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A POBRE CLARISSA / Elizabeth Gaskell
A POBRE CLARISSA / Elizabeth Gaskell

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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12 de dezembro de 1747.
Minha vida fora estranhamente ligada aos incidentes extraordinários, alguns dos quais ocorreram antes de começar a ter qualquer conexão com os protagonistas destes eventos, ou mesmo, antes de saber de suas existências.
Suponho que, como eu, a maioria dos velhos homens prefere olhar para trás, admirando a sua profissão com uma espécie de saudosismo carinhoso e lembrança afetuosa do que assistir aos eventos, embora, estes últimos, fossem muito mais interessantes para os olhos da multidão.
Se eles pensavam assim, neste saudosismo, o que dirá sobre mim?
Se eu quiser contar a estranha história ligada à pobre Lucy, devo começar um longo caminho de volta. Eu mesmo, só tive conhecimento da história de sua família, após conhecê-la, no entanto, para que a história fique clara diante de qualquer pessoa, devo organizar os eventos na ordem em que ocorreram e não aqueles que me familiarizei.
Havia um grande solar ao nordeste de Lancashire, em uma parte que eles chamavam de “Trough of Bolland[1]”, adjacente a outro distrito chamado Craven. O solar Starkey era antigo, com um grande corredor cinzento e, vários quartos, com uma grande chaminé no centro do telhado.
Havia um pouco mais de segurança nessas partes da propriedade, quando os Stuarts chegaram, após os escoceses pararem suas invasões terríveis até o sul. As escadarias daquela época subiam até dois andares de altura, ao redor da base de uma grande sala. Tinha também um amplo jardim, na encosta sul, perto da casa, contudo, quando conheci o local, a horta da fazenda era o único pedaço de chão cultivado pertencente a ela. Os cervos costumavam surgir diante das janelas da sala de visitas, e caminhariam perto da casa, se não fossem muito selvagens e tímidos.
O próprio Solar Starkey ficava em uma península de terra alta, saltando das colinas abruptas que formavam os lados da “Trough of Bolland”.

 

 

 

 

Estas colinas eram rochosas e ameaçadoras, que se desenhavam em direção ao seu cume, e, mais abaixo, sua base estava tomada por mato denso, entrelaçado com o verde das samambaias, das quais, se elevava aqui e ali, abraçando a cor cinza das antigas árvores da floresta, que lançavam seus assombrosos ramos brancos, como se estivessem dispostos a alcançar o céu.

Estas árvores, eles me disseram, eram remanescentes daquela floresta que existia nos dias da Heptarquia[2], e eram notadas como se fosse um marco histórico daquela região. Não é de se admirar que seus galhos superiores e mais expostos não tivessem folhas, e que a casca morta descascasse do tronco, pela velhice.

Não muito longe da casa, havia alguns chalés, aparentemente da mesma data da casa, provavelmente construídos para alguns servos da família, pessoas que procuravam abrigo, com suas famílias e seus pequenos rebanhos nas mãos de seus senhores feudais, mesmo que alguns destes senhores tivesse praticamente caído em decadência.

Os chalés foram construídos de uma maneira estranha. Vigas fortes foram submersas no chão, à distância necessária, e suas outras extremidades foram fixas juntas, duas em duas, de modo a formar a desenho de uma daquelas tendas arredondadas, contudo, muito maiores. Os espaços entre essas extremidades foram preenchidos pelo barro, pedras, vimes, argamassa e qualquer coisa para manter o clima frio fora do alcance de suas paredes.

As fogueiras para o aquecimento, foram feitas no centro destas casas rudes, e um buraco no centro do telhado, formando a única chaminé. Nenhuma cabana das terras altas da Escócia ou da Irlanda seria de construção mais rude que esses chalés.

O proprietário desta propriedade, no início do século presente, era um Senhor Patrick Byrne Starkey. Sua família sustentava a antiga fé.

Eles eram católicos romanos de posição séria, considerando um pecado casar-se com qualquer um de descendência protestante, por mais disposto que o pretendente pudesse estar para abraçar a religião romana.

O pai de Patrick Starkey fora um seguidor de James II, e, durante a desastrosa campanha irlandesa daquele monarca, ele se apaixonara por uma beleza irlandesa, a Senhorita Byrne, muito zelosa por sua religião e pelos Stuarts.

Ele retornara à Irlanda após sua fuga para a França, e casou-se com ela, levando-a de volta à corte de Saint Germain. Contudo, os senhores desordeiros que cercaram o Rei James em seu exílio, insultaram sua bela esposa e o enojaram.

Então, ele se retirou de Saint Germain para Antuérpia, de onde, depois de alguns anos, voltou tranquilamente para o Solar Starkey.

Ele era um católico muito firme, um defensor dos Stuarts e dos direitos divinos dos reis, que a sua religião quase o transformou em um ascese[3].

Seus vizinhos de Lancashire queriam o ajudar a se reconciliar com as pessoas de Saint Germain, porém, eles não suportaram a inspeção de um moralista tão severo.

Foi assim que ele deu sua lealdade onde não podia dar sua estima, e aprendeu a respeitar sinceramente o caráter íntegro e moral de alguém que ele ainda considerava como um usurpador.

O governo do Rei Guilherme tinha pouca necessidade de temer tal coisa. Então, ele voltou, como já disse, com o coração sóbrio e a fortuna empobrecida, para sua casa ancestral, que caíra tristemente em ruínas.

As estradas para a “Trough of Bolland” eram trilhas que mal conseguiam suportar carruagens, e, de fato, o caminho até a casa, ficava ao longo de um campo lavrado, antes de se chegar ao parque de cervos.

A Senhora Starkey, como o camponês costumava chamar a esposa do Senhor Patrick Byrne Starkey cavalgava atrás de seu marido, segurando-o com uma mão leve por seu cinto de couro. O pequeno filho e sucessor de Patrick Byrne Starkey, se agarrava a um servo da família, que o guiava em seu cavalo. Uma mulher de meia-idade seguia-os a pé, com passos firmes, guiando o cavalo puxando a carroça, que levava grande parte da bagagem, e, no alto das caixas e baús, estava sentada uma garotinha de beleza deslumbrante, elevando o seu pescoço mais alto, e balançando-se destemidamente de um lado para o outro, enquanto a carroça balançava e sacudia na pesada trilha repleta de folhas secas do fim de outono.

A menininha usava um manto negro de seda espanhol sobre a cabeça, e ao todo, sua aparência era tal como uma velha senhora. Alguns cães e um garoto formavam o grupo de viajantes.

Eles cavalgaram silenciosamente, olhando sombria e seriamente para as pessoas, que despontavam de suas cabanas espalhadas pela trilha para fazer reverência ao homem ilustre.

“Finalmente voltaram!”

As pessoas os cumprimentavam assim.

Eles olharam para a pequena procissão, maravilhados, mas, não amortecidos pelo som da língua estrangeira em que as poucas palavras necessárias eram ditas.

Um rapaz olhou para o Senhor Patrick Starkey para ajudá-lo na carroça, e os acompanhou até o Solar.

Quando a Senhora Starkey desceu do cavalo, a mulher de meia-idade que andava, enquanto os outros cavalgavam, deu um rápido passo e tomou a Senhora Starkey, que era de uma figura leve e delicada, em seus braços.

Ela ajudou a mulher até a porta de entrada, a guiando até o Senhor Patrick Starkey, ao mesmo tempo, proferindo uma bênção apaixonada e estranha.

O Senhor Patrick Starkey ficou parado, sorrindo seriamente no início, entretanto, quando as palavras de bênção foram pronunciadas, ele tirou seu chapéu, e dobrou a cabeça.

A menina com o manto negro pisou na sombra do salão escuro, e beijou a mão da Senhora Starkey, então o rapaz observou o grupo se reunindo em torno dele.

Ele estava ansioso para ouvir tudo, e para saber o quanto o Senhor Patrick Starkey lhe daria por seus serviços.

De tudo o que pude reunir, o Solar, no momento do retorno do Senhor Patrick Starkey, estava no estado deplorável.

As paredes acinzentadas e robustas permaneciam firmes e inteiras, mas, as salas internas foram usadas para todos os propósitos, antes da sua chegada.

A grande sala de estar era um celeiro, a sala de tapeçaria ainda estava repleta de restos de lã por abrigar por muito tempo a tecelagem, e assim por diante.

Se o Senhor Patrick Starkey não tinha dinheiro para gastar em móveis novos, ele e sua esposa tinham o dom de embelezar as coisas antigas.

Ele não era um carpinteiro desprezível, e ela tinha uma espécie de graça no que fazia, e dava um ar de pitoresca elegância em tudo o que ela tocava. Além disso, eles trouxeram muitas coisas raras do continente, falando francamente, coisas que eram raras naquela parte da Inglaterra, como entalhes, cruzes e belos quadros.

Logo, novamente, porque a madeira era abundante na “Trough of Bolland”, eles colocaram grandes lareiras repletas de madeira, que dançavam e brilhavam em todas as salas escuras e antigas, dando para a casa um conforto singular.

Por que digo isso?

Tenho pouco a ver com o Senhor Patrick Starkey e a Senhora Starkey, e ainda assim, me debruço sobre este assunto, porque para explicar o que está adiante, devo explicar estes pormenores, e pode até parecer que eu não estivera disposto a falar sobre outras pessoas, com quem a minha vida estava tão estranhamente misturada.

A Senhora Starkey fora educada na Irlanda, pela mesma mulher que a levantou nos braços até seu marido em Lancashire. Esta mulher teve um curto período de casada, mesmo assim, Bridget Fitzgerald, seu nome, nunca deixara de ser a sua empregada e cuidadora.

Seu casamento, com um senhor acima dela na hierarquia, foi infeliz. Seu marido morrera e a deixara em uma pobreza ainda maior que aquela em que ela se encontrava antes do casamento. Ela teve uma criança, a linda garota que estava sentada sobre as caixas, na carruagem que carregava as bagagens que foram trazidas para o Solar, guiada por sua mãe.

A Senhora Starkey oferecera novamente o serviço quando Bridget ficou viúva. Ela e sua filha, desamparadas, viveram em Saint Germain e em Antuérpia, e agora, estavam no Solar em Lancashire.

Assim que Bridget chegou lá, o Senhor Patrick Starkey lhe deu uma casa e se esforçou mais para mobiliá-la que em qualquer outra coisa fora de sua própria casa. Era apenas nominalmente a residência dela, porque ela estava constantemente na grande casa e usava o chalé apenas para dormir, uma vez que, ficava muito tempo cuidando de sua senhora.

As duas casas eram próximas, na verdade, era apenas um curto corte na floresta, que distanciava as duas casas. Sua filha, Mary, da mesma forma, ficava mais tempo na grande casa que no chalé. A Senhora Starkey as estimava, tanto a mãe, quanto a garota. As duas tiveram grande influência sobre a Senhora Starkey e, através dela, sobre seu marido.

O que quer que Bridget ou Mary desejassem, por certo, elas conseguiriam. Elas não eram antipopulares, e, embora acanhadas, eram generosas por natureza. Todavia, os outros criados tinham medo delas, porque acreditavam que Bridget escondia algo macabro.

O Senhor Patrick Starkey perdera seu interesse em todas as coisas seculares, e a Senhora Starkey era gentil, afetuosa e dedicada. Ambos, marido e mulher, eram ternamente apegados um ao outro e ao filho.

Quando havia necessidade de decisão, eles ficavam pensativos, por isso, Bridget podia exercer tal poder arbitrário.

Apesar disso, se todos os outros cediam à sua “magia de uma mente superior”, sua filha se rebelava vez ou outra. Ela e sua mãe, eram muito parecidas para concordar facilmente sobre as coisas.

Havia brigas entre elas, e reconciliações que demoravam para efetivarem, porque o temperamento das duas era, de fato, muito difícil de lidar.

Houve momentos em que, no calor da discussão, poderiam se esbofetear. Em todos os outros momentos, ambas, especialmente Bridget, dariam a vida uma pela outra, de bom grado.

O amor de Bridget por sua filha era muito mais profundo que aquela filha pensara. E, por este amor, era difícil de acreditar que a garota escolheria ir para longe dos braços maternos.

Mary implorou que a Senhora Starkey encontrasse um lugar para que ela pudesse trabalhar, de preferência, longe da mãe, além dos mares, naquela vida continental mais alegre, entre as cenas das quais, seus anos mais felizes foram gastos.

A garota pensava, como pensa qualquer jovem, que a vida duraria para sempre, e que dois ou três anos eram apenas uma pequena porção de tempo que passaria longe de sua mãe, de quem ela era a única filha.

Bridget julgava de maneira diferente, ainda assim, estava muito orgulhosa para mostrar o que sentia e fingiu não se importar com o afastamento da filha.

Se sua filha queria deixá-la, então, ela podia partir.

Mas as pessoas falaram que Bridget ficou mais velha, uns dez anos, apenas na espera da filha, no curso de dois meses, e se arrependera de aceitar que Mary partisse.

A verdade era que, Mary queria por um tempo deixar o lugar e buscar alguma mudança, e levaria sua mãe com ela se pudesse.

De fato, quando a Senhora Starkey lhe arranjou um emprego com uma boa senhora no exterior, e o tempo se aproximava da partida, foi Mary que se agarrou a sua mãe com um abraço apaixonado, e, com enxurradas de lágrimas, declarou que nunca a deixaria, e Bridget, que finalmente soltou seus braços, mas sem lágrimas, pediu-lhe que sustentasse a sua palavra, e que podia Mary vagar pelo mundo, mas voltasse para casa, algum dia.

Bridget permaneceu sóbria, com seu discurso em voz alta, e assim, olhando para o horizonte atrás de Mary, a garota foi embora.

Bridget parecia encarar a morte, porque mal conseguia respirar ou fechar os olhos amedrontados, até que finalmente voltou para seu chalé, e se colocou contra a porta com um velho e pesado ressentimento.

Lá, ela se sentou imóvel, perto das cinzas da lareira, de um fogo extinto algum tempo antes. Bridget ficara surda para a doce voz da Senhora Starkey, enquanto a mulher implorava que ela abrisse a porta e depois voltou para a sua casa.

Surda, triste e imóvel, Bridget permaneceu sentada por mais de vinte horas.

A Senhora Starkey caminhou pela trilha nevada entre a sua casa e o chalé. Ela bateu na porta pela terceira vez, carregando consigo um filhote de Spaniel[4], o animal era de estimação de Mary, e que não parara um segundo sequer durante a noite toda, porque a procurava, lamentava e gemia.

Com lágrimas descendo copiosamente pelo seu rosto, a mulher ouviu a história de sua senhora, através da porta fechada, envolta ainda em seu olhar de angústia, tão firme, tão imóvel, igual ao dia anterior.

A pequena criatura pulou nos braços da Senhora Starkey e começou a proferir seu ladrado ansioso, enquanto tremia de frio. A Senhora Starkey o sacudiu em seus braços e a criatura canina se calou.

Novamente aquele longo choro do pequeno cão começou, ela pensou ser por sua filha, mas seu choro era de fome, uma vez que, sua última refeição fora dada por Mary.

A Senhora Starkey abriu a porta e Bridget beijou a mão de sua senhora. A Senhora Starkey pediu que fizessem comida para o cachorrinho e ficou ao lado de Bridget durante a noite toda.

No dia seguinte, o Senhor Patrick Starkey desceu, carregando um belo quadro estrangeiro de Nossa Senhora do Sagrado Coração, assim como os protestantes a chamavam. Era um quadro da Virgem, seu coração perfurado por flechas, cada flecha representando um de seus grandes infortúnios.

Essa imagem estava pendurada no chalé de Bridget quando eu a vi pela primeira vez. E hoje, esse quadro está na parede da minha sala.

Os anos se passaram.

Mary ainda estava no exterior. Bridget estava imóvel e severa, em vez de ativa e apaixonada. O cachorrinho Mignon era, de fato, seu estimado amigo.

Ouvi dizer que ela falava com ele continuamente, embora, para a maioria das pessoas, ela fosse tão silenciosa.

O Senhor Patrick Starkey e a sua esposa a tratavam com a muita consideração, e ela era muito devota e fiel para eles.

Mary escreveu com bastante frequência, e parecia satisfeita com sua vida. No entanto, as cartas não cessaram, tenho dúvidas se antes ou depois de uma grande e terrível tristeza chegar à casa dos Starkey.

