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Ágata achava impossível evitar o casamento que seu tio lhe arranjara, com um pretendente detestável, até ser seqüestrada pelo maior inimigo de sua família. Agora ela se encontrava à mercê de um homem implacável, cujo coração fora transformado numa pedra de gelo pela mágoa e pela dor. Lorde Alexander MacDubh estava na Escócia para reivindicar a guarda de seus sobrinhos, frutos do amor proibido entre seu irmão e uma das jovens MacFarlane. E vislumbrou na bela Ágata a oportunidade de vingar-se do sórdido inimigo que arruinara sua família. A beleza e o temperamento rebelde de Ágata o faziam vibrar de desejo, tornando a vingança mais doce que nunca. Mas a paixão seria suficiente para aplacar o tormento do passado e romper as correntes que aprisionavam seu coração?
Um brinde à noiva que um dia unirá os MacFarlane e os MacCordy em seu ventre!
Os olhos de um castanho-escuro da noiva, Ágata MacFarlane, estreitaram-se ao fitarem os homens ao redor da mesa principal, no enorme salão do castelo de Leargan. A fúria crescente fez seus lábios se estreitarem e precisou forçar os dentes perfeitos a se entreabrirem para tomar um relutante gole de vinho da taça trabalhada. As juntas dos dedos longos e finos estavam brancas e ela não conseguiu soltar a taça sobre a mesa coberta por uma obra-prima de tapeçaria. Um de seus delicados pés, calçados por botas, batia impaciente no chão embaixo da pesada mesa de carvalho. Nenhum dos homens que trocavam gracejos notava que a raiva da jovem crescia a cada segundo.
Ela se perguntou se algum deles prestaria atenção caso se erguesse e gritasse sua fúria. Achou que jamais iriam ligar para ela, para o que sentia.
O motivo da ruidosa festa era seu noivado com Donald MacCordy, o filho mais velho e herdeiro do senhor feudal de Craigandubh. O casamento reforçaria a aliança de armas das famílias que, então, poderiam enfrentar seus inimigos ombro a ombro.
Durante muitos anos os MacFarlane e MacCordy vinham tentando uma aproximação maior indo ocasionalmente um em ajuda do outro. Dali por diante haveria uma ligação muito mais forte que viria através dos filhos que o casal tivesse. O que ainda estava longe de acontecer, apesar dos esforços de Donald para ficar a sós com ela, pensou Ágata, furiosa.
Nos últimos dias tivera que lutar para manter à distância o homem com quem ia se casar. Estava determinada a adiar o mais que pudesse o dia fatídico em que Donald MacCordy a transformaria em mulher, dia esse que ele insistia em adiantar. Suas mãos pegajosas e frias eram rápidas e repulsivas. Seus lábios cheios demais a faziam pensar nas sanguessugas que os médicos gostavam tanto de usar.
Como alguém propôs outro brinde às núpcias que se aproximavam, Ágata ergueu sua taça e por um instante desejou que ela contivesse veneno. Mas adorava viver, mesmo que isso significasse estar unida a Donald MacCordy.
Tinha vinte anos e estava apta para se casar. O tio e tutor de Ágata não tinha filhos e ela era filha do único irmão dele, que já falecera assim como sua mãe, o que a tomava a herdeira da pequena, porém próspera propriedade rural de Leargan. Havia uma chance de que a nova esposa do tio Una, que era uma jovem, adorável e simples, ainda viesse a ter um filho, mas essa chance diminuía a cada dia que a pobre mulher passava sob o jugo de Colin MacFarlane. Os MacCordy haviam aceitado Ágata como noiva do seu herdeiro porque cobiçavam possuir Leargan.
Nisso tudo, havia um ponto que atormentava Ágata: nas tratativas do enlace e da decisão de onde morar ninguém havia mencionado seus sobrinhos. Desde a morte da irmã, Mairi, dois anos antes, ela cuidava das três crianças concebidas no decorrer de seis anos da ligação de Mairi com um homem que não se sabia quem era. Rath e Manus, os gêmeos de sete anos, e Sibeal, a menina de cinco, eram a felicidade de Ágata. Com medo que não lhe permitissem ficar com as crianças, resolveu esclarecer esse ponto.
- Tio e os filhos da minha irmã? - perguntou.
- Pensamos neles também - respondeu Colin MacFarlane em tom frio e calmo.
Ágata não acreditou na suavidade da resposta.
- Não quero me separar deles de modo algum - insistiu. - Vou cuidar dos meus sobrinhos como minha irmã pediu e eu prometi.
- Já sabíamos dessa promessa, minha jovem. Não se preocupe.
E o tio a ignorou, voltando a beber. Ágata praguejou em pensamento. Poucos minutos depois se retirou. Permanecer no salão participando do noivado com o qual não concordava era o mesmo que dançar no próprio funeral. Mas estava numa armadilha e todos sabiam disso e que ela preferia casar-se com o diabo a se casar com Donald MacCordy.
- Acho que Donald é mesmo o diabo - resmungou Ágata, parando diante da porta do quarto pequeno e úmido que haviam destinado aos seus sobrinhos.
O tio de Ágata relutara em acolher os pequenos. Chamava-os de Trio de Bastardos. Havia momentos em que a jovem tinha dificuldade para conter a rebeldia, não por medo da violência do tio, mas porque poderia prejudicar os sobrinhos. Eles já haviam sofrido bastante. Em vez de serem bem recebidas e reconfortadas em Leargan, as crianças tinham sido relegadas a um cubículo escuro e ela nada podia fazer. Não podia levar os sobrinhos para seus aposentos, que eram bem mais confortáveis. Nas poucas vezes que tentara, o tio ordenara que eles fossem retirados de lá, uma vez que o noivo poderia se aborrecer se encontrasse os bastardos ao visitar a noiva.
Entrou silenciosamente no quarto e olhou com carinho o rosto de cada um dos sobrinhos tentando mais uma vez descobrir neles um indício de quem era o pai. Ninguém havia conseguido impedir que Mairi se encontrasse com o amante e depois que os pais delas haviam morrido não adiantaria tentar fazê-lo: os gêmeos já haviam nascido e Mairi nunca iria se casar. Uma vez Ágata seguira a irmã para ver aonde ia, mas ela conseguira despistar e nunca lhe dissera o nome do homem que amava, apesar de serem muito unidas.
Se bem que sentisse dolorosa saudade da irmã, Ágata achava que fora melhor ela morrer antes da mãe, o que a livrara de ser tutelada pelo tio. A vergonha que Mairi trouxera para a família e o ódio que isso despertara no orgulhoso tio jamais tinham sido superados pela afeição própria de um parente.
As três crianças sorriram para ela. Os gêmeos eram bonitos, tinham olhos de um azul profundo e cabelos negros como os dela e os de Mairi, porém os olhos e as feições dos rostos dos meninos só podiam ser do pai. A pequena Sibeal tinha cabelos quase ruivos, ao passo que os olhos castanhos e o rostinho oval eram muito parecidos com o dela e o de Mairi. O que mais perturbava Ágata era não encontrar aqueles detalhes em nenhum dos homens amigos dos MacFarlane. Na verdade, eles apareciam em alguns membros do clã dos MacDubh, que eram seus piores inimigos, pois o tio dela roubara Leargan deles. Ágata custava a acreditar: só faltava o homem ao qual sua irmã se ligara ser um dos inimigos mortais do clã delas. Procurou manter a calma e inclinou-se para beijar as crianças.
- Você vai se casar com Donald MacCordy? - perguntou Manus enquanto a tia ajeitava suas cobertas.
- Vou. Não posso evitar esse destino, meu pequeno.
- Eu não gosto dele, Ágata - sussurrou Sibeal -, e ele também não gosta de nós.
Ágata tentou não dar importância às palavras da menininha.
- Homem nenhum se sente à vontade com os filhos de outro homem, meu bem. É só isso.
Meia hora depois, quando Ágata por fim se deitou em sua cama, não conseguiu dormir. Sibeal tinha razão: Donald não tolerava as crianças. Na verdade, ela começava a temer que as odiasse. Ele era noivo de Mairi quando a ilícita ligação amorosa começara a ser conhecida, mas Ágata achava que não se tratava apenas disso. Desconfiava que Donald sabia quem havia sido o amante da sua irmã e odiava as crianças por isso.
De súbito, seu corpo se retesou quando ouviu um leve rangido e soube que a porta do seu quarto estava sendo cuidadosamente aberta. Enfiou a mão sob o travesseiro e empunhou a adaga, uma arma da qual jamais se separava. Quando um vulto chegou ao lado da cama e se inclinou, cravou a afiada lâmina na mão do intruso e em seguida saltou de pé. O sonoro grito de dor fez com que várias pessoas entrassem no quarto, trazendo velas. Ágata não se surpreendeu ao ver que o intruso era Donald. Ele estava caído no chão, segurando a mão ferida e emitindo ruídos esquisitos. O pai, o irmão e o primo do seu noivo se precipitaram para ajudá-lo.
- Que diabo você fez, mulher louca? - gritou Colin MacFarlane.
E avançou para a sobrinha que, acostumada à mão brutal do tio, se desviou da bofetada voando para o outro lado da cama e o fitou com orgulho.
- Tratei-o como trataria qualquer homem que rastejasse até a minha cama na escuridão da noite - respondeu ela. - Ele não tem o direito de estar aqui.
- Donald apenas está impaciente, menina! - manifestou-se o senhor de Craigandubh. - Não precisava quase decepar a mão dele.
- Não exagere. É um ferimento superficial, se bem que ele berre como um touro que foi castrado. Se não tinha más intenções, ele deveria ter trazido uma luz e me chamado em voz alta, em vez de rastejar como um ladrão.
Os homens argumentaram contra o que dissera. Estava exausta quando a gritaria terminou e se viu de novo sozinha em seu quarto. Recolocou a adaga embaixo do travesseiro, contente porque seu enfurecido tio se esquecera de confiscá-la. Poderia ainda precisar da arma para desencorajar o atrevimento do noivo. Enfiou-se sob as cobertas, decidida a não deixar que problemas e preocupações lhe roubassem o sono.
Assim que chegou aos seus aposentos, Duncan MacCordy, o volumoso senhor de Craigandubh, começou a tratar do ferimento do herdeiro.
- Seu grande idiota! - explodiu. - A moça podia ter matado você e teria toda razão porque invadiu o quarto dela na escuridão e sem dizer uma palavra. Será que a sua luxúria vai acabar invalidando os nossos planos?
- Como eu ia adivinhar que a rameira dorme com uma adaga na mão? - Donald fuzilou com o olhar seu bonito primo Malcolm que ria baixinho. - Ela vai me pagar por isto na nossa noite de núpcias. Vou ensiná-la como deveria ter ensinado aquela prostituta da irmã dela.
- Sim, Mairi era uma prostituta, mas nos deixou uma excelente arma para chantagem e vingança - lembrou Duncan.
O homem repulsivo riu, antecipando a satisfação. William, o filho mais novo do senhor feudal, passou a mão no queixo curto demais.
- Será que Colin MacFarlane não sabe quem é o pai dos bastardos?
- Não, não sabe. - Duncan sacudiu a cabeça e seus ralos cabelos grisalhos se agitaram. - O velho cretino não tem interesse em saber. Só pensa na vergonha, na mancha que isso é no nome dos MacFarlane. Tenho certeza de que Barry MacDubh é o pai dos bastardos.
- É ele, sim - vociferou Donald. - O patife fez o ventre de Mairi MacFarlane inchar duas vezes. Agnes, a cadela da mulher dele, me contou antes de morrer. Há dois anos sofro com o desespero de me vingar daquele desgraçado.
Duncan olhou para o filho com o sobrecenho franzido.
- As crianças vão ser usadas para nos apossarmos das terras de MacDubh e nada mais, Donald. Não vamos usá-las para curar a sua vaidade ofendida. E lembre-se de que a tia delas é sua noiva.
- Na verdade, ela é muito mais do que isso - comentou Malcolm. - Ágata tem uma ligação muito profunda com os sobrinhos, Donald. Tome cuidado com isso em todos seus planos a respeito dos órfãos.
- Quando a vagabunda for minha mulher, terá que fazer o que eu mandar ou vai se arrepender - garantiu Donald.
Malcolm suspirou e não disse nada. Mais uma vez desejou estar livre dos primos, a serviço de um outro senhor qualquer. Tinha pouco em comum com sua família. Ao contrário dos rudes e insensíveis parentes, percebia que o corpo delicado de Ágata MacFarlane escondia uma estrutura de aço. Via, também, que a moça tinha amor de mãe pelos sobrinhos e que se tornaria como uma loba feroz defendendo os filhotes, caso algum perigo os ameaçasse. Mas era evidente que Donald não aceitaria conselho algum a respeito e ele desconfiava que essa cegueira iria causar grandes problemas para o primo.
- Ágata acabará aprendendo- resmungou Donald - e vai deixar de se afligir pelos pequenos bastardos quando souber quem é o pai deles.
- Se Barry MacDubh é pai deles, por que não os assume? - perguntou Malcolm.
- Ele não quer que a família saiba quem era a sua amante, do mesmo modo que Mairi não queria - garantiu Donald.
- Tomara que ele continue em silêncio, porque seu irmão, Alexander, não espera para agir e...
Malcolm calou-se ao ver que o primo não o escutava.
Alexander mal continha a raiva que lhe ardia no peito e seu irmão mais jovem, Barry, continuava alimentando sua fúria. O silêncio que se fizera no enorme salão onde jantavam avisava-o de que seus homens esperavam que as coisas piorassem. Os pajens e as empregadas que serviam a mesa moviam-se depressa, com o ar tenso de quem espera um ataque.
Mais uma vez Barry estava bêbado. Enquanto sua implicante cunhada ainda vivia, Alexander compreendera que o irmão procurasse um pouco de paz no vinho. No entanto, Agnes morrera há dois anos e Barry continuara bebendo, o que muito o aborrecia. O pior é que aquela noite era aniversário da morte de Agnes e Barry estava mais bêbado do que nunca. Teriam que carregá-lo para a cama. Se a cunhada houvesse sido uma boa esposa, ele até aceitaria a atitude do irmão, mas ela fora uma mulher maldosa e desagradável que se divertia tornando miseráveis os homens, mulheres e crianças que participavam da sua vida.
Os lábios de Alexander se contraíram. As malditas mulheres que haviam entrado para sua família nos últimos doze anos haviam destruído sua inocência ao mesmo tempo que diluíam as riquezas do seu clã. Barry era apenas outro bom rapaz que havia sido aprisionado entre as coxas de uma mulher que lhe drenara todo o bom senso e as forças. Se a cunhada ainda estivesse viva, ele acabaria por matá-la.
Incapaz de se conter, ele se pôs em pé, segurou o irmão por um braço e o levou para o extremo mais distante do salão principal de Rathmor.
- Agora, basta! - avisou do alto de sua elevada estatura e com os olhos fuzilando.
Calmo, Barry se apossou da taça do homem que se achava mais próximo, encheu-a de vinho e tomou um gole.
- Nunca irá bastar para mim.
Alexander passou uma das mãos pelos fartos cabelos loiros, nervoso.
- Maldito seja! - praguejou. - Como pôde se embebedar há dois anos por aquela cadela indecente da Agnes?
- Agnes? - Barry piscou, confuso. - Acha que estou assim por causa dela?
O sangue de Alexander gelou nas veias ao vê-lo soltar uma sonora gargalhada. Era uma risada espontânea como as que Barry dava nos tempos felizes. No entanto, havia uma nota discordante nela que fez Alexander temer pelo juízo do irmão. O medo se aprofundou ao notar que os olhos de Barry, de um azul um pouco mais claro do que o dos seus, achavam-se raiados de vermelho. A bebida estava destruindo o cérebro dele, pensou. Num impulso, esbofeteou o irmão, derrubando-o do banco em que se sentara. Enquanto Barry se erguia, cambaleando, e tornava a se acomodar no banco, decidiu não tornar a bater nele se não estivesse sóbrio. Porém, a sua fúria aumentou ao ver que não havia raiva na reação do irmão.
- Eu não estou louco, Alex - murmurou Barry -, apesar de muitas vezes ter preferido estar. A loucura me libertaria do inferno em que vivo.
- Pensei que se houvesse libertado com o último suspiro da sua mulher, que fazia da sua vida um inferno.
- Seria verdade se ela não tivesse impedido que sua morte terminasse com o meu tormento. Ao morrer, Agnes levou consigo a única possibilidade de eu ser feliz neste mundo. - Ele deu uma risada rouca. - Se bem que você vai agradecer a ela por isso.
- Eu jamais agradeceria a Agnes por qualquer coisa, a não ser por ela ter morrido.
- Vai agradecer-lhe, sim. Quando Agnes estava quase agonizando por causa da febre que destruiu sua saúde, saiu de Rathmor naquele inverno rigoroso que a fez morrer mais depressa. Sabe por quê?
- Não... - Alexander começava a ficar inquieto e nervoso.
- Tenho certeza de que vai ficar feliz por saber. Agnes saiu do leito de morte para ir à cabana de um dos nossos arrendatários e matar a única pessoa que me faria feliz. Ela cortou a garganta de Mairi.
Alexander segurou o irmão pelos ombros, com uma terrível suspeita que lhe incendiou a mente e fez seu peito se apertar de dor.
- Por que eu ficaria feliz por Agnes ter matado uma MacFarlane? - indagou.
- Porque Mairi e eu éramos amantes há oito anos... - Barry teve que se equilibrar para não cair quando o irmão o largou como se de repente estivesse sofrendo de peste. - Mairi tinha quinze anos e eu quase vinte quando você trouxe Agnes para cá para darmos herdeiros para Rathmor. Santo Deus! Depois de apenas seis meses de noivado eu já estava no purgatório.
- Quer dizer que você andou dormindo com a sobrinha do homem que matou nosso pai? - sibilou Alexander.
- Sim e a amava. Mairi era o ar que eu precisava para viver, o alimento que impedia minha alma de morrer. E Agnes não suportou isso. Eu não podia lhe contar o que estava acontecendo porque você odeia os MacFarlane, irmão. - Barry suspirou. - Agnes me tirou Mairi, o amor da minha vida, e os meus filhos.
A cor abandonou por completo o semblante de Alexander.
- Vocês tiveram filhos? - As palavras mal passavam entre seus dentes apertados. - Agnes matou os seus filhos?
- Não... - Barry balançou desajeitadamente a cabeça. - Não, mas é como se o tivesse feito. Não posso vê-los e nem saber como estão.
Alexander sacudiu o irmão com violência.
- Pare de choramingar como uma mulherzinha e me fale dos seus filhos! Conte-me tudo sobre eles.
- Tenho dois meninos gêmeos, Rath e Manus, que estão com sete anos. - Barry fungou e fez uma pausa para enxugar as lágrimas e reordenar os pensamentos. - Tenho Sibeal, uma menininha com cinco anos. Eu mesmo a trouxe ao mundo. A minha pequenina com os olhos lindos de Mairi! Perdi os meus quatro amores... Agora você sabe porque eu bebo. - Balançou a cabeça, tomou outro longo gole de vinho e murmurou: - É como se meus filhos também tivessem morrido.
- Você teve filhos, amaldiçoado seja, e não me disse nada?
À raiva de Alexander se acrescentara uma sensação de mágoa.
- Achei que você não queria saber - gaguejou Barry. - Eles são bastardos e têm nas veias o sangue dos MacFarlane.
- E dos MacDubh também! - explodiu Alexander. Vários dos homens ao redor das mesas murmuraram palavras de aprovação.
- A minha pequena Sibeal tem cabelos iguais aos meus - contou Barry. - Os olhos dos meninos são iguais aos meus. Não, na verdade, são do mesmo azul que os seus... Meu Deus, é como se tivessem arrancado meu coração!
Alexander rilhou os dentes e lutou contra a ira. O sentimentalismo meloso dos bêbados tinha o poder de irritá-lo, mas agora conseguia compreender Barry. Sua opinião pessoal sobre o amor e a mulher que o irmão escolhera para amar não importava: ele perdera os filhos e passara dois longos anos sem vê-los ou ter notícias deles. Alexander sabia o quanto uma perda tão grande podia abater um homem, mas mantinha sob controle a dor que o atormentava porque precisava ser determinado. No entanto, sua própria perda intensificava a necessidade de trazer os filhos de Barry para a família. Qualquer criança MacDubh pertencia a Rathmor.
Inclinou-se para o irmão.
- Onde acha que seus filhos estão? - perguntou em voz baixa e calma, o que fez as pesadas pálpebras de Barry se entreabrirem.
Ele olhou ao redor da mesa e seu rosto perdeu a expressão de alheamento diante dos olhares de simpatia e de acusação que recebeu. Engoliu em seco. O abrigo escuro de bebida no qual se escondera adquiriu um pouco de luz.
- Estão em Leargan - respondeu, vibrando por antecipar a atitude do irmão.
- Sim, sendo educados pelo homem que matou nosso pai e nos roubou Leargan. Os herdeiros que significam tudo no mundo para nós estão nas mãos do homem que menos os merece.
Barry abafou um grito de angústia e saiu do salão. Alexander suspirou, desabou sobre a pesada e grande cadeira de carvalho, apoiando a cabeça nas mãos calosas.
- O que vamos fazer? - perguntou seu sobrinho grandalhão, Angus. - Vamos deixar nossas crianças nas mãos ensangüentadas de Colin MacFarlane?
- Não - respondeu Alexander. - Nunca. Não vou permitir que aquele filho de uma vagabunda crie meus sobrinhos. É duro saber que o sangue dos MacFarlane corre nas veias deles, mas são filhos de Barry. São MacDubh. Deus queira que o veneno dos MacFarlane ainda não haja penetrado nos corações deles. Não diga nada a Barry, pois neste momento ele se acha incapaz de guerrear, mas sairemos para Leargan ao amanhecer.
O corpo cansado de Ágata relaxou quando ela se estendeu sobre a grama macia e cheirosa, ao lado do seu amigo Jaime. As crianças brincavam perto deles.
- Acho que estou ficando velha, Jaime. Meus sobrinhos me deixam exausta.
Fez uma careta engraçada quando ele deu uma risada sonora e profunda, antes de dizer:
- Correr faz bem a elas e também a nós, de vez em quando. Ágata assentiu, observando o homem enorme a seu lado. Os músculos sobressaíam sob a túnica marrom e as mãos eram tão grandes que Jaime poderia matar um homem apenas com elas, sem grande esforço. Ao lado dele sentia que nada de mal aconteceria a ela e aos pequenos.
Tinha certeza de que Jaime não era um idiota, como diziam. Aprenderia muita coisa caso alguém tivesse paciência para ensinar, no entanto Ágata sabia que o mais importante que lhe ensinara fora ter auto-estima, coisa que seu odioso pai e outras pessoas lhe haviam roubado. Depois disso, ele passara a lhe dedicar uma devoção tão profunda que às vezes a inquietava. Mas nunca o dissuadira: era bom ter um amigo em Leargan.
Suspirou de prazer quando uma leve brisa suavizou o calor do sol de pleno verão.
- É mesmo. Em Leargan elas são obrigadas a ficar quietas para não irritar o senhor.
- Que pode ficar muito zangado... - observou Jaime.
E olhou para os três irmãozinhos que, aos gritos e risos, corriam um atrás do outro, completando a beleza do dia de verão sem uma nuvem no céu.
- Isso é triste porque uma criança tem que agir como criança. A gente cresce tão depressa!
Jaime olhou para Ágata, nervoso.
- Sei que não t-tenho o direito de f-falar nisso, mas... o que será de m-mim quando a senhora se casar com Donald MacCordy e for morar em Craigandubh?
- Tudo vai continuar como sempre entre nós. - Ela afagou as enormes mãos entrelaçadas. - Não se aflija. Não vou deixá-lo aqui.
Ágata sabia que ninguém em Leargan iria se importar se Jaime fosse embora, pois todos o consideravam um débil mental perigoso.
Ele soltou as mãos e sentou-se, apoiando as palmas no chão.
- Obrigado. A senhora e as crianças não têm medo e nem caçoam de mim. A senhora é minha única amiga e não quero que me deixe.
- Eu não vou deixá-lo e as crianças também não vão ficar longe de nós. Elas gostam muito de você.
De súbito, Jaime ficou tenso e olhou atentamente para uma das mãos apoiadas no solo. Ágata tocou o chão e sentiu um leve tremor.
- Jaime, o que é isso?
- A-alguém v-vem vindo.
O grandalhão cuspiu e amaldiçoou a gagueira que o marcava como idiota, uma gagueira que Ágata fizera diminuir, que agora só surgia quando ele ficava nervoso ou emocionado.
- Eles v-vêm do n-norte.
- Devem ser os MacDubh - apavorou-se Ágata.
Eles haviam tirado os arreios dos cavalos, Jaime não tinha arma e se achavam longe da muralha protetora de Leargan.
- Talvez. São numerosos e cavalgam depressa. Temos que fugir.
- Não dá tempo!
Ágata se ergueu. Já ouvia o tropel da rápida aproximação dos cavaleiros vindo da direção de onde os inimigos moravam. Com uma agilidade surpreendente num homem daquele tamanho, Jaime pegou as três crianças no colo. Ágata concordou com a indicação muda dele para se esconderem numa das árvores que rodeavam a clareira; a copa não era muito cerrada, mas talvez os cavaleiros não os vissem ao passar em disparada. Caso contrário, teriam que ganhar tempo para que fossem salvá-los. A jovem subiu na árvore com rapidez e se acomodou num galho com os sobrinhos, que Jaime ergueu para ela. Acabava de lhe entregar Rath, a última das três crianças, quando os cavaleiros invadiram a clareira. Em vez de subir na árvore, ele se voltou para enfrentar o inimigo.
Alexander fez o cavalo estacar a curta distância do homenzarrão e seus soldados imediatamente o rodearam. Depois de avaliar o gigante imóvel diante da árvore, olhou para a copa e foi como se o seu rosto se iluminasse. Dois garotos gêmeos e uma menina, de cabelos ruivos, mantinham os olhos fixos nele. Não esperara ter tanta sorte.
- Hoje o destino sorriu para nós, Angus - disse ao primo que ocupava, como sempre, o lugar de honra à sua direita. - As frutas que procuramos aí estão para serem apanhadas.
- É, porém há um perigo a ser vencido antes da colheita - contrapôs Angus, indicando Jaime.
Alex fez sinal para seus cavaleiros atacarem o homem diante da árvore e os advertiu:
- Não o matem, a menos que seja necessário. Ele está desarmado, é um só e vocês são quinze. Seria assassinato.
Do galho da árvore em que se equilibrava, Ágata viu que metade dos homens desmontava e se aproximava de Jaime sem empunhar as armas. O sangue se acelerou em suas veias quando viu o brasão dos MacDubh. Pelo jeito eles não pretendiam matar seu amigo, mas isso não a reconfortava, pois seria impossível que ele os vencesse. A menos que recebessem uma ajuda miraculosa, ela e as crianças iam cair nas mãos de inimigos mortais. Narrativas de ações horríveis dos MacDubh eram feitas desde sempre aos MacFarlane, principalmente sobre a sede de sangue deles, e naquele momento Ágata se lembrou de todas. A razão lhe dizia que aquelas narrativas podiam não ser verdadeiras, porém o medo é uma emoção irrefreável e a levava a acreditar no pior que lhe fora dito sobre os MacDubh.
Tranqüilo sobre o cavalo, Alexander olhava a luta de seus homens contra o enorme guardião da árvore. Era uma luta já perdida pelo gigante, porém ele dava bastante trabalho. O fato de o homenzarrão enfrentar vários adversários de mãos limpas era uma loucura que Alexander respeitava. Percebia que ele pretendia lutar até a morte para proteger as quatro pessoas que estavam na copa da árvore. Ele se perguntou se aquele homem defenderia as crianças se soubesse quem era o pai delas. Quando, por fim, o grandalhão caiu, o senhor não se exaltou com a vitória. Desmontou, aproximou-se da árvore e olhou para os quatro rostos pálidos.
- Desça, moça, e traga as crianças - ordenou.
Um olhar mais demorado para os cabelos da menina, para os olhos e as feições dos gêmeos confirmou que eram filhos do seu irmão Barry.
- Por fim o seu valente protetor caiu - acrescentou. - Vamos, admita a derrota e desça.
- Nunca! - revoltou-se Ágata, sentindo muito medo pelas crianças, por Jaime e por si mesma. - Se quer a mim e às crianças, terá que vir nos buscar.
Alexander rilhou os dentes e fez sinal a uns poucos dos seus melhores homens para que respondessem ao desafio da jovem. Sabia que ela tentava ganhar tempo e decidiu dar-lhe menos tempo possível.
Quando o primeiro homem que tentou subir na árvore foi atirado ao solo por um simples, porém eficiente, toque de uma pequena bota no rosto, Alexander se surpreendeu tanto quanto os demais. A cada homem que subia, uma nova surpresa. Os homens planejavam a defesa para o movimento feito pela moça para se livrar do companheiro anterior, porém ela repelia o novo ataque com a ajuda das crianças. Apesar da superioridade física e numérica dos seguidores de MacDubh, Ágata mantinha sua posição graças ao vantajoso ponto de defesa.
Depois de oito homens terem sido derrubados, Alexander decidiu que já perdera bastante tempo. Desembainhou a espada e encostou-a na garganta de Jaime, que voltava a si ainda atordoado. Na verdade, tratava-se apenas de uma ameaça e ela poderia não se importar com a vida de seu protetor, no entanto valia experimentar.
- Moça - gritou ele e todos o fitaram -, chega de brincadeira. Desça daí ou corto a garganta deste homem.
Ágata sabia que estava derrotada, porém retrucou:
- Você não quis matá-lo quando ele lutou contra seus homens, por que o faria agora?
- Porque nós dois sabemos que você está tentando ganhar tempo e eu não tenho tempo a perder.
Essa fria justificativa convenceu Ágata. Um plano não servia quando conhecido pelo inimigo e jamais arriscaria a vida de Jaime para esperar uma ajuda duvidosa. Em Leargan só iriam reparar na sua ausência dali a algumas horas, pois ninguém sabia que ela saíra com as crianças. Só podia rezar para, ao se entregar, não estar apenas adiando a morte de Jaime, assim destino para si e os sobrinhos. Fitou por instantes o homem que ameaçava seu querido e único amigo.
- Quero que você jure solenemente que não fará mal a nenhum de nós - disse. - Jure solenemente.
Alexander se retesou diante daquele ultraje.
- Nós não fazemos mal a mulheres e crianças indefesas!
- Não quero discutir sobre o que você faz ou não faz. Pedi que jure não fazer mal algum a nenhum de nós quando estivermos nas suas mãos.
Uma espécie de rugido abafado foi a primeira resposta. Por fim, Alexander disse:
- Sim, eu juro. Agora, desçam já, se não eu espeto o gigante.
- Alguém precisa pegar as crianças - exigiu Ágata, tentando esconder o pavor que sentia. - É muito alto para elas descerem sem ajuda.
Enquanto falava, convencia-se de que precisava manter a calma e a coragem para que seus sobrinhos não se aterrorizassem.
Era difícil para Alexander se manter distante ao ver seus sobrinhos serem retirados da árvore. Quando os viu de mais perto, ficou evidente a ligação deles com os MacDubh. Profunda emoção tomou conta do senhor: uma mistura de dor lancinante e de grande alegria. Procurou se acalmar olhando para a mulher esguia, de cabelos negros, que descia da árvore sem aceitar qualquer ajuda. Essa visão fez alguma coisa se agitar em seu íntimo e ele disse a si mesmo que se tratava de luxaria e não de emoção.
A jovem era pequena, porém de presença marcante, e emanava sensualidade. Quando se aproximou do gigante caído, seu caminhar ondulante era como um convite explícito, porém o instinto disse a Alexander que não era intencional. Mas ele se dispôs a aceitar o convite.
Jaime sentou-se no chão, aturdido, o rosto moreno espelhando aflição.
- Oh... ama... não devia ter d-descido. D-devia ter f-ficado na árvore.
Os gêmeos tentavam abraçar o gigante e Sibeal segurava entre suas pequeninas mãos a mão enorme, querendo acalmar o amigo. Ágata afagou os cabelos fartos, negros e crespos do homenzarrão.
- Eu não podia abandonar você. Não se aflija. Se o faz sentir-se melhor, pense que fiz isso mais por mim, para não me arrepender... Eu nunca mais teria um momento de paz se permitisse que o matassem.
Depois de franzir a testa alta por um momento, Alexander ordenou que pegassem todos os pertences dos MacFarlane. Percebera que Jaime era um tanto lento e que a moça tinha afeição por ele, o que o surpreendia diante do que aprendera a pensar das mulheres. Então, ela se rendera por ver a vida do gigante ameaçada. Deixou para pensar nisso depois e tratou de enfrentar o problema que tinha diante de si. Queria aquela mulher, mas a luxúria não era motivo suficiente para levá-la também: teria que arranjar outro.
- O que você é dessas crianças? - perguntou a Ágata. - Governante?
A última coisa que ela queria que o MacDubh soubesse é que era sobrinha de Colin MacFarlane. Se bem que ele estivesse sendo gentil com os pequenos, não podia esquecer do sangue derramado entre seu clã e o dos MacDubh. Imaginou que ele não seria tão caridoso com um MacFarlane adulto.
- Sim, sou governante deles.
- Parece-me muito jovem para ser governante.
- Já tenho vinte anos.
- Então, irá conosco. Preciso de quem cuide das crianças e não temos governante em Rathmor.
Pegou-a por um braço ao ver que ela não obedecia.
- E Jaime? - indagou Ágata, tentando soltar o braço.
- O que tem ele? Vai ficar aqui.
- Eu não teria me rendido se soubesse que seria para deixá-lo à mercê da fúria de Colin MacFarlane - reagiu Ágata.
- É morte certa para ele.
Alexander voltou-se para os sobrinhos e viu nos olhos dos três um ardente pedido. Seria loucura levar um guerreiro tão vigoroso para dentro da sua fortaleza, mas não podia dizer aos pequenos que ia deixar o amigo deles para trás, condenado a uma morte cruel.
- Está bem! - explodiu, irritado com a própria fraqueza.
- Ele pode ir conosco se jurar que não vai criar encrenca. Jaime hesitou apenas o tempo suficiente para trocar um olhar com Ágata, depois fez o juramento. Os cavaleiros, desconfiados, ficaram olhando enquanto ele montava. Em seguida, apagaram do melhor modo possível os indícios da sua presença ali, varrendo o terreno com galhos de árvores. Colocou Sibeal na sela do seu cavalo, à frente dele, e os gêmeos montaram um outro cavalo. A governante cavalgava sozinha e altiva, sob olhares apreciativos de Alexander, que ordenou passo acelerado, para não cansar inutilmente os animais.
Tudo fora fácil demais para o gosto dele. Era muita sorte. A não ser por escoriações e um ou dois ossos quebrados em alguns homens, havia alcançado seu objetivo sem violência. Estava disposto a atacar Leargan se fosse preciso, mas fora melhor assim. No entanto, não conseguia livrar-se da sensação de que uma boa encrenca o espreitava.
Ágata cavalgava com elegância a égua alazã. Estava feliz porque a mentira sobre ser governante dera certo. Achava que aquele homem não entendia dessas coisas, se não teria percebido que ela era jovem demais para ocupar lugar tão importante num clã. Torceu para que as crianças não revelassem a mentira e até então as mantivera caladas apenas com um severo olhar. Não queria forçá-las a mentir, mas a verdade as colocaria em má situação.
Não dava para imaginar que interesse os MacDubh poderiam ter nos filhos ilegítimos de Mairi e se o senhor de cabelos loiros seria capaz de fazer mal às crianças. Esperava que o rosto bonito não a houvesse enganado quanto à sua verdadeira natureza.
Tinha certeza de uma coisa: corria o risco de ser violentada pelo homem austero que liderava os MacDubh. Um arrepio gelado lhe percorrera a espinha ao se dar conta de que ele era Alexander, o mais famoso e temido membro do clã MacDubh. Desde pequenina contavam-lhe histórias sobre o encantador senhor, que era também um amargurado e frio invasor. Quando adolescente, ela sofrerá devido a uma confusa mistura da ansiedade por conhecer esse homem e o medo de que um dia isso acontecesse. Medo esse que sentia naquele momento por causa do brilho que percebera nos olhos de um azul-escuro profundo. Conhecia bem esse brilho. Alexander MacDubh a desejava e como era sua prisioneira poderia tê-la quando bem entendesse. Não tinha amigos em Rathmor e Jaime seria morto se tentasse protegê-la. Sabia que sua verdadeira identidade não a ajudaria; ao contrário, iria provocar um tratamento ainda mais duro.
Diziam que ele era também um envolvente sedutor, mas se descobrisse que ela era Ágata MacFarlane na certa a usaria como objeto de prazer, apenas, pois sabia como atingir o orgulho de Colin MacFarlane. Quanto mais pensava no caso, mais se convencia de que seria estuprada.
Ao ouvir os pesados portões de Rathmor se fecharem às suas costas, pensou que o tempo se tornara seu pior inimigo.
- Se continuarmos neste ritmo, vamos matar os cavalos! Malcolm MacCordy secou o suor da testa com a manga, ergueu os olhos para o sol da tarde e, em seguida, observou a clareira onde estavam parados.
Ao lado dele, seu primo Donald retrucou:
- Ainda não os encontramos. - O pai dele, o irmão e demais homens assentiram em silêncio e ele acrescentou: - Acha que devemos desistir? Colin MacFarlane é louco. Deixar as crianças saírem por aí só com a tia é como largar uma bolsa cheia de dinheiro no meio de uma praça e querer que ninguém a pegue.
- E cavalgar como doidos nos torna menos idiotas do que Colin?
- Precisamos daquelas crianças!
Malcolm mordeu a língua para não dizer o que pensava. Se os MacCordy não fossem gananciosos e desonestos como eram, teriam aliados e não precisariam das crianças.
- Acho que devíamos descansar - sugeriu - e reavaliar nossos planos.
- É - concordou William. - Parece uma boa idéia.
- E o que você quer fazer com essa boa idéia? - gritou Donald para o irmão mais novo.
Sacudindo a cabeça. Malcolm desmontou enquanto os primos discutiam acaloradamente. Deu água ao seu cavalo e sentou-se à sombra de uma árvore. Ficou observando, com aborrecido divertimento, o grisalho Duncan tentando argumentar com os teimosos filhos. Os demais homens desmontaram, deram água aos cavalos e os deixaram pastando enquanto a discussão prosseguia.
Malcolm suspirou e inclinou-se para pegar seu cantil. Sentiu que seu corpo se retesava. Apertou os olhos, procurando no mato rasteiro o que chamara sua atenção por um centésimo de segundo, por fim compreendeu. Alguém fizera um bom trabalho para disfarçar, porém dava para perceber que tinha havido um confronto naquele local. Havia lugares em que o mato fora amassado e até mesmo arrancado. Examinou melhor o terreno e viu manchas de sangue ainda úmido. Tinha havido luta entre Jaime e quem seqüestrara Ágata e os pequenos.
Em que direção eles tinham ido? Seus esforços foram recompensados. Perto da clareira havia sinais de muitos homens a cavalo. Seguiu os traços por alguns metros e ficou evidente quem havia levado Ágata, os sobrinhos e Jaime. Malcolm sorriu ao pensar na fúria dos primos quando lhes contasse o que descobrira. Foi para junto deles e verificou se os demais homens não ouviriam.
- Houve muitos homens aqui, mas foram embora há tempo - anunciou.
Donald voltou-se para ele e cocou a barriga flácida.
- O que quer dizer?
Malcolm mostrou o que descobrira.
- Penso que o sangue é daquele brutamontes que a sua noiva mantém sempre por perto, Donald. Um pouco deve ser também dos homens que o dominaram. Eles tiveram algum trabalho para disfarçar seus rastros. Pelo rumo que tomaram, acho que podemos saber quem levou Ágata e os sobrinhos.
- É mesmo - concordou Donald depois de praguejar. - Os MacDubh. Alexander vai saber quem são os bastardos assim que seu irmão puser os olhos neles.
- Acho que ele já sabe... - Malcolm passou a mão nos cabelos castanhos. - Ninguém comete um seqüestro à luz do dia sem um bom motivo e nem pára de trabalhar a terra. Pode significar fome nos meses de inverno. MacDubh veio até aqui por uma razão importante e teve sorte: os sobrinhos caíram no seu colo... Acho que perdeu esta parada, primo.
- Não! - reagiu Donald. - Tem que haver uma chance! MacDubh pode querer ficar com os pequenos, mas vai pedir resgate por Ágata. Nem mesmo um cretino deixaria de perceber o valor de uma prisioneira como ela.
- E MacDubh não é cretino. Mas se essa moça for esperta como penso, não vai dizer a ele quem de fato é.
- Não sei por que - contestou William, demonstrando ser o limitado que diziam que era. - Ao saber quem ela é, o MacDubh pede o resgate e a liberta.
Malcolm não se limitou a explicar:
- Alexander MacDubh deve ter jurado vingar a morte do pai e ficaria feliz em saber que tem nas mãos a sobrinha de Colin, sua única herdeira se a mulher com quem se casou não tiver filhos. Sim, ele pediria resgate por Ágata, mas só depois de usá-la.
Donald praguejou, irritado.
- O canalha do MacDubh vai usá-la de qualquer jeito.
- O que qualquer homem faria se tivesse nas mãos uma moça como Ágata MacFarlane. Quando ela voltar, você poderá tê-la, já que tanto quer.
- Sim, mas depois de MacDubh! Um maldito desse clã esteve entre as pernas de Mairi antes que eu pudesse tê-la e agora outro vai fazer o mesmo com Ágata. Será que eles vão tirar a virgindade de todas as moças com quem fico noivo?
- Você não era noivo de Mairi - lembrou William, desviando-se de uma cotovelada de Donald. - Não era, não!
- Mas ia ser. - Donald parou de tentar atingir o irmão e apoiou as mãos enluvadas nos quadris. - Esperava o idiota do pai dela decidir que Mairi chegara à idade de casar, mas Barry MacDubh foi esperto.
- Ágata é herdeira de Colin e isso é mais importante do que a maldita virgindade dela - zangou-se Duncan, dando um soco na cabeça do filho mais velho. - Queremos as terras, o dote dela e a aliança com os MacFarlane. Pouco me importa com quem ela dormir.
- Mas eu me importo! - gritou Donald e seu rosto marcado pela bexiga ficou quase roxo. Empunhou a espada: - Os MacDubh vão pagar caro!
- A perda da virgindade de Ágata é a última das nossas preocupações - interveio Malcolm, tornando a assegurar-se de que os cavaleiros de Colin não os escutavam. - Agora os MacDubh estão com as armas que íamos usar contra eles. Bastardas ou não, essas crianças podem ser os únicos herdeiros de Rathmor. Barry MacDubh só corteja a "lady cerveja". Alexander tem tal ojeriza por mulheres que nunca vai se casar. Ele imagina que vocês tentem recuperar as crianças e estará à espera. Alguma vez pensaram que isto poderia acontecer?
