Henrique III atingira a maioridade, mas se revelara um homem fraco, sem capacidade de comando. À sombra de Eleanor-a moça que viera de Provence para se tornar rainha da Inglaterra-, o rei passa a cometer abusos na cobrança de impostos e não consegue conter a revolta dos barões, liderados por Simon de Monfort. A Rainha de Provence reconstitui este período turbulento, mas de grande fertilidade artística, em que todas as vozes clamavam unânimes por um verdadeiro chefe de Estado, que, no entanto, só apareceria no reinado seguinte.
ENQUANTO RAYMOND BERENGER, conde de Provence, e seu amigo, confidente e conselheiro principal, Romeo, lorde de Villeneuve, caminhavam juntos nos luxuriantes jardins
verdes que cercavam o castelo de Lês Baux, os dois falavam sobre o futuro.
Raymond Berenger tivera uma vida feliz; sua bela mulher era tão talentosa quanto ele. Juntos, os dois haviam transformado sua corte numa das mais interessantes de toda a França, do o ponto de vista intelectual, e por isso poetas, trovadores e artistas seguiam para Provence, certos de serem bem recebidos e apreciados. Era realmente uma vida agradável, e o conde e a condessa desejavam que durasse para sempre. Não eram tolos a ponto de acharem que pudesse durar. Mas nenhum paraíso terrestre podia ser inteiramente perfeito, e embora durante a vida de casados tivessem rezado fervorosamente por um filho homem que fosse governar a Provence ao lado do pai durante muitos anos e depois preservasse aquele ambiente de graciosa tranquilidade e luxuoso conforto, só tinham tido filhas.
Mesmo isso eles não podiam lamentar de todo, pois adoravam as filhas e confessavam que não teriam trocado uma única pelo filho que haviam pedido com tanta veemência. Em que lugar do mundo, perguntava Raymond Berenger à sua condessa, era possível achar moças que fossem tão bonitas e talentosas quanto as deles? E a resposta era: em parte alguma.
As meninas estavam crescendo, e as decisões que teriam de ser tomadas eram os assuntos da conversa entre o conde e Romeo de Villeneuve.
Marguerite, a mais velha da família, estava com quase treze anos de idade. Uma criança, dizia a condessa, mas sabia que fora de seu círculo familiar Marguerite seria considerada casadoura. A procura por um marido adequado não poderia ser adiada por muito mais tempo; além do mais, era preciso pensar nas outras.
- Confesso, Romeo - estava dizendo o conde -, que esses problemas me causam muita preocupação.
- Tenho certeza de que encontraremos uma solução, como temos encontrado para tantos dos nossos problemas - respondeu Romeo.
- Muitas vezes tenho depositado minha confiança em você, Romeo - disse o conde com um suspiro -, e você nunca me decepcionou. Mas como vamos encontrar maridos para as filhas de um conde que ficou pobre, quando elas têm pouco a oferecer, exceto a graça, o charme e a beleza?
- E o talento, senhor conde. Não nos esqueçamos de que elas o possuem em abundância muito maior do que a maioria das meninas cujos pais estão à procura de maridos para elas.
- Você está tentando me animar. Eu adoro minhas filhas. Elas são bonitas e inteligentes. Mas ouro, prata e ricas terras são considerados mais interessantes do que encanto e instrução.
- A Provence não é tão insignificante a ponto de os reis da França e da Inglaterra não nos quererem como amigos.
- Os reis da França e da Inglaterra! - bradou o conde. Você deve estar brincando!
- Por que, senhor conde? Os reis da França e da Inglaterra são homens jovens, ambos à procura de esposas.
- Você não pode estar mesmo dando a entender que uma de minhas meninas poderia tornar-se a consorte de um desses reis!
- Nada disso, senhor conde, não uma, mas duas. O conde ficou pasmo.
- É um sonho maluco.
- Seria realmente um grande feito se qualquer um desses dois projetos se tornasse realidade e não vejo por que um casamento entre França e Provence não deva ser considerado digno de estudos em Paris.
- Como assim, meu caro Romeo?
- Nós poderíamos levar uma certa segurança à França. Oh, eu sei que estamos pobres. Não podemos oferecer um grande dote, mas temos algo que Blanche e seu filho Luís poderiam achar que valeria a pena ter. Beaucaire e Carcassonne caíram recentemente sob o controle deles. Do outro lado do Ródano está o Santo Império Romano, e temos terras lá que poderíamos levar para a França. Tendo em vista a posição estratégica dessas terras, acho que elas poderiam ser consideradas muito valiosas, pois, se ficassem sob o controle do rei da França, a situação dele ficaria fortalecida em relação ao Santo Império Romano.
- Isso é verdade. Mas será que uma questão dessas vai impressionar os franceses?
- Estou convencido de que eles ficarão impressionados. Eu não tenho ficado inerte. Mandei alguns de nossos cantores à corte da França, e o que o senhor acha que tem sido o tema das canções?
- Posso jurar que não são os ricos dotes de minhas filhas.
- Não. Mas a beleza e o encanto delas... insuperáveis na França.
- Meu querido amigo, não duvido de sua lealdade a esta casa, mas acho que sua amizade por ela levou-o a penetrar demais no reino da fantasia. A rainha da França irá escolher a esposa de seu filho com o maior cuidado, e quantas pretendentes você acha que estão competindo por essa honra?
- A rainha Blanche é uma mulher inteligente. Ela irá refletir cuidadosamente sobre o que lhe disseram.
O conde, rindo, abanou a cabeça e disse que iria para dentro do castelo e contaria à condessa o que Romeo estava sugerindo. Sem dúvida que ela iria rir com o marido, enquanto ao mesmo tempo concordaria no que se referia à lealdade e às boas intenções do lorde de Villeneuve.
As quatro filhas do conde e da condessa de Provence estavam juntas em sua sala de aula. Marguerite, de treze anos, a mais velha, bordava sua tapeçaria. Eleanor, dois anos mais moça, sentava-se à mesa, escrevendo; Eleanor vivia compondo versos que ela mesma musicava, e no momento estava dedicada a um longo poema narrativo, que seus tutores diziam ser uma realização impressionante para uma menina de sua idade. Sanchia, de oito anos, bordava com a irmã mais velha, e Beatriz, a caçula, que mal completara seis anos, olhava por cima do ombro de Eleanor enquanto esta escrevia.
As meninas tinham sido dotadas dos belos traços da mãe; e porque tinham sido criadas de uma maneira rara nas famílias de sua classe, a infância delas fora feliz. Viam a mãe todos os dias, e o pai também, quando os compromissos dele lhe permitiam ficar em casa. Por serem meninas, não fora necessário saírem de casa para serem criadas na casa de algum nobre, onde deveriam aprender a enfrentar um mundo duro e cruel. A vida doméstica do conde e da condessa de Provence tinha sido simples, sob muitos aspectos, enquanto ao mesmo tempo as meninas recebiam o tipo de educação que raramente era dada a membros de seu sexo. Embora fossem peritas nas artes femininas - como trabalho com agulha, canto e dança -, haviam sido criadas para raciocinar, expressar-se com lucidez, ter algum conhecimento dos fatos da época e, acima de tudo, gostar muito de música e literatura. A condessa Beatriz, mãe delas, filha do conde de Savóia, era música e fazia poesias e não via motivo para negligenciar essas habilidades. Imbuiu as filhas de uma apreciação das questões que mais lhe tocavam ao coração, e por isso as meninas eram não apenas bonitas, mas prendadas e tinham tudo para receber uma excelente educação.
A mais inteligente das quatro era, sem dúvida, Eleanor. Marguerite era perita no seu trabalho com agulhas e uma boa música, mas em tudo, exceto no trabalho com agulhas, Eleanor era superior. Eram de Eleanor os poemas musicados e cantados por toda a corte, e era Eleanor que os tutores delas estavam sempre elogiando.
Devido aos seus talentos, ela tendia para uma certa arrogância que os pais percebiam e deploravam, mas achavam compreensível. "Isso vai passar", dizia o conde, na sua complacência. Ele gostava que tudo corresse sem problemas, e aquela atitude coadunava-se com a vida confortável em Provence, onde flores coloridas e ricos arbustos verdes vicejavam sem muitos cuidados e onde as pessoas adoravam deitar-se ao sol e ouvir o dedilhar do alaúde. Em Provence, a poesia estava no ar; e o fato de que Eleanor fazia poesias já significava que ela era uma autêntica filha de sua terra natal.
Marguerite era de natureza mais doce. Estava pronta a se afastar para dar lugar à irmã mais moça; ninguém vibrava mais com os trabalhos de Eleanor do que Marguerite; e o resultado era que Eleanor era um pouco mimada pela família. Ela adorava ser elogiada; partilhava da beleza das irmãs - e muita gente dizia que a superava -, mas era a inteligente. Ela via a expressão de assombro no rosto dos pais quando lhes mostrava seus poemas. Eles insistiam para que ela os lesse em voz alta para a família e, quando terminava, seus pais lideravam o aplauso, e aos olhos de Eleanor ninguém era tão importante quanto ela na corte de Provence.
Sanchia, a irmã que vinha em seguida, acompanhava-a em tudo, imitando a sua maneira de falar, os gestos, tentando o tempo todo, dizia Marguerite, tornar-se outra Eleanor. A própria Eleanor limitava-se a sorrir, encorajando-a. Afinal, ela compreendia perfeitamente o desejo de Sanchia de imitá-la.
Beatrice ainda era criança demais para ter um caráter muito formado. Aos seis anos de idade, só recentemente se unira a elas na sala de aula.
- Como vai o poema? - perguntou Marguerite, fazendo uma pausa em seu trabalho e compondo um quadro muito encantador, sentada à janela com o seu trabalho numa moldura à sua frente, a bela mão segurando delicadamente a agulha, enquanto erguia os olhos castanhos para dirigir um sorriso a Eleanor, que estava no outro lado.
- Vai indo bem - respondeu Eleanor. - vou lê-lo para o meu senhor e a minha senhora amanhã, com certeza.
- Vamos ouvi-lo agora - bradou Sanchia.
- Nada disso - retrucou Eleanor.
- Ele deve ser lançado de maneira adequada - disse Marguerite, com um sorriso.
Eleanor teve um sorriso de complacência, já saboreando o aplauso, a expressão de admiração nos olhos dos pais, o assombro enquanto eles trocavam olhares que traíam o fato de que consideravam a filha um génio.
Marguerite voltara-se para a janela.
- Temos visitas - disse ela.
Eleanor e Beatrice levantaram-se de imediato e foram até a janela. Ao longe, mas seguindo direto para o castelo, havia um grupo de homens. Um deles levava um estandarte.
As meninas ficaram quietas. Visitantes no castelo sempre proporcionavam alguma agitação. Haveria um banquete especial no grande salão, a que as meninas poderiam comparecer; elas participariam da cantoria e da parte instrumental, embora se a festança avançasse noite adentro tivessem de ser mandadas para os quartos. Visitantes eram um grande acontecimento na vida delas, e que todas aguardavam ansiosas.
- Eles vêm da corte da França - disse Eleanor.
- Como você sabe? - perguntou a pequena Beatrice, em tom de admiração.
- Olhe a insígnia. A flor-de-lis dourada. Isso quer dizer França.
- Então, eles devem ser importantes - acrescentou Marguerite.
Eleanor estava pensando no que iria vestir. Tinha um vestido de seda com um corpinho justo e uma longa saia com cauda; as mangas estavam na moda, justas nos punhos, onde se alargavam tanto, que os canhões das mangas caíam-lhe até a barra da saia. Esses canhões eram decorados com um bordado de seda que ela mesma fizera com a ajuda das irmãs. O vestido lhe caía muito bem. Sua mãe lhe dera uma faixa para usar na cintura que era decorada com calcedônia, a pedra que se dizia dar poder e saúde a quem a possuísse.
Ela iria usar seus espessos cabelos pretos em duas tranças e se recusaria a cobri-los com uma touca ou um véu que, segundo dissera a Marguerite, eram para mulheres mais velhas ou para aquelas que não tivessem os exuberantes cabelos que as irmãs possuíam.
- Vamos saber logo, sem dúvida - disse Sanchia. - Por que eles estão vindo?
- Espero que não seja guerra - disse a pequena Beatrice, que já aprendera que problemas nas vizinhanças poderiam fazer com que o pai fosse para longe delas e deixar a mãe aflita, e com isso perturbar a paz de Lês Baux.
- Vamos ficar sabendo logo - disse Marguerite, pondo de lado o seu bordado.
- Será que não devíamos esperar na sala de aula até sermos chamadas? - perguntou Sanchia.
- Nada disso - retrucou Eleanor. - E se formos chamadas para cumprimentar os visitantes? Eu gostaria de estar preparada.
Era significativo que as meninas mais moças olhassem para Eleanor, e não para Marguerite, à espera de instruções.
- Venham - disse a irmã poderosa -, vamos nos preparar.
Os visitantes eram liderados por Giles de Flagy, enviado pela rainha Blanche numa missão especial.
Quando soube qual era essa missão, Raymond Berenger mal podia acreditar no que ouvia. Parecia que Romeo de Villeneuve era realmente um mágico. Estaria realmente a rainha da França à procura de uma filha do conde de Provence para casar-se com seu filho?
Nos aposentos privados do conde, Giles de Flagy discutia a questão com o conde, a condessa e Romeo de Villeneuve.
A rainha-mãe da França ouvira falar muito da excelência das filhas do conde. Sabia das dificuldades financeiras do conde, mas decidira que elas não tinham grande importância. As filhas do conde, eram bonitas e tinham sido bem-educadas. Eram essas as qualidades que ela procuraria numa rainha da França, e a última era de uma importância especial.
Luís IX estava com vinte anos de idade. Estava na hora de se casar, e Blanche decidira que a filha do conde de Provence poderia combinar muito bem com ele. As condições
do casamento seriam discutidas mais tarde, mas a rainha estava ansiosa para que não se perdesse tempo demais. Ela sabia que a filha mais velha do conde tinha treze anos - jovem, mas casadoura. O rei da França era um jovem de uma capacidade imensa. Não iria querer uma esposa despreparada; e a rainha acreditava que se uma menina devesse ser treinada para ser uma grande rainha, o treinamento na família real deveria começar o mais cedo possível.
Giles de Flagy esperava ter uma oportunidade de conhecer as filhas do conde durante a sua breve estada em Lês Baux.
O conde e a condessa, fora de si de tanta emoção, asseguraramlhe de que ele veria as meninas.
Foi a condessa que mandou chamar as duas mais velhas, e Marguerite e Eleanor, profundamente cônscias do ar de tensão que dominava o castelo, obedeceram ansiosas ao chamado.
- Temos um visitante muito importante - começou a condessa.
- Da França - interrompeu Eleanor. - Eu vi a flor-de-lis no estandarte.
A condessa confirmou com a cabeça.
- Vocês serão apresentadas a ele no jantar de hoje à noite. Quero que se apresentem da melhor maneira possível, e que se comportem ao máximo.
Eleanor teve uma expressão de censura.
- É claro que sim - disse ela em tom de reprovação.
- Minha querida filha - disse-lhe a mãe em tom firme -, eu sei muito bem disso. Mas este é um visitante muito importante, e talvez hoje à noite fosse melhor você ficar um pouco contida. Só fale quando lhe dirigirem a palavra.
Eleanor ergueu os ombros num gesto de resignação, e a condessa desviou a atenção para a filha mais velha.
- Marguerite, seja discreta, mas responda logo se a conversa chegar até você. Não seja intrometida e, ao mesmo tempo...
Eleanor desabafou com veemência:
- Oh, cara senhora, o que prefere que sejamos... nós mesmas, ou fantoches dando um espetáculo?
- Talvez eu esteja errada - disse a condessa. - Eu deveria deixar vocês agirem com naturalidade. Mas compreendam. Quero realmente que causem uma boa impressão ao representante do rei da França. Vamos, agora, decidir o que vocês vão vestir?
- Eu já me decidi pelo meu vestido azul e minha faixa com a calcedônia - disse Eleanor.
A condessa fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Boa escolha. Ele lhe cai muito bem. E Marguerite?
- Oh, meu vestido cinza e roxo, com a faixa de prata. A condessa fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- E eu lhe darei um anel de diamante para usar, Marguerite. Vai combinar com o cinza e o roxo.
- Um diamante! - bradou Eleanor. - Dizem que os diamantes protegem as pessoas de seus inimigos. Que inimigos você tem, Marguerite?
- Que eu saiba, nenhum.
A condessa pareceu dominada subitamente pela emoção enquanto olhava com ternura para a filha mais velha.
- Rezo para que você nunca tenha, mas se atingir uma posição elevada no mundo, não há dúvida de que haverá quem não lhe queira bem.
- É por isso que a senhora está dando a ela um diamante?
- perguntou Eleanor.
- Estou dando um diamante a Marguerite porque ele combinará bem com ela. Ela tem mãos bonitas.
Eleanor olhou para as próprias mãos, que eram igualmente bonitas.
Por que deveria Marguerite ser a escolhida? Porque era a mais
velha?
Treze! Era uma idade ótima, mas ela tinha só onze. Será, mesmo, que o embaixador da França viera com alguma proposta para Marguerite?
Mais tarde, ficou claro que era isso mesmo. Embora as duas tivessem sido apresentadas a Giles de Flagy, foi em Marguerite que os olhos dele se demoraram.
Eleanor não pôde deixar de se sentir um tanto melindrada, especialmente porque nem mesmo lhe pediram para que lesse o seu poema mais recente.
Giles de Flagy foi embora, mas o motivo e o sucesso de sua visita ficaram logo evidentes.
O conde e a condessa foram até a sala de aula, onde as meninas estavam trabalhando. Eleanor sabia do que se tratava, porque a expressão deles revelava o que eles sentiam. Havia orgulho, exaltação, assombro, que mostravam que os dois mal acreditavam no que lhes estava acontecendo, e ao mesmo tempo havia tristeza e aflição.
As meninas se levantaram e fizeram uma mesura.
O conde se adiantou e tomou Marguerite pela mão.
- Minha filhinha querida - disse ele -, você teve a maior das sortes. Vai ser a rainha da França.
- Isso quer dizer que Marguerite vai embora? - perguntou Beatrice, a fisionomia começando a se contrair.
A mãe puxou a menina para si e manteve-a junto às saias.
- com o tempo você vai compreender o que isso significa, minha filha - disse ela.
O conde prosseguiu:
- Eu jamais teria acreditado que isso pudesse acontecer. O rei Luís é um jovem de grandes qualidades; é inteligente, delicado e bom, decidido a governar bem o seu país. E decidiu que vai se casar com a nossa Marguerite. Minha filha, você jamais deverá parar de agradecer a Deus pela sua boa sorte.
Sanchia estava observando Eleanor, à espera de uma deixa. Beatrice estava nitidamente aflita com a ideia de a irmã deixá-las. Eleanor mantinha os olhos fitos no chão. Aquilo era a maior honraria que poderia caber a eles, e coubera a Marguerite, não porque ela fosse mais inteligente ou mais bonita - não era nem uma coisa nem outra -, mas simplesmente porque era a mais velha.
A própria Marguerite estava perplexa. Sabia que deveria estar agradecida. Estava cônscia da grande honra que lhe fora concedida, mas ao mesmo tempo aquilo a amedrontava.
Durante treze anos, ela vivera sob a proteção do amor dos pais. Agora, deveria deixar aquilo e ir para... ela não sabia o quê. Para um grande rei que iria ser seu marido. Olhou para Eleanor, mas Eleanor não queria encará-la nos olhos, com medo de revelar a inveja que sentia.
É só porque ela é mais velha, era o pensamento que não lhe saía da cabeça.
- Sei que você vai ser muito feliz - disse a condessa. - A rainha Blanche será uma mãe para você, e você ficará sob a proteção de um grande rei. Ora, por que estamos tão tristes? Deveríamos estar todas comemorando.
- Não quero que Marguerite vá embora - disse Beatrice.
- Não, minha querida, nenhum de nós também quer. Mas entenda, o marido dela vai querer que ela fique junto dele, e ele tem a primazia.
- Ele que venha para cá - sugeriu Beatrice, com um sorriso súbito.
- Isso não pode ser, filhinha. Ele tem um reino para governar.
- Nós o ajudaríamos.
A condessa riu e esfregou a mão nos cabelos de Beatrice, despenteando-os.
- Vamos ter muito o que fazer, Marguerite; quero que venha comigo, agora. Temos de conversar sobre suas roupas, e vou ter muita coisa a lhe dizer.
O conde disse:
- Este é realmente um dia feliz para nós. É como um milagre. Eu nunca pensaria que fosse possível.
Eleanor ergueu os olhos e disse:
- Escrevi um poema.
- Que ótimo - disse o pai.
- Posso lê-lo para os senhores, agora?
- Agora não, minha querida. Uma outra hora. com tanta coisa na nossa cabeça...
A porta fechou-se depois que eles passaram e as três meninas ficaram sozinhas.
Sanchia observava Eleanor, na expectativa. Eleanor foi até a mesa e apanhou o poema que havia escrito e que esperara tanto ler para os pais. Eles agora não estavam interessados. Tudo em que podiam pensar, naquele momento, era no casamento de Marguerite.
- É só porque ela é a mais velha - disse ela. - Se eu fosse a mais velha, teria sido eu a escolhida.
Agora, Lês Baux estava voltado para os preparativos. Não se falava em outra coisa, a não ser o casamento próximo, fosse no grande salão ou nos aposentos dos empregados. Lês Baux já não era mais o simples castelo do conde de Provence; era a residência da futura rainha da França. Marguerite, que a princípio ficara apreensiva, agora estava radiante com a expectativa. As informações que tinha sobre o noivo eram de que ele era não só delicado e bom, mas um homem decidido a cumprir o seu dever e transformar a França num grande país.
Marguerite passava das mãos das costureiras para as de seus pais, a fim de que pudesse ficar trancada com eles e ouvir conselhos que pareciam intermináveis. Quando pensava no que devia e no que não devia fazer, dizia ela a Eleanor, ficava com tudo inapelavelmente confuso, de modo que teria sido melhor não ter recebido instrução alguma.
Eleanor escutava quase que de má vontade. Como desejava que toda aquela agitação fosse por causa dela! Se ao menos ela tivesse sido a mais velha e estivesse indo para a França, como estaria emocionada! Em vez disso, iria ficar em Lês Baux vários anos mais, e então seria arranjado um marido para ela. Quem seria? Algum duque? Algum conde? E ela teria de prestar homenagens à irmã pelo resto da vida!
E se tivesse sido a primogénita, teria sido a escolhida.
Já era muito ruim perder Marguerite, cuja companhia faria muita falta, mas o fato de ela ter recebido aquela honraria e ficar tão mais importante do que as demais irmãs era ainda mais difícil de aceitar para alguém com o temperamento de Eleanor.
A princípio, ela ficou indiferente, mas depois a curiosidade venceu a sua resistência, e quando Marguerite confessou estar amedrontada e que às vezes desejava que tudo pudesse ser esquecido, repreendeu-a e chamou sua atenção para a grande honra que estava sendo concedida à família e que ela, Marguerite, deveria estar rejubilando-se pela sua boa fortuna.
Assim passou-se o tempo, e no momento oportuno os embaixadores do rei da França voltaram a Lês Baux. Tinham ido, disseram eles, por ordens do rei, para levar a ele a noiva, sem demora. Por isso, Marguerite deveria partir com eles, levando com ela umas poucas criadas e um dos menestréis da corte de seu pai, e no caminho o bispo de Valence iria encontrar-se com ela para conduzi-la a Sens, onde o noivo estaria à sua espera.
Ela seria recebida pelo arcebispo de Sens, que iria realizar a cerimónia da coroação, pois Marguerite seria coroada rainha da França ao mesmo tempo em que se casava com o rei daquele país.
Que agitação havia por todo Lês Baux enquanto os cavalos de carga eram carregados com todos os magníficos trajes que tinham sido feitos para Marguerite! Em seus aposentos, a condessa dava os últimos conselhos à filha, lembrando-a de que ela e o conde estariam presentes ao casamento e estariam partindo dentro em breve atrás da filha. E então, uma Marguerite esplendorosamente vestida, parecendo uma estranha com aquela aura de realeza já se instalando à sua volta, foi levada para fora do castelo.
Eleanor esqueceu a inveja naquele momento em que abraçava a irmã, e Marguerite agarrou-se a ela sussurrando que, quando fosse rainha da França, sua querida irmã que era mais ligada a ela do que qualquer uma das outras - até mesmo do que seus queridíssimos pais - deveria ir para a sua corte e ficar como sua dama de companhia.
Era uma ideia reconfortante, embora o bom senso de Eleanor lhe dissesse que eram poucas as probabilidades de que aquilo acontecesse.
E então, Marguerite partiu a cavalo, ao centro do cortejo, muito bem protegida, pois se tornara bastante preciosa; e os cavaleiros de seu pai e os de seu futuro marido estavam prontos para protegê-la com a própria vida. A dourada flor-de-lis da França tremulava à sua frente.
Naquela noite, a atmosfera no castelo era de melancolia e, no entanto, estranha. A família aumentara de prestígio com a nova conexão com a casa real da França, naturalmente, mas como sentiam saudades de Marguerite!
Então se viram envolvidos em mais preparativos agitados, pois agora o conde e a condessa deveriam partir para Sens, a fim de serem as orgulhosas testemunhas do casamento e da coroação da filha.
Era irritante ter de ficar em casa, ser considerada uma criança. No entanto, pensou Eleanor, agora eu é que sou a mais velha. Da próxima vez que pretendentes vierem ao castelo, virão à minha procura. Mas que casamento poderia haver que se comparasse ao do rei da França!
- Quando eu me casar - disse ela a Sanchia -, meu casamento deverá ser do mesmo nível do de Marguerite.
- Neste caso, você terá de arranjar um rei, irmã - disse Sanchia.
- Eu sei. Não vou querer por menos.
- Que rei será? Eleanor ficou pensativa.
- Há um rei da Inglaterra - disse ela. - Acho que será ele. Os pais das meninas voltaram, afinal, e na noite do mesmo dia
houve comemorações no castelo. Tudo estava ainda mais satisfatório do que eles tinham ousado esperar.
Disseram às filhas que a irmã delas estava muito feliz. O marido se apaixonara por ela à primeira vista, e ela por ele.
- E não era de admirar - disse a condessa. - O rei da França é o homem mais bonito de seu reino. Seus cabelos são tão claros que brilham como uma auréola dourada à luz do sol. Os olhos são azuis, e a pele é de uma coloração tão delicada que os homens o olham com assombro. Mas o que mais nos agradou foi a sua evidente bondade. Dizem que a França é um país feliz por ter um rei assim.
- E uma rainha - acrescentou o conde, sorrindo.
- Eu quisera que vocês a tivessem visto na coroação - prosseguiu a condessa.
- Eu também - disse Eleanor.
- O manto que ela usava estava revestido de veiros, a túnica de veludo azul adornada com zibelina e arminho - continuou a condessa. - Nunca vi Marguerite tão bonita quanto na coroação. O povo nas ruas ovacionava e ovacionava. O rei estava muito feliz, e diante da multidão segurou a mão dela e beijou-a com ternura, para mostrar a todos o quanto estava satisfeito com a esposa, e é claro que estava dizendo isso a eles, para que todos também ficassem. Seu pai lhes dirá que não pude conter as lágrimas ao vê-los.
O conde confirmava, feliz, com a cabeça.
- A coroa de ouro dela, que lhe foi dada pelo rei, custou cinquenta e oito libras. Ele a cobriu de presentes. Lindas peles e ornamentos de ouro. O diadema dela não era lindo? - perguntou a condessa, e o conde garantiu a elas
que realmente era lindo.
- Houve uma taça de ouro feita para os dois, e nós os vimos bebendo dela no banquete. O rei a segurou para ela, primeiro, e depois colocou os lábios no ponto em
que os dela tinham estado. Foi muitíssimo emocionante. Oh, este ano foi um ano feliz.
Eleanor ficava ouvindo.
Oh, feliz Marguerite! Eleanor estava mais decidida do que nunca que ninguém, a não ser um rei, serviria para ela.
O casamento modificara a família. Marguerite, embora ausente, era o seu membro mais importante. Era o motivo de constantes comentários e narrativas de sua vida como rainha da França tornaram-se uma descrição diária.
Foi bom, Eleanor sabia, eles terem ficado tão importantes. Agora havia mais visitantes ao castelo, e houvera um momento inesquecível em que o rei em pessoa os visitara com Marguerite. O rei era, sem dúvida, um marido ideal. Todos os elogios que Eleanor ouvira a respeito dele não tinham sido exagerados, pelo que ela podia ver. Ele era inegavelmente bonito; tinha feições delicadas mas belamente esculpidas; a tez era tão fresca, e a pele tão clara, que se ele tivesse sido uma mulher teria parecido que a tivesse pintado daquela maneira, mas se via que aquilo era um puro frescor natural. Ele tinha cabelos louros que eram abundantes e brilhantes; e ele e Marguerite formavam um casal tão bonito, que só pela aparência encantavam as pessoas que saíam de suas casas para ovacioná-los enquanto passavam. E o que mais deliciava o conde e a condessa era a prova evidente de que aquele amor entre o casal real não era um mito. Luís, dizia-se, tornara-se mais sério depois do casamento; estava decidido a ser um bom marido e um bom rei. Quanto a Marguerite, ela estava em tal estado de contentamento que já não parecia mais a irmã delas. Eleanor ficou com uma determinação ainda maior de conseguir para si mesma o que a irmã conseguira. Mas como poderia fazer isso?
O rei da França tinha irmãos, mas Eleanor não queria ser esposa de um filho mais moço; se ela se casasse com um dos irmãos do rei - e parecia que dentro de um ano essa proposta pudesse ser examinada -, ficaria sempre subserviente perante a irmã. Não que Marguerite fosse alguma vez salientar o fato de ser a superior. Aquilo não tinha importância. Ela seria.
Um ano se passara, e Eleanor se aproximava cada vez mais do dia em que seria encontrado um marido para ela, e ela estava inquieta.
Só havia um rei que ela sabia que, ao se casar com ela, poderia lhe dar uma posição do mesmo nível do de sua irmã, e este rei era o da Inglaterra. Ele continuava solteiro, embora não parecesse provável que fosse continuar assim por muito tempo. Ele era muito mais velho do que o marido de Marguerite, estando com 27 anos de idade - e em geral arranjavam-se esposas para os reis muito antes de eles atingirem aquela idade.
Eleanor decidiu descobrir o que poderia fazer com relação ao rei da Inglaterra, e o membro da corte de seu pai que mais teria condições de prestar a informação era, naturalmente, Romeo de Villeneuve.
Ela criou oportunidades de falar com ele, que não se fez de rogado. Sentia muito orgulho de ter representado um papel no sentido de arranjar o casamento de Marguerite; e ela sabia que ele gostaria de fazer a mesma coisa por ela, de modo que era um bom aliado. Eleanor o ouvira dizer que o brilhante casamento da irmã mais velha abriria o caminho para as outras. Havia muita gente que hesitaria em aceitar a filha do conde de Provence, mas poucos não achariam que o casamento com a irmã da rainha da França seria uma boa coisa.
Eleanor depositou suas esperanças em Romeo.
Ela aprendera bastante a respeito do rei inglês. Ele estava no trono havia quase vinte anos, pois o pai morrera quando ele tinha nove anos. A Inglaterra fora ocupada pelo pai do atual rei da França, que tinha sido convidado a ir até lá porque os barões tinham desprezado tanto o pai de Henrique, o rei João, que haviam pensado que um governante estrangeiro seria melhor do que ele. Quando João morrera, Henrique fora coroado às pressas, com a gargantilha de sua mãe, já que as jóias da coroa tinham sido perdidas havia pouco tempo no Wash quando o exército do rei João atravessava aquele braço d água.
Por isso, ele se tornara rei quando era mais moço do que ela era naquele momento. Ele tivera bons conselheiros - sempre essenciais, dizia Romeo com um piscar de olho e assim chamando atenção para o valor de sua própria posição, que ela seria a última a negar. Por causa daqueles conselheiros, os franceses tinham voltado para a França e Henrique continuara a reinar em paz - devido àqueles homens fortes cujo conselho ele seguira.
- Que tipo de homem é o rei, Romeo? - perguntou Eleanor.
- É igual ao rei da França?
- Duvido que alguém seja igual ao rei da França, mas Henrique é um grande rei, e se for inteligente poderá ser mais poderoso do que Luís.
Aquilo fez com que os olhos dela brilhassem. Era aquilo que ela queria. Henrique ser mais poderoso do que Luís - isso, se ela se casasse com ele.
Mas que sonho maluco era aquele. Não houvera emissários vindos da Inglaterra para pedir a mão dela. Era revoltante o fato de ser o homem que precisava pedir a mulher em casamento, e não o inverso.
Mas as perguntas que ela fizera sobre a Inglaterra tinham feito com que a mente de Romeo se pusesse em funcionamento. Ela sabia disso. E ele estava pensando, tal como Eleanor pensava, na situação admirável que seria criada se enquanto uma das filhas do conde de Provence fosse a rainha da França a outra fosse a rainha da Inglaterra.
Eleanor ficou impaciente para entrar em ação. Mas o que poderia fazer? Romeo não poderia enviar menestréis à corte da Inglaterra para cantarem seus encantos. E ela só tinha doze anos. Se ao menos tivesse sido a mais velha...
Ela tornou-se obcecada pela Inglaterra. Discutia sobre aquele país com Romeo. Já sabia que ele tinha sido conquistado por Guilherme da Normandia e que Henrique era descendente dele. Sabia que devido às loucuras do rei João restavam muito poucas possessões à coroa inglesa.
- Eles vão tentar recuperá-las - disse Romeo -, e o rei da França fará tudo o que estiver ao seu alcance para contê-los.
Era uma situação interessante.
Ela encontrava consolo para sua impaciência escrevendo, e era natural que escrevesse sobre a Inglaterra. Gostava das velhas lendas que tinham sido transmitidas ao longo dos anos e tomou uma delas como base de um poema narrativo.
Era sobre uns certos Blandin da Cornualha e Guilherme de Miremas, que se apaixonaram por duas irmãs, as princesas Briende e Irlonde. Para conquistarem essas damas, os dois cavaleiros tinham de realizar proezas de grande ousadia. Eleanor sentia-se arrebatada de orgulho e paixão enquanto inventava as tarefas aparentemente impossíveis. E em sua imaginação, ela era a bela Briende.
Concluído o poema, seus pais convocaram vários membros da corte para que pudessem ouvir a filha deles lê-lo, pois, além de seus talentos literários, ela possuía uma bela voz e sabia cantar quando assim o era exigido e depois entrar numa recitação apaixonada.
Foi uma apresentação excelente, e quando terminou, Eleanor, afogueada pelo triunfo, ergueu o olhar para encontrar os olhos de Romeo fixos não nela, mas no espaço,
como se seus pensamentos estivessem muito longe.
Ela ficou magoada e zangada. Era evidente que ele não prestara atenção à leitura que ela fizera.
Sua mãe a estava abraçando.
- É a sua maior realização - disse ela. - Você é realmente uma poetisa, filha.
- Romeo não parecia pensar assim - disse ela, ríspida. Romeo ficou imediatamente de pé.
- Na verdade, Sra. Eleanor - declarou ele -, a senhora está enganada. Eu o achei um trabalho notável. Estava pensando na pena que é o mundo inteiro não poder conhecer o seu talento.
- Eleanor sente prazer em encantar a família, eu sei - disse o conde com afeição.
Mais tarde, naquele dia, ao sair do castelo para uma caminhada no gramado com Sanchia, Eleanor se encontrou, como que por acaso, com o lorde de Villeneuve.
Era suficientemente astuta para saber que aquilo não se tratava de encontro casual, e quando ele deu a entender, com a maior das discrições, que queria falar com ela a sós, ela mandou Sanchia apanhar um agasalho para ela no castelo e levá-lo para ela na área dos arbustos, decidindo que se ela estaria ou não entre os arbustos quando Sanchia voltasse dependia da importância do que Romeo tinha a dizer e do tempo que aquilo levaria.
Romeo foi direto ao assunto.
- Seu poema me deixou muitíssimo impressionado. A senhora não achou isso porque fiquei distraído por uma ideia que me ocorrera sobre como se poderia tirar vantagem do poema.
- Como assim? - disse Eleanor.
- O poema se passa na Cornualha. A senhora sabia que o conde de Cornualha está, no momento, em Poitou?
- Eu não sabia - disse Eleanor, e acrescentou, embora soubesse muito bem: - Ele não é irmão do rei da Inglaterra?
- Realmente. E neste momento, está planejando partir numa cruzada. É por isso que está em Poitou. Ocorreu-me a ideia de que como o poema é passado na Cornualha o conde gostaria de vê-lo.
- O que o senhor sugere?
- Que a senhora o envie a ele com uma carta encantadora na qual diga modestamente que escreveu o poema e, ao saber que ele estava perto daqui e como o poema é passado em seu domínio, a senhora achou que ele poderia interessá-lo.
- O que meu pai diz disso?
- Seu pai, sem dúvida, iria achar isso um ato fora do comum, como aconteceu quando enviei um menestrel à corte da França para cantar a beleza e o talento de sua irmã.
- E o senhor acha que por causa disso...
- Não. Mas ajudou. Jovem, bonita, bem-educada... são estas as qualidades que os reis da atualidade procuram em suas esposas.
- Mas Ricardo...
- É o irmão do rei, que dentro em pouco estará voltando para a Inglaterra, onde o rei está pensando em casamento. Deve estar, porque será seu dever casar-se, e ele já vem adiando isso há muito.
- Com que então... se eu enviar o poema...? Romeo confirmou com a cabeça.
- com um bilhete encantador... o tipo que uma jovem menina poderia escrever reagindo a um impulso. Quem sabe...?
- vou enviá-lo - disse Eleanor.
- E logo - aconselhou Romeo.
Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. Ele se afastou, então, e ela dirigiu-se às pressas aos arbustos, onde Sanchia esperava impaciente com o agasalho.
A vida toda, Ricardo, conde de Cornualha, tinha sido lembrado do tio em homenagem ao qual ele fora batizado - Coeur de Lion. O maior soldado de sua época, que já se tornara uma lenda em seu país - o intrépido combatente cujo nome era suficiente para espalhar o terror em meio aos sarracenos. Apesar da habilidade militar e da coragem de Ricardo Coração de Leão, ele não conseguira capturar Jerusalém, embora se dissesse que acabaria fazendo isso se sua vida não tivesse sido interrompida por um arqueiro fora dos muros do castelo de Chaluz.
Para um jovem que, apesar de todos os seus esforços para negálo, não era forte do ponto de vista físico, um passado desses era uma desvantagem. Podia-se dizer que o Coração de Leão tinha sido perturbado por ataques periódicos de sezão, mas assim que eles passavam, ele ficava cheio de vigor. A inaptidão de seu sobrinho era menos fácil de definir, e manifestava-se numa lassidão generalizada, e não em qualquer sintoma óbvio.
Ricardo sempre soubera que cedo ou tarde teria de partir numa cruzada. Era o que se esperava dele; e aquele parecia um bom momento. Ele estava, na verdade, sinceramente cansado do seu casamento. Tinha sido um tolo quando, com apenas 22 anos de idade, casara-se com uma mulher muito mais velha do que ele. Fora um ato irresponsável e impetuoso. Ele tinha sido prevenido - até mesmo pela própria senhora - de que não seria bom, e todos tinham tido razão.
Isabella era filha do velho Guilherme Marechal, um dos homens mais importantes - poder-se-ia dizer o mais importante da Inglaterra à época da morte do rei João, pois se Guilherme Marechal não tivesse apoiado Henrique, ele não teria sido aceito pelo povo.
Que tolo ele tinha sido ao casar-se com a viúva de Gilbert de Clare, que dera ao marido seis filhos. Ele devia estar louco. Claro que Isabella era uma mulher excepcionalmente bonita, e naquela época ele achara instigante o fato de ela ser mais velha. Ele dissera a si mesmo que não queria saber de mulher jovem. Uma mulher madura era muito mais de seu agrado. E por isso se casara, e o que aconteceu? Ela, que dera ao marido anterior seis filhos, até ali só lhe dera um filho homem, e porque suas visitas a ela se tornaram menos frequentes, ela se tornara melancólica, de modo que o grande desejo dele era ir para longe dela.
Que situação! Henrique iria dizer: "Eu bem que o avisei." Henrique era muito bom nisso. Ele não tinha sido tão afortunado em seus assuntos matrimoniais, no final das contas. Estava na hora de se casar. Um rei tinha seus deveres para com o Estado. Mas Henrique parecia não ter sorte. Na verdade, parecia que - embora fosse rei - ninguém estava muito ansioso por se casar com ele. Ele já havia enviado sondadores à Bretanha, à Áustria e à Boémia - sem resultado. Então, é claro, tentara uma princesa da Escócia, mas como a irmã dela já estava casada com Hubert de Burgh - o principal ministro do rei depois da morte de Guilherme Marechal -, era considerado desaconselhável um rei e um ministro seu casarem com irmãs. Dizia-se que Hubert, ansioso por que nenhum daqueles casamentos se realizasse, espalhara rumores de que o rei da Inglaterra tinha um desvio, tinha um caráter lascivo e desagradável de maneira geral, sendo mentiroso e covarde; sussurrava-se, até, que era leproso. Era evidente que o pobre do velho Hubert estava agora em decadência, sendo perseguido tenazmente pelos inimigos, que estavam sempre prontos a apresentar qualquer acusação contra ele, por mais ridícula que fosse. Ricardo não acreditava que o velho Hubert fizesse aquilo. Não, Hubert era um homem bom. Claro que estava de olho na grande oportunidade e queria reunir o máximo de terras e dinheiro que pudesse... (ora, quem não queria?) mas Hubert era honrado... como eram os homens. E Ricardo se recusava a acreditar nas histórias contadas pelos inimigos dele.
Na verdade, Henrique já não era muito moço e ainda assim não tinha uma esposa. Ele se sentia um pouco humilhado por isso e queria se casar. Mostrava, no entanto, muito pouca simpatia pelos problemas de Ricardo. Na sua opinião, Ricardo agira como um tolo e devia arcar com as consequências.
Mas Ricardo não era homem de aceitar o destino. Já enviara sondadores a Roma com a costumeira alegação de consanguinidade, mas o papa não via o caso com simpatia; por isso, àquela altura, Ricardo, estando casado com uma mulher que já não o agradava mais, podia ver com interesse uma cruzada à Terra Santa.
Um projeto daqueles precisava de muitos preparativos, e demoraria algum tempo para que ele pudesse partir, provavelmente um ano ou mais; naquele ínterim, ele poderia aproveitar os preparativos.
Ficou surpreso quando chegou um mensageiro vindo de Lês Baux com um pacote para ele, e achou graça e ficou um tanto intrigado quando descobriu a carta escrita numa boa caligrafia, mas obviamente por uma pessoa jovem, que explicava que o poema narrativo era um presente, para ele, da filha do conde de Provence. Ela o enviara porque estabelecera o cenário na Cornualha, terra que a fascinava e que ela sabia pertencer a ele, de modo que lhe parecera que por causa disso ele poderia examinar o trabalho com atenção. Intrigado, ele interrogou o mensageiro.
- Isto lhe foi entregue pela filha do conde?
- É verdade, senhor conde. Ricardo sorriu.
- Creio que o conde tem várias filhas.
- Tem quatro, senhor conde.
- E uma delas, não faz muito tempo, tornou-se rainha da França. Foi a segunda mais velha que lhe deu isto?
- Lady Eleanor, senhor conde.
- Ela é uma jovem...
- Muito jovem, senhor.
- E deve ser, mesmo, pois a rainha da França não passa de uma criança, e Lady Eleanor é mais moça.
- Creio que uns dois anos, senhor conde.
Ricardo fez um gesto afirmativo com a cabeça e dispensou o homem para que fosse atendido pelos seus criados, a fim de que descansasse da viagem. Depois, leu o poema.
Era bom. Mostrava um estilo maduro, e as aventuras dos cavaleiros eram contadas com uma verve e uma autenticidade realmente assombrosas, vindas de uma menina que não podia ter mais de treze anos e nunca vira a região sobre a qual escrevia. Uma menina fora do comum, poder-se-ia dizer uma menina brilhante. Ricardo mentalizou uma ardente menina estudiosa consultando os livros.
Ele precisava escrever uma nota delicada de agradecimento e cumprimentá-la pela capacidade. Capacidade! Para uma menina daquela idade escrever um poema daqueles sobre uma terra que jamais vira, ela era quase um génio.
Mandou chamar o mensageiro, e quando o homem chegou à sua presença, disse:
- Fale-me sobre Lady Eleanor. Ela é bonita?
- Meu senhor, dizem que ela é a mais bonita das irmãs, e duvido que se possa encontrar uma família mais bonita na França.
- É mesmo? - perguntou Ricardo, pensativo.
- É, sim, senhor conde. A senhora é chamada de Eleanor la Belle. No entanto, as irmãs também são bonitas.
- A senhora me concedeu uma honra muito grande. Eu gostaria de ter a oportunidade de agradecê-la pessoalmente. Volte para Lês Baux e diga ao conde de Provence que estarei passando por suas terras e me sentiria honrado se pudesse fazer uma visita ao castelo.
- O conde terá um imenso prazer, senhor, sem dúvida alguma.
- Neste caso, depois que você tiver descansado, parta. Não tenho dúvidas de que estarei seguindo logo atrás de você.
Eleanor viu o mensageiro voltando e desceu correndo para interrogá-lo.
- O que disse o conde de Cornualha quando viu o que continha o pacote? - perguntou ela.
- Ele quer vir aqui em pessoa para agradecer à senhora. Ela ficou alvoroçada. Girou nos calcanhares e saiu logo à procura de Romeo.
Encontrou-o em companhia de seu pai e achou que não havia tempo para delongas, de modo que foi relatando o que o mensageiro dissera.
- O conde de Cornualha - bradou o conde. - Temos de dar a ele uma boa recepção. Mas como foi que isso aconteceu?
Eleanor olhou para Romeo, que disse:
- Lady Eleanor enviou seu poema ao conde. Parecia que iria deixá-lo satisfeito, já que era passado no país dele.
O conde olhou dela para Romeo, sem acreditar.
- Foi a conselho meu - disse o lorde de Villeneuve, rápido.
- Não vi razão para que o conde de Cornualha, estando nas vizinhanças, não fosse avisado sobre o talento da senhora.
O conde deu uma risada curta.
- Meu caro Romeo, será que isso é outra de suas tramas? Romeo arregalou os olhos e disse:
- Mas parecia tão normal! O poema é passado na Cornualha. O conde de Cornualha está bem perto. Estou certo de que ele ficou encantado. Ele poderá lhe dizer, minha senhora, se as suas descrições do país dele foram bem-feitas.
Eleanor olhava do ministro para o pai. O conde parecia vagamente constrangido. Era claro que ela estava pensando: Ricardo não era Henrique, mas era irmão dele e em breve estaria voltando para a Inglaterra. Era uma maneira de se aproximar dele. Fazer alguma coisa - por desvairada que fosse - em vez de não fazer coisa alguma, agradava à sua natureza.
O conde disse
- É preciso contar logo à condessa. Vai ser necessário fazer preparativos para o irmão do rei da Inglaterra.
Ela era uma bela menina, pensou Ricardo, pois menina ela era, apesar do fato de ser tão senhora de si. Era realmente Eleanor la Belle! E quando pensou no poema de autoria dela, que ele a princípio achara que devia ler por alto e depois ficara entusiasmado com o trabalho, ficou assombrado. Ela não era só bonita, mas inteligente.
Ela o fazia ficar cada vez mais contrariado com o seu casamento. Pelos olhos de Deus, pensou ele, se eu já não fosse casado, pediria a mão dela.
Houve um banquete no grande salão, preparado especialmente para ele, e ele se declarou tão encantado com a filha do conde que pediu para ser apresentado às outras.
Sanchia e Beatrice, juntamente com Eleanor, formavam um trio encantador; e se talvez Eleanor superasse as irmãs em beleza e porte, as outras não ficavam muito atrás.
Ricardo foi muito delicado, e conversou com eles sobre o poema de Eleanor sobre a Cornualha, que disse tê-lo impressionado pela maneira pela qual expressava a atmosfera da região.
Depois, falou-lhes sobre o castelo de Corfe, onde passara grande parte da primeira fase de sua vida, e disse que fora educado com o maior rigor, sob os cuidados de tutores severos. Falou sobre a Cornualha - aquela parte mais extrema do oeste da Inglaterra, que se afilava numa rochosa crista de terra que avançava bastante oceano adentro. Falou sobre as charnecas e sobre a costa escarpada que era muito traiçoeira para os navios, e sobre o estranho mistério da região onde, no passado, tinham acontecido tantos casos estranhos. Ele acreditava que o rei Artur e seus cavaleiros haviam andado por aquelas charnecas.
Ele se voltou para Eleanor.
- com a sua imaginação, cara senhora, a senhora encontraria muito sobre o que escrever na minha terra da Cornualha. Iria encontrar muita gente como o bravo cavaleiro Blandin. Eu gostaria de poder mostrá-la à senhora.
- Estou muito ansiosa por visitá-la - bradou Eleanor.
- Talvez visite um dia - replicou Ricardo; e olhou para ela com tanta insistência, que a cor subiu às faces dela, que baixou os olhos, com medo de que o conde lesse seus pensamentos.
- Eu também gostaria de ir - disse Sanchia, que era criança demais para esconder a admiração pelo hóspede.
- Esperemos que de algum modo isso aconteça - disse Ricardo. - Por que não convido todos os senhores?
- É tão longe... - disse Sanchia. - Do outro lado do mar.
- Eu gostaria de ir num navio - interferiu Beatrice. - O senhor veio num navio, senhor conde.
- É verdade, vim, e o mar foi tão duro conosco, que mais de um de meus homens desejou morrer.
- Mas o senhor, não - disse Sanchia.
- Eu sou um marinheiro razoável - respondeu ele -, o que é uma graça, porque em minha família costumávamos passar a vida atravessando o mar de um lado para o outro. Essas viagens podem voltar a acontecer.
Eleanor foi a única que sabia que ele estava se referindo à recuperação das possessões perdidas. Ficou calada, porque toda a sua atenção estava concentrada no que ele tinha a dizer. Ela queria ouvir falar cada vez mais sobre a Inglaterra; e ouvir falar na Inglaterra significava ouvir falar em seu rei.
- Meu irmão, como sabem, é rei há muito tempo. Ele é só um pouco mais velho do que eu. Pensem bem. Se eu tivesse nascido quinze meses mais cedo e ele quinze mais tarde, seria o rei da Inglaterra que estaria sentado conversando com os senhores agora.
- Neste caso, o senhor não estaria aqui - salientou Eleanor.
- Por que não deveria estar? Eu lhes digo uma coisa. Se meu irmão tivesse conhecimento do talento e da beleza das filhas do conde de Provence, não poderia resistir a uma visita.
- Quando um rei fizer uma viagem à França - salientou Eleanor -, haverá muita gente que desconfiará de seus motivos. Ele não poderia fazer isso só para ver as filhas de meu pai.
- Vejo que a senhora é inteligente de verdade. Não, o rei não poderia vir aqui sem muita pompa e muito alarde. Haveria suspeitas de que estivesse pedindo a ajuda do conde contra o rei da França.
- Ele é nosso cunhado - disse Beatrice, com voz esganiçada.
- Por isso estão vendo, queridas senhoras, que haveria consternação se ele viesse. Como sou afortunado por ser apenas irmão dele, pois posso ir e vir como quiser. Mas estejam certas de que contarei a meu irmão minha visita aqui. vou fazer com que ele tenha inveja de mim... pelo menos uma vez.
Pelo que ele revela, pensou Eleanor, que ele já sentiu inveja do rei mais de uma vez.
Então, pediu a Ricardo que lhe falasse sobre a Inglaterra e aprendeu muita coisa a respeito da corte e suas cerimónias, e que as senhoras ficavam tão ansiosas por mostrar os cabelos, que embora tivessem toucados elaborados, era frequente levá-los nas mãos; os vestidos usados pelas senhoras eram semelhantes aos usados em Provence, pois a moda passava de país em país; os nobres usavam brocados e veludo, seda e roupa de cama e mesa fina, e as pessoas mais pobres teciam suas fazendas com fio de lã ou pêlo de cabra, tal como em Provence. O rei estava muito interessado em arquitetura, e por isso surgiam prédios por todo o país. O rei era um homem que gostava imensamente de música e literatura.
- Vou mostrar a ele o seu poema, quando voltar à Inglaterra - disse Ricardo a Eleanor. - Sei que ele vai gostar muito dele.
Eleanor voltou a enrubescer e baixou os olhos. Realmente um triunfo. Como Romeo era inteligente! O caminho era aquele.
- Talvez o senhor o mostre à rainha dele e a ele - disse ela.
- Meu irmão não tem rainha.
- Mas muito em breve terá, sem dúvida.
- Terá que ter. É obrigação dele. Embora enquanto não tiver, eu sou o herdeiro do trono, como sabem.
Eleanor ficou alerta. Ali estava um homem muito ambicioso. Então seria de seu interesse manter o irmão solteiro? Oh, não, ele não podia fazer uma coisa daquelas. Não seria permitido. Além do mais, sem dúvida Henrique, na qualidade de rei, seria o único a decidir quando se casar.
Ricardo continuou:
- Sim, eu acho que ele vai acabar se casando. Na verdade, esse dia pode chegar em breve.
- Ele está noivo? - perguntou Eleanor.
- Não é bem assim, mas creio que há entendimentos sendo feitos.
O coração dela batia acelerado. Tarde demais. Era tarde demais. Ela viu o seu prémio - o único prémio que restava escorregar-lhe por entre os dedos.
Sentiu uma grande simpatia por Ricardo de Cornualha. Os dois haviam nascido tarde demais.
Ricardo começou a falar-lhes sobre a corte; os banquetes que eram dados, os jogos que eram jogados. Perguntas e Ordens era um dos favoritos, e também o roi-qui-ne-ment, o rei que não mente, no qual eram feitas perguntas e as respostas dadas deviam ser a verdade; o xadrez era muito jogado, e sem perguntar ele sabia que as meninas sabiam jogá-lo, pois jogar bem era considerado parte necessária da educação de meninas e meninos bem-criados; e havia um jogo chamado de "gamão", no qual duas pessoas jogavam e os movimentos das peças eram determinados pelo arremesso de dados; havia saltos, acrobacias, malabarismo e, é claro, dança e música.
- E o rei percorre o país numa comitiva real?
- Percorre, sim. Meu irmão adora a pompa. E isso, naturalmente, está refletido em sua corte. O povo gosta disso.
- É assim que um rei deve ser - disse Eleanor.
- Diversões pródigas são preparadas para ele nos castelos que ele visita. Temos os jograis, claro, que vêm com canções e danças. Alguns dos jograis são mulheres; eles dançam bem e sabem cantar; são bons em mímica; representam pequenas peças. Posso lhes dizer que não há falta de alegria na corte de meu irmão. Mas ele prefere mais os músicos e os poetas e aqueles que realizam uma certa espécie de dança. Ele sempre foi mais estudioso do que eu. Acho que ele adora os livros quase tanto quanto adora o seu reino.
- Quem é a dama que irá partilhar do trono dele?
- É Joana, filha do conde de Ponthieu.
O conde de Ponthieu!, pensou Eleanor. Ela não era de uma classe mais elevada do que a filha do conde de Provence. E para ela, uma coroa! Oh, eles deviam ter agido mais cedo.
- Quando... quando será o noivado?
- Duvido que haja alguma demora. Meu irmão acha que já esperou demais... e o mesmo pensam os seus ministros. Creio que as propostas podem já ter sido encaminhadas a meu irmão. Sei que ele as está esperando ansioso.
Eleanor parecia ter perdido o ânimo. Poderia ter dado resultado. Mas era tarde demais.
Quando Ricardo foi embora, montado em seu cavalo, as três meninas ficaram com os pais acenando para ele.
Ele olhou para trás e pensou como era encantador o grupo que eles formavam. Era evidente que as notícias sobre a beleza das meninas não tinham sido exageradas.
Eleanor era muito talentosa; Sanchia era encantadora – muito jovem e muito atraente; e até mesmo a pequena Beatrice iria ser uma beleza quando crescesse.
Ele levou consigo o poema. Era realmente uma obra de arte.
Voltou-se em sua sela e bradou:
- Nós voltaremos a nos encontrar. É uma promessa que faço a mim mesmo.
E então foi embora.
Sanchia cerrou as mãos e murmurou:
- Ele é o homem mais bonito que já vi.
Os pais riram dela com ternura. Eleanor ficou calada. Tarde demais, pensava ela. Só umas poucas semanas tarde demais.
Uma Viagem pela França
O REI ESPERAVA o RETORNO dos mensageiros de Ponthieu com uma certa impaciência. Como dissera a um de seus principais ministros, Hubert de Burgh, era ridículo que
um homem da sua idade - dali a um ano ele faria 29 anos - nunca tivesse se casado. E ele, um dos maiores partidos no mercado matrimonial!
Não era por sua culpa que ele tinha fracassado até ali. Ele bem que se esforçara. Que mistério era aquele? Por que um rei precisava tentar encontrar uma esposa? O certo seria que todos os homens mais ricos e mais importantes da Europa levassem as filhas casadouras à sua atenção.
Será que há alguma coisa de errada comigo?, perguntara-se ele.
Olhando-se no espelho, ele não achava coisa alguma que pudesse ser um empecilho ao casamento. Ele não era exatamente bonito, e no entanto não era, de forma alguma, mal parecido. Tinha altura mediana e um corpo forte. Era verdade que uma das pálpebras era caída e o olho ficava escondido, e aquilo lhe dava uma aparência estranha que, para alguns, poderia parecer um tanto sinistra, mas de certa maneira indicava um ar de distinção. Ele nada tinha de tirano. Reconhecia que era um liberal e um homem benevolente
- exceto em raros momentos, quando sua raiva era provocada. Era conhecido como um patrono das artes e um homem de gosto refinado. Mas não eram só esses dons que ele tinha a oferecer a uma esposa. Ele era o rei da Inglaterra, e a mulher com quem se casasse seria uma rainha.
Por isso, era assombroso que tivesse ficado tanto tempo solteiro. Antes daquela, fizera três tentativas e nenhuma dera resultado.
Estava ficando um pouco desconfiado.
Mandou chamar Hubert de Burgh. Hubert voltara a cair nas suas graças, mas o relacionamento dos dois jamais seria o mesmo de antes. Houve época, quando ele era menino, em que Henrique idolatrara Hubert, pois Hubert - com Guilherme Marechal - lhe dera a coroa. Ele era um menino de nove anos, os franceses estavam de posse das cidades-chave da Inglaterra, a mãe acabara de ser libertada da prisão em que o pai dele a colocara, quando Hubert e Guilherme Marechal o haviam colocado no trono, arregimentado o país e tornado possível que ele fosse rei.
Uma façanha dessas deveria ter feito de Hubert um amigo para a vida toda, e quando Guilherme Marechal morrera, Hubert se tornara seu juiz supremo e conselheiro. Henrique ouvira os conselhos de Hubert, acreditara em Hubert, mas à medida que Hubert ficara mais influente, ficara mais rico e se aproveitara de todas as situações para aumentar seu poder e o poder de sua família. Chegara, até, a se casar com a irmã do rei da Escócia. Os inimigos de Hubert começaram, então, a injetar o veneno da inveja nos ouvidos de Henrique, e ele acreditara.
Afinal, devia haver algo de verdade naquilo que eles davam a entender. O velho Hubert fora perseguido tenazmente, sendo obrigado a largar os cargos, sua vida passou a ficar ameaçada, e o próprio Henrique quase o matara com sua espada em certa ocasião. Algo de que ele se arrependera mais tarde, pois não era, por natureza, um homem violento. Mas o que não podia suportar - e isso ocorria muito naquela época - era alguém dando a entender que ele era jovem, inexperiente e incapaz de tomar decisões. Ele tivera que aguentar demais aquelas coisas quando era muito moço, cercado como estivera por conselheiros que se imaginavam muito inteligentes.
Mas agora Hubert voltara a cair nas boas graças. As terras e as honrarias lhe haviam sido devolvidas; e para mostrar sua contrição, Henrique tentava comportar-se para com ele como se aquela época terrível, em que ele fora obrigado a fugir de onde estava asilado e chegara muito perto de uma morte violenta, jamais acontecera.
Hubert chegou e foi direto para os aposentos do rei.
Pobre Hubert, envelhecera muito. Perdera aquela vivacidade que lhe fora característica; a testa ficara muito enrugada e a pele perdera o frescor. Além do mais, havia um olhar desconfiado, como se ele estivesse vigilante e jamais voltaria a confiar nos que o cercavam.
Aquilo era compreensível. Ele poderia, muito facilmente, ter acabado ficando prisioneiro na Torre de Londres, para sair somente para receber a morte dos traidores. Aquilo acontecera muito depressa e muito de repente e, na opinião de Hubert, sem motivo. Ele jamais se livraria do medo de que pudesse acontecer outra vez.
- Ah, Hubert. - O rei estendeu a mão e teve um sorriso caloroso.
Hubert tomou-lhe a mão e, curvando-se acentuadamente, beijou-a. com que então, ele estava a salvo naquele dia, pensou. O rei estava preocupado, mas Hubert não seria responsabilizado pelo que o estivesse perturbando. Hubert relaxou um pouco. Henrique não podia ser culpado de todo. Ele fora desviado por homens maldosos que estavam decididos a destruir Hubert de Burgh, homem cujas posses e posição junto ao rei eles invejavam. Mas isso foi antigamente. Por uma grande sorte do ponto de vista de Hubert, Edmund, o santo arcebispo de Canterbury, deplorara a influência que o arquiinimigo de Hubert, Peter dês Roches, bispo de Winchester, estava conseguindo sobre o rei. Ele não estivera sozinho naquilo e, apoiado por poderosos barões, o arcebispo ameaçara o rei de excomunhão se não demitisse o bispo.
Henrique, cujos instintos religiosos eram fortes, ficara impressionado pela santidade do arcebispo de Canterbury e acabara demitindo Peter dês Roches. Assim, fora aberto o caminho para a volta de Hubert às boas graças.
Mas devia haver tensões entre os dois que jamais seriam vencidas. Hubert não esquecia que o rei se voltara contra ele e que só uma sorte extrema evitara que seus inimigos o destruíssem; Henrique iria sempre lembrar-se dos rumores que ouvira sobre Hubert. Nunca mais os dois iriam confiar um no outro.
Peter dês Roches fora embora da Inglaterra, levando consigo grande parte de sua riqueza, que ele colocara à disposição do papa, que estava em guerra com os romanos. Mas a sua lembrança continuava, e o dano que ele causara a Hubert jamais seria inteiramente eliminado.
Disso tudo os dois se lembraram enquanto se encaravam.
- Os mensageiros estão custando a voltar de Ponthieu - disse Henrique.
- Majestade, há muita coisa para eles resolverem. Quando voltarem, os contratos já terão sido aprovados e sua noiva estará fazendo os preparativos para vir para a Inglaterra.
- Espero que ela seja tão graciosa quanto nos disseram que era, Hubert.
- Ela é jovem, e não tenho dúvidas de que é também graciosa.
- Desta vez - disse Henrique - vou providenciar para que nada impeça o meu casamento.
- Não vejo razão, majestade, para que seja impedido. Por um instante Henrique olhou para o juiz com olhos semicerrados. Seria verdade ou maledicência a informação de que Hubert fora o responsável por interromper as negociações para aqueles outros casamentos? Não, ele não acreditava que Hubert fosse se portar daquela maneira. Além do mais, qual teria sido a intenção?
- O conde de Ponthieu está ansioso pelo casamento - prosseguiu Hubert -, e o mesmo acontece, creio eu, com a filha dele. Na verdade, majestade, eu soube de fonte altamente autorizada que eles nem acreditam na boa sorte que tiveram.
- Isso não me surpreende - respondeu Henrique, complacente. - Ponthieu não tem grande importância quando comparada à Inglaterra. Será um ótimo casamento para a jovem.
Ele sorriu. Iria gostar de ser delicado com sua esposa, mostrando a ela o belo casamento que ela fizera, fazendo com que ela soubesse que, de todas as maneiras, ele lhe era superior. Como a jovem iria amá-lo por ele cobri-la de tantos benefícios!
- Hubert - disse ele -, quero que você apresse esse casamento. Já houve muita demora.
- Minha intenção é esta, majestade - replicou Hubert. - Esteja certo de que dentro de poucas semanas sua noiva estará aqui.
Quando Ricardo voltou para a Inglaterra, seu primeiro dever foi apresentar-se ao irmão. Mesmo enquanto se cumprimentavam, os dois estavam cientes da cautela que penetrara no seu relacionamento. Eles haviam perdido a confiança que tinham antes. Desde aquele dia em que Henrique discutira com Ricardo e chegara até a pensar em mandar prendê-lo e Ricardo reunira alguns dos principais barões para ficarem a seu lado, Henrique tornara-se desconfiado do irmão. A partir do dia mesmo em que ele subirá ao trono, no modo de agir de cada barão à sua volta houvera a sugestão de que ele devia lembrar-se do que acontecera a seu pai. Runnymead! Só o nome continha um aviso sinistro. Aconteceu com o rei João; poderá acontecer com você. Os barões nunca mais iriam deixar que rei da Inglaterra nenhum esquecesse o poder que eles representavam. E quando um rei tivesse um irmão ambicioso que já se mostrara capaz de ficar contra ele, precisava realmente ser cauteloso.
Ricardo jamais esqueceria que, instado pelo juiz, Henrique estivera a ponto de prendê-lo e, não fossem a lealdade de alguns de seus criados e sua ação imediata, ele poderia ter acabado sendo prisioneiro do rei. Ele fora obrigado a provocar os barões que vigiavam as ações do rei e estavam prontos a ficar do lado dele antes que ele pudesse sentir-se livre novamente. E embora ele e o rei tivessem se tornado amigos mais tarde, incidentes como aquele jamais seriam esquecidos.
Ricardo estava intensamente ciente da rivalidade entre os dois. Ele mesmo jamais se esqueceria de que tinha sido apenas a ordem do nascimento deles que colocara Henrique na posição superior e ele, naturalmente, achava que teria sido um rei melhor. Henrique sabia de seus sentimentos, e isso não lhe granjeava o afeto do irmão.
Ainda assim, devido ao parentesco íntimo, os dois sabiam que uma animosidade aberta entre eles seria incómoda para ambos.
Henrique estava irritado porque suas aventuras matrimoniais haviam falhado, mas ao mesmo tempo sentia-se satisfeito porque a aventura de Ricardo naquele sentido, embora positiva, estava longe de ser satisfatória.
- E então, como se saiu? - perguntou o rei.
- Muito bem.
- E está adiantado em seus preparativos? Quando estará partindo para a Terra Santa?
- Ainda falta muito o que fazer. Pode levar dois anos, no mínimo.
- Tanto tempo assim! Bem, você vai ter um pouco de tempo para passar com sua mulher antes de ir. - O leve sorriso, o olhar por baixo da pálpebra caída, irritaram Ricardo. Não havia necessidade de Henrique tripudiar. Ricardo sabia que cometera um erro. Mas pelo menos se casara e tinha um filho para mostrar como resultado.
- O menino desabrocha - disse ele, com um toque de malícia. Henrique vacilou. Como ele adoraria ter um filho! - Você precisa vê-lo, Henrique. Afinal de contas, ele foi batizado em sua homenagem.
- Fico feliz ao saber que está tudo bem com ele. Espero que dentro em pouco ele venha a ter um primo.
- Ah, então os planos de casamento estão prosseguindo.
- Ainda estamos esperando a volta da embaixada. Quando eles chegarem, não perderei tempo.
- Entendo muito bem. Você já esperou demais.
- Viu Joana quando esteve em Ponthieu?
- Vi.
- E achou que ela é bonita?
Ricardo hesitou e viu a ansiedade nascer no rosto de Henrique.
- Oh, bonita bastante - disse ele.
- Bonita bastante - bradou Henrique. - Bonita bastante, para quem... para o quê?
- Não se pode pedir demais de uma noiva num casamento político, pode? Se ela nasceu no berço certo e o casamento traz as condições desejadas, o que importa se a moça é bonita ou não?
Fez-se um silêncio, enquanto a fisionomia de Henrique ficava mais carrancuda. Então, Ricardo soltou uma gargalhada.
- Oh, meu irmão, estou apenas provocando. Ela é graciosa...
- Bastante? - acrescentou Henrique.
- Para dizer a verdade, eu a comparei com uma outra que conheci por um simples acaso.
- Oh, você tornou a se apaixonar, então?
- Eu bem podia estar para me apaixonar. Ela é filha do conde de Provence. Acho que nunca vi uma jovem mais bonita. Ela é inteligente, também. Uma poetisa... uma música... uma menina que recebeu uma educação fora do comum. Isso fica evidente nos seus modos... na sua maneira de falar... e, é claro, na sua poesia.
- Não está falando da rainha da França?
- Nada disso. Eu não a vi. Não era nada provável que eu teria sido recebido com muita amizade na corte da França. A menina que tanto me impressionou foi a irmã dela, Eleanor. Você iria gostar da corte de Provence, irmão. Eles dão grande importância à música. As conversas brilham pelo espírito. Trovadores vão de todas as partes da França, com a certeza de serem apreciados. Eu lhe digo que aquilo é um paraíso. O conde tem quatro belas filhas. Uma, você sabe, tornou-se a rainha da França. com isso restaram Eleanor, Sanchia e Beatrice.
- E a que o deixou encantado?
- Todas elas me deixaram encantado, mas Eleanor tem treze anos. É uma idade deliciosa... particularmente numa pessoa tão talentosa quanto Eleanor.
- E como é ela em comparação com Joana de Ponthieu? Ricardo encolheu os ombros e baixou os olhos.
- Vamos - disse o rei, ríspido -, eu preciso saber.
- Joana é uma moça graciosa... uma criatura agradável...
- Mas Eleanor é superior a ela?
- A comparação é injusta. Não há ninguém que possa se comparar a Eleanor. Quando li o poema que ela escreveu, não acreditei que uma pessoa tão jovem quanto ela pudesse tê-lo escrito. Decidime a conhecê-la, então...
- Que poema é esse?
- vou lhe mostrar. Ela escreveu um longo poema passado na Cornualha, e como eu estava por perto, mandou-o para mim. Assim que acabei de lê-lo, tinha de conhecer a autora, e foi assim que fui passar aqueles dias deliciosos na corte de Provence.
- Deixe-me ver esse poema - disse Henrique.
- Eu o trouxe para você. Leia-o quando achar oportuno. Estou certo de que com os seus dotes poéticos você irá perceber o talento dessa menina.
- Sua voz se torna macia quando menciona o nome dela. Creio que está apaixonado por ela.
Ricardo dirigiu um olhar triste para um ponto à sua frente
- Você conhece a situação em que me encontro.
- Na qual você mesmo se colocou - corrigiu Henrique. Foi a sua natureza inconsequente que o colocou onde está hoje., casado com uma velha. Eu poderia ter-lhe dito que você iria se arrepender. E o papa recusando o divórcio.
- Pode ser que um dia eu convença o papaHenrique ficou impaciente
- Fale mais de Provence.
- O conde tem orgulho das filhas. Quem não teria? Depois de garantir o rei da França para uma delas, ele irá procurar nas alturas para as outras.
- E como é Eleanor em comparação com Marguerite?
- Ouvi dizer, no castelo, que ela era até mais bonita. Na verdade, por causa disso ela era sempre chamada de Eleanor la Belle
- Dê-me o poema. vou lê-lo.
- Então, vou deixá-lo à vontade, Henrique. Estou interessado em saber o que acha dele
- Esteja certo de que lhe direi.
Assim que ficou a sós, o rei deu uma olhada no poema. A caligrafia era excepcionalmente boa, e só ligeiramente infantil. Estava escrito no dialeto provençal, e por intermédio de sua mãe Henrique e seu irmão e suas irmãs tinham um certo conhecimento dele, e por isso ele pôde lê-lo com facilidade.
Era encantador, delicioso, diferente... e cheio de sentimento. Era verdade, a menina era uma poetisa.
Ricardo a admirava. Ele estava, mais do que nunca, lamentando o seu casamento. Tivesse ela sido de uma classe mais inferior, ele teria feito o possível para torná-la sua amante. Henrique conhecia Ricardo. Mas era claro que aquilo era algo que o conde de Provence nunca permitiria.
Ela era bonita - cabelos dourados, com olhos castanhos. Ele a imaginou com clareza. Pele macia, belos traços, o corpo jovem perfeito em todos os detalhes. Ricardo era conhecedor de mulheres e a achara a menina mais bonita que já vira. A irmã dela já era rainha da França. Era uma situação interessante.
Por que ele não tinha ouvido falar em Eleanor antes de entrar em negociações com Ponthieu?
Mesmo assim, ele ainda não estava preso a Joana. Ainda havia tempo.
A ideia o obcecava. Eleanor la Belle. A deliciosa menina de treze anos. Ele queria uma jovem, alguém que ele pudesse moldar à sua maneira. Teria ficado com medo de uma mulher madura. A maioria dos reis de sua idade teria tido vários filhos bastardos espalhados pelo país àquela altura. Henrique, não. Ele era tímido com as mulheres; não queria loucas aventuras amorosas. Queria uma esposa que ele pudesse amar; alguém que o respeitasse, e ele achava que deveria ser, com toda certeza, uma jovem; ele queria filhos; belos filhos homens. Aquilo era necessário para o bem-estar da nação. Ricardo podia pensar que a sucessão estivesse garantida através dele, mas não era isso que Henrique queria. Um filho seu deveria substituí-lo, e aquela bela e jovem esposa iria dar aquele filho.
Ele já não estava gostando de Joana e estava meio apaixonado por Eleanor.
Mas não é tarde demais, pensou ele.
Mandou chamar Hubert.
- Mudei de ideia - disse ele. - Os mensageiros já voltaram de Ponthieu?
- Ainda não, majestade - respondeu Hubert.
- Decidi não realizar o casamento.
- Majestade! - Hubert estava perplexo.
- Não é interessante, e já encontrei a noiva que eu quero. Ela é Eleanor, filha do conde de Provence.
Hubert encontrou abrigo no silêncio. Estava pensando nas negociações que tinham estado em andamento em Ponthieu e na dificuldade de rompê-las; mas não disse coisa alguma; a lembrança da ocasião em que ele tentara avisar o rei para o próprio bem dele estava demasiado vívida. Nunca mais ele tornaria a cair naquela armadilha.
- Ela é culta e bonita. A irmã é a rainha da França. Você verá, Hubert, que só isto torna o casamento interessante.
- Cria uma situação interessante, majestade.
- E uma forte situação política.
- Poderia ser de grande ajuda em nossas negociações com a França, majestade.
- Foi o que pensei. Quero que seja enviada uma mensagem ao conde de Provence, o mais rápido possível.
Hubert fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- E a embaixada a Ponthieu, majestade?
- Trataremos disso quando chegar a hora. Enquanto isso, vamos pensar no conde de Provence.
- Diremos a ele o seu desejo e perguntaremos qual será o dote da filha.
- Isso vai demorar.
- Essas questões sempre demoram.
- Não é preciso me dizer isso. Estou bem ciente das demoras em outras negociações.
- Que Vossa Majestade agora vai ficar contente por não terem dado certo.
Henrique soltou uma gargalhada, voltando a ficar amistoso.
- Você tem razão, Hubert, Ouvi dizer que Eleanor de Provence é... incomparável. Agora, vamos nos preparar, com a rapidez que for possível. Você me entende.
- Perfeitamente, majestade - disse Hubert.
Antes do dia terminar, mensageiros reais estavam a caminho de Provence. Henrique esperava numa agonia de impaciência.
Aquilo não podia dar errado como tinham dado todos os seus projetos antes.
Ele precisava ter Eleanor. Ele a imaginava - a esposa perfeita
- bela, talentosa, encantadora. Todos iriam invejá-lo por causa de sua mulher, e ninguém o invejaria mais do que seu irmão Ricardo.
Eram muitas as qualidades que tornavam a perspectiva atraente, e entre as principais atrações de Eleanor estava a evidente apreciação de seus encantos por parte de Ricardo.
Ninguém poderia negar que um casamento entre o rei da Inglaterra e a irmã da rainha da França era um bom negócio, de modo que Henrique não teve dificuldade alguma em convencer seus ministros que ao trocar de noivas ele estava obtendo uma vantagem política. Era verdade que não apenas ele fizera propostas iniciais ao conde de Ponthieu, mas também estava em vias de obter uma dispensa do papa, já que nos casamentos reais havia sempre a questão da consanguinidade a ser considerada. No entanto, ele estava decidido. Por isso, enviou mensageiros a Ponthieu e a Roma para cancelar aquelas negociações e, convocando os bispos de Ely e Lincoln à sua presença, disse-lhes que queria que partissem imediatamente para Provence com o mestre do templo e o prior de Hurle, e que lá apresentassem suas propostas ao conde de Provence.