O Senhor Patrick Starkey adoeceu de uma febre pútrida, e a sua esposa contraiu a mesma febre, mas não teve a mesma sorte. Você pode ter certeza, Bridget não deixou outra pessoa cuidar da Senhora Starkey a não ser ela e deitada nos braços de Bridget, a Senhora Starkey desistiu de respirar.

O Senhor Patrick Starkey se recuperou depois de um longo tempo enfermo. Ele nunca mais foi o mesmo, nem teve forças para sorrir após ver sua esposa morta.

Ele jejuou e rezou mais que nunca, e as pessoas diziam que ele tentou cortar a obrigação em ser um homem zeloso por suas coisas, e deixar toda a propriedade para a Igreja, para afundar a sua tristeza em um mosteiro no exterior, do qual ele rezou para que um dia seu filho Patrick pudesse ser o reverendo padre. Mas, ele não pôde fazer isso, pelo rigor da vinculação das leis contra os protestantes.

Assim, ele só podia nomear cavalheiros de sua própria fé como guardiães de seu filho. Ele não podia, sendo assim, abandonar tudo e deixar seu filho sem amparo.

O tempo passou e ele adoeceu.

É claro, Bridget não foi esquecida.

Ele mandou chamá-la enquanto se deitava no leito de morte, e perguntou se ela preferia uma quantia ou uma pequena anuidade paga pelos guardiões futuramente.

Ela disse que deseja uma quantia, porque, pensou em sua filha e em ajudar Mary quando ela voltasse.

Então, o Senhor Patrick Starkey deixou o chalé para Bridget e uma boa quantia em dinheiro para a sua empregada.

Depois de um punhado de dias, ele morreu, com um coração tão pronto e disposto em encontrar a sua amada no paraíso.

O jovem Patrick foi levado por seus guardiões, e Bridget foi deixada sozinha.

Eu disse que ela não tinha notícias de Mary há algum tempo?

Em sua última carta, Mary falara de viajar com sua senhora, que era a esposa inglesa de algum grande oficial estrangeiro, e falara de suas chances em fazer um bom casamento, sem citar o nome do cavalheiro, mantendo-o em segredo, para futuramente ser uma agradável surpresa para sua mãe.

Depois, veio um longo silêncio.

Bridget estava sozinha.

Sem cartas da filha e sem a Senhora Starkey. O Senhor Patrick Starkey estava morto, o pequeno Patrick estava longe.

O coração de Bridget estava roído pela angústia, e ela não sabia a quem pedir notícias de sua filha. Era o Senhor Patrick Starkey quem escrevia as suas cartas, ditadas por Bridget para a sua filha. Ela não sabia escrever.

Desesperada, ela foi até a igreja mais próxima e conseguiu lá, um bondoso padre, que ela conhecera em Antuérpia, para escrever a carta em seu nome. No entanto, nenhuma resposta de Mary pousou em suas mãos.

Foi como chorar na terrível quietude da noite.

Um dia, Bridget sentiu falta dos vizinhos que estavam acostumados a marcar suas idas e vindas. Ela nunca fora sociável com nenhum deles, contudo, a visão deles a observando se tornara parte de sua rotina. Porém, a sua tristeza era maior.

Uma manhã veio, e sua porta permaneceu fechada, sua janela ausente de qualquer brilho ou luz da lareira dentro dela.

Alguém bateu a porta, tentou abrir, ela estava trancada.

Duas ou três pessoas colocaram a cabeça juntas, antes de se atreverem a olhar pela janela sem fechadura. Mas, finalmente, eles tomaram coragem, e então, viram que a ausência de Bridget de seu pequeno mundo não era resultado de acidente ou morte, mas, porque ela partira do chalé.

Ela deixara tudo em ordem.

Os poucos artigos da casa foram empacotados e arrumados em caixas, sendo assim, protegidos dos efeitos do tempo e da umidade. E a foto da Nossa Senhora foi tirada, e desapareceu. Em uma palavra, Bridget fora embora de sua casa, e não deixou nenhum vestígio para qual lugar ela partira.

Soube depois, que ela e seu cachorrinho tinham se desviado na longa busca por sua filha perdida. Ela era analfabeta demais para confiar em cartas. E não teria como escrever uma sem ajuda.

Entretanto, ela tinha fé em seu amor forte, e acreditava que seu instinto apaixonado a guiaria até sua filha.

Além disso, a viagem ao exterior não era novidade para ela, que podia falar o francês para explicar o objeto de sua viagem, e tinha, além disso, a vantagem de ser, a partir de sua fé, um objeto bem-vindo de hospitalidade caridosa em muitos conventos distantes.

Contudo, as pessoas ao redor do Solar Starkey não sabiam nada sobre isso. Eles se perguntavam o que acontecera com ela, de uma forma torpe e preguiçosa, e depois, pararam de pensar nela por completo.

Vários anos se passaram.

Tanto o Solar, quanto o chalé, estavam abandonados.

O jovem Patrick vivia longe, sob os cuidados de seus tutores. Havia vestígios de lã e milho nas salas de estar do Solar, e, por vezes, as pessoas do campo e da região falavam a boca pequena, se não seria bom entrar no chalé da velha Bridget, e salvar os bens que sobravam da fúria das traças e da ferrugem, que causavam triste estrago.

Não obstante, a ideia foi abandonada pela lembrança de seu forte caráter, de suas histórias, espírito magistral e força de vontade intensa.

A ideia de invadir o chalé morria, sussurrada pela ofensa em tocar qualquer artigo do chalé, e tornou-se esta ideia, uma espécie de horror, pois, acreditava-se que, viva ou morta, ela se vigaria daquele que usurpassem de suas coisas.

De repente, ela voltou a casa, da mesma maneira silenciosa que partira tempos antes.

Um dia, alguém notou uma fina e azul ondulação de fumaça subindo de sua chaminé. Sua porta estava aberta para o sol do meio-dia, e, poucas horas antes, alguém avistara uma velha mulher naquela manhã imaculada, mergulhando seu cântaro no poço, e disse este alguém, que os olhos escuros e solenes que olhavam para ele, eram muito parecidos com os de Bridget Fitzgerald, e ainda, se fosse ela, ela parecia como se fora queimada nas chamas de uma fogueira, porque estava com a sua pele muito maltratada. Muitos a viram e se preocuparam em não serem pegos olhando para ela novamente.

Ela tinha o hábito de falar perpetuamente sozinha, respondendo a si, variando seu tom de voz, de acordo com o lado que ela tomava a fala no momento.

Não era de se admirar que aqueles que ousavam ouvir do lado de fora de sua porta, à noite, acreditassem que ela cultivava conversas com algum espírito, em resumo, ela estava ganhando inconscientemente a reputação terrível de bruxa.

Seu cachorrinho, que peregrinara metade do continente com ela, era seu único companheiro. O pobre animal era uma lembrança branda de dias felizes.

Uma vez, quando ele estava doente, ela o carregou mais de três milhas para perguntar se alguém o ajudaria e demorou até encontrar um homem que era famoso por suas habilidades em todas as doenças dos animais. O que quer que esse homem tenha feito, o cão se recuperou, e ela proclamou bênçãos para o homem, que eram mais promessas de boa sorte que orações. Aqueles que a ouviram, olharam seriamente para a boa sorte do homem, quando, no ano seguinte, suas ovelhas adoeceram, e relva secou. Ele tivera tudo, menos sorte depois que ela o abençoou.

Por volta do ano de 1711, um dos guardiões tutores do jovem Patrick, o Senhor Philip Tempest, o interrogou sobre o tiroteio que houve em sua propriedade, e em consequência, ele colocou quatro ou cinco homens em sua casa para fazer companhia e o mantê-lo em segurança.

Nunca ouvi nenhum de seus nomes, além de um, Senhor Gisborne, um homem de meia-idade, que passara muito tempo no exterior, e lá, creio, ele conhecera o Senhor Philip Tempest, e lhe fazia, vez ou outra, algum serviço de guarda.

Ele era um homem ousado, debochado, insensato e destemido, que preferia estar em uma briga a estar fora dela.

Além disso, ele tinha seus ataques de maldade, quando não poupava nem homem, nem animal. E aqueles que o conheciam bem, costumavam dizer que ele tinha um bom coração, quando não estava bêbado, zangado ou irritado. Creio que ele mudara muito quando o conheci.

Um dia, todos os cavalheiros saíram atirando, e com pouco sucesso, creio, o Senhor Gisborne não acertara nenhum de seus alvos, e estava com um humor impiedoso.

Ele estava voltando para o Solar, com sua arma carregada, como um esportista, quando o pequeno Mignon cruzou seu caminho ao sair do bosque perto do chalé de Bridget.

Por certo, para descarregar sua raiva em alguma criatura viva, o Senhor Gisborne pegou sua arma e disparou.

Creio que ele desejara, anos depois, jamais atirar naquele animal.

Ele acertou Mignon, e ao choro repentino da criatura, Bridget saiu do chalé, e viu de relance o que fora feito de seu estimado amigo.

Ela pegou Mignon em seus braços e olhou para o homem. O pobre cão olhou para ela com seus olhos vidrados, e tentou abanar a cauda e lamber a mão dela, mesmo agonizando, tudo coberto de sangue.

O Senhor Gisborne falou em uma espécie de penitência amuada:

— Você devia cuidar do cachorro e o deixar fora do meu caminho, mulher! Menos um pequeno verme sem raça!

Naquele momento, Mignon esticou as pernas e endureceu o corpo. O cão de Mary, que perambulava sem a sua dona e sofria com Bridget durante anos, estava morto.

Ela se ergueu e foi em direção ao Senhor Gisborne, e fixou seu olhar nos do sombrio e terrível homem.

— Não o conheço, por que atirou? Estou sozinha no mundo e indefesa. Quanto mais os santos no céu ouvem minhas orações, mas eles viram suas costas! Escutem-me! — ela olhou para o céu, como se evocasse os santos que era devota. — Escutem-me, santos, enquanto peço que a tristeza se derrame neste homem mau e cruel. Ele matou a única criatura que me amava, e que eu amava também. Tragam pesada tristeza sobre sua cabeça por isso! Oh! Santos! Ele pensou que eu estava indefesa, porque me viu solitária e pobre, mas não são os exércitos do céu semelhantes a mim?

— Está bem! — disse ele, meio arrependido, entretanto, nem um pouco assustado com as palavras dela. — Tome algumas moedas para comprar outro cão! Pegue-as, e deixe de praguejar! Não me importo com suas ameaças! Mas odeio reclamações!

— Você não se importa com o que falo? — disse ela, aproximando-se um pouco mais e trocando sua fala imprecisa por um sussurro que fez o garoto que seguia o Senhor Gisborne, se agachar de medo. — Você viverá para ver sofrer a criatura que você mais ama... Ah! Sim, uma criatura humana, tão inocente e carinhosa quanto meu querido cãozinho morto. Você verá esta criatura se tornar um terror e uma aversão a todos, por causa deste sangue. Ouçam-me santos, que nunca falham, façam valer o meu desejo!

Ela lançou sua mão direita, cheia de gotas do resto de vida do pobre Mignon, e sacolejou-a algumas vezes, respingando no traje de tiro dele, o sangue do animal.

Era uma visão sinistra para o garoto que observava atônito, porém, o homem apenas riu um pouco e, desdenhou com deboche a mulher, e seguiu calmamente para o Solar.

Antes de chegar lá, entretanto, ele pegou um anel de ouro que usava e mandou o garoto levar o anel até a velha mulher, quando o rapaz fosse retornar para o vilarejo.

O rapaz estava “assustado”, como ele me disse depois de anos. Ele foi para o chalé e parou diante da casa, não ousando bater na porta. Finalmente ele espreitou pela janela, e pela fresta cintilante da madeira, ele viu Bridget ajoelhada diante da imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração, com o morto Mignon deitado entre ela e a santa. Ela rezava loucamente, enquanto seus braços tocavam o pobre animal.

O rapaz afastou-se da janela, apavorado, e passou o anel de ouro por baixo da porta. No dia seguinte, o anel foi jogado para longe do chalé e se misturou com a relva e lá está o anel até hoje, ninguém se atreveu a tocá-lo.

Enquanto isso, o Senhor Gisborne, curioso e inquieto, pensou em diminuir seus sentimentos desconfortáveis sobre o ocorrido, perguntando ao Senhor Philip quem era Bridget. Ele só conseguia descrevê-la, porque ele não sabia seu nome.

Senhor Philip também não sabia o nome dela.

Entretanto, um velho criado do Starkey, que havia retomado seu emprego no Solar nesta ocasião, um sujeito que Bridget salvara da demissão porque ele precisava muito do emprego.

— Por certo, falam da velha bruxa! Com sua fé inabalável! Seu nome é Bridget Fitzgerald. Devemos evitar qualquer contato com aquela abominação!

— Fitzgerald! — disse os dois senhores ao mesmo tempo.

Mas o Senhor Philip foi o primeiro a continuar:

— Não devemos falar sobre evitar contato com ela, Dickon. Ora! Ela deve ser a mulher que o pobre Senhor Patrick Starkey me pediu para cuidar, porém, quando eu cheguei aqui, ela partira, e ninguém sabia para onde. Irei vê-la amanhã. Mas atenção! Se algum mal lhe acontecer, ou se falarem mais sobre ela ser uma bruxa, tenho um bando de cães de caça em casa, que podem seguir o cheiro de um patife mentiroso da mesma maneira que caçam uma raposa, Dickon. Portanto, tenha cuidado com o que você fala. Pare de dizer para as pessoas evitarem contato com uma velha e fiel serva de seu falecido mestre!

— Ela teve uma filha? — perguntou o Senhor Gisborne, depois de um tempo.

— Não sei! Creio que sim. Tenho uma vaga ideia que ela realmente teve uma filha! — respondeu o Senhor Philip.

— Senhores... — disse o humilde Dickon. — A Senhora Bridget teve uma filha. Chama-se Mary, que foi para o exterior, e nunca mais se ouviu falar dela desde então. E as pessoas dizem, que isso foi o grande motivo para que sua mãe enlouquecesse.

O Senhor Gisborne sombreou seus olhos com sua mão.

— Queria que ela não me tivesse amaldiçoado! — murmurou ele. — Ela pode ter poder de uma bruxa, realmente! — ele seguiu seu murmuro.

Depois de um tempo, ele disse em voz alta, porém, ninguém entendeu corretamente o que ele quis dizer:

— Maldição! Isso é impossível!

Ele deu de ombros, e após um silêncio brutal, ele e os outros cavalheiros começaram a beber.


Capítulo 2

Agora, chego ao momento em que me misturo com as pessoas sobre as quais tenho escrito. E, para que vocês entendam como me liguei a elas, devo dar-lhes um pequeno relato sobre mim.

Meu pai era o filho mais novo de um cavalheiro chamado Devonshire, de propriedade modesta. Meu tio mais velho foi bem-sucedido na herança de seus antepassados, meu segundo tio tornou-se um advogado eminente em Londres, e meu pai seguiu o caminho religioso. Como a maioria dos pobres clérigos, sua família era grande, e não tenho dúvida de que fiquei contente quando meu tio londrino, que era solteiro, ofereceu-se para tomar conta de mim, e me educar para ser seu sucessor nos negócios.

Assim, vim morar em Londres, na casa do meu tio, não muito longe da Gray's Inn[5].

Fui tratado e estimado como se fosse seu filho, e trabalhava com ele em seu escritório. Eu gostava muito do meu tio, realmente. Ele era o conselheiro de muitos senhores importantes do país, e alcançara sua posição, tanto pelo conhecimento da natureza humana, quanto pela sabedoria do Direito, embora ele aprendera o suficiente neste último.

Ele costumava dizer que seu negócio era a lei, sua fonte grande de prazer. De seu íntimo conhecimento da história das famílias, e de todos os trágicos percursos envolvidos, ouvi-lo falar, em momentos de lazer, sobre qualquer brasão de armas que se deparasse em seu caminho, era tão bom quanto uma peça de teatro ou um romance.

Muitos casos de propriedade disputada, dependente do amor à genealogia, foram entregues para ele, como se ele fosse uma grande autoridade em tais pontos e sim, ele era.

Se o advogado que vinha consultá-lo era jovem, meu tio não aceitava o honorário, apenas lhe dava uma longa palestra sobre a importância de atender à Heráldica[6], mas, se o advogado fosse maduro e de boa reputação, ele o cobrava muito bem pelo seu trabalho.

