Nova York.

— Sabe que posso trabalhar em qualquer lugar.

Ele fica sério.

— Não quero te forçar a nada, Mel. Já fiz isto uma vez e...

— Eu te amo, Connor, com todo meu coração. E amo suas crianças. Elas são minhas também. Porque eram da minha irmã e porque são suas. E agora serão nossas. Estar com vocês é a vida que sempre sonhei.

— Também sonho com você. Só acho que teremos que ir devagar, pelas crianças. Não quero que seja confuso para elas.

— Claro que sim.

Ele olha para os lados e me aperta um pouco. Vibro de desejo e saudade.

— Então acho que por enquanto só poderei fazer isto quando ninguém estiver olhando... — E então ele me beija.

E é como voltar para casa.

Aquele homem é minha casa.

Para sempre.


Epílogo


Oito anos depois.


Não posso negar que estou um tanto nervosa. Mas, milagrosamente, estou mais calma do que na formatura de Olívia, que aconteceu na semana passada.

Minha garotinha estava indo para universidade bem longe de casa e eu tinha ficado arrasada, não podia negar.

— Está pronta? — Charlote vem até mim e eu respiro fundo.

— Estou.

Ela aperta minha mão e me guia pela livraria até a área de autógrafos. Há uma multidão ali, muito mais do que eu esperava. Era o lançamento do meu primeiro livro depois de oito anos. Foi uma longa espera para todos os meus leitores.

Por um momento, hesito, o velho temor querendo me dominar, então olho para frente e vejo meus filhos sorrindo corajosamente para mim.

Olívia está linda, tão alta e elegante, pronta para ir para a universidade de Princeton na próxima semana. Mandy sorri com seu aparelho nos dentes que odiou colocar faz alguns meses, afinal, para uma pré-adolescente de 12 anos era uma tragédia. Anthony é mantido no lugar por Olívia, meu garotinho desobediente de oito anos que, com certeza, não via a hora de sair correndo derrubando tudo na livraria. E mais atrás deles está Connor. Meu lindo marido que sorri me encorajando. Como sempre fazia. Assim como eu o encorajei por todo o duro caminho da faculdade até a escola de medicina na qual havia se formado com louvor e hoje era residente em um hospital em Seattle, para onde tínhamos nos mudado após sua formatura. E em seu colo, estão duas bebezinhas idênticas. Nossas lindas filhas gêmeas, Mila e Emma, que nasceram há cinco meses, completando nossas vidas.

Já eram sete anos de casados. Sete anos em que eu vivia a vida dos meus sonhos.

E sob os olhos da minha família, recebo os aplausos dos meus leitores e me sento à mesa para começar os autógrafos.

E então, antes que o primeiro fã se aproxime, levanto a cabeça e, através da multidão, vejo a figura de Melanie. Ela está me encarando e sorrindo com orgulho.

Meus olhos se enchem de lágrimas. Ela acena para mim, antes de desaparecer no meio da multidão.

O primeiro leitor se aproxima com o livro e sorrio, perguntando seu nome, enquanto por dentro estou fazendo um agradecimento silencioso a minha irmã pela vida extraordinária que ela tinha me deixado.

Obrigada, Melanie.


Uma vida extraordinária

Um conto de A Outra


Juliana Dantas


Nota da autora

 

Após a publicação de A Outra, muitos leitores me procuraram dizendo que queriam saber um pouco mais de Mel e Connor, depois do fim do livro.


Este conto é para vocês.


“Então esta é a felicidade suprema. Sentir que o mundo é perfeito e nos pertence. Porque encontramos nosso lugar nele. E alguém com quem dividi-lo. Para sempre”.


Mel Blake


Quem nunca leu nos romances que, ao ser envolvida pela sublime sensação de um beijo de amor, a pessoa apaixonada deixa de sentir o chão sob seus pés?

A famosa frase “você me tira o chão” passa pela minha mente agora, enquanto sinto o gosto de Connor em minha língua. Embora seja uma verdade absoluta, Connor realmente não só me tira o chão como o ar e outros clichês românticos do tipo. Não é o amor que me impede de sentir o chão sob meus pés neste momento e sim o fato de estarmos nos beijando há horas, escondidos no quintal, com a neve caindo sobre nós e se acumulando em nossos pés agora congelados. Então, a verdade é que eu já não estou sentindo mais meus pés, isso sim! Este pensamento atravessa minha mente, me divertindo e fazendo com que a névoa de desejo e contentamento que mantinha meus braços presos a nuca de Connor e meus lábios submissos recebendo seus beijos se dissolvam lentamente, subjugados pelo frio enregelante.

Porém, era difícil abandonar aquele idílio, quando tínhamos combinado que levaríamos nosso relacionamento devagar perto das crianças, que, certamente, já deveriam estar se perguntando porque estávamos demorando tanto aqui fora.

Pensar nas crianças é o que faz meu ânimo esfriar de vez e descolo meus lábios dos dele com um suspiro, adorando quando ele solta um gemido de protesto enquanto seus braços me prendem ainda com mais força contra a árvore.

— Acho melhor entrarmos — murmuro contra sua boca que solta uma respiração quente dentro da minha.

— Por quê? — privados dos meus, seus lábios agora deslizam pelo meu rosto frio.

— As crianças devem estar perguntando onde nos metemos.

Ele ri dentro do meu ouvido, me fazendo arrepiar. E não é de frio.

— É justamente por isso que não quero te largar — sua voz é cheia de lamento e não posso deixar de me lamentar também.

Porém, depois de tudo o que eles passaram nos últimos meses, a confusão quando descobriram que troquei de lugar com a mãe deles que agora não existia mais, ter que lidar com um relacionamento entre mim e Connor seria demais.

— Eu sei — infiltro os dedos em seus cabelos, puxando sua boca para a minha de novo, e o beijo com vontade uma última vez antes de soltá-lo, empurrando-o gentilmente e ele me deixa afastar alguns centímetros. O frio, agora que ele não está mais grudado em mim é mais cruel. — Além disso, meus pés congelaram. Talvez tenha uma namorada perneta.

Ele ri, segurando minhas mãos.

— Namorada?

Mordo os lábios, corando.

— Bem, acho que já podemos pular algumas formalidades devido as circunstâncias. Quer namorar comigo, Connor Carter?

— E eu aqui cogitando um encontro...

Dou de ombros.

— Acho que sou bem fácil.

— Não vou reclamar.

— E então, não vai responder? Vai ser difícil? — Solto suas mãos para abraçar sua cintura, colando nele de novo e percebo uma sombra em sua expressão de repente.

— O que foi?

— Acho que... — Ele toca meu rosto — eu nem sei mais como se faz...

Um sorriso malicioso brinca em meus lábios.

— Acho que sabe muito bem.

— Não isso... — ele ri — Eu quero dizer... ter um relacionamento saudável.

Meu coração se aperta.

— Eu não quero... estragar tudo.

— Não vai acontecer.

— Como sabe?

— Eu não vou deixar. — Coloco fervor em minha voz, porque é o que eu sinto. Eu tenho fé em Connor. Fé em nós. Preciso ter, depois de tudo.

A vida era preciosa demais para viver com medo de errar.

Por outro lado, entendia Connor e seus receios. Ele passou dez anos em um relacionamento destrutivo com Melanie. Depois se apaixonou por mim, acreditando que eu fosse ela. Só o fato de ele ter me perdoado e querer ter um relacionamento comigo, já era incrível.