Os bispos, cientes da importância política da união proposta, ficaram ansiosos por partir de imediato; mas quando souberam que Henrique iria querer um vultoso dote com a esposa, tiveram dúvidas sobre se ele iria conseguir aquilo.
- O conde de Provence está muito pobre, majestade. Não terá como levantar o dote que Vossa Majestade está pedindo.
- É surpreendente o que um pai pode fazer pela filha quando o casamento é tão importante quanto este.
- Se ele não tiver os meios... majestade...
- Sem dúvida, encontrará um jeito. Eu gostaria de ver o prazer dele quando souber qual é a missão dos senhores.
- Será enorme, mas quando ouvir o que Vossa Majestade pede, pode muito bem acontecer que tenha de recusar sua proposta em nome da filha.
- Estou ansioso por ter Eleanor como esposa, mas não vejo razão para permitir que o pai dela fuja a suas obrigações.
- Nós apresentaremos suas propostas a ele, majestade.
- Quando poderão partir?
- Hoje.
- Isso é bom. Espero o resultado com ansiedade. Quero que o país inteiro saiba que vou me casar. Deverá haver grandes comemorações.
Ele observou a embaixada partir e rezou por um bom vento, para que não houvesse demora na travessia do mar.
Seu irmão Ricardo juntou-se a ele, sorrindo intimamente.
Ele preparara aquilo, pensou ele. A jovem Eleanor, se fosse coroada rainha da Inglaterra, iria dever a coroa a ele.
Houve uma grande agitação em Lês Baux quando a embaixada vinda da Inglaterra chegou.
Eleanor, observando-a, mal podia esperar que seus pais a chamassem. Ela reconhecera os visitantes como procedentes da Inglaterra, mas tendo ouvido falar que os entendimentos entre o rei da Inglaterra e o conde de Ponthieu estavam em andamento, não podia acreditar que a visita lhe dizia respeito.
Quando foi chamada aos aposentos dos pais, seu coração disparava. Não era possível. Talvez estivesse enganada. Talvez os visitantes não tivessem vindo da Inglaterra, no final das contas. Não eram da corte da França - disso ela sabia.
Sua mãe tomou-a nos braços e abraçou-a, enquanto o pai olhava com lágrimas nos olhos.
- Minha filha querida - disse ele -, este é um grande dia para nós.
Ela olhou ansiosa de um para outro.
- É alguma coisa a meu respeito? - perguntou.
- É - disse o pai. - Uma proposta de casamento.
- Nunca pensamos que poderia haver alguma coisa que se comparasse com o de Marguerite... mas parece que há.
- Inglaterra? - sussurrou ela.
A mãe confirmou com um gesto da cabeça.
- O rei da Inglaterra está pedindo sua mão em casamento. A cabeça de Eleanor estava girando. Então, dera resultado. Ricardo de Cornualha e o poema! Era incrível.
Romeo entrara no aposento. Estava sorrindo, complacente. Não era de admirar. Uma vez mais, eles iriam dever a boa fortuna a ele.
Ela não acreditava de todo naquilo. Era como um sonho que se tornava realidade. Era simples demais. Marguerite, rainha da França. Ela, rainha da Inglaterra. E em grande parte graças à argúcia de Romeo de Villeneuve. Se ela não tivesse escrito aquele poema... se não o tivesse enviado - a conselho de Romeo - ao duque de Cornualha...
Não, era bom demais para acreditar. Era o que ela quisera mais do que qualquer outra coisa. Um casamento com a Inglaterra era o único que se poderia comparar ao de Marguerite. E se tornara realidade.
- Pode ficar pasma - disse o conde. - Confesso que sinto a mesma coisa.
- Mas - gaguejou ela -, ouvi dizer que ele estava noivo de Joana de Ponthieu.
- Um casamento não é casamento enquanto não tiver sido celebrado. Está tudo acabado entre a Inglaterra e Ponthieu. As negociações pararam, o pedido foi retirado. Os mensageiros do rei, e são homens que ocupam altos cargos, disseram que ele está tão ansioso por este casamento que não quer que haja demora alguma.
- O que significa isso? - disse Eleanor. - Que eu partirei imediatamente? Devo me preparar?
- Queridinha, está tão ansiosa assim por nos deixar? - perguntou a mãe em tom quase de reprovação,
- Oh, não, querida mãe. Mas devo saber o que esperam que eu faça.
- Você não está com medo...
- com medo? Desde que Marguerite partiu eu sabia que teria de partir também. Duvido que ela tenha sido tão feliz, antes do casamento, quanto ficou depois... embora ninguém pudesse ter tido um lar melhor.
- É verdade - concordou o conde. - E é assim que eu gostaria que fosse. Se você encontrar na corte da Inglaterra a mesma felicidade que Marguerite sente na corte da França, ficarei contente.
- vou encontrar. Sei que vou.
- Bem, minha querida - disse o conde -, nós viemos prepará-la. Agora, temos de discutir os termos que constituem uma parte necessária de contratos como este. Mas queríamos que soubesse logo o motivo dessa missão, para que possa preparar-se para uma nova vida.
A mãe tomou-a nos braços e beijou-a com ternura.
- Estou orgulhosa de minhas filhas - disse ela.
Depois que se afastou dos pais, ela foi direto para a sala de aula, onde as irmãs a aguardavam.
Elas a olharam com uma expressão de expectativa quando ela entrou. Que algo muito importante acontecera era óbvio, e Sanchia, que se lembrava de quando Marguerite fora embora, estava muito apreensiva.
- O que foi? - bradou ela, assim que a irmã entrou.
- É uma embaixada da Inglaterra. O rei daquele país está pedindo minha mão em casamento.
- Eleanor!
As irmãs fixaram nela olhares de assombro, e ela ficou calada por um instante, saboreando a admiração delas.
- É verdade - disse ela. - Acho que ele ouviu falar em mim por intermédio do irmão.
- Ricardo, conde de Cornualha, o homem mais bonito que já vi - suspirou Sanchia. - Você não preferiria casar-se com ele, Eleanor?
- Ele não é rei.
- Seria, se o irmão morresse.
- Oh, Sanchia, não seja tão... infantil. O rei da Inglaterra não vai morrer. vou me casar com ele e serei a rainha. É tão bom ser a rainha da Inglaterra quanto ser a rainha da França.
- Na verdade, é melhor - disse Sanchia -, porque Ricardo será seu irmão.
Eleanor riu de felicidade e agitação.
- vou ter um casamento grandioso... Nunca houve um casamento tão grandioso quanto o que vou ter. Serei rainha. Vocês viram Marguerite com a coroa dela; a minha será maior, mais resplandecente... cheia de pedras que são muito mais preciosas.
- Como é que você sabe? - perguntou Beatrice.
- Porque sei. Eu queria me casar com o rei da Inglaterra, e embora ele estivesse quase casado com outra... tudo isso mudou e eu serei a rainha dele. É como se fosse um sonho. É realmente um sonho. E no entanto, eu é que planejei...
Elas estavam olhando para ela na expectativa, e ela tomou-as pelas mãos e levou-as até o assento da janela.
Os olhos dela brilhavam. Começou a descrever a corte inglesa para elas, como se estivesse escrevendo um poema. Falou-lhes do marido. Ele se parecia muito com Blandin, o cavaleiro cómico. Estava pronto a fazer toda sorte de tarefas impossíveis para conseguir a mão dela.
- Que tipo de tarefas? - perguntou Beatrice.
E Eleanor ficou ali sentada no assento da janela e falou sobre algumas das tarefas que Blandin tivera de realizar para ganhar a mão da bela princesa Briende. Só que naquele caso, em vez de se tratar de Blandin e Briende, eram Henrique e Eleanor.
Enquanto ela tecia suas histórias, chegou mais gente ao castelo.
Da janela, Eleanor viu três de seus tios entrarem a cavalo no pátio, apressados. Era evidente que tinham sabido da novidade. Eram os tios Peter, Boniface e Guilherme, que era o bispo eleito de Valence. Eles eram irmãos da mãe dela. A condessa tivera oito, e todos eles eram ambiciosos, aventurosos, e sua missão na vida era melhorar a vida da Casa de Savóia. A importância da situação presente estava implícita na imediata chegada deles.
As meninas observaram os pais saudando os tios, e Eleanor ficou esperando, ansiosa, uma chamada para aparecer, quando esperava ser cumprimentada; eles deveriam estar encantados com ela, por ser o meio de levar tamanha honra para a família.
Mas o chamado não veio. Havia um ar sombrio pelo castelo
- quase de desespero -, e Eleanor começou a perceber que alguma coisa dera errado.
O dia inteiro, os tios ficaram com os pais dela. Não houve comemorações no grande salão, como deveria ter havido numa ocasião como aquela; logo cedo na manhã seguinte, a condessa mandou chamar Eleanor. A expressão dela era de tristeza, e era evidente que ela estava muito deprimida.
- Minha querida filha - disse ela -, você ainda não deve pensar muito nesse casamento inglês.
- O que aconteceu? Oh, por favor, diga logo - implorou Eleanor.
- O rei da Inglaterra pede um dote que seu pai não tem condições de dar.
- A senhora quer dizer que ele quer ser pago para me aceitar.
- É costume as noivas levarem um dote aos maridos, querida.
- A senhora quer dizer que não temos como pagar esse casamento?
- É o que receamos, Eleanor. Entenda, é um casamento muito importante... tão importante quanto o de Marguerite.
- O rei da França não pediu dote.
- Não. Ele se contentou com sua irmã e sabia perfeitamente que seu pai não tinha condições de dar o dote.
Eleanor olhou confusa para a mãe. Via seu belo sonho desfazer-se.
Pensamentos desvairados lhe vieram à cabeça.
- Talvez eu possa ir à Inglaterra. Se pudesse ver o rei, falar com ele... deixar que ele me veja, que me conheça...
- Minha filha querida - disse a mãe dela, depressa -, isso não é possível. Não se desespere. Você pode ser mais feliz num outro casamento.
- Não serei! - bradou ela. - Se este não se realizar, nunca mais poderei tornar a ser feliz.
- Você fala como a criança que é - disse a mãe. - Se não houver casamento algum, eu não ficarei triste. Vai lhe dar tempo para crescer... para aprender alguma coisa sobre o mundo... o que o casamento significa...
Eleanor não estava prestando atenção.
Claro, dizia ela para si mesma, tinha sido bom demais para ser verdade. Era como um de seus poemas épicos. A vida real raramente era assim.
Seus tios não eram homens de abrir mão de um prémio daqueles sem lutar. Mensageiros iam e vinham da Inglaterra. O conde de Provence achava inteiramente impossível atender às exigências do rei da Inglaterra, enquanto o rei da Inglaterra achava que o que ele pedia era realmente pouco comparado com a honra que estava concedendo.
- Esse rei da Inglaterra parece ser um homem muitíssimo mercenário - disse o conde.
A condessa concordou.
- Talvez, no final das contas, não fosse ser um casamento tão bom assim. Seria pedir demais esperar outro marido como Luís.
- Luís não só é um rei, mas um grande homem - respondeu o conde. - A bondade se reflete em sua fisionomia. Eu acharia que Marguerite tivera sorte ao ter um marido desses, mesmo que ele fosse o mais modesto dos homens.
- Está claro que Henrique da Inglaterra é de outra natureza. Era de se esperar. Lembre-se do pai dele.
O conde sorriu para ela com carinho. Ela lhe estava dizendo que não ficasse deprimido porque aquele casamento não iria realizarse. com que então ela aceitara como certo que ele não aconteceria. Henrique iniciara várias negociações, e era significativo o fato de que nenhuma delas tivesse dado resultado.
- Pode muito bem ser - disse o conde - que Henrique seja um homem que goste de pensar em casamento mas que o evite quando a hora se aproxima.
- Você acha realmente que é assim?
- Parece que sim. Houve tantos planos. Ele já não é jovem. Na verdade, acho que é um pouco velho para Eleanor.
Oh, sim, os dois estavam confortando um ao outro.
Mas os tios estavam relutantes em desistir, tendo em vista do que se tratava, e as negociações prosseguiram. Um raio de esperança surgiu quando Henrique reduziu a quantia que estava pedindo.
- Ainda é demais - disse o conde. - Mesmo o que ele pede agora está acima de minhas posses.
- Ele vai baixar mais - garantiu-lhe tio Boniface.
- E eu - replicou o conde, com dignidade - não gosto dessa barganha em relação à minha filha. Ela é uma princesa, não um pedaço de terra a ser negociado. Eu lhe digo uma coisa, Boniface, apesar de saber bem que esse casamento é importante, estou começando a me saturar.
No que lhe dizia respeito, ele teria posto um fim ao regateio, mas os tios estavam decididos a continuar.
Ricardo achava divertidas as discussões prolongadas. Por achar que tinha sido ele mesmo a causa do casamento proposto, estava ansioso por vê-lo celebrado. Eleanor
era uma princesa fora do comum; ele sabia que seu irmão ficaria encantado com ela: além do mais, ela ficaria agradecida a ele, e como ele estava muitas vezes em discordância com o rei, poderia ser bom ter uma aliada na pessoa da rainha.
- com que então o casamento está demorando - disse Ricardo quando ele e o irmão ficaram a sós.
- Essas questões sempre demoram.
- Nem sempre. Creio que o casamento entre a irmã de Eleanor e Luís não passou por esses obstáculos.
- Sou de opinião de que ela deveria receber um dote razoável.
- Você está pedindo demais, Henrique. A jovem mais bonita do mundo, e o peso dela em ouro!
A jovem mais bonita do mundo! Aquilo o deixara abalado. A esposa do rei da Inglaterra devia ser a jovem mais bonita do mundo, é claro - mas também deveria levar um dote digno do marido.
- Acho que eles vão dar o que eu quero - disse Henrique.
- Meu caro irmão, você não conhece a pobreza de Provence.
- Você sempre falou em termos muito empolgantes sobre a corte de lá.
- É uma questão de cultura, não extravagância. Você deveria compreender isso, Henrique.
- Eu compreendo. Respeito o conde pela sua dedicação à música e à literatura. Mas não posso acreditar nesta alegação de pobreza, e penso que é possível que, tendo
três filhas para colocar no mundo, ele não queira dar à mais velha a parte dela, mas poupá-la a fim de conseguir bons casamentos para as outras. Quero que ele perceba que o que está sendo oferecido à sua filha não é uma aliança comum.
- Ele dará à aliança o valor que ela merece. Mas não é um homem apegado às coisas materiais.
- O que quer dizer com isso?
- Ele iria pensar na felicidade da filha antes de pensar na melhoria de nível dela. O que quero dizer, irmão, é que ele preferiria ver uma condessa feliz do que
uma rainha infeliz.
- Não há razão para que ela não deva ser uma rainha feliz.
- Ele poderá achar que há. Entenda, nessas negociações você tem-se revelado um homem um tanto mercenário. Tem a oportunidade de se casar com essa menina fora do comum e regateia. Mensageiros vão de um lado para o outro e ninguém fica satisfeito. Lembre-se de que conheci esse conde. Eu o vi em seu próprio lar. Ele vai ficar ressentido com este insulto à filha dele.
- Mas eu não quis insultar ninguém. Como poderia insultar a minha rainha?
- No entanto, insulta, Henrique, por dar valor a bens materiais. O romântico Luís disse, com relação à irmã dela: "Eu a quero. Ela será o bastante."
Ricardo via que sua estratégia estava funcionando.
- O que o conde lhe disse em sua última mensagem? - prosseguiu ele.
- Que não tinha meios para dar o que eu pedia, muito embora eu o tivesse reduzido.
- Eu me refiro à maneira dele dizer isso. Isso é importante.
- vou lhe mostrar a última comunicação dele.
Ricardo leu o que o conde escrevera e fez um lento gesto afirmativo com a cabeça.
- Eu entendo muito bem. Ele é um homem muito orgulhoso. Seu orgulho foi ferido. Ele mostra, aqui, muito claramente, que em breve vai pôr um paradeiro nesta arenga. Como vão as negociações com Ponthieu? Penso que se você não as interrompeu...
- Você sabe muito bem que elas pararam.
- Torne a abri-las. O pai de Joana talvez tenha condições de dar o dote que você quer.
- Não tenho intenção alguma de me casar com Joana. Eu quero é Eleanor.
- Quer mesmo, irmão? Parece que não quer com a intensidade suficiente. Daqui a pouco, as pessoas estarão dizendo: "Mais um dos casamentos propostos pelo rei que não dá certo!"
- Elas não vão dizer isso, porque este não vai fracassar. vou me casar com Eleanor de Provence. Estou decidido.
- Mas, e o dote?
- Já tomei uma decisão. Não vou pedir dote... só Eleanor. vou mandar chamar o Hubert e dizer-lhe isto. Quero que Eleanor seja mandada para cá sem demora.
Ricardo sorriu.
- Não vai se arrepender - disse ele. - Eu lhe prometo.
Que emoção em Lês Baux, quando os mensageiros chegaram vindos da Inglaterra!
O rei estava farto de tanta correspondência. Queria a sua noiva. Quanto ao dote, aquilo era um assunto que não precisava atrasálos. O que ele esperava ansioso era o casamento.
Sanchia disse que aquilo parecia uma gangorra. No alto um instante, embaixo no outro.
- Nada disso - bradou Eleanor. - Desta vez, vou ficar no alto.
Parecia que ela estava com a razão. Mensageiros vindos da Inglaterra falavam na impaciência do rei. Assim como pouco tempo atrás ele insistia no dote, agora exigia a imediata partida de sua noiva.
- Temos de partir logo - disse tio Guilherme, bispo eleito de Valence; e para o encanto do conde e da condessa, ele declarou a intenção de acompanhar Eleanor à Inglaterra.
O conde decidiu que ele e a condessa, com as duas filhas, deveriam ir com Eleanor até Paris, o que lhes daria a oportunidade de visitar Marguerite. Foi um cortejo alegre que partiu naquele dia de outono. O sol ainda estava quente, embora fizesse um pouquinho de frio de manhã. As folhas ainda estavam firmes nas tílias e nos vidoeiros, mas algumas das que haviam caído formavam um tapete sobre o capim, como um aviso de que o verão estava indo embora. Eleanor estava atenta aos luxuriantes campos verdes que poderia estar vendo pela última vez, pois embora a família lhe afirmasse que ela voltaria, o mar iria separar a terra em que ela vivera a infância do novo país que ela iria reinar como rainha.
Cercada por seus familiares, ela se sentia quase alegre, embora fosse triste deixá-los. Sanchia estava prestes a se desmanchar em lágrimas ao pensar nisso, e Beatrice faria o mesmo.
Sanchia disse que aquele casamento parecia muito mais importante do que o de Marguerite, talvez devido a toda aquela confusão que houvera em torno dele.
- Ou talvez a gente fosse mais criança na época - acrescentou ela, judiciosamente.
Eleanor disse que quando fosse rainha da Inglaterra iria insistir para que elas fossem morar com ela.
- E se o rei não quiser a gente? - perguntou Sanchia.
- vou dizer a ele que eu quero - foi a resposta.
Talvez ela fosse até mesmo fazer aquilo, pensou Sanchia. Eleanor sempre fora aquela que conseguia o que queria.
Ao chegarem às fronteiras de Champagne, foram recebidos pelo conde daquela região, que era conhecidíssimo em todo o país como o Rei Trovador. Alguns diziam que ele era o maior poeta da época.
Ele lhes ofereceu uma generosa hospitalidade e cavalgou até o seu castelo com eles, entre o conde e a condessa de Provence, à frente do cortejo.
Havia algo de atraente em relação a Thibaud de Champagne, que não era devido à sua aparência. Ele era tão gordo que quase não conseguia se mexer. Mas possuía um espírito alegre, e quando falava dizia-se que sua voz era de prata, e quando cantava, que ela era de ouro.
Até mesmo enquanto cavalgava, ele não conseguia deixar de cantar uma canção, e todos ouviam com admiração.
Além do mais, as canções que ele cantava eram de sua autoria; ele era excelente tanto nas letras quanto nas músicas.
Ficou encantado com Eleanor. Sussurrou a ela que o marido iria amá-la e venerá-la. Ele lera um dos poemas que ela escrevera e achava que ela tinha um belo talento.
- Sou poeta, e tenho algum mérito, segundo me dizem. Mas como vê, minha aparência não está à altura da beleza de minhas palavras. Como é diferente com a senhora! A senhora foi duplamente dotada, Sra. Eleanor, e seu marido irá amá-la tanto, que não conseguirá negar o menor de seus desejos
Aquelas palavras encantavam Eleanor; ela sentia como se estivesse vivendo numa nuvem de glória.
Foram para o castelo de Thibaud, a fim de descansar um pouco e dar a ele a oportunidade de recepcioná-los.
Isso ele fez ao estilo real, pois estava ansioso para que todos se lembrassem de que ele era bisneto de Luís VII e de que se sua avó tivesse sido um menino, em vez de uma menina, ele poderia ter sido rei da França.
A sentinela armada que estava na torre de menagem simulou uma interpelação ao grupo, mas aquilo foi, naturalmente, apenas uma formalidade. Todos, no castelo, estavam prontos para recebêlos, porque o vigia, cuja tarefa era ficar sentado no alto da torre e correr os olhos pelo horizonte à procura do sinal de qualquer cavaleiro, havia muito que os vira, reconhecera o patrão e soubera que ele levava consigo o conde de Provence e sua família, que deveriam ter uma recepção digna de um rei.
Tinham sido preparados espetáculos para eles.
A jovem Beatrice estava muitíssimo animada, mas Sanchia não esquecia a iminente partida da irmã. Não era só o fato de que iria sentir falta de Eleanor, mas o de que ela ficaria, então, no lugar de filha mais velha em casa, e muito em breve chegaria a sua vez de dizer adeus à casa de seus pais.
O castelo era construído no estilo conhecido de todos, a grande escada sendo uma das mais importantes características, pois nela os hóspedes gostavam de pegar o ar fresco quando fazia calor. Ao alto da escada havia uma plataforma que era usada pelo dono do castelo como uma espécie de corte, onde ele recebia seus vassalos e aplicava a justiça quando isso se fazia necessário. Quando o senhor do castelo oferecia uma recepção, ele e os convidados sentavam-se em cadeiras naquela plataforma,
a fim de assistirem a justas e jogos, que aconteciam ao pé da escada; e os degraus eram usados como assentos para os que assistiam à justa.
A família de Provence, é claro, tinha seus lugares de honra na plataforma ao lado do conde de Champagne, e muitas pessoas foram das aldeias vizinhas assistir às apresentações, mas principalmente para ver a princesa, que fora escolhida pelo rei da Inglaterra para sua esposa.
No interior do castelo, com acesso pelo alto da escada, ficava o grande salão, e se as noites fossem frias era acendida uma fogueira no centro e em torno dela os convidados se agrupavam para ouvir os menestréis e ver ou participar da dança.
O salão era imenso - numa das extremidades ficava o tablado, e sobre ele estava a mesa principal, elevada, que dava para a mesa baixa, e foi naquela mesa alta que Eleanor e sua família sentaram-se com o conde de Champagne como convidados de honra.
Todos os dias, o chão de laje era coberto de junco fresco e, ainda em honra aos hóspedes, de ervas e flores de perfume doce.
Foi uma experiência maravilhosa, e o melhor de tudo era a noite, quando a escuridão caía e as mesas sobre os cavaletes eram retiradas no salão e o conde cantava para eles suas canções de amor.
Ele era uma figura romântica, apesar de seu tamanho, pois muitas de suas canções falavam do amor não correspondido; e havia uma mulher sobre a qual ele estava sempre cantando. Eleanor ficou imaginando quem era ela.
Eles ficaram cinco dias e cinco noites no castelo, e durante aquele período ela encontrou uma oportunidade de perguntar a ele.
Estava ficando tarde; as achas de lenha que queimavam no centro do grande salão brilhavam em brasa; muitos dos convidados estavam sonolentos, sentados em bancos de pedra que aqui e ali formavam parte da parede, ou nos baús de carvalho que continham alguns os tesouros do conde mas serviam de assento em ocasiões como aquela.
Eleanor disse ao conde:
- O senhor canta sempre sobre uma única mulher, não? Ou talvez sejam várias. Mas sempre canta sobre os belos traços dela, sua pureza e seu distanciamento. Existe apenas uma, ou o senhor canta para um ideal?
- Para uma só e para um ideal - respondeu ele.
- Então ela realmente existe.
- Existe, sim.
- E ela não o ama?
- Ela não me ama.
- Talvez um dia venha a amá-lo.
- Ela jamais olhará para mim. Ela é uma grande dama. Está longe de mim... e sempre estará.
- Quem é ela? É segredo? Ele a olhou com ar irónico.
- A senhora acredita que poderia levar um homem a se trair, não acredita?
- Eu não havia pensado nisso - negou ela.
- Ah, a senhora tem muito charme, senhora. Olhe para mim. Não sou uma figura romântica, sou? Sabe o que um poeta escreveu sobre mim? vou lhe contar. Eu estava suspirando pelo meu amor, ansiando por toma-la nos braços, e eis a canção que foi composta:
"Cavalheiro, o senhor fez bem Em olhar para sua adorada; Sua gorda e fofa barriga Iria impedi-lo de alcançá-la."
Eleanor começou a rir.
- Pronto, está vendo? - murmurou ele. - A senhora também zomba de mim.
- Nada disso - bradou ela. - Não é isso. Acho que a sua dama poderia amá-lo pelo que o senhor escreve sobre ela. O senhor dá a ela uma vida imortal, pois ela será conhecida para sempre através de suas canções.
- Ela é uma mulher que não precisa de minhas canções para isso. Ela viverá graças às suas realizações.
- Então ela é uma dama de alta posição.
- Da mais alta.
- O senhor se refere à rainha.
- Por Deus, sim. A rainha.
Eleanor ficou roxa. Marguerite!, pensou ela. Ele leu os seus pensamentos na hora e bradou:
- Não! Não! Não é a jovem rainha. Ela não passa de uma criança. É Blanche... a incomparável Blanche... a Rainha Branca, com os seus brilhantes cabelos louros, sua pele branca e sua pureza.
- Ela deve ser muito velha. Ela é mãe do rei da França.
- Beleza como a dela não tem idade - murmurou o conde. E então dedilhou seu alaúde e uma vez mais começou a cantar
baixinho sobre a sua dama.
Por mais ansiosa que estivesse pelo seu casamento, Eleanor lamentou deixar Champagne. Thibaud insistiu em unir-se ao grupo e acompanhá-lo até a fronteira francesa. Assim, com muita pompa e extravagância, eles partiram. Os habitantes das aldeias saíam de suas casas para olhar boquiabertos a suntuosidade de que iriam lembrar-se para sempre. Acabaram chegando à fronteira francesa e, lá, Thibaud despediu-se deles.
Eleanor lamentou a partida dele, mas a emoção de encontrarse com a irmã fez com que ela logo o esquecesse. Porque ali estava Marguerite - mudada desde sua infância em Provence, a rainha da França, e a seu lado, o rei Luís.
O conde e a condessa foram tomados de emoção ao verem sua bela filha e o marido. Os dois formavam realmente um belo casal. Marguerite, sem ser mais a menina muito jovem que saíra de casa, transformara-se numa rainha. Havia um ar de realeza nela que emocionou profundamente os pais e deixou-os muito orgulhosos.
Eleanor percebeu aquilo e ficou contente pelo fato de a vida estar lhe dando um papel tão augusto quanto o da irmã.
Como acontecia com todo mundo, ela ficou profundamente impressionada com Luís e não pôde deixar de imaginar se Henrique seria igual a ele. Ele era mais alto do que seus companheiros, e como era também muito esguio, parecia ser ainda mais alto do que era na realidade. Seus cabelos muito louros faziam com que se destacasse; e embora não se vestisse com a suntuosidade com que Thibaud se vestira, da cabeça aos pés ele era o rei.
O conde agradeceu-lhe toda a felicidade que ele dera à sua filha, ao que Luís respondeu, em termos muitíssimo corteses, que ele devia agradecer ao conde ter-lhe dado Marguerite.
Foi emocionante cavalgar sozinha com o rei e a rainha da França
- a flor-de-lis dourada levada à frente deles.
Luís percebeu rápido que Eleanor possuía uma mente brilhante e alerta, tal como a irmã, e gostava de conversar com ela. Falou sobre a Inglaterra, admitindo que nunca estivera lá, mas seu pai sim, e em uma ou duas ocasiões lhe falara sobre aquele país.
- São tantas as vezes em que nossos países têm estado em guerra - disse Luís -, mas com duas irmãs como suas rainhas, isso deve fazer com que nos tornemos amigos.
Eleanor disse que jamais poderia ser inimiga de seus queridos irmãos, ao que Luís respondeu, sério:
- Nós nos lembraremos disso.
Eleanor viu-se inclinada a achar que Luís era demasiado sério. Pretendia descobrir se Marguerite achava o mesmo e se teria preferido alguém mais dado às alegrias da vida.
A caminho de Paris, eles foram recebidos de maneira semelhante àquela de que haviam desfrutado com o conde de Champagne. Marguerite deu a entender que estava um pouco cansada de todas aquelas justas e torneios que eram apresentados a eles. Eleanor, no entanto, tinha visto pouco, e como aquilo era feito em sua homenagem, tinha uma atração especial.
Quando se aproximavam da capital, encontraram à sua espera um cortejo à frente do qual cavalgava a rainha-mãe da França. Essa, pensou Eleanor, é a heroína de todas aquelas canções que o gordo trovador cantara.
Ela era realmente bonita - como uma estátua delicadamente esculpida, pensou Eleanor. As feições eram talhadas com perfeição; ela parecia jovem e esguia demais para ser mãe do rei - e de vários outros também. Os cabelos, que Eleanor depois descobriu que eram abundantes e muito louros, estavam ocultos pela touca de seda. Era claro que era uma mulher enérgica, e devido à devoção que inspirara em Thibaud, Eleanor ficou com um interesse especial por ela. Então, percebeu que a chegada dela provocara uma sutil alteração no comportamento dos jovens rei e rainha. Luís dedicava muita atenção à mãe - que ela evidentemente exigia - e menos à sua rainha.
Eleanor pensou, indignada: se eu estivesse no lugar de Marguerite, jamais permitiria isso.
Todos se submetiam à vontade da rainha-mãe. Os olhos de um azul muito claro examinaram Eleanor com ar de aprovação. Ela estava satisfeita pelo fato de a irmã de sua nora ir se casar com o rei da Inglaterra porque, como Marguerite mencionara, na França achava-se que os casamentos das duas irmãs ajudariam a manter a paz entre os dois países.
E assim eles entraram em Paris, onde admiraram os melhoramentos que tinham sido iniciados pelo avô do jovem rei, Filipe Augusto. Ela já não merecia o epíteto de "Cidade de Lama" que os romanos lhe haviam concedido, pois Filipe Augusto a pavimentara com pedras resistentes que eram lavadas pela chuva e, se isso falhasse, pelos habitantes que se orgulhavam de sua cidade.
Admiraram Lês Halles, o mercado fechado que ele construíra, a grande catedral de Notre-Dame e os melhoramentos feitos no velho palácio do Louvre.
E com isso, chegaram a Paris na última etapa da viagem através da França. Ali, iriam descansar um pouco antes de continuar a viagem até a costa.
Marguerite estava ansiosa por estar com a família tanto quanto possível, e conseguiu convencê-los a passar alguns dias com ela em Pontoise, da qual, confessou ela a Eleanor, ela e Luís gostavam mais do que de qualquer outra de suas residências.
E assim o grupo partiu, levando os móveis necessários, inclusive as tapeçarias para pendurar nas paredes, porque a maioria dos castelos ficava quase vazia quando
estes não estavam habitados. Homens e mulheres da criadagem seguiram na frente, a fim de fazer os preparativos para o conforto deles.
O rei não os acompanhou. A mãe dele dissera que era necessário que ele permanecesse em Paris.
- Estou certa de que Marguerite vai gostar de ficar com a irmã só para ela - disse ela.
Eleanor percebera rapidamente que quando a rainha-mãe fazia declarações daquele tipo, elas significavam uma ordem. Era desconcertante ver a capacidade que ela possuía de intimidar Marguerite, e ficara claro para Eleanor, então, que o casamento da irmã não era bem a aliança ideal em que ela fora levada a acreditar.
Era claro que Marguerite era a rainha da França, e aonde quer que ela fosse era tratada com grande respeito; eram-lhe prestadas homenagens em todos os momentos do dia. Luís, muito obviamente, a amava. Mas obedecia à mãe, e se isso significasse ficar separado da mulher, ele aceitava.
No castelo de Pontoise, Eleanor teve oportunidade de conversar com a irmã sobre o casamento dela, e aos poucos parecia estar recuperando a ascendência que lhe pertencera em Lês Baux, apesar da posição de Marguerite.
Quis saber a respeito das cerimónias do casamento e da coroação, do que Luís esperava dela, e se ela estava realmente mais feliz do que tinha sido na casa dos pais.
Marguerite foi discreta quanto ao que acontecia no quarto. Aquilo, disse ela, com um certo enfatuamento que irritou Eleanor, ela teria que descobrir e teria que aceitar, por ser de seu dever aceitálo. Luís, pelo que parecia, era um exemplo de virtude. Ela não podia querer um marido mais bondoso, mais amante, se ao menos...
Pronto. Ela se traíra. Se ao menos o quê? Eleanor quis saber.
- Se ao menos nós pudéssemos ficar mais vezes a sós. Ela está sempre lá.
- Você se refere à rainha Blanche?
- É claro que ela é mãe dele, e ele a acha maravilhosa. Sabe, ele tinha apenas doze anos quando o pai morreu e ela fez dele um rei, diz ele. Ele sempre atende ao que ela diz. Eu sei que ela é muito inteligente, e está certo que ele faça isso. Mas ela tenta nos separar. As vezes eu acho que ela tem ciúme de mim.
- Claro que tem. Ela quer o belo filho só para ela. Graças a Deus Henrique não tem uma mãe morando na corte.
- Ela vive longe, e pelo que ouvi dizer, dá um trabalho terrível ao novo marido. É, você deve ficar agradecida, Eleanor, por Isabella de Angoulême não ir morar na sua corte. Apesar de que nós ficaríamos satisfeitíssimos se ela saísse de Lusignan e fosse para a Inglaterra.
- Vamos fazer com que ela fique em Lusignan. Eu não suportaria o que você atura, Marguerite. Se fosse você, e tivesse certeza de que Luís me amasse, eu diria que estava na hora da mãe dele passar para segundo plano.
- Não diria, não - disse Marguerite -, se sua sogra fosse a rainha Blanche.
- Então o seu Luís tem medo dela.
- Não, não. Mas ele é tão bom, que jamais a magoaria. Ele ouve o que ela diz, mas, se não concorda com ela, faz o que acha certo. Ele é muito respeitado, Eleanor. Está muito ansioso por governar bem. Ele será um rei melhor até do que Filipe Augusto. Ele se preocupa com o povo. Dá muito aos pobres. Às vezes, depois da missa, vai para os bosques e senta-se na grama e pede a todos, por mais humildes que sejam, que conversem com ele e digam o que pensam. Presta atenção ao que eles têm a dizer. Quer saber se acham que há injustiças na França. Eu já o vi fazer isso até em Paris, nos jardins do nosso palácio de lá. Ele não se importa muito com seus trajes. Muitas vezes eu o vejo com um casaco daquele tecido que eu odeio... metade lã, metade algodão. Eles chamam isso de tiritana, E ele também anda sem chapéu. Diz que quer fazer com que as pessoas o vejam como um homem... e não como um rei.
- Não é assim que se ganha o respeito do povo.
- Ele acha que é, e eles o respeitam. O que pensa que ele me disse quando reclamei que ele não parecia um rei?
- Disse que iria se vestir melhor para agradá-la, sem dúvida.
- Disse coisa parecida... mas com uma diferença. Tudo o que Luís faz não é o que se espera. "Para agradá-la, Marguerite", disse ele, "vou usar roupas extravagantes. Mas, se eu me vestir para agradá-la, você deverá se vestir para me agradar. Isso significa que você irá usar roupas simples e abrir mão de sua suntuosidade.
- E isso, pelo que vejo, você se negou a fazer.
- Está claro, não está?
- Pelo menos ele não manda você se desfazer de suas sedas e suas jóias.
- Luís jamais ordenaria isso. Ele gosta que as pessoas tenham liberdade. Eu lhe digo, Eleanor, não existe homem igual a ele no mundo inteiro. A França tem sorte por ser governada por um rei assim.
- Que é governado pela mãe.
- Isso não é verdade. Mas ela é inteligente... e gosta de estar ao lado dele.
- No seu lugar? Marguerite ficou calada.
- Quando eu chegar à Inglaterra - disse Eleanor -, vou governar com o meu marido.
- Se ele deixar que você faça isso.
- vou fazer com que ele deixe - jurou Eleanor. Marguerite olhou-a fixamente. Conhecendo Eleanor, acreditava que ela o faria.
A Rainha da Inglaterra
A TRAVESSIA FOI TEMPESTUOSA, mas Eleanor descobriu, com alívio, que não era má como marinheira. Teria sido uma indignidade ter chegado ao seu novo país aniquilada pelo enjoo que afetara alguns membros do grupo. O tio estava a seu lado no convés, enquanto os dois observavam o navio aproximar-se da Inglaterra. Os rochedos erguiam-se, brancos e chapados, do espumoso mar cinzento, e não poderia haver uma terra mais diferente de Provence. O tio Guilherme colocou a mão sobre a dela, como que para infundir-lhe confiança, mas ela não precisava do apoio dele. Estava agitada. Mares cinzentos e ventos frios não tinham importância. Havia tanto tempo que ela quisera aquele casamento; desde que Marguerite os deixara para ser a esposa do rei da França, ela quisera a coroa da Inglaterra como a única que se comparava com a de Marguerite, e depois de ver Marguerite, dominada pela sogra, já não a invejava mais. Era por isso que podia ficar ao lado do tio na chegada à Inglaterra com o máximo de confiança no futuro.
Agora eles haviam se aproximado tanto da terra, que ela podia ver as ousadas torres cinzentas daquele castelo encarapitado no alto do morro, ameaçador, respeitável,
desafiador. Ele fora batizado pitorescamente de a Chave da Inglaterra; ela achou que o nome era adequado. Aquela chave estava sendo dada a ela; e ela iria usar palavras delicadas e modos sutis de agir até que aquela terra ficasse sob suas ordens. Tudo dependia de seu marido, e ela iria descobrir, dentro em pouco, que tipo
de homem era ele e se a sua tarefa seria fácil.
- Você está no limiar de uma nova vida, minha querida disse o tio Guilherme. - Muita coisa dependerá de você. Espero que perceba o que isso significa.
- Percebo, sim - respondeu Eleanor.
- Você terá a mim para guiá-la.
Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- vou fazer isso, por mais que haja oposição - continuou ele.
- O senhor espera oposição?
- Sempre há oposição nas cortes. São tantas as coisas que dependem do rei...
Agora, o castelo estava assumindo uma forma definida. A grande fortaleza que tinha sido construída pelo avô do noivo dominando a grande pilha de pedras. Era impossível não ficar impressionado com toda aquela grandiosidade de ardósia do condado de Kent misturada com aquela pedra de Caen que tinha sido levada da Normandia pelo mesmo Henrique II. Enquanto contemplava aqueles grandes bataréus subindo e se transformando em torrinhas, Eleanor não pôde deixar de se emocionar, pois eles simbolizavam o poderio da Inglaterra.
Eles haviam chegado.
Henrique decidira receber a noiva em Canterbury, onde o arcebispo estaria esperando para realizar a cerimónia do casamento. Ele não cabia em si de agitação diante da perspectiva de, finalmente, tê-la a seu lado. Tanta coisa dera errado com as tentativas anteriores, que ele começara a acreditar que o destino ficara contra ele se casar; mas naquela ocasião, a noiva estava realmente na Inglaterra e dentro de pouco tempo estaria com ele.
Estavam todos encantados. Tinha sido motivo de um certo desânimo o fato de ele ter atingido a idade de 28 anos sem ainda ter se casado. Àquela altura, já devia ter uma ala infantil cheia de filhos homens. Pouco importa. Finalmente, ia acontecer. Sua noiva era muito jovem, tinha apenas quatorze anos; mas não era uma idade demasiado tenra para uma noiva real. Era um grande prazer - e uma chance de fazer alguma coisa que satisfizesse tanto a ele quanto ao povo ao mesmo tempo.
Sim, era realmente verdade que todos estavam encantados por ele estar para se casar. Hubert de Burgh achava que estava na época e que, como a filha mais velha do conde de Provence era esposa do rei da França, não era nada mau que a sua segunda filha devesse ser a rainha da Inglaterra. Até mesmo o velho Edmund, arcebispo de Canterbury, acreditava que o casamento era necessário por razões de Estado. Quanto ao irmão de Henrique, Ricardo, ele se considerava o homem que provocara aquilo (e tinha sido ele, sim), de modo que, achando-se um fazedor de política, estava inteiramente a favor.
Não havia fator algum de discordância em qualquer que fosse a direção em que ele olhasse, e com alegria Henrique foi receber a noiva.
Ela montava um palafrém branco, e os cabelos caíam-lhe pelos ombros; na cabeça estava um diadema para proclamar sua realeza. Estava vestida de azul com toques de fios de ouro, e o seu longo manto semicircular estava preso por fivelas incrustadas de jóias, unidas por uma corrente de ouro. Henrique olhou para ela e seu coração saltou de exultação. Eleanor la Belle tinha um nome que lhe assentava muito bem.
Ele pensou: ela é realmente a garota mais bonita do mundo e é a minha rainha.
Naquele momento, compreendeu que tinham valido a pena a longa espera, os desapontamentos e as frustrações durante aquele tempo em que pensara que o destino decidira que ele jamais teria uma esposa.
Segurou as mãos dela e as beijou.
- Seja bem-vinda - disse ele. - Meu coração se enche de contentamento ao vê-la.
Não havia palavras que a pudessem ter feito mais feliz e mais segura de si. Ela disse:
- Sinto-me feliz por ter vindo.
Estudou o futuro marido. Ele não era alto, mas também não era baixo. Não dava o menor sinal de ser frágil; na verdade, era mais robusto do que seu irmão Ricardo e se parecia um pouco com ele. Ela percebeu aquele detalhe diferenciador que jamais vira em nenhuma outra pessoa: a pálpebra caindo sobre um dos olhos a ponto de esconder a pupila poderia ter-lhe dado uma aparência que poderia ser sinistra se ele estivesse zangado. Mas naquele momento, quando estava claro que ele estava sentindo o máximo de prazer, era apenas interessante. De acordo com os padrões dela, ele era bem velho; aquilo não a desagradou, porque a maturidade dele servia apenas para chamar atenção para a encantadora juventude dela.
Cavalgando entre o rei e tio Guilherme, ela entrou em Canterbury. Foi uma dessas ocasiões em que ser rei e rainha era a situação mais deliciosa do mundo. Nas ruas, tremulavam estandartes; o povo se reunira em toda parte para vê-los passar. As pessoas gritavam saudações reais; sorriam e ovacionavam.
Eleanor não conseguia entender o que elas diziam, mas Henrique lhe disse:
- Eles estão assombrados com a sua beleza.
Ricardo estava lá para saudá-la calorosamente, como um velho amigo.
- Que dia feliz para a Inglaterra, quando você decidiu escrever um poema sobre o meu país - sussurrou ele.
- Acha que não fosse ele isso jamais teria acontecido?
- Tenho certeza - respondeu ele, decidido a fazer com que ela se lembrasse e lhe ficasse grata.
Olhou para ela com ar de desejo. Que encantador, com o orvalho da juventude a cobri-la; com aquela perfeição de traços e aqueles olhos tranquilos, onde a inteligência podia ser vista com a mesma nitidez que toda a beleza deles.
Ricardo estava com inveja. Aquela bela jovem para Henrique e, para ele, uma esposa que envelhecia. Ele não passara a gostar mais de sua Isabella à medida que os anos se passavam; e o papa não lhe permitiria separar-se dela. A vida era injusta. Lembrou a si mesmo que tinha o seu adorável filho, Henrique em homenagem ao tio real, e que Isabella era mãe dele. Sim, ele tinha Henrique, mas aquilo não evitava que invejasse Henrique por causa daquela adorável jovem.
O rei estava muito bem a par de sua inveja; isso o deixava encantado. Quanto a Eleanor, ele não conseguia tirar os olhos dela. Já lhe tinha dado jóias de um luxo que ela jamais vira em Provence e com as quais nem mesmo as de Marguerite poderiam ser comparadas.
Ela iria ser feliz ali. Estava pronta a amar aquele homem com aqueles olhos estranhos que já a estava idolatrando, quando até aquele momento ela não fizera coisa alguma a não ser ser bonita, o que era a coisa mais fácil do mundo.
Ela levara várias mulheres de Provence, embora o pai a tivesse avisado de que com frequência, quando as jovens se casavam com noivos de terras estrangeiras, os maridos dispensavam suas criadas e colocavam outras de sua escolha.
Ela prometeu a si mesma que iria manter as dela. Não iria falar inglês o tempo todo, embora tivesse um bom conhecimento da língua e, por ter facilidade de aprender idiomas, fosse aprender depressa. Às vezes, porém, iria querer falar o seu provençal nativo e recordar coisas da infância com aquelas pessoas que delas haviam partilhado. Talvez aquela fosse ser a primeira batalha entre ela e Henrique. Para ela seria um prazer, porque perceberia até onde poderia dominá-lo.
O casamento seria realizado imediatamente em Canterbury, e a cerimónia ficaria a cargo do arcebispo de Canterbury; depois, ela e o marido seguiriam para Londres, para as festividades.
Em seus aposentos no palácio do arcebispo, tio Guilherme foi visitá-la. Ela viu, pelo brilho dos olhos e pelo rubor das faces, que ele estava agitado.
Ele tomou-a nos braços e manteve-a apertada por alguns segundos antes de dizer, com emoção:
- Estou orgulhoso de você.
- Ora, titio, o que eu fiz?
- Você encantou o príncipe. Eu sei disso.
- Não é o que se esperava? - perguntou Eleanor.
- É o que se tem esperança que aconteça... e raramente acontece com aconteceu hoje. Posso perceber que ele já a ama. Oh, minha menina, este é um ótimo dia para a Casa de Savóia.
- E para a Inglaterra, espero eu - disse Eleanor.
- É isso, para a Inglaterra. Amanhã, você será rainha... e depois dessa cerimónia aqui na grande catedral, irá para Westminster, para ser coroada. Minha querida. Nunca pensei que isso fosse possível. Nós nos alegramos muito com a boa fortuna de Marguerite... e agora, você. Duas rainhas...
- Romeo de Villeneuve disse a meu pai que iria fazer de cada uma das filhas dele uma rainha.
- Roguemos graças pelo fato de que a profecia dele se tornou realidade para duas delas.
- Pobres Sanchia e Beatrice! Aposto que estão com inveja de mim. Meus pais devem estar contando a elas, agora, sobre a nossa estada em Champagne e na corte da França. Posso imaginar a cena.
- Vamos nos preocupar com o seu futuro, minha querida.
- É um assunto que me interessa muito.
- Creio que o rei vai ser guiado por você... se você for inteligente.
- Eu sou inteligente, titio. Foi a minha inteligência que me trouxe até aqui.
- Ah, eu conheço a história do poema, e conheço bem sua habilidade com as palavras e com a música. Mas estava pensando em outras habilidades. Ainda temos de descobrir se você as possui.
- Se não as possuir, irei possuí-las em breve, titio.
- Tal como o rei, eu me alegro com você. Além do mais, estou gostando desta terra, Eleanor.
- Isso me agrada, já que ela vai ser minha.
- Você percebe, não?, que o seu marido pode representar um papel muito importante na história da Europa. Quero que seja um papel que traga o bem para a Inglaterra... para Provence e para Savóia. Por este motivo, eu gostaria de ficar aqui para orientar... os dois.
- O senhor quer dizer que não quer voltar para casa. Ele a olhou fixamente.
- Quero ficar aqui, Eleanor. Você vai precisar de mim. Quero tomar conta de você. Você é uma menina inteligente. Oh, sei muito bem disso, mas é muito criança, e muitas vezes a inteligência não é uma boa substituta para a experiência. Chega de falar nisso agora. Pode ser que você tenha alguma influência sobre o seu marido, e se tiver...
- Cheguei à conclusão de que meu marido vai querer me agradar - disse ela.
Guilherme, bispo eleito de Valence, sorriu. Achou que, por enquanto, aquilo bastava.
Na noite antes do casamento, Eleanor sentara-se ao lado de Henrique à mesa, no palácio, e ele lhe falara sobre o seu pais e de seus interesses, e os dois ficaram encantados ao ver que os dela eram semelhantes. Ele era um grande admirador dos poetas, e dissera-lhe que lera repetidas vezes o magnífico poema épico que ela escrevera e enviara ao irmão dele da Cornualha. Ele jamais esqueceria que o poema, de certo modo, a levara até ele.
Ele não tirava os olhos dela. Disse que não havia vivido até vêla, que se sentia feliz por ter esperado pelo casamento até aquele momento - embora tivesse sido tentado a casar-se antes. O destino o poupara para aquele, porque ele soubera, assim que pousara os olhos em Eleanor, que nenhuma outra serviria.
Aquilo tudo era inebriante, como inebriante era a admiração dos homens da corte, e seu contentamento aumentava-lhe a beleza. Ela podia falar à vontade com Henrique, porque ele falava o seu provençal. Depois, experimentou o seu inglês, que ele declarou encantador e disse querer promulgar uma lei obrigando todos os ingleses a falar seu idioma como Eleanor falava.
Havia apenas uma pessoa que não ficou sensibilizada pelo charme dela, e essa pessoa era o velho arcebispo de Canterbury. Ela pouco se importava. Pobre velho. Diziam
que era um santo, e todo mundo sabia como os santos eram insípidos. Diziam que ele mandava monges açoitá-lo com tiras de crina de cavalo; que telas de cordas com nós eram amarradas em torno de seu corpo nos pontos em que mais o pudessem atormentar; que ele jamais ia para a cama, mas passava as noites sentado, meditando, ou de joelhos.
Um homem desagradabilíssimo, que ela esperava ver muito pouco.
Mas ele era o arcebispo de Canterbury, e foi quem os casou na grande catedral - Henrique disse a ela que aquela construção muitíssimo impressionante e a abadia de Westminster foram as primeiras duas igrejas a serem construídas pelos normandos na Inglaterra. Como a cerimónia foi solene! Eleanor estava profundamente cônscia de seu tio Guilherme e, lembrando-se do que ele lhe dissera, sentiu-se esmagada pela importância do que estava acontecendo, e quando os dois foram para o palácio para o banquete de casamento, ela estava um pouco séria. O mesmo acontecia com Henrique, mas a sua adoração não diminuíra.
Ela sentou-se ao lado dele, e ele lhe serviu os melhores alimentos que haviam sido colocados no prato dele. Ele estava muito carinhoso, e garantiu-lhe que seu maior desejo era que ela fosse feliz.
Ela lhe disse que tão logo soubera que ele a tinha escolhido como esposa sentira-se enaltecida, e depois um pouco temerosa de que não pudesse agradá-lo. Agora que ele lhe mostrara que ela o agradara, ela só poderia sentir-se
feliz.
No dia seguinte, os dois iriam partir para Londres, onde teriam início as celebrações reais.
- O povo de Londres é cioso de seus privilégios - explicou ele. - O casamento, é claro, devia realizar-se em Canterbury e ser celebrado pelo nosso primeiro homem da Igreja. Mas é Londres que irá decidir se vai amar você ou não.
- O que eu preciso fazer para que ela me ame? - perguntou ela.
- Tudo o que precisa fazer, minha rainha, é sentar-se sobre o seu cavalo branco e sorrir para eles.
- Contentá-los é fácil - retrucou ela.
- Não, eles constituem o povo mais difícil de contentar em meu país. E pobre do governante que não os agradar. Eles têm memórias tão longas quanto o rio deles, o Tamisa, e não têm compunção alguma em mostrar seu desagrado.
- Neste caso, devo exibir o meu melhor sorriso. Mas você é o rei, e não iria deixar que eles não gostem de mim, eu sei.
- Vejo que você já faz um bom juízo de seu marido.
E assim conversaram, enquanto o terno olhar dele jamais se desviava dela.
Quando ficaram a sós nos aposentos preparados para eles, ele ficou um pouco constrangido.
Disse:
- Você é muito jovem. Eu não a desagradaria por nada neste mundo.
- Vossa Majestade me agrada muito - respondeu ela.
- Receio que sua opinião possa mudar.
- Eu não tenho medo - respondeu ela - e, por isso, por que iria você ter medo?
- Você tem apenas quatorze anos de idade. É muito jovem
- disse ele.
- As princesas amadurecem depressa, majestade. Compreendo perfeitamente. Como sua esposa, a rainha, espera-se que eu lhe dê um herdeiro ao país. Estou pronta.
- Você não sabe nada dessas coisas, de tão criança que é. Ela ergueu as mãos e, colocando o rosto dele entre elas, beijoulhe a face.
- Quando era muito criança, eu lia as obras de seus poetas. Eles pareciam sempre escrever sobre o amor. Amor não correspondido; amor realizado. Eu observava muito, majestade. Sei que até há mais coisas ainda que não sei, mas Vossa Majestade vai me ensinar. É este o dever de um marido, não é? Só posso dizer, Henrique, meu rei e marido, que estou pronta.
E então ele a apertou nos braços e disse que jamais ousara sonhar com um prazer daqueles.
E ela soube que dali para a frente ele seria seu escravo.
Cavalgando lado a lado, os dois seguiram para Londres.
À medida que atravessavam o interior, homens, mulheres e crianças saíam correndo de suas casas. Fazia frio, pois era o mês de janeiro, mas envolta em seu casaco forrado de veiros e com a borda de miniver, Eleanor não percebia isso. O ar frio colocava-lhe um rosado nas faces e um brilho nos olhos. A Henrique parecia que ela ficava cada dia mais bonita.
À medida que se aproximavam de Londres, as multidões aumentavam.
"Viva o rei! Viva a rainha!" Os gritos leais das pessoas eram algo de que ela iria se lembrar a vida toda, particularmente em ocasiões menos felizes.
E assim entraram na cidade-capital.
De um lado ao outro das ruas, tinham sido penduradas bandeiras; panos de seda pendiam das janelas. Havia lanternas e círios; por toda parte eram exibidas as duas
coroas - a do rei e a da rainha. O que era mais maravilhoso de tudo, cidadãos, orgulhosos de sua cidade, haviam varrido toda a sujeira e todos os dejetos que normalmente
a maculavam; muitos deles tinham esfregado as pedras, e o que era mais impressionante para aqueles que a conheciam bem era a limpeza que havia por todo canto.
Todos os dignitários da City estavam presentes e decididos a impressionar a nova rainha com o seu esplendor. Seguiram o cortejo da City até Westminster, onde, disse o rei à rainha, iriam atuar como mordomos.
- É costume os principais cidadãos fazerem isso numa coroação - acrescentou ele. - Eles são muito ciosos de suas tradições, e estão decididos a mante-las.
- Esta parece boa - disse a rainha.
Não havia dúvida de que eles apresentavam uma visão colorida, com os trajes de seda e os mantos tecidos com fios de ouro. Os cavalos tinham sido recém-ajaezados, e ao todo levavam 360 taças de ouro e de prata; e os
trombeteiros do rei cavalgavam à frente deles, tocando suas trombetas enquanto o povo ovacionava.
E com toda a pompa e a cerimónia de uma coroação real, Eleanor de Provence foi coroada rainha da Inglaterra. Depois da cerimónia, a festa. Eleanor jamais vira tamanho esplendor. Ficou imaginando se a coroação de Marguerite fora tão magnífica. Teve dúvidas. Luís não teria ligado para tanta extravagância
- quanto a Blanche, ela teria querido representar o papel principal, e como não poderia fazer isso na coroação de Marguerite, iria querer o mínimo de exibição possível.
Como Henrique era diferente! Henrique não tinha mãos a medir para agradar a sua rainha. Ele adorou o espetáculo porque era para ela.
Como foi emocionante caminhar ao lado do rei, usando a coroa que acabara de conseguir, enquanto acima de sua cabeça havia um pálio de seda sustentado por quatro lanças de prata carregadas por quatro cavaleiros - dois de cada lado dela. Por sobre o rei havia um pálio semelhante, sustentado por barões dos Cinco Portos.
Lá estava ela sentada ao lado do rei, à mesa elevada, e à direita deles estavam os arcebispos, bispos e abades e, à esquerda, os condes e os mais altos nobres do país.
Eleanor percebeu, em particular, o senescal, devido ao seu ar de distinção. Era um homem que se destacava em qualquer grupo.
- Quem é ele? - perguntou Eleanor ao rei.
- Oh... o senescal. Ele é Simon de Montfort... um jovem ambicioso.
- Já ouvi o nome dele.
- Sem dúvida foi sobre o pai dele que você ouviu falar. Ele foi Simon de Montfort 1 Amaury, capitão geral das tropas francesas na guerra contra os albigenses. Um homem de muita capacidade militar e crueldade.
- E o filho saiu-se ao pai?
- Não, mas é um homem de bom senso, creio eu. Vai progredir graças a uma mente astuta, e não a uma espada. Há, no momento, uma espécie de batalha entre ele e Norfolk. Esse cargo de senescal que agora ocupa, ele insiste que pertence aos condes de Leicester.
Ele, através do casamento do avô com um membro da família Leicester, reclamou o direito ao título. O conde de Norfolk diz que o cargo pertence a ele.
- Quer dizer, então, que eles lutaram pela honra de nos servirem?
- É isso, mesmo.
- E Simon de Montfort venceu. Isso não me surpreende. Ocorreu-lhe que ele era um homem a observar, para que ela
pudesse aprender tudo o que fosse possível com ele. Naquele momento, o rei ficou um tanto inquieto ao ver seu interesse por outro homem, de modo que ela abandonou o assunto Montfort e pediu a Henrique que explicasse as formalidades do banquete. Isso ele fez com prazer.
Disse que Walter de Beauchamp, que pusera o saleiro de mesa e as facas, iria pedi-las, após o banquete, a título de gratificação. O prefeito, Andrew Benkerel, trabalhava na copa com as 360 taças de ouro e de prata que tinham sido levadas com tanta cerimónia pelas ruas.
Todos aqueles que serviam iriam levar algum artigo que estava na mesa - poderia ser uma faca de ouro ou de prata, um dos mantos do senescal, ou a taça da qual o rei e a rainha tinham bebido... fosse lá o que fosse, eles lutavam pelo que consideravam direitos seus, e Eleanor comentou que talvez fosse o desejo de lucro, e não a lealdade, que os fizesse tão ansiosos por servirem ao rei.
Mas foi um banquete animado, e a nova rainha estava muito ciente dos olhos de seu tio nela. Ela ficava encantada por ser tão admirada. Ela era não apenas bonita, mas inteligente. Tio Guilherme dera a entender que ela poderia fazer muito para ajudar o seu país natal - e a Savóia, na qual ele estava, naturalmente, mais interessado.
O futuro parecia muito brilhante para ela. Ela quisera rivalizar com Marguerite. Mas fizera mais do que isso.
Era verdade que muita gente iria dizer que Luís era o mais bonito dos dois maridos. Ele tinha uma idade mais próxima da de Marguerite, e Henrique tinha o dobro da de Eleanor. Não fazia mal. Ela pouco se importava. Não havia uma sogra dominadora com quem lutar, ali. A Eleanor parecia que, na Inglaterra, ela estava com o campo livre.
Depois do banquete, as mesas foram removidas e os convivas sentaram-se no salão - alguns nos bancos de pedra recortados nas paredes; outros nos baús que continham algumas das peças de ouro e prata do rei; e outros mais em tamboretes. O rei e a rainha estavam perto da fogueira, em suas cadeiras de honra; e os menestréis e malabaristas receberam autorização para entrar, a fim de distrair os presentes enquanto os fidalgos rurais serviam doces e vinho quente e condimentado.
Num tamborete próximo à rainha sentava-se a princesa Eleanor, irmã do rei, uma jovem de cerca de 21 anos, e ao lado dela estava seu irmão Ricardo, que nunca perdia uma oportunidade de estar perto da jovem rainha.
Ricardo perguntou a Eleanor o que ela achava da hospitalidade inglesa, ao que ela respondeu que era a mais generosa que jamais vira.
- Não é todo dia que uma rainha é coroada - lembrou-lhe Ricardo.
- Uma felicidade - retorquiu Eleanor. - Um país precisa de apenas uma rainha, e com ela e o marido coroados há um fim nas coroações durante muitos anos.
- Amém - murmurou Ricardo.
A princesa Eleanor olhou para o irmão com uma certa expressão divertida, percebeu a rainha.
Ela estudou Eleanor - sua xará. Em nada mais as duas se assemelhavam.
A rainha perguntou à cunhada se iria ficar na corte, pois acreditava que ela viera havia pouco tempo do interior.
A princesa respondeu que a rainha estava certa. Ela estivera passando uma temporada em casa de sua cunhada. Ela olhou para Ricardo. A rainha ouvira dizer que Ricardo era casado com uma mulher de idade, da qual estava cansado. As notícias viajavam depressa pelas cortes, e o tio Guilherme já descobrira aquilo. Ele dissera que era bom ela manter-se informada de todos os assuntos concernentes ao país e à sua nova família. Aquilo a fazia sentir-se como uma conspiradora.
- Deve ter sido agradável - disse a rainha, e havia uma pergunta em seu tom de voz.
A princesa hesitou.
- A condessa de Cornualha está muito doente, majestade. Vive abatida por causa disso... - outro olhar para Ricardo - e de outros assuntos.
A princesa tinha uma natureza rebelde. Era evidente que gostava da cunhada e lamentava a atitude do irmão; e tampouco hesitava em demonstrá-lo. Interessante!, pensou a rainha. Lançou um olhar ligeiramente coquete para Ricardo, pois sabia que ele a admirava, e imaginou que ele ficaria encantado por tê-la como mulher em lugar daquela com idade, com quem se casara.
A princesa Eleanor continuou:
- Mas ela tem um filho belíssimo. É verdade, não é mesmo, meu irmão?
Agora houve uma animação na fisionomia dele. Ele pelo menos tinha uma afeição muito grande pelo menino.
- Ele é um belo garotinho - disse Ricardo. - Adiantado para a sua idade. Não é, irmã?
- Dou graças a Deus por ele ser assim, para o bem de Isabella
- disse Eleanor, e uma vez mais havia um tom de reprovação em sua voz.
Que a princesa Eleanor era uma jovem franca e sem rodeios estava ficando claro, e por ser uns sete anos mais velha do que a rainha, ela tendia a considerá-la uma criança.
Pouco importa, pensou a rainha. Por enquanto, isso pode muito bem acontecer. Correu os olhos pelo salão e viu, caminhando em direção ao grupo real, o senescal do banquete, o homem que tinha sido mostrado a ela como sendo Simon de Montfort.
Ele fez a sua mesura para o rei, primeiro, e depois para a rainha.
Henrique disse:
- Já acertou suas diferenças com Norfolk, Simon?
- Majestade, eu estava com o direito do meu lado. Ele não tinha como refutar isso.
- Eu sabia que seria o vencedor, Simon - disse o rei. Era evidente, pensou Eleanor, que seu marido tinha amizade àquele homem.
Ricardo, que pelo que se percebia ficara um pouco deprimido pela referência que a irmã fizera ao seu casamento, começou a conversar com Simon de Montfort e, quando o rei se voltou para um dos barões à sua direita, a rainha e a princesa Eleanor, com Simon e Ricardo, formaram um pequeno grupo.
Conversaram sobre o banquete e a fartura deste, e sobre o fato de que os vários elementos que haviam servido iriam exigir sua recompensa sob a forma dos presentes que levariam da mesa do rei. Ricardo se sentara aos pés da rainha e falava com ela sobre a cruzada na qual pretendia partir em breve. Simon conversava com a princesa.
Ricardo perguntou se a rainha tinha notícias de Provence, e disse que jamais se esqueceria do fato de estar sentado no grande salão de lá e ouvir os menestréis, da alegria que encontrara no lar do conde e da condessa, e das suas três belas filhas.
- Cada uma digna de ser uma rainha - disse ele. - A rainha da França... a rainha da Inglaterra... O que acha que aguarda a encantadora Sanchia, majestade?
- Só posso esperar que ela seja tão afortunada quanto as duas irmãs mais velhas.
- A rainha da França... Vossa Majestade acha que ela está tão contente com o seu destino quanto a rainha da Inglaterra está com o dela?
- Não acho que isso fosse possível. Além do mais, ela tem uma sogra muito dominadora. Felizmente, eu escapei disso.
- Por um triz. A história seria diferente se minha mãe não tivesse decidido casar-se com uma pessoa de fora do país.
- Ah, mas se casou. Por isso, não precisamos levá-la em consideração.
- Ela é uma mulher que é sempre preciso levar em consideração enquanto viver.
- Mas pelo menos não está aqui para me mandar... como Mar...
Ela fez uma pausa. O tio Guilherme dissera que ela devia ser diplomática e jamais se esquecer de que já não era simplesmente uma menina numa ala infantil. Era uma rainha... e Marguerite também.
- Madame - disse Ricardo, sorrindo e encarando-a nos olhos -, acho que a senhora jamais seria uma pessoa a ser mandada dessa maneira.
- Acho que tem razão.
- A senhora sabe que tenho.
A princesa Eleanor sofrera uma mudança; seus olhos cintilavam, as faces estavam rubras, e ela estava muito bonita. Simon de Montfort tivera seu efeito sobre ela.
Há tanto o que aprender, pensou a rainha, e embora eu seja inteligente, sou muito criança e inexperiente. Felizmente, ela tinha o tio Guilherme ali, para ajudá-la.
Estava sempre pensando nas palavras de Ricardo. "Acho que a senhora jamais seria uma pessoa a ser mandada dessa maneira."
Ali havia admiração, mas também especulação. Sim, o tio Guilherme tinha razão. Ela tinha muito o que aprender; tinha de conter o impulso de dizer o que quisesse. Precisava ter cuidado com todos à sua volta.
A coroação e o banquete tinham sido uma revelação, e a importância de sua posição tinha-lhe sido demonstrada. Era devida a todos aqueles barões de aspecto bravio reunidos para prestar suas homenagens a ela e ao rei; mas ela conhecia alguma coisa da história da Inglaterra, e tinham sido muitos daqueles mesmos barões que haviam se virado contra o pai de Henrique, o rei João, e o obrigado a assinar a Magna Carta e depois, por ele não ter cumprido a palavra, tinham trazido os franceses para assumir o trono.
Tio Guilherme tinha razão. Ela precisava dele.
Até onde Henrique queria agradá-la?, imaginou ela. Na intimidade da vida doméstica, parecia não haver coisa alguma que ele não fizesse. Mas ela era inteligente o bastante para saber que a vida privada de um rei e a sua vida pública eram duas questões muito diferentes.
Nos últimos dias, ela estivera recebendo, para exame, meninas de sua idade cujos pais realizavam algum serviço na corte, e ela sabia que aquelas meninas queriam arranjar trabalho na sua equipe de criadas. Era costume, quando uma noiva real vinha de um país estrangeiro, mandar de volta as criadas que tivesse levado com ela e escolher outras de seu novo país, a fim de fazer com que a recémchegada percebesse que agora pertencia à sua nova terra.
Toda princesa protestava contra aquilo, e era claro que ela iria protestar. Como poderiam esperar que ela se despedisse de vez de velhas amigas e recebesse de bom grado pessoas estranhas? Mas era o costume, e esperava-se que ela se submetesse a ele.
Seria um teste. Se vencesse, ela saberia que não haveria dificuldade. Seria uma indicação de que ela era, ou não, tão hábil quanto ela mesma acreditava ser.
Finalmente, eles ficaram a sós em seus aposentos.
Ele voltou-se para ela e, tomando-lhe as mãos, puxou-a para ele.
- Bem, minha querida - disse ele -, o que acha do seu rei e do país dele?
- Acho que sou a princesa mais afortunada do mundo.
- Então, fico feliz.
- Eu tenho um rei - disse ela - que mostra o seu amor por mim com a sua indulgência. O que mais poderia eu pedir?
- Tem razão, amorzinho. Não há nada que eu não lhe daria. Era agora. O coração dela batia apressado. Arriscava? Seria
cedo demais? Talvez devesse ter perguntado ao tio Guilherme, primeiro.
- Não deve fazer promessas irrefletidas, Henrique, que não possa vir a cumprir.
- Eu... não poder cumprir minhas promessas! Ora, minha querida, já se esqueceu de que sou o rei?
Ela o compreendia. Ele estava muito ansioso por que todos se lembrassem daquilo. Era uma pessoa que afirmava a sua realeza, o que deveria significar que no íntimo ele sentia alguma fraqueza. Henrique não era bobo. Era inteligente, mas às vezes uma inteligência como a dele era um empecilho, e não uma vantagem. No íntimo, deveria conhecer suas deficiências e faria o possível para escondê-las ou enganar as pessoas, fazendo com que acreditassem que elas não existiam. Daí o seu desejo de que todos reconhecessem sua realeza; daí o repentino acesso de raiva quando se achava desrespeitado, a afabilidade quando achava que precisava da amizade de um homem.
- Não, não me esqueço - respondeu ela. - Mas os seus barões são homens poderosos.
- Você achou isso?
- Achei, sim.
- Houve algum que a desrespeitasse?
- Nenhum. Eles me aceitam como rainha deles, sei muito bem disso. vou me sentir feliz, aqui, depois que me acostumar a isso. Felizmente tenho algumas amigas ao meu redor.
- Daqui a pouco, elas vão estar ansiosas pelos céus azuis de Provence.
- Elas jamais iriam querer me deixar... nunca.
- Querida!
Ela passou os braços em torno do pescoço dele.
- Henrique, você faria uma coisa por mim?
- Qualquer coisa... mas não peça pouco.
- Talvez não seja pouco. Minhas criadas estão com um pouco de medo, Henrique. Elas têm ouvido rumores.
- Rumores? Que rumores?
- De que possam ser dispensadas.
- Oh... daqui a algum tempo. Depois que elas se forem, você irá selecionar aquelas que gostaria que as substituíssem.
- Sim... era isso que elas temiam. Eu as tranquilizei, Henrique. Disse que você era muito bom e delicado comigo e que era por isso que eu o amava tanto. Disse que você jamais me faria infeliz dispensando-as.
Silêncio. A cabeça apoiada no peito dele, para que ela não lhe visse o rosto. Ela esperou, apreensiva. Aquilo era mais do que mandar embora algumas criadas.
Por fim, ele falou, passando-lhe a mão pelos cabelos enquanto falava.
- Minha adorada, como você sabe, o costume é esse. O povo não gosta de estrangeiros na corte. Oh, eu sei que elas não são estrangeiras para nós, mas o povo acha que são.
- Quer dizer... que você as mandaria embora!
Ela se livrou dos braços dele, sentou-se na cama e cobriu o rosto com as mãos.
Ele estava a seu lado, envolvendo-a nos braços.
- Eleanor, entenda isso...
- Não - disse ela. - Não precisa dizer mais nada. Eu estava enganada. Não é como eu pensava. Preciso dizer a elas que me enganei...
- Enganou-se? O que quer dizer?
- Eu disse a elas que jamais poderia ser realmente feliz se elas fossem embora, e que quando eu falasse com você, você deixaria que elas ficassem.
- Oh, minha adorada criança...
A expressão de Henrique era de desgraça. Ele ouvia a voz de Hubert. "Está na hora dos estrangeiros irem embora. O povo não gosta de vê-los no país. Há muitos que procuram ocupar os cargos...
Mas ela queria. Aquilo era necessário à felicidade dela.
- Vamos - disse Henrique -, isso é um assunto que não precisamos resolver já.
Ela sacudiu a cabeça.
- Você não pode me enganar, Henrique, eu sei. Já está decidido. vou ter de dizer a elas amanhã que falei com você... e que você está contra mim.
- Não... não... você não compreende.
- Infelizmente, compreendo.
Ela se levantou, triste. Ele se colocou a seu lado.
- Eleanor, você quer muito isso, não quer?
- Quero mais do que tudo. Estava tudo tão maravilhoso... estar aqui com você... feliz... a sua rainha. Pois bem, já não é assim... É isso.
- Não - bradou Henrique -, elas vão ficar. Eu lhe prometo. Meu amor, você ficará com elas o tempo que quiser.
O rosto dela estava iluminado de alegria quando ela passou os braços pelo pescoço dele.
- Cuidado - disse Henrique. - Quer estrangular o rei da Inglaterra?
- Não. Eu quero confortá-lo, venerá-lo e amá-lo para sempre. Foi a primeira vitória da rainha da Inglaterra.
Bem-aventurança Matrimonial
QUANDO ELEANOR CONTOU ao tio Guilherme que o rei prometera que ela poderia manter as criadas provençais pelo tempo que quisesse, ele ficou impressionado e encantado.
- Você me surpreende - bradou ele. - Nunca se ouviu falar nisso.
Ela riu dele.
- Henrique está ansioso por me agradar. Diz que não há nada que ele possa me negar.
- Minha querida menina, você tem um grande poder nas mãos. Temos de ter a certeza de que irá usá-lo da maneira adequada.
- Não foi o que fiz?
- Perfeitamente. Perfeitamente. Haverá um grande teste... em breve.
- É, titio?
- Eu quero ficar aqui. Você precisa de mim. Há muita coisa boa que podemos fazer... para a Provence e a Savóia. Nossa família irá bendizê-la, Eleanor.
- vou fazer tudo o que puder.
- Imagine o orgulho deles por você na corte de seu pai. Creio que isso poderia significar o fim da pobreza para ele. Tenho certeza de que Henrique estaria ansioso por ajudá-lo. Veja como ele desistiu do dote que estava pedindo. Eu sei que ele não se lamenta por isso. Existem muitos, lá, que poderiam fazer um bom trabalho na Inglaterra. O seu tio Boniface poderia vir. Quem sabe?... Aqui há inúmeras oportunidades para aqueles que souberem aproveitá-las. Precisamos aproveitá-las, Eleanor.
- É claro que desejo fazer tudo o que puder para ajudar.
- Até agora, você não tem se saído mal, minha querida. Mas é um começo. Se eu pudesse ficar por aqui... talvez houvesse alguma nomeação... algum alto cargo na Igreja.
- Isso seria uma maravilha, titio.
- Bem, vejamos o que podemos fazer. Não mencione, por enquanto, a minha permanência aqui a Henrique. Pode estar certa de que haverá oposição. Mas você e eu, juntos, venceremos isso. Não concorda?
Ela estava entusiasmada com o sucesso. Fora muito fácil fazer com que Henrique concordasse com a permanência das criadas. Claro que um alto cargo para o tio seria um assunto mais delicado... mas era um desafio que ela gostaria de enfrentar.
Era divertido, estimulante e agradável mostrar a todo mundo a influência que ela já exercia sobre o marido, e seu objetivo seria conseguir cada vez mais.
Quando Henrique viu o prazer dela em companhia do tio, decidiu aderir. Estava sentindo-se tão feliz no casamento que queria que todos soubessem que ele apreciava a sua rainha. Não apenas ela era muito bonita, mas o amor pela literatura, a capacidade de escrever, cantar e compreender música combinavam tanto com a natureza dele que ele se convencera de que encontrara a esposa perfeita.
Tal como ele, ela queria filhos, e ele estava certo de que não demoraria muito para que uma união como a deles desse frutos. Naqueles primeiros meses, ele ficou num estado de tamanha euforia com relação ao casamento que se sentia inteiramente feliz. Queria dar a ela tudo o que ela pedisse.
Eleanor, gozando da aprovação do marido e do tio que ela fora educada para respeitar, estava muito contente com o seu destino; e quando pensava que aquilo fora provocado pela esperteza de Romeo de Villeneuve - e dela mesma, é claro -, nunca deixava de se admirar. Eram frequentes as comunicações com sua família, e Romeo também lhe escrevia. Ela e o tio Guilherme liam aquelas missivas, e o que ela queria mais do que tudo era fazer o bem para a família, o que significava não apenas Provence mas a Savóia, a pátria de seus ambiciosos tios.
Entre a idolatria do marido e o tio, Eleanor sentia-se realmente uma pessoa tratada com muito carinho. Muitas vezes acontecia que quando Eleanor e Henrique estavam
sozinhos, o tio Guilherme se juntava a eles. Então, eles discutiam assuntos de Estado, de que o tio Guilherme tanto gostava, e ele expunha seu ponto de vista, que Henrique ouvia com uma certa reverência.
Poucos meses depois da chegada dela à Inglaterra, começaram a chegar amigos de Provence e de Savóia. Eleanor ficava tão encantada em recebê-los, que Henrique tinha de ficar, também; e quando ela sugeria que eles deviam receber cargos, como poderia ele desapontá-la com uma recusa?
Parecia que, naquela época, só havia uma sombra sobre a felicidade deles: a incapacidade de Eleanor de ficar grávida.
Henrique a tranquilizava.
- Você ainda é uma criança, meu amor - dizia ele. - Nós temos a tendência de esquecer a sua pouca idade devido ao seu bom senso, mas é verdade. Não se atormente. Nós vamos conseguir a qualquer momento. Então, eu juro que você terá os filhos e filhas mais bonitos do mundo. Eles devem ser... se se parecerem com você.
