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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A PROXIMA PORTA / Blake Pierce
A PROXIMA PORTA / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Chloe estava sentada nos degraus em frente a seu prédio ao lado de sua irmã gêmea, Danielle, vendo a polícia levar seu pai algemado pela varanda.
Um policial enorme, com uma barriga redonda, parou na frente de Chloe e Danielle. Sua pele negra reluzia com o suor enquanto a noite de verão os iluminava.
- Vocês não precisam ver isso – ele disse.
Chloe pensou que aquilo fosse algo bobo de se dizer. Mesmo com apenas dez anos, ela sabia que ele estava simplesmente tentando impedi-las de ver seu pai entrando no banco de trás de uma viatura.
Ver aquilo era o menor dos problemas. Ela já havia visto o sangue no fundo da escada, espalhado pelo último degrau e depois encharcando o carpete que levava à sala de estar. Ela também tinha visto o corpo. Estava de rosto para baixo. Seu pai havia feito de tudo para que ela não visse. Mas não importava o que ele fizera, a imagem daquele sangue todo já estava grudada nas paredes de sua mente.
Era nisso que ela estava pensando quando o policial gordo parou em sua frente. Era só o que ela conseguia pensar.
Chloe escutou a porta do carro da polícia se fechar. Ela sabia que aquele era o som de seu pai deixando-as – para sempre, ela imaginava.
- Vocês estão bem? – o policial perguntou.
Nenhuma das duas respondeu. Chloe ainda estava pensando em todo aquele sangue nos degraus, encharcando o carpete azul. Ela olhou rapidamente para Danielle e viu que a irmã estava fitando seus pés. Ela não piscava. Chloe tinha certeza de que havia algo de errado com ela. Imaginou que Danielle pudesse ter visto mais do corpo, talvez até o buraco negro de onde todo aquele sangue viera.
O policial gordo olhou para frente de repente. Sussurrando, ele disse:
- Jesus.. Vocês não podiam esperar? As meninas estão aqui...
Atrás dele, pessoas tiravam um saco do prédio e desciam os degraus. Era o corpo. Aquele que tinha deixado todo aquele sangue no carpete.
Era a mãe delas.
- Meninas? – O policial perguntou. – Alguma de vocês quer falar comigo?
Mas Chloe não queria falar.
Algum tempo depois, um carro conhecido estacionou atrás de uma das viaturas. O policial gordo já havia desistido de tentar falar e Chloe imaginou que ele estava ali, sentado com elas, apenas para que as irmãs não se sentissem sozinhas.
Ao lado de Chloe, Danielle disse a primeira palavra desde que elas estavam ali na varanda.
- Vovó – ela disse.
O carro conhecido que havia aparecido pertencia à avó delas. Ela saiu do veículo o mais rápido que suas pernas permitiram. Chloe percebeu que ela estava chorando.
Chloe sentiu uma lágrima correndo de seu rosto, mas que não parecia choro. Parecia algo diferente.
- Sua avó está aqui – o policial disse. Ele parecia aliviado, feliz por se livrar delas.
- Meninas - foi a única palavra que a avó disse quando subiu as escadas. Depois, começou a soluçar e envolveu suas netas em um abraço estranho.
Estranho ou não, era o abraço do qual Chloe se lembraria para sempre.
A imagem do sangue se enfraqueceria. O policial gordo sumiria após poucas semanas, assim como a cena surreal das algemas.
Mas, por toda sua vida, Chloe se lembraria daquele abraço estranho.
Assim como da sensação de algo se quebrando dentro dela.
Seu pai tinha mesmo matado sua mãe?

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

17 anos depois

Chloe Fine subiu as escadas de sua nova casa – a casa que ela e seu noivo haviam procurado por meses – e mal conseguia segurar sua empolgação.

- Essa caixa está muito pesada?

Steven subia os degraus atrás dela, carregando uma caixa com uma etiqueta que dizia TRAVESSEIROS.

- Nenhum pouco – ela disse, segurando sua própria caixa, que dizia LOUÇAS do lado.

Steven largou sua caixa e pegou a dela.

- Vamos trocar – ele disse, sorrindo.

Ele andava sorrindo muito ultimamente. Na verdade, parecia haver um sorriso permanente em seu rosto desde que ela tinha permitido que ele colocasse um anel de noivado em seu dedo, oito meses antes.

Eles caminharam juntos calçada acima. Enquanto seguiam, Chloe avistou o jardim. Não o gramado enorme com o qual ela sempre sonhou. Em sua mente, sua casa teria uma enorme entrada verde com árvores ao longo do jardim. Ao invés disso, ela e Steven haviam escolhido um outro, em uma vizinhança tranquila. Mas ela só tinha vinte e sete anos. Ela tinha tempo. Ela e Steven sabiam que aquela não era a casa na qual eles envelheceriam. E algo naquilo tornava tudo ainda mais especial. Aquela seria a primeira casa, o lugar onde eles aprenderiam os prós e contras de um casamento – e talvez de se ter um ou dois filhos.

Ela podia ver claramente a casa do vizinho. Os gramados eram separados apenas por alguns arbustos. A varanda branca era quase igual a deles.

- Eu sei que vivi aqui muitos anos – Chloe disse. – Mas não parece o mesmo lugar. Parece uma cidade diferente.

- Eu te garanto que é exatamente a mesma – Steven disse. – Bom, mudaram algumas coisas em algumas casas novas, como essa que nós vamos morar. Mas é a velha e boa Pinecrest, Maryland. Pequena o suficiente para você sempre encontrar pessoas que você não queria, mas grande o bastante para não ter que dirigir uma hora para chegar no mercado.

- Eu já sinto falta de Philly.

- Eu não – Steven disse. – Nada de torcedores dos Eagles, nada de brincadeiras sobre o Rocky, nada de trânsito.

- São bons pontos – Chloe concordou. – Mas mesmo assim...

- Dê tempo ao tempo – Steven disse. – Vamos nos sentir em casa aqui logo, logo.

Chloe desejou que sua avó estivesse ali naquele momento para ver a casa. Tinha certeza que ela ficaria orgulhosa. Ela com certeza não perderia tempo e ligaria o forno novo para fazer uma sobremesa para comemorar.

Mas sua avó havia morrido dois anos antes, apenas dez meses depois de seu avô ter falecido em um acidente de carro. Era poético pensar que ela havia morrido pelo coração partido, mas não era o caso. Na verdade, um ataque cardíaco levara sua avó embora.

Chloe também pensou em Danielle. Logo depois do ensino médio, sua irmã havia se mudado para Boston por alguns anos. Houve uma detenção ou duas, uma ameaça de gravidez e vários trabalhos que não deram certo. Tudo aquilo levara sua irmã a voltar para Pinecrest alguns anos antes.

Já Chloe havia feito faculdade na Filadélfia, conhecido Steven e começado a trabalhar em sua carreira para se tornar uma agente do FBI. Ela ainda precisava fazer algumas aulas restantes, mas a transição seria tranquila. Baltimore ficava a apenas meia hora dirigindo a oeste e todas suas aulas foram transferidas sem problemas.

As estrelas pareciam estar se alinhando de um jeito impressionante quando Steven conseguira um emprego em Pinecrest. Mesmo sempre brincando sobre não querer voltar para sua cidade natal, algo dentro de Chloe sabia que ela acabaria voltando, mesmo que por poucos anos. Era um sentimento tolo, mas ela sentia que devia isso a seus avós. Ao crescer, ela deixou aquele lugar muito rápido, e sentia que seus avós tinham levado aquilo para o lado pessoal.

E então a casa perfeita aparecera e Chloe começara a amar a ideia de voltar à sua pequena cidade. Pinecrest não era tão pequena – a população era de cerca de trinta e cinco mil – um tamanho confortável até onde Chloe considerava.

Além disso, ela estava animada para encontrar Danielle em algum momento.

Mas primeiro, eles precisavam terminar a mudança. Os poucos pertences que ela e Steven tinham estavam amontoados no banco de trás do frete alugado que estava estacionado em sua pequena calçada de concreto. Já fazia duas horas que eles estavam descarregando o furgão, entrando e saindo, para frente e para trás, até finalmente chegarem às últimas caixas.

Enquanto Steven trazia as últimas caixas, Chloe começou a tirar as coisas delas. Era impressionante se dar conta de que aqueles eram itens de seus apartamentos separados, que agora dividiriam o mesmo espaço, o espaço que seria deles enquanto casal. Era um sentimento confortante, que fazia com que cada olhar dela para o anel em seu dedo se tornasse um sorriso confiante.

Enquanto tiravas as coisas das caixas, Chloe ouviu uma batida na porta da frente – a primeira batida da casa nova. O barulho foi seguido por uma voz feminina, muito fina, dizendo:

- Olá?

Confusa, Chloe parou de mexer nas caixas e foi até a porta da frente. Ela não sabia o que esperar, mas com certeza não esperava ver alguém de seu passado. Estranhamente, no entanto, foi exatamente isso o que ela viu ao abrir a porta.

- Chloe Fine? – A mulher perguntou.

Oito anos haviam passado, mas Chloe reconheceu o rosto de Kathleen Saunders facilmente. Elas haviam frequentado o ensino médio juntas. Parecia um sonho vê-la, parada ali na porta. Elas não eram melhores amigas na escola, mas eram muito mais do que apenas colegas. Mesmo assim, ver um rosto de seu passado parado no caminho de seu futuro era tão inesperado que Chloe sentiu-se atordoada por um instante.

- Kathleen? – Ela perguntou. – O que você está fazendo aqui?

- Estou morando aqui – Kathleen disse, sorrindo. Ela havia ganhado bastante peso desde a escola, mas seu sorriso era exatamente o mesmo.

- Aqui? – Chloe perguntou. – Nesse bairro?

- Sim, duas casas à sua direita. Eu estava vindo de uma caminhada com meu cachorro e imaginei que fosse você. Ou sua irmã. Então eu vim e perguntei para o cara atrás do furgão e ele disse para eu vir aqui dar oi. É seu marido?

- Noivo – Chloe disse.

- Cara, que mundo pequeno! – Ela disse. – Ou... que bairro pequeno!

- Sim, acho que é mesmo – Chloe respondeu.

- Eu queria muito ficar para conversar, mas preciso encontrar um cliente em uma hora – Kathleen disse. – E, além disso, não quero te atrapalhar. Mas escute... Vai ter uma festa no sábado por aqui. Eu queria ser a primeira a convidar você pessoalmente.

- Ah, obrigada. Obrigada mesmo.

- Ei, rapidinho... Como está a Danielle? Eu soube que quando ela acabou a escola ela passou por algumas coisas... Disseram que ela estava morando em Boston.

- Ela estava em Boston – Chloe disse. – Mas na verdade ela voltou para Pinecrest há alguns anos.

- Que bacana – Kathleen disse. – Talvez você pudesse convidá-la para a festa também, que tal? Eu ia gostar muito de sair com vocês duas!

- Eu também.

Chloe olhou rapidamente sobre o ombro de Kathleen e viu Steven atrás do frete. Ele encolheu os ombros e fez uma expressão que parecia dizer “Me desculpe”.

- Bom, foi bom ver você – Kathleen disse. – Espero ver você na festa. E caso não, você sabe onde eu moro!

- Claro! Duas casas para a direita!

Kathleen assentiu e depois surpreendeu Chloe com um abraço. Chloe a abraçou, certa de que Kathleen não era do tipo que abraçava na época da escola. Ela viu sua velha (e nova, ao que parecia) amiga acenar para Steven e voltar à calçada, seguindo pela rua.

Steven voltou pelos degraus carregando as duas últimas caixas. Chloe pegou a de cima e eles as carregaram para a sala. O lugar estava cheio de caixas e malas.

- Desculpe – Steven disse. – Eu não sabia se ela seria bem-vinda ou não.

- Não, tudo bem. Foi estranho, mas tudo bem.

- Ela disse que era sua amiga na escola...

- Sim. E aqui estamos, vivendo a duas casas de distância. Mas ela pareceu bem querida. Convidou a gente para uma festa na vizinhança esse final de semana.

- Que legal.

- Ela também conhecia a Danielle da escola. Acho que vou convidar ela para a festa também.

Steven começou a abrir uma das caixas, deixando escapar um suspiro.

- Chloe, nós não estamos nem um dia inteiro aqui. Não podemos esperar mais um pouco para chamar sua irmã para fazer parte das nossas vidas?

- Podemos - ela disse. – A festa é só daqui a três dias. Vamos esperar mais três dias.

- Você me entendeu. Danielle costuma tornar as coisas difíceis quando elas não precisam ser.

Chloe tinha mesmo entendido. Steven havia encontrado Danielle quatro vezes, e todas as ocasiões haviam sido estranhas – e nenhum deles fazia questão de esconder isso. Danielle tinha alguns problemas particulares que dificultavam sua convivência com pessoas com as quais ela não era familiar. Então Chloe pensou que Steven estava certo. Por que convidá-la para uma festa onde ela não ia conhecer ninguém?

Mas a resposta era simples: porque ela é minha irmã. Ela esteve sozinha e sofrendo pelos últimos três anos e, por mais brega que pareça, ela precisa de mim.

Uma rápida lembrança das duas sentadas na frente do prédio passou por sua mente como um vento forte.

- Você sabia que eu iria procurar por ela algum dia – Chloe disse. – Eu não consigo viver na mesma cidade e continuar evitando ela na minha vida.

Steven assentiu e foi até ela.

- Eu sei, eu sei – ele disse. – Mas não custa sonhar.

Ela sabia que aquela era uma dura realidade, mas também percebeu o tom de brincadeira. Ele estava aceitando a situação, sem querer discutir sobre a irmã dela e arruinar o dia deles.

- Pode ser bom para ela – Chloe disse. – Sair e socializar... Acho que posso ajudá-la se eu me tornar alguém presente na vida dela.

Steven conhecia a história complexa das duas. E mesmo sem guardar segredos sobre o que achava sobre Danielle, ele sempre apoiava Chloe e entendia sua preocupação com a irmã.

- Faça o que você achar que é melhor para ela, então – ele disse. – E depois de telefonar, me ajude a colocar a cama no nosso quarto. Tenho planos para ela mais tarde.

- Ah é, você tem?

- Sim. Toda essa mudança me cansou. Estou exausto. Vou dormir muito... vai ser quente!

Os dois riram e se jogaram um nos braços do outro. Beijaram-se de uma forma que deu a entender que a primeira noite na casa nova colocaria mesmo a cama para trabalhar. Mas no momento, havia muitas caixas para esvaziar.

Além disso, um telefonema possivelmente nada confortável para sua irmã.

Aquele pensamento deixou Chloe com a mesma quantidade de alegria e ansiedade.

Mesmo sendo sua irmã gêmea, Chloe nunca sabia o que esperar de Danielle. E algo em voltar para Pinecrest a fazia ter certeza de que as coisas com Danielle provavelmente só iriam piorar.


CAPÍTULO DOIS


Danielle Fine abriu um comprimido de cafeína e o engoliu com uma Coca-Cola quente, sem gás, e depois abriu sua gaveta de calcinhas e procurou, no lado direito, a peça mais atrevida possível.

Danielle pensou em Martin. Eles já estavam saindo há cerca de seis semanas. E mesmo que os tivessem decidido levar as coisas sem pressa, Danielle já estava sem paciência. Ela havia decidido que iria se jogar em cima dele naquela noite. Parar no meio do caminho sempre que eles se encontravam estava fazendo-a se sentir como uma adolescente estúpida, que não sabia o que estava fazendo.

Ela sabia o que estava fazendo. E tinha certeza de que Martin também. Até o fim daquela noite, ela teria certeza.

Acabou escolhendo uma lingerie preta rendada que mal cobria a parte da frente e praticamente não existia atrás. Pensou sobre qual sutiã vestir, mas decidiu ficar sem. Ela e Martin não se preocupavam muito com as roupas e, além disso, ela sabia que não tinha sérios grandes. Não havia sutiã no mundo que poderia ajudar muito nisso. Sem falar que... Martin tinha dito a ela o quanto gostava de ver a forma de seus peitos visíveis através da camiseta.

Eles se encontrariam cedo e jantariam para que pudessem chegar ao filme das 18:30 em tempo. O simples fato de que eles iriam jantar e ver um filme ao invés de tomar drinks baratos e irem para a casa dele para uma pegação dolorosa era um ponto em favor dela. Ela imaginou se Martin era do tipo que gostava de se sentir um cavalheiro.

Seis semanas com o cara... você já deveria saber esse tipo de coisa, ela pensou ao colocar a calcinha.

Danielle vestiu-se em frente a um espelho enorme na parede de seu quarto. Ela experimentou algumas camisetas antes de decidir por uma mais descolada. Escolheu uma camiseta preta, levemente apertada, e uma calça jeans básica. Ela não era o tipo de garota que tinha vários vestidos ou saias. Normalmente, vestia a primeira coisa que pegava no armário pela manhã. Ela sabia que fora abençoada pela beleza da mãe e, já que tinha uma pele quase perfeita, geralmente também não usava maquiagem. Seus cabelos negros e olhos castanhos intensos finalizavam o pacote. Em um piscar de olhos, ela conseguia se transformar: de uma garota inocente para uma mulher muito sexy. Esse era um dos motivos pelos quais ela nunca se importara de verdade com seus pequenos seios.

Com uma rápida olhada no espelho, analisando ao mesmo tempo seu corpo, rosto e camiseta com a logo de uma banda que vestia quando adolescente, Danielle estava pronta para encontrar Martin. Ele fazia o estilo “grosseiro”, mas não daqueles que viviam em garagens ou disputas de arrancada. Em algum momento, fora um boxeador amador, pelo menos era o que tinha dito. Pelo seu corpo, ela acreditava nisso (e também por isso ela estava perdendo a paciência) e trabalhava atualmente como freelancer, especialista em TI. Mas, assim como ela, ele não levava a vida tão a sério e gostava de beber muito. Até aí, eles pareciam o casal perfeito.

Mas já haviam se passado seis semanas sem sexo. Ela sentia muita pressão. E se ele não quisesse? E se ele quisesse mesmo levar as coisas com calma e ela não conseguisse esperar?

Suspirando, Danielle foi até a geladeira. Para se acalmar, pegou uma Guinness, abriu e tomou um gole. Percebeu então que estava ingerindo álcool em cima da cafeína, mas não deixou de engolir. Ela, com certeza, já havia feito coisas muito piores para seu corpo.

Seu telefone tocou. Se estiver ligando para cancelar, eu mato ele, pensou.

Quando viu que a tela não mostrava o nome dele, relaxou. Ainda assim, quando viu que era sua irmã, encolheu os ombros. Sabia que deveria atender. Caso contrário, Chloe ligaria novamente em quinze minutos. Persistência era uma das poucas coisas que as duas tinham em comum.

Ela atendeu, pulando os cumprimentos, como sempre fazia.

- Bem-vinda de volta a Pinecrest – disse, em apenas um tom. – Você já voltou oficialmente?

- Depende se você está perguntando para mim ou para todas essas caixas cheias – Chloe respondeu.

- Quando você chegou? – Danielle perguntou.

- Hoje de manhã. Acabamos de tirar tudo do furgão e estamos tentando lidar com as caixas e ver tudo o que vamos jogar fora.

- Você precisa de ajuda? – Danielle perguntou.

O breve silêncio no outro lado da linha mostrou que Chloe não estava esperando aquele gesto generoso. Na verdade, Danielle havia perguntado apenas porque sabia que Chloe não aceitaria a ajuda. Ou, mais provável, Steven não iria querer que Chloe aceitasse.

- Sabe, acho que está tudo bem agora. Eu deveria ter te ligado quando estávamos descarregando todas essas malditas caixas.

- Talvez eu não tivesse oferecido ajuda, nesse caso – Danielle disse com um sarcasmo seco.

- Enfim, escute... Você lembra da Kathleen Saunders, do ensino médio?

- Vagamente – Danielle disse, e o nome trouxe a sua mente um rosto adolescente sorridente – o tipo de rosto que sempre chegava muito perto quando falava.

- Ela está morando aqui no bairro. Duas casas da minha. Ela veio aqui antes dizer oi. E convidou eu e Steven para uma festa do bairro nesse final de semana.

- Uou, primeiro dia e você já parece bem ambientada. Já comprou uma minivan?

Houve mais um breve silêncio. Danielle percebeu que Chloe estava tentando decidir se o comentário fora venenoso ou apenas uma brincadeira.

- Ainda não – ela finalmente respondeu. – Preciso de filhos primeiro. Mas sobre a festa... Acho que você deveria vir. Kathleen perguntou sobre você.

- Estou lisonjeada – Danielle disse, nenhum pouco lisonjeada.

- Olhe, nós vamos acabar saindo algum dia – Chloe disse. – Nós podemos fazer isso logo e evitar toda essa ladainha no telefone. E eu queria muito que você visse minha casa.

- Eu acho que tenho um encontro nesse dia – Danielle disse.

- Um encontro de verdade ou só um desses caras tolos de uma noite só?

- De verdade. Você vai gostar dele, eu acho. – Era mentira. Ela tinha certeza de que Chloe não aprovaria Martin.

- Você sabe como vamos descobrir? Traga ele também.

- Meu Deus, você é insuportável.

- Isso é um sim? – Chloe perguntou.

- É um “vamos ver”.

- Vou aceitar. Como você está, Danielle? Tudo bem?

- Sim, eu acho. O trabalho vai bem e estou prestes a sair com o mesmo cara pela vigésima vez.

- Uou, ele parece mesmo especial – Chloe brincou.

- Falando nisso... Tenho que ir – Danielle disse.

- Claro. Vou te mandar meu endereço. Espero que você venha na festa. Vai ser às três, no sábado.

- Não prometo nada – Danielle disse e depois deu um gole grande em sua Guinness. – Tchau, Chloe.

Ela desligou sem esperar a resposta de Chloe. Ela não sabia porque, mas não queria mais continuar a conversa.

Uma festa no bairro, Danielle pensou com um pouco de sarcasmo. Sei que não nos falamos tanto, mas achei que ela me conhecesse um pouco melhor...

Enquanto esse pensamento passava por sua mente, Danielle começou a pensar em sua mãe. Era nela que seus pensamentos chegavam sempre que ela se irritava com Chloe. Ao pensar na mãe, colocou a mão no pescoço. Encontrando o local nu, apressou-se pelo pequeno apartamento em direção ao quarto. Foi até a caixa de joias no guarda-roupas e pegou o colar de prata de sua mãe – a única coisa tangível que ela tinha que um dia pertencera a Gale Fine. Colocou-o no pescoço e sentiu o pequeno pingente sob sua camiseta.

Sentindo-o em sua pele, tentou imaginar se Chloe pensava muito na mãe delas. Também tentou se lembrar da última vez em que as duas haviam conversado sobre o que acontecera naquela manhã, dezessete anos antes. Ela sabia que as duas eram perseguidas por aquilo, e de fato, ninguém gostava de falar sobre fantasmas.

Agora, com apenas dez minutos restando antes de ter que sair para encontrar Martin, Danielle tomou o resto da cerveja. Deu-se conta de que poderia ir e chegar um pouco mais cedo. Então, foi até a porta da frente, mas parou no meio do caminho.

Bem em frente a sua porta, havia um envelope. Ele não estava lá quando ela estava falando com Chloe no telefone.

Foi até o envelope e pegou-o com cuidado. Parecia estar vivendo um filme, porque já tinha feito isso antes. Não era o primeiro bilhete que havia recebido.

O envelope estava em branco. Sem nomes, sem endereço, sem nada. Ela abriu a aba, que não estava colada ao resto do envelope. Colocou a mão dentro e encontrou um pequeno quadrado de papel, um pouco maior do que uma carta de baralho.

Pegou o bilhete e leu. E depois leu novamente.

Colocou-o novamente no envelope e carregou-o até a mesa, ao lado da parede da sala. Colocou-o lá, com os outros quatro bilhetes, todos com mensagens parecidas.

Olhou para ele por um momento, com medo e confusa.

Suas mãos suavam e seu coração começou a bater mais rápido.

Quem está me vigiando? Imaginou. E por que?

Então, fez o que normalmente fazia quando algo a incomodava. Ignorou. Tirou o mais novo bilhete de sua mente, junto com a mensagem que ele trazia, e saiu pela porta para encontrar Martin.

Ao sair do prédio, a mensagem do bilhete reapareceu em sua mente, quase como um sinal em neon.

EU SEI O QUE ACONTECEU DE VERDADE.

Não fazia sentido, mas novamente, parecia fazer todo o sentido do mundo.

Danielle olhou para sua própria sombra na calçada e não se conteve em caminhar um pouco mais rápido. Ela sabia que não escaparia do problema apenas deixando-o de lado, mas pelo menos aquilo a fez sentir-se melhor.

EU SEI O QUE ACONTECEU DE VERDADE.

Seus pés pareciam concordar, querendo parar de caminhar e correr de volta para tentar encontrar algum sentido nas cartas—querendo ligar para alguém. Talvez para a polícia. Talvez para Chloe.

Mas Danielle apenas caminhou mais rapidamente.

Ela conseguira deixar seu passado para trás, quase sempre.

Seria diferente com aquelas cartas?


CAPÍTULO TRÊS


- Então vocês escolheram frango mesmo, ein?

Era uma pergunta inocente, mas Chloe sentiu uma raiva profunda dela. Ela mordeu levemente os lábios dentro da boca para não responder.

Sally Brennan, mãe de Steven, estava sentada em frente a ela, com um sorriso maléfico no rosto.

- Sim, mãe – Steven disse. – É comida... Comida que eu provavelmente nem vou comer de tão nervoso. Se alguém reclamar da comida no meu casamento, pode ir embora e comer um Taco Bell no caminho.

Chloe apertou a mão de Steven debaixo da mesa. Ele parecia ter absorvido a irritação dela. Era raro que Steven enfrentasse sua mãe, mas quando enfrentava, parecia um herói.

- Bom, essa não é uma atitude muito bonita – Sally disse.

- Ele está certo - Wayne Brennan, pai de Steven, disse da outra ponta da mesa. A taça de vinho ao lado dele estava vazia pela terceira vez no jantar daquela noite, e ele esticou o braço em direção à garrafa de vinho tinto, no meio da mesa. – Na verdade, ninguém está nem aí para a comida do casamento. É da bebida que eles querem saber. E temos open bar, então...

A conversa morreu ali, com o olhar de Sally mostrando que ela claramente ainda não concordava com a escolha por frango.

Mas aquilo não era novidade. Ela havia reclamado de quase todas as decisões de Chloe e Steven. E nunca esquecia-se de, da pior maneira, relembrá-los sobre quem estava pagando pelo casamento.

Pinecrest não era apenas a cidade de Chloe, mas também dos pais de Steven. Eles haviam se mudado para lá cinco anos antes, na verdade para uma pequena cidade chamada Elon, ao lado de Pinecrest. Além do trabalho de Steven, essa fora uma das razões pelas quais Chloe e seu noivo haviam decidido se mudar para Pinecrest. Ele trabalhava como desenvolvedor de softwares para um fornecedor do governo, e havia recebido uma proposta boa demais para ser recusada. Já Chloe era, atualmente, estagiária do FBI, e estava trabalhando em seu mestrado em Justiça Criminal. Pela proximidade com a sede do FBI em Baltimore, tudo fazia perfeito sentido.

Mas Chloe já estava arrependida de morar tão perto dos pais de Steven. Wayne não incomodava quase nunca. Mas Sally Brennan era, para não exagerar, uma perua folgada que adorava colocar o nariz onde não era chamada.

Os Brennan, enquanto casal, eram pessoas muito bacanas. Ambos aposentados, bem de vida e quase sempre felizes. Mas eles mimavam Steven. Filho único, Steven já admitira várias vezes para Chloe que seus pais haviam o estragado. Mesmo agora, quando ele já tinha vinte e oito anos, eles tratavam ele como criança várias vezes. E isso acabava gerando uma superproteção. Essa era a principal razão pela qual Chloe se revirava internamente sempre que eles queriam se meter nos planos do casamento.

E, infelizmente, eles aparentemente queriam se meter na janta. Sally não perdera tempo em reclamar da escolha do menu para a recepção e perguntar também sobre outros assuntos.

- Então, como está a casa? – Wayne perguntou, ansioso para que Chloe mudasse de assunto.

- Está bem – Chloe disse. – Vamos terminar de mexer nas caixas em poucos dias.

- Ah, e olhem só – Steven disse. – Uma mulher que Chloe conheceu no ensino médio mora na mesma rua, duas casas de distância. Não é loucura?

- Talvez não seja tão louco quanto parece – Wayne disse. – Essa cidade é muito pequena. Você vai trombar com alguém que você conhece toda hora.

- Especialmente nesses bairros onde as casas ficam uma em cima da outra – Sally disse com um sorriso, demonstrando sua opinião nada positiva sobre mais essa escolha deles.

- Nossas casas não são uma em cima da outra – Steven disse.

- Pois é, temos uma varanda de um tamanho bem decente – Chloe acrescentou.

Sally encolheu os ombros e tomou outro gole de vinho. Depois, pareceu pensar em seu próximo comentário. Ela quase decidiu ficar quieta, mas acabou falando.

- Sua amiga da escola não é a única em Pinecrest, certo? – Ela perguntou. – Sua irmã também mora por aqui. Se eu me lembro bem.

- Sim, ela mora.

Ela respondeu de uma forma firme, mas sem ser rude. Sally Brennan nunca escondera seu desgosto por Danielle—mesmo que elas só tivessem se encontrado duas vezes. Sally era, infelizmente, uma dessas donas de casa clichê, entediadas, que viviam procurando por escândalos e fofoca. Então, quando descobriu que Chloe tinha uma irmã com um passado obscuro, havia ficado chocada e intrigada.

- Não vamos falar sobre isso, mãe – Steven disse.

Chloe queria ter se sentido defendida pelo comentário, mas sentiu-se no máximo desprezada. Geralmente, quando o assunto Danielle vinha à tona, Steven acabava ficando do lado de sua mãe. Ele tinha o bom senso de parar de falar, mas sua mãe geralmente não.

- Ela vai ser dama de honra? – Sally perguntou.

- Sim.

Sally não virou os olhos para o comentário, mas sua expressão mostrou o que ela pensava daquilo.

- Ela é minha irmã – Chloe disse. – Então sim, eu convidei ela para ser dama de honra.

- Sim, faz sentido, – Sally disse, - mas eu sempre achei que a dama de honra tem que ser escolhida com cuidado. É uma grande honra e responsabilidade.

Chloe precisou segurar-se na mesa para não responder de um jeito mal educado. Percebendo a tensão, Steven fez o melhor que pode para acalmar a situação.

- Mãe, calma aí – ele disse. – Danielle vai fazer tudo certo. E mesmo se algo der errado, nós vamos dar um jeito. É o meu casamento, mãe. Não vou deixar nada errado acontecer.

Agora fora Chloe quem quase virara os olhos. Novamente, aquele fora o jeito dele ficar do lado dela, mas sem irritar seus pais. Chloe gostaria que, pelo menos uma vez, ele defendesse Danielle de verdade. Ela sabia que Steven não tinha problemas sérios com ela, mas que eles estava fazendo de tudo para minimizar o sentimento de sua mãe sobre a cunhada. Era meio nojento.

- Chega dessa conversa sem noção – Wayne disse, pegando mais um pouco de batatas assadas. – Vamos falar de futebol. Chloe... Você torce para os Redskins, certo?

- Meu deus, não! Giants.

- São ruins igual – Wayne disse, rindo.

E assim, o assunto chato da noite foi varrido para debaixo do tapete. Chloe sempre admirara a ousadia de Wayne em conseguir ignorar as besteiras de sua mulher, sempre puxando outro assunto, estando o tópico anterior terminado ou não. Era uma característica que Chloe queria que Steven tivesse copiado de seu pai.

Mesmo assim, quando a noite chegou, Chloe não pode deixar de tentar imaginar se a preocupação de Sally fazia sentido. Danielle não era do tipo que se arrumava, ficava quieta e se portava bem na frente das pessoas. Ela iria sair da zona de conforto no casamento e Chloe imaginava o que poderia acontecer.

Enquanto suas preocupações rondavam sua cabeça, Chloe pensou nas pequenas garotas de muitos anos antes, sentadas na frente do prédio enquanto o saco com o corpo era carregado para fora do apartamento. Ela conseguia lembrar com facilidade o olhar vazio no rosto de Danielle. Sabia que algo havia acontecido com ela naquele momento. Sabia que, da noite para o dia, havia perdido sua irmã.

E suspeitara que, daquele momento em diante, Danielle nunca mais seria a mesma.


CAPÍTULO QUATRO


Estava chovendo quando Chloe e seu superior no trabalho chegaram ao local. Ela sentiu-se apequenada quando saiu do carro e sentiu a chuva. Enquanto estagiária, ela precisava sempre sair com seu instrutor em turnos com outros estagiários, e eles não eram designados para casos importantes. Esse, por exemplo, parecia ser um típico caso de abuso doméstico. E mesmo que os detalhes do caso não parecessem brutais, apenas as palavras abuso doméstico já a faziam tremer.

Isso porque ela havia escutado aquelas palavras muitas vezes depois da morte de sua mãe. O instrutor sabia de seu passado—ou do que acontecera com seus pais—mas não mencionara nada naquela manhã, quando eles haviam saído.

Eles estavam na cidade de Willow Creek naquele dia, um pequeno local a cerca de vinte e cinco quilômetros de Baltimore. Chloe estava estagiando no FBI para, mais tarde, fazer parte da Equipe de Evidências, e enquanto eles caminhavam em direção a uma casa simples de dois andares, o instrutor deixou-a liderar a situação. Seu instrutor era Kyle Greene, um agente de quarenta e cinco anos que havia sido retirado de sua função anterior após romper o ligamento cruzado na caçada a um suspeito. Ele nunca se recuperara totalmente da lesão, e ganhara a opção de tornar-se um instrutor e mentor dos estagiários. Ele e Chloe haviam conversado duas vezes antes daquela manhã, tendo se conhecido via FaceTime uma semana antes e encontrado um ao outro dois dias atrás, durante a ida dela da Filadélfia para Pinecrest.

- Uma coisa antes de entrarmos – Greene disse. – Eu escondi isso de você até agora porque não queria que você pensasse nisso a manhã inteira.

- Tudo bem...

- Esse é um caso de abuso doméstico, mas também de homicídio. Quando entrarmos, vai haver um corpo. Um corpo “fresco”.

- Ah... – Ela disse, contendo seu choque.

- Eu sei que é mais do que você esperava. Mas houve uma discussão quando você chegou. Sobre talvez deixar você estar junto desde o começo. Estamos pensando na ideia de deixar os estagiários terem mais responsabilidades, exigir um pouco mais de vocês. E com base no seu dossiê, acho que você é a melhor candidata para esse teste. Espero que esteja tudo bem por você.

Ela ainda estava chocada, incapaz de responder de verdade. Sim, era mais responsabilidade. Sim, significava que mais olhos estariam prestando atenção nela. Mas ela nunca havia rejeitado um desafio, e não pretendia fazer isso agora.

- Obrigada pela oportunidade.

- Ótimo – Greene disse, com seu tom de voz indicando que aquela era a resposta esperada.

Ele acenou para que ela o seguisse e eles caminharam pela varanda, escada acima. Lá dentro, dois agentes conversavam com o legista. Chloe fez o possível para estar pronta para a cena, e mesmo que achasse que estava preparada, ficou chocada quando viu as pernas da mulher por trás da ilha da cozinha.

- Então, preciso que você caminhe ao redor do corpo - Green disse. – Me diga o que você vê—tanto no corpo quanto em volta. Me diga tudo.

Chloe já havia visto alguns corpos mortos em seu estágio. Quando você mora na Filadélfia, não é difícil eles aparecerem. Mas esse era diferente. Esse estava muito perto de casa—e parecia familiar. Ela foi até o balcão da cozinha e olhou para a cena.

A vítima era uma mulher que parecia ter trinta e poucos anos. Ela fora atingida na cabeça com um objeto muito sólido—provavelmente a torradeira que estava caída no chão, quebrada em vários pedaços, em frente a ela. O impacto havia sido em sua sobrancelha esquerda, forte o suficiente para quebrar a cavidade ocular, fazendo com que seu olho fosse aparentemente cair no chão a qualquer momento. Uma poça de sangue a rodeava como uma auréola.

Talvez a coisa mais estranha nela era a calça, abaixada até o tornozelo, e a calcinha, abaixada até os joelhos. Chloe chegou mais perto do corpo e procurou outros detalhes. Ela viu o que pareciam ser duas pequenas marcas ao lado do pescoço. Elas pareciam novas e tinham o formato de unhas.

- Onde está o marido? – Ela perguntou.

- Sob custódia – Greene disse. – Ele confessou e já contou à polícia o que aconteceu.

- Mas se é uma disputa doméstica, por que o FBI foi chamado? – Ela perguntou.

- Porque esse cara foi preso três anos atrás por bater na primeira mulher com tanta força que ela foi para o hospital. Mas ela não prestou queixa. E o computador da casa dele foi sinalizado duas semanas atrás por suspeita de estar assistindo a vídeos de assassinato.

Chloe assimilou todas as informações e tentou relacioná-las com o que estava vendo. Ela tentou montar o quebra-cabeças e criar teorias em voz alta.

- Pela história desse homem, ele era propenso à violência. Violência extrema, como a torradeira indica. A calça até o tornozelo e a calcinha no meio do caminho indicam que ele estava tentando fazer sexo com ela aqui na cozinha. Talvez eles estavam fazendo sexo e ela queria parar. As marcas de arranhão no pescoço indicam que o sexo era bruto e consensual só no começo, ou nem isso.

Ela parou por um momento e estudou o sangue.

- O sangue parece relativamente novo. Imagino que o assassinato aconteceu nas últimas seis horas.

- E qual seria seu próximo passo? – Greene perguntou. – Se nós não tivéssemos esse cara em custódia e houvesse uma busca por ele, o que você faria?

- Eu procuraria alguma evidência da relação sexual. Poderíamos pegar o DNA dele e conseguir algo. Enquanto esperasse pelos resultados, no entanto, iria procurar por coisas, como uma carteira, lá em cima no quarto, esperando encontrar uma carteira de habilitação. Claro, isso se o suspeito já não fosse o marido. Nesse caso, podemos conseguir o nome através do endereço.

Greene sorriu para ela, assentindo.

- Está certo. Você ficaria surpresa em saber quantos novatos se esquecem de perceber que essa é uma pegadinha. Você está na casa do cara, então você já sabe o nome dele. Mas se nós não suspeitássemos do marido, você está totalmente certa. E... bem, você está bem?

A pergunta a surpreendeu—principalmente porque ela não estava bem. Ela estava tonta, olhando para o sangue no azulejo da cozinha. Aquilo a levara para seu passado, olhando a piscina de sangue no carpete vermelho, no final da escada.

Sem alarde, ela começou a desmaiar. Forçou seu corpo contra a parede da cozinha, com medo de cair. Foi perigoso e vergonhoso.

É isso que eu vou fazer em qualquer cena de crime brutal? Em qualquer cena que remotamente lembrar o que aconteceu com minha mãe?

Chloe podia ouvir Sally no fundo de sua mente, dizendo uma das primeiras coisas que havia dito a ela: Acho que não tem como uma mulher ser uma agente excelente. Principalmente uma com um passado traumático. Fico pensando se você leva todo o estresse para casa...

- Desculpe – ela murmurou. Apoiou-se na ilha e voltou à porta da frente. Quase caiu nos degraus a caminho do gramado, certa de que iria vomitar.

Felizmente, o destino lhe poupou desse constrangimento. Ela respirou fundo várias vezes, e concentrou-se tanto na respiração que quase não percebeu quando Greene chegou, calmamente, pelos degraus.

- Tem alguns casos que me deixam assim também – ele disse. Ele manteve uma distância respeitável, deixando que ela tivesse seu espaço. – Vai haver cenas muito piores. Infelizmente, em algum momento, você acaba se acostumando.

Ela assentiu, e lembrou que já tinha ouvido aquilo antes.

- Eu sei. É que... essa cena me lembrou de algo. Uma memória com a qual não gosto de lidar.

- O FBI tem psicólogos incríveis para ajudar os agentes a lidar com coisas assim. Então nunca pense que você está sozinha ou que isso lhe torna menor do que os outros.

- Obrigada – Chloe disse, finalmente conseguindo levantar novamente.

Ela percebeu que, de repente, sentia muita falta da irmã. Por mais mórbido que fosse, pensamentos sobre Danielle invadiam sua mente sempre que ela lembrava do dia em que sua mãe morrera. Não fora diferente agora. Chloe não conseguiu não pensar em sua irmã. Danielle passara por muita coisa nos últimos anos—sendo vítima das circunstâncias e também de suas decisões erradas. E agora que Chloe morava tão perto, parecia inimaginável que elas continuassem tão longe uma da outra.

Sim, Chloe havia convidado Danielle para a festa no final de semana, mas ela não poderia esperar tanto. E ela suspeitava que a irmã nem viria, na verdade.

De repente, deu-se conta de que precisava ver a irmã naquele momento.


***


Chloe não sabia porque estava tão nervosa quando bateu na porta de Danielle. Ela sabia que a irmã estava ali. O mesmo carro que ela tinha quando adolescente estava estacionado na garagem do condomínio, com os mesmos adesivos das bandas. Nine Inch Nails, KMFDM, Ministry. Ver o carro e aqueles adesivos lhe trouxeram uma sensação de nostalgia, mais triste do que qualquer outra coisa.

Ela não amadureceu nada mesmo? Chloe imaginou.

Quando Danielle abriu a porta, Chloe viu que não. Ou, pelo menos, era o que sua aparência parecia dizer.

As irmãs olharam-se uma para a outra por cerca de dois segundos antes de finalmente darem-se um abraço rápido. Chloe viu que Danielle ainda pintava seu cabelo de preto. Ela também tinha ainda o piercing no lábio, no canto esquerdo da boca. Ela estava usando um pouco de delineador preto e vestindo uma camiseta de Bauhaus e uma calça jeans rasgada.

- Chloe – Danielle disse, interrompendo um sorriso breve. – Como você está?

Foi como se elas tivessem se visto um dia antes. Mas tudo bem. Chloe não estava esperando nenhum ato sentimental de sua irmã.

Chloe entrou no apartamento e, sem ligar muito para como Danielle reagiria, deu outro abraço na irmã. Fazia um pouco mais de um ano que elas não se viam—e cerca de três que elas não se abraçavam assim. Algo no fato de as duas estarem morando na mesma cidade parecia conectá-las novamente—e isso era algo que Chloe podia sentir, algo que ela sabia que não precisava ser dito.

Danielle retribuiu o abraço, embora sem muita vontade.

- Então... você... está bem? – Danielle perguntou novamente.

- Estou bem – Chloe respondeu. – Eu sei que deveria ter ligado, mas... Não sei. Tinha medo de que você arranjasse alguma desculpa para eu não vir.

- Talvez eu tivesse arranjado mesmo – Danielle admitiu. – Mas agora que você está aqui, entre. Desculpe a bagunça. Bom, na verdade, não precisa me desculpar. Você sabe que eu sempre fui bagunceira.

Chloe riu e quanto entrou no apartamento, surpreendeu-se ao ver o lugar relativamente arrumado. A área comum tinha poucos móveis, apenas um sofá, uma TV em uma estante, uma mesa de café uma lâmpada. Chloe sabia que o resto da casa seria igual. Danielle era o tipo de pessoa que vivia com o mínimo de pertences possível. A exceção, se ela não tinha mudado desde a adolescência (e parecia que não), era a música e os livros. Isso fazia com que Chloe se sentisse quase culpada pela casa espaçosa e elaborada que havia comprado recentemente com Steven.

- Você quer café? – Danielle perguntou.

- Sim, seria ótimo.

Elas foram até a cozinha, que também tinha apenas o necessário. A mesa havia claramente sido comprada em um bazar, decorada minimamente com uma toalha. Havia apenas duas cadeiras, uma de cada lado.

- Você está aqui para me convencer sobre a festa do bairro? – Danielle perguntou.

- Não mesmo – Chloe disse. – Eu estava no estágio hoje e fui até a cena de um crime que... bem, me fez lembrar de tudo.

- Nossa.

O silêncio pairou ente elas enquanto Danielle ligou a cafeteira. Chloe viu a irmã se mover pela cozinha, um pouco assustada ao ver que ela não havia mudado. Parecia a mesma garota de dezessete anos que tinha saído de casa com a esperança de criar uma banda, contrariando o sonho de seus avós. Tudo parecia igual, até a cara de sono.

- Você soube algo do pai ultimamente? – Chloe perguntou.

Danielle apenas balançou a cabeça.

- Pelo seu trabalho, acho mais fácil você saber de algo. Se tiver algo para saber.

- Parei de procurar há um tempo.

- Um brinde a isso! – Danielle disse, cobrindo seu pequeno bocejo com a mão.

- Você parece cansada – Chloe disse.

- Estou. Mas não com sono. O médico tinha me dado um desses estabilizadores de humor. Isso acabou com meu sono. E quando você cuida do bar e quase nunca dorme antes das três da manhã, a última coisa que você precisa é um remédio que fode com seu sono.

- Você disse que o médico tinha te dado. Você não está mais tomando?

- Não. Eles estavam fodendo meu sono, meu apetite e meu libido. Desde que parei, me sinto muito melhor... só que estou sempre cansada.

- Por que ele te passou esse remédio? – Chloe perguntou.

- Pra lidar com minha irmã intrometida – Danielle disse, em uma meia-brincadeira. Ela esperou um pouco até dar uma resposta honesta. – Eu estava começando a ficar um pouco depressiva. E isso estava vindo do nada. E eu lidei com isso de alguns jeitos... idiotas. Bebendo. Fazendo sexo. Vendo Fixer Upper.

