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De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
De Leon Battista Alberti ao ilustríssimo príncipe Meliaduse, marquês d’Este, estas páginas de entretenimentos matemáticos
Devo admitir que respondo bastante tardiamente, com esta pequena obra, aos anseios que Vossa Senhoria exprimiu. Poderia invocar muitas desculpas e razões, mas prefiro confiar-me a vossa indulgência e bondade, e pedir que me perdoeis. Vossa paciência talvez tenha sido compensada pelo prazer que espero sintais ao conhecer as coisas bastante lúdicas que aqui encontrareis reunidas, ou até mesmo ao pô-las em prática e delas se servir. Empenhei-me em descrevê-las mui claramente; devo, porém, salientar que se trata de matérias bem sutis, cuja exposição não dispensa o leitor de um esforço de atenção. Far-mei-as felicíssimo se ficásseis com ela. Caso desejeis saber mais sobre esses temas, mandai-me informar, tentarei cumprir vossos desejos. Por ora contentai-vos com isso: encontrareis [aqui] coisas notabilíssimas. Recomendo-vos meu irmão Charles, cujo devotamento vos é dedicado assim como a vossa família. Valete.
https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/A_PEQUENA_BALAN_A.jpg
Se é bem conhecido dos que se dão o trabalho de ler os autores antigos que Arquimedes descobriu o roubo do ourives na coroa de Hiêron, parece-me que a maneira como o grande homem teve de se comportar para chegar aí permaneceu até agora ignorada: com efeito, a ideia de que tenha procedido, como escreveram alguns, mergulhando a dita coroa na água, depois de ter feito o mesmo separadamente com quantidades iguais de ouro puro e de prata, e que tenha conseguido conhecer a mistura de ouro e prata de que era feita a coroa a partir das maiores ou menores quantidades de água transbordadas ou deslocadas, parece, por assim dizer, bem grosseira e distante da precisão; isso será percebido acima de tudo por aqueles que leram e compreenderam as sutis invenções de tão divino homem que chegaram até nós, que só fazem demonstrar a que ponto os outros espíritos lhe são inferiores, e a parca esperança que resta a qualquer um de poder um dia descobrir coisas comparáveis.
Eu julgaria antes que, espalhado o rumor de que Arquimedes teria descoberto o roubo utilizando água, algum escritor dessa época teria relatado o fato, e esse mesmo escritor, para acrescentar alguma coisa ao pouco que compreendera do rumor, teria dito que Arquimedes utilizara a água da forma que foi depois universalmente admitida.
Porém, sabendo que tal método era completamente impreciso e desprovido da exatidão necessária nas coisas do âmbito da matemática, fui várias vezes levado a me perguntar de que forma se poderia, utilizando a água, descobrir de maneira precisa a composição da mistura dos dois metais; e depois de ter relido com cuidado o que Arquimedes demonstra em seus livros Sobre as coisas colocadas na água e Sobre o equilíbrio dos corpos, veio-me finalmente ao espírito uma forma extremamente precisa de resolver nossa questão. Acho inclusive que foi dessa maneira que Arquimedes procedeu, não apenas em virtude de que é exata, mas porque, além disso, depende de demonstrações feitas pelo próprio Arquimedes.
Aquilo de que se trata é realizado por meio de uma balança cuja construção e instruções de uso serão descritas adiante, depois que tivermos apresentado o que se faz necessário para sua compreensão.
Primeiro é preciso saber que os corpos sólidos que, na água, vão ao fundo pesam menos na água que no ar uma quantidade igual ao peso [gravitas] no ar de um volume igual ao volume desse corpo. Isso foi demonstrado por Arquimedes, mas como sua demonstração é bastante indireta, vamos deixá-la de lado para não sermos levados longe demais; mostrarei isso de outras maneiras. Suponhamos então que mergulhásse-mos na água uma bola de ouro; se essa bola fosse feita de água não pesaria nada, já que a água na água não se move nem para baixo nem para cima. Logo, resulta daí que essa bola de ouro ultrapassa o peso da água; e é preciso entender da mesma forma para os outros metais. Uma vez que os metais são de peso diferente, seu peso na água será diminuído em diversas proporções. Suponhamos, por exemplo, que o ouro pese vinte vezes mais que a água; fica claro, segundo o que foi dito, que o ouro pesará menos na água que no ar a vigésima parte de seu peso. Suponhamos agora que a prata, que é menos pesada que o ouro, pese 12 vezes mais que a água; então, se a pesarmos na água, seu peso diminuirá 1/12. O peso do ouro reduz-se menos na água que o da prata, dado que aquele diminuiu 1/20, e esta, 1/12.