Uma devoção daquelas parecia um tanto insensata, na opinião da corte. Algumas pessoas procuraram aproveitar-se dela, e uma dessas pessoas era Simon de Montfort, conde de Leicester. Simon havia decidido tentar a sorte na Inglaterra que, devido às terras que seu pai tivera e que o rei permitira que ele mantivesse, e devido ao título de conde de Leicester que herdara, ele achava que poderia ser mais lucrativa do que a França. Por duas vezes, ele procurara casamentos vantajosos - e ambos com ricas viúvas de meia-idade, as condessas de Boulogne e de Flandres. Nas duas ocasiões, o rei da França frustrara suas esperanças. Por isso, era compreensível que ele tivesse voltado as costas para a França. Henrique tinha sido bom para ele; sob a influência da rainha, estava ficando cada vez mais inclinado a receber estrangeiros de bom grado, especialmente aqueles que pudessem cair nas boas graças da rainha. Simon era considerado estrangeiro pelos ingleses que estavam ansiosos por não ter estrangeiros aproveitando-se de seu país. Recentemente, ele começara a ter grandes esperanças. Seus muito destacados olhos negros brilhavam ao pensar naquilo. Claro que iriam olhá-lo com desconfiança. Não seria fácil; mas a irmã do rei, Eleanor, era uma jovem muito decidida, e uma vez tomada uma decisão, seria difícil desviála. Talvez fosse um sonho absurdo... mas quem poderia dizer que poderia não se tornar realidade? Naquele ínterim, ele devia unir-se a Guilherme de Valence e mostrar que ele seria um bom apoiador - porque se ele, Simon, fosse progredir, era mais provável que fosse através da influência externa do que da dos ingleses.
Guilherme de Valence já contava com adeptos no país, mas suas ambições estavam ficando grandes demais para ele controlar. Não era possível que aquela situação passasse despercebida. Havia sussurros. "O que está acontecendo na corte?" "É verdade que há reuniões secretas entre Guilherme de Valence e seus amigos?" "Será que esses estrangeiros estão tentando governar nosso país? Isso se deve à rainha. Os estrangeiros vieram com ela. O rei os recebe para agradá-la, e eles o estão fazendo de fantoche."
Quando a rainha saía pelas ruas a cavalo, olhares carrancudos lhe eram dirigidos. Alguém berrara, ousado: "Volte para a sua terra. Não queremos estrangeiros aqui."
Para ela, fora arrasador. Ela acreditara que todos deviam estar encantados com a sua beleza.
O rei não estava com ela quando aquilo aconteceu, e ela fora procurá-lo imediatamente, quase chorando.
Ele a acalmara.
- Deve ter sido um maluco - disse ele. - As pessoas de bom senso devem gostar muito de você.
- Não foi só o que foi gritado. Foi a maneira de olharem para mim... como se me odiassem.
- Oh, o povo é volúvel. "Hosana" um dia... "crucifiquemno" no outro.
- Não quero que me crucifiquem. Quero que me amem.
- vou mandar que a amem - declarou o marido, adulador. Mas a coisa não era tão fácil assim.
Ricardo foi visitar o irmão. Disse que queria falar com ele inteiramente a sós.
- Você não percebe, Henrique - disse ele -, mas há uma crescente inquietação por todo o país. Fui informado por vários dos barões. Eles não gostam do que está acontecendo.
- Eu não entendo - disse Henrique com frieza.
- É por isso que quem deseja o seu bem deve esclarecê-lo. Se você não parar com esse paparicar dos estrangeiros, os barões irão se revoltar. Vamos repetir os problemas de papai.
- Não vou admitir.
- Infelizmente, trata-se de um assunto no qual não se tem escolha. Os barões estão se reunindo... como fizeram antes. Estão falando sobre a Magna Carta, e você sabe o que isso significa. Dizem, até, que Guilherme de Valence está reunindo um conselho de estrangeiros em segredo e que eles são seus assessores.
Henrique ficou pálido. Era verdade que ele discutia assuntos de Estado com Guilherme e alguns daqueles amigos dos quais ele estava passando a gostar. Ele raramente via Hubert de Burgh, agora, e tampouco os principais condes e barões. Ele sabia que Edmund de Canterbury estava contrariado com ele, e ele tinha sempre medo de hostilizar a Igreja. Podia imaginar Ricardo colocando-se à frente de seus críticos; e sabia, pelo que acontecera no caso de seu pai, que eles eram capazes de atos desesperados para livrar-se de um rei que os desagradasse. E ali estava Ricardo - o amigo dos barões, pronto para servi-los se eles decidissem tirar a coroa de um irmão e colocá-la na cabeça do outro.
Ele tinha sido muito bobo. Sentira-se muito feliz com a sua bela Eleanor; recebera de braços abertos os amigos e parentes dela, e para ele eles eram mais interessantes
do que muitos de seus barões ingleses. Eles gostavam de poesia e de música; gostavam de discussões e de conversas inteligentes; e seria mesmo possível que enquanto o encantavam com aquilo eles lhe arrancavam concessões que eram motivo de descontentamento?
Ricardo disse:
- Há muita coisa para ocupá-lo, irmão, e os ingleses jamais serão governados por outras pessoas, a não ser por eles próprios.
- Não foi assim quando o nosso pai estava no trono. Eles não convidaram os franceses para virem governá-los?
- Henrique, vamos olhar a verdade de frente. Nunca houve um rei como o nosso pai. Ele cometeu todos os desatinos que se conhece. Eles estavam decididos a se livrar dele. Mas quando você assumiu o trono, quanto tempo levou para a Inglaterra livrar-se dos estrangeiros?
- Eles foram de boa vontade.
- Porque sabiam que tinham de ir. Os ingleses não admitem estrangeiros neste solo, Henrique. Se você permitir, eles irão encontrar algum meio de se livrar de você como se livraram do papai.
- Eu gostaria que não se falasse sempre no nosso pai.
- Ele é uma lição para qualquer rei... de como não se portar.
Henrique, eu estou do seu lado e o estou avisando. Poderá haver um distúrbio... dentro de muito pouco tempo. Além do mais, ele está prestes a acontecer.
- Neste caso, o que devo fazer?
- Livre-se de Guilherme de Valence.
- Mas ele é tio da rainha. Ela o adora!
- Espero que ela adore mais você. O preço de manter Guilherme de Valence aqui pode muito bem ser a sua coroa.
- Você fala com ousadia, Ricardo.
- Falo para o seu bem, irmão. - Ricardo deu de ombros. Você não quer me dar ouvidos. Muito bem. Cumpri com o meu dever. Você vai ver o que acontece. Dentro de poucas semanas...
- Eu simplesmente não acredito.
- Não, estou certo de que não acredita. Você não percebeu os olhares carrancudos das pessoas... os sussurros... E os barões, eu lhe previno, estão se preparando.
Ricardo fez meia-volta e estava para se retirar quando Henrique o chamou de volta.
Os irmãos olharam um para o outro com olhares fixos, e Ricardo disse, com voz pausada:
- Livre-se de Guilherme de Valence... senão, haverá guerra como houve com o nosso pai.., guerra entre a coroa e os barões. Nada mais tenho a dizer.
Henrique caminhava de um lado para o outro. O que poderia fazer? No íntimo, sabia que Ricardo tinha razão. Ele ficara ciente do descontentamento. Tinha sido avisado por outras pessoas. Hubert dera a entender, mas Hubert, agora, não falava muito. Depois da perseguição que sofrera, já não confiava mais no rei. Henrique podia imaginar o que eles estavam dizendo, o que estavam fazendo.
No entanto, como poderia dizer a Eleanor que o tio dela tinha de ir embora? Ela iria chorar e suplicar, e ele não podia resistir às lágrimas dela.
Ele foi salvo dessa situação pelo aparecimento de Guilherme de Valence em pessoa.
Estava alarmado. Ouvira rumores. Acreditava que alguns dos barões poderiam prendê-lo.
- Eu jamais permitiria isso - bradou Henrique.
- Não, mas mesmo assim eles poderiam tentar.
- O que vai fazer?
- Vou voltar para a Savóia. Meu querido sobrinho, não tente me persuadir. Estou vendo que é isso que eu tenho de fazer.
- Eleanor vai ficar triste.
- Querida menina! Venha comigo aos aposentos dela. Quero falar com vocês dois.
Foram procurar Eleanor que, quando soube da decisão do tio, atirou-se em seus braços.
- Minha adorada menina - disse Guilherme -, não se aflija. Eu sei que corro perigo, e de nada adiantaria ficar aqui. vou partir imediatamente... vou sair em segredo... talvez disfarçado. Mas uma.coisa eu lhe digo: não vai demorar muito, e estarei de volta.
- Oh, Henrique - bradou Eleanor -, o que vamos fazer sem o meu tio adorado?
- Temos um ao outro - respondeu Henrique.
- Ah, meus queridos filhos, fico contente ao saber disto. vou embora agora... e vou voltar. Aí, então, talvez Henrique tenha algum cargo na Igreja para me dar, o que seria um bom motivo para eu morar aqui. Estou decidido a voltar. Esta é apenas uma despedida temporária.
Ele abraçou os dois e, com uma certa rapidez, deixou-os e seguiu para sua residência.
Poucos dias depois, muita gente ficou satisfeita ao saber que Guilherme de Valence deixara o país. As pessoas ficaram menos satisfeitas quando se revelou que ele levara consigo todo o tesouro que acumulara desde que chegara à Inglaterra.
Aquilo foi um aviso. Nem Eleanor nem Henrique falavam muito sobre o assunto, mas ele estava na mente deles. A complacência dele para com os amigos e parentes dela, embora a agradasse, tinha o efeito oposto sobre o povo, e ela aprendeu o suficiente para saber que o povo não devia ser ofendido de maneira demasiado aberta.
Foi portanto reconfortante voltarem-se para assuntos mais domésticos.
Henrique confidenciou a ela que sua irmã Eleanor queria casarse com Simon de Montfort.
- Nunca ouvi tamanho disparate - disse ele. - Ele se julga muita coisa... imaginando poder entrar para a família real através do casamento! Estou muitíssimo transtornado, meu amor.
Eleanor ficou pensativa. Tentou colocar-se no lugar da cunhada. Era difícil. O casamento da irmã do rei da Inglaterra com um simples conde de Leicester não podia ser considerado muito brilhante, e ela não conseguia imaginar-se querendo realizá-lo; mas vamos supor que quisesse. Ora, sem dúvida que iria consegui-lo, e achou que a princesa era tão decidida quanto ela.
- Você está pensativa, minha adorada - disse Henrique.
- Creio que ela vai se casar com ele, diga você o que disser.
- Ela não teria coragem.
- Ela é uma mulher que tem muita coragem. Foi casada uma vez, por questões de Estado, quando era apenas uma criança. Tenho a impressão de que agora ela vai se casar para agradar a si mesma, e basta ver os dois juntos para perceber que Simon de Montfort é o escolhido.
- Você tem minha irmã num alto conceito.
- Reconheço a natureza dela.
- Ela se transformou numa mulher decidida durante a viuvez, é verdade. com que então a minha rainhazinha percebeu isso.
- Sim, a sua jovem rainha percebeu e acha que poderia ser interessante você concordar com o casamento desses dois.
- Eleanor. Querida!
- Simon de Montfort é um homem de força. Vê-se isso logo. Lembre-se de como ele venceu Norfolk na coroação. Ele é um homem, creio eu, que você deveria ter do seu lado.
- O que está sugerindo? Que devo dar o meu consentimento a esse casamento?
Ela confirmou com um gesto da cabeça.
- Algo me diz que eles vão se casar, mesmo que você não dê.
- Mas eles não terão a ousadia de fazer isso!
- Eu disse que ela teria coragem para muita coisa, e ele também. Nós temos inimigos demais. Não seria bom, majestade, tê-los ao nosso lado?
- Meu amor, haveria uma grande oposição a um casamento desses. De Montfort não é apreciado por ser estrangeiro. Os ingleses são uma raça insular. Acham que há algo de divino no fato de se nascer inglês. Se um homem que eles chamam de estrangeiro se casasse com a minha irmã, haveria revolta, isso eu lhe garanto.
- E haverá revolta se os dois não se casarem.
- Está vendo? - disse Henrique, carinhoso. - São muitas as provações de um rei.
Ela passou os braços em torno do pescoço dele.
- Mas você irá sempre vencê-las, Henrique... comigo para ajudá-lo.
Ele a beijou com afeto. Como ele é louco por mim!, pensou ela. Tinha sido exatamente tão fácil quanto ela acreditara ser conquistá-lo, governá-lo. Ele era um homem que havia sido privado de afeição, e uma pequena demonstração daquele sentimento deixava-o profundamente emocionado, em especial partindo dela.
- Haveria alguns barões zangados na Inglaterra, se eu consentisse. Por exemplo, não acho que meu irmão Ricardo fosse ficar muito satisfeito.
- Você é o rei. Deixe a coisa em segredo. Então, Simon de Montfort será seu amigo para sempre.
- Que criaturinha inteligente você é!
- Você está caçoando de mim.
- Nada disso. Estou sendo sincero.
- Neste caso, prove isso aceitando o meu conselho sobre este caso.
- Pelos santos, vou aceitá-lo.
- Sei que eles vão ficar do seu lado para sempre, se você aceitar, e penso que Simon de Montfort será um homem a ser levado em consideração.
Henrique passou um braço pelo dela e os dois caminharam até a janela e ficaram ali, juntos.
- Será que você imagina - perguntou ele - o que significa, para mim, ter você ao meu lado? Nunca um rei esteve tão satisfeito com o casamento como eu.
- Há uma coisa que nos falta... um filho.
- Ele vai aparecer... daqui a pouco. Você vai ver.
- Espero que sim - respondeu ela, com fervor.
Foi num dia frio de janeiro que Simon de Montfort casou-se com a irmã do rei na capela real de Westminster e, embora a cerimónia se realizasse com o máximo de segredo, o próprio Henrique entregou a noiva. Tão logo a cerimónia acabou, as apreensões dele eram enormes. A noiva e o noivo, porém, estavam encantados e, como a rainha profetizara, cobriram-no de agradecimentos e protestos de lealdade.
Quando Henrique e a rainha ficaram a sós, ela tomou-lhe as mãos e as beijou. Não tinha sido uma maravilha ver a felicidade daqueles dois? Como é que eles, que eram tão felizes, podiam deixar de ficar satisfeitos com aquilo? A princesa Eleanor e Simon, seu marido, iriam ficar eternamente gratos a ele.
- A menos - disse Henrique - que venham a se arrepender do casamento.
- Gente apaixonada como eles não se arrepende do casamento - replicou a rainha, implacável.
Ela o encantava. Ele jamais acreditara que a bem-aventurança matrimonial podia ser assim. Pensava com frequência no pobre do Ricardo, preso àquela mulher de meia-idade que visitava com a irregularidade possível. Desde que aquela sua encantadora jovem rainha chegara à Inglaterra, ele parara de invejar Ricardo. Quanto a Ricardo, ele não apenas cobiçava a coroa do irmão, mas também a esposa.
Era uma situação muito satisfatória, achava Henrique. O mesmo achava a sua rainha, pois estava-se tornando cada vez mais evidente que bastava ela pedir o que quisesse e o rei não resistia e atendia os desejos dela.
Dois meses depois do casamento secreto, a rainha estava sentada no solário, cercada por algumas de suas criadas provençais, quando um empregado se aproximou para anunciar que havia um visitante querendo falar com ela.
- Quem é ele? - perguntou ela.
- Ele pediu que não fosse dado nome algum, majestade. A rainha ficou intrigada.
- Onde está ele?
- Ele espera na sala da guarda, majestade. Pediu que dissesse primeiro à senhora, antes do rei.
- Onde está o rei?
- Está na sala de despacho com o conde de Cornualha e o conde de Chester, majestade.
Eleanor fez um gesto afirmativo com a cabeça e disse que iria resolver logo o mistério.
Na sala da guarda, uma figura envolta num manto partiu em direção a ela e tomou-a nos braços.
- Tio... Guilherme! - exclamou ela.
- Sim, aqui estou, de volta.
- É um prazer enorme ver o senhor. Quando foi que chegou?
- Mais ou menos há um dia. Vim direto para cá.
- Sem avisar. Nós devíamos ter sabido.
- Achei que primeiro devia testar o clima. Lembre-se de que fui praticamente expulso.
- Os barões são uns mesquinhos... uns ciumentos... sempre com medo de que alguém que de qualquer maneira seja mais inteligente do que eles vá tirar-lhes alguma coisa. Desta vez, adorado tio, o senhor não deverá ir embora.
- Talvez tenha sido bom eu partir naquele momento - disse o bispo eleito de Valence; e sorriu no íntimo. Tinha sido uma retirada lucrativa. Ele tinha, agora, em lugar seguro, todo o tesouro que levara consigo; e se tinha conseguido tanto no curto período de um ano, aquilo era uma demonstração da fortuna que havia naquela terra, à espera de que a levassem.
- Agora que está aqui, querido tio, o senhor vai ver que não falta entusiasmo ao recebê-lo, de minha parte e da parte de Henrique.
- Você acha que Henrique vai gostar de me ver?
- Se eu gostei, ele vai gostar.
- Oh, então ainda é assim, não é?
- É assim agora, e será sempre assim.
- Minha sobrinha esperta!
- Espero, querido tio, que o senhor não seja obrigado a fugir outra vez.
- Farei o possível para consolidar minha posição, e a melhor maneira de conseguir isso é ocupar um alto cargo no reino... na Igreja, é claro, pois fui treinado para isso.
Eleanor ficou calada. Sabia que poderia convencer Henrique, mas seu tio tinha sido obrigado a fugir do país devido à animosidade dos barões.
- vou explicar por que voltei agora. Ouvi dizer que Peter de Roches, o bispo de Winchester, desde o seu retorno à Inglaterra, ficou tão debilitado que não se espera que viva por muito tempo mais. A sé ficará vaga em breve. Quero que Henrique seja convencido a dá-la para mim.
- A sé de Winchester! É uma das mais importantes do país. Ora, ela rivaliza com Canterbury.
- Eu sei, minha cara. É por isso que eu a quero.
- O senhor está pedindo muito, titio.
- Mas tenho o máximo de confiança na sua ajuda. Sei que você vai consegui-la para mim. Entenda, minha querida, o seu casamento tem sido muito bom para nós, lá na nossa terra, como sabe. Não há razão para que não seja ainda melhor. Depois que eu tiver a sé de Winchester, seu tio Thomas deverá vir para cá. Estou certo de que poderíamos fazer alguma coisa por ele, hem?
- Faremos - disse Eleanor, com firmeza. Era uma satisfação imensa ser considerada de tamanha importância.
Henrique ficou muito satisfeito por Guilherme de Valence ter voltado à Inglaterra.
- O fato de eu não querer alardear a sua presença por todo o país não significa que o senhor não seja bem-vindo - disse-lhe ele. - Eu ficaria tristíssimo se o senhor recebesse a inospitalidade de que foi alvo há tão pouco tempo.
Guilherme declarou que tinha a melhor sobrinha e o melhor sobrinho do mundo, e que estava certo de que a indelicadeza demonstrada para com ele havia prejudicado mais a eles do que a ele.
Ele entendia a sensatez de manter a sua volta o mais oculta possível, e foi só no mês de junho, quando Peter de Roches morreu, que ele saiu do esconderijo.
Então Henrique, instado por Eleanor, anunciou que tinha o homem certo para assumir a sé de Winchester. Um homem de larga experiência, de hábitos de um santo, e um homem que tinha o bem da Igreja no coração; o tio de sua mulher, Guilherme de Valence.
A reação foi imediata.
Ricardo foi falar com ele.
- Henrique, sabe o que estão dizendo? Quer um retorno do passado?
- Eu lhe imploro - disse Henrique, com frieza - que não me lembre, mais uma vez, da Magna Carta. Eu sei que ela existe e sei que devo ficar de olho nos barões. Mas eu não sou o nosso pai. Deixamos aquela fase má para trás. Eu sou um rei que vai governar.
- Eu lhe digo uma coisa - bradou Ricardo, com raiva -, se continuar a ser a favor desses estrangeiros, vai ver seus súditos levantando-se em protesto no país inteiro.
- Peço-lhe que se lembre de que eles são meus súditos... e de que você também é.
Ricardo curvou a cabeça. Começava a se perguntar se o casamento real tinha sido tão benéfico quanto pensara que seria. Era verdade que Eleanor era uma garota encantadora, mas estava exercendo um poder demasiado sobre o rei, e a família dela estava começando a incomodar. O fato era que ela possuía uma vontade muito firme, e que o rei estava muito embriagado. Henrique iria ficar bajulador a ponto de cometer tolices.
Ricardo disse:
- Ouvi outro rumor que me deixa muito apreensivo. Não acredito... e, no entanto, deve haver alguma base para que se fale nele. Dizem que Simon de Montfort espera casar-se com a nossa irmã.
- E daí? - disse Henrique, ríspido
- Não pode ser, é claro...
- Não pode? Por que não?
- Seria inconveniente demais.
- Quem disse isso? Você, irmão? Você não governa esta terra. Se eu concordar com um casamento entre Simon de Montfort e Eleanor, haverá casamento.
- Você jamais seria tão imprudente.
Henrique sentiu um formigamento na nuca que sempre sentia quando estava com medo. De repente, bradou:
- Pois então deixe que lhe diga uma coisa, irmão. Eles estão casados e eu dei o meu consentimento.
Ricardo olhou para ele, horrorizado.
- Você deu o consentimento e eles estão casados! Isso jamais será perdoado. Quem é este homem... este estrangeiro?
- Ele agora é nosso cunhado.
- Henrique! Você está indo pelo mesmo caminho de papai!
- Que absurdo!
- Qual você acha que será a reação dos barões a isso?
- Não sei. Nem me importo. vou dizer-lhes que sou o rei, e que cabe a mim dizer quem vai se casar e quem vai ser eleito para que sé.
- Nada disso, irmão, isso é uma coisa com que eles jamais irão concordar. Você se esquece da Magna Carta.
- Se você tornar a me falar nisso...
- Henrique, pelo amor de Deus, não a esqueça. Um rei sempre tem inimigos, e você tem os seus. Sempre haverá aqueles que dirão que nenhum filho de João jamais poderá governá-los bem. Você sabe disso.
- Eu sei de uma coisa - retrucou Henrique -, e é que sou o rei e farei com que se lembrem disso.
Ricardo olhou para ele com tristeza, e Henrique estava com tanto medo que disse:
- O casamento era necessário.
- Necessário? Necessário, para quem?
- Para a nossa irmã - vociferou ele. - Ele a seduziu. Ela não podia, por causa disso, ter-se casado com ninguém mais. Eu concordei devido à necessidade de torná-la uma mulher honesta.
- Que miserável!
- E você, o sedutor de muitas mulheres, está chocado, pelo que vejo.
- Nossa irmã é uma princesa real.
- E isso agrava o crime?
- Agrava, sim, Henrique, você vai ouvir falar mais nisso. Não pense que com isso o assunto terminou. Há mais outra coisa. O povo não vai aceitar Guilherme de Valence como bispo de Winchester.
- Se eu lhe conceder a sé, o povo irá aceitar. Ricardo disse:
- com sua permissão, irmão.
E com isso ele se voltou e se retirou.
Henrique estava aflito. Os avisos de Ricardo não lhe saíam dos ouvidos. Ele desprezava a si mesmo, também, pela calúnia que expressara sobre Simon de Montfort. Claro que não era verdade, mas parecera uma saída, uma desculpa para agir como agira. Era melhor do que dizer. "Minha mulher queria, e eu não podia negar."
com raiva de si mesmo, ele começou a odiar Simon de Montfort. Aquilo era uma característica sua. Ele queria ser bom, fazer o que era certo; mas, quando era apanhado, apresentava desculpas para os seus atos, não importava a falsidade com que acusava outros ao fazê-lo; desprezava a si mesmo e apaziguava a sua vaidade odiando aqueles que o faziam ficar contrariado consigo mesmo.
Tentou esquecer o infeliz assunto da sé de Winchester que, apesar dos seus esforços, ele receava não poder dar a tio Guilherme, vendo com maus olhos Simon de Montfort e garantindo a si mesmo que Simon era, na verdade, o sedutor de sua irmã.
Esperou, com uma certa apreensão, pelas consequências. Elas não demoraram a chegar. Os barões estavam expressando, em altos brados, a sua desaprovação, e Ricardo se colocara à frente deles.
Henrique bufava de raiva.
- O que ele está fazendo, agora? - perguntou ele. - Por que não parte na sua peregrinação?
A resposta foi que ele estava tendo dificuldades domésticas naquele momento. Sua mulher estava doente.
- E ele se importa muito com ela! - zombou Henrique. - Se ele ficar, é só porque espera que ela morra e o deixe livre para se casar com outra.
Depois, riu com prazer, pois sabia que Ricardo teria gostado de se casar com a Eleanor de Henrique. No entanto, não podia fazer tudo o que quisesse.
Assim, enquanto os barões se revoltavam contra o que chamavam de insensatez do rei ao permitir o casamento de um estrangeiro sem linhagem com sua irmã e conceder favores demais à família de sua mulher, Henrique idolatrava cada vez mais a mulher, encontrando nela um grande prazer, e realizava todos os desejos dela, para que o mundo todo soubesse o quanto a estimava.
O Padre Louco de Woodstock
Os BARÕES ESTAvam revoltados, e à frente deles estava Ricardo. Eles estavam dando a entender que o rei não estava dando ao povo a satisfação que ele exigia. "Se nós o depuséssemos, poderíamos colocar seu irmão Ricardo no trono", era o tema do discurso deles. Havia mesmo o perigo disso acontecer, e Eleanor estava aflita.
- Jamais poderia chegar a isso - tranquilizava-a Henrique.
- Você não conhece meu irmão Ricardo.
Ele mandou chamar Simon de Montfort e ordenou-lhe que fizesse as pazes com Ricardo.
- Ofereça-lhe presentes - disse Henrique. - Ele não vai resistir a aceitá-los. Nunca resistiu.
E Henrique mostrou que estava muito certo, pois Ricardo deixou-se ser convencido de que Simon seria seu bom amigo se ele parasse de persegui-lo. O casamento havia sido realizado, tinha sido consumado, e nada poderia mudar aquilo agora. Não era interesse de todos aceitá-lo?
Ricardo entendeu isso, e caracteristicamente aceitou a explicação e os presentes de Simon e declarou-se seu amigo. Depois, deu por encerrado o assunto da sé de Winchester. Henrique simplesmente não iria poder entregá-la a Guilherme de Valence, e aquilo era tudo.
Henrique riu. Aquilo não era típico do irmão? Os entusiasmos dele sempre tinham tido vida curta. Ricardo sempre se cansava de um empreendimento antes de tê-lo completado.
Os monges não queriam que Winchester passasse para as mãos de Guilherme. Muito bem, ele esperaria. Enquanto isso, iria para um de seus palácios favoritos, Woodstock, com a sua doce Eleanor. Talvez lá o seu mais caro desejo - o de ter um filho homem - fosse atendido.
Woodstock, aquele belo palácio no coração de Oxfordshire, sempre fascinara Henrique. Era como se seus poderosos ancestrais tivessem deixado algo deles ali, e quando ele estava lá um pouco da eminência deles parecia cair sobre ele.
As florestas que o cercavam proporcionavam uma boa área de caça; e havia o curral de veados instalado pelo seu tataravô Henrique I, que este enchera de animais estranhos de terras estrangeiras. Ali viviam leões, leopardos, linces e o que tinha sido um assombro na época, e ainda era, um porco-espinho. O curral era protegido por um alto muro de pedra, para evitar que os animais fugissem. Aqueles animais tinham dado um grande prazer ao seu ardiloso ancestral; e era animador ouvir dizer que ele se dedicava com frequência às coisas de que gostava, mormente caçar - animais, mas principalmente mulheres -, e que apesar disso tinha sido conhecido como o Leão da Justiça, devido às boas leis que havia adotado no país. E depois, havia o seu avô Henrique II, cujo nome muitas vezes era pronunciado em conexão com Woodstock. Ali ele mantivera a amante, Rosamund Clifford, sobre a qual tinham sido compostas muitas baladas. Henrique gostava de pensar nas dificuldades existentes na vida daqueles homens que eram sempre mantidos como um exemplo a ser seguido por ele. Seu avô mantivera Rosamund num pavilhão perto do palácio, ao qual se chegava por um labirinto de árvores. Aquele labirinto ainda estava lá; o mesmo acontecia com a pequena habitação conhecida como Pavilhão de Rosamund. Henrique II era um notório devasso. Sua mulher, a poderosa Eleanor de Aquitânia, tivera ódio dele por causa disso. Ela descobrira a existência de Rosamund em seu pavilhão porque prendera à espora do rei a ponta de um novelo de fio de seda. Ela pegara o novelo e, segurandoo sem prendê-lo, pudera seguir o caminho que ele fizera pelo labirinto e, assim, ficara sabendo como ir à morada da amante. Quando o rei fora embora de Woodstock, ela ficara e, tendo descoberto o caminho pelo labirinto, visitara Rosamund, de quem decidira vingar-se.
Henrique caminhou com a sua Eleanor pelo labirinto e mostrou a ela o Pavilhão de Rosamund. Era muito bonito, mas cheio de sombras, e se o que se dizia fosse verdade, que terror a bela jovem devia ter sofrido entre aquelas paredes!
Henrique tremia ao envolver a esposa com um braço.
- Aqui meu avô mantinha a amante, e aqui a mulher dele a descobriu. Segundo alguns, a vingança dela foi terrível.
- Ela era uma mulher muito ciumenta, sem dúvida.
- Era, mesmo. Ela não amava o rei, mas ofendia-se se qualquer outra mulher o amasse.
- É compreensível que uma esposa se sinta ofendida pela amante do marido.
- Sim, mas fazer uma vingança como há quem diga que fez! Eu muitas vezes me pergunto até que ponto essas histórias são verdadeiras. Uma delas dizia que a rainha foi procurá-la levando uma adaga e uma tigela contendo veneno. "Pode escolher", disse ela.
- E qual deles ela escolheu?
- Não se sabe. Na verdade, eu não acho que ela alguma vez tenha ficado diante de uma opção dessas. Existe uma história ainda mais horripilante, de que a rainha arrancou-lhe as roupas, deixando-a nua, amarrou-lhe as mãos e os pés e mandou surrá-la até sair sangue; depois, dois sapos foram colocados sobre os seios, a fim de sugar-lhe o sangue; e quando ela morreu, a rainha mandou atirá-la numa vala imunda, com os sapos. Estou certo de que isso é totalmente mentira.
- Pobre Rosamund, ela nunca devia ter-se tornado amante do rei.
- Dizem que ela o amava de verdade. Será que não merecia alguma compaixão por isso?
Eleanor ficou calada, perguntando a si mesma o que faria se descobrisse que tinha uma rival no afeto do rei. Talvez fosse tão implacável quanto a outra rainha.
Henrique ainda estava refletindo sobre o amor de seu grande ancestral pela bela Rosamund.
- Um poeta diz que ela não foi enterrada numa vala, mas colocada numa arca e levada para Godstow, onde a rainha disse que devia ser enterrada, mas na estrada o cortejo encontrou o rei, que quis ver o que estava dentro da arca e, quando mostraram, teve um desmaio profundo. Quando voltou a si, jurou vingança da mulher e mandou o corpo da amante para o convento de freiras de Godstow, onde deveria ser enterrado com todas as honras. A verdade é que a própria Rosamund decidiu entrar para o convento e penitenciar-se da vida que levara, e lá ficou com as freiras até morrer.
- E esta é a história de uma outra Eleanor e de um outro Henrique - disse a rainha. - Lembre-se dela, meu marido. Se você arranjar uma amante, cuidado com a sua esposa.
- Isso jamais acontecerá comigo. Como poderia eu olhar para outra mulher?
- Eu agora acredito em você. - Ela suspirou. - Mas talvez chegue o dia...
- Nunca! - declarou ele. - Mas isso me diverte. Esses meus ancestrais são apontados como exemplos e, no entanto, será que são tão heróis assim?
- Muitos homens se tornam heróis depois de mortos. Eu preferiria que você ficasse vivo e fosse um homem normal.
- Durante toda a minha vida de rei, tenho ouvido falar no meu avô e no meu tataravô em termos respeitosos. Quanto àquele outro ancestral, O Conquistador, as pessoas mencionam seu nome com uma reverência contida que não dedicam nem mesmo aos dois Henriques. Eles dão a entender que eu não posso ser um grande rei porque não sou como eles. No entanto, meu pai eles odeiam e abominam, e estão sempre me observando para ver se estou ficando igual a ele.
Ela o olhou com uma expressão risonha.
- Eles são bem perversos. Mas o que nos importa, Henrique? Estamos bem satisfeitos um com o outro. Isso não basta?
- Se eu puder lhe dar tudo o que você quiser... basta.
- Eu quero um filho homem. Tenho medo de que comecem a pensar que sou estéril.
- Não, você é muito jovem. Minha mãe levou vários anos até conceber. Então, teve cinco.
- Talvez aqui em Woodstock...
- Vamos rezar para que isso aconteça.
Os dois caminharam pelo labirinto e voltaram para o palácio. Mais tarde, caçaram na floresta, e quando voltaram, agradavelmente cansados da caçada, Eleanor vestiu-se com uma túnica de seda azul tendo nas bordas miniver, e usou os cabelos em duas tranças que lhe caíam cada uma num dos ombros, de um modo que encantou Henrique.
No salão, banquetearam-se. O rei e a rainha sentados à mesa alta com uns poucos dos membros mais exaltados do grupo, e o resto à grande mesa com o enorme saleiro ao centro, a fim de dividir o grupo entre aqueles que mereciam respeito e aqueles considerados de um nível menor.
A rainha providenciara para que alguns dos menestréis que mantivera com ela cantassem para os presentes. Ela gostava de fazer aquilo para mostrar ao povo que tanto deplorava os estrangeiros que ela levara para aquele país que o desempenho deles era superior a qualquer coisa que os ingleses pudessem fazer.
Foi enquanto os menestréis se apresentavam que o padre louco entrou no salão. Fez-se um silêncio repentino e geral quando aquele homem ficou ali, de frente para todos.
Seus trajes clericais, que estavam em desalinho, proclamavam que ele era um padre; e os olhos dele eram de um desvairado.
No silêncio, uma voz bradou:
- Ora, é Ribbaud, o padre. Henrique se levantou.
- Quem conhece este padre?
O homem que falara ficou de pé.
- Majestade, eu o conheço. É o padre louco de Woodstock. Eleanor procurara a mão de Henrique e a agarrara com força,
pois o padre fora se colocar diante da mesa elevada, imediatamente em frente ao rei.
Henrique olhou para os cabelos desgrenhados e para os olhos loucos do homem e disse, com delicadeza:
- O que quer de mim?
O padre disse, numa voz de trovão que ecoou pelo salão:
- Você está com a minha coroa. Eu sou o rei da Inglaterra. Devolva-me a coroa. Usurpador!
Dois dos guardas haviam-se adiantado; agarraram o padre pelos braços e imobilizaram-no.
- Por que diz essas coisas? - perguntou Henrique, ainda delicado, pois sempre tivera pena dos fracos. Só os fortes o deixavam preocupado; ele tinha compaixão dos aflitos.
- Eu digo a verdade - bradou o padre. - Eu sou o rei da Inglaterra. O verdadeiro rei... que teve a coroa roubada.
- Como pode inventar isso? - perguntou Henrique. - Meu pai era rei, meu avô era rei, e eu sou o filho mais velho de meu pai.
- Não - murmurou o padre. - Você roubou minha coroa.
Vim reclamá-la. Você jamais prosperará enquanto não me devolver a coroa.
- Majestade - disse um dos guardas -, o que deseja? O que faremos com este homem?
- Enforquem-no - bradou uma voz vinda do salão.
- Cortem-lhe a língua - disse outra.
- Nada disso - disse Henrique. - Esperem. Este homem não tem culpa. É um homem com a mente confusa. Sem que tivesse coisa alguma a ver com isso, ele foi enviado para esse mundo doente. Só um homem que sabe não ser um rei de verdade teria medo de gente assim. Eu vou ser misericordioso. Tirem-no daqui e soltem-no.
Houve um murmúrio de assombro enquanto o padre era levado para fora do salão.
Eleanor apertou a mão de Henrique.
- Você é um homem bom, Henrique - disse ela. - Poucos reis o deixariam em liberdade.
- Meu pai teria mandado arrancar-lhe os olhos, cortar-lhe as orelhas ou o nariz. Mas meu pai era um homem cruel. Não havia bondade nele. Quero que essas pessoas compreendam que embora eu seja filho de meu pai, nunca houve alguém menos parecido com ele do que eu. Meus ancestrais, o que será que teriam feito? O Leão da Justiça o teria libertado, pois ele não cometeu crime algum.
- Ele mostrou desrespeito pela sua pessoa.
- O que ele fez foi ditado pela loucura. Não foi Ribbaud que falou, mas os demónios que há dentro dele. Ele se foi. Vamos esquecê-lo. Mande chamar os menestréis.
Os menestréis cantaram, e comentava-se, no salão, que Henrique era um homem bom e que era lamentável que não pudesse ser um rei tão bom quanto o homem que era-
A noite em Woodstock estava encantada, com a lua bem alto, projetando sua luz sobre as árvores imóveis da floresta. Por entre aquelas árvores, o rei e a rainha caminharam juntos, de braços dados, até o Pavilhão de Rosamund assombrado pelo espírito do Segundo Henrique, cuja lascívia estivera no âmago da tragédia de Rosamund. Ali, os dois tinham-se divertido; ali, tinham levado suas vidas secretas. Havia uma aura em torno daquele lugar. Os espíritos do passado pairavam por lá. Naqueles cómodos tinham nascido os bastardos do rei - os filhos que, segundo se dizia, o rei amava mais do que aqueles que tivera com a sua rainha.
- É quase como se ela estivesse aqui... a doce Rosamund disse Henrique. - Sente isso, meu amor?
Eleanor sentia; poetisa que era, sua imaginação estava sempre pronta a alçar voos altos. Os dois andaram pelos cómodos - pequenos, pelo padrão dos palácios - cómodos encantadores, com grande parte da mobília ainda lá, pois aquele local, que era conhecido como Pavilhão de Rosamund, fora mantido como era na época de Rosamund por ordens de Henrique II, e a manutenção continuara pelos reinos de Ricardo e João, até ali.
Eleanor disse:
- Vamos ficar aqui um pouco, só nós dois... no Pavilhão de Rosamund. Aqui nasceram os filhos dela. Tenho uma teoria. Há magia no ar, esta noite. Alguma me diz: "Fique." Talvez aqui o nosso filho possa ser concebido. Henrique, existe realmente alguma coisa que me diz que devemos ficar. Foi tão estranho quando aquele padre ficou ali de pé. Estive sempre pensando nele. Henrique, você foi muito bom para ele. Você o salvou. Os santos irão recompensálo... esta noite, aqui...
- Que ideias estranhas você tem! Mas há uma magia no ar, esta noite.
- Aqui, aquele outro Henrique fez amor com a amante. Por que não deveria este Henrique fazer amor aqui, com sua esposa?
Henrique deu uma risada.
- Ideia deliciosa - disse ele.
Ela se sentou na cama de Rosamund e estendeu as mãos para ele.
Ele as tomou e beijou-as com fervor.
Disse:
- Não há nada no mundo que eu não daria a você.
Ela estava feliz; estava contente; estava satisfeita por ele ter sido tolerante para com o padre louco.
Já passava da meia-noite quando os dois voltaram para o palácio.
No quarto deles havia barulho e confusão. Um falatório, um homem amarrado com panos e jogado a um canto.
À luz das tochas, o rei correu os olhos pelo quarto e viu uma faca cravada na palha da cama que ele teria compartilhado com Eleanor.
Um guarda disse:
- Nós o pegamos quando estava fugindo, majestade. E quando viemos aqui, vimos o que ele tinha feito. A graça de Deus estava com Vossa Majestade esta noite, pois, se tivesse estado na cama, a faca do louco teria sido enterrada em seu coração. O padre começou a gritar:
- Eu sou o rei. Você roubou minha coroa.
Henrique olhou para o rosto pálido de Eleanor, para o terror em seus olhos, e pensou nela deitada naquela cama, coberta de sangue, morta... ao lado dele. Os dois vítimas da faca do louco.
- Este homem é um louco perigoso - disse ele.
Houve um suspiro de alívio. Estava claro que os guardas tinham receado que ele pudesse querer salvar a vida de Ribbaud uma vez mais.
- Levem-no para as masmorras - disse ele; e uma raiva terrível tomou conta dele.
Ele tinha sido um tolo e demonstrado que era um tolo. Uma vez mais, tinha-se mostrado ao mundo como um homem fraco. Seu ato de misericórdia no grande salão poderia ter custado a vida a ele e à sua rainha. Aquilo seria comentado em sussurros... lembrado.
Eleanor tremia.
- Não tenha medo, meu amor. Ele pagará por isto. Nada de misericórdia para o padre maluco.
E não houve. No dia seguinte, o homem foi preso a quatro cavalos selvagens, e quando eles saíram em diferentes direções, foi feito em pedaços.
O Nascimento de Eduardo
A RAINHA ACREDITAVA que naquela noite acontecera um milagre. No Pavilhão de Rosamund ela sentira o desejo de ficar por lá, e os dois haviam ficado, enquanto um maluco tentava matá-los e sem dúvida teria matado se eles tivessem estado dormindo na cama. E quando descobriu que estava mesmo grávida, ela teve certeza quanto ao milagre.
Aquilo é que era felicidade. Havia apenas uma irritação, a rejeição de seu tio Guilherme e a incapacidade de Henrique forçar a aceitação dele em Winchester. Além do mais, o tio Guilherme não gozava de muito boa saúde, o que muito a preocupava.
Mas o fato de que ela iria ter um filho sobrepunha-se a todas as pequenas contrariedades. Henrique não cabia em si de alegria. Concordava com ela que houvera um milagre aquela noite, e embora os dois não pudessem estar absolutamente certos de que o filho tinha sido concebido no Pavilhão de Rosamund, isso pouco importava agora. A verdade era que acontecera.
Henrique mimava-a mais do que nunca. Ele a olhava com uma espécie de assombro; admitia que tivera medo de que nunca tivessem filhos, mas a amava tanto que mesmo aquilo não o fizera arrepender-se do casamento.
Ela ficou muito amiga de sua cunhada Eleanor de Montfort. Eleanor era a orgulhosa mãe de um menino - Henrique - e, portanto, tinha experiência com gravidez, por ter acabado de sair de uma.
A princesa sentia-se feliz em companhia da rainha, porque sentia saudades do marido, que tinha ido a Roma a fim de obter uma dispensa relativa ao casamento deles.
As duas gostavam muito de ficar sentadas juntas costurando e bordando - e era um prazer fazer roupas para os filhos. A rainha dispensava as criadas e mandava-as trabalhar em outro aposento, para que ela e a princesa pudessem conversar com uma intimidade maior.
Tinham muita coisa em comum - duas esposas satisfeitas. A rainha achava estranho que a princesa tivesse encontrado a felicidade casando-se com um homem de categoria inferior à dela, quando ela, a rainha, encontrara a sua na eminência do seu casamento. Ela jamais teria se contentado, como acontecera com a princesa, com a redução de sua posição.
No entanto, percebia que havia compensações. Simon de Montfort era um homem forte; um homem vigoroso e ambicioso. Será que se casara com a princesa porque ela era irmã do rei?
Henrique era um homem fraco; ela sabia disso. Mas ele compensava sua fraqueza na força de sua paixão por ela.
A princesa falava enquanto elas costuravam; achava que Simon estaria de volta dentro em pouco. Tinha sido por culpa dela que ele tivera de viajar.
- Eu jamais devia ter feito aquele voto bobo - acrescentou ela.
E então contou à rainha que, quando era muito criança, achara que gostaria de entrar para um convento e Edmund, o santo arcebispo de Canterbury, fizera com que ela fizesse o voto de abraçar a vida religiosa.
- E você fez esse voto? - perguntou a rainha.
- Bem, na verdade, não levei muito a sério. Eu estava morando com a pobre da Isabella... mulher de Ricardo... na época; e sabia que ela era muito infeliz e pensei: "Então isso é a vida de casada. Não quero saber dela." E com Edmund quase me obrigando, acho que concordei.
- E então se casou com Simon.
- Sim, casei-me com o Simon. Estava decidida. Para mim, ninguém mais serviria... nem qualquer outra vida. E você vê como eu estava certa. Tenho o meu anjinho Henrique, agora... e em breve Simon estará de volta com a dispensa e isso vai fazer o velho Edmund calar a boca.
- Duvido que alguma coisa o faça calar a boca. Que suplício são os santos!
A princesa concordou.
- Oh, como nós somos felizes no casamento! - bradou ela.
- Muitas vezes me pergunto se você percebe isso. Henrique a adora. Aos olhos dele, você é a rainha perfeita. Ele mudou depois que você chegou.
A rainha concordou com um gesto da cabeça.
- Você o tem feito muito feliz - prosseguiu Eleanor, a princesa. - Quando eu penso no casamento de Ricardo... Pois bem, foi por isso que decidi nunca me casar. Claro que eu tinha sido casada com Guilherme Marechal... se é que se pode chamar aquilo de casamento. Eu era uma criança, e tinha apenas dezesseis anos quando ele morreu. Talvez eu tivesse aceitado minha vida se ele tivesse vivido, mas agora que conheci Simon, percebo o que teria perdido.
E assim elas costuravam e conversavam, e a rainha contou à princesa sobre a chegada de Ricardo de Cornualha em Provence e como o poema que ela escrevera havia chamado a atenção de Henrique para ela; e a princesa falou sobre a pobre da Isabella, que tivera seis filhos do primeiro marido e dera a Ricardo apenas um.
- É claro que ela é louca pelo jovem Henrique. E ele também é um belo menino. Acho que Ricardo gosta mais dele do que de qualquer outra coisa no mundo. Mas ele gosta de mulheres e tem muitas amantes, segundo ouvi dizer. Isso a deixa de coração partido. Ela sempre disse que era muito velha para ele, e tinha razão.
E assim elas falavam muito sobre a pobre da Isabella, porque falar dela fazia com que elas compreendessem, mais nitidamente, o estado de felicidade em que viviam.
E enquanto costuravam, cada uma pensava no seu futuro. A princesa, no retorno do marido com a dispensa do papa, devido ao voto que ela fizera sem pensar, e a rainha, no nascimento do filho.
Simon voltou com a dispensa, e a princesa ficou feliz. A rainha teve de esperar um pouco mais pela sua alegria. Num quente dia de julho, nasceu a criança no palácio de Westminster.
Houve grandes comemorações no país inteiro, porque a criança era um saudável menino.
Henrique não conseguia se afastar da ala infantil. A criança tinha de ser levada até ele, examinada e abraçada. Ele estava dominado pela angústia de que ela não recebesse a melhor das atenções. Nada devia ser poupado na criação daquele importante menino.
A rainha ficava amuada e dizia que ele havia transferido suas afeições dela para o filho deles. Sério, ele garantia que não era isso, ao que ela ria e dizia que partilhava a adoração por aquela maravilhosa criaturinha que era inteiramente deles e que compreendia os sentimentos dele.
Que nome lhe dariam?
Havia um nome acima de todos os outros que o rei preferia. Seu maior ídolo tinha sido Eduardo o Confessor - o rei que tinha sido mais um santo do que um rei. Henrique sempre fora um homem profundamente religioso; alguns de seus cortesãos o haviam comparado ao Confessor, com o comentário de que era muito bom ser santo quando não havia um reino a ser governado, mas que eram os reis que davam os melhores líderes, não os santos.
- Então - disse a rainha - você gostaria que o menino fosse chamado de Eduardo.
- É o que desejo - replicou o rei.
E assim o pequeno príncipe foi batizado de Eduardo, e no seu batismo Simon de Montfort, recém-chegado de Roma, foi o padrinho e atuou como mordomo-mor.
Londres ficou louca de alegria, pois os cidadãos tinham começado a temer que a rainha fosse estéril. Agora, eles tinham um herdeiro - um menino - e, como às vezes acontecia, quando uma rainha começava a gerar filhos, muitas vezes continuava.
Muitos presentes foram enviados ao rei por causa do menino, mas Henrique estragou a ocasião ao devolver aqueles que não achava de nível suficiente e exigir coisa melhor dos doadores, de modo que os presentes deixaram de ser de livre vontade para se tornarem uma imposição.
O povo resmungava.
- Deus nos deu esse infante - diziam as pessoas - e o rei quer vendê-lo para nós.
Mas, apesar disso, a Inglaterra exultou com o seu pequeno príncipe.
Não se podia esperar que Ricardo de Cornualha ficasse tão encantado com o nascimento da criança quanto algumas pessoas. Ele, como outros, havia começado a acreditar que a rainha fosse estéril, caso em que ele era o próximo na sucessão ao trono. Agora, ele perdera o lugar, e se a rainha tivesse mais filhos, mais distantes ficariam suas esperanças em relação à coroa.
Ele ficava mais desgostoso com o seu casamento, embora fosse impossível não admitir que aquilo fosse culpa sua. Então, ele via a irmã e Simon de Montfort deliciando-se na sua mésalliance e achava ser o único que parecia ser chamado a responder por suas loucuras.
Desse modo, o casamento de Simon e Eleanor o deixara muito irritado. Henrique, dizia ele a si mesmo e a outras pessoas, não tinha o direito de dar o consentimento. Henrique era um tolo - sempre muito firme na causa errada; tão fraco quando devia ser forte. Seria de se pensar que ele deveria ser grato ao irmão, sem o qual nunca teria tido a sua rainha.
Se Ricardo tivesse uma oportunidade de desacreditar Henrique, iria aproveitá-la. Gostava de mostrar que ele estava errado e mostrar como teria agido com maior bom senso se estivesse no lugar do irmão.
Ricardo sempre estivera com um ouvido e um olho alerta para o que estava acontecendo no continente, e andara se perguntando, havia algum tempo, como Simon de Montfort conseguira obter a dispensa com tanta rapidez.
Descobriu o que acontecera. As pessoas que cercavam o papa não eram avessas a um pequeno suborno, e Simon havia pago para conseguir o favor. Mas Simon não era um homem rico e, por isso, como teria conseguido aquilo? A resposta ficou clara em pouco tempo. Ele tinha dívidas no continente e dera como fiador o nome do rei da Inglaterra.
O mês de agosto chegara quente e abafado. A celebração da missa com a presença da rainha, depois do nascimento do filho, iria acontecer em Westminster no décimo dia do mês, e Simon e sua esposa chegaram a Londres a cavalo, vindos de Kenilworth, no dia 9.
Ricardo apareceu uns poucos dias antes para falar com o rei, e depois de ter apresentado seus respeitos à rainha e admirado o bebé, viu-se a sós com Henrique.
- De Montfort goza de um alto prestígio junto a você, irmão - disse ele.
- Ele agora não é nosso irmão? - replicou o rei.
- Infelizmente, devido a essa mésalliance.
- Talvez não seja assim. Nossa irmã é feliz. E Simon tem, agora, o condado de Leicester.
- E a confiança de seu rei... que algumas pessoas poderiam dizer que ele não merece.
- Por que diz isso?
- Fiquei sabendo como foi que ele conseguiu a dispensa tão depressa. Ele usou de suborno.
- Ora, isso é feito com muita frequência.
- Por aqueles que têm recursos, talvez. Simon faz isso em seu nome.
- O que está dizendo? - bradou o rei.
- Oh, ele agora é seu cunhado. Ele usa o seu nome. Ele é membro da realeza. Não foi aceito na nossa família? O filho dele poderá ser herdeiro do trono. Ele sente orgulho disso.
- Herdeiro do trono! Como é que isso pode acontecer?
- Algumas mortes,.. É tudo.
- Isso é um absurdo. Mas, que negócio é este de usar o meu nome?
- Posso lhe provar. É muito possível que lhe sejam apresentadas contas. É bem possível que você seja solicitado a pagar pelos subornos que deram a Simon a dispensa.
O rosto de Henrique ficou rubro de raiva. A raiva era maior porque Ricardo lhe levara aquela novidade e uma vez mais provara estar mais bem informado do que ele sobre o que se passava.
Quando o rei ficou cara a cara com Simon de Montfort, a fúria dominou-o e ele não conseguiu controlá-la.
Eleanor, a seu lado, esperando que começasse a cerimónia de sua aparição na igreja depois do nascimento do filho, colocou a mão no braço dele, mas pela primeira vez ele estava menos ciente dela do que da sua raiva por aquele homem.
Simon o fizera passar por bobo. Era uma coisa que ele não podia perdoar
- Seu aventureiro! - bradou ele. - Como ousa voltar aqui? Como ousa entrar nesta igreja? Pensa que não sei o que você é? com que então andou pagando subornos, não foi? É assim que retribui a amizade que tenho por você! Onde está o dinheiro para pagar pelos subornos? Você pensa que vou pagar por eles, não é?
- Majestade - balbuciou Simon, pego completamente de surpresa, pois no batismo do pequeno príncipe Eduardo o rei lhe demonstrara uma amizade muito acentuada -, eu não compreendo...
Henrique deu uma gargalhada em voz alta e num tom desagradável. O silêncio na igreja era intenso, mas ele parecia não perceber o local e a impropriedade de ter aquela discussão de família na cerimónia em torno de sua mulher.
- Não, você não compreende - bradou ele, e sua voz ecoou num tom sinistro. - Tome cuidado, Simon de Montfort, que se intitula conde de Leicester. Sim, tome cuidado, para que aquilo que lhe foi dado não lhe seja tirado.
- Suplico-lhe que me diga, majestade - disse Montfort, recuperando-se um pouco da surpresa e do susto -, que histórias andou ouvindo. Vossa Majestade foi bom para mim, dando-me a mão de sua irmã em casamento... fazendo de mim um irmão...
- Você sabe por que consenti no casamento - interrompeu Henrique. - Foi uma mésalliance, não foi? Uma princesa, uma irmã do rei dada a um aventureiro sem tostão. Por quê? Por quê? Muitos de meus barões têm feito esta pergunta. Agora eu lhes darei a resposta. Aqui, neste lugar santo. Você desonrou minha irmã. Você a seduziu. Tornou-a imprópria para o casamento com qualquer outro homem. Foi esta a razão pela qual concordei com este casamento.
- É mentira - berrou Simon.
- Não é surpresa, para mim, que até mesmo num lugar santo você tenha pouco respeito pela verdade.
- É Vossa Majestade... - começou Simon.
Sua mulher estava colocando uma das mãos em seu braço.
- Vamos embora - disse ela. - Não vamos ficar aqui para sermos insultados.
- Isso, vá embora - bradou Henrique. - Vá... vá... e nunca mais permita que eu torne a ver sua cara.
O rosto de Henrique estava rubro de raiva; a pálpebra caída cobria inteiramente a pupila. Havia uma contração no lado do rosto.
Muitos dos barões ali presentes estavam-se lembrando de quando ele desembainhara da espada para Hubert de Burgh, que o servira com lealdade, e de como ele poderia tê-lo matado, não tivesse o conde de Chester se colocado entre os dois.
Talvez tenha sido a rainha que impediu que ele desse plena vazão à sua raiva naquele momento. Ela oscilou um pouco e a ideia de que poderia desmaiar afastou o pensamento de Henrique temporariamente de Simon. Ele a tomou nos braços.
A princesa, enquanto isso, puxava o braço do marido.
- Venha - disse ela -, enquanto é tempo.
Simon fez meia-volta e retirou-se da igreja, a esposa e alguns criados seguindo atrás dele.
A cerimónia foi concluída, mas de volta ao palácio a raiva do rei tornou a brotar contra Simon de Montfort. Ele sabia que tinha feito uma acusação injusta. O homem podia ser um aventureiro; não havia dúvida de que usara de suborno para conseguir a dispensa com muito poucos recursos para atender aos seus compromissos, mas não havia prova alguma de que tivesse seduzido Eleanor, e Henrique sabia disso. No entanto, desde que tinha sido censurado por ter consentido com o casamento, e por ter até comparecido ao ato, ele tivera que ter uma desculpa para a sua conduta. Forjara aquela, e por parecer uma razão bem fundada para ter dado o consentimento, agarrara-se a ela e até mesmo contentara sua vaidade acreditando nela de vez em quando.
Simon o deixava constrangido, e por isso o odiava; queria livrarse dele.
Decidiu prender Simon.
Ricardo, que estivera presente à cerimónia, dirigiu-se imediatamente aos aposentos do irmão.
- Henrique - bradou ele -, aquilo foi uma cena desagradável, lá na igreja.
- Quando temos pessoas desagradáveis à nossa volta, haverá cenas desagradáveis - retrucou Henrique.
- Há muita gente dizendo que aquele não era o lugar para fazer isso.
- Quem está dizendo isso? Quem ousa julgar o rei?
- Irmão, os súditos sempre julgaram seus reis. O que diz do nosso pai...?
- Peço-lhe que me poupe disso. Estou saturado de ter o manto de meu pai atirado sobre os meus ombros.
- Simon de Montfort pode ser um homem perigoso, Henrique.
- Isso, eu sei. É por isso que vou mante-lo na prisão.
- E a nossa irmã?
- Ela cometeu a loucura de casar-se com ele. Deve pagar por isso.
- Não vai ser sensato, Henrique.
- E quem é você, me diga, para me dizer o que é e o que não é sensato? Sei que eles voltaram para a estalagem em que estão hospedados. vou dar uma ordem para que de Montfort seja levado para a torre, e logo.
- Henrique, como um homem que o serve como súdito e como irmão, eu lhe peço que não aja de forma irrefletida.
Henrique voltou-se e se afastou, e sem perda de tempo Ricardo dirigiu-se à estalagem em que sabia que a irmã e o cunhado estavam hospedados.
Encontrou-os perturbados, discutindo a estranha conduta do rei.
- Vocês não devem perder tempo - disse Ricardo. - Henrique está decidido a mandar Simon para a torre.
- O génio dele fica sem controle - bradou Eleanor. - Nunca vi uma exibição tão imprópria de um rei. Ele me ofendeu. vou custar a perdoá-lo por isso.
- Querida irmã, não se trata de você perdoá-lo ou não. Se der valor à sua liberdade, fuja imediatamente. Há um barco no rio, agora, que irá levá-los à costa. Não percam tempo. A qualquer minuto os guardas do rei poderão estar aqui.
- Acha mesmo que ele está falando sério...? - perguntou Simon.
- Está. Pode ser que com o tempo ele afrouxe. Lembrem-se de Hubert de Burgh. O génio de Henrique é tal, que se ele achar que foi desrespeitado, o seu génio explode numa fúria irracional. Ele tem poder demais para que seja prudente enfrentar essa raiva. Venham. Vão embora. Adeus, irmã. Eu garanto que não será um exílio longo.
Ele foi com eles até o barco e despediu-se afetuosamente dos dois.
Foi bem a tempo. Os guardas do rei haviam chegado à estalagem.
Henrique ficou intimamente aliviado pelo fato de sua irmã e seu cunhado terem fugido; mas quando eles chegaram à França, ficou ligeiramente inquieto. Ele tinha muitos inimigos por lá, e Simon de Montfort não iria esquecer facilmente os insultos que lhe tinham sido dirigidos.
Ricardo dera a entender que não era prudente fazer inimigos de homens como Simon de Montfort. O que estaria ele fazendo, agora? Talvez fazendo contato com o rei da França. Ora, Luís deveria ser amigo de Henrique, já que sua mulher era irmã de Eleanor; mas ele devia saber, claro, que um dia Henrique teria de conquistar todas as possessões que seu pai perdera. Sua mãe tornara a se casar. Ele acreditara que ela e o marido, Hugh de Lusignan, iriam apoiálo; mas ficara muito desapontado quanto a isso, pois a rainha-mãe da França era uma mulher astuta e fizera contratos e tratados cuja aceitação tinha sido vantajosa para sua mãe e o marido. Assim, Isabella esquecera os sentimentos maternais em nome do progresso; e como agora tinha uma grande família do segundo casamento, ela parecia ter-se esquecido por completo dos filhos que tivera com João.
Por enquanto, ele iria esquecer o dano que de Montfort poderia estar causando na França. Iria deleitar-se com sua feliz vida doméstica, que agora parecia dominada por aquela maravilha de cabelos de um louro quase branco que estava no berço.
Eleanor foi procurá-lo, num estado de grande agitação. com ela estava um estranho alto e bem-apessoado.
- Meu adorado marido - bradou Eleanor -, meu tio, o conde de Flandres, chegou.
Henrique estendeu as mãos e segurou as do recém-chegado.
- Tenho escrito tanto sobre a minha felicidade aqui na Inglaterra, que a família toda anseia por vir para cá - disse ela.
O rei irradiava prazer, e Thomas de Savóia, conde de Flandres, estava radiante com a sobrinha e o marido. Eleanor não havia exagerado quando dissera a eles o quanto o rei era louco por ela e que ele estaria pronto a estender sua generosidade também a eles.
Eles precisavam beber vinho juntos; Eleanor precisava ouvir o que se passava em Provence. Ela pensava neles com frequência. Nas adoradas Sanchia, Beatrice e seus pais. Eles estavam com saudades dela?
Estavam, sim, disse-lhe o tio, mas a tristeza era atenuada pelas vibrantes narrativas da vida dela na Inglaterra, e eles se sentiam felizes com aquilo. E agora que ela tinha o querido Eduardo, seu contentamento estava completo.
- Como vão minhas irmãs? - perguntou ela.
- Estão bem e felizes.
- Ainda não encontraram um marido para Sanchia, então?
- Fala-se num casamento com alguém da França.
- Mas com quem ela se casaria lá? Talvez com um dos irmãos de Luís.
- Não está nada resolvido, ainda. Vocês, as duas mais velhas, fizeram os dois maiores casamentos da Europa. Seu pai nunca se cansa de falar nisso.
- E Marguerite?
- Feliz e passando bem. Um pouco perseguida pela sogra, acho eu.
- E Luís é muito solene, creio eu.
- Ele é um bom rei e leva seus assuntos a sério.
- Eu confesso que o achei um pouco sério - disse Eleanor, para delícia de Henrique. - Ele acha que há algo de errado em roupas bonitas e eu penso que isso se refere a outros prazeres. Felizmente não pensamos assim na Inglaterra.
- Oh, é fácil ver quem fez o casamento mais feliz.
E realmente era, pois nem Luís nem Blanche teriam deixado que os parentes de Marguerite fossem para a corte deles tirar proveito.
Luís podia ser um bom marido, mas faltavam-lhe as qualidades de marido adulador da mulher que Henrique possuía. Marguerite era amada, mas não paparicada como Eleanor.
Em pouco tempo ficou claro que Henrique, vendo o prazer da mulher com a presença do tio recém-chegado, estava pronto a agradá-la mais, dando a ele o que ele mais quisesse.
Deu um presente de quinhentos marcos e, a título de extra, um imposto sobre a lã inglesa.
Poucas coisas poderiam ter provocado mais os barões. Na verdade, a princípio o selo necessário no documento que fez a concessão foi recusado. A resposta de Henrique foi demitir os homens que haviam protestado.
Depois de verem a conduta dele para com Simon de Montfort, aqueles que haviam objetado decidiram que seria melhor ceder; mas embora aquilo parecesse uma vitória fácil para o rei, os resmungos de descontentamento tinham recomeçado.
Tinha sido uma grande mágoa, para Henrique, não ter podido dar a sé de Canterbury ao tio Guilherme de Valence. Ele sempre prometerá a si mesmo que a qualquer momento iria fazer aquilo. Não iria ser mandado pelo povo; isso eles precisavam saber.
A Cidade de Londres estava desgostosa com ele. Era constante a menção da Magna Carta. Como ele odiava aquele documento que cerceara o poder do trono e era sempre apontado como um símbolo!
Sua constante necessidade de dinheiro o estava sempre preocupando. Ele queria encher de presentes sua rainha e a família dela. Gostava muito de ser comparado com
Luís IX, que era muito menos generoso para com os parentes da mulher. Luís preferia dar dinheiro para algum projeto educacional ou de construção do que às suas favoritas.
Se Luís tinha favoritas, era discutível. Havia ocasiões - como dizia Eleanor - em que Luís parecia ser excessivamente enfadonho.
- Pobre Marguerite - murmurava ela às vezes; e como ele sabia que ela estava comparando o destino da irmã com o dela, vibrava de satisfação.
Não era de admirar que ele quisesse mostrar sua generosidade à família dela. Não tinha sido fácil achar o dinheiro para o conde de Flandres, mas ele estivera decidido a encontrá-lo.
Levantara os quinhentos marcos junto aos judeus. Membros daquela raça haviam passado a viver na Cidade de Londres, que era o lugar natural para eles, porque era lá que os negócios podiam prosperar mais facilmente do que em qualquer outra parte. Um povo tranquilo, ansioso apenas por que o deixassem desenvolver sua notável capacidade empresarial e praticar sua religião, graças a seus esforços e ao seu talento, ele se tornara o setor mais rico da comunidade. Isso havia, a princípio, irritado e depois enfurecido os vizinhos, que não eram dados a trabalhar com tanto afinco e, consequentemente, não tinham a capacidade de prosperar tanto quanto os judeus, de modo que Henrique achava que ao exigir impostos da comunidade judaica estava agindo com inteligência.
Os judeus tinham o dinheiro; uma pequena e leve persuasão poderia arrancá-lo; e como os naturais de Londres não seriam solicitados a contribuir, não ficariam descontentes.
Assim, ele reunira os quinhentos marcos para o conde de Flandres ameaçando os judeus de expulsão se eles não os fornecessem.
Os judeus pagaram, mas os londrinos ficaram alerta, querendo saber de onde seria tirada a próxima cobrança; mas como foram só os judeus os penalizados, o assunto ficou logo resolvido. Eleanor ficou encantada; tio Thomas declarou que tinha sido um dia feliz para a casa de Savóia aquele em que um membro da família se casara com uma família inglesa; e Henrique gostava do papel de benfeitor, que o agradava mais do que qualquer outro.
Levantar quinhentos marcos fora mais fácil do que conseguir a sé de Canterbury, mas ele não perdera a esperança.
Então Guilherme de Valence, que andara indisposto durante algum tempo, caiu doente, e Eleanor ficou muito triste. Ela adorava o tio e ficara muito triste quando ele fora obrigado a deixar o país - muito embora ele tivesse levado uma quantidade muito grande de peças valiosas.
No início do outono, o precário estado de saúde de Guilherme de Valence piorou. Os médicos do rei trataram dele, mas pouco podiam fazer. Ele sentia falta do clima mais quente de sua terra natal, mas disse que valera um pouco de desconforto para estar perto da sobrinha. Não havia dúvida de que ele ganhara mais do que o desconforto e estava mais rico do que jamais poderia esperar ficar se tivesse continuado em Savóia. Além do mais, até a época em que ficara tão doente, ele jamais perdera a esperança de conseguir a sé de Canterbury.
Agora, Eleanor se ajoelhava ao lado dele e lhe falava sobre a época, em Provence, em que ele visitara o castelo do pai dela e houvera uma festança no grande salão. Ele se lembrava de que ela se adiantara para ler para ele o mais recente poema que escrevera, e do quanto seus elogios tinham significado para ela.
Henrique sentava-se ao lado dela, sofrendo com ela devido ao seu amor por ela; e quando os últimos ritos haviam sido ministrados e Guilherme de Valence fechou os olhos para sempre, levou-a para fora da câmara mortuária e nos seus aposentos procurou confortá-la.
Ela chorou amargamente, falando do querido tio Guilherme, e Henrique disse que iria sempre lamentar sua incapacidade de dar a ele aquilo que sabia que ele ansiava por ter: a sé de Canterbury.
- Esteja certa, meu amor - disse-lhe ele -, que Canterbury irá, um dia, para o seu tio Boniface. Eu juro. Não vou ser provocado pelos meus próprios súditos. Mas sempre houve esse conflito entre a Igreja e o Estado.
Ela não estava prestando atenção. Estava pensando no seu adorado tio Guilherme, que não existia mais.
Nada havia que ele pudesse fazer para consolá-la, até que foi à ala infantil e tirou o bebé do berço.
Os brilhantes olhos azuis olharam para ele com interesse e ele pousou os lábios nos cabelos quase brancos de tão louros.
- Querido filho, meu Eduardo - murmurou ele -, só você pode consolar sua mãe no sofrimento em que ela se encontra.
E assim levou a criança e colocou-a nos braços de Eleanor.
Ela sorriu, encostou o rosto no dele, e ficou consolada.
Um Recém-chegado à Corte
ISABELLA, condessa de Cornualha, sabia que o parto que estava esperando seria difícil. Os últimos anos de sua vida tinham sido tristes e solitários; e ela estava
plenamente cônscia do tédio do marido pela sua companhia e do arrependimento que ele sentia por ter-se casado.
Aquilo nunca devia ter acontecido. Quantas vezes ela dissera isso a si mesma. Ela dissera a ele, desde o início, que uma viúva que já dera ao primeiro marido seis filhos não era a esposa indicada para um homem como Ricardo de Cornualha.
Ele se recusara a lhe dar ouvidos, e talvez ela não tivesse sido tão insistente quanto deveria, porque estivera apaixonada por ele e acreditava em milagres. Durante um ano, mais ou menos, parecera que o milagre acontecera, mas a realidade assumira o lugar dos sonhos. As visitas dele ficaram menos frequentes; e quando ele ia, tinha nitidamente pressa de ir embora.
Ele queria desesperadamente um filho - qual o homem ambicioso que não queria? - e durante os primeiros quatro anos, embora ela tivesse tido filhos, eles não tinham sobrevivido. Finalmente, o filho homem nascera. Às vezes ela achava que aquilo pudesse fazer com que tudo valesse a pena. O jovem Henrique - batizado em honra ao
tio que era rei - era realmente um menino de que se podia ter orgulho. E orgulhoso, Ricardo estava.
Suas visitas eram mais frequentes, mas ele ia ver o menino, é claro.
O jovem Henrique era arguto, inteligente e bonito - tudo o que se podia desejar. Pelo menos ela dera a Ricardo o seu filho.
Mas Ricardo era jovem, saudável, gostava da companhia feminina; tinha o glamour da realeza; houve uma época em que parecia que Henrique e Eleanor talvez não tivessem filhos, e Ricardo era considerado como herdeiro do trono. Bastava fazer um sinal e a maioria das mulheres acorria logo. Não era de admirar que suas visitas fossem raras e ficasse óbvio que o seu principal desejo era ver o menino.
Fazia muito frio no castelo em Berkhamsted - um frio igual ao medo que lhe ia no coração. As correntes de ar pareciam penetrar até mesmo as grossas paredes, e Isabella encontrava dificuldade em manter-se aquecida, apesar da grande fogueira.
As criadas diziam que era o seu estado. Tentavam consolá-la dizendo que era quase certo ser um menino. Mas ainda que fosse e Ricardo ficasse satisfeito durante algum tempo, o que aquilo faria para dar ânimo ao casamento deles? A existência do jovem Henrique - por mais que o pai o adorasse - não conseguira aquilo.
Não, ali estava ela, uma mulher que envelhecia e cujo marido estava cansado dela. Ele tentara encontrar uma razão aceitável para divorciar-se dela, mas, não tendo conseguido, devia agora estar rezando pela sua morte.
Uma situação lastimável para uma mulher sensível. Talvez ela tivesse sido mais feliz com Gilbert de Clare - um casamento que tinha sido arranjado para ela pelo seu poderoso pai. Gilbert tinha sido prisioneiro dele quando, imediatamente após a morte do rei João, ele apoiara o príncipe da França e Guilherme Marechal, pai dela, ficara decidido a colocar Henrique no trono. Gilbert tinha sido um marido digno para a filha do Marechal, e por isso, sem consultá-la, o casamento fora arranjado. Tinha sido um casamento não de todo insatisfatório, e quando ele morrera ela lamentara com sinceridade, com os três filhos e três filhas. Depois, ela se apaixonara por Ricardo de Cornualha e se casara com ele meio acreditando romanticamente nos seus protestos de imorredouro amor, porque queria, enquanto o seu senso comum a avisava que um homem daqueles não deveria permanecer fiel a mulher alguma, quanto mais a uma mulher tantos anos mais velha do que ele.
Assim, o casamento insatisfatório seguira por nove anos, e durante aquele período ela tivera um filho homem - o seu Henrique, agora com cinco anos. E era para ver Henrique que Ricardo ia a Berkhamsted de vez em quando, pois o menino era a única razão pela qual Ricardo não lamentava de todo a loucura de se casar com ela.
Agora, ali estava ela - uma mulher envelhecendo, prestes a dar à luz um filho, sentindo, aflita, que nem tudo estava bem com o parto e tendo uma premonição de que poderia estar vivendo seus últimos dias sobre a Terra.
Através das janelas, via a neve caindo, transformada em nevasca pelos cortantes ventos do norte. O jovem Henrique, de faces rosadas, estava sentado a seus pés, brincando com um tabuleiro e dados - um jogo que era chamado de gamão . Deveriam ser duas pessoas a jogar, mas porque a ama-seca dissera que ninguém deveria perturbar Lady Isabella e ela parecia achar consolo na companhia do filho, Henrique, que era um menino hábil, jogava consigo mesmo.
Ela o observava com olhar de ternura. Era realmente um belo menino.
Ele ergueu os olhos para ela, e vendo os dela dirigidos para ele, disse:
- Senhora, meu pai vem?
Ela estava tão fraca que não conseguiu conter as lágrimas que lhe vieram aos olhos.
- Não tenho certeza, meu adorado.
- A senhora está chorando? - perguntou ele, espantado.
- Oh, não.
- Parece que está chorando. É porque sente alguma dor?
- Não, não. Não sinto dor alguma. Sinto-me feliz porque você está comigo.
- Ele - disse Henrique, apontando para o outro lado do tabuleiro - está perdendo, e eu estou ganhando.
Ele riu, esquecendo-se de seu alarma momentâneo. Curvou-se sobre o tabuleiro e teve um muxoxo enquanto jogava os dados.
A dor tomou conta dela de repente e ela disse:
- Henrique, vá dizer a elas que venham cá imediatamente. Ele se levantou, os dados ainda nas mãos.
- Eu quase ganhei - disse ele, em tom de reprovação.
- Não faz mal, meu amor. Vá agora.
Ele hesitou, olhou para ela e sentiu um medo repentino ao ver o rosto retorcido pela dor. Então, saiu correndo do quarto, gritando pelas criadas.
A criança morrera e ela estava morrendo. Ricardo viera, mas ela estava apenas vagamente ciente de sua presença. Ele estava sentado ao lado da cama e o sacerdote também estava lá, segurando o crucifixo diante dos olhos dela.
com que então estava acabada - aquela curta vida. Ricardo teria a sua liberdade e ficaria com Henrique, também. Graças a Deus Henrique era um menino e Ricardo sempre quisera um menino. Não importava se ele se casasse outra vez, Henrique seria sempre o seu primogénito. Ele se lembraria disso e iria fazer tudo o que pudesse pelo filho deles.
Ela queria ser enterrada em Tewkesbury, ao lado de Oilbert de Clare. Ele tinha sido o seu primeiro marido e a idolatrara. Era cabível que ela fosse jazer ao lado do pai de seus três filhos e de suas três filhas.
Ela deixara claro os seus desejos. Agora, só restava morrer.
Estava ciente da presença de Ricardo ao lado da cama. Ele chorava, como acontecia com as criadas. Ricardo em lágrimas? Lágrimas de crocodilo? No íntimo, devia estar comemorando. Ele tentara divorciar-se dela e ficara zangado e frustrado quando o papa se recusara a aceitar suas alegações. Agora, a morte estava lhe dando o que o papa se recusara a dar.
Mas talvez houvesse um certo arrependimento. Talvez as lágrimas fossem sinceras. Talvez ele estivesse se lembrando dos primeiros dias da paixão dos dois. Mas ela estava cansada demais para fazer conjeturas.
Sua grande preocupação era o filho deles.
- Henrique - sussurrou ela.
O rosto de Ricardo estava próximo ao dela, agora.
- Não se preocupe com Henrique. Eu o amo tanto quanto amo a vida. Ele é meu filho. Não tenha medo de que eu não faça tudo por ele.
Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. Acreditava. Fechou os olhos e partiu dessa vida em paz.
Então, seu casamento acabara e ele estava livre. Só o mais horrível dos hipócritas poderia fingir que não se sentia aliviado. Havia anos - na verdade, após os dois primeiros anos de casado
- que ele sabia que cometera um erro enorme ao se casar com Isabella. Pensou em Henrique e sua jovem rainha, e no quanto ele, Ricardo, se emocionara na corte de Provence em meio àquelas jovens e o quanto invejava Henrique.
Ora, agora ele já não estava mais estorvado. Pobre Isabella. Quando jovem tinha sido uma beldade. Mas a juventude passara por ela muito depressa, e a melancolia provocada pelas infidelidades dele não lhe haviam aumentado o encanto. Tivesse ela aceitado a inevitabilidade de seu envolvimento com outras mulheres, ele poderia ter ficado propenso a visitá-la com uma frequência maior.
