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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A PROMESSA / Brenda Joyce
A PROMESSA / Brenda Joyce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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ORGULHO… depois de sua assombrosa travessia de volta a Inglaterra desde a China, o momento de triunfo que experimentou Alexi de Warenne se desvaneceu rapidamente. Em sua festa de boas-vindas, sua amiga de infância, Elysse Ou’Neill, começou a paquerar com um de seus amigos, obviamente para castigá-lo pelo tempo que tinha passado no mar. Mas quando Alexi encontrou Elysse resistindo desesperadamente nos braços daquele homem, aconteceu a tragédia. Em poucos dias Alexi teve que casar-se com ela para salvar sua honra… e logo abandoná-la.
E ENGANO…Elysse de Warenne reinava nos círculos da alta sociedade com sua inteligência e sua elegância, mas os rumores de que era uma esposa abandonada a perseguiam sem piedade. Elysse nunca ia reconhecer a verdade: que não tinha visto seu marido há seis anos, e que nem sequer tinham consumado seu casamento! Quando Alexi voltou inesperadamente para a Inglaterra, Elysse decidiu fazer o que fosse necessário para recuperar seu marido e ocupar o lugar que era seu no coração daquele homem.

 

 

 


 

 

 


Adare, Irlanda Verão de 1824
Do salão principal da mansão, onde o conde de Adare oferecia um jantar para celebrar o aniversário de sua esposa, ouvia-se o som da animada conversação dos adultos. Os meninos estavam reunidos em um salão menor na frente do principal, do outro lado do grande átrio em forma de abóbada, Elysse O’Neill, que tinha onze anos, permanecia sentada em um sofá de brocado com seu vestido de festa mais elegante, lamentando que não a tivessem permitido unir-se aos mais velhos. Sua melhor amiga, Ariella De Warenne, que também estava vestida com grande formalidade para a festa, estava sentada a seu lado, concentrada na leitura. Elysse não entendia sua amiga. Ela odiava ler. Teria sido muito aborrecido, se não fossem pelos meninos.
Os meninos tinham formado um círculo do outro lado do salão e estavam sussurrando com excitação entre eles. Elysse ficou olhando para eles, tentando escutar o que diziam, porque sabia que iriam causar problemas. Tinha os olhos fixos em Alexi De Warenne, o irmão de Ariella; ele sempre era o líder do grupo.
Elysse o tinha conhecido quatro anos antes, quando Alexi chegou a Londres com seu pai e Ariella da Jamaica, a ilha onde se criaram. Quando foram apresentaram, ela o desdenhou imediatamente, embora sua pele morena, seu cabelo escuro e sua atitude segura a fascinaram.
Apesar de tudo, Alexi era um bastardo, embora sua mãe fosse uma nobre russa, e ela era uma dama, ainda assim quis desprezá-lo. Entretanto, ele não se deixou desmoralizar por seu afastamento, mas começou a lhe contar histórias de sua vida. Elysse tinha pensado que seria desajeitado e sem equilíbrio, mas não era nenhuma das duas coisas. Rapidamente, percebeu que nunca tinha conhecido um menino que tivesse vivido tantas coisas como ele. Alexi tinha navegado por todo mundo com seu pai, havia enfrentado furacões e monções, tinha furado bloqueios navais e tinha se esquivado de piratas, e tudo isso enquanto seu navio transportava carregamentos muito valiosos! Tinha nadado com os golfinhos, tinha escalado o Himalaia, tinha percorrido os atalhos das selvas do Brasil. Inclusive tinha subido o curso de um rio sem seu pai! De fato, gabou-se para ela de que podia governar qualquer embarcação e navegar por qualquer parte, e ela acreditou.
Em menos de uma hora, Elysse tinha decidido que era o menino mais interessante que tinha conhecido na vida, embora não ia permitir que ele soubesse!
Desde que se conheceram tinham passado quatro anos, e o conhecia bem. Alexi era um aventureiro, como seu pai, e não seria capaz de permanecer durante muito tempo em terra firme. Nem mesmo de manter-se quieto. O que estariam tramando os meninos? De repente atravessaram o salão, e ela percebeu de que estavam a ponto de partir, porque se dirigiam para as portas do terraço.
Elysse colocou o cabelo atrás das orelhas e alisou o vestido de cetim azul. Depois se levantou da cadeira.
— Esperem. — disse, e foi rapidamente até eles. — Aonde vão?
Alexi sorriu.
— Ao Castelo de Errol.
O coração parou uma batida. Todo mundo sabia que as ruínas daquele castelo estavam encantadas.
— Estão loucos?
— Não quer vir, Elysse? Não quer ver o velho fantasma que passeia pela torre norte à luz da lua cheia? — perguntou-lhe Alexi. — Dizem que suspira pelo amor de sua dama. Sei que você adora as histórias românticas! Ela o deixou em uma noite de lua cheia por outro homem. Então ele se matou e caminha sempre pela torre quando tem lua cheia.
— Já conheço a história, é obvio. — disse ela.
Seu coração tinha acelerado de alarme e medo. Ela não era valente como Alexi nem como seu próprio irmão pequeno, Jack, nem como Ned, o filho de conde, que estava com eles. Elysse não tinha vontade de sair na escuridão da noite para conhecer um fantasma.
— Covarde. — Alexi disse brandamente, e acariciou seu queixo. — Eu vou protegê-la, sabe?
Elysse retrocedeu.
— E como vai fazer isso? Só é um menino, e está louco, além disso!
O sorriso apagou de seus lábios.
— Se disser que vou protegê-la, vou protegê-la.
Ela acreditava. Sabia que ele faria isso exatamente, que a protegeria inclusive de um fantasma. Entretanto, titubeou, porque não queria ir com eles.
— As damas não têm por que serem valentes, Alexi. Só devem ser elegantes, diplomáticas, educadas e belas.
Os olhos dele brilharam.
Ned interveio.
— Deixe-a, Alexi. Não quer vir conosco.
Seu irmão pequeno, Jack, riu dela.
Ariella se aproximou também, depois de deixar seu livro de história no sofá.
— Eu vou — disse, com os olhos azuis muito abertos, reluzentes. — eu adoraria ver o fantasma!
Alexi olhou Elysse com uma atitude desafiante.
— Está bem! — gritou. Estava furiosa porque ele a havia provocado até o ponto de ter tido que aceitar. — Mas como vamos chegar até ali?
— Chegaremos em menos de vinte minutos se formos a cavalo — disse Ned. — As garotas podem montar conosco, na garupa. Jack montará sozinho.
Era uma ideia horrível. Elysse sabia. Entretanto, todos outros tinham os olhos abertos como pratos, de emoção. Um momento depois, estava seguindo os meninos e Ariella pelo terraço; dirigiam-se para o estábulo onde foram roubar as montarias. Os meninos montavam frequentemente a pelo, tão somente com as rédeas. Naquele momento, Elysse teria preferido que fossem maus cavaleiros, mas não eram. Aquela noite estava tão escura e tão silenciosa! Enquanto os seguia pelos grandes jardins de Adare, olhou a lua cheia, e rezou para implorar que não se encontrassem com o fantasma aquela noite.
Uns minutos mais tarde todo mundo estava montado escarranchado, e se afastavam a trote da casa. Elysse se segurou com força em Alexi. Estava mais zangada a cada minuto que passava. Ele era um excelente cavaleiro, mas ela não, e temia cair.
— Está rompendo minhas costelas. — disse ele, entre risadas.
— Eu odeio você. — respondeu ela.
— Não, não é verdade.
Seguiram em silencio durante o resto de caminho. Na frente eles, à luz estranha e amarelada da lua, Elysse viu a sombra escura de Castelo de Errol. Era enorme.
Tudo estava muito silencioso. A única coisa que Elysse ouvia era o ruído dos cascos dos cavalos, e os batimentos de coração de seu coração, que eram mais rápidos de que deveriam. Passaram junto a montões de pedras brancas, que uma vez formaram parte de barbaça[1] de castelo. Ela só queria dar a volta e voltar para casa! De repente se ouviu o uivo de um lobo.
Alexi ficou rígido, e Elysse sussurrou nervosamente:
— Nunca tem lobos tão perto de Adare.
— Não estamos perto de Adare. — disse ele.
Pararam os cavalos junto a um buraco que nas muralhas, e que antigamente era a entrada principal ao recinto. Através das sombras de labirinto de muros de pedra que havia no interior, Elysse viu a torre solitária, a única estrutura que permanecia em pé, no outro extremo das ruínas. Engoliu saliva. Tinha o coração na garganta.
— Dizem que leva uma tocha, a mesma que levou por seu amor perdido — sussurrou Alexi enquanto se girava ligeiramente e a puxava pela mão. — Vamos, desmonte.
Elysse o fez, e manteve o equilíbrio grudada em sua mão. Todos desmontaram. Ariella sussurrou:
— Não trouxemos vela.
— Sim, sim trouxemos — respondeu seu irmão com orgulho. Tirou uma vela de bolso e a acendeu. — Vamos — disse então, e começou a caminhar. Claramente, tinha intenção de liderar o grupo.
Seguiram-no. Ela tinha o estômago encolhido de medo, e vacilou. Não queria entrar.
Os meninos sumiram na escuridão que reinava no interior das ruínas de castelo. Elysse mordeu o lábio. Tinha a respiração acelerada. Percebeu que ficou completamente só, às escuras, fora das ruínas. E talvez, aquilo fosse pior.
Algo se moveu a suas costas, e ela gritou e se sobressaltou, mas percebeu que um dos cavalos, que estava pastando, chocou-se contra ela. Ouviu o ulular de um mocho; um som detestável. Odiava as aventuras! Preferia as festas e as coisas bonitas! Entretanto, estar ali só era muito pior que entrar com outros. Elysse correu atrás dos outros meninos.
Dentro estava tão escuro que não via nada. Ouviu seus sussurros e correu para segui-los. Entretanto, aquilo era um labirinto. Chocou-se contra um muro e sentiu pânico, e girou, encontrou uma esquina, e deu a volta. Então se tropeçou e caiu ao chão.
Ia chamar Alexi, para pedir que a esperasse, quando viu uma luz de outro lado de castelo, onde estava a torre. Ficou paralisada, agachada junto ao muro, temerosa de gritar. Acabava de ver a luz da tocha de fantasma?
Sentiu pânico novamente. Havia tornado a ver aquela luz! Levantou-se e pôs-se a correr para fugir de castelo e de fantasma, mas se encontrou com uma e outra esquina, tropeçou e caiu enquanto corria. Bateu os joelhos e arranhou as palmas das mãos. Por que ainda não tinha saído de castelo? Onde estava a abertura da muralha? Percebeu que tinha chegado a outro beco sem saída: frente a ela estava a parede enorme de uma chaminé. Caiu contra a pedra, ofegando e soprando, e naquele momento foi quando ouviu o galopar de uns cavalos.
Estavam-na deixando ali sozinha?
Um soluço de incredulidade escapou. Girou, apoiou as costas na parede e viu o fantasma, que se aproximava dela com a tocha. Ficou petrificada de medo.
— Elysse! — exclamou Alexi enquanto se aproximava.
Ela notou que os joelhos estavam moles, de autêntico alívio. Era Alexi com a vela, não o fantasma com a tocha.
— Alexi! Achei que tinha me deixado aqui. Achei que tinha me perdido para sempre!
Ele colocou a vela no chão e a abraçou.
— Não, não, não. Não foi nada. Não está perdida. Eu não deixaria você sozinha. Não disse que sempre vou protegê-la?
Ela se agarrou a ele com força.
— Acreditava que não me encontraria, e que os cavalos tinham começado a galopar!
— Não chore. Já estou aqui. Você ouviu meu pai, o conde e seu pai, que vieram nos buscar. Estão lá fora, e estão furiosos. — disse ele, olhando-a fixamente. — Como pode pensar que não ia encontrar você?
— Não sei — sussurrou ela, tremendo, com a cara cheia de lágrimas. Mas já tinha deixado de chorar.
— Se a perder, vou encontrá-la. Se correr perigo, eu a protegerei. — disse Alexi com gravidade. — É o que fazem os cavalheiros, Elysse.
Ela respirou fundo.
— Você me promete?
Ele sorriu lentamente e secou uma lágrima da sua cara.
— Eu prometo.
Por fim, Elysse sorriu.
— Sinto muito não ser corajosa.
— Você é muito corajosa, Elysse, você só não sabe disso ainda.
Claramente, ele acreditava no que acabara de dizer.

 

 

 

 

 

 

 

PRIMEIRA PARTE
«Amor perdido»

Capítulo 1
Askeaton, Irlanda
23 de março de 1833
Fazia mais de dois anos que Alexi não voltava para casa, mas para Elysse O’Neill tinha parecido uma eternidade. Sorriu ao olhar-se no espelho de seu quarto. Acabava de arrumar-se para a ocasião, e sabia que sua emoção era evidente: estava ruborizada e tinha os olhos brilhantes. Sentia entusiasmo, porque, por fim, Alexi De Warenne tinha voltado para casa. Estava impaciente por escutar a narração de suas aventuras!
Perguntou-se se ele perceberia de que já era uma mulher adulta. Durante aqueles dois anos tinha tido uma dúzia de pretendentes, por não mencionar que tinha recebido cinco pedidos de casamento.
Sorriu de novo. Aquele vestido de cor verde clara favorecia muito seus olhos de cor violeta. Estava acostumada a suscitar a admiração masculina. Os rapazes tinham começado a olhá-la quando ainda era uma adolescente. Alexi também. Perguntou-se o que pensaria dela naquele momento. Não estava certa de motivo pelo qual queria que ele olhasse para ela aquela noite. Afinal, somente eram amigos. Impulsivamente puxou o vestido para baixo para mostrar um pouco mais de decote.
Alexi nunca tinha viajado tão longe. Elysse se perguntou se ele teria mudado. Quando partiu para o Canadá em busca de peles, ela não sabia que passariam anos antes que voltasse, mas recordava sua despedida como se tivesse acontecido no dia anterior.
Ele a havia olhado seu sorriso de galo de briga e tinha perguntado:
— Vai estar usando um anel quando eu voltar?
— Eu sempre uso anéis. — tinha respondido ela, flertando. Entretanto, perguntou-se se algum inglês a conquistaria antes que ele voltasse. Tomara!
— Não me refiro aos diamantes. — tinha replicado ele, com as pálpebras fechadas pela metade para ocultar o brilho de seus olhos a Elysse.
Ela encolheu seus ombros.
— Eu não posso evitar ter tantos pretendentes, Alexi. Certamente haverá mais ofertas de casamento, e meu pai saberá qual deve aceitar por mim.
— Sim, suponho que Devlin se assegurará de que tenha um bom casamento.
Ficaram se olhando. Algum dia, seu pai encontraria um bom par para ela. Ela tinha ouvido seus pais falando daquilo, e sabia que eles queriam que fosse um casamento por amor. Isso seria perfeito.
— Se ninguém se interessar, me sentiria muito ofendida. — disse ela.
— Não parece suficiente estar sempre rodeada de admiradores?
— Espero estar casada quando cumprir os dezoito anos! — exclamou Elysse.
Seu décimo oitavo aniversário seria no outono, seis meses mais tarde, enquanto Alexi estaria no Canadá. Ao pensar nisto, seu coração se encolheu de uma maneira estranha. Com desconcerto, tentou afastar-se daquele sentimento de medo e sorriu alegremente. Pegou as mãos dele.
— O que vai me trazer desta vez?
Sempre trazia um presente para ela quando voltava das travessias.
Depois de uma pausa, Alexi respondeu brandamente.
— Vou trazer uma pele de zibelina da Rússia, Elysse.
Ela ficou surpreendida.
— Mas se vai ao Canadá.
— Sei aonde vou. E vou trazer uma pele de zibelina da Rússia para você.
Elysse o tinha olhado com receio. Estava segura de que estava brincando com ela. Ele tinha somente dado um sorriso para ela. Depois, Alexi se despediu de resto de sua família e saiu da casa, enquanto ela entrava apressadamente a tomar chá no salão, onde sempre a esperavam, com impaciência, seus mais recentes admiradores…
Alexi permaneceu vários meses no Canadá; aparentemente, teve alguns problemas para adquirir o carregamento que devia levar a casa. Quando por fim voltou para Liverpool, as pressas, não tinha ficado na Inglaterra, mas sim rumado às ilhas em busca de cana-de-açúcar. Elysse tinha ficado surpresa, inclusive decepcionada.
É obvio, ela nunca tinha duvidado que Alexi seguisse os passos de seu pai. Cliff De Warenne tinha uma das companhias de transporte marítimo mais importantes de mundo, e Alexi passou a vida no mar, a seu lado. Era evidente que quando atingisse a maioridade, Alexi se encarregaria das rotas comerciais mais lucrativas, governando os navios mais produtivos, como tinha feito seu pai. Tinha pilotado seu primeiro navio com a idade de dezessete anos. Elysse era filha de um capitão naval retirado, e entendia de verdade o muito que Alexi amava o mar. Levava-o no sangue. Os homens como Cliff De Warenne e seu pai, Devlin O’Neill, os homens como Alexi, nunca podiam permanecer muito tempo em terra firme.
Entretanto, ela tinha esperado que voltasse para casa depois de sua viagem às Índias Orientais. Sempre voltava, mais cedo ou mais tarde. Mas ele tinha consertado seu navio em Liverpool e tinha zarpado rumo à China!
Quando Elysse soube que tinha alugado seu navio, o Ariel, à Companhia das Índias Orientais, que tinha o monopólio de comércio com a China, preocupou-se. Embora estivesse aposentado, Devlin O’Neill assessorava frequentemente ao Almirantado e ao Ministério de Exterior em assuntos de política imperial e marítima, e Elysse conhecia bem os assuntos de comércio, economia e política internacional. Tinha ouvido muitas conversações sobre o comércio com a China durante os anos anteriores. O mar da China era perigoso; em sua maior parte estava inexplorado, e nele abundavam os recifes escondidos, as rochas cobertas e os baixios desconhecidos, para não mencionar as monções e, pior ainda, os tufões. Atravessar aquele mar para a China era relativamente simples, se um não se encontrasse com um daqueles obstáculos; entretanto, o caminho de volta a casa era difícil e perigoso.
De todos os modos, lógico que Alexi considerava que o perigo era a melhor parte da viagem! Alexi De Warenne era valente, e adorava os desafios. Elysse sabia muito bem.
Apesar disto, parecia que se preocupou por ele em vão. Na noite anterior, Ariella havia enviado uma nota a Elysse dizendo que Alexi acabava de chegar a Windhaven. Tinha atracado em Liverpool uns dias antes, com quinhentas e cinco toneladas de seda e chá, depois de fazer a travessia, partindo de Cantão, em cento e doze dias, uma façanha da qual todo mundo falava. Para um capitão novato naquela rota, o fato de ter conseguido aquele tempo era impressionante, e Elysse sabia. A próxima vez que voltasse da China, poderia exigir um preço alto por seu carregamento. E conhecendo Alexi como o conhecia, Elysse soube que ia se gabar disso.
Olhou-se no espelho uma última vez. Era toda uma beleza. Muitas vezes haviam dito a ela que parecia tanto com seu pai como com sua mãe. Era pequena e tinha os olhos da cor das ametistas, como sua mãe, e o cabelo loiro, como seu pai. Tinha tido cinco ofertas de casamento naqueles dois anos, mas as tinha recusado todas, embora já tivesse completado vinte anos. Esperava que Alexi não risse dela pelo fato de continuar solteira àquela idade. Elysse esperava que ele não recordasse seu plano de estar casada antes dos dezoito anos.
— Elysse! Estamos aqui! Alexi está abaixo! — exclamou Ariella de corredor, chamando à sua porta.
Elysse respirou profundamente. De repente, sentia-se tão emocionada que quase se enjoou. Correu para a porta e abriu. Sua amiga arregalou os olhos ao vê-la arrumada com um traje de noite, justo antes que ambas se abraçassem.
— Vai sair esta noite? Excluíram-me de algum convite para uma festa?
Elysse sorriu.
— Claro que não vou sair. Quero que Alexi me conte tudo sobre a China e sobre suas aventuras! Como estou?
Ariella tinha um ano menos que Elysse, e era uma moça exótica. Tinha os olhos claros, a pele morena e o cabelo louro-dourado. Tinha uma educação pouco convencional, e sentia debilidade pelos museus e bibliotecas, assim como aversão pelas lojas e bailes.
— Parece-me que quer impressionar a alguém.— disse.
— E por que ia me incomodar em impressionar a seu irmão? — perguntou ela, com uma gargalhada. — Mas será melhor que perceba de que já sou uma adulta, e a debutante mais desejável de toda a Irlanda.
Ariella respondeu com ironia:
— Alexi tem pontos fracos, mas a incapacidade de fixar-se nas mulheres bonitas não é um deles.
Elysse fechou a porta. Alexi era um mulherengo, mas isso não era nenhuma surpresa: os homens De Warenne eram conhecidos por sua libertinagem, que terminava o dia de suas bodas. Naquela família se dizia que, quando um De Warenne se apaixonava, era para sempre, embora talvez aquele evento culminante demorasse um tempo para chegar. Elysse apertou a mão de Ariella enquanto percorriam o comprido corredor para as escadas.
— Ele disse a você por que esteve tanto tempo fora?
— Meu irmão é um marinheiro, e é um aventureiro. Está apaixonado pela China ou, melhor ainda, pelo comércio com a China. Ontem à noite só falava disso. Quer comprar um clíper só para o comércio!
— Então, vai continuar alugando seu navio à Companhia das Índias Orientais? Surpreendi-me ao saber que tinha alugado o Ariel. Não imagino Alexi trabalhando para outro.
— Está empenhado em abrir caminho para ele no comércio. Acredito que todos aqueles que estão a uma légua de Askeaton vieram para ouvir de primeira mão suas histórias sobre a China e a viagem de volta!
Elysse ouvia os murmúrios da conversação de piso de abaixo. Claramente, tinham muitas visitas. Era lógico que os vizinhos estivessem interessados na volta de Alexi da China. As notícias de suas viagens tinham corrido como um rastro de pólvora. Certamente era o evento mais emocionante de toda a temporada.
Ao final das escadas a perspectiva permitia ver o salão principal, onde se tinham reunido os vizinhos e a família. Askeaton era a casa de verão da família O’Neill, e o salão era enorme. Tinha chãos de pedra, grandes vigas de madeira no teto e tapeçarias penduradas nas paredes. Das janelas podia se admirar a verde paisagem irlandesa, e mais à frente, divisava-se a torre em ruínas que havia detrás da casa. Entretanto, Elysse não olhou para fora, nem para a multidão.
Alexi estava diante da chaminé, em uma pose segura e indolente, e vestido com uma jaqueta de montar, calças e botas. Já não era o menino de dezoito anos que Elysse tinha visto pela última vez. Em seu lugar havia um homem adulto. Estava rodeado de vizinhos, mas levantou o olhar imediatamente e o fixou nela.
Por um momento, ela só pôde olhar para ele. Tinha mudado muito, e irradiava a segurança de uma pessoa experimentada. Elysse o notou em sua postura, em sua maneira direta de olhá-la. Por fim, ele sorriu.
Seu coração deu um salto, e sua felicidade foi instantânea. Alexi estava em casa.
Seu irmão, Jack, deu uma palmada no seu ombro.
— Vamos, não pode deixá-lo aí. Continue nos falando do estreito da Sundra.
Continuavam se olhando, e Elysse dedicou a ele um sorriso resplandecente. Percebeu que Alexi estava mais bonito que quando partiu. Então, viu três de suas amigas, que o observavam com encantamento.
— Demoramos três dias em chegar, Jack — disse Alexi a seu irmão Jack. — Admito que houve um par de ocasiões nas quais temi que a nave sofresse imperfeições nos baixios e tivéssemos que passar quinze dias de reparações em Anjers.
Alexi se voltou e fez um gesto, e um homem alto e loiro lhe aproximou. Alexi apertou seu ombro.
— Não acredito que tivéssemos podido fazer a viagem em cento e doze dias sem Montgomery. É o melhor piloto que tive. A melhor coisa que fiz foi contratá-lo no Canadá.
Elysse olhou o piloto de Alexi, que certamente tinha uns anos mais que eles dois, e percebeu de que ele também a estava olhando. Montgomery sorriu para ela, enquanto um de seus vizinhos dizia com impaciência:
— Nos falem sobre o mar da China! Tiveram que capear algum tufão?
— Não, nos falem sobre o chá. — pediu com um sorriso o padre MacKenzie.
— Acha que a China permanecerá fechada para todos os estrangeiros? — perguntou Jack.
Alexi sorriu a todos.
— Consegui um chá negro feito com os brotos novos e as duas folhas mais jovens; é o melhor que jamais beberam, juro. Chama-se pekoe. E nenhum outro navio vai trazê-lo para casa. Não esta temporada. — disse. Embora falasse para todos os presentes, só olhava a ela.
— E como conseguiu essa façanha? — perguntou Cliff, sorrindo com orgulho a seu filho.
Alexi se voltou para seu pai.
— É uma longa história, na qual tem bastante dinheiro pelo meio e um comprador astuto e ambicioso.
Elysse percebeu que parou nos últimos degraus das escadas como uma estátua. O que acontecia com ela? Começou a descer rapidamente, sem deixar de olhar Alexi, enquanto ele se voltava para suas amigas, que tinham perguntado a ele como era o chá pekoe. Antes que ele pudesse responder, Elysse deu um passo errado e cambaleou.
Teve que agarrar-se ao corrimão, e se sentiu mortificada. Normalmente, ela se movia com muita graça. Quando se aferrava ao corrimão, alguém a segurou pelo braço para impedir que caísse de joelhos e ficasse totalmente humilhada.
Alexi a segurou com firmeza e a ajudou a endireitar-se. Elysse olhou para cima e se encontrou com seus deslumbrantes olhos azuis.
Por um momento, ela ficou entre seus braços. Ele sorriu, como se aquela situação lhe resultasse divertida.
— Olá, Elysse.
Ela tinha as bochechas ardendo, mas pela vergonha por ter sido tão torpe, não por estar entre seus braços, lógico! De todos os modos, sentia-se confusa, quase desorientada. Nunca tinha se sentido tão pequena e tão feminina, e Alexi nunca tinha parecido tão alto e tão masculino. Os batimentos de coração do seu coração eram como trovões. O que acontecia com ela?
Por fim, conseguiu afastar uns passos e pôr uma distância decorosa entre eles. Alexi sorriu ainda mais, e ela sentiu que o rubor das bochechas se estendia pelo peito.
— Olá, Alexi. Nunca tinha ouvido falar de chá pekoe. — disse, levantando o queixo.
— Não me surpreende. Ninguém consegue o chá de primeira coleta, salvo eu mesmo, é obvio. — se gabou.
— É obvio. — respondeu ela. Depois acrescentou com ligeireza — Não sabia que havia voltado. Quando chegou?
— Achei que Ariella tinha enviado uma nota para você ontem — disse Alexi, e ela percebeu imediatamente que ele não acreditou em sua mentira. — Entrei no porto de Liverpool faz três dias. E cheguei em casa ontem à noite — explicou, e colocou as mãos nos bolsos, sem fazer gesto de voltar para salão.
— Surpreende-me que tenha se incomodado em vir. — replicou ela com uma careta.
Ele a olhou de uma maneira estranha e, de repente, pegou sua mão.
— Ainda não leva anel.
Ela puxou a mão para escapar. Seu contato lhe acelerava o coração.
— Tive cinco ofertas de casamento, Alexi. E eram muito boas. Mas recusei os cavalheiros.
Ele a observou com os olhos entrecerrados.
— Se as ofertas eram tão boas, Por que o fez? Acho que me lembro que queria estar casada antes de cumprir os dezoito.
Estava rindo dela! Ou não? Estava sorrindo, mas tinha desviado o olhar.
— Talvez eu tenha mudado de opinião.
— Umm… Por que não me surpreende nada isso? Por acaso se tornou uma romântica, Elysse? — perguntou Alexi com uma gargalhada. — Está esperando o amor verdadeiro?
— Ah, tinha me esquecido como você pode ser chato! É lógico que sou romântica, ao contrário de você. — ela replicou. As brincadeiras de Alexi eram familiares, e faziam que se sentisse segura.
— Conheço você desde que éramos crianças. Não é tão romântica; você adora é flertar.
Aquilo incomodou Elysse de verdade.
— Todas as mulheres flertam, Alexi. A menos que sejam velhas, gordas ou feias!
— Ah, vejo que segue sendo pouco caridosa. Esta claro que os pretendentes não reuniam os requisitos necessários para se converterem em seu marido. — disse ele com um olhar de diversão. — Acaso aspira a um duque? Ou a um príncipe austríaco? Isso seria perfeito! Posso fazer de casamenteiro? Conheço um par de duques!
— Está claro que não me conhece de verdade. Eu sou muito romântica. E não, não pode fazer de casamenteiro!
— Serio? — perguntou ele, que naquele momento já estava rindo dela abertamente. — Conhecemo-nos muito bem, Elysse, assim não pretenda me convencer do contrário — ele disse, e puxou seu queixo para que levantasse o rosto. — Eu a ofendi? Só estou brincando com você, querida.
Ela afastou sua mão.
— Você sabe que sim! Não mudou nada! Eu tinha me esquecido como você gosta de me enfurecer. E quem é você para falar? Dizem que tem uma mulher em cada porto.
— Ah, um cavalheiro não fala desses temas, Elysse.
— Sua reputação é bem conhecida. — replicou ela com cara de poucos amigos. Em segredo, se perguntava se de verdade teria uma amante em cada porto. Não estava certa do Por que deveria se importar, mas se importava.
Ele voltou a pegar seu queixo.
— Por que esse olhar carrancudo? É que não se alegra em me ver? — perguntou em um tom muito mais suave. — Ariella me disse que estava preocupada comigo, que pensava que tinha sumido no mar da China.
Ela respirou fundo ao sentir uma pontada de irritação com sua amiga, e ao não entender o que significava o murmurar de Alexi.
— Ariella se equivocava. Por que ia me preocupar com você? Estava muito ocupada. Acabo de voltar de Londres e de Paris, Alexi. Naqueles salões não se fala de chá nem de tufões.
— Nem de mim? — perguntou ele, com gesto sério, embora fosse evidente que estava tentando conter a risada. — Todo mundo fala do comércio com a China, Elysse. É um novo mundo. A Companhia das Índias Orientais não pode manter o monopólio desse comércio, e a China tem que abrir seus portos ao mundo.
— Não me importa a China, nem o comércio livre, nem você. — resmungou ela.
— Nossa, você quebrou meu coração para sempre — disse ele, e sorriu ligeiramente. — Mas nós dois sabemos que você se interessa por minhas viagens. Depois de tudo, é filha de seu pai.
Elysse cruzou os braços e Alexi cravou o olhar em seu peito. Ela ficou assombrada, ainda que antes tivesse desejado que ele notasse como se tornou feminina. Por fim, conseguiu falar.
— Vai trabalhar de novo para a Companhia das Índias Orientais?
— É obvio, vou voltar para a China. Depois desta última viagem conseguirei mais de cinco libras por tonelada, Elysse. Mas o rumor é que a Companhia vai perder logo o contrato de frete.
Assim que ele ia fazer a travessia de novo.
— E quando vai partir desta vez?
Ele sorriu.
— Então depois de tudo, se importa! Você vai sentir minha falta!
— Não, não vou sentir sua falta. Vou estar muito ocupada mantendo meus admiradores a raia!
— Agora sim que quebrou meu coração.
Elysse se pôs a tremer de consternação. Claro que ia sentir falta dele, talvez porque já estivesse fora por muito tempo. Ela tinha esquecido como desfrutava da companhia dele, inclusive de suas horrendas brincadeiras. E ele percebeu isto.
— Quando voltará para o mar? — perguntou ela.
O melhor momento para viajar à China era o verão, e estavam no fim de março. Entretanto, Elysse não pensava que Alexi pudesse ficar no campo, sem fazer nada, durante outros dois meses.
— Então sentiu minha falta. — disse ele rapidamente, com um olhar penetrante.
Ela umedeceu os lábios e se negou a responder. Ele se inclinou para ela e sussurrou:
— Trouxe para você uma zibelina da Rússia, Elysse.
Tinha recordado a promessa que tinha feito a ela. Antes que ela pudesse responder, apareceu uma de suas vizinhas, Louisa Cochrane.
— Espero não interromper. — disse a jovem. — eu adoraria conhecer alguém que se dedica ao comércio com a China. Adoro o chá souchong.
Por um momento, Elysse continuou olhando Alexi, com assombro. Não podia acreditar que tivesse levado um presente tão caro e tão precioso para ela. Ele também a olhou com intensidade. Depois de um segundo, voltou-se para Louisa e fez uma reverência galante.
— Alexi De Warenne a seu serviço, senhorita. — disse, e se ergueu. — E se vocês gostarem de chá souchong, adorarão o chá pekoe.
— Estou impaciente por prová-lo. — disse Louisa, e lhe dedicou um sorriso.
Elysse sempre tinha gostado de Louisa, mas naquele momento, ao ouvir seu tom sedutor, não pôde suportá-la. Tinha se interessado por Alexi? Elysse virou para olhá-lo.
— Poderia levar uma amostra à porta de sua residência, por exemplo, amanhã? Seria um prazer. — disse Alexi com um sorriso. Suas intenções, de repente, eram muito claras.
— Não queria importuná-lo, capitão. — murmurou Louisa flertando.
— Você não poderia me importunar, senhorita Cochrane. É muito bela para fazê-lo. Será um prazer levar o chá em pessoa.
Louisa se ruborizou e assegurou que não tinha Por que se incomodar. Durante aquela conversação, Elysse teve pensamentos incoerentes, confusos. Nunca tinham se importado com os flertes e as seduções de Alexi. Por que devia se importar com esta aventura?
— Têm muitos admiradores, capitão — disse Louisa, enquanto ignorava a Elysse. — Por que não me acompanha de novo ao salão, para que todos possamos ouvir suas histórias maravilhosas?
Alexi vacilou e olhou Elysse.
— Vem conosco?
Elysse sorriu.
— É obvio. Estou impaciente por saber coisas de suas aventuras.
Olharam-se fixamente durante um momento, até que Louisa puxou o braço de Alexi. Elysse os seguiu para o salão, notando todos os detalhes do vestido e da figura de Louisa. Tinha ouvido dizer que estava desesperada por apanhar um marido rico. Entretanto, Alexi era um solteiro convicto. E ela não estava com ciúmes, não é mesmo? Mas queria ter a atenção de Alexi. Tinha muitas perguntas para fazer a ele. Queria saber o que tinha estado fazendo durante aqueles dois anos e meio. E queria suas peles russas.
No salão, Alexi e Louisa se viram rodeados imediatamente, e Alexi foi crivado com perguntas sobre suas viagens. Elysse começou a relaxar. Alexi estava em casa, e ela estava certa de que tinha percebido seu encanto, beleza e sofisticação. Sorriu quando ele respondeu a uma pergunta de pai MacKenzie.
Ariella se aproximou dela.
— Estou muito contente que meu irmão voltou! Não acha maravilhoso?
— É verdadeiramente maravilhoso, mas espero que Louisa não ocupe todo seu tempo. Nos duas sabemos que não vai ficar muito tempo no campo.
Ariella arqueou as sobrancelhas.
— Umm… Sim, parece que está muito interessado em Louisa.
— Louisa está um pouco entrada em anos, não acha?
— Mas se é tão agradável! — exclamou Ariella. — Não está com ciúmes dela, não?
— Claro que não.
Ariella se inclinou para ela e sussurrou:
— Por que não vai falar com o pobre James Ogilvy? Está lá sozinho, olhando para você com um sorriso embevecido.
Fazia um mês que Ogilvy a cortejava, mas Elysse tinha perdido todo o interesse. Entretanto, sorriu a ele. Ele se aproximou rapidamente e fez uma reverência sobre a mão dela, e Elysse percebeu de que Alexi se voltava e os olhava. Ela sentiu satisfação, e concentrou sua atenção em James.
— Você me prometeu que iríamos fazer picnic no lago Swan.
Ele arregalou os olhos.
— Achei que não estava interessada, porque não voltou a mencionar o assunto.
Ela sorriu.
— Estou muito interessada. De fato, estou impaciente.
— Então, talvez pudéssemos ir amanhã a tarde.
Elysse olhou Alexi, que naquele momento estava falando com um nobre da zona. Não sabia quanto tempo ele ia estar na campanha irlandesa, e ela queria estar disponível até que partisse a Londres. Sorriu a James.
— Poderia ser a semana que vem? Amanhã tenho um compromisso. — disse. Não era certo, mas só se tratava de uma mentirinha.
Falaram durante uns minutos mais. Para Elysse foi difícil manter uma conversação com James enquanto tentava escutar o que dizia Alexi, e tentava olhá-lo de soslaio. Enquanto fazia planos com Ogilvy, percebeu de que tinha outro admirador; Montgomery, que estava conversando com Ariella, e que não deixava de olhá-la. Elysse não tinha prestado muita atenção nele, e assim que o fez, percebeu que era muito bonito. Embora fosse só um piloto, comportava-se como se fosse um cavalheiro. Ele a olhou de novo, e ela soube que desejava que os apresentassem. Passou por sua mente que Montgomery tinha estado aqueles dois anos junto a Alexi, e se desculpou com James.
Montgomery sorriu, quando ela se aproximou.
— Não nos apresentaram formalmente, senhorita O’Neill. É obvio, ouvi o capitão De Warenne falar de você, mas esse não é o motivo pelo qual desejava conhecê-la.
Elysse compreendeu o que queria dizer, e se sentiu adulada.
— Cliff falou de mim?
Montgomery sorriu.
— Não, referia a meu capitão, Alexi — disse ele. Avançou para ela e se inclinou. — Sou William Montgomery. É um prazer, senhorita.
Evidentemente, não era um cavalheiro, porque nenhum cavalheiro de boa família teria o ofício de piloto, mas Elysse ficou impressionada, de todos os modos, por seu encanto. Tinha um inconfundível acento sulino, e ela recordou que a maioria dos cavalheiros de Sul dos Estados Unidos eram muito galantes.
— Também é um prazer conhecê-lo, senhor — disse ela, e riu. — Não é todo dia que se pode conhecer um piloto valente que navegou pelos mares da China!
Ele sorriu com calor, e passou o olhar pelo decote de seu vestido.
— Nossas viagens são longas, senhorita O’Neill, e não vemos senhoritas belas. Não achei que queria falar comigo.
— O senhor é nosso convidado! — exclamou ela, e tocou seu braço ligeiramente, flertando. — De onde você é senhor Montgomery? Minha família tem uma plantação de tabaco na Virginia.
— De Baltimore, senhorita O’Neill. Como o capitão, venho de uma família de marinheiros. Meu pai era capitão de navio, e meu avô foi piloto, como meu bisavô antes que ele, aqui na Inglaterra. Em realidade, eu cresci escutando as histórias de navegação de meu avô, principalmente da Costa de Marfim e do comércio de escravos. Do século passado, é obvio.
— Meu pai era capitão, senhor Montgomery, assim que me sinto fascinada — disse Elysse com sinceridade. Entretanto, o mais importante era que Alexi percebeu que estavam conversando. — Claro que no Império já não se comercializa com escravos, mas em tempos de seu avô era uma ocupação muito importante, verdade?
— Sim — respondeu ele. — Na América o tráfico de escravos foi abolido em mil oitocentos e oito, Antes que eu nascesse. Em tempos de meu avô eram viagens perigosas; acredito que o continente africano continua sendo, para aqueles que continuam querendo fazer fortuna desse modo.
— Eu sou contra o comércio de escravos — declarou Elysse com firmeza. — Embora minha família tenha uma plantação de tabaco na Virginia, e tenha escravos ali, também estou a favor da emancipação no Império e em todo mundo.
— Essa é uma afirmação muito atrevida, senhorita O’Neill. Em meu país, a abolição é um assunto que nos divide. Se me permite o atrevimento, eu adoraria visitar Sweet Briar, se alguma vez voltar para a Virginia — disse ele com um sorriso que deixou à vista sua dentadura branca. — E desfrutaria mais ainda se fosse você quem me mostrasse a plantação.
Elysse sorriu com picardia.
— Eu adoraria mostrar Sweet Briar a você! Mas como poderíamos organizar isso? A próxima vez que eu for, vocês estará a caminho para a China!
— Sim. Certamente, estaremos cruzando o cabo da Boa Esperança.
— Ou cruzando o mar da China. Quando receber minha carta, certamente já terá voltado para casa.
— Certamente. E seria uma lástima.
Sorriram um para o outro.
— Ouvi dizer que conheceu Alexi no Canadá — disse Elysse.
— Isto mesmo, em meio de uma tormenta de neve, para falar a verdade. De fato, os ladrões estavam tentando roubar as peles que Alexi acabava de comprar para trazer para casa. Eu salvei a vida dele, e ficamos amigos.
Elysse ficou fascinada.
— E como salvou a vida dele?
Às suas costas, Alexi disse brandamente:
— Os franceses tinham alguns nativos a seu serviço, e eram muitos maiores que eu.
Elysse estava tão absorta que demorou um instante em perceber que Alexi tinha se aproximado. Virou para ele e sentiu que seu coração explodia. Ele estava a seu lado, com os braços cruzados, sorrindo. Mas Elysse o conhecia bem, e o sorriso não chegava aos olhos.
Ficou surpresa.
— O que foi?
Por acaso estava com ciúmes?
— Que carta é essa que vai enviar a William?
— Um convite para Sweet Briar — disse ela despreocupadamente, e se voltou para Montgomery outra vez. — Tenho muita vontade de saber coisas do Canadá, dos ladrões e dos nativos. — acrescentou.
— Essa é uma longa história. — respondeu o americano, olhando para Alexi.
— E inadequada para os ouvidos de uma dama — rematou Alexi sem olhar. — Nos desculpa, William?
Montgomery titubeou. Depois, fez uma reverência.
— Foi um prazer, senhorita O’Neill. Espero que possamos continuar com a conversação em outro momento.
— É obvio — respondeu ela com um sorriso.
O que estava escondendo Alexi? Pensava mesmo que ela era tão frágil como para não poder conhecer a verdade sobre suas viagens? Tinha acontecido algo tão horrível com ele, que não queria que ela soubesse?
William Montgomery se afastou até Devlin e Cliff. Elysse ficou a sós com Alexi. E ele a olhou com um gesto carrancudo.
— O que acontece? — perguntou ela. — Seu piloto é um homem muito interessante. E muito bonito, além disso.
Ele a puxou pelo braço e a levou para um canto, junto às janelas.
— Não flerte com Montgomery, Elysse — disse, em tom de advertência.
— Por que não? — perguntou ela, puxando o cotovelo para se liberar.
— É um piloto, Elysse, e um mulherengo.
Ela se sobressaltou.
— Você também é um mulherengo, e falo com você!
Ele a olhou com aborrecimento.
— Ele não é para você. Sugiro que reserve seus flertes para Ogilvy e os de sua classe.
Elysse o olhou nos olhos. Ele nunca tinha mostrado ciúmes de seus pretendentes, e William Montgomery nem sequer era um deles. Alexi tinha razão; por mais interessante que fosse, continuava sendo um piloto, não um cavalheiro.
Elysse começou a sorrir. Tocou sua mão bronzeada e curtida.
— Não tem por que ficar com ciúmes , Alexi. — murmurou.
— Não comece a flertar comigo! Eu não sou com ciúmes. — disse ele, encolhendo os ombros. — Só estou tentando protegê-la de um mulherengo perigoso, Elysse. Montgomery tem muita lábia com as mulheres, e não quero que caia em suas redes.
— Não cai nas redes dele. Me alegro de que não esteja com ciúmes, Alexi. O senhor Montgomery é muito interessante, fascinante de fato, e muito bonito. E é um convidado nesta casa.
Por um momento, ele ficou calado. Elysse o conhecia bem, mas não sabia o que podia estar pensando naquele momento. Então, Alexi se inclinou para ela e a aprisionou contra as cortinas.
— Está tentando jogar comigo? — perguntou em voz muito baixa.
Ela sentiu um calafrio. Quase não podia respirar.
— Não sei o que quer dizer. Mas não acho que possa pôr objeção ao fato de que tenha uma conversação agradável com seu piloto, nem ao fato de que volte a vê-lo — disse, e pestanejou flertando, enquanto notava que o coração se acelerava freneticamente.
— Montgomery governou o Ariel do Canadá à Jamaica e depois até Cantão, e volta. Eu confiaria a ele meu navio e todos meus homens de novo sem pensar duas vezes, mas no que se refere a você, não confiaria nada — disse, e com um olhar bravo, acrescentou: — É impossível, Elysse. Estou pedindo a você que o evite por seu bem, não pelo meu.
Seu ombro ainda apertava o dela. Era cada vez mais difícil para Elysse pensar com claridade. Sussurrou:
— Vou considerar o que você me disse.
De repente, ele baixou o olhar de seus olhos a seus lábios. Elysse ficou tensa. Naquele momento, pensou que ia beijá-la. Em vez disso, ele se ergueu e balançou a cabeça lentamente com uma expressão de desgosto.
— Muito bem. Pense nisto. Mas depois não diga que não a adverti.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 2
Alexi estava inquieto, e não sabia por que. Depois de estar tanto tempo afastado de sua família, seu estado de ânimo deveria ser completamente diferente. Normalmente, o tempo que passava na casa de sua família, na Irlanda, era ocioso, e seus passatempos não tinham nada de transcendental. Dava largos passeios a cavalo pelo campo, visitava os vizinhos, tomava o chá com suas irmãs e desfrutava de escandalosas refeições familiares. Entretanto, naquele momento não se sentia relaxado. Só tinha vontade de voltar para seu navio e desdobrar as velas.
A noite anterior não tinha conseguido conciliar o sonho. Depois do jantar tinha estado pensando em sua viagem de volta da China, de preço que seus agentes de Londres tinham conseguido para o chá, e quão rápida podia ser sua próxima viagem. Desenhou, mentalmente, os planos do navio que ia construir só para o comércio com a China. Mas de noite, em seu quarto, às escuras, não podia deixar de recordar Elysse O’Neill. E inclusive naquele momento, enquanto tomava o café da manhã com sua família, continuava pensando nela.
Sempre tinha sido muito bonita. Ele tinha pensado assim, desde que era um menino, quando se conheceram. De fato, nunca esqueceria o momento no qual tinha entrado no salão de Harmon House pela primeira vez, depois de chegar a Londres da Jamaica com seu pai. Ele tinha lido muitas coisas sobre Londres, claro, mas nunca imaginou que era uma cidade tão grande e agitada, com tantos palácios e mansões. Estava muito emocionado por conhecer a terra natal de seu pai, e tinha ficado assombrado, embora o tivesse dissimulado bem, muito bem. De caminho a Harmon House, Cliff tinha mostrado muitas coisas interessantes de Londres a sua irmã Ariella e a ele. Harmon House tinha parecido a ele tão majestosa e imponente como Buckingham.
Para ocultar seu nervosismo, ele tinha aumentado o balanço de seus passos e a rigidez de seus ombros. Seu pai tinha recebido a saudação afetuosa de seus irmãos, um dos quais era o conde de Adare. Havia mais adultos e mais crianças, mas Alexi só tinha visto a preciosa menina loira de vestido rosa que estava sentada no sofá de damasco.
Tinha-a tomado por uma princesa de verdade. Ele nunca tinha visto ninguém tão bonita, e quando ela olhou para ele, Alexi ficou sem respiração. Entretanto, ela havia torcido o nariz, como uma verdadeira esnobe. E imediatamente, ele havia sentido o desejo de impressioná-la. Aproximou-se dela, e sem esperar que fossem apresentados, tinha começado a contar suas grandes façanhas em alto-mar. Ela arregalou os olhos…
Aquela lembrança fez Alexi sorrir. Em poucos dias se tornaram amigos. Entretanto, o sorriso apagou de seus lábios naquele momento. A noite anterior, Elysse estava inclusive mais deslumbrante de que ele recordava. Como era possível que tivesse se esquecido o quanto era pequena e bonita? Ao segurá-la em seus braços para que não caísse pelas escadas, ficou assombrado por sua feminilidade.
Claro que ele não era o único que notara sua beleza. Ogilvy estava embevecido, e parecia que seu piloto, Montgomery, também.
O coração de Alexi deu um salto. Elysse era preciosa, e sabia disto desde que era uma menina. Quando pequena já era uma coquete temerária, e como adulta também. Fazia anos que ela a via flertando despreocupadamente. Isso o divertia. Alexi nunca tinha entendido como era possível que seus pretendentes se deixassem manejar daquela maneira; parecia que ela os levava presos por uma corrente.
Tinha mesmo pensado podia flertar com ele? Que podia colocar uma corrente nele? Se voltasse a pestanejar os olhos daquela maneira, talvez Alexi aceitasse seu desafio a beijasse até deixá-la aturdida. Então ela ficaria horrorizada, não?
Alexi sabia que só estava enganando a si mesmo. Ele nunca a trataria daquela maneira. Tinha sentido atração por ela desde menino, e isso não havia mudado. Sempre tinha havido um laço especial entre eles. Talvez outros pensassem que fosse presunçosa, mas ele sabia qual era a verdade: que Elysse tinha um coração de ouro. Também sabia que era leal, excepcionalmente leal a ele. Ela não podia evitar o fato de que seus pais a tivessem mimado tanto, nem de ter nascido abençoada com tanta riqueza e tanta beleza. Aquilo não tinha importância; o que importava era que ela o entendia. Algumas vezes Alexi tinha a sensação de que sabia o que ele estava pensando quando estava calado. E muito frequentemente, ele também sabia quais eram seus pensamentos, e seus segredos, sem que Elysse tivesse que dizê-los em voz alta.
Entretanto, aquele forte vínculo tinha complicado as coisas desde o começo. Sempre tinha sentido atração por Elysse, desde que se conheceram. De menino pensava que algum dia, quando fosse um homem, se casaria com ela, e nunca tinha pensado sobre as vantagens e os inconvenientes.
Aos quinze anos tinha descoberto às mulheres e o sexo. E com isso, tinha deixado a um lado todas as crenças sobre Elysse.
Bem, já tinha voltado para casa. E não era mais um menino ingênuo de oito anos nem um adolescente excitado de dezesseis. Tinha vinte e um anos, e era um capitão de navio mercante muito próspero. Também era solteiro, e gostava de sê-lo. Não tinha interesse em casar em um futuro próximo. Entretanto, aquela vaga atração que sentia por ela já não era vaga. Converteu-se em um evidente batimento de coração entre suas virilhas. O desejo era inconfundível, e não era mais fácil ignorá-lo. Era poderoso e inquietante.
Quanto antes partisse da Irlanda, melhor, pensou. Assim poderia pensar como ia administrar o que sentia por ela a próxima vez que voltasse para casa.
— Seu país é muito bonito, senhora De Warenne.
Alexi saiu de seu pensamento.
— Me alegro de que você goste dele — respondeu Amanda, sua madrasta, sorrindo para William Montgomery do outro extremo da mesa.
— Pensava que só ia querer estar no campo um par de dias, mas me equivocava — prosseguiu Montgomery com seu forte acento sulino, e tomou um pouco de chá. — Eu gostaria de percorrer a cavalo as charnecas irlandesas muitas vezes mais.
Estavam sentados à mesa com Amanda e Cliff. Suas irmãs estavam no andar de cima. Seu pai estava lendo o London Times e Alexi tinha estado tentando ler os periódicos irlandeses, o qual era um luxo, porque não era possível encontrá-los fora do país. Entretanto, não conseguia concentrar-se em uma só palavra. Olhou seu piloto. Montgomery tinha salvado sua vida no Canadá. Tinha arriscado sua vida por ele. Eram amigos, mas Alexi sabia que o piloto era implacável quando se tratava de conquistar mulheres belas.
Montgomery nunca tentaria seduzir Elysse, claro. Depois de tudo, era o piloto de Alexi e era um convidado em sua casa. Seu flerte com Elysse da noite anterior tinha sido um divertimento inofensivo. Então, Por que queria permanecer no campo?
— Já vai estar aborrecido esta noite — disse Alexi. — Eu estava pensando em diminuir minha estadia.
Cliff deixou o periódico sobre a mesa e olhou seu filho.
— E por quê?
— Quero ir a Londres e começar a trabalhar no projeto de navio novo — disse ele.
Em Londres, Montgomery e ele poderiam ir de farra tudo o que quisessem.
Amanda sorriu ao piloto.
— Me alegro muito de que estejam desfrutando da Irlanda. Lembro a primeira vez que eu vim aqui. Adorei tudo: as casas antigas, as colinas verdes, a névoa, a gente… Também é sua primeira vez, verdade?
— Sim, e não sei como agradecê-los por sua hospitalidade. Sua residência é muito bela, senhora De Warenne — disse Montgomery, e olhou Alexi. — eu adorei conhecer a família O’Neill ontem à noite.
Alexi deixou a um lado o periódico e se ergueu na cadeira. Não tinha mentido ao dizer a Elysse que Montgomery era um tremendo mulherengo. Eles tinham estado dez dias na Batavia, bebendo e jogando cartas em companhia de prostitutas, enquanto esperavam a que o vento mudasse e pudesse levá-los até Cantão. Montgomery era um homem muito bonito com muito encanto sulino, e as mulheres iam a ele como as abelhas no mel. Sua galanteria lhe abria as portas das melhores casas dos portos que paravam, e tinha seduzido a muitas mulheres casadas, embora nunca tivesse desonrado uma moça solteira. Ao menos, Alexi não tinha conhecimento disso. Até o momento, Alexi o havia considerado como sua alma gêmea. Não era possível que Montgomery quisesse ficar na Irlanda para cortejar Elysse, ou será que ela já o tinha conquistado? Quando um homem desejava uma mulher, era difícil pensar com claridade!
Cliff surpreendeu a todos dizendo:
— Elysse O’Neill é uma mulher muito bela.
— Acho que nunca tinha conhecido a uma dama tão maravilhosa nem tão encantadora. — afirmou Montgomery.
Alexi ficou estupefato. Estava sendo Montgomery meramente amável, ou estava enamorado? Sua voz tinha um tom intenso.
— Tome cuidado, meu amigo, ou logo estará amarrado com um fio curto, como faz com todos seus pretendentes idôneos.
— Alexi! — exclamou Amanda com desaprovação — Isso foi muito mal educado!
— Bom, é que estou preocupado por meu amigo. Não quero que quebrem seu coração. Elysse não quer machucar ninguém, mas é uma coquete, e a vejo atrair seus admiradores desde que tínhamos doze ou treze anos. É muito habilidosa. E, francamente, hoje em dia é ainda mais coquete de que quando parti.
Cliff negou com a cabeça.
— Esta conversação é muito pouco adequada, Alexi.
— Flertar não tem nada de errado — disse Amanda.
Montgomery acrescentou:
— Em minha terra, uma mulher que não flertasse seria considerada estranha. De fato, flertar se considera toda uma arte em Maryland.
— Pois eu acredito que deveria manter as distâncias, William. Seu encanto pode ser fatal.
Montgomery sorriu lentamente.
— Fala por experiência própria?
Ele ficou tenso.
— Ninguém nunca quebrou meu coração. E não penso permitir que o façam.
— Você sabe que durante nossas viagens temos poucas oportunidades de falar com uma dama. Ontem à noite foi muito agradável, e eu estou desejando voltar a desfrutar da companhia das damas.
O piloto pegou sua taça e deu um gole.
Suas intenções estavam claras. Queria ver Elysse outra vez. Alexi o olhou pensativamente. Não se importava que Montgomery e Elysse flertassem algumas vezes, sempre e quando Montgomery se comportasse de um modo respeitoso. E Alexi não tinha nenhum motivo para pensar que iria se comportar de outro modo, porque não estavam em Malta, nem em Lisboa, nem em Singapura. Entretanto, sentia-se inquieto. Tinha a sensação de que Montgomery estava muito interessado em Elysse, e não confiava nele.
— Sabe? Dublín é uma cidade muito bonita. Deveríamos passar uns dias ali antes de voltar para Londres.
Montgomery não respondeu.
— Por favor, não parta tão rapidamente — disse Amanda. Levantou-se da cadeira e se aproximou dele, pousando uma mão em seu ombro. — Sentimos muito sua falta.
Alexi sabia que não podia desiludir assim a sua família. Sorriu à sua madrasta.
— Prometo que não partirei a toda pressa.
— Bom.
Ela beijou sua bochecha e se despediu.
— Posso fazer uma pergunta? — disse Montgomery.
Alexi o olhou, enquanto seu pai voltava para o London Times.
— Por que Elysse não se casou ainda?
Alexi esteve a ponto de engasgar. Cliff moveu o periódico e respondeu:
— Seu pai quer que sua filha tenha um casamento de amor. Devlin disse isto muitas vezes.
Montgomery se ergueu em sua cadeira.
— Suponho que vai querer encontrar um cavalheiro para ela com título nobiliário e fortuna.
— Sim, está certo que ele quer que Elysse desfrute de todos os privilégios, mas acredito que o mais importante para ele é que haja verdadeiro amor no casamento. — respondeu Cliff, e deixou o periódico na mesa. — Bem, tenho que ir visitar alguns colonos. Alexi quer vir comigo?
Era evidente que Montgomery ficou surpreso pela resposta de Cliff, e que estava pensando febrilmente. Alexi não dava crédito. Por acaso seu piloto estava pensando em se casar alguém de condição superior à sua? Ele não pôde evitar recordar o que tinha assumido de menino, que um dia cresceria e se casaria com Elysse O’Neill.
— Tenho outros planos, papai.
Naquele momento, o casamento era a última coisa na qual pensava. O único que queria era escapar da confusão e do desejo. Estava impaciente para voltar para a China, recolher outro carregamento de chá e voltar a toda velocidade para Grã-Bretanha, superando a todos seus rivais.
Mas não podia deixar acontecer aquilo.
Cliff saiu da sala de refeições. Montgomery disse com seriedade:
— Uma grande dama como Elysse O’Neill merece tudo o que a vida possa lhe brindar. — disse, e tomou sua taça de chá com brutalidade.
Alexi ficou olhando-o. O americano estaria realmente considerando que Elysse pudesse sentir-se atraída por ele, e que poderia seduzi-la? Elysse admirava Montgomery, e os homens como ele se casavam muito frequentemente com mulheres de status superior. E Montgomery era um oportunista. Talvez, Devlin o recebesse como a um companheiro navegador, e o pusesse ao comando de sua própria companhia naval. De repente, Alexi soube com segurança que Montgomery, além de sentir-se atraído por Elysse, sentia-se atraído pela enorme fortuna da família O’Neill.
As coisas tinham mudado.
Afastou seu prato. Elysse não era capaz de ir a uma festa ou a um baile sem atrair a todos os homens da sala e cativá-los com sua risada, sua beleza e seu encanto. Entretanto, atrair Montgomery era muito má ideia. Ele disse a ela. E agora percebeu que aquilo tinha ramificações ainda piores.
Alexi cruzou os braços.
— Está muito pensativo, William.
Montgomery levantou o olhar.
— Estou decidindo o que vou fazer esta manhã.
— Vamos montar a cavalo.
— Parece bom, sempre e quando voltarmos antes da uma.
— E o que acontecerá a essa hora?
— Vou passear no campo com a dama mais bela que conheci.
Então, a noite anterior tinham feito planos para ver-se de novo? Lógico, porque Elysse fazia caso omisso de suas advertências.
— Você se incomoda? — perguntou Montgomery, olhando-o fixamente.
— Hoje vai chover.
— Parece que sim, mas um pouco de garoa não me vai impedir de desfrutar da companhia da senhorita O’Neill. Só um idiota adiaria nosso encontro. Perguntei você se incomoda, Alexi.
— Na verdade, sim.
— Parecia mesmo que sim. Então, se interessa pela senhorita O’Neill?
Ele não moveu um só músculo.
— Não. Mas estou muito unido a ela e a sua família, Montgomery. Somos amigos, assim vou ser franco. Ela é uma dama, e uma dama a que eu sempre vou proteger.
— Não tem que protegê-la de mim.
Alexi riu com aspereza.
— O que pretende, Montgomery? Desde quando se faz de cavalheiro que acompanha às damas a passeio? Sei o que quer realmente de uma mulher. Estivemos juntos de farra muitas vezes. Elysse O’Neill é uma dama, uma inocente. Não é para você.
— Sei muito bem que não é uma prostituta de porto. Desfruto em sua companhia. Não quero faltar com o respeito — disse o piloto, e seu olhar se endureceu. — E ela também desfruta comigo.
— Ela flerta com todo mundo. Você está tomando isso muito a sério.
— Parece que está com ciúmes.
— Eu a conheço desde que somos crianças, Montgomery. Conheço-a tão bem como a minhas irmãs. Por que ia sentir ciúmes de seus flertes frívolos? Vi seus admiradores irem e virem durante anos. Só estou preocupado por ela, como amigo dele que sou.
— Está com ciúmes porque é muito bonita para descrevê-la com palavras. — disse Montgomery, e ficou em pé bruscamente. — Qualquer homem com sangre nas veias sonharia em receber um sorriso seu e estar entre seus braços. Eu também conheço você, Alexi. Você sonhou com ela, como todos os outros.
Alexi ficou em pé com o coração acelerado.
— Estou tentando adverti-lo que ela não faz mais que jogar com seu afeto. Vi-a jogar assim muitas vezes.
— E eu estou tentando dizer a você que não me importa. Mas de todos os modos, penso que tem um interesse verdadeiro por mim. Gosta de mim, Alexi, sente-se atraída por mim. Já estive com mulheres o suficiente para reconhecer quando uma delas sente interesse real. Talvez devesse aceitá-lo.
— Está jogando com você. E se pensar que vai aceitar sua corte, está errado.
Montgomery lhe sorriu.
— Vamos dar um passeio de carruagem, Alexi. É uma saída vespertina. Não lembro de ter dito que vá criar raízes na terra.
Acaso estava dando muita importância a um inocente flerte?
— Muito bem. Então, que aproveitem o passeio. Mas lembre-se que ela é uma dama, e que é amiga minha.
— Como ia esquecer?
— Quando sorrir a você como se fosse o único homem de mundo, e estiver a sós com ela, talvez esqueça tudo, salvo o que está palpitando dentro de suas calças.
— Eu nunca a seduziria — disse o piloto, depois de uns instantes. Alexi o olhou fixamente, embora com uma expressão vazia. — Percebe que nós estamos brigando?
— Nós não estamos brigando. Somos amigos — respondeu Alexi com tensão.
Entretanto, suas palavras soaram falsas. Montgomery parecia um adversário perigoso, e continuava sem confiar nele com respeito a Elysse. Além disso, estava zangado com ela, por ter começado a paquerar com o piloto, em primeiro lugar.
— De fato, somos mais que amigos. Devo minha vida a você. Se não fosse por você, agora minha cabeleira estaria pendurada da parede da cabana de algum índio, no território de Canadá.
Tentou concentrar-se naquilo, mas foi impossível. Imaginou Elysse nos braços de Montgomery, em um abraço apaixonado. Deus, nem sequer sabia se alguma vez a haviam beijado!
— E você me salvou a vida na Jamaica, durante as revoltas — disse Montgomery.
— E talvez não tivéssemos saído com vida de mar da China de se não fosse por seu domínio da navegação.
— Então, Por que estamos discutindo? Vamos jurar que nunca vamos brigar por uma mulher, embora seja tão bela como a senhorita O’Neill — disse Montgomery, oferecendo a mão.
Alexi vacilou, pensando febrilmente. Tinha a imagem de Elysse, incrivelmente bonita vestida de verde, gravada a fogo na mente. Viu-a rindo com o piloto, e a viu cravando os olhos nele. Sacudiu a cabeça para afastá-la de sua mente e estreitou a mão de Montgomery.
— Não me passa pela cabeça brigar com você.
— Bom — disse Montgomery com um sorriso.
Alexi devolveu o sorriso, mas custou um esforço fazê-lo.
Montgomery saiu da sala de refeições. Enfrentaram-se pela primeira vez em dois anos. Mas o pior era que Alexi já não confiava no homem que tinha salvado sua vida. E isso era culpa de Elysse O’Neill.

Elysse sabia que era infantil permanecer junto à janela do salão principal para ver o caminho que levava para a casa e saber quem se aproximava. E não estava ali porque William Montgomery iria visitá-la aquela tarde. A noite anterior tinha ouvido Alexi pedir a seu pai que o recebesse em privado para poder pedir um conselho. Devlin tinha sugerido que fosse vê-lo a qualquer hora depois de comer.
Não tinham tornado a falar na noite anterior, depois que Alexi advertiu Elysse que se afastasse de seu piloto. Não tinham tido oportunidade de fazê-lo com tantas visitas em casa. Elysse tinha estado a ponto de recusar quando Montgomery tinha pedido que desse um passeio com ele no dia seguinte, mas no último momento tinha decidido que era uma mulher adulta e que não faria nenhum dano a ela ter outro admirador, principalmente considerando que aquele admirador em concreto incomodava Alexi. Embora ela confiasse nele, não tinha direito a dizer a ela quem podia ou não ver. E de todos os modos, dar um passeio pelo campo era algo inofensivo.
Apesar disto, ela queria poder falar com ele a sós. Ainda queria fazer centenas de perguntas sobre sua viagem, e desejava saber o que tinha acontecido no Canadá. quanto mais pensava, mais agradecia Montgomery que tivesse salvado a vida de Alexi. Se a aventura não era adequada para os ouvidos de uma dama, devia ser horrível de verdade. Elysse não sabia o que faria se algo ocorresse a Alexi!
Ouviu um movimento a suas costas, e se sobressaltou. Virou e se encontrou com sua mãe, Virginia, que lhe sorriu.
— Por que não o espera na biblioteca? Esses sapatos novos parecem ser muito incômodos.
Elysse olhou seus pés. Vestia umas botas de couro de cor nata. Tinham um salto alto muito na moda naquele momento, e já doíam os dedos dos pés. Entretanto, aquele calçado complementava à perfeição seu conjunto.
— É muito cedo para que o senhor Montgomery chegue. Será melhor que o espere na biblioteca, sim — disse. Ao responder, notou que se ruborizava.
Virginia a observou atentamente.
— Elysse sou sua mãe. Nós duas sabemos que o piloto é um homem muito agradável, e também que não pode importar menos a você.
— Quase não o conheço, mamãe, mas estou desejando conhecê-lo melhor. Tem muitas histórias que contar!
— De verdade? Eu me dei conta de que Alexi conta histórias estupendas de suas aventuras no mar, e que se converteu em um homem de aparência muito agradável e muito competente. Não só recorda a Cliff, mas também recorda a seu próprio pai. É responsável, inteligente e trabalhador. Tinha a esperança de que vocês dois reatassem sua amizade.
Elysse notou que seu coração acelerava.
— Só você, mamãe, falaria abertamente do muito que ele trabalha, embora seja no mar.
A maioria das pessoas que Elysse conhecia desprezava o fato de trabalhar para obter benefícios, por mais que necessitassem de ganhos altos para manter seu nível de vida. Entretanto, sua mãe era americana e via com muito bons olhos o fato de obter lucros mediante o trabalho. Elysse não se importava. Sabia que não deviam falar abertamente disso, isso era tudo. Sorriu.
— Teve uma viagem muito produtiva, verdade?
— É um jovem muito bonito! E você também pensa o mesmo. Não ocorreu a você dizer a ele que sentiu falta dele? Estou certa de que gostaria de ouvi-lo.
Elysse ficou espantada. No que estava pensando sua mãe? Nunca diria algo assim a Alexi!
— Pensaria que sou uma de suas desavergonhadas apaixonadas, igual a essa Louisa Cochrane. Pior ainda, riria de mim!
— Por que não pergunta a ele se quer dar um passeio pelo campo? — perguntou Virginia sorrindo. — Ninguém pensaria que você é uma desavergonhada, querida.
— Nem pensar! Mamãe! Uma dama não se joga nos pés de um cavalheiro!
— Não parece que Louisa Cochrane se importe muito em deixar claro seu interesse, e ela não é nenhuma desavergonhada, é nossa vizinha e uma dama.
Elysse arregalou os olhos enquanto sua mãe se afastava com uma expressão de petulância. Elysse não sabia como era possível que alguma vez tivesse gostado de Louisa. A noite anterior, Jack tinha repetido várias vezes como ela era atraente, e que se fosse um homem em idade de casar, coisa que não era, ele mesmo a cortejaria.
Virginia tinha notado que Louisa estava perseguindo Alexi, e tinha dado suficiente importância a isto para mencioná-lo a Elysse. E o que esperava sua mãe que ela fizesse? As sórdidas aventuras de Alexi não eram coisa dela. Alexi era um solteiro convicto que se cansava rapidamente de suas aventuras. Sua aventura com Louisa Cochrane não deveria provocar aquela dor em seu estômago.
Quando sua relação com Alexi se tinha convertido em algo tão complicado? Ele era um antigo amigo, muito querido, isso era tudo. Entretanto, na noite anterior, Elysse tinha demorado horas em conciliar o sonho. Não podia deixar de pensar em Alexi e em seu chá, em Alexi e Louisa, e em sua maneira de olhá-la, como se quisesse lhe dar um beijo.
Certamente, aquilo último era imaginação de Elysse.
Ouviu o ruído dos cascos antes de vê-los. Elysse correu à janela e viu Alexi e seu piloto no caminho de cascalho, montados sobre dois dos magníficos puro-sangue de pai de Alexi. Montgomery chegava cedo, e ela se sentiu desiludida.
Os homens desmontaram. Alexi levava um pacote grande envolto em papel marrom. Ela soube com certeza que se tratava de um presente. Deu a volta e entrou apressadamente na biblioteca; sentou-se no sofá e arrumou a saia na cadeira.
Alexi entrou a sós no aposento; claramente, sentia-se em casa e não necessitava que o acompanhasse nenhum servente. Deixou o pacote em uma cadeira.
— Olá, Elysse — disse brandamente. — O que foi? Não pôde dormir ontem à noite?
Ela ficou em pé, ruborizando-se. Ele não podia saber quais tinham sido seus pensamentos durante a noite anterior. Olhou o pacote, mas se conteve.
— Olá, Alexi. E você, dormiu bem? — perguntou docemente.
— Sim, muito bem — respondeu ele, como se a pergunta o divertisse.
— E onde está o senhor Montgomery?
— Está conversando com seu pai, Elysse — respondeu ele, e se aproximou. — Deixa que eu adivinhe — acrescentou em um murmúrio: — Esteve acordada a noite toda, sonhando com sua excursão com Montgomery.
Elysse começou a tremer. Por que usava aquele tom de voz sedutor com ela?
— Isso não é assunto seu. Além disso, você também tem um aspecto ruim. Nem você dormiu bem.
— Oh, eu não disse que você está com um aspecto ruim. Está tão bonita como sempre, e sabe. Assim deixa que faça outra hipótese. Não dormiu… por mim?
— Minha mãe pensa que você se tornou em um homem bonito e íntegro. Eu não estou de acordo. É mais grosseiro e insuportável que nunca.
Ele sorriu.
— É tão fácil provocá-la, querida — disse. Depois, deu a volta e pegou o pacote da cadeira. — Não quer saber o que há dentro, Elysse?
Ela tentou dissimular sua impaciência.
— É para mim?
— Sim, claro — respondeu Alexi, e entregou o pacote a ela.
Seu coração se acelerou. Sentia-se como uma menina e queria rasgar o papel mas conseguiu resistir a tentação e desatou o laço cuidadosamente. De repente, tinha os dedos duros.
Alexi se aproximou de suas costas e a envolveu com o calor de seu corpo.
— Vamos — sussurrou. Sua respiração acariciou a nuca a Elysse, e ela ficou paralisada. — Deixa que a ajude.
Elysse não se moveu. Não podia. Por acaso não sabia que a estava acossando? Que estava virtualmente em seus braços? Então, ele ficou do seu lado, e ela sentiu alívio e decepção. Alexi começou a desembrulhar muito devagar o pacote. Olhou-a de canto de olho e sorriu.
— Está brincando comigo.
— Sim.
Finalmente, ele rasgou o papel e Elysse viu uma pele escura e brilhante. Ao perceber de que era uma Zibelina, respirou ruidosamente.
— Alexi! Você se lembrou! Inclusive a transformou em um casaco!
— Vamos ver se fica bem — disse ele, e a pôs sobre os ombros. Ela deslizou os braços pelas mangas.
Elysse se envolveu no casaco.
— Fica perfeito — disse, e o olhou fundo nos olhos. — Não esqueceu.
— Disse que traria para você uma Zibelina da Rússia — respondeu ele, com a voz rouca. — E eu nunca esqueço uma promessa.
Os olhos de Elysse se encheram de lágrimas.
— Como posso aceitar isto? — perguntou. Ele não podia saber o tanto que significava aquele casaco para ela. Era o presente mais valioso que alguém já tinha dado a ela.
— Como vai recusá-lo? Eu não aceitaria que me devolvesse.
Por fim, ele baixou o olhar e se afastou dela. Elysse o observou com atordoamento, como hipnotizada. Sentia-se tão feliz porque ele estava em casa… Por que tinha que voltar a partir?
Alexi virou para ela.
— Eu não gosto que brinque com meu piloto, Elysse.
Ela ficou rígida. Não queria discutir.
— Não estou jogando com ele. Eu me sinto bem em sua companhia.
— Flertou sem nenhuma vergonha com ele, e sabe.
Ela se sentiu ferida por suas palavras.
— Isso é injusto. Todas as mulheres flertam. Por que está fazendo isto agora?
— Estou protegendo você. Flerte tanto quanto quiser, mas não o faça com meu piloto.
— Você flertou muito mais desavergonhadamente com Louisa.
Ele sorriu lentamente, embora sem alegria.
— Eu sou um homem, e, além disso, um De Warenne. Ela é uma mulher. E é viúva.
Alexi acabava de deixar bem claras suas intenções. Cortejaria Louisa, mas não para casar-se, Oh, não. Por que lhe doía tanto que ele tivesse aquela aventura? Isso fazia mais danos, inclusive, que suas críticas. Tirou o casaco com a respiração entrecortada.
— Espero que desfrute.
— Parece que se incomoda. Não, em realidade parece que está com ciúmes. Está com ciúmes, Elysse?
— Eu sou uma dama. Não posso estar com ciúmes de uma de suas amantes. — sentenciou ela. Entretanto, naquele momento não estava segura de quais eram seus sentimentos.
— William é meu amigo — respondeu Alexi. — Eu devo a vida a ele. Estou pedindo a você que pare de flertar e o deixe tranquilo. Não acredito que uma relação entre vocês seja benéfica.
Como confiava nele, esteve a ponto de ceder. Entretanto, ele deixaria Louisa se ela pedisse? Elysse já sabia qual era a resposta àquela pergunta.
— Nós vamos dar um passeio de carruagem, Alexi. Não é um pretendente! Quem é que está com ciúmes agora?
Ele se ruborizou.
— Brincar com os sentimentos dele é um erro, Elysse. Acredite em mim. Eu sei.
— Só me estou comportando de um modo amistoso. Ele é seu convidado, e ontem à noite foi o nosso. Não entendo por que age desta maneira.
Alexi se aproximou dela. Tinha uma expressão decidida, mas suas longas passadas foram lentas. Elysse ficou muito tensa. Ele parou na sua frente, e ela deu um pulo quando Alexi acariciou sua bochecha com as gemas dos dedos.
— E o que vai fazer se ele cortejá-la a sério?
Era quase impossível pensar.
— Se quiser me cortejar? — ele estava colocando uma mecha de cabelo atrás de sua orelha.
— Não sei. Vou decidir no momento!
Alexi deixou cair a mão e disse firmemente:
— Não confio nele.
Ela queria que ele voltasse a acariciar sua cara, ou o ombro, ou o braço, ou qualquer outro lugar que ele preferisse. Tinha o corpo em chamas. sentia-se confusa, e retrocedeu. Conhecia Alexi de toda a vida, por mais bonito e atraente que fosse, era seu amigo!
— Isto é absurdo. O que vai fazer? Talvez seja um piloto, mas é um cavalheiro, ao menos em sua alma.
— Não é um cavalheiro, Elysse. Eu sei bem. E estou advertindo você de que pode ser implacável quando persegue uma mulher.
— Por que está fazendo isto?
— Porque trato de protegê-la.
Ela se surpreendeu. Pela primeira vez em anos, Elysse recordou a promessa que havia feito a ela tanto tempo atrás, na Irlanda, quando eram crianças.
— Sinto-me adulada, e agradeço por isso, mas não necessito seu amparo, Alexi.
Entreolharam durante um momento que pareceu interminável. Finalmente, ele disse:
— Ele ficou cego por sua beleza, e perdeu o sentido comum.
— Tolices.
— Não acredita que um homem pode perder o sentido comum quando pensa na possibilidade de estar com você, embora seja só um momento? — perguntou ele com suavidade.
— Não — sussurrou ela. — Não acredito.
— Mentirosa — replicou ele, e seus olhares ficaram presos um no outro.
Elysse estremeceu e segurou seu braço. Ele abriu muito os olhos quando ela segurou seus poderosos bíceps. Elysse tinha a pele ardendo. Era difícil pensar. Não queria saber o que estava fazendo, mas o fato de estar agarrada a Alexi naquele momento parecesse muito bom, embora o coração quisesse sair de seu peito.
Para sua decepção, ele se separou dela. Alexi também estava muito ruborizado e tinha os olhos muito brilhantes. Por um momento a olhou com atrevimento.
Elysse retrocedeu enquanto ele virava de costas. Ela se abraçou. Seu corpo gritava. Não tinha nenhuma dúvida do que estava acontecendo: desejava a Alexi, e era um desejo que não havia sentido nunca.
Ele perguntou a ela, com a voz rouca:
— Poderia se apaixonar por ele? Por um homem sem título, de um navegante? Por um marinheiro singelo e valente, e decidido? — pigarreou e se voltou novamente para ela. — Nós dois sabemos que Devlin fará o que você queira que faça. Se quiser se casar com o piloto, ele aceitaria, se fosse um casamento por amor.
Do que estava falando Alexi?
— Está falando do senhor Montgomery?
Ele concordou.
— De quem mais poderia estar falando? Que outro veio visitá-la hoje?
Elysse teve a sensação de que a sala dava voltas. Nunca havia se sentido mais instável.
— Eu gosto dele, mas não estou apaixonada por ele. Duvido que possa me apaixonar por ele.
Por que estavam falando de piloto? Por que Alexi não a abraçava? Será ele não sentia também aquela necessidade imperiosa?
Ele a estava olhando fixamente.
— Então, talvez você devesse dizer com sinceridade a ele o que acaba de me dizer. — disse, e enquanto se virava para partir, acrescentou: — Em vez de enganá-lo tão facilmente.
Ela o seguiu apressadamente.
— Só vamos dar um passeio de carruagem! Eu não estou enganando ninguém!
— Acredito que está louco por você, e você sabe disto! Talvez esteja se perguntando se pode cortejá-la legitimamente, Elysse. Você o está enganando deliberadamente.
— Não estou fazendo tal coisa. Parece que desde que voltou para casa só pensa o pior de mim!
— Você é a dama que tem uma dúzia de admiradores em qualquer aposento.
— Tenho vinte anos e sou solteira! Deveria dar as costas a todos os possíveis pretendentes?
— Alguma vez recusou a alguém?
Ela se encolheu.
— Fala como se eu fosse uma prostituta!
— Flerta como se fosse.
Ela ficou espantada.
— Isso não está certo.
— Faz o que quiser — disse ele. — Sempre faz.
— E você não? — inquiriu ela furiosamente.
Ele saiu da biblioteca. Ela o perseguiu correndo, mas parou na soleira da porta. O que estava fazendo? Fazia anos que via como as mulheres o perseguiam. Não podia comportar-se assim! Segurou-se na porta da biblioteca.
Ele olhou para trás.
— Fico alegre de que tenha gostado do casaco — disse. — William a espera na outra sala.
Elysse não respondeu. Não podia.