E eu sempre esperei alguém como ele. Que transformasse minha vida. Que quisesse construir um futuro comigo. E cheguei a acreditar que algo como Connor e eu juntos, nunca seria possível. Primeiro porque enquanto nos apaixonávamos estávamos no meio de uma farsa, depois perdemos Melanie e pensei que Connor jamais me perdoaria por enganá-lo, até mesmo duvidei da possibilidade de que ele pudesse me desassociar de Melanie. Voltei àquela casa, três meses após a morte da minha irmã, ansiando apenas poder ver meus sobrinhos, a quem eu amava como filhos. E talvez conseguir o perdão de Connor. E no fim, descobrir que ele já sabia de tudo, que Melanie havia estado na cidade e contado toda a verdade, que nos últimos dias que passei na casa Connor já sabia que eu não era Melanie... que ele amou a mim, Melissa... era extraordinário. E eu ainda mal podia acreditar que íamos ficar juntos. Porém, eu devia intuir que o caminho que tínhamos pela frente não seria fácil. Muito pelo contrário.

Sim, eu entendia Connor e seus medos. E também sentia um pouquinho deles. Só não ia desperdiçar a chance que o destino nos tinha dado de ser feliz.

— Papai!

A voz de Olívia chega até nós, vinda da casa e nós nos separamos rapidamente.

— Sim, vamos entrar — Connor diz e seguimos para casa. Tive vontade de segurar sua mão, mas me contive. Tinha que me lembrar que para as crianças eu ainda era apenas a tia Mel.

Entramos pela porta da cozinha e Olívia segurava Mandy, que chorava.

— Ei, o que está acontecendo? — Connor indaga se aproximando e Olivia solta Mandy, que se enrosca em Connor.

— Olivia não me deixou sair, papai!

— Eu disse a ela que estava frio — Olivia se justifica.

— Olívia tem razão, querida, está muito frio para sair.

— Mas a mamãe estava lá! — Mandy choraminga.

— Sua irmã está certa, querida, não deve sair está muito frio. — Eu endosso carinhosamente pegando-a no colo.

— Eu queria ver se estava aqui. Fiquei com medo que tivesse ido embora de novo.

Sinto meu coração se apertar e a aconchego em meus braços.

— Eu não vou embora, está bem?

— Estou com fome — resmunga, aparentemente satisfeita com minha resposta. Porém, eu não estou e também não ouso olhar para Connor.

Embora tenha prometido para Mandy, eu moro em outra cidade. A casa de Connor não é a minha casa. E, de repente, eu me lembro de que em breve ali não será mais a casa deles também, Connor vai se mudar de cidade para fazer faculdade. E eu havia dito mais cedo que estava disposta a ficar com ele onde quer que fosse, mas se combinamos ir devagar, quando é que seria possível?

— Ok, vamos comer — Connor se adianta até a geladeira e de repente fico sem saber o que fazer.

Olívia ainda está parada no mesmo lugar olhando de mim para Connor e percebo que tem uma interrogação em seu olhar. Olívia tem dez anos e já entende muitas coisas, com certeza está se perguntando qual é o meu papel naquela casa agora.

Antes que eu consiga pensar no que fazer, um choro rompe o ar vindo da sala e eu me lembro de Anthony.

— Olívia — Connor alerta a menina para cuidar do irmão e eu imagino que essa deve ser a rotina por ali nos últimos tempos, já que só havia ela para ajudar Connor. Coloco Mandy no chão e me adianto.

— Deixe que eu cuido dele — olho para Olívia. — Por que não leva Mandy para tomar um banho? Assim, as duas estarão prontas para o jantar.

— Está bem — ela segura a mão da irmã e vejo um certo alívio em sua expressão, antes de se afastar.

Precisávamos ter cuidado com Olivia. De todas as crianças, ela foi a que mais sofreu com toda aquela história. Foi a que viveu com Melanie e Connor enquanto o casamento deles descia ladeira abaixo e teve que crescer antes da hora, carente do afeto materno que Melanie nunca foi capaz de dar. E depois ainda teve a confusão com a troca de identidade, quando eu estive ali me passando por Melanie. Devolvendo a ela a confiança na mãe, lhe dando toda a atenção e carinho possível, para que ela se sentisse amada e cuidada, para no fim ela descobrir que eu não era sua mãe, que a estava enganando. Isso tudo ainda tendo que lidar com a morte de Melanie.

Vou para a sala e Anthony está esperneando no cercadinho.

— Calma, meu amor, vou cuidar de você! — Eu o pego no colo.

Ele me encara, enquanto eu o levo para o quarto para trocá-lo. Seus olhos me sondam curiosos e me pergunto se havia possibilidade de ele ainda se lembrar de mim.

— Sinto muito por te deixado — murmuro sentindo uma dor profunda no peito, pensando naqueles três meses que passei longe. Não deve ter sito fácil para Connor lidar com as três crianças sozinho, ainda mais depois da morte de Melanie e minha traição.

Anthony balbucia algo e eu sorrio, me ocupando em trocá-lo. Ele tinha dentinhos agora e parecia um tanto rebelde, dificultando um pouco meu trabalho.

— Você está querendo ficar independente, não é? — Faço cócegas em sua barriga o que o faz rir. Meu coração se aquece de amor. Abraço o corpinho quente, me enternecendo com sua proximidade. Senti tanta falta daquele bebê, que agora eu nem sabia como é que tinha vivido tanto tempo afastada.

— Você me ajuda a me vestir, mamãe? — Mandy surge no quarto enrolada em uma toalha e deixo Anthony no berço para ajudá-la.

— Claro que sim, querida!

Quando terminamos, pego Anthony e voltamos para a sala. Ligo a televisão e deixo Anthony no cercado com seus brinquedos e Mandy distraída com um desenho e retorno para a cozinha. Por um momento, apenas observo Connor ocupado com algo no fogo.

— Vai ficar aí me vigiando? — Pergunta e eu sorrio.

— É uma boa visão. Quer ajuda? — Indago ainda sem saber como me encaixar ali de novo. Sem saber meus limites. Antes eu estava ali como Melanie, agora eu era apenas Melissa. A tia das crianças. E a namorada de Connor.

Ainda era estranho pensar nisso. Estranho, porém delicioso.

— Pode colocar a mesa — Connor responde — já estou terminando.

Eu pego os pratos no armário e estou começando a por a mesa, quando Olivia surge. Ela para, hesitando. Como se também achasse muito estranho minha presença ali de novo.

— Quer me ajudar a por a mesa, Olívia? — arrisco, sorrindo e ela me lança um sorriso tímido, vindo me ajudar.

Fico surpresa quando Connor busca Anthony e o ajeita em um cadeirão e se ocupa em dar-lhe papinha.

— Nossa, ele está comendo!

— Sim, e ele também engatinha e até arrisca alguns passos incertos, acho que estará andando em menos de um mês.

— Percebi que ele também balbucia várias coisas, existe alguma palavra que ele já fala?

— Papa — Anthony grita e eu sorrio.

— Ele está tentando dizer papai — Olivia diz.

Sorrio tristemente. Gostaria de ter estado ali vendo Anthony crescer daquele jeito.

Connor termina de dar comida a ele e nós sentamos para jantar. Mandy insiste em sentar no meu colo e não a impeço. Adoro tê-la por perto novamente.

E por um momento é como antes, como quando morei com eles, fui a mãe daquelas crianças e a esposa daquele homem. No entanto, embora pareça tão igual, tudo é diferente atualmente. Eu já não tenho que me passar por quem não sou.

Olho em volta da mesa, aquelas pessoas tão queridas das quais senti tanta falta naqueles três meses afastada. E sinto uma gratidão incrível por este momento ser possível.

Eu podia facilmente me acostumar com aquilo de novo.

— Mãe — volto a atenção para a mesa quando Olivia me chama e ela cora — quer dizer... tia Mel — corrige.

Eu hesito também.