- Se era para depressão, você deveria voltar a tomar – Chloe disse, percebendo que estava sendo mesmo intrometida. – E para quê você precisa de libido, mesmo? – Perguntou com uma risadinha.

- Para quem não está prestes a se casar, isso é muito importante. Você não consegue simplesmente deitar na cama e transar sempre que quiser.

- Você nunca teve problemas para arranjar uns caras antes – Chloe disse.

- E ainda não tenho – Danielle respondeu, trazendo as xícaras de café para a mesa. – Mas tenho trabalhado muito. Ultimamente mais ainda. E esse último... é um cara sério. Nós decidimos ir devagar... enfim.

- É só por isso que estou casando com o Steven, você sabe – Chloe disse, tentando entrar na brincadeira com a irmã. – Cansei de ter que sair e procurar por sexo.

As duas riram. O sorriso e as risadas deveriam ter parecido naturais, mas algo pareceu forçado.

- Mas então, o que foi, mana? – Danielle perguntou. – Não é do seu tipo aparecer do nada. Não que eu saberia, já que faz quase dois anos que não conversamos.

Chloe assentiu, relembrando a única vez em que elas haviam passado algum tempo juntas nos últimos anos. Danielle estivera na Filadélfia em um show e havia ficado no apartamento dela. Elas conversaram um pouco, não muito. Danielle bebera muito e havia dormido no sofá. Elas chegaram a falar sobre sua mãe, e também sobre o pai. Fora a única vez em que Chloe escutara Danielle falar abertamente sobre querer visitá-lo.

- Aquela cena hoje de manhã, - Chloe disse, - me fez pensar naquela manhã, do lado de fora do apartamento. Eu fiquei pensando no sangue na escada e isso mexeu comigo. Pensei que ia vomitar. E eu não sou assim, sabe? A cena em si era boba comparada a outras coisas que eu já vi. Mas aquilo me atingiu com força. Me fez pensar em você e eu tinha que te ver. Faz sentido para você?

- Sim. Os estabilizadores de humor... Tenho certeza que toda a depressão estava vindo dos pesadelos que eu estava tendo com a mãe e o pai. Eu tinha o pesadelo e ficava mal vários dias. Tipo, não queria sair da cama porque não confiava em mais ninguém no mundo.

- Bem, eu ia perguntar como você lida com isso quando pensa no que aconteceu, mas acho que já tenho a resposta.

Danielle assentiu e desviou o olhar.

- Com remédios.

- Você está bem?

Danielle encolheu os ombros, mas parecia querer mostrar o dedo do meio para Chloe.

- Faz dez minutos que estamos juntas e você já tocou no assunto. Meu Deus, Chloe... Você ainda não aprendeu a viver sua vida sem falar dessa merda? Se você lembrar, quando você me ligou para me dizer que estava se mudando para Pinecrest, nós decidimos não falar sobre isso. Águas passadas, lembra?

Chloe foi pega de surpresa. Ela viu Danielle mudar de seca e sarcástica para absolutamente furiosa em um piscar de olhos. Com certeza o assunto de seus pais era complicado, mas a reação de Danielle foi totalmente bipolar.

- Há quanto tempo você parou com os remédios? – Chloe perguntou.

- Vá se foder.

- Quanto tempo?

- Três semanas, mais ou menos. Por quê?

- Porque faz só quinze minutos que eu estou aqui e eu já posso ver que você precisa deles.

- Obrigada, doutora.

- Você pode voltar a tomar, por favor? Quero você no meu casamento. Dama de honra, lembra? Por mais egoísta que pareça, eu queria que você gostasse. Então, por favor, você pode voltar a tomar os remédios?

A menção à dama de honra mexeu com algo em Danielle. Ela suspirou e depois relaxou a postura. Ela conseguiu olhar novamente para Chloe e, mesmo que ainda brava, pareceu um pouco mais animada.

- Tudo bem – ela disse.

Ela levantou-se da mesa e foi até a cesta de vime decorativa no balcão da cozinha. Pegou uma caixa de remédios, tirou uma pílula e engoliu com seu café.

- Obrigada – Chloe disse. Depois, pressionou um pouco mais, sentindo que havia mais algo. – E de resto, tudo bem?

Danielle pensou por um momento e Chloe flagrou seu olhar rápido para a porta do apartamento. Foi algo rápido, mas havia medo nele—Chloe tinha certeza.

- Sim, tudo bem.

Chloe conhecia a irmã bem o suficiente para não insistir.

- Então, mas e qual é a dessa festa do bairro? – Danielle perguntou.

Chloe riu. Ela havia quase se esquecido da habilidade de Danielle de mudar de assunto com a elegância de um elefante comprado em uma loja chinesa. E, assim, o assunto mudou. Chloe olhava para a irmã, para perceber se ela voltaria a olhar para a porta com medo nos olhos, mas aquilo não voltou a acontecer.

Ainda assim, Chloe sabia que havia algo. Talvez depois de algum tempo juntas, Danielle contaria.

Mas o que será? Chloe imaginou, olhando ela mesma para a porta.

E foi quando percebeu que não conhecia mesmo sua irmã. Havia partes dela que eram iguais à garota de dezessete anos que Chloe conhecia tão bem. Mas havia algo novo na Danielle de agora... algo obscuro. Algo que precisava de remédios para controlar o humor e para ajudá-la a dormir.

Chloe percebeu, naquele momento, que estava assustada pela irmã e que queria ajudá-la da maneira que pudesse.

Mesmo que isso significasse mexer no passado.

Mas não agora. Talvez depois do casamento. Só Deus sabia que tipos de discussões e mudanças de humor falar sobre a morte da mãe e a prisão do pai poderiam trazer. Ainda assim, Chloe sentiu os fantasmas do passado mais fortes do que nunca enquanto estava sentada com Danielle, e aquilo a fez pensar em quanto esses mesmos fantasmas perseguiam sua irmã.

Que tipos de fantasmas rondavam a cabeça de Danielle? E o que exatamente eles estavam dizendo para ela?

Ela sentiu, como sentia uma tempestade vindo, que fosse qual fosse o problema de Danielle, ele a envolveria. Sua nova vida. Seu noivo. Sua nova casa.

E aquilo tudo poderia não terminar nada bem.


CAPÍTULO CINCO


Danielle estava no sofá, encostada em Martin, com as pernas sobre as dele, e sabia que não estava vestindo uma calcinha por baixo do pijama. Não que importasse. De certo modo, ele havia a rejeitado na noite anterior, mesmo sem sutiã e com a calcinha provocante. Parecia que Martin estava levando mesmo a sério a questão de levar as coisas com calma.

Ela estava começando a pensar que ou ele estava sendo cavalheiro, ou não se sentia sexualmente atraído por ela. Na última opção, no entanto, era difícil de acreditar, porque ela sentira literalmente a prova da atração dele apertando suas pernas e quadril em várias oportunidades.

Tentou não se incomodar com aquilo. Mesmo que estivesse de fato sexualmente frustrada, havia algo especial em finalmente ter encontrado um homem que queria mais do que apenas sexo.

Aquela noite era um ótimo exemplo. Eles havia escolhido ficar em casa, sentados no apartamento dela, assistindo a um filme. Antes, haviam conversado sobre o dia de Martin. Ele era gerente auxiliar em uma gráfica, e havia vários detalhes para discutir. Era como escutar alguém explicar sobre como a tinta seca. Já Danielle odiava falar sobre seu dia. Enquanto garçonete em um restaurante local, seus dias eram um tédio. Ela ficava sentada lendo a maioria do tempo. As noites eram preenchidas com histórias que poderia compartilhar, mas quando pegava no sono e acordava, ela não queria mais falar sobre elas.

Depois da conversa, eles haviam se beijado um pouco, mas tudo muito normal. Novamente, Danielle percebeu que estava bem com a situação. Além disso, desde a visita de Chloe, ela andava chateada. As pílulas nem chegavam a fazer efeito até ela tomar a segunda antes de ir para a cama.

Graças à visita de Chloe, Danielle estivera pensando na mãe, no pai, e na infância que havia passado para ela como um lampejo. Na verdade, ela só queria ser abraçada por Martin—algo que a fazia sentir dor ao admitir para si mesma.

Eles colocaram um dos DVDs, escolhendo The Shawshank Redemption e deitando juntos no sofá como duas crianças nervosas e inexperientes na época da escola. Algumas vezes, a mão dele escorregava para baixo dos ombros, e ela tentava imaginar se ele estava tentando fazer algo. Mas ele se mantinha respeitoso, algo bom e irritante ao mesmo tempo.

Danielle também percebeu que, às vezes, o telefone dele vibrava. Ele estava em cima da mesa de café, na frente deles, mas ele decidira não olhar. Primeiro, ela pensou que ele só estava sendo educado, sem desrespeitar o encontro. Mas depois de algum tempo—quando Danielle pensava ter escutado o celular sete ou oito vezes—aquilo começara a ficar desagradável.

Quando Tim Robbins trancou-se no escritório do diretor e tocou ópera para os prisioneiros de Shawshank, o telefone tocou mais uma vez. Danielle olhou para o aparelho, e depois para Martin.

- Você vai ver o que é? – Ela perguntou. – Alguém está precisando muito de você.

- Não, está tudo bem – ele disse. Ele trouxe ela para mais perto e a puxou. Os dois deitaram lado a lado. Se ela quisesse, poderia facilmente beijar o pescoço dele. Olhou em volta e pensou. Imaginou como ele reagiria se ela o beijasse ali, talvez correndo a língua com jeito pelo pescoço dele.

O telefone tocou novamente. Danielle deu uma risadinha e, sem dizer nada, levantou-se do peito de Martin. Ela pegou o telefone e trouxe até seu peito. Olhando para a tela bloqueada, disse:

- Qual é sua sen—

Martin tirou o telefone com violência da mão dela. Ele parecia mais surpreso do que furioso.

- O que foi isso? – Ele perguntou.

- Nada – ela disse. – Só brincando. Você pode ver seu telefone quando estiver comigo. Eu não me importo. Mas se for outra namorada eu vou ter que usar minhas garras nela.

- Eu não preciso que você supervisione meu celular – ele disse.

- Ei, espere aí. Não precisa ficar bravo. Eu só estava brincando.

Ele riu da cara dela e colocou o telefone no bolso. Depois, suspirou e sentou-se, aparentemente sem querer mais ficar deitado com ela.

- Ah, você é desses, então - ela disse, ainda tentando encontrar um equilíbrio entre brincar e ser persistente. – Guarda o telefone como se fosse seu pau ou algo assim.

- Esquece isso – ele disse. – Não seja estranha.

- Eu? Martin, achei que você ia quebrar meu pulso tirando o celular da minha mão.

- Bom, não é seu telefone, é? Você confia em mim?

- Não sei – ela disse, levantando a voz. – Não estamos saindo há tanto tempo. Cara, não precisa ficar tanto na defensiva.

Ele virou os olhos e olhou para a TV. Um gesto mal educado, que a irritou. Danielle balançou a cabeça e, fazendo o possível para manter uma expressão agradável, rapidamente montou nele. Abaixou-se como se fosse em direção ao zíper, mas depois virou-se para o bolso no qual estava o telefone. Com a outra mão, começou a fazer cócegas no lado direito dele.

Martin foi pego de surpresa, claramente sem saber como reagir. Ainda assim, quando os dedos dela tocaram no telefone, ele pareceu ter sido ligado na tomada. Pegou o braço dela e puxou com força. Depois, jogou-a no sofá, sem largar o braço. Doeu muito, mas ela não queria que ele a ouvisse gritando de dor. A velocidade e força dele a fizeram lembrar que ele já havia sido um boxeador amador.

- Cacete, solte a porra do meu braço!

Ele soltou, olhando para ela, surpreso. O olhar em seu rosto a fez pensar que ele não queria ter sido tão bruto. Ele surpreendera a si mesmo. Mas Martin também estava bravo. A sobrancelha apertada e os ombros tremendo eram evidências disso.

- Estou indo – ele disse.

- Isso, boa ideia – Danielle respondeu. – E nem precisa me ligar mais se não for para pedir desculpas.

Ele balançou a cabeça—se concordando consigo mesmo ou com ela, Danielle não sabia. Ela o viu sair rapidamente pela porta, fechando-a com força. Danielle sentou-se no sofá, olhando para a porta por algum tempo e tentando entender o que exatamente havia acontecido.

Não quer transar comigo e tem um comportamento desses, pensou. Esse cara pode ser problemático demais para valer a pena.

Claramente, ela sempre se sentia atraída por aquele tipo de homem.

Danielle olhou para seu braço e viu marcas vermelhas onde ele havia a segurado. Ela tinha certeza de que ele havia a machucado. Não era a primeira vez que um cara usava a força com ela, mas ela não imaginava aquilo vindo de Martin.

Brincou com a ideia de ir atrás dele para entender o que havia acontecido. Mas, ao invés disso, ficou no sofá e assistiu ao filme. Se o passado lhe ensinara algo, era que simplesmente não valia a pena correr atrás de homens. Nem daqueles que pareciam bons demais para serem de verdade.

Ela terminou o filme sozinha e encerrou a noite. Quando apagou a luz, sentiu que estava sendo vigiada—como se não estivesse sozinha. Sabia que aquilo era ridículo, é claro, mas não pode deixar de olhar para a porta, onde a carta havia aparecido no dia anterior—e várias vezes antes—vindas do nada.

Continuou no sofá e olhando para a porta, quase esperando que outra carta aparecesse. E vinte minutos depois, quando levantou-se para começar a se arrumar para trabalhar, acendeu todas as luzes do apartamento.

Devagar, uma paranoia esquisita tomou conta dela. Algo familiar, um sentimento que era como um amigo íntimo de anos—um amigo muito íntimo desde que as cartas começaram a chegar.

Pensou nas pílulas e, por um momento, passou por tudo o que estava em sua cabeça. Tudo. Inclusive as cartas.

Aquilo era tudo real?

Danielle não pode deixar de pensar no passado, lembrando-se da escuridão da qual ela achou que já havia escapado.

Ela estava perdendo a cabeça novamente?


CAPÍTULO SEIS


Chloe estava sentada na sala de espera, olhando para as revistas na mesa do café. Ela já havia visitado dois psicólogos diferentes depois da morte da mãe, mas não havia entendido de fato o propósito das consultas. Agora, no entanto, aos vinte e sete anos, ela sabia porque estava ali. Aceitara o conselho de Greene e ligara para o psicólogo do FBI para falar sobre sua reação à cena do crime do dia anterior. Naquele momento, estava tentando relembrar os consultórios que visitara na infância.

- Senhorita Fine? – Uma mulher chamou do outro lado da sala.

Chloe estava tão longe em seus pensamentos que não ouviu a porta da sala de espera. Uma mulher bem apessoada acenou para ela. Chloe levantou-se e fez o possível para não parecer derrotada enquanto seguia a mulher pelo corredor até o grande consultório.

Ela pensou no que Greene havia dito no dia anterior, enquanto tomavam café. Aquilo ainda estava forte em sua mente, porque fora o primeiro conselho realmente útil de um agente durante o começo de sua carreira.

Visitei esse psicólogo várias vezes na minha vida. Meu quarto caso foi um assassinato com suicídio. Quatro corpos. Um era uma criança de três anos. Acabou comigo. Então posso te falar com certeza... isso funciona. Especialmente se você começar desde já. Já vi agentes que se achavam fodas e que não precisavam de ajuda. Não seja um desses, Fine.

Então, não... precisar de psicólogo não fazia dela um fracasso. E melhor, ela esperava que aquilo pudesse torná-la mais forte.

Chloe entrou no consultório e viu um senhor de aproximadamente sessenta anos sentado atrás de uma mesa grande. Uma janela atrás da mesa mostrava uma pequena topiaria lá fora, e borboletas voando para lá e para cá. O nome dele era Donald Skinner, e ele já exercia a profissão há mais de trinta anos. Ela sabia disso porque havia pesquisado sobre ele no Google antes de decidir ir à consulta. Skinner era muito formal e educado. Ele pareceu preencher a sala um pouco mais quando caminhou em direção a ela para lhe cumprimentar.

Ele acenou em direção a uma confortável cadeira no meio da sala.

- Por favor - disse. – Sinta-se à vontade.

Chloe sentou-se, claramente nervosa. Ela sabia que provavelmente estava forçando muito para tentar esconder esse sentimento.

- Já fez isso antes? – Skinner perguntou.

- Quando era muito mais nova – ela disse.

Ele assentiu e sentou-se em uma cadeira idêntica, em frente a ela. Quando se acomodou, colocou o joelho direito por cima da perna e colocou as mãos sobre ele.

- Senhorita Fine, por que você não me fala sobre você... e depois sobre o motivo de você estar aqui hoje.

- Sobre mim desde quando? – Ela perguntou, em tom de brincadeira.

- Por enquanto, foque na cena do crime de ontem – Skinner respondeu.

Chloe pensou por um momento e depois começou. Ela não escondeu nada, inclusive falando um pouco de seu passado para ele. Skinner escutou atentamente, ponderando sobre tudo o que estava sendo dito.

- Me diga – Skinner disse. – Até agora, das cenas de crime que você presenciou, essa foi a mais macabra?

- Não. Mas foi a coisa mais macabra que me deixaram ver de verdade.

- Então você está propensa a admitir completamente que foi o que aconteceu no seu passado que fez você reagir daquele jeito?

- Acho que sim. Digo, nunca tinha acontecido antes. E mesmo quando isso tenta me incomodar, eu consigo deixar para lá facilmente.

- Entendi. Mas há outros fatores que podem ter ajudado nisso? Uma nova cidade, um novo instrutor, uma nova casa. Várias mudanças...

- Minha irmã gêmea – Chloe disse. – Ela mora aqui em Pinecrest. Pensei em talvez vê-la de novo depois de um ano... talvez isso, junto com a cena que eu vi ter sido tão parecida.

- Esse pode muito bem ter sido o motivo – Skinner disse. – Por favor, desculpe por perguntar algo tão simples, mas foi a morte de sua mãe que levou você a querer fazer uma carreira no FBI?

- Sim. Eu sabia, quando tinha 12 anos, que era isso que eu queria fazer.

- E sua irmã? O que ela faz?

- Ela é garçonete em um bar. Acho que ela gosta porque precisa ser sociável só algumas horas, e depois pode ir para casa e dormir até meio dia.

- E ela lembra daquele dia como você? Vocês já conversaram sobre isso?

- Sim, mas ela não entra muito em detalhes. Quando eu tento, ela me interrompe rapidamente.

- Então entre em detalhes comigo agora - Skinner disse. – Claramente você precisa falar sobre isso. Então porque não comigo... alguém imparcial?

- Bem, como eu disse antes, pareceu um acidente muito simples, porém infeliz.

- Mas seu pai foi preso – Skinner apontou. – Então, para mim, como alguém que não conhece o caso, eu não veria como um acidente. Fico curioso em saber como você enxerga isso como acidente tão claramente. Mas vamos passar adiante. O que aconteceu aquele dia? Do que você lembra?

- Bom, foi um acidente causado pelo meu pai. Por isso ele foi preso. Ele nem mentiu. Ele estava bêbado. Minha mãe o irritou, e ele a empurrou.

- Estou te dando a chance de falar em detalhes e é só isso o que você me conta? – Skinner perguntou em um tom amigável.

- Uma parte da história está borrada na minha cabeça – Chloe admitiu. – Você sabe, do jeito que memórias do passado ficam embaçadas na mente.

- Certo. Então... Quero tentar algo com você. Já que é a primeira vez que nos encontramos, não vou tentar hipnose. Mas vou tentar uma forma comprovada de terapia. Algo que chamamos de terapia da linha do tempo. Para hoje, acho que o que pode ajudar é ir mais a fundo nos detalhes daquele dia—detalhes que estão aí na sua mente, mas de certa forma trancados, porque você tem medo de encará-los. Se você continuar me visitando, essa terapia vai acabar nos ajudando a acabar com esse medo e ansiedade que você sente sempre que pensa naquele dia. O que você acha? Parece bom para você?

- Sim - ela disse sem hesitar.

- Certo, muito bom. Então... vamos começar por onde você estava sentada. Quero que você feche os olhos e relaxe. Tire alguns segundos para clarear a mente e ficar confortável. Balance de leve a cabeça quando estiver pronta.

Chloe fez o que ele pediu. Ela permitiu-se afundar na cadeira. Era uma cadeira muito confortável, de couro. Sentiu que ainda estava com os ombros tensos, desconfortável por estar sendo tão vulnerável na frente de alguém que sequer conhecia. Ela suspirou fundo e relaxou os ombros. Acomodou-se na cadeira e escutou o barulho do ar condicionado. Escutou o ruído e assentiu. Ela estava pronta.

- Certo – Skinner disse. – Na varanda com sua irmã. Agora, mesmo que você não lembre o tipo de calçado que estava usando naquele dia, quero que você imagine que está olhando para seus pés. Olhando para baixo, para os seus calçados. Quero que você foque neles e nada mais—apenas o calçado que você estava usando quando tinha dez anos. Você e sua irmã na varanda. Mas mantenha seus olhos só nos calçados. Descreva-os para mim.

- Chuck Taylors – Chloe disse. Vermelhos. Baixos. Cadarços grandes.

- Perfeito. Agora veja os cadarços. Preste atenção só neles. Quero que você, aos dez anos, levante sem tirar o olho deles. Quero que você levante e caminhe até onde você tinha encontrado o sangue no chão, no fim da escada. Quero que você volte algumas horas. Mas não tire os olhos do cadarço. Você consegue?

Chloe sabia que não estava hipnotizada, mas as instruções pareciam simples. Básicas e fáceis. Ela levantou, dentro de sua mente, e caminhou para dentro do apartamento. Ao chegar lá, viu o sangue, viu sua mãe.

- Minha mãe está aqui no fim da escada – ela disse. – Tem muito sangue. Danielle está chorando em algum lugar. Meu pai está andando de um lado para outro.

- Certo. Mas olhe só para os cadarços – Skinner instruiu. – E veja se você consegue voltar mais ainda. Você pode tentar?

- Sim, fácil. Estou com Beth... uma amiga. Voltamos do cinema. A mãe dela nos levou. Me deixou em casa e ficou na calçada até eu entrar. Ela sempre fazia isso, nunca ia embora antes de me ver entrar.

- Certo. Olhe para o cadarço quando você sai do carro e sobe as escadas. Depois, me conte sobre o resto da tarde.

- Eu entrei no prédio e depois fui para o segundo andar, no nosso apartamento. Quando eu coloquei a chave na porta para abrir, escutei o pai lá dentro. Então entrei. Fechei a porta para ir até a sala, mas vi o corpo da mãe. No fim da escada. O braço direito dela estava preso embaixo do corpo. O nariz parecia destruído e tinha sangue por tudo. A maioria do rosto estava coberto de sangue. No tapete inteiro, no final da escada. Acho que meu pai pode ter tentado mexer no corpo...

Chloe parou ali. Ela estava achando difícil focar apenas nos cadarços velhos. Ela conhecia a cena que estava descrevendo muito bem para ignorá-la.

- Danielle está em pé ali, do lado dela. Tem sangue nas mãos e nas roupas. O pai está falando muito alto no telefone, falando para alguém vir rápido, houve um acidente. Quando ele sai, ele olha para mim e começa a chorar. Ele jogou o telefone pela sala, bateu contra a parede. Ele veio até nós e se abaixou. Pediu desculpas... disse que a ambulância estava a caminho. Depois olhou para Danielle e nós quase não entendemos o que ele disse sob as lágrimas. Ele disse que Danielle precisava subir e trocar de roupa.

Ela foi e eu a segui. Perguntei para ela o que tinha acontecido, mas ela não falava comigo. Ela nem chorava. De repente, começamos a ouvir sirenes. Ficamos ali com o pai, esperando que ele nos dissesse o que ia acontecer depois. Mas ele nunca disse. A ambulância chegou, depois a polícia. Um policial amigo nos levou para fora, na varanda, e ficou ali com a gente até meu pai sair algemado. Até eles tirarem o corpo da mãe...

De repente, a imagem dos cadarços havia desaparecido. Ela estava de volta na varanda, esperando pela avó. O policial gordo estava com ela, e mesmo que não o conhecesse, ele a fazia sentir-se segura.

- Você está bem? – Skinner perguntou.

- Sim – ela disse, com um sorriso nervoso. – A parte do meu pai jogando o telefone... Eu tinha esquecido completamente disso.

- E lembrar disso fez você se sentir como?

Era uma pergunta difícil de responder. Seu pai sempre teve um temperamento forte, mas vê-lo fazendo aquilo depois o que aconteceu com sua mãe quase o fazia parecer fraco e vulnerável.

- Me fez ficar triste por ele.

- Você chegou a culpá-lo pela morte da sua mãe desde que isso aconteceu? – Skinner perguntou.

- Honestamente, depende do dia. Depende do meu humor.

Skinner assentiu e saiu de sua postura estátua. Ele levantou e olhou para baixo, para Chloe, com um sorriso tranquilizador.

- Acho que está bom por hoje. Por favor, me ligue se você tiver algum tipo de reação a alguma cena de crime de novo. E eu gostaria de te ver novamente logo. Podemos marcar uma consulta?

Chloe pensou naquilo e assentiu.

- Podemos, mas meu casamento está chegando, e temos reuniões com decoradora, buffet... é um saco. Posso ligar quando tiver um dia disponível?

- Claro. E até lá... fique perto do Agente Greene. Ele é um cara do bem. E foi muito direto comigo. Por favor, saiba que, nesse ponto da sua carreira, precisar conversar com alguém como eu não é nada ruim. Não tem nada a ver com seu talento.

Chloe assentiu. Ela sabia disso, mas era bom escutar Skinner dizer. Ela levantou-se e o agradeceu. Ao sair pela porta e entrar na sala de espera, viu seu pai jogando o telefone. Mas depois, ele fez um comentário—algo que ela não tinha esquecido, mas que passara despercebido até hoje.

Ele olhara para Danielle e, com um pouco de urgência na voz, dissera: Danielle, meu amor... troque de roupa. Não temos muito tempo até eles chegarem.

Aquele comentário ficou na mente de Chloe durante boa parte da tarde, atormentando-a e fazendo-a bater em uma porta na qual ela tinha evitado bater pelos últimos dezessete anos.


CAPÍTULO SETE


Danielle acordou às oito em ponto, sentindo-se como se não tivesse dormido nada. Ela havia chegado do trabalho às 2:45 e caído na cama às 3:10. Geralmente, não tinha problemas para dormir até as onze—às vezes até mais—mas quando abriu os olhos às 08:01 da manhã, não conseguiu voltar a dormir. Na verdade, ela não estava dormindo bem desde que soubera que Chloe estava voltando para a cidade. Sentia que seu passado estava a seguindo, e não pararia até destruí-la completamente.

Cansada e irritada, Danielle tomou um banho e comeu seu café da manhã. Fez tudo isso escutando o álbum Too Dark Park, de Skinny Puppy. Ao colocar a louça do café na pia, percebeu que precisaria ir ao mercado naquele dia. Na maioria das vezes, isso não a incomodava. Mas havia dias em que ela sentia que sair em público era um erro... que as pessoas estavam a olhando, esperando por ela para foder com sua vida e apontar dedos.

Ela também tinha medo de sair e permitir que o autor das cartas a seguisse. Num dia desses, pensou, o autor poderia parar de brincar e simplesmente matá-la.

Talvez aquele fosse o dia.

Ela dirigiu até o mercado, totalmente consciente de que aquele seria um desses dias... daqueles onde ela teria medo de tudo. Um desses dias onde ela ficaria olhando sempre por cima dos ombros. Dirigiu rapidamente, passando até por um sinal vermelho, querendo chegar logo.

Desde que começara a receber os bilhetes perturbadores debaixo da porta, Danielle sentia-se ansiosa ao ficar em lugares públicos por muito tempo. Era muito fácil imaginar que a pessoa que estava escrevendo as cartas estava a seguindo. Mesmo no trabalho, ela imaginava que o autor poderia estar sentado no bar, recebendo drinks dela. Quando pegava comida chinesa, imaginou que ele poderia estar a seguindo, esperando para finalmente pegá-la quando ela voltasse para o carro. Será?

Mesmo depois de chegar em segurança até seu destino, correndo até o mercado e praticamente correndo com o carrinho pelos corredores, o medo estava presente. O autor das cartas poderia estar ali com ela, seguindo seus passos a alguma distância, talvez olhando de longe, ou através da prateleira de cereais.

Era um medo real, que passava por sua cabeça, um dia depois do que acontecera com Martin. A paranoia não lhe deixava, fazendo-a abaixar a cabeça e encolher os ombros. Se alguém quisesse ver seu rosto, precisaria de um motivo muito bom, a ponto de fazê-la parar e levantar a cabeça.

Ela odiava que fosse assim. Sempre enfrentara esse tipo de problemas, e era por isso que a maioria de seus relacionamentos raramente duravam mais do que um mês. Ela sabia que havia construído uma reputação de ser um pouco vadia durante sua primeira passagem por Pinecrest, mas não porque ela gostava de dormir por aí. Era porque, quando conseguia se sentir confortável o suficiente para dormir com um cara, começava a pensar o pior dele. Terminava o relacionamento, tirava um tempo para se recuperar, e começava tudo de novo.

Ela havia melhorado um pouco quando se mudara novamente para Pinecrest, alguns anos antes. Deixara Boston e sentira que estava dando um passo atrás... mas tudo bem. Pelo menos, estava voltando para algo familiar. O mais difícil era se acostumar ao cenário estagnado de namoros. No começo, estava tudo bem, mesmo que estragando todas as relações que começava. Por isso a briga com Martin não saía de sua cabeça.

Claro, havia o lado ruim de Pinecrest. Muitas pessoas lembravam-se dela e de Chloe. Eles lembravam das pobres garotinhas Fine, que acabaram morando com os avós depois que a mãe morreu e o pai foi preso.

- Danielle, é você?

Ela virou-se em direção à voz, assustada. Estava tão perdida em seus pensamentos que expusera o rosto completamente para pegar uma caixa de Froot Loops. Encontrou-se olhando para um rosto do passado—uma mulher que parecia terrivelmente familiar, mas da qual ela não conseguia se lembrar.

- Você não lembra de mim? – A mulher perguntou, sem saber se estava ofendida ou achando graça. Ela provavelmente tinha cerca de quarenta e cinco, talvez cinquenta anos. E não, Danielle não se lembrava dela.

- Acho que você não lembra mesmo – a mulher disse. – Acho que você tinha treze ou quatorze anos da última vez que te vi. Eu sou Tammy Wiler. Eu era amiga da sua mãe.

- Ah, claro – Danielle disse. Ela não lembrava da mulher, mas o nome era familiar. Danielle imaginou que fosse uma das amigas da família, que a visitara nos anos seguintes à morte da mãe.

- Eu quase não te reconheci – Tammy disse. – Seu cabelo está... mais escuro.

- Sim – Danielle disse sem entusiasmo. Ela supôs que na última vez que na Tammy Wyler havia a encontrado, ela deveria estar apenas entrando no seu modo rebelde. Na época, treze ou quatorze anos atrás, ela geralmente colocava listras de rosa neon no cabelo. Agora, ele era preto, totalmente, um estilo antigo, mas que ela achava que combinava perfeitamente consigo.

- Eu sempre soube que você voltaria para cá, mas bem... não sei. Eu nunca soube muita coisa de você depois que você se mudou. Você foi para Boston ou algo assim por um tempo, certo?

- Certo.

- Ah, e eu soube que Chloe voltou, também. Comprou uma casa nova perto de Lavender Hills, certo?

- Sim, ela voltou - Danielle disse, chegando perto de extrapolar sua tolerância para conversas bobas.

- Soube por aí que ela mora a só duas casas de uma menina com quem vocês estudavam no ensino médio. Na verdade eu moro umas duas ruas depois dela.

Pobre Chloe, Danielle pensou.

- Ah, ela te falou sobre a festa no bairro? – Tammy perguntou, aparentemente sem conseguir parar de falar por mais de três segundos.

- Falou, sim – Danielle disse. Ela esperava que Tammy entendesse suas respostas curtas como uma dica de que ela não era do tipo que ficava conversando no corredor do mercado.

Houve um breve silêncio entre as duas e Tammy pareceu mesmo perceber a situação. Ela olhou em volta, de um jeito estranho, e disse com o melhor tom possível:

- Bem, espero que você possa ir. Bom te ver, Danielle.

- Sim, você também. – Danielle disse.

Ela não perdeu tempo em abaixar os ombros e a cabeça e empurrar o carrinho até a prateleira dos cereais. A necessidade de sair dali e voltar para o apartamento estava mais forte do que nunca—não só por conta de sua paranoia, mas também pelo encontro estranho com Tammy Wyler.

Danielle apressou-se para fazer o resto das compras, quase batendo em uma senhora na sessão seguinte. Fez o auto-pagamento (porque não queria lidar com caixas se não precisasse) e correu para o carro. Quando voltou a sentir o ar fresco, sentiu-se um pouco melhor. Claro, talvez o autor das cartas estivesse sentado em um dos carros no estacionamento. Talvez ele estivesse seguindo-a no mercado, escutando sua conversa estranha com Tammy.

Colocou suas sacolas no banco de trás e ligou o carro. Antes de conseguir dar a ré no estacionamento, seu telefone tocou. Ela viu o nome da Martin na tela e não hesitou em atender. Se ele estivesse ligando para discutir, ela ia gostar. Se ele quisesse pedir desculpas, também. Na verdade, ela apenas gostara da ideia de falar ao telefone com alguém que conhecia naquele momento.

Ela atendeu com um simples “Ei”.

- Ei, Danielle – Martin disse. – Olhe, eu te devo mil desculpas por ontem à noite. E não só por ter sido grosso. Eu não devia ter sido tão estranho com o telefone. É que as coisas estão uma merda no trabalho. As mensagens eram sobre isso. Eu sabia desde que elas começaram a chegar. Eu não queria lidar com isso ontem. Faz sentido para você?

- Faz. Mas o que não faz sentido é porque você não me disse isso ontem.

- Porque eu sou idiota – ele disse. – Eu não queria que você soubesse que meu trabalho pode estar prestes a se acabar. E depois você ficou brincando, e eu entendi tudo errado. Danielle.. Eu nunca machuquei uma mulher. Por favor, acredite em mim. E colocar minhas mãos em você ontem... Meu Deus, me desculpe!

Ela não disse nada. Seus braços estavam ainda um pouco vermelhos e ela havia se sentido em perigo. Mesmo assim, podia sentir uma tristeza genuína na voz dele.

- Danielle?

- Estou aqui – ela disse. – Só que... Queria que você tivesse me dito tudo isso antes de chegarmos naquele ponto.

- Eu sei. Por favor... você pode me desculpar?

Ela sabia que sim. Estava simplesmente tentando pensar no que fazer para virar as coisas em seu favor. Ela sorriu ao ter uma ideia e não conseguiu resistir.

- Bom, esse negócio de “relação sem nada” vai acabar. Você vai me encontrar no meu apartamento essa noite e vamos nos pegar. Não vou dormir com você ainda, mas... bem, vai rolar alguma coisa.

- Hum... tudo bem. Posso fazer isso – ele disse, claramente confuso, mas feliz.

- Não é só isso. Minha irmã se mudou para cá. Te falei, certo?

- Sim.

- Bom, é um bairro estranho. Desses que fazem festas de bairro. Ela me convidou para a festa do final de semana. Quero que você vá comigo.

- Ah, certo. Posso fazer isso.

- Bom – ela disse. – Te vejo à noite, então.

Ela desligou sem se despedir. Gostava de saber que ele não tinha ideia de como respondê-la. Também gostava de saber que estava basicamente no controle agora—não de um jeito desleal, mas poderia se sentir mais confortável perto dele.

Sentindo-se um pouco melhor, com a paranoia sendo agora apenas uma sementinha na cabeça, Danielle foi para casa. E ficou feliz em perceber que estava animada para a noite. Fazia muito tempo que ela queria sentir as mãos de um homem em seu corpo.

Aquele pensamento, junto com a paranoia indo embora, a fez pensar se Martin poderia ser o cara certo para ela ao final das contas. Ele parecia estar mudando tudo nela. É claro, ele sabia pouco sobre ela, e ela iria manter as coisas desse jeito o quanto pudesse.

Ela seguiu para casa, começando a pensar no que deveria vestir para ir a uma festa de bairro.

Aquilo foi quase o suficiente para fazer sumir a paranoia que aparecera pela manhã e a seguira até o mercado.

Quase.

Pegou seu telefone e discou o número de Chloe. Nem deixou a irmã dizer Oi antes de começar a falar.

- A festa do bairro... Posso levar um cara?

- ...Sim, claro – Chloe disse, claramente surpresa.

- Te vejo amanhã, então.

E então, desligou, pensando em onde estava acabando de se meter.


CAPÍTULO OITO


Chloe estava cozinhando brócolis quando a campainha tocou. Ela sabia que era Danielle. Estava nervosa com aquilo mas, ao mesmo tempo, feliz em ver que sua irmã tinha um namorado estável. Steven, enquanto isso, mantinha-se cético. Ele achava que o namorado seria como Danielle, e criaria um ambiente tenso, com duas pessoas com as quais ele teria que se preocupar.

Chloe havia conseguido lidar com as atitudes de Steven sobre Danielle na maioria de seus quatro anos juntos, mas agora que o casamento estava chegando, aquilo começara a irritá-la. Mas aquela era uma discussão para outro dia.

Ela secou suas mãos em uma toalha de louça e foi até a porta. Respirou um pouco e depois abriu. Ela odiava concordar com os pensamentos de Steven sobre Danielle, mas estava muito preocupada com qual roupa a irmã iria vestir.

Quando abriu a porta e encontrou a irmã maquiada e arrumada, quase caiu para trás. O cabelo preto estava preso em um pequeno coque. Ela estava usando um pouco de maquiagem—apenas o suficiente para avermelhar as bochechas—e felizmente tinha desistido das camisetas de bandas pseudo-góticas. Ela estava sim de preto, mas era uma camiseta comprida, com alças delicadas. Sua tatuagem aparecia nas costas, mas não chamava muito a atenção. A calça jeans foi o que mais surpreendeu Chloe. Um preto básico e apertado, mostrando suas curvas de um jeito que Chloe nunca tinha visto.

- Danielle, você está linda – Chloe disse.

- É, não se acostume. – Ela deu um passo para o lado e fez um sinal para o homem que estava com ela. – Esse é o Martin.

- Prazer em conhecer você – Martin disse, estendendo a mão.

Chloe apertou a mão dele e percebeu, pela primeira vez, que ele estava vestido do jeito que ela esperava que Danielle aparecesse. A camiseta estava rasgada e os shorts tinham uma mancha perceptível embaixo de um dos bolsos. Ele vestia um par de chinelos com alças gastas. O cabelo dele parecia não ter sido lavado nos últimos dias. Ele parecia cansado e sem jeito. Chloe não pode deixar de tentar imaginar se ele estava chapado. E mesmo que não estivesse, ele com certeza usava drogas. Ela temeu pelo momento em que Steven o conheceria.

- Essa casa é enorme – Danielle disse ao passar pela entrada em direção à sala.

- Sim, parece grande mesmo – Chloe disse. – Nós mal tiramos as coisas das caixas. Acho que quando tirarmos tudo, não vai parecer tão grande.

A luz do sol estava refletindo no piso de madeira polida quando Chloe levou Danielle e Martin até a Cozinha. Ela guardou seu sorriso, aproveitando a sensação de se mostrar para Danielle. Não havia malícia naquele sentimento, e sim uma sensação de orgulho.

- Vocês tem filhos? – Martin perguntou.

Uou, Danielle não fala mesmo de mim, Chloe pensou.

- Não – ela respondeu. – Ainda não, e vai demorar um pouco.

- Então por que tanto espaço vazio? – Martin perguntou.

Ela surpreendeu-se com a pergunta quase rude, mas manteve-se tranquila.

- Porque nunca se sabe. Quem sabe um dia podemos ter um filho, ou até cinco.

- Uou! – Steven disse ao aparecer na porta que ligava a cozinha ao deck nos fundos da casa. – Cinco?

- Nunca se sabe – Chloe respondeu, sorrindo.

- Claro, claro – Steven disse. Depois, olhou para Danielle e surpreendeu-se de verdade. – Danielle, você está linda!

- Obrigada, Steven. Steven, esse é o Martin – ela disse, apresentando-os.

- Opa, prazer em conhecer você – Steven disse. Chloe podia ver que ele já estava julgando Martin por sua aparência. E por ela, tudo bem. Ela havia feito praticamente a mesma coisa.

- Baseado no que conheço da Danielle, - Martin disse, - não achei que a irmã dela fosse do tipo que vai a festas de bairro.

- É, nós nunca fomos muito parecidas – Danielle disse.

- Com certeza - Chloe disse. – Somos diferentes em quase tudo o que você imaginar.

- E de que tipo você achou que a irmã dela fosse? – Steven perguntou, em um tom quase que defendendo Chloe.

- Não sei, cara. Descolada, talvez?

Claramente Steven tinha algo mais a dizer, mas teve o bom senso de parar por ali. Ele acenou bruscamente para Danielle e disse:

- Bom te ver, Danielle.

Então, pegou uma cerveja na geladeira e voltou para o deck.

Estava na cara, Chloe pensou. Na única vez em que Danielle decide ser tão normal quanto ela poderia ser, o namorado é um idiota. E a pior coisa é que eu acho que ele nem percebe. Talvez ele seja só socialmente estranho, como ela. Talvez ela encontrou finalmente o cara certo, o par perfeito.

- Então - Danielle disse, fazendo seu melhor para aliviar a tensão. – Chloe, você lembra daquela mulher chata, Tammy Wyler?

Chloe pensou naquilo por um momento e encolheu os ombros. Ela ainda estava mexendo no brócolis enquanto pensava no nome.

- Parece familiar. Uma das amigas da vó, talvez?

- Uma das amigas da mãe, pelo menos foi o que ela disse. Encontrei ela no mercado hoje. Ela sabia que você tinha se mudado para cá. Acho que ela mora aqui perto. Ela também vai na festa.

Chloe balançou a cabeça com um sorriso.

- Cara... Eu tinha esquecido como os assuntos voam num lugar desses.

As duas irmãs se olharam, com a mesma expressão desconfortável de quem sabia do que estavam falando, e sorriram. Martin, enquanto isso, parecia um pouco desconfortável, completamente fora de seu espaço. Ele estava olhando para a porta que levava ao deck dos fundos, como se estivesse pensando no que tinha dito que irritara Steven.

- Então - Chloe disse ao colocar o brócolis em uma tigela com outros ingredientes. – Estão prontos para a festa?

- Não sei – Danielle disse. – Não me dou muito bem em festas desse tipo.

- E só sorrir, cumprimentar e ficar bêbado, certo? – Martin perguntou.

Chloe forçou uma risada, decidindo definitivamente que não tinha gostado de Martin. Meu Deus, ela pensou. Eu não devia ter feito isso...

Talvez não. Mas era muito tarde para voltar atrás. Tudo o que ela poderia fazer agora era misturar sua salada de brócolis e esperar pelo melhor.


***


Mesmo que Chloe odiasse admitir, ela achava que a falta de entusiasmo de Danielle para a festa fazia sentido. Eles caminharam juntos em grupo, Chloe e Steven na frente, com Danielle e Martin perto, atrás. Chloe não sabia muito bem o que esperar, mas com certeza não era aquilo o que estava acontecendo.

As mulheres, em sua maioria, estavam usando lindos vestidos de verão. Não só isso, mas havia mulheres que com certeza já haviam passado dos cinquenta usando looks apertados e reveladores—que não chegavam a ser uma falta de respeito, mas eram o suficiente para atrair o olhar de qualquer homem por perto. Havia taças de vinho por todos os lados, e cervejas artesanais da moda, com as quais Martin logo tratou de se servir.

Algumas pessoas haviam colocado cadeiras e sombrinhas no gramado perto de suas calçadas, enquanto outras abriam as garagens inteiras para a festa. Alguns escutavam Bob Marley em suas varandas e decks, enquanto outros escolhiam Jack Johnson. Era como uma pequena feira bem no meio da vizinhança.

Danielle logo foi até Chloe e caminhou ao lado dela.

- Isso aqui está chique demais para mim. Vou aproveitar algumas cervejas de graça e depois acho que eu e Martin vamos indo.

- Pode parar – Chloe disse, esperando que Danielle só estivesse fazendo uma piada. – Nós chegamos não faz nem dez minutos.

Quando viu a irmã sorrindo, Chloe aliviou-se. Danielle estava tentando—realmente tentando—não apenas apaziguar as coisas, mas se divertir. Mesmo quando foram abordadas por duas mulheres que as reconheceram da escola, Danielle fez seu melhor para parecer sociável. Ela não puxou assunto com elas—e Chloe nem esperava isso—mas foi o mais sociável possível.

Enquanto caminhavam pela festa e se apresentavam, o outro lado de Chloe sobressaiu-se um pouco. Algumas daquelas pessoas pareciam viver a definição perfeita da alta-classe americana. As mulheres viravam os olhos para os maridos muitas vezes. Alguns homens e mulheres que passavam uns pelos outros com as mãos dadas com outras pessoa compartilhavam olhares. Chloe não pode deixar de imaginar quantos casos de traição, de fato, existiam em Lavender Hills.

Mas pelo menos tudo parece estar indo bem aos olhos da sociedade, ela pensou ironicamente. Suspirou e então olhou para a irmã.