- Sim, pensamos - garantiu Duncan. - Mas o que vamos fazer levará tempo e não pode ser feito nesta estação do ano.
- Coçou o queixo barbudo. - Na primavera os bastardos voltarão para nossas mãos. A minha dúvida é: vamos deixar Ágata prisioneira até termos as crianças de volta? Eles vão pedir muito por ela e Colin não vai querer ajudar a pagar o resgate.
- Colin é muito sovina - concordou William, com o rosto redondo espelhando confiança. - Mas se abandonar o próprio sangue, ninguém mais confiará nele.
- Willie - explicou Duncan com paciência exagerada -, ninguém mais tem confiança em Colin MacFarlane.
- Creio que o problema do resgate vai esperar por enquanto - disse Malcolm. - Tenho certeza de que Ágata escondeu sua identidade. Ela é inteligente. Vai levar tempo para MacDubh descobrir que pegou alguém de alto valor.
- Espero que tenha razão, Malcolm - assentiu Duncan, duvidoso. - Precisamos de tempo para executar nossos planos.
- Sim, primo. Agora o tempo poderá ser nosso pior inimigo.
Maldito seja, Alexander! - trovejou Barry quando o grupo vitorioso dos MacDubh entrou no salão de Rathmor. - Por que me deixou para trás?
- Você ia mais atrapalhar do que ajudar, com essa sua doença de beber e...
Alexander notou que o irmão não o escutava e tinha o olhar fixo do outro lado do aposento.
Não era para os filhos que Barry olhava como se o demônio em pessoa tivesse vindo do inferno. Era difícil ver os pequenos com os homens à sua volta. Ele olhava para Ágata que pedia a Jaime para sentar-se, a fim de cuidar dos seus ferimentos no rosto e nos nós dos dedos.
Barry ergueu-se da mesa e deu alguns passos incertos em direção da moça.
- Mairi... - murmurou, depois sacudiu a cabeça e apertou as têmporas. - Não... Mairi está morta. Deixei desejos e sonhos perturbarem minha visão... Você deve ser Ágata, a irmã dela.
Ágata deixou escapar um grito abafado: fora descoberta. Ficou ainda mais perturbada quando viu em Barry os olhos azuis dos gêmeos e seus rostos afilados. Em seguida notou os cabelos ruivos e cacheados que se repetiam na cabecinha de Sibeal. Não havia como fugir da devastadora revelação, diante do olhar cheio de amor que ele dirigiu às crianças. O amante de sua irmã era Barry MacDubh. Agora compreendia porque Mairi guardara segredo sobre a identidade dele.
- Irmã? - Alexander sacudiu Barry para ganhar a atenção dele. - Você falou irmã!
- Sim. - Barry olhou um instante para o irmão e tornou a fitar a moça. - Ágata. Você parece muito com Mairi, mas agora percebo as diferenças. Sinto muito, Ágata. - A voz dele soou abafada e sincera. - Eu só trouxe sofrimento para sua irmã.
Havia tanta tristeza na voz dele que Ágata se emocionou.
- Não. Mairi foi muito feliz com você e as crianças.
- Você mentiu! Disse que era a governante deles. - Alexander lutava para ignorar a ternura que o jeito com que Ágata falara com Barry despertara nele. - Você é Ágata MacFarlane, sobrinha e herdeira do assassino Colin MacFarlane.
- Sei muito bem quem sou. - Ágata estava determinada a não tremer diante daquele homem, de quem mal chegava ao ombro. - Não menti. Você perguntou o quê eu era das crianças, não quem, e respondi a verdade. Sou governante delas...
Uma criada trouxe o pano e a água que Ágata pedira e ela começou a limpar os ferimentos de Jaime.
- Não sou a única pessoa que cuida de vocês desde que Deus levou sua mãe? - ela perguntou aos sobrinhos, que confirmaram com a cabeça e Ágata voltou-se desafiadora para Alexander. - Ainda acha que menti? - Balançou a cabeça enquanto enxaguava o pano que usara. - Agora sei por que você seqüestrou meus sobrinhos.
Procurando manter a atenção em Jaime, ela concluiu que as histórias sobre Alexander MacDubh e sua beleza não eram exageradas. Alto, magro e forte, tinha cabelo loiro, farto e liso, que chegava até pouco abaixo dos ombros. A expressão cínica em seu rosto não chegava a tirar-lhe a beleza. Ágata pensou que jamais vira um rosto masculino tão bem formado. E os luminosos olhos azuis a fascinavam mesmo quando espelhavam fúria ou desconfiança. Achou que a melhor defesa de tanta atração seria ignorá-lo. Quando Alex falou, ela precisou lutar para não se voltar em direção da voz profunda.
- Sim, eu fui buscar meus sobrinhos. Não quero deixar ninguém com uma gota sequer do sangue dos MacDubh nas mãos assassinas de um MacFarlane. Eles ainda são pequenos e podemos livrá-los da mancha do parentesco com ele.
Apesar do que pensava sobre o método que o tio usara para obter Leargan, Ágata era uma MacFarlane e o insulto a machucou, principalmente porque apenas sua irmã e ela haviam cuidado das crianças. O bom senso lhe disse que MacDubh não podia saber disso, mas ela não lhe deu atenção. Jogou o pano molhado longe, firmou as mãos na cintura e enfrentou-o.
- Ah, sim. Claro que a educação das crianças deve ser entregue a você! - Sorriu com sarcasmo. - Será muito melhor se aprenderem a ter sede de sangue e ficarem com o coração gelado como o seu.
Alexander esbofeteou-a no rosto com o dorso da mão e recuou, aturdido com a própria reação. Notou pela expressão de seus homens que eles também estavam chocados. Apesar de ter as mulheres em baixa consideração, jamais havia agredido uma. Sempre achara desonroso e covarde bater em mulheres porque elas não tinham possibilidade de enfrentar um homem.
Um rosnado surdo passou por entre os dentes cerrados de Jaime enquanto Ágata caía. Quatro homens apressaram-se a segurá-lo e a pequena Sibeal atacou Alex, demonstrando que tinha em si uma forte carga da lendária tempera dos MacDubh. Alexander gemeu quando a menina socou-o na parte da sua anatomia que conseguia alcançar. Ele cobriu as virilhas com os braços e se dobrou em dois, procurando recuperar a respiração. Depois olhou para a sobrinha que o fitava com as mãozinhas na cintura, numa imitação da tia. Apesar de todo o desconforto, Alex notou que não era o único a olhar para a menininha com o queixo caído.
- Espero ter aleijado você! - gritou Sibeal, a fúria fortalecendo a voz de criança. - Se bater de novo na tia Ágata, eu corto fora seu pinto e enfio no seu ouvido, seu canalha fedido.
Nem mesmo a dor nos lábios impediu a risada de Ágata que fez tudo para se conter. Mas ao ver o riso contido estampado no rosto de todos na sala e a cara de surpresa de lorde Alexander, deu liberdade à sonora gargalhada. Os gêmeos foram os primeiros a segui-la, depois Jaime, Barry e muitos dos homens dos MacDubh. Nem o próprio Alexander conseguiu segurar uma risada sincera.
- Oh, Sibeal querida - disse ela, por fim -, você não devia ter feito isso. Não é assim que uma dama deve agir e falar.
O rostinho angélico da menina se contraiu.
- Mas você fez isso com o senhor Donald MacCordy. Eu estava espiando, sabe? Você disse essas coisas e ainda mais.
Ágata sentiu que corava, suspirou e tentou parecer severa enquanto Barry a ajudava a se levantar.
- Você está enganada, Sibeal...
Ela falou com firmeza, mas não foi fácil. Sabia que tinha dito aquelas coisas. Prometeu a si mesma que, se houvesse uma próxima vez, iria assegurar-se de não haver nenhum pequeno ouvido por perto.
- Não, ela não está enganada - garantiu Rath, com um lampejo maroto no olhar. A lembrança do caso era muito engraçada e ele acrescentou: - Donald gritava como um porco espetado. Sei muito bem. Ele disse que estava em chamas por você, que respondeu que tinha apagado o fogo dele para sempre.
Com discrição, mas com firmeza, Ágata fez sinal para que o sobrinho se calasse, mas ele estava animado com a atenção divertida que despertara.
- Aí, Donald falou que ia bater em você até que implorasse, você disse que, se ele lhe encostasse sua mão suja, iria empurrar os colhões dele com tanta força que ele nunca mais ia poder engolir. Então, ele encostou a mão e você fez o que prometeu.
- Que menino malcriado! - murmurou Alexander. Em seguida riu do embaraço de Ágata, mas ficou sério ao reparar na mancha vermelha do seu tapa na face da moça. - Por que sir Donald MacCordy achou que poderia tomar esse tipo de liberdade com a sobrinha de sir Colin MacFarlane?
Ao ver que ela ia se afastar, segurou-a por um braço e ela disse:
- Talvez apenas por ser um cão imundo.
Ágata sabia que seria um erro dizer a Alexander que estava comprometida com o homem que os MacDubh odiavam tanto quanto ao seu tio.
- É, sim, porém sinto que existe algo mais. - Pegou a mão que ela mantinha oculta numa dobra da saia e viu o anel. - Acho que ele apenas quis se apoderar do que seria seu em breve. Você é noiva de sir Donald MacCordy.
- O senhor também não gosta dele? - perguntou Sibeal a Alexander, com inocência. - Ele não gosta de mim nem dos meus irmãos, sabe, mas não importa. Nós vamos ficar com Ágata. Ela prometeu. E eu vou ajudá-la a cuidar de seus filhos.
Alexander não pôde deixar de perceber o leve tremor que percorreu o corpo de Ágata. Notou também a repugnância que nublou por instantes os belos olhos castanhos. Ficou em dúvida se era apenas Donald MacCordy que causava repulsa a ela ou se eram todos os homens. Mas para que se preocupar com isso? Quando se deitasse com aquela moça, não seria por prazer, dele ou dela. Não lhe interessava se ela ia gostar ou não.
- Seu valor subiu bastante, mulher - observou. - Parece que não capturei apenas a herdeira de Leargan e tudo o que o Colin imundo possui, mas também a noiva do herdeiro de Craigandubh. - Segurou com força a pequena mão quando Ágata tentou se afastar e puxou-a para si. - O que acha que devo fazer com você, a dama envolvida com os dois homens que ainda hei de passar no fio da minha espada?
O excesso de maciez da voz dele fez o sangue de Ágata gelar, mas ela o fitou com firmeza:
- Você já sabe como vai agir, então não vou perder tempo respondendo.
Alexander escorregou o olhar pelo corpo de Ágata, numa lenta e insolente inspeção que ela entendeu como insulto e a raiva cintilou nos seus olhos.
- Sim, já sei o que fazer com você - ele prosseguiu. - O fracasso da tentativa de abuso de sir Donald torna meu prêmio mais doce. - Olhou para Jaime, que abria e fechava as mãos com força. - Diga ao seu amigo que não tente bancar o herói ou o seu valente esforço para mantê-lo vivo terá sido por nada.
Ao ver Ágata empalidecer, Alexander compreendeu que ela de fato se importava com o pobre homem; mas não dava para ele acreditar nisso, dadas a amargura e a má opinião que tinha das mulheres.
- Jaime, você jurou que não ia erguer a mão contra um MacDubh. - Ágata mantinha a voz calma, pois sabia que só assim acalmaria a fúria dele. - Tem que manter sua palavra.
-- Mas eu sei o que ele quer fazer com você! - angustiou-se o grandalhão.
- Cumpra sua palavra, Jaime - insistiu Ágata. - Não quero seu sangue nas minhas mãos e nada pode fazer para mudar meu destino.
- Posso cortar este bastardo no cio em dois - rosnou Jaime fitando o senhor com os olhos mais escuros pela fúria.
- Sim, pode... - Ágata olhou para o homem que ainda segurava o seu braço e perguntou-se por que Deus lhe mandara um carrasco com tão bela aparência. Voltou-se para o enorme amigo. - Quero estar presente quando a hora chegar, mas não é agora, Jaime. Vou precisar de você quando reencontrar meu tio e meu noivo.
Antes que Alexander pudesse falar, criados serviram comida e bebida. Quando as crianças, Ágata e Jaime se recusaram a ir para a mesa, Alexander obrigou a moça a sentar-se a seu lado e ordenou às crianças e a Jaime que fizessem o mesmo.
- Não podemos comer no salão - explicou Sibeal, aflita. - Vovó proibiu. E tio Colin também. Aqui não temos que comer no nosso quarto? Porque vamos ter um quarto, não? Tia Ágata pode ficar lá com a gente?
Relutante, a menininha sentou-se ao lado de Barry, tensa e preparada para sair correndo.
- Nós não achamos ruim ter crianças à nossa mesa - explicou Alexander. - Seu tio e sua avó devem ter sempre companhia, não é?
- Não - resmungou Sibeal, que de repente ficou muito interessada na comida que Barry colocou diante dela.
O coração de Ágata se contraiu, como sempre acontecia quando os pequenos demonstravam quanto o desprezo dos mais velhos os atingia. Acalmou-se ao ver a sobrinha ficar quieta. Não iria ajudar em nada Alexander MacDubh descobrir como seus sobrinhos eram maltratados pelos MacFarlane. Viu Barry trocar um olhar de surpresa com Alexander e soube que Mairi jamais dissera ao amante que seus filhos eram tratados como párias. Talvez por temer que ele resolvesse livrá-las daquele desprezo. Rezou para que Alexander mudasse de assunto.
- Parece que existe algo capaz de segurar a língua da pequena moça - ele comentou. - Ela não vai responder a mais nenhuma pergunta.
- Talvez porque o que você quer saber não seja da sua conta. Ai! - Alexander agarrara um punhado do seu cabelo e puxou-a para si até seus rostos quase se encostarem: - Brutalidade não vai adiantar, sir MacDubh.
- Vou conseguir as respostas - disse Alex ignorando a discreta reprovação de Barry e notou que, apesar de tenso, Jaime mantinha a promessa de se controlar. - É a seu comando que eles mantêm silêncio, moça.
- "Deixa ela" em paz! - Manus agarrou o pulso de Alexander. - Eu digo tudo que o senhor quiser saber.
Alexander soltou Ágata, observando que o garoto aparentava mais do que seus sete anos.
- Está bem. Por que vocês comem sempre no quarto?
- Porque somos bastardos. - Manus corou, olhou rapidamente para a tia, que apertava os lábios, e continuou: - Os parentes da minha mãe, menos tia Ágata, não querem nem nos ver. Vovó MacFarlane disse que fomos produzidos pelo pecado e a vergonha, que a lembramos que sua filha mais velha era uma prostituta. - A voz do pequeno tremeu. - Com Vovô era o mesmo, até ele morrer. Colin MacFarlane diz que somos a sórdida mancha da vergonha no nome dos MacFarlane, que somos filhos ilegítimos de uma vagabunda e que não suporta o nosso cheiro. Por isso ficamos sempre no nosso quarto.
Manus voltou para o seu lugar e, depois de um último e longo olhar para Ágata, começou a comer. Enquanto tentava inutilmente arrumar os cabelos, ela sibilou para Alexander:
- Está satisfeito agora que cutucou todas as feridas deles, sir MacDubh? Eles sentem a dor do desprezo e não precisam que você os faça falar nisso.
Havia tanta verdade nas palavras dela que Alexander resolveu mudar de assunto. Mas primeiro teve que controlar seu temperamento. Não era apenas o tratamento desumano dado aos pequenos que o enfurecia, mas também ver o quanto isso magoava Barry.
- O que lhes disseram sobre seu pai? - perguntou de repente, olhando para cada uma das crianças.
- Só o que mamãe e tia Ágata nos contaram - respondeu Manus. - Não podíamos ir ver papai junto com a mamãe porque, se falássemos, o segredo seria revelado. Crianças não pensam antes de falar. Mamãe disse que matariam nosso pai se soubessem quem era e onde estava. Disse que ele nos amava, mas ela não queria que carregássemos o peso de tal segredo ou que sofrêssemos a culpa por revelá-lo. Posso entender tudo isso, agora. Sempre trocamos presentes com ele...
- Tia Ágata diz que nosso nascimento não pode ser pecado porque mamãe agiu por amor. Deus entende o amor. - Sibeal acariciou a mão que Barry mantinha fechada sobre a mesa e sorriu para ele, que estava tenso e pálido. - Não precisa ficar triste. Tia Ágata diz que quando morrermos vamos ser recebidos por Deus, como a minha mãe. - Sentiu que ele sofria, quando a abraçou sorrindo, mas com os olhos marejados. - Espero que mamãe não fique triste se eu não for logo para os braços de Deus.
- Não... - A voz de Barry tremia. Ele soltou a menina. - Sua mãe não se importará se você demorar muitos anos para ir.
- O que mais? - Alexander pressionou.
- Nossa mãe disse que Manus e eu parecemos com nosso pai a não ser pela cor do cabelo - contou Rath. - Que Sibeal tem o cabelo como o do nosso pai e que éramos mantidos longe dos outros pelo nosso bem, porque poderiam descobrir indícios de quem era nosso pai.
Manus confirmou com a cabeça.
- Aí, poderiam ir matá-lo. Tia Ágata diz que isso mataria minha mãe tão rápido quanto aquela faca o fez.
- Quem queria ver o seu pai morto?
Alexander estava admirado com a capacidade de conversar das crianças. Era evidente que tinham tido sempre um adulto ao lado, conversando de igual para igual. A resposta de Manus interrompeu-lhe os pensamentos.
- Vovô, titio MacFarlane e Donald MacCordy. Os MacCordy têm muita raiva do nosso pai.
- Por que os MacCordy se zangaram tanto por Mairi MacFarlane ter um amante?
Ao fazer essa pergunta, Alexander viu Ágata se contrair. Sibeal voltou-se para ele:
- Donald MacCordy ia ficar noivo da mamãe. Não é isso, tia Ágata? - Não esperou pela resposta. - Então, mamãe teve os gêmeos. Tia Ágata disse que foi melhor o noivado não acontecer porque minha mãe não suportaria casar com um homem com boca de sanguessuga.
- Boca de sanguessuga? - Com vontade de rir, Alexander notou que Ágata corava.
Rath assentiu, rindo:
- É, boca de sanguessuga! - Não obedeceu ao sinal que a tia lhe fez para se calar. - Tia Ágata disse que beijar Donald MacCordy era como ter uma imensa e gorda sanguessuga grudada nos lábios.
O senhor de Rathmor riu com vontade e parte daquela hilaridade se devia ao pensamento de que aquele homem, a quem odiava quase tanto quanto a Colin, tinha perdido uma noiva para Barry e estava por perder a castidade de outra para ele. Mesmo que não desejasse Ágata com uma força por ele desconhecida até hoje, sabia que iria para a cama com ela de qualquer maneira. Usar a mulher que sir Donald considerava sua seria uma pequena vingança agradável.
Ágata entendeu o que Alexander achava tão engraçado e se assustou ao perceber que a idéia despertava uma assustadora sensação de prazer em seu íntimo. Mesmo sabendo que sua vergonha era uma das coisas que alimentavam o divertimento dele, admitiu que Donald a desagradava tanto que pensar nas duas mulheres destinadas a serem suas esposas sendo levadas para a cama por seus maiores inimigos pareceu-lhe um gracejo sutil que acalmou seu ultraje.
A voz grave de Alexander interrompeu seus pensamentos.
- Imagino que será uma esposa deplorável para sir Donald MacCordy.
- E você vai gostar se eu o atormentar - retrucou ela em voz baixa. - Mas se fizer o que planejas esse casamento não vai acontecer.
- Talvez - assentiu Alexander com um sorriso forçado. Mas acontece que MacCordy precisa de um aliado firme. Porque muita gente gostaria de vê-lo. É o mesmo com os MacFarlane. Com os clãs separados, os inimigos poderão prevalecer, mas unidos poderiam contê-los. Sim, Donald MacCordy vai se casar com você mesmo que eu a use, mas terá menos prazer.
- Sei que MacCordy virá com a espada em punho quando souber que você está aqui - Ágata forçou um sorriso.
- Vai levar algum tempo para Donald empunhar a espada por qualquer causa.
- Por quê? Seu valoroso noivo está doente ou ferido? Antes de responder, Ágata tomou um gole de vinho; ao fitar os lábios bem-feitos e cheios, Alexander sentiu um desejo quase incontrolável e gemeu por dentro.
- Sim, sir Donald está machucado - interferiu Manus. - O braço dele está enfaixado e numa tipóia. Disseram que precisou de pontos.
- Mas Donald MacCordy está sempre pronto para brandir a espada - comentou Barry. - Quem o machucou? Ah... - sussurrou ao ver Ágata corar. - Ele teve uma luta com você, moça?
- É, foi isso! -- Os olhos escuros de Jaime brilhavam de satisfação, o medo e a raiva esquecidos por um momento. - Minha ama enfiou uma faca no velhaco quando ele se esgueirou pelo quarto dela.
- Oh, você é uma mulher maldosa, Ágata MacFarlane! Ao falar Alexander queria rir, mas ficou sério ao perceber que desde que aquela moça chegara a Rathmor ele rira várias vezes, coisa que não lhe acontecia há anos.
- Sir Donald MacCordy jamais sobreviveria a um casamento com você. - acrescentou e, pegando a moça pelo pulso, puxou-a para si. Sentindo o desejo aumentar, fitou-lhe os lábios e, depois, os olhos grandes, escuros e zangados. - Nem pense em usar suas artimanhas comigo.
- Não seria o seu braço que eu cortaria num caso desses, Alexander MacDubh. - A voz dela soava baixa, mas firme. - Não posso fazer nada agora, mas saiba que para cada gota de sangue meu que você derramar, derramarei o seu dez vezes mais.
- Que palavras pesadas para uma boca tão linda! - Ele tocou-lhe de leve os lábios com um dedo e segurou-a quando ela quis recuar. - Diga-me, seu tio e seu noivo sabem quem é o pai das crianças?
--Como poderiam saber? Nem eu mesma sabia.
- Seus parentes e noivo têm olhos, moça, e conhecem a aparência de Barry.
Ágata pensou, então, que ficara tão feliz quando haviam concordado em que os pequenos ficassem com ela que não lhe ocorrera que era estranho Donald MacCordy concordar. Pela lei, seu tio era responsável por eles, não ela. Compreendeu por que o noivo odiava tanto seus sobrinhos: eles eram a prova de que sua primeira noiva pertencera ao seu maior inimigo. Era evidente que ele tramara alguma coisa, mas não imaginava o quê.
- Eu não sabia - sussurrou, incerta. - Donald nunca disse uma palavra, mas talvez saiba quem é o pai deles.
- Sim - concordou Alexander. - E o seu tio?
- Não. - Disto Ágata não tinha dúvida. - Meu tio não os entregaria aos MacCordy se soubesse.
- Verdade... - Ele admirou a sagacidade dela. - Essas crianças são uma arma poderosa. Se soubesse, o velho Colin acharia um bom uso para ela tanto quanto os MacCordy acharam. Eu não teria deixado os pequenos com ele, mas Barry só me contou seu segredo ontem à noite. - Alexander voltou-se para os sobrinhos: - Crianças, querem saber quem é seu pai?
- Queremos - respondeu Manus -, mas só se não for perigoso para ele.
Ignorando o tímido protesto de Ágata e a repentina perda de cor de Barry, o senhor de Rathmor garantiu:
- Não é, já que vocês agora estão juntos. - E indicou Barry com leve floreio de mão. - Apresento-lhes seu pai: Barry MacDubh.
Ele é mesmo o nosso pai, tia Ágata? - perguntou Manus quando entraram no quarto que iria dividir com Rath.
Ágata sentou-se numa poltrona esculpida em carvalho perto da janela e acomodou Sibeal no colo. Preferia que Alexander não tivesse feito aquela revelação, mas agora o melhor era confirmar a verdade e dar apoio às crianças.
- Sim, ele é o pai de vocês. Não temos quem confirme, mas inimigos ou não, os MacDubh têm palavra.
- Você tem certeza?
- Tenho, Manus. Vocês e Rath se parecem muito com o senhor Barry. Viram como ele olhou para mim e disse o nome da sua mãe? E o jeito como olhou para vocês... Um homem pode ser enganador, mas é impossível haver tanto amor no olhar de quem não ama.
- Se ele nos ama, por que não foi nos buscar quando mamãe morreu? - perguntou Rath, acomodando-se na cama.
- Ah, meu bem, as razões são muitas... Os MacDubh e os MacFarlane se odeiam há muitos anos. Leargan era dos MacDubh até que nosso tio se apoderou da propriedade através de traição e assassinato. Não sei como, Mairi e Barry se conheceram. Ele já era casado e o chefe do clã MacDubh, sir Alexander, nunca escondeu o ódio que tem dos MacFarlane. Entenderam?
- Sim... - Manus pensou um pouco. - Seria perigoso para nós se os MacFarlane soubessem que temos sangue dos MacDubh e o nosso pai achou que também seria ruim para nós se os MacDubh descobrissem que temos sangue dos MacFarlane.
- Isso mesmo. - Ágata levantou-se com Sibeal nos braços e beijou os garotos na testa. - Agora vocês estão com seu pai.
- O que vai acontecer com você?
Ela afastou o medo que tinha do seu destino:
- Serei resgatada, Manus.
- Então, nós também iremos para Leargan. - Havia um leve tremor na voz de Rath. - Vamos ficar com você.
- Não. - Ágata manteve-se firme, apesar da tristeza. - O lugar de vocês é com seu pai. Ele os ama tanto que se obrigou a ficar longe para protegê-los. Estou com vocês desde que nasceram. Agora é a vez dele.
Ela jamais pensara na possibilidade de o pai dos seus sobrinhos querer os filhos. Achava que os pequenos ficariam sempre com ela. Mas acontecera e precisava aceitar.
- Você não pode ficar aqui também? - Sibeal abraçou a tia enquanto falava.
- Não, querida. Não há lugar para mim. Vamos nos ver depois, quando tudo se acalmar entre os clãs.
- Se o nosso pai deixar o chefe machucar você, vou ter ódio dele! -jurou Rath.
- Não, não vai, rapazinho. - Ágata procurava demonstrar calma. - Barry MacDubh é seu pai e sua mãe o amou. O chefe deste clã é sir Alexander e seus homens devem fazer o que ele diz. Têm que obedecer, mesmo discordando. Você não pode querer que seu pai o contrarie. - Acariciou o cabelo dos dois. - Vai dar tudo certo.
Sibeal tocou a face avermelhada de Ágata:
- Ele bateu em você.
- Isso sempre me acontece. Tio Colin e Donald MacCordy às vezes me batiam porque minha língua grande é capaz de tirar um homem do sério. Viram a cara de sir Alexander quando me bateu? Ficou surpreso porque não costuma fazer isso. - Ágata forçou um sorriso. - Não se preocupem comigo, crianças. Sir Alexander não vai me matar. Sou mais valiosa viva. Agora vou pôr esta mocinha na cama.
Levantou-se e, ao se virar, viu Barry na porta. O instinto lhe disse que ele estava ali há algum tempo. Parecia confuso pelo que ouvira. Era claro que Ágata tinha a mesma capacidade da irmã para amar e compreender, só que tinha a tempera do aço. Mairi ignorava a realidade, ao passo que Ágata nunca a perdia de vista, enfrentando-a com coragem e procurando tomar a melhor atitude; era uma sobrevivente e Mairi fora uma sonhadora.
- Vem comigo, Sibeal? - perguntou Barry com voz serena, mas trêmula, ao estender os braços para pegar a filha.
Sibeal hesitou, mas foi para o colo de Barry, que deu um tímido boa-noite aos filhos. Ágata acompanhou-o ao quarto da pequena. Enquanto o observava pondo-a na cama, achou que acertara ao decidir que as crianças deviam ficar com o pai. O amor dele era sincero e os filhos já estavam correspondendo. Ela beijou a sobrinha, pensou em avisar Barry sobre o dom especial de Sibeal, mas resolveu que deveria fazê-lo depois que os dois se conhecessem melhor. Quando ia para o quarto que lhe haviam destinado, Barry segurou-a pelo braço.
- Eu quero lhe agradecer - disse, emocionado. - Você poderia ter posto meus filhos contra mim.
- Você é o pai deles e minha irmã o amava... - Ágata suspirou. - Sem você, eu não teria meus sobrinhos. Não tem nada a me agradecer.
- Permita-me acreditar que sim. - Sorriu e passou uma mão pelos cabelos tão parecidos com os de Sibeal. - Gostaria de retribuir protegendo-a, mas não sei... Quando meu irmão quer algo, não há nada que possa detê-lo.
- Não se preocupe. Donald MacCordy incluirá minha castidade perdida na longa lista de desgostos que tem por minha causa. - Um sorriso triste curvou os lábios dela. - Não diga ao seu irmão que eu disse isto, mas a ofensa que ele pretende fazer ao meu noivo me dá um certo prazer.
- Não tente me confortar. Eu não compreendo a determinação de Alex em desonrá-la porque ele jamais agiu assim, porém está claro que se justifica com o direito de vingança.
Ágata pousou a mão de leve no braço dele.
- Você acredita que Donald MacCordy me faria sua mulher com gentileza? Meu distinto noivo pretende me fazer pagar tudo que fiz a ele. Não me entenda mal: não quero ser violentada, mas pensar em como isso irá frustrar Donald me ajudará a suportar. Se meu destino é ser uma arma de vingança que seja contra meu noivo e não contra mim. Outra coisa: acredito que seu irmão não é cruel.
- É verdade, mas Alexander tem raiva das mulheres e é muito genioso.
- Percebi isso. Se quiser me ajudar, mande vinho para o meu quarto.
- Oh, não! Se pretende se embebedar para perder a consciência, não faça isso, Ágata. Vai enfurecer Alexander.
- Não se preocupe - sorriu ela. - Vou lutar contra seu irmão como tenho lutado com outros, mas é apenas a arrogância dele que me irrita e não sou submissa. Quero conter minhas mãos e minha língua com os efeitos do vinho para não atrair mais sofrimento para mim.
Desajeitado, Barry abraçou-a num impulso rápido, o que a emocionou. Murmurou que o vinho seria entregue e se retirou, deixando Ágata pensando nos caprichos dos homens e que começava a ser como todas as outras mulheres.
Ao entrar no quarto, bastou um olhar para ela compreender que a haviam mandado para os aposentos do chefe. Amaldiçoou Alexander em voz baixa. Era claro que o senhor de Rathmor não ia perder tempo. Concluiu que tivera sorte em não ter sido violentada lá mesmo, no salão.
Havia poucos móveis no quarto, como de hábito.
A imensa cama de preciosa madeira finamente esculpida chamou-lhe a atenção. Uma grande bacia de cerâmica com água quente a esperava. Ágata pensou que devia continuar cheirando a cavalo e suor, mas desistiu e começou a lavar-se. Um pouco de sujeira não iria deter o ímpeto de vingança do senhor de Alexander MacDubh.
O roupão que haviam deixado para ela era muito grande, por isso vestiu a roupa de baixo e sua camisa mesmo. Acabara de se vestir quando levaram o vinho. Encheu uma taça, sentou-se na poltrona ao lado da janela estreita e ficou admirando a muralha de Rathmor iluminada pela lua.
Como a maioria das moças, Ágata algumas vezes sonhara com a famosa beleza de sir Alexander MacDubh. Estava frustrada por descobrir que ele não era diferente dos outros homens, a não ser pelo físico bonito e isso a ajudaria a imaginá-lo como um amante que a queria.
Serviu-se de mais vinho. O instinto e sua expressão ao agredi-la por ter sido insultado diziam-lhe que ele não era um estuprador. Mas não tinha dúvida de que Alexander iria ter o que queria, por coerção, sedução ou mesmo por paciência. Ela poderia evitar problemas para todos permitindo que ele a levasse para a cama. Podia fazer tão pouco para atingir Donald MacCordy que era uma tentação ceder sua virgindade para o maior inimigo dele. Mas para o senhor de Rathmor não daria paixão e nem qualquer outro sentimento. Atingiria Donald pelo ato era si e derrotaria sir Alexander impedindo-o de lhe causar sofrimento.
Decidida, continuou a beber o vinho. Gostaria de ver Alexander cair de bêbado comemorando seu sucesso.
Alexander pensava em Ágata saboreando o prazer antecipado. O sentimento era tão intenso que se esqueceu dos que bebiam com ele no salão. Já fazia tempo desde que desejara uma mulher. Gostaria que a nuvem negra da vingança não pairasse sobre eles, mas era assim e não havia como evitá-lo. Sentia uma ponta de culpa, até mesmo de desgosto, pelo que ia fazer. Nunca empregara força com as mulheres, nem mesmo depois que passara a detestá-las. Tentava se convencer de que tinha direito de fazer o que quisesse com uma MacFarlane. Então notou que o irmão o fitava de modo estranho.
- Algo errado, Barry? - perguntou. - Você não parece um homem que acabou de recuperar os filhos. Parece preocupado...
- É isso mesmo, irmão. Maldição, Alex! Não pode deixar a moça em paz?
- Não. - Alexander endireitou-se na cadeira. - Esqueceu que ela é uma MacFarlane?
- Não e não esqueci que é irmã da minha amada Mairi e tia dos meus filhos.
- Coisa que eu gostaria de esquecer. Tome cuidado, essa mulher pode pôr os pequenos contra você.
- Ela já teve essa chance - a voz de Barry era solene e baixa -, mas não o fez. Está enganado a respeito dessa moça, Alexander.
- Para mim ela é apenas uma criatura pequenina e deliciosa que incendeia meu corpo - retrucou Alexander, irritado.
Terminou a cerveja e tornou a encher a caneca. Barry indagou, rouco:
- Se está com ímpetos amorosos, por que não procura uma das moças disponíveis de Rathmor? Ágata é virgem, pelo amor de Deus!
- O amor a Deus nada tem a ver com isto. Uma dama não anda por aí usando os punhos e facas. - Alexander sorriu ao imaginar Donald repelido pela jovem. - Aposto que o MacCordy pretendia se vingar dos insultos dela na noite de núpcias e vai ficar furioso por eu me apoderar do que lhe pertencia.
Alguns homens ouviram-no e riram, debochando. Barry os encarou, depois se voltou para o irmão:
- Não fale dela como se fosse uma prostituta.
- Está preocupado com essa meretriz MacFarlane? Esqueceu que...
- Não esqueci de nada, Alex! Mas você esqueceu que a moça em quem quer se vingar era uma criança quando o tio dela assassinou nosso pai. Acha que uma menina pode ser culpada por esse crime? Será que ela afiou a faca que o tio usou? Ou será que planejou o crime?
Alexander surpreendeu-se com o sarcasmo do irmão. Soube que teria problemas com Barry por causa de Ágata MacFarlane. Mas nem por isso iria desistir: nada era tão forte quanto seu desejo por ela. No entanto, Barry estava sóbrio, o que não acontecia há muito tempo, então decidiu argumentar.
- É uma MacFarlane e isso é o que importa. - Percebeu um murmúrio de aprovação percorrer os homens. - É sobrinha daquele bastardo do Colin e sua única herdeira.
Barry ia falar, mas Alexander o impediu, ríspido:
- Chega! Reconheço que você está certo no que disse, mas não me interessa. Pelo que vi, a moça tem tudo de bom que os MacFarlane tinham antes de Colin manchar esse nome. Mas esta é uma oportunidade muito doce para ser ignorada. Os parentes dela pensariam o mesmo se tivessem uma MacDubh em mãos. E mais: estou em chamas por Ágata, não vou tentar esconder, e isso basta para eu levá-la para a cama. É caso encerrado, Barry.
Ao desviar os olhos dos lábios comprimidos do irmão, Alexander prestou atenção que uma criada, Kate, retirava os restos da refeição de Jaime. Tinham acomodado o imenso homem num canto do salão.
- Quero este monstro vigiado de perto, apesar de ele ter jurado manter as mãos quietas. É muito apegado à moça e é morte certa enfrentá-lo sozinho e desarmado. Eu poderia tê-lo matado quando os surpreendemos, porém ele se manteve firme, mesmo desarmado e contra tantos homens. Essa lealdade pode ser mais forte que sua palavra.
- Jaime ama Ágata MacFarlane - murmurou Barry.
- É... A bela e a fera. Vigie-o, Barry, pois não quero matá-lo.
Kate parou de encher a caneca de Jaime quando notou como ele olhava para o lorde de Rathmor. O tamanho dele a fascinava. Ela era uma moça forte e saudável, mas ao seu lado sentia-se pequena e delicada. Não se importava com sua gagueira. Na verdade, era a primeira vez que se interessava por um homem e tinha medo do que poderia acontecer a ele por desafiar o seu senhor em cada olhar e cada movimento. Procurando acalmá-lo, pôs a mão sobre a dele e Jaime voltou para ela seu olhar sombrio.
- Não faça assim. Meu senhor acabará por matá-lo e você não poderá ajudar a sua senhora. - Ao vê-lo atônito, prosseguiu: - Por enquanto, nada podemos fazer.
Surpreso pela preocupação nos olhos castanhos da moça, Jaime gaguejou:
- O seu s-senhor pretende d-desonrar minha ama Ágata. Ele v-vai machucar a pequena dama. Não p-posso agüentar i-isso.
- Pode, sim, e vai agüentar - Kate ordenou. -- Não foi o que a sua senhora lhe pediu? - Jaime assentiu, relutante, e ela ofereceu: - Se ajuda você a ficar mais calmo, prometo que irei vê-la amanhã cedo.
- Sim! - Ele sorriu, animado. - Ajuda muito, senhora...
- Kate - ela murmurou e notou que um sorriso suavizava o rosto dele. - Pode me chamar só de Kate.
Alexander observou Kate e Jaime conversando e fitou Barry com os olhos azuis divertidos e ergueu as sobrancelhas.
- A fera tem jeito para lidar com as mulheres. Viu como a nossa fria Kate, que sempre evita os homens, se aproximou dele?
O sorriso de Barry foi efêmero, mas real.
- As moças vêem o cordeiro sob a pele de leão, vêem lealdade e talvez um coração bondoso por trás de tanta força.
- Sim e tivemos a prova disso - concordou Angus. - É errado pensar nele como um pobre idiota. É apenas um pouco lento.
Estreitando os olhos, Alexander observou o gigante que conversava timidamente com Kate.
- Não, não é idiota, mas pensa ser. Tem a marca de um homem isolado e ridicularizado. Muitas vezes os grandões provocam esse tipo de reação. A MacFarlane é esperta: trata-o bem e o bruto se tornou seu escravo. - Ao ver Barry ficar tenso diante do seu cinismo, acrescentou: - Olhe aqui, não se zangue. Sei que Ágata é sincera e gosta mesmo dele.
- E as crianças também gostam... É, ele pode esquecer a promessa diante da ameaça à sua ama. Temos como segurá-lo esta noite?
- Podemos prendê-lo na masmorra - sugeriu Alexander -, mas pode parecer insulto, que não confiamos na palavra dele.
- Mas também pode salvar-lhe a vida - lembrou Angus. - Melhor uma noite difícil e a sensação de insulto do que o corte da lâmina gelada.
Com um olhar Alexander ordenou que seus homens levassem o gigante para a masmorra: queria, sinceramente, não ser obrigado a matar o gigante.
Jaime percebeu o que viria ao se ver rodeado por quatro homens rudes. Desde criança tinha medo de lugares escuros. Deixou-se levar arrastando os pés. Aqueles homens não sabiam a tortura que iam infligir-lhe: interpretavam sua expressão alheada como idiotice e não como o terror dilacerante que de fato era. O medo paralisou-lhe a língua e não pôde se explicar. Só a promessa feita a Ágata conteve o impulso de lutar.
Um leve gemido escapou-lhe dos lábios quando fecharam a porta da cela, mas ninguém se importou. Deixou-se cair no chão de pedra gelada enquanto desaparecia a luz das tochas que os homens tinham consigo. Enrolou-se como uma bola e tentou conter os horrores que sua mente invocava. Daria certo por um tempo, mas no pequeno e escuro espaço da cela ele não poderia vencer o medo que ficaria cada vez mais forte. Chamou por Ágata, mas isso não conteve o pânico crescente: sabia que ela não poderia ajudá-lo por estar muito ocupada lutando com o senhor de Rathmor.
Assim que terminou a cerveja, Alexander levantou-se. Notou que os nós dos dedos do irmão estavam brancos, tal a força com que segurava sua caneca. Barry estava tenso. Não queria se desentender com ele, mas não tinha a intenção de abrir mão de Ágata.
- Você achou que ela era Mairi quando a viu pela primeira vez - murmurou. - São parecidas?
Como Alexander esperava, mencionar Mairi acalmou Barry.
- Sim, mas Ágata é menor. Mairi era mais alta e mais cheia de corpo. Ágata é também uma guerreira e Mairi não era.
- Porém ela se arriscou muito ao se tornar sua amante. Os MacFarlane são criados para odiar os MacDubh.
- Verdade... Mairi sempre tinha medo quando estava comigo. Às vezes tremia como se tivesse febre. A minha Mairi era tímida, mas a pequena Ágata não e acho que deu muito trabalho a eles. - Barry tentou mais uma vez: - Alex, será que você não pode...
- Não insista, Barry. - Alexander aproximou-se para que só o irmão o ouvisse. - Arranquei do meu peito as emoções suaves, mas continuo sentindo as que envolvem o encontro entre homem e mulher. Você disse que Ágata se parece com Mairi, então deve saber que não posso fazer o que me pede. Barry entendia e suspirou.
- Tome cuidado para não machucá-la. Sei que pode conseguir o que quer sem usar de força ou medo. Ágata não fez nada para merecer dor além da vergonha que você vai lhe causar.
Alexander apertou o ombro do irmão numa promessa silenciosa e saiu do salão. Estava contente por Barry ter voltado à vida. Mas quando chegou aos seus aposentos, passou a pensar no que o aguardava.
Quando entrou, Ágata olhou-o, mas não o viu com muita clareza. Uma ou duas vezes ficara mais aturdida pelo vinho, mas achou que como estava seria suficiente. Na verdade, sentia-se descontraída e até um pouco animada. Se não fosse Alexander MacDubh a torná-la mulher, seria Donald MacCordy; não sentia atração por nenhum dos dois, mas preferia Alexander. Ele queria humilhar Colin e os MacCordy. Donald queria subjugá-la. Tinha certeza de que Alexander MacDubh seria menos bruto e mais cuidadoso do que Donald. E o fato de ele ser o homem mais bonito que já vira não atrapalhava. Na verdade, temia que isso abalasse sua determinação de permanecer distante e fria.
Quando Alexander percebeu que Ágata estava levemente embriagada, sentiu um início de fúria, mas se acalmou ao pensar que isso poderia tornar as coisas mais fáceis para ele.
- Ainda vestida? - murmurou se aproximando.
- Achou que eu ia estar nua e deitada na cama, esperando? Ele teve que se esforçar para esconder um sorriso.
- Não, Ágata. Era mais provável que me esperasse armada e com sede do meu sangue.