Mas de que adiantava recordar aquilo? Estava terminado. Ele era um homem livre.
Ela expressara o desejo de ser enterrada em Tewkesbury, ao lado do primeiro marido. Aquilo era uma censura a ele, um modo de dar a entender ao mundo que o primeiro casamento significara mais para ela do que o segundo. Ele não ia aceitar aquilo. Claro que ela não devia ser enterrada em Tewkesbury. Ele iria sepultá-la em Baulieu, o lugar adequado para uma esposa sua ficar.
Não era sensato, no entanto, ignorar os desejos dos mortos, e Ricardo estava de acordo com um meio-termo. Sabia o que iria fazer. O coração devia ser tirado do corpo, colocado num cesto banhado de prata e enterrado em frente ao altar principal em Tewkesbury. Aquilo deveria satisfazer tanto à morta quanto aos vivos.
Tomada essa decisão, ele tirou o assunto de sua mente.
Isabella morrera. Ele prosseguiria a partir daquele ponto.
Desde o nascimento do príncipe Eduardo, ele estivera se preparando para a cruzada. Antes daquele fato, hesitara, porque parecera que Henrique talvez não tivesse filhos, caso em que se morresse de repente Ricardo seria o rei. Teria sido extremamente insensato sair do país quando uma eventualidade daquelas era possível. Mas agora havia um herdeiro do trono que dava todos os sinais de que iria crescer e tornar-se um homem saudável. Ricardo dera um passo atrás em relação ao trono; portanto, podia dar continuidade aos planos de sair do país.
Mandou chamar o filho, e quando o menino foi levado à sua presença, dispensou os criados para que pudesse ficar a sós com ele.
Puxou o menino para junto dele e, colocando uma das mãos sob o queixo dele, voltou-lhe a cabeça para cima. Uma pele clara e sem manchas, fortes cabelos castanhos, olhos brilhantes e sobrancelhas bem assinaladas; e acima de tudo, uma inteligência alerta, o que deixava Ricardo encantado.
- Henrique, meu filho - disse ele, em tom solene -, você agora não tem mãe.
- Ela morreu - concordou Henrique.
- Mas você ainda tem o seu pai, que gosta muitíssimo de você. Henrique confirmou com a cabeça e ficou esperando.
- Nunca tenha medo, meu filho, de que eu me esqueça de cuidar de você.
- Mas o senhor se esqueceu de vir visitar minha mãe.
Como ele era inocente! Não procurava agradar. Falava a verdade tal como a via, naturalmente, como se fosse a única coisa a fazer.
- Eu tinha muita coisa com que me ocupar. Estive lutando na guerra do rei.
- Eu vou lutar na guerra do rei?
- Quando tiver idade suficiente. Mas primeiro, filho, você tem de crescer, e isso pode demorar muito. Você tem apenas cinco anos de idade, mas parece mais velho. Tem-se saído bem nas lições e nos esportes. Seu professor de equitação me disse que você se adaptou à sela como se tivesse nascido para isso.
- Eu gosto muito de andar a cavalo, papai. Já não uso mais a rédea de guia.
- Que bom.
- O senhor quer ver o meu falcão?
- Depois. Agora, eu quero conversar com você. Henrique, sério, fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Para onde foi minha mãe? - perguntou ele.
- Você não entendeu, meu filho? Ela foi para o céu.
- Quando é que ela vai voltar?
- Ela foi ficar com os santos. Vai sentir-se tão feliz com eles que não vai querer voltar.
- Ela vai querer voltar por minha causa - disse Henrique, em tom confiante. - Talvez me leve de volta com ela.
- Deus nos livre - disse o pai, apertando-o de repente contra o seu peito.
- Vai, sim - disse Henrique, confiante. - Ela nunca gostou que eu ficasse longe dela muito tempo. Eu gostaria de saber como é lá no céu. Deve haver cavalos em quantidade... brancos, eu acho.
- Henrique, meu filho, há uma coisa sobre a qual precisamos conversar. Aqui será diferente... agora que sua mãe... foi-se embora. Você vai sentir falta dela, e por isso eu vou levá-lo daqui, por uns tempos.
- com o senhor? - bradou Henrique.
- Não. Eu vou combater os sarracenos. Há muito tempo que planejei fazer isso, mas tive que adiar repetidas vezes. Agora,
eu vou.
- Eu poderia ir com o senhor e combater os sarracenos,
- Você precisa crescer, antes de poder fazer isso. Mas talvez um dia você vá. Mas primeiro há muito o que fazer, vou levá-lo para Londres, lá você ficará no palácio do rei. Sabe, ele é seu tio e chega uma hora em que nós, que pertencemos à corte, precisamos estar nela.
- É o rei Henrique?
- Ele mesmo. Seu tio, o rei Henrique, que ouviu falar muito em você e o receberia de braços abertos na corte.
- O que eu terei que fazer na corte dele, papai?
- Grande parte do que faz aqui. Ter aulas, jogar jogos, aprender a justar e a participar de torneios, estudar as leis do cavaleirismo, tornar-se um cavaleiro digno do seu berço e de sua posição.
Henrique ouvia com atenção.
- Depois, eu volto e a essa altura minha mãe estará aqui. Ricardo não respondeu. Era melhor, por enquanto, deixar que
o menino pensasse que a partida de sua mãe não era permanente.
- Vamos partir amanhã para a corte do rei - disse ele. Você vai gostar, meu filhinho. Você e eu cavalgaremos juntos. Você vai entrar no mundo.
Henrique achou que iria gostar. Gostaria que sua mãe estivesse indo com eles; mas um dia ele voltaria e contaria a ela o que se passara. Aquilo era algo que ele podia esperar com ansiedade.
O rei foi um certo desapontamento para o jovem Henrique. Ele era um pouco amedrontador, porque um dos olhos estava meio escondido e o menino não conseguia parar de olhar para ele. A rainha era diferente. Era bonita e sorridente, e ele gostou logo dela.
- Este é o meu filho - disse Ricardo. O rei curvou-se e disse:
- Seja bem-vindo à corte, sobrinho.
A rainha ajoelhou-se e abraçou-o. Beijou-o e, dominado pela sua beleza, Henrique passou os braços pelo pescoço dela e a beijou.
- A senhora é a mulher mais bonita que eu já vi - disse ele. Já um diplomata?, pensou Ricardo. Não havia coisa alguma
que o menino pudesse ter dito que agradasse mais ao rei ou à rainha. Eleanor
tomara-lhe a mão e, sentando-se na cadeira ornada ao lado da do rei, envolveu-o com um braço.
- Você vai ficar na nossa corte, Henrique. Acha que vai gostar?
- A senhora estará lá? - perguntou ele.
- Oh, estarei, eu... o rei e o nosso filhinho. Você precisa conhecer o nosso filhinho, Henrique. Você e ele vão ficar muito amigos.
- Que tipo de cavalo ele monta?
- Ele ainda é pequeno demais para andar a cavalo. Terá que ser paciente com ele, Henrique.
Henrique fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Ele é um bebé?
- Um bebé - disse a rainha. Ela olhou para o marido. - Vamos levar Henrique até a ala infantil, para que ele conheça o primo.
Ainda segurando a mão dele, os dois foram, com o pai e o rei seguindo atrás. E lá, num berço, estava um bebé que a rainha apanhou com muito cuidado, indicando a Henrique que o considerava realmente muito valioso.
- Venha olhar, Henrique. Este é o seu priminho, Eduardp Não é um belo bebé?
No íntimo, Henrique não achava bebés bonitos, mas não disse coisa alguma, já que não queria contrariar a rainha.
- Segure a mão dele, Henrique - disse a rainha. - Delicadamente. Lembre-se de que ele é apenas um bebé. Pronto. Agora, diga: "Eduardo, eu vou ser seu amigo."
- Eu vou ser seu amigo... se gostar de você - disse Henrique Todos riram, e o rei disse, carinhoso:
- Nosso sobrinho ainda é muito criança para jurar vassalagem.
- Beije a mão dele - insistiu a rainha. Henrique segurou a mão do bebé e a beijou.
E a rainha pareceu satisfeita.
Ele foi, então, entregue às amas-secas, que foram informadas de que ele ficaria na casa real até o pai querer que fosse embora. Como havia outros meninos de famílias nobres vivendo na corte de acordo com o costume -, ninguém ficou muito surpreso ao ver o filho do conde de Cornualha entre eles.
Ricardo retirou-se para fazer os últimos preparativos para a cruzada com a convicção de que a morte de Isabella tinha sido realmente uma feliz liberação não apenas para ela, mas para seu filho e seu marido
Uma Temporada em Provence
O REI ACOMPANHOU RICARDO até Dover, onde, num dia quente de junho, ele se fez ao mar para o continente. Entre os que partiram com ele estava Peter de Mauley, que tinha sido seu antigo tutor e governador na época de sua infância no castelo de Corfe. Muitos cavaleiros distintos, ansiosos por obter honrarias e uma remissão dos pecados na Guerra Santa, formavam sua companhia. Assim, foi um grupo impressionante que deixou o castelo para embarcar no navio para a França.
O rei observou a partida com sentimentos ambíguos. Ele não podia, honestamente, dizer que gostaria de estar partindo com eles. A ideia de deixar Eleanor e o filho deixava-o horrorizado. Claro que Eleanor poderia tê-lo acompanhado, como acontecera com a avó dele, Eleanor de Aquitânia, que fora com o primeiro marido à Terra Santa e provocara um escândalo tal que jamais tinha sido esquecido. Mas o pequeno Eduardo certamente não poderia ter ido, e uma das grandes alegrias da vida de Henrique era entrar na ala infantil e ficar olhando aquela maravilhosa criança com os membros perfeitos e o ar saudável - seu filho, que um dia seria o rei da Inglaterra.
Além do mais, estava contente por ter Ricardo fora do país. Sabia que Ricardo desaprovava muitas das coisas que ele fazia e que principalmente era contra os favores que concedia aos estrangeiros - sendo os estrangeiros os parentes e as empregadas de Eleanor.
Como se eles fossem estrangeiros! O querido tio Guilherme, que já morrera. Como Eleanor gostara dele! Ele sentia-se feliz por ter podido mostrar o apreço para com ele antes dele morrer. E ele iria fazer todo o possível pelo tio Thomas, e agora se falava que o tio Boniface também iria para a Inglaterra.
Ela estava encantada. Os tios tinham sido uma parte de sua infância. Poucas coisas lhe davam tanto prazer quanto recebê-los na Inglaterra e mostrar-lhes o quanto era feliz no casamento. E como aquilo a deixava encantada, ele também ficava.
Mas alguns dos desmancha-prazeres de seu reino queriam estragar aquilo - e ele achava que Ricardo era um deles. Ele dissera, antes de partir, que o bispo de Reading estava profundamente perturbado pela intrusão dos parentes da rainha e insistira com ele para que não deixasse a Inglaterra naquela ocasião.
- Por que não? Por que não? - perguntou Henrique.
- Porque - dissera Ricardo - ele receia que os barões estejam ficando cada vez mais descontentes com a vinda desses estrangeiros.
- Por que não unam eles vir para cá? - perguntara Henrique. - São parentes de minha mulher.
- Se eles apenas viessem, isso pouco significaria. O detalhe é que, quando estão aqui, tratam de encher os bolsos e tirar o que por direito pertence aos ingleses. Se vão embora - como no caso do bispo eleito de Valence -, está claro que não saem de mãos vazias.
- Estou surpreso - dissera Henrique, piedoso - por você falar mal de quem já morreu.
- Espero falar a verdade sobre qualquer pessoa... morta ou viva - tinha sido a resposta de Ricardo.
Mas ele partira na cruzada, e Henrique não ia se deixar ser perturbado pelos vagos murmúrios dos barões. Era muito lamentável que um dia eles tivessem podido redigir a Magna Carta, que lhes dera uma ideia exagerada do seu poder.
Ele voltou para Londres, onde Eleanor o aguardava, e juntos foram até a ala infantil, para olhar para Eduardo com um orgulho incontido.
- Não lamento que ele tenha partido - disse Henrique. Ele está muito apreensivo quanto ao futuro. Está sempre falando da contrariedade dos barões. Parece que eles governam este país.
- Talvez agora ele encontre uma esposa adequada e se aquiete. É disso que ele precisa.
Henrique enfiou delicadamente um braço pelo dela.
- Creio que você tem um certo carinho por Ricardo - disse ele.
- Naturalmente, se não fosse ele, você e eu jamais teríamos nos aproximado.
- Bem, por causa disso eu perdoarei muita coisa dele - disse o rei.
Chegado à França, Ricardo iniciou a viagem cortando o país, e quando chegou a Paris foi recebido pelo rei da França, sua esposa e sua mãe, que o receberam com muita pompa.
Ele ficou impressionado com o jovem rei - como, na verdade, deviam ficar todos, pois o seu caráter era de grande distinção e havia uma nobreza em seu rosto, seu porte e seus modos que ninguém podia ignorar.
A mãe o adorava; ela trabalhara por ele de forma tão incansável quanto fizera pelo pai dele, e embora Luís IX tivesse se mostrado muito capaz de governar o seu reino - muito mais do que o pai jamais fizera
- ela ainda parecia estar sob a impressão de que era necessária.
Ricardo estava interessado em conhecer Marguerite, a irmã da Eleanor de Henrique. Uma bela mulher, mas sem a natureza ativa de Eleanor. Ricardo ficou imaginando o que teria acontecido se elas tivessem trocado os papéis e Eleanor tivesse ido para a França e Marguerite para a Inglaterra. A rainha Blanche não teria obtido, sobre Eleanor, as vitórias fáceis que evidentemente obtinha sobre Marguerite.
Marguerite estava ansiosa por conversar com ele. Queria saber todas as novidades da Inglaterra e como Eleanor estava vivendo lá. Assediou-o de perguntas e falou sobre sua vida e sobre a sorte de ter um marido como Luís.
- Não tenho dúvidas de que a senhora poderia ter desejado uma sogra que não estivesse sempre presente.
Marguerite ficou calada, não querendo falar mal da rainha Blanche.
- A mãe do rei está sempre atenta aos interesses dele - disse ela.
- Não duvido - retrucou Ricardo. - Vejo que ele está com frequência em companhia dela.
- Ele subiu ao trono quando era apenas um menino. Ela precisava estar lá para orientá-lo.
- Ele parece um rei que agora sabe para onde está indo e não precisa de orientação.
- Ele faz o que achar melhor, mas gosta imensamente dela e fica sempre triste quando é necessário contrariá-la.
- E a senhora? - perguntou Ricardo. - Não acha que às vezes ela o está tirando da senhora?
Marguerite ficou em silêncio, e Ricardo pensou no que diria a Eleanor quando voltasse para a Inglaterra.
Havia outro detalhe no qual Eleanor tinha sido mais abençoada do que a irmã: Eleanor tinha um filho; Marguerite, só uma filha - e mesmo assim a menina tivera de ser chamada de Blanche.
De certo modo, ponderou Ricardo, parecia que Eleanor fizera o casamento mais feliz. Mas não era assim de todo. Ricardo olhava para o futuro. O forte caráter de Luís IX, a determinação de governar bem, a cabeça inteligente, lógica e calma... era aquilo que fazia um grande rei. Luís teria as rédeas do governo firmes nas mãos.
Ricardo se perguntou se poderia chegar o dia em que os barões decidissem sublevar-se uma vez mais na Inglaterra, como tinham feito no reinado do rei João, quando se cansassem de um rei em quem não confiavam. Como iria Henrique enfrentar a tensão? E Eleanor? Será que ela percebia que o povo resmungava contra ela, que o povo não a perdoava por ter levado a família e os amigos para a Inglaterra e mantido os bolsos deles bem cheios?
Não poderia haver dúvida sobre quem era mais rei; e se Marguerite tinha uma sogra ativa e até ali só tivesse uma filha - que não poderia herdar o trono devido à lei sálica que vigorava na França -, talvez sua posição fosse, afinal de contas, mais segura do que a de sua irmã Eleanor.
- Foi maravilhoso ter notícias de minha irmã - disse Marguerite. - Muitas vezes eu penso na época em que estávamos todas juntas na ala infantil... nós quatro. Como éramos felizes! Depois, fui embora e restaram três. Agora deve haver só Sanchia e Beatrice.
- Eu também me lembro de quando fui até lá e vi as três belas princesas. Foi depois de ter lido o poema de Eleanor.
- É, foi muito romântico. Não fosse o poema... talvez ela agora não fosse a rainha da Inglaterra. Ela deve ser eternamente grata ao senhor, pois sei que é muito feliz.
- Os tios dela têm ido à Inglaterra para visitá-la - disse Ricardo, os lábios apertando-se um pouco.
- Como ela deve ter ficado contente!
Ele não disse que o povo da Inglaterra tinha ficado muito menos contente.
- Eleanor sempre foi dedicada à família - prosseguiu Marguerite -, como éramos todas nós.
- Eles não a visitam na França? Estão muito mais perto da senhora.
- Eles vêm. Mas não ficam por muito tempo.
Como Luís é sabido!, pensou Ricardo. Ele tem coisas mais sensatas a fazer do que gastar as receitas do país com os tios pobres de sua rainha.
- Eles ficam na Inglaterra - disse Ricardo.
- Ouvi dizer que o rei é muito generoso para com eles.
- Mais generoso do que tem condições para ser, receio eu.
- Oh, meu Deus! Ainda assim, generosidade é uma bela qualidade. Penso que Eleanor deve sentir-se muito feliz. E o garotinho?
- Eduardo vai desabrochando. Sim, eu diria que sua irmã está feliz com o casamento. Quanto ao rei, ele a adora.
Marguerite juntou as mãos.
- Fico muito feliz por isso. - Ela colocou uma das mãos sobre o braço dele. - O senhor deve visitar meus pais quando passar pela Provence.
Ricardo lembrou-se daquela corte tranquila - os encantadores conde e sua condessa, as belas filhas, as canções e as baladas; o clima revigorante, os verdejantes bosques e jardins, e sentiu um súbito desejo de estar lá.
Ele iria voltar à Inglaterra um dia e iria falar com a rainha sobre o encontro com a irmã dela. Como seria bom dizer que tinha descansado um pouco na corte de seu pai!
Era agradável sentar-se nos jardins de Lês Baux e ouvir as canções da Provence. Como eram bonitas as filhas do conde Raymond Berenger! Só restavam duas, agora, Sanchia e Beatrice.
Sanchia era tão bonita quanto a irmã Eleanor, e dezesseis anos eram uma idade encantadora. Ela não era tão dominadora quanto Eleanor - era mais delicada, tinha um temperamento mais parecido com o de Marguerite, o que era uma vantagem.
De um modo cativante, ela cantava canções de sua autoria.
- É claro - disse ela, quando ele a cumprimentou - que elas não podem competir com as de Eleanor. Nenhuma de nós é tão inteligente quanto ela.
- Eu acho você encantadora - disse-lhe Ricardo.
Ele estava sempre comparando-a à pobre e triste Isabella. Como Isabella envelhecera nos últimos anos de vida! Em comparação, Sanchia era adoravelmente jovem.
Ele pretendera ficar apenas uns dias, mas a visita se prolongou. Ele era observado de perto pelo conde, pela condessa e pelo principal conselheiro dos dois, Romeo de Villeneuve.
- O que acha você do que estamos vendo? - perguntou a condessa.
Romeo replicou:
- O conde de Cornualha está indubitavelmente enamorado de Lady Sanchia.
- As outras se casaram com reis - disse a condessa.
- Os dois maiores casamentos da Europa! - replicou Romeo, complacente, lembrando aos dois o papel que ele tivera ao fazer acontecerem aquelas interessantes alianças. - Mas onde acharemos um terceiro rei para Sanchia... e um quarto para Beatrice?
O conde deu de ombros.
- Em parte alguma - disse ele.
- Então, penso que a melhor coisa que poderíamos fazer seria casar Sanchia com um nobre da Inglaterra. Eleanor ficaria encantada. Imagine... duas irmãs para dois irmãos. Que influência que elas teriam! Eleanor já providenciou para que a casa de Savóia recebesse grandes benefícios.
A condessa concordou, com um gesto da cabeça.
- Meus irmãos estão encantados com o casamento.
- E devem estar, mesmo, condessa. Pense nos benefícios que eles obtiveram com as visitas à Inglaterra.
- E vão obter mais, segundo dizem meus irmãos. Guilherme quase ganhou a sé de Canterbury. Infelizmente...
- Vamos esperar que ela possa ir para Boniface - disse Romeo.
- Boniface! - bradou a condessa. - Isso seria realmente uma bênção. Eleanor tem cumprido o seu dever para conosco. Eu não me oporia a um casamento entre Sanchia e o conde. - Ela olhou com insistência para o marido.
Ele retrucou:
- Eu estou de acordo, mas gostaria que Sanchia quisesse esse casamento por sua livre e espontânea vontade.
- Ele é tão indulgente... - disse a condessa, olhando com carinho para o marido.
- Nada disso, eu apenas quero ver minhas filhas felizes.
- Ela parece bem satisfeita na companhia do conde - comentou Romeo.
- Sei que está - disse a condessa. - Ela teve um sentimento romântico por ele quando ele esteve aqui depois que Eleanor lhe enviou o poema que escrevera. Ela jamais o esqueceu.
- O irmão do rei da Inglaterra! Dizem que é um dos homens mais ricos da Inglaterra. Se alguma coisa acontecer a Henrique...
- Há o Eduardo - disse a condessa, ríspida -, nosso neto.
- Sim, sim - replicou Romeo. - Mas é sempre sensato estar preparado para o que possa acontecer.
- Penso que estamos de acordo - disse o conde. - Vamos esperar alguns dias e ver se Ricardo fala conosco sobre Sanchia. O sol... a música... os belos olhos de nossa filhinha... tudo isso está fazendo efeito sobre ele. Ele está se apaixonando por ela... e ela por ele. Eu quero vê-los felizes.
A condessa trocou olhares com Romeo; depois, aproximou-se do conde e tomou-lhe o braço.
- Eu acho - disse ela - que dentro em pouco vamos perder a nossa filha.
- Dentro em breve terei que deixar Provence - disse Ricardo. Já me demorei demais.
- Meus pais vão ficar tristes quando você partir - replicou Sanchia.
- E você, Sanchia, como se sentirá?
- Eu também ficarei triste.
Ele esticou o braço e segurou-lhe a mão.
- Vai pensar em mim enquanto eu estiver longe, combatendo os sarracenos?
- Todos os dias.
- Quisera Deus que eu não precisasse ir.
- Eu também penso o mesmo.
- Eu poderia passar a vida aqui, nestes belos jardins... com você.
Claro que não era verdade. Ele era um homem que precisava estar sempre avançando. Era ambicioso, e se às vezes se cansava de determinada ambição antes de ter tempo de satisfazê-la, ainda assim continuava a fazer planos para o seu progresso.
- Eu te amo, Sanchia - disse ele.
- Eu sei - respondeu ela.
- O que vamos fazer quanto a isso?
- Podemos perguntar aos meus pais.
- Eu agora sou um homem livre. Você se casaria com um homem que já teve uma esposa?
- Se eu o amasse.
- E você me ama, Sanchia?
- Eu te amo desde que você veio agradecer a Eleanor pelo poema.
- Você é uma doce e querida menina. Nós nos casaremos quando eu voltar da Guerra Santa. A essa altura, você estará mais velha, doce Sanchia, e pronta para o casamento.
Ela juntou as mãos.
- Você vai voltar logo da Terra Santa.
- Eu quisera não ter jurado que ia. Eu ficaria aqui com você e a ensinaria a me amar.
- Essas lições não seriam necessárias, porque eu já te amo.
- Você é jovem e inocente. Eu sou muito mais velho do que você. Tive uma esposa durante nove anos e tenho um filho que está com quase seis anos de idade e de quem eu gosto muito.
- Eu também vou gostar muito dele.
- Oh, que dia feliz quando eu vim à corte de Provence! E não vai haver um outro dia feliz para mim enquanto eu não voltar para buscar minha noiva.
Ele se levantou e, tomando as mãos dela, beijou-as.
- vou falar com seu pai, agora, e pedir a sua mão.
Houve um grande júbilo em Lês Baux. O conde abraçou o futuro genro. Estava encantado, disse ele; nada poderia ter-lhe dado maior prazer. Embora, naturalmente, quisesse casamentos de alto nível para as filhas, a felicidade delas significava mais do que qualquer outra coisa, e se os dois objetivos pudessem ser combinados, ele ficava realmente contente. Ele percebera o entusiasmo de Sanchia nos últimos dias, e sabia que além do prazer que iria encontrar no marido, ela teria o consolo de viver perto de sua irmã Eleanor.
Houve uma grande festa na noite da véspera da partida dele
- uma ocasião ao mesmo tempo doce e amarga para Sanchia, que estava romanticamente apaixonada e, embora se sentisse feliz com o noivado, estava triste porque ele teria de deixá-la.
Os dois se sentaram lado a lado, ele dando a ela as porções da comida que estava no prato dele, que ela se achava emocionada demais para comer.
Foi muito emocionante quando os menestréis cantaram sobre amantes.
Na manhã seguinte, Ricardo e sua comitiva deixaram Lês Baux e Sanchia começou a esperar a sua volta.
Quando Eleanor soube do noivado da irmã com Ricardo, ficou contentíssima. Henrique ouviu com indulgência, encantado ao ver a sua satisfação.
- Você sabe o que isso significa para mim, Henrique - disse ela. - vou ter minha irmã perto de mim. Sempre fomos mais unidas do que qualquer uma das outras. E agora
ela vai se casar com Ricardo! Não é uma notícia maravilhosa?
- Se a deixa feliz, é uma notícia realmente boa.
- Espero que ele seja um bom marido para ela.
- Ele não foi bom para a primeira mulher.
- Eu vou fazer questão, Henrique.
- Ah, minha adorada, nem mesmo você poderá fazer isso. Ricardo gosta demais de mulheres, creio eu. Vamos esperar que este casamento o faça cair na realidade.
- Eu não poderia esperar que ele fosse um marido tão bom quanto o irmão - disse Eleanor.
- Minha adorada, ele não poderia ter uma mulher tão maravilhosa assim. Nem sua irmã pode ser comparada a você.
- Sanchia é uma bela garota, mas...
- Não diga. Eu sei. Você era a beldade da família, e a inteligente. Não, não vou lhe pedir que confirme isso. Não é preciso. Eu sei.
- Quando eles se casarem, temos de dar uma recepção digna de minha irmã e do seu irmão.
- Vamos dar.
- Quero que ela saiba como é maravilhoso o país para o qual está vindo. Precisamos dar a ela a maior das recepções que já demos para alguém.
- Claro que sim. Ela não é sua irmã?
- Oh, Henrique. Você é tão bom para mim!...
- E pretendo ser mais ainda - respondeu ele.
Eleanor impacientava-se com a demora. Estava ansiosa por mostrar a Sanchia o quanto era feliz.
Chegaram notícias do exterior que deram a Henrique a oportunidade de provar a Eleanor o quanto ele queria agradá-la.
Edmund, o velho arcebispo de Canterbury, que estivera em conflito com o Estado durante algum tempo e era um homem muito incómodo porque era tido como um santo, fora embora da Inglaterra. Estava muito velho; era um homem decepcionado; lamentava profundamente os problemas que via fervendo na Inglaterra e achava que gostaria de terminar seus dias em paz. Esse fim, ele estava certo de que não estava distante.
Dois de seus grandes predecessores, S. Thomas Beckett e Estêvão Langton, tinham procurado refúgio em Pontigny quando acharam intolerável a vida na Inglaterra, e foi para Pontigny que Edmund decidiu ir. Descansou lá por uns tempos e tentou chegar a uma conclusão consigo mesmo e ver se havia uma solução que levasse a paz entre a Igreja e o Estado.
Sua saúde estava muito abalada, e não demorou a ficar evidente que seu fim estava próximo. Visitava Soisy quando se tornou óbvio que estava num estado que devia ficar de cama, mas por ser Edmund, ele se recusou. Raramente dormira numa cama, preferindo dormir inteiramente vestido, em geral de joelhos, ou talvez de vez em quando permitindo-se o luxo de ficar sentado.
Mesmo agora, quando a vida se esvaía, ele ficava sentado na cama, a cabeça apoiada na mão.
E assim morreu. Foi levado para Pontigny, para ser enterrado, e imediatamente disseram que aconteciam milagres junto ao seu túmulo.
Quando a notícia chegou à Inglaterra, Henrique ficou aliviado. Ele tinha horror a estar em conflito com a Igreja e teria preferido um homem mais tranquilo do que Edmund como seu arcebispo. Como ansiara por entregar a sé a Guilherme de Valence! Eleanor dissera que nada que ele pudesse ter feito teria dado a ela maior prazer.
E ele queria muito agradar Eleanor. Queria deixá-la impressionada com a sua generosidade. Queria mostrar a ela o quanto ela era afortunada, o quanto ela era mais adorada do que sua irmã Marguerite, rainha da França!
Teve uma ideia.
Contou a ela a morte de Edmund.
- Então o velho finalmente se foi - disse ela.
- Diziam que ele era um santo. Estão acontecendo milagres junto ao túmulo.
- As pessoas imaginam que existem milagres. Nunca me esquecerei de como ele tornou sua pobre irmã infeliz por tê-la obrigado a fazer voto de castidade.
Henrique concordou com ela. Ele quase se esquecera de sua discussão com Simon de Montfort, cujo resultado tinha sido expulsar do país Simon e sua mulher.
- A sé de Canterbury está vaga - disse ele. - Desta vez, vou colocá-la nas mãos certas. Seu tio Boniface virá para cá e será o nosso próximo arcebispo.
Eleanor envolveu-o em seus braços.
- Oh, Henrique, como você é bom para mim!
- Penso, querida - disse ele -, que ele será uma escolha muito boa.
Foi uma grande alegria para Henrique quando Eleanor ficou grávida outra vez. Eles tinham o adorável Eduardo, mas uma ala infantil real devia estar bem suprida, pois mesmo as mais saudáveis das crianças podiam adoecer de repente e morrer. Tinha havido um ou dois alarmas relativos à saúde de Eduardo. Ele estava em Windsor, que os pais consideravam ser mais saudável para ele do que Londres, sob os cuidados de Hugh Giffard, homem em quem eles confiavam inteiramente, e por várias vezes os dois tinham recebido mensagens dizendo que havia preocupação na ala infantil. Nessas ocasiões, eles deixavam tudo e seguiam para Windsor; e não eram convencidos a voltar enquanto não se certificassem da recuperação do filho.
Por isso, foi um grande prazer pensar que haveria outro filho.
Eleanor ficou absorvida pela perspectiva, o que foi bom, porque havia uma certa irritação no pais inteiro com a eleição de Boniface.
Primeiro, como era de se esperar, houve oposição. Os monges de Christchurch quiseram resistir à escolha que o rei fizera, mas lembrando-se da recente espoliação dos judeus em Londres, hesitaram, e enquanto hesitaram, ficaram perdidos.
Não eram suficientemente ousados para resistir.
No entanto, houve outra demora. Havia uma vaga no Vaticano, porque o novo papa ainda não tinha sido eleito e, enquanto não o fosse, não poderia haver uma confirmação de Roma para a eleição de Boniface.
Por isso, houve demora e Boniface ficou impaciente e escrevia sempre para a sobrinha, insistindo para que ela usasse de toda a sua influência junto ao rei para acabar com aquilo.
Mas não havia coisa alguma que ela pudesse fazer enquanto o papa não desse a sua sanção, e como naquele momento não havia papa, Boniface tinha de esperar.
Ela ficou absorvida pelos preparativos para o nascimento. Henrique e ela falavam de poucas coisas mais. Ele se preocupava muito com a saúde dela e era distraído no trato com os ministros.
- Ele não fará nada sensato enquanto a criança não nascerdiziam eles, e embora aplaudissem suas virtudes maritais, lamentavam sua desatenção para com os assuntos de Estado.
No devido tempo, Eleanor deu à luz. Os dois ficaram um pouco desapontados por ter sido menina, mas Henrique estava tão encantado com o fato de Eleanor ter passado
por aquilo sem sofrer coisa alguma e de ter dado outro filho pouco tempo depois do nascimento de Eduardo, que declarou ser impossível ficar mais contente do que estava.
Eleanor disse:
- Nós iremos dar a ela um nome em homenagem à minha irmã, a rainha da França.
Henrique concordou que era uma ideia excelente, mas em vez de dar a ela a versão francesa de Marguerite, a menina teria a versão inglesa, Margaret.
Vários meses se passaram, com os pais a bajulando, felizes com a ala infantil. Eduardo tinha, agora, dois anos. Bonito e inteligente, a criança perfeita. Quanto à irmãzinha Margaret, eles também a adoravam.
Mesmo aqueles que criticavam muito o rei pela fraqueza e a rainha por levar harpias estrangeiras para o país, admitiam que era uma visão agradável testemunhar a bem-aventurança conjugal da família real.
Ricardo ainda estava fora da Inglaterra e a pequena Margaret estava com um ano de idade quando surgiu uma situação que não podia ser ignorada, muito embora ameaçasse
tirar o rei de sua feliz domesticidade
O padrasto de Henrique, o conde de La Marche, escreveu para ele dizendo que se ele, Henrique, o ajudasse naquele momento, ele poderia prometer-lhe a ajuda não só
dos gascões e poitevinos, mas também do rei de Navarra e do conde de Toulouse. Se Henrique fosse um dia recuperar as possessões que seu pai perdera, aquele era o momento.
Houve, também, uma carta da mãe de Henrique, na qual ela lhe dizia que pensava muito nele e estava ansiosa por vê-lo. Queria muito que a família voltasse a se unir; e parecia que poderiam servir uns aos outros lembrando-se de seus laços familiares.
A verdade era que o conde de La Marche (por intermédio de sua esposa, que o governava) havia discutido com o rei da França porque o irmão de Luís, Alphonse, que tinha sido prometido à filha do conde, casara-se com Joan de Toulouse; além do mais, ele tinha sido feito conde de Poitier e, por isso, o conde e a condessa de La Marche deviam prestar-lhe homenagem. Aquilo era uma coisa que eles não podiam suportar. Daí o desejo de ir à guerra.
Henrique ficou confuso. Estavam lhe pedindo que guerreasse contra o marido da irmã de Eleanor. Sim, ali estava a oportunidade pela qual ele estivera esperando desde que subira ao trono. Ele estava sempre sendo ofuscado pelos pecados do pai; todos estavam esperando que ele cometesse as mesmas loucuras. Que glória, se ele recuperasse tudo o que o pai perdera na França!
Foi falar primeiro com Eleanor e mostrou a ela os despachos recebidos do padrasto.
- Entende, Eleanor? - disse ele. - É natural que os reis da França e da Inglaterra sejam inimigos. Desde que o grande Rollo e seus nórdicos entraram à força na França, a ponto de o rei ter sido obrigado a entregar-lhe a Normandia, os franceses quiseram recuperar o que tinha sido entregue. Quando Guilherme da Normandia veio à Inglaterra, a Inglaterra e a Normandia ficaram sob um só soberano, e os franceses nos querem fora da França. Meu pai perdeu grande parte do que era nosso. Sempre foi meu sonho recuperá-la. Eu não hesitaria, a não ser um único fator: a rainha da França é sua irmã.
Eleanor ficou pensativa.
- Henrique - disse ela -, eu quero que você seja o maior rei sobre a Terra. Você só poderá fazer isso recuperando o que seu pai perdeu. Eu adoro minha irmã... mas essa discussão não é nossa. com tantos aliados, será fácil você recuperar o que foi perdido. Você tem que ir.
- E quanto a nós? Teremos que nos separar. Ela pensou por um instante. Depois, disse:
- Eu não poderia deixar que fosse sozinho. Você iria precisar de mim ao seu lado. Eu irei com você, Henrique.
- Minha adorada! Oh, como sou feliz!
- Infelizmente - disse ela -, teremos de deixar as crianças na Inglaterra.
Ricardo havia desembarcado em Acre. Não estava entusiasmado com aquela cruzada. Era sempre emocionante planejar cruzadas quando se estava exaltado pelo fervor religioso e pela crença de que se estava pagando os pecados, mas a realidade era, com frequência, menos atraente quando se tinha que lidar com tempestades de areia, moscas - e piOr, insetos venenosos -, disenteria e a percepção de que o sarraceno não era um selvagem, não era um pagão, mas um homem de altos princípios e de profundo sentimento religioso - com a única diferença no fato de seguir outras doutrinas.
Além do mais, Ricardo queria se casar. Não tivesse sido a cruzada, àquela altura estaria casado com Sanchia. Talvez ela estivesse grávida, com um filho homem. E ali estava ele em Acre, tentando expulsar o sarraceno da Terra Santa - tarefa que guerreiros poderosos, seu tio Coeur deLion entre eles, não tinham conseguido realizar. Poderia ele ter esperanças de consegui-lo?
Simon de Montfort, que decidira juntar-se à cruzada, chegou a Acre e Ricardo ficou contente ao receber o cunhado. Depois de ter-se recuperado do choque com o casamento dele com sua irmã, Ricardo decidira que Simon poderia ser um bom aliado, e os dois pareciam ter esquecido o antagonismo que existira entre eles à época do casamento de Simon.
Ricardo discutiu seus planos e disse que pretendia voltar para casa o mais rápido possível.
- É o que eu gostaria de fazer - disse Simon -, mas como você sabe, o rei ficou enfurecido comigo.
- A raiva de Henrique passa logo - garantiu-lhe Ricardo -, embora possa ser perigosa quando surge. Ele o teria colocado na torre, e Deus sabe o que poderia ter-lhe acontecido se não tivéssemos agido com rapidez.
- O que devo agradecer a você.
- Ora, não somos cunhados?
Para cada um dos dois, era um conforto saber que o outro era seu amigo.
Ricardo ficou ativo em Acre, primeiro oferecendo-se a aceitar em suas fileiras todos os peregrinos que quisessem voltar para casa mas não tinham os recursos para isso. Marchou para Ascalon, onde reconstruiu as fortificações daquela cidade, e fez um tratado com o sultão de Krak que resultou na libertação de muitos prisioneiros. Prosseguiu para Gaza, onde muitos cristãos tinham sido abatidos e enterrados de forma tosca. Mandou desenterrar os corpos e dar a eles um enterro cristão.
Concluiu, então, que havia cumprido com o seu dever, obtido a remissão de seus pecados, e agora tinha justificativas para voltar para casa.
Tinha chegado à Sicília quando recebeu um recado do rei dizendo que sua presença se fazia necessária em seu país com urgência, já que Henrique estava planejando uma expedição à França.
Ricardo chegou a Londres a tempo de participar dos preparativos para a expedição. Disse a Henrique que o cunhado deles, Simon de Montfort, deveria receber ordens de juntar-se a eles em Poitou.
- Ele terá prazer nisso - disse Ricardo - e será um fim digno para a rixa entre vocês se ele se sair bem a seu serviço, o que tenho a certeza de que ele fará.
Henrique concordou.
Devido à situação, o casamento com Sanchia teria de ser adiado por uns tempos, mas isso era inevitável, por causa da guerra. Depois que Henrique tivesse recuperado suas possessões, ele, Ricardo, seria um marido ainda mais atraente.
Foi num dia quente de maio que a frota partiu de Portsmouth. O rei estava acompanhado pela rainha, Ricardo e sete outros condes, e trezentos cavaleiros. O rei também levava com ele trinta barris com dinheiro. Ele estava muito animado, de tão certo do sucesso. Havia apenas uma nota triste. Ele tivera de se separar dos filhos.
Eles estavam nas melhores das mãos, é claro, como estava o reino nas mãos do arcebispo de York. Ainda não havia um arcebispo de Canterbury. Henrique estava aguardando a eleição do papa para a posse de Boniface.
Ele segurava a mão de Eleanor enquanto os dois viam desaparecer a costa da Inglaterra.
- Quando voltarmos - disse ele -, terei mostrado aos franceses quem sou eu. E aos barões do nosso país também. Depois que eu tiver recuperado o que meu pai perdeu, eles vão ter que pensar duas vezes antes de me compararem
a ele. Esta não é apenas uma guerra contra os franceses, minha adorada. É uma guerra contra os meus próprios barões.
Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. Estava pensando na vitória. O maior rei do mundo. Ela seria boa e delicada com Marguerite, a esposa do conquistado. "Querida irmã", diria ela, "fique tranquila de que nada de mal lhe acontecerá. Henrique jamais faria alguma coisa que me fizesse infeliz. Você está a salvo."
E assim chegaram à França.
Foi uma história muito diferente da que eles tinham sido levados a esperar.
A mãe do rei, Isabella de Lusignan, saudou-o com uma afeição que foi surpreendentemente calorosa e emotiva, considerandose que ela não o via havia mais de vinte anos e que, durante aquele período, parecia ter deixado de se lembrar de sua existência.
Uma amarga desilusão aguardava Henrique. Os franceses não estavam, em absoluto, despreparados. Luís estava pronto para enfrentá-lo; além do mais, Henrique tinha sido enganado pela mãe que, sem que o marido dela soubesse, fizera uma interpretação errada da situação.
Foi um rei desiludido que recuou diante dos franceses, quando chegou à conclusão de que não seria ele a obter a vitória. Ele tinha sido usado pela mãe, cuja rixa com a rainha-mãe da França iria levála a grandes façanhas - e acabaria resultando em sua autodestruição.
Naquele ínterim, nada havia que Henrique e seu exército pudessem fazer, a não ser recuar para Bordeaux e, ali, esperar fazer uma trégua com os franceses.
Houve um incidente para aliviar a melancolia deles.
Depois de deixarem a Inglaterra, a rainha ficara novamente grávida, e em Bordeaux ela deu à luz outra filha.
- vou chamá-la de Beatrice, em homenagem a minha mãe declarou Eleanor.
A garotinha era bonita e saudável, e o rei pôde esquecer o fracasso. Ordenou que houvesse grandes comemorações e festividades no castelo de Bordeaux, apesar do fato de que grande parte de seu tesouro tivesse sido gasta para fazer aquela guerra infeliz.
Quando voltasse, disse ele, ele iria cobrar um imposto de todos aqueles que não o tivessem acompanhado à França. Era perfeitamente justo que pagassem pelo privilégio de terem ficado em casa.
Ele daria um jeito de conseguir dinheiro.
E sempre havia os judeus.
Agora que a guerra terminara e que um tratado tinha sido feito com Luís, estava na hora de Sanchia ir para a Inglaterra, a fim de que pudesse se casar com o conde de Cornualha.
Eleanor não cabia em si de contente, pois Sanchia lhe mandara um recado dizendo que sua mãe decidira acompanhá-la.
- Isso a deixa contente, meu amor - disse Henrique. - Você vai ter sua irmã e sua mãe ao mesmo tempo.
- Oh, Henrique, estou ansiosa por mostrar a elas os nossos filhinhos. Quero que elas saibam o quanto sou feliz.
- Uma coisa eu lhe digo - replicou Henrique. - Haverá celebrações, comemorações, como nunca se viu,
Eleanor abraçou-o e disse que ele era o mais bondoso e o melhor marido do mundo.
Ele sentia-se complacentemente feliz. com uma mulher assim, era fácil esquecer as recentes humilhações na França.
Á chegada da mãe e da irmã de Eleanor o absorveu. Aquela deveria ser, mesmo, uma ocasião que fosse lembrada para sempre. Não seriam poupadas despesas, mas de onde sairia o dinheiro? Já havia resmungos por todo o país. Nada de mais impostos, diziam os cidadãos de Londres. Nada de estrangeiros pobres e necessitados sendo trazidos para a Inglaterra, para terem o melhor de tudo proporcionado pelos ingleses.
- Terá de vir dos judeus - disse Henrique. E dos resignados judeus, o dinheiro veio.
Gemendo sob as iníquas leis da tributação, eles pagaram, pois temiam a expulsão e temiam ir de mau a pior.
Não fazia muito tempo, os censos cobrados deles eram quinze mil marcos - uma soma que, segundo se esperara, deveria deixálos incapacitados. No entanto, eles tinham pago, trabalhado mais e continuado a juntar mais dinheiro. Dois anos depois, a tributação tinha sido elevada para dezoito mil marcos.
- O que podemos fazer? - perguntavam uns aos outros. Era pagar ou a expulsão. E podiam esperar pouca solidariedade por parte de seus vizinhos menos diligentes. Se não quisessem ser explorados, deveriam trabalhar menos; não deviam ficar tão preocupados com ganhar dinheiro. Se não tivessem dinheiro, não poderiam pagar.
A imposição seguinte tinha sido um terço de seus bens materiais, e mesmo depois disso eles tinham sido chamados a levantar vinte mil marcos.
Era de cortar o coração para aquela gente que, embora gostasse muito de trabalhar, gostava mais ainda das recompensas que o trabalho trazia e tinha de vê-las desperdiçadas pelo rei com os amigos e os parentes de sua mulher. Teria sido intolerável se eles não tivessem outra alternativa que não aguentar aquilo.
Além do mais, poucos eram solidários com eles. "Os judeus!" era o comentário acompanhado de um dar de ombros. "Eles têm dinheiro. Que paguem."
Por isso, eram os judeus que tinham de financiar a enorme quantia necessária para as comemorações do casamento do conde de Cornualha.
O rei esqueceu-se logo de como o dinheiro tinha sido levantado de tão feliz que ficou com a satisfação da rainha.
- Ter minha mãe e minha irmã aqui completa a minha alegria - disse ela a Henrique. - Eu devo ser a mulher mais feliz do mundo.
- Isso não é mais do que você merece - disse ele, em tom solene.
Beatrice de Provence sentia tanto prazer ao estar com a filha quanto Eleanor sentia ao estar com ela.
Conversaram muito sobre o passado. Agora, a pequena Beatrice era a única que restava.
- Fala-se em um dos irmãos de Luís para ela - disse a condessa.
- Neste caso, ela ficará perto de Marguerite, tal como Sanchia ficará perto de mim.
- É uma situação muito agradável. Eu não poderia ter querido que fosse melhor - declarou a condessa.
- Só lamento que meu querido pai não esteja aqui.
- Eu tenho uma coisa a lhe dizer, Eleanor - disse a condessa. - Não o fiz antes, com medo de estragar sua felicidade. Já faz algum tempo que seu pai não tem passado bem.
- Oh, mamãe, ele está mesmo doente? A condessa hesitou.
- Os médicos acham que podem salvá-lo.
- Oh, meu querido, querido pai!
- Ele está feliz porque vocês estão tão bem colocadas. Está sempre falando em você, Eleanor... ainda mais do que em Marguerite. Claro que houve um momento em que pensávamos que Marguerite havia feito o mais nobre de todos os casamentos, mas agora percebemos que você sempre foi a inteligente.
- Marguerite é feliz com Luís, não é?
- Oh, é. Mas ela não governa com ele, como faz você com Henrique. Tendo visto vocês dois juntos, creio que ele jamais faria qualquer coisa que não a agradasse.
- Acho que é isso mesmo.
- Marguerite não está na mesma posição. Nem o rei, nem a mãe dele pediriam a opinião dela ou dariam atenção a essa opinião se ela a desse. Isso parece convir a Marguerite. Oh, ela não tem o seu temperamento, Eleanor!
- E nunca teve.
- Não, você era o espírito líder na ala infantil. Sempre foi. Tornou-se indispensável para o rei. É fácil ver o quanto ele a idolatra. E o seu primeiro filho foi homem. O Eduardinho!
- Ele agora está com quatro anos, mamãe. Não é a criatura mais adorável que a senhora já viu?
- Eu achei que vocês eram tão adoráveis quanto ele. Mas Eduardo é realmente uma bela criança, e Margaret e Beatrice são adoráveis. O fato de você dar à menina o meu nome me deixou muito feliz.
- A ideia foi minha, e Henrique, naturalmente, concordou. Ele só quer me ver feliz. E sou... Mamãe, eu sou feliz! Claro que foi uma pena não termos obtido sucesso na França...
Eleanor olhou de soslaio para a mãe, curiosa por saber o que ela pensava sobre aquilo, pois vitória para uma filha poderia ter significado derrota para a outra.
- Henrique nunca deveria subestimar Luís - disse ela, devagar. - Luís é um grande rei.
- Ele é muito sério, eu sei, profundamente preocupado com questões de estado.
- Isso lhe deixa menos tempo para satisfazer os caprichos da esposa - disse Beatrice -, mas é bom para o reino.
- Oh, a mãe dele insiste. Creio que ela ainda manda nele!
- Pelo que ouvi dizer, Eleanor, Luís governa a si mesmo como governa o seu reino. Marguerite pensa que ele é uma espécie de santo. Eu acredito.
Eleanor fez um trejeito.
- Em geral, os santos não dão bons maridos. Beatrice segurou a mão da filha.
- Você foi feliz. Tem um marido que a adora. Tem três filhos maravilhosos, com o mais velho sendo homem.
- E Marguerite só tem filhas... Blanche e Isabella.
- Um dia, ela vai ter o menino dela, disso eu não duvido. Mas é sempre agradável quando o primeiro é menino.
Eleanor satisfazia-se em enaltecer as maravilhas de seu filho, e Beatrice ouvia, complacente.
Assim passavam o tempo felizes, juntas, e chegou o dia em que, em Westminster, Ricardo casou-se com Sanchia com mais pompa e esplendor do que se vira em Londres em muitos anos.
- O rei está decidido a homenagear a família da mulher dizia o povo.
- À custa de quem?
- Oh, a maior parte, dos judeus.
Enquanto a maior parte fosse dos judeus, o povo podia não dar importância às despesas e divertir-se nas ruas enfeitadas. Podia formar alas pelas ruas e berrar suas saudações à noiva e ao noivo.
Assim - com a exceção dos judeus - o povo ficou feliz no dia do casamento de Sanchia e Ricardo de Cornualha.
Agora que Sanchia estava casada, a condessa Beatrice estava pronta para voltar para Provence.
Tinha sido uma ocasião maravilhosa, uma ocasião que ela jamais esqueceria.
- Que recepção esplêndida - disse ela a Eleanor. - O rei nos homenageou de verdade. Agora, preciso voltar para junto de seu pai. Pobre Provence! Estamos muito pobres, Eleanor. Mais, até, do que éramos quando você era criança. Não que você alguma vez tivesse percebido isso. Seu pai e eu sempre escondemos isso de você.
Eleanor abraçou a mãe e respondeu que esperava que houvesse dinheiro suficiente para dar ao pai o que ele quisesse. A condessa abanou a cabeça e demonstrou tristeza.
- Mas eu não devo preocupá-la com os nossos problemas. Estamos contentes por você ter tanto. Marguerite também tem, mas os franceses são parcimoniosos. Eles dão pouca coisa.
Eleanor disse, rápido: - vou falar com Henrique. Estou certa de que, se eu pedir, ele não deixará a senhora voltar de mãos vazias.
E não deixou. Quando a condessa partiu, levava consigo quatro mil marcos para serem usados pelo marido.
Foram muitas as lágrimas de tristeza que rolaram quando elas se despediram. A condessa tinha de deixar as duas filhas adoradas, mas pelo menos elas contavam uma com a outra.
- Seu pai vai chorar de alegria quando souber como vocês estão felizes. Isso vai lhe fazer mais bem do que qualquer outra coisa poderia fazer. Henrique, meu adorado filho, não sei como algum dia poderei agradecer-lhe a felicidade que trouxe à minha filha.
Henrique ficou profundamente emocionado. Ele ficara um pouco aflito com relação a dar a ela os quatro mil marcos de sua caixa exaurida, mas valera a pena. Tudo valia a pena para agradar Eleanor e conquistar a aprovação da família dela.
Queenhithe
CHEGARAM BOAS NOTÍCIAS de Roma. Inocêncio IV tornara-se papa, e logo depois de sua posse no Vaticano havia confirmado a nomeação de Boniface de Savóia para arcebispo de Canterbury.
Henrique, satisfeito, levou a notícia a Eleanor, que o abraçou com entusiasmo. Aquilo era realmente um triunfo. O maior cargo do país - fora o de rei - ser dado a um tio seu.
Boniface não perdeu tempo em partir para a Inglaterra, onde foi calorosamente recebido pelo rei e pela rainha. Não foi tão bem recebido pelo povo, que se perguntava quantos estrangeiros mais a rainha iria levar para o país, em detrimento de seus nacionais.
Eleanor estava, de fato, ficando muito impopular. Ela sentiase infeliz com isso, embora fingisse ignorar a situação; mas quando saía a cavalo, havia olhares mal-humorados em sua direção, e o rei só era ovacionado quando não estava com ela.
Ela se recusava a se intimidar pela desaprovação deles. Dizia para si mesma que se quisesse levar os amigos para a Inglaterra iria levá-los.
Foi a Cidade de Londres que mais ficou contra ela. Tinha havido impostos demais a serem pagos por seus habitantes para levantar dinheiro para os dependentes da rainha, e eles colocavam nela a culpa do esbanjamento do rei.
O público não gostava do seu modo altivo, e havia uma coisa pela qual ele jamais a perdoaria, e esta coisa era o que passara a ser chamado de Queenhithe (cais da rainha). Seu marido adulador, que estava sempre pensando em maneiras pelas quais pudesse conquistar sua aprovação e mostrar o seu afeto, permitira que ela insistisse para que todas as embarcações que transportassem as valiosas cargas de lã ou trigo fossem obrigadas a descarregar no cais que ele lhe dera. Ela transformou em contravenção o fato de eles descarregarem seus produtos em outro ponto qualquer, com isso garantindo a receita de pesadas tarifas.
Havia um resmungar muito grande, nas ruas, com relação a Queenhithe, como chamavam aquele imposto, e muito se discutia sobre ele.
- Foi um dia azarado para a Inglaterra - dizia-se - quando os estrangeiros ladrões foram trazidos para as nossas costas.
A chegada de Boniface fez muito para agravar a situação, e embora ele fosse recebido em Canterbury, não foi com prazer. Ele chegara servido por uma comitiva de conterrâneos e, naturalmente, foi preciso encontrar lugar para eles em Canterbury.
Henrique e Eleanor pareciam desconhecer por completo a crescente impopularidade, que em sua maior parte se concentrava em Eleanor, devido ao número cada vez maior de estrangeiros que ela levava para o país. Boniface era arrogante e parecia acreditar que como sua sobrinha era a rainha da Inglaterra isso dava a ele o direito de se comportar como se o país inteiro pertencesse a ela. Londres sempre estivera indiferente quanto ao resto do país. Ela era a capital e o centro do comércio e, portanto, estava decidida a ter voz ativa nos assuntos da Inglaterra. Londres precisava sempre ser conquistada, para que desse apoio ao soberano. Tinha sido Londres que se recusara a dar uma coroa a Matilda e que a transferira para Estêvão. Os monarcas inteligentes lembravam-se disso. João nada tivera de inteligente, e parecia que seu filho Henrique, devido a uma estúpida devoção à mulher, também se esquecera. Pelo menos, nem o rei nem a rainha pensaram em lembrar a Boniface que ele deveria agir com cuidado em relação aos cidadãos de Londres.
Não foi muito tempo depois da posse de Boniface que o arcebispo visitou o priorato de St. Bartholomew em Londres, que ficava na diocese do bispo de Londres.
Essa visita não deveria ter sido feita, exceto em companhia do bispo ou, pelo menos, mediante um convite do bispo, e quando o novo arcebispo - tão evidentemente estrangeiro - chegou ao priorato, houve certa consternação.
Os monges reuniram-se e decidiram que como ele exercia o cargo de arcebispo de Canterbury - embora não tivesse sido escolha deles -, eles deveriam mostrar respeito por ele e saíram do priorato em procissão solene, a fim de prestar-lhe homenagem.
O arcebispo disse-lhes, com certa arrogância, que aquilo não era apenas uma visita formal; ele queria ver como o priorato era dirigido e se merecia sua aprovação. Aquilo foi demais para os monges, e o subprior adiantou-se.
- Senhor arcebispo - disse ele -, o senhor acaba de chegar a este país e não conhece os nossos costumes. Temos o nosso venerado bispo de Londres, a quem cabe... e só a ele... vir aqui dessa maneira.
Boniface ficou enfurecido. Ele estava cônscio dos olhares rabugentos que o seguiam nas ruas. Sabia que havia um ressentimento contra a sua sobrinha. Num súbito acesso de raiva, ergueu a mão e agrediu o subprior no rosto com tanta força que o homem caiu contra um pilar e escorregou para o chão.
Vendo-o naquele estado, o arcebispo aproximou-se dele, arrancou-lhe a capa dos ombros e pisoteou-a. Estava para voltar-se contra o subprior, que se pusera tremulamente de pé, quando um dos monges gritou:
- Salvem o subprior!
E agindo como uma só pessoa, eles cercaram Boniface.
Perceberam que por baixo de sua túnica Boniface vestia uma armadura e evidentemente fora pronto para a luta. Além do mais, ele deu uma ordem aos seus seguidores, que tiraram a roupa e ficaram expostos com espada e armadura, prontos para o combate.
- Ataquem-nos - berrou Boniface. - Mostrem a esses ingleses traidores o que acontece com aqueles que se opõem a mim.
Diante do que os homens armados de Boniface caíram sobre os monges indefesos, bateram neles, chutaram-nos, arrancaram-lhes as vestes e as pisotearam.
Quatro dos monges escaparam e correram para o palácio do bispo. Ele ficou horrorizado ao vê-los, e muito mais ainda quando soube o que acontecera.
- O estrangeiro arrogante! - bradou ele. - Vão imediatamente falar com o rei. Mostrem a ele os ferimentos e as vestes rasgadas. Contem a ele o que aconteceu. Só se ele os vir é que poderá perceber o ultraje a que foram submetidos
A caminho do palácio, os monges foram parados por certos cidadãos que perguntaram como tinham ficado naquele estado lamentável. Eles contaram como Boniface, o arcebispo estrangeiro, invadira o priorato e os maltratara.
- Nós vamos mostrar a este estrangeiro o que significa maltratar nossos monges - bradou um dos homens. - Nós vamos pegar este Boniface. A cara dele não vai estar tão boa quando tivermos acabado.
Os monges continuaram o caminho para o palácio.
O rei estava com a rainha na ala infantil, brincando com os filhos, quando um criado chegou para dizer que uns monges que tinham sido maltratados pelo arcebispo de Canterbury solicitavam uma audiência com o rei.
- Maltratados pelo meu tio! - bradou a rainha. - Que absurdo é este?
- É evidente que foram maltratados, majestade - foi a resposta.
Henrique voltou-se para o homem, mas Eleanor colocou uma das mãos sobre o seu braço.
- Não receba esses monges - sussurrou ela. - Você sabe o que isso significa. Eles estão protestando contra a sua escolha do arcebispo. Já não tentaram isso antes?
Henrique olhou para ela. Tentaram, sim.
- Pode ter certeza de que é um truque. Mande-os embora.
- Mande-os embora - disse Henrique. - Não vou recebêlos.
O criado curvou-se e se retirou.
Henrique ficou perturbado, mas Eleanor disse:
- Venha ver como o Eduardo joga os dados. Estou certa de que ele vai ser um jogadorzinho de verdade muito em breve.
E Henrique ficou contente por afastar da mente os maçantes monges.
Enquanto isso, o povo de Londres reunia-se nas ruas. Ali estava uma chance de mostrar o seu ódio pelos estrangeiros. Os monges tinham sido maltratados. Será que o povo iria deixar aquilo ficar assim?
- Onde está o facínora? - berravam as pessoas. - Onde está aquele que se intitula de arcebispo e maltrata os nossos monges?
Foi um momento de terror para o arcebispo quando, da torrinha superior do priorato, ele viu a turba que se aproximava.
Ele estava armado, e o mesmo acontecia com os seus seguidores, mas embora eles pudessem derrotar monges indefesos, poderiam não ter uma chance tão boa contra uma turba irada decidida a destruir.
- Rápido. Temos de sair daqui! - berrou ele.
- O rio, senhor. Vamos descer a toda velocidade pela escada particular.
O homem tinha razão. Havia vários barcos amarrados à escada, e neles tinha lugar para todos, e por isso o alarmado arcebispo, acompanhado pelos seus servidores, conseguiu escapar pelo rio.
No palácio, ele saltou e foi logo procurar o rei e a rainha.
Eleanor correu para ele, um tanto alarmada.
- Está tudo bem - disse-lhe ele. - Os monges de St. Bartholomew devem ser admoestados. Sabe que eles me atacaram no priorato deles?
- Isso é monstruoso! - bradou o rei.
- Eu disse que não iria tolerar a insolência deles, e dei uma lição ao subprior.
- Esperemos que ele a tenha aprendido bem.
- Acho que ele aprenderá se você não tiver piedade dele. Estou certo de que ele e seus companheiros virão reclamar a você dos maus-tratos que sofreram. Eu conheço a sua inteligência, sobrinho. Você dará a eles pouco tempo para reclamarem.
- Henrique saberá como agir com os bandidos - declarou Eleanor. - Ele sabe que eles estão lhe dizendo que acham que eles é que deveriam escolher seu arcebispo, quando todos sabem que isso é prerrogativa do rei.
- Eles não terão misericórdia ou piedade de minha parte disse Henrique, com firmeza.
Eleanor deu uma risadinha e passou o braço pelo dele.
Incidentes como aquele aumentavam os prenúncios de tempestade, mas nem o rei nem a rainha pareciam cientes disso. Quando se precisava de dinheiro, parecia fácil cobrar impostos. Henrique favorecia os compatriotas e as criadas da rainha porque aquilo a agradava. Sua extravagância pessoal aumentava. A arquitetura lhe proporcionava um prazer sem igual, e ele gostava de planejar novos prédios e alterar construções antigas.
Uma de suas residências favoritas era Windsor. Ali, o campo era de uma beleza especial, com o Tamisa serpeando por entre campinas e florestas. O próprio nome era devido a esse fato, pois havia quem dissesse que o nome saxão Windlesofra significava curso serpeante. Outros diziam que o
nome vinha de Wynd is Sore, porque na área elevada o vento era violento no inverno, enquanto que alguns insistiam que Windsor queria dizer Wind us Over e se referia à barcaça com cordas e vara que era usada para levar as pessoas de um lado para o outro do rio.
Fosse qual fosse a origem do nome, Henrique adorava o local. Talvez tivesse sido atraído para ele, em primeiro lugar, porque seu ídolo Eduardo o Confessor, segundo se dizia, mantivera a corte ali. Guilherme o Conquistador também lá estivera. O mesmo acontecera, menos felizmente, com o pai de Henrique, João, que ali ficara durante aquele deplorável período de sua vida em que fora obrigado a assinar a Magna Carta.
com a sua paixão por construções, Henrique fizera alterações no castelo. Aumentara o pátio inferior e acrescentara uma capela da qual muito se orgulhava. Ele nunca se cansava de dizer às pessoas que ela media 22 metros de comprimento e 9 metros de altura, e que o telhado de madeira tinha sido revestido e pintado como se fosse de pedra e coberto de chumbo.
Ele considerava Windsor como só perdendo em importância para a Torre de Londres, e era muito mais agradável morar nele.
Por isso, era para Windsor que ele ia sempre que podia, e ele e Eleanor gostavam que as crianças ficassem lá, por considerá-lo muito saudável.
Foi enquanto passeavam a cavalo pelas ruas de Windsor que eles perceberam uma garotinha pedindo esmola à beira da rua. Seus trajes estavam esfarrapados e os cabelos caíam-lhe sem vida em torno do rosto branco.
A rainha voltou-se para Henrique, que compreendeu imediatamente o que ela queria dizer e atirou uma moeda para a menina. Os olhos da rainha enterneceram-se quando ela viu a pequena criatura apanhá-la e a alegria que lhe iluminou a fisionomia.
Na sua ala infantil, enquanto Eleanor observava com satisfação suas filhas saudáveis, o rosto da pequena pedinte estava sempre lhe voltando à mente.
- O que é? - perguntou o rei. - Você está triste, hoje.
- Estava pensando naquela criança. Ela não pode ser mais velha do que o nosso Eduardo. Pensar que muitas vezes ela sente fome... tão suja e esfarrapada. E deve haver muitas iguais a ela.
O rei fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Sempre houve mendigos - disse ele.
- Eu não gosto de ver criancinhas passando fome - replicou a rainha.
E de vez em quando ela se lembrava da pequena mendiga e sentia uma certa melancolia.
Então, o rei teve uma ideia que achou que iria agradá-la. Foi procurá-la, irradiando satisfação.
- O que acha que acabei de fazer, Eleanor? - perguntou ele, e já que ela não conseguiu adivinhar, disse o que era.
- Expedi uma ordem dizendo que todas as crianças pobres que estão nas ruas de Windsor e das aldeias vizinhas serão recolhidas e trazidas para o castelo. Lá no grande salão, haverá uma festa da qual elas irão se lembrar a vida toda.
- Henrique - ela entrelaçou as mãos e olhou para ele encantada. - Você está fazendo isso por mim - acrescentou, séria.
- Que melhor razão poderia haver?
- Você é muito bom, Henrique. Eu nunca sonhei... agora parece tanto tempo atrás... em Provence...
Ele a envolveu com um dos braços.
- Nós estaremos lá - disse ele -, você e eu, para ver a alegria delas. Vamos nos sentar à mesa alta e ficar observando-as. Vamos levar as crianças.
- As meninas são muito crianças para saber do que se trata.
- O Eduardo, então.
Ela estava pensativa, visualizando a ocasião.
- O povo deverá amá-lo, depois disso - bradou ela. - Tem havido tanta indelicadeza... temos sido tão criticados...
- Eu não estava pensando nisso para agradar ao povo, mas para agradar a você.
- Nem sei dizer o quanto isso me agrada. Mas será que alguma coisa irá agradar a eles?
- Por um dia, talvez.
As providências foram tomadas, e deve ter sido a visão mais estranha que o velho salão jamais tivera, quando as crianças pobres de Windsor entraram em grande número. Elas pareciam incompatíveis, ali em meio à grandiosidade que era a morada de reis.
Mas Henrique e Eleanor estavam encantados. Eles estavam usando as coroas, porque achavam que as crianças iriam esperar por aquilo, e na verdade as visões mais inspiradoras no salão, para a maioria das crianças, eram as duas figuras que reluziam à mesa elevada. Olhos ficaram fixos nelas, até que as boas coisas que elas iam comer foram colocadas sobre as mesas sobre cavaletes.
Eleanor, no último instante, ficara com medo de levar Eduardo.
- Essas crianças podem ter alguma doença que poderia prejudicá-lo - decidira ela.
Não, o garotinho estava a salvo com as amas, embora ela concordasse com Henrique que teria sido uma boa experiência para ele ver como a popularidade de um monarca devia ser cortejada.
A festa foi um grande sucesso; e depois que as crianças acabaram de comer, as mesas foram retiradas e houve jogos.
Alguns dos pais das crianças tiveram permissão para entrar no castelo, e a eles Henrique anunciou que os filhos deles seriam pesados e o peso deles em prata seria distribuído entre os pobres.
O povo ovacionou e saudou: "Deus abençoe o rei!"
E durante uma semana, sempre que ele e a rainha ousavam sair na cidade de Windsor, eram saudados com uma afeição vociferante.
- Foi uma coisa muito inteligente - disse a rainha, em tom de admiração -, e uma boa coisa, também.
Ricardo sentia-se feliz com o seu casamento com Sanchia. O elo entre as duas irmãs estava firme, e por causa disso Ricardo estava cada vez mais com o irmão e, em consequência, dando-lhe o seu apoio. Aquilo foi percebido pelos barões que o haviam considerado líder deles nos seus conflitos com Henrique, e olhavam a situação com um certo desalento, porque Ricardo parecera um líder natural.
Através do primeiro casamento de Ricardo com Isabella, que tinha sido filha de Guilherme Marechal, ele estivera muitas vezes em companhia dos barões que estavam decididos a defender a Magna Carta; e agora, seus laços com eles estavam enfraquecendo; por intermédio de Sanchia e do constante contato dela com a irmã, ele estava, sem dúvida alguma, voltando-se em direção à corte.
Ao mesmo tempo, ele podia ter uma visão mais nítida do que a de Henrique da situação do país, e muitas vezes ficava perturbado com o caminho que tudo estava seguindo.
Às vezes, visualizava os barões levantando-se uma vez mais contra Henrique, como haviam feito contra João. Aquilo tinha sido um precedente perigoso. Tinha sido feito antes, e poderia ser feito outra vez. Uma vez que um rei fosse obrigado a ficar de joelhos, aquilo jamais seria esquecido.
Havia muito a redimir, e ele achava que Henrique fechava deliberadamente os olhos para isso.
Ricardo sabia que havia uma grande insatisfação, particularmente na capital. Ele estava com seus homens colocados nas tavernas e ao longo do cais, para que pudessem informá-lo do que se comentava.
A causa constante das reclamações era a família da rainha... os estrangeiros. E é claro que a família da rainha era a família de Sanchia.
Às vezes, ele conversava com Sanchia, pois imaginava que talvez ela pudesse ser a pessoa para prevenir a rainha, que iria prevenir o rei.
Sanchia era mais razoável do que a irmã: de natureza mais delicada, estava pronta a ouvir - em particular Ricardo.
- É difícil dizer a Eleanor alguma coisa que ela não queira ouvir - explicou ela.
- Sei muito bem disso - replicou Ricardo. - Fico surpreso por acontecer com uma pessoa tão inteligente.
- Eleanor sempre acreditou que era capaz de tudo, e tudo o que ela tenta conseguir, consegue.
- Nós estamos lidando com uma nação - replicou ele, - Os povos podem se levantar de repente contra seus governantes. Eles aguentam muita coisa, e então acontece algo que pode parecer banal.,, e é esta a fagulha que dá início ao incêndio.
- E você está muito aflito, Ricardo?
- Eu vejo problemas pela frente. Não imediatos, porém... mas no horizonte. Esse caso do seu tio Boniface...
- Oh, isso acabou e foi esquecido.
- Esquecido. Nunca será esquecido. Os londrinos irão arquiválo em suas memórias e um belo dia ele será retirado. Não está esquecido, eu lhe garanto, e foi de uma infelicidade enorme. Sanchia, quando tiver oportunidade, tente fazer com que seus tios compreendam os ingleses. Eles nem sempre são o que aparentam. Aceitam alguma coisa... parecendo submissos. Não se engane. Isso não é submissão. É uma espécie de letargia, uma falta de vontade de se levantar e fazer algo... mas esteja certa de que no devido momento a ânsia virá... e então,, quando eles se levantam, você os vê em todo o seu esplendor. Continuarão lutando até conseguirem o que desejam.
- Vou fazer o que puder.
Ele fez um lento gesto afirmativo com a cabeça.
- Um câncer no coração dos londrinos é o Queenhithe. Enquanto isso continuar, o descontentamento aumentará. Já tentei explicar a Eleanor que o povo não gosta dele, que toda vez que as pessoas pagam os tributos, elas a amaldiçoam. Elas culpam mais a ela do que ao rei. Ele é inglês. Ela é estrangeira. Acho que vou aproveitar a primeira oportunidade de falar com ela sobre o Queenhithe, pois ele se torna mais perigoso à medida que continua em vigor.
Sanchia disse:
- Estou vendo que você está realmente preocupado. Ele confirmou com a cabeça.
- Eu era muito criança para ver o que aconteceu com o meu pai, mas Deus sabe que os fatos já foram enfiados na minha cabeça o suficiente. Peter de Mauley e Roger
d'Acastre estavam sempre me explicando isso, quando eu estava no Corfe. Acho que eles acreditavam que um dia eu poderia ser rei. O caminho que meu pai seguiu era
o caminho que não se devia seguir.
- Você não acha que Henrique está seguindo esse caminho, acha?
- Não de forma tão espalhafatosa. Henrique é um homem bom... um homem religioso, um marido fiel e um bom pai. Nem sempre é sensato no desempenho das funções de rei, porém, e é disso que tenho medo. Um passo fora da linha, e é possível ouvir a palavra "Magna Carta" no ar.
- O que você vai fazer, Ricardo?
- Tudo o que puder para mante-lo no trono.
Sim, era isso. Alguns anos antes, ele teria sido menos fiel ao irmão. Teria conversado sobre aqueles assuntos com Clare, Chester, qualquer um de seus amigos que estivesse decidido a que o rei não devesse ter poderes demais. Ele agora era homem do rei, e seu principal objetivo era manter o irmão no trono.
Ele ia com frequência a Windsor, porque era lá que as crianças estavam e que o seu filho Henrique estava. Até ali, Sanchia não lhe dera filhos, o que era lamentável, mas enquanto tivesse Henrique, ele ficava grato. Henrique era um belo menino - vivo, inteligente e bonito. Estava, agora, com cerca de dez anos de idade, e era um prazer vê-lo. O que um filho fazia por um homem! E ele devia Henrique a Isabella.
O jovem Eduardo estava crescendo bem, embora atacado por uma ou duas doenças sem importância que deixavam os pais muito aflitos. As duas menininhas eram agradáveis, e Henrique parecia estar decidido a ter uma bela família.
Se ao menos ele fosse mais discreto em receber os parentes da mulher e, quando eles chegavam, cobri-los de presentes, que tinham de ser pagos pelos seus súditos... Aquilo era uma leviandade. Bem poderia ser loucura.
Ricardo encontrou Eleanor trabalhando em sua tapeçaria, com várias de suas amas. Achou que ela estava com um ar de enfatuada.
Meu Deus, pensou ele, creio que ela está grávida outra vez.
- Meu querido irmão.
A saudação dela era sincera. Ela sempre gostara dele, já que de certo modo devia a ele a sua presença ali; e agora que era marido de sua irmã, ele lhe era duplamente querido.
- Querida senhora - murmurou ele, beijando-lhe a mão.
Ergueu as sobrancelhas de modo a indicar que gostaria de falar com ela a sós, e ela imediatamente fez um sinal com a mão para dispensar as mulheres.
- Como vai minha irmã? - perguntou ela.
- Muito bem.
- Parece fazer muito tempo que não a vejo, embora eu suponha que não. Estou muito feliz por ela estar na Inglaterra.
- Ela se sente feliz por estar aqui.
Ele sentou-se num tamborete perto dela.
- Você parece muito contente, hoje - disse ele, olhando para ela com ar de interrogação.
- Então você adivinhou?
- Então é isso, mesmo. Henrique está contentíssimo, eu sei.
- Ele não cabe em si de contente. Desta vez, deve ser um menino.
- Ah, isso vai atrapalhar os planos do jovem Eduardo.
- Ele disse que gostaria de um irmão. Ele tem um certo desprezo pelas duas irmãs. O seu Henrique já é um grande amigo de Eduardo.
- O meu Henrique é um bom diplomata.
- Oh, Eduardo tem uma índole que é uma doçura.
- Madame, eu sei, por intermédio do Henrique, que a senhora foi abençoada com o modelo de perfeição de todas as crianças.
Ela deu uma gargalhada.
- Ora vamos, Ricardo - disse ela -, você tem seu filho Henrique em alta conta.
- Como somos pessoas afortunadas, ao termos filhos assim! Eu gostaria que pudéssemos ficar falando sobre eles o dia inteiro, pois juro que não nos cansaríamos do assunto. Mas há uma outra coisa que vim dizer.
- Pois diga, Ricardo.
- É mais fácil falar com você... - Um pouco de lisonja não fazia mal, e ela era muito sensível a isso. - Estou preocupado.
- com o quê? - perguntou ela, rápida.
- Há muita insatisfação pelo país inteiro... e especialmente em Londres.
- Os londrinos estão sempre criando problemas.
- Eles são uma gente orgulhosa.
- Eles pensam que Londres é a Inglaterra, e que nenhuma cidade do país se compara com a deles.
- E não se compara, majestade, em comércio, riqueza e importância. Temos que nos lembrar de que essas pessoas que estão resmungando são os comerciantes... os mercadores... importantes para a riqueza do país.
- Os judeus, talvez.
- Talvez os judeus.
- Eles não têm o direito de estar aqui. Deveriam pagar pelo privilégio.
- Se nós os perdêssemos, perderíamos muito além disso. Mas eu não vim falar com você sobre os judeus. Há esse problema do Queenhithe, que está provocando insatisfação em Londres.
- Oh, eu sei. Eles resmungam toda vez que pagam os tributos. Os tributos do Queenhithe sempre foram prerrogativa das rainhas da Inglaterra.
- com a diferença - insistiu Ricardo - de que você induziu Henrique a ordenar que todos os carregamentos mais ricos sejam desembarcados no Queenhithe e de que o valor dos tributos sofreu um grande aumento.
- Não é mais do que eles me devem.
- Eles não entendem assim. Isso é uma daquelas questões aparentemente sem importância que pode ser o início de um grande contratempo.
- Você quer que eu me dirija ao povo e peça desculpas? Que diga que eu nunca deveria ter cobrado aqueles direitos?
- Não. Mas eu compro o Queenhithe de você.
- Você, Ricardo! Seria muito caro.
- Eu não sou pobre. Estou tratando isso com muita seriedade. Creio que se alguma coisa não for feita quanto a isso, a próxima coisa que ouviremos será a comunicação de uma baderna.
- Os baderneiros serão punidos.
- Não é tão fácil assim, Eleanor. A turba pode ser terrível. Nunca é sensato provocá-la, pois uma vez provocada nunca se pode ter certeza de como acabará.
