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Existem poucos autores capazes de tecer tramas que combinem romance com suspense de arrepiar tão bem como Julie Garwood. Neste livro, ela cria tensão com A Próxima Vítima, onde o mal está à solta, e prova ser metodicamente organizada e arrepiantemente bem sucedida.
O Detetive Alec Buchanan considera a oferta recebida para ocupar uma posição de destaque no FBI a oportunidade perfeita para deixar Chicago, onde mora, e seguir os passos de seu irmão, ascendendo ao alto escalão dos responsáveis pela manutenção da lei.
Mas, primeiro, ele precisa realizar uma última tarefa: atuar como guarda-costas de Regan Hamilton Madison, herdeira de uma cadeia de hotéis. A charmosa executiva se vê envolvida em negócios perigosos quando alguém lhe envia uma foto da cena de um crime, onde a vítima é bastante conhecida.
Regan suspeita que o problema tenha começado quando concordou em ajudar uma amiga jornalista a desmascarar um guru de auto ajuda charlatão que se aproveitava de mulheres solitárias e vulneráveis. Na verdade, o escorregadio Dr. Lawrence Shields pode ter sido responsável pela morte de uma de suas seguidoras. Na esperança de encontrar alguma prova, Regan participa de um seminário de Shields. Durante o encontro, o psicólogo persuade seus convidados a tomarem parte de um inocente exercício de limpeza. Ele pede que faça uma lista de todas as pessoas que, através dos anos, os tenham magoado ou enganado, e lança uma pergunta: "Seu mundo seria melhor se estas pessoas deixassem de existir?"
Levando o exercício na brincadeira, Regan jogou o jogo.
A experiência foi esquecida, até que a primeira pessoa da lista de Regan aparecesse morta. O choque se transforma em horror quando os outros nomes da lista também começam a aparecer mortos e uma terrível dança de morte e desejo é desencadeada. Agora, assassinatos brutais parecem rondar todos os movimentos de Regan e a irresistível atração que sente por Alec, apesar de ter despertado emoções que ela pensava não ser mais capaz de sentir, pode comprometer sua segurança. Entretanto, à medida que o perigo se intensifica e um serial killer começa a estreitar o cerco, Regan precisa descobrir quem está transformando suas íntimas fantasias de vingança em pavorosa realidade.
O PRIMEIRO DIA DE JARDIM DA INFÂNCIA NA SELETIVA ESCOLA BRIARWOOD fora o pior da vida de Regan Hamilton Madison. O desastre fora tamanho que ela jurou nunca mais voltar ali.
Ela acordara pensando que a nova escola seria maravilhosa. E por que não? Seus irmãos e sua mãe lhe haviam garantido que sim, e ela não tinha nenhum motivo para duvidar da palavra deles. Sentada no banco traseiro da limusine que a levava à escola, ela, com orgulho, exibia seu novo uniforme escolar: saia xadrez azul-marinho e cinza, camisa branca com gola de pontas, gravata azul-marinho com o mesmo tipo de nó usado pelos homens e blazer cinza, com o lindo emblema dourado com as iniciais da escola no bolso, na altura do "peito. Os cabelos encaracolados estavam presos atrás com uma fivela azul-marinho, aprovada pela escola. Sua indumentária era novinha em folha, o mesmo se podia dizer das meias três-quartos brancas e o mocassim azul-marinho.
Regan imaginara que se divertiria na escola. Nos dois ltimos anos, ela e as nove colegas de classe da luxuosa escola que freqüentara antes foram mimadas por suas professoras, que nunca deixavam de sorrir. Ela estava confiante que seu primeiro dia em Briarwood transcorreria da mesma maneira. Talvez até melhor.
Como fazem todas as mães - e, às vezes, os pais - de alunos novos, sua mãe deveria tê-la acompanhado em seu primeiro dia de aula, mas, devido às circunstâncias que afirmara estarem além de seu controle, ela tivera que permanecer em Londres com seu novo namorado e não pudera voltar a Chicago a tempo.
A vovó Hamilton teria ficado feliz em acompanhá-la, mas ela também se encontrava fora do país, visitando amigos, e só estaria de volta em duas semanas.
No dia anterior, quando falara com a mãe ao telefone, Regan lhe assegurara que não seria necessário que sua governanta, a sra. Tyler, a acompanhasse até a escola. Então, sua mãe sugerira Aiden. Regan sabia que, se tivesse pedido ao seu irmão mais velho, ele a atenderia. Ele já tinha 17 anos e não gostava de passear com ela, mas ele a teria levado... se ela tivesse pedido isso a ele. Como seus outros irmãos, Spencer e Walker, ele também faria qualquer coisa por ela.
Regan decidira que preferia ir sozinha. Não queria ser conduzida à sala de aula pela mão. Agora, como seu uniforme indicava, ela já era grande. E, caso se perdesse, ela simplesmente pediria ajuda a uma das professoras sorridentes.
No fim, a escola acabou não sendo nada do que imaginara. Ninguém lhe dissera que o jardim-de-infância em Briarwood duraria o dia inteiro. Da mesma maneira como não fora avisada sobre o grande número de alunos que freqüentavam a escola, com certeza ninguém mencionara os malvados. Eles estavam por toda parte. Mas ela estava mais preocupada com uma garota mais velha que, quando as professoras não estavam por perto, gostava de atormentar os alunos do jardim-de-infância.
Às três da tarde, quando o sinal finalmente tocou para dispensar os alunos, Regan estava tão perturbada e esgotada que precisou morder o lábio inferior para não chorar.
Havia carros e limusines estacionados à saída da escola. Evan, o motorista, saiu do carro e veio ao encontro de Regan.
Apesar de tê-lo visto, Regan estava muito cansada para correr até ele. Então, alarmado com sua aparência, ele se apressou para encontrá-la. As presilhas estavam penduradas nas mechas de cabelo que lhe caíam sobre o rosto; o nó de sua gravata, desfeito; a fralda da camisa para fora da saia; e uma das meias, que havia escorregado, se amarfanhara em torno do tornozelo. A criança de 5 anos parecia ter passado pelo ciclo final de uma secadora de roupas. Enquanto abria a porta de trás para ela, Evan perguntou:
- Está tudo bem, srta. Regan?
De cabeça baixa, ela respondeu:
- Sim.
- Como foi seu dia? Ela se afundou no banco traseiro. - Não quero falar sobre isso.
Essa mesma pergunta lhe foi feita pela governanta, assim que a porta da frente foi aberta.
- Eu não quero falar sobre isso - repetiu Regan.
A governanta pegou sua mochila de livros.
- Obrigada - disse Regan.
Subiu correndo a escada circular em direção à ala sul e ao seu quarto, bateu a porta e, imediatamente, caiu no choro.
Regan sabia ser uma decepção para sua mãe porque, mesmo que tentasse, não conseguia manter suas emoções sob controle. Caso caísse e esfolasse o joelho, ela simplesmente tinha de abrir um berreiro. Não importa onde ou quem estivesse por perto para observar seu comportamento.
Quando se sentia infeliz, ela quebrava todas as regras que a mãe tentava lhe ensinar. Inúmeras vezes haviam lhe dito para se comportar como uma dama, mas ela não estava certa do que isso significava, a não ser, é claro, que devia manter as pernas fechadas quando se sentava numa cadeira. Ela não gostava de sofrer em silêncio, mesmo que essa era uma das regras básicas da família Madison. Ela também não se importava muito em ser corajosa e, quando se sentia infeliz, achava que toda a família devia ficar sabendo disso.
Infelizmente, Aiden era o nico membro da família que estava em casa naquele momento. Por ser o mais velho dos irmãos, era provável que fosse o menos solidário e não gostava de ser incomodado com as preocupações de uma pirralha daquela idade. Ele detestava vê-la chorar, o que, no entanto, não a impedia de fazer isso.
Ela assoou o nariz, lavou o rosto e trocou de roupa. Depois de tirar o uniforme, dobrou todas as peças com cuidado e as colocou no cesto de roupas sujas. Como nunca mais voltaria àquela horrível escola, ela não precisaria mais daquelas roupas. Vestiu um short que commbinava com a blusa e quebrou outra regra, ao correr descalça pelo corredor até o quarto do irmão.
Timidamente, ela bateu na porta.
- Posso entrar?
Sem esperar pela resposta, ela abriu a porta e, em disparada, atravessou o quarto em direção à cama, onde se atirou sobre o edredom que, no momento em que dormia, Aiden sempre jogava no chão. Sentada sobre as pernas cruzadas, ela tirou do cabelo as presilhas aprovadas pela escola, que estavam penduradas, e jogou-as no colo.
Aiden parecia irritado. Vestindo roupas de rúgbi, ele estava sentado em sua escrivaninha, ao redor de vários livros. Até que ele se despedisse e desligasse o telefone, ela não percebera que ele estava usando o aparelho.
- Você deve esperar até que eu lhe dê permissão para entrar em meu quarto - disse ele. - Não é nada bonito invadir o quarto das pessoas assim, dessa maneira. - Em seguida, como ela não respondeu, ele apoiou as costas na cadeira, analisou o rosto dela e perguntou: - Você esteve chorando?
Ela pensou um pouco antes de dizer alguma coisa e decidiu quebrar outra regra. Mentiu.
- Não - disse ela, com o olhar grudado no chão.
Apesar de saber que ela não dizia a verdade, ele decidiu que, naquele momento, não valia a pena pressioná-la com um discurso sobre honestidade. Sua irmãzinha estava visivelmente perturbada. - Alguma coisa errada? - perguntou ele, já sabendo muito bem da resposta.
Ela não olhava para ele.
- Nãaao... - disse ela, arrancando a palavra de dentro de si.
Ele soltou um grande suspiro.
- Eu não tenho tempo para adivinhar qual é seu problema, Regan. Dentro de alguns minutos, tenho de ir para meu treino. Diga-me o que há de errado.
Ela levantou os ombros com certo desdém.
- Não tem nada errado. Juro.
Com as pontas dos dedos, ela fazia círculos sobre o edredom. Aiden desistiu de descobrir o que a estava deixando preocupada e abaixou-se para calçar os sapatos. Ao se lembrar de que hoje fora o primeiro dia de Regan em Briarwood, ele perguntou, com certa indiferença:
- Como foi seu dia na escola?
Ele estava completamente despreparado para a resposta que recebeu. Ela caiu no choro, atirando-se sobre a cama e enterrando o rosto no edredom, onde confortavelmente podia enxugar os olhos e o nariz. Ela lhe contou tudo o que estava segurando desde o recreio. O problema era que o que ela dizia não tinha o mínimo sentido.
Ela despejou tudo em uma sentença longa, desarticulada e precariamente coerente.
- Eu odeio aquela escola e nunca mais quero voltar lá, nunca mais. Eles não nos deixaram comer o lanche e eu tive de ficar sentada por muito tempo e tinha aquela garota e uma outra grandona que me fizeram chorar e a garota grandona disse que se eu contasse para a professora ela nos pegaria e eu não sabia o que fazer, então na hora do recreio fui para trás do prédio com uma menina e ajudei ela a chorar e agora eu nunca mais vou voltar para aquela escola horrível de novo porque amanhã a garota grandona disse que vai pegar a menina de novo.
Aiden estava completamente espantado. Regan estava sofrendo horrivelmente. Se ela não estivesse se sentindo tão miserável, Aiden teria rolado de rir. Que drama! Ela herdara essa característica do lado Hamilton da família. Todos os Hamilton tinham as emoções à flor da pele. Ainda bem que ele, Spencer e Walker saíram aos Madison. Eles eram muito mais reservados.
Regan estava fazendo tanto estardalhaço que Aiden não ouviu alguém bater à sua porta. Spencer e Walker entraram correndo. Os dois irmãos eram altos, magros e tinham cabelos escuros, da mesma maneira como Aiden. Spencer tinha 15 anos e, entre os irmãos, era o que tinha o coração mais mole. Walker fizera 14 anos havia pouco tempo. Era o mais atrevido e irrequieto da família. Ao se olhar para ele, tinha-se a impressão de que havia acabado de voltar de uma guerra. Assim como os braços, seu rosto vivia esfolado. Dois dias antes, ele perdera o equilíbrio ao subir no telhado para recuperar uma bola de futebol e com certeza teria fraturado o pescoço, se não tivesse se agarrado a um galho de árvore no momento da queda. Seu amigo Ryan não tivera tanta sorte. Walker aterrissou sobre ele, quebrando-lhe o braço. Ryan jogara na posição de quarterback1 do time oficial de juniores, mas agora teria de ficar fora dos jogos daquela temporada. Walker não se sentia muito culpado com o acidente. Ele dizia que a causa do infortúnio fora o galho que prendera Ryan, o que fez com que fosse impossível que ele saísse da frente de Walker no momento da queda.
Nesse momento, Walker estava procurando arranhões e escoriações em Regan. Se não havia nenhum machucado visível, por que ela chorava tanto?
- O que você fez para ela - perguntou ele a Aiden.
- Eu não fiz nada - respondeu Aiden.
- O que há de errado com ela? - perguntou Walker. Sem saber o que fazer, ele se inclinou sobre a cama para revistar sua irmãzinha.
Spencer aplicou-lhe uma cotovelada, tirando-o do caminho para poder se sentar ao lado de Regan e, um pouco desajeitado, começou a lhe dar tapinhas no ombro.
Finalmente ela começou a ficar mais calma. Aiden soltou outro suspiro. Talvez a tempestade tivesse passado. Ele acabou de amarrar os sapatos e disse:
- Muito bem, ela já está melhor. Mas não lhe perguntem nada sobre a...
- Então, como foi a escola hoje? - interrompeu Walker. O choro recomeçou.
- escola, completou Aiden. Ele abaixou a cabeça e virou-se para a escrivaninha, para que a irmã não pudesse ver que estava sorrindo. Ele não tinha a menor intenção de magoá-la. Mas ela realmente sabia como fazer um escândalo. Considerando seu tamanho, ela era capaz de aprontar um pampeiro e tanto.
- Ela teve um dia péssimo - disse ele aos irmãos.
- Você acha? - perguntou Spencer.
Regan parou de chorar por um instante, foi o tempo suficiente para dizer:
- Eu nunca mais piso naquele lugar.
- O que aconteceu? - perguntou Walker.
Nota de rodapé:
1 No futebol americano, beque ofensivo que normalmente se mantém atrás da linha de centro, aquele que recebe os sinais e cria a estratégia defensiva do time. (N. da T)
Entre soluços, Regan despejou seu rosário de reclamações.
- Você precisa voltar - disse Spencer.
Não foi a coisa mais certa a dizer naquele momento.
- Não, eu não preciso.
- Sim, precisa, sim - disse Spencer.
- O papai não me obrigaria a ir.
- Como você pode saber o que ele faria? Ele morreu quando você ainda era bebê. Não é possível que você se lembre dele.
- Posso, sim. Eu lembro bastantão.
- Sua gramática é horrível - comentou Aiden.
- Mais uma razão para ir à escola - disse Spencer. Foi preciso erguer a voz para se fazer ouvir, pois sua irmã começara a chorar de novo.
- Droga, ela sabe fazer um escândalo - murmurou Aiden. Ele balançou a cabeça e disse: - Tudo bem. Se eu não sair daqui a pouco, vou chegar atrasado ao meu treino. Então, vamos resolver isso logo. Regan, pare de limpar o nariz nos meus lençóis e sente-se.
Ele tentou colocar um pingo de seriedade na voz. A ordem que dera e o tom de sua voz não fizeram a mínima diferença. Ela não pretendia parar até que tivesse esgotado seu choro.
- Escute, Regan, você precisa ficar calma e nos dizer o que aconteceu - disse Walker. - Conte-nos exatamente o que fez a tal garota.
Spencer remexeu um dos bolsos, no qual resgatou um lenço de papel.
- Tome - disse ele. - Assoe o nariz e sente-se. Vamos. Se você não dizer exatamente o que está acontecendo, não poderemos solucionar esse problema para você.
Aiden estava balançando a cabeça. - É a Regan quem vai solucionar esse problema - disse ele.
Ela deu um salto.
- Não, eu não vou solucionar nada porque nunca mais vou voltar naquele lugar horrível.
- Fugir dos problemas não é resposta - disse Aiden.
- Não me interessa. Vou ficar em casa.
- Calma, Aiden. Se alguma garota malvada está atormentando nossa irmã, então, pelo amor de Deus, nós precisamos... - começou Walker.
Aiden levantou a mão, pedindo silêncio. - Antes de qualquer coisa, vamos ordenar os fatos, Walker. Vamos, Regan - disse ele, num tom apaziguador -, quantos anos tem a garota?
- Não sei.
- Muito bem. Você sabe em que ano ela está?
- Como ela vai saber isso? - perguntou Spencer. - Regan está apenas no jardim-de-infância.
- Eu sei muito bem - disse Regan. - Ela está no segundo ano, o nome dela é Morgan e ela é muito má.
- Muito bem, vamos dizer que ela seja mesmo muito má - disse Aiden, com impaciência. Antes de continuar, ele olhou para o relógio. - Finalmente estamos chegando a algum lugar.
Walker e Spencer estavam com um sorriso nos lábios. Felizmente, Regan não percebeu.
- Você disse que a garota que está no segundo ano fez a outra garotinha chorar? - perguntou Aiden.
Regan concordou com um aceno de cabeça.
- É verdade, ela fez a outra chorar.
- E o que foi que ela fez para fazer a outra chorar? - perguntou Walker. - Bateu nela?
- Não.
- Então, o que foi que aconteceu? - Nesse momento, Walker parecia tão frustrado quanto Aiden.
Mais uma vez, os olhos de Regan se encheram de lágrimas.
- Ela obrigou a menina a lhe dar suas presilhas de cabelo.
- Essa garota está no jardim? - perguntou Aiden.
- E ela é muito legal. Quando fazemos o círculo, ela sempre se senta do meu lado. O nome dela é Cordelia, mas ela disse que todo mundo chama ela de Cordie e que ela queria que eu também chamasse ela assim.
- Você gosta dessa Cordelia? - perguntou Spencer.
- Sim - respondeu ela. - E tem uma outra garota que eu também acho legal. O nome dela é Sophie, e ela se senta na mesma mesa em que a Cordie e eu.
- Vejam só! - disse Aiden. - Seu primeiro dia na escola nova e você já fez duas amigas novas!
Crente de que o problema já estava resolvido, ele pegou as chaves do carro e caminhou em direção à porta. Walker o chamou:
- Espere um pouco, Aiden. Você não pode sair antes de descobrirmos o que fazer com essa malvada.
Aiden parou na soleira da porta.
- Você deve estar brincando. A malvada é uma garotinha do segundo ano.
- Mesmo assim, precisamos fazer alguma coisa para proteger Regan - insistiu ele.
- Como o quê? - perguntou Aiden, irritado. - Você acha que a gente deveria ir amanhã até a escola para aterrorizar a garota?
Regan se animou.
- Isso seria ótimo - disse ela. - Façam com que ela deixe a Cordie, a Sophie e eu em paz.
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- Acho melhor você resolver o problema sozinha - disse Aiden. - Você pode enfrentá-la. Diga-lhe que você não vai lhe dar nada e que ela deve deixar suas amigas em paz.
- Acho melhor o outro jeito.
Aiden deu uma piscadela.
- Qual jeito?
- Aquele que você, Spencer e Walker vão até a escola comigo para dar um jeito nela. Eu prefiro este. Se vocês quiserem, poderão passar o dia inteiro comigo.
- Isso não é um teste de múltipla escolha... - Aiden começou a dizer.
- Espere um pouco. Você não disse que o nome dela... Como é mesmo o nome dela? - perguntou Walker.
- Morgan.
- Muito bem. Você não disse que, amanhã, a Morgan vai atormentar a Cordelia de novo? Regan torceu o nariz e arregalou os olhos.
- Então, por que você está tão preocupada? Não é você quem ela vai atormentar - disse Walker.
Regan ficou extremamente séria.
- Porque ela é minha amiga, Walker.
Aiden deu um sorriso.
- E como você acha que ela vai se sentir se você não aparecer amanhã?
- Cordie também não vai mais à escola. Ela disse isso para mim.
- Bem, tenho certeza de que os pais dela farão com que ela vá - disse Aiden. - Sabe, Regan, existem dois tipos de pessoas no mundo. Aquelas que fogem dos problemas e aquelas que os encaram.
Ela enxugou as lágrimas do rosto.
- De qual tipo eu sou?
- Você é uma Madison. Você enfrenta os problemas. Você não foge de ninguém.
Apesar de não ter gostado do que ouviu, ela sabia, pela posição das mandíbulas do irmão, que ele não mudaria de idéia, independentemente do argumento que ela usasse. De qualquer maneira, ela se sentia melhor depois de ter dividido seu problema.
Na manhã seguinte, enquanto a sra. Tyler penteava o cabelo de Regan, ela pensou em não usar as presilhas. Mas acabou optando por usá-las, no caso de Cordelia precisar de presilhas extras.
Quando finalmente chegou a Briarwood, ela estava com o estômago enjoado. Viu que Cordelia a esperava no portão de entrada.
- Pensei que você não viesse hoje - disse Regan ao alcançá-la.
- Meu pai me obrigou a vir - respondeu Cordie, deprimida.
- Meu irmão também me obrigou.
Sophie as chamou. Ela tinha acabado de sair de seu carro e estava tentando ajeitar as alças da mochila nos ombros.
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Quando viu Cordie e Regan juntas, correu para se juntar a elas, com os cabelos loiros compridos flutuando atrás de si. Regan pensou que Sophie era parecida com uma princesa. De tão claros os cabelos dela chegavam a parecer brancos e seus olhos eram de um lindo tom de verde.
- Eu sei o que nós podemos fazer - anunciou Sophie, assim que se juntou a elas. - No recreio, nós podemos nos esconder atrás dos alunos da quinta série e você, Regan, pode cercar Morgan para pegar as presilhas de Cordie de volta.
- Como? - perguntou Regan.
- Como o quê? - perguntou Sophie.
- Como vou pegar as presilhas de volta?
- Eu não sei, mas talvez você possa pensar em alguma coisa.
- Meu pai disse que eu tenho de contar o que Morgan fez para a professora, mas eu não vou fazer isso - disse Cordie. Ela roçou os ombros com seus cachos escuros e acrescentou: - Isso só vai deixar a Morgan mais brava.
De repente, Regan se sentiu como se fosse adulta.
- Temos de dizer a ela para nos deixar em paz. Foi o que o Aiden disse.
- Quem é Aiden? - perguntou Sophie.
- Meu irmão.
- Mas sou só eu quem a Morgan está atormentando - disse Cordie.
- Isso não é com você nem com a Sophie. Vocês podem fugir e se esconder dela.
- Você pode se esconder com a gente - sugeriu Sophie.
- A professora vai obrigar a gente a sair da classe para o recreio - disse Cordie. - Então, a Morgan vai me encontrar.
- Vamos ficar juntas e, quando ela tentar assustá-la para fazer com que você dê suas coisas a ela, nós falamos para ela ir embora. Talvez a gente consiga dar um susto nela.
-Talvez - concordou Cordie, mas, como não havia nenhum entusiasmo em sua voz, Regan sabia que ela não estava acreditando muito nessa história.
- Pode ser que, até o recreio, a gente consiga pensar num bom plano - disse Sophie.
Ela parecia tão segura e confiante que Regan pensou em ser como ela. Sua nova amiga parecia não ter medo de nada. Regan, por sua vez, vivia cheia de preocupações. O mesmo acontecia com Cordie. As duas passaram a manhã inteira preocupadas com Morgan.
Como o gramado era regado, passaram o recreio na classe. Mas, durante o intervalo para o almoço, quando os alunos do jardim-de-infância
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se encontravam com os outros alunos da escola, o dia estava bastante ensolarado e elas foram obrigadas a sair para o playground.
Quando Regan percebeu que não deveria ter almoçado, já era tarde demais. O leite estava rapidamente se azedando em seu estômago e ela se sentia como se tivesse engolido uma pedra.
Morgan estava esperando por elas junto dos balanços reservados para os alunos do jardim e do primeiro ano. Felizmente, Sophie tinha um plano em mente.
- Assim que Morgan achar a Cordie e andar na direção dela, nós corremos para dentro e chamamos a sra. Grant.
- Você vai contar para ela o que Morgan fez com a Cordie?
- Não.
- Como assim? - perguntou Regan.
- Eu não quero que as pessoas me chamem de dedo-duro. Meu pai sempre diz que dedo-duro é a pior coisa do mundo.
- Então, o que é que você vai fazer? - perguntou Regan. Com o canto do olho, ela observava Morgan. Até aquele momento, a malvada ainda não tinha notado a presença delas.
- Como eu não sei o que dizer à professora, vou pedir que ela venha para fora e fique perto o suficiente para ouvir Morgan ameaçando Cordie. Pode ser que ela veja Morgan forçando Cordie a lhe entregar suas presilhas.
- Sophie, você é tão inteligente! - disse Cordie.
Regan achou esse plano ótimo. Sophie desapareceu na escola no momento exato em que Morgan, cuja imagem correspondia exatamente ao gigante que Regan descrevera, caminhou na direção delas.
De maneira involuntária, elas recuaram um passo. Morgan seguiu em frente. Desesperada, Regan procurava por Sophie e pela sra. Grant, sem conseguir encontrá-las. Ela estava aterrorizada. Olhou para os pés de Morgan, pensando que eram tão grandes quanto os de Aiden, e, timidamente, subiu o olhar para os olhos dela, que pareciam duas contas marrons. Sentiu-se nauseada.
Nesse momento, Regan tinha duas terríveis preocupações: enfrentar a fúria de Morgan e passar pelo vexame de vomitar na frente de todos os alunos da escola.
A malvada esticou a mão com a palma virada para cima e encarou Cordie.
- Passe as presilhas - disse ela, mexendo os dedos.
Imediatamente, Cordie levantou as mãos para tirar as presilhas, mas Regan as agarrou, impedindo o movimento.
- Não - disse ela, colocando-se diante de Cordie. - É melhor você deixá-la em paz.
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Esta fora a coisa mais corajosa que fizera em sua vida. Ela se sentia zonza, atordoada e enjoada ao mesmo tempo. Mesmo com a bílis começando a percorrer um caminho em direção à sua garganta e não conseguindo engolir, ela não estava preocupada com seu estado. Estava sendo corajosa e mal podia esperar para contar tudo ao Aiden.
Morgan deu um soco em seu peito. Regan cambaleou e quase caiu, mas conseguiu se equilibrar e fincou pé no chão, desafiadora.
- Já disse para você deixar ela em paz - repetiu ela. Como a bílis em sua garganta enfraquecia sua voz, ela engoliu com força e repetiu a ordem.
Céus! O estômago de Regan estava completamente revirado e ela sabia que nunca seria capaz de chegar a tempo até o banheiro.
- Tudo bem - disse Morgan. Ela deu outro passo ameaçador e voltou a bater no peito de Regan. - Então me dê alguma coisa você.
O estômago revirado de Regan obedeceu prontamente.
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CAPÍTULO 1
POSSUÍDO PELO DEMÓNIO. O homem não se mostrava nem um pouco surpreso ou alarmado. A fera sempre começava a se movimentar no final do dia, quando sua mente já não era absorvida pelo trabalho e seu corpo precisava desesperadamente relaxar.
Durante um longo período - quase um ano -, o demónio havia se escondido dele. Ele ficara sem saber que o demónio estava lá. Então, de maneira ingénua, preferira pensar que estivesse tendo crises ou ataques de pânico, porque assim as coisas ficavam menos ameaçadoras. Ele comparava a sensação com o enrolar dos braços ao redor de uma pedra quente para aquecer seu corpo gélido, mas, à medida que o dia avançava, a pedra se tornava cada vez mais quente, até exalar um calor insuportável. Em seguida, era completamente tomado pela ansiedade. Uma ansiedade horrível que fazia com que sua pele se arrepiasse e seus pulmões se queimassem, até que sentisse uma necessidade incontrolável de gritar sem parar. Desesperado, ele pensava em tomar um dos comprimidos especiais que o médico prescrevera para ele, mas nunca chegou a tomar nada nem mesmo uma aspirina, com medo de que o remédio o enfraquecesse.
Ele acreditava ser um bom homem. Pagava suas contas, ia à igreja aos domingos e tinha um trabalho em período integral. Era um trabalho estressante no qual, constantemente, tinha de pisar em ovos, o que requeria concentração máxima e não sobrava tempo para pensar ou se preocupar com o pesado fardo que o esperava, quando voltava para casa. Ele não se importava em passar longas horas no trabalho. Na verdade, sentia-se
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até agradecido por isso. Tanto na vida pessoal quanto na profissional, ele nunca fugia de suas responsabilidades. Cuidava com dedicação de Nina, sua esposa inválida. Por insistência dela, eles haviam se mudado para Chicago, onde pretendiam recomeçar a vida após o acidente. Em duas semanas, ele conseguira um emprego, o que ele considerou um sinal de sorte. Apesar da correria, aquela fora uma época feliz. Ele e Nina decidiram usar uma parte do dinheiro da indenização para comprar uma espaçosa casa, de um andar e meio, nos arredores da cidade e, uma vez feita a mudança, passavam as noites de verão colocando rampas e alterando o primeiro andar, de modo que Nina não tivesse problemas para se locomover em sua cadeira de rodas levíssima e high-tech. As pernas de Nina foram dilaceradas durante o acidente e ela perdera a chance de voltar a andar. Ela aceitou seu destino e continuou a viver a vida. Ele se sentiu aliviado quando a esposa, vagarosamente, recuperou as forças e aprendeu a se virar sozinha durante o dia.
Quando estava em casa, ele insistia em cuidar dela. Todas as noites, ele preparava o jantar e arrumava a cozinha. Depois, passavam o resto da noite juntos, assistindo aos seus programas de televisão favoritos.
Estavam casados havia dez anos e, durante todo esse tempo, o amor que sentiam um pelo outro não diminuíra. Entre outras coisas, o acidente servira para descartar qualquer possibilidade de se perderem em contentamento ou de caírem na rotina do dia-a-dia. O que não era de espantar. Sua doce e gentil Nina havia morrido na mesa de cirurgia e - milagre dos milagres - voltado para ele. Os médicos trabalharam a noite inteira para salvar a vida dela. Quando recebeu a notícia de que ela sobreviveria, ele caiu de joelhos na capela do hospital e jurou que passaria o resto de sua vida tentando fazê-la feliz.
Ele tinha uma vida rica e cheia de significados... com uma pequena exceção.
A consciência sobre o demónio não se apresentara de forma gradual. Não, ficara sabendo de forma súbita.
Aconteceu no meio da noite. Ele estava com dificuldades para dormir e, em vez de ficar rolando de um lado para outro e correndo o risco de acordar Nina, resolveu ir até a cozinha, do lado oposto da casa, onde começou a andar de um lado para o outro. Pensou que um copo de leite morno pudesse ajudá-lo a acalmar seus nervos e fazê-lo dormir, mas estava errado. Ao colocar o copo vazio na pia, o copo escapou de sua mão e rolou no fundo da cuba. O som reverberou por toda a casa. Ele correu em direção à porta do quarto e ficou do lado de fora, escutando. Ao perceber que o barulho não acordara sua esposa, sentiu-se aliviado e voltou para a cozinha.
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Sua ansiedade aumentava. Estaria ficando louco? Não, não. Apenas mais uma das crises. Apenas isso. E essa não seria tão horrível. Ele se manteria sob controle.
O jornal estava sobre o balcão da cozinha, exatamente onde o deixara. Pegou-o e levou-o para a mesa. Decidiu que leria o calhamaço todo, de cabo a rabo, até cair de sono.
Depois de ler cada palavra do caderno de esportes, ele avançou para as notícias sobre a cidade. Deu uma olhada no artigo sobre a inauguração de um novo parque com pista de cooper, abriu o jornal sobre a mesa e imediatamente seus olhos se depararam com a foto de uma linda jovem, na frente de um grupo de homens. Ela tinha nas mãos uma tesoura e estava prestes a cortar a fita que cruzava a entrada do parque. E sorria para ele.
Hipnotizado, ele não era capaz de tirar os olhos dela.
Tudo aconteceu no momento em que ele estava lendo os nomes abaixo da foto. De repente, sentiu um sufocante aperto no peito e muita dificuldade para respirar. Um raio parecido com um relâmpago cruzou seu coração, causando uma dor terrível. Estaria ele tendo um infarto ou seria apenas mais um de seus ataques de pânico?
Tente se acalmar, disse para si mesmo. Tente se acalmar. Respire fundo.
A ansiedade crescia de forma insuportável e, com ela, a terrível e tão familiar sensação de terror. Em seguida, sua pele começou a se queimar e a coçar e, pulando pela cozinha, ele começou a coçar freneticamente os braços e as pernas. O que estava acontecendo com ele?
Ao perceber que estava correndo, viu-se obrigado a parar. Ao olhar para baixo, pôde ver os arranhões que se impingira. Havia riscos de sangue em seus braços e pernas, alguns tão profundos que o sangue chegava a pingar no chão. Sentia que estava prestes a explodir. Agarrou os cabelos e começou a chorar, mas estava sendo perseguido pelo terror. De repente, percebeu que não tinha mais controle sobre seu corpo. Não podia sequer respirar.
Com uma clareza impressionante, ele viu e compreendeu. Havia outra pessoa respirando por ele.
Na manhã seguinte, acordou, em posição fetal, no chão da cozinha. Teria desmaiado? Pensou que essa seria uma hipótese plausível. Colocou-se sobre os pés cambaleantes e apoiou-se na mesa para manter o equilíbrio. Fechando os olhos, respirou fundo por várias vezes e, devagar, aprumou o corpo. Notou a tesoura sobre o jornal. Será que a colocara ali? Não conseguia se lembrar. Guardou a tesoura na gaveta e pegou o jornal para jogá-lo no cesto de lixo, que ficava na garagem. Foi quando viu o recorte de jornal. Tanto o artigo quanto a foto da jovem sorridente estavam
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ali, no centro da mesa, esperando por ele. Ele sabia quem os tinha colocado ali. E por quê.
O demónio a desejava.
Ele cobriu o rosto com as mãos e soluçou.
Sabia que era necessário encontrar uma outra maneira de acalmar a fera. Atividades físicas pareciam ajudar. Ele se matriculou em uma academia e começou a praticar exercícios com obsessão. Uma de suas atividades favoritas era vestir as luvas de boxe e socar o maldito saco de areia, com toda a força e pelo maior tempo possível. Perdia a noção do tempo e não parava até que fosse impossível levantar os braços, sem sentir uma dor horrível.
Por vários dias, ele manteve seu corpo em estado de perpétua exaustão. Mas mesmo isso parecia não ser suficiente.
O tempo estava se extinguindo. Ele estava sendo consumido pelo demónio. Ironicamente, fora sua esposa quem lhe dera essa ideia. Certa noite, ao lhe fazer companhia enquanto ele lavava a louça, ela sugerira que ele deveria ter uma noite de folga. Uma noite, insistiu ela, na qual ele pudesse curtir a companhia dos amigos.
Ele discordou de imediato, pois já ficava longe dela durante muitas noites, em virtude dos afazeres no trabalho. Isso sem falar do tempo em que ficava fora para correr ou se exercitar na academia. Com certeza, ele já tinha tempo suficiente para si mesmo.
Entretanto, ela estava decidida e nada a fez desistir disso. Finalmente, ele acabou concordando, mas apenas para vê-la feliz.
Hoje seria sua primeira noite fora. Ele já sentia o pulsar da adrenalina. Estava tão nervoso e excitado quanto na noite em que saíra com a primeira namorada.
Antes de sair de casa, ele disse à Nina que, depois do trabalho, iria direto para a cidade, onde encontraria alguns amigos no Sully, um bar e grill bastante conhecido. Entretanto, ela não tinha motivos para se preocupar. Ele prometeu que se tomasse mais de um drinque, não voltaria para casa dirigindo. Pegaria um táxi.
Mentira do começo ao fim.
Não, ele não estava indo para a cidade para relaxar. Estava indo para caçar.
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CAPÍTULO 2
REGAN MADISON HAVIA PASSADO DOIS DIAS E DUAS NOITES COMPLETAMENTE miseráveis, Rodeada por "desprezíveis". Eles pareciam estar por toda parte - nos aeroportos, no hotel e nas ruas de Roma. Um desprezível como ela própria definia - era um homem idoso, rico e lascivo, que andava com uma amante a tiracolo que tinha a metade de sua idade. Antes que seu padrasto, Emerson, se casasse com Cindy, sua noiva adolescente, Regan nunca prestara muita atenção a esse tipo de casal. Ela podia até entender a atração. Cindy tinha um corpo de bailarina de cabaré. E um QI de ostra. Essa combinação fazia com que ela fosse perfeita para ele.
Felizmente para Regan, o casal, delirantemente feliz e pouco funcional, resolvera ficar em Roma, enquanto ela voara de volta a Chicago. Exausta depois do longo voo, ela foi para a cama cedo e dormiu como uma pedra por oito horas contínuas, pensando que o dia seguinte seria muito melhor que o anterior.
Estava errada quanto a isso.
Na manhã seguinte, ela acordou às seis horas, com a sensação de mil elásticos de prender dinheiro ao redor do joelho esquerdo, estrangulando a circulação. Na noite anterior, havia batido o joelho na cómoda e não tivera o cuidado de parar para colocar gelo na região dolorida. A dor beirava o insuportável. Chutando as cobertas para longe, ela se sentou na cama e passou a mão no joelho até que ele parasse de latejar.
Seu joelho estragado era fruto de um ferimento ocorrido durante um jogo beneficente de beisebol. Ela estava se saindo muito bem, jogando na primeira base, até girar o corpo para o lado errado e estraçalhar a cartilagem do menisco. O ortopedista que ela consultara aconselhara uma cirurgia,
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assegurando-lhe que estaria de volta à vida normal em poucos dias. Mas Regan insistia em adiar o procedimento prescrito.
Ela se sentou com os pés para baixo e inclinou o corpo para se levantar, colocando todo o peso sobre o joelho machucado com muita cautela. A seguir, como se a dor não fosse suficiente, ela começou a espirrar e seus olhos encheram-se de lágrimas.
Regan tinha uma relação de paixão e ódio com sua cidade natal. Ela amava os museus e as galerias de arte, achava os shoppings tão maravilhosos quanto os de Nova York - opinião não compartilhada por suas melhores amigas, Sophie e Cordelia - e acreditava que pelo menos 8 por cento dos habitantes do lugar eram cidadãos de boa índole, honestos e respeitadores da lei. A maioria deles sorria quando ela passava por eles na rua; alguns chegavam mesmo a cumprimentá-la. Como acontece com a maioria das pessoas do MeioOeste, elas eram amáveis e educadas, mas sem ser invasivas. Enfrentavam tudo com bravura e coragem, mesmo que gostassem de reclamar do tempo, especialmente durante o inverno, quando o vento realmente se parecia com lâminas de facas afiadas, perfurando suas costas ou seu peito - dependia do fato de você estar indo em direção ao lago Michigan ou se afastando dele.
Entretanto, para Regan a primavera era um grande aborrecimento. Ela sofria de alergia e, a cada primavera, enquanto as ambrósias e o mofo se proliferavam, ela se transformava numa farmácia ambulante. Mesmo assim, recusava-se a diminuir o ritmo. Nos dias em que o ar estava mais pesado ou a porcentagem de pólen no ar atingia proporções inacreditáveis, ela abastecia a bolsa com lenços de papel, aspirinas, antialérgicos, descongestionantes nasais e colírios e continuava tocando a vida.
Como seu dia seria cheio, ela sabia que, ao final dele, estaria exausta e ansiosa para aninhar-se sob seu edredom macio, em sua cama deliciosa. Era simplesmente maravilhoso poder ficar em casa.
Para Regan, casa significava a suíte do Hamilton Hotel, um dos hotéis cinco-estrelas de propriedade de sua família, o qual estava localizado em Water Tower, um bairro luxuoso de Chicago, e tinha a reputação de elegante, sofisticado e confortável. Até agora, estava satisfeita com seu modo de vida. No hotel, ela tinha tudo o que precisava. Como os escritórios corporativos faziam parte do hotel, ela usufruía o conforto de não precisar dar mais que uma volta de elevador para chegar ao trabalho. Além disso, desde a infância, ela estava familiarizada com a maioria dos funcionários e os considerava parte de uma grande família.
Ela não cedeu à tentação de voltar para a cama. Tirando os cabelos dos olhos, cambaleou até o banheiro, lavou o rosto e escovou os dentes. Em seguida, vestiu sua roupa de ginástica, fez um rabo de cavalo no cabelo
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e subiu de elevador até o décimo-oitavo andar para correr quatro quilómetros na pista coberta. Ela não se deixaria abater por alergias ou dores no joelho. Quatro quilómetros por dia, faça chuva ou faça sol.
Por volta das sete e meia da manhã, ela já voltara ao quarto, tomara banho, vestira-se e tomara seu café-da-manhã padrão, composto de uma torrada de pão integral, toronja e chá quente.
Mal tinha acabado de se sentar em sua escrivaninha, na saleta da suíte, quando o telefone tocou.
Cordelia queria saber sobre a viagem.
- Como foi Roma?
- Tudo bem.
- Seu padrasto estava lá?
- Sim, estava.
- Então, como a viagem pode ter sido boa? Deixe de bobagem, Regan. Você está falando com sua velha amiga Cordie, lembra?
Regan soltou um longo suspiro.
- Foi horrível - admitiu ela. - Simplesmente horrível.
- Seu querido padrasto estava com a noivinha?
- Claro, ela estava lá.
- Ela ainda veste Escada da cabeça aos pés?
Regan deu um sorriso. Cordie possuía um talento único para tornar divertidas as situações mais esdrúxulas. Ela sabia qual era a intenção de sua amiga - tentando deixar o clima mais descontraído. - Não é Escada - corrigiu ela. - É Versace. E você está certa, Versace da cabeça aos pés.
Cordie caiu na risada.
- Posso até imaginar. Seus irmãos estavam lá?
- Aiden estava, claro. O hotel de Roma é o projeto favorito dele, e ele estava sério como sempre. Já faz muitos anos que não o vejo esboçar um sorriso. Deve ser assim com os irmãos mais velhos.
- E o Spencer e o Walker?
- Spencer teve de ficar em Melbourne. Surgiram alguns problemas de última hora com os arquitetos que estavam trabalhando no projeto do novo hotel. Walker também estava lá, mas apenas para a recepção. Ele queria descansar um pouco antes da corrida.
- Então, você falou com ele?
- Sim, falei.
- Muito bem. Quer dizer que finalmente você o perdoou?
- Acho que sim. Ele fez apenas o que achava correto fazer. Como era de esperar, o tempo me deu uma nova perspectiva e resolvi deixar isso pra lá. Além disso, eu me sentiria muito mal, caso ele desse cabo de suas nove vidas sem saber que eu o havia perdoado. No mês passado, ele destruiu outro carro - disse ela.
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- E mais uma vez saiu ileso, certo?
- Certíssimo.
- Fico feliz em saber que você não está mais brava com ele.
- Eu só gostaria que ele não fosse tão impulsivo. Bastava eu sair algumas vezes com alguém e ele já estava contratando alguém para investigar meu parceiro.
- Desculpe, querida. Você saiu bem mais que "algumas vezes" com o Dennis.
- Bem...
- Pelo menos, você não deixou que ele machucasse seu coração. Eu sabia muito bem que você não o amava.
- Como é que você sabia?
- Quando vocês terminaram, você não derramou nem uma lágrima sequer. Encare os fatos, Regan, você chora até em comerciais de ração para cachorros. Se você não chorou quando o relacionamento com ele terminou, é porque não estava envolvida. E, para sua informação, fiquei muito feliz por você ter dado o fora nele. Ele não era a pessoa certa para você.
- Na época, eu não achava que ele não fosse a pessoa certa para mim. Eu o achava quase perfeito. Nós tínhamos muita coisa em comum. Ele adorava teatro, ópera e balé e nunca ficava aborrecido em participar de todos os eventos beneficentes. Na minha opinião nós tínhamos os mesmos valores.
- Mas aquele não era o Dennis de verdade, não é mesmo? Ele estava interessado no seu dinheiro, Regan. E você tem muita coisa envolvida para perder tempo com tolices.
- Você não vai começar com aquela bajulação, dizendo que sou linda, maravilhosa e inteligentíssima, não é?
- Não, nesse momento estou sem tempo para bajulações. Tenho de voltar antes que um de meus alunos mande o laboratório pelos ares. Liguei só para ter certeza de que você chegou bem em casa e para perguntar se você quer jantar comigo hoje à noite. Começo minha dieta de toronjas amanhã.
- Eu adoraria, mas estou atolada de trabalho. Acho que vai levar uma semana para colocar em ordem tudo o que está atrasado - disse Regan.
- Muito bem, então vamos marcar algo na sexta. Eu começo a fazer dieta no sábado. Nós duas precisamos nos divertir um pouco - protestou Cordie. - Tive uma semana horrível. Na segunda-feira, um dos garotos derrubou uma caixa de equipamentos e quebrou todas as buretas. Na terça, descobri que meu orçamento para o próximo ano foi reduzido pela metade. É ridículo - disse ela, tensa. - Ah!, e na quarta, a Sophie me
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ligou e pediu que eu fizesse umas coisas para ela, o que também acabou sendo horrível.
- O que foi que ela pediu?
- Para ir até a delegacia de polícia para descobrir algumas coisas.
- Que tipo de coisas?
- Você vai precisar esperar para ouvir os detalhes sanguinolentos. Como quer ter o privilégio de lhe contar, ela me fez prometer que eu não diria nada a respeito.
- Ela está aprontando de novo?
- É possível - respondeu Cordie. - Preciso ir. Tem um aluno me acenando freneticamente. Falo com você mais tarde.
Ela desligou o telefone antes que Regan pudesse se despedir. Cinco minutos depois, Sophie ligou. E foi direto ao assunto.
- Preciso de um favor. Um grande favor.
- Roma estava ótima. Obrigada por perguntar. Que tipo de favor?
- Primeiro diga que sim.
Regan riu.
- Não caio nesta desde o jardim-de-infância.
- Então, encontre-se comigo para almoçarmos juntas. Não, hoje não - acrescentou ela. - Eu sei que você deve estar atolada de trabalho e eu tenho duas reuniões importantes que não posso perder. Talvez a gente possa almoçar amanhã ou depois. Preciso de algumas horas com você.
- Algumas horas para almoçar?
- Almoçar e pedir um favor - corrigiu ela. - Podemos nos encontrar no The Palms ao meio-dia e meia de sexta. Como a Cordie só trabalha até o meio-dia, ela poderia se juntar a nós. Pode ser na sexta?
- Não tenho certeza. "
- Estou precisando de sua ajuda de verdade.
Ela se fazia de coitadinha. Regan sabia muito bem que se tratava de pura manipulação, mas decidiu não dizer nada.
- Se é tão importante assim... - ela começou a dizer.
- Sim, é muito importante.
- Tudo bem, dou um jeito.
- Eu sabia que podia contar com você. E, por falar nisso, eu conversei com o Henry para ter certeza de que você estava com a agenda livre no próximo fim de semana. Pedi que ele me agendasse.
- O fim de semana inteiro? Sophie, o que é que está acontecendo?
- Explico tudo durante o almoço. E você vai ter a semana toda para pensar a respeito.
- Eu não posso.
- Adorei a foto no jornal. Seu cabelo estava ótimo.
- Sophie, eu quero saber...
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- Preciso ir. Vejo você na sexta, ao meio-dia e meia no The Palms. Regan quis argumentar, o que foi totalmente inútil, pois Sophie já havia desligado o telefone. Ela olhou para o relógio, pegou seu palmtop e saiu correndo em direção à porta. Paul Greenfield, um antigo funcionário e amigo querido, estava esperando por ela no saguão. Regan conhecia Paul desde a época em que era adolescente. Ela foi sua estagiária durante o verão, no ltimo ano do colégio e, na época, era totalmente apaixonada por ele. Paul soubera de sua paixão - ela fora ridiculamente explícita sobre o que sua mãe chamava de paixão avassaladora -, mas fora muito gentil a respeito. Agora, casado e pai de quatro filhos que o deixam constantemente esgotado, ele continuava sempre pronto a sorrir para ela. O cabelo de Paul estava ficando grisalho nas têmporas e ele usava óculos de fundo de garrafa, mas Regan o achava extremamente charmoso. Com os braços ocupados, ele carregava o que parecia ser um calhamaço de 500 folhas impressas.
- Bom dia, Paul. Parece que você está com as mãos ocupadas.
- Bom dia - respondeu ele. - Na verdade, isso é para você.
- Verdade? - ela deu um passo para trás.
Ele voltou a esboçar um sorriso.
- Desculpe, mas há uma hora recebi um e-mail de seu irmão, Aiden.
- É mesmo? - perguntou ela, diante da hesitação de Paul.
- Ele quer saber por que você não deu notícias.
Ele tentou entregar-lhe o calhamaço de papel. Ela se afastou um pouco mais, com um sorriso nos lábios. - O que exatamente ele quer saber?
- Sua opinião sobre esse relatório.
- Ele escreveu tudo isso? Desde quando, em nome de Deus, ele tem tempo para escrever um relatório de 500 páginas?
- Duzentas e dez páginas - corrigiu ele.
- Certo. Quando foi que ele arranjou tempo para escrever um relatório de 210 páginas?
- Você sabe que seu irmão não dorme.
Ou tem vida própria, pensou ela. Mas não ousou dizer nada, porque isso seria desleal da parte dela. - É o que tudo indica - disse ela. - Que tipo de relatório é esse?
Paul deu um sorriso. Ela olhava para os papéis como se um sapo fosse saltar de lá de dentro sobre ela.
- São os planos de expansão do Aiden - disse ele. - Ele precisa saber sua opinião antes de prosseguir com o projeto. Os números estão todos aí. Spencer e Walker já sabem do que se trata.
- Aposto que eles não precisaram ler nada.
- Na verdade, não, não precisaram.
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Ela notou o olhar carregado de culpa, enquanto ele lhe entregava os papéis. Ela equilibrou o palmtop sobre as folhas.
- Quando estivemos juntos em Roma, Aiden nem sequer tocou nesse assunto e agora ele espera que eu já tenha lido esse relatório?
- Naturalmente houve uma pequena confusão. Essa é a segunda vez que imprimo o relatório para você. Parece que a primeira cópia desapareceu. Eu a deixei com a Emily - disse ele, referindo-se à assistente de Aiden.
- Ela insiste em dizer que entregou o relatório a Henry, que ficou de fazer com que ele chegasse até você.
- Se ela tivesse dado o relatório ao Henry, eu o teria recebido.
Paul era extremamente diplomático.
- Isso parece um quebra-cabeça, mas não acredito que a gente deva perder tempo ou gastar energia tentando descobrir o que aconteceu.
- Sim, está certo. Um quebra-cabeça. Ela não conseguiu esconder a irritação de sua voz. - Nós dois sabemos muito bem que Emily...
Ele não permitiu que ela continuasse.
- Não devemos perder tempo com especulações. Seu irmão espera um contato seu até o meio-dia de hoje.
- Meio-dia?
- Ele me pediu que lhe dissesse para não se preocupar com a diferença de fuso horário.
- Ela rangeu os dentes.
- Tudo bem. Vou começar a ler agora mesmo. O sorriso dele era sinal de que havia ficado feliz com a decisão dela.
- Se você tiver alguma pergunta, ficarei no escritório até as onze. Depois, estarei a caminho de Miami.
Ele já estava se afastando quando ela o chamou:
- Você sabia que eu acabaria cedendo, não é mesmo?.
A resposta dele foi uma risada. Regan olhou para o relógio, soltou um grunhido, endireitou os ombros e caminhou em direção ao seu escritório.
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CAPÍTULO 3
O ASSASSINATO FORA UM ERRO.
Ele ficou parado na sombra de um prédio próximo ao bairro de Water Tower, vigiando a entrada e esperando que a pessoa escolhida aparecesse. O ar frio e úmido da noite penetrava em seus ossos. Apesar de se sentir extremamente desconfortável, ele não ousava desistir. Por mais de duas horas ficou escondido, esperando e alimentando esperanças por mais de duas horas. Então, finalmente teve de aceitar que havia falhado.
Derrotado, ele voltou para seu jipe e começou a percorrer o caminho de volta para casa. O desapontamento e a vergonha que sentia eram tão grandes que seus olhos estavam marejados de lágrimas. Ele ouviu alguém soluçar, percebeu que era ele mesmo quem fazia o barulho e, sem nenhuma paciência, enxugou as lágrimas que escorriam pelas bochechas.
Não conseguia parar de tremer. Ele havia falhado. O que o demónio faria com ele agora? Voltou a soluçar.
Em seguida, no momento em que estava prestes a gritar de desespero, encontrou a resposta. Ao ver a entrada para o Conrad Park, ele subitamente entendeu que o demónio o havia guiado até onde deveria ir. A pista de cooper que circundava o câmpus da universidade e o parque formava um oito perfeito. Ele se lembrava de ter visto o diagrama num jornal, ilustrando um artigo sobre um festival. Os lucros eram destinados a alguma instituição carente, cujo nome ele não conseguia se lembrar.
É lá que você vai encontrá-la, sussurrou o demónio.
De repente, ele se sentiu aliviado. Numa rua próxima à universidade, encontrou uma vaga perfeita para estacionar o carro. Parou ao lado de uma cabine telefónica. Havia um cartaz afixado anunciando uma corrida
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que seria realizada na zona norte da cidade. O anúncio mostrava uma bela jovem cruzando a linha de chegada.
Ao começar a abrir a porta, ele congelou. Não estava com roupa suficiente. Ele vestira seu terno preto, barato mas útil, com camisa branca e gravata listrada, pois pensou que fosse encontrá-la nos arredores de Water Tower e queria passar despercebido entre os executivos que saíam do trabalho no final do dia. Assim que começasse a segui-la, planejara usar o boné que colocara no bolso, de maneira que os transeuntes não pudessem identificá-lo depois do ato.
O que deveria fazer?
Faça o melhor possível, sibilou o demónio.
Ele agarrou sua maleta e, caminhando apressado, decidiu agir como se fosse um professor universitário. A distância não era longa. Sim, ele seria capaz de percorrê-la.
O tempo voltara a piorar. Chovera bastante nos últimos quatro dias, mas a previsão era de melhora hoje à noite. Obviamente, o homem da previsão do tempo se enganara. Maldição, ele deveria ter trazido o guardachuva. Agora, era tarde demais para ir atrás de um.
Agarrando a alça de vinil da maleta com a mão esquerda, ele caminhou a passos rápidos pela pista, tentando dar a entender que sabia para onde estava indo. Andou quase dois quilómetros, com uma fina névoa cobrindo sua roupa e uma sensação de urgência se avolumando dentro de si à medida que procurava o local ideal. Não havia naquela região muitas áreas arborizadas e ele sabia que naquele local o espécime seria mais cauteloso e estaria mais atento.
Ele não estava muito preocupado com o fato de que a névoa pudesse mantê-la afastada. E havia uma corrida importante para a qual ela teria de se preparar, pensou ele. Sim, ele a encontraria ali.
Mas onde ele poderia se esconder? Ele continuava andando, procurando por um bom esconderijo. Ao longo do caminho, a cada seis metros, havia luminárias idealizadas que lembravam as antigas lamparinas de gás. Perto do prédio do qual se aproximava, algumas delas aparentavam entre si uma distância ainda menor. Um aviso com uma seta indicava que o prédio era um centro de convenções. - Não vai funcionar, não vai funcionar - murmurou ele. Muita luz para o que ele pretendia.
Mesmo com o terno encharcado, ele continuou. O que era aquilo contra a parede? Ele se aproximou, saiu da pista e parou. Uma pá? Sim, isso mesmo.
Havia três enormes buracos ao lado do prédio de pedra, onde velhos arbustos tinham sido arrancados para dar lugar a plantas mais novas. Era
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óbvio que um dos trabalhadores esquecera a pá, além de alguns outros equipamentos. No chão, ao lado da pá, havia um encerado alaranjado desajeitadamente dobrado, além de um martelo, enferrujado mas adequado. Ele o pegou, avaliou o peso e a grossura do cabo e o segurou ao lado do corpo. Não pensara em trazer uma arma. Ele era forte, terrivelmente forte, e acreditava que seria capaz de subjugar qualquer mulher, independentemente do tamanho, com suas próprias mãos. O martelo poderia ser útil para convencê-la a não reagir. O seguro morreu de velho, pensou ele.
Ofegante de excitação, seguiu a curva do caminho. O jardim estava em fase de renovação. Havia uma pirâmide de árvores e arbustos mortos, com as raízes, como tentáculos de polvos secos, avançando na direção da pista. O lixo estava esperando ser descartado. Ele olhou ao redor à procura de sinais de qualquer pessoa que pudesse vê-lo ou ouvi-lo. Em seguida, pegou uma pedra e a atirou sobre a luminária mais próxima a uma das pilhas de detritos. Como o local ainda continuava muito claro, ele decidiu quebrar mais uma.
- Perfeito - sussurrou ele. Um ninho perfeito.
Ele continuava pensando nos enormes buracos que alguém havia cavado para ele. Alguns deles eram do lado sul do edifício, mas dois deles estavam mais próximos da pista, com cones alaranjados ao redor. Mesmo com luvas, ele esfregou as palmas das mãos nas calças, enquanto ficava de cócoras atrás de um monte fétido de plantas em decomposição. Seus mocassins afundaram na lama. Com cuidado, ele colocou no chão, ao seu lado, a maleta barata. Soltou um suspiro lento e profundo.
Seus sentidos estavam aguçados pela adrenalina, o que fazia com que ele ficasse cada vez mais atento ao que estava acontecendo ao seu redor. Ele podia ouvir até os menores ruídos e sentir todos os odores.
Ele ouviu o ruído de pés batendo contra o pavimento e notou que um corredor se aproximava. Sorriu com satisfação. Corredores correm, não importa o que aconteça. Ele se abaixou ainda mais e deu uma espiada por uma abertura triangular que fizera entre a folhagem. Fixou o olhar numa área iluminada, pela qual sabia que o corredor teria de passar.
- Sim. - O corredor era, na verdade, uma mulher. Mas seria ela a mulher certa? Seria ela a escolhida perfeita? De onde estava, ele não conseguia ver o rosto dela - enquanto corria, o olhar dela estava voltado para baixo. Apesar disso, podia ver seu corpo esbelto e atlético e seu cabelo grosso e escuro, preso num rabo de cavalo. Tinha de ser aquela. Observou suas pernas longas, sensuais e incrivelmente perfeitas.
Agarrando o martelo como se fosse um taco de beisebol, ele se preparou para correr. Ele não tinha nenhuma intenção de matá-la. Tudo o que
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queria era olhar para ela. Tarde demais, ele descobriu que seu tempo se esgotava. Deveria tê-la deixado passar por ele para, em seguida, acertá-la por trás, na base do crânio. Mas estava ansioso demais e era muito inexperiente. Como boa lutadora, ela partiu para cima dele com as unhas sobre o rosto dele, enquanto ele tentava de alguma maneira derrubá-la.
Ele agarrou as mãos dela e, quando finalmente conseguiu olhar bem para seu rosto, percebeu que ela também o vira claramente. A princípio, foi tomado pelo pânico e, em seguida, pela fúria.
Ela gritava com todas as suas forças, enquanto tentava tirar um spray de pimenta do bolso. Ele a atingiu com força - um nico golpe de martelo -, o que a fez cair. O demónio não permitiu que ele parasse ali. Ele continuou a agredi-la, golpeando joelhos, coxas e tornozelos.
Havia sangue por toda parte.
A sorte estava ao seu lado, pois a névoa transformara-se em chuva forte. Ele olhou para o céu e deixou que a chuva fria lavasse o sangue de seu rosto. O riacho rubro que escorria entre o pescoço e o colarinho da camisa provocou-lhe arrepios. Fechou os olhos para descansar um pouco.
De repente, deu um pulo e ficou de pé. Quanto tempo ficou acocorado ao lado do corpo dela, olhando para o negrume do céu, enquanto qualquer um poderia ter passado por ali?
Ele balançou sua cabeça. Precisava esconder o corpo.
Os buracos. Aqueles buracos maravilhosos, ao lado do prédio. Seria muito arriscado levar o corpo até lá? Ou seria melhor usar a pá para cavar um buraco melhor, embaixo dos arbustos secos? Sim, era exatamente isso o que faria. Mas não de imediato. Em movimentos rápidos, ele se escondeu sob a folhagem até encontrar um lugar próximo da pá para ficar escondido e esperar. Depois da meia-noite, quando teve certeza de que não seria interrompido, ele afastou os galhos secos e abriu uma cova para ela. Trabalhou até certificar-se de que o buraco tinha profundidade suficiente para cobrir o corpo dobrado. Enquanto a arrastava para lá, os sapatos e uma das meias se soltaram, o que fez com que ele os jogasse no buraco. Acomodou-a na cova, cobriu-a de terra bem batida e, em seguida, recolocou os galhos secos no lugar.
Depois de cobrir suas pegadas da melhor maneira possível, parou ao lado da pista para observar o trabalho realizado. Sentiu-se aliviado ao ver que a chuva já havia lavado o sangue do caminho.
A tremedeira começou quando ele já estava de volta ao jipe. Estava tão abalado com o que aconteceu que mal conseguia colocar a chave na ignição. Quando finalmente se pôs a caminho, sentiu uma extraordinária sensação de paz e tranqüilidade tomar conta de seus membros. Era exatamente
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a mesma sensação que ele costumava sentir após uma sessão de sexo. Satisfeito, feliz e relaxado.
E isento de culpa. O que o surpreendeu um pouco. Realmente não sentia a mínima culpa. E por que deveria sentir? A mulher o enganara e, por isso, merecera morrer.
Enquanto ele esperava para enterrar o corpo, dois outros corredores ambos do sexo masculino - haviam passado por ele e nenhum deles notara as marcas de sangue que a chuva ainda não lavara. Mesmo assim, naquela noite, ele correra um grande risco.
Antes de virar a esquina, ele desligou os faróis do carro para que a fofoqueira de sua vizinha não o visse entrar na garagem. Algumas semanas antes, ele havia tirado a lâmpada da entrada da garagem. Ao se aproximar de casa, dirigia a passos lentos. Como previra, ela estava lá, olhando pela janela da cozinha. Parecia que passava a vida bisbilhotando a vida alheia.
Assim que a porta da garagem se abriu, ela desapareceu. O nome dela era Carolyn; ela estava se tornando mais do que um pé no saco. Era uma pena que ela não vivesse sozinha. Tomava conta da mãe idosa. Seria natural pensar que a mãe a mantivesse ocupada, mas não era isso o que acontecia. Carolyn era bastante ocupada e invasiva, sempre queria saber quando poderia aparecer em casa para conversar com Nina. Se ela continuasse assim, ele teria de tomar providências.
Depois de estacionar o carro, ele colocou o martelo ensangüentado no fundo de um engradado de madeira que tirou de uma estante. Em seguida, esvaziou os bolsos. O spray de pimenta e a carteira de motorista que, impulsivamente, ele havia tirado da mulher também foram colocados na caixa. Ele empurrou o engradado e a maleta para o canto. Depois tirou as roupas e os sapatos enlameados e colocou-os num saco de lixo.
Era preciso ser extremamente silencioso. Como não queria acordar Nina, decidiu dormir no quarto de hóspedes. Sem nenhum barulho, cruzou a casa e subiu a escada. Quando olhou para o próprio rosto no espelho do banheiro, sentiu uma palpitação e recuou, horrorizado. O que aquela mulher havia feito com ele? Seu rosto parecia um hambúrguer cru. Rapidamente ele abriu a torneira e usou uma toalha para, gentilmente, tirar o sangue do rosto. As unhas dela haviam arranhado profundamente os dois lados de seu rosto. Havia até uma longa marca de sangue que descia até o pescoço. Consumido de raiva por ela, entrou no chuveiro e abriu a torneira. Seus braços também estavam bastante arranhados.
Meu Deus, e se alguém o tivesse visto naquelas condições, enquanto voltava para casa? Quantas vezes parara nos semáforos, olhando de um
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lado para o outro? Talvez algum motorista o tivesse visto e informado o número da placa de seu carro à polícia.
Começou a bater a cabeça contra os azulejos. Eles vão me pegar; eles vão me pegar. O que é que vou fazer? Meu Deus, o que será de Nina? Quem tomará conta dela? Será que eles a obrigarão a me ver sendo arrastado, algemado, para fora de casa? Aquele tipo de humilhação era muito apavorante para se pensar. Então, ele decidiu fazer o que se treinara a fazer na época em que Nina estava na UTI do hospital. Forçou-se a bloquear a imagem até que ela desaparecesse.
Passou o fim de semana sem sair de casa, grudado na televisão e esperando que alguma notícia sobre o assassinato fosse veiculada. O tempo foi passando e, como a mulher não foi descoberta, ele foi se tornando estranhamente indiferente. Na terça-feira, bastante confiante, ele se julgava com muita sorte.
Nada mal, ele dizia a si mesmo. Nem um pouco mal para uma primeira tentativa.
Ele até mesmo conseguiu arranjar uma explicação perfeita para os arranhões. Por causa da chuva, o chão ficara escorregadio, o que fez com que ele escorregasse e caísse sobre uns arbustos espinhosos.
Na quarta-feira, às quatro da tarde, o chefe de seu departamento, um merdinha irritante, o chamou em seu escritório para dizer-lhe que todos haviam notado que, nos últimos dias, ele tinha dado duro no trabalho e estivera bastante animado. Um de seus colegas de trabalho tinha dito que ele chegara até mesmo a contar uma piada. O merdinha esperava que ele continuasse com sua atitude positiva e participativa.
Ao sair do escritório, o patrão lhe fez uma pergunta. Qual era o motivo da transformação? Os ares da primavera fora sua resposta. Ele decidira ignorar o mau tempo e estava remodelando o jardim dos fundos de sua casa. Apesar de ainda não ter plantado nada, estava se divertindo muito. Como a terra estava úmida, ele estava aproveitando para arrancar tudo. Livrando-se do velho para dar lugar ao novo. Estava até pensando em construir um quiosque.
- Tenha cuidado ao arrancar aqueles arbustos - alertou o merdinha. - Não vá cair e se machucar de novo. Você teve sorte com os arranhões por não terem infeccionado.
Com certeza. Ele não queria nem ouvir falar de mais arranhões e, sem sombra de dúvidas, era considerado um homem de muita sorte.
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CAPÍTULO 4
A SEMANA PASSOU NUM PISCAR DE OLHOS. NA SEXTA-FEIRA, O ESTADO DE ESPÍRITO de Regan melhorara muito. Havia conseguido dar cabo de todo o trabalho burocrático acumulado e agora estava livre para fazer o que amava fazer.
Nem mesmo o encontro com a assistente de Aiden conseguira abalar seu humor. Regan caminhava pelo corredor em direção ao seu escritório, quando Emily Milan a chamou. Ela virou-se e esperou que Emily a alcançasse. A mulher era quase dez centímetros mais alta que ela e, quando usava salto alto, ficava muito parecida com uma torre. Seu cabelo loiro era bem curto, cortado de forma irregular, emoldurando suas feições inesquecíveis. Tudo o que ela usava era de marca, desde as saias curtas até as jóias coloridas e ousadas.
Regan não gostava de Emily, mas tentava, o melhor possível, não deixar que seus sentimentos pessoais interferissem no ambiente profissional. Por alguma razão, Emily também não gostava de Regan. A animosidade de Emily com relação à Regan havia crescido e, nos últimos meses, sua hostilidade se tornara mais explícita.
- Aiden quer que eu assuma a reunião que você estava encarregada de conduzir essa manhã. Acho que ele quer ter certeza de que tudo vai correr bem.
Aquilo era um insulto, que nem sequer tinha o caráter de ser velado. Regan teve de fazer força para se lembrar das razões pelas quais tinha de agüentar aquela mulher. Mesmo sendo bastante desagradável, ela era essencial para amenizar o fardo de Aiden, e isso era tudo o que importava.
- Tudo bem - disse Regan.
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-Vou precisar dos e-mails que Aiden Lhe mandou. Imprima-os e peça que sua assistente os entregue a mim.
Nenhum por favor ou obrigada, claro. Ela simplesmente deu meia-volta e foi embora. Regan respirou fundo, decidida a não deixar que Emily estragasse sua manhã. Pense em alguma coisa boa, ela disse a si mesma. Levou quase um minuto, mas ela acabou conseguindo. Ela não precisava trabalhar com Emily, o que era uma coisa definitivamente boa.
Na maior parte dos dias, Regan sonhava em ter um emprego fantástico porque sua função era distribuir recursos. Ela era administradora da Fundação Hamilton. Sua avó Hamilton foi quem deu início ao programa filantrópico, mas, quando sofreu um derrame fatal anos atrás, Regan, que já havia se preparado para ocupar o cargo, assumiu o comando. Ainda não era a fundação milionária que Regan esperava que fosse, mas era bemsucedida e já havia fornecido recursos e equipamentos para muitas escolas e centros comunitários carentes. Agora, tudo o que ela precisava fazer era convencer seus irmãos a aumentar o orçamento. E isso não seria uma tarefa fácil, especialmente com Aiden, cujo único objetivo se concentrava em expandir a rede de hotéis.
O Hamilton de Chicago era apenas uma das jóias de Aiden, mas era usado como modelo para outros empreendimentos. A excelência dos serviços prestados aos clientes era a prioridade número um e, por causa da atenção que os funcionários davam aos detalhes, o hotel havia recebido, desde sua inauguração, todos os prêmios de prestígio possíveis. A administração de todos os hotéis ia de vento e popa, pois Aiden se dava ao trabalho de contratar pessoas que vestiam sua camisa e acreditavam em sua visão.
Quando Regan entrou em seu escritório, Henry Portman estava à sua espera. Enquanto não concluía a faculdade, seu assistente trabalhava apenas meio-período. O jovem afro-americano tinha o corpo de um leão de chácara, o coração de um leão verdadeiro e a mente de Bill Gates quando jovem.
- O dragão está procurando por você - foi a saudação que fez à Regan.
Ela deu uma leve risada. - Eu encontrei Emily no corredor. Ela vai assumir a reunião das dez horas. Mais alguma coisa que eu precise saber?
- Tenho notícias boas e ruins.
- As boas primeiro.
- Estamos recebendo materiais de arte para mais duas escolas e tenho 16 cartas que aguardam sua assinatura. - Com um sorriso que ia de uma orelha a outra, ele continuou: - Dezesseis formandos que se destacaram no ensino médio terão a chance de ir para a faculdade com todas as despesas pagas.
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Ela sorriu. - Essas são realmente notícias muito boas. Em dias como hoje, eu amo meu trabalho.
- Eu também - disse ele. - Na verdade, na maior parte do tempo gosto muito do que faço.
- Quais são as más notícias?
Ela se sentou em sua mesa de trabalho e começou a assinar as cartas. Ao terminar, entregou cada uma a Henry, que as dobrava e as colocava num envelope.
- Tivemos um problema essa manhã. Bem... na verdade, o problema vem se arrastando há mais ou menos um mês, mas pensei que pudesse cuidar de tudo sozinho. Agora não tenho tanta certeza disso. Você se lembra de um cara chamado Morris? Peter Morris?
Ela virou a cabeça. - O que é que tem ele?
- Há pouco mais de um mês, você negou-lhe uma doação. Imediatamente, ele respondeu à carta enviada com a negativa. Pensou que a causa pudesse ter sido algum tipo de erro de datilografia, que tivesse deixado alguma linha em branco ou qualquer problema no que ele chamou de pedido de renovação automático e que, por isso, ele preencheu um novo requerimento. De qualquer maneira, na semana passada ele ligou várias vezes perguntando se havia uma data prevista para a liberação da próxima doação. Ele vivia com essa ideia maluca de que, uma vez aprovada a primeira, teria o direito de participar do programa ad eternum. Eu lhe passei todas as informações sobre o assunto - disse Henry. Enquanto continuava, ele balançou a cabeça. - Aí ele ligou de novo para me dizer que na sua opinião eu não sabia o que significava um pedido de renovação automático.
- Ele parece ser uma pessoa tenaz.
- Ele é um pé no... você sabe. Eu não queria incomodá-la com isso, mas o cara não desiste. Desde que você foi para Roma, ele vem intensificando o número de ligações. É como se ele estivesse envolvido numa campanha. Talvez ele pense que com a pressão eu acabe cedendo apenas para me ver livre dele.
- Se ele é assim tão chato, é melhor que eu fale com ele. Você pode me trazer a pasta dele? Devo ter tido um bom motivo para não ter aprovado.
-Já cuidei disso - disse ele, apontando para uma pasta sobre a mesa. - Mas posso economizar um pouco de seu tempo lhe dizendo por que você o recusou. Ele não usou o dinheiro da primeira doação de forma apropriada. O dinheiro foi doado especificamente com o objetivo de comprar materiais para o centro comunitário.
- Sim, agora eu me lembro dele.
- Morris jurou que havia comprado novos materiais, mas que havia perdido os recibos.
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- E o que foi que você disse a ele?
Henry deu uma risada.
- Eu lhe disse que tudo bem, que era bom saber, e depois perguntei a ele quando seria conveniente que eu, ou você, aparecesse por lá para dar uma olhada. Foi aí que ele perdeu o rebolado. Você devia ter visto como ele gaguejou!
Ela balançou a cabeça.
- Falando às claras, ele não tinha os novos materiais para mostrar.
- Certo. Eu acho que ele não tem a menor idéia da encrenca em que se meteu. Quando os funcionários dele descobrirem que ele fez mal uso da grana, vão querer processá-lo. Eu faria a mesma coisa. - Ele continuou: - Mas não disse isso a ele.
- Como foi que você encerrou a conversa?
- Não posso dizer que nos tornamos bons amigos, se é isso o que você está querendo saber - disse ele. - É muito difícil ser educado com um idiota, mas fiz o melhor que pude. Ele quer vir até aqui para falar com você pessoalmente. Antes de desligar, ele me garantiu que poderia fazê-la mudar de opinião.
- Duvido.
- Foi exatamente o que pensei. Mas foi muito estranho. Ele agiu como se tivesse alguma ligação pessoal com você. Acho que ele pode ser um problema. Ele tem alguma coisa estranha que não consigo explicar. Eu não sei como ele conseguiu passar pela seleção inicial feita pelos contadores, mas com certeza ele deu um jeitinho. Eu realmente acho que você não deveria gastar seu tempo falando com ele. Mas, se você insistir e ele a ameaçar, acho melhor que você fale dele ao Aiden.
Não foi a melhor coisa a dizer. O olhar que ela lançou ao seu assistente - que tinha mais de 1,80m de altura - fez com que ele tremesse.
- Eu não pretendo envolver nenhum dos meus irmãos nessa conversa, Henry. Estamos entendidos?
- Sim, senhora, estamos entendidos.
- Se Morris vier até aqui nos ameaçar, eu avisarei os seguranças e chamarei a polícia. Agora chega de falar nele. As cartas já estão assinadas e prontas para serem enviadas.
Henry pegou os envelopes, estava pronto para sair.
- Mais uma coisa - disse ela. - Você pode imprimir os e-mails do Aiden? Neles existem instruções para a reunião que Emily vai conduzir.
- Quer que eu os leve para ela? - perguntou ele. Sua expressão era patética.
Ela deu uma risada. - Não se preocupe, você vai sobreviver. Ele limpou a garganta e aproximou-se. - Sobre o Aiden...
- Sim?
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- Talvez eu não devesse lhe dizer isso, mas, da maneira como eu vejo as coisas, eu trabalho para você e não para seu irmão, certo?
Ela lançou um olhar para ele.
- Certo.
- Há algumas semanas, ele veio até aqui. Como você não estava, ele me disse que, no caso de algum problema, eu deveria mantê-lo informado.
Ela tentou não se irritar. - Aiden tem complexo de pai.
- Eu disse a ele que não havia nenhum grande problema e que estávamos nos saindo muito bem. E estamos mesmo, você não acha? Estamos fazendo um belo trabalho.
- É verdade. Estamos, sim.
Ao fechar a porta, ele se lembrou de mais uma coisa. - Esqueci de mencionar que, na semana passada, encontrei o dragão aqui.
- Em meu escritório? O que é que ela estava fazendo?
- Ela me disse que estava colocando alguns papéis em sua mesa, mas, depois que ela saiu, eu dei uma olhada e não vi nada de novo. Acho que ela estava dando uma de espiã. É bem possível que ela tenha mexido em seu computador.
- Você tem certeza disso? - perguntou ela, curiosa por saber o que Emily poderia estar procurando. Quanto mais pensava no assunto, mais Regan se irritava.
- Posso dizer que sim. Você sempre desliga seu computador no final do expediente e eu havia acabado de chegar, no dia seguinte, quando a peguei aqui. Até que ela é bem corajosa, não é? Aquilo era um eufemismo. Antes que Regan pudesse responder, Henry disse: - Eu acho que nós deveríamos começar a trancar essa porta, de modo que o dragão não possa entrar.
- Você precisa parar de chamá-la de dragão. Qualquer dia desses, você deixa isso escapar na frente dela.
Ele encolheu os ombros, deixando-a saber, sem usar nenhuma palavra, que não dava a mínima para isso.
Regan trabalhou até as sete e meia e depois subiu até sua suíte, a fim de se refrescar um pouco.
Como estava a apenas sete quarteirões do The Palms, Regan resolveu caminhar. No caminho de volta, ela deixaria os relatórios das doações no escritório do advogado. Ela também queria dar uma passada na Dickerson, uma loja de produtos para banho, para comprar uma loção hidratante favorita de Sophie. O aniversário de sua amiga estava se aproximando. Regan já havia comprado uma linda bolsa Prada que Sophie havia gostado e pretendia enchê-la com todas as coisas que ela gostava. Se tivesse tempo, pararia na Neiman Marcus para comprar um perfume da Vera Wang. Nesses últimos tempos, esse era o único perfume que Sophie usava.
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Regan decidiu que uma caminhada lhe faria bem. Tinha esperanças que o exercício fosse bom para espantar seu mau humor. O fato de saber que Emily estivera bisbilhotando em seu escritório a deixara furiosa. E ela ainda não havia conseguido superar o fato.
Ao cruzar o saguão, ela ainda pensava na invasão de privacidade que sofrera. Viu que Emily caminhava em direção à recepção e decidiu confrontá-la.
- Emily, você tem um minuto? Eu gostaria de falar com você. Emily virou-se e, com expressão irritada, disse: - Sim, claro.
- Henry mencionou que a encontrou em meu escritório na semana passada.
Regan esperava uma resposta negativa e surpreendeu-se quando Emily disse:
- Sim, é verdade.
- O que você estava fazendo lá?
- Fui colocar alguns papéis em sua mesa.
- Por que você não os entregou ao Henry ou deixou sobre a mesa dele?,-
- Eu não queria que eles fossem parar no lugar errado. Em vez de olhar diretamente para Regan, Emily olhava para algum lugar acima dos ombros dela, deixando bem claro que, para ela, aquela conversa não tinha a menor importância.
- Henry nunca coloca as coisas no lugar errado. - Ela estava pronta para tecer elogios ao seu assistente, mas Emily não ficou muito tempo por perto para ouvir.
Sem olhar para trás, ela começou a se afastar dizendo:
- Ele não sabia onde tinha colocado o relatório do Aiden, não é mesmo?
- Não, isso não é verdade - disse ela, enfaticamente.
- Então, deve ter sido você.
Emily continuou caminhando. Regan não estava disposta a bater boca com aquela mulher, muito menos correr atrás dela, mas estava ficando cada vez mais difícil relacionar-se com aquela megera. Alguma coisa tinha de ser feita e logo. Conte até dez e pense em alguma coisa boa, ela disse a si mesma. Alguma coisa positiva.
Ao sair do hotel, ela notou de imediato que o dia estava lindo. A névoa cinzenta havia se dissipado e o sol brilhava com intensidade. O céu mostrava um perfeito tom de azul. Flores primaveris começavam a desabrochar nos enormes potes de cerâmica da calçada. Mais uma vez, ela respirou fundo e começou a espirrar logo em seguida. A quantidade de pólen no ar deve estar alta, pensou. Entretanto, seus olhos não estavam ardendo e ela espirrou apenas umas seis ou sete vezes.
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As coisas pareciam estar melhorando. Ela estava conseguindo manter seu bom humor. Controle da mente sobre o corpo, ordenou a si mesma.
Em seguida, ela encontrou seu primeiro desprezível do dia, numa esquina das ruas Michigan e Superior, enquanto aguardava o farol abrir. Um homem já avançado na meia-idade, que parecia não se importar com o número de pessoas que o observava, apalpava uma garota mignon, de cabelos vermelhos, que Regan imaginou ter mais ou menos 18 anos. O riso dela, estridente, teria o poder de estilhaçar cristais. Regan segurou a alça de couro de sua bolsa com força e mordeu a língua para não ceder à tentação de verbalizar sua opinião.
Ela encontrou outro casal ridículo, cuja diferença de idade entre eles era enorme, enquanto se dirigia à Neiman Marcus. Quando finalmente chegou ao restaurante, estava irritada e enjoada.
Kevin estava de serviço hoje. Alto e magricela, o rapaz de 20 anos tinha cabelos escuros e espetados e olhos amendoados. Ele era o melhor amigo de Henry. O sorriso dele fez com que seu humor melhorasse um pouco.
- Você está linda hoje, Regan - disse ele, depois de medi-la da cabeça aos pés. - Essa roupa acentua suas...
Ela levantou uma das sobrancelhas.
- Minhas o quê?
"Curvas", sussurrou ele, e teve a cortesia de enrubescer.
Antes que ela pudesse dar uma resposta, ele se inclinou sobre o pódio para olhar os sapatos dela.
- Ei, eles são da Jimmy Choo?
Ela deu uma risada.
- O que você sabe a respeito de sapatos Jimmy Choo?
- Não muito - admitiu ele. - Mas minha namorada os cobiça com todas as forças e, como a senhora é tão elegante, imaginei que tivesse algumas centenas deles.
- Kevin, eu não tenho centenas de nada e, não, esses não são sapatos Jimmy Choo. Esse seu brinco é novo?
Ele concordou com a cabeça:
- Carrie me deu de presente pelo nosso sexto mês de namoro. Meu pai odiou, mas ele está tão contente com minhas notas que achou melhor não criar caso. Carrie está tentando convencer Henry a comprar um igual.
Kevin percebeu que o sr. Laggia, dono do restaurante, vinha na direção deles.
- Hum, oh - murmurou ele. - O Laggia está vindo para cá. Lembre-se de elogiar as samambaias. O cara está completamente obcecado por elas.
Regan deu um sorriso para o dono, que se aproximava.
- Adorei a nova decoração, sr. Laggia. Essas samambaias são simplesmente maravilhosas.
Seu rosto iluminou-se de prazer.
- A senhora notou?
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Como poderia não ter notado? Elas estavam por toda parte.
- Claro que sim - disse ela.
-A senhora não acha que ficou parecendo um pouco... floresta demais?
- Não, claro que não.
Apesar de lembrar um pouco o tema "floresta" presente, o lugar não era opressivo e as samambaias colocadas sobre cada cubículo proporcionavam aos clientes a sensação de estarem numa sala reservada.
- Quantas pessoas? - perguntou Kevin.
- Três - respondeu ela. - Sophie fez uma reserva para meio-dia e meia. Cheguei um pouco cedo.
- Conduza a senhorita até a seção quatro - disse Laggia. - Acabei de colocar lá alguns fícus. Eles estão exuberantes.
Kevin permaneceu ao lado do homem atarracado, virando os olhos e sorrindo. Ele lhe mostrou uma mesa completamente circundada por fícus, palmeiras e samambaias. Cordie e Sophie estavam atrasadas. Na tentativa de enganar o estômago, Regan bebeu um pouco de Sprite e estava começando a ficar relaxada quando - por Deus! - outro daqueles casais repulsivos entrou no restaurante. Mais uma vez, ela tentou pensar positivo. Talvez o senhor grisalho fosse pai ou avô da mocinha. Quando Kevin passou diante de seu cubículo ao conduzi-los, ela reparou que a mão do senhor de idade escorregou pelas costas da moça. Estaria ele guiando-a ou apalpando-a?
Regan sabia que estava se tornando obsessiva, mas não se importava nem um pouco com isso. Estava determinada a descobrir se a garota superdotada era neta ou namorada do sujeito. Ela se inclinou um pouco e observou-os enquanto caminhavam. Inclinou-se cada vez mais a fim de observá-los. Acabou perdendo o equilíbrio e teria batido a cara no chão, se não tivesse se agarrado na beirada da mesa.
Sentiu-se uma idiota. Empertigou-se, ajeitou a toalha branca, que quase arrancara da mesa, e apoiou as costas no assento. Esqueça, disse a si mesma. Esqueça.
Tudo o que ela podia ver era o alto da cabeça do homem. Mas precisava saber. Por isso, resolveu ficar de joelhos para observar o casal, mas as plantas alinhadas acima de cada cubículo impediam qualquer visão. Ela afastou as folhas exuberantes. Uma delas soltou-se e atingiu-lhe o rosto. Mas isso não seria um impendimento. Ela localizou a garota ao se sentar num cubículo ao fundo da sala. O senhor idoso não se sentou na frente dela. Regan aumentou a distância entre as folhas no momento exato em que ele se sentava ao lado da garota. Kevin entregou-lhes o menu. Ele nem sequer havia se virado para voltar ao seu pódio e o velhote já tinha colocado o braço nos ombros da garota, inclinando-se sobre ela e beijando-a.
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- Libertino - sussurrou ela.
- Fazendo um pouco de jardinagem?
Regan deu um pulo ao ouvir a voz de Sophie. Rapidamente soltou a samambaia e voltou a se sentar.
- Você está atrasada.
Sophie ignorou o comentário.
- O que você estava fazendo? Olhando para algum homem maravilhoso, espero.
- Nada disso, estava observando outro desprezível.
- Então, você continua com essa mania? à Regan concordou com a cabeça. - Não consigo evitar. Juro, eles estão por toda a parte.
Sophie deu uma risada. Regan a achava parecida com uma adolescente. Seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo e suas bochechas estavam vermelhas por ter corrido tanto. Como estava sempre atrasada, Sophie vivia correndo. Naquele dia, como em todos os outros, ela estava linda.
- Essa blusa é nova? Gostei.
- Eu já tenho muita roupa cor-de-rosa - disse Sophie. - Mas quando vi essa não resisti.
O garçom apareceu e anotou o pedido de bebida para Sophie.
Regan olhou para a entrada do restaurante e disse:
- Mal posso acreditar que você tenha chegado antes da Cordie. O que será que está acontecendo? Ela nunca se atrasa.
- Eu lhe disse que ela não precisava chegar até um pouco depois da uma hora - disse ela.
O garçom havia retornado com um enorme copo de chá gelado. Imediatamente, Sophie despejou no copo o conteúdo de três envelopes de açúcar.
- Por que foi que você disse isso a ela
- Ela já sabe tudo o que quero falar com você. Já faz mais de um mês que eu a arrastei para essa história, mas não queria incomodar você porque você estava viajando muito.
- Eu só fui até Roma.
- Desculpe. Antes de Roma você esteve em Houston, Miami e...
- Los Angeles - contribuiu ela. - Tem razão. Parece que viajei bastante nos últimos dois meses. Então, conte-me. Que história é essa para a qual você arrastou a Cordie?
- O plano.
Além de ter pronunciado a palavra com prazer, Regan vira os olhos da amiga se iluminar.
- Você me parece terrivelmente séria, Sophie. Vamos, conte-me sobre o plano - acrescentou ela, exagerando nas palavras.
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- Não tire sarro de mim.
Regan levantou uma das mãos.
- Eu não estou tirando sarro. Juro sobre seu chá gelado.
O garçom escutara as palavras "chá gelado" e, alguns minutos depois, outro enorme copo de chá foi colocado na frente de Regan. Em vez de dizer ao homem extremamente prestativo que não queria a bebida, ela simplesmente o agradeceu.
Sophie cruzou as mãos.
- Para começar, os planos para essa noite foram alterados.
- Não vamos mais jantar juntas?
- Claro que vamos. Cordie já fez a reserva. Mas primeiro vamos a uma recepção. - Ela abriu a bolsa, tirou um maço de papéis dobrados e colocou-os sobre a mesa.
- O que é isso?
- Explico em um minuto.