Mandy ainda me chamava de mãe, mas era porque era pequena demais para entender. Agora ela sabia que eu não era aquela mãe que conviveu com ela antes, porém, por causa da minha aparência tão igual a de Melanie, ela concluiu que eu era uma mãe também. Obviamente, não sei como seria quando crescesse o suficiente para entender melhor o conceito, mas Mandy era uma criaturinha tão amorosa, que acreditava que nunca seria um problema para ela. Em seu coração eu era a mamãe. Era a pessoa que ela amava como tal. E eu não me importava nem um pouco, porque no meu coração ela era minha filha também, como Olivia e Anthony. Porém, a situação de Olivia era um pouco mais complicada e eu tinha medo. Por isso, arrisco a lançar um olhar rápido para Connor que sorri me encorajando e entendo o que ele quer dizer. Está dizendo para eu seguir meu coração.

E é o que eu faço.

— Pode me chamar de mãe se quiser Olivia — respondo.

— Ela é a mamãe também, Olivia! — Mandy a repreende e nós rimos.

Olivia, embora também tenha rido, ainda não parecia à vontade e decido não forçar.

— Ou pode me chamar de Mel, ou tia Mel. Como você quiser.

Anthony começa a chorar e Connor se levanta o tirando do carrinho.

— Vou lhe dar um banho e colocá-lo para dormir.

A palavra dormir me deixa um tanto apreensiva. Sim, daqui a pouco as crianças iriam dormir e o que eu faria? Voltaria para a casa do meu pai?

Era o certo a fazer, porém...

— Estou com sono também, mamãe. — Mandy boceja e eu a levo para o quarto, a ajudando a vestir o pijama e a colocando na cama.

— Promete que não vai embora, mamãe? — ela pergunta com os olhinhos sonolentos.

Será que eu podia prometer?

— Olha Mandy, eu prometo que estarei aqui amanhã. E por alguns dias, talvez eu precise ir para minha casa. Porém, eu prometo que sempre voltarei.

— Gostava quando você morava aqui.

Ah Mandy, eu também gostava.

Depois que Mandy pega no sono vou para o quarto de Olivia que está se preparando para dormir também.

— Posso entrar? — peço e ela sacode a cabeça afirmativamente.

Sento-me ao seu lado na cama.

— Ouvi você conversando com a Mandy — ela diz.

— E...?

— Disse que vai voltar para sua casa.

— É onde eu moro, Olivia — respondo com cuidado.

Não quero fazer aquelas crianças sofrerem, mas não quero prometer coisas que não sei se poderei cumprir. Não quero mais mentir para elas. Já menti demais e agora preciso que elas aprendam a confiar em mim.

— Eu pensei... você e o papai... vocês estavam se beijando como antes.

Ops. É minha vez de ficar vermelha.

— Então você viu.

— Eu não estava espiando nem nada, só fiquei preocupada que estavam demorando e a Mandy queria sair...

Eu fico em silêncio por um momento, sem saber o que dizer. Lá se iam nossos planos de poupar as crianças.

Respiro fundo encarando-a.

— Olivia, você já é grandinha o suficiente para entender que as coisas não são tão fáceis ou simples em nosso caso, não é?

— Eu sei... quer dizer... a mamãe morreu e ela era a esposa do papai, mas ele me disse... — ela hesita.

— O que ele te disse? — Encorajo-a.

— Ele me disse que gostava de você, como namorada sabe?

— Ele disse? — Não consigo deixar de corar ainda mais. Então Connor tinha conversado com Olivia sobre mim? — E o que você sabe sobre isso?

— Eu sei que as pessoas se apaixonam como nos contos de fadas, namoram e se casam.

— Sim, nos contos de fadas é assim. Mas na vida real, às vezes as coisas não acabam tão bem.

— Com minha mãe e meu pai foi assim, eu sei que eles não se amavam como nos contos de fadas.

Eu não sei o que dizer. Sinto um grande pesar por Olivia ter sido testemunha do relacionamento horrível de Connor e Melanie.

— Mas você ama meu pai, não ama? — ela pergunta.

— Sim, amo muito.

— E não quer namorar com ele?

— Você gostaria?

— Meu pai era feliz quando estava aqui, quando ele achava que você era a mamãe, no começo não, depois... quando você estava tão diferente, ele gostava de você. E ficou triste quando foi embora.

— Ele precisava de um tempo. Todos nós precisávamos.

— Hoje... quando vi vocês juntos, achei... achei que ia ficar com a gente. Que agora seria como nos contos de fadas.

Eu esboço um sorriso com sua lógica infantil.

— Você pode guardar um segredo?

— Sim.

— Eu pedi seu pai para namorar comigo.

Ela sorriu de volta.

— Então... você vai ficar...

— Não é tão simples assim.

— É, tem sua casa em Nova York.

— Pois é. Eu prometo querida, desta vez, não vou embora para sempre. Pode ser que eu precise, por um tempo, voltar para Nova York, e vocês vão se mudar em breve também... Porém eu acredito que um dia ficaremos todos juntos novamente.

— E você vai voltar a morar com a gente?

— Tudo a seu tempo, ok?

Ela boceja e eu beijo sua testa.

— Agora vá dormir.

— Você vai... embora? Para a casa do vovô? É onde está hospedada, não é?

Sim, essa era uma boa pergunta.

— Eu prometo que amanhã estarei aqui quando acordar, pode ser?

Ela sorri satisfeita e ajeito as cobertas em seu corpinho e apago a luz, saindo do quarto.

Encontro Connor saindo do quarto de Anthony.

Ele segura minha mão e me leva para a sala.

Eu me sinto um tanto tímida subitamente.

— Acho que talvez eu devesse ir embora, está ficando tarde — digo.

— Está nevando.

— Estou vendo.

— Você não vai voltar para a casa de David, é perigoso.

— É?

— Pode dormir aqui.

— Não estou vendo uma cama no sofá.

Ele segura minha mão e seguimos para o quarto, onde me puxa para a cama, me mantendo muito próxima.

— É estranho estar aqui. Nesta cama. Não sendo...

— Não vamos falar do que passou. Somos só nos dois agora Mel... Melissa.

— Achei que iríamos devagar.

— Olívia disse que me viu te beijando.

— Ela me contou também.

— Eu perguntei o que ela achava e ela falou que ficou feliz, porque significava que você ia ficar.

— E o que disse a ela? — Sinto meu coração dar um pulo no peito.

— Que eu iria pedir para você ficar.

— Não está preocupado com as crianças, com... tudo?

— Sinto que já perdi muito tempo. Não quero mais. Eu quero ser aquele homem que luta pelo o que deseja. Eu não posso mais ver você indo embora, Mel.

— Nem eu quero ir para onde você não está.

— Então acho que é isso. — Ele infiltra os dedos nos meus cabelos e me puxa até que alcance meus lábios com um beijo e derreto completamente. Mesmo assim, não consigo relaxar e Connor percebe, parando o beijo e descansando o olhar em meu rosto apreensivo.

— O que foi?

— Acho que devo mesmo ir embora.

Ele franze a testa.

— Qual o problema?

— Estar aqui... Não sendo a Melanie é... não sei explicar, ainda é esquisito para mim.

— Você continua achando que eu a quero aqui porque se parece com a Melanie — não é uma pergunta.

— Não é isso...

— Então o que é?

— Não quero estragar tudo.

Ele ri, tocando meu rosto, porque foi a mesma coisa que ele disse mais cedo.

— Não tem como acontecer.

— Eu só quero... fazer direito desta vez. Não sente o mesmo? Que merecemos?

— Eu acho que mereço um orgasmo sem ser patrocinado pela minha mão, para variar.

Eu gargalho.