Sua casa estava em uma rua nova e imponente chamada Rua Ormond, e nela, havia uma bela biblioteca, contudo, todos os livros tratavam de coisas que eram passadas, nenhum deles planejava ou olhava para o futuro.

Eu trabalhava com ele, em parte para o bem da minha família, e também porque meu tio tinha realmente me ensinado a desfrutar da mesma prática em que ele se deleitava tanto.

Suspeito que trabalhei demais, porque em 1718 eu estava longe de estar bem, e meu bom tio estava perplexo por minha má aparência.

Um dia, ele tocou a campainha duas vezes na minha sala de escrivão no escritório da Gray's Inn. Era uma convocação. O segui até o seu escritório. Lá, estava me esperando um cavalheiro, que eu conhecia de vista, e ao seu lado, um advogado irlandês de mais reputação que merecia.

Meu tio estava lentamente esfregando as mãos. Fiquei parado por dois ou três minutos antes dele falar.

Logo, meu tio falou que eu tinha que arrumar minhas malas naquela mesma tarde, e ir para o oeste de Chester ainda naquela noite. Chegaria lá, se tudo corresse bem, ao final de cinco dias, e então, eu devia esperar um barco para atravessar até Dublin. Seguiria para uma cidade chamada Kildoon, e nessa cidade eu deveria permanecer, fazendo certas investigações sobre a existência de qualquer descendente de uma família, para a qual, algumas propriedades valiosas foram entregues como herança.

O advogado irlandês estava cansado do caso e teria cedido a propriedade, sem mais delongas, para um homem que reclamava a sua posse, no entanto, ao colocar os papéis sobre a mesa, meu tio lembrou-se e advertiu sobre outros tantos possíveis reclamantes anteriores, sendo assim, o advogado lhe suplicou que assumisse a administração do caso.

Em sua juventude, meu tio adorava viajar para Irlanda, porque gostava de buscar informações sobre as famílias e a cada pedaço de papel ou pergaminho que ele encontrava, e palavra de tradição, ele se sentia feliz. Entretanto, agora velho, ele me colocou nesta missão.

Assim, fui para Kildoon.

Suspeito que experimentei algo do encanto que meu tio sentia ao perceber o cheiro genealógico, uma vez que, logo descobri, quando cheguei ao local, que o Senhor Rooney, o advogado irlandês e o primeiro reclamante, tiveram uma terrível briga.

Havia três pobres pretendentes irlandeses à herança, cada um mais próximo do último possuidor, porém, uma geração antes, havia uma relação ainda mais próxima, que não fora contabilizada, nem sua existência descoberta pelos advogados.

O que fora feito dele?

Viajei para frente e para trás, fiz a travessia para a França, e voltei, com uma leve pista, que terminou em minha descoberta de que, selvagem e dissipado, ele deixara um filho, um filho, de caráter ainda pior que o pai, que esse filho, chamado Hugh Fitzgerald havia se casado com uma bela serviçal de Byrnes, uma pessoa abaixo dele em grau hereditário, entretanto, acima dele em caráter, e que ele morrera logo após seu casamento, deixando um filho, não se sabia se era um menino ou uma menina, e que a mãe retornara para trabalhar na família Byrnes.

Agora, o chefe desta última família estava servindo no regimento do Duque de Berwick, isso aconteceu muito antes que eu pudesse ter notícias dele. E pelo que apurei, ele era uma pessoa muito dura, e odiava os jacobitas[7].

Uma carta surgiu em minhas mãos:

“Bridget Fitzgerald... A mulher viúva perdera a irmã em seguida. Ela foi para a Inglaterra quando a Senhora Starkey a chamou de volta! Ela estava sozinha. Não se sabe muito sobre Bridget Fitzgerald no momento, provavelmente o Senhor Philip Tempest, o tutor de seu sobrinho, pode lhe dar algumas informações.”

Não me importei muito, mas fui ao encontro do tal Senhor Philip, e quando solicitado, me disse pagar uma anuidade regularmente para uma mulher idosa chamada Fitzgerald, que morava em Coldholme, o vilarejo próximo ao Solar Starkey. Se ela tinha algum descendente, ele não sabia.

Em uma noite sombria de março, fui aos lugares descritos no início da minha história. Mal conseguia entender o dialeto rude no qual a direção para a casa da velha Bridget foi dada.

— Siga a trilha! — me falaram com quase impronunciáveis palavras.

Isso foi tudo que recebi como indicação e nenhuma ideia de que eu deveria me guiar pelas luzes distantes que brilhavam nas janelas do Solar, que agora estava ocupado, fazia um bom tempo, por um fazendeiro que sustentava o posto de mordomo, enquanto o herdeiro do Senhor Patrick Byrne Starkey, agora com vinte e cinco anos, estava fazendo uma viagem.

Cheguei ao chalé de Bridget, um lugar baixo, coberto por musgos. As madeiras, que um dia o cercaram, estavam quebradas, e a vegetação rasteira da floresta subiu até as paredes, e por certo, escurecera as janelas.

Eram cerca das sete horas da noite, não era tarde para meus costumes londrinos, no entanto, após bater por algum tempo à porta e não receber nenhuma resposta, pensei seriamente que o ocupante da casa fora dormir mais cedo.

Voltei pelo caminho que me levaria até à vila, e me dirigi à igreja mais próxima, que ficava umas três milhas de distância, certo de que, perto da igreja eu encontraria uma pousada ou qualquer coisa semelhante, e na manhã seguinte voltaria para Coldholme.

Era uma manhã fria, meus pés deixaram marcas na fina geada que cobria o chão, segui por um caminho na trilha, que o dono da pousada que encontrei ao lado da igreja, na noite passada, me garantiu ser um atalho curto e que me pouparia quase uma hora a menos de caminhada.

No caminho, avistei uma velha mulher, que instintivamente suspeitei ser o objeto de minha busca. Fiquei olhando para ela. Ela se inclinou em um minuto ou dois, e parecia estar procurando algo no chão, já que, com a cabeça dobrada, ela se afastou do lugar onde eu a olhava, e a perdi de vista.

Perdi meu caminho, e fiz uma ronda, apesar das instruções do anfitrião da pousada, pois, quando cheguei ao chalé de Bridget, a mulher já estava lá, como suspeitei, sem nenhuma semelhança de caminhada apressada ou qualquer coisa parecida.

A porta estava ligeiramente entreaberta. Bati, e a majestosa figura estava diante de mim, aguardando silenciosamente a explicação do meu recado.

Seus dentes desapareceram, então, o nariz e o queixo se aproximaram, as sobrancelhas cinzentas eram retas e quase pairavam sobre seus olhos profundos e cavernosos, e os cabelos brancos e espessos estavam em ondas prateadas sobre a testa baixa, larga e enrugada. Por um momento, fiquei incerto como moldar minha resposta ao solene questionamento de seu silêncio.

— Seu nome é Bridget Fitzgerald, acredito...

Ela curvou a cabeça com o consentimento.

— Tenho algo a dizer para a senhora. Posso entrar? Não estou disposto a ficar em pé por muito tempo. Estou cansado da viagem.

— Cansado? Você é jovem! — resmungou ela.

No início, ela parecia inclinada a me negar a entrada em sua casa. Contudo, no momento seguinte, ela olhou fixamente em meus olhos durante aquele instante, e me conduziu para dentro e deixou cair a sombra de seu manto cinzento, que antes escondia parte do seu semblante.

O chalé era rude, quase sem a mobília, o que havia ali, era o suficiente para a mulher solitária, entretanto, antes da imagem da Nossa Senhora, da qual já fiz menção, havia um pequeno copo cheio de prímulas[8] frescas.

Enquanto, ela reverenciava a Nossa Senhora, entendi o porquê dela surgir antes no bosque, na trilha que eu seguia: ela procurava as flores.

Ela se virou e pediu que me sentasse. A expressão de seu rosto, que eu estava analisando, não era ruim como as histórias sobre ela, que o dono da pousada me falara na noite anterior.

Bridget tinha um rosto austero, feroz e indomável, com um semblante melancólico e marcado por agonias de muitas horas de choro solitário, mas, não era nem astuto, nem maligno.

— Meu nome é Bridget Fitzgerald! — afirmou ela, para abrir nossa conversa.

— Seu marido era Hugh Fitzgerald, de Knock Mahon, perto de Kildoon, na Irlanda, certo?

Uma luz fraca entrou na escuridão de seus olhos.

— Exatamente!

— Posso perguntar se você teve algum filho com ele?

A luz em seus olhos cresceu rapidamente e sua face corou. Ela tentou falar, eu pude ver, no entanto, algo subiu em sua garganta e a sufocou. Ela demorou quase um minuto para se recompor e pudesse falar calmamente diante daquele estranho, eu.

— Eu tinha uma filha, e seu nome era Mary Fitzgerald. — sua natureza forte dominou a sua voz, e ela resmungou em um pranto. — Oh! Homem! Há alguma notícia dela? Diga-me se a encontrou!

Ela se levantou do assento, veio até mim e agarrou o meu braço, olhando nos meus olhos.

Assim, ela leu, como suponho, minha total ignorância do que fora feito de sua filha, uma vez que, ela voltou cegamente para sua cadeira, e sentou-se balançando e gemendo brandamente, como se eu não estivesse ali.

Não ousei falar com a mulher solitária.

Após uma pequena pausa, ela se ajoelhou diante do quadro de Nossa Senhora do Sagrado Coração, e falou com a santa por todos os nomes fantasiosos e poéticos da ladainha[9].

— Oh! Rosa de Saron[10]! Oh! Torre de David[11]! Oh! Estrela do Mar[12]! Não conforta o meu pobre coração sofrido? Até quando ficarei sem esperança? Concedei-me, ao menos, uma graça!

Assim por diante, ela foi evocando e reclamando, sem prestar atenção à minha presença.

Suas orações tornaram-se cada vez mais desesperadas, até que pareciam tocar as fronteiras da loucura e blasfêmia.

Quase, involuntariamente, falei, na tentativa de parar a sua fala de alguma maneira:

— Você tem algum motivo para pensar que sua filha está morta?

Ela levantou os joelhos, caminhou alguns passos e ficou diante de mim.

— Mary Fitzgerald está morta! — disse ela. — Nunca mais a verei em carne e osso! Nenhuma língua jamais me disse tal coisa, nem confirmou, mas, sei que ela está morta! Eu ansiava tanto vê-la, e a vontade do meu coração é temerosa e forte. Mesmo que ela fosse uma andarilha no outro lado do mundo, ela teria tempo para voltar. Muitas vezes, me pergunto o motivo dela não sair do túmulo para surgir diante de mim, e me ouvir dizer como a amava!

Eu sabia apenas detalhes rasos e necessários para a busca, entretanto, senti compaixão pela mulher desolada, e ela percebera, com certeza, a incomum simpatia em meus olhos pensativos.

— Ah! Senhor! Ela nunca soube como eu a amava, e fomos separadas tão cedo. Desejei tanto que a viagem dela fracassasse e ela retornasse. — a pobre mulher olhou para a imagem da santa. — Oh! Bendita Virgem Maria! Você sabe que eu só quis dizer que ela deveria voltar para os braços de sua mãe, que é o lugar mais feliz da Terra. Meu desejo foi em vão. Seu poder vai além do meu pensamento, e não há esperança para mim. Se as minhas palavras pudessem trazer minha querida filha, ela estaria aqui!

— Mas... — disse eu. — Você não sabe, de fato, se ela está morta. Mesmo agora, em suas reclamações, você espera, ainda, que ela pudesse estar viva. Escute-me...

Tomei fôlego e contei a história superficialmente, porque realmente eu também só sabia a história, sem muitos detalhes. Eu desejava que ela se acalmasse e parasse de abraçar aquele luto invisível.

Ela escutou com profunda atenção, colocando, vez ou outra, perguntas que me convenceram de que eu não era um sujeito muito inteligente, porque me faltavam palavras para responder as tais indagações da mulher, que estava mergulhada em profunda solidão e misteriosa tristeza.

Assim, ela retomou sua história, e em poucas palavras, me falou de suas andanças pelo exterior em busca vã de sua filha. Algumas vezes, pedia ajuda aos soldados que ela encontrava pelo caminho, e dormia sob o sol e chuva.

A senhora, que Mary ajudava, morrera logo após a data da última carta de Mary para Bridget, e seu marido, o oficial estrangeiro, fora servir na Hungria, para onde Bridget seguiu desesperadamente, todavia, tarde demais para encontrá-lo.

Chegaram-lhe vagos rumores de que Mary fizera um grande casamento, e isso deixou a pobre mulher extremamente confusa, porque não era muito comum não saber o paradeiro de um filho que casara majestosamente, porque alguém saberia o paradeiro de uma pessoa rica.

Após vagar a sua procura, seu pensamento a assaltou com a possível volta da filha para a casa em Coldholme, na “Trough of Bolland”, em Lancashire, e que, enquanto Bridget a procurava, Mary estaria fazendo o caminho inverso da mãe.

Sendo assim, Bridget voltou, naquela esperança fantasiosa, para seu lar desolado e abandonado.

A pobre mãe julgou mais seguro permanecer no chalé, porque se Mary estivesse viva, estaria procurando por sua mãe e saberia onde ela estava.

Anotei um ou dois detalhes da narrativa de Bridget, que seriam úteis para mim, visto como fui estimulado a continuar a busca de uma maneira estranha e extraordinária.

Fiquei impressionado com a história, e que deveria retomar as buscas por Mary de onde Bridget parou, e isto me assaltou, sem nenhuma razão que me influenciasse anteriormente, como a ansiedade de meu tio sobre o assunto ou a minha reputação de advogado, e assim por diante.

Entretanto, isso surgia de algum poder estranho que só tomou posse de minha vontade naquela manhã, e que me forçou na direção dessa escolha.

— Irei procurá-la! — afirmei. — Não pouparei esforços nessa busca, senhora! Confie em mim! Eu a encontrarei! Poderei encontrar coisas horríveis enquanto a procuro, sei. Ela pode estar morta, realmente, contudo, se sua filha se casou, pode ter deixado um filho. Enfim, há muitas possibilidades. Não podemos descartar nenhuma!

— Uma criança? — ela chorou, como se pela primeira vez esta ideia lhe tocasse a mente e voltou os olhos para a santa, novamente. — Ouça-o, Virgem Santíssima! Ele diz que ela pode ter deixado uma criança. Você nunca me disse, embora eu tenha rezado por um sinal, dia e noite!

— Não! — exclamei. — Não sei nada além do que você me falou! Você disse que ouviu falar do casamento dela! Há esta possibilidade.

Porém, ela não pegou nada do que eu disse. Ela estava orando à Virgem em uma espécie de fascínio, o que parecia torná-la inconsciente de minha presença.

De Coldholme fui ao Senhor Philip Tempest.

A esposa do oficial estrangeiro fora prima de seu pai, e pensei que poderia ganhar alguns detalhes sobre a existência do tal Conde de La Tour d'Auvergne, e onde poderia encontrá-lo.

Entretanto, o Senhor Philip fora para o exterior, e levaria algum tempo até que eu pudesse receber uma resposta dele.

Por isso, segui o conselho de meu tio, a quem eu mencionara que me sentia cansado, tanto no corpo quanto na mente, pela minha busca no boca a boca.

Ele imediatamente me disse para ir a Harrogate, enquanto eu aguardava a resposta de Senhor Philip, porque lá ficava perto de um dos lugares ligados à minha busca, Coldholme, e também, não muito longe do Senhor Philip Tempest. Porque, caso ele voltasse, eu o visitaria e assim faria mais perguntas, e, em conclusão, meu tio me pediu que tentasse esquecer tudo sobre meus negócios por um tempo e descansar.

Isto não foi fácil.

Era como se eu estivesse em uma tempestade e o vento me empurrasse para o assunto que eu queria esquecer por um tempo.

Meu estado mental estava confuso e ansioso. Algo inquieto parecia instigar meus pensamentos, através de todos os caminhos possíveis, dos quais, havia uma chance de alcançar meu objeto.

Eu fazia caminhadas sem propósito, sempre pensando em qual lugar Mary estaria.

Quando eu segurava um livro e lia as palavras, o sentido delas não penetrava em meu cérebro. Se eu dormia, continuava com as mesmas ideias, sempre fluindo na mesma direção.

Isto não podia durar muito, sem ter um efeito negativo sobre o meu corpo e eu sabia disso. Porém, foi inevitável... Fiquei doente.

Meu amável tio veio me cuidar, e após o fim do perigo imediato de morte, minha vida parecia escorregar em uma depressão durante uns dois ou três meses.