- Tudo bem. Conte-me sobre a recepção.
Sophie estava franzindo a testa para um grupo de executivos sentados numa longa mesa que estava ao lado da delas.
- Alguma coisa errada?
- Aqueles homens estão olhando para você.
- Eles não estão olhando para mim. Estão olhando para você - disse Regan. - É melhor ignorá-los.
- O que está sentado à cabeceira é uma gracinha.
Regan não olhou:
- Conte-me sobre a recepção.
Finalmente, Sophie dispensou à Regan atenção irrestrita.
- É destinado a todos os que se inscreveram com antecedência no seminário que nós três vamos participar.
Ela despejou sua história sem pensar muito e, em seguida, ofereceu à Regan seu mais iluminado sorriso. Não funcionou.
- Eu não posso participar.
- É claro que pode. Você voltou de Roma completamente estressada, depois de ter ficado na mesma suíte em que seu padrasto desprezível - para usar a expressão que você adora. Esse seminário será uma experiência completamente diferente e... muito nobre. Sim, vamos fazer uma coisa muito nobre.
- Como assim nobre?
Sophie inclinou-se para a frente. Em um sussurro, disse:
- Nós vamos pegar um assassino.
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CAPÍTULO 5
REGAN NÃO FICARA CHOCADA COM A HISTÓRIA DE SOPHIE. AFINAL DE CONTAS, elas haviam crescido juntas e Regan estava acostumada com o jeito dramático da amiga.
- Você disse que vamos pegar um assassino? Será que entendi direito? - perguntou Regan.
- Sim, é exatamente isso que vamos fazer.
- Tudo bem - disse ela. - E você pode me dizer exatamente como é que vamos fazer isso?
- Eu estou falando sério, Regan. Eu realmente quero pegar aquele miserável.
Regan levantou uma das sobrancelhas. Sophie não tinha o hábito de praguejar.
- De quem você está falando?
- Do dr. Lawrence Shields - ela disse. - Ele é um psicólogo que usa seu diploma duvidoso para extorquir mulheres ricas, porém solitárias e vulneráveis, tanto idosas quanto jovens.
Regan assentia com um aceno de cabeça.
- Você já deve ter ouvido falar dele - disse Sophie.
- Já li alguns artigos sobre ele nos jornais.
Sophie deu um gole em seu chá e continuou:
- Seus seminários de auto-ajuda, do tipo deixe-me-mostrar-lhes-como-transformar-suas-vidas atraem milhares de pessoas inocentes. Na verdade, tudo isso é muito triste. Os jovens estão à procura de um guru para guiá-los quanto ao seu futuro, ou seja, querem descobrir o que eles devem fazer, e os homens e as mulheres de mais idade buscam meios de mudar os caminhos por eles trilhados.
- Eu me lembro de ter lido que o dr. Sheilds é capaz de fazer milagres.
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- O que não passa de uma grande farsa. Esses artigos são pagos. Shields gasta uma fortuna para divulgar seus seminários. Aqui em Chicago, ele faz dois por ano.
Sophie estava ficando excitada. As manchas vermelhas em sua bochecha estavam se espalhando.
- Imagino que ele ganhe bastante dinheiro com esses seminários - disse Regan, curiosa por saber qual o valor cobrado por um fim de semana de terapia grupal. Provavelmente um valor exorbitante.
Sua amiga pegou o maço de papéis dobrados e entregou-o a Regan.
- Essa é a cópia de um diário escrito por uma senhora chamada Mary Coolidge. Ela é uma das pessoas que foi enganada por Shields.
- Mais tarde eu leio - prometeu ela. - Conte-me o que é importante saber.
Sophie concordou com um aceno de cabeça.
- Depois da morte do marido, que aconteceu há dois anos, ela caiu em depressão profunda. Sua filha, Christine, tentou ajudá-la, mas Mary se recusava a procurar ajuda psiquiátrica ou tomar os remédios.
- Após a morte de um ente querido, é natural que se sofra - disse Regan. - Ainda tenho dificuldades para lidar com a morte de minha mãe, e já faz quase um ano que ela morreu.
- Sim, concordo que o sofrimento seja natural, mas Mary ficou dois anos sem sequer colocar os pés para fora de casa.
- E o que foi que ela fez? - perguntou Regan. Ela observou Sophie despejar o conteúdo de mais um envelope de açúcar em seu chá e ficou imaginando como seria possível agüentar uma bebida tão doce.
- Mary ficou sabendo dos seminários de Shields e, sem dizer nada à filha ou aos amigos, pagou a inscrição de mil dólares para participar dos dois dias de seminário.
- Mil dólares? Quantas pessoas costumam se inscrever nesse evento?
- De 300 a 400 pessoas. Por quê?
- Você tem idéia da quantidade de grana que esse cara está faturando? Ela apoiou as costas no assento almofadado e disse: - Desculpe, eu não pretendia interrompê-la. Continue.
- Shields foi tão bom quanto prometera. Ele realmente conseguiu mudar a vida de Mary. O carisma da fraude ambulante passou a ser utilizado metodicamente para apaziguar a solidão dela, abrindo caminho para o coração da pobre mulher para, em seguida, extorquir dela cada dólar que o marido havia lhe deixado e que, como foi mais tarde descoberto, atingia um valor de dois milhões de dólares. Shields é uma cobra - continuou ela. - Mas uma cobra extremamente inteligente. Ele fez
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tudo de acordo com a lei. Mary lhe doou seu património de livre e espontânea vontade.
- E essa história foi contada no diário? - perguntou Regan. Sophie concordou com um aceno de cabeça. - Se a filha dela não tivesse encontrado o diário, nunca teria ficado sabendo dos detalhes. Mary relatou detalhadamente o turbilhão de seu romance. Apenas três meses depois de ter encontrado Shields, ele a pediu em casamento e ela aceitou. Ele insistiu que ela mantivesse o noivado em segredo até que ele tivesse tempo - e dinheiro - para lhe comprar um lindo anel de noivado.
- O que significa: até que ele tivesse dinheiro? Se ele estava cobrando... Sophie a interrompeu. - O mais puro exemplo de má-fé, claro. Ele disse a ela que estava passando por dificuldades financeiras "temporárias" e ela, querendo provar seu amor por ele, por vontade própria transferiu todo o seu dinheiro para a conta dele.
- Como ela pôde ser tão ingênua?
- Solidão - respondeu Sophie. - Aposto que você sabe o que aconteceu em seguida, não é?
- Ele mudou de idéia.
- Exatamente - disse ela. - Disse a ela que havia mudado de opinião. E que, além de não querer mais se casar com ela, não queria devolver-lhe o dinheiro. Ele teve a cara-de-pau de dizer que não havia nada que pudesse fazer a respeito.
- Pobre mulher.
Foram interrompidas pelo garçom, que viera anotar os pedidos para o almoço.
- Acho que devemos pedir - disse Sophie. - Não tenho mais muito tempo.
Regan conferiu o relógio. Ainda não era uma hora.
- Pode pedir. Eu espero por Cordie.
Sophie pediu uma salada e outro chá gelado. Assim que o garçom se foi, Regan perguntou:
- O que aconteceu com ela?
- Ela se matou. Pelo menos, é o que todos acreditam que aconteceu.
- Todos, menos você?
Ela concordou com um aceno de cabeça. Colocou o guardanapo no colo e desculpou-se.
-
Explico assim que voltar.
Sophie foi até o toalete, deixando Regan na expectativa. Regan notou que os homens da mesa ao lado estavam olhando sua amiga passar. Sophie também estava consciente do fato, o que explicava seus passos exagerados. Tudo dependia dos quadris, ela costumava dizer à Regan e Cordie. Se você quiser atrair a atenção de um homem, mexa os quadris. E por Deus,
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nesse momento, ela os mexia com intensidade! Ela realmente sabe fazer isso, pensou Regan. Ao dar uma olhada nos papéis, uma das anotações do diário chamou sua atenção no momento exato em que Cordie entrava.
Cordie era uma contradição ambulante. Os homens a achavam bastante sensual porque ela tinha corpo de ampulheta, cabelos escuros e longos e se movimentava com graça felina, mas ela não tinha a mínima consciência dos olhares de admiração que recebia - nesse momento, os homens da mesa ao lado a comiam com os olhos. Além disso, ela se sentia muito mais confortável debaixo de um carro do que dentro dele. Como Sophie, ela era filha nica e perdera a mãe ainda pequena. Seu pai era dono de uma rede extremamente lucrativa de oficinas mecânicas, com filiais espalhadas por todo o Meio-Oeste. Apesar de ter se tornado um homem muito rico, continuava trabalhando como mecânico e, para manter um laço forte com a filha, ensinou-a tudo o que sabia sobre carros. Há alguns anos, ele lhe dera um velho Ford de presente e, desde então, ela havia reconstruído o motor e substituído todas as peças, com exceção do silenciador e do pára-brisas. Uma noite por semana, ela dava aulas de mecânica. E também ensinava química num colégio de ensino médio e fazia doutorado na universidade. Se ela conseguisse manter o cronograma, conseguiria concluir sua tese de doutorado no próximo ano.
Ela usava um tailleur preto e blusa de seda cor-de-rosa claro. Estava extremamente chique. Se Cordie tinha algum defeito, era seu gosto duvidoso com os homens.
Sophie trombou com ela ao voltar do toalete. Ambas pararam para conversar com Kevin.
Com um sorriso no rosto, Regan as observou. Enquanto tentava explicar alguma coisa, Sophie fazia gestos circulares. Kevin parecia hipnotizado pelas palavras dela, enquanto Cordie ficava lá, parada e de braços cruzados, concordando de vez em quando.
Sophie era a mais energética entre as amigas. Mais alta que Regan e Cordie e quase um ano mais velha, ela acreditava que, por ser a mais velha, tinha o direito de assumir o comando. Durante o ensino médio, ela era rotulada de encrenqueira - um título que deu duro para receber - e, como ela sempre incluía Regan e Cordie nos esquemas que armava, as três tinham de encarar castigos com certa regularidade. Sophie continuava a ser mandona, mas atualmente Regan e Cordie raramente participavam de seus planos.
Entretanto, algo dizia à Regan que o próximo fim de semana seria uma exceção.
Ao caminhar para o cubículo, Cordie fez um rápido aceno. Sophie continuava a falar com Kevin. O chefe dele, o sr. Laggia, viera participar da conversa.
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- Estou morrendo de fome - disse Cordie. - O que não é de espantar. Já é quase uma hora. Você já sabe o que vai pedir? Sophie me disse que já pediu.
- Sim, já sei. O que vocês conversavam com o Kevin e o sr. Laggia?
- Sophie acha que seria boa idéia fazer uma outra reportagem sobre o restaurante e disse que vai falar com o editor de culinária sobre o assunto.
Cordie fez sinal para o garçom e, depois que as duas fizeram o pedido, ela fez um sinal com a cabeça na direção dos papéis dobrados.
- São as cópias do diário de Mary Coolidge?
- São - respondeu Regan. - Você leu?
- Li. É de cortar o coração.
- Por que você não me disse nada quando me ligou?
- Eu sabia que Sophie queria contar ela mesma. Afinal de contas, o plano é dela.
- Ainda não ouvi nada sobre o plano.
Cordie deu um sorriso.
- Vai ouvir - disse ela. - E também ela já me fez prometer que iria à recepção e ao seminário no fim de semana. E eu tinha certeza de que ela arrastaria você também. Concordo que, no passado, ela já teve algumas idéias malucas, mas dessa vez é por uma boa causa.
O garçom colocou sobre a mesa a Coca light que ela pedira e uma cesta de pães.
Imediatamente, Cordie serviu-se de um pãozinho integral e, enquanto comia pequenos bocados, Regan disse:
- Se o que Sophie me contou sobre Mary Coolidge é verdade, Shields deveria estar na prisão. Por que ele ainda não foi preso?
- Porque ele é mais esperto do que o demónio, só por isso - disse ela. - Eu dei queixa ao Conselho Regional de Psicologia, na esperança de que eles caçassem sua licença. Tenho certeza de que várias outras pessoas fizeram o mesmo. Alguma coisa precisa ser feita para impedi-lo de continuar se aproveitando de mulheres indefesas.
- Eu não entendo. Ele ganha uma fortuna com seus seminários - disse ela. - Por que ele teria de...
Ela estava tentando encontrar a palavra certa. Cordie a ajudou.
- Extorquir? Fraudar? Roubar?
- extorquir mulheres solitárias? Ele não precisa de dinheiro.
- Acho que, para ele, isso não é uma questão de necessidade - disse ela. - Acho que ele faz isso por poder. Acho que ele goza com isso.
- Quem goza com o quê? - perguntou Sophie, sentando-se ao lado de Cordie. - Passe-me o chá, por favor.
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- Estamos falando dos motivos que fariam com que Shields corresse atrás de mulheres ricas e infelizes - disse Cordie. Ela passou o chá para Sophie e continuou: - E eu estava dizendo que isso não tem nada a ver com dinheiro.
- Não concordo - disse Sophie. - Acho que tem tudo a ver com dinheiro.
- O risco de que alguém avise a polícia... - começou Regan.
- Ele se acha invencível - disse Sophie. - E, quanto ao risco... deve valer a pena para ele. Afinal, Mary Coolidge transferiu mais de dois milhões para a conta dele. E isso é muito dinheiro, senhoras.
- Pela qual definitivamente vale a pena correr o risco - disse Cordie. - Quando se é tão ganancioso quanto ele.
Regan olhou para Sophie:
- Como você conseguiu o diário dela?
- Eu lhe disse que a filha de Mary encontrou o diário depois do funeral... quando estava empacotando as coisas da mãe.
- Sim.
- Imediatamente, ela procurou a polícia, mas não chegou a lugar nenhum. Então, ela contratou um advogado para tentar recuperar o dinheiro da mãe, mas, depois de analisar os documentos assinados por Mary, ele lhe disse que, apesar de repreensível, o que Shields havia feito era absolutamente legal.
- E daí? - perguntou Regan, quando Sophie interrompeu a narrativa.
- Christine, a filha de Mary, teve de voltar a Battle Creek, onde vive com o marido, mas antes de retornar ela enviou cópias do diário para o Tribune. O repórter que recebeu o envelope fez alguns telefonemas, mas tinha trabalhos mais urgentes para fazer e não teve tempo para se dedicar ao que chamou de causa perdida. A carta e as cópias do diário foram parar na lata de lixo.
- Eu o ouvi contando a história da ingenuidade da mulher para outro repórter e, é claro, fiquei extremamente curiosa. Quando ele saiu, tirei as cópias da lata de lixo e li o diário.
- Você conhece a quedinha de Sophie por causas perdidas - disse Cordie. - E, como ela precisava de ajuda, ela me convenceu a ler o diário...
- E ela imediatamente se juntou a mim - respondeu Sophie.
- Quando foi que isso aconteceu? - perguntou Regan.
Sophie respondeu:
- Quando Cordie foi até a polícia para tentar descobrir alguma coisa, você estava em Los Angeles.
- Ela fez com que eu fosse com ela - disse Cordie. - E devo admitir que, no começo, me senti encorajada a saber o que, de fato, a polícia possuía
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num arquivo sobre o homem. Mas meu entusiasmo não durou muito. O tenente Lewis é um grisalho charmoso que adora flertar. Ele derramou simpatia e compreensão - continuou ela. - E não precisei de mais que dois minutos para saber que ele não estava sendo nem um pouco sincero. Sophie havia se esquecido de pedir que o garçom trouxesse sua salada assim que estivesse pronta. As três refeições chegaram juntas. Com pressa para voltar ao escritório, ela pegou o garfo e, com apetite, atacou a salada. Cordie encheu seu cheeseburger de ketchup, cobriu-o com pão e começou a comer.
- Houve mais queixas contra Shields? - perguntou Regan. Antes de responder, Cordie colocou o cheeseburger no prato.
- Sim.
parece que existem outras mulheres, mas nenhuma evidência. O tenente insistiu em dizer que estava trabalhando no caso. Não tenho certeza do que ele quis dizer com isso. De qualquer maneira, um mês já se passou e não houve nenhuma prisão. Descobri que o Lewis havia transferido a investigação para um detetive sem destaque, de nome Sweeney.
Ela voltou a pegar o sanduíche e estava prestes a dar uma mordida quando Regan perguntou:
- Quanto tempo faz que vocês estão trabalhando nisso?
- Não muito - disse Cordie. Deliberadamente, Regan esperou até que Cordie estivesse novamente pronta para dar sua mordida no sanduíche para dizer:
- Mais uma pergunta...
Mais uma vez, Cordie colocou o sanduíche no prato.
- Você está fazendo de propósito, não está? Fazendo perguntas no momento em que eu... Sophie, pare de comer minhas batatas fritas.
- Elas não fazem bem a você. Só estou ajudando a comer porque me preocupo com sua saúde. Sou do tipo de amiga com quem se pode contar.
Depois de fazer uma careta para Sophie, Cordie voltou-se para Regan, enquanto ela perguntava:
- Tenho uma pergunta séria. Você acha que Mary Coolidge se suicidou ou acredita na hipótese da Sophie?
- Que ela tenha sido assassinada? - perguntou Cordie, num sussurro. - Não tenho certeza disso. É possível.
Regan apoiou o garfo no prato e inclinou-se para a frente:
- Você está falando sério?
- Então, por que você ficou tão chocada quando eu dei minha opinião? - perguntou Sophie.
Regan não amenizou suas palavras:
- Porque você é a rainha do drama. A Cordie é mais prática e, se ela acha possível...
- O que é que tem? - perguntou Sophie, franzindo a testa.
- Então, talvez seja mesmo possível.
- Eu não sou a rainha do drama.
Ignorando o comentário de Sophie, Regan pediu:
- Cordie, conte-me por que você acha isso possível.
- Leia o diário.
- Eu vou ler, mas me diga. -
- Tudo bem. Você vai ver que, à medida que o diário se aproxima do final, Mary estava com medo de Shields. Ele a estava ameaçando. Lendo até as últimas páginas, você vai ver que sua caligrafia estava completamente desarticulada, o que me faz pensar que ela estivesse drogada. Talvez seja por isso que ela tenha escrito o que escreveu... mas, ao mesmo tempo, o que ela escreveu pode ter realmente acontecido.
Regan pegou os papéis, separou a última página e leu. Havia somente cinco palavras.
Tarde demais. Eles estão vindo.
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CAPÍTULO 6
O BECO CHEIRAVA A CACHORRO MOLHADO E A VÓMITO. A CAÇAMBA DE LIXO atrás da qual o detetive Alec Buchanan passara a maior parte da noite tinha um cheiro muito pior.
Ao todo, havia sete detetives que estavam trabalhando no caso. Como Alec saíra perdedor no jogo de palitos, fora relegado a dar cobertura a um outro detetive, de nome Mike Tanner, que aguardava no interior de um depósito - que parecia ser quente e seco - a fim de realizar um negócio.
Os detetives Dutton e Nellis estavam disfarçados, do outro lado da rua e observavam, por ângulos diferentes, a entrada do depósito.
Outros dois estavam num restaurante do outro lado da cidade, com aparência de estudantes, cujos nomes estavam na lista de honra, vestindo o mesmo uniforme de todos os adolescentes da cidade - camisetas azulmarinho, jeans largos da Gap e ténis brancos da Nike bastante surrados. Um tanto impacientes, eles esperavam por um novo suprimento destinado às ruas do subúrbio.
O sétimo detetive estava farejando a pista da grana.
O detetive Dutton era quem estava oficialmente encarregado de conduzir a operação, mas Tanner achava que era ele quem estava no comando. Como fazia poucos dias que Alec trabalhava com Tanner, tentou não fazer nenhum julgamento precipitado sobre o homem. Adotara a atitude de esperar para ver. Apesar de ter de admitir que o que presenciara até agora o deixara impressionado. Tanner tinha pavio curto e perdia o controle com facilidade. Isso não é bom, pensou Alec. Principalmente numa situação como essa. Isso não é nada bom.
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Tanner já havia causado problemas. Ele se recusara a usar um grampo e não permitia que os especialistas instalassem escutas no depósito. Na sua opinião, os microfones seriam descobertos e, como ele fora a única pessoa a trabalhar com os gêmeos, os outros tiveram de dar o braço a torcer.
Alec fora informado que a transação estava prevista para acontecer entre as três e as quatro da madrugada, quando a escória rastejava para fora das tocas para comprar e vender de tudo. Cada um desses dois advogados, no entanto, tinha um estilo diferenciado. Aparentemente, começavam a trabalhar por volta do meio-dia.
Os advogados, Lyle e Lester Sisley, eram gémeos idênticos que migraram de uma cidadezinha da Geórgia para Chicago. Eles agiam e falavam como velhos e bons filhos da terra que, todas as manhãs, prestavam juramento de fidelidade à bandeira e a Elvis e que, de vez em quando, gostavam de sair da cidade para cair na farra sem, no entanto, jamais se meterem em encrenca barra pesada. Alguns conhecidos os consideravam um pouco lerdos, mas meigos, terrivelmente meigos.
Na verdade, o caso era o oposto. Não havia ali nada de lerdeza ou meiguice. Os QIs deles eram idênticos, um ponto acima de gênio. Dizem as más línguas que durante o curso universitário, mesmo tendo passado a maior parte do tempo se divertindo em festas, eles conseguiram se formar com a nota mais alta da classe.
Os gêmeos estavam em Chicago havia pouco mais de um mês, quando chegaram à conclusão que estavam trabalhando muito e ganhando pouco. Então, decidiram que precisavam diversificar.
Cinco anos depois, estavam ganhando milhões que, com toda a certeza, não vinham dos honorários que cobravam. Eles continuaram a exercer a profissão e mantinham um escritório na rua Elm, mas quase não tinham clientes. Apesar de terem um título imponente, não se atreviam a gravá-lo em letras douradas no vidro da porta de seu escritório. Eles eram conhecidos simplesmente como os reis do tráfico de drogas de Chicago.
E tinha mais. Muito mais. Estimava-se que no último ano Lyle e Lester haviam distribuído no mercado uma quantidade maior de drogas que a fornecida pelos Laboratórios Pfizer. Não havia remédio que não vendessem ou droga que não adulterassem com outras substâncias mais viciantes.
O que torna desnecessário dizer que os detetives estavam, havia muito tempo, tentando prender essa escória. Hoje, se tudo caminhasse conforme o planejado, tinham esperanças de tirar os gêmeos de circulação. Depois de vários meses de trabalho duro, tinham finalmente conseguido induzir os gêmeos a correr o risco de realizarem a operação pessoalmente.
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O motivador principal havia sido a ganância e Tanner, que tinha cuidado do último acordo, acreditava ter penetrado com sucesso no fechado círculo.
A maior parte de suas transações ilegais era conduzida no depósito em que Tanner agora esperava.
Os gêmeos formavam uma estranha dupla. Tudo o que faziam, faziam juntos. Trabalhavam juntos, jogavam juntos e viviam juntos num luxuoso apartamento em Lake Shore Drive. De vez em quando, chegavam até mesmo a usar roupas de caubói, também idênticas.
Mas havia algumas diferenças. Lyle tinha uma atração irresistível por mulheres rechonchudas. Ele as consumia como um jogador de beisebol que masca sementes de girassol e cospe as cascas quando o gosto termina. Mesmo assim as mulheres, que ele descartava de forma tão displicente, só tinham elogios para com ele. Depois de terminar um caso com elas, ele as cumulava de caríssimos "presentes de despedida". Elas o consideravam o máximo em cavalheirismo.
Lester era louco por carros. Roll-Royces, para ser mais específico. No momento, ele tinha mais de 15 deles estacionados no depósito e acabara de adquirir mais um. O custo da última aquisição chegara a ultrapassar 153 mil dólares o que, para o rei da droga, não significava mais do que uns meros trocados.
Lester nunca dirigia os carros. Todas as sextas-feiras, ele passeava pelo depósito para admirá-los. Dizem que, certa vez, ele confessou a um amigo que estava economizando os carros e que, por isso, precisava mantê-los como novos, mas não explicou o motivo da economia.
- Levantem as cabeças.
O sussurro veio pelo fone de ouvido de Alec. De seu posto, do outro lado da rua, Dutton havia localizado os gêmeos.
Alec jogou-se na caçamba e encolheu-se entre o lixo. Algum inseto rasteiro caminhou sobre seu pescoço e ele teve de lutar contra o desejo de dar um tapa para se livrar da coisa enquanto, com cuidado, se virava de modo que fosse possível olhar pelo buraco que abrira no metal. O maldito esconderijo tinha sido ideia de Tanner. Alec sugerira encontrar um lugar no mezanino do depósito, de onde ele pudesse ouvir e observar, mas Tanner não quis nem ouvir falar a respeito dessa possibilidade. Estava convencido de que os gêmeos perceberiam a presença de qualquer pessoa que estivesse escondida no interior do depósito e, como tinha sido ele quem marcara o encontro, Alec não insistira.
Alec dissera a Dutton que não tinha a mínima intenção de esperar na caçamba. Dutton concordara. A determinação de Tanner em agir como um tira metido a estrela e promover sua imagem estava atrapalhando a operação.
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Dutton ordenou que, assim que Lyle e Lester entrassem pela porta adentro, Alec deveria escalar a saída de emergência e entrar por uma janela que ele já havia vasculhado e sabia que estava sem alarme. Alec continuou vigiando a rua. Ninguém, ainda.
- Temos um problema. A voz era do detetive Nellis. - Tem um tira falando com os gêmeos. Que merda, ele vai ter de multá-los. Eles estacionaram em local proibido.
- Não - disse Dutton. - Ele não está aplicando uma multa. Estão todos caminhando em direção ao depósito. O tira está entre os dois.
- Ele está indo com eles por vontade própria?
- Não dá para dizer - disse Dutton.
- Eles estão armados? Será que Lyle ou Lester estão com uma arma apontada para ele? - Nellis estava irritado. - Você pode ver, Dutton?
- Não posso dizer nada se estão ou não armados - sussurrou ele. - Alec, você tem tempo para entrar e avisar o Tanner. Estarei bem atrás de você.
- Diga a Tanner para abortar - sussurrou Nellis.
- Não adianta. Ele não vai fazer isso - argumentou Dutton. - Vá, Alec. Eles pararam diante da entrada principal, o que significa que não vão usar a entrada lateral. Estão olhando a rua de cima para baixo. Ninguém por perto. Nesse momento, Lester está destrancando a porta. O tira parece preocupado.
Alec já estava se movimentando. Ele pulou da caçamba de lixo, atravessou o beco e escalou a escada de incêndio. Ajanela estava fora do alcance. Ele deu um pulo, agarrou a saliência e levantou o corpo de modo que pudesse passar por ela.
Dutton estava bem atrás dele. O detetive não era tão grande ou musculoso, mas foi tão ágil quanto Alec, entrando sem fazer o mínimo ruído.
No mezanino, havia caixas de peças de automóveis empilhadas a uma altura de quase dois metros e câmeras de vídeo instaladas na madeira do telhado. Os gêmeos não possuíam um sistema de alarme. Eles estavam mais preocupados com seus próprios problemas, e qualquer um que fosse louco o suficiente para assaltar ou praticar atos de vandalismo em alguma de suas propriedades, simplesmente desapareceria do mapa.
Em passos lentos, Dutton arrastou-se em direção à viga. Apontando para uma das câmaras, Alec levantou a mão para pedir que parasse onde estava.
Eles podiam ouvir vozes. Enquanto caminhavam em direção ao escritório, que estava bem abaixo do mezanino, os gêmeos conversavam. Tanner devia estar esperando por eles à porta do escritório, pois o ouviram gritar:
- Que diabo está acontecendo aqui?
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Uma outra voz, que só podia ser do jovem tira, respondeu:
- O que você...
Em seguida, um segundo silêncio sepulcral.
Dutton sussurrou:
- Eles sabem.
Alec concordou com um aceno de cabeça. Ele rastejou em direção a Dutton, para cobrir seus passos enquanto, em passos lentos, ele se aproximava da viga para poder ver o que estava acontecendo.
Andando de um lado para o outro, Tanner estava a um segundo de perder o controle, metralhando os gêmeos com acusações. Lyle empurrou o tira na direção de Tanner e sacou uma arma.
Depois disso, tudo virou um inferno.
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CAPÍTULO 7
- E ENTÃO, REGAN, VAI SE JUNTAR A NÓS?
- É claro que sim.
- Eu sabia que você toparia - disse ela. - Você sempre diz que eu sou uma otária das causas perdidas...
- Na verdade, quem gosta de dizer isso é a Cordie.
- É verdade, mas você também é uma otária.
- Devo considerar isso um elogio? - perguntou Regan.
Cordie estava quase terminando seu sanduíche. Ela sacudiu uma batata frita na direção de Sophie e disse:
- Você vai chegar atrasada. Você não disse que tinha uma reunião à uma e quarenta?
- Primeiro, preciso falar com Regan - disse Sophie. Concentrando toda a sua atenção na amiga, ela disse: - Preciso que você leia o diário o mais rápido possível, de preferência antes que anoiteça. Não vai levar muito tempo. Mary não escrevia todas as noites. Deve ter aproximadamente 40 páginas. Sabe de uma coisa? Talvez você possa começar sua leitura assim que a Cordie for embora. E depois...
- Sim?
Ela respirou fundo e falou apressadamente:
- Preciso de outro favor. Preciso que você vá até a delegacia de polícia para descobrir em que ponto está a investigação do caso. Da última vez, a Cordie foi. Agora é sua vez.
- Minha vez? Mas eu acabei de entrar nessa história!
- Mesmo assim, é sua vez - enfatizou Sophie.
- E por que você não vai até lá? - perguntou Regan.
- Está brincando? Sou uma jornalista. Eles não vão dizer nada para mim.
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Antes que Regan pudesse dizer alguma palavra, Sophie disse:
- Tudo bem, eu sei no que você está pensando. E você também, Cordie. Então, eu ainda não tenho experiência como repórter investigativa e eu sei que é do conhecimento de vocês que não escrevi nenhum artigo importante nessa área e que, nos últimos malditos cinco anos, tenho trabalhado como uma condenada na coluna de aconselhamento do jornal, mas, sinceramente Regan, você deveria confiar mais em mim. E você também, Cordie - repetiu ela. - As coisas vão mudar, vocês vão ver. E vão mudar logo.
- Eu tenho plena confiança em você - protestou Regan. - E eu não estava pensando... De repente, ela parou de argumentar e deu uma risada. - Você é muito boa nesse lance de culpa, Sophie.
- É mesmo, concordo. Especialista no assunto - disse Cordie.
- Tudo bem, eu estava mesmo tentando fazer com que se sentissem culpadas, não é mesmo? É muito difícil se livrar dos velhos hábitos. Mesmo assim, continuo sem poder ir à delegacia, pois sempre há muitos jornalistas que estão à procura de furos por lá e, no caso de alguém me reconhecer, vai querer saber o motivo de minha presença. Eu sei que você é muito ocupada, mas...
- Posso arranjar um tempinho - prometeu Regan.
Sophie estava bastante agitada.
- Você entende por que eu não quero outros repórteres nos espionando, não é? Essa investigação é minha. Eu quero ser responsável pela prisão de Shields e por fazer justiça para Mary Coolidge.
- E quem sabe ganhar o Pulitzer? - perguntou Cordie.
Sophie deu um sorriso.
- Essa é uma possibilidade em um milhão, mas a esperança é a última que morre. Mas não é por isso que quero chegar ao final dessa história.
- Nós sabemos - disse Cordie. - Você não precisa ir, Sophie?
Sophie olhou para o relógio e soltou um gemido.
- Vou chegar atrasada. Tenho de sair correndo - disse ela, enquanto pegava a bolsa. - Alguém pode pagar meu almoço? Eu pago o jantar hoje à noite.
- Isso me parece um plano - disse Cordie.
- Que horas vocês passam para me pegar? - perguntou Sophie. - E quem vai dirigir?
Enquanto Cordie respondia, o desprezível e sua queridinha chamaram a atenção de Regan na saída do restaurante. Cordie notou a mudança de expressão no rosto da amiga e perguntou:
- Alguma coisa errada?
- Aquele velho horroroso desfilando com uma garota de 12 anos de idade a tiracolo.
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Cordie virou-se para olhar o casal.
- Ela não tem 12 anos. Deve ter pelo menos 18 anos. Senão ele poderia ser preso.
- E ele, quantos anos tem? Sessenta?
- É possível - disse ela. - E a diferença de idade lhe incomoda porque...
- É indecente.
- E?
- E você parece uma terapeuta.
- Apenas acho que você deve admitir que está aborrecida. O casal a faz lembrar de seu horrível padrasto e sua desprezível noiva.
- É claro que sim.
- A...
- Ah, o quê?
- Eu pensei que a estivesse ajudando a superar um problema. Então, ela deu um sorrisão. - Você está precisando relaxar um pouco. Está na hora.
Regan concordou com a cabeça. Ela sabia que Cordie estava com a razão. Mas ela não tinha certeza de como fazer isso.
- Eu tive uma manhã horrível. Você tem tempo para ouvir meu desabafo?
- Quanto tempo, muito ou pouco?
- Muito. Cordie deu uma risada.
- Dez minutos. Depois preciso ir.
Imediatamente, Regan começou a despejar seu rosário de reclamações sobre o trabalho, a constante interferência de Aiden e seu confronto com a assistente dele, Emily. Quando ela disse à Cordie que Henry havia flagrado Emily bisbilhotando em seu escritório, Cordie ficou indignada e disse: - Você precisa dar um chute na bunda dela.
Regan arregalou os olhos. Cordie caiu na risada.
- Estou começando a falar como meus alunos. De qualquer maneira, acho que você realmente precisa mandá-la embora, dar um bom chute na bunda dela.
- Eu não posso. Ela é assistente do Aiden. Ele é o único que pode mandá-la embora - disse ela. - Mas me sinto melhor por saber que você ficou tão indignada quanto eu. Chega de reclamações. Agora, acho que vou pedir outro chá gelado e ler esse diário. Depois, vou caminhar até a delegacia de polícia. E me manter positiva - acrescentou ela.
- Posso perguntar como é que pretende fazer isso?
- Fazendo força para acreditar que o dia vai melhorar.
- Eu não teria tanta certeza disso. E boa sorte com o detetive Sweeney. Antes que Regan pudesse perguntar o motivo, ela continuou: - É com ele que você terá de falar sobre a investigação. Ele é um idiota.
- Não estou preocupada com isso.
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CAPÍTULO 8
O DETETIVE BENJAMIN SWEENEY, CONHECIDO PELOS OUTROS DETETIVES DO departamento por suas iniciais B.S.1, estava tendo um dia muito pior do que o normal. Começara às cinco e meia da manhã, quando acordara com uma ressaca que parecia que uma serra elétrica estava vibrando por trás de cada globo ocular. O único remédio capaz de acabar com a alucinação e acalmar a dor era justamente o que havia causado todo o desconforto, ou seja, um bom gole de bourbon, que ele mandara descer goela abaixo, em duas grandes tragadas. O álcool lhe queimara a garganta e desinfetara a língua. Com olhos lacrimejantes, fizera um bochecho com Listerine para disfarçar o cheiro de bebida, vestira-se e fora ao dentista. Às sete horas, descobrira que precisava de um tratamento de canal. Às nove, o efeito da anestesia já havia passado e ele sentia fortes dores. Então, às dez, o sol desaparecera, nuvens escuras começaram a se juntar e ele ficara completamente encharcado ao correr, com seu parceiro Lou Dupre, do carro para um prédio de apartamentos infestado de baratas. Subiram quatro andares para olhar o corpo em decomposição de uma jovem que deveria ter em torno de 20 anos. Havia frascos de vidro vazios espalhados por todo o chão. Sweeney imaginava que um drogado tivesse apagado o outro. Nenhuma perda de grande importância.
Ele também sabia que não haveria nenhuma identificação da vítima do contrário, tudo seria muito fácil - no que estava absolutamente certo. Não encontraram nada. Normalmente, ele podia reclamar até não poder mais para fazer com que Dupre fizesse todo o trabalho burocrático e tomasse todas as providências, antes que a pasta fosse arquivada na gaveta de "casos pendentes", que Sweeney havia secretamente batizado de "ninguém dá a mínima".
Nota de rodapé:
1 A sigla em inglês significa Buli Shit, ou seja, trata-se de uma gíria para besteira (N da T)
Fim da nota de rodapé.
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Hoje, no entanto, Dupre não estava disposto a cooperar. Ele chamara Sweeney de pentelho, dissera que estava cansado de seus insultos e insistira que ele mexesse a bunda e começasse a carregar seu próprio peso.
Em todos os filmes de mocinho e bandido que Sweeney assistira na televisão, enquanto bebia e se afundava em indiferença, os detetives agiam como irmãos com seus parceiros. Um deles levava um tiro - o que inevitavelmente acontecia antes do final do filme - tentando proteger o outro. Um conto de fadas. No miserável mundo de Sweeney - o mundo real -, ele e seu parceiro, Dupre, se odiavam. Havia momentos em que Sweeney fantasiava uma bela cena de tiroteio, na qual tivesse a oportunidade de vir por trás e estourar o cérebro de seu parceiro.
Ele sabia que tal sentimento era recíproco. Merda, ultimamente todos no departamento o evitavam como se ele tivesse gonorréia. Eles sabiam que, mesmo que extra-oficialmente, ele estava sendo investigado e decidiram condená-lo antes de as provas virem à tona. Sweeney não estava preocupado com a Investigação Interna. Sim, era culpado por aceitar propina em troca de fazer vista grossa enquanto um traficante de drogas fora morto, mas os homens que o haviam remunerado para não ver nada não estavam em posição de delatá-lo. E a grana - dez mil dólares - era dinheiro limpo. Limpo de verdade. Sweeney tinha sido extremamente cauteloso. Deixara que a força-tarefa ouvisse todas as fofocas das putas fora de serviço, contratadas pelo traficante morto. Para Sweeney, não fazia a menor diferença. Se eles tivessem alguma evidência concreta, ele já teria sido suspenso.
Faltavam dois anos e três meses para a aposentadoria de Sweeney, mas nos dias de hoje ele achava que não chegaria até lá. Conseguia entender o que se passava na cabeça de um homem enlouquecido, segundos antes de atirar contra seus colegas de trabalho e, algumas vezes, ele sentia o maior tesão só de imaginar o sangue e as entranhas de Dupre espalhados contra as paredes.
Antes de desaparecer com o filho que também era dele, sua esposa lhe dissera que ele havia se tornado tão cruel quanto um rottweiler raivoso e que o álcool estava corroendo seu cérebro. Apesar de não ter-lhe dado uma resposta muito inteligente, acreditava que se fizera entender. Ele lhe dera um tabefe e ordenara que servisse o jantar. Mais tarde, naquela mesma noite, enquanto ele assistia a um filme qualquer na televisão, ela fizera as malas e saíra pela porta dos fundos com o menino. Mas ele a alcançara
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enquanto ela tentava dar partida em seu velho Honda Civic. Enfiara o braço pela janela enquanto ela, desesperada, tentava subir o vidro e, ignorando os gritos da criança que estava no banco de trás, agarrara-a pela garganta, dizendo que não se importava nem um pouco se nunca mais pusesse os olhos nela ou no pirralho. Aproximando-se o máximo que pôde do rosto dela, dissera-lhe que, se ela se atrevesse a pedir um centavo que fosse de pensão alimentícia, ele iria atrás dela com um machado.
Pela expressão de seu rosto, ela sabia que ele não estava brincando. Nunca mais ouviu falar dela e, à medida que os dias e as noites foram passando, ele se convenceu de que a melhor opção seria continuar a viver sozinho.
Apesar das fofocas que rolavam no departamento, ele não era um bêbado. Estava apenas cansado de lidar com a escória das ruas. Chicago havia se tornado uma pocilga onde apenas os degenerados sabiam como sobreviver e prosperar. Como bactérias, eles floresciam e se multiplicavam na imundície.
Ele temia que seu corpo já tivesse sido contaminado pela bactéria e que estivesse, aos poucos, se transformando em uma delas. E quando começou a ficar realmente apavorado e o álcool não amenizava mais os terrores da noite, ele passou a fantasiar a respeito da possibilidade de se aposentar mais cedo. Tudo o que precisava para poder largar tudo era de um lance de sorte. Foda-se a aposentadoria. Se ele conseguisse dar a tacada certa, poderia comprar um barco e velejar para as Bahamas. Em toda a sua vida, nunca colocara os pés num barco, tampouco estivera nas ilhas, mas os catálogos que pregava na parede, acima de sua mesa de trabalho, traziam muitas fotos que mostravam a limpeza do lugar.
Ele queria poder caminhar por uma rua limpa, respirar ar puro e despoluído, olhar para cima e ver o céu azul sem a névoa cinza de poluição e, acima de tudo, queria voltar a sentir-se limpo de novo.
Sempre que algum pensamento sinistro atrapalhava sua concentração, ele comprava uma garrafa de bourbon, ligava para o trabalho para dizer que não estava se sentindo bem e enchia a cara. Da maneira como encarava as coisas, estava prestando um serviço aos cidadãos que pagavam seus impostos. Se ficasse encolhido em casa, tomando uma bebedeira, estaria protegendo os responsáveis cidadãos de Chicago, evitando matá-los.
Ele sabia que teria de agüentar e manter a sanidade até que tivesse um golpe de sorte ou até que conseguisse sua aposentadoria. Então, tentava encontrar um pouco de felicidade nas coisas do dia-a-dia. Essa noite, por exemplo, faria com que ele se sentisse muito feliz. Seu turno estaria prestes a se encerrar, tinha ainda 20 minutos, e, ao contrário de seu parceiro puxa-saco,
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ele não ficaria ali nem mais um minuto sequer. Como hoje saíra o pagamento, ele se presentearia com um belo filé e depois cruzaria a cidade até o Salão de Beleza da Lori, que ficava na frente de um promissor puteiro. Pretendia cortar o cabelo e ganhar um belo boquete de uma das putas que, por morrerem de medo dele, não teria coragem para dispensá-lo. Planejava terminar sua noite romântica com um velho amigo, o Jack Daniels Black Label.
O tempo se arrastava. No último minuto, ele deve ter olhado duas vezes para o relógio. Faltavam 19 minutos. Deus do céu, como ele detestava aquele lugar! Sua mesa ficava no canto direito de uma feia sala em formato alongado. A lateral de sua mesa de trabalho estava encostada numa parede verde-ervilha. Em algumas manhãs, enquanto subia a escada para o segundo andar do edifício, a sensação que ele tinha era como se estivesse indo para uma pocilga, de tão abarrotado e desanimador que era aquele lugar. Falava-se em reforma, mas até agora apenas uma das salas havia recebido uma nova pintura.
Ele apoiou as costas no encosto da cadeira e olhou ao redor. Havia vários detetives trabalhando em suas mesas bagunçadas. A maioria falava ao telefone, sem prestar a mínima atenção nele. Sweeney pensou que poderia facilmente sair de fininho sem que alguém sentisse sua falta.
Aquela possibilidade foi rapidamente descartada quando o novo chefe, que era um pentelho, apareceu escada acima. O tenente Lewis fora nomeado para o posto havia apenas cinco semanas, tempo suficiente para que Sweeney o detestasse. O tenente não gostava de problemas e, depois que a Investigação Interna teve com ele uma conversinha sobre a investigação extra-oficial, Lewis tinha se voltado contra ele. O pentelho não queria que a sujeira de Sweeney atrapalhasse sua carreira. Tarde demais, pensou ele com um risinho sarcástico.
Lewis também não era nenhum santo. Sweeney o observou deslizar pelo escritório envidraçado. Ele tinha ouvido falar que Lewis andava aprontando com sua rica e colunável esposa. Todo homem tinha segredos que não queria que viessem à tona e, se o tenente continuasse a pegar no seu pé, Sweeney tinha decidido fazer uma pequena investigação por conta própria. Seria muito fácil descobrir quem era a puta com quem ele estava saindo e tirar algumas fotos para enviar à respeitável esposa. É claro que ele faria tudo no anonimato. Como é que Lewis faria para viver sem a megera rica para pagar suas contas? Talvez Sweeney devesse comprar uma daquelas câmeras digitais para mandar algumas fotos explícitas para a madame. Com todos os diabos, ele poderia até se divertir um pouco, colocando as fotos na Internet. Ficou tão encantado com a possibilidade que teve dificuldade
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para se controlar. Seria uma bela lição para o pentelho se a mulher dele pegasse uma tesoura para fazer picadinho daqueles ternos caros, esmagasse aquele Rolex que ele sempre fazia questão de exibir e lhe desse um belo chute na bunda.
Olho por olho, dente por dente. Ele sabia que Lewis estava de olho nele, tomando nota de cada pequena infração, de modo que poderia se livrar dele sem ter problemas com o sindicato. Mas se Sweeney agisse com cautela, Lewis não poderia despedi-lo.
Apenas três míseros segundos se passaram. Ele remexeu uma pilha de papéis sobre a mesa e voltou a olhar por sobre o ombro. Rapidamente se pôs a olhar para a pilha de papéis e abriu o arquivo, fingindo estar completamente concentrado no trabalho.
Alec Buchanan subiu a escada com rapidez. Com cabelo comprido, olhos injetados e barba desgrenhada, o detetive disfarçado mais se parecia com o líder drogado de alguma gangue. Não fazia muito tempo que ele se juntara à divisão. Fora transferido havia pouco e, antes disso, havia trabalhado exclusivamente com narcóticos. Apesar de nunca ter conversado com ele, Sweeney conhecia sua reputação. Era melhor não criar problemas com ele.
Um jovem tira de rua, de uniforme azul, veio atrás de Buchanan. Além de sua expressão de dor profunda, ele suava intensamente. Sweeney fingiu que estava concentrado no trabalho até que os dois homens se dirigiram para o escritório do tenente. Em seguida, pegou o telefone, apertou o botão de espera e, com o receptor no ouvido, virou-se na cadeira para ver o que estava acontecendo.
Lewis não perdeu tempo para fazer um escândalo. Sua ira estava sendo dirigida ao jovem tira. Sweeney tentou não sorrir enquanto via o tenente perder o controle. Ao esbravejar com o pobre coitado, ele agitava o indicador longo e fino no ar.
Sweeney pôde escutar o que estava acontecendo. O tira de rua havia arruinado Deus sabe quantos meses de serviço secreto. Fora uma cena e tanto. Naquela tarde, ele ouvira alguns detetives falando sobre isso no local do café. Pelo que ouvira, Buchanan havia se transformado num superherói histérico. Ele arrancara o tira de um antro de drogas enquanto o tiroteio rolava feio. Era provável que Buchanan recebesse outra condecoração, mas, a julgar pela expressão de seu rosto, ele não estava sedento de medalhas e sim de sangue. Sweeney pensara que Buchanan estava puto da vida com o tira, mas, depois de ouvir um pouco da conversa, percebera que a fúria do detetive era direcionada ao tenente Lewis. Talvez pelo fato de ele ter sido escalado para trabalhar com Tanner, que todos no departamento o consideravam um idiota.
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É só falar no diabo que ele aparece. Tanner veio voando pela sala e, com um olhar de ódio profundo, empurrou um detetive que estava em seu caminho e invadiu o escritório do tenente. Antes mesmo de fechar a porta, ele já estava gritando.
A cena que presenciava estava melhor do que aqueles antigos filmes de televisão. Só estavam faltando a cerveja e a pipoca.
- O que está acontecendo? - perguntou um dos detetives que estava do outro lado da sala.
Ao que um outro respondeu:
- O Buchanan está tentando salvar a pele do garoto. Tanner quer torcer o pescoço dele.
Sweeney revirou os olhos. Um santo histérico, era isso que Buchanan era. Sweeney adorou ver Lewis se curvando. Seu rosto estava ficando vermelho de raiva. Talvez ele mesmo pudesse entrar em greve. Não seria maravilhoso?
Ele conferiu o relógio outra vez. Quinze minutos se passaram. Droga, ele estava morrendo de sede. Precisava sair dali o mais rápido possível para poder começar a beber. Era evidente que agora, o tenente não estava prestando atenção nele. Sweeney desligou o computador, enfiou os papéis de volta no arquivo e colocou as pastas na gaveta "ninguém dá a mínima". Estava empurrando sua cadeira para trás quando olhou para cima. Uma coisinha deliciosa estava subindo a escada. Ele não conseguia tirar os olhos dela. Quando ela chegou à recepção, ele já estava salivando. E podia garantir que não era o único a fazer isso. A sala ficou completamente em silêncio e Sweeney imaginou todos os detetives olhando para ela.
Um dos puxa-sacos do outro lado da sala quase saltou por sobre sua mesa de trabalho para chegar até a garota e oferecer-lhe ajuda e, com isso, bloqueou o campo de visão de Sweeney. Ele olhou para trás. Os homens que estavam dentro do escritório do tenente estavam quebrando o maior pau.
Relutante, o detetive que estava paquerando a moça apontou para Sweeney. Ela começou a fazer o percurso por entre as inúmeras mesas para chegar até ele. Em movimentos rápidos, Sweeney ajeitou a gravata a fim de esconder uma mancha de ketchup, encolheu a barriga e tirou uma pasta da gaveta, tentando parecer ocupado.
Aqueles lábios carnudos e sensuais eram de matar qualquer um. Isso para não falar nas curvas suaves e nas pernas longas e bem torneadas. Talvez ela fosse uma daquelas putas que cobravam mil dólares por noite, das quais ele ouvira falar, mas nunca chegara a ver. Seria hoje seu dia de sorte? Ele se achava esperto o suficiente para encontrar uma maneira de fazer com que ela lhe aplicasse um boquete. Com certeza, isso seria uma lembrança memorável para suas longas noites solitárias. Ele podia claramente
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imaginá-la de joelhos, seus cabelos longos e encaracolados tocando as coxas dele...
Ele foi obrigado a interromper sua fantasia, antes que o tesão aumentasse. Enquanto esperava que ela se aproximasse, apoiou as costas na cadeira, que deu um rangido. Fêmea de classe, pensou ele. Classe demais para ser uma piranha de alto luxo. Ele reparou no anel e sabia que a safira era verdadeira. Nada de imitações para esse tipo de gente. Das duas uma: ou o pai dela era rico, ou ela tinha um amante que pagava todas as suas contas, e Sweeney, cínico até não poder mais, optou pela segunda hipótese. Coisinha linda, movida a dinheiro. Ele era quase capaz de farejar isso nela e sua mente deu algumas voltas, tentando encontrar uma maneira de botar a mão em algum.
Talvez ela fosse seu grande golpe de sorte. Todo mundo tinha segredos, mesmo as mocinhas de classe como ela. A expectativa fez com que ele lambesse os beiços, mas logo voltou a ter cuidado. Deixe de ser idiota, disse a si mesmo. Espremia os olhos enquanto a observava. No fundo, sabia que ela estava fora de alcance. Ressentiu-se por isso. Ela tinha aquele ar de riqueza e limpeza tão difíceis de se ver hoje em dia. A bela moça tinha extraordinários olhos azuis, um pouco mais claros que a pedra que ostentava no anel. Bela e rica. Fora de seu alcance, com toda a certeza.
Ela parou na frente da mesa dele. Antes que pudesse falar, ele disse:
- Posso ajudá-la em alguma coisa? Ele sabia que o tom de sua voz fora grosseiro. E não estava se importando com isso.
- Detetive Sweeney? Com o dedo manchado de nicotina, ele apontou para a placa com seu nome e percebeu que ela estava virada para ele. Inclinou-se e, no momento de virar a placa, derrubou metade de uma xícara de café frio sobre seu bloco de anotações. Murmurando um palavrão, ele pegou uma folha de papel para enxugar o líquido.
- Sou eu mesmo, doçura. Detetive Sweeney.
Era óbvio que ela não gostava de ser chamada de doçura. Regan apertou levemente os olhos. Durona, pensou ele. Ele não dava a mínima para o fato de ela ficar enfurecida com ele. Como já havia percebido que ela não era para seu bico, por que se importar em ser politicamente correto? Além disso, seu grande amigo Jack Daniels estava esperando por ele.
- Meu nome é Regan Madison - disse ela, enquanto, de pé ao lado da cadeira de plástico na frente da mesa, colocava ali sua maleta.
- A senhora tem alguma denúncia a fazer?
- Não. Minha amiga, Cordelia Kane, me pediu que passasse aqui para me informar sobre o andamento da investigação do caso reportado por ela e que envolve um psicólogo de nome dr. Lawrence Shields.
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Ele não fingiu conhecer a pessoa à qual ela se referia.
- Quem?
Ela repetiu cada palavra que havia acabado de dizer. Ele continuou sem saber do que, ou sobre quem, ela estava falando. Espremeu o cérebro tentando enrolar o máximo possível com a frase surrada que usava sempre que lhe faziam perguntas por telefone.
- Ah, sim... a investigação ainda continua.
- O senhor poderia me dizer exatamente o que foi feito?
- Veja bem... a senhora terá de refrescar minha memória. Tenho muitos casos para supervisionar...
Sem completar a sentença, ele soltou um longo bocejo. Que terrível perda de tempo, pensou Regan. Cordie estava certa. Sweeney era detestavelmente incompetente. Sua atitude de eu-não-ligo-a-mínima a irritava profundamente.
Além disso, ele era um libertino. Estava muito ocupado cobiçando os seios dela para poder olhá-la nos olhos. Com algum esforço, ela tentou ficar calma e mostrar-se paciente, enquanto lhe explicava quem era o dr. Shields e o golpe que aplicara em Mary Coolidge. Quando terminou, a impressão que se tinha era que Sweeney continuava sem saber de nada.
- Sua amiga... como é mesmo o nome dela?
- Cordelia Kane.
- Qual é sua relação com ela?
- Desculpe, não entendi a pergunta.
- Eu perguntei qual é sua relação com ela.
- Cordelia é minha amiga.
- Não estou falando dela. Estou me referindo à outra mulher. A que se suicidou.
- O nome dela era Mary Coolidge.
- Entendo.
Ele estava deixando claro que não estava nem um pouco interessado no que ela tinha a dizer. Deus do céu, ele era um grande cretino. Se ele virasse a cadeira um pouco mais para trás, acabaria caindo no chão e, a essa altura, ela já estava torcendo para que isso acontecesse.
- Eu gostaria de falar sobre a investigação. O senhor tem alguma idéia...
Ele agitou uma das mãos a fim de interrompê-la.
- Agora eu me lembro. Como eu estava dizendo, tenho tantos casos, é quase impossível se lembrar de todos. Agora eu me lembro. Sua amiga estava realmente furiosa com esse tal dr. Shields. Ela me disse que está certa de que ele fora responsável pelo suicídio dela. A investigação está em meu arquivo pendente - acrescentou ele, na maior caradura, enquanto apontava para uma das gavetas de sua mesa de trabalho.
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- Houve algum progresso?
- Bem, a verdade é que...
- Sim?
Ele encolheu os ombros.
- Estou trabalhando no caso.
Ela sentiu vontade de gritar. Em vez disso, respirou fundo. Confrontálo não a ajudaria a conseguir as respostas que viera buscar.
- Entendo. O senhor poderia me dizer...
Foi tudo o que ela conseguiu dizer.
- Meu dia de trabalho já se encerrou. Por que a senhora não volta amanhã?
Regan estava a ponto de perder a paciência.
- Acho que não vai ser possível. O tenente Lewis está?
A coisinha linda estava se revelando uma pentelha e tanto. O ressentimento de Sweeney transformou-se em hostilidade. Como é que ela se atrevia a usar a hierarquia para intimidá-lo?
- O tenente está ocupado - disse ele, balançando a cabeça em direção ao escritório atrás dele. - Além disso, ele a mandaria de volta para mim e eu já disse que não tenho nada a informar.
- Alguma coisa foi feita? Alguém falou com os vizinhos dela ou...
-Ao que parece, esse cara, o tal do Shields, não fez nada de ilegal. Eu sei que essa é uma história difícil de engolir, mas é assim que são as coisas. A mulher doou a grana de livre e espontânea vontade e, depois, se suicidou. Tudo muito simples. Caso encerrado.
- Então, não se pode dizer que a investigação esteja pendente, certo? Ela estava furiosa. O rosto dela se tornara avermelhado, mas ele não se importou com isso.
Encolhendo os ombros com desdém, ele disse:
- É claro que está pendente. Pendente até conseguir provas reais.
Regan olhou ao redor da sala na tentativa de conseguir ajuda. Viu os quatro homens no escritório envidraçado, atrás da sala onde se encontrava. Evidentemente, o homem de pé, atrás da mesa, era o tenente. Ele gritava e agitava as mãos.
Nesse momento, um outro homem chamou sua atenção. Vestindo roupas imundas e encostado no vidro, ele disse alguma coisa que, definitivamente, enfureceu o tenente que agora além de gritar dava socos na mesa. Entretanto, o escândalo não parecia abalar o homem.
O tenente passou a direcionar sua fúria ao jovem que vestia uniforme de policial. Mesmo com a porta fechada, ela pôde ouvir alguns dos palavrões e das ameaças feitas pelo tenente. O homem encostado no vidro tentou ajudar o policial. Ele se posicionou diante dele e disse alguma coisa que causou novo acesso de fúria no tenente.
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Regan não tinha nenhuma intenção de interromper a discussão. Ela não queria nada com esse tenente e, com certeza, não pediria sua ajuda.
Ao decidir que tinha feito tudo o que era possível fazer, ela pegou sua maleta e deixou o recinto. Assim que chegou à calçada, pegou o celular e ligou para Sophie.
- Acabei de falar com o detetive Sweeney.
- E daí?
- O homem é nojento.
- Foi o que a Cordie disse - respondeu ela. - Mas ele ajudou em alguma coisa? Ele lhe deu alguma informação que possa ser útil?
- Não, nada - disse ela. - Acho que não existe nada a fazer. Ele não está dando a mínima para a pobre Mary Coolidge.
- Você leu o diário?
- Sim, li. É preciso impedir que esse tal dr. Shields continue aprontando.
- Foi exatamente por isso que você foi até aí, para descobrir...
- Sophie, eles não estão investigando nada.
- Você falou com o tenente Lewis?
- Não - disse ela. - Ele não vai ajudar em nada. Ele é pior que o Sweeney, se é que isso seja possível.
- Pensei que você não tivesse falado com ele.
- Eu o vi em ação - disse Regan. - Ele estava gritando e fazendo a maior cena.
- Conte-me exatamente o que o Sweeney lhe disse.
Enquanto relatava sua conversa com o detetive asqueroso, Regan caminhava.
- Estou lhe dizendo, tudo isso não passou de perda de tempo.
Regan desligou o telefone no momento em que virou a esquina. Ela pensou ter ouvido alguém gritar e, instintivamente, virou para trás.
O choque foi inevitável.
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CAPÍTULO 9
ALEC BUCHANAN ESTAVA COM PRESSA PARA CHEGAR AO CARRO E IR DIRETO para casa para poder se livrar das roupas imundas que vestia. Ele estava com a sensação de insetos escalando todo o seu corpo e, no momento, tudo o que queria na vida era tomar um banho quente e demorado. Ele nem chegou a estar correndo quando virou a esquina e quase rolou por cima da mulher que estava parada lá.
A trombada foi feia. A maleta que ela segurava foi voando em uma direção, enquanto ela voava em outra. Ele a agarrou pela cintura no momento exato em que ela perdeu o equilíbrio e teria batido a cabeça numa parede de tijolos.
Alec a segurou até que ela recuperasse o equilíbrio. Maldição, ela era linda. E exalava um perfume muitíssimo gostoso. Depois de uma noite passada no lixo, era de surpreender que ele ainda pudesse sentir qualquer tipo de cheiro.
Ele a soltou, entregou-lhe a maleta e deu um passo para trás.
- Desculpe.
Ela concordou com um aceno de cabeça para que ele soubesse que ouvira seu pedido de desculpas. Ela estava sem voz. Olhou-o nos olhos, tentou sorrir e, em seguida, virou-se e caminhou tão rápido quanto podia. Ela respirava profundamente, tentando afastar a náusea. Deus do céu, o fedor que ele exalava fizera com que seus olhos se enchessem de lágrimas.
Regan soltou uma gargalhada. Quando olhou para trás, ele ainda a observava. Ela sorriu, mas voltou a rir assim que virou a esquina. O homem de dentes brancos e perfeitos a fizera se lembrar de uma visita que fizera ao zoológico quando criança. Seu irmão, Aiden, a levara quando ela
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tinha 7 ou 8 anos de idade. Ela se lembrava de terem entrado num enorme prédio de pedras cinzentas. Havia muita gente e, lá dentro, o ar se apresentava úmido e, ao final de um corredor, estava a nova jaula do gorila. Os detalhes finais ainda não haviam sido incorporados à nova casa. Uma grade dupla separava o gorila da multidão, mas a parede de proteção, de vidro blindado, ainda não havia sido instalada. Regan se afastou de Aiden e correu, entrando e saindo da multidão, para chegar lá antes que todo mundo notasse que havia um espaço livre bem na frente da jaula. Ela chegou até a primeira fileira de grades antes que o cheiro a fizesse cair de joelhos. O odor era tão intenso que ela teve ânsia de vómito. Aiden teve de pegá-la no colo e levá-la para respirar ar puro.
Até hoje ela se lembrava do terrível fedor da jaula do gorila. O homem que acabara de encontrar fedia muito mais.
Rir de lembranças antigas fez com que seu estado de espírito melhorasse. Infelizmente, seu bom humor não durou muito tempo.
Ela tinha acabado de sair da Neiman Marcus e caminhava apressadamente pela rua lateral, carregando sua maleta em uma mão e a sacola de compras na outra, quando um homem, que tinha o dobro de seu tamanho, chocou-se contra ela. O que está acontecendo? Será que sou invisível?, pensou. Duas vezes num mesmo dia, com dois homens tentando atropelá-la.
Esse nem teve a gentileza de pedir desculpas. Na verdade, parecia ter pisado no pé dela de propósito. Ele continuou caminhando apressado, sem nunca olhar para trás. Como o dedo que fora pisado estivesse latejando, ela diminuiu o passo até a Dickerson. O dia ainda estava apenas na metade, ela disse a si mesma, e as coisas ainda podem melhorar. De que adiantava se perder em pensamentos negativos?
Então, ela entrou na Dickerson e percebeu que manter o alto-astral seria impossível. A vendedora, que trazia um crachá com seu nome, "sra. Patsy", estava inclinada
sobre a caixa registradora, falando ao telefone. Ela segurava o fone com o ombro, enquanto lixava as unhas.
O rosto da sra. Patsy estava tão vermelho que era óbvio que ela estivesse agitada por algum motivo. Ao ver Regan, fez-lhe um sinal impaciente para que aguardasse e continuou conversando ao telefone. A mulher devia estar chegando aos 60 anos, mas tagarelava ao telefone como se fosse uma adolescente. Aparentemente, ela falava com uma amiga, colocando-a a par de todas as fofocas que ouvira sobre uma outra mulher, de nome Jennifer. Regan não estava escutando a conversa, mas não podia deixar de ouvir um pouco o que ela estava dizendo e ficou chocada com os comentários cruéis que ouvia.
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Para que não ouvisse, Regan foi até o final do balcão de vidro e, depois de esperar por vários minutos, pegou um vidro de loção hidratante para o corpo e virou-se para ir para um outro balcão. Com um grito, a sra. Patsy pediu que ela esperasse, desligou o telefone e fechou a conta. Quando entregou o pacote à Regan, sua expressão azeda era de claro ressentimento e, sem dizer uma única palavra, ela se retirou. Regan ficou pasma com a grosseria da vendedora.
Na verdade, quando chegou ao hotel e ao seu escritório, ela se sentiu bastante aliviada, mas o dia não melhorou. Ela passou o resto da tarde apagando um incêndio depois do outro.
Trabalhou até as seis da tarde, correu até sua suíte para se refrescar e, por volta das seis e quinze, estava na porta do saguão, esperando por Cordie. Sua amiga chegou de táxi, o que significava que o velho Ford estava novamente com problemas. Antes de sair para encontrar a amiga, pediu que lhe trouxessem seu carro.
- O que foi dessa vez? O radiador?
- O silenciador - gritou Cordie, enquanto atravessava a rua. - Amanhã vou comprar um novo para instalar no fim de semana.
Quando o carro de Regan chegou, o porteiro adiantou-se para abrir a porta.
- Eu sei o que você está pensando, Terry - disse Regan, ao sentar-se na direção de seu Chevy de mais de 15 anos.
O porteiro deu um sorriso.
- A senhora deveria pensar seriamente em trocar de carro.
- Está brincando? Ele está novinho em folha. Cordie inclinara-se sobre o banco para fazer seu comentário.
Quando chegaram, Sophie não estava esperando por elas na frente de seu prédio de apartamentos. Tiveram de dar três voltas no quarteirão antes que ela aparecesse. Regan estava colocando Cordie a par do péssimo dia que tivera e dizendo-lhe que estava perdendo a fé na espécie humana, mas quando Sophie entrou no carro Regan não teve a chance de dizer mais nada até que chegassem à Liam House, que ficava a 16 quilómetros dali.
Como o estacionamento ao lado do centro de convenções estava lotado, Regan teve de dar a volta no parque à procura de uma vaga. Por causa da iluminação precária, ela estava com dificuldade para enxergar. Do banco de trás, Sophie passava as instruções.
- Tem uma... não, aquilo é uma ruela. Não tem importância. Continue procurando.
- Vejam aquele idiota correndo bem no meio da rua. Será que ele está querendo morrer? - perguntou Cordie.
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- Preciso voltar a correr - disse Sophie. - Vou correr com você, Regan. Na pista da universidade.
- Eu não tenho ido mais lá - disse Regan. - Desde que terminaram a pista coberta do hotel. É bem mais conveniente.
- Eu faria mais exercícios se tivesse os aparelhos em casa - disse Cordie.
- Desde quando você faz exercícios? - perguntou Sophie.
- Eu me exercito, sim, senhora - argumentou Cordie. - O problema é que não tenho o hábito.
Sophie deu uma risada.
- Se você conseguisse adquirir o hábito, não precisaria fazer dieta o tempo...
Cordie a interrompeu.
- Você disse que ia nos contar seu grande plano.
- O quê?
Com paciência, Cordie repetiu o lembrete.
- Oh, meu Deus - disse Sophie. - Eu me esqueci.
Regan olhou para ela pelo espelho retrovisor.
- Você se esqueceu do seu grande plano?.
- Não, eu me esqueci de contar o que aconteceu hoje comigo. Vocês não vão acreditar.
- Então conte - pediu Cordie.
- Finalmente, o vizinho de Mary Coolidge me ligou. Nas últimas semanas, eu havia deixado pelo menos dez mensagens para o homem e estava quase desistindo, mas ele disse que não me ligou porque estava fora da cidade.
- E daí? - pressionou Cordie.
- Você sabia que o Shields sempre anda com dois assistentes, um de cada lado?
- Sim - disse Regan. - Mary mencionou isso no diário.
- Na verdade, eles são seus capangas.
- Capangas? Quem é que fala "capanga" hoje em dia? - perguntou Cordie, soltando uma gargalhada.
- O vizinho de Mary - disse Sophie. - Ele os chamou de capangas. Agora, prestem atenção. Mary disse à filha que Shields lhe dissera que contrataria os dois como guarda-costas. Ela tinha medo deles e achava que eles se divertiam intimidando as pessoas. Eles usavam óculos escuros o tempo todo, tanto durante o dia quanto à noite.
- Isso é ridículo - disse Regan.
Ao ver um carro saindo de uma vaga, ela ligou o pisca-pisca e estacionou.
- E o que foi que o vizinho falou? - perguntou Cordie. Ela estava ficando de pescoço duro de olhar para Sophie.
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- Ele estava abrindo a porta para o gato entrar, quando viu dois homens entrar pela entrada da garagem de Mary.
Regan desligou o motor.
- E você acha que eles foram até lá para ameaçá-la?
Sophie concordou com um aceno de cabeça.
- Isso não passa de especulação, mas...
- Mas o quê? - perguntou Regan.
- Mas eu acho que ela disse a Shields que chamaria a polícia e ele mandou os gorilas fazer com que ela mudasse de idéia.
- Isso é possível - disse Cordie. - Mas vai ser muito difícil provar.
-O vizinho se lembra quando os homens foram lá?-perguntou Regan.
- Ele tem quase certeza de que eles estiveram lá na mesma noite que Mary se suicidou. Eu acho que eles foram até lá para aterrorizá-la e que ela achou que tomar os comprimidos fosse a única saída. Ou isso ou...
- Pelo amor de Deus, Sophie, pare de fazer suspense - disse Cordie. - Ou o quê?
Numa voz que era quase um sussurro, Sophie disse:
- Talvez eles a tenham obrigado a tomar os comprimidos e tenham ficado lá até que ela perdesse a consciência.
Regan balançou a cabeça.
- Pense um pouco, Sophie. Você se lembra da última anotação do diário?
Cordie respondeu:
- Tarde demais. Eles estão vindo.
- E a letra estava bastante confusa, não é mesmo?
- Sim, espalhada por toda a página - disse Cordie -, o que indicava que Mary já havia ingerido os comprimidos.
- A não ser que eles a tenham obrigado a tomar alguns comprimidos e depois tenham dado uma pausa a ela, quando ela pôde escrever alguns pensamentos no diário e, em seguida, a obrigaram a tomar mais. Devo dizer...
- Tudo bem, essa teoria não tem fundamento - disse Sophie. - Mas se os homens de Shields foram até lá para ameaçá-la...
- Seria muito difícil provar isso - disse Regan.
- Se tivéssemos uma foto dos guarda-costas que pudéssemos mostrar ao vizinho... - começou Cordie.
Sophie bateu no apoio de cabeça atrás de Cordie.
- Eu estava pensando justamente nisso. O problema é...
- Qual é o problema? - perguntou Regan.
- O vizinho não tem certeza de que poderá reconhecê-los - disse ela. - Ele me disse que não conseguiu vê-los muito bem. Mesmo assim, eu gostaria de poder mostrar uma foto a ele.
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- Então, isso é tudo? É esse seu grande plano? Conseguir uma foto dos capangas? - perguntou Cordie. - A gente poderia ir até a entrada do prédio da sala de convenções e, quando eles aparecessem, tirar algumas fotos.
- Mas ainda não acabou - disse Sophie. - Primeiro, nós vamos entrar e eu pago nossa taxa de inscrição.
- Você não vai pagar a minha - disse Regan.
- Nem a minha - disse Cordie.
- Vocês estão me fazendo um grande favor. Estão abrindo mão de um fim de semana para me ajudar, então não quero mais falar sobre esse assunto. Pagar nossas taxas de inscrição é o mínimo que posso fazer para agradecê-las. Vou pagar em dinheiro - continuou ela, numa tentativa de evitar novos argumentos. - Não quero que o Shields e seus funcionários tenham acesso a nenhuma conta e por isso não quero usar cheque nem cartão de crédito.
- Deus do céu! Quer dizer que você está carregando três mil dólares na bolsa?
Sophie deu um sorriso.
- Não havia espaço suficiente em meu sutiã, então a única solução foi colocar tudo na bolsa.
- Quem seria tão louco a ponto de carregar tanto dinheiro assim? - Cordie perguntou a Regan.
- Parece que a Sophie - respondeu ela.
- Meu pai carrega dez vezes mais que isso o tempo inteiro - comentou Sophie.
- Sophie, como é que você pode se dar ao luxo de bancar essa quantia? - perguntou Cordie. - Você ganha menos que nós.
- Papai.
- No mês passado, você me disse que não aceitaria mais dinheiro de seu pai, está lembrada? Você estava decidida a viver com sua própria grana.
- Foi um presente de aniversário adiantado - disse Sophie. - Ele acabou de comprar mais uma casa de férias e, por causa das cargas tributárias, também colocou esse bem em meu nome. Papai tem grana suficiente para esbanjar por três vidas.
Mesmo conhecendo Sophie desde o jardim-de-infância e sendo suas melhores amigas, Regan e Cordie ainda não sabiam ao certo como o pai dela ganhava a vida. Toda a vez que elas lhe perguntavam, ele dava uma resposta diferente. Ou ele mudava de atividade todo mês, ou estava simplesmente inventando. Por muito tempo, Regan pensou que ele fosse banqueiro, enquanto Cordie acreditava que fosse um magnata do mercado imobiliário. Agora que elas eram mais velhas e já tinham ouvido todo tipo
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de boatos e especulações, sabiam que o pai de Sophie estava metido em negócios escusos. Ele estava sempre montando um esquema depois do outro e elas estavam preocupadas com o fato de que seria apenas uma questão de tempo até que suas falcatruas fossem descobertas.
Regan se preocupava com Sophie. Mesmo se considerando extremamente sofisticada, sua amiga era terrivelmente ingênua com relação ao pai. E exageradamente protetora.
Cordie parecia decidida a continuar a argumentação. Regan, entretanto, resolveu trazer as amigas de volta ao assunto.
- Qual é o plano depois que entrarmos no centro de convenções?
- Vamos participar da recepção e... dar uma olhada em volta.
Regan olhou para Cordie.
- O que você quer dizer com "darmos
uma olhada em volta"? - perguntou ela.
- O que devemos procurar? - perguntou Cordie.
Sophie agarrou a bolsa e abriu a porta de trás.
- O computador dele. Andei fazendo algumas investigações e fiquei sabendo que as inscrições e as fichas de cadastro com informações dos participantes estão informatizadas. Além disso, descobri que ele sempre carrega seu laptop. Espero que, em algum momento, durante o fim de semana, a gente consiga botar as mãos nele.
- Hum, não gostei disso - disse Cordie.
- Você não pode estar pensando em invadir o computador dele - disse Regan, incrédula com a idéia.
Sophie deu uma risada. Esperou até que as amigas saíssem do carro para responder.
- Não, é claro que não. Eu não tenho nenhuma competência para invadir o computador dele. A Cordie é quem vai ter de fazer o serviço.
- De jeito nenhum. Não vou fazer nada que seja ilegal.
- Preciso ter acesso aos registros dele - argumentou Sophie. - É a única maneira de descobrir a respeito das outras mulheres que foram enganadas por ele.
- Você deve estar sonhando se pensa que os guarda-costas vão nos deixar chegar perto do computador dele - disse Regan.
- Temos o fim de semana inteiro para tentar.
- Sophie, por favor diga-me que o plano é mais do que simplesmente fazer algo ilegal - disse Regan.
- É claro que é mais do que isso - disse Sophie. - Estamos aqui para fazer uma investigação. Vamos falar com todas as pessoas que fizeram inscrição na palestra. Talvez alguém saiba de alguma coisa que possa nos ajudar.
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- Como o quê? - perguntou Cordie.
- Por exemplo, com quem Shields anda saindo ultimamente - disse ela. - Teremos de agir de acordo com as circunstâncias.
- Parece que estaremos agindo de improviso - disse Cordie.
- Como é que ela consegue nos arrastar para essas aventuras? - Regan perguntou, fazendo força para não rir.
- Ela sempre faz seus planos parecer... razoáveis.
- Olááá. Não se esqueçam de que estou bem aqui, ouvindo tudo o que vocês falam de mim.
Cordie e Regan a ignoraram.
- É uma maneira bem esquisita de se passar um fim de semana - comentou Cordie.
- Mas é por uma boa causa - disse Sophie. - Além disso, agora é muito tarde para desistir.
Cordie olhou para o céu.
- Vai chover. Droga, meu cabelo vai ficar todo arrepiado.
- Vamos ficar a noite inteira paradas aqui? - perguntou Regan. Cordie e Sophie tomaram a dianteira, iniciando a marcha para cruzar o escuro estacionamento. Como o joelho de Regan estava latejando, ela andou num ritmo mais lento, tentando não mancar. Amaldiçoou-se a si mesma por ter calçado sapatos desconfortáveis.
- Devagar - disse Cordie. - Parece que a Regan está com problemas no joelho de novo. Quando é que você vai fazer aquela cirurgia?
- Logo, logo - disse ela. Para que elas não tivessem a chance de convencê-la a fazer o que ela não estava pronta para fazer, mudou de assunto. - Meu carro está precisando de uma troca de óleo. Você pode me dar uma força, Cordie?
- Claro. Que tal no próximo fim de semana?
Sophie virou os olhos para cima.
- Você passa mais tempo debaixo do chassis do que um mecânico, Cordie. Juro que nunca vou conseguir entender vocês duas. Vocês podem ter qualquer carro que quiserem e dirigem dois montes de ferro-velho. Em todo caso, acho que posso até adivinhar por que Regan insiste em ficar com sua lata velha.
- Aiden - ela e Cordie disseram ao mesmo tempo.
- Ele fica louco com isso, não é? - disse Sophie, dando uma risada. Ela apertou o passo e, ao alcançar a porta, ficou à espera das amigas. - Muito bem, senhoras. Chegou a hora de nos concentrarmos no trabalho que nos espera.
A Liam House era um antigo prédio de pedras que, durante sua longa existência, fora usado para fins variados. Atualmente, servia como ponto de encontro para seminários e retiros. Ao entrar, tinha-se uma agradável
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surpresa. Com a recente reforma, o piso de mármore brilhava em contraste com o tom de bege agradável das paredes. A mesa de inscrições estava localizada no final do vestíbulo retangular.
Uma mulher de aproximadamente 30 anos, que trazia um crachá com o nome "Debbie", estava sentada atrás da mesa, distribuindo os formulários de inscrição. Ela usava um blazer de flanela azul-arroxeado. Atrás dela, penduradas na galeria acima, havia duas flâmulas de três metros de altura. Cada uma delas trazia fotos do dr. Shields em tamanho natural. Em ambas as fotos, Shields vestia o mesmo blazer, no tom azul-arroxeado, e ostentava o mesmo sorriso.
- O cara é psicólogo ou corretor de imóveis? - sussurrou Cordie.
Sophie deu-lhe uma cutucada.
- Viu o computador?
- Está na mesa, bem na frente dela. Como poderia não ter visto? Você quer distraí-la, enquanto eu o agarro e saio correndo? - perguntou Cordie, num tom irônico.
- Faça conforme combinamos - cochichou Sophie.
As três preencheram suas fichas de inscrição. Sophie as entregou à Debbie.
- A taxa de inscrição é de mil dólares por pessoa, querida.
- Sim, nós sabemos disso - disse Sophie, enquanto entregava o maço de notas à mulher.
Debbie não se apressou em contar as notas de 100 dólares. Satisfeita com o recebimento do dinheiro, ela digitou as informações das fichas de inscrição no computador, apertou uma tecla e a impressora sobre o balcão atrás dela logo imprimiu três recibos.
- O dr. Shields encontra-se na sala de estar, na companhia de outros participantes. Vamos ter uma recepção de boas-vindas que vocês não podem perder. O doutor faz alguns exercícios maravilhosos.
- Exercícios? - perguntou Regan.
- Desafios - corrigiu Debbie. - Desafios mentais. É assim que o dr. Shields os chama. Ele vai ajudá-las a se livrar de toda a raiva, amargura e hostilidade que estão corroendo a criatividade de vocês e, uma vez que tenham se livrado do veneno, poderão seguir uma direção mais positiva. Ele realmente mudou minha vida - continuou ela. - E tenho certeza de que mudará as de vocês também, se trabalharem com ele e confiarem nele.
Regan conseguiu esboçar um largo sorriso.
- Oh, eu realmente quero mudar. Por isso estou aqui.
- Eu também - disse Sophie, efusiva.
Debbie concordou com um aceno de cabeça, cheia de energia.
- A recepção será no final do corredor, à esquerda, num salão que fica depois das portas duplas. Vocês não imaginam como são privilegiadas, senhoras.
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É um grande privilégio que o doutor não gaste seu tempo apenas sendo social. Ele já deu a entender que poderá fazer alguns exercícios essa noite. Isso não está impresso no programa. Nesses últimos tempos, o dr. Shields anda muito ocupado, mas ele adora ser espontâneo, quando a agenda dele permite.
- Ele costuma agendar espontaneidade? - perguntou Regan, segurando o riso.
Debbie estava tão entusiasmada quanto uma adolescente.
- Sim, é claro que sim.
Regan virou-se para sair.
- Esperem - disse Debbie. - Eu me esqueci de entregar-lhes os pacotes. Ela deu uma pasta azul a cada uma delas. - Dentro de cada pasta, há um bloco de anotações e uma caneta para que possam anotar as palavras de sabedoria do doutor. Gravadores e câmeras de vídeos não são permitidos. Se vocês tiverem alguma pergunta ou precisarem de alguma coisa, poderão reconhecer nossa equipe pelo blazer azul, igual ao que estou usando. Esperamos que esse seminário seja uma experiência fabulosa para todas vocês.
- Tenho certeza de que será - disse Sophie.
Regan caminhou em direção ao corredor, fez a curva indicada e parou de maneira abrupta.
- Deus do céu - sussurrou ela.
Ali, ao lado da porta dupla, havia uma imagem de Shields com quase dois metros de altura e recortada em papelão. Uma foto colorida de corpo inteiro fora tirada e, com seu blazer azul e os dentes alvíssimos - obviamente cobertos por jaquetas -, ele realmente se parecia com uma propaganda de algum corretor de imóveis que tinha acabado de fechar um contrato milionário. Uma das pálpebras de Shields estava um pouco caída, como se o fotógrafo o tivesse flagrado no meio de uma piscada.
- Você acha que ele se adora? - perguntou Cordie.
- Ele é egomaníaco - disse Sophie.
- Vocês acham que ele está usando lentes de contato? - perguntou Cordie.
-Alguma vez você já encontrou alguém com olhos cor de azul-cobalto antes? - respondeu Regan.
- Bela resposta.
Cordie adiantou-se para abrir a porta, quando foi impedida por Sophie.
- Espere. Preciso ligar meu gravador.
- É melhor você se sentar bem perto dele - disse Cordie.
- Eu vou sentar bem atrás - disse Cordie.
- Tudo bem. Vamos lá - disse Sophie ao abrir a porta.
Apesar de surpreendentemente ampla, a sala estava completamente
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lotada. Na frente da lareira de pedra, havia uma longa área cor de creme e espreguiçadeiras organizadas em pares ao longo da sala. Na parede do fundo, havia algumas cadeiras de dobrar.
Pelo menos 80 por cento dos participantes eram formados por mulheres. Entretanto, não havia predominância de determinada faixa etária. Regan pensara que a maior parte dos inscritos fosse de pessoas que passavam por algum tipo de crise da meia-idade, mas pôde comprovar que estava enganada. A idade daquelas mulheres variava entre os 20 e os 60 anos, algumas bem mais do que isso.
Ao procurar um lugar na frente, Sophie acabou se espremendo entre dois homens no sofá de frente para a lareira. Ambos ficaram bastante satisfeitos em arranjar-lhe um lugarzinho.
Cordie notou duas cadeiras de dobrar num canto contra a parede do fundo. Deu uma cutucada em Regan.
- Siga-me.
Regan apressou o passo para acompanhar a amiga, sentou-se e concentrou sua atenção em Shields. O psicólogo estava em pé diante da enorme lareira. Ele tinha uma figura imponente. Alto, bronzeado... ou será que ele estava usando maquiagem? Seus guarda-costas eram fáceis de ser detectados. Eles estavam parados como robôs, um em cada lado da lareira. Não usavam óculos escuros e seus olhos constantemente escaneavam a audiência.
- Eles são horripilantes - sussurrou ela.
- Os guarda-costas? - perguntou Cordie.
- Sim.
- O Shields também. Por acaso ele está usando maquiagem?
- Acho que sim.
O psicólogo não se parecia com um monstro. Ele não passava de uma fraude; cinqüentão vaidoso, tentando ter 20 anos de novo. Mary Coolidge havia relatado em seu diário que ele era o homem mais charmoso que conhecera. Mesmo estando predisposta a não gostar dele, por mais força que fizesse, Regan não conseguia encontrar nenhum carisma nele.
Cordie deu uma cutucada nela.
- Sabe quem ele me faz lembrar?
- Quem?
- Seu padrasto.
- Mais uma razão para que eu não goste dele - respondeu Regan. Shields tinha um sorriso fascinante. Ele havia caminhado até um dos cantos da sala e estava rodeado de mulheres. De repente, ele pediu que todos se sentassem. Esperou até que todos encontrassem um lugar e voltou a se posicionar diante da lareira. O grupo ficou em silêncio.
- O show vai começar - sussurrou Regan.
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CAPÍTULO 10
SHIELDS COMEÇOU A FAZER SEUS CUMPRIMENTOS. Ele TINHA UMA VOZ CANTADA e hipnótica que ficava entre a de Barry White e a de Mr. Rogers1.
Cordie voltou a cochichar com Regan.
- Desde que entramos, um dos guarda-costas, o cara da esquerda, não tira os olhos de você. Qual é o problema dele?
- Ignore-o - disse Regan.
Shields bateu palmas.
- Minha avó costumava dizer que o pássaro madrugador sempre fica com a melhor minhoca. Amanhã, haverá 500 pessoas no auditório. Considerando que aqui não temos muito espaço, tive de limitar o número de participantes desse seminário, mas como homens e mulheres vieram mais cedo para fazer as inscrições decidi organizar esse pequeno encontro. Se alguém mais aparecer essa noite, abriremos aquelas portas e expandiremos o recinto. Agora, permitam-me dizer-lhes o que vocês aprenderão durante o fim de semana.
Como ele continuava a falar em tom monótono, Regan passou a não mais ouvi-lo. Tirou uma foto dele da pasta que recebera e comparou-a com o original. Parecido, pensou ela. Sua mente vagueou um pouco antes de se fixar em assuntos mais importantes, quando ela virou e começou a escrever alguns lembretes para si mesma no verso. "Informar o serviço de segurança sobre Peter Morris", escreveu ela. Em seguida, "Falar com Aiden sobre o problema com Emily Milan". Regan levantou o olhar e observou a audiência. Sem sombra de dúvidas, Shields sabia atrair a atenção dos participantes.
Nota de rodapé:
1 Barry White é cantor norte-americano de músicas românticas e Mr. Rogers é apresentador de programa infantil de televisão. (N. da T.)
Fim da nota de rodapé.
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A maior parte das mulheres parecia estar completamente hipnotizada pelas palavras dele. Na verdade, algumas chegavam até a inclinar-se para a frente, na tentativa de ficarem mais próximas dele. Ela voltou a prestar atenção em Shields e, depois de ouvir por dez minutos, concluiu que seu discurso improvisado consistia em dois temas: medo e ganância. Sim, insistia Shields, eles realmente poderiam ter tudo o que quisessem. Eles mereciam ter tudo o que quisessem. Mas primeiro precisavam se livrar do veneno que tinham dentro de si mesmos.
Uma mão se levantou. Shields deu um passo à frente, fez uma pausa para dar um sorriso e disse:
- Pois não?
Uma das mulheres se levantou. Enquanto puxava a saia que não lhe caía bem, ela perguntou:
- Eu... eu não sei se entendi direito. Eu sei que o senhor disse que precisamos abrir nossas mentes para novas oportunidades, mas que antes disso precisamos nos livrar do veneno interior...
Quando ela hesitou, Shields disse:
- Isso mesmo.
- Bem... acontece que... eu não sabia que estava envenenada por dentro.
Com certa dramaticidade, Shields agitou as mãos.
- Todos nessa sala estão envenenados por dentro.
- Mas esse é justamente o ponto - disse e mulher, ainda ajeitando a saia. - O que o senhor quer dizer com veneno?
Era evidente que ele esperava esse tipo de pergunta. Cruzando as mãos atrás de si, ele deu outro passo para a frente.
- Veja como ele está perto de Sophie - sussurrou Cordie. O gravador dela deve estar gravando cada palavra que ele diz.
- Acho que ele contratou essa mulher para fazer as perguntas. O que você acha?
- É possível - respondeu Cordie.
- Você já foi ferida por alguém? - perguntou Shields à mulher. - Profundamente ferida?
E quem não foi? Regan pensou em Dennis e logo em seguida ficou interessada em saber o que Shields tinha a dizer sobre isso. A mulher que fizera a pergunta baixou o olhar e enrubesceu. - Sim... acredito que a maioria das pessoas nessa sala já tenha se sentido profundamente ferida - disse ela, nervosamente olhando ao redor. - Meu namorado... ele me enganou e não se importou nem um pouco com o fato de ter me machucado. Ele... me usou.