— Quantos anos você tem, Connor?

— Você deveria querer o mesmo.

— Quem disse que eu tenho orgasmos patrocinados pela minha própria mão?

— Eu gosto de imaginar, não destrua minha fantasia.

— Escute, agora falando sério. A gente combinou de ir devagar e você sabe, bem lá no fundo, que é o certo a fazer. Eu quero... fazer do jeito certo dessa vez.

— Não gosto de deixá-la ir.

— Eu sempre vou voltar.

— Mesmo assim... Sinto que perdemos tanto tempo...

— Foi preciso. Agora é diferente. Não tenha medo, Connor. Temos a vida inteira pela frente. Temos o para sempre.

— Promete?

— Prometo. Não vai se livrar de mim.

— Ainda bem.

Connor insiste em me levar para casa em seu carro e eu esgoto meus argumentos de que posso dirigir perfeitamente na neve.

— É uma amostra do seu jeito mandão? — brinco quando ele dirige com cuidado pelas ruas escorregadias.

Ele me lança um olhar estranho, em vez de divertido, como eu esperava.

— Não quis ser mandão.

— Eu estava brincando.

Ele não fala nada até que para o carro em frente a casa de David.

— O que foi? — Pergunto insegura.

Às vezes eu tinha a impressão que conhecia Connor a vida inteira. Esquecia-me que na verdade eu o conheço há apenas alguns meses e que, enquanto estava em sua companhia eu era outra pessoa.

— Você ficou irritada porque eu insisti em trazê-la?

— Não.

Ele levanta a sobrancelha.

— Irritada não é a palavra. Acho fofo que tenha ficado preocupado e que queira me proteger, mas... eu podia dirigir. Só não queria que duvidasse.

— É do que eu estava falando. De não ser quem você quer...

— Connor — seguro sua mão, angustiada com sua insegurança — Olhe para mim — peço. — Você é exatamente o que eu quero. O que sempre almejei. Sempre sonhei que um dia encontraria alguém que iria me completar e me entender. Que quisesse dividir a vida comigo. E você é essa pessoa. Como pode duvidar?

— Eu passei dez anos estragando tudo, Mel. Não, não posso colocar a culpa só em Melanie. Você mesma jogou na minha cara. Eu também estava lá e não fiz nada para mudar.

— Sim, tem razão. Só que existe uma grande diferença agora — eu sorri, tocando seu rosto — Algo que não existia antes. Eu te amo. E você me ama.

Ele segura minha mão, depositando um beijo em meu pulso, me puxando para perto, e nossos lábios e encontram no meio do caminho, famintos. Deixo naquele beijo todo meu amor, tudo o que eu quero dar a Connor e tiro dele o mesmo sentimento. Ele está me dando seu amor em troca e é tudo o que importa. E de repente meus medos que fizeram com que eu o parasse antes, querendo fazer o que eu achava que era certo, parecem bobos e sem sentido. Assim como os medos dele também o eram. Então, com um gemido, pulo para seu colo, aprofundando os dedos em seus cabelos e a língua em sua boca. Desta vez é Connor quem geme, me agarrando mais forte. Ah sim. Isto era o certo!

Ele para o beijo, nós dois respirando tropegamente enquanto, rimos.

— O que foi isto?

— Preciso mesmo dizer? — Lanço meus quadris muito ansiosos contra os dele e derreto ao sentir que ele não só sabe do que estou falando como está muito disposto.

— Achei que queria ir devagar, fazer o certo e tudo mais — ele diz, enquanto sua mão já está abrindo minha blusa.

E eu me apresso em fazer o mesmo com a dele.

— Isto é o certo.

— Que bom que concordamos em algo — nós rimos e ele me solta apenas para que possamos ir para o banco de trás, as roupas pesadas de inverno sendo tiradas do caminho não sem alguma dificuldade, mas não nos importamos. Estamos juntos, nesta dificuldade boba ou em qualquer outra que surgir. Essa certeza faz com que uma paz infinita aqueça meu coração do mesmo jeito que as mãos e os lábios de Connor aquecem meu corpo.

Ah, e como eu senti falta daquele calor! Não existia nada no mundo como o toque de Connor, a língua de Connor, os gemidos de Connor. Ele era perfeito para mim, como se tivéssemos sidos moldados na mesma matéria. E, quando nos encaixamos, essa certeza fica mais explícita. Nós nos completamos como peças perdidas de um único ser. E a sensação é sublime. Connor se move dentro de mim, devagar, quase com cuidado, deixando a pressa anterior de lado, porque ele sabe, assim como eu, que não precisamos nos apressar. E o prazer é construído até se tornar grande demais para suportar e eu me agarro em seus ombros e deixo as sensações dominarem não só meu corpo, mas minha alma inteira. Este momento é único, é o começo de algo extraordinário.

 

— Quantos anos você tem? — Connor brinca, depois de um tempo, quando estamos nos vestindo antes que congelemos. — Não posso ficar em um carro com você que me ataca!

Eu solto uma gargalhada.

— Eu já te falei uma vez, é irresistível.

Ele ajuda fechar minha blusa com um sorriso presunçoso.

— É sua vez de dizer o quanto sou irresistível também!

Ele toca meu rosto e um sorriso agora um tanto pesaroso se delineia em seu rosto.

— Gostaria que tivesse sido você aqui, há tanto tempo... tanta coisa seria diferente.

Eu toco seus lábios calando-o.

— Não vamos mais pensar no que passou. O passado não pode ser mudado. O futuro sim e ele é nosso.

Ele beija minha mão.

— Mal posso esperar pelo futuro com você.

Um sorriso bobo e feliz enche meu rosto e ainda estou com ele grudado no meu rosto, quando me deito para dormir. Sozinha, porém com o cheiro de Connor impregnado em mim.

Sim, o amanhã nunca foi tão aguardado.


***


Acordo cedo na manhã seguinte, com o firme propósito de ir para a casa de Connor, afinal, além de já estar morrendo de saudade, havia prometido às crianças que estaria lá quando acordassem.

Porém, quando desço e entro na cozinha, esperando ver apenas David, me surpreendo quando uma pessoinha corre em minha direção e se agarra às minhas pernas.

— Mamãe!

— Mandy! — Eu a pego, surpresa, olhando para cima e vendo meu pai com Anthony no colo e Connor e Olívia também sentados à mesa.

— O que fazem aqui? — entro na cozinha, colocando Mandy no chão.

— Viemos te buscar para tomar café na casa da vovó — Olivia explica.

Eu olho para Connor e ele confirma com um sorriso aproximando-se e beijando levemente minha boca. Fico vermelha e olho para David, que apenas dá de ombros, com seu jeito tranquilo, o que aparentemente significa que ele não se importa que Connor me beije na boca.

— Espero que não se importe.

— Eu estava justamente indo para sua casa!

— Bem, eu tenho que ir trabalhar — David passa Anthony para meu colo e eu o aconchego em meus braços, beijando seu rostinho.

— Te esperamos no carro, vamos meninas! — Connor segue com Mandy e Olívia e eu encaro David, que parece querer me perguntar algo.

— Vai estar aqui quando eu voltar, Mel?

— Está dizendo que eu tenho hora para volta pra casa? — levanto a sobrancelha.

— Na verdade eu me surpreendi por ter dormido em casa.

— Pai!

— O quê?

— Como sabia que eu ia fazer as pazes com Connor?

— O rapaz já tinha me dito que era sua intenção.

— Oh... Então ele te contou sobre Melanie?

— Sim, contou tudo.

— Por que não me falou?

— Ele só me contou um dia antes de você chegar. Queria saber se eu ia ficar zangado se ficassem juntos.

— E você não fica?

— É assunto entre você e Connor.