 

 

 

 

Capítulo 3

Elysse se segurou à alça de segurança da carruagem em que viajava com seus pais e seu irmão, enquanto passavam sob a porta do muro da casa dos De Warenne. As portas estavam totalmente abertas, e enquanto seu veículo entrava em comprido caminho de pedras, Elysse viu a casa na distância. A silhueta de Windhaven, cinza e pálida, recortava-se contra o céu de anoitecer, e as janelas derramavam luz.
Jack, que estava muito bonito em seu traje, deu uma cotovelada em suas costelas e lhe fez um gesto zombador.
Ela franziu o cenho.
— Alguém tinha que trazê-la de volta a terra. — disse ele, sorrindo.
Elysse decidiu ignorá-lo. Sua mãe repreendeu Jack, e pediu a ele que deixasse de incomodar sua irmã.
Elysse olhou pela janela da carruagem, ainda agarrada à alça. Tinham passado vários dias desde seu encontro com Alexi na biblioteca de casa de seu pai. O fato dele ter lembrado de sua promessa de trazer uma Zibelina da Rússia havia proporcionado um grande prazer a Elysse, mas não podia esquecer a dor que sentiu quando ele a tinha chamado, virtualmente, prostituta. Estava certa de que não pensava assim. Não podia pensar isso dela.
Também não podia esquecer o desejo que tinha sentido quando ele a havia tocado, e quando a tinha olhado com fogo nos olhos, antes de virar e se afastar dela. Entretanto, talvez tivesse imaginado aquele desejo, e sua resposta a ele. Não estava segura do que podia esperar quando voltassem a se ver aquela noite.
Ele não tinha voltado para Askeaton desde que tinha levado o presente, e Elysse sabia qual era o motivo. Tinha ouvido muitas fofocas sobre suas idas e vindas. Parecia que estava continuamente acompanhando Louisa Cochrane a todas as partes.
Cada vez que o imaginava com a outra mulher, Elysse sentia que uma faca lhe atravessava o coração.
Tinha tentado se convencer de que aquele devaneio não era nada estranho, porque Alexi sempre tinha alguma aventura. Continuava sendo seu amigo. Entretanto, pela primeira vez em sua vida, não se sentia segura. Estava cheia de confusão e dúvidas. Tinha pensado, inclusive, em ir a Windhaven com o pretexto de visitar Ariella. Com esforço, tinha conseguido reprimir o impulso. Ele perceberia imediatamente que era uma farsa, e riria de seu desejo de vê-lo.
Era quase como se estivesse evitando-a, mas, por que ia fazer algo assim?
A carruagem diminuiu o passo e se colocou no final da fila de carruagens que estava na frente da casa. Cliff tinha mandado construir Windhaven o mesmo ano em que trouxe seus filhos da casa na Jamaica, em honra a sua esposa, Amanda. A residência, de três andares, era de estilo georgiano e tinha quatro torres, uma em cada esquina. O telhado era de piçarra. Os jardins eram magníficos, cheios de rosas; todo mundo sabia quanto Amanda gostava das rosas inglesas. Os estábulos de pedra bege claro, como as dependências dos empregados. Era uma casa palaciana, testemunho de êxito que tinha a companhia naval da família.
Havia duas dúzias de veículos na frente deles. Elysse reconheceu a carruagem dourada de conde de Adare. Tyrell De Warenne era o irmão maior de Cliff, e tio de Alexi. É obvio, poderia ter ido ao início da fila, mas tinha preferido esperar sua vez, como todos outros. Claramente, ninguém tinha declinado o convite de Amanda. Não havia nada como um baile em uma mansão campestre irlandesa, e naquela estação, com a colheita de milho tão próxima, os asilos de indigentes cheios e a dívida nacional como tema de conversação em todas as sobremesas, não se celebravam muitos.
Jack deu uns tapinhas em seu joelho.
— Não se preocupe. Estou certo que Montgomery pedirá uma ou duas valsas.
Ela olhou seu irmão com o cenho franzido. Montgomery não era o homem que a mantinha acordada nas noites, embora fosse um pretendente muito galante. Elysse gostava de escutar suas histórias de alto-mar. Já tinha contado a ela quase tudo o que tinha acontecido desde o momento em que Alexi e ele se conheceram no Canadá. É óbvio, Montgomery não tinha falado do dia em que salvou a vida de Alexi. Ela sabia que Montgomery estava de acordo em que era uma flor muito delicada para suportar os detalhes, como também sabia que ele pensava que estava fascinada com suas narrações. E estava certo, estava fascinada, mas não pelo motivo que ele supunha. Através das histórias de Montgomery, Elysse tinha alinhavado muitos detalhes dos dois anos anteriores da vida de Alexi.
Seu passeio pelo campo tinha sido agradável. Ele era bonito, encantador e inteligente, e frequentemente a fazia rir. Era muito atento, e Elysse se perguntou se Alexi tinha razão quando insistia que Montgomery estava louco por ela. Elysse se sentia um pouco culpada por não corresponder a seus sentimentos.
De fato, sua última saída tinha sido um pouco embaraçosa. Tinham decidido esperar no estábulo de um granjeiro para que amainasse o toró que os tinha surpreendido, mas quando ele a tinha ajudado a descer da carruagem, Elysse tinha terminado entre seus braços. Ela tinha suficiente experiência para perceber de que ele tinha manobrado convenientemente para terminar naquela situação. Enquanto esperavam a que cessasse a chuva, Elysse o tinha surpreendido olhando-a com interesse masculino, e tinha tido a certeza de que queria beijá-la. Isso tinha causado certa ansiedade e desconforto, porque não queria que a beijasse nem ele nem nenhum de seus pretendentes. Os beijos eram muito indecorosos, e ela não tinha nunca recebido nada mais que um roçar na bochecha ou na mão. Elysse tinha se perguntado se não o estaria enganando, tal e como Alexi disse em tom acusatório. Entretanto, todas as debutantes podiam desfrutar da companhia de seus pretendentes, incluindo daqueles cuja corte não levavam a sério.
Elysse tinha mantido uma conversação animada e ele não tinha feito nenhum movimento, para alívio dela. Por fim, amainou a chuva, e voltaram para Askeaton.
Ele perguntou se podia visitá-la de novo. Passou pela mente dela que deveria fazer o que Alexi tinha pedido, e dizer a Montgomery, com sinceridade, que era só um amigo. Não queria dar falsas esperanças a ele, em realidade. Entretanto, recordou então como Alexi a estava ignorando, e como estava ocupado com Louisa. Ela tinha direito a flertar levianamente, quando ele tinha uma amante em toda regra!
Assim, em vez de dizer a verdade a Montgomery, convidou-o para Adare. O conde não estava em casa, mas sim a condessa. Lizzie tinha servido um refresco e sua filha Margery se reuniu com eles. Tinham passado uma tarde muito agradável. Depois, Elysse tinha dado uma volta pela mansão, e tinha contado a ele a longa e intrincada história de sua família, que datava dos tempos dos normandos. Montgomery esteve relaxado com tudo e com todos, mas quando voltavam para casa, tinha confessado a ela que até aquele dia não tinha conhecido uma condessa, e muito menos em um palácio como Adare.
— Eu nunca teria adivinhado — respondeu Elysse com um sorriso. Decidiu não dizer a ele que Adare não era um palácio.
— Nem mesmo tinha conhecido a uma princesa como você — disse isso ele, olhando-a ardentemente.
Aquele olhar era muito atrevido, e Elysse se sentiu adorada.
— Eu não sou uma princesa! Está brincando comigo, senhor.
— Para um homem como eu, você é um sonho feito realidade — disse ele. — Quando estou com você, frequentemente me pergunto se não estar sonhando e vou despertar e me dar conta de que estes momentos nunca aconteceram em realidade. Você é uma princesa em todos os sentidos, ao menos para mim.
Elysse se havia sentido adulada. Enquanto Alexi pensava que ela flertava como uma prostituta, William Montgomery pensava que era uma princesa. Quando sorriu a ela com calor, ela devolveu o sorriso, e durante o resto do trajeto de volta para Askeaton, tinham conversando alegremente. Sua amizade se fortaleceu.
Poucos dias antes, Elysse tinha recebido o convite de Amanda para o baile primaveril de celebração. Era uma nota escrita à mão Amanda comunicava que ia celebrar a festa em honra a seu enteado Alexi, por sua volta da China e o êxito de sua viagem comercial.
O coração dela encolheu um pouco. Sabia quais eram os planos de Alexi. Montgomery tinha contado. Não ia partir para a China até princípios de verão, porque a primeira coleta de chá era em julho, e demoravam um mês para enviá-la aos armazéns de Cantão. Depois, demoraria outro mês para negociar o carregamento e seu preço. Mas isso, se Alexi conseguisse outra vez o primeiro chá, o qual, segundo o piloto, não era certo. O comércio era muito competitivo! Por outro lado, novembro era o mês mais perigoso para atravessar o mar da China. Embora a monção que provinha de nordeste fosse uma grande ajuda para o impulso do navio, chegava acompanhado de fortes tufões, e havia poucos capitães que zarpavam esse mês. Inclusive Alexi preferia zarpar em dezembro. Elysse percebeu que, depois que partisse, em junho, não voltaria para casa até março, um ano a partir daquele momento.
E não tinha intenção de ficar em Dublín ou em Londres até junho. Na próxima semana, voltaria para Liverpool para se encarregar de um navio em uma viagem pelo Mediterrâneo. Quando voltasse de Chipre, Elysse se asseguraria de estar em Londres para vê-lo. Talvez até lá aquele estranho ponto morto já estivesse esquecido, e voltassem a ser amigos.
Entretanto, desejava de verdade recuperar sua antiga amizade? Só em pensar em estar entre seus braços, sentia um comichão na pele. Porém a mulher que estava entre seus braços era Louisa Cochrane. Tinha esquecido dela por completo.
Aquela noite, entretanto, tudo ia mudar.
Tinha chegado a vez deles sairem da carruagem. Elysse estava muito nervosa pelo fato de ver Alexi outra vez. Jack a ajudou a descender, porque a volumosa saia de seu vestido de cetim era traiçoeira. Tinha vestido um traje deslumbrante aquela noite. Era sofisticado e atrevido, e até seu irmão arregalou os olhos ao vê-la com ele. Era de seda cor violeta, e tinha um decote muito amplo que deixava à vista seu peito e seus ombros. O vestido tinha mangas bufantes e a saia tinha um bordado de contas. Na cintura usava uma fita de veludo arroxeado e um laço. Elysse usava joias de ametistas e diamantes para completar o conjunto. Alexi tinha que olhá-la.
Enquanto a acompanhava para a porta principal, Jack sussurrou em seu ouvido:
— Pergunto-me para quem vestiu esse vestido.
Ela se ruborizou.
— Não sei a que se refere.
Seu irmão sorriu.
— Depois de você, irmãzinha.
Na frente da porta, acompanhado por Cliff e Amanda, estava o homenageado.
Alexi a olhou diretamente. Elysse parou por instante detrás de seus pais, para não emitir uma exclamação. Ele estava tão bonito, e era tão masculino, que ela percebeu que não imaginou o desejo que tinha sentido a no início daquela semana. O coração lhe deu um salto. Se não tomasse cuidado, ele ia perceber que ela se sentia atraída por ele. De repente, quando normalmente era a rainha de todos os bailes e o centro da atenção de todos, não sabia o que fazer. Como ia conseguir que ele notasse de que era uma mulher bela?
Atreveu-se a olhá-lo de novo. Embora Alexi se adiantasse para saudar seus pais, não deixava de olhá-la.
Elysse se perguntou se ele sabia que tinha saído uma segunda vez com Montgomery. Tinha chegado o momento para que ela também saudasse seus anfitriões. Deu um beijo na bochecha de Amanda, e sorriu a Cliff. Alexi continuava olhando-a, e ela se ruborizou. Então, levantou a vista para ele.
— Olá, Elysse — disse ele brandamente. — Está deslumbrante esta noite. Vai ser a mais bela da festa.
Elysse percebeu que falava sério, e sorriu a ele com entusiasmo.
— Você também está muito bonito com o smoking, Alexi. Estou certa que é o cavalheiro mais bonito de baile.
Elysse pensou ver certa diversão em seus olhos azuis, mas não estava segura. Ele arqueou as sobrancelhas.
— Seu acompanhante é Jack?
— Não tenho acompanhante — murmurou Elysse. — Então, não vamos discutir mais?
— Não. Não quero brigar com você.
Ela sorriu de alegria, embora continuava muito nervosa.
— De verdade você gosta de meu vestido?
Alexi baixou as pestanas, longas, espessas, negras. Demorou um instante antes que ela notasse de que estava passando o olhar por seu decote, antes de olhar para seu rosto novamente, com as maçãs do rosto avermelhadas.
— É obvio que eu gosto de vestido. Todos os homens gostarão desse vestido. É indecente para uma mulher solteira, Elysse. — disse com aspereza.
Antes que ela pudesse protestar, ele prosseguiu:
— Embora, quando o escolheu, você sabia que iria atrair mais atenção que o normal.
Elysse começou a tremer. Tinha escolhido aquele vestido para chamar sua atenção, mas isso não podia admiti-lo.
— Todas as mulheres se arrumam para um baile, principalmente quando ultimamente temos tão poucas festas.
Ele não respondeu, e ela percebeu que estavam impedindo o avanço da fila. Baixou a voz e disse:
— Fiquei sabendo que vai partir logo para o Chipre.
Ele entreabriu os olhos. Sem dar a volta, disse a Cliff:
— Desculpem um momento.
— O que está fazendo? — perguntou ela, enquanto ele a afastava do início da fila. Caminharam para o console de ébano que estava contra o muro de pedra branca, e no espelho que havia sobre ela, Elysse viu seus reflexos: ele, sério, ela quase assustada. Pela extremidade de olho viu Montgomery, que os observava, mas naquele momento isso não a preocupava.
— Sim, vou a Chipre dentro de poucos dias. Como soube?
Ela vacilou. Não queria admitir que Montgomery contara a ela.
Ele começou a rir.
— Como se não soubesse.
— Vamos discutir outra vez? — ela perguntou consternada. — Desde que voltou esteve tão ocupado que nem sequer pudemos falar. Esperava que hoje pudesse dançar com você. — disse, e notou que suas bochechas ardiam por ter que pedir uma dança a ele. E tudo porque queria estar em seus braços. Não queria falar de Montgomery naquele momento. — Não foi me visitar.
Ele evitou seus olhos.
— Estive ocupado.
Elysse odiava Louisa Cochrane. Como era possível que aquela velha gorda tivesse captado a atenção de Alexi?
— Tinha pensado em vir se despedir, ou pensava só em partir por outros dois anos?
Então, ele a olhou com surpresa.
— Seu tom é de acusação. Sentiu minha falta, Elysse? Estou certo que estava muito ocupada com suas cinco propostas de casamento para pensar em mim!
— Não sabia que iria estar tanto tempo fora. Dois anos e meio é muito tempo.
Depois de uma longa pausa, ele respondeu:
— Sim, é muito tempo.
— Por que não voltou para casa?
— Queria ter feito exatamente depois do Canadá, mas me ofereceram um bônus por uma viagem a Jamaica, e não podia dizer que não ao agente.
Por causa de trabalho, pensou ela. Entretanto, isso não fazia que as coisas fossem mais fáceis.
— Alguma vez sente saudades quando está longe?
Elysse queria saber se tinha sentido falta dela.
Ele abriu muito os olhos.
— É obvio que sim. Sinto saudades o tempo todo. Em alto-mar as pessoas se sentem sozinhas, Elysse, principalmente nos turnos noturnos.
Ela o imaginou na coberta de seu clíper, no Oceano Índico, no meio da noite negra e estrelada, sob as velas inchadas de navio, escutando os gemidos de tecido ao vento.
— Sei que ama muito o mar e a aventura.
— A solidão é um preço pequeno — disse ele, concordando. — O mar sempre será meu amante.
Ela era filha de um capitão naval, e o entendia.
— Não esteja longe tanto tempo, desta vez — disse, quase sem querer. E se ruborizou.
— E por que você se importa, se vai estar tão ocupada com suas festas e seus bailes, e seu desfile interminável de admiradores?
— É lógico que me importa. Somos amigos.
— Pergunto-me quantos novos pretendentes terá quando voltar.
— Tenho vinte anos e sou solteira. Claro que terei novos pretendentes.
— Mas não todos os pretendentes conseguem dar uma volta por Adare e um descanso no estábulo de nosso vizinho.
Então, sabia que tinha saído duas vezes com o Montgomery.
— Estava chovendo — respondeu. — Tínhamos que nos proteger da chuva.
— E, é obvio, ele se comportou com decoro.
— Foi um perfeito cavalheiro.
Alexi afastou o olhar.
— Então, teve muita sorte — disse, e voltou a cravar os olhos nela. — Eu pedi que não brincasse com ele, Elysse.
Ela se sentiu muito culpada. Estava brincando com William?
— Eu não brinco com os cavalheiros. Só estava desfrutando de sua companhia. Nós somos amigos.
— Sim, brinca com os cavalheiros o tempo todo, e faz isto muito bem. Vi você brincar com o afeto masculino desde que era uma menina — sentenciou Alexi, e ignorou sua exclamação de protesto. — E agora são amigos? — perguntou com incredulidade. — Assim como nós somos?
Ela se sentiu encurralada.
— Sim, William é um amigo. Embora, é obvio, não o conheça tão bem como a você.
— Você não conhece William absolutamente — replicou ele com uma expressão dura.
Elysse sabia que estava em território perigoso, mas não pôde evitá-lo.
— Suponho que você conhece muito bem Louisa Cochrane. E estou certa que a chama Louisa, e não senhora Cochrane.
— Não coloque à senhora Cochrane nisto.
— Por que não? É evidente que se trata de uma caça fortunas — disse Elysse sem afastar o olhar dele. — Está desesperada por fazer um bom casamento, e logo! Por que não percebe disso? Por que se incomoda por ela?
Ele olhou a um lado.
— Deixei bem claro a você que não vou me casar com ninguém em um futuro próximo.
Suas bochechas arderam. Não necessitava que a recordasse que eram amantes. Elysse virou para um lado. Por que sua aventura a incomodava tanto? Quando havia se tornado tão ciumenta? Entretanto, só podia pensar em Alexi e Louisa abraçados apaixonadamente. E isso a machucava.
— Sem dúvida, ela quer apanhá-lo no casamento, mesmo que seja dentro de um ano.
Ele a puxou pelo braço.
— Não vou falar de Louisa com você.
— Eu sabia! — exclamou Elysse. Seu tom familiar ao falar de sua amante intensificou a dor que aquilo lhe causava.
Ele não a soltou.
— Montgomery está apaixonado por você. Mas tem mais. Está avaliando quais são suas possibilidades de poder cortejá-la a sério. Ele que é o caçador de fortunas.
Ela ficou estupefata.
— Isso é absurdo!
— É mesmo? Você já disse a ele que nunca iria se apaixonar por ele? Ele sabe que seu pai quer que se case por amor. E homens como Montgomery se casam com pessoas acima de seu status todo o tempo! — exclamou Alexi. Naquele momento, tinha os olhos acesos de ira. — Tem sorte de que não tentou seduzi-la no estábulo. Então obrigatoriamente teria tido que se casar com ele.
Ela ofegou.
— O que está dizendo? William nunca me seduziria! É um cavalheiro, Alexi. É um homem amável e sincero, e me tem em grande conceito.
— Por que não quer escutar nem das palavras que disse a você?
— Porque diz tolices! Por que faz isto? Desde que voltou para casa não tem feito mais que me ignorar enquanto persegue a essa desavergonhada, e se atreve a me negar um pretendente sério.
— Ah! Então, admite que ele a está cortejando a sério?
Elysse cruzou os braços e ele olhou seu decote. Ela se ruborizou, mas conseguiu responder:
— Já acabou de me incomodar? O meu carnê de danças está cheio.
Ele olhou para o teto.
— Achei que queria dançar uma música comigo.
— Isso foi antes que você decidisse se comportar como um grosseiro — disse ela, e virou para se afastar.
Alexi a puxou pelo braço e a fez olhar de novo para ele.
— Não terminei Elysse. Quero que esta noite acabe com seu joguinho, antes que se encontre mesmo em perigo, em uma situação da qual não vai poder escapar com um sorriso e um risinho e um flerte.
Ela tentou escapar dele puxando o braço, mas não conseguiu.
— Não pode me dar ordens, como se eu fosse de sua tripulação, ou como se fosse sua irmã.
— Você se engana. Algumas vezes, Elysse, me dá vontade de colocá-la em meu colo para dar umas palmadas. É a mulher mais teimosa que conheci. Está brincando com meu piloto, e isso é egoísta e perigoso.
— E você não está jogando com Louisa? Pergunto-me por que está tão contra William, mas não dos meus outros pretendentes, como por exemplo, James Ogilvy. Acaso está com ciúmes?
Ele arregalou os olhos.
— Não estou com ciúmes de você. Eu a considero como alguém de minha família, e nada mais. Conhecemo-nos há treze anos!
Ela deu um passo atrás, espantada.
— Não somos família. Não temos nenhum parentesco!
— Oh, oh! Espera um momento! Acaso é você que está com ciúmes? Quer minha atenção?
— Não, claro que não! — gritou ela, em pânico.
Ele a olhou com cepticismo.
— Eu conheço você tão bem quanto minhas irmãs, ou melhor. Sei o que pensa, e o que quer. Sei como é. Algumas vezes tenho a sensação de que a conheço muito bem. Quando entro em um aposento e a vejo, penso, lá está Elysse, a princesa mimada a qual conheci toda minha vida.
Ela estava tremendo, e temia que seus olhos se enchessem de lágrimas. Não queria que ele a visse chorar.
— Está dizendo que me considera uma irmã? Que nem sequer percebe de que sou uma mulher adulta e atraente?
Ele fez um gesto desdenhoso.
— É evidente que é bonita, mas eu não penso nisso.
Ela ficou terrivelmente ferida.
Ele passou o olhar por seu vestido violeta.
— Odeio este vestido. — disse com raiva. E se afastou.
Elysse não se moveu. Tinha ficado paralisada. Em sua mente ressonavam as palavras de Alexi. Ele disse que quando entrava em um aposento e a via, via uma princesa mimada que conhecera por toda sua vida, que não via uma mulher bonita, e sim alguém similar a uma irmã.
— Eu gosto do vestido. — disse Montgomery brandamente. — Acredito que está mais bonita que nunca. Elysse, não chore.
Ela se voltou e encontrou o olhar de preocupação do piloto. Vagamente, percebeu que tinha estado escutando a conversação, mas não se importou. Tinha o coração quebrado.
De algum modo, conseguiu sorrir.
Ele a segurou pela mão.

Elysse não sabia por que tinha desejado estar nos braços de Alexi De Warenne. Nem sequer sabia por que o tinha considerado um amigo. Era odioso. Achava que podia controlar sua vida e tratá-la como a uma irmã, enquanto perseguia desavergonhadas como a viúva Cochrane. Quem se incomodava com ele? Ela nunca tinha sofrido um repúdio. Não conhecia nenhuma outra debutante da Irlanda que tivesse recebido cinco propostas de casamento em dois anos. O repúdio de Alexi não tinha importância. Nenhuma importância!
E se William decidia cortejá-la, talvez ela o encorajasse. Era um homem amável e sincero, e não a julgava nem a acusava de ser como uma prostituta. Não pensava que ela fosse egoísta e mimada. Quando disse que era uma princesa, disse como um elogio. Quando Alexi disse que ela era uma princesa, tinha querido insultá-la, assinalar um defeito de seu caráter!
Elysse dançou a oitava dança da noite com um sorriso forçado. O bonito cavalheiro, sir Robert Haywood, era um viúvo de trinta e cinco anos, e era considerado um partido magnífico. Ele a havia visitado algumas vezes, mas ela nunca sentira nenhum interesse por ele, até aquela noite. Enquanto dançavam, Elysse continuou sorrindo para ele, sem olhar ao redor no salão. Não queria nunca mais ver Alexi.
Sua amizade tinha terminado. Não mais o considerava fascinante, nem atraente. Tinha se transformado em um homem horrível e ruim. Esperava que ficasse cinco anos fora de casa daquela vez! E esperava que Louisa o apanhasse e se casasse com ele. Seria bem feito.
As lágrimas queimavam atrás de suas pálpebras. Não entendia por que se sentia tão ferida. Para sentir-se ferida, uma pessoa tinha que gostar da outra, e claramente, ela não gostava de Alexi De Warenne. Pestanejou com graça e dedicou um sorriso resplandecente a seu par de dança quando terminaram a valsa.
— Está mais bela que nunca, senhorita O’Neill — disse Haywood, e fez uma reverência. — Não sabia que era uma bailarina tão magnífica.
Ela tomou uma taça de champagne da bandeja de um garçom e tentou tirar Alexi da cabeça, afastá-lo de sua vida, embora no fundo esperasse que ele notasse o número de admiradores que tinha. Não era que queria que ficasse com ciúmes, porque ela não podia se incomodar menos se estava ou não com ciúmes, mas havia outros homens que a consideravam bela, outros homens que não achavam que seu caráter era cheio de defeitos.
O champagne estava delicioso.
— Obrigada, sir Robert. E obrigado por uma dança tão maravilhosa. Espero que não me esqueça como fez durante estes últimos meses, senhor — disse, e deu outro golinho no champagne, embora já tivesse tomado mais do que as duas taças de costume. Não se importava. Sem o champagne, talvez não pudesse conter as lágrimas absurdas e inexplicáveis.
— Não sabia que queriam que a visitasse de novo. — disse Haywood enquanto se ruborizava. — mas o farei com prazer.
Elysse o incitou a que a visitasse. Quando ele se afastou, ela terminou a taça de champagne antes de voltar para a zona de baile com Jonathon Sinclair, um dos homens que tinha pedido que se casasse com ele. Estava muito tenso e ruborizado, e ela soube que a desejava. Enquanto giravam ao ritmo da valsa, disse:
— Não pensava que me concederiam nem uma só dança, senhorita O’Neill.
— É obvio que sim — respondeu ela com um sorriso. — Passei a noite toda esperando por isto!
Ele se sobressaltou.
— Por que está sendo tão amável?
— Por acaso me consideram pouco amável, senhor? — replicou ela, fingindo que o comentário a magoara, ao tempo que deslizava a mão por seu ombro.
— É obvio que não. — respondeu ele com a voz rouca, enquanto errava um passo da dança. — Acho que é tão amável como bela!
— A próxima vez que me visitar, vou me explicar completamente para você — disse Elysse.
Enquanto falava, uma vozinha dizia que estava indo muito longe, e que se lamentaria quando ele a visitasse.
— Irei visitá-la amanhã — ele disse imediatamente. — Com sua permissão, é obvio.
— E eu estarei esperando-o — respondeu ela alegremente.
Depois de mais duas danças, Elysse teve que desculpar-se para recuperar o fôlego. Enquanto estava junto à mesa das sobremesas, viu Montgomery, que a observava do outro lado de salão. Ele sorriu, e ela devolveu o sorriso. Já tinham dançado duas vezes, e ele tinha sido maravilhoso, com os pés ligeiros e rápidos. E o mais importante de tudo, ele a havia tratado com cuidado, com calor e intensidade. Talvez Alexi estivesse certo. Talvez o piloto tivesse verdadeiro interesse nela.
E por que não encorajá-lo? Era um marinheiro, e ela era filha de um capitão naval. Parecia que seu pai gostava dele, todo mundo gostava dele. E ela não tinha necessidade de casar-se com ninguém rico, porque tinha fortuna própria.
Ainda tinha o coração dolorido, e parecia que iria quebrar se não tivesse muito, muito cuidado.
Aproximou-se de uma bandeja de champagne, perguntando-se se se atrevia a tomar outra taça. Desejava desesperadamente sentir-se alegre e feliz. Assim poderia desfrutar de verdade do baile e de seus admiradores. Entretanto, estava um pouco enjoada. O champagne tiraria sua vontade de chorar. Antes, uma ou duas taças sempre a punham contente. Por que não podia sentir-se contente naquele momento?
Quando alargava o braço para pegar uma taça da bandeja, uma mão apanhou seu pulso.
— Já bebeu o suficiente — Alexi advertiu-a.
Havia se aproximado pelas suas costas. Elysse virou para ele e, por um momento, ficou entre seus braços, com os seios esmagados contra seu peito. Ele abriu muito os olhos, e ela ficou olhando-o fixamente, desafiando-o em silêncio a que negasse seus atributos. Ele deu um passo para trás e se separou dela.
Elysse soube que o havia incomodado, e sorriu com prazer. Nunca permitiria que visse como estava ferida. Ela era a rainha de baile, a debutante a quem desejavam todos os solteiros, uma mulher com muitos admiradores e sem preocupações de nenhum tipo. Alexi tinha que ver isto, sem dúvida!
— Não estou de acordo, Alexi — disse docemente. — Você pode dizer a Ariella e a Dianna quanto podem beber, mas a mim não.
Ele a olhou com os olhos entrecerrados.
— Está chorando?
Tinha umidade nos cílios?
— Claro que não. — ela disse, e ignorando a dor que sentia no peito, sorriu tão animadamente como pôde. — Então, de repente notou que sou uma mulher adulta? Não percebeu quantos admiradores tenho? Veio fazer fila para poder dançar comigo? — perguntou, e sem pensar, instintivamente, tocou sua bochecha com as unhas e as deslizou pela pele.
Ele afastou a cara com brutalidade.
— Não quero dançar! — exclamou, e segurou sua mão. — Está bêbada. Tem que ir para casa.
— Só tomei um par de taças de champagne, e estou me divertindo muito. E você, não? Dançou alguma vez? — a dor, milagrosamente, diminuiu. Alexi estava zangado com ela, e isso a satisfazia.
— Não, Elysse, não dancei e não penso fazê-lo. Deixe esta farsa absurda! Vá embora para sua casa. — disse ele sem rodeios.
— Não estou bêbada, e não vou partir — disse ela, e sorriu lentamente. — A menos que queira me acompanhar. É possível que você queira minha companhia tão desesperadamente como os outros? — perguntou, e voltou a tocar a bochecha dele. — Oh, espera, me esqueci. Você está amarrado à Louise.
Ele abriu ainda mais os olhos, e ruborizou.
— Ela chama Louisa, e eu não estou amarrado a ninguém. Está flertando comigo? Vai se atrever a isto?
— Eu flerto com todo mundo, não se lembra? — murmurou ela, e deu um passo para ele. — Sou uma flertadora temerária, não, espera, sou uma prostituta. Você mesmo falou, se lembra? Suponho que isso me iguale a sua amante.
— Eu disse que flerta como uma prostituta — ele particularizou, e deu um passo atrás para impor mais distancia entre eles. — Jack pode levá-la para casa.
— O inferno que vai — murmurou ela indo em sua direção de novo.
Daquela vez, ele não se moveu, e Elysse pensou que entre eles ardia um fogo. Finalmente, ele disse:
— Está se colocando no ridículo.
— Por quê? Porque todos os homens solteiros me desejam? Salvo você, é obvio. — disse ela, e voltou a rir. — Você é imune a meus encantos, verdade? Por isso respira de um modo tão estranho!
Alexi inalou o ar profundamente. Houve uma pausa terrível. E ao final, enquanto se afastava novamente dela, disse:
— O que aconteceu com você?
— Não me aconteceu nada. Só estou desfrutando do baile, porque nunca se sabe quando teremos outro. Mas, o que aconteceu com você, Alexi? Por que seus olhos brilham assim? Não pode ser que sinta desejo por mim. Afinal, sou uma princesa mimada e egoísta. Ou isso o converte em meu príncipe? É você meu príncipe azul, Alexi? Então, imagino que me segurará entre seus braços. Ah, espera. Isso é impossível. Me esqueci que você é um grosseiro, não um príncipe.
— Está realmente bêbada — disse ele. — Como um marinheiro, Elysse. Vá embora.
— Não, claro que não. — respondeu ela. Viu Montgomery aproximando-se com uma expressão preocupada. Ele, claramente, não gostava que Alexi a acossasse. — Não posso ir para casa, porque prometi a William que daria um passeio pelo jardim com ele. Não viu como a lua está linda esta noite? Dizem que é a lua dos amantes, Alexi. Caso não saiba.
Ela não tinha prometido nada semelhante, mas era exatamente o que ia fazer naquele momento: dar um passeio com Montgomery pelo jardim.
Alexi a olhou com incredulidade.
— Comporta-se assim só para me incomodar? Ou é porque sente um imenso prazer em flertar?
Ela riu, passou por ele e deu a mão a Montgomery.
— Estou desfrutando de um maravilhoso baile, e agora, vou desfrutar de um passeio pelo jardim à luz da lua com meu admirador favorito.
— Está tudo certo? — Montgomery perguntou a ela, embora olhando para os dois.
— Era só uma discussão familiar — disse Elysse, e deu a ele um sorriso resplandecente enquanto o puxava pelo braço. — Alexi é como um irmão para mim. Estou certa que ele já disse isto para você.
Montgomery olhou Alexi de novo. Quando voltou a olhar para Elysse, sua expressão se suavizou.
— Precisa tomar um pouco de ar, Elysse?
— Eu adoraria tomar um pouco o ar — ela respondeu, segurando seu braço. Enquanto o fazia, olhou Alexi às escondidas.
Estava muito zangado, disso não cabia dúvida.
— Ela deveria ir para casa — Alexi disse a Montgomery com tensão.
— Eu a acompanharei quando quiser ir — respondeu o piloto secamente.
Alexi emitiu um som de aspereza. Elysse olhou para os dois homens, e percebeu que estavam brigando por ela. Oxalá pudesse sentir-se mais entusiasmada; Alexi merecia o que acontecesse com ele ocorresse aquela noite. Entretanto, Elysse sentiu outra pontada de dor.
— Vamos — sussurrou a William.
Alexi lançou um olhar de advertência para ela. Depois virou e se afastou.
— Tem certeza de que se sente bem?
— Estou me divertindo estupendamente — respondeu ela com um sorriso forçada. — Você não?
Ele sorriu enquanto a guiava através de salão de baile para as portas do terraço.
— Agora sim — disse. — estava me divertindo estupendamente enquanto você dançava com todos esses cavalheiros.
Estava olhando com seriedade para ela, sondando-a. Parecia que gostava dela de verdade. Talvez, inclusive a amasse. Ela tinha ficado tão absorta com a chegada de Alexi que não percebeu como William era bonito e encantador.
— Não tem por que estar com ciúmes.
Ele empurrou a porta do terraço e a abriu. Como estavam no fim de março, ainda fazia frio pelas noites, e não havia ninguém fora, embora a lua estivesse cheia e muito brilhante.
— Nem sequer de Alexi?
Ela vacilou.
— É obvio que não!
— Bem. Elysse, quando estou com você, são os melhores momentos de minha vida.
Elysse sabia que falava a sério. Titubeou ao recordar o olhar de advertência de Alexi antes de dar a mão a Montgomery. O piloto a segurou imediatamente e a levou aos lábios. De repente, ela se sentiu muito tensa. Passou um momento antes que ele a soltasse.
Ela olhou para as portas do terraço. Era obvio, Alexi não ia segui-los ao exterior, ainda mais depois daquele último olhar que tinha dado a ela.
— Está com frio? — ele perguntou.
Ela concordou. Então, William tirou a jaqueta e a pôs sobre seus ombros. Colocou ali as mãos.
— Não quero me aproveitar de você, Elysse. Mas eu sinto muita apreciação por você.
— Sei que não se aproveitaria de mim — ela sussurrou, perguntando-se se ele ia se declarar. Naquele momento necessitava muito de uma declaração de amor. Olhou-o nos olhos. Alexi se tinha equivocado por completo quanto a aquele homem.
— Me alegro de que diga isso. Quando sorri assim, um homem poderia pensar que é um convite.
Elysse voltou a olhar além de William. Não havia ninguém que os estivesse observando. Não queria pensar em Alexi nunca mais. Devia animar Montgomery para que a beijasse?
E por que não? Era o pretendente perfeito. Ela tinha demorado uma semana inteira em perceber
— Talvez seja um convite — conseguiu dizer.
Ele a olhou com atenção, e disse:
— Eu gostaria de cortejá-la, Elysse. Minhas intenções são honradas.
Ela começou a tremer.
— Pode me cortejar, William.
Ele a segurou pelo queixo e fez que levantasse ligeiramente a cabeça para que seus olhares se cruzassem.
— Bom. Falarei amanhã mesmo com seu pai sobre o noivado.
Ela ficou muito tensa. Sua mente avançava de uma maneira incoerente, entre imagens de Alexi. Entretanto, aquilo era o que queria!
— Meu pai sempre quis que eu me casasse por amor — disse finalmente.
Ele arregalou os olhos e agarrou seus ombros.
— Está dizendo que me ama?
Elysse sabia que não amava William, ainda não. Mas queria que a cortejasse, desejava-o com todas suas forças. Entretanto, não devia lhe mentir.
— Estou começando a gostar muito de você — disse por fim.
Ele murmurou:
— Vamos nos afastar das luzes da casa.
Ela não estava certa de que devessem afastar-se para as sombras que reinavam no final do terraço, mas ele sorriu e a puxou pela mão.
— Quero beijá-la, Elysse, e não quero que nos interrompam — disse ele brandamente. — Pode me culpar? É a mulher mais bela da Irlanda, e acaba de aceitar minha corte.
Devia permitir que a beijasse? Elysse parou, porque sabia que Alexi iria se enfurecer se soubesse que ela tinha tido semelhante comportamento. Seria tão ruim assim aprender o que era um beijo de verdade? Não tinha desfrutado em ficar nos braços de Montgomery durante as danças? E ele a amava. Era evidente.
Percebeu que tinha cedido, porque ele a levou até a parte mais escura do terraço. Segurou-a firmemente em seus braços, e Elysse percebeu que pretendia fazer com que baixasse até a grama. De repente, ela se sentiu muito confusa. Seriamente queria afastar-se tanto da casa?
— É tão bonita — ele disse.
E então segurou seu rosto entre as mãos e a beijou lenta e brandamente nos lábios.
Elysse sentiu que a tensão se multiplicava. Nunca a tinham beijado de verdade. Sua boca era muito firme, mas suave. Era agradável, mas não assombroso. Quando Alexi a tinha acariciado na biblioteca, na semana anterior, seu coração tinha explido de desejo. Naquela ocasião não houve explosão.
Lágrimas se formaram em seus olhos. Aquilo estava realmente ocorrendo? O que estava fazendo?
— Eu amo você — disse ele. — É um sonho feito realidade.
Elysse deparou com seu olhar abrasador, e sentiu o coração acelerado. Ele a amava. Era um bom homem. E certamente, ela poderia amá-lo também.
Daquela vez sua boca foi insistente e se moveu sobre a sua uma e outra vez, e por algum motivo, ela percebeu que queria que abrisse os lábios. Não o fez, porque sabia que não estava preparada, mas se aferrou a seus ombros. Ele grunhiu, e o som foi muito masculino e muito sexual.
Elysse se alarmou. Deviam parar. Ele já tinha tido seu beijo.
Entretanto, segurou-a com mais força. Sua boca começou a mover-se com mais decisão sobre a dela. Seus beijos se estavam convertendo em algo ameaçador. Queria dizer a ele que deviam parar, mas ele a queria. Elysse vacilou. Antes que pudesse falar, ele colocou a língua em sua boca.
Ao senti-lo, ela se engasgou. O que estava fazendo? Não queria que a beijassem assim! Ele era um estranho! Empurrou-o, porque estava muito assustada, mas ele não se deu conta.
O medo se converteu em pânico. Ela disse a si mesma que aquele beijo terminaria muito em breve. E ele a amava. No entanto, ele a segurou pelas nádegas e a aproximou, e ela notou sua virilidade rígida contra o quadril. Nunca havia sentido aquela parte da anatomia masculina, e quis protestar. Entretanto, ficou gelada.
Ele continuou segurando-a daquela maneira íntima e interrompeu o beijo.
— Eu amo você — disse entre ofegos.
Antes que Elysse pudesse protestar e dizer a ele que deviam voltar dentro da casa, ele voltou a abraçá-la e, desta vez, fez com que baixasse até a grama com ele.
Enquanto seu corpo a cobria, Elysse o empurrou pelos ombros, mas ele continuou beijando-a com uma respiração agitada e pesada. Ela notou que colocava a mão sob seu vestido e a roupa interior e agarrava um seio nu.
— William! — gritou, mas seu beijo afogou aquele grito de pânico e de protesto.
Seus braços eram como uma armadilha. Não sabia como, mas ele tinha metido suas coxas enormes entre os dela, e tinha subido suas saias até os joelhos. O que estava fazendo? Ela não podia fazer aquilo!
E então sentiu a mão dele em suas coxas, sob sua saia, com apenas uma fina capa de algodão entre eles. Elysse se moveu e lutou com desespero.
De repente, Montgomery já não estava ali.
Elysse percebeu uns movimentos confusos, e então, viu Alexi com uma expressão de fúria.
Ela gritou de alívio. Tinha ido resgatá-la! Ficou em pé de um salto enquanto Montgomery se girava. Alexi se lançou violentamente contra ele e deu um cabeçada; ambos caíram ao solo, lutando. Alexi ficou sobre o piloto e o golpeou raivosamente. Elysse percebeu de que queria matá-lo. Entretanto, Montgomery o segurou pela garganta.
Elysse gritou.
— Basta! Parem, os dois!
Alexi olhou-a; o americano continuava afogando-o. Montgomery aproveitou aquele momento e flexionou o joelho para golpeá-lo entre as virilhas. Alexi esquivou o golpe, e Montgomery aproveitou seu movimento para empurrá-lo e tirá-lo de cima. Ambos ficaram em pé de uma vez e se enfrentaram.
— Eu vou matar você — disse Alexi.
— Eu vou me casar com ela.
Elysse engasgou. O que tinha feito?
Alexi olhou-a.
— Você está bem? — perguntou ele.
Entretanto, ao olhar melhor para ela, arregalou os olhos. Ela sabia que tinha o cabelo bagunçado e acreditava que sangrava de um lábio. Ele passou o olhar por seu vestido, e ela se encolheu. Estava fora de lugar, rasgado e manchado de verde.
Retrocedeu entre ofegos. Nunca voltaria a estar bem. Como tinha permitido tais liberdades a Montgomery? No que estava pensando? E por que ele se converteu em semelhante besta?
— Elysse! — gritou Alexi.
Elysse o olhou e começou a derramar lágrimas. Queria se jogar em seus braços; ele tinha razão. Montgomery não era um cavalheiro. Tinha tocado nela, beijado e violentado seu corpo. Engasgou e recuou sem estabilidade até a parede para apoiar-se nela.
— Eu nunca faria mal a ela — disse Montgomery com a voz rouca. — Eu nunca faria mal à mulher que amo.
Alexi perguntou com uma perigosa calma:
— Acaso pensava em seduzi-la para assegurar o casamento? Não sabia que eu mataria você antes?
Montgomery olhou para Elysse.
— Se eu tiver feito mal a você, me perdoe.
Ela negou com a cabeça. Odiava-o. Continuou chorando. Estava tremendo e tinha vontade de vomitar.
— Isso não foi um beijo — sussurrou. — Você me tocou.
— Desgraçado! — rugiu Alexi.
Montgomery sorriu com frieza.
— Sai daqui, De Warenne. Eu me ocuparei de Elysse agora. Só é uma virgem assustada.
— Não! — gritou Elysse. Sentia terror com a ideia de ficar outra vez com ele a sós. Mas Alexi ficou muito calado, e então ela viu que Montgomery tinha uma faca na mão. Elysse ficou gelada.
— Parte — disse Montgomery. — Eu tenho que falar com Elysse a sós. Tem que entender que um homem pode excitar-se tanto que chega a perder o controle.
Ela se sentiu mais doente naquele momento. Tinha se deixado se enganar pelo encanto de Montgomery e por suas declarações de amor. Um cavalheiro de verdade, um homem como Alexi, nunca forçaria nenhuma mulher.
— Deixá-los sozinhos? Nem pensar — disse Alexi com um sorriso perigoso, e começou a girar ao redor do americano. Montgomery se voltou, de modo que os dois homens continuaram cara a cara.
Elysse sabia que os dois tinham se esquecido de sua presença. Aquilo tinha que cessar, pensou freneticamente, Antes que alguém resultasse ferido, ou algo pior.
— Alexi eu estou bem. Ninguém vai se casar com ninguém! Vamos para casa! Já pode me levar para casa!
Ouviu como sua voz soava mal, ouviu suas súplicas entre soluços.
Alexi se jogou contra Montgomery e segurou o pulso direito dele. Elysse gritou de medo ao pensar que o americano pudesse esfaqueá-lo. Entretanto os homens continuaram lutando; Montgomery queria liberar-se para usar a faca e Alexi não o soltava.
De repente, Montgomery rugiu e soltou a arma. Alexi se jogou para pegá-la. Montgomery o segurou pelas costas e ambos caíram no chão e rodaram de tal maneira que era impossível saber o que estava ocorrendo. Elysse acreditava que fosse Alexi quem tinha a faca, mas era impossível saber com certeza.
E de repente, a arma deslizou pelo chão do terraço e os dois se lançaram por ela. Alexi aterrissou sobre o piloto com um grunhido e a segurou. Soou um som horrível, forte, e Montgomery ficou inerte sob Alexi, com a bochecha apertada contra o chão do terraço.
De repente, os dois homens ficaram imóveis.
Elysse ficou paralisada. Alexi ficou de joelhos e olhou o americano. E ela viu que Montgomery tinha os olhos abertos, mas cegos.
Deu um ofego de medo. Montgomery tinha morrido?
Alexi se afastou lentamente do piloto. Também lentamente, levantou o olhar para ela, com a resposta nos olhos.
Elysse sentiu espanto.
— Morreu — disse ele.
— Não! Não pode ser!
Alexi tentou tomar ar.
— Morreu. Bateu a cabeça contra o degrau de pedra.
William Montgomery tinha morrido?
— Maldição — sussurrou Alexi, tremendo. Naquele momento estava lutando com suas emoções.
E Elysse entendeu tudo. Aquilo era culpa dela, não?
Alexi a olhou de novo.
— Elysse — disse.
Ela começou a negar com a cabeça e a caminhar para trás. Então segurou a saia e fugiu.

 

 

 

 

 

Capítulo 4

Elysse estava fora de si. Entrou na casa, afogando-se. Não podia acreditar o que acabava de ocorrer. William Montgomery tinha morrido!
Tropeçou e teve que se apoiar na parede. Eles tinham começado a lutar por ela. Oh, Deus. Aquilo era culpa dela.
Elysse desabou contra a parede. Não podia deixar de tremer. Estava tão enjoada… Como tinha acontecido aquilo? Abraçou-se enquanto chorava. Montgomery queria cortejá-la, mas se tinha transformado em uma besta! Tinha dito que a amava, mas se isso fosse verdade, não a teria tratado com tal falta de respeito! Alexi tinha razão com respeito a ele! E Montgomery tinha morrido!
Ouviu umas exclamações de estupefação.
Elysse se sobressaltou e se secou as lágrimas com os dedos. Olhou para cima e viu um par de mulheres no outro extremo de corredor. Estavam olhando para ela com horror.
De repente, Elysse percebeu o aspecto que devia ter, e o que elas deviam estar pensando. Sabia que tinha o cabelo bagunçado, a cara cheia de lágrimas e o vestido rasgado e sujo. Qualquer pessoa pensaria que a tinham agredido, e isso era o que tinha acontecido em realidade.
Recordou as mãos e a boca de William Montgomery e se sentiu enojada. Por que não tinha escutado Alexi, que era seu melhor amigo? O que teria acontecido se ele não tivesse saído ao jardim e intervindo?
— Senhorita O’Neill — disse uma das damas.
Ninguém podia saber o que tinha acontecido àquela noite! Ninguém podia saber que havia permitido que lhe dessem um beijo e que as coisas ocorreram de forma diferentes, e que William Montgomery tinha morrido! Começou a chorar de novo e saiu correndo para o outro extremo de corredor. Alexi se aproximava.
Nunca tinha precisado tanto de alguém! Não deveria tê-lo deixado sozinho junto ao cadáver de Montgomery! Correu para ele. Alexi a segurou pelo braço e seus olhares se cruzaram. Então ele se voltou e a puxou enquanto ambas as mulheres sussurravam freneticamente.
Oh, Deus.
Estava desonrada.
Alexi abriu uma porta e entraram no aposento. Depois fechou-a com chave.
Ela estava tremendo.
— Elas sabem.
— Não sabem de nada — respondeu ele, abraçando-a.
Elysse caiu contra seu peito e apoiou a bochecha contra sua lapela. Ele a estreitou com força.
Quando Alexi falou, sua boca se moveu contra seu cabelo.
— Me diga que está bem, Elysse. Que ele não fez mal a você — ele pediu com a voz rouca.
Ela estava chorando tanto que não podia falar. Ele a balançou. Por que tinha permitido que William Montgomery a beijasse? Por que o havia animado a que a cortejasse? Começou a lembrar tudo o que tinha ocorrido: seus flertes intermináveis, suas discussões com Alexi, os beijos agressivos de americano. E o enfrentamento mortal que ela tinha presenciado.
— Eu sinto muitíssimo — disse entre soluços. — Não queria que acontecesse isto. Oh, Meu Deus! Alexi!
Ele segurou seu rosto entre as mãos. Também tinha os olhos cheios de lágrimas.
— Sei que não queria. Maldição, Elysse. Por que saiu ao jardim com ele?
Ela enterrou a cara em seu peito. Não queria que Alexi soubesse que tinha permitido a Montgomery que a beijasse.
— Eu nunca permitiria que ninguém fizesse mal a você.
Era tão difícil pensar… O único que conseguia pensar era que Montgomery havia se converteido em uma besta, e que tinha morrido por sua culpa.
— Isto é minha culpa, não? Por enganá-lo, por sair até o terraço com ele. Por não escutar você.
— Já basta! — exclamou ele, e voltou a rodeá-la contra seu peito. Tremia tanto como ela. — Não tinha direito a beijar você. Sabia que estava tentando resistir!
Elysse se sentia segura entre seus braços. Nunca tinha sentido tanto medo. Mas Montgomery estava morto, porque tinha brigado com Alexi por ela. Jogariam a culpa em Alexi? Elysse não falou. Não podia respirar e estava tentando conter as lágrimas. Rodeou-o com os braços.
— Foi horrível. Não me solte — disse.
Oxalá pudessem ficar assim, um em braços de outro, para sempre.
As imagens passavam em sua mente. Nunca ia esquecer o som de crânio contra o degrau de pedra! E pior ainda, aquelas duas damas que a haviam visto no corredor.
Alexi tinha um problema, e ela estava desonrada…
Ele a estreitou mais ainda. Elysse não percebeu o tempo que passaram assim, cada um deles lutando contra seus próprios demônios. Por fim, ouviu seus soluços e a respiração agitada de Alexi. O som de uma veneziana que se chocava contra a casa encheu a noite. O tic-tac de um relógio reverberava pela quarto. Alexi tinha parado de tremer. Ela não.
Lentamente, levantou a cabeça.
Ela acariciou a mandíbula dele e depois o cabelo. Ele tinha as bochechas úmidas.
— Tenho que levar você para casa.
— Não se preocupe — ela disse. — foi um acidente, Alexi, verdade? Tudo foi um acidente!
Ele respirou profundamente.
— Eu avisei você para não ter liberdades — respondeu ele com uma expressão de agonia. — Queria matá-lo, Elysse.
— E o que vamos fazer?
Ele voltou a segurar seu rosto entre as mãos.
— Eu me ocuparei de tudo.
Seus olhares ficaram fixos um no outro. De repente ela sentiu náuseas, e teve que atravessar a quarto para vomitar em um pequeno cesto de papéis. Um homem tinha morrido por seus estúpidos flertes! Aquilo era culpa dela, não de Alexi!
— Pode ficar de pé?
Ela concordou e ele a ajudou a se levantar.
— Quero que saia daqui — disse Alexi com aspereza.
Ela também queria fugir e se esconder, para sempre, se possível.
— Como vou me separar de você agora, depois do que aconteceu? Eu não posso parar de pensar nele.
— Com o tempo vai esquecer. Os dois vamos — respondeu ele sem olhar para ela.
Elysse conhecia Alexi bem o suficientemente para saber que nunca iriam esquecer. Estava mentindo para que ela se sentisse melhor.
— Sim, porque foi um acidente.
Ele olhou-a bruscamente, e ela pensou que aqueles dois homens tinham sido amigos e companheiros, e que o piloto tinha salvado a vida de Alexi. Sentiu uma terrível culpa e afastou o olhar.
— Preciso pensar, Elysse — disse Alexi em tom duro. — Montgomery está morto, e o cadáver está aí fora.
De repente, ela se perguntou se Alexi poderia ser acusado de assassinato. Poderia terminar na prisão? O futuro em sua apareceu na mente: um julgamento por assassinato sensacionalista, ela desonrada, Alexi atrás das grades.
— Fique aqui. Não se mova. Falo sério! — disse, e se dirigiu para a porta.
Elysse o seguiu nervosamente.
— Aonde vai?
— Vou procurar meu pai. E o seu.
Ela o segurou por braço.
— Meu pai não pode saber disto!
— Devlin tem que saber.
Alexi saiu da biblioteca, e ela fechou com chave e se apoiou na porta, respirando com dificuldade. O que foram fazer? Não podiam acusar Alexi de assassinato! Tinha sido um acidente!
Entretanto, ela era a única testemunha do que tinha acontecido. Todos sabiam como Elysse e Alexi eram unidos, e quanto eram unidas suas famílias. Talvez não acreditassem. Como tinha acontecido tudo aquilo? Ela gostava de William Montgomery. Pensou em seus beijos e em suas carícias repugnantes. Ele não sabia que ela queria que parasse? Chorou de novo. Nunca deveria ter saído com ele ao terraço!
— Elysse — disse seu pai quando entrou no aposento. — Alexi diz que há um problema!
Ao vê-la, empalideceu.
Sua mãe, Cliff e Alexi estavam com ele. Alexi fechou com chave novamente.
Ela conseguiu erguer-se enquanto segurava seu estômago, que doía insuportavelmente. Não podia falar.
Sua mãe correu a abraçá-la, e Elysse desabou em seus braços. Devlin observou com espanto seu cabelo, seu rosto, seu vestido.
— Quem fez isto? Quem? Espere — disse com fúria. Virou para Alexi e perguntou: — Onde está Montgomery?
— Está fora — disse Alexi. — e está morto.
Virginia ofegou. Cliff deu um passo adiante e segurou o ombro de seu filho.
— Que demônios aconteceu?
— Foi um acidente! — gemeu Elysse antes que Alexi pudesse responder. — Foi minha culpa. Eu o encorajei. Toda a semana estive encorajando-o a me cortejar. Alexi nos encontrou… estávamos nos beijando — disse ela, e notou que avermelhava. — brigaram — prosseguiu, e se dirigiu a seu pai com um olhar suplicante. — foi um acidente, papai. Brigaram, e Montgomery caiu e bateu a cabeça. Por favor, tem que proteger Alexi!
— O que ele fez com você? — perguntou Devlin.
— Não me fez mal, de verdade — respondeu Elysse.
— Agora não. — disse Virginia a seu marido, que não dava crédito ao que estava ouvindo. Depois virou para Elysse. — Querida, vamos para casa. Sairemos pela parte de trás. E não se preocupe com Alexi — acrescentou, e sorriu para lhe dar ânimos.
— Não irei para casa até que tudo isto esteja resolvido! Está morto, mamãe, e… foi minha culpa, não de Alexi.
— Se Alexi brigou com Montgomery é porque estava fazendo mal a você — rugiu Devlin. — Quero saber o que aconteceu!
— Foi só um beijo, um beijo horrível e asqueroso! — disse ela.
Fez-se silêncio. Virginia a abraçou de novo. Elysse enxugou as lágrimas incessantes, lamentando ter falado com tanta claridade. Finalmente, Alexi disse:
— O piloto estava fazendo algo indecoroso. Estava acossando bruscamente Elysse, mas não aconteceu nada mais.
Devlin não sabia se acreditar ou não.
Elysse ruborizou, e Cliff perguntou:
— Onde está o corpo de Montgomery?
Alexi estava olhando fixamente para ela. Elysse tremeu nos braços de sua mãe. Afirmou categoricamente:
— O corpo está fora, no terraço. Lutamos trocando socos, e bateu a cabeça contra o degrau de pedra.
— Então, estavam na grama, e não no terraço? — inquiriu Devlin.
Alexi o olhou com frieza.
Devlin estava lívido.
— Onde estava levando você? — perguntou a sua filha.
— Não sei. Eu não queria sair do terraço!
— Quando os vi, quis matá-lo.
Cliff empalideceu.
— Alguém viu algo?
Elysse mordeu o lábio. Não queria mencionar às duas senhoras do corredor naquele momento.
Aparentemente, Alexi devia estar de acordo, porque lançou uma advertência com o olhar.
— Não podemos ir às autoridades — disse rapidamente e com firmeza. — Se o fizermos, o que aconteceu esta noite mais cedo ou mais tarde será público, haverá uma investigação e talvez um julgamento. Elysse nunca se recuperaria disso.
Ela sabia que ele faria qualquer coisa por protegê-la.
Cliff virou para Devlin.
— Temos que nos desfazer de corpo.
Devlin concordou.
— De acordo.
Virginia sussurrou:
— Eles arrumarão isto, querida. Alexi estará bem, e você também.
Elysse rogou que sua mãe tivesse razão.
Devlin e Cliff se olharam. Devlin disse:
— Vamos enterrar Montgomery no mar. Ninguém perceberá.

Acabara de matar a um homem.
Eram quatro da manhã e Windhaven já estava em silêncio. As mulheres estavam dormindo no segundo piso. Alexi seguiu seu pai, Devlin e Jack até a cozinha, depois de que os quatro homens entrassem disfarçadamente pela parte traseira da casa. Fazia tempo que tinha tirado o fraque e sua camisa branca estava enegrecida de terra e óleo. As mangas estavam enroladas até os cotovelos. Era difícil pensar com claridade. Só notava a dor de seu coração, o martelar nas têmporas. Doía tudo, inclusive as costelas, como se estivessem quebradas; tanto, que era difícil respirar.
William Montgomery tinha morrido.
Mas Elysse estava bem.
Tremeu de esgotamento. Elysse tinha sofrido um ataque. Estava lutando por liberar-se de Montgomery com a saia levantada até as coxas. Assim que os tinha visto, ele havia sentido o medo dela, seu pânico.
Imediatamente tinha tido a necessidade de destroçar o outro homem. E tinha conseguido seu desejo.
Não era estranho à morte. Entretanto, matar índios selvagens ou africanos sedentos de sangue era uma coisa. O que tinha acontecido naquela noite era completamente diferente, e estava demorando muito para compreender.
Montgomery tinha sido seu companheiro, seu piloto e seu amigo. Tinha salvado sua vida. E ele acabava de matá-lo…
Continuava sendo incompreensível.
Os outros homens estavam igualmente desarrumados e sujos. Ninguém havia dito nada desde que tinham saído do porto de Limerick. Em silêncio, seguiram Cliff pela enorme cozinha, que estava às escuras, salvo pelo pequeno fogo que ardia na chaminé. Percorreram um corredor até a biblioteca. Ali, Cliff acendeu vários abajures de gás.
Devlin se aproximou do bar e serviu quatro taças de brandy com o semblante grave. Ele também estava absorto. Alexi ficou olhando-o sem ver. Nunca sua cabeça tinha doído tanto.
Tinha julgado Montgomery equivocadamente. Se tivesse sabido até onde era capaz de chegar, nunca o teria levado a sua casa, menos ainda em Askeaton Hall. Ficava doente ao pensar que ele mesmo tinha apresentado o americano a Elysse.
Sabia que nunca poderia perdoar a si mesmo pela visão de Montgomery sobre ela, preso da luxúria, e Elysse, tão frágil e miúda em seus braços, tentando empurrá-lo. Nunca esqueceria o som dos beijos, a respiração pesada de americano, seus grunhidos. Elysse gemia de medo, e talvez de dor.
Afastou-se daquela lembrança horrível de sua mente. Imediatamente teve outra igualmente desagradável: o rosto de Elysse, coberto de lágrimas.
Viu-a em seus braços, chorando, ferida e assustada. Deus Santo, nunca a tinha visto tão bela nem tão vulnerável, e nunca havia sentido tal necessidade de protegê-la.
Seu estômago se encolheu. Ele a conhecia tão bem… Se conheciam desde que eram crianças.
«Não estou bêbada, e não vou embora. A menos que queira me acompanhar».
«Está flertando comigo?».
«Eu flerto com todo mundo, não se lembra?».
A tensão de Alexi chegou a extremos quase insuportáveis. Ela era uma coquete irresponsável e temerária. Tinha flertado com todos os homens disponíveis aquela noite. Tinha flertado com Montgomery. E tinha flertado com ele. Entretanto, apesar de seu comportamento, nenhuma mulher merecia o tratamento que ela tinha recebido.
Era culpa dele, por levar Montgomery para a Irlanda…
Continuava vendo Elysse e Montgomery abraçados, Montgomery pulando atrás da faca, e o corpo de seu piloto enquanto o jogavam no mar na metade da noite.
Devlin entregou uma taça a ele. Ele a aceitou, mas só podia ver Elysse, sorrindo a ele com sedução.
«Está realmente bêbada. Como uma marinheira, Elysse. Vá embora para casa».
«Não, claro que não. Não posso ir a casa, porque prometi a William que daria um passeio pelo jardim com ele. Não viu como a lua está linda esta noite? Dizem que é a lua dos amantes, Alexi. Caso não saiba ».
Seu sangue ferveu. Teve vontades de esmagar algo, e logo. Claro que não tinha escutado o que ele disse. Ela nunca o escutava!
Foi ao jardim com Montgomery, flertando de uma maneira tão perigosa, que o piloto tinha morrido.
Ele o tinha matado por ela. E o faria de novo se tivesse que fazê-lo, embora aquele maldito americano tivesse salvo a sua vida.
— Bom, já está feito. — disse Devlin, e o tirou de seus profundos pensamentos. — Esse canalha está no fundo de mar da Irlanda.
Alexi bebeu o brandy. Tremia-lhe a mão. A bebida, entretanto, não serviu para mitigar sua tensão.
— Isto passará — disse seu pai a ele.
Alexi não acreditou. Nunca se perdoaria pelo que tinha acontecido aquela noite. O que tinha acontecido a Elysse.
Cliff o segurou por braço.
— Já acabou, Alexi, e se obcecar com isso não vai ajudar em nada. Tem que deixar para trás. Não volte a mencionar esta noite, nem o piloto, nunca mais.
Alexi percebeu de que não tinha nada que dizer. Estava esgotado, tão cansado que tinha a sensação de que nunca mais ia poder descansar.
Sentiu outra explosão de ira.
Recordou tantas coisas que ficou paralisado. Montgomery e ele, braço a braço na neve, depois de uma barricada de troncos, lutando para salvar a vida contra um grupo de índios, em meio de uma tempestade de neve de neve. Montgomery e ele bebendo uísque depois, em uma cabana, chocados por ainda estarem vivos e depois rindo de repente. Montgomery e ele, em Gibraltar, na quarto de uma pensão pública, compartilhando os favores de uma prostituta muito exuberante. Montgomery e ele em seu navio, a ponto de passar o estreito de Sundra, com um bom vento, com um sorriso observando como se desdobravam todas as velas. Mais tarde, enquanto o navio navegava a toda vela pelo oceano Índico, tinham compartilhado uma jarra de rum para celebrar sua viagem pelo mar da China…
— Alexi — disse seu pai.
Sobressaltou-se e retornou à biblioteca. Notou que tinha a cara úmida. Porque, no final das contas, Montgomery não era seu amigo. Absolutamente não era.
Naquele momento, Alexi percebeu que ia vomitar.
— Está em choque. Matar um homem não é nada fácil — disse Cliff. — Foi um acidente, filho. Estava protegendo Elysse.
Alexi atravessou o aposento e saiu. Na mesmo terraço onde tinha encontrado Montgomery com Elysse, vomitou o brandy. Depois ficou ali, agarrado ao corrimão, esperando que seu estômago acalmasse.
Tinha matado seu amigo. Entretanto, Montgomery não era seu amigo de verdade. Era um caçador de fortunas e um canalha, e ia forçar Elysse…
Sentia-se doente de culpa e de raiva. Soltou uma maldição e deu um murro no corrimão. Nada de que tinha acontecido àquela noite tinha por que ter acontecido! Seus olhos encheram de lágrimas. Maldito Montgomery! Maldita Elysse O’Neill!
Cliff disse:
— Quer falar disso?
— Não — disse.
Tinha vontades de gritar de raiva. Era melhor que a culpa. Podia entender a raiva. Lentamente, virou para seu pai.
Cliff o observou atentamente.
— Tinha todo o direito a defender Elysse, filho, mas sei que Montgomery e você eram muito unidos. Foram amigos e companheiros.
Alexi começou a tremer. Precisava chorar outra vez. Tinha confiado a Montgomery as vidas de sua tripulação. A segurança de seu navio. Maldição!
— Não importa. Está morto.
Cliff passou a mão pelo ombro.
— Ninguém o culpa. Era lógico que protegesse Elysse do que Montgomery queria fazer. Você a ama desde que são crianças. Lembra o dia em que chegamos em Harmon House, e a cara que fez quando entrou e a viu pela primeira vez.
Ele se afastou. Não queria ouvir aquilo!
— Não fiz nenhuma cara, demônios! E se fiz, certamente era porque estava flertando comigo!
Cliff ficou calado.
Alexi gritou de frustração:
— Montgomery morreu. Ela quase sofre uma violação esta noite. E amanhã estará flertando outra vez como se não tivesse acontecido nada. Você verá!
Quase não podia acreditar como estava zangado com ela.
— Isso não é justo, e sabe — disse Cliff em voz baixa. — Ela passou por um inferno esta noite. Não vai recuperar o ânimo em muito tempo.
— Eu a adverti que não mentisse para ele. Aprenderá alguma vez?
— Todo mundo aprende da vida, filho. — Cliff disse brandamente.
Alexi cruzou os braços.
— Nunca aprenderá nada. Nunca crescerá.
— Tem direito a estar zangado.
— Estou furioso — gritou. — eu disse a ela que se ficasse longe de Montgomery! Que não confiava nele! Sabia que ela iria muito longe! Como sempre, fez exatamente o contrário de que eu desejava que fizesse. Conhecendo-a, estou certo que o encorajou para que a beijasse. Maldita seja!
— Talvez já seja hora de que os dois admitam a atração que sentem um pelo outro. — sugeriu Cliff.
Alexi se sobressaltou. Depois soltou um grunhido de desconforto.
— Não tenho nem ideia do que quer dizer.
Virou as costas e começou a andar de um lado para outro. Naquele momento se sentia desumano e selvagem. Devlin devia castigá-la. Devia impor disciplina a ela. Tinha que terminar com seus flertes! Tinha que casá-la imediatamente! Elysse tinha demonstrado que não tinha sentido comum. Necessitava um marido que cuidasse dela.
Ficou imóvel e olhou seu pai, que estava tomando Brandy com calma enquanto o observava.
Alexi voltou para interior da casa, e Cliff o seguiu.
Devlin estava sentado, olhando sua taça vazia, rememorando o que tinha acontecido àquela noite. Jack também estava andando de um lado a outro.
— Oxalá eu o tivesse matado — cuspiu Jack, tremendo de ira. — Estou certo que essas duas bruxas contaram a meio mundo que minha irmã está desonrada. E está, de verdade, demônios! Agora ninguém vai querê-la!
O estado de ânimo de Alexi piorou, como sua tensão. Jack tinha razão. Tinha achado que era sua obrigação avisar Devlin de que a senhora Carrie e lady O’Dell tinham visto Elysse. Aquelas mulheres eram duas fofoqueiras, e Elysse estava em uma situação muito comprometedora.
Jack disse com tensão:
— Sei que Elysse é muito coquete, mas é que é assombrosamente bonita. Ela não pode evitar que todos os homens a olhem quando entra em um aposento. O piloto não foi uma exceção.
Alexi não queria entrar em um debate sobre a aventura temerária de Elysse com Montgomery, menos ainda com Jack. Seu irmão defenderia seu comportamento, é obvio.
— Era o melhor partido da Irlanda — disse Jack, e olhou Devlin. — Agora ninguém a quererá. Por mais que neguemos os rumores, todos falarão disso.
Devlin levantou o olhar.
— Há uma maneira de terminar com os falatórios, Jack, além de negar. Lembre-se que é uma herdeira. Posso comprar um marido muito adequado e importante.
Alexi estava tão tenso que não podia suportá-lo. Ele esperava aquela conclusão. Ele tinha chegado à mesma: que teriam que casá-la imediatamente. E assim que percebeu disso, soube que um marido daria a ela todo o amparo que necessitava contra os rumores. Devlin não era tolo. Sabia tão bem como Alexi que a fofoca que gerassem aqueles dois periquitos sossegaria se encontravam um bom partido para ela.
— Você sempre quis que se casasse por amor. — disse Cliff brandamente.
Alexi ficou imóvel. Aquele era um novo campo de batalha, e estava minado. Sabia que devia mover-se com cuidado.
— Sim, é certo. Mas agora não será mais possível, não é?
Alexi sentia como se o oceano rugisse em seus ouvidos. Recordou aquele menino tolo de nove ou dez anos que tinha chegado, secretamente, à conclusão de que, quando fosse maior, Elysse O’Neill seria sua esposa.
— Quando estiver casada, este acontecimento trágico será esquecido. — disse Devlin. — Conheço minha filha. Não suportará bem as brincadeiras e o repúdio social. Vou encontrar um noivo excepcional para ela. E quanto antes, melhor.
— Poderia enviá-la um par de anos ao estrangeiro. — disse Cliff, olhando para Alexi.
— Isso não acabaria com os rumores. Mas se ela se converter em uma esposa rica e poderosa, ninguém voltará a pensar em esta noite. — disse Devlin. Claramente, tinha tomado uma decisão.
Alexi respirou profundamente.
— Basta. — disse. — Não será necessário.
Devlin olhou para ele.
— O que foi? — perguntou, embora o observasse como se já soubesse.
— Eu a resgatei uma vez esta noite, e o farei de novo.
Devlin arqueou uma sobrancelha e começou a sorrir.
Alexi disse:
— Se for casá-la, serei eu quem se casará com ela.