- E você escondeu essa ferida lá no fundo de si mesma, não é mesmo? - enquanto fazia sinais com a cabeça, Shields olhava para o público. - Quantos de vocês viveram relacionamentos difíceis nos últimos anos? Quantos tiveram de suportar traições de familiares ou de pessoas
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que confiavam ser suas amigas? Quantos de vocês foram esquecidos e nunca receberam uma promoção no trabalho, quando sabiam que tinham o mérito necessário?
Por toda a sala, várias mãos acenavam.
- Shields tem todos aqui comendo na palma de sua mão - disse Cordie. - Hum. Aquele guardacostas ainda estava olhando. Levante a mão.
Obedecendo ao pedido de Cordie, Regan levantou a mão. Quanto mais olhava para Shields, mais ela sentia um arrepio percorrendo sua espinha. Agora ele sorria como um iogue benevolente.
- Na minha opinião, todas essas experiências dolorosas se transformaram em gotas de veneno dentro de cada um de vocês, corroendo seus mananciais de talento, criatividade e paixão pela vida.
- Mas o que devemos fazer para nos livrar desse veneno? - pronunciou outra mulher.
- Eu vou mostrar a vocês - disse ele. - No domingo, ao final de nosso seminário, vocês estarão limpos e prontos para enfrentar o mundo. Eu prometo.
Ele fez outra pausa, e sua voz tornou-se cremosa como se fosse um sorvete Hãagen-Dazs, e disse:
- Por que não fazemos um pequeno exercício? Peço que todos peguem o bloco de anotações e a caneta que vocês encontram dentro da pasta que receberam. Nós vamos fazer uma lista.
Ele fez um sinal para o guarda-costas da direita. A montanha de músculos imediatamente ajoelhou-se diante da lareira e ligou os bicos de gás. Segundos depois, um fogaréu esquentava a sala, que já estava quente por causa do grande número de pessoas.
- É melhor a gente pegar o bloco de anotações e mostrar um pouco de ansiedade - disse Cordie. - Essa sala está muito quente. Eu deveria ter prendido o cabelo. Ele vai ficar completamente arrepiado.
Como Regan estava acostumada com a obsessão de Cordie com o próprio cabelo, ignorou o comentário feito pela amiga.
- Estão prontos? - gritou Shields. - Agora vou dizer a todos no que quero que pensem. Como vocês poderiam transformar o mundo num lugar melhor para viver? Vocês seriam mais felizes, realizados e alegres se as pessoas que os machucaram não existissem mais? E se vocês pudessem ter uma varinha de condão e puf - disse ele, estalando os dedos para conseguir mais efeito -, elas desaparecessem... para sempre? Vocês se sentiriam melhor sem a presença delas por perto? Vocês seriam mais felizes se pudessem se livrar do veneno que existe em vocês? Se vocês acham que sim, façam uma lista das pessoas que vocês gostariam de riscar do mapa.
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Regan mal podia acreditar no que estava ouvindo. Ela não era a única. Uma mão tímida fez um aceno.
- Desculpe, sr. Shields. Será que ouvi direito? O senhor quer que nós...
Uma outra mulher se levantou, segurando o bloco de anotações contra o peito.
- O senhor quer que a gente faça uma... lista de assassinatos?
- Não foi bem isso o que ele disse - gritou um rapaz.
Shields levantou as mãos.
- Podem chamar como quiserem. Aqueles que se sentirem melindrados, podem pensar numa lista de pessoas que nunca mais gostariam de ver.
A mulher que segurava o bloco de anotações parecia não estar entendendo o que lhe era pedido para fazer.
- Tudo bem. Então, o senhor quer que a gente escreva os nomes das pessoas que gostaríamos que... estivessem mortas.
- Sim, é exatamente isso o que quero que vocês façam. Se aquelas pessoas que a feriram não mais existissem, você não seria capaz de se livrar do veneno que existe em você?
- Sim... acho que sim... mas...
Um outro homem gritou:
- Vou precisar de mais papel. Seu comentário foi seguido de um riso nervoso. - Existe um número-limite para os nomes? - perguntou ele.
- Escrevam quantos nomes quiserem. Entretanto, vamos definir o tempo de duração do exercício. Dez minutos - disse ele. - Prontos? Ele esticou o braço, olhou para o relógio e disse: - Podem começar. O homem sentado na frente de Regan murmurou: - Isso vai ser divertido. Vou começar com minha esposa.
- Você quer dizer sua ex-esposa - disse a mulher que estava sentada ao lado dele.
- Boa idéia. Vou colocá-la na lista também.
Cordie estava horrorizada.
- Você pode acreditar nisso? O Shields transformou o grupo num bando de carrascos.
- Shhh - fez Regan. - É melhor fingirmos que estamos acompanhando. Comece a escrever.
- Mesmo que seja um exercício indecente?
- Sim.
- Bem, então...
- Então o quê?
Cordie deu um sorriso.
- Vamos aproveitar e nos divertir um pouco.
Ambas pegaram seus blocos de anotações. No alto da página, Regan escreveu "Lista de Assassinatos" e colocou dois traços sob o título. Um
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pouco mais abaixo, ela escreveu: "Pessoas que Eu Gostaria de Ver Mortas". E agora? Tentando matar o tempo, ela bateu com a caneta contra a pasta até que o homem da sua frente virasse e fizesse uma careta.
- Esse barulho está me incomodando.
- Desculpe - murmurou ela.
Ela podia sentir que ainda era observada pelo guarda-costas. Talvez estivesse ficando paranóica. Tirou o cabelo dos olhos, olhou para cima e rapidamente abaixou a cabeça. Não. Não estava ficando paranóica. O idiota continuava a encará-la. Qual era a dele?
Cordie estava com coriza e remexia a bolsa. Regan entregou-lhe um lenço de papel.
- Cinco minutos mais - anunciou Shields. - Depois, vou dar uma circulada pela sala e quero que todos levantem seus blocos de anotações para que eu veja o número de nomes.
Hum. Regan começou a escrever. Incluiu Shields, o guarda-costas número um e o guarda-costas número dois. Quem mais? A sra. Patsy, a rude vendedora da Dickerson. Sim, é claro que não poderia se esquecer do detestável detetive Sweeney. Estava pronta para adicionar o tenente Lewis à sua lista - afinal ele havia sido terrivelmente cruel com aquele jovem rapaz -, quando o tempo acabou.
Ela não sabia ser uma pessoa tão sedenta de sangue. Shields bateu palmas. - Guardem as canetas. Levantem seus blocos para que eu possa vê-los. Muito bem. Muito bem - elogiou ele. - Todos participaram. Agora quero que vocês façam o seguinte. Quero que venham até a lareira, um de cada vez. Arranquem e rasguem a folha do bloco. Em seguida, vocês vão jogá-la no fogo e assistir até o momento em que os nomes sejam devorados pelas chamas. Vamos começar?
- Isso vai nos livrar da dor e do veneno? - perguntou uma mulher.
- O que estamos fazendo é um gesto simbólico - explicou Shields. - Com a intenção de abrir suas mentes para todas as possibilidades.
- Como assim? - perguntou Cordie.
- Temos a chance de abrir nossas mentes para a possibilidade de podermos eliminar todos os nossos inimigos - explicou Regan, num tom entusiasmado e irônico.
- Vamos começar? - perguntou Shields.
Sophie foi a primeira da fila. Quando passou por Shields, ela deu um sorriso.
- Hum, a Sophie está paquerando o Shields - murmurou Cordie. - E ele está adorando a história.
- Como é que ela pode? Ele é tão... repulsivo.
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- Isso é enrolação pura. Você pode acreditar que ele cobra uma fortuna por isso?
- Ele acabou de dizer que 500 pessoas se inscreveram para o seminário. Multiplique esse número pelos mil dólares que cada uma pagou e...
- E ele estará faturando uma montanha de dinheiro.
- Não posso acreditar que vamos ter de passar o fim de semana inteiro ouvindo essa baboseira.
- Vamos entrar na fila e sair daqui o mais rápido possível. Estou morrendo de fome.
Regan havia acabado de pegar a bolsa quando seu celular tocou. O som fez com que os olhares de ambos os guarda-costas fossem em sua direção.
Ela respondeu, rapidamente recolheu suas coisas e saiu para o corredor enquanto Cordie entrava na fila para jogar sua lista no fogo.
Emily Milan estava na linha. Como sempre, estava de mau humor e não economizou palavras desagradáveis.
- Você não me entregou os últimos e-mails do Aiden - disse ela, com rispidez. - Por causa disso, a reunião foi um completo desastre. Vai ser impossível fazer meu trabalho se você insistir em fazer esses jogos infantis, Regan.
- Tenho certeza de que Henry imprimiu tudo o que recebi - disse ela. - Como não apaguei nada, posso verificar assim que voltar ao hotel, mas...
- Preciso desses e-mails em minha mesa amanhã.
- Estou certa de que tudo o que meu irmão mandou foi impresso - repetiu ela.
- Será que vou ter de falar com Aiden sobre isso?
Ela contou até cinco. Não adiantou muito.
- Por favor, sinta-se à vontade.
Regan desligou o telefone e ficou ali parada, olhando para o aparelho.
- Você vai fazer parte de minha lista - murmurou ela.
Ela gostaria de ter despedido Emily ali, naquele momento, mesmo que por telefone. Mas ela não podia. Não tinha autoridade para isso. Um trovão eclodiu por perto, interrompendo seus pensamentos. Enquanto jogava o celular na bolsa, voltou para dentro da sala para encontrar Cordie e Sophie. Precisava sair dali antes que seu astral azedasse de uma vez por todas. Estava fechando a pesada porta atrás de si quando percebeu que um dos guarda-costas estava de joelhos na frente da lareira, desligando os bicos de gás. Ela percebeu que havia perdido a chance de jogar sua lista no fogo.
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Não foi capaz de encontrar Sophie, mas Cordie estava exatamente onde a tinha deixado, ainda sentada na desconfortável cadeira dobrável, contra a parede do fundo. Sentou-se ao lado dela e perguntou:
- Vamos embora?
- Em um minuto - disse Cordie. - Shields está nos contando o que na opinião dele é uma história inspiradora sobre um de seus alunos.
- Alunos? Ele é professor?
Cordie balançou a cabeça.
- Ele acha que somos alunos dele. Todos os que participaram de seus seminários são considerados ex-alunos. Como é que alguém que tenha metade do cérebro funcionando pode acreditar nisso? Esse cara é uma fraude ambulante.
- Olhe ao redor - sussurrou Regan. - A sala está cheia de pessoas infelizes, querendo desesperadamente mudar suas vidas. Ele está dizendo a elas exatamente o que querem ouvir.
- Ele também está lhes dando alguém para culpar, em vez de assumirem a responsabilidade por seus atos. Sophie está certa. Ele se aproveita das pessoas vulneráveis.
- Vou pedir que o Aiden mande a Emily embora - disse Regan. Cordie olhou para ela.
- É mesmo? - Ela parecia entusiasmada. Regan contou-lhe a conversa que acabara de ter com a detestável mulher.
- O que você faria?
- Faça com que Aiden dê um chute na bunda dela - murmurou ela. - Você é quem deveria contratar a nova assistente dele. É evidente que ele está contratando o tipo de pessoa errada.
- Que tipo é esse?
- Jovem, bonita, loira, magra...
- Por que você se preocupa com a aparência dela?
Cordie encolheu os ombros.
- Eu não me importo com isso - respondeu ela, rapidamente. - É você quem está reclamando.
Regan deu um suspiro.
- Eu não posso mandá-la embora. Ela não trabalha para mim. Além disso, Aiden precisa de ajuda...
- E daí? Contrate alguém para ajudá-lo.
À medida que se aproximava do fim da história, Shields aumentava o volume da voz. Uma onda de aplausos. Ele esperou até que o barulho diminuísse para anunciar que a sessão informal estava terminada e que as pessoas podiam se aproximar. Em questão de segundos, o psicólogo estava rodeado de mulheres que brigavam para conseguir sua atenção.
- Está chovendo? - perguntou Cordie. Ela levantou uma mecha do longo cabelo, deu um suspiro e voltou a colocá-la atrás da orelha. - Sim, está. Meu cabelo já começou a ficar arrepiado.
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- Bobagem - disse Regan. - Seu cabelo não fica arrepiado. Fica encaracolado.
Cordie procurou alguma coisa na bolsa e, ao encontrar uma presilha de cabelo, começou a fazer um coque.
- Vou pegar o carro e trazer até o toldo da porta de entrada. Encontre a Sophie e a leve para fora nem que seja necessário arrastá-la - disse Regan.
Ela pegou suas coisas, colocou a pasta debaixo do braço e começou a deixar a sala. O clima era bastante jovial, com muitos dos participantes rindo nervosamente e conversando entre si. Tanta ansiedade e esperança, pensou ela, que tinha certeza de ter ouvido a risada inconfundível de Sophie Como, em nome de Deus, ela tinha estômago para ficar tão próxima dele?
Regan parecia que era a única pessoa que estava com pressa de sair dali. A iluminação na varanda e ao redor do prédio era abismal. Ela mal podia ver sua própria mão diante do rosto.
Se fosse uma pessoa pessimista, teria pensado que a chuva esperara por ela, pois no momento em que saíra debaixo do toldo o chuvisco transformou-se em aguaceiro.
Ela correu pelo estacionamento com a chuva golpeando seu rosto. Como não pensara em trazer um guarda-chuva, usou a pasta azul para bloquear os pingos de chuva e poder ver onde estava pisando.
Quando chegou ao parque, seu joelho estava latejando. Ela pensou em parar e tirar seus lindíssimos sapatos de salto alto novos - que não pudera resistir de comprar -, mas faltavam apenas uns 40 metros para chegar até o carro e ela não queria parar. As chaves do carro já estavam na sua mão, unidas por uma corrente em forma de bracelete. Regan havia colocado a corrente no pulso para que pudesse segurar a bolsa enquanto corria.
Ela poderia ter pego um atalho pela grama, mas seus lindos sapatos de couro cor de manteiga teriam ficado completamente arruinados. Deus, onde estava com a cabeça quando resolveu usar aqueles sapatos?
Devia estar a 20 ou 30 metros do carro quando ela pensou ter ouvido alguém chamar seu nome. Automaticamente ela se virou na direção do som. Seu joelho esquerdo falhou e ela perdeu o equilíbrio. Gritando de dor, largou a bolsa e a pasta para poder se apoiar no momento da queda. Ela estava acostumada com as falhas de seu joelho - acontecia pelo menos uma vez por mês -, porém a dor normalmente passava depois de alguns segundos. Dessa vez, foi diferente. A dor era aguda, constante e insuportável.
Metade do conteúdo de sua bolsa espalhou-se pela calçada. Ela se ajoelhou sobre um dos joelhos para pegar seu batom e sua carteira. Mais uma vez, alguém gritou para ela. Era uma voz alta e estridente ou seria
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apenas o vento pregando-lhe uma peça? Aguçou os ouvidos enquanto recolocava a carteira na bolsa e tentava se levantar.
Nada. Apenas sua imaginação, decidiu. Tudo o que ela queria era sair da chuva.
Antes mesmo de poder vê-lo, ela sentiu que ele se aproximava.
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CAPÍTULO 11
UMA SEMANA SE PASSARA DESDE O INCIDENTE COM A CORREDORA E A POLÍCIA ainda não havia batido em sua porta para arrastá-lo para a prisão. Por sete dias e noites ele oscilara entre o terror e o contentamento absoluto. Acordava no meio da noite e pensava: Meu Deus, o que foi que eu fiz?, e ouvia o demónio sussurrar.
Cometemos um assassinato e conseguimos escapar.
Era sexta-feira e a fera estava botando a cabeça de fora. Mais uma vez, ele precisava sair para caçar. Por pouco sua última aventura não acabara em desastre, mas ele esperava ter aprendido com seus erros e, dessa vez, faria melhor, pois não podia se dar ao luxo de falhar outra vez. Sim, hoje à noite, ele estaria mais bem preparado. Com grande expectativa, ele colocou um moletom escuro, um boné de beisebol novo - ele havia jogado fora o velho porque ficara manchado de sangue - e um par de ténis de corrida pretos. Escondeu seus instrumentos embaixo do banco traseiro do carro, juntamente com os óculos de lentes grossas porém sem grau, uma peruca de cabelos castanhos - na altura dos ombros e presos num rabo de cavalo com uma bandana branca e vermelha como fazem os ciclistas - e o novo e essencial par de luvas pretas. Ele chegara até a comprar cola e uma barba postiça, que aparara corretamente de modo que não ficasse muito parecido com Charles Manson1.
Ele ainda sentia que era capaz de dominar qualquer mulher, mas, em todo caso, colocou uma faca no bolso.
Nota de rodapé:
1 Charles Manson criou um culto hippie do mal, que se chamava "Família Manson", para matar celebridades. (N. da T.)
Fim da nota de rodapé.
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Passou horas pensando na abordagem que usaria, tentando cobrir todas as variáveis possíveis. Quando finalmente se vestiu e ficou pronto para sair, gastou um minuto para se olhar no espelho do banheiro do andar superior. Ficou satisfeito com o que viu. Nem mesmo sua mãe seria capaz de reconhecê-lo.
O demónio também ficaria satisfeito.
Uma coisa era certa. Ele não podia voltar para casa com mais arranhões no rosto ou nos braços. Ele se deu bem com a mentira, quando precisava, mas os arranhões haviam chamado atenções e isso fora imperdoável. Definitivamente, teria de ser mais cuidadoso. Sempre que pensava naquele primeiro encontro mortal, começava a suar frio. Por pouco, muito pouco, ele não fora pego.
Essa noite seria diferente. Tivera sorte da última vez. Mas não estava disposto a deixar que o acaso fosse ajudá-lo novamente. Com toda a certeza, ele havia aprendido com seus erros. Misture-se. Era prioridade máxima em sua lista. E hoje ele pretendia ser um corredor. É claro que sua forma física era perfeita. Todas aquelas noites passadas na academia - estaria, sem saber, se preparando para isso? Na época, ele se tornara um pouco obsessivo, mas agora podia ver que começara seu treino quando levantou o primeiro peso de cinco quilos.
Encontrar a escolhida tornou-se surpreendentemente fácil. Ela praticamente veio até o carro e bateu em seu vidro. Chegou bem próximo. Ela veio pela porta do hotel com uma amiga no momento em que ele virara a esquina E, oh, que visão. - Perfeita - murmurou ele. - Absolutamente perfeita.
Um carro saiu de marcha a ré do beco do outro lado da rua, o que permitiu que ele parasse para observá-la sem que ela o percebesse. Ele chegou a abaixar o vidro na esperança de sentir um pouco de seu perfume. Ele a seguiria e esperaria pela oportunidade. Mais uma vez, fora favorecido pela sorte. Ele ouviu um dos atendentes gritar para o outro, perguntando qual era o melhor caminho para se chegar à Liam House. Ela deu a partida no carro. Ele tentou segui-la, mas a perdeu quando ela saiu da avenida Michigan. Ele dirigiu até a Liam House, estacionou o carro numa vaga a 500 metros e deu uma de corredor até o centro de convenções.
Ajustando o boné sobre a peruca, ele deu duas voltas no prédio enquanto, de maneira discreta, estudava a área. Esperava que houvesse uma pista de cooper por perto para poder fingir que estava indo na direção dela, mas não era o caso. Apenas ruas, vagas para carros e um pequeno parque entre os dois.
A iluminação externa do centro de convenções era bastante precária, o que ele achou ótimo, mas reparou que réstias de luz vazavam de várias janelas e pela porta da frente, por onde homens e mulheres entravam com
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pressa. Ele ficou escondido nas sombras das árvores. Tinha medo que sua escolhida tivesse entrado no prédio enquanto o circulara.
Depois de ter esperado mais meia hora, começou a ficar nervoso. Será que ela estava lá? Ele refez o percurso, correu pelo estacionamento e, finalmente, encontrou o carro dela estacionado no lado oposto do parque.
- Sim - murmurou ele, enfraquecido pelo alívio. Tudo bem. Ela estava dentro do centro de convenções.
Não tivera de esperar por muito tempo. Ao procurar por um lugar para vigiar a entrada do prédio, ele olhou para cima e, dito e feito, lá estava ela. Antes que a porta se fechasse atrás dela, ela ficou circundada por um halo de luz. Ele chegou a sentir-se sufocado diante daquela beleza estonteante. Piscou e, por um segundo, o rosto dela, como num passe de mágica, mudou e ele viu sua adorada Nina. Voltou a piscar e agora via apenas a mulher. O que teria feito sua mente criar essa imagem? Talvez os cabelos escuros. Talvez porque ela fosse a escolhida. A escolhida perfeita.
Ele sentiu um peso se avolumando no peito. De repente, ouviu um barulho atrás de si. Como de onde estava ele se fazia inteiramente visível, rapidamente se abaixou, apoiando-se em um dos joelhos e fingindo amarrar o ténis. Um estranho, que carregava uma sacola de compras de supermercado, passou por ele. Até que o homem desaparecesse, ele manteve a cabeça abaixada. Um trovão ribombou no céu. Ele sabia que precisava agir depressa. O vento, que tinha aumentado, uivava de maneira incessante. Afundou o boné na cabeça e respirou fundo, no momento exato em que a chuva começou a desabar.
Agora ela estava na frente dele e aquelas pernas longas e bem torneadas eram a visão do paraíso. Ele saiu de seu esconderijo, indiferente aos golpes de chuva que recebia no rosto, e a observou. Admirou-a. Ela usava saias curtas e era baixa. Mas não desprezivelmente baixa. A névoa iluminada que vinha dos postes deixava sua pele dourada.
Garota dourada. Era o que ela era para ele. O prêmio que, em poucos segundos, ele arrebataria. Tentou saborear cada pequeno detalhe. Queria se lembrar de tudo: seu porte, seu cheiro e a maneira como ela sentiria quando ele a agarrasse.
As pernas dela eram tão lindas e fortes! Ela se parecia tanto com Nina antes do acidente! Sim, exatamente como ela. Como sua esposa, ela se movimentava com graça e elegância, com a cabeça erguida e quadris gentilmente oscilantes.
Será que sua mente se rebelava contra comparações do tipo ou será que o demónio o estava alertando para evitar pensamentos perigosos? Não, ela não chegava nem aos pés de Nina. Ele tinha um trabalho a realizar
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Olho por olho, dente por dente. Com esse pensamento peculiar na mente, colocou a mão no bolso e acariciou a faca... em caso de necessidade.
Deu aquele primeiro passo na direção dela e gritou:
- Espere! - Como ela não diminuísse o passo, ele correu atrás dela e voltou a gritar. Dessa vez, notou que havia fúria em sua voz.
Ela se virou, com o olhar voltado para ele.
Sua parada foi tão súbita que chegou a balançar-se sobre os calcanhares para não perder o equilíbrio. Horrorizado, ele a viu cair. A perna esquerda dobrou-se sob ela, como se tivesse derretido. Ela desabou sobre a calçada, o que a fez gritar de dor. Com as mãos, ele tapou as orelhas para bloquear o som. Tudo parecia acontecer em câmara lenta, exatamente como, anos atrás, acontecera durante o acidente de carro. Exatamente da mesma maneira. O olhar torturado no lindo rosto antes que o metal destruísse suas pernas.
Ele não podia agüentar aquilo. Como era possível? Afastou-se e parou. A coitadinha. Ela estava sofrendo, com a perna completamente inútil, e, oh, ela era tão parecida com a Nina.
Deveria ajudá-la, não deveria? Ele sabia que aquilo não tinha o menor sentido. Por que sentia aquele desejo irresistível de ajudar alguém que estava prestes a destruir?
Como não sabia o que fazer, ele ficou ali, imóvel, olhando para ela. Afastou-se um pouco mais, observando o esforço que ela fazia para se levantar. Por duas vezes, ela quase conseguiu, mas caiu novamente. Coitadinha, coitadinha. Pensou que ela pudesse estar chorando, mas o vento dissipava o som antes que ele pudesse ouvir qualquer coisa.
Ele não conseguia tirar os olhos dela, enquanto ela grudava os olhos nos dele, ao mesmo tempo que tentava se colocar de volta sobre os pés. Havia uma força que os ligava. Ele sentia isso no coração e na alma, onde o demónio morava.
Foi ela quem primeiro desviou os olhos. Virou-se e saiu mancando como um animal machucado, levando a bolsa aberta pendurada no braço. Ela caminhava na direção do carro. Ele podia ouvir a voz do demónio cochichando em seu ouvido. Pegue-a. Pegue-a. Pegue-a. Ele saiu atrás dela feito um raio. Enquanto ganhava terreno e se aproximava, podia ouvir as batidas do próprio coração.
Estava quase em cima dela quando, de repente, fortes luzes cegaram seus olhos. O que...? Abaixando a cabeça, virou-se, desesperado para voltar à escuridão.
Bateu em alguma coisa lisa, saiu voando e foi de encontro a uma árvore, com seu ombro direito recebendo o impacto. Amaldiçoando sua falta
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de destreza, ele olhou para baixo e viu o que fez com que ele escorregasse. Uma pasta e alguns papéis espalhados. Ajoelhou-se e recolheu os papéis, pensando que poderia usar a pasta para convencê-la a sair do carro.
Com a pasta em suas mãos, voltou a gritar, mas ela não parou. Tarde demais. Ela já estava tirando o carro da vaga.
Ele vomitou obscenidades. Palavrões que nem sequer sabia que faziam parte de seu vocabulário e que, com toda a certeza, nunca havia pronunciado antes. Era impossível interromper a ladainha. Ele estava perdendo o controle de si mesmo, sentia que estava se entregando ao demónio.
Usando todas as suas forças, tentou se concentrar. O carro que o havia deixado cego estava com o pisca-pisca ligado, obviamente esperando sua chance de ocupar a vaga. Sua linda caça dourada havia parado. Por que ela não fora embora? O que é que estaria fazendo?
Sem tirar os olhos do carro dela, ele cruzou o estacionamento correndo. As luzes o fizeram cerrar os olhos. Levantou a mão para abaixar a aba do boné e notou que ele não estava mais com ele.
Será que ela o reconheceria em seu disfarce? Seria capaz de perceber seu ódio? Ela estava parada. O que poderia estar fazendo? Deus do céu, um telefone celular. Era provável que ela tivesse um celular e estivesse ligando para a polícia. Tinha certeza de que era exatamente isso o que ela estava fazendo.
Ele entrou em pânico. Na verdade, começou a correr em círculos enquanto tentava pensar no que deveria fazer. Se ela estivesse ligando para a polícia, quanto tempo eles levariam para chegar até lá?
Idiota. Idiota. O boné. Ele precisava encontrar seu boné - que estava cheio de impressões digitais - e em seguida sair do parque o mais rápido possível.
Correu até a árvore com a qual havia trombado, ajoelhou-se e começou a tatear ao redor. O que é isso? Seu coração pulou de alegria quando sua mão tocou um celular prateado. Ela não havia ligado para a polícia. Quando derrubou a pasta, ela também havia derrubado o celular. Sim, só podia ser dela.
Sentiu-se terrivelmente aliviado até se lembrar de que precisava encontrar seu boné. Frenético, sentia sua mente gritar, rápido, rápido. Quando finalmente o encontrou, soltou um soluço angustiado. Num pulo, começou a corrida em direção à sua segurança, segurando a pasta, o celular e o boné. Sua mente estava num estado de confusão tão intensa que ele mal conseguia se concentrar.
Não podia sequer ouvir seu próprio pensamento. O rugido do demónio bloqueava todos os outros sons. - -.
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CAPÍTULO 12
Era IMPOSSÍVEL SABER DE ONDE ELE VIERA. ESTAVA CORRENDO AO ENCONTRO DELA. Ao virar-se, ela pôde ouvir seus passos na calçada. O rosto dele estava contorcido pela raiva. Era um homem alto e musculoso. O que estaria fazendo? E por que estaria tão enfurecido?
Em sua mente, ela tentou encontrar uma explicação para a presença dele. Era provável que fosse um corredor desprevenido, pego pela chuva. Talvez estivesse tentando chegar até o carro dele, do mesmo modo como ela estivera tentando fazer o mesmo e, quando se virara na direção dele, o surpreendera tanto que ele parara de maneira abrupta.
Não, não. Havia alguma coisa extremamente errada com ele. Sem entender por quê, ela sabia que o ódio dele estava voltado para ela.
Seus instintos lhe pediam, aos gritos, que saísse dali. O medo, um grande motivador, superou a dor que sentia no joelho enquanto tentava ficar novamente de pé.
A chave de seu carro ainda balançava na corrente em seu pulso. Era um milagre que não tivesse caído. O carro significava segurança. Corra, sua mente gritava. Corra.
Chovia a cântaros. De cabeça baixa, ela foi cambaleante até o carro.
Estaria ele vindo atrás dela? Ela ousou olhar para trás. Por Deus, ele estava correndo na direção dela, diminuindo a distância que os separava.
Espere. Ele estava fazendo um sinal, tentando mostrar-lhe alguma coisa e pedindo-lhe que parasse.
Não, não. Aquilo não estava certo. Mais depressa, ela precisava correr cada vez mais rápido. O aviso de seu irmão veio-lhe à cabeça. Inúmeras vezes, Spencer lhe dissera que, sempre que estivesse em dúvida, devia
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seguir seus instintos. E seus instintos lhe pediam, aos gritos, que saísse dali à procura de um lugar seguro.
Finalmente, ela conseguiu chegar ao carro. A chave quase caiu quando puxou a corrente do pulso, mas conseguiu agarrá-la a tempo. Suas mãos estavam escorregadias por causa da chuva e ela tremia tanto que teve de fazer várias tentativas antes de conseguir enfiar a chave na fechadura.
Ele estava se aproximando. Ela abriu a porta, mergulhou no banco dianteiro, tirou a bolsa do caminho e fechou a porta. Virou-se e abaixou a trava de segurança com o pulso.
Ela não esperou o tempo necessário para recuperar o fôlego. Colocou a chave na ignição e deu a partida no carro, acendendo os faróis enquanto dava marcha a ré. Seu pé escapou do pedal.
- Meu Deus - murmurou ela. Ele devia estar a menos de dez metros. A luz dos faróis brilhou no rosto dele, deixando-a aterrorizada com a expressão de ódio. Ele não se moveu. Frenética, ela enxugou a chuva dos olhos.
Piscou e ele havia sumido.
Agarrou a bolsa que caíra no chão e, desesperada, procurou por seu celular. Onde ele estaria?
O carro de trás buzinou. Cordie e Sophie... elas estavam esperando por ela na entrada do prédio. E o lunático estava em algum lugar, ali fora. Ela agarrou a direção e dirigiu como uma louca para o centro de convenções. Aiden estava certo, pensou ela. Ela precisava de um carro novo, que tivesse trava elétrica e alarme. Fora uma tola em insistir naquela lata velha apenas para irritá-lo.
Suas amigas estavam esperando por ela na varanda envidraçada. Regan estacionou o carro e inclinou-se sobre o banco para abrir a porta de trás para Sophie. Abaixou a janela e gritou para Cordie:
- Você dirige!
- O que foi que aconteceu com você? - perguntou Sophie, que, depois de entrar, se inclinou para destravar a porta do motorista para Cordie. - Você está tão pálida quanto um cadáver.
- Eu sei. Na verdade, eu...
Sophie a interrompeu.
- Você machucou o joelho de novo, não foi? Ele falhou mais uma vez?
- Sim, mas...
- Você realmente precisa cuidar disso - disse Cordie, ajustando o espelho retrovisor.
- Parem de me interromper e ouçam. Uma coisa estranha aconteceu. Sophie, dê-me seu celular. Eu não consigo encontrar o meu e preciso ligar para a polícia.
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A voz dela tremia enquanto relatava o ocorrido. Mesmo que parecesse estranho, contar o que lhe acontecera parecia ser tão amedrontador quanto a experiência propriamente dita, pois agora ela percebia que estivera muito próxima de se defender contra um louco.
Cordie estava tão chocada com o que ouvia que agarrou a mão de Regan, na tentativa de acalmá-la.
- Ainda bem que você conseguiu escapar - murmurou ela.
Sophie pediu mais detalhes. - Se você o visse, acha que seria capaz de identificá-lo?
- Eu não sei.. Sim... é possível. Eu estava petrificada de medo. Eu me virei e ele estava bem ali. Usava óculos de lentes grossas.
Cordie encontrou seu celular e entregou-o a Regan.
- Ligue agora mesmo e diga que tem um louco próximo ao centro de convenções.
- Aposto que, a essa altura, ele já deve estar bem longe daqui - disse Sophie.
- Você está dizendo que ela não deve ligar? - perguntou Cordie, pronta para argumentar.
- É claro que ela deve ligar, mas depois de dar a descrição diga ao oficial que estamos a caminho da delegacia. Há uma a menos de quatro quilómetros daqui.
- Vamos até lá - disse Cordie. Ela posicionou o câmbio automático e partiu, enquanto Regan fazia a ligação.
- Temos de conseguir um pouco de gelo para colocar no joelho de Regan - disse Sophie. - Quanto mais cedo, melhor.
Quando atenderam o telefone, Regan fez um sinal para que as amigas ficassem em silêncio. Estava preocupada com o fato de cair nas mãos de um outro detetive como Sweeney, mas felizmente o oficial que atendeu era eficiente e educado. Assim que ela explicou o ocorrido, ele despachou um policial para procurar o homem no local.
- Não sei bem por quê, mas acho que ele acreditou em mim - disse Regan, depois de desligar o telefone. - Eu me atrapalhei um pouco na explicação, não é?
- Um pouco - disse Cordie.
- Vire à esquerda na próxima esquina - pediu Sophie. - Vamos parar num posto de gasolina para comprar um saco de gelo. A delegacia de polícia fica aqui perto.
- Como é que você sabe onde ficam todas as delegacias de polícia? - perguntou Regan.
- Não conheço todas, mas apenas algumas - corrigiu ela. - Estou pretendendo me tornar uma repórter investigativa, está lembrada? É bastante útil saber essas coisas.
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- Eu gostei do oficial Martinez - disse Sophie, uma hora mais tarde, quando as três amigas saíram juntas.
Regan fazia gestos com as mãos ao recontar sua história.
- Eu parecia uma idiota. Havia um homem... vestido como se fosse um corredor- citou suas próprias palavras. - Ele apareceu de repente e eu caí. Acho que ele estava me perseguindo. Mas, ao mesmo tempo... talvez não estivesse..,
- Você fez bem em correr - disse Sophie. - Foi isso que o oficial disse. Você seguiu seus instintos.
- Ele também me disse que, em mais de um ano, não tiveram nenhum problema no centro.
- Mesmo assim, você agiu certo - disse Cordie. - Você reportou o incidente e, se ele for algum tipo de louco - e na minha opinião ele é -, eles estarão à procura dele.
- Será que podemos mudar de assunto? - pediu Regan. - Que tal irmos jantar no restaurante do hotel? Assim que encontrarmos uma mesa para vocês, corro até meu quarto para tirar essa roupa molhada e, em seguida, teremos um jantar maravilhoso.
- Acho que você não vai conseguir correr para lugar nenhum - disse Cordie. - E você precisa colocar um pouco de gelo nesse joelho.
- Então me acompanhem até minha suíte. Eu peço que eles nos sirvam o jantar lá.
As duas concordaram e o restante da noite foi bastante tranqüilo. Do ponto de vista de Regan, o assunto estava encerrado.
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CAPÍTULO 13
ELE HAVIA ESTRAGADO TUDO. DEPOIS DE TODO O PLANEJAMENTO, PREOCUPAÇÃO e cuidado, ele a tinha deixado escapar. Trabalhara duro para conseguir. Não, aquilo não era justo. Ele tinha o direito e o dever de tirarlhe a vida.
Ela o havia enganado e fez com que ele se sentisse confuso ao sentir pena dela no momento em que ela caíra. Ela tirara sua concentração. Sim, fora exatamente isso o que acontecera.
Parou o carro ao lado do meio-fio e começou a dar murros no painel. Ele sabia que estava se comportando como uma criança fazendo birra, mas não se importava. Ele havia fracassado. Continuou a bater no painel até que a tremedeira passasse. Quando conseguiu pensar novamente com clareza, percebeu que as juntas de seus dedos estavam feridas.
O pânico não diminuiu até que alcançasse a segurança de sua garagem. Ficou no carro até que o portão da garagem se fechasse e estivesse a salvo em seu gélido casulo. Mesmo assim, continuou imóvel. Encostou as costas no assento e fechou os olhos enquanto pensava na sua situação, com a mente pulando de um pensamento para outro. Ele sabia que era apenas uma questão de tempo até que a polícia encontrasse o corpo que enterrara. Será que eles o ligariam ao crime? Caso positivo, ele ficaria preso pelo resto de sua vida e sua Nina, sua querida Nina... como ela seria capaz de sobreviver sem ele?
Mantenha a calma, disse a si mesmo. É possível que haja outras chances. Ele não podia ser pego. A fera não deixaria que isso acontecesse. Tudo acabaria bem.
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Continuou seu monólogo interno enquanto se esgueirou para dentro de casa e abriu a porta do quarto para verificar se Nina estava bem. Ela dormia profundamente. Em silêncio, ele fechou a porta e foi até a lavanderia, ao lado da cozinha. Tirou a roupa, jogou-as na máquina de lavar e agarrou uma caixa de sabão em pó.
Sua mente recusava-se a ficar calma. Numa mistura de pavor e irritação, ele analisou sua atuação infeliz daquela noite. Da próxima vez, precisaria de um desempenho melhor.
Ele não podia deixar de pensar nela. Continuava a brincar com a imagem de seu lindo anjo de asa quebrada, caindo de forma tão graciosa. Ele a ouvira gritar de dor ou será que era apenas imaginação? Sua escolhida, seu anjo perfeito, era tão inocente quanto sua adorada Nina.
Fechou os olhos e curvou a cabeça. Sentiu o coração partido ao vê-la chorar. Ficaria completamente dividido entre a preocupação que sentia por ela e a raiva ao vê-la escapar.
- Não dá para ter as duas coisas - murmurou ele. E ele sabia, do fundo do coração, que precisava acalmar o demónio.
Nu em pêlo, foi até a garagem. Seu peito e seus braços ficaram completamente arrepiados. Havia um pequeno espelho numa estante perto da porta. Ele parou para se observar. Tinha um corpo tão perfeito quanto o de um deus grego, pensou ele, com orgulho. Trabalhara muito para chegar ali. Flexionando os músculos, sorriu para a própria imagem.
Durante pelo menos um minuto, ele ficou ali, imóvel. Sentiu um desejo, não, uma necessidade incontrolável de olhar as coisas dela. Só para ter certeza de que ainda continuavam no pequeno engradado de madeira onde ele as escondera, colocando alguns trapos velhos por cima. O engradado estava no canto. Não era um bom esconderijo e, na manhã seguinte, ele planejava encontrar um lugar melhor.
O martelo, a carteira de motorista da garota e seu spray de pimenta estavam exatamente onde ele os havia deixado. Ainda não conseguia entender por que havia trazido as coisas dela e, ao mesmo tempo, não conseguia se livrar delas. Ele pegou a carteira de motorista e leu o nome dela. Haley Cross. Na foto, ela estava sorrindo. A imagem que guardara dela na mente era a de um rosto contorcido pelo terror. Ele jogou o documento sobre o spray e pegou o martelo.
Foi sacudido pelo toque do telefone. Virou-se, com o martelo em sua mão. Demorou um segundo para perceber que o barulho vinha de seu jipe. Claro. O celular. Alguém estava tentando falar com ela. Paralisado, ele esperou, segurando o martelo no ar, até que o ruído parasse. No banco de trás, encontrou o celular e a pasta que pertenciam a ela.
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Tremendo por causa do frio da noite, voltou rapidamente para a cozinha. Colocou o celular e a pasta dela sobre a mesa e foi até a pia para lavar as mãos e limpar os ferimentos dos dedos. Em seguida, preparou um drinque.
Jogando-se numa cadeira, abriu a pasta. Espalhou o conteúdo sobre a mesa e começou a ler.
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CAPÍTULO 14
ALEC BUCHANAN FOI UM DOS ÚLTIMOS PASSAGEIROS A DEIXAR O AVIÃO. UMA das aeromoças teve de acordá-lo. Ele caíra no sono dez segundos depois de ter prendido o cinto de segurança e esticado as longas pernas, numa tentativa frustrada de se sentir confortável.
Ele era capaz de dormir em qualquer lugar, a qualquer hora, o que deixava seu irmão completamente incrédulo. Nick tinha medo de voar e fazia tudo o que era possível para evitar tal coisa, o que, naturalmente, o tornava alvo de muitas brincadeiras familiares. Alec não tinha o menor problema em voar e achava que o voo de Boston a Chicago era muito curto. Como ficara a maior parte da noite acordado, conversando com seus cinco irmãos e duas irmãs, gostaria de ter tirado uma soneca mais longa.
Sabia que estava com uma aparência horrível. Não fizera a barba desde sua entrevista com o FBI, na quinta-feira pela manhã. Tinha quase certeza de que, se quisesse, o emprego seria seu. Já fazia mais de um ano que Ward Dayborough, chefe da divisão de crimes especiais, estava bastante interessado em recrutá-lo e havia praticamente garantido a ele que seria indicado para trabalhar fora de Boston.
Esse era apenas um dos incentivos que receberia para aceitar o cargo, mas, mesmo que ele decidisse o contrário, ainda assim precisava encontrar tempo suficiente para visitar a família com mais freqüência. Ele sentia saudades de seus familiares.
Durante o fim de semana, todo o clã dos Buchanan havia se reunido na espaçosa casa de seus pais, na ilha da baía Nathan, para celebrar o aniversário de seu pai. Pela primeira vez, Nick e sua esposa, Laurant, tinham trazido sua filhinha para a ilha.
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Enquanto estivera lá, Nick e Theo, o irmão mais velho, tentaram convencer Alec a aceitar a proposta do FBI. Como argumento, afirmaram que se tratava de obrigação familiar. Theo trabalhava como advogado no Departamento de Justiça e, por vários anos, Nick trabalhou como agente para uma divisão especial do FBI. Alec amava Boston e, como a família de Nick aumentara e ele precisava de uma casa maior para morar, estava oferecendo a ele uma ótima oferta pela casa.
Alec sentia que chegara a hora de fazer uma mudança em sua vida e tinha muito no que pensar. Passar o fim de semana com a família havia sido maravilhoso, mesmo tendo levado uma bela surra jogando futebol com os irmãos. Ironicamente, o ombro esfolado, a parte mais dolorida de seu corpo, fora causado por Jordan, uma de suas irmãs mais novas. Quando pensou nela, não pôde deixar de sorrir. Não havia a menor dúvida de que Jordan fosse brilhante e fizera com que todos os irmãos, que investiram no modelo que ela desenhara para um chip de computador que revolucionara a indústria de software, ganhassem uma fortuna. Mas, mesmo sendo extremamente inteligente, ela não tinha o menor bom senso. E também era bastante desajeitada. Ela não tinha nenhuma intenção de derrubálo, mas, por incrível que pareça, tropeçou nos próprios pés. Felizmente para ela, fora o ombro dele que recebeu o maior golpe na queda e ele ainda foi capaz de segurá-la antes que ela quebrasse algum osso.
Quando ele saiu do aeroporto CXHare, estava chovendo. Mesmo estando uma droga, o trânsito não estava tão ruim quanto o de Boston no horário do rush. Ele pegou alguns atalhos para chegar ao seu apartamento, desarrumou as malas e colocou sua calça jeans favorita surrada. Estava pronto para ouvir as mensagens da secretária eletrônica quando seu antigo parceiro, Gil Hutton, ligou. Apesar de sua aposentadoria recente, Gil ainda estava por dentro de todas as fofocas. Alec podia jurar que Gil era clarividente. Ele sabia das coisas antes mesmo de elas acontecerem.
Gil não perdeu tempo com introduções desnecessárias.
- Eu sei tudo sobre Lewis.
- Ah, é? - Alec riu, enquanto abria a geladeira para pegar uma cerveja. Abriu a garrafa e deu uma grande tragada. Ele podia ver Gil coçar a cabeça e contar vantagem, um hábito que costumava deixar Alec louco. O homem adorava se vangloriar de suas notícias quentes.
Alec estava se sentindo um pouco culpado por não ter comunicado ainda seu amigo sobre sua saída do departamento. Mas ele tinha boas razões, Alec sabia que Gil não conseguiria guardar segredo sobre sua entrevista com o FBI.
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Lewis ficou puto da vida porque você entrou em confronto com ele a respeito de botar aquele noviço no olho da rua. Sabe como ele está se vingando?
De repente, Alec ficou preocupado. Atirou-se no sofá e fechou os olhos. Deus do céu, ele odiava política.
- Como?
- Recusando qualquer pedido de transferência que você venha a fazer.
- Eu não pedi transferência nenhuma.
- Ah, não? E por que não? Eu pensei...
O radar de Gil estava ligado. Não demoraria muito para ele descobrir que Alec estava planejando ir embora.
- Não tenho tido tempo de fazer o trabalho burocrático - disse ele. O que era verdade, pensou ele. Ele não tivera tempo.
- De qualquer maneira, Lewis vai bloquear. Achei que você gostaria de saber.
Mesmo não tendo perguntado a Gil onde conseguira a informação, Alec imaginou que ele devia passar a maior parte do tempo ao telefone, colocando-se a par das últimas novidades.
- Você precisa começar a viver sua própria vida.
Seu ex-parceiro ignorou o comentário.
- Lewis é um pentelho e tanto.
- Concordo com você - disse Alec. - E um manipulador.
Pior do que isso, pensou ele. O tenente não apoiava seus homens quando necessário. Ele tinha o hábito de sacanear as pessoas, como fizera com o jovem policial, que não fizera nada além de ter a má sorte de estar no lugar errado e na hora errada.
- Ele perdeu o respeito pelos detetives - comentou Gil.
- Ele nunca teve nosso respeito. Então conte-me. Ele bloqueou a transferência do garoto?
- Aquele garoto é apenas quatro anos mais novo que você.
- Sim, mas ele não tem minha experiência nem meu cinismo.
- O Lewis não foi capaz de bloqueá-lo. Ei, que tal uma cerveja lá no Finnegans?
- Hoje não.
- E amanhã à noite? Quero ouvir sua opinião sobre o detetive Sweeney.
- O que é que tem ele?
- Você não soube?
Alec estava perdendo a paciência.
- Soube do quê?
- Meu amigo, eu pensei que você soubesse, mas é claro que não poderia saber, já que estava em Boston. Você não ouve os recados de sua secretária eletrônica?
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- Era o que ia fazer quando você ligou. Então conte-me. O que aconteceu com ele?.
- Foi assassinado na noite passada.
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CAPÍTULO 15
REGAN REALMENTE MACHUCARA O JOELHO. MESMO NÃO QUERENDO ENFRENTAR uma cirurgia, ela sentia que não poderia mais adiar. Na segundafeira pela manhã, ela ligou para o consultório do ortopedista e torceu para que, por causa de sua agenda cheia, ele não pudesse atendê-la por um ou dois meses. Isso lhe daria tempo suficiente para se preparar, tanto física quanto mentalmente. Mas, por causa de uma desistência de última hora, havia um horário livre na terça-feira de manhã. Com exceção de Henry, seu assistente, ela não comentou a consulta com ninguém porque não queria que seus irmãos ficassem preocupados com ela.
O médico lhe dissera que seria possível fazer uma artroscopia, o que permitiria uma recuperação muito mais rápida. Ela só teria de usar bengala durante dois dias e, depois de alguns dias de repouso, começaria sua reabilitação.
Fez a cirurgia e acabava de se exercitar para fortalecer o joelho quando Sophie e Cordie apareceram em sua suíte.
- Ainda estou brava com você - disse Sophie. - Só descobrimos que você havia passado por uma cirurgia depois do evento.
Cordie concordou.
- Você ficaria furiosa se eu ou a Sophie fizéssemos isso com você.
- Vocês têm razão. Eu errei - disse ela. - Só não queria que vocês ficassem preocupadas com uma coisa sem importância.
- Independentemente de ter ou não importância, você deveria ter nos contado - Sophie argumentou.
- Eu não sei o que me irrita mais. Que você tenha feito a cirurgia ou o fato de você ter nos arrastado para aquele seminário horrível, onde tivemos
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de ouvir aquele demente fazer um exercício idiota depois do outro. Foi o fim de semana mais horrível da minha vida.
- Foi realmente horrível - concordou Sophie. - Depois do seminário, eu pedi que os funcionários de Shields me devolvessem o dinheiro de sua inscrição, mas eles se recusaram a fazer isso. Eu disse a eles que você tinha machucado o joelho, mas eles não deram a mínima. A mulher nos disse que Shields tem uma política inflexível. Nenhuma devolução. Por que será que não estou surpresa com isso?
- Eu disse que exigia falar com o próprio Shields - disse Cordie. Ela procurava por uma bala de hortelã no pote que encontrara sobre o aparador. - Foi quando descobri que Shields já havia partido para sua casa de férias. Debbie nos disse que ele precisa de um tempo sozinho para rejuvenescer. Do meu ponto de vista, ele precisa de tempo para inventar mais alguns exercícios idiotas.
Regan concordou com um aceno de cabeça.
- Eu não acho que ele conseguirá inventar um exercício melhor do que a lista das pessoas a serem eliminadas.
Sophie deu um sorriso.
- Até que aquele foi divertido.
- Quem você colocou na sua lista? - perguntou Regan. - Alguém que eu conheça?
Sophie arregalou os olhos.
- Claro que não. Isso seria... o cúmulo. Eu inventei alguns nomes. Todos eles rimavam.
- E você, Cordie?
- Os Sete Anões - disse ela.
Cordie notou que o rosto de Regan começara a ficar enrubescido.
- Você escreveu nomes verdadeiros, não é?
Ela não precisou responder. Ambas sabiam que sim. Ela esperou até que as amigas parassem de rir e disse:
- Tudo bem, reconheço o fato de ser uma perfeita idiota. Nunca me ocorreu inventar nomes. Acho que na hora estava um pouco tensa.
- O que me traz de volta ao que eu havia proposto - disse Sophie. Ela deu um sorriso maroto para amiga e continuou: - Acho que nós três deveríamos tirar umas férias. Tenho um apartamento alugado na praia. Sair um pouco faria muito bem para nós. Você precisa descansar, Regan.
- Onde é a praia?
- Nas ilhas Caimãs - respondeu ela. - Então, o que você acha? Eu já liguei para a companhia aérea e, se quisermos, poderemos ir hoje mesmo.
Regan olhou para Cordie, que parecia bastante encabulada, e virou-se para Sophie. Ela conhecia aquele olhar da amiga.
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- Então, Sophie, qual é o verdadeiro motivo? - perguntou Regan. - Eu conheço você. Você está escondendo alguma coisa.
Sophie confessou.
- Bem... eu fiz umas pesquisas. Adivinhem onde fica a casa de férias do dr. Shields?
Imediatamente, Regan entendeu.
- Ilhas Caimãs - respondeu ela, virando-se para Cordie. - E você também vai?
Cordie concordou com um aceno de cabeça.
- Eu sei. Nem eu mesma posso acreditar que esteja deixando todos os meus compromissos para trás para viajar para as ilhas Caimãs.
- Meu pai me disse que muitas pessoas usam os bancos das ilhas Caimãs para esconder dinheiro de suas esposas, de credores...
- Ou do Imposto de Renda? - perguntou Regan.
- Com certeza - disse Sophie.
- E você tem certeza de que Shields está nas ilhas Caimãs? - perguntou Regan.
- Ele foi visto na praia que fica nos fundos de sua casa - confidenciou Sophie.
- Como assim "ele foi visto"? Como você poderia saber...
- Meu pai me deu o telefone de um cara, que ficou bem feliz em averiguar. Ele me garantiu que o Shields está lá.
- Você pode perder tantos dias de trabalho?
Cordie respondeu:
- E por que não? Sophie está uns dois meses adiantada com sua coluna e eu estou oficialmente de férias até o próximo semestre. Tenho o verão todo para trabalhar em minha tese de doutorado, mas não vou levar nenhum trabalho comigo. Quero me sentar à sombra e relaxar. Essa chuva constante me deprime e, quando fico deprimida, como demais.
- Gostaria muito de ir com vocês, mas não posso - disse Regan. - O leilão de arte está se aproximando e não posso deixar de participar do evento. Além disso, preciso me organizar para a reunião anual de família.
- Não sei por que você ainda se preocupa - disse Sophie. - Seu voto não vale nada. Spencer sempre vota com Aiden, Walker se abstém de votar e seu voto é sempre minoria. Você não tem poder suficiente...
Cordie a interrompeu.
- Você sabe que isso não é verdade. Aiden não pode começar a construir outro hotel sem o consentimento dos quatro. Ela tem, sim, poder para vetar qualquer tipo de expansão. Sem o voto dela, tudo fica paralisado.
- Mas não vou fazer isso - disse Regan. - Quero mais fundos para os projetos de arte que Henry e eu começamos a desenvolver no ano passado. Vocês já viram alguns resultados. Têm sido maravilhosos. Ela soltou
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um longo suspiro. - Mas estamos nos desviando do assunto. Preciso escrever um relatório para justificar um orçamento maior, e isso toma tempo E acharia muito bom que vocês procurassem um outro lugar para passar as férias.
- Isso não são férias - disse Sophie.
- Para mim são - discordou Cordie.
- Shields pode ser perigoso. Se ele mandou seus guarda-costas até a casa de Mary Coolidge...
Sophie a interrompeu.
- Eu sei, mas não vou desistir agora. De um jeito ou de outro, vou acabar com a festa dele.
- Eu não gosto disso - disse Regan. - Não façam nada ilegal. E, por favor, tenham cuidado.
Sophie encolheu os ombros.
- Ele deu cano em mim, você sabe.
- Como assim? - Regan perguntou.
- No último dia do seminário, ele me convidou... para jantar - disse ela. - E eu aceitei. Deveríamos ter nos encontrado no topo do Hyatt, mas eu o esperei por mais de uma hora. Levei o maior cano.
- Você aceitou jantar com aquele nojento? - perguntou Regan.
- Eu não concordei em ir para a cama com ele, portanto pare de ficar horrorizada. Nós não conseguimos invadir o computador dele para encontrar os registros do seminário. Eu só queria ficar perto dele para poder...
- Ter acesso aos arquivos dele? - perguntou Cordie. - Sophie, você precisa começar a pensar melhor nas coisas.
- Você tem alguma idéia melhor?
- O que é que você vai fazer quando encontrá-lo nas ilhas Caimãs? - perguntou Regan.
- Ainda não sei - respondeu Sophie -, mas vou pensar em alguma coisa.
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CAPÍTULO 16
NESTE PRIMEIRO DIA EM QUE RETORNAVA AO TRABALHO, REGAN ESTAVA ficando enlouquecida com os mimos que Henry tentava lhe dispensar. Como se fosse uma galinha choca, ele a ficava rodeando. Não deixava sequer que ela levantasse o braço para pegar um lápis. Felizmente, ele tivera de sair para resolver assuntos fora do escritório. Ao sair, ela pedira a ele que passasse pela garagem para pegar seu celular, que estava no carro. Tinha certeza de que o havia deixado lá.
No momento exato em que ele fechou a porta atrás de si, Regan voltou para sua mesa de trabalho. Estava decidida a limpar sua caixa de emails na primeira oportunidade que tivesse. Conseguiu ler 30 deles sem interrupções. Fez uma pausa para dar alguns telefonemas e almoçar e depois voltou ao trabalho.
O próximo e-mail era de Henry. Ele sempre lhe encaminhava os que achava que seriam do interesse de Regan. No campo do assunto não havia nada escrito e, quando ela rolou a barra de rolagem, encontrou apenas um anexo, sem nenhum texto de Henry. Aquilo era um pouco estranho. Ela imaginou que ele estivesse com pressa.
Deu um clique no ícone de abertura e esperou.
Henry entrou no escritório justamente quando a imagem apareceu na tela.
- Seu celular não estava no carro. Olhei debaixo dos bancos e entre eles... Ei, Regan, o que é que foi? Você está doente?
- Meu Deus... Enojada como estava com o que via, ela não conseguiu continuar.
Henry deu a volta ao redor da mesa e, ao ver o conteúdo da tela, ficou paralisado. Na frente dele, havia a foto de um homem morto, pendurado
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numa grossa corda, em um porão qualquer. O rosto estava completamente deformado pelo inchaço e os olhos, esbugalhados. A pele macilenta era de um cinza opaco.
- Que horror - murmurou Henry. - Que tipo de pervertido mandaria...
- O e-mail veio de você - disse ela.
- Eu nunca mandaria uma coisa dessas para alguém.
Ela concordou com um aceno de cabeça. - Alguém deve ter invadido nossos e-mails.
Henry apontou para a tela.
- Isso não é real - disse ele. - Alguém está tentando fazer uma brincadeira de mal gosto com você. Jogue isso fora - continuou ele, estendendo a mão para deletar o e-mail.
Ela empurrou a mão dele.
- Eu conheço esse homem.
- O quê?
- Eu o conheço.
- Com um computador, as pessoas podem fazer o que quiserem com qualquer foto - disse ele.
- Você quer dizer que ele pode não estar morto?
- Talvez não - disse Henry. - Eu acho que devemos deixar que a polícia descubra.
Ela apontou para a tela.
- Ele é um policial.
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CAPÍTULO 17
ALEC DIRIGIU-SE AO HOTEL HAMILTON PARA FALAR COM A SRTA. REGAN Madison, a maluca que havia ligado para o escritório e perguntado pelo detetive Benjamin Sweeney. Quando a telefonista lhe-dissera que Sweeney não estava, ela perguntara se a situação era temporária ou permanente. Foi quando os detetives John Wincott e Alec Buchanan entraram na história.
A telefonista disse a ele que, de acordo com a mulher que ligara, seu assistente encontraria Alec na frente dos elevadores da ala sul do saguão do hotel. Ele notou um jovem que vestia calça caqui e blazer azul-marinho e transferia o peso de um pé para o outro, diante dos elevadores. Dirigiu-se até lá. Ele parecia ser um guarda-costas, talvez um antigo zagueiro dos Bears ou de algum outro time profissional. Ao se aproximar, Alec percebeu que ele era bastante jovem. Que diabo, ele não passava de um adolescente.
- Detetive Buchanan?
- Correto.
O jovem rapaz deu um passo à frente e estendeu a mão ao se apresentar.
- Meu nome é Henry Portman, sou assistente de Regan... Quero dizer, de Regan Madison.
O garoto estava nervoso. E Alec não tinha a mínima intenção de deixálo à vontade.
- Então, onde... - começou ele, parando em seguida. Ele quase chamara a chefe do moço de maluca. O que não seria muito diplomático, pensou. - Onde está a sra. Madison? - recomeçou ele.
- Ah, é srta. Madison - corrigiu ele. - Ela não é casada. Há algum tempo, chegou a ficar noiva, mas não deu certo e devo confessar que fiquei
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bastante feliz. - Ele deu um sorriso e continuou: - Bem, mas acho que isso não tem a menor importância, não é mesmo?
- Talvez não - disse Alec. - Diga-me. Por que você ficou feliz quando o noivado dela não deu certo? - Ele pensou na possibilidade de Henry estar curtindo uma paixão platônica pela chefe e imaginou se ele seria capaz de confessar.
- O cara estava querendo botar a mão no dinheiro dela.
- Ela tem muito dinheiro?
Henry percebeu que estava falando demais.
- O senhor vai ter de perguntar isso a ela. A srta. Regan está à sua espera em seu escritório, no terceiro andar. Ela está vigiando para ter certeza de que ninguém vai se aproximar do computador. Por favor, acompanhe-me.
Henry tinha no pulso uma longa corrente prateada com uma chave. Assim que eles entraram no elevador revestido de latão, ele inseriu a chave no painel e apertou o botão do terceiro andar.
- Todos os escritórios ficam no terceiro andar - explicou ele. - E ninguém pode entrar naquele andar sem uma chave. Normas de segurança. Lá, temos muitos equipamentos caríssimos.
Alec arquivou a informação. Mesmo com 1,87m de altura e percebendo que seus ombros estavam na mesma altura dos do garoto, sentiu-se um anão ao lado dele. Alec era musculoso nos ombros e braços, mas o jovem devia ter uns 20 quilos a mais. Mesmo assim, Alec sentiu que, se quisesse, poderia derrubá-lo.
Alguma coisa estava deixando Henry nervoso. "
- Quantos anos você tem? - perguntou Alec. "
- Dezenove.
- Você já concluiu o ensino médio?
- Sim, senhor. Eu freqüento a Universidade Loyola aqui em Chicago.
- A Loyola não possui time de futebol. - Percebeu que havia pensado alto.
Henry deu um sorriso.
- Sempre me perguntam minha posição e o time em que jogo. Um afro-americano alto com um pescoço de 50 centímetros de diâmetro. As pessoas gostam de pensar que eu seja jogador de futebol e, algumas vezes, até estuprador. E, por falar nisso, tenho ficha limpa.
Ah, então era isso. Alec não sorriu, mas aproximou-se dele. - É mesmo? - disse ele, no momento em que as portas do elevador se abriram.
- De qualquer maneira, o senhor acabará descobrindo - disse Henry. Ele saiu do elevador e virou-se para olhar Alec de frente. - Mesmo que meu arquivo estivesse selado, o senhor encontraria um jeito de lê-lo, como nos filmes de tira, então é melhor que eu poupe seu tempo. Tive alguns
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problemas quando criança e passei algum tempo no reformatório juvenil. Estava andando em má companhia. Isso não é uma justificativa. Apenas um fato.
- Tudo bem - disse ele. - E por que você está tão nervoso?
- Você - Henry gaguejou. - Bem, não exatamente você. Os tiras me deixam nervoso. Isso não é tão incomum. Meu amigo Kevin também fica nervoso. E a ficha dele é realmente limpa.
- Foi sua chefe quem nos chamou - Alec lembrou Henry. - Então, pare de suar tanto.
Henry deu um sorriso. Eles haviam parado e agora estavam de pé, no corredor.
- Nosso escritório fica no final do corredor à esquerda.
Alec seguiu o garoto, fazendo uma pequena pausa em cada porta, para dar uma olhada. Quando Henry percebeu o que ele estava fazendo, voltou para encontrá-lo.
- Esse escritório pertence ao Spencer, irmão de Regan. Mas ele raramente aparece por aqui.
- E aquele ali? - perguntou Alec, fazendo um movimento de cabeça na direção da sala do outro lado do corredor.
-Aquele é do Walker. Alec fez a ligação. - Walker Madison, o piloto de corridas?
- Sim, ele mesmo.
Eles continuaram em frente, fizeram a curva e, mais uma vez, Alec parou na frente de outra sala.
- Esse aqui é o escritório do Aiden. Ele é o mais velho dos quatro irmãos. Três homens e uma mulher.
O corredor era tão luxuoso quanto o saguão. Havia flores frescas em lindos vasos em cada aparador, ao longo de toda a sua extensão. O carpete era vermelho escuro e as paredes, branco-damasco. "
- Fale-me sobre sua chefe.
- O que o senhor quer saber?
- É bom trabalhar para ela?
- Sim, ela é maravilhosa.
- Como você conseguiu o emprego?
- Uma das minhas professoras do ensino médio fez com que eu preenchesse uns formulários para um programa de estágio aqui do hotel, para trabalhar com computadores. Eu achei que fosse uma piada. Na época, eu não sabia quase nada sobre computadores. Não sabia nem mandar um email. Nós tínhamos computadores na escola, mas a maior parte do tempo eles não funcionavam. De qualquer maneira, a srta. Madison me escolheu e, durante o verão, me fez trabalhar dia e noite. Enquanto estava sendo
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treinado, eu dormia aqui no hotel. Até que ela encontrasse uma família que tivesse um quarto extra e que não se importasse em ter um outro garoto por perto. Trabalho aqui desde então.
Alec ficou com a impressão de que aquela professora e Regan Madison haviam conspirado para salvar a pele daquele garoto.
- Você continua morando com a mesma família?
- Sim, senhor, continuo.
Logo à frente, havia uma porta de vidro dupla.
- Aqui está meu escritório - disse Henry, com a voz vibrando de orgulho. - O escritório da srta. Madison é logo atrás do meu.
- Então, qualquer pessoa que queira vê-la tem de passar por você.
- Correto. Mas como tenho aulas na faculdade, ela se vira sozinha. Nós nos damos muito bem.
- O que você faz para ela?
- Ah, faço de tudo um pouco.
- Muito bem, e qual é o trabalho dela?
- Henry iluminou-se num sorriso.
- Ela distribui dinheiro. - Em seguida, deu uma risada profunda, com a barriga. - Eu adoro dizer isso
- Verdade?
- O pior é que é verdade. Ela realmente distribui dinheiro. A srta. Madison administra a instituição filantrópica da família.
Alec abriu a porta e fez um gesto para que Henry entrasse primeiro. O garoto apressou-se para se colocar atrás de sua mesa.
- Essa é minha área de trabalho, meu território - disse ele, todo orgulhoso. - Agora, está um pouco bagunçada. Estou em processo de reorganização.
Havia papéis espalhados por toda a superfície da mesa. Henry afastou uma das pilhas e pegou um recorte de jornal.
- Aqui está uma foto dos Madison - disse ele. - Recortei de um jornal há algum tempo e pretendia colocá-la em uma moldura.
Ainda com o recorte de jornal nas mãos, ele disse:
- A foto foi tirada no dia da inauguração do Conrad Park. O senhor sabe onde fica? Sem esperar pela resposta, ele continuou: - Os Madison doaram o terreno e a pista de cooper. Bem, na verdade, a velha pista de cooper foi expandida e repavimentada - disse ele. - Eles também doaram um lindo playground, com todo tipo de equipamento para as crianças brincarem. Como está escrito no artigo, a srta. Madison costumava correr lá o tempo todo - faça chuva ou faça sol. Mas agora o hotel tem pista de cooper própria e ela não precisa mais sair para correr. - Ele fez um movimento de cabeça na direção da foto e disse: - É um belo retrato dos irmãos. Digo isso porque é bastante raro vê-los juntos.
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Alec mal olhou para o artigo. Nesse momento, não era importante que a família fosse bem-sucedida.
A aproximadamente cinco metros da mesa de Henry, havia outro par de portas duplas. Pelo vidro, Alec podia ver uma jovem mulher. Ela estava ao telefone, de costas para a porta. Ela finalizou a ligação, virou-se para a frente e, rapidamente, veio encontrá-los.
Puta que o pariu, pensou ele, reconhecendo aquelas pernas longas e maravilhosas. Ela abriu a porta e ficou ali, imóvel, com preocupação evidente estampada nos olhos fantásticos e rubor nas faces. Nenhuma dúvida. A mesma linda mulher com toda a certeza.
Enquanto Regan se adiantava ao estender a mão, Henry fez as devidas apresentações. Seu aperto de mão era firme e o sorriso, desconcertante. Alec retribuiu. Talvez seja melhor começar pelo lado charmoso, decidiu ele. Se ela fosse mesmo uma maluca, o que, depois de ter conhecido Henry, ele sinceramente duvidava, então jogar um pouco de charme poderia ser um fator a mais para conseguir que ela cooperasse. Noah Clayborne, um amigo da família que também trabalhava com as forças da lei, certa vez dissera que se pegava mais malucos com açúcar do que com vinagre. É evidente que Noah, um elefante numa loja de cristais, nunca se preocupara em provar sua teoria. Da mesma maneira como Alec, ele preferia dar uns sopapos em machos suspeitos que criavam problemas quando se queria ter uma boa conversa.
Aparentemente, Regan não se lembrava dele. Alec decidiu não mencionar o fato de quase tê-la atropelado naquela esquina na semana passada. Se ela se lembrasse do incidente, certamente o teria mencionado. Afinal, ele não era tão inesquecível assim. Ela, definitivamente, era.
- Pode ser que o senhor não se lembre, detetive, mas na semana passada nós nos trombamos na frente da delegacia de polícia.
Não é surpreendente? Ela se lembrava.
- Você o conhece? - Henry perguntou à Regan.
- Mais ou menos - respondeu ela. - Nós trombamos um com o outro e, se ele não tivesse me segurado, acho que ainda estaria estatelada na calçada.
Alec deu um sorriso.
- Eu me lembro de ter tentado rolar sobre você. Você deu uma risada. Eu me lembro disso também.
- É mesmo? - disse ela. - Você me fez lembrar...
- Sim?
Ela ficou levemente enrubescida.
- Do zoológico. Isso mesmo, você me lembrou do zoológico.
- Do zoológico?
- Hoje, você está com um cheiro bem melhor.
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Ele deu uma risada.
- Espero que sim.
Enquanto observava sua chefe, Henry tinha um brilho interrogativo no olhar. Regan virou-se para ele e perguntou:
- Você explicou ao detetive Buchanan...
- Achei que seria melhor que você explicasse. Eu não sabia o que dizer.
O olhar de Alec estava fixo em Regan.
- Por que você não me conta o que está acontecendo?
Antes que ela pudesse responder, Henry disparou:
- Nós não temos nada com isso, detetive. Não é, srta. Madison?
- Que negócio é esse de "senhorita Madison"?
Henry ficou encabulado.
- Achei que não devia chamá-la de Regan na frente do policial.
- Que tal se você fosse para sua mesa de trabalho enquanto falo com sua chefe? - perguntou Alec.
- Mas eu achei...
- Sim? - perguntou Alec, impaciente.
- Eu achei que pudesse ficar até que o senhor pudesse ver a foto e nos dizer se é verdadeira ou se trata apenas de uma montagem. Eu acho que é falsa, mas Regan acha que é verdadeira.
Alec não tinha a menor idéia do que o garoto estava falando.
- Vá para sua mesa - repetiu ele. - Agora, srta. Madison...
- Por favor, chame-me de Regan.
- Tudo bem. Regan, que tal se você começasse a me explicar?
- Eu estava lendo meus e-mails - começou ela, enquanto se dirigia ao computador. Até ela mover o mouse, a tela estava escura. - E apareceu isso.
Rapidamente, ela passou para a parte de trás da mesa, para não bloquear a visão dele. Alec sentiu um arrepio. A foto não era uma coisa agradável de se ver. Regan apoiou-se sobre o aparador, de costas para o computador, a ponto de não poder ver a imagem.
- Eu fiquei sem saber o que fazer - disse ela. - Tive medo de salvar ou encaminhar porque pensei que pudesse estar com algum tipo de vírus.
- Bem pensado.
- O que você acha, detetive? É falsa ou verdadeira?
- Verdadeira - disse ele. - Definitivamente verdadeira. Não havia nenhuma hesitação na voz dele.
- Você não parece muito surpreso ou... chocado.
- Eu já trabalhei na Divisão de crimes violentos. Eu já vi um cadáver antes - disse ele, enquanto se aproximava do monitor para inspecionar a foto.
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- Sim, eu compreendo, mas... - Ela apontou para a tela. Ficara chocada com a indiferença dele e tentava se recuperar. - Mas ele também era detetive, um de seus... - A voz dela sumiu.
- Sim, era.
Pelo que Alec ouvira de Sweeney, além de detetive, ele era um filho-da-puta que passava a maior parte do tempo alcoolizado. Todos sabiam que estava metido em encrencas e que seria apenas uma questão de tempo até que fosse descoberto. - Você o conhecia bem? - perguntou ela.
- Não.
Ela gostaria que isso explicasse a indiferença dele com relação à morte do detetive Sweeney. Caso contrário, o detetive Buchanan teria tanta compaixão quanto um peixe. De repente, ela se sentiu nervosa por estar ao lado dele. Estava presa entre o aparador e a mesa e, a não ser que quisesse levantar a saia e pular o tampo, teria de esperar até que ele saísse de onde estava. Hoje, com certeza, ele estava com um cheiro muito melhor. Na verdade, o cheiro dele era ótimo, como o ar limpo da natureza.
Ele se afastou do computador.
- Por que você acha que mandaram isso para você?
- Não faço a menor idéia - disse ela, desanimada. Ela esfregou os braços e pensou um pouco. - Olhando para o remetente, vê-se que foi enviado do e-mail de Henry, mas é claro que sei que não foi ele. Quem mandou esse e-mail tem nossos endereços. Estou aqui queimando meus neurônios para tentar entender essa loucura. Sem nenhum sucesso. Como devo proceder?
- Precisamos de um especialista - disse ele. Pegou o celular e fez uma ligação, afastando-se dela enquanto falava. Quando terminou, fez-lhe um sinal para que se juntasse a ele, do outro lado da sala. Na frente da janela que dava para a avenida Michigan, havia duas poltronas e um sofá. Na maioria das vezes, Regan se aninhava nele para fazer trabalhos burocráticos.
- Enquanto esperamos o especialista, conte-me sobre seu relacionamento com o detetive Sweeney.
- Isso não vai levar mais do que cinco segundos. Eu não tinha um relacionamento com ele.
Regan sentia arrepios só de pensar em ter um relacionamento com aquele sujeito. Mesmo que fosse feio falar mal dos mortos, Sweeney fora um dos homens mais detestáveis que já encontrara. Mas, independentemente de ser repulsivo ao extremo, ninguém deveria morrer daquela maneira.
- Muito bem - disse ele. Apoiando-se na beirada da janela e cruzando os braços, ele perguntou: - Conte-me como o conheceu.
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Os olhos dele não perdiam nenhum detalhe sequer. A maneira como o detetive Buchanan a olhava a deixava ainda mais nervosa, mas ela estavá decidida a não deixar que ele percebesse. Não havia feito nada de errado e ele não faria com que sentisse como se tivesse feito.
Regan foi até o sofá e sentou-se.
- Na verdade, eu não o conheço. Encontrei-o só uma vez, quando fui à delegacia... no dia em que trombei com você.
Para demonstrar calma, ela tentou se acomodar. Uma das almofadas estava cutucando suas costas. Inclinou-se para a frente, puxou a almofada e colocou-a de lado.
- Eu fui até lá fazer um favor para uma amiga. Tive de falar com o detetive Sweeney para me informar sobre o andamento de uma investigação que ele deveria estar conduzindo.
Ele fisgou uma palavra-chave. - Deveria estar conduzindo?
- Eu não tinha certeza se ele estava cuidando ou não do caso - disse ela. - Mas fiquei com a nítida impressão de que ele não ligava a mínima para o caso ou para o que quer que fosse.
- Conte-me sobre a investigação - disse ele.
Ajeitando a blusa, ela cruzou as pernas e voltou a apoiar as costas.
- Você já ouviu falar no dr. Lawrence Shields?
- Não - respondeu ele. - De que tipo de pessoa estamos falando?
- Um idiota - respondeu ela, abrupta. - Pelo menos, é a opinião que tenho dele. - Ela balançou a cabeça e continuou: - Ele apresenta aqueles seminários do tipo auto-ajuda, transforme-sua-vida, duas vezes por ano em Chicago. Você nunca viu seus comerciais?.
Ele balançou a cabeça.
- E o que tem ele?
Em detalhes, ela explicou quem era Shields e o que ele havia feito com Mary Coolidge. Disse a ele que a filha de Mary tinha ido à delegacia de polícia para dar queixa contra Shields e que o detetive Sweeney havia ficado com o caso. - Como não conseguiu nada com o detetive, a filha de Mary voltou para casa, mas minha amiga Sophie leu uma cópia do diário de Mary e decidiu fazer alguma coisa a respeito. Sophie mandou uma outra amiga, Cordie, falar com Sweeney sobre a investigação, mas ela também não conseguiu obter nenhuma resposta.
- E, em seguida, foi sua vez de ver Sweeney?
- Sim. Espere um pouco... sim, só pode ser isso. - De repente, ela ficou muito excitada para continuar sentada e começou a andar de um lado para o outro, enquanto trabalhava a hipótese na cabeça. - Tudo se encaixa - ela disse. - Aí está a ligação que você estava procurando.
- Você vai me contar?
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- Shields e Sweeney. Talvez Shields tenha descoberto que minhas amigas e eu o estávamos investigando. E se ele tivesse ficado sabendo que nós estávamos pressionando o detetive Sweeney para fazer seu trabalho? Talvez Shields tenha decidido acabar com Sweeney para nos dar um aviso e tenha mandado essa foto para me amedrontar.
Ela parou de andar e colocou-se na frente de Alec com as mãos nos quadris, enquanto esperava, ansiosa, para saber o que ele pensava de sua teoria. Ele não foi suficientemente rápido para dar a resposta.
- O que você acha? Tem sentido, não tem? Shields manipulou Mary e conseguiu que ela transferisse mais de 2 milhões de dólares para a conta dele. Talvez Shields ache que essa quantia justifique a morte de alguém. E a filha de Mary está convencida de que Shields tenha levado a mãe a cometer suicídio, ou talvez a tenha matado, porque ela ameaçou procurar a polícia. E, se ele matou uma vez, por que hesitaria em matar a segunda? Talvez Shields ache que eu e minhas amigas tenhamos chegado muito perto. Ela levantou as mãos, com as palmas voltadas para cima. - Talvez essa seja nossa ligação.
Ele permaneceu calado.
- Não acha que tem sentido?
Ele não pôde resistir.
- Talvez.
Ela não percebeu que ele estava tirando sarro dela. Regan parecia estar extremamente satisfeita consigo mesma.
- Muito bem - disse ela. - Bom - continuou ela, concordando com a cabeça. - E agora?
Ele tirou um velho bloco de anotações do bolso do terno.
- Agora, vamos recomeçar.
- Oh, Meu Deus, Cordie e Sophie... primeiro, posso dar um telefonema? - perguntou ela. - Minhas amigas estão nas ilhas Caimãs com o Shields. Preciso avisá-las. Ela correu até a mesa.
- Antes de tirar conclusões precipitadas, vamos dar uma olhada em alguns fatos - aconselhou ele.
Regan já estava discando o número do celular de Cordie. Como caiu na caixa postal, adivinhou que Cordie estivesse usando o celular ou que ele estivesse desligado.
- Cordie, ligue para mim assim que receber essa mensagem - disse ela. - É urgente. E você e Sophie fiquem longe de Shields. Pode ligar, não importa que o horário.
Ela desligou o telefone e voltou-se para o detetive Buchanan. Ele não lhe perguntou por que telefonara e ela não deu nenhuma explicação.
- Você disse que precisamos recomeçar?
- Correto. - Com um gesto, pediu que ela se sentasse. - Vamos começar com Mary Coolidge.
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E tiveram início as perguntas, uma atrás da outra. Ela estava começando a lhe contar sobre a recepção de Shields na qual participara com as amigas, quando um homem e uma mulher entraram no escritório com Henry A mulher carregava o que aparentava ser uma caixa de ferramentas.
Alec sorriu quando viu quem era a especialista em tecnologia. Melissa Bruxa Hill. E esse era apenas um dos muitos apelidos que recebera de vários detetives. Hill era uma mulher baixa e enfezada, de cabelos curtíssimos e rugas prematuras causadas, sem dúvida, por causa do cenho eternamente serrado. Apesar de ser quase impossível trabalhar com ela, era uma das melhores nerds de computador disponíveis no mercado.
O detetive que vinha com ela era Matt Connelly. Atrás de Hill, ele a olhava com ferocidade, o que indicava que provavelmente viera para o hotel no mesmo carro que ela. Ele cumprimentou Alec com um movimento de cabeça. Seu olhar se dirigiu até Regan, onde ficou por um longo momento.
- O que está acontecendo?
- Veja você mesmo - respondeu Alec. - Dê uma olhada na tela do computador. Olá, Melissa - acrescentou ele.
A resposta dela veio em forma de grunhido. Ela não era do tipo que se perdia com gentilezas ou afagos.
- É aquela merda de computador que você quer que eu desmonte?
Connely respondeu:
- É a única merda de computador aqui do escritório. O que você acha?
- É você quem sabe, Connelly - respondeu ela.
Rapidamente, Alec fez as devidas apresentações. Connely concordou com um aceno de cabeça em resposta, mas Hill simplesmente ignorou a presença de Regan.
Ambos foram até o computador e olharam para a tela. Hill não deixou transparecer nenhuma reação, mas Connelly empalideceu visivelmente.
- Jesus Cristo. O Sweeney pelado. Cara, essa é forte. Acho que vou ter pesadelos.
Regan juntou-se a eles.
- Vocês disseram que vão desmontar meu computador? Isso é realmente necessário? - perguntou ela.
A mulher desabou na cadeira de Regan. Um segundo depois, os dedos dela voavam sobre o teclado.
- Se for necessário, desmonto. Agora, saia daqui e deixe-me fazer meu trabalho.
Regan ficou chocada com a grosseria daquela mulher. Teve ímpetos de agarrar seu computador para protegê-lo dela.
- Todos os meus arquivos e meu... - começou ela.
Alec bloqueou a frente de Regan.
- Tudo bem - ele a assegurou. - A Melissa não vai destruir seus arquivos. Ela sabe que não pode tocar em
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nada sem sua permissão e está a par das implicações legais, caso quebre alguma coisa. Não é mesmo, Melissa?
- Vá... - Ela estava pronta para usar sua resposta-padrão, quando olhou para cima e encontrou o olhar de Buchanan. Ela havia ouvido dizer que ele fora um durão enquanto trabalhava com narcóticos e percebeu que ainda não havia perdido o hábito. - Sim, é verdade - resmungou ela, num tom de voz que fazia lembrar o mugido de um boi. - Agora, se vocês me deixarem trabalhar, vou ver se consigo ultrapassar essas barreiras.
- Vamos dar-lhe um pouco de espaço - sugeriu Alec.
Regan ignorou a sugestão de Alec e estendeu o braço para a técnica. Mais uma vez, ela se apresentou. Melissa não queria ser incomodada, mas não era fácil ignorar aquela mão que estava a apenas alguns centímetros de seu rosto. Finalmente, ela parou de tamborilar o teclado e apertou a mão de Regan.
- Já fomos apresentadas - resmungou ela.
Melissa era uma mulher ansiosa. Roía as unhas até o toco. Ela apertou a mão de Regan com força e, com impaciência, recolheu a própria mão.
- Agora, posso continuar meu trabalho?
Regan fingiu não ter ouvido a pergunta.
- O que você quis dizer quando disse que estava "tentando ultrapassar algumas barreiras"?
Melissa lançou-lhe um olhar resignado.
- A pessoa que mandou o email de Sweeney, seja quem for, é muito inteligente. Ela criou algumas barreiras para não deixar pistas. Mas não se preocupe. Ainda não inventaram uma barreira que eu não pudesse ultrapassar.
- Mesmo numa merda de computador como o meu? - perguntou Regan, com um sorriso.
Melissa ficou sem jeito.
- Na verdade, eu estava exagerando quando disse que seu computador era uma merda. Ele só é um pouco antigo. Você precisa fazer um upgrade nessa máquina.
Alec estava muito impressionado. Ele nunca vira Melissa sorrir antes e a maneira como ela conversava com Regan era assustadora. Regan havia ultrapassado todas as barreiras de Melissa. Definitivamente impressionante.
A foto de Sweeney voltou a aparecer na tela. Melissa apontou e disse:
- Foi assim que eles o encontraram.
- Como assim? - perguntou Regan.
- Ouvi dizer que foi exatamente assim que o encontraram, no porão, pendurado desse jeito. Alguém ligou para a polícia para dizer que encontrariam Sweeney lá. E encontraram mesmo. Disseram-me que a cena do crime era horrível. O Sweeney tinha um montão de inimigos - pensou em acrescentar, mas achou melhor dizer simplesmente: - Existem boatos de
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que ele estava chantageando alguns traficantes. Você tem alguma idéia dà razão por que mandaram essa foto para você?.
- Nenhuma - respondeu Regan. - É grotesco.
- Já vi piores - gabou-se Melissa.
- Como seu antigo namorado? - perguntou Connelly.
- Vá tomar no cu.
Regan afastou-se da mesa e caminhou até a janela, para não ter de olhar a foto mais uma vez.
- Alguém mais recebeu esse e-mail? - perguntou ela. - Ou fui apenas eu...
Melissa interrompeu-os, quase gritando.
- Consegui entrar.
- Onde? - perguntou Connelly. Ele estava agachado, olhando para a tela, quando seu celular tocou. Impaciente, ele atendeu, enquanto caminhava até o escritório de Henry.
- A foto foi enviada de um telefone celular - disse Melissa. Ela disse o número rapidamente enquanto Alec voltava a tirar seu bloco de anotações.
O rosto de Regan ficou em brasa.
- Meu Deus - murmurou ela. Alec a ouviu. - O que é que foi? Meu Deus, o quê?
- O número... é do meu celular.
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CAPÍTULO 18
A TEORIA DE REGAN ESTAVA CHEIA DE FUROS. SE REALMENTE SHIELDS ESTIVESSE por trás do assassinato de Sweeney, como conseguira botar as mãos no celular dela? Talvez sua teoria não tivesse fundamento. Era nisso que ela pensava enquanto o detetive Buchanan, pacientemente, esperava que ela lhe explicasse como a foto de Sweeney fora tirada com o telefone celular dela. Ela também queria uma resposta para aquela pergunta.
- Esse é o número do seu celular?
- Sim - disse ela. - Mas, com certeza, não tirei aquela foto.
O detetive Connelly a interrompeu.
- Aconteceu um imprevisto - anunciou ele, enquanto jogava o celular no bolso e caminhava na direção da porta. - Tenho dez minutos para chegar ao tribunal. Você precisa de alguém aqui para ajudá-lo?
- Não, obrigado - respondeu Alec.
- O tenente quer vê-lo no escritório assim que você terminar isso aqui - disse ele.
Aquela notícia deixou Alec mau-humorado. No mesmo segundo em que a porta se fechou atrás de Connelly, ele deu total atenção à Regan.
- Muito bem, conte-me sobre seu celular.
Ela presumiu que ele quisesse saber sobre o tipo e o modelo do aparelho. Como ela não se lembrava de nenhum deles, começou a falar sobre suas características.
- Ele tem uma câmera embutida - começou ela. - E uma enorme agenda com e-mails pessoais e profissionais. E é compatível com a Internet.
- E você não se lembra onde o perdeu?
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Ela balançou a cabeça.
- Pensei que tivesse perdido no carro, mas o Henry procurou e não o encontrou. Não sei o que aconteceu com ele.
Ao ouvir o que ela dissera, Henry entrou no meio da conversa.
-É verdade. O senhor pode verificar com os funcionários da garagem. Eles me viram e eu disse a eles o que estava procurando. Não ficaram surpresos. Quer dizer, sem querer ofender, Regan, mas você vive esquecendo seu celular. Ele é bem pequeno - Henry disse a Alec. - E algumas vezes cai da bolsa dela. Uma vez, eu o encontrei entre o assento e o console, mas dessa vez não estava lá.
Ele assumiu uma posição protetora com relação à Regan e disse:
- Ela não está encrencada, não é? Quer dizer, só porque alguém usou o telefone dela. Você não vai considerá-la culpada, vai?
Mesmo que a lealdade do garoto pela chefe fosse admirável, no momento ele não passava de um aborrecimento.
- Da última vez que eu verifiquei, perder um celular não significava crime. Você não tem trabalho para fazer em sua mesa? - perguntou Alec.
Regan esperou até que Henry estivesse fora do campo de audição para sussurrar:
- Ele se preocupa muito comigo. Quando começou, ele era muito pior. Está melhorando, mas ainda se preocupa demais.
O grunhido de Melissa atraiu a atenção deles. A mulher estava realmente em sua praia. Seus dedos continuavam a voar sobre o teclado e, a cada um ou dois minutos, ela dava um suspiro ou fazia algum comentário tosco.
- Devo ligar e cancelar a assinatura ou informar que foi roubado? - perguntou Henry, da porta.
- Não, não faça isso - disse Alec. - Se tivermos sorte, talvez ele tente fazer novo contato.
- Ele não vai usar o celular dela de novo - disse Melissa. - Ele sabe lidar com computadores e, com certeza, sabe que pode ser rastreado. O email foi mandado há cinco dias e, depois disso, ele não mandou mais nada. De repente, seus dedos pararam de martelar o teclado. - Muito bem, encaminhei tudo para meu computador e vou imprimir uma cópia da foto de Sweeney para levar comigo. Até eu avisar, receberei uma cópia de todos os e-mails dela. Você não se importa, não é mesmo? Vou assumir que posso fazer isso.
Regan não estava prestando muita atenção. Estava diante da janela, olhando o trânsito da avenida Michigan, com a mente a mil por hora, tentando se lembrar da última vez que usara o celular. Ela sabia que o detetive Buchanan pediria o registro das ligações telefónicas, mas, se ela pudesse se lembrar agora, poderia fazer com que ele ganhasse um tempo precioso.