Ela ficou em silêncio. Ele teria de pagar uma grande soma pelo Queenhithe. Podia pagar, pois era verdade que era muito rico. Raramente se ouvia falar que estivesse sem dinheiro, que era a contínua reclamação de Henrique. Ricardo era diferente de Henrique. Faltava-lhe a generosidade dele. Tio Boniface lhe pedira dinheiro, e Ricardo dissera que não poderia dar, mas emprestaria, se ele quisesse.
Tio Boniface não quisera.
Henrique teria dado o dinheiro com generosidade, para agradá-la.
Abrir mão do Queenhithe! Ora, seria um teste. As reclamações eram constantes. Quando ela saía a cavalo pelas ruas, as pessoas resmungavam por causa disso. Ela sabia que era um problema que causava um grande descontentamento.
Ela iria vender. Ricardo deveria ficar com o Queenhithe. Então, veria que o veneno daqueles comerciantes gananciosos iria voltar-se contra ele.
Assim que o cais passou para as mãos de Ricardo, ele o alugou ao prefeito de Londres por cinquenta libras por ano; e se os mercadores de Londres não gostassem do que ele fizera, a questão era entre eles e seu prefeito.
Ele tirara a família real da disputa.
Uma Cerimónia em Beaulieu
ENQUANTO ELEANOR AGUARDA VA o nascimento do filho, chegaram notícias tristes da Provence.
Seu pai estava muito doente.
Sanchia foi imediatamente a Windsor, onde Eleanor estava naquela ocasião. As irmãs se abraçaram, e Eleanor levou Sanchia para seus aposentos privados, onde poderiam ficar a sós.
- Nossa mãe falou sobre a gravidade do estado dele quando veio ao seu casamento - disse Eleanor,
- Sim, eu sei. Ele queria vir... oh, ele queria muito vir, mas estava muito debilitado.
- Você acha que ele já morreu? - disse Eleanoc
- O que a faz dizer isso?
- Nossa mãe nos avisaria primeiro. Ela iria achar que isso atenuaria o choque.
As duas se entreolharam, confusas. Fazia muito tempo que Eleanor não via o pai, mas suas recordações dele ainda estavam muito vivas, e em pensamento tanto ela quanto Sanchia podiam facilmente voltar aos dias felizes da infância.
- É tão difícil imaginá-la sem ele - disse Eleanor. - Nossa pobre mãe ficará desolada. vou trazê-la para cá.
Sanchia ficou calada, pensando no que Ricardo dissera sobre o povo da Inglaterra e sua atitude para com os parentes da rainha.
- Ainda resta Beatrice - disse Sanchia.
- Nosso pai não poderá achar um marido para ela, agora. Romeo vai ajudar.
- Pobre Beatrice, como é triste para ela!
Enquanto elas conversavam, chegou outro mensageiro ao castelo.
Era o que Eleanor temera. O conde havia morrido.
Eleanor ficou ligeiramente irritada quando soube que o pai deixara tudo para a filha solteira, Beatrice.
- Ele se esqueceu de que tinha quatro filhas - disse ela, com um tom um tanto áspero.
- Oh, não - replicou Sanchia. - Marguerite, você e eu somos felizes esposas de maridos ricos. Beatrice ainda tem de arranjar marido.
- Não haverá escassez de ofertas para ela, agora.
A questão da herança reduziu a profundidade da dor de Eleanor, e quando ela soube que candidatos estavam chegando à Provence todos os dias, achou cinicamente que o fato era engraçado.
A condessa, porém, não achou nenhum deles com méritos suficientes, e um dia Henrique foi procurar Eleanor muito excitado, porque recebera a notícia de que Jaime, o rei de Aragon, sitiara a cidade de Aix, que esperava manter em seu poder até que a condessa de Provence desse a filha Beatrice em casamento ao seu filho Pedro.
Que situação romântica! Era digna de um dos poemas que ela escrevia. E Beatrice estava no centro do drama - tudo porque era a caçula e solteira, ainda morava na casa dos pais e, portanto, recebera a herança do pai.
Chegou uma carta de Marguerite para as irmãs.
Elas não deviam ficar alarmadas por causa de Beatrice. Era verdade que o rei de Aragon estava invadindo a Provence na esperança de conquistar Beatrice. Eles o chamavam de Conquistador devido a suas vitórias, mas Luís decidira intervir.
O fato era que o irmão de Luís, Carlos de An)ou, tinha um grande desejo de se casar com Beatrice e sempre acreditara que acabaria casando. Portanto, Carlos estava seguindo para a Provence, a fim de mandar o chamado Conquistador Jaime cuidar da sua vida.
Aquilo era muito emocionante, e todos os dias ela e Sanchia aguardavam notícias da batalha por Beatrice
Naquele ínterim, Eleanor foi mandada recolher-se ao leito. Foi grande a alegria quando dessa vez ela deu à luz um saudável menino.
Deram a ele o nome de Edmund, e aquele acréscimo à ala infantil deixou o rei e a rainha tão encantados que Eleanor esqueceu o ressentimento por ter sido excluída do testamento do pai. Chegaram notícias da vitoriosa campanha levada a efeito por Carlos de Anjou. Tinha sido um resultado quase previsto o fato de que o rei de Aragon - por mais que se intitulasse Conquistador - não poderia vencer Carlos de Anjou, que tinha o apoio do poderoso irmão.
Como era de se esperar, o casamento de Beatrice e Carlos foi celebrado em Paris. Havia, agora, um novo conde de Pró vence o marido de Beatrice.
Uma das maiores alegrias da vida de Eleanor era estar com os filhos, e de todos eles ela não podiar evitar de gostar mais do primogénito.
Sempre que podia estar com ele, estava; e Henrique compartilhava de seus sentimentos. Claro que para ele não era tão fácil. Ele tinha outras obrigações a cumprir, mas nunca tentava convencê-la a acompanhá-lo, porque sabia que ela ansiava por estar junto aos filhos.
Quando estavam juntos, falavam sempre sobre Eduardo. Henrique queria doar a ele terras e castelos, e até mesmo Eleanor ria e dizia que isso viria mais tarde, o menino ainda era muito criança.
Uma coisa que ela prometeu realmente a si mesma foi que Eduardo deveria acompanhá-la quando ela fizesse a dedicação de uma nova igreja na abadia de Beaulieu.
- Já é hora dele se mostrar em público - disse ela. - E aonde quer que ele vá, as pessoas irão adorá-lo.
Era verdade que quando o garotinho acompanhava os pais o populacho mostrava uma atitude mais bondosa para com eles, e Henrique achou excelente a ideia de a mãe levar Eduardo à dedicação.
O coração dela vibrou de orgulho quando ela entrou na ala infantil e ele veio correndo e passou-lhe os braços em volta dos joelhos.
- Meu querido, é assim que se recebe a rainha? - perguntou ela.
Depois, ergueu-o nos braços e cobriu-lhe o rosto de beijos.
- Como vai o meu Eduardo hoje?
- Estou bem - respondeu ele.
Ela o examinou atentamente. Estariam suas mãos um tanto febris, os olhos um pouco brilhantes demais? Ou seria a agitação por ver a mãe?
Robert Burnell, que era capelão e servidor de confiança, rondava por perto.
- Lorde Eduardo tem sofrido de um leve reuma nos últimos dias, majestade.
O terror tomou conta do coração dela, como sempre fazia quando qualquer uma das crianças sofria de alguma coisa.
- Como tem estado ele, Robert? Tem certeza de que não é nada grave?
- Majestade, ele está sujeito a esses reumas.
Ela não gostava que ele ficasse sujeito a reumas. Eles a assustavam.
- Cavalguei com Henrique hoje de manhã, majestade - disse Eduardo. - O meu cavalo foi mais veloz do que o
dele.
Oh, Deus, estariam deixando que ele corresse demais a cavalo? E se ele caísse? Será que não deveria ter sido mantido dentro de casa, com um reuma daqueles?
Ela olhou aflita para Robert Burnell.
- Lorde Eduardo quer competir com todo mundo e fazer o possível para vencer - disse ele.
- E sempre vence - declarou Eduardo.
- Nem sempre, senhor - avisou seu mentor e instrutor religioso Burnell.
- Bem, com muita frequência - disse Eduardo, resoluto. A mãe despenteou-lhe os cabelos com a mão.
- Recebi uns recados de seu pai - disse ela. - O rei quer saber se você tem sido bom nos seus modos e em suas lições. O que eu digo a ele?
- Que eu sou muito bom - disse Eduardo.
- Às vezes - acrescentou Burnell.
Eleanor gostaria que Burnell deixasse o querido menino gozar de seus triunfos em paz, mas claro que sabia que era bom para ele ser contido, e ele não poderia ter um tutor melhor do que Robert Burnell.
- Meu adorado, vou levá-lo comigo à abadia de Beaulieu.
- Quando?
- Dentro em breve. Vamos estar presentes à dedicação da igreja.
- Será uma cerimónia muito solene, senhor - disse Burnell.
- Oh, então eu terei de ficar sério? - Eduardo tossiu ligeiramente, e os temores de Eleanor voltaram.
- É uma pequena tosse, majestade - disse Burnell. - Ela vai
e volta.
- Precisamos providenciar para que ela vá e não volte - respondeu ela, concisa.
Será que estavam cuidando dele? Será que percebiam o quanto aquele menino era querido? Oh, poderiam alguns dizer, ele tinha um irmão e agora já não era tão importante. Estavam enganados, enganados. Ninguém poderia significar mais para ela do que o seu adorado Eduardo... nem mesmo Henrique.
Ela sentia-se muito orgulhosa com ele cavalgando a seu lado no seu pequeno palafrém branco. O primo Henrique, quatro anos mais velho do que ele, seguia do outro lado - um menino bonito, mas aos olhos de Eleanor insignificante se comparado com a beleza clara de seu filho.
Eduardo tossiu um pouco enquanto seguiam, e ela foi ficando cada vez mais aflita à medida que se aproximavam de Beaulieu; ficou quase que zangada com o jovem Henrique por gozar de uma saúde tão obviamente boa.
A abadia fora fundada pelo pai de Henrique, o rei João. Ela fora um dos mais louváveis atos que ele realizava de vez em quando, mais, dissera Henrique, levado por uma ideia de aplacar os céus do que por suas tendências virtuosas. Situada por entre uma floresta de faias, ela era uma bela visão, e os monges cistercienses ficariam encantados com aquele sinal de apoio real, com a sua rainha e seu futuro rei abrilhantando a dedicação da igreja recémconstruída.
Era evidente que o dobrar dos sinos e os monges em trajes escuros fascinavam Eduardo, mas como a tosse dele persistisse, sua mãe ficava cada vez menos interessada no que se passava à sua volta.
Os monges entraram na igreja em fila, cantando. A rainha, com o filho sentado a seu lado e Henrique e os cavaleiros de Eduardo
- entre eles Robert Burnell - sentados atrás, assistiu à cerimónia de dedicação.
Quando a cerimonia acabou, a rainha segurou a mão do filho e para sua consternação achou que ela estava fervendo.
Voltou-se para Robert Burnell e disse:
- Lorde Eduardo está com febre.
- É o reuma, senhora - respondeu Burnell. - Seria bom voltar imediatamente para o castelo.
- É muito perigoso - disse a rainha. - Ele não deve sair ao ar livre. Vai ficar aqui, e os médicos virão cuidar dele. Por favor, mande chamá-los imediatamente.
- Majestade, ele não pode ficar aqui. Esta ordem é muito rigorosa.
- Não me importa o quanto ela seja rigorosa! - retrucou a rainha.
Meu filho não vai correr riscos, seja lá que ordem for.
- Isso será uma grande ofensa ao abade.
- Então, vamos ofender o abade. Mande chamar os médicos o mais rápido possível. E depois, mande entregar uma mensagem ao rei.
Robert Burnell sabia que não seria prudente não obedecer à rainha quando ela estava naquele estado de espírito. Era inútil lembrar a ela que o menino sofria com frequência daquelas febres e que sem dúvida elas eram uma fraqueza da infância da qual ele se livraria à medida que fosse ficando mais velho.
Os monges, que tinham ficado sabendo do que se passava, foram imediatamente procurar o abade, para contar a ele. Ele apareceu logo.
- Majestade - disse ele -, ouvi dizer que pretende tratar de Lorde Eduardo aqui. Os monges cuidarão dele.
- Mandei chamar os médicos do rei. O abade curvou a cabeça.
- Majestade, pode deixá-lo em segurança aos nossos cuidados.
- Deixar meu filho! Oh, não, senhor abade. Quando meu filho adoece, sou eu quem trata dele.
- Majestade, mulheres não podem ficar nesta abadia. A ordem é muito rigorosa.
- Neste caso, a ordem será mudada - declarou Eleanor, imperiosa. - Eu não sou apenas uma mulher, senhor abade, sou a sua rainha. Seria prudente o senhor mostrar-me maior hospitalidade. Leve-me a uma cama em que meu filho possa se deitar com conforto. E deixe-me dizer-lhe uma coisa: eu vou ficar aqui até que ele esteja em condições de viajar. Eu irei cuidar dele, de modo que é melhor o senhor e seus monges se acostumarem à ideia de abrigar uma mulher em sua abadia.
O abade ficou perplexo. Não poderia permitir que ficasse. Aquilo não tinha precedentes. O menino poderia ser tratado, sim, é claro, mas a rainha tinha que ir embora.
Ele tentou explicar, mas o temor dela em relação ao filho fez com que ficasse furiosa. Como ousava aquele abade tolo sofismar sobre suas leis cistercienses, quando o herdeiro do trono estava doente e poderia morrer? Aquela ideia deixou-a frenética.
- Não quero ouvir mais nada - bradou ela. - Lembre-se de que os senhores devem sua existência aos favores de reis. O pai de meu marido fundou isto aqui. A rainha pode, com a mesma facilidade, destruí-lo... sim, e irá destruí-lo se alguma coisa acontecer ao filho dela por causa de sua negligência. Quero todo o conforto para lorde Eduardo, e isso inclui ter a mãe para cuidar dele.
O abade sabia que estava derrotado. Ficaria mal, para todos eles, se o menino fosse levado embora e morresse. Todo mundo iria dizer que tinha sido por culpa de sua atitude. Por isso, era prudente abrir mão do regulamento e deixar a rainha ficar ao lado do filho.
Os médicos chegaram e passaram muito tempo com Eduardo. A rainha disse que insistia em saber a verdade, que eles garantiram ter-lhe contado. O menino estava com uma ligeira febre - nada que uns bons cuidados não pudessem curar. A rainha se perturbara sem motivo.
Mas ela não queria arriscar. Ficou ao lado da cama do filho por vários dias e noites, e só quando ele ficou sem febre foi que ela dormiu um pouco.
Depois, deu graças no altar da igreja recém-dedicada pela recuperação do filho, e com grande alegria voltou a cavalo para o castelo, embora insistisse que o filho fosse levado, durante parte do caminho, numa padiola. Eduardo protestou em voz alta contra a ideia de ser carregado. Ele estava em condições de montar, bradou. Era o melhor cavaleiro de todos os meninos. Iriam zombar dele por ser carregado.
Muito bem, disse ela, ele montaria um pouco, mas se ela visse o menor sinal de fadiga, ele deveria ir para uma padiola.
Ficou muito feliz por tê-lo a seu lado, a cor saudável de volta às faces, os cabelos quase brancos de tão louros brilhando à luz do sol, enquanto ele falava sobre seus cavalos e falcões novos.
O efeito do reinado fraco de Henrique começava a se fazer sentir em todo o país. Tinha sido sempre assim. Na época do Conquistador, a Inglaterra tinha sido tornada
segura para os viajantes, simplesmente porque o Conquistador punia com severidade qualquer homem ou mulher que fosse apanhado roubando. Ninguém achava que uma bolsa valia a perda de orelhas,
nariz ou olhos - ou de um pé ou mão. O castigo fomentado pelo Conquistador podia ter sido violento, mas foi eficiente. Ele se decidira a tornar a Inglaterra segura para os viajantes, e conseguira. No reinado de Rufus, a lei e a ordem desapareceram, mas foram trazidas de volta por Henrique I. O fraco Estêvão permitira que elas voltassem a decair, e os barões assaltantes surgiram. Viajantes eram tocaiados, levados para as residências dos barões assaltantes e detidos para cobrança de resgate, tudo o que possuíam era roubado, eram torturados para distrair os barões e seus convidados, e a ilegalidade imperava. Henrique II foi um rei igual a Henrique I e ao Conquistador. Ele queria um país próspero, que só podia florescer dentro da lei. O desastre do reinado de João tinha sido sentido por todo canto, mas sob a direção sensata de Guilherme Marechal e Hubert de Burgh, a lei fora implantada uma vez mais. Agora, ela estava afrouxando outra vez, e sinais de perturbação começavam a ser observados no país inteiro.
O país precisava de um rei forte, apoiado por homens fortes; e desde o casamento de Henrique, sua única ideia parecia ter sido levar os amigos e parentes de sua mulher para o país e cumulá-los de favores.
As estradas estavam ficando tão ruins que quando o rei e a rainha estavam viajando em Hampshire com uma pequena comitiva foram atacados por um bando de assaltantes; grande parte da bagagem foi levada e suas vidas correram perigo. Foram salvos pela percepção de quem eram eles, pois até mesmo os assaltantes devem ter sentido medo do que poderia acontecer se assassinassem o rei e a rainha.
Um exemplo de como a autoridade da lei estava desaparecendo depressa foi dado por um homem que, quando convocado a aparecer diante do Tribunal do Rei, obrigou o oficial do rei, que entregara o mandado real, a engolir o documento.
Havia uma angústia crescente, e estava se tornando óbvio que muitos dos barões andavam se reunindo para discutir a situação e colocando-se contra o rei e o que eles chamavam de seus estrangeiros. O conflito teria chegado a um ponto crítico não fosse o casamento de Ricardo de Cornualha com a irmã da rainha, porque desde então a mulher dele fizera sutilmente com que ele aderisse ao seu modo de pensar, que era, naturalmente, apoiar a rainha e seus parentes.
Mas com ou sem o apoio de Ricardo, os barões estavam começando a sentir que algo teria de ser feito.
O povo de Londres era o mais vociferante e rebelde. Ele tinha um ressentimento pessoal para com a rainha, devido a lembranças do Queenhithe e ao fato de que sempre que o casal real precisava de dinheiro - parecia ser o tempo todo - era para a rica Londres que ele se voltava para consegui-lo.
Henrique e Eleanor passaram a temer a ida para Westminster, pois lá ficavam mais cientes de sua impopularidade do que em qualquer outra parte.
Da França chegou a notícia da morte da mãe de Henrique, Isabella de Angoulême. Sua vida turbulenta terminara no convento de Fontevrault, e foi um alívio para todos.
A mente de Henrique foi afastada dos problemas de seu reino quando estourou uma rebelião em Gales. Não havia dinheiro para realizar uma campanha, e Henrique quis tentar levantá-lo junto aos londrinos. Ricardo viu que os cidadãos da capital estavam chegando ao fim da paciência, e ele mesmo forneceu os recursos para a campanha, empenhando suas jóias.
A campanha deu em nada, e depois da destruição das safras galesas, o que significava privações para os galeses e em absoluto não aumentava a amizade deles pelos ingleses, Henrique deixou o campo de ação sem nada ganhar e com a situação pior do que no início.
- O rei é igual ao pai - era o resmungo por todo o país. O fato de ser um bom pai, um marido amoroso e um homem religioso não significava que ele fosse um bom rei, e todo homem sério do país sabia que o que a Inglaterra precisava, mais do que qualquer outra coisa, era de um governante sensato.
Em meio àqueles problemas, Eleanor deu à luz mais um filho. Ele recebeu o nome de Ricardo, em homenagem ao tio, conde de Cornualha, e ao tio-avô, Coeur de Lion. Infelizmente, a criança nasceu doentia e morreu poucos meses depois.
Eleanor ficou muito melancólica, e Henrique se dedicou a consolá-la. Os dois passavam grande parte do tempo na ala infantil. Eles tinham quatro filhos saudáveis - dois meninos e duas meninas, dizia sempre ele a ela, mas era difícil consolar Eleanor pela perda do bebé. Ela tomava conta de Eduardo com uma assiduidade ainda maior do que antes, e qualquer doença sem importância era capaz de deixá-la num acesso de angústia.
Um ano depois do pânico que ela sentira em Beaulieu, a mesma febre voltou a atacar Eduardo, e dessa vez ele realmente correu perigo. Eleanor ficou desvairada. Henrique também. Os dois ficavam sentados ao lado da cama do menino dia e noite; não dormiam nem comiam. Ficavam de joelhos até altas horas, implorando aos céus para que poupassem aquele menino, que era o encanto de suas vidas.
Em todo mosteiro ou igreja, orações eram feitas pelo restabelecimento dele. Promessas eram feitas aos céus. Quais os mosteiros que deveriam ser construídos, quais as igrejas que deveriam ser dedicadas. Deus tinha, apenas, que dizer o preço.
E pareceu que Deus atendeu, porque uma noite a febre passou e os médicos declararam que Eduardo viveria.
Henrique e Eleanor agarraram-se um ou outro, aliviados. O filho querido ia viver. Naquele momento, não queriam outra coisa da vida. Sentiam-se inteiramente felizes.
Além do mais, poucos dias depois Eduardo surgiu vivaz e vigoroso como sempre, como se fosse algum ser sobre-humano que podia livrar-se de uma febre como outras pessoas se livravam de um resfriado comum.
Todas as manhãs, durante um mês, a rainha ia até o quarto dele assim que acordava, só para se assegurar de que seu adorado filho estava realmente lá.
Eduardo, ativo por natureza, um pouco arrogante em sua juventude, naturalmente chegara à conclusão de que era realmente uma pessoa muito importante.
Era inteligente, como também tinha excelente desempenho nos esportes. Falava francês e latim fluentemente, e tinha um belo domínio da língua inglesa. Por algum motivo, adquirira uma leve gagueira, mas até isso a rainha achava encantador. Ele gostava muito da vida ao ar livre - muito mais do que gostava de estudar, embora seus tutores dissessem que, com aplicação, poderia ser um erudito. Mas Eduardo gostava mais de participar de justas, de montar melhor do que os companheiros, destacar-se nos esportes com bola e nos treinos para o título de cavaleiro. Podia sempre ser visto entre os companheiros, porque era muito mais alto do que eles, e seus brilhantes cabelos muito louros eram prontamente reconhecíveis. Os pais o chamavam afetuosamente de Eduardo Pernalonga e ficavam maravilhados com o seu aspecto saudável, enquanto sentiam horror por aquela febre de infância que tinha sido o espantalho a assustar-lhes a vida. Quando um ano inteiro se passou sem uma volta da febre, eles ficaram contentes. Robert Burnell tinha razão. Aquilo era um problema de infância e iria desaparecer à medida que ele fosse crescendo.
A mãe da rainha, a viúva condessa de Provence, fez outra visita à Inglaterra.
Foi uma grande alegria para Sanchia e Eleanor tornar a se encontrar com a mãe e ouvir dela toda a agitação que houvera com o casamento de Beatrice. Elas riram ao pensar na forma inteligente com que tudo funcionara. Beatrice se casara com o irmão do marido de Marguerite e Sanchia com o irmão do de Eleanor.
Uma família tão unida como aquela não podia deixar de rejubilar-se com uma combinação dessas.
Eleanor queria que a mãe fosse festejada com a mesma pompa de quando ela fora para o casamento de Sanchia, e a condessa parecia aceitar tudo o que era feito por ela como se fosse um direito seu. E é claro que Henrique devia agradar Eleanor, que agora conquistara Sanchia para o seu lado, e Sanchia fazia o possível para convencer Ricardo de que sua família era de responsabilidade da coroa inglesa.
Eleanor fora para a Inglaterra, dera ao rei uma grande felicidade, entregara ao povo Eduardo, o herdeiro que, por mais impopulares que os pais dele pudessem ser, era ovacionado aonde quer que fosse. Portanto, a casa de Provence deveria ser recompensada.
Havia mais uma obrigação. com a morte de Isabella de Angoulême, os filhos dela decidiram fazer uma visita ao seu meio-irmão. Tinham ouvido dizer que a família da rainha estava se saindo muito bem na Inglaterra e não viam razão para que algumas das sobras não fossem para a família deles - afinal de contas, eles tinham a mesma mãe que o rei.
Dentro de um ano após a morte de Isabella, chegaram os meioirmãos de Henrique, Guy de Lusignan, Guilherme de Valence - que se tornou conhecido dessa maneira depois da morte do tio de Eleanor - e Aymer de Valence. Não só foram, como levaram a irmã Alicia. Ela precisava de um marido rico, e os rapazes precisavam de esposas que lhes levassem terras.
Henrique ficou muito contente ao descobrir sua família, e recebeu-os calorosamente. No entanto, não apenas eles aumentaram seu ónus financeiro, mas atrás deles trouxeram os amigos e criados, todos famintos pelo que pudessem achar no que lhes pareciam ser os inesgotáveis cofres do rei.
Desesperado, ele encontrou um marido para Alicia no conde de Warrenne, que era rico e não era, em absoluto, avesso a aliar-se à família real. Õ grande trunfo dos Lusignan era serem meio-irmãos do rei.
Henrique providenciou imediatamente para que Guilherme se casasse com Joan de Munchensi, a única filha viva de um rico barão; a mãe da moça fora a quinta filha do primeiro Guilherme Marechal e levara para o marido a sua parte da muito rica herança do Marechal. Henrique prometeu que haveria oportunidades igualmente boas para os outros, e como Aymer era padre, suas vantagens poderiam vir por intermédio da Igreja.
Tudo isso, que era tão agradável para os beneficiários, era observado de cara fechada pelos naturais da Inglaterra, que viam a riqueza do país sendo desperdiçada com estrangeiros.
Os problemas do país multiplicavam-se. Os assaltos e a violência tinham aumentado ainda mais nas estradas principais. Simon de Montfort, que se encarregara, a pedido do rei, do governo da Gasconha, uma das poucas possessões inglesas na França, estava sempre pedindo ajuda para pagar seus homens e manter a ordem por lá. Suas súplicas eram constantemente ignoradas. Os ingleses começaram a perceber que se aquela situação continuasse, a Gasconha seria acrescentada à lista das possessões perdidas.
Mas Henrique parecia querer apenas fazer o papel de génio do bem para com os amigos e parentes de sua mulher, seus meio-irmãos e os amigos deles.
Havia constantes pedidos de dinheiro, e Henrique simplesmente não sabia onde encontrá-lo. Só podia pensar nos judeus, e começou uma perseguição aos membros daquela infeliz raça, sem precedentes na Inglaterra.
Eles eram as pessoas mais fáceis de se espoliar, já que não tentavam formar turbas e marchar contra o rei, como tendiam a fazer os mercadores de Londres. Eles tinham consciência de serem estrangeiros e sabiam que a difícil situação em que se encontravam recebia pouca solidariedade. Além do mais, continuavam a prosperar, mesmo apesar de serem tributados de forma tão injusta. O mais rico dos judeus, um certo Aaron, pagou três mil marcos de prata e duzentos marcos de ouro ao longo de poucos anos. O povo estava se voltando cada vez mais contra o rei. E por causa de sua aparência tornada fora do comum pela pálpebra caída, ele era reconhecido aonde quer que fosse, e os londrinos o apelidaram de "o lince com olhos que penetravam em tudo".
Só os barões sabiam o quanto o rei estava se tornando impopular - e a rainha ainda mais. Estavam aguardando o momento propício.
Henrique, em dificuldades desesperadoras, andava à cata dos meios de conseguir dinheiro além da tributação, e adotou o hábito muitíssimo desagradável de pedir presentes a todos aqueles que o fossem procurar para uma audiência, e isso devia ser ainda mais deplorado quando, se os presentes não fossem suficientemente caros, ele reclamava e pedia que fossem trocados.
Era um ato mais digno de caridade dar dinheiro e bens ao rei deles, dizia ele ao povo, do que a pedintes que esperavam por eles nas portas de igrejas com suas tigelas de mendigo.
Durante aquele tempo, Eleanor ficou grávida outra vez e deu à luz outro menino, batizado de João - um nome infeliz, e que comprovou isso, porque pouco tempo depois o pequeno João seguiu seu irmão Ricardo para o túmulo.
Dois menininhos, e ambos mortos! A rainha ficou muito deprimida e precisou de presentes caros para animá-la. Esses presentes tinham de ser encontrados de qualquer maneira, e tendo em vista que ela gostava muitíssimo de roupas finas e jóias ricas, estas eram conseguidas para ela.
Ricardo reclamava com o irmão, mas não com a mesma firmeza de outras vezes. Ele estava, até certo ponto, sob a influência da mulher, que por sua vez era influenciada na maneira de pensar pela rainha. Eleanor e Sanchia estavam constantemente juntas, e como a mãe delas também estava na corte com muitos de seus amigos, havia uma roda seleta provençal, a cuja frente estava a rainha.
Os barões estavam vigilantes. O momento deles chegaria, como chegara no reinado passado, e quando chegasse eles estariam prontos.
Ricardo acabou convencendo o rei de que sua extravagância para com os estrangeiros estava se tornando motivo de reclamações junto a muitos dos principais barões, e de que ele devia conter seus gastos. Henrique decidiu reduzir as pensões para os criados reais e não comer em seus castelos e palácios reais, mas em casa dos amigos. Viajava de castelo a castelo com a rainha e muitas vezes com Eduardo e muitos de seus amigos estrangeiros, e ali esperava ser recebido com realeza à custa dos outros.
A tentativa do rei de economizar foi considerada uma piada por todos aqueles que não eram obrigados sentir-lhe a força. O que ficava cada vez mais claro era que a cada dia que passava o rei e a rainha - principalmente a rainha - aumentavam a lista de inimigos.
- Foi um dia azarado para a casa real - disse Henrique quando papai permitiu que eles o forçassem a assinar a Magna Carta.
Magna Carta! Falava-se nela constantemente. As pessoas nas ruas de Londres falavam nela sem saber exatamente o que ela estabelecia. Tudo o que sabiam era que ela era a Carta para preservar a liberdade do povo e cercear o poder dos reis.
Houve uma grande agitação nos aposentos reais quando chegou a notícia de que irrompera um incêndio no palácio do papa e destruíra o que se continha numa das salas, pois naquela sala estava o original da Magna Carta.
- Louvado seja Deus! - disse Eleanor. - Aquele abominável documento foi destruído. Agora, nada mais temos a ver com ele.
O rei lançou imediatamente um imposto sobre os londrinos por abrigarem, segundo ele, um homem que ele mandara para o exílio. Ricardo foi a toda pressa a Westminster.
- Isso tem que parar - disse ele. - As pessoas estão, todas, citando a Magna Carta.
- Mas a Magna Carta foi queimada - bradou Eleanor. Não existe mais. Vejo a mão de Deus nisso.
- Você está enganada - explicou Ricardo. - O documento principal foi destruído. Mas existem cópias, e estas estão a salvo na Inglaterra. Uma vez que um rei assine a desistência de seus direitos, não é provável que um dia eles sejam recuperados. O fato do incêndio nada tem a ver com isso. A Carta continua em vigor.
- Está na hora do povo aprender uma lição - disse Eleanor. Ricardo franziu o cenho. Antigamente, ele teria estado firmemente ao lado dos barões. Percebeu, com um súbito terror, que poderia chegar a hora em que seria necessário tomar partido.
- Henrique - implorou Ricardo -, peço-lhe que explique à rainha. Nunca vi o povo no estado de espírito em que se encontra agora. É insensato... prejudicial... e inseguro para todos nós.
A rainha ouviu e deu de ombros. O povo da Inglaterra, declarou ela, era ingrato. Tinha um rei que seria bom para ele se ele se corrigisse. Tinha uma rainha que lhe dera o mais belo conjunto de filhos jamais visto,
- Eles deviam se alegrar por terem Eduardo - disse ela. Ele cresce a cada dia. Está mais alto do que todos os companheiros, o nosso querido, querido Pernalonga.
Sabe, Burnell está sempre me lembrando de que ele sempre disse que Eduardo iria ficar bom de seus problemas infantis de saúde quando crescesse. Ele anda me dizendo "Eu bem que disse". Mas gosto dele por causa disso. Ele é um homem bom. Gosta de Eduardo como se fosse seu filho.
Ricardo disse:
- Rezo para que vocês tenham o cuidado de que possa haver um reino para Eduardo governar quando chegar a vez dele... o que, espero, ainda vai levar muitos anos.
- Você está sério hoje, irmão - disse a rainha.
- Alguns de nós precisam ficar sérios em certas horas - replicou Ricardo.
E começou a se perguntar se poderia sempre ficar do lado do rei.
A Noivinha Triste
ERAM VÁRIOS os MENINOS na ala infantil real, mas Eduardo era o espírito líder, e sempre fora. Estava com onze anos, muito alto para sua idade, e embora os cabelos
tivessem escurecido um pouco, ainda eram muito claros. Seu primo Henrique, embora quatro anos mais velho, tinha uma natureza mais delicada. Henrique também era bonito, mas menos do que Eduardo, já que não era tão alto. Henrique era um bom amigo e primo, e os dois partilhavam a maioria das coisas.
Nas alas infantis reais também estavam os primos de Montfort. O pai deles, Simon de Montfort, e a mãe, a tia Eleanor de Eduardo, estavam na Gasconha, onde Simon assumira o governo a pedido do rei. Depois da explosão de Henrique a respeito da sedução de sua irmã por Simon, ele ficara envergonhado por ter mentido de forma tão espalhafatosa, e ao dar a ele o governo da Gasconha (uma província turbulenta que Henrique não conseguira controlar) estava livrando-se dele e ao mesmo tempo oferecendo-lhe o ramo de oliveira. Assim, com os pais longe, as crianças de Montfort eram os tutelados do rei.
Os meninos de Montfort - Henrique, que era um ano mais velho do que Eduardo, Simon, que era dois anos mais moço, e Guy, quatro anos mais moço - constituíam um elemento travesso no estabelecimento, sempre instando os primos à desobediência. O mais velho do grupo, Henrique, filho de Ricardo de Cornualha, era uma influência moderadora, e como era o mais velho, com uma diferença de três anos (Henrique de Montfort sendo o segundo mais velho), sua influência era grande.
E havia as duas meninas, Margaret, que era um ano mais moça do que Eduardo, e Beatrice, três anos mais moça do que Margaret. Depois, vinha Edmund, que era o mais moço de todos - cinco anos de idade e só raramente em companhia dos outros.
Margaret - embora na época nada soubesse sobre isso - tinha sido, com a idade de dois anos, prometida ao filho do rei Alexandre da Escócia, que era um ano mais moço do que ela.
Existira, e ainda existia, uma situação incómoda entre a Inglaterra e a Escócia, e ao primeiro sinal de desastre os escoceses estavam prontos para invadir a fronteira. O casamento sugerido, portanto, tinha sido de grande importância para Henrique, e mesmo depois do compromisso formal houvera uma nova erupção de problemas, e na solução dessa erupção ficara combinado que o casamento deveria acontecer tão logo as crianças tivessem idade suficiente.
Enquanto brincava com sua irmãzinha Beatrice e seu irmão Edmund - pois era frequente Eduardo excluí-los dos jogos másculos que ele jogava com os companheiros, e até mesmo o bondoso primo Henrique de Cornualha não achava lugar para eles -, Margaret não fazia ideia de que a mudança estivesse tão perto dela e que a vida feliz nas alas infantis reais estava chegando ao fim.
Foi num dia de verão, quando a rainha foi à ala infantil e viu as crianças no banco da janela olhando para os campos onde os meninos praticavam toda sorte de manobras equestres, que Eleanor decidiu conversar com Margaret.
As crianças voltaram-se para ela e atiraram-se em seus braços. Eleanor adorava todos os filhos e, embora Eduardo fosse o favorito, todos sabiam disso e aceitavam como correto, pois havia algo de muito especial em relação a Eduardo. Isso não significava que ela não tivesse uma afeição ilimitada para distribuir com todos os filhos.
- Oh, senhora, olhe para eles - bradou Margaret. - Veja Eduardo. Ele largou as rédeas. Está vendo? Ele está com as mãos acima da cabeça.
- Estou vendo. Que nobre figura, a dele. Como vocês são felizes, meus queridos, por terem um irmão assim.
Mas enquanto olhava e se maravilhava com a habilidade dele, ela se enchia de apreensão por causa de sua ousadia.
- Eu vou cavalgar assim - disse-lhe Edmund. Ela o beijou e disse:
- Ora, meu filhinho, você vai cavalgar exatamente como Eduardo. Talvez Eduardo lhe ensine.
- O primo Henrique poderia me ensinar - admitiu Edmund.
- Primeiro, você precisa continuar com as aulas, meu querido. Beatrice, querida, leve Edmund à sala de aula e traga seus livros. Quero ver como é que você está indo. Margaret, fique aqui comigo.
Margaret ficou encantada. Não havia nada de que as crianças mais gostassem do que ficar com a mãe só para elas.
Quando ficaram a sós, Eleanor puxou a filha mais para perto dela.
- Margaret, você vai se casar, minha filha.
Margaret ficou em silêncio. Os lindos olhos, arregalados de surpresa, fixaram-se em sua mãe.
- Sim, minha adorada. Você vai se casar com o pequeno rei da Escócia. Pense nisso. Será uma rainha.
- Vou usar coroa?
- Vai usar uma bela coroa. Estou certa de que vai ser muito feliz.
- Onde é que ele está, então?
- Ele está na Escócia.
- Quando é que ele virá aqui? A rainha ficou em silêncio.
- Minha adorada, ele não virá aqui. A esposa vai para onde está o marido.
- Então vamos todos para a Escócia?
- Nós todos iremos com você até York, onde você se casará. Depois, você irá com seu marido para a Escócia.
- Eu não vou, a menos que a senhora e meu pai, e Eduardo e Henrique... e Beatrice...
- Querida, você é filha do rei e da rainha. Isso é uma coisa muito importante. Significa que quando se casar, poderá fazer a paz entre duas nações e é isso que seu pai quer. Eu também quero, e você também deve querer.
- Eu quero, mas quero que todos nós façamos a paz e fiquemos todos juntos.
- Você é muito criança, mas as filhas de reis e rainhas devem amadurecer depressa. Você cumprirá com o seu dever e será uma boa esposa para o rei da Escócia, tal como eu fui para o rei da Inglaterra. Você sabe como eu fui feliz com a sua querida avó da Provence e com o meu querido pai, que você nunca viu, e sua tia Sanchia...
- Elas estão todas aqui.
- A princípio, não estavam. Eu vim sozinha, e não tinha visto seu pai antes do nosso casamento. Depois, nos conhecemos e amamos um ao outro para sempre, e tivemos vocês, meus queridos filhos, o nosso casamento foi um dos melhores do mundo e haverá outro igual - o da minha querida pequena Margaret e o rei da Escócia. Então, nós todos nos encontraremos... muitas vezes. Eu lhe prometo, minha querida. vou insistir para que viajemos para o norte, e você vai viajar para o sul... e estaremos todos juntos. E você me mostrará seus queridos filhos, a quem irá amar como eu amo todos vocês... e vai ficar perguntando a si mesma por que chegou a ter medo.
- Mas eu não quero deixar a senhora, meu pai, e...
- Não, claro que não quer. As noivinhas jamais querem, e depois encontram uma felicidade muito maior do que jamais sonharam.
Margaret ficou encostada na mãe, cujo coração estava cheio de apreensão enquanto ela pintava um quadro róseo daquilo que o casamento traria.
Quando as crianças mais moças voltaram com seus livros, Margaret estava quase convencida de que ficaria tudo bem.
Os preparativos para o casamento entre a filha do rei e o jovem rei da Escócia iam a passo acelerado. Surgiam as perguntas costumeiras sobre como ele seria pago. Os londrinos declararam que já estavam cheios das extravagâncias reais e não pagariam mais nada.
Henrique ficou enfurecido, e num momento de violenta raiva, procurando vingar-se, teve a ideia de montar uma feira em Tothill Fields, em benefício do povo de Westminster. Se enquanto a feira estivesse aberta, o que ele pretendia que fosse por duas semanas, as lojas de Londres abrissem, pagariam uma multa. Assim, elas tinham a opção de perder negócios durante duas semanas ou enfrentar o imposto do rei, e como as insaciáveis exigências do rei eram bem conhecidas, parecia que o mais fácil de suportar seria a perda de negócios.
- Por quanto tempo mais - perguntavam os comerciantes de Londres - vamos suportar a arrogância deste rei? O país sofreu sob o governo do pai dele, até que o povo se revoltou e livrou-se dele. Vamos sofrer da mesma maneira por causa do filho?
Qual era a diferença entre João e seu filho Henrique? Havia uma grande diferença. Até os seus inimigos tinham que reconhecer. João era um espírito mau, um louco sem respeito pelos seus semelhantes ou mesmo por Deus. Henrique era um rei fraco. Seu governo era ineficiente. Mas ele era um homem profundamente religioso, um marido fiel e um pai que adorava os filhos. Se o povo o desprezava, a família o adorava. Seu filho Eduardo, o herdeiro, estava crescendo e se transformando num homem forte, e não podia haver dúvida quanto ao lado em que ele se colocaria.
Mesmo assim, dizia o povo de Londres, o rei devia tomar cuidado.
A rainha dedicava-se à pobre e perplexa Margaret. Quando um de seus filhos se sentia infeliz ou corria algum risco, todos os seus pensamentos eram voltados para ele. Nessas horas, até mesmo o seu querido Pernalonga ficava em segundo lugar. Eleanor estava com a filha todos os dias, aconselhando-a, discutindo o seu guarda-roupa, tentando atenuar o peso do que se passava com ela. E Margaret ficava tão contente com a companhia da mãe que se esquecia da sua provação, que estava próxima.
Eleanor, que sentia prazer em usar belas roupas e jóias, estava em seu elemento escolhendo os trajes para o casamento. Provocava um tal entusiasmo pelas roupas que seriam usadas que a garotinha se esquecia de sua apreensão ao pensar em vesti-las.
Um dia, quando em Windsor Eleanor e Margaret estavam com as costureiras examinando o tecido que seria usado para os vestidos, o céu ficou tão carregado de nuvens de repente, que as costureiras não conseguiam enxergar para trabalhar. Tinha sido um dia quente e abafado, e na última semana o tempo fora opressivo.
Margaret ficou um pouco amedrontada. O céu que escurecia aumentava sua apreensão geral.
- Não é nada - disse a rainha. - Vamos ter uma tempestade depois do calor. O que acha deste quintise, Margaret? Você vai usá-lo no dia seguinte ao da cerimónia, porque acho que todos nós devemos estar tão bem vestidos nesse dia quanto estivemos no dia mesmo.
Margaret disse que gostava do quintise, que tinha esse nome porque esse tipo de traje era considerado original. Ele adquiria qualquer formato; podia ser longo e raspando o chão, ou chegar simplesmente até os tornozelos. Podia-se deixá-lo solto ou preso, e as bordas das mangas eram muitas vezes ornadas com festão. A rainha passara a gostar muito daquele tipo de roupa e tinha prazer em apresentar novas maneiras de usá-los, que eram imediatamente seguidas pelas damas da corte.
Mas à medida que a tempestade se preparava lá em cima, até a rainha perdeu o interesse pelos quintises.
Um violento trovão pareceu fazer o castelo balançar. A rainha foi até a janela. Relâmpagos cortavam os céus. A chuva caia aos borbotões, e então, de repente, foi como se as próprias fundações do castelo balançassem. Da chaminé veio uma chuva de tijolos e poeira. A rainha agarrou a filha no exato momento em que as duas eram atiradas ao chão.
Ficaram ali juntas, o coração de Margaret disparando, mas ela foi consolada pela proximidade da mãe. A vida toda, ela acreditara que enquanto a mãe estivesse por perto nada de mal lhe aconteceria; e naquele momento de terror, ela percebeu que o que a amedrontava não era a ideia de casamento e de um marido, mas de que ela ficaria separada dos pais.
Ouviram-se gritos vindos lá de fora. O rei entrou correndo no aposento.
- Minhas queridas... - Ele estava de joelhos. Tinha a rainha nos braços e estendia a mão para Margaret. Os três ficaram abraçados.
- Onde estão as crianças... Eduardo... - começou a rainha.
- Estão em segurança. O dano foi aqui. E vocês duas aqui... Minha adorada Eleanor.
- Está tudo bem. Não nos machucamos.
- Vamos sair daqui - disse o rei. - Não sabemos que dano ainda poderá haver.
Ele estava abraçado às duas. Cavaleiros, criados e criadas estavam por todo canto. Todos expressavam alegria ao verem a rainha. No grande salão, eles se reuniram. Todas as crianças estavam a salvo. A rainha murmurou preces de agradecimento. Henrique olhava para a família, os olhos passando por todos como que para se certificar de que não faltava nenhum membro do precioso grupo.
Verificou-se que a tempestade com raios e trovões tinha causado muitos danos. Não apenas os aposentos da rainha tinham sido atingidos por um raio, mas muitas ovelhas tinham sido mortas nos campos, e até mesmo alguns dos grandes carvalhos do Windsor Park tinham sido arrancados do solo.
Contemplando os danos, Margaret tremeu.
- Será um presságio? - pensou ela.
O cortejo seguiu para York. Margaret cavalgava entre seu pai e sua mãe, e de vez em quando lançava um olhar comovente na direção deles, como se quisesse lembrar-se exatamente de como eles eram, a fim de que vivessem nitidamente em sua mente quando ela já não estivesse com eles.
O rei e a rainha faziam um grande esforço para se manter alegres, mas não conseguiam esconder sua tristeza da filha, que dela compartilhava; e até Eleanor, que estaria preparada para se opor a qualquer lei do reino em defesa dos filhos, percebia a necessidade daquele casamento e tentava consolar-se com o fato de que o noivo era ainda mais jovem do que a noiva e que Margaret tinha uma natureza suficientemente forte para poder cuidar de si mesma.
Eleanor não podia deixar de achar algum prazer na grandiosidade da ocasião. Não havia qualquer indício aparente das dificuldades pecuniárias do rei. Ao longo de todo o caminho, as pessoas tinham ficado boquiabertas diante do esplendor da comitiva real, pois acompanhando o rei estavam mil cavaleiros, e cada qual parecia ter tentado sobrepujar os demais com a magnificência dos trajes. Ornamentos de ouro e prata os enfeitavam, e por toda parte havia o cintilar de jóias.
Ninguém estava mais glorioso do que a rainha, os belos cabelos metidos numa rede dourada, as compridas saias do seu quintise que se arrastavam pelo chão levemente seguras por uma das mãos, a fim de que a saia não atrapalhasse seus passos.
O jovem rei dos escoceses e seus servos estavam menos elegantes, mas os seus seiscentos cavaleiros, embora menos pomposos do que os ingleses, ofereciam um belo espetáculo.
O povo encheu as ruas de York, e não se falava em outra coisa a não ser no casamento que ia acontecer. Em todo canto havia agitação; as duas únicas pessoas que não pareciam compartilhar a agitação eram as duas figurinhas principais.
Henrique e Eleanor, porém, estavam muito cientes da provação por que passava sua filha, e o que mais os preocupava era o fato de ela ter de deixá-los.
Henrique disse:
- Se eles a tornarem infeliz, vou declarar guerra contra eles. vou fazer com que se arrependam, se magoarem nossa filha um mínimo que seja!
Eleanor passou o braço pelo do marido, e por um instante ele teve medo de que ela fosse lhe pedir que cancelasse o casamento. Isso seria impossível, agora... mesmo para agradar Eleanor.
Ele disse, de repente:
- O casamento deve acontecer de manhã cedo, antes que as pessoas percebam. Caso contrário, a pressão será desastrosa.
Eleanor achou que o plano era bom. Ela estava com a sensação de que assim que Margaret se casasse, começaria a aceitar o destino como sendo inevitável e iria sentir-se melhor em relação a ele.
Assim, de manhã cedo naquele cinzento dia de dezembro, Alexandre e Margaret foram casados pelo arcebispo Walter Grey, de York, e ao caminhar pelo transepto sul, que era o orgulho do arcebispo Grey porque tinha sido construído por ele havia mais de vinte anos, ela sentia que havia um peso morto onde o coração deveria estar, e rezou para que outra tempestade estilhaçasse o transepto do arcebispo, a fim de que a cerimónia não pudesse acontecer.
Infelizmente, se não acontecesse naquele momento, aconteceria outra hora.
Não havia como fugir.
Margaret tinha de dar adeus à sua casa - aos seus adorados pais, a Eduardo, Edmund, Beatrice e todos os primos. Tinha de ir para uma terra estranha e fria com aquele menino, que se tornara seu marido.
Terminada a cerimónia, começou a festança.
O rei da Inglaterra precisava mostrar aos escoceses o quanto era poderoso e a sorte que eles tinham tido no dia em que o rei deles fizera uma aliança com a sua filha.
As comemorações do casamento tinham coincidido com as do Natal, de modo que os festejos foram duplamente pródigos. Eles pagariam por aquilo depois, prometeu Henrique a si mesmo. Não havia todos aqueles judeus ricos? E os comerciantes de Londres sempre arranjavam dinheiro para o que queriam, e por que não para o seu rei?
A realeza não podia incomodar-se com assuntos mundanos como pagar por seus caprichos. Aquele, no entanto, era um assunto de estado. A filha da Inglaterra não estava se casando com o filho da Escócia? Não estavam os dois países sendo unidos e isso não significava paz entre eles, que beneficiava a todos?
Ele coroou a ocasião concedendo o grau de cavaleiro a Alexandre. Um belo menino. Daria um bom marido para Margaret, dali a alguns anos.
com as idades de dez e onze anos, eles ainda não estavam preparados; mas nos casamentos reais ficava subentendido que a cerimónia devia ser realizada e que depois disso o jovem par esperasse o momento adequado para a consumação.
Depois de ter concedido o grau de cavaleiro a Alexandre, uma cerimónia que foi ruidosamente aplaudida pelos escoceses, ele disse:
- Querido filho, esta é uma ocasião verdadeiramente feliz. Eu sei que você fará minha filha feliz. Para completar esta momentosa ocasião, você deve jurar-me vassalagem em nome de seu reino.
Alexandre era garoto, mas tinha sido criado para considerar-se o futuro rei, e seus conselheiros o haviam prevenido para que fosse muito cuidadoso ao lidar com o rei da Inglaterra.
Ele hesitou, mas apenas por uns poucos segundos. Então, disse:
- Eu vim aqui em paz e para a honra do rei da Inglaterra, a fim de que através dos laços do casamento pudesse aliar-me a ele. Mas não poderia tratar de um assunto tão solene como este enquanto não deliberasse sobre ele com os meus nobres, ou não tivesse recebido a assessoria adequada para uma questão tão difícil.
Henrique percebeu que o menino era possuidor de um senso que estava muito acima do que seria normal para sua idade, e que de nada adiantaria tentar aproveitar-se de sua juventude, de modo que abriu mão do seu pedido.
Por fim, chegou a hora das despedidas.
Margaret agarrou-se aos pais e a rainha chorou pela filha.
- Vai dar tudo bem, meu amor - sussurrou Eleanor. - Alexandre será bom para você, e quem não for terá de responder perante seu pai.
Como a região estava fria, enquanto eles seguiam para o norte a cavalo! O vento estava mais forte, e apesar de envolta em sua capa forrada de veiros, ela ainda sentia frio. Ao seu lado seguia o marido - um menino de dez anos de idade, a fisionomia carrancuda, e ela sabia que ele, tal como ela, estava tentando tirar o melhor partido daquilo que acontecera aos dois.
No grupo estavam algumas das criadas dela, mas ela sabia que não iriam poder ficar com ela. Os escoceses eram diferentes dos ingleses. Eram austeros, praticamente não riam, e eram muito mais sérios.
Ela pensou na sua casa - e nos jogos que jogavam e como Eduardo dominava todos eles e estava constantemente discutindo com os primos de Montfort, que sempre diziam a todo mundo que eram tão membros da realeza quanto os filhos do rei. Afirmavam que também tinham nas veias o sangue do Conquistador. O rei João era avô deles, como era de Pernalonga e de Margaret, e dos demais. E o Henrique mais velho, filho do tio Ricardo, sempre tentava manter a paz. Ele dizia que eram tantos com sangue real, que eles não deviam jactar-se daquilo uns com os outros. Como ela ansiava por estar com eles!
Tentou conversar com Alexandre enquanto cavalgavam, mas ele estava tão desconfiado dela quanto ela dele.
Pelo menos, devíamos ser amigos, pensou Margaret.
Falou sobre a corte inglesa, sobre sua mãe e seu pai, irmãos e irmãs. Ele ouvia com atenção e deferência, mas pouco falou sobre si mesmo.
E lá seguiram eles pelo frio interior.
- Está muito frio - disse Margaret. - É sempre assim?
- Só no inverno.
Ela tremia e pensava, saudosa, em Windsor com as fogueiras rebrilhando e as crianças todas brincando e os pais chegando para ficar olhando e, às vezes, participar.
Então, lembrou-se da tempestade em Windsor e do instante em que ficou no chão presa nos braços de sua mãe.
- Um presságio... Um presságio... - murmurou ela. E naquele momento teve certeza de que era, mesmo.
O castelo ficava no alto de um morro, os muros de granito cinzentos e ameaçadores.
Devagar, eles subiram a ladeira e passaram pelo portão.
Os membros estavam dormentes por causa do frio, mas seu ânimo melhorou um pouco quando ela entrou no salão e viu a fogueira.
- Estamos em casa - disse Alexandre.
Os dois foram cercados por homens e mulheres de expressão triste. Uma delas, em delicados mantos pretos de luto, aproximouse de Margaret e disse que iria conduzi-la a seus aposentos. Lá, ela poderia descansar um pouco e iriam levar-lhe alimentos, pois ela tivera uma viagem longa e fatigante e devia estar exausta.
Era um quarto sombrio, de grossas paredes de pedra, chão de pedra e um mínimo de móveis necessários.
- Eu sou Lady Matilda de Cantelupe - disse a mulher - e deverei ser a sua governanta... até a hora em que esteja pronta para juntar-se ao rei.
Era como sua mãe dissera que seria. "Você não será uma esposa logo de imediato. Vão esperar até que tenha idade suficiente... e Alexandre também, porque ele não passa de um menino. Eles irão lhe dar uma governanta, a quem você irá amar, que irá ajudá-la e assessorá-la."
Mas havia algo de ameaçador a respeito de Matilda de Cantelupe.
Margaret disse que iria descansar um pouco, porque estava cansada, e Matilda cobriu-a com um tapete de peles para ajudá-la a se aquecer. Depois, ela comeu um pouco e em dado momento desceu para o grande salão, onde Alexandre, igualmente alimentado e descansado, a esperava.
Ele fora se despedir. Iria deixá-la com os seus guardiães Robert lê Norrey e Estêvão Bausan. Eles, juntamente com Matilda, ficariam encarregados da criadagem dela até que ela estivesse pronta para ser uma mulher casada.
Ela queria agarrar-se a Alexandre. Pelo menos ele era jovem e, se não estava exatamente amedrontado, estava apreensivo. Havia entre eles um sentimento de companheirismo. Se ele pudesse ter ficado, ela teria se sentido melhor. Mas ele estava indo embora. Iria deixá-la com aquela gente pomposa.
Ela estava com medo. Queria sua família... e queria desesperadamente sua mãe.
Alexandre deu-lhe um frio beijo no rosto
- Eu voltarei para buscá-la - disse ele.
Ela confirmou com um gesto da cabeça, insensível, e ficou no pátio envolta em seu casaco forrado de pele, com Matilda de Cantelupe e os dois respeitáveis homens que seriam seus guardiães em pé atrás dela. Viu Alexandre partir com seus acompanhantes.
Depois, em companhia daqueles que começava a considerar seus carcereiros, voltou para o interior do castelo.
O Rei e Simon de Montfort
SIMON DE MONTFORT VOLTARA para a Inglaterra.
Estava exausto e desiludido. Estivera sempre pedindo a Henrique ajuda para governar, mas Henrique parecia achar que recursos para isso não eram necessários. Ele mesmo estava precisando sempre de dinheiro para governar o seu reino; que Simon de Montfort pedisse dinheiro na Gasconha parecia uma afronta.
Era uma característica de Henrique não voltar a gostar de uma pessoa contra a qual tivesse cometido uma injustiça. Ele tinha uma consciência de um tipo que o reprovava e que, embora ele tentasse fingir que ela não existia, continuava a incomodá-lo. Ele não admitia a verdadeira causa de seu ressentimento para com um homem ou uma mulher, que era, naturalmente, o fato de ele ter cometido uma injustiça e isso deixá-lo angustiado, de modo que sempre tentava encontrar um defeito nos atos dessas pessoas, a fim de que pudesse dar a si mesmo um novo motivo para não gostar delas.
Por isso, começou a criticar a administração de Simon na Gasconha, e embora Ricardo salientasse que ninguém poderia governar lugar algum sem os recursos financeiros necessários, ele ainda achava defeitos em Simon.
Simon acabou achando a situação impossível. Os gascões eram rebeldes, e ele não tinha meios de subjugá-los. Desanimado, percebendo que não poderia continuar, a menos que pudesse conseguir apoio da Inglaterra, voltou para pedir pessoalmente ao rei.
Encontrou Henrique melancólico. Acabara de se despedir de sua jovem filha e sabia que a rainha estava sofrendo. Eleanor achava que, antes de ir para a Escócia, Margaret deveria ter esperado ficar com idade suficiente para consumar o casamento, e estava reprovando a si mesma... e Henrique... por terem permitido que a menina lhes fosse tirada, e Henrique não suportava fazer qualquer coisa que parecesse errada aos olhos dela.
Assim, quando Simon de Momfort chegou, Henrique estava de mau humor e Simon teve uma gélida recepção.
- Acho impossível manter a ordem na Gasconha, majestade, sem a ajuda financeira de que preciso - tentou ele explicar.
- Ouvi dizer - retrucou o rei - que grande parte do problema é culpa sua.
- Isso não é verdade! - bradou Simon, irritado. Henrique respondeu:
- Vou enviar comissários à Gasconha para que me informem o que se passa por lá.
- Majestade - disse ele, com veemência -, esses gascões são criadores de caso. Eles sabem que o rei da França está pronto a cativá-los. Dê-me armas, dê-me dinheiro, e eu os subjugo.
- Nossos gastos aqui na Inglaterra são enormes - disse Henrique.
Sim, pensou Simon, jóias para a rainha, roupas finas e festança para o casamento escocês. Pensões para os amigos e parentes da rainha, para seus meio-irmãos, para todos esses estrangeiros que estão aqui para pegar as sobras.
Havia, pensou Henrique, algo de respeitável com relação a Simon. Quando ele estava na sua presença, ele sentia um certo poder naquele homem. Henrique sentia vagamente que Simon era um homem com o qual ele devia ter cuidado.
- vou lhe dar três mil marcos - disse o rei.
- Não é o suficiente, majestade.
- É tudo o que posso dar. Você pode levantar mais?
- Das minhas propriedades, eu poderia conseguir um pouco. Preciso de homens, também.
- Pois volte com esse dinheiro e com os homens de que precisa. Espero, então, receber melhores notícias da Gasconha.
Simon retirou-se da presença do rei. Ele ouvira falar muito sobre a insatisfação entre os barões, e estava se perguntando se dali a algum tempo o rei não estaria enfrentando um distúrbio muito parecido com o que havia atormentado seu pai.
Simon voltou à Gasconha, onde o povo, liderado por rebeldes, estava em revolta. Eles haviam se reunido em Castillon, onde Simon os sitiou e obteve uma vitória. Temporariamente, ele levou a paz à Gasconha - embora uma paz intranquila. Voltou à Inglaterra e disse ao rei que conseguira a paz, subjugara os rebeldes, e agora decidira pedir autorização para ficar na Inglaterra.
Enquanto isso, os gascões puseram por escrito suas queixas contra Simon e elas foram apresentadas ao rei, e devido à sua atitude para com Simon, Henrique preferiu acreditar nos acusadores do que acreditar em Simon.
Isso pareceu uma ingratidão tão torpe, que a revolta de Simon para com Henrique encheu-o de raiva. Ele declarou que as acusações deveriam ser divulgadas e que ele seria julgado por seus pares, que iriam dizer quem estava causando problemas na Gasconha.
Henrique concordou, e deixou claro de que lado estava. Tratava Simon com frieza sempre que se encontravam, e dava grande importância a seus inimigos gascões.
A mulher de Simon, a irmã do rei, Eleanor, ficou furiosa com o irmão.
- Henrique nunca se perdoou por aquela acusação que fez a você - disse ela ao marido. - Ele sabia que era mentira e se sente envergonhado. Por isso, procura jogar a culpa de tudo em você, ao tentar convencer a si mesmo que ele estava com a razão.
- Às vezes eu fico imaginando o que acontecerá ao nosso país sob o reinado de seu irmão - disse Simon.
- Eu também fico. O problema com Henrique é que ele é muito fraco. E esse julgamento? Acha que vão ter provas contra você?
- Se se cingirem à verdade, não. - Simon voltou-se para ela. Ela havia sido uma boa e fiel mulher para ele, e nenhum dos dois jamais se arrependera do casamento ousado. - Querida Eleanor - prosseguiu ele -, os barões são poderosos... tão poderosos quanto eram quando obrigaram o rei João a assinar a Magna Carta. Eles estão comigo... pode estar certa disso... e estão decididos a não deixar o país tornar a cair sob a tirania... e eu também. Tenho a impressão de que bastará eu me oferecer como líder deles e eles ficarão comigo... todos eles.
- Você está falando em revolta contra o rei?
- Estou me referindo à liberdade neste país. Os barões estariam, em pouco tempo, prontos para fazer com Henrique o que fizeram com o pai dele. Eles lamentam o crescente
número de estrangeiros que o rei idolatra. A extravagância dele, e principalmente a da rainha, os deixa ofendidos. Eles odeiam a rainha como poucas rainhas foram odiadas, porque vêem as dificuldades nascendo dela. São os parentes dela que estão sugando o Tesouro. Ela é uma mulher orgulhosa e arrogante. Mas não tenha receio, Eleanor, uma coisa eu lhe digo: os barões estão do meu lado. vou servir ao rei, seu irmão, enquanto for possível... mas se se tornar impossível... então eu... e os barões... iremos nos reunir, e não tenho dúvida de que alguma providência será tomada.
- Henrique não deveria ser avisado?
- Ele está sempre sendo avisado. Ricardo, numa certa época, estava bem ciente do que se passava. Os barões acreditavam que ele estivesse pronto a se colocar à frente deles. Mas desde o casamento com a irmã da rainha, ele se tornou um homem do rei. As irmãs são muito unidas. A rainha é uma mulher vigorosa. Influencia a irmã, e esta, por sua vez, influencia o marido. Os barões já não iriam procurar o seu irmão Ricardo, Eleanor.
- Eu sei - respondeu ela. - Eles iriam procurar você. Você agora é o homem forte do país, Simon.
- Pode ser. Mas fique certa de que farei o possível para acalmar o rei e provocar uma solução pacífica para as nossas diferenças. A guerra civil é um desastre para qualquer país, não importa qual seja o vencedor.
- Esses gascões são tolos. Eles nada têm contra você.
- É verdade. Mas o rei quer que haja provas, e fará todo o possível para apresentá-las.
- Como ele é ingrato! Quando penso naqueles anos na Gasconha... quando preferíamos estar em casa, na Inglaterra...
- Eu sei. Os reis, pela própria natureza do cargo, são ingratos. Fique tranquila, Eleanor, eu não aceitarei a injustiça do rei.
- Henrique é um bobo.
- Fale baixo. Lembre-se de que ele é o rei. Lembre-se de que fomos obrigados a fugir pelo rio quando ele nos ameaçava com a torre.
- Nunca esquecerei isso. Nunca mais vou ser a mesma para o meu irmão.
- Eu sei que você será sempre uma firme aliada de seu marido... e isso pode significar que um dia você poderá estar na oposição ao rei.
Ele agarrou-lhe as mãos e olhou-a nos olhos.
- Então não há arrependimento? - prosseguiu ele. - A filha de um rei está feliz com o seu casamento com o aventureiro estrangeiro?
- Ela de nada se arrepende e ficará ao lado dele qualquer que seja a campanha que ele se veja obrigado a fazer.
- Deus a abençoe, Eleanor - disse Simon de Montfort.
O julgamento acabou, e Simon foi absolvido. Tinha de ser assim, pois não havia prova alguma contra ele. Estava claro que fizera tudo o que era humanamente possível para manter a ordem na Gasconha, e todo mundo sabia que, sem armas, homens e dinheiro, pouco ele podia fazer. O que ele fizera fora quase um milagre.
Henrique ficou furioso com o resultado do julgamento. Ele quisera desesperadamente ver Simon humilhado, e quando Simon ficou perante o Conselho, Henrique não pôde conter a raiva. Lançou um olhar penetrante para o cunhado, e com aquela pálpebra cobrindo um dos olhos - aquilo sempre parecia mais em evidência quando ele ficava zangado - ele parecia realmente ameaçador, para todos aqueles que não conheciam a sua fraca natureza.
Ele disse:
- com que então você vai voltar para a Gasconha, sem dúvida?
Simon respondeu:
- Eu irei se todas as promessas que Vossa Majestade fez forem cumpridas desta vez. Vossa Majestade sabe muito bem que as condições de minha vice-realeza não foram cumpridas.
A ira de Henrique explodiu.
- Eu não cumpro pacto com um traidor.
Simon, em geral calmo, decidiu que aquilo era algo que ele não podia aceitar. Estava profundamente cônscio daqueles que estavam em torno da mesa do conselho observando, enquanto quase prendiam a respiração.
- Quando usa essa palavra para se referir a mim, Vossa Majestade mente - disse ele, com frieza. - E se não se tratasse de meu soberano, seria um dia de azar para Vossa Majestade, por ter ousado pronunciá-la.
O sangue subiu rápido para o rosto de Henrique. Ele tentou falar, mas só conseguiu tartamudear. Aquele presunçoso... insultálo à mesa do seu conselho, com tanta gente olhando! Afinal, as palavras saíram.
- Prendam-no! Prendam este homem!
Vários dos barões tinham-se levantado e colocado-se entre o rei e Simon.
- Majestade - disseram eles -, o conde nada fez senão se defender, o que ele tem o direito de fazer. Não pode ser preso por isso.
Henrique baixou os olhos. Estava na dúvida. Em momentos como aquele, sempre ficava imaginando o que os seus grandes ancestrais teriam feito.
O momento passou. Simon se voltara e sairá da câmara.
Simon preparou-se para voltar à Gasconha, e antes de partir foi procurar o rei.
Henrique recebeu-o com o máximo de frieza. O calor da raiva passara, e ele sentia apenas um abrasador ressentimento para com aquele homem que se comportara com uma dignidade maior do que a dele na sala do conselho. Havia, em Simon, uma fria determinação que deixava o rei desconcertado.
- Ora, então vai voltar para a Gasconha - disse Henrique.
- Dei ordens para que a trégua continue, a fim de que possa trabalhar em paz.
- Duvido, majestade - foi a resposta de Simon. - Os gascões estão decididos a causar problemas.
- Eles estão decididos a criar problemas? Eu acho que não. Seu pai saiu-se muito bem na guerra que fez contra os albigenses, segundo ouvi dizer. Muitos bens valiosos caíram-lhe nas mãos. Volte para a Gasconha, então, seu amante e criador de discórdias, e colha a recompensa, como fez seu pai antes de você.
Simon olhou firme para o rei, e embora lhe chegassem à boca palavras candentes de protesto pelo desrespeito a seu pai e de desprezo pelo homem que o expressara, ele disse calmamente:
- Com muito prazer. E não penso em voltar enquanto não fizer de seus inimigos o apoio para seus pés... por mais ingrato que Vossa Majestade seja.
Henrique lançou-lhe um olhar enfurecido. Sentia-se muito constrangido.
Ao chegar à Gasconha, Simon viu que era impossível servir ao rei, pois parecia que Henrique estava lutando ao lado dos inimigos de Simon, que na verdade também eram inimigos dele.
Longe de respeitarem a trégua que tinham feito com o rei, os gascões estavam sitiando cidades e ocupando castelos, e nada havia a fazer, exceto defender as cidades e os castelos.
Mas não demorou muito, e chegaram mensageiros acusando Simon de romper a trégua.
- O rei é impossível! - bradou Simon. - Ele permite que sua inimizade pessoal se coloque entre ele e a razão.
Em seguida, vieram despachos enviados pelo rei dizendo que ele estava destituído do cargo. Simon respondeu que sua nomeação tinha sido por sete anos, fato que o rei parecia ter esquecido. Henrique, então, mandou dizer que iria indenizá-lo, e esta oferta Simon aceitou.
Foi até a França, onde foi calorosamente recebido pelos franceses. Luís estivera observando os acontecimentos na Gasconha com grande interesse, e ficara assombrado com o tratamento de Henrique para com um homem como Simon de Montfort.
Se Simon quisesse ficar na França, garantiram-lhe, seria encontrado um alto cargo para ele.
Simon abanou a cabeça.
- Eu sou um servidor do rei da Inglaterra - respondeu ele -, e embora ele seja um rei ingrato, eu ainda sou seu servidor.
Mas ficou na corte da França.
Eleanor não estava com ele. Como estivera grávida, ficara na Inglaterra, e enquanto estava na França, Simon recebeu a notícia de que ela dera à luz uma filha, a quem dera o nome de Eleanor, em homenagem a si mesma.
Parecia que ele acabaria voltando para a Inglaterra. O rei jamais seria seu amigo, e se continuasse a agir daquele modo irresponsável, quem sabe o que iria acontecer?
Os barões só iriam suportar até um certo ponto antes de se rebelarem, como haviam feito no reinado de João; e quando o fizessem, iriam contar com um líder.
Bem poderia acontecer que, se o rei não quisesse saber de Simon de Montfort, os barões pudessem querer.
O rei decidiu que, como Simon de Montfort havia, como disse ele, "desertado", ele daria a Gasconha ao jovem Eduardo. Eduardo estava com treze anos, um belo menino
saudável que se livrara por completo de seus males da infância, cheio de vida e energia, o encanto dos pais e do povo, que já estava dizendo que em Eduardo ele teria um rei forte, do qual a Inglaterra percebera, através de uma experiência amarga, que precisava.
Assim, em Westminster, Eduardo foi declarado governante da Gasconha e recebeu as homenagens dos gascões de Londres. E no exato momento em que a corte se achava em
meio às comemorações daquele fato, chegaram despachos de Roma dizendo que havia uma certa dúvida quanto à validade do casamento de Henrique com Eleanor.
Henrique leu as mensagens e tremeu.
Tinham sido enviadas diretamente pelo papa. A atenção de Sua Santidade tinha sido chamada para o fato de que o rei estivera comprometido com Joana de Ponthieu, e era possível que o noivado fosse um compromisso moral, caso em que o casamento com Eleanor de Provence não era casamento coisa nenhuma.
Eleanor encontrou-o com os documentos na mão. Arrancouos dele e os leu.
- Como ousam aventar uma hipótese dessas! Nosso casamento não é legal! Nossos filhos seriam, então, bastardos! Eduardo não seria o verdadeiro herdeiro do trono!
- Não se preocupe - disse Henrique. - vou resolver este assunto. vou fazer essa pessoa maldosa engolir o que disse... não importa quem seja.
Mas Henrique ficara abalado. Ideias horríveis surgiam-lhe na cabeça. E se fossem provar que ele não estava realmente casado? Pensou em Filipe Augusto, da França, que fora excomungado por viver com uma mulher que ele dissera ser sua esposa e que a Igreja afirmava que não era.
Mensageiros iam de um lado para o outro. Se Eleanor e Henrique não estavam casados de verdade, também não estavam o rei e a rainha de Castela, pois Joana, com quem Henrique havia rompido o noivado, casara-se com o rei de Castela.
Eleanor estava frenética. Seus filhos, bradava ela, o que acontecerá com eles? Ela não deixaria que fossem declarados ilegítimos. Tudo deveria ser feito para impedir aquilo.
Henrique disse que acreditava tratar-se de um truque de Inocêncio para fazer com que ele pagasse bulas e dispensas caras.
- Então é tudo uma questão de dinheiro - bradou Eleanor, muitíssimo aliviada.
- Sou capaz de jurar.
- Então, vamos resolver isso.
Claro que resolveriam. Sempre havia o povo para ser tributado; havia sempre os judeus.
O assunto acabou sendo resolvido, mas saiu muito caro e, como sempre, foi o povo da Inglaterra que pagou pelas bulas e pelas dispensas.
A cada mês que passava, o povo ficava mais agitado. Aquilo não podia continuar. Por que iria continuar? A experiência, e não havia tanto tempo assim, ensinara-lhe que os reis governavam segundo a vontade do povo.
Chegaram más notícias da Gasconha. Simon de Montfort não estava mais lá, e os gascões estavam se aproveitando da situação. O governador deles, com treze anos de idade, estava na Inglaterra e de qualquer modo eles não o teriam respeitado muito. Os gascões estavam tentando uma aproximação com o rei de Castela, e a verdade era que a presença do rei era necessária com urgência.
Henrique ficou desolado. Começava a perceber a tolice de seu comportamento para com Simon. Demitira exatamente o homem que, com apoio, teria mantido a Gasconha para ele. Agora, nada havia que ele pudesse fazer, a não ser levar um exército chefiado por ele, Henrique.
O que era muito perturbador era o fato de que Eleanor estava grávida e não poderia acompanhá-lo.
Quando disse a ela o que acontecera, ela também ficou consternada. Ficar separados era o que eles mais temiam.
- Eu preciso ir com você, Henrique - disse ela.
- Nada disso - respondeu ele -, eu não poderia permitir. Pense apenas na travessia, que pode ser perigosa. Eu não teria um momento de sossego se pensasse que você estava lá, correndo perigo. Não, você deve ficar em casa com as crianças. Terei de aceitar isso. Será melhor do que uma angústia constante.
- Henrique, quando a criança nascer, eu vou ficar com você. Ele a abraçou.
- A solução é esta. Tenha o bebé, e quando puder viajar sem perigo, vá. A pior coisa que tenho de enfrentar na vida é ficar sem você e as crianças.
Ele adiou enquanto pôde, mas finalmente foi obrigado a partír.
A rainha, com a irmã Sanchia e Ricardo de Cornualha e todas as crianças reais, acompanhou o rei até Portsmouth.
Henrique despediu-se com carinho de todos eles, e foi muito emocionante quando chegou a vez de Eduardo abraçar o pai, porque o menino caiu em prantos.
- Eduardo, meu filho querido - bradou o rei -, não deve chorar. Você me deixa nervoso.
- Meu lugar é ao seu lado, papai - disse Eduardo. - Quero lutar a seu lado... para protegê-lo... Quero fazer o possível para que o senhor esteja a salvo.
- Oh, meu filho - disse o rei -, este é o momento mais feliz e mais triste de minha vida. Adorado menino, cuide de sua mãe. Eu a deixo em suas mãos. Em breve estaremos juntos. Fique certo de que assim que puder mandarei buscá-los.
Eles ficaram ali, vendo o navio partir.
O rei estava no convés, os olhos fixos em seus familiares. Disse a si mesmo que levaria a lembrança das lágrimas de Eduardo para o túmulo.
A rainha foi compensada pela ausência do marido pela regência. O poder era seu. Ela muitas vezes achara que Henrique era demasiado condescendente para com os seus súditos e não exercia o poder real com o vigor suficiente. Era verdade que o povo estava sobrecarregado de tributos, mas, como comentou ela com Sanchia, ele devia ter dinheiro, caso contrário não teria podido pagar.
Sanchia concordava. Ela sentia-se feliz na Inglaterra e por ficar sob o domínio da irmã mais velha, tal como ficara quando era criança. Ela agora tinha um garotinho, Edmund. O primogénito havia morrido poucos meses depois de nascido, mas Edmund era uma criança robusta. Ricardo era dedicado a ele, mas ela desconfiava de que ninguém podia se comparar ao filho que ele tivera com a primeira mulher, Isabella. Henrique era realmente um nobre menino e grande amigo do herdeiro do trono. Ele e Eduardo iam a toda parte juntos.
Sanchia se preocupava um pouco com a impopularidade da rainha, que era manifestada todas as vezes em que elas andavam a cavalo pelas ruas. Elas estavam acostumadas a olhares mal-humorados, mas de vez em quando havia um grito hostil, e quando os guardas procuravam os ofensores, jamais os encontravam. Às vezes Sanchia se perguntava se eles se esforçavam muito. Ela tinha uma sensação incómoda de que eles também não gostavam muito da rainha.
Ricardo dissera, uma ou duas vezes, que grande parte da impopularidade dirigida para o rei era devida à rainha.
- Um dia desses... - começara ele. Mas Sanchia rira.
- Eleanor sempre conseguia o que queria quando éramos crianças. Vai continuar conseguindo, a vida toda.
Ricardo estava apreensivo. Ele ficara irritado quando Henrique concedera a Gasconha ao jovem Eduardo. Aquilo parecia uma tolice. Eduardo estava, afinal, com apenas treze anos de idade. Como teria sido mais sensato se ela tivesse sido outorgada a ele, Ricardo! A disputa com de Montfort também era uma estupidez. Aquele era um homem que Henrique deveria ter mantido do seu lado.