Sentou-se ao lado dela e tirou as botas. Ágata procurou se manter fria ou, pelo menos, desinteressada. Quando ele começou a tirar as calças, ela se pôs de pé. Um rápido olhar para o peito musculoso roubara-lhe a frieza que havia reunido e decidiu fortificar seu desinteresse com mais vinho. Alexander percebeu o que ela ia fazer; rápido, segurou a jarra de vinho e Ágata, impedindo-a de se servir.
- Já bebeu bastante, moça. Não gosto de me deitar com uma mulher insensível. - Fez com que soltasse a jarra e segurou-a pelos ombros. Ordenou: - Tire a roupa.
A ordem despertou em Ágata o impulso de agredi-lo, mas se controlou e respondeu com a mesma rudeza:
- Não.
Deixou escapar grito de susto quando Alexander rasgou-lhe a camisa e a roupa de baixo. Tentou fugir, instintivamente, mas ele a segurou e prendeu-a contra a parede. Só quando, com grande esforço, ele conseguiu desviar os olhos da maravilha dourada e macia que havia exposto, ergueu-os para o rosto dela e deparou com os grandes olhos castanhos, brilhantes de raiva e sem nenhum medo.
- Se pretende gritar - disse ele -, não vai adiantar: mandei o seu imenso protetor passar esta noite na masmorra.
- Jaime está numa cela?
A preocupação com o amigo acabou com o embaraço por estar quase nua e com a raiva que ela sentia. Sabia do pavor que Jaime tinha por celas escuras.
- Sim... - Alexander tirou-lhe as roupas rasgadas. - Foi pelo bem dele.
O desespero por libertar o amigo do horror que o estava atormentando ditou a ação de Ágata. Inclinou-se para a mesa e pegou a jarra. Quando Alexander percebeu, já era tarde. Ele caiu com a pancada na cabeça; vinho e cacos da jarra se espalharam pelo chão.
Ágata olhou o homem caído a seus pés. Ele gemeu, se mexeu e ela se acalmou ao ver que não o ferira com seriedade.
Pegou a camisa de linho dele e vestiu-a. Estava longe de ser decente, mal lhe cobria os joelhos, porém era o que tinha. Correu para fora do quarto. Precisava achar Jaime e soltá-lo antes que Alexander impedisse.
Barry e alguns homens saíam do salão quando Ágata desceu os degraus estreitos de pedra. Olharam-na estupefatos e quando ela viu sua imagem num espelho compreendeu porque: duvidava que até então eles tivessem visto damas correndo meio nuas por Rathmor. Abafou a vergonha. Precisava ajudar Jaime e logo Alexander viria atrás dela. Kate saiu do salão naquele momento e ficou atônita como os outros. Nem o grito de Alexander, vindo do quarto, pôs os homens em movimento.
- Onde Jaime está? - Ágata perguntou a Barry, nervosa. - Diga, seu idiota! - gritou ao ver que ele permanecia mudo e estarrecido.
- Eu sei, senhora - Kate deu um passo à frente.
- E não vai me enganar? - desconfiou Ágata.
- Não. Sei que está mesmo preocupada e não tentando fugir.
- Bem, então vamos, depressa!
Podiam ouvir Alexander vindo escada abaixo.
Kate correu para a masmorra. Ágata pegou uma tocha da parede e seguiu-a. Desciam a escada para o subterrâneo quando Alexander chegou onde estavam seus homens. As duas souberam disso pelas imprecações gritadas por ele. Deram-se as mãos e voaram pelos degraus que levavam às entranhas de Rathmor. Não tardaram a ouvir os gritos de terror de Jaime e Ágata não precisou pedir a Kate que se apressasse.
- Por que não foram atrás dela, seus grandes idiotas? - vociferou Alexander.
Os homens saíram correndo, menos Barry que ao ver a expressão furiosa do irmão achou melhor não demonstrar o quanto se divertia e foi atrás dos outros.
O grupo estacou ao chegar no ponto em que se ouviam os desesperados lamentos vindos da masmorra. Uma sonora praga de Alexander os pôs novamente em movimento.
As moças pararam diante da porta maciça de madeira da cela onde o homem enorme machucava as mãos na insistente e cega tentativa de encontrar uma saída. Kate pegou uma grande argola com chaves que estava pendurada na parede e passou a procurar a certa, enquanto Ágata falava com o amigo, procurando livrá-lo do terror. Mas era difícil; Jaime precisava muito mais do que a voz dela na escuridão. Por fim Kate abriu a porta e deu a tocha para Ágata, mas Alexander já estava lá e segurou-a pelo braço quando ela ia entrar.
- Ele não está lúcido - avisou-a. - É melhor não entrar. Ignorando-o, ela falou, com doçura:
- É a Ágata, Jaime. Veja, não está mais escuro.
Ele estava no fundo da cela, de costas para a porta. Voltou-se e seus olhos se fixaram na chama da tocha.
- L-luz.
- Sim, meu amigo, luz. Vim tirar você daqui.
- Estou no buraco. É um buraco. Ele me enterrou de novo.
- Não, Jaime. Você não está no buraco. Não está naquela caixa. Vê a luz? Sou a Ágata e vim tirar você daqui. - Entrou na cela quando Alexander, relutante, soltou-lhe o braço. - Pode me ver, Jaime? - Pôs a tocha num suporte na parede, chegou perto do homem que tremia e tocou-lhe o peito. - Vou tirar você daqui. Ah, meu atormentado Jaime, o que fez com suas mãos?
Acalmando-se com a voz dela e a luz, Jaime começou a voltar da insanidade causada pelo medo. Olhou para as mãos ensangüentadas e, com voz fraca, disse:
- Eu queria c-cavar para sair do buraco. - Chorou baixinho, grossas lágrimas correndo pelas faces sombreadas pela barba. - Não a-agüento isso, ama. Tentei, juro que tentei, mas não p-posso...
Kate rasgou tiras de sua anágua e começou a enfaixar as mãos dele. Depois de agradecer-lhe com o olhar, Ágata continuou a acalmá-lo:
- Está tudo certo, Jaime. Vê? Agora tem luz e estamos aqui. Você não está enterrado naquela caixa. A porta da cela está aberta. Não vai ficar aqui.
Calmo, ele olhou para a porta, viu homens e levou as mãos à cabeça:
- Eu a envergonhei.
- Não, Jaime... - Ágata se pôs nas pontas dos pés para acariciar os cachos do cabelo dele, molhado de suor. - Todo mundo tem medo de alguma coisa. E se estes homens tivessem tido um pai cruel como o seu, iriam agir como você. Não é por isso que gosto menos de você.
- Nem eu - Kate murmurou. - Precisamos tratar das suas mãos, mas por enquanto estão bem.
Jaime fitou Kate com timidez e perguntou para Ágata:
- Vão me soltar agora, ama?
Alexander teve que reprimir o riso quando ela o encarou com um olhar que o desafiava a dizer não. Ele assentiu.
- Sim. - Ágata sorriu para Jaime. - Vão soltá-lo, sim. Venha, meu amigo.
- Eu tomo conta do garoto - propôs Angus enquanto Kate e Ágata conduziam Jaime para fora da cela.
- Garoto? - Alexander indagou, irônico.
- Ele não deve ter mais que vinte anos, apesar do tamanho - sussurrou Angus -, e por algum tempo não pôde fazer nada com as mãos feridas.
- Verdade - Alexander segurou Ágata pelo braço quando ela passava por ele: - Ouviu, moça? Angus vai cuidar de Jaime e você vem comigo.
Jaime se voltou e seus olhos se arregalaram, pois só então percebeu como ela estava vestida:
- Ama, onde estão suas roupas?
Com medo da reação do amigo se dissesse que elas estavam rasgadas, no chão do quarto do lorde, Ágata despistou:
- Derramei um pouco de vinho nelas. Franzindo o nariz, Jaime segredou:
- Hum, parece que bebeu um pouco além da conta, ama. Os homens disfarçaram o riso e Alexander obrigou Ágata a segui-lo, ignorando os olhares zangados de Jaime e de Kate. Assim que o irmão e Ágata saíram da masmorra, Barry começou a rir.
- Por Deus, sei que não devia, mas não consigo mais segurar. Vocês viram o nosso chefe?
E riu mais ainda conforme os outros o acompanharam.
Alexander ouviu as risadas e não gostou de ser o motivo delas por causa de uma pequena mulher de olhos escuros. Enquanto levava Ágata, que se mantinha num sábio silêncio, engoliu algumas pragas. Seu ato pelo direito de vingança não deveria ser engraçado. Quando entraram no quarto, trancou a pesada porta, empurrou-a para a cama e foi se lavar.
Calada, ela foi até a mesa onde havia outra jarra de vinho e sua taça; serviu-se. Enquanto Alexander lavava os cabelos loiros tingidos de vinho, tomou dois cálices e ia encher o terceiro quando ele percebeu, aproximou-se, pegou a jarra e tomou todo conteúdo. Com a calma que sabia vir do vinho e seu natural estado irônico restaurado, Ágata deixou-se cair de costas na cama imensa.
- Vá devagar com o vinho, senhor. Não gosto de um homem insensível comigo na cama.
Alexander voltou-se, deu com uma Ágata brincalhona e caiu na gargalhada. A vozinha em sua mente avisou-o que era perigosa aquela habilidade da moça em fazê-lo rir, mas ignorou-a e a raiva se esvaiu. Jogou as roupas molhadas na direção da tina e deitou-se também. Virou-se de lado e apoiou o queixo na mão. Ficou em silêncio, admirando-a, até que seu corpo doeu de tanto desejo.
- Você está muito calma para uma moça que vai ser deflorada - murmurou. - Será efeito do vinho?
Claro que era o vinho, mas ela não queria admitir.
- Se eu chorar e rastejar aos seus pés, vai mudar de planos? Alexander começou a mexer de leve na camisa que a cobria e o corpo dela retesou-se. Soube que não tinha intenção de ser violento, mesmo que Ágata o recusasse, porém nunca iria demonstrar-lhe essa fraqueza.
- Não, nada vai mudar o que quero de você. Diga, por que o seu amigo grandão estava tão assustado? Ele falou num buraco...
- Quando Jaime era pequeno, o pai e outros homens viviam prendendo-o numa caixa e às vezes a enterravam. Mas não deixavam que ele morresse porque precisavam da sua força para vários serviços. Ele ficou com pavor de lugares escuros e trancados.
- Pudera! Mandei-o para a cela porque percebi que ele não ia conseguir manter a promessa e teríamos que matá-lo. Agora sei que ele prefere morrer a ser preso na masmorra.
- É verdade. Acho que Jaime cometeria o pecado de se matar para não ir para um lugar fechado e escuro.
- E vai manter a palavra de ficar quieto?
- Vai.
Com gesto lento, Alexander tocou a abertura da camisa que ela vestia. Ágata corou e seus olhos se tornaram quase pretos. Essa indicação de que podia esperar uma resposta apaixonada perturbou Alexander e fez sua respiração se tornar curta. Pela primeira vez depois de muito tempo era importante para ele que a mulher que ia ter nos braços correspondesse ao seu desejo, que não ficasse inerte e indiferente.
Ágata lutou para atribuir suas sensações ao nervosismo e ao medo, mas sabia que, se fosse isso, repeliria Alexander. Ao contrário, esperava com ansiedade o movimento seguinte dele. Os olhos azuis se haviam tornado mais escuros, ardentes, e o modo como passou os dedos longos, levemente calejados, entre seus seios causou-lhe um doce arrepio na espinha. Um calor intenso se espalhou por todo seu ser, como fogo na grama seca, quando ele acariciou suas pernas delgadas. E ela teve certeza de que não podia culpar o vinho pelo que sentia.
- Tire a camisa, pequena - ele ordenou com a voz rouca.
Ágata pensou em contrariá-lo, mas lembrou-se que ele simplesmente arrancaria a camisa e a rasgaria. Tomou o resto do vinho, pôs o pesado cálice no chão e, respirando fundo, tirou a camisa. Sentiu o rosto arder quando os olhos de Alexander a percorreram de alto a baixo. Nenhum homem a tinha visto nua. Tentou esconder os seios com os braços, mas ele impediu e ela se deu conta, envergonhada, de que se excitava com a apreciação dele.
- Deus do céu, moça, você é linda... - Ele acariciou de leve o flanco dela e deteve a mão no quadril. - Parece feita de seda dourada. Não tenha medo.
A única resposta de Ágata foi um leve gemido quando Alexander encostou os lábios nos seus e percorreu-os com a ponta da língua até ela quase implorar que a beijasse. Ele atendeu ao pedido silencioso com uma lentidão desesperadora, depois a aprisionou de costas sobre a cama com seu corpo esguio e musculoso. A doce sedução do beijo seria suficiente para acorrentá-la e a fez ficar esperando por mais quando ele o interrompeu. Ágata reconheceu que lutar contra ele era a última coisa em que pensaria. Seu coração se abandonou.
- Toque em mim, moça - ele pediu num murmúrio, percorrendo a orelha pequena e delicada com a ponta da língua. - Quero sentir suas mãos na minha pele.
Uma voz na cabeça de Ágata disse-lhe que não fizesse isso, mas foi fácil ignorá-la diante da loucura do seu desejo. Sua intenção fora se tornar um instrumento de vingança nas mãos de Alexander, porém via-se participando da própria desonra, alucinada pelas carícias dele. Esse pensamento se desvaneceu quando moveu as mãos pelas costas firmes e largas, tocando os músculos, subindo pela coluna; seus dedos percorreram os ombros, depois desceram pelo peito poderoso e acariciaram o largo triângulo de pêlos loiros. Roçou as palmas das mãos nos mamilos pequenos e firmes, que enrijeceram. Quando desceu os dedos até a cintura dele, sentiu-o estremecer. Um leve gemido escapou dos lábios enquanto beijava o delicado pescoço de Ágata. Estavam envolvidos pela mesma força sensual.
Alexander achou que não conseguiria continuar devagar, como se propusera. O toque tímido e inexperiente de Ágata ameaçava fazê-lo perder seu quase lendário controle. Aquela moça o fazia sentir-se em fogo, despertava nele uma paixão desconhecida que o alarmou.
- Doce, muito doce - murmurou, rodeando os pequenos seios com as mãos e tocando os bicos com a língua. - Diga meu nome, moça.
- Alexander - ela gemeu num misto de apelo e prazer. - Ah, isto chega a doer...
- Sim e sei por que, Ágata.
Ele envolveu com a boca o mamilo que estivera atormentando deliciosamente e sugou-o com suavidade. Com um murmúrio sensual, ela arqueou o corpo unindo mais seu ventre ao dele, o que a fez sentir a prova do enlouquecido desejo que o dominava. Ágata estremeceu e colou-se mais ao corpo de Alexander. O grito que escapou dos lábios dela foi mais de alívio do que de choque quando a mão dele deslizou entre seus corpos e tocou o centro da sua feminilidade em chamas.
Quando ele se pôs de pé para se livrar da última peça de roupa, Ágata não fez menção de fugir. A prisão na qual os toques e os beijos dele a haviam envolvido fortaleceu-se quando viu em pleno o corpo forte. Mas teve medo da virilidade ereta. No entanto, recebeu-o com avidez de volta a seus braços; o calor do corpo de Alexander dissipou o medo e a fez entregar-se ao desejo.
Seus corpos se ajustaram perfeitamente. Ele a acariciava enquanto se beijavam com dominadora paixão. O modo como ela movimentou os quadris, procurando-o, envolveu-o numa sensação densa e deliciosa. Finalmente, seu corpo lhe disse que chegara a hora de possuí-la. Ficou olhando para o bonito rosto corado, procurando por sinais de tensão ou medo enquanto decidia encerrar a infância de Ágata. Qualquer um desses sentimentos poderia diminuir o esplendor daquele momento e queria evitá-lo. Lembrou-se, também, da promessa de não machucá-la que fizera a Barry. Se satisfizesse o desejo de Ágata, estaria honrando a promessa.
Cerrando os dentes no esforço de se conter, Alexander colocou-se delicadamente dentro dela. Ágata cravou as unhas nos quadris dele e mordeu os lábios para não gritar quando sua inocência foi rompida. Ele imobilizou-se por um momento na tentativa de esperar que a dor passasse e também para apreciar a beleza dela intensificada pela paixão. Exultou ao ter certeza de que homem nenhum desfrutara aquele paraíso antes dele. Acariciou-a de leve para reacender o desejo que a dor diminuíra. Precisava que Ágata o quisesse com loucura para ser tudo perfeito.
- A dor vai passar já, pequena - disse, com suavidade.
- Não está doendo - mentiu Ágata, enquanto a sensação de ter sido rasgada ao meio diminuía.
Alexander sorriu:
- Sim? Então por que ficou pálida e mordeu a língua quase até cortar?
- Foi por repugnância e...
Ela ofegou quando ele envolveu um seio com a mão e excitou o bico até fazê-la se contorcer. Ele riu. Ágata considerou que Alexander era arrogante, mas a paixão apagou esse pensamento. Passaram a ondular no mesmo ritmo e um impulso a fez rodear o corpo de Alexander com as pernas. Todos os pensamentos desapareceram e ela se fixou apenas no que acontecia com seu corpo. De súbito, teve a sensação de estar sendo observada e abriu os olhos; encontrou os dele mirando-a. Perguntou-se como olhos azuis podiam ser tão ardentes.
- Ah, Alexander... - murmurou, apertando-se mais contra ele. - Pare, por favor... está me deixando louca!
De repente um prazer selvagem e violento fez vibrar o corpo de Ágata e ela se contorceu, soluçando. Ele emoldurou-lhe o rosto com as mãos, fascinado por vê-la chegar ao auge do prazer. Os tremores que a agitavam, por dentro e por fora, quebraram a última resistência; Alexander deixou-se levar pela onda de gozo e também se entregou ao clímax fulgurante que o fez gritar o nome dela com voz rouca. Vagamente ouviu-a dizer seu nome com paixão e se deixou levar por um prazer que jamais sentira.
Ágata entreabriu os olhos e fixou-os no teto, atormentada pelo horror por si mesma. Uma coisa era ser violada pelo inimigo, outra completamente diferente era se contorcer de prazer enquanto isso acontecia. Pouco lhe importava a perda da pureza, já que não havia nenhum homem que amasse e para quem gostaria de guardá-la, mas o calor com que se entregara a Alexander MacDubh a perturbava.
Não podia dizer que ele a forçara a sentir aquilo tudo, pois acontecera com facilidade. Sabia que não era boba a ponto de sucumbir à arte da sedução e que não havia sido efeito do vinho. Confusa, lembrou-se de que seu tio Colin MacFarlane vivia dizendo que ela era prostituta por natureza por causa do sangue espanhol da mãe. Naquele instante esta lhe pareceu a única explicação por ter gostado das carícias de um inimigo.
Alexander levantou-se e a observou com atenção. Aquele olhar perdido no vazio o preocupou. Prestou atenção na cama e seus olhos se estreitaram. Até então não possuíra uma virgem, mas sabia que podiam sangrar. Pareceu-lhe haver sangue demais, principalmente para uma moça tão pequena.
Ágata notou que estava sendo observada e que nada cobria seu corpo. Sentou-se e ao procurar com o que se cobrir viu o sangue no lençol. Deixou escapar um leve grito de susto.
- Você me matou - acusou-o, suspirou e cobriu-se até o queixo. - Você me dividiu ao meio, como senti. - Subiu um pouco a voz ao acrescentar: - Acabe de me matar já, com sua espada... Não quero sangrar na cama do meu inimigo até morrer.
As palavras dramáticas acalmaram Alexander: se ela estivesse morrendo, não diria aquilo. Sem tentar esconder um sorriso, foi se lavar e voltou com um pano úmido na mão.
Ágata gritou quando ele a descobriu. Tentou segurar as cobertas, inutilmente. Lágrimas de embaraço desceram-lhe pelas faces enquanto ele limpava os últimos vestígios da virgindade perdida. Aquele homem não tinha respeito pelo recato de uma mulher. Recusou-se a admitir que se sentia bem melhor quando ele terminou e tornou a cobri-la. Virou-se de braços, escondeu o rosto no travesseiro e desandou a chorar.
Alexander apagou as velas, menos a que estava ao lado da cama, e se deitou. Não deveria se importar se uma MacFarlane se afogasse nas próprias lágrimas. Mas, perturbado pelo choro, sentou-se e, com o cenho franzido, sacudiu-a.
- Pare com essa lamúria, moça. Lágrimas não vão lhe devolver o que perdeu esta noite.
Soluçando, ela empurrou a grande mão do seu ombro.
- Não é por isso que estou chorando... Meu tio tinha razão. Havia tanto desespero na voz dela que Alexander se viu compelido a perguntar:
- Tinha razão sobre o quê?
- O meu sangue espanhol - ela se encolheu como se falasse de uma doença contagiosa.
- Ah! - Agora ele compreendia de onde vinha o tom diferente da pele de Ágata. - E o que isso quer dizer?
Aquela atitude condescendente renovou a raiva de Ágata. Era tudo culpa dele. Até então nenhum homem havia exposto a luxúria que escondia dentro de si. Se Alexander MacDubh não a tivesse fitado com aquele olhar sensual, ficaria na ignorância da sua decadência. Segurou as cobertas contra o peito, sentou-se e ignorou a fraca voz da razão avisando-a que se controlasse.
- Meu tio diz que os espanhóis têm sangue quente, são libidinosos e que isso está no meu corpo.
- Ah, é? Nunca imaginei que o suíno do seu tio poderia dizer algo com que eu concordasse!
Ela achou o comentário uma prova da total altivez dele e ficou enfurecida. No idioma da sua avó espanhola, xingou Alexander, escarneceu da beleza dele, destratou seus ancestrais, caçoou do seu desempenho como amante e disse coisas da sua virilidade que faria um cavalariço corar. Como ele apenas deu uma boa gargalhada, ela amaldiçoou os homens em geral e se deitou.
Alexander inclinou-se e lhe afagou os cabelos. Agora sabia o que a atormentava. Há alguns anos, estivera na corte onde conhecera dois nobres espanhóis que procuravam mercenários para contratar e aprendera um pouco de espanhol. Achou melhor não dizer nada a Ágata, pois sempre que ela quisesse dizer algo que ele não entendesse, provavelmente falaria naquele idioma.
- Não existe pessoa com sangue mais quente do que outra: há apenas as que não descobriram ou que o escondem, Ágata. Não deve se envergonhar porque nada pode fazer contra. O que há de mal em sentir prazer?
Com suavidade, ele a fez soltar as cobertas para poder tocar-lhe a pele macia. O calor da mão de Alexander em seu ventre aqueceu de novo o sangue de Ágata e ela tratou de afastá-la.
- Agora que já teve de mim o que queria, onde vou dormir? - perguntou. - Estou cansada e gostaria de ir para minha cama.
- Sua cama é aqui.
Era mentira, já que sempre havia uma cama pronta no quarto ao lado para que ele se livrasse das mulheres assim que estivesse satisfeito. Ela se alarmou diante do perigo das emoções que Alexander lhe causava.
- Você já realizou sua vingança.
- Sim, roubei o que pertencia a MacCordy, mas foi uma vingança tão doce que gostaria de apreciá-la novamente.
E silenciou o protesto de Ágata com um ardente e profundo beijo.
Kate ergueu as sobrancelhas ao abrir a porta. Ágata deveria ter dormido lá, mas o quarto parecia não ter sido usado. Impossível. Ela não estava com as crianças: Barry a ajudara a vesti-las e as levara para o salão. Também não estava com Jaime, que ficara com Angus. Ela desaparecera! Aflita, correu para o salão e encontrou Barry indo para os aposentos de Alexander.
- Ágata está bem? - preocupou-se ele ao notar o nervosismo de Kate.
- Não sei - murmurou a criada.
- Como, não sabe?
- Não sei por que não a encontrei. - Ela torcia as mãos, cada vez mais agitada. - A cama dela não foi usada.
- Por Deus, acha que ela fugiu?
- Sem o Jaime? - duvidou Kate.
Barry teve medo de que Ágata, impulsiva como era, houvesse reagido contra seu irmão. Foi para os aposentos de Alexander, seguido por Kate. Abriu a porta do quarto e parou imobilizado. A criada deu um jeito de olhar e também ficou aturdida.
Durante segundos algo semelhante à inveja machucou o peito de Barry pela cena que via. A cabeça loira de Alexander estava apoiada no travesseiro preto e dourado e seu rosto, encaixado entre um ombro e o pescoço de Ágata; uma das fortes mãos cobria o seio que seu corpo deixava à vista. Um braço esguio de Ágata descansava no ombro dele e, apesar de estarem cobertos, dava para perceber que suas pernas estavam entrelaçadas. No rosto do irmão não havia o menor vestígio de tensão, coisa que não acontecia há anos. Era surpreendente, ele passara a noite toda com a moça.
Barry sorriu ao ver que o irmão acordava.
Assim que abriu os olhos Alexander soube quem se achava aninhada em seus braços. Afastou-se um pouco, para admirar os seios bem torneados. Apesar de terem partilhado a paixão várias vezes durante a noite, ele sentiu seu sexo acordar. A experiência com Ágata fora a mais rica e completa que já tivera e que queria mais. Sentia-se muito bem acordando ao lado dela.
Acariciou o bico escuro de um seio e ele enrijeceu. O corpo esguio se mexeu, depois se aquietou. Fez o mesmo com o outro seio, que reagiu da mesma forma e ela o empurrou de leve, virou-se para o outro lado e abraçou o travesseiro.
- Me deixa em paz, seu selvagem guloso - Ágata murmurou - Você nunca deixa "ele" descansar?
O som de risadas abafadas vindo da porta fez Alexander voltar-se. Seu sorriso sumiu, mas não tentou ocultar o divertimento que brilhava em seus olhos. Um gesto bastou para mandar Barry e Kate embora.
Enquanto ia com a criada para o salão, Barry comentou:
- Isto não é bom.
- É, sim - contrapôs Kate com a familiaridade que tinha por ter nascido no castelo e seus pais serem antigos e confiáveis servos. - É muito bom a dama MacFarlane não ter sido machucada e não estar com medo... Mas não é bom o lorde se apegar a ela. É preciso exigir um resgate e mandá-la embora.
Enquanto a admirava, Alexander se perguntou quanto tempo Ágata ficaria em Rathmor. Ergueu-a com cuidado e firmeza, virou-a de costas na cama e enfrentou-lhe o olhar mal-humorado com um sorriso quando ela murmurou algo sobre dormir em paz e fechou os olhos novamente. Os bicos dos seios rígidos disseram-lhe que Ágata não estava tão desinteressada quanto aparentava.
- Durma então - disse, deitando-se em cima dela e se apoiando nos cotovelos. - Só quero ficar dentro de você.
Ágata estava sonolenta, o que não impediu de reagir ao contato do corpo dele. Durante a noite toda resistira apenas com palavras e mesmo assim pouco porque sabia que depois de Alexander, viria Donald MacCordy. Pensar nele revirava-lhe o estômago.
- Como posso dormir desse jeito? - A voz dela estava embargada pelo sono e pelo desejo que crescia a cada carícia de Alexander. - Isso é revoltante.
- Se preferir dormir, eu não me importo... - sussurrou ele, carinhoso, antes de envolver o bico de um seio com os lábios.
Ágata não tinha como esconder seu agrado: gemeu baixinho e agarrou os longos e fartos cabelos dele. Sua mente escorregou do nebuloso reino da sonolência para o da paixão. Aquele homem era seu inimigo, o ladrão da sua virtude, mas seu toque a inflamava. Quando Alexander a penetrou lentamente, ela suspirou, deliciada, apesar de ainda sentir um pouco de dor.
- Parece que está bem acordada, pequena - ele disse entre vários beijos.
- É difícil dormir com um selvagem maltratando a gente... Passou os braços pelas costas dele e enlaçou-o com as pernas, para se unirem mais.
Só muito tempo depois de terem alcançado juntos, mais uma vez, um prazer indescritível é que Alexander teve coragem de se separar dela.
Com cuidado, desfez o abraço lânguido de Ágata, deitou-se de costas e puxou as cobertas para cima deles. Pensou, então, em que estava numa grande encrenca. Não havia como ignorar ou negar a incrível afinidade que havia entre os dois. Fazer amor com Ágata era algo completo e intenso, diferente de tudo que conhecera até então. Iria ser muito difícil desistir daquilo tudo, porém Ágata era uma MacFarlane e não havia lugar para ela em Rathmor. O sangue dos MacDubh que manchava as mãos da família dela exigia vingança. Tentou se consolar: se uma mulher conseguira satisfazê-lo tão completamente, deveria haver outra que também o faria. Quando Ágata fosse embora, sairia em busca dessa outra mulher.
Ela ficou olhando Alexander se vestir. O silêncio dele a perturbava tanto quanto seu olhar, que se tornara distante. Imaginou que aquela atitude se relacionava com a noite passada juntos. Doeu-lhe pensar que algo que lhe parecera tão lindo pudesse ser uma fonte de preocupação e tristeza para ele.
Seu coração se apertou ao supor uma explicação para aquilo: era sobrinha e herdeira do homem que matara o pai de Alexander e lhe roubara a terra. Era noiva de um homem que ele detestava. O amor que havia feito não deveria ter sido belo e ele não deveria sentir-se atraído por ela. Deveria ter sido apenas um ato de vingança com um toque de luxúria. Ágata sabia que não era presunção sua pensar que ele gostara de estar com ela e achava que agora Alexander não podia aceitar que um MacDubh pudesse sentir por uma MacFarlane tudo aquilo que sentira.
O pensamento de que Alexander poderia entregá-la para seus homens arrepiou-a. Não queria acreditar que ele pudesse ser tão cruel, mas tinha de admitir que não o conhecia. Se o objetivo dele era humilhar seu tio e Donald e entregá-la a seus soldados seria um modo eficiente de consegui-lo. E assim também provaria a si mesmo e a ela que nada de extraordinário acontecera entre eles.
Quando Alexander ia sair, ela pôs os temores de lado, sufocou a dor que lhe causava a atitude dele e perguntou:
- Tenho que ficar neste quarto?
Alexander voltou-se e piscou para se livrar do que pensava.
-Você não tentou fugir, então não há motivo para mantê-la trancada. Estamos atrasados para o café. Vista-se.
Ela pegou suas roupas rasgadas e levantou-as para mostrá-las.
- Vestir o quê, lorde?
Ele resmungou um impropério que a fez arregalar os olhos e disse:
- Isso não teria acontecido se você tivesse tirado a roupa quando mandei.
- Claro - ela murmurou.
Era evidente a desaprovação dela por esse raciocínio. O problema era que ele não tinha idéia do tipo de roupas que as damas usavam e até mesmo roupas femininas fora da moda eram raras em Rathmor. Ágata precisava se vestir, sim. Mas com o quê?
Inquieto, começou a andar de um lado para outro.
- Não me lembro de nenhuma moça em Rathmor que seja do seu tamanho. Você é bem pequenina. E mesmo que houvesse, com certeza ela não teria um vestido de reserva. Suas roupas não podem ser consertadas?
Ela sacudiu a cabeça:
- Não sou hábil com uma agulha, mas mesmo uma grande costureira nada conseguiria. Tudo ficou muito rasgado. E as roupas da mulher de Barry?
- Quando aquela relaxada morreu, apagamos todos os vestígios dela. Minha traiçoeira madrasta e a minha última mulher ficaram com elas. Mas eram grandes demais para você. - Pensou um pouco e sorriu. - E... Acho que vão servir, apesar de que farão alguns olhos se arregalarem.
Intrigada, Ágata observou-o remexer numa pesada e velha arca. Ficou mais confusa ainda quando viu que ele pegava roupas que, se fossem dele, não as usava há muitos anos. Pareceu-lhe estranho ele ter dado as roupas de todas as outras mulheres, mas ter guardado as que usara quando menino e jovem. Parou de pensar quando Alexander lhe entregou algumas peças de roupa, com o olhar brilhando de satisfação. Era claro que ele queria que ela vestisse aquilo.
- Fazer de mim sua prostituta não é vingança suficiente? - ela reagiu, vendo naquilo um gesto de humilhação.
Ele ficou sério.
- Não humilhá-la. Só tenho estas roupas, mas se prefere ficar aqui dentro, nua, até que algo possa ser feito...
Ágata fitou-o com atenção e não viu em seus olhos sinal de que mentia. Seria por pouco tempo, até que arranjassem outra roupa. A alternativa de ficar fechada no quarto fazia com que não parecesse tão ruim vestir uma roupa de garoto. Todo mundo perceberia o que havia acontecido. Seria embaraçoso, mas poderia suportar.
- Você vai sair ou virar-se enquanto me visto? - ela perguntou.
Com um sorriso malicioso ele respondeu:
- Já conheço bem os seus encantos, minha cara.
Ela ficou rubra e respostas desaforadas subiram aos lábios, mas preferiu não provocá-lo.
- Por favor - pediu.
Ele deu de ombros e virou-se de costas. A única razão para ficar ali era acompanhá-la ao salão, a fim de dar-lhe algum apoio no começo, explicou a si mesmo. Não queria desentendimentos com Barry.
Ágata respirou fundo e começou a se vestir. A cada peça que punha sentia-se estranha, mas até que gostava. As roupas não cheiravam a mofo. Será que tanto cuidado era para que um herdeiro as vestisse, um dia? Serviram-lhe bem e ela achou difícil imaginar Alexander como um garoto do seu tamanho.
Ajeitou com impaciência a túnica cinza enquanto ia para a mesa pegar a escova: tinha que pentear os cabelos. Naquele momento, um som meio estrangulado a fez olhar para Alexander. Ele se voltara para apressá-la e perdera a respiração. Se Ágata era um exemplo, havia uma razão bem séria para as mulheres não usarem roupas masculinas, pois realçavam suas formas. Todos os homens de Rathmor ficariam inflamados ao vê-la. O homem que deixasse sua mulher vestir-se assim seria levado para o túmulo pelo interminável esforço de protegê-la do enlouquecido desejo dos outros, pensou sombrio.
- Ficou ruim? - ela quis saber.
- Não - ele resmungou.
- O que posso fazer com meu cabelo?
Ágata fizera a pergunta para si mesma, mas Alexander respondeu:
- Faça uma trança. Será que pode andar logo? Engolindo a irritação, ela começou a se pentear. Mas para sua surpresa Alexander, praguejando, se aproximou e trançou ele mesmo seu cabelo. Resolveu ficar calada, por medo que ele decidisse que ter roubado sua castidade não era punição suficiente para a sobrinha de Colin MacFarlane. Assim que terminou, segurou-a rudemente pelo braço e levou-a para fora do quarto.
- Dá para irmos mais devagar? - protestou Ágata. - Esta roupa é cômoda, mas correndo deste jeito vou ficar sem fôlego para comer.
Diminuindo o passo, ele acusou:
- Você nos atrasou. Só vamos achar restos para comer.
- Se encher o estômago o torna menos grosseiro, acho melhor corrermos.
Alexander ignorou o comentário, apesar de muito atrevido para uma mulher naquela posição precária. Entraram no salão e a reação dos homens foi como ele havia antecipado. Mas seu olhar ameaçador e a cara feia fizeram com que eles disfarçassem. Quase arrastou Ágata para a cabeceira da mesa e a fez sentar-se a seu lado. Disse a si mesmo, severo, que não deveria se importar com o modo que seus homens fitavam uma MacFarlane, no entanto encarou-os um a um até todos desviarem os olhos.
- Você está bonita, tia! - elogiou Rath, sentado à esquerda de Ágata. - Agora pode subir em árvores sem amaldiçoar suas saias.
- Eu nunca amaldiçôo - mentiu Ágata, contente por ver que as roupas esquisitas eram bem-aceitas.
- É, nunca! - confirmou Rath, rindo. - Estou enganado. O que vamos fazer hoje, tia?
- Nossos... hum... anfitriões é que mandam. - Ela olhou para Alexander, que se mantinha carrancudo. - O que podemos fazer, senhor?
Alexander disse-lhe que poderiam ir aonde bem quisessem dentro da propriedade, porém as ordens do dia que deu deixou bem claro que ela e Jaime seriam bem vigiados. Ágata desanimou ao perceber que não adiantaria pensar em fuga por algum tempo.
Depois do café, ela, as crianças e Jaime saíram a passeio. Tinha consciência dos guardas, apesar de serem discretos, e decidiu ignorá-los. Seria muito difícil escapar de Rathmor, mas se aparecesse uma chance não a perderia.
- Está se sentindo bem, ama? - Jaime perguntou.
- Sim. Ele não me machucou, talvez só na alma. - Ágata achou que, se havia alguém com quem poderia ser honesta, era Jaime. - Era impossível evitar o que iria acontecer. Sabendo disso, não lutei, meu caro. Lutar só me traria mais dor.
Jaime assentiu:
- É... Assim foi melhor, acho. Talvez MacCordy já não a queira mais.
- Não. Ele vai ficar furioso por eu ter perdido a castidade, ainda mais com um MacDubh. Mas se casará comigo assim mesmo, pelo meu dote e a aliança que esse casamento trará. - Ela deu de ombros. - Já me resignei. É um destino que não posso evitar.
- Então você se divertiu, ama - sorriu Jaime -, e não se lamenta como uma pobre coitada. Acho que merece alguma felicidade agora porque não vai ter chance de ser feliz depois de se casar com Donald MacCordy.
- Também penso assim, meu amigo. - Ágata olhou os pequenos que corriam ao encontro do pai. - Pelo menos meus sobrinhos estão livres dos MacCordy.
- Acha que os MacCordy iam usá-los?
- Sim, Jaime, com toda a certeza. Pensei que Donald me fazia um favor quando permitiu que eu ficasse com os filhos de Mairi, mas ele não faz favores a ninguém. Sabia quem foi o amante dela e pai das crianças. Pretendia usá-las para atingir os MacDubh e se apossar das riquezas e das terras deles. Agora, não pode mais fazer isso. - Ela suspirou. - Fico muito triste em perdê-las, mas é melhor que fiquem com o pai, que as adora. Aqui conhecerão afeto, amor e serão bem educadas. Comigo, para onde tenho que ir, não teriam nada disso.
- Sim, os pequenos serão mais felizes aqui. Ah, eles vão jogar bola.
- Vou também para Sibeal não jogar sozinha contra três homens.
Sorrindo, Jaime ficou assistindo ao jogo. Ágata podia ser tão competitiva quanto as crianças. Barry repreendeu gentilmente os filhos por derrubarem a tia, ele riu, em seguida ela o derrubou e tomou-lhe a bola. A pequena Sibeal fazia tudo para atrapalhar o pai e os gêmeos para que não recuperassem a bola e logo Barry percebeu que tratar Ágata como uma dama só iria lhe dar vantagens. Jaime gargalhava toda vez que Barry cedia aos instintos de cavalheiro, porque sempre lhe custava caro.
O jogo se animou quando chegaram outras crianças, jovens e mesmo alguns homens. Pouco depois Jaime se viu no meio de um grande grupo de pessoas que torcia sem nenhuma vergonha, gritando incentivos ou vaiando. Apesar de parecer um tipo de guerra, ele notou que dois times tomaram forma e havia algumas regras. Começou a preocupar-se, pois o jogo estava ficando muito violento para Sibeal e Ágata. Viu Alexander se aproximar e resolveu deixar que o lorde de Rathmor decidisse o assunto.
Alexander ia para a cocheira, com intenção de cavalgar pela propriedade, quando se deteve, surpreso. Não foi o jogo e nem o trabalho deixado de lado pelos adultos que o interessaram. Viu, estupefato, a pequena e ágil figura de longa trança preta desaparecer sob uma pilha de rapazes. Enquanto se dirigia a passos largos para o grupo que assistia ao jogo, com Angus atrás dele, Ágata já estava de pé novamente, de posse da bola e saiu correndo. Imaginou se o fato de ter dado uma roupa de garoto para ela a fizera entrar naquela atividade.
- O que, em nome de Deus, a moça está fazendo? - perguntou ao chegar junto de Jaime.
- Jogando bola - ele respondeu. Depois gritou: - Corra, Ágata!
- Ela é muito boa - comentou Angus. Diante do olhar irado de Alexander, insistiu. - Ela é boa, mesmo, e o seu mau humor não muda nada.
Alexander retrucou para o primo:
- Só por estar vestida de menino não precisa agir como um!
- Ela gosta de jogar bola - explicou Jaime. - Gosta de jogar com os sobrinhos. Eles precisam de alguém com quem brincar e minha ama é a única que faz isso.
O impulso de tirar Ágata do jogo era forte e Alexander teve que apertar os dentes para não fazê-lo. Ficou assistindo e teve que admitir, embora relutante, que ela jogava bem. A pequena estatura combinada com a admirável rapidez fazia-a uma jogadora eficiente. E parecia conhecer bem o jogo. Mas ele temia pela estrutura delicada nos embates brutais. Não podia acreditar que uma moça tão pequena suportasse um jogo violento sem se machucar seriamente.
Pouco depois seus temores se realizaram. O jogo parou quando Ágata foi derrubada e não se levantou como tinha feito todas as vezes anteriores. Alexander correu, dizendo a si mesmo que estava apenas com medo de perder os serviços da moça na cama.
Ajoelhou-se ao lado dela e verificou se tinha algum osso quebrado. Ao ver que não havia nenhum, ergueu-a a meio nos braços. Nenhum ferimento na cabeça também, mas ele continuou preocupado.
- Ela vai se levantar num instante, senhor - Jaime disse, inclinando-se sobre Ágata, mas havia medo no rosto dele.
Sibeal parou ao seu lado e deu-lhe um tapa no braço:
- Pode deixar, a titia vai ficar bem - disse, convicta.
- Que bom - suspirou Jaime.
Alexander quase lhe disse que não fosse bobo, que aquela criança não podia saber do estado de Ágata, mas se conteve. Não faria sentido tentar explicar e tinha um problema mais sério para resolver.
- Tragam-me água para molhar o rosto dela - ordenou. Manus e Rath não hesitaram. Saíram correndo e voltaram com um balde cheio de água e as roupas molhadas de carregá-lo. Antes que Alexander percebesse o que iam fazer e impedi-los, derramaram toda água em cima de Ágata, molhando-o também. Por um momento ele ficou sentado na lama, mudo, enquanto todos em volta lutavam para conter o riso.
- Eu só queria molhar um pouco o rosto dela, não afogá-la - ele disse para os gêmeos.
- Oh! Mas deu certo! - Manus apontou para a tia. - Ela acordou.
Aturdida, Ágata olhou em volta. Primeiro, perguntou-se por que estava toda molhada, nos braços de Alexander, também encharcado. Sentiu a umidade passando pelas calças e quis saber o que faziam sentados numa poça de lama. Então, de repente, lembrou-se do jogo e endireitou o corpo.
- Nós ganhamos? - perguntou.
Fitando-a, abismado, Alexander respondeu com a voz controlada:
- Eu diria que foi empate - e explodiu numa gargalhada, que todos acompanharam.