— Não acha esquisito depois de tudo e ele sendo o marido da minha irmã? — expressei a David meus medos internos. Não que duvidasse que eu e Connor tínhamos que ficar juntos, só não era inocente de achar que todo mundo aceitaria naturalmente. Era uma situação no mínimo inusitada.

— As pessoas vão falar. Pode ter certeza, mas quem gosta de vocês e se importa, vai apoiá-los.

De repente penso na família de Connor. Como é que eles reagiriam? E fico um tanto apreensiva.

— Espero que tenha razão.

Encontro Connor e as crianças no carro e tento dominar minha apreensão no caminho da casa dos Carter. Ontem, eles me trataram com cordialidade, parecendo ter superado toda a farsa que eu e Melanie forjamos. Agora que estava claro que Connor e eu estávamos juntos, será que aceitariam?

— O que foi? — Ele segura minha mão quando saltamos do carro. Olivia e Mandy seguem na frente empurrando o carrinho de Anthony o que me lembra demais a primeira vez que eu estive ali, há tantos meses, quando estava tentando convencer a todos que eu era Melanie.

— Estou com medo de como sua família vai reagi ao saber que estamos juntos.

— Eles já superaram o que aconteceu, Mel.

— Eu sei, mas isso é diferente.

— Não deve ficar preocupada. Eles sabem que eu sou apaixonado por você.

— Sabem?

Ele sorri.

— Não é obvio?

— Antes eu era Melanie.

— Você sempre foi Mel. E sabe disso. Nunca tentou ser Melanie, por isso todos nos apaixonamos por você, apesar de não entendermos como Melanie podia estar tão diferente.

Ele me puxa para dentro e, como naquele domingo perdido no tempo, seus pais, Helen e William, estavam na sala de estar acompanhados do irmão dele, Sam e sua esposa Natalie. E também o melhor amigo de Connor, Adam e sua esposa Lilian.

Todos param de falar quando entramos, não sei dizer o que aquele silêncio significa, mas certamente eles viram que Connor está segurando minha mão.

— Você veio! — Lilian se adianta, com sua barriga enorme de grávida e me abraça, aproveitando para sussurrar no meu ouvido — quero todos os detalhes depois. Principalmente os românticos. Não, comece pelos sexuais!

Eu rio, me sentindo mais relaxada e é a vez de Helen se aproximar, beijando meu rosto.

— Estou feliz que esteja aqui, Mel.

— Eu também estou, Helen.

O pai de Connor, que está carregando Mandy, monopolizando sua atenção acena e sorri e, como não podia deixar de ser, Natalie está com Anthony no colo.

— Oi Mel — ela diz simplesmente. Não parece muito contente, também não está cuspindo agressões verbais, como eu sabia que ela era bem capaz de fazer. Quando cheguei ali fingindo ser Melanie, Natalie foi a primeira pessoa com quem eu bati de frente. Não ajudou o fato de eu sentir ciúme dela com as crianças e nem ela ter uma obsessão por eles, por não poder ter filhos. A obsessão havia melhorado, assim como nosso relacionamento, mas isso aconteceu quando eu era Melanie. Ela ficou muito revoltada quando descobriu a mentira e chegou a me bater na época. Porém, quando cheguei ontem, foi ela quem me convidou a entrar. No entanto, me aceitar na família como tia dos filhos de Connor era diferente de me aceitar como namorada dele.

— Mel, bem-vinda à família de novo! — Sam me cumprimenta efusivamente.

— Olá Mel — Adam usa um tom mais neutro, o que me faz lembrar de que, por ser o melhor amigo de Connor, ele era bastante protetor e eu talvez devesse esperar alguma resistência da parte dele. Porém, ele apenas parecia quieto e reservado como sempre, sem exalar rancor ou raiva. Bem, era um começo.

— E já que estão de mãos dadas devo entender que estão namorando? — Sam pergunta na lata me fazendo corar feito um pimentão.

— Sam! — Helen o repreende.

— Sim, Sam, estamos juntos — Connor responde calmamente.

— Bem, já que tiramos esse elefante da sala, podemos ir comer — Lilian diz, passando a mão na barriga proeminente — meu bebê está faminto!

Nós seguimos para a sala de jantar e Connor aperta minha mão.

— Eu falei que estava tudo bem.

Eu apenas sorri. Sim, tudo estava bem.


Depois do brunch, Lilian e Adam se despediram, pois iriam viajar para a casa dos pais dela e Lilian perguntou até quando eu ia ficar para podermos marcar de conversar e colocar as novidades em dia.

— Eu não sei, na verdade.

— Hum, não conversaram a respeito ainda?

— Nem tivemos tempo.

— Sei muito bem para o que tiveram tempo! — ela revira os olhos e eu nem me dou ao trabalho de corar. — Espero que fique um pouco mais, até eu voltar, depois do ano novo, pelo menos. Embora ache que, mesmo se for, não vai demorar a voltar.

— Não sei como vai ser e Connor vai se mudar também...

— É, fico um pouco triste por perder o convívio com Connor e as crianças, e a oportunidade de te conhecer melhor, claro. Porém fico feliz por Connor estar seguindo seu caminho. Ele merece ser feliz.

Ela me abraça e entra no carro e é a vez de Adam se aproximar.

— Estou feliz que esteja com Connor — ele diz, me surpreendendo.

— Sério?

— Sério. Connor está apaixonado por você e merece alguém que o ame também.

— Sim, eu o amo muito.

— Então é o bastante.

— Será mesmo?

— Às vezes parece que não. Mas se existe amor a gente sempre dá um jeito. — Ele me abraça e entra no carro.

Volto para a casa e Natalie está sentada na varanda com Anthony.

Eu me sento ao seu lado.

— Não pareceu muito contente por me ver com Connor — vou direto ao assunto. Era melhor assim com Natalie.

— Na verdade eu não tenho nada a ver com a vida sexual do Connor.

— Não é só sexo.

— Não foi o que quis dizer. Apenas que não estou irritada, ou algo assim, por você e Connor estarem juntos. Acho que era algo já esperado.

— Acha mesmo?

— Connor estava louco por você e você por ele.

— E vocês achavam que eu era um sacana enganando todo mundo.

— E não pode nos culpar!

— É, não posso.

— O tempo passou e o rancor também. Acho que todos nós percebemos que você não era como a Melanie. Já tínhamos percebido. E Connor te ama.

— Eu o amo.

— Eu sei.

— Então você não está brava?

— Por que acha que estou brava com alguma coisa?

— Você é meio transparente.

Ela ri.

— Na verdade, estou chateada porque vocês vão levar as crianças embora.

Ah, agora eu entendo.

— Sinto muito, Natalie.

— Eu sei que é a vida do Connor, que ele já abriu mão de muita coisa e por muito tempo... Mas não deixa de ser dolorido.

— Eu entendo.

— Então é isso — ela sorri — estou apenas chateada, vai passar. Sam me prometeu até uma viagem de segunda lua de mel para me consolar.

— Isso é legal.

— É, para os homens tudo se resolve com sexo — ela rola os olhos e nós duas rimos.

— Se quiserem ir para Nova York. Eu os receberia na minha casa.

— Sério? Acho que pode ser uma boa ideia. E economizaríamos na hospedagem.

— Está vendo? Já pode começar a planejar.

— Mas... vai ficar em Nova York? Não vai morar com Connor?

— A gente está indo devagar e não sei quão devagar será para falar a verdade.

— Pensei que, devido a circunstância, poderiam pular algumas etapas. Afinal já viveu como esposa dele e tudo.

— É diferente agora. A gente não quer... ser precipitado e tem as crianças.