Agora, Ricardo era co-regente com a rainha, e sua tarefa principal era manter Henrique abastecido de armas e dinheiro de que precisasse para a campanha – tarefa que não era invejável, pois significava cobrar impostos, e isso era a coisa mais impopular que um governante podia fazer.
Ricardo tinha ataques momentâneos de uma doença indefinida. Ele não fazia ideia do que fosse e os médicos também não, mas de vez em quando ele ficava dominado por uma letargia tal que nem queria se mexer. Ela passava, e a sua velha energia voltava.
Naquela época, ele não se sentia inclinado a apoiar Simon de Montfort, embora o seu bom senso lhe dissesse que devia estar do lado do cunhado. Ele agora iria agir com firmeza com a rainha e explicar a ela o estado de espírito do país. Sanchia não conseguia entender mais do que a rainha. As duas pareciam pensar que tudo o que a família delas fazia devia estar certo. Eleanor era o máximo
- a pessoa diante da qual todos se curvavam. Elas pareciam achar que qualquer injustiça que Eleanor decidisse fazer seria aceita simplesmente porque Eleanor a fizera.
Haverá problemas, pensou Ricardo. As pessoas estarão tomando partido.
E de que lado estarei? Antes do casamento, não poderia haver dúvida. Os barões haviam procurado a sua liderança, então, mas ele acreditava que agora eles estavam de olho em Simon de Montfort.
O rei escrevia da Gasconha. Estava achando quase impossível subjugar os gascões. Gaston de Bearn era um traidor. Estava tentando conseguir que Alfonso de Castela ficasse sendo seu aliado.
"Se conseguir", escreveu Henrique, "isso pode ser um desastre. Mandei procurar Simon de Montfort, que conhece o país e o povo, e ordenei-lhe que venha em meu auxílio."
Ricardo abanou a cabeça.
Henrique jamais seria um grande soldado. Jamais seria um grande rei.
Mas se Simon de Montfort estivesse disposto a esquecer suas queixas e ajudar o rei, havia uma esperança de vitória.
O ódio entre a rainha e os cidadãos de Londres era mútuo. Ela precisava levantar dinheiro. O rei precisava de dinheiro para sua campanha. Ela precisava de dinheiro para o seu guarda-roupa e para as despesas domésticas. Nunca havia dinheiro suficiente, mas os comerciantes de Londres sabiam como ganhá-lo.
Para início de conversa, ela reviveu o aurum reginae - o ouro da rainha, que era uma porcentagem das multas que tinham sido pagas aos reis em troca de benevolência. Aquilo tinha sido bastante razoável em pequenos valores, mas como o rei havia cobrado pesadas multas para pagar sua campanha no exterior, os cidadãos ficaram furiosos quando Eleanor exigiu um pagamento sobre elas.
Os cidadãos mantiveram-se inabaláveis. Não iriam pagar. Eleanor ordenou, imperiosa, que os xerifes fossem enviados para a prisão de Marshalsea.
Uma comitiva apresentou-se a Ricardo de Cornualha. Era preciso explicar à rainha que a Cidade de Londres era separada do resto do reino. Tinha suas próprias leis e dignidades, e não se submeteria às ordens da rainha. Os xerifes deveriam ser soltos imediatamente, ou a cidade toda se levantaria e os soltaria. Ela não queria ver seus velhos privilégios eliminados por estrangeiros.
Ricardo conversou com a rainha.
- Você precisa compreender - disse ele - que a cidade é uma coisa em separado. Se você ofender a cidade, terá um inimigo forte pegando no seu pescoço. A rainha Matilda nunca foi coroada rainha da Inglaterra, mas bem poderia ter sido se não tivesse ofendido a cidade de Londres.
- Quer dizer que tenho de soltar esses homens?
- Tem, sim, e logo. Se não soltar, a cidade se porá em marcha. Deus sabe onde isso irá terminar. Henrique ficaria tomado pela angústia, pois o país ficaria em perigo, e você também.
- Fico com raiva por ceder a eles.
- Há momentos, Eleanor, em que todos nós temos que ceder.
Ela entendeu o que ele queria dizer, e evitou-se a crise.
Mas o ódio dos londrinos pela rainha aumentou, e mesmo quando ela deu à luz em Westminster, não diminuiu. O bebé foi uma garotinha, e por ter nascido no dia de Santa Catarina, a rainha batizou-a de Katharine.
Chegou uma carta de Henrique.
Simon de Montfort fora em seu auxílio e ele dominara a Gasconha. Uma das razões para isso fora o fato de ele ter conseguido um novo aliado em Alfonso de Castela.
Tinha sido necessário cultivar a amizade dele, pois, se não tivesse feito isso, Gaston de Bearn teria feito de Alfonso um amigo. Gaston prometera a Alfonso terras e castelos, mas Henrique pudera oferecer mais.
"Está na hora do nosso filho ter uma esposa", escreveu ele. "Oh, ele ainda é criança, mas era necessário se eu quisesse manter o controle sobre a Gasconha. Sei que você concordará comigo, minha querida esposa, quando eu lhe disser que nada havia a fazer exceto concordar com um noivado entre ele e a meio-irmã de Alfonso de Castela. Ela é uma bonita menina. O pai foi Fernando III, e a mãe, aquela Joana de Ponthieu, com quem eu achava que iria me casar até que soube da existência da única rainha para mim. Ela é muito jovem e dócil. Acho que vai combinar muito bem com Eduardo. Espero que você fique contente, mas lembre-se de que era este noivado ou a perda da Gasconha. Alfonso insiste que Eduardo venha cá e se case com ela. Ele não quer ouvir falar na ida dela para a Inglaterra enquanto a cerimónia não for realizada. Eu concordei com o pedido dele. Agora, minha adorada, cabe a você contar a Eduardo o que combinei para ele e trazê-lo até aqui. Estou muito ansioso por vê-la."
Eleanor ficou agitada. Katharine já estava com idade suficiente para ser deixada em segurança. Ela levaria as outras crianças. Como gostaria que Margaret estivesse com eles. Estava um pouco angustiada em relação a Margaret e ansiava por notícias dela. À Escócia ficava tão longe e era, por tudo o que se dizia, um país frio e ermo. Sanchia deveria ir, também. Que maravilha seria se eles pudessem viajar até a Provence e visitar a mãe dela, ou até a corte da França.
Era emocionante. Ela precisava de vestidos novos... belos vestidos.
Henrique esperaria que estivesse esplendorosa, e ela não devia desapontá-lo. Os estrangeiros jamais poderiam dizer que a rainha da Inglaterra não tinha dinheiro para comprar roupas finas.
Estar de novo com Henrique. Como a família ficaria contente! Mas ela estava sendo egoísta, não contando a novidade a ninguém. Iria contar a todos que eles iriam para junto do pai.
Havia, naturalmente, um pouco mais a dizer a Eduardo.
Ele iria, também, ganhar uma esposa.
A Noiva que Veio de Castela
EDUARDO ESTAVA, AGORA, com quinze anos de idade. Vigoroso, saudável, era um líder natural. Isso ficara óbvio desde quando ele tinha cinco anos. Tinha sido ele que assumira o papel entre os companheiros de brincadeiras. Seu primo Henrique, filho de Ricardo de Cornualha, era um menino valente que se saía bem em todos os esportes, mas era mais cerebral do que Eduardo, mais amante dos livros. Eduardo poderia ter sido um erudito; ele tinha a capacidade de aprender, e estudou até certo ponto, mas eram muitas as coisas ao ar livre que o tentavam. Ele queria que seu cavalo galopasse mais rápido do que os demais, queria atirar uma flecha mais longe do que qualquer outra pessoa; seus falcões tinham que ser os melhores. Ele tinha que inventar as brincadeiras deles e ter o papel principal.
Que ele era o filho mais velho do rei e herdeiro do trono era um fato que devia pesar junto a todos. Já havia homens subservientes para com ele e mulheres ansiosas por agradá-lo. Ele sabia que a rainha mal podia suportar ficar longe dele; sabia que o pai gostava mais dele do que dos outros filhos, e que era um pai dedicado para todos eles. Ele era o centro da corte, e não podia deixar de estar sempre ciente disso.
Seus primos de Montfort estavam sempre insistindo com ele para que fizesse coisas ousadas. Eles tinham pleno conhecimento da desavença entre o pai deles e o rei e do fato de que o rei não gostava dele. Estavam sempre tentando mostrar que eram muito mais destemidos do que os outros meninos.
Era como se quanto mais impopular o pai se tornava junto ao rei, mais ansiosos ficavam eles por provar sua realeza.
O sensato Henrique de Cornualha estava sempre mantendo-os em ordem, fato com que eles se melindravam e, em consequência, havia sempre uma certa tensão entre os meninos.
O Henrique mais velho percebia que Eduardo era levado, muitas vezes, a atos de insensatez por seus primos de Montfort. Eles insistiam em que ele fizesse algo que Eduardo, na verdade, não sentia vontade alguma de fazer e que, se pudesse decidir por si mesmo, poderia ter sentido vergonha de ter feito, mas os de Montfort davam um jeito de fazer parecer que deixar de fazer aquilo seria um sinal de fraqueza.
Assim, durante aquele período Eduardo muitas vezes era levado a diabruras de algum tipo, e quanto mais Henrique tentava admoestá-lo, mais ousados os meninos de Montfort ficavam, e estavam decididos a fazer com que Eduardo tomasse parte em suas aventuras, pois, se não participasse, davam eles a entender, era porque lhe faltava a ousadia.
Desde que recebera uma equipe para auxiliá-lo, Eduardo passara a andar a cavalo pelo interior com cerca de duzentos seguidores, e quando passavam pelas aldeias zombavam dos moradores, virando carroças, roubando cavalos, aproveitando-se das moças; e o que começara como brincadeiras animadas muitas vezes tornava-se um saque cruel; e quando se descobriu que o jovem herdeiro do trono estava à frente do bando, as pessoas abanavam a cabeça, consternadas, e perguntavam-se que tipo de rei ele daria. Elas se lembravam do rei João, que se comportara de modo semelhante. Não queriam ter um outro igual a ele. O rei era um fraco; era extravagante; favorecia os estrangeiros, mas pelo menos era um homem profundamente religioso, um bom marido e pai, e não era dado a violência.
com o rei no exterior e a rainha e Ricardo de Cornualha como co-regentes, Eduardo parecia entregar-se cada vez mais àquele comportamento leviano e insensato.
Quando seu primo Henrique tentava admoestá-lo, ele o mandava calar a boca.
- Se não quiser nos acompanhar, fique por aqui - era o comentário dele.
Henrique se aproveitava disso e muitas vezes não se juntava a eles.
Começou-se a dizer que depois que Eduardo passava por uma aldeia, era como se uma turba de soldados invasores tivesse chegado ou se a aldeia tivesse sido atingida pela peste e abandonada por todos os habitantes.
Em uma das ocasiões, o bando de desordeiros entrara num priorato onde os monges estavam sentados fazendo sua refeição frugal; o bando os expulsara, comera a comida deles e espancara os criados.
Na época aquilo pareceu uma grande piada, mas quando contou ao primo Henrique, Eduardo ficou com raiva ao ver que Henrique menosprezava a sua conduta.
- Foi uma boa diversão - murmurou Eduardo.
- O quê? Para os monges?
- Monges! Eles têm uma vida muito insípida. Aquilo foi uma emoção da qual eles se lembrarão pelo resto da vida.
- com o maior dos ressentimentos, sem dúvida. Eduardo, você é o herdeiro do trono. Deve-se lembrar disso. Devia levar a sério a sua posição.
- E você devia lembrar-se de quem eu sou e não me dizer o que devo fazer.
- Eu lhe digo porque tenho medo do que possa lhe acontecer. Quer que o povo o odeie antes de você ser o rei?
Eduardo soltou uma gargalhada.
- O que me importa? Não cabe ao povo me julgar.
- Todos julgam uns aos outros, mas não com o rigor com que julgam os reis.
- Você sempre quis estragar a brincadeira - bradou Eduardo, com raiva, e retirou-se.
Poucos dias depois, o primo estava no grupo e cavalgou ao lado dele. Suas críticas ainda estavam supurando. Eduardo tentara esquecer as palavras, mas fora impossível. Estavam sempre voltando à sua mente e deixando-o preocupado. Aquilo o fazia ficar irritado com Henrique. Henrique não tinha o direito de arvorar-se em juiz. Henrique era hipócrita. Henrique era um desmancha-prazeres. Henrique fingia ser sensato só porque era quatro anos mais velho do que Eduardo.
Enquanto seguiam pela estrada, surgiu um menino. Só podia ser mais ou menos um ano mais velho do que Eduardo. Viu o grupo de cavaleiros; hesitou e reconheceu-os. Ficou imóvel no meio da estrada, sem conseguir se mexer de tão amedrontado que estava. Eduardo e seus companheiros eram o terror do interior, e aquele menino estivera caminhando mergulhado em seus próprios pensamentos, quando de repente se vira no meio deles.
- O que faz aqui, garoto? - berrou Eduardo.
O menino estava amedrontado demais para responder.
- Será que ele não tem língua? - perguntou Guy de Montfort. - Se não sabe usá-la, merece perdê-la.
- Está ouvindo, menino? - berrou Eduardo.
Mas ainda assim o menino não conseguiu falar ou não sabia o que responder.
- Agarrem-no! - disse Eduardo.
Dois de seus homens tinham saltado dos cavalos.
- Vejam como ele olha para mim - bradou Eduardo. - Menino insolente!
- Ele devia perder os olhos, pela insolência - disse uma voz. Henrique bradou:
- Não! Deixem o menino em paz. Ele não fez mal.
- Ele me desagrada - retrucou Eduardo, irritado e decidido a ignorar o conselho de Henrique.
Um dos homens levantara os cabelos do menino.
- Ele tem duas orelhas, senhor - disse ele. E então tomou da espada e manteve-a erguida.
- Devo tirar uma delas, senhor, já que elas parecem ser de pouca utilidade para ele?
- Oh, cruel... - murmurou Henrique.
Eduardo ficou irado de repente. "Será que Henrique tem de me dizer o que devo fazer?", perguntou ele a si mesmo. "Henrique é um homem fraco... com medo de perder a boa vontade do povo. vou mostrar a ele."
- Quero a orelha dele - berrou ele.
A espada desceu. O menino caiu ao chão, perdendo os sentidos. O homem com a espada estava se curvando diante de Eduardo, segurando um pedaço de carne suja de sangue nas mãos.
- Por Deus - bradou Henrique. - Eu não quero me envolver nisso. - E saltou do cavalo e ergueu o menino nos braços.
Murmurou para ele:
- Não tenha medo. vou levar você para casa. Nada mais de mau vai lhe acontecer.
Houve um silêncio no grupo, enquanto Henrique se afastou levando o menino nos braços.
- Sigam em frente! - gritou Eduardo.
Depois que eles se afastaram, ficou um cavalo aguardando, paciente, a volta do dono.
Enojado pelo que acontecera e despojado de sua bolsa que deixara com a família do menino, Henrique voltou para o palácio.
Henrique mal olhava para o primo. Não aguentava. Sentia náuseas quando olhava.
Ele jamais se esqueceria de ter segurado o corpo que tremia nos braços e de pensar na desumana crueldade do que acontecera.
Iria pedir ao pai que o deixasse ir para o exterior. Já não queria mais fazer parte do grupo de Eduardo. Acreditava que jamais conseguiria tornar a olhar para ele sem ver a cabeça mutilada daquele menino.
Quando Eduardo voltou ao castelo, queria ficar sozinho. Quando ficou, sentou-se na cama e mergulhou a cabeça nas mãos.
Por que deviar estar se sentindo daquela maneira?, perguntou a si mesmo. Por que não conseguia manter longe da mente a lembrança da cabeça daquele menino que sangrava e a expressão de desprezo nos olhos de Henrique?
E então pensou no menino. Ele levaria a mutilação consigo por toda a vida, e quando as pessoas perguntassem como fora, diria: "Foi Eduardo que fez isso."
Henrique estava certo. Tinha sido um ato de crueldade estúpido, sem sentido. Não lhe trouxera bem algum, e levara um sofrimento terrível para o menino e sua família. E tudo porque ele vira a expressão nos olhos de seus primos de Montfort - prontos para zombar dele, tanto quanto ousavam fazê-lo, prontos para o chamarem de covarde.
Eles odiavam Henrique porque, de certo modo, tinham inveja dele. O pai de Henrique era o grande Ricardo de Cornualha, irmão do rei, um dos homens mais poderosos do país. Fariam qualquer coisa para embaraçá-lo, mas era difícil. Henrique, devido aos seus altos princípios, mantinha-se à parte deles - como se mantinha à parte de todos eles.
Eduardo sempre se mirara em Henrique. Queria a opinião favorável de Henrique. Desde quando eles eram bebés na mesma ala infantil, Henrique tinha sido como um irmão mais velho.
Agora, Henrique o desprezava.
Ele precisava conversar com Henrique. Queria explicar. Iria descobrir onde o menino morava e enviar alguma indenização. Parecia que de repente ele amadurecera e vira o bobo que tinha sido. Seu comportamento não tinha sido o de um homem que estava aprendendo a ser um grande governante.
Decidiu ir logo ao quarto do primo. Precisava falar com ele.
Henrique não estava no quarto.
- Onde está meu primo? - perguntou ele a um dos criados.
- Meu senhor, ele partiu cedo, hoje de manhã.
- Partiu? Ele não me disse. Eduardo ficou com um olhar distante.
Sabia que não teria paz de espírito enquanto não tivesse falado com Henrique.
Henrique encontrou o pai em Westminster, onde ele estava desde a partida do rei para a Gasconha. Como regente, era necessário que Ricardo ficasse no centro das decisões.
Quando viu o filho, seus olhos se animaram. Mais do que tudo na Terra, ele amava aquele menino - mais do que o poder, a riqueza ou Sanchia. Era um filho que dava orgulho. Alto e forte, Ricardo nunca podia observá-lo sem se lembrar da mãe do menino, pois ele se parecia com ela. Ela fora uma das grandes belezas da época, pobre Isabella. Na verdade, ele não queria ter lembrado dela, pois tinha um pouco de vergonha pelo tratamento que lhe dispensara. Aquele casamento estivera condenado desde o início. Ainda assim, trouxera-lhe Henrique, e nenhum homem poderia querer um filho melhor.
Henrique era não só valente e másculo, era bom. Era um homem que os outros seguiam por causa daquela honestidade e daquela integridade essenciais que eram óbvias para todos os que o conheciam. Ele era neto, pelo lado materno, do grande Guilherme Marechal, um dos melhores homens que existira. Guilherme Marechal fora um homem que jamais se desviara dos caminhos da honra e do dever. Henrique era outro. Sim, ele devia ser grato a Isabella. Pelo lado paterno, ele tinha o rei João, Henrique II e recuava até o Conquistador. E aquilo produzira o seu filho.
Abraçou-o com força.
- Seja bem-vindo, meu filho. É um prazer ver você.
- Como tem passado, papai?
- Oh, eu vou bem. Há muita coisa para me ocupar, como coregente com a rainha. Nunca é fácil trabalhar com outra pessoa. Seria muito mais simples ficar sozinho. Pelo que vejo, você está perturbado.
- Vim à procura de um conselho seu.
Ricardo demonstrou grande alegria. Nada era mais agradável do que saber que o filho adorado ia procurá-lo em primeiro lugar quando ficava em dificuldades.
- O que é, meu filho?
- Eu gostaria de deixar o serviço de Eduardo.
- Oh. O que foi? Uma briga?
- Descobri que já não suporto mais o comportamento dele.
- Fazendo arruaças no interior. Esse menino está se transformando num idiota.
Henrique contou ao pai a história do menino que perdeu a orelha.
- Meu Deus - disse Ricardo. - Como ele é idiota! É igual à mãe dele. Não percebe que o povo é que acaba decidindo se ele vai ficar no trono. E você estava lá.
- Tentei avisá-lo, mas sabia que um conselho meu faz com que ele aja com uma violência maior. Já aconteceu antes. Levei o menino para casa e dei dinheiro à família.
Ricardo fez um gesto afirmativo com a cabeça. Ele sabia que Henrique faria o que era correto.
- Acho que não posso mais servi-lo. Quero ir para o exterior.
- Ir para o exterior. Isso significa para a Gasconha, para servir com o rei. - Ricardo franziu o cenho. - Eu não iria querer isso. E deixar o Eduardo! Você sabe que um dia ele será o rei.
- Se for se comportar como o nosso avô, não vou querer servi-lo.
- Compreendo isso muito bem. Se ele for se comportar como o avô, não será rei por muito tempo. Henrique, você poderia ficar comigo. Nada me daria maior prazer. Eduardo vai querer saber o motivo pelo qual você o deixou.
- Ele deve saber. Ele tem pleno conhecimento da minha contrariedade. Papai, eu não posso mais sair com ele a cavalo, quando há a possibilidade de atos cruéis, insensatos e nojentos acontecerem a qualquer momento. Eu não sairei mais, papai.
- Nem deve. Por Deus, você tem tanto sangue real quanto ele. Não fosse o fato de o pai dele ser uns meses mais velho do que eu, você seria o herdeiro do trono. Como isso seria bom para a Inglaterra! Por isso, meu filho, não precisa servir a seu primo, se não quiser. Mas eu não poderia concordar que fosse para o exterior, Henrique. - Ricardo hesitou. - Você já não é muito criança. Tem de saber o que se passa. A rainha está ficando cada vez mais impopular, e o rei não é amado pelo povo. Essa questão da briga de Simon de Montfort com o rei tem sido observada pelos barões. Poderá chegar o dia em que eles vão tomar partido, como aconteceu na época de seu avô. Henrique, você deve ficar por aqui. Deve ficar sabendo o que acontece.
- Já fiquei sabendo um pouco - respondeu Henrique. - Tenho visto os olhares mal-humorados das pessoas quando á rainha passa. Tenho ouvido os sussurros, e de vez em quando os gritos.
- Não é uma situação boa. Eu vejo você muito pouco. Fique aqui, pois não vejo razão para você ficar morando com Eduardo, se não quiser.
Não demorou muito, e Eduardo chegou a Westminster. Disse que tinha ido à procura do primo Henrique, e queria falar com ele. Quando ficaram a sós, Eduardo agarrou as mãos dele.
- Henrique, você me abandonou - bradou ele, em tom de reprovação.
- Abandonei - disse Henrique.
- Foi por causa daquele infeliz menino.
- Infeliz, mesmo... agora e pela vida inteira. Pense no que você fez.
- Eu praticamente não penso em outra coisa, desde que aconteceu. Nunca me esquecerei da visão de você tomando-o nos braços
Henrique disse:
- vou ficar com meu pai.
- Eu quero que volte comigo
- Prefiro ficar aqui.
- Você se esquece de sua posição, Henrique. Eu sou o seu senhor.
- Oh, o que vai fazer se eu me recusar a voltar? Arrancar-me as orelhas?
- Henrique, nós sempre fomos bons amigos. Estávamos sempre juntos. Éramos os tais. Quero que seja sempre assim. Costumávamos fazer planos juntos, falar do que faríamos quando crescêssemos. Foi sempre divertido.
- Na época, nós éramos crianças. Talvez você ainda tenha que crescer, já que sente prazer em percorrer o interior atormentando as pessoas.
- Eu quero parar com tudo isso.
- O quê? Abrir mão de suas brincadeiras! Abrir mão de seu entretenimento!
- Aquilo não era um entretenimento de verdade. É por isso que quero que volte. Quero ir à casa daquele menino. Quero mostrar a ele o meu remorso. Quero dar-lhe dinheiro...
- Duvido que dinheiro possa compensar a perda de uma orelha.
- Vou fazer alguma coisa por ele. vou fazer uma promessa, Henrique. Se você voltar comigo, vou mudar. vou, sim. Já não sou um menino. De repente, percebi o quanto isso tudo era uma tolice. Um dia, serei o rei. Quero ser um bom rei. Quero ser como o grande Conquistador. Ele não teria saído pelo país fazendo brincadeiras cruéis com as pessoas.
- Ele jamais teria se tornado o grande governante que foi, se tivesse.
- Tem razão, Henrique. Sempre teve razão. Oh, eu dava ouvidos a Henrique, a Simon e a Guy de Montfort. Acho que eles queriam me diminuir aos olhos do povo. Eu fui um tolo. Dei ouvidos a eles. Isso acabou, Henrique. Você vai ver. Por isso, volte comigo, e nossa primeira tarefa será recompensar aquele pobre menino.
Henrique hesitou.
- Está sendo sincero, Eduardo?
Eduardo ergueu uma das mãos como se estivesse fazendo um juramento.
- Eu juro. De agora em diante, vou mudar meu comportamento. De agora em diante, vou começar meu treinamento. vou ser um grande rei, Henrique, quando chegar a minha vez. Meu nome será pronunciado junto ao dos maiores de meus ancestrais.
Henrique segurou a mão do primo.
- Eu vou voltar com você - disse ele.
Dois dias depois, a rainha foi procurar o filho num estado de grande excitação.
- Recebi notícias do rei - bradou ela. - Devemos nos preparar para irmos para junto dele. Eduardo, ele arranjou uma esposa para você
A comitiva real partiu para Portsmouth num quente dia de maio, e a rainha estava muito agitada com a perspectiva de voltar para junto do marido. Os sentimentos de Eduardo eram mistos. A perspectiva de um casamento não o desagradava, e as informações sobre a noiva eram promissoras. Henrique ia ficar com o pai, que, com a partida da rainha, assumia a regência por completo.
Sanchia foi com eles. Ficou triste por deixar o marido, mas tinha a compensação da companhia da irmã, e não poderia perder a oportunidade de visitar uma vez mais a família.
Henrique estava esperando, impaciente, a chegada deles em Bordeaux, muito angustiado com medo de que acontecesse algum desastre a eles; e quando viu a sua rainha, ficou louco de alegria.
Aquele foi o momento mais feliz desde que ele a deixara, disselhe ele. Os dois se abraçaram com ardor; depois, ele se voltou para o resto do grupo.
No castelo, um grande banquete havia sido preparado. O rei disse que nunca sentira maior vontade de comemorar alguma coisa. Queria saber o que a família andara fazendo e como ia a menininha Katharine. Pobrezinha, que pena ser criança demais para ter ido com eles!
Mais tarde, ele explicou a situação a Eleanor e a Eduardo.
Aquele casamento era necessário, se eles quisessem manter a Gasconha. O rei Alfonso, que assumira o trono pela morte do seu pai, Fernando III, estava sendo muito firme ao estabelecer as condições.
A pequena Eleanora de Castela, a futura esposa, era muito criança. Era filha de Fernando com Joana, condessa de Ponthieu - aquela dama a quem Henrique tratara com grosseria a fim de se casar com a rainha Eleanor. Joana, depois de ser desprezada por Henrique, casara-se com Fernando, que já tivera Alfonso de um casamento anterior. Assim, a jovem Eleanora era meio-irmã do novo rei, e ele estava com o controle do destino dela.
Ele a oferecera ao jovem Eduardo, e Henrique aceitara a oferta como a única saída da dificuldade em que se encontrava depois da briga com Simon de Montfort, que poderia ter-lhe custado a Gasconha.
Realizada a cerimónia de casamento, a Gasconha estaria segura para Henrique.
Era preciso admitir que Alfonso estava um pouco cínico com relação às intenções do rei da Inglaterra.
Aquilo não era de admirar. A mãe da jovem Eleanora fora pessimamente tratada por Henrique que, depois de ficar noivo dela, rompera de forma abrupta o contrato. Além do mais, a avó da jovem tinha sido a princesa Alice, que fora enviada à Inglaterra como a futura esposa de Ricardo Coração de Leão e fora seduzida pelo pai de Ricardo quando ainda era criança e mantida por ele como amante, de modo que o casamento que ela tinha ido à Inglaterra para fazer jamais acontecera.
Nada daquilo iria acontecer com a sua meio-irmã, determinou Alfonso; portanto, ela não deveria ir até Eduardo, mas Eduardo deveria ir até ela; ele deveria ir até Burgos, e se não chegasse lá no dia que Alfonso determinasse, o contrato seria rompido e ele invadiria a Gasconha.
Henrique disse:
- Está vendo em que situação nós estamos.
- Que sujeito arrogante! - bradou a rainha.
- E é, mesmo, minha querida. Mas nós estamos nas mãos dele. Se quisermos ficar com a Gasconha, Eduardo deverá estar em Burgos antes que o prazo expire.
- Ele estará lá - disse a rainha.
Não houve perda de tempo; assim que os contratos foram assinados e aceitos, Eleanor e Eduardo partiram para Burgos. A presença de Henrique era necessária em Bordeaux, de modo que ele não pôde acompanhá-los.
Atravessar os Pireneus era perigoso, mas pelo menos era verão, e a determinação da rainha era conhecida por todos.
O dia de São Miguel assinalava o fim do prazo que lhes fora concedido.
Eles chegaram no dia cinco de agosto, graças aos incansáveis esforços da rainha; e houve uma grande festa em Burgos.
A jovem infanta Eleanora viu a chegada do cortejo com a rainha cavalgando à frente, o filho a seu lado.
Aquele era Eduardo - que seria seu marido.
Seu coração saltou de emoção, pois ele era muito bonito. Ela ficou logo sabendo quem era ele, por causa dos cabelos muito louros e brilhantes. Havia um ar de distinção nele. Era muito jovem
- não muito mais velho do que ela; e ela achava que já que tinha de se casar e sair da casa dos pais, era preferível que fosse com aquele Eduardo, e não com qualquer outro.
A casa de seus pais nunca fora o paraíso que a rainha da Inglaterra e suas irmãs tinham tido. Em primeiro lugar, sua mãe não tinha sido a primeira mulher de seu pai. Fernando nunca estivera muito interessado por ela; o rebento favorito tinha sido Alfonso, muito naturalmente, filho de um casamento anterior, e Alfonso havia deixado muito claro, desde que se tornara rei, que governava todos eles.
Alfonso pouco ligava para sua meio-irmã, e considerava-a apenas um peão em seu jogo político. Mas ela era muito útil daquela vez, admitiu ele; e ficaria satisfeito ao vê-la como uma rainha da Inglaterra em potencial.
Os interesses dele estavam divididos entre a política e a astronomia, e ele era considerado muito inteligente. Na verdade, inventara tabelas relativas aos céus, que eram conhecidas como as tábuas alfonsinas de astronomia. Ele era conhecido como O Sábio, e seu conhecimento dos astros lhe havia granjeado um grande prestígio.
Por isso, tinha pouco tempo para dedicar a sua madrasta Joana e sua meio-irmã Eleanora, exceto quando elas lhe podiam ser úteis.
Joana, que tinha sido jogada de um noivo para outro, tinha dito à filha que era aquilo que uma infanta devia esperar; mas o rei da Inglaterra era notoriamente dedicado à esposa, e parecia provável que o filho também seria a mesma coisa para com a sua.
Portanto, como a pequena infanta não tivera a felicidade na infância que algumas outras tinham tido, pelo menos tinha a compensação de que não seria nenhum sofrimento sair de casa.
Desceu ao pátio. A mãe a levou pela mão. E ali estava ele, o menino de cabelos cor de linho, os olhos percorrendo ansiosos as pessoas reunidas, até que pararam nela.
Então, ele sorriu e ela ruborizou-se um pouco.
Seu coração deu saltos de alegria, porque ela leu nos olhos dele que ele não estava desapontado.
Eles se casaram. Ela não tivera muito tempo para conversar com ele antes da cerimónia, mas ele lhe dissera que se sentia feliz por ser seu marido. Ele falava um pouco a sua língua, e ela estudara a dele, de modo que não era difícil eles se comunicarem.
Ela achava que ele era o rapaz mais bonito que já vira - e não apenas bonito, mas diferente de todos os demais.
Ela sentia um certo respeito temeroso pela sogra, que era muito bonita e estava nitidamente decidida a conseguir as coisas a seu modo. As duas tinham o mesmo nome - ou quase. O da rainha tinha sido transformado em Eleanor, em vez do Eléanore de sua terra natal; e Eleanora, como se chamava a infanta agora, sem dúvida seria, disse-lhe a rainha, mudado para Eleanor quando ela fosse para a Inglaterra, porque os ingleses achavam que a sua maneira de fazer tudo - até mesmo grafar nomes - era melhor do que a de qualquer outro povo.
A infanta disse à rainha que não se importava da mudança que fizessem no seu nome, desde que gostassem dela.
Ao que a rainha resmungou e disse que eles eram um povo difícil, em especial os londrinos.
Mas Eduardo foi mais tranquilizador. O povo iria adorá-la, disse-lhe ele, porque ela era bonita e, além do mais, delicada. Ele também gostava da delicadeza dela. Na verdade, estava muito contente com o casamento.
Alfonso estava ansioso por mostrar à rainha inglesa que podia oferecer-lhe uma recepção tão boa, em Burgos, quanto ela oferecia na Inglaterra, e houve um rico banquete e um festival que foi mais pomposo do que os dados na Inglaterra. Eduardo ficou muito impressionado, mas mais do que tudo gostava de sentar-se ao lado de sua jovem esposa e deixar que ela lhe explicasse os costumes de seu país.
Alfonso concedeu a Eduardo o título de cavaleiro, e a pequena infanta ficou emocionada ao ver o belo Eduardo ajoelhar-se diante de seu meio-irmão.
Como a noiva era muito criança - estava apenas com dez anos de idade - não haveria consumação do casamento. Isso, disse Alfonso, podia esperar.
A rainha respondeu que a melhor maneira era deixar que aquelas coisas se resolvessem naturalmente; e de qualquer modo, a menina devia, primeiro, terminar sua educação, e isso teria a supervisão pessoal da rainha, que esta dera aos filhos.
Isso tudo ficou resolvido de modo a deixar Alfonso satisfeito, e por fim a comitiva partiu para Bordeaux, e dessa vez a noivinha seguiu com eles.
O rei ficou muito contente ao vê-los. Abraçou a rainha, o filho e a noivinha.
- Minha querida filhinha - disse ele -, que prazer eu sinto em lhe dar as boas-vindas a esta família!
Eleanora estava encantada. Era uma família muito agradável. O rei gostava muito de todos, e a mãe dela lhe dissera o quanto ele era importante. Ele governava um país grande. A rainha era delicada, desde que se fizesse o que ela queria. E Eduardo era muito galante e montava a cavalo com tamanha habilidade e era tão distinto, que ela exultava de orgulho ao observá-lo. E depois, havia a irmã da rainha, Lady Sanchia, e Edmund, que tinha a idade dela, e Beatrice, que era um pouco mais velha. Era uma família maravilhosa, e aquilo de que ela mais sentira falta - embora só tivesse percebido agora - era uma vida em família.
O rei estava decidido a dar a ela uma recepção calorosa, e a sua maneira de fazer isso foi dar um pomposo banquete em sua honra. Houve muito resmungo de protesto com relação ao custo desse banquete, e a infanta ouviu dizer que ele custara trezentos mil marcos, o que era uma quantia muito alta.
- Nós acharemos meios de levantar esse dinheiro - disse Henrique, alegre como sempre quando se tratava de gastar dinheiro; só quando surgia a necessidade de levantá-lo é que ele perdia a paciência e ficava irritadiço.
Eles ficaram em Bordeaux até o final do verão, e como fossem inventados festivais mais brilhantes para comemorar o casamento, os amigos do rei foram ficando cada vez mais preocupados quando pensavam nos custos.
Henrique continuava a considerar tudo aquilo uma coisa de somenos importância, e por fim resolveu que eles deixariam Bordeaux e iniciariam a viagem de volta para casa. Primeiro, porém, ele e a rainha fariam uma peregrinação ao santuário de S. Edmund, que tinha sido o seu arcebispo de Canterbury até morrer e tinha sido enterrado em Pontigny. Edmund sempre fora um homem desagradável, sendo tão santo que, enquanto fazia uma penitência contínua pelos seus pecados, tinha o hábito de aumentar os pecados dos outros.
Depois de prestar suas homenagens ao falecido S. Edmund, eles se sentiram muito melhor com relação a todo o dinheiro que tinham andado gastando e seguiram viagem para Fontevrault, onde Henrique ordenou que o corpo de sua mãe fosse retirado da sepultura no cemitério e colocado na igreja. Mandou que uma campa fosse colocada sobre ele.
Àquela altura, ele se sentia muito virtuoso.
A rainha não coube em si de contente quando chegaram mensagens do rei da França dizendo que ficaria ofendido se a comitiva não fosse até Paris e não lhe desse o prazer de hospedá-la.
A rainha, agora, iria ter o maior dos prazeres, porque na corte da França estaria com suas três irmãs.
Houve um grande júbilo quando a comitiva chegou a Paris e, para agradar à esposa, Luís insistiu em dar ao grupo inglês os melhores aposentos de que dispunha. Isso foi no Templo, que era a sede dos Cavaleiros Templários na França e era um palácio magnífico.
Foi um momento maravilhoso quando Eleanor foi recebida pela irmã Marguerite, que acabara de voltar da Terra Santa, onde acompanhara o marido; e com ela estava Beatrice, agora condessa de Anjou, por ter-se casado com Carlos, o irmão de Luís.
Para aumentar a alegria, a condesssa de Provence, ao saber que Eleanor e Sanchia estariam em Paris, decidira juntar-se a elas. De modo que as quatro irmãs e sua mãe estavam juntas.
- Só falta uma pessoa - disse Marguerite. - Nosso querido pai.
- Não devemos nos lamentar - disse a condessa de Provence. - Ele teria ficado muito contente por nos ver assim, e talvez possa estar. Enquanto nos lembramos dele, fiquemos felizes pela companhia umas das outras.
Henrique, decidido a angariar popularidade - e também a mostrar aos franceses que era um rei rico -, passou a sua primeira manhã em Paris distribuindo esmolas aos pobres. Isso garantiu sua popularidade e significou que ele era ovacionado aonde quer que fosse.
- Sei o quanto você está feliz, minha adorada - disse ele a Eleanor - e vou dar um grande banquete, para o qual convidarei toda a nobreza da França. vou mostrar ao mundo o quanto reverencio a sua família.
- Você é o melhor marido do mundo - bradou Eleanor. Quanto mais observo os homens com quem minhas irmãs se casaram, mais eu sei o quanto sou afortunada.
Aquele era o tipo de observação que deixava Henrique encantado, e Eleanor gostava de fazê-la. Ela estava deixando subentendida uma crítica a Luís, a Carlos de Anjou e a Ricardo de Cornualha, os maridos de suas irmãs. Claro que ele e Luís eram reis e, portanto, agradáveis, e ele ficava um pouco magoado ao ouvir os cumprimentos que pareciam ser dirigidos em grande quantidade a Luís e ao testemunhar como o povo parecia reverenciá-lo quando ele saía.
- O povo dele é mais expansivo do que o nosso - disse ele. - O meu povo não é tão afetivo para comigo.
- Luís acaba de voltar de uma cruzada - replicou Eleanor.
- Isso faz com que o povo o considere um santo.
Mas não era só isso. Havia uma humildade em Luís IX que, aliada à dignidade, colocava-o em destaque. Havia compaixão nele. Aquele era um rei que se importava com
o povo. Ele nunca os oprimiria com impostos para atender a suas necessidades. Luís dava pouca importância ao esplendor de seu cargo; não ligava muito para festivais. Ligava para o povo, para o que ele estava pensando, e para a maneira pela qual poderia melhorar suas condições.
Era muito duro, pensava Eleanor, quando sua irmã Marguerite lhe falava sobre ele. Marguerite era totalmente dedicada ao seu santo e estava sempre entoando loas a ele, quando estava claro para Eleanor que Luís não a idolatrava como Henrique idolatrava a sua rainha.
As quatro irmãs sentavam-se juntas, caminhavam juntas, participavam da tapeçaria que Marguerite estava fazendo, conversavam, e em pensamento voltavam a Lês Baux.
Era como ser criança outra vez, e era impressionante como voltavam aos seus papéis de subserviência a Eleanor.
- Você se lembra... - A frase estava sempre sendo dita, e elas falavam sobre o passado, rindo, sendo jovens novamente.
Depois, falavam do presente, e da mudança em suas vidas desde a época na Provence. Marguerite fora a que mais se arriscara, pois estivera com Luís na Terra Santa.
- Eu não o deixaria ir sozinho - disse ela. - Insisti. A mãe dele não queria que ele fosse. Ninguém queria que ele fosse. Achavam que devia ficar aqui e governar o seu reino. Lembro-me do dia em que ele ficou tão doente, que pensávamos que tivesse morrido. Eu me lembro de que ele ficou na cama e que uma das criadas quis cobrir o rosto dele com um lençol porque achava que ele estava morto. Mas não deixei. Eu não queria acreditar que ele tivesse morrido. Proibi que lhe cobrissem o rosto. Disse em voz alta: "Ainda há vida nele", e então ele falou... numa estranha voz cavernosa, como se estivesse muito longe. Ele disse: "Ele, pela graça de Deus, me visitou. Aquele que vem lá de cima chamou-me dos mortos." Depois, mandou chamar o bispo de Paris e lhe disse: "Coloque sobre o meu ombro a cruz da viagem além-mar," Nós sabíamos o que aquilo significava. A mãe dele e eu nos entreolhamos, e embora ela tentasse me isolar e eu não gostasse dela, pois temia que ela tivesse mágoa pelo amor dele por mim e o quisesse só para ela, naquele caso estávamos de acordo, porque sabíamos o que Luís queria dizer. Ele iria participar de uma cruzada. Imploramos para que não fizesse juramento algum enquanto não estivesse bom, mas ele não quis aceitar alimento algum enquanto não recebesse a cruz. Lembro-me o quanto a mãe dele lamentou. O rosto dela ficou branco, e ela parecia uma mulher que tinha recebido uma sentença de morte. Ele pegou a cruz e a beijou, e quando a mãe me levou para fora do quarto, ela me disse: "Preciso chorar por ele agora como se ele tivesse morrido, pois dentro em breve irei perdê-lo." Ela queria dizer, é claro, que se ele partisse numa cruzada ela morreria antes de ele voltar.
- Você não gostava muito dela - disse Eleanor. - Ela estava sempre decidida a deixá-la de lado.
- A princípio, fiquei ofendida. Mas depois compreendi. Ela o amava tanto... não podia suportar que alguém viesse antes dela na preferência dele. Ele era a sua vida. A vida nada significaria para ela se ela o perdesse.
- E então ele partiu - disse Sanchia - e você foi com ele.
- Isso foi só três anos depois, mas eu sabia que aquilo estava na mente dele. Ele falava comigo sobre isso. Tivera uma visão quando estivera perto da morte, e acreditava ter sido mandado de volta à Terra para cumprir uma finalidade. Tinha de ir à Terra Santa, porque era uma ordem de Deus.
- Dizem que ele é santo - disse Sanchia.
- E com razão - respondeu Marguerite.
- Eu preferiria ser casada com um homem - retrucou Eleanor.
- Luís é homem - replicou Marguerite. - Não tenha dúvida. Ele pode ter um acesso de raiva, mas na maioria das vezes com relação a uma injustiça. Ele não quer prejudicar ninguém. Quer fazer as pessoas boas e felizes...
Eleanor bocejou de leve. Começou a falar com elas sobre as festas maravilhosas que Henrique dera em Bordeaux para comemorar o casamento de Eduardo com a pequena infanta.
Beatrice, cujo marido participara da cruzada com Luís, levou o assunto de volta à grande cruzada e disse que eles tinham ficado muito contentes quando ela acabou.
- Foi uma fase terrível - disse-lhes Marguerite. - Muitas vezes achei que seríamos todos mortos. Luís ficou no dilema entre a necessidade de participar da cruzada e governar o país. Disse que o avô sentira a mesma coisa quando fora à Terra Santa com a sua rainha.
- Ela teve algumas aventuras galantes, creio eu - disse Eleanor. Eu sempre me interessei por ela, porque temos o mesmo nome.
- Eleanor de Aquitânia - murmurou Beatrice.
- Avó de meu marido - acrescentou Eleanor. - Acho que eu gostaria de participar de uma cruzada.
- É muito emocionante quando se planeja ir - disse Marguerite. - É menos emocionante quando você chega. - Ela teve um estremecimento. - Espero que Luís nunca decida ir outra vez, eu jamais esquecerei a angústia da mãe dele quando ele partiu. Ela sabia que nunca mais voltaria a vê-lo. Foi uma premonição. Posso ouvir a voz dela, agora, e ver seus olhos azuis, em geral frios como gelo, embaciados e depois ternos de amor por ele. Ela disse: "Meu belíssimo filho, meu terno menino, eu jamais o verei outra vez. Meu coração me garante isso muito bem." E não viu, mesmo. Quatro anos depois, ela morreu e nós ainda estávamos lá. Foi devido à morte dela que nós voltamos. Luís achou que o seu dever era esse. Achou que era um sinal de Deus para que ele voltasse para casa.
- E o tempo todo que você esteve lá, pobre Marguerite, Sanchia e eu vivíamos com conforto na Inglaterra.
- É maravilhoso vocês duas estarem juntas - disse Marguerite.
- Não parece um padrão profético? - perguntou Beatrice.
- Duas irmãs para dois irmãos, e mais duas irmãs para mais dois irmãos. Será que isso já aconteceu antes em algumas famílias?
- Nós, as mais velhas, ficamos com os reis - disse Eleanor.
- Romeo dizia que iria arranjar reis para todas nós - lembrou Beatrice.
- Romeo era um fanfarrão - disse Sanchia.
- Ora, nós todas podemos nos congratular - acrescentou Eleanor -, pois no final das contas éramos muito pobres, não éramos?, e tínhamos pouca coisa a nosso favor, a não ser a beleza e a inteligência.
- Não apenas vocês duas se casaram com reis - disse Beatrice -, mas esses reis as amaram e têm sido maridos fiéis. É isso que me parece estranho. Não se espera que um rei ame sua esposa e lhe seja fiel.
- Luís é um santo - disse Marguerite.
- E Henrique lhe dirá que eu sou a mulher perfeita - acrescentou Eleanor, num tom alegre.
E então elas começaram a falar sobre os seus maridos; Marguerite, sobre a piedade de Luís; Eleanor, da devoção de Henrique para com ela e com sua família; Sanchia, da letargia de Ricardo, que o atacava de repente e com a mesma rapidez ia embora, deixando-o ansioso por fazer alguma coisa, que talvez ele não conseguisse fazer devido a uma volta da letargia; Beatrice, do mau génio do marido, que era súbito e violento. Marguerite confirmou com um gesto da cabeça. Estava claro que ela não gostava muito do marido de Beatrice. Eleanor desconfiou que o marido de Sanchia nem sempre era fiel, e ficou surpresa pelo fato de que as duas que tinham feito os casamentos mais brilhantes devessem também ser as mais felizes.
Mas não podia evitar sentir uma certa rivalidade com Marguerite. Queria que o rei da Inglaterra brilhasse com uma intensidade maior do que a do rei da França. Queria que as festas e banquetes dados por ele fossem os mais extravagantes. Sabia que seriam, porque ela iria transmitir o seu desejo a Henrique e ele faria tudo para agradá-la. Além do mais, Luís não dava muita importância ao esplendor.
Oh, era maravilhoso estar com as irmãs, conversar e conversar sobre o passado, o presente e o futuro.
E como sempre, parecia que Eleanor é que era brilhante, aquela que conseguia o que queria.
Apesar de seus casamentos e de todas as suas experiências, elas ainda respeitavam Eleanor, a mais bonita e mais inteligente da família.
Eduardo estava feliz. Parara de pensar no menino mutilado. Se pensava, era para considerá-lo como um farol ardente em sua vida. Por intermédio dele, percebera a loucura do seu comportamento. Iria começar uma nova vida, aprender a ser um grande rei. Tinha uma jovem esposa que começava a adorá-lo. Ela era apenas uma criança, e ele estava contente por causa disso, porque a juventude dela o fazia parecer maduro e esplêndido aos olhos dela. Ele era bondoso e delicado para com ela; era galante, cortês, tudo o que um cavaleiro devia ser para a sua dama. Cavalgava ao lado dela, pronto a defendê-la, garantir que ela fosse tratada com o máximo de cortesia; conversava com ela sobre a Inglaterra e os cuidados que teria com ela e dizia-lhe que ela jamais teria alguma coisa a temer, com ele para tomar conta dela.
A pequena infanta nunca fora tão adorada. Não era de admirar que se apaixonasse pelo belo marido.
Henrique e Eleanor estavam encantados, e Henrique disse à menina que ela era, agora, membro da família, que era a melhor família do mundo porque todo aquele que se achava naquele círculo mágico era amado pelos demais.
A rainha era menos efusiva, mas deixava perfeitamente claro que idolatrava Eduardo e que se Eduardo gostava de sua pequenina esposa e se sentia feliz com ela, a rainha também gostaria dela.
Foi uma revelação maravilhosa para a garotinha.
Quanto a Eduardo, queria falar sempre sobre a cruzada. Admirava o rei da França, não pelas histórias que ouvia sobre sua bondade para com o povo, mas por ele ter tomado da cruz e ter ido à Terra Santa.
Ele suplicava ao rei para que lhe falasse sobre a cruzada, e Luís sentava-se a seu lado ou caminhava com ele pelos jardins do palácio e falava.
Contou a Eduardo que, depois de ter recebido a auriflama, a sacola de peregrino e o bastão em St. Denis, ele se despediu de sua mãe e foi para Aigues Mortes, onde sua frota estava reunida, e se fez à vela, chegando primeiro a Chipre, que era o ponto de encontro para as forças da expedição. Seu navio era o Mountjoy, e nele tremulava aquela bandeira de seda vermelha dividida em pontos e hasteada num mastro dourado que era a auriflama - a insígnia real da França. Eles partiram, e os ventos foram tão violentos, que muitos dos navios foram dispersados. Era o mês de junho - um ano depois que ele saíra da França - quando eles chegaram diante de Damietta.
- Todos os líderes vieram a bordo do Mountjoy - disse Luís
- e lá eu conversei com eles. Eles me consideravam como um líder porque era o rei da França, e eu lhes disse que era um homem normal, tão vulnerável quanto eles. Talvez Deus tivesse decidido levarme nesta luta. Poderia ser tanto eu como qualquer outro homem. "Se formos derrotados", disse eu, "ganharemos o nosso caminho para o céu na qualidade de mártires, e se formos os conquistadores, os homens irão celebrar a glória de Deus. Nós lutamos por Crista É Cristo que irá triunfar em nós, não por nós, mas pela santidade do Seu santo nome."
- E Vossa Majestade guerreou os sarracenos e ganhou a batalha. Trouxe uma grande glória para a França.
- Eu voltei - disse Luís. - Mas não foi uma grande vitória, nada disso. Os homens partem para a Terra Santa cheios de boas intenções. Muitas vezes ficam surpresos pelo que encontram. Há que se suportar um grande sofrimento. A vitória é ilusória. Ouvi homens desiludidos dizerem que parece que Deus luta do lado dos sarracenos, e não dos cristãos.
- Por favor, majestade, fale mais.
- Vejo que tem a aventura no olhar, Sr. Eduardo. A nossa vitória não foi gloriosa coisa nenhuma para a cristandade. Tomamos Damietta com a maior facilidade. Devíamos ter continuado. Tínhamos demorado demais em Chipre, e agora esperávamos em Damietta. Eu acreditava que mais cruzados iriam juntar-se a nós. Havia muita rebeldia. Aqueles que tinham ajudado a ocupar Damietta queriam descansar lá. Festejavam, viviam do butim que tinham tirado. Roubavam as mulheres e os tesouros da cidade. Eu protestava, mas eles não me davam atenção. Os soldados que lutaram e conseguiram a vitória exigem recompensas. Foi o que fizeram os soldados em Damietta. Quando ficaram prontos para marchar, os muçulmanos estavam preparados para nos receberem. Houve uma batalha em Mansourah - cerca de vinte léguas de Damietta. Meu irmão Robert, conde de Artois, chefiou as forças avançadas.
Luís cobriu os olhos com as mãos e Virou para o outro lado.
- Por favor, continue, majestade - insistiu Eduardo.
- Mas estou certo de que não quer ouvir essas histórias tristes. Elas não são contos de bravura.
- Eu quero saber, sim - disse Eduardo. - Estou ansioso por ouvir falar de sua cruzada.
- No início, meu irmão obteve uma vitória fácil. Infelizmente, ficou demasiado confiante. Mandei que esperasse por mim com o resto de minhas forças, mas ele ficou impaciente. Saiu em perseguição do inimigo, mas os sarracenos tinham tornado a se formar e se reorganizado, e tinham recebido a adesão de terceiros. Meu irmão foi cercado. Caiu com várias perfurações. Ele sempre fora impetuoso. E assim perdi um irmão.
- Mas Vossa Majestade derrotou os sarracenos. Luís abanou a cabeça.
- Conseguimos nos defender... nada mais. Tivemos que recuar e entregar Damietta. Não foi nada de vitória gloriosa. Meus homens estavam doentes e morrendo. Chegaram notícias da França.
Meu reino estava ameaçado pelos ingleses. Se eu deixasse a Terra Santa, muitos cristãos que estavam vivendo lá correriam perigo. Por isso, perguntei aos que estavam comigo que decisão eles achavam que eu deveria tomar.
- Vossa Majestade é o rei. Vossa Majestade é que toma as decisões - disse Eduardo.
- Eu sempre achei que aqueles que participavam de minhas derrotas e vitórias deviam dar sua opinião. Mas a opinião deles estava dividida, como acontecia com a minha, e no final decidi ficar mais algum tempo. Meu grande sonho era recuperar Jerusalém para a cristandade. Por isso, fiquei, e durante quatro anos percorri as costas da Palestina e da Síria e assumi o trabalho de socorrer os doentes e tornar a vida possível para a população de lá. Tudo o que eu estava fazendo era manter a cidadela cristã. Meu sonho de tomar Jerusalém quase se realizou, como aconteceu com o meu tioavô Ricardo Coração de Leão, que esteve muito perto de trazê-la para a cristandade e fracassou. Então, recebi a notícia de que minha mãe tinha morrido, e percebi, então, que devia voltar para a França.
- Majestade - disse Eduardo -, eu vou participar de uma cruzada.
- Este é o sonho de muitos jovens.
- Para mim, será um sonho tornado realidade - disse Eduardo, com fervor; e foi como se tivesse feito um juramento.
A Infeliz Rainha da Escócia
ENQUANTO A COMITIVA INGLESA estava em Paris, o papa Inocêncio IV enviou uma mensagem a Henrique que lhe deu uma imensa satisfação. Inocêncio, que estava em conflito
com Manfredo, o rei da Sicília, filho ilegítimo do imperador Frederico II, precisava de dinheiro para levar adiante sua guerra, e estava decidido a depor Manfredo. Henrique parecia ter um jeito de levantar dinheiro quando precisava, e Inocêncio achava que ele poderia ajudar no conflito siciliano. Claro que Henrique deveria ser recompensado pela ajuda; e foi essa recompensa que deu aquele prazer a Henrique. Ele levou logo a notícia para Eleanor.
- Querida, veja este anel que o papa mandou. Eleanor apanhou-o e o colocou na palma da mão.
- Por que ele mandou? - perguntou ela.
- Ah, minha querida, ele tem um significado especial. É para o rei da Sicília. Você parece intrigada, e deve estar, mesmo. O papa está em guerra com a Sicília. Vai destronar Manfredo. Em troca de ajuda, ele me envia este anel, que será colocado no rei da Sicília que tiver acabado de ser nomeado.
- E quem...?
- Um de meus filhos, diz ele. Eleanor sorriu.
- Eduardo... - começou ela.
- Minha adorada, Eduardo tem a Inglaterra. Vai recuperar grande parte da França. Pensei na Sicília para Edmund. Então você terá dois filhos reis, minha querida.
Eleanor soltou uma gargalhada.
- Tem razão - disse ela. - Tem que ser a Sicília para Edmund.
Henrique ofereceu de imediato um banquete especial para comemorar a elevação do filho ao trono da Sicília. Houve um certo resmungar entre os membros de sua comitiva a respeito da forma pela qual a coroa da Sicília seria paga. Mais impostos. Será que o povo iria suportar? Essa era a questão. O rei não parecia perceber que o povo estava ficando perigosamente inquieto.
Enquanto isso, houve uma esplêndida comemoração. Eleanor insistiu para que o filho caçula usasse o traje siciliano, e todos declararam que ele ficava muito bem.
Afinal, chegou a hora de voltar para a Inglaterra. O rei e a rainha da França, juntamente com a sua corte, acompanharam-nos por um dia, e a comitiva inglesa continuou a caminho da costa. Num frio dia de janeiro, atravessou para Dover e preparou-se para fazer a viagem até Londres.
Houve uma entrada cerimonial na capital, onde foi dado ao rei o tradicional presente de cem libras. Aquilo parecia, reclamou Henrique ao prefeito, uma dádiva muito pequena, quando se considerava que ele estivera ausente por tanto tempo tratando de assunto de interesse do país. O prefeito consultou os comerciantes, e surgiu uma bela peça folheada. A beleza da peça o agradou, mas ele continuou desapontado.
- O povo de Londres tinha que estragar a recepção dada a mim - resmungou ele para Eleanor.
Henrique e Eleanor, por mais que tivessem gostado das homenagens prestadas pela corte da França, estavam encantados por estar de volta.
A primeira coisa que Eleanor fez foi correr para a ala infantil, a fim de ver a filhinha Katharine. A menina era muito bonitinha e saudável, e ela ficou imaginando por que as amas tinham um ar um tanto apreensivo.
- Alguma coisa errada? - perguntou a rainha. - A menina está doente?
- Não é bem isso, majestade, mas...
Uma angústia temerosa tomou conta da rainha. Enquanto ela gozava a vida na França, nem tudo estava bem com a sua filhinha.
- Vamos - bradou ela, ríspida -, digam. Não ousem esconder nada.
- Majestade, a menina não fala.
- Você está dizendo... que ela não...
- Parece, majestade, que ela é muda.
Eleanor tomou a criança nos braços e abraçou-a com força. Murmurou por cima da cabeça dela.
- Minha filhinha Katharine... Isto acontecer... e eu sem saber. Beijou a criança com fervor. Katharine respondeu com um sorriso, delicadamente amorosa, mas muda.
A rainha derramou muitas lágrimas. Recriminou a si mesma.
- Minha adorada - disse Henrique -, não havia nada que você pudesse ter feito se estivesse aqui.
Eleanor não podia ser consolada. O fato de a filha não ser perfeita a deixava chocada; e enquanto lamentava a situação de Katharine, ela começou a ficar apreensiva com relação à filha mais velha, Margaret.
- Já faz muito tempo que não temos notícias dela. Ela era criança demais para ir embora. Alexandre não passa de um menino. Henrique, preciso ver Margaret. Voltar para casa e encontrar Katharine nesse estado me deixou amedrontada.
Henrique apressou-se a acalmá-la.
- vou mandar agora mesmo um recado para a Escócia, dizendo a eles que Margaret deverá fazer-nos uma visita. Talvez pudéssemos ir até York e nos reunirmos lá.
- Façamos isso imediatamente. Não terei um momento de paz enquanto não tiver visto nossa filha.
- Você se deixou ficar com medo por causa disso...
- Talvez. Mas tenho uma sensibilidade em relação às crianças. Acredito que se qualquer uma delas estiver em perigo, eu deverei saber. E estou muito apreensiva quanto a Margaret.
- Os mensageiros partirão logo.
A rainha não conseguia dedicar-se a coisa alguma enquanto aguardava notícias da Escócia. Quando chegaram, foram desconcertantes. Não havia nada de Margaret em pessoa, mas os guardiães do rei e da rainha, Robert de Ros e John Baliol, mandavam dizer que era inteiramente impossível a rainha Margaret sair da Escócia naquele momento.
Aquilo deixou a rainha em pânico.
- Alguma coisa está errada. Eu sei. Oh, Henrique, por que nós a deixamos ir para aquela terra fria?
- O casamento era necessário, se quiséssemos manter a paz na fronteira. Mas estou começando a ficar aflito também.
- O que podemos fazer?
- Se eles se recusam a permitir que ela venha à Inglaterra, nada podemos fazer. Teríamos que declarar guerra e...
- Então, vamos declarar guerra - disse a rainha, enfática. Henrique passou um braço tranquilizante pelos ombros dela.
- É bem provável, querida, que você esteja se preocupando indevidamente. Temos que descobrir por que Margaret não escreve e por que é impossível ela vir nos visitar. Mas temos que fazer isso com cuidado.
- Já sei - disse Eleanor. - vou mandar um de nossos médicos até lá, para visitá-la. Eles não podem impedir a entrada dele no castelo. Se ele me trouxer boas notícias sobre a saúde dela e um recado dela dizendo que está feliz, ficarei tranquila.
O rei concordou que a ideia era boa, e eles mandaram chamar Reginald de Bath, que era o melhor médico que conheciam.
- Você vai partir imediatamente para Edimburgo - disse Eleanor. - Lá, irá até o castelo. Falará com a rainha da Escócia e dirá a ela que vai em nome do rei e da rainha da Inglaterra e quer ouvir de seus próprios lábios que está tudo bem. E vou querer um relatório sobre a saúde dela.
Reginald partiu na mesma hora.
Como os dias eram longos e monótonos, e como Margaret ansiava pelos tempos felizes de sua infância! Ela odiava a Escócia. Quanto ao marido Alexandre, que era mais moço do que ela, ele poderia ter sido uma boa companhia, mas só raramente permitiam que ela o visse. O castelo de Edimburgo era austero e sombrio como aqueles que se haviam colocado como seus guardiães. Ela ansiava por Windsor e por ter os queridíssimos pais sempre por perto, sempre prontos a ouvir. Queria a companhia briguenta dos meninos - muito embora eles a tivessem tratado com desdém por ser mulher e raramente a deixassem participar das brincadeiras -, queria Beatrice e o jovem Edmund. Queria olhar pelas janelas e ver Eduardo dominando os outros com os cabelos claros como linho oscilando ao vento e as compridas pernas colocando-o acima de todos os demais.
Ela queria voltar para casa.
A partir do momento em que ela vira o castelo, ele parecera uma prisão. Construído sobre um rochedo; cinzento e ameaçador, era mais sinistro do que a torre de Londres. Era um lugar triste e solitário; não havia campos verdes e jardins à sua volta; era insalubre, disso ela tinha certeza, porque tinha se sentido indisposta desde que chegara. Mas talvez se tratasse de saudade de casa.
Ela odiava as longas aulas que Matilda de Cantelupe, a governanta que raramente sorria e que nunca a cumprimentava, por mais que ela se esforçasse nos estudos. Às vezes, ela trabalhava muito para fazer com que os dias passassem mais depressa. Alexandre ficava numa outra parte do castelo, e os guardiães dos dois, aqueles austeros Robert de Ros e John Baliol, visitavam-nos de vez em quando. Faziam a ela perguntas sobre a Inglaterra e queriam saber se alguma comunicação tinha chegado até ela às escondidas.
Sim, ela era realmente uma prisioneira.
Todos os dias, caminhava pelo parapeito do castelo com Matilda de Cantelupe, que ficava perto dela quase como se temesse que ela fugisse.
Às vezes, Alexandre tinha permissão para caminhar ao lado dela, mas nunca a ponto de os dois poderem trocar confidências. Os dois nunca podiam dizer uma só palavra um ao outro longe dos ouvidos de um dos carcereiros.
Ela escrevia para os pais, mas as cartas eram tiradas dela e, como não havia resposta, ela se perguntava se teriam chegado até eles. Sabia que os pais iriam escrever, mas também nunca recebera cartas deles.
Às vezes ela ficava muito zangada e perguntava a Matilda por que era tratada daquela maneira. A resposta de Matilda era:
- Vossa Majestade é bem tratada. É alimentada e bem assistida. Cuidamos de sua educação. O que quer mais?
- Quero ser livre. Sou a rainha da Escócia.
- Então devo lhe pedir que se comporte como a rainha da Escócia.
- Como é que ela deveria se comportar? Deveria deixar que a tratassem como uma prisioneira?
- Isso é um absurdo. Este quarto é uma masmorra?
- Não, mas mesmo assim é uma prisão. Por que eles me tratam desta maneira?
- Vossa Majestade está sendo criada para ser a rainha da Escócia.
- Neste caso, eu preferiria ser uma humilde criada camponesa, pois estou certa de que ela seria mais feliz do que eu.
- Vossa Majestade está dizendo bobagem.
Margaret deu um pontapé num escabelo e fez com que ele deslizasse pelo quarto. Matilda agarrou-lhe o braço com tanta firmeza que Margaret gritou de dor.
- Tire as mãos de mim - gritou ela. - Não se esqueça de que sou filha do rei da Inglaterra.
- Nós não nos esquecemos disso. Por favor, fique calma. Acho que Vossa Majestade está sofrendo de loucura.
Oh, Deus me ajude, rezou Margaret, será que eles vão fingir que fiquei maluca? O que farão comigo, então?
Ficou em silêncio.
Como era difícil saber o que fazer quando se tinha apenas quinze anos!
Ela pensava muito nos pais e em todo o amor que lhe tinha sido dedicado quando era criança. Se eles soubessem, ficariam muito zangados. Iriam até lá e a levariam embora. Ela sabia que ao casála com Alexandre eles tinham feito as pazes com os escoceses, mas que declarariam guerra se soubessem que era daquela maneira que os escoceses a estavam tratando.
O que ela poderia fazer? Não teria quinze anos para sempre. Alexandre era moço. Ele ajudaria, se pudesse, mas eles o tratavam da mesma forma.
A saudade de casa a obcecava. Ela foi tomada por uma grande melancolia. Se ouvia a menção do nome "Inglaterra", debulhavase logo em lágrimas, tal era a ânsia por estar em sua terra e com os seus.
Começou a sentir-se doente e apática. Comia muito pouco e ficou pálida e magra.
Matilda ficava zangada com ela, o mesmo acontecendo com aqueles temíveis homens que iam visitá-la com mais frequência. Mas eles não podiam fazer com que ela comesse, se não quisesse.
- Vossa Majestade é ingrata - censurou Matilda. - Nós fazemos o melhor possível, e de que forma Vossa Majestade nos recompensa?
- Se isso é o melhor que vocês podem fazer, não posso imaginar o pior - respondeu Margaret
- O que quer, então?
- Sair desta prisão. Ir para casa.
- Sua casa é aqui. Vossa Majestade tem um marido, agora.
- Ele não é meu marido. Ele é prisioneiro de vocês... como eu. Odeio todos vocês. Quero voltar para a Inglaterra. Quero minha mãe e meu pai.
- Isso é choro de criança - disse Matilda, implacável.
Sentada à janela, ela olhava para o campo. Não havia como fugir do castelo. Às vezes, sonhava que seu irmão Eduardo chegava, ou o primo Henrique. Eles eram perfeitos cavaleiros, e antigamente teriam gostado muito de brincar de salvar damas prisioneiras.
Seria maravilhoso ver o irmão chegando a cavalo ao castelo, com o seu estandarte tremulando ao vento. Ela imaginou a cena. "Vim para levar minha irmã para casa." Ele daria um empurrão em Ros e Baliol. Riria de Matilda de Cantelupe. Tomaria a irmã nos braços e a colocaria montada em seu cavalo. Ela quase podia sentir-se saindo voando com Eduardo, rindo enquanto galopavam, e cantando alguma canção sobre resgate e aventura.
Alguns meses atrás, Matilda lhe dissera que seus pais estavam na França e que Eduardo estava com eles. Ele se casara com a meioirmã do rei de Castela. Tinha havido comemorações, festanças e muita extravagância.
Por que ela lhe dissera aquilo? Só podia ser para fazer com que sua prisioneira sentisse mais vontade de estar com eles.
Eles se esqueceram de mim, pensou ela. Estão comemorando o casamento de Eduardo. Sorte de Eduardo, que não terá que sair de casa porque se casou. Que tipo de mulher seria a esposa dele? Estaria indo para um lar feliz. O rei e a rainha jamais seriam indelicados para com os jovens. Iriam receber a mulher de Eduardo com os braços abertos. Menina feliz, por entrar para uma família daquelas.
Quando ela passeara a pé com Alexandre, ele tentara consolá-la.
- Não será sempre assim - garantiu ele. - É só porque eu ainda não tenho idade suficiente para ser um rei como deverei ser, e estamos numa regência.
Talvez então aquilo chegasse ao fim. Mas ele ainda tinha que esperar muito tempo até poder ser considerado com idade para ser um rei de verdade.
Enquanto se achava sentada, desconsolada, à janela, ela viu um grupo de cavaleiros dirigindo-se ao castelo. Ficou logo alerta.
Viu o grupo subir a ladeira e entrar pelo portão. Ouviu as patas dos cavalos retinindo nas pedras.
Ficou ciente da tensão que havia no castelo e sabia que algo de extraordinário estava acontecendo. Qualquer agitação era bemvinda naquela vida insípida, e sempre havia a esperança de que os visitantes tivessem vindo da Inglaterra.
Passos na escada de pedra! Eles estavam indo para lá.
Ela se levantou quando a porta se abriu.
Um homem entrou no quarto. Matilda de Cantelupe pairava atrás dele, indecisa.
- Venho por ordem da rainha da Inglaterra - disse o homem, e Margaret teve a sensação de que estava desmaiando de alívio.
- Seja bem-vindo - gaguejou ela. - Como... como vai minha mãe?
- Sua mãe passa bem e está ansiosa por notícias suas. Oh, Deus, pensou Margaret, o Senhor ouviu minhas orações.
Eu sabia que ela iria enviar alguém. Ela jamais se esqueceria de mim. A melancolia abandonou-a.
- Deixe-nos - disse ela a Matilda. Matilda replicou:
- Eu acho, majestade...
O homem demonstrou assombro.
- Madame, não ouviu a ordem da rainha da Escócia?
- Eu tenho ordens para...
- A senhora acabou de ouvir suas ordens da própria rainha. O que eu tenho a dizer à rainha, quero dizer apenas a ela.
Havia no homem um tal ar de autoridade que Matilda hesitou. Suas ordens seriam no sentido de não permitir que um mensageiro vindo da Inglaterra ficasse a sós com a rainha. Ela sabia disso. Por outro lado, era óbvio que aquilo iria dar uma impressão ainda pior do que se a rainha reclamasse do tratamento que davam a ela. Decidiu deixá-los a sós e enviar imediatamente uma mensagem aos seus superiores, de Ros e Baliol.
Quando ficaram a sós, Margaret correu para o visitante e estendeu-lhe a mão.
- É um grande prazer vê-lo. O senhor vem a mando de minha mãe. Que mensagens me traz? Diga logo, antes de sermos perturbados.
- Sua mãe tem sentido uma grande angústia em relação a Vossa Majestade. Ela temia que nem tudo poderia estar bem.
- Oh, eu sabia que ela sentiria isso. Minha adorada, adorada mãe. Ela jamais abandonaria qualquer um de nós. Meu querido pai também não.
- Ele também está preocupado. Eles não tiveram notícia alguma sua.
- Mas eu tenho escrito com frequência. Eu também não tive notícia deles.
- Trata-se realmente de uma conspiração. Eles têm mandado cartas a Vossa Majestade, e nada receberam de sua parte. Elas devem ter sido interceptadas. Sua mãe quer um relatório sobre a sua saúde. Eu sou médico. Vossa Majestade deve ter ouvido falar em mim. Reginald de Bath.
- Mas claro - bradou Margaret, emocionada.
- Tenho de levar um relatório sobre a sua saúde, e temo que ela tenha sido prejudicada por este lugar.
- Estou muito cansada. Não tenho apetite. Aqui é tão frio e desanimado! Fico doente no inverno. Às vezes só sinto vontade de me deitar e chorar. Estou ansiosa por voltar para casa.
- vou dizer isso a sua mãe. Como é que vive aqui?
- Como uma prisioneira. Só tenho permissão para caminhar nos terrenos do castelo. Raramente vejo Alexandre, que é tratado da mesma maneira. Meus carcereiros de Ros e Baliol vêm me ver de vez em quando e me fazem muitas perguntas sobre a Inglaterra. É fácil perceber que eles odeiam o nosso país. Diga a minha mãe que estou doente de saudade de casa. Se ao menos eu pudesse vê-la e os outros e os campos e florestas verdes de Windsor, ficaria tão bem quanto sempre estive. Estou doente... e minha doença é a Escócia. Oh, Dr. Reginald, eu quero ir para casa.
- vou contar a sua mãe tudo o que me disse. vou ficar aqui por muito pouco tempo, pois a rainha está impaciente para receber meu relatório. Pode estar certa de que quando ela o receber tomará alguma providência. vou dizer a ela que sua saúde está sendo prejudicada e sei que ela não deixará que isso continue.
Os dois conversaram durante algum tempo e ela se lembrou das afrontas que sofrera e contou-as a ele e disse que era tratada como uma prisioneira.
Matilda dera ordens para que fosse preparado um aposento para Reginald, e ele lhe disse que só iria precisar dele por uma noite. No dia seguinte, ele pretendia voltar para a Inglaterra, onde a rainha esperava, ansiosa, notícias da filha.
- É estranho - acrescentou ele - que a correspondência destinada à rainha da Escócia jamais tenha sido recebida por ela e a que ela enviou ao rei e à rainha da Inglaterra não tenha chegado até eles.
- As estradas são traiçoeiras - respondeu Matilda. - Multas vezes os mensageiros são emboscados e roubados.
- É - foi a resposta -, principalmente na Escócia.
O jantar, naquele dia, foi servido no grande salão, e Alexandre esteve presente, e embora sua melancolia tivesse passado, Margaret comeu pouco devido à agitação.
Alexandre estava nitidamente assombrado com aquela mudança da sorte deles, e Reginald ouviu com atenção a corroboração, por parte do jovem rei, da história de Margaret.
Era claro que ele teria algo a informar à rainha Eleanor e ao rei Henrique.
Na manhã seguinte, ele partiu e pouco depois de sua saída Ro bert de Ros e John Baliol chegaram ao castelo. Tinham ido a toda velocidade tão logo receberam a informação de Matilda, e ficaram furiosos porque o médico já havia ido embora.
Fizeram Matilda contar-lhes tudo o que acontecera. Entendiam que ela não poderia tê-lo mantido longe de Margaret, mas lamentaram o fato de ela não ter ficado com eles para ouvir o que fora dito.
Há quanto tempo ele partira? Eles tinham de ir atrás dele. Não se podia deixar que levasse o seu relatório à Inglaterra.
Reginald, com sua pequena comitiva, cavalgava em direção ao sul, contente com o trabalho que fizera. A missão fora um sucesso. Ele havia descoberto o que fora procurar, e teria a aprovação real pelo que fizera.
Ele confirmara suas suspeitas. Nem tudo estava bem em Edimburgo. Alguma providência teria de ser tomada, pois estava claro que o tratamento que Margaret estava recebendo na Escócia estava, como temera a rainha Eleanor, afetando-lhe a saúde.
Um dia depois de ter deixado o castelo, seu grupo encontrou uns viajantes na estrada que estavam seguindo para o sul. Eram companhias agradáveis e explicaram que viajavam com frequência por aquela estrada e teriam prazer em transmitir sua experiência aos amigos ingleses. Poderiam guiá-los na utilização de atalhos, pois podiam ver que os amigos estavam com pressa.
Chegaram a uma cervejaria e foram muito bem recebidos pelo dono. Ele poderia servir-lhes uma boa carne e bebida, sua mulher acabara de fazer pão fresco. Sua cerveja caseira era famosa na vizinhança inteira, e ele ficaria orgulhoso se os distintos viajantes a provassem.
Conversaram, e durante a conversa Reginald acabou revelando que era médico e que vinha de Bath. Era um médico muito conhecido na Inglaterra, não pôde ele deixar de dar a entender, e tratava dos grandes.
A cerveja era boa, e depois de ter bebido bastante, ele começou a sentir muito sono. Sua cama era um estrado no chão, na galeria acima da sala de estar da cervejaria. Dormiu um sono pesado, mas acordou durante a noite sentindo-se muito estranho. Foi tomado de dores violentas, que seus conhecimentos médicos indicavam que tinham sido provocadas por alguma coisa que ele havia bebido ou comido.
De manhã, seus amigos ficaram alarmados, pois ele não podia se levantar do estrado. Os novos amigos que os tinham levado à estalagem partiram, porque disseram que era preciso, e desejaram-lhes boa viagem.
Antes de a manhã acabar, Reginald de Bath morreu.
Eleanor, esperando ansiosa por notícias da Escócia, estava cheia de pressentimentos. Passara a aceitar o mutismo de Katharine. A menina era muito bonitinha e encantadora, e ela esquecia o seu mal devido ao charme da filha.
Seus pensamentos, agora, estavam todos concentrados em Margaret. Ela sabia que havia algo de errado. Não podia imaginar o que estaria fazendo Reginald demorar. Mas talvez esperasse demais. Henrique estava sempre lembrando a ela que não fazia muito tempo que ele partira, e como ele, Henrique, transmitira a Reginald a grande angústia da rainha, ele tinha certeza de que o bom médico agiria da forma mais rápida possível.