Eu não perguntava se alguma resposta chegara das mãos do Senhor Philip, porque temia cair no velho canal de pensamento sobre Mary. Bloqueei toda a minha imaginação, desejando jogar para longe o assunto.

Meu tio permaneceu comigo até quase o meio do verão, depois, voltou aos seus negócios em Londres, deixando-me em boa saúde, mas não completamente forte.

Depois de uma quinzena, ele falou:

— Olharemos as cartas e falaremos de várias coisas!

Eu sabia o que este pequeno discurso referia-se, e me encolhi ao perceber o avassalador pensamento que surgia, e que estava tão intimamente ligado aos meus primeiros sintomas de doença.

No entanto, eu tinha mais quinze dias para caminhar por aqueles bosques revigorantes de Yorkshire.

Naqueles dias, me instalei em uma grande pousada, em Harrogate, mas, já estava ficando pequena demais para a acomodação do afluxo de visitantes, e muitos se alojavam em volta da pousada, nas casas de fazenda do distrito.

No começo das manhãs, eu tinha a pousada praticamente só para mim, e, de fato, me senti como se a pousada fosse uma casa familiar, tão íntima, que os donos, uma senhora simpática e um senhor sorridente, se tornaram meus amigos.

Ela me repreendia por sair tão tarde para as caminhadas, ou por ficar muito tempo sem comer, de uma maneira bastante maternal, enquanto ele conversava comigo sobre as safras de vinhos, e me ensinava muitas regras de Yorkshire sobre cavalaria.

Nas minhas caminhadas, conheci outros estranhos, ocasionalmente.

Mesmo antes que meu tio me deixasse, eu notara, com uma curiosidade meio estúpida, uma jovem de aparência muito marcante, que andava sempre acompanhada por uma senhora idosa de semblante pouco gentil, porém, com a jovem tinha algo em seu olhar que me possuía em seu favor.

A jovem sempre abaixava o véu quando alguém se aproximava, assim, só uma ou duas vezes, quando a encontrei em uma volta repentina no caminho, consegui vislumbrar seu rosto. Não tenho certeza se era bonito, embora tempos depois, eu julgasse que sim.

Essa tristeza, o olhar pálido, calmo, resignado, de intenso sofrimento, foi o que irresistivelmente me atraiu, não com amor, todavia, com um sentimento de infinita compaixão por uma jovem tão desesperadamente infeliz.

A senhora usava o mesmo olhar de melancolia silenciosa, sem esperança, mas conformado.

Perguntei ao dono da pousada quem eram elas.

Ele disse que se chamavam Clarke, e pensava que as duas eram mãe e filha, porém, ele não acreditava que fosse seu nome correto, ou que houvesse qualquer relação entre elas. Elas estavam, fazia algum tempo, na vizinhança de Harrogate, morando em uma casa de fazenda, um pouco afastada.

Quando procurei saber sobre as duas, as pessoas de lá não contaram grandes coisas sobre elas, apenas falaram que elas pagavam bem quem as ajudasse, vez ou outra, e jamais fizeram nenhum mal para quem quer que seja. Porém, um dos homens indagados por minha curiosidade, falara que ouvira dizer que a mulher idosa era prima do fazendeiro onde elas viviam.

— Qual foi, então, a razão de sua extrema reclusão? — perguntei.

— Não sei! — ele respondeu.

Ele ouvira dizer que a jovem, mais quieta que aparentava, às vezes, agia de maneira estranha. Ele balançou a cabeça quando lhe pedi mais detalhes, e se recusou a falar, o que me fez duvidar sobre o que articulara, uma vez que, ele era, em geral, um homem falador e comunicativo.

Depois que meu tio partiu, me propus a observar estas duas mulheres.

Eu pairava sobre suas caminhadas, atraído por um estranho fascínio, que não era abrandado por seu evidente aborrecimento ao me encontrar tão frequentemente.

Um dia, tive a súbita sorte de estar perto delas quando elas ficaram amedrontadas com o ataque de um touro, o que, naquele distrito de pastagem sem cercas, era uma ocorrência particularmente perigosa.

Tenho outras coisas mais importantes a relatar, do que contar o acidente que me deu a oportunidade de resgatá-las. Basta dizer, que este evento foi o início de uma amizade, se eu posso afirmar com essas palavras, por elas relutantemente toleradas, mas, avidamente processadas por mim.

Não sei explicar quando a curiosidade intensa se fundiu no amor, mas, em menos de dez dias após a partida de meu tio, fiquei apaixonado pela Senhorita Lucy.

Este era seu nome, e era assim que a senhora que acompanhava Lucy, a chamava, e, cuidadosamente por isso, notei a relação entre as duas.

Observei também que a Senhora Clarke, a senhora idosa, após sua primeira relutância em permitir que eu prestasse qualquer ajuda, foi felicitada por meu evidente apego à jovem, que parecia aliviar seu pesado fardo de cuidados, e ela, evidentemente, favoreceu minhas visitas à casa da fazenda, onde elas moravam.

Entretanto, não foi assim com Lucy. Ela era a pessoa mais atraente que vi em toda a minha vida, apesar de sua expressão fria, que volta e meia desviava o seu olhar da minha direção.

Senti imediatamente a certeza de que qualquer que fosse a fonte de seu pesar, ela não tinha culpa nenhuma.

Era difícil atraí-la para qualquer conversa, porém, às vezes, por um ou dois instantes, eu a convencia e podia ver uma rara inteligência em seu rosto e um olhar de confiança nos olhos brandos e cinzentos, que foram levantados por um minuto até os meus.

Arranjei todas as desculpas possíveis para ir até à fazenda de Lucy.

Procurei flores-do-campo para oferecer para Lucy, planejei caminhadas para o bem de Lucy, observei os céus à noite, na esperança de que alguma beleza incomum no céu justificasse um pedido para passear com a Senhora Clarke e Lucy, e assim, contemplar, ao seu lado, a grande cúpula púrpura da noite.

Parecia-me que Lucy estava consciente do meu amor, porém, por algum motivo que eu não podia adivinhar, ela apenas me repelia, então, novamente vi, ou imaginei, que seu coração falava ao meu favor, e que havia uma luta em sua mente sobre este sentimento.

Fiquei preocupado porque a amava tanto, e desejava que ela se poupasse de qualquer aborrecimento, mesmo que a felicidade de toda minha vida fosse um sacrifício para ela.

Ela sempre me olhava com a sua tez pálida, seu aspecto de tristeza mais desesperado e sua delicada face.

Durante este período, eu escrevia ao meu tio, para implorar que permitisse prolongar minha estadia em Harrogate, sem dar nenhuma razão, mas, tal foi sua ternura para comigo, que em poucos dias ouvi dele, dando-me uma permissão voluntária, e só me cobrou que eu cuidasse de minha saúde, e não fizesse muito esforço durante o tempo quente.

Uma noite quente de verão, me aproximei da fazenda.

As janelas do salão estavam abertas, e ouvi vozes, quando virei a esquina da casa. Ao passar pela primeira janela, porque havia duas janelas na pequena sala no andar térreo, vi nitidamente Lucy, mas quando bati na porta da casa entreaberta, ela sumiu diante dos meus olhos e vi apenas a Senhora Clarke, tirando as coisas que estavam sobre a mesa, de forma nervosa e sem propósito.

Senti, por instinto, que uma conversa de alguma importância estava se passando antes que eu colocasse meus pés na casa.

Meu tio aludira várias vezes à agradável possibilidade de eu trazer uma jovem esposa para casa, com a finalidade de alegrar e adornar a velha casa na Rua Ormond.

Ele era rico, sozinho, e alguém deveria sucedê-lo, e eu tinha, como sabia, uma boa reputação para um advogado tão jovem. Por isso, eu não conseguia ver nenhum obstáculo em cortejar Lucy.

Era verdade que Lucy estava envolta em mistério. Seu nome, eu estava convencido de que não era Clarke. O nascimento, paternidade e vida anterior, eram fatos desconhecidos para mim. Mas, eu tinha certeza de sua bondade e doce inocência, embora eu soubesse que havia algo doloroso para ser contado, e que isso era a origem de sua tristeza. Ainda assim, eu estava disposto a suportar minha parte em sua dor, não importava o quê.

A Senhora Clarke começou a falar como se fosse um alívio para ela mergulhar no assunto.

— Pensamos muito, senhor... Pelo menos, pensei! Enfim, que você sabe muito pouco de nós e nem nós de você, de fato. Não o suficiente para garantir o conhecimento íntimo em que nos envolvemos. Peço desculpas, senhor! — ela prosseguiu com a voz nervosa. — Sou apenas uma mulher simples, e não quero usar de rispidez, no entanto, devo dizer que penso que seria melhor para o senhor não vir tão frequentemente aqui. Ela está muito desprotegida, e ...

— Por que não posso vê-la, querida senhora? — perguntei, avidamente, feliz com a oportunidade de me explicar. — Afirmo que aprendi a amar a Senhorita Lucy, e desejo ensiná-la a me amar!

A Senhora Clarke balançou a cabeça e suspirou.

— Não, senhor! Nem a ame, muito menos a ensine a amá-lo! Por favor, por tudo que é sagrado! Creio que alerto tardiamente, e você já a ama, portanto, esqueça-a! Esqueça estas últimas semanas. Oh! Eu nunca deveria ter permitido que você se aproximasse de nós! — ela continuou apavorada. — O que devo fazer? Fomos abandonadas por todos, exceto pelo grande Deus. — ela torceu as mãos em sua angústia, e voltou seus olhos para mim. — Vá embora, senhor! Vá embora! Antes que você se apaixone ainda mais! Peço por seu próprio bem, imploro! Você foi bondoso conosco, e sempre o recordaremos com gratidão, entretanto, vá embora agora, e nunca mais volte a cruzar o nosso caminho!

— De fato, Senhora... — articulei. — Não farei tal coisa! A Senhora deve entender que não é o que desejo! Não tenho medo, nem desejo ouvir mais nada sobre o assunto. Posso não ter visto a Senhorita Lucy em toda a sua intimidade nesta última quinzena, mas sei reconhecer sua bondade e inocência. Percebo, porque não sou idiota, que por alguma razão, vocês duas são muito solitárias, envoltas em alguma misteriosa tristeza e angústia. Conte-me alguns detalhes. Por que vocês estão sempre tristes, qual é o seu segredo, por que estão aqui? Declaro solenemente que nada do que você disse me assustou. Desejo ser marido de Lucy, nem me afastarei de qualquer dificuldade que, como pretendente, eu possa ter que encontrar. — suspirei. — Você diz que não tem amigos, por que expulsar um amigo honesto? Vou recomendar algumas pessoas a quem você pode escrever e que responderão a quaisquer perguntas sobre meu caráter e minhas perspectivas. Não evitarei nenhuma pergunta.

Ela balançou a cabeça novamente:

— É melhor o senhor ir embora! Você não sabe nada sobre nós!

— Sei seus nomes! — garanti. — Ouvi você fazer alusão sobre de onde você veio, que, por acaso, conheço como um lugar selvagem e solitário. Há tão poucas pessoas vivendo neste lugar, se eu escolhesse ir até lá, eu poderia facilmente saber tudo sobre você, mas prefiro ouvir de sua boca, a história.

Eu queria que ela me descrevesse algo definitivo.

— Você não conhece nossos verdadeiros nomes! — afirmou ela, apressadamente.

— Bem, talvez eu tenha suposto o mesmo. Diga-me, então... Dê-me suas razões para desconfiar de minha disposição em manter o que disse em relação à Senhorita Lucy!

— Oh! O que posso fazer? Se estou recusando um verdadeiro amigo, como diz, fique! — ela falou, chegando a decisão repentina. — Vou dizer algo porque não posso dizer tudo e talvez, você não acreditará. Contudo, quem sabe, eu possa lhe dizer o suficiente para evitar que você continue em seu apego sem esperança. Não sou a mãe de Lucy!

— Isso eu já imaginava! — declarei. — Continue!

— Nem sei se ela é a filha legítima ou ilegítima de seu pai! Sua mãe morreu, faz muito tempo, e por uma razão terrível, Lucy não tem em quem se apoiar, apenas em mim, porque seu pai a abandonou dois anos atrás. Há um mistério prestes a ser revelado ao senhor, então, você partirá como todos os outros, e, quando você ouvir o nome dela, você a detestará. Outros que a amaram, fizeram antes. Minha pobre criança! A quem nem Deus, nem o homem tem piedade!

A boa mulher foi parada por seu choro. Confesso que fiquei um pouco atônito com suas últimas palavras, porém, apenas por um momento.

De qualquer forma, até que eu soubesse definitivamente o que era a tal mancha misteriosa que pairava sobre uma tão simples e pura mulher, como Lucy, eu não a abandonaria, e assim eu disse, e ela me fez responder:

— Se você se atrever com o seu coração, a pensar mal de minha menina, após conhecê-la como você a conheceu, você, por certo é um homem mal! Creio que dentro da minha grande tristeza, guardo a esperança de encontrar um amigo em você. Não posso deixar de afirmar que, embora você possa desistir de sua paixão, terá piedade de nós, e talvez, com sua capacidade, você possa nos dizer onde procurar ajuda!

— Imploro que me diga qual é o mistério! — chorei, quase enlouquecido pelo suspense que a mulher me cercava.

— Não posso! — ponderou solenemente. — Estou sob um profundo voto de sigilo. Se quer ser informado sobre o mistério, deve ser pelas palavras de Lucy, não as minhas.

Ela deixou a sala, e fiquei ali, para refletir sobre a estranha conversa. Virei mecanicamente os poucos livros em minha frente, e com olhos que não viam nada na ocasião, examinei os sinais da presença frequente de Lucy naquela sala. Foi quando a Senhora Clarke voltou, com seus olhos chorosos:

— É como temia. Ela o ama tanto que está disposta a correr o risco temeroso de lhe dizer tudo. Ela reconhece que não passa de uma má sorte, mas, sua simpatia será um bálsamo. Amanhã, venha aqui às dez da manhã. Tenha piedade, quando ficar frente a frente com ela, e reprima toda demonstração de medo ou repugnância que possa sentir por Lucy, porque ela está gravemente amargurada.

Tentei sorrir:

— Fique tranquila! Não tenha medo!

Parecia absurdo demais imaginar um sentimento de antipatia por Lucy.

— Seu pai a amava no começo... — falou a Senhora Clarke gravemente. — Contudo, ele a expulsou como uma coisa monstruosa!

Naquele exato momento, veio uma gargalhada do jardim. Era a voz de Lucy, que soava como se ela estivesse conversando com alguém e como estivesse muito agitada.

Eu mal posso dizer o porquê, mas o som de sua voz me tocou de forma fulminante. Ela conhecia o assunto de nossa conversa e devia estar, pelo menos, ciente do estado de agitação em que sua amiga se encontrava. Ela geralmente era tão gentil e quieta, não era momento para risadas.

Fiz menção de me levantar para ir à janela e satisfazer minha curiosidade instintiva sobre o que provocara a explosão de risos inoportunos, mas a Senhora Clarke jogou todo o seu peso e poder sobre a minha mão, me pressionou e me manteve sentado.

— Pelo amor de Deus! — sussurrou ela, branca e tremendo. — Sente-se! Fique quieto! Oh! Seja paciente! Amanhã, você saberá tudo! Vá embora! Pois, todos estamos muito aflitos e precisamos descansar. Não procure saber mais sobre nós, até amanhã!

Mais uma vez aquele riso, tão musical, no entanto, tão discordante para o meu coração, ecoou. A Senhora Clarke me segurou forte, sem violência, e me sustentou sentado. Eu estava de costas para a janela, porém, senti uma sombra passar entre o calor do sol, e um estranho vulto correu através da minha silhueta.

Em um ou dois minutos ela me soltou.

— Vá! — repetiu ela. — Fique avisado, peço-lhe mais uma vez. Não creio que você possa desobedecer. Se eu pudesse mudar o destino, Lucy jamais contaria. Estou apavorada! Quem sabe o que pode surgir depois de amanhã?

— Estou firme em meu desejo de saber tudo! Volto às dez da manhã, e espero que Lucy fale tudo o que esconde!

Me afastei, tendo minhas suspeitas sobre, confesso, a sanidade da Senhora Clarke.

Suposições sobre o significado de suas dicas, e pensamentos desconfortáveis ligados a esse estranho riso, encheram minha mente enquanto eu voltava para a pousada.