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Desde que fizera a cirurgia, seus dias pareciam se misturar e ela não tinha mantido seu palmtop atualizado, como normalmente costumava fazer. Além disso, a horrível foto de Sweeney estava atrapalhando a concentração dela. Nunca imaginara que um rosto pudesse se tornar tão grotesco e deformado. Aquela imagem insistia em voltar à sua mente.
Ela não ouviu Henry chegar por trás dela. Deu um pulo quando ele tocou seu ombro.
- Desculpe - murmurou ele. Eu não queria assustá-la. - Ele olhou para o detetive Buchanan, para ter certeza de que ele estava ocupado falando com a Melissa, e disse: - Eu só queria que você soubesse que voltei a verificar meu computador.
- Por que você fez isso?
- Queria ver se a foto daquele homem morto também havia sido mandada para mim - sussurrou ele. - Mas não foi. Gostaria que sim. Gostaria que tivesse sido mandada para todos os endereços eletrônicos que você tem na agenda. Não acho bom que tenha sido enviada apenas para você.
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- Eu sei.
- Ele foi muito esperto na hora de mandar - disse ele -, fazendo com que parecesse que havia sido mandado do meu endereço.
- Eu nunca teria aberto o anexo se não tivesse reconhecido o remetente. Acho que ele queria ter certeza de que eu não apagaria.
- Ele deve ter alguma razão para fazer isso - disse Henry. - Masqual?
Alec ouviu o comentário.
- É isso o que vamos descobrir.
Enquanto procurava no bolso um cartão de visita para deixar com Regan, seu celular tocou. Em apenas 15 minutos, era o terceiro chamado do escritório. O assistente de Lewis ficava ligando para exigir que ele voltasse o mais rápido possível. Alec sabia por quê. O tenente havia acabado de descobrir que Alec havia passado por cima dele, indo até o comandante para tentar salvar o emprego do jovem tira que havia interrompido a operação secreta.
- Você não vai atender?
- Acho melhor. - Ele colocou o fone no ouvido, ouviu por um minuto e disse: - Assim que terminar aqui, irei para lá.
Antes que o assistente pudesse argumentar, ele desligou o aparelho e virou-se para Regan. Entregou-lhe um cartão, que finalmente conseguira encontrar. Ela retribuiu com um sorriso agradecido. Linda mulher, pensou ele. E, maldição, era extremamente atraente. Em outra hora ou lugar, ele definitivamente a teria convidado para jantar, mas agora era impossível.
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Não com uma investigação pendente. E mais: mesmo que não aceitasse a oferta do FBI, em um ou dois meses ele pediria para ser transferido de Chicago. Nesse momento de sua vida, envolver-se com qualquer mulher estava fora de cogitação. A não ser que ela aceitasse uma relação sem compromisso. O que sabia que não era o caso de Regan Madison. Mesmo tendo estado com ela apenas por meia hora, ele sabia que ela não era disso. Mentalmente, Alec balançou a cabeça. Ele não tinha nada que ficar pensando nessas coisas. Engraçado como sua mente trabalhava. Parece que seu irmão Dylan estava certo. Ele era meio pervertido.
- O detetive Wincort é responsável pela investigação do assassinato de Sweeney - disse ele. - Eu estou ajudando, mas é ele o responsável e logo virá até aqui para falar com você. É melhor que você não saia do hotel.
- Sim, claro.
- Mas, enquanto isso, se você precisar de alguma coisa - disse ele, com um meneio de cabeça indicando o cartão que ela ainda segurava -, esse é meu número.
- Tenho uma sessão de fisioterapia para meu joelho, mas posso cancelar.
- Eu imaginei que essa cicatriz fosse recente. Ela não existia quando nos trombamos na rua. O que aconteceu?
Ela se surpreendeu com a observação que ele fez. A incisão não era muito grande, mas a cicatriz ainda estava em carne viva e a pele, um pouco repuxada.
Regan lhe disse o que pensava:
- Você notou que ela não existia da primeira vez que nos encontramos? Isso é impressionante, detetive.
Nem tanto, pensou ele. Ele teria de ser um idiota para não ter notado as pernas dela.
- Beisebol - continuou ela. - Eu torci o joelho tentando alcançar a terceira base. Aconteceu no verão passado.
- Beisebol, hein? - Ele deu um sorriso. Ele estava tendo problemas para imaginá-la num uniforme de beisebol com o taco e o boné. Seu corpo parecia ser muito macio para aquele tipo de esporte.
- Sim, beisebol - disse ela. Era um jogo para angariar fundos. Qual é a graça?
Ele não respondeu.
- Você machucou o joelho no ano passado e só encarou a cirurgia agora?
- Eu fiquei adiando, mas quando voltei a machucá-lo... - De repente, ela parou e, em seguida, disse: - Que idiota!
- Como disse?
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- Não, não me referia a você - disse ela. - Estava falando de mim. A idiota sou eu. - Na pressa de explicar, suas palavras saíram engroladas. - Eu sei quem está com meu celular. Pelo menos, acho que sei e não posso acreditar que tenha levado tanto tempo para me lembrar disso. Sabe, eu derrubei minha bolsa e foi aí que o perdi. Desculpe. Normalmente eu não sou tão atrapalhada. Havia um homem. Ele correu atrás de mim até meu carro e ele...
A narração prendeu a atenção dele, que levantou uma das mãos.
- Calma - disse ele -, devagar. Vamos começar do começo.
- Tudo bem - disse ela. - Aconteceu na sexta-feira passada. Foi a última vez que usei meu celular. Tenho certeza disso.
Ele voltou a pegar seu velho bloco de anotações, enquanto procurava um lápis no bolso.
- Onde você estava?
- Na recepção.
- Parece-me que você acha que eu deva saber sobre essa recepção.
- Ah, desculpe. Achei que tivesse contado para você quando expliquei a relação entre Sweeney e Shields.
Ele não parecia estar muito feliz com ela.
- Por que você não me conta agora?
Ela não podia acreditar que se esquecera de mencionar o homem do estacionamento do parque, mas, em sua defesa, ela tinha o fato de ter sido bombardeada, primeiro com o e-mail e depois com o detetive Buchanan, a técnica e o detetive Connelly. Tudo isso em menos de uma hora.
Tão rápido quanto possível, ela lhe contou sobre a recepção que ela e as amigas tinham ido na Liam House.
- Sophie havia nos matriculado para o seminário de fim de semana do Shields. Eu me lembro de ter-lhe dito que Shields faz dois seminários por ano em Chicago.
- O que vocês esperavam ganhar com isso?
- Era evidente para nós que o detetive Sweeney não estava fazendo nada a respeito de Shields, então decidimos...
Ele encolheu os ombros.
- Fazer o trabalho dele. Pelas sobrancelhas franzidas, ela sabia que ele não gostara do que acabara de ouvir. - E como vocês planejavam fazer isso?
- Decidimos investigar Shields, na esperança de conseguirmos as evidências necessárias para entregá-lo a um promotor. Sophie estava cuidando da investigação, enquanto Cordie e eu dávamos apoio a ela. Na verdade, estávamos tentando encontrar uma maneira de entrar nos arquivos do computador dele para pegar nomes de outras mulheres que participaram de seus seminários. Pensamos que pudéssemos ligar os depósitos com...
Ele parou de escrever.
- Você sabe que isso é ilegal, não é?
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- É claro que eu sei - disse ela. - Nós não conseguimos invadir o computador dele. Nós só queríamos fazer isso. Pelo menos, esse era o plano
A mulher não tinha medo de confessar uma falta.
- Parece-me um plano mal elaborado.
Ela concordou.
- Sim, bem, a idéia foi de Sophie e ela tem a tendência de andar rápido, sem pensar muito bem nas coisas. Ela sempre acredita que as coisas vão dar certo, o que, de fato, acaba sendo verdade.
Regan cruzou os braços e, na frente da janela, começou a andar de um lado para o outro enquanto pensava naquela noite horrível.
- Eu me lembro de que estava com meu celular. Estávamos atrasadas - disse ela. - Mas sempre que eu e Cordie vamos a algum lugar com Sophie, chegamos atrasadas. De qualquer maneira, a recepção estava no ápice quando chegamos e Shields estava lá, falando para o grupo. Aquele homem é uma fraude ambulante, além de extremamente vaidoso. Não fiquei nem um pouco impressionada, mas, a julgar pelas reações das pessoas à minha volta, ele é uma pessoa incrivelmente carismática. Ele nos deu esse exercício completamente maluco.
- E o celular? - disse ele, tentando mantê-la nos trilhos.
- Eu devia ter me lembrado de desligá-lo, pois ele tocou bem no meio da apresentação de Shields. Apressei-me para chegar ao corredor e poder atender, antes que um dos guarda-costas o tirassem de mim.
- Guarda-costas?
- Dois deles. Ele os chama de assistentes, mas eles são guarda-costas. Verdadeiras montanhas de músculos.
- Muito bem - disse ele. - Então, você acha que deixou seu celular no centro de convenções?
- Não - disse ela. - Tenho certeza de que o coloquei de volta na bolsa. Eu acho que o perdi quando caí.
Alec estava se esforçando para manter a paciência.
- E quando é que foi que isso aconteceu?
- Quando voltei para o carro - disse ela. - Como estava chovendo, eu pedi que Cordie procurasse Sophie e esperassem por mim na porta da frente. Eu iria até o carro e voltaria para pegá-las. Enquanto eu corria até o carro, pensei ter ouvido alguém chamar meu nome. O vento estava muito forte e, como chovia forte, não deu para ter certeza disso. Virei-me para olhar para trás e vi aquele homem... - Tudo parecia ter acontecido há uma eternidade. - Tudo aconteceu muito depressa. Quando me virei, machuquei o joelho.
- E só agora você está mencionando isso?
- Ele estava irritado e fazia questão que ela soubesse disso.
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- Eu só não pensei... eu não liguei uma coisa com a outra. Tive muita sorte por ter conseguido escapar.
- Ele correu atrás de você?
- Sim. Você não acha...
- Acha o quê? - perguntou ele, diante da hesitação dela.
- Talvez o Shields o tenha contratado. Talvez ele estivesse esperando do lado de fora do centro de convenções porque sabia que eu estava lá dentro e talvez estivesse lá para me amedrontar, o que realmente conseguiu fazer.
- Você realmente insiste na idéia de que o Shields esteja por trás disso tudo, não é?
- Tem sentido, você não acha?
- Por enquanto, não vou adivinhar porque não tenho informações suficientes para emitir uma opinião, mas, quando tiver uma, deixarei que saiba. Agora, quero saber exatamente o que aconteceu, assim que você botou os pés para fora da Liam House.
- Eu acabei de lhe contar tudo.
- Conte-me novamente.
Ela repetiu a história, de acordo com as instruções dele.
- Quando caí, várias coisas caíram da minha bolsa, mas pensei ter conseguido recolher tudo. Devo ter deixado o telefone no chão. Eu estava desesperada para chegar ao carro e travar as portas - disse ela. - Ele segurava alguma coisa e gritava, pedindo que eu parasse. O que naturalmente não fiz. Tinha alguma coisa errada com aquele cara.
- Como assim?
- O rosto dele - disse ela. Ela esfregou os braços, tentando se livrar de um arrepio súbito. - Fico toda arrepiada só de pensar nisso. Eu liguei para a polícia - acrescentou ela. - E fui à delegacia de polícia para dar queixa do ocorrido.
- Muito bem. Agora, diga-me. O que havia de errado com o rosto dele?
- Ódio - disse ela. - Nunca vi tanto ódio nos olhos de alguém. E, depois, aconteceu uma coisa muito estranha.
- O quê?
- Pode ser que seja apenas minha imaginação. Eu estava sentindo muita dor no joelho, além de estar encharcada, mas, quando entrei no carro e olhei para fora, ele estava debaixo de um poste, olhando pra mim. Eu estava chorando - admitiu ela. - E, quando ele me viu chorando, a expressão do rosto dele mudou.
Ele balançou a cabeça.
- Como assim?
- Compaixão - disse ela. - Acho que ele sentiu pena de mim.
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CAPÍTULO 19
A OCASIÃO NÃO PODERIA TER SIDO MAIS PROPÍCIA. ALEC ESTAVA A CAMINHO da delegacia de polícia, para o segundo round com o tenente Lewis, quando seu celular tocou. Ward Dayborough, o agente do FBI que estava tentando insistentemente recrutá-lo, estava na linha para lhe dar as boasvindas ao Bureau.
Ward estava estourando de tanta satisfação.
- Eu sabia que acabaria conseguindo fazer com que você viesse - gabou-se ele. - Tenacidade - disse ele, pronunciando a palavra com seu forte sotaque sulino. - Tenacidade é o que não me falta. Quantos anos levei para despertar seu interesse?
A pergunta naturalmente não exigia uma resposta porque Ward, ainda encantado com sua conquista, continuou:
- O treinamento será duro, mas não fico preocupado com você. Sei que se sairá muitíssimo bem. Você tirou notas fantásticas naquele teste. Agora, você tem 17 semanas inteiras de academia pela frente - acrescentou ele. - Mesmo com toda a sua experiência trabalhando ao lado da lei, você terá de passar as 17 semanas de academia.
- Você está tentando fazer com que eu mude de idéia?
- Não, claro que não.
- Quando você quer que eu comece?
- Todas as semanas existem novas turmas começando, mas eu me adiantei e fiz sua inscrição para daqui a dois meses. Oito semanas a partir de hoje. Imaginei que você precisaria de algum tempo para empacotar suas coisas, despedir-se de Chicago e tirar algum tempo para si mesmo.
- Está ótimo - disse Alec. - Em oito semanas terei tempo para me organizar.
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Como se isso fosse realmente acontecer, pensou ele, enquanto desligava o telefone. Apesar de ser extremamente organizado em sua vida profissional, era completamente desorganizado em sua própria casa. Era considerado o bagunceiro da família. Quando garoto, seu quarto sempre parecia ter sido devastado por um ciclone. Entretanto, ele havia melhorado um pouco. Contratara uma equipe de limpeza para, a cada 15 dias, dar uma geral em seu apartamento. Uma das mulheres da limpeza chegava até mesmo a fazer compras de supermercado, garantindo que sua geladeira ficasse abastecida com suas comidas favoritas. Apesar de ser um luxo dispendioso, ele detestaria ter de viver sem ela.
Como ela não poderia ir para a academia com ele, ele teria de tomar jeito durante as 17 semanas. Isso parecia ser mais difícil que qualquer obstáculo que já havia enfrentado.
Alec sentiu-se confortável com sua decisão. Ele sabia que sentiria falta de Chicago e não tinha nenhuma garantia de que, quando se formasse na academia, pudesse ser designado para o escritório de Boston. Ward lhe dissera que era quase certeza, mas Alec preferia ver para crer.
Antes de subir para ver Lewis, ele decidiu dar uma passada no Departamento de Recursos Humanos e informar-lhes sobre a mudança. A mulher que estava sentada na mesa de trabalho era simpática e trabalhava no departamento havia quase 20 anos. Por causa dos óculos bifocais de lentes grossas, seus olhos pareciam ter duas vezes seu tamanho.
Quando o viu, ela deu um sorriso e balançou a cabeça.
- Ah, não.
- Ah, não, o quê?
- Você não pode pedir transferência. Quer dizer, poderia, mas não vai a nenhum lugar. Lewis deixou perfeitamente claro que precisa de você no departamento. - A voz dela ficou mais suave ao dizer: - O que signi fica que ele quer mandar na sua vida. Sinto muito, Alec. Acho que todos por aqui sabem que ele não passa de um verme, mas tem estabilidade e a esposa dele é muito bem relacionada, se é que você entende o que eu quero dizer. E o pior é que, a não ser que realmente pise na bola, não seremos capazes de nos livrar dele.
- Quero assinar meu pedido de demissão. Que papéis devo preencher?
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
- Odeio vê-lo partir. Você é um dos bons. - Ela tirou um lenço de papel da caixa que mantinha sobre a mesa e enxugou os olhos. - É como a velha canção de Billy Joel. Você sabe, apenas os bons morrem jovens.
Ele virou os olhos para cima.
- Aos diabos com tudo isso, eu não tenho planos de morrer jovem.
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- Mas você está indo embora. - Ela fungou enquanto abria a gaveta do arquivo, de onde tirou os papéis necessários.
Pedir demissão acabou sendo mais complicado do que Alec imaginara. Havia vários formulários a serem preenchidos, além de uma longa entrevista com o comandante, que estava determinado a convencê-lo a ficar. O que Alec, até certo ponto ingênuo, imaginara que fosse levar apenas alguns minutos acabou durando mais de uma hora.
Quando ele voltou ao escritório, Lewis estava tendo um ataque de fúria. Mesmo estando ao telefone, ao ver Alec entrar na sala, Lewis deu um pulo e, furioso, fez sinal para que entrasse.
Alec estava a meio caminho quando seu celular tocou. Ele sabia que não poderia ser o assistente de Lewis, pois acabara de passar por ele.
Era Gil quem estava na linha. Ao ouvir a voz de Alec, ele exclamou:
- Diga que não é verdade.
Alec estava impressionado.
- Como você descobriu tão depressa?
- Você me conhece. Tenho fontes seguras. Então é verdade? Você vai realmente deixar o departamento?
- Sim - disse ele. - Estou a caminho da sala de Lewis para lhe fazer o comunicado. Falo com você mais tarde.
Ao desligar o telefone, Alec entrou no escritório de Lewis. O tenente segurava o receptor com tanta força que as juntas de seus dedos estavam brancas. Alec colocou as mãos nos bolsos da calça e, com paciência, esperou que ele terminasse a conversa.
- Sim, senhor - disse Lewis, num sussurro.
A ligação finalmente terminou. Enquanto Lewis atirava o receptor no gancho, Alec perguntou, em tom de indiferença:
- Você queria me ver?
- Você sabe muito bem que sim - gritou ele. - Faz mais de uma hora que estou esperando. Entretanto, meus motivos agora são outros.
Ele ficou lá, encarando Alec por um minuto. Sem se deixar perturbar, Alec simplesmente encarou-o de volta.
- Você pediu demissão.
- Sim.
A veia que descia da testa de Lewis começou a pulsar.
- E você não acha que eu deveria ter sido o primeiro a saber? Você acha justo que eu tivesse de ficar sabendo por um telefonema feito pelo meu superior?
Quando terminou sua pergunta, ele estava aos berros. Aveia em sua testa pulava sem parar. Alec não podia evitar de grudar os olhos nela. Se Lewis tivesse um infarto e, de repente, parasse de respirar, será que Alec lhe aplicaria manobras cardiorrespiratórias? Hummm... decisão bastante difícil, pensou Alec.
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Enquanto Lewis vociferava e rugia, ele continuou especulando seu dilema filosófico.
- Você sabe em que posição me colocou? Emmett ficou furioso - disse ele, referindo-se ao comandante de área.
Alec deu com os ombros.
- Não sei o que dizer - enrolou ele. Nem morto ele pediria desculpas por ter deixado o idiota em maus lençóis
As três semanas que teria de aturar Lewis de repente se transformaram numa eternidade, e Alec perguntou a si mesmo se teria forças para tanto. Seu estômago mal podia agüentar olhar para aquele homem. Lewis se parecia e agia como um louco. Vaidoso até a raiz dos cabelos, ele tinha um bronzeado profundo que, de acordo com as más línguas, era conseguido na cama de bronzeamento artificial na qual dormia durante a noite. As jaquetas de seus dentes, excessivamente brancas, tornavam sua carranca ainda mais espalhafatosa.
- Concordei com o tempo de três semanas de aviso prévio - disse Alec. - Mas, se você quiser, posso deixar o departamento agora mesmo.
- Você me colocou numa situação horrível.
- Como assim?
- O Emmett me disse que eu tenho de convencê-lo a ficar. Ao que parece, ele pensa que você faz parte do ativo fixo. E acho que não preciso dizer que não compartilho da mesma opinião.
Alec balançou a cabeça.
- Minha decisão está tomada.
Lewis bateu as palmas das mãos na mesa, inclinando-se para a frente.
- Sabe qual é seu problema, Buchanan? Você não acredita em trabalho de equipe.
Bem, se o objetivo da equipe era fazer com que Lewis não comprometesse sua imagem, então Alec decidiu que definitivamente não acreditava em trabalho de equipe.
- Você quer que eu fique por mais três semanas ou prefere que eu vá embora agora? Para mim, não faz a menor diferença.
- Você fica - sibilou Lewis. Sentou-se pesadamente e começou a mexer em algumas pastas sobre a mesa, claramente tentando dar a impressão de que era um homem muito ocupado. Abriu e fechou uma das pastas. Pegando uma outra, ele disse: - Você pode começar a limpar seu arquivo. Entregue-me tudo o que estiver pendente. Distribuirei os casos entre os meus leais detetives.
Alec sentiu vontade de perguntar se tais homens existiam, mas achou que não seria uma boa idéia entrar em confronto com Lewis, que podia fazer e, com certeza, faria o possível para transformar a vida dele em um inferno.
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Sem olhar para cima, o tenente disse:
- Nas próximas semanas, tudo o que você tem a fazer é sentar-se em sua mesa. Faça o trabalho telefónico de Wincott.
- Trabalho telefónico de Wincott? O que isso significa?
- Significa que você pode atender o maldito telefone e, se Wincott precisar de ajuda, você o ajudará - disse ele. - Da sua mesa de trabalho.
A vontade de lhe dar um murro estava ficando cada vez maior. Alec já estava saindo quando Lewis perguntou:
- Você tem outro emprego em vista?
- Sim.
- Em Chicago?
- Não.
Ele não deu mais nenhuma informação a Lewis e Lewis não o pressionou. Alec foi até sua mesa e começou a organizar seu arquivo. John Wincott cruzou a sala, apressado. Ele e Alec se conheciam havia muito tempo. Juntos, freqüentaram a academia de polícia onde se tornaram amigos, mas até recentemente não tinham tido a chance de trabalhar juntos. Nos velhos tempos, quando bebiam juntos, Wincott, ao contrário de Alec, nunca se embebedava, não importava quanto bebesse. Alec imaginou que ele ainda continuava assim.
- Você está com uma cara horrível.
Alec não estava exagerando. Wincott parecia que não dormia há mais de uma década. Tinha bolsas abaixo dos olhos e sulcos profundos percorrendo suas bochechas de cima para baixo. Apesar de ser apenas alguns anos mais velho que Alec, no momento parecia ter cem anos.
Wincott ignorou o comentário sobre sua aparência.
- Você recebeu minha mensagem sobre o e-mail recebido por Regan Madison? - perguntou Alec.
- Sim - respondeu Wincott. - Eu ficarei feliz em falar com você em um minuto. Mas antes de qualquer coisa quero lhe perguntar algo. É verdade que você vai deixar o departamento?
Alec concordou com um aceno de cabeça.
- Sim. - A cadeira dele rangeu quando ele apoiou suas costas nela. - Eu ia dizer isso para você, mas parece que o Gil foi mais rápido.
Wincott sentou-se na beirada da mesa de Alec. Por cima dos ombros do amigo, deu uma olhada para o escritório do tenente.
- Acho que não posso censurá-lo. Se pudesse, eu também faria a mesma coisa.
- Está na hora de encarar uma mudança. - Aquela resposta estava se tornando padrão. Alec decidira que ficaria com ela e perguntou-se quantas vezes teria de repeti-la nos próximos 21 dias.
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- Uma mudança, hein? Para onde?
- Espero que para Boston. Sinto saudade de casa.
Wincott abaixou o tom da voz e inclinou-se na direção de Alec.
Está rolando um boato de que você vai trabalhar para o FBI.
Alec deu um sorriso, sem negar ou confirmar o boato.
Wincott continuou:
- Você precisa vir jantar conosco antes de ir para Chicago. Suzie vai ficar chateada quando ficar sabendo. Ela sempre teve uma quedinha por você.
- Ela continua gritando meu nome quando vocês transam?
Wincott deu uma risada.
- Como diabos eu poderia saber? Não consigo me lembrar da última vez que fiz uma coisa dessas. Sempre tem pelo menos uma criança na cama entre nós e agora, com o bebê acordando a cada três horas, a única coisa que eu quero é dormir.
- Você acabou de falar como um homem verdadeiramente casado - disse Alec.
Wincott fez uma careta.
- Voltando ao Sweeney - disse ele. - Estamos descobrindo que muitas pessoas gostariam de vê-lo morto, o que quer dizer que não faltarão suspeitos. Estivemos dando uma olhada nas coisas dele. Ninguém conseguiu encontrar sua carteira. Ei, adivinha o quê? O Sweeney mantinha um diário.
Alec levantou uma das sobrancelhas.
- Isso é coisa de menina. Eu não fazia a menor idéia de que Sweeney fosse o tipo que escrevia um diário.
Wincott riu novamente. Quando sorria, ele parecia dez anos mais novo.
- Não era esse tipo de diário - disse ele. - O idiota mantinha uma lista com o nome de todas as pessoas que pretendia chantagear. E isso não é brincadeira. Ele escreveu tudo. Adivinha o nome de quem estava no livro, juntamente com os dos traficantes e cafetões?
- De quem?
Mais uma vez, Wincott inclinou-se para o amigo.
- Lewis.
Alec ficou animado.
- Você está brincando.
- É verdade. Sweeney ia tirar algumas fotos e mandar para a mulher dele.
- Que tipo de fotos?
- De Lewis com a amante.
Alec balançou a cabeça.
- Devo dizer que isso é chocante.
- Nem tanto - discordou Wincott. - Eu não conheço ninguém que não gostasse de ver Lewis em apuros.
- Acho chocante que ele conseguisse transar com duas mulheres.
- Uma delas tem o corpo de uma tábua de passar roupas, mas é cheia da grana - razão pela qual ele se casou com ela -, e a outra, apesar
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de não ser cheia da grana, é cheia em outros lugares, se é que você consegue entender o que quero dizer.
- Quem mais estava lá?
Wincott lhe contou sobre as outras pessoas que Sweeney andara chantageando. - Ele tinha até um livro-caixa sobre a grana que entraria e as quantias cobradas, como se fosse uma conta bancária. Quem, em sã consciência, escreveria tudo isso?
- Ele deve ter pensado que nunca seria pego.
- Como eu disse, estamos tentando reduzir a lista de suspeitos. Parece que um dos três traficantes não queria ceder à chantagem de Sweeney. Talvez ele os estivesse pressionando.
- E a Regan Madison? Como é que ela entra nessa história?
- Eu não sei - disse Wincott. - Ainda não tive a chance de falar com ela. Tive de voltar à cena do crime e fiquei preso por lá. Encontramos o celular dela.
Alec endireitou o corpo.
- Ah, é? Onde o encontraram?
- Em umas moitas atrás do monte de lixo que Sweeney chamava de casa. Estamos levantando as impressões digitais do que restou do celular, mas acho que não vamos encontrar nada. O porão estava completamente vazio. As únicas digitais eram as de Sweeney. O assassino devia saber o que estava fazendo. E ele era forte, muito forte. Tinha de ser - continuou ele -, para levantar o corpo de Sweeney com aquela corda. E, por falar nisso, recebemos o relatório da autópsia. Ele já estava morto quando tiraram suas roupas e o enforcaram.
- Como foi que o mataram?
- Por asfixia - disse ele. - Agora, estou encucado para saber por que o assassino se deu ao trabalho de tirar as roupas dele e enforcá-lo. O Bradshaw acha que foi só para causar efeito - disse ele, referindo-se ao parceiro.
- O que você acha?
- Acho que ele estava se exibindo para sua namorada sofisticada... você sabe, tentando impressioná-la.
- Você está se referindo à Regan Madison como a namorada dele?
Wincott levantou as sobrancelhas.
- Ouvi dizer que ela é linda.
Alec evitou fazer qualquer comentário. Wincott pareceu que não tinha notado.
- Você sabe como são esses doidos, Bradshaw acha que ele deve tê-la visto em algum lugar e ficado vidrado nela. Ele vai falar com o Matlin sobre isso - acrescentou ele, referindo-se ao psiquiatra do departamento.
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- Boa idéia - disse Alec. Em seguida, ele colocou Wincott a par de sua entrevista com Regan, contando-lhe o episódio do homem que a perseguira até o carro. Ele também mencionou a teoria dela sobre Sweeney e o dr. Shields. - Ela tem certeza de que perdeu o celular ao cair.
Wincott estava tentando juntar as peças em sua cabeça.
- Muito bem, ele encontrou o celular, viu que tinha uma câmera embutida e decidiu se divertir um pouco. O e-mail dela estava lá. Tudo o que ele teve de fazer foi tirar a foto e apertar um botão.
- Isso ainda não explica o que Sweeney tem a ver com isso. Wincott concordou. - E eu não acredito que um traficante de drogas se divertisse com esse tipo de brincadeira. Posso imaginar um deles matando Sweeney, mas... - Ele parou de falar, encolheu os ombros e disse: - Ainda não tem sentido.
- O que você quis dizer com estamos levantando as impressões digitais do que restou do celular?
- Enquanto ainda estava no porão, ele deixou o celular aos pedaços. A equipe de legistas encontrou várias peças na bancada de trabalho.
- E naturalmente não havia nenhuma impressão no martelo.
- Não - confirmou ele. - Nem uma sequer. Ouça, quero lhe agradecer por estar trabalhando nisso com a gente. Vamos ter bastante trabalho de rotina. Como mandaram aquele e-mail para Regan Madison, vamos ter de investigar todas as pessoas que de alguma maneira têm algo a ver com ela. É possível que se trate de uma vingança de um amante abandonado ou de algum funcionário insatisfeito. Vou precisar de toda a ajuda que for necessária. Seria bem legal se finalmente pudéssemos trabalhar juntos, com eu lhe dizendo o que fazer. Eu ia gostar muito.
- Bem, antes que você fique todo entusiasmado com a ideia de me colocar na sua equipe, você precisa saber de uma coisa.
- O quê? - Wincott olhou para cima para, em seguida, dizer: - Diabos, Lewis está fazendo sinal para mim.
- Ele vai dizer a você que quer me ver fora dessa investigação. Tudo o que posso fazer são alguns telefonemas para você.
- Wincott - gritou Lewis, da porta de seu escritório. - Quero falar com você.
- Pentelho - resmungou ele.
- Mantenha-me informado - disse Alec.
Wincott concordou com um aceno de cabeça. Alec pôde ouvi-lo suspirar, enquanto contornava as mesas para chegar ao escritório de Lewis.
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CAPÍTULO 20
- VOCÊ ESTÁ DE VOLTA AO DEPARTAMENTO.
Lewis fez o comunicado da porta de seu escritório.
- Buchanan, você ouviu o que eu disse? Você está de volta.
Alec não se deu ao trabalho de se levantar. Ele simplesmente virou sua cadeira giratória e perguntou:
- De volta aonde?
Lewis aproximou-se a passos largos.
- Acabei de falar com o superintendente da polícia por telefone. Isso mesmo - disse ele. - O superintendente. - Ao dizer isso, ele estufou o peito.
- Então? - perguntou Alec.
- Você tinha idéia de quem é Regan Madison, quando a entrevistou?
Alec não estava a fim de adivinhações. Ele estivera rabiscando seu mata-borrão, enquanto observava o ponteiro de segundos circundar o relógio na parede. Apesar de fazer apenas algumas horas que Lewis havia tirado seus casos de suas mãos, ele estava terrivelmente entediado. Não estava certo de quanto tempo conseguiria agüentar sentado ali, e Lewis esperava que ele chegasse pontualmente às oito da manhã, para passar nove longas horas sem fazer absolutamente nada. Se ele queria aplicar uma punição a Alec, não poderia ter encontrado forma melhor. Três semanas de tédio total e irrestrito. Gostasse ou não, ele teria de agüentar.
- Então, tinha ou não?
- Tudo bem, mordi a isca. Quem é ela?
- Uma Hamilton - disse ele. Ao dizer o nome, ele quase estalou os beiços.
Lewis parou na frente da mesa de Alec e plantou as palmas de suas mãos suadas no mata-borrão de Alec.
- Ela é Regan Hamilton Madison.
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- E daí?
- A família dela é dona daquela rede de hotéis. Agora, ele estava franzindo a testa, obviamente irritado com o fato de que Alec não tivesse ficado impressionado o bastante. - O Hamilton, de Chicago, é apenas um dos hotéis da rede. Todos eles são cinco-estrelas. A família da mulher tem dinheiro, muito dinheiro.
- E daí?
- Isso não consta em seu relatório. Eu verifiquei. Você deveria ter mencionado alguma coisa. Por que omitiu o fato?
A pergunta era tão absurda que Alec não sabia como responder.
-O que tem ela? E o que você quis dizer quando disse que eu estava de volta
- Ela tem irmãos.
- Sim, eu sei.
- Três irmãos - continuou ele, agindo como se Alec não soubesse - O mais velho acabou de ligar para o superintendente. Parece que ele conhece bem os Madison. Eles freqüentam o mesmo clube - acrescentou ele. - O Clairmont Country Club, para ser mais preciso. Minha esposa está tentando entrar na sociedade como sócia há mais de cinco anos.
- E? - perguntou Alec, tentando forçá-lo a ir direto ao assunto.
- Aiden é o mais velho dos Madison. Ele é um homem muito poderoso.
Agora, ele parecia um fã. Alec estava enojado.
- E daí?
- Ele está preocupado com a segurança da irmã.
Alec apoiou as costas na cadeira.
- Por que você está falando isso comigo? O responsável pela investigação é Wincott.
- Wincott já tem muito o que fazer - disse ele. - E Regan Madison não é suspeita...
- O Wincott disse a você que não?
- Sou eu quem estou dizendo - chicoteou ele.
Alec não estava disposto a discutir. Vamos lá, pensou ele. Seja claro. Lewis estava demorando uma vida inteira para lhe dizer o que queria. E Alec tinha muitas outras coisas para fazer. Como, por exemplo, rabiscar seu mata-borrão. Nesse momento, ele quase deu uma gargalhada. Lewis precisava ter certeza de que ele seria excluído de todas as investigações em andamento, pois queria que ele se sentasse em sua mesa de trabalho e não fizesse nada mais além de olhar para o teto. Felizmente, ele tinha vários rabiscos para terminar e, no exato momento, as mãos de Lewis estavam suando, mais precisamente em cima dos mais criativos.
- Quero que você cuide da segurança dela até que Wincott descubra quem é o assassino de Sweeney.
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Alec largou a caneta.
- Você quer que eu seja o guarda-costas dela? - Ficou irritado só de pensar nessa possibilidade. - Eu não sou um maldito guarda-costas - resmungou ele, antes que Lewis tivesse a chance de falar alguma coisa.
- Pois agora você é. E sabe por que eu decidi por você?
- Por que você sabia que eu detestaria?
- Por isso também - disse Lewis, com um sorriso. - Sua atitude é muito ruim, Buchanan. É por isso que você é tão bom trabalhando com narcóticos. Você se encaixa muito bem com todos aqueles pervertidos e psicopatas.
Os insultos dele não atingiram Alec.
- Que bom que você notou.
- Você vai ficar grudado naquela mulher noite e dia, dia e noite. Entendeu?
Estaria ele mais preocupado com o fato de a mulher rica ficar irritada ou com o assassinato de Sweeney? Era difícil dizer.
- Se a família dela tem tanto dinheiro assim, por que não contratam um guarda-costas?
- Eles até poderiam. É claro que poderiam - disse ele. - E é possível que façam.
Toda vez que ele abria a boca, ele cuspia na mesa de Alec. Deus do céu, de repente, aquelas três semanas mais se pareciam com uma sentença de morte.
- Mas eu quero alguém desse escritório com ela o tempo inteiro. E quero que Aiden Madison se sinta agradecido. Entendeu? Ele não esperou pela resposta. Ajeitou o corpo e voltou para seu escritório. Estava prestes a fechar a porta quando parou e gritou: - Buchanan?
Alec não respondeu.
- Esse é meu passaporte de entrada para Clairmont. Veja se não estraga tudo.
- Combinado.
- Mantenha-a viva.
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CAPÍTULO 21
DEVIDO À CHUVA INCESSANTE, AO LONGO DE VÁRIOS DIAS A EQUIPE DE MANUTENÇÃO não foi capaz de limpar a pilha de quase dois metros de galhos secos. Ao retirar o entulho, os homens usavam botas de borracha preta e coletes amarelos sobre suas roupas de trabalho e, em pouco tempo, estavam cobertos de lama. Vernon, considerado o mais energético da equipe de três homens, havia atirado o último galho retorcido num carrinho de mão e estava voltando ao abrigo para fazer uma pausa e fumar pelo menos dois cigarros Camel sem filtro, quando um de seus colegas de trabalho começou a gritar feito uma garotinha, apontando e afastando-se ao mesmo tempo. Os olhos castanhos de Sammy pareciam querer saltar das órbitas. Harry, o novo funcionário, usava lentes bifocais grossas, salpicadas de lama e chuvisco. Quando se aproximou para ver o que estava acontecendo com Sammy, ele também começou a gritar. Entretanto, não gritava como uma garota, mas como um papagaio.
- O que é que está acontecendo com vocês? - perguntou Vernon, aproximando-se dos colegas. Foi então que ele viu o que os outros viam: um dedão saindo para fora da terra.
Ele se abaixou, viu o esmalte vermelho lascado da unha e caiu sentado.
- Não toquem em nada - disse ele, como se estivesse engasgado, enquanto tentava se levantar. - A polícia não vai querer que a gente toque em nada porque o que temos aqui é uma cena de crime.
Harry olhava fixamente para o dedão, como se tivesse esperanças de que ele se mexesse.
- Como é que você sabe, Vernon?
- Porque esse é o local onde o crime foi cometido, seu burro. Pelo menos, foi aqui que enterraram o corpo. - Antes de continuar, ele fez uma
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pausa para, com certo drama, apontar para o dedo. - E isso faz desse dedo a cena de um crime. É assim que eles chamam na televisão, quando delimitam o espaço com aquela fita amarela. Sammy, pelo amor de Deus, pare de gritar.
Sammy tirou um lenço encharcado do bolso e limpou os olhos.
Deveríamos fazer alguma coisa por ela... Não deveríamos fazer alguma coisa por ela?
Levando em consideração as circunstâncias, Vernon estava surpreendentemente calmo.
- Ninguém pode fazer nada por ela agora.
- Isso é um dedo de verdade, não é, Vernon? - perguntou Harry.
- O que você quer dizer com "de verdade"?
- Pensei que talvez pudesse ser de plástico ou de borracha. É possível que um dos alunos da universidade estejam tentando pregar uma peça em nós.
Aquela era uma possibilidade. Vernon inclinou-se para poder ver melhor.
- É verdadeiro, sem dúvida. Borracha não se decompõe tão depressa, e posso ver que não é plástico porque não tem brilho.
Sammy sentiu ânsia de vómito. Harry lançou-lhe um olhar de reprovação, empurrando-o para trás.
- A polícia não vai gostar nem um pouco que você vomite na cena do crime. Respire fundo - sugeriu ele.
- Você tem certeza de que o dedo está ligado ao corpo? - perguntou Harry.
- Você faz umas perguntas bem estúpidas. Eu não vou botar a mão aí para saber isso. Isso é trabalho para a polícia. Por que você não corre até o centro de convenções e usa o telefone para chamar a polícia? O Sammy e eu esperamos aqui.
- Não seria mais fácil se eu usasse meu celular?
- Pelo amor de Deus, será que todo mundo nessa terra tem um celular?
- Eu não tenho informações sobre os outros cidadãos norte-americanos - disse Harry. - Só sei que eu tenho o meu. E já faz mais de um ano.
Ele abriu sua capa de chuva, tirou um celular vermelho e discou o número da polícia.
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CAPÍTULO 22
A ÚLTIMA COISA QUE REGAN QUERIA ERA ALGUÉM SEGUINDO-A TODOS OS segundos de seu dia. Entretanto, o detetive Buchanan não estava muito preocupado com o que ela estava sentindo. Entrou no escritório dela com a mesma aparência desalinhada e sensual, apoiou-se na beirada de sua mesa e, com calma, anunciou que seria seu guarda-costas pelas próximas três semanas ou até que o homem que lhe mandara a foto do detetive Sweeney fosse preso.
- Você não deveria estar nas ruas, procurando pelo assassino, em vez de ficar me seguindo?
- Fui encarregado dessa missão - disse ele. - O detetive Wincott está fazendo o trabalho externo - acrescentou ele.
Ela se sentia frustrada e fatigada. E, apesar de decidida a não admitir, com muito medo. Cordie ainda não retornara o telefonema e Regan estava preocupada com as duas amigas.
- Sim, você já me disse que o detetive Wincott está encarregado do caso. Ainda não o conheci. Acho que não estou colaborando muito, não é mesmo? - perguntou ela. - Parece que você acabou de sair daqui. E parece que, depois que você saiu, esse lugar virou uma baderna. Preciso de algum tempo para pensar. Minha cabeça virou um turbilhão. Tenho algum trabalho para terminar e depois eu quero...
Ele tentou sorrir.
- Pensar?
- Sim, pensar.
- Não tem problema - disse ele.
Ele tirou a gravata, colocou-a no bolso e, depois de tirar o paletó, atirou-se no sofá.
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Ela o observou fazendo-se confortável.
- O que vai acontecer ao final das três semanas?.
- Como? Ao virar-se para Regan, ele estava enrolando as mangas da camisa.
- Você disse que vai ser meu guarda-costas por três semanas. E depois?
Antes de responder, ele desabotoou o botão do colarinho.
- Meu trabalho estará terminado e eu vou embora de Chicago. Mas, não se preocupe, pois se ele ainda estiver solto eles colocarão outra pessoa no meu lugar para protegê-la. Até lá, você terá de me agüentar.
- Quem tomou essa decisão?
- Isso é importante?
- Sim, é - disse ela.
- Tudo bem.
- Tudo bem, quem? - ela não ia desistir.
- O tenente Lewis.
- E eu, tenho algum poder de decisão nisso?
Ele abriu um largo sorriso e pegou a última edição da revista Forbes da mesinha de centro.
- Na verdade, não - disse ele. - Independentemente de você gostar ou não, vim aqui para ficar.
Ela não gostava mesmo, nem um pouco. O detetive Buchanan era, com toda a clareza, uma perturbação, mas ela teve de adiar a discussão quando o celular dele tocou. O telefone sobre sua mesa tocou ao mesmo tempo.
- Isso é maravilhoso - disse ele. - Seu assistente insistia em dar desculpas e mal posso acreditar que finalmente esteja falando com a senhora. Eu sei que a senhora não teve nada a ver com o cancelamento da continuidade da doação, por isso eu não a culpo. Tudo não passou de um grande mal-entendido, não é verdade?
Antes que ela tivesse tempo de responder ou explicar-lhe qualquer coisa, ele continuou:
- Meu trabalho é muito importante. Preciso do dinheiro e me garantiram que, uma vez que fosse escolhido - e fui escolhido no ano passado -, a renovação seria automática. E se eu fosse até aí hoje à noite para pegar o cheque?
- Isso não vai acontecer, sr. Morris. Fui eu quem recusou a segunda doação e a informação que o senhor recebeu foi muito específica. Não existe esse lance de renovação automática.
Ele se recusou a acreditar nela. A voz dele havia perdido um pouco da esperteza no momento em que disse:
- Não, isso não é verdade. A senhora não pode ter me recusado. Tenho certeza de que a senhora entende a importância do meu trabalho.
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- Sr. Morris...
Ele voltou a interrompê-la. - Eu sei o que a senhora vai dizer. Seu assistente já me disse que posso voltar a solicitar a doação no próximo ano, mas o centro comunitário precisa desesperadamente do dinheiro. Agora. Agora, sobre o cheque...
Decidida a colocar um ponto final naquela conversa o mais rápido possível, ela o interrompeu.
- O senhor não vai receber nenhuma doação. Sua requisição foi negada e acho que seria uma grande perda de tempo, tanto do seu quanto do meu, fazer um novo pedido no próximo ano.
Quando desligou o telefone, ele estava claramente ofegante. Ao reparar que o detetive Buchanan já havia terminado de falar ao telefone, ela disse:
- Henry estava certo. Peter Morris não aceita um não como resposta.
Ela repetiu cada palavra da conversa que tivera com o homem. Quando terminou, Alec disse:
- Vou informar Wincott sobre ele e me certificar de que seja investigado.
Ele se levantou e vestiu o paletó.
- Já vai? - perguntou ela.
Ele deu um sorriso.
- Sim, e você vem comigo. O perito em retratos falados está à nossa espera na delegacia. Precisamos ir. Tenho esperanças de que vocês dois possam fazer o retrato falado do homem que a perseguiu.
A resposta dela foi imediata.
- Sim, tudo bem.
- Nada contra?
Ela balançou a cabeça.
- Não, isso é muito importante.
- É mesmo.
Ela pegou a bolsa da gaveta e caminhava em direção à porta, onde ele a esperava, quando o fax começou a dar sinal de recebimento.
- Você precisa ver o que é ou pode esperar até nossa volta - perguntou ele.
- É provável que seja apenas propaganda de algum produto - disse ela, que já voltava para a mesa de trabalho para pegar o fax. - Hoje em dia, é muito raro receber fax. As pessoas preferem o e-mail.
Ela deu uma olhada por sobre o ombro para ver se ele estava irritado com o fato de deixá-lo esperando. Mas ele estava ocupado abotoando o colarinho e não pareceu se incomodar com o atraso dela.
- Você se importa? Só mais um minuto.
- Não tem problema. Agora, ele estava procurando a gravata.
- Está no chão ao lado do sofá.
- O quê? - perguntou ele.
- A gravata que você está procurando. Ela caiu do seu bolso.
- Obrigado.
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Ele caminhou até o sofá. Ela se virou para o fax. A página de abertura havia caído na bandeja. O campo do remetente estava em branco, mas havia alguma coisa escrita no campo reservado ao assunto. Ela não estava conseguindo ler direito. Pegou a folha e virou-a na direção da luz. Um frio percorreu sua espinha quando leu as quatro palavras: Sua Lista de Assassinatos.
- Lista de Assassinatos? Ai, meu Deus...
De repente, tudo teve sentido. Ela respirou fundo e deu um passo para trás, como se isso pudesse separá-la da verdade.
Ela balançou a cabeça.
- Não... não pode ser verdade... simplesmente não é possível...
Alec percebeu o pânico na voz de Regan. Com delicadeza, pegou a folha da mão dela, no momento exato em que o fax voltava a funcionar. A segunda página estava a caminho.
Regan estivera tão atordoada com o assunto da primeira página que deixou de ler a mensagem, escrita com letras que se pareciam com pegadas de galinha, no final da página. Alec leu em voz alta: - Desculpe, não posso assumir a responsabilidade por essa. Já era tarde demais. Ela já estava no necrotério. Teve um infarto fulminante. De qualquer maneira, tomei a liberdade de riscá-la de sua lista.
Quando Regan pegou a segunda página, Alec já estava ao telefone com Wincott. Ele cantou o número do fax. - O resto está bloqueado.
- Estamos trabalhando no caso - disse Wincott. - Vejo você aqui na delegacia. - Ao desligar o telefone, ele estava gritando com seu parceiro
Alec virou-se para Regan.
- Lista de Assassinatos? Que diabo é uma lista de assassinatos?
Ela não respondeu imediatamente. Ansiosa, esfregava as mãos enquanto esperava que a máquina cuspisse a próxima página. O que parecia estar demorando uma eternidade.
Finalmente, lá estava ela.
Deus do céu, outra foto. Essa era de uma mulher deitada no que parecia ser uma mesa de metal. A morte pacífica se instalara em seu rosto macilento.
Regan demorou vários minutos para se lembrar de onde tinha visto aquela mulher.
- Isso não pode estar acontecendo.
- Conte-me tudo - exigiu ele.
-Eu sei quem é essa mulher - disse ela. -Ela trabalha na Dickerson, loja de produtos para banho da avenida Michigan. Eu passei por lá, algumas semanas atrás, para comprar um vidro de loção hidratante para corpo. Ela é vendedora.
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Os joelhos de Regan pareciam que queriam abandoná-la. Ela caiu sentada sobre a mesa e respirou fundo. Sua mente girava sem parar.
- Ela estava usando um crachá... Sra. Patsy.
- Você se lembra do nome dela?
Ela concordou com um aceno de cabeça. - Ela foi extremamente grosseira. É provável que tenha tido um dia ruim e eu não tinha o direito de julgá-la. Agora, ela está morta.
Que ela estivesse morta era bastante óbvio. - Você quer vomitar? Alec já estava procurando um cesto de lixo.
- Não, não. É tudo culpa minha.
- Como poderia ser culpa sua? Se o que esse maníaco diz é verdade, ela morreu de infarto.
Ela mal ouvia o que ele estava lhe dizendo. Deus do céu, o que ela havia feito? O que havia feito?
- Regan?
Ela voltou a respirar fundo.
- Você leu o fax. Ele disse que era tarde demais, que ela já estava morta. É óbvio que ele foi atrás dela para matá-la.
O rosto de Regan estava ficando cinzento. Agora, Alec estava ficando preocupado que ela pudesse desmaiar. Ele se aproximou dela para o caso de precisar ampará-la, caso ela caísse.
- Não, mas eu coloquei o nome dela na minha lista. Ele inclinou a cabeça para trás. - Você o quê?
- A lista de assassinatos... é minha.
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CAPÍTULO 23
REGAN ESTAVA UM POUCO SURPRESA COM O FATO DE ELE NÃO TER COLOCADO as algemas nela e lido seus direitos. Na verdade, considerando que agora ela era a principal suspeita, o detetive Buchanan recebera muito bem a notícia.
Ele era muito bom em esconder suas reações. Se ela não estivesse olhando diretamente nos olhos dele, não teria notado que ele endurecera com relação a ela.
Ela estava muito abalada para ficar preocupada com o que o detetive pensava a respeito dela. Estava preocupada e amedrontada e não gostava nem um pouco de se sentir dessa maneira. Olhou para o relógio, imaginou que Henry estaria de volta à sua mesa em 15 minutos e deixou um bilhete para ele explicando aonde iria. Além disso, deixou instruções com ele para que ligasse para Sam Baldwin, o advogado que, com a ajuda de três outros profissionais atarefadíssimos, cuidava de todos os problemas legais relacionados à rede de hotéis Hamilton e à família. Spencer sempre brincava com o fato de que os advogados faziam parte da equipe pessoal de Walker, pois ele era o membro da família que mais utilizava seus serviços. Sam ficaria chocado ao saber que, dessa vez, era Regan quem precisava dele.
No carro do detetive, a caminho da delegacia de polícia, ela tentou explicar a ele o exercício dado pelo dr. Shields durante a recepção de abertura.
Tirando lascas dos carros, ele ia costurando pelo trânsito. O cara dirigia como um doido e ela achou que fosse seu dever de cidadã deixar que ele ficasse a par disso.
- Você está brincando? - perguntou ele. - Se eu não estou enganado, você é irmã de Walker Madison. Se existe alguém que dirige como um
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doido, esse alguém é seu irmão. Ele fez uma pausa para pensar no que) havia acabado de lhe contar e perguntou:
- O que é que você quis dizer quando disse que o guarda-costas continuava a olhar para você? Apareceu algo que pudesse chamar a atenção dele?
- Não - respondeu ela. - Mas, desde o momento em que pisei naquela sala, ele grudou os olhos em mim. Foi muito estranho. Eu não fiz nada para chamar a atenção dele e, mesmo assim, ele não tirava os olhos de mim.
Alec não achava nem um pouco estranho. Grosseiro, talvez, mas estranho, não. Maldição, até ele estava tendo problemas para não encará-la. Afinal de contas, o guarda-costas era um homem e Regan era uma linda mulher.
- Posso provar que tudo isso realmente aconteceu - disse ela.
Ele olhou para ela.
- Provar o quê?
- Que não estou inventando essa história... o exercício, quero dizer. Sophie gravou tudo. Ela tinha um gravador na bolsa e sentou-se bem perto de Shields. Você pode ouvir a fita.
- Sim, vou ouvir.
- E, só para que você possa entender, eu não tinha nenhuma intenção de participar do exercício, mas Shields disse que, ao final de dez minutos, nós teríamos de levantar nossas listas e que ele andaria pela sala para verificar se todos nós havíamos escrito os nomes. Decidi que o deixaria saber o que pensava dele. Afinal, ele fez a pergunta. Ele nos disse que, se achássemos que o mundo se tornaria um lugar melhor sem determinadas pessoas, deveríamos escrever os nomes delas.
- O nome dele está na lista?
- Sim.
- Quantos nomes você escreveu na sua lista?
- Seis... não, cinco.
- Está certa disso?
- Sim, foram cinco nomes. Ela rezou para que estivesse certa.
- Muito bem, então Shields é uma das pessoas. Temos também a tal Patsy e o detetive Sweeney - disse ele. - Quem são as outras duas?
- Os dois guarda-costas.
- Ah.
- Normalmente, não sou tão sangüinária.
Ele deu um sorriso.
- Não achei que fosse.
- A impressão que se tem é que tudo isso aconteceu há muito tempo. Fiz a cirurgia de joelho logo depois, e os dias parecem confusos em minha mente. Quanto à lista...
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- Sim?
- Pensei que fosse rasgá-la e jogá-la no fogo como todos fizeram, mas tive de sair da sala para atender o celular e, quando voltei, Shields já havia mudado para o que Cordie chamou de segmento inspirador tipo: "sou-maravilhoso-não-sou"?
- Como foi isso?
- Não sei. Eu não participei. Tinha ido pegar o carro. Foi quando aquele homem veio atrás de mim e eu caí. Minhas coisas se espalharam pelo chão. Eu não sabia que minha pasta e meu celular tinham ficado para trás.
- Então, diga-me exatamente o que havia na pasta.
Ela olhou para o vazio, tentando se lembrar. A imagem da pasta azul com o bloco de folhas brilhantes emergiu um tanto vaga. - Havia um bloco de anotações no qual escrevi a lista... e testemunhos sobre Shields... e fotos... Peguei uma delas e comecei a fazer uma lista de coisas a serem feitas... lembretes, coisas do trabalho... coisas a fazer... coisas e mais coisas.
- Você vai ter de se lembrar exatamente de todas as "coisas e mais coisas" e, quando chegarmos à delegacia, você pode escrevê-las para o detetive Wincott.
- Por quê?
- As anotações estavam na pasta. Ele vai querer saber sobre elas.
Regan não sabia se conseguiria se lembrar de tudo o que havia escrito. Começou a pensar no assunto e não disse nenhuma palavra pelo resto do caminho.
Alec parou o carro no estacionamento ao lado da delegacia, abriu a porta para ela e segurou o braço dela enquanto atravessavam a rua.
- Vai ser uma longa tarde - disse ele. - Você vai ter de contar tudo o que me contou para Wincott. De novo, de novo e de novo, ele silenciosamente acrescentou. Wincott era adepto à repetição.
- E o que você estará fazendo?
- Tenho de dar alguns telefonemas e terminar trabalho burocrático. Wincott me informará quando vocês terminarem.
- Eu não preciso de um guarda-costas.
- Acho que talvez você precise.
- Então, eu posso contratar...
Ele a interrompeu.
- Ouça, você vai ter de me agüentar, independentemente do número de guarda-costas que quiser contratar. Não é uma questão de escolha.
Ela percebeu que não tinha sentido discutir. No entanto, ela deve ter sentido certo desamparo, porque ele disse:
- Anime-se. Poderia ser pior.
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- Como?
- Você poderia ter escrito pelo menos dez nomes naquela lista, vinte, ou trinta...
Eles começaram a subir o primeiro lance de escadas.
- Quantos nomes sua amiga Cordie escreveu?
- Sete - disse ela.
Ao chegarem ao topo da escada, ele a conduziu por um estreito corredor.
- Aí está - disse ele. - Sua amiga é mais sangüinária do que você. Isso deve ajudá-la a sentir-se melhor.
- Na verdade, não. Ela escreveu o nome dos Sete Anões.
Ele deu uma risada.
- Você está brincando.
Ela balançou a cabeça para dizer que não.
- O que ela tem contra os Sete Anões?
- perguntou ele. Com um sorriso fraco, ela respondeu:
- Nada.
- Isso é impressionante - disse Alec. Ele abriu a porta e deu um passo para trás, para que ela pudesse entrar primeiro.
- O que é tão impressionante? - perguntou ela, enquanto passava por ele. - Que Sophie e Cordie foram inteligentes o bastante para não escrever nomes de pessoas reais?
- Não, o impressionante é que Cordie pudesse nomear os Sete Anões. Eu só consigo me lembrar de quatro nomes. Vamos ver. Tem o Mestre, Soneca, o Zangado, o Gaguinho...
Ela o interrompeu.
- Gaguinho não é um dos Sete Anões. É um personagem do Pernalonga.
- Hum. Ah, é?
- Sim, senhor - disse ela, rindo em seguida. - Você está tentando fazer com que eu me sinta melhor?
- Talvez um pouco.
- Por quê?
- Porque você parece estar a caminho de um pelotão de fuzilamento E já faz algum tempo que não utilizamos esse método. Além disso, eu já disse que, para você, essa vai ser uma longa tarde.
A delegacia de polícia parecia um labirinto de corredores. Alec passou o braço ao redor dela para abrir uma outra porta. Ela precisaria de migalhas de pão para encontrar o caminho de volta.
- E o perito?
- Ele vem depois.
Ao puxar uma cadeira para ela, ele aproveitou para roubar um pouco do perfume dela. Maldição, o cheiro dela era delicioso.
- Você quer beber alguma coisa?
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- Água, por favor.
Regan olhava ao redor com interesse. A sala de café não era nem um pouco parecida com as que vira na televisão, com pintura descascada e janelas sujas e grades. Essa era espaçosa, limpa e era óbvio que havia passado por uma reforma recente. Ainda havia um leve cheiro de tinta no ar.
5 paredes tinham uma cor alegre - quase alegre demais - e a cor era um Terrível tom de turquesa. As duas mesas quadradas e as cadeiras também pareciam novas.
Alec percebeu o olhar que ela lançava para as paredes.
- Dá vontade de colocar os óculos escuros, não é?
- Quem escolheu essa cor?
- Ninguém assume a responsabilidade.
O refrigerador também era novo e tinha um bom estoque de água e refrigerantes. Alec entregou-lhe uma garrafa de água e puxou a cadeira que estava ao lado dela para que sentasse.
No centro da mesa havia um bloco para estenografia e uma caneta. Alec empurrou os dois na direção dela.
- É melhor que você se adiante e comece a escrever os nomes de sua lista de assassinatos.
Lista de assassinatos. Meu Deus, aquilo estava fazendo uma terrível confusão. Ela pegou a caneta e, com movimentos rápidos, escreveu cinco nomes. Ela rotulou os guarda-costas de A e B, já que não sabia seus nomes verdadeiros. Quando terminou, devolveu-lhe o bloco.
Ele inclinou-se para a frente, olhou para a lista e voltou a empurrar o bloco na direção dela.
- Agora, escreva as anotações que fez enquanto o Shields falava.
Agora, era mais fácil falar do que fazer. Enquanto tentava se concentrar, ela batia o salto do sapato no linóleo do chão. Emily Milan veio-lhe à mente. Regan lembrou-se de ter feito um lembrete para tomar providências a respeito da assistente de Aiden. Oh, e também de Peter Morris. Como pôde se esquecer dele? Ela havia escrito um lembrete para falar com a segurança sobre ele. Como pôde se esquecer dele? Havia mais alguém?
As batidas com o calcanhar tornaram-se mais intensas.
- Não precisa ficar nervosa - disse ele.
- Eu não estou nervosa. - Aquilo era mentira, e ela sabia disso.
Então, ela percebeu que estava empurrando o pé da mesa com o joelho e fazendo uma sinfonia com o salto do sapato. Forçou-se a parar.
- Talvez eu esteja mesmo um pouco nervosa.
Ela colocou a caneta sobre a mesa e, mais uma vez, devolveu-lhe o bloco de anotações. Ele olhou para ela sem fazer comentários.
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Enquanto tentava se lembrar de mais alguma coisa que tivesse naqueles papéis, ela olhava para o tampo da mesa. Teria se esquecido de algum nome de sua lista? Ela se lembrava de que, no último minuto, tivera vontade de adicionar o nome de Emily à lista sem, no entanto, ter chance de fazê-lo.
Ela olhou para Alec e, por um segundo, perdeu a concentração. Isso nunca havia acontecido com ela antes. Mas também o detetive Buchanã era um homem bem atraente e, definitivamente, bastante contraditório. Ele era um pouco desalinhado com sua gravata ainda retorcida, seu paletó amassado e aquela premente necessidade de fazer a barba. Entretanto, suas maneiras eram impecáveis, ele era obviamente uma pessoa bem educada e com um senso de humor bastante interessante - uma qualidade que imaginou que era a primeira coisa a desaparecer no tipo de trabalho que fazia. Quando ele estava dando atenção total a ela, era possível sentir uma forte atração magnética.
Muito bem, você está perdendo o controle, pensou Regan.
Ela limpou a garganta e disse:
- Eu o vi no escritório do tenente Lewis, no dia em que estive aqui para falar com o detetive Sweeney.
- Eu também a vi.
Sem esperar por aquela resposta, ela perguntou:
- É mesmo?
- Hum-hum.
- Sim, bem, o que aconteceu é que... o tenente estava gritando com um policial - disse ela. - Na verdade, até onde posso me lembrar, gritava com toda a força de seus pulmões. Eu nunca vira alguém se comportar daquela maneira. Pelo menos, não numa posição de autoridade como a dele. Fiquei chocada com a conduta dele.
- Ele queria se livrar do policial.
- E você o defendeu.
Ele deu um sorriso.
- Você conseguiu ver isso também?
- Sim - disse ela. - Eu vi você discutindo com o tenente, mas não pude ouvir o que dizia. Ao contrário de seu superior, você não levantou a voz, lembro-me de ter pensado que... Lewis... estava humilhando o oficial
Alec discordou.
- Não - disse ele. - Ele tentou humilhá-lo, mas não conseguiu. O oficial sabia que não tinha feito nada de errado. Mas por que estamos falando sobre isso agora?
Como não podia suportar o olhar dele, ela olhou por sobre seu ombro.
- Eu pensei em colocar o nome do tenente na lista.
Ele estava fazendo força para não sorrir.
- E não colocou?
- Não, não coloquei. Mas teria colocado se não tivesse sido interrompida. Meu celular tocou e eu tive de sair da sala para atendê-lo.
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Se eu tivesse ficado, o nome dele teria ido para a lista. Achei que você deveria saber disso.
- Se eu fosse você, não diria isso ao detetive Wincott.
- Por que não?
Ele encolheu os ombros.
- Seria muito cruel deixá-lo esperançoso e depois desapontá-lo.
- Mas eu não coloquei o nome de Lewis na lista.
- Por isso mesmo.
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CAPÍTULO 24
FINALMENTE, REGAN FEZ A PERGUNTA QUE A ESTAVA INCOMODANDO.
- Por que você está indo embora de Chicago?
- É uma longa história. - Ele não continuou.
- Para onde você vai?
- Vou voltar para Boston. Minha família é de lá.
- Temos um hotel em Boston.
- Eu sei - disse ele.
Ele não forneceu mais explicações e ela não o pressionou. Quando a porta se abriu, ambos se viraram. O detetive John Wincott deu um passo à frente e abaixou-se para pegar uns papéis que deixara cair. O sinal de calvície perfeitamente redonda no alto de sua cabeça era visível e brilhante. O parceiro de Wincott costumava dizer a todos no recinto que ele era muito sensível sobre sua careca, o que, é claro, faz com que todos usem a primeira oportunidade para atormentá-lo com isso. Um dos apelidos de que Wincott menos gostava era padreco. Felizmente, não lhe faltava senso de humor.
Regan achou que ele a fazia lembrar um contador sobrecarregado, provavelmente porque carregava o que parecia ser um livro-caixa, com papéis saindo por todos os lados. Em seguida, ela percebeu a arma que ele levava ao lado do corpo e a possibilidade de que ele fosse um contador foi imediatamente descartada.
- Desculpem por tê-los feito esperar.
- Você continua com aparência cadavérica - Alec disse a ele, depois de apresentá-lo à Regan.
Na verdade, ela o achou bem charmoso, mas com aquelas olheiras e a pele cinzenta ele realmente parecia estar exausto.
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- Definitivamente, ela não é para seu bico, Lyle.
Divorciado há pouco tempo, Bradshaw se considerava o favorito das mulheres. Elas o achavam atraente e atencioso e ele nunca estava desacompanhado. Pessoalmente, Alec o achava um pouco arrogante e, algumas vezes, detestável. A única coisa que o salvava era sua competência como detetive.
Bradshaw estava abrindo a porta para a sala de café quando Alec o chamou:
- Ei, Bradshaw.
- Pois não?
Alec estava pronto para dizer-lhe para pegar leve com Regan, mas controlou-se a tempo.
- Vá com calma com ela - disse ele. - Ela está assustada.
Alec pegou sua correspondência e voltou para sua mesa. Lewis havia encaminhado seus casos para vários detetives sobrecarregados de trabalho e, em seu intento infantil de puni-lo, Lewis havia mandado retirar o computador de sua mesa de trabalho. Agora, o tampo da mesa de Alec estava completamente vazio.
Se os outros detetives não tivessem levado a pior ao terem de assumir os casos dele, ele acharia o comportamento de Lewis engraçado. Alec sentou-se em sua mesa e pegou seu celular para ligar para seu irmão, Nick.
- Então, acho que estou dentro.
Nick deu uma risada.
- Olá, Alec. Com dentro você quer dizer o FBI?- Você já sabia, não é?
- Sim, sabia. Ward me ligou cinco minutos depois de você ter sido aceito na academia. Ele me disse que suas notas foram impressionantes.
- Melhores que as suas?
- Bem... se fossem, você acha que eu admitiria?
- É pouco provável. Por favor, conte ao Theo - pediu Alec. Ele não sabia se teria tempo de entrar em contato com seu irmão mais velho.
- Ele já sabe. Ward ligou para ele também. Você já decidiu se vai comprar minha casa na cidade? Todos os domingos, Laurant tem saído com o corretor à procura de uma nova casa para nós. Nossa casa é boa para uma pessoa solteira, mas, com o bebê, ficou muito apertada e Laurant está querendo engravidar de novo.
Alec deu um sorriso. Ao se casar com Laurant, Nick havia encontrado seu pote de ouro. Ela era uma pessoa muito especial, feita sob medida para o irmão dele. De natureza calma e compreensiva, ela era exatamente o que Nick precisava ao voltar para casa após o trabalho. Theo freqüentemente descrevia o trabalho de Nick como uma panela de pressão. Ele e seu parceiro, Noah Clayborne, trabalhavam para uma divisão especial do FBI. Eles
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entravam em ação quando a busca de uma criança desaparecida esfriava. Era um trabalho duro e estressante.
- Sim, vou comprar sua casa na cidade - disse Alec. - Mesmo que não seja designado para trabalhar em Boston.
- Ward me disse que será.
- Ele diria qualquer coisa para convencer uma pessoa a juntar-se ao FBI - disse ele. - Essa decisão não cabe a ele, mas mesmo que eu não vá para Boston vou manter a propriedade. É um bom investimento.
- Espere um pouco - disse Nick. - Eu mal posso ouvir o que você está dizendo. Tem duas pessoas falando comigo ao mesmo tempo.
- Quem está falando com você?
- Noah.
- Onde você está?
- Em Dálias - disse ele. - Acabamos de finalizar um caso. Esse terminou bem.
- Isso é ótimo.
De repente, Noah estava na linha, dando-lhe os parabéns.
- Você vai morrer de trabalhar na academia, mas tenho certeza de que vai sobreviver. Quando é que você pretende sair de Chicago?
- Preciso ficar aqui por mais três semanas, talvez quatro.
- Se você ainda quiser ver o jogo dos Cubs, é melhor você vir para cá logo. Para comprar os ingressos do Gil, é preciso avisá-lo com antecedência..
Um segundo depois, Nick estava de volta ao telefone, lembrando-o de que Jordan, irmã deles, estava planejando fazer uma viagem até Chicago.
- Eu sei, mas ela ainda não marcou uma data. Eu não vou poder começar a fazer a mudança antes de terminar meu trabalho por aqui. Fui designado para uma nova tarefa que vai consumir todo o meu tempo nas próximas três semanas, mas, depois disso, estarei livre. Se a Jordan demorar muito, vai acabar tendo de me ajudar a empacotar as coisas.
- Qual é sua nova tarefa?
- Não quero falar sobre isso.
Nick deu uma risada.
- É assim tão ruim?
Um jovem policial colocou uma pasta grossa sobre a mesa de Alec e preparou-se para sair. Alec fez um sinal para que ele esperasse.
-Preciso desligar, Nick. Ele fechou o celular e colocou-o no bolso. - O que é isto"
- Formulários que você precisa preencher. Mandados pelo Departamento de Recursos Humanos.
- Você está brincando.
- Não, senhor. Eu nunca brinco em serviço.
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- Eu já preenchi esses papéis. - Maldição, continuou a dizer, em silêncio.
- Não, senhor. O senhor preencheu alguns formulários, mas não todos. Eles pedem que você os devolva até o final do dia.
- É mais difícil sair desse lugar do que entrar.
- É isso o que a maioria dos criminosos costuma nos dizer - respondeu o tira, secamente.
Alec decidiu que seria melhor preencher os formulários de uma vez e, abrindo a pasta, começou a preencher o primeiro deles. Como foi interrompido muitas vezes, demorou quase uma hora para terminá-lo. Um dos detetives, de posse de uma cópia do caderno de chantagem de Sweeney, lia seu conteúdo em voz alta.
Alec acabara de preencher o último formulário quando levantou a cabeça e viu Bradshaw fazendo-lhe sinais. Pegou a pasta para devolvê-la no caminho. Bradshaw o esperava na escada.
- Vocês já terminaram com a Regan? - perguntou Alec.
- Por enquanto, sim - respondeu ele. - Wincott a levou até seu perito favorito.
- O retrato falado não deve demorar muito.
Bradshaw riu com desdém.
- Até parece que você não conhece o Tony. Se for preciso, ele ficará com ela o resto do dia, até que ela consiga descrever os mínimos detalhes. Você vai ter de ficar com ela. Acabei de receber um telefonema do puxa-saco do assistente do Lewis. Ele me disse que o irmão de Regan e seu advogado estão vindo para cá.
- Ela não é suspeita. Você explicou isso a ela?
- É claro que sim - disse ele. - E quase não resisti à tentação de convidá-la para jantar, mas me controlei a tempo.
- Pelo amor de Deus, Bradshaw. Tente se concentrar.
Bradshaw deu um sorriso.
- Isso é quase impossível, com ela por perto.
- Quem chamou o irmão e o advogado? Você sabe?
- Não - disse ele. - Eles vêm para uma reunião com o Lewis.
Ao mesmo tempo, eles se viraram para olhar para o tenente. Podiam vê-lo através da divisão de vidro, organizando a bagunça sobre sua mesa.
- Ele está se aprontando para receber visitas - disse Alec.
- Visitas importantes - acrescentou Bradshaw. - Os Madison têm uma grana preta.
Grana. Era tudo o que importava para Lewis, pensou Alec, enquanto ia até a mesa da frente para devolver os papéis. Ao voltar, encontrou Melissa, que cumprimentou com um sorriso. Ela respondeu com um grunhido. Depois de ter passado por ele, parou e disse:
- Hei, Buchanan.
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- Sim?
- Diga à Regan que, quando eu estava trabalhando naquele pedaço de merda que é o computador dela, eu me esqueci de reconectá-lo à rede
- Do que é que você está falando?
- Ela tem várias estações conectadas à rede.
- Melissa, eu continuo sem entender.
Ela pareceu irritada.
- Você conhece alguma coisa sobre computadores?
- Aparentemente, não tanto quanto você gostaria que eu soubesse. Por favor, dê as devidas explicações a esse simples mortal.
- Existem algumas outras pessoas lendo os e-mails dela.
- Era tão difícil assim dizer isso?
Ela ignorou o tom sarcástico.
- Existem vários computadores lá no hotel, todos conectados na mesma rede. Pense no e-mail dela como uma bola. Sim, exatamente como uma bola. Quando ela recebe uma mensagem, a bola é jogada para outras estações. O assistente dela recebe a mensagem ao mesmo tempo que ela. O sistema foi organizado dessa maneira para economizar tempo - explicou ela e, espremendo um pouco os olhos, perguntou: - Você está entendendo?
Ele não permitiria que ela o tirasse do sério.
- Você disse que várias outras pessoas estariam lendo os e-mails dela. Seu assistente é uma delas. Quem mais está quebrando as bolas? - perguntou ele.
- A bola bate e volta, Buchanan. Não quebra. E trata-se de alguém de lá mesmo.
- Você pode seguir a pista e encontrar esse computador específico?
- Já fiz isso. Eu não me lembro do número do IP, mas sei que está localizado no escritório de um dos irmãos. Não consigo me lembrar de qual deles. Está tudo registrado nas anotações que mandei para Wincott. Pergunte a ele.
- Mande-me uma cópia do seu relatório. - Ela já estava se afastando quando ele lhe fez uma nova pergunta: - Pode ser que Regan não saiba que existe outra pessoa lendo seus e-mails. Isso é possível?
Ela encolheu os ombros.
- Sim, é possível.
Alec foi para o outro canto da sala e viu Regan pelo vidro da porta. Ela estava sentada de frente para um computador, ao lado do perito. Ela deve ter percebido que estava sendo observada, porque, de repente, virou-se e olhou para ele. E sorriu. Alec retribuiu o sorriso.
Tony deu uma batidinha em seu braço, pedindo-lhe que prestasse atenção. Relutante, Regan voltou a olhar para a tela. Tony era extremamente exigente. Ele era um homem de idade que se parecia com um comediante
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que ela vira num show há alguns meses. Durante os primeiros cinco minutos que trabalharam juntos, ela não pôde evitar de esperar que ele contasse uma piada. Entretanto, Tony não tinha muito senso de humor. Depois de apertar a mão dela, ele anunciou que era um perfeccionista e lhe disse que trabalhariam juntos pelo tempo necessário para conseguir um retrato, o mais perfeito possível, do homem que a perseguira no parque.
A tarefa era surpreendentemente difícil. Até que se sentasse para trabalhar com Tony, ela pensara que tinha uma boa imagem do homem em sua cabeça, o que não era bem verdade. Várias vezes ela teve de fechar os olhos para tentar visualizá-lo novamente. Ser exata sobre o formato do nariz, dos olhos e do queixo era um grande desafio.
Quando terminaram, ela achou que o retrato estava bastante parecido, mas não podia considerá-lo perfeito. E, quando Tony removeu a barba e os óculos, a aparência mudou completamente. Então, ela não tinha a menor idéia se estava ou não correto.
Alec estava esperando por ela do lado de fora da sala. Ela lhe entregou uma cópia e disse:
- O Tony acha que os cabelos, a barba e os óculos podem ser falsos. - Em seguida, entregou-lhe uma segunda cópia. - Essa pode ser a verdadeira aparência dele.
- Ele lhe parece familiar?
Ela balançou a cabeça.
- Ele é bastante... comum, não é?
Ele concordou com um aceno de cabeça.
- Então, esse deve ser o... - Ele começara a dizer miserável, mas substituiu a palavra -... o maluco que estamos procurando. Ele tem uma aparência comum e facilmente passará despercebido.
- Talvez não - disse ela. - Ele é um homem tão grande e musculoso quanto você. É possível que ele se sobressaia apenas pelo tamanho, não sei. - Em seguida, ela respirou fundo e disse: - Se esse for o homem que roubou meu celular e matou Sweeney e... - Ela estava muito cansada para continuar. - Acho que os detetives Wincott e Bradshaw terminaram de me interrogar e já posso voltar ao meu escritório. Se vocês precisarem falar comigo novamente, basta que me liguem ou passem por lá.
Alec colocou-se na frente dela.
- Mesmo sabendo que você é uma pessoa bastante inteligente e mesmo que já tenhamos falado sobre isso, vou fingir que ainda não entendeu. Fui encarregado de cuidar de sua segurança, o que significa que devo ir a todos os lugares que você for.
Ela cruzou os braços e franziu a testa. Seu dia estava sendo longo e árduo.
- E, como já lhe expliquei, se eu achar que preciso de um guardacostas, posso contratar um.
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Aquele sorriso era capaz de tirar qualquer mulher do sério e, ele se aproximou dela, forçando-a a levantar a cabeça para olhá-lo nos olhos. Ela ficou arrepiada e enrubescida.
- Será que vamos ter de encarar um confronto? - perguntou ele.
- Acho que sim.
- Não existe a menor chance de você ganhar.
- Por quê? Por que você tem uma arma?
Ele não respondeu. Apenas balançou a cabeça.
- Porque você é maior do que eu? Ele balançou a cabeça novamente.
- Mais forte?
Ele deu um sorriso.
Ela virou os olhos para cima.
- Como você pode notar, eu não disse "mais inteligente". - Ele deu uma risada. - Detetive...
Isso era até onde ele a deixaria ir.
- Nenhum de nós dois pode ir embora ainda.
- Por que não? - perguntou ela, com a atenção temporariamente desviada do assunto guarda-costas.
- Seu irmão e seu advogado estão no escritório de Lewis com Wincott e Bradshaw. Eu vim até aqui para buscá-la. Eles estão esperando para falar com você.
- Que irmão? - perguntou ela, tentando não deixar que ele percebesse a irritação que sentia.
- Não sei. Mas isso importa?
- Sim. Espero que não seja o Aiden - disse ela. Regan não disse a Alec o que estava pensando, mas realmente esperava que Spencer estivesse de volta à cidade e à espera dela no escritório do tenente. Era muito mais fácil lidar com ele do que com Aiden.
Enquanto tentava passar por Alec, ela balançou a cabeça.
- Então, acho que devemos ir até lá.
Ele fez nova manobra para colocar-se na frente dela e encostou-se na parede.
- O que está acontecendo com você?
Alec agia como se fossem velhos amigos e ele a conhecesse tão bem que fosse capaz de dizer quando ela estava fora de sintonia.
Ela passou o peso de um pé para outro enquanto dizia:
- Se eu não tivesse feito aquela lista idiota...
- Você não matou ninguém, certo?
- Não, mas...
- Você só participou de um exercício.
- Eu fiz uma lista de assassinatos, pelo amor de Deus.
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- Juntamente com muitas outras pessoas - enfatizou ele. - O problema é que você não teve a chance de atirar sua lista ao fogo. - Alec deu um passo para o lado, permitindo que ela fosse na sua frente. - Mal posso esperar para encontrar esse tal dr. Shields. Ele está me parecendo um encantador de serpentes.
- Está mais para serpente do que para encantador. Gostaria de nunca ter ouvido falar nele - respondeu ela, por sobre os ombros.
- E o que há de errado com Aiden?
A pergunta a incomodou.
- Não há nada de errado com ele. Aiden é um irmão maravilhoso.
Alec não acreditou muito.
- Verdade?
- Ele só é um pouco... certinho demais. Só isso.
Ao chegarem ao escritório de Lewis, Alec não precisou perguntar qual dos estranhos era o irmão de Regan. Eles eram bastante parecidos. Apesar de Regan ser bem mais baixa que o irmão, ambos tinham o mesmo tom de pele e as mesmas características de nobreza. Aiden estava impecavelmente vestido num terno escuro bem talhado que, Alec estava certo disso, devia ter a etiqueta de algum designer famoso. Seu irmão Theo tinha um terno parecido com aquele. Calvin Klein, pensou ele. Ou talvez, Armani.
O homem bem alimentado, sentado na cadeira de frente para a mesa de Lewis, também vestia um terno caro. Ele era baixo, redondo como um ovo e tinha o rosto enrugado como uma camisa de algodão amarrotada. Alec imaginou que se tratava do advogado.
Os detetives Wincott e Bradshaw estavam de pé na frente das janelas, observando. Ambos pareciam estar terrivelmente entediados.
Por acaso, o irmão de Regan levantou os olhos, viu que ela se dirigia para lá e, por uma fração de segundo, Alec percebeu um grande alívio nos olhos dele. Independentemente dos defeitos que pudesse ter, era evidente que amava a irmã.
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CAPÍTULO 25
SAM BALDWIN, ADVOGADO DA FAMÍLIA MADISON, FECHOU SEU BLOCO DE anotações e levantou-se quando Regan entrou na sala.
- Você não é considerada suspeita - ele disse a ela, de imediato.
- Não, claro que não - concordou Lewis. Ele estava de pé, inclinado para a frente e com as mãos apoiadas no tampo da mesa. Ao se apresentar, ele apertou a mão de Regan, que não soltou enquanto dizia: - Sei que isso deve estar sendo uma experiência terrivelmente penosa para a senhorita.
Antes que ela pudesse responder alguma coisa, Sam disse:
- Volto a falar com você em uma hora, Aiden. - Ele fez um sinal com a cabeça na direção de Regan, que tentava se livrar do aperto de mão de Lewis, e deixou o escritório.
- Regan? - disse Aiden.
- Estou bem - respondeu ela.
Assim que Lewis soltou a mão dela, ela cruzou a sala para ficar em pé, ao lado do irmão. Como o tenente não se dera ao trabalho de apresentar Alec a Aiden, ela o fez.
Os dois tinham a mesma altura. Aiden era um pouco mais magro, mas ambos eram fortes e atraentes. Entretanto, o irmão dela parecia cansado. Cansado e preocupado.
- O tenente me disse que você foi designado para proteger minha irmã até que o homem que enviou o e-mail seja preso.
- Correto - disse Lewis, antes que Alec pudesse responder. Wincott chamou a atenção de Lewis ao perguntar: - O senhor vai colocar mais alguém no caso ou seremos apenas o Buchanan, o Bradshaw e eu? O Connelly já foi ou não escalado?
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- Sim, já foi - disse Lewis. - Você terá de ajudar, mas o Buchanan, não. - Ele se sentou e, com um olhar severo, disse a Wincott: - Entende o que eu quero dizer? A única tarefa de Buchanan é servir de guarda-costas
- Foi o Sam quem ligou para você? - Regan perguntou ao irmão. Ela sussurrava para evitar que o tenente a ouvisse. - É por isso que você está aqui?
Ignorando Regan, Wincott e Bradshaw estavam ocupados argumentando com Lewis sobre a força de trabalho, mas Alec estava prestando atenção.
- Não - disse Aiden, respondendo à pergunta de Regan. - Henry ligou para o Sam e disse a ele que você estava vindo para cá. Ele também mencionou o e-mail e o fax que você recebeu. Eu vi as fotos.
- Viu?
- Quando cheguei ao escritório, havia cópias sobre minha mesa. Assim que vi aquilo, liguei para o Sam. Até chegarmos aqui, nenhum de nós sabia que você havia feito uma lista de assassinatos. Regan, quer me dizer onde é que você estava com a cabeça?
- Não entendi. - A voz dela estava carregada de irritação.
- Você ouviu o que eu disse. Nunca imaginei que você fosse capaz de fazer uma coisa dessas.
Ela não se deu ao trabalho de explicar porque sabia que, independentemente do que dissesse, sempre ficaria na defensiva. E seria considerada culpada.
Regan respirou fundo e respondeu:
- Como foi que as fotos chegaram até você? Henry não colocaria nada sobre sua mesa sem antes primeiro falar comigo.
- Alguém as colocou lá. Imaginei que tivesse sido seu assistente. Mas agora isso não tem importância, concorda?
Sim, pensou ela, tem muita importância. Mas sabia que não era o momento apropriado para discutir esse assunto. - Eu gostaria que você não incomodasse Spencer e Walker com esse problema. Não quero que eles fiquem preocupados - disse ela.
- Tarde demais. Alguém já mandou as fotos para eles.
- As fotos do detetive Sweeney e da vendedora? Eles viram aquelas fotos? - perguntou ela, tentando entender.
- Havia outras?
- Não, não havia.
- Então, a resposta é sim. Eles viram as fotos da vendedora e do detetive Sweeney.
- Gostaria que eles não as tivessem visto. Eles vão ficar preocupados e... - Sua raiva e frustração tornavam-se cada vez mais intensas.
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Por outro lado, Aiden mantinha sua expressão de pedra de sempre.
-Preocupados? Eles estão histéricos. Spencer quer que você fique trancada a sete chaves até que ele consiga chegar aqui e espera que você vá com ele para Melbourne e fique lá até que a polícia encontre esse maníaco.
- Eu não vou fazer isso.
- Ele acha que pode convencê-la. Walker quer que você fique com ele.
- Onde ele está esta semana?
- Em Paris, até depois de amanhã. Ele quer que você viaje com ele, o que definitivamente está fora de cogitação.
- Aiden, eu posso decidir minha vida sozinha.
- Se você nem sequer entra num carro com Walker, por que pensaria em viajar com ele?
- Eu não vou viajar com ele nem vou a Melbourne.
Aiden concordou com um aceno de cabeça e virou-se para Alec.
- Como eu estava explicando ao detetive Wincott, nós temos uma equipe de segurança excelente no hotel. Eu me comprometo a contratar mais alguns homens.
Será que estava sendo dispensado? Bastante surpreso, Alec pensou que essa fosse uma hipótese plausível. Será que Aiden pensava que Alec trabalhava para ele? Mesmo que achasse o trabalho de guarda-costas um pouco desmoralizante, ele manteria Regan em segurança até que fosse substituído por Lewis.
O detetive Wincott veio se juntar a eles. Aiden assegurou-lhe que ele, seus irmãos e Regan, naturalmente, fariam qualquer coisa para cooperar com a investigação.
- Atualmente, ela está morando no hotel e seu escritório fica no terceiro andar, o que significa que ela nunca precisa sair e isso torna o trabalho de vocês bem mais fácil - disse ele a Alec.
Regan estava balançando a cabeça.
- Eu não posso simplesmente cancelar todos os meus compromissos. Já confirmei minha presença em alguns eventos importantes e não posso perder a festa beneficente do hospital.
- Por ora, você terá de cancelar tudo - disse Aiden. - Se você insistir em ficar em Chicago, terá de ficar confinada no hotel. Eu também estou adiando meus compromissos de negócios até que esse caso seja esclarecido.
- Mas Aiden... - começou ela. Seu irmão já se virara para Wincott e estava discutindo o plano para protegê-la. Nenhum deles pediu a opinião dela. Aiden continuava a acreditar que deveria colocá-la no jatinho da família, tirando-a de circulação por algum tempo.
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Enquanto eles conversavam, Regan saiu do escritório. Alec foi atrás dela.
- Você se importa em me levar de volta ao hotel? - perguntou ela. - Se for dar muito trabalho, posso ir andando ou pegar um táxi.
- O que é que há de errado com vocês? Primeiro você, depois seu irmão. Eu não vou sair de perto de você, então pare de me dispensar Entendeu?
Ela não se virou para olhá-lo.
- Sim, tudo bem
- Espere um pouco. E seu irmão?
Ela continuou a caminhar.
- O que tem ele?
Devagar, o rosto dele se abriu num sorriso. Ele a seguiu pelas escadas, na esperança de que o irmão viesse atrás dela.
- Por que você não se defendeu lá em cima?
- Quando?
- Quando seu irmão perguntou sobre a lista de assassinatos. Ele me deu a impressão de que ele pensa que você é responsável por essa confusão,
- De certo modo, eu sou. Não sou?
- Não.
Ele a agarrou pelo braço e puxou-a para trás, para que ela não pudesse deixar o prédio antes dele. Atravessaram a rua e caminharam em direção ao estacionamento. Quando abriu a porta de passageiros, ela percebeu que o olhar dele se mantinha sempre atento. Ele examinava os telhados e as ruas.
Ao se sentar ao volante, ele travou as portas. O som fez com que Regan se lembrasse.
- Hoje, vou comprar um carro novo.
- Vai mesmo? O que há de errado com seu carro? Você tem um carro, não tem?
- Sim, tenho. - Ela ficou imaginando se ele achava que ela tinha uma limusine com chofer sempre que precisasse sair.
- Então, o que há de errado com ele? - Ele a imaginava guiando uma Mercedes ou até mesmo um Porche. Definitivamente, um carro extremamente caro e sofisticado.
- Já está muito velho.
- Quantos anos? Um? Dois?
- Você acha que sou uma pessoa mimada, não é?
- Você se importa com o que eu penso?
- Não. - Ela mentiu com desenvoltura e estava certa de que ele acreditara. Na verdade, ela se importava. Um pouco, pelo menos.