Então é esse o seu jogo? Alexander praguejou e voltou-se desejando que o irmão não o tivesse seguido até o alto da muralha. Tinha subido até ali para observar o trabalho de Ágata na horta com as crianças e não era a primeira vez que Barry o pegava espiando, nas duas semanas desde a chegada dos MacFarlane a Rathmor.
- O que quer dizer? - perguntou, sustentando o olhar irônico de Barry com uma calma que não sentia.
- Você pode não ter notado, irmão, porém não sou mais aquele lerdo embriagado.
- Notei. Essa é uma das boas coisas que nos aconteceram nos últimos anos.
Barry assentiu, apoiou os cotovelos no parapeito e olhou Ágata e seus filhos lá embaixo.
- E você parece uma criança petulante desde que eles chegaram. Estamos vivos, Alexander. É bom descobrir isso.
- Você descobriu poucas coisas boas nos dois últimos anos.
- Verdade. Por isso mesmo posso ver com clareza o quanto você está errado. Aprendi até que ponto um homem pode se afundar na dor e descrença. Sei como é fácil perder a força e a razão. Você perdeu seu dom da compreensão e do perdão.
- Perdão? - Alexander fitou o irmão. - Está me pedindo que perdoe Colin MacFarlane por ter nos desonrado se tornando amante da mulher do nosso pai poucos meses depois do casamento deles? Que o perdoe por ter assassinado o nosso pai e roubado nossas terras? Quer que perdoe a víbora da nossa madrasta por atrair o infeliz do nosso pai para a armadilha de MacFarlane? E mais, aquela mulher usou sua astúcia e a influência de vários amantes para conseguir que o rei aprovasse os pedidos de MacFarlane, inclusive anulando nosso direito de vingança. Se ela não estivesse morta, eu a mataria! Colin cometeu crimes contra nós e não podemos agir legalmente contra ele e seus poucos aliados. Devo perdoar tudo isso?
- Não e você sabe que não foi isso que eu quis dizer.
- Então a quem devo perdoar? - Continuou antes que Barry falasse. - Minhas mulheres? A primeira talvez. Era apenas uma prostituta, um estorvo e nada mais. A segunda, Francês, a louca? - A voz de Alexander se apertou. - Devo perdoar a mulher que matou Elizabeth, minha única filha?
- Não. Você sabe que jamais lhe pediria para perdoar esses crimes e seria preciso ser um santo para fazê-lo. Só lhe peço que pare de culpar inocentes por faltas cometidas por algumas mulheres.
Alexander deu uma risada amarga.
- Algumas? A maldição da minha vida é ir para a cama com vagabundas, mentirosas e adúlteras. Afinal consigo ver a podridão por trás da pele macia e dos rostos belos. Não vão mais me enganar.
- E as esposas dos seus amigos mais próximos?
- São provas do que eu disse. Elas também criaram problemas.
- Você perdeu o senso, Alex. Isto explica porque afastou seus velhos amigos e recusou a ajuda deles nesta luta.
- Esta luta é nossa e não quero arriscar a vida deles em nosso benefício.
- Não. Como não quer se arriscar com mulheres que iriam provar que está errado, que as suas acusações e crenças nasceram da dor. Ágata...
- Ágata é uma MacFarlane.
- Por um azar de nascimento. - Barry sacudiu o punho para o irmão. - Essa moça não merece o que está fazendo com ela. Você a leva para sua cama todas as noites e não preciso de testemunhas para saber que se completam. Pode-se ver isso no rosto de vocês todas as manhãs. De repente, você se lembra de que ela é mulher... pior ainda, uma MacFarlane... Você quer essa moça, mas a maltrata.
- E uma MacFarlane!
- E você é um idiota!
Antes que Alexander revidasse, ouviu-se a voz de Sibeal:
- Pai, titio, me ajudem!
Ele lutou para se controlar enquanto Barry se aproximou da filha, ergueu-a no colo, beijou-lhe o rosto e colocou-a no chão.
- Você sabe que não deve vir aqui em cima, querida. É perigoso. Por que não ficou com Ágata?
Sibeal mordeu o lábio superior e enrolou um cacho dos cabelos avermelhados num dedo sujo.
- É que preciso de você.
- O que eu posso fazer que sua tia não pode?
- Salvar os cachorrinhos.
- Que cachorrinhos?
- Os cachorrinhos que vão cair na água. - Ela puxou a túnica de Barry. - Vamos, pai, temos que salvar "eles".
Começou a chorar e Barry afagou-lhe a cabeça.
- Sabe de algum cachorrinho, Alexander?
- Não. - Alexander expulsou a sombra de inveja que sentia observando os dois. - Algumas de nossas cadelas estão para dar cria, mas acho que ainda não deram.
- Temos que salvá-los - gritou Sibeal. - Eles estão na água!
- É melhor irmos falar com Ágata - decidiu Barry. Contrariado, Alexander desceu a escadaria da muralha atrás do irmão. Não queria ver Ágata. Barry estivera dolorosamente perto da verdade antes da pequena os interromper. Quando eles se aproximaram, Ágata ergueu-se. Estava suja de terra. Ainda usava uma túnica de Alexander quando garoto, mas com saia. Ao ver Sibeal chorando, ela limpou as mãos no avental e pegou a sobrinha no colo.
- Calma, querida... - Beijou-a e olhou acusadora para os homens: - O que fizeram com ela?
- Nada - Alexander disse. - Ela está chorando por causa de cachorrinhos.
Barry apressou-se a explicar:
- Eu não entendi nada, ela pediu para salvarmos os cachorrinhos. - Notou a preocupação no rosto da moça e dos gêmeos, sujos até no rosto. - O que aconteceu?
- Ela está triste, só isso - garantiu Ágata. - Não precisamos de vocês, podemos cuidar dela.
- Não! - Sibeal estendeu os bracinhos para Barry que a pegou. - A gente tem que ir para fora da muralha. Você não pode, tia, mas papai pode.
- Está bem, Sibeal. - Ágata acariciou as costas da menina. - Calma... Você sabe que precisamos pensar direito e falar com cuidado.
- Sim! E que você deveria ter calado a boca - zangou-se Manus.
- Calado a boca sobre o quê? - Alexander quis saber. - Vocês têm algum segredo, Ágata?
- Alguns... - Ágata forçou um sorriso. - Mas não é hora de discutir isso.
- Esta é a melhor hora - ele estendeu a mão para ela. Ágata afastou-lhe a mão bruscamente:
- Não, não é! - Ignorou o olhar atônito dele pelo evidente desaforo. - Agora temos que acalmar Sibeal, saber o que ela quer e resolver. Depois podemos dar atenção à sua suspeita mesquinha. - Voltou-se para a menina. - Respire fundo, mocinha, e segure as lágrimas. Se vamos salvar os cachorrinhos, precisamos saber algumas coisas, por exemplo, onde eles estão.
- Estão na água - Sibeal se acalmara, mas a voz ainda tremia.
- Eles entraram na água?
- Não, estão num saco. Um homem jogou de um rochedo.
- Ei, espere aí! - Alexander ignorou o olhar de advertência de Ágata. - Não existem rochedos em Rathmor nem água perto das muralhas. A menina teve um pesadelo.
- Eu vi! Eu vi! - Sibeal recomeçou a chorar.
- Eu não queria contar-lhe até que você conhecesse Sibeal melhor... - disse Ágata a Alexander. - Ela tem a visão.
O rosto do lorde se crispou, depois o choque inicial deu lugar à descrença, medo e raiva. Barry demonstrava os mesmos sentimentos, mas nada disse.
- Você está querendo me enganar! - Alexander segurou Ágata pelos ombros e a sacudiu.
- Não e não sei como convencê-lo disso... - Ágata não tentou ocultar o desânimo: há semanas era tratada como alguém sem crédito. - Você precisa comprovar que é verdade o que ela disse, a não ser que tenha algo mais importante a fazer.
- Não tenho. Continue. Vamos ver até aonde vai sua tolice. Ágata quis dizer quem era o tolo ali, mas se controlou.
- Há algum lugar aqui perto onde se pode jogar alguma coisa na água, do alto de um rochedo?
- Sim. - Foi Barry quem respondeu. - A quase um quilômetro, no Ponto dos Pagãos.
- Ponto dos Pagãos? - estranhou Ágata.
- Quando o povo daqui assumiu a fé cristã, foi tolerante com os que resistiram. Mas quando nosso primeiro padre chegou, convenceu os fiéis de que quem não aceitava Cristo deveria aceitar o Demônio. Então, o povo aprisionou todos que ainda se agarravam às antigas crenças e jogou-os do Ponto dos Pagãos.
- Um mergulho direto para a morte, um encontro mais rápido com Deus, suponho. - Ágata sacudiu a cabeça. - Bom, então vamos até lá. Se for o lugar correto, Sibeal vai saber.
- Você vai comigo - Alexander pegou-a pela mão. Foram para a cocheira e Ágata aproveitou o trajeto para se acalmar. A revelação do estranho talento de Sibeal fora perturbadora, mas a reação de Alexander fora mais ainda. Sentiu a tensão dele quando a ergueu para colocá-la na garupa de seu cavalo. Sibeal foi com o pai, os gêmeos num mesmo pônei e dois guerreiros os acompanharam. Mal-humorado, Alexander quase não deixou que ela dissesse ao cavalariço para avisar Jaime que tinham saído, para que não se preocupasse.
O coração de Ágata estava cansado. Sabia que algo mais do que paixão os unia, mas Alexander insistia em esconder seus sentimentos assim que a manhã raiava. As noites eram belas e as manhãs, terríveis. Sentia-se usada, mas sempre ansiava pela próxima noite com ele. No entanto, precisaria tomar uma decisão. Se continuasse na cama dele sem ser sua esposa, seria considerada uma prostituta e perderia toda dignidade. Para acalmar sua vergonha precisava mais do que desejos ardentes noturnos e indiferença grosseira de dia.
A voz de Alexander ordenando uma parada afastou os pensamentos sombrios. Pararam perto do perigoso alto de um precipício. Do outro lado de uma garganta rasa à frente deles subia uma escarpa escura. Com certeza era o Ponto dos Pagãos. Sem esperar ajuda, Ágata desmontou e correu para ajudar Barry com a garota.
- Sibeal disse que é aqui, Ágata - murmurou Barry. - Olhe, prefiro que diga que tudo foi brincadeira.
- Não posso, Barry. - Ágata estava triste. - Entendo como se sente e também preferiria não ter que falar nisso.
- É um absurdo! - esbravejou Alexander juntando-se a eles, enquanto os guerreiros, atentos ao que se passava, seguravam os cavalos. - Essa brincadeira foi longe demais e me parece uma artimanha para fugir.
- Sem o Jaime? - Ágata olhou-o com desgosto e virou-se para Sibeal. - Foi aqui que você viu os cachorrinhos?
- Como ela poderia vê-los aqui? Estou farto dessa tolice.
- Então vá embora - retrucou Ágata. - Já disse que não precisamos de você. Temos que fazer o que Sibeal disser e se tivermos certeza de que ela está errada voltaremos para casa. - Sibeal, eles estão aqui?
- Eles estão ali embaixo, titia. - A pequena correu até a beirada e apontou para um lugar no riacho abaixo do Ponto dos Pagãos. - Temos que descer!
- Aqui há uma trilha com degraus, tia - gritou Manus, que com o irmão procurava um jeito de descer até o riacho.
A menina já pegara a tia pela mão e a puxava para perto dos meninos.
- Tem certeza que precisamos descer lá, querida?
- Tenho sim! Desculpe por eu ter contado para o papai, tia, mas tinha que salvar os filhotes.
Alexander ordenou a seus homens que esperassem ali em cima e as seguiu.
- Claro que tinha. Acho que quem ficou mais preocupado foi seu tio.
Sibeal assentiu:
- Ele é um homem muito triste.
- E verdade, meu bem...
E estou cansado de ser vencida por isso, pensou a moça, depois prestou atenção na descida abrupta.
Alexander praguejou, irritado. Não via nada demais nas margens do riacho e arriscavam os pescoços descendo aquele caminho perigoso por causa de uma garotinha que queria salvar alguns cachorrinhos. Seu ímpeto era parar com aquela bobagem, mas sabia que Ágata estava certa: a menina tinha que ver seus sonhos comprovados ou não. Era a única maneira de pôr um ponto final no assunto.
Ágata soltou a saia que erguera um pouco quando chegaram à praia pedregosa e indagou:
- Onde estão os bichinhos, Sibeal?
- Já vão chegar, tia.
A menina ergueu o olhar para o topo do Ponto dos Pagãos e Ágata se deu conta que não tinha verificado o momento do fato ao interrogar a sobrinha. Os cachorrinhos poderiam chegar naquela hora ou dali a meses. Sibeal ainda não sabia explicar suas visões. Ela ia falar com a pequena quando Alexander a cutucou e apontou para o alto do precipício onde surgira um homem.
Por um momento ela ficou sem saber para onde olhar: se para onde a visão de Sibeal se desenrolava ou para Alexander. Decidiu observá-lo. Ele estava pálido e ela soube que o tio não iria aceitar com facilidade o dom de Sibeal.
- Lá estão os filhotes! - a menina gritou e começou a chorar quando o homem os jogou no precipício.
Enquanto Alexander e Barry se preparavam para tirar o saco da água veloz do riacho, Ágata tratou de segurar os sobrinhos. Quando os MacDubh trouxeram o saco para fora e o abriram, ela os soltou e correu com eles.
- Depressa, tia - implorou Sibeal. - Os cachorrinhos estão com medo e machucados.
- O que ela quer dizer? - Alexander perguntou para Ágata.
- Ela sente as coisas...
Barry e os gêmeos tiraram seis cachorrinhos vivos, molhados e trêmulos de dentro do saco.
- Sente as coisas?
- Sim... Qualquer um pode imaginar como estes bichinhos estão por terem sido presos num saco e atirados num precipício, mas Sibeal sente.
- Acha que vou acreditar nisso?
- Espero que preste atenção quando Sibeal o avisar de algo. Pode ser uma questão de vida ou morte.
Ela suspirou quando Alexander deu de ombros e subiu a trilha. Pouco depois, ouviu um cavalo se distanciando. Virou-se e viu que Barry parecia tenso ao falar.
- Por favor, diga-me que tudo foi brincadeira, Ágata. Ele sentou-se num tronco caído e Ágata se acomodou ao seu lado.
- Gostaria de poder dizer que foi. Vivo esperando que ela perca o dom da visão. As pessoas têm medo e é perigoso.
Barry assentiu:
- Temos que ensinar Sibeal a manter segredo.
- Desde que percebi o dom, venho me esforçando para ensiná-la a aceitá-lo e a falar com mais clareza sobre o que vê, mas não a ensinei muito a ter cuidado. Sempre lhe digo que não comente com ninguém, que podem pensar mal, mas é difícil para ela entender. - Olhou para cima, pensando na partida repentina de Alexander. - O dom da visão não é aceito por muita gente.
- Alexander sempre odiou esse tipo de coisa - assentiu Barry. - Mas não vai odiar Sibeal por isso. Nos últimos anos ele se tornou duro e amargo, mas ama as crianças. É pena ter perdido a filha, teria sido um bom pai como foi no pouco tempo que ela viveu.
- Alexander teve uma filha? - Ágata ficou surpresa e meio enciumada.
- Sim, uma menininha parecida com Sibeal. Elizabeth. Era filha da sua primeira mulher, que era moralmente muito fraca. Ela morreu e pouco depois Alex se casou de novo. Sua primeira mulher foi uma vadia, mas a segunda era um demônio cruel e demente. Quando morreu, não foi sozinha, levou a pobre Elizabeth. A criança está enterrada no jardim da igreja de Rathmor. Alexander nunca se recuperou.
- É impossível se recuperar de algo assim... - Ágata compreendeu melhor Alexander. - Deve haver muito ódio no coração dele.
- É verdade, mas parou de descontar nos outros. Até seus amigos perderam a paciência.
- Alexander tem amigos? - ironizou ela. Sorriu ao ver que Barry ria, já recuperado do choque pelo dom de Sibeal e acrescentou: - É melhor voltarmos.
Ele assentiu, levantou-se e ajudou-a a ficar de pé.
- Parece que tenho seis cachorrinhos, não?
- Temo que sim. - Ágata olhou as crianças que carregavam os bichinhos. - Sibeal tem um coração enorme. Quer cuidar de todos os bichos e todas as pessoas abandonadas.
- Então precisamos ensiná-la a ser seletiva, além de discreta.
Alexander continuou imóvel na cadeira onde estava quando Ágata entrou no quarto. Ele a evitara, assim como a Barry e as crianças, desde que tinham voltado do Ponto dos Pagãos. Pensara em continuar fechado no seu solário, bebendo, até que Ágata estivesse dormindo. Mas a vontade de estar com ela fora mais forte.
Tenho uma sobrinha vidente, pensou. Se havia algo pior do que uma sobrinha com sangue dos MacFarlane era uma sobrinha com esse dom. Gostaria que Ágata não falasse na aptidão da menina. Numa tentativa de evitar a conversa, enquanto ela se lavava tirou as roupas e se deitou.
Vestida apenas com uma camisa curta, Ágata foi para o seu lado da cama. Sabia que sua posição era bastante precária, mas era também tia de Sibeal e queria saber como Alexander iria tratar a pequena dali por diante.
- O que vai fazer com Sibeal? - perguntou.
- Ainda não pensei nisso - esquivou-se ele.
- Pois sim! Você não fez outra coisa desde que fugiu do Ponto dos Pagãos.
Ele sentou-se de um salto e encarou-a:
- Eu não fugi!
- Fugiu, sim. Fugiu como se todas as almas do inferno o perseguissem.
- Acho que você esqueceu quem é, qual o seu lugar aqui e com quem está falando!
Ela não esperava que ele ficasse tão furioso, mas se manteve firme:
- Não esqueci nada disso. Sou uma MacFarlane, sua prisioneira e você é o sempre irritado lorde de Rathmor. Sou também tia de Sibeal, quero falar sobre minha sobrinha e exijo ser ouvida.
- Exige, é? - contemporizou ele, admirando a ousadia dela.
- É! Acha que não a magoou vindo embora daquele jeito e não aparecendo mais?
Alexander sentiu-se culpado. Não pensara nos sentimentos da criança, levado pelos próprios. Mas decidiu não admitir sua culpa.
- Eu precisava pensar no que aconteceu.
- E a que conclusão chegou?
- Acho que demos importância demais a uma coincidência.
- Eu também já estive cega para a verdade.
- Concordo. - Viu-a estremecer e levantou a coberta a seu lado: - Venha para cá ou vai pegar um resfriado.
- A verdade é que Sibeal tem a visão. - Ágata acomodou-se na cama, sem tirar os olhos dele. - Acho que herdou da mãe dela. Nossa avó, mãe de nossa mãe, era vidente. Pelo menos, dizia que era.
- Você teve alguma prova?
- Ela morreu antes que eu tivesse idade para avaliar.
- Então, você está se deixando levar por superstições e mitos.
Ágata riu da teimosia dele:
- Chama o que aconteceu hoje de superstição e mito? Como pode negar o que viu?
- Só vi que tiramos alguns cachorrinhos da água. A menina pode ter ouvido alguma conversa sobre afogar filhotes. O restante foi encenado pela imaginação dela.
Foi difícil Ágata resistir ao impulso de gritar e espernear.
- Está bem, não vamos discutir se ela tem ou não o dom da vidência, se você acredita ou não. Como pretende tratar Sibeal depois disso? - Ele a fitou indeciso e ela pressionou:
- Quero uma resposta.
- Sabe que é muito arrogante para uma mulher que é apenas uma ferramenta de vingança?
Aquelas palavras eram cruéis e Ágata fez tudo para esconder a dor. Começava a compreender o porquê da amargura e da rudeza dele e não deveria ter provocado sua fúria. Mas também devia não se intimidar diante daquele Alexander frio e raivoso.
- Tenho o mesmo sangue de Sibeal, como você tem e não vou deixar que a magoe.
Alexander ficou possesso:
- Eu nunca magoaria uma criança!
- Não intencionalmente, mas foi o que fez ao virar-lhe as costas depois de saber do seu dom. Precisa demonstrar-lhe que gosta dela assim mesmo. Você é frio, Alexander MacDubh, mas...
- Frio? - Ele girou o corpo ficando quase em cima dela.
- Não me sinto nada frio agora.
Ágata sentiu o calor do toque dele, mas se recusou a demonstrá-lo:
- Perguntei o que pretende fazer com a menina, quero uma resposta e...
A voz dela foi morrendo conforme ele lhe tirava a camisa.
- Vou falar com ela amanhã.
Ele a beijou, deslizando a mão pelo corpo de Ágata, maravilhando-se ao ver que o desejo dela aflorava tão rápido como o seu.
- E dizer-lhe o quê? - ela se apressou a insistir porque o toque dele a fazia se esquecer de tudo.
- Que é minha sobrinha mesmo que cresça nela uma segunda cabeça e garantir que não foi dela que fugi. Vou deixar claro que, mesmo não gostando ou acreditando no seu dom, gosto muito dela. Feliz, agora?
- Pelo menos acredito que você vai tentar respeitar os sentimentos dela.
Alexander fitou os olhos que o desejo havia tornado quase negros. Na profundeza daquele olhar viu tristeza. Queria libertar Ágata dessa tristeza, mas não sabia se seria capaz.
- Você nunca foi feliz de verdade, foi? - perguntou ele, com a voz presa.
- Fui feliz o suficiente.
Com lentidão e suavidade, ele uniu seu corpo ao dela apreciando a expressão de prazer que Ágata não pôde esconder:
- Isto a faz feliz?
- Sim, pelo tempo que dura.
- Então, devemos tentar fazê-lo durar o mais possível - murmurou ele, beijando-a.
Enquanto se deixava levar pelo turbilhão de desejo, Ágata pensou por uma fração de segundo que gostaria que aquelas palavras dele tivessem a ver com algo além da paixão.
Demoraram seis semanas para dizer não? - admirou-se Ágata - Eu sabia que eles eram lerdos, mas isso não dá para entender.
Releu a carta em pergaminho amarrotado enviada por Colin MacFarlane e assinada também pelo seu noivo. Ela fora chamada ao solário de Alexander e tivera pouco tempo para apreciar as imensas janelas que inundavam o ambiente de luz antes de ler a carta. Para Ágata a carta nada mudava, apenas expunha mais a triste realidade: até seus parentes a usavam como fantoche. Não a surpreendia, mas doía. Suspirou e sentou-se num banco embaixo de uma das janelas.
- Há pouco para entender - observou Alexander. - Eles simplesmente dizem que não pagarão por você ou pelas crianças.
A vontade foi esbofeteá-lo, mas ela preferiu amassar a carta:
- Sim, mas levaram bastante tempo para responder e não agiram contra você enquanto isso. Bem, eles podem me descartar, mas não as crianças. Elas podem ser úteis. Acontece que passou o tempo favorável. Ou quase. Estamos no final de agosto. Logo virá a chuva e depois a neve do inverno.
- E depois a chuva da primavera com degelo e lama - ele abanou a cabeça. - Teremos que sustentá-la por um ano.
A observação grosseira a fez se pôr de pé:
- Não precisa me sustentar por mais tempo. Posso sair do seu caminho neste instante.
Alexander moveu-se rápido e se colocou entre ela e a porta. Ficara irritado com a carta, mas ao ver nos olhos dela a dor causada pela rejeição dos parentes quisera livrá-la da dor, porém essa reação o fizera ter medo. Medo de como aquela mulher pequenina perturbava seus sentimentos. E reagira como sempre, agredindo-a com palavras cruéis. A última coisa que queria era que Ágata fosse embora de Rathmor.
- Sente-se - ordenou.
- Por quê? Meus parentes e meu noivo me abandonaram. É evidente que você não me quer...
- Quero, sim!
Ele quis segurá-la, mas ela afastou-lhe as mãos.
- Não desse modo.
Não queria que ele a beijasse fazendo-a atingir a permissividade inconsciente.
- Está bem, mas sente-se aí. - Ele trancou a porta e teve vontade de rir ao ver a expressão no rosto dela. - Devemos tratar este assunto como adultos, sem rancor e nem raiva - explicou, voltando a sentar-se à mesa onde estivera escrevendo.
- Qual o propósito de eu ficar aqui?
- Se não houver nenhum outro, o de cuidar das crianças. Elas gostam de você o bastante para justificar isso.
E você?, ela pensou. Suspeitava que amava aquele homem, pois não havia outra explicação para se preocupar com os sentimentos dele e suportar suas palavras agressivas. Mas não queria admitir esse fato e estava pronta para negá-lo.
- O que precisamos decidir é: o que Colin MacFarlane quer dizer com essa atitude? - disse Alexander.
- Que não nos quer de volta. O que mais poderia ser?
- Muita coisa, minha cara, e acho que você sabe. Conhece bem o seu tio. Que jogo acha que ele está fazendo?
- O jogo de "deixar minhas responsabilidades para outro"? - ela suspirou. - Meu tio quer que você pense que ele desistiu e relaxe a vigilância ou me mande embora sem ter que pagar.
- Também acho que é isso - concordou ele. - Tenho informação segura de que ele fez uma petição ao rei para me declarar fora da lei.
Ao ver a reação de horror de Ágata, ele se dividiu: por um lado ficou satisfeito, por outro duvidou da sinceridade dela.
- Fora da lei? - ela estava arrepiada. - Isso quer dizer que qualquer um pode matá-lo.
- Exatamente. O rei recusou. Afinal, as crianças têm o meu sangue, o que justifica o que fiz. Já mandei um representante reclamar meus direitos. Alguns amigos estão usando sua influência em meu benefício.
- E irão ajudá-lo se houver uma guerra?
- Não lhes posso pedir isso. A luta é minha, é uma guerra particular. A vingança é minha, eu tenho que cobrá-la.
- Ah, sim, e deixar sua família ser assassinada!
Ela sabia que, por trás da rudeza e da amargura, Alexander era um bom homem e se irritava ao ver que mesmo um homem bom ficava cego quando se tratava de vingança.
- Acha que seu tio e seu noivo irão ficar quietos depois do insulto que lhes fiz?
- Não, mas queria que você não fosse ingênuo a ponto de entrar em guerra. - Ágata começou a andar pela sala. - Meu tio quer que acredite que ele se deu por vencido. Isso pode significar duas coisas: ele tem um plano de ataque ou quer induzi-lo a se desproteger. As duas opções pretendem fazê-lo abaixar a guarda. - Parou diante de Alexander, com as mãos na cintura, e estranhou o modo como ele olhava para sua saia. - Se sua mente lasciva puder esquecer o que há sob minha saia talvez cheguemos a uma conclusão sobre as idéias do meu tio.
Alexander não se envergonhou por ter sido apanhado em pleno fascínio por ela. Dormiam juntos há mais de um mês, porém ainda se excitava como na primeira vez.
- Sim, seu tio quer que eu abaixe a guarda - admitiu, sorrindo. - Mas ele vai ver que não sou tão tolo.
- É estranho ele ter demorado tanto para se manifestar. Se a jogada falhar, terá que esperar até a primavera. É difícil um ataque dar certo no inverno.
- Ele teria que atacar agora...
- E você acha que não vai fazê-lo?
- Não. Ele quer que eu dê o primeiro passo. Um passo em falso, claro. Quando perceber que não vou fazer o que quer, só poderá agir no fim da primavera ou no começo do verão. Logo virá a parte do ano em que estaremos aprisionados pela neve e o frio ou pela chuva e lama.
- Então é melhor eu ir embora ou ficarei presa aqui.
Pela expressão de Alexander, Ágata soube que não permitiria que ela saísse de Rathmor, o que a agradou e irritou ao mesmo tempo. Ele sabia que o melhor seria deixá-la partir, mas que não o faria.
- E para onde pensa ir? Você ainda é minha prisioneira.
- Por quê? Meus parentes não vão pagar o resgate, então você não terá vantagem. Como nenhum homem na Escócia irá acreditar que ainda sou donzela depois de ficar seis semanas em Rathmor, sua vingança está completa. Não sou necessária aqui.
- Eu já disse que vai cuidar das crianças - ele disse, ríspido. - Elas gostam de ter você por perto.
- Então eu fico por perto, mas não preciso permanecer em Rathmor.
- Vai ficar aqui! - Alexander deu um murro na mesa.
- Por quê?
- Porque ainda pode ser útil para os seus parentes contando-lhes tudo sobre Rathmor... sobre nossas forças e fraquezas. Não. Você fica aqui enquanto for preciso.
- Assim seja, só que não irei mais para a sua cama.
- Você nunca demonstrou que não gosta de estar lá.
- É que você é habilidoso e nós dois temos uma natureza apaixonada... - Ela sacudiu os ombros. - Olhe, estou cansada de ficar no meio desse jogo entre MacDubh e MacFarlane. Você tirou minha virgindade e basta. Se me obrigar a ficar aqui, não será como sua prostituta. Tenho vergonha diante das crianças e não posso aceitar isso por mais tempo.
- Está bem, vai ser do seu jeito. - Ele ergueu-se e foi destrancar a porta. - Saia. - Quando ela ia passar, segurou-a por um braço e forçou-a a olhá-lo. - Em breve mudará de opinião.
- Garanto que não.
- Não? Você espera pelas nossas noites tanto quanto eu.
- Sim, mas é uma avidez passageira. Nós nos agarramos ao nosso desejo como crianças a um doce. Aí vem a madrugada, você se torna frio e me põe de lado. Nunca imaginei que ia me sentir tão prostituta como tenho me sentido. Você só me dá afeto à noite, naquela cama, então devo me manter longe de você e dela.
- Não vai conseguir!
- Vou, já que você é frio e até mesmo cruel durante o dia. Cansei de agüentar seus problemas e fúrias. Fique com eles. Vou sentir de você e dos sentimentos que despeita em mim à noite, mas não da vergonha que me sufoca durante o dia.
Livrou-se da mão dele e saiu pisando duro. Alexander ficou olhando até que ela sumiu de vista, então bateu a porta. Conhecia aquela manobra: ela queria que ele lhe desse mais do que paixão. Não daria. Nunca voltaria a confiar numa mulher, tornando-se vulnerável. Não a levaria mais para sua cama.
Um vento gelado agitou o fogo da tocha na muralha e Ágata ajustou mais a capa ao corpo. Era apenas em meados de setembro, porém fazia mais frio do que ela gostava. Temia que aquele fosse um inverno longo e severo. Notou um vulto alto e familiar na muralha oeste, com dois guerreiros ao lado. Ele não olhava para ela, mas o instinto lhe dizia que estivera olhando.
Alexander tornara-se uma espécie de sombra seguindo-a o tempo todo. Deixou escapar uma risada amarga e olhou em volta para ver se alguém ouvira. Algumas pessoas no castelo questionavam sua sanidade mental, porque só uma louca abandonaria a cama de Alexander MacDubh. No início ela achara a situação divertida, mas agora, quando ficava acordada quase a noite toda sentindo a falta dele, achava que não estava bem da cabeça. Tudo que conseguira com o esforço de recuperar a dignidade fora dormir com Sibeal e sonhar em voltar a dormir com Alexander. Passava muito tempo caminhando pelas muralhas internas no começo da noite para tentar diminuir o vazio dentro de si e a tensão que lhe roubavam o sono.
Quando começou a terceira volta pela muralha, viu que Alexander a olhava e mostrou-lhe a língua. Sabia que era uma atitude infantil, mas lhe dava algum prazer.
Os homens riram, mas Alexander ignorou e saiu caminhando atrás dela. Fazia quase um mês que Ágata deixara sua cama. Uma ou duas vezes pensara em mandar vir uma meretriz a Rathmor para ver se aplacava sua febre, mas desistira, sabendo que não iria ajudar. Outras vezes tivera o impulso de arrastar Ágata para sua cama. Como ela poderia impedi-lo? Ao perguntar-se isso percebera que não queria saber a resposta. Então dormia sozinho. Pelo menos, tentava dormir, pois quase sempre permanecia acordado pelo desejo. Evitava-a porque temia perder o controle e forçá-la a dar-lhe o amor que recusava. Por que, então, insistia em espreitá-la?, perguntou a si mesmo descendo a estreita escada.
Quando chegou embaixo, avistou Ágata e se apressou para alcançá-la. Ela ouviu passos que a seguiam, ia virar-se para ver quem era quando foi agarrada e arrastada para um nicho na parede de pedra.
- Solte-me, Alexander - pediu, mas ele a segurava com firmeza.
- Aqui é muito escuro - segurou as mãos dela quando a moça tentou empurrá-lo para trás - e perigoso. Nunca se sabe o que pode acontecer.
Entrelaçou os dedos nos dela e prendeu-lhe os braços contra a parede.
- Sim - Ágata disse, com voz trêmula. - Pode-se ser atacada por um vagabundo mal-intencionado.
Quando Alexander colou o corpo ao dela, Ágata sentiu o quanto a desejava e também o desejou.
- Que é isso? - sua voz soou aguda. - Vai me tomar à força?
Ele beijou-lhe o pescoço e ela soube que, se lhe soltasse as mãos, a única coisa que faria seria abraçá-lo.
- Não, vou fazer com que me queira - murmurou ele, rouco -, pelo menos mais uma vez.
Ela suspirou de prazer quando Alexander acariciou-lhe os seios por cima do corpete e correspondeu ao beijo ardente. Ele soltou-lhe as mãos e se uniram num abraço desesperado. Ofegavam quando o beijo por fim terminou. Ele se ajoelhou, Ágata enfiou os dedos nos seus cabelos e perdeu a respiração quando as mãos calejadas tocaram a pele nua acima das meias.
- Estou fazendo você me querer mais uma vez?
- Talvez - ela sussurrou, sabendo que seria capaz de matá-lo se ele a deixasse naquele momento.
- Bem, mas precisamos ter certeza. Levante a saia, Ágata - ele pediu, com suavidade.
A escuridão e o desejo a tornaram corajosa. Lentamente foi levantando a saia até que ele pudesse ver o que acariciava delicadamente. Ela emitiu um gemido de choque e prazer quando ele passou a beijar os pêlos negros, sedosos e crespos que cobriam o monte-de-vênus e quase gritou quando a penetrou com a língua. Ágata precisou enfiar a saia na boca e mordê-la para não gritar. Entre gemidos, implorou a ele que parasse, mas Alexander continuou até levá-la ao clímax. Enfraquecida pela violência do gozo, ela começou a escorregar para o chão, porém ele a segurou com firmeza pelos quadris e prosseguiu as hábeis carícias até perceber que estava outra vez alucinada pelo desejo. Então ele se levantou e livrou-se das calças sem deixar de beijá-la, consciente de que também a queria com incontrolável paixão.
- Passe as pernas em volta da minha cintura, querida - pediu, rouco de excitação.
Ágata fez o que ele pedira e quando seus corpos se uniram agarrou-se aos ombros de Alexander saboreando o prazer que os movimentos dele lhe proporcionavam. No momento em que ele vibrou intensamente, alcançando um êxtase avassalador, ela também se perdeu na intensidade do orgasmo apaixonado.
Ágata mal percebeu quando ele tirou sua capa e estendeu-a no chão. Quando começou a voltar da espessa nuvem de plenitude que a isolava do mundo, viu-se deitada sobre a capa com Alexander e cabeça aninhada no peito dele. Nervosa, olhou ao redor com medo que os vissem, mas se descontraiu porque isso era quase impossível naquela escuridão. Só então realizou o que acontecera e sentou-se, com a respiração alterada.
Alexander tentou ver o rosto dela, pois ele espelhava todas as emoções de Ágata e ele se sentia melhor quando sabia o que ela pensava.
- O que foi? Está se preparando para negar o "sim" que me deu? - perguntou, cauteloso.
- Eu não disse "sim" algum!
- Não com palavras, mas cada centímetro do seu corpo dizia sim alto e claro.
- Foi um momento de fraqueza... - ela tentou sentar-se, mas ele a manteve junto a si.
- Um momento de fraqueza? Aquilo foi desejo cego. Admita, sentiu falta de minha cama.
Ágata ia reagir a tanta arrogância, mas reconheceu que Alexander dissera a verdade. E ele também sentira sua falta, porém jamais o admitiria. Também lhe ocorreu que talvez tivesse tornado a decisão errada ao se afastar dele: ficar longe não era o melhor caminho para conquistar a afeição de alguém. O que deveria ter perguntado a si mesma era: um homem como Alexander merecia que o coração e o orgulho dela fossem machucados? E teve certeza de que a resposta era "sim".
- E você sentiu falta de mim na sua cama? - Ágata não se surpreendeu ao sentir que ele ficava tenso.
- Bem, você é uma amante incrível.
- Que resposta mais delicada! - reagiu ela.
- Não sou homem de delicadezas. Se o que quer é um pretendente que viva fazendo melosas declarações de amor, escolheu o homem errado.
- Eu não escolhi e não quero nada! Tive medo de que você só tivesse luxúria para me dar e pedi que conversasse comigo; eu disse honestamente o que pensava e só tive olhares frios como resposta. Agora, você acaba de me demonstrar que desejo é a única coisa que tem para me dar e que devo aceitá-la.
Alexander ficou surpreso ao ver que não se sentia feliz com a vitória. Apenas comentou:
- Então vai voltar para a minha cama?
- Sim, mas quero fazer-lhe um pedido.
- Você acabou de dizer que...
- Calma, meu amado tímido. Vou lhe pedir apenas respeito e que pare de descontar sua raiva em mim. Não fiz nada de errado e fico triste por ser punida por erros que não cometi.
- Sei disso. Mas não consigo esquecer que você é uma MacFarlane - disse ele, sorrindo.
- Não pedi que esqueça. Sou o que sou - Ágata também se sentou e procurou ajeitar as roupas -, porém não posso pagar pelos pecados dos meus parentes. Seu desdém e sua frieza me envergonham. Seu desprezo faz com que me sinta uma prostituta. O desrespeito que exibe por mim quando não estamos na cama me fez desistir do que dividimos nela. Não mereço ser tratada assim.
- De fato, não merece.
- Então, temos um acordo? Volto para sua cama e você me trata com respeito dentro e fora do quarto.
Ágata estendeu a mão e Alexander pegou-a.
- Combinado. Você terá meu respeito todo o tempo que permanecer em Rathmor.
- Você não resiste, tem que mencionar isso, não? - murmurou ela, erguendo-se e alisando a saia.
- É a verdade - ele também se pôs de pé, pegou a capa e agasalhou-a.
- Sim e ninguém deve se esquivar da verdade.
Ela riria se não estivesse triste. Alexander a queria de volta à sua cama, mas isso o apavorava tanto que tivera de lembrá-la que um dia ela teria de partir. Sentia-se esperançosa, porque esse temor revelava que ele tinha coração.
- O que foi, mudou de idéia? - Alexander perguntou quando entravam no castelo.
Ágata percebeu que passara a andar devagar e a tensão de Alexander lhe disse que ele tinha medo que ela não fosse para o quarto dele e pensava em como levá-la para lá sem pedir ou fazer promessas.
- Não. Não estou mudando de idéia, mas... - calou-se ao ver Jaime e Kate entrarem no enorme hall. - Como vai, Jaime? Faz tempo que não o vejo.
- Estou ajudando Kate a se preparar para o inverno - explicou Jaime. - A senhora está bem, ama?
- Bastante bem, apesar de ter que enfrentar um MacDubh dia e noite. - Ela ignorou o olhar de Alexander ao perceber que Jaime e Kate estavam de mãos dadas. Sentiu uma pontadinha de ciúme e acrescentou: - Vão, mas não se esqueça de mim, Jaime.
- Nunca, ama!
Os dois deram boa-noite e foram para a cozinha, Ágata suspirou e enquanto subia a escada ficou preocupada por Jaime estar apaixonado por Kate. Pensou que nada tinha a ver com isso, mas tinha, sim. Em muitos aspectos seu amigo era uma criança e ela se preocupava com ele do mesmo modo que com os gêmeos e Sibeal. Seu coração lhe dizia que Kate era uma boa moça, mas queria confirmação. Quando chegaram à porta do quarto de Alexander, voltou-se para ele que, vendo aflição nos olhos dela, ergueu-a nos braços, entrou no quarto, trancou a porta e a colocou cuidadosamente na cama.
Quando ele começou a desfazer o laço do corpete, ela segurou-lhe a mão.
- Acredito que Kate é uma boa moça, mas você a conhece há muito mais tempo, Alexander. Será que ela tem intenções sérias em relação a Jaime? Quero dizer, ela é do tipo de se interessar por um homem... digamos, diferente... e depois descartá-lo quando não houver mais segredo? Eu... - Ela sorriu, sem jeito - Bem, não importa como faço esta pergunta... Kate é... volúvel?
- Não, não é.
- Jaime já sofreu muito e eu não queria vê-lo magoado de novo. Ele é grande, forte, mas muito vulnerável. Nunca foi escolhido por uma mulher, apesar de algumas o terem levado para a cama ou o celeiro mais próximo para ver se ele era todo grande. Seria terrível para ele se...
Alexander beijou-a, feliz por ver que ela não pensava em ir embora.
- Jaime é o primeiro homem por quem Kate se interessa, pode ficar sossegada. Eu devia ter imaginado que estava preocupada com seu imenso protetor.
- Pensou que eu estivesse preocupada com o quê? Achou que eu ia dizer não outra vez? - Ela meneou a cabeça: - Se não tenho mais nada para fazer enquanto estou aqui, posso muito bem lhe demonstrar que nem toda mulher tem pensamento e coração inconstantes.
Ele fitou-a intensamente.
- Creio que vou gostar da demonstração. Beijou-a antes que ela pudesse falar.
Kate passou um pano úmido e gelado no rosto de Ágata. Fazia dois meses que ela voltara para a cama de Alexander e não esperava pagar tão depressa por essa fraqueza. Sabia que estava grávida e pelo jeito a jovem criada também sabia, pois sentou-se na beira da cama e ofereceu-lhe um naco de pão com um pouco de manteiga doce.
- Coma devagar - aconselhou. - Dizem que diminui o enjôo.
Ágata obedeceu e sentiu-se melhor. Reanimou-se mais depois de tomar alguns goles de suco de sidra. E voltou a pensar no problema que teria de enfrentar, porque não tinha como esconder o que acontecia. Era a quinta manhã seguida que acordava enjoada.
- Começo a achar que sou amaldiçoada - murmurou.
- Não deve dizer isso, ama! - Kate fez o sinal-da-cruz.
- Não? É maldição ser parente de Colin MacFarlane e ter que viver com ele, depois cair nas mãos de um homem que odeia tudo que tem a ver com os MacFarlane e que não é grande admirador das mulheres. Agora isto: outra MacFarlane com um MacDubh bastardo no ventre.
- É difícil, mas não tão ruim quanto parece.
- Você não conhece meu tio e meu noivo, Kate. Este é um insulto que não podem tolerar e vão me matar.
- O lorde não a mandará para eles agora.
- Logo saberemos o que o grande Alexander MacDubh fará. Preciso comunicar-lhe que vai ser pai.