Quando o grupo voltou sem o médico e ela soube que ele havia morrido, ficou muito aflita.
Fez perguntas em rápida sucessão aos acompanhantes deles e quis saber o que ele havia descoberto no castelo de Edimburgo. Eles não tinham visto a rainha da Escócia, mas sabiam que Reginald ficara horrorizado com o estado precário da saúde da jovem rainha e ele dissera que ela era mais ou menos prisioneira dos escoceses.
- Foi porque estava nos trazendo essa notícia que ele foi envenenado!
Oh, Henrique, o que vamos fazer? Precisamos trazer a nossa filhinha para casa.
Henrique ficou horrorizado, mas ao discutir o assunto com seu irmão Ricardo percebeu que não podia declarar guerra aos escoceses. Seria preciso dinheiro para uma operação dessas, e ele já estava comprometido com a ajuda ao papa na Sicília - questão que estava provocando muita reclamação de seus súditos, que estavam sendo tributados para que se levantasse o dinheiro necessário.
Henrique decidiu que enviaria o conde de Gloucester à Escócia com uma comitiva adequada e que lá seriam tomadas as providências para dar a Margaret meios de vida condizentes com a sua posição, para dissolver a regência e para que Alexandre e Margaret governassem como rei e rainha.
Aquilo devia ser feito, disse a rainha, mas não era o suficiente. Ela precisava ver a filha. Nada a satisfaria enquanto não a visse.
Como Eleanor estava tão decidida que eles deviam ir à Escócia, teriam de ir.
O conde de Gloucester informou que o rei e a rainha da Escócia estavam, agora, morando juntos em seus aposentos apropriados, que eram muito diferentes dos do castelo de Edimburgo. Eles estariam viajando para Wark e Roxburgh, e lá iriam encontrar-se com Eleanor e Henrique.
Como Margaret ficou encantada! Não houve cerimónia alguma. Ela se atirou nos braços da mãe, enquanto as duas choravam juntas.
- Eu sabia que a senhora viria. Sabia que nunca se esqueceria de mim - disse Margaret, soluçando.
Eleanor riu.
- Esquecer um de meus filhos! Minha querida, isso eu não faria, nunca.
- Oh, eu sabia que tudo ficaria bem se eu pudesse fazer contato com os senhores.
- Isso não pode tornar a acontecer - disse Eleanor, decidida, olhando para o marido; e ele lhe garantiu que jamais aconteceria.
Mãe e filha não queriam se separar. Eleanor precisava ouvir tudo o que acontecera desde que a filha se separara dela. Ela contou a Margaret suas aventuras na França, disse que se encontrara com as irmãs e a mãe, e que tudo fora muito agradável - só estragado pelo fato de sua filha querida não estar com ela.
Falou sobre a jovem esposa de Eduardo.
- Uma criatura encantadora. Muito criança, e já o adora.
- Qualquer pessoa adoraria Eduardo - disse Margaret; e Eleanor concordou com ela.
- Você iria gostar dela. Precisamos nos reunir todos, em breve. Ela trouxe com ela algumas peças de tapeçaria que, segundo parece, em Castela eles penduram nas paredes e usam sobre móveis. Fica muito agradável, e já estamos usando isso na Inglaterra.
- Oh, minha mãe querida, como fico feliz em estar com a senhora! - bradou Margaret.
Eles iriam tomar as providências para que não voltasse a acontecer aquele comportamento monstruoso, garantiu Eleanor à filha. Os vilões de Ros e Baliol já tinham sido despedidos. Eles iriam lamentar o dia em que fizeram da rainha da Escócia uma prisioneira. O jovem Alexandre estava reconhecido como rei, e nenhum lordezinho de segunda categoria iria impedir isso.
- Eduardo virá visitá-la em breve - disse Eleanor - e, meu amor, nós estaremos à sua espera em Woodstock dentro em pouco. Uma coisa eu lhe digo: se você não for, seu pai e eu viremos buscá-la.
Margaret olhou para os pais com uma carinhosa admiração. Pois não soubera sempre que eles podiam resolver qualquer problema?
Meu Filho! Meu Filho!
RICARDO ESTIVERA OBSERVANDO os acontecimentos com uma certa amargura. Estava zangado com o irmão por ter dado a coroa da Sicília ao jovem Edmund sem consultá-lo.
Ele poderia ter dito a Henrique que aquela coroa tinha de ser conquistada e que sairia caro conquistá-la. Henrique parecia não ter um mínimo de senso financeiro. Pensava que os cofres eram mágicos e que tornavam a encher naturalmente à medida que ele os esvaziava. Deus sabia que ele estivera em muitas dificuldades e que devia ter aprendido que uma das razões para a sua crescente impopularidade era a contínua exigência de dinheiro. Ricardo era diferente; era rico... muito rico. Respeitava o dinheiro; raramente o distribuía, embora às vezes o emprestasse, se isso fosse lucrativo. Os parasitas estrangeiros aprenderam logo que não conseguiriam nada de Ricardo.
Desde que estivera na cruzada, ele adquirira uma certa reputação na Europa. Era considerado um homem de coragem e importância, e o papa já lhe oferecera a coroa da Alemanha. Ele recusara a oferta, que sabia que teria ofendido seu cunhado, Frederico II; mas agora Frederico estava morto, o mesmo acontecendo com o filho Henrique que ele tivera com a irmã de Ricardo, Isabella.
 situação se alterara, e Ricardo não estava gostando muito do caminho que as coisas iam tomando na Inglaterra. Se Henrique não via, ele via problemas sérios pela frente. Ricardo não queria tomar partido no conflito entre Henrique e os barões. Sua lealdade o impedia de ficar do lado dos barões, e seu senso comum não o deixava concordar com Henrique. Ele era um tolo, e sua adoração exagerada pela mulher deixava-o ansioso por dar aos parentes dela tudo o que eles pedissem; ele parecia ter uma predileção por estrangeiros, porque cobria-os de presentes e mostrava aquela absurda generosidade para com seus meio-irmãos e meio-irmãs.
Ricardo avisou que se o cargo de rei dos romanos lhe fosse oferecido, ele concorreria à eleição.
Havia outro candidato àquela honra. Era Alfonso de Castela, meio-irmão da infanta que agora era esposa de Eduardo, e Alfonso tinha o apoio dos franceses, que não queriam pensar em mais influência inglesa na Europa.
A reputação de Ricardo, no entanto, favoreceu-o. Sua valentia na cruzada; a riqueza que ele acumulara; sua habilidade de se manter fora dos problemas que atacavam seu irmão, valeram-lhe a vitória.
Foi eleito rei dos romanos.
Ficou exultante. Aquela era a sua grande oportunidade. Sempre quisera uma coroa, e sempre lamentara o fato de ter nascido tarde demais para ter conseguido a da Inglaterra. Agora, era rei por seus próprios méritos.
Sanchia ficou encantada por ser uma rainha, no mesmo nível das duas irmãs mais velhas. Romeo não se enganara muito quando dissera que faria rainhas de todas elas.
Ricardo conversou muito, e com entusiasmo, com ela sobre o futuro deles. Haveria alguns problemas com os príncipes alemães. Era uma felicidade o fato de a meio-irmã de Alfonso ser casada com Eduardo; isso tornaria difícil ele mostrar hostilidade. Eles deviam preparar-se para deixar a Inglaterra.
- E - confidenciou ele a ela - não poderia haver um momento melhor. A desordem está se aproximando muito. Os sussurros pelo país estão se transformando num clamor. Você devia admoestar sua irmã. Ela poderia fazer muito, mostrando ao rei a insensatez de seu comportamento.
- É impossível aconselhar Eleanor. Ela sempre acreditou que sabe tudo.
- Esta, infelizmente, é uma das ocasiões em que não sabe disse Ricardo.
Mandou chamar o filho Henrique, e quando este chegou, disse-lhe que fosse se preparar, po is queria a presença dele em sua coroação em Aachen.
Henrique podia ver o quanto o pai estava eufórico, e ficou contente com isso. Seria um grande prazer testemunhar o seu triunfo. Ficou um pouco triste diante da perspectiva de deixar Eduardo, porque a amizade dos dois ficara maior depois da mutilação do menino, e o arrependimento sincero de Eduardo o deixara emocionado.
- Isto veio no melhor dos momentos - disse Ricardo. Qualquer homem de bom senso deve perceber para onde as coisas estão indo. Vai haver encrenca na Inglaterra mais cedo ou mais tarde, Henrique. Isto já está claro.
- O rei tem uma maneira de evitá-la, simplesmente fingindo que ela não existe - disse Henrique.
- É um método que pode funcionar por algum tempo, mas mais cedo ou mais tarde é preciso enfrentar a verdade. - Ricardo deu de ombros. - Ora muito bem, temos que nos preparar para a partida. - Colocou as mãos nos ombros do filho. - Isso vai aumentar as nossas posses, meu filho, e nada me dá maior prazer do que pensar no que posso fazer por você.
Num quente dia de maio, Ricardo, a mulher e o filho fizeram-se à vela para Dordrecht, numa esplêndida frota de cinquenta navios.
Em Aachen, ele e Sanchia foram coroados rei e rainha dos romanos.
Havia tristeza em Windsor. A pequenina Katharine estava gravemente doente.
Nada podia perturbar tanto a rainha quanto ameaças a seus filhos. A saúde e o bem-estar deles tinham sido um motivo constante de preocupação para ela; e mesmo quando não havia motivo para se preocupar, ela se sentia aflita.
Mas não havia dúvida de que a pequenina Katharine estava muito doente. Ela sempre fora uma criança estranha - distante dos demais por ser muda. A rainha gostara mais dela por causa de sua deficiência, e fizera um grande esforço para que ela não sentisse falta de coisa alguma devido a isso.
Katharine tinha sido de uma beleza excepcional, e Henrique dizia que, mais do que qualquer uma das meninas, ela herdara a beleza da mãe.
E agora eles iriam perdê-la.
A rainha não queria sair do lado da cama da filha, e o rei a rondava.
- Você vai ficar doente, minha querida - prevenia ele, mas ela apenas sacudia a cabeça. Era como se acreditasse que enquanto estivesse ali a morte não ousaria levar-lhe a filha.
Os olhos da garotinha imploravam para que ela ficasse; a mãozinha quente agarrava-se à dela.
Mas não adiantava. Nem mesmo a impetuosa determinação da rainha podia salvar a vida de sua filha.
Num frio dia de maio, Katharine saiu da vida tão silenciosamente quanto a vivera.
Pouco depois da morte de Katharine, ficou claro que a paciência dos barões estava acabando.
Simon de Montfort - o cunhado do rei -, que nunca deixava de fazer surgirem em sua mente pensamentos aflitos, estava de volta à Inglaterra e parecia que os barões descontentes o estavam querendo como líder.
Tinha havido um clamor quando Aymer de Valence, o meioirmão do rei, recebera a sé de Winchester. Isso significava que Boniface de Savóia, tio da rainha, tinha Canterbury, o meio-irmão do rei tinha Winchester, e que o mais poderoso membro do grupo estrangeiro era Guilherme de Valence, outro meio-irmão do rei.
Reunidos numa conferência, os barões chegaram à conclusão de que dali a pouco não sobraria para os ingleses um único cargo de autoridade e que a predileção do rei por estrangeiros precisava ser anulada.
Não havia dúvida de que os estrangeiros formavam um grupo de homens gananciosos. Quanto mais o rei lhes concedia, mais eles tentavam obter. A encrenca começou quando Guilherme de Valence tentou ampliar suas terras, e ao fazer isso avançou sobre as de Simon de Montfort.
Simon ficou decidido a não deixar a coisa ficar assim; sabendo que tinha o apoio da maioria dos poderosos barões ingleses, levou o caso ao conselho.
Guilherme de Valence, arrogante por acreditar que tinha seu meio-irmão, o rei, por trás dele, declarou perante a assembleia que não queria discutir com um traidor.
Simon bradou:
- Não sou traidor... nem sou filho de traidor. - Aquilo era uma referência ao pai de Guilherme de Valence, Hugh de Lusignan, que pegara em armas contra o rei. - Meu pai - acrescentou Simon - não era igual ao seu.
Guilherme avançou para Simon, a mão na espada.
Os dois tiveram de ser separados.
A discussão, em si, poderia ter sido insignificante. Discussões daquele tipo surgiam de vez em quando entre barões. Mas aquela era o líder do grupo estrangeiro contra o homem que os barões queriam cada vez mais que os liderasse.
Quando Simon deixou a sala do conselho, aproximou-se dele Roger Bigod, o conde de Norfolk.
- Meu senhor - disse Roger -, muito em breve deverá ser posto um ponto final na arrogância desses estrangeiros.
- Concordo plenamente - replicou Simon.
- Graças a Deus. Existem milhares como nós. O que se vai fazer neste caso?
- Precisamos convocar uma reunião daqueles que partilharem de nossas preocupações. Temos que decidir, então, a providência a tomar.
Não faltaram homens para juntar-se a eles.
A reunião seguinte do rei e do Parlamento foi muito agitada.
O rei começou contando à assembleia suas dificuldades financeiras. Eles sabiam que tinha havido fome, devido a uma safra fraca; os galeses estavam criando problemas, e ele não estava muito certo quanto aos escoceses. Ele tivera muitos gastos a serviço do país, e agora precisava de mais verbas.
Responderam-lhe que se ele não tivesse dado grandes presentes à família da rainha, a seus meio-irmãos e irmãs e aos estrangeiros amigos deles, teria tido recursos suficientes para atender às necessidades do país.
Os amigos do rei levantaram-se logo em sua defesa, enquanto que os barões liderados por de Montfort insistiam em impor seu ponto de vista, de que era impossível cobrar mais impostos do povo e que a economia poderia começar com o envio de alguns dos parasitas de volta para seus países.
A altercação entre os grupos conflitantes poderia ter-se transformado numa briga se o rei não tivesse encerrado a reunião.
Uns dias depois, em Westminster Hall, o rei se viu diante de vários barões, todos usando armadura. Ficou alarmado. Viu, agora, que eles estavam falando sério quanto a suas intenções de cercearlhe as ações.
Percebeu que nenhum deles portava uma espada. Cada qual deixara sua arma à entrada de Westminster Hall, para mostrar que aquilo não era um ataque, era apenas uma ameaça.
- O que significa isso? - bradou o rei. - Os senhores estão tentando fazer de mim seu prisioneiro?
- Não é isso, majestade - respondeu Roger Bigod. - Viemos apenas dizer que os estrangeiros têm de ser mandados embora. Eles estão exaurindo os recursos do país. O povo não vai suportar isso. Se alguma coisa não for feita, o país inteiro irá se revoltar, como se revoltou na época de seu pai.
Henrique ficou muito sério. O povo estava ficando impaciente. Ele sabia disso. Ele ficava chocado quando o fitavam com olhar carrancudo. O pior era quando gritavam depois que Eleanor passava. Ela fingia desprezá-los, mas ele sabia que ela ficava perturbada.
- O que pedimos de Vossa Majestade - disse Simon - é que prometa ser orientado por vinte e quatro magnatas eleitos. É preciso haver reformas.
Henrique olhou para a fisionomia fechada dos barões. Era como se visse o fantasma de seu pai em Runnymede espreitando por trás deles.
Concordou.
Simon agiu logo, apoiado por homens como Roger Bigod. Foram escolhidos 24 homens - metade pelo rei, metade pelos barões. Aquela comunidade deveria reunir-se três vezes ao ano, para fazer reformas no Estado e na Igreja.
Depois, o Parlamento selecionou outros 24 membros. com isso, consistiam em 48 homens. Desses foram escolhidos um juiz, um chanceler e um tesoureiro. Foi deixado claro que a assembleia teria uma duração temporária. No final do ano, ela responderia perante o rei e o conselho por suas ações.
O primeiro decreto aprovado pelo Parlamento foi no sentido de que os estrangeiros deveriam entregar ao rei os castelos que ele lhes ofertara. Aquilo provocou um protesto de Guilherme de Valence, que se recusou a entregar qualquer coisa. "Seu castelo, ou sua cabeça", foi a réplica de Simon de Montfort. A resposta de Guilherme de Valence foi refugiar-se no castelo de Wolvesey, que tinha sido dado a seu irmão Aymer.
Henrique estava num dilema. Seus barões esperavam, agora, que ele sitiasse o castelo e lutasse contra seus meio-irmãos. Ele queria se recusar, mas não teve coragem. Foi obrigado a obedecer, e o castelo acabou rendendo-se ao seu exército.
Ele se sentia como se lhe tivessem roubado todo o poder. Discutia a situação com Eleanor, que queria que ele enfrentasse os barões. Ele era o rei, assinalava ela, e devia fazer com que todos soubessem disso.
Delicado, ele explicava a ela o poder daqueles homens e dizia que precisava ser cauteloso. Havia um homem que ele temia mais do que qualquer outro, e este homem era Simon de Montfort.
- Eu nunca devia ter deixado que ele se casasse com minha irmã - lamentava ele. No entanto, no fundo sabia que não poderia ter feito outra coisa. Simon se decidira a casar-se com Eleanor, tal como se decidira a reformar a Inglaterra, adotar o governo através de um parlamento, o que significava, é claro, restringir o poder do rei.
Seus pensamentos eram sombrios quando, num dia de julho, sua barcaça o levava Tamisa abaixo. Eles combinavam com o céu, que de repente ficara carregado. Ao longe, ele ouviu o ribombar do trovão. Parecia profético.
- Daqui a pouco vai desabar uma tempestade, majestade disse o barqueiro.
- É... - disse o rei. - Sei muito bem disso.
Naquele momento, as nuvens se abriram e caiu uma pancada de chuva tão forte que parecia que o barco ia afundar, e naquele instante o céu foi iluminado por um relâmpago acima deles e o barulho do trovão foi ensurdecedor.
Ultimamente tinha havido umas tempestades violentas. Alguns anos antes, os aposentos da rainha em Windsor tinham sido atingidos por um raio enquanto ela se encontrava neles. Houvera outra grande tempestade quando Eleanor estivera visitando St. Albans com os filhos, e um raio atingira a abadia. A lavanderia fora destruída por inteiro pelo fogo, e dizia-se que os monges de lá tinham visto um anjo com uma espada flamejante e um archote. Acreditavam alguns que o anjo lá estivera para proteger a abadia, mas outros tinham certeza de que se tratava de um aviso contra a extravagância da rainha. Ela não tinha quase morrido em Windsor? E parecia que a vingança de Deus a seguira até St. Albans.
Assim, entre os barões e Deus, Henrique achava que estava realmente sendo perseguido.
Ele podia rir dessas superstições quando estava com a rainha, mas a ideia de que ela estava em perigo sempre o deixava sério; agora, erguendo os olhos para o céu e sabendo que os relâmpagos estavam bem por cima dele, ele sentiu medo, e quando o barqueiro disse que precisavam proteger-se, concordou.
Por azar, estavam mais perto de Durham House, que era a residência de Simon de Montfort, e quando a barcaça do rei parou junto à escada, o conde em pessoa desceu para recebê-lo.
- Majestade - disse Simon -, não tenha medo, a tempestade já está saindo de cima de nós.
Henrique olhou fixamente para ele.
- Eu tenho um medo tremendo de trovões e relâmpagos disse ele -, mas pela cabeça de Deus, tenho mais medo de você do que de todos os trovões e relâmpagos do mundo.
Enquanto seguia Simon para dentro da Durham House, onde poderia tirar o manto encharcado e tomar algum refresco, ele percebeu que naquele momento dissera a verdade, e ao fazê-lo comprometera-se perante Simon de Montfort.
Eduardo estava, agora, com vinte anos. Passara muito tempo na corte da França, onde se distinguira nas artes equestres e, devido à sua altura, a ser bem-apessoado e à sua personalidade interessante, tornara-se muito popular.
Pensava muito na mulher, mas não pudera viver com ela por causa da juventude dela e a deixara para continuar os estudos enquanto ele se aperfeiçoava na arte da fidalguia e de ser um cavaleiro.
Informações alarmantes chegavam à França sobre a perturbação que fermentava entre o rei e os barões, e Eduardo consultou o rei da França, cujo bom senso era respeitadíssimo no mundo inteiro, e obteve muito pouca tranquilidade com o que Luís tinha a dizer. Que a Inglaterra ia ter agitações parecia óbvio, e como herdeiro do trono Eduardo devia estar lá.
Ele voltou correndo para a Inglaterra e encontrou o pai em Winchester. Henrique abraçou-o com força, os olhos enchendo-se de lágrimas ao contemplarem seu belo filho. Ele precisava, primeiro, ter certeza quanto à sua saúde e ao seu bem-estar.
- Sua mãe vai ficar louca de alegria ao ver você - disse ele. Eduardo achou que o pai não estava nada bem e atribuiu isso
ao problema de que ouvira falar.
- Ouvi notícias do que está se passando por aqui - disse ele.
- Nós temos uns homens cansativos neste reino, Eduardo. Eles não me dão sossego.
- É verdade que os barões formaram um parlamento que dá ordens ao senhor?
- Não é bem assim. Eu tenho alguma influência na escolha dos homens. Claro que é tudo uma questão de dinheiro. Eles não pensam em outra coisa.
- Um reino não pode funcionar sem ele, majestade.
- Não pode, é o que digo a eles. Eles acham que eu posso tirálo do nada.
- Luís não acredita em tributação violenta, papai.
- com que então você se tornou um dos adoradores de Luís?
- Ele é muito criterioso e muito admirado. Sempre acreditei que o que ele diz é sensato.
Henrique confirmou com um gesto da cabeça.
- Um homem muito sério e um rei dedicado. Acho que é menos atormentado por súditos indisciplinados do que eu.
Eduardo começou a dizer que Luís tinha conquistado o amor e o respeito de seus súditos, mas percebendo que aquilo parecia uma crítica ao pai, desistiu.
Mas achava que aquela crítica tinha fundamento, e aquilo o chocou um pouco. A família sempre estivera unida. Mas o que acontecia quando se sentia que o chefe a estava levando ao desastre?
Henrique explicou, então, o que estivera acontecendo durante a ausência do filho: as brigas entre Guilherme de Valence e Simon de Montfort, as palavras ríspidas que tinham sido ditas na sala do conselho.
Eduardo ficou muito perturbado.
- Tenho prazer em dizer que há uma diferença de opinião entre os barões - prosseguiu Henrique. - Gloucester parece estar em desavença com de Montfort. Se eles brigarem entre si, talvez se dispersem e nós voltemos ao normal. Isso seria uma felicidade.
- Papai, o senhor está preparado se houver encrenca?
- Encrenca! O que quer dizer, filho?
- E se os barões se levantarem contra o senhor, como fizeram contra seu pai?
- Este é um pensamento que está constantemente na cabeça de todos. Nunca me deixaram esquecer as
iniquidades de meu pai. Será que sou responsável por elas?
- Eu acho que o que se teme é que o senhor possa repeti-las.
Henrique olhou espantado para o filho. Haveria ali um leve toque de censura? Seria verdade que um membro daquela família não estava exatamente apoiando um outro?
A volta do filho deixara o rei num mal-estar inquietante.
Simon de Montfort foi visitar Eduardo. Ficara sabendo de sua chegada na Inglaterra e acreditava que o rapaz era sensato.
Poderia ser mais fácil comunicar o perigo a ele do que a Henrique, e sem dúvida ele iria querer tomar alguma providência, pois a coroa que o pai usava seria sua um dia.
- Meu grande desejo - disse Simon, sério - é evitar uma guerra aberta.
- O senhor acha que há mesmo perigo de que isso aconteça!
- Acho que há um perigo iminente.
- Mas agora que os senhores têm esse Parlamento...
- No qual não existe acordo, lamento dizer. Seu pai precisa abandonar o projeto siciliano. O título para o seu irmão caçula seria um título sem importância, e sua aquisição sairia muito cara para esta nação. Parece que o rei e a rainha estão fascinados por essa coroa.
- Se é isso, então não se deve pensar mais na Sicília.
- Meu senhor, eu sabia que entenderia. Eu tenho muita coisa a lhe dizer. O senhor precisa juntar-se a nós, e então compreenderá o motivo de toda essa agitação e, esperamos em Deus, nos ajudará a evitá-la.
- Farei isso, de todo o coração - garantiu Eduardo. Começou-se a perceber que o herdeiro do trono e Simon de Montfort estavam juntos com frequência e que parecia ter-se criado entre eles um bom entendimento.
Era uma pena, disse Eleanor, as crianças estarem todas crescendo. Em especial filhas que deveriam sair de casa e ir para longe da família.
João de Dreux, duque de Bretanha, propusera casamento a Beatrice, e como se tratava de um bom casamento que seria vantajoso para a Inglaterra, e estava na hora de Beatrice se casar, não podia haver desculpa para não aceitar.
O que acontecera a Margaret deixara a rainha muito apreensiva. Ela disse que gostaria de ter tido só meninos, pois assim não haveria necessidade de eles irem para fora do país.
No entanto, a aliança foi aceita e Beatrice preparou-se para partir para a Bretanha.
O rei, que tinha negócios a tratar na França, deveria acompanhá-la, mas em vista da situação do país parecia uma imprudência a rainha ir também.
- Você terá Eduardo para ajudá-la, minha adorada - disse Henrique -, e esteja certa de que voltarei assim que for possível.
A rainha, de certo modo, não lamentou ficar. Ao acompanhar a comitiva, ela teria um pouco mais de tempo junto à filha, mas pelo menos não teria de passar pelo angustiante momento em que Beatrice fosse entregue formalmente a um estranho. Ela achava aquilo muitíssimo penoso, e jamais se esqueceria de ver a pequenina Margaret casada com Alexandre da Escócia. Ela se despediu do rei e da filha e voltou para Windsor, onde estava gostando da companhia da mulher de Eduardo, uma criatura dócil, agradável, que adorava Eduardo; e portanto, as duas tinham algo em comum.
Pouco depois do casamento de Beatrice, o duque de Gloucester foi ter com o rei na Bretanha. Gloucester era um homem ambicioso que se mostrara com inveja do poder de Simon de Montfort no grupo dos barões e, portanto, colocara-se em oposição a ele.
Ele fora procurar o rei com uma finalidade especial, e não perdeu muito tempo em explicar a Henrique a razão daquela visita.
- Majestade - começou ele -, o que tenho a lhe dizer me deixa triste, pois sei a dor que irá lhe causar. Peço desde já o seu perdão por trazer isso à sua atenção, mas creio que se trata de algo de que deve saber.
- Por favor, conte-me sem mais demora - ordenou Henrique.
- É que seu filho Eduardo aliou-se a Simon de Montfort.
- Isto é impossível - bradou Henrique.
- Lamento, majestade, mas é verdade.
- Não acredito.
- Outros irão confirmá-lo. Henrique abanou a cabeça.
- Há algum engano - insistiu ele.
- Não, majestade. O Sr. Eduardo está constantemente em companhia de de Montfort, ouvindo o que de Montfort diz sobre o que são, na opinião dele, os erros cometidos contra o povo.
Henrique cobriu o rosto com as mãos.
Aquilo era mais cruel do que qualquer outra coisa. Ele podia suportar a perda da coroa, mas não do amor e da lealdade de sua família.
Não queria ouvir mais nada. Dispensou Gloucester e ficou sentado a sós.
Devia haver algum erro. Eduardo... seu filho, filho de Eleanor... ficar contra ele! Não era possível.
Oh, Deus, pensou ele, estaria a história se repetindo? Seu avô, Henrique II, se comparara a uma águia que, quando ficava velha e cansada, era atacada pelas aguietas que ela mesma gerara. Ele, Henrique III, ufanara-se de seus filhos, agradecera a Deus por eles, e sentira uma grande pena de seu avô. E agora, seria possível que seu filho tivesse se voltado contra ele?
Não podia ser verdade. Era uma mentira maldosa. Ele jamais acreditaria. Eleanor jamais concordaria com aquilo. Ele confiaria a vida a Eduardo.
Só havia uma coisa a fazer, e era voltar para a Inglaterra.
Que crueldade! Era verdade. Eduardo estava, mesmo, encontrandose com de Montfort e declarara que compreendia a razão de suas queixas.
O rei não suportava ver ninguém. Foi para a torre de Londres e ficou por lá. A dor o estava deixando doente.
Ricardo, o rei dos romanos, ouvindo rumores sobre os problemas da Inglaterra, tinha ido visitar o irmão.
Foi até a torre, e quando viu Ricardo, Henrique desabou. Chorou em silêncio por alguns instantes, e depois disse com tristeza:
- Pelo menos você veio me procurar, irmão.
- Henrique - disse Ricardo -, eu compreendo perfeitamente os seus sentimentos. Eu também não tenho um filho? Eu ficaria desolado se o meu Henrique algum dia parecesse estar contra mim. Mas por que não vai falar com Eduardo? Eu soube que até agora você tem-se negado a isso.
- Eu não poderia falar com ele. Você sabe o quanto eu gosto dele. Se ele ficasse à minha frente agora, eu não conseguiria deixar de beijá-lo.
- O que talvez fosse bom. E a rainha?
- A rainha está num dilema entre nós dois. Ela não quer ouvir falar mal de Eduardo.
- Henrique, Eduardo já não é mais criança. Um dia ele vai ser um grande rei... embora eu espere que ainda falte muito para isso. Ele tem, é verdade, dado ouvidos a Simon de Montfort e, não se engane, aquele homem tem uma certa grandeza. É verdade que o povo está revoltado contra a enorme tributação que lhe tem sido cobrada. Você tem de concordar com isso. Estou certo de que isso foi tudo que Eduardo fez, e que ele ficará muitíssimo triste se você deixar que ele continue acreditando que você acha que ele está contra você. Seria a última coisa que ele faria. Ele lhe é fiel, mas há certas coisas que ele deseja modificar. Afinal de contas, de Montfort é nosso cunhado.
- Quisera Deus que eu nunca tivesse permitido.
- Nossa irmã estava decidida, e você não teria tido como impedi-la.
- Eu só cedi porque ele a seduzira.
- Ele e ela desmentiram isso... e este é um assunto do qual eles teriam todas as provas. Nada disso, irmão, eles estão casados. Você permitiu o casamento. Não vamos esquecer isso. O problema não é este. O que eu quero é o fim dessa diferença entre você e seu filho. Fale com ele. Ouça o que ele tem a dizer. Ele lhe dirá o que pensa sobre o assunto.
- É bem possível que você tenha razão, Ricardo, mas quando eu vir o meu filho sei que todos os sentimentos me abandonarão, exceto a alegria que terei ao ver-lhe o rosto.
- Então sinta esse prazer... e fale depois. Estou certo de que verá que se enganou.
- Oh, Ricardo, se eu pudesse acreditar que você tem razão...!
- Dê a si mesmo a oportunidade de descobrir.
Ricardo não perdeu tempo e mandou um recado para Eduardo.
Eduardo foi até a torre acompanhado pela mãe. Eleanor estivera com o filho, tentando compreender o que havia surgido entre os dois.
Eduardo jurou que não tinha intenção alguma de agir contra o pai. Claro que ele dera ouvidos a Simon de Montfort. Havia muito de sensato no que ele tinha a dizer. Acreditava firmemente que seu tio Simon era um leal súdito do rei e estava sinceramente preocupado com a crescente insatisfação que havia no país.
Entrou sozinho para falar com o pai, e quando o viu correu para os braços dele.
Henrique o abraçou, beijando-o nas duas faces, e as lágrimas dos dois se misturaram.
- Meu querido, querido pai, como pôde pensar, em algum momento, que eu ficaria contra o senhor?
- Perdoe-me, Eduardo. Me perdoe. Eu dei ouvidos a maledicências.
- Eu estive falando com de Montfort, é verdade. Papai, ele é um homem honrado. Ele não quer prejudicar o senhor.
- Ele o seduziu com palavras bonitas, meu filho. Ele e eu temos tido nossas diferenças. Não acredito que ele vá ser meu amigo enquanto eu não fizer o que ele diz. Mas não importa, você está aqui. Veio me procurar. Assegurou-me de seu amor. Para mim, é o bastante.
- Nunca acredite que eu vá ficar contra o senhor.
- Não acredito. Jamais acreditei... no fundo do coração.
- É só que achei que havia sentido no que Simon de Montfort me contou. Mas se ele fosse ficar contra o senhor, eu usaria de todas as minhas forças para ficar contra ele. Nunca pense, papai, que eu ficaria contra o senhor, qualquer que fosse o motivo.
- Este é um dia feliz para mim, Eduardo. Eu quase poderia ficar contente com a minha desgraça, porque ela agora me deixou muito satisfeito.
- Vamos dizer à mamãe que está tudo bem entre nós. Para ela, foi uma fase de muita aflição. Ela veio comigo. Ficou muito feliz porque o senhor mandou me chamar. vou trazê-la até aqui.
E assim ela chegou, e os três ficaram juntos.
- Isso nunca mais pode tornar a acontecer - disse Eleanor.
- Nada neste mundo irá perturbar nossa união. Somos como se fôssemos uma só pessoa. Por favor, meu filho... meu marido... lembrem-se disto.
Havia lágrimas nos olhos de Henrique, e Eduardo disse:
- Quem foi que lhe contou essas histórias, papai? Acho que essa pessoa não é amiga do senhor nem de mim.
- Foi Gloucester - disse Henrique.
- vou considerá-lo meu inimigo até um de nós morrer - declarou Eduardo.
E assim houve a reconciliação, e Eduardo estava sempre em companhia dos pais até partir para a França, pois ia haver um grande torneio na corte francesa e ele estava ansioso por participar dele.
Conspiração no Quarto
EDUARDO ESTAVA NA FRANÇA; Beatrice fora embora; havia frustração quanto à elevação de Edmund à coroa da Sicília, ao que o povo da Inglaterra era muito contra; e Henrique ansiava por levantar o ânimo da rainha.
Ele teve uma ideia e, sem contar a Eleanor, pois se o plano falhasse não queria que o desapontamento a deixasse mais melancólica do que nunca, enviou um mensageiro à Escócia, com a sugestão de que o rei e a rainha escoceses fossem até a Inglaterra.
Sabia que se fosse possível Margaret concordaria de imediato; e tinha razão. Seu mensageiro trouxe uma carta de Margaret, na qual ela dizia que eles estavam se preparando para partir logo.
Alegre, ele foi falar com Eleanor.
- Notícias da Escócia - disse ele, indiferente.
- Margaret está bem? - perguntou logo ela.
- Parece que está muito bem.
- Graças a Deus.
- E com muita vontade de ver a mãe dela... e acho que ela gosta um pouco de estar com o pai.
- O que quer dizer, Henrique?
- Quero dizer, meu amor, que a nossa Margaret está vindo nos visitar. Neste exato momento, ela está a caminho.
- Oh, Henrique!
- Eu sabia que isso iria fazer você ficar contente. Foi por isso que tomei as providências.
- E não me disse nada.
- Por que eu tinha medo de que não fosse possível. Não podia suportar ver você desapontada.
- Henrique, você é muito bom para mim.
- Não mais do que deveria ser, meu amor.
Ir até em casa! O ânimo de Margaret dava saltos só em pensar. Deixar a sombria e velha Edimburgo em troca da adorada Windsor, Westminster ou mesmo York. O que importava, desde que fosse Inglaterra. O sul era melhor, porém, porque ficava mais longe da Escócia.
Voltar até em casa! Estar com aqueles adoráveis pais. Conversar a respeito de tudo com sua mãe...
Conversar a respeito de tudo! Ah, que felicidade ela não ter contado a ninguém, porque, se tivesse, eles teriam feito todo o possível para impedi-la de viajar.
Ela quase contara a Alexandre, mas queria ter certeza. Não queria que ele ficasse desapontado. Agora, ela tinha certeza, mesmo, e estivera a ponto de contar, mas, sorte das sortes, não contara.
Podia imaginar aqueles carrancudos donos de terras. "A criança deve nascer na Escócia. Tendo em vista o seu estado, a rainha não deve viajar." Eles gostariam de impedir que ela se divertisse. Ela conhecia todos eles. Por isso, graças a Deus não contara a ninguém.
Houve muito sacudir obstinado de cabeças em relação à visita proposta. Eles gostariam de trancafiá-la, junto com Alexandre, como haviam feito quando ela ali chegara pela primeira vez. Mas então eles tinham recebido uma lição. Os pais dela não iriam permitir que ela fosse tratada como uma prisioneira. Os escoceses sabiam disso, e era importante que não ofendessem os ingleses.
Que alegria, voltar a cabeça do cavalo em direção ao sul! Ela ria muito, no íntimo, quando cruzaram a fronteira. Em breve, estaria em casa.
Passaram por York, onde ela tinha alguma esperança de que os pais estariam esperando para recebê-la. Pouco importava. Assuntos de estado mantinham-nos no sul. Só mais um pouco, e ela estaria com eles.
Quando se aproximavam de Windsor, Alexandre enviou mensageiros para anunciar a chegada deles, e então o rei e a rainha, com um séquito real, foram encontrar-se com eles.
Quanta alegria no encontro! A rainha tinha de examinar a filha, para ver se estava bem nutrida, bem de saúde, bem feliz.
Margaret riu.
- Adorada senhora - bradou ela -, como poderia não me sentir feliz, quando estamos juntas?
E assim seguiram a cavalo pela floresta, em direção ao castelo. Oh, belo, nobre castelo, adorado pela família porque o rei mandara reformá-lo quando se casara com a rainha!
Entraram no grande salão.
- Nada mudou! - exclamou Margaret. - Está como sempre esteve. Querido pai, como vai o seu gramado? - Ela correu até a janela e olhou para fora. Lá estava o retângulo de grama que ele projetara e do qual sempre se orgulhara. - Oh, que tudo continue a mesma coisa.
Alexandre olhava para ela com uma certa surpresa. Ela não se importou. Os escoceses raramente demonstravam seus sentimentos, mas Alexandre tinha um certo conhecimento sobre as perfeições dos pais dela e da infância feliz que ela passara com eles, a ponto de nada que acontecesse depois não poder ser comparado a ela.
- Ah, como é maravilhoso estar em casa! - bradou ela.
Henrique não podia esconder o prazer que sentia, muito embora achasse que aquilo pudesse ser muito embaraçoso para Alexandre. Mas este não devia esperar dar a Margaret a felicidade que ela encontrara com os seus incomparáveis pais.
Margaret estava ansiosa por ficar a sós com a mãe, para que pudesse contar-lhe o segredo. Elas iriam rir muito, juntas. Mas primeiro, é claro, devia haver certas formalidades. Afinal de contas, ela era uma rainha e a Escócia não era, em absoluto, desprovida de importância, quando nada por poder causar tantos problemas na fronteira.
Houve os festivais de costume que Henrique tanto gostava de dar em homenagem à sua família e pelos quais o povo odiava pagar. Aquele foi apenas mais um caso da extravagância da família real.
O povo já estava resmungando.
- Eles nos concedem de má vontade um pouco de felicidade - disse a rainha.
- Que maravilha, estarmos juntas a sós, senhora! - disse Margaret,
- Estou muito feliz por você estar aqui, minha adorada.
- Não tenho pensado em outra coisa, desde que deixei a Inglaterra, que não na alegria que sentiria ao voltar.
- Alexandre é bom para você?
- É, ele é bom.
- Um bom marido.
- Acho que a senhora diria que sim, mas entenda, eu o comparo ao meu pai, e ninguém pode ser comparado a ele, pode?
A rainha concordou que não.
- Veja o que a senhora faz - disse Margaret. - A senhora faz com que todos nós a amemos tanto, que não nos resta muito lugar para mais ninguém.
Não era feitio de Eleanor não ficar encantada com uma revelação daquelas, embora dissesse à filha que rezara para que ela encontrasse a maior felicidade de sua vida no casamento.
- Será diferente, querida, quando você tiver filhos.
- Querida mãe, tenho uma coisa a lhe dizer.
Eleanor segurou o rosto da filha com as mãos e olhou-a bem nos olhos. Margaret fez um gesto afirmativo com a cabeça, o riso nos olhos e nos lábios voltados para cima.
- Você acaba de saber...
- Eu soube antes. A senhora é a primeira pessoa a quem contei.
- Margaret! E Alexandre...
- Ele vai saber de tudo daqui a pouco.
- Mas por que esse segredo?
- A senhora não sabe como eles são lá. Eu jamais teria tido permissão para viajar se tivessem sabido que estou grávida.
Eleanor começou a rir, mas ficou logo séria.
- Vamos ter que tomar muito cuidado. Meu bem, para quando é?
- Deve ser em fevereiro...
- Ainda falta muito tempo. Eles têm razão, sabe, sobre suas viagens. Vamos ter que providenciar para que você vá embora bem cedo. Precisamos ter muito cuidado.
- vou ter muito cuidado, querida mãe, para que quando chegar a hora de irmos embora seja tarde demais para eu viajar. A senhora vai me ajudar, não vai? Por enquanto, este é o nosso segredo...
Não conte a ninguém... a não ser a meu pai. Ele pode saber. Deixe que isso seja o nosso segredo. Depois, quando já for tarde demais... vamos contar.
- Minha filha querida, que conspiradora você é!
- Se soubesse o quanto ansiei por estar com a senhora! Não vou deixar que encurtem a minha visita. vou fazer com que ela dure até eu não poder mais. Por favor, mãezinha querida, me ajude.
Eleanor tomou a filha nos braços e soltou uma risada. Elas ficaram abraçadas até Margaret ficar quase histérica de tanto rir.
Depois, Eleanor disse:
- Vamos contar ao rei. Isso irá distraí-lo. Ultimamente ele tem tido muita coisa para deixá-lo frustrado. Vamos contar-lhe alguma coisa que o faça rir.
Juntas, as duas dirigiram-se aos aposentos do rei. A rainha fez sinal de que queria falar com ele a sós, e ele dispensou todos. Quando os três ficaram a sós, Eleanor disse:
- Você vai contar ou conto eu?
Elas começaram a rir, e Henrique olhava de uma para outra num estado de feliz assombro.
- Por favor, minhas queridas, posso saber qual é a piada?
- Vamos, Margaret, conte a ele.
- Por favor, senhora, eu prefiro que a senhora conte.
- Margaret está grávida. É um segredo entre nós três. Os escoceses não sabem. E tampouco ela quer que saibam. Ela estava com medo de que eles não a deixassem vir, e isso ela não iria suportar. Ela vai guardar o segredo, e só quando ficar perigoso ela viajar de volta é que ele será revelado.
O rei deu um sorriso. Depois, também ele estava rindo.
Como estava feliz! Enquanto tivesse aquela querida família, não poderia ficar seriamente perturbado pelos criadores de caso do seu reino.
No fim, daria tudo certo. Enquanto isso, havia aquele segredo delicioso - compartilhado pelos três.
Era uma alegria imensa estar na Inglaterra. Onde quer que a corte estivesse, lá estavam Margaret e Alexandre.
- Isso é muito bom para as relações entre os nossos dois países - dizia Margaret.
Alexandre concordava, e tinha de admitir que eles não poderiam ter sido recebidos de maneira melhor.
- Vamos ter de pensar em voltar daqui a pouco - disse ele.
- Não devemos ir logo embora. Isso ofenderia papai - assinalou Margaret.
- Talvez, então, devêssemos ficar um pouco mais. Quando percebeu que ele estava para abordar o assunto outra vez, ela lhe disse que estava se sentindo um pouco indisposta e que a mãe queria que ela consultasse o médico real.
Depois que ela consultou o médico, os pais chamaram Alexandre ao quarto dela e ali representaram a pequena farsa que tinham combinado entre si.
A rainha disse:
- Margaret está grávida, Alexandre. É uma dessas gravidezes fora do comum. É muito pouco aparente. Parece que a criança deverá chegar em fevereiro, e em vista disso, os médicos acham que seria imprudente ela viajar.
Alexandre ficou confuso.
- Naturalmente - disse o rei -, foi uma grande surpresa para você, mas estou certo de que foi uma surpresa agradável. Os médicos nos disseram que Margaret vai passar muito bem se houver um grande cuidado. Eu gostaria que meus médicos cuidassem dela. A mãe não quer nem ouvir falar que ela vá embora.
Alexandre, ainda aturdido, disse:
- É costume o herdeiro do trono nascer na Escócia.
- Claro, claro... mas é melhor o herdeiro deles nascer na Inglaterra do que não se ter herdeiro algum... e talvez com perigo para a mãe, que é minha filha.
Alexandre teve que concordar com aquilo. Abraçou Margaret e disse estar muito feliz pelo fato de que finalmente os dois teriam um filho. Mas estava na dúvida quanto a ficar na Inglaterra.
Henrique pôs uma das mãos no seu ombro.
- Não tenha receio, meu filho - disse ele. - Deixe isso por minha conta e da rainha.
Alexandre acabou percebendo que nada mais poderia fazer; e um dia voltou para a Escócia, deixando a mulher aos cuidados da mãe dela.
Foram meses muito felizes. Houve o Natal em Windsor. Divertiram-se muito, porque Eleanor disse que aquele devia ser um Natal muito especial, já que tinham com eles a rainha da Escócia.
Elas estavam juntas o tempo todo, e Eleanor sempre cumprimentava Margaret pelo inteligente estratagema. Não havia dúvida de que ela mostrara ter saído realmente à mãe.
Chegaram mensagens enviadas por Alexandre. Dizia ele que em Edimburgo havia uma grande irritação e um grande ressentimento. Dava-se até a entender que a rainha devia ter sabido de seu estado antes de partir, e dizia-se que ela o ocultara deliberadamente.
Margaret mostrou aquela carta a sua mãe, e as duas riram juntas.
- Então eles não são de todo bobos - disse Eleanor. - Mas o que importa? Que pensem o que quiserem. O que importa é que seu filho nascerá aqui e eu estarei por perto para me assegurar de que tudo esteja bem.
- Não poderia haver maior conforto no mundo - disse Margaret.
Num dia de fevereiro em que caía neve, no castelo de Windsor, Margaret deu à luz o seu primeiro filho. Foi uma menina, e recebeu o nome de Margaret, em homenagem à sua mãe.
Houve uma grande satisfação e comemorações por todo o castelo.
- Você não poderá fazer a viagem de volta antes do final da primavera ou do verão - disse a rainha. - Seu pai não permitiria.
E Margaret se preparou para aproveitar o tempo ao máximo.
A Morte de um Sonho
MARGARET HAVIA RETORNADO à Escócia. Tinha sido de partir o coração despedir-se dela, e a rainha mergulhou numa profunda melancolia quando mensageiros foram procurá-la, vindos de Berkhamstead, para dizer-lhe que sua irmã Sanchia estava doente e pedia a sua presença.
Eleanor partiu a toda velocidade e quando, chegando ao castelo, foi levada imediatamente para junto da irmã, ficou chocada ao vê-la. Sanchia não vinha gozando de boa saúde já havia algum tempo, mas ela não esperava vê-la tão doente.
- Graças a Deus você mandou me chamar - disse ela. - Devia ter feito isso antes.
- Eu teria chamado, mas sabia que você tinha muito com que se ocupar. Eu não teria pedido que viesse agora, mas tive medo de que, se não pedisse, talvez eu nunca mais tornasse a vê-la.
- Que absurdo. Você vai ficar boa em pouco tempo. vou providenciar para que fique.
- A rainha manda - disse Sanchia com um sorriso.
- Isso mesmo. O que você tem? Sanchia tocou o peito.
- É difícil respirar... muitas vezes.
- Há quanto tempo isso vem acontecendo?
- Oh, há algum tempo... mas agora está pior.
- Ricardo sabe?
- Oh, Ricardo tem muita coisa com que se ocupar.
- A saúde de sua mulher deveria vir em primeiro lugar em suas preocupações.
- Nem todas somos tão afortunadas quanto você, Eleanor. Ah, como você sempre foi de sorte. Teve o casamento perfeito, o marido perfeito, os filhos perfeitos...
- Ora, vamos. Você foi feliz com Ricardo.
- Ricardo não é o Henrique, Eleanor. Não acho que ele tenha nascido para ser um homem casado. Henrique nasceu, é claro. É por isso que é perfeito.
- Você parece amargurada. Me diga, Ricardo andou sendo indelicado para com você?
- Não... isso, não. Negligente, sim. Ele tem tido tanta coisa com que se ocupar. Ele agora é rei.
- E fez de você uma rainha.
- Talvez o título não signifique tanto para mim. Eu teria gostado de um marido que me amasse como Henrique a ama. Você encontrou isso... e também uma coroa.
- Oh, Henrique é um bom marido, e eu tenho as crianças. Mas você tem o seu filho, Sanchia.
- É, tenho o meu filho. Ele é um menino bom... de dez anos. Mas ninguém significa tanto, para Ricardo, quanto o filho dele, Henrique. Edmund sabe disso. Sabe, Ricardo raramente fica conosco.
- Lamento, Sanchia.
- Como eu sonhei... depois que você partiu. Foi tão romântico, não foi? O poema e a ida de Ricardo a Lês Baux, e o que se desenvolveu a partir dali! Eu imaginava ele voltando... e quando voltou, parecia um sonho que se tornava realidade. Eu esperava demais.
- Ninguém espera demais, porque esperar e acreditar primeiro é que faz com que as coisas aconteçam. Desde que se faça tudo o que puder para que aconteçam.
- Você fala por você, Eleanor. Você sempre teve confiança em si mesma. Sabia o que queria; decidia conseguir... e conseguia.
- As coisas nem sempre acontecem com facilidade, Sanchia.
- Não, mas você está sempre no comando. E fez com que seu marido a amasse e que seus filhos a adorassem. É seu direito, admito. Mas as menos bem-sucedidas de nós devem ser perdoadas por sentir um pouco de inveja de vez em quando.
- Você está dizendo bobagem, Sanchia. Você tem sido muito feliz com Ricardo. E, sabe disso.
- Quando estivemos juntos algumas vezes... mas eu sempre soube que havia outras. Não foi bem o que eu sonhara em Lês Baux. Mas não importa. Agora acabou.
- Acabou! Não vou admitir que você diga bobagens desse tipo. vou ficar aqui até você se recuperar.
Apesar de sua garantia, a rainha estava preocupada. Sanchia emagrecera muito e havia sombras roxas embaixo dos olhos. Ela estava apática, e quando os paroxismos da tosse a atacavam, Eleanor ficava com medo.
Ficava sentada ao lado da cama, e à medida que os dias se passavam praticamente não saia de perto dela, pois estava claro que Sanchia estava ficando mais fraca.
Elas conversavam sobre Lês Baux e a infância delas; Eleanor cantava alguns dos poemas que ela mesma musicara, e sabia que enquanto Sanchia ficava deitada com os olhos fechados estava de volta ao salão do velho castelo e que o passado era mais real para ela do que aquele quarto.
Se ao menos o tempo estivesse melhor, pensava Eleanor. Se ao menos fosse primavera ou verão, eu poderia levá-la para os jardins, e então seria realmente como Lês Baux. Mas era um horrível mês de novembro; os dias eram curtos e escuros, a névoa penetrava o castelo e ficava pairando em manchas. À medida que os dias ficavam mais escuros, Sanchia foi ficando mais fraca, e por fim Eleanor foi obrigada a admitir que a irmã estava morrendo.
Para ela, foi um golpe terrível. Ela adorava a família, e o fato de aquela irmã, mais moça do que ela, ir deixar o mundo dentro em pouco deixava-a muito melancólica.
Sentava-se no banco da janela, olhando para uma paisagem que refletia o seu estado de espírito. Os galhos das árvores, despidos das folhas, estendiam-se para cima, para o céu que se tornava cinzento. No campo que dava na região pantanosa, os juncos pareciam pergaminho vermelho, e as pontas lanudas das sementes de cardo estavam por toda parte. Não havia sinal de primavera, e havia uma profunda tristeza no coração de Eleanor.
A cada dia, Sanchia ficava mais fraca. Eleanor ficou com ela.
Estava ao lado dela quando morreu, e compreendeu que aquilo dera à irmã um grande conforto.
Ela foi enterrada com a cerimónia de costume, presidida por seu tio Boniface. Ricardo não compareceu, embora estivesse na Inglaterra. Tinha negócios a tratar em Londres.
Eleanor ficou muito interessada em que todas as honras fossem prestadas à irmã e que nenhuma despesa fosse poupada para dar-lhe um funeral digno de uma irmã da rainha da Inglaterra.
Quando disse isso a Henrique, ele concordou com ela. Nenhuma despesa deveria ser poupada, e como não parecia provável que Ricardo fosse concordar com tamanha extravagância, Henrique pagaria.
A Vingança de Londres
A SITUAÇÃO ENTRE o REI e os barões se deteriorara, e o rei achara necessário fortificar a torre e o castelo de Windsor contra um ataque que ele temia poder acontecer a qualquer momento.
Ele era acusado de ter violado as Cláusulas de Oxford, que constituíam a reforma estabelecida pelo Parlamento, que fora chamado de O Louco e que se reunira em Oxford em 1258. Os membros daquele Parlamento tinham redigido reformas para a Igreja e para a família real, que significavam que as extravagantes despesas do rei deviam ser contidas. Mais tarde, fora acrescentada outra cláusula que se destinava a impedir que estrangeiros entrassem no país e expulsar os que já ali se achavam e que eram considerados responsáveis pela contínua necessidade de o rei tributar o povo para reabastecer o erário.
O fato de que o rei ignorava aquelas regras e estava, na verdade, gastando cada vez mais, e muitas vezes com estrangeiros, havia provocado tamanha insatisfação que os principais barões, sob a orientação de Simon de Montfort, estavam determinados a não deixar que a situação continuasse.
Henrique estava deprimido. Não podia sair a cavalo sem uma guarda armada. Os barões estavam voltando seus súditos contra ele, dizia.
Ele se lembrava de que seu avô, no fundo de sua melancolia, mandara pintar um quadro de uma águia num ninho, com as jovens aguietas a atacá-la. Henrique representava a águia, e as aguietas eram os seus filhos. O caso de Henrique não era tão lamentável assim. Ele não podia imaginar nada tão ruim quanto ter a própria família de um homem voltada contra ele. Graças a Deus, isso não acontecera e aquele infeliz problema com Eduardo tinha sido resolvido e ficara provado ter sido devido à inveja que o malévolo Gloucester sentia por Simon de Montfort. Eduardo era um filho muito bom, e se ele quisesse uma prova do afeto de sua família bastava pensar em como Margaret enganara o marido e seus ministros porque seu grande desejo era ir à Inglaterra e estar com família.
Agora era o povo que traía o seu rei - os barões liderados por aquele homem que havia tanto tempo ameaçava a sua paz de espírito - Simon de Montfort.
Henrique foi rezar na abadia de Westminster, e quando voltava ao palácio passou por um dos monges, que estava pintando um retrato da abadia. Parou para admirar o quadro. Era extremamente inteligente a maneira pela qual o monge pegara o brilho da pedra.
- Um belo quadro, Guilherme - disse ele. O homem curvou a cabeça, satisfeito.
- Você é mesmo um artista.
- Deus foi bom para mim - disse Guilherme. - Tudo que tenho é dado por Ele.
- É verdade. Mas o fato de Ele ter escolhido você como Seu instrumento resulta em seu favor.
O rei ficou por alguns instantes estudando o quadro.
- Você vai pintar um quadro para mim, meu bom monge disse ele. Seus olhos se apertaram. - Vai me pintar com os meus súditos que estão empenhados em me fazer em pedaços; mas eu serei salvo... salvo pelos meus cachorros. Você faria isso, então, meu bom Guilherme?
- Majestade, posso pintar um quadro, não importa o tema.
- Pois então aqui está um tema para você. Ele mostrará a gerações futuras o que eu tive de suportar daqueles que deveriam ser os meus melhores servidores. Fique sossegado, você será bem pago.
O monge curvou a cabeça e o rei seguiu caminho. Enquanto continuava a pintar o retrato da abadia, Guilherme pensava que o rei estava esgotado e que não seria de admirar se os rumores que ouvira fossem verdade. Havia uma agitação fermentando, e quando os súditos de um rei ficavam inquietos e prontos para se levantar contra ele, bastaria uma pequena fagulha para disparar a conflagração.
O rei iria esquecer, disso ele não tinha dúvidas, e ficou surpreso quando, no dia seguinte, foi chamado à presença dele. Naquele mesmo dia, o quadro foi iniciado.
Quando ficou terminado, o rei se declarou satisfeito. Não havia como confundir o significado.
Henrique disse:
- Ele será colocado no meu quarto de vestir, aqui em Westminster. Eu venho aqui quando lavo a cabeça e nunca deixarei de olhar para ele e ficar espantado com a ingratidão dos homens cujo dever é me obedecer. Já dei ordens ao meu tesoureiro, Philip Lovel, para lhe pagar pelo trabalho. Você trabalhou bem.
E assim o quadro foi pendurado, e durante várias semanas o rei olhava para ele todas as manhãs, quando entrava no seu quarto de vestir. Depois de um certo tempo, ele o esqueceu, porque Simon de Montfort, percebendo que o país ainda estava imaturo para uma rebelião, partiu para a França.
Havia encrenca na Gasconha, e a presença do rei era necessária. Ele disse à rainha que teria de ir e que não suportava separar-se dela.
- Então, eu vou com você - disse ela. Henrique franziu o cenho.
- Eu não pensaria em ir sem você, mas tenho medo de sair do país.
- Aquele maldito do de Montfort não está mais aqui. O povo parece estar adquirindo bom senso.
Henrique abanou a cabeça.
- O caso não é bem este. O povo parece nos odiar menos, mas temos inimigos por toda parte, à nossa volta. Não podemos suportar uma confusão na Gasconha, agora. Eu quero, ao mesmo tempo, visitar Luís... sondá-lo... talvez conseguir ajuda dele.
- Acha que ele ajudaria?
- Nenhum rei gosta de ver outro deposto.
- Deposto! Você acha que eles teriam coragem?
- Tentaram fazer isso com meu pai. Foi a pior coisa que já aconteceu à monarquia. Está sempre na lembrança deles. Acho que Luís não iria querer me ver derrubado do trono. Isso cria um precedente. Talvez ele ajude.
- Ele deve ajudar - disse Eleanor. - Afinal de contas, é marido de Marguerite.
- Infelizmente, meu amor, nem todos têm um sentimento de família tão forte quanto aquele com que você foi abençoada.
- Eu preciso ir com você, Henrique. Eu insisto. Você não tem estado bem, ultimamente.
- A ideia de ir sem você me deixa realmente muito triste.
- Nós temos um filho homem. Mande Eduardo voltar para a Inglaterra. Ele agora já tem idade suficiente para assumir as rédeas na sua ausência. Oh, meu querido Henrique, você hesita. Nenhum filho meu se voltaria um dia contra o pai.
Henrique tomou-lhe a mão e a beijou.
- Vejo que você tem razão, como acontece tantas vezes. Eu deveria deixar-me guiar por você. Eduardo vai voltar. Nosso filho assumirá o comando aqui, durante a nossa ausência; e você e eu não vamos ficar separados.
A rainha iria ficar agradecida por ter acompanhado o rei, porque parecia que a sorte estava contra ele. Quando estavam na França, ele foi atacado por uma febre que o deixou fraco e chegou mesmo a ameaçar-lhe a vida, e se não fosse a incansável ajuda da rainha, ele teria se sentido apático e sem disposição de lutar pela vida. Mas ela ali estava, para garantir que ele tivesse médicos, atenção e tudo o que fosse possível para mante-lo. Acima de tudo, ela lhe garantia que ele precisava viver por ela e pela família.
Ela o fez recordar de como Eduardo soluçara quando ele, Henrique, partira para a França, anos antes, quando Eduardo ainda era uma criança; recordou a recente visita de Margaret. Não era uma demonstração do quanto ele era amado?
Seria tão importante assim seus súditos serem ingratos e facilmente desencaminhados, quando ele sempre teria sua adorada família a seu lado? Ele precisava pensar na família, porque se não lutasse pela vida e mantivesse o controle sobre ela, estaria condenando-a a um sofrimento que compreendia muito bem, pois qual seria o sofrimento dele se ela, sua esposa e rainha, lhe fosse tirada?
Ele começou a se recuperar com o tratamento dado pela rainha, mas não conseguira os resultados visados pela sua visita. Ele ficara vários meses na França; o problema da Gasconha resolverase por si mesmo, mas Luís não estava propenso a dar ajuda material. Tudo o que podia dar era conselho, que era algo que Henrique achava poder dispensar. Henrique voltou para a Inglaterra.
Simon de Montfort estava de volta, e sua ausência lhe granjeara o apreço dos rebeldes. Eles haviam receado que ele se cansara da luta e os deixara para lutar a batalha com o rei, e quando de sua volta ele foi recebido com tal entusiasmo que parecia que o momento estava propício para começar as negociações com o rei.
Eles concordaram em ter um encontro com o rei, e Simon chegou com um grupo de barões chefiado por ele mesmo e Roger Bigod, de Norfolk.
As Cláusulas de Oxford precisavam ser obedecidas, disseram os barões. Elas haviam sido estabelecidas pelo Parlamento e até mesmo o rei precisava aceitar o desejo do povo.
Roger Bigod disse:
- Majestade, desde a sua volta da França Vossa Majestade trouxe ainda mais estrangeiros para este país. Isso vai contra a vontade do povo.
- Senhor barão de Norfolk - respondeu o rei -, o senhor é mesmo ousado. Está se esquecendo de que é vassalo. Devia voltar para Norfolk e preocupar-se em debulhar o seu trigo. Lembre-se, eu podia expedir um mandado real para debulhar todo o seu trigo e confiscá-lo.
- É verdade - retrucou Bigod. - E será que eu não poderia responder mandando para Vossa Majestade a cabeça de seus debulhadores?
Aquilo era um desafio, e Henrique nunca estava muito certo sobre como agir em situações daquelas. Lançou um olhar irado para os barões, que observavam atentamente.
Um movimento em falso, e poderia ser a centelha para começar o incêndio.
Maldito fosse Bigod, e mais ainda de Montfort!
Henrique sabia que eles estavam prontos para entrar em ação.
Deu de ombros e encerrou a reunião. Mas havia revelado a sua fraqueza.
- Está chegando a hora de atacarmos - disse Roger Bigod.
Havia tensão por todo o país. Nem o rei nem a rainha tinham coragem de sair a cavalo, a menos que protegidos por grupos armados. Henrique estava fortificando depressa os seus castelos, e aqueles que eram da máxima importância, a torre de Londres e o castelo de Windsor, foram equipados como se para enfrentar um cerco.
Londres estava pronta para se levantar. Os cidadãos já não suportavam mais tributação. Não havia possibilidade alguma de se ficar rico, porque tão logo o movimento aumentava, o rei ou a rainha inventava um novo imposto como meio de arrancar-lhes os lucros.
Quem sofria mais eram os judeus, mas isso não os tornava benquistos pelos outros cidadãos, que ficavam irritados pela capacidade judaica de ser superior à perseguição,
de pagar os exorbitantes impostos e pouco tempo depois enriquecer outra vez. Aquilo não era normal, diziam os mercadores londrinos.
Tinham sido adotadas medidas punitivas contra os judeus. Não haveria escolas para eles; nas sinagogas, eles deveriam rezar em voz baixa, para que não ofendessem os cristãos. Nenhum cristão deveria trabalhar para um judeu. Nenhum judeu deveria associar-se a uma mulher cristã ou nenhum homem cristão com uma judia. Os judeus deveriam usar um distintivo ao peito para indicar a raça. Jamais deveriam entrar numa igreja cristã. Teriam de ter uma licença para morar em qualquer lugar. Se qualquer uma dessas regras fosse desobedecida, haveria um confisco imediato de seus bens.
Todas essas regras, os judeus podiam superar; o que lhes tornava a vida impossível era a tributação excessiva. No entanto, mesmo assim eles aproveitavam ao máximo os períodos em que eram deixados em paz e sempre pareciam prosperar com rapidez.
Isso provocava muita inveja, e eram constantes as escaramuças quando cristãos atacavam judeus sempre de modo a poderem roubar-lhes os bens.
A rainha estava na torre e o rei, em Windsor, com Eduardo. Ela estava ciente da agitação nas ruas, e não se arriscava a sair, porque lhe diziam que o estado de espírito do povo era incerto e, como sempre, seria contra ela.
Ela disse às suas damas que ficaria mais tranquila se estivesse com o rei e que achava que seria uma ideia excelente tomar uma barcaça para Windsor no dia seguinte. Essa sugestão recebeu a imediata aprovação de todos aqueles cujo dever era protegê-la.
Infelizmente, naquela mesma noite havia planos em marcha de atacar os judeus. A turba havia combinado que ao som do sino de St. Paul à meia-noite, ela se reuniria e marcharia contra eles, pegando-os de surpresa na cama, a fim de que não tivessem tempo de esconder os bens.
A rainha, em seus aposentos, ouviu o sino bater e quase que imediatamente houve berros e gritos nas ruas. O ataque aos judeus havia começado pelas casas ocupadas por judeus enfiou-se a turba, aos gritos de vingança. Gargantas foram cortadas, corpos mutilados, mas a principal finalidade era apaziguar a inveja e a cobiça com o roubo.
A rainha vestiu-se às pressas e mandou chamar alguns guardas.
- O que está acontecendo? - perguntou ela.
- Majestade, o povo está desenfreado pelas ruas. Estão roubando e assassinando os judeus. Não vão sobrar muitos na cidade de Londres, esta noite.
- Não devemos ficar aqui. Quem sabe onde acabará essa violência.
Os guardas concordaram que o povo, sabendo que ela estava na torre de Londres, poderia, quando o seu trabalho diabólico junto aos judeus tivesse terminado, voltar-se contra ela. Estavam dispostos à violência, e havia neles a sede de sangue. Poder-se-ia dizer que o ódio do povo pela rainha era tão grande quanto aquele que dedicava aos judeus.
- Pois então, vamos - disse a rainha. - Não percamos tempo.
Ela começara a tremer, lembrando-se dos olhares venenosos que com frequência lhe tinham sido dirigidos; ela sempre soubera que o povo de Londres iria agredi-la fisicamente se tivesse coragem. Ele jamais se esqueceria do Queenhithe que ela exigira; o povo a culpava pelos pesados impostos que fora obrigado a pagar para recompensar parentes seus.
- Mandem preparar a barcaça - bradou ela. - Vamos descer pelo rio até Windsor.
Suas amas enrolaram o manto nela. Ela estava ansiosa por partir logo.
Aos pés da escada, a barcaça real estava pronta. Ela embarcou com muita rapidez.
- Vamos logo - bradou ela.
Seguiram pelo rio, e de repente ouviu-se um grito vindo da ponte.
- Olha lá. É a rainha. É a velha harpia em pessoa. Rostos apareceram na ponte para olhar. Alguns cuspiram.
- Oh, Deus me salve da turba - rezava a rainha. Agora veio uma onda de alimentos podres e porcaria, que sujou a roupa da rainha.
- Afoguem ela! - veio o grito. - Afoguem a bruxa!
- Eles vão nos matar - disse a rainha. - Oh, meu Deus, então isto é o fim?
- Majestade, se prosseguirmos, eles vão nos afundar - disse o barqueiro.
Era verdade. A turba estava arrancando madeira da ponte. Aquilo era uma justiça dura. A ponte estava apodrecendo e fora declarada perigosa. O motivo era que o rei tinha dado o pedágio da ponte à rainha, que arrecadara o dinheiro mas não fizera os reparos. Uma grande pedra caiu no rio, errando por pouco a barcaça. Jogou água em todos os ocupantes.
Eles não podiam continuar.
- Poderíamos chegar até a catedral de St. Paul e ficar lá no palácio do bispo - disse a rainha, em desespero. - Ele tem de nos conceder abrigo. Estaremos a salvo, lá. O rei vai ficar sabendo, e alguns vão sofrer por causa disto.
Foi uma boa sugestão. Na verdade, era a única esperança possível. O barqueiro levou a barcaça até as escadas e eles desembarcaram apressados.
Aterrorizada, suja e desgrenhada, a comitiva real chegou ao palácio do bispo.
Lá, eles foram admitidos. Era um santuário.
No dia seguinte, a rainha seguiu muito discretamente para Windsor. Quando o rei e Eduardo souberam o que tinha acontecido, a fúria foi enorme.
- Isto é um insulto que jamais esquecerei - bradou Eduardo. - Os londrinos vão pagar pelo que fizeram à senhora. Eu me lembrarei disto.
O rei também jurou vingança contra a sua capital, e a rainha sentiu-se um pouco mais tranquila. Aquela tinha sido a experiência mais aterrorizante de sua vida.
- Não consigo ter um só momento de paz depois do que aconteceu - disse Henrique. - Nem sempre posso ficar com você. Meu amor, você está percebendo que estamos indo muito depressa para uma guerra, não está?
- Não se pode fazer nada para evitá-la?
- Os barões estão decididos a ir à guerra. Eles estão aderindo a de Montfort. vou lhe pedir, querida, que vá para a França. Vá ficar com sua irmã. Eu não poderia fazer o que devo se achasse que você estaria aqui em perigo. Você tem de ir. Eu lhe imploro.
- Se você corre perigo, Henrique, meu lugar é ao seu lado.
- Você não poderia me acompanhar nas batalhas, meu amor, e eu poderia lutar melhor se soubesse que você está em segurança. Vá para a França, eu imploro. Talvez você possa fazer com que Luís aceite seus argumentos. Marguerite poderá ajudá-la. É bem possível que precisemos da ajuda dele.
Ela ficou pensativa, mas a lembrança da turba na ponte de Londres continuava viva. Ela tinha pesadelos quando sonhava que aquela gente assassina estava para se atirar sobre ela.
Henrique tinha razão. Ela devia sair da Inglaterra. Seria de mais utilidade para a causa na França. Lá, poderia levantar dinheiro para Henrique. Não deixaria de trabalhar para ele só porque não estava a seu lado.
Por fim, concordou em partir. Henrique insistiu em acompanhála até a corte francesa, e lá a deixou, como disse, aos melhores cuidados possíveis.
Depois, voltou para a Inglaterra e para a guerra.
Henrique assumira seu quartel-general no castelo de Lewes. Ele sabia que um conflito era iminente, mas estava esperançoso. Tinha um bom exército. Seu filho Eduardo estava a seu lado e seu irmão Ricardo, rei dos romanos, que fora depressa para a Inglaterra quando soube que a guerra ameaçava o irmão, estava lá para lutar do seu lado. A rainha estava a salvo na França, e ele estava certo de que suas chances eram boas.
Os dois irmãos estavam reunidos, numa das salas do castelo, com Eduardo e o filho de Ricardo, Henrique. Eles sabiam que o exército dos barões estava acampado perto dali e que só um milagre poderia evitar um conflito.
Ricardo estava dizendo que eles tinham os melhores homens, mais bem treinados e mais bem equipados. Só o maior dos azares poderia lhes trazer a derrota.
- Derrota - bradou Eduardo. - Estou surpreso, senhor meu tio, que possa usar essa palavra. Vamos falar, isso sim, em vitória.
- Eu creio - disse Ricardo - que o melhor é pensar em todas as possibilidades.
- Exceto na de uma derrota - bradou Eduardo.
Ele sorriu para o primo Henrique, com um ar um tanto conspirador. Eles eram os jovens, com uma crença em si mesmos que faltava aos seus pais. Eduardo não tinha dúvidas quanto à vitória.
O rei estendeu um mapa sobre a mesa e eles o estudaram. Eduardo deveria assumir o flanco direito, enquanto Henrique estaria servindo com as forças principais sob o comando do pai.
- Os londrinos enviaram uma força para servir, sob as ordens de Hastings, a de Montfort - disse o rei.
- Eu não lhes darei quartel - bradou Eduardo, os olhos faiscando. - Quando penso que poderiam ter matado a rainha, prometo a mim mesmo uma vingança. Eles não conseguiram seus intentos malignos, graças a Deus, mas a insultaram. Pensem nisso. A rainha. Nossa bela rainha sendo tratada dessa maneira! Estou contente por eles estarem aqui hoje. Isso me dá maior ânimo para lutar.
- O que temos de pensar - disse Ricardo - é em fazer com que os barões percebam que só porque uma vez eles se levantaram contra um rei não podem fazer disso um hábito.
- Naquela ocasião, eles eram poderosos - disse o rei.
- Eles são poderosos agora - respondeu Ricardo. Foi até a janela e olhou para fora.
- Está acontecendo alguma coisa - disse ele. - Parece um mensageiro do inimigo.
Houve passos na escada. Eduardo abriu a porta depressa e um dos guardas entrou.
- Um mensageiro, majestade, enviado por Simon de Montfort, conde de Leicester.
- Traga-o aqui - disse o rei.
O mensageiro se curvou. Era um dos barões menores.
- Majestade - disse ele -, venho em nome do conde de Leicester.
- Quem quer que venha a mando do inimigo não é bem-vindo aqui - disse Eduardo, ríspido.
- O senhor conde de Leicester quer fazer uma proposta a Vossa Majestade. Ele lamenta que o país fique dividido. Acredita que um acerto das diferenças deva ser discutido em torno de uma mesa e que esta seria uma maneira mais satisfatória de resolvê-las do que através da guerra.
Henrique disse:
- Nisto eu estou de acordo com ele, mas parece que nossas conferências não deram em nada.
- Majestade - bradou Eduardo, agitado -, nós sabemos o que isso significa. De Montfort está com medo da derrota. Esta é a única razão para querer conversar.
- Os barões, majestade, dariam trinta mil marcos ao Tesouro se fosse feito um acordo.
- Trinta mil marcos - disse o rei, pensativo, os olhos brilhando. Seria uma vitória, pois todos iriam pensar que de Montfort estava ansioso por evitar a luta. E trinta mil marcos!
Eduardo ficou muitíssimo indignado.
- Eu quero vingar o insulto a minha mãe - bradou ele. - Ele não partiu de de Montfort e dos barões.
- Lá fora, os homens de Londres vieram apoiar o exército de de Montfort - bradou Eduardo. - Eles têm sido nossos inimigos esses anos todos. Não mostraram antagonismo
para com os senhores? E os insultos deles à senhora nossa rainha jamais serão esquecidos. Eu teria desprezo por mim mesmo, hoje, se não me levantasse e lutasse.
Que nobreza ele demonstrava com a sua altura e seus cabelos quase brancos de tão louros. Um deus que baixou à Terra, pensou o rei. Meu filho! Meu filho Eduardo!
No entanto, trinta mil marcos e paz...
Eduardo estava junto a ele.
- Seria uma paz agitada - disse ele. - Eles iriam nos perseguir como antes. Não, papai, vamos resolver este assunto. Estamos preparados para a vitória. É só porque têm medo de nós que eles estabelecem essas condições. Não vamos deixar que nos iludam.
O jovem Henrique de Cornualha estava olhando para o pai. Ele acreditava que seria prudente o rei entrar em negociações com de Montfort, porque sabia que o conde era um homem de coragem e integridade que desejava sinceramente tornar a Inglaterra um país bem governado. Se o rei não fosse seu tio, Henrique poderia achar certo apoiar de Montfort, mas ele não podia, claro, ir contra a própria família. Olhou para o pai agora. Ricardo era sensato. Ele saberia o que fazer.
Mas o rei dos romanos estava indeciso. Estava adoentado e a conhecida letargia o atacara. Aquela não era, no final das contas, uma briga sua. Ele fora em auxílio de Henrique porque era irmão dele e era necessário mante-lo no trono. Talvez pudesse ser prudente fazer um acordo com de Montfort, para evitar o massacre. Mas não tinha certeza e não dispunha da vitalidade para interferir.
O jovem Henrique compreendeu. Já havia algum tempo ele andava preocupado com a saúde do pai; mas de vez em quando havia aquelas explosões de atividade, quando Ricardo se mostrava como o competente líder que poderia ter sido.
Henrique percebeu que ele não iria agir agora; e Eduardo falava no seu estilo inflamado com o pai. Nada deveria detê-los. A vitória seria deles. O povo iria se lembrar da batalha de Lewes enquanto houvesse História.
O rei, é claro, foi levado pela admiração que sentia pelo filho.
- Você ouviu o Sr. Eduardo - disse ele ao mensageiro. Vá falar com os seus senhores e diga-lhes que não queremos saber da proposta deles.
A batalha tinha sido vantajosa para as forças do rei, que eram muito mais numerosas do que as dos barões. Eles tinham tido razão em não parlamentar, pensou o rei.
Ricardo era um bom soldado; o jovem filho dele, Henrique, estava com ele. E o melhor de tudo, havia Eduardo. Que líder ele era - o tipo de rei que os homens seguem até a morte!
Aquilo resultaria em vitória. Ele tinha certeza.
Eduardo também tinha. A batalha estava praticamente ganha. Ele liderava a cavalaria, e seus homens não podiam ter dúvidas de que ele estivesse ali. Sua altura o fazia aparecer acima dos outros. "Eduardo Pernalonga", gritavam eles enquanto lutavam.
Era aquilo que ele queria. Liderar homens. Mostrar ao pai que iria servi-lo bem. Queria apagar para sempre as lembranças daquela época em que o rei duvidara dele.
No auge da batalha, de repente descobriu seu primo Henrique de Cornualha a seu lado, porque na confusão da batalha ele se separara do pai.
Eduardo saudou-o com um gesto da cabeça. Ficou contente por ter o primo por perto, porque de todos os meninos com que tinha vivido sua infância, eles tinham sido os dois mais unidos.