O trânsito estava pesado. Quando Alec virou para a esquerda para desviar de um carro que cruzou sua frente, Regan encolheu-se e, quando
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ele aumentou a velocidade para alcançar a rodovia, ela teve a mesma reação. - Ouça - disse ele. - Você vai acabar me deixando nervoso se agarrar o painel todas as vezes que faço uma curva. Tente relaxar. Você acha que consegue?
- Claro que sim. É só você diminuir a velocidade que eu prometo ficar relaxada.
- Eu sei o que estou fazendo. - Havia firmeza no tom da voz dele. Mas ela não se deixou intimidar. - Walker diz a mesma coisa e Deus sabe quantos acidentes de carro ele já sofreu.
- Eu não sou seu irmão - disse ele. - E meu nome é Alec.
Ela percebeu que ele diminuíra a velocidade.
- O que foi que você disse?
- Você pode me chamar de Alec. Por algum tempo, nós estaremos bastante próximos.
- Se o tenente Lewis soubesse que eu planejava colocá-lo naquela lista de assassinatos, ele lhe daria outra missão e eu ficaria a ver navios. Eu poderia facilmente ter contado isso a ele.
Alec deu uma risada.
- Não, não poderia. Você tem o coração muito mole para fazer uma coisa dessas.
- Você não pode saber se tenho ou não o coração mole.
- É claro que posso. Não se esqueça de que sou detetive.
- E daí?
- Eu detecto - disse ele, com um sorriso.
- Você é casado? - Agora, por que ela lhe havia feito essa pergunta? Afinal, ela não tinha nada a ver com isso.
- Não.
- Eu também não - disse ela.
- Eu sei.
Regan estava tentando pensar em alguma razão que justificasse uma pergunta tão pessoal.
- Perguntei por curiosidade - disse ela. Justificativa bastante esfarrapada.
Logo depois, eles chegaram ao hotel. Wincott ligou para o celular de Alec no momento em que o porteiro abria a porta do carro para Regan.
- Preciso falar com você sobre o horário de trabalho - disse Wincott, enquanto Alec seguia Regan até o saguão.
- Como assim?
- Independentemente do que Lewis pensar, você não vai poder ficar com a moça 24 horas por dia. Em algum momento, você terá de dormir. Bem, acho que você poderia dormir com ela. Assim, poderia ficar de olho nela durante a noite também.
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- Excelente plano - disse Alec, sério.
- Mas é claro que sempre existe a chance de ela se recusar.
- Então, o que você sugere? É você quem está no comando. Parada na frente da recepção, Regan examinava alguns papéis que um dos funcionários lhe entregara. Alec estava a uns três metros de distância, observando as pessoas ao redor.
- O irmão dela quer mantê-la trancafiada - disse ele. - Isso facilitaria nosso trabalho, mas nós sabemos que em alguns momentos ela tem de sair do hotel. Dê-me sua opinião a respeito disso. Você fica com ela o dia inteiro, tanto fora quanto dentro do hotel. Em qualquer lugar que ela for, você vai atrás dela. Mas, quando ela voltar ao hotel para dormir, vá deixar que a segurança do hotel se encarregue da segurança dela.
- Não acho boa idéia.
- Eu também não.
Alec deu uma risada.
- Então, por que diabo você sugeriu isso?
- Bradshaw insistiu para que eu fizesse.
- E desde quando você dá ouvidos ao seu parceiro?
- Quase nunca, mas ele teve a idéia e eu prometi que diria isso a você - disse ele. - O irmão dela vai reforçar a segurança.
- Sim, eu sei. Mas mesmo assim eu não gosto disso. Não possoconfiar em ninguém de fora para fazer nosso trabalho.
Wincott concordou.
- Esse miserável... ele está fazendo um jogo doentio com ela, não é?
- É o que acho.
- Tenho a impressão de que ele está esperando receber algum sinal dela.
- Eu também acho. Quando se tem um gesto delicado com alguém, é natural que se espere pelo menos um muito obrigado.
- Matlin concorda com você - disse ele, referindo-se ao psiquiatra do departamento. - Ele acha que o cara vai tentar um novo contato, mas, dessa vez, a abordagem será um pouco mais pessoal do que um e-mail ouum fax.
- O que mais ele disse?
- Como o Bradshaw acabou de entregar-lhe o arquivo, ele vai precisar de algum tempo para estudar o caso. Mas ele já percebeu que a palavra "sua" foi sublinhada algumas vezes. Você sabe do que estou falando, não é? No campo reservado ao assunto do fax. Ele escreveu "Sua Lista de Assassinatos".
- Sim, eu sei.
- O Matlin considera esse detalhe de grande importância.
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- Ele disse por quê?
- Não.
- Isso não ajuda muito.
- Vou falar com ele daqui a algumas horas. Ele precisa de tempo para ler os relatórios.
- Mantenha-me informado.
- Okay. Hoje à noite, mando alguém para aliviar sua barra. Amanhã, vamos pensar num esquema que funcione para todos.
- Peça que a pessoa escalada ligue para mim antes de vir.
Alec desligou o celular e voltou-se para Regan. Ela entregou alguns papéis para o funcionário e disse alguma coisa para uma mulher, que sorriu.
- Você está pronto? - perguntou ela a Alec.
- Pronto para o que der e vier - disse ele. - O que é que você tem em mente?
- Gostaria de fazer o test-drive de alguns carros essa tarde. Ele balançou a cabeça. - Você terá de adiar esse programa.
- Vou ter de ficar presa aqui, não é?
- Sim. Você tem muito trabalho a fazer?
Eles atravessaram o saguão, em direção aos elevadores.
- Na verdade, assim que conseguir terminar algumas coisas pendentes, não terei muito o que fazer nos próximos dias. Essa é uma época tranqüila.
- Como assim?
- Todas as cartas com o comunicado do recebimento das doações já foram enviadas. Para o próximo ano, os fundos foram alceados, mas o processo se reinicia novamente em agosto, quando Henry e eu começamos a selecionar os candidatos.
Regan revirava a bolsa à procura da chave do elevador. Antes de encontrar o que procurava, ela entregou sua carteira a Alec, juntamente com uma caneta, um batom, um pacote de lenço de papel, um inalador e um bloco de anotações.
Ela deu um sorriso.
- Está sempre no fundo - disse ela. Regan colocou a chave na fechadura e apertou o botão para o terceiro andar, antes de abrir a bolsa o suficiente para que Alec pusesse dentro dela tudo o que ainda segurava nas mãos.
-O Henry me disse que ninguém pode entrar nos escritórios sem uma chave como essa - disse ele, no momento em que as portas se abriam.
- É verdade.
- Aposto que seria fácil roubar uma das chaves.
183
Ela pensou um pouco.
- Sim, seria fácil. Muitos funcionários têm as chaves e, algumas vezes, eles as perdem.
- Isso não é bom.
- O elevador parou no terceiro andar enquanto ele dizia: - Você precisa falar sobre isso com o chefe da segurança.
- Sim, claro. Vou deixar um lembrete para falar com ela amanhã
- Ela? - Ele parecia surpreso.
- Você acha estranho que uma mulher seja responsável por nossa segurança?
- Não, se ela for competente.
Henry deve ter escutado a conversa deles, porque veio encontrá-los antes que chegassem ao escritório.
- Cara, eu tenho notícias fresquinhas - disse ele. A excitação o deixava quase sem fôlego. - Aiden ligou e deixou uma mensagem. Ele vai colocar um guarda na frente dos elevadores, um outro no pé da escada, lá embaixo, e um outro nesse andar. Ninguém poderá passar sem se identificar e só vale a foto da carteira de identidade. Ele também vai colocar um guarda do lado de fora da porta do seu quarto, lá em cima.
- E quando isso deve acontecer? - perguntou Regan.
- Agora - respondeu ele. - Eu acho que eles já estão a caminho. De qualquer maneira, tem mais...
Enquanto Regan e Alec se dirigiam ao escritório, Henry andava de marcha a ré.
- Mais guardas? - perguntou ela.
Henry balançou a cabeça.
- Não, mais notícias. Você não vai acreditar nesta.
- O que aconteceu?
- Nada de errado - disse ele, para o caso de ela ter ficado preocupada. - É só... bem, você não vai acreditar...
- Tente.
- Você pode ficar brava.
- Pelo amor de Deus, diga logo de uma vez por todas - disse ela, com voz cheia de expectativa.
Haviam chegado ao escritório. Alec circundou Henry para abrir a porta para os dois.
- Antes de ir para a delegacia de polícia com o advogado, Aiden passou por aqui.
- Com qual finalidade?
- Ele me pediu que dissesse a você que mandou rebocar seu carro e deixou isso para você - disse ele, virando-se para pegar um envelope de cima de sua mesa.
Regan ficou pasma.
- Ele...
184
- Mandou rebocar seu carro - disse Henry.
- Ele lhe disse para onde o levou?
Com expressão angustiada, Henry respondeu:
- Para um desmanche de automóveis, mas se recusou a me dizer qual.
Ela deu um passo para trás. Podia sentir o ardor subindo por suas bochechas. Tentou ficar calma na frente de Alec e Henry, mas, por dentro, estava pegando fogo. Regan respirou fundo. Não adiantou muito. O ardor se alastrava pelo corpo inteiro.
- Você não vai abrir o envelope? - perguntou Henry.
- Sim - disse ela, retirando o lacre e pegando um jogo de chaves.
- Aiden explicou alguma coisa sobre isso? - perguntou ela, segurando as chaves.
Mais uma vez, Henry estava excitadíssimo.
- Ele comprou um carro para você.
Alec percebeu que a pálpebra esquerda de Regan tremeu um pouco. Era evidente que ela estava fazendo um esforço descomunal para manter o controle. E estava fazendo um belo trabalho.
- Seu irmão comprou um carro novo para você - comentou Alec, alarmado. - Você não acha que foi extremamente gentil da parte dele? - Ele acrescentou a pergunta só para ver a resposta dela.
- É uma Beemer - anunciou Henry. Ele olhava para o emblema do chaveiro.
Como Regan não demonstrou nenhuma reação imediata, Henry pensou que ela não tivesse entendido.
- Você sabe do que estou falando, não é? Uma Beemer é uma BMW.
Como ela não sentia a confiança necessária para falar, simplesmente concordou com um aceno de cabeça. Não conseguia encontrar as palavras e estava tão furiosa com o irmão que estava com vontade de gritar. A audácia dele ultrapassara os limites. Por que diabo ele se dava ao direito de cuidar da vida dela?
- Regan, você está bem? Seu olho está com um brilho estranho - disse Henry.
- Acho que ela está se recuperando da surpresa - disse Alec, tentando ser diplomático. Na verdade, parecia que ela estava com vontade de matar alguém.
Henry mal conseguia controlar sua ansiedade.
- Sim, eu também precisaria de algum tempo para me recuperar. Uma Beemer custa uma pequena fortuna. Mais uma vez virando-se para Regan, ele disse: - Aiden não mencionou nada sobre a cor do carro e eu não pensei em perguntar isso a ele até a hora da saída dele.
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Mais uma vez, ela respirou fundo.
- A cor não é importante.
- Você quer que eu faça o test-drive para você? - perguntou ele - Quer dizer, você sabe, só para ver se está tudo em ordem. Aiden disse que o carro já está no seguro e eu tenho algum tempo livre. Minha mesa está em ordem e eu estou com o trabalho em dia.
O garoto estava morrendo de vontade de guiar o carro e, a julgar o olhar de Regan, ela estava morrendo de vontade de botar as mãos no pescoço do irmão.
Alec não pôde deixar de se impressionar com o grau de controle de Regan. Entretanto, conter toda aquela raiva não poderia fazer bem a ela. Qual era o problema do irmão dela? Alec achou que era muita audácia mandar rebocar o carro da irmã, mesmo que estivesse velho ou caindo aos pedaços.
Não tenho nada com isso, ele disse a si mesmo. Em menos de um mês, ele estaria longe dali e, até lá, não pretendia se envolver com ninguém! Toda família tinha problemas, mas o irmão de Regan acabara de dar um novo significado à palavra "desequilibrado". Alec não podia sequer imaginar um de seus irmãos ou irmãs mandando rebocar o carro dele. Se fizessem isso, ele teria de, com muita seriedade, chutar alguns traseiros. Aiden, no entanto, parecia não sentir nenhum tipo de constrangimento em interferir na vida de Regan. Será que os outros irmãos eram como ele? Três homens tentando cuidar da vida dela. Deus do céu. Se isso fosse verdade, ele não poderia deixar de sentir pena da moça... e de qualquer homem que tentasse se aproximar dela.
Mas, como não tenho nada a ver com isso, ele voltou a se lembrar de si mesmo. Não, senhor. Sem problemas, sem preocupações. Sim, esse seria seu lema para o tempo que restava a ele em Chicago. Ele faria seu trabalho da melhor maneira possível e iria embora. Tudo parecia ser bem simples.
- Então, o que você acha, Regan?
Mentalmente, ela aplicou-se um safanão.
- Desculpe. O que acho a respeito do quê?
- Você quer que eu faça um test-drive para você?
Ela deu um sorriso forçado. Afinal, não era culpa de Henry que o irmão dela fosse um prepotente.
- Sim, por favor.
Ela jogou as chaves na mão dele, disse-lhe para ser cuidadoso e, em movimentos lentos, entrou em seu escritório e fechou a porta.
Henry vestia o blazer enquanto caminhava até a porta.
- Volto logo - disse ele a Alec.
- Espere um pouco - disse Alec.
Henry parou com a mão na maçaneta.
- Sim?
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Alec fez um sinal com a cabeça em direção ao escritório de Regan.
- Será que ela vai começar a atirar coisas ou você acha que é seguro entrar lá?
Henry deu uma risada.
- Regan atirando coisas? Como num ataque de nervos? Ela nunca faria isso. Ela nunca perde o controle e nunca atiraria coisas. Não faz parte do estilo dela. É verdade que ela está muito brava, mas acho que deu para você perceber.
- Sim, deu.
- Não se preocupe - disse ele. - Ela não vai descontar em você.
Aquele pensamento não passara pela sua cabeça. Alec se considerava um bom julgador de caráter e não levou mais do que cinco minutos para saber que Regan não tinha nenhum pingo de maldade dentro de si. Ela nunca seria capaz de, deliberadamente, machucar alguém. A maneira como seus funcionários reagiam a ela indicava que era gentil e boa de coração. O problema, pensou ele, é que ela era boa demais para o próprio bem dela. Ela precisava encontrar Aiden e lhe dar uma dura por ter metido o nariz nos negócios dela. Sim, era exatamente isso que ela precisava fazer, mas ele não estava certo de que ela faria isso. Ela era muito gentil e educada para chiliques.
Não, isso não é problema seu. Ensiná-la como se defender não era parte de seu trabalho. No entanto, ele achava estranho que, tendo crescido com três irmãos mais velhos, eles não a tivessem ensinado a ser um pouco mais durona.
Alec bateu na porta sem esperar pela permissão dela para entrar. O sofá parecia estar chamando por ele. Ele se lembrava muito bem de como ele era confortável e, enquanto ela trabalhava, ele estava pensando em tirar uma soneca. Alec tinha o sono muito leve. Ele não se preocupava com o fato de que ela tentasse fugir porque já estaria acordado antes mesmo que ela chegasse até a porta.
Regan estava ao telefone. Tinha o rosto afogueado e estava visivelmente agitada. Andava de um lado para o outro atrás da mesa. Ele a ouviu dizer:
- Diga para ele me ligar assim que chegar - antes de desligar o telefone.
- Está tudo bem? - perguntou ele, já sabendo muito bem que não.
- Sim - disse ela. - Tudo bem.
Ele se inclinou para o lado, tentando olhar atrás dela.
- O que você está procurando?
- Eu só queria ver se suas calças estavam pegando fogo. Você sabe - falou ele, com voz arrastada. - Mentirosa, mentirosa...
Ela deu um sorriso.
- Não, está tudo bem - admitiu ela. - Eu gostaria de pegar meu irmão sozinho e...
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Ele estava tirando o paletó, mas mantinha os olhos fixos nela
- E o quê?
.-E Regan não respondeu
- Como você vai se livrar disso? - perguntou ele.
Ela puxou a cadeira de trás da mesa e sentou-se.
- Livrar-me do quê?
- Da tensão, da frustração - disse ele. - Ou você guarda tudo aí dentro? Se for esse o caso, é melhor você encontrar uma maneira de se livrar disto ou vai morrer muito cedo. O estresse vai acabar matando você.
- Eu faço ioga.
Ele deu uma risada.
- É, tudo bem. Mas acho que, com os irmãos que você tem, é preciso um pouco mais do que ioga. Todos têm o costume de interferir na sua vida ou isso só acontece com o mais velho?
Ela não fingiu que não estava entendendo do que ele estava falando.
- Todos eles - disse ela. - E já estou bastante cansada disso.
- Acho que você tem toda a razão.
- Qual a sua sugestão para isso?
Ele ajeitou o paletó no encosto da poltrona e começou a afrouxar a gravata.
- Com relação aos seus irmãos?
- Não, com relação ao estresse... da tensão.
De repente, ele percebeu que estava quebrando a regra de não se envolver, que ele mesmo criara, mas não podia se controlar.
- Pare de sertão atraente.
Ela ficou surpresa e feliz ao mesmo tempo.
- Você me acha atraente?
- Ser atraente nem sempre é uma boa coisa.
Ela se recostou na cadeira e cruzou os braços.
- E você? Seu trabalho também é extremamente estressante. Como é que você lida com a tensão
- Eu posso atirar nos bandidos e tenho a chance de quebrar vários pescoços... narizes e braços.
Ela deu uma risada e balançou a cabeça.
- Não é verdade. E eu tenho notícias para você, detetive. Você não é tão durão quanto pensa ser. Na verdade, você é um cara bastante gentil.
Agora era a vez de ele rir.
- Gentil? Isso é realmente uma novidade. Definitivamente, eu não sou um cara gentil. Já me disseram que posso ser bem cruel...
- Verdade?
- Pode acreditar. Eu posso ser cruel, muito cruel.
Mesmo não acreditando nisso, ela não estava nem um pouco disposta a argumentar. Regan percebeu que ele precisava ser durão por causa do trabalho, mas era evidente que existia nele uma grande pitada de bondade e generosidade.
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Alec alongou os ombros e girou a cabeça, tentando se livrar de um nó na parte de trás de seu pescoço. Regan se deixou distrair, olhando para os largos ombros dele. O homem era absolutamente irresistível.
Controle-se, garota, disse a si mesma. Ela limpou a garganta, endireitou-se na cadeira e cruzou as mãos sobre a mesa. - Você não precisa ficar, detetive.
- Alec - disse ele.
- Tudo bem - disse ela. - Você não precisa ficar, Alec. Vou ficar bem aqui. Tenho certeza de que você tem coisas mais interessantes a fazer além de tomar conta de mim.
- Você ainda não entendeu, não é? Você não vai conseguir se livrar de mim. O único lugar para o qual pretendo ir é esse sofá. - Ele continuou: - E, só para que você entenda bem, vou ficar com você até que você esteja pronta para ir para a cama todas as noites.
- Você pretende me colocar na cama?
Na verdade, ela estava sendo um pouco sarcástica, mas ele não interpretou dessa maneira.
- Isso depende de você - disse ele.
Os olhos dele se iluminaram com um brilho diabólico. Ela se surpreendeu.
- Ah, é?
Por dentro, ela deu um gemido. Será que isso era o melhor que ela podia dizer? Ah, é? Sophie saberia o que dizer e diria, num tom de provocação, algo como tente-me-pegar.
Alec apoiou-se na beirada da mesa.
- Há quanto tempo você mora no hotel?
- Há algum tempo. - Ela não estava disposta a explicar o motivo. Pegou uma pilha que parecia ser de mensagens e começou a ler.
- Então, por quê?
Ignorá-lo não foi a solução. Enquanto esperava pela explicação dela, ele continuava meio sentado na lateral da mesa. Ela o observou tirar a gravata e jogá-la sobre a mesa. Regan não ficaria surpresa se a próxima coisa que fizesse fosse tirar os sapatos.
- Acho que você não poderia ficar mais confortável que isso.
- Com certeza, poderia. Então, por quê?
Definitivamente, ele não estava disposto a desistir.
- Eu tinha um apartamento...
- Sim?
Ela deu um suspiro.
- Mas voltei para casa quando minha mãe ficou doente.
Ele franziu a testa.
- Ela era sozinha?
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- Não. Ela tinha enfermeiras e vários empregados para cuidar dela. Emerson, meu padrasto, ainda vivia lá, mas ela queria que eu ficasse pérto dela... até que tudo terminasse.
- E quando foi que tudo terminou?
- Há onze meses.
- E seu padrasto?
Ela endireitou o corpo.
- O que tem ele?
Alec percebeu que havia tocado numa ferida. A linguagem corporal dela o deixava intrigado. Agora, ela estava tão fechada em si mesma quanto uma ostra.
- Só fiquei curioso a respeito dele.
- Não aconteceu nada com ele. Continua morando na casa.
- Com os empregados?
- Sim - disse ela.
- Ele deve se sentir solitário.
Ela fez uma expressão zombeteira.
- Ele não se sente solitário.
- Como assim? - insistiu ele.
- Ele mora com sua nova esposa.
- Ah. - Agora ele estava entendendo sua atitude inflexível e irritadiça.
Ele disse o óbvio.
- Ele não ficou muito tempo de luto, não é?
Alec tocou num ponto nevrálgico. Regan decidiu não medir suas palavras.
- Não, ele não ficou muito tempo de luto. Na verdade, ele não ficou de luto. Durante o curto tempo que durou o casamento, ele nunca foi fiel à minha mãe e já estava saindo com a Cindy antes mesmo de minha mãe ficar doente.
- E ele acabou se casando com a Cindy.
- Sim.
- Quando?
Mais uma vez, ela estava tão tensa quanto uma prancha de surfe.
- Três dias depois do enterro.
Cara, isso foi cruel, pensou ele. - Aposto que você não gosta de falar disso, não é?
- É um pouco tarde para perguntar isso, não? Por que essa curiosidade com relação à minha família?
- Não estou curioso com relação à sua família.
- Ah, é? Então por que todas essas perguntas... Ele a interrompeu. - Estou curioso a seu respeito.
Não foi tanto o que ele dissera, mas a maneira como o fez, com um brilho de afetividade no olhar, que ela não foi capaz de decifrar. Estaria ele paquerando-a? Não, claro que não. Por que se interessaria por ela, quando podia ter todas as mulheres que quisesse? Era provável que tivesse tido
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todas. Ela era uma travada de marca... Travada. Sim, travadona, pensou ela, especialmente se comparada com as amigas. Regan acreditava que era uma pessoa absoluta e tediosamente normal.
Entretanto, como Spencer e Walker gostavam de enfatizar, sempre que podiam, Regan tinha muito dinheiro e, por isso, os homens prestavam atenção nela. Em vários eventos, eles ficavam em volta dela como abelhas no mel. Spencer os chamava de parasitas. Alec, no entanto, não era um parasita e não parecia se deixar impressionar nem um pouco pelo dinheiro dela. Ele estava simplesmente sendo um bom detetive e, por isso, fazia todas aquelas perguntas.
- Você foi designado para me proteger - disse ela. - E por isso está curioso a meu respeito.
Ele leu nas entrelinhas.
- Isso também - disse ele, virando-se e começando a caminhar pelo escritório.
Ela girou a cadeira para poder olhar para a tela do computador e fingiu que estava ocupada. Com o canto do olho, continuou a observá-lo. Ele ajeitou algumas almofadas e sentou-se no sofá, com um suspiro.
- Maldição, esse sofá é maravilhosamente confortável - disse ele. - Então, Regan, conte-me. Quanto tempo durou o casamento de seu padrasto com sua mãe?
Ela respondeu sem olhar para ele. - O tempo suficiente para pensar que pudesse ficar com metade do património dela.
- Existe uma contenda judicial em andamento?
- Eu sei que ele consultou vários advogados, na esperança de que algum deles conseguisse encontrar uma maneira de anular o acordo pré-nupcial. Agora, ele já deve saber que minha mãe não tinha quase nada, nem mesmo a casa onde morava.
- A casa na qual ele está morando com a Cindy?
- Sim.
- Hum. Então, de quem é a casa? - Antes que ela pudesse responder, ele disse: - Do Aiden? Ou você e seus irmãos são os proprietários?
- Todos nós.
Ele se inclinou para a frente.
- Mesmo assim, foi você quem teve de sair de lá?
- Sim, isso mesmo.
Ela voltou a olhar para a tela do computador, esperando que ele mudasse de assunto.
Mas não teve essa sorte.
- Como isso foi possível?
Ela começou a rir.
- Você não desiste, não é? Não é de admirar que você seja um bom detetive.
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- Como você sabe que eu sou bom?
- Eu sei, só isso.
- Não sou apenas bom - disse ele, numa crise de ego inflado -, sou ótimo.
Ela voltou a rir.
- Gostaria de ter sua auto-estima.
- Você ainda não respondeu à minha pergunta - disse ele. Ajeitando as mãos sobre o peito, ele tirou os sapatos e apoiou os pés numa banqueta otomana.
- Por que eu tive de sair da minha própria casa? Porque prometi à minha mãe que deixaria Emerson morar lá por um ano. Ela esperava que, nesse meio-tempo, ele seria capaz de dar um jeito na própria vida.
- Ou seja, conseguir um emprego?
- Sim - disse ela. - Minha mãe nunca soube que era traída. Pelo menos, eu acho que não e tenho certeza de que ela não podia imaginar que ele fosse se casar tão rápido.
- O Aiden concordou com esse plano?
- Claro que sim. Era a vontade de nossa mãe. Por que não haveria de concordar?
- Parece que é ele quem dá as ordens e decide as coisas por aqui.
- Ele é o mais ambicioso da família e, com certeza, o mais dinâmico - disse ela. Franzindo a testa, acrescentou: - Mas você está certo. Ele gosta de cuidar de tudo. Eu só gostaria...
- Do quê?
- Gostaria de conseguir entender por que ele acha que pode cuidar da minha vida.
- Isso é fácil.
- Ah, é? Então, por quê?
- Porque você deixa.
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CAPÍTULO 26
REGAN FIZERA UMA FAXINA EM SUA MESA DE TRABALHO. TODOS OS PAPÉIS haviam sido assinados, enviados ou arquivados; todos os e-mails foram lidos, apagados ou respondidos e deu todos os telefonemas que precisava fazer.
Ela pensou que precisasse de vários dias para terminar o trabalho e não se sentia nem um pouco feliz por ter terminado com antecedência. Queria ficar atolada de trabalho para poder se sentir o mais ocupada possível. Uma mente desocupada... é preocupante. Pelo menos, ela ficava preocupada. Tamborilava a mesa com os dedos.
Ela ainda não admitia que estava correndo perigo e que precisava de um guarda-costas, porque, se o fizesse, tudo ficaria evidente e ela teria de encarar a realidade. Ela sabia que estava sendo infantil e até mesmo um pouco covarde, porém, nesse momento não estava dando importância ao fato. Estava com medo e sentia-se impotente, e isso já era suficientemente ruim.
Alec fechou a revista que estava lendo, pegou um controle remoto e virou-se para ela. Viu a expressão em seu rosto e perguntou:
- O que está acontecendo?
- Nada.
Ele sabia que ela estava se sentindo enclausurada. Qualquer movimento que fizesse era notado. Por isso, decidiu não pressioná-la.
- Tudo bem - disse ele. Levantando o controle, ele perguntou: - Onde foi que você escondeu a televisão?
- Aperte o botão - disse ela.
Ele estava um tanto intrigado. Assim que apertou o botão, uma tela na parede ao lado da janela vagarosamente se abriu para revelar o sonho
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da vida dele. Um centro de diversões repleto de todas as inovações tecnológicas. Ele teve de assobiar diante do tamanho da tela plana da TV de plasma.
Ao se acomodar no sofá para assistir ao noticiário, ele olhou para ela e percebeu que a expressão de preocupação havia se dissipado.
- Vamos lá. Diga-me. O que está acontecendo?
- Nada. Eu só estava pensando.
- Em quê?
Ela não diria a verdade a ele - que estava preocupada por não saber se, quando precisasse, teria coragem suficiente ou se admitia que estava com medo de sentir medo, porque sabia que ele não entenderia. Como poderia entender? Era provável que ele passasse a maior parte do tempo em perigo. Estava acostumado a ser corajoso quando era necessário.
Será que, alguma vez, ele sentira medo? É provável que sim, mas ela duvidava que o medo fosse empecilho para ele fazer o que fosse necessário - e isso não era ter coragem? -, ou seja, não deixar que o medo impedisse de fazer a coisa certa?
- Regan?
Ela percebeu que não havia respondido à pergunta dele.
- Estava pensando naquela expressão, "uma mente desocupada"... - Não cria mofo?
Ela deu um sorriso.
- Acho que o ditado não é bem isso. Mas ela desviou a atenção dele. A sessão de esportes estava seduzindo-o como uma sereia com a promessa de cenas de todos os jogos. Como se estivesse em transe, ele imediatamente voltou à televisão. Ela se sentia exasperada. O que havia de errado com os homens? Pelo menos com os homens da vida dela. O comportamento de Alec era idêntico ao de Aiden e Spencer. Independentemente do fato de estarem ocupados, eles eram capazes de parar de fazer tudo o que estavam fazendo para dar uma olhada no futebol, no tênis ou no beisebol. Qualquer tipo de esporte era motivo para atrair a atenção deles. Eram viciados no canal de esportes e nunca iam para a cama sem antes saber os resultados. Ela acabava de perceber que seu guarda-costas sofria da mesma doença.
Regan passou a mão pelo mata-borrão e, em seguida, virou uma página do calendário que tinha sobre a mesa enquanto, disfarçadamente, estudava Alec. Ela decidiu que o perfil dele era muito bonito. O mesmo podia dizer de seu nariz e sua boca. Os cabelos eram escuros e insistiam em cair sobre a testa; ele estava precisando de um bom corte. O cabelo dele tinha tendência a formar cachos e ela sentiu uma vontade irresistível de tocá-los. Será que as outras mulheres sentiam por ele o mesmo tipo de atração? Sem dúvida, pensou ela. Sendo tão bonito e sensual, devia chover
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mulheres em cima dele. Ah, ela conhecia bem esse tipo. Ele devia fazer o gênero durão, do tipo ame-as e deixe-as. Quantas lágrimas teriam sido derramadas por ele? Quantos corações ele teria partido?
- Você já terminou? - Ao fazer a pergunta, ele mantivera os olhos grudados na televisão.
Quanto tempo ela passara olhando para ele?
- Quase - respondeu ela, enquanto rapidamente começava a arrumar alguns papéis sobre a mesa.
Ela foi salva de outra conversa sobre seu comportamento pelo toque do telefone. Quando tentou alcançar o receptor, quase caiu da cadeira.
Era Cordie quem estava do outro lado da linha. Só de ouvir a voz dela "Regan já se sentia melhor.
- Você está bem? - perguntou ela. - E Sophie?
- Sim, estamos bem.
- Você demorou muito para retornar minha ligação. Estava ficando preocupada.
- Preocupada com o quê? Está tudo bem. Só agora verifiquei minha caixa postal. A Sophie e eu temos estado bastante ocupadas e com muitas novidades para contar, mas vamos começar do começo. Preciso fazer com que você sofra um pouco, já que não quis vir com a gente.
Regan deu um sorriso. Sentia-se aliviada por saber que suas amigas estavam bem. Agora que estava com Cordie ao telefone, Regan poderia usar seu tempo para contar-lhe tudo o que tinha acontecido.
- E como é que você vai me fazer sofrer um pouco?
- O tempo. Você não imagina como tudo aqui é bonito, e você sabe por quê?
- Desisto. Por quê?
- Por que não está chovendo. E aí?
- Vinte e sete graus centígrados, nenhuma nuvem no céu, vinte por cento de umidade no ar e uma leve brisa...
- Diga a verdade - interrompeu Cordie.
Regan deu uma risada.
- Segundo a previsão vamos ter mais chuvas à noite e vai fazer um pouco de frio. Eu realmente me arrependo por não ter ido com vocês. Satisfeita?
- Sim - disse ela. - E, como o tempo continua horrível em Chicago, resolvi ficar aqui um pouco mais. Pelo menos até que meu bronzeador termine.
- Se você já terminou de falar sobre o tempo, eu tenho novidades.
- Ah, é? Quanto você quer apostar que as minhas são mais interessantes que as suas?
- Duvido. Mas você primeiro.
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- Estamos colhendo várias evidências contra Shields.
Regan endireitou o corpo na cadeira.
- Jura? Tão rápido assim?
- Sim - respondeu ela, com a voz vibrando de entusiasmo. - Na verdade, foi muito fácil, porque Shields sempre hospeda as mulheres que traz no mesmo hotel, o Murdock, que é pequeno, familiar e muito charmoso. A maior parte dos funcionários trabalha lá há muitos anos. Eles são extremamente leais.
- E qual a importância disso?
- Eles se lembram dos antigos hóspedes.
- Tudo bem. Continue.
- Temos o nome de duas mulheres que Shields trouxe para cá no ano passado e, adivinha o quê? Ambas eram viúvas e muito ricas. Ah, e nós também conseguimos cópias das contas bancárias do Shields.
- Vocês o quê?
Cordie repetiu o que tinha acabado de dizer.
Regan disse, de maneira abrupta:
- Mas isso é ilegal.
Alec estava olhando para ela. Regan tinha certeza de que ele tinha ouvido a conversa. Ela sorriu para ele, girou a cadeira de modo que olhasse para a parede e baixou o tom de voz.
- Como foi que, em nome de Deus, vocês conseguiram os extratos bancários dele? Se vocês não tomarem cuidado, vão acabar na cadeia.
- Estamos tomando cuidado - assegurou Cordie a ela. - Não invadimos o sistema do banco para conseguir os extratos. Alguém conseguiu os documentos para nós.
- Quem?
- Um amigo de um amigo do pai de Sophie - disse ela. - E já sabemos, com toda a certeza, que Shields extorquiu grandes quantias em dinheiro dessas mulheres.
- Como ficaram sabendo disso?
- Com as cópias dos cheques que elas preencheram. O banco arquiva microfilmes, pelo amor de Deus, especialmente quando as somas são elevadas.
- Mas como vocês conseguiram cópias dos cheques? Não, não me conte. Eu não quero saber.
- O pai de Sophie tem muitos amigos por aqui.
- Isso pode ser muito perigoso.
- Eu sei, mas estou tomando conta da Sophie. Está tudo bem.
- E quem está tomando conta de você?
- Regan, pare de se preocupar.
- Onde está Sophie agora?
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- Ela voltou ao The Murdock. Já temos os nomes e os endereços das duas mulheres que, podemos provar, deram dinheiro a Shields, mas Sophie quer ter certeza de que não houve outras. O que você acha? É um bom começo, não é?
- Acho que sim -respondeu Regan - mas...
- Ainda não vimos o Shields, mas sabemos que ele está em sua casa de praia porque vimos seus guarda-costas, Huey e Louie, na praia, com seus ternos pretos e gravatas e óculos escuros, enquanto caminhavam pela areia. Eles se parecem com Federais.
- "Huey e Louie"?
- Preciso chamá-los por algum nome, não é?
- Acho que sim. Eles ficam na praia o dia inteiro? - Ela podia claramente imaginar os dois, derretendo ao sol.
- Não, eles cumprem um horário. Durante o dia, eles aparecem a cada hora e ficam por, no máximo, dez minutos. Se Shields precisa dos guarda-costas com ele o tempo todo, é óbvio que não se sente muito seguro. A Sophie acha que ele está ficando paranóico por causa de todas as coisas terríveis que fez.
- Mas vocês não o viram?
- Não.
- Ainda bem - murmurou ela.
Cordie não ouviu o que Regan dissera.
- Ele é um cara muito estranho. Um dos vizinhos dele está monitorando os guarda-costas...
- Como ela convenceu o vizinho a fazer isso?
- Ela pediu. Eles são muito gentis por aqui.
- O vizinho é jovem, certo?
Cordie deu uma risada.
- Sim - disse ela. - De qualquer maneira, Huey e Louie acabaram de fazer sua última patrulha. Tem alguma coisa definitivamente errada por aqui, mas ainda não conseguimos descobrir o que é.
- Acabaram as novidades? Posso contar as minhas?
- Só mais uma coisa. A mulher já visitou Shields duas vezes. Sophie jura que a viu no seminário. Eu não me lembro dela - disse Cordie. - Mas Sophie é melhor fisionomista do que eu. Para resumir a história, a mulher está hospedada no The Murdock e nós achamos que ela é a próxima vítima de Shields.
- Parece que ele não perde tempo, não é? - Regan usou os pés para tirar os sapatos, cruzou as pernas e, ansiosa, começou a balançar o pé.
-Não, não perde. Sophie está ficando obcecada com a ideia de prendêlo. Ela já foi fazer cooper no quarteirão algumas vezes, a fim de investigar a casa, mas não descobriu nada. Amanhã, vamos alugar um barco e usar
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binóculos para tentar vê-lo de dentro da casa. Os fundos da casa dão pari o mar e as paredes são todas de vidro. Se ele estiver lá, poderemos vê-lo. Conhecendo Sophie, se ela não conseguir vê-lo logo, será capaz de correr até lá e tocar a campainha.
Regan quase derrubou o telefone enquanto dava um pulo da cadeira
- De jeito nenhum. Ela não deve fazer isso.
- Tudo bem, já acabei. Agora é sua vez. Tente me superar.
- Tudo bem. Lembra-se daquele pequeno exercício que fizemos durante a recepção de abertura de Shields?
- Aquele em que tínhamos de fazer uma lista das pessoas que gostaríamos de ver mortas?
- Esse mesmo.
- O que tem ele?
- Um doido varrido qualquer pegou minha lista e agora está matando todas as pessoas que estavam lá.
Sua declaração foi seguida de um longo silêncio e, em seguida, Cordie disse:
- Tudo bem, você ganhou.
- Eu achei que gostaria.
- Espere um pouco. Você está brincando, não é?
A voz de Regan transformou-se num balbucio.
- Juro por Deus que gostaria de estar, mas infelizmente é verdade.
- Conte-me.
Apesar de não ter pronunciado nenhuma palavra durante a longa explicação de Regan sobre os acontecimentos, a amiga deixou transparecer seu espanto várias vezes. E, quando Regan terminou, ela balbuciou de volta:
- Quem mais você colocou em sua lista?
Regan lhe disse e continuou:
- Eu tinha certeza de que tinha alguma coisa a ver entre Shields e o assassinato de Sweeney.
- E agora, não tem mais?
- No momento, não tenho certeza de nada. Até onde sei, você e Sophie devem ficar o mais longe possível disso tudo.
- Não é de admirar que não possamos encontrar Shields e que seus guarda-costas não estejam patrulhando a praia. Aposto que foram avisados pela polícia e agora estão se escondendo.
Um minuto mais tarde, quando Regan estava pronta para desligar o telefone, Sophie voltara ao apartamento. Com um grito, Cordie avisou-a que Regan estava ao telefone. Sophie pegou a extensão da cozinha.
- Ei, adivinha o quê? - Ela não deu nenhuma oportunidade à Regan para responder. - Shields e seus guarda-costas deixaram a ilha e ninguém nem mesmo a polícia, sabe para onde foram.
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- Como foi que você descobriu isso?
- O amigo de um amigo.
-Você vai contar a ela ou quer que eu mesma conte? - perguntou Cordie aRegan. - Eu vou desligar e você pode...
- Contar o quê?
Enquanto Regan esperava, Cordie repetiu o que Regan lhe contara. O silêncio de Sophie significava que ela estava em estado de choque.
- O que a polícia acha disso tudo? - perguntou ela, finalmente.
- O detetive Buchanan espera que a pessoa que mandou o e-mail e o fax volte a fazer contato. O detetive Wincott concorda com isso.
- Muito bem, quem é o detetive Wincott?
- Ele é o encarregado da investigação.
- E o detetive Buchanan? Ele é algum tipo de parceiro? - perguntou Cordie.
- Não, ele é meu guarda-costas temporário.
- Deus do céu...
- Está tudo bem, Cordie.
- Vamos voltar para casa no próximo voo.
- Não, Sophie, não façam isso. Como o Shields já saiu da ilha, é provável que vocês estejam mais seguras aí do que em qualquer outro lugar.
Cordie acrescentou:
- Ela acha que Shields possa estar de alguma maneira envolvido no que está acontecendo, porque Sweeney estava encarregado de investigá-lo.
- Concordo que não seja uma teoria irrefutável - disse Regan.
- Sweeney ainda não tinha feito nenhuma ação efetiva com relação ao caso. Como é que Shields poderia saber sobre ele? - perguntou Sophie.
- Ainda acho que deveríamos fazer as malas e voltar para Chicago. Queremos ficar com você, Regan.
- Não - respondeu ela. - Fiquem aí e terminem o que começaram. O que estão fazendo é importante e parece que vocês estão tendo progressos.
- Estamos, sim - concordou Sophie.-Mas precisamos ficar mais uma semana, talvez duas. Existe muita coisa a ser verificada com relação a nomes e datas e agora que temos cópias de longa data dos registros do hotel...
- Foi o amigo de um amigo que conseguiu a informação para vocês?
- Não - disse Sophie. - Eu pedi a um funcionário e ele me forneceu.
- Estamos realmente tendo progressos - disse Cordie. - E, Sophie, você disse que queria falar com a mulher que está hospedada no The Murdock. É melhor que você se apresse para fazer isto antes que ela descubra que o Shields deixou a ilha. Essa é a oportunidade perfeita. Estamos loucas para saber o que foi que Shields prometeu a ela.
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- Não seria o máximo se ela quisesse colaborar com a gente?
- Nesse caso, ele estaria frito.
- Mantenha-me informada, está bem?
- Espere, Regan. Você vai ficar bem? - perguntou Cordie.
- Sim. Não se preocupem. - Ela olhou para sua mesa vazia e decidiu mentir para conter a ansiedade de Cordie. - Tenho muito trabalho a fazer. Não terei tempo para me preocupar e estou absolutamente segura em meu escritório.
- Tudo bem - disse Cordie. - Independentemente do que acontecer, estaremos de volta a tempo para o evento beneficente do clube de campo. Antes disso, temos duas semanas bem cheias pela frente.
- Até lá, é provável que a polícia já tenha conseguido prender o maníaco - disse Sophie.
Regan esperava que ela estivesse certa. Quando finalmente desligou o telefone, Alec já havia parado de assistir à televisão. Ela se levantou da cadeira, alongou-se e lhe contou parte da conversa que tivera com as amigas.
- A polícia de lá informou que Shields e os guarda-costas deixaram a ilha. Você acha que Cordie e Sophie ficarão seguras?
- Sim, acho que sim. Desde que...
- Desde o quê?
Ele decidiu ser curto e grosso.
- Desde que fiquem longe de você
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CAPÍTULO 27
REGAN ESTAVA A PONTO DE TER UM ESGOTAMENTO NERVOSO. DESDE QUE RECEBERA a foto de Sweeney, duas semanas inteiras se passaram e seus nervos estavam ficando cada vez mais em frangalhos. Um dia se arrastava depois do outro. Ela pensou que fosse enlouquecer ao ficar presa dentro do hotel. O detetive Wincott vinha vê-la periodicamente para dar-lhe informações sobre o andamento da investigação. A polícia havia descartado qualquer ligação entre Shields e Sweeney, o que significava que a identidade do assassino continuava desconhecida e ele, à solta. A longa espera pelo desenrolar dos acontecimentos a deixava ansiosa e irritadiça.
Manter-se ocupada ajudava e, como já tinha terminado tudo o que tinha de fazer, decidiu reorganizar o escritório. Atrás de uma longa parede, havia arquivos abarrotados de papéis, todos precisando ser reorganizados.
Regan envolveu-se na tarefa. Alguns documentos haviam sido transferidos para os disquetes e a cópia impressa podia ser destruída. Alguns arquivos precisavam ser consolidados e ela queria que aquilo fosse feito. Existia todo um procedimento, que só ela sabia, para a reorganização. Havia pilhas de pastas suspensas e papéis espalhados por todo o escritório, que criavam uma barricada entre o escritório de Henry e a mesa de trabalho dela. Mesmo assim, ela sentia que estavam fazendo progressos.
Entretanto, com seus irmãos, as coisas davam a impressão de que não faziam qualquer tipo de avanço. Ela sentia que estava desenvolvendo com eles uma relação de amor e de ódio. Spencer ficara mais tempo em Melbourne, mas falava com ela ao telefone umas três vezes por dia, para ter certeza de que estava bem. Walker também ligava com freqüência. Seus
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recados sempre giravam em torno do mesmo tema. Até que a situação se resolvesse, ele insistia para que ela viajasse com ele.
Depois de duas semanas de constantes telefonemas, Regan desistiu de tentar acalmá-los. Ela pediu que Henry não transferisse os telefonemas de Spencer ou Walker.
Aiden também a estava deixando louca. Ela precisava ter uma conversa com ele. Cansada das interferências dele, estava disposta a fazer com que ele escutasse tudo o que ela tinha a dizer. Em seguida, conversaria com os outros dois. Ela não estava dando a mínima para o momento,se era ou não apropriado. Não agüentava mais ver os três irmãos invadir sua vida profissional e pessoal e, se quisesse que alguma coisa mudasse, tinha de começar com o mais agressivo deles, ou seja, Aiden. Se ela conseguisse fazer com que ele a respeitasse, os outros dois fariam o mesmo.
Pelo menos, era esse o plano... se Aiden ficasse parado o tempo suficiente para ouvi-la. Ele cancelara uma viagem de negócios para ficar em Chicago e, mesmo passando pelo escritório mais de cem vezes por dia para ver se ela estava bem, parecia nunca encontrar tempo para se sentar e conversar. Monitorava cada movimento dela e, quando não podia ele pessoalmente passar por lá, mandava um dos guardas de segurança que contratara. Ela sabia que o irmão estava preocupado e, nesse sentido, podia entender por que ele era tão protetor. O que Regan achava assustador, no entanto, era como ele fugia sempre que ela pedia alguns minutos de seu tempo para uma conversa.
Emily mandou um recado por Henry dizendo que Aiden simplesmente não tinha tempo para ouvir os choramingos de Regan. Henry ficara furioso.
- Finalmente, consegui descobrir o plano dela - disse Henry.-Ela quer ver você longe daqui e fará qualquer coisa para que isso aconteça.
- Parece que ela ainda não percebeu que sou a irmã de Aiden, não é? - Regan resolveu brincar para que Henry soubesse que não estava irritada.
- É claro que ela sabe disso, mas, quando começou a trabalhar aqui, não sabia quem era você. Ela foi desagradável e grosseira. Como não pode consertar o passado e sabe que você não gosta dela, resolveu se empenhar para fazer com que você pareça incompetente. Dessa maneira, Aiden não ouvirá mais sua opinião, inclusive no que diz respeito a ela.
Antes que Regan pudesse dizer alguma coisa, Henry continuou:
- Ela está a fim do seu irmão. Ela quer se casar com ele e você, Regan, está atrapalhando os planos dela.
- Aiden vai descobrir o que ela anda aprontando. E mais: ele nunca usaria a palavra "choramingos".
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Aiden estava deliberadamente evitando Regan. Talvez estivesse lhe dando o tempo necessário para que ficasse mais calma. Ele deve ter imaginado que ela ficara furiosa com a história do carro - ela ainda não podia acreditar que ele tivera a audácia de mandar rebocar seu carro -, da mesma maneira que, se esperasse algum tempo, ela acabaria se esquecendo e deixaria passar, como estava fazendo com tudo naqueles dias.
Ela sabia onde estava o problema. Amava os irmãos e faria qualquer coisa por eles. Na maioria das vezes se esforçava para fazê-los felizes e, para isso, algumas vezes chegava mesmo a se desrespeitar.
Quando criança, Aiden, talvez por ser o mais velho e personificar a figura do pai, fora quem sempre a ajudara com seus problemas. Era também o mais rígido. Não podia vê-la chorar - o que, na época, ela conseguia fazer por quase nada -, mas, com o passar do tempo, ela se esforçara bastante para aprender a controlar suas emoções. Mesmo assim, até hoje, elas algumas vezes transbordavam.
Regan puxara pelo lado Hamilton da família. Eles eram todos altamente emotivos, pelo menos fora o que Spencer lhe dissera. Os Madison, por outro lado, eram estóicos, disciplinados e viciados em trabalho, como Aiden e Spencer. Ninguém sabia com qual lado da família Walker se identificava, mas havia teorias de que ele talvez tivesse puxado um tio-avô que começara a viver como playboy quando era adolescente e mantivera seu estilo de vida até o leito de morte. Havia rumores de que, ao dar o último suspiro, ele estava pedindo a mão de sua linda enfermeira em casamento. No momento, Regan não queria ser parecida com ninguém. Os termos do testamento a colocaram numa posição inferior à dos irmãos e, como Alec dissera, se não encontrasse uma válvula de escape, o estresse acabaria com ela.
Os irmãos dela não eram os únicos a lhe causar problemas. Ela sentia que estava desenvolvendo uma relação de amor e de ódio também com Alec. Na verdade, ela adorava estar com ele - ele era inteligente, engraçado e gentil -, mas detestava o motivo pelo qual estava sempre ao seu lado.
Já fazia duas semanas que ela e Alec haviam se tornado inseparáveis. Ele se recusava a tirar folga e só a deixava quando um policial se plantava em seu andar, entre as portas do elevador e a escada, que eram os únicos caminhos pelo qual se chegava à suíte que ela ocupava. Alec era a última pessoa que ela via a cada noite, quando fechava a porta de seu quarto, e a primeira pela manhã, quando saía para o corredor.
Cada vez mais, ele fazia parte de seus pensamentos, mas ela não podia deixar de especular - será que ele lhe daria um pouco de seu tempo,
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se não fosse seu trabalho protegê-la? Se ele a tivesse encontrado em outra situação, teria se interessado por ela? Será que a teria convidado para jantar?
Henry também gostava de ter Alec por perto. Os dois pareciam que passavam horas falando de esportes e bandas de rock e, quando Henry estava tendo dificuldades para escrever um ensaio para o curso de ciências políticas, que cursava durante o verão, Alec se oferecera a ajudá-lo. Em pouco tempo, Henry estava lhe pedindo conselhos sobre suas namoradas e seu futuro.
Durante as noites, Regan, Henry e Alec colocavam roupas de ginástica e, juntos, faziam exercícios na academia do hotel. Alec sempre se saía melhor do que ela e Henry na pista de cooper. A forma física dele era muito melhor que a dela; o que ele, com um sorriso, gostava de deixar claro. Ela usava sua cirurgia recente como desculpa para ficar para trás, mas, a cada dia, conseguia melhorar a velocidade e a distância percorrida. Ela dissera a Alec que havia uma corrida beneficente anual se aproximando e queria fazer a maior parte do percurso.
Regan sabia ainda que não estava pronta para retomar sua rotina normal e estava disposta a cooperar o máximo possível com Alec, mas havia alguns eventos que ela se recusava a transferir ou adiar porque os considerava muito importantes. Um deles aconteceu no hotel, o que facilitou as coisas para Alec.
No final da segunda semana, Regan estava se aprontando para uma recepção em que seria a anfitriã naquela noite. Ela queria que tudo saísse bem. Alec a ajudou a medir o espaço entre os ganchos na parede do corredor que levava ao vestíbulo da loja de presentes e, quando terminaram, foram verificar as medidas do átrio. Ela já providenciara um eletricista para cuidar da iluminação da galeria e Frank, funcionário da manutenção, ficou feliz em dar uma mão.
- Você vai me dizer o que e para que estamos fazendo isso? - perguntou Alec, ao entregar a trena à Regan.
- Pela última vez, estamos medindo a distância entre os quadros para termos certeza de que os espaços estão corretos. Eu não quero que eles fiquem muito juntos.
- Onde estão os quadros?
Ela deu um sorriso.
- Você vai ver.
Ao sentir o entusiasmo dela, a curiosidade dele aumentou. Ele não estava nem se importando em ter de ficar de terno por mais tempo.
Regan escolheu um vestidinho preto com bordado de pedrarias no decote. Como estava atrasada, não teve tempo para prender o cabelo. Depois de ter passado um pouco de gloss nos lábios e de blush nas bochechás,
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estava pronta para sair do quarto, com cinco minutos de antecedência do previsto.
A recepção teria início às sete horas. Alec não estava muito feliz com relação à multidão que se aglomerava no átrio. Regan estava em êxtase. Quando ela tentou sair de perto dele, ele segurou a mão dela, obrigando-a a ficar ao lado dele.
Ele se inclinou para ela e sussurrou:
- Fique comigo.
Ela concordou com um sinal de cabeça para que ele soubesse que havia entendido a mensagem.
Ambos estavam recebendo olhares intrigados das pessoas ao redor. Regan apresentou Alec como um amigo, mas Henry estava sendo bombardeado com perguntas. Será que Regan estava levando aquele homem a sério? Afinal de contas, quem era ele e o que fazia para viver?
Kevin, amigo de Henry, que também havia sido convidado, ajudava o amigo com os detalhes de última hora.
Depois que Regan deu as boas-vindas aos convidados, ela pegou Alec pela mão e o levou para ver o primeiro dos doze quadros, maravilhosamente emoldurados. As paredes cor de creme adquiriram vida ao lado das cores alegres e vibrantes das telas. Sim, alegres, pensou Alec, enquanto estudava o audacioso quadro abstrato. Os nomes dos artistas estavam impressos em letras em negrito numa etiqueta branca, abaixo de cada quadro.
- Nunca tinha ouvido falar de nenhum desses artistas - disse ele.
- Você terá a chance de conhecê-los antes de eles se tornarem famosos. Você gostou de algum trabalho específico?
Ele balançou a cabeça.
- Gostei de todos eles.
Henry e Kevin estavam juntos esperando por uma chance de falar com Alec. Kevin tinha as mãos comprimidas no bolso e, ansioso, transferia o peso do corpo de um pé para o outro.
- Não perca o controle - sussurrou Henry. - Alec vai ajudá-lo. Estou certo disso.
- Eu não vou perder o controle. Vou conseguir. Quando você acha...
- Depois da apresentação, mas antes de levar Regan para cima - disse Henry, com o olhar fixo em Regan e Alec. - Eles ficam bem juntos, não acha?
Eles estavam rindo e conversando e Henry notou que Regan segurava o braço de Alec, enquanto o levava de quadro em quadro. Eles pareciam se sentir muito confortáveis um com o outro. Quando começaram a voltar para o átrio, Henry e Kevin os abordaram. Alec apertou a mão de Kevin, quando Henry os apresentou. Ele percebeu que o garoto estava tremendo e, pela expressão de seu olhar, que estava com medo.
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- Você tem um rosto familiar - disse ele, pensando que pudesse têlo encontrado em outra ocasião.
- Eu trabalho no The Palms - disse Kevin. - Talvez o senhor tenha me visto lá.
É possível.
Regan não parecia que tinha percebido que havia algo errado. Ela reconheceu uma mulher que fez um aceno de cabeça para ela.
- Eles estão aqui - disse ela a Henry.
- Talvez mais tarde nós pudéssemos... hum, quem sabe, conversar - Kevin disse a Alec.
- Tudo bem. Mais tarde.
- Você está pronto, Henry? - perguntou Regan.
- Vamos lá.
Alec ficou ao lado de Regan enquanto cruzavam a multidão em direção ao pódio. Os convidados já tinham sido servidos com comida e bebida e o ambiente estava bastante alegre.
Um homem, que não fora convidado, estava no meio da multidão, observando-a e esperando por uma oportunidade. Em passos lentos, ele caminhou na direção dela, chegando cada vez mais perto. Por alguns minutos, ele ficou distante dela apenas alguns metros, fingindo que apreciava uma obra de arte enquanto escutava a conversa que ela mantinha com o homem chamado Alec. Se ele pudesse se aproximar o suficiente, talvez pudesse afastála da multidão e ficar um pouco sozinho com ela, mas, toda a vez que conseguia fazer um movimento nesse sentido, o homem que estava perto dela ficava no caminho, com os olhos sempre grudados nela. Ela era o centro das atenções, a estrela da festa. Para onde quer que ela se virasse, havia um outro convidado ansioso para falar por um instante com ela. Levou vinte minutos para conseguir se aproximar novamente, mas, quando estava estendendo a mão para pegar a dela e pedir um instante de privacidade, Alec levava para a direção oposta. Sua frustração aumentava. Ele não conseguia chegar até ela. Essa noite não seria a noite. Ele teria de esperar por uma outra oportunidade, mas uma hora ou outra o momento certo chegaria e ele estaria pronto. Sem ser notado, ele deixou o recinto por uma porta lateral
Henry fez um sinal para que o quarteto de cordas fizesse uma pausa. Colocou-se ao lado de Regan enquanto ela, mais uma vez, agradecia a presença de todos. Ela apresentou Henry e afastou-se para que ele pudesse falar ao microfone.
Enquanto ele falava da importância da arte e da música nas escolas públicas, os 12 artistas estavam perfilados diante do pódio. Com tom de orgulho na voz, Henry apresentou cada um deles.
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Alec estava bastante impressionado e um pouco atordoado. Nenhum dos artistas tinha mais do que 14 anos de idade. Agora ele entendia o que Regan quisera dizer quando mencionara que ele teria a chance de conhecêlos antes que se tornassem famosos, pois seus talentos impressionantes estavam apenas começando a florescer. As pinturas estavam à venda, a preços altos, mas cada dólar arrecadado iria para os departamentos de arte das escolas representadas pelos artistas. Henry apresentou também os professores envolvidos no programa e explicou que os artistas receberiam bolsas de estudo e materiais de arte.
Por volta das nove horas, todos os quadros tinham sido vendidos. Regan estava muito emocionada e tão orgulhosa de Henry que lhe deu um grande abraço. Ele não se cansava de lhe dar todo o crédito, mas Henry disse a Alec que a ideia fora dela. Ele apenas contribuíra com sugestões.
A festa terminou às dez horas e, apesar de não ser muito tarde, Regan estava cansada e quis subir para a suíte para tomar um banho e cair na cama. Cruzaram o saguão seguidos por Henry e Kevin. Regan contava a Alec os motivos que estavam por trás do projeto de arte.
- Sempre que uma escola se depara com problemas financeiros, os primeiros cortes são feitos nas cadeiras de música e de arte. Os administradores... se esquecem.
- Eles se esquecem do quê? - perguntou ele.
Henry respondeu:
- É como Regan está dizendo. Educação não significa apenas alimentar a mente. A arte e a música alimentam o coração e a alma.
Alec concordou com isso. Em seguida, Henry disse:
- Sempre haverá quadros pendurados naquelas paredes e, quando um deles for vendido, colocaremos outro no lugar. É uma ótima idéia, não acha? O objetivo é fazer o mesmo em todos os hotéis da rede Hamilton.
Kevin cutucou Henry e murmurou:
- Vamos acabar logo com isto.
Henry adiantou-se e disse:
- Ei, Regan, que tal tomarmos um drinque?
O bar ficava perto do saguão e, naquele momento, estava quase vazio. Alec sugeriu que pegassem uma mesa e pedissem um drinque. Enfatizou que os drinques não deveriam conter álcool.
Alec apertou a mão de Regan.
- Se você quiser, posso levá-la até o quarto. Tenho certeza de que o policial já se encontra do lado de fora de sua porta. Dou uma olhada em sua suíte e volto para ficar com eles. Acho que eles não se importariam de esperar um pouco.
- Tudo bem - disse ela. - Tomo um drinque com vocês. Dentro do bar, o ambiente era escuro e agradável, com paredes recobertas por lambris de nogueira. Sobre cada mesa, havia velas acesas.
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Henry tomou a dianteira e encontrou uma mesa de canto, de frente para uma saída lateral. Puxou uma cadeira para Regan, mas Alec não aprovou, Ele queria que ela se sentasse de costas para a parede. Uma vez acomodada, Regan esperava que os três homens se juntassem a ela, mas nenhum deles se sentou. Henry e Kevin estavam cochichando e pareciam bastante preocupados.
- O que está acontecendo? - perguntou ela.
Antes de responder, Henry lançou um rápido olhar para Kevin.
-O que está... - começou ele, para, em seguida, cutucar Kevin.
- Sim? - perguntou ela.
Ela estava intrigada com a mudança de Henry. Quando, naquela noite, ele subira ao pódio e falara aos convidados, fora polido e eloqüente, Agora, ele agia como um adolescente inseguro. Henry só tinha esse tipo de recaída quando alguma coisa estava muito errada ou alguém o irritava.
- Achei que talvez Kevin quisesse falar com o detetive Buchanan por alguns minutos e ele disse que tudo bem sobre conversar... você sabe, então Kevin aproveitou a oportunidade.
Como Henry parecia querer a aprovação dela, Regan disse:
- Tudo bem.
Alec colocou a mão no ombro de Henry.
- Henry fique com Regan enquanto Kevin e eu conversamos. - E, virando-se para Regan: - Não saia daí - disse ele.
Ela rolou os olhos para cima. Mandar que ela não saísse do lugar fora" totalmente desnecessário, já que ele nunca tirava os olhos dela. Ele e Kevin andaram até os degraus que davam para o corredor e colocaram-se próximos da parede. Por ser muito mais alto do que Kevin, Alec precisava inclinar para ouvir o que ele lhe dizia.
Pela expressão de Alec, era impossível saber o que se passava, mas o pobre Kevin estava visivelmente em apuros. De branco acinzentado, o rosto dele ficou vermelho como brasa. Ele falava rápido e gesticulava com as mãos. Com raiva, enxugou uma lágrima que lhe correu pelo rosto. Depois ele olhou para Regan. Ela rapidamente virou-se para Henry, para que Kevin não percebesse que era observado por Regan.
- Kevin está com problemas?
- Não é o Kevin... é outra pessoa. É assunto pessoal, mas ele me deu autorização para contar para você.
O garçom apareceu com uma pequena tigelinha de prata, cheia de castanhas de caju. Henry pediu refrigerantes para todos e voltou a se sentar. Ele continuou:
- Ele está com medo. A mãe dele... você sabe, ela foi embora há alguns anos. Simplesmente foi embora.
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- Sim, eu sei - respondeu Regan.
- O pai dele conseguiu o divórcio, o que foi ótimo. Ele também ficou com a guarda dos filhos. Então, do mesmo modo como a mãe dele desapareceu, ela simplesmente voltou a aparecer. E não estava sozinha... e eles estão trazendo a tralha deles para dentro de casa... você sabe, drogas.
- E por que o pai de Kevin...
- Não os manda embora? Ele tentou, mas não conseguiu nada. O pai dele distribuiu os filhos pelas casas dos amigos e Kevin pensou que talvez Alec pudesse ajudá-lo.
- Pobre Kevin - murmurou ela. - Não consigo nem imaginar como ele deve estar se sentindo.
- Ele acha que está lidando bem com o problema, mas não está. - Por um instante, Henry observou seu amigo e depois virou-se para Regan. - Como você consegue?
- Consegue o quê?
- Ficar calma. Quer dizer, vamos lá, Regan. Tem um cara maluco atrás de você. Você tem um guarda-costas e uma segurança ferrada atrás de você...
- Eu não estou calma com relação a isso - disse ela. - Mas tento não pensar nisso.
- Esperando que alguma coisa aconteça... isso é assustador. Fico gelado só em pensar no assunto. Se alguma coisa acontecer com você, eu não sei o que eu faria. Quer dizer...
Ela colocou a mão sobre a dele.
- Tudo vai dar certo. Você vai ver.
Pelo tom de voz, ela parecia que sabia o que estava falando, mas, da mesma maneira como Henry, ela estava com medo de pensar sobre isso. Então, ela olhou para Alec e sentiu-se relaxada. Contanto que ele estivesse ao lado dela, ela estaria segura.
O garçom colocou os refrigerantes sobre a mesa. Ela agradeceu, pegou seu copo e bebeu um gole. Seu olhar insistia em se voltar para Alec. Henry percebeu.
- O que vai acontecer quando ele for embora?
- Imagino que devam escalar outra pessoa para me seguir.
- Não foi isso o que eu quis dizer. Vamos lá, Regan. Você está falando comigo. Não precisa fingir. Tenho observado vocês dois. Vocês têm essa ligação. Você sabe do que estou falando?
Ela sabia, e como.
- Eu gosto dele - admitiu ela. - Ele é muito sedutor, apesar de não ser meu tipo.
- Você quer dizer do tipo pasteurizado?
Ela deu um sorriso.
- Como assim?
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- Com todos os botões abotoados, sempre de terno e gravata e com ar imaculado o tempo inteiro. Eu costumava achar que Aiden era do tipo pasteurizado até jogar uma partida de rúgbi com ele num jogo beneficente e juro que mudei de opinião. Ele estava cruel e enlameado. Definitivamente nada a ver com o tipo pasteurizado. Posso dizer o mesmo do detetive Buchanan - quer dizer, Alec. Ele me disse para chamá-lo de Alec - aposto que, quando ele está na ativa, ele também pode ser bastante cruel.
- Tenho certeza de que ele joga para ganhar - concordou ela. - Ele é um pouco... desalinhado - acrescentou ela, num tom de voz que mais parecia um elogio.
Ao terminar seu refrigerante, Henry serviu-se do que havia pedido para Kevin e bebeu-o em duas grandes tragadas. Ele parecia que não sabia o que fazer com as mãos. Levantou o copo vazio, girou o gelo algumas vezes e recolocou-o sobre a mesa. Regan lhe ofereceu seu drinque, que ele não hesitou em beber.
- Estou com sede - disse ele.
- Você está nervoso.
- Isso também - concordou ele.
Regan pensou em Kevin com carinho. Ele havia se afastado um pouco de Alec, que segurava o braço dele e balançava a cabeça. Alec colocou o dedo na frente do rosto do adolescente e começou a falar. Regan não conseguia ouvir o que ele estava dizendo, mas Kevin parecia beber cada palavra. Pelo que ela podia ver, ele não estava ansioso ou amedrontado.
Alec Buchanan era um bom homem. Enquanto olhava para ele, Regan sentiu um aperto na garganta e percebeu que a atração que sentia por ele tinha se transformado em algo muito mais complicado.
- Aí vêm eles - murmurou Henry.
Kevin foi o primeiro a entrar no bar. Seus olhos estavam vermelhos.
- Acho melhor irmos embora - Disse ele a Henry.
- E nós também - disse Alec. - Já é tarde. Imediatamente, Regan se levantou. Ela deu boa-noite aos rapazes e, instantes depois, Alec a acompanhava até sua suíte.
- Ouça, amanhã vou me atrasar um pouco. Tenho algumas coisas a fazer... preciso começar a empacotar as coisas. Vou falar com o policial para que ele fique até que eu chegue.
Ela pressentiu que as "coisas a fazer" tinham alguma coisa a ver com Kevin, mas decidiu não perguntar.
- Tudo bem - disse ela.
- Então, boa noite.
No momento em que ele fechava a porta, ela disse:
- Espere.
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Ele parou.
- Sim?
- Amanhã... tenha cuidado... ao empacotar as coisas. Tudo bem?
- Tudo bem.
Ela se apoiou sobre a porta fechada. Sabia que sonharia com ele, mas jurou que, no dia seguinte, recuaria e voltaria a ser prática. Havia apenas um pequeno problema em sua decisão. Ela não sabia como fazer isso.
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CAPÍTULO 28
ENRY CONTOU A REGAN TUDO O QUE HAVIA ACONTECIDO. ELE ENTROU NO escritório dela, fechou a porta e disse:
- Como sei que você ficou preocupada com o Kevin, queria que soubesse que deu tudo certo.
Ela estivera abrindo as gavetas de sua mesa à procura de seu pacote de M&Ms. Logo em seguida, ela voltou sua atenção para Henry. Bastava olhar para ele para perceber que ele estava bastante aliviado.
- Ótima notícia.
Henry precisava falar.
- Kevin está vindo para cá. Você não se importa, não é?
- Claro que não.
- Ele me disse que as coisas estavam feias.
- É mesmo?
- Sim, mas Alec deu um jeito.
Ele disse ao pai de Kevin para manter as crianças afastadas, e foi o que ele fez. De qualquer maneira, Kevin não quis sair e viu tudo acontecer.
- Kevin estava na casa enquanto tudo estava acontecendo?
- Não - disse ele. - Ele estava do outro lado da rua. Acho que estava escondido, para que Alec não o mandasse embora. Ele me disse que, por um instante, sentiu medo de Alec. Acho que alguns dos amigos da mãe dele resistiram e Alec e os caras que estavam com ele tiveram de... hum, usar força física para algemá-los. Eu gostaria muito de ter estado lá. Kevin me disse que a expressão de Alec enquanto... você sabe, enquanto lutava com os caras era assustadora.
- Ainda bem que você não estava lá - disse ela.
213
Ele afastou alguns papéis e sentou-se na beirada da mesa. - Aposto que eles sabiam que Kevin estava lá. Alec disse que a mãe de Kevin teria a oportunidade de ir para um centro de reabilitação, mas ela se recusou a ir.
- Como está o Kevin?
- Ele está bem. Bastante conformado com as coisas.
- Você é um bom amigo, Henry.
- Ele também me ajudou nos momentos difíceis. - Ele percebeu que Kevin havia chegado em seu escritório e disse: - Kevin me disse que eu podia lhe contar tudo, mas...
- Mesmo assim, prometo não dizer nada - assegurou ela. Regan abaixou-se para verificar sua última gaveta à procura de seus M&Ms e, quando levantou a cabeça, Alec estava ao lado da mesa de trabalho de Henry, conversando com ele. Kevin também estava lá ao lado do amigo.
Era evidente que Alec não se dera ao trabalho de trocar de roupa, depois da luta na casa de Kevin. Ele entrou no escritório dela, perguntoulhe se tudo estava bem, informou-lhe que havia dispensado o policial e que estava assumindo seu posto.
- Tudo bem com você?
- Sim, tudo certo - disse ele.
Ele parecia confortável em seus jeans e camiseta, mas o coldre em que carregava a arma era bem visível. Ele percebeu que ela estava olhando para o coldre.
- Isso faz parte do trabalho, Regan.
- Eu sei.
- Ainda bem, porque você precisa se acostumar.
Por que ele estava ficando nervoso?
- O que está acontecendo com você?
Ele olhou para o escritório adjacente, viu Kevin e balançou a cabeça
- Nada. Algumas pessoas não têm a chance de fazer as pausas necessárias. Não foi a melhor maneira de se começar o dia, só isso.
- Mas tudo acabou dando certo?
Ele encolheu os ombros e deu a conversa por encerrada.
Alec era mais rápido do que uma ostra para se fechar dentro de si mesmo.
No meio da tarde, eles haviam retomado a rotina. Alec cochilou no sofá enquanto ela continuava arrumando os arquivos.
Naquela noite, eles foram para a suíte, pediram pizza, pipoca, refrigerante e cerveja e assistiram a um filme. A história de amor era um clássico, que fez com que ela chorasse enquanto Alec ria o tempo inteiro. Ela o acusou de não ter sentimentos, o que ele recebeu como um elogio.
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Na noite seguinte, ele escolheu o filme e eles assistiram a um outro clássico antigo. Entretanto, não era um filme romântico. Era um daqueles filmes repletos de efeitos especiais, com muitos extraterrestres. Ele adorou.
Ambos apoiaram os pés numa banqueta. Ela estava descalça e ele, de meias, das quais uma tinha um enorme furo.
Os créditos eram exibidos na tela quando ele perguntou:
- Quer assistir de novo?
Ela não achou que ele estivesse brincando.
- Não, obrigada. Esse filme é muito violento para mim.
- Você achou violento? - Ele parecia surpreso com a reação dela.
- Alec, eu contei 32 pessoas mortas.
- Isso não é tão mal assim - disse ele, na maior caradura.
- Trinta e dois corpos na primeira meia hora. Depois disso, desisti de contar.
- Ei, eles eram extraterrestres que usavam os humanos como fonte de alimento. O que você esperava?
- Menos cenas explícitas de extraterrestres devorando rostos humanos seria interessante.
- Tudo bem, mas não seria tão emocionante. Cara, eu adorava esse tipo de filme quando era criança.
- Você gostava de sentir medo?
- Claro.
- Você gostava de ter pesadelos?
- Eu dormia no mesmo quarto que meu irmão, Dylan, e achava que, se algum monstro entrasse lá, nós dois juntos daríamos um jeito nele. - Ele deu um sorriso e acrescentou: - Naquela época eu era cheio de autoconfiança.
- Naquela época? Vou lhe dizer uma coisa, sabidão. Você continua sendo.
Ele deu uma risada. - Sabidão? Venho de uma família de oito irmãos e todos nós, em um ou outro momento, éramos forçados a ser sabidões.
- Você é o mais velho?
- O terceiro, de cima para baixo. Tem o Theo, que é o mais velho. Depois vem o Nick, eu, o Dylan, o Mike, minhas duas irmãs, Jordan e Sydney, e o caçula, Zack. Ele continua selvagem.
Ela cutucou o ombro dele.
- Aposto que, quando criança, você deixou seus pais de cabelos brancos. Ainda bem que você cresceu. Mas não posso dizer nada porque também fui bem levada.
- Você está se gabando?
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Quando ela não respondeu à pergunta, ele cutucou o ombro dela.
- Acho que fui tão irrequieta quanto você - disse ela.
Então, eles passaram mais ou menos uma hora comparando suas façanhas infantis. Alec se saiu vencedor.
- Você pode me explicar por que todas as suas histórias de infância têm instrumentos elétricos? - perguntou ela.
Ele deu uma risada.
- Nem todas, apenas algumas. E você pode me explicar por que você nunca menciona seus pais em suas histórias?
- Eu já lhe disse que meu pai morreu quando eu era pequena e que minha mãe nunca estava em casa. Eu sempre lhe dava boa-noite por telefone
- Isso é muito triste.
Ela deu uma risada.
- Não, não é. As coisas são como são.
- Não é dessa maneira como uma garotinha deve crescer. Como é que você conseguiu ser tão normal?
- Quem disse que sou normal?
- Eu. Aposto que você sabe tudo o que é preciso saber. - Ele estava provocando, além de bastante arrogante. - Eu sei de tudo o que você gosta e o que não gosta.
- Duvido - disse ela.
- Você detesta salmão, é alérgica a morangos e espirra sempre que chega perto de uma rosa
Ela se vingou dele.
- Você é viciado em ketchup. Coloca ketchupem tudo que come, até no sanduíche de creme de amendoim com geléia. Você detesta pizza de massa fina e não é alérgico a nada.
- Minha vez? Tudo bem. Você é extremamente competitiva; uma liberal de quatro costados numa família conservadora e, juro que não sei como isso aconteceu, mas você pensa que é Deus e que pode esconder suas emoções, mas não é. Além disso, você não confia nos homens nem no casamento.
Ele tinha cutucado a ferida e, quando ela respondeu, havia um tom defensivo em sua voz.
- Você é muito mais competitivo do que eu; pensa que é liberal, mas, na verdade, é extremamente conservador; tem valores sólidos e inegociáveis... e, Alec, eu confio, sim, em alguns homens.
- E no casamento?
- Minha mãe foi casada duas vezes e os dois maridos dela foram infiéis. Eu não quero cometer o mesmo erro e aprendi que não existe esse lance de "para sempre".
- A não ser que você se case com o homem certo.
- Esse é o segredo, não é? Saber quem é o homem certo. Acho que tudo não passa de especulação.
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- Não, não é verdade - argumentou ele. - Mas, ao mesmo tempo, não se trata de uma ciência.
-Ah, é? Então, diga-me uma coisa. Como é que você vai saber quem é a mulher certa para você?
- Você está pedindo que eu descreva a mulher ideal para mim?
- Essa história de mulher ideal não existe.
- É claro que existe - disse ele.
- É mesmo? E como é ela?
Os braços de ambos se tocavam e nenhum deles fez qualquer tipo de esforço para se afastar.
- Ela tem cabelos escuros.
- Sim?
- E olhos azuis. Da cor das violetas. Incríveis olhos azuis.
Agora, ele se inclinava na direção dela. Ela pensou que ele fosse beijá-la.
- E tem um corpo maravilhoso.
- É claro que sim.
- Você está tirando sarro da mulher dos meus sonhos?
- Não - disse ela, com um sorriso. - Continue. O que mais? Ela tem poderes mágicos?
Ele se aproximou um pouco mais dela.
- Não, mas vai ser mágico quando estivermos juntos.
Deus do céu, ele estava prestes a beijá-la. Ela prendeu a respiração.
Cheio de carinho, ele passou os dedos no rosto dela. Ela teve de fazer força para permanecer imóvel e não se entregar à carícia. Por que ele não a beijava? Por que estava demorando tanto?
- Essa mulher perfeita tem um cérebro ou o fato de não ter um cérebro é o que a faz ser perfeita?
- É claro que ela tem um cérebro. Ela é muito inteligente, tem senso de humor e me faz rir. Ela possui uma fantástica combinação de vulnerabilidade e teimosia. E essa, Regan, é minha mulher perfeita.
Aboca dele estava a apenas alguns centímetros da dela. Ela fechou os olhos e esperou.
Ele torceu o nariz dela.
- Preciso ir.
Ela piscou os olhos.
- Você... o quê?
- Preciso ir.
Quando ela conseguiu se recuperar, ele já havia calçado o tênis e estava a meio caminho da porta.
Regan pegou a tigela de pipoca que estava em seu colo, levantou-se e colocou-a sobre a mesa de centro.
- Você se diverte me provocando, não é?
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Ele estava enfiando a camiseta dentro do jeans.
- Com você, fica fácil. - Ele abriu a porta e saiu para o corredor. - Venha cá, Regan
A maneira como ele a olhava fez com que o estômago dela desse saltos. Ela foi até a porta.
- Sim?
- Deixe-me ouvi-la trancar a porta.
- Sim. Tudo bem.
Ele fechou a porta.
- Boa noite.
Ela poderia jurar que, ao se afastar, o ouvira rir.
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CAPÍTULO 29
No SÁBADO, QUANDO REGAN ACORDOU, O TEMPO ESTAVA HORRÍVEL. HAVIA chovido tanto nas últimas três semanas que ela pensou que não faltava muito para que começasse a criar mofo. Além disso estava ficando louca por causa da alergia. Antes mesmo de sair da cama, ela espirrou pelo menos umas cinco vezes e fez uma careta quando se olhou no espelho do banheiro. Seus olhos estavam tão vermelhos que parecia que tinha tomado todas na noite anterior. À noite, havia um importante evento beneficente e ela esperava que, até lá, conseguisse sair da crise; do contrário, todos pensariam que estivera chorando.
Ela sabia que um banho bem quente de chuveiro ajudaria, mas não muito. Mesmo assim, depois que se vestisse, ela precisaria usar colírio e spray nasal. Ela detestava depender de remédios para controlar sua alergia, mas, pelo menos, o problema não durava o ano inteiro. A pior época era a primavera e, em seguida, o outono. Mas ela conseguiu sobreviver sem medicação durante o verão e o inverno.
Ao fazer um rabo de cavalo no cabelo, ela estava pronta para ir. O detetive Wincott insistira para que Alec tirasse um dia de folga e, quando ela saiu da suíte para ir ao escritório onde pretendia continuar com a organização do arquivo, foi acompanhada por um dos novos guardas de segurança que Aiden contratara, um ex-policial chamado Justin Shephard. Wincott aprovara o arranjo porque sabia que Justin havia sido tira e entendia do trabalho. Ela viu o detetive Wincott esparramado numa poltrona diante dos elevadores. Ele se levantou e, enquanto ela se aproximava, ajustou a gravata. Pela aparência desgrenhada, Regan percebeu que a filhinha dele dera trabalho na noite passada.
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- Hoje é sábado - disse ela. - Você deveria estar em casa com sua família.
- Acabei de colocar a família num avião para visitar minha sogra,! mas, se estivesse em casa, minha esposa me colocaria para consertar coisas e não sou muito bom nisso.
Quando a porta do elevador se abriu silenciosamente, ele se afastou um pouco.
- Estou substituindo por uma hora - explicou ele. - O tira em serviço não pôde estar presente. A esposa dele entrou em trabalho de parto. Chamei um outro para ocupar o posto.
Regan estava usando roupas de ginástica e Wincott franziu a testa quando percebeu.
- Eu pensei que tivéssemos chegado a um acordo - disse ele. Vamos deixá-la ir ao clube de campo para aquele evento do hospital, correr lá fora está fora de cogitação.
O pobre homem parecia estar pronto para encarar uma briga. Ela percebeu que, se insistisse em correr fora do hotel, o detetive teria de ir com ela. Pelas condições em que se encontrava e os sapatos que calçava, ele não duraria nem dez minutos.
- Eu não planejo sair do hotel hoje. Temos uma academia no andar superior e uma nova pista de cooper. Sempre que eu quero praticar exercícios, vou até lá.
Ele pareceu aliviado.
- Para onde estamos indo?
- Para meu escritório.
- Você trabalha todo fim de semana?
- Na verdade, não tenho muita coisa a fazer, mas, como estou presa aqui, estou reorganizando o escritório. Para nós, essa é uma época tranqüila. Os projetos filantrópicos e a distribuição de doações recomeçam em agosto.
- Aposto que você dá muito duro.
- Nem tanto. Henrypoderia cuidar das doações de olhos fechados. Assim que se formar na faculdade, ele vai assumir meu trabalho ao mesmo tempo que faz sua pós-graduação. É claro que ele vai precisar contra tar outra pessoa para ajudá-lo.
- E você, o que vai fazer?
Ela deu um sorriso.
- Vou me tornar global. Quero implantar nossso programa em todos os hotéis da rede.
Eles chegaram ao primeiro andar, atravessaram o saguão e caminharam até outro conjunto de elevadores. Lá, havia um guarda de segurança instalado. Ao passar por ele, Regan o cumprimentou. Ela entrou no elevador, inseriu sua chave e apertou o botão do terceiro andar.
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- Você acha que há necessidade de todos esses guardas, detetive Wincott?
- Ei, se você chama Buchanan de Alec, pode me chamar de John. E, quanto aos guardas, minha opinião é conflitante. Se eles não criarem problemas, acho que tudo bem.
O corredor estava silencioso e as portas que davam acesso aos outros escritórios, fechadas. Regan caminhou na frente, indicando o caminho. Assim como Alec, Wincott imediatamente acomodou-se no sofá.
Ela pegou uma nova pilha de pastas, colocou-as sobre a mesa e sentou-se. Wincott pegou o controle remoto que viu sobre a mesa de centro. Ela o observou olhar ao redor.
- Ei, Regan...
- Botão de cima - disse ela, enquanto abria a primeira pasta.
Ele não entendeu as instruções dela.
- Aperte o botão de cima do controle remoto.
Assim que os painéis começaram a surgir, Wincott deu um assobio.
-Jesus amado. O Alec já viu isso?
Ela deu uma risada.
- Já.
- Agora entendo por que ele não estava querendo dividir essa tarefa. Com essa televisão e...
- E o quê?
Wincott balançou a cabeça. E "você", ele esteve prestes a dizer.
- O sofá. É macio e confortável. E essa TV é maior do que a que temos lá em casa.
- Meu irmão Spencer a instalou há alguns meses. Ele é incapaz de ficar numa sala, se a televisão não estiver ligada.
- Aposto que vou gostar do seu irmão.
- Tenho certeza de que sim. É fácil gostar dele - explicou ela.
- E ele sempre fica por aqui, quando está na cidade?
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- A maior parte do tempo.
- O barulho da televisão atrapalha seu trabalho?
- De jeito nenhum.
O computador de Regan estava ligado e ela notou um pequeno quadrado piscando no canto da tela. Teria ela esquecido de desligá-lo? Ou será que alguém o teria ligado pela manhã?
Enquanto pensava no assunto, tamborilou os dedos sobre o mouse pad. Melissa, a especialista em computadores do Departamento de Polícia, dissera a Alec que removera Regan da rede.
Melissa havia dado seu cartão à Regan. Ela procurou por ele em uma de suas gavetas e ligou para a delegacia de polícia. Não esperava que
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Melissa estivesse em sua mesa, mas queria deixar uma mensagem dizendo que ela entrasse em contato na segunda-feira.
Ao segundo toque, a mulher atendeu.
Regan informou-lhe de quem se tratava e disse:
- Não imaginei que você estivesse trabalhando no sábado.
- Então, por que ligou?
O tom pouco amigável de Melissa não intimidou Regan.
- Para que pudesse deixar-lhe uma mensagem para que me ligasse na segunda- feira. Mas já que a encontrei gostaria de saber se você tem alguns minutos para me responder a algumas perguntas. Se você estiver ocupada, posso...
- Que tipo de pergunta?
- Referente a computadores.
- Tudo bem - disse ela. Agora, ela parecia mais amigável. - Sei tudo o que se pode saber sobre computadores.
- Foi o que eu ouvi dizer - disse Regan. - O detetive Buchanan me contou que você descobriu que meus e-mails estavam indo para outras estações de trabalho aqui do hotel.
- É verdade - disse ela. - Eles estavam indo para as estações de trabalho do seu assistente e para uma outra, instalada no escritório de seu irmão. Você quer que eu lhe passe a localização exata?
- Não, isso não é necessário. Tenho quase certeza de que meus e-mails estavam indo parar na caixa da assistente do meu irmão.
- Muito bem. Então, o que você quer?
- Esta manhã, quando entrei no meu escritório, percebi que meu computador estava ligado.
- E você acha que aquela pessoa possa ter se conectado novamente?
- Sim.
- Isso é fácil descobrir. Quer dizer, fácil para mim - ela deixou claro. - Você está sentada na frente do computador?
- Sim, estou.
- Então, vamos começar logo - disse ela, com impaciência. Pelos próximos cinco minutos, Melissa despejou uma ordem atrás da outra. Em várias ocasiões, Regan teve de pedir-lhe para ir mais devagar até que finalmente ela descobriu o link que indicava que alguém havia invadido tanto seus e-mails pessoais quanto os profissionais.
Alguns comandos depois, Regan sabia exatamente para onde estavam indo seus e-mails e o link foi desconectado.
- O bisbilhoteiro dançou - disse Melissa. - Agora, vou lhe dar as instruções necessárias para tornar impossível que qualquer pessoa volte a invadir sua correspondência.
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Mais uma vez, Melissa ditou um comando atrás do outro. Regan entrou com seu novo código de acesso.
- Muito bem, terminamos. Se você se esquecer do código de acesso, volte a falar comigo que eu lhe digo qual é. Peça ao Henry para memorizá-lo também.
Regan agradeceu Melissa pela ajuda e disse:
- Se algum dia você resolver mudar de emprego, por favor fale comigo. Estou certa de que poderíamos utilizar seus serviços na rede Hamilton.
- Verdade? Ou você só está dizendo isso para ser gentil?
- Não, estou falando sério.
- Eu teria a chance de viajar para os outros hotéis, como o de Londres e o que está sendo construído em Melbourne?
- Sim, teria.
- Vocês oferecem algum benefício extra?
- Com certeza.
- Vamos ver - disse ela, desligando o telefone de forma abrupta. A despedida de Melissa era ao mesmo tempo chocante e engraçada.
Regan não tinha certeza do que a expressão "vamos ver" significava, mas tinha esperança de que a técnica considerasse seriamente a proposta. Ela seria uma funcionária preciosa. Além de estar certa disso, Regan gostava muito dela. Ela não tinha uma gota sequer de hipocrisia e era muito bom tratar com alguém que não tivesse interesses escusos.
Enquanto Regan estivera trabalhando em seu computador, estivera de costas para a porta, mas, quando girou a cadeira, Alec estava lá, de pé, bem perto da sua mesa. Ele não fizera o menor ruído ao entrar no escritório e ela não tinha a menor idéia do tempo que ele estava lá.
Invadida por uma onda de alegria, ela pediu que Deus não tivesse deixado transparecer.
Ele parecia ter acabado de trocar o óleo do carro ou talvez terminado sua terceira viagem a uma loja de materiais de construção. Sua camiseta cinza já tivera melhores dias.
Ele era espantoso... e praticamente perfeito. Certamente, ela poderia encontrar alguma coisa errada nele. Muito bem, pensou ela, ele tinha uma aparência desleixada, e isso não era uma qualidade, certo? Concentre-se no defeito, disse a si mesma. Será que ele nem ao menos penteara o cabelo? Ela achava que não. Aí está, pensou ela. Outro defeito para se pensar. Deus do céu, ela estava brincando ou o quê? Aquele desleixado era extremamente sensual e maravilhoso e...