- Obrigada por vir – Chloe disse quando elas saíram do segundo encontro com mulheres da escola. – Eu sei que isso é difícil e chato para você.

- Sim, você sabe bem... e... ei, Tammy Wyler, ali na frente. Bem reto.

Chloe olhou para frente e surpreendeu-se ao, de fato, reconhecer a mulher que já as avistara e estava correndo em sua direção. Havia mais duas mulheres com ela, todas elas de meia idade.

- Prepare-se. – Danielle disse por detrás dela. – Essa mulher gosta de falar demaaais.

- É por aqui que eu vou ficar – Steven sussurrou no ouvido de Chloe. – Tem um amigo meu advogado ali na frente, preciso falar com ele.

Antes que Chloe pudesse fazer qualquer tipo de brincadeira, Steven saiu. Danielle e Martin continuaram ao lado dela. Aquilo a fez sentir-se um pouco perdida ao lembrar o quão antissocial a irmã geralmente era.

Continue assim mais um pouquinho, mana. Por favor...

- Chloe Fine! – Tammy Wilder disse ao se aproximar. – Meu Deus, você cresceu!

- Oi, senhora Wyler – Chloe disse.

Tammy balançou a cabeça e disse.

- Não, por favor! Apenas Tammy. Você está gostando do bairro?

- Sim, é bacana. Quieto, tranquilo.

- É tão bom ter você por aqui. Onde está seu noivo?

- Está conversando com alguns amigos. Não se preocupe—você vai conhecê-lo já, já.

Tammy olhou em volta e para Chloe e Danielle, com um sorriso radiante.

- Mesmo vendo que o cabelo é muito diferente, vocês são estranhamente parecidas - ela comentou. - Meu Deus, vocês duas parecem com sua mãe.

- Sim, a vovó sempre dizia isso para nós – Chloe disse.

Algo na atitude de Tammy estava soando estranho. Ela estava alegre assim como Kathleen Saunders—quase que de um jeito irritante. Mas havia algo muito falso nela, também. Chloe imaginou que pudesse ter algo a ver com o fato de Danielle estar ali. As pessoas nunca sabiam como tratar Danielle, e essas mulheres mais velhas e aparentemente esnobes não eram exceção. Para elas, Danielle não passava de uma cicatriz no outro lado do rosto lindo de seu pequeno bairro.

- Meus pêsames pela morte de sua avó – Tammy disse. – Fiquei triste de não ir ao velório, mas eu estava na França com a minha filha quando aconteceu.

- Ah, tudo bem – Danielle disse.

- Foi até romântico isso ter acontecido logo depois do avô de vocês ter falecido - Tammy disse. – Acho que eles não poderiam ficar muito tempo separados.

- Sim, faz sentido - Chloe disse. Mas ela estava pensando: Meu Deus, aposto que isso está remoendo Danielle por dentro.

- Acho que devo dizer para vocês duas que eu penso sempre na Gale. Nós não éramos muito próximas—melhores amigas ou algo assim. Mas nos conhecíamos muito bem. Ela era linda e muito inteligente. Íamos no clube de leitura juntas, todo mundo ficava impressionado com ela. Ela praticamente mandava no Clube de Leitura da Biblioteca de Pinecrest.

- Eu lembro que ela amava livros – Chloe disse.

- Sim - Danielle disse. – Sempre com o nariz enfiado em um livro. Eu roubava os livros dela da Danielle Steel para procurar as melhores partes.

Tammy colocou um braço em volta dos ombros de uma das outras mulheres que estavam com ela.

- Meninas, não sei se vocês lembram dessa senhora, mas ela é Ruthanne Carwile. Ela e Gale eram praticamente melhores amigas na época da escola.

- Éramos mesmo – Ruthanne disse. – Eu até cuidei de vocês duas algumas vezes.

Assim como Tammy, havia algo no olhar de Ruthanne que frustrara Chloe. Ela não conseguia acreditar. Era como se aquelas mulheres não só conhecessem seu passado, mas estivessem usando-o para formam opiniões sobre as irmãs Fine. Ela também odiava quando pessoas que ela mal conhecia falavam sobe sua mãe, usavam seu nome. Mas nunca entendera o porquê.

Era mais do que tentar esconder seus sentimentos. Era algo quase misterioso... como se elas estivessem escondendo algo. E Ruthanne parecia inclusive um pouco ansiosa.

- Cacete! – Danielle exclamou, do nada. – Eu lembro de você! Nós assistíamos desenho na sua casa. Você tinha todas as fitas com os desenhos antigos.

- Isso mesmo – Ruthanne disse, com seu olhar ansioso agora tornando-se feliz. – E você amava o Pica-Pau.

Martin riu. Danielle deu uma cotovelada nas costelas dele e lhe lançou um olhar enfurecido.

- Posso dizer para vocês - Ruthanne disse. – Sei que sua mãe ia amar ver vocês de volta na mesma cidade. Ela amava demais as duas. Nossa, eu queria que vocês tivessem conhecido ela mais nova. Com vinte e poucos... Todos os caras queriam namorar ela. Era engraçado...

O sorriso no rosto de Chloe era de verdade. Ela sempre gostava de ouvir histórias sobre sua mãe, mesmo as mais exageradas, contadas pela avó. Ela estava prestes a responder quando sentiu a mão de Steven em seu ombro. Sem nem se preocupar em esperar uma pausa na conversa, ele disse:

- Ei, amor... venha aqui. Quero que você conheça alguém.

- Espere. Essas mulheres conheciam minha mãe.

- Ah, vai levar só um segundo.

Duas coisas ficaram muito claras para Chloe naquele momento. A primeira era algo que ela já havia aprendido—sempre que Steven queria algo, aquilo era, para ele, a coisa mais importante do mundo no momento. A segunda era que Tammy e Ruthanne estava olhando de lado para Steven, de um jeito que a envergonhou.

Ela poderia começar uma discussão, ou se desculpar com as mulheres e ir com Steven.

Mas, no fim, não precisou fazer nenhuma das duas coisas. Houve outro fator que ela nem sequer esperava, algo que a fez encolher-se quando aconteceu.

Martin inclinou-se e sussurrou algo para Danielle. Mas ele não era o melhor em sussurrar, aparentemente. Todo mundo escutou: Danielle, Chloe, Tammy, Ruthanne e Steven.

- Ei, ele acha que ela é o cachorrinho dele ou algo assim?

Martin pareceu perceber na hora que havia falado muito alto. Todos olharam para ele de um jeito estranho. Tammy e Ruthanne deram um passo atrás, olhando uma para a outra como se tivessem um plano para sair daquela situação estranha. Mas ele não pareceu se importar.

- O que é que você disse? – Steven perguntou, dando um passo agressivo em direção a ele.

Martin não recuou. Ele simplesmente levantou os braços, em um gesto de rendição. Ele segurava uma garrafa de cerveja na mão esquerda. Steven deu um tapa na garrafa. Ela quebrou no chão. O som chamou a atenção de outras pessoas por perto.

Quando Chloe viu Steven avançando, seu instinto foi segurar o braço dele. Ela poderia facilmente ter jogado ele no chão. Seus treinamentos básicos haviam lhe ensinado três maneiras diferentes que colocá-lo no chão antes de qualquer movimento. Mas ela parou quando percebeu a vergonha que aquilo causaria para ele. Então, ao invés disso, deixou-lhe ir e assistiu, sem poder fazer nada.

- Steven – Chloe disse. – Pare!

Ela só tinha visto ele agressivo assim uma vez antes. Fora em um jogos dos Eagles, na Filadélfia, quando ele quase entrara em uma briga com alguém que gritara atrás dele. Vê-lo daquele jeito a assustava um pouco, mas mostrava que ele era passional com algumas coisas.

Martin moveu-se tão rapidamente que surpreendeu a todos. Ele soltou um soco perfeito no rosto de Steven, fazendo-o girar para a direita.

Martin depois segurou o braço de Steven, puxou para a frente e aplicou um headlock. Chloe assustou-se quando viu que Martin estava fazendo muita pressão.

- Steven! – Chloe gritou.

- Ei, Martin, calma... – Danielle disse.

As duas correram para separar a briga. Alguns outros homens correram para ajudar também. Vendo a briga piorar e quase sair do controle, Chloe não pode ficar parada. Ela não tinha ideia do que acontecera com Steven e, mesmo que estivesse irritada com Martin, ele era um estranho. Ela achava que conhecia Steven e, na verdade, não tinha ideia de que ele era capaz de tanta violência. E agora, ele estava em uma situação muito perigosa. Ela imaginou que tipo de treinamento Martin tinha feito, porque não era qualquer cara que conseguia fazer aquele movimentos com tanta velocidade.

Chloe utilizou sua habilidade aprendida nos treinos e, com a ajuda de dois outros homens, conseguiu fazer Martin soltar Steven.

A região embaixo do olho direito de Steven estava inchada e sua cabeça estava vermelha pela pressão do headlock. O pior, no entanto, era seu olhar de humilhação.

Depois, ela olhou para Martin, querendo saber se ele estava machucado. Mas não parecia haver nada.

Envergonhada pelo ato de Steven, Chloe olhou então para a irmã. Ela estava preocupada com o que aquilo poderia fazer com o relacionamento entre as duas, com o quanto poderia afastá-las ainda mais.

Chloe viu um pequeno sorriso no rosto de Danielle e aquilo a abalou. Ela tinha gostado do que tinha acontecido? Ela tinha gostado de ver Steven apanhar na frente dos vizinhos?

- Danielle? – Disse, com jeito.

Danielle piscou e desviou o olhar de Martin. Ela encontrou os olhos de Chloe e o sorriso desapareceu. Olhou em volta para a multidão reunida que viera assistir à luta e depois, imediatamente, olhou para o chão. Seus olhos estavam vazios, e os ombros caídos.

- Vamos, Danielle – Martin disse ao levantar-se. – Esses merdas já ganharam o show deles de hoje.

Martin saiu apressado. Danielle o seguiu, devagar. Ela lançou um rápido olhar para Chloe e saiu. Chloe lembrou da irmã assustada de dez anos com a qual ela se preocupava muito quando eram crianças depois da morte da mãe. Era como olhar diretamente para o rosto de um fantasma.

E, como qualquer fantasma, aquilo a assustava muito.

- Ok, chega - Steven disse. – Acabou a festa, pessoal.

Foi quando Chloe percebeu que mais de cinquenta pessoas estavam em volta, vendo a cena até quando Danielle e Martin saíram. Ela olhou para baixo e esticou a mão para Steven, pronta para voltar para casa. Mas ele recusou dar a mão e saiu apressado, à frente dela.

Chloe não levantou o olhar. Ela seguiu Steven e, mesmo olhando para a rua e para seus pés, podia sentir as pessoas olhando para ela. Mesmo não querendo admitir, ela estava odiando Danielle naquele momento... por trazer Martin, por se relacionar com homens como ele.

Mas você a convidou, disse a si mesma. Você queria ela aqui. O que isso diz sobre você?

Pensou no sorriso no rosto de Danielle. Ele carregava algum tipo de segredo... talvez algo que nem Danielle soubesse.

E até onde Chloe sabia, isso era o mais assustador de tudo.


CAPÍTULO NOVE


Chloe entrou pela porta da frente menos de vinte segundos depois de Steven. Ela sentiu como se tivesse um alvo atrás de si no caminho pela casa, e as flechas eram os olhares das pessoas que seriam seus vizinhos dali em diante. Quando fechou a porta, viu Steven sentado no sofá, olhando para o chão e com os punhos cerrados. Ele estava furioso.

- Fale comigo, Steven – Chloe disse.

- Quem é que age assim na primeira vez que encontra alguém? – Ele perguntou. – Quem é que age assim sempre? – Quando ficou claro que Chloe não iria responder, ele continuou. – A boa notícia é que a sua irmã encontrou o par perfeito para ela. Nenhum dos dois sabe agir ao lado de pessoas civilizadas. Que piada.

- Isso não é justo – Chloe disse. – Danielle pelo menos tentou se arrumar um pouco para hoje. E não sei se você percebeu, mas ela agiu bem normalmente.

- Sim, comparando com os comportamentos estranhos e antissociais de sempre, ela estava um charme.

- Steven, você está bravo e talvez tenha até o direito de estar. Mas Danielle não tem nada a ver com isso.

- É claro que tem! Ela trouxe ele, não trouxe?

- Sim, trouxe. Mas ela não sussurrou no ouvido dele. Ela não pediu para ele te dar um soco, além disso—foi você que derrubou a garrafa de cerveja da mão do Martin. Desculpe, mas você não pode culpá-la por isso.

- Meu Deus, Chloe. Por favor não me diga que você está do lado dela nisso.

- Não estou do lado de ninguém. O que eu preciso mesmo saber é o que foi aquela violência toda vinda de você. Nunca te vi tão furioso antes. E nunca tinha visto você dar um soco. Foi assustador, Steven.

- Eu sei. Eu... você sabe, por pior que seja, eu não me importo. Eles me envergonharam. Nós temos que viver perto daquelas pessoas, Chloe. Essa é nossa vida agora. E nós estamos aqui há menos de uma semana e sua irmã estranha e o namorado estúpido já arruinaram tudo para nós.

- Isso está soando um pouco dramático demais – Chloe disse. – Até para você.

- Ah, é? Bom, já que eu estou sendo dramático demais, deixe-me continuar e te dizer: você precisa encontrar outra dama de honra, porque nem fodendo eu vou deixar ela chegar perto do nosso casamento.

Chloe largou seu copo de água e fez o possível para parar de tremer de raiva. Eles só haviam tido duas brigas sérias antes—e a terceira estava bem diante de seus olhos—mas nas outras ocasiões, ela havia lembrado a si mesma que não estava em uma sala de aula, nem no estádio. Ela não poderia fazer com ele as mesmas coisas que fazia com as pessoas em seus treinamentos.

- Steven, eu acho que vou ter que discordar. Ela é minha irmã. Ela vai ser minha dama de honra. Você não tem direito de negar isso. E nem seus pais superprotetores.

- Acho que eles têm sim – ele disse. – Já que eles estão pagando as contas.

Chloe respirou profundamente, em uma tentativa de não deixar palavras severas saírem de sua boca. No fim, ela simplesmente pegou seu copo de água com a mão esquerda e mostrou o dedo do meio a Steven com a direita. Ela foi com pressa em direção à cozinha e ao deck dos fundos. Bateu a porta, quase desejando quebrar algo lá dentro.

Sentou-se numa das cadeiras do deck sob a sombrinha do pátio. Em silêncio, pode ouvir os barulhos da festa do bairro vindo de todos os lados—murmúrios de conversa e as risadas altas.

Provavelmente estão falando sobre como essa nova família da vizinhança é louca, pensou. Provavelmente estão rindo da briga entre Steven e Martin.

- Fodam-se – disse a si mesma.

Mas mesmo dizendo isso, tentando não se importar, havia uma cena que não saia de sua mente. Aquele sorriso sinistro que ela havia flagrado no rosto de Danielle.

Aquilo era, de alguma forma, pior do que a expressão vazia e distante que a irmã costumava ter na adolescência.

Algo obscuro e um pouco maléfico parecia estar por trás daquele sorriso—como se ela tivesse gostado de ver Steven e Martin brigando. Como se ela tivesse gostado da ideia de causar o caos em meio a um perfeito paraíso suburbano.

Chloe tentou tirar aquela imagem da cabeça, porém sem sucesso. Encontrou-se pensando naquele sorriso em meio à multidão, direto da posição de dama de honra em algumas semanas.

Não era algo bom de se imaginar.

Respirou fundo e afundou-se na cadeira. Ela teria que falar com Danielle. Teria que descobrir o que acontecera em todos esses anos que elas ficaram sem conversar de verdade, e esperava que a irmã que ela conhecia não tivesse desaparecido.


CAPÍTULO DEZ


Danielle estava olhando pela janela do carro de Martin, odiando o fato de que estava sentindo-se como uma criança irritada, evitando falar com seus pais. Ela queria perguntar a Martin o que havia o feito agir de forma tão ofensiva na casa de Chloe e durante a festa. Ele sempre fora um pouco irritado, mas nunca daquele jeito. Ela também não perguntou porque tinha certeza de que sabia a resposta. Ele havia agido daquela maneira pelo mesmo motivo pelo qual Danielle não conseguira olhar nos olhos de Chloe—a mesma razão pela qual ela sempre se remoía por dentro quando estava perto de Steven.

Era porque eles haviam entrado em outro mundo naquele dia. Um mundo que eles haviam dito a si mesmos que odiavam, um mundo que eles não precisavam e com o qual não se importavam. Mas na verdade, era um mundo que Danielle sempre sonhara para ela. Ela estava ganhando um salário decente como garçonete—a maior parte vinha das gorjetas depois das onze da noite, na verdade—e gastava muito pouco. Ela sabia que daquele jeito, se continuasse naquele caminho, poderia comprar sua própria casa—talvez não em um bairro como Lavender Hills, mas algo muito melhor do que um apartamento de um quarto.

Mesmo que Martin nunca dissera algo sobre isso, ela sabia que ele pensava parecido. Mas aquela fora a primeira vez em que ela o vira em um ambiente daqueles. E não era preciso dizer que nada havia saído como planejado.

- Esse Steven é um babaca – Martin disse quando eles chegaram perto do apartamento dela. – Se acha, você não acha?

- Sim, acho que sim. – E não era mentira, já que ela nunca havia gostado muito de Steven.

- Ele não gostou de mim desde o começo – Martin disse. – Era óbvio.

- Pode ser – Danielle disse. – Mas você precisava fazer aqueles comentários?

- Ei, a única coisa que eu disse que tirou ele do sério, eu sussurrei para você. Não é minha culpa se ele ouviu. O que ele estava fazendo? Prestando atenção? Esperando eu dizer qualquer coisa errada para ele poder me desafiar na frente dos vizinhos esnobes?

- Não sei – Danielle disse. – Mas tenho que ser sincera com você. Eu não achei que você era desses que xingam e brigam quando algo não sai do seu jeito. E no fim das contas... você deu o primeiro soco.

- Desculpe por desapontar você – ele respondeu.

Ele deu um soco no volante.

- O que é isso? – Ela perguntou. Ela não estava com medo das mudanças de humor. Na verdade, até achava divertido. Podia lembrar-se facilmente dele ficando bravo na outra noite, a ponto de jogá-la no sofá e machucar seu braço. Mas se ele fizesse algo daquele tipo de novo, ela estaria pronta... e ele iria se arrepender.

- Nada. A luz do combustível está acesa. Estamos quase sem.

Danielle não disse nada. Apenas olhou pela janela, pensando que sempre que Martin se irritava com algo, aquilo tomava conta dele pelo restante no dia—mesmo algo tão banal quando precisar abastecer o carro.

Ele parou o carro no próximo posto pelo qual passaram. Carregava uma expressão no rosto quando abriu a porta e foi até a bomba, como se pensasse que o mundo estava contra ele naquele dia. Danielle nunca o vira daquele jeito, e sentiu-se idiota por ter pensado que ele poderia ser o homem perfeito.

Isso a fez lembrar do quão protetor ele fora com seu telefone na outra noite. Claro, ele a contou depois que era algo relacionado ao trabalho. Mas por que ele não disse nada quando ela tentou fazer brincadeiras sobre o assunto?

Ela olhou par baixo e viu o telefone dele. Mais cedo, ela havia espiado quando ele colocara a senha na tela bloqueada. Portanto, sabia como abri-lo.

Olhou pela janela e viu que ele estava longe, olhando para a rua enquanto o carro abastecia.

Que se foda, pensou.

Pegou o telefone e rapidamente colocou a senha de quatro dígitos. O telefone desbloqueou-se e ela foi diretamente para as mensagens. Rolou a tela, procurando mensagens de dias antes. Havia mensagens dela e, de fato, mensagens do trabalho. Havia também mensagens de alguns amigos estranhos, mas depois, um pouco mais para baixo, mensagem de um número que ele não tinha salvo—o contato mostrava apenas um número, sem um nome.

Ela abriu e olhou para trás, para ter certeza de que ele ainda estava longe. Ele estava. Ela tinha alguns segundos, pelo menos até a bomba fazer o barulho, mostrando que o tanque estava cheio.

Logo nas primeiras duas mensagens, ela sabia o que havia encontrado. E mesmo sabendo que tudo só iria piorar, continuou lendo. Era uma discussão entre Martin e, Danielle imaginou, uma mulher muito necessitada e exploradora. A mulher começava a conversa.


Ela: Quando você vai vir? Já fazem três dias. Não posso esperar mais. Uma mulher tem necessidades, você sabe...

Ele: Ah, eu sei. E eu vou dar um jeito nisso. Amanhã, ok?

Ela: Você promete?

Ele: Sim.

Ela: Bom. Já estou molhadinha pensando em você. Você nem imagina as coisas que eu vou fazer...

Ele: Posso imaginar sim. Me mande suas ideias e sugestões.


E ela mandou. Danielle sentiria até vergonha de algumas das coisas que leu se não estivesse tão furiosa. Pelo menos agora, eu sei porque ele hesita tanto quando é para me pegar, pensou. Porque ele tem o cheiro de outra mulher nele.

Atrás de si, ela ouviu o barulho da bomba. Rapidamente, fechou a conversa, bloqueou o telefone e colocou-o novamente em seu lugar. Fez tudo rapidamente e teve tempo de sobra, já que Martin demorou mais do que cinco segundos para abrir a porta.

Ela queria falar com ele no mesmo momento. Dizer que sabia sobre a outra mulher e sobre todos os detalhes do que ela queria fazer com ele—e que provavelmente já teria feito, na verdade.

Mas ficou quieta. Queria ver até onde ele poderia ir. Talvez a briga ridícula na festa revelaria alguma parte dele que ela ainda não conhecia.

Ela virou sua cabeça contra ele quando o carro saiu do posto. Quando ele entrou na estrada, Danielle começou a pensar profundamente em algumas coisas. Devagar, um sorriso apareceu em seus lábios sem que ela sequer percebesse.

Se Chloe tivesse visto, no entanto, ela teria reconhecido o sorriso na mesma hora.

Mas Chloe não entenderia o que ele queria dizer... nem porque aquele sorriso estava ali.

Você acha que está me enganando, é? Ela pensou, ainda sem olhar para ele. Vamos ver como as coisas vão ficar daqui para frente...

E então sua mente viajou. Para longe, chegando a um lugar no qual ela não se permitia visitar há muito tempo.

Um lugar escuro.

Um lugar que ela sempre pensava que havia deixado para trás, mas que estava sempre ali, esperando por ela, quando não havia mais para onde ir.


CAPÍTULO ONZE


Por mais que tentasse, Chloe não conseguia tirar a imagem do sorriso sinistro de Danielle de sua mente. Aquilo a corroía por dentro, como uma coceira que ela não podia coçar. Ela pensara naquilo no domingo, e o assunto ocupava sua mente enquanto ela e Steven estavam sentados pela casa, evitando um ao outro. Ela podia ver que Steven estava começando a se envergonhar de seus atos na festa, mas ainda não estava pronto para assumir.

Incomodada por não saber porque o sorriso sinistro de Danielle ainda a preocupava, Chloe começou a perceber que havia algo ali—algo naquele sorriso parecia levá-la para o passado. Por isso, não perdeu tempo na segunda-feira pela manhã. Ela ligou para o consultório do Dr. Skinner o mais rápido que pode. Conseguiu marcar uma consulta para a uma da tarde do mesmo dia.

Quando a hora foi chegando, Chloe começou a imaginar se estivera, de alguma forma, mentindo para si mesma sobre seu passado—principalmente sobre o que acontecera com sua mãe. Ela era muito jovem, e mesmo os psiquiatras que visitara quando criança indicavam que um trauma daqueles poderia nunca ser totalmente desvendado. Aquela era uma ideia que pesava em seu coração quando ela finalmente entrou no consultório de Skinner naquela tarde.

- Você disse para a secretaria que teve um final de semana cheio – Skinner disse. – Quer me contar?

Ela contou, muito envergonhada. Mas falar sobre aquilo com alguém que não fosse Steven ajudou bastante. Chloe terminou contando sobre o sorriso maléfico de Danielle e como aquilo havia a perturbado desde então.

- Você acha que ela simplesmente gostou de ver Steven confrontado na frente dos seus novos vizinhos? – Skinner sugeriu.

- Sinceramente, não sei - ela disse. – Mas quanto mais eu pensei nisso no final de semana, mais eu comecei a pensar no dia que minha mãe morreu—naquela cena que eu te contei semana passada. Fiquei pensando se pode haver algo mais, alguma memória ainda embaçada.

- E você espera que eu possa te ajudar nisso... se houver algo para ser passado a limpo, certo?

- Sim, isso que eu espero.

- Bem, nós com certeza podemos tentar, se você está disposta - Skinner disse. – Na última vez que tentamos, você parecia muito afobada no fim. Esse foi um dos motivos pelos quais eu encerrei a consulta naquele momento. Você tem certeza que quer tentar de novo?

Ela quase disse não. Sentiu como se estivesse esperando algum truque de mágica, onde Skinner pudesse entrar em sua cabeça e encontrar exatamente o que ela estava procurando. Aquilo a fez sentir-se ingênua e desamparada. Mas antes que pudesse responder, Skinner pareceu ter tomado a decisão por ela.

- Como você lembra, - ele disse, - preciso que você fique totalmente confortável no seu lugar. E isso significa fazer seu melhor para livrar sua mente de quaisquer expectativas... ou dúvidas. Você consegue?

Chloe encostou-se na cadeira, fechou os olhos, e lembrou-se de como a poltrona era confortável. Ela também sabia que ele ia pedir para que ela se concentrasse na respiração, para relaxar todas as partes do corpo. Ela fez tudo isso, ouvindo a voz dele, mas sem prestar muita atenção. Ela estava tentando clarear a mente, para esquecer da briga na festa do bairro, e do sorriso de Danielle...

- Você lembra dos calçados? – Skinner perguntou. – Os Chuck Taylors?

- Sim.

- Você ainda consegue ver os cadarços? Aqueles grandes?

Ela conseguia. E eles estavam muito claros em sua mente. Ela conseguia ver até o pó e a sujeira neles.

- Você está de volta na varanda do prédio? – Skinner perguntou.

Chloe assentiu. Ela não conseguia falar. Estava intensamente focada nos cadarços. Antes que Skinner pedisse, ela levantou, olhando para os laços do cadarço.

- Vou voltar lá para dentro – ela disse.

- Muito bem. Mas dessa vez, preciso que você tente olhar além do corpo da sua mãe e do sangue. Sei que vai ser difícil, mas preciso que você tente. Quero que você foque toda sua atenção em Danielle. Você acha que consegue?

Ela assentiu, entendendo que estava com dificuldades para falar porque voltar àquele momento da vida fora muito rápido dessa vez. Ela sentiu-se tonta, como nunca antes.

Olhou seus calçados subindo as escadas, entrando no prédio, e depois no apartamento. Escutou seu pai lá dentro, gritando—ele estava no telefone, ela sabia, falando com alguém dos bombeiros. Mas ignorou o quanto pode. Como Skinner havia pedido, olhou por trás do corpo da mãe no chão. Nada... só os cadarços, amarrados e com alguma sujeira.

E então, lá estava Danielle.

- Certo, estou aqui – ela disse a Skinner, com a voz embargada. – Estou vendo Danielle. Ela está parada do lado do corpo da mãe.

- Você a vê exatamente como naquele dia? – Skinner perguntou.

- Sim.

Havia sangue em suas roupas. Um olhar vazio em seus olhos, que miravam sua mãe. Sim, com certeza aquela era a versão de Danielle aos dez anos.

- Certo, então agora, quero que você pare de olhar para os cadarços e foque nela. Não se concentre tanto. Apenas olhe para ela e espere. Veja se você percebe algo.

- Não... não é aqui. Não agora. É depois... depois dos policiais chegarem. Estávamos no banco de trás do carro da vó.

- Você consegue ver o carro? – Skinner perguntou. – Você consegue ver sua irmã nesse c—

A cena mudou de repente. Ela não estava mais parada em pé ao lado do corpo imóvel da mãe. Ela estava sentada no banco de trás do carro da avó. Ela e Danielle estavam juntas. Era a primeira vez em que Danielle havia demonstrado sentimentos reais. Ela estava chorando, porém pouco.

Meu Deus. Eu esqueci disso, Chloe pensou. Como eu pude...

- Não foi ele – Danielle disse. – Não foi o papai. Ele não fez isso. Eu sei que não foi ele.

Do banco da frente, a avó soltou um pequeno murmúrio de tristeza.

E foi aquele barulho do passado que pareceu expulsar Chloe de sua memória. Ela abriu os olhos e respirou rapidamente. Olhou pelo consultório, e seus olhos finalmente encontraram o Dr. Skinner.

- Você está bem? – Skinner perguntou.

- Sim. Eu... Eu não sei como tinha esquecido disso.

- Era a resposta que você estava procurando?

Chloe pensou no rosto de Danielle no banco de trás do carro da avó. Havia tristeza de verdade ali, lágrimas genuínas e uma legítima expressão de luto. Mesmo que não fosse o que ela esperava, aquilo parecia abrir algumas portas que estavam fechadas há tempos.

- Não sei – ela respondeu com sinceridade.

- Bem, já que estamos aqui, por que você não me conta sobre como vai seu estágio? – Skinner perguntou.

Primeiro, ela contou apenas porque ele havia perguntado—por pura obrigação e nada mais. Mas depois de um minuto ou um pouco mais, percebeu que precisava se distrair. Ela estivera tão preocupado com Steven e Danielle que quase esquecera do verdadeiro foco de sua vida—o estágio para se tornar uma agente do FBI.

Chloe passou os trinta minutos seguintes falando sobre o estágio e seus planos para a carreira. E mesmo que fosse ótimo falar sobre o futuro, ela tinha plena certeza de que fora seu passado que havia a ajudado a se tornar a mulher que ela era atualmente.


***


Ela recebeu uma mensagem quando saiu do carro. Olhou, pensando que fosse o Agente Greene, mas não reconheceu o número que apareceu na tela. A mensagem em si, no entanto, a respondeu.

Ei, é a Kathleen. Desculpe. Não consegui te ver no sábado. Soube do que aconteceu. Fiquei triste. Espero que esteja tudo bem. Enfim... eu vou sair com algumas mulheres do bairro hoje à noite, para tomar alguns drinks. Ruthanne Carwile vai também. Nós amaríamos se você viesse. Queremos que você saiba que o que aconteceu não colocou você na lista negra do bairro! Hahaha

Primeiro, Chloe sentiu-se um pouco insultada. Mas ela também sabia que era fácil entender errado o tom das mensagens escritas. Baseado no que vira de Kathleen—seu grande entusiasmo e felicidade—ela não achava que a velha amiga da escola a convidaria apenas para menosprezá-la.

E, de fato, ela precisava de um drink.

Pensou na maneira com que a multidão havia se juntado em volta de Steven e Martin durante a briga. Podia facilmente lembrar-se das expressões—alguns rindo, alguns se escondendo como se fossem bons demais para testemunhar algo daquele tipo. Além, é claro, de Danielle, com seu sorriso sinistro.

Sim, ela precisava de um drink. Na verdade, de alguns.


CAPÍTULO DOZE


Danielle passou aquela noite no trabalho, na mesma rotina, fazendo o possível para manter Martin longe de sua mente. Ela fez drinks, serviu cervejas, flertou e até derrubou “sem querer” um pouco de alguma bebida em sua camisa para ganhar mais gorjetas no fim da noite.

Ela havia levado apenas dois homens do restaurante em que trabalhava para casa. Aqueles que a queriam eram fáceis de encontrar. Eles não eram conversadores, do tipo dos que tentam impressionar. Eles tendiam a ser quietos e ficavam sentados na ponta do bar, assistindo-a trabalhar. Quando ela falava com eles, eles respondiam confiantes e faziam um contato visual intenso. E, mesmo sendo pouco, ela sentia-se bem com aquilo.

Quando terminou seu turno naquela noite, havia dois caras assim. Ela poderia ter qualquer um deles. Sabia disso, mas guardou a ideia para si. Talvez depois que terminasse toda a história com Martin, se permitiria algo do tipo. Continuou pensando nas mensagens, nas fotos... e no que tinha pensado em fazer para se vingar.

Quando entregou o último pedido, quase começou a flertar com um dos caras, mas decidiu que não. Daria muito trabalho. Muito drama.

Ainda assim, ir para casa sabendo que alguém a queria—mesmo sendo um cara meio bêbado usando uma aliança—a fez sentir-se bem. Aquilo a fez sentir-se desejada. Pensou que talvez Martin achasse que era o melhor que ela pudesse ter... que sua opções eram limitadas.

Ele não sabe de nada, ela pensou ao estacionar em frente a seu prédio. Ainda pensando nos caras do bar, pensou em tomar um banho quente. Pensou em—

E então aquilo apareceu, do nada, quando ela abriu a porta e entrou no apartamento.

Havia outra carta no chão.

Ela pegou-a e leu. Quando leu pela segunda vez, suas mãos estavam suando. Foi devagar até a cozinha, lendo várias vezes. Ela uma mensagem enigmática, mas ela tinha certeza de que entendera.

Largou-a na mesa da cozinha e leu novamente.

MATE ELE, OU EU MATO.

Foi até a janela e olhou pelo estacionamento do prédio. Não tinha certeza do que estava procurando. Talvez alguém em um carro, simplesmente olhando. Ela não tinha certeza. Mas tudo o que pode ver foi um estacionamento escuro, pouco iluminado por luzes amarelas.

Há quanto tempo deixaram essa carta aqui? Ela pensou. Eu passei por eles no corredor quando entrei no prédio? Eles me seguiram? Estavam no bar?

A paranoia começou a atingi-la como uma facada no coração. Danielle foi até o balcão da cozinha e pegou seus remédios. Abriu e olhou dentro do pote.

Não, pensou. Não. Eles pioram a paranoia. Desde que Chloe veio e mandou eu voltar a tomar, eu fiquei pior.

Ela tinha certeza que sim. Fechou o pote e o jogou na lixeira. Caminhou de volta até o bilhete e o pegou, sentindo-se de certo modo mais segura com ele nas mãos.

MATE ELE, OU EU MATO.

Era a primeira carta que a dava uma instrução—uma ordem para ser seguida. E ela sabia o que aquilo significava. Mas o autor queria mesmo dizer aquilo?

De repente, Danielle não conseguiu mais ficar em seu apartamento. Precisava sair dali, movimentar-se e não ficar parada, esperando que o autor da carta voltasse e esperasse por ela. Pegou suas chaves e apressou-se para fora de casa. Não sentiu-se segura novamente até entrar no carro e trancar as portas. E mesmo assim, ficou olhando para o banco de trás.

Ela não sabia para onde ir. Pensou por um momento em ir para Lavender Hills. Era muito tarde... com certeza Chloe estaria em casa. Mas não. Ela teria que contar à irmã sobre as cartas. E só Deus sabia como Steven reagiria se ela fosse até lá naquele horário.

Continuou olhando no retrovisor. Talvez o autor da carta estivesse a seguindo, para ter certeza de que saberia onde ela estava o tempo todo.

MATE ELE, OU EU MATO.

Martin... ele era o ELE. Ela achava que sim, pelo menos. Parecia se encaixar. De alguma maneira, o autor o conhecia. E talvez soubesse até sobre a confusão na festa do bairro. Talvez ele soubesse até sobre a outra namorada de Martin.

Ao pensar nisso, as fotos e mensagens que a vagabunda enviara entraram em sua mente. Ela ficou furiosa, apertando os dentes com força.

Ela contaria para ele logo. Provavelmente na próxima vez que o visse. Se ele achava que podia brincar com ela daquele jeito, estava muito enganado. Se ele achava que Steven deixaria aquilo barato, ele mal podia esperar pelo que ela estava preparando para ele.

MATE ELE, OU EU MATO.

Não seria uma má ideia, pensou com um toque de humor mórbido.

Ainda assim, continuou olhando no retrovisor, certa de que alguém estava a seguindo, assistindo a todos os seus movimentos.

Mas ela sabia que era besteira. Não havia ninguém ali atrás. Ela estava sozinha. Livre.

Livre, pensou, e sua mente novamente lembrou das mensagens no telefone de Martin. Cara, ele me fez de idiota. Que estúpida eu sou...

Uma raiva repentina a atingiu quando pensou em algo novo... uma ideia perigosa, mas que parecia fazer sentido. Ele sabia que ela estava se apaixonando. Ela não tinha dito, mas sabia que ele havia percebido. E ele havia retribuído isso dando a ela as chaves de seu apartamento. Ela pensou naquilo, em poder entrar no apartamento dele.

E depois pensou em outra coisa.

O carro dele. Era um carro velho, um Chevy Cavalier que, de algum modo, já funcionava há dez anos. Era uma merda, mas ele amava aquele carro.

Com um sorriso no rosto, pensou no lugar onde ele guardava a chave—como idiota que era, deixava embaixo do banco do passageiro, já que as portas não trancavam mais.

Danielle fez a volta no estacionamento mais próximo e viu-se indo em outra direção. Com um plano maléfico na mente, seguiu para o apartamento de Martin.


***


Danielle não estava com os faróis ligados, então estava difícil ver o que aparecia na estrada de cascalho à sua frente. O cascalho batia no fundo do carro várias vezes. E o som era horrível.

Não que ela se importasse. Ela estava segurando o volante do carro de Martin agora.

Ela conhecia bem aquela estrada, já que havia perdido a virgindade no final daquela rua quando tinha quatorze anos. Ela fora até lá com vários caras, porque a estrada era afastada e isolada, uma antiga rota feita para veículos do estado quando a torre de água no final dela ainda servia a cidade de Pinecrest.

Mas a torre parara de funcionar no início dos anos noventa e a estrada já não era mais usada, a não ser por adolescentes promíscuos e por caçadores, quando chegava o inverno. A estrada era cercada de pinheiros e bordos, que bloqueavam a maior parte do céu.

No banco do passageiro, seu celular tocou... de novo. Ela ignorou quando viu o nome de Chloe na tela. Era a terceira vez que a irmã ligava naquela noite.

Ela chegou ao fim da estrada, na beira de um lago. O lago, ela sabia, seguia longe, rodeado pelas árvores. Eventualmente, ele tornara-se um imã para o setor imobiliário, já que servia às terras ricas de uma das partes mais esnobes de Pinecrest—mais esnobe do que Lavender Hills, inclusive.

Danielle fez uma volta e parou o carro à beira da água até sentir os pneus de trás afundando na lama. Parou, colocou o carro no ponto morto, e esperou para ver a parte de trás afundando. Ficou surpresa ao ver a rapidez com a qual a lama estava engolindo o carro, e ficou com medo de não poder sair a tempo.

Rapidamente, abriu a porta e jogou-se para fora do carro. Quando tocou no chão e conseguiu sair correndo, virou-se e viu que metade do carro já estava submersa na água.

Houve um momento em que ela temeu que a parte da frente ficasse travada no barranco, mas o peso da parte de trás e a força da água o soltaram. Ela viu o carro afundar, surpreendida com a velocidade com a qual ele desaparecera.

Não ficou por ali para refletir sobre o que havia feito. Já eram oito e meia da noite e ela precisava caminhar pelo menos dois quilômetros e meio até chegar à estrada principal. De lá, imaginou que teria cerca de mais dois quilômetros até chegar a um posto de gasolina—o primeiro lugar onde um táxi aceitaria buscá-la.

Em seus velhos tempos, ela simplesmente pegaria uma carona. Fizera isso várias vezes e pagara alguns homens pelas caronas de maneiras que preferia esquecer.

Isso é passado, pensou ao caminhar pelas árvores para se esconder, caso alguém estivesse por ali na estrada de cascalho. Você não é mais aquela pessoa.

Obviamente, uma pergunta seguia em sua mente... Quem eu sou, então?

Esforçou-se para não pensar no carro que havia acabado de afundar no lago e em como aquilo poderia ser o início da resposta para aquela pergunta.


CAPÍTULO TREZE


A única coisa boa em ter uma irmã antissocial e temperamental era que era bom saber que geralmente ela estaria em casa, caso não estivesse no restaurante trabalhando. Chloe contava com isso quando chegou em frente à porta de Danielle às seis horas naquela tarde. Ela bateu e esperou em silêncio durante alguns segundos. Quando estava prestes a bater novamente, ouviu um pequeno movimento no outro lado da porta.

- Quem está aí? – Danielle perguntou do outro lado.

- Sou eu, Chloe.

Ela ouviu o som da fechadura se abrindo por dentro e então a porta se abriu rapidamente. Danielle a puxou para dentro e Chloe percebeu o quão rapidamente ela fechou a porta. Quase fez um comentário sobre aquilo, mas não quis chamar a atenção para tal comportamento. Era melhor analisar por um tempo do que dar a ela a oportunidade de negar.

- O que você está fazendo aqui? – Danielle perguntou.

- Eu e Steven estamos nos estranhando desde a festa – ela disse. – Decidimos que seria bom ficar algum tempo longe. Um dia, por aí.

- Vocês não vão terminar, vão? – Danielle perguntou. – Ainda que... não seria tão ruim. Você pode encontrar algo bem melhor.

- Não, não vamos. E Meu Deus, Danielle... Eu vou casar com ele. Você sabia, certo?

Danielle encolheu os ombros, como se já estivesse de saco cheio da conversa.

- Tudo bem, - ela disse, - eu odiaria saber que vocês terminaram por causa de algo que meu namorado idiota fez.

- Como vocês estão? – Chloe perguntou.

- Igual a você e Steven. Sem se falar. Provavelmente vou terminar com ele. Quanto mais eu conheço ele, mais vejo que ele é um babaca.

- Tenho certeza que todos os homens são assim.

Elas sentaram-se no sofá e Chloe pode sentir um silêncio desconfortável entre elas.

- Você já jantou? – Chloe perguntou.

- Sim. Comida chinesa. Frango xadrez. Sobrou um pouco se você quiser.

Chloe já havia comido algo rápido, na verdade, mas não quis perder a oportunidade de ver Danielle oferecendo comida. Algo tão simples quanto oferecer as sobras era algo enorme para Danielle. Isso era frustrante, porque a cada pequeno passo que ela dava em direção à normalidade, havia algo pior que a mandava de volta para trás.

Como aquele sorriso sinistro na festa do bairro.

- Sim, por favor – ela disse.

Danielle foi até a cozinha, pegou as sobras na geladeira e colocou-as no micro-ondas. Chloe olhou a irmã e quase sentiu-se mal pela visita. Ela queria saber como Danielle estava, é claro. Mas, na verdade, estava lá para tentar encontrar mais algum sinal daquele sorriso sinistro—ou daquele olhar vazio do qual ela se lembrara no consultório do Dr. Skinner.

- Danielle... Você está bem?

- Sim... Por que a pergunta? – Ela respondeu da cozinha.

- Você parece... agitada. Quando eu cheguei, você fechou a porta muito rápido. É por causa do Martin? Você está com medo que ele venha e traga problemas?

- Não. Ele é um idiota, mas não é estúpido.

- São os remédios? Eles estão mexendo com o seu emocional?

- Não sei - Danielle disse. – Não tomei mais desde o outro dia que você veio.

- Meu Deus, Danielle. Você precisa deles. Se foram prescritos para suas mudanças de humor, você tem que tomar. Provavelmente é por isso que você tem estado tão...

- Tão o que, Chloe?

O micro-ondas apitou. Danielle pegou o frango xadrez e trouxe para a sala. Ela praticamente jogou-o em cima da mesa de café na frente de Chloe.

Chloe pensou naquele sorriso sinistro da festa. Em como ela havia conversado tanto e parecido feliz em um momento e se tornado tão obscura momentos depois.

- Tão confusa – Chloe finalizou.

Danielle encolheu os ombros. Ela sentou-se do outro lado do sofá e olhou para a porta. Foi um olhar muito rápido, mas Chloe percebeu. Ela estava se mexendo, tocando de um jeito nervoso no tecido da camiseta e sem conseguir ficar parada.

- Danielle... Se tivesse algo errado, você me diria, certo?

- Provavelmente não.

- Estou falando sério.

Danielle suspirou e virou os olhos.

- Eu queria poder te explicar. Mesmo. Eu só... eu fico paranoica às vezes. E talvez seja porque não estou tomando os remédios. Não sei. Eu só... Eu estou sempre com um sentimento de que algo muito ruim vai acontecer, sabe? E isso foi sempre assim.

Enquanto falava, ela olhava para a porta. Talvez esperando que alguém que ela não gostasse batesse—talvez esperando um intruso. Era muito difícil ler a mente de Danielle em momentos assim.

Chloe assentiu. Ela sabia. Ela sentira a mesma coisa até começar a investir tempo e esforços na terapia, quando tinha cerca de quinze anos. Ela tinha certeza de que Danielle nunca gostara da terapia. E quando ela pode começar a tomar suas próprias decisões, havia parado com as sessões imediatamente.

Mas agora claramente algo estava a incomodando. Ela parecia à beira de um ataque de pânico, e Chloe viu-se muito preocupada com a irmã.

- Talvez você tivesse que voltar para a terapia - Chloe sugeriu. – Tem muitas coisas não resolvidas. Sobre nossos pais.

- Terapia? Hum, não, obrigada.

- Então pelo menos tome o remédio - Chloe pediu. – Não seja tão teimosa.

Danielle assentiu.

- Vou tomar. Acho que preciso. Não posso continuar assim.

- Você não acha que só está muito triste pelo que aconteceu na festa? – Chloe perguntou.

- Um pouco. Mas... vai além do Martin. É que... eu não sei. Eu acho que esperava que a vida fosse melhor do que isso. Sem precisar tomar remédios e sem ser paranoica, sabe?