 

Capítulo 5

Montgomery baixou a cara e o coração de Elysse se encolheu de medo. Sabia o que ia acontecer depois. Notou seus lábios movendo-se sobre os dela, exigentes de uma maneira feroz. Afundou sua língua na dela e o medo se converteu em pânico. Começou a lutar e percebeu que estava no chão, e de que ele estava sobre ela. De repente, Alexi a estava olhando com fúria, de uma maneira acusatória. William estava no chão, com os olhos desfocados.
— Isto é sua culpa! — gritou Alexi.
Ela queria negá-lo. Entretanto, não conseguiu articular palavra, e teve que gritar…
Elysse se levantou na cama com o coração acelerado e o corpo empapado em suor. Por um momento, sua comoção foi tal que ficou paralisada. Tinha a sensação de que estava no terraço de Windhaven. Olhou para baixo, temendo encontrar o piloto morto no chão. Entretanto, só viu sua colcha de florzinhas rosas e sua camisola de cor marfim.
Estava em sua própria cama, tremendo. Tentou respirar profundamente, mas seu coração estava batendo muito rápido. William Montgomery tinha morrido, e por sua culpa!
Sentiu uma grande culpa.
Alexi não disse várias vezes, que não enganasse Montgomery? Ela não tinha ignorado suas advertências só para incomodá-lo? Acaso não esperava, inclusive, que sentisse ciúmes ? Mesmo que de verdade gostasse de Montgomery…
Desejava que a cortejasse, não? Tinha desfrutado com seus cuidados, até aquele terrível beijo…
Os eventos daquela noite fluíram com claridade naquele momento. Os homens partiram de Windhaven para atirar o cadáver de William ao mar, para ocultar sua morte. Sua mãe a tinha levado a casa tirando-a pela porta da cozinha para não chamar mais a atenção. Virginia não tinha tentado falar com ela durante o trajeto de volta a casa, mas a abraçou para lhe dar conforto. Elysse já não chorava, mas estava terrivelmente aturdida, e se limitou a olhar pela janela da carruagem.
William Montgomery tinha morrido por sua culpa. Como aquilo podia ter acontecido?
Elysse não queria deitar-se, não queria ficar a sós com seu horror e seu sentimento de culpa. Assim ficou com sua mãe, tomando chocolate em silêncio, frente ao fogo. Estava gelada. Tinha frio nos ossos. Não acreditava que o frio fosse passar nunca. Virginia não tinha tentado dizer nada, e Elysse agradeceu por isso. Entretanto, o que tinha acontecido naquela noite passava várias vezes por sua cabeça, cruelmente. Às três e meia, enviou a sua mãe à cama. Elysse não conseguia dormir. Cobriu-se até o queixo e ficou olhando o teto, vendo de novo como lutavam Alexi e Montgomery, presenciando a queda de Montgomery e ouvindo o barulho de seus ossos, desejando sem remédio que aquela noite não tivesse existido…
E era pior quando fechava os olhos. Então revivia sem piedade todos os momentos de na semana anterior, quando seus flertes irrefletidos os tinham conduzido inexoravelmente à morte de Montgomery. Não deixava de dizer a si mesma que tinha sido um acidente, mas sabia que não era. Era culpa dela, e só culpa dela…
«Eu nunca permitiria que ninguém fizesse mal a você. Queria matá-lo».
Elysse segurou a colcha e fechou com força os olhos. Estaria por fim Alexi em Windhaven, em sua própria cama? Já teriam enterrado Montgomery? Teria percebido que aquilo tinha sido culpa dela?
Descobriu-se e ficou em pé. Estava tremendo. Ia lamentar o resto de sua vida o que tinha acontecido. Nunca voltaria a comportar-se de uma maneira tão egoísta e inescrupulosa. Embora não ia ter mais oportunidade, porque estava desonrada.
Elysse se aproximou da janela e afastou as cortinas. O sol brilhava no céu, rodeado de nuvens brancas. Devia ser meio-dia. Perguntou-se se deveria ficar escondida durante todo o dia em seu quarto.
Esteve a ponto de começar a rir com desespero. Àquela hora, todo o sul da Irlanda saberia que tinha comprometido sua reputação a noite anterior. Todas as damas de condado se aproximariam dela, fingindo que queriam saudá-la, quando em realidade quereriam conhecer os detalhes sórdidos. Entretanto, não ia poder evitar por completo aos fofoqueiros ficando em casa. Aquele dia teria muitas visitas. Inclusive suas amigas quereriam saber o que tinha acontecido à noite anterior.
Sua vida, tal como havia conhecido, tinha terminado.
Já não era a debutante mais desejada da Irlanda. Ninguém mais iria querê-la.
Elysse massageou as têmporas enquanto alguém batia na porta. Sua reputação estava arruinada, sem possibilidade de salvação. Suas perspectivas de casamento tinham desaparecido.
E se descobrissem o que tinha acontecido a noite anterior, Alexi poderia ir a prisão…
— Elysse? — disse Virginia enquanto entrava em seu quarto. Levava nas mãos a bandeja de café da manhã. — Se sente melhor esta manhã? Conseguiu dormir algo?
— Tive pesadelos — disse. — Como está Alexi? Está bem? Já voltaram?
— Seu pai voltou ao amanhecer, e Alexi voltou para casa. Eles se ocuparam de tudo — disse sua mãe com seriedade. Deixou a bandeja de café da manhã em uma mesa, junto à janela. — Deveria comer algo, filha. Vai acalmar seu estômago.
— Não posso comer. Minha garganta dói e sinto o estômago arder. William Montgomery morreu, mamãe. Morreu.
Virginia destampou os pratos.
— Não é sua culpa!
— Queria que Alexi ficasse com ciúmes. — ela gemeu. Naquele momento, já sabia que era a verdade. — O que está acontecendo comigo?
— Você não podia prever o que ocorreu — respondeu Virginia com firmeza. — Não é a primeira mulher que tenta fazer ciúmes a um homem! Montgomery ultrapassou os limites. Se tivesse sido um cavalheiro, estaria vivo. Lembre-se disso!
— Então, se está morto é por sua culpa? — perguntou ela, embora não acreditasse nisso. — Ele disse que queria me cortejar formalmente. Queria se casar comigo, mamãe.
— Queria se casar com você por sua fortuna. — respondeu Virginia com firmeza. — Ia falar com você sobre isso, mas acabei adiando porque pensava que ele partiria da Irlanda em pouco tempo.
Elysse ficou olhando para sua mãe e percebeu que falava a sério. Entretanto, isso não serviu de consolo a ela. Disse lentamente:
— Se não tivesse saído com ele, com a intenção de animá-lo, de que se declarasse, ele estaria vivo.
— Não é sua culpa — repetiu Virginia. — Acabou, Elysse. Devemos reconhecê-lo e nos esquecer disso.
Elysse não acreditava que ela pudesse esquecer Montgomery tão facilmente, nem mesmo seu próprio comportamento, que tinha sido atroz. Não acreditava que aquele pesadelo fosse terminar nunca.
— Preciso falar com papai. — disse. Queria saber se Alexi a culpava pela morte de Montgomery.
— Seu pai também quer falar com você. Há uma notícia que quer lhe dar — lhe anunciou sua mãe com um sorriso. — Pode considerar que é uma boa notícia. Por que não veste sua bata? Eu vou chamá-lo.
Elysse não sabia qual era a boa notícia que podia ter Devlin. Sentia-se como se tivesse envelhecido vários anos em umas horas.
Momentos depois, Virginia voltou para seu quarto com seu pai. Devlin tinha um aspecto gasto, cansado, mas também parecia decidido. Elysse não podia falar. De repente percebeu tudo o que ele tinha passado naquela noite. Sabia que tinha um lugar especial no coração de seu pai, como a maioria das filhas. Claro que se tinha ficado destroçado pelo ocorrido.
— Sinto muitíssimo — disse a ele. — Lamento meu comportamento, papai, e nunca mais voltarei a me comportar como uma tola e como uma imprudente.
Ele foi diretamente para ela e a abraçou.
— Não tem por que se desculpar. Montgomery não era um cavalheiro, e eu deveria tê-lo afastado de você desde o começo. Sempre vou cuidar de você, Elysse —disse Devlin. — Sempre será minha menina, e não é tola nem imprudente.
Ela começou a tremer.
— Não culpará a si mesmo.
— Sou seu pai. Meu dever é cuidar de você.
— Isso é minha culpa, papai, e eu sou o suficientemente inteligente para me dar conta. Deve se sentir muito desiludido comigo.
— Você nunca poderia me desiludir.
Sentiu-se ainda mais culpado. Perguntou:
— Alexi está bem?
Ele a observou atentamente.
— Está muito aborrecido. Acho que sabe, como todos, que ele nunca toleraria que alguém fizesse algo de errado com você. Acho que ainda está em estado de choque. Mas o superará. É um jovem forte, e um De Warenne.
— Já está em casa?
— Acho que sim. Jack e eu o deixamos lá esta manhã, ao amanhecer.
Ela vacilou.
— Ele me culpa pelo que aconteceu?
— Acredito que culpa a si mesmo. — respondeu Devlin.
— Pai, foi minha culpa.
— Não foi sua culpa — respondeu Devlin com calma. — Além disso, não pode ser remediado. É inútil procurar culpados. Vocês dois têm que seguir adiante.
Elysse ficou em silêncio. Estava certa de que ia seguir culpando-se até o dia de sua morte. Mas não podia suportar que Alexi culpasse a si mesmo.
— Temos que superar um último obstáculo — disse Devlin cuidadosamente. — E é o assunto de seu casamento.
Ela se sobressaltou.
— De que está falando?
— Sei que a senhora Carrie e lady O’Dell a viram desarrumada ontem à noite. Quero terminar com os rumores rapidamente. O casamento é o modo perfeito de consegui-lo.
— Não posso falar de casamento precisamente hoje!
Por acaso seu pai se referia a comprar um marido?
— Alexi se casará com você, Elysse, se o aceitar.
Ela ficou arrasada. Tinha ouvido seu pai corretamente?
— Alexi se casará comigo?
— A senhora Carrie e lady O’Dell a viram no corredor com Alexi, não? Assim, certamente pensaram que é seu amante. Se você se casar com ele, ninguém vai se importar que estivesse em seus braços ontem à noite, ou que o momento fosse um pouco mais à frente.
Ela se deixou cair na poltrona mais próxima.
— Alexi diz que se casará comigo? Mas… está seguro? Ele não quer se casar.
— Isso não é certo. Quer terminar com qualquer falatório tanto como eu. Disse que se casaria com você. — respondeu Devlin.
Teve a sensação de que o quarto dava voltas a seu redor. Teve que se segurar nos braços da poltrona. Alexi a tinha advertido sobre William Montgomery, e depois havia tornado a oferecer-se para protegê-la.
Mas, não tinha prometido, quando eram meninos, que sempre a protegeria?
Era o homem mais heroico que tinha conhecido.
— Ele quer se casar comigo? — perguntou ela com incerteza.
— Desde quando Alexi De Warenne faz algo que não queira fazer? — murmurou Virginia.
— Não posso dizer que me surpreenda muito — disse Devlin. — Embora não esperasse este casamento até daqui a uns cinco anos, mais ou menos. Você já está pronta para se casar, mas os homens de vinte e um anos são muito imaturos, e além disso ele é marinheiro.
Elysse ouvia de longe o que seu pai estava dizendo. Teve que se beliscar para ter certeza de que não estava sonhando. Começou a sentir euforia.
Alexi queria se casar com ela.
O pesadelo começou a se desvanecer.
Juntos, iriam dar um jeito de esquecer. Juntos iriam se curar. Estava certa.
— Elysse? — disse Virginia. — Seu pai e eu sempre quisemos que se casasse por amor. Nos perguntávamos se seu par talvez não fosse Alexi, porque você dois tem flertado durante anos. É um bom homem. É seu amigo. Ele gosta de você, e você dele. E agora, nesta crise, ele veio em sua ajuda. Se o aceitar, felizmente, nós o aprovamos.
— E se tiver dúvidas, eu farei todo o possível por terminar com os rumores — acrescentou Devlin.
No meio de tanto horror estava aparecendo uma ponta de alegria. Era um broto delicado e frágil. Elysse ficou em pé e sorriu.
— Claro que me casarei com Alexi.

— Você está bem? — perguntou Devlin enquanto colocava sua mão sobre o braço.
Elysse quase não o ouviu. Tinha a respiração entrecortada. O espartilho se cravava em suas costelas. Olhou seu pai, que estava muito bonito e elegante com seu traje. Segurou seu buque de noiva com mais força.
— Todas as noivas ficam nervosas. — disse Devlin, dando uns tapinhas em sua mão.
Ela respirou profundamente e conseguiu concordar. Aquele era o dia de seu casamento. Sentia-se como se tivesse esperando por aquele momento toda sua vida. Por fim, a tragédia que a tinha levado até lá não tinha mais importância. Estava na igreja, com os bancos cheios com a família de Alexi e com a família dela. O coração lhe pulsava loucamente.
Alexi estava no final do templo com seu padrinho, Stephen Mowbray, o duque de Clarewood. O ministro de conde de Adare estava com eles, e o irmão de Elysse, Jack, e Ned De Warenne, o herdeiro e filho maior de conde. Frente aos homens estavam sua mãe e Ariella. Virginia tinha um sorriso resplandecente, e Ariella olhava com espera pelo corredor. Começou a música, e todas as cabeças se voltaram para a porta, onde ela estava com seu pai.
Alexi a olhou fixamente.
Estava impressionante com seu fraque. Entretanto, Elysse teve a sensação de que algo estava muito, muito errado. Sua expressão era dura, como de desgosto e determinação.
Aquele era seu casamento, mas não parecia que estivesse muito feliz.
Ela não havia tornado a vê-lo desde dia de baile. Tinha enviado uma nota para ele, perguntando se poderiam falar antes da cerimônia, mas ele tinha respondido com brevidade dizendo que não ia voltar para a Irlanda até a noite anterior ao casamento. Partiu para Londres dois dias depois da noite de baile para resolver assuntos de negócios. Elysse imaginou que teria muitos cabos soltos que atar, porque certamente iriam partir de lua de mel ao continente. Entretanto não tinham feito nenhum plano. Elysse esperava outra mensagem dele, ou inclusive uma carta, mas não tinha recebido nada.
O organista tocava a marcha nupcial. Devlin sussurrou:
— Vamos?
Elysse não podia falar. Seu olhar estava fixo em Alexi, e ela deixou que seu pai a guiasse pelo corredor central. À medida que se aproximava do altar, o coração se encolheu de consternação. Conhecia muito bem Alexi, e não havia maneira de confundir sua ira.
Sentiu pânico. Aquilo não estava certo. Não era como devia ser! Só estava se casando com ela para protegê-la! Entretanto, por que estava tão zangado? Porque não queria casar?
Tinha mudado de ideia, e era muito nobre para deixá-la plantada na igreja?
Não estavam casando pela morte de um homem inocente?
De repente, Elysse não quis seguir adiante. Sentia-se muito assustada.
Seu pai a olhou com preocupação.
E se ele não queria casar com ela? Depois de tudo, só o fazia para protegê-la…
— Isto é um erro. — murmurou.
Com o olhar fixo no noivo, abriu a boca para dizer a seu pai que não podia se casar naquelas circunstâncias. Entretanto, não conseguiu pronunciar nem uma palavra.
— Elysse. — disse Alexi. Embora em voz baixa, tinha o tom inconfundível de uma ordem.
Ela seguiu para frente e se situou junto a ele, olhando-o nos olhos, azuis, frios. O ministro começou a falar. Seus joelhos falharam. Alexi a segurou por cotovelo para mantê-la em pé.
Sentia-se aturdida, quase como se não habitasse seu próprio corpo e estivesse participando de um sonho. Entretanto, ele tinha os olhos cravados nela, dizendo que não se movesse. O reverendo seguiu falando, mas ela não ouvia o que estava dizendo. Só existia o olhar inflexível de Alexi. E então, ouviu que ele dizia.
— Sim, aceito.
Ficou muito tensa. Não pôde olhar ao ministro quando lhe dizia:
— E você, Elysse O’Neill, aceita este homem como marido na enfermidade e a saúde, nos bons e maus momentos, até que a morte os separe?
Ela olhou fixamente para Alexi. Seu coração se encolheu. Ele estava zangado, mas ela o amava. Santo Deus, isso sabia. Sempre o havia amado, não? Desde que tinham se conhecido, desde crianças.
Um dia ela a perdoaria pelo que tinha feito?
— Elysse. — disse Alexi, e apertou seu cotovelo.
Ela murmurou:
— Sim, aceito.
Naquele momento se sentia distante de tudo. Olhou para baixo e viu que Alexi colocava a aliança no seu dedo anelar. Sua visão ficou turva. «Por favor, não se zangue comigo».
Depois ele voltou a segurar em seu braço. Ela o olhou, e ele correspondeu um instante a seu olhar antes de virar a cara com expressão séria.
— Então, pelo poder que me concederam a Igreja da Inglaterra e o Estado, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar à noiva.
Elysse estava muito assustada. Por um instante pensou que ele ia se negar a beijá-la.
Ele se inclinou para diante e encostou os lábios nos seus.
Seu coração deu um salto ao sentir o contato. Aquele estranho sentimento de distância se desvaneceu. Ele titubeou, mas a segurou com mais força para que não caísse. Ela ouviu sua respiração e sentiu que abria a boca. Então, por um impulso, separou os lábios e juntou sua boca a dele. Pensou que a beijaria de verdade.
Ele, entretanto, apertou seu cotovelo com força e se afastou dela.
— Sinto muito. — disse, e a soltou bruscamente.
Ela ofegou, olhando-o. Estava feito. Certo ou errado, eram marido e mulher.
Entretanto, enquanto suas famílias se aproximavam deles, ele deu as costas a ela. Seus primos e seus tios começaram a dar os parabéns a eles. Seu pai o abraçou. Elysse sentiu que seus olhos enchiam de lágrimas. Ele estava tão distante, e tão zangado… disse a si mesma que não ia chorar, nem naquele momento, nem nunca.
— Estou muito feliz por você! — Ariella disse a ela.
Elysse esboçou um sorriso forçado e se virou para seus tios, tias e primos. Sorriu e acenou com a cabeça para todo mundo que se aproximava para falar com ela, que a beijava e a felicitava. Entretanto, cada minuto se virava para ver onde estava Alexi, e que fazia. Ele permaneceu com os homens, sorrindo, com uma taça de champagne na mão. Não a olhou nem uma só vez, e manteve suas costas para ela.
Não havia nenhum gesto que pudesse ter mais significado.
Não estava zangado, estava furioso.

Mais tarde, aquela noite, Elysse não era capaz de recordar nem só uma das conversações, tirando a última, a que tinha mantido com Alexi.
Tinha passado um pouco de tempo depois da cerimônia, e por fim estava entre seus braços no salão de baile de Askeaton. Entretanto, sentia medo e dor.
Alexi sempre tinha sido um bailarino nato. Ele a segurava com cuidado. Era a primeira vez que a olhava desde que se casaram.
— Alexi. — disse ela com a voz rouca.
— Todo mundo nos está olhando. — disse ele com um sorriso forçado. — Este não é o momento.
Os olhos de Elysse se encheram de lágrimas.
— Eu sinto muitíssimo…
— Não quero falar de nada! — disse ele com tensão.
— Então, finalmente me culpa pela morte de William Montgomery.
Ele se deteve em seco e a olhou fixamente.
— Percebi que queria que saísse e os descobrisse juntos. Queria me causar ciúmes, Elysse. E conseguiu o que queria. Sempre o consegue.
— Sim, queria que ficasse com ciúmes. Eu reconheço isto e lamento.
— Era meu amigo até que você se interpôs. Salvou-me a vida. E eu o matei. Não sei se poderei perdoar você algum dia, Elysse. Mas também sei que nunca poderei perdoar a mim mesmo o que eu fiz.
— Foi um acidente. — gemeu ela.
— Sim. Mas não teria acontecido se você não o tivesse enganado.
Tinha razão. E os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Não podemos brigar agora, desta maneira. Todo mundo vai perceber que me odeia.
Era uma pergunta.
Mas ele não disse nada, e aquilo foi resposta suficiente. Conteve as lágrimas de dor e decepção. Por que tinha sido tão tola para pensar que poderiam iniciar uma vida juntos, superar aquele início trágico, sórdido, doloroso?
— Mudou de ideia, não é verdade? — gritou ela, e parou. Não queria dançar com ele assim, embora aquela fosse sua primeira valsa como marido e mulher. — Você se ofereceu para casar comigo para me proteger, mas só o tem fez isto porque é muito cavalheiro para me deixar plantada.
Ele apertou os lábios com força.
— Não, Elysse. Não quero estar casado com você.
Ela gemeu novamente. O que ia fazer agora?
— Mas estamos casados. — disse ela. — Quero ser uma boa esposa para você, Alexi!
Ele encolheu os ombros com um gesto de indiferença.
— Faça o que quiser. Pode ser uma boa esposa ou uma esposa horrível. Não me importa, Elysse. Não me importa.
— O que está dizendo?
— Digo que faça o que quiser. Sempre faz. Mas me deixe fora de seus futuros flertes.
— É meu marido! Não haverá flertes!
— De verdade? Duvido muito! — respondeu ele ironicamente. — Eu falo sério, Elysse. Faça o que quiser. Dei a você meu sobrenome. Vou mantê-la, vou dar a você uma casa e roupa, e joias. Mas nosso casamento só chega até aí. — acrescentou, e assinalou a mesa. — Por que não nos sentamos e tentamos fingir até que termine a festa?
Não era possível que falasse a sério. Estava furioso! Queria fazer mal a ela. Entretanto, sabia quanto dor estava causando? Abriu a boca para confessar até que ponto iam seus sentimentos por ele, para dizer que o amava e que queria que seu casamento fosse bom e estivesse cheio de amor. Antes que pudesse dizer uma só palavra, ele disse:
— Quero que saiba que zarpo esta noite. Assim que partam nossos convidados embarcarei.
Ela ficou muda.
— Não sei quanto tempo estarei longe. — acrescentou com satisfação. E a olhou com a máxima atenção.
— Mas… se você não ia para a China até junho.
— Eu não disse que vou pra a China. — respondeu ele com brutalidade.
Ela começou a negar com a cabeça.
— E nossa noite de bodas?
Ele a olhou com incredulidade.
Não ia ficar. Não ia consumar seu casamento. Elysse tremeu. Não podia falar.
— Para onde vai, Alexi?
— Para Singapura. — respondeu ele.
Elysse acabava de perceber de que seu casamento era uma completa mentira.

 

 

 

 

 

 

 

 


SEGUNDA PARTE
«Amor em guerra»


Capítulo 6
London, England
Primavera de 1839

Elysse passeou o olhar por sua elegante mesa, onde se sentavam vinte e três convidados, sorrindo ligeiramente. As velas acesas arrancavam brilhos dos candelabros de prata, o cristal tilintava, e o entrechocar do faqueiro dourado se mesclava com o som das vozes. Estavam tendo lugar várias conversações animadas. A sala de refeições tinha o papel da parede na cor vermelha escura e dourada, e de teto penduravam dois grandes lustres de cristal. Havia um bom fogo ardendo na chaminé, e sobre o suporte desta, um bonito buquê de flores. Na mesa havia arranjos florais menores. A sala era linda. Seus convidados tinham desfrutado de um jantar magnífico e se estavam divertindo. Era, é obvio, um êxito.
Depois de tudo, ela era uma das anfitriãs mais célebres de toda Londres, e seus convites eram cobiçados por todos.
Elysse, em seu papel de anfitriã, estava sentada à cabeceira da mesa, embelezada com um esplêndido traje de noite de cor safira, e com joias combinando. Seu acompanhante daquela noite, o senhor Thomas Blair, era um dos banqueiros mais importantes da nação, e tinha ocupado o sítio de anfitrião, ao outro extremo da mesa. Era um cavalheiro muito bonito e ambicioso, coisa da que não se devia falar abertamente, e riquíssimo. Também era solteiro. Ela tinha convidado ao jantar duas debutantes e a uma viúva jovem, mais adequada para um partido tão bom como ele. Blair levantou sua taça de vinho naquele momento, e sorriu a Elysse, olhando-a fixamente. Ela sabia que a admirava.
Devolveu-lhe o sorriso enquanto lorde Worth dizia:
— Quem se importa que os chineses comprem ópio, além de seus próprios líderes? — seu tom era de superioridade, e prosseguiu falando entre gargalhadas: — Em minha opinião, que sigam consumindo opiáceos!
— Está errado — disse uma das debutantes, Felicia Carew. Era muito jovem, bastante bonita e não especialmente preparada. Blair não tinha prestado atenção nela nem uma vez. — Todo mundo sabe que o ópio é horrível. E estou segura de que é igual para os pobres chineses! Não deveríamos animá-los!
— Querida — respondeu lorde Worth com condescendência. — o ópio representa uma fortuna, para nossos mercantes, claro. É um comércio muito bom. Comércio livre, diria eu.
Todos mostraram seu acordo. O debate sobre o comércio livre e os mercados abertos estava em seu auge. Talvez fosse mais popular, inclusive, que as discussões sobre a dívida nacional e a possível quebra de país. Claro que o último assunto dependia do ponto de vista de cada um.
— Mas, ir à guerra pelo ópio? — interveio um cavalheiro ancião. — ouvi dizer que nossos navios com canhões estão por toda a costa da China.
Blair estava olhando de novo para ela. Olhou para ele antes de se dirigir a seu convidado:
— A prata paga nosso chá, senhor Harrison. E as companhias de país recebem em prata os pagamentos pelo ópio. Mas se houvesse mais portos abertos para nosso comércio, haveria mais mercado para nossos fabricantes, para pagar o chá.
— Você é a favor do comércio livre? — o senhor Harrison perguntou a ela. — Eu confesso que tenho certo temor.
Antes que Elysse pudesse responder, Blair inquiriu:
— E como nossa anfitriã não ia estar a favor de comércio livre?
— Claro que está a favor — declarou lorde Worth. — Seu marido se dedica de corpo e alma ao comércio por todo mundo. Como está nosso capitão, querida Elysse? Espero que possa evitar qualquer encontro desagradável com os chineses!
E como ela ia saber? Percebia que Blair a olhava fixamente, mas seu sorriso não vacilou. Fazia seis longos anos que não via Alexi. Se seu marido se viu apanhado no meio da guerra, ela não soube. Nem mesmo se importaria.
— Está muito bem, obrigada. — murmurou com um sorriso. — E têm razão. Sou a favor do comércio livre.
Elysse não queria pensar naquele momento. Iria estragar sua noite. Só tinha recebido uma nota dele, poucos meses depois de seu casamento, em que perguntava de maneira insultante se podia estar grávida. Ela tinha se zangado tanto por aquela pergunta que tinha enrugado a carta e não se incomodou em responder.
É obvio, enviava dinheiro a ela, como se fosse um amante marido. De fato, cada mês, suas contas de Londres e da Irlanda recebiam entradas que os agentes de Alexi faziam. No princípio, ela tinha se negado a tocar seu maldito dinheiro. Depois tinha começado a usá-lo para pagar tudo: o precioso apartamento que tinha alugado em Grosvenor Square, os móveis, seu guarda-roupa, as joias, a carruagem e os cavalos e o serviço.
— Haverá guerra — disse Blair preguiçosamente. — a China deve nos abrir seus portos.
Elysse o olhou. Estava de acordo com ele. A sociedade assumia que aquele era seu último amante. Não era, por mais que ele pudesse desejá-lo.
Oxalá pudesse ter um amante. Estava cansada de fingir tanto.
— E o capitão, querida? — insistiu lorde Worth. — Voltará logo?
Elysse sorriu ao barão.
— Imagino que chegará a Londres qualquer dia destes, porque saiu de Cantão em oito de dezembro. — disse.
Aquela informação tinha dado seu pai, despreocupadamente. Como de costume, tinha lhe agradecido pela notícia, e tinha insistido que estava impaciente pela volta de seu marido.
Devlin a tinha olhado com tristeza. Apesar de todo seu fingimento, não enganava a sua família. Desde que Alexi partiu, logo depois do casamento, eles percebiam que estava muito triste, e por mais que tivesse uma vida fácil e despreocupada, isso não ia mudar. Felizmente não lhe faziam perguntas sobre o estado de seu casamento. Só Ariella e sua mãe se entrometiam, e com bastante frequência. Cada vez que via alguma delas, perguntavam a ela se tinha tido notícias de Alexi. Ela sempre sorria e fazia ver que não se importava se não as tivesse.
Não tinha recebido nem uma carta durante aqueles seis anos.
— Só estamos em dez de março. — disse Blair. — Se consegue fazer outra viagem de cento e três dias, o que me parece improvável, estaria aqui amanhã.
Elysse o olhou sem alterar a expressão do rosto. Entretanto, havia uma tensão nova naquele momento. Alexi estaria em Londres muito em breve. Pela primeira vez, desde que tinham casado, ela também estaria na cidade quando ele chegasse. Pela primeira vez em seis anos, seus caminhos teriam que cruzar-se.
Por desgraça, parecia que ele se converteu em uma espécie de herói nacional, que o país inteiro o considerava o comerciante mais galante de todos os que operavam com a China. A Companhia das Índias Orientais tinha perdido o monopólio de comércio no ano trinta e quatro, e Alexi se lançou ao comércio marítimo com a determinação de vencer qualquer possível rival. O ano de seu casamento tinha construído um clíper especial só para o comércio, com menor peso e um desenho mais esbelto, concebido para ser mais veloz. No ano de trinta e sete, a Coquette tinha estabelecido um novo recorde na carreira de volta a casa: cento e três dias. Ninguém tinha conseguido superá-lo ainda. E durante os dois anos anteriores, a Coquette tinha sido sempre a primeira nave que tocava porto com seu valioso carregamento.
O primeiro navio que chegava a porto era o que conseguia os melhores preços para o chá. Era sabido por todos.
Alexi podia estar de volta qualquer dia.
Sua tensão aumentava. Ela era filha de Devlin O’Neill e, certo ou errado, a esposa de Alexi De Warenne. Ela não o considerava galante, absolutamente, mas seus interesses eram os mesmos, assim, é obvio, queria que fosse o primeiro capitão em chegar ao porto inglês, e com o melhor chá negro de mercado, para que conseguisse o benefício mais alto.
Tentava ignorar os rumores e as fofocas sobre ele, mas não era fácil. Frequentemente cavalheiros se aproximavam, nos eventos sociais, e lhe perguntavam com entusiasmo se isto ou aquilo era certo: Seu marido duelou com um capitão britânico, um rival, na Batavia? Tinha resgatado à tripulação de um naufrágio nas Ilhas de Cabo Verde? Ganhou, em uma partida de cartas em Gibraltar, uma plantação de cana-de-açúcar nas Ilhas de Goree?
Como se ela soubesse algo disso!
Se quisesse, poderia ir aos escritórios de Londres de Windsong Shipping e averiguar os detalhes de seus assuntos de negócios, e inteirar-se de quais eram os lugares nos quais tinha estado recentemente, e o que tinha feito. Entretanto, negava-se a fazê-lo. Se tivessem um casamento de verdade, ele escreveria cartas e contaria a ela quais eram suas idas e vindas. Elysse nunca tinha ido aos escritórios de Londres. Preferia fingir que sabia o que estava fazendo seu marido. De vez em quando inventava histórias sobre ele, tratando de permanecer tão fiel à verdade como pudesse, apoiando-se nos detalhes que Amanda e Ariella mencionavam quando a visitavam.
Em realidade, Elysse estava cansada de fingir que não havia nada de errado, que estava orgulhosa de seu marido, que esperava que estivesse no mar trezentos e cinquenta dias ao ano.
Entretanto, não tinha mais remédio. Ninguém devia saber que seu marido a desprezava, que seu próprio marido não a desejava e se negou a consumar o casamento, Ninguém devia saber que a tinha abandonado.
Aquele primeiro ano, Elysse não tinha feito nenhuma aparição na sociedade. O abandono de Alexi a tinha deixado destroçada. Devlin, seu pai, tinha ficado furioso com ele. Jack tinha ameaçado, inclusive, ir atrás dele e levá-lo a força para ela! Elysse tinha se visto na situação absurda de ter que defendê-lo ante toda sua família; mas naquele momento, ainda pensava que ele ia voltar com ela. Estava tão equivocada…
Ele não voltou para casa. No outono seguinte ao seu casamento, tinha atracado no porto de Liverpool com um carregamento de chá. Elysse tinha sabido por Ariella. Arrumou-se com sua melhor roupa e suas melhores joias. Embora ainda estivesse ferida e zangada, também queria arrumar as coisas; depois de tudo, estavam casados. Entretanto, ele não tinha ido nem para Askeaton nem para Windhaven. Foi para Londres e ficou por lá uma semana, e depois tinha zarpado para a Jamaica com um carregamento de têxteis e êmbolos. Aquilo tinha sido uma bofetada evidente. Alexi não poderia ter enviado uma mensagem mais clara: não se importava absolutamente que ela fosse sua mulher.
Devlin havia ficado furioso, e tinha perguntado a sua filha se queria anular o casamento.
Elysse acariciou a taça de vinho. Tinha sido uma ingênua ao pensar que poderiam ter um casamento de verdade, depois do que tinha acontecido. Se soubesse sabido tudo o que sabia naquele momento, que Alexi ia ignorá-la durante seis anos como se não fosse sua mulher, teria aceito a oferta de anulação de seu pai. Mas agora era muito tarde. Tinha resistido aos falatórios durante todo aquele tempo, e não tinha intenção de reativá-lo novamente.
Desde que tinha se mudado para Londres, no inverno do ano trinta e cinco, as pessoas comentavam que era uma esposa abandonada. E alguns daqueles rumores estavam perigosamente perto da verdade. Quantas vezes tinha ouvido damas jovens ciumentas, que teriam sido suas rivais se ainda estivessem solteiras, falar do fato de que ele a tinha deixado assim que tinha terminado a cerimônia, sem uma noite de bodas sequer? Também tinha ouvido dizer que Alexi a tinha surpreendido com um amante pouco antes de casar-se com ela! Imediatamente, ela começou a contar à história que tinha inventado com seus pais, que ele a havia beijado no baile, que ambos perceberam que se amavam e que a lua de mel tinha sido em uma pequena e pitoresca cabana na Escócia. Isso tinha conseguido diluir os rumores, mas não os eliminara por completo. De vez em quando, ouvia coisas sobre ela.
Se pedisse a anulação do casamento naquele momento, depois de seis anos de feliz casamento, voltaria a provocar as fofocas.
Blair a estava olhando fixamente. Ele a estava perseguindo fazia alguns meses, e embora ela desfrutasse de verdade de sua companhia, sabia que nunca se deitaria com ele. Elysse era consciente de que a sociedade pensava que tinha uma enxurrada de amantes, e ela deixava que pensassem. Quando estava sozinha no meio da noite, com insônia, tentando não pensar em seu marido errante, lamentava não ter um amante. Entretanto, não se atrevia a ter. Se soubessem que ainda era virgem, sua humilhação seria completa.
Blair era um homem muito ardiloso. Ninguém subia da classe média aos círculos mais altos das finanças e o governo britânicos sem sê-lo. Tinha perguntado a ela por Alexi. Elysse tinha mantido seu discurso: ela respeitava, admirava e estimava a seu marido, e sua longa ausência era devido à natureza do transporte marítimo. Entretanto, sabia que Blair suspeitava que estavam distanciados.
— Bem, eu tenho notícias — disse o pai da Felicia, o senhor Carew. — Hoje foram avistados um par de navios em Plymouth. A notícia chegou a nossos escritórios esta tarde, com o correio. E sim, eram clípers.
Todos os pressente se ergueram em seus assentos.
O coração de Elysse se encolheu. Um daqueles navios tinha que ser o de Alexi.
— Senhora De Warenne, você acha que um dos clípers poderia ser Coquette?
Vários de seus convidados repetiram a pergunta, e ela olhou as mãos no colo, sob a mesa. Tremiam-lhe.
— O capitão De Warenne é muito ambicioso. Acredito que estará entre os primeiros navios que cheguem.
Sempre tinha sabido que aquele dia chegaria, mas já fazia anos que não se preocupava com isso. Entretanto, naquele momento ficou muito nervosa.
— Pergunto-me quem será o capitão do outro navio. — disse um dos convidados.
— Oh, mamãe, eu adoraria ir ver como chegam ao porto os navios de chá — disse Felicia com emoção. Olhou para Blair e ruborizou antes de continuar: — Poderíamos ir às docas a esperá-los?
— Todos deveríamos ir à doca, porque parece que há uma boa corrida sendo efetuada. Segundo meus informes, — explicou Carew, — os veleiros só se distancian umas léguas.
— Foi avistado no horizonte um terceiro ou quarto navio? — conseguiu perguntar Elysse.
— Não, senhora. Acho que não. — disse Carew.
Ela umedeceu os lábios. Estava segura de uma coisa: Alexi era o capitão de um daqueles dois navios. O Coquette tinha sido vista por última vez na África Ocidental, onde os britânicos tinham seus quartéis gerais da marinha. Era pouco provável que tivesse tido algum contratempo grave ou algum desastre depois disto. Todos os nervos de seu corpo diziam a Elysse que estava competindo para chegar a casa antes que algum de seus rivais.
Depois de todos aqueles anos, por fim iriam se ver.
Na mesa, todos falavam de quem poderia ser o capitão do segundo navio.
A raiva, tão cuidadosamente controlada, ferveu. A dor, enterrado desde tanto tempo atrás, apunhalou-a. Ela manteve um sorriso perfeito nos lábios. Como Alexi podia fazer aquilo a ela?
— Meu ajudante disse que dá para identificar o navio. — anunciou Carew.
— Pode ser um daqueles de Jardine. — disse Blair. — A companhia sempre está presente nas corridas.
Elysse o olhou; esperava que ele não percebesse seu nervosismo.
— Acredito que suas exigências foram as mais ruidosas — disse. — Por causa de Jardine, Matheson & Co, nossos navios de guerra estão subindo o rio Pei-Kang, e ameaçando às autoridades chinesas.
Blair a olhou.
— Está mudando de assunto? — murmurou, quase como se falasse consigo mesmo.
Ela se ruborizou. De repente, desejou com todas suas forças que acabasse a noite. Necessitava, pelo menos, um bom brandy. Alexi estaria em casa no dia seguinte.
— Jardine tem um capitão muito jovem e muito ardiloso no John Littleton — comentou Carew. — E construíram navios só para o comércio.
Elysse ficou em pé.
— Os cavalheiros estão preparados para tomar um brandy e desfrutar de uns bons charutos? Eu sei que nós, as damas, estamos impacientem por tomar o melhor Oporto desta casa.
— Eu apostarei por De Warenne — disse lorde Worth enquanto se levantava. — Conheço esse homem, e é quase invencível.
— Eu aceito a aposta — respondeu Carew. — O capitão De Warenne não pode ser o primeiro três anos seguidos!
— A mim, pessoalmente, atraem-me as possibilidades remotas — disse Blair, ficando em pé. — Aceito a aposta, mas a favor de Alexi De Warenne. E por quem apostam vocês, senhora De Warenne?
— Eu nunca aposto, senhor, mas se o fizesse seria leal a meu marido.
— É obvio. Devem estar entusiasmada por sua volta.
Ela sorriu.
— É obvio.
— Iremos à doca ver as naves chegarem? — lady Worth perguntou a seu marido.
— Não perderia isso por nada no mundo! — respondeu ele, e se voltou para Elysse. — Vai nos acompanhar amanhã, não é mesmo?
Elysse ficou tão surpresa que esteve a ponto de abrir a boca.
Blair rodeou a mesa e ficou a seu lado.
— Eu a acompanharei com prazer às docas da Santa Catalina.
Seu coração pulsava com tanta rapidez que se sentia enjoada. Não tinha intenção de ir; uma reunião pública entre Alexi e ela era algo muito perigoso. O engano no qual tinha vivido toda sua vida de casada podia ser descoberto.
Blair tocou seu cotovelo com suavidade.
— Parece um pouco… angustiada.
— Absolutamente — disse ela, e ficou assombrada por seu próprio tom de voz, tão seguro. Tinha se tornado uma perita em manter aquela fachada, e estava empenhada em continuar. — Quero que meu marido ganhe esta corrida e obtenha o melhor preço por nosso chá.
— Bom, dependendo dos ventos, deverão chegar a porto amanhã ao meio dia, mais ou menos. Venho pegá-la às dez e meia.
Elysse percebeu que não havia maneira de evitar ir à doca ao dia seguinte a ver seu marido errante voltando da China.

Dezoito dos vinte e três convidados da noite anterior se juntaram no porto aquela manhã, entre uma multidão muito maior de londrinos, talvez quatrocentas ou quinhentas pessoas. No dia anterior tinha voado a notícia da chegada dos clípers, e vê-los entrar no porto era um assunto de negócios e de prazer. Entre as pessoas havia vários agentes que inspecionariam o chá no momento de sua chegada, antes que os navios o tivessem descarregado, e que enviariam amostras a seus sócios antes de negociar um preço. Elysse tinha ouvido que muita gente ia ver chegar os grandes navios de chá, mas não sabia que os espectadores estariam tão emocionados nem que a ocasião seria tão festiva. Inclusive as crianças meninos se aproximaram das docas. A maioria eram moleques da rua. Gritavam e corriam por toda parte.
Alexi chegava a casa.
Parecia incrível para Elysse. Não tinha conseguido dormir toda a noite, apesar de ter tomado um par de taças de brandy bem cheias depois que todos seus convidados partiram.
Sabia que não podia usar uma dor de cabeça como desculpa para não ir à doca. Blair saberia imediatamente que era uma mentira.
Arrumou-se com grande esmero. Vestia um vestido azul claro e água-marinhas. Protegia sua pele do sol com uma sombrinha cor nata. Queria estar maravilhosa. Blair a tinha pego com pontualidade, e tinham demorado quarenta e cinco minutos em chegar à doca. Durante o trajeto tinham conversado sobre a noite anterior e sobre o tempo. Para Elysse tinha sido muito difícil manter a compostura.
Apesar do que tinha acontecido no passado, apear das circunstâncias nas quais se casaram, Alexi deveria ter voltado para seu lado fazia anos, para cumprir com seus deveres de marido. Ela não pensava frequentemente em William Montgomery, mas nunca esqueceria o que tinha acontecido naquela semana, e naquela noite. De vez em quando ainda tinha pesadelos. Depois ela lembrava que nunca quis prejudicar Montgomery, e que os três tinham culpa em sua morte acidental. Tinha amadurecido o suficiente para perceber quanto tinha sido caprichosa, egoísta e tola, mas também era o suficientemente sábia para ter-se perdoado pelo acidente. No aniversário de sua morte, Elysse acendia velas por ele, e se perguntava se Alexi faria o mesmo em algum porto longínquo e exótico. Alexi tinha razão por ter-se zangado com ela pelo ocorrido; Montgomery era seu piloto, seu companheiro em alto-mar e seu amigo, e Elysse o tinha enganado deliberadamente. Mas Alexi não tinha direito em abandoná-la daquela maneira. Ele tinha decidido casar-se com ela, em circunstâncias trágicas, e devia a ela algo mais que umas quantas libras mensais. Ela necessitava algo mais que seu sobrenome e sua riqueza. Precisava de um marido.
Se uma vez o tinha amado, já não o amava mais. Mas continuavam casados, e isso significava que aquela separação devia terminar.
Elysse passou toda a noite rolando na cama, pensando em sua volta. Não esperava um novo começo; certamente, ele partiria da cidade assim que soubesse que ela estava em Londres. Mas tinham que encontrar outro acerto mais satisfatório que o que tinham naquele momento. Já era hora que Alexi a reconhecesse como esposa. Não podia continuar evitando-a assim. Não tinham por que compartilhar muito, mas de vez em quando teria que aparecer com ela em público. Certamente, podia fazer aquilo!
Pouco anntes que chegassem à doca, Blair perguntou sem rodeios:
— Teremos que interromper nossa amizade enquanto seu marido estiver em casa?
Ela não teve nenhum problema para responder a Blair. Não tinha intenção de sair pelas noites sem um acompanhante bonito, atento e elegante. Blair era o mais interessante de seus acompanhantes, e ela gostava dele.
— Meu marido está no mar muito tempo ao longo do ano. Nós temos uma amizade muito agradável. — ela disse. Não ia jogar pela amurada a relação que tinha construído com Blair por um breve encontro com Alexi.
— Eu esperava isso — respondeu ele. — Entretanto… parece que hoje está algo inquieta.
Ela virou para o lado com nervosismo. Não imaginava o que ia acontecer se Alexi e ela se viam cara a cara, mas estava empenhada em manter sua dignidade e seu orgulho. Esperava que ele também tivesse amadurecido e que se comportasse dignamente. Ela não tinha desejos de mexer o passado. Não tinha nenhum sentido tentar jogar a culpa em alguém.
— Estou muito ansiosa por ganhar esta corrida — murmurou, embora na verdade isso não importasse nada. — Nas adegas do Coquette há uma fortuna.
— E ele pôs o nome no navio em sua homenagem?
Elysse sorriu sem responder. Certamente, Alexi tinha posto o nome no navio em homenagem a alguma de suas amantes. Nunca o faria em homenagem a ela.
Naquele momento se encontravam na doca, de onde poderiam ver bem a chegada dos navios. Havia muitos veleiros ancorados, mas nenhum era um clíper da China. Cliff De Warenne estava na doca mole contigua, com um grupo de cavalheiros. Elysse ficou muito tensa e teve vontades de se esconder.
Blair virou para ela e seguiu seu olhar.
— Ah, seu sogro.
Elysse umedeceu os lábios. Sua relação com a família De Warenne era tensa. Estava certa que Ariella sabia que era fiel a seu marido, mas a irmã de Alexi se negou a inclinar-se por nenhuma das duas partes naquela guerra. De vez em quando, Elysse se encontrava com o pai e a madrasta de Alexi em um evento ou outro. Amanda era sempre afetuosa e amável, mas Cliff nunca dava amostras de se alegrar ao vê-la, principalmente quando Elysse estava com algum de seus supostos amantes.
Entretanto, ele era todo um cavalheiro. Cliff a viu e levantou a mão para saudá-la. Elysse sorriu e devolveu a saudação.
— Hoje parece um bom dia para navegar. — comentou Blair. Tirou o binóculo do bolso e olhou para o mar.
Ela olhou ao céu, às nuvens que passavam rapidamente por cima, e depois para as ondas coroadas de espuma branca.
— Deve haver uma boa brisa, de dezessete ou dezoito nós.
Ele entregou o binóculo a ela.
— Há dois navios no horizonte.
Tremendo, Elysse pegou o binóculo e oslevantou. Nunca tinha visto Coquette ao vivo, mas tinha visto os desenhos e os planos de navio quando o estavam desenhando. Assim que viu o primeiro clíper, Elysse tomou ar bruscamente.
— Então, é seu marido?
Ela olhou as esbeltas formas do Coquette através do binóculo, e suas velas brancas inchadas pelo vento.
— Sim — disse, afastando o binóculo. — Acredito que estará aqui em menos de meia hora. A aparente distancia é enganosa, e o navio avança a toda vela.
— E o segundo navio?
Elysse ajustou o binóculo. O outro navio era um pequeno ponto no horizonte.
— É impossível vê-lo — disse, e devolveu-o a Blair. — Se olhar por volta das dez em ponto, talvez perceba um ponto na distância.
Blair levantou o binóculo.
— Vá, têm razão — disse, e então a olhou com admiração. — É uma mulher extraordinária, senhora De Warenne. Tinha ouvido suas rivais dizerem que é fria e calculadora, mas eu noto que há muita paixão sob essa postura tão rígida.
— Acusam-me de ser fria e calculadora? — ela perguntou, se sentindo ferida. Ela tentava ser amável e educada o tempo todo!
— Estão com ciúmes de seu êxito, de sua beleza e de seu poder. Eu, por outro lado, encontro todo isso tremendamente atraente.
Blair não tinha mais de trinta anos, era muito bonito e muito masculino. Elysse tinha ouvido dizer que era um magnífico amante. Ela não duvidava, mas não ia averiguá-lo nunca.
De repente, temeu que Blair soubesse a verdade: que era a esposa de um dos mais aclamados comerciantes com a China, mas que seu casamento era só uma farsa. Elysse tinha tido meia dúzia de pretendentes durante os quatro anos anteriores, mas nenhum daqueles homens tinha esquentado seus lençóis, nem mesmo seu coração.
Ficou olhando fixo para Blair. Ele não podia conhecer a verdade. Ninguém podia ser tão ardiloso.
— Sou muito comum, em realidade. — disse ela.
Ele sorriu lentamente.
— Sinto muito, mas não estou de acordo.
Enquanto o Coquette subia o rio, a multidão aclamava com emoção. Soltaram balões e lançaram confete, e os meninos gritaram de excitação. Elysse se segurou em Blair, mas só tinha olhos para Alexi.
Estava na coberta de seu navio, perto de leme, com a mão no quadril, dando ordens a sua tripulação. Os marinheiros arriaram velas e jogaram a âncora. Alguns barcos pequenos, com comerciantes a bordo, foram rapidamente para o navio. Elysse se esqueceu de homem que estava do seu lado, da multidão, dos outros navios, de tudo, inclusive de suas intenções. Só existia Alexi De Warenne.
Parecia que a raiva se desvaneceu. Enquanto ela o via dar as últimas ordens ao final de sua viagem, a dor que ela tinha sentido durante todos aqueles anos se liberou. Elysse sentiu que se afogava, que ficava paralisada. Ele a havia machucado tanto … Como tinha podido abandoná-la daquela maneira?
Será que não gostava nem um pouco dela?
E como ela podia continuar amando-o depois de tantos anos de dor e de traições?
Alexi era tão magnífico!
— Sente-se bem, Elysse?
Ela se sobressaltou e se soltou do braço de Blair. Teve que pestanejar, porque os olhos tinham embaçado. Não sabia como ia passar os momentos seguintes.
— Estou aflita.
— Já posso ver — disse ele, e olhou de novo através do binóculo. — O outro navio não é um clíper da China. Acredito que é dinamarquês.
Elysse não o ouviu. Os barcos tinham chegado ao clíper, e do navio foi lançada uma escada de corda. Havia uma dúzia de negociantes pedindo permissão para subir a bordo. Alexi fazia gestos para que subissem. Por seus gestos e movimentos, ela percebeu de que tinha muita energia. À medida que os comerciantes foram pisando na coberta, ele os saudava com palmadas no ombro e com gargalhadas. Os cavalheiros o rodearam e deram a ele boas-vindas dignas de um herói. Alguém entregou uma garrafa de champagne. Ela ouviu o ruído da abertura, porque o som viajou pela superfície da água. Alexi jogou para trás a cabeça e riu, e sua gargalhada soava cheias de triunfo.
Alexi tinha voltado para casa.
Elysse percebeu de que estava caminhando lentamente pela doca, para ele. Alexi tinha o cabelo muito comprido, pensou. Necessitava urgentemente um corte de cabelo. Vestia uma camisa branca simples, aberta no peito. Tinha a pele muito morena. Será que ficava sem camisa em alto-mar? Quando criança o fazia. Naquele momento vestia a camisa por dentro das calças, descuidadamente, e calçava umas botas de couro de cano alta até os joelhos. Ela o viu tomar um bom gole de champagne, diretamente da garrafa. Atrás dela, as pessoas aclamaram de novo.
Os marinheiros subiram vários baús cheios de chá das adegas, e os comerciantes se ajoelharam a bombordo da coberta para inspecionar o chá. Alexi os observou com arrogância, quase como se fosse um rei com seus súditos. Ela já tinha chegado na ponta da doca. Pensou que Alexi estava muito, muito bronzeado de sol. Tinha reflexos avermelhados no cabelo.
Então, ele arregalou os olhos, e com incredulidade, ficou paralisado. Tinha-a visto.
Elysse também ficou imóvel. Não sabia nem se respirava. Só notava o coração, que pulsava com tanta velocidade e tanta força que machucava no peito.
As docas ficaram silenciosos, ainda que naquele momento, os comerciantes lançavam exclamações sobre as amostras de chá, e os marinheiros falavam aos gritos entre si, em um segundo plano. O olhar de Alexi era dura, de repúdio. Já não estava sorrindo. De repente, Elysse percebeu que estava sozinha na doca, a uns seis metros de navio. Lutou por recuperar a compostura. Tinha que falar! Percebeu que as pessoas estava olhando-os com espera. Ouviu os sussurros: «É a esposa!».
O que estava fazendo? O pânico se apoderou dela. Alexi ia humilhá-la de novo. Era claro que ele não a esperava, e que não se alegrava ao vê-la. Elysse juntou seu valor, sorriu e fez girar a sombrinha como se não acontecesse nada. Ia fingir que não havia nada de errado em seu casamento. Tinha todo o direito de estar ali.
Tinha que recuperar a calma. Tinha que saudá-lo como uma esposa feliz.
Tomou ar.
— Bem-vindo a casa… Alexi — disse. Percebeu como seu tom de voz estava tenso. Não acreditava que ele a tivesse ouvido, assim levantou a mão.
Ele se moveu. Deu a garrafa a um dos marinheiros e se moveu pela coberta com a graça e a força de uma pantera. Com passos largos e preguiçosos caminhou até o corrimão mais próximo. Seus olhares ficaram grudados.
Havia um bote ao final da doca, e Elysse sabia que o remador a levaria a navio se pedisse. Entretanto, era Alexi quem devia ir até ela, e não o contrário.
Alexi sorriu lentamente, de uma maneira sugestiva. Saltou o corrimão com agilidade, desceu pela escada de corda e aterrissou em um bote. Disse algo ao remador. Elysse notou o coração cada vez mais acelerado, enquanto o bote cortava a distância entre eles dois.
A proa da pequena embarcação tocou a doca. Alexi passou o olhar pela figura de Elysse, desde seus olhos, a sua boca, e ao decote de seu vestido. Depois se fixou no muito caro colar de água-marinhas que ela usava.
— Olá, Elysse.
Ela umedeceu os lábios. O único que tinha que fazer era dar boas-vindas a ele, mas não encontrou as palavras.
Antes que pudesse dizer algo, ele tinha saltado à doca e em dois passos ficou na frente dela.
Contunuava sendo o homem mais atraente que ela tivesse visto em sua vida. Elysse se perguntou se tinha crescido ainda mais durante aqueles anos, ou se por acaso era uma ilusão que criava o manto de poder que ele levava com tanta despreocupação e indiferença. Parecia que era exatamente o que diziam os rumores: um comerciante heroico e valente, acostumado a administrar os desafios e as crises e a triunfar. Um homem com experiência de vida. Estava ali frente a ela como se nada nem ninguém pudesse alterá-lo, como se o mundo fosse dele, e como se soubesse perfeitamente.
Era tão masculino e tão bonito, que ela se perguntou com desespero como era possível que tivesse melhorado, ainda mais, com a idade.
Ele voltou a olhar, com os olhos brilhantes, o decote e o colar.
— Então minha encantadora esposa decidiu vir a me receber — disse ele, e acariciou a água-marinha que pendia de colar de gemas. — Uma joia bonita e muito cara. Eu a paguei?
Ela não podia pensar com claridade ao sentir seus dedos no pescoço, na pele. Tinha as bochechas ardendo. Estava segura de que todo mundo ia perceber.
— É obvio que você a pagou— respondeu, ao dar-se conta, muito tarde, do que ele tinha querido dizer.
Alexi emitiu um som desdenhoso.
— E a que devo a honra? — perguntou.
Olhou para detrás dela, e Elysse percebeu que percebeu a presença de Blair.
Ela se disse que não devia ter ido às docas em companhia do financista, embora tivesse todo o direito de levar um acompanhante apropriado.
— Chegou em primeiro novamente — conseguiu responder. — É o vencedor. Parabéns.
— O Coquette é invencível, e eu estou ao leme.
Elysse se virou enquanto Blair se aproximava deles. Felizmente estava com Cliff, que abraçou Alexi.
— Bem-vindo a casa, meu filho. —disse com um sorriso. Segurou-o pelo ombro, e depois olhou com seriedade para Elysse.
Ela se sentiu culpada, quando em realidade não tinha feito nada errado.
— Posso apresentar a você o senhor Thomas Blair, Alexi?
Alexi sorriu com frieza.
— Pode. Outra honra. Sinto-me deliciado.
Blair deu a mão a ele sem se alterar.
— Sinto-me encantando em conhecer sua esposa e seu pai, e tinha vontades de também conhecer você, capitão. — disse.
Elysse não sabia que Cliff e ele se conheciam, mas era lógico. Parecia que Blair participava em todos os aspectos da economia da nação.
Alexi o observava com os olhos entreabertos.
— Seu nome me resulta familiar — disse. — Nos conhecíamos? Eu quase nunca esquecimento um rosto … nem a um rival.
— Somos rivais? — inquiriu Blair, arqueando as sobrancelhas inocentemente.
Cliff os interrompeu.
— Blair é o diretor de Northern Financial, e um dos maiores acionistas do banco.
Blair virou para Alexi.
— Fiquei encantado em ajudar suas operações, capitão. De fato, estava decidido a financiar esta viagem.
Elysse olhou Blair com assombro. Ele tinha financiado as viagens de Alexi?
Alexi sorriu com indolência.
— Então, estará encantado com nossos lucros. E com a travessia.
— Estou contente. E impressionado. Você conseguiu manter sua marca anterior de cento e três dias desde Cantão.
— Em realidade, estabeleci um recorde novo de cento e um dias. Saí de Cantão dez de dezembro. Pode fazer os cálculos — disse Alexi com um sorriso de triunfo, e olhou Elysse.
— Não saiu no dia oito? — perguntou ela.
— Pode consultar o caderno de bitácora se duvida — replicou Alexi, e assinalou o horizonte. — Ninguém pôde nos seguir de perto. Aquele navio é o Astrid, da Dinamarca, e traz açúcar de cana das Índias Orientais. Nosso competidor mais próximo ficou sem vento na costa dos escravos. Suspeito que só chegará em uma semana, embora tenha saído de Cantão três dias antes de nós, e não com o melhor chá! — disse, e começou a rir.
Ela não podia culpá-lo por alardear abertamente o que tinha conseguido. Elysse ficou assombrada ao perceber que estava orgulhosa dele. Alexi voltou a olhá-la, e suas bochechas se avermelharam.
Tocou de novo seu colar de água-marinha e disse:
— Poderei comprar mais joias a partir de hoje. — disse brandamente.
Ela ficou imóvel.
— E bem — disse ele, inclinando para ela. — Não me respondeu. A que devo tal honra? Não sentiu minha falta, verdade?
Seu rosto estava tão perto de Elysse que ela percebeu sua respiração. Era limpa, brilhante, e cheirava a limão e hortelã. Alexi cheirava a mar, a madeira e a homem.
Tinha sentido falta dele. Deus Santo, nunca iria admitir, nem sequer para si mesma, mas tinha sentido saudades dele! Elysse o olhou nos olhos, com medo de responder.
— Que a beije! — gritou alguém no meio da multidão. — Que a beije!
— Que beije à esposa! — gritaram mais pessoas.
E Alexi sorriu lentamente.

 

 

 

 


Capítulo 7

Os olhos de Alexi brilhavam tanto quanto as águas-marinhas de Elysse. E ela não teve nenhuma dúvida do que significava aquele brilho. Ficou sem fôlego. Ele ia beijá-la, e ela nunca tinha desejado tanto que a beijassem.
Entretanto, Cliff puxou o ombro de seu filho.
— Alexi — disse, — queria apresentar a você Georges Lafayette e James Pontuem.
Ele se ergueu lentamente sem deixar de olhá-la. Elysse exalou um suspiro tremente.
Alexi virou. Os dois cavalheiros que se aproximaram deles tinham feito fortes investimentos naquela viagem e em outras anteriores, e ela os tinha saudado em várias ocasiões. Intercambiaram-se apertões de mãos e felicitações.
— Cento e um dias! — exclamou o francês, com um sorriso resplandecente. — Não esperava que superassem seu próprio recorde, monsieur!
Alexi aceitou o cantil que ofereceram e riu.
— Eu mesmo fiquei um pouco surpreso.
Sorriu, mas olhou Elysse. Com os olhos fixos nela, levou o cantil aos lábios, e ela viu os músculos de sua garganta se moverem enquanto engolia o licor. Observou a abertura de sua camisa, e notou calor na pele. Quase desejava que a tivesse beijado, ali mesmo, no porto, em público. O que acontecia com ela? Ele a havia abandonado fazia seis anos!
— Ordenei que levem três baús de chá aos escritórios — disse Cliff. — Estou certo que os cavalheiros quererão ver qual é o resultado de seu investimento. Thomas? Quer vir conosco? Acredito que deveríamos celebrá-lo.
— Só se a senhora De Warenne não tem pressa por voltar para casa. — respondeu Blair.
Alexi o olhou fixamente e arqueou as sobrancelhas. Depois cravou os olhos azuis em Elysse e entreabriu as pálpebras.
Antes que ela pudesse falar, Blair interveio:
— Ontem à noite, uns quantos de nós fomos convidados para jantar na casa da senhora De Warenne, e nos inteiramos da notícia de que se avistaram os dois clípers no Plymouth. É evidente que alguém confundiu o veleiro dinamarquês com um clíper. A maioria apostou que você seria o primeiro em chegar, capitão. Ofereci-me para acompanhar à senhora De Warenne às docas, e é meu dever acompanhá-la de novo a casa, a menos, claro, que você mesmo queira fazê-lo.
Elysse ficou gelada. Acaso Blair acabava de lançar uma luva a Alexi?
Ela temia a resposta de Alexi, ou seu repúdio. Com um sorriso, disse:
— Queria ver o chá, senhor Blair. E depois, estou certa que tanto meu marido como vocês terão muitos assuntos que atender esta tarde. Assim, estou segura de que posso voltar sozinha a casa.
Alexi olhou alternativamente para Elysse e para Thomas.
— Alexi tem que me contar sua travessia de volta a casa com todos os detalhes — disse Cliff. — Só então poderá escapar de minha companhia.
Elysse olhou seu marido. Como era possível que conseguisse que se sentisse como se tivesse vinte anos outra vez? Devia recuperar a compostura.
Não tinha mais nenhuma pequena esperança de deixá-lo com ciúmes. Tinha aprendido bem a lição. E claramente, ele não sentia ciúmes de Blair, nem de nenhum outro. Os maridos com ciúmes não permaneciam afastados de suas esposas por seis anos.
Por sorte não era necessário dar nenhuma resposta, porque Lafayette e Pontuem estavam impacientem por provar o chá. Os escritórios de Windsong Shipping estavam a poucas quadras, junto às de outros comerciantes e agentes.
— Tenho uma caixa de melhor champagne francês esperando, capitão — disse o francês com um sorriso, dando uma palmada nas costas dele. — Ah, ganhamos uma fortuna, verdade?
— É o melhor chá que já provei — disse Alexi. — E com esta viagem obtivemos um grande lucro.
Cliff pôs o braço sobre os ombros de seu filho e o guiou para os escritórios, com Lafayette e Pontuem. Elysse os seguiu. Sentiu-se como se deliberadamente a tivessem excluído, mas esperava que fosse sua imaginação. Para distrair Blair, que a estava observando atentamente, chamou os senhores Carew e sua filha, e lorde e lady Worth.
— Venham aos escritórios de Windsong Shipping. Há champagne para todo mundo!
Blair a segurou pelo braço. Enquanto seguiam Alexi, Cliff e dois cavalheiros para esperar suas carruagens, ele a olhou.
— Se eu fosse o capitão De Warenne, não iria aos escritórios agora.
— Eu sempre tenho vontade de tomar champagne, e estou impaciente por provar o chá. — respondeu ela automaticamente.
— Sério? Quer dizer que não preferiria ficar um momento a sós com o capitão? Faz um momento parecia que estava encantada com seu galante marido.
— Conheço Alexi desde que tinha sete anos. Isso é muito tempo.
— Então, está aborrecida?
Alexi não poderia aborrecê-la embora vivesse cem anos.
— Conhecemo-nos um pouco demais. — disse Elysse. Desejava desesperadamente mudar de assunto. — Não tem vontades de provar o chá?
Ele começou a rir.
— Não distingo o chá negro de verde, querida. Eu prefiro muito mais os lucros. Sabe? Outra noite ouvi um rumor. Diz-se que o capitão De Warenne e você estão separados.
Ela tropeçou.
Elysse sentiu um grande aborrecimento para ouvir aquela verdade, e retirou o braço do de Blair.
— Não deveria prestar atenção aos rumores. E de qualquer modo, reitero o que disse antes: conhecemo-nos há vinte anos.
— Entendo — respondeu Blair. — Mas inclusive depois de vinte anos, eu não iria aos escritórios neste momento.
— Isso é muito amável de sua parte — disse Elysse, mas estava muito nervosa para sentir-se adulada.
Tinham chegado à fila de carruagens. Claramente, Alexi tinha intenção de ir com seu pai. Estava ignorando-a deliberadamente? Ela tinha acompanhado Blair. Titubeou sem saber o que fazer.
Alexi franziu os lábios com um gesto de desprezo, e ela ficou tensa enquanto seguia os outros dois homens para a carruagem. Ele fechou a porta sem olhá-la.
A exclusão era deliberada. Doeu-lhe. Blair tocou seu braço e ela se sobressaltou. Ele a examinou atentamente.
Elysse sorriu sem dizer uma palavra, e subiu no veículo de Blair.
Os escritórios de Windsong Shipping ocupavam um prédio inteiro de tijolo marrom. A celebração já estava muito animada quando chegaram. Foi servido champagne, e todo mundo estava no vestíbulo. A porta principal não deixava de abrir e fechar com a chegada de novos convidados.
Era uma recepção muito espaçosa. O chão era de madeira maciça e as colunas que sustentavam o teto pintado eram de ébano. Havia dois enormes lustres de cristal, e luxuosos tapetes persas e orientais. Em todas as paredes havia magníficas pinturas, todas elas de navios no mar. Na parede mais afastada tinha um console dourado, e sobre ele, réplicas de navios em miniatura, incluindo o primeiro veleiro que navegou Cliff décadas antes. Também havia uma réplica do Coquette.
Elysse tomou um pouco de champagne. O vestíbulo estava abarrotado; era impossível se mover sem se chocar com o cotovelo de outra pessoa. Parecia que todos aqueles relacionados com o comércio com a China se inteiraram da volta de Alexi, e tinham ido aos escritórios para felicitá-lo. Alguns outros eram simples passantes. Ninguém se importava.
Alexi estava junto à chaminé, rodeado de senhoras e senhores, de marinheiros, de trabalhadores das docas, e de uma mulher que parecia uma garçonete, além de seu pai e os investidores. Enquanto bebia champagne, narrava histórias da China e de sua viagem de volta a casa. Blair se moveu pela sala; devia conhecer quase todos os pressente. Elysse não se importou. Nunca tinha tido oportunidade de ficar a sós em um evento e limitar-se a observar à concorrência, como estava fazendo naquele momento.
Entretanto, só olhava Alexi. Parecia que era impossível afastar os olhos dele.
Tinha voltado para casa. Ela se sentia quase como uma debutante, aquela tão ansiosa de vê-lo quando tinha voltado para Londres depois de dois anos e meio. De vez em quando, ele a olhava com indolência do outro extremo de vestíbulo, e aquilo trazia lembranças a Elysse.
Não queria lembrar-se daquele dia no Askeaton, quando ele tinha chegado com William Montgomery depois de sua primeira travessia a China. Em vez de fazê-lo, sustentou seu olhar até que ele o afastou.
Naquele momento não parecia que estivesse zangado com ela, nem mesmo o contrário. Entretanto, Elysse estava segura de que na doca a teria beijado, se não tivessem aparecido aqueles investidores.
Alexi tinha mudado muito. Estava inclusive mais sofisticado que quando o tinha visto pela última vez, como se tivesse experimentado tudo o que a vida podia oferecer, como se soubesse que podia superar qualquer crise, qualquer provocação. Sua confiança era evidente. E seu poder. Era um grande capitão naval, e estava deleitando-se com a glória e o triunfo de sua travessia de volta.
Mas Alexi não era um marido que estivesse impaciente por voltar com sua mulher depois de uma longa separação.
Elysse se perguntou se a acompanharia a casa quando terminasse a celebração. Tinham que falar muitas coisas …
Naquele momento uma mulher se lançou em seus braços, e Elysse ficou muito rígida; rapidamente percebeu que era Ariella a quem estava abraçando. Os irmãos se separaram e puseram-se a rir.
— Essa é sua mulher? — perguntou a Elysse um homem com um marcado acento estrangeiro.
Ela o olhou. Era alto e charmoso. Tinha os ombros muito largos e o cabelo muito loiro, pálido, com reflexos avermelhados e dourados. Estava muito bronzeado pelo sol. Elysse soube, imediatamente, que era um marinheiro. Cheirava a cobertas bem azeitadas, a tecido úmido e a mar.
Ele sorriu.
— Baard Janssen, a seu serviço, madame.
Ela não pôde distinguir se seu acento era sueco, norueguês ou dinamarquês.
— Acaso têm o costume de falar com os estranhos sem esperar pela apresentação?
— Não — disse ele, olhando-a diretamente. — Mas quase nunca sigo as normas da sociedade. Falo com estranhos quando quero, principalmente com as mulheres belas.
Ela perguntou cuidadosamente:
— É amigo do capitão De Warenne?
Ele olhou Alexi sem sorrir.
— Tomamos um par de taças juntos na Jamaica, enquanto esperávamos que amainasse uma tormenta.
Ela arqueou as sobrancelhas. Então conhecia Alexi.
— Essa dama é a irmã do capitão De Warenne, senhor.
— E você, milady, é a mulher mais bela que há neste vestíbulo.
— Exagera, mas obrigada. Então, posso assumir que se dedicam ao comércio cana-de-açúcar?
— Sim. De fato, acabo de voltar das ilhas com as adegas cheias. Meu navio é o Astrid, madame. Não encontrará um veleiro melhor em todo o Atlântico Norte.
Ela sorriu por fim. Todos os capitães que tinha conhecido diziam que seu navio era o melhor.
Janssen voltou a olhar para Alexi.
— Ouvi dizer que sua esposa é muito bela. Sempre aparece aqui meia Londres quando ele faz uma boa travessia?
Elysse olhou com atenção para Janssen. Eram rivais? Alexi não transportava mais açúcar das plantações do Caribe, porque o preço era baixo, mas outros navios de Windsong o faziam. Alexi os estava olhando com o cenho franzido.
— Foi uma travessia magnífica. Ele merece as adulações e os melhores preços para o chá.
Janssen a olhou fixamente.
— Estou certo que desfruta muito com a homenagem dos demais. Mas se for certo o que ouvi, foi uma travessia excepcional — disse. E acrescentou: — Parece que sabe muito de navegação. Eu adoraria levá-la para navegar algum dia, senhora…
Sua aliança e seu anel de compromisso eram evidentes.
— Sou a senhora De Warenne.
Ele se sobressaltou.
— Vocês é a esposa dele?
— Sim, capitão Janssen, eu sou.
Ele começou a sorrir. Antes que ela pudesse perguntar por que, alguém a segurou pelo braço. Elysse virou e se encontrou com Ariella.
— Está aqui!
Elysse olhou para Janssen.
— Desfrute de sua estadia em Londres. — disse amavelmente a ele.
Depois pegou Ariella pela mão e a afastou de dinamarquês, para um canto.
— Queria provar o chá. — mentiu.
Ariella a segurou pelos ombros e a sacudiu ligeiramente.
— Cumprimentou meu irmão? Ele a cumprimentou? Sabe que está aqui? Fizeram as pazes?
Em certo sentido, Alexi se havia intrometido entre Ariella e ela. Elas duas nunca tinham tido secretos, até a morte de Montgomery. Elysse nunca tinha contado nada a sua amiga, embora muitas vezes tenha desejado fazer. Tinha continuado fingindo ter uma vida maravilhosa, e que não a importava nada ter um marido ausente. Naquele momento, sorriu.
— É obvio que nos saudamos, Ariella.
— E o que aconteceu?
— Nada — disse ela. Mas pensou: «esteve a ponto de me beijar».
Para sua surpresa, surpreendeu Alexi olhando para elas. Ele virou e levou a taça de champagne aos lábios. Tomou um gole, e depois riu de algo que disse uma das senhoras de seu grupo. Era evidente que Alexi estava flertando com uma atraente morena. Elysse sentiu uma pontada de ciúmes.
Recordou-se que ele tinha tido muitas aventuras durante aqueles anos. Ela tinha ouvido todo tipo de fofocas sobre suas amantes de Singapura e Jamaica. Não se importava. Estava a ponto de virar para Ariella de novo quando percebeu de que ele a olhava de novo. O coração de Elysse acelerou. Seus olhares ficaram presos; ele pegou uma taça de champagne da bandeja de um garçom e tomou um pouco enquanto continuava observando-a abertamente. Seu olhar era inclusive mais atrevido que o de Janssen.