Se, portanto, suspendermos numa balança um metal, e no outro braço um contrapeso que pese o mesmo que o dito metal no ar, e se mergulharmos o metal na água deixando o contrapeso no ar, para que esse contrapeso equilibre o metal será preciso deslocá-lo para o ponto de suspensão.
Seja por exemplo ab a balança, seja c seu ponto de apoio, e seja uma massa de um metal qualquer suspensa em b, e seja d seu contrapeso.
Mergulhemos o peso, ou seja, b, na água.
O contrapeso d em a pesará mais, sendo preciso, portanto, para que equilibre o peso, deslocá-lo para o ponto de apoio, digamos em e; a distância ca será tantas vezes maior que a distância ae quanto o metal pesará mais que a água.
Suponhamos então que o peso colocado em b seja de ouro, e que, ao ser pesado na água, o contrapeso d esteja em e; e que, ao se fazer a mesma coisa com a prata puríssima, o contrapeso esteja em f quando se pesa a prata na água. O ponto f estará mais perto do ponto c, uma vez que a prata é, como a experiência mostra, menos pesada que o ouro, e a diferença [no texto entende-se “la differenza” por “a relação”] que há entre a distância af e a distância ae será a mesma que entre o peso do ouro e o da prata.
Mas se tivermos uma mistura de ouro e prata, é claro que,uma vez que contém prata, pesará menos que ouro puro; e que, uma vez que contém ouro, pesará mais que prata pura. Assim, quando a pesarmos no ar, se quisermos que o mesmo contrapeso a equilibre quando mergulhada na água, será preciso deslocá-la para o ponto de apoio c mais próximo que e, que é o limite para o ouro, e mais longe que f, que é o limite para a prata pura; ela cairá entre os dois limites e e f, e a relação na qual a distância ef ficar assim dividida nos dará, muito igualmente, a proporção dos dois metais que constituem essa mistura.
Por exemplo, digamos que a mistura de ouro e prata esteja em b, equilibrada no ar pelo contrapeso d. Quando se pesa a mistura na água, esse contrapeso é deslocado para g. Digo então que o ouro e a prata, que constituem essa mistura, estão entre si na mesma relação que as distâncias fg e ge.
Mas convém dizer que a distância gf, que termina na marcada prata, nos dará a quantidade de ouro, e que a distância ge, que termina na marca do ouro, nos dará a quantidade de prata; de modo que se fg é o dobro de ge, a mistura será de duas partes de ouro para uma de prata. Procedendo da mesma forma com outras misturas, encontraremos igualmente a quantidade dos metais puros.
Para construir a balança, pega-se uma régua com mais ou menos duas braças de comprimento, e quanto mais comprida for, mais preciso será o instrumento. Divide-se-lhe ao meio, onde será o ponto de apoio. Ajustam-se os braços para que fiquem em equilíbrio, afinando aquele que pesaria mais. Sobre um dos braços marque os pontos onde se encontram os contrapesos dos metais puros quando pesados na água, tendo o cuidado de fazer as pesagens com os metais mais puros que puder encontrar. Feito isso, resta encontrar a maneira de conhecer a proporção na qual as distâncias entre as marcas dos metais puros serão divididas pelas marcas das misturas.
A meu ver, proceder-se-á da seguinte forma.
Enrola-se um fio de aço muito fino sobre as marcas dos metais puros; nos intervalos entre as marcas, enrola-se um fio de latão puro e muito fino: os intervalos serão divididos em um grande número de partes iguais.
Por exemplo, rodeiam-se as marcas e e f com dois fios de aço (e isso para distingui-las do latão); preenche-se em seguida todo o espaço entre e e f enrolando-se um fio de latão muito fino, que dividirá a distância ef em numerosas partes iguais. Quando eu quiser depois conhecer a relação entre fg e ge, contarei os fios sobre fg e sobre ge, e se achar que há 40 fios sobre fg e 21, por exemplo, sobre ge, direi que, nessa mistura, há 40 de ouro para 21 de prata. Convém apontar aqui uma dificuldade na contagem: pois como os fios devem ser bem finos, o que é necessário à precisão, não é possível contá-los a olho nu, pois o olho se perde em espaços tão pequenos.
Logo, para contar com precisão, pegar-se-á um estilete muito fino, com o qual se percorre bem lentamente a distância sobre os fios, de modo que, tanto pelo ouvido como pela resistência que a mão sente a cada fio, contar-se-ão facilmente os ditos fios. Contando-se dessa maneira obtém-se da forma descrita a exata quantidade dos metais puros de que é composta a mistura. A assinalar, porém, que os componentes correspondem reciprocamente às distâncias; por exemplo, numa mistura de ouro e prata, os fios do lado da marca da prata nos darão a quantidade de ouro, e os do lado da marca do ouro nos darão a quantidade de prata. O mesmo deve ser entendido para as outras misturas.
Galileu Galilei
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