Com cuidado, Ágata saiu da cama. Ficou um pouco tonta e melhorou enquanto se vestia. Sua coragem, entretanto, foi sumindo. Tinha receio de dizer a Alexander que esperava um bebê porque não havia como saber qual seria sua reação. Ele jamais tinha lhe contado sobre a filhinha que perdera. Será que iria pensar que ela tentava agarrá-lo com um filho? Iria odiá-la e ela não tinha como tirar aquela idéia da cabeça dele.
- Está com medo, ama? - indagou Kate, terminando de ajeitar a túnica simples e marrom que Ágata vestira.
- Você não estaria?
-Não sei. Nasci aqui e nunca tive medo de lorde MacDubh.
- Os MacFarlane têm motivos para temer um MacDubh. Kate sorriu assentindo:
- Um MacFarlane sim, mas uma dama não... Depois de todos esses meses com o lorde já deveria conhecê-lo.
- Não é um homem fácil de compreender. Mas não ganho nada em ficar aqui imaginando como ele vai reagir. É melhor resolver logo. Ele ainda está no salão?
- Sim. Passa quase todas as manhãs lá, ouvindo os problemas das pessoas do nosso clã e julgando queixas.
Ágata parou à porta:
- Então não estará sozinho e isso pode complicar tudo.
- Ele não fica o tempo todo ocupado. Depende de quantas questões tem que atender.
- Talvez seja melhor deixar para a noite.
- Não. - Kate sacudiu a cabeça. - Todos estão cansados no final do dia e não seria boa hora para dar uma notícia tão séria.
Não havia como argumentar contra tanto bom senso, então Ágata sorriu e foi para o salão. Quando entrou, duas mulheres discutiam aos gritos diante de Alexander que procurava acalmá-las para entender o que queriam. Ágata sentou-se numa cadeira encostada à parede e observou que Alexander parecia preocupado com a mulher que dizia terem roubado seu porco, que era a única comida que tinha para enfrentar o inverno. A calma e a atenção com que ele a ouvia eram tudo que ela desejava dele. Depois, ao ouvir a outra mulher, que matara e comera o porco, ele ficou com uma raiva livre da amargura que ele sempre lhe demonstrava por causa de crimes que ela não cometera.
Concordou com o veredicto de Alexander. A ladra, que roubara o porco de uma família de seis pessoas que perdera o chefe, deveria substituí-lo por outro de igual tamanho, devolver o que restava do porco abatido e contribuir com um saco de aveia para os suprimentos de inverno da vítima.
Como ninguém entrasse para falar com o lorde por uns dez minutos, Ágata por fim sustentou o olhar firme dele.
- Tem alguma queixa, Ágata? - ele indagou, com um leve sorriso.
- Mais do que poderia ser dito aqui, meu senhor.
Ele assentiu e voltou-se para Angus que estava de pé à sua direita:
- Vou almoçar. Se alguém quiser me ver, diga para voltar em uma hora. Peça para que tragam vinho, pão, queijo e algumas frutas. - Virou-se para ela: - Está bem assim? Você não veio tomar o café-da-manhã, outra vez...
Ágata assentiu e esperou Angus sair para responder:
- Desculpe, dormi até tarde.
- Talvez você esteja trabalhando demais.
Ele indicou que ela sentasse à cabeceira da mesa, ao seu lado, enquanto algumas pessoas chegavam para almoçar. A mesa ficou quase vazia e não havia ninguém perto o bastante para ouvi-los. Mesmo assim, Ágata não se sentiu à vontade para falar. Começou a comer.
- Você parece doente. - Alexander observou servindo-a de vinho. - Está resfriada?
- Não, não é resfriado...
Resfriado passa logo, ela pensou e em seguida pediu desculpa ao bebê pelo insulto.
Alexander tocou-lhe a testa para verificar se tinha febre e Ágata surpreendeu-se ao ver nos olhos dele a doçura que sempre desejara. Será que ele só lhe daria afeto se estivesse doente? Não queria e não podia parecer inválida pelo resto da vida.
- Não tem febre - murmurou ele -, mas não me parece bem.
- Obrigada. Ficarei melhor assim que comer.
- Se o problema é falta de comida, não deveria dormir até tão tarde.
Ágata decidiu que era melhor falar logo. Respirou fundo.
- Pareço doente e durmo até tarde porque estou esperando um bebê - recostou-se na cadeira e aguardou a reação.
O primeiro lampejo, fugaz mas feliz, que passou nos olhos dele deu-lhe um pouco de esperança. Em seguida foi ficando nervosa, já que as sucessivas expressões foram tenebrosas.
- De quem é a criança? - perguntou Alexander, com frieza na voz.
Ele não poderia ter dito nada mais ultrajante. Ágata levantou-se e, colocando toda fúria e frustração no impulso, deu-lhe um tapa no rosto causando silêncio imediato à mesa. Em seguida, ela se retirou do salão, mal cumprimentando Barry e as crianças que entravam. Vestiu a capa e foi caminhar pela muralha interna, esperando que o ar frio a acalmasse.
Alexander olhou para os presentes, depois para Barry e seus filhos.
- O que estão olhando? - indagou, bravo.
- Um tolo, eu acho - respondeu Barry. Orientou as crianças para irem sentar-se com Jaime e Kate e se acomodou ao lado do irmão. - O que você fez agora? Estas últimas semanas estavam sendo, se não perfeitas, pelo menos pacíficas. Você tem sido bastante delicado.
- Foi o que ela pediu em troca de voltar para minha cama. Nada de insultos durante o dia.
- E você acabou de quebrar o acordo. Barry cortou um grande pedaço de pão.
- Ela me disse que está grávida.
A reação do irmão, que ficou tenso e pálido, mostrou-lhe que não fora o único a ser pego de surpresa.
- Ah, ela disse que espera um filho seu e depois bateu em você - ironizou Barry, já recuperado. - O que me faz voltar para a primeira pergunta: o que você fez agora?
- Só perguntei de quem é a criança.
- Pelo amor de Deus, Alex! Não sobrou nem mesmo um pouco de educação dentro de você? O que essa moça fez para insistir em estraçalhar seu orgulho?
- Foi uma pergunta razoável - insistiu Alexander.
- Não foi e você sabe disso.
- Ela não dormiu comigo o tempo todo. Ficou livre, ao alcance de outros homens.
Barry não ocultou a ira:
- Ela ficou fora da sua cama, mas não estava livre e você sabe disso! Não existe um só homem em Rathmor que ousaria tocar nela, depois que a manteve em sua cama a noite toda desde a primeira vez. O bebê é seu, irmão! E agora? Vai assumir a responsabilidade ou continuar com esse jogo cruel?
- Você parece determinado em esquecer quem Ágata é - impacientou-se Alexander.
- Não eu, meu irmão, mas você sim.
- Ela é uma MacFarlane! - ele esmurrou a mesa. - Este é o problema.
- É uma moça muito melhor do que a sua ascendência, que lutou para sobreviver a uma indiferença bestial e nada tem a ver com os crimes do tio. A única coisa decente que você pode fazer é se casar com ela!
Atônito, Alexander encarou Barry.
- Você parou de beber, mas acho que seu cérebro foi danificado. Está louco? Eu me casar com uma MacFarlane? Com a sobrinha e herdeira de Colin?
- Com uma mulher inocente que vai ter um filho seu.
- É! A falta de álcool tornou-o um molenga piedoso.
Antes que Barry pudesse dizer algo, Alexander saiu do salão. Não precisava do irmão mais novo fazendo sermões. Pegou a capa e foi atrás de Ágata. Reconhecia que ela não merecia sua atitude. O choque da notícia o abalara e se deixara levar pela raiva. Tinha certeza de que o bebê era seu filho.
Quando a viu andando pela muralha externa, apressou-se na direção dela. Ágata andava depressa, mas quando ele estava a alguns metros parou e voltou-se para encará-lo. Abaixou-se, pegou um punhado de cascalho e atirou. Usando a pesada capa como escudo, ele se aproximou.
- Fique longe de mim! - ordenou Ágata, dando um passo atrás. Pegou uma pedra e atirou. - Eu disse que não iria mais querer saber de você se não me tratasse com o mínimo de respeito. Hoje foi demais, então acabou. Deixe-me em paz, seu boca-mole, casca-grossa, seu saco de torpezas ludibriosas.
- Quer parar com isso? - Alexander parou para limpar um pouco de sangue onde a pedra batera em seu rosto. - Quero falar com você, pelo menos me ouça.
- Para quê? Para jogar mais lama em mim? Não quero! - Ela se abaixou para pegar mais pedras e ele deu um salto, segurando-a. - Seu bruto! Estou cansada dos seus insultos!
Com cuidado para não machucá-la, Alexander a deitou no chão e imobilizou-a com o próprio corpo.
- E eu estou cansado de levar pedradas. Agora tem que me ouvir.
- Não quero! - Ela sabia que não conseguiria, mas lutou para se soltar. - Seu malvado sem coração!
- Fique quieta! - exasperou-se ele. Ela se aquietou, mas fitou-o com os lábios pálidos, apertados. - Eu não devia ter dito o que disse. Foi uma acusação sem sentido.
- Se isso pretende ser um pedido de desculpas, é bem fraco.
- Você não pode dar uma notícia dessas para um homem e esperar que ele fique calmo.
- Essa desculpa é pior ainda. Saia de cima de mim, você é pesado.
Lembrando-se do estado dela, ele sentou-se a seu lado, pronto para agarrá-la se tentasse correr.
- Eu não devia ter dito o que disse, mas você poderia ter se controlado.
Ágata sentou-se, ajeitou o vestido e o cabelo com altivez.
- Você merecia muito mais do que fiz - resmungou. - Se eu fosse homem, iria lutar com você até a morte pelo insulto. Na verdade, o que tenho vontade de fazer agora é espetar você com a minha adaga.
Ele segurou-a pelos ombros e sacudiu-a:
- Será que pode pôr a ira de lado para conversarmos? Eu já admiti que disse uma besteira, que a notícia me pegou desprevenido. Sempre tomei cuidado para não engravidá-la.
- Menos naquela noite, na muralha, quando a luxúria anulou meu bom senso e a sua prudência... - Ele começou a rir e ela deu-lhe um tapa no braço. - Só um idiota pode achar graça nisso!
Alexander se conteve.
- Tem certeza que foi quando aconteceu?
- Nunca dá para ter certeza, mas sinto que a concepção foi naquela noite.
- Então devemos nos casar.
- Casar? Você acaba de me acusar de levantar a saia para qualquer um ao duvidar da paternidade de meu bebê. Agora quer se casar comigo? Perdeu o juízo, meu caro lorde.
Ela se levantou, ele também a olhou, atento. Havia admitido seu erro e isso bastava, sendo ela uma prisioneira em Rathmor. No entanto, sabia que ela merecia mais e desejava dar-lhe mais, porém não podia. Agora havia uma criança para lembrá-lo de quanto poderia se machucar por não ter se mantido longe dela. Não devia fraquejar.
- Meu juízo está muito bom, Ágata. Vamos casar assim que eu encontrar um padre. Você conhece melhor que ninguém o sofrimento de um bastardo. Meu filho tem sangue dos MacFarlane, mas juro que não carregará esse nome amaldiçoado.
Virou-se e saiu andando. Alexander não só deixara de pedir desculpas como também lhe atirara mais um insulto na cara com as últimas palavras. Ela fechou os olhos e respirou fundo várias vezes procurando se acalmar. Chegara a hora da verdade e zangar-se não iria ajudar. Tinha que ser fria, calculista e lógica.
A primeira coisa a levar em conta era que ia ser mãe de um filho de Alexander MacDubh. Ele não se aproximara dela, apesar de continuar ardentemente apaixonado. Talvez nunca se aproximasse. Talvez isso fosse impossível por ele ter sido muito marcado pelas provações do passado. Parecia que nem todo amor que tinha para dar a ele abrandaria sua alma. Apesar disso, ia se casar com ela. Para evitá-lo, Ágata só tinha duas alternativas: fugir e viver com um bastardo, o que seria um inferno, ou voltar para Leargan e casar-se com Donald, o que seria muito pior. Só lhe restava permanecer com Alexander, o homem que era capaz de fazê-la arder em chamas com um olhar ou congelar seu coração com uma única palavra.
Voltou para o castelo e procurou Alexander para dizer-lhe que se casaria com ele, mas não o encontrou. Dirigia-se à cocheira quando viu Angus. Apertou o passo e endireitou os ombros.
- Onde está Alexander?-perguntou, segurando na manga da túnica dele e forçando-o a parar.
- Ele saiu...
- Saiu de Rathmor? - A ira de Ágata se desvaneceu diante dos perigos que poderiam ameaçar Alexander fora da muralha. - Isso é seguro? E se encontrar meus parentes ou outros inimigos?
Sem jeito, Angus cocou o queixo escuro pela barba crescida.
- Não adiantou nada eu falar. Ele foi ao cemitério, aquele que fica junto da igreja, fora de Rathmor.
- Sim, eu sei. Foi ao túmulo de Elizabeth.
Ela suspirou, arrependida por ter brigado com um homem que carregava o enorme peso de um fantasma pequenino.
- Ele lhe falou sobre a filha? - surpreendeu-se Angus.
- Não. Barry é que me contou que ela morreu na mesma ocasião que a segunda esposa dele.
- Foi sim. Aquela mulher demoníaca matou a pequena Elizabeth.
- Ela matou uma criança?
Ágata deu-se conta que aquilo sempre estivera subentendido, mas achava difícil de acreditar.
- A segunda senhora de Rathmor era morada do demônio e naquele dia ele a dominou. Não tivemos como detê-la. Pôs a menina na garupa de um garanhão ainda meio selvagem e cavalgou para fora das muralhas, pelos campos, brejos e pelos rochedos onde achamos aqueles cachorrinhos algumas semanas atrás.
- Minha Santa Maria, não me diga que morreram no Ponto dos Pagãos!
-Não, mas foi perto dali. Saímos atrás e não conseguíamos alcançá-las. A senhora MacDubh açoitava o garanhão que corria enlouquecido. Às vezes ouvíamos o choro da pobre pequena e as risadas da senhora. Sabíamos como aquela insana caçada iria acabar, porém tentávamos mudar o destino. Não houve como. Quando Alexander conseguiu se aproximar, a mulher riu e chicoteou ainda mais o animal. Caíram no precipício, com a louca ainda rindo. Mesmo que a queda não as matasse, as águas fundas nas quais caíram o faria. Nunca encontramos o garanhão.
- É uma coisa terrível demais para se acreditar. Você não me contaria uma história dessas só para acalmar minha raiva por Alexander, não?
- Não, senhora! - Angus sentiu-se ultrajado. - É uma história que nasceu da loucura.
- Sim, eu não quis ofendê-lo. É doloroso pensar que Alexander teve que enfrentar essa tragédia. Quando aconteceu?
- Hoje faz dois anos. Foi num dia claro como este, porém amargo.
- E escolhi este dia para dar-lhe a notícia - ela balançou a cabeça, triste.
- Não faz diferença o dia em que esse tipo de notícia chega - comentou Angus, revelando que a gravidez dela não era segredo. - Alexander não quer filhos por medo de perdê-los, mas acho que já aprendeu que não pode seguir em frente sem ter sua semente ganhando raiz.
- Pode ser. Diga-me onde fica o cemitério.
- Fora das muralhas e não é permitido que saia daqui, senhora. Poderia tentar fugir.
- Angus, sou uma MacFarlane que vai ter um filho com o sangue dos MacDubh. Acha que quero voltar para os meus parentes?
Ela sustentou, imperturbável, o olhar do homem por um minuto e ele decidiu:
- Não, claro que não. Seu destino está selado conosco.
- De modo irreversível.
- Saia por este portão e siga a trilha que passa pelo bosque. Vai chegar a uma capela de pedra e o túmulo da pequena fica no jardim atrás dela.
- Acha que é seguro, Alexander, andar por lá?
- Eu já disse que não havia como impedi-lo. - Angus sacudiu os ombros. - Sabemos que seus parentes estão nos vigiando e que oferecem dinheiro a quem entregar a senhora ou o lorde. Mandei alguns homens atrás dele e ordenei-lhes que o protegessem, mas ficassem fora de vista.
- E esses homens não vão me trazer de volta? Eles não sabem que você permitiu minha saída.
- Se for direto para junto do lorde, eles não farão nada.
A cada passo que dava em direção ao cemitério, Ágata questionava a sensatez do que fazia. Alexander poderia se enfurecer com sua intromissão em um momento tão íntimo. Mas não vacilou: o instinto lhe dizia para seguir em frente. Rezou para que o instinto lhe indicasse o que fazer quando chegasse lá.
Quando o avistou, seu coração apertou-se dolorosamente e soube que podia enfrentar mais frieza e mais insultos se isso diminuísse o sofrimento dele. Alexander estava ajoelhado diante de uma pequena lápide e havia ramos secos de alfazema sobre a grama marrom. Suas mãos se entrelaçavam sobre o joelho; tinha a cabeça baixa e o vento frio agitava os cabelos dourados. Quando ela chegou perto, ele olhou-a e, ágil, se pôs em pé. A princípio seu olhar não foi de boas-vindas, depois se suavizou.
- Deixaram que você saísse de Rathmor - quis saber - e ninguém a acompanhou?
- Sim. Para onde eu iria? Para Donald, que descontaria sua fúria em mim? Ou para meu tio, que me diria que o cobri de vergonha?
- Quer dizer que nunca tentará ir embora?
- Eu nada ganharia com isso.
Ela olhou para a lápide de pedra que tinha gravados alguns ramos de alfazema e o nome Elizabeth sob o qual se lia: "A amada filha de Alexander: um pequeno anjo cuja memória viverá para sempre no coração do seu pai".
- Sua filha...
- É. Ouviu sobre ela?
- Não foi preciso habilidade ou astúcia. Não é segredo.
- Não... - ele empurrou um ramo de alfazema com o pé. - Ela adorava o cheiro da alfazema.
- E esta é das boas, seu perfume não é muito forte nem muito doce. - Ágata procurou o que dizer. Por fim, sem desviar os olhos dos dele, disse, baixinho: - Não pretendo pôr outra criança no lugar dela.
- Nem conseguiria.
- Eu sei.
- Sabe? Alguém pode saber o que é enterrar uma filha se nunca perdeu uma?
- Não, provavelmente não. - Ela colocou as mãos sobre o ventre. - E, se isso agradar a Deus, espero nunca saber.
Alexander olhou para as mãos dela, depois colocou a sua por cima. Seus olhares se encontraram. Por um breve e intenso momento, Ágata soube que eles estavam de acordo, como se houvessem encontrado um caminho comum. Pela primeira vez sentiu uma esperança verdadeira.
E rezou para não estar enganada.
Por que não podemos ir? O Jaime vai. - insistiu Manus e Rath confirmou com a cabeça.
- Vamos nos comportar! - Sibeal prometeu.
- Tenho certeza que sim, mas devem ficar aqui - determinou Alexander enquanto ajudava Ágata a montar.
Ela olhou para as crianças. Queriam sair um pouco de Rathmor e adoraria fazer-lhes a vontade, mas sabia que deveriam ficar. Duvidava até se eles deveriam ir, mas Alexander queria que um padre os casasse. No dia em que ela contara da gravidez ele enviara homens para todo lado à procura. Depois de quase uma semana haviam localizado um padre, mas ele quebrara um pé e não podia ir a Rathmor. Ágata tinha mau pressentimento daquela viagem, mas Alexander não queria ouvi-la.
- Tia, a gente quer tanto ir! - implorou Sibeal.
- Não podem, querida. Não se esqueça de que há pessoas querendo tirar vocês do seu pai. - Sorriu para Barry, que estava com os filhos. - Quando o perigo passar, vocês vão poder sair.
A menina deu a mão para o pai e olhou para a tia:
- Cuidado com os frangos.
- Como querida? - perguntou Ágata, intrigada.
- Tenha cuidado com os frangos.
- Sim, terei. - Ágata olhou para Alexander. - Vamos? As pessoas reunidas ao redor deles olhavam curiosas para Sibeal e Ágata não fez perguntas para não chamar atenção sobre o dom incomum e ela continuou preocupada depois de saírem de Rathmor. A pequena quisera avisá-la de algum perigo. Ficaria atenta, pois as premonições da sobrinha às vezes eram sobre coisas insignificantes, outras eram sobre coisas sérias e de conseqüências desastrosas.
O grupo que teria de percorrer quase dez quilômetros até a pequena vila onde o padre estava era formado por ela, Alexander, Jaime, Angus e mais três guerreiros. Eram poucos para não chamar atenção e permitir boa mobilidade se tivessem que voltar rápido para a segurança de Rathmor. Seria mais fácil sete pessoas fugirem e se esconderem do que vinte. E Rathmor, com as crianças, também precisava ficar protegida. Ágata começava a achar que deveria ter convencido Alexander a esperar que o padre pudesse ir até lá.
Alexander cavalgava a seu lado e comentou:
- Você parece preocupada.
- Nós temos inimigos.
- Eu tenho inimigos. Você tem seus parentes e seu noivo.
- Que agiriam muito pior do que inimigos se me pegassem e soubessem que espero um filho seu.
- Foi por isso que escolheu casar comigo?
- Ah, sim! Diante das opções incríveis que me foram dadas... - Ela o encarou como que desafiando que negasse o que dizia. - Pelo menos você não vai descontar a fúria em uma criança, apesar da sua capacidade de punir quem não é culpado.
- Você não é culpada?
- Sou? O que há de errado além de ter eu nascido MacFarlane? E desafio você a me mostrar a minha culpa nisso.
Ela sabia que Alexander ignoraria seu desafio como fizera com outros, mas gostava de ver o rápido brilho de bom humor que surgia nos olhos dele naqueles momentos.
- O que Sibeal quis dizer com aquela história de frangos? Ela tem medo de frangos?
- Não. Estava me avisando.
- Sobre frangos?
Ágata preferia falar em outra coisa. Não se sentia confortável com a premonição da menina e com certeza ele também não. Iria questionar e ela iria defender a habilidade de Sibeal, o que incomodaria Alexander.
- Sim, sobre frangos.
- O que ela acha que frangos poderiam fazer a você?
- Nada. - Ágata procurou se manter calma. - Vai haver algo relacionado com frangos e uma ameaça. Pode ser que eu os veja, ouça falar deles... pode ser algo que alguém mencione ou talvez o perigo chegue quando eu estiver comendo frango.
- Então você deve ficar alerta toda vez que ouvir, ver, cheirar e mesmo saborear frango?
Ela ignorou o sarcasmo.
- É. Preciso prestar atenção em tudo que tenha conexão com frangos.
- Como daqui até Londres todo arrendatário, por mais pobre que seja, tem pelo menos um frango, esse aviso me parece pouco útil.
- Sibeal tem só cinco anos. Ainda não sabe se explicar e não pude pedir detalhes. Não queria falar daquilo na frente de tanta gente.
- Tolice! Rathmor inteira já sabe! - irritou-se Alexander. Era o que Ágata temia. Procurou acalmá-lo.
- Por isso mesmo precisamos tomar cuidado e esconder quando ela tiver visões. Vão esquecer logo.
- Acredita mesmo nisso? - duvidou ele.
- Pelo menos, espero que seja assim. Seria o melhor e mais seguro para Sibeal.
- Então é bom que você pare de dar ouvidos às fantasias dela, agindo como se fossem reais.
Ela suspirou. Procurava ter paciência com Alexander, mas estava chegando no limite. Bem que ele podia ouvir a pequena, observar o que acontecia e depois tirar conclusões, em vez de se limitar a afirmar que aquilo era um absurdo.
- Você vive provocando essa discussão, mas não quero discutir, Alexander. Sibeal é o que é e não sei explicar o que acontece.
- Você não pode exigir que um homem aja com sensatez diante dessa "coisa" e que tome cuidado com frangos!
- Ela vai aprender a explicar o que vê e será mais exata nos avisos.
- Ela vai é ser assassinada, isso sim!
Havia tanta intensidade naquelas palavras que Ágata ficou perplexa. Sentia o desconforto de Alexander como sentira o medo que o invadira ao saber da capacidade de Sibeal. Temia pela pequena porque sabia que ela poderia ser acusada de feitiçaria e o que podia lhe acontecer.
- Temos que ensinar a Sibeal tudo que é preciso para que isso não aconteça... - Ágata disse. - Pode ser que ela não tenha visões, que apenas veja e ouça sinais que passam despercebidos por nós. O fato é que ela nunca errou, até agora, em prever um perigo e perceber a verdadeira natureza das pessoas.
Alexander assentiu. Podia aceitar que sua sobrinha pudesse ter aptidão para perceber sinais e interpretar estranhos pedaços de informação. Isso era mais fácil e menos perigoso do que acreditar que ela tinha visões e premonições. Com um sobressalto, percebeu que acabara de arrumar um jeito para acreditar no que a menina dizia.
- Então acha que precisamos ter mais cuidado, Ágata?
- Só há um jeito para isso: voltar a Rathmor.
- Não. Vamos até o padre.
Ágata amaldiçoou a teimosia dele. Se ele estivesse agindo por amor, entenderia, mas era por dever e honra. E era bom que um homem fosse honrado e cumpridor dos deveres. Só queria que essas qualidades não estivessem embaraçadas com o seu casamento.
Já pensara em não se casar. Queria tão pouco! Algum afeto, carinho e percebera lampejos destes sentimentos em Alexander. Mas suas próprias emoções estavam tão confusas que não tinha certeza de mais nada e o bom senso lhe dizia que precisava de um marido. Por pior que fosse, o lorde de Rathmor nunca iria espancá-la e seria um bom pai.
- Alexander? - Quando ele se voltou, ela tomou fôlego e perguntou: - Depois que tivermos jurado fidelidade diante do padre eu me tornarei uma MacDubh. Isso bastará para você parar de me culpar por ser uma MacFarlane?
- Você sempre terá o sangue dos MacFarlane.
Ele galopou até se colocar diante do pequeno grupo e Ágata mordeu os lábios. Aquele homem parecia ter um prazer perverso em atormentá-la. Procurou esconder a dor. Ele não respondera o que ela perguntara, apenas citara um fato. Não dissera que ela iria pagar pelos crimes cometidos por homens com seu sangue, apenas que era parente deles. Zangada, teve que se conter para não ir se colocar ao lado dele e repetir a pergunta até ter uma resposta de fato.
Resolveu que dali por diante prestaria mais atenção no que Alexander dizia em vez de achar logo que era um insulto. Desconfiava que descobrira outra manobra dele para mantê-la a uma distância segura.
Quando Alexander e Angus voltaram para o local nos arredores da pequena vila onde deixara o restante do grupo esperando, Ágata perguntou:
- Bom? Onde está o padre?
- Na taverna.
- Na taverna? Que lugar estranho para um padre esperar por um casamento, quando há uma linda igrejinha disponível.
E ela indicou a capela pouco distante deles.
- É que ele se machucou na taverna, nesta madrugada. Ia saindo quando caiu e quebrou o pé
- Ah não, não! Quer dizer que esse padre bebe? Alexander fez uma careta:
- Bebe? Ele nada em cerveja. Mas está sóbrio o suficiente para abençoar nossos votos.
Foi nesse momento que Ágata notou que um homem que havia ido com eles não voltara.
- Onde está Ian, o Ruivo? Algum problema na vila?
- Não, ele ficou ajudando o padre MacNab a ficar mais sóbrio. Vamos, não fique nervosa.
- É que tenho um mau pressentimento, Alexander. Ágata olhava para um grupo de galinhas ciscando no terreno diante da igrejinha e, ao seguir-lhe o olhar, ele soltou uma imprecação.
- Achei que você era inteligente demais para se impressionar com os pesadelos de uma menininha. Mas eles a tornaram covarde.
Alexander queria que Ágata reagisse, mas também não gostava de estar fora de Rathmor.
- Cuidado não é covardia! - Ela açoitou o cavalo e disparou para a vila. - Vamos ao encontro desse homem de Deus ensopado de cerveja.
Malcolm MacCordy gemeu ao arrastar o homem dos MacDubh, desmaiado, para um quarto nos fundos da taverna. Largou o grandão de cabelo vermelho ao lado do padre inconsciente. Sentia-se rebaixado por desempenhar tarefas de criados, mas conseguira uma grande vantagem: haveria menos mortes. Donald ou os outros já teriam cortado a garganta dos dois. Malcolm se satisfazia com amarrá-los para que ficassem quietos.
- Rápido com isso, Malcolm! - Donald entrou no quarto e olhou os dois homens amarrados juntos. - Só consegue mais trabalho com esses seus atos de misericórdia.
- Não quero o sangue de um padre nas minhas mãos. Malcolm vestiu a batina que tirara do padre bêbado.
- Não sabia que você era religioso.
- Não sou, mas não vejo vantagem em correr o risco de ser excomungado ou pior. Os homens se posicionaram como planejamos?
- Sim. A armadilha está pronta. Só falta você ir para o seu lugar.
Ao colocar o capelo na cabeça, Malcolm pensou em que tudo corria como haviam planejado. O espião aliciado dentro de Rathmor tinha valido cada moeda paga. Tinham trabalhado duro desde o seqüestro de Ágata e as crianças e iam ser recompensados. Ele deveria estar alegre como seus parentes, mas não estava. Estava fazendo o que eles tinham ordenado, mas iria rezar para a armadilha falhar e que pouco sangue fosse derramado.
Iria rezar também pela pequena Ágata. O melhor para ela seria fugir, o pior seria ela terminar nas mãos de Donald MacCordy. Se Donald fizesse a metade do que prometia, seria terrível para a moça. Pelo que ouvira, o lorde de Rathmor tornara-se um homem frio e cínico, mas Ágata não sofrerá violências. Não seria assim com Donald. Ele descontaria toda sua fúria na noiva.
Sentou-se num canto escuro da taverna e enfaixou o pé para ficar como o padre. Assim que apoiou o pé enfaixado num banquinho, anunciaram a chegada do MacDubh com Ágata. O modo como seus parentes se esconderam fez com que pensasse em vermes procurando as sombras depois de expostos abruptamente à luz. Ajeitou o capelo de modo a cobrir boa parte do rosto e jurou a si mesmo que se afastaria dos parentes antes de ficar com as mãos manchadas de sangue. Tomou um longo gole de cerveja a fim de se preparar para o encontro com MacDubh e Ágata.
Quando chegaram diante da taverna, Ágata não gostou: era muito baixa e o teto estava quase em ruínas. Também não gostou do nome na tabuleta e ia comentar isso com Alexander quando ele a ajudou a desmontar. Ao ver tensão nos olhos azuis, achou melhor não comentar o fato de a taverna se chamar "Galinha Vermelha" e nem a quantidade de frangos que ciscavam na rua esburacada. Para entrar tiveram que espantar uma galinha gorda da frente da porta. Aí ela não resistiu mais.
- Por aqui há frangos demais, Alexander - murmurou acompanhando-o pela porta baixa. - Tem certeza que é um lugar seguro?
- Não se deixe levar por superstições, Ágata! - Alexander estava mais exasperado consigo do que com ela, pois não se sentia à vontade. - Lá está o nosso padre. Angus, vigie a porta.
- Certo, mas fique atento, senhor. Não estou gostando...
- O guerreiro olhou desconfiado para o padre. - Onde está o Ian Ruivo?
-Provavelmente lá fora se aliviando. Seremos rápidos, Angus. Não quero demorar aqui.
Acompanhados por Jaime e outro homem, dirigiram-se ao padre. Ágata achou estranho o padre estar como que escondido nas sombras e um frango assado, meio devorado, sobre a mesa dele. Um sinal ela poderia ignorar, mas eles se acumulavam de tal forma que tinha impulso de voltar correndo para Rathmor. A mão de Alexander apertou mais a dela e Ágata imaginou se ele também percebera.
- Espero que esteja sóbrio, padre MacNab - ele disse. - Não queremos atrasos no serviço..
- Seremos breves. - Malcolm ergueu a mão para Ágata.
- Venha mais perto, minha filha, deixe-me vê-la.
- Não temos tempo para detalhes - protestou Alexander, mas soltou Ágata para que se aproximasse do padre.
- Paciência, meu filho.
Ao dar a mão ao padre, Ágata sentiu que algo estava errado. Abafou um grito, tentou libertar a mão, porém era tarde. O padre puxou-a fazendo-a cair no seu colo e passou um braço no peito dela, prendendo-lhe os braços. Aquele homem era forte demais para um padre bêbado. Quando sentiu o frio do aço tocar-lhe o pescoço, ela fitou-o e seu coração gelou.
- Malcolm - murmurou. - Não!
- Sim, minha cara. - Ele olhou para MacDubh, Jaime e o soldado. - Quietos aí, rapazes. Ela tem o pescoço delicado e a pele macia. Seria muito fácil cortar-lhe a garganta.
A sala ficou repleta de homens dos MacCordy. Ágata gelou ao ver Donald, Duncan e William. Gritou quando Donald matou com violento golpe de espada o soldado de MacDubh que tentou defender o chefe. Foram cercados por muitas espadas e foi impossível reagir. Ágata viu Angus caído junto da porta e sentiu um arrepio. Não havia ninguém para ir avisar Barry.
- Então a minha noiva voltou para mim! - Donald segurou-a por um pulso e arrancou-a do colo de Malcolm. - É uma vergonha que não tenha voltado como foi - acrescentou com voz amigável antes de esbofetear o rosto dela com o dorso da mão.
- Não! - Jaime gritou. - Solte-a, você vai machucar o bebê!
Meia dúzia de homens saltou sobre Jaime para imobilizá-lo, enquanto outros seguravam Alexander. Ele estava pálido, seus olhos pareciam lançar chamas azuis e fitavam Donald com uma fúria que fez Ágata tremer. Olhou para Donald e viu a mesma expressão de raiva. Gritou quando Donald, que ainda a segurava, foi até Jaime e encostou o punhal na garganta do gigante.
- O que você disse, seu tolo desmiolado?
- Que Ágata MacFarlane vai ter meu filho - Alexander respondeu antes de Jaime.
Donald rosnou e teria cravado o punhal no peito dele se Duncan não segurasse seu pulso. Ágata sentiu as pernas amolecerem. Achou que iria assistir ao assassinato de Alexander. Mas Donald se voltou para ela ainda com o punhal na mão. Tentou recuar, não havia espaço. De repente, Malcolm libertou-a da mão de Donald e colocou-se entre ela e o noivo desvairado.
- Não toque na moça de novo! - Malcolm brandiu seu punhal, preparando-se para lutar com o primo.
Donald exasperou-se com a súbita rebeldia.
- Ousa ficar entre mim e essa prostituta?
- Sim, como ficaria entre você e qualquer outra mulher grávida que quisesse ferir. É um crime do qual nunca participaria.
Duncan agarrou o filho pelo braço e puxou-o para longe de Malcolm.
- Machucar a moça não vai ser bom para nós. Não queremos que pensem que tentamos matá-la.
- Quero tirar a semente do MacDubh do útero dela - a voz de Donald era como um rosnado frio.
- Oh, Virgem Maria! - Ágata protegeu o ventre com as mãos. Alexander - chamou.
- Alexander não pode ajudá-la, Ágata. - Malcolm fitou-a por um instante, depois voltou a vigiar seus parentes, inclusive William, que estava confuso. - Logo ele estará morto, moça, e nós dois sabemos disso. Enquanto for possível ficarei entre eles e você.
- Por quê?
Ela tentava não pensar no destino de Alexander, mas sim no seu filho, que tinha alguma chance de salvar, e Malcolm era sua única chance.
- Tenho servido meus parentes em várias ocasiões. Preciso deles para sobreviver, mas isso não me fará erguer a mão contra uma mulher, muito menos uma grávida. Nunca fui forçado a uma decisão como esta, mas vou tentar manter seu imenso guardião vivo e ele a defenderá quando eu não puder.
- Posso confiar em você?
Ágata gostaria de fitar os olhos de Malcolm, mas ele não os desviava dos parentes.
- Que escolha você tem? - Ele deu de ombros. - Não importa, farei o que devo fazer mesmo sem sua confiança.
Ágata assentiu e achou que era melhor ficar quieta. Não queria chamar mais atenção. Isso não a ajudaria a proteger a si e ao filho. Olhou para Alexander tentando compreender o que ele pensava. Estava pálido e sem qualquer expressão no rosto bonito.
Todos os músculos do lorde de Rathmor estavam tensos, tal a força que fazia para se livrar dos homens que o continham. Queria pôr as mãos em Donald. Pela primeira vez desde o crime do clã dos MacCordy ele não pensava no assassinato de seu pai ou no roubo de Leargan. Queria matar Donald porque insultara e batera em Ágata. Estava agradecido a Malcolm MacCordy por protegê-la, mas não compreendia por que ele arriscara o que iria ganhar pela emboscada. Achava que Ágata deveria usar toda a ajuda que pudesse obter, sem se importar de quem vinha, porém lhe doía por essa ajuda vir de Malcolm. Aquele era um péssimo momento para ter ciúme, mas era o que sentia vendo o homem moreno e bonito onde ele deveria estar: entre Ágata e o perigo.
- Você não pôde deixar minha mulher em paz? - gritou Donald para Alexander. - O porco do seu irmão fez a mesma coisa com Mairi!
- Só que eu o fiz com mais inteligência - respondeu Alexander e abafou um gemido quando Donald deu-lhe um murro na cabeça.
Ágata emitiu um leve grito e gritou mais alto quando Alexander foi agredido mais duas vezes. Malcolm a impedia de se atirar contra Donald, o que a colocaria ao alcance da fúria dele. E ela fechou os olhos para não ver o prisioneiro ser espancado até perder a consciência. Quando teve coragem de abri-los, foi para ver Donald dar um último chute no homem caído e virar-se para Jaime que, enfurecido, estava firmemente contido.
- Não toque nele! - ela gritou. Sabia que não devia chamar a atenção, mas não se conteve. - Jaime não fará nada enquanto eu for sua prisioneira, Donald. Ele pode jurar por isso.
- Sim - Malcolm concordou. - Faça-o jurar. Não queremos parecer mais covardes que os MacDubh.
- O que quer dizer com isso, primo? - indagou Donald.
- É evidente que os MacDubh mantinham esse bruto solto, mas desarmado. Se não podemos fazer o mesmo... - deu de ombros, sugerindo uma covardia que foi compreendida por todos.
- Posso fazer qualquer coisa que um MacDubh fedido tenha feito e melhor ainda! - Donald rugiu.
Quando Jaime prometeu que seria pacífico, Ágata respirou melhor. Sentiu-se culpada por livrar Jaime enquanto Alexander jazia no chão sangrando, mas afastou esse pensamento. Nada poderia fazer por Alexander, um inimigo dos MacCordy, mas Jaime era considerado quase seu escravo e podia interferir por ele.
Fizeram Jaime pôr Alexander num ombro e saíram da taverna. Um dos homens dos MacCordy chutou o corpo de Angus que obstruía a porta. Quando Ágata saiu com Malcolm, olhou para Angus e sufocou um grito quando o viu piscar para ela. Foi o que lhe deu esperança para ser corajosa durante o trajeto até Leargan.
Ágata gemeu ao sentar-se e se perguntou por que seu corpo todo doía tanto. Então a memória invadiu as névoas letárgicas do sono: estava de volta a Leargan. Na sela de Malcolm, à frente dele, a única coisa que pôde fazer foi segurar-se enquanto galopavam para a segurança da fortaleza dos MacFarlane. O medo pelo seu filho crescia a cada quilômetro, mas ela não reclamou quando Malcolm a levou para seu antigo quarto. Precisava descansar e não deixaria o medo, a brutalidade e a intimidação prejudicarem seu bebê. Se para isso precisasse endurecer o coração, o faria.
Bateram com força à porta e Jaime entrou com uma bandeja que continha pão, queijo e sidra. Donald decidira que o grandão não era uma ameaça e permitira que a servisse. Ele colocou a bandeja no colo dela e sentou-se na beira da cama. Ágata começou a comer devagar.
- Estamos com um grande problema, não, Jaime?
- É... - Ele abaixou os olhos para suas enormes mãos. - Vão matar lorde MacDubh.
Ela perdeu o apetite, mas se forçou a comer por causa do bebê.
- Quando?
- Hoje. Temos que assistir ao enforcamento.
- Vão enforcá-lo já? Sem negociações?
- É. E não deixarão que morra fácil.
- Enforcamento não é um jeito fácil de morrer.
- Verdade, mas vai haver um açoite antes. Donald disse que o MacDubh vai deixar de ser bonito.
Ágata livrou-se da bandeja e deixou-se cair sobre o travesseiro. Iam obrigá-la a assistir ao sofrimento de Alexander, como parte do seu castigo.
- Jaime, vai ser uma tortura para mim! Sentirei cada chibatada.
- Sim, porque o ama.
- É... - suspirou ela. - Acho que sim.
- Acha?
- Bem, não penso muito nisso. Alexander quis me usar contra Donald que pretende usá-lo contra mim. Tentei evitar a dor que isso tudo vai me causar, porém falhei. Agora tenho medo de não conseguir proteger meu filho.
Jaime balançou a cabeça e colocou a bandeja e colocando-a numa mesa ao lado da cama.
- É uma mulher forte, ama. MacDubh também e seu filho será forte. Vocês sobreviverão.
- Seria melhor se todos nós sobrevivêssemos.
- Não se pode querer tudo. Temos que pensar no seu filho.
- Tem razão, meu amigo. Preciso mesmo ir, não é?
- Sim. - Ele foi até a janela e olhou as muralhas de Leargan. - Virão buscá-la se demorarmos.
- Então é melhor que eu vá por meus próprios meios, com dignidade.
Um dos vestidos que Ágata deixara em Leargan achava-se limpo e dobrado no pé de sua cama. Rápida, ela se vestiu. Precisava de trajes de viúva em luto, porém Donald jamais permitiria isso. Teria que ir com aquele vestido azul e marrom, mesmo. Tentaria não demonstrar emoção alguma, para que ele não se divertisse com seu sofrimento. Mas encontraria um meio de mostrar a Alexander que não desejara o que ia acontecer com ele.
- Vamos logo - murmurou, tentando sorrir, quando Jaime se voltou para ela -, assim eles não poderão me arrastar até lá, como gostariam.
Uma serva trouxe a capa e Jaime ajudou-a a vesti-la, em seguida ofereceu o braço para que Ágata se apoiasse e saíram. O frio do inverno atingiu-a em cheio quando passaram pelo portão da muralha. Havia um aglomerado de gente numa pequena colina perto de Leargan.
O modo como a olhavam enquanto se aproximava tornou-a consciente de que seria difícil esconder o medo e a dor com tanta gente observando-a.
Cambaleou ao ver Alexander, mas o apoio firme de Jaime a amparou. Apesar do frio, ele estava quase nu, amarrado entre dois postes pelos tornozelos e os pulsos, com os braços abertos como uma águia em vôo.
Colin, o tio dela, achava-se ao lado dos MacCordy, mas ela notou que ele perdera o poder, que agora os MacCordy é que mandavam em Leargan. E eles jamais permitiriam que outro herdeiro permanecesse vivo. Com uma cegueira fatal, Colin MacFarlane escolhera para aliado um astuto traiçoeiro.
- Creio que não há possibilidade de resgate - disse a Jaime.