— Anthony não entende nada, Mandy te ama mais que tudo e vai fica chateada se for embora de novo. E Olivia, a primeira coisa que fez quando chegou aqui foi me contar que vocês estavam namorando e ela me parecia bem animada.

— Olivia reagiu muito bem, ela é nossa maior preocupação na verdade.

— E então?

— Então que não temos motivo para pressa. A vida de Connor está mudando radicalmente e terei que me encaixar de alguma maneira nela. A gente nem teve tempo de conversar sobre vários detalhes.

— Bom, a vida é de vocês. Tenho certeza que darão um jeito em tudo. Não é Anthony? — ela brinca com o menino que sorri para ela.

— Tenho certeza que, seja aonde estivermos, você será sempre vem vinda. As crianças te adoram.

Ela esboça um sorriso triste.

E por um momento eu me sinto triste por ela também. Espero que Natalie encontre sua felicidade um dia.


Nós saímos da casa no fim da tarde e Connor diz que precisa ir ao supermercado, pois as fraldas de Anthony estão acabando.

E é lá, andando por entre as prateleiras, com Mandy dentro do carrinho e Olívia brincando de motorista que eu percebo os olhares enviesados das pessoas.

Não posso negar que me afeta.

O que eu podia esperar? Eu era a irmã gêmea de Melanie Carter, cuja existência ninguém sabia e que tomou seu lugar por quase dois meses ao lado do marido, enganando a todos. Uma farsa que só foi descoberta com a morte de Melanie em um terrível acidente de carro. E claro que todo mundo naquela cidade pequena deve ter fofocado muito sobre o assunto. E eu me sinto observada e julgada por todos.

— Ei, não ligue para eles — Connor sussurra em meu ouvido e tento lhe dar ouvidos.

— É bem difícil. Devem estar especulando o que está fazendo comigo.

— Deixe que especulem. Ou melhor — ele de repente segura meu rosto e me beija — deixe que tenham algo melhor para fofocar.

— Connor! — não consigo deixar de corar, olhando em volta. Uma senhora chega a fazer o sinal da cruz, enquanto tenho certeza que uma adolescente tirou uma foto.

— Agora eles têm certeza.

Nós pagamos, ignorando os olhares curiosos e seguimos para casa de Connor. Ele nem cogitou me levar para a casa de David e nem eu pedi.

Quando chegamos em casa já é noite e Connor pergunta se eu quero fazer o jantar ou dar banho nas crianças.

E eu gosto demais daquelas opções. Era tão... normal. Tão... família.

Me enche de contentamento.

— Eu faço a comida, pode ser?

— Acho que sua comida é mesmo melhor que a minha. — Ele pisca, levando Anthony e Mandy para o chuveiro.

— Posso te ajudar? — Olivia pergunta ansiosa e sorrio para ela.

— Claro que sim!

Olivia parece bastante satisfeita por estar comigo na cozinha e eu gosto também. Ela estava crescendo rápido, eu quase que sentia muito. Mas as crianças cresciam um dia, pelo menos Mandy e Anthony ainda tinham muito tempo pela frente.

Quando terminamos, eu encaminho Olivia para o banho antes do jantar e preparo a mamadeira de Anthony. E é o tempo de Connor retornar com ele, deixando Mandy na sala assistindo desenho.

Eu o mantenho no colo, enquanto ele mama, agora já segurando a própria mamadeira com as mãozinhas ansiosas.

— Ele está tão crescido — ainda me admiro e Connor sorri.

— Ele sentiu sua falta.

— Acha mesmo? É só um bebê.

— Todos nós sentimos.

Trocamos um sorriso e então ele fica sério.

— Você pareceu ficar incomodada demais com os olhares das pessoas no mercado.

Eu desvio o olhar.

— Como não ficar? Sabe que detesto ser o centro das atenções. Ainda mais sendo alvo de fofoca. É algo terrível e nem posso culpar as pessoas.

— As pessoas são maldosas e adoram dar palpites na vida alheia, nós sabemos a verdade e não devemos nos importar. Em algum momento eles vão parar.

— Tenho medo da forma que isso pode afetar as crianças.

— Sim tem razão, eu queria mesmo conversar algo respeito das crianças com você.

Eu o encaro, esperando, enquanto ele pega a mamadeira de Anthony vazia e a leva para a pia.

Ele está quietinho e sonolento em meu colo, brincando com meus cabelos, enquanto o embalo.

— O que você diria se eu pedisse que levasse as crianças com você para Nova York?

Eu arregalo os olhos.

— O quê?

— Apenas por um tempo, até que eu acerte tudo para nossa mudança aqui e ache uma casa em Kenmore...

— Mas... — ainda me sinto atordoada.

— Não quero mais separá-las de você, Mel. Sei que elas precisam de uma mãe. Esses três meses não foram fáceis. Inferno, a vida inteira delas não foi fácil, você sabe como Melanie era... Enfim, elas sentiram muito sua falta.

— E você acha que é certo levá-las comigo? — pergunto com cuidado, achando a possibilidade maravilhosa e assustadora ao mesmo tempo.

— Eu preciso arrumar tudo para a mudança, preciso ir para Kenmore, alugar uma casa, vai ser difícil fazer isso com três crianças.

— Elas não poderiam ficar com Natalie?

— Poderiam, mas eu preferia que ficassem com você.

Eu me sinto envaidecida, não posso negar. Porém, ficar sozinha com as crianças em Nova York?

— Não sei se daria certo.

— Por que não? Você já provou que é capaz de cuidar delas. E elas te adoram.

— Mas você estava aqui.

Ele sorri e pega Anthony do meu colo, o colocando no carrinho. E escuto as meninas se aproximando.

— Depois continuamos a conversa.

— Está bem.

Após o jantar Connor vai brincar com Mandy e Olívia fica comigo, me ajudando enquanto lavo a louça e ela seca.

Percebo que ela sempre encontra uma desculpa para ficar perto de mim e acho incrível.

— Senti muita saudade — digo e ela sorri.

— Eu também.

— Você acharia ruim ficar em Nova York comigo por um tempo?

Ela arregala os olhos.

— Sério?

— Sim, você e seus irmãos. Só enquanto seu pai cuida da mudança para Kenmore.

— E você vai ficar com a gente em Kenmore?

Hum, era uma boa questão.

— Hum, certamente, só não sei quando ainda...

— Eu ia adorar ficar com você em Nova York!

Eu sorrio e a abraço.

— Então está decidido!


Após colocar as crianças para dormir, me junto a Connor na sala.

Ele me puxa para seu lado, passando o braço a minha volta e, por um momento, ficamos assim, apreciando a companhia um do outro.

— Eu conversei com Olívia sobre ficar em Nova York e ela amou a ideia.

— Eu sabia que iria amar. Ela quer ficar perto de você.

— Eu vou gostar de tê-los por perto, embora ainda esteja um tanto insegura...

— Não tem motivo. Mas, se achar muito...

— Não! Sabe que eu as adoro. Só me sinto um pouco insegura de levá-las para longe de tudo que lhes é conhecido e seguro.

— São crianças, vão se adaptar. De qualquer modo terão que se adaptar em Kenmore.

De repente eu me lembro de um assunto que queria muito tratar com ele e sabia que poderia ser difícil.

— Connor, queria te dizer algo...

Ele franze a testa.

— Por que parece com medo? Devo ficar preocupado?

— Não, é que... Eu quero dizer que não precisa alugar uma casa em Kenmore. Você pode comprar... com o meu dinheiro — digo rapidamente e vejo uma sombra em seu olhar quando ele retira os braços de mim.

Lá vamos nós.

— Eu não preciso do seu dinheiro Mel.

— Não seja bobo! Eu sei que não tem muita grana e...