— Bateu seu próprio recorde. — disse Elysse com a voz rouca.
— Eu sei. Ele me contou. Ele está contando a todo mundo. Em realidade, está-se embebedando. — respondeu Ariella, e a encarou. — Vocês conversaram?
— Claro que sim. — disse Elysse, mas não pôde sustentar o olhar de sua amiga.
Alexi estava sorrindo a outra mulher diferente, uma ruiva muito bonita. A consternação de Elysse aumentou. Pensou em se aproximar e se apresentar para jogar um jarro de água fria na ruiva. Entretanto, naquele momento Alexi voltou a olhar para ela; levantou sua taça e a saudou com ela.
— Está flertando com você? — perguntou Ariella, segurando sua mão. — Por favor, se reconcilie com ele. Não sei por que faz seis anos que não se falam, mas por favor, vá falar com ele! Está de muito bom humor. Pode conseguir o que quiser dele quando está assim, Elysse, estou certa disso!
Ariella conhecia seu irmão melhor que ninguém. Seria possível que Alexi estivesse mais flexível e compreensivo? Naquele momento, Elysse sabia o que queria: queria seu perdão, uma reconciliação e um casamento de verdade.
Depois de tudo o que ele tinha feito, depois de toda a dor e a humilhação, ela queria recuperá-lo como amigo e como marido.
Ariella puxou sua mão.
— Essa ruiva foi sua amante faz anos. Chama-se Jane Beverly Goodman. Se aproxime antes que ela consiga reavivar sua aventura!
Elysse titubeou. Se Ariella estava certa e podiam se sentar finalmente para falar de suas diferenças, o inferno de sua existência terminaria. Se Ariella estava certa, poderia liberar-se de todos os enganos e voltar a viver.
Queria falar com Alexi sem ira, sem rancor. Mas a ruiva estava sussurrando algo no ouvido dele. Se aproximasse dele, o que aconteceria? Poderiam esquecer as traições daqueles seis anos? Poderiam esquecer as circunstâncias nas quais se casaram? Ela poderia esquecer toda a dor?
Umedeceu-se os lábios. O que tinha a perder? Tinha seu sobrenome e sua riqueza, mas nada mais. Não havia nada a perder, salvo aquela farsa em que se converteu sua vida.
Elysse sorriu nervosamente a Ariella, e se girou. Então, bateu em Blair, que a segurou pelos ombros.
— Quer que a leve para casa? — ele perguntou a ela. — Eu não posso ficar mais. Tenho que assistir a umas reuniões esta tarde.
Temendo que Alexi percebesse, ela deu um passo atrás para que Blair a soltasse.
— Vou ficar um pouco mais.
— Entendo — disse, e a olhou fixo. — Estou decepcionado. Mas sou um homem paciente.
Ela se angustiou. Não sabia qual ia ser o resultado de sua conversação com Alexi. Seria uma tolice se distanciar de Blair, embora fosse exatamente o que queria fazer.
— Temos planos para ir à ópera. — disse brandamente.
— Sim, na sábado. — respondeu ele.
Depois beijou a mão dela. Quando se endireitou, tinha os olhos brilhantes, e era evidente que se sentia desiludido por deixá-la ali.
Ela o viu partir. Não deveria estar flertando com Blair naquele momento. Quando se voltou para caminhar para Alexi, o encontrou frente a ela.
Elysse deu um pulo.
— Que susto!
Ele a observava com cautela.
— Você não foi embora com ele.
— Queria falar com você.
Os olhos de Alexi brilharam. Segurou-a pelo braço, e ela quase não conseguiu segurar um gemido.
Ele disse lentamente:
— Não chegou a provar o chá.
— Não tive oportunidade.
— Bem — murmurou ele. Então, passou o braço pela cintura dela e a atraiu para si.
Ela voltou a ofegar.
— O que faz?
— O chá.
— É obvio — disse ela então.
Ele a guiou por entre a gente, e ela cedeu ao desejo de apoiar-se em seu corpo. Era muito masculino, e Elysse se sentia perfeitamente bem. Era difícil pensar com claridade.
— Está bêbada? — ele perguntou em tom de diversão.
— Não.
Entretanto, era evidente que Alexi tinha bebido um pouco demais.
— Comporta-se como se nunca tivesse estado nos braços de um homem, e nós sabemos que não é verdade.
Ele a conduziu pelo corredor até uma quarto escuro. Ela não o contradisse. Ele não se incomodou em fechar a porta. Soltou-a e se aproximou da escrivaninha escritório, onde acendeu um abajur. Ainda sem fôlego, Elysse viu três preciosos baús de chá atrás da escrivaninha, sobre um console. Ele se ergueu e a olhou. Seus olhos eram de fumaça azul.
seu coração pulsava com muita força.
— Sinto-me muito feliz por você. — disse com sinceridade.
— De verdade? — perguntou Alexi. Estava olhando o decote dela, a cintura. Levantou o olhar. — Também se sente feliz por Thomas Blair? Cobra uns lucros muito altos.
Ela ficou tensa.
— Não quero falar dele. Não vamos discutir.
— Claro que não quer — disse ele com uma gargalhada que não tinha nada de alegre. — E não, não tenho intenção de discutir com você esta noite — acrescentou com suavidade.
Seu coração deu um salto. Quase parecia que Alexi queria seduzi-la.
— Está bonita, Elysse, apesar desse olhar de angústia. Sente-se presa? Eu faço que se sinta presa?
Elysse nunca havia se sentido tão nervosa. Sabia que não havia nada entre ela e a porta, que estava aberta atrás dela. Podia partir quando quisesse, mas não ia fazer isso.
— Você se comporta de uma maneira diferente de antes…
Ele sorriu lentamente.
— Pergunto-me quantos homens tentaram captar sua atenção esta tarde. Vi que conheceu Janssen…
— Faz seis anos, Alexi. Se, por acaso, você esqueceu disso.
— Não esqueci nada. — disse ele, e apoiou o quadril contra a escrivaninha.
Era como se estivesse jogando com ela, como se fosse um leão poderoso jogando com um ratinho assustado. Ele não era agradável, nem mesmo tinha a atitude de um marido, mas não era grosseiro nem depreciativo. Elysse não sabia se continuava zangado com ela ou não.
— Seis anos é muito tempo. — comentou.
Ele soltou um som rouco.
— Eu também não esqueci de nada. — disse Elysse.
Ele se afastou da escrivaninha.
— Não quero falar do passado. — disse, e de uma pernada, ficou na frente dela. — Quero… outra coisa.
— Mas eu sim! — exclamou Elysse enquanto punha as mãos sobre os ombros dele. O coração dela se acelerou.
— É uma pena — respondeu Alexi com a voz áspera. Antes que Elysse pudesse pestanejar, estreitou-a contra seu corpo musculoso e duro.
— O que está fazendo? — perguntou ela. — Está bêbado?
— Como um marinheiro — disse Alexi. — E você sabe perfeitamente o que estou fazendo — acrescentou, levantando seu queixo com brutalidade. — Maldita seja — murmurou. — Me tinha esquecido como você é linda.
Suas palavras deveriam tê-la entusiasmado, porque ela quisera que ele notasse como era atraente. Nunca tinha visto tanta luxúria em uma pessoa. Mas também percebia de que ele estava muito zangado, e isso a assustava.
Elysse não sabia se ia beijá-la a apaixonadamente, ou se ia fazer algo mais. Não sabia se queria mais naquele momento, sem falar daqueles seis anos anteriores. Começou a retroceder alarmada, mas ele a segurou entre seus braços.
— Alexi!
De repente, Elysse soube que ia seduzi-la. Entretanto, antes que pudesse protestar, ele a beijou.
Elysse ficou paralisada. A boca de Alexi era possessiva e feroz, quente e dura. Ele apertou os braços para deixar claro que não tinha escapatória.
Ela não podia respirar. Apertou os punhos contra seu peito. Ele continuou beijando-a, e Elysse só podia pensar como aquele abraço era gostoso. Estava presa contra o peito de Alexi; Alexi, a quem sempre tinha amado… percebeu de que sua boca relaxava e se rendia a dele.
— Me beije — ordenou ele. — Sabe que quer fazê-lo — acrescentou. Com a respiração entrecortada, ele continuou beijando-a, mas seus lábios se suavizaram e tentavam persuadi-la. — Me beije, Elysse. — sussurrou.
Tinha razão. Ela queria devolver os beijos dele. Era uma mulher, e já fazia seis anos. Seu corpo tremia sem controle, e estava derretendo contra ele. Ele estava zangado, e ela também, mas não queria resistir a ele. Segurou em seus ombros com um gemido.
Seus joelhos falharam, e seu corpo começou a vibrar. Notou sua ereção contra o quadril e, instintivamente, moveu-se contra ele.
— Elysse. — sussurrou ele.
A dor se mitigou. Parecia que a ira tinha desaparecido. Só existia o homem poderoso que a abraçava e a apertava contra seu corpo duro e inquieto. Elysse precisava dele com desespero e se aferrou a seus ombros com mais força, e fez o que ele tinha ordenado.
Quando provou seus lábios, ele ficou paralisado. Ela notou o sal, o champagne, o homem. Deslizou a língua em sua boca, e a ele deu um grunhido. Enquanto Alexi a segurava contra seu corpo para beijá-la lentamente, ela sentiu um estalo de emoção no peito. Ainda o amava muito.
Alexi continuou beijando-a um momento mais, com delicadeza, mas depois reagiu. Invadiu-a e suas línguas se entrelaçaram com loucura, e Elysse deixou de se importar se faziam amor naquele momento, sem ter falado do passado. Ela devolveu os beijos com mais frenesi ainda.
— Vá mais rápido! — murmurou.
Ele levantou a cabeça e a olhou com os olhos muito abertos, com assombro. De repente, aproximou-a da escrivaninha e a deitou nela. O abajur caiu ao chão com estrépito e o cristal se fez em pedacinhos. E então, Alexi deixou cair seu peso sobre ela e a olhou aos olhos com ardor.
— Eu desejo você. — grunhiu, e passou a mão por seu cabelo. Então deitou por completo sobre Elysse e, acidentalmente, empurrou-a um pouco fora da escrivaninha. Ao perceber o que estava a ponto de acontecer, ela tentou adverti-lo mas não adiantou: ambos caíram ao chão.
Embora estivesse bêbado, Alexi tinha os reflexos de um gato. Ele a segurou e colocou seu corpo embaixo do dela para impedir que batesse no chaão. Imediatamente ficou de joelhos, inclinado sobre Elysse, com uma expressão desolada.
Elysse estava aturdida.
— O que está acontecendo aí dentro?
Do chão, Elysse olhou para a porta e viu um dos jovens empregados da companhia. O moço ficou vermelho.
— Ah… Peço desculpas, capitão, senhora De Warenne!
Alexi ficou em pé rapidamente e ajudou Elysse a se levantar a enquanto o menino saía correndo pelo corredor.
— Está bem? — perguntou a ela ruborizado.
Ela segurou seu pulso, que tinha torcido na queda, consciente de que tinham estado a ponto de fazer o amor sobre uma escrivaninha, e que ainda sentia uma paixão que nunca havia experimentado antes. O que acabava de ocorrer?
Estava confusa. Estava preocupada. Tinham sido seis anos horríveis. Queria voltar para seus braços, acariciar seu rosto e dizer a ele que o amava. Não se moveu.
— Elysse! Está bem? — Alexi perguntou então, em um tom imperioso.
Ela demorou uns segundos em encontrar as palavras.
— Acho… que sim.
O que ele faria se ele dissesse o que sentia de verdade? Se dissesse que o amava? Queria-a ele? Aquele beijo significava que todo estava bem? Lentamente, ela o olhou com os olhos muito abertos.
Ele soltou seu braço e deu um passo atrás, para afastar-se.
— Se eu a machuquei, me diga.
— É só uma batida — conseguiu responder Elysse. — Você impediu que eu batesse a cabeça.
Ele afastou o olhar.
— Sinto muito.
— Alexi! — disse ela, e tentou segurar seus braços.
Ele não o permitiu.
— Basta. Estou bêbado. Muito, muito bêbado. Faz setenta e sete dias seguidos que estou no mar, embora na verdade essa não seja desculpa para meu comportamento.
— Não entendo. — disse ela.
— Foi uma viagem muito longa, Elysse.
— O que está dizendo?
— Não se lembra que sou um mulherengo? E você, querida minha, é uma mulher muito bonita.
Se ele queria fazer mal a ela, tinha conseguido. Será que queria dizer que só a havia beijado porque fazia meses que não estava com uma mulher?
Alexi respirou fundo e afastou o cabelo da frente. Os olhos brilhavam, mas de ira daquela vez. Sua mão tremia, e falou em um tom de frustração.
— Falo sério, maldição. As coisas não mudaram em nada. Onde está Blair?
— Blair — repetiu ela. Seu corpo continuava vibrando. Por que tocava no nome de Blair naquele momento? Por que não a abraçava de novo? Como podia ser tão cruel e tratá-la como se fosse uma prostituta? — Alexi?
Ele a olhou com frieza.
— Vamos. Se ele não a levar a casa, direi a um dos empregados que a acompanhe.

Fazer uma visita antes do meio-dia era considerado muito mal educado. As dez em ponto da manhã, Elysse desceu de sua carruagem negra sem pensar que era cedo. Estava muito ferida e zangada para se preocupar com isso!
Além disso, Ariella e seu marido eram madrugadores. Ariella tinha se casado com o bonito e enigmático visconde St. Xavier um ano antes, e o fato de que ele fosse cigano tinha horrorizado à alta sociedade. Mas tinham se casado por amor, e Ariella continuava completamente encantada com seu marido. Se alguém podia saber onde estava Alexi, era Ariella. De fato, havia muitas possibilidades de que estivesse hospedado lá, com St. Xavier e ela.
Quase não podia respirar, e tinha que se esforçar para andar até a porta principal. A noite anterior, Alexi a havia beijado como se ela fosse a única mulher que desejasse no mundo. Entretanto, depois, dissera que só era um rosto e um corpo bonitos. Tinha-a tratado como se fosse uma prostituta de porto! Ele a havia abandonado seis anos antes, deixando que sofresse todo tipo de humilhações e insultos, mas claramente não era castigo suficiente para o que ambos tinham compartilhado no passado.
Não queria se permitir sentir o desejo que tinha experimentado por ele, nem suas expectativas tolas e românticas. Não voltaria a acontecer mais. Talvez todas as virgens de vinte e seis anos tivessem reagido da mesma maneira aos cuidados de um mulherengo como ele, mas ela tinha recuperado o sentido comum. Não o desejava e não o amava. Tinha deixado de amá-lo seis anos antes.
Não podia acreditar que tivesse perdido a cabeça como tinha feito a noite anterior.
Ele não tinha nenhum motivo para continuar zangado com ela, enquanto ela tinha todos os motivos para estar furiosa com ele.
Não podia suportar seu casamento nem um momento mais, tal e como era. Porém também não podia pensar em uma anulação. Seu orgulho vinha em primeiro lugar. Portanto, ele devia partir imediatamente da cidade. Londres não era o suficientemente grande para eles dois.
Elysse, que havia vestido um vestido de cor turquesa e joias de diamantes, chegou à porta da residência. Se Alexi estava ali dentro, o melhor seria que se preparasse para a batalha. Naquela ocasião ganharia ela, porque estavam em jogo sua vida e sua prudência.
Apesar disto, Antes que pudesse bater na porta, esta se abriu, e no vão apareceu o visconde. Emilian arregalou os olhos ao vê-la.
— Olá, Emilian — disse Elysse, embora fosse incapaz de sorrir. — Acho que Arielle não se surpreenderá que tenha vindo a visitá-la a uma hora tão infame.
Emilian St. Xavier, de paletó, estava muito bonito e atraente. Era um ermitão, embora muito menos desde que se casou com sua amiga. Sua mãe era cigana, e até aquele momento, a sociedade ainda não sabia se venerá-lo ou desprezá-lo.
— Está esperando você, Elysse. Espero que não tramem um plano fantástico para o pobre Alexi.
— Sou sua esposa. Não tenho por que urdir nenhum plano contra meu pobre maridinho.
— De verdade?
— Talvez a interessa saber que estive com ele ontem à noite.
Ela ficou muito tensa.
— Não estava na celebração nos escritórios.
— Não. Mas Clarewood se aproximou para salvar Alexi de si mesmo. Depois vieram aqui me recolher. Alexi estava completamente bêbado. Não tenha medo, nós o levamos para jantar, não a um clube. Embora não conseguimos que deixasse de afogar suas penas em uísque e brandy.
— Ontem à noite estava celebrando.
— Quando eu o vi, não.
Ela não tinha nem ideia do que o havia aborrecido.
— É um homem adulto. Se quer beber até perder a consciência, não me importa. Parecia que estava muito feliz ontem à noite, na festa.
St. Xavier sorriu.
— Sempre há duas caras na mesma moeda. — disse.
Depois inclinou seu chapéu para se despedir, e percorreu o caminho pavimentado de tijolo até sua grandiosa carruagem.
Elysse entrou na casa e tirou as luvas com aborrecimento. Era muito infeliz, e esperava que Alexi também o fosse. Por desgraça, certamente ainda continuava felicitando-se por sua viagem da China. Quando estava a ponto de atirar as luvas sobre o console, viu Ariella aproximando-se apressadamente dela pelo elegante vestíbulo.
Elysse perguntou:
— Onde está ele?
Ariella franziu o cenho.
— Não está aqui. Está com mau aspecto, Elysse. Teve mais insônia?
— Sofro por este casamento.
Ariella empalideceu.
— Sei. Estou muito zangada com ele! Não se preocupe, depois de que você partiu disse umas verdades a ele.
Ela manteve alta sua cabeça. Alexi a havia virtualmente arrastado fora dos escritórios. Um dos empregados a havia acompanhado a casa. É obvio, todo mundo tinha percebido. Ela tinha o penteado desarrumado, estava muito ruborizada e desgostosa, e não acreditava que tivesse podido aparentar serenidade. Alexi, obviamente, estava furioso. A multidão ficou em silêncio enquanto ela partia, e ela tinha visto que Janssen os olhava. Quando Alexi a havia ajudado a subir à carruagem, tinha tido sangue frio suficiente para dizer a ele que desfrutasse do que restava da noite. E para piorar as coisas, Elysse tinha visto Jane Beverly Goodman na janela, observando-os.
Elysse estava certa de que todo mundo estava fofocando.
— Ele saiu com essa qualquer, Jane Goodman?
Ariella a puxou pelo braço e a levou para a sala de café da manhã, onde a comida estava servida em bandejas cobertas em uma mesa auxiliar.
— Não sei. Tomou o café da manhã?
— Não tenho fome. Por favor, não tente me economizar desgostos. Não me importa o que faça, nem com quem o faça.
— Apareceu Mowbray — disse Ariella. O duque de Clarewood tinha sido padrinho no casamento de Alexi e Elysse, e era o melhor amigo de Alexi. — Duvido que tivesse tempo para se dedicar a uma aventura.
— Certamente, se reuniu com ela depois de jantar com Clarewood e Emilian. — respondeu Elysse.
Fazia anos que ouvia rumores sobre suas amantes. Além de sua amante de Singapura, e a da Jamaica, o verão anterior soube que mantinha relações com uma bela moça cigana.
— Elysse, o que vai fazer? — perguntou Ariella amavelmente.
Elysse não titubeou.
— Não quero que Alexi permaneça na cidade. Se partir agora mesmo, acredito darei um jeito, sempre e quando não voltarmos a nos ver.
Ariella tinha cara de preocupação.
Elysse ficou muito tensa.
— Está ocultando algo de mim?
Ariella mordeu o lábio.
— Acho que tem intenção de estar em Londres durante uma temporada.
Ela soltou uma exclamação de horror.
— Não vou permitir!
— Elysse… — disse Ariella.
— Não! — Elysse começou a passear de um lado a outro. — Por acaso não me envergonhou já o suficiente? Por que quer ficar em Londres? Para poder encontrar com todas suas prostitutas e me humilhar mais? Acho que finalmente odeio a seu irmão!
Ariella se encolheu.
— Por favor, não diga isso. Não pense assim! Seria bom que os dois se sentassem para falar com calma do que ocorreu no passado, isso que causou este terrível aborrecimento entre vocês.
— Não vou permitir que fique em Londres! — respondeu Elysse. — Um de nós tem que ir embora, e não vou ser eu.
Ariella titubeou, e Elysse soube que estava ocultando algo.
— Oh, Deus. Está com ela, verdade? É lá onde está ficando? Com Jane Goodman?
— Não. Não está com lady Goodman. Elysse, comprou uma casa em Oxford.
Elysse ficou petrificada. Tinha ouvido bem?
— O que quer dizer com istso? Como assim, comprou uma casa em Oxford?
— É uma casa linda, com grandes jardins, uma estufa, uns estábulos esplêndidos e uma quadra de tênis. — disse, e mordeu o lábio de novo. — Lá é onde está. Em sua casa nova.
A cabeça de Elysse começou a dar voltas. Aquilo era impossível! Absurdo!
— Alexi comprou uma casa aqui? Em Londres?
Ariella concordou.
— E a venda já se fechou?
Ariella concordou de novo.
— E quando isso ocorreu? Por que fez algo assim?
— Seus agentes compraram a casa faz uns dois meses. Alexi a viu faz anos, e quando soube que estava à venda, fez uma oferta. Clarewood levou-o lá ontem à noite — disse Ariella, torcendo as mãos.
Elysse se deixou cair na cadeira mais próxima. Alexi ia ficar em Londres.
— O que vai fazer? — perguntou Ariella com grande preocupação. — Nós duas sabemos que não vai convencê-lo a ir embora se não quiser.
Elysse a olhou sem poder sair de seu assombro. Naquele momento soube exatamente o que ia fazer. Ficou em pé e anunciou:
— Vou para casa a fazer a bagagem e me mudar com meu marido.

 

 

 

 

 

 

Capítulo 8

— Vai se mudar com ele? — perguntou Ariella.
— Preferiria que partisse da cidade, e de país. Na verdade, preferiria que não voltasse nunca mais. Mas sou sua esposa, e mereço algo mais que seu sobrenome e sua riqueza.
— OH, Elysse. Ele voltou a machucá-la. Vejo isso claramente. Querida, eu estou do seu lado!
— Sabe quantas humilhações tive que suportar durante estes últimos seis anos? Fingi que não conhecia os rumores, mas ouvi todos, incluindo a feia verdade: que me abandonou logo após o casamento.
— Está tão zangado com você — sussurrou Ariella.
— E eu também com ele! Imagina as fofocas que vão surgir quando souberem que está vivendo em Oxford, em um palácio, enquanto eu continuo vivendo em um apartamento alugado em Grosvenor Square? — perguntou Elysse, tremendo. Sentiu-se doente ao imaginar seus amigos e conhecidos sussurrando pelas suas costas. — Já estarão rindo do espetáculo que demos ontem à noite!
Ariella segurou sua mão e a apertou. Elysse notou que seus olhos enchiam de lágrimas, e as enxugou. Não ia sentir pena de si mesmo. Por fim ia enfrentar Alexi, como deveria ter feito anos antes.
Ariella estava assombrada.
— Então, vai viver com ele? Como se tivessem um casamento de verdade?
O estômago dela se encolheu. Era incapaz de responder. Alexi e ela não eram capazes de ficar sem brigar nem cinco minutos seguidos. Como iriam fazer para conviver?
— Sei que é seu irmão, mas também é o homem mais grosseiro e cruel que conheci — disse Elysse.
Ariella não o defendeu.
— Muitos casais vivem juntos em casamentos de conveniência — disse Elysse por fim, embora estivesse tendo dúvidas. Passou por sua cabeça as imagens da tentativa de sedução de Alexi, e ficou sem fôlego. — Não posso viver em meu apartamento enquanto ele vive em Oxford. Mas estou de acordo, também náo posso obrigá-lo a ir embora de Londres.
— Eu entendo — disse Ariella, e depois de um momento acrescentou: — Talvez isto seja melhor. Assim talvez consigam chegar a um acordo em sua relação, e esclarecer o que sentem o um pelo outro.
— Não me interessa o que sinta por mim — respondeu Elysse, embora não fosse certo. Não deixava de se perguntar se Alexi a odiava. — Por que não me falou dessa casa, Ariella? Somos amigas!
— Ele me pediu que não o dissesse a ninguém. Sei que se referia a que não contasse a você. Sinto muito!
Elysse vacilou. A enormidade de que pensava fazer se fez transparente como o cristal. Se Alexi ficasse em Londres, não podiam viver separados. Isso daria rédea solta às fofocas. Entretanto, viver a seu lado como esposa parecia igualmente impossível.
Imediatamente, recordou seu beijo.
Não tinha intenção de permitir que voltasse a tocá-la. Desprezava a suas amantes, mas era muito melhor que Alexi dedicasse a elas todo sua atenção, em vez de incomodá-la. Que ficasse com suas aventuras. Elysse já não se importava mais. E se a odiava, que a odiasse.
— Como vai dizer a ele — perguntou Ariella. — Quero dizer… não pode aparecer em sua porta com toda a bagagem como se nada tivesse acontecido.
Alexi ficaria furioso. Não ia acolhê-la a em sua casa com os braços abertos. Elysse sabia com certeza. Entretanto, tinha direitos porque era sua esposa, e ia exigi-los
— Não acredito que aceite muito bem que se mude a sua casa — prosseguiu Ariella.
— Preciso de uma força.
— Agora ainda estou mais assustada! Que tipo de força pode ter?
— Tenho que pensar. Não vou perder esta batalha, Ariella. Está em jogo meu orgulho.
— Sei.
— Necessito que me dê o endereço — disse Elysse. — Vou para lá agora mesmo. Falaremos desta situação e a resolveremos.
Sentiu medo. Não podia fazer outra coisa que enfrentá-lo, mas não era tola. Sabia que aquele encontro não ia ser agradável.
Ariella a segurou pelo braço.
— Eles estiveram fora a noite toda. Emilian chegou em casa às três da madrugada. Não acredito que hoje seja um bom dia para abordar meu irmão.
— Ariella, esta noite todo mundo estará comentando que ele está em Oxford, na cama com essa Jane Goodman, enquanto eu estou sozinha em um apartamento alugado, ainda mais tendo em conta o que viram em Windsong Shipping ontem! Não vou ser o bobo da cidade!
— É um apartamento magnífico! E de todos os modos, todo mundo pensa que você está com o Thomas Blair! — acrescentou Ariella. — Certamente, Alexi também acha.
Elysse não tinha chegado a admitir para Ariella que nunca tinha tido um amante, e também não disse nada naquele momento.
— Pode pensar o que quiser. Eu não tenho o controle de sua mente.
— Elysse…
— Estou perdendo o tempo. Poderia me dar seu endereço, por favor?
Ariella soltou um grunhido.
— Por favor, Elysse, pense ao menos em deixar tudo isto para amanhã, quando ele não esteja sofrendo os efeitos da farra de ontem.
Elysse sorriu com tristeza.
— Nem pensar.

Uma luz brilhante inundou a quarto de repente, e Alexi grunhiu ao sentir uma forte dor nas têmporas. Levantou-se bruscamente, sentindo-se enjoado e aturdido.
— Que demônios…?
Com as pálpebras entrecerradas, olhou para a luz.
Durante um momento, não soube onde se encontrava. Estava sentado em um bonito sofá dourado e verde, em uma magnífica biblioteca. Tentou recordar de quem era aquela casa. Viu uma mulher vestida de donzela que estava tirando o pó das cortinas de veludo verde que acabava de abrir. Pela janela se viam uns jardins, um labirinto e canteiros de flores.
— Maldição — murmurou. Sua cabeça doía terrivelmente.
A donzela loira virou e emitiu um gritinho de susto.
— Quem demônios é você? — perguntou ele.
Seu estômago ardia. Conseguiu ficar em pé e percebeu que ainda cheirava a mar, a brandy e a uísque. E cheirava também a perfume barato? Tinha um sabor horrível na boca, e começou a lembrar-se de que tinha bebido muito a noite anterior.
— E onde estou?
A donzela não devia ter mais de vinte anos e era muito bonita, embora estivesse pálida e assustada.
— Milord, sir! Sinto muito! Não sabia que estavam dormindo no sofá. Está na biblioteca, sir… Milord!
Ele pestanejou e passou o olhar por sua figura exuberante, e por em ato reflexo, dirigiu para ela todo seu encanto.
— E quem é você, minha preciosa moça?
Ela ficou ruborizada.
— Sou Jane, sir… Milord.
A mente de Alexi começou a funcionar e recordou a noite anterior. Uma antiga amante, Jane Goodman, tinha dado a ele seu cartão nos escritórios de Windsong. Seu pai sorria a ele entre a multidão de caras de admiração, os abraços, as palmadas nas costas de amigos e desconhecidos. Stephen e Emilian tinham brindado com ele em um bom restaurante. Seu navio estava amarrado e seguro, com as velas recolhidas, e seus homens celebravam o êxito com rum. Deus Santo, tinha conseguido. Junto a sua estupenda tripulação e seu navio, fizera a viagem de volta a casa da China em tão somente cento e um dias.
Enquanto aquela sensação de triunfo lhe alagava o peito, olhou a seu redor. Percebeu de repente que aquela biblioteca pertencia a ele. Estava em sua nova casa de Londres. Mowbray o tinha deixado ali em algum momento da madrugada.
Olhou a sua donzela enquanto tentava recordar se tinha chegado a encontrar-se com Jane Goodman a noite anterior. Acaso não estava mais excitado que o demônio? Normalmente sempre se deitava com uma ou várias mulheres assim que chegava ao porto. Entretanto, Jane nunca usaria o perfume barato que impregnava o pescoço de sua camisa.
— Sou capitão. Ou pode me chamar senhor De Warenne.
Ela fez uma reverência e se ruborizou mais ainda. Tinha o olhar fixo em seu peito. Alexi tinha aberta a camisa, e não a tinha metido na cintura da calça. Frequentemente ficava sem camisa no navio quando estavam em alto-mar, e tinha a pele tão escura como um nativo da Índia.
— Chamarei seu ajudante de quarto, sir — sussurrou ela.
Alexi esteve a ponto de flertar com a moça, mas, então, ficou paralisado. De repente viu Elysse, em um aposento na penumbra do prédio de Windsong Shipping, com um vestido de seda azul e águas-marinhas, com o cabelo solto e a cara ruborizada, depois que ele a havia beijado e a deitou na escrivaninha de alguém.
Alexi deixou escapar um grunhido. Apertou suas têmporas. O que tinha feito a noite anterior?
Aproximou-se, cambaleando-se, a uma estante, onde havia decantadores e taças. A jarra estava vazia. Ele fez caso omisso do brandy e do uísque escocês.
Elysse se tinha atrevido a ir recebê-lo nas docas da Santa Catalina no dia anterior. Respirou profundamente; nunca esqueceria o momento no que tinha visto a mulher mais bela do mundo na doca.
Com apenas recordá-lo, o coração lhe acelerou.
Se um lado, estava profundamente contente que ela tivesse estado ali para presenciar o maior êxito de sua vida. Por outro, se enfurecia com o fato de que se atreveu a aparecer.
Por sua culpa, ele tinha matado um homem.
Soltou uma maldição.
Era um homem muito apaixonado. Tudo o que fazia fazia com intensidade, por instinto. Depois do espanto que tinha lhe causado a morte de Montgomery, tinha começado a sentir uma imensa culpa.
Eles tinham sido amigos até que Elysse O’Neill se havia colocado entre eles.
Durante as semanas posteriores ao acidente, não tinha podido pensar com claridade. E quando a viu percorrer o corredor central da igreja até o altar, só sentia raiva e fúria, tanto para ela como para si mesmo.
Nos seis anos que tinham transcorrido desde suas bodas e a morte de Montgomery, tinha aprendido a evitar a culpa e a afastar da cabeça as lembranças daquela semana. O fato de recordar era muito difícil e muito doloroso.
Entretanto, de vez em quando, normalmente quando estava a sós, ao leme do Coquette, sob o céu cheio de estrelas, as lembranças o assaltavam de repente. Lembrava-se da primeira vez que tinha visto Elysse, ao chegar a Askeaton Hall, e sentia alegria. Depois recordava a noite de baile, os flertes de Elysse, e a luta até morte com Montgomery. Nunca poderia desfazer-se da visão de rosto cheio de lágrimas de Elysse. E lhe custava muito esforço conter a maré de lembranças…
E com sua aparição na doca, Elysse tinha liberado aquela maré de passado. Demônios, ele esperava não ter que voltar a vê-la. Tinha seguido seu rumo para assegurar-se de que seus caminhos não voltassem a cruzar-se. Tinha decidido evitá-la para sempre.
Mas ela era sua esposa.
Ele tinha se casado com ela para proteger sua reputação, e tinha se visto preso em um casamento para o qual não estava preparado, um casamento que não desejava naquele momento do passado, e que continuava sem desejar no presente.
A fama de sua esposa era tão ruim como a sua. Ela era a maior sedutora de Londres…
Alexi esteve a ponto de rir, mas não era um assunto de risadas. Ele nunca tinha pensado que Elysse O’Neill se converteria na cortesã mais escandalosa de Londres. Soltou uma maldição e um gemido, quando a dor de cabeça se intensificou. Acaso não tinha sido sempre a coquete mais descarada?
Elysse De Warenne, a celebridade maior de Londres, nunca saía à rua sem um de seus amantes…
Alexi começou a passear pelo aposento. Tinha ouvido tudo a respeito de seus amantes. Tinha mandado investigar quem eram seus acompanhantes. E quando estava em Londres, seus amigos e inimigos se apressavam a nomeá-los. Só seus primos se abstinham de falar naquele assunto.
Elysse estava dormindo com seu banqueiro. Alexi, quase não podia acreditar. Devia querer prejudicá-lo de algum modo, como tinha feito com Montgomery. De outra maneira, por que ia alardear sua aventura fazendo-se acompanhar por Thomas Blair na doca?
Ele conhecia Elysse melhor que ninguém. Era presunçosa e egoísta, uma coquete mimada e incansável, e estava tão acostumada às adulações masculinas que sem eles não estava completa. E isso não tinha mudado. Estava dando esperanças falsas a Thomas Blair enquanto desfrutava de sua cama, e logo estaria brincando com Baard Janssen e deitando-se com ele também. Passou por sua cabeça advertir Elysse que o dinamarquês não era de confiança e que não tinha honra. Entretanto, sabia que ela não ia escutá-lo…
O que era que tinha acontecido a noite anterior?
Recordou a cena do escritório de trás de Windsong Shipping, sem poder acreditar. Ele desprezava sua mulher. Queria esquecer o passado. Não eram mais amigos, e não voltariam a ser nunca mais. Ele ia fazer caso omisso da pequena pontada de dor que sentia ao pensar aquilo. Não queria estar casado, nem naquele momento, nem nunca. O sonho da infância só tinha sido isso, um sonho de infância de um menino ingênuo.
Certo; a noite anterior o desejo o havia consumido. E pior ainda, tinha agido sem consequência. Tinha abraçado Elysse, a havia acariciado e a havia beijado. Se não se equivocava, tinha-a desejado muito, muitíssimo, mais que nunca…
— Demônios — gemeu.
Sabia que sempre estava fora de controle quando fazia uma corrida especialmente boa de retorno a casa. Sempre tinha desfrutado das mulheres e do vinho. E no dia anterior tinha estabelecido um recorde que ninguém poderia superar em anos! Não havia palavras para descrever o triunfo, a paixão, a adrenalina que percorria o corpo de um homem depois de uma viagem tão bem-sucedida. Era algo incendiário.
Pensou que teria beijado a qualquer mulher a noite anterior. Elysse só tinha sido vítima das circunstâncias, a saída mais conveniente para sua luxúria e sua euforia.
— Capitão, posso servir em algo ao senhor?
Alexi olhou o homem loiro que estava na porta da biblioteca. Lembrava que tinha conhecido os criados que seus agentes tinham contratado na noite anterior. Suspirou e disse:
— Sinto muito, não lembro seu nome. Ontem à noite estava muito bêbado.
— Meu nome é Reginald, capitão, e a ninguém importa — disse Reginald com um sorriso. Embora não devia ter mais de trinta anos, já começava a mostrar calvície. — Parabéns, senhor, pelo recorde que conseguiu. Os empregados estão entusiasmados de poder trabalhar para um homem tão famoso. Não é necessário que se desculpe de nada!
Alexi sorriu com ironia.
— Não me importaria tomar um café da manhã leve, Reginald. Algo que me acalme o estômago, por favor.
— Não estamos muito bem, não é? — perguntou Stephen Mowbray, o duque de Clarewood, que acabava de aparecer na porta.
— Excelência! — exclamou Reginald, que empalideceu ao vê-lo. — Ninguém o acompanhou?
— Entrei sozinho. O capitão não se importa — disse o duque. Era alto e moreno, e estava impecavelmente vestido.
Alexi agitou a mão com desdém para todo mundo e se deixou cair sobre uma cadeira.
— Pode entrar e sair quando queira — disse. — Por mais arrogante que seja, é meu melhor amigo.
Reginald estava horrorizado. Mowbray era o nobre mais rico e poderoso de reino, e todo mundo sabia.
— Eu não vou tomar o café da manhã — disse Clarewood. — porque não posso ficar muito tempo.
— Peço desculpas, Excelência — respondeu Reginald, e com uma reverência, saiu da biblioteca apressadamente.
Alexi começou a desabotoar a camisa.
— Suponho que devo agradecê-lo por me trazer para casa são e salvo ontem à noite.
— Lembra de algo? — perguntou Clarewood com uma expressão divertida. — Queria que St. Xavier e eu o deixássemos em um bordel com a companhia de um par de prostitutas muito caras.
— E qual é o problema?
Clarewood esteve a ponto de sorrir, algo estranho nele. Seu estado normal era sombrio e sério, o qual justificava dizendo que era o resultado de ter tantas responsabilidades.
— Alexi, desmaiou na carruagem. Decidimos proteger sua reputação de amante insuperável.
Estranhamente, Alexi pensou em Elysse e no breve estalo de paixão que o tinha consumido nos escritórios de Windsong Shipping. Seriamente a havia deitado sobre a escrivaninha para fazer amor com ela como se fosse uma qualquer? Fez uma careta de desdém, e sentiu outra rajada de dor de cabeça. Tinha medo que, se não fosse pela aparição do empregado da companhia, não iria parar.
— Você gosta de minha casa?
— Já a havia visto. Quando Ariella mencionou que pensava comprá-la, vim inspecioná-la para me assegurar de que não o enganavam.
Alexi não sabia que Stephen se envolveu na compra de sua casa. Mas claro, eles dois se conheciam desde meninos. E por um bom motivo: por acaso Stephen era filho do tio de Alexi, sir Rex De Warenne, e isso os convertia em primos. Era um segredo de família muito bem guardado.
Clarewood o olhou com os olhos entreabertos.
— Sei que tem ressaca de ontem, mas, por que não está te desfrutando de seu recorde e dos lucros que conseguiu para seus investidores?
— Estou de muito bom humor — mentiu Alexi.
— De verdade? Então, devo entender que deu tudo certo em sua reunião com Elysse?
Alexi o olhou com frieza. Só Mowbray sabia a verdade do que tinha acontecido aquela noite no baile de Windhaven.
Clarewood se sentou em uma cadeira e cruzou suas longas pernas.
— Conheço Elysse há tanto tempo como você. É muito vaidosa e muito coquete, e imperiosa também, mas é sua esposa. Não é hora que a perdoe e esqueça?
— Não vou falar de meu casamento com um homem que faz mais de uma década procura noiva.
— Por que não? Ontem à noite só falava disso. Eu poderia dar certos conselhos a você, embora seja solteiro.
Alexi recordou vagamente que se queixou várias vezes de que Elysse se atreveu a aparecer na doca. Teria se queixado também de seu amante, Blair? Começou a se ruborizar.
— É muito fria — disse. — Conhece Thomas Blair?
— Sim, conheço, e por acaso o respeito muito. Ele me emprestou uma boa quantidade de dinheiro para alguns dos projetos da Fundação.
Clarewood era um dos filantropos mais importantes de país. Sempre estava construindo asilos, hospitais e colégios para os pobres, enquanto se esquivava das filhas das senhoras da classe alta.
— Seus juros são um roubo.
Clarewood arqueou uma sobrancelha.
— Pode jogar a culpa nele por perseguir a sua esposa? E pode culpar Elysse de procurar consolo em outra parte, como você faz?
Alexi ficou em pé.
— Não me importa o que faça, nem com quem.
— Me alegro que pense isso — disse Clarewood, que também se levantou. — Agora que decidiu ficar em terra firme durante uns meses, acredito que esta temporada social vai ser interessante.
— Você está me incomodando — disse Alexi. — Pode ser que o expulse de minha casa.
Por fim, Clarewood sorriu.
— Me alegro, porque você me incomoda todo o tempo. Assim estamos em paz.
De repente ouviram o som deosapato de uma mulher, e ambos viraram. O coração de Alexi se acelerou ao ver Elysse na porta, muito bonita com um vestido cor turquesa e um colar de diamantes. Notou que ardiam suas bochechas, que seu coração quase explodia.
Percebeu que ela também estava muito ruborizada. Estava zangada. Isso agradou Alexi.
Reginald estava muito confuso.
— Capitão, têm visita. Pedi a ela que esperasse, mas…
— Não penso esperar no vestíbulo até que você diga se quer me ver ou não — disse Elysse em um tom tenso.
— Suponho que tem permissão para entrar — respondeu ele. — Bom dia, Elysse. Diga oi a Clarewood. Reginald, a senhora De Warenne é minha esposa.
O mordomo empalideceu.
Elysse olhou para Clarewood.
— Olá, Stephen. Você está tentando convencê-lo a vender esta monstruosidade e voltar para mar, onde tem que estar?
Clarewood fez uma reverência. Apesar de seu semblante sério, parecia que estava contente.
— Na verdade, esta casa me parece muito bonita. Estava animando-o a ficar em Londres uma temporada.
— Muito obrigada. — disse ela com expressão sombria.
— Vou embora imediatamente para que possam conversar, embora eu quisesse ser uma mosca grudada na parede — respondeu o duque. Com outra reverência, deu a volta e saiu.
Com um olhar afiado, Elysse disse a Reginald, sem sequer dar a volta:
— Por favor, nos deixe sozinhos.
Reginald virou para sair. Alexi disse:
— Fique.
Reginald vacilou, olhando-os alternativamente com consternação. Elysse disse então:
— Temos que falar de assuntos privados.
— Não, que eu recorde — respondeu Alexi, cruzando os braços. Que demônios queria Elysse?
Por fim, ela olhou para Reginald com frieza, embora não com arrogância.
— Sou a senhora desta casa. Se importaria de trazer uma bandeja de chá e algo fresco? E, por favor, traga também uma vestimenta adequada para o senhor De Warenne. O ambiente deste aposento está muito carregado.
Reginald concordou, muito ruborizado, e saiu voando.
Alexi aplaudiu lentamente, um pouco impressionado pela valentia de Elysse. Viu como ia para a porta e a fechava, e percebeu que estava olhando sua figura pequena e atraente. Franziu o cenho e olhou para cima quando ela voltou.
— Bem feito. Mas você não é a senhora desta casa.
— Sou sua esposa.
— Prefiro que não me recorde isso.
Ela assentiu com a cabeça.
— Por que comprou esta casa?
— Porque eu gosto. E você, por que veio? Está me acossando?
— Não seja ridículo. Sou sua esposa, e tenho direito a estar aqui.
— É minha esposa somente legalmente — respondeu ele, e se aproximou até que ficou a centímetros dela. Sabia que a havia encurralado, mas se ela não podia jogar segundo suas normas, não deveria ter ido ali.
— Quase parece que está decepcionado.
Alexi começou a rir.
— Vamos, Elysse, me conhece muito bem para pensar isso. O que quer? Veio procurar mais do que dei a você ontem à noite?
Ela deixou escapar um ofego de horror.
— Bom, eu pensei mesmo — comentou ele, olhando seu vestido sem poder evitar. Seus diamantes não eram tão caros como as águas-marinhas. Alexi observou o simples colar. — Eu também paguei por isso?
— Maldito seja — respondeu ela com um sussurro furioso. — Claro que sim!
Ele a olhou aos olhos. Entusiasmava-se por tê-la enfurecido tanto.
— Então, não tem as companhias mais adequadas. Quando um homem desfruta de verdade dos favores de uma mulher, a recompensa com presentes bonitos como amostra de afeto. Surpreende-me que Blair seja tão miserável.
Ela o esbofeteou na bochecha.
Alexi sentiu outro estalo de dor de cabeça. Segurou-a pela mão com força, e ela gemeu. Então, ele afrouxou os dedos, mas não a soltou.
— Não consigo entender por que está aqui. — ele disse com frieza.
— Me solte — ela exclamou.
Ele vacilou. Era um cavalheiro, e o era com todas as mulheres menos com sua esposa. Sabia que seu comportamento era horrível. Soltou-a.
— Esta situação é inaceitável, Alexi — disse ela.
Falou em um tom duro, mas sua voz tremia. Alexi percebeu de que detrás de sua ira havia dor. Ficou muito tenso, mas não quis sentir pena por ela.
— Estou de acordo. Este casamento está fora de nosso controle. Veio me pedir a anulação?
Pensava dizer a ela que a concederia sem pensar duas vezes, mas se conteve e se calou, observando-a como se fosse sua inimiga mortal.
Ela se ergueu.
— Faz seis anos que sofro esta humilhação. Não estou disposta a dar a meus inimigos a satisfação de pedir a você que anulemos o casamento.
Alexi se sentiu quase aliviado. Olhou-a aos olhos e pareceu ver que as lágrimas andavam perto.
— Então, por que veio?
— Se for ficar em Londres, devemos falar de nossa moradia.
Ele demorou um momento em compreendê-la. Depois se afastou um passo dela.
— Não temos nada do que falar — respondeu com cautela. — Você tem seu apartamento, que eu pago generosamente. E eu tenho esta casa.
— Não vou permitir que continue me humilhando! Não viveremos separados — gritou ela. — Eu passei seis anos fingindo que estávamos felizmente casados!
Ele demorou outro momento em compreender.
— Está me dizendo que quer se mudar aqui? Comigo? — perguntou com incredulidade.
— Claro que não quero viver com você! Mas não há outra forma de fazer. Não estou disposta a alimentar os falatórios vivendo em meu apartamento enquanto você está aqui.
Ele cruzou os braços.
— Não.
Ela começou a tremer.
— Estamos casados. Tenho direitos.
Várias imagens passaram pela cabeça de Alexi. Viu-a sob seu corpo naquele escritório. Recordou-a movendo-se, viu sua boca impaciente, sua língua ansiosa.
— Eu também tenho direitos, Elysse.
Ela ficou paralisada e ficou muito pálida.
Alexi se alegrou de que o tivesse entendido.
— Casei-me com você para protegê-la das fofocas, e isso é tudo. Não tenho intenção de levar um casamento de conveniência nem de compartilhar esta casa com você. Se não desejar a anulação, então minha única intenção é que continuemos vivendo como até agora: separados.
Ela disse com a voz rouca:
— Eu também não quero compartilhar esta casa, mas não temos outro remédio. Nosso casamento continuará sendo uma farsa. Teremos quartos separados. Mas me vou mudar para cá, Alexi, com ou sem seu consentimento.
Aquilo era todo um desafio. Alexi não se moveu. Ficou preparado para outro ataque, para outro golpe. Começou a sorrir.
— É muito valente. De verdade quer lutar comigo?
— Virei para esta casa. Esta noite — respondeu ela, e sustentou seu olhar.
Estava assustada e insegura. Embora ele quisesse desfrutar de sua angústia, uma parte de si mesmo também queria fugir.
— Não recomendo a você que me enfrente, Elysse. Sempre ganho.
— Temos lutando a vida toda. Não me dá medo!
Era uma tonta, pensou Alexi, e muito valente. De repente, lembrou-se da garotinha que tremia nas ruínas de castelo irlandês. Afastou aquilo da cabeça. Não queria respeitar sua coragem. Tentou imaginar os dois vivendo na mesma casa, e se enfureceu. Quando disse que não queria que continuassem casados, falava sério.
— Há uma solução mais fácil. Volta para a Irlanda até que eu retorne ao mar.
— Não. Não vou permitir que me expulsasse da cidade!
Ele voltou a recordá-la sob seu corpo, no escritório. Lentamente, disse:
— Se você vier viver aqui, será sob sua própria responsabilidade.
— O que significa isso? Está me ameaçando?
— Significa que não haverá quartos separados.
Ela gritou.
— Significa que o casamento de conveniência terminará, e eu exigirei meus direitos. Todos — disse. O sorriso apagou de seus lábios e ficou olhando fixamente para ela.
Era um blefe. Estava quase certo que não falava a sério. Não se aproximaria dela sob nenhum conceito. Entretanto, ela não ia mais mudar para viver ali, depois de semelhante ameaça.
Elysse o fulminou com o olhar.
— Você nunca me tocaria contra minha vontade! Vou me mudar esta mesma noite!
Deu a volta e se dirigiu cegamente para a porta. Com surpresa, Alexi percebeu que estava a ponto de chorar, que a havia ferido muito. Esteve a ponto de ajudá-la a abrir a porta, mas se conteve. Negava-se a sentir-se culpado, e muito menos envergonhado. Não queria valorizar seu orgulho e sua dignidade, nem o quanto ela havia mudado. Finalmente, Elysse abriu a porta e saiu cambaleando.
Ela se voltou enquanto enxugava as lágrimas das bochechas.
— Minha porta estará fechada — advertiu, tremendo.
Ele não respondeu, porque naquele momento não tinha nada que dizer. Ela tinha notado que sua ameaça era uma bravata. Ou não?

 

 

 

 

 

Capítulo 9

Quando Elysse voltou para a residência de Alexi em Oxford, eram quase cinco da tarde. levou sua ama de chaves e a sua donzela para que a ajudassem a instalar-se mais rapidamente, além de três malas grandes que continham os vestidos mais essenciais de seu guarda-roupa. Seus empregados de Grosvenor Square estavam fazendo o resto da bagagem. Ainda restavam dezoito meses de aluguel do apartamento, então ela esperava poder Sun-alugá-lo logo que fosse possível, e tinha enviado uma nota a seu advogado para que o fizesse. Para os novos inquilinos só deixaria o mais básico, algumas tapetes, roupa de cama e algumas de suas pinturas. Seus melhores quadros, seus melhores tapetes, a porcelana e a baixela, todo isso levaria para a casa de Alexi. Encontraria lugar para tudo. A mansão era muito grande. Sem dúvida, demoraria quatro ou cinco dias para mudar todos seus pertences, e a tarefa lhe parecia monumental.
Tinha muita pressa por levar a cabo suas intenções, antes de perceber que estava provocando à fera em sua toca.
Naquele momento, Elysse estava junto à porta, exausta e insegura. O que estava fazendo? Alexi estava em casa e ia permanecer em Londres, e ela se mudava com ele. Alexi não a tinha acolhido com muito agrado. O único que Elysse sabia com certeza era que seu orgulho estava em jogo.
Matilda, sua ama de chaves, que fazia quatro anos que trabalhava para ela, e Lorraine, sua donzela francesa, estavam desfazendo as malas e pendurando seus vestidos. Tinha levado seis trajes para as manhãs, seis de dia e seis de noite. A roupa íntima estava sendo guardada, cuidadosamente dobrada, em um armário Luis IV, e os cosméticos foram diretamente a uma escrivaninha que havia no closet anexo ao quarto.
Elysse tinha passado uma hora percorrendo ambas as alas da mansão, depois que a informaram que Alexi não estava em casa, para escolher seu quarto. O quarto principal estava na ala oeste, no segundo piso, e Alexi se instalou nele. Era uma peça muito grande, decorada em cores azul escura e douradas, com uma enorme chaminé de mármore negro, e se abria a um salão decorado com as mesmas cores fortes e masculinas. Aquela suíte era idônea para ele.
O sentido comum ditava que Elysse se instalasse na grande suíte de convidados que havia nesta ala, o mais longe possível de Alexi. Entretanto, ela a havia detestado ao vê-la; era muito masculina, muito formal, muito fria. Depois de pensar muito, tinha escolhido uma quarto de convidados menor, na ala oeste, apesar de estar perto do quarto principal. Apaixonou-se a primeira vista por aquele quarto na cor azul clara, com detalhes em dourado e cor nata. A embocadura da chaminé era cor marfim com riscos em pêssego, e a colcha da cama tinha as mesmas cores e tinha dossel. Diante da chaminé havia uma cômoda poltrona com estampado de flores, e um baú aos pés da cama. Também havia uma mesinha com ums toalha de mesa azul junto à janela, da qual se via o magnífico terreno da casa, onde pastavam os cervos. Como estavam no fim de março, os jardins estavam começando a florescer, e tudo estava exuberante e verde. Era como se estivesse no campo, e não em Londres.
Matilda já havia posto flores frescas sobre a mesinha, umas lilás de estufa, e Reginald disse que logo chegariam mais para colocar sobre o console dourado. Era um quarto lindo e feminino, e acolhedor, embora Elysse soubesse que não era aceita naquela casa.
Alexi tinha deixado bem claro seus sentimentos aquela manhã.
Para Elysse tinha sido um alívio comprovar que ele não estava em casa quando chegou. Também era reconfortante saber que não tinha dado instruções a Reginald para que servissem jantar para ele. De fato, não havia dito a ninguém quando ia voltar. Aquele era um comportamento que teria que corrigir.
Elysse começou a tremer. Ele tinha iso a alguma festa, claro. Sem dúvida tinha muitos convites de amigos, família, conhecidos e sócios de negócios que estavam requerendo sua presença. E pessoas como Jane Beverly Goodman.
Iria se surpreender quando voltasse para casa e percebesse que ela havia se mudado?
Olhou a linda cama, o baú, a poltrona e a chaminé. Aquele quarto tinha um inconveniente: a porta que havia junto à chaminé se abria para o salão da quarto principal. Obviamente, podiam compartilhá-lo.
Alexi a conheceu muito bem em sua infância e adolescência. Agora já não a conhecia absolutamente. Não sabia que se converteu em uma mulher resolvida. Entretanto, Elysse sentiu uma pontada de medo, porque não tinha esquecido a última coisa que havia dito: que exigiria seus direitos se ela se atrevia a contrariá-lo.
Elysse tinha tido forças suficientes para fingir e sobreviver aqueles seis anos. E era forte o suficientemente para superar o que ele decidisse fazer quando voltasse para casa aquela noite. Estava zangada com Alexi, mas não queria brigar com ele porque tinham que viver na mesma casa.
Nunca faria mal a ela, mas estava zangado com ela. Era porque não queria estar casado, ou pelo que tinha acontecido a William Montgomery? Alexi tinha deixado bem claro que não tinha esquecido o passado. Ela também não.
A porta do salão que compartilhavam estava totalmente aberta. Elysse olhou o quarto. Tinha o teto muito alto, as paredes decoradas em ouro e azul marinho e tapetes dourados. Nela havia uma grande chaminé e um sofá de damasco azul, uma escrivaninha pequena atrás do sofá e uma cadeira regência dourada. Atrás de uma parede ocupada por uma grande janela, do outro extremo do aposento, havia uma mesa para quatro ocupantes. A vista daquelas janelas eram inclusive melhores que as de seu quarto.
Havia um grande armário e uma estante impressionante. Entre os dois móveis havia uma porta dupla de mogno, e estava aberta.
«O casamento de conveniência terminará, e eu exigirei meus direitos».
Elysse se dirigiu para a porta de seu quarto e a fechou com firmeza enquanto passavam por sua mente imagens de seu abraço naquele escritório escuro. Começaram a lhe arder as bochechas. Talvez ele tentasse chamar a sua porta, mas nunca a forçaria. Então, por que estava tão nervosa?
As coisas tinham acontecido muito depressa: a volta triunfal de Alexi, a compra da casa, e sua própria decisão de mudar-se com ele. Elysse lembrou que aquele casamento era uma farsa, e que ela só estava protegendo o que restava de sua reputação. Ela o desprezava por seu comportamento, e ele a desprezava. Alexi tinha falado isso. E ela não ia se deixar ferir por isso! Nunca mais ia permitir que a machucasse.
Seria muito mais fácil para todos que Alexi partisse de Londres.
— Manteremos fechada esta porta. — disse ela, enquanto a fechava e tomava ar.
Matilda e Lorraine se ergueram e a olharam com surpresa.
Elysse percebeu como havia soado o que dissera. Girou a chave da porta para abrir a fechadura.
— Estou alterada. Mudar-se assim, de repente, é cansativo!
Aproximou-se da poltrona que havia ante a chaminé e se sentou. O que a tinha oprimido era o fato que Alexi iria a dormir naquela cama, a tão pouca distância.
— Quer descansar um momento? — perguntou amavelmente Matilda — Foi tudo muito repentino, e parece cansada.
Elysse tentou sorrir. Matilda era seu apoio. Nunca fazia pergunta, mas sempre sabia quando devia enviar a seu quarto uma taça de chocolate ou uma taça de brandy. Assim que chegaram à mansão, Matilda perguntou se iria aos encontros que tinha aquela noite. Elysse sabia que não ia poder arrumar-se para o jantar dos senhores Gaffney, às sete. O primeiro que fez foi escrever uma desculpa adequada por sua ausência. Devido a repentina volta de seu marido de sua última viagem, não poderia assistir à festa aquela noite, mas estava desejando que chegasse seu próximo encontro.
Sua dor de cabeça aumentou. Ela não queria que parecesse que estaria com Alexi aquela noite. Entretanto, ao dia seguinte quase toda a cidade saberia que se havia mudando para a casa de seu marido, e seu orgulho estaria salvo. Embora não por completo. Qualquer um que o visse sozinho por aí aquela noite pensaria o pior: que ele não se importava com ela. Que estavam irremediavelmente separados. A verdade.
Elysse sabia que ele ficaria furioso com ela por ter-se mudado, sem convite e sem permissão. Mas ela também estava furiosa pelo que tinha acontecido durante os últimos seis anos. Não se atrevia a pensar na paixão que tinha experimentado entre seus braços no dia anterior.
Também não podia esquecer a insultante declaração de que só a desejava por causa do celibato obrigado que tinha passado durante a comprida viagem por mar.
Elysse se perguntou se ele gostava de machucá-la.
— Se sente bem, madame? — perguntou Matilda.
— Sim. Só estou um pouco cansada. — respondeu ela com um débil sorriso.
— Vamos deixar a senhora De Warenne descansar. — disse Matilda.
Lembrou-a que havia sanduíches e chá gelado em uma bandeja, sobre a mesa, e a donzela francesa e ela partiram.
Elysse levantou e começou a andar pela quarto. Deveria comer, porque sempre estava emagrecendo, mas não tinha apetite. Estava muito preocupada com o que pudesse ocorrer quando Alexi voltasse para casa. Perguntou-se onde estaria, e com quem.
Tampou a cara com as mãos. E se Alexi estava passeando por aí com Jane Goodman? Ela tinha recusado várias visitas àquela tarde. Tinha pedido a Matilda que dissesse a todos que estava no meio da mudança à casa nova de seu marido. Esperava que aquilo terminasse com qualquer fofoca desagradável sobre a maneira em que a tinha obrigado a partir de Windsong Shipping no dia anterior. Entretanto, se ele saisse com outra mulher, os rumores aumentariam.
Aquela batalha para proteger seu orgulho era interminável.
E tudo era culpa de Alexi.
Estava tão cansada de lutar contra as fofocas! Se ele ia estar com outra mulher, devia ser discreto. Teria que deixar de pavonear-se por aí com suas conquistas!
Levantou-se bruscamente, aproximou-se da porta do salão, abriu-a e atravessou o aposento. Deteve-se em seco na soleira da porta do quarto de Alexi e olhou sua cama.
Tremendo, Elysse pensou que ele teria que representar adequadamente seu papel de marido fiel. Ela tinha passado seis anos dizendo a todo mundo quão maravilhoso era ele, e o maravilhoso que era seu casamento. Ele teria que fingir que seu casamento era feliz. Que desfrutava da companhia de sua esposa. Teria que acompanhá-la durante algumas semanas em algumas saídas. Depois disso, ninguém perceberia se estavam separados ou juntos.
A porta fechada, ele podia fazer o que quisesse, sem ela.
Elysse se retirou da soleira de seu quarto. Sentia-se mais segura do que devia fazer, mas, como ia convencer Alexi de que atuasse como um marido de verdade, embora só fosse em público? Tinha tido que lutar com unhas e dentes para que a permitisse mudar-se ali! Tal e como disse a Ariella, necessitaria uma força.
Em seu próprio quarto, fechou as portas e se serviu uma taça de chá. Depois se sentou e tentou achar o melhor modo de convencê-lo para que se comportasse adequadamente.
E então, pensou em Blair.
Sorriu, ao perceber de que teria a força que necessitava para colocar Alexi De Warenne na beerlinda.

Não tinha conseguido pegar no sono. Como de costume, acendeu uma lamparina e se acomodou na poltrona, junto ao fogo, a ler os periódicos daquele dia. O recorde de Alexi em sua viagem de volta da China aparecia na primeira página do London Times. Entretanto, como aquele artigo não tinha provocado sono, tinha continuado lendo um tratado sobre um ponto confuso da lei. Era tão aborrecido que as palavras dançavam na frente de seus olhos, mas continuava completamente acordada, pensando na fama de seu marido.
Eram ainda doze horas. Elysse, por fim, pegou uma biografia da rainha Isabel, e se concentrou tanto em sua leitura que esqueceu seu desejo de dormir. Não sabia que tinha sido durante o reinado de Isabel que foram abertoa as primeiras rotas para o Longínquo Oriente, em meio da grande rivalidade que havia entre a Inglaterra, Portugal e Espanha. Normalmente, não se interessava muito por história, além da história da Irlanda, porque afinal ela era meio irlandesa, pelas histórias de navegação que seu pai contava a ela sobre as guerras napoleônicas e pela guerra de mil oitocentos e doze. Entretanto, naquele momento estava lendo como homens como Alexi se atreveram a abrir rotas marítimas para a China e para a Índia, procurando fama, fortuna e o favor da rainha.
Estava a ponto de virar uma página quando ouviu um som no corredor, e ficou imóvel para escutar.
A princípio só pôde ouvir os batimentos de coração acelerados de seu próprio coração. Depois ouviu o inconfundível som de uns passos que subiam pelas escadas. Quase ficou sem fôlego. Finalmente Alexi tinha voltado para casa.
Olhou o relógio da chaminé: eram duas e meia da noite.
O passo de Alexi não era apressado, e sim constante e tranquilo. Ela olhou para a porta enquanto ele se aproximava.
Teve a sensação de que havia uma vacilação em seus passos. Esperou que ele agarrasse a maçaneta de sua porta e tentasse abrir. Entretanto, ele passou reto.
Ela desabou na poltrona. Nem sequer havia tentando entrar em seu quarto. Sentia-se aliviada, não?
Elysse ficou em pé e correu para a porta que comunicava com o salão que compartilhavam ambos os quartos. Pôs a orelha na madeira e ouviu Alexi movendo-se por ele.
Ouviram-se mais passos, esta vez apressados. Reginald exclamou:
— Senhor capitão! Deve me avisar com o timbre quando chegar em casa!
— Não tem por que me esperar acordado, Reginald. — respondeu Alexi.
Sua voz soava como se estivesse sóbrio.
— Claro que devo fazê-lo, senhor! É minha obrigação. Deixe que o ajude a se despir!
— Reginald! Posso fazer isto sozinho perfeitamente, obrigado.
Houve um súbito silêncio. De repente, Alexi perguntou em tom irônico:
— Devo supor que minha esposa se instalou no quarto contiguo?
— Sim, senhor, a senhora De Warenne se mudou esta tarde.
Houve outro silêncio breve.
— E a ajudou? Ocupou-se de suas necessidades?
— É obvio senhor.
— A que hora voltou? Suponho que saiu esta noite.
— Não saiu, senhor. Se permitir que diga algo, parecia muito fatigada. Não comeu nada, e o chef preparou um jantar delicioso.
Houve outra pausa, como se Alexi estivesse pensando no que o mordomo disse.
— Obrigado, Reginald. Pode partir. Não só posso, mas também tenho intenção de me despir sozinho. E da próxima vez, não é necessário que me espere acordado. É uma ordem, de acordo?
Elysse ouviu os dois homens desejarem-se boa noite, e depois ouviu Reginald partir. Mordeu o lábio, temendo que Alexi pudesse surpreendê-la escutando detrás da porta. Então, ouviu que ele se aproximava.
Ficou muito tensa quando ele parou do outro lado da porta. A maçaneta se moveu.
— Elysse — disse ele, e chamou uma só vez, com firmeza. — Sei que está acordada. Vejo a luz.
Ela se ergueu lentamente.
— E também vejo a sombra de seus pés.
Seu tom de voz era de diversão, maldito. Elysse respirou fundo, fazendo muito ruído.
— E a ouço respirar. Não vou acossá-la — acrescentou Alexi. — Ainda não, ao menos.
Seu tom zombador era inconfundível. Ela umedeceu os lábios nervosamente, girou a chave na fechadura e abriu a porta.
Ele fechou os olhos com especulação.
— O que esperava encontrar detrás de minha porta? — perguntou. — Uma amante?
Elysse respondeu com aspereza:
— Nunca sei o que esperar de você.
Ele passou o olhar por sua bata de seda francesa, que ela levava bem fechada com um cinturão sobre uma camisola de seda. Ambos os objetos eram luxuosos, finas e maravilhosas. Teve a impressão de que ele podia atravessar ambas com o olhar.
— Escolheu a quarto contiguo ao meu. — disse ele. — É um jogo?
— Minha porta estava fechada. E, ao contrário do que você possa acreditar, eu não jogo. Teve uma noite agradável? — perguntou ela, se perguntando se ao ficar mais próxima dele perceberia aroma de perfume de mulher no pescoço de sua camisa.
— Não quero de discutir com você esta noite — respondeu ele. — Se quer viver aqui, tem que assumir os riscos.
— Você nem sequer gosta de mim — respondeu ela, tremendo. — Sei muito bem quando é falsa uma ameaça.
Ele estendeu o braço, pegou uma mecha de seu cabelo e o acariciou entre os dedos.
— Faz pelo menos dez anos que não a via com o cabelo solto.
Ela afastou sua mão.
— Está bêbado?
— Um homem sábio nunca se embebeda duas noites seguidas. Eu gosto de você, e muito, Elysse. — disse Alexi brandamente.
Ela sabia a que se referia. Ele a desejava. Elysse tentou fechar a porta em seu nariz, mas ele o impediu.
— Que esperava, vestida assim? Eu me pergunto se quer me provocar. Esse traje revela tudo.
Ela soltou a porta.
— Na verdade, eu que quero falar de certas coisas com você. Mas pela manhã, Antes que algum de nós saia de casa.
Ele voltou a entrecerrar os olhos.
— Você fica bem de azul, mas o rosa claro a favorece ainda mais.
Ela sentiu que o rubor das bochechas se estendia por todo o corpo.
— Agora eu entendo. Não vai derrubar a porta de meu quarto. O que quer é tentar me seduzir.
— É minha esposa — respondeu Alexi com uma gargalhada. — Posso fazer o que preferir.
Elysse tentou fechar de novo, mas ele impediu. Então ela gritou, com frustração:
— A que hora podemos falar amanhã pela manhã?
— Fale agora — disse ele, encolhendo os ombros. — Estou aqui. E sinceramente, sinto-me impaciente por saber o que é tão importante.
Elysse exalou com aspereza. Estava furiosa com ele.
— O fato de viver aqui não é suficiente.
Ele ficou verdadeiramente surpreso.
— Não entendo.
— Estou tentando acabar com os falatórios, Alexi. Mas se sair por todo Londres sem mim, as pessoas falarão de nosso casamento nas nossas costas. Você não se importa, mas eu sim.
Ele cruzou os braços.
— Esteve com Goodman esta noite?
Alexi arregalou os olhos.
— Isso é assunto seu? E de verdade quer sabê-lo?
— Pode fazer o que quiser — gemeu ela, que se sentiu ferida de um modo absurdo. — Mas tem que ser discreto! E o mais importante, durante algumas semanas terá que me acompanhar e fingir que é um marido feliz.
Ele sorriu lentamente.
— E um corno, Elysse — disse, e começou a rir.
Ela teve vontades de dar uma bofetada nele.
— Falo a sério. Passei seis anos fingindo que estamos felizmente casados. Você ao menos podia dar a entender aos outros que nos damos bem. E para isso, devem nos ver juntos.
— Não — disse Alexi. Já não sorria.
— Não estou dizendo que deixe suas amantes — prosseguiu ela. — Pelas noites pode fazer o que quiser com quem quer, em privado. Fica com todas suas amantes, Alexi! Mas devemos fingir que somos felizes agora que está em casa.
— Ficou louca? Por que eu me iria me incomodar em participar desta sua última ideia? Não tenho interesse em sua companhia, Elysse. Bom, salvo nestas horas, em um ambiente tão íntimo — disse Alexi, e a olhou com luxúria.
Ela lhe deu um bofetão.
Ele a segurou pelo pulso e a puxou contra seu corpo, com os olhos muito brilhantes.
— Ontem me bateu também — comentou. — Isto se está convertendo em um costume muito incômodo.
— É que quer me humilhar? O menino que eu conhecia era nobre! — gritou ela, que nem sequer tentava liberar-se dele, porque sabia que seria inútil.
Ele abriu muito os olhos.
— Não. Não quero humilhá-la.
— Muito bem! Pois então, durante duas ou três semanas, fingiremos que somos um casal bem afinado. Amanhã iremos à ópera.
Ela tinha planos para ir à ópera com Blair, mas tinha decidido que Alexi devia acompanhá-la. Ele ainda a tinha segurava pelo pulso. Seus joelhos roçavam as pernas dele, e seus seios roçavam o peito dele. De repente, os mamilos dela endureceram dolorosamente. Era impossível ignorar o fato de que ele fosse um homem muito masculino.
Como se ele também houvesse sentido aquele desejo repentino, soltou-a com brutalidade.
— Não vou acompanhá-la à ópera nem a algum outro lugar. Cumpri com meu dever me casando com você e protegendo seu bom nome. Há muitos casais que estão separados. Não é culpa minha que você tenha continuado com esta farsa durante seis anos!
Entretanto, seus olhos azuis ardiam, e se fixaram involuntariamente nas pontas que se marcavam na seda da bata de Elysse.
Uma vozinha disse a Elysse que se rendesse naquele momento e abordasse a questão de novo ao dia seguinte.
— Quando é sua próxima viagem? — perguntou a ele com a voz rouca.
— Parto para Cantão em junho ou julho.
— O que eu pensava. Ali começam a colher o chá em julho. Quando estiver empacotado e o enviarem rio abaixo para começar as negociações, você já estará em Cantão.
Ele a olhou com cautela.
— Com sorte, terei os compartimentos de carga cheios em outubro, e zarparei de volta antes da monção de novembro.
Ela quase não podia controlar sua respiração.
— E esta viagem também vai ser financiada pela Northern Financial?
Ele ficou petrificado.
— Ah. Elysse, não continue.
— Não continuar? Ah, espere. Posso perguntar a Thomas se vai financiar sua próxima viagem.
Alexi ruborizou violentamente.
— O que pretende? — perguntou, inclinando-se para ela. Elysse sentiu sua respiração quente na bochecha.
— Necessito um marido adequado, só durante umas semanas. — disse ela, e conseguiu não se encolher.
— Ou o que? Vai pedir a seu amante que me cobre juros mais altos? — inquiriu ele fulminando-a com o olhar.
Ela ficou sem fôlego.
— Thomas sente muito afeto por mim.
Ele amaldiçoou e fechou a porta de uma portada, atrás deles. Elysse deu um pulo de susto. Ele a puxou pelo braço.
— Está me chantageando? — perguntou ele aos gritos. — Sabe quantos banqueiros querem financiar meu negócio?
— E também tem o capitão Littleton. — respondeu ela entre suspiros. — Seguro que ele também precisa de financiamento!
Ele entreabriu os olhos com ferocidade.
— Talvez Thomas queira financiar o Jardine’s. — disse Elysse. Percebeu que tinha as bochechas molhadas. Estaria chorando?
Ele engasgou e a puxou pelo braço.
— Deus Santo! Está tentando me chantagear!
— Eu só quero viver sem humilhação! Só tem que fingir que é um marido feliz! — repetiu ela. Entretanto, inclusive enquanto falava, inclusive em meio de tanta ira, sabia que queria muito mais.
— Ninguém me chantageia, Elysse, nem sequer você.
Alexi era tão forte que ela tropeçou quando ele a empurrou a um lado, mas conseguiu agarrar-se a um dos postes da cama e se ergueu. Ele se dirigiu para ela em duas passadas, com uma máscara de fúria.
— O que vai fazer? — gemeu ela.
— Quer que seja um marido de verdade? — gritou ele. Ela não respondeu, e ele insistiu: — me convide a sua cama, Elysse! Então serei um marido de verdade!
Ela se segurou ao poste com horror. Tinha chegado muito longe, e sabia.
Ele estava tão enfurecido que tremia de raiva. Parecia que não era capaz de continuar, mas quando falou, fez com a voz rouca.
— Se Blair financiar Littleton, ou outro de meus rivais, terá deixado as coisas muito claras. E não quererá ser minha inimiga, Elysse.
Ela gritou.
Ele olhou fixamente a cama durante um longo momento, como se estivesse pensando em fazer o que realmente queria fazer. Depois a olhou com desprezo e saiu da quarto com uma portada.
Elysse correu atrás dele, fechou com chave e deslizou até o chão lentamente. Abraçou os joelhos contra o peito e pôs-se a chorar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 10