- Temo que não. Por isso eles se sentem confiantes para fazer a execução fora das muralhas. - O gigante meneou a cabeça. - Lorde Barry só deve ter se preocupado com o nosso atraso um bom-tempo depois e mandado alguém à vila ver o que aconteceu.
- Acho que ele foi avisado assim que saímos da taverna. Angus está vivo, Jaime.
-- Não, eu o vi cair sangrando.
- Sim, mas ele piscou para mim. Talvez tenha conseguido chegar a Rathmor. E Malcolm me disse que o Ian Ruivo só estava inconsciente.
Jaime pensou um pouco e abaixou a voz porque se aproximavam dos MacCordy.
-- Se for assim, eles podem ter ido para Rathmor.
- E é possível que venham.
- Pode ser. Mas não tenha muita esperança, ama.
Donald olhou para ela, indicou que ficasse ao lado de Malcolm e Ágata fez que sim. Imaginou que aquela era uma forma de seu noivo controlar a própria fúria: ela ficava fora do seu alcance e o primo deveria ter ordens para refreá-lo caso fosse preciso.
- É necessária tanta crueldade? - ela perguntou a Malcolm olhando para o rosto de Alexander desfigurado pelo espancamento.
- E assim que Donald lida com as coisas que teme, tentando diminuí-las, inclusive as pessoas.
- Ele teme Alexander? - surpreendeu-se ela.
- Sim, sempre temeu. E sempre o odiou a beleza e jeito que ele tem com as mulheres.
- Inveja...
- É, inveja da beleza do seu amante que Donald pretende extinguir com a morte.
- E você é covarde a ponto de permitir isso? - atacou Ágata, mesmo sabendo que era insensato insultar o homem que a protegia.
- Fala como se eu tivesse terras e ditasse as regras. Só tenho o que meus parentes me dão e já arrisquei muito ao protegê-la.
- Agradeço por isso, mas é claro que a honra o obriga a impedir esse ato de pura crueldade, sem vitória e nem orgulho.
- Não tenho poder para tanto. E seria sábio da sua parte acalmar sua língua se não quiser chamar a atenção de Donald.
Ágata se envolveu mais na capa. Era final de novembro e se não escapasse logo, a gravidez adiantada a impediria de fugir. Se tivesse que dar à luz em Leargan, ela e o filho correriam grande perigo.
Viu que Alexander a fitava. Mesmo inchados e feridos, os olhos dele expressavam desconfiança. O peito dela se apertou: ele já deveria conhecê-la o bastante para saber que jamais aprovaria tal brutalidade. Os olhos dele se apertaram e Ágata soube que Alexander percebera o quanto ela sofria.
Donald se aproximou do condenado e acusou-o:
- Mais uma vez um MacDubh manchou a honra do clã MacCordy.
- Que honra? - ironizou Alexander. - Não se pode manchar o que não existe. Os MacCordy é que mancham a palavra honra quando a pronunciam.
A dor do soco de Donald no rosto de Alexander foi suficiente para penetrar a dormência causada pelo frio.
- Esse insulto não muda o crime que você vai pagar. Roubou minha noiva e a castidade dela.
- Não. - Alexander olhou para Ágata. - Eu dormi com a minha mulher. Ágata MacFarlane é minha esposa aos olhos de Deus.
- Meu Jesus! Ele é um diabo esperto - murmurou Malcolm. Ágata compreendeu que Alexander estava declarando um compromisso de casamento para que seu filho não fosse um bastardo se ele morresse. Com rapidez, ela evitou o movimento de Malcolm para agarrá-la e tapar-lhe a boca. E, usando o tamanho de Jaime para impedir o avanço de Donald, declarou:
- É Alexander MacDubh, o lorde de Rathmor, é meu marido aos olhos de Deus.
Donald conseguiu arranhar o rosto de Ágata, porém Malcolm e Jaime a protegeram do pior. Não era o casamento ideal, no entanto mais de vinte pessoas tinham ouvido os votos e isso seria alguma proteção à criança, se Donald permitisse que ela sobrevivesse.
- Com isto você acaba de assegurar a morte dele - gritou Donald - e logo será uma viúva!
- Oh, não Donald - reagiu Ágata. - Você não vai pôr essa culpa em mim. Há anos quer a morte de Alexander.
- Sim e vou ter mais prazer ainda em matá-lo porque você vai me ajudar.
- Não, não!
Ela procurou escapar, mas Donald a segurou com firmeza pelos pulsos. Com cautela, Malcolm e Jaime tentaram deter Donald, mas não conseguiram.
- Sim, sim, minha pequena prostituta! Você vai chicotear este homem como eu quero ou será chicoteada antes dele.
- Faça o que ele manda, Ágata - ordenou Alexander. Ela olhou-o, horrorizada.
- Você quer que eu entre neste jogo insano?
- Você sempre fez parte dele. Agora temos que nos lembrar do nosso filho. Tem que ser calma e obediente, Ágata, e fazer tudo para que ele não a machuque.
Um grito de horror e revolta escapou-lhe dos lábios quando Donald pressionou o chicote na mão dela.
- Não posso!
- Mas vai fazer, Ágata. - Donald forçou-a a se posicionar às costas largas de Alexander. - Lembre-se do Jaime.
- O que tem Jaime?
- Lembre-se, ele está vivo apenas como um favor...
- Quer dizer que, se eu não participar dos seus pecados, vai matar um inocente?
Ela mordeu os lábios quando Donald lhe apertou violentamente o braço.
- Você sempre foi inteligente! Agora, açoite-o. - Ele deu um passo atrás. - O que está esperando?
- Não sei como usar isto.
Donald ordenou aos guardas ao lado de Alexander que a ensinassem. Lágrimas desceram pelo rosto dela quando Alexander levou a primeira chicotada. Depois de mais duas, Ágata disse que aprendera. Suas mãos tremiam quando pegou o chicote.
A primeira chicotada foi fraca e mal tocou no prisioneiro. Aos gritos, Donald empunhou a espada, encostou-a no pescoço de Jaime e olhou para ela. Não foram necessárias palavras. A segunda tentativa de Ágata foi mais eficiente e ela soluçou ao ver um risco sangrento aparecer na pele do marido.
Açoitou-o mais cinco vezes. O corpo de Alexander contraía-se, mas ele não emitia som algum. Ela tremia incontrolavelmente e sentia náuseas. Quando se preparava para a sexta chicotada, o chicote foi arrancado de sua mão, jogado longe e mãos masculinas a seguraram com firmeza. Demorou um pouco para ela perceber que era Malcolm. Olhou rápido para Alexander e viu-o observando a cena com frieza. Então se voltou para Donald, que tinha o rosto arroxeado de fúria.
- Como ficou corajoso, primo! - ele vociferou.
- Apenas cuido dos seus interesses quando você está cego de raiva - Malcolm respondeu, calmo, e não fez menção de pegar sua espada ou o punhal.
- Isto faz parte do castigo. Que direito você tem de interferir na disciplina da minha mulher?
- O direito de mantê-la viva.
- Isso não irá matá-la.
- Não? Ela treme como geléia de porco e está ficando acinzentada. Temo que perca a criança.
- Ótimo - Donald olhou para o ventre de Ágata, com ódio.
- Ótimo? Então quer que ela não possa mais ter filhos ou que morra? Esse jogo é arriscado até vocês se casarem e não podem se casar enquanto o marido dela estiver vivo.
- Esse "mulherzinha" não é marido dela! - Donald gritou.
- Você é que sabe...
- E que absurdo é esse de Ágata ficar estéril ou morrer?
- Malcolm está certo - interveio Duncan, pondo a mão no braço do filho. - O aborto pode ser pior do que o parto e é o que pode acontecer se você continuar esse tormento. Não sei se Ágata deve ficar aqui para ver a execução. Duvido que ela suporte.
Donald respirou fundo várias vezes para se acalmar.
- Está bem. Levem-na daqui.
- Não - revoltou-se Ágata. - Eu quero ficar.
- Pare de discutir comigo! - Donald apertou-lhe o queixo com tanta força que o osso pareceu se quebrar. - Tenho meios de machucá-la sem prejudicar o bebê em seu ventre. E posso também fazer com que ele pague por seus pecados depois que nascer. Você escolhe.
- Vá, Ágata - ordenou Alexander. - Não quero que fique aqui.
- Eu devo ficar - ela murmurou, resistindo a Malcolm que a levava embora.
- Por quê? - Com um braço passado pelos ombros dela, Malcolm a direcionou para Leargan. - Quer ver o sofrimento e a morte dele?
Cansada de homens cínicos que não acreditavam nela, Ágata apenas disse:
- Acho que você já pensou isso de mim assim pelo menos uma vez ou não teria essa idéia agora.
- Desculpe-me. É que não vejo razão para você ver a morte de MacDubh, principalmente porque meu primo fará com que seja lenta e dolorosa.
- Não! Não quero ver. Mas Alexander deveria ter pelo menos um amigo perto quando cumprisse seu destino. - Ela olhou para Jaime, que os seguia um passo atrás. - Você ficaria com ele por mim?
- Fico, sim, ama.
O gigante voltou ao local da execução e ficou tão perto de Alexander quanto permitiram.
O som de uma chicotada fez Ágata estremecer.
- Meu Deus, começou de novo! - disse, chorando.
Oculto atrás de uma moita a oeste de Leargan, Barry cerrou os punhos olhando para o local onde o irmão deveria morrer. Um rápido olhar para Angus o fez ver que ele também estava furioso. Nem mesmo o ferimento que recebera o fizera ficar tão pálido.
- Há algo bom no que estamos vendo - disse Angus, com voz abafada.
- E o que seria?
- Eles estão fora de Leargan. Não precisaremos invadir a fortaleza.
Pela primeira vez desde que Angus e Ian Ruivo tinham voltado para comunicar a captura de Ágata e Alexander, Barry sentiu-se esperançoso. Seu único plano fora chegar o mais depressa possível a Leargan, com doze guerreiros. A quantidade de pessoas fora da muralha era maior do que o seu grupo, mas nem todos eram guerreiros e não estavam armados. O único problema era que Ágata estava sendo levada para dentro.
- Não poderemos pegar os dois - observou -, mas depois do que Ágata fez talvez seja melhor.
- Não diga isso! - se afligiu Angus. - Ela deve ter sido ameaçada pelo imundo do MacCordy para chicoteá-lo.
- Acho que tem razão - assentiu Barry.
- Tenho, sim. Garanto que não admitiram que ela dissesse não. Vamos aproveitar logo a chance de resgatar nosso lorde ou a perderemos.
Enquanto voltava com Angus para junto do grupo, Barry indagou:
- Acha que poderemos resgatar Alexander?
- Sim. Se sairmos galopando da floresta escura, gritando como espíritos do além, a maioria daquele lixo humano vai correr para dentro das muralhas e os guerreiros de Leargan tardarão a reagir, devido à surpresa. Temos que os manter encurralados para que dois de nós soltem Alexander. Então dispararemos de volta a Rathmor. Quer que eu dirija os homens ou quer ter a honra?
- É melhor você comandar, Angus. - Barry montou em seu cavalo. - Não tenho experiência nisso e não quero que haja erros.
Barry ficou olhando para Leargan enquanto Angus instruía os guerreiros. Gostaria de resgatar Ágata também, mas era impossível. Seria difícil explicar aos seus filhos por que haviam deixado Ágata. E suspeitava que seria difícil explicá-lo também para seu irmão.
Alexander apertou os dentes para conter o grito quando o chicote queimou suas costas mais uma vez. Sempre que erguia a cabeça, encontrava o olhar firme de Jaime e sentia-se amparado. Tinha certeza de que o gigante estava ali porque Ágata não quisera deixá-lo sozinho com os inimigos.
Outra chicotada e ele custou a se manter lúcido, preparando-se para a próxima. Encontrou o olhar de Jaime novamente. Ia agradecer-lhe por estar ali quando foi surpreendido por um som que cortou a quietude. O leve sorriso que iluminou o rosto de Jaime disse-lhe que ele também tinha ouvido o grito de guerra dos MacDubh. Era difícil de acreditar, mas tinham vindo resgatá-lo.
- Ágata - disse, com voz fraca, quase irreconhecível.
- Cuidarei dela - prometeu Jaime, derrubando os dois guardas que estavam junto de Alexander.
Barry se aproximou e cortou as cordas que prendiam os pulsos do prisioneiro.
- Precisamos levar Ágata... - insistiu Alexander, segurando-se a um dos postes enquanto Jaime soltava seus pés.
A sua volta era o caos. Donald e seu pai gritavam pragas e ordens que eram ignoradas ou não ouvidas. Uma porção de gente corria para a segurança de Leargan acossada por um ou dois dos seus homens. Os guerreiros dos MacCordy não conseguiam manter uma linha de defesa por causa das pessoas que fugiam e precisavam se esquivar dos cavalos que empinavam e das espadas dos MacDubh.
- Ela irá viver, se você não ficar aqui. - Jaime levantou com facilidade o enfraquecido Alexander e colocou-o na garupa do cavalo de Barry. - Vá, recupere suas forças e volte para buscar sua mulher e seu filho.
- Mas o covarde do Donald vai se casar com ela e forçá-la a ir para sua cama.
- Não, ele não pode. - Jaime firmou Alexander na montaria. - Vocês se declararam casados diante de testemunhas e ele não vai querer nada com ela enquanto estiver grávida. Vão embora, depressa! Donald foi buscar mais homens.
Antes que Alexander pudesse dizer não, Jaime deu um tapa na anca do cavalo que saiu galopando, obrigando Alexander a se concentrar em não cair. Um cavalo parou diante de Jaime e ele olhou para Angus.
- Eles não o mataram... - disse, sorrindo feliz. Angus lhe estendeu a mão:
- Suba, rapaz. Aqui você só vai receber maus-tratos.
- Não. Devo ficar com minha ama. Ela precisa de mim.
- Kate vai se zangar se o deixarmos para trás.
- Não, ela saberá por que e... - Jaime viu um dos homens de MacCordy correndo, com uma besta armada nas mãos. - Não!
Tentou alcançar o homem, mas foi impedido pela passagem do cavalo de Angus. Quando pôde se aproximar, a besta já estava apontada na direção dos irmãos MacDubh. Jaime agarrou o soldado, mas a arma disparou. Um urro escapou da boca do gigante ao ver a seta cravar-se num ombro de Alexander que desabou sobre as costas do irmão. Sacudiu o arqueiro aterrorizado e o jogou no chão. Sua última visão foi Alexander ferido sumindo no horizonte com seus homens.
Os MacCordy saíam de Leargan para caçar os inimigos quando Jaime voltava.
Ágata chutou a canela de Malcolm, que a empurrava para a fortaleza, mas ele continuou a segurá-la com firmeza. Ela ouvira o grito de guerra dos MacDubh e queria voltar, porém ele a ergueu nos braços e só a colocou no chão quando estavam no pátio protegido pelas muralhas. Ágata, em desespero, não sabia se chorava ou se batia em Malcolm até seu braço doer.
- Eu poderia matá-lo! - Gritou, desesperada. - Perdi a chance de escapar.
- Perdeu a chance de ser morta - corrigiu ele, esfregando a canela.
- Eles têm tanta possibilidade de chegar a Rathmor quanto os MacCordy de pegá-los. Deixe-me ir!
- Como você quiser, mas acho que não irá muito longe. Aí vem aquele seu brutamontes.
O coração dela pareceu parar ao ver Jaime se aproximando.
- Jaime?
Ele parou diante dela, depois de um rápido e curioso olhar para Malcolm.
-- Está machucada, ama?
- Não. Eles escaparam, Jaime? - Ágata segurou-o pelos braços e tentou descobrir algo pela expressão dele. - Eram mesmo os MacDubh e libertaram Alexander?
- Sim, Barry e Angus fizeram os MacCordy se confundirem, libertaram Alexander, eu o coloquei na garupa do cavalo do irmão e eles foram para Rathmor. Alexander queria vir buscar você.
- Ele queria? - ela se sentiu melhor com isso. Jaime assentiu e gentilmente libertou-se dela.
- Queria, sim, mas Angus e eu o convencemos que não ia dar certo, que ele deveria se salvar e voltar depois. Donald MacCordy não irá matá-la...
- E Alexander não teria chance de viver... - concluiu Ágata. Estranhou Jaime evitar olhá-la de frente e querer livrar-se dela. - Jaime, o que está me escondendo? - Colocou as mãos no peito dele. - Diga, o que aconteceu?
- N-não q-quero c-contar. A forte gagueira alarmou-a.
- Tem que contar, Jaime. Estou ordenando!
- Alexander e-estava vivo quando s-saíram... - murmurou Jaime.
- Mas? Vamos, há um mas na sua voz. Alexander foi machucado?
- Sim... - Jaime se descontraiu um pouco. - Não pude impedir que um arqueiro dos MacCordy disparasse uma seta. Acertou perto do ombro direito, mas ele não morreu... acho.
Ágata procurou se acalmar.
- Então ele vai sarar.
- Ah, sim - assegurou Jaime. - Vai sarar...
- Tenho que ter fé - ela disse num fio de voz. - Só assim terei forças para enfrentar o que me espera.
Quanto tempo? Barry fez uma careta e ajudou o irmão a sentar-se para tomar um mingau adoçado com mel. Não queria responder à pergunta, pois sabia que viriam outras mais difíceis. Alexander queria saber isso desde que acordara e Barry soube que não dava mais para contemporizar.
- Um mês, mais ou menos.
- Um mês? Você está brincando. - Alexander deixou-se cair no travesseiro enquanto Barry retirava a bandeja. - Fale sério, há quanto tempo estou doente? - Ergueu a mão para enxugar o suor que lhe escorria no rosto, mas parou-a diante dos olhos: estava magérrima e tremia como a de um velho. - Um mês?
Barry o fez abaixar a mão e enxugou o rosto dele.
- Sim, um mês. Está doente desde que voltamos de Leargan. O frio, o açoite e a perda de sangue quase o mataram.
- Por isso quase não consigo abrir os olhos.
- Sim. Pode ser que a seta estivesse envenenada ou que a ferida infeccionou. Não pudemos fazer muita coisa...
- Não lembro de nada. Fiquei inconsciente? Puxando um banco para junto da cama, Barry sentou-se.
- Você esteve fora de si. Algumas vezes tivemos que amarrá-lo para contê-lo e em outras dormia tão profundamente que parecia escorregar para a morte.
- E Ágata? Continua presa em Leargan?
- Creio que sim. Jaime ficou com ela. Angus quis trazê-lo, mas ele disse que ficaria para proteger a ama.
- Ele e o amaldiçoado Malcolm - Alexander via sempre em sua mente a imagem de Malcolm segurando Ágata. - Nós a deixamos lá há um mês. Então, o inverno já chegou.
- E rigoroso. Mesmo que pare de nevar, o chão só ficará firme na primavera. - Barry forçou um sorriso. - E você precisa desse tempo para recuperar as forças.
Alexander quis se sentar, porém desistiu.
- Donald MacCordy não deixará meu filho vivo por muito tempo depois que ele nascer. Temos que ir buscar Ágata e a criança assim que pudermos.
- Estamos prontos para ir salvá-los - Barry segurou a mão de Alexander -, porém é impossível um ataque durante o inverno e você precisa se recuperar. Esta é a primeira vez que conversamos desde que saiu para ir em busca do padre. E veja como está cansado.
- O padre! Foi ele que nos traiu?
- Não, foi um homem que trabalhava nas nossas cocheiras. Angus o encontrou enfiado num barril de vinho, com a garganta cortada.
- O infeliz achou que o MacCordy iria cumprir o que lhe prometeu pela traição... - Alexander olhou para a janela estreita e, mesmo não dando para ver nada, sabia como estava lá fora. - Tenho que esperar até a primavera para ir buscar o que é meu.
- Temo que sim. Ágata só é útil para eles viva e a criança não nascerá até maio ou começo de junho. Temos tempo, trate de ficar bom. Jaime está cuidando dela.
- É verdade. Mas será que depois de seis meses do tratamento brutal de Donald MacCordy ela ainda vai querer viver e nosso filho vai resistir? Barry ficou em silêncio.
Ágata sentou-se na cama e olhou para a pesada porta que ficava entre ela e a menor das liberdades. Por um momento a fúria foi maior que o medo que a acompanhara continuamente nos três meses de prisão em Craigandubh. Tinham ido para a fortaleza dos MacCordy poucos dias depois do resgate de Alexander. Colin e a esposa também estavam lá, mas ela nunca vira o tio.
Sua vontade era jogar a bandeja de comida na porta, mas precisava comer. Passou a mão no ventre arredondado e mordeu uma grossa fatia de pão coberta com mel. Os movimentos do bebê eram sua única felicidade. Ele estava bem e assim continuaria enquanto estivesse com ela. Mas tudo iria mudar na primavera e precisava ficar forte para lutar ou fugir dos perigos.
A solidão era seu pior inimigo. Via apenas Jaime, Una, a tia cuja confusão mental estava cada vez pior, e Donald que se divertia ameaçando seu filho e aterrorizando-a. Malcolm a visitara uma ou duas vezes e, achando que ela estava em segurança, voltara para a pequena torre fortificada que os primos lhe haviam dado e onde morava. Jaime era a sua única companhia agradável.
Uma serva com ar triste entrou para pegar a bandeja e Jaime a seguiu. Ágata deu um longo suspiro de alívio depois que a mulher saiu e trancou a porta. Tivera medo de que Donald entrasse também.
- Teve notícias de Rathmor, Jaime?
- Todo dia me faz essa pergunta, ama! - ele sentou-se num banco junto à janela estreita.
- Desculpe. É que estou tão aflita para voltar para junto das crianças e de Alexander...
- Tem certeza de que quer mesmo voltar para Rathmor?
- Para onde mais posso ir? Meu filho e eu corremos sérios riscos na mão dos MacCordy. Será impossível vivermos envergonhados na casa de meu tio. Alexander disse que iria se casar comigo e tenho certeza que dará segurança ao filho. Só a determinação de manter meu filho vivo me impede de enlouquecer. Meses olhando para estas paredes úmidas ou para a cara horrível de Donald tira o juízo de qualquer um.
Jaime balançou a cabeça.
- Ele quer tanto matar o seu bebê e MacDubh que vai acabar louco. Está cada vez mais sombrio. Tome cuidado com ele, ama. A fúria da qual Malcolm a protegeu continua viva.
Ágata observou Jaime. Ele havia mudado. Naqueles meses de convivência com os MacDubh havia amadurecido e adquirido confiança. Agora era raro gaguejar e nunca tanto quanto antes.
- E você, está bem? - ela perguntou.
- Estou, mas sinto falta de Kate e das crianças.
- Ah, sim, Kate. - O amor daquela moça completara o trabalho que Ágata começara. - Você deve estar querendo voltar para perto dela.
Os olhos dele brilharam.
- Quero, sim. Mas minha obrigação é cuidar da ama.
- Jaime, muita gente diz que você é meu servo, mas não é. Nunca foi. Se quiser, volte para junto de Kate. Não arrisque a sua felicidade.
- Kate vai esperar por mim. Sei que não pertenço a você, mas lhe devo muito e somos amigos, não?
- Isso mesmo. Se Deus nos ajudar, ela não precisará esperar muito por você.
- Mas de que jeito poderemos voltar para Rathmor? Somos prisioneiros...
- Pode aparecer uma oportunidade de fugir e temos que estar preparados para aproveitá-la.
- Tenho mais liberdade a cada dia que passa. Não me consideram ameaça desde que jurei me comportar. Acha que isso pode ajudar?
- Pode, sim, Jaime. Precisamos saber para onde ir quando sairmos daqui.
- Acredita, mesmo, que vamos sair daqui?
- Tenho que acreditar! - ela acariciou o ventre.
- E tem que estar longe de Donald quando o bebê nascer.
- Oh, minha doce Santa Maria, sim! Tão longe quanto eu puder.
Ágata conteve um gemido ao se deixar cair sobre a cama. Não sabia o que a irritava mais, a insistente chuva da primavera ou o tamanho do seu corpo. Durante o longo e frio inverno ela e Jaime só haviam pensado em fugir, mas já não tinha certeza de poder escapar mesmo que Donald deixasse todas as portas abertas.
Seus medos estavam cada vez mais difíceis de controlar. A primavera chegara e a criança nasceria em breve. As ameaças de Donald haviam se tornado tão virulentas que ficava trêmula e nauseada depois de cada uma de suas visitas. O bebê se tornara o símbolo dos insultos que os MacDubh lhe haviam feito e era nele que daria vazão à fúria e ao ódio crescente por Alexander e Ágata.
Ela lutou para não chorar. Donald sempre ameaçava cortar a garganta do bebê diante dela, fazê-lo em pedaços e enviá-los para Alexander. Isso provocava pesadelos dos quais acordava tremendo e suada.
Um leve raspar na sua porta e um murmúrio de vozes chamaram-lhe a atenção. Sua esperança cresceu e sumiu quando tia Una entrou acompanhada por Jaime, que trazia uma jarra de vinho e três copos numa bandeja. Era bom ter a companhia de quem não a ameaçava, mas precisava desesperadamente de ajuda e a pobre mulher nada podia fazer.
- Jaime... - Ágata começou com evidente desespero na voz.
- Tome um pouco de vinho, ama - interrompeu-a Jaime. Fez Una sentar-se ao lado de Ágata e serviu-as. - A senhora Una tem uma coisa para contar.
Foi duro conter a irritação. Ágata tinha pena de Una, cinco anos mais velha do que ela, mas já alquebrada e grisalha. Precisava de respostas, não das histórias confusas da tia.
- A primavera está aí, Jaime, e...
Ágata ficou surpresa quando ele fez sinal para que se calasse.
- Eu sei. Deixe a senhora Una falar. - Tocou de leve a mão da tímida mulher. - Diga à ama o que me disse.
Quando Una a olhou, a irritação de Ágata desapareceu. Havia uma luz desconhecida nos olhos acinzentados. O costumeiro olhar vago e sonhador havia sumido e em seu lugar havia tormento, medo e determinação. Ágata imaginou se aquela mudança duraria.
- O que quer me contar, tia Una? - indagou, acariciando um dos braços rechonchudos da mulher.
- Tem que ir embora, Ágata - ela disse em voz baixa. - Aqui não é seguro para você.
A pobre Una tinha sofrido por abusos e medo dos MacFarlane e Ágata tinha que tomar cuidado para não fazê-la cair de novo na apatia dolorosa em que vivia.
- Sei disso, tia Una. Jaime e eu temos pensado...
- Você tem que ir embora agora. Agora! - Una apertou a mão da sobrinha. - Sempre procurei ignorar o que fazem ao meu redor, mas desta vez é impossível. Donald MacCordy diz coisas terríveis... - Tocou, insegura, o ventre de Ágata. - Dizem que sou louca. Loucos são os planos que Donald tem para o seu bebê. Vivo tendo sonhos horrorosos com eles.
- Eu também. Donald não faz segredo de seus planos.
- Seu tio parece não ver o que se passa. Donald vai matar seu filho na sua frente e depois mandá-lo em pedaços para o pai.
Ágata ouvira essa ameaça várias vezes, porém era mais aterrorizante dita pela voz trêmula de Una, que prosseguiu:
- Ele vai fazer isso. Percebi na voz dele na última vez que o ouvi e foi como se me acordassem com um tapa. Um bebê, um pequeno e inocente bebê! Todos os homens sentados lá ouviram e nada disseram. São todos covardes e podres. Mas não posso concordar com esse horror e tenho que fazer alguma coisa. Você vai embora hoje à noite.
- Hoje à noite? - Ágata queria ter esperança, mas não via possibilidade de fuga. - Tia, não me dê uma falsa esperança...
- Não sou tão cruel assim, menina. Sou uma inútil, sim, mas não cruel.
- Claro que não. É que estou tão desesperada que custo a acreditar.
Una sorriu sem que desaparecesse a tristeza que marcava seu rosto.
- Principalmente em alguém que mal se lembra do que fez durante o dia. - Una ergueu a mão quando Ágata começou a protestar. - Isso não é verdade e começou como uma estratégia para me proteger do meu marido. Descobri por acaso que, se me considerasse insana, ele me deixaria em paz. Fingi ser louca por tanto tempo que talvez tenha deixado de ser uma farsa. Então, é melhor agirmos antes que minha lucidez desapareça.
- Tem certeza que pode nos ajudar a sair daqui? - Jaime perguntou. - Temos que escapar dos quartos, depois do castelo e, por fim, das muralhas.
- Posso levá-los para fora, sim. Minha aia tem como parte do seu trabalho descobrir como fugir de qualquer lugar em que entremos. Ela conhece o meu marido, sabe que ele não liga para a nossa segurança, então assumiu essa responsabilidade. Vou ensinar o caminho ao Jaime para caso de algo acontecer comigo.
Una temia o retorno da inconsciência que já não podia controlar, conhecia a própria fraqueza e tomava precauções.
- Quando faremos isso? - Ágata perguntou.
- A meia-noite - a tia respondeu. - Jaime diz que é a hora mais quieta de Craigandubh. Os que não vigiam, dormem, e os que vigiam já não estão muito alerta.
- E estarão olhando para fora.
- Sim - Jaime concordou. - Esperam um ataque, não uma fuga.
- Devemos ir a pé? - Ágata pensava em seu pesado ventre.
- Levar uma montaria seria arriscado. Difícil passarmos despercebidos levando cavalos - Jaime olhou-a, preocupado. - Teremos que andar bastante. Acha que vai dar?
- Vai. Tem que dar. Precisaremos de comida.
- Isso eu arranjo sem despertar suspeita. - Jaime levantou-se e ajudou Una a erguer-se. - Fique pronta, ama.
Ágata também se pôs de pé e abraçou a tia.
- Venha conosco, Una. O que leva com meu tio não é vida.
- Você é muito bondosa, querida. Não posso ir. Não tenho coragem. Além disso, só atrasaria vocês e meu desaparecimento os alertaria logo.
- E se descobrirem que você me ajudou?
- Acho que não há esse perigo. Mesmo que alguém desconfie, ninguém irá acreditar. Cuide-se, pequena Ágata. Não deixe que a única coisa corajosa que fiz em minha vida seja desperdiçada.
Jaime levou Una embora. Pela primeira vez desde que chegara a Craigandubh, Ágata não se importou com o som do ferrolho trancando-a. Em poucas horas estaria livre.
- Ágata...
Seu nome sussurrado assustou-a. Sentada na beira da cama, pensava no futuro e sentia o bebê chutar. Quase gritou, mas levou as mãos à boca e se controlou. Jaime fechou a porta atrás de si e caminhou para ela.
- Você me assustou tanto que acho que fiquei dois anos mais velha! - repreendeu-o, mas se deu conta do que significava a chegada dele. - Já é meia-noite? Vamos fugir?
- Sim, se você se sente forte para tentar.
- Qualquer coisa é melhor do que ficar em Craigandubh com Donald MacCordy.
- Mas precisa saber que pode não dar certo - avisou Jaime, sério, enquanto ela punha a capa.
- Sei disso e não tenho medo, meu amigo. Os riscos que eu e meu bebê corremos aqui são piores porque lá fora ele terá chance de sobreviver. Vale a pena tentar.
- Sim, ama. Fique sempre atrás de mim e se achar algum lugar escuro demais, segure firme na bolsa que carrego nas costas. - Olhou para o ventre intumescido. - Acho que conseguirá atravessar todas as passagens...
- Se eu entalar, você me puxa ou empurra. - Ágata deu-lhe a mão. - Vamos antes que alguém apareça. O que leva nessa bolsa?
- Comida, apetrechos importantes e uma muda de roupa para cada um de nós.
- Não sei o que seria de mim sem você, Jaime.
- Escaparia sozinha.
Trocaram um sorriso enquanto saíam do quarto e Jaime trancou a porta atrás deles. Ele não fora capaz de esconder o lampejo de orgulho que as palavras dela haviam causado. Os dois sabiam que ela iria tentar se libertar com ou sem ele, mas a presença dele era de ajuda imensurável e poderia ser vital para sua sobrevivência, no estado de gravidez avançado em que se encontrava.
Sem uma palavra, atravessaram a sala estreita, mantendo-se nas sombras. Era surpreendente o relaxamento da guarda dentro do castelo. Foram até a despensa embaixo do salão sem correr nenhum risco de serem apanhados. Tudo que mudou em seguida foi a ausência da pouca luz de uma ou outra tocha, quando passaram a descer a escada que ia dar no celeiro de Craigandubh. Ágata teve que se agarrar à bolsa de Jaime.
Por fim pararam para ele acender uma vela. Continuaram a descer com dificuldade. Como Jaime via melhor à luz da vela e se movia mais rápido, Ágata voltou a ficar atrás dele, segurando-se na bolsa.
Quando chegaram diante da muralha, ela se pôs ao lado dele para olhar. Era óbvio que o caminho de fuga da fortaleza dos MacCordy não era usado há muito tempo e, com a estupidez normal deles, não tivera manutenção alguma. Jaime fez muita força para abrir a pequena porta ao lado de uma pilha de barris de vinho e quando conseguiu foram envoltos por uma onda de ar mofado que a fez tossir. Ágata relutava em entrar no túnel. Sabia o tipo de criaturas que viviam em lugares escuros e úmidos como aquele.
- Jaime? - Ela pôs a mão no braço dele. - Você vai agüentar? Não há outro caminho?
- Não, ama. Só este.
Ela se aproximou da porta e espiou.
- Parece e cheira com os lugares que você abomina.
- Sim, mas tenho uma pequena luz e não estou sozinho.
- Quer que eu faça algum barulho o tempo todo, para que saiba que estou perto?
Ele assentiu.
- Iria ajudar. E segure firme a minha mão. Ela deu-lhe a mão imediatamente.
- Combinado. Pense o tempo todo que vamos em direção à liberdade, que não seremos capturados e que no final do túnel há espaço aberto e ar.
- Ar e espaço úmidos e frios. - Jaime fitou-a, preocupado. - O tempo não está bom. Pode ser perigoso para você.
- Ficar aqui é mais perigoso ainda, Jaime. Mesmo que a neve chegasse aos meus joelhos e continuasse nevando, eu iria. Já falamos demais.
Ágata entrou no túnel baixo e estreito e puxou-o para dentro. Jaime fechou a porta atrás deles. Ela segurava a vela e lutava para controlar o medo que queria crescer. Sentiu a mão do amigo tremer e apertou-a com carinho. Quando começaram a andar, ele foi à frente e teve que se abaixar. Ágata começou a cantarolar uma canção antiga, que também a confortava.
Quando chegaram ao final do túnel, Jaime apressou-se em abrir um alçapão. Mais uma vez o desleixo fez com que o trabalho fosse mais difícil do que deveria. Ágata afastou-se para que ele tivesse espaço para usar sua força. Quando o alçapão cedeu, Jaime manteve-o aberto e empurrou com o pé o entulho que caía sobre ele. Ela respirou com ansiedade o ar frio noturno e ouviu-o fazer o mesmo.
Ele se alçou para fora e ajudou-a a sair. Depois, fechou o alçapão e cobriu-o com lixo e folhas mortas. Estavam numa pequena cabana de pedra, em ruínas. Deveriam estar longe o bastante das muralhas de Craigandubh para escapar sem serem vistos. Saíram. Ágata agasalhou-se mais e ajeitou o capuz, querendo manter-se seca apesar da garoa contínua e gelada.
- Aonde você vai? - perguntou a Jaime, porque ele se dirigia ao norte e não para oeste, que era a direção de Rathmor.
- Não podemos ir direto para Rathmor, ama,
- Não? É para onde queremos ir e não me parece sábio adicionar quilômetros à nossa caminhada. - Ergueu um pouco a saia e prendeu-a no cós, para não tropeçar e nem arrastá-la na lama, atrasando-os. - Não tenho condições de enfrentar uma caminhada muito longa.
- Se formos na direção de Rathmor, os MacCordy e seu tio nos alcançarão e nos trarão de volta.
- Acha assim tão simples?
- Talvez não tão simples, mas bem provável. Somos uma dupla estranha, ama. Será bem difícil nos escondermos. O melhor a fazer é tentar esconder nosso rastro.
- Sim. E se fizermos um desvio irá ajudar?
- Pode ajudar. - Jaime ergueu-a e sentou-a num tronco caído. - Acha que é bobagem? Pensei com cuidado, como sempre me aconselha, e acho que iríamos iludir Donald por algum tempo.
Ágata fez que sim e tocou-lhe o braço.
- Você pensou melhor do que eu, que só pensei em ir para Rathmor. É, Donald vai ter certeza de que fomos direto para lá e levará algum tempo para perceber que não segue nenhuma pista, aí vai parar para pensar.
- E isso pode nos dar um dia ou mais. Devemos fazer uma leve curva em direção a Rathmor e tomar cuidado para não sermos vistos, já que ele vai estar à nossa frente.
- Acha que poderemos nos esconder com os MacCordy e os MacFarlane procurando embaixo de cada arbusto?
- Acho que sim. Somos apenas dois e a pé. Vamos ouvi-los ou avistá-los antes que nos vejam. Se evitarmos os espaços abertos, pode ser mais fácil do que parece.
- É, pode ser. Temos um grande desafio pela frente.
- Mas vamos conseguir - falou Jaime com firmeza. - Temos que acreditar nisso.
- Vou tentar...
Ágata rezou para ter forças e não se tornar um fardo para o amigo.
Jaime? Ágata chamou baixinho, certa de que havia alguém se aproximando do esconderijo nas rochas. Pensou em levantar-se para espiar, mas resistiu; ter dito o nome do amigo já fora um risco. Ansiava por um lugar seco e quente. Há três dias a chuva variava entre garoa e dilúvio. Outro calafrio a percorreu e ela se aconchegou na capa úmida. A parte baixa das suas costas começara a doer com regularidade preocupante.
- Jaime? - sussurrou, odiando sua covardia, mas aterrorizada por estar sozinha.
- Sim, ama. - Ele se esgueirou entre as rochas e sentou-se ao lado dela. - Eu não queria demorar tanto. Desculpe.
- Eu é que peço desculpa por estar tão fraca que tremo de medo quando fico sozinha.
- Não há vergonha nisso. - Ele afagou as mãos que Ágata mantinha no colo, apertadas uma a outra. - Não está em condições de se proteger, ama.
- Notou algum sinal dos MacCordy ou dos MacFarlane? - ela indagou, com urgência em voltar a se mover. - Podemos seguir em frente?
- Bem, há sinais de que alguém vem atrás de nós, mas não tenho certeza de que estejam nos seguindo. Podem estar fazendo o mesmo caminho por outras razões.
- Que outras razões, Jaime?
- Talvez o primo tenha mandado alguém vir buscar Malcolm MacCordy, ama.
Ágata sentou-se, atenta.
- Malcolm mora aqui perto?
- Mora. Sente-se e olhe para o norte. Verá a torre através da neblina.
Com movimentos desajeitados, ela se pôs de lado e sentou-se. Olhou atenta para o local indicado.
- Por que chegamos tão perto do inimigo? Jaime passou a mão no rosto molhado.
- Eu achei que precisávamos de um lugar seguro para a ama descansar e se abrigar.
- Seguro? Uma fortaleza dos MacCordy? Você ficou louco? Não preciso me abrigar, estou bem.
- Não, não está. Posso ver no seu rosto, no modo como se movimenta.
- Bom, talvez não esteja bem, mas posso ir até Rathmor.
- Não como está agora, cansada, com frio, molhada até os ossos e com os dentes batendo. Uma fogueira ajudaria, mas poderia alertar nossos inimigos. E nem temos madeira seca. Precisamos descansar em lugar seco.
- Mas Malcolm é um MacCordy. Não podemos confiar nele.
- Sabemos que podemos confiar nele para mantê-la em segurança.
- De fato, ele enfrentou Donald para me proteger, mas eu não estava tentando fugir. E ele nada fez para me ajudar a escapar quando resgataram Alexander.
Calado, Jaime tentava encontrar um argumento para convencê-la a pedir abrigo a Malcolm, pelo menos por uma noite.
- Tenho certeza que homens dos MacCordy estão procurando por nós - ele disse por fim. - Isso significa mais uma noite aqui, com a umidade e o frio. É onde quer ter o seu filho?
- O que quer dizer? Ainda não vou dar à luz e...
Mas nesse momento levou de novo a mão às costas, na altura dos quadris, e percebeu que o bebê logo iria nascer.
- Mesmo que não seja a hora, sua cor não está boa, ama. Está com muito frio e isso é perigoso. Pense no seu filho...
Ela se enrolou mais na capa. Os arrepios estavam cada vez mais fortes e os tivera a noite inteira. Aceitara o risco da fuga para dar chance de sobrevivência ao bebê e agora teria que decidir. Forçou-se a se concentrar para saber como estava. A dor na região lombar era diferente da que sentia no final das longas caminhadas e estivera presente a noite toda e naquela manhã. Era um sinal que não podia ignorar. O bebê parará de se mexer, o que fazia cada vez com mais vigor desde o primeiro chute. Não havia contrações facilmente reconhecíveis, mas poderia estar entrando em trabalho de parto. Aquele não era o lugar para ter seu filho: frio, úmido e à mercê dos inimigos. Jaime tinha razão. Se Malcolm concordasse em ajudar, estariam protegidos.
- Vamos arriscar o que conseguimos até agora, Jaime... - ela disse enfim.
- É... - assentiu Jaime, preocupado.
- Espero que a aversão dele por maus-tratos a mulheres grávidas se estenda aos bebês depois de nascidos. - Ela começou a se levantar e aceitou a mão do amigo. - Vamos descobrir até aonde vai a lealdade de Malcolm aos seus parentes.
- Ele nunca foi brutal como os primos, porém não devemos confiar demais.
- Verdade. Acho que ele sente certo prazer em contrariar os primos e o faz de tal forma que eles não o castigam por medo de parecerem tolos - ela hesitou quando Jaime voltou-se para a torre. - Mas posso estar errada.
Jaime olhou-a, confuso.
- Então, quer ficar aqui?
- Pobre Jaime, preso a uma mulher que não consegue decidir nada! - Ela começou a andar em direção à torre. - Está resolvido, vamos. Tomara que Malcolm nos ajude e não cobre muito caro por isso.
- Senhor Malcolm, pode ir até a cozinha?
Malcolm desviou os olhos do fogo na lareira e voltou-se para Giorsal, a jovem que cuidava da sua modesta moradia. Pouco se importava com os guardas ineficientes que o tio designara para ele. Depois de se empanturrarem com outra excelente refeição, os homens que deveriam proteger sua torre dormiam em suas camas ou jogavam dados. O fato é que não estavam onde deveriam: lá fora, na chuva fria, vigiando a possível aproximação de um exército.
- Quer que eu vá à cozinha? - Ele sorriu. A moça olhou ao redor e se aproximou dele. - Não precisa tanto cuidado, Giorsal. Estamos sozinhos.
- E se nos ouvirem? - ela cochichou.
Ele fitou os olhos de um cinza-escuro; viu neles segredo e uma pontinha de medo. A moça agia de modo estranho e isso o alarmou.