Chloe sentiu seu coração partir ao ouvir a irmã desabafar tais pensamentos. Com um sorriso estranho, ela se aproximou e estendeu os braços.

- O que é isso? – Danielle disse.

- Se chama abraço.

- Ah, não.

Mas Danielle aceitou o gesto e as duas ficaram juntas no sofá, como se tivessem sete ou oito anos novamente, antes de sua mãe ser morta e da vida ter lhes passado a perna. Foi naquele momento que Chloe percebeu que, mesmo que a vida tivesse as separado, a distância estava diminuindo aos poucos. E se houvesse mesmo algo errado com Danielle, mental ou emocionalmente, ela estaria ao lado da irmã até o fim.


***


Chloe ficou no apartamento de Danielle até que a irmã tomasse uma de suas pílulas em sua frente. Elas ficaram no sofá, sem dizer nada, e assistiram à primeira metade de Uma linda mulher—não porque alguma das duas gostava muito do filme, e sim porque era um filme velho que, de uma forma estranha, era nostálgico para as duas.

Uma hora depois, quando Chloe estava dirigindo para encontrar Kathleen e outras mulheres de Lavender Hills para tomar alguns drinks, o simples fato de ter assistido àquele filme a ajudou a perceber algo.

Ela e Danielle tinham vinte e sete anos. Danielle estava morando em um apartamento que, mesmo que ajeitado, estava longe de ser luxuoso. Ela ainda tinha o mesmo carro de quando saíra de casa, ao dezessete anos. Enquanto isso, ela tinha cerca de duzentos DVDs, só Deus sabia quantos CDS, e muitas camisetas de bandas. O problema não era ela ainda estar gastando dinheiro com músicas e filmes—era que eles eram em formato de CDs e DVDs... componentes físicos. Enquanto todo o resto tornara-se digital, Danielle havia ficado para trás, anda preferindo comprar os itens físicos. Chloe não sabia porque, mas aquilo a deixou triste. Talvez fosse uma característica de alguém que não estava disposta a seguir em frente. E se esse fosse o caso de Danielle, certamente os antigos métodos de entretenimento familiar não acabariam com a incapacidade de seguir adiante.

Talvez isso tenha começado ao perder a mãe e ver seu pai ser levado pela polícia.

Não foi o papai. Ele não fez isso.

Ela escutou aquele fantasma em sua memória, falando com a voz da irmã, enquanto dirigia para encontrar um grupo de mulheres que poderiam muito bem se tornar suas melhores amigas. Como isso seria possível depois de tudo que acontecera na festa do bairro ela não sabia, mas não queria começar a questionar os motivos delas ainda.

Mas elas nunca vão ser minhas amigas, Chloe pensou ao chegar perto de seu destino. Os olhares em alguns dos rostos delas na festa, mesmo antes da briga... essas pessoas já têm uma opinião sobre mim. Elas provavelmente querem sair comigo só para saberem de detalhes do meu passado.

Ela pensou em Ruthanne Carwile e Tammy Wiler. Pensou sobre como as duas haviam ficado um pouco animadas demais ao encontrá-la. E depois, claro, houve a ansiedade suspeita nos olhos de Ruthanne.

Talvez vou entender aquilo essa noite, Chloe pensou.

Mas ao mesmo tempo, aquilo também a fez sentir-se excluída. Mesmo que não admitisse, ela queria ser amiga daquelas mulheres. E tinha medo de que elas já tivessem a pré-julgado—um medo que a atingia mais do que ela esperava.

Elas se encontraram em um pequeno bar do qual Chloe havia ouvido falar na escola, mas que nunca tivera a chance de visitar. Quando entrou, ficou muito surpresa. Era mais do que um local para coquetéis em uma pequena cidade. Ao entrar, encontrou Kathleen e duas outras mulheres em uma mesa de canto, nos fundos. Lembrou-se vagamente de uma delas.

- Que bom que você veio – Kathleen disse, deslizando no banco almofadado.

Chloe sentou-se ao lado dela e percebeu que o terceiro rosto do trio também parecia familiar.

- Courtney Braxton? – Perguntou com um sorriso.

- A própria - Courtney disse, também sorrindo. Ela fora a garota mais popular da escola, e havia se formado alguns anos depois de Chloe. Seus pais eram muito conhecidos, mas pelo que Chloe lembrava, eram as coisas que ela fazia escondida com os garotos que a tornaram tão popular.

- E essa aqui - Kathleen disse, apontando para a outra mulher – como você sabe, é Jenny Foster. Ela voltou para Pinecrest há cerca de dez anos. É professora da quinta série na escola de Pinecrest.

Uma amigável rodada de introduções tomou conta da mesa enquanto a garçonete trouxe refis e tirou o pedido de Chloe. Ela pediu um mojito e fez o possível para entrar no ritmo da conversa. Rapidamente, descobriu que Courtney estava casada há quatro anos e que ela e o marido estavam tentando engravidar nos últimos meses. Também soube de várias fofocas da vizinhança, mas não prestou muita atenção em nenhuma delas.

- Então, tenho que te perguntar - Courtney disse. – Soube da confusão entre seu marido e outro cara. Era o namorado da Danielle?

- Era – Chloe disse. – Mas sinceramente nós estamos querendo deixar aquilo para trás.

- Claro, claro – Courtney disse. – Ela está bem? Digo, sua irmã.

- Sim, na verdade ela não se afeta muito com essas coisas.

Kathleen riu, assentindo para concordar.

- Eu lembro que ela era assim na escola. Não se importava com nada que pensavam sobre ela.

- Eu não lembro muito bem dela – Courtney disse. – Lembro que vocês duas eram iguais, mas ela pintava o cabelo todo mês, não pintava? E ela sempre vestia preto, certo?

- Sim, era ela – Chloe disse, em um tom que tentava indicar que ela não estava interessada em falar sobre a irmã.

- Bom, espero que ela termine com esse cara – Kathleen disse. – Pelo que eu soube, ele estava bêbado ou chapado com algo.

- Não, acho que ele não estava – Chloe disse. – Ele e Steven não se deram bem. O santo não bateu logo de cara.

- Steven parece bacana – Jenny disse. – Encontrei ele um pouco antes de tudo acontecer.

- Sim, parece que você encontrou um cara legal – Kathleen disse.

- Mas e a Danielle? – Courtney perguntou. – O que ela tem feito?

- Ela trabalha como garçonete. Fica na dela, não quer aparecer muito. Mas parece gostar do que faz.

Ela estava chutando. Na verdade, não tinha ideia se Danielle gostava do que fazia ou não. Ela só queria trocar de assunto sem parecer chata.

- Seu pai ou sua mãe eram assim? – Jenny perguntou. Foi uma pergunta inocente, mas que ainda assim a incomodara.

- Sim, um pouco – ela disse. Mas, na verdade, seu pai fora, sim, muito solitário. Pelo que ela lembrava, ele era amigável e divertido, mas nunca fora muito sociável.

- Talvez foi daí que Danielle ficou assim – Courtney disse.

A garçonete trouxe o mojito de Chloe, que ela começou a beber na mesma hora para segurar as palavras que vieram a sua boca. No entanto, aparentemente, o que ela havia pensado em dizer estava claro em sua expressão.

- Desculpe por dizer isso, - Kathleen disse, - mas eu nunca entendi ela. Ela era tão bonita—vocês duas eram—mas na época da escola, ela não se dava muito bem com ninguém. Ela já saiu com amigos ou algo assim?

- Não – Chloe respondeu, já sem se importar com o tom de suas palavras.

- Ela ainda ouve aquelas músicas sinistras? – Courtney perguntou com um sorriso irônico.

- Não sei. Você ainda está tocando uma para qualquer cara quando sobra um tempo?

De uma vez, as três amigas pareceram atingidas ao mesmo tempo. Aparentemente, elas não estavam esperando nenhuma resposta daquele tipo. Na verdade, Chloe também não. Mas, cara, tinha sido bom.

- Desculpe – Chloe disse, sem querer se desculpar. – Mas vocês querem falar sobre como vai a vida de vocês ou vocês só queriam mesmo atacar minha irmã?

- Ah, Chloe, nós não estávamos— Kathleen tentou começar.

O telefone de Chloe vibrou em seu bolso. Ela ignorou completamente o que Kathleen estava dizendo e o pegou. Gritou por dentro quando viu que era Sally, sua futura sogra. Ainda assim, usou aquilo como desculpa.

- Desculpe, preciso atender – disse. Deu um gole grande em sua bebida e seguiu para a frente do bar, na pequena área de espera.

Ela leu a mensagem, tentando lembrar de algum momento em seu passado pessoal em que se sentira mais frustrada. Vizinhas fofoqueiras e uma sogra metida—era demais para lidar de uma vez só.

A mensagem que havia chegado dizia: Qual a situação dos convites do casamento? Vocês já decidiram por algum? O tempo está passando se vocês querem tê-los em tempo. Quero dar aos convidados o maior tempo possível para se planejarem.

Porque a mulher insistia em mandar esse tipo de mensagens para ela ao invés de falar com Steven, ela não sabia. Provavelmente porque não queria perturbar seu garotinho de ouro. Rapidamente, Chloe respondeu para que Sally não continuasse lhe escrevendo.

Sim. Decisão final em alguns dias.

Depois, colocou o celular no bolso, tirou uma nota de dez dólares da bolsa e voltou para a mesa. Tomou o resto do drink enquanto as outras três mulheres a olhavam. Largou o copo, deixou a nota de dez na mesa, e acenou rapidamente.

- Desculpem – ela disse. – Coisas do casamento. Mas foi... bem, não foi legal. Mas foi uma tentativa.

Sem deixar Kathleen, Courtney ou Jenny dizerem algo, Chloe virou-se e saiu. Sentiu-se bem ao ser um pouco cruel com mulheres que aparentemente não tinham nada melhor para fazer do que meter o nariz na vida dos outros. Pelo jeito, algumas coisas não haviam mudado nada desde a escola.

E mais uma vez, Chloe lembrou-se do porquê ficara tão feliz em sair daquela cidade quando terminara o ensino médio. E seu passado continuava lhe incomodando... se não era com as memórias de seus pais, era com o jeito com o qual as pessoas falavam de sua família.

Aquela era só mais uma maneira que seu passado encontrara para continuar voltando, como uma maré furiosa. Chloe tentou imaginar por quanto tempo poderia continuar lutando sem se afogar.


CAPÍTULO QUATORZE


Na manhã seguinte, Chloe encontrou o Agente Greene na sede do FBI. Ele estava no telefone, enviando uma mensagem, quando ela passou por ele no hall. Ele a olhou e sorriu, guardando o telefone no mesmo momento.

- Estava escrevendo para você – ele disse. – Temos outra cena de crime para investigar. Você pode fazer parte disso?

- Sim – ela disse, entregando-lhe o café. – O outro dia foi só um deslize. Você tem minha palavra.

- Você aceitou meu conselho de visitar Skinner?

- Sim. E ajudou muito.

- Bom. Agora, porque você não dirige hoje?

Foi um pequeno gesto que significou muito para Chloe. Era uma demonstração de confiança—uma maneira de Greene mostrar a ela que não tinha medo de deixá-la no controle.

Eles seguiram para um pequeno subúrbio, a dez minutos de Baltimore. A cena ficava em um estacionamento de trailers onde casas móveis ficavam uma ao lado da outra. Quando estacionou atrás de várias viaturas locais, ela viu que vários moradores estavam invadindo a pequena estrada de terra que cortava o local.

Greene havia contado apenas o básico sobre o crime, sem querer interferir muito no julgamento dela. Tudo o que Chloe sabia sobre a cena quando saiu do carro era que tratava-se de uma negociação de drogas que não terminara bem. O FBI fora envolvido porque um dos homens que faziam parte do negócio era um suspeito muito procurado na região da Filadélfia, por vários crimes de tráfico.

Quando ela e Greene subiram pelos degraus instáveis—feitos principalmente do que parecia ser madeira velha e pregos—os policiais que já estavam no local pareceram aliviados. Chloe e Greene mostraram suas identificações e puderam entrar.

Chloe sentiu o cheiro na mesma hora. Sangue. Lixo. O cheiro forte de maconha—e tudo isso às oito da manhã.

Era fácil de perceber o que havia acontecido. Chloe ficou a apenas alguns metros da porta, assim como Greene. Os dois estudaram o local de perto, embora fosse fácil entender a história desenhada à frente deles.

Havia um sofá encostado na parede que servia de sala. Havia dois corpos nele, um deles quase caindo do sofá. Esse corpo estava sem uma parte da cabeça. Havia sangue pelas paredes e também, ainda, sangue caindo pela ferida e manchando o tapete.

O corpo ao lado também estava morto, com um buraco enorme na parte inferior do peito e superior do abdômen. Era horrível, mas Chloe havia se preparado. Mesmo medonha, a cena não chegava nem perto do que ela tinha imaginado em sua mente.

Mesmo assim... Havia muito sangue. E a cena era recente.

Tiros, Chloe pensou. De perto. Meu Deus...

A pessoa com o ferimento no peito estava segurando uma Glock. A arma estava caída a seus pés. A Glock, ao que parecia, fora usada para acertar o corpo que estava agora caído no meio do chão da sala. O corpo estava virado para baixo, com a cabeça para o lado.

Pelo que Chloe pode ver, ele fora atingido na parte alto do peito, abaixo do queixo, e diretamente embaixo do olho direito. Cada tiro tinha um ferimento de saída, todos claramente visíveis na parte de trás.

- Você não vai acreditar – Greene disse. Ele apontou para a vítima no chão. Estremeceu ao olhar e então encolheu os ombros. – Esse é o cara que estava na nossa lista. Oscar Estevez. Os federais estavam atrás dele há uns três meses.

Um policial colocou a cabeça porta adentro atrás deles.

- Vocês vão querer ver o quarto dos fundos – ele disse. – Nós já catalogamos, mas com certeza vocês do FBI vão achar interessante.

Green assentiu e indicou a Chloe que o seguisse. Ela foi, e eles seguiram pelo corredor estreito para os fundos da casa móvel. O lugar inteiro cheirava a mofo e maconha. O cheiro era tão forte nos fundos do trailer que Chloe precisou começar a respirar pela boca.

Eles entraram em um quarto nos fundos do trailer. As paredes estavam decoradas com pôsteres pornográficos. Havia uma TV velha em cima de uma cômoda maltratada. Mas o que chamou mesmo a atenção deles foi o fato de que o colchão da cama havia sido virado, revelando suas molas. As caixas das molas estavam abertas, revelando vários papelotes de cocaína. A droga estava envolta em plástico e colada com fita isolante. Em um primeiro olhar, parecia haver pelo menos vinte papelotes.

- Então, o que podemos tirar dessa cena? – Greene perguntou.

- Bem, parece que os criminosos fizeram o trabalho por nós. Parece que algum acerto de drogas deu errado. Ou um cliente trouxe uma reclamação que não deu muito certo.

- Sim. Até agora nós só podemos especular. Parece um caso fechado, mas vamos precisar investigar mesmo assim. A má notícia é que nós seremos responsáveis pela papelada e pelos relatórios. Então vamos em frente, investigar esse lugar direito—talvez perguntar para alguns dos locais lá fora sobre alguns detalhes e—

O telefone de Greene vibrou, interrompendo-o. Ele olhou e disse:

- Um segundo.

Ele atendeu a ligação e saiu pelo corredor. Chloe conseguiu ouvir a conversa enquanto olhava para o quarto. Ela checou as gavetas da escrivaninha e encontrou roupas, seda para cigarros e vários DVDs pornôs. Não encontrou nenhum tipo de arma, nem alguma prova de que algo além de um negócio envolvendo drogas mal sucedido havia acontecido ali.

Greene voltou para o quarto, com o telefone ainda em mãos.

- Precisamos trabalhar rápido aqui – ele disse. – Temos outro caso para investigar. E esse é lá para os seus lados, eu acho. Pinecrest, certo?

- Sim. Qual é o caso?

- Pessoa possivelmente desaparecida – ele disse. – Um cara chamado Martin Shields. Nada sério. Provavelmente vamos deixar a polícia local lidar com isso.

- Você disse Martin Shields? – Chloe perguntou, esperando que tivesse escutado errado.

- Sim. Por que?

Ela pensou em Danielle imediatamente. Ela já sabia? Ou ela mesma teria feito a ligação?

- Merda. Eu conheço ele. Um pouco. Minha irmã estava meio que namorando ele.

- Sério? – Greene perguntou, surpreso.

- Sim. Não sei se era sério, mas mesmo assim...

- Que mundo pequeno – Greene disse.

- Com certeza.

- Se é alguém próximo de você, podemos dar prioridade ao caso, eu acho – Greene disse. – E mesmo se os policiais locais quiserem o caso, acho que posso te manter dentro se você quiser.

- Sim, obrigada – ela disse. Mas sua mente ainda estava pensando em como Danielle lidaria com aquilo. E tudo parecia estranho, já que ela vira Martin há poucos dias na festa do bairro.

- Sinceramente, se sua irmã está saindo com ele, acho que você deveria ligar para ela agora – Greene disse. – Podemos começar a investigar isso enquanto resolvemos essa bagunça aqui.

Chloe assentiu e saiu pelo corredor. Ela não olhou para a cena grotesca na sala ao sair. Encontrou o número de Danielle e fez a ligação.

Danielle atendeu na terceira chamada, com uma voz de sono.

- Oi?

- Ei, é a Chloe.

Danielle suspirou fundo.

- Sim, eu tomei meu remédio hoje. Agora, se você não se importa, eu quero voltar a dormir.

- Danielle, quando foi a última vez que você viu o Martin?

- Na tarde da festa. Ele me deixou aqui, estávamos putos um com o outro e não nos falamos desde então. Por que?

- Eu... eu estou no trabalho e recebemos uma ligação. Alguém deu queixa de que ele está sumido. E um adulto tem que estar sumido por pelo menos um dia para que a queixa seja aceita.

- Você está de brincadeira? – Danielle disse. – Sumido?

- Essa é a informação. Nós vamos investigar. Pensei que você pudesse saber de algo.

- Bem, com certeza não fui eu que liguei.

- Você conhece alguém que pode ter ligado?

- Hum, aparentemente ele estava pegando outra além de mim.

- Sabe quem é? – Chloe perguntou.

- Não sei o nome dela. Mas vi ela pelada. Tinha fotos no telefone do Martin. Então... espere aí... É isso mesmo? Ele está mesmo desaparecido?

- Espero descobrir o mais rápido possível.

- Ok, me mantenha informada – Danielle disse e desligou.

Mas até onde Chloe sabia, não havia nada na voz de Danielle que demonstrasse muita preocupação.


CAPÍTULO QUINZE


Era um pouco frustrante olhar convites de casamento sem poder falar com a irmã. Chloe esperava que ela estivesse recusando-se a atender o telefone apenas porque estava triste com as notícias sobre Martin. Ainda assim, pela maneira que Danielle vinha agindo, era difícil pensar nesse cenário mais inocente e seguro.

Mas ela queria ser uma boa esposa, queria mostrar a Steven que estava tão envolvida com ele e com o casamento quanto com o bem-estar de Danielle. Além disso, não era a primeira vez que Danielle não atendia suas ligações e agia assim distante. E Chloe também começou a gostar da ideia de escolher modelos de convite de casamento. Depois dos últimos dias, na verdade era bom sentar e tentar finalizar o planejamento da festa.

O clima ainda estava tenso desde a briga, mas Chloe e Steven pelo menos já conseguiam ficar no mesmo cômodo juntos sem se irritar. Eles olharam vários modelos no iPad dela, entre os que a gráfica dos pais de Steven havia recomendado. Mas enquanto tentavam tomar uma decisão, Chloe começou a perceber que Steven também estava distraído. Ele fez gestos e disse sim ou tudo bem várias vezes em poucos minutos.

- Está tudo bem? – Ela perguntou.

- Sim – ele disse, porém parecendo ter acabado de acordar.

- Você parece distraído. Está tudo bem?

- Sim, - ele disse, - só estou pensando em algumas coisas do trabalho. Amanhã vai ser um dia longo. Desculpe... Ainda não me desliguei totalmente do trabalho.

Chloe segurou o comentário que queria sair de sua boca. Está distraído, é? Deixe eu te dizer o que é distração... É saber que o namorado da sua irmã desapareceu e sua irmã não atende o telefone. Isso sim é distração!

- Tem algo que você quer conversar? – Chloe perguntou.

Steven pareceu pensar por alguns segundos antes de balançar a cabeça.

- Não. Não quero piorar as coisas.

- Olhar convites de casamento não é a sua, ein?

- Parece que não. Tudo bem?

Chloe encolheu os ombros.

- Ei, eu não me importo de decidir por nós.

- Ah, falando em tomar decisões... A mãe ligou hoje e perguntou se nós queríamos jantar lá de novo.

Ainda que Chloe preferisse ter suas unhas arrancadas uma por uma, ela não quis causar mais problemas.

- Tudo bem – ela disse. – Só me diga quando. Mas se eu fosse você, esperaria alguns dias. Você precisa esperar um pouco até seu olho melhorar.

Steven ergueu o braço e tocou com jeito a área machucada embaixo do olho—o resultado de um único soco que Martin havia acertado. Seu rosto já estava bem melhor, mas a marca ainda era muito perceptível.

- Você falou algo para sua mãe sobre o que aconteceu? – Chloe perguntou.

- Não. Não faz sentido envergonhar a mim mesmo, eu acho. E não queria ter que dizer para ela que foi o namorado da Danielle.

Ele parou por ali, deixando a insinuação no ar—insinuando que sua mãe não gostava mesmo de Danielle. Mas aquilo não era segredo.

- Falando nisso – Chloe disse. – Estive envolvida em um caso hoje... sobre Martin. Aparentemente ele está desaparecido.

- Sério? Quem fez a queixa?

- Ainda não sei – Chloe disse.

- Que loucura – Steven disse. – Mas esse tipo de gente... você sabe. Não é surpresa ele sumir. Desaparecido... provavelmente não. Provavelmente foi para outra cidade porque é muito instável para ficar muito tempo em um lugar só.

Chloe deixou o assunto morrer ali. Estava claro que Steven não tinha interesse no trabalho dela. Ele estava muito preocupado em tentar agradar a mãe com os planos do casamento. Mais do que isso, Steven falando mal de Martin só o levaria a falar mal também de Danielle. E ela não teria paciência para isso.

Então eles ficaram alguns momentos em silêncio e, depois, olharam novamente os convites, sem estarem animados de verdade com o casamento que estava por chegar.


***


Chloe acordou com o som de seu alarme na manhã seguinte. Ela estava cansada pela noite anterior, quando pensamentos e preocupações sobre Danielle não deixaram sua mente. Sentou-se na cama, com Steven ainda dormindo a seu lado, e olhou o telefone na esperança de que Danielle tivesse ao menos enviado uma mensagem durante a noite.

Mas não havia nada de Danielle. O que ela viu foi uma mensagem do Agente Greene. O texto dizia: Uma mulher chamada Sophie Arbogast deu queixa sobre o desaparecimento de Martin Shields. Vamos atrás dela o mais rápido possível.

Bom... agora pelo menos havia um senso de direção no caso. Ela tentou imaginar se Danielle conhecia Sophie Arbogast.

Saiu da cama, colocou sua roupa de corrida e saiu. Preferiu correr antes de comer ou beber algo, acreditando que o exercício a acordaria de verdade e esvaziaria sua mente. Ela havia corrido em Lavender Hills apenas uma vez, e fora ao entardecer, em seus primeiros dias como moradora do bairro.

Ficou feliz em encontrar a vizinhança em absoluto silêncio quando começou a corrida, às 5:45. O sol estava começando a aparecer no horizonte, pintando o céu com tons púrpura pré-amanhecer. Correu duas quadras até ver outra pessoa—uma mulher mais velha, sentada na varanda, tomando café e lendo a bíblia. Ao fim da mesma rua, passou por um homem caminhando com o cachorro, mas ele estava usando fones e nem teve a gentileza de a cumprimentar.

O aplicativo de corrida de seu celular informou que ela havia corrido 2,88 quilômetros quando viu um rosto familiar vindo em sua direção ao virar a esquina. Era Tammy Wyler, que a viu imediatamente, sem que Chloe tivesse a chance de evitá-la. A não ser que Tammy fosse daquelas que levam a corrida muito a sério, não haveria como não parar e conversar com ela.

Mas tudo bem, ela pensou. No entanto, depois da festa do bairro, era fácil prever qual seria o assunto da conversa. Ela também pensou se Kathleen ou alguma das outras mulheres haviam contado a ela sobre a rápida noite de drinks.

Como esperado, Tammy diminuiu a velocidade significativamente quando as duas se aproximaram uma da outra. Tammy parou, e Chloe continuou correndo parada, esperando que aquilo funcionasse como uma dica de que não queria conversar muito.

- Sabia que você corria – Tammy disse. – Não tem como alguém ser tão magra e linda sem se exercitar.

- Obrigada – Chloe disse.

- Que bom que a gente se encontrou – Tammy disse, sem conseguir não meter seu nariz na vida dos outros. – Pensei muito em você desde sábado.

Ah, eu sabia, Chloe pensou.

- Está tudo bem – Chloe disse, ainda correndo no lugar. – Foi só um mal entendido. Está tudo bem agora.

- E Danielle? – Tammy perguntou. – Como ela está?

Chloe ficava enfurecida ao ver que todo mundo que conhecia Danielle achava que sabia tudo sobre ela. Quando Tammy fez a pergunta, falou em um tom de pena, indicando que a pobre Danielle precisava de toda a ajuda possível.

- Ela está bem – Chloe disse.

Ela tentou pensar em uma forma de salvar a frágil reputação da irmã e ainda ficar de bem com aquelas mulheres. Se planejava morar no bairro por muito tempo, precisava reparar qualquer problema criado. Odiava políticas sociais, mas sabia que precisaria lidar com aquilo.

- Bem, diga a ela que eu perguntei sobre ela, pode ser? Sabe... Eu ouvi que o namorado dela está desaparecido. É verdade?

A velocidade com a qual as notícias corriam às vezes assustavam Chloe, e aquela não fora uma exceção. Ela tentou esconder a surpresa, perguntando:

- Onde você ouviu isso?

- As notícias correm rápido por aqui – Tammy respondeu, como se tivesse lido os pensamentos de Chloe.

- Estou investigando isso – Chloe disse, sem conseguir esconder seu desdém.

- Bem... verdade ou não, você pode dizer para Danielle que eu estou pensando nela? Ela está nas minhas orações.

- Claro – Chloe disse, forçando as palavras. – Aproveite a corrida.

Sem nenhum sinal claro de que a conversa havia acabado, Chloe voltou a correr. Ela não gostou de perceber que já estava irritada com a natureza fofoqueira das pessoas de seu bairro. Aquilo tornaria tudo ainda mais interessante a medida que ela fosse avançando no FBI. E isso já estava pressionando sua vida pessoal.

Chloe fez o melhor que pode para deixar o ressentimento de lado por enquanto. A breve menção de Tammy Wyler a Danielle a fez pensar novamente na irmã. Não era incomum que Danielle não atendesse as ligações e respondesse as mensagens, mas algo parecia diferente dessa vez—principalmente considerando o desaparecimento de Martin.

Algo não está certo, ela pensou.

Lembrou dos remédios de Danielle. Pensou no sorriso sinistro no rosto da irmã quando Martin atingira Steven.

Sem perceber, Chloe já estava terminando a corrida, voltando para casa. Ela iria sair mais cedo naquele dia. Sairia de casa esperando encontrar Danielle de surpresa.

Ela odiava ser intrometida, mas algo dentro dela—seu instinto ou apenas sua natureza de irmã—estava começando a se preocupar de verdade com Danielle.

E com esse pensamento, o silêncio da manhã pareceu mais misterioso do que pacificador.


CAPÍTULO DEZESSEIS


Chloe sabia que iria acordar Danielle. Eram 7:35 quando ela parou no Starbucks no meio da estrada, para que pudesse pelo menos oferecer algo ao acordar a irmã tão cedo. Ela bateu na porta de Danielle, com um latte com dois expressos na mão, já esperando a ira que viria pela frente.

Para sua surpresa, Danielle pareceu muito bem acordada quando abriu a porta. Ela lançou um olhar cético para Chloe e depois deixou a irmã entrar sem dizer nada. Apenas quando a porta bateu, Danielle se jogou no sofá e resolveu falar.

- É cedo – ela disse. – Você está com tanta saudade assim?

- Um pouco – Chloe respondeu.

Ela sentou-se. Danielle claramente já estava acordada há algum tempo. Havia música tocando e seu notebook estava aberto na mesa de café. Havia uma xícara de café ao lado do computador. A música vinha dali, algum tipo de metal que parecia apenas uma batida forte vinda das caixas de som.

- Por que você não me atendeu nem respondeu minhas mensagens? – Chloe perguntou.

- Porque eu sabia que era você. E eu ainda não tenho respostas para você.

- Você não soube de nada? Ele não disse nada na festa que poderia fazer você pensar que ele ia sair da cidade?

- Não. Nada. Ele me deixou e disse que ligaria quando a poeira baixasse.

- Você disse que achava que ele estava saindo com mais alguém – Chloe disse. – Você leu as conversas?

- Não todas. Eu vi os peitos dela e li mais putarias do que o suficiente. Mas foi só isso. Não tinha nada além disso lá.

- Você não está preocupada com ele?

- Não – Danielle disse. – Ele é adulto e estava saindo com pelo menos duas mulheres. Não me parece estanho que ele tenha fugido por um tempo. Talvez a pressão de duas mulheres foi muito para ele e ele saiu da cidade. E só Deus sabe mais quantas mulheres estúpidas ele tem.

- Bom, nós tivemos a confirmação de que foi mesmo uma mulher que telefonou. O nome Sophie Arbogast te diz algo?

Danielle balançou a cabeça.

- Não. Não que eu saiba.

Ela pegou o café do Starbucks sem ter certeza de que era seu e começou a tomar, mesmo tendo uma xícara de café bem a sua frente.

- Sendo sincera, - Chloe disse, - acho que você deve estar certa. Talvez ele percebeu que passou da conta na festa do bairro. Mesmo tendo saído por cima, ele pode ter se aborrecido com isso. Talvez ele esteja com vergonha de ver você agora e talvez a outra mulher tenha desapontado ele também. Não é incomum que homens sem raízes ou motivos para ficar em um lugar se mudem do nada. Eu só queria saber se você está bem.

- Estou bem – Danielle disse. – Não é a primeira vez que um cara foge de mim.

- E você não está só dando uma de garota fortona para cima de mim? – Chloe perguntou.

- Não. Nós só saímos um mês e pouco. Mas eu estava começando a achar que ele era muito bom para ser verdade. Ele era gentil e eu tinha que tomar a frente para qualquer contato físico. E então... bem, então veio a festa, as mensagens, e eu vi quem ele era de verdade.

- E desde então... você tem—

- Sim. Eu estou tomando os remédios.

Chloe levantou-se, percebendo que só estava deixando Danielle triste.

- Certo. Eu só queria passar aqui. Depois da notícia que te dei ontem, acordei preocupada porque você não me atendia. Você pode me ligar se souber algo sobre Martin, por favor?

- Sim. Mas eu sinceramente não acho que ele vai ligar. Acho que ele se expôs no sábado. Acho que ele não pretendia que eu conhecesse aquele lado dele.

- Se cuide, Danielle.

Chloe sentiu que precisava dizer algo a mais, mas além de não encontrar palavras, sentiu seu telefone vibrando no bolso. Pegou-o e viu que Greene estava ligando. Virou as costas e caminhou até a cozinha para atender a ligação.

- Bom dia – ela disse. – Vi sua mensagem sobre Sophie Arbogast. Precisamos visitá-la?

- Talvez, sim. Mas por enquanto, temos algo melhor ainda. Recebemos uma ligação nessa manhã sobre alguém largando um carro no lago. Estou aqui agora e conseguimos confirmar a placa. O carro pertencia a Martin Shields.

- Algum corpo?

- Não. Ainda não. Vamos trazer alguns caras para mergulhar no lago daqui a algumas horas. Por enquanto, queria que você me encontrasse. Em quanto tempo você consegue chegar ao Lago Monument? O carro foi descoberto em uma estrada velha que dá acesso à torre d’água.

- Me dê trinta minutos.

- Está bem – Greene disse. – E escute... esse não é mais um assunto do FBI por enquanto. Os tiras locais estão tomando conta disso. Mas eu pedi para ser avisado sobre qualquer movimento no caso Shields por causa da sua conexão com ele. Precisei convencer, mas o Diretor Johnson nos deixou trabalhar de longe. Então lembre-se disso quando chegar aqui.

- Pode deixar - ela disse. – Obrigada pela ajuda.

Chloe desligou e colocou o telefone novamente no bolso. Voltou à sala, mas não sentou-se. Ela precisava contar as novidades e seguir para encontrar Greene. Era o primeiro momento desde o começo de seu estágio em que um caso estava diretamente ligado a sua vida pessoa.

E ela não se importava com isso.

- Danielle... era o Agente Greene, meu supervisor. Eles encontraram um carro... o carro do Martin. Foi jogado no Lago Monument.

Uma onda de medo passou pelo rosto de Danielle, uma expressão de extrema preocupação. Por um momento, parecia que o cérebro dela não conseguia decidir qual emoção sentir.

- Meu Deus. Ele está...?

- Não sabemos. Até agora, não há nenhum indício de que havia um corpo dentro.

- Foi agora? – Ela perguntou. – Acabaram de encontrar?

- Sim. Tenho que ir para lá. Você... você vai ficar bem?

- Acho que sim... É só... é muita coisa para processar.

- Isso não significa necessariamente o pior, você sabe – Chloe disse. – Não há corpos. Só o carro.

- Sim – ela disse vagamente. – Tudo bem...

- Danielle... Você vai ficar bem?

- Sim, estou bem. Só... me mantenha informada.

- Eu vou – Chloe disse. – E você me ligue caso se sinta muito mal com isso, ok?

Danielle apenas assentiu e olhou para seu computador com uma expressão vazia no rosto. Chloe olhou para ela pela última vez e novamente sentiu que algo estava errado.

Danielle não parecia triste ou preocupada.

Danielle parecia amedrontada.

Chloe quase disse algo sobre aquilo, mas sabia que Greene estava a esperando. Além disso, também sabia que Danielle não falaria sobre seu estado emocional—não até ter tempo para processar aquela notícia.

Então assim, com um sentimento de incerteza no coração, Chloe deixou a irmã assustada e saiu.


CAPÍTULO DEZESSETE


Chloe reconheceu a estrada de cascalho rapidamente. Mesmo que não tivesse se aventurado por ali quando adolescente, o local ganhara um certo status místico em sua época de escola. Era como se fosse o “Ninho do Amor” de Pinecrest. Agora, parecia uma estrada em ruínas, com o mato crescendo em volta e o cascalho quase inexistente em algumas partes.

Quando estacionou seu carro atrás de várias viaturas e outro carro que sabia que era o de Greene, um guincho havia começado a puxar o carro da água. Dois policiais estavam saindo da lama na beira do lago. Ela viu que eles haviam amarrado um tipo de cordão ao caminhão, tornando mais fácil a tarefa de puxar o carro para fora.

Um pequeno grupo de pessoas—cerca de dez—estava reunida na beira do lago, esperando que o carro fosse completamente retirado. Ela viu Greene e juntou-se a ele.

- Você já falou com sua irmã sobre isso? – Ele perguntou.

- Sim. Eu estava com ela quando você ligou. Mas tenho uma pergunta. Se eles só estão tirando o carro agora, como alguém conseguiu saber de quem era o carro antes?

- A parte de trás parou em uma rocha a cerca de dez metros de profundidade. A parte da frente ficou visível pela água, e nós conseguimos ver o número da placa. Agora, me diga... Qual conclusão você tira do fato de que a parte da frente estava visível?

Ela respondeu quando o caminhão moveu-se, puxando o carro parcialmente para terra firme. Lodo e lama cobriam o veículo por todos os lados.

- Me diz que ele foi jogado de ré na água. E que se esse era o jeito de Martin de cometer suicídio, não faz sentido nenhum. Por que ter uma precaução dessas? Se foi mesmo jogado de ré no lago, significa que quem estava dirigindo queria ter tempo de sair. E isso me leva a suspeitar de alguma sacanagem.

Greene assentiu, concordando.

- Agora vamos ver se o carro em si nos traz respostas.

O Agente Greene era o único agente do FBI no local, o que lhe dava autoridade no caso. Ainda assim, ele deixou os policiais locais olharem e fazerem anotações em seus próprios arquivos. Quando eles terminaram, Greene acenou para que Chloe o seguisse até o carro. Ele deu a ela um par de luvas e eles começaram a trabalhar.

- A primeira coisa que estou procurando, - Greene disse a ela, - é qualquer sinal de que houve algum tipo de instalação fraudulenta no volante ou no acelerador. Temos ouvido casos de pessoas criativas quanto a isso. Talvez quem estava no volante nem precisou dirigir o carro para dentro do lago manualmente. Mas... até agora, não vejo nada que sugira isso.

Chloe, enquanto isso, abriu o porta-luvas. Uma pequena cascata de água caiu ao abrir. Ela mexeu lá dentro e não encontrou nada interessante: documentos do seguro, chicletes, CDs. Alguns CDs eram exatamente o tipo de coisa que Danielle escutava. Algo naquilo fez Chloe sentir-se como uma protetora da irmã—como se ela fosse, de alguma maneira, muito próxima ao caso.

- Algo interessante? – Greene perguntou.

- Nada – Chloe disse, fechando o porta-luvas.

Eles então checaram embaixo dos bancos, procurando por qualquer coisa que pudesse ser uma pista. Levaram menos de dois minutos para descobrir que não havia nada.

Ao fecharem as portas, Greene olhou para o porta-malas. Aquilo fez sentido para Chloe. Ela sabia que eles acabariam abrindo-o de qualquer maneira. Mas baseado no que encontraram no carro, ela não esperava encontrar nada além de um pneu reserva.

Greene olhou para o grupo de policiais, ainda de olho no carro.

- Xerife, você tem equipamentos para abrir o porta-malas?

Um dos homens assentiu e imediatamente foi até uma das viaturas. Ele mexeu no porta-malas e voltou com uma ferramenta que Chloe só havia visto uma vez. Parecia uma chave de fenda modificada, com a ponta mais pesada. Ela sabia que não havia nada muito complicado em abrir um porta malas, então as ferramentas para tal serviço eram quase primitivas.

O policial levou a ferramenta até a parte de trás do carro de Martin e a utilizou com força na fechadura do porta-malas. Outro policial havia trazido um pequeno pé de cabra, caso fosse necessário. Mas acabou não sendo. Houve um barulho forte quando o porta-malas se abriu.

O policial olhou dentro por um momento e, depois, diretamente para Greene.

- Bingo! – Ele disse.

Chloe e Greene olharam para o porta malas. Chloe sentiu-se como se tivesse levado um tapa na cara quando avistou. Era Martin, com certeza. Ele estava olhando para cima, sem expressão, como se não se importasse com o fato de estar morto. Havia dois ferimentos em seu peito, um diretamente acima do coração. Os dois eram, claramente, ferimentos de facada.

Ao olhar para o corpo, um pensamento alarmante passou pela cabeça de Chloe.

Danielle disse para alguém que ela descobriu que ele estava traindo ela? Se sim... merda... ela pode acabar sendo suspeita. E os remédios que ela está tomando e deixando de tomar não vão ajudar nada nisso.

- Bem, pelo menos sabemos que com certeza não foi suicídio – Greene disse. Ele então olhou para Chloe, franzindo a testa. – Você é muito próxima do caso para cuidar disso?

Ela quase disse sim. A ideia de que Danielle provavelmente seria interrogada não fazia bem para ela. Mas ao mesmo tempo, ela sabia que precisava ser profissional.

- Não, estou bem.

- Ok – ele disse. – Então aqui estão as boas novas dessas situação. O corpo está fresco e molhado. Se houver algum traço do assassino nele, vamos encontrar facilmente. Especialmente cabelos... como esse aqui.

Ele inclinou-se para mais perto do porta-malas, quase entrando. Com a mão vestindo uma luva, apontou para um fio de cabelo no antebraço de Martin. Não era muito mais comprido do que aqueles na cabeça de Martin.

E mesmo molhado, era fácil ver que o cabelo era preto. E curto.

Como o de Danielle.


CÁPITULO DEZOITO


Chloe sentiu o dia voando diante dela da mesma maneira que o tempo passa ridiculamente rápido nos momentos seguintes a um acidente de carro ou outro evento traumático. Sentiu que aquele dia estava a levando em direção a algo que a traria muitos problemas. Seguiu pensando na briga de Martin e Steven—e naquele sorriso sinistro no rosto de Danielle naquele momento.

Ela decidiu não ligar para Danielle. Não ainda. Queria que aquele fio de cabelo fosse analisado e estudado, queria ter tudo sob controle antes de falar com a irmã. Ela sabia que nada concreto poderia ser feito sem uma amostra do DNA de Danielle, mas também sabia que poderia haver, em breve, uma razão para prender Danielle e coletar tal amostra.

Ainda assim, enquanto esperava no laboratório pelos resultados do cabelo e de uma digital parcial que fora descoberta nas bordas do porta-malas, Chloe continuou olhando para seu telefone. E enquanto olhava, havia um pensamento que não saia de sua cabeça. Um pensamento que ela esperava ser apenas um exagero.

Meu Deus, Danielle, o que você fez? O que você FEZ?

Enquanto esperava, trabalhou com Greene em uma das salas vazias do laboratório tentando encontrar alguém que pudesse ter visto Martin no último dia de sua vida. Eles usaram gravações telefônicas e as pessoas que, ao que se sabia, tinha visto-o por último. Por conta da festa do bairro, Chloe precisou colocar na lista seu próprio nome, assim como o de Danielle.

- Eu posso interrogá-la se você quiser – Greene disse.

- Não, tudo bem.

- Tem certeza? Isso pode ser demais para uma estagiária.

Quando ela apenas assentiu, Greene desviou o olhar.

- Sabe, - ele acrescentou, - se ela fizer o teste de DNA, talvez possamos descartá-la de vez.

- O teste de DNA do cabelo leva o que... oito horas? – Ela perguntou.

- Se o cabelo estiver em boas condições e for novo—como aquele fio—pode ser mais rápido, cerca de cinco horas.

Quando pareceu que Greene iria dizer algumas palavras de conforto, ouviu-se uma batida na porta. Outro estagiário apareceu, um cara que Chloe havia encontrado algumas vezes, e que trabalhava com outro agente no departamento de coleta de informações.

- Duas possíveis pistas para você – ele disse. – Temos uma amiga da mulher que fez a ligação. Diz que Martin Shields batia nela o tempo todo. Diz que ficou com ele em uma festa uns meses atrás. Ela não pareceu totalmente surpresa ao saber que ele acabou morto em um lago.

- Ela está disponível para conversar? – Greene perguntou.

- Sim. Está esperando uma ligação.

- E a segunda pista? – Chloe perguntou.

- Olhamos o extrato do cartão de crédito de Martin Shields. A última coisa comprada nele foram 51 dólares em gasolina. Checamos com o posto onde foi comprada e eles estão procurando as imagens das câmeras de segurança. Eles acham que há chances deles conseguirmos olhar dentro do carro.

- Obrigado – Greene disse quando o estagiário saiu. Ele pareceu estar pensando muito em algo antes de levantar e suspirar.

- Nós vamos fazer o seguinte – ele disse. – Eu vou falar com essa mulher que diz ter dormido com Martin. Não faz sentido você se meter nesse triângulo amoroso da vida da sua irmã. Você lida com o posto.

- E Danielle?

- Vou mandar alguns tiras para Pinecrest para falarem com ela.

- Posso falar com ela primeiro? Isso tudo é... loucura.

- Desculpe, esqueci de dizer. Você pode falar com ela. Assuntos pessoais. Com certeza você sabe o que fazer.

- Eu sei. E com certeza você sabe que eu conheço minha irmã. Ela não fez isso... é impossível. Por favor... me dê alguns minutos para avisá-la do que vai acontecer.

Greene pensou por um momento e depois abaixou a voz, mesmo sabendo que eles estavam sozinhos.

- Eu entendo. Família é família. É uma situação peculiar, com certeza. Fale com ela, mas saiba que se ela sair da cidade ou fugir de nós, vai sobrar para você. Eu confio em você, Chloe. Estou confiando muito em você agora. Cheque o posto primeiro e depois fale com sua irmã. Mas se algo acontecer, preciso que você fale comigo imediatamente.

- Obrigada – ela disse. – Você vai ter problemas por causa disso?

- Não. Tecnicamente isso não quebra o protocolo. Qualquer agente humano faria a mesma cortesia para um parceiro. Então não... não terei problemas. Mas vá agora. Quando os resultados chegarem...

Chloe assentiu, sabendo o que ele iria dizer. Ela guardou as informações sobre o posto e o cartão de crédito de Martin na mente e saiu da sala. No caminho para a entrada do prédio, passou pela porta do laboratório que estava analisando o frio de cabelo e a digital encontrados no lago.

Seu coração acelerou um pouco, e ela se apressou. Mais uma vez, ao seguir em direção a seu carro, o mesmo pensamento pensou por sua cabeça como um cometa.

O que você fez, Danielle?


***


O posto de gasolina em questão ficava a menos de cinco quilômetros do apartamento de Danielle. Chloe chegou às 11:25 e não havia praticamente ninguém por lá. Alguns clientes estavam lá dentro, procurando aperitivos e revistas, mas o caixa ficou muito feliz em ajudá-la. Ele já havia sido avisado que Chloe iria até lá, por isso já havia separado as imagens da câmera.