Elysse sorriu alegremente a Blair. Sabia que tinha estado muito calada desde que ele a tinha pego para ir à ópera. Estavam no grande vestíbulo de mármore de Piccadilly Opera House, rodeados por outros espectadores. As senhoras vestiam joias e trajes de noite, e os cavalheiros, fraques. Ela estava usando um vestido vermelho aquela noite, e diamantes. Esperava que a seda carmesim de vestido dissimulasse sua palidez.
Blair devolveu seu sorriso, mas com um olhar inquiridor.
Ela notava que seu sorriso era forçado e tenso. Nunca se havia sentido tão angustiada. Suas têmporas doíam.
Antes que Blair pudesse fazer a ela alguma pergunta, ela começou um monólogo comprido e entusiasta sobre a ópera italiana que estavam a ponto de ver. Conhecia Blair o suficiente para saber que ia perceber como estava deprimida. E não poderia negar este fato. Alexi tinha voltado para casa, mas não tinha trazido mais que tristeza.
Elysse tinha o coração em carne viva.
Quase não dormira aquela noite. Só podia pensar na discussão que tivera com Alexi. Não pensava que as coisas fossem ficar tão horríveis. Não podia aceitar que Alexi se tornou tão frio e tão indiferente para com ela para negar o que tinha pedido a ele. Embora não fosse tão indiferente, verdade? Elysse não podia esquecer a natureza sexual de seu enfrentamento.
Ao recordar o ardor de seus olhos e suas exigências de que o convidasse a seu leito, seu corpo começou a vibrar sem controle. Mas, mesmo que desejasse seu marido, estava decidida a negá-lo!
Tinha estado a ponto de enviar uma nota a Blair para desculpar-se por não poder ir a sua encontro aquela noite. Sabia que sair com ele não seria o mais inteligente. Entretanto, também sabia que Alexi se alegraria se ela ficasse em casa devido a sua briga, e por isso, Elysse tinha mantido seu compromisso daquela noite. Além disso, gostava de ópera, e gostava de Blair. Não sabia se poderia sobreviver a outra noite sozinha naquela casa, com a única companhia de seus pensamentos, enquanto ele andava por aí com alguma de suas amantes, recebendo a adoração da alta sociedade.
— Você tem certeza que está bem? — perguntou Thomas em voz baixa, tocando seu cotovelo, em tom de preocupação.
Aquela era a segunda vez que perguntava aquilo. Ela sorriu de novo. Estava se virando algo mais que um acompanhante e suposto amante. Estava virando um amigo.
— Tenho um pouco de dor de cabeça. Sinto muito, Blair. Sei que não estou muito espetacular.
— Você sempre, sem dúvida nenhuma, é a mulher mais deslumbrante do local — replicou ele com firmeza. — Quando vai admitir que esta repentina mudança trouxe consequências? — inquiriu, observando-a com seus olhos escuros e inteligentes.
Ela ficou tensa.
— Mudar-se nunca é fácil.
— Não, nunca — disse ele. — É difícil que algo me surpreenda, mas você nunca me comentou que seu marido tinha uma casa em Oxford. Parece que você nem sequer você sabia que tinha comprado essa mansão, e que a decisão de se mudar foi impulsiva.
Ela respirou profundamente. Não queria ter que mentir a Blair.
— Devo ter me esquecido de te disser, — e se girou para observar os outros. Ficou surpresa ao ver Ariella e seu marido, e sentiu alívio ao ter um novo tema de conversação. — Ariella veio com St. Xavier.
Alegrou-se muito de ver Ariella. Precisava dela. Na verdade, sua amiga a havia visitado aquela tarde, mas ela estava dormindo esgotada, e Matilda tinha se desculpado.
— Ah, sim, sua cunhada — disse Blair com ironia. Depois acrescentou: — E acredito que seu marido está com eles.
Elysse ficou muito tensa. Podia ver que Alexi estava com St. Xavier. Vestia um fraque e estava muito bonito. Conversava alegremente com uma mulher morena. Elysse sentiu incredulidade. O que estava fazendo ali? Tinha ido de propósito, para incomodá-la e deixá-la nervosa? Tinha pedido a ele que a acompanhasse em suas saídas, não que aparecesse por sua conta nos eventos públicos aos que ela também iria! Não desejava vê-lo naquele momento. Ele ficaria furioso quando visse Blair. E não parecia que tivesse passado a noite sem dormir, como ela. Tinha um sorriso relaxado, e parecia que estava alegre. Sua briga não devia havê-lo alterado!
Então, Elysse entendeu de repente quais eram as implicações daquela situação. Ela estava com Blair, não com seu marido. Acaso Alexi era o acompanhante da outra mulher? Tomara que não. De qualquer modo, todos os presentes na ópera iriam comentar.
Blair murmurou:
— Parece que está angustiada, Elysse.
— E por que iria estar? — ela perguntou sem olhá-lo, com a vista fixa em Alexi.
Ele se inclinou para ela.
— Porque ele está aqui com outra e está com ciúmes?
Ela se voltou para ele.
— Não estou com ciúmes, Thomas — disse, embora sua voz soasse muito aguda e os que estavam a seu redor se voltaram para olhá-los. Ela se ruborizou. Tinham-na ouvido, e isso alimentaria os rumores. — Alexi faz o que quer. Sempre fez. Eu estou acostumada.
Puxou Blair pelo braço com atitude possessiva e sorriu alegremente para ele, recuperando a compostura. Ou ao menos isso esperava.
Blair não parecia muito convencido.
— Ele quase nunca está na cidade, assim, como vai estar acostumada ao que faz? Achava que seu casamento era sólido, mas sua reunião de ontem foi muito tensa.
Ela não sabia o que dizer.
— Temos um casamento pouco comum — mentiu. — mas é sólido, Thomas, muito sólido.
Ele a olhou como se não acreditasse muito.
— Espero — murmurou por fim — que tenha começado a sentir afeto verdadeiro por mim, apesar dos sentimentos que possa sentir pelo capitão De Warenne.
Sentiu-se alarmada. Aquele não era o momento de confessar nenhum tipo de sentimento, com Alexi tão perto e com tanta gente a seu redor, que percebia que Blair e ela estavam juntos, longes de seu marido. É obvio que ela sentia afeto por Blair. Entretanto, voltou a olhar para Alexi. Ele ainda não tinha visto Thomas e ela. Então, a mulher com a qual ele estava falando voltou ligeiramente, e Elysse viu sua cara. Era Louisa Cochrane! Havia se convertido na senhora Weldon, porque havia tornado há casar uns anos antes. Entretanto, o senhor Weldon não estava presente, e Louisa estava sorrindo para Alexi.
Estava claro que ela pretendia reatar sua aventura, pensou Elysse com tristeza, se já não o tivessem feito já. Sentiu-se consternada.
A noite não podia ir pior.
— Quando me vai contar a verdade? Eu guardarei seu segredo, Elysse. Seu marido e você estão separados, e não se dão bem — disse. — Mas não é o que você quer.
— Thomas, isso não é justo — disse ela tremendo. Gostaria de poder responder que eles se amavam, mas não conseguiu.
Ele acariciou sua bochecha.
— Quero ajudá-la, Elysse. Eu não gosto de vê-la tão triste. Sei que é muito orgulhosa. A aparição do capitão De Warenne com outra mulher é muito dolorosa para você, embora todos os presentes pensem que nós somos amantes.
Elysse mordeu o lábio. Como podia Thomas ser tão ardiloso?
— Não somos o único casal desta sala que tem vidas separadas, e isso não é o mesmo que estar separados. Como não íamos viver separados? Você mesmo disse que ele não está quase nunca na cidade. Temos um acordo — disse.
Segurava sua bolsa com tanta força que os nódulos estavam brancos. Sabia que nenhum casal podia estar tão separado como eles.
Thomas a estudou.
— Mas você não quer ter uma vida separada dele, verdade? Nem um acordo. E seu casamento não é bom, por mais que você o diga a todo mundo.
Elysse queria negá-lo, mas seu casamento era insuportável. Entretanto, não podia contar isso a ninguém, nem a Blair, embora ele já tivesse deduzido a verdade.
De repente, ele a segurou pelo braço com força e olhou mais à frente.
— Boa noite, capitão De Warenne. Espero que não se incomode que eu esteja acompanhando a sua bela esposa esta noite, em seu nome.
Com medo, Elysse virou lentamente, e seu olhar se chocou com o de Alexi.
Estava zangado. Seus olhos brilhavam muito, mas ele mantinha o controle. Alexi sorriu com tensão a Blair.
— E por que ia me incomodar? Normalmente eu estou em alto-mar, e minha mulher é uma pessoa adulta que tem sua própria vida. Eu ficaria assombrado que ela não estivesse aqui com um acompanhante. É muito prático que tenha escolhido você, meu banqueiro, como parte de seu círculo de amigos leais — disse com um sorriso cheia de dureza.
Elysse tentou não se encolher. Não escapou a ela a velada menção a seu estúpido intento de usar Blair contra ele.
— Olá, Alexi — disse ela. — Tinha me esquecido que iria estar hoje aqui.
— Mesmo? Não acredito que soubesse que estaria, querida, porque nem eu mesmo sabia até uma hora atrás — respondeu ele. Olhou alternativamente Blair e Elysse, e depois percorreu com os olhos seu vestido vermelho e decotado. — E como você está, senhor Blair? Não me diga que gosta da ópera. Ah, que tolo sou, é a companhia de minha esposa o que mais desfruta.
Blair sorriu zombeteiramente. Estava claro que Alexi não o irritaria.
—Não sou apaixonado por ópera, mas sou um admirador da senhora de Warenne. Gosto muito de sua companhia, é obvio, e se ela deseja ir à ópera ou ao circo, farei o possível para agradá-la.
—É obvio —respondeu Alexi, em um tom muito mais cortante—. Que cavalheiro não tentaria agradar a minha bela esposa?
Elysse estava completamente consternada e mortificada. Como podiam discutir daquele modo por ela? Era evidente que Alexi continuava furioso. Mas ela também estava. O fato de aparecer ali com Louisa era exatamente o contrário do que tinha pedido a ele na noite anterior!
—Thomas e eu tínhamos planos para vir a esta ópera há um mês, Alexi —disse ela, e ficou assombrada de que sua voz soasse tão neutra. Tocou-lhe o braço como faria uma esposa de verdade. Ele afastou-se bruscamente— Se soubesse que queria vê-la também, teríamos vindo todos juntos. De fato, faz mais de um ano que não vejo Louisa Weldon, e eu gostaria de saudá-la.
—Estou certo de que fizeram seus planos quando eu ainda estava no mar —disse Alexi—. Como também estou certo de que não custaria absolutamente nada convencer Blair para que viesse à ópera, por menos que ele goste. A propósito, querida, o vermelho assenta muito bem em você —acrescentou, e se inclinou para lhe dar um beijo na bochecha—. Deve colocá-lo para mim de vez em quando.
Ela deu um passo para trás, horrorizada e com o coração apertado. Sabia que ele a tinha beijado, e tão grosseiramente porque havia tocado seu braço. Maldito! Elysse tentou lhe transmitir com uma expressão tensa que não queria brigar com ele naquele momento. Todos estavam ouvindo. Aquilo era precisamente o que ela queria evitar! Não podia suportar mais humilhações. Por que ele não se dava conta?
—A senhora de Warenne só tem que pedir, e eu cumprirei seus desejos, é obvio —disse Blair seco—. Assim como, certamente, você estará disposto a agradá-la. E o prazer de sua companhia compensa em muito qualquer pequeno aborrecimento que eu pudesse sofrer durante a atuação. Mas, é obvio, você já sabe, não é assim? Nenhum homem, e muito menos seu marido, poderia deixar de admirar seu enorme encanto.
Estavam em uma batalha amarga por ela. Blair estava sendo muito galante por repreender Alexi em seu nome. Ela não imaginava o que faria Blair se descobrisse que Alexi a tinha abandonado aos pés do altar. Entretanto, ela não queria que a defendesse naquele momento, em público. Segurou-o pelo braço e lhe rogou silenciosamente que cessasse. De fato, Blair e ela deveriam partir. Poderiam ir à ópera em qualquer outra ocasião.
Alexi olhou seus braços entrelaçados.
—Sim, minha esposa tem enormes encantos, inclusive eu posso apreciá-los —disse com os olhos brilhantes—. Certamente, se arrumou para me encantar. Verdade, querida?
Elysse pediu ao céu que não lhe ocorresse descobrir o que ela tinha tentado fazer na noite anterior. Ruborizou-se ao notar que Blair a olhava fixamente. Acaso pensaria que ela tinha tentado seduzir Alexi? Ele tinha feito que a frase soasse como se tivessem tido relações sexuais a noite anterior.
—Os cavalheiros têm que ser galantes, e as damas devem ser encantadoras, e mais ainda uma esposa —disse, e se voltou para Blair com um sorriso. Ele não o devolveu, e ela continuou apressadamente—. É maravilhoso que estejamos todos aqui, verdade? Podemos começar a recuperar o tempo perdido.
Percebeu que estava dizendo coisas sem sentido. Só queria escapar!
Alexi, olhando-a fixamente nos olhos, disse com suavidade:
—Ariella se empenhou em que viesse. Sabia que Thomas ia estar aqui, e pensei que devia conhecê-lo melhor, já que é meu financista —acrescentou com um sorriso perigoso.
—Deveríamos jantar juntos um dia —comentou Blair—. Seguro que encontraremos muitos temas dos que falar.
A mente de Elysse disparou. Soube que nunca devia permitir que os dois homens falassem a sós. Não sabia no que podia terminar uma conversa de negócios. Quanto ao fato de que Ariella tivesse insistido em que ele fosse à ópera, coisa que ele odiava, não tinha mencionado a sua amiga que ia na sábado com Blair? E ela tinha pedido a Alexi, ma noite anterior, que a acompanhasse. Alexi tinha que saber que ela ia estar ali. Olhou Alexi enquanto notava que Ariella quis que se encontrassem. Ele manteve seu olhar. Elysse se perguntou por que teria se incomodado em ir. Depois de sua negativa em acompanhá-la na noite anterior, só podia deduzir que queria incomodá-la.
Ariella se aproximou, acompanhada por St. Xavier e Louisa. Elysse controlou seu aborrecimento enquanto se abraçavam. Mais tarde ela faria as recriminações a sua amiga.
—Não sabia que iria estar aqui esta noite, Ariella. Não me disse nada —comentou em tom de acusação, e com razão. Por que sua melhor amiga lhe tinha feito algo assim? Acaso não sabia que aos fofoqueiros adoravam estender o rumor de que Alexi e ela tinham saído com seus respectivos amantes, e que seu matrimônio era uma farsa?
—Temos o camarote, e decidimos vir no último momento —respondeu Ariella, e se voltou para Blair, que beijou sua mão—. É um prazer vê-lo, senhor Blair. Elysse lembra-se de Louisa, verdade? Agora é a senhora Weldon.
Elysse conseguiu sorrir a Louisa, pensando com pouca amabilidade que aquela mulher aparentava a idade que tinha, uns trinta e cinco anos, pelo menos. Seguia sendo atrativa, mas certamente não o suficiente para atrair Alexi.
—Por que não vêm a nosso camarote? —perguntou Ariella—. Não temos por que nos sentar separados, verdade? Somos amigos! E família —acrescentou com firmeza.
A Elysse não lhe ocorria nada pior que ter que sofrer a poucas cadeiras de Alexi durante toda a ópera, mas não podia dar nenhuma desculpa para sentar-se a sós com Blair. Blair a segurou pelo braço e se voltou para a Ariella.
—Nós adoraríamos nos sentar em sua companhia, lady St. Xavier.
Elysse olhou a seu marido, rezando para que passasse a enxaqueca, e rezando também para que ele saísse do prédio e desaparecesse. Se tinha que vê-lo durante toda a noite cochichando com Louisa, ia explodir-lhe a cabeça.
Alexi olhou para seus braços, que seguiam entrelaçados. Sorriu com frieza.
—Que bem. Blair e eu podemos tomar um brandy e esclarecer certos assuntos.
—Uma excelente ideia —respondeu Blair com calma.
A Elysse doíam os lábios pelo esforço que estava fazendo para manter o sorriso forçado durante toda a noite. A carruagem de Blair se deteve, por fim, no caminho de cascalho que havia frente aos degraus de pedra da casa de Oxford. A velada tinha sido interminável. Ela mal pôde ver nem ouvir a atuação de La Scalla. Passou a maior parte do tempo vendo como Louisa se apoiava em Alexi e como sussurravam um com o outro. Embora Elysse o desprezasse profundamente, ele ainda tinha o poder de magoá-la.
Tal e como tinham convencionado, Blair e Alexi tinham saído ao corredor durante o recesso. Ariella tinha mandado St. Xavier atrás deles, talvez para que atuasse como árbitro. Ela estava quase mordendo as unhas enquanto esperava a volta dos homens. Mas quando voltaram para suas cadeiras, nenhum deles parecia contrariado. Segundo Blair, Alexi e ele tinham falado sobre a economia britânica, sobre a recessão e sobre os possíveis modos de remediar a dívida nacional.
Devido à presença de Louisa, Elysse não pôde perguntar a Ariella no que estava pensando para convidar Alexi à ópera, e menos com sua última amante. Ela tinha feito o possível por ser amável com a outra mulher. Por desgraça, Louisa era bastante agradável. Inclusive se tinha atrevido a segurar a mão de Elysse e a lhe dizer que era muito afortunada por estar casada com um herói tão galhardo. Elysse tinha conseguido assentir, de algum modo, embora por dentro estivesse fervendo.
Parecia que Ariella estava muito desgostosa quando a ópera tinha terminado.
Elysse olhou para a casa. Pelo menos, Alexi ainda estava fora. Ela fecharia sua porta com chave e tomaria um brandy, e ficaria um par de emplastros úmidos sobre os olhos. Talvez, inclusive, usasse plugues para os ouvidos. Estava esgotada, e tinha intenção de retirar-se imediatamente.
Blair se inclinou diante dela para abrir a portinhola da carruagem. Elysse baixou, e ele a seguiu. Depois a segurou pela mão.
Ela se pôs a tremer ao olhá-lo. A noite tinha sido um desastre. Ela mal tinha conseguido suportar os olhares de seus conhecidos, que quando a tinham saudado, tinham conseguido mencionar o nome de Alexi, desfrutando de seu desconforto e, certamente, da exposição de seis anos de mentiras e enganos. Sua atenção tinha estado centrada em Alexi todo o tempo, e não em Blair, que a merecia muito mais.
Blair nem sequer tentou conversar durante o trajeto de uma hora de volta para casa. Estava muito pensativo.
—Sei que está cansada —disse enquanto a acompanhava até a porta—. Embora seu marido esteja fora, não vais convidar me a entrar, verdade?
Ela o olhou. por que não podia querê-lo a ele? Era poderoso, forte e, o mais importante, bom, ao contrário que seu maldito marido. Elysse tinha vontades de chorar.
—Estou cansada, Thomas. Sinto que a velada fosse tão desagradável.
—Os dois sabemos que seu cansaço não é a razão pela que não me vais convidar a entrar.
Ela não podia convidá-lo porque seu marido estava na cidade. Mas Alexi estava com outra, assim que aquele raciocínio nem sequer tinha sentido.
Elysse não disse nada, e ele prosseguiu:
—Não foi tua culpa. Sinto que seja tão infeliz.
Necessitava tanto um amigo, alguém em quem confiar… Não podia contar tudo a Blair, mas já não ia mentir mais.
—Alexi e eu não nos damos bem.
—Obrigado por me dizer isso Entretanto, em que pese a isso, não acredito que eu tenha nenhuma oportunidade.
A ela lhe caiu uma lágrima.
—Ele não vai se ficar em terra firme durante muito tempo. Nunca o faz. Minha vida voltará muito em breve à normalidade —disse, e se estremeceu ao pensar no significado de «normal»: fingir continuamente que era feliz.
—Mas de todos os modos o quer.
Ela fechou os olhos. Era possível? Seu amor tinha que ter morrido quando ele a tinha tratado com tanta crueldade ao voltar para casa, como se fosse uma prostituta, se acaso Alexi não o tinha destruído já durante os seis anos anteriores.
—Queria-o quando éramos crianças. Fomos muito amigos. Mas esse menino já não existe, Thomas.
—Mudamos, Elysse, como resultado da experiência. Talvez devesse admitir que quer seu marido, apesar dessas mudanças.
—Ontem à noite tivemos uma briga horrível. Deve confiar em mim, não resta amor entre nós. Temos vidas separadas, e as coisas foram assim durante anos. Não tenho vontades de mudar isso, mas como agora estamos na cidade, ele deve fingir que o casamento vai bem.
—Parece-me que seu comportamento com você é horrível —disse ele. Acariciou-lhe brandamente a bochecha e prosseguiu—: É um idiota por magoá-la desta maneira. Devo esperar, Elysse? Sinto-me muito atraído por você, mas não gosto de estar onde não me querem.
—Não sei o que dizer. Sinto muito afeto por você, Thomas. Temo perdê-lo… como amigo.
—Eu quero algo mais que uma amizade —disse ele brandamente.
Ela titubeou.
—Sei.
—Sabe uma coisa que o piora tudo? Em realidade, seu marido me cai muito bem.
—OH, Deus! —gemeu ela.
Ele esboçou um sorriso.
—É valente, decidido e preparado. Além disso, eu gosto de seus balanços.
Elysse não pôde lhe devolver o sorriso.
Blair seguiu falando, mais sério.
—Tenho a tentação de te pedir que me permita te cortejar. Entretanto, dou-me conta de que está muito desgostosa, e me preocupa que embora tivesse êxito, por muito que te agradasse em meu leito, o resultado não ia mudar. Seguiria apaixonada por seu marido errante.
—Alexi e eu levamos caminhos separados. Você mesmo o viu! —exclamou ela. Não podia perder a Blair. Tinha medo—. Não o quero. Não posso!
—Não, Elysse, a verdade é evidente. Você não quer viver separada dele. Está muito ferida. E muito apaixonada.
Cabeceou brandamente, e então, de repente, inclinou-se para ela e lhe roçou a boca com os lábios.
Ela se agarrou a seus ombros e manteve o rosto erguido para ele. Entretanto naquela ocasião não houve desejo, a não ser somente tristeza.
Ele se ergueu.
—Parto-me. Mas, Elysse, se precisar, sabe onde me encontrar. Sempre serei seu amigo.
Deu a volta e começou para descer os degraus a caminho à carruagem.
Ela vacilou. Estava a ponto de chamá-lo para que voltasse. Disse a ele que podiam ficar em contato, no dia seguinte, ou depois. Blair a agradava, e era um homem forte. Não encontraria outra tão rapidamente.
Então se voltou para a porta e a abriu. O vestíbulo estava bem iluminado, mas vazio. Quando fechou com chave atrás dela, ficou a desabotoar os botões da capa, observando a carruagem de Blair enquanto se afastava. Era como se as coisas tivessem terminado entre eles.
Sentiu-se completamente sozinha.
Uns dedos fortes lhe aprisionaram as mãos sobre os botões da capa. Um peito duro se chocou contra suas costas, e ela gritou. Com horror percebeu que Alexi estava em casa, e aparentemente, estava esperando-a.
Voltou-se no círculo de seus braços.
Ele sorriu com tensão, lhe desabotoando rapidamente cada botão. Tomou a capa e a atirou ao chão.
Ela ficou gelada. Ele tinha um olhar de fúria e de desejo.
—O que está fazendo aqui?
—Vivo aqui, querida. Mas você já sabe.
Alexi não tinha dado sequer um passo atrás. Estavam tão perto que seus seios quase tocavam o peito dele, e a saia de seu vestido lhe cobria os joelhos e os sapatos.
—Não convidou seu belo amante a entrar—ronronou ele.
Tinha visto Blair beijá-la?
—Não me pareceu decoroso fazê-lo —respondeu Elysse, e rodeou Alexi para passar para a escada.
Ele a agarrou pelo braço e a deteve bruscamente. Puxou-a para ele de novo.
—Como se te importasse o decoro. E não me importa que o convide.
Ela escapou de sua mão. Não pensava falar de Blair.
—Onde está Louisa? Deus Santo, está acima?
Ele riu dela.
—Nem sequer eu sou tão insensível, Elysse.
Ela se pôs a tremer de alívio. Depois se enfureceu.
—Ontem à noite te pedi que se comportasse como um marido de verdade! Como te atreveste a aparecer na ópera com outra mulher?
—Mas se você estava ali com Blair, pendurada de seu braço, sorrindo-lhe com acanhamento e olhando-o com encantamento para que todo mundo se desse conta.
—Não te importa! —gritou-lhe ela—. É que queria me humilhar?
—Tem razão, não me importa. Por que ia importar-me que entregue esse corpo espetacular ao Thomas Blair, ou ao James Harding, ou Tony Pierce?
Aqueles eram os três homens com os que a gente a tinha relacionado. Como tinha ouvido falar ele de Harding e de Pierce? Acaso lhe tinha posto um detetive? E que mais sabia?
Alexi não podia saber o que tinha sofrido seu orgulho durante aqueles seis anos.
—Tem uma expressão de medo, querida —disse ele, rindo de novo, como se aquilo lhe agradasse—. É que não sabe que quando volto para casa, meus amigos estão impacientes por me dizer o que está fazendo minha querida mujercita, e com quem?
Ariella nunca lhe diria o muito que ele a tinha ferido. Então assimilou suas palavras. Como podia ser tão grosseiro! Ele apanhou sua mão antes que ela pudesse esbofeteá-lo.
—Não me vai golpear de novo —lhe advertiu, embora parecia que lhe satisfazia que o tivesse tentado.
Ofegando, disse:
—Ontem à noite te roguei que fingisse que temos um matrimônio feliz. Pedi-te que me acompanhasse à ópera! Em vez disso, apareceu com Louisa. Não pode ser uma coincidência! É que queria me humilhar? Queria dar vazão aos rumores?
Ele afrouxou a mão.
—Não preciso te humilhar, porque você o faz sozinha.
—Solte-me, desgraçado!
Ele a soltou.
—E não me pediu que atuasse como um marido de verdade, Elysse. Tentou me chantagear, por muito leal que diga que é.
Elysse correu para o salão. Estava tão furiosa que tremia. Como podia acusá-la ele de deslealdade?
Seu peito a roçou pelas costas. Ela ficou paralisada.
Ele estirou os braços a seu redor e serviu dois copos de uísque.
A Elysse lhe passou pela mente que ele gostava de acossá-la, porque aquela era a segunda vez que o fazia. Sentindo com acuidade o contato com seu corpo, tentou alcançar a calma antes de voltar-se, sem tentar afastar-se dele.
—Devia saber que se aparecia na ópera com outra mulher, enquanto eu estava ali com outro homem, os fofoqueiros teriam mais lenha que jogar ao fogo.
—Nunca me importaram os fofoqueiros, Elysse —disse ele—. A maioria dos homens são indiferentes a essas coisas.
Ela se ruborizou.
—Eu passei seis anos tentando acabar com os rumores sobre ti, sobre nós —disse, com a respiração entrecortada—. Me assegurei que ninguém soubesse a verdade de nosso matrimônio.
Ele apurou o copo de uísque e se serviu outro, com gestos quase relaxados.
—Sim, tiveste uns anos muito difíceis. Ser minha esposa deve ser algo insuportável. Posso assumir que também paguei eu esses diamantes e esse vestido?
Ela teve vontade de esbofeteá-lo. Entretanto, ficou olhando-o, negando-se a responder, embora desejasse com todas suas forças que ele entendesse quão horríveis tinham sido os seis anos passados, o que ela tinha sofrido. Viver daquela maneira, fingindo que era feliz, resultava-lhe insuportável.
Ele a estava olhando fixamente, como se quisesse ler seu pensamento. Elysse percebeu que não podia admitir a angústia que tinha passado, porque não lhe importaria. Talvez se alegrasse, inclusive.
—Passei seis anos sendo a esposa perfeita —disse, tragando saliva—. Que este matrimônio era exatamente tal e como eu queria. Elogiei seus êxitos, e a ti, centenas de vezes, acima de tudo aquele que queria escutá-lo!
—Então, você identifica a perfeição com a infidelidade? —perguntou ele. Fez-lhe uma saudação com o copo de licor e o apurou de novo—. Sim, todo mundo deve pensar que somos o casal perfeito, contigo tendo tanta companhia masculina.
—Você tem a essa prostituta de Singapura!
O olhar de Alexi se endureceu.
—Soo Lin não é uma prostituta, Elysse. É minha amante. É refinada, tem uma vasta educação e é filha de um grande mercador. Eu tenho carinho por ela.
Ela jogou-lhe o uísque no rosto.
—Então, volte para Singapura.
Alexi agarrou seu pulso, e ela ficou gelada. Imediatamente, ele a libertou. Secou o rosto com a manga e se afastou dela.
Elysse se pôs a tremer. O que estava ocorrendo? Pelo amor de Deus, acabava de atirar o uísque no rosto de Alexi.
Importava-lhe aquela mulher. Elysse nunca esperou que admitisse tal coisa. Cobriu o coração com as mãos. A angústia explodiu em seu peito.
Ele se voltou bruscamente e a olhou nos olhos.
Elysse baixou as mãos e mudou sua expressão, mas o olhar de Alexi se tornou especulativo.
—Nenhum dos dois é fiel. Mas eu fui leal.
—Sinto muito. Nunca deveria haver dito o que acabo de dizer sobre Soo Lin —disse ele com tensão.
Ela encolheu os ombros.
—Eu também sinto muito afeto por Blair, assim estamos igual.
—Isso é evidente. É óbvio que são mais que amantes. São amigos, como uma vez fomos você e eu.
Não. Blair não era a classe de amigo que tinha sido Alexi tanto tempo atrás. Aquele menino que sempre estava disposto a protegê-la, que tinha sido a âncora de sua infância e juventude. Entretanto, Blair poderia converter-se precisamente em todo aquilo se ela o permitia. E por que aquela idéia o fazia tanto dano?
—Tal e como o diz, sonha pior que ter uma aventura.
Ele voltou para o bar e se serviu uma terceira taça. Olhou o cristal sem beber.
Aquela pausa deu a Elysse um momento para pensar. Estava destroçada pelo que lhe tinha contado sobre sua amante. Entretanto, seu abandono no altar também a tinha destroçado, e tinha sobrevivido. Tinha sobrevivido a seis anos de falatórios e traições, e sobreviveria a seus sentimentos de afeto por outra mulher. Ela tinha que pensar no presente e não no passado nem no futuro. Não podiam continuar assim. Talvez pudesse salvar a reputação de seu matrimônio, em que pese a aquela noite e a anterior, se era cuidadosa e lista naquele momento. Aquela devia ser sua única ambição.
Alexi a olhou, apertando-a contra o peito.
—Não deveria estar vivendo aqui, Elysse. É uma loucura. Não pode sair nada de bom de tudo isto. Vamos terminar nos machucando de verdade.
Ela já estava ferida.
—Enquanto você estiver nesta casa, eu viverei aqui, Alexi. Para proteger meu amor próprio.
Ele a olhou de esguelha, completamente sério.
—Na China se diz que o orgulho é um luxo muito caro.
Ela sentiu uma pontada de dor.
—E isso ensinou Soo Lin?
Ele não respondeu. Observou seu rosto durante um instante, e se fixou em sua boca, como se recordasse o beijo que trocaram.
Não estava zangado.
Elysse tomou o copo de uísque e o apurou como tinha feito ele. Nunca tinha bebido tanto uísque de repente, mas conteve a tosse. Esperou a que o uísque baixasse lhe queimando pela garganta, até o estômago, e depois falou:
—Viver aqui não é cômodo. Meu apartamento está a vinte minutos do teatro e das lojas. Entretanto, estou decidida a seguir atuando como se nosso matrimônio fosse feliz.
Ele baixou as pálpebras.
A estaria escutando por fim?
—Estou de acordo em que viver assim, e brigar tão freqüentemente, é muito desagradável e doloroso. Antes, quando crianças, fomos amigos. Isto parece outra vida, verdade?
—A que se refere? —perguntou ele.
—Poderia partir da cidade, Alexi. Sei que não tem que voltar para a China até o verão, mas poderia ir a Dublín ou a Windhaven, ou inclusive a França.
—Não.
Ela se pôs a tremer. Entretanto, o uísque tinha um grande efeito calmante. Era como se pudesse pensar com calma, racionalmente.
—Então, temos que nos dar bem. Por que não aceita representar o papel de marido feliz durante umas quantas semanas? Pode seguir com suas amantes. Quão único tem que fazer é ser discreto. Sairemos juntos, seguraremo-nos da mão, sorriremo-nos, e depois, pelas noites, você pode partir com Louisa Weldon, ou com quem deseja.
—Enquanto você vai com Thomas Blair? —perguntou ele muito brandamente.
Ela soube que devia ignorar aquilo. Entretanto, ruborizou-se.
—Sinto ter sido tão tola para tentar te chantagear. Desculpo-me.
Ele deu um sorvo ao uísque. Quando a olhou, tinha uma expressão como depredadora.
—Alguém já lhe disse que tentar enrolar assim um homem é mais eficiente do que jogar um copo de uísque em seu rosto?
—Isso também sinto —disse ela com sinceridade. Seu comportamento tinha sido horrível.
—Estou disposto a fingir que sou um bom marido, Elysse, e disse isso ontem à noite —respondeu Alexi, e sorriu.
Ela demorou um instante em dar-se conta do que significava aquele sorriso. Se se deitava com Alexi, ele cumpriria sua parte. Elysse notou que lhe acelerava o pulso.
Ficou assombrada por aquela forma de reagir ante suas palavras, e ante o ardor de seu olhar. Sentiu chamas no corpo, e seus sentidos começaram a arder com uma urgência que lhe provocou temor.
—Depois de tudo, se tenho que estar casado e conviver com minha esposa, por que não ia desfrutar de meus direitos conjugais? —perguntou Alexi com os olhos reluzentes.
Ele seria um amante magnífico, e ela sabia. Em parte, desejava aceitar aquela proposta inaceitável. Entretanto, disse-se que seu desejo devia ser resultado de sua idade e de sua inexperiência, e nada mais!
—Este matrimônio é um engano —sussurrou—. E você não quer estar casado. Acaba de me isso de dizer.
—Mas pode se que pensasse o contrário se pudesse desfrutar de seus favores. Depois de tudo, eu não estou tirando nenhum benefício deste matrimônio —respondeu ele. Apurou o uísque e posou o copo na mesa, com força—. A nenhum homem gosta que o apanhem com o matrimônio, Elysse.
Ela se sobressaltou. Demorou uns momentos em dar-se conta da rápida mudança de tema. Tinha medo de começar uma conversa tão perigosa, embora sabia que algum dia teriam que falar do passado.
—Casou-se comigo para me proteger —disse com cautela—. Não sei se alguma vez cheguei a te agradecer.
Ele a olhou com uma expressão indecifrável.
Elysse tentou não deixar-se invadir pelas lembranças. Era aquele o motivo pelo que Alexi estava tão zangado com ela?
—Não foi uma armadilha, Alexi.
—Não houve outro remédio. Isso o converte em uma armadilha.
—E por isso te mantiveste afastado? Por isso está tão furioso comigo?
—Meu dever era te proteger —disse ele, e emitiu um som áspero—. Te fiz uma promessa, não se lembra?
Ela ficou horrorizada ao recordar aquele dia em Errol Castle, na Irlanda. Antes que pudesse falar de novo, Alexi acrescentou:
—Por nossa culpa morreu um homem. Um homem que era meu amigo.
Ela se abraçou a si mesmo, e seus olhares se cruzaram. As imagens lhe encheram a mente: Alexi arrastando William Montgomery para afastá-lo dela. O jovem, morto, nos braços de Alexi, e ele, olhando-a com espanto. Alexi abraçando-a com força na biblioteca, perguntando se estava ferida, se estava bem…
Antes, ele tinha se preocupado tanto com ela…
Entretanto, Elysse tinha medo de continuar com aquela conversa. Fazia anos que tinha deixado de pensar na agressão de Montgomery. Era a traição de Alexi o que lhe tinha causado tanta dor e tanta pena. Mas ela estava começando a entender o motivo pelo que a tinha abandonado justo depois de casar-se com ela. Alexi tinha vinte e um anos. Ele se tinha devotado para casar-se com ela, mas só depois de uma luta mortal com um homem que era bom amigo dele.
Depois de todos aqueles anos, ela as tinha arrumado para perdoar-se por sua parte naquela tragédia. Mas ela não conhecia o Montgomery tão bem como Alexi.
—Foi um acidente.
—Pode ser. Mas eu o matei. Embora não foi deliberado, eu matei Montgomery —disse Alexi, com os olhos ardendo.
Naquele momento, Elysse percebeu que ele ainda se culpava pela morte acidental do jovem.
—Alexi, não foi sua culpa.
Ele soltou uma gargalhada desdenhosa.
—Mas você o conduziu para sua morte.
Elysse deixou escapar um ofego de horror.
—Culpa-me? Eu saí a dar um passeio à luz da lua. Esperava que Montgomery se comportasse como um cavalheiro!
—Adverti-lhe repetidamente que não o enganasse para me deixar com ciúmes.
Ela teve que apoiar as costas contra a estante da parede. Parecia que o ar chispava entre eles. O olhar de Alexi era tão acusatório como seu tom de voz.
—Arrependo-me do que fiz, Alexi. Tem razão, enganei-o. Acredito que queria me apaixonar por ele, se isso acaso for uma defesa. Mas sabia que eram muito amigos. No baile, como uma estúpida, quis te pôr ciumento. Sinto muito.
—Nunca esquecerei essa noite, Elysse, nem o que ocorreu por sua causa.
Alexi odiava seu matrimônio porque estava apoiado na morte de um amigo. Naquele momento, Elysse soube que nunca poderia haver uma união verdadeira entre eles. Nunca encontrariam um terreno comum. Nunca haveria uma trégua. As coisas nunca voltariam a ser como antes.
Sua amizade tinha terminado de verdade. Alexi nunca a abraçaria de novo para assegurar-se de que estava bem. Nunca lhe sorriria com afeto e com calidez. Não havia esperança para eles enquanto Alexi continuasse obcecado com o Montgomery e seguisse culpando-os aos duas por sua morte.
O passado era um grande abismo entre eles.
Naquele momento começou a tremer incontrolavelmente. Seu arrependimento era enorme. Sentiu de novo uma grande dor, mas soube que devia dissimulá-lo. Não obstante, ele a olhou com os olhos entreabertos.
—Aprendi a conviver com o sentimento de culpabilidade, Alexi. Era muito jovem e muito tola. Lamento-o tudo. Eu tampouco o esquecerei, mas prefiro não recordá-lo. Sei que foi um acidente espantoso, uma tragédia. Mas ninguém teve a culpa.
—Se crie isso, tem sorte.
—Aprendi com meus enganos. Acredito que não foi culpa de ninguém.
Ele a atravessou com o olhar.
—Se não te conhecesse bem, pensaria que mudou. Quase parece uma pessoa sábia.
É obvio, sua intenção era ser grosseiro e insultante.
—Mudei. Já não sou a mesma menina tola e egoísta de antes.
Ele arqueou as sobrancelhas.
—Seriamente? E então, por que está brimcando com Blair?
—Eu não estou brinando com ninguém —respondeu ela com tensão. Não podia lhe explicar que sentia afeto verdadeiro por Blair.
O olhar de Alexi voltou a endurecer-se, como se conhecesse seus verdadeiros pensamentos. Antes, ele tinha a capacidade de conhecê-los com facilidade, mas Elysse duvidava que as coisas fossem igual no presente.
—Ele está apaixonado por você —disse Alexi—, mas claro, isto você já sabe. E você não corresponde a seus sentimentos. É como olhar atrás.
Elysse demorou um tempo em responder.
—Claramente —disse com aspereza—, o passado é um grande obstáculo entre nós. O que fazemos agora?
Ele a olhou de cima abaixo.
—Me ocorrem um par de coisas. Seguimos estando em ponto morto.
Percebeu que ele ia abraçá-la outra vez, mas não por preocupação, nem para consolá-la, nem para perdoar o passado. Seu olhar azul era reluzente.
—Não podemos mudar o passado, nem o fato de que estamos casados —disse ela—. Não, nossa situação não mudou.
Alexi tinha um sorriso zombador.
—Seu dilema é desnecessário —murmurou—. Aproxime-se, Elysse. Sabe que a desejo.
Elysse sentiu acelerar o coração grosseiramente.
—Faz muito tempo fomos amigos, mas já não o somos. Continua me provocando, Alexi, como se tudo estivesse bem. Pergunto-me se quer me machucar. Usando-me conseguiria.
—Não, não somos amigos. Somos marido e mulher, Elysse, e estou cansado desta situação.
Ela se sentiu alarmada, mas também excitada. Entretanto, sabia que se se deitava com ele, lamentaria-o ao dia seguinte. Disso não tinha dúvida.
—Não posso dormir contigo. Assim não.
—por que não? Sei que está acostumada à paixão. Haverá paixão, Elysse, mas isso você já sabe.
Elysse recordou como era estar em seus braços. Recordou a outra noite, no despacho de Windsong Shipping, e por um momento o olhou, sabendo que sua paixão seria um inferno se a desatavam. Porque, no mais profundo de seu coração, ela seguia amando-o. E isso a aterrorizava.
Refugiou-se de novo em seu disfarce. Falou em voz baixa, com calma, com sensatez.
—Estou-te pedindo que reflita sobre o que te pedi ontem. Estou disposta a ceder. Não tem por que sair comigo todas as noites, só um par de vezes à semana. Organizarei um jantar. Você pode confeccionar a lista de convidados, se o desejar. Mas necessito que esteja presente, para que possamos começar com o jogo das aparências.
Ele a fulminou com o olhar.
—E por que deveria pensar no que me pediste, se não irei obter nada em troca?
Ela elevou o queixo.
—Estamos casados, para bem ou para mau. Eu não te pedi que se oferecesse para se casar comigo faz seis anos. Deve cumprir com suas responsabilidades. Não vou partir me desta casa, e você mesmo admitiste que nossa relação é intolerável. Ofereço-te uma solução justa, mas requer cortesia por ambas as partes.
—Cortesia. Que aborrecimento. Pensarei-o.
Ela começou a sorrir.
—OH, não —disse ele rapidamente—. Porque será melhor que você pense no que eu te pedi em troca. Essência pró quo, Elysse.
Ela ficou imóvel.
Ele pôs-se a rir e partiu.

 

 

 

 


Capítulo 11
—Está muito zangada comigo? —perguntou Ariella.
Elysse elevou a vista do escritório. Tinha descoberto um salão pequeno e alegre no piso baixo da casa, com um papel de flores nas paredes e um mobiliário bonito. As janelas davam a rosaleda que havia detrás da casa. Tinha decidido convertê-lo em seu salão pessoal; de ali atenderia sua correspondência, faria listas, poria ao dia sua agenda e levaria a casa.
Ariella se deteve na soleira da porta com insegurança. Reginald estava com ela. Era segunda-feira pela manhã, e Elysse se passou tudo no dia anterior instalando-se e desfazendo sua bagagem. Não havia voltado a ver Alexi desde sua conversa depois da ópera. Ele se tinha partido no domingo pela manhã, cedo, e quando havia retornado, de noite, ela já se retirou. Tinha as portas de seu quarto fechadas, mas estava acordada e esperando para ver se ele tentava entrar. Alexi não se deteve ao passar junto à porta de seu quarto. Tinha passado de comprimento.
Ela não tinha nem idéia de onde tinha estado durante todo o dia.
Elysse sorriu a Ariella enquanto pensava em seu difícil marido. Ele estava pensando em um novo acordo, no que fingiria que seu matrimônio era feliz, mas esperava que ela concordasse em deitar com ele. Ainda a culpava pelo ocorrido com William Montgomery, e sentia que ela o tinha apanhado em um casamento que ele não desejava. Ela nunca poderia deitar-se com ele naquelas circunstâncias. Permitir tal intimidade a Alexi, quando ele continuava culpando-a pelo passado, causaria-lhe uma dor muito difícil de suportar.
Elysse estava se desesperada por tudo o que lhe havia dito. Alexi seguia julgando-a por todas suas ações, tanto as do passado como as do presente. negava-se a ter em conta que ela tinha mudado. Era como se estivesse completamente decidido a vê-la como uma coquete tola e egoísta.
Elysse entendia por que se sentia como se o tivesse apanhado no casamento, embora aquela nunca tivesse sido sua intenção, e esperava que ele se desse conta. Entretanto, agora ela já entendia a causa de sua ira. O amigo de Alexi tinha morrido por sua culpa, e eles estavam casados. Para ele, as coisas eram assim de singelas.
A Elysse magoava pensar na amizade que tiveram no passado, e no que havia em seu lugar no presente.
Queria voltar atrás no tempo, a um momento anterior à morte de William Montgomery, quando ele era o menino mais fascinante que ela tivesse conhecido, um menino que a admirava e que tivesse feito algo por ela.
Seguia querendo-o? Era possível? Talvez não! Elysse tinha medo de querê-lo, de ter estado jogando o de menos durante todos aqueles anos.
Ficou em pé. Alegrava-se de ter companhia. Não tinha tempo para compadecer-se de si mesmo. Reginald as deixou a sós, e Ariella entrou na estadia.
—Por que te ocorreu convidar Alexi à ópera? Foi um desastre, Ariella —disse. Entretanto, não podia permanecer zangada com sua melhor amiga durante muito tempo, e as duas sabiam.
Ariella fez uma careta de consternação.
—Esperava que saísse algo bom de seu encontro.
—Estamos vivendo na mesma casa, se por acaso não te tinha dado conta.
—Dei-me conta de que Alexi e Stephen apareceram em casa ontem pela tarde para tentar levar a meu marido de farra, como se Emilian seguisse sendo solteiro, embora não o conseguiram. Também me dei conta de que está muito ciumento de Blair, Elysse. Talvez sim ocorreu algo positivo na ópera. E talvez deveria te pensar duas vezes se for bom que continue sendo amiga do Thomas.
Elysse deu um coice.
—Posso assegurar que Alexi não está com ciúmes. Não importa o que eu faça.
Afinal, ele disse isso muitas vezes.
—Você não pode acreditar nisso.
—De verdade acha que me importo? —perguntou Elysse com incredulidade.
Entretanto, não pôde evitar de recordar o modo como lhe disse que conservasse suas muitas amantes, como se não se importasse absolutamente, quando a verdade era que suas aventuras lhe causavam uma grande dor.
Ariella suspirou e se afastou. Deteve-se ante as portas da terraço, como se estivesse admirando as flores e os jardins.
—Não sei o que sente por você agora. Sei que uma vez esteve louco por você. Mas sim, acredito que lhe importam muito suas aventuras.
Ela se pôs a tremer.
—Ele nunca esteve louco por mim, Ariella.
—Quando éramos crianças estava encantado. Se você não percebia, foi a única.
Era possível? Quando percebeu que desejava que fosse certo, afastou da cabeça aquele tolo desejo.
—Não importa o que sentisse quando tínhamos oito anos.
Ariella se voltou para ela.
—É muito orgulhoso, como você. Você não gostou de vê-lo com outra mulher, qualquer um pôde dar-se conta disso, como não gostou de vê-la com Blair. Só vai estar em Londres até junho ou julho, Elysse. Não pode terminar as coisas com Blair, embora só seja temporalmente, para poder ter uma oportunidade de arrumar as coisas com meu irmão?
Se ela acreditasse que terminar com a amizade que tinha com o banqueiro ajudaria em algo a seu casamento, pensaria nisso. Entretanto, Alexi era um mulherengo. Terminaria ele com suas aventuras? Acompanharia-a pela cidade como faziam os maridos com as mulheres? Sua situação continuava em ponto morto.
—Blair se está convertendo em um bom amigo, Ariella, e lamentaria perdê-lo —disse por fim.
—Sei que não foste infiel a meu irmão, face ao que pense todo mundo. Mas Alexi não sabe que foste fiel.
Elysse se mordeu o lábio. Não ia admitir ante a Ariella a verdadeira razão de sua fidelidade. Ela era a irmã de Alexi, e era muito capaz de entremeter-se se pensava que era por seu bem.
—Não vou comentar nada sobre minha vida pessoal.
—Sei que quer que todos pensem que é uma pessoa frívola que coleciona amantes. Ainda não sei se acertei convencendo Alexi para que viesse à ópera. Não acredito que esteja interessado em Louisa Weldon, a propósito. Como lhes estão levando Alexi e você?
Ela vacilou. Ficou surpresa pelo comentário que tinha feito Ariella sobre Louisa.
—Não muito bem. Estou tentando convencê-lo de que finja que está felizmente casado comigo, por orgulho, para que possamos dar uma imagem de união ante a sociedade. Não é fácil.
—Seduza-o.
Elysse engasgou.
—Desculpa?
—Acredito que me ouviu perfeitamente —disse Ariella com um sorriso de malícia—. Elysse, os homens são idiotas no referente às mulheres que desejam. E Alexi não é uma exceção.
A ela lhe cortou a respiração.
—Está louca! Ele tem mulheres por todo mundo! Resulto-lhe indiferente —exclamou.
Entretanto, recordou a forma de olhar de Alexi, com evidente desejo. Ele era um homem sedutor e sensual. Ela não podia respirar ao pensar no claramente que disse o quanto a desejava.
Acaso tinha razão Ariella?
Desejava-a seriamente? Ou estava tentando feri-la naquele feio enfrentamento no qual estavam imersos?
—Sempre que Emilian e eu nos zangamos, e quero arrumar as coisas, enrolo-o para me levar ao quarto—disse Ariella alegremente—. No dia seguinte está comendo na minha mão.
Elysse se passeou pelo salão. Nunca diria a Ariella que nem sequer teria que seduzir Alexi. Só teria que lhe dizer que aceitava sua proposição. aproximou-se do escritório, onde tinha deixado a lista de convidados para o jantar que estava organizando.
—Vou dar um jantar na sexta-feira. Querem vir Emilian e você?
—É obvio —disse Ariella, e lhe acariciou o braço de sua amiga—. Está triste, Elysse. Não o negue. E meu irmão é o motivo de sua tristeza.
—Alexi lamenta ter casado comigo. Disse isso. Nossas discussões são muito desagradáveis. Temo nosso próximo encontro.
—É certo que não tinha vontade de casar aos vinte e um anos, razão pela qual quem me dera soubesse por que se casou contigo, para começar. Nunca me contou o que ocorreu aquela noite.
—Surpreenderam-nos num um abraço apaixonado, não se lembra? —disse Elysse. Ariella soltou um bufar de incredulidade e Elysse prosseguiu rapidamente—. Teremos que aprender a nos dar bem, isso é tudo —disse.
Acabava de dizê-lo quando se ouviram uns passos no corredor. A ela lhe encolheu o coração de medo e de impaciência.
Alexi apareceu na soleira. Imediatamente, seus olhares se encontraram.
Elise se surpreendeu, e depois lhe acelerou o pulso incontrolavelmente. Ele ia vestido para dar um passeio vespertino, com uma jaqueta de montar, calças de ante e botas altas, tão bonito e elegante como sempre. Devia ser consciente disso, porque sorriu lentamente.
Elysse se recordou que não era elegante, nem bonito, nem sedutor. Não devia pensar assim. Estava tão nervosa… Não havia voltado a vê-lo desde a discussão do sábado de noite, depois da ópera. E ainda se sentia estranha vivendo em sua casa.
Ele passou o olhar por sua figura com deliberação. Ela levava um singelo vestido cor marfim, com um decote alto, de manga larga, mas se sentiu quase nua. As bochechas começaram a lhe arder. Dedicou-lhe um sorriso zombador, como se soubesse que ela não podia escapar à atração que havia entre os dois, e se voltou para sua irmã.
Ariella lhe deu um abraço.
—Deixa de ser um marido grosseiro, Alexi! Digo-o a sério!
Ele soltou a sua irmã e olhou a Elysse. O sorriso lhe tinha apagado dos lábios.
—Eu nunca sou grosseiro —disse—. Tenho uns maneiras impecáveis.
Ela cruzou os braços. O tremor de seus joelhos e os batimentos do coração de seu coração indicavam que a atração continuava? Ela não queria acreditar que Alexi, com apenas entrar em uma lugar, podia ter tal efeito nela.
—Suas maneiras são impecáveis com todo mundo, salvo comigo.
—Mas você me provoca, Elysse, como está fazendo agora. E admito que me diverte te provocar.
—As crianças se provocam, os meninos fazem isso com as meninas. Já não tem oito anos, embora você goste de se comportar como se tivesse.
—Onde estão suas maneiras, querida?
—Essência pró quo —respondeu ela, tentando incomodá-lo.
Ele sorriu. Claramente, divertia-se. E ela se ruborizou.
—E agora me desafia? —perguntou Alexi.
Desafiá-lo era muito má idéia. Elysse se retirou.
—Eu nunca faria algo assim, porque sou uma boa esposa.
—As boas esposas não discutem com seus maridos, nem lhes negam nada —disse ele.
Ela inalou uma baforada de ar. Era consciente do que ele queria implicar.
—Levamos discutindo da infância.
Ariella os olhava alternativamente, com os olhos abertos como pratos.
—Eu sou uma boa esposa e discuto com o Emilian todo o momento.
—Você, minha querida irmã, é uma arpía.
Ariella olhou ao céu com resignação.
—Meu marido não tem a mesma opinião.
Elysse percebeu que não tinha afastado a vista de Alexi desde que ele tinha aparecido no salão. Tomou a lista de convidados e se aproximou dele, tentando manter a compostura.
—Estou organizando nosso primeiro jantar para na sexta-feira de dentro de duas semanas. Será uma festa pequena, com uma dúzia de casais —disse—. Espero que conte com sua aprovação.
—Não sabia que íamos dar uma festa, Elysse —replicou ele, e entreabriu os olhos—. Significa isso que chegamos a um acordo?
Ela avermelhou.
—Significa que vamos ter vinte e dois convidados e que você ocupará a cabeceira da mesa, o lugar do anfitrião.
Ele cruzou os braços.
—De verdade? E por que tenho que te obedecer?
Ariella o agarrou por cotovelo.
—Se sua mulher quer dar um jantar, deve agradá-la, Alexi. Todos os maridos vão às festas de suas esposas.
Ele não afastou os olhos de Elysse.
—Acreditava que tínhamos concordado que cumpriria com suas responsabilidades de marido ao menos duas vezes na semana —disse ela, e engoliu em seco.
Não tinham acordado nada semelhante, e Elysse não podia acreditar como o estava pressionando naquele momento. Entretanto, estava empenhada em salvar a reputação de seu casamento. Não era muito pedir.
—Eu não concordei com tal coisa. — disse Elysse.
Ariella lhe deu uma cotovelada nas costelas.
—Já está bem! Faça o que te pediu!
Alexi a olhou com o cenho franzido.
—De acordo. Tolerarei uma noite, mas este assunto está resolvido.
Como tinha ganho aquele combate? Elysse quase se sentiu enjoada. Deu-lhe a lista e perguntou:
—Há alguém mais a quem você gostaria de convidar?
Ele leu rapidamente a lista, e depois elevou os olhos.
—Não vejo o nome de Thomas Blair.
Ela ficou gelada.
—Porque não está convidado.
—Convida-o.
Elysse começou a tremer.
—Por que está fazendo isto?
—O que? Não o estou convidando porque seja seu amante. Convido-o porque é meu banqueiro.
Estava tentando acabar com seu equilíbrio, pensou Elysse.
—Além disso, se houver alguém que pode inteirar-se de que planos tem, essa é você.
—Como?
—Ele financia a outros comerciantes. De fato, financia as viagens de alguns de meus competidores. Desejaria conhecer os detalhes… querida.
Ela se engasgou da incredulidade.
—Quer que espie Blair por ti?
—Umm. «Espionar» é uma palavra muito forte, mas sim, é exatamente o que quero que faça.
Sorriu triunfalmente, assentiu para despedir-se de ambas as mulheres e partiu.
Elysse notou que franzia o cenho sem querer enquanto o olhava.
Ariella lhe acariciou o braço. Estava muito pálida.
—OH, vá —disse—. Elysse, se servir de consolo, de vez em quando Emilian deseja saber o que tramam seus sócios e seus rivais, e me envia para descobrir discretamente quais são seus planos.
—Eu não vou espionar Blair —disse Elysse.
—A mim não pode enganar. Alexi e você estão piores do que nunca. Alexi quer magoá-la. Quem me dera eu soubesse por que.
Elysse queria contar tudo a sua amiga, mas não podia. Fechou os olhos e respirou profundamente.
—Estou bem —mentiu. Depois sorriu—. Vai ficar para o almoço? Trouxe o chef do apartamento de Grosvenor Square, e como sabe, é um excelente cozinheiro.
Elysse sorriu a outro casal no vestíbulo, e lhes agradeceu que tivessem assistido ao jantar. Já tinham chegado todos os convidados, salvo Blair.
A ela lhe encolheu o estômago ao dizer a lady Godfrey o muito que se alegrava de vê-la outra vez. Enquanto conversavam brevemente, olhou a seu marido. Alexi estava ao outro extremo da entrada, recebendo a todo mundo enquanto entravam em salão dourado onde tomariam um brandy antes de começar o jantar. Estava incrivelmente bonito com sua jaqueta branca e suas calças negras. Sorria, e ela sabia que estava desdobrando todo seu encanto para os convidados. estava-se comportando muito bem, e Elysse se perguntou quanto ia durar aquele bom comportamento.
Voltou a encolher-se o coração ao ver as luzes de uma carruagem que se aproximava para a porta. Permaneceu junto à entrada, vestida com um traje azul safira, tentando que ninguém se desse conta de quão preocupada estava.
Tinha querido falar do tema de Thomas Blair com Alexi, porque estava segura de que tinha motivos perigosos para convidá-lo, mas apenas o tinha visto durante aquelas duas semanas. Todos os dias partia aos escritórios dw Windsong Shipping, ou saía com possíveis investidores, e todas as noites também. Se estava com outras mulheres, ela não tinha ouvido nenhum rumor, mas ele nunca voltava para casa antes das duas ou as três da manhã. Era evidente o que estava fazendo, e lhe doía. Entretanto, também ela o evitava; freqüentemente não saía de seu quarto até que ele se foi.
Ela tinha seguido com sua vida, e tinha assistido a um BAILe de gala do Museu de Londres e a várias festas. Pela primeira vez em seis anos o tinha feito sem acompanhante. Uma dúzia de vezes lhe tinham perguntado onde estava seu marido, e ela o tinha desculpado cuidadosamente. Naqueles momentos, seu sorriso e sua máscara não tinham vacilado. Mas em casa, no refúgio de seu quarto, desesperava-se.
Estivesse com quem estivesse, fizesse o que fizesse, pelo menos estava sendo muito discreto. Entretanto, para ela era impossível sentir agradecimento.
Era quase como se nada tivesse mudado. Alexi se tinha passado seis anos evitando-a, e naquele momento fazia o mesmo.
Ao final, ela não tinha tido ocasião de falar da assistência de Blair ao jantar.
Não importou. Parecia que Alexi o tinha visto na cidade e o havia convidado pessoalmente. Ela só sabia porque tinha recebido a resposta afirmativa de Blair.
Estava empenhada em que aquele jantar fosse um êxito. Manteria o drama ao mínimo, pelo menos até que se partiu o último dos convidados. Ao fim e ao cabo, o objetivo daquela velada era convencer a todo mundo de que Alexi e ela estavam felizmente casados. Não sabia o que pretendia Alexi convidando a Blair, mas pensava esquivar qualquer problema.
A carruagem de Blair se deteve ante os degraus da entrada, onde se encontrava Elysse. Ela sorriu. Quem dera ele tivesse decidido não ir à festa. Entretanto, em parte se alegrava de vê-lo. Ele sempre seria um bom amigo.
De sua carruagem saiu uma mulher, e Blair a seguiu. Estava muito elegante, muito bonito com seu fraque negro. Enquanto se aproximavam da entrada, Elysse viu que era uma mulher loira e atrativa, de sua idade aproximadamente. Perguntou-se se ele estaria interessado nela de verdade, e se sentiu consternada apesar de não ter nenhum direito. Ela já sabia que ele ia levar uma acompanhante.
Blair tomou ambas as mãos.
—Está tão bela como sempre —disse em voz baixa, para que só ela pudesse ouvi-lo. Elysse sentiu alívio ao saber que ela tinha sentido falta dele.
Beijou-lhe uma das mãos e lhe apresentou à senhora Debora Weir. Era uma viúva recente, e se tinha mudado a viver à cidade.
—Seu marido foi meu cliente durante muitos anos —acrescentou—. A senhora Weir herdou várias minas de carvão muito lucrativas.
—Resultava-me muito aborrecido permanecer sozinha no campo, agora que falta Philip —disse a senhora com seriedade—. Estou muito contente de lhe conhecer por fim, senhora de Warenne. Ouvi falar muito de você e de suas veladas, e também de seu marido —acrescentou, e olhou para Alexi—. É esse o capitão?
Elysse se voltou e viu que Alexi os estava observando como um falcão. Depois olhou a Blair, que sustentou seu olhar durante um instante.
—Senhora Weir, apresentarei-lhes a meu marido —disse Elysse—. Nossa companhia transporta freqüentemente carvão pelo mundo. Não estou segura de quais são seus agentes, mas deveriam perguntar por nossos contratos e tarifas.
Blair lhe tocou o cotovelo para lhe indicar que avançasse.
—Acredito que Windsong Shipping sim transporta alguns carregamentos do Weir Limited, mas talvez me equivoque.
Elysse percebeu que Alexi os estava olhando abertamente. Naquele momento se perguntou se o fato de ter convidado a Blair era uma espécie de exame. De ser assim, ela estava decidida a aprová-lo. Entretanto, negava-se a espionar para ele.
—Espero que estejamos fazendo negócios com vocês —disse a senhora Weir.
Elysse se voltou para seu marido.
—Alexi, querido. Já conhece o Thomas, é obvio. E te apresento à senhora Debora Weir. Talvez transportemos seu carvão.
Alexi sorriu à bela mulher e lhe fez uma reverência sobre a mão. Depois, Blair e ele se estreitaram as mãos. Alexi o olhava com frieza, mas Blair estava impertérrito.
—Agradeço-lhes muito seu convite, capitão —disse Blair com graça—. Sua nova residência é espetacular.
De repente, Alexi lhe passou o braço pela cintura de Elysse.
—Isso acreditamos também.
Elysse não podia dar crédito, mas disse com calma:
—Estamos muito contentes de que tenha aceito nosso convite, Thomas.
Ele olhou a mão de Alexi, que estava estendida sobre o quadril de Elysse.
O desconforto dela aumentou. Alexi estava a sua direita, e Blair a sua esquerda. Os dois se olhavam sem sorrir. E não parecia que nada tivesse terminado com nenhum dos dois homens.
A velada estava a ponto de terminar, e não tinha ocorrido nada horrível, ainda.
Elysse sorriu ao outro lado da mesa do jantar. Serviram-se as sobremesas e quase todo mundo tinha terminado. Seus vinte e dois convidados pareciam satisfeitos e estavam conversando alegremente entre eles. Consumiram-se sete garrafas de vinho completas, quatro de vinho branco e três de vinho tinto. Ela sabia, por experiência, que quanto mais vinho se bebesse, mais êxito tinha uma reunião.
Estava suando de nervos, mas seguiu sorrindo. Até o momento, a velada tinha sido um êxito.
Alexi, na cabeceira da mesa, captou seu olhar e sorriu também. Tinha estado olhando-a com indolência durante toda a noite, como se estivessem jogando gato e ao camundongo. Seus olhares a incomodavam e lhe faziam sentir-se insegura. Evidentemente, ele sabia que ela estava tentando manter o engano, e que evitar o escândalo era sua prioridade. Elysse se tinha passado tudo o jantar ignorando seus intentos de provocá-la com seus olhares, e se tinha dedicado a conversar com seus convidados.
Ele seguiu observando-a, cada vez com mais intensidade. Ela o recebeu pela extremidade do olho.
Acelerou-lhe a respiração. Tinha o pressentimento de que ele pensava lhe pedir compensação por sua contribuição ao êxito do jantar. Bem, podia pensar o que quisesse; não haveria tal compensação.
Até o momento, Elysse estava segura de que ninguém notava a tensão que havia entre seu marido e ela, salvo Blair. Com sua inteligência acostumada, tinha estado observando-os toda a noite. Estava sentado perto de Alexi, ao outro lado da mesa, frente à senhora Weir. Tinha visto os olhares de Alexi, e tinha uma expressão preocupada. A ela quase lhe tinha esquecido quão bom era, e o protetor. Elysse lhe sorriu. Thomas era um aliado, mas ela podia sobreviver ao resto da noite, fossem quais fossem as intenções de Alexi.
Alexi e Blair tinham conversado um pouco durante a velada, o qual aumentava a tensão de Elysse. Blair lhe havia dito que Alexi lhe caía bem, mas seu marido considerava o banqueiro um rival. Ela se preocupava com Blair, mas ele era muito sofisticado para deixar-se angustiar pelos truques que seu marido pudesse ter na manga. Além disso, Elysse sabia que estavam falando do comércio internacional.
Não ia passar nada mau aquela noite, pensou. Só tinham que seguir durante uma hora mais, os homens com seus charutos e seu brandy, e as senhoras com o xerez e o porto. Depois ela poderia partir a seu quarto e fechar a porta com chave. Não haveria conversa noturna nem brandy com seu marido. Seria muito perigoso.
Alexi voltou a olhá-la com aquele meio sorriso. Elysse se ruborizou e ficou em pé. Seus convidados começaram a fazer o mesmo, e as duas dúzias de cadeiras se deslizaram para trás pelo chão.
Ela olhou para Alexi para lhe indicar que acompanhasse aos homens, mas ele, que tinha a taça de vinho na mão, elevou-a ante si.
—Um momento —disse.
Elysse ficou gelada.
—Eu gostaria de fazer um brinde por minha bela esposa, sem a qual, esta agradável janta não teria tido lugar.
Quando todo mundo elevou suas taças e a olhou, ela sorriu, mas com o coração encolhido. Alexi a olhou lentamente. Tinha os olhos muito brilhantes. Ela ficou muito tensa. Estava segura de que ele tinha intenção de lhe atirar um golpe horrível.
—Por uma velada feliz —prosseguiu ele, em tom indiferente—, a imagem de um casamento feliz… não estão de acordo?
Houve um breve silêncio. Então, Blair disse:
—Brindemos.
Se Alexi a humilhava naquele momento, Elysse não o perdoaria jamais. Estava aturdida de medo.
—Casei-me com a mulher mais bela do mundo. É encantadora, engenhosa e uma anfitriã sem comparação —disse ele, sem deixar de sorrir.
Elysse não podia mover-se. O que diria depois?
Ele a atravessou com o olhar. Não havia calidez em seus olhos, e seu tom era zombador.
—Por minha leal, muito bela e muito desejável esposa —disse, e apurou o vinho—. Uma mulher a que todos os homens devem desejar. Uma mulher a que só eu posso ter. Que afortunado sou. Casei-me com um modelo de virtudes. Não estão de acordo? —repetiu.
Elysse conseguiu seguir sorrindo, mas era consciente de que seus convidados estavam muito confusos. Suas palavras não eram precisamente insultantes, mas falava com sarcasmo. A reputação de Elysse era bem conhecida, e alguns de seus convidados deviam estar percebendo a ira de Alexi contra ela.
Maldito. Tinha intenção de danificar a noite e deixar claro que seu casamento era uma farsa!
—Agora me toca —disse ela, e tomou sua taça—. Pelo capitão naval mais valente de todos os tempos. Que seu recorde da China permaneça durante muitos anos! Por meu marido, um herói e um cavalheiro.
Houve outro silêncio, enquanto os convidados os olhavam alternativamente. Alexi disse brandamente:
—Assim somos muito afortunados, não é assim?
Ela manteve o sorriso com firmeza.
—Não há em Londres uma mulher tão afortunada como eu.
Blair interveio, elevando a taça de novo.
—Eu gostaria de fazer um brinde. A melhor anfitriã que tenha conhecido, quão melhor tenha havido em Londres, e como disse o capitão, uma mulher sem comparação.
Ela o olhou com vontades de tornar-se a chorar.
As taças chocaram entre si, e os convidados secundaram o brinde. Ela olhou a Blair, sem permitir que lhe derramassem as lágrimas. Depois olhou para Alexi, tremendo. Ele tinha um olhar de fúria.
Seus convidados começaram a sair, conversando entre eles. Blair vacilou ao passar a seu lado, mas ela negou com a cabeça rapidamente porque não queria que lhe falasse naquele momento, para não perder o que ficava de compostura. recordou-se que Alexi não tinha falado mal dela. Suas palavras tinham sido aduladoras. Só seu tom tinha sido sarcástico.
Alexi foi o último que aconteceu ela.
—Está contente, Elysse? —perguntou-lhe zombando—. Gostou de meu brinde?
Ela se negou a responder.
Ele se inclinou para ela.
—Tem a Blair no anzol. Recolhe fio.
Elisse soltou um vaio de raiva.
Alexi sorriu e partiu. Ela ficou a sós no corredor. Elysse se apoiou na parede, tremendo. Pelo menos, ele tinha tido a decência de não dizer nada inapropriado contra ela. Tinha conseguido danificar a velada? Elysse não saberia até que ouvisse as fofocas do dia seguinte.
—Elysse.
Voltou-se e se alegrou de ver Blair, embora sabia que estar a sós com ele no corredor era muito pouco adequado e, além disso, perigoso.
Ele se aproximou e a tirou das mãos.
—Estou muito preocupado por ti.
—Arrumarei-me isso.
—Seriamente? É assim como pensa viver sua vida? Arrumando-lhe isso com este terrível enfrentamento com De Warenne? Permitindo-lhe que te insulte e fingindo que não o tem feito?
Ela se pôs a tremer.
—Não fica mais remédio, Thomas.
—Sempre há um remédio —replicou ele.
Ela afastou as mãos.
—Estou casada com ele, para bem ou para mal.
—E é muito pior do que eu suspeitava, verdade?
Elysse teve a sensação de que os estavam vigiando. Olhou além de Blair.
Alexi estava ao final do corredor, observando-os fixamente. Seu olhar era frio e duro.
—Sim —disse ela brandamente—. É pior do que pensava.