- O que tem se nos ouvirem? - perguntou, também em voz baixa.
- Saberiam que há visitantes na cozinha.
- Visitantes? - Malcolm endireitou-se. - Que visitantes? Não houve nenhum alarme.
- Os homens que seu tio mandou não valem a cama em que dormem. Ninguém está de vigia e os dois entraram sem dificuldade. Se fossem inimigos, eu estaria caída sobre a panela de carne com a garganta cortada. - Ela se apressou a ir atrás dele. - Mas não são ameaça para nós.
- Como pode ter certeza? - Ele desembainhou a espada.
- Vai saber quando os vir.
Giorsal tropeçou em Malcolm, que parou de repente à porta da cozinha. Deu a volta nele e olhou. Os dois se achavam sentados à mesa e a mulher parecia com menos frio. A moça encheu novamente suas taças com sidra quente e doce. Eles precisavam se aquecer.
Malcolm demorou a se recuperar do choque. Não acreditava que Ágata MacFarlane e seu imenso protetor estavam na sua cozinha. Como haviam escapado de Craigandubh? Por que tinham ido procurá-lo?
- O que vieram fazer aqui? - perguntou, sentando-se. - Como saíram de lá?
- Não foi difícil - Ágata respondeu, sem nada revelar para não prejudicar a infeliz tia. - O mau tempo foi o pior obstáculo.
- Quer que eu a leve de volta a Craigandubh e aplaque a fúria do seu noivo?
Giorsal serviu sidra para Malcolm e sentou-se no banco ao lado dele.
- Não, não quero voltar, prefiro cortar minha garganta.
- Não diga disparates. Você espera um filho.
- Foi por isso que fugi do seu primo e é por isso que não voltarei.
- Por que veio aqui? - insistiu Malcolm. - Sabe que meu dever é entregá-la a Donald.
- Tive esperança que não.
- Pare com isso. Desculpe se meu ato de cavalheirismo a fez acreditar que sou o maior dos tolos, disposto a abandonar meu meio de vida e até este mundo por uma extravagância.
- Nunca o julguei tolo. - Ágata sorriu para o homem irritado, mas não ameaçador. - E sei que não é lacaio do seu primo.
- Você julga muito rápido... - Malcolm se interrompeu ao vê-la segurar-se com força na beira da mesa e tremer. - Está sentindo alguma dor?
- É a criança? - afligiu-se Giorsal. - Quer se deitar?
- Não já... - Ágata olhou firme para Malcolm. - Jaime e eu temos motivos para acreditar que seu primo mandará mais homens para cá. Como você intercedeu por mim, pode achar necessário. Não há um só lugar entre Rathmor e aqui que não esteja vigiado. Estranhei sua torre estar desprotegida e sem vigias.
- Tenho guardas - resmungou ele.
- Não vimos nenhum, senhor - Jaime disse. Malcolm tomou um grande gole de sidra.
- Donald me mandou a escória da patética guarda que mantém em volta de si. Há muito tempo parei de tentar conseguir algum serviço destes idiotas.
- Acho que em breve você terá mais guardas aqui do que deseja - Ágata quase sentia pena dele.
- É, virão à sua procura. Você já me custou um bocado, moça. Meus parentes nunca me consideraram e depois que a defendi desconfiam de mim. Agora, aqui está você me trazendo mais problemas. Não, muito obrigado.
- Por favor - interveio Giorsal -, não fale assim com uma mulher grávida.
- Uma mulher que carrega um bebê dos MacDubh - ele frisou.
- O que importa é que ela tem um filho no ventre e qualquer cristão a ajudaria. - A voz da moça se tornou séria: - Principalmente porque acho que ela não vai continuar a carregá-lo...
Malcolm fitou com horror o enorme ventre de Ágata.
- Você está para dar à luz?
Ela não pôde deixar de sorrir diante daquela reação.
- Pode ser. Estou me sentindo esquisita, mas talvez seja por estar cansada e molhada.
- Por que não ficou em Craigandubh? - Malcolm terminou a bebida e tornou a encher a caneca. - Lá estaria aquecida e em segurança.
- Eu sim, mas meu filho não.
- Sei que meu primo ficou furioso e fez ameaças cruéis, mas não pode levar isso a sério.
- Eu levo, sim. - Ágata sustentou o olhar dele. - Donald MacCordy ia realmente matar meu bebê.
- Não posso acreditar nisso... - Malcolm não parecia assim tão convicto.
- Pode ser que tudo ficasse só em ameaças se você permanecesse em Craigandubh. Mas Donald foi mudando à medida que minha barriga cresceu e percebi a veracidade crescente das ameaças horríveis no rosto, na voz e nos olhos dele. Donald não deixaria meu filho continuar vivendo depois de nascido. Decidiu mandá-lo aos pedaços para os MacDubh.
- É duro acreditar que meus parentes sejam capazes de tamanho absurdo.
- Donald é. Estava quase louco de ódio pelo meu filho. Então não pude ficar lá e não fui a única a ter essa certeza. Precisei da ajuda para sair de Craigandubh e é claro que esse alguém pensa como eu.
- Lorde Malcolm! Ei, meu soberano!
Os quatro na cozinha congelaram ao ouvir a voz grave ecoando na torre. Ágata começou a se levantar, Jaime saltou de pé e ajudou-a. O primeiro pensamento deles foi fugir, mas Malcolm segurou-a e a fez dar a mão para Giorsal.
- Esconda-os para o seu quarto! - disse com urgência. - Vou ver o que há e depois irei lhes dizer o que fazer.
Giorsal levou os indesejados hóspedes para as escadas dos fundos que levavam ao andar de cima e Malcolm foi para o salão.
- Pare de gritar - ordenou ao soldado e sentou-se em sua cadeira ao lado da lareira. - O que há?
- Acaba de chegar um pajem e ele disse que o chefe vai chegar em meia hora - avisou o guarda.
- Então meu primo vem me visitar. Bem, assuma sua posição e veja se as lesmas dos seus colegas podem fazer a obrigação deles. É bom que lorde Donald não perceba os inúteis que vocês são. - Retribuiu o olhar ameaçador do homem com um sorriso. - Ande logo, o tempo voa.
Assim que o guarda saiu, Malcolm correu para o quarto de Giorsal, sem tempo para pensar no que fazer. Ao entrar estacou, pálido. Deitada na cama da jovem, mesmo com o ventre enorme, Ágata era encantadora. Jaime ajudou-a a sentar-se.
- Problemas? - a voz de Ágata soou fraca.
- Ah, sim, minha querida futura mamãe. Seu noivo está por chegar. - Ela ficou pálida, tentou erguer-se, mas Malcolm a manteve no lugar. - E diga ao seu valoroso monstro que não se arrepie! - ordenou quando Jaime deu um passo para ele. - Vocês precisam de qualquer aliado que apareça, mesmo um tão questionável quanto eu.
Ágata voltou-se para Jaime.
- Ele tem razão, meu amigo.
- Não ia matá-lo. - Jaime ergueu o punho imenso. - Só queria incutir um pouco de bom senso e honra nele.
Malcolm não se perturbou.
- Não tem muito tempo para escolher entre as opções que vou oferecer, Ágata.
- Então é bom que fale logo - Ágata respondeu. - Preciso de pelo menos um momento para pensar.
- Eu ganharia muito entregando-a a meu primo; portanto, devo ganhar alguma coisa para não fazer isso.
- Não perca tempo. Dê o seu preço.
- Você é meu preço. Quando estiver recuperada do nascimento, quero uma noite com você.
Ele recuou quando Jaime rogou uma praga e Giorsal balbuciou, transtornada:
- Senhor Malcolm, como pode?
- Quando for mais velha, vai entender, moça. - Malcolm não desviava os olhos de Ágata. - E então?
Ela ergueu as mãos quando Giorsal e Jaime começaram a falar.
- Agradeço a preocupação de vocês, mas tenho que decidir sozinha.
- Não quero que compre minha vida desta forma - Jaime falou.
- Não quero insultá-lo, meu amigo, mas não é a sua vida e nem a minha que devo considerar.
O gigante assentiu e Ágata suspirou. Queria dizer a Malcolm que fosse para o inferno, mas precisava evitar cair nas mãos assassinas de Donald a qualquer custo.
O preço parecia-lhe muito caro. Se concordasse, iria destruir qualquer chance de felicidade com Alexander. Não importava o motivo, se passasse uma noite com Malcolm destruiria tudo que se esforçara para conquistar. Para salvar seu bebê teria que renunciar a toda e qualquer felicidade com o pai dele. E talvez poderia estar renunciando vê-lo crescer, pois Alexander poderia expulsá-la de Rathmor, mas ficaria com o filho.
Quando outra contração maltratou-lhe o corpo resolveu que tudo aquilo era pouco perto da sobrevivência de seu bebê.
-- Eu concordo - murmurou, derrotada.
E sentiu-se agradecida por Malcolm não sorrir e nem mostrar satisfação.
- Ama - começou Jaime.
- Falamos nisso depois - interrompeu-o Ágata. - Onde posso me esconder, Malcolm?
- No meu quarto.
Quando chegaram ao quarto, Malcolm disse que ali havia um cômodo secreto, um espaço entre duas paredes.
- Seu amigo gigante vai achar um pouco apertado - ele comentou. - Giorsal, dê um jeito para eles ficarem confortáveis e traga tudo que seja necessário para o nascimento do bebê.
Ágata olhou preocupada para Jaime quando Malcolm entrou no enorme guarda-roupa e pressionou a parede do fundo, que se abriu lentamente. Jaime empalideceu. Era um lugar escuro e apertado onde ficariam fechados entre as grossas paredes da torre. Não podia exigir isso do amigo.
- Não vai dar certo, Malcolm - ela disse. - Jaime não pode ficar em lugares como este e preciso dele lúcido ao meu lado.
- Vou ficar bem, ama - o gigante disse antes que o outro pudesse responder. - Vamos estar juntos e haverá luz.
- Isso é perigoso - contrapôs Malcolm. - A luz pode passar por alguma rachadura e ser vista.
- Se nosso inimigo chegar aqui tão perto a ponto de ver um fiapo de luz, vai nos ouvir respirando. - Ágata ofegou ao sentir outra contração. - De qualquer modo, vamos precisar de luz para Jaime me ajudar.
Giorsal varreu o cubículo e o forrou com cobertores.
- Pode ser que a senhora tenha que ficar aqui por algum tempo.
- Pretendo me livrar do meu primo o mais rápido possível - Malcolm afirmou.
- Já é tarde, senhor. Creio que terá a desagradável companhia do senhor Donald até amanhã.
A jovem retirou-se e voltou pouco depois com um cesto contendo queijo, frutas, vinho. Providenciou também roupas, panos, água e velas que deu a Jaime com uma pederneira para acendê-las.
- É melhor a senhora e seu amigo entrarem logo no quartinho - disse, com um sorriso triste. - Gostaria de lhes oferecer algo melhor.
- Pela segurança do meu filho, posso suportar um pouco de desconforto.
Ágata entrou e sentou-se na pequena cama, apoiada nos travesseiros. Acendeu uma vela quando Jaime entrou e apressou-se em acender outra quando Malcolm os fechou lá dentro. Jaime fechou os olhos e respirou pesado. Ela rezou para que ele ficasse bem, pois o tempo entre as contrações ia se tornando curto. Quando, por fim, ele abriu os olhos, estava apenas um pouco pálido, sem sinal do medo incontrolável que o acometia em lugares como aquele.
- Tem certeza de que está bem, Jaime? - assegurou-se ela. - Vai levar algum tempo até irmos para outro lugar.
- Não precisa. - Ele sentou-se de frente para Ágata. - Não está escuro e não estou sozinho.
- E logo vamos ficar bastante ocupados - ela engoliu um gemido quando uma forte contração a atravessou.
- O bebê não vai esperar - murmurou Jaime.
- É, acho que não.
- Já viu um bebê nascer ou ajudou algum parto?
- Nunca. E você?
- Não. - O gigante pensou um pouco. - Mas ajudei partos de ovelhas.
- É mais do que eu já fiz. - O corpo de Ágata se arqueou e ela lutou para se manter lúcida durante a violenta contração. - Nunca tive tempo para pensar nisso antes de me tornar prisioneira em Craigandubh e lá ninguém me falou sobre parto... Só se falava em morte quando meu filho era mencionado.
- Ama, pense apenas em dar à luz e na sobrevivência do pequenino que quer nascer.
- Mas, Jaime, os bebês choram e berram quando nascem.
- Bem, sim e não... - Ele cocou a cabeça. - Não sei como fazê-lo parar se ele chorar.
- Nem eu. Isso pode trazer Donald direto aqui.
- Não adianta se preocupar, já que nada podemos fazer, ama.
- A não ser rezar para que o filho de Alexander mantenha sua boca pequenina fechada.
Ágata procurou sorrir quando o amigo assentiu.
Malcolm praguejou quando Donald cambaleou atrás dele. Tentara embebedar o primo para que adormecesse apoiado na mesa de carvalho do salão e ali passasse a noite. Mas pelo jeito ele ia dormir lá em cima e só lhe restava torcer para que a bebedeira o tornasse surdo. Quando entraram no quarto dele, Malcolm falou o mais alto que pôde na esperança de que Ágata ouvisse.
- Não é justo eu dormir no chão na minha própria fortaleza, Donald.
- Sua fortaleza é? - Donald riu ruidosamente e se esparramou na cama. - Já esqueceu a quem deve tudo isso, primo? - Desequilibrado, sentou-se para tirar as botas. - Pensei que aquela cadela tinha vindo para cá.
- Por quê?
- Para tentar seduzi-lo e ter a sua proteção.
- Você me insulta com essa falta de confiança! Malcolm foi se lavar para dormir esperando que o primo adormecesse logo.
O som das vozes dos homens fez Ágata parar de ofegar, o que provocou dor e quase a fez gritar. Reconheceu as vozes e não acreditou que Malcolm trouxera Donald para tão perto dela. Aí pensou que ele não tivera escolha. O desafio se tornara mais torturante: teria que dar à luz sem emitir qualquer ruído.
Enfiou uma bola de pano molhado por entre os dentes para protegê-los quando viesse uma nova contração. Através das lágrimas via Jaime curvado entre suas pernas, incentivando-a a empurrar o bebê apenas com gestos. Seu filho ia vir ao mundo com o seu inimigo mortal a poucos metros. Era impossível reprimir todos os ruídos, até respirar fazia barulho. Continue falando, Malcolm, implorou em silêncio. Fale bem alto.
Malcolm ouviu um som leve vindo da parede e começou a suar frio. Pegou a jarra de vinho que Giorsal havia deixado no quarto e encheu as duas taças. Depois de entregar a bebida ao primo, contou com detalhes a noite que certa vez havia passado na corte. Pela primeira vez na vida esforçava-se para ser chato a ponto de fazer dormir. Animou-se ao ver Donald ficar com os olhos pequenos na segunda rodada de vinho.
Ágata lutou com todas as forças para não gritar quando uma dor ofuscante a envolveu. A agonia de sentir o bebê deixando o seu corpo era igual ao terror de saber o que o primeiro choro dele poderia causar. Estava tão tensa e com tanto medo que mal percebeu Jaime abrir seu corpete e colocar algo quente e úmido sobre seu peito. Demorou a perceber que o bebê estava deitado sobre ela, mamando sofregamente depois que Jaime o limpara. Como não houvera choro, ela relaxou.
- Um menino - Ágata murmurou.
- Sim, e quieto.
- Graças a Deus. - Ela segurou a mão de Jaime. - Muito obrigada, meu amigo.
- Eu só queria ter impedido sua promessa a Malcolm. Pode custar muito caro, ama.
- Sim, eu sei. - Ágata contemplou o filho e sorriu. - Mas veja quem foi salvo, Jaime.
Os ferimentos de Alexander já haviam cicatrizado e ele se achava na muralha de Rathmor, olhando na direção de Leargan. Queria ir tirar Ágata das garras do tio, mas a primavera se atrasara. As chuvas constantes tornavam impossível um ataque frontal a uma fortaleza bem protegida. Seria suicídio. Ele o faria, no entanto não poderia exigir isso dos seus homens, alguns dos quais acabavam de se recuperar do seu resgate.
Ágata não iria aprovar mesmo que se perdesse apenas uma vida para salvá-la. Era o que o bom senso aconselhava, porém ele estava inquieto.
Vivia sobressaltado, pensando no que podia estar acontecendo a ela e ao filho que tinha no ventre. Será que MacCordy a forçara a ir para a cama dele, mesmo grávida? Será que o casamento que eles haviam proclamado em desespero estava sendo respeitado? Ágata estaria casada com MacCordy por um padre? Estaria viva?
Alexander expulsava essa última pergunta sempre que ela se delineava em sua mente. Não. Ele saberia se a vida de Ágata tivesse acabado. A ligação entre eles se tornara tão profunda que sentiria algo se ela morresse. Percebeu uma luz a seu lado e despeitou do devaneio mórbido. Olhou para baixo e viu o doce e solene rostinho de Sibeal, já vestida para dormir.
- Você deveria estar na cama, mocinha - repreendeu-a com voz gentil.
- Ela vai voltar, tio - Sibeal disse quando ele a pegou no colo. - Tia Ágata vai voltar para nós.
- Espero que esteja certa, meu bem...
Alexander se dirigiu para dentro, temendo que o ar úmido e frio da noite fizesse mal à criança.
A pequena passou o bracinho no pescoço dele, confiante:
- Tenho certeza, tio. Eu vi a titia voltando.
É comum uma criança criar histórias ou acreditar em um sonho e era evidente que aquela menina era mais suscetível que outras crianças. Ele parou junto à escada que levava ao quarto dela e sentou-se num degrau com a pequena no colo. Devia conversar com a sobrinha porque certas decepções podem machucar muito.
- Você acha que ainda sou uma criancinha boba - disse Sibeal, olhando firme para ele.
- Boba não, querida. Talvez mal orientada.
- Titia disse que me achariam boba ou pensar coisas ruins de mim... que sou uma bruxa. Por isso não falo nisso, mas com você eu posso, tio. Tive um sonho ruim com ela ontem e esta noite tive um bom. Quer que eu conte?
- Quero, sim. Mas não quer dizer que vou acreditar.
Ele achava que ouvindo poderia diminuir a importância que Sibeal dava aos sonhos e acalmar seu próprio medo.
- O sonho ruim me fez chorar, mas eu sabia que tia Ágata estava viva... Era muito escuro e vi sombras e um pouco do seu rosto. Tinha uma sombra imensa inclinada sobre ela. Tinha uma dor dentro dela. Tia Ágata estava com medo, mas não por causa da dor.
- Do que ela tinha medo, meu bem? A garotinha ficou muito séria.
- De alguma coisa lá fora. A coisa ruim estava perto, mas não estava lá, e a dor estava dentro dela. - Sacudiu os ombros. - Tia Ágata diz que vou explicar melhor quando crescer e souber mais palavras.
- É o bebê. Ágata estava tendo o bebê.
Alexander sobressaltou-se com a voz de Barry, pois não percebera que o irmão se aproximara. Precisou de toda força de vontade e determinação para lutar contra o fascínio de crer. A expressão de interesse do irmão, quando se sentou ao lado deles, forçou-o a procurar um argumento contra. O que chamavam de "dom" de Sibeal só podia ser fantasia de criança pequena.
- Você não devia encorajar a menina com estas coisas, Barry - disse, preocupado. - Pensei que tivesse ido deitar-se há horas.
- Fui, mesmo, mas acordei e tive o impulso de ir ver Sibeal. Ontem à noite ela foi ao meu quarto e tive medo que os pesadelos voltassem. Foi isso, filha?
- Não, pai - a menina foi para o colo de Barry. - Hoje o sonho foi bom.
O pai beijou os cabelos ruivos e macios.
- Você acredita que essas "visões" sejam verdadeiras, Barry? - perguntou Alexander.
- Você viu a prova com os cachorrinhos.
- Eu vi apenas sorte naquilo.
- Acha que se tratou apenas de um sonho normal de criança? Alexander não teve o que responder. A visão era um talento aceito, mas ele não gostava do que não entendia. No entanto, Barry tinha razão em dizer que não era um sonho normal de criança e não gostaria de ser obrigado a reconhecer.
- Como foi o sonho bom? - perguntou à pequena.
- Eu vim falar com você por causa disso, tio - Sibeal respondeu. - Vi que está muito triste e achei que ia gostar.
- Ah, meu bem, quero muito gostar do seu sonho - ele ficou tocado pela preocupação da pequena.
- Tia Ágata não está mais no escuro e a dor foi embora. Agora ela está fora, andando, andando e andando. Jaime está com ela. Os dois olhavam para mim enquanto andavam. Isso quer dizer que ela está vindo para Rathmor.
- Se eu pudesse acreditar em visões, diria que seu sonho significa exatamente isso. - disse Alexander, angustiado. - Mas não me atrevo a acreditar.
Séria, Sibeal fez que sim com a cabeça.
- Tia Ágata acredita, mas diz que não gosta.
- Mesmo que acreditasse, eu não poderia mandar meus homens sair com esse tempo apenas pelo sonho de uma menininha - explicou Alexander, o mais gentilmente que pôde. - A maioria deles iria pensar que sou um tolo ou que fiquei louco.
A pequena assentiu de novo.
- Tia Ágata não quer que falem das minhas visões. Ela disse que podem achar que sou perigosa.
- Ela está certa, querida. - Barry pôs a filha no chão. - É melhor isso ficar em segredo. Obrigado por nos contar seus sonhos, mocinha, e agora cama. Quer que eu a leve?
- Não precisa, pai. - Sibeal beijou o rosto de Barry. - Boa noite.
- Boa noite, querida.
- Preciso de um trago - disse Alexander assim que Sibeal os deixou.
Foi para o salão e Barry o acompanhou. Ficou olhando enquanto ele enchia uma caneca de cerveja, bebia tudo, depois encheu-a de novo e foi sentar-se à mesa principal. Em silêncio, Barry serviu-se de sidra e acomodou-se também.
- A avó de Mairi, aquela senhora espanhola, tinha a visão, mesmo? - perguntou Alexander, depois de alguns momentos.
- Tinha, Alex. Ágata disse que ela lamentava ter esse dom e que a única coisa boa daquilo era manter o sanguinário Colin com medo.
Alexander deu uma risada breve.
- Ágata me contou que sua avó detestou Colin desde o momento em que o conheceu. Parece que a velha senhora tinha algum discernimento.
- Alex, Sibeal não mente e nem conta histórias forjadas pela imaginação - afirmou Barry, olhando firme para o irmão. - É tão séria que às vezes eu me esqueço que é uma menininha.
- Não me peça demais, Barry. Desde que Ágata e as crianças chegaram a Rathmor aceitei seus filhos, não? Superei meu desgosto pelo sangue dos MacFarlane. Eu também coloquei minha semente no ventre de uma MacFarlane e a declarei minha esposa. Será que serei obrigado a acreditar que minha sobrinha vê o futuro? E se acreditar o que posso fazer a não ser esperar que essa... - Alexander procurou a palavra - digamos... profecia se realize? E, sejamos razoáveis, você acredita que Ágata enganou a guarda do tio, do noivo e todos aqueles homens?
- Se uma mulher puder fazer isso, essa mulher é a nossa Ágata. E, não esqueça, ela está com Jaime.
- É impossível esquecer aquele gigante. Mas ele é... simples - disse.
- Não tanto quanto pensam. E usa toda sua inteligência quando se trata de ajudar Ágata. Ele poderia precisar do cérebro dela ou a ajuda de outra pessoa para tirá-los de Leargan ou Craigandubh, mas depois que soubesse como só a morte o deteria.
- Ágata deve ter tido nosso filho e ainda estar de cama...
O medo e a dor de Alexander eram evidentes e Barry também se perturbava pensando em Ágata. Era difícil saber o que dizer ou fazer. Por fim ele se resolveu:
- Tudo isso pode parecer impossível e se o seu filho ainda vive, nascido ou não, seria um grande risco ela tentar fugir. Mas nada faria Ágata desistir se tivesse uma chance mínima. Alexander fechou os olhos, pensando em toda sorte de riscos que tal aventura traria.
- Sim, seria um grande risco.
- Tenho certeza de que Ágata vai agir pensando no destino do filho. Pode haver problemas entre vocês, mas ela sabe que o bebê estará mais seguro em suas mãos. Se houver a menor ameaça a ele, ela será capaz de andar descalça pelo inferno para salvá-lo.
- Por Deus, é verdade! - Alexander gemeu, com o medo por Ágata e o bebê pondo um gosto amargo em sua boca. - Só posso rezar para que haja perto dela alguém capaz de fazê-la pensar com bom senso.
Malcolm andava de um lado para outro do salão e falava com Ágata, que permanecia sentada e calma esperando que ele terminasse a repreensão para ir deitar-se. Ela precisava descansar bastante antes da jornada da qual ele tentava fazê-la desistir.
Como seus sensatos argumentos eram ignorados, Malcolm estava de péssimo humor e isso não o ajudava a externar sua preocupação sincera. Ela estava fraca, acabara de dar à luz, uma viagem como aquela poderia matá-la. Porém Ágata parecia cega aos perigos.
- Está me ouvindo, mulher? - ele se zangou. - É uma completa loucura. Se conseguir chegar a Rathmor, será para cair morta ao portão.
- Então Alexander cuidará de seu filho - Ágata respondeu. - Malcolm, desista. Você não pode mudar o que penso.
Ele resmungou e sentou-se à cabeceira da mesa.
- Fique pelo menos mais alguns dias - pediu.
- Não. Seria desafiar demais o destino. O bebê chora pouco, mas chora - sorriu - e seu choro pode ser ouvido por quem não deve ouvi-lo. Donald ou Duncan podem voltar a qualquer momento. Você garante que ninguém daqui vai me trair? A expressão dele respondeu que não e ela prosseguiu:
- É preciso também considerar as estações do ano. Se ficar, posso ser retida por outra tempestade. Ou, pior, posso ser apanhada. Há muitos homens dos MacCordy por aqui. Tenho que evitar esse risco.
Ágata tinha razão, porém Malcolm via aquela solução como um suicídio, se bem que permanecer ali também era perigoso. Ela se sentia cercada por ameaças de todos os lados e ele se sentia mal, pois era uma delas. Sua natureza honrada lhe dizia que não cobrasse a promessa de Ágata, mas ele temia que seu corpo não permitisse.
Naquele momento, ela também pensou no acordo que fizera com Malcolm. Como fora extraído por pressão, poderia ignorá-lo. Mas não seria fácil. Fora pedido um preço pela sua vida e a do seu filho; ambos estavam vivos e seu protetor corria um grande risco. Teria que cumprir sua palavra, se bem que assim fazendo praticamente perderia sua vida porque Alexander era a sua vida e aquele acordo com Malcolm iria tirá-lo do seu caminho.
- Vá dormir, Ágata. - A voz dele soou pesada de resignação. - Tem que repousar para sair amanhã de madrugada.
- Agradeço por tudo que fez por mim, Malcolm.
- Sim, claro...
Havia algo estranho no jeito dele, porém ela não pôde discernir o que era.
Malcolm observou Ágata se retirar, então fechou os olhos. Você é um bastardo, Malcolm MacCordy, um verdadeiro bastardo!, pensou. Riu com menosprezo a si mesmo por não ter coragem de chamar a moça e dizer-lhe que estava dispensada da promessa.
Giorsal estava no quarto quando Ágata entrou. Parou de balançar o berço e se pôs de pé. Com a promessa feita a Malcolm pesando-lhe na consciência, Ágata não conseguia olhar a jovem de frente. Desde que chegara ali ficara claro que Malcolm significava o mundo inteiro para ela. Cumprindo o acordo, iria magoar uma pessoa que fora boa para ela.
- Foi uma promessa feita sob ameaça - Giorsal disse, de repente. - Não precisa honrá-la e ninguém espera que o faça.
- Não, talvez não, mas nem todos pensam assim. - Ágata se deitou depois de dar um beijo no filho. - Eu queria que você tivesse esquecido isso.
- Foi só há dois dias, como poderia esquecer? - murmurou a jovem e saiu do quarto.
Ágata precisava dormir, mas logo percebeu que seria difícil. Não parava de pensar no que poderia acontecer quando a madrugada chegasse. Apesar de ter resistido aos argumentos de Malcolm para que ficasse, sabia que seria o melhor a fazer. Partir significava enfrentar vários perigos e ficar, também.
Passou a mão no ventre que ainda doía e se recuperava do trabalho intenso que terminara apenas há dois dias. Em geral, uma mulher ficava de cama por quatro dias depois do parto e tomava cuidados durante um mês. E ela ir andar durante vários dias com seu corpo ainda sangrando. Disse a si mesma que as camponesas, esposas de arrendatários pobres, levantavam-se logo depois do parto e trabalhavam. Mas isso não acalmou seu medo.
E havia o filho recém-nascido a considerar. Era saudável e forte, mas iria exigir muito dele poucos dias depois de ter saído da segurança quente do útero materno. Levá-lo numa caminhada de vários dias, submetendo-o aos caprichos da natureza, poderia ser assinar sua sentença de morte. Talvez fizesse todo aquele esforço apenas para ir enterrar o filho de Alexander no solo dos MacDubh.
E se arriscasse a vida do filho para descobrir que Alexander morrera? A febre e a infecção poderiam ter minado as forças dele e...
Sacudiu a cabeça com violência: se ele estivesse morto, ela saberia de alguma forma. Uma pessoa não pode deixar de saber quando a luz da sua vida deixa o mundo. Sentiu-se confiante de novo. Tinha que voltar para Rathmor, para Alexander a fim de presenteá-lo com seu filho e herdeiro.
Apesar de saber que poderia estar vivendo de falsas esperanças, preferia acreditar que toda aquela ansiedade em voltar era porque Alexander estava vivo.
Como ele iria aceitar a criança não a preocupava. Vira seu amor pelos filhos de Barry crescer, apesar de terem sangue dos MacFarlane. E ficara ansioso pela criança que ela trazia no ventre, apesar da primeira reação. Provara o quanto a queria ao sair em busca do padre para abençoar a união deles e a proclamara sua esposa diante de um clã inteiro. Nada poderia lhe demonstrar com mais clareza que ele queria esta criança.
Quando o sono chegou, Ágata teve pesadelos. Dormiu tão mal que recebeu a chegada da madrugada como uma espécie de alívio. Não tardou a perceber que precisava de todas as suas forças já, porque logo teve que enfrentar os argumentos de Jaime e Malcolm contra a viagem. O medo que abafara se renovou e quase a fez desistir diante de tanta insistência e súplicas, mas se manteve firme.
Com o filho preso ao corpo por um cobertor amarrado a tiracolo e protegido por sua capa, Ágata e Jaime foram levados para fora da torre sem que as sentinelas incapazes percebessem.
Quando se viu ao ar livre, apenas com Jaime e o bebê, ela ficou momentaneamente aterrorizada. Rathmor ficava tão longe e demorariam tanto para chegar lá a pé! Malcolm não pudera dar-lhe cavalos, pois isso demonstraria a Donald o que acontecera.
Os primeiros passos de Ágata foram hesitantes, até que a força retornou. Quando seu andar ficou firme, compreendeu que fossem quais fossem os perigos que a esperavam, no fim da jornada estava a segurança do seu filho. Isso bastou para dar-lhe a coragem que precisava.
Alexander recebeu a madrugada com o coração pesado e seguiu o impulso de ir para as muralhas. Recebera notícias de Ágata. Ela não estava em Leargan, mas sim em Craigandubh. Onde, naquela incrível fortaleza, ainda era um mistério. O homem que conseguira a informação havia garantido que ela vivia, mas não sabia da sua saúde nem se já havia dado à luz.
Ele continuava não acreditando na mensagem trazida pela visão de Sibeal, mas assim mesmo não desviava o olhar do horizonte. O clima severo começava a dar mostras de melhora. Breve um ataque seria possível. Infelizmente não sabia onde deveria atacar. A frustração o fez cerrar os punhos. Todos os planos que fazia eram mera perda de tempo. Tinha que esperar, coisa que nunca fora fácil para ele. Paciência nunca não era seu lado forte. E com Ágata e o filho deles envolvidos, era quase impossível encontrar vestígios dessa qualidade. Tudo que desejava era entrar em ação e tinha vontade de chorar porque nada podia fazer.
Tenso, procurava ver qualquer movimento nos campos.
- Isto é capaz de levar um homem à loucura - disse com os maxilares cerrados. - Não sei onde olhar ou a quem procurar. Pelo amor de Deus e pela minha paz de espírito, Ágata, mande-me um sinal!
Ágata estava sentada debaixo de uma árvore lutando contra o sono enquanto o bebê mamava. Toda vez que parava de andar, dormia. A exaustão se tornara uma companhia constante e ela sabia que por isso tinha mais chance de adoecer, mas estava muito cansada para se preocupar.
Com cuidado, Jaime tirou o bebê dos braços dela e amarrou o cordão do corpete, ignorando os protestos sonolentos. Ajeitou o bebê num ombro e afagou-lhe as pequeninas costas, murmurando palavras sem sentido e ajudando-o a. livrar-se do ar no estômago. Ao contrário de sua mãe, o herdeiro de Rathmor estava forte. A cada sinal de saúde do menininho, o receio de Jaime diminuía em relação a ele e aumentava em relação a Ágata.
Já haviam percorrido enorme distância e isso a enfraquecera. Ela não se queixava, mas ele notou que pegara um severo resfriado por causa da constante neblina fria e da tempestade que caíra na noite anterior. Seu rosto estava pálido pelo cansaço, no entanto havia um avermelhado insistente em suas faces. A força que ainda tinha era usada para colocar um pé adiante do outro e cuidar do filho. Não teria como debelar a febre e Jaime temia que sua condição de fraqueza trouxesse a morte.
Relutava em acordá-la porque ela precisava desesperadamente de descanso, mas era um luxo do qual não podiam dispor. Com mais meio dia de caminhada chegariam ao esperado destino. Em Rathmor teriam calor, cama, comida e quem cuidasse dela. Precisavam continuar e Ágata lhe dera uma ordem clara ao partirem: ele não devia hesitar por ela, levar o pequeno para Rathmor era o mais importante.
- O bebê mamou - Ágata murmurou, esforçando-se para se erguer.
- Sim, ama. Temos que continuar. Devemos chegar a Rathmor ao cair da noite. Não - recusou ele, quando ela quis pegar a criança -, eu o levo.
Ágata não discutiu. Mesmo o pouco peso do menino era demais para ela, que mal ficava em pé. Seus membros pesavam muito e não conseguia pensar com clareza. Tentava não demonstrar que se sentia mal, mas o modo como Jaime a olhava dizia que ele sabia.
Quando haviam passado pelas terras dos MacCordy fora preciso que se escondessem várias vezes dos homens de Donald. Já estavam livres desse risco, contudo não sabiam se poderiam confiar totalmente em todos os homens dos MacDubh que encontrassem. Alguém de Rathmor os havia traído dizendo a Donald onde Alexander e ela estariam no dia em que tinham ido se casar. Por isso caminhavam longe de casas, entre árvores e perto de lugares onde pudessem se esconder.
Ela pensava em Alexander o tempo todo. Por fim iria vê-lo recuperado dos ferimentos e lhe entregaria seus medos podendo então descansar, Ele protegeria também seu filho e ela se veria livre daquele peso terrível no peito.
Agarrou-se a esses pensamentos paia seguir em frente.
Na muralha, Alexander esperava. Notícias de que os MacCordy e MacFarlane cavalgavam pelos campos indicavam que Ágata escapara dos inimigos. Era uma boa notícia, mas gostaria de saber com quem ela estava, se é que alguém a acompanhava.
A única certeza que tinha era que sentia demais a falta daquela mulher. Sua cama nunca lhe parecera tão vazia, mas nem sequer pensara em preencher o espaço que ela deixara. Toda vez que pensava em como Ágata se tornara parte da sua vida ele se surpreendia e não sabia se gostava dessa situação. Fora exatamente disso que tentara se proteger.
Ordenara que algumas patrulhas percorressem os arredores de Rathmor. Sabia que era pouco, mas pelo menos estava fazendo alguma coisa. Se por milagre Ágata estivesse vindo para Rathmor, seus homens a encontrariam. Só rezava para que ela não os evitasse temendo um traidor, pois não podia saber que ele morrera.
- É duro não ter notícias.
Alexander virou-se e viu Barry a seu lado.
- Acho que, a esta altura, mesmo a notícia da morte dela seria um alívio.
Barry colocou a mão num ombro do irmão, confortando-o, e meneou a cabeça.
- Não posso acreditar que Ágata esteja morta.
- Nem eu, mas como é possível ela continuar desaparecida há mais de uma semana com três clãs à sua procura? E como se tivesse virado uma nuvem... Estaria aí fora sem estar aí fora... - Alexander fez um gesto de desânimo. - Veja, estou cheio de fantasias.
- É difícil ver uma pessoa que se esconde. No máximo duas, se Jaime ainda estiver vivo. E a vida deles está em jogo.
- É verdade. Isto faria qualquer idiota se tornar esperto e Ágata não é idiota...
Por um momento Alexander desejou que ela não fosse tão inteligente, assim teria ficado onde estava e ele teria tido a chance de ir resgatá-la.
- E quando se trata de proteger sua ama - acrescentou Barry -, Jaime adquire admirável esperteza. Espero que esteja vivo, pelo menos pela nossa Kate. - Sacudiu os ombros. - Só percebi que ela estava apaixonada por ele quando ficou tão calada e triste.
- Tomara que Jaime esteja com Ágata - era quase uma prece de Alexander. - Talvez esteja chegando o momento do parto ou talvez nosso filho já tenha nascido. Ela precisa da força dele.
Ágata viu que não podia mais lutar com a fraqueza e nem escondê-la de Jaime. Tropeçara duas vezes, culpara os obstáculos, recuperara o equilíbrio e continuara andando. Na terceira vez não conseguiu. Sentou-se onde caíra e lutou contra as lágrimas. Parecia-lhe a pior das sortes perder as últimas forças quando já estavam tão perto.
- Ah, Jaime, não consigo dar nem mais um passo! - disse, com a cabeça baixa. - Continue e leve meu filho para Rathmor.
- Não diga bobagens! Não vou deixá-la aqui. Amparou-a até levá-la para a proteção de algumas árvores; sentou-a no chão e agachou-se diante dela.
- Posso ordenar que faça isso - Ágata tentou parecer zangada.
- Pode, mas eu não obedeceria. Então não desperdice o resto do seu fôlego. Um bebê precisa da mãe.
- Há muitas mulheres em Rathmor para segurá-lo e uma ama-de-leite poderá me substituir.
- Um homem precisa da sua mulher - Jaime tentava animá-la.
- Alexander MacDubh não precisa de ninguém. Não vai sentir a minha falta. - A voz dela tremia de cansaço. - Jaime, não adianta. Mal posso erguer um dedo, quanto mais andar. Meu corpo diz "chega". Foi o pensamento de estarmos perto de Rathmor que me manteve andando o dia todo.
- Eu sei, ama. Não descansou do parto e está com febre... Jaime encostou a mão na fronte dela e assustou-se com sua quentura.
- Sim e a febre não me deixa pensar com clareza. Continue, Jaime. Depois volte para me buscar.
- Não a deixarei aqui. Estamos perto e sinto cheiro de chuva no ar. Vou carregá-la.
- Não, isto vai nos atrasar.
Jaime ia insistir quando algo chamou sua atenção. O som de patas de cavalos se aproximava. Rápido, colocou o bebê no colo de Ágata e aprumou-se. Com os movimentos silenciosos de todos aqueles dias, deslizou para a beira do caminho. Estavam perto de Rathmor, mas os homens que se aproximavam poderiam ser inimigos. Escondeu-se atrás de uns arbustos e esforçou-se para enxergar o pequeno grupo à luz difusa do crepúsculo. Reconheceu o líder e respirou aliviado.
- Eu não queria voltar para o lorde sem notícias, mais uma vez - queixou-se um homem.
- Sim - Angus concordou. - O lorde está ansioso por agir, apesar de nada podermos fazer. Por Deus, onde estará aquela mulher?
- Está bem aqui, Angus - Jaime gritou, saindo para o caminho.
- Jaime? - Angus e todo o grupo fitaram surpresos o gigante. - É você?
- E nenhum outro. Seus olhos estão ruins?
- Meus olhos estão ótimos! - Angus e os demais apearam. - Há uma semana cavalgamos atrás de você e da dama. Nunca imaginei que iria aparecer de repente, como se nada estivesse acontecendo.
- Também não pensei encontrá-lo, com tantos MacCordy e MacFarlane andando por aí.
- Aqueles bobos tropeçam uns nos outros e não vêem nada! Onde está a dama?
- Logo ali, Angus.
Com o filho mais velho, Angus seguiu Jaime até Ágata e praguejou quando a viu.
- Oh, senhora, ficou louca?
- Que recepção calorosa... - Ágata murmurou quando os homens ajoelharam-se a seu lado. - Veja, Angus, um menino!
Ela levantou a capa o suficiente para ele ver a criança.
- Meu Deus! Quando ele nasceu?
- Há mais ou menos uma semana. Não, quinze dias, acho. - Ela quis sentar-se e Angus teve que ajudar. - Ele decidiu não esperar até eu trazê-lo para casa.
- E completamente louca, senhora! Deveria estar em uma cama, não andando pelos campos. Pensa que é uma camponesa? Minha Santa Maria, está exausta e acabada!
- Sempre pronto para um elogio, hein, Angus? Ah, sim, estou muito cansada. Alexander está bem?
Era evidente a tensão dela enquanto esperava a resposta.
- Sim, ele se recuperou bem, apesar de ter sofrido bastante. Estava ansioso para passar alguém na espada, mas com o seu desaparecimento não sabia contra quem levantá-la.
Apesar do quando se sentia mal, Ágata sorriu.
- Imagino como deve ter ficado impaciente.
- Ah, isto é verdade, minha dama. Vamos. Jaime, leve o bebê que eu levo esta dama louca! - Angus se voltou para o filho:
- Monte com Lachlan, Rory.
- Eu quase consegui, Angus - Ágata falou enquanto o homem corpulento a levantava nos braços. - Quase... não posso dar mais nem um passo.
- É! Quase conseguiu e quase se matou, também. Acho que está com febre.
- Vai passar - ela murmurou.
Sentia frio até nos ossos e procurou aquecer-se junto ao corpo de Angus, que estava assustado com a aparência dela.
Sabia que a febre depois do parto tirara a vida de muitas mulheres. Orientou que os cavalos corressem ao máximo, mesmo tendo cavalgado o dia inteiro. Tinha medo que Ágata houvesse voltado a Rathmor para morrer. Seria uma tragédia horrível para Alexander.
Foi o caos quando o grupo de Angus chegou. Alexander foi à muralha para ver.o que estava provocando tanta agitação. Desceu, seguido por Barry, e chegava ao portão quando os cavaleiros entraram. Todos pararam e ficaram em silêncio. Tenso, ele viu Jaime apear e ser abraçado por Kate. Olhou para Angus. Foi fácil reconhecer o cabelo negro como a noite que descia solto do corpo envolto numa capa que ele trazia nos braços. Correu para ele e hesitou, o coração falhando algumas batidas quando viu o estado de Ágata. Levou algum tempo para reencontrar a fala, tal o medo que apertava o coração.