Não consegui dormir.

Levantei-me cedo, e muito antes da hora marcada, eu estava no caminho que levava à velha casa da fazenda onde elas viviam.

Suponho que Lucy não passara uma noite melhor que a minha, porque lá estava ela, também, lentamente caminhando, com seu passo uniforme, sua cabeça curvada, e seu olhar soberanamente perfeito e puro.

Quando caminhei em sua direção, sua face perdeu a cor e lembrei que prometera ficar calmo diante dela.

Esqueci-me do riso de Lucy na noite anterior, quando ela se aproximou de mim.

Meu coração acendeu as palavras que ardiam feito fogo, e minha língua as pronunciou.

Sua cor foi e veio, enquanto ela ouvia, e quando terminei meu discurso apaixonado, ela levantou seus olhos suaves para mim:

— Você sabe que ainda tem algo que deve saber sobre mim, certo? Só quero dizer isto. Não vou ficar magoada se sair correndo quando souber realmente sobre tudo.

— Pare! — falei.

— Escutem-me! Meu pai é um homem de grande riqueza. Nunca conheci a minha mãe, porque ela morrera quando eu era muito pequena. Quando tento recordar de algo, só consigo lembrar que eu vivia em uma grande casa, fria e solitária, com a querida e fiel Senhora Clarke. Meu pai raramente ia me visitar. Ele era, enfim... Ele é um soldado, e seus deveres estão cravados em sua farda. Contudo, creio que ele me amava. Ele me trouxe raridades de terras estrangeiras, o que prova, de alguma maneira, que ele pensara em mim durante suas ausências. Posso sentar-me e medir a profundidade de seu amor perdido agora, por padrões como estes. — ela respirou profundamente. — Nunca pensei se ele me amava ou não, porque este sentimento de pai e filho é natural, como o ar que se respira. Ele era muito insensato, e, uma ou duas vezes, ouvi um sussurro entre os criados, de que uma desgraça estava sobre seus ombros, e sabendo disso, ele tentou afogar suas mágoas no vinho. Assim, cresci nesta grande mansão solitária. Tudo em minha volta parecia estar à minha disposição, e penso que todos me amavam. Eu os amava também. Cerca de dois anos atrás, lembro-me bem...

Eu permaneci calado, e ela continuou:

— Meu pai voltara para a Inglaterra para nos ver, e ele parecia orgulhoso e satisfeito comigo e com tudo o que eu fizera em sua ausência. Um dia, que sua língua parecia solta pelo vinho, ele me disse muitas coisas que eu não sabia até então. — ela deu um suspiro e prosseguiu. — Ele amava muito minha mãe, e sem intenção, causou a sua morte. Sentia-se culpado, mas, que desejava viajar comigo para que ficássemos mais próximos. Então, ele pareceu mudar, de repente, e disse de uma maneira estranha e cruel, que eu não devia acreditar no que ele dizia. Porque era absurdo afirmar tal coisa, porque havia muitas coisas que ele amava mais que eu, seu cavalo, seu cão e não sei mais o quê.

Perplexo, fiquei ouvindo Lucy contar a história, e ela seguiu sua fala triste:

— Na manhã seguinte, quando entrei em seu quarto para pedir a sua bênção, como era meu costume, ele me recebeu com palavras rudes e furiosas. Porque eu havia pisoteado nas plantas dos canteiros, todas dispostas com os famosos bulbos holandeses que ele trouxera da Holanda. Porém, eu não saíra de casa naquela manhã, e eu não podia entender o que ele queria dizer. Falei que não colocara os pés para fora de casa naquela manhã e ele afirmou que eu estava mentindo. Disse que eu não era de seu sangue, uma vez que, ele me viu fazendo todas aquelas travessuras. O que eu podia dizer? Ele não me escutava, e até mesmo minhas lágrimas pareciam irritá-lo. Aquele dia foi o início da minha grande tristeza. Pouco tempo depois, ele me censurou por minha familiaridade indevida, que eu era uma mulher inapropriada com meu noivo. Porque eu tivera no estábulo, rindo e conversando com o meu noivo, disse ele. Não fui ao estábulo, porque tenho medo de cavalos. Ele teve como prova os seus servos, aqueles que ele trouxe de partes estrangeiras, e que eu sempre evitava, e jamais mencionei nenhuma palavra, exceto com uma senhora para passar os recados de meu pai. Meu pai me chamou por nomes dos quais não sei o significado, mas meu coração me disse que esses nomes eram uma vergonha para qualquer mulher honesta, e a partir daquele dia, ele se voltou contra mim. Poucas semanas após este incidente, ele entrou com um cavalo na mão, e, acusando-me duramente de atos perversos contra o animal. Ele estava prestes a me bater com seu chicote, e eu, aos prantos, estava pronta a aceitar as chibatadas, porque, elas, por certo, me machucariam menos que as palavras dele, no entanto, ele parou seu braço no meio do caminho, ofegante e cambaleante, e gritou que eu era amaldiçoada. Olhei aterrorizada, sem entender.

Meus olhos não pestanejavam enquanto Lucy continuava falando:

— No grande espelho oposto, me vi, e logo atrás, outro eu perverso, tão parecido comigo, que a minha alma parecia tremer dentro de mim, como se não soubesse a qual semelhança o corpo pertencia. Meu pai viu meu duplo eu, no mesmo instante, no reflexo do espelho, mas, o que veio daquele momento eu não posso dizer, pois, desmaiei, e quando voltei a mim, estava deitada em minha cama, e a fiel Clarke sentada ao meu lado. Fiquei na minha cama durante dias, e mesmo quando estava deitada ali, meu duplo eu era visto por todos, correndo por toda parte, na casa e nos jardins, sempre fazendo algum trabalho malicioso ou detestável. Todos tinham em seus olhos, o pavor. Meu pai me levou para longe, porque eu era uma vergonha muito dura para ele suportar. A Senhora Clarke veio comigo, e aqui tentamos viver uma vida de indulgência e oração para que Deus tenha piedade de mim.

Todo o tempo que ela falou, eu carregava a sua história em minha mente. Até então, eu colocara casos de bruxaria de um lado, como meras superstições, e meu tio e eu tivemos muitas discussões, ele se apoiando na opinião de seu bom amigo Senhor Matthew Hale.

No entanto, isto soou como a história de um enfeitiçado, ou foi apenas, o efeito de uma vida de extrema reclusão caindo sobre os nervos de uma menina sensível. Meu ceticismo me inclinou para esta última possibilidade, e quando ela fez uma pausa, eu disse:

— Creio que algum médico ajudaria vocês, se o seu pai tivesse o chamado, ao invés de abandonar você.

Naquele instante, em pé, como eu estava em sua frente, na plena e perfeita luz da manhã, vi atrás dela outra figura, uma semelhança horripilante, completa em similaridade, até onde a forma, a característica e o toque minucioso do vestido podiam ir, entretanto, com uma alma demoníaca e odiosa, olhando para fora dos olhos cinzentos, que, por sua vez, estavam zombando de mim.

Meu coração parou e cada fio de cabelo se arrepiou, minha carne rastejou de horror por baixo da minha pele. Eu não podia ver o rosto e os carinhosos olhos de Lucy, meus olhos estavam fascinados pela criatura do além.

Não sei o motivo, contudo, estendi a minha mão para agarrá-la, não agarrei nada além de ar vazio, e todo o meu sangue coalhou de temor. Por um momento não pude ver, e quando a minha visão voltou, vi Lucy, de pé diante de mim, sozinha e pálida.

— A Coisa está perto de mim? — perguntou Lucy.

O som parecia retirado de sua voz, era rouco como as notas de um velho piano quando as cordas deixavam de vibrar.

Ela leu a resposta em meu rosto, suponho, visto como, não consegui falar. Seu olhar era de medo intenso, no entanto, Lucy se manteve em um aspecto de paciência muito humilde. Ela parecia forçar-se a olhar por trás de mim, encarando o horizonte ao redor, avistando os campos roxos de urze[13], as colinas azuis distantes, cobertas pela luz do sol.

— Deve ir para casa! — sussurrou ela, mansamente.

A peguei pela mão, e a guiei silenciosamente até as flores de urze e não ousamos falar, já que, não podíamos conversar com aquela coisa nos vigiando, que esperava qualquer falha em nossas falas para aflorar uma discussão.

Eu amava Lucy ainda mais carinhosamente, e essa era a indescritível miséria que me rondava: a ideia dela estar se tornando tão absurdamente misturada com o pensamento da Coisa.

Ela queria compreender o que eu estava sentindo.

Ela soltou a minha mão, que até então segurara apertada, quando chegamos ao portão do jardim, e Lucy voltou seus olhos para a ansiosa amiga, que estava parada junto à janela, esperando-a.

Eu precisava de silêncio, não sabia o que fazer para me livrar da sensação de presença daquela criatura. Mas, demorei no jardim, não sei a razão, em parte, suponho, porque temia encontrar novamente a semelhança de Lucy em sua versão demoníaca, que desaparecera, enquanto caminhávamos, em outra parte, pelo sentimento de compaixão de Lucy.

Em poucos minutos, a Senhora Clarke apareceu e se juntou a mim. Andamos alguns passos em silêncio.

— Agora você sabe tudo! — ponderou solenemente.

— Vi a Coisa! — respondi com um sussurro.

— Você vai se afastar de nós, por certo. — afirmou com uma desesperança que despertou em meu coração, tudo o que era corajoso e bom em mim.

— Nem um bocadinho! — assegurei. — A carne humana encolhe quando se encontra com os poderes das trevas, e, por alguma razão desconhecida para mim, a pura e santa Lucy é sua vítima!

— Os pecados dos pais são colocados sobre os filhos. — raciocinou a velha amiga de Lucy.

— Quem é seu pai? — perguntei. — Diga-me, senhora! Diga-me tudo o que puder lembrar a respeito desta perseguição demoníaca que Lucy sofre.

— Vou dizer, mas, não agora. Devo cuidar de Lucy! Venha, à tarde! Falarei com o senhor, sozinha. Espero que você ainda possa encontrar alguma maneira de nos ajudar neste grande problema.

Eu estava miseravelmente exausto com o acontecimento e, os pensamentos em torno disso tomaram posse de mim.

Quando cheguei à pousada, cambaleei como um bêbado após tomar um barril de vinho. Fui para meu quarto.

Depois de algum tempo, vi que o correio semanal chegara, e me deixou cartas na porta. Havia uma, de meu tio, outra de minha casa em Devonshire, e a terceira, redirecionada sobre o primeiro endereço, selada com um grande brasão, era de Senhor Philip Tempest.

Minha carta de inquérito a respeito de Mary Fitzgerald chegara a ele em Liége, onde conheceu o Conde de La Tour d'Auvergne.

Ele se lembrou das conversas de sua falecida esposa com a criada, sobre um cavalheiro inglês. A condessa previu o mal das intenções dele, enquanto Mary, orgulhosa e veemente, afirmou que ele logo casaria com ela, e ressentiu-se das advertências de senhora, como um insulto.

A consequência foi que Mary deixara o serviço da Condessa de La Tour d'Auvergne e, como o Conde acreditava, fora morar com o inglês, e, se ele casara com ela ou não, ele não podia dizer.

“Mas...” acrescentou o Senhor Philip Tempest na carta:

“Você pode facilmente ouvir do próprio inglês, quais detalhes você deseja saber a respeito de Mary Fitzgerald, se, como suspeito, ele não for outro, senão meu vizinho e antigo conhecido, Senhor Gisborne, de Skipford Hall. Sou levado a crer que o inglês e o Senhor Gisborne são a mesma pessoa, por vários detalhes, nenhum deles conclusivos, mas que, tomados em conjunto, fornecem boas provas presuntivas. Até onde pude perceber, pela pronúncia estrangeira do Conde, Gisborne era o nome do inglês. Sei que Gisborne de Skipford estava no exterior e no serviço estrangeiro naquela época e, certas expressões recorrentes em minha mente, surgem de que ele usou algumas referências à velha Bridget Fitzgerald, de Coldholme, que uma vez ele encontrou, enquanto estava comigo no Solar Starkey. Lembro que o encontro produzira algum efeito extraordinário em sua mente, como se, de repente, ele tivesse encontrado alguma conexão com ela de uma vida anterior. Peço-lhe que me avise, se eu puder lhe prestar mais algum serviço. Seu tio, uma vez me prestou um bom serviço, e terei prazer em retribuí-lo, na medida do possível ao seu sobrinho.”

Assim, eu estava aparentemente perto da descoberta que havia me esforçado por tantos meses para alcançar. Mas, o sucesso perdera o entusiasmo. Pousei minhas cartas, e parecia esquecê-las ao pensar na manhã que eu passara naquele mesmo dia.

Nada era real, a não ser a presença irreal, que pousara sobre mim, como uma explosão maligna através dos meus olhos corporais, e se queimou sobre o meu cérebro.

O almoço chegou, e foi embora sem que eu tivesse ânimo para tocá-lo.

No início da tarde, caminhei até a casa da fazenda.

Encontrei a Senhora Clarke sozinha. Fiquei contente e aliviado. Ela estava evidentemente preparada para me dizer tudo o que eu desejava ouvir.

— Você me pediu o verdadeiro nome da senhora Lucy. Seu sobrenome é Gisborne! — começou ela.

— Não pode ser! Você afirma assim, que é Gisborne de Skipford? — exclamei sem fôlego e com expectativa.

— Exatamente! Seu pai é um homem notável, embora, sendo católico romano, ele não possa assumir essa posição neste país pela condição que lhe dá direito. A consequência disso, é que ele vive muito no exterior. Foi um soldado, me disseram.

— E a mãe de Lucy? — perguntei.

Ela balançou a cabeça.

— Nunca a conheci. — garantiu. — Lucy tinha cerca de três anos quando fui tomar conta dela. A mãe dela estava morta.

— Mas, você sabe o nome dela... Você pode dizer se foi Mary Fitzgerald?

Ela parecia espantada.

— Esse era o nome dela. Mas, senhor... Como sabe? Foi um mistério para toda a família na corte de Skipford. Ela era uma jovem e bela mulher, que ele atraiu para longe de seus protetores, enquanto ele estava no exterior. Ouvi dizer que ele praticou algo terrível, e quando ela descobriu isso, ela não conseguiu suportar, se jogou em um riacho e morreu afogada. Isso o deixou em profundo remorso, porém, eu costumava pensar que a lembrança da morte cruel da mãe, o fazia amar a criança.

Eu lhe disse tão brevemente quanto podia, sobre as minhas pesquisas em torno do descendente e herdeiro dos Fitzgerald de Kildoon, e acrescentei algo do meu antigo espírito de advogado, que voltara a mim por um momento, que não tinha dúvidas, mas que deveríamos provar que Lucy tinha por direito, grandes propriedades na Irlanda.

Nenhuma expressão passou por seu rosto melancólico, e nenhuma luz em seus olhos.

— O que importa toda a riqueza do mundo para aquela pobre garota? — resmungou. — Isso não a libertará da maldição horrível que a persegue! Quanto ao dinheiro... Que coisa lamentável! Ele não pode tocá-la, ela não precisa de dinheiro, mas, paz!

— A criatura maligna não pode mais prejudicá-la! — confirmei. — A natureza sagrada de Lucy que nela habita, não pode ser contaminada ou manchada por todas as artes demoníacas que a açoitam.

— É verdade! Entretanto, é um destino cruel saber que todos terão medo dela, mais cedo ou mais tarde.

— Como isso começou? — perguntei.

— Não sei! Há rumores antigos, falados a boca pequena, na casa em Skipford.

— Diga-me! — exigi.

— Os rumores surgiram da boca dos criados, que espalhavam tudo o que ouviam atrás das portas. Dizem que, há muitos anos, o Senhor Gisborne matou um cão pertencente a uma velha bruxa em Coldholme, que ela o amaldiçoou, com uma praga terrível e misteriosa. A tal praga era sobre que ele cuidaria de alguém ou algo, com amor e devoção, e ele a perderia. Essas palavras o atingiram tão profundamente, que seu coração, durante anos, se manteve distante de qualquer tentação de amar alguém ou alguma coisa. Mas, quem poderia o ajudar a amar Lucy?

— Você nunca ouviu o nome da bruxa? — indaguei.

— Sim. Eles a chamaram de Bridget! Eles disseram que ele nunca mais se aproximou do local onde a mulher morava.