— E eu achei que isso não era um problema para você.

— E não é. Só que eu tenho dinheiro. E nem sei o que fazer com tanto.

— Disse bem. É seu dinheiro.

— Eu quero ajudá-lo.

— Não.

— Por favor, Connor. Não seja radical. Eu não quero te ofender nem nada e sei que os homens têm essa visão machista e retrógrada de que todo o dinheiro deve vir deles...

— Não sou machista.

— Mas está agindo como um! Eu tenho mais dinheiro que você. E daí? Supere isso. Não vou guardar o dinheiro para mim somente se vamos viver juntos. O que é meu é seu. Você está dividindo tudo o que tem comigo, o que tem de mais precioso, seus filhos. É justamente por eles, que devia aceitar o dinheiro e comprar uma casa, dar-lhes o melhor, porque nós temos como.

— Você tem.

— Nós! — Insisto — Achei que estivéssemos dispostos a dividir uma vida e pra mim isso significa mais do que dividir uma cama, quem vai colocar as crianças para dormir ou fazer o jantar. Quero que saiba que pode contar comigo. Quero colaborar com tudo o que eu tenho e se tenho dinheiro, que assim seja. Pense que é para as crianças.

— Não quero que se sinta na obrigação de dar seu dinheiro, Mel. Eu tenho algum guardado.

— Eu sei, o que não me impede de colaborar também. Afinal, vou morar com você um dia, não vou? — Questiono devagar, arriscando um sorriso e ele acaba por sorrir lentamente também, me puxando para perto de novo.

— Vai?

Eu dou de ombros.

— Sei que a gente está indo devagar e até concordo que é o certo, porém... é para esse lugar que estamos indo, não? Juntos?

— Sim, estamos — ele me beija.

Eu o empurro gentilmente, pois ainda não terminamos a discussão.

— Então estamos combinados? Vai aceitar o dinheiro para comprar nossa casa?

— Nossa casa?

— hum, hum.

— Sim, senhora.

— E vai aceitar todo meu dinheiro como nosso, sem discussão?

— Você está fazendo eu me sentir um gigolô, Mel.

Eu rio alto.

— Você faz por onde ganhar bem.

— Hum, não posso discordar... — Ele me beija de novo — Vai ficar aqui hoje? Ou terei que implorar?

— Não vai precisar implorar.

— Graças a Deus!

E ele me pega no colo e me leva para a cama.


***


Nova York

 

— Olha, mamãe! — Desvio o olhar do livro que tenho comigo e sorrio para Mandy que está a poucos passos de distância, perto do rio, brincando com bolhas de sabão, junto com Olívia. O frio tinha finalmente dado um descanso e até um sol tímido deu as caras por trás das nuvens, anunciando que a primavera estava próxima. Então aproveitei para levar as crianças para brincar no Central Park.

Anthony dorme tranquilo em seu carrinho, depois de ter me cansado por um bom tempo, querendo andar para todos os lados e seus passinhos trôpegos, de quem tinha acabado de aprender a andar não eram muito confiáveis, o que me obrigava a ficar atrás dele, inclinada e atenta o tempo inteiro.

Aquele mês passado com as crianças estava sendo uma experiência cheia de descobertas, nem todas maravilhosas, devo dizer. Claro que eu já havia passado um tempo com elas antes e daquela vez também não foi fácil, afinal eu não tinha experiência em cuidar de crianças e ainda precisava lidar com o fato de que a família estava toda desestruturada e Anthony malcuidado, Mandy supercarente de afeto e Olivia cheia de revolta. Hoje tudo era diferente, eu não estava mais sob o peso de uma farsa, sendo obrigada a fingir ser quem eu não era e as crianças gostavam da minha companhia. Porém, era a primeira vez que eu ficava sozinha com todas as três, em uma cidade que elas não conheciam, longe do pai e de toda a família. E, por mais que as amasse e tivesse sim muita paciência com as manhas de Mandy, alguma cara emburrada de Olivia ou os cuidados óbvios que um bebê necessitava, às vezes eu me senti sobrecarregada sim.

Apesar de tudo, eu não trocaria essa vida com elas por nada no mundo. Era incrível sentir o amor com que elas retribuíam, poder ensinar cada dia uma coisa diferente e aprender com elas também. Saber que sempre poderiam contar comigo. Era uma grande responsabilidade, que tomava grande parte do meu tempo e podia claramente entender porque Melanie se sentiu presa numa armadilha. Para alguém que não estava preparada e disposta a tanto, era cruel ser obrigada a assumir algo tão sério.

Pensar em Melanie sempre me deixava triste. Ela se foi tão jovem e justamente quando parecia estar encontrando seu caminho. Não era justo. Eu sentia muita falta dela, apesar de termos convivido por tão pouco tempo, talvez até por isso mesmo. Não houve tempo suficiente para nós.

— Mamãe, estou com fome — Mandy se aproxima e eu a abraço.

— Então precisamos colocar comida nesta barriguinha! — Também já estava ficando tarde e daqui a pouco iria anoitecer e o vento estava começando a ficar frio de novo.

Olívia se aproxima e eu sorrio para ela.

— Tudo bem se formos embora?

— Sim, estou com fome também.

— Então vamos.

Quando chegamos ao meu apartamento, as meninas vão trocar de roupa e eu aproveito para olhar meu celular, esperando uma ligação de Connor. Ele tinha ido para Kenmore e estava vendo algumas casas, não via a hora de que ele desse o sinal verde para irmos encontrá-lo.

Não havia nem sinal de Connor. Apenas um recado de Charlote, dizendo para eu me arrumar que iríamos jantar juntas hoje.

— Ela enlouqueceu? — resmungo, discando seu número, enquanto retiro alguns ingredientes da geladeira.

— Olá, recebeu meu recado? — ela pergunta do outro lado da linha.

— Sim, e de onde tirou essa ideia?

— Faz tempo que não saímos para jantar.

— Tenho três crianças para cuidar, esqueceu?

— Não. Para isso existem babás.

— Não tenho babá.

— Deveria ter, acho que faz bem. Enfim, já cuidei de tudo a babá da minha irmã estará disponível esta noite e vai cuidar dos seus bebês.

— Eu não sei...

— Não está aberto a discussão. Já reservei nosso restaurante. Vai amar.

— Realmente, acho que...

— Ei, já falei, está decidido. Precisa de uma folga. É só uma noite. E eu sei bem que em breve vai mudar e me deixar sozinha.

— Esta bem, você venceu.

— Coloque uma roupa bem bonita.

— Por quê?

— Por que estou mandando!

Reviro os olhos e desligo.

Acabo de preparar o jantar das meninas, e até Anthony já está alimentado quando a babá, Carly, aparece. É uma garota adorável de uns vinte e poucos anos e parece bem responsável. Ela diz que trabalha com Stella, a irmã mais velha de Charlote, que tem dois meninos, há alguns anos.

— Então não se preocupe, vá se arrumar, cuidarei bem deles.

— Obrigada.

Mais relaxada tomo um banho e me arrumo como Charlote ordenou e era realmente gostoso colocar um vestido, maquiagem e arrumar o cabelo. A expectativa de uma noite de garotas, jogando conversa fora e comendo boa comida, parece bem empolgante agora. Charlote tinha razão, eu precisava de uma noite de folga.

Antes de sair, verifico o celular e nada de uma ligação de Connor. Tento ligar para ele, o telefone não atende, então deixo apenas um recado para ele retornar. Eu me despeço das crianças e desço para encontrar Charlote que já está no táxi, ainda encucada por ele não ter me ligado.

— Olá, está bonita. — Ela elogia.

— Você também. — retribuo o elogio.

— E que cara é essa?