 

 

 

 

Capítulo 12
Por fim partiram todos os convidados. Elysse viu Alexi fechar a porta principal, e ficou a sós com ele no vestíbulo. Quando ele se voltou e a olhou, ela se perguntou se poderia ouvir os batimentos do coração de seu coração. Estava muito, muito zangada pelo brinde que tinha feito.
Ele tinha um sorriso, quase uma careta de desdém, nos lábios.
—Outra noite de êxito! Todos saúdam a rainha de Londres, Elysse de Warenne!
Elysse ficou muito tensa.
—Deve estar contente. Seus amigos vão comentar este jantar amanhã, entre louvores, sussurrando o perfeita que era a comida, a decoração, seu vestido, as jóias, a companhia! Salvo aqueles que não foram convidados. Esses lhe criticarão com sanha.
Ela cruzou os braços.
—Assim é a sociedade. Sempre há fofocas, e alguns são maliciosos. Mas isso te agradaria, não?
Sem deixar de sorrir, ele respondeu:
—E por que pensa isso?
Ela explorou.
—Sabe muito bem! Todo mundo percebeu quão zombador foi seu brinde para mim!
—Eu estava zombando? —perguntou ele com inocência.
—Claro que sim! Quer jogar tudo por terra?
Ele a tocou. Ela ficou rígida e não se moveu quando ele deslizou o polegar sobre seu pescoço.
—Duvido que os fofoqueiros se lembrem de meu brinde, querida… Imagino que estarão mais interessados no fato de que está saltando do leito de Blair ao meu.
Ela se separou dele.
—Como se atreve! Perguntei-te eu alguma vez pelos horários que leva, e com quem está? Sinto-me esgotada. Vou para meu quarto. Boa noite.
—OH, vamos, a noite é jovem —disse ele, lhe bloqueando o passo—. Toma uma taça comigo, Elysse.
—Acredito que já bebeste muito. Eu, pelo menos, sim.
Ele sorriu.
—Esta é a Elysse Ou’Neill que conheço há duas décadas: estirada e arrogante. Não estou bêbado, querida. Todos os presentes viram como te olhava Blair, com preocupação, com consideração. Não podia te tirar os olhos de cima! Todo mundo se dá conta de que seu último amante é seu cavalheiro de brilhante armadura. Deve estar entusiasmada, porque há outro homem que está rendido ante seus indiscutíveis encantos.
—Se alguém viu algo, foi como você esteve me olhando durante todo o jantar. Permita-me passar?
Ele não se afastou.
—E como a olhei, querida?
—Como se fosse a última prostituta que captou seu interesse.
—Mas é que você chamou minha atenção —respondeu ele com uma gargalhada, como se estivesse encantado. Depois a tirou do braço—. Quero tomar um brandy acompanhado, Elysse. Temos muito que falar.
Ela não queria tomar uma taça com ele, e não só porque tentou estragar sua noite. Não confiava nele, e menos ainda naquelas horas. Queria estar a sós em seu quarto para clarear as ideias. Além disso, tampouco confiava em si mesma; o corpo vibrava e era muito consciente da presença dele, por mais angustiada que se sentisse. Não era suficientemente forte para afastar-se dele naquele momento, assim nem sequer tentou. A contragosto,seguiu-o pelo corredor.
—Podemos falar do que desejar amanhã.
—Vamos, não pode se negar. Fui o marido perfeito esta noite. Devo obter alguma compensação por isso.
—Foi o marido perfeito até que decidiu zombar de mim com esse brinde —disse ela, enquanto entravam na biblioteca.
Ele sorriu.
—Mas seriamente burlei de você, querida? —perguntou, e passou o olhar, lentamente, por seus traços e por seu decote—. Te hei dito que eu gosto muito desse vestido?
Estava desfrutando de sua angústia, como desfrutava sendo o mais sugestível possível. Ela sentiu vontades de lhe dizer com clareza que não ia permitir que entrasse em seu quarto naquela noite, e muito menos na sua cama. Não ia mudar de opinião. Alexi sorriu como se lhe tivesse lido a mente e não acreditasse; afastou-se dela e serve duas taças de conhaque.
Ela tomou ar, lamentando estar tão sensibilizada ante aquele homem. Oxalá não lhe acelerasse o pulso. Oxalá Blair fosse seu amante. Quem dera ela não fosse uma virgem sem experiência. Decidiu ignorar aquele tema que lhe ocupava a mente, e disse:
—Se amanhã houver fofocas sobre esse brinde, espero que os resolva antes que se estendam por toda a cidade.
Ele voltou fazia ela e lhe entregou uma das taças.
—Acreditava que era um brinde precioso —disse—. Pensou no que eu desejo em troca de minha representação?
—Não quero sair amanhã e ouvir às pessoas sussurrando as minhas costas a respeito da animosidade que há em meu casamento.
—Está evitando minha pergunta.
Ela afastou a vista da dele; estava empenhada em mudar de assunto.
—Não sabia que Blair e você se davam tão bem —disse—. Do que falavam?
—Não nos damos bem. Somos sócios —respondeu ele, e tomou um gole de seu conhaque. Já não sorria—. Muito bem, atrasemos o inevitável se quiser. Falamos sobre a diplomacia do Ministério do Exterior. Os dois desejamos que aumente o comércio com a China. Depois falamos sobre o preço do milho e do açúcar. Isso nos levou a uma conversa sobre o tráfico de escravos. E do que falou Blair e você? Claramente, estava rendido aos seus pés, humilhado, antes e depois do jantar.
—Blair não se humilha. Só falaram disso?
—Não falamos do interesse que sente por ti, querida, se for isso o que está perguntando. Parece que Janssen se pôs em contato com ele para obter financiamento. Perguntaste-lhe por seus outros clientes, querida?
—Já te hei dito que não vou espiá-lo, Alexi, e o digo a sério.
Ele agitou lentamente a cabeça.
—Sabe? Não sabia se devia utilizar o adjetivo «leal» em meu brinde. A próxima vez me absterei de fazê-lo.
Ele se referia a sua infidelidade no brinde, quando ela era uma mulher fiel. É obvio, ele não sabia, e nunca iria sabê-lo. Mas, claramente, sua negativa a espionar a Blair significava para Alexi tanto como suas supostas aventuras amorosas.
—Vá, não me responde? Deve pressioná-lo, Elysse. depois de tudo, minha fortuna é sua fortuna. E não te resultará difícil fazê-lo. Blair está embevecido contigo. Quando vais voltar a vê-lo?
Ela se sentia cada vez mais tensa.
—Se quer saber quando será nossa próxima entrevista, não sei.
—Agora se trata dos negócios. Quero saber a quais de meus competidores decidiu financiar. Acreditava que poderia usá-lo contra mim? Pois te saiu o tiro pela culatra, Elysse. Agora, eu usarei a ti contra ele —afirmou Alexi, e apurou a amortecedora de um gole—. Estou seguro de que te dirá algo que você queira saber, no momento apropriado.
Ela deixou a taça na mesa, com tanta força, que o som reverberou no quarto.
—Você tem a suas amantes, Alexi, e por isso é um mulherengo. E entretanto, eu sou uma prostituta? É isso o que quer dizer? Que agora tenho que me prostituir para conseguir informações?
—Eu sou um homem —disse ele com calma—. E não a chamei prostituta. Essa palavra escolheu você.
—Blair me agrada! —gritou ela.
Ele ruborizou.
—É meu amigo. Um amigo querido —acrescentou Elysse com tensão—. É evidente que não podemos tomar uma taça juntos sem discutir. Tive um dia muito longo, e me vou deitar.
—Aos diabos —disse ele, e lhe impediu que se afastasse.
Ela poderia ter chegado à porta, mas esperou a que ele falasse.
—Já te hei dito que não me importa que Blair e você tenham uma aventura. Por que ia importar-me? Nós casamos pela mais sórdida das razões, para ocultar seu devaneio com o Montgomery e proteger sua reputação, que, de algum modo, permanece intacta, em que pese a suas aventuras.
—Sei muito bem por que se casou comigo —disse ela—, assim pare de me lembrar isso a cada instante. E eu não pedi que fosse meu cavalheiro andante! Você mesmo se ofereceu!
—E agora, é Blair?
Ela titubeou.
—É muito protetor comigo.
—Casaria-se contigo se pudesse.
—Mas não pode.
—É uma pena para vocês dois —disse ele zombeteiramente—. Serão amantes desventurados para sempre.
—Sabe, Alexi? Eu também me arrependo de ter concordado com este casamento. Fui uma boba!
—Ah, por fim estamos de acordo em algo —disse, e pegou seu queixo para que elevasse o rosto. Ela ficou gelada, e ele acrescentou brandamente—: Quero me deitar contigo. Quem dera não o desejasse, mas desejo. E é óbvio que você não é indiferente a mim. Convide-me a seu quarto, Elysse.
Seus olhos queimaram. Por um momento, ela imaginou como seria estar em seus braços e sentir seus beijos. Empurrou-o pelo peito, mas ele não se moveu.
—Deve me desprezar muito —disse com a voz rouca, presa do desejo—, para me tratar assim.
—Acredito que sim —respondeu Alexi com aspereza—, mas se subirmos juntos ao quarto, eu não te odiarei absolutamente. Ao menos, esta noite não.
Tão pouco a respeitava? Aquelas palavras lhe faziam muito dano! Voltou a lhe empurrar o peito. Ele apanhou suas mãos e as manteve ali. Seu corpo ficou apertado contra o de Alexi. Elysse não queria sentir aquela atração, mas era impossível. Todas suas terminações nervosas estavam em alerta.
—Isto é um jogo, querida? —perguntou Alexi—. Porque se acha que pode me excitar rechaçando-me, está conseguindo.
Ela negou com a cabeça. Apesar do desejo que sentia, estava a ponto de chorar.
—Eu não estou jogando, Alexi. Nunca nos daremos bem se me desprezar de verdade.
—Não quero que nos demos bem —disse ele—. Não me importa em nada nosso casamento. Importa-me ir contigo ao seu quarto agora mesmo. Pensou em minha proposta? Esta noite eu me comportei como um marido, e agora cabe a você se comportar como uma boa esposa.
—Não, não pensei em suas exigências, maldito seja! —gritou ela, em pânico.
—Mentirosa. Estiveste pensando em se deitar comigo durante toda a noite —disse ele entre gargalhadas.
E tinha razão. Aquelas exigências a tinham estado obcecando desde que ele as tinha exposto. Durante a noite, tudo seus olhares a tinham alterado, tinham-na excitado.
—Não entendo por que está empenhado em ter relações comigo —disse—. Nem sequer nos gostamos. Você mesmo disse. E tem outras amantes.
—Deus, parece uma uma colegial nervosa. Salvo quando está paquerando com outros homens, claro. Então, é tão sofisticada como uma prostituta de luxo —ele voltou a tomá-la pelo queixo para que o olhasse nos olhos.
Elysse sentiu o coração acelerar.
—Por favor, deixe que saia. Eu não sou uma cortesã.
Ele não a soltou.
—Disse, várias vezes, que não me importa com quem se deite. Inclusive Clarewood me disse que tem direito a procurar consolo em outras partes.
Ela abriu uns olhos como pratos.
—Deus Santo, ao Clarewood parece bem? E que mais hão dito sobre mim?
—É tudo o que havemos dito sobre ti —disse ele, e seu olhar se fez lânguida. Acrescentou brandamente—: Você está na ponta da língua de todos os homens, querida.
Elysse ficou imóvel. Seu corpo ardeu. Por mais inexperimete que fosse, suas amigas falavam quando as portas estavam fechadas, e estava familiarizada com a natureza de muitos atos sexuais.
—O que ocorre? —murmurou ele, inclinando-se para ela e lhe apertando o queixo—. Acaso quer estar na ponta de minha língua?
Aquelas palavras deveriam havê-la espantado. Nenhum cavalheiro lhe falaria assim com uma dama. E eram espantosas, mas não por essa razão. Ela se voltou cegamente para afastar-se dele.
Alexi a soltou, mas a adiantou para fechar a porta antes que pudesse sair ao corredor. Ela se deteve. ficou paralisada por uma excitação que a debilitou. Que demônios lhe ocorria?
Fechou os olhos com força. Sabia o que ocorria. Tinha vinte e seis anos e o mais longe que tinha chegado no sexo era um beijo. E Alexi seguia sendo o homem mais atrativo que ela tivesse conhecido.
Ele apoiou seu corpo endurecido contra o de Elysse, e ela esteve a ponto de ofegar. Ele não devia saber o muito que a atraía. Tentou recuperar a compostura, mas não o conseguiu. Não se deu a volta para olhá-lo.
—Quero aparentar que temos um casamento feliz —disse com a voz rouca—. Isso é o que quero.
Apoiou-se contra a porta e posou ali a bochecha.
—Não te acredito —sussurrou ele, lhe acariciando a nuca com os lábios.
Ela se estremeceu de prazer.
—Acredito que está pronta para que te seduza —disse ele com a voz rouca, em tom de satisfação.
Ela não queria que ele adivinhasse seus sentimentos! Não queria que soubesse a humilhação que tinha passado, e a dor que tinha sofrido, nem queria que soubesse o muito que a atraía naquele momento, apesar do bom senso. Voltou-se para ele. Alexi disse com petulância:
—Sou melhor que Blair. Pense nisso.
O que faria ele se soubesse a verdade, que ela alguma vez tinha tido um amante?
Teve a terrível tentação de desentupir seu engano, de contar-lhe tudo.
O menino que ela conheceu no passado seria pormenorizado. A teria abraçado e consolado, e lhe teria feito o amor.
Mas Alexi já não era aquele menino, e a máscara do orgulho era tudo o que lhe ficava. Tinha que aferrar-se a ela. Tinha que ser forte.
Ele sorriu e a rodeou com um braço. Ela ia dizer que não, mas a sossegou com os lábios.
Elysse ficou petrificada quando a beijou, com firmeza, com mestria e habilidade. estreitou-se contra ela e aprofundou o beijo, e provou seus lábios com a língua. Ela titubeou e se abriu para ele. Alexi estava vibrando de desejo, e ela também.
Ele grunhiu de satisfação e se afundou em sua boca. Ela sentiu uma dor por dentro, que se intensificou perigosamente. Enquanto suas línguas se entrelaçavam. Empurrou-o pelos ombros, porque um pensamento coerente se abriu passo em sua mente: o orgulho era o único que ficava.
—Alexi, para. Não posso.
Ele se sobressaltou e a olhou. Tremendo, evitando seus olhos ardentes, ela passou por debaixo de seu braço e escapou para o bar, e ele se deu a volta lentamente. Elysse estava segura de que ele havia sentido um desejo tão forte que estava surpreso, de algum modo.
Elysse quase não sabia o que estava fazendo. Só podia pensar naqueles beijos abrasadores. Serviu-se um conhaque com as mãos trementes. Talvez haver-se mudado a viver ali, com ele, tivesse sido um engano garrafal. Entre eles havia muito dano, muita humilhação e muito dor. E naquele momento, o desejo era insuportável e parecia que se intensificava cada vez que se roçavam. Se ele seguia pressionando-a, ela ia sucumbir, estava segura.
—Acredito que quer me castigar —disse Alexi, finalmente, com a voz rouca—. Ou isso, ou quer jogar comigo até o final. E se esse é o caso, se dá magnificamente, Elysse.
Ela deu um sorvo de conhaque, temendo que lhe falhasse a voz.
—Pensa o que queira. De todos os modos é o que vai fazer.
Não quis olhá-lo. Fez girar o licor na taça; ainda se sentia aturdida pelo desejo que tinham compartilhado.
—Está tremendo —disse ele. Sua voz seguia rouca, dura.
—Seriamente? Já te hei dito que estou muito cansada. Acredito que manhã vou dormir até tarde —respondeu Elysse. Por fim o olhou. Ele tinha os olhos brilhantes de excitação—. E uma coisa, Alexi. Não tente me seduzir de novo.
Ele sorriu lentamente.
—Por quê? Acaso tem medo de que seus desejos carnais lhe façam perder as rédeas?
—Não, claro que não —mentiu ela—. Ao contrário que você, eu sempre me controlo.
Ele se pôs a rir.
—Seriamente? Então terei que me assegurar de que eu seja o que rompe esse controle, Elysse.
Ela ficou rígida. Sabia exatamente o que ele queria dizer. A intensidade de seu desejo lhe dava a entender que não ia haver nenhum controle. Não precisava ter experiência para sabê-lo.
—Por quê se incomoda em resistir a mim? Quando estivermos na cama, não importará que não nos caiamos bem.
—A mim sim.
De repente, a ele lhe apagou o sorriso dos lábios, e abriu muito os olhos.
—Deus Santo. Está apaixonada por Blair?
Elysse se sobressaltou.
—Demônios, como não me tinha dado conta? Ele é tão protetor contigo, e você é tão terna com ele!
Ela pensou em se devia corrigi-lo. Entretanto, se o fato de pensar que estava apaixonada por outro homem o manteria afastado, talvez o melhor fosse guardar silêncio. Cruzou-se de braços e o olhou sem dizer uma palavra.
—Está apaixonado por ele? —perguntou-lhe Alexi, quase gritando.
Ela demorou um momento em achar a voz.
—Nem sequer me vou incomodar em responder —disse—. Vou à cama.
Passou por ele, com os ombros erguidos e a cabeça alta. Então notou que ele a seguia até o corredor. Ficou muito tensa e olhou para trás ao chegar às escadas.
Alexi estava muito zangado.
Ela começou a subir, mas ele se deteve os pés da escada.
—Se estiver apaixonada por ele, pode dizer-me.- disse isso, em um tom súbitamente persuasivo—. Eu nunca te negaria o amor verdadeiro.
Não o dizia de verdade, e ela sabia. Não tinha nenhuma resposta que pudesse aplacá-lo, porque não ia acreditar uma negativa.
—Boa noite.
Ela não olhou para trás.
Um momento depois, ouviu um cristal rompendo-se. Elysse se encolheu, levantou-se as saias e subiu correndo o resto dos degraus.
—Capitão, posso ajudar-lhe em algo?
Alexi olhou para cima, com a broxa de barbear na mão, vestido só com umas calças de montar. Reginald estava na porta, com a bandeja do café da manhã, que continha torradas e geléia, café e o periódico da manhã. Claramente, ficou-se espantado pela desordem que reinava no quarto de Alexi.
—Estive fazendo a mala, Reginald —disse Alexi com o cenho franzido.
Havia um grande baú vazio sobre a cama. Grande parte de seu guarda-roupa estava espalhado pelo quarto, entre os cristais do espelho que tinha quebrado a noite anterior.
Se passasse outro dia mais na mesma casa que sua esposa, ia explodir. Portanto, partia.
O que significava que ela tinha ganho.
—Senhor, para onde parte?
Reginald estava escandalizado. Alexi suspirou. Sentia-se tão tenso que lhe doía o corpo.
—Parto ao Windhaven a passar uma ou duas semanas. Desejo visitar meu pai e a minha madrasta —explicou.
Entretanto, aquela não era a verdade. Partia daquela casa para poder acalmar-se. Nunca tinha tido um humor tão mau. Tinha vontades de arrancar a roupa a Elysse. Se ela passasse uma noite com ele, talvez não sentisse tanta paixão por Blair.
Com as mãos nos quadris, olhou para sua porta fechada.
Ela estava apaixonada por Blair.
E ele ainda não podia dar crédito.
Passou-se a maior parte da noite tentando compreendê-lo, e ainda não o tinha conseguido. O único no que podia pensar era em sua infância. Tinham sido os melhores amigos do mundo desde que se conheceram, face à altivez de Elysse e ao fato de ser uma garota. Os adultos se divertiam olhando-os. Ele tinha ouvido alguém dizer,certa vez, com carinho, que estavam predestinados. E não tinha se importado. Tinha gostado.
Todo mundo sabia que Elysse Ou’Neill o queria, embora só fossem crianças. Inclusive ele sabia!
Mas ela se apaixonou por outro homem.
Por que outro motivo ia negar-se a paixão abrasadora que havia entre eles? Tinha estado a ponto de admiti-lo, e de fato, se Elysse voltava a lhe dizer o muito que apreciava a seu amigo Blair, talvez ele atravessasse a parede mais próxima de um murro.
Mas, o que esperava ele? Já não eram crianças. Por culpa deles tinha morrido um homem. Por culpa dela. E como conseqüência, ele se tinha visto apanhado em um casamento sem amor e sem fidelidade.
Elysse estava apaixonada por seu banqueiro, do homem que provavelmente ia financiar a vários de seus rivais. E para rematar, ela queria ser fiel a Blair!
Sua dor de cabeça aumentou. Estava furioso, não ciumento. Sentia-se como um cornudo. Se ela tinha que ser fiel a alguém deveria ser a seu marido. Mas não, tinha que ser Elysse Ou’Neill quem o fora fiel a outro homem! Acaso não se proposto conquistar ao Montgomery, e o tinha conseguido? Talvez ela tivesse sabido durante todo o tempo que Blair era quem financiava suas viagens. Isso teria mais sentido que nenhuma outra coisa!
Tinha vontades de romper algo.
—Termine a minha bagagem, Reginald —disse ao mordomo bruscamente. Tinha estado tentando fazê-lo por si mesmo, mas não pôde concentrar-se. Não podia deixar de ver o Elysse e a Blair abraçados, abandonando-se à paixão.
—Senhor, posso chamar uma donzela para que recolha os cristais quebrados? —perguntou Reginald.
Ele assentiu, com o olhar fixo na porta do quarto de Elysse. Ele não conseguiu dormir a noite, quando era certo que ela tinha dormido como um bebê. Nunca deveria ter permitido que ela se mudasse para ali. Nunca deveria ter sido o anfitrião de seu jantar. Deveria hav~e-la levado a cama e havê-la beijado até que perdesse o sentido, lhe haver feito o amor até que soluçasse de prazer. Até que esquecesse ao Thomas Blair.
Alexi pensou no momento em que a tinha visto nos moles da Santa Catalina. Lhe tinha talhado a respiração como quando a viu no Askeaton depois de voltar de sua primeira viagem a China. Tal e como quando a tinha visto pela primeira vez ao chegar a Londres da Jamaica. Deus, deveria ter fugido rapidamente!
Mas não o tinha feito. Ficou, e agora viviam na mesma casa, mas não ocupavam o mesmo leito. Se ela podia conceder seus favores a Blair, também poderia conceder-lhe a seu próprio marido. Ele merecia algo em troca de ter dado a ela seu bom nome.
Seguiu olhando para a porta. As mulheres nunca lhe negavam nada, mas sua própria esposa o fazia. De fato, dava de presente sua paixão a um de seus rivais. Queria Blair, não a ele. E ele sabia que, embora pudesse perdoá-la por uma aventura, nunca poderia lhe perdoar que se apaixonasse por outro.
Elysse já não o queria.
—O que vão precisar para sua viagem, senhor? —perguntou-lhe Reginald, que tinha voltado para o aposento com uma donzela. A moça começou a varrer em silêncio os cristais.
—Trajes de montar, trajes de noite e talvez um fraque —disse ele, e se voltou de novo para a porta de Elysse.
Sabia que devia afastar-se. Não tinha por que lhe explicar sua marcha nem lhe informar de nada. Entretanto, recordou a Blair, tomando a das mãos e preocupando-se com ela no corredor. Bateu na porta com brutalidade.
—Está acordada? Elysse! Quero falar contigo.
Não houve resposta, assim voltou a esmurrar a porta, e percebeu que Reginald saía correndo.
—Parto-me da cidade, Elysse. Conseguiste me jogar de minha própria casa. Abre a porta para poder desfrutar de seu triunfo.
A porta se abriu e ela apareceu na soleira, com o cabelo loiro solto caindo em ondas pelos ombros, os olhos muito abertos do sobressalto e uma camisola de seda que tinha dois suspensórios muito finos e que revelava à perfeição cada centímetro de seu corpo. Era tão sensual e tão bela que a ele lhe fez a boca água, e sentiu uma terrível tensão nas vísceras.
—Olá —disse, e sorriu. Sentiu luxúria e aborrecimento de uma vez.
Apenas ao ver seu peito nu, ela começou a fechar a porta. Ele ignorou aquele gesto e entrou em seu quarto.
—Você não gostaria de se despedir de mim como deve? —perguntou zombeteiramente.
Ela estava ruborizando, como se nunca tivesse visto um homem tão excitado.
—Por que não acaba de se vestir e nos encontramos lá embaixo? —perguntou Elysse com a voz rouca.
Ele a olhou com mais atenção e percebeu que tinha olheiras. Talvez ela não tivesse podido dormir tampouco. Sorriu, esperando que assim fosse.
—O que te passa? Não dormiste? Espera, não me diga isso, estava sonhando com Blair. Não, estava sonhando comigo.
—Não está vestido.
—Você tampouco. Me parece muito conveniente.
Em sua cabeça se acenderam os alarmes, enquanto alargava a mão para trás para fechar a porta do quarto. Alexi sabia o que queria, mas nunca a forçaria. Entretanto, sentia-se tão mal naquele momento que quase estava preocupado por isso.
Sobretudo ao imaginá-la nos braços de Blair, em seu leito.
Cruzou os braços e sorriu.
—Que planos tem para o resto do dia?
Ela pestanejou, como se lhe tivesse falado em chinês.
—Aonde vai?
—Ao Windhaven. Sabe? Eu gosto muito do vestido que levava ontem, mas eu gosto ainda mais suas camisolas —disse Alexi. Pô-lhe a mão sobre o ombro sem poder evitá-lo. Ela abriu uns olhos como pratos quando ele deslizou a palma da mão por seu braço, lhe fazendo uma carícia sensual.
Ela se pôs a tremer.
—Se não abrir a porta agora mesmo, vou gritar.
—Por que? Assusto-te? Tem medo de seu próprio desejo, Elysse? Não o negue. Pode que queira a outro, mas a quem desejas de verdade é para mim.
Ela se umedeceu os lábios. Ele, que se sentia grosseiramente excitado, tirou-a da mão e a atraiu para si.
—Quero que me dê uma despedida em condições antes de ir —murmurou—. Maldita seja, é minha esposa.
Ela o empurrou pelo peito, e com as bochechas avermelhadas, respondeu:
—Não posso fazer isto, Alexi.
Ela amava seriamente ao Thomas Blair. Estava tremendo, e lhe faltava a respiração, e Alexi reconhecia o desejo em alguém quando o via, mas estava claro que Elysse tinha decidido lhe negar tudo para dar-lhe a seu rival.
Soltou-a.
Ela retrocedeu uns quantos passos, ofegando.
Alexi ardia em desejos de estendê-la na cama e acariciar até o último centímetro de seu corpo, embora resistisse. Tomou ar profundamente, tremendo.
—Parto ao Windhaven —disse. Deu-se a volta e abriu a porta do quarto. Sabia que sua decisão de afastar-se dela era a mais correta, pelo bem de ambos—. Sei que não vai sentir a minha falta. Entretanto, tenho uma petição.
Ela se pôs a tremer, e rapidamente encontrou a bata e a pôs. Ele soltou um bufo. Aquele objeto não lhe cobria as pernas nuas, e Alexi podia imaginar-se com facilidade como era o resto de seu corpo.
—Pode ver-se com quem quer enquanto eu não estou, mas não nesta casa —disse—. Usa o piso de Grosvenor Square, ou o quarto de um hotel.
Ela estremeceu, e abraçou a si mesma.
—Eu nunca te faltaria o respeito da maneira que sugeriu, e agradeceria que me falasse com um mínimo de consideração.
Ele não respondeu. Ficou olhando-a, seus traços perfeitos, seu maravilhoso cabelo, seu corpo exuberante. Não podia acreditar no que estava fazendo. Ia partir para a Irlanda e deixá-la livre para que percorresse Londres com seu rival, o homem a quem queria.
Por um momento se viu menino, correndo pelos jardins de Harmon House com seus primos, sabendo que em poucos instantes entrariam na casa e ela estaria ali, esperando-o. E quando o visse, sorriria, e lhe daria um tombo o coração…
Todo aquilo lhe pôs furioso de novo, porque sua traição era muito pior que nenhuma outra.
—Alexi?
Ele se deu a volta e se dirigiu para a porta, perguntando-se se a odiava. Ao dizê-lo, a noite anterior, não o dizia a sério. Odiar a Elysse Ou’Neill era tão alheio a ele como caminhar pela lua. Naquele momento, entretanto, já não estava tão seguro. Era como se todo seu mundo tivesse virado do avesso. O chão firme estava se abrindo sob seus pés. Quando olhava o exterior, só via um céu sem sol.
E tudo era por culpa de Elysse.
Ela queria a outro.
—Quando vai voltar? —perguntou-lhe ela com um fio de voz.
Ele não vacilou.
—Quando gostar.

 

Capítulo 13
Elysse foi ao banco em uma carruagem aberta com Ariella, segurando sua bolsa de seda dourada com as mãos enluvadas. Era a primeira semana de maio, e fazia um dia da primavera magnífico. O sol brilhava no céu, entre nuvens brancas de algodão. Hyde Park estava cheio de gente em carruagem e a pé. Havia muitas crianças, acompanhados por suas babás, todos elas querendo brincar ao ar livre. Havia um ancião passeando a seus spaniels perto de onde elas passeavam. Os olmos que flanqueavam o caminho das carretas estavam muito verdes, e em ambos os lados do atalho para caminhar a pé floresciam os narcisos. Para sua saída, Elysse tinha escolhido um conjunto de cor azul clara, e um elegante chapéu azul com plumas.
Elysse sorriu e saudou duas senhoras que passavam a seu lado em outro carro.
Ambas tinham estado no mesmo jantar a que ela tinha assistido a noite anterior. Eram velhas conhecidas, e tinham estado em seu apartamento muitas vezes. Ambas tinham feito comentários sobre sua falta de acompanhamento, e então lhe tinham perguntado por seu marido.
—Acaso Thomas Blair nos está evitando esta noite? —tinha-lhe perguntado a senhora Richard Henderson com um olhar de inocência.
—Não sei —respondeu Elysse com tensão. Evidentemente, aquela inocência era fingida.
—Seriamente? Mas se ele sempre vai contigo… Ou ao menos, sempre estava contigo antes que voltasse esse marido teu tão bonito. Jogamos muito de menos sua presença nestas veladas, querida. Deve lhe dizer que venha! Ele completa a mesa, sabe?
Elysse lhes assegurou que, a próxima vez que visse o senhor Blair, transmitiria-lhe a mensagem de que o sentiam falta de.
Susan Craycroft interveio.
—Inteirei-me que agora acompanha a todas partes à senhora Weir.
Elysse seguiu sonriendo.
—Debora me parece uma pessoa encantadora. Seguro que o senhor Blair desfruta muito de sua companhia. Qualquer um desfrutaria.
As duas fofoqueiras se olharam.
—É tão elegante e pormenorizada —disse Susan—. Eu estaria muito ciumenta. Blair é um grande partido!
Elysse quis afastar-se, mas Beth Henderson fez outra pergunta que o impediu.
—E o que está fazendo o capitão de Warenne durante três semanas na Irlanda?
Como se ela soubesse!
—Acredito que, depois de passar tantos anos em alto mar, está desfrutando da companhia de seus pais e de sua irmã pequena —disse. Notava perfeitamente a alegria de Beth.
Beth Henderson se afastou com a Susan Craycroft depois disso, mas Elysse ouviu suas falações.
—Lady Jane Goodman está na Irlanda, sabia? E ela não tem família ali!
—Deve estar visitando a campina —respondeu Susan com uma risada—. Ou acaso nós não adoramos a chuva a todas?
Ariella segurou a mão de sua amiga.
—Está tão abatida…
Ela sorriu forçadamente. Alegrou-se de que Ariella a tivesse tirado de seu ensimesmamento. Sentia-se abandonada de novo, e muito sozinha. A dor que sofria todos os dias era familiar, conhecido, e também novo.
—Não estou abatida, Ariella. Estou cansada. Tive insônia de novo.
Passaram outras duas senhoras, vestidas com trajes de cor nata, e com sombrinhas a jogo, pelo atalho que havia junto ao passeio de carruagens. Elysse saudou.
—Imagino o motivo —disse Ariella com uma expressão sombria.
Elysse não queria admitir seus sentimentos, nem sequer ante si mesmo. Para evitá-lo, tinha passado aquelas três semanas decorando a casa e socializando. Normalmente saía com conhecidos, cavalheiros anciões ou muito jovens. Também tinha encarregado um guarda-roupa novo completo. Tinha tido três dias de provas. Estava planejando uma viagem ao Continente, uma excursão muito cara nos hotéis mais luxuosos das melhores cidades. E tinha dado três jantares mais, todas eles grandes êxitos.
Não tinha convidado Blair.
Ele tinha mandado flores em quatro ocasiões durante as três semanas que tinham passado da marcha de Alexi a Irlanda. Os Ramos foram acompanhados de notas amáveis e consideradas. Dizia-lhe que continuava preocupado por ela, e que desejava vê-la o antes possível. Ele se negava a render-se, e menos naquele momento, quando entendia sua situação. Talvez estivesse acompanhando a Debora Weir pela cidade, mas Elysse estava segura de que seguia sendo seu ardente protetor.
Sentia falta de sua amizade e sua força tranqüila, mas não se atrevia a vê-lo. Alexi se havia posto furioso ao chegar à conclusão errônea que tinha alcançado. Não lhe importava que estivesse zangado, mas estava lutando para manter a imagem de seu casamento. Não era fácil, com todos os falatórios que havia sobre eles. E permitir que Blair voltasse a formar parte de sua vida era como se o estivesse enganando, coisa que lhe recordava à tragédia que ela tinha provocado ao querer causar ciúmes a Alexi com William Montgomery.
Estava sofrendo de insônia de novo. Pelas noites, enquanto olhava o teto, pensava em Alexi e Thomas. Quase odiava seu marido por deixá-la de novo, e sentia desejo de um amor que, evidentemente, nunca ia ter. Alexi a desprezava, mas era seu marido. Blair estava apaixonado por ela, mas Elysse não se atrevia a dar um passo mais com ele. Era terrivelmente injusto.
Quando dormia, tinha muitos sonhos. Neles, Alexi a provocava e a seduzia em sua casa de Oxford, e o fazia o amor com uma paixão abrasadora. Então, Elysse despertava enfebrecida, aferrando-se a aquelas relações imaginárias, justo quando ele a estava sonriendo com calidez…
Também sonhava com sua infância. Seus primos e ele corriam pelo Harmon House, a casa em que se viam de pequenos durante as reuniões familiares. Os meninos sempre se metiam em confusões, e ela sempre estava esperando sua volta. Ele fanfarroneava de suas façanhas, e ela fingia que sentia indiferença, mas escutava com encanto até sua última palavra. Sua comunicação era inevitável, inquebrável…
Ela teria preferido esquecer aqueles dias, mas nunca poderia fazê-lo.
Inclusive tinha sonhado com o William Montgomery. Estava paquerando temerariamente com ele, consciente disso, até que Alexi aparecia enfurecido e o agarrava…
A volta de Alexi tinha agitado sua vida. Ameaçava a cuidada imagem de felicidade que Elysse queria dar ao mundo, e não sabia o que fazer.
Se alguém lhe houvesse dito que seu marido ia voltar para sua vida seis anos depois para feri-la uma e outra vez, tanto como no passado, nunca o teria acreditado. Entretanto, isso era o que tinha feito Alexi. A noiva abandonada se converteu na esposa abandonada.
Dava graças a Deus por não ter sucumbido a sua sedução.
Durante o dia se mantinha tão ocupada como lhe resultasse possível. Entretanto, quando chegava um visitante inesperado e ouvia a carruagem na porta, lhe parava o coração, e se perguntava se Alexi tinha voltado para casa.
Uma parte dela esperava aquele dia. Outra parte já não sentia interesse. Outra, só queria caminhar pela corda frouxa que era sua vida.
—Gostaria de ir às compras. Quer que vamos ao Bond Street? Asprey me enviou uma nota para me convidar a ver a nova coleção da primavera —disse Elysse, fingindo entusiasmo.
—Se comprasse todos os vestidos, seria bem feito para Alexi —disse Ariella—. Escrevi a ele uma carta. Disse, com clareza que seu comportamento é indesculpável, e que deve voltar para a cidade, contigo, imediatamente.
Só Ariella se atreveria a falar assim com Alexi.
—Não tem por que voltar comigo. Não o sinto falta absolutamente.
Aquilo era mentira. imaginou-se o momento no que ele voltaria para casa. Algumas vezes pensava em mudar as fechaduras da casa, empacotar todas as coisas de Alexi e as deixar na rua.
E outras vezes imaginava entrando em casa, subindo as escadas e entrando diretamente a seu quarto. Ele a tomava em seus braços e a estendia na cama e lhe sorria como tinha feito anos antes, e depois a beijava apaixonadamente…
—Acredito que sim o sente falta. Acredito que os laços que lhes uniam de pequenos não se quebraram —disse Ariella com firmeza—. Emilian também o pensa.
Estava louca, pensou Elysse nervosamente. Quão único ficava entre eles era arrependimento, e uma atração pouco adequada.
—Senhora de Warenne? —perguntou um homem.
Ela se sobressaltou e se voltou. Então viu o Baard Janssen, que montava um grande cavalo castanho, e que lhe sorria. Ela titubeou antes de lhe devolver o sorriso. Não havia voltado a vê-lo desde seu breve encontro, semanas antes, nos escritórios de Windsong Shipping. Não havia voltado a lembrar-se dele. Entretanto, naquele momento recordou um comentário que lhe tinha feito Alexi: que Janssen procurava o financiamento de Blair.
—Vi-lhes passar e pensei que era você —disse. Seu olhar cinza era tão atrevido como o dia em que se conheceram—. tive que galopar para lhes alcançar. Felizmente, cresci a lombos de um cavalo, embora prefira ter a coberta de um navio sob os pés —se levantou o chapéu para saudar a Ariella, mas voltou a olhar para Elysse—. Como lhes encontram? É um dia precioso para que uma mulher preciosa saia a dar um passeio pelo parque.
Seu olhar seguia sendo tão direto que resultava incômodo. Ela deu um golpe nas costas do assento do condutor.
—Condutor? Alto, por favor —disse, e quando tiveram parado, sorriu ao Janssen—. Não sabia que continuavam na cidade. Estou muito bem, obrigado. Desfrutaste de Londres, capitão?
—Estou desfrutando imensamente agora.
Ela se voltou.
—Permita-me que vos apresente a minha cunhada, a viscondessa St. Xavier? Ariella, o capitão Baard Janssen, do Astrid. É dinamarquês.
Janssen sorriu amavelmente a Ariella.
—Ainda tenho a esperança de mostrar-ljhe meu navio —disse ele, inclinando-se um pouco para diante enquanto falava—. Eu gostaria de escutar que opinião lhes merece.
Ela olhou a Ariella, que não parecia muito satisfeita com aquele flerte.
—Estive muito ocupada, capitão. Terei que consultar minha agenda para comprovar se tiver algum dia livre próximo.
—Quase nunca aceito um «não» por resposta, e menos de uma dama bela, elegante e cativante.
Ela sorriu com cortesia.
—São muito amável, capitão. Quando zarpam? Levam muitos dias em porto. Se mal recordo, trouxeram açúcar de cana a nossa costa.
—Ah, uma mulher que deseja falar do transporte marítimo comigo! —disse ele com um sorriso—. Estou esperando a conclusão de uns assuntos de negócios, senhora de Warenne. Depois zarparei para a África.
Ela se sobressaltou, porque não conhecia nenhum comerciante com a África. Não podia ser que transportasse carregamento humano.
—Então, vai comercializar azeite?
—Sem dúvida. Há muita demanda nos países que tem indústrias.
—Sim, é certo.
Teria financiado Blair sua viagem? Seria aquela a informação que Alexi esperava que surrupiasse a Blair? Entretanto, Alexi não devia lhe importar absolutamente o comércio do azeite de palma.
Ele fez uma reverência, assentiu para despedir-se e fez um giro com o cavalo; obviamente, queria impressioná-la com sua habilidade. Ela dissimulou um sorriso. Não era muito bom cavaleiro; ficava patente em sua forma de puxar as rédeas do pobre cavalo, e no desequilíbrio de seu corpo.
Ariella apertou o joelho de Elysse.
—O que foi tudo isto?
Ela se voltou para sua amiga.
—Alexi mencionou algo de que Blair ia financiar ao Janssen. Sou a esposa de um comerciante naval, Ariella, e suponho que não posso evitá-lo. No referente ao comércio sempre tenho curiosidade.
—Alexi e você são perfeitos um para o outro.
—Não precisamente —disse ela com secura—. Assim que lhe tem escrito uma carta. respondeu? —perguntou, com a esperança de que parecesse uma pergunta indiferente, enquanto junto a elas se detinha uma bonita carruagem.
—Disse-me que voltaria quando lhe viesse em vontade, e nem um minuto antes.
Ela não pôde nem sequer fingir um sorriso naquele momento.
—Não sei para que perguntei.
—Parecia muito zangado na carta, Elysse. O que ocorreu? Por que partiu justo depois do jantar? —perguntou Ariella—. Por que se está comportando de uma forma tão grosseira?
Ela encolheu os ombros como se não lhe importasse, quando de novo estava amargamente ferida. Todos os dias ouvia cochichos sobre ela. Sobre eles. Se pensava que tinha sentido humilhação durante os seis anos anteriores, no presente sua humilhação não conhecia limites. Todo mundo sabia que a seu marido não importava, e que não a respeitava.
—Senhora de Warenne, lady St. Xavier.
Elysse se deu a volta e se encontrou com Thomas Blair, a pé junto a sua carruagem. Acabava de descer do carro do lado. Ele posou a mão sobre sua porta e sorriu.
Ela se alegrou verdadeiramente de vê-lo, e lhe devolveu o sorriso.
—Que surpresa mais agradável.
—O mesmo penso eu —disse ele. Por fim, afastou o olhar de Elysse para saudar a Ariella, que não estava tentando dissimular seu desagrado—. Estão as damas desfrutando deste dia tão esplêndido?
—Estamo-lo tentando —replicou Ariella.
—Não faça conta. Sim, como não íamos desfrutar? —disse Elysse, e posou a mão enluvada sobre a dele.
Ele a olhou nos olhos.
—Vêem dar um passeio comigo. Senti a sua falta.
Ariella se engasgou.
Por que se tinha afastado de Blair? Encontrava-se muito sozinha, e ele era um dos homens melhores e atrativos que tivesse conhecido nunca. E Alexi estava brincando de correr pela Irlanda com o Jane Goodman, de todos os modos.
—Ariella, vou passear um momento.
—Vai piorar as coisas! —sussurrou-lhe Ariella.
—Duvido-o —disse ela. Enquanto Blair abria a porta, lhe deu a mão para que a ajudasse a descender do carro—. Quer me esperar? Se não, posso tomar um carro alugado para voltar para casa.
—Eu te levarei a casa —interveio Blair.
—Esperarei —resolveu Ariella.
Elysse a ignorou e se agarrou com firmeza pelo braço de Blair. Notou sua atenção cálida, sua poderosa proximidade e seu atrativo masculino. Ele a ajudou a chegar até o atalho de paseantes.
—Perguntava-me quanto tempo foste manter a distância.
Ela sorriu um pouco.
—Não foi fácil.
—Então, por que? —perguntou ele. Seu olhar era direto, mas não lhe causava desconforto, como a do Janssen.
—Adivinhou, Thomas. Meu casamento é um caos. E eu tento, sem êxito, manter as aparências.
Ele agitou lentamente a cabeça.
—Seu marido é um canalha. Deveria esforçar-se… para respeitar você —disse, e seu olhar se endureceu de ira.
Blair nunca se descontrolava, e ela se surpreendeu.
—Ele não está contente com nossa relação, sobretudo tendo em vista que é seu banqueiro.
Passou um instante antes que ele falasse de novo.
—Eu nunca misturo os negócios com o prazer, nem faço nada que possa pôr em perigo os benefícios. Mas… estou louco por você, Elysse —disse, e começou a caminhar de novo, com uma expressão grave. Ela o alcançou e caminhou ao seu lado.
—O que significa isso? Vai tentar prejudicá-lo? Vai financiar seus competidores?
Ele se deteve bruscamente.
—Não tenho nenhuma intenção de prejudicá-lo. Sou banqueiro, Elysse, e casualmente, seu marido é um excelente cliente. Quanto a meus outros clientes, acredito que isso é informação privilegiada e confidencial.
—Sinto muito! —exclamou ela, e acariciou sua face.
Fazia o que tinha pedido Alexi; havia tentando enganar Blair, o melhor homem que tinha conhecido, um homem a quem apreciava.
Ele agarrou sua mão e a manteve contra sua face.
—Falava a sério quando disse que senti a sua falta.
Por um momento, permitiu que a segurasse. Depois afastou a mão com suavidade.
—Estou tentando fazer o que acredito que é melhor.
Blair a observou fixamente.
—Já me dou conta. Então, significa isso que vai evitar-me até que seu marido zarpe para a China em junho?
Ela assentiu.
—Acredito que é o mais inteligente, Thomas —disse, e titubeou—. Além disso, não quero te enganar.
—O que significa isso? —perguntou ele.
—Uma vez enganei a alguém deixar Alexi com ciúmes. E não saiu nada bom disso —disse com tristeza. Teve a sensação de que se ruborizava um pouco.
Tomou ambas as mãos.
—Deus Santo, trata-se disso? Cheguei a pensar que te importo. Entretanto, acredito que o que sente por De Warenne é muito mais complexo do que tinha pensado.
—Não! Sinto muito afeto por você e não estou tentando fazer ciúmes a Alexi. Mas meu marido e eu estamos em meio de uma batalha terrível. Não quero que você esteja no fogo cruzado.
Seu olhar era escrutinador. Finalmente, perguntou-lhe:
—Ainda o quer?
—Claro que não! —exclamou ela com horror.
Entretanto, enquanto o dizia, só pôde pensar em como lhe sorria Alexi anos atrás, antes da morte de William Montgomery, antes que se ofereceu para protegê-la casando-se com ela.
—Sempre estarei de seu lado —disse ele—. Estou muito preocupado por ti, Elysse. Ouvi os falatórios. Enfurecem-me.
—Ignore-os. Eu o faço.
—Seriamente? —perguntou ele, e tomou seu rosto entre as mãos.
Elysse ficou muito tensa. De repente, temeu que ele fosse beijá-la. Tinha feito uma dúzia de vezes antes e Elysse tinha gostado, mas isso foi antes que Alexi voltasse para casa.
Blair deixou cair as mãos.
—Não voltarei a te pedir que saia comigo até que De Warenne zarpe —disse, e acrescentou ironicamente—: E talvez deva me abster de te enviar mais floresça.
Ela sorriu. Sentiu alívio pelo fato de que ele não a tivesse beijado.
—Eu adoro as flores.
Quando voltavam pelo atalho para as carretas, ele disse:
—A propósito, era o capitão Janssen quem estava parado antes junto a sua carruagem, montado sobre um cavalo castanho?
—Sim.
Thomas se deteve.
—E por que se aproximou de vocês? Conhece lady St. Xavier?
—Não. Nos conhecemos nos escritórios de Windsong Shipping.
Ele abriu muito os olhos.
—Não confio nele, Elysse. É um descarado. Mantenha-se afastada desse homem.
Ela ficou muito surpresa.
—Muito bem. Mas essas são palavras muito fortes, Thomas. O que tem feito?
Ele titubeou.
—Eu me neguei a financiar sua viagem, e não porque a margem do comércio de açúcar de cana seja muito baixo. Comercializa com escravos, Elysse.
Ela se horrorizou.
—Ofereceu-me visitar seu navio!
—Espero que rechaçasse a oferta.
—Farei-o —disse ela—. E por que nossa marinha lhe permitiu entrar em porto?
—Chegou a Londres com açúcar, querida, e agora suas adegas estão vazias.
Elysse sentiu o estômago revolver-se.
—Obrigado por me dizer a verdade, Thomas. Que homem tão desprezível!
—O tráfico de escravos é desprezível, como a instituição da escravidão. Ao final, todo mundo seguirá o exemplo de Grã-Bretanha e emancipará a seus escravos. Ou, pelo menos, isso espero eu.
Tinham chegado a sua carruagem. Ariella seguia ali sentada, e os olhava com avidez. Blair se desculpou:
—Espero não te haver incomodado.
—Não sou uma flor delicada —disse ela. Entretanto, nunca tinha conhecido a um traficante de escravos, e se sentia verdadeiramente espantada.
—Não —disse ele—. De fato, é a mulher mais forte que conheço. De Warenne é um idiota.
Elysse subiu à carruagem. Aquilo a agradou. Beijou-lhe a mão enluvada e partiu. Ela o observou até que chegou a seu carro, e pensou em Alexi.
Sentia-se abandonada, apanhada. Era a esposa de Alexi, e queria um casamento que pudesse assumir, que lhe permitisse viver com calma. Entretanto, Blair queria que se convertesse em sua amante. Ela não sabia o que fazer, salvo, possivelmente, esperar a que seu marido partisse.
Depois de tudo, ele partiria em junho a China.
Isso significava que tinha que voltar para Londres para procurar seu navio, mais tarde ou mais cedo. Depois voltaria a deixá-la.
Por desgraça, Elysse se sentia como se estivesse esperando sua volta.
Alexi, cruzado de braços, observava a grande fachada de sua residência de Oxford, enquanto sua carruagem se aproximava dela. Tinha passado a maior parte das três semanas anteriores nos estaleiros de Windsong Shipping no Limerick, onde havia dois clípers[2] em construção. Ele tinha estado fiscalizando várias mudanças no desenho dos navios. Também tinha começado a desenhar um iate para sua desfrute pessoal. passou-se dias na mesa de desenho. Também tinha ido caçar e a montar a cavalo com os vizinhos. Inclusive tinha ido à caça da raposa, e se tinha feito um entorse em um ombro devido a uma má queda do cavalo.
Também tinha passado várias noites de farra em Dublín. Lembrava-se, em particular, de uma moça que tinha conhecido em um botequim, e a noite em que tinha perdido trezentas libras em uma partida de pôquer. Normalmente era um jogador soberbo; acaso não tinha ganhado uma plantação de açúcar nas ilhas Goree, no ano anterior?
Não tinha jogado bem pelo mesmo motivo pelo que tinha passado tanto tempo concentrado nos desenhos dos navios. De fato, tampouco tinha montado bem durante a caça a raposa pela mesma razão: estava completamente distraído.
Olhou com tristeza a porta principal de sua mansão. No dia anterior, enquanto preparava a volta a Londres, tinha começado a sentir ansiedade. Partiu de Londres por Elysse, para escapar dela e do intenso desejo que lhe provocava. Entretanto, ela tinha estado presente em sua mente durante as três semanas, fizesse o que fizesse ou estivesse com quem estivesse. Só podia pensar em Elysse Ou’Neill e em sua tendência a incomodá-lo flertando com outros homens.
Entretanto, já não estava só paquerando. Estava apaixonada pelo Thomas Blair.
Encheu-lhe a cabeça de imagens de Elysse. Já não lutou para bloqueá-las. Algumas eram inofensivas, mas outras eram muito perigosas. Viu-a em seu papel de elegante anfitriã, com um vestido azul e um colar de safiras. Viu-a incrivelmente atrativa, com uma camisola e uma bata de seda. Viu-a administrando a casa com dignidade e aprumo. Viu-a defendendo-se de suas insinuações, com as bochechas ruborizadas e os olhos tão ardentes como deviam estar os seus. Em todas aquelas imagens era a mulher mais bela que tivesse visto nunca, e em todas, ele via também a Blair, detrás de sua esposa.
Aquelas três semanas, Alexi tinha estado pensando em que ela tinha usado ao Montgomery para pô-lo ciumento, e em que sua aventura com Blair lhe parecia um déjà vu.
Fazia o possível por não pensar em que ela estava com outro homem. Estariam rindo-se de como o humilhavam e o traíam, depois de ter terminado as relações sexuais? Conspiravam para prejudicá-lo nos negócios também? Convenceria Elysse a Blair para que lhe subisse os interesses do empréstimo? E para que financiasse ao Littleton, da casa do Jardine’s? Por isso ele sabia, era inclusive possível que estivessem planejando fugir juntos! Ela afirmava que os rumores a tinham humilhado durante todo aquele tempo. Naquele mesmo instante, os rumores deviam ser sobre ele, embora não lhe importasse o que diziam. Tinha o recorde de travessia da China! Ninguém poderia lhe arrebatar isso.
É obvio, sabia que estava pensando de uma maneira irracional. Elysse era sua esposa, e embora talvez o traísse com Blair como amante, e se tivesse apaixonada por ele, ela nunca conspiraria contra seus negócios. E nunca escaparia com Blair, tampouco, assim como Blair, que era um dos banqueiros mais importantes da nação, nunca renunciaria a seu poder nem descuidaria suas responsabilidades.
Era cedo, e Alexi se perguntou se Elysse estaria em casa. A carruagem se deteve e alguém segurava a porta aberta. Ele baixou com o cenho franzido. Não queria retornar a sua casa daquela maneira. Elysse lhe havia dito que Londres não era o suficientemente grande para os dois, e naquele momento ele estava de acordo com ela. quanto antes zarpasse, melhor. Ela podia ficar com a casa e com seu amante.
Reginald o saudou com um sorriso. Era evidente que se alegrava de que houvesse voltado.
—Senhor! Espero que suas férias tenham sido agradáveis. Embora não recebemos aviso, estávamos lhes esperando. Ficará esta noite em casa?
Ele olhou para cima pelas escadas, com a esperança inconsciente de que Elysse aparecesse no patamar, incrivelmente bela, mas isso não aconteceu.
—Duvido-o —disse, e olhou ao Reginald—. Onde está a senhora de Warenne?
—Acredito que foi a Londres, senhor, a dar um passeio pelo parque com lady St. Xavier. Depois vai assistir a um jantar.
Ele ficou olhando ao Reginald tão fixamente, que o mordomo se ruborizou.
—É obvio, as damas teriam um acompanhamento adequado.
—Não ouvi dizer nada disso —respondeu Reginald.
—Vamos, Reginald, vêem comigo —disse Alexi. Tinha intenção de interrogar a seu servente, e o guiou para a biblioteca, que se tinha convertido em seu lugar favorito. Enquanto se servia de uísque, perguntou—: Aonde vai esta noite, e com quem?
—Vai ao jantar do senhor Bentley, senhor. Acredito que seu acompanhante é o senhor Avery Forbes. A senhora de Warenne deixou recado de que descansará um momento em casa de sua irmã e mudará de roupa lá, em vez de voltar aqui.
Ele segurou o copo com ambas as mãos.
—Quer dizer que não vai acompanhar Thomas Blair?
Reginald respondeu com cautela.
—O senhor Forbes a acompanhou também ao teatro a princípios desta semana, senhor.
Alexi tentou recordar quem era aquele Forbes.
—Não o conheço. Quem é? —perguntou. Ao ver que Reginald titubeava, lhe ordenou que—: Diga-me isso.
—É um cavalheiro mais velho, senhor, e muito amável, além disso.
—Maior? Que demônios significa «mais velho»? —inquiriu ele, e ao ver que Reginald ficava assombrado, perguntou—: Quantos anos tem?
—Não sei com exatidão, senhor, mas acredito que deve ter uns setenta anos, ao menos.
Alexi se engasgou com o sorvo de uísque. Imediatamente entendeu tudo. Elysse estava usando aquele velho para ocultar sua aventura com Blair.
—Esteve Thomas Blair nesta casa? —perguntou enquanto deixava a taça na mesa.
Reginald ficou mudo.
—Reginald!
—Não, capitão, não esteve —respondeu o mordomo, e avermelhou.
—OH, OH. Agora te põe de seu lado? Essa não é uma postura inteligente.
O mordomo empalideceu.
—Não esteve na casa, mas lhe envia flores com freqüência.
—É obvio.
Alexi percebeu que estava certo. O velho era só parte da farsa. Apurou o copo de uísque e se serviu outro, presa da ira. Mas não estava ciumento. Para estar ciumento teria que sentir algo por ela, e não lhe importava um cominho sua esposa amoral.
—Que flores lhe enviou?
—Enviou-lhe rosas, senhor.
—E que tipo de rosas?
—Acredito que a primeira vez foram rosas brancas, a segunda vez foram amarelas, e após foram vermelhas.
—Após. E quantas vezes lhe enviou rosas meu banqueiro a minha querida esposa?
—Hoje seria a quinta vez —disse Reginald com angústia.
—Onde estão? —rugiu Alexi.
—No quarto da senhora.
Ele deixou o copo na mesa e saiu da biblioteca. Sentia-se quase satisfeito, como se a tivesse surpreso na cama com outro homem. E acaso não o tinha feito? Subiu os degraus de dois em dois e entrou no quarto de Elysse. As rosas vermelhas e perfeitas estavam ali, na mesa que havia junto à janela.
Devia haver umas cinco dúzias de rosas vermelhas em um enorme vaso.
E havia um sobre pacote aos caules.
Alexi se aproximou do ramo, tão enfurecido que não podia ver, e muito menos pensar com clareza. Abriu o envelope e tirou a nota.
Minha querida Elysse:
Não sei como te explicar o prazer que hei sentido hoje ao ver-te. Estou muito contente com o acordo ao que chegamos. Sinto-me impaciente por ver-te de novo. Com grande afeto e respeito,
Thomas.
Alexi sentiu tremer sua mão. Não sabia se alguma vez ficou tão furioso como naquele momento. Que acordo tinham? Quando iriam ver-se de novo? Naquela mesma noite? Claramente, tinham passado a tarde nos braços do outro.
Passou-lhe pela cabeça uma imagem de Elysse, entrelaçada apaixonadamente com Blair, e não pôde suportar. Esteve se enganando durante aquelas três semanas, pensando que não importava nada do que fizesse ela, ou com quem o fizesse?
Pensou em William Montgomery. Acaso Elysse estava tentando provocá-lo de novo? Mas ele acreditava que ela tinha aprendido a lição da morte trágica de Montgomery. Não estava usando a Blair. Queria-o. Ele era seu amigo e seu amante. Demônios, era seu protetor. Ela mesma o tinha admitido. Alexi teve vontades de ir em busca de Blair e de golpeá-lo, mas nunca atuaria presa da raiva. Também tinha aprendido essa lição muito tempo atrás.
Pelo contrário, teria que aceitar aquela aventura inaceitável.
Olhou a uma cômoda, onde havia outro vaso com rosas vermelhas, não tão frescas como as anteriores. Procurou uma nota, mas não a encontrou.
Alexi se aproximou da cômoda e revolveu entre os livros que havia ali empilhados, e encontrou a nota entre as páginas de um deles.
Olhou para a mesa de noite, mas ali só havia um abajur, uma jarra de água e um copo. Então se aproximou de um pequeno escritório. A parte superior estava vazia, salvo por uma pluma e algumas folhas de papel de cartas. Abriu a gaveta central, e viu uma pilha de envelopes atados com um laço rosa.
Ficou sem respiração ao reconhecer a letra de Blair nos envelopes. Então se sentou e tirou os sobre da gaveta. Havia quatro. Alexi leu as notas cuidadosamente.
Quando terminou, chegou a uma conclusão: Thomas Blair estava profundamente apaixonado por sua mulher.
Quem dera pudesse saber o que tinha respondido Elysse a aquelas notas. Entretanto, tinha importância? Já sabia que ela também o amava.
O ciúmes o consumiam.
Elysse era sua esposa. Pertencia a ele.
Com um gritou de raiva, derrubou a mesa e atirou tudo no chão.

Capítulo 14
Elysse chegou a casa sozinha, às doze e meia da noite. Seu acompanhante, Avery Forbes, era muito velho para passar duas horas de mais levando-a até a residência de Oxford e tendo que voltar depois para o bairro de Mayfair, em Londres, onde vivia. Ela tinha tomado o costume de deixá-lo em sua casa de Londres justo depois do evento ao que tivessem acudido. Forbes levava viúvo mais de duas décadas, e estava entusiasmado de poder sair com ela uma ou duas vezes à semana, e tinha demonstrado que era um cavalheiro delicioso, atento, engenhoso e respeitoso. Ela não podia pedir mais.
Quando desceu de sua carruagem, segurou a capa vermelha de veludo ao redor dos ombros. Pensava em Blair. O banqueiro estava na casa dos Bentley com Debora Weir. Tinham conseguido encontrar um momento para sair para o jardim e conversar sob as estrelas. Tinha sido algo inocente e muito agradável.
Suspirou. Doíam-lhe os pés de levar seus novos sapatos de salto. Se o permitisse, pensaria em quão maravilhoso teria sido ter a Blair de acompanhante aquela noite, e se permitia que sua mente divagasse, começaria a pensar em Alexi. Não queria ir tão longe. Aquela tarde, Ariella lhe tinha dado um bom puxão de orelhas por permitir que Blair seguisse lhe dedicando seus cuidados. Ariella acreditava que Alexi ia incomodar-se. Elysse sabia que não.
Ao chegar à porta principal a encontrou aberta, e viu Reginald ali, com uma expressão preocupada. Elysse entrou, desconcertada. Antes que pudesse perguntar o que ocorria, viu uma sombra alta e escura no final do vestíbulo.
Alexi estava em casa.
Reginald tomou sua capa enquanto Lorraine aparecia apressadamente na entrada. Elysse olhou para Alexi, e ele a olhou a ela, com um sorriso ligeiro e perigoso nos lábios.
Sua presença poderosa enchia o vestíbulo. Tinha o cabelo revolto e lhe caíam mechas pela frente. Ia sem jaqueta e sem colete, tinha o pescoço aberto da camisa e ia arregaçado. Suas mãos fortes, moréias, penduravam relajadamente a ambos os lados do corpo. Entretanto, parecia que ia dar um passo para diante em qualquer momento.
Elysse sentiu uma grande tensão.
—Necessitam algo, senhora? —perguntou Reginald.
Ela não podia afastar os olhos de Alexi.
—Não, obrigado —disse com um fio de voz. Depois olhou a sua donzela e acrescentou—Gostaria que me ajudasse com o vestido antes de me deitar, Lorraine.
Antes que Lorraine pudesse responder, Alexi disse:
—Não vai necessitar de nenhuma ajuda.
Elysse ficou petrificada. A tensão que havia entre eles era tão forte que reverberava pela estadia, e ela mal podia respirar. A donzela sussurrou uma afirmação e partiu, com as bochechas muito vermelhas.
Não era possível que ele tivesse querido dizer o que tinha insinuado. Elysse acreditava que tinha deixado as coisas bem claras antes que ele partisse.
—Não necessitamos nada, Reginald. Boa noite —disse Alexi.
De repente, fazia muito calor no vestíbulo.
—Olá, Alexi. Não te esperava —disse ela.
—E por que não? Todos os outros sim —replicou ele, e passou o olhar por seu sutiã ajustado. Depois a olhou no rosto—. Está vestida de vermelho.
Ela ficou imóvel. As coisas não mudaram em nada. Aquela atração fatal permanecia viva.
Alexi sorriu lentamente.
—Gostaria de tomar uma taça, querida?
Ela estava quase hipnotizada. Tomar uma taça com ele não era uma boa ideia, verdade? Sem mover-se, perguntou-lhe:
—Como segue a Irlanda?
—Fria. Úmida. Aborrecida.
Então, tinha terminado com Goodman. Elysse se sentiu aliviada, mas aquilo nem sequer deveria lhe importar.
—Que tal o jantar dos Bentley?
—Bem —disse ela. Fez-lçhe um gesto com o dedo, para que se aproximasse. Ela tomou ar—. Acredito que não deveríamos tomar uma taça, Alexi. As coisas não mudaram, e é tarde.
—Mas é que está muito bela de vermelho.
Seu tom suave e sedutor resultava estranho. Ele não se moveu desde que ela tinha entrado em casa. E pior ainda, seu olhar era tão depredador como o de um falcão. Elysse tragou saliva e decidiu ser cortês.
—Obrigado, mas é tarde. Não estará tentando me seduzir, verdade?
Aquele sorriso lento e perigoso reapareceu.
—Quando estiver tentando te seduzir, saberá.
—Vamos seguir com o acordo que negociamos previamente? —perguntou-lhe Elysse com incerteza. Estava controlando tanto seu comportamento, que ela não o entendia!
—Refere-se ao acordo que não conseguimos negociar? Esse pelo qual eu me comporto como um marido ideal e você se comporta como uma esposa amoral?
Elysse percebeu uma nota glacial em seu tom de voz. Algo ia muito mal.
—Bebeste?
—Em realidade, comecei a beber às três da tarde.
Ela se alarmou.
—Aqui? Sozinho?
Ele começou a caminhar para ela, com indolência.
—Aqui, sozinho. Elysse? Não tenho interesse em fingir que sou um bom marido —disse. deteve-se ante Elysse, e ela ficou rígida, sem poder afastar os olhos dele—. Pode ser que concordasse com essa representação antes, mas agora não.
Ela teve o pressentimento de que devia sair correndo para seu quarto e encerrar-se com chave.
—E o que é o que mudou, Alexi?
Ele voltou a passar o olhar por seu sutiã.
—Quero dizer que você pode seguir fazendo o que quiser, e que não me importa. Mas não pense que vou fingir que sou fiel enquanto você passa as tardes sendo fiel a Blair.
Ela soltou um ofego.
—Do que está falando?
—Negue —disse ele com aspereza, inclinando-se para ela—. Negue que passou esta tarde nos braços de Blair, em seu leito, dando-lhe de presente toda sua paixão.
—Mas o que diz? —gritou ela com horror—. Vi Blair no parque. Não estivemos mais de cinco minutos juntos, e em público!
—Vi as malditas flores! —gritou ele—. Tenho lido as malditas cartas de amor!
Ela se encolheu.
—Não tinha nenhum direito!
—Tenho todo o direito! —rugiu ele—. Me pertence. Mas está em sua cama. Ele tem esse corpo perfeito, e o que tenho eu? Ah, sim, uma retirada estratégica a um lugar frio e úmido!
Elysse começou a retroceder. Ele a agarrou e atirou dela para diante.
—Pare. Está-me fazendo mal.
—Não me importa! —gritou ele, e a sacudiu—. Foi possuída uma dúzia de homens. Eu sou seu marido, e me nega seu leito!
—Solte-me —gemeu ela. Estava assustada. Tentou escapar.
Entretanto, ele não o permitiu.
—Acredito que deveria escapar com ele. Juro que não vou seguí-los! Pode partir com ele. Não me importa.
Elysse sentiu os olhos encherem de lágrimas. Nunca o tinha visto tão furioso. Tentou falar em um tom de voz controlado.
—Está bêbado e zangado. Eu não vou escapar com ninguém. Estamos casados. Blair e eu somos amigos, Alexi, só amigos!
Ele sorriu dela.
Elysse conseguiu escapar e pôs-se a correr para as escadas. Ele não só estava zangado. Estava sendo mau. Ela teve a horrível ideia de que ele pensava em machucá-la. Olhou para trás, e viu que ele a estava observando com ferocidade, como se soubesse que ela não podia correr o suficiente para fugir.
Sentiu pânico. Levantou a saia e subiu rapidamente os degraus, e tropeçou.
Ela gritou enquanto caía, e ele a agarrou pelas costas e a aprisionou em seus braços.
—Diga-me a verdade — sussurrou, com a boca contra seu rosto—. Gostou de me deixar com ciúmes. Durante todo o tempo soube quem era Blair, e por isso o escolheu para deitar-se!
Ela tentou negá-lo entre lágrimas.
—Alexi, não.
—Odeio-a, Elysse. Se ele pode tê-la, eu também —disse com aspereza, mas a soltou.
Ela não se deteve. Voltou a recolher a saia do vestido e subiu as escadas correndo, presa do pânico. Passou-lhe pela mente que Alexi não lhe faria mal, mas nunca o tinha visto assim.
Correu pelo corredor, tentando escutar se ele a seguia, mas sua respiração e seus ofegos eram muito fortes. Entrou em seu quarto e a fechou com chave, e se desabou contra a porta entre soluços. Teria tentado forçá-la Alexi?
Ela nunca o tinha visto tão sombrio, tão perigoso, tão furioso.
E então, ouviu que a porta que comunicava seu quarto com o salão da suíte principal se abria. Tinha esquecido fechá-la com chave!
Elysse voltou-se.
Alexi estava caminhando para ela a grandes pernadas, com um semblante cheio de cólera, com os olhos brilhando de luxúria.
Ela deu a volta e tentou girar a chave da porta para sair novamente ao corredor, mas lhe tremiam tanto as mãos que não pôde. Ele a agarrou pelas costas.
—Basta! —gritou ela.
Alexi a levantou pelo ar, atravessou o quarto e a jogou na cama.
—Está apaixonado por voc~e. Tenho lido as malditas cartas. E você o quer. Maldita seja! Maldita seja, Elysse! —rugiu dos pés da cama—. Se supõe que deve amar a mim!
Ela se retorceu e tentou descer da cama. Ele a agarrou por um tornozelo e atirou dela para impedir-lhe E então deitou sobre seu corpo e a aprisionou com as mãos sobre os ombros, com as coxas sobre as pernas.
Ela o agarrou pelos ombros e o olhou nos olhos, e pela primeira vez em sua vida, teve medo verdadeiro dele.
—Alexi, está-me aterrorizando —sussurrou.
Ele tinha a respiração entrecortada, profunda, mas ficou olhando sem mover-se. Elysse ouviu sua própria respiração, e os ofegos furiosos de Alexi. Ouviu o tictac do relógio do suporte da chaminé. Não se atrevia a mover-se para não provocá-lo. Entretanto, enquanto estava ali baixo ele, seus olhares ficaram presos um ao outro, e ela viu uma luz em seus olhos. Viu que recuperava a lucidez. Tomou ar. Nunca lhe faria mal. Tinha prometido que a protegeria sempre.
—Ele a possuiu… Eu não —murmurou ele.
—Não, ele não —insistiu ela. Seu coração ainda pulsava como se fosse escapar do peito—. Está me assustando muito, Alexi.
Ele inalou uma baforada de ar e estremeceu. Finalmente, dirigiu os olhos para sua boca. Já não ardiam de ira, mas sim de desejo.
—Como pode ter medo… de mim? —perguntou ele—. Eu nunca te faria mal, Elysse.
Relaxou um pouco a tensão. Ela o olhou com insegurança.
De repente, ele olhou a parte superior de seus seios. E quando seus cílios espessos desceram, Elysse notou uma mudança instantânea nele. A ira desapareceu. Só ficou o desejo.
Ele baixou o rosto até seus seios e moveu a boca por seu contorno.
—Não tenha medo — murmurou.
Elysse ofegou quando ele passou os lábios sobre sua pele. Já não tinha medo. Sabia que nunca lhe faria mal. As lágrimas lhe empanaram a visão.
—Não tenha medo de mim. De mim, nunca —disse ele—. Sempre te protegerei. É que não recorda a promessa que fiz? Elysse… Não chore.
Mas para Elysse eram lágrimas de alívio. O menino que tinha sido seu melhor amigo, e a quem tinha amado em segredo, havia voltado para ela. Ele sorriu um pouco e baixou o rosto, sem deixar de olhá-la. Quando ela não pôde sustentar mais seu olhar, fechou os olhos.
Alexi acariciou seus lábios com a boca, de uma maneira tímida, vacilante. Elysse se aferrou a seus ombros, também vacilante, mas sabendo aonde se dirigiam. Naquele momento, qualquer ideia de negar-se a ele desapareceu de sua mente. Elysse levava toda a vida esperando aquele momento. Enquanto a calidez invadia seu corpo, o coração lhe expandiu no peito. Tinha sentido falta dele. Estava esperando que voltasse para casa. Ainda o amava. Nunca deixaria de querê-lo. Alexi de Warenne era seu destino.
Suas bocas dançaram juntas, e se detiveram. Elysse se agarrou, com força, a seus ombros; todo seu corpo ficou tenso de impaciência, de necessidade. Tinham chegado a um ponto terrível, e estavam a um passo de cair pelo precipício. Ele também sabia, porque se ergueu e a olhou. Ela percebeu a intensidade e a gravidade de sua expressão, e assentiu lentamente.
E de repente, ele se despojou da camisa, e ela posou as mãos em seus ombros nus.Estendeu-se sobre ela. Contra sua boca, gemeu.
—Elysse.
O desejo estalou. Com ele chegou o amor. Acariciou-lhe as costas e lhe devolveu os beijos com ferocidade.
—Alexi!
Estendeu-se por completo sobre ela, e ela notou sua ereção, que pulsava contra seu quadril. Afundou as mãos em seu cabelo e seguiu beijando-a. Suas línguas se abraçaram.
Elysse não estava segura do que aconteceu depois. Ele a beijou enquanto tirava o vestido, e os libertava de todos os objetos. Cobriu seu rosto de beijos, a boca, o pescoço e os seios. Quando imobilizou seus quadris com as mãos e afundou o rosto entre suas pernas, e a explorou com a língua, ela soluçou em voz alta, incontrolavelmente, e se abandonou imediatamente a um êxtase incontrolável.
Ele se estendeu sobre ela. A Elysse passou pela mente, com incoerência, que deveria lhe dizer que era virgem, mas ele a acariciou com os olhos ardentes, e ela não pôde seguir pensando, e muito menos falar. Um momento depois ele estava dentro dela, e ela ofegou da surpresa.
Não sabia que estar com ele daquele modo seria tão perfeito, tão assombroso, tão intenso.
Seus olhares chocaram. Alexi estava tão assombrado como ela.
Elysse só podia pensar no muito que o queria, e em quão maravilhoso era que por fim se converteram em um.
Ele sorriu lentamente, com satisfação, com triunfo.
—Elysse.
—Quero você—sussurrou ela, abraçando seus ombros largos, rodeando-o com as pernas.
Ele começou a mover-se lentamente, com segurança, com um sorriso.
—Sei —disse.
Ela não pôde responder, porque o prazer era muito grande. Em vez disso, explorou.
Quando começou a despertar, Alexi percebeu que tinha a boca seca como o algodão, de que lhe doíam as têmporas, de que tinha ardor de estômago, e soube que tinha bebido muito. Com um suspiro abriu os olhos, e os entrecerrou para proteger-se da luz da manhã, que entrava em seu quarto pelas frestas da janela.
Salvo que não estava em seu quarto.
Abriu uns olhos como pratos ao ver as paredes de cor azul e os adornos dourados. Voltou-se e viu Elysse, que estava profundamente dormida a seu lado, na cama.
Ao princípio só sentiu incredulidade.
Estava estendida de flanco, frente a ele, com o cabelo comprido pelos ombros nus e uma expressão suave e cheia de paz. Parecia que estava nua sob os lençóis, e era tão bela como um anjo.
Alexi sentiu passar imagens imprecisas pela mente. Viu-a retorcendo-se embaixo dele, viu-a correndo pelas escadas e tropeçando.
Ergueu-se com espanto. O que tinha ocorrido? O que tinha feito?
Sentiu-se sufocada ao lembrar que a tinha levado grosseiramente até jogá-la sobre a cama.
O que tinha feito?
Alexi se levantou de um salto da cama e, ao fazê-lo, notou que havia manchas de sangue nos lençóis. Ficou petrificado. Tinha-a forçado? Tinha machucado Elysse? Tentou recordar o que tinha passado aquela noite. Lembrou-se que ela soluçava de prazer enquanto ele se movia em seu interior; recordou que tinha sussurrado seu nome entre gemidos. Mas havia mais.
«Alexi. Está me assustando».
E começou a lembrar de tudo. Tinha chegado em casa. Tinha visto as rosas e tinha lido as cartas de amor de Blair. Tinha começado a beber com fúria, com temeridade. E ela havia retornado de noite, vestida de vermelho.
Deu a volta quase cegamente, encontrou suas calças e as colocou. Depois a olhou. Cada vez sentia mais horror.
Suas lembranças eram ainda imprecisas, mas foi analisando-as conforme chegavam. Tinha puxado Elysse pelas escadas… ela tentava fugir dele! E ele a tinha jogado sobre a cama, brutalmente, quase a ponto de forçá-la. Ela tinha medo.
—Elysse —disse com a voz rouca.
Ela não se moveu.
Alexi encontrou a camisa e a pôs. Caminhou até seu lado da cama e a olhou. Alexi rogou ao céu que suas lembranças da noite anterior fossem mentira. Talvez estivesse furioso com ela mas não queria machucá-la.
—Elysse —disse de novo. Tinha medo de tocá-la, mas por fim a agarrou pelo ombro—. Acorde.
Teve mais lembranças, lembranças grosseiramente apaixonadas.
Ela suspirou e deitou de barriga para cima, e ele viu seus seios nus. Era inclusive mais bela nua, e Alexi sentiu ódio para si mesmo por desejá-la outra vez.
Cobriu-a com os lençóis. Enquanto o fazia, ela abriu lentamente os olhos.
Ficou muito surpresa.
Ele pôs-se a tremer.
—Parece que passamos a noite juntos.
Elysse se ergueu e agarrou os lençóis sob seu queixo, com os olhos cravados nos dele. Passaram uns instantes até que falou.
—Sim… bom dia.
—Importaria-se de se vestir? Eu gostaria de falar contigo.
Elysse assentiu com os olhos muito abertos.
—Estarei no aposento ao lado —disse Alexi cuidadosamente—. Não tenha pressa.
Evitou olhá-la outra vez. E enquanto saía, só podia pensar em uma coisa.
Se lhe tinha feito mal, nunca o perdoaria.
Elysse fechou os olhos com força, ainda na cama, ao recordar a noite anterior. Sobretudo, ao recordar Alexi lhe fazendo amor com uma paixão frenética, tanto quanto a sua. Pensou em seu sorriso enquanto a abraçava com força. Ela adormeceu ali…
Puxou os lençóis sobre o peito, cheia de esperança. A noite anterior tinha sido maravilhosa… Alexi era maravilhoso… Estava tão apaixonada!
E acaso não lhe tinha feito o amor como se também a quisesse, fervente e apaixonadamente? Ela não queria pensar em sua história com outras mulheres, mas não podia imaginar o acariciando a outra pessoa como a tinha acariciado a ela. Nem sequer sabia que fora possível experimentar tanta paixão. Embora a noite anterior tivesse sido tão nova, ele era o Alexi de antes. Quando lhe sorria, seus olhos estavam cheios de calor, afeto e amor.
Aquilo era um novo começo para os dois.
Pôs-se a tremer. Sentiu uma alegria difícil de conter quando alguém bateu na porta. Lorraine perguntou se podia entrar.
—É obvio —disse Elysse, acurrucándose entre os lençóis.
Sentia esgotamento no corpo, mas também algo delicioso. Tinha entendido o significado da palavra «satisfeita». Se ruborizou ao pensar no freqüentes que tinham sido seu clímax.
Alexi e ela eram o um para o outro, pensou com um sorriso.
Enquanto Lorraine entrava, Elysse ficou pensativa.
Era normal que Alexi queria falar com ela depois do que tinha ocorrido. Não podia arrepender-se, isso seria impossível. Mas sua relação tinha dado um grande giro. Não se podia ignorar uma reconciliação como aquela depois de seis anos de separação. Era lógico que ele queria falar de seu casamento quando tinha deixado de ser uma união de conveniência.
Sorriu e moveu os dedos dos pés. Era escandaloso, mas sentia uma dor no corpo que começava a lhe resultar familiar, e desejou que ele estivesse ainda com ela, na cama.
«Sou uma fresca desavergonhada», pensou. Então se ruborizou. Havia-lhe dito que o queria, várias vezes, em momentos que não eram apropriados para a conversa.
Alexi não lhe tinha declarado seu amor, entretanto. Embora ela não o esperava. Tinha-lhe declarado seu amor sem poder conter-se, mas tinha a esperança de que ele sentisse o mesmo. Como não ia sentá-lo?
Mordeu-se o lábio enquanto Lorraine se aproximava com uma bata. Quando Alexi lhe declarasse seu amor, ela ia sentir-se tão feliz que certamente flutuaria até a lua. Estava segura de que o faria em sua seguinte conversa, mas estava impaciente por que o fizesse já. Embora, não era só uma questão de tempo? Não se tinham querido desde que eram crianças?
Elysse se levantou da cama, e Lorraine fingiu que não era estranho que sua senhora dormisse nua com o cabelo solto. Quando deslizou os braços nas mangas da bata, viu as manchas de sangue dos lençóis. Alexi se teria dado conta da verdade, e ela se alegrou muito de que soubesse que lhe tinha sido fiel. Havia algo que ele não podia suportar, e era perder ante seus rivais. Mas Alexi era um homem experiente, e devia haver-se precavido de que aquela noite tinha sido a primeira vez para ela.
Pensou então em Blair. Ele ia sofrer quando se inteirasse de sua reconciliação, e lhe tinha muito afeto e queria que fora feliz. Talvez, inclusive, buscasse-lhe uma mulher maravilhosa, assombrosa.
Titubeou. Alexi se tinha zangado tanto ao descobrir as cartas…
—Parece muito feliz esta manhã, senhora —sussurrou Lorraine com um sorriso.
Sem poder conter-se, Elysse sorriu também. Blair já não importava. Não para Alexi e ela.
—Meu marido é magnífico.
Lorraine se pôs a rir.
—Isso é o que ouvimos todas, senhora.
Elysse se sobressaltou, e algo de seu prazer se desvaneceu.
—Isso era no passado, Lorraine. O capitão e eu nos reconciliamos —disse com firmeza.
Meia hora mais tarde, Elysse entrou no salão que compartilhava com Alexi, vestida com um traje de raias rosas e nata. Era seu vestido favorito e sabia que Alexi ia gostar. Estava impaciente por vê-lo de novo, e tinha estado beliscando-se, enquanto se vestia, para assegurar-se de que não tinha sonhado tudo o que tinha ocorrido aquela noite. Entretanto, queria impressioná-lo com sua dignidade e sua compostura, e não tinha intenção de atuar como uma menina tola.
Alexi estava junto a uma das janelas do salão, de costas a ela, pensativo. Ela supôs que estaria pensando na noite que tinham passado juntos. Deteve-se na soleira, embora queria aproximar-se e lhe dizer que estava loucamente apaixonada por ele. Entretanto, limitou-se a sorrir. De repente sentia muito acanhamento.
—Bom dia —disse.
Ele se voltou. Não sorriu; olhou-a de pés a cabeça. Se gostou do traje, não disse nada. Sua expressão era pétrea, impossível de decifrar.
—Bom dia —respondeu.
Passou diante dela e fechou a porta.
Por que não sorria? Ela queria lhe dizer que aquela noite tinha sido maravilhosa, mas ele estava quase triste.
—Alexi? Ocorre algo?
Ele tinha que estar tão entusiasmado como ela com o giro que tinha dado a situação, mas para Elysse seu semblante causava preocupação e incerteza.
Ele ficou ante ela e a escrutinou.
—Como pode perguntar-me isso. Ontem à noite te aterrorizei.
Estava pensando em como tinha começado a noite, quando ela não havia voltado a pensar em sua fúria pelas notas de amor de Blair.
—Foi um mal-entendido, mas resolveu.
—Seriamente? —perguntou ele, e cruzou os braços—. Está ferida?
A confusão de Elysse aumentou.
—Estou bem.
Seu rosto se endureceu.
—Fiz-te mal?
Elysse se sobressaltou e se perguntou se ele estava muito bêbado na noite anterior para recordar o que tinha ocorrido.
—Não, não me fez mal. Alexi, brigamos, mas depois fizemos amor —disse ela, e sorriu com insegurança.
—Lembro perfeitamente. Nenhuma mulher merece ser tratada assim.
Elysse não ouviu suas palavras.
—Alexi, foi um mal-entendido.
—Tentou fugir de medo. Atirei-a sobre a cama —disse ele—. Te fiz mal?
Ela vacilou, e depois repetiu:
—Fizemos amor.
Sua expressão era tão dura que parecia esculpida em pedra.
—Havia sangue.
Não sabia! Ela ficou olhando-o e perguntando-se como era possível que Alexi não percebeu que era virgem. Começou a tremer.
—Sim.
—Por que, Elysse? Ou é melhor que não pergunte? —disse Alexi, e sorriu sem alegria—. Te persegui pelas escadas. Atirei-a sobre a cama. Você não deixava de dizer que não. Forcei-a.
Elysse deixou escapar um ofego.
—Não! Começou de uma forma horrível, mas depois fizemos amor!
—Está sendo muito generosa esta manhã. Não mereço isso.
—Não me forçou —insistiu ela—. Ao final eu te aceitei em meu leito, Alexi, e foi maravilhoso. É um novo começo para nós.
—Seriamente? —perguntou ele com gravidade—. Nos rendemos à atração que havemos sentido o um pelo outro durante toda nossa vida, Elysse. Isso não muda o passado. Não muda os motivos pelos quais nos casamos, nem o porquê a abandonei, nem o fato de que você tenha cartas de amor de outro homem em sua gaveta —disse com o cenho franzido—. Não muda o fato de que você está apaixonada por outro, não é assim?
Elysse gemeu. Suas relações não significavam para ele o mesmo que para ela! As coisas não tinham mudado, exceto que já não era uma virgem de vinte e seis anos.
—Eu não quero nenhum outro —gemeu ela.
Foi como se ele não a tivesse ouvido.
—Está sendo muito magnânima. Não entendo por que. Humilhei-a durante seis anos, e ontem à noite machuquei-a, seduzi e usei —disse ele com calma. Entretanto, estava muito ruborizado.
Elisse deu-lhe deu as costas, negando-se a chorar. Isso era o que pensava Alexi?
Não a queria.
—Não podemos seguir assim.
Ela ficou muito rígida. voltou-se para ele novamente, com temor, e seus olhares se cruzaram.
—Você não é feliz. Eu tampouco.
Aquelas palavras a atravessaram como uma adaga. Ela tentou tocá-lo.
—Podemos tentar nos reconciliar.
Ele a olhou com incredulidade.
—Acredito que já temos feito o intento. É evidente que somos incapazes de viver juntos como marido e mulher.
A devastação se apoderou dela. Elysse teve que agarrar-se ao respaldo de uma cadeira para manter o equilíbrio, e ficou sem palavras.
—Parto a Cantão em junho —disse Alexi—. Tinha intenção de zarpar em meados de mês, mas o farei a princípios. Só faltam duas semanas. Até então, devemos manter uma trégua.
—Uma trégua? —repetiu ela. Ele queria uma trégua? A noite anterior lhe tinha feito o amor com mais paixão da que ela tivesse acreditado possível! E naquele momento, dizia que não podiam viver juntos e que tinham que chegar a uma trégua.
—Eu representarei o papel de marido perfeito, se ainda quer que o faça —disse Alexi, e passou diante dela para a porta.Notou que se Elysse estava horrorizada, não o demonstrou—. E não tenha medo. Controlarei-me. Não voltarei a transpassar sua porta.
Sua devastação foi completa.