— Escute... — falei, pegando o braço dela para melhor prender a sua atenção. — Se o que suspeito é verdade, aquele homem roubou a única filha de Bridget, Mary Fitzgerald, a mãe de Lucy. Se assim for, Bridget o amaldiçoou na ignorância do mal profundo que ele fizera a ela. Neste instante, ela anseia por sua filha perdida e questiona os santos se a pobre menina está viva ou não. As raízes dessa maldição são mais profundas do que possamos imaginar. Ela, sem perceber, o amaldiçoou involuntariamente por uma culpa mais profunda que a de matar um cãozinho. Os pecados dos pais são, de fato, colocados sobre os filhos.

— Mas... — questionou a Senhora Clarke. — Ela deixaria o mal descansar em sua própria neta? Certamente, senhor, se o que o diz é verdade, há esperanças para Lucy. Vá imediatamente ao encontro dessa mulher e conte para essa pobre mãe tudo o que você suspeita, e suplique para que tire o feitiço que ela lançou sobre sua neta inocente.

Pareceu-me, de fato, que algo assim era o melhor caminho para seguir. Porém, primeiro era necessário averiguar mais que meros rumores descuidados.

Meus pensamentos se voltaram para meu tio, ele podia me aconselhar sabiamente. Resolvi ir até ele sem demora, mas, não optei por contar à Senhora Clarke todos os planos visionários que me passaram pela cabeça.

Simplesmente declarei minha intenção de seguir para Londres para cuidar dos assuntos de Lucy.

Fiz com que ela acreditasse que meu interesse pela jovem era maior que nunca, e que meu tempo seria entregue à sua causa.

Vi que a Senhora Clarke desconfiava de mim, porque minha mente estava muito cheia de pensamentos para que minhas palavras fluíssem livremente. Ela suspirou, balançou a cabeça, e disse:

— Bem... Está tudo bem!

Seu tom de voz parecia uma reprovação implícita, mas, consegui colocar confiança em seus olhos receosos.

Cavalguei para Londres, por longos dias, atraído pelas lindas noites de verão e não consegui descansar.

Cheguei em Londres e contei tudo ao meu tio, embora, na agitação da grande cidade, o horror tivesse desaparecido, e eu mal podia imaginar que ele acreditaria no relato que fiz do temível duplo de Lucy, que havia visto.

Mas meu tio vivera muitos anos e aprendido muitas coisas, e, nos profundos segredos de muitas histórias que lhe foram confiadas, ele ouvira falar de casos de inocentes amaldiçoados e possuídos por espíritos malignos, ainda mais temerosos que o de Lucy.

Como ele disse, a julgar por tudo que afirmei, essa semelhança não tinha poder sobre Lucy, ela era muito pura e boa para ser manchada por uma presença maligna e assombrosa.

Tinha essa Coisa, provavelmente, como o meu tio afirmou, tentado sugerir pensamentos malignos e arriscar ações perversas, mas Lucy, em sua santidade de donzela, passara ilesa por pensamentos ou atos maléficos.

A Coisa não podia tocar sua alma.

Meu tio atirou-se com uma energia brutal em consideração ao caso.

Ele juntou as provas que tínhamos da descendência de Lucy, e se ofereceu para ir e conversar com o Senhor Gisborne, para obter as provas legais da descendência dos Fitzgerald de Kildoon, e ouvir tudo o que pudesse para ajudar na retirada da maldição.

Meu tio desejava encontrar alguém que tivesse meios para exorcizar aquela aparência terrível. Uma vez que, ele me falou de casos em que, através de orações e jejuns longos, o malvado possuidor fora empurrado, com uivos e muitos gritos, para fora do corpo que habitara por muito tempo.

Falou daqueles estranhos casos da Nova Inglaterra que aconteceram não muito antes, do Senhor Defoe, que escrevera um livro, no qual ele nomeara muitos modos de subjugar aparições, e enviá-los de volta para onde surgiram, e, por último, falou baixo sobre as formas terríveis de obrigar bruxas a desfazer suas feitiçarias.

Neste ponto, eu não podia suportar ouvir falar dessas torturas e queimaduras. Eu disse que Bridget era uma mulher sofrida, infeliz e sem esperança, jamais uma bruxa maligna.

Lucy era sua neta.

Eu não permitiria que colocasse à prova, pela água ou pelo fogo, torturando, talvez até a morte, a ancestral de Lucy que procuramos por tanto tempo.

Meu tio pensou um pouco, e concordou que neste último assunto, eu estava certo, e aceitou a minha proposta de que eu fosse ver Bridget, e lhe contasse tudo.

De acordo com isto, desci mais uma vez para a pousada perto de Coldholme.

Era tarde da noite quando cheguei lá, perguntei ao dono da pousada mais detalhes sobre os caminhos de Bridget.

Solitária e grosseira era a sua vida por muitos anos. Rudes e arbitrárias eram suas palavras e modos para aquelas poucas pessoas que surgiam em seu caminho.

Ele falou que se essas pessoas a agradassem, elas prosperavam, mas se, negligenciassem ou passassem por cima de seus pedidos, a desgraça, pequena ou grande, caía sobre elas e sobre seus filhos. Ela os fazia temer.

Pela manhã, fui vê-la.

Ela estava de pé na relva, do lado de fora de seu chalé, e me recebeu com a grandeza sombria de uma rainha sem trono.

Li em seu rosto que me reconheceu, e que eu não era indesejável, no entanto, ela ficou em silêncio até que eu tivesse aberto meu recado.

— Tenho notícias de sua filha! — comecei.

Resolvi ser direto para não dar falsas esperanças, além das que ela já se habituara a ter.

— Ela está morta! — afirmei, sem pestanejar.

A figura austera quase não tremia, mas sua mão procurava o apoio no batente da porta.

— Eu sabia que ela estava morta... — resmungou com voz profunda e sussurrada, depois ficou em silêncio por um instante. — Minhas lágrimas que deveriam ser o pranto da despedida, foram queimadas há muitos anos! Oh! Jovem, fale-me sobre ela!

— Preciso questionar primeiro... — ponderei, com a coragem em encarar seus olhos, sabendo de todas as falsas bruxarias que caíam sobre ela. — Você teve, uma vez, um cãozinho?

— Eu tinha! Era dela, da minha filha. A última coisa que eu tinha dela. O pobrezinho foi baleado. Morreu em meus braços. O homem que matou meu pobre cachorro, por certo, lamenta o feito até hoje. Pelo sangue do pobre cão, a pessoa que ele mais ama está amaldiçoada!

Seus olhos se distenderam, como se ela estivesse em transe, como se uma força falasse sobre a sua maldição.

Novamente, falei:

— Oh! Mulher! Aquela que ele mais ama, que está amaldiçoada diante dos homens por você, é a filha de sua filha morta!

A vida, a energia e a paixão voltaram aos olhos com os quais ela me fitou, para ver se eu falava a verdade. Então, sem outra pergunta ou palavra, ela se jogou no chão com temível veemência, e se agarrou às margaridas na entrada do chalé com as mãos trêmulas.

— Ossos dos meus ossos! Carne da minha carne! Amaldiçoei aquele maldito e és tu, carne minha que está amaldiçoada?

Ela gemeu, enquanto se prostrava em sua grande agonia.

Fiquei horrorizado.

Seu lamento por descobrir que a maldição repousava sobre a sua neta, a fez agonizar diante de mim e meu medo cresceu, porque se ela morresse ali, Lucy ficaria amaldiçoada para sempre.

Neste momento, vi Lucy, andando apressadamente pela trilha da floresta que levava ao chalé de Bridget, e a Senhora Clarke estava com ela. Foi quando o olhar dela encontrou o meu.

Meu coração acelerou ao ver seu olhar de paz amena sendo enviando para mim, enquanto ela avançava lentamente.

Era uma surpresa feliz, brilhando de seus olhos suaves e silenciosos.

Quando o olhar dela caiu sobre a mulher de joelhos, agonizando sobre a terra, eles se tornaram cheios de ternura, e ela se aproximou para tentar levantá-la.

Lucy sentou no gramado e levou a cabeça de Bridget para o seu colo. Com toques suaves, ela tocou os cabelos brancos desgrenhados da pobre avó.

— Deus a ajude! — murmurou Lucy. — Como sofre!

Ao seu desejo, buscamos água, mas quando voltamos, Bridget recuperara seus sentidos errantes e ajoelhada, com as mãos apertadas diante de Lucy, contemplando aquele doce rosto triste, como se sua natureza perturbada pudesse ter paz enquanto admirava a sua neta.

Um leve toque de Bridget nas bochechas pálidas da neta revelou que Lucy estava consciente sobre os fatos, e também, que sabia de sua influência benéfica sobre a mulher sofrida e perturbada, que se ajoelhava diante dela, e, que não evitaria seus olhos amorosos e tímidos dentro daquele semblante enrugado e descuidado.

De repente, em um piscar de olhos, a Coisa apareceu ali, atrás de Lucy, com aquele semblante demoníaco de sempre, ajoelhando-se exatamente como Bridget, e apertando as mãos em mímica irônica, como Bridget apertou as de Lucy em seu êxtase, que se aprofundava em uma oração.

A Senhora Clarke gritou.

Bridget levantou-se lentamente, e seu olhar fixou-se na criatura do além, respirando fundo diante da Coisa, sem mover seus olhos firmes como pedra. Ela esticou seu braço até o fantasma, e pegou, como eu fizera antes, um mero punhado de ar vazio.

Não vimos mais a criatura, ela desapareceu tão repentinamente quanto veio, porém, Bridget ainda olhava para o vazio.

Lucy ficou quieta, branca, tremendo, e creio que ela desmaiaria se eu não tivesse lá para segurá-la.

Enquanto eu estava cuidando dela, Bridget passou por nós, sem dizer uma palavra, entrando em seu chalé.

Todos os nossos esforços foram direcionados para levar Lucy de volta à casa onde ela ficara na noite anterior.

A Senhora Clarke me disse que sem notícias minhas, ela se apavorara. Impaciente e desesperada, ela convidara Lucy para buscar sua avó, não lhe contando, de fato, a terrível reputação que a avó possuía, e que isso prejudicara efetivamente Lucy, mas, ao mesmo tempo, a Senhora Clarke confiava na remoção da maldição.

Elas chegaram por um caminho diferente daquele que eu tomara.

Durante o meio-dia, percorri o emaranhado de madeira da velha floresta negligenciada, pensando aonde recorrer para remediar um assunto tão complicado e misterioso.

Conhecendo um compatriota no caminho, perguntei onde o clérigo mais próximo estava e fui, na esperança de obter algum conselho dele. Mas, ele provou ser um homem grosseiro e de mente ordinária, não dando tempo ou atenção as minhas explicações e oferecendo uma opinião forte envolvendo uma ação imediata contra Bridget.

Por exemplo, assim que mencionei o nome de Bridget Fitzgerald, ele exclamou:

— A Bruxa Coldholme! O protestante irlandês! Há muito tempo que eu teria a matado, entretanto, aquele outro protestante, Senhor Philip Tempest me parou. Ele teve que ameaçar as pessoas honestas desta vila, repetidas vezes, ou eles a teriam levado perante os juízes devido aos seus atos negros. E, é a lei da Terra, que as bruxas devem ser queimadas! Ah! E da Escritura também, senhor! No entanto, veja! Se o protestante é rico, ele pode anular tanto a lei quanto a Escritura. Eu carregaria este monstro até a fogueira para livrar o país dela!

Tal pessoa não poderia me dar nenhuma ajuda.

Preferi retirar o que já falara, e tentei fazer o pastor esquecer a conversa, tratando de oferecer várias cervejas, na pousada do vilarejo, na qual tínhamos nos encontrado por sugestão dele.

Deixei-o assim que pude, e voltei para Coldholme, moldando meu caminho para o solitário Solar Starkey, e chegando do lado de lá, estavam os restos do antigo fosso, cujas águas estavam plácidas e imóveis sob os raios rubros do sol poente, com as árvores da floresta deitadas ao longo de cada lado, com suas folhagens verdes, tão profundas, espelhadas até a escuridão na superfície afável do fosso abaixo, e o sol marcando a extremidade mais próxima do salão.

Avistei a garça, de pé sobre uma perna, à beira da água, na procura preguiçosa de peixe, a casa solitária e desolada, escassa, de janelas quebradas e ervas-daninhas na soleira da porta, a persiana quebrada, batendo suavemente na brisa crepuscular, para preencher o quadro de deserção e decadência.

Observei o lugar até que a escuridão crescente me avisou sobre que devia mover meus pés. Então, passei pelo caminho, cortado do Solar Starkey, que me levou ao chalé da Bridget.

Resolvi imediatamente vê-la, e, apesar das portas fechadas, ela deveria me receber. Bati à porta, gentilmente.

Não houve resposta, então, bati mais forte com tanta intensidade, que as velhas dobradiças cederam, e com um estrondo, a porta caiu para dentro, deixando-me cara a cara com Bridget, vermelha e agitada com seus olhos tão perplexos.

Ela estava de pé, bem de frente para mim, rígida como qualquer pedra, seus olhos dilatados de terror, seus lábios cinzentos tremendo, mas, seu corpo estava imóvel.

Em suas mãos, ela segurava seu crucifixo, como se por aquele símbolo sagrado, ela tentasse negar a minha entrada.

Rapidamente toda sua expressão relaxou e ela sentou-se de volta em uma cadeira. Alguma forte tensão cedera dentro dela. Seus olhos ainda olhavam temerosamente para a escuridão do ar exterior, contornada opacamente pelo brilho da lamparina perto dela, que ela colocara diante da imagem da Virgem.

— Ela está com você? — perguntou Bridget, rouca.

— Não! Quem? Estou sozinho! Você se lembra de mim, certamente.

— Sim! — respondeu ela, ainda aterrorizada. — Mas ela, aquela criatura, tem me olhado através daquela janela o dia inteiro! — ela apontou para a janela e eu não tive coragem de olhar para trás. — Cobri a janela com meu xale e então, vi seus pés pela fresta da porta, e mesmo que fosse leve, eu sabia que ela ouvia a minha respiração... Não! Pior, ela ouvia as minhas orações! Ela pode ouvir as minhas orações! Eu mal podia rezar, pois, sua escuta sufocava as minhas palavras, antes que elas subissem aos meus lábios. Diga-me, quem é ela? O que significa aquela garota dupla que vi nesta manhã? Uma, tinha um olhar de minha Mary morta, mas, a outra, coagulou meu sangue, e mesmo assim, parece a mesma pessoa.

Ela havia se apoderado de meu braço, como se quisesse assegurar alguma companhia humana. Ela estremecia por toda parte de seu corpo, com o leve e incessante tremor de terror intenso.

Contei-lhe minha história, como a contei a você que agora lê as minhas palavras neste livro, não poupando nenhum dos detalhes.

Descrevi como a Senhora Clarke me informou que a Coisa fizera Lucy ser expulsa da casa de seu pai, e que eu não acreditara, até que eu avistara a outra Lucy, de pé atrás de minha Lucy, a mesma, em forma e característica, mas, com a alma-demônio olhando para fora dos olhos.

Eu disse para Bridget tudo, acreditando que ela, sabendo que sua maldição estava trabalhando na vida de sua neta inocente, era a única pessoa que podia encontrar o remédio e a redenção.

Quando terminei, ela ficou em silêncio por muitos minutos.

— Você ama a filha de Mary? — perguntou ela.

— Eu a amo, apesar desta terrível maldição. Eu realmente a amo! Escute! Todos estão se afastando dela, ela sofre. Oh! Bridget Fitzgerald! Afrouxe a maldição! Liberte sua neta!

— Onde ela está?

Avidamente fiquei com a ideia de que sua presença era necessária, para que, por alguma estranha oração ou exorcismo, o feitiço pudesse ser revertido.

— Irei e a trarei até você! — exclamei confiante, já me virando para correr na busca de Lucy, mas Bridget apertou o meu abraço.

— Não é assim ... — disse ela, com uma voz baixa e rouca. — Morrerei se avistar a minha neta novamente como a vi nesta manhã. Não posso morrer, devo viver até livrar a minha neta deste mal. Deixe-me! — falou e de novo, pegando a cruz. — Desafio o demônio! O chamei! Deixem-me lutar com ele! Vencerei!

Ela se levantou, como em um êxtase de inspiração, do qual todo o medo foi banido. Demorei a tomar a lucidez, até que ela me pediu para ir embora e acatei.

Ao longo do caminho pela floresta, olhei para trás, e a vi plantando a cruz na soleira da porta.