- O que você está fazendo aqui? - perguntou Wincott.
Enquanto respondia, Alec continuou com os olhos fixos em Regan:
- Só dando uma verificada. Quando entrei, pensei que você estivesse dormindo.
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- Ei, estou trabalhando. Vi e ouvi você entrar.
- É claro que viu.
- Vi mesmo. O que você quis dizer quando disse estar apenas verificando?
Foi Regan quem primeiro quebrou o contato de olhar. Ela apoiou as costas na cadeira e olhou para Wincott que, na verdade, estava com cara de sono.
- Por que você está aqui, Alec?
- Eu estava passando pela vizinhança.
- Você mora na vizinhança, Buchanan - disse Wincott, sem desligar os olhos da TV.
- Bem, para falar a verdade, só queria ver se estava tudo bem. Ela balançou a cabeça.
- Estou apenas terminando algumas coisas.
- Pensei que você fosse passar o dia empacotando suas coisas - disse Wincott. Ele tirou o som da televisão e levantou-se do sofá. - Eunão sei por que você considera esse trabalho uma punição. Eu me sinto como se tivesse morrido e ido para o céu. Só de poder pedir no quarto e ver televisão sem as crianças me escalando... sim, isso aqui é o céu.
- Estar comigo é uma punição? - perguntou Regan. Pelo tom de sua voz não existia ofensa, mas apenas curiosidade.
Alec balançou a cabeça.
- Lewis me passou a tarefa como uma punição. Ele pensou que eu fosse odiar.
- E você odiou?
Ele deu um sorriso.
- O que você acha?
Sem esperar que ela lhe desse uma resposta inteligente, ele se virou para Wincott e disse:
- Você pode me explicar o que o responsável pela investigação está fazendo na função de guarda-costas?
- Estou cobrindo até que um substituto apareça.
- Quem está escalado para hoje à noite?
- Lyle vai escoltá-la até aquele evento formal ao qual ela precisa comparecer. É provável que nesse momento ele esteja alugando um smoking.
Alec balançou a cabeça.
- Ligue para ele e diga-lhe que está liberado. Eu vou com ela.
- Liberado? - repetiu Regan. Ela não sabia se devia se sentir insultada ou espantada.
Alec ignorou a pergunta e continuou a franzir a sombrancelha para Wincott, porque ele ainda não pegara o celular para ligar para Bradshaw.
- Ligue para ele - insistiu Alec.
- Como assim?
- Como assim o quê? Eu acabei de lhe dizer "como assim". Sou eu quem vai levá-la.
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- E eu continuo a perguntar-lhe por quê.
Agora, Alec estava começando a ficar irritado. Ele sabia que Wincott estava premeditadamente tentando colocá-lo em maus lençóis e, pelo sorriso idiota que tinha na cara, estava se divertindo bastante. Alec sentiu vontade de dar-lhe um murro.
- Porque eu disse que a levaria, só por isso. Além disso, eu tenho um smoking esperando por mim no meu guarda-roupas.
- Mas Lyle está ansioso por essa noite.
-Aposto que sim - sibilou Alec. - Nós dois sabemos que Bradshaw é um... - De repente, ele parou.
- Um o quê? - insistiu Wincott, enquanto Alec atravessava a sala.
- Ouça - disse Alec, com voz baixa, para que Regan não pudesse ouvi-lo. - Pare de bancar o engraçadinho comigo. Entendeu?
- Alec, da ltima vez que verifiquei, eu ainda era o responsável por essa investigação.
- É verdade. O responsável é você, John - respondeu ele, enfatizando o primeiro nome do detetive. - Então, pare de ir aos lugares e investigue. Estou encarregado de proteger Regan e você sabe o que isso significa?
Wincott deu um sorriso.
- Sim, entendi. Você vai protegê-la.
- Ligue para ele.
Alec virou-se para Regan e, pela expressão espantada de seu rosto, percebeu que ela ouvira cada palavra da conversa e é bem possível que não tivesse entendido nada. Provavelmente, deve ter pensado que ele estava louco, e talvez estivesse mesmo. Mas, no momento, ele não dava a mínima. Não ia deixar que ninguém se aproximasse dela, especialmente Lyle Que-Come-a-Primeira-Que-Passar-por-Perto Bradshaw.
- Que horas você quer sair? - ele perguntou à Regan. Seu tom de voz era ríspido.
- Gostaria de chegar lá um pouco mais cedo.
- Tudo bem. Que horas você quer que eu a pegue em sua suíte?
- Às sete e meia.
Wincott caminhou com Alec até o escritório da frente.
- Você já conseguiu alguma pista? - perguntou Alec.
- Verificamos quase todas as pessoas que têm contato com Regan, com especial atenção dispensada a Shields e seus macacos. Não encontramos nada. Os três se encontram sob custódia policial e me disseram que o Shields é um doido varrido.
- Ninguém mais?
- Ainda não. Estamos investigando o Peter Morris. Você sabe, o cara para quem Regan negou uma doação. Ainda não temos muitas informações sobre ele.
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- Vocês investigaram antigos funcionários? Talvez alguém que tenha sido despedido esteja querendo se vingar.
- Alec, eu sei que você deve estar muito frustrado por não trabalhar nesse caso e prometo que lhe aviso assim que encontrarmos alguma coisa.
- Você está investigando os funcionários?
- Sim. O irmão dela, Aiden, está fazendo uma lista.
Os dois detetives continuaram a conversar por aproximadamente dez minutos. Regan estava ao telefone, mas a deixaram esperando e, enquanto esperava, ela tentava escutar o que os dois diziam. Alec percebeu que ela os estava observando. Ele não sorriu ou franziu a testa, mas deu-lhe uma piscada antes de sair do escritório e, apesar de seu esforço para se fazer indiferente, todos os sentidos dela reagiram.
Ela nunca admitiria uma coisa dessas para suas amigas. Sophie começaria a infernizá-la para tomar a iniciativa com Alec e isso era uma coisa que Regan não estava preparada para fazer.
Cordie provavelmente lhe diria que, por ser intocável, Alec era seguro. O que o tornava perfeito como príncipe encantado. Ele era alguém que tinha um trabalho a fazer e que o faria bem-feito, mas, quando terminasse, viraria as costas e iria embora, sem ao menos se despedir.
Mesmo assim, Regan sentiu-se aliviada ao encontrar recados das amigas na secretária eletrônica, dizendo que voltariam a Chicago a tempo para irem ao jantar dançante. A mensagem de Sophie dizia que ela traria um acompanhante e que tinha milhões de coisas para contar sobre a investigação.
Cordie deixara duas mensagens. A primeira, para informar Regan que iria sozinha até o clube de campo - ela pegaria um táxi ou uma carona com Sophie - e que esperaria por Regan no local da recepção, do lado de fora do salão de baile. A segunda mensagem era sobre roupas. Ela descrevia, em detalhes, o vestido longo cor de safira que planejava usar e terminava sugerindo que Regan parasse de ser covarde e usasse o vestido "S".
A respeito do vestido, Regan não tinha ninguém além de si mesma para culpar. Ela nunca deveria ter deixado Cordie e Sophie convencê-la a comprar o vestido ao qual Cordie se referira, porque, com certeza, elas não lhe dariam sossego até que usasse a roupa. No entanto, ela tinha de dar a mão à palmatória que o vestido era realmente maravilhoso, feito com uma seda cor de vinho, que até ela tinha de concordar - combinava muito bem com o tom de sua pele.
Era um vestido simples e, apesar de não muito decotado, era mais decotado do que Regan achava que pudesse se sentir confortável. Normalmente, ela fazia de tudo para não chamar a atenção e usar aquele vestido a
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deixaria tão desconfortável que era provável que passasse a noite inteira tropeçando.
Regan decidiu escolher o que vestir quando estivesse se aprontando. Até lá, ela tinha coisas mais importantes a fazer. Desligou o computador. Wincott fora substituído por um policial uniformizado que a seguiu quando ela subiu para a academia. Ela demorou uma hora e meia para fazer todos os exercícios que a fisioterapeuta prescrevera para fortalecer os músculos ao redor dos joelhos e, em seguida, como estava ansiosa e precisava queimar energia, colocou o aparelho para proteger os dentes e foi para a pista de cooper. Normalmente, ela conseguia isolar suas preocupações e concentrar-se apenas no som de sua respiração e de seus pés batendo no piso acolchoado, mas, hoje, não estava conseguindo.
Nas últimas semanas, sua vida virara de cabeça para baixo. Parecia que, para onde quer que olhasse, via guardas de segurança e, é claro que Alec ou outro policial estavam sempre com ela. Todos esperavam que alguma coisa acontecesse. Wincott estava tão convencido quanto Alec de que o maluco - como Alec gostava de se referir ao suspeito - tentaria entrar em contato com ela novamente, porém até agora nada acontecera.
Regan tinha quase certeza de ter feito com que todos, inclusive Henry, achassem que ela estava conseguindo manter-se calma quando, na verdade, estava uma pilha de nervos. Só se sentia segura quando Alec estava ao seu lado.
A espera começava a causar estragos. Ela perdera o apetite, não dormia bem e ultimamente estava com problemas para se concentrar. Não podia parar de se preocupar com o fato de que o assassino pudesse ter fugido - ou será que ele havia desistido temporariamente, esperando que eles baixassem a guarda? Por quanto tempo continuaria a ser escoltada, antes que o tenente Lewis decidisse que o esquema estava ficando caro demais? Então, o que aconteceria?
Talvez Alec tivesse algumas respostas para aquelas perguntas e, se ficasssem algum tempo a sós naquela noite, ela lhe perguntaria qual seria o próximo passo.
Wincott voltou a aparecer naquela noite. Ele voltara para pegar algumas pastas de funcionários, fornecidas por Aiden, e decidiu ficar um pouco com Regan até que Alec chegasse. Como a família de Wincott estava fora da cidade e ele não queria voltar para uma casa vazia, dispensou o policial encarregado e assumiu seu posto.
Ele estava se acomodando no sofá da sala da suíte, enquanto Regan tomava um longo banho de chuveiro. Por insistência dela, ele pediu que lhe trouxessem o jantar e, enquanto comia, assistia a um jogo de beisebol.
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Ela se acostumara a ter sempre alguém sentado na sala de seus aposentos E não se dava mais ao trabalho de fechar as portas duplas que separavam o quarto da sala, apesar de sempre tomar cuidado para não cruzar na frente dos painéis de vidro. Havia cortinas que cobriam o vidro e Wincott seria apenas capaz de ver o contorno de seu corpo. Mesmo assim, ela ficou de robe até que estivesse dentro de seu closet.
Tirou o vestido "S" do cabide e olhou para ele admirada. Era realmente bonito. O tecido era tão leve quanto uma brisa e, quando ela o vestiu puxando o zíper das costas, o tecido acomodou-se nos lugares certos, proporcionando uma sensação agradabilíssima à pele.
Definitivamente muito provocante para esta noite, pensou ela.
Relutante, ela tirou o vestido, colocou-o de volta no cabide e percorreu suas roupas várias vezes até encontrar o que Cordie chamava de vestido de luto da velha senhora. O corte da peça assemelhava-se a um saco. Até Regan, que normalmente não se importava muito com sua aparência, ficou espantada ao olhar-se no espelho de corpo inteiro.
Com certeza, seus irmãos aprovariam esse.
- Está ótimo - disse em voz alta, tentando se convencer de que o tradicional pretinho seria melhor que o "esta-noite-eu-quero-pecar" que a fazia se sentir sensual e feminina.
- Sim, está ótimo - repetiu ela. E dando um suspiro, continuou: Se eu tivesse 80 anos.
Cansada de dar uma de puritana, ela voltou a vestir o vestido de pecadora. Em seguida, procurou em suas gavetas o xale de seda preta com franjas que havia comprado na Itália há alguns anos. Ao enrolá-lo nos ombros, suas costas e seu peito ficaram decentemente cobertos.
As únicas jóias que usava eram um pingente de brilhante, pendurado numa corrente de platina, e um par de brincos, também de brilhantes.
Ela ajeitou o xale numa poltrona e respirou fundo para, em seguida, abrir a porta que a levava à sala da suíte. Quando a viu, Wincott havia acabado de colocar metade de uma batata frita na boca. Paralizado, ele esqueceu da batata, que ficou pendurada no ar, pendendo das pontas de seus dedos.
Ele estava pasmo. Depois de esperar por algum comentário dele, ela perguntou:
- Você acha que esse vestido é propício para a ocasião? Ele é.. decente o suficiente?
Imediatamente, ela se sentiu constrangida por tê-lo colocado numa situação difícil com sua pergunta idiota. Se pudesse voltar atrás, teria ficado de boca fechada. Bem, o que estava feito, estava feito. Ele continuava mudo. Deus do céu, pensou ela. Ele a olhara de cima para baixo e, agora, tinha os olhos fixos nas sandálias de salto que usava.
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- Acho que vou mudar de roupa.
-Não, não. Está perfeito. Verdade. Você apenas me pegou de surpresa. Suas pernas... - A tempo, ele interrompeu o que estava prestes a dizer.
- Sim? - perguntou ela, olhando para baixo. O vestido tinha barra irregular e, em alguns lugares, o tecido flutuava bem acima dos joelhos. - O que há de errado com minhas pernas?
- Elas são longas - disse ele, concordando. - Sim, são longas... quer dizer, bronzeadas. Você tem tomado sol? - Ele limpou a garganta, jogou a batata frita no prato e gaguejou: - Seu vestido é lindo.
- Obrigada.
Ele gostaria de ter dito, Espere até que Alec bote os olhos em você, mas controlou-se. Ela já estava se sentindo desconfortável, o que, por mais que tentasse, ele não conseguia entender. A mulher era linda de morrer. Como era possível que não soubesse disso?
As batidas na porta o tiraram de seus pensamentos. Regan foi até o quarto para pegar o xale e a bolsa enquanto Wincott abria a porta para Alec.
Ao apagar a luz do quarto, ela podia ouvir os dois homens conversando na sala. Wincott estava observando Alec quando Regan apareceu na porta. Ele lhe lançou um rápido olhar e disse:
- Você vai precisar de uma capa de chuva.
- Tudo bem.
Ela voltou ao quarto. Wincott ficou na frente do sofá, com os olhos grudados em Alec, esperando que ele dissesse alguma coisa. Wincott não podia evitar o sorriso que se fixara em seu rosto. Alec era realmente bom. Ele não tivera a menor reação à visão estonteante que se apresentara diante de seus olhos. Nem sequer piscara. Reparando melhor, Wincott achava que ele nem sequer havia respirado.
Entretanto, ele continuava a olhar para a porta do quarto, mesmo enquanto falava com Wincott:
- O que é que você está olhando?
- Você.
- Posso perguntar por quê?
- Estou curioso para saber como é que você não caiu de quatro. Você deve ter uma disciplina de ferro - disse ele.
Alec olhou para ele.
- Estamos aqui a trabalho. É só isso.
- Você está me dizendo que não vai tentar levá-la para...
Alec o interrompeu. Ele sabia aonde o amigo estava querendo chegar.
- Se você disser mais uma palavra, juro que lhe dou um tiro.
- Ei, eu não ia dizer nada ofensivo. Bem, talvez eu dissesse alguma coisa do tipo "Divirta-se, mas mantenha as mãos no lugar". Você sabe, eu teria dito qualquer coisa do género.
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CAPÍTULO 30
SOBRE O SMOKING, ALEC VESTIA UMA CAPA DE CHUVA PRETA. ELE ESTAVA terrivelmente lindo. Abriu a porta, deu um passo para trás e disse a Wincott:
- Estou aqui para assumir o posto.
O celular de Wincott estava tocando.
- Vou repassar algumas coisas com eles. Vocês dois podem ir.
Enquanto ele falava ao telefone, a porta se fechou. Eles não trocaram uma palavra até chegarem ao carro. Regan deu a Alec as instruções para chegar ao clube de campo - ela as escrevera num cartão -, mas ele já sabia qual o caminho a ser feito.
- Você é sempre tão organizada? - perguntou ele.
- Eu tento ser - disse ela. Regan pegou um bolo de cartões, deu uma olhada e recolocou-os na bolsa.
- O que são estes cartões?
- Anotações para hoje à noite - respondeu ela.
- Você vai ter de fazer um discurso?
- Apenas algumas palavras.
Ela não esticou o assunto e ele decidiu esperar até a hora certa para saber. Ele estava com alguma dificuldade para prestar atenção no caminho. O perfume dela estava destruindo sua concentração e ele não conseguia tirar da cabeça a imagem sensual dela ao entrar no hall da suíte.
Tenha dó, Alec. A quem você está querendo enganar? Na verdade, ele estava tentando imaginá-la sem roupas, o que definitivamente atrapalhava a concentração.
Em um silêncio desconfortável, eles avançaram alguns quilómetros. Regan gostaria de dizer alguma coisa, mesmo que fosse apenas um
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comentário idiota sobre o tempo. O rosto dele parecia vincado de rugas de preocupação. Em que diabo estaria ele pensando?
- Está tudo bem? - perguntou ela.
- O quê? Ah, claro. Está tudo bem.
- Você está franzindo a testa.
Ele olhou para ela.
- Estou?
- No que você está pensando?
Em você. Nua. Enrolando enquanto tentava encontrar uma mentira apropriada, ele disse:
- Agora?
Ele diminuiu a velocidade na rampa de saída para a rodovia estadual e posicionou-se atrás de uma caminhonete. Mesmo com o tráfego pesado, o que normalmente acontecia nas noites de sábado, ele não demorou muito para perceber que estavam sendo seguidos por um carro.
- Temos companhia.
- Temos?
- O carro cinza, dois carros atrás de nós. Está nos seguindo desde que saímos do hotel e eles parecem não se importar se estão sendo notados. Não estou preocupado, apenas irritado.
Ela tentou ver o carro pelo retrovisor lateral e, como não conseguiu, virou-se no banco para olhar pela janela. Sentiu a pressão do cinto de segurança sobre o pescoço.
- Eu não vejo nenhum carro cinza.
Ele acelerou e passou para a pista do meio e, assim que fez a manobra, foi seguido pelo carro.
Ela arregalou os olhos.
- Agora estou vendo. São dois homens. - Virando-se para Alec, ela perguntou: - Por que você não está preocupado?
- Eles são os guardas de segurança.
- Quer dizer que agora tenho guardas de segurança me seguindo pela cidade? Mesmo quando estou com você? Você sabe quem deu essa ordem?
- Seu irmão.
Ela se ajeitou no banco, arrumou a capa de chuva sobre os joelhos e voltou a olhar pela janela. Ficou sem dizer uma palavra por alguns instantes. Ao olhar para ela, Alec percebeu a preocupação estampada em seu rosto.
- No que está pensando? - perguntou ele.
- Estava só pensando por que ele não deu mais sinal de vida - disse ela. - Por que ele não tentou fazer um novo contato? Duas semanas já se passaram. Você acha que ele vai continuar tentando?
A ansiedade dela estava evidente no tom de sua voz.
- Acho que sim.
- Mas o que vai acontecer se ele continuar esperando?
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- Nós também vamos esperar.
- Quanto tempo mais o tenente permitirá que o detetive Wincott, você e os outros continuem no caso? Vocês têm muito trabalho e eu sei que falta pessoal para dar conta de tudo. Se nada acontecer antes de você deixar Chicago e ele continuar a se esconder... - De repente, ela parou, respirou fundo e deu a si mesma uma ordem para ficar calma. Como não era vidente, Alec não poderia responder a todas aquelas perguntas.
- Ouça, Regan, Wincott e Bradshaw não estão parados. Eles estão trabalhando no caso, certo?
- Sim, tudo bem - disse ela, sentindo-se culpada, pois sabia que os detetives estavam dando duro no caso. - Desculpe. É que quanto mais fico sabendo...
- Menos medo vai sentir.
- Isso também.
- O que você ia dizer?
- Mais controle eu tenho. E também não posso pensar num plano para ajudar a pegá-lo, a não ser que saiba de todos os fatos, certo?
- Eu não gosto muito disso e acho que Wincott também não vai gostar. Não se meta nessa história.
- Eu sou parte dessa história.
- Estou falando da investigação. Não atrapalhe com planos infantis...
- Parece que você acha que eu vou fazer qualquer coisa maluca. Ela mantinha uma das mãos no painel para ter onde se segurar, caso ele precisasse aumentar a velocidade.
- Você quer dirigir?
A pergunta a deixou irritada.
- Não, não quero.
- Estou a menos de 100 quilómetros por hora.
- Eu fiz alguma crítica sobre sua maneira de dirigir?
Ele estendeu a mão e tirou a mão dela do painel.
- Tente relaxar - disse ele. - E, por hoje, chega de pensar na investigação. Pode ser?
- Sim - concordou Regan. Ela apoiou as costas no banco e colocou as mãos sobre o colo. - Com relação aos guardas de segurança que estão nos seguindo...
- Sim?
- Eu não quero que eles entrem no clube e prefiro que ninguém saiba que você é meu guarda-costas. Esta noite, além de não ser apropriado que eu seja o centro das atenções, não quero ter de dar explicações.
A única maneira de ela não ser o centro das atenções seria usar capa de chuva, para que ninguém pudesse ver seu vestido. Na verdade, o que chamaria a atenção era o corpo dela, ele se corrigiu, em silêncio.
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- Vou pedir que os guardas não sejam muito ostensivos.
- Obrigada.
De repente, o céu ficou repleto de nuvens e, em poucos segundos, grandes pingos de chuva caíram no pára-brisas. Alec ligou o limpador e disse:
- Acho que vamos bater o recorde de dias chuvosos consecutivos.
- Essa é nossa saída.
- Eu sei.
- Wincott sabe onde o Shields está escondido?
- Você terá de perguntar a ele.
- Aiden quer que eu também me esconda. Mas não vou fazer isso. Não vou fugir. Quero ajudar a pegá-lo.
- Aiden está tentando tomar conta de você - disse ele. - Tenho duas irmãs mais novas e é bem provável que eu fizesse a mesma coisa
- Ele está trazendo reforços.
- Ah, é?
- O Spencer está vindo para cá. Talvez ele já tenha chegado ao hotel.
- Ele não viria a Chicago para aquela reunião que você mencionou?
- Sim.
- Mas você acha que os dois vão tentar se unir para convencê-la a ficar escondida?
- Sim, mas não vão conseguir. Como eu disse, não pretendo ir a lugar nenhum. E, se alguém tiver de se esconder, esse alguém é o Aiden.
- Verdade? - Ele estava fazendo força para ficar sério. Ela parecia bastante irritada. - De quem ele vai ter de se esconder?
- De mim.
- Quer dizer que ele tem medo de você, né?
- Espero que sim.
Nesse momento, ele teve de rir.
- Devo interpretar isso como um "não"?
- Aiden não tem medo de ninguém, muito menos de mim. Na verdade, ele não está se escondendo de mim - admitiu ela. - Mas está me deixando louca. Parece que, sempre que eu dou as costas, ele está ao meu lado e, mesmo assim, nunca tem tempo para falar comigo, nem mesmo com reunião marcada. E ele insiste em contratar cada vez mais guardas de segurança. Daqui a pouco, vou começar a trombar com eles.
- Ele contratou tantos guardas porque está preocupado com você. Você chegou a falar com ele sobre seu carro?
- Ainda não, mas vou falar.
- E o Walker? Ele também vai se juntar aos irmãos para tentar convencê-la?
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- Não. Ainda bem que nesses últimos tempos ele anda muito ocupado. Lidar com dois é difícil, mas três contra mim seria muito pior.
Ele pegara a saída e estava diminuindo a marcha para parar no farol vermelho. O clube de campo ficava a pouco mais de três quilómetros.
- Você é mais durona do que parece.
Ela deu um sorriso.
- Espero que isso seja um elogio.
- E é - disse ele. - Geralmente as famílias são complicadas. Acredite, eu sei o que estou dizendo.
- Pelas estórias que você me contou, vocês eram bastante selvagens.
- Eu também tive minha fase selvagem. Com mulheres?, ela gostaria de ter perguntado.
- Por que você nunca se casou?
Ele encolheu os ombros. - Eu não tenho nada contra o casamento. Meus irmãos Nick e Theo adoram a vida de casados. Acho que não tive tempo para me envolver num relacionamento sério.
- As mulheres são como batatas fritas.
- Como assim? - Ele mal podia acreditar no que estava ouvindo. - As mulheres são como o quê?
- Como batatas fritas - repetiu ela. - Foi isso o que um colega de faculdade me disse.
- Um namorado?
Ela balançou a cabeça.
- Não, ele estava saindo com uma amiga minha e dormindo com ela de vez em quando.
- Ele lhe disse por que achava as mulheres parecidas com batatas fritas?
- Sim. Ele disse que não podia comer apenas uma.
Alec achou aquilo muito engraçado. Ao longo de sua vida, ele ouvira muitas desculpas esfarrapadas dadas pelos homens às mulheres, quando eram pegos em flagrante, mas essa fora a pior de todas.
- Não é tão engraçado assim - disse ela.
- Eu achei.
Ele fez a curva. Nesse momento, a chuva caía torrencialmente. Eles seguiram a limusine que cruzava o portão de ferro. Havia iluminação de bicos de gás à margem dos 800 metros que, numa curva, levavam à entrada principesca do clube de campo. Não havia dúvida de que o arquiteto que idealizara o prédio tivera a intenção de causar uma grande impressão. E era inegável que alcançara seu objetivo. A opulência da estrutura de três andares, no alto da colina, chegava a causar constrangimento pelo excesso. A base inferior dos enormes pilares estava iluminada por uma luz suave. O prédio de tijolinhos aparentes fez com que Alec pensasse nas mansões do sul aristocrata.
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CAPÍTULO 31
A CHUVA NÃO PARAVA DE CAIR. Alec ENTREGOU A CHAVE AO MANOBRISTA E se guiu Regan escada acima. Quando estava a um passo atrás dela, veio à mente de Regan que, para protegê-la, ele estava assumindo a posição de alvo.
- Você é sócia desse clube? - perguntou ele.
Ela balançou a cabeça.
- Não é o tipo de lugar que me atrai.
Alec se surpreendeu com o comentário.
- A mim também não. É muito...
- Pretensioso? - murmurou ela.
- Exatamente.
Ao se aproximarem, dois homens de casaca abriram a pesada porta dupla de madeira maciça.
- Eu não quero que vá a nenhum lugar sem mim. Nem mesmo ao toalete.
Ela se virou para Alec.
- Você vai entrar comigo?
- Não, mas quero ter certeza de que esteja vazio.
Depois de tirar o casaco dela, ele tirou o dele e entregou os dois à mulher da chapelaria. A testa franzida indicava que ele não aprovara a roupa que ela vestia. Ele quase fez um comentário, mas resolveu mudar de ideia. Ela ajeitou o xale nos ombros e deu um nó na frente. Assim que ela fez isso, as rugas da testa de Alec desapareceram.
Ele estava lindo naquele smoking. Mesmo com a gravata torta e uma mecha de cabelo caindo sobre a testa. Sem pensar no que estava fazendo, ela se aproximou dele para ajeitar a gravata e o cabelo.
E cometeu o erro de olhar nos olhos dele. Eles tinham um brilho maroto e ela percebeu que Alec estava com vontade de rir dela. Ela poderia
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ter ficado ali a noite inteira. Melhor retomar o controle, ela disse a si mesma, afastando-se dele.
- Eu não tinha intenção de... você sabe.
- Não, não sei de nada. Você estava dizendo que não tinha intenção...
- De tocá-lo - sussurrou ela. Ele deu um sorriso. - Eu gostei muito do seu toque.
- Mesmo assim, eu não deveria...
Ao ouvir alguém chamando seu nome, ela foi salva de ter de continuar aquela conversa sem sentido. Como se virou muito rápido, perdeu o equilíbrio e caiu em cima de Alec. Ele a segurou pela cintura até que ela retomasse o equilíbrio. Eu não devia ter usado essas sandálias de salto, pensou ela.
Ele só podia pensar que ela fosse uma desastrada. Felizmente, ela não teve de ficar com aquele pensamento depressivo por muito tempo. Cordie chamou a atenção dela. Regan sorriu para a amiga que se aproximava. Ela estava linda, como sempre. O vestido azul-safira tinha uma saia longa e um corpete que deixava à mostra o corpo perfeito.
- Faz tempo que você está esperando? - perguntou Regan. Ela poderia bem ter acrescentado: - Olá, estou bem aqui. - Além de ter os olhos completamente grudados em Alec, a amiga estava tendo problemas para segurar o queixo. Regan não podia culpá-la.
- Pare de encarar - cochichou ela.
- Não estou encarando.
Não só ela estava, como também não parecia disposta a parar. Regan a cutucou.
- Perguntei se você teve de esperar muito. Pelo amor de Deus, Cordie, olhe para mim.
- O quê? Ah, não, eu acabei de chegar.
Regan informou-lhe que estava sendo mal-educada e, levando-a até Alec, apresentou os dois. Cordie sorriu enquanto apertava a mão dele.
- Você não se parece com um detetive. Pelo menos, não quando está vestido a rigor. - Ela olhou para a cintura dele e perguntou: Você tem uma?
- Uma o quê?
- Uma arma - explicou ela.
Alec deu um sorriso.
- Você vê muita televisão? -Tenho vergonha de confessar que sim-disse ela.-Quer dizer, quando não estou corrigindo provas e trabalhos. Minha vida é muito maçante.
- Não é verdade - disse Regan. - Cordie tem muitos talentos. Você sabia que ela reformou totalmente o motor de seu carro? Alec pensou que Regan estivesse brincando. Cordelia era extremamente feminina, parecida com Regan nesse sentido - era mais fácil para ele pensar nela tendo as unhas pintadas em algum salão de beleza elegante do que trocando porcas
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e parafusos no motor de um carro. Foi quando a ficha dele caiu. Cordelia Kane, da Kane Automotive. - Sua família é dona de algumas oficinas mecânicas na cidade, não é?
- Mais do que algumas - disse Regan. - Eles estão no país inteiro.
De repente, ela se lembrou de que não havia contado à Cordie as últimas notícias de seu irmão.
- Aiden mandou rebocar meu carro.
- Não!
- Sim!
- Mande buscá-lo.
Regan balançou a cabeça.
- Ele vendeu para algum desmanche. A essa hora, já deve estar desmontado. Ah, e ele me deu uma BMW de presente. Dá para acreditar em tamanha audácia?
Se não soubesse que Regan e a amiga estavam indignadas, Alec teria caído na risada.
- Quando penso que passei um fim de semana inteiro trocando o radiador e os amortecedores...
- E um novo silenciador - disse Regan.
- Isso mesmo, um silenciador novo. Que desculpa Aiden teve para fazer isso? - De repente, Cordie parou de reclamar e respirou fundo. - Esse lugar está ficando cheio. É melhor irmos para a sala de banquetes.
Alec estava usando o corpo para proteger Regan das pessoas que entravam pela porta dupla, mas ele também queria ir para a sala de banquete, onde tinha esperança de encontrar uma mesa isolada.
Os dois guardas de segurança que estavam com eles caminhavam até o vestíbulo. Pararam ao lado da porta. Como estavam uniformizados, não demorou muito para que chamassem a atenção dos convidados. Alec tocou o braço de Regan para chamar a atenção dela, aproximou a boca do ouvido dela e disse:
- Fique aqui de costas para a parede. Volto em um minuto.
Um segundo depois após ele ter se afastado, Cordie soltou um suspiro:
- Puxa.
Regan deu um sorriso.
- Como assim?
- Você me ouviu. Puxa! Você não me disse que ele era tão...
- Tão o quê?
-Tão... tudo de bom. Ele tem alguma coisa de extremamente sensual e...
- É mesmo?
- Você não percebeu?
Regan deu uma risada.
- É claro que eu percebi.
Como Cordie, ela observava Alec enquanto ele caminhava na direção dos guardas. Independentemente do que ele estava dizendo para eles, ele
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os estava deixando nervosos. Ambos começaram a ficar irrequietos, um deles começou a puxar o colarinho de modo bastante cômico.
- O que aqueles policiais fazem aqui?
- Os guardas? Aiden contratou mais seguranças.
- Eles não são muito discretos, não é?
- Não são mesmo. Espero que Alec os mande para casa. - Virando-se para Cordie, ela disse: - Eu gostaria que você não dissesse a ninguém que Alec é detetive. Não quero ter de dar explicações e, além disso, esta noite o foco deve ficar concentrado em angariar fundos para o hospital.
- Juro que não vou dizer nada.
- A não ser para Sophie, lógico. Para ela, você pode contar.
- Claro.
Nunca houve segredo entre as três.
- Com relação ao detetive... Cordie começou a dizer.
- Sim?
- Acho que ele está interessado em você.
- Por que você está dizendo isso? Você só viu o homem por alguns instantes.
- Linguagem corporal - explicou ela, num tom de voz bastante discreto. - Sei que ele está interessado por causa do olhar dele para você. Você tem de acreditar em mim, Regan. Como acontece com a maioria dos homens, ele está completamente atraído por você.
- Não é verdade. E acho melhor mudarmos de assunto.
- Espere um pouco. Você está linda com esse vestido. Você tem o corpo e o rosto que Sophie e eu daríamos tudo para ter e juro que, se você não fosse minha melhor amiga, eu seria obrigada a odiá-la. Seus irmãos, especialmente Aiden, têm feito todo o possível para mantê-la na linha.
- Pelo amor de Deus - disse Regan, exasperada. - Ninguém fez nada por mim.
Cordie não quis contra-argumentar.
- Seus irmãos virão hoje à noite?!
- É possível - disse ela.
- Então, conte-me. Ele é solteiro, casado ou divorciado?
- Quem? - perguntou ela, só para provocar a amiga.
- Por favor, Regan. Você sabe que estou falando do lindo detetive.
- Ele é solteiro, mas está prestes a ir embora de Chicago em uma semana.
- Por quanto tempo?
- Para sempre - disse ela.
Cordie deu um suspiro.
- Você sabe o que eu estou pensando?
Regan deu um sorriso.
- Eu nunca sei o que você está pensando.
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- Estou pensando que você devia tirar esse cobertor de cima de você e ir atrás daquele homem.
Regan se sentiu ofendida.
- Isso não é um cobertor, é um xale. - Ela ajustou o nó que o segurava no lugar. - E não seria de bom-tom que eu fosse atrás dele. Ele está trabalhando. Ele está... sendo obrigado a ficar comigo.
A conversa chegou ao fim quando Cordie disse:
- Aí vem ele.
Regan notou que os guardas, bastante desapontados, estavam deixando o recinto.
- O que você disse a eles? - perguntou ela.
- Não muito.
- Em outras palavras, você não vai me dizer?
Ele deu um sorriso e ignorou o comentário.
- Vamos entrar?
- As portas ainda não foram abertas - disse Cordie. Aquele corredor leva à sala de banquete, onde o jantar será servido. Eles estão servindo um coquetel na recepção. Vou ver se encontro Sophie. Querem vir comigo?
Regan não respondeu. Ela observava um casal que entrava. Nesse exato momento ela fechou a cara e começou a passar mal do estômago.
- O que há de errado? - Enquanto fazia a pergunta, Cordie virou-se para Regan, para ver se ela estava vendo.
- Sim, eu sei.
O casal desapareceu na chapelaria. Alec percebeu a reação delas e perguntou.
- Quem são eles?
- Ninguém importante.
Em busca de uma resposta, Alec olhou para Cordie. Ela deu um suspiro e disse:
- O cara grisalho foi casado com a mãe de Regan e a mocinha que está com dificuldade para manter o vestido no lugar é a esposa dele. Como Regan disse, eles não são importantes.
Alec tocou o ombro de Regan.
- Vamos até o salão. Cordie tem razão, esse lugar está ficando muito cheio.
Cordie seguiu pelo corredor até a sala de recepção e, quando chegou à porta de entrada, havia dois homens ao lado dela.
Alec segurou a mão de Regan.
- Quero ver onde você vai se sentar. Vamos lá.
Ela não argumentou. Não sentia a mínima vontade de ficar de pé numa sala lotada, bebendo champanhe.
Um dos funcionários se aproximou para bloquear a entrada e explicar que eles precisariam esperar até que a sala fosse oficialmente aberta, mas o olhar que Alec lhe lançou fez com que mudasse de idéia e se afastasse rapidamente.
A sala de banquete era excepcionalmente ampla. Do lado esquerdo, os músicos estavam instalando seu equipamento sobre uma grande
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plataforma quadrada, ao lado de uma espaçosa pista de danças. À frente; mais à direita, havia mesas redondas cobertas por toalhas de linho branco. As cadeiras estofadas tinham capas também de linho branco e, amarrado na parte de trás, cada uma delas trazia um laço de cetim azul, cujas pontas chegavam ao chão. Longas velas brancas em castiçais de prata eram acesas pelos garçons.
Cada mesa tinha capacidade para oito pessoas. Os cartões com os nomes dos convidados, colocados em cubos prateados, ficavam próximos ao friso, também prateado, contornando cada prato de jantar. Regan encontrou a mesa deles bem na frente, ao lado do pódio. Um dos garçons parou de testar o microfone para sorrir para Regan.
Indiferente aos olhares de admiração que estavam voltados para ela, ela deu a volta na mesa para descobrir o nome das outras pessoas que ficariam em sua companhia. Alec não gostava nem um pouco da maneira como os funcionários olhavam para ela, mas sabia que não podia fazer nada a esse respeito. Ele olhou para um dos funcionários excessivamente zelosos que caminhava na direção dela e ficou satisfeito quando o homem bruscamente mudou de idéia, tomando outro rumo.
Regan balançava a cabeça.
- O que é que está acontecendo? - perguntou ele.
- Nós não vamos nos sentar aqui.
- Tudo bem - disse ele. - Quem vai? - Ele estava de pé ao lado dela, atento à porta de entrada.
- Aiden e seu convidado, Spencer e seu convidado - o que significa que ele está de volta a Boston -, o administrador do hospital e sua esposa e meu antigo padrasto, Emerson, e sua nova esposa, Cindy. Não, nós não vamos ficar nessa mesa.
Ela estava tentando não deixar transparecer sua irritação. Regan sabia que Aiden era o responsável por ter convidado o padrasto desprezível. Ela podia até entender os motivos do irmão. Emerson já havia consultado diversos advogados para encontrar um meio de quebrar o contrato pré-nupcial e Aiden estava simplesmente tentando deixá-lo calmo. Na opinião de Regan, seu irmão estava apenas adiando o inevitável, além de, no processo, estar sendo extremamente desleal à memória da mãe.
Havia claras manchas vermelhas nas bochechas de Regan. Ela estava realmente brava. - Muito bem - disse Alec. - Onde você gostaria de se sentar?
- Em qualquer lugar, menos aqui.
Alec pegou os cartões com os nomes deles. Deu uma olhada ao redor e, na parte posterior do salão, encontrou uma mesa que considerou apropriada,
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onde ela poderia se sentar com as costas viradas para a parede. Caminhou até lá.
Colocou os cartões nos cubos onde se encontravam os nomes de um médico e sua esposa.
- Está tudo bem agora?
- Perfeito. - A expressão tensa do rosto dela ficou mais relaxada. Regan colocou sua bolsa no assento da cadeira e endireitou o corpo
no momento em que as portas foram oficialmente abertas, Sophie e seu acompanhante foram os primeiros a entrar. Ela acenou para Regan e apressou-se em chegar até ela. Estava linda. Regan observou a expressão de Alec para julgar a reação dele com relação à amiga. Ele havia acabado de colocar os cartões do médico e da esposa ao lado dos de Aiden e seu convidado e estava voltando para a mesa deles quando viu Sophie.
Ele pareceu curioso, mas sem exagero. Quando Sophie estava por perto, os homens pareciam perder a capacidade de raciocinar, mas Alec manteve o controle. Estranho, pensou Regan. Definitivamente estranho.
Sophie estava usando um vestido Chanel longo e preto e tinha presilhas de pedrinhas cintilantes no cabelo. Regan reconheceu o acompanhante da amiga. Era Jeffrey Oatley. A família dele era dona da Oatley Eletronics e Regan sabia que Jeff e Sophie eram sócios do mesmo clube. Ele era um homem gentil e tranqüilo, que sempre parecia que estava muito apertado nas próprias roupas. Tudo o que ele vestia devia ser pelo menos dois números menor.
- Alec, essa é minha querida amiga Sophie Rose - disse Regan. Enquanto ela apresentava Jeff, percebeu que Sophie estava sorrindo para Alec. Era evidente que ela também ficara hipnotizada pelo homem.
- É você o guarda-costas, ou melhor, o detetive, encarregado de proteger Regan? Tudo bem - disse ela, abrupta, para tranqüilizar Regan. - Cordie já me explicou tudo e juro que vou guardar segredo.
- Sophie é jornalista - disse Regan.
- Que segredo? - perguntou Jeff.
Alec respondeu:
- Regan está saindo com um tira. É esse o segredo.
- Que tira?
- Eu - disse Alec. - Ela está saindo comigo. - Ele colocou o braço ao redor da cintura dela, trazendo-a para perto de si.
Alec não deixou que Regan se soltasse. Regan ficou imaginando se ele havia percebido que o braço dele ainda continuava na cintura dela. De qualquer maneira, ela gostava muito daquilo. Gostava também de fingir que estavam juntos e, Deus do céu, que situação poderia ser mais patética que aquela?
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- Vocês querem que nos sentemos com vocês? - perguntou Sophie. Antes que Regan pudesse responder, ela virou-se para o amigo e disse:
- Será que você poderia encontrar nossos cartões?
Imediatamente, ele virou-se para fazer o que Sophie lhe pedira. Ela segurou o braço dele.
- Espere um pouco. É melhor pegar todos esses cartões e colocá-los em outro lugar. Se não houver mais lugares vazios, peça que o garçom coloque outra mesa. Esta noite não quero me sentar com estranhos. E Jeff? Procure o cartão da Cordie também. Ela vai querer se sentar conosco.
Regan inclinou-se para Alec e disse:
- Sophie e eu somos amigas desde o jardim-de-infância. Estou acostumada com o fato de ela ser extremamente mandona.
Ao ouvir o comentário da amiga, Sophie deu um sorriso.
- Todos, menos você e Cordie. Tudo bem, assumo minha tendência de ser mandona, especialmente com Jeff. Ele é meu quebra-galho.
- Quebra-galho? - perguntou Alec.
- Somos amigos - explicou ela. - Mas, quando eu quero ou preciso de companhia para algum evento, Jeff sempre me faz companhia. E eu faço o mesmo por ele. É um arranjo perfeito para os intervalos em que não estamos namorando. Por causa de Regan, Jeff estava ansioso para vir esta noite.
- Como assim? - perguntou Alec.
- Já faz anos que ele tem uma quedinha por ela - explicou Sophie. - Vamos nos sentar? - Ela fez sinal ao garçom, que imediatamente se adiantou. - Será que o senhor pode retirar esses três pratos? Obrigada - disse ela, enquanto ele recolhia os talheres e as taças de vinho. Sophie inclinou o corpo para poder ver Regan. - Cordie pode se sentar à direita de Alec e você à esquerda dele.
- Ela é realmente mandona - disse Alec.
Regan concordou com um aceno de cabeça. Ela estava com um sorriso nos lábios até o momento em que Sophie disse:
- Cordie estava certa. Você realmente devia tirar esse cobertor. Ele esconde seu lindo vestido.
- Isso não é um cobertor. É um xale.
- E você não precisa se colocar na defensiva.
- Não estou na defensiva - argumentou ela, numa voz que ela sabia ter, inegavelmente, um tom defensivo. - Só estou tentando dizer que isso é um xale.
- Tudo bem - disse Sophie, que passou a acalmar Regan. - eu estou simplesmente sugerindo que você desenrole o xale. Falando em vestidos, você gostou do meu?
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- Muito. É novo? - A voz de Regan estava cheia de suspeita.
- Mais ou menos.
- O que significa "mais ou menos"?
- Eu o comprei numa loja Chanel há algumas semanas, mas é a primeira vez que o uso.
- Como foi que você pagou por ele? Com seu salário... Sophie se levantou. - Eu tive uma recaída. Está bem?
- Ah, Sophie...
- Vou ajudar o Jeff a encontrar o cartão de Cordie. Ele está meio perdido. Quando voltar, dispenso repreensões. Já estou me sentindo suficientemente culpada.
Quando Sophie se levantou, Alec fez o mesmo, mas, assim que ela saiu, ele voltou a se sentar, colocando o braço nas costas da cadeira de Regan. A franja de seu xale espalhou-se sobre a mão dele e, quando ela se movimentava, os dedos dele tocavam sua pele. Ela ficou imóvel. Ele também.
- De que tipo de recaída ela estava falando? - perguntou ele.
- Sophie pediu que Cordie e eu a ajudássemos a parar de aceitar dinheiro do pai.
- Qual é o grande problema? Se ele quer dar e ela precisa da grana... Regan virou-se para olhar para ele. - Na verdade, ela não precisa. Além disso, ela quer se tornar verdadeiramente independente. - Ela deu um suspiro. - Sophie adora o pai e é extremamente leal a ele.
- Em outras palavras, ela é como todas as filhas.
Regan deu um sorriso. Nada a respeito de Sophie ou do pai era comum.
- Sim - respondeu ela. - Recentemente, ela decidiu assumir a responsabilidade de reabilitá-lo e, como não deu certo, ela está decidida a fazer com que ele se aposente.
Alec literalmente se afastou dela.
- Ah, com todos os diabos. Rose não é o nome do meio dela, certo? Só agora minha ficha caiu. Ela é filha de Bobby Rose, não é?
- Sim, é.
Ele estava pasmo. Fazia muitos anos que o FBI estava investigando Bobby Rose, tentando recolher provas suficientes para incriminá-lo. Bobby era considerado, por muitos, um artista da trapaça, mas, como suas vítimas eram apenas as pessoas que trapaceavam ainda mais do que ele, conseguiu arrebanhar inúmeros admiradores. Ele era especializado em pegar golpistas de alto nível, que roubavam suas próprias companhias, além de se apoderar das pensões dos funcionários, deixando-os abandonados e sem recursos. Bobby Rose adorava direcionar seu alvo para os idiotas gananciosos, o que se transformava em mais uma razão para ser adorado por todos.
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Infelizmente, a triste verdade era que Bobby nunca conseguiria acabar com todos os golpistas.
Além de ser adorado pelo público, Bobby Rose era considerado o ídolo dos escroques. Ele era tudo o que eles almejavam ser. Ele vivia em algum lugar da Flórida e, em todos os artigos sobre ele, nunca se fazia menção à família.
- Spencer me disse que muitas pessoas consideram Bobby um Robin Hood dos tempos modernos. Ele rouba apenas dos ricos...
Ele a interrompeu.
- Bem, na verdade, não acho que ele dê dinheiro aos pobres, não é? Parece que ele guarda tudo no próprio bolso.
As costas dela ficaram enrijecidas.
- Ele ajuda muitas instituições de caridade.
Ele lhe lançou um olhar que parecia dizer que ela estava maluca.
Ele é um criminoso que devia estar atrás das grades, Regan.
- É evidente que você tenha uma opinião formada sobre ele e nada que eu disser vai mudar isso, não é? - Ela parecia irritada.
- Ele é um criminoso - repetiu ele, com paciência.
- Se você vai começar a fazer julgamentos...
Ele estava incrédulo.
- Será que você se esqueceu do tipo de trabalho que faço para sobreviver?
Ela direcionou o olhar para a multidão que procurava seus lugares nas mesas.
- Não quero mais discutir esse assunto com você.
- Mas nós mal começamos. - Ele deu uma puxadinha no xale dela para fazer com que olhasse para ele e perguntou: - Você me disse que Sophie trabalha para um jornal?
Seria uma pena não responder.
- Sim, trabalha. E, por insistência do pai, profissionalmente ela usa o sobrenome de solteira da mãe. Mas acredito que, no jornal, todos saibam quem ela é. O detetive Wincott descobriu e eu pensei que ele lhe tivesse dito.
Era provável que agora Wincott estivesse se esbaldando de rir.
- Não, ele não me disse nada - respondeu ele. - Deve ter se esquecido. Como foi a infância de Sophie, com um pai como Bobby Rose?
- Ele é um ótimo pai - disse ela. - Nunca faltou a uma conferência com os professores e sempre aparecia em nossas peças de teatro e partidas de tênis. Além de fazer sua parte, dando carona para nós para a escola.
-Havia pais que não queriam que seus filhos se tornassem amigos dela?
- Sim.
- E sua família?
- Proibir que eu fosse amiga dela? Sophie, Cordie e eu nos tornamos amigas antes mesmo que Bobby Rose se tornasse tão...
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- Notório?
- Famoso - corrigiu ela. - Minha mãe estava muito ocupada, cuidando de sua vida social e viajando. Era minha avó quem cuidava de mim e, quando ela ficou doente, o Aiden assumiu. Acho que minha avó nunca soube quem era o pai de Sophie, mas Aiden sabia e nunca contou nada a ela. Meu irmão nunca me proibiria de ser amiga dela. Sophie sempre freqüentou nossa casa, mas nunca pude freqüentar a dela. - Ela deu um sorriso e continuou: - Mesmo assim, sempre freqüentei.
Quando ele fez a pergunta, o tom de sua voz era provocativo.
- Você alguma vez foi ao porão da casa dela? Ninguém sabe onde Bobby Rose esconde todo o dinheiro que tem. Talvez esteja escondido no porão.
Ela colocou a mão sobre a dele.
- Alec, Sophie é minha amiga.
Ele começou a fazer outra pergunta. Apertando a mão dele, ela o impediu que prosseguisse.
- Já disse que ela é minha amiga.
247
CAPÍTULO 32
POR CAUSA DE REGAN, MESMO DETESTANDO EVENTOS DE BLACKTE E NÃO TENDO apreciado muito a grandiosidade do lugar, Alec não se importou em vestir um smoking. Apesar de ser muito atraente e vibrante, havia nela um toque de vulnerabilidade que ele achava terrivelmente sensual. Sophie contou-lhes uma triste história sobre um rapaz que conhecia e, quando terminou, Regan tinha os olhos cheios dágua.
- Mas tudo acabou dando certo - disse Sophie. Envergonhada de suas lágrimas, Regan enxugou os olhos com delicadeza com o guardanapo e deu uma risada. - Sou uma chorona.
- Esse é o apelido dela - disse Sophie.
- Chorei muito quando descobri o apelido que deram para mim- disse ela. - Mas isso foi quando eu era pequena. Já superei o fato.
- Ela tem o coração mais mole do mundo.
Regan não argumentou. Em silêncio, pegou seu copo e tomou um gole de Perrier com limão.
Alec adorava olhar para as expressões dela. Regan era completamente diferente das mulheres que conhecera. Tudo o que ela sentia estava bem ali, para quem quisesse ver. Ela era desprendida, não era manipuladora e não gastava um minuto sequer de seu tempo trabalhando para promover sua imagem. Para Alec, era maravilhoso poder se sentir completamente à vontade com ela.
Além do rosto, que poderia ser capa de qualquer revista de moda, e do corpo incrível, o que ele mais gostava era da lealdade que ela dedicava aos amigos. Bem, ele teve de admitir que talvez não fosse exatamente isso o que mais gostava. O corpo dela era simplesmente maravilhoso.
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Mesmo assim, para ele, ela não passava de trabalho. Toda vez que olhava para aquela boca sensual, ele tinha de fazer força para se lembrar disso.
Sophie pediu licença e saiu para procurar o amigo. Alec voltou a se sentar, recusou o vinho que o garçom lhe oferecera e perguntou à Regan:
- Isso está bom? - indicando com a cabeça o drinque sem álcool que ela tomava.
Ela lhe ofereceu o copo e observou enquanto ele bebia grande quantidade da bebida. Com um sorriso nos lábios, ela disse:
- Era para você dar só um golinho.
- Eu nunca dou golinhos. Se vou beber alguma coisa, não perco tempo com bobagem - disse ele. - E praticamente toda a minha filosofia de vida está baseada nisso.
- Sem golinhos, só grandes tragadas? - Quando ele concordou com um aceno de cabeça, ela deu uma risada. - Você fez parte de alguma irmandade na época da faculdade?
- É claro que sim - disse ele. - E comi muitas batatas fritas também. Ele depositou o copo vazio sobre a mesa, pediu mais dois ao garçom, um para cada um deles, e disse em seguida: - Atenção.
- O quê?
- Aiden acaba de chegar.
Ela ainda sorria quando se virou para ver o irmão entrar no salão. Ele não estava acompanhado e não viu Regan, que estava escondida, mais ao fundo. Ela o observou caminhar até o pódio, onde Daniel ODonnell, administrador do Hospital Parkdale, estava de pé, esperando por ele.
Enquanto voltava para a mesa, Sophie também viu Aiden. Ela caminhou apressadamente na direção dele, disse-lhe alguma coisa que o fez sorrir e ficou nas pontas dos pés para dar um beijo em sua bochecha
Um minuto depois, Spencer chegou, acompanhado de Cordie. Ele também sorria. Regan percebeu que o irmão estava descontraído. Havia dormido pouco, mas estava relaxado. Não haveria dúvida de que, no dia seguinte, ele sentiria o efeito do jet lag.
- O homem que está ao lado de Cordie... É Spencer, certo?
- Sim, é ele.
- Dá para notar a semelhança familiar - disse ele. - Mas também o reconheço de uma foto de jornal que Henry me mostrou. Você e seus irmãos estavam numa inauguração. Henry me disse que pretendia colocar a foto em um porta-retrato porque era muito raro ter uma foto dos irmãos juntos
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- É verdade. Parece que só temos a oportunidade de estar juntos em algum funeral ou em alguma crise.
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- Alguma o quê?
- Crise.
Ele apoiou os cotovelos sobre a mesa e pensou no que ela acabara de dizer.
Regan voltou a olhar para Spencer e disse:
- Acho que preciso cumprimentar meu irmão.
- Você tem dois irmãos aqui nessa sala - disse ele.
Ela deu um sorriso.
- Sim, mas só vou ser gentil com um deles.
Ele deu um sorriso.
- Você acabou de falar como uma irmã verdadeira.
O nó do xale dela se desfez e, quando ela afastou a cadeira para se levantar, o xale caiu no chão.
Ele a amparou com o pé. O vestido colocava à mostra o corpo dela um pouco mais do que ele gostaria. Não, aquilo também não era exatamente verdadeiro. Ele gostava de olhar para o corpo dela. Só não queria que todos fizessem o mesmo.
Ela se virou para Alec no momento exato em que ele estava pronto para dizer-lhe que pusesse o cobertor de volta. Agora de pé, a poucos centímetros dele, seus rostos estavam bastante próximos. Se ele tivesse se inclinado um pouco, sua boca cobriria a dela. Ele se controlou a tempo. Independentemente do quanto aquilo o incomodasse, não era da alçada dele dizer-lhe o que ela devia ou não vestir. Se ele tentasse fazer esse tipo de comentário com alguma de suas irmãs, ela simplesmente riria na cara dele, para, em seguida, dar-lhe uma lição dos diabos.
No entanto, Regan não era uma de suas irmãs. Ela é trabalho e nada mais. Mesmo com aquelas palavras transformadas em mantra em sua cabeça, ele continuava a ter dificuldade para aceitar o fato.
- Alec? Você estava dizendo...
- Não saia do salão - disse ele, mal-humorado. - Vou ficar atento, mas não saia da sala.
- Sim, claro.
Cordie estava conduzindo Spencer na direção de Regan. Ela os encontrou no meio do caminho, abraçou o irmão e deu-lhe as boas-vindas.
Enquanto observava o movimento das pessoas, Alec pegou seu celular e discou o número de Wincott. O detetive atendeu no segundo toque.
Alec foi direto ao assunto.
- Investigue os irmãos.
- A festa está chata, certo?
- Estou falando sério. Investigue-os.
- Já fizemos isso - disse ele. - E você sabe muito bem que não deve se envolver com a investigação.
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Para Alec, era quase impossível ficar afastado. Ele não tinha a mínima intenção de atrapalhar o futuro de Wincott no departamento e sabia que, se Lewis ficasse sabendo que ele estava fazendo alguma coisa além de cuidar da segurança de Regan, transformaria a vida de Wincott num inferno
- O que você tem em mente? - perguntou Wincott.
- Talvez o maluco esteja atrás da família toda. Talvez esteja usando Regan como chamariz para atrair os irmãos a Chicago. Eu sei que você )a verificou, mas é melhor ir mais fundo na investigação. Pode ser que exista alguma coisa aí.
- Tudo bem - respondeu ele. - Vou mais fundo.
- Ouça, sei que você tem pouca gente trabalhando no caso. Vou LIGAR para Gil e pedir que ele investigue umas coisinhas.
- Assim, você se envolve sem parecer que está envolvido, certo?
- Eu realmente quero investigar essa cisma.
- Alguma novidade com Regan?
- Desde que você perguntou essa manhã? Não. As pessoas que não foram selecionadas por ela para receber as doações seriam as únicas possíveis candidatas a qualquer tipo de vingança. Entretanto, existem ali nós - você sabe, pessoas que queriam receber dinheiro para invenções estranhas -, mas foram verificadas e está tudo certo. Estranho, mas tudo certo -disse ele. - Eu já lhe disse que estou investigando o tal do Peter Morris - continuou ele. - Os amigos dela também foram investigados. Acho que agora você já deve saber quem é o pai de Sophie Rose.
- Obrigado por me dizer. - Wincott deu uma risada. - Quase caí da cadeira quando descobri. O fato parece não fazer nenhuma diferença para Regan ou seus irmãos. Eles não culpam a filha pelos erros do pai
- Acho que é assim que deve ser.
- Nós já eliminamos o Bobby Rose. Estou recebendo uma outra ligação.
Alec fechou o celular e recolocou-o no bolso. Ficou de pé, de costas para a parede, observando a multidão.
Aiden havia se juntado aos irmãos. Cordie parecia ser a única interessada no que ele tinha a dizer. Não, interessada não era a palavra certa, pensou Alec. Ela parecia fascinada. Regan, por outro lado, parecia estar furiosa. Aiden ainda falava quando ela balançou a cabeça, deu meia-volta e retornou à mesa. Vários homens tentaram puxar conversa com ela, mas ela prosseguiu seu caminho sorrindo para cada um sem, no entanto, lhes dar atenção especial.
Alec puxou a cadeira para ela, mas manteve-se de pé. Ela ficou de pé ao lado dele, olhando para a porta de entrada.
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Cordie, que seguira Regan, deu um sorriso quando Alec puxou uma cadeira para ela.
- Quem você está procurando? - perguntou ela a Regan, enquanto colocava o guardanapo no colo. Virou-se para ver quem Regan observava e disse, em seguida: - Ah, entendi.
- Entendeu o quê?
- O senhor e senhora Desprezível acabaram de entrar - disse Cordie. Abstendo-se de qualquer comentários, Alec acompanhou o casal com os olhos, enquanto tentavam chegar à sua mesa. O rosto de Emerson estava vermelho, sem dúvida por causa do álcool, pensou Alec. A esposa dele ajeitava o corpete e o cabelo platinado. Um casal interessante, decidiu ele, enquanto sentia curiosidade para saber o que Wincott havia descoberto sobre eles.
Sophie e Jeff voltaram à mesa. Esticando o pescoço, Sophie também passou a observar o casal. Quando eles se sentaram, ela se virou para Regan e disse:
- A família está toda reunida. Não é maravilhoso?
- Nem me diga.
- Walker não está aqui - mencionou Cordie.
- Eu estava apenas sendo sarcástica - disse Sophie. Ela pediu que Regan e Alec, pelo amor de Deus, se sentassem e continuou: - Aiden não tinha o direito de convidar Emerson. Ele sabe como Regan se sente com relação a ele. Achei terrivelmente desleal da parte dele e fiz questão de dizer a ele o que penso.
Imediatamente, Cordie veio em defesa de Aiden.
- Você não pode saber se foi ele quem convidou.
- É claro que posso saber - retrucou Sophie. - Foi ele mesmo quem me disse que havia convidado Emerson - ela se apressou a acrescentar, quando Cordie deu sinais de querer discordar. - E o que foi que ele disse quando você o chamou de desleal? - perguntou Cordie.
- Ele disse que seria mais barato do que um processo judicial e pediu que eu me comportasse - disse Sophie. - Ele insiste em me tratar como se eu tivesse 10 anos de idade.
Os garçons apareceram para servir o primeiro prato. Durante o jantar, o assunto da conversa tornou-se mais leve e Regan agradeceu o fato. Ela tentou demosntrar interesse nas várias histórias que Jeff contava sobre algumas competições de tênis das quais participara. Ela não estava com fome. A imagem de Emerson havia destruído seu apetite, mas ninguém parecia notar que ela brincava com a comida no prato.
Depois do jantar, antes que a dança começasse, Daniel CXDonnell levantou-se, caminhou até o pódio e deu umas batidinhas no microfone para chamar a atenção das pessoas.
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- Por favor, digam-me que não teremos de ouvir uma dúzia de discursos enfadonhos - comentou Cordie.
- Apenas um discurso enfadonho - respondeu Regan.
- Com um jantar de mil dólares por cabeça, não deveríamos ter de ouvir nem ao menos um - disse Sophie.
- Shhh - sussurrou Cordie. - As pessoas podem ouvir.
Um instante depois de ter agradecido a presença de todos, o administrador apresentou Regan. Cordie e Sophie riram.
- Faça com que seja breve e divertido - disse Sophie.
- Em vez de longo e enfadonho? - brincou Regan.
Decidida a improvisar, ela deixou suas anotações na bolsa. Alec levantou-se quando ela fez o mesmo, mas não a seguiu. Observava a multidão e as portas. Notou que, enquanto Regan caminhava em direção ao pódio, todos os olhos estavam concentrados nela.
Ela levou 30 segundos para envolvê-los e um tempo ainda menor para hipnotizá-los.
O hospital estava localizado no coração da cidade e Regan enfatizou a importância de mantê-lo aberto. Havia uma grande carência de fundos e de leitos adicionais, o que justificava plenamente a necessidade de expansão.
- E é por isso que vocês estão aqui esta noite - disse ela.
Todos sorriam enquanto ela conduzia seu discurso. Alec estava impressionado. Ela falava sobre doação de fundos e todos prestavam atenção. Regan tinha a audiência na palma das mãos e, quando terminou, Alec estava prestes a doar todas as economias de sua poupança em nome da causa. Ela era realmente boa nisso.
Em sua voz havia paixão e determinação em realizar o trabalho. Até essa noite, Alec não conhecia esse lado de Regan e estava verdadeiramente impressionado. Quanto mais se mostrava, melhor ela ficava.
Depois de ser aplaudida de pé, ela foi imediatamente circundada pelos convidados. Alec não gostava daquela multidão ao redor dela. Foi até o local em que ela se encontrava, colocou o braço ao redor do ombro dela e puxou-a para perto de si, de modo que os ombros dela ficassem pressionados contra o peito dele.
Alec viu Emerson, com um drinque na mão, cambaleando na direção dela, com o rosto carrancudo.
- Venha. Vamos dançar - disse ele.
- A música ainda não começou.
- Eu canto.
Alec começou a abrir caminho até a pista de dança, levando-a como se fosse uma bola de futebol colocada sob o braço. Felizmente, a música começou no momento em que ele a puxou para seus braços.
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- Alec? - começou ela.
- Sim?
- Obrigada.
Ele estava olhando a multidão, mas olhou para baixo e deu um sorriso.
- Você o viu se aproximando de mim?
Quando ela fez um sinal com o alto de sua cabeça, tocou o queixo dele. Os dedos de Regan dançavam pelo pescoço de Alec. Mesmo se esforçando para não demonstrar qualquer tipo de reação, ele não podia evitar de pensar na maneira perfeita e suave com que ela se ajustava em seus braços. Quando ela olhou diretamente nos olhos dele, ele começou a imaginar mil coisas.
Cara, ele precisava transar. Sim, era isso. Era por isso que ela estava mexendo tanto nele. Desejo. Era isso. Desejo puro e simples. E era melhor que ele parasse de pensar na sensação de ter o corpo dela em seus braços, em sua cama, com as pernas...
- Agora, não precisamos ficar mais por muito tempo.
Um dos garçons chamou a atenção deles. Ele estava parado ao lado de uma das portas, segurando uma bandeja oval e com os olhos fixos em Regan. Enquanto Alec observava, outro garçom bateu no ombro dele e colocou-o em movimento.
- Eu não estou com nenhuma pressa para ir embora.
- Quem você está olhando? - perguntou ela.
Levando a bandeja vazia, o garçom retirou-se da sala.
- Ninguém em especial.
- Você não está mortalmente entediado?
Ele deu um sorriso.
- Ainda estou respirando, não estou?
A música chegou ao fim. Alguns homens aproximavam-se de Regan, mas Alec conseguiu se colocar na frente, levando-a de volta à mesa, sem que fossem interrompidos.
- Você está sendo grosseiro, ao me arrastar dessa maneira. Preciso ser gentil com essas pessoas. Afinal, estou pedindo que doem um pouco do dinheiro, que suaram para ganhar, para a expansão do hospital.
- A maior parte das pessoas aqui não teve de suar a camisa para ganhar suas fortunas. Eles as herdaram.
- Eu sei, mas mesmo assim eu preciso...
Ele a interrompeu.
- Você pode ser gentil sentada aqui - disse ele. E, ao puxar uma cadeira, acrescentou: - Você não quer que Cordie fique sozinha, quer?
A cadeira bateu na parte de trás do joelho de Regan. Ela não teve outra escolha. Querendo ou não, teve de se sentar.
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- Você sabe que Cordie não está na mesa. Ela está dançando.
- Sim, mas deve voltar logo. Você parece estar com frio - comentou ele, sentando-se ao lado dela. - Por que não usa seu cobertor?
Uma das pálpebras se fechou.
- Isso não é um cobertor.
Ele colocou o xale nos ombros dela, tocando seu pescoço com a ponta dos dedos. Ela ficou vários minutos sentada ao lado dele, observando as pessoas dançar e olhando para ele de vez em quando. Alguma vez, em sua vida, ela imaginara sentir o arrepio que ele lhe causava? Estaria ela tão carente de carinho que o simples roçar das mãos dele na sua pele fazia com que ela sentisse o mundo girar?
Não pense nisso, disse ela a si mesma. Pense em outra coisa. Suas amigas. Sim, ela pensaria nelas. Estariam se divertindo? Sophie parecia estar. Enquanto dançavam, ela e Jeff conversavam animadamente. E Cordie, ela notou, estava dançando com Aiden.
- O que você achou de minhas amigas?
Quando respondeu, Alec observava Cordie.
- Gostei delas.
Pelo sorriso que deu, parecia que Alec lhe fizera um elogio.
- Quando éramos pequenas, Cordie e eu tínhamos certeza de que Sophie se casaria antes dos 20 anos, mas agora não estamos tão certas se, algum dia, ela se casará. Ela tem uma vida muito emocionante. Cordie, por outro lado, é uma romântica incurável. Diz que está esperando por seu príncipe encantado.
Alec fez um sinal de cabeça na direção dela.
- Talvez ela já o tenha encontrado.
Regan inclinou-se um pouco sobre Alec para olhar a multidão. Quando localizou Cordie, ela começou a rir.
- Pelo amor de Deus, ela está dançando com Aiden.
- Sim, está.
- Você está querendo dizer que ela e Aiden... - Ela voltou a rir, considerando essa possibilidade ridícula.
Alec gostaria de dizer-lhe para observar a expressão da amiga. A maneira como Cordie olhava para Aiden deixava mais do que evidente que ela estava apaixonada por ele. Mas Alec achava que Regan não tinha a menor idéia do que se passava.
- Pode ser que eu esteja errado - disse ele, decidindo ser diplomático.
- Você está errado. Aiden pensa em Cordie como minha amiga. Nada mais. Ela estava sempre em nossa casa e ele a viu crescer. E ela pensa nele como meu irmão...
- É, entendi. E nada além disso, certo?
- Certo.
Eles continuaram a observar os casais dançar.
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- Daniel parece preocupado - disse Regan.
- Quem é Daniel?
- Daniel ODonnell.
Ela percebeu que ele ainda não sabia a quem ela estava se referindo.
- O administrador do hospital. Ele espera que eu circule pelo salão, atrás de doações. Você quer vir comigo?
- Não, posso cuidar de você daqui. Apenas não saia da sala e fique onde eu possa vê-la.
Ele quase acrescentou. - E coloque o cobertor ou o que quer que seja nos ombros -, mas conteve-se. Ele se levantou, deu as costas para a parede e observou-a enquanto a via se afastar. Em um determinado momento, ela virou-se e sorriu para ele. Ali estava a covinha, que desde o primeiro sorriso, ele fingira não ter notado. Ele adorava mulheres com covinhas, não importava onde estivessem localizadas.
Seu celular tocou. Antes de atender, ele não olhou a tela para identificar a pessoa que estava ligando.
- Buchanan.
Era Noah Clayborne. - Estou preso em Seattle.
- O que é que você está fazendo aí?
- Comendo peixe.
- Então, você não vem a Chicago?
- Provavelmente não. Onde você está? Estou ouvindo uma música ao fundo.
- Estou num clube de campo e o que você está ouvindo é uma orquestra. Estou trabalhando - explicou ele.
- Fazendo o quê?
Ele deu um suspiro e preparou-se para a inevitável gozação.
- Dando uma de guarda-costas.
- Hum. Melhor do que uma suspensão. O que você fez de errado?
- O que o faz pensar que eu tenha feito alguma coisa errada?
Noah deu uma risada.
- Você está gozando da minha cara, certo?
Você foi rebaixado a guarda-costas. Portanto, deve ter feito alguma coisa errada.
- Na verdade, fiz. Coloquei o tenente Lewis em maus lençóis.
Como sempre, Noah gritava ao telefone. - Como foi que você fez isso?
- Pedi demissão - disse ele. - Ouça, é uma longa história. Qualquer dia, vamos nos sentar para tomar uma cerveja e eu lhe conto tudo.
- Tudo bem. Então, talvez eu o veja em Boston. Ligo para avisá-lo.
- Espere um minuto. Preciso perguntar uma coisa para você.
257
- O quê?
- É uma pergunta meio estranha, mas estou curioso...
Quando percebeu a hesitação de Alec, ele perguntou:
- Curioso com relação a quê?
- Mulheres.
- Hum. Eu pensei que seu pai ou seus irmãos mais velhos tivessem lhe explicado tudo sobre sexo, mas se você...
-Muito engraçado - cortou ele. - Como eu ia dizendo, estou
- Sim? Fale logo.
- Você já esteve com muitas mulheres.
- Você sabe que eu gosto delas.
- E você já teve alguns relacionamentos, não é? Você sabe do que estou falando, certo? Um relacionamento que tenha durado mais de horas, talvez até uma semana? Por um período curto, mas, mesmo um relacionamento.
- Sim, já tive.
- Muito bem, eis o que quero saber. Você já se tornou possessivo em algum desses relacionamentos? Alguma vez você já se sentiu incomodado com o fato de outros homens olharem para a mulher que está com você?
- Ah, Jesus. Quem é ela?
- Responda à pergunta.
- Não, eu nunca me tornei possessivo. - Pelo tom de sua voz, era evidente que ele estava rindo.
Não foi a resposta que Alec esperava ouvir e arrependeu-se de tê-la feito, porque aguçara a curiosidade de Noah.
- Você está tendo um relacionamento com uma mulher que está sendo paquerada por outro homem. Será que eu entendi direito?
Mesmo sabendo que Noah estava tirando uma com a cara dele, continuou:
- Não, maldição. Não é isso. Não estou tendo nenhum relacionamento.
- Hum.
- Hum o quê?
- Você não está dormindo com ela, mas mesmo assim sente-se possessivo.
Alec viu que Emerson mais uma vez estava se dirigindo ao encontro de Regan. Ela estava de pé ao lado dos irmãos, conversando com o administrador do hospital, que parecia hipnotizado por suas palavras.
- Ouça, gostaria que você não mencionasse essa conversa com o Nick.
Noah deu uma risada.
- Você sabe que isso vai acontecer. Seu irmão
é meu parceiro. É claro que vou contar a ele. Passamos muito tempo juntos
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e esse é um assunto de grande importância. Além disso, você acha que eu perderia uma oportunidade de tirar um sarro dos irmãos dele?
Alec estava ficando irritado. - Não há nada a ser dito. - Ele se imaginou enfiando a mão pelo celular e agarrando Noah pelo pescoço. Estranho, mas aquela imagem ajudou-o a se sentir melhor. Ele ainda se sentia um idiota por ter trazido a conversa à tona, mas sabia que Noah logo se esqueceria do assunto.
- Ouça, Alec. É melhor você tomar cuidado ou não sairá solteiro de Chicago. Olhe que eu sei do que estou falando. Já vi isso acontecer com o Nick e o Theo. E posso dizer que foi bastante triste de se ver. Seus dois irmãos passaram pela fase do não-olhe, não-toque e nem-se-atreva-a-pensar-nisso, logo que encontraram suas esposas.
- E isso é uma coisa que nunca vai acontecer com você, certo?
- Com todos os diabos, é claro que não.
Alec deu uma risada, com o humor já recuperado. Pensou em ter ouvido um estremecimento na voz do amigo quando ele fez a negação.
- Você já acabou a conversa sobre garotas?
- Sim.
Em seguida, Noah mudou para um assunto que considerava muito mais importante. Ele contou a Alec tudo sobre a viagem de pescaria que seu pai, Tommy, e um amigo de família estavam organizando. - Estamos pensando no Canadá. Você está interessado?
- Claro, se eu conseguir um tempo livre.
Agora, Regan estava dançando com o amigo de Sophie. Qual era mesmo o nome dele? Ah, sim. Jeff alguma coisa. Ele era inofensivo, pensou Alec. No entanto, Emerson não lhe parecia inofensivo. Ao observar Regan, os olhos dele brilhavam de ódio. Ele estava encostado num pilar, dando grandes tragadas de seu drinque, enquanto esperava que a música terminasse. Era evidente que ele não se cansava de importuná-la.
- Preciso ir - disse ele, ao desligar o celular.
Regan foi abordada por Emerson quando deixava a pista de dança. Alec caminhou na direção deles, mas parou no meio do caminho. Decidiu que seria melhor não interferir. Ela podia tomar conta de si mesma.
Mesmo com uma expressão dura como pedra no rosto, ela não fugiu de Emerson. Simplesmente ficou lá, enquanto ele falava sem parar. Quando Regan achou que já ouvira o suficiente e tentou se afastar, ele a agarrou pelo braço, impedindo que ela se fosse. Sua conduta permaneceu inalterada, mas não se poderia dizer o mesmo dele. Ela colocou a mão sobre a dele e, pelo olhar de indignação e dor no rosto do bêbado, Alec supôs que ela, com força, tivesse virado os dedos dele para trás. -
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Boa garota. Alec sentiu orgulho dela. Afinal, o fato de ter sido criada por três irmãos mais velhos tinha alguma vantagem - mesmo que eles fossem terrivelmente invasivos.
Por um longo tempo, Regan não voltou para a mesa. Ela percorreu o salão e aproveitou para conversar com as pessoas e era bastante divertido observá-la. O administrador a seguia em seu esforço de coletar cheques e promessas de doações. As pessoas adoravam Regan. A maior parte delas, pelo menos. Quando a esposa de Emerson não estava ocupada ajeitando os seios de silicone no corpete de seu vestido de estampa de leopardo, estava olhando para ela.
De vez em quando, Regan se virava para Alec e lhe dava um sorriso. Ele imaginou que ela estivesse se certificando de que ele continuava ali.
Uns 40 minutos se passaram antes que ela parasse de pedir doações. Ela observou a multidão até localizar Aiden. Demorou um pouco até que conseguisse se aproximar dele, pois tanto homens quanto mulheres insistiam em parar para falar com ela, algumas delas segurando sua mão. Quando ela finalmente chegou perto do irmão, ele começou a falar antes que ela tivesse a chance de fazê-lo e, seja lá o que fosse que ele estava dizendo para ela, ela parecia que não estava gostando nem um pouco. Por alguns instantes, ela deu a impressão de que estava aturdida, mas não demorou muito para se recuperar. Seu rosto estava vermelho e ela balançou a cabeça diversas vezes.
Logo depois, Spencer juntou-se a eles e Alec não precisou de muito tempo para perceber que os irmãos estavam reunidos a respeito de alguma coisa, enquanto ela discordava. Alec teria apostado 100 dólares de que o assunto da discussão era Emerson.
Ao voltar para a mesa, Regan estava tremendo. Ele sabia que a reação dela era devida à raiva, e não ao cansaço. Como ela estava muito furiosa para se sentar, ficou de pé ao lado dele, tentando ficar calma.
- Posso ajudar em alguma coisa? - perguntou ele.
- Não, mas obrigada por oferecer.
- Então, eu sugiro que você respire fundo algumas vezes para mandar a raiva embora.
Ele não perdia nada.
- Você viu?
- Sim.
- Meus irmãos são tão...
Ele esperou pela definição que só uma irmã conseguiria fazer.
- Tão o quê? - perguntou ele, tentando não esboçar nenhum sorriso.
- Práticos.
Ele piscou o olho. Ela fez com que a palavra soasse como um pecado.
- E isso é horrível, não acha?
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- Nesse caso, é - disse ela. - E pare de rir de mim.
As mãos dela estavam fortemente fechadas e sua coluna vertebral, tão rígida quanto uma coluna de mármore. Ele colocou os braços nos ombros dela, apertando-os com carinho.
Ela se virou para ele, de costas para o salão, pensando em dizer-lhe que não precisavam mais ficar ali, mas engoliu as palavras. Era tudo culpa dele. Do jeito que ele olhava para ela, com tanta ternura e surpresa... ela nunca havia conhecido alguém como ele.
- Alec?
- Sim?
Ela deu um passo à frente, para se aproximar dele, e murmurou, para que ninguém pudesse ouvi-la.
- Eu estava pensando...
Ele ficou imóvel, esperando que ela continuasse. Agora, ele percebeu que ela estava ficando corada.
- Se nós tivéssemos nos encontrado num lugar diferente... numa outra época... você...
Ela não continuou. E nem foi preciso. Ele concordou com um aceno de cabeça e disse baixinho:
- Ah, sim. Com certeza.
Por vários minutos, nenhum dos dois pronunciou uma única palavra. Uma antiga música de Roberta Flack começou a tocar, ao fundo. Ela pegou o xale e ajeitou-o sobre o braço.
Regan olhou nos olhos de Alec.
- No que você está pensando? - perguntou ela, sem pensar.
O sorriso dele seria capaz de derreter qualquer aço.
- Mais tarde eu lhe conto.
- Conte-me agora.
Ele voltou a olhar para a sala. Ela pensou que ele estivesse evitando a pergunta, até o momento em que ele disse:
- Agora, estou trabalhando.
- E? - insistiu ela.
Ele deu um sorriso.
- Mais tarde, não estarei.
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CAPÍTULO 33
Foi MAIS AÇÃO DO QUE PALAVRAS.
A caminho do hotel, eles conversaram muito pouco. Depois de se certificar de que não estavam sendo seguidos, Alec conseguiu relaxar e passou a pensar em sua situação. Ele estava decidido a descobrir porque estava tendo tanto trabalho para manter suas vidas profissional e pessoal separadas.
Ele sabia o que devia fazer. Ele deixaria Regan em paz, diria ao tenente que sua missão estava terminada e, em seguida, empacotaria suas coisas e deixaria a cidade. Sim, era o que devia fazer.
No entanto, ele tinha a estranha sensação de que não faria isso. Ela já fazia parte da vida dele e, agora, sua mente estava bastante confusa. Ele não tinha certeza de como isso tinha acontecido e o fato de não saber o deixava ansioso como um animal enjaulado.
Ao mesmo tempo, quando estava ao lado dela, sentia-se absolutamente tranqüilo. Desde que saíram do clube de campo, ela mantinha o corpo rigidamente ereto, olhando sempre para a frente.
Regan estava fazendo o máximo para parecer calma. Ela não queria que Alec soubesse que estava uma pilha de nervos e sentia-se segura de estar fazendo um bom trabalho para esconder o fato.
Ela nunca se sentira assim antes, toda revirada por dentro. Tudo o que ele fazia tirava a concentração dela, o jeito de ele sorrir, de se movimentar e de olhar para ela. Era provável que ele tivesse usado aquele olhar com pelo menos 100 mulheres antes dela e, com certeza, conseguira tudo o que queria delas. Por mais louco que fosse admitir, apenas o fato de estar sentada ao lado dele no carro era suficiente para deixá-la sem fôlego.
263
Alec percebeu que ela havia cruzado os braços e estava franzindo a testa. Independentemente do que estivesse pensando, não devia ser muito agradável.
- Alguma coisa errada?
É claro que tem alguma coisa errada. Acabei de perceber que sou uma idiota
- Não, nada.
- Muito bem - disse ele, dando continuidade à mentira. - Então, no que está pensando?
-Agora? - Ela estava tentando ganhar algum tempo, enquanto pensava em alguma resposta banal.
- Não, na terça-feira passada. - Ele deu um sorriso. - Sim, agora
- Atração física - despejou ela.
- É mesmo? Eu nunca teria adivinhado.
Ela fingiu certa indiferença.
- Você perguntou. Eu respondi.
- Então, continue.
- Acabei de perceber que a atração física é algo incontrolável - disse ela. - E pode ser... instantânea. Sim, instantânea. - concordou ela com um aceno de cabeça, com ênfase.
Até o momento em que ele colocou a mão dele sobre a dela, ela não percebeu que estava com as unhas cravadas na própria pele. Imediatamente, parou de fazer aquilo.
Ele puxou a mão dela para perto dele e disse:
- E só agora você descobriu isso?
Ela mudou de posição e cruzou as mãos sobre o colo.
- Estava pensando nisso agora. - O tom da voz dela era definitivamente defensivo.
Ele não deixaria que ela escapasse.
- Não, você disse que acabou de perceber que...
Ela o interrompeu.
- Tudo bem, talvez eu só esteja percebendo isso agora. Na verdade, acho que nunca havia pensado nisso antes.
- O "nisso" quer dizer atração física?
Pelo sorriso embutido na voz dele, ela percebeu que ele estava se divertindo muito.
- Ah, fique quieto.
- Você se deixa irritar com facilidade.
- Algumas vezes - respondeu ela. - Mas, quando quero, sou muito boa para esconder o que sinto.
Ele deu uma risada.
- Não, não é. Aliás, você é péssima.
Ela ficou incrédula com o pensamento dele.
- Peço licença para discordar. Tenho anos de experiência no assunto - disse ela. - E, se eu não quisesse que você soubesse o que eu estava pensando, pode estar certo de que não ficaria sabendo.
264
Exasperado, ele disse:
- Mesmo com todos os anos na bagagem, você ainda não consegue esconder nada. Cada emoção que você sente deixa transparecer em seu rosto.
Ela não continuaria a argumentar, pois não precisava ser dona da última palavra.
- Você está enganado.
Ele mudou de assunto.
- E todos aqueles caras no clube, esta noite...?
- O que é que tem?
- Você já namorou algum deles?
- Não.
- Você está namorando alguém agora?
- Não.
- Hum.
Ela deu um sorriso.
- Hum o quê?
- Essa é outra coisa que eu nunca teria adivinhado.
- E você, tem namorada?
- Não.
- Hum.
Ele começou a rir.
- Hum o quê?
- Eu também nunca teria imaginado. - Em seguida, ela acrescentou: - Talvez fosse melhor mudarmos de assunto.
- Por quê?
- Não sei, mas acho que devemos.
- Tudo bem - disse ele. - Você já viveu uma relação duradoura?
- Isso não é mudar de assunto.
- Já?
Ele trocou de pista, olhou pelo espelho retrovisor e, em seguida, para ela.
- Vai responder ou não?
- Eu tive... um tipo de relacionamento com um homem chamado Dennis, que terminou há alguns meses.
- O que significa "um tipo de relacionamento"?
- Eu queria que tivesse dado certo. Não havia qualquer tipo de atração física, mas pensei que isso pudesse vir com o tempo.
- É impossível programar uma coisa assim. Isso é uma coisa que existe ou não. E ponto final.
Ela concordou com um aceno de cabeça, mas não fez nenhum comentário.
- Temos de pegar a próxima saída.
- Eu sei. Foi por isso que você terminou com ele?
- Como você sabe que fui eu quem terminou?
Porque Dennis teria de ser um louco de pedra para deixar você. - Só um palpite - disse ele.
265
- Sim, fui eu quem terminou. Ele estava mais interessado em meu dinheiro do que em mim. Eu fiquei mais irritada do que magoada quando percebi que tinha sido uma idiota. Nós nunca...
- Nunca o quê?
- A relação nunca foi física. - Ela não podia acreditar que estava dizendo uma coisa dessas para ele.
- Porque não havia atração física.
- Isso mesmo.
- Algum coração ficou partido?
- Talvez no começo. Ele sempre ligava para mim - disse ela. - Mas finalmente desistiu e foi cuidar da vida dele. A última notícia que tenho dele é que ficou noivo.
- Ele foi rápido.
- Ela também é herdeira.
Ele concordou com um aceno de cabeça.
- Você mencionou Dennis a Wincott?
- Sim.
Ficaram algum tempo sem dizer uma única palavra. Regan pensava em Alec e na maneira como reagia a ele. Essa atração era perigosa. Ele estava apenas fazendo seu trabalho e, quando terminasse, deixaria a cidade. Era simples assim. Se ela continuasse a se deixar atrair por ele, sofreria muito quando ele fosse embora.
Muito bem, pense em todas as razões pelas quais você não deve se envolver, não importa até que ponto sejam ridículas. Havia, é claro, uma razão óbvia. Seu coração ficaria partido.
Não seria ético nem mesmo beijá-lo, decidiu ela. O fato poderia até mesmo justificar um processo de assédio sexual. Ela deu um suspiro. Que Deus a ajude, pois estava começando a pensar como Aiden. A possibilidade de litígio era sempre a primeira coisa em que ele pensava. Mesmo assim, poderia acontecer, disse a si mesma. Afinal de contas, o homem estava encurralado com ela. Era ela quem estava na posição de poder, não era? E, de certa forma, ele trabalhava para ela. Fora designado para protegê-la e, qualquer iniciativa sexual tomada por ela, poderia ser reportada ao tribunal. Ela até podia imaginar a cena. Sua foto em todos os jornais e repórteres com equipes de filmagem perseguindo-a no tribunal. Seria um pesadelo.
Quando chegaram ao hotel, Regan estava convencida de que tinha total controle de suas emoções. Conseguira organizá-las em sua mente. Sim, ela estava definitivamente de volta ao controle.
266
Enquanto cruzavam o saguão, Alec segurou a mão dela. Ele fez um sinal para o guarda posicionado diante dos elevadores. Suas credenciais já haviam sido verificadas e Alec sabia quem era ele.
Ao subirem para o quarto dela, Regan disse:
- Peço desculpas por não tê-lo apresentado a Spencer.
-Tudo bem. Não me pareceu que a reunião de vocês tenha sido muito alegre.
- Você percebeu?
- Você quer dizer que estava tentando esconder suas emoções e que, portanto, eu não devia ter notado?
- Você está tirando sarro de mim?
- Só um pouquinho.
O elevador parou e Alec saiu na frente. Fez um sinal com a cabeça e cumprimentou o policial que estava diante das portas.
- Tudo certo esta noite?
- Sim, senhor. Tudo certo.
- Ótimo.
Todos os quartos daquele corredor encontravam-se desocupados nesse momento e deveriam permanecer assim até segunda ordem. Essa era outra medida de segurança que Aiden adotara sem consultá-la.
- Esse policial me parece familiar - disse ela. - Mas eu ainda não o tinha visto por aqui, não é?
- Não - respondeu ele. - Essa é a primeira noite dele aqui. Você o viu no escritório de Lewis.
- Isso mesmo. Você o estava defendendo. Ele não foi despedido, não é mesmo?
- Não - assegurou-lhe Alec. - Ele está fazendo alguns turnos aqui para ganhar um dinheirinho extra.
Ela concordou com a cabeça e perguntou:
- Você vem amanhã?
- Sim, é claro que sim.
- Tem certeza disso? Amanhã é domingo.
- Eu sei.
- Quando você vai começar a empacotar suas coisas?