Então, Eduardo percebeu um grupo de homens avançando a cavalo para atacá-los. Estavam sendo comandados por Hastings, lançando o grito de guerra de Londres.
O coração de Eduardo deu um salto. Aqueles eram os seus maiores inimigos. Aqueles eram os homens que ele estava decidido a destruir.
Lançou-se ao ataque com tal fúria, que em pouco tempo os londrinos, em desordem, fizeram meia-volta para recuar.
- Atrás deles! - gritou Eduardo.
Henrique quis protestar. Eles haviam rechaçado os londrinos, que estavam saindo em retirada do campo. Nada se ganharia correndo atrás deles. Nada, a não ser vingança.
- Avançar! - berrou Eduardo.
Henrique seguiu a seu lado... a pleno galope, os fiéis seguidores de Eduardo acompanhando-os e dando o grito de batalha.
Os remanescentes da debandada força de Londres continuavam indo em frente, mas Eduardo não desistia da perseguição. Ele decidira que eles deviam ser punidos pelo que tinham feito a sua mãe.
- Em nome da rainha Eleanor... vingança! - gritava ele. Morte aos londrinos. Em nome da rainha.
A estrada estava coberta de corpos caídos, mas Eduardo estava decidido a não deixar ninguém escapar, se pudesse. Gritando o nome da rainha, ele estava matando homens por todos os lados; mas mesmo assim ainda restavam alguns para continuar a correr.
Eles tinham ido longe, até Croydon, antes de o bando de londrinos ficar exausto e não poder seguir adiante. Muitos dos cavalos tinham caído. Eles imploraram misericórdia, mas Eduardo não lhes concedeu misericórdia alguma. O massacre foi implacável.
- Isto é pela rainha! - bradava ele. - A nobre senhora que vocês tiveram a coragem de insultar!
Havia silêncio em toda a volta deles. Na grama manchada de sangue jaziam as vítimas da vingança. Seus homens estavam cansados; seus cavalos mostravam sinais de fadiga,
Eduardo lembrou-se, então, da batalha.
Eles tinham-se afastado muito de Lewes, mas precisavam voltar logo. Precisavam estar lá para comemorar a vitória. Ele iria gostar muito de contar ao pai a vingança que tirara daqueles que tinham ousado insultar a rainha.
Os primos voltaram cavalgando lado a lado para Lewes.
- Nós nunca devíamos ter abandonado o campo de batalha
- disse Henrique.
- Não termos abandonado o campo de batalha! O que quer dizer, primo? Ali, à minha mercê, estavam os inimigos de minha mãe. Eles agora vão saber o que acontece a quem insulta a minha família.
- O rei devia esperar que ficássemos por lá.
- Não... a batalha foi vencida. Agora, nós voltamos e reclamamos o espólio.
Mas Eduardo estava enganado.
A batalha de Lewes não estava ganha quando ele se afastara, e a perda de Eduardo e sua cavalaria tinha sido um desastre para o lado do rei.
Henrique tinha sido feito prisioneiro com seu irmão Ricardo, e quando Eduardo e Henrique voltaram foram cercados, capturados e avisados de que seriam mantidos como reféns.
Oh, sim, a batalha de Lewes estivera quase ganha, mas porque o herdeiro do trono se retirara para sua guerra particular de vingança, deixara o flanco de seu pai exposto - e a vitória coubera a Simon de Montfort.
Cinco mil homens tinham sido mortos na batalha de Lewes; e o rei não era mais um homem livre.
Simon de Montfort recebeu-o com grande respeito e garantiu que não queria lhe fazer mal.
- Nunca me esquecerei de que é o rei - disse ele.
- No entanto, manda me prender - bradou Henrique.
- Será tratado com respeito. Mas vai compreender que o país tem de ser governado com mais justiça do que temos visto até agora. A tributação que está mutilando a nossa indústria precisa acabar. Não se deve deixar que os estrangeiros suguem a nossa prosperidade. Foi por isso que lutamos e é isso que pretendemos ter.
- Você me diz que sou o seu rei e depois continua a mandar em mim.
- Estou decidido a trazer lei e ordem a este país e a fazer com que ele seja governado pelo seu Parlamento.
- Então você iria depor o rei?
- De forma alguma, mas quero que ele trabalhe com o Parlamento, e não contra ele.
Simon disse, então, que estava disposto a convocar um parlamento em nome do rei. Dois cavaleiros de cada condado, dois cidadãos de cada cidade, e dois burgueses de cada burgo deveriam ser convocados e iriam representar o povo dos seus distritos de origem.
- Nunca ouvi coisa igual - disse Henrique.
- Não, e talvez tivesse sido melhor que tivesse ouvido. Esta forma de Parlamento garante que o país esteja representado. Significa que precisamos fazer leis que não prejudiquem o povo.
- E você está me pedindo que concorde com isso? - perguntou Henrique.
- Estou pedindo que aceite, majestade - replicou Simon -, enquanto ao mesmo tempo devo salientar que, como prisioneiro dos barões, Vossa Majestade não tem alternativa.
E assim Simon de Montfort criou uma forma de Parlamento que nunca se conhecera antes daquela época.
Evesham
NA CORTE DA FRANÇA, Eleanor recebeu notícias do desastre. O rei, Ricardo, Eduardo... todos prisioneiros de Simon de Montfort! Uma nova forma de governo sendo imposta ao país! Representantes das várias partes do país iriam ajudar a governá-lo! Aquilo era monstruoso.
- O que posso fazer? - perguntou ela a Marguerite.
- Pode rezar - disse Marguerite.
- Rezar! Minha querida irmã, tenho de fazer mais do que isso. Tenho de levantar dinheiro. Tenho de organizar um exército. Jamais vou permitir que aquele traidor do de Montfort mantenha Henrique preso.
- Você é inteligente, eu sei, Eleanor, e embora esteja ansiosa por fazer tudo por seu marido e seu filho, deve ser cautelosa. É uma situação muito perigosa.
Eleanor sacudiu o corpo, impaciente. Será que Marguerite pensava que podia lhe dar conselhos?
- Luís é de opinião de que você deve aguardar o desenrolar dos acontecimentos - prosseguiu Marguerite.
- Luís! - retrucou Eleanor quase com desprezo. O que Luís tinha feito para ajudar Henrique? Ele soubera que os barões estavam se reunindo para ir à guerra, e não oferecera ajuda nenhuma.
Dera a entender que tinha sido o comportamento de Henrique que provocara a calamidade.
Mas, é claro, ela podia dizer muito pouco a respeito do marido da irmã, já que estava gozando da hospitalidade deles. E para onde iria ela, se eles não quisessem recebê-la?
Marguerite era bem dócil, exceto quando havia qualquer crítica dirigida a Luís. Aí, ela ficava muito violenta.
Apesar de Marguerite, Eleanor se dedicou a levantar dinheiro. Estava constantemente enviando mensageiros à Inglaterra para falar com pessoas que ela acreditava serem amigas. Estava confiante em que no devido tempo iria reunir um exército e colocar-se à frente dele. Sorria ao pensar na admiração nos olhos de Henrique quando ele percebesse o que ela fizera.
Mas de ficaria contente se ela ficasse a salvo na França. O fato de ela ser humilhada como prisioneira o teria magoado muito mais do que ele mesmo passar por aquilo.
Ela dedicou todas as energias à campanha e começou a receber algumas respostas na França e da Inglaterra.
Iria formar o seu exército. Mas como demorava! Ela era sustentada, porém, pelo reconhecimento de que um dia iria libertar a família, e consolava-se imaginando as afrontas que iria despejar sobre Simon de Montfort e os inimigos deles.
Aquilo era muito frustrante. Marguerite tentava ajudar. Ela sabia como se sentiria se Luís ficasse prisioneiro em mãos dos inimigos.
- Você precisa ser paciente, Eleanor - disse ela. - Quando a gente ama, precisa sofrer.
- O que sabe você de sofrimento? - perguntou Eleanor, quase em tom de desprezo.
- Muita coisa - respondeu Marguerite.
- Oh, você é tão submissa... tão maleável... pronta para ir para lá ou para acolá. Nunca teve muita vontade própria.
- As submissas muitas vezes sofrem tanto quanto as fortes.
- Neste caso, se não tomam providência alguma, a culpa é delas.
- Você raramente viu qualquer ponto de vista que não fosse o seu - disse Marguerite. - Você já fez demais o que quis na vida.
- Só porque lutei por isso.
- Às vezes é preciso de mais força para suportar. Você será capaz de imaginar como é que eu me sentia vivendo à sombra da minha esperta sogra, a rainha Blanche? Ela fazia tudo tão bem...
Era muito respeitada, muito admirada. Vinha em primeiro lugar, antes de mim... até morrer.
- Você foi uma boba em permitir isso. Eu teria feito Luís compreender...
- Luís compreendia como eu me sentia. Certa vez ele me disse que me amava muito devido à maneira de não provocar uma briga entre ele e a mãe. Teria sido muito fácil provocar. Muitas vezes tive vontade, mas sabia que aquilo só poderia magoá-lo... e a mim. Por isso, mantive-me afastada. E acho que ela acabou gostando de mim, também.
- Claro, já que você deixou que ela fizesse o que quisesse! Oh, você sempre foi muito conciliatória, Marguerite. Não sabe o que é ter sentimentos profundos.
- Eu tive grandes aventuras na vida, Eleanor - defendeu-se Marguerite -, e acho que andei vivendo mais perigosamente do que você.
- Eu quase morri em Londres. Nunca me esquecerei das caras horríveis da turba enquanto olhavam para mim do alto da ponte. Eu sabia que eles pretendiam afundar a barcaça. Foi terrível. Às vezes eu sonho com eles, agora... Ouço a voz deles gritando "Afoguem a bruxa!" Você não entenderia, Marguerite.
Marguerite riu.
- vou lhe contar uma coisa, irmã. Você se esqueceu de que quando Luís partiu na sua cruzada à Terra Santa eu o acompanhei. O medo que você sentiu uma única noite em Londres, para mim foi constante durante meses. Eu era uma mulher naquela terra estranha. Estávamos em perigo perpétuo por parte dos sarracenos. Sabe o que eles faziam com as mulheres, se as capturassem? Poderiam torturá-las; poderiam simplesmente cortar-lhes a cabeça; mas o mais provável era raptá-las para que servissem em algum harém. Você sonha com a ponte de Londres. Querida irmã, eu sonho com o acampamento cristão onde eu, com a gravidez adiantada, esperava noite após noite que alguma coisa terrível me acontecesse. Muitas vezes o rei saía de perto de mim. Eu ficava no acampamento com apenas um cavaleiro para me proteger. Ele era tão velho que não tinha como juntar-se aos demais. Fiz com que ele jurasse que, se um dia os sarracenos chegassem à minha tenda, ele cortaria minha cabeça com a espada, em vez de deixar que me levassem.
Eleanor abrandou. Ela fora levada a reconhecer que suas alegrias e tristezas tinham sempre parecido tão maiores do que as dos outros que ela raramente achara que as dos outros merecessem ser consideradas.
O fato de pensar em Marguerite, grávida, prostrada num acampamento no deserto, fazia a pessoa cair na realidade.
- Mas isso tudo é passado - disse ela. - O meu problema está bem aqui, à minha frente.
- Todos os problemas passam -garantiu Marguerite. - Os seus vão passar, tal como o meu passou.
- Isso quer dizer que não devo fazer todo o possível para afastá-los?
- Nada disso, você iria sempre trabalhar em prol de sua família. Mas seja paciente, querida irmã. Tudo vai sair bem.
Mas não estava em Eleanor ficar sentada e esperar por milagres. Ela redobrou os esforços.
Um dia, Eduardo de Carol, o deão de Wells, chegou a Paris. Levava cartas do rei, disse ele, e a alegre Eleanor agarrou-as.
Quando leu o que o rei escrevera, encheu-se de uma raiva surda. Ele lhe pedia que desistisse dos esforços no sentido de interferir no curso dos acontecimentos. Oque ela estava fazendo era conhecido na Inglaterra. Podia não dar bons resultados.
O deão não precisou dizer-lhe que a carta tinha sido ditada por seu inimigo Simon de Montfort, porque ela soube assim que acabou de ler.
Lembrou-se do conselho de Marguerite para que fosse paciente. Respondeu ao rei assegurando-o de que respeitaria a vontade dele.
Depois que o deão partiu, prosseguiu no seu trabalho. Estava certa de que acabaria organizando um exército.
Mensageiros continuavam chegando à corte da França e levavam notícias dos prisioneiros reais. Foi assim que ela soube que eles tinham sido levados para Dover. O porto mais perto da França. Ideias malucas encheram-lhe a cabeça. Seria assim tão difícil reunir um grupo para desembarcar, atacar o castelo, resgatar os prisioneiros e levá-los para a França? Lá, eles poderiam colocar-se à frente do exército que ela estava certa de poder organizar. Eles estariam livres para recuperar a coroa.
Enquanto ela ponderava sobre aquilo e fazia planos para tornálo realidade, chegaram mais mensageiros.
Os barões achavam que Dover poderia ser um ponto perigoso, em vista de sua proximidade do continente. Os prisioneiros estavam, por isso, sendo transferidos para Wallingford.
Ela quase chorou de raiva, mas pouco depois estava fazendo novos planos.
Seus incansáveis esforços haviam conquistado a admiração de muitas pessoas, e sua dedicação à família era comovedora. Mesmo aqueles que a achavam dominadora estavam prontos a trabalhar por ela, e por isso eram muitos os que lhe levavam notícias do que se passava na Inglaterra. Os prisioneiros reais, ficou ela sabendo, não estavam tão bem guardados em Wallingford quanto tinham estado em Dover. Um dos cavaleiros favoritos de Eduardo tinha mandado um recado a ela dizendo que faria qualquer coisa para ajudar a causa real, e ela imediatamente decidiu fazer com que ele cumprisse a palavra.
Sir Warren de Basingbourne era um sujeito moço e destemido que muitas vezes participara de justas com Eduardo e que ela sabia ser dedicado ao filho.
"Reúna quantos homens puder", escreveu-lhe ela. "Vá até Wallingford, sitie o castelo... que sei que estará mal defendido. Resgate lorde Eduardo. Ele poderá, então, vir para junto de mim aqui e colocar-se à frente do exército que estou preparando."
Agitada, Eleanor preparou-se para esperar a chegada do filho.
Eduardo não parara de se recriminar. Aquele desastre era devido à sua loucura. Não adiantava o pai tentar consolá-lo. Estava claro que se ele não tivesse perseguido os londrinos a vitória teria sido do rei.
Que loucura! Que mal a inexperiência era capaz de fazer!
Eduardo era um jovem que aprendia rápido suas lições.
Pensava com frequência na sua jovem esposa, por quem estava apaixonado. Tinha sido um casamento que o agradara profundamente. Ela era tão jovem na época da cerimónia e ele lhe parecera tão mais velho, que ela começara a venerá-lo. Eles tinham ficado separados, era verdade, enquanto ela completava os estudos e atingia uma idade que lhe permitisse ser sua esposa de verdade. E então ele não ficara desapontado com ela.
Acreditava que agora ela estivesse grávida.
Pobrezinha da Eleanora - ou Eleanor, como insistiam em chamá-la, porque a futura rainha deles devia ter um nome inglês -, ela devia estar atormentada, agora, como ele sabia que sua mãe também estava.
Ele se sentia contente com o fato de o primo Henrique estar com ele, embora tivesse sido melhor se ele pudesse estar livre para trabalhar pelo rei. Os dois jogavam xadrez juntos; tinham até permissão para sair a cavalo, embora apenas nos arredores do castelo e em companhia de guardas. Simon de Montfort tratava-os com respeito. Estava sempre ansioso por que soubessem que ele não tinha intenção alguma de prejudicá-los, e que queria apenas ver o governo justo de volta ao país.
Enquanto estavam sentados à mesa de xadrez, um dos criados entrou correndo. Estava evidentemente muito agitado.
- Senhor - disse ele -, há uma tropa de homens marchando contra o castelo!
- Meu Deus - bradou Eduardo. - O país está se levantando contra de Montfort.
Correram até a janela. Ao longe, viram os homens a cavalo indo direto para o castelo. Alguém disse:
- Sou capaz de jurar que são homens de Sir Warren de Basingbourne.
- Então, vieram nos salvar - disse Eduardo. - Warren jamais se colocaria contra mim. Ele é um grande amigo meu.
Houve movimentação por todo o castelo. Nas torrinhas e nos balestreiros foram colocados soldados. O sinal de alerta percorreu o castelo.
- Estamos cercados! Preparem-se para a defesa!
Para os prisioneiros era frustrante não poderem participar da luta, enquanto eram obrigados a escutar os gritos, os berros e o ranger das máquinas de guerra ao entrarem em ação.
Eduardo ouviu chamarem o seu nome.
- Eduardo. Eduardo. Tragam-nos Eduardo. Os olhos dele brilhavam.
- Nossos amigos finalmente se levantaram - disse ele. - Eu sabia que seria apenas uma questão de tempo. Nossa prisão acabou.
- Primeiro, eles têm que romper o cerco - lembrou Henrique.
- Por Deus, vão romper. Aqui a nossa defesa é fraca. Meia dúzia de guardas havia entrado no quarto. Aproximaram-se de Eduardo.
- O que querem de mim? - perguntou ele.
- Nós apenas cumprimos ordens, senhor.
- E as ordens são...?
- Seus amigos lá fora estão exigindo que entreguemos o senhor a eles.
- E vocês, reconhecendo que estão derrotados, vão atender ao pedido deles?
- Não estamos derrotados, senhor. Mas vamos entregá-lo a eles. Vamos amarrar suas mãos e seus pés, como diremos a eles, e vamos atirá-lo pelo mangonel.
Eduardo soltou um grito de horror ao pensar em ser atirado por aquele aparelho terrível que era usado para jogar pedras sobre o inimigo. Seria morte na certa.
- Você não está falando sério.
- Assim será feito, senhor, se seus amigos não forem embora.
- Deixe-me falar com eles.
Os homens entreolharam-se e um deles fez um gesto afirmativo com a cabeça e se retirou. Quando voltou, disse:
- As ordens são para que suas mãos sejam amarradas às costas, senhor. Depois, iremos levá-lo até o parapeito. De lá o senhor falará com os seus amigos. Se os mandar embora, sua vida estará salva.
- vou mandar - disse Eduardo, pois na realidade não havia alternativa, a não ser uma morte horrível. Assim, amarraram-lhe as mãos e ele chegou ao parapeito e disse a eles que a menos que quisessem a sua morte, deveriam dispersar-se e ir embora, pois seus captores pretendiam que se ele fosse para junto deles, seria por meio do mangonel.
Sir Warren retirou-se às pressas; e quando a notícia do que acontecera foi enviada a Eleanor, ela chorou de raiva.
Simon de Montfort dirigiu-se a toda pressa a Wallingford. A notícia da tentativa de Basingbourne o deixara chocado. Ela poderia ter sido bem-sucedida com muita facilidade. Tinha sido uma ideia brilhante ameaçar disparar Eduardo para eles. No entanto, um castelo mal defendido não era lugar para prisioneiros assim.
No salão do castelo, todos os prisioneiros foram levados à sua presença.
- Meus senhores - disse ele -, lamento que tenham sido tratados sem muito respeito. Eu lhes asseguro de que não foi minha intenção.
- O senhor não deixa essa intenção muito clara - retrucou Eduardo.
- Lamento se o senhor ainda não a percebeu - respondeu Simon, com calma. - É verdade que seus movimentos estão restritos, mas espero que não lhes falte conforto aqui no castelo.
- Seu traidor! - bradou Eduardo. Os outros ficaram calados. Simon deu de ombros e voltou-se para o rei.
- Majestade, não era meu desejo que isso acontecesse. As leis do país precisam ser ministradas de forma justa. Nosso parlamento fará isso, e se pudermos chegar a algum acordo...
- Não faremos acordo algum com o senhor - disse o rei, com firmeza.
- Então, continuarei com o assunto sobre o qual vim falar. Os senhores precisam se preparar para deixar Wallingford.
- Onde será a nossa próxima prisão? - perguntou Eduardo.
- Os senhores devem ir para Kenilworth.
- Kenilworth! - bradou Eduardo.
- É o meu castelo. Sua tia irá recebê-los lá. Acho que se sentirão melhor com um membro de sua família.
Os prisioneiros ficaram calados. Aquilo era interessante. A irmã do rei era a castelã de Kenilworth. Claro que ela seria complacente para com os membros de sua família. Mas eles deveriam lembrar-se de que ela era, também, mulher de Simon de Montfort.
Eles partiram naquele mesmo dia para Kenilworth, onde a irmã do rei, Eleanor de Montfort, condessa de Leicester, recebeu-os com afeto.
- Pelo menos - disse Eduardo -, não vai dar a impressão de que estamos presos aqui.
- Eleanor! - Os olhos de Henrique encheram-se de lágrimas ao ver a irmã.
Ela o abraçou e disse:
- Oh, Henrique, isso é lamentável. Ricardo, Eduardo, eu gostaria que vocês tivessem vindo aqui em outras circunstâncias.
- Não culpe a nós pelas circunstâncias - disse Eduardo. O rei ergueu a mão para fazê-lo calar-se. Simon de Montfort
era marido de Eleanor, e eles não deviam ofender-se por ela lhe ser fiel.
Sentaram-se no grande salão. Podiam estar fazendo uma visita de família, mas é claro que sabiam que o castelo estava cercado por guardas de Montfort e que estavam numa prisão mais sólida do que em Wallingford.
Os longos dias passavam devagar. Eleanor fazia o possível para deixá-los à vontade. Não permitia que criticassem Simon, e deixara claro que embora quisesse tratar a família como sua família enquanto eles estivessem sob o seu teto, era evidente que acreditava na correção dos atos do marido.
- Eleanor sempre foi uma mulher de convicções firmes - disse Henrique ao rei dos romanos. - E uma vez tomada uma decisão quanto a um caminho a seguir, seriam necessários homens fortes para fazer com que ela mudasse... e então ela lhes passaria a perna.
Ele não podia deixar de admirá-la. Seu caráter não era diferente do da sua Eleanor. Sua irmã decidira casar-se com Simon de Montfort quando ele parecera ser nada mais do que um aventureiro; mas ela sentira grandeza nele, porque Henrique tinha de admitir que um homem que podia tirar um país do seu rei legítimo e instalar-se como governante, por mal orientado que pudesse estar, tinha um poder fora do comum.
Agora, de uma maneira digna, que Henrique não podia deixar de admirar, ela representava o papel de anfitriã aos parentes prisioneiros, enquanto nem por um momento esquecia sua lealdade ao marido.
O Natal chegou, e Eleanor esforçou-se por tornar as celebrações tão alegres quanto possível, naquelas circunstâncias, mas sempre os guardas ficavam posicionados em certos pontos do castelo e acampados fora de seus muros.
Eduardo estava frustrado.
Parecia não haver esperança de fuga. Enquanto isso, Simon de Montfort, com o seu novo Parlamento, controlava o país.
Surgiu um problema para Simon, vindo de uma direção inesperada. Um de seus mais firmes partidários tinha sido Gilbert de Clare, conde de Gloucester - neto daquela Isabella que tinha sido a primeira mulher de Ricardo, rei dos romanos. Gilbert, com vinte e poucos anos - chamado de Red (vermelho) devido à cor dos cabelos - era, devido à herança que recebera quando da morte do pai poucos anos antes, um dos barões mais influentes do país. Ele fizera amizade com Simon, a quem admirava muito, e por causa de sua riqueza e energia tornara-se o segundo homem em comando do grupo baronial. Gilbert tivera a honra de tirar a espada do rei quando Henrique fora feito prisioneiro em Lewes. Participara da redação do tratado de trégua entre o rei e os barões, que era conhecido como o Pacto de Lewes, no qual as Cláusulas de Oxford foram confirmadas. Nele, havia uma cláusula especial isentando Simon de Montfort e Gloucester de qualquer castigo pela conduta que tiveram.
Gloucester era jovem e impressionável, e com ele os amigos de um dia poderiam tornar-se os desprezados inimigos do dia seguinte. Ele era volúvel, fato que Simon de Montfort, nos primeiros tempos da amizade, não percebera.
Muitos dos que apoiavam a realeza que tinham fugido depois de Lewes tinham-se refugiado na parte do país na fronteira galesa conhecida como Fronteira de Gales. Os senhores que possuíam castelos naquela região eram os Senhores da Fronteira, e sempre tinham sido motivo de irritação para os ingleses. A Simon parecia que Gloucester, longe de tentar obrigar os Senhores da Fronteira a entregarem as pessoas que estavam abrigando, estava protegendo-os.
Aquilo era desconcertante.
Gloucester começou a apresentar queixas contra de Montfort. Declarou que Simon havia tomado a maior fatia dos castelos que tinham sido confiscados depois da derrota real em Lewes, e discutindo o assunto com sua esposa Simon mostrava estar ficando apreensivo.
Se um dia o rei recuperasse a coroa, o que aconteceria com Simon e seus filhos? Simon lembrou-a da cláusula do Pacto de Lewes, mas Eleanor abanou a cabeça.
- Você acha que isso vai ser levado em consideração? Eu acho que teríamos de fugir do país. Seria necessário sairmos a tempo. A vingança seria terrível. Eduardo não mostraria piedade, ainda que Henrique mostrasse.
- Minha querida, não devemos esperar a derrota.
- Não, mas acho que devíamos pensar nela. É bom estar preparado para o que quer que aconteça.
- Tenho que falar com Gloucester agora mesmo. Preciso descobrir que negócio é esse.
- Pode me deixar em segurança encarregada dos prisioneiros.
- Eu sei. Henrique e seu irmão estarão seguros. É de Eduardo que tenho medo. Creio que neste momento ele está planejando fugir. Ele é diferente do pai. Vejo um grande rei nele, mas agora ele é jovem e imprudente. Acho que vai tentar escapar. Não, eu preciso ir a Gloucester, mas vou levar Eduardo comigo.
- E deixar os outros aqui?
- Acho que é o mais sensato.
Quando Eduardo soube que iria sair de Kenilworth, ficou agitado. Qualquer movimento era melhor do que a inatividade.
A viagem foi mais emocionante do que mesmo ele ousara esperar que fosse. Não demorou muito para que percebesse que havia traidores no lado de Simon. Um homem como de Montfort, que conseguira tanto e era admirado por algumas pessoas a um ponto que chegara à adoração, sem dúvida atraía muita inveja, e embora houvesse muita gente que teria morrido por ele, havia outros que estavam prontos a arriscar a vida para prejudicá-lo.
Estes últimos eram os que poderiam ser de utilidade para Eduardo.
Um deles era Thomas de Clare, irmão mais moço do conde de Gloucester. Thomas conseguira trocar algumas palavras com ele enquanto seguiam viagem.
- Meu senhor - sussurrou ele -, o senhor tem amigos entre nós.
- É um prazer ouvir isso - replicou Eduardo.
- A rainha sua mãe está reunindo um exército que está quase pronto para marchar.
- Ouvi dizer que sim - respondeu Eduardo.
- Se o senhor pudesse juntar-se a ele... com alguns de seus amigos leais que estão esperando para servi-lo...
A conversa foi interrompida, mas o ânimo de Eduardo subia aos píncaros. Aquela situação indigna estava chegando ao fim. Ele sentia isso no íntimo. Ele não tinha nascido para ficar preso.
Em outra ocasião, Thomas de Clare lhe disse:
- Existe um plano, senhor. Roger Mortimer está preparado para ajudar.
- Mortimerí - bradou Eduardo. - Ele é um traidor.
- Já não é mais, senhor. É verdade que ele deu apoio a de Montfort, mas estará retirando esse apoio no melhor momento para ser útil ao senhor.
- Posso confiar num homem que já foi traidor?
- Mortimer não se considera um traidor. Ele diz que serve à Inglaterra e achou que era melhor fazer isso sob as ordens de Leicester. Agora, mudou de ideia... como aconteceu com o meu irmão.
De Montfort é um homem ambicioso. Ficou com os castelos do rei para ele. Há gente voltando-se contra ele. O senhor pode confiar em Mortimer, agora. Além da mulher dele, ele sempre esteve do lado da rainha e de seu pai. Ela acabou convencendo o marido a trocar de lado, efoi o que ele fez.
- Eu não gosto de homens que trocam de lado.
- Meu senhor, basta que eles venham servi-lo. O senhor precisa de homens que deixem Leicester e venham para o seu lado.
- Tem razão, Thomas. O que Mortimer vai fazer?
- O plano é simples, senhor. Quando chegarmos a Gloucester, o senhor terá uma certa liberdade. O conde de Leicester está muito preocupado com que a sua realeza não seja degradada. O senhor fará exercícios nos terrenos dentro dos muros do castelo. Todos conhecem o seu interesse por cavalos. O senhor irá desafiar os guardas encarregados de vigiá-lo quanto aos cavalos deles, e pedir para testar a resistência dos animais. Deverá haver quatro. O senhor irá desafiá-los a corridas e providenciará para que todos os cavalos, inclusive o seu, fiquem exaustos. O senhor deverá continuar até esse ponto. Depois, montará o seu cavalo cansado e sairá com ele. Não será seguido, porque eles vão saber que o senhor não poderá ir longe. Mas, escondido pelas árvores, Lorde Mortimer estará esperando com um cavalo descansado. O senhor montará nesse cavalo e irá embora com Lorde Mortimer. O seu cavalo cansado vai voltar para o castelo... sem o senhor.
- Um plano simples - disse Eduardo. - Será que vai funcionar?
- Cabe ao senhor fazer com que funcione.
- vou fazer - bradou Eduardo. - Por Deus, vou fazer!
Estava funcionando. Eles acreditaram nele. Ele sempre se interessara por cavalos.
Ele disse que gostaria de testar os animais. Eles iriam fazer uma aposta para ver qual dos cinco - os quatro deles e o seu - era o melhor. Eduardo insistiu que corressem com ele. E lá se foram eles, dando voltas em torno do castelo. Ele deu um jeito de chegar pescoço com pescoço com um ou dois e insistiu que corressem de novo... todos os cinco.
Para os guardas, aquilo parecia uma maneira tão boa quanto outra qualquer de passar o tempo. Os cavalos ficariam exaustos, mas o dia estava quase no fim e eles poderiam ir direto para os estábulos.
Eduardo venceu a corrida. Os cavalos estavam suados e em condições para pouca coisa.
- Pobrezinho - disse Eduardo, dando tapinhas no seu. Aposto que para você já basta. Pouco importa. Trabalhou bem e vai descansar.
Os guardas conduziam os cavalos em direção aos estábulos; Eduardo estava com eles.
Ele ficou para trás e então, girando o cavalo de repente, dirigiu-se ao bosque cerrado que ficava a curta distância do ponto em que eles tinham disputado as corridas.
Seu coração batia acelerado de esperança, pois lá estava Roger Mortimer, como combinado. Estava montado num cavalo e segurando outro - forte, descansado, pronto
para galopar.
Eduardo disse "Graças a Deus" e pulou para a sela.
- Para onde? - disse ele.
- Siga-me, senhor.
Em poucos segundos, ele galopava em direção a um ponto seguro.
Em Ludlow, o conde de Gloucester estava à sua espera.
O conde o recebeu com grande respeito e cumprimentou-o pela fuga.
- Há muitos barões no país que estariam prontos a servi-lo. Eles ainda estão contra o rei, mas se o senhor fizer certas promessas, estou certo de que estarão prontos a segui-lo.
- O senhor pensa que eu ficaria contra meu pai?
- O senhor não entendeu o que eu quis dizer. Eles iriam apenas querer que o senhor desse certas garantias e pedir-lhe que convencesse seu pai a parar de agir da maneira que provocou esta rebelião. O povo quer as boas e velhas leis de volta e obedecidas. Quer uma abolição dos costumes perniciosos que recentemente tomaram conta do reino. Os estrangeiros devem ser retirados do reino e do conselho. Não deverão poder ficar com os castelos que lhes foram concedidos, nem tomar parte do governo. Tudo o que pedimos, meu senhor, é que a Inglaterra seja governada outra vez por ingleses. Se o senhor sair vitorioso, se derrotar de Montfort, vai fazer isso? Se der sua palavra solene, posso lhe prometer a ajuda de senhores poderosos.
- Eu juro que farei - disse Eduardo.
- Neste caso, convocarei um conselho daqueles que estariam prontos a trabalhar com o senhor.
- Faça isso, por favor - bradou Eduardo.
Foi uma satisfação ter a seu lado Hugh Bigod e o conde Warrenne.
Eduardo estava bastante animado. Estava em liberdade. Estava propenso a vencer. Estava decidido a aproveitar a lição dos erros anteriores, de modo que nada daquilo voltasse a acontecer.
com um bom exército - porque um número cada vez maior de barões estava indo em seu auxílio -, ele ocupou o território ao longo do Severn e destruiu as pontes, de modo que o exército de de Montfort ficou isolado. Ele sabia que o filho de de Montfort, o jovem Simon, estava reunindo um exército em Londres, onde haveria muitos voluntários para lutar contra o rei, e seus esforços foram no sentido de colocar-se entre os exércitos de de Montfort e evitar que os dois se juntassem.
Chegou a notícia de que o jovem Simon estava em marcha e chegara a Kenilworth. Agora, a situação parecia ter mudado, e em vez de Eduardo dividir os dois exércitos de de Montfort, ele foi apanhado entre os dois, o que não era uma posição invejável.
Mas houve algumas notícias boas. A rainha, incansável como sempre em seus esforços, conseguira reunir um exército e estava esperando na costa francesa que as condições do tempo permitissem que ela atravessasse o canal. Os fortes ventos daquela época tornavam a viagem impossível, mas era um consolo saber que o exército lá estava.
Enquanto se achava em sua tenda com Thomas de Clare, Mortimer e Warrenne examinando as possibilidades de atacar os exércitos de de Montfort e estudando cuidadosamente a situação em que se encontravam entre Simon de Montfort pai e filho, e Eduardo dizia que não deviam agir de forma irrefletida, lembrando-se de como a perda da batalha de Lewes fora devida a ele, uma mulher foi levada para dentro do acampamento.
Uma seguidora de acampamentos! Eduardo ficou pensando por que ela iria pedir para ser levada à presença dele.
A mulher era alta, e o rosto estava escondido por um capuz, de modo que não era fácil ver se era bonita ou não. Eduardo não estava com vontade de se divertir com mulheres. Ele desistira de suas aventuras amorosas quando passara a viver com a esposa; além do mais, agora as questões militares ocupavam sua mente.
- Quem é esta mulher - perguntou ele -, e por que a traz até aqui?
- Ela diz que se chama Margot, senhor - disse o guarda que a levara -, e pede para falar com o senhor.
- com que finalidade? - bradou Eduardo e estava para ordenar que a levassem dali quando se lembrou de novo de sua impetuosidade em Lewes.
- Deixe-a conosco - disse ele, e o guarda se retirou.
- Diga o que deseja - disse Eduardo.
Margot retirou o manto. Ficou logo evidente que não se tratava de uma mulher.
- Senhor - disse "Margot" -, peço-lhe que me escute. Quero servir ao rei e ao senhor, meu nobre senhor. Venho de Kenilworth.
- Ah - disse Eduardo. - Continue.
- O traidor de Montfort mandou que o filho atacasse o senhor. Ele pretende esmagá-lo entre os dois exércitos.
- Isto nós sabemos.
- Meu senhor, o exército que está em Kenilworth não é tão disciplinado quanto o do de Montfort mais velho. Eles não estão esperando um ataque. Estão esperando o sinal do de Montfort mais velho, e então vão avançar e dar início ao combate. À noite eles não ficam bem protegidos. Deixam os cavalos e as armas sem ninguém para vigiá-los. Seria simples aproximar-se sem ser visto depois que escurecer e destruí-los.
Eduardo olhou para os amigos.
- Isso parece fazer sentido.
- Vamos confiar neste homem? - perguntou Eduardo.
- Meu senhor, eu vim aqui... arriscando a vida pelo rei. Se não acredita em mim, não siga o meu conselho. Deixe eu ficar aqui, preso, até que o senhor comprove minha lealdade.
Eduardo estava a ponto de dar uma gratificação ao homem e mandá-lo embora, mas uma vez mais lembrou-se de sua impetuosidade em Lewes.
- Vamos fazer isso - disse ele. - Se descobrirmos que você é realmente nosso amigo, será recompensado.
Uma noite escura. O castelo estava em silêncio. Só aqui e ali, nas ameias, bruxuleava um archote. Lenta, silenciosamente, Eduardo e uma força selecionada avançavam sorrateiramente. Um pouco atrás estava o grosso do exército, pronto para atacar.
"Margot" não mentira. Os soldados de de Montfort foram apanhados inteiramente de surpresa. Todos os que estavam de guarda no castelo foram dominados em meia hora, inclusive as armas. Os que estavam na cama no castelo foram apanhados sem roupa, e muito menos sem armadura.
Muitos foram chacinados. Poucos escaparam, e um que escapou, para tristeza de Eduardo, foi Simon de Montfort, filho.
Triste, desiludido, derrotado pelo próprio descuido, ele, com alguns de seus seguidores, conseguiu chegar aos estábulos e fugir para um lugar seguro.
Para Eduardo e seus amigos, aquilo foi um triunfo que quase apagou a desgraça de Lewes. Além do mais, agora só restava um exército a enfrentar.
Ele mandou chamar "Margot" e disse-lhe que podia dizer qual seria a sua recompensa, ao que ele respondeu simplesmente que tudo o que pedia era uma chance de servir sob as ordens de lorde Eduardo.
Eduardo apertou-lhe as mãos.
- Você é meu amigo - disse ele - enquanto fizer questão dessa amizade.
Que não podia haver demora, era óbvio. Eles precisavam atacar o Simon mais velho antes que ele percebesse o que tinha acontecido ao exército do filho.
A grande chance deles era o elemento surpresa.
- Para Evesham! - era o brado.
Simon de Montfort, no castelo de Evesham, acreditava que a vitória estava perto. O jovem Simon, àquela altura, devia estar quase sobre o exército de Eduardo. Simon era um bom general. Iria escolher o momento certo para atacar.
As angústias das últimas semanas tinham sido enormes. Desde que soubera da fuga de Eduardo, ele ficara preocupado. O rei, ele pouco temia. Via, nele, um homem ineficaz envolvido pela grande afeição que dedicava à família Deixara que aquilo governasse sua vida a ponto de, decidido a agradar à rainha, ter agido em prejuízo de seus súditos. Simon compreendia aquilo; mas Henrique levara a afeição além dos limites do bom senso.
O país ser governado por um rei e seu Parlamento. Era por aquilo que Simon tinha trabalhado e era aquilo que estava conseguindo. Um parlamento representando as cidades, os burgos e condados da nação. Segundo ele, era o único método justo. E ele conseguira. Podia se orgulhar disso. Saíra tudo bem, até que aqueles bobos tinham deixado Eduardo fugir.
Muito ao longe, detectou-se o que parecia ser um exército marchando em direção ao castelo de Evesham.
Simon foi com o seu barbeiro Nicolas para o alto da torre da abadia, pois Nicolas não apenas tinha uma visão excepcionalmente precisa, mas era um perito na identificação de armas.
- O que você está vendo, Nicolas? - perguntou Simon.
- Meu senhor, estou percebendo as insígnias dos de Montfort. Eles estão portando seus estandartes bem alto.
- Graças a Deus. É meu filho. Eu sabia que ele não demoraria em chegar.
Simon ficou exultante. O jovem Simon fugira do exército de Eduardo ou o destruíra, e ele só podia acreditar que tivesse acontecido a segunda hipótese. Aquilo seria o fim da revolta de Eduardo. Seria um triunfo para ele, e justiça.
Sua companhia ficaria muito satisfeita. Não precisaria preparar-se para a guerra, mas para o feliz encontro. Os dois exércitos juntos seriam invencíveis, e o jovem Simon teria a sua vitória para contar.
Nicolas se aproximou dele, pálido e tremendo.
- Meu senhor, vejo outros estandartes. É só na vanguarda do exército que eles levam as insígnias dos de Montfort.
- O que você está vendo? Diga, rápido.
- Meu senhor, posso distinguir os três leões de Eduardo e as insígnias de Roger Mortimer.
- Deus nos ajude - bradou Simon. - Fomos enganados. O que significa isso? Como é que eles vieram trazendo os estandartes de meu filho?
Não havia tempo para especular. Eles precisavam entrar em ação imediatamente. Mas um tempo precioso fora perdido, e o inimigo estava quase sobre eles.
Simon era um homem de grande habilidade militar, mas percebeu que a vantagem fora perdida. com a rapidez que lhe foi possível, reuniu seus soldados. Muitos deles ainda acreditavam que o exército que avançava era aliado, e demorou um pouco para que compreendessem que precisavam preparar-se para a batalha.
De fato, a vantagem fora perdida e Simon conhecia perfeitamente bem a importância disso.
Fomos enganados, pensava ele o tempo todo. O que aconteceu ao meu filho? Esse Eduardo se tornou um homem, e eu andava pensando nele como se ele fosse um menino irresponsável.
Eles o haviam tapeado, e deviam ser tapeados. Graças a Deus ele tinha o rei em seu poder, ali. O rei deveria ser colocado à linha de frente da batalha. Deveria ficar contra o próprio filho, que fora resgatá-lo.
Simon teve tempo de colocar suas tropas em posição de batalha e colocou-se no alto de um morro, de onde podia acompanhar o inimigo que avançava.
- Pelo braço de São Tiago - bradou ele -, eles avançam com habilidade. Eduardo aprendeu o seu método comigo. Ele jamais tornará a cometer a loucura de Lewes. No conflito comigo, ele se tornou um grande general.
Eram duas horas da tarde, e o quente sol de agosto estava quase a pino. A batalha começara.
Que vergonha! Estar ali, à frente das tropas inimigas. Ele, o rei, ser tratado daquela maneira! Como é que Simon de Montfort, seu próprio cunhado, tinha a coragem de tratá-lo assim? Será que aquilo era o fim? Morto em combate... pelo próprio filho, que o confundiu com um inimigo!
Pensou na sua adorada Eleanor, trabalhando tanto por ele do outro lado do mar. Pensou no seu querido filho. Que angústia ele sentiria ao saber que seus homens tinham matado seu pai!
Maldito seja, de Montfort!, pensou ele. Quisera Deus que eu nunca o tivesse ajudado.
Havia o orgulho de ver a superioridade das forças de Eduardo; a vantagem que a surpresa inicial lhe dera. Naquele dia, Eduardo seria o vencedor. Ele sabia disso. Iria ficar contente, mas o quanto sofreria quando encontrasse o cadáver do pai no campo de batalha!
A luta tornou-se mais feroz; os homens de Eduardo fechavam o cerco. Uma lança perfurou a clavícula do rei e ele se voltou e viu o olhar assassino do atacante, o braço erguido para terminar o que havia começado.
- Espere! - gritou o rei. - Sou Henrique de Winchester. Colocado aqui pelo traidor de Montfort. Mate-me, e você irá responder ao lorde Eduardo.
O homem hesitou. Por um ou dois segundos, parecia que iria tratar o desabafo do rei com desprezo. Mas um dos barões estava por perto e Henrique o reconheceu como sendo Roger de Leyburne.
Gritou para ele.
- Meu Deus - disse Roger. - É mesmo o rei. Espere, homem! Tome cuidado para não machucar o rei. Venha... majestade...
Quando Eduardo viu o rei, não coube em si de contente. Havia lágrimas nos olhos de Henrique.
- Meu filho - disse ele -, eu nunca me senti mais orgulhoso do que me sinto hoje.
Ficou escuro antes de a batalha terminar - uma vitória completa para Eduardo e os realistas. O massacre fora terrível. Simon de Montfort e seu filho Henrique tinham
sido mortos. Não se dera quartel. A carnificina foi horrível; 160 dos cavaleiros de de Montfort foram mortos naquele campo de batalha e inúmeros soldados comuns.
Aquilo não era o suficiente. Enquanto anoitecia, a ralé do exército de Eduardo percorreu o campo de batalha e, deparando-se com os corpos de Simon de Montfort e
seu filho Henrique, deu um grito de alegria; os homens caíram sobre eles, tiraram-lhes armaduras e, com gritos de satisfação que não pareciam qualquer som humano, passaram a mutilá-los de todos os modos obscenos que puderam imaginar. E aquele foi o fim do grande conde Simon de Montfort.
O jovem Simon de Montfort, que tinha fugido de Kenilworth, reunira o remanescente de seu exército e marchava contra Evesham.
Viu, ao longe, um bando de farristas embriagados que levavam alguma coisa ao alto e cantavam canções obscenas enquanto caminhavam.
Quando o jovem Simon se aproximou, viu o que eles carregavam. Foi uma visão que ele jamais esqueceria enquanto vivesse.
A cabeça de seu pai sendo levada na ponta de uma lança!
- Eu preferia ter morrido - bradou ele -, para não ver uma coisa dessas.
Fez meia-volta com o seu cavalo e, com os seus seguidores, voltou para Kenilworth.
Lá, chorou a perda do pai e de sua causa; e com o tempo sua tristeza foi substituída por uma grande ânsia de vingança contra aqueles que tinham humilhado tanto um grande homem.
Naquele ínterim, os soldados, com a sua horrível carga, continuavam a sua marcha.
O trofeu que levavam era um presente dado por Hugh Mortimer à sua condessa, que sempre fora fiel partidária da causa do rei.
Ela estava rezando na sua capela quando eles chegaram, e quando viu o que lhe tinham trazido, deu um grito de grande alegria e agradeceu a Deus Sua bondade.
Assassinato no Altar
EDUARDO TINHA, AGORA, um filhinho que eles tinham batizado com o nome de João, e sua mulher estava grávida outra vez. Houve muita alegria na família, pois agora a rainha estava de volta e a satisfação deles por estarem juntos novamente era inenarrável. Henrique não cabia em si de contentamento e orgulho da família. Eleanor trabalhara devotadamente durante todo o tempo em que eles tinham ficado separados, e fora a brilhante tática de seu filho Eduardo que o salvara de seus inimigos.
A batalha de Evesham, embora decisiva e resultando na morte de Simon de Montfort, não acabara de todo com a guerra.
Simon e Guy de Montfort, decididos a vingar o pai, mantinham bandos de rebeldes em várias partes do país. Havia batalhas pelos castelos cujos castelões tinham-se declarado contra o rei; mas Eduardo era, agora, um guerreiro experimentado e começava a destacarse como um general de grande habilidade, um rival do seu tio-avô Ricardo Coração de Leão.
Ricardo, rei dos romanos, tornara a se casar, embora a opinião geral fosse que ele devia estar pensando em fazer as pazes com Deus, e não em começar vida nova. Ricardo sofrera muito durante a prisão, e os períodos em que ele ficava apático e incapacitado para o trabalho tinham aumentado. Mas o casamento com a bela e jovem Beatrice de Falkenberg o reanimara, e foi com grande orgulho que ele a levou para a Inglaterra para apresentá-la ao irmão.
Eduardo, nesse ínterim, ia eliminando os pontos rebeldes em todo o país. Estava tornando-se rapidamente um herói para seus conterrâneos; estava claro que era um homem de grande força, e embora pudesse ser afável, não havia nele sinais da fraqueza do pai.
O fato de ter um tal herdeiro do trono foi um dos fatores que deu ao país uma sensação de segurança. O povo desprezava Henrique, que levara tanta calamidade ao país, graças à sua irresponsabilidade; mas estava inclinado a perdoá-lo e perdoar sua arrogante e avarenta rainha porque, fosse lá o que eles tivessem tirado dele, tinham-lhe dado Eduardo.
Depois de um determinado tempo, Eduardo havia livrado o país dos rebeldes. O jovem Simon e Guy de Montfort estavam exilados na França. Eduardo aumentara a sua aura de heroísmo enfrentando num combate isolado o último dos rebeldes. Foi Adam Gurdon, homem de força quase sobre-humana que ninguém conseguira vencer até então. Eduardo conseguiu o que parecia impossível; e quando ficou com Adam à sua mercê, continuou no seu papel nobre e poupou-lhe a vida em respeito à sua valentia. Dando o toque final a esse romântico episódio da maneira adequada, Adam pediu que lhe fosse permitido servir a Eduardo, e enquanto viveu atuou como um de seus mais íntimos servidores e guarda-costas.
Eram incidentes como este, que circulavam a respeito do herdeiro do trono, que deliciavam o povo. Ele esqueceu Simon de Montfort e seus gritos de justiça e sua adoção de um parlamento que nunca se vira igual.
O país estava se acalmando.
Eduardo agora tinha uma filha, Eleanor em homenagem à sua mulher, e aquela prestativa senhora ficou grávida uma vez mais. No devido tempo, deu à luz um filho homem, que recebeu o nome de Henrique, em homenagem ao avô.
Henrique ficou encantado. Cobrou um imposto de 25.000 marcos dos londrinos, que surpreendentemente pagaram, e cujo total foi colocado à disposição da rainha.
- Isto é para você, meu amor, e só agora posso começar a perdoar esse povo malvado pelo tratamento que lhe deu.
Eleanor estava pronta para ser apaziguada, já que a quantia era muito grande. O povo iria sempre odiá-la - em especial os londrinos -, mas ela pouco se importava, graças ao prazer que sentia com a família.
Chegaram notícias da França dizendo que Luís estava pensando em seguir numa cruzada. As pessoas começavam a considerá-lo um santo, e ao mundo inteiro parecia que
ele era o mais indicado para liderar uma aventura daquelas.
Eduardo lembrou ao pai que os dois tinham, de vez em quando, declarado a intenção de participar de uma cruzada, e agora que o país estava em paz e Henrique estava em boas condições de saúde, poderia ser o momento de Eduardo cumprir a promessa.
Quanto mais falava naquilo, mais a ideia o agradava. Ele adquirira uma grande habilidade - e gosto - em relação a batalhas. Haveria melhor maneira de usá-la do que a serviço de Cristo?
O rei e a rainha, embora fossem lamentar sua ausência, compreenderam o seu desejo e acreditavam que seria bom para ele e para o país se ele conseguisse uma vitória para a cristandade.
Só sua mulher, Eleanor, ficou tão aflita e insistiu tanto em suas súplicas para acompanhá-lo, que ele salientou com muitos detalhes os perigos que ela teria de enfrentar.
- Eu prefiro enfrentar qualquer perigo a ficar sem você - disse ela.
Ele ficou profundamente emocionado, e ela então chamou sua atenção para o fato de que outras esposas tinham acompanhado os maridos. A própria esposa de Luís, Marguerite, havia muitos anos estivera com ele na cruzada que ele chefiara.
Era verdade, concordou Eduardo, mas ela sofrera muito. Ele não ia querer ver a sua doce Eleanor naquelas circunstâncias.
Mas a sua doce Eleanor mostrou uma súbita força até então insuspeitada.
- Se você não me levar como sua esposa, eu vou me disfarçar como um de seus soldados e você só irá saber que estou com você quando chegarmos. E então, vai ter que me reconhecer.
Ele a abraçou com fervor.
- Minha querida e boa esposa - disse ele -, não suplique mais. Você irá comigo. Para dizer a verdade, por que foi que cheguei a pensar que poderia ir sem você?
E assim ficou combinado, e Eduardo partiu para a França com o primo Henrique, filho de Ricardo, porque Henrique também se alistara na cruzada.
Eles iriam para a corte da França e, lá, fariam os planos.
Era bom estarem juntos. Eles sempre tinham sido os mais chegados dos amigos desde a infância, quando tinham sido criados numa ala infantil de crianças de sangue real.
Henrique tinha muitas qualidades ótimas, e Eduardo jamais esqueceria que tinha sido Henrique que lhe mostrara a insensatez de sua crueldade implacável para com o menino que, por uma ordem sua, perdera uma orelha, Henrique abominara aquele ato e ensinara Eduardo a fazer o mesmo.
Havia algo de muito nobre em Henrique.
- Juro por Deus, primo - disse Eduardo -, estou feliz porque você vai estar ao meu lado.
Henrique havia se casado fazia pouco tempo com a filha do visconde de Bearn - uma bela jovem chamada Constance. De modo que ali estavam eles, dois homens felizes com o casamento, prestes a partir numa aventura juntos - uma aventura sobre a qual tinham conversado muitas vezes na infância, quando disputavam um com o outro na descrição dos feitos valorosos que iriam realizar.
Os dois foram recebidos com honras na corte da França, mas Eduardo teve de admitir estar pobre, porque a recente guerra civil tivera tal efeito sobre o erário inglês, que não havia dinheiro para apoiar uma cruzada. Ficou combinado que Eduardo viajaria como duque de Aquitânia, o que significava que seria um vassalo do rei da França. Como tal, Luís lhe concederia uma ajuda financeira.
Houve um acordo quanto a isso, e os dois jovens voltaram para a Inglaterra a fim de fazer os preparativos finais.
Então, Eduardo e sua mulher despediram-se dos filhos e fizeram-se à vela para a França.
Um choque o aguardava quando ele chegou a Túnis. Luís morrera de febre e a doença grassava no acampamento francês. O novo rei Filipe, sob a influência de seu tio Carlos de Anjou, fizera uma trégua com os sarracenos.
Aquilo alterou muito os planos deles. Eduardo ficou indignado.
- Pelo sangue de Deus! - vociferou ele. - Apesar de todos os meus companheiros soldados e conterrâneos terem me abandonado, eu irei até Acre só com o meu cavalariço e cumprirei minhas palavras e meu juramento até a morte.
Mas estava preocupado.
Conversou durante muito tempo com Henrique.
- Quem iria acreditar que isso pudesse acontecer? Você parece estar triste, Henrique. Acha que estou errado em prosseguir?
- Nada disso. Acho que tem razão. Eu estava pensando em meu pai. Ele está doente. Tenho um pressentimento de que nunca mais vou tornar a vê-lo.
Eduardo ficou pensativo.
- Há agitação na Gasconha. Meu pai vai precisar de ajuda. Henrique, vou lhe pedir uma coisa. Volte para casa. Cuide de seu pai. Eu sei que ele gosta mais de você do que de ninguém mais. Já vi os olhos dele brilharem ao vê-lo. Nós, os Plantagenetas, temos uma capacidade de amar nossas famílias. Talvez seja porque meu avô tenha sido tão maltratado pelos filhos e haja muita coisa a reparar. Henrique, tenho um pressentimento de que você deve voltar.
- Talvez você também, Eduardo. Isso foi um contratempo inesperado.
- Não. Estou decidido a ficar. vou seguir em frente. Fiz meu juramento e vou cumpri-lo. Você é jovem. Ainda terá tempo. Neste momento, acho que tem de voltar, Henrique.
Henrique ficou pensativo. Estava muitíssimo preocupado com o pai. Soubera, havia algum tempo, que ele andara doente; mas ultimamente a fraqueza piorara.
- Eu vou - decidiu ele, e os primos despediram-se com afeto. Eduardo seguiu para a Palestina, enquanto Henrique partiu de navio para a costa do Mediterrâneo.
Henrique ficara triste por deixar Eduardo mas, enquanto atravessava a Itália na comitiva do rei da França, sentia uma grande necessidade de ver o pai.
Temia que Ricardo morresse antes dele chegar. Devido ao forte elo entre os dois, ele não conseguia parar de pensar no pai. Tinha a sensação de que o pai tentava entrar em contato com ele, que a morte o estava rondando e que ele queria vê-lo enquanto havia tempo.
Enquanto cavalgava, Henrique repassava recordações dos momentos que tinham passado juntos. Ricardo o amara, ele sabia, mais do que a qualquer outra pessoa. Ele sentira uma certa paixão pelas esposas - Sanchia o atraíra muito por algum tempo, e o mesmo acontecera com Beatrice. Devia ter sido assim, durante uma certa época, com sua mãe. Mas isso fora antes do período mais antigo de que ele se lembrava. Recuando no tempo, ele imaginava que sabia o quanto a mãe ficava ansiosa por que seu pai fosse visitá-los, e que, quando ele realmente ia, embora mostrasse afeição extrema pelo filho, ficava com vontade de ir embora. E então, mais tarde, os dois tinham-se tornado grandes amigos. Tinham lutado juntos em Lewes; tinham sido prisioneiros de Simon de Montfort.
Henrique pensava com frequência em Simon. Ali estava um grande homem que sonhara em levar a justiça à Inglaterra. Era uma pena que homens como Simon de Montfort tivessem de morrer no campo de batalha.
Henrique sabia que os dois filhos dele - Simon e Guy - estavam, agora, na Itália. Estavam exilados da Inglaterra, mas Guy se casara com a filha única do conde Aldobrandino Rosso dell Anguillara e fora nomeado governador da Toscana por Carlos de Anjou. O irmão Simon fora para junto dele na Itália, de modo que eles agora não podiam estar muito longe.
Henrique ficou pensando se não poderia falar com eles, caso em que poderia conseguir uma certa reconciliação entre eles e o rei da Inglaterra.
Estava certo de que Eduardo estaria disposto a esquecer as dificuldades entre eles. Afinal de contas, eram primos dele. O rei e a rainha, fossem quais fossem os seus defeitos, não eram vingativos. O rei Henrique era um homem que gostava de viver em paz.
A ideia deixou Henrique agitado. Quando o grupo entrou na cidade de Viterbo, ele decidiu que faria tudo o que fosse possível para encontrar os primos e, quando encontrasse, tentaria convencê-los de que não deviam guardar mais rancor pelo brutal assassinato do pai.
Toda a inimizade deveria ser esquecida.
Ele tinha certeza de que o rei e seu filho Eduardo estariam dispostos a esquecer o que passou.
Estava-se na Quaresma. A época do arrependimento e do perdão.
No dia seguinte ele iria à igreja rezar pelo sucesso.
Quando a comitiva entrou na cidade de Viterbo, dois homens a observavam da janela de uma cervejaria.
Tinham ido até ali disfarçados, porque queriam descobrir se um certo homem - que eles tinham motivos para acreditar que fazia parte daquela comitiva - estava realmente nela.
Falavam em voz baixa.
- Ele deve estar lá. Eu sei que ele deixou Eduardo e que, naturalmente, iria voltar pela Itália com a comitiva do rei. A hora está chegando, irmão.
Guy de Montfort confirmou com um gesto da cabeça.
- Não se preocupe, Simon, a hora dele está chegando. Simon de Montfort disse:
- Eu ainda estou vendo... aquela turba obscena. E ao alto levavam a cabeça dele. Zombavam... gritavam obscenidades... e quando penso nele... aquele grande homem...
Guy disse:
- Fique certo de que ele não escapará.
Seus olhos brilhavam com uma luz quase demoníaca. Ele sempre fora mais sanguinário do que o irmão. Estava pensando na época em que, nos quintais reais, Henrique de Cornualha, junto com Eduardo, fora o líder de todos eles. Ele tivera grande influência sobre Eduardo, e de todos os meninos era o maior amigo dele.
- Ele era muito virtuoso - disse Guy. - Estava sempre com a razão. Nobre Henrique! Dentro em breve a história será diferente.
- Ouvi dizer que nosso pai foi assassinado depois que Henrique de Cornualha e seu pai foram presos.
- Não importa. Foram homens deles que cometeram aquele ato revoltante, e ele tem de responder por isso. Olhe. Quem é aquele entrando na rua?
- Meu Deus! É verdade, é ele. Guy agarrou o braço do irmão.
- com que então ele está aqui. Agora, tudo o que temos a fazer é esperar a oportunidade.
Eram muitas as coisas que Henrique queria pedir a Deus. A saúde do pai vinha em primeiro lugar; o sucesso de Eduardo na Terra San ta; uma paz permanente em seu país; sua felicidade futura com sua bela esposa.
Cedo na manhã daquela sexta-feira que lhe seria fatal, Henrique encaminhou-se para a igreja de San Silvestre. Dispensara seus auxiliares, pois queria ficar inteiramente a sós. Naquela manhã, ele se sentia estranho.
Ajoelhou-se diante do altar principal. O silêncio era profundo à sua volta, e ele de repente sentiu-se em paz.
E enquanto se achava ali ajoelhado, a porta da igreja abriu-se de supetão. Ele não se virou nem mesmo quando o som de botas sobre o chão de lajotas rompeu o silêncio.
De repente, ouviu seu nome e, voltando-se, viu Guy de Montfort com o irmão Simon à frente de um grupo de homens armados.
- Este é o seu fim! - gritou Guy. - Agora, você não escapará.
Henrique viu assassinato nos olhos do primo. Começou a falar:
- Guy...
Guy de Montfort soltou uma gargalhada estridente.
- Isto é pelo que foi feito ao meu pai.
Ergueu a espada. Henrique agarrou-se ao altar, e a espada por pouco não lhe arrancou os dedos. Henrique levantou-se cambaleante.
- Primo... - bradou ele. - Primos... Tenham piedade... Eu não fiz mal a seu pai...
- Não. Não! - bradou Guy, os olhos com um brilho demoníaco. - Ele morreu, não morreu? Vamos. O que estamos esperando?
Ergueu a espada. Simon estava a seu lado. Henrique caiu ao chão perdendo os sentidos, o sangue respingando no altar.
Os irmãos de Montfort olharam para o homem agonizante.
- Nós vingamos nosso pai - disse Guy.
- Nada disso, senhor - disse um dos membros de seu bando. - Seu pai não foi liquidado com tanto respeito.
- Você está dizendo a verdade - bradou Guy. - Vamos, o que foi feito ao meu grande pai será feito a este homem.
Aquilo foi o sinal. Eles o arrastaram para fora da igreja; tiraram-lhe a roupa. E então começou o horripilante trabalho de mutilação.
Ricardo de Cornualha, rei dos romanos, estava doente e cansado. A letargia que o perseguira a vida inteira aumentara. Repassando a vida que tivera, ele não se sentia muito contente com ela. Raramente conseguira obter o que se propusera. A tarefa de governar o Império Romano mostrara estar além de suas forças e de sua capacidade. Ele agora estava casado com uma bela mulher, mas de algum modo ela só servia para chamar a atenção para o fato de que ele envelhecera e ficara fraco.
Seu irmão Henrique fora mais feliz. Henrique podia enfrentar a desgraça, atravessá-la e comportar-se como se aquilo jamais tivesse acontecido. Ricardo sempre reconhecera essa característica do irmão e a desprezara. Agora, começava a achar que se tratava de uma virtude. Ele mesmo tivera três esposas. Isabella, Sanchia e Beatrice... todas mulheres excepcionalmente bonitas, e no entanto nenhuma realmente o satisfizera.
A grande realização de sua vida tinha sido a geração dos filhos. Henrique e Edmund. Ele vivia para eles; e o que lhe era mais chegado era Henrique. Muitas vezes ficava espantado por ter, com todas as suas imperfeições, sido pai de um filho como Henrique. Claro que Henrique herdara as boas qualidades da mãe, e que Isabella tinha sido uma boa mulher. Ele se lembrava com frequência, agora que estava doente, de como a tratara mal, e sentia-se arrependido.
Henrique estava voltando para casa. Ele ficava contente com aquilo. Não tinha gostado da ideia de ele ir à Terra Santa, e ficara sempre com medo de que ele caísse nas mãos dos sarracenos ou morresse de alguma doença terrível, como tantos haviam morrido. Tinha sido um alívio saber que ele estava a caminho de casa.
Dali a pouco estaria na Inglaterra. Que Deus apressasse a chegada desse dia.
Chegou gente ao castelo. Talvez fossem cartas de Henrique e Edmund, que também estava no continente. Ele vivia esperando notícias dos filhos.
- Majestade, há um homem que gostaria de falar com Vossa Majestade.
- Quem é ele?
- Ele vem da Itália.
- Deve ter sido mandado pelo meu filho. Traga-o aqui logo. O homem entrou. Não falou, mas ficou parado em frente a Ricardo como se procurasse as palavras
- Você me trouxe cartas?
- Não, majestade.
- Você vem a mando do meu filho? O homem não respondeu
- O que você tem? - bradou Ricardo. - O que aconteceu? Há alguma coisa errada
Ele se levantara, e ao fazê-lo sentira uma forte dor do lado.
- E então, e então, e então? - berrou ele.
- Houve uma desgraça, majestade.
- Meu filho...
O homem confirmou com um gesto da cabeça.
- Meu filho... Henrique. Ele... está vivo? O homem abanou a cabeça.
- Oh, meu Deus. Henrique, não. O que... Como...
- Meu senhor estava numa igreja em Viterbo. Foi abatido por assassinos cruéis.
- Henrique! Assassinado! Alguma vez Henrique fez algum mal?
- Os primos dele, majestade, Simon e Guy de Montfort, o assassinaram. Houve quem ouvisse eles dizerem que tinham feito aquilo para vingar o pai deles.
Ricardo cambaleou, e o homem acorreu para evitar que ele caísse.
- Meu filho - murmurou ele. - Meu filho adorado.
Ele ficou em seu quarto durante uma semana e não aceitava alimento algum. Não dormia. Ficava com o olhar parado, murmurando o nome de Henrique.
Ao final da semana, ele se mexeu e mandou chamar determinados escudeiros seus.
Eles deveriam partir imediatamente para a França e trazer Edmund de volta. Quem sabe os assassinos poderiam tentar fazer o mesmo com ele. Ele não descansaria enquanto Edmund não estivesse a seu lado.
Edmund acabou chegando, e ao abraçar o filho as lágrimas rolaram de seus olhos, mas depois disso se sentiu um pouco melhorMas percebia-se o quanto se debilitara.
Raramente se arriscava a sair; nunca o viram sorrir outra vez. Ouviam-no falar com Henrique, embora estivesse sozinho.
O corpo de Henrique foi levado para a Inglaterra e enterrado em Hayles; e num frio dia de dezembro os criados de Ricardo descobriram que ele não se levantara da cama e quando foram vê-lo, verificaram que ele não podia se mexer ou falar.
Era o fim - embora ele se arrastasse alguns meses naquele tristt estado. Em abril do ano seguinte, morreu. Dizia-se que jamais se recuperara da morte do filho.
Seu corpo foi enterrado em Hayles, a abadia cisterciense que ele fundara e que ficava perto de Winchcombe, em Gloucestershire. Ficou ao lado de seu adorado filho
e de sua segunda mulher, Sanchia. Seu coração, porém, foi enterrado na igreja franciscana em Oxford.
A Adaga Envenenada
DEPOIS DE TER-SE DESPEDIDO do primo Henrique, Eduardo, juntamente com sua jovem esposa Eleanor, seguiu de navio para a Terra Santa assim que as condições do tempo permitiram. Embora Eleanor tivesse decidido acompanhar o marido, ela se sentia muito triste por ter de deixar os três filhos pequenos, João, Eleanor e Henrique; mas percebia que aquela tinha que ser uma opção, e acreditava ter feito a opção correta.
Eleanor, embora aparentemente dócil, possuía uma rara força de caráter, a qual Eduardo percebia cada vez mais. Ele acreditara, quando ela implorara da primeira vez para ir com ele, que sua presença pudesse ser um estorvo, e pelo contrário, mostrara ser um conforto. Ela sabia ser modesta quando necessário, e sempre parecia estar ali quando ele precisava dela. Ele começava a agradecer a Deus por ter Eleanor.
Por fim, chegaram a Acre - a grande cidade comercial que, embora naquela época estivesse em declínio, ainda mantinha sinais da grandeza passada. Era um dos centros da cristandade naquela área; muitas vezes os sarracenos tinham tentado toma-la, mas jamais conseguiram; eles sabiam que antes de poderem fazer isso tinham de imobilizar os postos avançados da cristandade oriental.
Na agitada cidade entraram Eduardo e seus soldados, para grande alegria dos habitantes, que estavam em permanente necessidade de defensores.
Pelas ruas eles seguiram - as ruas que fervilhavam de comerciantes de todas as partes do mundo. Nos mercados cobertos, as mercadorias eram expostas em barracas;
homens e mulheres de todas as nacionalidades reuniam-se ali; e o barganhar prosseguia com apenas um aguçar de ouvidos, de vez em quando, para tentar ouvir algum som que pudesse anunciar a aproximação do inimigo
As grandes igrejas e palácios ainda existiam, modelos da arquitetura latina. Nas ruas estreitas, os peregrinos se misturavam com os demais, em geral perceptíveis pela expressão fanática. Os Cavaleiros de São João - os religiosos militares que tinham representado um grande papel nas cruzadas - misturavam-se ao povo que morava na cidade, gozando da confortável existência que poderia acabar a qualquer momento. Os comerciantes alerta observavam aquela mistura, incitando-os e engambelando-os para que experimentassem seus artigos.
Eduardo, o herdeiro da Inglaterra, havia chegado. A notícia espalhou-se pela cidade e fora dela. Ele tinha um ar do avô, Ricardo Coração de Leão, que seria lembrado enquanto durasse o conflito entre cristãos e sarracenos. Um novo otimismo nasceu. Aqueles que achavam que a recuperação da Terra Santa jamais seria conseguida encheram-se de novas esperanças.
Eduardo falava com eles, inspirando-lhes entusiasmo. Eles sabiam que fora devido a ele que a Guerra dos Barões terminara com a vitória dos monarquistas. Bastava olhar para ele para saber que se tratava de um conquistador.
O sultão Bibars, que havia planejado a conquista de Acre e estivera se preparando para sitiar a cidade, abandonou subitamente o projeto porque havia agitação em Chipre, uma ilha que era da maior importância estratégica para a sua causa. Portanto, ele foi obrigado a desviar a atenção de Acre, deixando Eduardo para fazer incursões em território sarraceno e causar alguns danos por lá.
Eram sucessos pequenos, e o calor se tornara intenso. Os ingleses não o suportavam, e eram atacados de disenteria e outras doenças. As moscas e os insetos infernizavam-nos e, o que era ainda pior, muitos deles eram venenosos. Havia quantidades de uvas que os homens comiam com voracidade. Alguns morreram por causa disso. Eduardo começou a sentir a frustração que atacara a muitos cruzados antes dele, que tinham aprendido que a realidade era diferente do que se dizia. Todos aqueles sonhos de chegar e vencer, aniquilar o exército sarraceno, trazer Jerusalém de volta para a cristandade, tinham muito de fantasia. A realidade eram o calor, a doença, as brigas internas e um inimigo feroz que era tão bravo e estava tão disposto a lutar pela sua fé quanto os cristãos.
Durante aquilo tudo, Eleanor o apoiava.
Ele estava preocupado com ela, pois ela estava grávida.
Chegaram mensageiros vindos da França. Iam a mando de Carlos de Anjou, que se propunha a conseguir uma trégua.
- Eu me recuso a concordar com isso - bradou Eduardo.
Mas os cidadãos de Acre não o acompanhavam naquela opinião. A trégua sugerida seria por dez anos, e dez anos de comércio tranquilo e de oportunidade de continuarem como estavam eram muito atraentes. A alternativa era a guerra - a cidade deles destruída, os soldados saqueando, estuprando e incendiando. "Não, que haja uma trégua", dizia o povo de Acre.
Para Eduardo, porém, parecia que ele nunca deveria ter ido, tão fútil se mostrara toda a operação.
A trégua foi assinada.
Edmund, irmão dele, gostou muitíssimo de voltar para a Inglaterra. Eduardo, no entanto, ficou por lá. Embora estivesse aflito por causa do estado de Eleanor, explicou a ela que não podia ir embora.
Ela compreendeu perfeitamente. Ele fora até ali para obter a glória para a cristandade. Não podia voltar agora, só tendo conseguido tão pouco. Ela compreendera isso quando chegara, e embora achasse o clima exasperante no seu estado, pelo menos tinha a satisfação de estar com o marido. Ela o fazia lembrar-se de que Marguerite da França ficara com Luís em circunstâncias semelhantes e dera à luz um filho na Terra Santa.
Aquilo era o que ela escolhera, e não se arrependia.
Eduardo, pouco depois, iria ficar contente por ela estar com ele, porque se não estivesse, aquilo poderia ter sido o seu fim.
Havia uma seita misteriosa no Oriente, a cuja frente se encontrava um homem chamado de O Velho da Montanha. Dizia a lenda que os prováveis assassinos eram escolhidos pelos satélites do Velho e levados para um jardim maravilhoso, cuja localização só era conhecida pelos membros da seita. O preso era fortemente drogado, e quando acordava achava-se num belo jardim que era a corporificação do paraíso. Ali, tudo de que um homem precisasse lhe era fornecido. Ele vivia num rico palácio; era servido por belas garotas, que estavam ansiosas por atender a todos os seus caprichos. Depois de ter passado alguns meses naquele cenário idílico, ele era chamado por um dos agentes do Velho da Montanha e recebia uma tarefa. Em geral, era um assassinato. Depois que tivesse realizado a tarefa, ele ganhava outro período no paraíso, até ser chamado para o próximo serviço. Se se recusasse, desaparecia deste mundo.
Desse modo, a lendária Sociedade do Velho formara um bando de assassinos.
Eduardo estava se sentindo mal. Era o dia 17 de junho, e dia de seu 33º aniversário. O calor era intenso, e ele vestia apenas uma túnica leve, e a cabeça estava descoberta.
Um mensageiro enviado pelo emir de Jaffa e levando cartas dele havia chegado e estava pedindo para entregá-las a lorde Eduardo, já que fora recomendado para que não as entregasse em outras mãos.
Eduardo disse que o homem deveria ser levado à sua presença.
O maometano entrou e entregou uma carta a Eduardo. Fez uma profunda mesura e mexeu com a mão como se para tirar outra carta do cinto. Em vez disso, sacou de uma adaga e mirou-a no coração de Eduardo.
Em menos de um segundo, as suspeitas de Eduardo tinham sido provocadas pelos movimentos do homem, e quando ele ergueu o braço para atacar, Eduardo desviou a adaga. Ela não lhe atingiu o coração, salvando, assim, sua vida, mas penetrou no seu braço.
Eduardo era forte. Num instante, tirara a adaga do seu pretenso assaltante e o matara com ela.
O homem caiu ao chão quando os criados de Eduardo, ouvindo a escaramuça, correram para encontrar seu chefe coberto de sangue e o mensageiro morto no chão.
Um dos criados de Eduardo apanhou um banco e estourou os miolos do assassino.
- Isso é loucura - disse Eduardo. - E que vergonha, atacar um homem morto.
com essas palavras, ele caiu de costas na cama, desmaiando. Não demorou muito e descobriram que a adaga estava envenenada e a vida de Eduardo corria perigo.
Ele estava em agonia. Não se pensava que fosse viver. A carne em torno do ferimento estava gangrenando.
- Se não pudermos tirar o veneno - diziam os médicos -, ele irá espalhar-se pelo corpo todo.
- Ele vai morrer - disse Eleanor.
- Acho que sim, minha senhora. Ela bradou:
- Não vai. Não vou deixar que isso aconteça. Eles abanaram a cabeça.
- Talvez se cortarmos a carne... - E trocaram ideias. Mas Eleanor disse:
- Primeiro, eu vou tentar.
Mandou buscar uma tigela, e colocando os lábios sobre o ferimento, chupou o veneno, cuspindo a matéria repugnante na tigela.
Os médicos olhavam para ela, abanando a cabeça. Eduardo, através da névoa da dor, estava ciente de sua presença e sentiu-se aliviado.
Ela estava grávida, pensou ele. Ele não podia deixá-la naquele lugar estranho.
Ela ergueu a cabeça e sorriu para ele. O ferimento parecia mais limpo, agora.
Os médicos trocaram ideias. Parecia, mesmo, que o veneno tinha sido retirado, mas seria preciso uma operação para remover a carne que gangrenava. Aquilo significaria causar um sofrimento terrível, mas agora havia esperança de que desse resultado.
Eleanor chorou amargamente ao pensar na dor que Eduardo teria que sentir.
- É preciso - disseram-lhe, e era melhor ela chorar do que a Inglaterra inteira chorar.
A operação foi um sucesso, e Eduardo se recuperou. Eleanor cuidou dele e ele declarou que se ela não estivesse a seu lado e não tivesse arriscado a vida ao chupar o veneno de seu ferimento, ele não estaria vivo aquele dia.
Os dois precisavam de consolo - e o encontraram um no outro -, pois chegou a notícia da morte do filho deles, João. Aquilo foi um grande golpe para Eleanor, que ficara cheia de remorsos por tê-lo abandonado. No entanto, ela sabia que Eduardo precisava dela e o fato de que ela lhe salvara a vida - como os dois acreditavam que salvara - indicava que ao escolher entre o marido e os filhos ela fizera a escolha sensata.
Pouco depois da recuperação de Eduardo, ela deu à luz uma filha. A criança recebeu o nome de Joana e, devido ao lugar de seu nascimento, dali para a frente foi conhecida como Joana de Acre.
Era o mês de novembro. Eduardo soube assim que o mensageiro chegou. Já havia algum tempo que ele temia aquilo, pois fora avisado da fraqueza do pai. Mas quando a notícia chegou, ficou desolado. Os dois gostavam muito um do outro, e parecia a maior tragédia de sua vida o fato de seu pai não existir mais.
Eleanor aproximou-se dele. Ele lhe segurou a mão e a beijou.
- Temos que voltar para casa - disse ele. - Minha presença lá é necessária.
Ela olhou-o com ar de interrogação e ele respondeu:
- Você tem diante de si o rei da Inglaterra. E os dois choraram por Henrique.
Jean Plaidy
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