Na manhã seguinte, Lucy e eu fomos procurá-la, para convidá-la a unir suas orações às nossas.

Mas, o chalé estava aberto e abandonado. Nenhum ser humano estava lá, a cruz permaneceu na soleira, mas, Bridget se foi.


Capítulo 3

O que deveria ser feito em seguida?

Foi a pergunta que me fiz.

Quanto à Lucy, ela se entregara ao destino que lhe estava reservado. Sua gentileza e piedade, sob a pressão de uma vida tão horrível, me pareceram excessivamente passivas.

Ela nunca reclamou.

A Senhora Clarke reclamava mais do que nunca.

Quanto a mim, eu estava mais apaixonado pela verdadeira Lucy, entretanto, me amedrontava perceber que seu amor por mim era semelhante, com uma intensidade proporcional ao meu amor.

Descobri, por instinto, que a Senhora Clarke tinha um desejo em deixar Lucy e tomar a sua vida nas mãos finalmente. Os nervos da boa senhora foram abalados e, pelo que ela disse:

“A Coisa queria me afastar dela.”

Lucy ganhara a confiança das crianças da vila de Coldholme.

A Senhora Clarke e ela, decidiram ficar lá, uma vez que, não era um lugar tão bom quanto qualquer outro para tais como elas?

As nossas tênues esperanças repousaram sobre Bridget, mas nunca vimos ou ouvimos falar dela, mesmo assim, confiávamos em sua volta, ou que ela daria um sinal de onde estava.

Então, como digo, uma após outra, as crianças pequenas vieram até a minha Lucy, conquistadas por seu tom suave, seu sorriso e suas ações gentis.

Então, quando tudo parecia calmo, uma após outra, elas se afastaram de Lucy, com um terror que as amedrontava, e percebemos o motivo.

Eu não podia mais suportar isso.

Resolvi voltar para Londres na tentativa de descobrir alguma maneira de quebrar a maldição.

Meu tio, entretanto, tomara todos os testemunhos necessários relativos à ascendência e nascimento de Lucy, dos advogados irlandeses, e do Senhor Gisborne. Este último cavalheiro escrevera para meu tio, porque estava no exterior, servindo ao exército austríaco.

Ele escrevera uma carta alternadamente repreensiva para si. Era evidente que ele pensara em Mary, em sua curta vida, em como ele a prejudicara e que resultou em sua violenta morte. Ele dificilmente encontrou palavras suficientemente severas por sua conduta, e deste ponto de vista, a maldição que Bridget colocara sobre ele, foi considerada uma desgraça profética, à qual a maldição foi movida por um Poder Superior, trabalhando para o cumprimento de uma vingança mais profunda que a morte do pobre cão.

Novamente, quando ele veio a falar de sua filha, a repugnância que a conduta da criatura demoníaca produzira em sua mente, estava mal disfarçada sob uma demonstração de profunda indiferença quanto ao destino de Lucy.

Quase se podia sentir que ele ficara contente ao saber que a Coisa estava longe de Lucy, como se tivesse destruído algum réptil nojento que invadira seu quarto ou seu sofá.

A grande propriedade de Fitzgerald era de Lucy agora, e tudo isso não foi nada.

Meu tio e eu sentamos na escuridão de uma noite de novembro em Londres, em nossa casa na Rua Ormond.

Eu estava sem saúde, e me sentia como se estivesse em um ciclo destrutível de miséria.

Escrevíamos, Lucy e eu, um ao outro, mas isso foi pouco, e não ousamos nos ver por medo da Coisa.

Meu tio pedira que orações fossem feitas no sábado seguinte, em muitas igrejas e casas de reunião em Londres, seus votos eram para uma pessoa gravemente atormentada por um espírito maligno.

Ele tinha fé nas orações, eu não tinha nenhuma.

Eu estava rapidamente perdendo a fé em todas as coisas, de fato.

Então, sentados, ele tentando colocar algum interesse na velha conversa de outros dias, e eu, oprimido por um pensamento, o velho servo, Anthony, abriu a porta, e, sem falar, nos apresentou um homem muito cavalheiro, que tinha algo notável em suas vestes, era um padre católico romano.

Ele olhou para meu tio primeiro, depois para mim, e se curvou.

— Não dei meu nome. — disse ele. — Porque o senhor dificilmente reconheceria tal nome, a menos que, senhor, quando, no Norte, ouvisse sobre o Padre Bernard, o padre de Stoney Hurst...

Lembrei-me depois, que ouvira falar dele, mas na época, eu esquecera completamente e, por isso, me declarei um completo estranho para ele, enquanto, meu sempre hospitaleiro tio, apesar de odiar um padre tanto quanto era de sua natureza odiar qualquer coisa, colocou uma cadeira para o visitante, e pediu que Anthony trouxesse seus óculos, e um jarro de vinho fresco.

O Padre Bernard recebeu a cortesia com a graciosa facilidade e o agradável reconhecimento que pertence a um homem do mundo.

Então, ele se voltou para me examinar com seu olhar aguçado.

Depois de uma conversa intensa, iniciada de sua parte, estou certo, com a intenção de descobrir em que termos de confiança eu estava com meu tio, ele fez uma pausa, e disse:

— Sou enviado até aqui com uma mensagem para você, senhor, de uma mulher a quem você comprovou sua bondade, e que é uma de minhas penitentes em Antuérpia. Por certo, conhece Bridget Fitzgerald!

— Bridget Fitzgerald! — exclamei. — Em Antuérpia? Diga-me, senhor, tudo o que sabe sobre ela!

— Há muito a ser dito... — respondeu ele. — Mas posso perguntar se este senhor, se seu tio conhece os detalhes dos quais, você e eu estamos informados?

— Tudo o que sei, ele sabe! Fique tranquilo em relação a isso! — respondi, colocando minha mão no braço do meu tio, enquanto ele fazia um movimento como se quisesse sair da sala.

— Tenho que falar diante de vocês, nobres senhores, por mais que difiram de mim na fé. Creio que estão impressionados com o fato que existam poderes malignos, que vão continuamente tomar os nossos pensamentos. Tal é minha teoria sobre a natureza desse pecado, que não ouso desacreditar como alguns céticos fazem. Falo sobre o pecado da bruxaria! Este pecado mortal, você e eu sabemos, Bridget Fitzgerald é culpada. Desde que você a viu pela última vez, muitas orações foram oferecidas em nossas igrejas, muitas missas cantadas e penitências sofridas, para que, se Deus e todos os santos assim o quisessem, seu pecado pudesse ser apagado. Mas, não foi assim que Deus quis!

— Explique-me! — reclamei. — Quem você é, e qual é a sua relação com Bridget? Por que ela está em Antuérpia? Peço-lhe, senhor, que me diga mais! Se estou impaciente, desculpe-me! Mas, estou doente e febril e, em consequência, desnorteado.

Havia algo inexpressivamente reconfortante no tom de voz com o qual ele começou a narrar, como se fosse desde o início, um conhecido de Bridget.

— Conheci o Senhor e a Senhora Starkey durante sua residência no exterior, por isso, naturalmente que, quando vim como padre dos Sherburnes, em Stoney Hurst, nossa amizade foi renovada, e assim, me tornei o confessor de toda a família. E, isolados como eles eram dos escritórios da Igreja, sendo Sherburne seu vizinho mais próximo que confessou a verdadeira fé. É claro que você sabe que os fatos revelados na confissão são selados como no túmulo, mas, aprendi o suficiente sobre o caráter de Bridget para estar convencido de que ela não era uma mulher comum, ela era poderosa para o bem como para o mal. Acredito, que fui capaz de dar-lhe assistência espiritual de tempos em tempos. Ela me olhou como um servo daquela Santa Igreja, que tem um poder tão maravilhoso de mover o coração dos homens e aliviá-los do fardo de seus pecados. Ela cruzava os bosques nas noites mais selvagens da tempestade, para confessar e ser absolvida, e então, ela voltava, acalmada e subjugada, ao seu trabalho diário. Ninguém sabia onde ela estava durante as horas em que eles dormiam em suas camas. Após a partida de sua filha, após o misterioso desaparecimento de Mary, tive que impor muitas penitências longas, de modo a lavar o pecado de arrependimento impaciente que a levava rapidamente à culpa mais profunda da blasfêmia. Ela partiu naquela longa jornada da qual, vocês possivelmente ouviram falar, aquela jornada infrutífera em busca de Mary, e durante sua ausência, meus superiores ordenaram meu retorno aos meus antigos deveres em Antuérpia, e por muitos anos, não ouvi mais falar de Bridget.

Ele deu uma pausa, bebeu o vinho, nos olhou e continuou:

— Não faz muitos meses, quando eu estava caminhando para a minha casa, à noite, ao longo de uma das ruas perto de Saint Jacques, que levavam até Meer Straet, vi uma mulher sentada de cócoras sob o santuário da Santa Mãe das Dores. Seu capuz estava sobre a sua cabeça, de modo que a sombra da lamparina acima de sua cabeça, caiu profundamente sobre seu rosto, e suas mãos foram apertadas ao redor de seus joelhos. Era evidente que ela era uma pessoa em apuros, e como tal, era meu dever parar e auxiliar. Naturalmente me dirigi a ela pela primeira vez, em dialeto mais simples, acreditando ser das classes mais baixas de habitantes. Ela balançou a cabeça, mas não olhou para cima. Depois, tentei o francês, e ela respondeu naquela língua, contudo, falando-a com tanta indiferença, que eu tinha certeza que ela era inglesa ou irlandesa, e consequentemente, falava com ela em minha própria língua nativa. Ela reconheceu a minha voz, pegou minhas vestes, arrastando-me diante do santuário abençoado, atirando-se no chão, e forçando-me, tanto por seu desejo evidente, quanto por sua ação, a ajoelhar ao seu lado, e ela exclamou: “Virgem Santa! Nunca me ouves, mas, o ouça, pois, o conheceis de outrora, que ele faz Vossa vontade, e se esforça para curar os corações partidos. Escutai-o!” ela se voltou para mim. “Ela o ouvirá, se você apenas rezar. Ela nunca me ouve. Ela e todos os santos no céu não podem ouvir minhas preces, pois, o Maligno leva as minhas preces para longe. Oh! Padre Bernard, reze por mim!”. A olhei e falei: “Rezarei, porque a Virgem Santa sabe de sua dor!”. Bridget me abraçou, ofegante, com avidez ao som de minhas palavras. Quando terminei, levantei-me e, fazendo o sinal da cruz sobre ela, no momento em que eu estava a abençoando em nome da Santa Igreja, ela se afastou como uma criatura aterrorizada, e disse: “Sou culpada de pecado mortal.”. A levantei, dizendo: “Levanta-te, minha filha! Venha comigo!”. Liderei o caminho para um dos confessionários de São Jaques.

Ele pausou, bebeu novamente e continuou a contar a história:

— Ela se ajoelhou, e escutei. Nenhuma palavra veio. Os poderes malignos a atormentaram, como ouvi dizer depois. Ela era muito pobre para pagar um exorcismo, e até então, aqueles padres que ela se dirigia, eram tão ignorantes do significado de seu francês quebrado, e irlandês-inglês, que a julgavam como uma louca. Sua maneira brutal poderia facilmente levar qualquer um a pensar em negligenciar o único meio de confessar seu pecado mortal e, após a devida penitência, obter a absolvição. Mas, eu conhecia Bridget fazia muito tempo, e sentia que ela era uma penitente enviada a mim. Descobri que ela estava em Antuérpia com o único propósito, o de se confessar diante de mim. Da natureza dessa temível confissão, estou proibido de falar. Muito disso você sabe, possivelmente. Resta agora, livrar-se da culpa mortal e libertar os outros das consequências. Nenhuma oração ou missa, jamais o fará, embora possam fortalecê-la com aquela força pela qual, somente atos do mais profundo amor e devoção podem ser realizados. Suas palavras de paixão e gritos de vingança, suas orações profanas nunca chegariam aos ouvidos dos santos! Outras forças os interceptaram e fizeram com que as maldições lançadas aos céus, caíssem sobre sua própria carne e sangue, e assim, essa desgraça esmagara seu coração. Daí em diante, seu antigo eu, será enterrado, sim... Enterrado rapidamente, se necessário! Ela se tornou uma Clarissa[14], por penitência perpétua e constante serviço aos outros, para que possa agir longamente de modo a obter absolvição final e descanso para sua alma. Até lá, os inocentes sofrerão. É para pleitear pelos inocentes, que venho até você, não em nome da bruxa, Bridget Fitzgerald, mas da penitente e serva de todos os homens, a Pobre Clarissa, a Irmã Madalena.

— Senhor! — gaguejei. — Escuto seu pedido com respeito. Só posso dizer-lhe que não é necessário me pedir, porque é meu dever fazer tudo o que posso em nome do meu amor por quem faz parte de minha vida. Se por algum tempo me ausentei dela, foi para pensar e buscar uma solução. Eu, um membro da Igreja inglesa, meu tio, um Puritano, rezo dia e noite pela libertação dela, e, as congregações de Londres, no próximo sábado, vão orar por uma desconhecida, para que ela se liberte dos Poderes das Trevas. Além disso, devo dizer-lhe, padre, que aqueles malvados não tocam a grande calma de sua alma. Ela vive sua vida pura e amorosa, incólume e sem manchas, embora, todos os homens a rejeitem. Eu gostaria de ter a fé dela!

Meu tio falou:

— Sobrinho... Parece-me que este senhor, embora, professando o que considero um credo errado, tocou no ponto certo ao convencer Bridget para agir no amor e misericórdia, e assim, apagar seu pecado de ódio e vingança. Esforcemo-nos, depois de nossa missa, para dar esmolas e visitar os necessitados sem pai, para tornar nossas orações aceitáveis. Enquanto isso, descerei para o Norte, e tomarei conta da mulher. Estou velho demais para me assustar com homem ou demônio. E que venha a Coisa, se quiser! Seremos protegidos pelo Altíssimo.

Meu tio era bondoso e corajoso, mas, o Padre Bernard pronunciou:

— O ódio não pode ser extinto em seu coração, todo o perdão cristão não pode entrar em sua alma, ou o demônio perderia seu poder! Você disse, creio, que a neta dela ainda estava atormentada?

— Ainda atormentada! — respondi, infelizmente, pensando na última carta da Senhora Clarke.

Ele se levantou sair.

Ouvimos depois que a sua vinda à Londres era uma missão política secreta em nome dos Jacobitas. No entanto, ele era um homem bom e sábio.

Meses e meses se passaram sem nenhuma mudança.

Lucy pediu ao meu tio para deixá-la onde ela estava. Porque ela acreditava, que se ela me visitasse, com sua temível companheira, para morar na mesma casa comigo, o meu amor não suportaria os repetidos choques aos quais eu estava condenado. Ela não desconfiava da força do meu afeto, mas sim, de uma espécie de simpatia piedosa pelo terror aos nervos que ela observou que a visita demoníaca causou em todos.

Eu estava inquieto e miserável. Me dediquei as boas obras, mas, as realizei sem espírito de amor, somente com a esperança de recompensa e pagamento, e assim, a recompensa nunca foi concedida.

Pedi uma licença longa para viajar e meu tio aceitou o pedido e eu saí, feito andarilho, sem destino, para me afastar de mim mesmo.

Um estranho impulso me levou até Antuérpia, apesar das guerras e comoção aflorarem nos Países Baixos.

Era um desejo, de viver algo diferente daquela dor que me rondava. Isso me levou à engrenagem da luta, que então se desenrolava com os austríacos.

As cidades da Flandres estavam tomadas, naquela época, por distúrbios civis e rebeliões, mantidas apenas pela força, e a presença de guarnições austríacas em todos os lugares.

Cheguei a Antuérpia, e procurei o Padre Bernard.

Ele estava fora do país e voltaria em um dia ou dois dias. Em seguida, perguntei o caminho do Convento das Clarissas, no entanto, só consegui ver as paredes escuras, reprimidas, cinzentas e fechadas pelas ruas estreitas, na parte mais baixa da cidade.

O homem, dono no albergue onde me instalei temporariamente, disse que se eu fora atingido por alguma doença odiosa, ou em caso de desespero de qualquer tipo, as Clarissas me levariam e ajudariam.

Ele falou que elas eram de uma ordem de misericórdia, da mais estrita espécie, vestindo-as com roupas simples, andando descalças, vivendo do que os habitantes de Antuérpia escolhiam conceder, e compartilhando aqueles fragmentos e migalhas, com os pobres e desamparados que se aglomeravam ao redor do convento, não recebendo cartas ou comunicação com o mundo exterior, totalmente mortas para tudo, exceto para aliviar o sofrimento dos outros.