- Sou eu quem tem de se preocupar com isso.
- Então, posso apresentá-lo para o Spencer amanhã. E você pode falar com Aiden de novo. Não vai ser agradável. Ambos vão lhe dizer como deve fazer seu trabalho.
Ele encolheu os ombros.
- Isso não me preocupa. Então, vou ver os dois?
- Claro que sim. Essa noite, você sabe, foi apenas o primeiro round. Amanhã, eles vão fazer novas tentativas.
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- Tentativas para quê?
- Para tentar me convencer a aceitar um acordo para que Emerson vá embora. Mas não vou concordar com isso, independentemente da praticidade envolvida.
- Você está me dizendo que foi pressionada na festa de hoje à noite?
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- Claro que sim. Eles sabiam que eu não armaria o maior barraco.
Ele deu um sorriso.
- E você tem o hábito de armar barracos?
- Armei alguns quando era criança.
Eles estavam na frente da suíte dela. Ela tentou agradecer e dar-lhe boa-noite no corredor. Ele deu a impressão de que tinha ficado exasperado com ela, tirou a chave de sua mão e destrancou a porta.
- Com todas as vezes que eu já fiz isso, será que você ainda não se acostumou?
Ela não respondeu. Como de rotina, Alec entrou na frente. Ela o seguiu e fechou a porta. Em seguida, esperou que ele verificasse o quarto, o banheiro e o closet.
- Tudo certo.
Ao caminhar de volta para a sala, ele estava tirando a gravata. Ela já havia tirado o casaco, que colocara no braço da poltrona. Sobre o casaco, ela colocou o xale e a bolsa. Apesar de estar bloqueando a porta, ela parecia que não conseguia se mover.
Regan limpou a garganta.
- Obrigada por me fazer companhia esta noite. - Quanto mais ele se aproximava, mais a suíte parecia ficar menor. Ele deu um sorriso e os joelhos dela começaram a tremer.
- Eu realmente gostei de ter ido. - Agora, sua voz saía tão estranha que ela parecia ter contraído uma forte laringite.Se pelo menos ele pudesse parar de olhá-la daquele jeito, permitindo que ela saísse da frente para deixá-lo sair...
- Regan, eu estava a trabalho. - Ele colocou a gravata-borboleta no bolso e desabotoou os dois primeiros botões da camisa. - Muito melhor. Agora posso respirar direito. Então é isso. - Ele caminhou na direção dela, esticou a mão ao lado dela para fechar a trava de segurança e apoiou as duas mãos sobre a porta, ao lado do rosto dela, prendendo-a. Os ombros dela ficaram pressionados contra a porta.
Não pense nisso, disse ela a si mesma. Simplesmente não pense nisso. Deus do céu, o cheiro dele era maravilhoso. Ela nunca imaginara que um sabonete de banho pudesse ser tão erótico.
Tudo bem, ela estava definitivamente perdendo o controle, pensou Regan. Se pelo menos ela pudesse parar de olhar nos olhos dele, mas aqueles olhos, oh, Deus, aqueles olhos incrivelmente maravilhosos e sedutores.
268
O que foi que ele acabara de dizer? Alguma coisa sobre "então é isso".
- O que você quis dizer com "então é isso"? - murmurou ela.
Ele sabia que a estava deixando confusa. Aproximou-se um pouco mais dela, mas não chegou a tocá-la.
- Sabe de uma coisa?
A voz dele estava baixa e rouca. Ela tinha os braços completamente arrepiados.
- O quê?
Ele se aproximou um pouco mais dela.
- Agora, não estou mais a serviço.
Alec afastou-se uns dois centímetros e ficou completamente imóvel, à espera. Se ela desse o menor sinal de hesitação, ele iria embora e tudo acabaria ali. Ele esperava, com todas as forças, que ela quisesse que ele ficasse.
Depois de alguns segundos, Regan entendeu por que ele havia parado. Agora era a vez dela.
Com movimentos lentos, ela levantou o cabelo, descobrindo aquele ponto extremamente sensível, logo abaixo do glóbulo da orelha. Em seguida, virou o rosto para o lado e esperou. Se isso fosse uma partida de tênis, a bola estaria do lado dele.
Ele inspirou o ar e o prendeu. E fechou os olhos. Regan sentiu o hálito quente de Alec em sua orelha uma fração de segundo antes de a boca dele tocar sua pele. Uma enxurrada de arrepios desceu por seus quadris. Um simples beijo e seu coração estava em disparada. Ele continuou beijando toda a extensão do pescoço dela. A boca dele era quente. Sim, definitivamente quente.
Ela pensou como reagiria, caso ele beijasse sua boca. Talvez ela virasse mingau. Já não era hora para brincadeiras. Ela definitivamente o mandaria embora antes que fizesse alguma coisa da qual pudesse se arrepender na manhã seguinte.
Ela colocou suas mãos ao redor de seu tórax e sussurrou:
- Alec?
Imediatamente e sem dizer uma única palavra, ela deu um passo para trás. Alec simplesmente olhou-a dentro dos olhos e esperou.
Ela não poderia culpar ninguém além de si mesma pelo que aconteceu em seguida. Agarrou as lapelas do paletó de Alec e puxou-o para ela. Sua boca estava a dois centímetros da dele quando ela disse:
- Não me processe.
269
CAPÍTULO 34
ELA NÃO ESTAVA BRINCANDO. E não lhe deu tempo para pedir-lhe explicações. Agarrando aquelas lapelas com pulso de ferro, ficou nas pontas dos pés e beijou-o. Um beijo longo, histericamente apaixonado, da mesma maneira como fantasiara. Um beijo absolutamente perfeito, ela disse a si mesma. Um beijo poderoso, completamente envolvente que, com certeza, satisfaria seu desejo irracional. Em seguida, ela se afastaria dele, destrancaria a porta e o mandaria para casa.
Era um bom plano, realmente era. E teria funcionado se ele tivesse cooperado, ao ficar na dele. O problema é que ele participou. E, então, ele assumiu o comando. De repente, os braços dele abraçaram corpo dela e ele a segurou forte enquanto a boca dele explorava a dela. Depois de cinco segundos, ficou evidente que ele tinha muito mais experiência no assunto do que ela. O homem fazia arte do ato de beijar. As mãos dele desceram pelas costas de Regan. Enquanto ele a erguia para trazê-la para junto de si, ele mantinha sua boca grudada na dela. De jeito nenhum, ele definitivamente não assumiu uma postura passiva. Ela pensou que deveria ter previsto um plano B, mas esse foi o último pensamento coerente, se bem que totalmente idiota que foi capaz de articular enquanto ele a beijava com intensidade. Agora, as mãos dela estavam ao redor do pescoço dele. Será que fora ela ou ele quem as colocara ali? - e seus dedos acariciavam os cabelos de Alec.
Ele não a forçou a abrir os lábios. Ela o fez por livre e espontânea vontade. Regan não o empurrou para longe quando ele invadiu sua boca com a língua. Ela deu a ele tanto quanto estava recebendo, e um pouco mais.
271
Quando ele finalmente terminou de beijá-la, ela tremia convulsivamente. Agarrou-se nele porque estava ciente de que, se não fizesse isso, suas pernas não agüentariam. As mãos dele estavam ao redor da cintura dela e ela teve a impressão de que estava sendo segura no ar, mas não tinha certeza disso.
Nenhum deles parecia estar disposto a se afastar um do outro. Ela queria um pouco mais, só mais um beijo, pensou ela. Antes que ela perdesse a coragem e fosse novamente tomada pela razão.
Ele devia estar querendo a mesma coisa porque voltou a se inclinar sobre ela, beijando-a de novo. Mesmo que parecesse impossível, esse beijo foi ainda melhor. E mais quente. Ele era um mestre da sedução e tão delicado que a deixou assustada. Ela o abraçou com mais força e tentou se aproximar dele ainda mais. O beijo era tão ardente que fazia com que seu corpo todo se queimasse. Regan nunca se sentira assim antes. Nunca um beijo a afetara de forma tão intensa. Alec afastou-se, respirou, ofegante, e tentou, sem sucesso, sair de onde estava. Ele simplesmente não podia deixar de abraçá-la. Maldição, na verdade, ele não queria. Ele apoiou a cabeça no ombro dela e respirou fundo algumas vezes, tentando se recuperar. Ele adorava tê-la nos braços. Gostava do cheiro e do gosto dela. Alec estava com grande dificuldade para entender tudo aquilo. Como era possível que alguns beijos o deixassem naquele estado?
Ele verbalizou seu pensamento.
- Nossa, Regan. - A voz dele era tão áspera e rouca quanto o ranger de cascalhos.
-Você quis dizer "nossa, que bom" ou "nossa, que ruim"? - ofegou ela.
Ele teve de pensar um pouco, antes de dar-lhe a resposta. Levantou a cabeça e olhou nos olhos dela e, ao ver a paixão que havia acendido nela, sentiu um arrepio de satisfação. E de desejo - ele teve de dar a mão à palmatória - por muito mais.
- Foi um "nossa, que bom". Bom demais. - Ele a imaginava sem roupas, debaixo dele, quando acrescentou: - Talvez fosse melhor a gente parar enquanto...
Ela colocou o dedo indicador sobre os lábios dele, pedindo que ficasse em silêncio.
- Ou... - disse ela, com esforço.
Ele agarrou a mão dela e colocou-a sobre seu peito.
- Ou o quê? -A promessa de um sorriso tornou a expressão dele suave.
Não perca a coragem, não perca a coragem, repetia ela, em silêncio. Regan respirou fundo e murmurou:
- Ou poderíamos continuar.
As mãos dele moveram-se para os ombros dela e, mesmo enquanto balançava a cabeça dizendo que sim, que sim, ele não deixava de perceber a suavidade e a maciez da pele dela.
272
- Você sabe aonde esses beijos vão nos levar, não sabe?
Fora uma pergunta estúpida, para a qual ele não esperava nenhuma resposta.
- A uma montanha de sofrimento. Mas eu não sou uma máquina, querida. Não dá para ligar e desligar. Você sabe que eu quero você, Regan. Estou ardendo de desejo e preciso... - ele parou de repente, respirou fundo e disse: - Mas você precisa saber que eu não quero o que vem com isso.
Será que ele percebia que a estava deixando fora de si? Parecia que não. Ele não a estava machucando. Na verdade, o toque dele era surpreendentemente doce e suave. Ele a desejava, deixara isso claro e não podia voltar atrás. Ela estava feliz e, ao mesmo tempo, frustrada, porque era óbvio que ele não estava feliz com a história. O olhar no rosto dele, cheio de preocupação e raiva, chegava a intimidar. De repente, ela se sentiu como se tivesse cutucado um leão com vara curta.
Ela afastou as mãos dele.
- Quero saber, Alec, o que vem com isso?
Agora, ele olhava profundamente para os olhos dela.
- Vou deixar Chicago, está lembrada? Eu deixei isso claro, não foi? Estou empacotando minhas coisas para ir embora daqui. Você entende?
- Sim, eu entendo.
- E então?
- Então o quê?
Alec rangeu os dentes. Pensou que tivesse de explicar tudo isso de novo.
- A última coisa que eu quero, ou preciso fazer, é deixar qualquer tipo de complicação atrás de mim.
Alto lá, ela não gostou de ouvir aquilo. O olhar dela transformou-se em um azul profundo e o rosto ficou vermelho. Tudo bem, ela estava brava, mas não voltaria atrás.
- Sou eu a complicação?
Para evitar agarrá-la e beijá-la até que ela o desejasse tanto quanto ele a desejava, Alec enterrou os dedos nos cabelos dela. Ele balançou a cabeça. Péssimo plano, pensou ele. Ele não ia ceder ao desejo. De jeito nenhum. Quando era preciso, ele podia ser duro como aço. Além disso, sempre se mantinha sob controle.
- O que eu estou tentando dizer a você é que...
- Eu sou uma complicação.
- Tudo bem, é isso. Desisto de dar uma de diplomata nesse quesito. Ela piscou o olho.
- Você acha diplomático me chamar de complicada?
- Porra, você é. Uma puta confusão, Regan. - E aquele "nossa" foi um "nossa, que fria".
273
Ele tirou o paletó do smoking e jogou-o sobre a cadeira.
- Aqui dentro está fazendo um calor infernal.
Para manter as mãos ocupadas, ele começou a enrolar as mangas da camisa. Melhor rasgar as roupas dele do que as dela. Aquele minúsculo vestido que ela usava ajustava-se maravilhosamente ao corpo dela. Ele não queria estragá-lo e, ao mesmo tempo, não queria que ela o usasse com nenhum outro homem. Como seria possível justificar aquela lógica absurda?
Ela não conseguiu segurar o olhar dele. Olhando para o queixo de Alec, ela disse:
- Eu sei que coloquei você numa situação difícil. É que essa é a primeira vez que eu tento... você sabe... e parece que estou lhe causando uma ansiedade exagerada. Eu não sou muito boa nessas coisas. Reconheço meu erro. Eu devia ter pensado melhor.
- Pensado em quê?
Era impossível que ele fosse tão denso. Ninguém era. Será que ele estava deliberadamente brincando com ela?
- Pensado em quê? - repetiu ele, quando não obteve uma resposta. Pensado melhor antes de seduzir você, seu idiota. Era isso que ela gostaria de dizer, mas não disse. Algumas de suas inibições estavam muito fortemente sedimentadas para serem ultrapassadas. Além disso, Alec tinha razão. As coisas ficariam complicadas e a intuição dela dizia que era a vida dela que ficaria terrivelmente complicada sem ele.
- Você está certo - disse ela. - Um envolvimento, mesmo que durasse apenas uma noite, faria com que as coisas ficassem... difíceis.
Ele não pareceu aliviado. Ela se abaixou, tirou as sandálias e caminhou até a porta que levava ao seu quarto. Alec havia deixado uma das folhas abertas quando verificara o banheiro. Ela empurrou a porta que estava fechada e virou-se para dizer-lhe boa-noite.
Por um longo minuto, ele olhou para a enorme cama king-size. Sentiu um aperto no peito e, de repente, sua boca ficou seca. Ele estava sendo bombardeado com todas as fantasias possíveis sobre ela. Com todos os diabos, ele estava metido numa baita confusão.
E não ia mais a nenhum lugar.
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CAPÍTULO 35
DESDE O MOMENTO EM QUE ALEC TROMBARA COM ELA NA RUA E OUVIRA aquela risada maravilhosa, tornara-se cativo. Agora ele entendia que nunca tivera a menor chance. Ele entendeu isso agora. Ao se afastar da porta, ele decidiu que não havia razão para continuar negando a atração que sentia por ela. Certificou-se de que tudo estava devidamente trancado e esticou o braço para desligar o interruptor.
Enquanto caminhava na direção dela, ele desabotoava a camisa. A luz do abajur sobre a mesa de cabeceira iluminava o corpo dela. Por causa do efeito da luz, sua pele adquirira um tom dourado. Ela estava definitivamente linda.
E nervosa como o diabo. Mesmo com os olhos arregalados, ela não desviou o olhar dele. Deu um passo na direção dele e parou. O olhar dele percorreu o corpo dela. Enquanto o observava se aproximar dela, Alec reparou que ela tinha as mãos pressionadas contra as laterais das pernas e os dedos dos pés enterrados no carpete.
- Lembre-se - sussurrou ele, com a voz rouca, enquanto se aproximava dela. - Foi você quem começou tudo isso.
Ele a puxou para perto de si, beijou sua testa e depois voltou a soltála. Regan sabia que ele estava lhe dando mais uma chance de mudar de idéia, talvez uma última chance para lhe dizer que se fosse.
Como se aquilo fosse possível.
Alec segurou a respiração enquanto esperava que ela se decidisse. Regan colocou os braços ao redor do pescoço dele e sorriu com aquelas covinhas tentadoras acima da curva da boca. Não, ele nunca tivera a chance.
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- É melhor que você se lembre - disse ela - de que fui eu quem comecei isso.
Ela beijou o queixo dele para, em seguida, beijar as batidas do coração que eram evidentes na base do pescoço dele. Como ele apertou o corpo dela ao encontro do seu, ela imaginou que ele estivesse gostando do que ela fazia e, por isso, repetiu o gesto.
Foi quando ele assumiu o comando. Alec cobriu a boca dela com um beijo que não deixava a menor dúvida quanto ao desejo que nutria por ela. Enquanto explorava a boca dela, ele a ergueu do chão.
De repente, os dois tentavam freneticamente se livrar de suas roupas. Quando ele alcançou o zíper nas costas do vestido dela, as mãos dele tremiam. A posição era meio desajeitada, porque ele não conseguia parar de beijá-la para prestar atenção no que estava fazendo e ela estava tentando tirar a camisa dele ao mesmo tempo.
Depois de desabotoar alguns botões, ela estava puxando a camisa dele para fora da calça quando, sem querer, tocou o coldre e a arma. Reagiu como se tivesse colocado a mão no fogo. Encolhendo-se, ela se afastou. Mas Alec foi rápido e segurou as mãos dela, de modo que não desse chance de ela fugir.
- Será que você... - murmurou ela. Regan estava tentando pedir que ele se livrasse da arma, mas não conseguia encontrar as palavras. Ele estava tirando sua concentração ao mordiscar os lóbulos de sua orelha. - Livrar-se da...
- Tudo bem - respondeu ele.
Regan soltou um suspiro. O coração dela estava em disparada e ela estava tentando recuperar o fôlego. Beijar nunca causara aquela sensação. Está certo que ela não beijara muitos homens na vida, mas já beijara o suficiente para saber que beijar Alec era completamente diferente. Talvez porque ela já estivesse emocionalmente envolvida. Tudo nele a excitava. Era preciso desacelerar um pouco para poder saborear cada minuto dessa noite com ele. Ao mesmo tempo, ela queria que ele tirasse a roupa mais depressa.
Ele fez com que ela se afastasse um pouco para poder puxar a camisa pela cabeça. O peito dele era musculoso, com pêlos escuros e pele bronzeada.
Ele era lindo. Ao puxá-la de volta aos seus braços, ela sentiu o calor da pele dele contra a sua. O que não foi suficiente. Regan enroscou as mãos no pescoço de Alec e agarrou os cabelos dele para fazer com que ele a beijasse mais uma vez.
O beijo foi quente e úmido e ela sentiu-se como se estivesse derretendo.
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Ele tirou o coldre e a arma e, conduzindo-a para a lateral da cama, colocou o revólver sobre a mesa de cabeceira para, em seguida, forçá-lo a parar de beijá-la o tempo suficiente para tirar as roupas dela.
Pelo menos, era essa a intenção dele, mas o vestido não estava cooperando. O zíper enroscou e não se mexia, independentemente das tentativas de Alec. Ele apertou as mandíbulas e tentou de novo. Normalmente, ele era muito mais gentil quando despia as mulheres, mas essa noite era diferente porque estava com Regan. Alec nunca sentira esse tipo de desespero antes. Ele queria envolvê-la e nunca deixá-la se soltar de seus braços.
Ele tentou se concentrar na tarefa, mas ela estava tornando as coisas difíceis. Regan voltara a beijar seu pescoço e a acariciar sua nuca. Aquilo era uma delícia e ele não queria que ela parasse.
- Vire-se - murmurou ele, enquanto afastava as mãos dela e a forçava a fazer o que ele pedira a ela. Mais uma vez, ele tentou abrir o zíper do vestido dela.
Ela tentou ajudar, mas as mãos dela apenas o atrapalharam.
- Você gosta muito desse vestido? A coisa... emperrou.
- Quê coisa?.
- O zíper. - Agora, ele sorria ao perceber que ela estava tão ofegante quanto ele.
- Eu odeio esse vestido - disse ela.
Regan realmente ficava gostosíssima nele, mas, se fosse preciso, ele o deixaria em tiras para chegar até ela. O zíper finalmente desenroscou e desceu... até a base da coluna vertebral.
Ela não estava usando sutiã. O que ele percebeu de imediato. Em seguida, notou que ela tinha as costas perfeitas. Devagar, ele correu os dedos pela abertura, até alcançar um pedacinho de renda preta.
Ele não sabia o que causava mais tesão nele. A maneira como ela ofegava quando ele a tocava ou a visão daquele pedacinho de renda.
- Você é linda - murmurou ele.
Regan estava prestes a tirar as alças do vestido quando, de repente, ficou imóvel ao sentir que ele havia colocado as mãos sob o vestido e começara a acariciar sua pele.
As mãos dele circundaram o corpo dela. Ela começou a se virar nos braços dele, mas ele não permitiu e, quando ele finalmente tocou os seios dela, ela soltou um gemido profundo e deixou-se cair contra ele. Tremendo de desejo, Regan não sabia quanto tempo mais seria capaz de agüentar aquela tortura, sem se partir em mil pedaços.
A maneira como ela reagia deixou Alec louco. A cabeça dele caiu sobre o ombro dela e sua respiração tornou-se estridente. Ele tentou libertá-la a
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tempo de poder se despir. O vestido caiu no chão e, com graciosidade, ela pisou fora dele e abaixou-se para tirar a colcha da cama. Ela tirou a colcha e começou a tirar as presilhas do cabelo. Os sapatos de Alec saíram voando numa direção e as presilhas dela, em outra.
Alec sabia que agora era apenas uma questão de minutos para que perdesse totalmente o controle. E queria que, antes disso, ela estivesse pronta
- Precisamos ir mais devagar.
Ele estava falando sério, mas ela se virou e aqueles seios absolutamente perfeitos tocaram o peito dele. De repente, diminuir o ritmo não parecia ser mais tão importante assim.
Abraçados, caíram na cama. Enquanto fazia com que ela virasse de costas, ele a aninhou nos braços, abrindo as pernas dela com um dos joelhos. Ele sustentou um pouco de seu peso para não esmagá-la. Em seguida, deu um gemido profundo de pura satisfação masculina porque uma de suas fantasias estava finalmente se tornando realidade. Ele a tinha exatamente onde queria.
Ela estava despenteada e visivelmente excitada. Os cabelos, espalhados pelo travesseiro, emolduravam o rosto em chamas. Seus olhos estavam escuros e cheios de paixão e seus lábios, inchados por causa dos beijos dele. Mesmo tendo consciência de que estava sendo primitivo e violento, ele se sentia arrogantemente satisfeito por ter deixado sua marca nela. Nunca se sentira assim com relação a uma mulher. O que aconteceria depois?, perguntou-se ele. Será que ele começaria a arrastá-la pelos cabelos? Ou gritaria como o Tarzan?
Ele balançou a cabeça quando ela tentou puxá-lo para junto de si e beijá-lo. Virou-se de lado e passou um bom tempo olhando para aquele corpo perfeito.
- Já faz muito tempo que venho pensando nisso. - Devagar, ele passou os dedos pelo pescoço dela e pelo sulco entre seus seios, sorrindo para a pele que se arrepiava. Quando ele chegou ao umbigo, ela tentou agarrar a mão dele, mas ele não tinha a menor intenção de se deixar interromper.
Assim como não queria ser apressado. Devagar, muito devagar, ele tirou a calcinha de renda dela, saboreando cada centímetro da pele dourada que tocava.
Mesmo lutando contra a timidez, ela não se cobriu. Enquanto ele a acariciava, ela observava o rosto dele. Suas mandíbulas estavam apertadas e havia gotas de suor em sua testa. Ele parecia que estava prestes a perder o controle.
E ela também. Suas pernas se moviam, incansáveis, contra o corpo dele. Ele a estava atormentando, deixando-a louca ao não permitir que ela
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o tocasse. As mãos dele se moviam entre as pernas dela. Com isso, ela quase saiu da cama. O toque dele era mágico e exigente.
Regan não podia ficar impassível por mais tempo. Ela soltou sua mão da de Alec e começou a acariciar o rosto dele. Com os dedos, devagar, traçou o contorno da boca e depois acariciou o pescoço e os ombros. O corpo dele era absolutamente perfeito. Sua pele era quente e ela podia sentir a força dos músculos do braço. Os pêlos do peito faziam cócegas nas pontas do dedo dela.
Sem pressa, ela estava decidida a deixá-lo completamente louco, mas ele constantemente lhe tirava a concentração. Enquanto mordiscava seu pescoço, ele acariciava seus mamilos.
Ela fechou os olhos, jogou a cabeça para trás e passou os dedos pela barriga dele. Os músculos do abdome se contraíram e ele soltou um longo gemido.
Ela sabia que seu toque o agradava, mas queria mais. Com as pontas dos dedos, circulou o umbigo dele e moveu-os para baixo. Escorregou a mão entre as coxas dele. Ele respirou fundo e ela percebeu que ele adorava os carinhos dela.
Ela ficou mais exigente. Segurou-o com a mão... e ele quase explodiu. Ele agarrou aquela mão, rolou para cima dela e beijou-a com paixão. Enquanto suas mãos a acariciavam, suas línguas se esfregavam uma na outra. Moveu-se para baixo e, quando começou a beijar os seios dela, ela arqueou o corpo contra o dele e soltou um gemido rouco. Ele lhe disse que beijaria cada centímetro de seu corpo e imediatamente colocou-se em ação. Ele passou a língua no umbigo dela, descendo sempre, até tocar o sexo dela.
O prazer era único e total. Ao gritar, as unhas dela se enterraram nas costas dele.
Agora, o controle de Alec estava em farrapos e ele estava desesperado para entrar dentro dela.
- Alec...
- Tudo bem. Eu só preciso proteger você.
Ele estendeu a mão para pegar suas calças. Regan rolou por cima dele e começou a beijar seus ombros com intensidade, enquanto ele procurava por sua carteira, no bolso de trás. Alec encontrou o que procurava e voltou a abraçá-la, até que ele escorregou de cima dela.
Quando ficou pronto, ele agarrou as mãos de Regan, esticou os braços dela acima da cabeça e manteve-a lá. Em seguida, começou a fazer amor com ela usando a boca, a língua e os dedos.
Os primeiros tremores de êxtase a pegaram de surpresa. Tudo deveria ter terminado ali, mas não foi o que aconteceu. O prazer aumentava, era
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tão intenso que ela mal podia agüentar. Apavorada com o que estava acontecendo, ela tentou se libertar.
- Está tudo bem - sussurrou ele, enquanto continuava a acariciá-la. - Segure-se em mim e deixe as coisas acontecerem. Está tudo bem, Regan. - Ele se encaixou entre as pernas dela e, com uma estocada direta, penetroua profundamente. Alec fechou os olhos e apertou as mandíbulas, pois a intensidade do prazer era quase insuportável. Ela gemia e arqueava o corpo contra o dele e, em seguida, abraçou-o com as pernas.
Ele perdeu o controle. Ela se sentia tão maravilhosamente bem que não foi capaz de fazer com que ele diminuísse o ritmo. A paixão de Regan se igualava à dele e sua resposta ao toque de Alec era selvagem e desinibida.
Ela levantou os quadris para melhor aparar cada estocada que recebia e, quando ele finalmente gozou dentro dela, ela o acompanhou, gritando o nome dele enquanto se perdia em êxtase.
Ela pensou que pudesse morrer, com todo aquele prazer percorrendo seu corpo. Alec soltou o peso do corpo sobre ela e enterrou a cabeça entre seu ombro e seu pescoço. Vários minutos se passaram até que ele pudesse recuperar o fôlego.
Nunca antes fazer amor fora tão bom, não, bom não, perfeito. Ela o desarmara totalmente e ele estava completamente abalado pela necessidade que passara a sentir dela.
Aos poucos, ele recobrou as forças para se mexer. Apoiado nos braços, ele olhou nos olhos dela.
- Tudo bem? - A voz dele não passava de um sussurro rouco.
Ela ainda estava flutuando. Já lera sobre essa sensação. E já ouvira falar sobre isso, mas, até aquela noite, nunca havia tido a chance de vivenciar.
Assombroso, pensou ela. Simplesmente assombroso. E lindo. Maravilhoso. Não havia palavras suficientes para descrever o que acabara de viver. Ela ainda sentia uma aura morna brilhando ao redor de si. Será que ele podia sentir o coração dela batendo contra o dele? Será que tinha alguma idéia do que a fizera sentir? Será que ele vivera o mesmo esplendor? Ou será que para os homens era diferente? A perfeição do amor que fizeram a deixara maravilhada e ela não conseguia parar de tremer.
- Regan?
- Sim, eu estou bem. - Isso era uma banalização monumental. Ele a beijou com força, saiu de cima dela e foi em direção ao banheiro. Sua saída abrupta a pegou de surpresa. Ela não queria que ele fosse embora, pelo menos não ainda. Ela queria que ele a segurasse nos braços e lhe dissesse as palavras românticas que queria ouvir.
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Ela podia sentir as lágrimas se formando em seus olhos. Deus do céu, agora não. Não quero chorar agora. Ela respirou fundo, gemeu, puxou o lençol e virou de bruços. O cheiro dele ficara nos travesseiros. Ela teve ímpetos de enterrar a cabeça naquele travesseiro. Mal podia acreditar que estivesse se sentindo tão insegura e vulnerável. O que, afinal, estava acontecendo com ela? Ela tinha começado aquilo. O que ela esperava? Que ele se ajoelhasse e dissesse a ela quanto ele a amava? Aquilo era coisa de contos de fadas.
Uma lágrima escorreu pela sua bochecha. Impaciente, ela a enxugou com a mão. Essa noite fora movida a desejo, não amor... pelo menos para ele. Regan gemeu mais uma vez. Ela não se arrependeria. Seu coração estava muito frágil para deixar que acontecesse de novo, mas ela não se sentiria arrependida.
Ela não ouviu Alec voltar do banheiro. Quando percebeu, ele já estava sentado ao lado dela, na cama.
- Chegue um pouco para lá - disse ele.
Ela se virou de lado para olhá-lo, enquanto ele tentava puxar o lençol. Ela segurou firme.
- Pensei que você estivesse se vestindo.
- Você não percebeu que minhas roupas estão espalhadas pelo chão?
- Não, não percebi.
Eles estavam fazendo cabo-de-guerra com o lençol. Ele ganhou. Deitou-se ao lado dela e puxou-a para si.
- Preciso ir. - Ele começou a roçar o pescoço dela. - Sim, preciso ir. Como é que você pode cheirar tão bem?
- Eu costumo tomar banho.
Ele deu uma risada. Em seguida, deu-lhe um beliscão na bunda e ela soltou um grito.
- Como é que você pode ser tão macia?
Antes de responder, ela beijou o pescoço dele.
- Sou uma garota.
- Sim, eu percebi.
Regan não conseguia deixar de tocá-lo. Ela adorava sentir a força de seus músculos sob as pontas de seus dedos. Eles passearam sobre os ombros e o peito dele. Alec tinha o corpo quente, peludo e sensual. Ela o abraçou pela cintura e decidiu que nunca o deixaria ir. Se quisesse, ele teria de se descolar dela. Aquela imagem a fez sorrir.
- Foi melhor do que na minha fantasia - disse ele.
- Você havia pensado nisso?
- Claro que sim. E você também.
Ela não negou.
- Sim.
- Foi tão bom quanto na sua fantasia?
A voz dela transformou-se num sussurro.
- Foi... tão-tão.
Ele deu uma risada. Em seguida, empurrou-a para que virasse de costas e deitou-se sobre ela.
- Tão-tão? - repetiu ele.
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Ele parecia um pouco preocupado. Ela percebeu que havia um fio de insegurança escondido embaixo das grossas camadas de arrogância. Ela estava incrédula. Será que ele não sabia quanto prazer havia acabado de lhe dar?
Sobre o ouvido dele, ela fez uma concha com as mãos e disse:
- Foi, absolutamente perfeito.
Ele se abaixou para beijá-la. Pensou que fosse ser um beijo do tipo vejo-você-mais-tarde, mas, assim que a boca dele tocou a dela, tudo mudou. Sua língua tocou a dela com sofreguidão. Alec insistia em dizer a si mesmo que só queria um pouco mais e que depois ficaria satisfeito. Como era possível que ele não tivesse o suficiente dela?
Ela se esfregava nele com paixão.
- Alec? - murmurou ela.
- Você quer de novo?
Os olhos dela se arregalaram. Ela empurrou os ombros dele.
- De novo? Que tipo de conversa de travesseiro é essa?
Regan honestamente não sabia se sentia vontade de gritar ou de rir.
Quando ele deu um sorriso, ambos caíram na risada.
- Eu sou bom de conversa de travesseiro - gabou-se ele.
- Então prove.
Ele se deixou distrair pela maneira marota com que ela curvou o lábio superior. A covinha estava atrapalhando seu pensamento e, então, a única coisa que ele podia fazer era olhá-la nos olhos. Só agora ele parecia ter consciência do que acabara de acontecer. Essa criatura linda, doce e perfeita o havia levado para a cama.
Ela se aconchegou nele.
- Estou esperando - sussurrou ela, movendo os cílios.
Ele voltou a sorrir.
- Tudo bem. Vou lhe dizer o que acho que devemos fazer. - Em seguida, ele explicou, da forma mais detalhada possível, a maneira como gostaria de fazer amor com ela e o que esperava de volta.
Quando terminou, as bochechas dela estavam coradas.
- Com que tipo de mulher você costuma sair? - perguntou ela, tentando parecer chocada.
- Ginastas, acrobatas. Por que você pergunta? - As mãos dele desceram para os quadris dela.
- Alec, o que você está fazendo?
- Podemos chamar a isso de tarefa múltipla. Estou falando e tocando ao mesmo tempo. - Devagar, ele desceu as mãos pelo corpo dela e, com a boca e a língua, a estava deixando louca. - A gente podia tentar alguma coisa nova - disse ele. Beijou o sulco entre os seios e sussurrou: - Mas por que tentar mexer com a perfeição?
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CAPÍTULO 36
ALEC SE RECUSOU A PASSAR A NOITE COM ELA. ELA TENTOU, MAS NÃO CONSEGUIU convencê-lo. Ele estava muito mais preocupado do que ela em zelar por seu bom nome. Regan vestiu seu robe de seda azul que não chegava aos joelhos e sentou-se na beirada da cama enquanto Alec se vestia. As pernas dela atrapalhavam a concentração dele. Quando ele percebeu para onde seus pensamentos estavam sendo levados, levantou-se e foi para a sala de estar.
- O que eu fiz com meu celular?.
Ela o seguiu.
- Está no bolso do seu paletó.
Ele se virou para dizer-lhe boa-noite. Enquanto ele colocava o coldre e a tira de couro no lugar para segurar a arma, ela se aproximou dele e abotoou a camisa dele.
Ela ficou na ponta dos pés e beijou-o abaixo da mandíbula.
- Durma aqui - murmurou ela.
- Não.
O tom áspero da voz dele não a incomodou porque, ao verbalizar a recusa, estava beijando o pescoço dela.
- Você não quer?
- É claro que quero - disse ele. - E, se as circunstâncias fossem diferentes, eu ficaria.
As mãos dele escorregaram para dentro do robe dela. Ele parecia querer cada vez mais. Isso não é bom, disse ele a si mesmo, ao retirar as mãos.
- Você está sendo observada pelo mundo inteiro e eu não quero ninguém falando...
- O mundo inteiro? De jeito nenhum.
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- Você tem o Departamento de polícia, o time de segurança, os funcionários do hotel e seus irmãos de olho em cada movimento seu. Será que você se esqueceu de que tem um policial parado do lado de fora da sua porta? Não quero ninguém especulando sobre sua vida ou fofocando, ou provocando... - Ela beijava o pescoço dele, atormentando-o com sua língua. - Pare com isso.
Depois de dar a ordem, ele colocou as mãos nos ombros dela, com a intenção de fazer com que ela se afastasse. Em vez disso, puxou-a para perto de si, apoiando o queixo na cabeça dela.
- Será que sou o único a ficar preocupado com sua reputação?
- Parece que sim.
Ele deu uma risada.
- Maldição, você é uma doçura.
Alec levantou o queixo de Regan e beijou-a. Se ela não estivesse tão excitada, ele teria lhe dado um beijo de boa-noite. Mas Regan não estava apenas doce, sexy e excitada. Estava entusiasmada e exigente. Ela poderia transformá-lo em geléia com facilidade, caso continuasse a beijá-lo sem reservas daquela maneira. O pequeno choramingo que ela fez no fundo da garganta desencadeou uma resposta primitiva.
Quando ele terminou o beijo, ela se atirou contra ele.
O que acontecera com sua força de vontade? Sua disciplina? Regan ficava ligada mais rápido do que ele podia estalar os dedos. Deus do céu, ela estava dominando completamente a situação e ele precisava colocar um ponto final naquilo tudo. Ele estava deixando a cidade e não haveria nada que pudesse mudar isso.
- Ouça, Regan. Isso não pode acontecer de novo.
Ele esperou que ela discordasse. Imaginou que fosse ficar irritada. O amor que fizeram fora realmente incrível e ele tinha os arranhões em seus ombros onde ela cravara as unhas como prova de que fora perfeito para ela também. Sim, é claro que ela argumentaria.
- Sim, eu sei.
- O quê?
- Eu concordo - disse ela. - Não pode acontecer de novo. Uma pontada de desapontamento cruzou o coração dele.
- Preciso ir embora. Tranque a porta quando eu sair.
Ele segurou o pescoço de Regan, trazendo-a para perto de si e beijando-a mais uma vez.
Depois ele foi embora. Regan fechou a trava de segurança e encostou-se na porta. Alec a deixara exausta. Ela ainda tremia. A caminho da cama, livrou-se do robe, que ficou caído no chão. Os lençóis ainda estavam quentes do calor dos corpos deles. Ela enrolou-se no lençol de cima e fechou os olhos.
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Estava decidida a não pensar no futuro, mas isso era mais fácil dizer do que fazer. Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ela fora uma idiota. Estava se apaixonando por ele. Não, ela não estava se apaixonando, já estava apaixonada. Ela nunca se entregaria como fez naquela noite se não estivesse apaixonada por ele. Regan sabia exatamente quando acontecera. Ela e Henry estavam sentados no hotel do bar observando Kevin abrir o coração com Alec e a compaixão que vira no olhar de Alec fora o que desencadeara tudo. Ah, sim, ela já sabia havia algum tempo. Mas fora estúpida demais para admitir.
Além da compaixão que vira nos olhos dele, havia muitas coisas que amava nele. Ele era um homem de honra e integridade. Regan descobrira isso depois de ter passado a primeira hora com ele. Ele era totalmente dedicado ao seu trabalho. Era terrivelmente leal para com aqueles que amava, além de ter um maravilhoso senso de humor.
Ela sabia que ele tinha defeitos, mas, naquele momento, não era capaz de se lembrar de nenhum. Ela soltou um gemido alto. Não pense no futuro, disse a si mesma. Não pense no dia em que ele for embora.
Ela não conseguia desligar o pensamento e, quanto mais dizia a si mesma para não pensar nele, mais pensava. Regan enterrou o rosto no travesseiro e chorou até dormir.
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CAPÍTULO 37
AO AMANHECER DE UM NOVO DIA, REGAN TINHA UMA NOVA ATITUDE. Enquanto tomava banho e se vestia, fez um discurso para si mesma. Ela era uma garota crescida e podia muito bem cuidar do próprio coração partido. Tinha certeza de que sim. Seria capaz de sobreviver quando Alec fosse embora e jurou para si mesma que ele jamais saberia dos sentimentos que ela nutria por ele.
Alec não estava do lado de fora de sua porta. Ela já olhara pelo olhomágico. O mesmo jovem policial que assumira o posto quando ela e Alec saíram para o clube de campo na noite passada esperava por ela. Ela se apressou porque sabia que ele devia estar exausto. Quando o telefone tocou, ela havia acabado de vestir os jeans e as sandálias. Era Spencer. Ele disse a ela que estava no escritório dela. O que ela já tinha adivinhado, porque podia ouvir a TV ligada a todo volume.
- Você quer que eu suba depois do jogo ou prefere me encontrar aqui? Ela não perguntou de qual jogo se tratava, pois sempre havia um passando na televisão.
- Desço em poucos minutos - prometeu ela.
- O Aiden está aqui.
- Isso é um aviso?
- Talvez.
- Bem, é você quem precisa avisá-lo. O tempo não fez com que eu mudasse minha maneira de pensar, Spencer. Ainda estou muito brava.
Spencer deu uma risada.
- Mal posso esperar para ver. Assim que desligou o telefone, ela começou a espirrar. Talvez estivesse ficando alérgica aos irmãos. O pensamento ridículo fez com que caísse
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na risada. Ela foi até o banheiro, tomou seu remédio para alergia e, em seguida, pegou suas chaves, colocou-as no bolso e abriu a porta.
O policial a acompanhou até o escritório. Ela tentou convencê-lo entrar para relaxar um. pouco no sofá, mas ele se recusou a aceitar. Recebera ordens para montar guarda no corredor e era isso o que faria.
Ao entrar, ela notou a pilha de correspondência sobre a mesa de Henry, mas não parou para lê-las. Henry cuidaria disso amanhã e faria com que e ela soubesse se alguma coisa precisava da atenção dela.
Aiden estava de pé do lado de dentro da mesa dela, falando ao telefone. Ao vê-la, ele deu um sorriso e fez um sinal com a cabeça, tirando um papel de uma pasta que abrira sobre a mesa, que começou a ler para quem estava do outro lado da linha. Ele usava o que considerava um estilo informal ou de fim de semana: calça caqui e camiseta pólo. Aiden fazia musculação, conforme denunciavam os músculos de seu braço. Entretanto, ele parecia cansado, como sempre. Ao que tudo indicava, construir um império implicava 24 horas diárias de trabalho.
Spencer, por outro lado, não parecia sofrer com o cansaço causado pelo Jet Lag. Ele estava sentado no sofá, curvado sobre uma outra pasta de arquivo aberta sobre a mesa de centro.
- Ei, você - disse ela.
Spencer levantou-se rapidamente e alongou os braços sobre os ombros. As roupas dele eram verdadeiramente informais: um par de jeans surrado e uma camisa de rúgbi azul bastante surrada.
Ela cruzou o escritório e deu um abraço nele.
- Ontem, eu não tive a chance de lhe dizer que estou muito feliz por você estar em casa.
- Eu também - disse ele. - Infelizmente, não vou ficar muito tempo.
Ela deu um passo para trás.
- Quanto tempo?
- Isso depende.
Aiden interrompeu a conversa quando chegou por trás e colocou o braço ao redor do ombro dela.
- Você está bem? - perguntou ele.
- Sim - respondeu ela. Regan cruzou os braços e perguntou: - Você está pronto para conversar?
- Sobre o quê?
- Ah, por favor.
- Você anda tensa, não é? - perguntou Spencer.
Antes que Regan pudesse responder, Spencer virou-se para Aiden e disse:
- Eu falei com alguém da polícia, um cara chamado Lewis, e ele me disse que a investigação está caminhando bem.
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- Lewis não sabe do que está falando - disse Aiden. - Mas o detetive que Lewis designou como responsável pelo caso é bom. Fale com ele - sugeriu ele. - O nome dele é John Wincott.
- Não o incomode - disse Regan. - Deixe-o fazer seu trabalho. Lado a lado, os irmãos olhavam para ela e, enquanto olhava de um para o outro, ela de repente percebeu que eles eram bem bonitos. Regan nunca realmente percebera como eles se pareciam. Tinham os mesmos traços, como as caras de desaprovação com que a olhavam no momento. Eles eram definitivamente idênticos.
- Eles ainda não conseguiram nada de concreto, não é? Aiden respondeu: - Fale com Wincott.
Spencer esfregou a nuca.
- Tudo bem, vou falar. Talvez devêssemos pensar em reforçar a segurança, pelo menos até irmos embora.
Regan balançou a cabeça.
- Já estou tropeçando em guardas de segurança. Eu não quero que contratem mais ninguém. Falo sério, Aiden. Prometa.
- Vou fazer tudo o que for necessário para mantê-la segura.
Spencer concordou.
- Você é nossa irmã caçula e, se não tomarmos conta de você, quem vai tomar?
- Sabemos que, em circunstâncias normais, você pode cuidar de si mesma, mas essa não é uma circunstância normal - disse Aiden.
- Eu acho que ele deveria contratar mais guardas. Pelo amor de Deus, lá fora existe um assassino esperando por uma oportunidade e foi por isso que Aiden e eu... - Spencer fez uma pausa.
- Sim?
- Nós achamos que você estará mais segura em Melbourne.
Lá iam eles de novo, pensou ela. Unindo-se contra ela. Ela não podia culpá-los. A tática sempre funcionara com ela. Eles estavam acostumados a dar-lhe uma canseira até que ela concordasse com tudo o que queriam. Regan não estava irritada. No passado, ela sempre cedera. Mas aqueles dias estavam terminando e seus irmãos ainda não sabiam disso.
Ela mal podia esperar para informá-los.
- Vocês acham que estarei mais segura em Melbourne?
- Sim - disse Spencer. - Nós voaremos juntos e encontraremos um lugar afastado e seguro para você ficar.
Ela deu um sorriso.
- E será seguro porque assassinos não andam de avião. É isso o que vocês acham?
- Não precisa ser sarcástica, Regan - disse Spencer.
- Spencer, por que você não diz as coisas como elas realmente são? Você já encontrou esse lugar afastado e seguro, não é?
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- Na verdade, sim.
- Eu não vou.
Antes que ele pudesse argumentar, ela se virou para Aiden.
- O que o fez pensar que tinha o direito de livrar-se do meu carro?
- Ele não comprou uma BMW para você?
- Fique fora disso, Spencer.
- Você só conservava aquela lata velha para me irritar. Não é verdade? - perguntou Aiden. Antes que ela tivesse a chance de responder, ele continuou: - Se você tivesse um carro novo quando saiu do seminário, poderia ter apertado o botão de pânico na chave e talvez, apenas talvez, alguém tivesse vindo ajudá-la quando o maníaco estava atrás de você.
- Quando eu penso no que poderia ter acontecido com você - disse Spencer, com um sinal de desaprovação de cabeça. - Você precisa entender que é muito importante para nós.
- Correndo dele... veja só o que fez com seu joelho - disse Aiden.
- Você está sugerindo que eu não devia ter corrido?
- Não dê uma de espertinha... - Spencer começou, mas parou em seguida.
- Você fez uma cirurgia -lembrou-a Aiden. - E quando foi que nós ficamos sabendo disso?
- Depois de ter ocorrido - respondeu Spencer. Ele estava começando a ficar bravo.
- Você devia ter contado para nós.
- Foi uma cirurgia sem importância - disse ela.
Ela caminhou até sua mesa e apoiou-se nela.
- Eu não queria que minha cirurgia se transformasse numa grande preocupação. Cordie e Sophie também não ficaram sabendo.
- Somos sua família - disse Spencer. - Você devia ter contado para nós.
- Ouça, Regan, eu sei que você quer ser independente, mas você vai ao extremo.
Spencer sentou-se no sofá, mas Aiden continuou de pé. Parecia que ele tinha alguma coisa a dizer, mas não sabia como.
Ela deu um suspiro. Agora, estava tentando ler a mente dele.
- Sobre o carro... - começou ela.
- Esse assunto está encerrado - disse Aiden.
Antigamente, ela teria se intimidado. Hoje não.
- Não, não está. Eu estou apenas começando. Admito ter sido infantil. Fiquei com o carro porque sabia que o deixaria irritado. Sim, Aiden, você estava certo sobre isso. No entanto, não concordo nem aprovo o que você fez. Você deveria ter me perguntado, antes de mandar rebocar meu carro.
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- Você teria dito não.
- Aiden, você não tem o direito...
- Eu concordo com o Aiden - disse Spencer.
Ela olhou para ele.
- Quando foi que você não concordou com ele?
Spencer ficou chocado. Ele não estava acostumado a ter a irmã discutindo com ele.
- Quando eu não concordo com Aiden, simplesmente digo que não concordo com ele.
- O que está feito está feito - disse Aiden. - Esqueça isso.
- Temos coisas mais importantes para discutir - disse Spencer. - E quero começar logo.
- Acho que devemos ir até a sala de reuniões - sugeriu Aiden, enquanto recolhia os papéis e os recolocava na pasta.
- Vocês querem fazer a reunião anual agora? Estão preparados? Spencer levantou-se e caminhou um pouco. - Na verdade, Aiden e eu já fizemos isso.
Ela estava furiosa.
- Quando?
- Essa manhã. Como você está com muitas preocupações, achamos que não queria ser incomodada - disse Spencer. - Tudo o que conversamos está naquela pasta preta sobre sua mesa. Você pode olhar, sem pressa.
Apesar de não ter dito nada, ela estava tão brava que podia sentir a fumaça que saía de suas orelhas.
- Tudo bem - disse ela.
Spencer pareceu aliviado. Em seguida, ela perguntou:
- Vocês definiram o orçamento?
- Sim.
- De quanto será o meu?
- O mesmo do ano passado.
- Não.
- O que você quer dizer com "não"? - perguntou Spencer. - Já está decidido.
- Não, não está decidido. Vamos conversar sobre isso. Quero que meu orçamento seja triplicado.
Enquanto calmamente deixava claro o que queria, ela os olhava nos olhos. Ele balançou a cabeça.
- Isso está fora de cogitação. Já destinamos uma parte do dinheiro para a maior parte das instituições de caridade da cidade porque você nos pediu...
- E porque era a coisa certa a fazer - interferiu ela.
- Sim - concordou ele. - Mas não podemos fazer nada além disso, pelo menos durante esse ano fiscal.
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- Temos de fixar um limite - disse Spencer. - Estamos tentando ter algum lucro.
- Vocês estão tendo lucro, Spencer.
- O orçamento está definido - disse ele. - Além disso, temos um novo hotel em construção.
- Eu sei - disse ela. - Em Melbourne.
- Sim, em Melbourne - concordou ele. - Mas estamos finalizando os planos para a construção de um outro.
- Ah, e posso perguntar onde será?
- Em Sydney.
- Eu não sabia disso.
- Agora você sabe - disse Spencer. - Esperamos que esteja pronto em seis meses. O cronograma está bastante apertado e estamos realmente tendo progressos na construção desse prédio.
- E Walker teve a chance de votar?
- É claro que sim. Você conhece Walker. Desde que nada interfira em suas corridas, podemos fazer quase tudo o que quisermos.
Ela pegou um lápis que começou a girar entre os dedos, como se fosse um batom.
- Eu não tenho muita importância para essa organização, não é verdade? Algum de vocês nem sequer chegou a pensar em falar comigo sobre os planos de expansão?
- Não - disse Spencer. - Você tem vivido sob muita pressão.
- Até parece. Pressão.
- O que há com você - perguntou Spencer. - Nunca a vi sendo tão do contra.
- Tenho pensado muito.
Regan esperava que alguém perguntasse sobre o que estivera pensando, mas nenhum deles mostrou interesse. Ela nem tinha certeza se Aiden estava prestando atenção na conversa. Ele parecia estar mais interessado no papel que lia. O lápis que ela girava entre os dedos escapou e voou pelos ares, caindo nos pés de Aiden. Imediatamente, Regan pegou outro.
Ao se virar, viu Henry. Ele estava de pé, ao lado de sua mesa. O que estaria fazendo aqui em pleno domingo? Ele deveria estar se divertindo, pensou ela. E com quem ele estava falando? Ela não podia ver direito.
- Por que você está tão nervosa? - perguntou Spencer.
- Por que você acha que eu estou nervosa?
Como resposta, ele olhou para ela com dureza. O lápis girava entre seus dedos com velocidade máxima. Ela se forçou a parar. Aiden pegou o lápis do chão, devolveu-o para ela e sentou-se na cadeira atrás da mesa
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dela. Abrindo a pasta, ele disse: - Regan, precisamos rever esses contratos que o Sam nos mandou.
- Para o novo hotel? - perguntou ela.
- Sim.
- Se nosso advogado já mandou os contratos, vocês devem saber da expansão há muito tempo. É muito estranho que não tenham mencionado nada comigo.
- E você estaria interessada nisso? - perguntou Spencer.
- Sim, estaria.
Ele não acreditou nela. - Existe uma diferença básica em nossas filosofias - disse ele. - Aiden e eu tentamos ganhar dinheiro e você tenta distribuí-lo.
Ela deu um sorriso.
- Não tudo, Spencer. Apenas uma parte.
Seu irmão caminhou até o aparador e serviu-se de água.
- Eu não sei o que aconteceu - disse ele. - Crescemos na mesma casa.
- Eu sei que sou diferente desde que tentei ser como você, mas não me tornei uma capitalista.
- Certo.
- É sobre isso que tenho pensado -disse ela. - E cheguei a conclusões muito interessantes.
- Como o quê?
- Eu sempre pensei que precisava merecer o amor de vocês. Bobagem, não é? Eu me preocupava com o fato de que, se não agradasse a você e ao Aiden, vocês deixariam de me amar.
- De onde você tirou essa idéia maluca? - perguntou Spencer.
Aiden respondeu à pergunta.
- De nossa mãe. Quando ela era viva, negar afeto era sua maneira de nos manipular para fazer o que queria.
Regan virou-se para Aiden. - Ela fazia isso com você? Ele concordou com um aceno de acabeça. - Fazia com todos nós.
- Você não acha que estamos fazendo isso com você, não é, Regan? - perguntou Spencer.
Ela deu um suspiro.
- Tudo o que estou tentando dizer é que passei minha vida toda tentando agradá-los e estou cansada disso. Passei a vida preocupada, achando que vocês fossem deixar de me amar... mas não me sinto mais assim. Sou irmã de vocês e, pelo que posso entender, vocês têm de me amar, independentemente do quanto estejam bravos ou decepcionados comigo.
Aiden concordou com um aceno de cabeça.
- Muito bem. Estou contente que você tenha chegado a essa conclusão. Agora, será que você pode dar uma olhada nesses papéis? Precisamos dar andamento a esse processo.
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Ela se virou para ele.
- Ainda não terminei. Aiden, sinto muito que você tenha ficado com a responsabilidade de fazer o papel de pai para mim. Sinto muito que você e Spencer tenham carregado esse fardo. Não posso mudar o fato de que nossa mãe não gostava de ser mãe, mas quero que vocês saibam que sou muito grata a vocês.
Spencer notou que os olhos dela ficavam cheios de lágrimas.
- Não, por favor. Você está ficando emotiva.
- Sim, estou.
- Você sabe que nós a amamos - disse Spencer.
- Sim.
- Muito bem. Vamos continuar.
Como Aiden, Spencer sentia-se desconfortável ao deixar transparecer qualquer tipo de emoção.
- Muito bem - concordou ela. - Sobre a reunião...
- Sim?
- O que mais ficou decidido, além da definição do orçamento para o próximo ano e da construção de um novo hotel?
- Não muito.
Ela começou a ler os papéis que Aiden queria que ela lesse, mas Spencer a interrompeu e disse:
- Na verdade, discutimos uma outra questão.
Regan olhou para ele.
- Sim?
- Conversamos com Sam e ele concordou - disse ele. - Sei que você não vai gostar disso, mas decidimos pagar uma quantia a Emerson para nos vermos livre dele.
Ela deu um pulo da cadeira.
- Não - disse ela, em voz alta.
- Essa era a única opção. Do contrário, teríamos de dar a casa para ele - disse Spencer. - E você sabe quanto vale aquela propriedade. Emerson concordou em deixar a casa na próxima semana. Depois disso, ele receberá o cheque.
Ela balançou a cabeça.
- Não.
- Regan, o acordo já foi feito - disse Aiden.
- Como puderam fazer isso? - gritou ela. - Meu Deus, ele enganou nossa mãe.
De repente, Aiden ficou bravo. Levantou-se e, com as mãos sobre o tampo da mesa, disse:
- E o que você acha que ela estava fazendo?
Regan não entendeu.
- Ela estava sofrendo.
- Até parece. - O escárnio na voz de Spencer deixou-a furiosa.
- O que você quer dizer com isso?
- Pelo amor de Deus, Regan, cresça um pouco. Nossa mãe fazia o mesmo que Emerson. Ela nunca foi fiel.
- Você não pode saber disso - disse ela, balançando a cabeça.
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- Sim, eu posso - disse Spencer.
- Todas aquelas viagens que ela fazia - disse Aiden. - Você acha que ela ia sozinha?
-Vamos lá, Regan. Sempre achamos que você soubesse o que acontecia.
De repente, ela e Spencer estavam gritando um com o outro enquanto Aiden, paciente, esperava que o bate-boca terminasse. Spencer a acusou de viver no mundo da fantasia e, por fim, ela deu o braço a torcer que sempre ficara curiosa para saber como sua mãe era capaz de amar e deixar de amar com tanta facilidade.
-Amor? - zombou Spencer. - Amor não tinha nada a ver com isso.
- Nossa mãe sempre quis o que não podia ter.
De repente, ela percebeu que, mesmo gritando e colocando os dois numa situação difícil, eles continuavam ali. Ninguém a tinha deixado falando sozinha. Aiden parecia que estava com vontade de colocar uma rolha em sua boca, mas ela não se sentia intimidada... ou preocupada.
- Já disse que você precisa crescer um pouco - disse Spencer, com voz mais calma. - E encarar a realidade.
-E por acaso crescer significa reconhecer que nossa mãe era uma puta?
Ele encolheu os ombros.
- Querendo ou não, significa encarar a realidade.
- Muito bem - disse ela. - Vocês acreditam que, pelo fato de nossa mãe dormir com meio mundo, o que Emerson fez pode ser considerado correto? Será que não existe mais fidelidade no mundo? Será que os votos matrimoniais não têm mais nenhum significado?
- Aparentemente não - gritou Spencer.
- Não seja tão dramática - interferiu Aiden. - Estamos apenas nos livrando de um problema.
- Da maneira mais barata que conhecemos - disse Spencer. Ele colocou as mãos nos bolsos e fechou a cara.
- E nada do que eu diga os fará mudar de opinião?
Os dois irmãos balançaram as cabeças. Em seguida, Spencer disse:
- Sinto muito Regan, mas temos de jogar duro com relação a esse assunto.
Ela deu um sorriso.
- Tudo bem.
Então, foi a vez de eles sorrirem... até que ela se dirigisse para a porta.
- Espere - chamou Spencer. - Você se esqueceu de assinar os papéis.
Depois de abrir a porta, ela se virou para eles. -
Vocês precisam da minha assinatura para dar andamento aos projetos e... querem saber de uma coisa? Preciso triplicar meu orçamento para o próximo ano. Quando isso acontecer, eu assino. E isso, garotos, é o que vocês chamam de jogar duro.
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CAPÍTULO 38
- NUNCA A VI TÃO DESCONTROLADA ANTES - COMENTOU HENRY E, PELA expressão dele, ele estava realmente impressionado.
- Eu não perdi o controle. Apenas coloquei minha opinião.
Ao ver que Spencer vinha na direção deles, Henry abaixou a voz.
- Sim, mas fez isso gritando. Com toda a honestidade, nunca tinha visto você levantar a voz. Pensando bem, nunca tinha visto Aiden ou Spencer levantar a voz também - disse ele. - A não ser durante os jogos de futebol. Nessas ocasiões, Spencer gosta de gritar com a televisão.
Henry não incluíra Walker. E como poderia? Ele mal o conhecia. Walker nunca estava por perto. Henry o encontrara anos atrás, enquanto ainda estava em treinamento e desde então o vira apenas uma vez, na inauguração do Conrad Park, quando todos os irmãos estiveram reunidos.
Ao passar por eles, Spencer chamou a atenção de Regan. Ele puxou uma mecha do cabelo dela, fazendo um sinal para Henry.
Um minuto depois, Aiden saiu do escritório. Ele parou para conversar com Henry e notou o artigo com a foto, que Henry emoldurara e pendurara na parede.
- Muito bom - disse ele. Começou a caminhar para fora do escritório, mas mudou de idéia. - Você está fazendo um excelente trabalho aqui. Paul Greenfield, meu gerente geral, me mantém sempre informado - explicou ele. - Se algum dia você quiser um emprego para ganhar dinheiro em vez de fazer doações, poderá vir trabalhar comigo.
Henry deu um sorriso.
- Muito obrigado, senhor, mas estou bem aqui. Além disso, algum dia serei dono de tudo isso.
Aiden deu uma risada.
- Do hotel ou do escritório?
- Pare de tentar contratá-lo - disse Regan.
Aiden ignorou o comentário de Regan.
- Se é isso o que realmente quer...
- Sim, senhor, é isso o que quero. Além disso, eu nunca poderia trabalhar com...
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- O dragão? Não é assim que você chama Emily?
Henry não se mostrou nem um pouco constrangido.
- É como eu a chamo, na maior parte das vezes, mas tenho alguns outros nomes para ela.
- Eu sei. Já ouvi alguns deles.
- De qualquer maneira, obrigado pela oferta - disse ele. - Mas adoro o que faço e, como disse, eu nunca poderia trabalhar com Emily.
- Parece que ninguém pode. - Ao fazer o comentário, ele olhava para Regan.
Ela não perguntou a ele o que ele planejava fazer com relação à sua assistente, porque ele poderia usar aquilo como argumento de negociação para fazer com que ela assinasse os papéis. Entretanto, ela estava feliz por saber que ele tinha consciência do problema.
Ao sair, o irmão deu-lhe uma cutucada no ombro.
- Deixei os papéis sobre sua mesa. Assine-os.
- Assim que você triplicar meu orçamento.
- Isso não vai acontecer.
Assim que Aiden saiu, Henry sussurrou:
- Ele nunca concordará em triplicar. O triplo é muita coisa.
- Eu sei disso. Então, teremos de negociar. E eu ficarei feliz com o dobro, que é o que queremos.
Henry balançou a cabeça.
- Aiden precisa saber o que você tem em mente.
- É claro que ele sabe - disse ela. - E vai acabar concordando. Pelo menos, eu espero que sim.
- Parece que ele não dá muita importância ao trabalho que fazemos, não é? Para ele, tudo não passa de redução de impostos.
- Não, ele se importa. E Spencer também. O problema é que eles estão muito ocupados construindo um império e não têm tempo para mais nada. - Ela deu uma olhada ao redor do escritório. - Henry, com quem você estava falando quando eu estava em meu escritório com Spencer e Aiden?
- Alec.
- Alec esteve aqui?
A reação dela à novidade foi bastante bizarra. Ela esperava que Henry não percebesse que estava ficando corada. Tentou parecer indiferente quando perguntou:
- Ele ouviu a conversa?
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Henry deu um sorriso.
- Você está me perguntando se ele ouviu você e Spencer aos berros?
Dane-se a indiferença.
- Sim, foi exatamente isso que perguntei.
- Sei que ele ouviu parte da conversa porque começou a rir - disse ele. - Mas não me lembro exatamente de qual parte. Por quê? Isso é importante?
Ela balançou a cabeça e decidiu mudar de assunto.
- Sabe de uma coisa? Eu devia ter falado com Aiden sobre Emily. Ele precisa saber que ela anda criando muitos problemas e eu quero que ele saiba que eu não gosto do modo como ela o culpa pelos erros dela.
- Você ouviu Aiden. Ele vai tomar as providências. Espero que ele siga a sugestão de Cordie.
- Que sugestão?
- Dar-lhe um chute na bunda.
Regan tentou não rir.
- Essas foram exatamente as palavras que ela usou, não é?
- Sim.
-Ela não devia fazer isso. Corromper um jovem vulnerável como você.
Henry deu uma risada.
- Já ouvi coisas piores.
Regan voltou ao seu escritório e fechou a porta. Ela se sentia terrivelmente nervosa e pensou que pudesse ficar escondida até que tivesse ensaiado o que diria a Alec sobre a noite passada. Talvez ela não tocasse no assunto. Mas queria estar preparada, caso ele trouxesse o assunto à tona.
Regan sabia que estava sendo infantil. O que aconteceu na noite passada não aconteceria novamente. Como ambos tinham concordado sobre isso, ela tinha esperança de que ele não mencionasse o fato. Além disso, ele estaria a trabalho e talvez nem estivesse pensando nisso.
Ela respirou fundo, ajeitou os ombros e voltou a abrir a porta. Pretendia encontrar Alec para lhe dizer olá. Quanto mais cedo ela passasse pelo constrangimento de vê-lo pela primeira vez depois... Ah, Deus, ela estava se deixando levar mais uma vez. Ficando toda agitada e em pânico. Se o amor era isso, ela preferia não encará-lo. Com certeza, ela não queria sofrer como previa, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito agora, não é? Não podia culpar ninguém além de si mesma pelo seu sofrimento.
Ao passar por Henry, ela disse:
- Vá se divertir um pouco. Hoje é domingo. A correspondência ainda estará aí amanhã.
- Já vou indo - prometeu ele. - Só queria dar uma adiantada no trabalho.
Já era hora de acabar com aquilo, pensou ela, enquanto caminhava para o corredor. De repente, ela parou. Aiden e Alec estavam parados na
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frente da porta do escritório de Aiden no final do corredor. Era Aiden quem falava a maior parte do tempo, enquanto Alec concordava de vez em quando. Ela ficou parada por mais de um minuto, esperando que eles terminassem a conversa. Imaginou que Aiden quisesse informações sobre o andamento da investigação.
Ambos a viram na mesma hora. Aiden concordou com um aceno de cabeça e caminhou em direção aos elevadores. Alec veio ao encontro dela.
A aparência dele era maravilhosa. E, apesar de desalinhado, como sempre, ele parecia confortável. Era evidente que essa manhã não se importara em fazer a barba. E será que havia penteado o cabelo? Nenhum homem devia ter o direito de ser tão sensual. Ela engoliu em seco e tentou bloquear as memórias da noite passada. O que diria a ele? Tinha certeza de ter pensado em alguma coisa, mas não conseguia se lembrar. Para se concentrar, olhou para o ombro dele.
- Pensei que você não viesse trabalhar hoje.
Bom. Aquilo funcionou. A voz dela saiu normal e ela tinha certeza de que não estava mostrando seus sentimentos.
- Eu lhe disse que viria.
Ela concordou com um aceno de cabeça. Tudo bem. O momento difícil havia passado. Agora, podiam conversar normalmente. Ela começou a relaxar. Definitivamente, tudo estava bem. Ele não diria nada sobre ontem à noite e ela também não. Mesmo assim, Regan não conseguia deixar de ficar preocupada.
- Regan?
- Sim?
- Foi bom?
Ela estava indignada. Sabia que seu queixo caíra. A pergunta deixoua chocada. Como não podia acreditar no que acabara de ouvir, fez com que ele repetisse a pergunta.
- Perguntei se foi bom.
Não levou mais do que um segundo para que o rosto dela se queimasse de constrangimento.
- Alec, acho melhor não discutirmos o que aconteceu na noite passada.
Ele deu uma risada.
- Queria saber se foi bom poder enfrentar seus irmãos de frente.
- Ah. - Repentinamente atrapalhada, ela disse: - Sim, é claro que foi... espere um instante. Você fez isso de propósito, não foi?
Ele fingiu que não percebia o que ela estava falando.
- Fiz o quê?
- Ao fazer a pergunta como a fez, perguntando se tinha sido bom, mas sem explicar... ah, esqueça.
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Ele adorava a maneira como a deixava sem jeito.
- Então, foi bom?
Regan deu um suspiro.
- Sim. Acho que enfrentar meus irmãos de vez em quando é uma boa maneira de descarregar um pouco de energia nervosa.
Ele balançou a cabeça.
-Talvez ontem à noite nós tenhamos encontrado uma boa maneira de descarregar energia. - Ele deu um sorriso e continuou: - E eu não vou perguntar se foi bom para você porque sei que foi.
A arrogância dele parecia estar totalmente fora de controle e, com certeza, ele não precisava de nenhuma confirmação da parte dela. Afinal de contas, por que precisaria disso? A noite passada fora maravilhosa e ele não precisava que ela lhe dissesse isso. Afinal de contas, ele estava lá. Ah, meu Deus, será que estava?
Ela realmente precisava pensar em qualquer outra coisa... qualquer coisa. Ela queria beijá-lo, mas, em vez disso, deu um passo para trás.
- Acho que devemos mudar de assunto.
- Sim, tudo bem.
- E, por favor, pare de me olhar desse jeito - murmurou ela.
- De que jeito?
- Como se você quisesse encontrar o primeiro canto escuro...
- Eu não estava pensando num canto escuro. Estava pensando...
Ela interrompeu-o.
- Não vamos mais falar sobre isso. - Cruzou os braços. - Está bem?
Antes que ele pudesse responder, ela perguntou:
- Sobre o que você e Aiden conversavam?
- Perguntei a ele se havia algum ressentimento contra sua família, algum funcionário descontente, alguma ameaça ou processo. Coisas do tipo. Ele me disse que já falou com Wincott a esse respeito, mas que marcaria uma reunião para que falássemos com o advogado da família. Estou apenas tentando cobrir todas as possibilidades. Quero saber de todos os problemas legais.
- Com meus irmãos?
- E com você.
- Ah. - A resposta deixou-a confusa. - Duvido que você descubra alguma coisa.
- Mesmo assim, vou falar com Sam.
- Sim, claro.
- Você está com fome? Quer comer alguma coisa?
A inesperada mudança de assunto pegou-a desprevenida.
- Sim... tudo bem. ".,,.,
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Ela passou por ele a caminho dos elevadores. Com dois passos, ele a alcançou.
- Falando nisso, a resposta é sim.
Ela olhou para ele.
- Para qual pergunta?
- Você perguntou aos seus irmãos se não havia mais fidelidade no mundo. E eu posso dizer-lhe que sim, que existem pessoas fiéis.
Ela estendeu o braço para apertar o botão do elevador. Ele segurou a mão dela, forçando-a a olhar para ele.
- E tenho alguns exemplos - disse ele, com suavidade. - Mas existe apenas de um que você precisa saber.
- Ah é? Quem?
- Eu.
Ela não sabia o que responder.
- Por que você está me dizendo isso? Ele encolheu os ombros. - Não sei. Só queria que você soubesse que serei fiel.
- Isso é, se algum dia você se casar.
- Correto - respondeu ele. - Se eu me casar.
A conversa foi abruptamente interrompida quando o celular dele tocou. Do outro lado da linha, Henry estava histérico.
- Onde você está?
- Aqui no corredor. O que está acontecendo?
- Você precisa vir aqui imediatamente. Você precisa ver isso.
Alec já tinha dado meia-volta, arrastando Regan de volta ao escritório.
- O que aconteceu?
Ele não precisou responder porque Henry já estava de pé na entrada e, assim que viu Alec e Regan se aproximando, disparou:
- Eu abri essa carta. Foi escrita em papel timbrado do hotel e veio num dos nossos envelopes. Vocês sabem o que isso significa? Ele esteve aqui.
Alec soltou a mão de Regan e foi até a mesa de Henry. Ela tocou o braço de Henry e disse:
- Respire fundo.
- Regan, ele esteve aqui.
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- Sim, eu ouvi o que disse. E mandou uma carta? - perguntou ela, aproximando-se da mesa dele.
Ela se apoiou em Alec e olhou para a folha que Henry colocara sobre o mata-borrão. Ele havia colocado um abridor de cartas de prata sobre o papel, para impedir que se dobrasse.
Entretanto, não era uma carta. Era outra lista de assassinatos. Só que essa tinha um título diferente. Na margem superior do papel, estava escrito: "Nossa Lista de Assassinatos ", com a palavra Nossa sublinhada várias vezes. O assassino escrevera à mão. Todos os nomes estavam lá, mas os nomes da sra. Patsy e o do detetíve Sweeney estavam riscados. Havia pontos de interrogação ao lado do nome de Shields e das referências aos dois guardas de segurança.
302
Alec olhava para o artigo de jornal emoldurado na parede. De repente, tudo ficou claro. Ele não respondeu à pergunta de Henry, mas disse:
- Ela estava correndo na pista do...
- Conrad Park - disse Henry. - Foi lá que li o nome, Regan. Você se lembra? Acho que comentei sobre isso com você. Pelo menos, pensei ter comentado.
Alec aproximou-se do artigo. - Existe uma declaração sua, dizendo que corre naquela pista pelo menos três noites por semana.
- Sim, eu disse isso.
- Mas a pista do hotel ficou pronta - disse Henry.
Alec voltou a ligar para Wincott.
- Onde você está?
- Saindo do carro, na frente do hotel.
- Qual é a descrição física de Haley Cross?
- Tenho algumas cópias do arquivo comigo. Tenho também uma foto. Estarei aí em alguns minutos.
Alec estava muito impaciente para ficar sentado, à espera. Em vez disso, ele andava de um lado para o outro no corredor. Quando Wincott chegou segurando a pasta, Alec disse:
- Seria possível confundir Haley com Regan?
- Tenha dó, Alec. Eu não confundiria nenhuma mulher com ela. - Ele parou, abriu a pasta e mostrou a foto de Haley. - Talvez de costas... o cabelo comprido, altura e peso aproximados. Sim, acho possível.
- O que é possível? - perguntou Regan. Ela estava de pé na soleira da porta, mas afastou-se quando Alec e Wincott entraram.
Wincott respondeu à pergunta dela.
- Confusão de identidades - disse ele. - Onde está a carta?
Alguns segundos depois, ele e Alec olhavam fixamente para a lista.
Wincott leu a lista e a anotação em voz alta.
- "Você me deve esta também"? - Então, ele estava querendo transferir um pouco da responsabilidade para Regan, não é? - disse Wincott. - Acho que é isso o que ele está querendo dizer.
- Continue, John.
- Okay - respondeu Wincott. - Ele acha que Regan devia estar no lugar de Haley.
Alec concordou com um aceno de cabeça. Em seguida, Wincott perguntou:
- Você acha que ele estava no parque, esperando por Regan?
- Se ele leu o artigo do jornal, não teria achado que Regan continuava a correr lá?
- Você está dizendo que ele matou a garota por engano? - perguntou Regan.
Alec olhou para ela.
- Sim, Regan. Acho que ele foi até lá para matar você.
304
CAPÍTULO 39
A POLÍCIA HAVIA MANTIDO EM SIGILO DETALHES IMPORTANTES SOBRE O ASSASSINATO de Haley Cross. Alec e Wincott não queriam que Regan ficasse sabendo deles. Ela já estava bastante assustada e o relatório da autópsia era suficiente para fazer qualquer tira experiente sentir calafrios.
Mesmo assim, havia a possibilidade de que algum detalhe pudesse ativar a memória de forma que pudesse ajudá-los.
Wincott apoiou-se na janela do escritório, com uma garrafa dágua em uma mão e o relatório da autópsia na outra. Alec estava sentado no sofá, ao lado de Regan. Ela não podia entender como os dois podiam estar tão relaxados enquanto se alternavam em relatar os horríveis fatos do assassinato da garota. Quando Alec lhe contou o que o assassino fizera com as pernas da garota, Regan sentiu-se nauseada e pensou que fosse desmaiar.
Alec percebeu pelo modo como apertava as mãos sobre o colo, que ela estava com problemas. Apesar de ter lágrimas nos olhos, Regan agüentou firme. Ele estava orgulhoso dela e, se estivessem sozinhos, ele a teria abraçado e deixado que ela soubesse disso.
- Você está bem, Regan? Quer descansar um pouco? - perguntou Wincott.
- Não, eu estou bem - disse ela.
Alec abriu a pasta que Wincott deixara sobre a mesa e entregou a foto de Haley Cross à Regan. Ela se surpreendeu com a expressão de paz na máscara de morte da garota.
- Você a conhece?
Ela balançou a cabeça.
- Ela era estudante da universidade?
- Não - respondeu Alec. - Ela já era formada.
305
- Morava perto do câmpus - explicou Wincott. - E, de acordo com os amigos, corria regularmente na pista do parque.
- Ela morava sozinha?
- Não - disse Wincott. - Morava com o namorado. Na noite do assassinato, ele estava fora da cidade, a negócios. Ela dissera ao namorado que aproveitaria sua ausência para visitar os pais. Então, ele voltou a Chicago e vários dias se passaram até que a ausência dela fosse notada.
Regan respirou fundo várias vezes antes de voltar a olhar para a foto.
- Eu não entendo. Por que ele faria isso com as pernas dela? Por quê...?
Quando ela parou de falar, Wincott disse:
- O coronel disse que a morte foi causada por uma pancada na cabeça. Evidentemente, o maníaco atacou as pernas quando ela já estava morta.
- Ela tentou se defender - disse Alec. Havia pele debaixo das unhas dela, o que significa que eles puderam fazer o exame de DNA. - Ele tirou a foto das mãos de Regan e recolocou-a na pasta.
Ao notar que Alec estava preocupado com ela, Regan deu-lhe um breve sorriso para deixá-lo saber que estava bem, levantou-se do sofá e foi até o aparador para servir-se de água.
- Alec? - Ela estava segurando o balde de gelo.
- Sim, aceito.
Ela lhe ofereceu o copo de água, preparou outro para si mesma e circulou o sofá para ir até sua mesa. De repente, ela se sentia velha e exausta. Puxou a cadeira e sentou-se. Afinal, talvez não fosse má idéia ir para Melbourne com Spencer. A mudança de cenário poderia lhe fazer bem. Mas o pensamento foi imediatamente rejeitado. Ela não tinha nenhuma intenção de fugir e, se fosse a Melbourne, seria exatamente isso o que estaria fazendo.
Regan pensou em ligar para Cordie e Sophie. Tinha certeza de que se sentiria melhor se falasse com as amigas, mas, se deixasse que elas soubessem quanto estava deprimida, elas ficariam ainda mais preocupadas com ela. E, se pedisse ajuda a Alec - o que evidentemente faria -, ela definitivamente perderia o controle. Dar uma de chorona com as amigas era aceitável, mas não aqui e agora.
Do sofá, Alec observava Regan. Os olhos dela estavam tristes e distantes. Ela estava pálida e tinha uma ruga de preocupação entre as sobrancelhas.
Lyle Bradshaw entrou no escritório. Pela maneira como estava vestido, com um terno preto de risca-de-giz e camisa branca com punho de abotoadura, ele parecia pronto para uma festa de casamento. A audácia de sua gravata vermelha era a única cor predominante. Como sempre, nenhum fio de cabelo fora do lugar. Em compensação, Alec parecia estar pronto para começar uma faxina na garagem.
306
Do outro lado da sala, Wincott o observava. Lyle olhava para Regan e Alec olhava Lyle olhar para ela e, pela expressão em seu rosto, não estava gostando nem um pouco daquilo.
- A carta e o envelope estão sobre a mesa de Henry - disse Wincott, para quebrar o campeonato de olhares fixos.
- Você precisa ensacá-la e levá-la ao laboratório - disse Alec, bruscamente.
Lyle pareceu não perceber a hostilidade no tom da voz de Alec. Mas Wincott percebeu. Ele tentou dissipar o mal-estar ao levar os dois homens para o escritório de Henry, para discutir o desenrolar do caso.
Assim que ficou sozinha, Regan ligou o computador para tentar responder a alguns e-mails. Qualquer coisa para manter a mente ocupada.
Henry colocou a cabeça no vão da porta para se despedir. Ela sugeriu que ele tirasse folga na segunda-feira, mas ele não quis nem falar sobre isso.
- E se ele mandar outra carta ou qualquer coisa acontecer? Eu quero estar aqui... você sabe, no caso de você precisar de mim.
Ele era uma doçura.
- Tudo bem - disse ela. - Mas não precisa chegar tão cedo. Aproveite para dormir até mais tarde.
- Vou tentar - prometeu ele. Ele já tinha se virado para sair, quando disse: - Não podemos comentar sobre o assassinato ou a nova lista com ninguém.
- Eu sei.
- Fiquei surpreso com o fato de a história não ter vazado e caído nas mãos dos jornalistas, com tantas pessoas envolvidas e tantas coisas acontecendo.
- Acho que nenhum dos guardas de segurança está a par dos detalhes - disse ela.
- Sophie ficaria furiosa conosco se essa história fosse publicada em outro jornal. Bem, estou indo. Vejo você amanhã.
- Henry, tenha cuidado.
A porta mal havia se fechado quando foi novamente aberta, e Aiden entrou, apressado.
- Spencer e eu acabamos de ser informados sobre a carta. Alec me contou sobre a mulher assassinada. Deus do céu, Regan, poderia ter sido você.
- Sim, eu sei - disse ela, com suavidade.
- Ouça, Spencer e eu vamos ficar aqui até que esse lunático seja preso. Acho que vou ligar para o Walker e pedir que ele venha para casa.
- Por favor, não faça isso. Você sabe que isso chamaria atenção. A imprensa costuma acompanhar os passos dele e se os jornalistas ficarem sabendo...
307
- Tem razão - disse ele.
- Deixe-o longe disso - insistiu ela. - Gostaria que você e Spencer fossem para longe daqui e levassem Cordie, Sophie e Henry com vocês. Ninguém estará a salvo comigo por perto. Se alguma coisa acontecer com você ou... - A voz dela sumiu.
- Eu não vou a lugar nenhum - repetiu ele. - E você precisa parar de se preocupar conosco. Você já tem muito em que pensar e precisa ser forte.
- Você não precisa ficar preocupado comigo, eu estou bem. Não vou desmoronar.
Eles conversaram por algum tempo. Aiden andava de um lado para o outro, tentando ficar calmo. Ele parecia que precisava que ela lhe dissesse que estava bem protegida, que Alec e John pegariam o lunático e que tudo terminaria bem.
Quando se dirigia para a porta, ela disse:
- Há muito tempo, você me ensinou que os Madison enfrentam seus problemas e, agora, chegou minha vez de enfrentar o meu.
- A polícia devia cuidar...
- Estou falando de nossa família e de nossos negócios, Aiden.
Ele se virou e voltou para a frente da mesa de Regan.
- Tudo bem. É hora de você enfrentar que problemas?
- Deixar que você e Spencer tomem decisões por mim. Isso tem de acabar. O trabalho filantrópico que faço com o capital da família é tão importante quanto o seu. Na verdade, usar esse dinheiro para fazer com que o mundo se torne melhor pode ser ainda mais importante.
Aiden sentou-se na beirada da mesa e cruzou os braços. Ele sabia que ela estava certa.
- E mais uma coisa... - disse ela. - Devolver parte do dinheiro à comunidade em projetos que contribuam para melhorar a vida das pessoas... quando você vê para onde vão as doações, é possível pensar no lugar que se ocupa no mundo. Da maneira como vejo as coisas, é meu trabalho fazer com que vocês garotos se mantenham na linha. - Ela sorriu ao acrescentar: - Pode-se dizer que eu humanizo vocês.
Ele concordou.
- Tudo bem, vamos aumentar seu orçamento para o próximo ano. Posso convencer Spencer e Walker a duplicá-lo.
- Essa é uma ótima notícia - disse ela. - Em troca, prometo parar de implicar com o acordo que fizeram com Emerson.
Ele caminhou até a porta.
- Emily está tirando uma semana de folga - disse ele. - Quando voltar, ela deverá começar a procurar outro cargo.
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Regan tentou não deixar transparecer a alegria que estava sentindo. Ao chegar à porta, Aiden parou e perguntou:
- Mais alguma coisa que você queira dizer?
- Por enquanto, não - disse ela.
Ela queria contar-lhe sobre Alec, abrir seu coração para o irmão, mas conteve-se. Afinal, fora apenas uma noite. Alec estava fazendo questão de deixar isso bem claro. Em apenas cinco dias, ele iria embora e ela nunca mais o veria... a não ser que o lunático fosse capturado antes disso.
Naqueles dias que faltavam, Regan tentou manter a mente ocupada, atolando-se de trabalho. Como os projetos para a temporada haviam sido encerrados, ela e Henry continuaram a limpeza dos arquivos e a reorganização do escritório.
A cada dia, Alec cumpria sua rotina, mas as coisas não eram mais como antigamente. Ele se mostrava gentil e amigável, mas mantinha distância. Não havia mais provocações e ele evitava qualquer situação em que os dois pudessem se aproximar. Quando a conversa se tornava muito pessoal, ele mudava de assunto. Alec agia como se nada de extraordinário tivesse acontecido entre eles. Será que ele se arrependia da noite que passaram juntos? Se ela fosse corajosa o suficiente, teria perguntado isso a ele.
Regan não tinha certeza se estava ficando gripada ou se estava terrivelmente estressada, mas começou a vomitar todas as noites depois que Alec deixava sua suíte. Ela teve uma noite terrível, mas ao meio-dia do dia seguinte ela se sentia melhor.
No final da tarde, ela se encontrou com Aiden para entregar-lhe os contratos. Ele a esperava numa mesa de canto, no átrio. Regan pediu um chá gelado, que bebeu aos poucos, enquanto tentava se concentrar para ouvir o que o irmão lhe contava sobre o novo hotel.
- Você está prestando atenção?
- Não muito.
- Você está doente? - Ele parecia desconfiado, como se ela quisesse dar uma de espertinha.
- Não, estou bem.
- De acordo com Alec, você não parecia estar bem a noite passada.
- Como assim? Como ele pode saber disso?
Aiden encolheu os ombros.
- Ele ouviu dizer que você não estava bem. Não sei como ele ficou sabendo - disse ele -, mas ele voltou ao hotel e passou a noite aqui.
- No hotel? Alec dormiu aqui?
- Não foi isso o que acabei de dizer? Ele ficou em sua suíte. Dormiu no sofá.
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Ela estava atônita. Tudo no que podia pensar era em sua aparência horrível, com o cabelo empastado e uma palidez sepulcral. Será que ele estava lá quando ela vomitara? Encantador, pensou ela.
- Aiden, por que você deixou que ele me visse quando eu parecia um cadáver?
Ele deu um sorriso.
- Eu não tive muita escolha.
Ela decidiu mudar de assunto.
- Conversei com o Paul. Ele me disse que vai diminuir sua jornada de trabalho.
Aiden concordou com um aceno de cabeça.
- Ele está cansado de viajar tanto e quer passar mais tempo com a família.
- Você concorda com a decisão dele?
- Sim, eu disse a ele que pode escolher o cargo que quiser. Não queremos perdê-lo.
No momento em que entregava os contratos a Aiden, olhou para cima e viu Alec caminhando ao encontro deles. Ele parou para falar com o oficial escalado para o dia e informou-se sobre as novidades. Como ela não queria que ele a pegasse olhando para ele, desviou rapidamente o olhar.
Agora, era Aiden quem a observava. O celular dele tocou, mas ele não atendeu.
- Você devia atender.
Ele pegou o telefone, desligou e voltou a colocá-lo no bolso.
- Você queria me dizer alguma coisa - cutucou ele.
Ela curvou a cabeça.
- Fiz uma coisa estúpida - confessou ela, num sussurro.
- O que foi que você fez?
Eu me apaixonei. Pode haver coisa mais estúpida? Entretanto, ela não disse o que estava pensando. - Estou muito cansada. Acho que preciso de férias.
O irmão dela era muito mais astuto do que ela imaginara. Ele olhou para Alec, que parecia que não conseguia tirar os olhos de Regan, e voltou a olhar para ela.
Tanto um quanto o outro pareciam completamente destruídos.
- Ele me disse que vai trabalhar para o FBI.
Surpresa, ela olhou para Aiden. Ele estava sorrindo. Ela não tentou fingir que não sabia do que ele estava falando.
- Sim, vai. E o que existe de tão especial nisso? - perguntou ela, fazendo uma careta.
- Estava pensando em como Alec vai se sentir quando Walker contratar alguém para investigar a vida dele.
Regan arregalou os olhos.
- Ele não teria...
Aiden encolheu os ombros.
- Ele contratou alguém para investigar o Dennis e você não estava tão apaixonada assim.
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- Aiden, ele vai embora.
- Sim, eu sei. - Ele se levantou e disse: - Aí vem ele.
Quando tentou se levantar, ela praticamente derrubou a cadeira e, se Aiden não tivesse segurado seu copo, ele teria se espatifado no chão.
Ela respirou fundo, colocou um sorriso no rosto e virou-se. Lá estava ele de novo. Ainda mais sensual do que da última vez que o vira, se é que isso era possível. O homem podia fazer faxina em quantas garagens quisesse. Provara isso na noite em que usara o smoking. Ele vestia calça caqui, um blazer azul-marinho e mocassim, em vez do par de tênis surrado que costumava usar.
Ela não podia acreditar que estivesse tão abalada, uma vez que ele nem ao menos lhe dirigira a palavra.
Alec fez um sinal com a cabeça para saudar Aiden e sorriu para ela.
- Você parece melhor. - Ela imaginou que o galanteio tivesse terminado quando ele se virou para Aiden, dispensando-a repentinamente. - Seu advogado ainda não entrou em contato com Gil Hutton. Ele me disse que deixou umas duas mensagens para ele. Acho melhor você voltar a falar com ele.