 


Capítulo 15
Elysse voltou para seu quarto em estado de choque, e fechou a porta. Ficou ali, imóvel, olhando cegamente a seu redor.
O que podia fazer agora?
A dor a invadiu e a asfixiou. A noite anterior não tinha significado nada para Alexi. Não tinha mudado nada. Ele a culpava pelo passado, pensava que era a sedutora maior de todo Londres e não a queria. E entretanto, tinha mudado tudo, porque ela o queria. Sentiu que nunca tinha deixado de querer.
Tinha sobrevivido a muitas coisas, à morte de William Montgomery e ao abandono de Alexi, e a seis anos de falatórios. Como poderia sobreviver a sua indiferença?
Ele queria uma trégua.
Não um casamento de verdade, cheio de amor e de paixão, a não ser uma trégua.
Mas ela queria que Alexi fora seu amante, seu marido e seu amigo. Queria uma vida cheia de paixão e de amor, não uma maldita trégua.
Ouviu os passos de Alexi junto à porta de seu quarto. Enxugou as lágrimas do rosto e abriu. Alexi já estava a meio caminho do corredor. Ia formalmente vestido, como se partisse à cidade.
—Aonde vai? —perguntou-lhe ela com tensão.
Ele vacilou, deteve-se e se deu a volta. Seu rosto era inexpressivo.
—Vou sair, Elysse. Tenho que atender muitos assuntos para preparar a viagem a China. Estarei no Windsong Shipping até de noite.
Estava lhe dando uma desculpa para não voltar para casa?
—Jantarei fora —disse ele—. Se for ficar em casa esta noite, não precisa me esperar.
Ela nem sequer sabia o que tinha na agenda para aquela noite. Ficou olhando-o enquanto se perguntava se seu semblante transmitia toda sua angústia.
—Que desfrute de do dia —disse ele cortesmente, e se dirigiu para as escadas.
Ela voltou para seu quarto e fechou a porta. Então se deixou cair na cadeira mais próxima, tentando conter as lágrimas e tremendo. Depois de ter tido a seu amor ao alcance da mão, a dor que sentia era insuportável. Estava segura de que já não podia fingir que era sua amante esposa, quando isso era exatamente o que queria ser. Deus Santo. Não sabia o que fazer.
—Têm visita, senhora de Warenne.
Tinham passado vários dias desde que Alexi fez o amor com ela e depois o tinha desprezado como se não tivesse importância. Sua dor estava perigosamente perto da superfície. Ficou em seu quarto durante o primeiro dia, porque não se sentia capaz de sair. Depois voltou a colocar sua máscara e tinha ido a almoços, a jantares e a um evento benéfico. Tinha-lhe resultado muito difícil conversar com amigos e conhecidos, sorrir quando era necessário e dar as respostas adequadas. Várias damas lhe tinham perguntado se estava doente. Ela tinha mentido alegremente. Não passava nada. Tinha um pouco de resfriado.
Tinha visto Alexi várias vezes, mas só de passada pela casa. Não falavam, mas ele sempre a saudava com um assentimento. Era educado, mas sua expressão seguia vazia.
Ela não tinha nenhum interesse em ir aos almoços, nem a tomar o chá, nem aos jantares nem aos bailes benéficos. Tampouco queria receber visitas. Naquele momento elevou a vista desde seu pequeno escritório do salão com vistas ao jardim. Estava lendo uma carta de seu irmão Jack, que seguia nos bosques da América, procurando aventuras, e talvez fortuna.
—Hoje não recebo, Reginald.
—Trata-se de lady St. Xavier —disse o mordomo.
Se via a Ariella, a presa que tinha construído ao redor de seu coração se derrubaria com toda segurança.
—Poderia lhe dizer que não me encontro bem?
Elysse gostava de Ariella como se fosse sua própria irmã, mas naquele momento não queria conversar. Apenas em vê-la, Ariella se daria conta de tudo e exigiria que contasse o que tinha acontecido.
Elysse temia que, depois de todo aquele tempo, não ia poder conter-se e ia contar toda a verdade.
Reginald partiu, e Elysse olhou a carta de Jack, tentando conter s pena. E então, ouviu os passos de uma mulher pelo corredor. Ficou tensa e elevou o olhar.
Ariella abriu muito os olhos ao vê-la.
—O que aconteceu? —perguntou, caminhando para ela com preocupação—. O que tem feito meu irmão?
Elysse se disse que não devia chorar, e que não devia fazer aquela confidência a Ariella. Sorriu, mas só lhe saiu uma careta. Ariella a obrigou a ficar em pé para lhe dar um abraço—. Parece que morreu alguém!
Em seus braços, Elysse começou a chorar.
—Querida, o que passou? —perguntou Ariella.
Elysse as arrumou para retroceder um passo e sussurrou:
—Terminou de verdade, Ariella. Perdi ao amor de minha vida.
Ariella abriu uns olhos como pratos e lhe posou a mão na bochecha.
—Aqui estou, Elysse. Sempre estarei a seu lado. Vamos sentar-nos.
Ariella a guiou para um sofá e Elysse se sentou e aceitou o lenço que lhe estendia sua amiga. Secou as lágrimas. Era tão difícil pensar com clareza… Sentia muito dor.
—O que ocorreu? —perguntou-lhe novamente Ariella, tomando-a pelas mãos.
—Fizemos o amor —disse Elysse—. O quero. Sempre o quis. Mas para ele, as coisas não mudaram absolutamente. Não me quer, e nunca vai querer-me. Quer uma trégua, Ariella, uma trégua! Até que se vá a China.
Ariella a abraçou.
—Sei que o quer. O quis desde que eram crianças—afirmou, e a soltou—. O que acontece com Alexi? Ele também a queria. Era evidente. Tem que me dizer seriamente o que é o que os separou tão horrivelmente.
Naquele momento, Elysse não pôde recordar por que não tinha contado a Ariella a verdade trágica.
—Lembra-se do amigo de Alexi, William Montgomery?
Ariella assentiu.
—O americano. Veio nos visitar em Windhaven há anos, e partiu repentinamente, se bem me lembro.
—Não partiu da Irlanda depois do baile de Windhaven, Ariella. Morreu aquela noite.
Ariella gritou e empalideceu.
De repente, o passado estava muito perto, e os traços de William Montgomery eram muito nítidos.
—Eu o enganei para deixar Alexi com ciúmes, embora não me desse conta. Alexi não deixava de me advertir que deixasse de fazê-lo. Eu era uma estúpida. Ele me advertiu que Montgomery não era um cavalheiro. Aquela noite, Alexi nos encontrou lutando na terraço.
—OH, Meu deus —sussurrou Ariella, lhe apertando a mão.
—Foi um acidente. Lutaram, e Montgomery se golpeou na cabeça —explicou Elysse enquanto se enxugava as lágrimas—. Justo depois disso, viram-me duas senhoras, e eu estava completamente desarrumada e despenteada. Alexi se casou comigo para tampá-lo tudo, meu encontro com o Montgomery e sua morte. Casou-se para proteger minha reputação, não por amor.
Ariella tomou ar. Claramente, estava tentando assimilar o que tinha ocorrido naquela noite espantosa.
—Com os anos, eu aceitei que foi um acidente. Deixei de me culpar, embora saiba que me comportei mau. Mas Alexi não pode esquecê-lo. E para piorar as coisas, pensa que estou apaixonada por Blair.
Ariella lhe aconteceu o braço pelos ombros.
—Agora começo a entendê-lo. E acredito que sei por que Alexi não pôde te perdoar. Quer-te muito, Alexi. Não podia suportar suas paqueras com o Montgomery, e sei que não vai acreditá-lo, mas não pode suportar sua suposta aventura com Blair. Talvez pudesse te perdoar se dissesse a verdade sobre Blair, e sobre estes seis anos anteriores. Eu sempre suspeitei que é fiel a Alexi, verdade?
Elysse se ruborizou.
—Ele foi tão cruel… temo que não importaria, se soubesse a verdade. Inclusive acho que zombaria de mim por ter continuado virgem durante todos estes anos!
Ariella ficou calada, e ela continuou:
—Passamos seis anos nos distanciando mais e mais, nos transformando em pessoas muito diferentes. Como pude pensar que recuperaríamos nosso amor, quando teve que casar-se comigo por causa da morte de um homem?
—Poderia —disse Ariella com firmeza—. Alexi e você estão destinados um ao outro. Ele escolheu casar-se contigo. Esqueceu como é minha família? Quando um De Warenne se apaixona, é para sempre. Não se pode mudar! Alexi se apaixonou por você quando era pequeno. Agora está zangado, e se sente culpado, e tem ciúmes de Blair, mas continua te querendo. Estou certa!
—Ariella, a noite que fizemos amor foi a noite mais maravilhosa de minha vida. Acreditava que íamos começar de novo. Acreditava que íamos ter um casamento de verdade, apoiado no amor e cheio de paixão.
—E o que significa o fato de querer uma trégua?
—Mudou seus planos para a viagem. Zarpará de volta a China nos primeiros dias de junho, tal e como tinha pensado. E só para afastar-se de mim! Até então, teremos que conviver como um par de estranhos corteses. Mas ele não é um estranho. É meu marido, o homem que amo. E antes foi meu melhor amigo.
—Então, vai separar-se de você?
—Sim.
Ariella arqueou uma sobrancelha.
—Isso é muito interessante, Elysse. Alexi não é um covarde. É um lutador. Mas parece temente ficar aqui contigo —disse com um sorriso—. E por que ia ter medo de você?
—Não te entendo.
—Alexi está tão atormentado pelo passado como você. Talvez mais. E agora foge. Ummm… O que tem pensado fazer a respeito?
—Como?
—OH, vamos, Elysse. Agora experimentaste a paixão com o homem de seus sonhos. Não terá intenção de ficar de braços cruzados vendo como se afasta de ti, não?
Ela tomou ar profundamente. Começou a sentir excitação. Por que tinha permitido que fora Alexi quem sempre ditasse os términos de seu casamento? Ela sabia o que queria. Queria a seu marido.
—Se Emilian estivesse comportando-se como um bobo tão tolo e egoísta, eu lutaria com unhas e dentes pelo que quero. E começaria seduzindo-o.
A Elysse lhe escapou um ofego. Passaram-lhe pela cabeça as imagens do que tinham compartilhado. Parecia que Alexi se sentia desesperado por estar com ela. E ela estava segura de que seu desejo era pouco corrente. por que estava permitindo que ele se afastasse dela? Atreveria-se a tomar as rédeas da situação?
—Tem razão. Quero a meu marido e quero um casamento de verdade. É hora de brigar pelo que quero.
Alexi entrou com cautela no vestíbulo de sua casa. Eram as dez e meia e não tinha desejos de encontrar-se com Elysse. Fazia todo o possível por evitá-la desde aquela noite desastrosa em que a tinha açoitado pelas escadas e virtualmente a tinha forçado. Mas ela dizia que tinham feito o amor.
Parecia que não tinha imaginado seus gemidos de êxtase.
Fez amor com Elysse. Aquilo era impossível. Ele só era capaz de ter relações sexuais puras, luxuriosas. A maioria daquela noite seguia sendo imprecisa para ele. Entretanto, de vez em quando tinha uma lembrança de como a tinha acariciado, beijado e abraçado. Não podia ser que se sentisse tão desesperado por estar com ela como recordava. Não era possível que seguisse querendo-a depois de todos aqueles anos, como a quis quando eram crianças.
Estava tentando esquecer aquela noite com todas suas forças, mas não podia. Seguia muito envergonhado de seu comportamento. Tinha-a assustado com sua luxúria e sua cólera. O homem que uma vez só queria protegê-la! O que lhes tinha ocorrido?
Viver com Elysse daquela maneira era impossível. Não confiava em si mesmo. quanto antes zarpasse para a China, melhor. Ainda ficava tanto para em primeiro de junho!
Por esse motivo, tinha decidido reorganizar o carregamento que ia transportar na viagem de ida quanto antes possível. Sessenta por cento do carregamento já estava em seus armazéns. E ele estava trabalhando incansavelmente para conseguir suficientes gêneros para encher o resto das adegas. Se tinha êxito, poderia desdobrar velas a finais daquela semana.
Fechou a porta com suavidade. Se ela tinha saído aquela noite, certamente não voltaria até a meia-noite. Se tinha ficado em casa, já teria retirado a seu quarto. Era improvável que seus caminhos se cruzassem.
Reginald o encontrou quando atravessava o vestíbulo. O mordomo se negava a fazer caso a Alexi, que lhe havia dito que não tinha que esperá-lo acordado todas as noites.
—Necessitarão algo esta noite, capitão?
—Não, obrigado —disse Alexi, e começou a subir as escadas—. Está em casa a senhora de Warnne?
—Sim, senhor. retirou-se faz um momento.
Alexi olhou ao mordomo.
—Então, boa noite.
Reginald o olhou como se tivesse algo que acrescentar, mas depois se ruborizou e se afastou sem falar. Alexi, com alivio por não ter que enfrentá-la, subiu as escadas rapidamente para encerrar-se no santuário de seu quarto. Duvidava que pudesse dormir, assim leria até que lhe nublasse a vista.
Negava-se a reviver as lembranças imprecisas da noite que tinham acontecido juntos. Entretanto, inclusive naquele momento, enquanto subia as escadas, sentia um intenso desejo.
E sentiria o mesmo desejo quando estivesse convexo na cama, tentando ler, escutando-a enquanto ela se movia por seu quarto.
Entrou em salão da suíte, e se encontrou com que na chaminé ardia alegremente o fogo. Isso era estranho. Então viu a mesa.
Deteve-se e se deu a volta com incredulidade.
Na pequena mesa havia pratos de porcelana e taças de cristal, flores e velas. Havia uma bandeja de prata coberta sobre a mesa e uma garrafa de champanha gelado.
—Que demônios…?
A porta do quarto de Elysse se abriu. Ela apareceu no vão, com uma bata de cor marfim de encaixe e umas sapatilhas a jogo. Ele ficou mudo.
—Olá, Alexi —disse ela.
Sorrindo, entrou no salão. Levava o cabelo solto, caindo pelos ombros, e a seda da bata lhe acariciava os quadris e as coxas ao andar.
Ele ficou muito rígido.
—Que demônios crie que está fazendo?
Ela se aproximou dele e o agarrou pelas lapelas da camisa, e ficou nas pontas dos pés para lhe dar um beijo na bochecha. Seus seios lhe roçaram o peito, e o suave perfume floral que usava chegou a suas narinas.
—Vamos tomar uma taça.
Seus olhares ficaram presos um ao outro.
—Não!
Ela se aproximou da mesa balançando os quadris, e serviu duas taças de champanha. Ele mal podia respirar. Não ia permitir que o seduzira! Não podia sair nada bom de qualquer aventura com ela. Ele ia partir quanto antes, e era o melhor.
Ela voltou para seu lado e lhe entregou a taça.
Ele tomou, mas passou diante dela com aborrecimento e a deixou bruscamente sobre a mesita.
—Por que está te pavoneando?
—Não me estou pavoneando.
—Isto é uma sedução?
—Sim.
Ela deu um gole na champanha sem afastar os olhos dele. Alexi pôs-se a tremer.
—Por que tem que me acrescentar a sua lista de conquistas? Quer que seja um idiota apaixonado a mais que se humilha a seus pés? Por que está fazendo isto, Elysse?
—Não quero que se humilhe, Alexi. E não o considero uma conquista. Embora, certamente, pode ser um completo idiota.
Pulsava-lhe o coração com tanta força que mal podia pensar.
—E por que é você o único que pode perseguir e seduzir?
Ele respirou profundamente.
—O que te ocorre? Acaso Blair não está disponível esta noite?
—Não desejo Blair. Nunca o desejei. Desejo a você.
Deixou a taça na mesa e se levou as mãos ao cinturão da bata.
Ele não podia dar crédito.
—A porta está aberta!
Ela se desatou o cinturão e se deslizou pelos ombros a bata de seda, e ficou ante ele coberta só pela camisola de seda marfim mais pequena que ele tivesse visto em sua vida.
—Então, fecha-a —murmurou.
Ele mal ouviu. Olhou seu precioso rosto e os pontos duros de seus mamilos sob a regata de seda, e suas pernas largas e maravilhosas.
—Por que está fazendo isto?
—Já lhe hei isso dito. Desejo-te.
Ele tentou respirar e não pôde, porque ela se aproximou lentamente e passou as Palmas das mãos entre sua jaqueta e a camisa.
—E os dois sabemos que você também me deseja —sussurrou.
Ela moveu o corpo contra o dele. Era suave e cálida. Era feminina. Era Elysse. Abraçou-a sem dar-se conta. Estreitou-a contra si, posou a boca em seu cabelo e notou que o coração lhe explorava. Desejava-a tanto! Tinha sentido desejo por ela dia e noite desde a primeira vez que tinham feito o amor. Precisava estar com ela de novo! Nunca tinha desejado a outra mulher da mesma maneira. O passado já não importava.
Alexi fez que inclinasse a cabeça para ele. Ela tinha um olhar brilhante e quente, mas também tinha lágrimas nas pontas das pestanas.
Ele não pôde pensar nisso. Encontrou sua boca e a beijou. estremeceu-se com uma necessidade crua, imperiosa. Devolveu-lhe o beijo ferozmente. Alexi sentiu euforia. Suas bocas se uniram abertas, úmidas. Ele entrelaçou suas línguas. E enquanto o fazia, colocou as mãos sob sua camisola de seda e agarrou suas nádegas nuas para elevá-la contra seu membro viril, e a manteve ali. Ela gemeu em sua boca, tremendo, preparada para recebê-lo.
Alexi a beijou grosseiramente e disse com a voz rouca:
—Os dois o vamos lamentar.
—Não —gemeu ela.
Tomou em braços e a estendeu sobre a cama com delicadeza, recordando muito bem quão brutal tinha sido a primeira vez. Ela sorriu, estendeu a mão e separou suas largas pernas, lhe fazendo um convite inconfundível que ele nunca teria podido rechaçar.
Alexi se despojou da jaqueta e se inclinou sobre ela. Enquanto se beijavam, ela tentava torpemente lhe desabotoar a calça. Finalmente o conseguiu. Ele gemeu em voz alta quando a carne dura e quente se uniu à carne branda e úmida, e tomou seu rosto entre as mãos. Queria lhe dizer que a necessitava, e que sempre a necessitaria, mas não falou.
—OH, Alexi —sussurrou ela, e de repente ele recordou que lhe havia dito que o queria. sobressaltou-se. Seriamente tinha declarado aqueles sentimentos? Acaso não amava Blair?
Ela murmurou:
—Dá-te pressa.
E como estava muito ardente para esperar, obedeceu.
Elysse ofegou quando seus corpos se uniram, e o abraçou com força. sentia-se tão bem…
Elysse suspirou quando as feitas ondas do êxtase se foram diluindo. Alexi se separou dela. Elysse se manteve quieta e procurou sua mão, e sorriu ao encontrá-la. Ainda sentia o corpo tremente e excitado.
—Alexi —suspirou. Abriu os olhos e o olhou.
Ele estava convexo de barriga para cima, completamente nu, magnífico. Abriu os olhos e olhou ao teto.
Elysse recuperou a coerência. Sua sedução tinha funcionado. Estendeu-se de lado sem lhe soltar a mão. Pensou em lhe dizer que o queria, mas em vez disso, disse:
—Eu adoro estar contigo, Alexi.
Ele se voltou e a olhou.
Ela se ergueu de repente ao ver sua expressão.
—Não se atreva a zangar-se agora! Foi maravilhoso, e sabe!
Ele se sentou e lhe jogou os lençóis.
—Sim, acabamos de ter umas relações sexuais estupendas.
Aquelas palavras lhe fizeram mal.
—Fizemos o amor.
Ele ficou em pé de um salto.
—Cubra-se.
—Por quê?
Ela atirou os lençóis aos pés da cama.
Alexi tomou suas calças e se cobriu com eles.
—Seduziste-me, Elysse, quando te havia dito que queria uma trégua.
—Sim, é verdade, e você foste tremendamente fácil de seduzir!
Finalmente, tomou o lençol e a pôs sobre o corpo.
—Já sabe quão bela é, quão sexual é! Conhece perfeitamente o efeito que tem nos homens.
—Por quê está tão zangado? Somos dois adultos, e dá a casualidade de que estamos casados!
—Porque não quero estar casado com ninguém, e menos contigo! —gritou-lhe ele. Colocou as calças com gestos de fúria.
Ela sabia que não devia deixar-se dominar pela dor.
—Mas estamos casados, e dá a casualidade de que eu sim quero estar casada contigo.
Ele se sobressaltou e a olhou com incredulidade.
—Tenho intenção de que isto seja um começo para nós. Quero ter um casamento de verdade contigo —disse com um sorriso, embora sabia que era de insegurança.
Ele tomou sua camisa, mas não a pôs.
—Pode ser que você queira isso, mas eu não vou converter-me em um marido de verdade. E não vou voltar a me deitar contigo sob nenhuma circunstância.
—Por quê?
—Porque não quero ter um casamento de verdade contigo! —gritou ele. As bochechas lhe avermelharam.
Ela se pôs a tremer.
—Por quê não podemos tentá-lo?
Ele a olhou com desdém.
—Você pode tentar o que quiser. Eu me parto.
A ela lhe escapou um ofego.
—Aonde vai?
—Aos escritórios —respondeu ele de maneira cortante, enquanto ficava a camisa.
—Mas se for mais de meia-noite!
—Troquei que planos, Elysse. Ia dizer-lhe isso dentro de um ou dois dias, mas lhe direi isso agora mesmo.
Elysse se abraçou ao lençol.
—O que é o que vais fazer?
—Acredito que posso zarpar a finais desta semana —disse Alexi com mais calma—. De fato, estou organizando um carregamento.
—O que?
—Que vou embarcar no fim de semana. Sessenta por cento do carregamento já está nos armazéns. Estive solicitando tonelagem.
Alexi tinha intenção de partir em só seis dias!
Iria deixá-la tão rapidamente como pudesse.
—Estou impaciente por empreender a viagem. Levo muito tempo em terra firme.
—Não parta —rogou ela, e ficou em pé, segurando os lençóis diante de seu corpo.
Ele baixou o olhar até seu quadril, e ela percebeu que estava exposta. Ele elevou a vista e disse:
—Que diferença há em que eu parta algumas semanas antes?
Ela sentiu pânico.
—Você vai partir durante seis meses. Temos que terminar isto!
—Não há nada que terminar —replicou ele, e se dirigiu para a porta.
Elysse correu atrás dele.
—Temos que terminar muitas coisas, Alexi —disse, e impulsivamente, acrescentou—: Leve-me contigo!
Alexi abriu muito os olhos.
—Não vou levá-la comigo, e muito menos a China!
—Por que não? Sua mãe ia a todas partes com Cliff! —replicou ela, que se sentia horrorizada pelo que estava ocorrendo—. Ou acaso pensar em parar em Singapura?
—Eu nunca prometi fidelidade! —exclamou ele.
Iria visitar sua amante!
—Por favor, me leve contigo. Devemos resolver nosso casamento. Não podemos continuar assim.
O semblante de Alexi se tornou grave.
—Nisso tem razão. Não podemos continuar assim, e por isso estou partindo.
Ela cobriu o rosto com as mãos, e o lençol caiu no chão.
Ele o recolheu com um gesto de duro e envolveu Elysse com ele.
—Quanto ao estado de nosso casamento, não há nada que resolver.
Os dias seguintes passaram de maneira imprecisa. Alexi não voltou a passar pela casa, e Elysse soube que estava alojando-se no Clube St. James, um hotel muito luxuoso para os cavalheiros mais distinguidos de Londres. Ariella aconselhou a sua amiga que o perseguisse até que ele recuperasse o bom senso, mas Elysse não seguiu suas indicações. Já o tinha seduzido uma vez, e o único que tinha conseguido era endurecer mais seu rechaço para ela.
Finalmente lhe escreveu uma carta, escolhendo as palavras com grande cuidado e completa honestidade.

Meu querido Alexi:
Se crie que o que deve fazer é ir a China, então te apóio incondicionalmente. Desejo-te um grande êxito, como sempre, e que Deus te acompanhe nesta viagem.
Entretanto, que zarpe não vai mudar o fato de que estamos casados. Eu ficarei em Londres, cuidando de nossa casa e me encarregando de nossos interesses, até que volte. Espero com toda minha alma que quando voltar possamos resolver os assuntos que nos enfrentam.
Uma saudação afetuosa, Elysse.
Deu-lhe ao chofer a carta para que a entregasse em pessoa, dois dias antes da partida de Alexi. Os dois dias seguintes passaram com uma lentidão terrível. Elysse estava segura de que ele ia responder, embora fora de maneira formal, mas a noite antes de zarpar não tinha obtido nenhuma resposta. Tinha o coração encolhidos e a alma. Ele ainda não se partiu, mas ela já o sentia falta de.
Ariella tinha ido visitá-la todos os dias com notícias sobre Alexi.
—Nunca o tinha visto tão decidido —lhe dizia.
Ela não acreditava que houvesse nada que pudesse lhe impedir a marcha.
A noite anterior a sua partida, Elysse não deixou de dar voltas pela cama sem poder dormir. Perguntava-se se se atreveria a ir ao St. James e lhe suplicar que ficasse. Entretanto, o orgulho era o único que ficava.
Ao amanhecer estava nos moles da Santa Catalina, sentada em sua carruagem, envolta em um casaco de lã, olhando o clíper. Abraçou-se para reter o calor e observou aos homens perambulando pela coberta, preparando-se para zarpar. Estavam içando velas e desamarrando. Alexi estava no fortaleza, observando tudo e a todos.
Tinha que ter notado a presença de sua carruagem, porque era a única presente.
Quando levaram a âncora, Elysse pôs a tremer e abriu a porta. Baixou ao chão com insegurança e começou a caminhar pelo mole.
Alexi permaneceu imóvel, gritando de vez em quando alguma ordem. Primeiro se desdobraram as gavias, e depois as velas maiores, que se incharam com o vento.
Elysse se deteve o final do mole, com o coração na garganta.
Separavam-nos uns trinta metros, mas seus olhos ficaram presos nos de Alexi.
«Por favor, não vá», pensou ela, enquanto a grande nave começava a mover-se.
Ele seguiu olhando-a fixamente enquanto o clíper tomava velocidade. A figura de Alexi se diminuiu à medida que o navio se afastava do mole.
A Elysse lhe formou um nó doloroso na garganta. Como podia deixar que Alexi a deixasse assim de novo?
A resposta estava clara. Não podia.
A Coquette estava começando a tomar velocidade por volta do mar. Elysse já só reconhecia Alexi porque sabia que era ele. Teve a sensação de que ele seguia olhando-a. Elysse elevou a mão. Não pensava que ele fora a lhe devolver a saudação, mas então, Alexi também elevou a mão para lhe dizer adeus.
Ela viu o gesto. Mordeu o lábio e tomou uma decisão. Não podia permitir que a abandonasse assim.
Se Alexi partia para a China, ela também.

 

 

 

 


TERCEIRA PARTE
«Amor vitorioso»
Capítulo 16
Embora só fossem oito da manhã, já havia dois empregados atrás do mostrador do vestíbulo dos escritórios de Windsong Shipping. Elysse sorriu-lhes ao entrar no prédio. Tinha passado a última hora na carruagem, pensando. Não ia permitir que Alexi fugisse de seu matrimônio. Ia seguí-lo a China. Nunca se havia sentido tão decidida. Entretanto, também tinha começado a analisar o que significava ir a China sozinha.
Não havia nenhuma viagem segura. Os piratas eram uma praga em alto mar; abordavam os navios e nunca os devolviam, nem tampouco seu carregamento. As tripulações eram seqüestradas e se pedia resgate por elas. Às vezes, os tripulantes sofriam aquele seqüestro durante anos e eram utilizados como escravos nos navios. Por outra parte, muitos navios se perdiam no mar, em tempestades ou tufões.
O medo se misturava com a esperança. Deus Santo, estava pensando em cruzar o mundo sozinha. Ou tinha uma coragem que nem suspeitava, ou estava louca.
—Bom dia, senhora de Warenne. É uma manhã esplêndida para que zarpasse o capitão, verdade? —perguntou-lhe um dos empregados com um sorriso.
—|Bom dia. Sim, havia um bom vento —disse Elysse assentindo—. Chegou já meu sogro?
Entretanto, não tinha terminado a frase quando Cliff de Warenne apareceu no corredor que conduzia a seu escritório.
—Elysse? O que está fazendo na cidade a estas horas? —perguntou-lhe. Aproximou-se dela e lhe beijou ligeiramente a bochecha.
—Vim a ver partir para Alexi —disse ela—. Precisaria falar contigo, por favor.
Ele a olhou fixamente, com uns olhos azuis iguais aos de seu filho. Tirou-a do braço e disse aos empregados:
—Por favor, que não nos incomodem.
Um momento depois estavam em seu escritório, que ocupava uma esquina inteira da planta baixa do prédio. As janelas davam à rua e aos moles. Havia um escritório enorme em frente das janelas e uma estante que acolhia vários modelos de navio, e um sofá e duas poltronas frente a uma chaminé. Cliff fechou a porta e lhe ofereceu um chá.
—Não, muito obrigado —disse Elysse.
Ele se serviu uma taça e lhe fez um gesto para uma cadeira. Elysse negou com a cabeça.
—Necessito que me ajude —disse—. Estou desesperada e decidida de uma vez.
—Estou encantado de te ajudar no que possa —respondeu Cliff, observando-a com curiosidade—. Do que se trata?
Ela se mordeu o lábio.
—Tenho que ir a China, Cliff.
Ele deu um coice e derramou um pouco de chá de sua taça.
—Necessito uma passagem no próximo navio de Windsong que vá zarpar.
Retorceu-se as mãos, com o pulso acelerado. Naquele momento, imaginou a si mesmo sobre a coberta de um clíper, a única mulher entre uma dúzia de homens.
Ele deixou a taça sobre seu escritório.
—Deus Santo, Elysse, e por que te ocorre agora que desejas ir a China? E, se queria ir, por que não partiste com Alexi?
Ela tomou ar. Era o momento para ser sincera.
—Pedi-lhe que me levasse, mas se negou. E eu não posso estar separada dele outro ano inteiro.
Cliff entreabriu os olhos.
—E por que? Estiveste seis anos separada de meu filho. Seu matrimônio é de conveniência, e uma farsa. Por que vai importar um ano mais?
Ela se pôs a tremer.
—Porque o amo. Não posso permitir que continue me rechaçando, e que continue rechaçando nosso casamento!
Cliff abriu muito os olhos.
Ela continuou.
—Tentei deixar de querê-lo, mas não posso. O quiz do primeiro dia em que nos conhecemos, quando fomos crianças. Mas você já sabe isso. Quero recuperar a meu melhor amigo! Quero recuperar a meu marido! Tem razão, nosso casamento é uma farsa, mas agora eu quero um de verdade. E estou disposta a lutar por ele.
Cliff, que tinha ficado assombrado, aproximou-se dela.
—Estou muito contente de te ouvir dizer que quer lutar por meu filho e arrumar esta situação tão horrível de seu casamento —disse, e de repente, abraçou-a.
Elysse notou que lhe enchiam os olhos de lágrimas. Ela queria ao pai de Alexi e a sua madrasta. O fazia sentir-se muito bem o fato de ter novamente a aprovação de Cliff.
—Quero-o muito.
—Sei que o quer. Durante estes anos me perguntei se fizemos o melhor ao permitir que lhes casassem para ocultar o acidente no que morreu Montgomery —respondeu Cliff, e a soltou.
—Eu queria me casar com Alexi. Lamento meu comportamento até este mesmo dia. Talvez, se eu não tivesse paquerado de uma maneira tão temerária, Montgomery estaria vivo e Alexi e eu estaríamos felizmente casados.
—Foi um acidente —disse Cliff com firmeza—. Uma dama pode flertar. Ele te acossou, Elysse. Se eu tivesse sido Alexi, o teria matado com minhas próprias mãos. Um homem sempre deve defender e proteger à mulher a que ama.
Perguntou-se se Alexi estava fazendo aquilo, e de repente percebeu que sim. Ele a queria desde que eram crianças, mas os dois eram muito jovens para dar-se conta.
—Alexi me tinha afeto e, se tivéssemos a oportunidade, voltaria a me querer. Entretanto, está empenhado em resistir para mim.
Cliff sorriu.
—Alexi é um homem muito orgulhoso e obcecado. Machucou-o quando considerou se casar com Montgomery. E continuou magoando-o com suas amizades, Elysse. Não sei se será fácil de convencer. Mas estou certo de que sempre a quis.
Elysse sentiu o coração pular de euforia. Deus, quem dera tivesse razão o pai dr Alexi! Mordeu o lábio com vacilação.
—Fui uma tola ao flertar com Montgomery para fazer ciúmes a Alexi. Sei desde aquela noite trágica em Windhaven. Disse a Alexi que sinto muito, mas ele é muito teimoso. Nega-se a me perdoar, e se nega a perdoar a si mesmo. Quanto aos falatórios sobre minhas aventuras… Só foram amizades. Durante estes anos representei um papel que não era real para proteger meu orgulho e evitar a humilhação, e talvez também para ferir Alexi por sua traição.
Cliff perguntou:
—E contou tudo isto a meu filho?
—Ele não vai acreditar em mim.
—Tem que saber. Acredito que suas aventuras destes seis anos têm feito tanto mau a seu casamento como a morte de Montgomery.
E se Cliff tivesse razão? Ela sabia o orgulhoso que era Alexi, e estava começando a acreditar que pudesse estar horrivelmente ciumento.
—Mas ele também teve aventuras.
—Ele é um homem, e existe uma dupla moral —disse Cliff sem rodeios.
Elysse sabia que tinha razão. Os homens podiam permitir-se ter o comportamento mais escandaloso do mundo, mas as mulheres não. Elysse se aproximou de uma das janelas e olhou para a rua, cheia de carretas e gente. Mais à frente viu que estavam descarregando as adegas de um navio. Os trabalhadores estavam preparando centenas de barris selados para ser transportados aos armazéns. Cliff se aproximou e se colocou atrás dela.
—Isso é azeite de Benín. Não podemos satisfazer toda a demanda de nossas fábricas.
Ela se voltou para o Cliff. Não lhe importava absolutamente o azeite da África. Só havia uma coisa que estava clara.
—Tenho intenção de enterrar o passado de uma vez por todas. Tenho intenção de arrumar este casamento, por muito que me custe. E tenho intenção de conquistar Alexi, por muito que resista.
Cliff sorriu lentamente.
—Agora que tomaste essa decisão —disse com suavidade— talvez não resista tanto como antes.
Elysse esperava com todas suas forças que tivesse razão.
—Cliff, não posso ficar esperando em Londres durante todo um ano, esperando sua volta. Vou buscá-lo a China. Mas para fazê-lo necessito sua ajuda.
A seu sogro lhe apagou o sorriso dos lábios.
—Elysse, você não pode ir sozinha a China!
—E por que não? Poderia ocupar um beliche no próximo navio. Quando sai o próximo clíper a China?
—O próximo navio de Windsong que vai zarpar por volta de Cantão o fará-nos dia quinze de julho, mas não é um veleiro de passagem. Uma viagem assim entranha muitos perigos. Você é uma dama! A tripulação te acossaria, ou pior ainda, os piratas. E os furacões e as monções? E a malária?
Não lhe emprestou atenção a suas objeções. O seguinte navio de Windsong não sairia até quinze dias depois, e ela não podia esperar tanto!
—Se embarque nesse clíper, talvez Alexi já esteja de volta a casa quando eu chegue a Cantão. Então, me deixe que te alugue um navio! —exclamou. Entretanto, enquanto o dizia percebeu que ela não podia permitir-se gastar uma soma de dinheiro tão grande. Era uma idéia absurda a de enviar um navio sem carregamento por uma só mulher.
—Gastaria a metade de sua fortuna —disse ele com tensão—. Não vou mandar um navio vazio a China. É que não me ouviste? Não é seguro, Elysse. Não vou permitir te que vá a China a menos que seja em minha companhia, ou na de seu marido. Eu devo ficar aqui, administrando os assuntos de Windsong Shipping, e Alexi já se partiu. Isso significa que terá que esperar aqui em Londres até que ele volte.
Elysse estava a ponto de contradizê-lo, mas seu olhar era duro e desconfiado. Ela baixou os olhos. Se seu sogro se inteirava de que suas intenções não tinham mudado, por muito perigo que houvesse, moveria céu e terra para detê-la. Fechou os olhos. Naquele momento devia mentir como nunca o tinha feito.
—Não sei o que me aconteceu —disse olhando a seu sogro—. Claro que não posso ir sozinha a China. Só uma louca faria semelhante coisa.
—Pode lhe escrever uma carta —disse Cliff com firmeza. Ele vai estar em Cantão durante um mês. Se a enviar agora, há muitas chances de que a receba.
Elysse conseguiu esboçar um sorriso. Sim, talvez Alexi recebesse sua carta, em uns cento e dez dias, mais ou menos.
—É obvio —disse recatadamente—. Escreverei uma carta explicando tudo.
Quase uma semana depois, Elysse estava sentada em sua carruagem, com as persianas parcialmente fechadas e com um véu cobrindo o rosto. Olhava a porta principal do prédio de Potter. Matilda saía naquele momento também com um chapéu e um véu para evitar que a reconhecessem. Elysse tomou ar e se apoiou no respaldo da cadeira. Matilda cruzou a rua e manteve a cabeça baixa para evitar que a identificassem.
Elysse ainda não tinha encontrada passagem para a China. Fazia duas averiguações muito cautelosas através de sua ama de chaves. Já sabia que seu sogro nunca ia permitir-lhe que se fora a China, assim tinha que operar em segredo. No distrito do porto a conheciam, e ela se deu conta em seguida de que teria que conseguir sua passagem por meio de um intermediário. Até o momento, os dois clípers que partiam para a China a tinham recusado. Rogou que Matilda tivesse tido êxito no Potter, Wilson e Companhia.
Matilda abriu a porta da carruagem e entrou com o cenho franzido. Elysse sentiu o coração apertar.
—Não houve sorte?
—Talvez devesse pensá-lo melhor, senhora —disse Matilda—. Não há nenhum navio que queira levar a uma mulher só a China, por muito que ofereçam pela passagem.
—Quero recuperar a meu marido —sussurrou Elysse.
Perguntou-se, entretanto, se aquela era a maneira equivocada de encontrar passagem. pôs-se em contato com os diretores daquelas companhias. E se se dirigia diretamente aos capitães dos navios? ficou nervosa. Alexi era um cavalheiro rico, mas muitos marinheiros não o eram. Entretanto, isso não seria uma vantagem para ela? Um capitão de navio sem fortuna seria mais fácil de convencer em troca de uma boa soma de dinheiro. Seus chefes não teriam por que sabê-lo.
—James —disse ao condutor—. Eu gostaria de dar uma volta pelo cais e ver os navios que ancoraram.
Matilda a olhou enquanto a carruagem avançava. Elysse abriu a persiana de sua janela e olhou cegamente ao exterior. Alexi se tinha partido seis dias antes, e ela se sentia como se tivesse uma carreira em contra do calendário. Certamente, ele faria uma viagem mais rápida que outros para chegar a Cantão, e sem dúvida queria voltar para casa antes da monção de novembro. A cada dia que passava, ela se preocupava mais pelo tempo que ele ia estar em Cantão comprando o chá e depois carregando-o. Devia empreender a viagem rapidamente. Não podia chegar a Cantão e encontrar-se com que ele já se partiu!
Doíam-lhe as têmporas. Aqueles dias tinha uma enxaqueca constante. Nunca havia sentido tanto estresse. Nunca se tinha preocupado tanto, nem o tinha jogado tanto de menos. Algumas vezes sonhava com que ele tinha mudado de opinião e tinha voltado para Londres para lhe pedir que fora sua esposa de verdade. Mas aquilo só era um sonho. Para então, Alexi estaria nas costas do Portugal.
Enquanto sua carruagem percorria o mole, Elysse viu um veleiro grande que lhe resultou familiar. Estava a uns cento e cinqüenta metros. A ela lhe acelerou o coração e se levou os binóculos nos olhos. Tinha razão.
—É o Astrid —disse com emoção.
Certamente, Baard Janssen saberia quem zarpava aqueles dias, e qual era seu destino. Aqueles homens conheciam bem os planos de outros. Onde havia dito Janssen que se hospedava? Ajudaria-a? Elysse estava decidida a persuadi-lo.
Estava a ponto de baixar os binóculos quando viu um pequeno bote que se afastava do bergantín dinamarquês. Moveu as lentes e viu o Janssen na proa da pequena embarcação que se aproximava do mole.
Entregou os binóculos a Matilda, tirou-se o véu do chapéu e desceu da carruagem. Chegou ao bordo do mole justo quando Janssen, que já a tinha visto, subia a terra.
—Senhora de Warenne! Que surpresa mais agradável. Quase poderia pensar que me estavam esperando.
Elisse devolveu-lhe o sorriso. As advertências que lhe tinha feito Blair sobre aquele homem lhe cruzaram pela mente; entretanto, naquele momento tinha que confiar nele.
—Estava esperando-lhe, capitão. Não se importará, verdade?
Recordou-se que não devia paquerar muito com ele. Não tinha vontades de que chegasse a uma conclusão equivocada.
Ele se aproximou com um sorriso, tomou a mão e a beijou.
—São uma alegria para a vista. Pulsa-me o coração como um colegial.
Ela seguiu sonriendo.
—Isso não me acredito.
—Está-me esperando no mole uma das mulheres mais belas de Londres. Como não me ia acelerar o coração? —perguntou ele, e por fim a soltou—. decidistes aceitar essa visita meu navio, depois de tudo?
—Tinha alguns assuntos que transformar no Windsong Shipping —mentiu ela—. Ao ser filha de um capitão e esposa de outro, não posso vir a esta parte da cidade sem visitar os moles e admirar os grandes navios que há neles. Vi o Astrid imediatamente.
—De Warenne é um homem com sorte —disse Janssen—. ouvi que está de caminho a China. Se eu fosse ele, custaria-me muito me embarcar.
—Nos dedicamos ao comércio com a China —repôs ela, remilgadamente—. E quando parte você da cidade, senhor?
Ele ficou ligeiramente surpreso por sua pergunta.
—Dentro de duas semanas. Estive esperando a que fizessem algumas reparações no casco do Astrid —disse, e acrescentou—: É interessante que seu marido partiu e vocês tenham vindo a me buscar.
Ela deixou de sorrir.
—Necessito desesperadamente sua ajuda, senhor.
A expressão do Janssen se voltou de preocupação.
—Parece que falam muito a sério.
—Pois sim. Mas primeiro necessitaria que me dessem sua palavra de que não ides revelar a ninguém o que vou pedir-lhe.
—Por que tenho o pressentimento de que não me ides pedir que lhe mostre meu navio?
—Tenho sua palavra?
—Sim, senhora de Warenne, têm-na —disse ele com solenidade, mas também com curiosidade.
—Estou desesperada por ir a China. Poderiam me ajudar a encontrar uma passagem? Ninguém deve sabê-lo, porque minha família tentaria me deter. Entende-me, capitão.
Ele cruzou os braços e a olhou pensativamente. Passou um instante.
—Umm. Uma dama em apuros. Não posso evitar me perguntar por que precisam ir a China com tanta urgência atrás de seu marido.
Elysse não podia negar a verdade.
—Estivemos distanciados. Mas o quero —disse—. Devo arrumar as coisas, mas não posso esperar um ano para fazê-lo.
Ele cabeceou.
—Como hei dito, De Warenne é um homem com sorte.
Elysse não podia lhe ler o olhar nem a expressão. Finalmente, ele disse:
—Se o consigo uma passagem, o que ganho eu?
—Minha eterna gratidão. E, se não lhes ofenderem, uma compensação.
Ele ficou em silêncio.
—Tinha esperado muito mais.
Elysse se sentiu consternada.
—Estou apaixonada por meu marido.
—Isso parece. Entretanto, tinha ouvido dizer que estavam apaixonada por outro homem, de Thomas Blair.
—Não. Eu nunca amei a ninguém salvo a meu marido. Blair e eu fomos, e seguimos sendo, amigos.
Janssen assimilou todo aquilo. Fez um gesto para a carruagem de Elysse e ambos começaram a caminhar juntos. Elysse rogou ao céu que queria ajudá-la. Ele levava a cabeça agachada, e ela o olhou várias vezes, embora não pôde imaginar seus pensamentos. Finalmente, Janssen se deteve e a tirou do braço.
—Posso lhes encontrar uma passagem com facilidade. De fato, acredito que o Odyssey garra no fim de semana. Conheço bastante bem a seu capitão. Se receber uma compensação suficiente, acredito que lhes dará um camarote. Organizarei-o tudo para você.
A Elysse lhe escapou uma exclamação de alegria, e esteve a ponto de abraçar ao dinamarquês.
—Se consigo uma passagem nesse navio, nunca lhe poderei pagar isso mas o tentarei. Estarei em dívida com você!
—Estão segura de que não aceita um passeio por meu navio à luz da lua?
Ela negou com a cabeça.
—Não posso ir com você.
—Bem, suponho que será o melhor. Seu marido não me tem em muita estima, e eu adoraria fazer negócios com sua companhia —disse ele com um sorriso—. Enviarei-lhe uma mensagem assim que o tenha tudo arrumado.
Elysse lhe estreitou a mão.
—Por favor, lhes dê pressa. quanto antes embarque, melhor.
Quando ele a acompanhou à carruagem e partiu, Elysse ordenou ao chofer que as levasse a casa de novo.
—Já está —disse a sua ama de chaves com a voz rouca de emoção—. Vou a China a finais desta semana!

 

 

 

 



Capítulo 17
Cape Coast, África
Três semanas mais tarde, Elysse estava olhando para a costa com os binóculos da coberta bombordo de Odyssey, sem preocupar do forte sol da África. Tomou ar profundamente ao ver a costa espetacular da África Oriental. O Castelo de Cape Coast se erguia na parte mais alta de um promontório rochoso. Era uma fortaleza branca que brilhava sob o sol, com dúzias de canhões negros em linha defensiva. A seus pés havia praias de areia branca rodeadas de selva verde que se estendiam até onde alcançava a vista, a uns seis ou sete quilômetros do castelo. Entre eles e a costa havia um lance de águas tranqüilas no que descansavam ancorados várias dúzias de navios. O motivo era evidente: Elysse distinguia a espuma branca do violento fluxo do Atlântico por toda a margem. Nem sequer os navios mercantes menores ousavam ancorar ali perto. Enquanto ela o observava tudo, alguns botes tentavam chegar às praias entre as ondas brancas e altas, e parecia uma empresa muito perigosa.
O Odyssey era um enxame de atividade enquanto os marinheiros arriavam as velas. Sem deixar de olhar a cena, Elysse divisou uma dúzia de canoas com remadores africanos, que discorriam por entre os navios. Algumas iam cheias de passageiros, e outras, de carregamento. Viu que uma das embarcações derrubava por causa de uma forte onda; todos seus passageiros caíram ao mar. Sem fôlego, presenciou a luta dos homens por chegar a terra. Quando o conseguiram, entregou os binóciulos ao Lorraine.
Ela nunca tivesse imaginado que a África fora tão espetacular. Da escala em Lisboa tinham navegado por alto mar, sem divisar terra firme, para poder aproveitar os ventos do nordeste. Elysse não sabia por que se aproximaram tanto à costa naquela ocasião, e estava inquieta. Mas, pelo menos, a marinha estava à vista.
—Onde estamos? —perguntou Lorraine com os olhos muito abertos.
—Em Cape Coast, que é o quartel geral de nossa marinha.
—E vamos parar aqui?
—Não sei. O capitão Courier não me disse que fôssemos fazer nenhuma escala.
—Estão arriando as velas maiores.
Ela olhou para a vela, que descendia rapidamente. A tripulação se estava preparando para ancorar. Por quê se tinham detido?
O capitão se aproximou. O Odyssey era um veleiro de três paus, propriedade de uma companhia de Glasgow, e seu capitão era um francês chamado Courier. Falava mal inglês, mas Elysse falava muito bem francês, e o capitão se passou as três semanas anteriores lhe contando histórias da vida no mar. Era encantador, como a maioria dos homens do continente, mas ela não se confiava. comportava-se cortesmente e com aprumo em todo momento, mas tentava manter ao mínimo o contato, para que ele não se fizesse à idéia de que podia manter uma aventura com ela. De todos os modos, ele se empenhava em que Lorraine e ela se reunissem em seu camarote para jantar com ele todas as noites. Não havia maneira de negar-se.
Naquele momento sorriu e se dirigiu a elas em francês:
—Vamos jogar a âncora, senhora de Warenne —disse. Era um homem loiro e estava muito queimado pelo sol, e a olhava com admiração—. Sentiu como o mar está calmo? Os ventos não o agitam. Entretanto, as ondas… É muito perigoso, senhora. Deve estar contente de não ter que descer a terra.
—Por que paramos, capitão?
—Devemos recolher água —respondeu ele amavelmente.
Elysse se sobressaltou. Só levavam três semanas navegando, e já necessitavam água? Isso era muito estranho.
—Quanto tempo vamos permanecer aqui ancorados?
—Só um ou dois dias, porque eu tenho alguns assuntos dos que me ocupar, mas não preocupem-se, poremo-nos em caminho de novo em seguida —disse o capitão, e lhe fez uma reverência.
Elysse sorriu forçadamente e segurou a mão a Lorraine. Sua donzela estava ruborizando-se. Era evidente que o capitão lhe resultava atrativo e encantador. Ele as saudou e voltou para leme. Ela ficou olhando-o. Queria saber por que não confiava nele.
—O que ocorre? —perguntou Lorraine em voz baixa.
Não tinha sentido assustar a sua donzela.
—Acredito que vamos aproximar-nos um pouco mais a outros veleiros até que recolham o resto das velas.
—Não posso acreditar que estejamos na África —sussurrou Lorraine com reverência.
Elysse estava de acordo. Quase não podia acreditar que tivesse chegado tão longe, até a costa da África Oriental. alegrava-se tanto de não estar sozinha…
Matilda se tinha empenhado em acompanhá-la, mas Elysse pensou que era muito suspeito, porque a governanta nunca viajava com ela. Disse a Reginald que voltava para a Irlanda para passar uns meses ali. O mordomo não se preocupou muito. Sim era normal que Lorraine viajasse com ela, mas Elysse não esperava que a acompanhasse até a China. Para sua surpresa, a donzela tinha insistido em fazê-lo. Estava lhe demonstrando sua lealdade! Elysse não acreditava que tivesse podido sobreviver aos dias e noites intermináveis no mar sem a companhia da outra mulher.
Ninguém sabia onde estava, salvo Ariella.
—Vai em busca de meu irmão? —perguntou-lhe com assombro quando soube que Elysse tinha ido despedir Vai segui-lo até a China?
—Sim, Ariella, vou procurar Alexi na China. Vou lutar com unhas e dentes por seu amor.
Ariella a abraçou com força.
—É uma viagem perigosa —disse com a voz entrecortada—. É tão valente! Mas eu faria o mesmo.
—Não sou valente. Em realidade, estou muito assustada.
Elysse lhe tinha pedido que lhe guardasse celosamente o segredo, e Ariella o tinha feito entre lágrimas.
—Queremo-lhes muito. Estou impaciente porque Alexi e você voltem com o Emilian e comigo.
Abraçaram-se uma vez mais, até que Emilian entrou no quarto e as viu. Deve ter parecido muito suspeito vê-las tão perto das lágrimas.
Depois, Elysse tinha dado um passo mais. Algo que tinha estado evitando. Era o momento de despedir-se de Blair. Visitou-o em seu escritório, coisa que nunca tinha feito. Quando a viu, ordenou a todos que saíssem e fechou a porta.
—Vai terminar tudo —disse sem rodeios, olhando-a com angústia.
—Sinto muitíssimo —respondeu ela, tomando seu roslto entre as mãos—. Você é um dos melhores amigos que tive, e um dos melhores homens que conheci.
Ele a agarrou pelas mãos.
—Não quero ser seu melhor amigo, Elysse. Quero ser o homem que ama.
Ela negou com a cabeça lentamente.
—Meu afeto por você é muito profundo, mas estou apaixonada por meu marido.
Então, seus olhos se escureceram. Elysse não queria machucá-lo, mas não podia evitar. Só podia pedir que um dia ele encontrasse seu verdadeiro amor.
Negou-se a enganá-lo durante o curso de sua amizade, e se negava a fazê-lo naquele momento. Ao dizer que partia da cidade tinha sido evasiva, sem dar detalhes, e não tinha contado se iria a Irlanda. Entretanto, ele tinha ficado desconfiado, cético.
—Se De Warenne recuperar o bom senso e a tratar como você merece, vou desafiá-lo em duelo —disse com clareza. Aquelas tinham sido suas palavras de despedida.
Ela rezava para que Alexi recuperasse o bom senso, tal e como disse Blair.
—Estão pensando no capitão de Warenne? —perguntou-lhe Lorraine, e a tirou de seus pensamentos.
Elysse pensava em Alexi dia e noite, e sempre era evidente para sua donzela.
—Estou pensando em casa —disse brandamente.
Então percebeu que estavam descendo um pequeno bote ao mar.
Encolheu-lhe o estômago. Seria seguro estar a bordo sem o Courier? Deveria insistir em que permitissem que Lorraine e ela fossem a terra com ele? Enquanto ela olhava a sua donzela, Courier se aproximou colocando uma jaqueta amarrotada.
—Voltarei amanhã pela manhã —anunciou amavelmente.
—Capitão, talvez seria melhor que minha donzela e eu fôssemos com você a terra firme.
—Senhora de Warenne, isso é impossível. Meus oficiais de confiança permanecerão a bordo com você. Não há nada que temer.
Lorraine a olhou e sussurrou:
—Me dá medo ir a terra, senhora.
Elysse já estava a par de que sua donzela não sabia nadar. Lorraine o havia dito umas cem vezes.
—Deposito toda minha confiança em você, senhor —disse então Elysse, com seu melhor sorriso.
Ele assentiu e fez uma reverência. Um momento depois, viram-no descer ao bote com cinco de seus homens.
—Boa sorte —disse ela, impulsivamente.
Ele se despediu com a mão.
Durante a hora seguinte, olharam-nos por turnos com os gêmeos, e finalmente respiraram de alivio ao ver que o bote chegava a terra através das ondas. Elysse se deu a volta.
—Acredito que deveríamos nos retirar, Lorraine, e ficar em nosso camarote até que venha o capitão.
Lorraine assentiu, e ambas desceram apressadamente até o camarote que compartilhavam. Continha duas camas dobre, uma em cada parede, uma pequena penteadeira e uma mesa. Todo isso estava cravejado ao chão. Imediatamente, fecharam a porta.
Aquela noite, enquanto a lua subia pelo céu, Elysse estava tendida na cama olhando pelo olho de boi, sem poder dormir. O céu noturno era de cor azul muito escura, e estava salpicado de estrelas. As ondas balançavam brandamente o navio, e os mastros rangiam. Pensou em Alexi, que lhe tinha confessado que tinha passado muitas noites em vigília em alto mar, e lhe encolheu o coração por ele. Para então estaria já passando o Cabo de Boa Esperança. Estaria pensando nela? Teria também dificuldades para dormir? Certamente estaria pensando na paixão que tinham compartilhado. Elysse esperava que o fantasma do pobre Montgomery lhe estivesse deixando tranqüilo.
Teve a sensação de que os mastros rangiam mais do que o normal. Quase via Alexi sozinho, no leme de seu navio, com o rosto erguido para a lua, e desejou desesperadamente estar ali com ele. Daria tudo para estar em seus braços.
A madeira voltou a ranger.
Elysse se ergueu, com cuidado de não golpear a cabeça contra o teto baixo. A pequena adega que havia além de sua porta estava em silêncio. Entretanto, ela estava segura de que acabava de ouvir um passo.
Esforçou-se por escutar mais. Lorraine estava dormida, respirando brandamente. Os mastros continuavam rangendo, a lona das velas continuava sussurrando.
Então, ouviu mover o fecho da porta.
Elysse rebuscou na bolsa com a que dormia e tirou uma pistola carregada. Enquanto o fazia, ouviu-se que arrancavam o fecho.
Lorraine despertou e gritou do susto.
A porta se abriu de par em par.
—Se entrar alguém, vou disparar —gritou Elysse com o coração acelerado. Na escuridão viu um par de olhos enormes, fixos.
Demorou um instante em compreender que havia um enorme africano frente a ela. Ele se aproximou e a agarrou pelo braço. Enquanto Elysse disparava entrou outro homem no camarote. O grito de Lorraine foi sossegado, e a Elysse arrebataram a pistola da mão e lhe puseram um saco pela cabeça.
Elysse forçou com pânico, e alguém lhe falou com dureza em uma língua que não conhecia. Ela golpeou cegamente e tentou arranhar o que esperava que fosse seu rosto. Sentiu um golpe terrível na parte posterior da cabeça.
A dor a consumiu. E então, a escuridão a envolveu.

 


Capítulo 18
Nunca tinha desejado tanto ver os moles de Londres. Alexi estava com seu amigo junto ao leme, e mal podia esperar que jogassem as quatro grandes âncoras. Fazia algo impensável: com um carregamento para a China,voltou com o navio a Inglaterra.
Tinha zarpado quatro semanas antes, mas só tinha chegado a Gibraltar.
Seus homens estiveram a ponto de causar um motim. Toda a tripulação sabia qual era o custo de voltar os porões cheios de mercadorias que estavam destinadas aos mercados estrangeiros.
A imagem de Elysse lhe passou pela mente tal e como a tinha visto pela última vez, como uma pequena mancha azul no porto de Santa Catalina, despedindo-se com tristeza dele. Alexi a tinha olhado através dos binóculos no último momento, para vê-la pela última vez.
Sentiu uma dor aguda no peito, tão aguda que se perguntou se tinha levado um tiro.
Entretanto, não houve nenhum disparo. O que lhe doía era o coração.
Olhou a seu redor, pelo navio.
—Desdobrem todas as velas —disse com tensão—. Vamos deixá-las secar.
—Sim, senhor —respondeu um dos oficiais, e se apressou a obedecer.
Ele tinha evitado o motim pessoalmente, garantindo a todos os membros da tripulação uma compensação adequada pela viagem de quatro semanas. Aqueles recursos tinham saído de sua própria fortuna.
—Baixem o bote —ordenou.
A imagem de Elysse voltou a cruzar pela mente, mas naquela ocasião tal e como a tinha visto em sua casa de Oxford, com expressão consternada, quando disse que ia partir no final da semana.
«Fizemos amor… foi maravilhoso».
«As coisas não mudaram».
«Isto é um novo começo para nós…».
Ele tomou ar enquanto o bote caía na água, sob o casco do navio. Elysse disse, várias vezes que o queria. Entretanto, ela amava Blair, não?
Ele não podia suportar a ideia de que estivesse com Blair. Elysse lhe pertencia. Sempre tinha sido dele.
Era sua esposa.
Recordou o dia em que se casaram no Askeaton Hall. Ele não queria casar-se com ela. Naquele momento era muito jovem e estava muito zangado, mas também estava empenhado em protegê-la, custasse o que custasse.
Tinha passado as duas últimas semanas tomando uma determinação: romper seu casamento e permitir que ela voltasse com Blair, ou aceitar suas responsabilidades como marido e cumprir com os votos que tinha feito seis anos antes. Ele não queria estar casado. Era um solteiro que amava as mulheres e o mar. O mar era sua amante! Entretanto, não suportava a idéia de que ela estivesse com Blair, nem com nenhum outro. E havia mais.
Tinha que enfrentar seus sentimentos mais profundos. Queria Elysse desde que eram crianças. Nunca tinha esquecido a promessa que fez em Errol Castle. Embora fosse uma presunçosa menina mimada, e uma paqueradora impossível, ele sempre a quis.
Enquanto recordava os meses anteriores, os que tinham transcorrido desde que ele tinha voltado para Londres, uma e outra vez, começou a pensar no muito que Elysse mudou. Ele estava tão furioso que não tinha visto as mudanças. Não tinha paquerado com ninguém, ao menos em sua presença. Acaso seguia sendo egocêntrica? Presunçosa? Quanto mais pensava em seus encontros, mais via que ela tinha maturado e se converteu em uma mulher e uma dama elegante. Inclusive sua relação com Blair parecia mais uma amizade amadurecida que uma aventura temerária de paixão.
Se esquecia a menina ou quão jovem tinha sido Elysse, talvez nem a reconhecesse!
Entretanto, nada daquilo tinha importância. Se ela tivesse seguido sendo uma coquete desaprensiva e mimada, ele teria seguido querendo-a. Aquele era seu mais profundo secreto.
E isso significava que tinha que voltar para Londres e reclamá-la como esposa.
Sentia-se como se estivesse ao bordo de um precipício. Queria-a e a desejava, mas ao pensar nas responsabilidades que tinha um homem casado, sentia medo. Assim que se reconciliasse com ela, sua vida mudaria para sempre.
Alexi a tirou da cabeça e desceu pela escadaria até o bote. Movia-se com facilidade, sem fazer um só movimento em falso. Levava subindo e baixando escadas de corda desde que era menino, e tinha baixado a embarcações similares em águas muito mais perigosas. Fez- um sinal a seus dois remadores, e enquanto o bote começava a avançar para o mole, notou que lhe acelerava o coração. Sua casa estava a uma hora de caminho. Ela estava a uma hora de caminho…
Não sabia o que ia dizer, nem como iriam levar um casamento de verdade, tendo em vista toda a mãgoa entre eles. Quem dera pudesse mudar o passado. Tampouco desejava que os amantes que Elysse teve se colocassem entre eles, mas estava disposto a perdoá-la. Depois de tudo, ele também tinha tido muitas amantes, e ao contrário da maioria dos homens, não acreditava que as mulheres tivessem que ater-se a princípios morais mais elevados que eles. Entretanto, seu passado o incomodava. Era um tolo, mas desejava que ela o quisesse o suficiente para esperar que ele recuperasse o bom senso e fosse seu marido de verdade.
Só sabia que tinha que começar com aquela reconciliação de algum modo, porque não ia permitir que ela voltasse a afastar-se dele.
—Alexi.
O bote estava chegando ao mole quando ouviu a voz de seu pai. Olhou para cima, preparando-se para o sermão. Cliff tinha ficado assombrado ao vê-lo. Antes que seu pai pudesse lhe perguntar o que tinha acontecido, Alexi saltou do bote.
—Vou pagar o custo da viagem, e partirei a Cantão dentro de uma semana.
—Quando me inteirei de que a Coquette voltava para a Inglaterra, pensei que tinha acontecido um desastre! Está bem a tripulação? Não terão sofrido um broto de malária nem de peste? O navio está intacto? Eles atacaram os piratas?
—A tripulação e a Coquette estão perfeitamente bem—disse Alexi com desconforto—. Tenho assuntos pessoais que resolver.
Seu pai o olhou sem dar crédito.
Então, para assombro de Alexi, Cliff começou a sorrir.
—Seriamente? Tem assuntos pessoais para resolver?
Por que não lhe gritava? Tinha perdido o tempo e o dinheiro com suas ações, e tinha causado um mau à reputação de Windsong Shipping, e certamente também tinha provocado a ira dos clientes e patrocinadores.
—Parti-me feito uma fúria —confessou Alexi—. Tenho que falar com minha mulher e arrumar as coisas antes de ir para estar fora outro ano mais.
Cliff o agarrou por braço.
—Me alegro tanto de ouvir isso! E acredito que ela vai se pôr muito contente ao vê-lo. Mas não está em Londres, Alexi. Partiu-se a Irlanda.
Ele se sobressaltou. Para que tinha ido Elysse a Irlanda? Ela não tinha nada que fazer no campo. Começou a sentir dúvidas e suspeitas.
—Está seguro?
—Claro que sim —respondeu Cliff—. Não nos disse nada a Amanda nem a mim, mas o deixou bem claro a seus criados. E disse a Ariella que desejava passar uma temporada sozinha.
—Está Thomas Blair na cidade? —perguntou sem poder evitá-lo.
A expressão do Cliff se escureceu.
—Não sei. Alexi, tem que conceder o benefício da dúvida a Elysse. Depois de falar com ela, eu o concedo.
—Seriamente? —perguntou ele, e sentiu uma pontada de angústia—. Pode ser que a tenha tido abandonada há seis anos, mas já está bem. Estou decidido a que nos reconciliemos. Isso significa que sua amizade com Blair terminou. Não aceitarei outra coisa —disse. Então, viu a pequena carruagem do Cliff ao final do mole—. Importaria-se que usasse seu carro? Não demorarei muito.
—Sim, pode levá-la. Mas aonde vai? Ao escritporio de Blair? —perguntou Cliff, e lhe apertou o ombro a seu filho—. Tome um momento para pensar com clareza. Não piore a situação com sua esposa. Deveria falar de tudo com calma e com sensatez com ela, antes de fazer nenhuma outra coisa.
Alexi lhe fez caso omisso e partiu para o veículo. Estaria com Blair? Estava muito surpreso, porque percebia que pensar naquilo lhe fazia mal e lhe causava muitos ciúmes. «Te amo». Haveria dito Elysse aquelas palavras de verdade? Tinha mudado realmente, e ele se estava dando conta, cada vez mais. Talvez tivesse ido de verdade ao Askeaton a passar uma temporada tranqüila. Enquanto se afastava dos moles, ia rememorando suas conversações, e a carta que lhe tinha escrito.
«Não quero a ninguém mais… Fizemos o amor… foi maravilhoso».
«Não desejo Blair. Desejo a você…».
«Quero estar casada contigo… Quero que isto seja um começo para nós».
«… que zarpe não vai mudar o fato de que estamos casados… Eu ficarei em Londres, cuidando nossa casa e me encarregando de nossos interesses, até que volte».
A mulher que tinha falado assim, que tinha escrito aquilo, era uma mulher amadurecida, considerada e reflexiva, uma mulher com experiência e com uma vontade de ferro. Era possível que o quisesse? Se era certo o que ele pensava dela, Elysse não teria retornado tão alegremente junto a Blair.
Estaria-o esperando, e ele só tinha que encontrá-la.
É obvio, talvez Blair soubesse onde estava. E aquela parte louca dele desejava assegurar-se de que o banqueiro seguia na cidade.
Os escritórios de Blair estavam no Bond Street, e Alexi se sentiu muito aliviado ao encontrar Blair ali. Assim que seus olhares se cruzaram, ele soube que Thomas Blair já não era seu rival. O instinto lhe dizia que a aventura tinha terminado.
Blair lhe assinalou uma cadeira e apoiou o quadril ao bordo do escritório.
—Assim voltastes para a cidade. Onde está seu navio, e seu carregamento?
Alexi não se sentou.
—Ancorado no Támesis. Voltarei para o mar dentro de uma semana. Retornei para falar com minha esposa. Onde está?
Blair se ergueu.
—Não sei, mas me alegro de que tenham decidido ser sensato. É uma mulher magnífica, e merece sua confiança, sua consideração e afeto.
Alexi se sobressaltou.
—Não sabem onde está?
—Veio a despedir-se, mas estava muito agitada e ansiosa. E evasiva. Não consegui que falasse muito do que tinha planejado fazer, só disse que ia partir da cidade para uma temporada.
—Elysse disse a todos que partia a Irlanda.
Entretanto, por que não disse a Blair?
Blair arqueou as sobrancelhas.
—Não me disse isso. Nunca me mentiu, e eu não acredito nela. Estou preocupado, De Warenne.
Alexi começou a sentir medo. Elysse não era do tipo de mulher que ficaria isolada no campo. Entretanto, aonde teria ido? Tinha que estar na Irlanda!
—Poderia ser que ficou na cidade, embora solitária, encerrada em casa?
—Acredito que isso não é provável. Talvez saiba sua governanta. Eu tentei falar com Matilda, mas não consegui nada. Mas ela tem que ter contado a alguém.
Alexi o olhou e percebeu que Ariella saberia onde tinha ido.
—Têm razão. Minha irmã é sua melhor amiga e confidente —disse ele com rapidez, e se dirigiu para a porta.
Blair o seguiu e o agarrou pelo braço.
—Há uma coisa mais. Vou dizer para o bem dela, não pelo seu. Nós nunca fomos mais que amigos.
Alexi sentiu um imenso alívio.
—Mas você está apaixonado por ela.
—Sim, é certo. Entretanto, dou-me conta de que não sou o único.
Alexi sentiu que ruborizava.
—Agradeço a sinceridade —disse ele, e estendeu a mão—. Conheço Elysse desde sempre. Há alguns laços que não podem se romper, apesar de tudo. Não posso lamentar sua perda, Blair, mas desejo-lhe sorte.
Blair lhe estreitou a mão.
—Me alegro de que digam isso. Boa sorte, De Warenne.
A hora seguinte foi a mais larga de sua vida. Ia a casa de sua irmã na carruagem, pensando em todas as possibilidades. Perguntou-se se Elysse teria ido a Paris. Quase todas as mulheres a quem ele conhecia se distraíam de um desengano amoroso indo as compras.
Não esperou que o anunciassem a Ariella. Entrou diretamente na biblioteca, onde sabia que ia encontrá-la com um livro. Ela deixou cair o volume e se ergueu no sofá onde estava recostada.
—Alexi! Não está no mar! —exclamou enquanto empalidecia.
Todas suas suspeitas se intensificaram.
—Estou certo! Você sabe onde está Elysse! —disse-lhe, enquanto ela ficava em pé de um salto.
—Por que não está a caminho a China?
—Porque preciso falar com Elysse. Se quer saber, por fim recuperei o bom senso e desejo me reconciliar com ela.
Antes que ele tivesse terminado a frase, Ariella o abraçou com entusiasmo.
—Gosta muito de você, e eu sei que você também a quer ! Estou muito contente pelos dois! Julgou-a equivocadamente, sabe?
Ele a afastou com severidade.
—Sabe onde está, não? Cada vez estou mais preocupado, Ariella! Foi a Irlanda? Onde está? Partiu a França?
Ariella empalideceu de novo, e sua expressão demonstrou temor.
—OH, Meu deus. Alexi, tente manter a calma.
Sabia que ia zangar-se muito quando soubesse onde tinha ido Elysse. Sacudiu-a brandamente.
—Acalmarei-me quando me disser onde está, para que possa ir procurá-la e arrumar nosso casamento!
Ela balbuciou:
—Foi-se a China!
O horror de Alexi não conheceu limites.
A dor começou a palpitar em sua cabeça.
Elysse tentou despertar, mas estava imobilizada, como se tivesse pés atados e mãos. A dor cada vez era mais intensa. Por algum motivo sabia que devia avivar-se, mas estava envolta em uma névoa escura. Tinha que nadar através dela, para a luz cinza. Notou algo áspero sob as costas e as nádegas, e notou que se balançava brandamente. Estava no mar? Tentou formar-se uma lembrança vaga na cabeça. Por fim recuperou o conhecimento e abriu os olhos, pestanejando.
O sol brilhante a cegou.
Elysse demorou um momento em dar-se conta de que estava estendida de barriga para cima, olhando para o céu azul e o sol. Lorraine estava sentada, com as costas apoiadas na lateral de uma canoa estreita, olhando-a com ansiedade. Tinha o rosto queimado pelo sol. E havia três africanos remando.
Então, Elysse lembrasse que alguém tinha forçado a porta do camarote e que ela havia tentado disparar em um homem. Gritou.
—Está bem? —gemeu Lorraine—. OH, senhora, temia que estivessem morta!
Elysse percebeu que estava com as mãos atadas. Conseguiu incorporar-se e sentiu um estalo de dor na cabeça. E de medo no coração. O africano que não estava remando a olhou e lhe falou.
—Estava tão quieta.
Tinham-na seqüestrado.
Olhou a seu redor e percebeu que se aproximavam de uma praia. Diante deles havia umas ondas violentas que rompiam contra a margem. Naquela praia havia um grupo de homens que os estava esperando. Não havia nenhuma embarcação mais. Sua pequena canoa era a única.
Seguiu olhando a costa. Havia uma fortaleza de pedra no topo da colina mais próxima à praia, mas estava bastante longe, e não era o Castelo de Cape Coast!
—Onde estamos? Aonde nos levam?
O africano respondeu:
—Cale-se.
Depois lhe deu as costas.
Elysse entendeu com imenso horror a situação tão se desesperada em que se encontravam: tinham-nas seqüestrado e as tinham afastado do quartel geral da marinha britânica e do Odyssey. O interior da África se estendia ante elas!
—Seqüestraram-nos a meia-noite. Lorraine, deve ser meio-dia!
—Parece-me que levamos toda a vida nesta barco —disse a donzela. Encheram-lhes os olhos de lágrimas, mas piscou para conter —.vamos para a costa, e eu não sei nadar!
—Desatem-me —exigiu furiosamente Elysse, tentando dominar o medo. Courier devia ter sido cúmplice de seu seqüestro. Pensou em Alexi e em sua família e seu medo aumentou. Deus Santo, seria resgatada alguma vez? E se não voltava a ver Alexi?
«Acaso não te hei dito que sempre te protegeria?».
Pôs-se a tremer e conteve as lágrimas enquanto recordava aquela tola promessa infantil que lhe tinha feito tantos anos atrás, no castelo da Irlanda. Ela se sentia perdida e aterrorizada. Mas Alexi tinha ido procurá-la.
Ele nunca a deixaria nas selvas da África!
Respirou profundamente. Alexi lhe tinha feito uma promessa, e era um homem de honra. Encontraria-a.
—Senhor! —gritou ela—. Desatem-me para que possa ajudar a minha amiga a chegar à margem! Não sabe nadar!
O africano a olhou despreciativamente.
—Não sabe nadar! Fala inglês? Terei que ajudá-la se as ondas nos jogarem contra a margem! —exclamou, elevando as mãos atadas—. Desamarre-me!
Ele tirou sua faca, e a ela quase lhe parou o coração. Entretanto, seu captor sorriu e lhe cortou as ataduras dos braços e dos tornozelos rapidamente. Elysse exalou demoradamente. Depois, o homem cortou as ataduras de Lorraine.
Elysse se esfregou as mãos.
—Foi Courier? —perguntou—. Foi ele quem preparou tudo isto?
—Cale-se —disse o homem.
Lorraine sussurrou:
—Acredito que não fala mais que umas quantas palavras. OH, senhora, como nos vão encontrar?
—Não se preocupe. O capitão de Warenne virá por nós mais tarde ou mais cedo.
Lorraine a olhou como se estivesse louca.
Elysse fechou brevemente os olhos. Era muito difícil pensar. Tentou desesperadamente medir suas possibilidades de escapatória, mas naquele momento havia algo mais urgente: atravessar as ondas sem que nenhuma das duas se afogasse.
Lorraine fez um som afogado. Elysse olhou para diante e disse:
—Agarre-se a ambos os lados da canoa, querida. Forte.
—Tenho medo.
—Não vou permitir que se afogue —disse. E nunca tinha falado mais a sério. Entretanto, por muito boa nadadora que fora, a ninguém resultaria fácil nadar com tantas capas de roupa como levava ela.
A canoa chegou à primeira série de ondas. Lorraine gritou quando o pequeno bote saiu impulsionado pelo ar. Os dois remadores deixaram descansar os remos durante um instante. Depois, quando o bote caiu na depressão de uma das ondas, voltaram a afundá-los na água. Ela respirou profundamente quando a canoa saía disparada para diante e para cima uma vez mais. Imediatamente, percebeu que aqueles homens eram marinheiros experientes. Sem dúvida tinham atravessado as ondas centenas de vezes para chegar à margem. Entretanto, enquanto a embarcação lutava contra o fluxo, Lorraine ficou de cor verde. Inclusive Elysse, que nunca enjoava, sentiu-se doente também. Ambas as mulheres se agarraram a ambos os lados da canoa com todas suas forças.
Um momento depois, a canoa superou seu último lance de fluxo e de repente se viram em um lago de calma, com o estrondo das ondas detrás. E Elysse viu dois homens vestidos de europeus na praia. Eram uma visão incongruente, com seus trajes escuros e suas cartolas, e atrás deles, a selva verde e impenetrável. Entretanto, antes que pudesse pensar o que significava sua presença, os remadores saltaram da canoa, como seu chefe. O bote foi miserável até que a quilha se cravou na areia. Depois os homens as tiraram ambas da canoa e as depositaram na areia bruscamente.
Lorraine a olhou com os olhos abertos como pratos enquanto se sacudia a areia da saia.
—Apenas me molhei —disse.
Elysse inalou uma baforada de ar e olhou aos dois europeus que se aproximavam delas. Tirou da mão a sua donzela e a apertou. Percebeu que havia uma estrada de terra ao final da praia, junto ao limite da espessura, e um carro com uma mula.
—São muito habilidosos, mas temos sorte de não nos haver afogado.
Lorraine se deu a volta ao ver os homens.
—O que nos vão fazer? O que querem?
—Não nos vão fazer mal —disse Elysse. Apertou-lhe de novo a mão enquanto fingia confiança absoluta. Só havia um possível motivo para seu seqüestro: aqueles homens foram pedir um resgate por elas.
Os africanos fizeram gestos, e as mulheres começaram a caminhar pela praia. A areia era branquíssima e fina, mas resultava difícil avançar por ela. Elysse percebeu que tinha muita sede. Quando esteve frente aos europeus, sentiu-se consternada. Estavam sem barbear-se, sujos, e cheiravam muito mal. Não eram cavalheiros.
—Fala inglês, francês ou espanhol? —perguntou.
Eles ignoraram sua pergunta. Entregaram-lhe ao chefe de seus captores um pacote grande envolto em couro. Ele sorriu, mostrando a dentadura branca na qual brilhava um dente de ouro. Afastou um pedaço da pele e Elysse viu um mosquete.
Olhou para Lorraine. Os africanos acabavam de receber seu pagamento, claramente, em armas. Entretanto, quem estava por trás daquele seqüestro?
Os três homens partiram para sua canoa. O europeu a agarrou e a empurrou para diante.
—Onde estamos? —perguntou Elysse. Ele não respondeu, e então ela o perguntou em francês e depois em espanhol. Não conseguiu nada.
As cinco horas seguintes passaram com uma lentidão insuportável. Jogaram-nas à parte posterior da carreta e voltaram às atar. Deram-lhes água e uma papa. O europeu mais alto conduzia o carro, enquanto que o mais fornido se sentou com elas com um rifle, sem deixar das olhar. Quando Elysse cometeu o engano de sustentar seu olhar, lhe sorriu libidinosamente.
Elysse nunca se havia sentido mais assustada, nem mais incômoda. O sol esquentava com fúria e ela notava que lhe queimavam as bochechas e o nariz. Lorraine estava abrasada. Seu guardião não deixava de olhá-la, e ela sabia o que estava pensando exatamente. Começou a lhe preocupar que as violassem. Sobreviveriam Lorraine e ela nas selvas da África Ocidental até que as resgatassem?
Seu sonho de que Alexi as encontrasse era uma loucura. Alexi já estaria no Cabo de Boa Esperança! Era mais provável que seu pai ou seu irmão fossem em seu resgate. Entretanto, ela seguia lembrando-se da promessa no Castelo de Errol, como se tivesse sido feita no dia anterior.
«Não está perdida. Eu nunca a deixaria aqui…».
De repente, Elysse percebeu ruídos, além dos do avanço rítmico das rodas da carreta. Esforçou-se para ouvir algo e reconheceu vozes de crianças. Ergueu-se e viu algumas cabanas com o teto de palha em ambos os lados da estrada.
—A civilização —sussurrou.
Perguntou-se se teriam chegado a seu destino. Enquanto falava, foi aparecendo mais daquele povo africano. Eram cabanas abertas suspensas em postes de madeira. Havia várias crianças brincando com paus e com uma bola na estrada, e também várias mulheres com os seios nús. Outras duas mulheres, que levavam umas grandes cestas nas costas, detiveram-se para olhá-los quando passavam.
Lorraine a puxou pelo braço. Estavam chegando a um enorme porto cheio de navios de todo tipo e tamanho. Elysse viu vários prédios brancos e brilhantes a certa distância. Pareciam de pedra. As duas mulheres se olharam com preocupação. Estivessem onde estivessem, tinham que proteger-se do sol, pelo menos. Elysse olhou para o porto de novo, pensando que oferecia esperança.
As distâncias eram enganosas, e a mula seguiu caminhando uma hora mais antes que chegassem ao mole, que bulia de atividade. Os homens descarregavam e carregavam mercadorias nos botes e as canoas, e as carretas as transportavam entre os embarcadouros até os armazéns. Havia mais europeus por aquele porto. Lorraine e ela se olharam de novo. Certamente, alguém as ajudaria a escapar de seus seqüestradores.
O carro foi afastando do porto e entrando no povoado. Passaram diante de algo que parecia um café ao ar livre. Elysse viu que no interior da cabana havia homens negros com cadeias de ouro que conversavam com brancos de aspecto pouco recomendável e que fumavam em cachimbo. Depois, o coração lhe deu um tombo.
—Isso é uma prisão? —perguntou Lorraine com a voz entrecortada.
Estavam passando junto a uma edificação de vigas de madeira com o teto de palha, e com as paredes feitas de barrotes de metal. Era como uma espécie de cela, mas tão grande como um salão do Mayfair. No interior havia muitos homens e mulheres africanos, tão apertados que ninguém podia mover-se. Ficou tão horrorizada que emudeceu. Percebeu que estava vendo cativos africanos que iriam ser vendidos nos mercados de escravos.
Passou um momento antes que recuperasse a fala.
—Esses africanos vão ao Brasil, às Índias Ocidentais e talvez às colinas americanas, Lorraine. São escravos.
Lorraine gemeu de espanto.
—Mas se o tráfico de escravos é ilegal!
—É ilegal no império britânico, mas não em outros muitos lugares —disse ela, apertando os punhos—. Esperem que nossa marinha capture aos esclavistas que saiam destes portos.
Encolheu-lhe o estômago. Uma coisa era ler sobre o tráfico de escravos. Outra muito diferente era presenciar toda sua crueldade e falta de humanidade.
Olhou para o porto, tentando averiguar quais dos navios eram de esclavistas. Teriam cascos muito largos e adegas muito grandes. Detectou três.
Dois minutos mais tarde o carro se deteve frente a um dos prédios de pedra brancos. Desde perto, Elysse percebeu que o prédio era velho e estava muito deteriorado. Faltavam-lhe muitas pedras. As venezianas estavam desvencilhadas, e a pintura escura tinha desconchones.
Obrigaram-nas a sair do carro, sem lhes desatar os braços, e empurraram a Elysse com a culatra de um rifle nas costas. Elysse ficou muito rígida, porque se sentia insultada e furiosa, mas não se dignou a olhar ao europeu que a acossava daquela maneira. Ele se pôs a rir.
O ar do vestíbulo era bastante mais fresco que o do exterior, e isso foi todo um alívio. Elysse se precaveu de que naquela única estadia havia várias áreas diferenciadas: um salão com uma mesa para seis, uma zona de estar com um sofá de brocado e duas poltronas e uma parte dedicada a despacho com um enorme escritório. O homem que estava ali sentado se levantou de sua cadeira com um sorriso resplandecente.
Ela se deteve com o coração encolhido.
Era um europeu esbelto e bem vestido que tinha o cabelo escuro e a pele clara.
—Senhora De Warenne, bem-vinda ao Whydah —disse, com um marcado acento francês. Aproximou-se delas com satisfação e a tirou da mão.
—Quem são, e o que querem? —perguntou ela enquanto retirava a mão rapidamente.
—Sou Laurent Gautier, a seu serviço, senhora. Farei todo o possível para que sua estadia aqui seja o mais cômoda possível.
—Perguntei-lhes o que querem de nós. E eu gostaria que me desatassem as mãos.
Ele ordenou em francês:
—Corte as ataduras.
Elysse elevou as mãos e o europeu libertou suas mãos. Lorraine também foi libertada. Elysse esfregou a pele.
—Obrigado.
Ele sorriu lentamente.
—Fazia muito tempo que não tinha o prazer de desfrutar da companhia de uma dama de verdade.
Ela o fulminou com o olhar.
—Pois eu nunca tive uma companhia tão grosseira em minha vida.
O sorriso apagou-se dos lábios do homem, e seu olhar se tornou duro. Elysse lamentou o que disse.
—Serão minhas convidadas até sua libertação —disse—. Os quartos são lá em cima.
—E quando nos libertarão? —inquiriu ela.
—Quando tivermos recebido uma compensação satisfatória.
—Nos vai reter como reféns para conseguir um resgate.
—Ah, gosta de chamar as coisas por seu nome. A mim também. Sim.
A Elisse resultava-lhe difícil dissimular seu temor, mas pelo menos agora conhecia o jogo.
—Capitão, minha família pagará o que desejar por minha libertação, mas nunca o perdoarão por isso.
Ele encolheu os ombros.
—Conheço a reputação de seu pai, o infame capitão Devlin Ou’Neill. Também conheço a de seu marido, senhora. Pedirei um grande resgate, e quando o receber, fugirei deste lugar horrível —disse. Deixou claro que ninguém ia encontrar o quando partisse.
—Libertem-me agora —disse Elysse—. Enviem-me a casa. Prometo que pagarei o que me pedirem.
Ele fez um gesto, e ambas as mulheres foram capturadas pelos europeus.
—Pareço um idiota?
O europeu empurrou Elysse para as escadas. Gautier rugiu:
—Não a empurre, desgraçado. É uma dama.
O europeu a libertou. Elysse levantou as saias e começou a subir os degraus. Na parte de cima foi conduzida até um pequeno quarto. As paredes eram brancas mas estavam sujas. Havia um tapete muito desgastado no chão, uma cama contra a parede, uma cômoda e um lavabo. Sobre a cômoda havia um ventanuco pelo que se via o porto azul cheio de navios.
Apareceu Gautier, que se situou entre o Lorraine e ela.
—Desfrutarei de sua companhia esta noite às sete —disse, e com uma reverência, fechou a porta e a deixou sozinha.
Ela gritou e se apoiou na porta. Ouviu que a estavam fechando com chave.
—Vai encerrar-me? —gritou—. E Lorraine?
—Senhora de Warenne, não deixem que nos separem! —soluçou Lorraine.
—Sua donzela estará perfeitamente. Verei-lhes as sete em ponto —disse Gautier.
Elysse ouviu seus passos enquanto se afastavam, e depois se fechou outra porta. Seguiu ouvindo o pranto de sua donzela.
Finalmente, o horror a venceu, e também o esgotamento. Voltou-se lentamente pelo quarto atordoada e observou a sujeira. Começaram a cair-lhe as lágrimas.
Tinham-na separado de Lorraine. Elysse tinha medo do que pudessem fazer a sua donzela, que não contava com o amparo de uma fortuna nem um título. Chorou mais e mais.
Tinham-na como refém. Certamente, sua família demoraria mais de um mês em receber as exigências do Gautier. E eles, desde Grã-Bretanha, demorariam três ou quatro semanas em enviar seu resgate. Encolheu-lhe o coração. Se tudo saía bem.
Pensou nas histórias que tinha ouvido contar, sobre mulheres às que seqüestravam em alta mar, e das que nunca voltava ou seja se nada. Aquele não podia ser seu destino!
«Se te perder, encontrarei-te. Se correr perigo, protegerei-te».
As palavras que Alexi tinha pronunciado mais de uma década antes voltaram a ressonar em sua mente. Acreditava-, mas tinha muito medo.
Caminhou para a janela e olhou ao exterior. O porto do Whydah era muito belo. As águas eram muito azuis e brilhavam como gemas, e as velas brancas resplandeciam sob o sol. Entretanto, ela seguiu chorando até que as lágrimas lhe impediram de ver nada.