Ele sorriu ao perguntar se eu consegui falar com uma delas, e me disse que elas estavam proibidas de falar, e mendigavam sua comida diária, e, enquanto ainda viviam, e alimentavam outros com o que era dado em caridade, deviam o fazer silenciosamente.

— Mas! — exclamei. — Supondo que todos os homens as esquecessem! Será que elas se deitariam e morreriam em silêncio, sem fazer sinal de sua dor?

— Se tal fosse a regra, as Clarissas o fariam de bom grado, mas seu fundador indicou um remédio para casos tão extremos, como você sugere. Elas têm um sino, mas é pequeno, como ouvi dizer, e ainda não foi tocado. Quando as Clarissas estiverem sem comida por vinte e quatro horas, elas podem tocar este sino e depois confiar em nosso bom povo de Antuérpia para apressar o resgate das Clarissas, que cuidaram tão bem de nós em todas as nossas mazelas.

Parecia-me que tal resgate chegaria tarde, mas, eu não disse o que pensava.

Preferi mudar a conversa, perguntando ao homem se ele sabia ou já ouvira algo sobre Irmã Madalena.

— Sim! — confirmou ele, um pouco sob seu fôlego. — As notícias se espalham. A Irmã Madalena ou é uma grande pecadora, ou uma grande santa! Ela faz mais, como ouvi dizer, do que todas as outras freiras juntas, no entanto, no mês passado, ela implorou que a colocassem abaixo de todas as outras, e a fizessem a mais devota serva de todas.

— Você nunca a viu? — perguntei.

— Nunca!

Estava cansado de esperar pelo Padre Bernard e, mesmo assim, fiquei em Antuérpia.

O estado político das coisas piorou e pela escassez de alimentos em consequência de muitas colheitas deficientes, vi grupos de homens ferozes e esquálidos em todos os cantos da rua, olhando com olhos de lobo para minha pele lustrosa e minhas roupas bonitas.

Finalmente, o Padre Bernard voltou.

Tivemos uma longa conversa, na qual ele me disse que, curiosamente, o Senhor Gisborne, pai de Lucy, estava servindo em um dos regimentos austríacos, depois em uma guarnição em Antuérpia.

Perguntei ao Padre Bernard se eu podia o conhecer, o que ele consentiu em fazer. Mas, um ou dois dias depois, ele me disse que, ao ouvir meu nome, o Senhor Gisborne se recusara a responder qualquer avanço de minha parte, dizendo que esquecera o seu país e odiava seus compatriotas.

Provavelmente ele se lembrou do meu nome em conexão com o de sua filha Lucy. De qualquer forma, ficou claro que eu não tinha nenhuma chance em conhecê-lo.

Padre Bernard me assegurou que a cidade estava perigosa e que eu evitasse sair. Esta foi a maneira que ele encontrou para justificar o não do Senhor Gisborne. Apenas não dei ouvidos para o que o Padre falou.

Um dia, quando eu estava caminhando com ele na Place Verte, ele se curvou diante de um oficial austríaco, que estava atravessando em direção à catedral.

— Este é o Senhor Gisborne! — sussurrou ele, assim que o cavalheiro passou por nós.

Me virei para olhar a figura alta do oficial.

Ele caminhava de maneira imponente, apesar de passar da meia-idade. Quando olhei para o homem, ele se virou, seus olhos encontraram os meus, e vi seu rosto. Profundamente alinhado, mal-humorado e esburacado, era esse rosto, marcado pelo entusiasmo, assim como pela guerra.

Foi apenas um momento em que nossos olhos se encontraram. Cada um de nós se virou e seguiu seu caminho.

Entretanto, sua aparência não seria facilmente esquecida. A minuciosa nomeação do uniforme de soldado, e o pensamento evidente que lhe foi conferido, fez um todo incongruente com a expressão sombria de seu semblante.

Como ele era o pai de Lucy, procurei instintivamente encontrá-lo em todos os lugares possíveis.

Ele, por certo, tomara consciência de minha pertinência, pois, ele me deu uma carranca altiva sempre que eu passava por ele.

Em um desses encontros, no entanto, tive a oportunidade de lhe prestar algum serviço.

Ele estava virando a esquina de uma rua, e um dos grupos de flamengos[15] descontentes se aproximou.

Algumas palavras foram trocadas, ele sacou a sua espada, e com um leve, mas hábil corte, retirou sangue de um dos que o insultaram, embora, eu estivesse longe demais para ouvir as palavras.

Todos eles cairiam sobre ele, se eu não tivesse me precipitado e levantado o grito, então, bem conhecido em Antuérpia, que os soldados austríacos patrulham perpetuamente as ruas, estes ouviram meu chamado e vieram em grande número para o resgate.

Penso que nem o Senhor Gisborne, nem o grupo rebelde de plebeus ficaram gratos por minha interferência.

Ele se encostara a um muro, em uma atitude hábil, pronto com sua espada luminosa para fazer a batalha com todos os homens fortes, ferozes e desarmados, cerca de seis ou sete em número. Mas quando seus soldados surgiram, ele embainhou sua espada, e, dando uma palavra descuidada de comando, mandou-os embora, e continuou seu caminhar solitário pela rua, com os soldados rosnando em sua retaguarda, se inclinado sobre mim, por meu grito de socorro desnecessário.

Não me importava o que eles fariam comigo, minha vida parecia tão sombria naquele momento, e, talvez, fora esta ousadia em não me importar com nada, que impediu que eles me atacassem.

Em vez disso, eles apenas reclamaram e ouvi algumas de suas queixas. Não admira que os rebeldes fossem selvagens e desesperados.

O homem que Gisborne ferira no rosto desmaiara após perguntar quem era o homem, me recusei a dizer o nome de seu agressor. Outro, do grupo ouviu sua pergunta e respondeu:

— Conheço o homem. Ele é um Gisborne, auxiliar de campo do Comandante. O conheço bem.

Ele começou a contar uma história ligada a Gisborne em voz baixa e resmungona, e enquanto ele estava contando a história, vi estimulado o sangue maligno deles, e que eles evidentemente desejavam que eu não ouvisse.

Fugi e voltei para meus alojamentos.

Naquela noite, Antuérpia estava em meio à revolta.

Os habitantes levantaram-se em rebelião contra seus mestres austríacos.

Os austríacos, segurando os portões da cidade permaneceram, a princípio, bastante quietos na fortaleza, apenas, de tempos em tempos, o auge do grande canhão ecoou, incomodando a cidade.

Entretanto, se eles esperavam que o distúrbio morresse e passassem depois de algumas horas em fúria, estavam enganados.

Em um ou dois dias, os desordeiros tomaram posse dos principais edifícios municipais. Então, os austríacos se espalharam em uma ardente e intensa exibição de fogo armado, enquanto marchavam para os postos designados, como se a multidão feroz se importasse, mas, para eles, os tiros eram enxames de moscas de verão, apenas zumbindo.

Suas manobras praticadas e tiros certeiros eram contados, com efeito terrível, mas, no lugar de um desordeiro morto, três brotavam de seu sangue, para vingar sua perda.

Mas, um inimigo mortal, um terrível aliado dos austríacos, estava em ação: a comida.

Os alimentos estavam escassos durante meses, dificilmente obtido a qualquer preço.

Esforços desesperados estavam sendo feitos para trazer suprimentos para a cidade, pois, os desordeiros também precisavam de comida.

Perto do porto da cidade, mais próximo do Escalda, uma grande luta ocorreu. Eu estava lá, ajudando os desordeiros, cuja causa eu adotara.

Tivemos um encontro violento com os austríacos.

Os números caíram de ambos os lados. Os vi sangrando por um momento, depois uma nuvem de fumaça os obscureceu, e quando se desobstruiu, eles foram atropelados ou sufocados, pressionados e escondidos pelos recém-feridos que aquelas últimas armas jogaram no chão.

Então, uma figura cinzenta se deparou com as pistolas e se abaixou sobre alguém, cujo sangue estava escorrendo, às vezes, era para dar-lhe de beber em pequenas garrafas penduradas ao seu lado, outras vezes, eu via a cruz posta no peito de um moribundo, e orações rápidas eram proferidas, sem serem ouvidas pelos homens naquele barulho infernal e estridente, mas ouvidas por Um acima.

Vi como se fosse um sonho, pois, diante da realidade, só havia batalha e carnificina. Porém, eu sabia que estas figuras cinzentas, seus pés nus, todos molhados de sangue, e seus rostos escondidos pelos véus, eram as Pobres Clarissas, enviadas porque a agonia terrível estava no exterior do Convento e o perigo iminente à mão.

Por isso, elas deixaram o abrigo de clausura e entraram naquela confusão.

Perto de mim, passou um homem de Antuérpia com cicatrizes pelo rosto, e em um instante ele se lançou na frente do oficial austríaco Gisborne, e antes que um ou outro tivesse recuperado o choque, o homem tentou o apunhalar.

— Ah! O inglês Gisborne! — gritou ele, e se jogou sobre o Senhor Gisborne com fúria redobrada.

Ele atingira com força o inglês que caíra e antes de outro golpe, da fumaça saiu uma figura cinza escura, e atirou-se em frente a espada erguida e cintilante. O braço do homem ficou preso. Nem os austríacos, nem os antuerpianos, de bom grado, prejudicariam uma das Clarissas.

— Deixe-o comigo! — disse uma voz baixa e severa. — Ele é meu inimigo, há muitos anos!

Essas palavras foram as últimas que ouvi, porque fui atingido por uma bala.

Fiquei por dias sem me lembrar de nada.

Quando recuperei a consciência, eu estava no limite da fraqueza e permanecia ansioso por comida para alinhar as minhas forças.

O dono do albergue se encontrava sentado, me observando. Ele também parecia apavorado porque ouvira falar que eu estava ferido e me procurou.

Sim! A luta ainda continuava, mas a fome era dolorosa, e alguns que ele ouvira falar, morreram por falta de comida.

As lágrimas estavam em seus olhos, enquanto ele falava. Mas logo ele se livrou de sua fraqueza, e sua alegria natural voltou.

O Padre Bernard fora me ver, ninguém mais. Quem, ali, sabia da minha existência, de fato?

Ele voltaria naquela tarde, porque prometera, mas o Padre Bernard não veio, embora eu levantasse, me vestido, e esperado por ele.

O homem, dono do albergue, me trouxe uma refeição que ele mesmo cozinhara, do que era composto a refeição, ele não dizia, mas era excelente, e a cada colherada, eu parecia ganhar força.

Ele sentou-se, olhando meu prazer evidente em saciar a minha fome, com um sorriso feliz de simpatia. Mas, quando meu apetite se tornou satisfeito, comecei a detectar certa melancolia em seus olhos, como se ansiasse pela comida que eu devorara, pois, de fato, naquela época, eu não estava ciente da extensão da fome dos outros.

De repente, muitos pés apressados passaram por nossa janela. O homem abriu um dos lados da janela para saber o que estava acontecendo. Então, ouvimos um sino tênue e tilintando, voando estridente sobre o ar, claro e distinto de todos os outros sons.

— Santa Mãe! — exclamou o homem. — As Pobres Clarissas!

Ele arrancou os fragmentos da minha refeição e os amontoou em minhas mãos, me mandando seguir. Descemos as escadas, pegando mais comida, enquanto as mulheres arrecadavam o pouco que restava de alimento, e em um momento, estávamos na rua, movendo-nos com a grande corrente, todos caminhando para o Convento das Clarissas.

Ainda assim, como se furasse nossos ouvidos com seu grito inarticulado, veio novamente o tilintar estridente do sino.

Naquela estranha multidão, estavam velhos tremendo e soluçando, enquanto carregavam sua pequena ninharia de comida, mulheres com lágrimas correndo pelas bochechas, que arrebataram o pouco de suprimento que tinham nos potes. Crianças, com rostos corados, agarrando com força o pedaço de bolo picado ou pão, em sua ânsia de levá-los a salvos para ajudar as Clarissas. Homens fortes, sim, tanto antuerpianos como austríacos, pressionando seus dentes e nenhuma palavra falada, e acima e através de tudo, veio aquele piscar de olhos, aquele grito de socorro extremo.

Encontramos a primeira torrente de pessoas retornando com caras apáticas. Elas estavam saindo do convento para dar lugar às ofertas de outros.

— Pressa! Pressa! — disseram eles. — Uma Pobre Clarissa está morrendo! Uma Pobre Clarissa está morta de fome! Deus nos perdoe e à nossa cidade!

Prosseguimos.

A multidão nos levou. Fomos transportados através de refeitórios, nus e sem migalhas, em celas, com o nome conventual do ocupante escrito em cada porta.

Foi assim que fui forçado a entrar na cela da Irmã Madalena.

Em seu sofá estava Gisborne, pálido até a morte, mas não morto, e ao seu lado, havia um copo de água, com um pequeno pedaço de pão bolorento, que ele empurrara para fora de seu alcance, e não podia se mover para obtê-lo. Em sua cama estava a frase:

“Portanto, se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer. Se tiver sede, dá-lhe de beber.”

Alguns lhe deram a nossa comida, e o deixaram comendo avidamente, como um animal selvagem faminto.

O tilintar do sino parou, mas ouvimos o eco triste que os cristãos falam ser a passagem do espírito da vida terrena para a eternidade. Novamente um murmúrio se reuniu e cresceu, de muitas pessoas falando com fôlego de espanto:

— Uma Pobre Clarissa está morrendo!

— Uma Pobre Clarissa está morta!

Arrastados mais uma vez pelo movimento da multidão, fomos levados para dentro da capela pertencente às Clarissas.

Diante do altar, colocamos a Irmã Madalena, mas eu sabia que era Bridget Fitzgerald. Ao seu lado estava o Padre Bernard, em suas vestes de ofício, segurando o crucifixo no alto, enquanto pronunciava a solene clemência da Igreja.

Prossegui com força apaixonada, até ficar perto da mulher moribunda, enquanto ela recebia extrema unção em meio à falta de ar e ao silêncio assombrado da multidão ao redor.

Seus olhos estavam vidrados, os membros enrijecidos, mas quando o rito terminou, ela ergueu lentamente sua figura doente, e seus olhos brilharam com uma estranha intensidade de alegria, pois, com o gesto de seu dedo e o brilho de transe de seus olhos, ela parecia ser aquela que assistia ao desaparecimento de alguma criatura detestável e medrosa.

— Ela está livre da maldição! — disse ela, me olhando.

Seus olhos se fecharam.

Para sempre.

 

 

 

 

[1] Vale e passe alto na área de maior beleza natural da floresta de Bowland, Lancashire, Inglaterra.
[2] Período da História da Inglaterra que vai da conquista, pelos anglo-saxões, da porção meridional da ilha da Grã-Bretanha, até o momento em que os vikings começaram as incursões na ilha.
[3] Prática que visa o desenvolvimento espiritual. Muitas vezes, essa prática consiste na renúncia ao prazer e na não satisfação de algumas necessidades primárias.
[4] Raça de cães britânica chamada “Cocker Spaniel inglês” de porte médio. O nome “Spaniel” caracteriza que o cão tem pelagem longa e sedosa, com orelhas caídas.
[5] Honorável Sociedade em Londres. É uma das quatro “Inns of Court” (associação dos profissionais advogados e juízes).
[6] Refere-se simultaneamente à ciência e à arte de descrever os brasões de armas ou escudos, que foi desenvolvida na Europa a partir do século XII.
[7] Aquele adepto ao jacobitismo, movimento político dos séculos XVII e XVIII na Grã-Bretanha.
[8] Flores do campo.
[9] Prece litúrgica estruturada na forma de curtas invocações a Deus, a Jesus Cristo, à Virgem, aos santos.
[10] Rosa de Saron é uma expressão bíblica que se encontra no Antigo Testamento. Saron (região da Palestina) era um vale fértil que produzia belas flores.
[11] Expressão Bíblica para evocar Deus e a Sua proteção.
[12] Expressão Bíblica para evocação de Maria, mãe de Jesus.
[13] Flores de cor violeta.
[14] Ordem religiosa católica feminina de clausura monástica denominada Santa Clara ou Ordem das Clarissas.
[15] Povo do Flandres, de classe baixa. Camponeses.

 

 

                                                   Elizabeth Gaskell         

 

 

 

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