— Connor não me ligou, estou preocupada.

— Ele vai ligar, não se preocupe. Relaxa!

— Está bem. E onde iremos jantar?

— É pertinho!

O táxi estaciona em frente ao Central Park.

— Central Park?

Ela paga o motorista e descemos.

A noite está caindo lentamente e Charlote engancha o braço no meu me guiando.

— Tem um restaurante incrível aqui, o The Boat House.

— Achei que fosse um lugar romântico...

— E é! — Escuto a voz que não é de Charlote e estaco surpresa, achando que tinha ouvido coisas, fico ainda mais estupefata vendo Connor surgir das sombras.

— Connor! O que... Como... O que faz aqui?

— Uma surpresa — ele sorri, aproximando-se e segurando minha mão.

Quando ele me toca, finalmente saio do estupor e lanço meus braços a sua volta, apertando-o com força, adorando quando ele me aperta em resposta.

— Acho que é minha deixa — Charlote diz e solto Connor para olhar para ela.

— Você sabia!

— De quem acha que foi a ideia? Embora não seja escritora, posso ser um tanto criativa também, meu bem!

— Eu disse a Charlote que queria lhe fazer alguma surpresa no dia dos namorados.

— Nossa, hoje é o dia dos namorados? Eu nem me lembrei!

— E ela me indicou este restaurante e me ajudou a trazê-la aqui sem que desconfiasse.

— Vocês armaram direitinho.

— Bom, eu fico por aqui. — Charlote se despede me abraçando.

— Me conte tudo depois! — sussurra em meu ouvido e retorna pelo caminho.

Eu volto a fitar Connor, ainda maravilhada por ele estar ali.

— Não acredito que esteja aqui!

— Eu queria ter vindo antes, porém, queria que tudo estivesse pronto em Kenmore.

— Quer dizer que encontrou a nossa casa?

— Sim, senhora! — O abraço, feliz e animada.

— Conte-me tudo! Estou tão empolgada, as crianças vão adorar saber! Por que não vamos para casa para contar a elas...

— Nós vamos contar às crianças sim, mas primeiro vamos jantar. Sozinhos. — Ele beija meus lábios levemente e eu concordaria com qualquer coisa, contanto que ele continuasse a me beijar para sempre.

— Tudo bem.

Em vez de irmos para o restaurante, Connor me leva para a beira do lago onde são oferecidos passeios de gôndola até o restaurante do outro lado.

— Sério?

Ele me puxa pela mão, me acomodando na gôndola.

— Acho que você merece um pouco de romantismo depois de ter ficado como babá por um mês inteiro, sozinha.

— Ah Connor, eu amei! — beijo seu rosto, quando ele se acomoda a minha frente e começamos a deslizar pela água. O crepúsculo cai lentamente sobre nós. — Mas não estou reclamando de ter ficado com as crianças.

— Sei que não deve ter sido fácil, cuidar das três sozinha.

De repente algo me passa pela cabeça.

— Era essa sua intenção, quando pediu que eu ficasse com elas? Me assustar?

Ele ri sem negar.

— Assustar não é a palavra, só queria que tivesse certeza de que é o que deseja. — Ele fica sério subitamente — tenho receio que seja demais para você...

— Connor — seguro sua mão — Eu não sou Melanie. Tudo o que viveu com ela é muito diferente de nós. Ela não estava preparada e nem você. Meu caso é diferente, quero uma família com filhos mais do que tudo no mundo.

Ele toca meus cabelos.

— Isso me preocupa também. Sei que quer ter os próprios filhos...

— Oh... Acho que nem tinha parado para pensar sobre o assunto.

— Eu sim. E eu já tenho três, Mel. E não foi fácil criá-los. E agora eu vou estudar e começar uma nova vida, e... Não sei quando poderemos pensar nessa possibilidade.

— Mas ela existe?

Ele sorri.

— Claro que sim. Eu gostaria muito de ter filhos com você, só não num futuro próximo e isso faz eu me sentir culpado. Sei o quanto é importante para você.

— Sim, eu sempre quis ter filhos. E eu os tenho. Olivia, Mandy e Anthony são meus filhos, mesmo não tendo nascido da minha barriga e mesmo se você me disser que não teremos mais filhos, eu estaria satisfeita. De verdade. Porém, saber que você quer ter filhos comigo, me deixa muito feliz e emocionada. E sim, eu posso esperar. Nós temos muita coisa para viver antes. Você vai se formar, vai realizar seu sonho de ser médico e eu estarei junto, te apoiando, ajudando a criar nossos filhos e, quando for a hora, poderemos fazer um bebê.

— Às vezes acho que não mereço você.

— Ah mas eu mereço você. Eu fui uma boa menina a vida inteira, mereço um cara lindo, gentil, que me leva a jantares românticos e fica muito sexy cortando lenha.

— O quê?

— Ah eu não te disse? Espero que nessa casa que comprou tenha bastante árvores em volta para você ficar cortando lenha e eu poder ficar observando.

Ele ri e me beija, me soltando, antes que eu possa aproveitar e, para minha surpresa, se ajoelha no chão da gôndola e pega algo no bolso.

Solto um grito e coloco a mão na boca, surpresa, quando vejo um lindo solitário surgir em suas mãos.

— Melissa Blake, quer se casar comigo?

— Oh Connor... — começo a chorar feito boba.

— Estou esperando a resposta...

— Claro que sim... — me jogo em seus braços e finalmente ele está me beijando como eu queria. Como sempre quero.

Depois ele coloca o anel em meu dedo e sinto que meu coração pode explodir.

Então esta é a felicidade suprema. Sentir que o mundo é perfeito e nos pertence. Porque nós encontramos nosso lugar nele. E alguém com quem dividi-lo. Para sempre.

E, enquanto estou ali abraçada a Connor, sinto a presença de Melanie. Ela está em minhas lembranças, sorrindo e dizendo que eu mereço sim ser feliz. Que me dá a sua benção.

A vida foi feita para sermos felizes, para aproveitarmos todos os momentos da melhor maneira possível, pois um dia ela pode nos ser tirada e será tarde demais. Como foi para Melanie.

Mas eu estou aqui, estou viva e posso fazer o meu melhor para ser feliz. E fazer as pessoas que amo felizes.


E essa sensação de ter a presença de Melanie a minha volta, como um sussurro do vento em meu rosto, fazendo uma paz serena acalmar a saudade em meu coração, permeou todos os momentos importantes da minha vida.

Quando Connor me levou no colo para dentro de nossa casa nova em Kenmore.

No dia de meu casamento, em Lakewood, rodeada por nossos familiares e amigos, no jardim dos Carter. Connor lindo em seu terno preto me esperando no fim do caminho florido e eu seguindo com meu vestido branco, com Mandy e Olivia jogando flores pelo chão, sorrindo felizes por finalmente estarmos oficializando nossa união que já era de coração.

Assim, como eu a senti no dia que nasceram minhas meninas, Emma e Mila. Tão lindas e iguais como eu e Melanie éramos, mas que teriam um destino muito diferente do que tivemos. Elas nunca seriam separadas. Elas nunca se sentiriam inadequadas em sua própria pele. Teriam todo o amor para crescerem saudáveis e capazes de tomarem suas próprias decisões. Juntas, como deve ser.

Melanie era parte de mim, e sua história permaneceu comigo, floresceu em minha mente e se transformou em um livro.

Das minhas mãos surgiu a história de uma mulher que viaja o mundo em busca de si mesma, de uma liberdade e de uma felicidade que lhe era desconhecida. No entanto, diferentemente da realidade, nesse livro ela encontrou seu destino. E teve o seu merecido final feliz.

 

 

                                                                  Juliana Dantas

 

 

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