- Vou fazer isso agora mesmo - prometeu Aiden. - Sam estava de férias, mas pensei que já tivesse voltado.
Regan decidiu voltar ao seu escritório. Aiden e Alec a seguiram.
- Quero que ele entre em contato com Gil até hoje à tarde. Se ele não ligar, vou pessoalmente até o escritório dele dar uma olhada naquelas pastas.
- Ele vai ligar, não se preocupe.
Regan segurava a porta do elevador para eles. Enquanto subiam, Alec posicionou-se na frente dela.
- Hoje de manhã, falei com o tenente Lewis - disse Aiden.
-Aposto que você se divertiu - comentou Alec. - É melhor você não mencionar meu nome ou poderia colocar o detetive Wincott em apuros.
- Como assim?
Alec explicou.
- Se Lewis souber que estou ajudando na investigação, pode arruinar as chances de promoção de Wincott.
Aiden concordou com um aceno de cabeça.
- Pode estar certo de que ele não ficará sabendo por nós ou por Sam.
- Imagino que o tenente não goste de você - disse Regan.
Como Alec não respondeu, ela deu uma cutucada nas costas dele. Ele deu um sorriso e agarrou a mão dela. Quando percebeu o que havia feito, soltou imediatamente.
Aiden fingiu que não notava.
- Pelo que entendi eles não têm nenhuma pista. Ele me disse que estão investigando Peter Morris.
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- Isso poderia dar em outro beco sem saída - disse Regan.
- Acontece que eles não estão apenas investigando o homem - disse Alec. - Estão à procura dele.
- Ele fugiu? - perguntou ela.
- Sim, mas não pode ficar escondido para sempre - disse Alec. - Ele vai acabar aparecendo. Então, será pego.
- Mas isso pode demorar um tempão.
Na verdade, Morris fora localizado uma hora depois.
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CAPÍTULO 40
PÉTER MORRIS COMETEU DOIS ERROS CRASSOS. O primeiro foi se deixar levar pela tentação. Ele entrou num bar no centro de Chicago e começou a beber. Bebeu muito, o que não apenas lhe tirou a capacidade de julgamento, mas também deu-lhe uma falsa sensação de segurança. Quanto mais bebia, mais convencido ficava de estar seguro e até mesmo intocável.
O segundo erro foi ligar para Regan Madison. Ele tentou várias vezes e, quando finalmente conseguiu falar com ela, estava completamente irado.
Regan havia deixado ordens para que a telefonista anotasse todas as ligações, dizendo que estaria de volta ao seu escritório por volta das três da tarde. Mas acabou perdendo a noção do tempo e, quando ela e Alec chegaram ao escritório, o detetive Wincott estava à espera deles. Ela imaginou que ele estivesse lá para falar com ela.
- Alguma novidade?
Ele balançou a cabeça.
- Só passei por aqui para pegar Alec. Temos um compromisso. Uma festa de despedida para Alec - explicou Wincott.
Ela percebeu que havia um policial parado no corredor. Seu telefone tocou. Wincott estava se preparando para sair, mas Alec ainda estava ali. Ela atendeu a extensão na mesa de Henry e respondeu:
- Regan Madison.
- Essa é sua última chance de fazer a coisa certa.
A voz cheia de ódio chocou-a. Apesar de indistintamente pronunciadas, ela pôde entender as palavras.
Alec notou a mudança em sua expressão, fez um sinal para Wincott e correu até o telefone do escritório de Regan para poder ouvir.
- Quem está falando? - perguntou ela, incisiva.
313
- Peter Morris - foi a resposta. - Lembra-se de mim?
- Sim, eu me lembro de você.
Wincott estava se afastando, quando pegou o celular.
- Você é uma mentirosa - disse Morris, com a voz empastada.
Se ele não estivesse completamente bêbado, estaria prestes a ficar, pensou ela. Regan podia ouvir o tilintar dos cubos de gelo, música e vozes ao fundo. Com certeza, estava ligando de um bar.
- Eu não estou mentindo. Lembro-me muito bem de você.
- Eu não estou brincando. Essa é sua última chance.
Agora, a voz dele tornara-se fria e indiferente. Ela o ouviu dar um gole e novo barulho dos cubos de gelo contra o copo.
- Minha última chance? - repetiu ela.
- De se salvar.
- Eu não estou entendendo.
- Eu não vou ficar correndo atrás de você. Demorei várias semanas para conseguir falar com você e de que adiantou? Você não me deu ouvidos. Você já tinha tomado sua decisão. Eu lhe disse que, se pudéssemos nos encontrar para conversar, eu a convenceria. Se você tivesse se dado ao trabalho de me ouvir, nada disso estaria acontecendo. Você teria impedido.
- Impedido o quê?
- Você sabe o quê.
Ela decidiu fingir que sabia do que ele estava falando.
- Tudo bem. Diga-me como eu poderia ter impedido.
- Eu tentei chegar até você, mas você foi embora.
- Quando? Onde?
- Na Liam House.
Ela quase deixou o telefone cair. Sua respiração ficou parada na garganta.
- Você estava lá?
- Acabei de dizer que sim.
- Você me seguiu?
- Não.
- Então, como você soube...
Impaciente, ele respondeu:
- Ela me disse.
- Quem? Quem lhe disse?
- Emily. Quando atendeu o telefone, ela me disse que se chamava Emily. Ela me disse onde você estava.
Regan estava tão assustada que se deixou cair na cadeira.
- Você sabe quanto tempo eu fiquei lá, na chuva, esperando que você saísse?
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- Não, eu não sei quanto tempo você esperou.
- Eu quero o dinheiro - ameaçou ele. - E você me deve isso, não é?
- Por que eu devo alguma coisa a você?
Em vez de responder, ele disse:
- Essa conversa já foi longe demais. Se não me der o dinheiro, você vai se arrepender. Tome as providências. Ouviu bem? Não quero cheque, quero dinheiro. Vamos nos encontrar amanhã.
- E se eu não tiver o dinheiro quando você me ligar?
- Alguém vai se machucar. - A voz dele foi diminuindo até desaparecer.
Regan ouviu um ruído e o telefone ficou mudo. Em menos de um segundo, Alec estava ao lado dela. Regan começou a falar, mas ele pediu silêncio com a mão e, em seguida, fez um gesto com a cabeça na direção de Wincott.
O detetive estava de costas para eles, falando ao celular, mas quando virou-se tinha um largo sorriso no rosto.
- Pegamos o cara.
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CAPÍTULO 41
FOI ATÉ FÁCIL DEMAIS. ENQUANTO PETER MORRIS GRITAVA AMEAÇAS PELO telefone, derramando bebida na camisa, dois policiais entraram no bar e o agarraram por trás.
Morris estava muito bêbado para se defender. Assim que o algemaram e seus direitos foram lidos, ele começou a gritar, pedindo um advogado.
Fez um grande escândalo, dizendo que não diria nenhuma palavra. Seria mais fácil se tivessem conseguido uma confissão, mas, na verdade, não precisavam dissto. As evidências o incriminavam. Como acabaram descobrindo, Morris era um colecionador. Escondidos atrás da camada de material isolante do sótão de uma casa malconservada que ele alugara, havia uma caixa de sapatos embolorada, amarrada com uma fita cor-de-rosa. Dentro da caixa, estavam seus trofeus: um martelo ensanguentado, com as iniciais de algum trabalhador gravadas no cabo, a carteira de motorista de Haley Cross e a carteira do detetive Sweeney.
O tenente Lewis estava excitado. Ele deu o caso por encerrado. Depois de ouvir as evidências, ele disse que fazia questão de dar a boa notícia a Aiden.
Wincott voltou ao hotel para dizer à Regan o que haviam encontrado na casa de Morris. Ele ligou para Alec e pediu que o encontrasse no saguão do hotel.
Alec estava de mau humor. Ele queria participar do interrogatório de Morris com seu advogado, mas Lewis não lhe dera permissão. Considerando o estado de espírito de Alec, Wincott também não achara uma boa idéia.
317
Wincott estava esperando por Alec na frente dos elevadores.
- Você já terminou de empacotar as coisas ou ainda nem começou? - perguntou ele, quando viu Alec se aproximando.
- Ele não confessou, não é.
- Isto quer dizer que você ainda não começou?
- Responda, John - disse ele, irritado.
- Não, ele não confessou. Jura ser inocente. Foi chocante. Nunca ouvi um suspeito ter tanta cara-de-pau.
Alec ignorou o comentário. As portas do elevador se abriram e ele se afastou para que Wincott pudesse entrar na frente.
- Onde estão os guardas de segurança? Não vi nenhum desde que entramos no prédio.
- Os homens extras, mandados pela empresa de segurança, foram designados para outros trabalhos e é provável que os que ficaram estejam sendo mais discretos. Agora que pegamos nosso homem - e temos o homem certo -, o pessoal da segurança do hotel não precisa ser tão ostensivo.
As portas se abriram no andar de Regan.
- Eu não gosto disso - resmungou Alec.
- Eu sei. Você queria uma confissão, não é verdade? Mas sabe de uma coisa? Mesmo que ele tivesse confessado, você não acreditaria que ele fosse o homem certo.
Alec encolheu os ombros.
- Você poderia ter conseguido que eu participasse do depoimento dele. Eu só queria ter a chance de fazer algumas perguntas.
Wincott balançou a cabeça.
- Estamos fazendo tudo como manda o figurino, e isso significa que ninguém vai botar as mãos nele.
- E por que você acha que eu faria isso?
Wincott deu um sorriso.
- É claro que você faria isso. Você esmagaria a cara dele contra a parede assim que ele pronunciasse o nome dela. Encare os fatos, Alec. Você está muito envolvido nessa história... pessoalmente envolvido.
Alec não gostou de ter ouvido aquilo.
- Se eu estou tão envolvido, por que você pediu que eu o encontrasse aqui?
- Porque imaginei que você precise de um encerramento.
Alec parecia estar incrédulo.
- Encerramento? Você deve estar brincando.
- Eu pensei que, se você me ouvisse contando todas as evidências à Regan, bem... achei que você fosse capaz de fechar as portas para essa investigação e dar continuidade à sua vida.
- Isso seria fácil demais.
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- As vezes, é assim que as coisas terminam. Facilmente.
- As evidências...
- Eu sei. Alguém poderia ter plantado as provas no sótão de Morris. Era isso o que ia dizer, não era?
- Era.
- Morris é o suspeito perfeito. Fisicamente, ele é forte o suficiente para levantar Sweeney e enforcá-lo da maneira como o fez. Além disso, ele corresponde à descrição feita por Regan.
Alec bateu na porta.
- Centenas de homens se encaixam naquela descrição.
Ela abriu a porta e, como um relâmpago, Alec percebeu tudo. Ela estava descalça e vestia um par de short de corrida e um top que não chegava a cobrir seu umbigo. Estava linda.
Wincott fez um aceno e passou por ela.
- Acabei de saber da novidade - disse ela.
- Quem lhe contou? - perguntou Alec. Pela primeira vez em três semanas, ele não foi direto para o confortável sofá.
Ela fechou a porta.
- O tenente Lewis ligou e me contou. Aiden ligou em seguida. Você não ficou feliz, Alec? Por que está tão sério?
- Ele acha que foi fácil demais - disse Wincott, sentando-se numa poltrona e inclinando-se para a frente.
De pé no meio da sala, com as mãos nos bolsos, Alec fez uma careta para Wincott.
- Ouça, os exames de DNA ainda não ficaram prontos. Acho que devemos manter o esquema de segurança.
- Você não acredita que Peter Morris seja o assassino?
Ela parou de falar quando ele balançou a cabeça.
- Não, não estou convencido de que seja ele.
- Ele não quer ser convencido.
- O que significa isso? - perguntou Alec.
- Significa que chegou a hora da verdade. - Wincott fez um sinal quase imperceptível com a cabeça para Regan.
Quando Alec olhou para Wincott, suas mandíbulas estavam fortemente contraídas.
Regan não tinha certeza do que estava acontecendo.
- John, você acha que pegaram o homem certo?
- Sim, acho. As provas não mentem.
- A não ser que tenham sido plantadas.
- Encontraram alguns fios de cabelo de Morris no martelo.
- Você tem idéia de como é fácil plantar uma evidência como essa? Tudo o que alguém precisa fazer é tirar um fio de cabelo de uma escova - disse ele, enquanto, em passos lentos, andava de um lado para o outro.
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- Ele teve um motivo - disse Wincott à Regan. - Ele devia muito dinheiro a algumas pessoas e contava com a doação para resolver o problema. Quando você negou o pedido a ele, ele foi atrás de você. Admitiu ter ido até Liam House e ter esperado por você. As evidências vão enterrálo. Morris estava desesperado... e não tinha o que fazer. Ele pegou o celular de Regan e a pasta com a lista de assassinatos e pensou que, se fizesse alguma coisa por ela...
- Eu lhe daria o dinheiro? Meu Deus...
Wincott concordou com um aceno de cabeça.
- Eu tive uma longa conversa com Emily Milan. Ela admitiu ter dito a Morris onde encontrá-la.
- Ela sabia que estava falando com Peter Morris? - perguntou Regan.
- Sim, mas diz que não tinha a menor idéia do que ele queria - respondeu Wincott. - Ela também admitiu ter invadido seu computador para ler seus e-mails. E disse ter feito isso apenas para se manter atualizada. - Fiquei pasmo quando ela assumiu tudo. Foi ela quem imprimiu a foto de Sweeney e a colocou sobre a mesa de Aiden. E quem encaminhou a mensagem com a foto para seus outros irmãos.
Wincott deu um sorriso.
- Quando tirei as algemas do bolso, ela se tornou extremamente falante. De repente, ela passou a cooperar.
- Onde está ela agora? - perguntou Alec.
- Foi despedida naturalmente - disse Wincott. - E saiu do hotel escoltada por um segurança. Duvido que ela tenha coragem de pedir uma carta de recomendação.
- Você ainda acredita que ele tenha matado Haley Cross pensando que fosse eu?
- Sim - disse Wincott. - Como eu disse antes, estava escuro e chovia. Cross tinha mais ou menos a mesma altura que você - talvez um pouco mais alta - e tinha os cabelos escuros como os seus. Se ele veio por trás, teria sido bastante fácil confundi-la com você. E você já o havia deixado saber onde encontrá-la - disse ele. - Você sabe, aquele artigo com a foto no jornal, que Henry recortou e mandou emoldurar, está lembrada?
Ela concordou com um aceno de cabeça. Sabia onde John estava querendo chegar.
- No dia da inauguração, você declarou que corria naquela pista todas as segundas, quartas e sextas. Acreditamos que Morris tenha lido o artigo e ido ao Conrad Park para esperá-la. Não acho que ele tenha ido lá para matá-la. Acho que acabou perdendo o controle. É provável que quisesse convencê-la a lhe fazer a doação. Ele deve ter ficado chocado quando percebeu que tinha pego a mulher errada. Talvez isso tenha desencadeado seu ódio.
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- Você me disse que ela tentou se defender.
- Sim - disse Wincott. - Um dos operários esqueceu seu martelo. Morris o encontrou e usou-o para matá-la. - Ele olhou para Alec ao acrescentar: - Mas agora tudo está terminado. Quando o resultado do exame de DNA chegar, vamos ter prova suficiente para colocar Morris na cadeia por um longo tempo.
Ele se levantou e ofereceu a mão à Regan.
- John, eu não sei como agradecê-lo - disse ela.
- Agora, as coisas devem caminhar com rapidez. O escritório da promotoria deve entrar em contato com você para lhe informar sobre o andamento das coisas. - Olhando para Alec, ele disse: - Precisamos ir.
Alec não o acompanhou. Fechou a porta para que pudesse ter um momento de privacidade com Regan. Ele precisava se despedir.
- Ouça, Regan... - começou ele, parando em seguida. De repente, parecia que ele tinha perdido a língua.
- Sim? - Ela olhou nos olhos dele e esperou.
- Você sabia que eu iria embora.
- Sim, eu sabia.
- Muito bem. Então, agora eu vou para casa acabar de empacotar as coisas e depois vou dirigindo até Boston.
- Para ver sua família?
Ele concordou com um aceno de cabeça. E parecia bastante resoluto quando resmungou:
- Isso mesmo.
- E depois o FBI.
- Isso mesmo, de novo. Estou indo embora.
Será que ele sabia que ela estava sofrendo?
- Eu compreendo.
- Ouça... eu não deveria...
Ela não deixou que ele terminasse a frase. Se ele lhe dissesse que não deveria ter transado com ela, ela simplesmente não saberia o que fazer.
- Eu não me arrependo de nada. Agora, vá para casa e termine de empacotar suas coisas.
Ele se inclinou e beijou a testa dela.
- Sim, é isso o que devo fazer.
Ela abriu a porta.
- Lembre-se Alec, você está indo embora.
- Sim, estou.
- Então vá.
- Se algum dia você for a Boston...
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CAPÍTULO 42
ALGUMAS VEZES, COISAS EXTRAORDINÁRIAS ACONTECEM DE MODO ORDINÁRIO. Quando Eric Gage abriu os olhos naquela manhã de sábado, sabia que aquele seria um dia extraordinário. Ele não podia explicar por quê, pelo menos não ainda, mas acreditava que, com o passar do dia, viria a entender.
Aprendera a não fazer perguntas.
A resposta veio mais rápido do que ele previra. Saiu da cama, vestiu o robe e foi para a cozinha. Estava de pé, ao lado da pia, servindo-se de um copo de suco de laranja, quando ouviu... Um sussurro que veio de trás. Na verdade, era um silvo e, mesmo que tentasse, não conseguia adivinhar a mensagem que estava tentando ser transmitida.
Ele não olhou para trás, nem precisava, porque, na verdade, sabia quem estava na cozinha com ele. Fechou os olhos e esperou que o ruído aparecesse de novo. Cinco minutos se passaram, depois mais cinco e o único barulho que ouvia era o bater de seu coração.
Ele começou a duvidar. Talvez ele tivesse imaginado. Decidiu começar o dia cuidando de seus afazeres. Por volta das seis da manhã, ele já estava vestido em suas velhas roupas de trabalho e já fora até uma loja de conveniência do bairro para comprar um café extragrande.
Às sete e meia, já tinha limpado a garagem - ritual que realizava todos os sábados - e até mesmo tomado seu café-da-manhã, além de ter preparado uma bandeja para Nina. Em seguida, ele tomou banho e vestiu seu moletom de corrida preto, novinho em folha, com uma listra branca na lateral externa de cada perna. A jaqueta leve tinha uma folha de trevo branca no bolso da frente. Os bolsos com zíper foram a razão pela qual havia comprado a roupa.
323
Na gaveta da escrivaninha, havia duas armas carregadas. Ele colocou uma delas no bolso direito. Com o zíper fechado, era impossível perceber a arma. Olhou-se no espelho, só para se certificar. Pensando que pudesse ter de enfrentar alguns rounds extras, abriu a gaveta, de onde tirou duas revistas, e colocou-as no outro bolso. Levou a segunda arma até a cozinha e colocou-a sobre a mesa. Agora, ele estava pronto. Mas pronto para quê?
A ansiedade familiar e aterradora começava a crescer dentro dele. Suas mãos ficaram duras como gelo e ele sentia dificuldade para respirar. Ele sabia o que estava acontecendo. Estava sendo possuído pelo demónio.
Ele tentou interromper o processo. Sentou-se na mesa da cozinha e começou a balançar-se de um lado para o outro, o que não durou muito tempo. Deu um pulo. Talvez não fosse tarde demais para mudar o futuro... talvez, pensou ele, pudesse ter a chance de recomeçar. Entretanto, a carga de otimismo esvaiu-se num instante. Estava caminhando na direção do corredor dos fundos quando voltou a ouvir o barulho. Aquele sussurro atrás dele. Impossível escapar. Agora ele sabia disso.
- Chegou a hora.
- Não - gritou ele.
- Você sabe o que deve fazer.
Ele abaixou a cabeça e começou a chorar.
- Não, não, eu não posso...
O sussurro transformou-se em grito.
- Você vai fazer isso.
Teimosamente, ele se agarrou aos últimos fios de sua sanidade. Apertou os olhos e cobriu os ouvidos com as mãos, numa fraca tentativa de evitar que o terror o consumisse.
- Não, por favor, não, não - soluçou ele.
A rebelião durou pouco e o demónio acabou ganhando.
- Vire-se e olhe para mim. Abra os olhos e olhe.
Como um boneco de pau, ele fez o que lhe mandavam. Seu consentimento era total.
Ele ficou ali, rigidamente imóvel, enquanto esperava pela próxima ordem do demónio. Que, por sinal, não demorou muito a vir.
Os olhos de Nina perfuravam os dele.
- Mate-a para mim.
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CAPÍTULO 43
ALEC ESTAVA TENTANDO COLOCAR OUTRA MALA NO PORTA-MALAS DO CARRO, quando um Mustang 1968, conversível e na cor vermelha, em perfeitas condições, virou a esquina e aproximou-se, roncando o motor. Gil estava ao volante. A capota estava abaixada, o rádio, ligado no volume máximo, e as quatro ou cinco mechas de cabelo que lhe restavam voavam ao vento.
Ele parou ao lado do carro de Alec, desligando o rádio e o motor.
- Você já entregou seu distintivo? - gritou ele, enquanto ajeitava os cabelos com as palmas das mãos.
- Ainda não - disse Alec. Ele fechou o porta-malas e caminhou até a porta de passageiros do carro de Gil. - Estou surpreso que você não saiba.
- Eu já sabia - disse ele. - Mas as coisas costumam mudar e eu esperava que você mudasse de idéia.
- Trata-se do FBI, Gil.
- Você deu sua palavra, não é?
Alec encolheu os ombros.
- Algo do tipo.
- Você está colocando as malas dentro do carro. Deve estar planejando partir logo.
Alec tirara um dia de folga e estava tentando colocar tudo o que podia no carro, de modo que pudesse manter a cabeça ocupada para não pensar em Regan. Mas de jeito nenhum ele deixaria que Gil soubesse disso. Senão, antes do meio-dia, Chicago inteira estaria sabendo da fofoca. Então, ele disse:
- Estou só tentando dar uma adiantada.
- E o que você pretende fazer com a mobília e o resto de suas coisas? "
325
- Estou levando minhas roupas e algumas poucas coisas que quero ter comigo, o resto vou dar a um amigo.
- Que amigo?
Como sempre, Gil estava sendo invasivo, mas, contanto que suas perguntas não se tornassem pessoais demais, Alec não se importava.
- O nome dele é Henry. Ele vai se mudar para meu apartamento na semana que vem. Você não o conhece.
- Ele trabalha para Regan Madison, certo?
Alec deu uma risada.
- Existe alguma coisa que você não saiba?
- Sim. Os números da loteria da próxima semana. - Ele olhou para o céu e continuou: - E também não sei se vou conseguir chegar em casa antes que a chuva recomece.
- Você veio até aqui por algum motivo especial?
- Eu não tenho celular.
Alec concordou com um aceno de cabeça.
- Eu sei.
- Não gosto de celulares - disse ele. - Agora que estou aposentado, eles são uma despesa desnecessária. Se eu viajasse muito, acho que teria sentido, mas, nos dias de hoje, é muito raro eu sair da minha vizinhança. Posso caminhar até meus restaurantes e bares favoritos. O Finnegans fica a apenas um quarteirão da minha casa.
- Não vou discutir isso com você. Se não quer um celular, fique sem um.
- Eu tentei ligar para seu apartamento, mas você não respondeu. Acho que você já estava aqui fora.
- É bem provável.
- Eu poderia ter ligado para seu celular, mas, com a trégua que a chuva deu, resolvi passar por aqui para dizer olá. Ouvi dizer que Wini e Bradshaw prenderam o assassino de Sweeney.
- Isso mesmo.
- Também ouvi dizer que você tem causado problemas a eles. Acha que eles talvez tenham pego o homem errado. É verdade?
- Sim, acho que causei alguns problemas, mas isso não fez a mínima diferença. Eles estão convencidos de que Morris seja o homem certo.
- As evidências dizem o mesmo.
Alec concordou com um aceno de cabeça. Em seguida, Gil disse:
- Ouvi dizer que Wincott acha que você estava muito envolvido com o caso, se é que entende o que eu quero dizer.
- Não, Gil, não entendi. Explique. - Alec estava ficando irritado. Gil não pareceu notar.
- Você sabe, pessoalmente envolvido. Então, estava ou não?
Alec não respondeu.
- Por que tantas perguntas?
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- Estou entrando no caso - disse ele. - Quando fiquei sabendo da prisão e das provas que conseguiram, pensei que você não quisesse mais que eu investigasse o histórico dos Madison, mas depois pensei que, se Alec quisesse que eu parasse, teria me ligado. Você, por acaso, se esqueceu de me avisar?
- Não, não me esqueci.
- Não há nada de suspeito no histórico, mas achei que você já soubesse disso.
Alec concordou com um aceno de cabeça.
- Sim, eu sabia. E os irmãos?
- Eles não têm ficha na polícia e nunca foram presos.
- Disso eu já sabia, Gil.
- O Walker já teve alguns problemas. Ele é o mais conhecido da família porque tornou-se um grande piloto de carros. Ouvi dizer que ele é bom. De qualquer maneira, as pessoas sabem que ele tem dinheiro. Ele não leva uma vida simples como os outros irmãos e você sabe como são as pessoas. Elas vêem; elas querem. O dinheiro, quero dizer.
- Você disse que ele já teve problemas?
- Ele já teve alguns pára-lamas amassados, mas apenas dois acidentes sérios, um deles com mortes. Mas devo dizer que ele não foi responsável por nenhum deles. Ele teve mais sorte do que os outros porque conseguiu sair ileso. O primeiro acidente aconteceu em Wisconsin. Foi tudo o que consegui descobrir.
- E o outro?
- O outro foi bem feio. Aconteceu na Flórida, mas o homem que a testemunha diz ter causado o acidente morreu na hora. A companhia de seguros da família Madison pagou as devidas indenizações. Como o acidente de Wisconsin, várias pessoas ficaram feridas, algumas de verdade e outras fingiram que estavam para ver se levavam alguma vantagem.
- E Walker não foi responsável por esse também?
- Não - disse Gil. - Estou esperando por um contato do primeiro oficial a chegar ao local do acidente. Talvez ele possa me dizer alguma coisa que eu não saiba. Depois que falar com ele, eu tento encontrar você... a não ser que você queira que eu interrompa a investigação. Quer?
A resposta de Alec foi imediata.
- Não, não pare. Continue investigando.
Um minuto depois, Gil havia partido. Alec voltou para dentro do apartamento para terminar o que estava fazendo, mas sua mente estava distante. Ele não conseguia parar de pensar em Regan. Será que ele estava tendo
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dificuldade para deixá-la? Seria por isso que insistira que Gil continuasse com a busca? É possível que, se ele tivesse participado ativamente da investigação, não se sentisse tão frustrado agora.
Ele pegou uma caixa para levar para o carro. Por que ele não podia aceitar o fato de que Wincott havia pego o homem certo? Soltou um suspiro e balançou a cabeça. Ele sabia por quê. Porque fora fácil demais.
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CAPÍTULO 44
O DOMINGO ACABOU SENDO UM PÉSSIMO DIA PARA A CORRIDA. O TEMPO mudara de frio e úmido para excessivamente quente e úmido. O ar pesado e o elevado índice de umidade lembravam uma floresta tropical.
Sophie, Cordie e Regan passaram mais de uma hora no parque, mas na maior parte do tempo ficaram juntas no abrigo, espremidas como sardinhas, com pelo menos 50 pessoas, enquanto chovia a cântaros. A falta de privacidade e o número de pessoas impossibilitavam qualquer tipo de conversa.
Assim que a chuva deu uma trégua, elas entraram na fila para assinar seus nomes e pegar suas senhas.
Sophie já havia contado suas novidades a elas, mas Cordie e Regan queriam ouvir os detalhes mais uma vez. Além disso, sabiam que Sophie estava louca para falar sobre sua vitória.
- Vamos lá, Sophie. Comece pelo começo - disse Regan.
Ela não precisou que lhe pedissem uma segunda vez.
- Tudo bem. Depois que meu artigo - excepcionalmente bem escrito - foi publicado no jornal, várias mulheres começaram a surgir. Todas elas implorando por uma chance de testemunhar contra Shields. Infelizmente, nunca conseguiremos saber se ele realmente teve alguma coisa a ver com a morte da sra. Coolidge. Há fortes evidências, mas a promotora me disse que tem provas suficientes para colocá-lo na cadeia por um bom tempo. Ela vai atrás dos guarda-costas e acha que pode convencer os jurados de que eles colaboraram com as extorsões e as fraudes.
- E o dinheiro? - perguntou Cordie.
- Depois que Shields for considerado culpado, e ele será - disse ela, - a filha de Mary vai conseguir recuperar o que sobrou do dinheiro da mãe dela.
- Aposto que ela preferiria ter a mãe viva - disse Cordie. Regan deu uns tapinhas amigáveis no ombro de Sophie. - Estamos
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- Estamos muito orgulhosas de você.
- Nós também estamos muito orgulhosas de você, Regan - disse Cordie. - Há várias semanas, Sophie e eu não dormimos direito, preocupadas com você. Mas você aguentou firme.
- Nem sempre - disse Regan.
- Agora que a polícia prendeu o homem que matou o detetive Sweeney e Haley Cross, você vai poder voltar a levar uma vida normal?
- Como é que as coisas podem voltar a ser normais? Duas pessoas foram mortas por minha causa.
- Você não pode se sentir culpada pelos atos de Morris. Com certeza, ele é um desequilibrado mental. Era impossível prever que ele pudesse se tornar tão violento.
- Cordie tem razão - disse Sophie.
- Ouvimos falar do homem que foi preso, das provas e como foram encontradas, mas você não mencionou Alec nenhuma vez. Você sente a falta dele?
Regan não respondeu. E não precisava. Seus olhos já começavam a ficar cheios de lágrimas.
Cordie ofereceu-lhe um lenço de papel.
- O que aconteceu?
Finalmente, ela lhes contou sobre a última vez que vira Alec e a maneira como ele se despedira dela. Quando terminou, suas amigas ficaram sem dizer uma única palavra por algum tempo. Em seguida, ambas explodiram.
- O que foi que ele disse? - gritou Sophie.
- "Se algum dia você for a Boston..." - repetiu Regan.
Cordie estava furiosa.
- E isso foi tudo? Ele não disse mais nada?
- O que você queria que ele dissesse? Obrigado pelos dias maravilhosos que passamos juntos? - Agora, as pessoas ao redor já percebiam que ela estava chorando. Uma mulher se aproximou, sem dúvida para poder ouvir melhor a conversa. Além disso, ela a estava encarando. Regan deu as costas para a intrometida. Estava constrangida por não ser capaz de esconder seus sentimentos. - Minha alergia está péssima hoje.
Nem Cordie nem Sophie acreditaram naquela bobagem - ela estava chorando porque seu coração estava em frangalhos.
Cordie ofereceu-lhe outro lenço de papel.
- Tudo vai dar certo.
A mentira serviu apenas para piorar as coisas.
- Eu fiz uma coisa horrível.
Cordie e Sophie aproximaram-se dela.
- O que foi que você fez? - sussurrou Cordie.
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- Eu me apaixonei por ele.
- Eu já sabia - disse Cordie, compreensiva.
- Você contou a ele? - perguntou Sophie. - "
- Não.
- Fez muito bem.
A mulher em pé atrás de Regan deixou claro que estava concordando com um aceno de cabeça. Sophie decidiu ignorá-la.
- Como ele está indo embora da cidade...
- Vamos lá, agora é nossa vez - disse Cordie.
A fila havia caminhado rapidamente e elas finalmente chegaram à mesa, onde deveriam assinar seus nomes. Alguns minutos depois, uma ajudava a outra a colocar os números nas costas de suas camisetas.
Ao se dirigirem para a linha de largada, nuvens escuras começavam a se avolumar no céu. As ruas próximas ao circuito estavam interditadas e havia policiais que desviavam o tráfego.
A vegetação do parque estava verde e exuberante e a grama e os arbustos, crescidos como numa floresta, mas os caminhos estavam limpos para que se pudesse correr ou andar de bicicleta. Vários homens e mulheres estavam sentados sobre um muro de pedras, ao lado da pista de cooper, esperando pela hora da largada.
Cordie ainda estava furiosa.
- Não posso acreditar que ele tenha dito uma coisa dessas. Tem certeza, Regan? "Se algum dia você for a Boston"? Foi dessa maneira como ele se despediu? Foram essas as palavras que ele usou? -Tarde demais, ela percebeu que as comportas haviam se aberto novamente.
- Sim - disse Regan, entre lágrimas.
- Eu não acredito que você não o tenha manda...
- Cordie, pelo amor de Deus - disse Sophie.
- Eu não quero mais falar sobre ele - disse Regan, assoando o nariz.
-Tudo bem - disse Sophie.
- Nem mais uma única palavra sobre ele - prometeu Cordie.
- De qualquer maneira, ele não faz meu tipo. Não daria certo.
- É, não daria mesmo - concordou Sophie.
- Por que não? - perguntou Cordie.
- Ele é desleixado. Só por isso. O homem sempre estava com as roupas desalinhadas.
- Ele não me pareceu desalinhado naquele smoking, no clube de campo - comentou Sophie. -
- Isso não está ajudando - sussurrou Cordie.
-Sim, ele pode se arrumar bem quando quer, mas prefere ser desleixado. Ele vive se esquecendo de fazer a barba e nunca penteia o cabelo.
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Enquanto reclamava dele, as lágrimas escorriam pelo rosto de Regan. Impaciente, ela enxugou o rosto e disse:
- Que tipo de pessoa sou eu, capaz de pensar apenas em críticas superficiais e pouco importantes, que servem apenas para deixá-lo mais sensual? A verdade é que gosto que ele não seja certinho o tempo todo.
Cordie deu outro lenço a ela. Regan agradeceu e disse:
- Alec possui todas as qualidades importantes, como integridade e honra. Ele é forte e corajoso... - Ela fez uma pausa para enxugar os olhos e continuou: - Ele é quase perfeito.
- Não, não é - disse Cordie. - Se ele fosse perfeito, não deixaria para trás a melhor coisa que aconteceu na vida dele.
- Eu já disse que não quero mais falar sobre ele. Nem mais uma palavra, por favor.
- Tudo bem - disse Sophie. - Vamos falar de outra coisa.
- Se ele pode continuar com a vida dele, eu também posso - disse Regan. - Na verdade, é exatamente isso o que vou fazer. Continuar com minha vida.
- Isso mesmo - disse Cordie.
- Que tal mudar de assunto?
- Acho melhor mesmo - disse Cordie. - Meus lenços de papel acabaram.
- E eu também acabei de chorar por ele.
- É muito bom saber disso - disse Sophie.
- Acho que devemos comemorar sua promoção - Regan disse à Sophie.
- Vamos jantar juntas na semana que vem - sugeriu Cordie. - Mas antes de quinta-feira, porque, depois disso, vou começar a fazer regime.
- Por que quinta?
- É o dia que escolhi e já marquei na minha agenda. Estou me preparando psicologicamente. Começo na quinta, faça chuva ou faça sol.
- Talvez a gente possa ir na quarta - disse Regan.
- A bandeira está sendo erguida - disse Sophie. - Faltam apenas cinco minutos para a largada. Vou procurar um lugar na frente. Você quer correr? - perguntou ela à Regan.
- Não, vou caminhar. Dois quilómetros na ida e a mesma distância na volta são suficientes para mim.
- E você, Cordie?
- Eu vou fazer um combinado. Vou andar e engatinhar.
- Decidi que vou correr e não andar - disse Sophie. - E vou fazer todo o percurso. Dez quilómetros.
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Regan e Cordie começaram a rir. A reação delas não agradou à Sophie.
- Vocês acham que não sou capaz?
- Acho que não - disse Cordie.
- Eu também acho - disse Regan. - Sophie, você não é uma corredora.
- Agora eu sou. Nos encontramos na chegada.
Elas observaram Sophie caminhar entre a multidão, sem perceber que arrancava olhares de todos.
- Aposto dez dólares que ela não consegue correr mais de dois quilómetros.
- Um quilómetro e ela estará liquidada - disse Regan.
- Ei, olhe. A nova sorveteria está aberta. Está vendo? Do outro lado da rua. Talvez a gente possa dar uma passada por lá, depois da corrida. - Em seguida, ela também se misturou na multidão.
Regan olhou para o outro lado da rua, quando Cordie apontou para a sorveteria, mas o que chamou a atenção de Regan foi um casal que entrava. Ambos saíram com sorvetes nas mãos. A garota devia ter uns 19 ou 20 anos e o homem que estava com ela já estava na casa dos 50.
- Outro desprezível - resmungou Regan.
A reação dela foi imediata. Sentiu-se nauseada. Em seguida, balançou a cabeça. Aiden tinha razão. Ela precisava superar essa obsessão ridícula. A não ser que vivesse a mesma experiência, ela nunca seria capaz de saber o que lhes ia na cabeça ou no coração.
Sim, agora era uma boa hora para mudar de atitude e ela começaria a trabalhar nisso imediatamente. Mesmo assim, apesar de suas boas intenções, ela não conseguia tirar os olhos do casal, enquanto eles atravessavam a rua.
E foi por isso que ela o notou. Ele era alto e musculoso e vinha atrás do casal. Ao passar por eles, chocou-se com o homem e quase o derrubou. A jovem gritou alguma coisa, mas o corredor não se dignou a olhar para trás. Ele estava vestido para a corrida, usando um conjunto preto, mas, com todo o calor e a umidade que impregnavam o ar, era muito estranho que ele estivesse usando uma jaqueta. Além disso, ela percebeu que ele levava um par de binóculos. Rapidamente o homem desapareceu na multidão.
Ela deu um pulo quando ouviu o tiro da largada, virando-se para se juntar às pessoas que iam na direção da pista. Tentando evitar as cotoveladas enquanto caminhava, ela ficou atrás da multidão.
O homem mal-educado que levava os binóculos não estava por perto. Regan não pensou mais nele. Tentou também não pensar em Alec, o que não foi muito fácil.
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CAPÍTULO 45
ALEC FICARA COM AS CHAVES DE REGAM. POR QUE TERIA FEITO UMA COISA dessas? Ele não era tão distraído a ponto de não perceber que elas estavam em seu bolso. Talvez ele tivesse ficado com elas para ter um motivo para voltar ao hotel. Pelo menos, era isso o que os psiquiatras diriam. No seu inconsciente, ele queria vê-la novamente.
E conscientemente também.
Alec passou metade da noite pensando em seu futuro. Por volta das três da manhã, ele finalmente sabia o que fazer. Seu futuro era ao lado de Regan... se ela o aceitasse. De repente, viver adquiria um novo sentido. Ele não queria ir a lugar nenhum sem ela.
Tomou algumas decisões também com relação ao trabalho, com as quais ficou bastante satisfeito. Dormiu pensando em Regan, imaginando todas as maneiras possíveis de convencê-la a amá-lo.
Na manhã seguinte, depois de uma chuveirada, decidiu que precisava de uma geral antes de ir ao hotel. Fez a barba e vestiu jeans limpos, com apenas alguns furos abaixo dos joelhos. Abriu uma das caixas que empacotara e encontrou uma camiseta de mangas curtas, um pouco amarrotada, que enfiou cuidadosamente dentro das calças.
Enquanto ajeitava o coldre, deu uma olhada no espelho e percebeu que precisava de um corte de cabelo, que estava arrepiado em todas as direções. Encolheu os ombros. Agora não tinha mais tempo para pensar nisso.
Pegou chuva a caminho do hotel. Estava entrando no saguão quando Gil veio ao seu encontro.-
- O que você está fazendo aqui? "
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- Você não me ouviu buzinando para você, enquanto cruzava a Michigan? Fiquei preso no farol - ofegou Gil.
- Desculpe, eu não ouvi.
- Alec, pode ser que eu tenha conseguido alguma coisa. - Ele olhou ao redor e disse: - Talvez seja melhor encontrarmos um lugar onde possamos conversar sem sermos interrompidos.
- Ia dar uma passada no escritório de Regan. Podemos conversar lá. Ele usou a chave de Regan para chegar ao terceiro andar. Assim que as portas do elevador se fecharam, Gil começou a dar sua explicação. - Finalmente, tive uma resposta do patrulheiro da Flórida e ele tinha novidades interessantes.
As portas se abriram no terceiro andar e ambos saíram para o corredor que, naquela noite de sexta-feira, estava quieto como um confessionário.
- O que foi que ele lhe disse?
- O acidente aconteceu há mais de um ano, quase dois - disse Gil. - E foi bem feio, como eu disse. Um engavetamento de cinco carros. Estava preocupado com o fato de o patrulheiro não se lembrar dos detalhes, mas ele me contou que levará a memória daquelas imagens terríveis para a cova.
- Havia uma reta de uns 16 quilómetros numa rodovia de duas pistas, em Tampa. Walker Madison estava guiando um carro esporte, máquina superpossante, e, quando ele ultrapassou um caminhão, um sedã velho arrancou atrás dele e o seguiu. Um sujeito de nome Gage - Eric Gage - estava ao volante e sua esposa estava no banco do passageiro. Walker passou o caminhão e voltou para sua pista sem problemas, mas o sedã de Gage não conseguiu. Existem alguns relatórios conflitantes. O patrulheiro disse que uma das testemunhas jura que o motorista do caminhão não deixou o sedã voltar à pista, acelerando de propósito. Existe uma outra hipótese. A de que o sedã tenha cortado a frente do caminhão, tentando retornar à pista. De qualquer maneira, esse terrível acidente aconteceu - explicou ele.
Alec notou que Gil falava cada vez mais depressa e que seu rosto estava ficando cada vez mais vermelho. Ele sentia um nó se formando em suas entranhas. Sua intuição lhe dizia que o que estava por ouvir não era coisa boa.
- Continue - disse ele.
- O caminhão perdeu o controle, girou e capotou. O sedã ficou completamente destruído, mas o tal do Eric Gage não sofreu um arranhão sequer. Entretanto, a mulher dele não teve tanta sorte. O patrulheiro me disse que ela ficou presa nas ferragens. Segundo ele, o carro praticamente dobrou-se ao meio. Ele me disse que até hoje ouve os gritos. A esposa ficou
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inconsciente e quase morreu. Era o marido quem gritava. O patrulheiro disse que ele ficou louco, puxando os cabelos e, aos gritos e soluços, dizia que devia tê-la deixado dirigir, que era ele quem deveria estar sentado naquele banco. Quanto mais tempo demorava para tirarem a mulher das ferragens, mais ele perdia o controle. A equipe de paramédicos precisou sedá-lo e, por causa do tamanho dele, foi preciso três homens para amarrálo na maca. Ele ficou completamente enlouquecido - disse Gil. - E você sabe o que o patrulheiro me disse que ele estava tentando fazer?
- O quê?
- Cruzar a rodovia para chegar a Walker. Ele queria matá-lo. Ele acusava Walker de estar andando em alta velocidade, dizendo que fora essa a razão de o caminhão ter capotado.
- Mas isso foi verdade?
- De acordo com as testemunhas, não. A companhia de seguros do caminhão indenizou as famílias.
- O que aconteceu com a esposa de Gage?
Gil tirou umas tiras de papel de seu bolso. Desdobrou uma delas e continuou:
- O nome dela é Nina e ela ficou toda quebrada. Mas o pior foram as pernas, que foram completamente esmagadas.
- Ah, maldição - murmurou ele. - Eu sabia que tinha sido muito fácil.
Ele pensou em Haley Cross e em como suas pernas haviam sido esmagadas com o martelo e sabia que não se tratava de uma coincidência. Ele disparou até o escritório de Regan. Precisava vê-la, saber se estava bem. Depois, ele se acalmaria e ligaria para Wincott.
Gil corria atrás dele.
- Espere. Você não quer saber onde está Eric Gage agora?
- Ele está aqui, não é Gil? Aqui em Chicago.
Gil concordou com um aceno de cabeça. Em seguida, atirou um pedaço de papel na direção de Alec.
- Aqui está o endereço dele.
Alec agarrou o papel, abriu a porta e entrou no escritório de Regan. Estava vazio. Ele foi tomado por um pânico que, até aquele momento, desconhecia. Esticou o braço para pegar o telefone quando a máquina de fax começou a fazer um ruído.
Antes de olhar, ele sabia o que era. Largou o telefone e correu para o fax. Agarrou o papel antes que caísse na bandeja. Era uma outra lista de assassinatos, mas o título era muito diferente. "Minha Lista de Assassinatos ", escrevera ele e, abaixo, havia somente um nome. "Regan Madison."
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CAPÍTULO 46
No INÍCIO, REGAN ANDOU COM PASSOS RÁPIDOS, MAS DEPOIS DIMINUIU A marcha. A multidão se dissipou. Ela estava tão perdida em pensamentos que não percebeu que estava em último lugar até chegar na marca do segundo quilómetro. Tinha chegado onde planejara. Quando começou a chuviscar, ela estava suada e sentindo muito calor. Os corredores que corriam a sério já deviam estar cruzando a linha de chegada, pensou ela.
Ela não estava certa de onde estava. Não queria voltar até a linha de largada e, também não queria caminhar até a linha de chegada. Ela sabia que, se resolvesse voltar, encontraria um voluntário no meio do caminho. Foi o que fez.
Ela deveria ter prestado atenção em todos os cartazes e setas indicativas que haviam sido colocados em toda a extensão da pista, mas estivera muito ocupada, perdida em autocomiseração. E pensando em Alec, naturalmente. Por que será que ele não percebia que ela era a melhor coisa que poderia ter acontecido na vida dele? Nenhuma outra mulher o amaria tanto quanto ela.
Mas ele não a amava. E não teria ficado tanto tempo com ela se não fosse pelo trabalho dele. Agora, tudo estava acabado e ela precisava parar de sofrer por ele. Derramara tantas lágrimas que era provável até que estivesse um pouco desidratada. A única coisa boa de tudo isso era que seu orgulho continuava intacto. Alec nunca saberia que seu coração estava partido. Ela sabia que ele se sentiria mal com isso e a última coisa que queria era que ele tivesse pena dela.
As lágrimas voltaram a embaçar sua visão. Ela estava definitivamente desapontada consigo mesma.
- Pelo amor de Deus, Regan, recomponha-se - murmurou ela. - E pare de pensar nele.
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Estava com sede e decidiu concentrar-se nisso. Ela queria beber água, mas qualquer coisa gelada serviria. Caminhou com passos largos até ver um voluntário de bicicleta vindo na direção contrária.
Ela fez um aceno e perguntou se ele conhecia um atalho que a levasse à linha de chegada.
- Você não viu as placas? Tem um caminho que corta o parque. Siga aquela curva que ficou atrás de mim - disse ele. Em seguida, deu um sorriso. - Muitos dos participantes já desistiram.
Ela não gostou muito da atitude dele, uma mistura de presunção e condescendência. Imediatamente, ele se colocou na defensiva. Distanciou-se antes que ela pudesse explicar a ele que não estava desistindo. Ela havia planejado caminhar dois quilómetros e foi exatamente o que fez.
Regan balançou a cabeça ao perceber que não precisava justificar suas ações e a opinião do voluntário a seu respeito não fazia a mínima diferença. Ao notar que o voluntário parara novamente, imaginou que alguém mais pudesse estar perguntando sobre o atalho.
Ela caminhou até a curva e viu uma trilha que dava para o sul, mas,
20 metros adiante, havia uma bifurcação. Ela achava que essa trilha levava diretamente ao estacionamento, que ficava atrás da linha de chegada. Tomou essa trilha que, na verdade, não levava a lugar nenhum e acabou por voltar ao início. Ela tropeçou em alguma coisa, olhou para baixo e viu que o cadarço de um de seus ténis havia se soltado. O muro de pedras estava à sua direita. Próxima ao muro, havia uma enorme nogueira, que devia ter uns 70 anos de idade. Seus galhos gigantescos, cobertos de folhas, acomodavam-se sobre o muro. Ela notou que havia iniciais gravadas no tronco. Encostou-se no tronco e apoiou o pé no muro, para poder amarrar o cadarço. Em seguida, endireitou o corpo e inclinou-se para a frente para ver o que estava acontecendo do outro lado.
Um declive íngreme formava uma garganta estreita, com um pequeno riacho que corria em direção a um bosque. De um lado do declive, havia várias pedras pontiagudas, mas do outro lado do riacho o que se via eram árvores de galhos grossos e retorcidos, como se estivessem crescendo contra a inclinação de uma colina.
Voltara a cair uma chuva fina e uma leve névoa se acomodava, como uma nuvem de fumaça, entre as árvores. Não havia a menor brisa e o ar estava pesado. De repente, tudo ficou tão silencioso que ela se sentiu quase que desconectada do mundo ao redor.
Regan olhou para cima. Foi nesse momento que o viu. Parado entre as árvores, estava o homem de roupa preta. Ele estava do outro lado da ravina e ela ficou petrificada como uma estátua. Ele estava esperando que
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ela o encontrasse. Chocada ao vê-lo, Regan se encolheu. Ele quase lhe causou um ataque do coração. O que estaria fazendo?
Não demorou mais do que três ou quatro segundos para que seus olhares se encontrassem. O rosto dele estava completamente isento de qualquer tipo de expressão. Ela manteve os olhos fixos nele enquanto, em passos lentos, se afastava do muro. De repente, de modo quase imperceptível, ele virou a cabeça e gritou alguma coisa. Apenas uma palavra, pensou ela, que, no entanto, não pôde compreender o que ele estava dizendo.
Então, o rosto dele se alterou e, Deus do céu, num piscar de olhos, ela soube quem era ele e onde o vira antes. Regan foi tomada pelo terror. Ele pronunciou a palavra de novo, mais devagar agora, claramente enunciada e, em seguida, quando ele fez um movimento com a mão, ela finalmente entendeu.
Corra.
Ele estava dizendo para ela correr.
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CAPÍTULO 47
ERIC GAGE PRECISAVA APENAS DE UM INSTANTE COM ELA. Isso SERIA MAIS DO que suficiente para fazer o que ele pretendia fazer. Ele quase desejou que ela fosse embora, mas, ao mesmo tempo, sabia que não podia deixá-la escapar. Precisava matá-la.
Walker Madison transformara a vida de sua pura e inocente Nina num inferno, mas Eric não faria com que Regan sofresse como sua esposa. Não, a morte seria rápida. E, finalmente, a justiça seria feita.
O demónio queimaria de ódio, mas hoje tudo estaria terminado. Eric estava determinado. Tudo terminaria com a morte de Regan.
Ainda assim, ele queria dar a ela uma chance de lutar. O que era uma coisa justa a ser feita. Não fora por esse motivo que ele não atirara nela enquanto ela estava parada, ao lado do muro, olhando para as árvores? Deixara escapar a oportunidade perfeita. Ela era doce e inocente como Nina e ele esperava que, antes de dar seu ltimo suspiro, pudesse ajudá-la a entender o motivo de sua morte. Ele lhe diria, como havia dito a Nina, que nada disso era culpa dele.
Corra, Regan. Tente salvar sua vida.
Regan não se moveu. Como um cervo quando pego de surpresa pelas luzes de um farol, ela estava paralisada de terror enquanto olhava incrédula para o homem enlouquecido, do outro lado da ravina. Ela não viu que ele tinha uma arma até ele levantar o braço. Antes que ela tivesse tempo de correr, ele atirou duas vezes seguidas. A primeira bala esmigalhou uma pedra da parte superior do muro, jogando estilhaços no rosto dela. Um dos fragmentos fez um corte em sua bochecha direita. A segunda bala arrancou um pedaço de casca do tronco da nogueira e passou raspando
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por ela. O barulho dos tiros era horrível e parecia que ela estava levando murros nos ouvidos.
Ela correu por entre as árvores. Rapidamente, atreveu-se a olhar para trás e viu-o dando a volta na ravina. Ele corria tão rápido que seu corpo não passava de uma mancha.
Sua mente não conseguia entender o que estava acontecendo. Desesperada, tentou se concentrar. Lembrou-se de que a bifurcação dava a volta na ravina. Não queria voltar por lá. Queria chegar até a rua, mas seu senso de direção não estava funcionando e ela não sabia para onde ir.
Corria entre as árvores, mantendo-se afastada da pista e com a cabeça abaixada.
Ele voltou a atirar. A bala esfolou sua coxa. Ardeu muito, mas a dor não a impediu de continuar. Mas estava apavorada com a proximidade dele. Ela pensou que estava conseguindo alguma vantagem mantendo certa distância, mas ele estava cada vez mais próximo dela.
Precisava correr mais rápido. Ele atirou de novo. A bala enterrou-se no chão, à sua frente, e sua perna ficou respingada de barro. Ela podia sentir um grito se formando em sua garganta, mas não conseguiu articular nenhum som, enquanto começava a correr de um lado para o outro entre árvores e arbustos, tentando evitar ser um alvo fácil.
Onde, em nome de Deus, estariam os outros corredores? Será que a corrida terminara? Teriam ido para casa? Ela sentiu um desejo insano de olhar no relógio para saber que horas seriam. Será que havia se afastado muito da pista? Alguém ouvira os disparos? Meu Deus, aos seus ouvidos, eles soaram como tiros de canhão.
Ela pensou ter ouvido alguém chamar seu nome, mas não tinha certeza de onde viera o som. Teria sido apenas imaginação ou alguém realmente a chamara? Talvez Sophie e Cordie estivessem procurando por ela. Deus meu, ela desejou que isso não estivesse acontecendo.
Continuou a correr, com os arbustos arranhando suas pernas. Se conseguisse chegar à rua, na certa seria socorrida. Mais rápido, mais rápido, repetia ela, como se fosse um mantra. Ela não precisava olhar para trás para saber que a distância entre eles diminuía cada vez mais. Regan podia ouvir os pés dele sobre as folhas secas.
Não. Espere. Agora, o som não vinha mais de trás. Ela se retesou para escutar. Era difícil ter uma precisão exata, pois seu coração parecia que estava batendo nos ouvidos.
Corra, corra. Precisava continuar correndo. Ali estava novamente... galhos batendo, mas agora o ruído vinha do lado direito. Deus do céu, ele
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corria paralelamente a ela. Então, ela entendeu o que ele estava fazendo. Estava tentando colocar-se na sua frente.
Assim, tudo o que ele teria de fazer era esperar que ela corresse direto para os braços dele. Para ele, tudo não passava de um jogo. Durante todo o tempo, ela pensara que estivesse na frente, correndo mais do que ele, enquanto ele estivera simplesmente brincando com ela. Quase sem diminuir a velocidade, ela mudou de direção. Mesmo em seu pânico, tomou cuidado para não torcer o joelho. Caso contrário, acabaria caindo e ele conseguiria o que queria. Ela pulou sobre um arbusto seco e espinhoso e continuou a correr. Em seguida, mudou de direção mais uma vez... e mais uma vez.
Onde estariam todos? Será que deveria gritar, na esperança de que alguém a ouvisse? Não, não devia fazer isso. Mesmo imaginando, não tinha certeza de que o maníaco soubesse com exatidão onde ela estava e ela não tinha a menor intenção de ajudá-lo.
Regan não teria forças para continuar por muito tempo. Os músculos de suas pernas queimavam como fogo. Em poucos minutos, ela sabia que entrariam em colapso.
Deus do céu, não havia esperança. Não, não pense assim. Não desista. Corra, não pare de correr. Suas pernas começaram a tremer, queimando de dor. O espasmo muscular que sentia fazia com que tivesse vontade de gritar, mas ela continuou. Ela ainda tinha muita vida pela frente e não podia permitir que um maníaco qualquer lhe roubasse o futuro.
O que ela precisava era de um plano para ganhar tempo. Tudo bem, tudo bem, o que poderia fazer? Pense... Ele estava armado e ela, não. Com certeza, ele estava em melhor forma física e era muito mais forte. Além de muito mais rápido.
Mas ela poderia conseguir uma vantagem. Poderia agir de forma mais inteligente.
Foi nesse exato momento que ela descobriu o que deveria fazer. Precisava encontrar o caminho de volta à ravina. Precisava continuar correndo. Passou pelos arbustos e viu o muro à sua frente. Que direção tomar?
O maníaco tomou a decisão por ela. Agora ele estava à esquerda, o que fez com que ela corresse na direção oposta. Regan não ousou ficar na trilha. Corria por entre as árvores, sem perder o muro de vista.
Ali. Ali estava. Ela podia ver a nogueira com seus galhos sobre o muro. Era aquele o lugar que procurava.
Mais uma vez, ela passou pelos arbustos. Agora, ela precisava ter forças. Ele se aproximava em movimentos rápidos, mas ela achava que ele ainda não podia vê-la. Ela enxugou o suor das mãos nas laterais do corpo e, dando um impulso final na velocidade, correu pela trilha e pulou o muro.
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CAPÍTULO 48
ERIC CHEGOU A TRILHA E PAROU. ONDE ESTAVA ELA? PARA ONDE TERIA IDO? Inclinou a cabeça e apurou os ouvidos, mas não ouviu nada além do silêncio. Ela havia desaparecido.
Ele ficou seriamente desapontado. Ela transformara a perseguição numa brincadeira de esconde-esconde. Ele não podia ouvi-la, mas a distância alguém chamava o nome dela e, seja lá quem fosse, Eric sabia que estava se aproximando.
Gage sabia que precisava agir rápido. Não tinha tempo para brincadeiras idiotas. Ela estava sendo tola e precisava saber que ele a encontraria. Que a mataria. Por que insistia em lutar contra o inevitável?
A raiva se avolumava dentro dele e, com ela, uma tremenda tristeza, pois sabia que, assim que a encontrasse, estaria furioso e ela teria de dar seu último suspiro num clima de ódio. Se ela não aparecesse, ele não teria tempo para explicar, para ajudá-la a entender por que ela teria de morrer.
Então, ele percebeu ter cometido um erro. Deveria tê-la matado imediatamente. Não devia tê-la deixado correr. Mas ele queria que ela soubesse que ele era dono de seu destino. Sua Nina não sabia o que estava por vir. Ela estivera dormindo no banco do passageiro, usando sua jaqueta de travesseiro, apoiada contra a janela, sem perceber o que estava acontecendo. O caminhão tombando, o táxi, em chamas, rolando para o centro da pista, espalhando faíscas de fogo e aproximando-se cada vez mais. Tudo acontecera num piscar de olhos, mas, de acordo com o registro de sua mente, levara uma eternidade para bater neles... destruindo suas vidas para sempre.
Estremeceu ao ouvir outro grito. Percebeu que o som estava mais distante do que antes.
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Gage pensou ter ouvido o som de alguém que pisava sobre o cascalho. O ruído vinha da trilha e ele correu naquela direção. Fez a curva e parou. Agora, ele percebia onde estava. Círculo fechado, pensou ele. Ela o levara de volta exatamente ao mesmo lugar onde estivera parada, quando ele atirou pela primeira vez. Sim, ela estivera bem ali ao lado da nogueira.
Ele a vira olhar para a ravina, com as palmas das mãos apoiadas sobre o muro. Foi quando ela o vira, paciente, e esperava que ela o visse entre as árvores. Sim, com certeza era o mesmo lugar.
Mas onde se escondera? Ele ficou completamente imóvel, escutando. Não conseguia ouvir nada. Olhou para trás. Nada. Ah... ali estava. Uma pista. Ele ouviu o que parecia ser o som de pedras despencando ravina abaixo.
Ela pulara o muro e se escondera lá embaixo. Garota esperta, pensou ele, mas nem tanto assim. Ele correu até o muro e deu uma olhada. Alguns pedregulhos rolavam entre as pedras maiores. Com certeza, ela estava lá embaixo, mas onde?
Ele pensou ter visto alguma coisa se mover para a direita, atrás de alguns galhos secos. Sua reação foi imediata. Atirou duas vezes, na esperança de acertá-la ou fazer com que se mostrasse.
O som dos disparos reverberou entre as árvores, fazendo com que mais pedregulhos despencassem. Ele sabia que era provável que a polícia tivesse ouvido os tiros e que logo estaria ali. Agora, era muito tarde para fazer alguma coisa a esse respeito.
Mais uma vez ouviu alguém gritando o nome dela. Sabia que alguém se aproximava. Gage inclinou-se sobre o muro e apontou a arma. Em seguida, esperou.
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CAPÍTULO 49
AO DIMINUIR A VELOCIDADE PARA ESTACIONAR O CARRO, ALEC OUVIU OS disparos. Ele posicionou o câmbio na posição "parar", não se preocupando sequer em desligar o carro. Numa fração de segundo, ele estava correndo, ignorando a multidão e as barreiras que encontrava pela frente.
Atrás dele, o carro de John Wincott, com sirenes soando, parou no estacionamento.
Alec viu Sophie e Cordie do outro lado do estacionamento no mesmo instante em que foi visto por elas. Cordie correu ao encontro dele, enquanto Sophie gritava:
- Não conseguimos encontrar Regan. A polícia não nos deixa procurar por ela e ouvimos tiros...
Alec agarrou Cordie.
- Quando você a viu pela última vez?
- Na linha de largada. Ela ia andar dois quilómetros, de modo que fossem dois quilómetros na ida e dois na volta.
Ouviu-se outro disparo e, antes que Cordie pudesse dizer alguma coisa, a expressão de Alec se alterou e ele desapareceu.
Ela nunca tinha visto aquele olhar no rosto de alguém e ficou aterrorizada. Ela sabia que, assim que Alec encontrasse quem estivesse atirando, ele o mataria.
Alec estava enlouquecido. Se alguma coisa acontecesse à Regan, se ele chegasse tarde demais... se alguma daquelas balas já a tivesse acertado... não, ainda havia tempo para encontrá-la. Tinha de haver. O filho da puta ia morrer e morrer de modo cruel. Se ele tocasse um fio de cabelo de Regan, Alec o esfolaria vivo.
Onde, em nome de Deus, estaria ela? Será que ele conseguira pegá-la? Alec gritou o nome de Regan.
Wincott estava logo atrás dele. Alec podia ouvir sua respiração ofegante, enquanto tentava alcançá-lo. Ele também chamava por ela.
- Espere, Alec. Controle-se. Deixe-me ir na frente. Não atire no miserável. Ela vai querer você vivo.
Alec ignorou o amigo. Ele não podia pensar em nada além de encontrá-la.
Mais dois tiros foram disparados. Alec correu em direção ao som.
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CAPÍTULO 50
GAGE ESTAVA FICANDO FRUSTRADO. VOLTOU A SE INCLINAR SOBRE O MURO E olhou para baixo. Ele não imaginou que fosse tão difícil matá-la. A ingrata. Depois de todo o trabalho que tivera por causa dela. Ela fizera a lista e ele jogara com ela, não é? Ela chegara mesmo a dizer a ele o que tinha de fazer a respeito de Peter Morris - pelo menos, dera a idéia a ele - com aquelas anotações que deixara na pasta. Sim, ele jogara o jogo dela. Ele lhe dera o que ela queria. Arriscara-se ao impedir que o demónio soubesse o que estava fazendo. Pensara que estivera lhe fazendo uma gentileza, para fazê-la feliz, porque nada disso era culpa dela e ele achava que ela merecia um pouco de alegria e felicidade antes de morrer.
Ela era mal-agradecida. E isso o deixava furioso. Ele podia sentir o ódio tomando conta dele. Ele estragara tudo. Não, não, ele não devia se sentir culpado. Não era culpa dele. Não fizera nada de errado. Ela, sim. Ela era escorregadia. E responsável por toda aquela confusão. Ah, ele sabia muito bem o que ela estava fazendo. Ela queria que ele se sentisse culpado, como fizera depois do acidente, mas o demónio o havia ajudado a entender que fora tudo culpa de Walker Madison.
Gage tinha a imagem de Walker viva em sua mente, a celebridade, de pé do outro lado da estrada, com as mãos nos bolsos e expressão solene. Ele estava circundado por homens e mulheres, fãs que o adoravam e estavam ali à espera de uma migalha de sua atenção, enquanto os paramédicos tentavam libertar o corpo quebrado de Nina das ferragens.
O motorista do caminhão morrera na hora e a polícia colocara a culpa nele, mas de que adiantava culpar um homem morto? Não, o responsável era Walker.
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Uma voz o trouxe de volta à realidade. Alguém estava novamente gritando o nome de Regan, um grito angustiado que ele não conseguia compreender. Ali estava, de novo, só que dessa vez muito mais perto. Ele não teve tempo de pular o muro e descer a colina íngreme para tentar encontrá-la. Regan teria de esperar um pouco mais. Ele aprumou o corpo, apontou a arma para a trilha, de onde vinha o som de passos se aproximando, e preparou-se para matar de novo.
Alec apareceu entre as árvores, com a arma em punho.
Gage atirou na direção dele. De repente, um grito de aviso veio de um galho acima dele e ele olhou para cima uma fração de segundo antes que Regan batesse os dois pés ao lado de sua cabeça. Ela caiu em cima dele, rolou e tentou rastejar, mas ele foi rápido como uma cobra e agarrou o tornozelo dela. Enquanto ajeitava a arma, ele a puxava para perto de si.
Alec atirou-se no chão, esperando por mais um tiro e, assim que ela tentou se afastar de Gage, Alec puxou o gatilho. Foi uma morte rápida, uma bala na cabeça, mas Alec não queria correr riscos. Manteve a arma apontada para ele, enquanto corria e chutava a arma que estava na mão de Gage para longe.
Alec caiu de joelhos. Precisou de duas tentativas para conseguir recolocar a arma no coldre. Ele agarrou os ombros dela com as duas mãos.
- Você está bem, Regan? Você está bem?
Ela estava histérica.
- Faça com que ele me deixe. Tire as mãos dele de cima de mim. Faça com que ele me deixe.
Alec tirou a mão de Gage do tornozelo de Regan. Em seguida, levantou-se e ajudou-a a fazer o mesmo. Enquanto observava o corpo dela, voltou a perguntar:
- Você está bem, não está?
Agora, era ele quem parecia estar histérico, mas não podia evitar. Estivera muito perto de perdê-la. Agora que a tinha em seus braços, não podia deixar que ela se fosse. Abraçou-a com força.
- Estou bem - disse ela. Sua voz estava surpreendentemente calma. O fato de ter corrido tanto havia drenado suas energias. Ela mal podia acreditar que suas pernas ainda pudessem agüentar seu peso. Seus músculos pareciam ter se transformado em borracha.
Regan sentia-se muito grata pela força de Alec. Ela tremia como vara verde e, quando pensou que estivesse recuperada, começou a chorar. Alec não pareceu se importar com que ela soluçasse e enchesse sua camiseta de lágrimas, enquanto tentava lhe contar quanto medo sentira dele.
- Você poderia ter morrido - disse ela. - Ele estava à sua espera. Eu sei disso porque você estava gritando meu nome. Alec, ele ia atirar e matar você. E quase conseguiu.
352
Alec estava incrédulo. Gage a perseguira, atirou contra ela Deus sabe quantas vezes e ela estava preocupada com ele. Ele queria beijá-la e dizer que a amava, mas, antes disso, ela precisava chorar um pouco.
Wincott estava parado ao pé de Gage, olhando para Alec.
- Você viu o que ela fez?
Wincott concordou com um aceno de cabeça.
- Sim, vi. Ela despencou daquela árvore como uma estrela cadente. Quase morri de medo. Tenho certeza de que Gage também foi pego de surpresa. Ela salvou sua vida, Alec. Você estava na mira dele.
- Eu sei disso. - Alec apertou-a nos braços mais uma vez. - Vou tirar você daqui.
- Deve ter pelo menos uma ambulância esperando no estacionamento. Encontro vocês assim que trouxer a equipe para trabalhar na cena do crime.
Regan afastou-se de Alec.
- Por que as ambulâncias vieram?
Wincott respondeu:
- Eles estão preparados para tudo. Um dos paramédicos vai tomar conta de seus cortes.
Alec colocou o braço ao redor da cintura dela e começou a andar.
Ela apoiou-se nele.
- Alec - murmurou ela.
- Sim?
Ela parecia desnorteada quando perguntou:
- Quem era aquele homem e por que tentou me matar?
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CAPÍTULO 51
NINA GAGE ASSISTIU AO NOTICIÁRIO PELA TV. ELA viu os PARAMÉDICOS E A polícia colocando seu marido na ambulância. Eles não estavam com pressa. O corpo estava coberto por um lençol, mas Nina sabia que o homem não identificado era Eric. Eles também sabiam quem era ele, mas estavam mantendo a identidade em segredo até que um parente próximo fosse notificado. A qualquer momento, estariam batendo à sua porta.
Ela sentiu muita tristeza e pena de Eric. Será que ele havia falhado ou conseguido o que queria? Isso era tudo o que importava.
Esperou para ver o segundo corpo. A câmera de vídeo percorreu o estacionamento e ela a viu. Regan Madison estava viva. Por uma fração de segundo, Regan virou-se e olhou para as lentes, e seus olhos, como adagas afiadas, perfuraram o coração de Nina. Um gemido surdo, que começou a se formar nas profundezas da garganta de Nina, transformou-se num grito.
Ela ouviu alguém batendo à sua porta.
Pegou a arma que Eric, tão atencioso, havia deixado para ela, colocou-a sobre a têmpora e puxou o gatilho.
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CAPÍTULO 52
ELA NÃO EXAGERARA AO SE ROTULAR DE CHORONA. SEMPRE QUE ALEC PENSAVA que tinha terminado, ela começava a chorar novamente. Ele não estava preocupado. Sabia que o choro era sua maneira de se livrar da tensão. Naquele dia, ela vivera um inferno e mostrara uma coragem surpreendente, além de força e elegância, mas agora que estava segura precisava descarregar tudo.
Alec sentou-se ao lado dela no sofá da suíte e, se estivessem sozinhos, ele a teria aninhado em seu colo. Mas eles não estavam sozinhos. A sala estava repleta de familiares e amigos.
Aiden e Spencer estavam sentados nas poltronas, inclinados para a frente enquanto ouviam John Wincott explicar, mais uma vez, como o irmão deles, Walker, sem saber, desencadeara a obsessão de Gage por vingança.
Sophie e Cordie, que pareciam prestes a cair no choro, estavam sentadas em cadeiras de encosto reto, ao lado da porta que dava para o quarto.
Regan dava leves pancadinhas nos cantos dos olhos, tentando prestar atenção na conversa, mas Alec constantemente a interrompia. Ele segurou a mão dela. Ela recolheu a mão. Alec agarrou-a novamente. Quando ela olhou para ele, ele lhe deu uma piscadinha. Ela estava confusa. Ele parecia dizer "estou provocando-a". Será que tinha se esquecido de que ia embora para Boston? Talvez ela devesse lembrá-lo.
Regan não sabia como agüentaria outra despedida. Só de pensar em uma coisa dessas, seus olhos voltavam a ficar cheios de lágrimas. John Wincott aproximou-se para entregar-lhe outro lenço de papel da caixa que colocara sobre a mesa de centro e disse:
- Você vai ficar bem?
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- Sim - garantiu ela. - É que, às vezes, preciso chorar um pouco.
Wincott olhou ao redor da sala. Os irmãos e os amigos de Regan estavam obviamente acostumados com as lágrimas dela, pois todos eles concordaram em uníssono. Alec também não parecia que estava nem um pouco desconcertado. Então, Wincott deu um sorriso. Ela enfrentara a crise de maneira inacreditável e, se quisesse chorar agora, ele não poderia criticá-la.
- Eu sempre faço isso - admitiu ela.
E todos voltaram a concordar com ela. Até mesmo Alec. Regan decidiu ignorá-lo e virou-se para fazer uma pergunta à Cordie, mas foi mais uma vez distraída por ele. Antes que ela pudesse perceber, ele colocou o braço ao redor do ombro dela, puxando-a para perto de si.
Regan percebeu que nenhum de seus irmãos parecia surpreso. Sophie e Cordie, por outro lado, estavam espantadíssimas.
- Então, quer dizer que temos boas notícias, não é, Regan? - John havia feito uma pergunta.
- Desculpe - disse ela. - Eu não estava prestando atenção.
- Foi um longo dia. Eu falei com Peter Morris e lhe disse que as acusações de assassinato haviam sido naturalmente retiradas, mas ele já tinha confessado que havia usado o dinheiro da doação em apostas. Mesmo que o juiz jogue sua confissão no lixo, ele será pego por peculato. Parece que estava fazendo pequenas retiradas das contas bancárias do centro comunitário. Ele vai ter de passar por um mau pedaço.
- É muito bom ouvir isso - disse Spencer.
Regan concordou. Agora, os dois irmãos estavam mais calmos. Quando chegaram ao parque, estavam enlouquecidos de preocupação. Regan estava numa ambulância em companhia de Cordie e Sophie, enquanto os paramédicos cuidavam de seus cortes. Regan nunca vira Aiden e Spencer tão desesperados. Essa fora outra revelação. Na verdade, Aiden chegara a gritar com um dos detetives. Spencer tentara dar um soco num cameramman que tentou subir na ambulância para filmá-la de perto. Spencer não precisaria ter se incomodado. Alec não deixaria que o homem se aproximasse dela. Ele também colocou um freio em Aiden, fazendo com que ficasse calmo.
- Ainda não conseguimos entrar em contato com Walker - disse Spencer.
Regan fez uma careta.
- É claro que ele vai se lembrar de tudo.
- Não foi ele quem causou o acidente. - Wincott repetiu o que já dissera a todos. - De acordo com as anotações do patrulheiro, Gage e o motorista do caminhão foram acusados de dirigir de forma irresponsável.
- Então Gage também foi considerado responsável pelo acidente - disse Cordie.
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- Correto - disse Wincott.
- E por que a companhia de seguros do motorista do caminhão o indenizou? - perguntou ela.
Alec respondeu:
- Havia uma testemunha que jurou que o motorista do caminhão, deliberadamente, aumentou a velocidade para que Gage não tivesse a chance de voltar para sua pista. Tenho certeza de que a companhia de seguros não estava disposta a encarar uma longa batalha judicial. Foi mais barato pagar a indenização.
Regan olhou para Aiden.
- E muito mais prático. - Ela estava pensando em Emerson e como ele decidira dar-lhe uma indenização para se ver livre dele.
- Gage não devia ter tentado ultrapassar o caminhão - disse Sophie. Ninguém discordou dela.
Em seguida, Alec disse:
- Não acredito que Gage possa ser responsabilizado por isso.
- Walker conseguiu ultrapassar o caminhão sem nenhum problema, mas Gage não conseguiu e talvez tenha sido isso que causou o acidente.
- Você devia ter visto o banheiro do andar de cima da casa dele. Era o domínio privado de Eric, porque Nina não podia subir a escada. Ele tinha muitas coisas interessantes espalhadas no local.
- Como o quê? - perguntou Sophie.
- Os boletins médicos da estada de Nina no hospital e da clínica de reabilitação. Entre os papéis, havia contas de um tratamento psiquiátrico de Eric Gage.
- Como foi que ele conseguiu os boletins? - perguntou Sophie.
- Deve tê-los roubado - disse Cordie.
- Mas por que faria isso?
- Talvez ela quisesse que ele os roubasse - respondeu Wincott. - Era ela quem mandava. Ele só obedecia.
- Como é que você sabe disso? - perguntou Regan.
- Bradshaw analisou os relatórios e me leu alguns dos diagnósticos que médicos e terapeutas escreveram sobre o progresso de Nina. Ela foi uma paciente extremamente difícil - disse ele. - Isso, para dizer o mínimo. Ela não queria melhorar; ela queria se vingar. Acho que ela pressionou o marido até que ele fizesse o que ela queria. Nina Gage era uma mulher amarga e alquebrada.
- Acho que ele realmente entrou em conflito com o fato de ter de matá-la - disse Wincott a Regan.
- Ele não me pareceu que estava em conflito quando a perseguiu pelo parque, atirando nela. - Alec ficava com raiva só de pensar nessa situação.
- Ele encontrou sua lista de assassinatos e talvez estivesse tentando realizar seus desejos antes de... você sabe - disse Cordie.
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- Que miserável doentio - comentou Aiden.
- Você acha que ele queria que alguém o impedisse? - perguntou Regan. - E que, por isso, ele enviou o e-mail e os faxes? Ele sabia que chamaríamos a polícia.
Wincott fechou seu bloco de anotações, colocou-o no bolso e disse:
- Acredito que, no início, sim. Mas, quando Gage convenceu Morris a distrair nossa atenção, deve ter mudado de idéia. Parece que para ele tudo não passava de um jogo. Nina era uma pessoa controladora. Como Eric estava corroído pela culpa, faria qualquer coisa que ela quisesse.
- E eles acusavam meu irmão por seu sofrimento - disse Regan.
- Ela sabia exatamente o que estava fazendo. Assim que se recuperou o suficiente, empacotaram tudo o que possuíam e se mudaram para cá, para a cidade de Walker. Acredito que Walker tenha sido o primeiro alvo deles e que Eric estivesse esperando uma oportunidade para matá-lo.
Alec concordou com um aceno de cabeça.
- Mas os planos insistem em mudar.
- Havia algumas fotos sobre a mesa da cozinha da casa deles e um arquivo de artigos de jornais sobre Walker. Eles monitoravam todos os movimentos de Walker - disse Wincott. - E sabem o que mais foi encontrado sobre a mesa? Umas 20 cópias da foto de todos vocês, na inauguração do parque, publicada no jornal. Acho que foi aí que os planos mudaram. Imaginem como ela se sentia toda vez que olhava para seus rostos sorridentes. Naquela foto, Walker está em pé atrás de Regan, meio que olhando para ela, com a mão apoiada em seu ombro. Ele parece feliz e bastante orgulhoso dela. Isso deve ter feito muito mal a eles.
- Eles queriam que Regan sofresse, antes que Eric o matasse. - disse Alec. - Eles realmente estavam cheios de ódio.
Regan sentiu um arrepio.
- O acidente transformou-os em monstros.
- Querida, acho difícil que eles fossem pessoas de boa índole, mesmo antes do acidente.
- Eles são dignos de pena - disse Regan.
- Aos diabos com isso. Ele tentou matá-la. Se eu pudesse, atiraria nele de novo.
Wincott levantou-se e deu uma alongada.
- Bem, acho que isso é tudo.
Sophie também se levantou.
- Vou para casa. Hoje você me deu um susto do tamanho de um bonde, Regan. Juro que vou precisar de uma semana de compras compulsivas para superar o fato.
- Devo pedir desculpas?
Sophie deu um sorriso.
- Só se você quiser.
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- Sophie, você precisa me levar para casa - disse Cordie. - E, se Regan for pedir desculpas a alguém, terá de ser para mim. Eu fui a única que não quis participar da corrida. Se vocês se lembram, eu havia sugerido que preferia ter ficado na sorveteria.
- Não, devíamos nos encontrar lá depois da corrida - disse Sophie. Ao saírem da suíte, as duas estavam discutindo. Wincott despediu-se, apertou as mãos dos irmãos de Regan e saiu em seguida. Alec o seguiu.
- Ei John, espere. Preciso falar com você.
Aiden e Spencer também se dirigiram para a porta.
- Você ficará bem essa noite? - Spencer perguntou à Regan.
- Sim, não se preocupe.
Ela caminhou até Aiden e, enquanto ele saía, cutucou-lhe as costas.
- Quer ouvir uma coisa engraçada?
- Sim, acho que seria bom rir um pouco.
- Sabe aquele probleminha que eu tinha?
- Que probleminha? - Pelo tom da voz, ele dava a entender que tinha muitas coisas na cabeça. Impossível se lembrar de qual.
- O problema com os desprezíveis.
- Você quer dizer homens idosos casando-se com jovenzinhas?
- Sim.
- Eu me lembro de você ter dito para mim que ia superar isso.
- Pois eu consegui. Foi assim que notei Eric Gage. Reparei nesse casal, ele idoso e ela muito jovem, atravessando a rua. É claro que grudei os olhos neles. É muito difícil mudar hábitos antigos - explicou ela. - Estava justamente pensando que não devia sentir uma aversão tão forte só porque... bem, vamos encarar os fatos, ele era um desprezível.
- Ah, claro. É evidente que você superou o problema.
- Se eu não tivesse esse problema, não teria notado o assassino. É isso o que estou tentando dizer.
- E o fato de você tê-lo notado alterou os acontecimentos?
Ao perceber aonde ele queria chegar, arrependeu-se de ter começado a conversa.
- Esqueça.
Ele deu uma risada.
- Sabe de uma coisa, Regan?
- O quê? Só para irritá-la, ele torceu o nariz dela e disse: - Nós amamos você. E você sabe disso, não é mesmo?
Ela concordou com um aceno de cabeça, ficando novamente com os olhos cheios dágua.
- Isso quer dizer que você vai triplicar meu orçamento para o próximo ano?
- Não. Significa apenas que nós amamos você. Mas valeu a tentativa.
361
Alec caminhara com Wincott até os elevadores e voltava para a suíte quando foi interpelado por Aiden. Spencer estava conversando com Regan na soleira da porta.
Aiden foi direto ao assunto.
- O que está havendo entre você e minha irmã?
- Eu vou me casar com ela.
- Vai mesmo?
Alec concordou com um aceno de cabeça.
- Vai levar algum tempo até que eu consiga convencê-la, mas vou acabar ganhando.
Aiden aprovou naturalmente. Ele apertou a mão de Alec e, olhando para Regan, disse:
- Acho que não vai demorar muito.
Spencer juntou-se a eles e Alec contou-lhe sobre suas intenções. Spencer foi mais reservado.
- Se você algum dia fizer minha irmã chorar... - De repente, ele parou de falar. Olhou para Regan no momento em que ela enxugava uma lágrima da bochecha e disse: - Esqueça.
Regan esperou por Alec. Ela estava de pé na entrada do quarto, observando ele vir ao seu encontro.
Pela expressão dela, ele pensou que ela fosse lhe dar uma dura.
- Quero agradecer a ajuda que me deu hoje - disse ela.
Ele deu um sorriso.
- Tudo bem.
- Você salvou minha vida.
- E você salvou a minha.
- Então estamos empatados.
Ela deu um passo para trás e tinha toda a intenção de bater a porta bem na cara dele, só para deixar que soubesse que estava muito brava. Mas a pergunta que ele lhe fez impediu-a de fazer isso.
- Por que você está tão irritada?
Ela escancarou a porta e voltou a se aproximar dele.
- Eu não estou irritada. Acho que chegou a hora de você ir embora... você sabe... continuar a vida - enfatizou ela. - E quero lhe desejar boa sorte em sua carreira.
- Verdade?
- Sim.
Ele tentou abraçá-la. Mas ela estendeu os braços e balançou a cabeça.
- Não vou deixar que você me faça sofrer mais uma vez. Ouça bem, Alec. Você não tem o direito de me dizer que está indo embora para depois voltar e colocar seu braço em meu ombro e... você não pode fazer isso. - Ela estava apenas esquentando. Cruzou os braços. - Você está indo embora, está lembrado? Foi isso que você me disse. Então, vá embora de uma vez por todas, Alec. Saia por essa porta.
Ela estava pronta para brigar, mas ele não lhe deu a menor chance.
362
- Eu amo você, Regan.
Ela piscou o olho.
- Não.
O sorriso dele era simplesmente adorável.
- Sim, é verdade. Eu amo você.
Ela não acreditaria nele.
- Mas "Se algum dia você for a Boston"... você disse "Se algum dia você for a Boston"...
- Não vou a lugar nenhum sem você.
Estava decidida a fazê-lo sofrer um pouco, antes de perdoá-lo. Mas sabia que seu coração lhe pertencia.
Regan afastou-se e disse:
- Se algum dia você vier a Chicago...
Ela tentou fechar a porta. Ele a impediu com o pé. Quando fechou a porta, depois de tê-la empurrado para trás com delicadeza, ele estampava um sorriso no rosto.
- Talvez você não tenha percebido...
Ah, ela realmente o amava.
- Sim?
- Eu já estou aqui.
363
EPÍLOGO
ALEC ESTAVA LEVANDO REGAN PARA CONHECER SUA FAMÍLIA. ELA ESTAVA nervosa e preocupada e achava que era possível eles não gostarem dela. Ele lhe disse que aquela era a coisa mais maluca que já ouvira. Não podia entender por que ela se sentia tão insegura, mas fez o melhor que pôde para dar-lhe confiança, enquanto caminhavam lado a lado pelo aeroporto.
Eles eram um casal de aparência peculiar. Por causa de uma recente missão secreta para o FBI, Alec deixara crescer a barba e não tivera tempo para cortar o cabelo. Tomara um banho e vestira seu confortável uniforme de quando estava fora de serviço: jeans surrados e camiseta.
Regan parecia estar pronta para posar para uma foto. Vestia uma blusa cor-de-rosa, uma saia caqui curta e sandálias. As únicas jóias que usava eram um par de minúsculos brincos de diamante e seu anel de noivado.
Ela parecia uma garota-propaganda e ele, um serial killer.
Os homens tentavam fazer contato visual com ela e as mulheres tentavam não gritar quando olhavam para ele.
Eles estavam sentados na última fileira da primeira classe, o que lhes dava pouca privacidade e, assim que a luz da segurança se apagou, ele se inclinou sobre ela e lhe deu um beijo. Ele não teve pressa, deliberadamente tentando excitá-la. Em seguida, disse que a amava muito.
- Você sabe o que as pessoas pensam quando nos vêem juntos?
- Sim - sussurrou ela. - Elas pensam que sou uma mulher de sorte.
- É verdade. É exatamente isso o que elas estão pensando.
Ela rolou os olhos para cima.
- É melhor você tirar esse brinco antes que seus irmãos o vejam. Pelo que você me contou sobre eles, aposto que vão pegar no seu pé, sem dó nem piedade.
365
- Vou deixar que eles se divirtam um pouco, depois eu tiro.
- Você já leu o artigo mais recente de Sophie sobre o caso Shields?
- Sim, li. Ela fez um excelente trabalho.
- Sophie é muito talentosa. Você se surpreendeu?
Ele esticou as pernas, reclinou o assento e segurou a mão dela.
- Amor, depois de descobrir que ela é filha de Bobby Rose, nada do que Sophie fizer me surpreenderá. Conte-me como você conheceu Cordie e Sophie. Sei que vocês se tornaram amigas na escola...
- Spencer lhe contou sobre a Malvada, não contou?
- Não, ele me disse para pedir que você contasse.
- Então, vou começar com o par de presilhas de cabelo - disse ela. Regan começou a contar a história de Morgan, a Malvada. Alec achou muito engraçado que Regan tivesse vomitado na menina.
- Depois disso, ela deixou você e suas amigas em paz?
Regan concordou com um aceno de cabeça.
- Faz muitos anos que não a vejo.
- Gostaria de saber o que aconteceu com ela.
- Ah, você pode imaginar o que aconteceu. Ela seguiu carreira política. Atualmente, é senadora.
Ele riu novamente, achando que fosse brincadeira.
Regan adorava o jeito de rir de Alec. Adorava quase tudo nele. A partir do momento em que ele pusera os pés em seu escritório, sua vida mudara para sempre.
O homem dos sonhos dela estava prestes a cair no sono.
- Alec?
- Hummm?
- Quando você vai me mostrar a casa de Nick?
- A casa agora é nossa - corrigiu ele. - Se você quiser, podemos ir amanhã e, se você não gostar, podemos vender e comprar uma outra.
- Eu vou gostar dela.
- Não tem quartos suficientes para suas amigas. Eu sei que você vai sentir falta delas.
Ela sentiria falta de vê-las, mas continuaria a falar com elas todos os dias.
- Nos primeiros meses, até que Paul e Henry não precisem mais de mim, vou ter de ir e voltar.
- Como Henry reagiu ao ficar sabendo que você passaria a trabalhar fora do hotel de Boston?
- Da mesma maneira como seu amigo reagiu quando você lhe disse que iria para o FBI.
- Então ele chorou feito um bebê, hein?
366
- Esqueci de lhe contar a novidade. Sua especialista em computadores agora faz parte do quadro de funcionários do hotel.
- Melissa aceitou o emprego?
Ela deu um sorriso.
- Aiden ficou sem saber o que fazer com ela. Melissa lhe disse que queria trocar todas as nossas "latas-velhas".
- Latas-velhas? Ela não disse "merda de computadores"?
- Acho que ela está tentando aperfeiçoar seu vocabulário.
Regan contou a Alec sobre as melhoras que ela estava pretendendo implantar no hotel de Boston. Parou de falar quando percebeu que Alec dormia.
Ela beijou a bochecha dele.
- Amo você, Alec. Agora e para sempre.
Julie Garwood
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