Depois de chamar outro funcionário que estava reabastecendo as prateleiras para cuidar do caixa, ele levou Chloe até os fundos da loja. Lá, uma pequena sala de estoque estava lotada, cheia de caixas de aperitivos e itens de compra impulsiva. No canto direito, havia uma pequena aparelhagem para o sistema de segurança. Uma tela grande mostrava seis ângulos diferentes do estacionamento. Outra tela mostrava dois ângulos de dentro da loja, e um terceiro onde se via diretamente atrás do caixa.

- O carro que os policiais estavam me perguntando é esse aqui – o caixa disse, apontando para o ângulo central, na parte inferior da tela.

Depois de vários segundos, o carro de Martin apareceu. Parou ao lado de uma das cinco bombas do lado de fora. O veículo parou debaixo de um toldo, e era impossível ver quem estava no carro.

- Você não consegue voltar a filmagem e depois soltar devagar? – Chloe perguntou.

- Sim. E posso pausar quando você quiser. Só me diga quando.

O caixa retrocedeu as imagens, fazendo o carro de Martin voltar de ré para fora da tela. Depois ele apertou o play novamente, mas muito mais devagar. O carro apareceu novamente e, por um momento, quase preencheu a tela inteira.

- Pause – Chloe disse.

O caixa fez o que ela pediu. O lado do carona estava de frente para a câmera. Ela pode ver claramente a forma de uma pessoa lá dentro. Mas pela distância entre a câmera e o carro, assim como a distorção causada pela janela do carona, era difícil ver detalhes.

- Você consegue aproximar um pouco? – Chloe perguntou.

- Sim. Mas vai ficar um pouco granulado.

O caixa apertou um comando no sistema de segurança, o qual Chloe estava começando a perceber que era um pouco antigo. A imagem aproximou um pouco, mostrando a figura do passageiro. O caixa estava certo. A imagem estava totalmente granulada.

Mas não importava. Porque o estilo de Danielle era inconfundível. A cabeça dela estava parcialmente virada em direção à câmera, ficando ainda mais fácil identificá-la.

Na verdade, aquilo não era surpresa. Danielle havia saído da festa do bairro com Martin. E de acordo com o horário mostrado na imagem, aquilo havia acontecido cerca de meia hora depois de que Martin e Danielle deixaram a festa.

Ainda assim, era uma prova. Havia evidências suficientes para que o FBI—com exceção dela, é claro—a considerasse uma potencial suspeita.

- Obrigada – Chloe disse, com a voz baixa e trêmula.

Ela se afastou da imagem vagarosamente, mas ao voltar para a loja, já estava praticamente correndo em direção à porta. Ela precisava encontrar Danielle e conversar com a irmã antes que ela fosse atingida.

E com base naquela evidência, Chloe sabia que não demoraria muito.


CAPÍTULO DEZENOVE


Chloe estava fazendo o possível para não admitir que Danielle era culpada ou que ela tinha informações sobre o que acontecera com Martin. Porém, quando viu que o carro da irmã estava estacionado em frente a seu prédio, ficou aliviada. Aquilo mostrava, pelo menos, que Danielle não estava tentando fugir das conversas sobre o assunto. Se ela fosse culpada de algo, era provável que ela tentasse fugir ao invés de ficar sentada, à toa, em seu apartamento.

Chloe bateu rapidamente na porta de Danielle.

- Danielle, sou eu. Preciso falar com você agora!

Ela ouviu uma série de passos no outro lado da porta. Danielle abriu a porta, e parecia quase outra pessoa. Chloe não entendeu o porquê logo de cara, mas depois viu claramente nos olhos da irmã.

Ela parecia assustada.

Chloe já havia a visto paranoica com várias coisas. Aquele fora o estado dela na maioria das poucas vezes em que elas se encontravam. Mas Chloe não tinha certeza de já ter visto a irmã assustada. E isso, por sua vez, a assustou.

- O que aconteceu? – Danielle perguntou.

- Martin – Chloe disse, percebendo pela primeira vez o peso da notícias que ela estava prestes a dar. - O corpo dele foi encontrado no porta-malas do carro. Sinto muito...

Danielle assentiu e mordeu seu lábio inferior.

- Senhor. Eu... como isso aconteceu?

Chloe entrou sem ter sido convidada e virou-se para a irmã.

- Eu só vou perguntar isso para você uma vez, e vou acreditar na sua resposta, seja qual for – ela disse. – Danielle, você tem alguma coisa a ver com o que aconteceu com ele?

- Não – ela disse, deixando uma lágrima cair de seu olho esquerdo. – Nada.

Chloe esperava que Danielle fosse se sentir ofendida pela pergunta. Mas, ao que parecia, ela estava muito assustada para ficar ofendida.

- Eu sei que é um choque e que você precisa de tempo para pensar, mas nós não temos muito.

- Tempo? – Danielle perguntou, claramente sem entender.

- Danielle... havia um fio de cabelo e digitais no carro. Estão sendo analisados agora. E baseado no que sabemos até o momento, você foi a última pessoa que viu ele vivo. E o cabelo... era preto e curto, como o seu. Tem uma filmagem de vocês dois indo em um posto de gasolina, e essa é a última evidência gravada sobre Martin.

- Ok, mas o que isso significa? – Danielle perguntou.

- Significa que sob a ótica de qualquer investigador respeitável, vai parecer que você tem algo a ver com isso. Que se você não matou ele, você pelo menos sabe de algo. Então, Danielle... por favor. Eu preciso que você seja sincera comigo. Diga a verdade para mim antes que algum outro agente fale com você.

Chloe viu a expressão da irmã passar por muitas emoções diferentes. Por um momento, parecia que ela iria começar a soluçar. Depois, ela pareceu furiosa. Após alguns segundos, ela simplesmente sentou-se no sofá e olhou para Chloe, sem expressão.

- Ele amava aquele carro de merda – ela disse. – E quando eu descobri que ele estava me traindo, tive uma ideia. Eu sabia que era idiota, mas... Sempre sou eu que avacalho com as pessoas, sabe? Não estou acostumada a ser passada para trás. E depois aquilo tudo na festa... Eu senti como se ele estivesse tentando me fazer de idiota, de propósito. Então... Peguei o carro dele e joguei no lago. Apenas para me vingar. Só para ser pau no cu.

- Meu Deus, Danielle... Como você conseguiu pegar o carro?

- É uma merda de carro. Todo quebrado. As fechaduras não funcionavam e ele me mostrou onde deixava a chave... Foi em uma noite em que nós bebemos, ele ficou bêbado e não conseguia dirigir. Então eu só esperei um pouco... quando sabia que ele estaria dormindo. Estacionei meu carro algumas quadras longe e caminhei até o prédio dele para pegar o carro. Mas eu não fazia ideia de que o corpo estava no porta-malas. Chloe... Eu juro.

- Meu Deus, Danielle. Não dá para acreditar. Que estúpido. Por que isso?

- Eu sei... – Ela disse, quase chorando—em um estado no qual Chloe raramente a vira.

- Danielle, se for seu cabelo... ou se houver qualquer evidência de que você dirigiu aquele carro, você vai ter muitos problemas. Você entende isso?

- Sim, eu sei. Mas... Chloe, e se tiver mais alguém?

- Como assim?

- Acho que alguém pode estar tentando me culpar por isso.

- Essa é uma acusação muito forte – Chloe disse, rezando para que aquilo pudesse ser verdade. – O que te faz pensar nisso?

Pela segunda vez em poucos dias, Chloe pode ver que a irmã tinha algo na ponta da língua, algo que queria dizer, mas não conseguia.

- Danielle, você tem que me dizer tudo que possa me fazer te livrar disso.

- Não tem nada – ela disse.

- Tudo bem. Então eu pelo menos preciso saber o que mais aconteceu naquele dia, depois que Martin parou o carro no posto.

- Nada. Não teve nem um tchau entre nós.

Chloe suspirou, sentindo que estava começando a entrar em pânico. Ela sabia que não poderia fazer nada por Danielle naquele momento. Mas pensou em uma maneira de pelo menos dar mais tempo à irmã.

Ainda tem o cabelo e a digital, Chloe pensou. Talvez o resultado vai ser inconclusivo ou talvez seja o cabelo de outra mulher...

- Danielle, preciso que você fique aqui – Chloe disse. – Dependendo do que vier das digitais e do cabelo, tem grandes chances de alguém do FBI vir falar com você. E se você não estiver aqui e eles não conseguirem entrar em contato, vai ser um mau sinal.

- Não vou a lugar nenhum – ela disse. – Chloe... Eu sei que foi estúpido. Mas eu estava furiosa com ele. Não sabia o que fazer...

- Sim, foi estúpido mesmo. E imaturo, e.... merda! Danielle, eu te amo, mas você precisa de ajuda urgente.

Com essas palavras, Chloe saiu voando em direção à porta. Ela não queria abandonar Danielle naquele momento, mas se ficasse ali, perderia a calma e xingaria a irmã. Saiu rapidamente e voltou para o carro. Sentiu lágrimas caindo, lágrimas pela irmã e pela situação completamente estranha que estava vindo em direção a elas.

Ela seguiu a caminho do FBI, pensando em ir novamente ao laboratório. Dirigiu cerca de cinco quilômetros quando seu telefone tocou. Era Greene, e pela primeira palavra—um “Olá” cansado—ela pode perceber que ele não tinha boas notícias.

- Ei – ele disse. – Tenho más noticias. Primeiro, Sophie Arbogast diz que não via Martin há três dias. Eles deveriam ter se encontrado há duas noites. Ela mandou mensagens provocantes para ele, que segundo ela sempre faziam ele responder as mensagens e ligações. Coloquei alguns caras para investigar sobre os álibis dela.

- Só isso? – Chloe perguntou.

- Não. Onde você está agora?

- No caminho entre o apartamento de Danielle e a sede.

- Então você já falou com ela? – Ele perguntou.

- Sim. – Ela queria continuar e contar a ele sobre Danielle ter levado o carro ao lago, mas não conseguiu.

- Bem, talvez seja melhor você voltar para a casa dela. Encontraram uma digital na chave do carro de Martin. Uma muito nova. Chloe... sinto muito... mas é uma digital de Danielle.

E foi então que as lágrimas começaram a cair de verdade, e com força. Chloe encerrou a ligação e fez o retorno com o carro assim que pode.

Ela precisaria voltar à casa de Danielle e, de alguma maneira, aceitar que sua irmã gêmea era a principal suspeita do que parecia ser um assassinato terrível.


CAPÍTULO VINTE


Chloe viu tudo acontecer como se estivesse passando por uma experiência fora de seu próprio corpo. Ela ficou surpresa e triste ao ver que Danielle nem sequer lutou. Ela protestou pouco, com pouquíssimos argumentos. Greene ficou ao lado de Chloe enquanto outro agente colocou algemas em Danielle e começou a retirá-la do apartamento.

Danielle só olhou para Chloe uma vez, enquanto seus direitos foram lidos para ela. Houve um olhar desolador entre as duas naquele momento—um momento no qual Chloe percebeu o quão perdida sua irmã estava. Foi também um olhar que fez Chloe sentir que talvez—apenas talvez—Danielle pudesse ter sido capaz de matar Martin. Mesmo que Danielle tivesse admitido ter afundado o carro—algo que com certeza seria questionado—aquilo significava que ela poderia ter o matado?

Talvez... talvez ela tivesse mesmo feito aquilo.

Sentiu seu coração desolado ao olhar para a irmã. Talvez se eu tivesse sido uma irmã melhor ao longo dos anos... tentando conhecê-la melhor. Talvez eu pudesse ter evitado tudo isso...

E a ficha começou a cair. Uma realidade obscura que começou a envolvê-la como uma teia de aranha. Mas, ainda assim, não fazia sentido. Como a pequena Danielle teria levantado o corpo pesado de Martin para colocá-lo no porta-malas?

Aqueles pensamentos pairavam na mente de Chloe enquanto ela caminhava atrás do agente que escoltava Danielle até a porta.

- Você tem um advogado? – Chloe perguntou.

- Não. E não fale comigo. Você me entregou, não foi? Nem me deu uma chance. Você achou que fui eu na mesma hora.

- Danielle, eu—

- Eu disse para não falar comigo – Danielle interrompeu-a.

- Vou conseguir um bom advogado para você. Vou—

- Não – Danielle disse. – Não quero você envolvida nisso.

Chloe fez o que a irmã pediu. Parou de falar e caminhou ao lado do agente, que levou sua irmã até a um carro preto. Chloe viu, sem poder fazer nada, Danielle entrando no banco de trás. O agente fechou a porta e então lançou a Chloe um olhar de desculpas, antes de sentar atrás do volante.

Os pensamentos de Chloe voltaram à manhã em que ela e Danielle viram seu pai entrar no banco traseiro de uma viatura. Por um momento, sua vida pareceu passar em círculos.

- Eles vão levar ela para a sede? – Chloe perguntou a Greene.

- Sim, a princípio. Vão interrogá-la lá. Dependendo de como for, podem levar para outro lugar. Acho que eles vão fazer um DNA também. Tentar descobrir uma compatibilidade com o cabelo encontrado no braço de Martin. Acho que não vão ficar com ela muito tempo. Na verdade esse caso não é grande a ponto de ficar no FBI. A polícia de Pinecrest vai tomar conta.

- Preciso ir – Chloe disse. – Preciso estar com ela.

- Dê um tempo – Greene disse. – Você sabe como o sistema funciona. Você pode estar lá, mas não vai poder falar com ela por um tempo. Deixe os caras fazerem o trabalho deles. Vou ligar para você e te avisar tão logo você puder falar com ela.

Chloe assentiu e tentou segurar as lágrimas. Ela já tinha quase vomitado na frente do Agente Greene. Ela iria mesmo chorar na frente dele?

- Quero que você vá para casa – Greene disse. – Tire o resto do dia de folga. Eu falo com seu supervisor.

- Você me liga quando ela puder conversar?

- Claro. Você quer uma carona? Vai ficar bem?

- Não sei – ela disse.

E então, virou-se e seguiu em direção a seu carro. As lágrimas caíram imediatamente, e ela fez o que pode para que Greene não as visse.


***


Eram raras as vezes em que Chloe deixava Steven vê-la em estados vulneráveis, mas foi exatamente assim que ele a viu quando ela voltou para casa. Ele estava sentado no sofá, colocando um cartão em um envelope. Ela viu que era um cartão de agradecimento para o alfaiate que o ajudara a escolher o terno perfeito para o casamento.

- Você voltou cedo – ele disse, desinteressado. Mas quando viu o rosto dela, com sinais claros de que ela estava chorando, ele se levantou. – O que foi isso? – Ele perguntou.

Ela contou tudo. Sobre o carro de Martin... sobre o corpo de Martin no porta-malas e sobre o fio de cabelo e a digital. Contou a ele sobre onde Danielle estava naquele momento e também disse que algo parecia não se encaixar.

- Tem certeza? – Steven perguntou. – Odeio ter que dizer isso, mas você me disse que ela não estava tomando os remédios para as mudanças de humor, certo?

- Disse – Chloe respondeu. – Mas mesmo não conhecendo minha irmã muito bem, eu conheço o suficiente para saber que ela não seria capaz de matar alguém.

Conhece mesmo? Ela pensou, pensando naquele sorriso sinistro na festa do bairro.

Eles sentaram-se no sofá, e Chloe sentiu o peso daquele dia finalmente em suas costas. Ela viu Steven lacrando o bilhete de agradecimento. Aquilo a fez sentir-se um pouco melhor, por ver que ele estava tomando iniciativa sobre algo relacionado ao casamento.

- O que eu posso fazer por você? – Steven perguntou.

- Nada – ela disse. – Só... só fique aqui comigo. Não sei como lidar com isso, Steven. Só preciso que você fique do meu lado. Sem comentários maldosos sobre Danielle, pode ser? Você consegue?

Ele colocou um braço em volta dela, a trouxe para perto de si e a beijou no canto da boca.

- Claro que consigo – respondeu.

E ele conseguiu. Eles ficaram juntos no sofá por muito tempo. E mesmo em uma posição confortável, Chloe não pode deixar de pensar no que ela havia perdido nos anos em que ficara longe de Danielle. Pelo quê a irmã havia passado? Por algo que havia a tornado algo impossível de imaginar? Que pudesse ter a tornado alguém capaz de matar?

O mais assustador era que Chloe simplesmente não sabia a resposta.

Mais assustador ainda era saber que ela provavelmente descobriria nos próximos dias.


***


Chloe decidiu não fazer sua corrida matinal no dia seguinte. Ela simplesmente não conseguiu. Seu estômago tinha um nó de preocupação, quase a ponto de deixá-la doente. Ela tomou uma xícara de café, mas não conseguiu comer muito. Não tirou os olhos do telefone, esperando uma ligação ou mensagem de Greene.

Ele finalmente ligou, logo depois das sete horas.

- Você vai ficar brava comigo – ele disse.

- Por que?

- Eles deram permissão para você conversar com ela por volta de meia-noite. Mas eu queria que você descansasse. As coisas não estão nada boas para ela, o que significa que os próximos dias serão longos para você.

Ela ficou de fato brava no início, mas depois conseguiu perceber o gesto dele. Greene estava tentando cuidar dela.

- Você está aí agora? – Chloe perguntou.

- Não, mas estou a caminho.

- Então nos vemos em meia hora.

Ela finalizou a ligação e levou seu café da manhã com ovos e salsicha ao balcão da cozinha. Steven estava sentado ali, rolando a tela do celular, comendo vagarosamente uma tigela de aveia.

- Você quer? – Ela perguntou, oferecendo o prato.

- Claro – ele disse. – Quem era no telefone?

- O Agente Greene. Já tenho permissão para falar com Danielle.

- Ah - Steven disse. – Você acha uma boa ideia?

- Por que não seria? – Chloe perguntou.

- Não sei – ele respondeu. – Está claro que você tem certeza de que ela não fez isso. Mas se você for para lá, vai estar com pessoas que trabalham com você, e a maioria acha que ela fez... poderia causar alguma tensão.

- Você tem toda razão – ela disse. – Mas é minha irmã. Tenho que estar lá com ela.

Quando ele assentiu e suspirou, sua frustração foi aparente. Chloe sabia que, em algum momento, talvez eles precisariam discutir sobre aquilo. Mas naquele momento, ela estava mais interessada em ver sua irmã.

Quando Chloe pegou suas coisas e seguiu em direção à porta, Steven a chamou.

- Se você achar que vai chegar tarde em casa, me avise. Não esqueça que teoricamente nós iríamos jantar com meus pais hoje.

- Sim – ela respondeu. Estar com os pais dele era quase a última coisa que ela queria imaginar em meio a todos os acontecimentos. E o fato de que Steven mencionara esse assunto já foi o suficiente para irritá-la.

Chloe saiu de casa sem dizer mais nada e dirigiu para Baltimore. O caminho foi tenso, com sua mente viajando entre a situação de Danielle e a tensão crescente entre ela e Steven. No fundo, ela achava que a situação atual de Danielle mostraria o verdadeiro Steven. Ele ficaria do lado dela enquanto Danielle passava por esse inferno ou continuaria desdenhando da cunhada?

Era um pensamento egoísta, mas ela sabia que, de uma maneira ou outra, sua própria vida seria muito diferente quando tudo aquilo terminasse. Ela poderia se culpar por não ter dado a atenção devida à irmã, mas isso não mudaria nada. Mas se Danielle conseguisse sair daquela situação ilesa... bem, aí as coisas precisariam mudar.

Quando estacionou na garagem ao lado da sede do FBI, Chloe fez o possível para não correr em direção ao prédio. Ao entrar, houve pessoas que a olharam com simpatia, enquanto outras rapidamente desviaram o olhar.

Ao chegar rapidamente às salas de interrogatório, Greene a encontrou com uma xícara de café nas mãos. Ele a entregou, com um olhar preocupado.

- O que é esse olhar? – Chloe perguntou. – Tem algo errado?

- Não, não mesmo. Mas nós falamos para ela que você viria conversar. Pensamos que seria bom avisar, sabe? Mas ela não quer te ver.

- Quê?

Greene a levou a uma sala vazia e fechou a porta.

- Ela está mal – ele disse. – Acho que ela está com medo de te desapontar. Está depressiva e não quer falar com ninguém.

Chloe ficou um pouco desolada ao ouvir aquilo, mas tentou entender.

- Ela acha que eu a entreguei. Ela acha que eu assumi na mesma hora que ela era culpada.

- Sim, também.

- Ela disse algo que indica que ela matou ele?

- Não. Mas os álibis dela não são nada fortes. Com essa natureza antissocial, ela não tem muito o que dizer. Ninguém além de Martin viu ela. Ela disse que viu e falou com você entre a festa e o descobrimento do carro, mas a linha do tempo nem importa aqui. Não pode ser usada como um álibi confiável.

- Você precisa saber... para mim é impossível acreditar nisso – Chloe disse, quase implorando. – Ela tem os problemas dela, com certeza... mas não é uma assassina. Pelo menos eu acho. Mas... Jesus, eu não sei. Não parece minha irmã, sabe?

Greene pareceu hesitar para dizer algo. Mas após um momento de reflexão, ele disse.

- Acho que acredito em você. Mas por enquanto, temos que acreditar no que o caso está nos dizendo. Você me entende, certo?

- Sim – ela disse. - Obrigado pela ajuda. Olhe... tem um remédio que ela toma para mudanças de humor. Não sei qual é, sinceramente. Tem algum jeito de você ver se ela está tomando?

- Ela está – ele disse. – Ela pediu não muito tempo depois de chegar aqui. Um agente voltou ao apartamento e pegou os remédios.

- Que bom. Obrigada.

- Não consigo imaginar o quão difícil tudo isso é para você. Mas fique de cabeça erguida. Sei que você tem que ser irmã primeiro, mas essa é uma ótima hora para provar que você pode ser uma excelente agente acima de tudo. Eu sei que você pode não estar pensando nisso agora, mas é uma oportunidade para provar para você mesma.

- É um pensamento esquisito – Chloe respondeu com uma risada trêmula.

Mas quanto mais pensava naquele comentário, mais gostava dele—e mais determinada ficava a encontrar algo que provasse que Danielle era inocente.


CAPÍTULO VINTE E UM


Após a desilusão de descobrir que Danielle não queria conversar com ela, Chloe decidiu não insistir por um ou dois dias. Mesmo com as duas tendo passado muito tempo separadas nos últimos anos, Chloe sentia que conhecia bem a irmã. Danielle ficaria calada por um dia ou dois, em uma versão adulta de seu estilo silencioso. Depois disso, ela talvez conversasse com alguém—com sorte, com sua irmã.

Com a garantia de Greene de que ela poderia ter acesso à Danielle no dia seguinte, Chloe saiu do trabalho. Ela foi para casa e mais uma vez sentiu-se ansiosa para saber como Steven reagiria àquilo tudo. Encontrou-se pensando se ele seria solidário ou ficaria aliviado por sua cunhada problemática sair do mapa.

Chloe vasculhou a casa por cerca de uma hora, tentando manter-se ocupada limpando ou fazendo qualquer coisa que a evitasse de pensar obsessivamente em Danielle. Quando ouviu Steven chegando, perto das quatro horas, sentiu-se como se estivesse em meio a uma guerra que ninguém sabia que estava sendo travada. Eles tinham uma janta com os pais dele naquela noite, e só Deus sabia o quanto aquilo poderia estressá-la. Todo aquele grama com Danielle poderia servir como o primeiro tiro da batalha.

Steven entrou e pareceu estar de bom humor. Ele geralmente ficava de bom humor quando a encontrava já em casa quando chegava do trabalho.

- Saiu mais cedo? – Ele perguntou.

- Sim.

- Alguma novidade com a Danielle?

Chloe ficou um pouco surpresa por ele ter perguntado rapidamente. Também surpreendeu-se a perceber um interesse genuíno na voz dele.

- Não – ela disse. - Nada ainda.

Ele assentiu e fez um som de “hum” antes de seguir para o quarto. Chloe não percebera, antes deles noivarem, o quanto Steven era apegado aos pais. Sempre que eles iam encontrar a família dele para jantar, ele tomava muito cuidado para não se atrasar. Mesmo nas visitas que eles fizeram aos pais dele antes de se mudarem, mesmo quando encontravam-se em um restaurante, Steven se estressava com a pontualidade. Por isso Chloe tinha certeza de que ele viria do quarto em dez minutos, com outra roupa e completamente pronto para o jantar—mesmo sabendo que o horário estava marcado para dali a uma hora e meia.

O medo de que os pais dele a sufocassem um pouco havia despertado cedo nela. Mas agora, que eles estavam começando a viver aquela realidade, Chloe sentia como se aquilo fosse uma agulha entrando em sua pele.


***


Mesmo com muitos defeitos, Sally Brennan tinha uma qualidade inigualável: ela cozinhava muito bem. Quando Chloe sentou-se à mesa naquela noite com Wayne e Sally Brennan e o bebezinho deles, sua sogra havia preparado costelinha de carneiro, aspargos temperados, salada e vinagrete caseiro. Mas a simpatia pela comida não durou muito tempo. Sally não conseguiu ficar nem cinco minutos sem começar a fazer suas perguntas.

- Steven, o que é esse machucado na sua cabeça? – Sally perguntou.

Chloe estremeceu levemente. Ela achava que o machucado da luta com Martin havia melhorado o suficiente para não ser percebido por Sally e Wayne. Agora a escolha era de Steven. Ele contaria feliz que Danielle havia trazido um cara para sua casa que havia acabado com a festa do bairro e desferido socos? Ou ele iria—se Deus quisesse—mentir para sua mãe para ajudar sua futura esposa?

- Nossa, foi uma idiotice minha – Steven disse. – Deixei a gaveta dos remédios aberta outro dia. Virei por um momento e quando voltei para o quarto dei de cara nela. O machucado ficou bem feio nos primeiros dias.

Wayne Brennan riu muito ao escutar o filho.

- Você sempre foi meio descoordenado – ele disse, dando um gole grande em sua taça de vinho tinto.

- Ainda sou, eu acho – Steven disse.

Ele pegou na mão de Chloe por debaixo da mesa e apertou gentilmente. Foi por você, o gesto pareceu dizer.

Houve um silêncio na mesa por alguns segundos, devidamente quebrado pelo som dos talheres batendo nos pratos. Um sentimento desconfortável tomou conta do estômago de Chloe quando ela viu o olhar bastante contido no rosto de Sally.

Quando ela falou, Chloe entendeu o motivo do silêncio nada comum na mesa de jantar dos Brennan. Ela estivera aguardando, esperando o momento certo para soltar sua pequena bomba.

- Desculpe por perguntar - Sally disse, olhando diretamente para Chloe. – Mas ouvi de duas pessoas diferentes que sua irmã foi presa por algo totalmente horrível. Alguns dizem até assassinato! Não pode ser verdade, cer—

- Mãe... – Steven disse, não só surpreso, mas também um pouco amedrontado.

- Bem, eu só queria saber – Sally disse, como se estivesse sendo atacada. – Já que, se for verdade e Danielle estiver com... problemas... isso vai afetar o casamento.

- Com todo respeito, - Chloe disse, - minha irmã está detida por algo que ela não fez. E eu nem tenho pensado muito no casamento.

- Tem alguém que você possa convidar para o lugar dela? – Sally perguntou.

Como essa mulher se atreve, Chloe pensou. Sim, eles estavam pagando grande parte do casamento, mas ela estava assumindo aquela responsabilidade como um tipo de sacerdócio. Dizer que ela estava usando o casamento para controlar Chloe não era um exagero. Mas agora, com esse fato novo sobre Danielle, ela parecia achar que tinha ainda mais vantagens.

Foda-se, Chloe pensou.

- Não, não mesmo – Chloe disse. – E se isso te incomoda tanto, Senhora Brennan, talvez nós devêssemos pensar em adiar o casamento.

O olhar no rosto de Sally deixou claro que ela não esperava aquela resposta de Chloe. Parecia que alguém tinha batido nela, sendo dramática a ponto de recuar em seu comentário.

- Ah, acho muito difícil – ela disse. – Eu já reservei o espaço no Elder Gardens! Não vejo necessidade de fazer tantas outras pessoas mudarem seus planos só por conta do contratempo com sua irmã.

- Não insinuei isso – Chloe disse. Ela tinha muito mais para falar, mas se conteve. Ao invés disso, levantou-se e olhou para Steven. – Por favor... termine seu jantar com calma. Aproveite o jantar com seus pais. Vou ficar esperando no carro.

- Chloe – Wayne disse, usando seu tom autoritário. Mesmo podendo ser tão irritante quanto Sally, ele pelo menos tentava ser um humano racional e gentil na maioria do tempo. – Isso foi um pouco rude da sua parte.

- Desculpe – ela disse. – Talvez nós devêssemos pensar em alguém para me substituir no casamento, né?

- Chloe, por favor – Steven disse.

- Ei, por favor – Sally disse. – Nós vamos fingir que isso é mesmo uma surpresa? Nós sempre soubemos que Danielle era um problema. Uma garotinha podre desde que eu conheci.

- O que você disse? – Chloe perguntou. – Você acredita em tudo o que você diz? Você é capaz de pensar por si mesma e formar suas próprias opiniões?

Novamente, a reação de Sally seria cômica se não tivesse sido trágica. E Chloe pensou que talvez houvesse algo de errado com ela mesma, já que ela amava ver aquela expressão falsa de dor no rosto daquela mulher.

Mas Chloe havia ouvido o suficiente. Ela saiu da mesa e nem sequer olhou para trás. Fez o que havia dito: foi para o carro, entrou no banco do passageiro e fechou a porta. Ficou ali sentada por um momento, olhando para seu telefone. Tentou imaginar se seria bom ligar para Greene e saber se ela tinha alguma chance de falar com Danielle. Mesmo que ela ainda estivesse recusando conversar com a irmã, Chloe imaginou que precisava haver algum jeito de ficar por perto dela.

Ela repassou os fatos sobre o caso em sua cabeça, principalmente para apagar seu ódio pelos pais de Steven e por aquele lugar onde a fofoca reinava. Fazia apenas dois dias. Dois dias e a história já havia se espalhado e chegado aos ouvidos de Sally Brennan.

Eram 19:47 quando Steven apareceu no carro. O que significava que ele havia ficado lá dentro apenas mais quinze minutos depois da saída de Chloe. Ela podia imaginar o tipo de coisas ruins que eles haviam dito sobre Danielle após sua saída. Caramba... eles provavelmente teriam falado tanto que talvez até tivessem convencido Steven de cancelar o casamento.

Ele sentou atrás do volante, ligou o carro e seguiu pela estrada. Passaram-se três minutos antes que a primeira palavra fosse dita.

- Foi uma reação um pouco exagerada – ele disse.

- Foi? Acho que foi muito rude—e talvez até, eu acho, calculado—dizer algo tão estúpido quanto aquilo. Ela nem me esperou confirmar ou negar o que as pessoas estão dizendo. Ela só queria saber de substituir a vaga da minha irmã nas planilhas que ela está fazendo para o casamento. O que, a propósito, está deixando ela louca.

- Chloe, é minha mãe. Você pode medir as palavras?

- Minhas palavras? Você está falando sério? Ela não tem o direito de falar sobre a minha irmã daquele jeito!

- Chloe... você mesma disse outro dia. A acusação contra ela é bem sólida. Parece que só vai ter um fim. E minha mãe pode estar certa.

- Pode? Diga o que você quer dizer, Steven.

- Tudo bem. Eu não acho que seja tão errado eu e minha mãe não querermos uma suspeita de assassinato participando do casamento.

A primeira vontade de Chloe foi dar um soco nele. E ela nunca sentira-se assim sobre Steven antes. Sua segunda vontade foi pedir para que ele parasse o carro para que ela pudesse sair. Mas não fez nem uma coisa nem outra. Engoliu as palavras e ferveu por dentro. A expressão no rosto de Steven—que indicava que ele já sabia que havia estragado tudo—já era mais do que suficiente para ela naquele momento.


CAPÍTULO VINTE E DOIS


Chloe não perdeu tempo na manhã seguinte. Mesmo sendo sábado, ela agiu como se fosse um dia normal de trabalho. Novamente, deixou para trás a corrida matinal e ficou pronta para o dia sem trocar uma palavra sequer com Steven. Ele disse apenas “Tchau”, por detrás de sua xícara de café, quando ela saiu pelo porta. Mas Chloe não respondeu. Ela apenas fechou a porta com força e seguiu para o carro, na ânsia de estar longe dele o mais rápido possível.

Um pequeno nó começou a se formar em seu estômago quando ela finalmente tomou sua decisão: se Danielle não queria conversar, ela buscaria informações de outra maneira. Dirigiu até o apartamento da irmã, com aquele nó apertando mais e mais a cada quilômetro. No caminho, começou a pensar em qual ponto um caso se tornava muito pessoal para um agente. Com certeza, ela já havia ultrapassado aquela linha. Imaginou que, em algum momento, Greene a diria que ela já não podia mais fazer parte daquele caso.

Mas até lá, ela faria o que fosse possível.

Ao se aproximar da porta de Danielle, Chloe pegou seu pequeno kit para destrancar fechaduras, que havia “pegado emprestado” de sua época na academia da polícia. Ela não havia precisado roubar, já que esse e vários outros itens ficavam acessíveis a todos os agentes nos laboratórios de habilidades. No entanto, sem as instruções apropriadas, o que ela estava prestes a fazer seria muito mal visto no FBI.

Chloe levou cerca de dez segundos para abrir a porta de Danielle. Quando entrou, fechou a porta em silêncio, como se soubesse que, de fato, não deveria estar ali. Parou na entrada e olhou em volta. Não sabia sequer o que estava procurando. Sabia que o FBI já havia levado o notebook de Danielle. Eles queriam olhar os e-mails dela, e outros possíveis métodos de comunicação digital com Martin.

Ela caminhou vagarosamente pelo apartamento. Olhou os pertences da irmã, percebendo que, de várias maneiras, ela ainda era a mesma mulher de tantos anos atrás. A coleção de filmes era a mesma, assim como a coleção de músicas, e até as duas camisetas jogadas no sofá, com nomes de bandas, pareciam as mesmas daquela época.

Chloe foi até a cozinha, feliz em ver que os remédios haviam ido com Danielle. Sentindo-se uma traidora, ela começou a olhar as estantes e gavetas. Não tinha certeza do que estava procurando exatamente. Quando viu que não havia nada na cozinha, foi até o quarto de Danielle, que estava surpreendentemente limpo. Mais uma vez, havia muito pouco para investigar. Havia a cama – mal feita – uma cômoda, um criado-mudo e um cesto de roupas sujas cheio, principalmente com roupas pretas.

Que diabos eu estou procurando?

Chloe não sabia. Ela olhou o guarda-roupas e não encontrou nada além de algumas caixas com livros velhos e algumas roupas bonitas que provavelmente nunca haviam sido usadas. Também não encontrou nada no banheiro além de um teste de gravidez não utilizado que, para Chloe, dizia muito sobre a promiscuidade de Danielle.

Quando voltou para a sala, seus olhos fixaram-se na pequena escrivaninha que fora de sua avó. O móvel estava encostado na parede, entre a cozinha e a sala. Quando as duas eram muito mais jovens, Danielle não largava aquela escrivaninha. Ela brincava de escolinha, fazia a tarefa, desenhava e rabiscava. Nada mais justo do que Danielle ter ficado com ela depois da morte da avó.

Chloe passou as mãos pelas curvas da escrivaninha. Sorriu com as memórias que vieram a sua mente. Devagar, ela levantou a parte de cima do móvel, que revelou um outro espaço embaixo. Ali, ela encontrou vários itens de correspondências: envelopes, selos, papel, canetas. Não havia nada útil, como uma agenda ou um livro de endereços. Chloe franziu a testa e começou a fechar a parte de cima do móvel.

Mas então, ela viu alguns papeis lá no fundo, atrás da caixa de envelopes. Eles estavam claramente escondidos com alguma intenção—o tipo de coisa que você não quer jogar fora, mas não quer ter à vista. Chloe mexeu nos papeis e encontrou sete bilhetes.

Ela leu os bilhetes e seu coração pareceu parar por um momento. Todos eram curtos, com uma única frase. Eram escritos a mãos firmes, todos em papel de rascunho. Aparentemente, haviam chegado em envelopes que pareciam quase elegantes. Não havia endereços nos envelopes, nem nome de remetente ou destinatário. Chloe leu um a um, e mesmo que os bilhetes tivessem a deixado incrivelmente inquieta, eles também despertaram nela a esperança de que poderiam ser o começo do caminho para livrar Danielle da prisão.

Lendo-os novamente, Chloe tentou encontrar algum significado por detrás dos bilhetes.

Você nunca vai mudar, não é mesmo?

Conte a alguém sobre essas cartas e eu te mato. Pare de olhar para o passado.

O cara que você levou para casa ontem à noite provavelmente é casado. Vadia.

Você não tem vergonha do que se tornou? Você deveria estar morta, como sua mãe.

O que dói mais? Ser um fracasso ou uma puta?

VOCÊ SÓ VAI PIORAR AS COISAS.

Mate ele ou eu mato.

O último era claramente o mais alarmante. Martin era o ele? E se fosse, quem estaria enviando essas cartas? Chloe leu todas novamente, colocando cada uma de volta em seus envelopes. Quando terminou, segurou com força e os levou para fora do apartamento.

Ela sentiu que tinha descoberto algo importante. Agora, o problema era fazer Danielle conversar com ela. Chloe imaginou que se Danielle soubesse quem estava enviando as cartas, ela saberia quem havia realmente matado Martin.

Pode ter sido ela, o lado lógico e teimoso de sua mente disse enquanto ela voltava para o carro. Mas quando colocou as cartas no banco, pensou melhor.

Conhecendo o conteúdo daqueles bilhetes, Chloe sentiu como se o verdadeiro assassino estivesse sentado ao lado dela. E, por algum motivo, ele tinha algo contra Danielle.

Mas o que? E por que?

Chloe não sabia. Mas com certeza pretendia descobrir.


***

Chloe ligou para o Agente Greene antes mesmo de chegar à subdivisão de Lavender Hills. Ele atendeu imediatamente, como sempre, e parecia verdadeiramente cansado.

- Você parece acabado – ela disse.

- Não, estou bem. Só fui bombardeado com uma tonelada de informações na última meia hora. E algumas delas podem ser muito relevantes para você, na verdade. Mas eu não sei se você vai considerá-las boas ou más notícias.

- Sobre Danielle?

- Sim. Ela está bem... mas nós a transferimos. Ela foi levada para a unidade correcional de Riverside. Desde cerca das cinco da manhã, ela está oficialmente presa.

- Mas ela não foi condenada ainda!

- Verdade. Mas os álibis dela são muito fracos, Chloe. E o cabelo... foi a última gota. O cabelo no corpo... era dela. Ela fez um teste de DNA e o cabelo é mesmo dela.

- Merda...

- Acho que ela provavelmente vai falar com você agora. Acabei de desligar o telefone, estava falando com os caras de Riverside. Dei o seu nome a eles e claro que eles ligaram seu sobrenome ao dela. Eles não amaram a ideia, mas eles vão deixar você entrar já que tecnicamente ela ainda não foi condenada.

- Obrigada, Agente Greene.

- Ainda não me agradeça. Como estagiária, vai ser difícil para você. Eu, sinceramente, não espero que você consiga separar o pessoal do profissional.

- Isso não vai ser um problema. Vou te encontrar na sede depois de falar com ela.

- Ótimo – ele disse com um sorriso na voz. – Vejo você lá.

Chloe desligou e aumentou a velocidade. Pensar em Danielle na prisão era o equivalente a alguém invadir seu passado e estragar algumas das melhores memórias. Ela precisava falar com a irmã para ouvir tudo o que ela sabia—para entender a origem daquelas cartas que havia encontrado.

E, depois, ela precisaria encontrar quem havia escrito os bilhetes se a intenção era limpar o nome da irmã.


***


Os agentes a cumprimentaram gentilmente e não perderam tempo para levá-la pelos corredores da Unidade Correcional de Riverside. De uma vez, todos os alarmes de Chloe soaram. Ela ouviu alguém gritando ao longe no prédio. Também ouviu outra mulher resmungando, mais perto, alguns palavrões.

E sua irmã estava ali. Que Deus a ajudasse.

Os agentes levaram Chloe até um guarda que a acompanhou até o fim do corredor e então destravou a porta de uma pequena sala. O lugar continha apenas uma pequena mesa de reuniões e três cadeiras. Danielle ocupava uma das cadeiras. Ela olhou para Chloe quando sua irmã entrou e fez algo que deveria ser um sorriso.

Danielle não parecia tão mal quanto Chloe esperava. Ela esperava ver uma mulher abatida, chorando, a ponto de enlouquecer. Ao invés disso, Danielle parecia apenas cansada. E como ela sempre parecia cansada, os olhos de Chloe não notaram tanta diferença.

Mas ela também parecia irritada. Chloe imaginou que fosse normal, dados os acontecimentos das últimas quarenta e oito horas da vida da irmã.

- Danielle... eu sinto muito – Chloe disse. – Como você está?

Chloe realmente esperava, pelo menos, um abraço. Mas Danielle permaneceu sentada e balançou a cabeça. Ela estava claramente irritada. Quando falou, sua voz pareceu rude e distante.

- Nada bem, Chloe.

- Eu estou tentando descobrir um jeito de—

- Eu não espero que você me salve – Danielle disse. – Eu sei que não tem muita coisa que você possa fazer. E sabe do que mais? Quando aqueles caras que me interrogaram e falaram qual a situação do caso... eu consegui entender porque você achou que fui eu. Está bem feio, mesmo. E eu não ajudei em nada afundando a porra do carro. Eu não te culpo por achar que fui eu.

- Você está certa sobre eu não poder ajudar muito – Chloe disse. – Mas o agente que está me supervisionando está sendo muito cooperativo e entendendo a situação. Ele me deixou ir até o seu apartamento e procurar alguma coisa. E eu encontrei as cartas, Danielle... as cartas ameaçadores que chegaram em envelopes sem endereço.

Danielle não disse nada. Ela olhou para a mesa, como uma criança sendo repreendida por um pai preocupado.

- Por que você não me falou sobre elas? – Chloe perguntou.

- Bem, você leu. Aquela que diz que eu seria morta se contasse para alguém me deixou com medo de compartilhar essa informação. Além disso... o que eu ia te dizer? Eu não sei quem está enviando os bilhetes e eles chegam aleatoriamente. Mas o último... aparentemente sabiam que eu estava namorando Martin e... Chloe, você acha que eu matei ele?

- Tudo aponta nessa direção, mas tudo parece muito perfeito. Como uma armação.

- Chloe... Eu juro para você que eu não matei ele. Eu entendo que o que eu fiz com o carro dá a entender isso, mas você tem que acreditar em mim.

- Eu acredito. Mas tenho que te dizer que as evidências contra você são fortes. As digitais e o cabelo basicamente te entregaram. Como eles estavam lá se não foi você? A digital faz sentido, mas o cabelo não.

- Eu não sei – ela disse. – Mas eu entrei no carro várias vezes. Eu não acho que seja tão absurdo pensar que, em algum momento, um fio de cabelo meu grudou na roupa ou no braço dele.

Chloe parecia pensar a mesma coisa, mas ela sabia que tudo aquilo pareceria muito superficial no tribunal. Aquela visita de dois minutos havia confirmado a inocência de Danielle na mente de Chloe. No entanto, o coração e o instinto de uma irmã também não seriam bons argumentos em um julgamento.

- Como é aqui? – Chloe perguntou. – Ao menos você se sente segura?

- Bem, eles me colocaram em uma cela nos fundos do prédio, longe das outras. Mas eles estão recusando me dar meus remédios. Não faço ideia de onde eles estão... provavelmente com meus pertences pessoais. Estou me sentindo presa... mas acho que é para isso que uma prisão serve, certo?

A piadinha não teve graça. Chloe tentou segurar suas próprias emoções. Afinal de contas, que sentido fazia para ela sentir-se desamparada quando, na verdade, era Danielle quem precisava de ajuda?

- Vou fazer o possível para conseguir seus remédios. E juro para você que vou fazer de tudo para encontrar quem matou Martin de verdade. Não sei por quanto tempo você vai ficar aqui até eles te processarem mesmo...

A porta da sala se abriu e um homem alto, completamente grisalho e com um terno caro entrou.

- Meu advogado – Danielle disse. – Advogado do Estado.

- Isso mesmo – o homem disse, dando um passo a frente e estendendo a mão. – Peter Jackson. Vou trabalhar com Danielle e ver o que posso fazer para impedir que isso vá adiante. Você deve ser a irmã que ela mencionou?

- Sim. Agente Chloe Fine. – Claro, ela ainda não era exatamente uma agente, mas aquele advogado do Estado não precisava saber disso.

- Bem, enquanto agente e irmã tentando livrá-la disso, acho que é importante você saber que o caso não vai nada bem. A digital—

- Na chave, sim – Chloe disse. – As digitais dela estão no corpo todo de Martin? – Ela perguntou, na defensiva.

- Não, mas o—

- Alguém já encontrou a arma do assassinato?

- Não – Jackson disse, entendendo para onde a conversa estava indo.

- Então eu gostaria muito que você não falasse sobre sua cliente como se o veredito já tivesse sido dado. Talvez você pode fazer seu trabalho um pouco melhor.

- Obviamente eu vou fazer meu melhor para provar a inocência dela – Jackson disse. – Mas você precisa entender que, baseado no que estou trabalhando, eu preciso olhar para onde as evidências apontam. E nesse momento, elas apontam para uma sentença perpétua por um assassinato de segundo grau. No fim das contas, talvez nós tenhamos que buscar um acordo. Só estou tentando preparar Danielle para o que pode acontecer com ela.