Colocou a mão sobre o coração.
—Alexi —sussurrou—. OH, Deus, me encontre, por favor. Por favor.

 

 

Capítulo 19
—Baixem as âncoras! —gritou Alexi, sem deixar de olhar aos navios que estavam ancorados no mar. Estava a três quilômetros do Castelo de Cape Coast.
—Sim, capitão —respondeu um oficial, e seus homens obedeceram apressadamente.
Tinha o coração oprimido. Olhou a fortaleza através da luneta. Nunca havia sentido tanto medo. Por sua irmã Ariella tinha sabido que Elysse tinha comprado uma passagem no Odyssey com a intenção de chegar a China. Ele não podia imaginar-lhe em alta mar com a única companhia de sua donzela. Desde que se tinha informado de tudo não pôde dormir. Tinha pesadelos e estava muito arrependido. Qualquer duvida sobre seu amor por ela, ou sobre sua decisão de converter-se em um marido verdadeiro para Elysse, desvaneceu-se.
Estava na costa de Portugal quando soube que tinham visto o Odyssey ancorado em Cape Coast. Aquela informação a tinha obtido de um navio português, mediante a linguagem de bandeiras. Depois de ter estado uma semana inteira navegando, cruzou-se com quinze veleiros, mas nenhum deles sabia nada do Odyssey. Ao obter aquela informação se ficou espantado.
O Odyssey ia rumo à China. Não havia nenhum motivo para que fizesse escala em Cape Coast. De fato, os ventos do nordeste deveriam havê-lo mantido afastado da costa.
Alexi tinha passado três dias em Londres fazendo averiguações sobre o Odyssey, seus proprietários e seu capitão. Sua primeira intenção tinha sido zarpar a toda vela para a China, imediatamente. Entretanto, terei que descarregar as adegas da Coquette, e Alexi aproveitou aquele tempo. O Odyssey era propriedade de uma companhia de transporte marítimo de Glasgow, McKendrick e Filhos, que tinha boa reputação. Nenhum dos sócios sabia que o capitão Courier tinha aceito a bordo a sua esposa, nem que a tivesse levado para Cantão. De fato, os agentes e os proprietários se ficaram consternados ao saber o ocorrido. E para piorar as coisas, não sabiam muito do capitão Courier. Só tinham recorrido uma vez a seus serviços e sua trajetória profissional não era muito extensa. Não podiam falar do caráter daquele homem.
Naquele momento Alexi tinha pressentido que existiam problemas, e nunca lhe falhava o instinto. O medo com o que tinha vivido desde que soube que Elysse se partiu a China o tinha consumido. Começaram as suspeitas. Algo não partia bem.
Estaria Elysse no castelo? Tomara. Se o navio ainda estava ancorado ali, ele poderia encontrar a sua mulher.
Ouviu que pregavam as velas atrás dele. Arriar as gavias era tanto uma amostra de cortesia como uma medida defensiva. Era um sinal para que a marinha britânica soubesse que suas intenções não eram hostis. depois de tudo, nenhum navio alcançava grande velocidade sem a ajuda das gavias; assim, as arriando protegia seu veleiro dos canhões. Era uma tradição para qualquer nave que passasse ante o castelo ou que ancorasse em suas águas.
—Disparem os canhões de estribor —ordenou, observando o quartel geral da marinha britânica pela luneta.
Imediatamente, dispararam nove dos canhões da Coquette. O som viajou sobre a superfície da água. Passaram uns instantes até que os negros canhões do castelo responderam à saudação.
Alexi tinha o coração acelerado enquanto ordenava que baixassem o bote ao mar. Durante o trajeto a terra foi convencendo-se de que talvez Courier se viu obrigado a deter-se em Cape Coast para fazer reparações ou para mudar de tripulação, talvez por causa de uma tormenta ou de um surto de malária. Entretanto, não acreditava no que estava dizendo a si mesmo. Nenhum dos veleiros com os quais cruzou lhe tinham dado semelhantes notícias.
Pelo menos, acreditava que Courier sabia navegar. Portanto, poderia atravessar o mar da China sem perder-se, sem encalhar e sem se chocar contra um recife oculto. Entretanto, Alexi tinha intenção de alcançar ao Odyssey muito antes que tivesse chegado a aquelas águas.
Soltou uma maldição entre dentes. Tomara que Elysse tivesse feito o que teria feito qualquer outra mulher! Esperá-lo até que ele voltasse para casa!
No que estava pensando?
Entretanto, lhe tinha pedido que a levasse consigo. Por que não a tinha escutado quando lhe havia dito que queria um matrimônio de verdade? Se lhe ocorria algo, seria culpa dele!
Com ajuda dos binóculos observou a parte calma da costa em busca do Odyssey. Não tinha visto nenhum desenho da nave, mas tinha feito muitas perguntas a seus proprietários e imaginava perfeitamente. Tinha memorizado sua tonelagem, suas linhas e os equipamentos de barco, e a reconheceria em uma noite sem lua em qualquer sítio. Não estava ali.
Dirigiu os binóculos para Cape Coast. Tinha estado várias vezes no castelo, e Alexi conhecia a fortaleza, que dava as costas à terra firme e estava rodeada em três custados pelo mar tropical. Ao redor surgiam rochas escuras e perigosas contra as quais rompiam as ondas. Alexi viu a torre do campanário na parte mais alta do castelo. A porta que dava ao mar estava na praia, e ali havia numerosos botes deixando passageiros e carregamentos.
Baixou os binóculos. Tinha calculado que estava duas semanas atrás de Elysse, se o Odyssey não se deteve em Cape Coast. Se o tinha feito, então talvez só lhe levassem uma semana ou alguns dias de vantagem, e com as adegas vazias, logo alcançariam ao outro navio.
Por uma parte estava desesperado por prosseguir o caminho e perseguir à outra embarcação a toda vela, mas sua parte mais sensata lhe dizia que se detivera no castelo e fizesse averiguações para saber por que se deteve ali o Odyssey.
O fluxo estava ante ele. Alexi se sentou e tomou um dos remos quando o bote chegou à primeira série de ondas. Momentos depois, o barco se deslizava para a lacuna que havia ante a praia, e Alexi e seus homens estavam empapados. Havia alguns meninos africanos que se aproximaram da lancha a saudá-los, salpicando e gritando de alegria.
Alexi saltou do bote e fez um esforço por sorrir aos pequenos. Percebeu que não lhes tinha levado nada de valor.
—Sinto muito, não tenho nada —lhes disse enquanto caminhava para a praia.
Os meninos deixaram de sorrir e de segui-lo ao dar-se conta de que não ia dar nenhum presente.
Na porta do castelo recebeu a saudação de um tenente naval, antes de poder começar a subir as escadas. Na parte superior havia dois guardas armados.
—Capitão de Warenne, senhor, da Coquette e do Windsong Shipping —disse ele enquanto subia os degraus, para identificar-se.
O tenente se alegrou para ouvi-lo e lhe estendeu a mão.
—Ouvi falar de você, capitão. Bem-vindo ao castelo —disse com um sorriso—. Sou o tenente Hawley. No que posso ajudar? Meus homens me dizem que têm um navio de chá com destino à China em nossas águas.
Alexi não pôde sorrir. Passaram a um pequeno pátio.
—As adegas estão vazias, tenente. Temo que estou perseguindo a minha esposa.
O tenente Hawley ficou boquiaberto e depois se ruborizou. Detiveram-se sob uma das almenas. Alexi desfez o mal-entendido.
—Ela queria vir comigo a China e eu me neguei a levá-la. Por fortuna, tive que dar a volta e voltar para Londres para fazer reparações no casco do navio. Ali me disseram que minha maravilhosa mulher tinha decidido ir a China só para reunir-se ali comigo.
—Deus Santo —murmurou o tenente—. Então, por que detiveste-se em Cape Coast?
—Sabem algo de um navio chamado Odyssey? Ancorou aqui fará umas três semanas. Minha esposa ia nesse navio.
Hawley negou lentamente com a cabeça.
—Não me soa esse nome. Entretanto, mantemos um registro de todos os navios que se detêm aqui, capitão. Se essa nave esteve aqui, estará no registro. Saberemos com exatidão quando ancorou, e o que estava fazendo.
—Quando poderia ver os arquivos? Temo-me que devo partir imediatamente se quero alcançar o navio.
O tenente o olhou com acuidade, e Alexi soube que se estava perguntando se sua esposa se escapou. Então, explicou:
—O capitão Courier é um mistério, e tenho o pressentimento de que vai causar problemas.
—Courier? Courier jantou com o governador, capitão. Casualmente, eu estava de serviço quando chegou.
Alexi esteve a ponto de engasgar-se.
—Ia alguma mulher com ele?
—Não, veio sozinho. Não teria convidado a sua esposa para jantar com o governador? —perguntou Hawley com o cenho franzido.
—Vamos dar uma olhada aos registros.
Alexi seguiu à tenente a outro pátio interior. Subiram um lance de escadas, percorreram um comprido corredor e, por fim, chegaram a um escritório cheia de empregados navais. Alexi se sentou junto à tenente Hawley e começou a revisar os registros das semanas anteriores. Dez minutos mais tarde o tenente tinha encontrado o apontamento que ambos estavam procurando.
—O Odyssey ancorou em vinte e três de junho, capitão. E ao dia seguinte zarpou de novo.
—Isso é muito estranho —respondeu Alexi enquanto lia.
Nenhum navio fazia uma escala de vinte e quatro horas. Normalmente, os navios passavam dias ou semanas em um porto. O apontamento dizia que Courier tinha carregado oitocentos litros de água. Aquilo também era estranho. Para que iriam necessitar a água durante as primeiras semanas de viagem? Ao ler o resto da anotação, ficou gelado.
23 de junho de 1839. O Odyssey ancora às 3:30 da tarde. O capitão faz uma petição de oitocentos litros de água. O navio se dirige a China com um carregamento de têxteis.
24 de junho de 1839. Três ou quatro piratas abordam o navio às 12:30 da noite. Trocam alguns disparos com membros da tripulação e os piratas escapam sem incidentes. Ninguém se feriu ou foi roubado. O Odyssey empreende viagem de volta a Cantão às 6:30 da manhã.
—O navio foi atacado por uns piratas no dia vinte e quatro de noite! —exclamou com o estômago encolhido de pavor.
—Parece que não teve feridos —respondeu Hawley com preocupação—, mas não se menciona a presença de sua esposa a bordo. Normalmente os passageiros figuram nos registros, capitão, não estranho é de que nossos mercantes transportem alguém.
Alexi se voltou a olhar à tenente.
—Ou ele não queria que ninguém soubesse que minha esposa estava a bordo, ou ela não estava já no navio quando ancoraram aqui.
Alexi mal podia respirar. Estava a bordo Elysse durante o ataque dos piratas? Seguia no Odyssey? E do contrário, onde estava?
—Senhor, não pude evitar ouvir o que estavam dizendo —disse um jovem oficial, que ruborizou ao voltar-se em sua cadeira.
—Sabe algo disto, sargento?
—Eu mesmo fiz essa anotação, senhor. O capitão Courier estava alardeando sobre a fortuna que ia ganhar em sua viagem a China. Estava ébrio, e não deixava de me dizer que esta travessia era uma oportunidade única na vida.
Alexi ficou olhando ao soldado enquanto tentava elucidar se aquela informação tinha alguma relevância.
—E quando partiu, disse algo sobre que não havia nada tão útil como uma mulher bela, sobretudo se era rica.
Alexi tomou ar.
—Tinha que referir-se a minha esposa! Estão seguro de que não mencionou que tivesse uma passageira ou dois?
O sargento negou com a cabeça. Hawley se voltou para ele.
—Tenho que fazer uma sugestão. Os piratas eram africanos. Trabalhamos estreitamente com os homens das canoas. As notícias viajam muito rapidamente na costa, e em poucas horas conhecemos os incidentes que ocorreram a trezentos quilômetros daqui. Os nativos usam tambores, capitão; é um modo muito antigo de comunicação. Sabem tudo. Sugiro-lhes que comecem a interrogar aos homens das canoas se por acaso sabem do paradeiro dos piratas ou se alguém viu sua esposa a bordo desse navio.
Alexi se sentiu muito tenso.
—Demoraria dias… semanas.
—Talvez lhes surpreendam. A costa da África Ocidental é um mundo muito pequeno.
Gautier lhe sorriu.
—Está preciosa esta noite, querida.
Elysse não sorriu. Tinha passado duas das semanas mais largas de sua vida. Levava prisioneira em seu quarto desde que tinha chegado a Whydah, salvo na hora do jantar, quando um guarda armado a escoltava para jantar ao piso de abaixo, junto ao Lorraine e a seu seqüestrador. Elisse tinha-lhe perguntado se podia dar um passeio fora, lhe dizendo que precisava tomar o ar diariamente, mas ele se negou. Então lhe havia dito que toleraria um vigilante armado como companhia com tal de poder dar um passeio, e inclusive o faria com as mãos atadas, mas sua resposta não tinha variado.
—Whydah é um porto muito concorrido —disse ele com um sorriso—. Me hão dito que é uma mulher inteligente, senhora de Warenne, com conhecimentos do mar e do comércio. Não vou permitir que tentem comunicar-se com algum dos comerciantes que passam por nossa pequena cidade, ou com seus habitantes, ou com os missionários. Por não mencionar que os britânicos têm um quartel aqui. Não vou deixar que escapem, querida.
Elysse o olhou com consternação. O primeiro que tinha em mente era comunicar-se com qualquer e poder escapar.
—Assim, terei que continuar encerrada neste lugar diminuto e sujo até que paguem meu resgate?
—Isso eu temo.
Supunha-se que devia sentir-se agradecida pelos pequenos favores. Nem Lorraine nem ela tinham sofrido o menor dano. Ela tinha deixado bem claro que qualquer mau trato a Lorraine teria o mesmo efeito que se a maltratassem a ela. Havia dito ao Gautier que seu marido era um homem vingativo.
Gautier lhe havia dito alegremente que acreditava.
Tinham-lhe proporcionado um pouco de roupa e cosméticos, papel e pluma e livros. Tinham-lhe permitido que escrevesse a sua família. Gautier jogou as cartas ao correio, depois das censurar.
Escreveu para Alexi, a seus pais e a Ariella. É obvio, quando recebessem as cartas talvez ela já estivesse de volta em casa. Ou pelo menos, isso esperava.
Naquele momento, Elysse ocupou a cadeira que lhe oferecia seu seqüestrador. Lorraine já estava sentada à mesa. Não tinha bom aspecto. Tinha emagrecido muito e tinha umas olheiras muito marcadas. Tinham-lhe descascado as queimaduras do sol, e estava mais pálida que antes.
Elysse sabia que tinha um aspecto igual de mau. Enquanto se sentava sorriu a sua donzela.
—Como está, querida?
Lorraine a olhou com consternação, e nem sequer respondeu.
Elysse tomou a mão.
—Poderia ser pior. Poderiam nos haver acossado. E sabe que vão pagar nosso resgate. Sabe, verdade?
—Sim, sei —sussurrou Lorraine—. Mas levamos aqui tanto tempo…
Elysse tinha perdido a conta dos dias. Levavam vinte e cinco dias seqüestradas, até aquele momento. Era como uma eternidade. Ela queria ser otimista e manter uma fachada de alegria e esperança, mas à medida que passava o tempo se sentia mais e mais triste e se desesperada. Para então, certamente Alexi já estava perto de Madagascar. Se soubesse a situação tão horrível em que ela se encontrava, daria a volta e iria procurá-la. Elysse não tinha dúvida.
«Se te perder, encontrarei-te. Se correr perigo, protegerei-te».
Ele a tinha feito aquela promessa muito tempo antes, mas isso já não tinha importância. Sua fé nele o era tudo, sua esperança e sua salvação. Naquele momento, os seis anos anteriores lhe pareciam algo insignificante. Alexi era tudo o que tinha na cabeça. Era como se estivesse a seu lado dia e noite. Era sua âncora, sua força. O homem no que pensava sem cessar era o homem a quem conhecia desde sua infância. O noivo que a tinha traído justo depois das bodas já não existia. O homem que a tinha abandonado fazia seis largos anos se desvaneceu. Tinha existido alguma vez? Como era possível que tivesse duvidado de seus sentimentos por ela? Alexi moveria montanhas por ela. Resgataria-a daquele inferno se soubesse o que estava ocorrendo.
Ela o amava profundamente, e sempre o tinha amado. Olhando para trás, via sua torpe relação do passado e entendia a causa de sua ira: estava ciumento de Blair, igual a antes tinha estado ciumento do Montgomery. Alexi a amava, e ela já sabia.
Era muito tarde, mas Elysse lamentou ter sido tão jovem, tão presunçosa, tão coquete, e ter enganado ao Montgomery e a seus outros admiradores. Quem dera não tivesse enganado aos que a rodeavam com sua farsa de felicidade e independência sexual. Quem dera não se feito passar por uma mulher com experiência no mundo.
Quando estivesse de novo entre os braços de Alexi, o contaria tudo.
Quanto à morte de Montgomery, Elysse se sentia como se tivesse tido uma epifanía. Não podia haver mais sentido de culpabilidade. Quando estivessem juntos de novo, ela se asseguraria de que ele superasse o passado e sanasse. Quão único importava já era sobreviver, e o futuro que ambos se mereciam.
O jantar sempre era um acontecimento tranqüilo. Gautier era agradável e era quem levava o peso da conversa. Elysse tentava ser o mais amável possível. Usava suas boas maneiras e o bom senso, já que não queria enfurecer seu seqüestrador, nem queria que aquela pequena liberdade de poder descer para jantar de uma maneira decente terminasse para Lorraine e para ela.
Depois do jantar, Gautier a acompanhava ao piso de acima e lhe desejava que passasse boa noite, como se estivesse deixando-a frente a sua casa de Londres. Quando ele saia e deixava a porta fechada por fora, ela se movia com inquietação pelo quarto, e pensava tanto em Alexi que lhe doía o peito. Entretanto, negava-se a sucumbir ao desespero. Havia esperança, e se aferrava a ela. Ao final, pagariam seu resgate. Ficaria livre, e poderiam estar juntos de novo, e o absurdo dos seis anos anteriores ficaria no esquecimento.
Estava a ponto de tirar o vestido e colocar a camisola que lhe tinham dado quando ouviu um visitante no piso baixo. Gautier nunca tinha tido convidados depois de jantar. Elysse se aproximou da porta e pôs a orelha nela para escutar qualquer tipo de notícia. Talvez tivesse algo que ver com seu resgate. Entretanto, sabia que sua família, certamente, ainda não tinha recebido a exigência daquele resgate.
Ouviu um murmúrio de vozes masculinas, mas não pôde distinguir nenhuma palavra. Entretanto, lhe pôs o pêlo de ponta. Resultava-lhe familiar uma daquelas vozes?
O pulso lhe acelerou. Teve que tomar ar para acalmar-se e poder seguir escutando. Então ficou imóvel, assombrada. Era Baard Janssen quem estava abaixo?
Por um momento pensou que tinha ido resgatar a.
Depois sacudiu a cabeça e se perguntou se o dinamarquês estava naquele povo por coincidência. Ela já sabia, pelo Gautier, que Whydah era um grande porto de compraventores de escravos. Blair lhe havia dito que Janssen era traficante de escravos.
E então, aqueles pensamentos tolos e frívolos desapareceram. Janssen era quem tinha conseguido sua passagem…
Os homens estavam falando. Era também Janssen quem tinha organizado seu seqüestro? Poderia ser tão canalha? Não a tinha advertido Alexi sobre ele, além de Blair?
Era possível? Elysse sentiu fúria. Tentou convencer-se de que não devia chegar a conclusões precipitadas; talvez a chegada de Janssen ao Whydah fora uma coincidência e ele tuera seu aliado. Começou a dar golpes à porta.
—Abram! —gritou—. Deixe-me sair! Janssen! Sou Elysse de Warenne. Estou prisioneira!
Um momento depois, Gautier abriu a porta com uma estranha palidez. Baard Janssen estava com ele. Assim que viu seu rosto, Elysse soube que não havia nenhuma coincidência.
Ele não se surpreendeu de vê-la.
—Olá, Elysse. Para ser uma refém não tem mau aspecto.
Ela ficou paralisada. Ele tinha feito aquilo.
Gautier disse com tristeza:
—Deveriam ter permanecido em silêncio, senhora.
Janssen agitou lentamente a cabeça.
—Mas não o tem feito. Viu-me, Laurent.
O significado de suas palavras escapou a Elysse.
—Vocês têm feito isto! —gritou.
Ele passou o olhar por sua figura, de uma maneira insolente e grosseira.
—Desejava uma passagem a China, e eu aproveitei essa oportunidade única, Elysse.
Ela o golpeou no rosto.
Ele devolveu-lhe o golpe com força.
Elysse caiu para trás devido à violência do impacto. Chocou-se contra a cama e caiu no chão. Sentiu uma explosão de dor na bochecha. Perguntou-se se teria algum osso quebrado. Olhou para cima com atordoamento, com chamas nos olhos, e viu que Janssen estava frente a ela, em pé.
Tinha-a golpeado.
Estava em seu quarto.
—Janssen —protestou Gautier com horror—. É uma dama.
—Cale-se —disse Janssen, sem afastar os olhos dela.
Elysse teve medo de que a golpeasse de novo, assim não se moveu.
—Parece assustada.
Ela exalou uma baforada de ar. Iria violá-la.
—Vale uma fortuna, querida. Assim fui eu quem planejou seu seqüestro. Cometeu um grande engano quando foi para mim em Londres para que te buscasse a passagem a China, e agora cometeste outro, ao gritar para que eu subisse a seu quarto.
—O que ides fazer-me? —perguntou ela. Entretanto, já sabia. Ela podia identificá-lo. Ele não era do tipo de homens que se conformaria perdendo-se no continente africano, como Gautier. Já não lhe permitiria seguir vivendo.
Sorriu lentamente.
—Tudo poderia ter sido um pouco mais asséptico se não me tivesse ouvido nem visto. Não tenho interesse em ter que me passar o resto da vida fugindo de seu marido.
Ela tinha razão. Não ia permitir lhe viver.
Pôs-se a tremer.
—Se me fizerem mal, se me matarem, ele o averiguará, e não se deterá até que estejam morto.
Janssen riu.
—Mas não saberá nunca.
Elysse soluçou de medo. O que ia fazer?
Então, ouviu o clique de um gatilho e se inclinou para um lado para olhar ao Gautier. Tinha uma pistola e estava apontando ao Janssen à costas.
—É uma dama, Baard.
Janssen se voltou e olhou com frieza ao Gautier.
—Meu amigo, é uma mulher condenada, e será melhor que o aceite. Baixa a pistola. Vou divertir-me esta noite.
Gautier não sorriu.
—Saia.
Ela sentiu que lhe explodia o coração. Olhou alternativamente aos dois homens. Gautier tinha um semblante intenso, decidido. Iria protegê-la. Entretanto, Janssen estava tão furioso que parecia um monstro.
—Muito bem —disse finalmente o dinamarquês—. Mas terminaremos isto manhã. Quando pagarem o resgate, desfarei-me dela. Quando o pensar bem, dará-se conta de que é o melhor para os dois.
Gautier não respondeu.
Janssen saiu dali. Elysse se desabou e começou a chorar.
Gautier se ajoelhou a seu lado.
—É um homem perigoso, senhora. Deveria ter guardado silêncio quando o ouviste abaixo.
Ela o olhou. Sem saber como, converteu-se em seu protetor.
—Obrigado —murmurou ela.
Entretanto, sabia que ao final lhe tinha acabado o tempo.
Elysse não dormiu. Ficou vestida, olhando ao teto, tentando conter as lágrimas, assustada como nunca o tinha estado em sua vida. Não acreditava que Gautier fora capaz de protegê-la durante muito tempo. Ela queria lhe pedir que a escondesse em outro lugar, mas, se a escondia do Janssen, poderiam encontrá-la Alexi e sua família?
Saiu o sol. Aquele amanhecer era vermelho como o sangue. Elysse se aproximou da janela e observou como subia pelo céu, como tingia a água do mar de cor rosa e pêssego. O fato de que a baía de Whydah fora tão espetacular lhe parecia uma ironia. As águas azuis, os muito belos navios, as praias brancas, a selva esmeralda. Aquela manhã olhou por volta de um dos embarcaderos. Havia quase um centenar de africanos encadeados que eram obrigados a partir por volta de um dos navios esclavistas. Ela se abraçou com força e chorou por eles, por Lorraine e por si mesmo.
Alguém bateu na porta. Normalmente lhe levavam o café da manhã às oito da manhã, e não eram nem as seis. ficou imóvel, tremendo, até que a porta se abriu. Apareceu Gautier. Parecia que ele tampouco tinha conseguido dormir.
—Não permitirei que a use e a assassine, senhora.
Ela assentiu.
—Então, deixe que vá. Envie-me a casa, onde estarei segura.
Seu rosto adquiriu tensão. Passou um momento antes que respondesse.
—As notícias correm muito depressa aqui, na costa da África.
Elysse ficou perplexa.
—Seu marido estava em Cape Coast faz três dias.
A Elisse fraquejaram os joelhos.
—Deus Santo, espero que seja verdade! Mas se Alexi deveria estar no oceano Índico a estas alturas!
Gautier não estava muito contente.
—Não é ele o capitão da Coquette? Seu navio estava ali ancorado.
Elysse pensou que Alexi devia ter descoberto seu rastro de algum modo. Começou a lhe dar voltas a cabeça. Gautier a agarrou e a ajudou a sentar-se. Com atordoamento se aferrou a seus braços e suplicou:
—Envie-me ao Castelo de Cape Coast! Por favor!
—Se lhes seguiu até ali, sem dúvida saberá que acabastes aqui. Não posso cortar todos os vínculos. Tentarei pedir-lhe um resgate quando chegar ao Whydah. Enquanto, pus um guarda dobro. Janssen tem o passo proibido aqui.
Quando Gautier partiu, Elysse deitou na cama e chorou de alívio. Alexi tinha ido procurá-la. Confiava nele completamente. Nunca permitiria que lhe ocorresse nada. Tinha-o prometido…
Então se levantou de um salto, aproximou uma cadeira à janela e olhou para o porto. O navio escravista estava carregado, mas não tinha içado as velas. Perguntou-se se seria o Astrid. O sol seguia ascendendo. Apareceram velas no horizonte.
Ao meio dia viu três navios no horizonte. Elysse se inclinou para diante, rezando desesperadamente. fez-se visível um navio de três mastros. Encolheu-lhe o coração. Depois, um bergantín grande e velho. Elysse gemeu e seguiu esperando a que o terceiro navio se aproximasse o suficiente para poder identificá-lo. O tempo se deteve. O sol seguia brilhando. Ela ficou em pé enquanto observava as velas desdobradas da nave. Cortou-lhe o fôlego: era um clíper.
Apoiou-se contra a janela com o coração em um punho. Era um clíper, e tinha umas formas esbeltas, largas. A bandeira que ondeava no pau maior era britânica.
E quando começaram a arriar as gavias, Elysse pôde finalmente reconhecer o navio. Gritou de alegria. Era a Coquette!
Jogou outra olhada ao navio e correu para a porta. Começou a dar golpes frenéticos nela, e um momento mais tarde apareceu Gautier.
—Está aqui! É Alexi! Deixem que vá com ele! Laurent! —exclamou, tomando o das lapelas—. Se forem a ele comigo como prisioneira, ele lhes considerará um inimigo. Averiguará onde estou e lhes matará. Deixem que vá com ele agora! Eu lhes darei uma grande recompensa, juro-lhes isso!
Ele fez uma careta, sem dizer nada, e ela o sacudiu brandamente.
—Você não esperava isto! Não esperava que Janssen fora tão canalha, e não esperava que meu marido me encontrasse. Não vão querer enfrentar Alexi de Warenne!
Gautier passou a mão pelo rosto. Naquele momento, Elysse percebeu quão esgotado estava.
—Converteste-se em meu protetor. É um cavalheiro, senhor!
Ele tomou ar.
—Nenhum cavalheiro desculparia seu seqüestro, senhora, e os dois sabemos. Sou uma uva sem semente, para grande decepção de minha família. Deus Santo, como detesto estas terras horríveis!
Elysse o olhou com surpresa.
—A quem ia gostar de ganhar a vida aqui, entre tanta agonia e sofrimento humanos? —perguntou—. Você foi meu caminho à liberdade, senhora.
Ela se mordeu o lábio.
—Você me protegeu, e isso é o que direi para Alexi. Laurent, eu sou uma mulher de palavra.
Ele pôs-se a rir sem alegria.
—Não têm que me dizer isso. Está bem —disse ele—. Confiarei em você, senhora, confiarei que me protegerá como eu a protegi ontem de noite. Portanto, podemos ir juntos ao porto.
Elysse assentiu com o coração inchado de alegria. Suas dificuldades estavam a ponto de terminar. Já não podia haver nenhum obstáculo em seu caminho. Entretanto, olhou ao Gautier nos olhos, e soube que estava pensando quão mesmo ela. Janssen estava ali fora, e ele os deteria se pudesse.
—Evitaremo-lo a toda custa.
Laurent Gautier assentiu.
—Depois de você.


Capítulo 20
Alexi sentia o coração saltar dentro do peito quando seu bote tocou um dos embarcaderos do porto de Whydah. Saltou a terra antes que tivessem assegurado a barco com um cabo e começou a percorrer o mole.
Tinham seqüestrado a Elysse. Sua esposa estava prisioneira no Whydah, aquela cidade dedicada ao tráfico de escravos.
O canalha do Courier tinha desembarcado em Cape Coast e tinha organizado o seqüestro. Alexi não sabia quem mais podia estar envolto.
Courier o pagaria com sua vida. E todos outros…
Tinha passado dois dias inteiros entrevistando-se com remadores africanos do porto de Cape Coast com a ajuda de um tradutor britânico. Então, um dos remadores lhe havia dito que seu irmão tinha recebido um pagamento em armas por levar a duas mulheres brancas do Odyssey a uma praia onde as esperavam um par de europeus. Depois de umas horas tinham encontrado ao remador em questão, o africano que tinha levado a cabo o seqüestro de Elysse. Alexi queria matá-lo, mas Hawley tinha percebido sua raiva e lhe havia dito que aquele homem só se estava ganhando a vida do único modo que podia, e que eles necessitavam a informação que pudesse proporcionar-lhes. Resultou que em troca de um punhado de moedas, o africano disse que tinha ouvido dizer que europeus levaram Elysse e a sua donzela a Whydah.
Enquanto caminhava pelo mole sentia uma raiva imensa, mas também terror. Sua esposa estava seqüestrada e era uma refém, e só Deus sabia onde estava e em que condições…
Elysse era uma mulher muito bela em um mundo cheio de bestas e selvagens, e ele temia que pudessem lhe haver feito algo. Mas estava viva. Alexi se negava a considerar outra coisa. Seus seqüestradores queriam um resgate, assim tinha que estar viva.
«Vou te buscar», pensou, com um duro nó de medo no estômago.
Quando a encontrasse, ia fazer tudo o que estivesse em sua mão para reparar aqueles seis anos. Só tinha conseguido feri-la, traí-la e humilhá-la. Deus, quase não podia acreditar que a tivesse abandonado aos pés do altar! Ele queria a sua esposa. Tinha querido desde o primeiro momento e nunca tinha deixado de querer, nem sequer quando seu casamento era uma farsa e ela tinha amantes. Percebeu que estava muito mais zangado com ela por suas aventuras que pelo que tinha ocorrido aquela noite em Windhaven. Quem dera tivesse entendido seus sentimentos muito antes e tivesse tentado uma reconciliação então, em vez de lhe dar as costas e fingir que era indiferente a ela. Como podia ter pensado que Elysse não lhe importava? Ele era um De Warenne. Elysse era o amor de sua vida.
Iria compensá-la por tudo. Só podia pensar em encontrá-la e levá-la a casa sã e salva.
Ela tinha que saber que estava procurando-a.
Tinha-lhe dado muitos motivos para que duvidasse dele, para que perdesse a fé. Não podia deixar de pensar em quão assustada estaria. Sabia que era uma mulher valente, mas tinha que ser muito difícil ter coragem naqueles momentos. Recordou aquela noite no Castelo de Errol, quando ela se perdeu e ficou assustada entre as ruínas. Lembraria-se da promessa que lhe tinha feito então? Cada uma das palavras que pronunciou foi com o coração. «Eu sempre a protegerei».
Ela tinha que saber que ia procurá-la.
Não sabia onde podiam a ter escondida, mas seria difícil ocultar a uma dama como Elysse. Alguém tinha que saber onde estava, e ele ia remover o céu e a terra para averiguá-lo.
Já tinha recebido um mapa rudimentar do povoado de outro capitão que conhecia a zona. Havia quatro delegações comerciais, francesa, inglesa, dinamarquesa e portuguesa. Os britânicos estavam ali para comercializar com azeite de palma, não com escravos, como outros. Sua primeira parada seria no posto francês, que estava no centro do povo. Depois de tudo, Courier era francês. Poderia ser uma idéia descabelada, ou poderia dar no branco. Ia encontrar a Elysse. Ela não ia ficar perdida na África. Era sua esposa, e tinha intenção de compartilhar o resto de sua vida com ela…
—Alexi!
Sobressaltou-se. Não acreditava possível o ter ouvido sua voz. Então se voltou e a viu correndo para ele, com o cabelo solto e o rosto cheio de lágrimas.
Sentiu o coração parar. Estava viva… Tinha encontrado Elysse!
Correu também. Ao abraçá-la viu sua palidez, viu o muito que tinha emagrecido, viu suas profundas olheiras. Entretanto, nunca lhe tinha parecido mais bela. Estreitou-a contra si enquanto ela chorava incontrolablemente.
—Graças a Deus —sussurrou ele, escondendo o rosto entre seus cabelos.
—Você veio.
Alexi tomou seu rosto entre as mãos.
—Eu sempre a protegerei quando correr perigo!
—Sei —disse entre as lágrimas—. Não se lembra? Quando fomos crianças disse que sempre me protegeria, que sempre me encontraria se me perdia! OH, Alexi! —soluçou, e se desabou em seus braços.
Ele a apertou com força e percebeu que também estava chorando.
—Quero você, Elysse —disse com a voz rouca—. Sempre a quis, e sempre quererei.
Ela o olhou com assombro.
—Já sabe que nunca digo nada que não pense —acrescentou Alexi com firmeza, mas com a voz rouca.
Ela tomou seu rosto com as mãos e o beijou, mas não com delicadeza, a não ser com dureza, com ardor. Ele ficou espantado, porque estava seguro de que a tinham maltratado, e de que possivelmente tinham abusado dela. Ela precisava de cuidados e consolo. Ele ficou muito excitado e sentiu desespero por fazer o amor com ela, mas esperaria. Com suavidade, interrompeu aquele apaixonado beijo.
Elysse se retirou com a respiração entrecortada.
—Como me encontrou? Por que não está no oceano Índico?
—Voltei quando estava em Lisboa —disse ele—. Sentia a sua falta. Não podia suportar. Voltei para casa para ser o marido que merece.
Ela pôs-se a chorar de novo.
Alexi a abraçou com mais ternura, e cheio de temor, perguntou-lhe:
—Machucaram você?
Elysse tremeu.
—Não, Alexi, estou perfeitamente bem. Mas nunca senti tanto medo. O senhor Gautier me libertou. Estou em dívida com ele —disse, e olhou para trás.
Ele viu um senhor europeu atrás deles, junto à donzela de Elysse. Lorraine estava tão gasta e tão magra como Elysse, mas estava chorando de felicidade e de alívio. Então, Alexi olhou ao europeu. Imediatamente soube que aquele homem era uma uva sem semente. Gautier lhe devolveu o olhar com cautela, com uma expressão tensa.
«O senhor Gautier me libertou». Alexi sentiu que o mundo se detinha o compreender que aquele homem era o seqüestrador.
—Foi ele quem a manteve presa—disse brandamente a Elysse, mas sem afastar o olhar de Gautier.
—Sim, mas não nos maltratou, e acaba de me libertar —respondeu Elysse em tom de súplica.
Ele só ouviu a palavra «sim».
A raiva que sentia explodiu. Alexi tinha uma pistola e uma adaga, mas não necessitava nenhuma das duas armas. Soltou a Elysse olhando ao francês. Gautier empalideceu.
—Monsieur! —exclamou—. Salvei a sua esposa de um destino pior que a morte!
—Seriamente? —perguntou Alexi em voz baixa. Não tinha interesse no que tivesse que dizer o europeu.
—Alexi! —disse Elysse, e o agarrou pelos ombros—. Salvou-me a vida! Salvou-me de uma violação! Tudo isto o fez Baard Janssen. Ele me conseguiu a passagem e aproveitou para organizar o seqüestro. Janssen quis me violar ontem à noite, e depois me matar. Gautier me salvou dele!
Alexi ficou imóvel, com o olhar cravado no Gautier, enquanto as palavras de Elysse começavam a abrir-se passo em sua mente.
—É isso verdade? —perguntou, olhando-a por fim.
—Protegeu-me, Alexi. Janssen apareceu ontem à noite na casa. Foi terrorífico —disse ela, e tremendo se agarrou por seu braço—. E ainda está no povoado.
—Golpeou-a, capitão, e eu o detive com uma pistola —explicou Gautier.
Acariciou a bochecha a Elysse.
—Por isso tem este hematoma?
Ela assentiu.
—É certo que o capitão Gautier tomou como refém, mas também me manteve a salvo. Quero recompensá-lo, Alexi.
Ele odiava ver aquele hematoma, e pensar que alguém a tivesse golpeado. Tampouco tinha desejos de recompensar ao Gautier, depois de que a tivesse tido prisioneira. Observou-a, e ela o observou a ele com um olhar de decisão.
—A vida está cheia de surpresas —disse Elysse—. Nunca é branca ou negra.
Ele se suavizou. Seu coração se inchou de amor. Elysse se tinha convertido em uma mulher sábia.
—Falaremos disso —disse finalmente, embora tinha a estranha sensação de que era ela quem tinha ganho aquela batalha. Depois, voltou-se para o francês—. Onde se aloja Janssen?
—Na estalagem que há ao final da rua —disse Gautier com evidente alívio.
Elysse se aproximou e o tirou do braço novamente.
—Não podemos deixar que o capturem as autoridades? Necessito-te —lhe sussurrou.
A ele lhe encolheu o coração. Acaso tinha intenção de seduzi-lo naquele momento, para lhe impedir que fizesse o que devia fazer um homem?
—Não posso deixar que Janssen se livre disto sem um castigo, Elysse, e você sabe.
Ela sorriu.
—Não sabia se poderíamos estar juntos de novo. E o assassinato vai contra a lei, Alexi.
Ele teve uma lembrança daquela noite de Windhaven, quando tinha brigado com o Montgomery.
—Não estamos na Inglaterra. Isto é uma terra sem lei.
—Não sofremos já bastante?
Ele seguiu olhando-a. Sabia que Elysse também estava pensando no William Montgomery. Entretanto, aquilo não tinha nada que ver com aquela noite. Janssen tinha posto Elysse em perigo. Tinha querido matá-la.
—Começamos nosso matrimônio pela morte de um homem —lhe sussurrou.
Alexi soube o que estava pensando. foram começar o futuro de novo, e se ele se saía com a sua, iriam fundar tudo na morte de outro homem. Entretanto, Janssen se merecia morrer.
Elysse ficou muito tensa e empalideceu.
Alexi olhou para trás e viu o Baard Janssen ao outro lado da rua. O dinamarquês se deteve em seco; estava claro que nunca tinha esperado vê-los ali. Alexi também sentiu incredulidade, mas depois, sentiu uma satisfação selvagem. Aquilo era muito bom para ser certo.
Janssen se deu a volta e começou a correr.
Alexi tirou sua pistola e o apontou. Ia matar a aquele canalha, por muito que Montgomery seguisse obcecando-o, e embora ele não fora um assassino, e embora Elysse tivesse razão e não devessem começar seu futuro daquela maneira.
—Você não é um assassino! —gemeu Elysse—. Não o faça, Alexi. Deixa que o enforquem as autoridades!
Por um momento, ele permaneceu imóvel apontando-o. Queria apertar o gatilho! Então, muitos momentos de sua vida durante aqueles seis anos passaram ante seus olhos, e também de Elysse durante os passados meses em Londres, uma mulher elegante e inteligente. Ela tinha lutado com denodo para conservar seu orgulho e sua dignidade. Tinha superado a dor e a humilhação. Sempre haveria falatórios sobre seu seqüestro, e não seria benéfico para ela que além se falasse de que seu marido tinha matado ao Janssen. Além disso não tinha por que passar por um julgamento público, que muito certamente se celebraria. Alexi baixou a arma.
—Tem razão. Merece mais. E vou dar— disse e sorriu. Devolveu-lhe um sorriso de alívio—. Mas Janssen será pendurado por pirataria.
O seqüestro e a exigência de um resgate não eram crimes de forca, mas a pirataria sim. Alexi começou a persegui-lo.
Janssen olhou para trás e percebeu que Alexi corria atrás dele. O dinamarquês acelerou e Alexi correu mais e mais, mais rapidamente do que nunca tivesse acreditado possível. Ambos rodearam a mesma esquina, e Alexi viu o Janssen aproximar-se dele com uma faca.
Tinha uns reflexos muito rápidos. Quando Janssen lançou uma navalhada, ele se fez a um lado e a esquivou. Entretanto, a faca lhe cravou no ombro. Alexi grunhiu de dor e agarrou ao outro homem, e o derrubou ao chão. Depois se colocou sobre ele e lhe rodeou o pescoço com as mãos.
—Pensava violar a minha esposa, desgraçado? —ele não era um assassino, mas aquela escória merecia morrer, e Alexi não podia evitá-lo. Naquele momento queria matá-lo.
—Não! —gritou Elysse, que chegou até eles correndo—. Por favor, Alexi, por mim… por eles!
Ele queria lhe partir o pescoço em dois. Ao Janssen lhe saíam os olhos das órbitas. Entretanto, não iriam começar sua vida em comum e seu futuro daquela maneira. Ele tinha que compensá-la por muitas coisas.
Gautier chegou com uma arma. Alexi libertou Janssen e fez um gesto de dor. Elysse o ajudou a ficar em pé enquanto Gautier mirava em Janssen.
Elysse o rodeou com um braço.
—Está ferido. Apunhalou-te!
Lorraine, que também se aproximou, deu-lhe um lenço, e Elysse o apertou contra o ombro.
—É só um arranhão —disse ele. Olhou ao Gautier—. Ate-o. Vai a cape Coast, a que o pendurem por pirataria em alta mar, além de pelo seqüestro de minha esposa. E será nossa palavra contra a dele. Protegerei-lhes das acusações.
Gautier exalou um suspiro de alívio.
—Obrigado, senhor.
Elysse se aproximou dele, tremendo.
—Obrigado.
Ele a abraçou de novo. Nunca se havia sentido tão bem.
No camarote do navio de Alexi, Elysse o viu agradecer ao cirurgião, e depois acompanhar ao homem à porta. Ela nunca tinha estado a bordo da Coquette, e menos em seu camarote, e se tinha surpreso do espartano e prático que era. Havia uma cama com bons lençóis, uma estante de parede e um tapete oriental no chão. Também havia uma mesa com quatro cadeiras espanholas. Seu enorme escritório estava sob o olho de boi, talher de cartas de navegação.
Alexi fechou a porta e se voltou a olhá-la. Não levava camisa. Tinham-lhe curado o ombro com iodo, tinham-lhe costurado a ferida e a tinham enfaixado. Durante a operação ele se pôs de cor verde, e Elysse não acreditava que o brandy tivesse ajudado a mitigar a dor da agulha do cirurgião. Teria segurado sua mão se ele o tivesse permitido, mas Alexi a observou com incredulidade, como se sentisse o que ela queria fazer. Em vez disso, tinha agarrado suas próprias mãos.
Era livre. O horror do mês anterior tinha terminado, e Alexi a queria. Parecia que sempre a quis.
Alexi sorriu lentamente.
—Não posso acreditar que esteja aqui.
Ela se pôs a tremer, olhando-o sem disfarces. Quando ele respirava, seus músculos se moviam. Elysse não era imune a sua masculinidade. Estava ali, em seu navio, com ele. Já não era uma prisioneira… e se queriam.
—Nunca deixei de pensar que foste encontrar-me. E por fim, estamos juntos.
Ela sustentou seu olhar, pensando não só em seu seqüestro, mas também também em sua separação de seis anos.
O olhar de Alexi era firme.
—Sim, estamos juntos —disse—. Tinha medo. Não, estava aterrorizado. Causava-me terror pensar que não ia encontrá-la ou que podiam te machucar.
—Sou muito afortunada.
—Só você diria algo assim.
Caminhou lentamente para ela, e Elysse se entusiasmou. De repente, só queria estar em seus braços e perder-se na paixão de seu amor. Entretanto, tinha terminado sua terrível inimizade dos passados seis anos? Alexi lhe tinha declarado seu amor, e certamente tudo estava perdoado já, mas ele ainda não sabia a verdade.
Sentou-se junto a ela com uma expressão séria e a segurou pela mão.
—Está segura de que o pior que te ocorreu foram as ameaças do Janssen de ontem? Tem que me dizer a verdade, Elysse.
Ela assentiu.
—Trataram-me com respeito, Alexi, durante todo o tempo. Foi horrível estar encerrada em um lugar pequeno e sujo, mas todas as noites Lorraine e eu jantávamos com Laurent, e nos deram livros para ler. Também me permitiu que escrevesse algumas cartas. Por fim me protegeu de Janssen. Fizemos o correto entregando Janssen às autoridades e permitindo que Gautier partisse com uma recompensa.
A marinha britânica tinha se encarregado de Janssen. Aquela tarde um pequeno navio tinha ancorado no porto de Whydah. Gautier já tinha partido do povoado, mais rico do que, certamente, deveria ser. Eles zarpariam na manhã seguinte; Elysse e Lorraine iriam compartilhar o camarote com Alexi. Sua donzela ia passar a noite em um dos melhores hotéis de Whydah, com um dos oficiais de Alexi como acompanhante.
Ele apertou-lhe a mão.
—Não posso acreditar que tenha sofrido tanto. Não posso acreditar que eu permitisse que te visse em semelhante situação. Não posso acreditar o forte e quão valente é! Está aqui sentada, revivendo sua experiência. Outras mulheres estariam histéricas.
—Eu não sou outras mulheres, Alexi —disse ela, e titubeou. Tinha aprendido fazia muito tempo o que era a coragem. Queria fazer o amor com ele, mas antes deviam resolver todas suas diferenças—. Uma vez mais, culpa-se sem haver algo do que culpar-se. Fiz que acreditasse que Blair e eu fomos amantes. No fundo sabia que isso podia te desgostar. Isso não foi tua culpa.
Ele ficou olhando-a um momento. Depois, como se conhecesse seus pensamentos, disse:
—Foi terrivelmente difícil para você, não? O fato de que te abandonasse, e de ter que fingir que estávamos felizmente casados. E de ter que suportar as fofocas a suas costas cada vez que saía. Mas não te rendeste.
Naquela ocasião foi ela quem apertou a mão e a levou ao peito.
—Foi horrível. Vivia uma mentira, um terrível engano. Fingia que minha vida era como queria que fosse. Era humilhante, Alexi. Somente restava meu orgulho e minha dignidade.
Ele fez um gesto de tristeza.
—Tinha uma só ambição: evitar mais humilhações a todo o custo. Mas sempre haviam fofocas. Sempre as ouvia, finalmente, e algumas vezes, as fofocas eram a verdade.
Ele soltou-lhe a mão.
—Deus, sinto muitíssimo!
—Mas isso já passou, não? —perguntou ela com seriedade.
—Machuquei você, Elysse.
—Sim, é certo. E eu a você… com minhas supostas aventuras.
Ele disse:
—Blair me contou que nunca se deitou com ele.
Elysse se pôs a tremer.
—Como poderia me deitar com Blair quando estava apaixonada por você?
—Sua representação foi muito convincente, Elysse.
—Sim, é verdade. Deliberadamente, alimentei a ilusão de que era uma mulher frívola e imoral. Assim é como queria que me vissem. Temia que, se você soubesse a verdade, zombasse de mim. Fui cruel deliberadamente, e sinto.
—Não pôde se deitar com Blair… e outros?
—Não houve nenhum outro, Alexi — disse ela brandamente—. Tudo era uma grande mentira para proteger meu orgulho.
—Foi fiel a mim?
—Nunca conseguiria ser infiel.
Alexi a olhou com os olhos arregalados, e assimilou o fato de que ela nunca o tinha traído, nem a ele nem a seu amor. Depois a abraçou e a estreitou contra seu peito. Elysse sentiu os batimentos fortes de seu coração, e percebeu que seu pulso também estava acelerado.
—Tinha tanto medo de não vê-lo mais… —sussurrou ela—. Te amo, Alexi. Te amo muito.
Alexi acariciou sua face com o nariz, e quando falou, sua voz estava trêmula de desejo.
—Sinto muitíssimo tê-la abandonado por seis anos. Fui um idiota! Nunca deixei de te querer, Elysse, desde que era um menino. Meu orgulho sempre se interpôs entre nós.
Ela se afastou um pouco para trás para olhá-lo nos olhos. Os de Alexi, tão azuis, estavam obscurecidos de desejo e desespero.
—Fomos muito jovens, muito presunçosos e muito irresponsáveis. Eu estava com tanto ciúmes de suas aventuras! Sinto muito ter enganado Montgomery.
—Sei que o sente. E não importa. O passado já não importa, porque terminou —disse ele. Tomou o queixo e fez que inclinasse a cabeça para beijá-la—. Vou demonstrar o muito que te quero, Elysse —disse, e a beijou de novo.
Seu corpo ardeu ao lhe devolver o beijo.
Ele o rompeu.
—É a mulher a que amei desde que éramos crianças. É a mulher a quem nunca deixei de querer. Digo a verdade.
—Sei —respondeu ela brandamente.
Alexi lhe acariciou a boca com os lábios e murmurou:
—É a mulher a que amarei sempre. Nosso futuro começa hoje.
E a beijou profundamente.
Ela sabia. Sempre soube que ele era o amor de sua vida, e que ela era a única. Chorou brandamente enquanto se beijavam, porque onde houve tanta dor, agora só havia uma promessa brilhante.

 

EPÍLOGO
Londres, Inglaterra
Verão de 1839
Oxford House apareceu diante deles. A enorme mansão de pedra rodeada de jardins em flor e um céu azul. Elysse agarrou a mão de Alexi enquanto sua carruagem alugada percorria o caminho de cascalho. Estava entusiasmada por ter chegado, por fim, a casa. Tinham ancorado poucas horas antes depois de uma viagem de volta sem incidentes. O pai de Alexi estava no porto para recebê-los com todos os empregados de Windsong Shipping. Quando a multidão os avistou, aclamaram-nos. Ela acabava de pôr um pé no mole quando seu sogro a abraçou com tanta força que quase não a deixava respirar, enquanto lhe sussurrava que esperava que Alexi a repreendesse seriamente por haver partido sozinha a China. Antes que Elysse pudesse desculpar-se, percebeu que Cliff estava chorando. Mas suas lágrimas eram de alegria.
Alexi a rodeou com um braço e a estreitou contra si.
—Foi uma viagem muito longa.
Lorraine estava sentada frente a eles na carruagem; ruborizou-se e afastou o olhar. Elysse se aconchegou contra seu marido. Sabia exatamente o que queria dizer. Lorraine e ela tinham compartilhado o camarote com ele, e tinha sido difícil poder passar tempo a sós para fazer o amor de uma maneira desinhibida e selvagem. Mas o tinham conseguido.
Era como se os seis anos anteriores tivessem desaparecido. Como se aquele tempo horrível de dor e separação nunca tivesse existido.
Alexi disse-lhe ao ouvido:
—Vou fazer amor com você todo o dia, e toda a noite, e amanhã também.
Ela se entusiasmou e sentiu a pele arrepiar. Respondeu-lhe em voz baixa:
—É uma advertência?
—OH, sim —respondeu Alexi.
Elysse se pôs a rir. Estava impaciente por passar todo um dia a sós com ele. Não, uma semana inteira, se podia sair-se com a sua.
A carruagem se deteve ante os amplos degraus de pedra. Alexi saiu primeiro e ajudou a descer a Lorraine. Elysse lhe sorriu e lhe tendeu a mão, mas quando ele a agarrou, puxou dela para diante e a tomou em braços.
Ela riu de novo, com alegria.
—Vais cruzar a soleira me levando em braços?
—É obvio que sim —disse ele.
A metade de caminho se deteve e a beijou apaixonadamente, e Elysse sentiu que se derretia por dentro. Agarrou-se a seus ombros e devolveu o beijo. Estavam em casa, onde não haveria interrupções. Aquilo não seria um breve momento roubado.
Ele interrompeu o beijo e a olhou com ardor. Depois, sem dizer uma palavra, começou a subir as escadas.
Lorraine tinha entrado diante deles, e quando chegaram à soleira do vestíbulo, Reginald e o resto dos empregados começaram a entrar na sala.
—Senhor! —gritou o mordomo—. Senhora de Warenne! Este é um grande dia, porque os dois estão em casa!
Elysse viu uma dúzia de rostos familiares. Estava a ponto de dizer para Alexi que a pusesse no chão para poder saudar seus empregados de maneira adequada, mas Alexi seguiu caminhando, cada vez mais depressa. Quando chegou aos pés da escada disse:
—Que ninguém nos incomode, nem que a casa esteja queimando.
Ela percebeu que ruborizava, e ocultou o rosto em seu ombro enquanto ele subia os degraus de dois em dois.
—Alexi! O que vão pensar!
—Vão pensar que estou louco por minha esposa e que estou fazendo amor com ela durante um tempo incrivelmente longo.
Ela olhou para seu rosto. Falava com determinação, mas também sorria.
—Eu te amo.
Sua resposta foi beijá-la com calidez, com força, enquanto seguia caminhando pelo corredor. Um momento depois se chocaram contra uma parede, mas Alexi não interrompeu o beijo e Elysse, face à urgência que sentia seu corpo, pôs-se a rir.
—Leve-me para a cama, mas, por favor, olhe por onde vai!
A resposta de Alexi foi beijá-la outra vez, apertados contra a parede do corredor.
Elysse devolveu-lhe o beijo. Tinha o coração acelerado. Deslizou as mãos dentro de sua camisa, e passou pela mente que ninguém se atreveria a subir as escadas e que podiam fazer amor ali mesmo. Alexi leu sua mente, porque a deixou escorregar por seu corpo duro e excitado até o chão, e levantou suas saias.
—Não posso esperar.
—Bem —disse ela.
Elysse baixou as mãos e começou a acariciá-lo. Ele emitiu um grunhido no mesmo momento em que se ouvia uma porta abrindo-se no piso de abaixo. Vagamente, ela ouviu vozes, vozes familiares. Alexi lhe tinha subido as saias até a cintura e começou a lhe beijar a garganta, suave e sensualmente, enquanto lhe acariciava o sexo com os dedos. A porta se fechou de novo. Houve mais vozes abaixo.
A Elysse pareceu ouvir a voz de Ariella. Com Amanda?
Alexi ficou petrificado, respirando entrecortadamente. Ao final disse:
—Acabo de ouvir «Adare»? —perguntou com incredulidade.
Elysse se ergueu. Então ouviu a voz da esposa do conde, Lizzie, e de seu irmão Jack, mais alta que a de nenhum outro.
Pôs-se a rir, e também a soluçar, e olhou para Alexi, que a observava com ardor e com incredulidade. Ele começou a sorrir.
—Demônios —disse—. Temos um comitê de boas-vindas lá embaixo.
Elysse lhe acariciou o cabelo.
—Vieram nos ver. Não podemos evitá-los, Alexi.
—Posso ser muito, muito rápido.
Ela sorriu e lhe beijou a bochecha.
—Temos toda a noite, e toda a semana, para estarmos juntos.
—Umm… Eu gosto de como isso soa.
Alexi colocou-lhe algumas mechas de cabelo atrás das orelhas e colocou a camisa dentro das calças. Depois a puxou pela mão. Sorriram e percorreram o corredor. Enquanto desciam as escadas viram o que ocorria no vestíbulo de mármore. Elysse estava assombrada. Parecia que todos os membros de suas famílias se reuniram para recebê-los, quando estavam em julho e ninguém deveria estar na cidade!
Era evidente que o pai de Alexi tinha avisado a todo mundo de que tinham chegado a casa. Cliff estava com sua esposa, Amanda, e ambos lhes sorriram quando os viram descer. De fato, todos estavam olhando-os.
Ela conseguiu ver todos os presentes. Ariella estava com St. Xavier, é obvio, e com a irmã mais nova de Alexi, Dianna. O conde de Adare estava presente com a condessa. Seu herdeiro, Ned, e sua filha Margery também tinham acudido. Margery levava flores. Incrivelmente, também estava ali seu tio Seam, que nunca saía do norte da Irlanda, com sua esposa Eleanor e seu filho maior, Michael, com sua esposa Brianna, a quem Elysse mal conhecia. Seu outro filho, Rogam, e sua mulher, cujo nome não recordava porque os via com muito pouca freqüência, também estavam ali! Sir Rex, lady Blanche e suas filhas também. Clarewood estava presente, junto aos pais de Elysse e Jack, com o filho de sir Rex, Randolph, que trabalhava para ele. Também havia meia dúzia de meninos pequenos, a quem ela não conhecia. Certamente eram os netos de Seam e Eleanor. Todos lhes sorriam, mas se tinha feito um grande silêncio.
Elysse percebeu que toda a família devia ter se reunido em Londres, em meados de verão, com a umidade e o calor, devido à preocupação que sentiam por ela.
E Alexi e ela estavam no piso de cima, comportando-se como adolescentes na primavera! Elysse tocou o cabelo. Alexi sussurrou:
—Não se preocupe por isso. Todo mundo sabe o que estávamos fazendo.
Isso não fez com que ela se sentisse melhor. Entretanto, ele estava sorrindo e puxando seu cabelo, como quando eram crianças. Ela teve vontade de lhe puxar a orelha.
—E isso o agrada? —sussurrou-lhe.
—Não me importa que o mundo saiba que estou louco por minha mulher.
Ela ruborizou, e sem poder evitá-lo sentiu entusiasmo.
Jack se adiantou com um sorriso.
—Bem-vindos a casa! —disse com uma gargalhada.
Tinham chegado já aos pés da escada, e Elysse voltou a ruborizar-se quando seu irmão a abraçou.
Disse:
—Só você é capaz de ir a China perseguindo um homem!
Ariella a abraçou depois.
—Fez exatamente o que teria feito eu, e olhe quão bem se saiu! Os dois estão apaixonados!
Antes que Elysse pudesse responder, estava em braços de sua mãe. Devlin estreitou a mão para Alexi, enquanto que Amanda lhe deu um abraço. Começaram as lágrimas. Ouviu que ele estava tentando responder a centenas de perguntas. Enquanto abraçava a seu pai, Elysse disse a Ariella:
—Sim, estamos apaixonados. Sempre estivemos. Mas isso já sabia todo mundo, não?
Ariella sorriu.
—Todo mundo sabia que Alexi e você foram feitos um para o outro —respondeu Devlin com lágrimas nos olhos—. Depois falarão do imprudente de suas ações.
Acariciou-lhe a face de seu pai.
—Agora tenho um marido, papai, e já não tenho dezoito anos.
—Sim, é certo, mas sempre será minha pequena.
Ela voltou a abraçá-lo.
—Estou bem —lhe assegurou—. Intacta e perfeitamente bem.
—Graças a Deus —disse Devlin.
Clarewood pousou a mão no ombro de Alexi.
—Bom, então por fim aceitou o inevitável, não? —perguntou-lhe com diversão.
—Não só estou apaixonado, mas também estou feliz de admiti-lo —respondeu Alexi—. Talvez inclusive o convença das vantagens de ser um homem casado.
Clarewood revirou os olhos. Todos sabiam que sua busca por uma esposa, que já durava anos, não se realizava com muito entusiasmo.
Elysse estava recebendo o abraço de Lizzie, a muito bonita e gordinha condessa de Adare, e de seu marido, Tyrell. Depois se abraçou com sua prima Margery, mas um menino pequeno que passou correndo entre elas esteve a ponto de as derrubar. De repente, Margery e ela se viram rodeadas de uma tropa de pequenos que corriam para a porta. Um menino pequeno e moreno dirigia a expedição. A última era uma menina ruiva.
—Aonde vão? —perguntou uma voz severo. Claramente, era um dos pais dos meninos.
—Só vamos explorar o labirinto —disse o menino moreno, que se deteve na saída com outros meninos. Parecia muito decidido a defender seu plano.
—Muito bem, podem ir, mas só ao labirinto —disse Rogam Ou’Neill—. E espero que voltem muito antes que anoiteça.
Elysse se emocionou quando Alexi se adiantou um passo e disse:
—Os meninos se perdem nesse labirinto todo o tempo, meu jovem amigo.
O menino arregalou os olhos e a menina ruiva se assustou. Então o menino exclamou:
—Está zombando de mim, senhor!
Alexi sorriu.
—Pois sim.
Depois olhou a Elysse.
Ela devolveu-lhe o olhar. Sabia que nenhum deles esqueceria nunca aquele dia no Castelo de Errol, e menos depois do que tinha ocorrido a ela. Então, Alexi foi rodeado por Jack, Ned e Clarewood, e tratado com atenção com uma taça de champanha. Ela, com o coração cheio de amor, viu-o rir e sorrir com seus amigos e sua família, enquanto lhes contava histórias do grande continente africano. Ouviu que Jack lhe perguntava:
—E parte para Cantão nos dia oito, como tinha planejado?
Elysse sentiu o coração apertar. Era consciente de que ele teria que zarpar para Cantão o quanto antes; e embora não pudesse evitar que isso a entristecesse, sabia que o futuro era dos dois. Alexi era o homem que melhor comercializava com a China, e ela, sua esposa, apoiaria-o incansavelmente, embora tivesse que fazer sacrifícios pessoais. Além disso, já estava pensando em atrair novos investidores para sua companhia enquanto ele estivesse em viagem. Tinha muitos contatos em Londres, era uma grande anfitriã e pensava que podia ajudá-lo imensamente.
Estavam juntos, e era para sempre. Afinal, ele era um De Warenne.
—Vamos a China em oito de agosto —disse Alexi, olhando-a fixamente—. Se Elysse desejar me acompanhar.
Elysse deixou escapar um grito. Aquela era a primeira vez que mencionava algo assim!
Ele sorriu lentamente e elevou a taça para ela para fazer um brinde.
—Não há ninguém melhor para estar a meu lado que a mulher mais valente a que conheci, uma mulher valente, forte e elegante, por não mencionar que é muito bela.
Todos elevaram suas taças.
—Por minha mulher —disse Alexi—. Sou o homem mais afortunado do mundo. E pelo futuro. Por nosso futuro.
Todos fizeram coro ao brinde.
Ela se aproximou com emoção, e ele a abraçou. O futuro nunca pareceu tão brilhante, nem tão cheio de promessas.
—É obvio que irei a China contigo.
Ele deixou sua taça e a estreitou, e a beijou longamente.
Mais tarde, aquela noite, enquanto estava em seus braços, pensou em que tinham fechado o círculo desde aquela tarde em que se conheceram, crianças ainda, quando ela tinha tentado desprezá-lo e ele tinha se pavoneado sem parar sobre sua vida. Elysse sorriu para si, e lhe beijou o peito. A promessa que lhe fez se tornou realidade. O primeiro amor transformou-se no amor verdadeiro, e Alexi de Warenne continuava sendo o homem mais fascinante que ela conheceu.

 

 

                                                   Brenda Joyce         

 

 

 

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