Como se aquelas palavras tivessem a atingido, Danielle soltou um gemido ofegante quando o advogado terminou de falar. Chloe nunca havia ouvido aquele som vindo da irmã, e aquilo a abalou. Ela dirigiu um olhar com ódio para Jackson. Ele viu e, devagar, saiu da sala, fechando a porta sem barulho.

Foi então que Danielle levantou-se da cadeira e foi em direção a Chloe. As irmãs se abraçaram de uma maneira que não faziam desde a infância, de uma maneira que trouxe de volta os dias de verão e as noites cheias de pesadelos. Chloe precisou segurar seu choro ao abraçar a irmã.

- Eu quero te dizer que vai ficar tudo bem, mas por enquanto eu não posso – Chloe disse.

- Eu sei – Danielle disse no ouvido da irmã. – E tudo bem. Não é sua obrigação.

Mas Chloe discordou. Se ela queria construir seu próprio caminho como agente do FBI, não haveria uma maneira melhor do que esse caso—um caso complicado contra sua própria irmã.

Se ela queria se tornar uma agente decente, talvez aquela fosse sim sua obrigação.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Das duas irmãs Fine, Chloe era com certeza a mais sentimental e emocional. Mas existem momentos em que sentimentos e emoção não levam a lugar nenhum. Eles quase nunca trazem resultados. E foi com esse pensamento que Chloe saiu da prisão de Riverside apenas quinze minutos após sua chegada. Com lágrimas ainda secando em seu rosto, ela voltou para a sede do FBI. Ela entrou voando em seu escritório e nem sequer conversou com Greene. Seguiu diretamente para o laboratório cedido aos estagiários, logo ao lado do laboratório principal, dos agentes. Por ser sábado, o local estava muito calmo, trazendo a Chloe o silêncio e espaço necessários para pensar.

Ela tirou as cartas do apartamento de Danielle da mochila de seu computador e começou a fazer o possível para tentar encontrar respostas. Utilizou um dos kits básicos de evidência para estudar as cartas e os envelopes mais de perto. Ela havia utilizado um kit como aquele apenas uma vez em situações reais, ajudando a encontrar digitais em um pé de cabra, meses antes. Mesmo assim, Chloe já havia passado por aquela situação mais de dez vezes durante seu treinamento, e portanto sentia-se confortável o suficiente para utilizar o kit sozinha.

Ela começou procurando digitais cuidadosamente. Espanou as cartas primeiro, e depois os envelopes. O pó revelou várias digitais, que facilmente poderiam pertencer a Danielle. Chloe escaneou as digitais e colocou-as no sistema. Enquanto esperava pelos resultados—que poderiam demorar dez minutos ou duas horas—olhou as cartas novamente. Haveria algum simbolismo nelas? Talvez até pistas que ajudassem a descobrir a identidade do autor?

Ela não viu nada gritante, e decidiu que eram mesmo apenas bilhetes loucos de alguém com problemas mentais sérios.

Depois, Chloe ligou seu computador e abriu os arquivos digitais que haviam sido acumulados até aquele momento sobre o assassinato de Martin Shields. Encontrou relatórios detalhados, incluindo fotos do carro, da região do lago, e do corpo. Encontrou-se atraída pelas fotos que mostravam os ferimentos a facada, completamente sem poder imaginar que Danielle seria capaz de enfiar uma faca no peito de alguém.

Parecia totalmente impossível ter sido ela.

Mas ela admitiu ter levado o carro até o lago, Chloe pensou. Então, quão mais perturbada mentalmente uma pessoa que faz isso precisa ser para considerar o fato de enfiar uma faca no coração de alguém?

- Não - ela disse na sala vazia.

Danielle não fez isso. Nós podemos parecer desconhecidas às vezes, mas eu conheço ela, caramba.

Ela pegou o envelope novamente, com as mãos vestindo luvas. Verificou as abas e o selo. Olhou por baixo das abas, procurando por qualquer sinal de saliva ou cola... ou qualquer evidência de que alguém pudesse ter lambido o envelope para fechá-lo. Mas não viu nada disso. O autor havia tomado cuidado com isso, usando o selo para fechar o envelope ao invés de colocar seu DNA no papel, lambendo-o.

Enquanto Chloe juntava as cartas em uma só pilha, o sistema trouxe os resultados das digitais. Ela leu, sem se surpreender com eles.

As únicas digitais encontradas nos envelopes e nas cartas eram de Danielle. Óbvio que ela tinha os segurado. Era impossível para ela ter imaginado que as digitais naqueles papeis poderiam um dia serem relacionados à investigação de um assassinato.

Chloe esbravejou e bateu com sua mão na mesa. Ela estava com raiva e com medo, duas emoções que não caminhavam bem juntas. Não sabendo mais o que fazer e sentindo-se uma criança sem saída, ela pegou o telefone e ligou para Greene.

- Ei, Fine – ele disse. – Como vai sua irmã?

- Assustada demais – Chloe disse. – E com razão. Agente Greene... Eu sei que você não me conhece muito bem, mas preciso que você acredite em mim. Minha irmã não fez isso. E eu não tenho outra explicação para isso além da minha intuição de irmã. Eu conheço ela. Ela não fez isso.

- Então você precisa provar. Eu quero que você pense como uma agente... como se você não fosse mais uma estagiária, mas sim uma agente de verdade. Se você quer provar a inocência dela, qual seria o jeito mais certo de fazer isso?

- Preciso encontrar algo que ligue outra pessoa à cena – ela disse. Ela quase não percebeu, mas Greene estava sendo o mais rigoroso possível com ela naquele momento—mas ainda assim, estava a ajudando. Chloe tentou imaginar se ele já havia formado sua própria opinião sobre Danielle e o caso.

- Bom pensamento. Agora, como você poderia fazer isso?

- Bom, eu precisaria revisitar a cena. Mas o carro não está mais lá. E até eu conseguir permissão para entrar nele—imaginando que já está no ferro velho—Danielle provavelmente já estaria condenada. Então...

Ela parou, pensando. Então o que? Qual seria o próximo passo?

A ideia veio devagar, e realmente a fez sentir que aquele seria um passo enorme para um estagiário.

- Agente Greene, onde você está agora?

- Na cidade, prestes a entrevistar uma testemunha de uma invasão em um prédio. Por que?

- Quando você pode me encontrar no necrotério?

- E por que eu iria querer fazer isso? – Greene perguntou em um tom de brincadeira, que a fez perceber que ele já sabia exatamente o motivo.

- Porque eu preciso analisar o corpo.

- Bom trabalho, Fine. E sim... Eu posso encontrar você lá em uma hora.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Chloe precisara passar pelo que os alunos chamavam de “período morto” durante seu segundo ano de aulas na polícia, principalmente para se acostumar à ideia de ter que analisar corpos mortos procurando evidências e pistas. Havia sido uma experiência desconfortável, mas que não a afetara.

O que ela descobriu quando Greene a encontrou no necrotério para analisar o corpo de Martin era que aquelas aulas eram uma coisa—e estar de frente com um corpo morto de alguém com quem ela tivera uma relação pessoal recentemente era outra totalmente diferente. Quando ela e Greene puderam entrar na sala de verificações, o mundo inteiro parecia estar imóvel e quieto. Ela olhou o corpo, completamente nu e exposto às luzes de halogêneo acima da cabeça.

Os ferimentos a facada haviam sido levemente limpados, mas não completamente fechados. Chloe podia, agora, ver as marcas claramente. Ela surpreendeu-se ao ver o quão falsas elas pareciam. Mas era tudo real... e ela precisava se acostumar com aquilo.

- Me diga o que você está procurando – Greene disse, claramente a interrogando.

- Qualquer sinal de luta além dos ferimentos a facada – ela disse. – Contusões, escoriações, qualquer coisa desse tipo.

- E por que isso interessaria para você?

- Porque seriam uma ótima fonte de digitais.

- De fato. Lembre-se que também temos as roupas dele que poderiam ter digitais e cabelo. Mas até agora, nada.

Greene recuou e deixou Chloe examinar o corpo. A única coisa fora do comum que ela pode encontrar foi um pequeno hematoma entre o pescoço e a base do ombro. Era uma marca pequena e fraca, que poderia ter sido feita por qualquer coisa.

- Me diga o que você está pensando enquanto olha – Greene disse. – Como se você estivesse gravando sua anotações.

- Nada de interessante até agora – ela disse. – Mas o fato dos ferimentos serem frontais indica uma chance maior de luta. E por isso, eu olhei os punhos e a parte de trás das mãos procurando qualquer sinal de luta. Não achei nada, e isso me leva a acreditar que o assassino já estava com ele quando tudo aconteceu. Duvido que o assassino o surpreendeu. Logo, provavelmente o assassino é alguém em quem ele confiava.

Alguém como Danielle, ela pensou.

Ela cruzou os braços e pensou um pouco mais.

- Claro, pode ter havido luta, algo muito feio. Mas eu já vi Martin em ação. Ele se movia como alguém treinado... talvez um boxeador ou lutador de MMA. Ele deu um headlock profissional no Steven. Então, talvez ele tenha tentado um movimento de defesa para evitar o ataque, mas já era tarde demais.

Chloe inclinou-se para frente e analisou as mãos novamente. Mais uma vez, não viu nada que indicasse que Martin havia se envolvido em uma briga recente. No entanto, encontrou sujeira em suas unhas. E uma sujeira que parecia ser relativamente nova.

- Tem sujeita debaixo das unhas dele – ela disse.

Ela chegou mais perto enquanto Greene abriu uma gaveta em sua direita e procurou algo lá dentro.

- Tecnicamente nós não podemos fazer isso... – Ele disse, mas tirou algo da gaveta mesmo assim. Era um simples objeto de raspagem, com a espessura de uma folha de papelão fino, mas com a aparência de um bisturi.

Chloe usou o objeto para raspar um pouco da sujeira que estava sob as unhas de Martin. Não havia muito, mas mesmo nos poucos grãos que caíram na mesa, ela pode ver que havia sangue misturado ali.

- Parece ter sangue misturado na sujeira – ela disse. – Pode ser dele mesmo, mas se ele tentou se defender, também pode ser do assassino.

- Bom trabalho – Greene disse. – Vou lá fora chamar alguém para coletar isso. Vou encaminhar como prioridade, então devemos ter os resultados do sangue em quatro ou seis horas.

A ideia era animadora, mas então Chloe percebeu que aquele sangue poderia ser de Danielle. E se fosse, ela teria trabalhado esse tempo todo apenas para solidificar a prisão da irmã.

Aparentemente, ela deixou aquela ideia transparecer em seu rosto. Greene parou na porta e hesitou.

- Você tem certeza que não quer deixar isso para lá?

- Sim. Mesmo se... bem, mesmo se os resultados trouxerem más notícias, pelo menos eu vou saber. E se foi ela, eu preciso saber porque. Tenho que entender.

- Com todo respeito, – Greene disse, - você precisa esquecer disso. Porque, pela minha experiência, posso dizer que às vezes é melhor nós não entendermos o porquê as pessoas matam.

Ele saiu da sala, deixando Chloe pensando naquilo. E quanto mais ela pensava, só uma ideia ganhava força em sua mente.

Não foi Danielle... Não pode ser...


***

Chloe voltou à sala de arquivos do FBI e estava olhando os relatórios mais atualizados do crime no lago quando a porta de abriu. Dois homens entraram, mas ela só conhecia um deles. Greene parecia um anão ao lado do outro homem. Ele era muito alto e parecia um lutador profissional, mesmo vestindo um terno. Chloe já havia o visto e sabia quem ele era, mas eles nunca haviam conversado.

O Diretor L. J. Johnson sentou-se diretamente na frente de Chloe, deixando Greene em pé Johnson olhou para ela do outro lado da mesa com uma expressão difícil de ler. Ele desviou o olhar de Chloe para os relatórios, e então novamente para Chloe.

- Eu imagino que o Agente Greene tenha lhe falado sobre nosso programa para colocar nossos estagiários em prática aos poucos, certo? – Johnson perguntou.

- Sim, senhor.

- Eu concordei com a decisão, mas vou admitir que sinceramente me irritei muito quando descobri que você e o Agente Greene submeteram outro teste de DNA nesse caso Martin Shields. Eu liguei para o Greene, xinguei ele e estava planejando ligar para você e perguntar quem você achava que era, também. Esse não é um caso do FBI. Os policiais locais das redondezas de Pinecrest estão me fazendo um favor por conta da sua ligação com o caso. Então eu fiquei puto. Mas então os resultados chegaram e eu ficaria mais puto ainda se não estivesse errado.

- Não é o sangue de Danielle, é? – Chloe perguntou.

- Não. Não é. Os resultados dizem que o sangue é de um cara chamado Alan Short. E nós vamos segurar essa informação para nós. Quando eu sair dessa sala, vou colocar dois agentes atrás desse cara. Depois vou pessoalmente cuidar dos papeis que vão fazer sua irmã ser liberada. No entanto... você tem que ser realista nisso. Ela ainda é suspeita até que Alan Short seja pego. Ela ainda não pode deixar o estado e vai precisar concordar com outros interrogatórios.

- Claro – Chloe disse. – Obrigada.

- Não. Obrigado a você. Trabalho incrível, Fine. Estou ansioso para trabalhar com você quando você não for mais estagiária. Agente Greene, parabéns também pelo bom trabalho feito com ela.

Com essas palavras, Johnson levantou-se e saiu da sala. Greene olhou para Chloe com uma expressão de parecia dizer Você acredita nisso?

- Só uma coisa, – Chloe disse, - ele colocou outros agentes para irem atrás desse cara. Sinto que fui rebaixada.

- Ei, você não pode querer abraçar o mundo. Sério... Ele ter vindo aqui te parabenizar é algo gigante. Então, entenda a inocência presumida de sua irmã como uma vitória. Eu vou te manter atualizada sobre a investigação sobre Alan Short. Se ele estiver por aqui, imagino que estará sob custódia dentro de quarenta e oito horas.

- Ótimo – Chloe disse, sentindo um peso sair de suas costas imediatamente.

- Você sabe que ela vai, mesmo assim, ser processada por algo. Fazer aquilo com o carro é muito suspeito. Ela está livre agora... Mas eu tenho certeza que haverá uma investigação.

- Faz sentido – Chloe disse, ainda assim aliviada por saber que Danielle não era mais a principal suspeita. – Então, agora, o que fazemos?

- Nesse caso? Nada. Você fez tudo o que podia. Acho que você deveria parar por hoje e ir para casa. Quando Danielle for liberada, imagino que seus dias serão bastante agitados. Como o Diretor Johnson disse... vamos manter sigilo por enquanto. O que significa que a mídia não vai saber de nada até Alan Short ser pego.

- Posso contar para Danielle?

- Ainda não. Temos que esperar até a papelada ficar pronta. Mas se o Diretor Johnson está cuidando disso, não vai levar muito tempo. Sério, Chloe. Vá para casa. Bom trabalho hoje.

Ela levantou-se da mesa e juntou os documentos que analisara mais cedo. Estava visivelmente tremendo, tentando absorver tudo o que acontecera durante o dia—principalmente nos últimos minutos.

Basicamente, ela havia libertado Danielle.

E havia recebido elogios e agradecimentos do Diretor Johnson—um homem que provavelmente, em breve, seria seu supervisor.

O futuro parecia brilhante. Parecia que o passado obscuro que a levara àqueles momentos estava finalmente indo embora.

Mas como ela logo descobriria, o passado tinha sua maneira de não apenas ficar por perto e lhe surpreender, mas também de estragar qualquer plano. E isso fora provado naquelas cartas que haviam sido entregues a Danielle, que davam a dica de que o passado nunca estava tão longe assim.

Mas quem as enviou? Chloe imaginou, com a pergunta martelando sua cabeça. E, talvez ainda mais importante... Por quê?


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Mesmo com a tensão que havia entre eles desde a festa do bairro, Chloe e Steven haviam conseguido se manter de bem. Chloe ainda estava animada e feliz por saber que suas ideias e seu trabalho—sob a batuta de Greene—haviam ajudado a limpar o nome de Danielle. Ela estava tão animada com isso que, quando viu Steven no sofá, olhando seus e-mails, quase quis pular em cima dele. Eles não tinham contato físico há uma semana—o que era vergonhoso já que eles tinham uma casa inteira para explorar.

Mas toda aquela vontade foi interrompida quando ela chegou em casa e tentou compartilhar as novidades com ele. Sentiu-se um pouco boba naquele momento, sorrindo e sentindo que estava se gabando. Começou contando sobre ter encontrado sangue sob as unhas de Martin e depois sobre o encontro rápido com o Diretor Johnson. Mas antes mesmo de contar a Steven os detalhes sobre a provável liberação de Danielle, já estava claro que ele não queria compartilhar toda sua felicidade.

- Espera aí – Steven disse. Parecia haver a mesma quantidade de fascinação e nojo no rosto dele. – Você está me dizendo que você estava lá na sala com o corpo morto de Martin?

- Sim, eu te falei... Eu faço parte de um programa experimental que dá aos estagiários mais liberdade e responsabilidades.

- Sim, eu sei disso – ele respondeu. – Mas você estava lá com o corpo... e você ainda consegue defender ela normalmente?

- Sim, consigo – ela disse, tomando a defensiva instantaneamente. – Não importa o que você pense sobre Danielle, nem o seu desprezo pode valer mais do que a evidência de um DNA. Perdão se a liberdade dela vai estragar a imagem perfeita da sua mamãe para o nosso casamento.

- Eu não disse isso.

- Você não precisou. Está na sua cabeça desde a primeira vez que sua mãe reclamou dela.

- Chloe, não é justo... nem verdade.

- Bom, é bom saber. Porque quando ela for solta amanhã, ela não vai poder voltar para o apartamento. É muito arriscado e a mídia vai estar por todos os lados. Então eu quero que ela fique aqui por alguns dias.

- O que? – Steven perguntou, incrédulo. – Você está louca?

- Não. Qual seria seu problema com isso? – Chloe sabia que iria começar uma discussão, mas não iria recuar. Ela não queria mais se preocupar com o que Sally Brennan pensava. Era o futuro de sua irmã que estava em jogo. Por Chloe, Sally poderia pegar o dinheiro do casamento e enfiar onde quisesse.

- Vamos ter uma assassina convicta em casa!

- Não... não é convicta. Você não escutou a parte de que ela vai ser liberada?

- E você acha que isso importa? – Steven perguntou, gritando. – Livre ou não, ela vai carregar isso. Por anos, quem sabe pela vida inteira!

- E como exatamente isso te afeta?

- Chloe... você não está raciocinando bem... Eu entendo. Ela é sua irmã. Mas ela não pode ficar aqui.

- Bom, ela vai ficar aqui. Desculpe, mas isso não está aberto a discussões.

Steven olhou para ela como se não soubesse com quem estava falando. E o que mais a irritava naquilo era que ela sabia que ele estava preocupado com o que seus pais iriam pensar. Era a única razão que faria com que ele fosse tão teimoso.

- Você disse que essa amostra de sangue prova que outra pessoa pode estar envolvida – ele disse, calmamente. – Até eu ouvir o contrário, ela ainda pode ser responsável. Ela ainda pode ser uma assassina.

- Você quer que ela seja, não quer? Isso deixaria ela bem longe de você e da sua mãe.

- Você está maluca – ele disse, com a voz ainda baixa e calma. – E sabe do que mais? Meus pais tem tentado me fazer ver isso já faz um tempo.

- Ver o que, Steven?

- Sua lealdade a sua irmã, não importa o que aconteça. Eu sei que você duas passaram por muitos problemas, mas isso é loucura. E Chloe... talvez isso seja um erro. O noivado, o casamento. Eu acho que... eu acho que nós não somos um para o outro.

- Por que eu sou leal à minha irmã? – Chloe perguntou. Ela estava mais confusa do que magoada.

- Porque tem muitas coisas envolvidas. E sim... também porque você sempre escolhe sua irmã delirante ao invés de mim. E se nosso casamento vai ser assim, eu não quero fazer parte disso.

Então finalmente chegou o momento, Chloe pensou. Ele está basicamente me pedindo para escolher entre ele e Danielle.

Ela amava ele. E não tinha problemas em admitir isso.

Mas havia a imagem de sua irmã, quase catatônica, sentada nos degraus do apartamento com o policial ao lado. Ela lembrava-se daquele dia com clareza e sabia que, não importava o que acontecesse na vida, sempre veria sua irmã como aquela garotinha. E faria todo o possível para protegê-la.

- Desculpe, Steven – Chloe disse. – Não vou eliminar Danielle da minha vida.

Sem perder tempo, Steven respondeu:

- Então o casamento está cancelado.

Com essas palavras, ele virou as costas e seguiu para a porta. Não houve beijo de despedida, nem abraço, e pouco contato visual. Ele seguiu reto para a porta e bateu-a com força ao sair.

Chloe ficou ali, sem reação. Seu dia havia ido do ponto mais alto ao mais baixo em menos de dez minutos. E ela fora deixada naquela casa enorme, sozinha. Olhou vagarosamente pela sala, observando o tamanho dela, antes de cair de joelhos e chorar.

Ela estava acostumada a chorar. Havia chorado muito nas semanas seguintes à morte da mãe e, mais tarde, aos dezessete anos, quando a ficha de não ter uma mãe havia caído no início da faculdade. Mas esse choro era algo novo, algo que doía e que parecia crescer em seu estômago.

Ela chorou no sofá, querendo parar e se controlar, mas também sabendo que seria melhor por tudo para fora. E quando pensou em Danielle e em toda aquela situação, chorou ainda mais—emitindo sons que voltavam para ela, ecoando pela casa enorme e vazia.


CAPÍTULO VINTE E SEIS


O sono foi interrompido várias vezes naquela noite. Houve momentos em que saber que Danielle seria liberada no dia seguinte haviam a deixado feliz demais para conseguir dormir. Depois, no minuto seguinte, a felicidade ia embora e Chloe começara a sentir o peso de Steven ter ido embora. Fora um ato ousado e, sabendo que Steven não costumava ter atos ousados, ela esperava que ele voltasse em algum momento da noite.

Mas ele não apareceu.

Em certo momento, ela conseguiu sentir algo próximo a um sono profundo, mas que não durou muito. Chloe recebeu uma mensagem de texto às 5:35. Pegou o telefone do criado-mudo sem ter muito tempo para refletir sobre o lado vazio da cama. Com olhos embaçados pelo sono, viu o nome de Greene na tela. A mensagem dizia:

Os papeis serão aprovados até as 8 da manhã. Já começamos a arrumar as coisas para buscar ela. Fique esperta... a mídia também vai estar lá. Estarei lá para ajudar.

Sabendo disso, seria impossível dormir novamente. Chloe saiu da cama, ligou a cafeteira e tomou um banho. Depois de se vestir e comer rapidamente algumas torradas e aveia, ela saiu. Deu-se conta de que chegaria a seu destino um pouco antes das oito, mas não estava preocupada com isso.

Quando saiu pela porta da frente, havia vários carros e duas vans da imprensa estacionadas na rua. Ao seguir para seu carro, viu que os repórteres também se movimentaram. Eles vieram pelo gramado como se fossem donos do local, com suas câmeras e microfones prontos.

- Você tem total certeza de que sua irmã é inocente? – Um repórter perguntou.

- Você tem medo de que esse caso destrua sua carreira se Danielle estiver de alguma forma envolvida com ele? – Outro perguntou.

Chloe olhou para o chão, evitando até que as câmeras filmassem seu rosto. Ela entrou no carro e arrancou rapidamente, quase acertando um cinegrafista que estava atrás do veículo.

Se eles já estão na minha casa, ela pensou, vai ser muito pior na prisão.

Rapidamente, Chloe dirigiu para fora de Lavender Hills, vendo alguns poucos vizinhos curiosos em seus quintais, atraídos pelas vans da imprensa. Quando saiu do bairro e entrou na rodovia, tentou imaginar se seria possível que algum dos vizinhos já soubesse que Steven fora embora.

Seus vizinhos—as mulheres em particular—pareciam ter um talento incrível para saber de certas coisas. Por que sua discussão privada com seu noivo na tarde anterior seria diferente?

Chloe não conseguiu não sentir uma ponta de culpa. Talvez ela tivesse mesmo sido muito exigente. Talvez ela tivesse errado ao nem sequer escutá-lo quando disse a ele que Danielle ficaria na casa deles. Afinal, aquela também era a casa dele.

Mas não... ela recusou-se a sentir culpa. Steven e seu pais praticamente marcaram Danielle como uma ovelha negra desde que ela e Steven começaram a namorar. Se aquele era o tipo de pessoas que eles eram, talvez ela não precisasse mesmo de Steven e daquele tipo de negatividade em sua vida.

Se não houvesse outra saída para aquela situação, sabendo que tinha escolhido definitivamente sua irmã ao invés de uma vida com Steven, tudo bem. Doía, mas ela poderia viver sabendo que teria tomado a decisão certa.

Aquilo, é claro, a fez pensar em como Danielle havia se metido naquela situação. Seu caso com Martin não era tão estranho, mas o fato de alguém ter colocado no corpo dele evidências que apontavam para ela, era.

Chloe sabia que havia recebido instruções para basicamente ficar longe do caso—e que mais agentes estavam envolvidos nele. Mas ela não pode deixar de pensar em quem era Alan Short e qual poderia ser sua conexão com Danielle. Talvez Greene cumpriria sua palavra e a manteria atualizada. Ele não tinha porque fazer algo diferente.

Ela levou meia hora para chegar à prisão de Riverside. Chegou vinte minutos antes, mas não reclamou. Ao chegar, o estacionamento e a rua estavam repletos de redes de TV—algumas locais e outras nacionais. Ela deu-se conta de que a morte de Martin Shields em si não era noticiosa. Mas quando você encontra um carro no lago e existe a possibilidade de evidências plantadas, tudo fica mais interessante. E se a mídia soubesse sobre Alan Short, essa seria a manchete principal enquanto ele não fosse encontrado.

Chloe pensou na possibilidade de simplesmente ficar sentada no carro e esperar pela chegada de Greene, mas sabia que não adiantaria. Mesmo antes de estacionar, os repórteres já vieram em sua direção. Tentando ultrapassá-los, Chloe abriu a porta do carro e caminhou de cabeça baixa.

Várias perguntas foram feitas, mas dessa vez ela respondeu. Repetiu várias vezes a frase “Nada a declarar”. Era irritante ouvir tantas pessoas se referirem à sua irmã como uma assassina. Ela precisou fazer muito esforço para não xingar os repórteres a cada pergunta, sendo que as questões pioravam a medida em que ela se aproximava da prisão.

Aparentemente, um policial bom samaritano viu o que estava acontecendo. Ele veio até Chloe e parou na frente dela, com os braços abertos, levando-a entre a multidão de repórteres e cinegrafistas.

- Todos vocês, recuem e deem espaço à senhorita Fine. Todo mundo que encostar nela, mesmo que sem querer, será multado. Entendido?

Isso fez com que algumas pessoas recuassem, mas não o suficiente para que Chloe se sentisse confortável. Ela seguiu o policial para o prédio, onde ele a conduziu pela porta da frente até o hall de entrada. Lá dentro, Chloe percebeu que algumas pessoas a olhavam com curiosidade—a recepcionista, alguns agentes e uma mulher, que esperava em uma cadeira no hall.

- Agente Fine, – o policial disse, - sou o Agente Wright. Perdão por você ter que passar por isso.

- É assim mesmo – ela disse, quase sem perceber que ele havia a chamado de Agente. – Eles estavam do lado de fora da minha casa, também.

- Senhor – Wright disse. – Mas enfim, imagino que você esteja aqui por sua irmã.

- Isso.

- Deixe-me ver o que posso fazer para acelerar as coisas – Wright disse.

Chloe passou os dez minutos seguintes mostrando seu distintivo para pessoas e assinando formulários. Enquanto assinava o que lhe disseram ser o último papel em um pequeno quiosque no centro de um corredor enorme, outro policial foi até o seu lado. O Agente Greene estava com ele e parecia nervoso.

- Malditos abutres lá fora – ele disse. – Como você passou por eles sem matar um?

- Tive que me esforçar um pouco.

O agente uniformizado que havia dado a Chloe o último formulário o olhou, carimbou e então assentiu.

- Tudo certo, você pode ir, senhorita Fine.

Chloe e o Agente Greene se apressaram pelo corredor. Havia apenas uma porta ao longo dele e, quando eles chegaram lá, ela estava aberta. Um guarda armado saiu por ela, conduzindo Danielle a sua frente.

Seus braços não estavam algemados e ela estava vestida com as mesmas roupas que vestia quando fora levada até lá. Fazia apenas dois dias, mas aquilo parecia uma barbárie para Chloe.

Danielle veio rapidamente em direção à irmã e, quando estendeu os braços, Chloe quase não pode acreditar. Quando ela retribuiu o abraço, Danielle sentiu-se leve como uma pena. Ela também tremia—talvez chorando. Chloe queria ter certeza, mas também não queria envergonhar Danielle, já que sabia que a irmã não costumava demonstrar emoções assim.

Ela então não disse nada e, por um momento, simplesmente segurou a irmã em seus braços.

E Chloe soube, naquele momento, que mesmo que fosse sentir falta de Steven, havia com certeza tomado a decisão certa.


***


O FBI decidiu que não era preciso designar agentes para escoltar Chloe e Danielle de volta até Pinecrest. Ao invés disso, dois policiais as seguiram até a cidade, onde elas foram entregues a duas viaturas da polícia local. Essas viaturas as seguiram até Lavender Hills e então estacionaram na calçada, do lado de fora da casa de Chloe. Ela entrou em sua garagem e estacionou, percebendo a presença da mídia. Eles estavam em maior número agora—ela pode contar quatro equipes—mas pareceram hesitar um pouco mais para se aproximar, pela presença das viaturas em frente à casa.

As irmãs se apressaram para entrar na casa. Chloe pode ouvir os cliques de celulares e câmeras, bem como o burburinho dos repórteres gravando notas e falando com sua audiência na TV.

- Quando eu era adolescente, - Danielle disse, - eu pensei em aprender a tocar violão. Eu queria ser Liz Phair, Joan Jett ou alguém assim. Achava que seria legal ter pessoas com câmeras me seguindo por aí. Agora estou vendo como aquele sonho era idiota.

Chloe não conseguiu segurar a risada. Elas sentaram-se no sofá juntas, e logo ficou claro que uma tinha dificuldade de lidar com a outra.

- Então, Steven foi embora – Chloe disse como se estivesse falando sobre o clima.

- O que? Quando?

- Ontem à noite. Nós discutimos e ele foi embora.

- Discutiram sobre mim?

- Em partes – Chloe disse.

- Chloe, eu sinto muito. A culpa é minha. Você quer que eu ligue para ele e explique—

- Não, não! Na verdade, foi uma benção. Eu acho. Os pais dele são insuportáveis e tratam ele como se fosse Jesus Cristo.

Danielle encolheu os ombros e se deitou no sofá.

- Estou triste por você, mas estaria mentindo se dissesse que vou sentir falta dele. Então... não vai ter casamento?

- Parece que não. No final das contas você não vai precisar vestir o vestido de dama de honra.

- O dia de hoje não para de melhorar – Danielle disse com um sorriso irônico.

Chloe levantou-se e foi até a cozinha para preparar algo para elas. Por mais infantil que parecesse, ela usou a mostarda que Steven sempre dizia ser sua mostarda nos sanduíches. Enquanto preparava, Danielle ligou a televisão na sala. Passou por alguns canais, usando a desculpa da má qualidade da programação da tarde para então parar em um jornal local.

As duas congelaram por um momento quando viram uma imagem de ambas saindo da prisão de Riverside. Suas cabeças estavam baixas enquanto elas eram conduzidas por quatro policiais. Chloe viu o Agente Greene junto a eles, lançando olhares ameaçadores aos repórteres que tentavam entrevistá-las. Danielle aumentou o volume e as duas pararam para ouvir a notícia.

“...diz que, mesmo com sólidas evidências, novas descobertas no caso indicam que há mais partes envolvidas. Essas novas descobertas ainda não são suficientes para inocentar Danielle Fine, mas certamente são suficientes para liberá-la da prisão. Os policiais garantem que as novas descobertas são sensíveis e ainda não serão reveladas ao público, por conta da investigação. Portanto, por ora, Danielle Fine ainda é a única suspeita aos olhos do público. Perguntado sobre o caso, e departamento policial de Baltimore City disse que Fine concordou em manter-se cooperando com interrogatórios e outros detalhes da investigação. Nessa imagem, podemos vê-la saindo de Riverside com a irmã, a futura agente do FBI, Chloe Fine. Nós descobrimos recentemente que as duas irmãs já passaram por muitas dificuldades, tendo possivelmente testemunhado a morte de sua mãe pelas mãos do próprio pai. Nós não—

- Vá se foder – Danielle disse, desligando a televisão. – Eu fico horrível na TV.

- Você não dorme há quase dois dias – Chloe pontuou. – É claro que você vai parecer cansada.

- Mas não culpada, pelo menos. – Ela interrompeu a frase ao ver Chloe trazer os sanduíches e alguns salgadinhos para a sala. – Então, o que você sabe sobre esse tal de Alan Short?

- Nada. E você?

- Também. E escute... Eu sei que você só estava fazendo seu trabalho o tempo todo. E por causa da minha idiotice de jogar o carro lago, eu sei que eu parecia culpada. Significa muito para mim você não ter desistido. De verdade. Ninguém nunca fez nada desse tipo por mim, sabe?

Chloe não queria confirmar aquilo verbalmente, então apenas assentiu.

- Então, você não conhece Alan Short. Mas você consegue pensar em alguém que poderia querer te culpar pela morte de Martin?

Danielle suspirou e olhou para seu sanduíche—tudo para não encarar os olhos de Chloe.

- Eu não sei de nenhuma pessoa – ela respondeu. – Mas eu acho que deveria te contar sobre algo que eu escondi de você.

- E o que é? – Chloe perguntou, com uma ponta de medo no coração. Claro, ela tinha certeza de que sabia o que viria pela frente. Estava tão certa de que adiantou-se e respondeu sua própria pergunta. – Você está falando daquelas cartas?

- Sim. E a propósito, como você encontrou elas? – Danielle perguntou.

- Eu estive no seu apartamento depois que eles te prenderam. Eu queria tentar encontrar algo para te libertar. Essas cartas... se há alguma chance pequena de Alan Short ter escrito—na verdade, mesmo se não houver essa chance—eu acho que nós devemos entregá-las como evidências.

- Você leu todas, certo? – Danielle perguntou. – Uma delas diz que se eu contar para qualquer pessoa sobre elas, eles vão me matar. E agora que Martin está morto, eu acredito nisso mais do que nunca. Aquela última... Mate ele ou eu mato. O “ele” era Martin, certo?

- Nós não temos como ter certeza.

- Não me parece que não seja. O timing é perfeito, até onde eu consigo ver.

- Quando você recebeu a primeira? – Chloe perguntou.

- Cerca de seis meses atrás.

- E elas chegavam aleatoriamente?

- Tipo isso – Danielle respondeu. – Eu tentei pensar na minha vida nos últimos seis meses, para saber se eu poderia ter feito algo para irritar alguém. O pior que consegui pensar foi em uns foras que dei em alguns homens no bar.

- Certo, e coisas não tão problemáticas? Você se envolveu com novos amigos ou com pessoas no trabalho?

- Não. Eu não tenho paciência para fazer amigos. Mas... olha só, você vai rir e gostar disso, eu pensei em entrar em um grupo de leitura.

- Você entrou?

- Não. Mas é bem bacana. Eu estava olhando as poucas coisas que eu tinha da nossa mãe e encontrei esse livro que ela tinha. Different Seasons, de Stephen King. Tinha um pequeno bilhete dentro, com a letra da mãe. Era para um clube de leitura do qual ela fazia parte, aqui mesmo em Pinecrest. Eu liguei para a biblioteca e perguntei se eles ainda tinham um clube de leitura, e me disseram que sim. Então, por isso, eu quase entrei. Até perguntei se teria como saber sobre quem foram os membros no passado. Eu disse que só estava pesquisando a história da minha mãe... e era verdade, por mais tolo que pareça. Eu só queria saber como era o clube de leitura do qual ela participava, sabe? Você lembra o quanto ela amava ler?

- Lembro.

- Enfim, eles disseram que tinham registros das planilhas de novos membros, mas só até 2002.

- Mas você tem bilhetes que provam que nossa mãe fez parte desse clube, certo? – Chloe perguntou.

- Sim. Mas aí os bilhetes ameaçadores começaram a chegar e eu perdi o foco. Nunca mais pensei em entrar no clube.

- Você tem ideia de quanto tempo passou entre a ligação para a biblioteca e a chegada das cartas?

- Não tenho certeza. Duas semanas? Talvez três.

Havia um tom triste na voz da irmã que assustou Chloe. Danielle parecia cansada e, apesar de ter sido recentemente liberada da prisão, muito triste. Chloe reconheceu os sinais de depressão, pelos quais a irmã já havia passado anos antes.

Deus, não podemos passar por aquilo de novo, ela pensou.

- O que foi mesmo que você disse sobre o timing ser perfeito? – Chloe perguntou com uma ponta de sarcasmo.

- Eu sei. Mas um clube de leitura? Você acha que algum bibliotecário sinistro faria isso só porque eu não entrei?

- Não. Mas você mencionou a mãe especificamente?

- Sim.

Chloe não tinha certeza do que tudo aquilo significava—e se de fato significava algo.

Mas com certeza valia a pena investigar. Aparentemente, Danielle sentiu o mesmo. A sala ficou em silêncio, e as duas viraram suas atenções para as janelas, observando a presença da mídia lá fora.


CAPÍTULO VINTE E SETE


As manchetes na mídia não melhoraram nem um pouco. Os repórteres agora estavam investigando a história sórdida dos pais, pintando Danielle como uma vítima de uma infância sem pais presentes. Eles também haviam encontrado uma queixa antiga contra Danielle, por uso de drogas, e estavam indo a fundo nisso.

Chloe seguia preocupada por Danielle estar começando a sentir um tipo leve de depressão. Ela já não conseguia ver o lado bom das coisas, e aquela mulher que a abraçara na prisão de Riverside naquela manhã já estava se escondendo. Aquela menina que Chloe havia visto crescer estava ali, por trás da superfície, pronta para reaparecer e tomar conta de Danielle.

Elas haviam ficado em silêncio após a conversa sobre o clube de leitura, mas Chloe tratou de quebrar esse silêncio menos de dez minutos depois. Ela pensou ter escolhido um assunto complicado, que talvez nem devesse ser citado. Mas precisava tentar.

- Danielle, você lembra do dia em que a mãe morreu e nós estávamos no banco de trás do carro da nossa avó? Eu lembro que você disse que sabia que o papai não tinha feito aquilo. Você ainda acha isso?

- Sim – ela disse, com o mesmo tom sonolento. Não que ela não se importasse com aquela conversa, mas era quase como se o assunto demandasse uma força mental enorme—outro sinal de depressão.

- Tem algum motivo?

- Não sei. Mas eu sempre tive essa sensação de que ele não era capaz disso. Se você lembrar, ele nunca bateu na mãe. Nunca nem levantou a mão para ela, pelo que eu lembro. Se ele teve qualquer coisa a ver com isso, foi um acidente. Digo, ela caiu das escadas. Não teve arma, nada maldoso, sabe?

Chloe ainda estava pensando no timing daquilo tudo—de Danielle perguntar sobre a participação de sua mãe em um clube de leitura apenas algumas semanas antes de começar a receber bilhetes sinistros. E mesmo que Danielle não estivesse pronta para acreditar que o autor das cartas tinha algo a ver com a morte de Martin, aqueles bilhetes pareciam sim serem ameaçadores.

Mas seguindo aquele caminho, por mas tortuoso que fosse, tudo levava ao mesmo lugar: à mãe delas. O clube de leitura era algo pequeno e provavelmente significava muito pouco na história toda. E Chloe sabia que, se seguisse por aquele caminho, acabaria entrando de cabeça na história da morte de sua mãe e na prisão de seu pai—algo que ela prometera a si mesma que jamais faria.

Mas agora o nome de Danielle estava sendo jogado na lama. E se Chloe pudesse mudar isso investigando o passado, ela o faria.

- Você lembra do policial que ficou com a gente nos degraus? – Chloe perguntou, quando uma ideia apareceu de repente em sua mente.

Danielle sorriu.

- Sim. Clarence Simmons, não sei porque lembro do nome dele. Um cara grande, muito gente boa. Lembro que ele parecia quase tão triste quanto nós no tempo em que esteve lá.

Chloe pensou em uma ideia por um momento. Uma pequena sensação de ansiedade começou a se formar em seu estômago, enquanto a ideia se tornava mais e mais relevante.

- Ele disse algo para você naquele dia? – Chloe perguntou.

- Nada em particular – Danielle disse. – Só que tudo ficaria bem. Ele ficava dizendo isso várias vezes. Sabe, é engraçado... eu nem juntei as coisas até um tempo depois... quando eu precisei fazer aquela terapia sem noção depois que tudo passou. Você sabia que ele era vizinho da Amber Hayes?

- Amber Hayes? – Chloe perguntou. Ela conhecia o nome, mas não lembrava de onde.

- Sim. Aquela garota que tinha a bicicleta idiota, com o sino irritante, e passava por todas ruas fazendo ding ding ding.

- Ah, sim, eu lembro. Espere aí... ela morava tipo... a três quadras do apartamento, certo?

- Algo assim – Danielle disse.

- Você tem ideia de onde ela mora agora?

- Na verdade, sim. Ela tentou conversar comigo no Facebook um tempo atrás. Está morando em algum lugar em Nova York, eu acho.

- Você por acaso tem o número dela?

Danielle virou os olhos e pegou seu telefone.

- Bom, eu tenho o telefone da empresa dela. Ela me deu, achando que por algum motivo eu iria precisar de serviços de propaganda... Por que? Não faço ideia.

Danielle encontrou o número e deu a Chloe. Chloe não perdeu tempo e ligou. Ela sabia que estava indo atrás de algo difícil, mas que valia a pena tentar. O telefone tocou três vezes até que fosse atendido.

- Helmsley Propagandas, Amber falando.

- Amber, olá. Aqui é Chloe Fine. Você se lembra de mim?

Houve um breve silêncio do outro lado da linha, quebrado por uma resposta muito teatral para ser sincera.

- Sim! Meu Deus, como você está? Eu vi as notícias... Como está Danielle?

- Está assustada, mas bem. Ela acabou de falar que vocês conversaram na internet pouco tempo atrás.

- Sim! Eu fui a Pinecrest ver meus pais há cerca de um mês. Eu queria ter me encontrado com ela.

- Olha só, Amber. Eu odeio ter que ser direta com você, mas eu esperava que você pudesse me ajudar a encontrar um endereço. Você lembra do cara que era vizinho de vocês aqui em Pinecrest? Ele era policial. Clarence Simmons.

Amber riu e, quando respondeu, havia uma alegria legítima em sua voz.

- Ah, sim, claro, o senhor Simmons era muito gentil. Ele e meu pai ainda se falam. Eles se encontraram para pescar no verão passado, eu acho.

- Ele ainda mora em Pinecrest? – Chloe perguntou.

- Não. Ele se mudou há uns oito anos, eu acho. Talvez até mais. Ele foi para Nova Jersey.

- Você tem o endereço? Talvez seu pai?

- Sabe, eu tenho o endereço. Ele ainda me manda cartões de Natal. Se você me der alguns minutos, eu posso te passar.

- Seria excelente – Chloe disse. – Muito obrigada, Amber.

Ela encerrou a ligação e viu que Danielle estava a olhando com um pouco de medo.

- É fácil assim para você conseguir essas informações?

- Nem sempre. Acho que isso é o que o pessoal no FBI chama de momento de sorte. Ela tem o endereço, mas precisa procurar.

Danielle foi até a janela e olhou para fora. Chloe olhou pelos ombros da irmã e viu que mais uma van da mídia havia aparecido. Uma pequena mulher estava falando em frente à câmera, que filmava a casa inteira. Duas viaturas estavam estacionadas, e um policial estava sentado no capô. Ele fumava um cigarro e olhava para o movimento.

Elas seguiram na casa, e Chloe sentiu-se uma prisioneira. Ela recebeu atualizações da busca a Alan Short pelas mensagens de Greene. Elas também ficaram de olho nas notícias sobre a situação de Danielle na internet, mas, a cada aba, apenas ficavam com mais raiva.

A monotonia foi quebrada às 16:30, quando Amber retornou a ligação. Chloe foi rápida, mas não deixou de expressar sua gratidão. Ela anotou o endereço e encerrou a chamada, sentindo que, de fato, poderia estar chegando a algum lugar.

- Trenton, Nova Jersey – ela disse.

- Que sorte a nossa – Danielle disse. – Ele poderia ter se mudado para a Califórnia ou algo do tipo. Seria um pouco mais difícil, ein?

- Você não pode ir comigo – Chloe disse. – Até você estar cem por cento livre da morte de Martin, você não pode sair da cidade. Se você quiser, posso pedir para o Greene manter alguém aqui com você.

Parecendo depressiva, Danielle balançou a cabeça.

- Não. Estou bem com esses tiras aí fora. Quando você vai?

- Vou sair pela manhã. Não faz sentido sair na hora do rush para encontrá-lo à noite.

- Então será uma noite das meninas, pelo jeito? – Danielle perguntou.

Chloe irritou-se ao ver que a irmã estava tentando brincar com o assunto. Mas também conhecia Danielle bem o suficiente para saber que fazer brincadeiras como aquela era o jeito dela de aliviar o estresse. Sempre fora assim, desde os cinco anos, mais ou menos. Sempre que fazia piadas daquele tipo, Danielle estava dando um sinal de estresse ou preocupação.

E Chloe sabia que ainda havia muito com o que se preocupar.

- Parece que sim – ela respondeu, com um sorriso.

- Que bom. Você pega o vinho e eu encontro algo na TV.

Era bom ver Danielle com uma atitude alegre novamente, mesmo forçada. Assim como Chloe, ela também estava sentindo que algo estava se encaixando, mas não tinha certeza do que sentiria ao revisitar o passado para encontrar o sentido de toda aquela história.

Ainda assim, Chloe escolheu uma garrafa de vinho tinto da pequena adega na cozinha e pegou duas taças. Quando entrou na sala para entregar uma a Danielle, percebeu que outra equipe da mídia havia chegado lá fora.

Aquilo significava que ou algo novo estava aparecendo na história, ou aquele era apenas um dia de poucas notícias.

Chloe não quis saber. Desviou o olhar da janela e viu Danielle procurar algo para assistir na Netflix.

Ela tomou seu vinho e pensou no policial que estivera com elas quando suas vidas desmoronaram. Clarence Simmons. Ela havia pensado nele várias vezes durante anos, dando a ele um status quase mítico. Saber que o veria em breve a fez sentir que ela daria um passo surreal, saindo da vida real e entrando em um lugar onde sonhos e pesadelos nunca deixam você escapar.


CAPÍTULO VINTE E OITO


Enquanto a tarde passou, duas coisas aconteceram. Primeiro, Chloe e Danielle assistiram a três episódios de House of Cards. Segundo, as equipes da imprensa pareceram ter se multiplicado lá fora. Quando a noite chegou, eles pareciam quase como insetos, voando a procura de qualquer sinal de luz.

Elas desligaram a televisão por volta das nove. Chloe mexeu em algumas caixas ainda fechadas e encontrou uma escova de dentes fechada e pijamas para Danielle. A irmã não quis os pijamas, e escolheu um top preto, básico, de Chloe. Ela pegou no sono às 21:45, em um colchão sem cama no quarto de hóspedes. Aquilo fez Chloe perceber que, com a saída de Steven de sua vida, aquela casa talvez nunca fosse totalmente mobiliada. Ela não tinha certeza se teria dinheiro para isso.

A mente de Chloe estava muito cheia de ideias e preocupações para pensar em dormir. Ela tomou uma taça de vinho sozinha, sentada na mesa de jantar. Pensou em talvez olhar mais uma vez os arquivos do caso Martin, mas não viu sentido nisso. Até que Alan Short fosse pego, não haveria progresso no caso.

Quando terminou sua taça de vinho, Chloe percebeu que ela e Danielle haviam tomado a garrafa inteira. Ela não estava bêbada, mas levemente alterada. Talvez, agora, ela conseguiria dormir um pouco.

Chloe caminhou pela casa, fazendo um caminho que, para ela, ainda não deveria ser rotineiro. Ela e Steven estavam naquela casa há apenas uma semana. A rotina consistia em fechar as portas—da frente, dos fundos e a lateral que levava ao pátio. Por conta das equipes da imprensa do lado de fora (eram apenas duas agora), Chloe também fechou todas as persianas.

Quando passou pela cozinha e foi até a porta dos fundos que levava ao pátio nos fundos, foi até as cortinas para fechá-las. Suas mãos, no entanto, pararam antes que ela encostasse nos cordões.

Havia algo na varanda. Uma pequena cesta de piquenique.

Chloe pensou por um momento, imaginando se deveria pegá-la. Poderia talvez ser algo vindo de um repórter de bom coração querendo paz? Ou talvez algo vindo dos policiais que estiveram do lado de fora da casa do dia inteiro?

Não, ela pensou. Os policiais teriam nos avisado. E um repórter não se arriscaria a fazer todo esse caminho com a polícia estacionada lá na frente.

Então, o que era aquela cesta? E quem teria a colocado ali?

Indo contra seu pensamento, Chloe rapidamente abriu a porta dos fundos. Ela foi em direção à cesta, olhou rapidamente em volta para ter certeza de que não havia ninguém esperando por ela na varanda, e então voltou para dentro de casa. Trancou as portas, fechou as persianas e colocou a cesta de piquenique no balcão.

Não faz sentido esperar ou ignorar isso aqui, pensou.

Segurando a respiração, ela abriu a tampa da cesta.

Havia cerca de uma dúzia de cookies dentro. De chocolate. Pela aparência e cheiro, tinham sido feitos recentemente.

Seu primeiro pensamento foi de que alguém estava tentando envenená-las. Mas aquilo era tão estúpido quanto fantasioso. Ela olhou para os cookies por um momento, como se eles pudessem ser algum tipo de enigma. Foi então que viu um pequeno pedaço de papel sob a seda que cobria os cookies.

Chloe pegou a ponta do papel e puxou. Não era um papel, na verdade. Era um envelope. Um envelope com um selo dourado, igual aos que haviam sido enviados ao apartamento de Danielle.

Ela abriu devagar, como se o conteúdo do envelope pudesse, de fato, machucá-la. Certificou-se de tocar apenas as pontas e a aba do envelope. Obviamente, havia apenas uma carta dentro. Mas mesmo com poucas palavras, o bilhete dizia muito.

AINDA NÃO ACABOU.

Chloe olhou para a carta e para o envelope por um momento. Ela havia tocado apenas os cantos, de propósito. Sabia que as outras cartas não tinham digitais, mas queria analisar essa também. Foi até seu quarto e pegou seu kit de evidências—o mesmo que havia utilizado em seus primeiros anos na academia.

Rapidamente, arrumou os itens no balcão da cozinha e começou a procurar digitais. Como suspeitou, não havia nada. Depois, fez o mesmo com a cesta e até com o papel que embrulhava os cookies. Mas não havia nada.

Chloe ficou parada, olhando para a encomenda inesperada por muito tempo. Pensou em acordar Danielle, mas achou melhor não. Com tudo o que havia acontecido nos últimos dias, ela não merecia ter que lidar com mais aquilo.

AINDA NÃO ACABOU.

Mas com certeza, Chloe pensou. Alguém havia conseguido entrar em seu quintal e deixado aquilo na varanda. Alguém invadira sua propriedade, chegara muito perto de sua porta em um dos momentos mais estressantes de sua vida e, de quebra, a provocara com aquele bilhete.

Não, ela pensou, com raiva. Ainda não está nem perto de acabar.


CAPÍTULO VINTE E NOVE


Após algumas horas de sono, Chloe decidiu não contar a Danielle sobre a cesta de cookies e a carta. Ela havia colocado a cesta e os cookies na lixeira externa antes de ir para a cama, mantendo apenas a carta. Leu uma vez mais ao acordar, às seis da manhã, e então colocou o papel no criado mudo.

Quando foi à cozinha preparar o café, não se surpreendeu ao ver que Danielle ainda parecia dormir. Quando o café começou a ser coado, Chloe foi até o quarto de hóspedes e encontrou a irmã roncando levemente. Bom, Chloe pensou. Ela precisa descansar depois de tudo o que passou.

Chloe tomou um pequeno café da manhã—uma tigela de cereais e uma banana—antes de finalmente se vestir. Ela pensou que estaria mais animada com o potencial encontro com Clarence Simmons, mas acabou percebendo que, na verdade, estava assustada.

É porque você está mexendo no passado, disse a si mesma. E no que isso é diferente de mexer em uma cova? Ela pensou em si mesma cavando a cova de sua mãe com uma pá, e algo naquela imagem trouxe lágrimas a seu rosto.

Ela serviu a si mesma um café e pegou um post-it na cozinha. Escreveu um bilhete para Danielle: Fui ver o Simmons. Vou te ligar no caminho de volta. Sinta-se em casa E NÃO SAIA DAQUI.

Chloe saiu em direção ao carro, com pressa. Havia apenas uma van da imprensa e ninguém veio atrás dela. Ela também viu uma única viatura, estacionada ao lado da van. O policial a viu indo até o carro e inclusive cumprimentou-a. Chloe respondeu o aceno, feliz em ver que todo o circo da mídia tinha acabado. No entanto, em sua intuição, ela sabia que aquela história estava longe do fim.


***


Chloe fez seu caminho de Pinecrest, em Maryland, até Trenton, em Nova Jersey, em pouco mais de duas horas, acelerando em quase todo o percurso. Ela parou em frente à porta da casa de Simmons às 9:42. Ela não tinha telefonado antes, por não querer dar a ele a oportunidade de negar a conversa. Ela esperava que sua aposentadoria faria com que ele estivesse em casa, deixando-o mais propenso a ficar sossegado do que a viajar.

Sua esperança foi confirmada quando viu que a garagem da casa estava aberta. Chloe viu um homem um pouco acima do peso perambulando por ali. Ele segurava uma chave de fenda na mão esquerda e estava analisando um micro-ondas em cima de uma mesa de madeira.

Chloe aproximou-se em silêncio, mas sem reservas, sem querer parecer que estava se escondendo. Quando percebeu que ele ainda não havia a escutada e vendo que já estava a poucos metros dele, ela disse:

- Senhor Simmons?

Ele virou seu rosto para ela, e ver sua face foi quase como olhar para o passado. O rosto gentil que ficara com ela e Danielle naquela manhã ainda era o mesmo. Ele agora tinha uma barba fina, grisalha, e tinha o cabelo um pouco raspado. Mas com certeza era ele.

- Sou eu – ele disse. – Mas quem é você?

- Duvido que o senhor lembre de mim – Chloe disse. – Mas nós nos encontramos rapidamente dezessete anos atrás. Meu nome é Chloe Fine.

A expressão dele não disse muito, mas um pequeno sorriso apareceu no canto de sua boca. Ele estava tão em choque que seus dedos amoleceram. A chave de fenda caiu de sua mão e beijou o chão.

- Sim, eu lembro – ele disse. – Senhor, já se passaram dezessete anos?

- Sim – ela disse. – Eu queria saber se o senhor se importaria de trocar algumas palavras comigo.

Simmons ainda parecia um pouco em choque, mas assentiu.

- Tudo bem. Só estou tentando consertar esse micro-ondas. Estragou enquanto eu estava esquentando salsichas hoje de manhã. – Ele coçou a cabeça e pegou a chave de fenda do chão. – Imagino que você queira falar sobre o que aconteceu com seus pais.

- Sim – ela disse. – E se faz mais sentido para você, - ela continuou, pegando sua credencial no bolso, - eu sou estagiária no FBI agora. No caminho para me tornar uma agente.

Ele assentiu, como se entendesse perfeitamente.

- Muitas pessoas que passam pelo tipo de coisa que você passou acabam nessa linha de trabalho. Meu pai foi morto a tiros e depois pendurado em um poste de luz na Carolina do Norte quando eu tinha sete anos. Eu sabia desde os doze que queria ser policial.

- Então, - ela disse, sem saber como lidar com aquele comentário, - você não quis ficar em Pinecrest depois da aposentadoria?

- Não. Minha esposa faleceu há dez anos e o resto da minha família mora aqui em Jersey. Dois filhos e cinco netos.

- Que bacana – ela disse.

- Sim, é sim – ele respondeu. – Mas enfim... Como posso te ajudar, senhorita Fine?

- Bom... Você se lembra bem do caso dos meus pais?

- O suficiente, eu acredito. Lembro que seu pai estava em câmera lenta quando nós pegamos ele. Não reclamou muito, nem quis briga. Ele veio por vontade própria. Desculpe dizer isso, mas parece que ele tinha aceitado o que tinha feito e queria seguir em frente o mais rápido possível.

- Então você não tem dúvidas de que ele fez aquilo?

Simmons não respondeu imediatamente. Ele pegou a chave de fenda ao lado do micro-ondas e pensou por um momento.

- Eu nunca disse que não há dúvidas – ele disse. – Mas pelo que eu lembro, era muito claro que ele era culpado. Desculpe se não é isso o que você queria ouvir, mas é assim que eu me lembro. Agora que você está mais velha, tem alguns aspectos do caso que você pode querer saber... talvez alguns detalhes que foram mantidos fora do seu alcance quando criança. Você quer ouvir?

- Sim – ela disse, mesmo sem ter certeza de que queria mesmo.

- Bem, ele estava bêbado quando nós pegamos ele. Não acabado, não isso, mas tinha tomado um pouco. E lembre-se de que era cedo. Eu não lembro a hora, mas era antes do meio-dia. Além de você e sua irmã, ele era a única pessoa lá, e ele teve um motivo, no fim das contas.

- Motivo? – Chloe perguntou, quase ofendida. – Que tipo de motivo?

Simmons parecia desconfortável, já sem a chave de fenda na mão. O andamento da conversa claramente havia o distraído. Ele também estava tendo que voltar ao passado. E Chloe sabia o quão ruim isso poderia ser.

- Quando eu procurei os álibis—e nenhum deles funcionou bem, você sabe—nós descobrimos que ele provavelmente estava saindo com outras mulheres. Não havia evidências concretas disso, mas tudo estava bem claro. Quando nós perguntamos se era verdade, ele não negou, mas também nunca nos deu nomes.

- Vocês chegaram a ter nomes? Mulheres com as quais vocês sabiam que ele estava saindo?

- Eu não lembro. Tenho certeza que se você procurar os arquivos, vai achar alguns nomes lá. Mas, boa sorte para encontrá-los. Dezessete anos atrás, e um caso que pareceu estar resolvido desde o começo...

- Então a teoria é de que ele matou minha mãe na esperança de se libertar para poder estar com essas outras mulheres?

- Acredito que sim.

- E você tem certeza de que ele foi o culpado? – Ela perguntou novamente.

- Sentado lá com vocês duas naqueles degraus, eu queria que ele fosse inocente. Até ele basicamente admitir que estava vendo outros mulheres, eu queria isso. Mas... me desculpe, senhorita Fine. Tudo aponta para que ele seja o culpado.

- Alguém um dia se questionou de que talvez pudesse haver alguém mais lá com ele quando tudo aconteceu?

- Você quer perguntar se ele agiu sozinho? Tenho certeza que sim. Digo... com base no que eu me lembro. Já passaram-se dezessete anos. Desculpe perguntar, mas tem alguma razão específica para você vir até aqui me perguntar sobre isso depois de tanto tempo?

Chloe ficou um pouco surpresa.

- Você não viu as notícias nos últimos dias?

- Não – Simmons disse. – Eu acho que não assisto um minuto de televisão desde o caso Sandy Hook. Nem nas eleições, nem para ver os números da loteria, nada.

Chloe pensou em contar tudo para ele, mas não achou que seria útil. Como todo mundo que sabia sobre o caso de seu pai, Simmons achava que ele era culpado. E ela duvidava que ele fosse mudar sua opinião dezessete anos depois, sem nenhuma evidência sólida.

- Bom, obrigado por me atender – Chloe disse. Ela estava um pouco frustrada por sua viagem de duas horas ter terminado em uma conversa que durara menos de quinze minutos.

- Eu imagino que não te disse o que você queria ouvir, certo?

- Eu não sei o que eu estava esperando ouvir – Chloe admitiu.

Ele sorriu para ela e apontou para a casa.

- Por que você não entra e toma um chá, uma limonada ou algo assim? Talvez nós possamos falar sobre os detalhes do caso... talvez descobrir os nomes daquelas mulheres que podem conhecer seu pai.

Ela quase aceitou na hora. Mas então pensou em Danielle, sentada sozinha em casa, com a imprensa do lado de fora, e lembrou que não poderia.

- Obrigada pelo convite, mas eu preciso mesmo ir.

Simmons assentiu, como se já esperasse aquela resposta.

- Bem, espero que você encontre o que está procurando.

Eu também, ela pensou ao voltar para o carro.

Chloe sentiu-se um pouco como uma criança mimada, mas ouvir histórias de que seu pai traía sua mãe não era o que ela estava esperando daquela manhã. E com aquilo na cabeça, ela voltou para Pinecrest com mais perguntas do que respostas.


CAPÍTULO TRINTA


Chloe já estava passando da metade do caminho para casa quando recebeu uma ligação de Greene. Por um momento, ela preocupou-se com Danielle—pensando que ela poderia ter saído de casa ou tentado sair da cidade. Ou talvez que o caso Alan Short tivesse ido por terra e todas as evidências apontassem para Danielle novamente.

Ela atendeu antes que essas especulações tomassem conta de sua mente.

- Boas notícias? – Perguntou, esperançosa.

- Depende do ponto de vista – Greene disse. – A polícia de Pinecrest mandou alguns policiais à casa de Alan Short. Ele não estava. Descobriram que ele já não vai trabalhar há dois dias também.

- Seria uma má notícia, então – Chloe disse. – Ele aparentemente está tentando fugir.

- Verdade. Mas também podemos ver como um sinal de culpa—ou um sinal de que ele precisa fugir de algo. E você? Encontrou o tira aposentado? – Chloe havia avisado Greene sobre sua missão antes de deixar a cidade naquela manhã.

- Encontrei. Mas não acho que ele ajudou muito. De um jeito estranho, acho que ajudou para saber de algumas coisas daquela manhã. Simmons pareceu ter total certeza de que meu pai é culpado. Disse que ele tinha alguns casos com mulheres na cidade que basicamente provavam sua culpa.

- Bom, pelo menos você tentou, certo?

- Certo. Obrigado pela atualização. Tem certeza que não tem nada que eu possa fazer?

- Você pode voltar para casa e ficar com sua irmã o mais rápido possível. Quando saírem as notícias de que está acontecendo uma busca por um outro suspeito, os repórteres podem ir atrás de Danielle de novo, querendo saber como ela se sente estando livre. Considere essa sua primeira lição na relação com a mídia. Eles não vão parar até que a história acabe e seja enterrada de uma vez por todas.

- Obrigado pela dica – Chloe disse.

No entanto, na verdade, se mais alguns repórteres irritantes fossem o pior que ela fosse enfrentar até que aquilo tudo acabasse, seria o de menos.

Mas então seus pensamentos voltaram-se à cesta de cookies e ao bilhete.

AINDA NÃO ACABOU.

E, por alguma razão que não ela não podia explicar, o maldito bilhete estava começando a soar como uma profecia obscura.


***


Quando chegou de volta em casa, Chloe ficou aliviada ao ver que, de fato, Danielle não havia saído. Mesmo seu lado rebelde parecia ter entendido as leis mais fundamentais da segurança e do bom senso. Quando chegou, Chloe encontrou Danielle navegando na internet. O texto que ela estava lendo falava sobre o tipo de homem que Martin Shields era.

- Eu não fazia ideia de que esse babaca tinha duas passagens por dirigir sem condições – Danielle disse. – Agora eu sei porque ele sempre ficava tenso e nervoso quando dirigia.

- Bom, acho que hoje é mesmo o dia de saber coisas novas sobre pessoas que nós achávamos que conhecíamos – Chloe disse.

- Do que você está falando? O que Simmons sabia?

- Bem, ele mantém a tese de que nosso pai é culpado. Disse que ele confessou o assassinato. E disse que ele confessou muito mais, também. Que tinha pelo menos uma amante. Que aparentemente ele estava saindo com outras mulheres enquanto era casado com nossa mãe.

- Quanta besteira.

Chloe encolheu os ombros.

- Eu também queria pensar assim. Mas Simmons disse tudo muito seguro, parecia ter muita certeza.

- Não existem relatórios e arquivos sobre essa merda? – Danielle perguntou.

- Sim, mas ele disse que seria difícil encontrar. E se for preciso, acho que estou preparada para buscar. Mas não sei se nós vamos precisar mesmo disso. Eu estava pensando em algo no caminho para cá. Vamos supôr que o pai estava mesmo traindo. Em uma cidade como essa, alguém saberia. Os assuntos correm. E eu acho que um bom lugar para começar seria o clube de leitura. Alguém lá conhecia o pai e a mãe, mesmo que fosse só Tammy Wyler.

- É claro! Ela não parou de falar da porra do clube de leitura na festa do bairro! Como eu esqueci disso?

- Não se sinta mal. Eu também quase esqueci. A briga entre Steven e Martin basicamente fez desaparecer qualquer outra coisa que aconteceu naquele dia.

- Então o que você quer? Entrar no clube de leitura?

- Com certeza – Chloe disse, já pegando seu telefone. – Por que não?

Ela digitou Biblioteca Pública de Pinecrest e depois clube de leitura. Foi direcionada para o site da biblioteca. Lá, encontrou o nome do livro que o clube estava lendo atualmente (Sharp Objects, de Gillian Flynn) e quando o clube geralmente se encontrava (Terças e Quintas, às seis da tarde). Ela também encontrou um número de telefone e o contato da mulher que gerenciava o clube, uma senhora chamada Mary Elder.

Chloe tocou no número na tela e o celular fez a ligação. Ela ouviu o telefone tocar até ser atendido na terceira chamada.

- Biblioteca Pública de Pinecrest – uma mulher disse.

- Olá – Chloe disse, fazendo o possível para esconder o nervosismo e o cansaço dos últimos dias. Era difícil parecer alegre, mas ela tentou. – Gostaria de saber se há alguma maneira de entrar no clube de leitura. Preciso preencher algum formulário ou algo do tipo?

- Não, senhora – a voz tão alegre quanto a dela respondeu. – Apenas um formulário de contato onde nós perguntamos sobre suas preferências de leitura e coisas assim. Você está interessada em entrar no clube? Nós nos encontramos às terças e quintas, então você seria bem-vinda na reunião de hoje à noite. O Clube já está mais ou menos na página cem do livro atual, mas não há problemas nisso.

- Sabe, acho que vou fazer isso – Chloe disse. – Às seis, correto?

- Isso mesmo. Posso anotar seu nome para que nós possamos adiantar as coisas e lhe esperar?

Chloe disse seu nome e sentiu como se tivesse jogado uma granada na pobre senhora.

- Chloe Fine.

- Ah, tudo bem – Mary Elder disse, claramente surpresa. – Ficaremos felizes em recebê-la. – Havia algo simpático em sua voz. Chloe entendeu a reação.

- Eu sei, eu sei – ela disse. – Parece estranho mesmo. E eu não quero atrapalhar o clube. Eu só quero acabar com todo o drama, sabe? E eu escutei alguém no bairro dizendo que minha mãe costumava ir a um clube de leitura... talvez fosse esse mesmo, não sei. Acho que isso poderia ajudar.

- Ah, claro – Mary Elder disse. – Eu lembro um pouco da sua mãe, na verdade. E seria ótimo ter você conosco. Eu vou guardar um lugar para você hoje à noite.

Chloe sorriu. Ela era uma atriz melhor do que imaginava.

- Já estou ansiosa – ela disse.

Chloe encerrou a chamada e viu Danielle sorrindo para ela.

- Então você é bem mentirosinha, não é?

- Ei, eu gosto de ler.

- Eu também – Danielle disse. – Posso ir junto?

- Acho que não seria a melhor ideia. Mesmo que as notícias já tenham começado a dizer que você pode não ser culpada, você sabe como as coisas são por aqui. Eles iriam te evitar.

Danielle suspirou e levantou-se. Ela foi até a cozinha e abriu outra garrafa de vinho, mesmo já tendo tomado duas durante a tarde.

- Bom, se eu vou ficar aqui sozinha de novo, acho que você vai ter que comprar mais vinho.

Ela riram juntas—algo que pareceu estranho para ambas. Foi um som que não combinava com a casa em silêncio e com a mídia e o carro de polícia que ainda faziam barulho lá fora. Mas aquele foi o primeiro momento, desde que voltara a Pinecrest, em que Chloe imaginou que as coisas poderiam ficar bem entre elas.

Obviamente, tudo o que elas precisavam fazer agora era limpar completamente o nome de Danielle.


CAPÍTULO TRINTA E UM


A Biblioteca Pública de Pinecrest era surpreendentemente grande para o tamanho da cidade. Tinha dois andares, com o térreo basicamente dedicado aos livros infantis e adolescentes. Quando Chloe entrou, às 17:57, para participar do clube de leitura, foi direcionada para os fundos do primeiro andar por uma série de placas, com setas, que diziam CLUBE DE LEITURA.

Ela seguiu as placas e chegou a uma sala de reuniões que parecia aconchegante, com várias cadeiras arrumadas em um semicírculo. Uma pequena mesa fora colocada nos fundos, com garrafas d’água e alguns aperitivos. Algumas mulheres já haviam chegado, e estavam sentadas em algumas cadeiras e em meio a uma conversa. Uma mulher, sentada ao lado da mesa nos fundos, veio até Chloe com um sorriso no rosto.

- Olá, querida – a mulher disse. – Sou Mary Elder. Responsável pelo clube de leitura.

- Ah, prazer em conhecê-la – Chloe disse.

Mary Elder parecia ter cerca de sessenta anos. Se há vinte anos ela estava ali, não era nada impossível imaginar que ela poderia ter convivido com a mãe de Chloe.

- Estou feliz em ter você aqui. Se você precisar de uma cópia do livro, ainda temos algumas.

Chloe não tinha o livro, e nem pretendia começar a lê-lo.

- Ah, tudo bem. Eu tenho em casa, esqueci de trazer. Já li mais ou menos metade.

- Excelente! Bem, sente-se e sirva-se com alguns aperitivos. Vamos começar em breve.

Mas Chloe quase não ouviu o fim da frase. Sua atenção já estava voltada para a porta. Um rosto familiar adentrou a sala e, quando virou-se na direção de Chloe, sua expressão era de surpresa.

Ruthanne Carwile ficou ali, congelada por uns instante, como se estivesse olhando diretamente para os olhos de um fantasma. Ela entrou na sala devagar, finalmente fazendo um gesto de reconhecimento em direção a Chloe antes de sentar ao lado de um grupo de três mulheres.

Chloe foi até a mesa aos fundos, dando à sala e às presentes espaço para respirar—para agir como sempre agiam quando não havia uma estranha por perto. Ela viu pequenos grupos de amigas juntarem-se enquanto Mary Elder sentou-se no fim do semicírculo. Quando Mary sentou-se em seu lugar, as outras onze mulheres pareceram entender que a reunião estava prestes a começar.

Chloe pegou um copo d’água e encontrou um lugar para sentar. Ela ficou no lado contrário a Ruthanne, querendo manter os olhos nela. O jeito com o qual Ruthanne havia olhado para ela a fez sentir-se desconfiada. Houve um rápido momento onde Chloe pode sentir um claro desdém. Estava claro que Ruthanne não estava feliz com a presença de Chloe ali.

- Antes de começarmos a ler o livro hoje, - Mary disse, - quero apresentar nossa nova participante. E Chloe, não é para te envergonhar... nós fazemos isso com todas as novas participantes. Então, por favor, recebam todas uma mulher natural de Pinecrest que recentemente voltou para a cidade: Chloe Fine.

Houve algumas expressões estranhadas pela sala. Ninguém sabia como reagir à presença dela. Obviamente todas tinham visto as notícias e, mesmo que não fosse o caso, provavelmente todas conheciam sua história. Ela era a pessoa mais nova na sala, com a segunda colocada tendo cerca de trinta e poucos anos, ela imaginou.

Mary pareceu sentir a tensão pairar no local e fez o que pode para aliviá-la. Mas quando duas palavras saíram de sua boca, Chloe percebeu que a bibliotecária estava, sem querer, a ajudando.

- Eu lembro de quando a mãe de Chloe participava deste clube – ela disse. – Ela sempre foi inteligente, alguém divertida de se estar por perto, Chloe. Eu feliz em ter você aqui e espero que você possa trazer tantas ideias quanto sua mãe trazia.

- Vou fazer o possível – Chloe disse. Depois, ela olhou em volta da sala e tentou fazer sua expressão mais simpática—não entristecida, mas algo próximo de reflexiva. – Se você me permite perguntar, alguém mais aqui nessa sala já participava do clube quando minha mãe estava aqui?

Ela sabia que se alguém na sala fosse sentimental, essa pessoa falaria. Ela odiava brincar com as emoções das pessoas, mas podia apostar que as notícias recentes as fariam imaginar que ela estava ali principalmente para fugir do drama de sua irmã e, talvez, encontrar memórias de sua mãe em busca de paz.

Como esperado, a tática funcionou.

Duas mulheres levantaram suas mãos, e nenhuma delas era Ruthanne Carwile.

- Eu fazia parte do clube quando Gale participava – uma das mulheres disse. – E Mary está certa... ela amava ler. Sempre trazia ideias de livros que eu nem sonhava que existiam. E às vezes ela trazia um molho de queijo que ela mesma fazia. Era delicioso.

- Meu Deus – a outra mulher disse. – Eu quase tinha me esquecido do molho de queijo de Gale Fine.

- Sabe – Mary disse. – Acho que ela também voluntariava algumas horas na semana para ajudar as crianças com problema de leitura. Tenho que olhar os registros para ter certeza, mas acho que—

- Ela ajudava sim – Ruthanne disse. Sua voz parecia pouco animada e ela não olhou para Chloe.

Qual é a dela? Chloe imaginou.

- Acho que sim – Mary disse.

O silêncio tomou conta da sala novamente. Aquela tensão sinistra pareceu mais forte dessa vez, e fez Ruthanne se levantar. Ela olhou em volta da sala como se pedisse desculpas, encarando Chloe apenas por uma fração de segundo.

- Desculpem – ela disse. – Me deem licença um momento. – Ruthanne então saiu do semicírculo, deixou seu livro e, rapidamente, saiu da sala.

- Perdão por perguntar, querida – a outra mulher que havia mencionado o molho de queijo disse. – Do que você se lembra sobre ela? – Ela fez um gesto com a cabeça apontando para a porta, indicando que estava falando sobre Ruthanne.

- Pouca coisa. Eu encontrei ela na festa do bairro em Lavender Hills e lembrei de algumas coisas. Ela saía com a mãe de vez em quando, eu acho. Eu e Danielle assistíamos a desenhos animados na sala dela. E eu acho que ela fazia queijo grelhado para nós algumas vezes quando ela e minha mãe saíam.

- Ruthanne passou por momentos difíceis quando sua mãe morreu – Mary disse. – Ela parou de vir ao clube por cerca de seis meses. Foi estranho, porque ninguém sabia que elas eram tão próximas. – Mary então parou e olhou pela sala. – Querida, sinto muito. Não sei como começamos a falar só sobre você e sua mãe. Sinto que estamos colocando você em uma emboscada aqui.

- Não, não, não mesmo. Na verdade eu gosto disso. Na verdade, se você não se importar, eu tenho mais uma pergunta que eu esperava que alguém pudesse responder.

Ninguém fez um sinal positivo, mas ninguém disse que não. Então, Chloe fez a pergunta.

- Perto do fim de sua vida, teve algo que minha mãe disse ou fez que pudesse fazer alguém pensar que ela estava assustada ou com problemas?

Claramente, aquela pergunta foi um pouco demais para algumas pessoas na sala. Algumas pessoas estavam folheando seus livros, inclusive até estudando suas anotações. Na verdade, apenas Mary Elder e a mulher que Chloe agora via como “a senhora do molho de queijo” pareciam interessadas.

- Não, não mesmo – Mary disse. Então, ela olhou para a porta por onde Ruthanne acabara de sair. – Eu... bem, eu não sei se esse é o momento e lugar adequado para falar sobre essas coisas.

- Eu entendo – Chloe disse, sentindo a janela da oportunidade se fechar. Se eu pudesse—

- Houve boatos - a senhora do molho de queijo disse. – Sobre seu pai. Com todo respeito, você não está trabalhando no FBI? Imagino que qualquer coisa que dissermos sobre ele, você já deve ter descoberto sozinha. Dito isso... sim, houve boatos. Boatos de que seu pai tinha uma amante.

- Sim, eu sei desses boatos.

A senhora do molho de queijo então olhou para a porta. Ela não disse nada, mas o gesto foi mais do que suficiente para que Chloe ligasse os pontos.

Houve boatos de que seu pai estava tendo um caso com Ruthanne Carwile.

Foi nesse momento que Chloe levantou-se e se desculpou. Ela olhou para Mary Elder com um olhar sincero de desculpas. Qualquer ideia que ela tivesse de ir até lá naquela noite e, de fato, aproveitar o clube de leitura, estava destruída.

- Desculpe – ela disse. – Acho que vou precisar sair também.

- Chloe – Mary disse. – Espere um pouquinho.

Ah, eu até queria, ela pensou ao sair do semicírculo. Ao ir em direção a porta, pensou em algo—uma ideia simples e ao mesmo tempo chocante, que poderia a levar a algum lugar.

Antes de sair, Chloe caminhou por trás do semicírculo, até o lugar onde Ruthanne estivera sentada. Ela pegou a cópia de Sharp Objects que Ruthanne deixara ali. Seus olhos encararam rapidamente o pequeno pedaço de papel que estava entre as páginas.

- Vou devolver isso para ela – Chloe disse.

Poucas mulheres a olharam, e as que a encararam pareciam assustadas e confusas. Com isso, Chloe saiu e correu para seu carro. Ela nem se preocupou em procurar por sinais de Ruthanne no estacionamento. Sentou ao volante e abriu o livro. Com a luz da tarde indo embora, folheou as páginas com uma intuição.

Encontrou o que estava procurando na parte de trás do livro. Era uma pequena folha de caderno, com alguns bilhetes sobre o livro rabiscados. A letra era bastante legível.

Com o coração batendo mais rápido, Chloe colocou o livro no banco do passageiro e ligou o carro. Ela seguiu para o FBI, sentindo-se confiante e sabendo que teria muito espaço para trabalhar no laboratório àquela hora.

Saindo da biblioteca, ela ligou para Greene. Sua intuição era tão forte que ela precisava de alguém um pouco mais experiente a seu lado. Greene atendeu rapidamente, parecendo esperançoso, mas um pouco distante.

- Dia produtivo? – Ele perguntou.

- Acho que pode ter sido – ela disse. – Você está disponível agora?

- Acabei de jantar com minha família. Do que você precisa?

- Tem alguma chance de você me encontrar no laboratório logo? Tenho algo que acho que pode valer a pena investigar.

- Me dê uma hora. E por favor não me entenda errado, mas tente não se envolver com o caso. Finja que sua irmã não está envolvida. Valeria a pena investigar mesmo assim?

Chloe estava pensando na cesta de cookies que fora colocada na varanda, escondendo um simples bilhete.

Um bilhete com uma caligrafia muito precisa.

- Com toda certeza – ela respondeu.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Quando Chloe chegou ao laboratório, Greene ainda não estava lá. Ainda faltavam quinze minutos para completar a hora que ele havia pedido. Ainda assim, Chloe encontrou um espaço na sala (havia apenas um outro estagiário trabalhando no laboratório inteiro, fazendo algo com uma luva velha) e se preparou. Ela pegou as anotações de Ruthanne Carwile da cópia de Sharp Object e colocou-as ao lado do envelope que continha a carta que chegara com a cesta de cookies.

Ao tirar a carta do envelope, Chloe sentiu-se como se estivesse passando por uma porta—e aquela porta poderia fechar atrás dela e trancá-la nesse novo lugar. E estava tudo bem por ela. Porque esse novo lugar era um mundo onde seus estudos de análises de caligrafia e sua excelência nisso não serviriam apenas para praticar. Ela usaria essa habilidade agora para algo que poderia fazer muito bem a Danielle.

Ela escaneou amostras das duas caligrafias, primeiro a carta, depois as anotações. Depois, colocou-as na nuvem e ligou seu iPad. Abriu as amostras lado a lado e, em cinco segundos, teve certeza de que se tratava da mesma caligrafia. Claro, como uma estagiária que já estava ganhando liberdade demais, ela precisava da confirmação de Greene.

Enquanto esperava, tentou imaginar porque Ruthanne Carwile enviaria cartas ameaçadoras a Danielle. Faria sentido se tratasse-se de alguém mais jovem, alguém como Kathleen Saunders, que havia frequentado o ensino médio com elas. Mas Ruthanne era muito mais velha, cinquenta e pouco anos—a idade que sua mãe teria se estivesse viva.

Então talvez tenha algo aí, ela pensou. Ruthanne conhecia minha mãe bem o suficiente para beber com ela enquanto Danielle e eu assistíamos desenhos na sala dela. Com tanta familiaridade, quão bem ela conhecia nosso pai?

O pensamento que passou por sua cabeça foi de que, de fato, Ruthanne era com quem seu pai tivera um caso. Isso explicaria porque Ruthanne havia saído tão rapidamente do clube de leitura quando o assunto da conversa passara a ser os pais de Chloe.

Ela tentou pensar em uma maneira de descobrir se aquilo ajudaria em algo. Estava prestes a ligar para Danielle e contar a teoria—e talvez perguntar se houve algum momento estranho com Ruthanne na adolescência ou depois de sua volta para Pinecrest—quando o Agente Greene entrou pela sala.

- Então, onde estamos? – Ele perguntou, sentando-se ao lado dela à frente da mesa.

Rapidamente, Chloe contou sobre seu dia, falando sobre todos os detalhes, desde a conversa com Clarence Simmons até encontrar as anotações no livro de Ruthanne. Depois, contou a ele sobre a cesta de cookies encontrada na varanda na noite anterior.

- Eles devem ter estudado muito bem o lugar – Greene disse, um pouco desapontado. – Devem ter analisado as trocas de turno dos agentes do lado de fora para conseguir entrar no seu quintal. Vou ter que relatar isso à polícia de Pinecrest. É inaceitável.

- Sim, mas tudo bem por agora. Olhe... Eu escaneei as anotações de Ruthanne Carwile e coloquei ao lado da carta que chegou ontem à noite.

Ela mostrou a ele a tela de seu iPad com as duas imagens lado a lado.

- Para mim, - ela disse, - temos pelo menos quatro similaridades que fazem as duas caligrafias serem iguais. Mas acho que a maior de todas é o jeito como ela termina os Rs desconectados.

Então, ela aproximou a letra R na carta: AINDA NÃO ACABOU (IT’S NOT OVER, em inglês).

O R era maiúsculo, assim como na anotação do livro, que dizia: CRESCIMENTO X MEDO (GROWTH VS. FEAR, em inglês).

Ela flagrou Greene sorrindo, enquanto ele assentiu.

- E para você, qual seria a segunda maior similaridade aqui? – Ele perguntou, desafiando-a.

Mesmo em um momento de agitação como esse, ela não se importou com o desafio dele. Aquilo a manteve focada e a fez distanciar-se um pouco de sua relação pessoal com o caso.

- Eu diria que a forma alongada do O maiúsculo, ou o jeito como ela escreve o apóstrofo de forma mais reta. – Ela apontou para o apóstrofo em IT’S na carta e em várias situações nas anotações.

- Fico feliz em dizer, - Greene disse, - que mesmo sabendo que isso ainda precisa passar por um exame mais minucioso, temos mais do que suficiente para dizer que Ruthanne Carwile é a pessoa que tem enviado essas anotações para sua irmã. Mas temo que isso não vá ajudar basicamente em nada para provar a inocência de Danielle. Ainda assim... excelente descoberta.

- Então, quão rápido podemos seguir com isso? – Ela perguntou.

- Sempre ansiosa – Greene disse, rindo. – Vou ligar para o Johnson e contar tudo a ele. O fato dessa última carta ter sido enviada enquanto sua irmã estava sob investigação de um assassinato deixa tudo muito ruim para a senhora Carwile. E enquanto eu ligo, você dirige.

- Para onde?

- Para onde essa mulher mora. É no seu bairro, não é? Baseado nessa análise de caligrafia, temos o suficiente para, pelo menos, trazê-la para um interrogatório. Se nós quisermos ir além, podemos processá-la por interferir em uma investigação federal de assassinato. Sério, Fine... excelente trabalho.

Chloe aceitou o elogio, mas guardou-o para depois. Em sua mente, ela viu sua casa e depois as ruas que conectavam todo o bairro de Lavender Hills. Danielle estava em sua casa, sozinha, esperando por uma novidade. Enquanto isso, uma rua para trás e uma quadra ao sul, Ruthanne Carwile estaria sentada em sua própria casa, talvez pensando na próxima carta ameaçadora que escreveria para sua irmã.

A imagem era assustadora de um jeito inexplicável. E também a irritava muito.

- Sim – ela disse, largando o iPad e se levantando. – Vamos atrás dela.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS


Chloe olhou para Ruthanne através do vidro espelhado. A mulher parecia um cachorro sendo repreendido, jogado em uma gaiola, sem saber em quem confiar. Houve um breve momento humano em que Chloe sentiu-se mal por ela. Estava claro que Ruthanne Carwile jamais esperara passar um segundo sequer de sua vida privilegiada em uma sala de interrogatórios. Ela estava olhando pela sala como se tivesse entrado em outro mundo.

Havia dois homens na sala com ela—uma policial em pé ao lado da porta com os braços cruzados, e um detetive de Pinecrest, chamado Peterson. A presença deles parecia abalá-la. Chloe e Greene haviam ido até sua casa e, portanto, ela esperava encontrar um rosto familiar durante o interrogatório.

- Eu vou poder falar com ela? – Chloe perguntou.

- Não, a não ser que seja completamente necessário – Greene disse. – Pense nisso... ela tentaria usar o fato de que conhecia sua mãe contra você. Ela pode até se defender o bastante para fazer você se sentir pequena—fazer você se sentir como aquela garotinha que sentava na sala dela para assistir TV.

Chloe assentiu. Ela também já havia pensado naquilo. Estava nervosa, mas não o quanto imaginou que estaria. Ela já havia interrogado dois suspeitos antes, durante seu treinamento. Até aquele dia, ela tinha quase certeza de que um deles era falso, apenas um teste durante seu curso. Mesmo assim, se precisasse mesmo falar com Ruthanne, ela sentia que poderia fazer um bom trabalho.

Ela e Greene assistiram a Peterson fazer um ótimo trabalho no interrogatório. Ele não foi hostil, mas houve um senso de urgência em cada palavra que saiu de sua boca.

Ele tinha em mãos cópias impressas do que Chloe havia escaneado. Ao colocá-las na mesa, Ruthanne olhou para elas e revelou, no mesmo momento, que tinha uma das piores expressões de cinismo do mundo.

- Nós sabemos, com certeza, de que uma dessas é sua – Peterson disse. – E após escaneá-las e colocá-las lado a lado, parece que as duas são suas. Você gostaria de tentar dizer qual é qual?

Ruthanne apontou para o papel, escolhendo o lado direito.

- Essas são minhas anotações do clube de leitura. Estavam no meu livro.

- Sim, correto – Peterson disse. – E essa outra aqui? E essa pequena frase? Ainda não acabou. O que quer dizer?

Ruthanne balançou a cabeça.

- Não sei. Isso não estava nas minhas anotações.

- Ah, eu sei disso – Peterson disse. – Olhe só, esse bilhete foi entregue a Danielle Fine ontem à noite, enquanto ela estava na casa da irmã. E nós estamos perguntando sobre isso para você porque até você mesma pode com certeza ver o quão parecidas as letras são.

- Sim, são mesmo. Mas eu não escrevi isso.

Peterson assentiu e deu a ela outro pedaço de papel. Estava escuro através do vidro, mas Chloe pode ver que tratava-se de uma foto de Martin Shields.

- Esse homem te parece familiar? – Peterson perguntou.

Ruthanne assentiu e disse:

- Sim. Ele estava na festa do bairro em Lavender Hills na semana passada. Entrou em uma briga com o noivo de Chloe Fine.

- E você sabia que ele apareceu morto alguns dias depois?

- Sabia sim. Uma das minhas amigas soube e me contou.

- Você chegou a falar ou ver o senhor Shields em algum momento antes da festa? – Peterson perguntou.

- Não, senhor.

Chloe estava analisando-a de perto. Ver o rosto de Ruthanne era quase como um estudo de caso sobre reconhecimento de sinais faciais. Quando ela falava a verdade—quando negava algo ou realmente queria dizer aquilo—o alívio era evidente em seu rosto. Mas quando mentia, suas respostas eram rápidas e seu rosto ficava tenso, como se ela estivesse sentindo um cheiro ruim.

- E você falou com ele durante a festa do bairro?

- Acho que não. E se falei, não foi mais do que um olá, prazer em conhecer você.

Peterson inclinou-se para trás na cadeira e assentiu, de uma forma simpática. Chloe percebeu que ele era muito bom em seu trabalho. Ele estava fazendo parecer como se pensasse que era um erro ter tirado aquela pobre e inocente mulher de casa para responder perguntas tão idiotas.

- Agora, eu sei que você conhece Chloe Fine e sua irmã desde quando elas eram crianças... que você era amiga da mãe delas.

- Fomos amigas por um tempo, sim. Não muito próximas, mas bebíamos juntas às vezes.

- As garotas às vezes assistiam a desenhos animados na sua sala enquanto você ficava com a mãe delas na varanda, correto?

- Correto – Ruthanne disse. A expressão em seu rosto deixava claro que ela não estava confortável com o rumo que aquela conversa estava tomando.

- Você lembra de que tipo de conversas você tinha com ela?

Ruthanne contorceu-se um pouco na cadeira e pensou por um momento na resposta.

- Na verdade não. Provavelmente coisas do trabalho. Reclamações sobre trabalho, casamento, essas coisas.

- A senhora Fine não estava feliz com seu casamento?

Ruthanne encolheu-se ao ouvir a pergunta.

- Às vezes ela não estava.

- E você esteve ao lado dela nessas horas? Ela chegou a ir até sua casa buscando falar sobre isso na varanda?

- Não.

- Você sabe por que não?

- Desculpe – Ruthanne disse. – O que isso tem a ver?

Dessa vez foi Peterson quem se mexeu na cadeira, sem gostar de ter sido interrompido. Mais uma vez, ele empurrou as análises de caligrafia para perto dela.

- Bem, eu estou tentando descobrir porque alguém mandaria bilhetes tão maldosos para Danielle Fine. Veja só... essa carta não é a primeira. E isso significa que nós temos pelo menos mais cinco cartas que podemos escanear e comparar com as anotações do seu livro. E eu tenho que lhe dizer, senhora Carwile... baseado apenas nessa comparação aqui, acho que nós vamos encontrar muita coisa.

- Eu não escrevi esse bilhete – ela disse. Mas, quase chorando, ela já não conseguia olhar para o papel.

- Tem certeza? – Peterson perguntou. – Porque a questão e a seguinte... quem deixou esse bilhete nos fundos da casa de Chloe Fine o fez enquanto Danielle era parte de uma investigação de assassinato. Isso faz com que essa carta seja mais do que só um bilhete ameaçador. Faz com que seja uma interferência em um caso federal. E isso rende uma boa multa... Quem sabe até um tempo na cadeia. Então eu quero resolver isso o mais rápido possível. Se quem escreveu essa nota se entregar agora e emitir um pedido de desculpas para Danielle Fine, acho que o problema pode ser resolvido sem muito alarde. Então deixe-me perguntar mais uma vez antes das coisas piorarem... você escreveu esse bilhete e os outros antes desse?

Ruthanne respondeu em meio a um soluço que pareceu surpreendê-la ao sair de sua garganta. Ela deu um tapa nos dos papeis que Peterson colocara na mesa.

- Sim – ela disse. – Eu enviei esses bilhetes.

Peterson esperou um momento antes de continuar.

- Você pode me dizer por que?

Ela balançou a cabeça.

- Foi uma idiotice. Eu nunca gostei daquela garota. E ela estar em Pinecrest, voltando após decepcionar em outro lugar, me lembrou...

Ruthanne pareceu dar-se conta de algo de repente. Ela levantou-se e olhou pelo vidro.

- Chloe está ali atrás? – Ela perguntou a Peterson. – Chloe, me desculpe. E você pode dizer a Danielle que eu sinto muito. Sinto pelos bilhetes. Fui estúpida e imatura...

- Certo, agora por favor tente acompanhar meu raciocínio – Peterson disse. – Você enviou essas cartas para Danielle, pelo que você diz, por motivos estúpidos. Ciúme, talvez? Ou talvez você só não goste dela. Honestamente, eu não me importo. E agora que você admitiu, isso não interessa. No entanto... parte do meu trabalho é tentar encontrar sentido nas coisas. E se você conhece a mãe de Chloe e Danielle –Gale Fine—e mandou essas mensagens para Danielle dezessete anos depois, eu fico tentando imaginar porque. Olhe, nós descobrimos que existe uma teoria sólida de que Aiden Fine estava tendo pelo menos um caso com outra mulher. E mesmo sem ter nomes, poderia ser alguém que talvez passasse tempo com a esposa dele, aprendendo sobre ele e seu dia a dia...

- Com certeza não – Ruthanne disse. Ela disse rapidamente, mas um pouco chocada. Ainda assim, Chloe não estava segura de que ela estava falando a verdade.

- Certo, eu acredito em você – ele disse, ainda que Chloe não tivesse certeza de que ele acreditava. – Você lembra onde você estava no dia em que Gale Fine foi morta?

- Estava em casa. Lembro de receber a ligação, mas não lembro de quem. Ouvi que ela tinha sido assassinada, que ele estava a caminho da prisão, e que as meninas foram mandadas para a casa dos avós.

- Então deixe-me lhe perguntar isso, então – Peterson disse. – Tudo isso aconteceu em Pinecrest. A morte, as garotas sendo cuidadas pelos avós... sua amizade com a mãe delas. Há quanto tempo você mora em Pinecrest?

- Muitos anos - ela disse. – Eu vim de Boston para Pinecrest com meu primeiro marido. Quando nós nos divorciamos, eu quase me mudei para Baltimore. Mas encontrei um homem enquanto procurava uma casa, e ele morava em Pinecrest. Nós nos casamos e compramos uma casa em Pinecrest, então eu fiquei por aqui.

- Mas você e seu marido... seu segundo marido, no caso, não estão mais juntos, certo?

- Certo. Nós nos separamos no ano passado. Ele foi para o Texas e me deixou com a casa.

- Foi aí que você começou a mandar os bilhetes para Danielle Fine?

Ruthanne balançou sua cabeça.

- Eu comecei a mandar as cartas há uns seis meses.

- E você não tem um bom motivo para isso?

- Não.

Ela está mentindo, Chloe pensou.

Do outro lado do vidro, Peterson levantou-se e olhou para baixo, para Ruthanne.

- Deixe-me checar algumas coisas - ele disse. – Eu acho que posso te livrar disso em um piscar de olhos no que diz respeito a essas cartas. Espere aqui, ok? Vou te tirar daqui o mais rápido possível.

O alívio no rosto dela foi tão claro quanto chocante. Ela está escondendo algo, Chloe pensou.

Peterson saiu da sala de interrogatório e veio até a pequena área de observação. Ele juntou-se a Chloe e Greene, olhando para Ruthanne pelo vidro.

- Então, - ele disse, – ela está mentindo descaradamente. Só não sei dizer sobre o que.

- Ela sabe mais do que está falando – Chloe disse.

- Com certeza – Peterson respondeu.

- Isso também me faz pensar que talvez ela conhecesse seu pai melhor do que está dizendo – Greene disse. – Ou seus avós.

- E se ela souber o que realmente aconteceu com minha mãe? – Chloe perguntou. – Ela pode ter respostas para tudo...

Greene se mexeu ao sentir o celular tocar em seu bolso. Ele o pegou e leu a mensagem que acabara de chegar.

- Talvez ela tenha – Greene disse. – E nós podemos começar a investigar se você quiser. Acabei de receber a notícia de que o mandado para investigar a casa dela foi aprovado.

Chloe olhou para a mulher de aparência inofensiva do outro lado do espelho. Ela mal lembrava daquela mulher em sua infância, mas lembrava-se bem de sentar em frente à TV dela com Danielle.

Será que Ruthanne escondia segredos desde então?

Chloe deixou um pequeno sorriso escapar quando seguiu em direção à porta. Greene rapidamente agradeceu Peterson por seu trabalho e a seguiu. Chloe não tinha certeza, mas achava que ele estava tão ansioso quanto ela para desvendar toda aquela história.


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Eles subiram os degraus da varanda de Ruthanne enquanto uma das últimas noites de verão ficava para trás. Havia uma luz vermelha no horizonte. Chloe viu Greene, espertamente, abrir a fechadura e a trava. Passaram-se menos de vinte segundos e então eles estavam entrando na casa de Ruthanne.

O lugar estava meticulosamente limpo e cheirava a uma mistura de limão a baunilha. Era uma das menores casas da rua, mas era muito linda por dentro. A porta da frente levava a um pequeno hall, com o teto alto. Dali, eles passaram por uma entrada onde, à direita, iriam para a cozinha, e à esquerda, chegariam à sala.

Chloe ficou ao lado de Greene, sem ter certeza ainda do que eles estavam buscando. Se ela sabe a verdade sobre minha mãe, que forma essa verdade teria? Se fosse mais do que apenas conhecimento, se fosse algo tangível, o que seria?

- Você consegue pensar em algo que sua mãe pode ter dado para essa mulher quando elas eram amigas? – Greene perguntou.

- Não. Na verdade eu mal me lembro dela.

- Então, baseado no que nós sabemos e presumimos, o que você acha que devemos procurar?

- Se você quer uma resposta imediata, eu não sei – ela disse. – Se nós pudéssemos encontrar um computador, acho que teríamos que pegá-lo. Talvez possa ter documentos, recibos ou... não sei. Alguma coisa. Ou talvez poderíamos olhar os e-mails. O telefone seria a melhor escolha, mas está com ela na polícia.

- Eu vou te dar dez minutos para analisar o local – Greene disse. Com isso, ele pegou seu telefone e começou a rolar pelos contatos. – Enquanto isso, vou ligar para Peterson e ver como ele pode fazer para pegar o telefone dela. Mas nós teríamos que, basicamente, acusar ela de algo. E nesse momento, seria difícil.

Chloe novamente viu-se apreciando o fato de Greene estar permitindo que ela aprendesse muito sem qualquer impedimento. Mas ao mesmo tempo, ela sabia que precisava investigar a casa de Ruthanne e iniciou a busca. Analisou a sala e viu um notebook em cima de uma mesa de café. Imaginou que valesse a pena tentar, mas ao abrir, deparou-se com uma tela pedindo uma senha. Franzindo a sobrancelha, Chloe largou o objeto e seguiu pela casa.

Ela chegou a um pequeno corredor que continha apenas um closet para casacos, um banheiro e uma escada para o segundo andar. A escada a levou a outro corredor. Esse continha outro banheiro e dois quartos. O primeiro quarto era bem menor e estava cheio de caixas. Chloe olhou as caixas e encontrou uma variedade de coisas que a fez pensar se Ruthanne estava recentemente pensando em se mudar de Pinecrest. Havia livros, uma cafeteira, caixas aberta de papel higiênico, absorventes, cotonetes e outros acessórios para banheiro. Também havia várias caixas de roupas que haviam sido dobradas e empacotadas.

Chloe saiu desse quarto e entrou em outro. Esse era maior, e estava perfeitamente limpo, tanto quanto o restante da casa. Uma cama queen-size ficava no centro do quarto, encostada na parede dos fundos. No canto direito, havia uma pequena escrivaninha. Um iPad e alguns livros estavam sobre ela. Ao lado, havia uma pequena estante, que ajudava a organizar cartas, papeis, correspondências e afins.

Chloe encontrou exatamente o mesmo tipo de envelopes e pequenos selos dourados que havia sido usados nas cartas para Danielle. Ela mexeu neles, pensando que talvez Ruthanne pudesse já ter escrito outra carta, mas só encontrou páginas em branco.

Havia um pequeno armário ornamentado debaixo da mesa. Era o tipo de objeto que parecia ser mais para decoração do que para qualquer outra coisa, feito de vime e botões de bronze, com babados. Não tinha mais do que 60 centímetros de altura, cabendo perfeitamente debaixo da escrivaninha. Chloe ficou de joelhos e abriu as duas primeiras gavetas. Encontrou fotos, algumas delas mostrando Ruthanne com um homem que Chloe imaginou ser um dos ex-maridos dela. A julgar pelas roupas, as fotos não pareciam ter mais do que dez anos.

Nos fundos da gaveta, ela encontrou um álbum de fotos de aparência desgastada, do tipo colecionável, que só tinha uma ou duas páginas.

Ela abriu e quase deixou-o cair.

Havia uma foto de seus pais na primeira página. Sua mãe estava sorrindo muito enquanto seu pai dava um beijo na bochecha dela. Com os dedos tremendo, Chloe virou a página. Dessa vez, a foto mostrava apenas seu pai. Ele não estava olhando para a câmera, seu olhar seguia uma pequena garota....

Danielle ou eu, ela pensou. Ela já tinha visto fotos suficientes de sua infância para reconhecer o cabelo loiro encaracolado.

- O que é isso? – Ela disse.

Chloe seguiu folheando e viu mais três fotos de sua família. Sua mãe aparecia em apenas mais uma delas. O ponto principal das fotos era, sem dúvidas, seu pai.

Ela virou para outra página e, de repente, pareceu voar no tempo. Viu seu pai novamente, mas mais velho. Seu cabelo estava ficando grisalho e seus olhos pareciam cansados. Mais do que isso, aquela parecia ser uma selfie. Havia uma parede de concreto atrás dele, com rachaduras, provavelmente uma cela ou algum tipo de sala de recursos na prisão.

Ele tinha pelo menos quarenta anos nessa foto, Chloe pessoa. Meu Deus... é recente. Talvez muito recente.

Havia mais duas fotos recentes de seu pai. Uma mais chocante do que a outra. Chloe odiava admitir, mas sentiu uma vontade intensa de chorar. Sim, ela e Danielle haviam tomado a decisão de fingir que ele já não existia—mas isso fora depois de que ele começara a ignorá-las. Vê-lo no presente, enviando fotos de si mesmo para alguém que elas mal conheciam... parecia obsceno.

Ela chegou ao fim do álbum e imediatamente olhou a gaveta de baixo. A única coisa dentro dela era uma caixa de lembranças velha, de cartões. Havia uma pequena trava decorativa que a mantinha fechada. Chloe quebrou a trava e apressou-se em abrir a caixa.

Dentro, encontrou vários pedaços de papel dobrados. Mas em cima de todos eles, havia um telefone. Era um iPhone, cerca de dois modelos mais antigo do que o mais recente. Ela tentou ligá-lo. Esperou a marca da Apple aparecer e a barra de carregamento começar a ser preenchida.

Enquanto esperava, pegou um dos papeis dobrados aleatoriamente. Desdobrou e encontrou linhas no lado direito, que formavam uma carta e ocupavam metade da página. Ela mal perdeu tempo em ler a carta em si. Seus olhos viraram-se diretamente para a assinatura.

Uma pequena lágrima de choro caiu de seus olhos ao ver o nome de seu pai.

 

***


- Agente Greene!

Ela chamou o nome dele, sem se preocupar com sua voz emocionada e estando prestes a chorar de verdade.

- A caminho! – Ele disse. Ele parecia preocupado, e Chloe ouviu seus passos subindo as escadas.

Enquanto esperava por ele, ela olhou novamente para as cartas. Sem contar, supôs que havia pelo menos vinte no total. Olhou a carta mais de perto antes de chegar ao nome de seu pai novamente. Algumas das palavras que ela leu diziam: nunca a amei, alma gêmea, tudo por você, estaremos juntos novamente logo e amor mais profundo.

Ela queria rasgar a carta em pedaços. Talvez teria feito isso, se Greene não tivesse entrado no quarto naquele momento.

- O que é isso? – Ele perguntou, com a mão em sua arma. Chloe supôs que sua voz o alarmara de verdade.

- Ela estava mesmo tendo um caso com ele. Está aqui... nessas cartas. Não sei de quanto tempo elas são, mas alguns desses papeis parecem velhos e desgastados. E tem isso aqui também - ela disse, entregando o álbum para ele. – Tem fotos da minha família aqui e... e fotos recentes do meu pai.

- E isso aqui? – Greene perguntou, pegando o iPhone velho.

- Ainda não olhei.

O telefone já havia ligado, permitindo que Greene o analisasse. Ele foi até as fotos e encontrou a galeria vazia. Depois, procurou mensagens, mas também não encontrou nada. Mas quando viu o histórico de chamadas, encontrou o que procurava. Ele mostrou a tela para Chloe. Ela viu seis chamadas, todas para o mesmo número.

- Você reconhece esse número? – Greene perguntou.

- Não. Mas todas elas foram feitas no mesmo dia... na terça-feira dessa semana.

- O dia que Martin Shields foi assassinado – Greene disse, finalizando o pensamento dela.

Sem dizer mais nada, Greene pegou seu telefone no mesmo momento e fez uma ligação. Chloe mal escutou, pegou outra carta na mão e leu. Dessa vez, palavra por palavra.


Ruthie,

Foi ótimo te ver semana passada, mesmo através daquele vidro sujo. Não consigo expressar o quanto significa para mim saber que você ainda vem até aqui me ver. Mas lembre-se... mais um ano ou dois e não haverá mais espera. Nem mais viagens longas. Eu vou estar com você o tempo todo.

Eu penso em você o tempo todo. Minhas noites ficam mais compridas, mas tudo bem. Você é a única razão que me faz querer sair logo daqui. Dois anos... Dois míseros anos. Você pode me esperar, certo? Espero que sim.

Me responda quando puder. E se não for pedir demais, você pode me mandar mais uma das suas fotos “especiais”? Talvez alguma com aquele laço preto dessa vez?

Saudades,

Aiden


Havia muita coisa na carta para ser processada. Para começar... dois anos. Por que dois anos? Ela tinha certeza de que sabia o que aquilo queria dizer, mas... como?

Greene havia desligado o telefone. De longe, Chloe sabia que ele havia ligado para alguém no FBI para rastrear o dono do número encontrado no celular.

- Encontrou algo? – Ele perguntou.

Ela assentiu e entregou a ele a carta que acabara de ler.

- Você pode fazer uma ligação e descobrir qual o status atual do meu pai? Eu nunca me preocupei com isso... Sempre pensei que ele fosse apodrecer na prisão. Fui muito ingênua?

- Não sei o suficiente sobre o caso para ter certeza – Greene disse, olhando para a carta. – Senhor, Chloe... isso é horrível. Sinto por você estar remexendo em tudo isso.

- Eu não – ela disse. Mas ela estava, no entanto, imaginando como seria difícil contar a Danielle tudo o que descobrira durante aquele dia.

Quando o telefone de Greene tocou, os dois se assustaram. Ele olhou para tela e disse:

- Eles já devem saber quem é o dono do número.

Ele atendeu e Chloe esperou pacientemente, ouvindo apenas o lado da conversa de Greene.

- Foi rápido, ein? – Houve uma pausa e então, muito devagar, Greene acrescentou: - Você pode repetir por favor?... Sim, tudo bem. Obrigado.

Ele encerrou a chamada e olhou para Chloe.

- Pegue essas cartas e tudo o que você encontrou. Vamos usá-las como prova. Ela está muito fodida.

- Por quê? – Chloe perguntou. – Greene... de quem é aquele número?

Ele sorriu, como se não acreditasse em sua sorte. – Parece que Ruthanne Carwile tem usado aquele telefone velho para ligar para Alan Short.

Chloe não levou nenhum segundo para ligar as pontas. Alan Short—o homem que, de alguma maneira, havia deixado seu sangue debaixo das unhas de Martin.

- Cacete! – Ela disse.

- Temos o suficiente para uma acusação de conspiração – Greene disse. – E se nós fizermos a coisa certa, provavelmente será suficiente para libertar sua irmã de vez.

Danielle, Chloe pensou, novamente triste pelo fato de que teria que contar tudo à irmã.

Mas, primeiro, ela precisava lidar com Ruthanne. E, na verdade, Chloe mal podia esperar para ver o olhar no rosto daquela vadia quando jogasse as cartas e fotos na cara dela.


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Mais cedo, Chloe havia pensado que Ruthanne parecia um cãozinho amedrontado na sala de interrogatórios. Mas agora, ao ser forçada a assistir tudo do outro lado do vidro novamente, era Chloe quem se sentia como um cachorro. Ela imaginou que era daquele jeito que um cão se sentia quando ficava acorrentado a um poste, querendo muito ir atrás do gato no fim da rua, latindo até doer a garganta.

Tudo estava ainda pior porque ela estava sozinha na sala de observação. Greene havia se juntado a Peterson na sala de interrogatório. Enquanto Chloe assistia, os dois homens estavam em pé, no lado oposto da mesa a Ruthanne. Greene segurava um envelope debaixo do braço. Ruthanne havia percebido, e não conseguia tirar os olhos dele.

Peterson não perdeu tempo com besteiras dessa vez. Ele inclinou-se sobre a mesa, diminuindo significativamente o espaço entre eles.

- Eu vou perguntar pela última vez... e eu quero que você pense bastante na resposta – ele disse. – Você, em algum momento nos últimos vinte anos ou por aí, teve um caso com Aiden Fine?

Ruthanne não conseguiu responder. Seus lábios estavam tremendo e ela seguia olhando para o envelope. Vendo isso, Chloe teve certeza de que Ruthanne sabia o que eles haviam encontrado. Devagar, ela assentiu com a cabeça.

Greene abriu o envelope e tirou seu conteúdo. Ele colocou as cartas na mesa e até uma pequena foto do álbum.

- Todas elas endereçadas para uma mulher chamada Ruthie – Greene disse. – Creio que seja um apelido para Ruthanne. Por favor, me corrija se eu estiver errado.

Novamente, Ruthanne balançou a cabeça.

- Foram escritas para mim.

- Há quanto tempo você está em contato com ele? – Greene perguntou.

- Dez anos, por aí – Ruthanne disse. Ela aguardou um momento para se recompor das fortes emoções que parecia estar sentindo. Finalmente, conseguiu olhar para Greene e Peterson. Agora que fora descoberta, ela parecia quase aliviada. Afundou-se na cadeira e olhou para os dois com uma expressão sonolenta de interesse.

- E o caso de vocês? Quando começou?

- Cerca de oito meses antes...

- Antes do que? – Peterson perguntou. – Antes de Gale Fine ser morta?

- Sim – Ruthanne disse, com a palavra saindo de sua boca como veneno.

- Então, sabemos que você de fato era envolvida com Aiden Fine – Peterson disse. – Tem mais alguma coisa que você quer admitir?

Ruthanne pensou durante cinco segundos—o suficiente para Chloe ter certeza de que ela estava tentando refletir sobre quanto os homens a sua frente sabiam. No fim, ela decidiu ficar em silêncio.

- Seu silêncio será levado em conta – Peterson disse, claramente irritado. – E eu vou fazer uma pergunta simples: você esteve, de alguma maneira, envolvida com a morte de Gale Fine dezessete anos atrás?

- Não.

- Tem certeza? Talvez você começou a sentir algo muito forte por Aiden... talvez você queria mais do que um caso e se livrar de Gale era a melhor maneira para ter o que você queria.

Na sala de observação, Chloe começou a se encolher com aquela linha de questionamento. O impacto das perguntas eram a prova de que ela não precisava estar naquela sala. Ela ficou feliz por Greene ter batido o pé e insistido para que ela não entrasse lá.

- Não, não! – Ruthanne disse. Mas mesmo através do vidro, Chloe podia ver que Ruthanne estava prestes a se entregar.

Aparentemente, Greene também percebeu. Ele usou uma tática muito efetiva e levou as perguntas para outro caminho... por um momento.

- Tudo bem, então temos mais um assunto com você. Você conhece um homem chamado Alan Short?

Aquela pergunta pareceu derrubá-la. A emoção que ela estava sentindo desenhou-se em seu rosto por um momento. Mais uma vez, ela havia se entregado. Ela poderia negar o quanto quisesse, mas sua reação à pergunta deu a eles a resposta real.

- Não.

- Você pareceu assustada quando o nome saiu da boca do Agente Greene – Peterson disse a ela. Depois, ele virou-se para Greene e acrescentou. – Você quer mostrar a ela o último item da sua pasta, Agente Greene?

Greene mexeu na pasta e, antes mesmo de tirar a mão dela, Ruthanne voltou a falar.

- Sim, eu conheço ele. Nós namoramos por um tempo e ele—

Ela parou, sem saber como continuar. O que quer que estivesse guardado dentro dela estava a apenas alguns segundos de explodir.

- Ele o que? – Greene perguntou. – Ele conhecia Martin Shields? Falando nisso, você conhecia Martin Shields? Antes da festa do bairro, quero dizer. Só estou perguntando porque o sangue de Alan Short foi encontrado sob as unhas de Martin. Faças as contas, senhora Carwile. Faças as contas e—

O som que saiu da boca de Ruthanne foi o mais selvagem, o barulho mais estranho vindo de uma garganta humana que Chloe já ouvira. E quando ela começou a falar novamente, era um misto de grito e choro. Ela levantou-se da cadeira tão rápido que a mão de Peterson alcançou diretamente a arma em seu quadril.

- Eu precisava tirar ela do caminho! E percebi que culpá-la por um assassinato faria isso!

- Precisava tirar quem do caminho? – Peterson perguntou.

Mesmo antes da resposta, Chloe sabia qual rumo a conversa tomaria. Ela começou a desvendar tudo em sua mente enquanto cada detalhe era revelado, e precisou usar toda sua força interna para não invadir a sala de interrogatórios e quebrar o pescoço de Ruthanne Carwile.

- Danielle! Quando ele voltasse, ela não poderia estar aqui. Então eu tinha que dar um jeito nela...

- Quando ele voltasse? – Peterson perguntou. – Não estou entendendo.

- Quando Aiden fosse solto. Ele vai poder entrar na condicional em dois anos. Eu precisava deixar tudo pronto para quando ele saísse. Ele também queria isso. Nós planejamos tudo, sabia? Tirar todas as distrações do caminho. Nenhum resto da antiga vida dele... inclusive Danielle. Por isso quando ela começou a cavar o passado da mãe dela... e ligar para a biblioteca... eu fiquei paranoica. Eu comecei a mandar as cartas, tentando assustá-la.

- Você contratou Alan Short para matar Martin Shieds? – Greene perguntou.

- Não. Ele se voluntariou. Eu precisei falar com ele, mas ele ficou feliz em fazer isso.

- Meu Deus – Peterson murmurou. – Então você está me dizendo que o homem que você está namorando agora matou Martin Shields?

Ruthanne abriu a boca para responder, mas lamentou-se mais uma vez. Ela afundou-se na cadeira de novo e assentiu.

- Sim. E Martin arranhou ele na luta. Bem na bochecha.

- Onde ele está agora? – Peterson perguntou, já pegando seu telefone.

Mas então Peterson pensou em algo—o mesmo que havia passado pela mente de Chloe trinta segundos antes. Ele aproximou-se da mesa novamente, sem estar mais preocupado com a localização de Alan Short.

- Dezessete anos atrás... você estava tendo um caso com Aiden Fine. Foi você, não foi? Você matou Gale Fine. Empurrou ela das escadas. E agora, dezessete anos depois, você não conseguiu matar de novo. Então você tentou enviar cartas ameaçadores para afastar Danielle. E como não funcionou, você achou um idiota para matar por você...

Ruthanne parecia lamentar enquanto relutava em admitir. Vê-la naquele estado triste, como se ela fosse a vítima, enfureceu Chloe. Ela não podia mais ficar ali. Chorando, saiu da sala de observação. Deu alguns passos até a sala de interrogatórios e abriu a porta. Foi em direção a Ruthanne, mas acabou parada instantaneamente por Greene.

- Pense no que você está fazendo – Greene disse.

Chloe mal o escutou.

- Diga – Chloe disse, com a voz surpreendentemente calma. – Conte o que você fez. Admita, sua vadia!

Ruthanne olhou nos olhos de Chloe. Ver a tristeza e o arrependimento genuínos reviraram o estômago de Chloe.

- Você tinha ido ao cinema com uma amiga e Danielle estava no parque com algumas crianças, jogando futebol. Sua mãe estava trabalhando. Ele me ligou. Sua mãe voltou para casa mais cedo com dor de cabeça, com aquelas enxaquecas que ela sempre tinha. Ela entrou, nos viu e houve uma discussão. Eu empurrei ela da escada... e até hoje eu não sei se eu queria—

Chloe levantou-se, mas Greene segurou-a no lugar. Controle-se, ela pensou. Controle-se ou você não vai saber como isso termina.

- Nós decidimos dizer que ele tinha feito aquilo, que havia sido um acidente. Homicídio involuntário, me salvando da prisão. Pelo menos nós achamos. Mas acabou sendo segundo grau—uma sentença maior. Ainda assim, ele prometeu que quando tudo acabasse, ele viria até mim e nós poderíamos ficar juntos. Ele me escreveu cartas da cadeia... Você só viu algumas – Ruthanne disse, batendo na mesa.

Chloe precisou morder os lábios para não começar a gritar. Greene a puxou para traz e olhou para Peterson.

- Isso é uma confissão de culpa – ele disse. – Você pode tomar conta disso daqui em diante?

- Sim – Peterson disse, ainda parecendo um pouco chocado.

Greene levou Chloe pelo corredor e rapidamente para a sala de observação antes que alguém pudesse ver o estado dela. Lágrimas caíam de seu rosto e ela fez o possível para se controlar. Pelo vidro, ela pode escutar Peterson lendo os direitos de Ruthanne.

- Desculpe – Chloe disse.- Meu Deus, eu sinto muito. Eu não consegui ficar aqui e...

- Tudo bem – Greene disse. – É um pouco culpa minha por deixar você tão próxima do caso. Mas preciso que você me diga agora—você está bem? Você consegue terminar isso comigo?

- Terminar?

- Sim – Greene disse. – Se você estiver bem, acho que você deveria vir comigo e estar junto quando nós prendermos Alan Short pela morte de Martin Shields.

Esse simples pensamento fez com que Chloe se recompusesse. Ela lembrou-se de que não havia sido chamada para fazer parte da investigação por conta de seus laços pessoais com aquela história. Mesmo depois das revelações assustadoras que ela havia ouvido de Ruthanne Carwile, ainda havia um caso para encerrar.

- Sim - ela respondeu. – Estou bem. Quando nós vamos?

- Assim que ela nos der a localização dele – Greene disse, apontando o dedo em direção ao vidro.

Os dois olharam enquanto Peterson terminava de ler os direitos da mulher que, dezessete anos depois, havia finalmente admitido ser responsável pelo assassinato da mãe de Chloe.


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


No banco do carona do carro de Greene, Chloe tirou um minuto para enviar uma mensagem para Danielle. Ela preferia ter ligado, já que uma mensagem pareceria muito impessoal, mas não tinha certeza de que conseguiria manter sua emoções no lugar. E considerando que eles estavam a caminho de prender o homem que matara Martin, ela pensou que seria melhor que o Agente Greene não a visse perdendo o controle pela segunda vez em menos de uma hora.

Ruthanne havia entregado a localização de Alan logo depois de ter sido acusada pelo assassinato de Gale Fine. Ela havia contado muito mais, na verdade, fazendo com que eles soubessem de cada detalhe de seu plano.

Desde a noite do assassinato, Alan estava hospedado no Motel Super 8, na pequena cidade de Maysville, um pontinho no mapa entre Pinecrest e Baltimore. Ele havia se registrado com um nome falso e estava pagando em dinheiro. O plano, de acordo com Ruthanne, era que ele fosse para sua cidade natal, Charlottesville, na Virginia, assim que Danielle fosse definitivamente considerada culpada pela morte de Martin.

No entanto, Chloe não contou tudo para Danielle. Ela decidiu ser breve e direta: Eu sei que está tarde. Encontrei muitas respostas e estou prestes a resolver a última questão, eu acho. Vou te contar tudo quando chegar em casa. Apenas saiba que as coisas estão ficando muito boas pra você.

Ela recebeu uma resposta muito rapidamente, no mesmo momento em que a luz da fachada do Super 8 apareceu à sua frente. Havia duas viaturas à frente deles, enviadas pela polícia de Pinecrest, com o Detetive Peterson em uma delas. Ninguém estava com o giroflex aceso e a velocidade de todos eles estava apenas um pouco acima do limite. Eles não queriam nem de longe alertar Alan Short.

Quando chegaram ao estacionamento, o Agente Greene estacionou bem em frente à recepção. As duas viaturas foram até o outro lado, e uma delas estacionou atrás de uma van, basicamente sem poder ser vista.

- Você não vai poder entrar – Greene disse. – Johnson me mataria. Mas quero que você faça parte disso. – Ele pegou seu telefone e digitou o número de Chloe. – Atenda essa ligação e escute tudo. Vou deixar dentro do bolso da minha jaqueta. Desculpe... não é uma tecnologia avançada, mas é o melhor que nós temos agora.

Então, ele apertou em LIGAR e Chloe atendeu imediatamente. Greene então saiu do carro e seguiu em direção à recepção. Ela ouviu com atenção enquanto Greene conversava com a mulher da recepção, contando a ela sobre o que estava acontecendo. Sem causar nenhum problema, ela entregou as chaves do quarto em que Short estava hospedado.

Enquanto tudo isso acontecia, Chloe olhava para a outra ponta do terreno. Peterson estava fora do carro, caminhando vagarosamente pela calçada que levava aos quartos. Ele estava sob o toldo que cobria o caminho, e os outros três policiais o seguiram. Quando já estavam em linha, todos eles posicionaram suas mãos em suas armas, na cintura.

Greene saiu da recepção, caminhando como se conhecesse o lugar. Qualquer um que o olhasse da rua pensaria que ele havia apenas alugado um quarto para passar a noite. Ele seguiu na direção de Peterson e dos outros policiais. Quando ele partiu em direção a eles, os tiras também começaram a seguir em frente. Eles se encontraram quase que no centro da calçada, com a porta e a janela do quarto 206 entre eles.

Pelo telefone, Chloe pode ouvir Greene contando: Um... Dois... Três.

A entrada não foi tão dramática quando uma porta se arrebentando. Ao invés disso, Greene rapidamente colocou a chave na fechadura. Enquanto isso, Peterson e os policiais abaixaram-se atrás dele, criando uma formação com dois agentes em cada lado. Greene abriu a porta e entrou no quarto.

Depois disso, Chloe só pode ouvir os homens entrando no quarto e, de repente, seu telefone encheu-se de barulho.

- No chão, senhor Short! – Alguém gritou.

- Que porra é essa? – Outra voz disse, aparentemente a voz de Alan Short.

- Você está preso pelo assassinato de—

- Mãos pra cima onde eu possa ver!

- No chão, agora!

Houve um pequeno momento de silêncio, desconfortável inclusive pelo telefone. Ele foi quebrado por uma única palavra dita por Peterson.

- Arma!

E então Chloe escutou três tiros pelo telefone. Alguém gritou e ouve um som parecido com o de um trovão.

Alguém caiu, Chloe pensou. Ou a porta foi derrubada.

- Pegou em mim! – Alguém disse. – Mas só de raspão.

- Merda. Nós pegamos ele?

- Não sei – outra voz disse, dessa vez com certeza a de Greene.

Chloe moveu-se sentindo que a situação estava saindo de controle. Alguém foi atingido, ela pensou. Mas Short estava aparentemente bem o suficiente para escapar pelo banheiro. Que outra porta ele poderia derrubar?

Chloe sentiu seu instinto se agitar. Ela deixou o telefone de lado e saiu do carro em silêncio. Olhou para a direita, para a recepção e para os limites do terreno do motel. O local era mal iluminado, apenas pela luz do letreiro que dizia “Super 8”.

Ela caminhou rapidamente até a beira da recepção e olhou para a escuridão nos fundos do motel. Não pode ver nada, mas ouviu uma leve comoção. Seguiu em frente, entrou em um beco escuro ao lado do motel e começou a perceber um movimento ali perto. Ao enxergar o movimento, ouviu uma voz abafada.

- Saia daí agora, senhor Short, ou nós vamos quebrar a porta. Você atirou em um policial. Qualquer coisa que você fizer daqui para frente vai piorar e muito as coisas para você.

Entendendo o que estava vendo ao longe, na escuridão nos fundos do motel, Chloe apressou-se em direção à cena. Ao chegar mais perto, viu que sua intuição estava certa. Alan Short estava escapando pela pequena janela do banheiro. Ele quase não cabia nela, mas já estava com metade do corpo para fora, com a cabeça para baixo enquanto seu braço esquerdo tentava encostar no chão.

Chloe estava desarmada e, por isso, quando viu a arma na mão direita de Short, hesitou. Mas apenas por um momento. Ela moveu-se rapidamente, encostando-se na lateral do prédio. Quando chegou perto o suficiente para que Short ouvisse seus passos, ela já estava a menos de três metros dele.

Alan tentou levantar a arma, mas começou a escorregar pela janela. Atrás dele, os dois escutaram o som da porta do banheiro quebrando.

Chloe desferiu um soco forte com a mão direita que acertou a lateral da cabeça de Alan Short. Ele escorregou pelo restante da janela e caiu na calçada. Chloe agiu imediatamente, pisando no pulso direito dele. Quando Short soltou a arma, ela jogou-se sobre as costas dele, pressionando um joelho nas costas e puxando suas mãos com força para trás.

Ele gemeu de dor quando ela puxou seus braços. Ele tentou lutar, mas ela havia o imobilizado de uma maneira que qualquer movimento faria mais pressão em seus braços.

Ela ouviu movimentos vindos do motel, e aliviou-se ao ver Greene e Peterson vindo em sua direção. Quando eles chegaram a seu lado, ela pode ver um sorriso de satisfação no rosto de Greene.

- Vou brigar com você por ter saído do carro mais tarde – Greene disse. – Mas por agora, bom trabalho.

Chloe recuou para que Greene pudesse colocar algemas em Alan Short. E enquanto Peterson lia os direitos de Short, Chloe encostou-se na parede. Por um momento, sentiu que pudesse desmaiar.

Por fim, ela precisou segurar as lágrimas. Essa foi uma luta que precisou travar contra si mesma, mesmo quando ela e Greene levaram Alan Short até a viatura de Peterson.

Chloe não se deu conta de quão grande Alan Short era até vê-lo se encolhendo para entrar no banco de trás. Short era um homem gigante e pensar que ela havia conseguido imobilizá-lo a trazia um sentimento de dever cumprido.

- Foi ela, não foi? – Short perguntou antes que Peterson fechasse a porta. – Ela me entregou.

- Se você está falando de Ruthanne Carwile, sim, ela te entregou. Mas só depois de nós culparmos ela por um assassinato de dezessete anos atrás. Você sabia disso?

- Sim, ela me contou. Ela tem pesadelos com isso.

Que bom, Chloe pensou.

- Então ela também foi presa? – Short perguntou.

- Em vias de – Peterson disse. – Talvez nós possamos colocar vocês dois na mesma cela.

- Nem fodendo – Short disse. – Ela é uma gata selvagem presa, e foi por isso que fiquei com ela tanto tempo. Mas essa vadia é totalmente louca!

- Mas você matou por ela – Greene disse. – E isso me faz pensar quem é o louco de verdade aqui.

Com isso, Peterson fechou a porta para encerrar a conversa.

E quando a porta fechou-se na cara de Alan Short, Chloe não pode deixar de sentir que aquele som parecia ser de uma porta se fechando em sua própria vida—uma porta que ela abrira muitas vezes por conta da obsessão por seu passado.

Mas ela sabia que, antes de poder fechar aquela porta de vez, ela precisava contar tudo para Danielle primeiro.

Seria difícil, e provavelmente as duas chorariam muito.

Ela só esperava que Danielle não tivesse tomado todo o vinho da casa enquanto estivera sozinha. Só Deus sabia de quanto vinho elas iriam precisar para falar sobre aquela história inteira.


CAPÍTULO TRINTA E SETE


Dois dias depois, sentadas no carro após o funeral de Martin, Chloe entregou seu telefone para Danielle. Havia uma notícia aberta, de um link que o Agente Greene enviara para ela.

- Parece que agora é oficial – Chloe disse.

Danielle pegou o telefone e leu a notícia que Chloe acabara de ler. Chloe também leu, pela segunda vez, apenas para sentir-se melhor ainda. O título dizia: Ex-namorada inocentada em caso de assassinato; Grande conspiração descoberta.

A notícia contava a maior parte da história que havia sido descoberta por Chloe e confessada por Ruthanne Carwile. Dezessete anos antes, Ruthanne Carwile havia matado Gale Fine quando ela chegara em casa e encontrara Ruthanne e Aiden Fine juntos na cama. O assassinato fora facilmente encarado como um homicídio involuntário—um simples empurrão agressivo que fizera com que Gale Fine caísse das escadas. Mas Ruthanne havia confessado que fizera aquilo de propósito. No tribunal, no entanto, uma sentença de assassinato de segundo grau fora inquirida contra Aiden.

Com a confissão de Ruthanne, Aiden havia ficado aterrorizado. Mesmo assim, ele havia silenciosamente aceitado a culpa por ela. Ela o visitara uma vez na prisão, e ele a dissera que fizera isso porque sentia-se culpado pelo caso entre eles, e culpado por aquele caso ter levado à morte de sua mulher, mesmo sem sua participação no crime. Ruthanne havia tentado fazer planos com Aiden, para que quando ele saísse da prisão, eles ficassem juntos, mas ele havia recusado até muitos anos depois, quando admitira que ainda amava Ruthanne e concordara que ela começasse a visitá-lo novamente.

No entanto, Chloe não conseguiu ler a notícia inteira novamente. Danielle pareceu cansar-se do texto antes do fim. Ela fechou a aba e devolveu o telefone para Chloe.

- Se isso termina com a forma como Ruthanne tentou controlar a filha problemática de Aiden—palavras da Fox News hoje de manhã, a propósito—eu prefiro não ver. Isso me assusta.

Chloe entendia. Na verdade, aquilo a assustava também.

Ela flagrou Danielle olhando para a sepultura de Martin. A cerimônia havia sido breve e poucas pessoas compareceram. Chloe anda não tinha certeza do motivo pelo qual Danielle insistira em ir. Talvez porque, apesar de todo o drama que havia acontecido com ele no fim, o falso Martin Shields havia sido o mais próximo que Danielle chegara de encontrar um homem no qual poderia confiar.

Isso pode fazer ela voltar a procurar, Chloe pensou.

- Sabe, vou procurar um lugar novo para morar a partir de amanhã – Danielle disse, ainda olhando para a sepultura. – Não posso voltar para aquele apartamento. Preciso... crescer, eu acho.

- Você será bem-vinda na minha casa – Chloe disse. – Pode ficar o quanto quiser. Não parece que Steven vai voltar em breve.

- Você tem certeza? – Danielle perguntou.

- Sim. Ele me mandou algumas mensagens hoje, querendo saber quando eu posso me encontrar com ele. Ele quer o anel de noivado de volta.

- Clássico – Danielle disse.

- Mas compreensível.

Danielle suspirou.

- Você se sente um pouco melhor sabendo que nosso pai era basicamente inocente na morte da mãe? – Ela perguntou.

- Não. Na verdade, eu odeio ele mais ainda.

- Você sabe o que eu odeio? – Danielle disse. – Que esse babaca foi inocentado das acusações contra ele. Ele vai ser solto, não vai?

- Não sei – Chloe disse. Era uma resposta verdadeira, ainda que Peterson e Greene achassem que era só uma questão de tempo, já que Ruthanne havia confessado tudo.

- Vamos sair daqui – Danielle disse.

Chloe ligou o carro e saiu do estacionamento. Já fazia quinze minutos que elas estavam sentadas ali.

Após cinco minutos de estrada, Danielle encostou a cabeça na janela da porta do carona e começou a chorar. Abertamente, e com força.

Chloe nunca havia visto aquilo antes, não daquele jeito. Ela não tinha ideia do que fazer, então fez o que seu instinto mandou: deu a mão para sua irmã.

Danielle segurou e apertou a mão de Chloe. Ela seguiu dirigindo assim, de mãos dadas com a irmã. Ela não pode deixar de pensar nas duas, no banco traseiro do carro da avó, dezessete anos antes, de mãos dadas enquanto, atrás delas, o corpo de sua mãe era levado para o necrotério, e seu pai era levado para a prisão.

Por um momento, Chloe sentiu-se presa em um looping—o mesmo que havia a levado ao passado, tentando entender porque sua mãe fora assassinada. Agora que elas tinham respostas, no entanto, ela esperava que as duas pudessem, enfim, escapar dele.


EPÍLOGO


5 meses depois...

 

Ela deveria estar animada por ser formar. Ela deveria estar emocionada por não ser mais só uma estagiária e estar carregando, agora, um distintivo que não precisava de um instrutor e várias instruções especiais.

Mas Chloe estava mais animada por conseguir ver, de seu lugar, sua irmã Danielle. Ela estava em meio aos quase três mil presentes mas, como normalmente acontecia, Danielle conseguia se sobressair. Ela havia começado a deixar o cabelo crescer. E mesmo tendo o cabelo pintado de preto, escondendo sua natureza loira, Danielle estava parecendo com sua mãe. Ela percebeu o olhar de Chloe e acenou. Chloe respondeu o aceno, tentando se lembrar de algum outro momento em que sentira tanto amor e apoio de sua irmã.

De cima do palco, o orador terminou seu discurso. Aplausos tomaram conta do local. A cerimônia inteira havia sido mais cansativa do que Chloe esperava. Mesmo assim, quando o mestre de cerimônias levantou-se e disse “E agora, para os graduados na Escola de Evidências...”, ela sentiu-se tão animada quanto uma formanda do ensino médio, ansiosa para experimentar o mundo lá fora.

A lista de formados para a Equipe de Evidências era pequena. O nome de Chloe foi o décimo sexto a ser chamado. Quando levantou-se e seguiu para o palco, ela não pensou no som de Peterson fechando a porta de Alan Short, nem sequer nos vários elogios que Greene havia lhe dado após o fim daquele caso.

Ao invés disso, ela pensou em Danielle, chorando com a cabeça na janela do carro. Aquele choro viera depois do caso ter sido finalizado—depois delas terem encontrado as respostas para todas as perguntas sobre a morte de sua mãe. Um exemplo claro de como quando as coisas chegavam ao fim, não necessariamente elas tinham uma finalidade.

Às vezes, as coisas apenas acontecem. E tanto ela quanto Danielle haviam aceitado aquilo durante os últimos cinco meses.

Ainda assim, quando desceu do palco, com o diploma em mãos, Chloe também sabia que, às vezes, o melhor jeito de terminar algo era focar em um novo começo. Ela não acreditava em um começo totalmente novo, mas acreditava sim que, seguindo em frente, as pessoas poderiam escapar dos demônios de seus passados.

Enquanto caminhava de volta para seu lugar, ela viu o Agente Greene. Ele estava sentado perto do palco, junto com outros agentes que haviam servido como instrutores. O olhar de orgulho que Chloe viu no rosto dele quando seus olhos se encontraram ia além de qualquer comparação. Ela imaginou que, talvez, era aquele o sentimento de se ter um pai orgulhoso de você.

Ela nunca saberia, é claro. E, na maior parte do tempo, ela lidava bem com isso.

Por fim, ela teria um novo começo. Perdera seus pais e seu noivo, e quase perdera sua irmã.

Mas aquele novo começo estava logo em frente, facilmente a seu alcance. Talvez, o que quer que acontecesse em seguida a tornaria alguém nova, alguém melhor. Talvez, a levaria por caminhos que ela jamais imaginara enquanto olhava para seu passado triste.

Ela olhou novamente para Danielle, ainda sorrindo e acenando, e naquele momento, o futuro lhe pareceu mais brilhante e real do que nunca.

 

 

                                                                  Blake Pierce

 

 

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