- Ágata? - murmurou, quando Angus a passou para seus braços.
Ela acordou e disse, num fio de voz:
- Eu trouxe nosso filho, Alexander MacDubh.
- Pelos céus - balbuciou Barry.
Jaime parou ao lado deles com o bebê e mostrou seu rostinho. Ágata passou os braços pelo pescoço de Alexander e se aninhou no seu peito.
- Precisa escolher um nome para ele, Alexander, e batizá-lo. - Sentiu que o lorde estremecia. - Desculpe-me. Não tive como fazê-lo. Precisava me esconder... Por favor, não deixe que o Jaime saia das muralhas. Donald disse que o mataria lentamente se me ajudasse.
- Aqui é a casa de Jaime enquanto ele quiser. - Alexander beijou-lhe a testa. - Agora fique quieta, querida. Você precisa de descanso.
- Só mais uma coisa... - A voz dela soava cada vez mais fraca. - Eu queria que Jaime fosse o padrinho. Ele trouxe o nosso filho ao mundo. Faria isso por mim?
- Sim, meu amor. Não há quem mereça mais do que ele, depois de ter trazido você e meu filho de volta.
Alexander levou Ágata para o quarto deles, onde ela foi lavada, agasalhada numa camisola quente e posta na cama. Ele ficou a seu lado, segurando-lhe a mão até que adormecesse. Então deixou Kate com ela e ele foi procurar Jaime. Encontrou-o no grande salão trocando o bebê sobre um tapete em frente ao fogo. Ajoelhou-se ao lado do menino saudável e observou-o, fascinado. Custava a acreditar que era pai novamente.
- Ele tem tudo que precisa - Jaime disse, terminando de vestir o menino. - Sim e tudo no devido lugar. É forte e saudável.
Quando o bebê segurou o dedo do pai com uma força surpreendente, Alexander ficou emocionado. Foi com a voz embargada que ele pediu:
- Conte-me tudo que aconteceu, Jaime.
Pegou o filho e foi com o gigante acomodar-se na mesa principal. Depois que Jaime terminou de contar com detalhes o que se passara, o lorde ficou calado por um longo tempo.
- Então, parece que devo duas vidas a Malcolm MacCordy - disse por fim, meneando a cabeça. - Juro que ele não morrerá por minha espada.
Jaime assentiu em silêncio.
- E farei o máximo para que não seja atacado pelos meus homens. Ainda que considere os MacCordy meus inimigos, deixei de considerar Malcolm como parte daquele feudo. Pelo ato de salvar a vida de Ágata e do meu filho ele lavou as mãos do sangue de meu pai. - Mas o ciúme que havia em seu coração se manifestou. - Ainda bem que Ágata estava barriguda e perto de dar à luz, caso contrário estou certo de que Malcolm teria pedido algo em troca de protegê-los.
Jaime surpreendeu-se com a própria capacidade de ocultar.
Enganar nunca fora seu forte, por isso apenas assentia conforme o outro falava, sem mencionar a promessa feita porque não queria estragar o reencontro dos dois.
Quando Angus chegou com a ama-de-leite que Alexander mandara buscar, o pai deixou o bebê com ela e voltou ao seu quarto; dispensou Kate e ficou ao lado de Ágata.
Ela delirava. De vez em quando chamava por ele, atormentada por cenas da sua morte. Em outros momentos via Donald cumprindo as ameaças doentias feitas ao seu filho. E Alexander nada mais podia fazer do que acalmá-la falando suavemente com ela.
Os dias passavam e havia pouco a ser feito. Ágata era mantida limpa, seca e em repouso; com muito esforço e paciência a faziam tomar sopas preparadas de modo a devolver-lhe as energias. Alexander nunca se sentira tão incapaz. Nada podia fazer enquanto ela lutava contra um inimigo que não temia a ele e nem a sua espada.
No dia seguinte à chegada a Rathmor o filho deles fora batizado como Moragh Tamnais MacDubh e proclamado herdeiro do lorde de Rathmor, mas não houvera celebração. Iriam esperar pela recuperação de Ágata.
O padre que Angus trouxera fora convencido a ficar e orava o tempo todo para realizar o casamento e não funeral de Ágata. As visitas e a preocupação dos habitantes de Rathmor demonstraram que ela fora aceita, apesar de ter sangue MacFarlane.
Alexander estava no quarto quando, ao fim de uma semana, a febre cedeu. Sentiu que lhe desciam lágrimas pelo rosto, mas nada fez para esconder a emoção. Depois de se controlar, mandou chamar Kate para ajudá-lo a atender Ágata. Quando a jovem criada se retirou, ele trocou de roupa, deitou-se ao lado dela e, pela primeira vez depois de tanto tempo, dormiu um sono profundo.
Ágata acordou lentamente e, confusa, olhou ao redor. Quando viu a cabeça com cachos loiros, a mão grande e esguia sobre um dos seus seios sorriu. A memória foi voltando: a perigosa viagem tinha sido bem-sucedida.
- Ágata?
Emocionada, ela fitou os olhos azuis de Alexander.
- Eu consegui.
- Conseguiu, por pouco - concordou ele, com a voz presa.
- Mas fiquei um pouco doente.
- É... Um pouco.
- Nosso filho! - Ágata agarrou-se ao braço dele com um de seus medos de volta.
- São, saudável e batizado.
- Que nome você deu a ele?
- Moragh Tamnais MacDubh.
- Um nome forte e bom. O que acha do seu filho? - perguntou ela, com certa timidez.
A resposta imediata foi um beijo tão cheio de ternura que fez Ágata ter fé no futuro. Pareceu-lhe impossível um homem beijar uma mulher com tanto ardor se nada sentisse por ela.
- Não existe outro garoto tão lindo em toda a Escócia - disse Alexander quando seus lábios se separaram.
- Ele tem os seus olhos...
- E também o meu gênio.
- Pobre ama-de-leite! - murmurou Ágata com um brilho divertido nos olhos. - Ela não vai agüentar até que ele desmame.
Alexander beijou-a de novo, desta vez com mais delicadeza.
- Como se sente?
- Exuberante.
- Ótimo! - Ele acariciou o bico de um seio até que ficasse duro. - Conheço este sinal...
E saiu da cama, pois sabia que ia querer fazer amor e Ágata ainda não estava pronta para isso.
- Aonde você vai? - ela perguntou, observando-o se vestir.
- Para longe da tentação. Vou mandar que lhe tragam comida e buscar o padre.
- Alexander, não estou moribunda! Não preciso de um padre.
- Se quiser se casar, moça, precisa sim.
- Ainda estou de cama! - ela reclamou, mas sentindo-se feliz. - Não pode esperar?
- Eu disse que nos casaríamos diante da igreja assim que conseguisse um padre. Ele está aqui e vamos nos casar.
O padre era jovem e estava nervoso, visivelmente perturbado com a irregularidade do casamento, mas o realizou. Ágata suspeitou que ele estivesse preocupado em não deixar Alexander bravo ou ofendido. Era possível, também, que achasse que o casamento já deveria ter sido celebrado bem antes.
Realizada a simples cerimônia, Alexander, com firmeza e rapidez, fez saírem as poucas pessoas que a haviam assistido. Era evidente o cansaço de Ágata: a primeira refeição consistente e o casamento a haviam exaurido. Pegou a mão do marido quando ele sentou-se a seu lado na cama. Era frustrante saber que teriam de adiar a primeira noite de casamento por algum tempo.
- Agora você está preso a mim, Alexander MacDubh - ela murmurou, com os olhos se fechando.
- Estou - ele beijou-lhe a palma da mão e continuou a segurá-la mesmo depois de Ágata adormecer.
Ágata era de fato dele, pensou estranhando a sensação de calma que o envolveu. Estava se acostumando com emoções desconhecidas.
Ágata ficou duas semanas de cama. Outras duas em convalescença, sempre mimada por todos que a rodeavam. A sua volta corriam rumores de que os MacCordy e MacFarlane preparavam um ataque, mas não se falava disso com ela. Precisava de calma, sim, mas estava descansada, alimentada e saudável como nunca estivera na vida e queria livrar-se de tantas atenções. Planejava pôr um fim nas gentilezas intermináveis que Alexander lhe dispensava e, principalmente, na abstinência que se impusera.
- Não precisa mais acender a lareira, Kate. Estamos no verão, esqueceu? - Ágata reclamou entrando na tina para o banho. - Pelos céus, vou ficar torrada.
Teimosa, Kate pôs outra acha de lenha no fogo.
- É para manter a gripe longe.
- Peguei gripe porque me esforcei demais depois de Moragh nascer.
- A senhora precisa se cuidar e não sei por que tomar outro banho. Já tomou anteontem.
- Qual a idade de Moragh, Kate?
- Dois meses - respondeu a moça, intrigada.
- Exatamente... - Ágata deu-lhe um olhar que até um cego entenderia.
- Ah, sim! - Kate corou e seus olhos brilharam. - Vou buscar uma coisa... - E saiu correndo.
Ágata envolveu-se na toalha e sentou-se perto do fogo para secar os cabelos. Pensava em como convencer Alexander de que estava não só pronta para o amor, como também sedenta por ele, quando Kate retornou. Olhou para a camisola rendada, de linho branco, que ela trazia e bateu palmas. Era uma peça que fazia as mulheres sentirem-se sedutoras e os homens, interessados.
- Tem certeza de que já pode? - Kate perguntou, ajudando Ágata a vestir a camisola leve.
- Vai ficar embaraçada se eu responder, Kate. - A moça riu e Ágata acrescentou: - Isto deverá mudar o comportamento do nosso lorde, ou melhor, fazê-lo voltar a ser como era... Nunca pensei que meu marido queria se tornar santo e espero que não fique decepcionado se não conseguir.
Alexander sucumbia sob o peso do celibato que se impusera. Os últimos dias tinham sido os piores. Evitava Ágata o mais possível porque estar com ela e não tocá-la era insuportável. Para isso passara a dormir em outro quarto.
Tomou banho, recostou-se na cama com a toalha enrolada na cintura e um cálice de vinho na mão. Contava com a temperatura ainda um tanto fria para apagar o desejo e que o vinho fizesse o sono vir logo. Mas não estava dando certo.
Um barulho na porta que dava para o quarto deles o fez voltar-se. Ágata vestia a camisola branca transparente, com renda e delicados laços de fita azul-clara. A pele dourada e os cabelos negros se destacavam pela brancura do linho fino. O desejo se tornou tão imperioso que o paralisou.
- Precisa de alguma coisa? - perguntou com voz grave e se esforçando para desviar os olhos.
Ela se aproximou, sorrindo, e sentou-se na cama.
- Nos vimos tão pouco durante o dia que resolvi vir conversar um pouco.
- Conversar? - ele se perguntou como uma mulher podia ser tão inocente e sedutora ao mesmo tempo? - Sobre o quê?
- Não sei. Deve haver vários assuntos.
- Ah, sim. Deve haver.
Ele se esforçou para encontrar assunto, mas só pensava em deitar Ágata em sua cama. Sentia seu cheiro, o calor da coxa esguia encostada na sua perna. Recostou-se no travesseiro, fechou os olhos e abafou um gemido.
- Seria bom conversar com você, moça, mas estou cansado - murmurou. - Volte para sua cama, querida.
Ágata levantou-se devagar. A toalha não ocultava o desejo que ele sentia, mas a dispensara sem nenhum beijo. Quanto tempo ele imaginava que era preciso para se recuperar de um parto e de uma febre? Alexander poderia entrar em guerra sem que eles ficassem juntos pelo menos mais uma vez... Resolveu agir. Tirou a camisola em silêncio, dobrou-a e colocou-a num banquinho. Aproximou-se da cama e puxou a toalha.
Alexander sentou-se, perplexo.
- O que é isso, ficou louca? - A voz dele foi sumindo diante da nudez mal disfarçada pelos cabelos soltos. Suspirou:
- Meu Deus...
- Eu disse que vim conversar - lembrou-o Ágata.
- Conversar?
- Você guinchou!
E ela riu do som agudo emitido por tamanho homem.
- Eu não guinchei! - Alexander tentou falar com autoridade. - Vista-se.
- Não - ela saltou para cima da cama.
- Ágata!
Ágata empurrou-o e, graças a ele estar aturdido, fez com que se deitasse. Montou-o com agilidade, segurou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-o.
- Você acabou de ter um filho e... - protestou ele, quanto pôde.
- Esse filho tem dois meses.
- Teve febre até recentemente.
- Já faz quase um mês. Estou saudável. Prepare-se, Alexander MacDubh - ordenou ela, no auge da excitação.
- Preparar? Para quê?
Quando quis se mexer, ele viu que ela segurava seus punhos acima da cabeça com uma só mão. Poderia se soltar, mas quis ver o que aconteceria. A voz dela tornou-se sedutora, com um misto de paixão e divertimento.
- Para se tornar o primeiro homem na Escócia a ser violentado por uma mulher em desespero.
A risada dos dois foi sumindo conforme seus corpos se tocavam pelo riso. O jogo de Ágata e a teimosia de Alexander se estilhaçaram. Nenhum dos dois liderou o amor selvagem que se seguiu: alternaram-se nas carícias até chegarem ao êxtase. Ficaram abraçados, deixando que o intenso prazer se diluísse aos poucos.
Ele a cobriu com o lençol depois que separaram seus corpos satisfeitos.
- É... Sinto-me um pouco violentado.
- Só um pouco? - Ágata se aconchegou e esfregou o rosto no peito dele.
- Sim. Vai ter que se esforçar mais da próxima vez - ele sorriu.
- Bem, isso tem um preço. Se quiser pagá-lo...
- É? - Alexander afagou os cabelos sedosos de Ágata. - Que preço?
- Três meses sem dormirmos na mesma cama.
- Demora tanto assim para você me desejar?
- Não. Mas demora tudo isso para eu ficar enlouquecida e violenta.
- Sabe - confessou Alexander quando pararam de rir -, eu também estava enlouquecendo.
- Bem que o achei meio estranho... Nunca imaginei que mandasse uma mulher se vestir!
- Nem eu. É você que me descontrola, Ágata. - A voz dele se tornou rouca. - Ouro e ébano... Noite doce e aurora quente.
- Você faz com que a maldição do meu corpo se torne uma bênção, Alexander.
- Pequena e doce Ágata, nunca houve maldição. Você se afligiu por tolices. Eu jamais daria meu nome a uma prostituta.
- Beijou-a e interrompeu o beijo quando a viu perder o fôlego.
- Mulheres espanholas podem ser muito quentes e mulheres escocesas podem ser muito justas. Você tem o melhor das duas nacionalidades. - Acariciou-lhe o rosto enrubescido. - E cora quando é elogiada, moça!
- É que estou acostumada só com insultos.
- Fico furioso quando a imagino ouvindo as bobagens que os MacFarlane e os MacCordy diziam. Sinto vergonha de não lhe ter dito tudo que há de maravilhoso em você. Nunca fui bom em elogios.
- Não preciso de elogios.
- E do que precisa, meu bem?
Ela evitou os olhos azuis, temendo revelar o quanto amava Alexander. Precisava ter cuidado: ele desistira de usá-la como vingança, casara-se com ela, mas nenhuma vez dissera que a amava. Alexander percebeu a relutância. Segurou o rosto dela com delicadeza e fez seus olhos se encontrarem.
- Desde o dia em que uma moça vem ao mundo, Ágata, ela sabe que seu destino é casar e começa a sonhar. Você nunca sonhou com isso?
- Bem, eu queria que o homem que se casasse comigo aceitasse os filhos de Mairi. Não foi bem assim que aconteceu, mas tenho o que sonhei.
- Não posso acreditar que só desejava isso.
- Não... - Ágata procurou um jeito de expressar suas esperanças sem declarar seu amor e nem parecer obrigá-lo a fazer o mesmo. - Queria que meu marido não fosse muito velho nem muito feio. E que não me envergonhasse indo para a cama com todo rabo-de-saia que encontrasse. Acho que todas as mulheres querem isso. Quando fiquei mais velha, quis outra coisa...
- O quê?
- Que ele não quisesse que eu fosse uma desmiolada e aceitasse tudo sem discutir. Queria que meu marido não me olhasse apenas como a parideira dos seus herdeiros ou arrumadeira da sua casa. - Ela deu um sorriso fugidio. - Nunca soube qual destes desejos era o mais importante.
Alexander percebeu que ela não dissera tudo, mas não quis pressionar.
- Bem, penso que posso preencher esses requisitos. Não a rodearei de bastardos chorões. Não vou jurar que jamais terei a fraqueza da carne, mas não andarei atrás de mulheres. - Deu-lhe um beijo leve nos lábios. - Você esquenta muito bem a cama de um homem, moça!
- Mesmo a cama do homem que dizem ter se deitado com metade das mulheres da Escócia?
- Sim, mesmo a dele, se bem que eu não conheça esse imbecil libidinoso. - Sorriu ao vê-la rir, mas logo ficou sério. - Não quero que seja submissa, por mais que eu a mande ficar no seu lugar. Uma esposa com dignidade e sabedoria só pode fazer bem. O que me incomodava na minha madrasta, nas minhas mulheres e na mulher de Barry era a ambição e a astúcia. Você não tem o estigma da loucura e é honesta: não temo que faça uma armação às minhas costas.
Essa declaração de confiança alegrou Ágata, mas ela nada demonstrou com medo de Alexander voltar a se fechar se percebesse o quanto abrira a guarda que mantivera por tantos anos.
- Foi o que Agnes e as outras fizeram, Alexander, tramar e traí-lo? - perguntou, esperando por fim entender por que ele acumulara tanto ódio das mulheres.
- Sim. - A expressão dele endureceu ao pensar no que lhe acontecera e a Barry. - Elas não hesitaram para conseguir o poder, único amor que tinham, e só trouxeram miséria para Rathmor. Ah, sim, e uma morte ou duas. As mentiras sórdidas da minha madrasta levaram meu pai até seu tio para encontrar a morte.
A última coisa que Ágata queria era lembrá-lo da raiva e ódio que sentia por seu tio e os MacCordy. Temerosa, procurou o olhar dele e se acalmou ao ver que não tinha aquela antiga fúria dirigida a ela. Afinal Alexander a via simplesmente como Ágata, não como uma MacFarlane.
- E começaram uma guerra que ainda não terminou - ela murmurou.
- Isso será resolvido amanhã.
Ágata demorou a entender o que ele dissera. Mas ao entender sentou-se, zangada, com o lençol apertado ao peito.
- Amanhã? - A voz dela falhou. - Vai haver uma batalha amanhã?
- Sim, amanhã cedo.
Em vez de se irritar com a braveza dela, Alexander ficou fascinado com os grandes olhos negros amorosos que se tornavam tempestuosos.
- E quando ia me contar, Alexander?
- De manhã.
- Antes de se esquivar da primeira flecha, suponho.
O fato de saber que não lhe haviam dito nada para evitar-lhe preocupações a fez zangar-se mais. E boa parte da zanga era consigo mesma: é evidente que tinha percebido que uma batalha se aproximava, mas não procurara saber os detalhes. Mantivera-se concentrada no filho e em Alexander.
De repente, um pensamento assustador passou-lhe pela cabeça: Alexander podia tê-la mantido desinformada da batalha iminente por medo de ser traído. Resmungou uma imprecação e saltou da cama sem se preocupar com a nudez.
- Você não confia em mim. Acabou de dizer que não teme que eu o traia, mas não é verdade!
Pegou a camisola e se dirigiu para o outro quarto.
- Ágata, do que está falando? Ela se voltou para encará-lo.
- Você me insulta e ainda pergunta o que há?
- Eu a insultei?
Pela primeira vez na vida uma mulher o deixava completamente perdido.
- Pare com esse jogo, Alexander MacDubh. - Ela apontou o indicador trêmulo para ele. - Você não me disse nada sobre essa guerra com medo que eu avisasse meus parentes.
- Você está louca! Volte aqui e seja sensata.
Ele lhe pareceu tão arrogante e autoritário que ela teve vontade de voltar para a cama e dar um soco no belo nariz.
- Não. Cansei de ser feita de boba!
Ágata se dirigiu para a porta e Alexander foi atrás. Segurou-a, ignorou as ameaças, deitou-a na cama e prendeu-a com o próprio corpo. Quando pôde olhá-la, sorriu. O cabelo lhe caía de tal forma sobre o rosto que só podia perceber o brilho dos olhos. Ergueu-lhe os braços acima da cabeça, segurou-os pelos pulsos com uma só mão e com a outra afastou o cabelo.
- Nunca tive tanta dificuldade com uma mulher... - murmurou dando-lhe um beijo no nariz.
- Então eu sou a "difícil"? - A forma como ele pressionava o corpo contra o seu, dando-lhe beijos carinhosos, tornava difícil manter a força da raiva. - Saia de cima de mim, seu monstro loiro e imbecil!
- Você não imagina o quanto é "difícil". Nunca pensei que iria trair a mim e ao povo de Rathmor, querida. Como isso nem me passou pela cabeça, vi o quanto confio em você.
Ela sentiu que amolecia, mas não demonstrou.
- Mas fez questão de me manter completamente à parte. Claro, ouvi rumores, mas achei que não me diziam nada por causa da minha saúde.
- Nossa intenção era protegê-la, sim. Minha querida, estou prestes a lutar com seu tio, o último de seus parentes. Será uma guerra entre o seu sangue e o sangue do homem com quem você se casou. Seu tio vai atacar os parentes do seu filho e dos filhos de Mairi. E tudo tão confuso! Eu só quis proteger você.
- Porque tinha medo de saber qual lado eu escolheria.
- Não. Sei que escolheria a mim e o meu lado. Não a vejo mais como a MacFarlane, a maldição de meu desejo, e sim como a mulher que quero ao meu lado. Há muito tempo você deixou de ser parte da minha vingança, moça. Não sabe disso?
Alexander notou que a resistência dela cedia e afrouxou a força com que segurava seus pulsos. Queria fazer coisas melhores com as mãos.
- Alexander... - chamou Ágata ao acordar depois da quarta vez que se haviam amado.
Ele deslizou um braço até a cintura dela e puxou-a mais para si.
- O que, meu bem? - murmurou junto da pequena orelha.
- Como vai ser a batalha?
- Uma luta amarga.
- Uma luta amarga - disse Ágata. Seria horrível como imaginara. Tremeu e se aproximou mais dele. - Por que você não fica em Rathmor e repele o ataque daqui? Isso pode garantir sua vida e a dos seus guerreiros. As muralhas são intransponíveis.
- Mas também não venceríamos. Iria parecer que teríamos vencido, pois o inimigo seria rechaçado, provavelmente com muitas perdas, e não conseguiria Rathmor. E depois?
- Poderíamos ter um pouco de paz, não? - Ágata perguntou, sem convicção, porque sabia a resposta e a reconhecia verdadeira.
Alexander beijou-a na face.
- Adoraria oferecer paz a você. E, talvez consiga, mas não ficando dentro das muralhas. Seria apenas empurrar para o futuro a ameaça que se aproxima. Quero pôr fim a esta situação e só é possível fazê-lo em campo aberto, espada contra espada. Preciso abater os líderes do ataque. Perdoe-me, moça, são seus parentes, mas é o único jeito.
- Não precisa me pedir perdão. Tenho bom senso bastante para perceber a verdade no que disse.
- Dê-me um beijo, querida, me faça feliz com a sua paixão e marcharei ao encontro dos meus inimigos com a certeza da vitória.
Ágata beijou-o, pedindo de coração que ele conseguisse o que desejava.
Ladeada pelos gêmeos, Ágata parou sobre a muralha e viu Alexander conduzindo o exército de Rathmor para o campo de batalha. Assistiria à luta, contudo a distância impediria a identificação dos combatentes. Alexander era o líder e fácil de reconhecer naquele momento, mas na confusão do embate isso seria impossível, quando até a flâmula ficava indistinta. Queria ver de mais perto, mas não havia como. Ele deixara instruções para que a vigiassem. A ordem demonstrou que a conhecia bem melhor do que ela imaginava, o que não a agradou.
Alexander virou-se para acenar uma última vez; o mesmo fizeram seu irmão e Jaime, que defenderia as costas de Barry. Para sua surpresa, Angus também acenou e ela retribuiu o gesto. Em seguida olhou para Kate, que estava à sua direita com Sibeal no colo. As duas também acenaram. Ágata sossegou por não ver sinais de preocupação no rosto da menina. A pequena não tinha tido nenhuma visão negativa e nem sonhos ruins e isso lhe dava esperança.
- Deve ser duro para a senhora - Kate pôs Sibeal no chão - ver o pai do seu filho marchando contra o seu parente. - Balançou a cabeça. - É triste.
- Triste é os homens não terem outro meio para resolver suas diferenças.
- O que há entre os MacDubh e os MacFarlane é mais que diferença.
Ágata apoiou os braços na pedra fria.
- Sim, eu sei...
- Tudo vai ficar bem, tia Ágata.
Sibeal fez um afago no braço da tia e deu a mão a Rath, para acompanhar os irmãos. Ágata observou os sobrinhos se afastarem pelas muralhas, depois perguntou:
- Ela quis me dizer alguma coisa ou foi apenas carinho?
- Não sei. - Kate ficou pensativa por um instante. - Jaime é bom guerreiro?
Ao retribuir o olhar preocupado da moça, Ágata percebeu que não sabia a resposta. Como não vira Jaime numa batalha, não poderia julgar. Voltou os olhos para os guerreiros que se distanciavam, viu a posição do amigo na formação e soube a resposta.
- Ele foi designado para proteger as costas de Barry, Kate. Alguém deve achar que é bom.
- Nunca viu Jaime lutar? Achei que ele era seu protetor.
- Sim, mas nunca o vi usar uma espada. Se me perguntar se Jaime pode derrotar dez homens, respondo que sim. Mas luta com espada? Não sei. Acredito que é bom guerreiro se o designaram para proteger Barry.
Kate assentiu, sorrindo.
- Sou preocupada demais. Jaime sempre me diz isso. Mas vai ter que lutar com os parentes dele e...
- Você teme que ele hesite em se defender? - Ágata completou. - É improvável que isso aconteça. O pai e o irmão mais velho dele já morreram e os outros não são soldados, apenas fornecedores de flechas e devem ter ficado lá. Mas se por acaso vierem e se encontrarem, Jaime não hesitará em se defender. Já não tem medo dos parentes e aprendeu a reagir.
- Isso acalma minha alma. E a senhora?
- Quer saber se eu reagiria se os MacFarlane e MacCordy me atacassem? Claro, sem pensar duas vezes. Não tenho nenhuma ligação com eles, por mim posso vê-los todos mortos. Quem marcha contra Rathmor e Alexander, marcha contra mim. É triste, mas eles escolheram assim. As quatro pessoas que amo e que viviam comigo em Leargan estão aqui.
- Seus entes queridos sobreviverão, ama.
- Rezo para rirmos juntas no final. - Ágata segurou a mão da moça, áspera pelo trabalho. - Não esqueça do que me prometeu.
- Não. Se os MacFarlane e MacCordy vencerem, queira Deus que não, seu filho será protegido. Não há ninguém aqui que o entregaria. Direi que é meu filho e se eu estiver impedida de fazê-lo, outras mulheres estão prontas para isso.
O medo de Ágata se dissipou.
- Bem, nada podemos fazer a não ser esperar - suspirou.
Alexander deteve o cavalo. Poderia ter percorrido a pé a distância até o campo de batalha escolhido, mas isso diminuiria seu porte que incutia respeito nos seus homens e, esperava, nos inimigos. Apeou e se aproximou dos guerreiros que tinham ido antes, como vigias.
- Eles tentaram algum truque sujo?
- Tentaram - respondeu Ian Ruivo, sério. - Distribuíram arqueiros nos flancos para nos enfraquecer.
Alexander considerou que seus inimigos não tinham, mesmo, a menor dignidade.
- Cuidou dos infelizes? - indagou.
- Sim. Foram apanhados de surpresa e desfizemos a armadilha. Há outra coisa... Malcolm MacCordy.
- Vai lutar ao lado dos parentes.
- É difícil dizer. - Ian passou a mão no cabelo cor de cobre. - Não está com os combatentes, mas sim no início da floresta, a leste. Fui falar com ele. Disse que está farto dos abusos dos primos e de suas lutas inúteis.
- Então, separou-se. - Alexander pensou um pouco, esfregando o queixo. - Acha que podemos confiar nisso? Sei que eles nunca foram muito próximos, todavia pode ser perigoso.
- Sim, porém a quebra de aliança parece verdadeira. Há alguns soldados com ele, mas não sabemos se são aliados ou guardas. O que faremos, senhor?
- Lutaremos, Ian. Com o campo seco e sem armadilhas, a vitória é nossa. Se a luta for um teste de habilidade, eles não terão chance. Acostumaram-se com o assassinato e a traição, perdendo capacidade de luta. Prepare nossos homens.
Barry, Angus e Jaime se aproximaram. Alexander pôde ver sua confiança refletida neles e sentiu-se mais seguro. A maioria dos homens de seu clã estava pronta para a batalha.
- Nossos soldados são corajosos, não, Angus?
O homenzarrão sorriu, ajustando as luvas de malha de ferro.
- Sim. Estão ansiosos para passar os inimigos pelo fio da espada e acabar com o feudo sangrento.
- Acha que isso acabará aqui? - perguntou Barry que, com a ajuda de Jaime, vestia a cota de malha.
Alexander assentiu.
- Acabará, não importa quem saia derrotado. Rezo para que a vitória seja nossa. Ofereci paz, mas recusaram porque teriam que parar de nos saquear.
- Eles vêm vindo - Jaime murmurou. - Lorde Colin traz uma bandeira branca.
- Talvez tenham mudado de idéia - Barry sugeriu.
- Pode ser. Como eliminamos seus arqueiros, talvez desistam da batalha para ganhar tempo e montar outra armadilha - Alexander balançou a cabeça. - Vamos ouvir o maldito e fiquem alerta, meus amigos.
Colin MacFarlane e seus dois guerreiros foram ladeados por Jaime e Angus antes de se aproximarem. Colin pensara em fazer aliança com os MacDubh, pois os MacCordy o haviam despojado de tudo, inclusive do poder. Mas desistiu ao fitar o rosto dos irmãos. Havia assassinado o pai deles e não haveria misericórdia.
- O que quer, MacFarlane? - Alexander perguntou. - Os termos da batalha estão bem claros e todos concordamos.
- Vim trazer uma oportunidade de acabar com isso.
- Sim? Vai me devolver tudo? Até meu pai? Ignorando a resposta irônica, Colin ofereceu:
- Queremos que devolva minha sobrinha e as crianças, que seqüestrou da terra dos MacFarlane.
- Da terra dos MacDubh. Leargan é dos MacDubh. Sua sobrinha também é minha. É a mãe do meu filho - Alexander sorriu friamente diante da surpresa do outro. - Seus fiéis aliados não lhe contaram? Há outra novidade: os pequenos vão ficar conosco porque são filhos de meu irmão.
- Os pequenos são MacDubh? O amante da minha sobrinha era um MacDubh? - Colin mal podia falar, respirava pesado e tinha o rosto vermelho. - E os MacCordy sabiam?
- Sim.
Um som baixo e gutural escapou da garganta de MacFarlane. Ele se virou e sacou a espada. Angus, alarmado, desembainhou a dele e os dois homens de Colin ficaram sem saber o que fazer quando o lorde saiu na direção dos MacCordy a passos largos. De repente, deu um grito e começou a correr. Por fim os dois soldados saíram atrás dele, mas não o alcançaram. O primeiro ataque de Colin atingiu e derrubou William MacCordy. O segundo foi bloqueado por Duncan e Donald, dando um passo de lado, cravou a espada nas costas dele. O grito de morte de MacFarlane ecoou. Depois reinou o silêncio.
- Dois inimigos mortos e ainda nem tingimos nossas espadas de sangue - Angus murmurou.
- É, mas parece que os MacCordy nos acham culpados por isso...
Alexander olhava para as forças inimigas, observando Donald que gritava, delirante, enquanto Duncan se ajoelhava rapidamente ao lado do corpo de William.
- Colin não sabia que Ágata ia ter um filho seu? - Barry perguntou.
- Imagino que soubesse da gravidez, mas não quem era o responsável. Esconderam-lhe a verdade e ele percebeu que foi feito de bobo.
Jaime assentiu.
- Quando estivemos em Craigandubh, vi que ele não tinha mais poder. A senhora Una sabia mais do que lorde Colin. Ele foi decaindo e ela, ficando esperta.
- Vai ficar mais esperta ainda ao saber que seu torturador se foi. - Alexander sinalizou para que seus homens tomassem posição. - Donald está convencendo seu exército a lutar ou obrigando-o pelo medo. Não vejo muita deserção, apesar do lorde morto.
- Acho que o chefe deles já era um dos MacCordy.
- É a maldição deles. Um MacCordy os levará à morte.
Desembainhando a espada, Alexander preparou-se para enfrentar o ataque. Sentia por não ter sido ele ou o irmão a tirarem a vida de Colin para vingar o pai. Por outro lado, estava agradecido. Preferia não ter matado o único parente de Ágata. Ficou surpreso com isso; sabia que havia mudado, mas não percebera quanto da amargura desaparecera.
Os MacCordy e MacFarlane gritavam insultos, para se animar, e Alexander concentrou-se no avanço dos inimigos. Não era hora de se distrair pensando em suas mudanças.
Ágata ouviu o barulho surdo do começo da batalha. Os MacCordy e MacFarlane deram o grito de guerra do clã e atacaram. Os MacDubh retribuíram com o grito de guerra deles e avançaram. Ela pôde sentir a brutalidade do encontro. Kate gemeu. Não entendia o que via e a distância dificultava mais ainda. Os homens se misturaram em confusão. O número de corpos imóveis no chão cresceu e não havia como distingui-los. Ágata lhe perguntou:
- Dá para você ver como estamos indo, Kate?
- Não entendo nada, ama. É muita confusão. Parece que não há plano de batalha.
- É, mas deve haver algum. Não adianta ficar aqui e na igreja aproveitaremos melhor o nosso tempo.
- Não vou suportar ficar lá sentada, durante horas, sem saber o que está acontecendo. Podemos rezar aqui mesmo - sugeriu a jovem - e pelo menos ver quando a batalha terminar.
- Sim, é melhor do que nada.
Ágata sorriu quando Kate pegou seu rosário e começou a murmurar preces que acalmavam. Ela já havia rezado tanto e naquele momento nenhuma prece lhe ocorria. Só conseguia pensar em Alexander e seus homens vivos. Sua ladainha era para pedir que nenhum daqueles corpos caídos fosse o do seu marido.
Alexander abriu caminho em direção a Donald, ansioso para enfrentá-lo. Não era mais a vingança que o levava a querer perfurar o coração dele com o aço frio. Seu motivo era Ágata. Donald batera nela e ameaçara a vida do seu filho forçando-a a fugir com o perigo de morrer. Sentiu uma fria satisfação ao chegar perto dele e ver que gemia, com o rosto vermelho e molhado de suor.
- Agora estamos de igual para igual - Alexander olhou com desprezo para o adversário corpulento -, mas chamá-lo de cavalheiro amarga a minha boca. Você envergonha os cavalheiros da Escócia.
- Não vejo nenhum cavalheiro na minha frente! Encaro um adúltero, um sedutor nojento que só sabe arrastar donzelas para a cama.
- Espero que tenha se confessado, MacCordy, porque vai morrer.
Quando suas espadas se cruzaram, Alexander percebeu que entre as fraquezas de Donald não estava a técnica de luta. Mas ele falhava por ser incapaz de controlar a raiva: sabia insultar, mas não tolerava insultos. Perdia a cabeça e se entregava a uma luta brutal, sem definição nos golpes ditados pelo ódio. Alexander mantinha a calma; defendia-se e atacava com eficiência. Queria que o outro percebesse sua inferioridade e sentisse a morte se aproximar.
- Você quer perder a vida e o pouco que ainda tem por uma prostituta? - Donald bloqueou o golpe de Alexander e tentou atingi-lo no estômago com a adaga, mas este se esquivou. - Tem certeza de que o menino é seu filho?
Naquele instante Alexander descobriu a própria fraqueza. Era difícil não ceder à fúria quando insultavam Ágata. Sua vontade era cortar a língua de Donald com uma faca cega. Mas não havia lugar para emoções na luta; tanto a compaixão quanto o ódio poderiam ser fatais. Controlou-Se.
- Segure sua língua e me acerte com a espada - ordenou a Donald. - Não vejo mérito em matá-lo se perder o fôlego com essas bobagens.
- Não sou eu quem vai morrer aqui, meu caro!
Um choque percorreu o braço de Alexander quando aparou um poderoso golpe da espada de Donald. Mas já enfrentara muitos oponentes para saber que seu inimigo não conseguiria manter aquele ritmo. Um combatente que usa toda a força no início da luta perde rapidamente a energia.
De fato, logo Donald estava empapado de suor e ofegava. Suas investidas tornaram-se desajeitadas. Por um breve momento, Alexander pensou em brincar adiando a morte dele, mas não tinha estômago para isso. Quando a oportunidade apareceu, acabou com a vida do outro com uma estocada ágil no coração.
Depois de ver Donald cair é que ele percebeu que a batalha acabara há algum tempo. Voltou-se e viu o irmão a olhá-lo. A atitude de Barry era tranqüila e vitoriosa.
- Vencemos... - Alexander agachou-se ao lado do corpo de Donald e limpou a espada na capa do morto.
- Sim, vencemos, irmão. Foi inteligente insistir numa luta aberta e eles eram arrogantes demais para dizer não.
- Pensaram que não perceberíamos seus truques - Alexander olhou para o campo de batalha e viu um cavaleiro se aproximando com uma bandeira branca. Murmurou: - Malcolm.
- Será que ele quer acordo? - agitou-se Barry. - Perderam a luta!
- Ele não estava de nenhum lado. Acho que é isso que veio dizer. Não o subestime, Barry. Malcolm não é tolo e deve querer manter suas poucas posses. A escravidão dele acabou e determino que continue com o que tem. Já temos Leargan e ele ajudou Ágata.
- Sim e não entendo por que se arriscou tanto. Alexander também não entendia, mas tinha a sensação de que não fora só por cavalheirismo. Quando ele se apresentou, assegurou-lhe que permaneceria com suas posses. Ao se despedir, Malcolm estendeu seus cumprimentos à senhora Ágata e seu filho, convidando-os para visitá-lo em Edinburgh.
Depois, recebendo aplausos dos seus homens e retribuindo com acenos, Alexander se dirigiu para Rathmor, parando apenas para se certificar de que Jaime e Angus não haviam sido feridos.
Tudo estava bem, podia voltar para Ágata.
Era fácil perceber que a luta acabara e que os MacDubh haviam vencido. Ágata abraçou Kate e desceram das muralhas. Ela queria sair e certificar-se de que Alexander estava inteiro. Era possível que revelasse todo seu amor naquele momento, mas não se importou.
Alexander apeou e ela lançou-se nos seus braços. Sentiu-se culpada por estar feliz, pois seu parente havia morrido e não sentia pesar. Apenas tristeza.
- Seu tio está morto, moça - ele disse, com o braço passado na cintura dela.
Entraram pelo portão entre vivas e aplausos.
- Eu estava pensando nisso. Arrogantes, acharam que venceriam... Acabou tudo.
- Sim, acabou, querida. Não disseram mais nada.
Bem mais tarde, quando entraram no seu quarto, Ágata ajudou-o a tirar a cota de malha. Depois de pronto o banho, Alexander tirou toda roupa e dessa vez ela não se excitou com sua nudez. Estava ansiosa por ver se não fora ferido. Mas depois que ele estava vestido, tomando vinho, foi achando aquele silêncio estranho. Uma serva trouxe uma bandeja com vinho, pão, queijo, maçãs e Ágata colocou-a na cama, entre ela e o marido. O modo como ele a olhava deixou-a nervosa.
- Foi uma vitória para você? - ela perguntou, cortando queijo para pôr no seu pão.
- Sim, Leargan voltou a ser dos MacDubh. - Fez uma pausa e acrescentou: - Não fui eu quem matou seu tio, moça.
- Se tivesse sido, eu não o incriminaria, desde que fosse numa luta justa. Ele não sofreu, sofreu? - Ela sacudiu os ombros. - Não sei por que isso me incomoda...
- Era seu último parente. Uma ligação difícil de romper. E Alexander contou-lhe como o tio morrera.
- Morto por seus aliados, que justiça estranha! Quando estive com eles, percebi que meu tio perdera o poder e os MacCordy eram os chefes. Entendo por que ele se surpreendeu ao saber que tive um filho e quem era o pai. Acho que nem sabia que eu estava grávida. A morte de William foi uma pena.
- Era irmão mais novo de Donald? Um pouco lerdo, não?
- Sim, mas não era perigoso. O pai e o irmão o tratavam como um criado. E Malcolm?
Ao fazer a pergunta, Ágata tentou parecer pouco interessada, mas viu pelo olhar dele que não tivera sucesso.
- Malcolm sobreviveu, ele é bom nisso. Não entrou na luta, mas sem enganar os parentes. Tivemos uma conversa rápida depois de tudo terminado. Pediu-me para continuar com suas posses e concordei. Convidou-nos para ir visitá-lo em Edinburgh, caso formos para lá.
Enquanto falava, ele a observava, atento, e ficou alarmado com seu olhar fugidio. E Ágata amaldiçoou Malcolm em silêncio. Seria possível ignorar a promessa feita para alguém que nunca mais visse.
- Por que iríamos a Edinburgh?
- Tenho uma casa lá e Malcolm também. Como ambos temos negócios na cidade, provavelmente nos encontraremos. - Alexander pensou por um momento e acrescentou: - Precisamos ir a Leargan, para organizar as coisas. Depois podemos ir a Edinburgh. Já esteve lá?
Ela negou com a cabeça e ele notou que quanto mais falava nisso mais sombria Ágata ficava. Comentou:
- Você vai gostar. Pretendo ir lá pelo menos uma vez por ano...
E passou a descrever os atrativos da cidade enquanto Ágata pensava em como evitar a viagem. Analisou a possibilidade de se fingir doente, mas teria que fazer isso toda vez que o marido quisesse ir a Edinburgh e despertaria suspeitas. Evitar Malcolm não resolveria o problema e, se cumprisse a promessa, trairia Alexander.
Ágata tirou a bandeja da cama e se deitou junto do marido. Tinham tanta felicidade a dividir agora! Ele ficaria tranqüilo com os inimigos mortos, sua amargura iria desaparecendo e tudo entre eles se tornaria cada vez melhor. Mas não, era impossível. A promessa feita a Malcolm pairava como uma adaga junto ao seu pescoço. E ele tivera a audácia de lembrá-la do compromisso convidando-os para visitá-lo em Edinburgh. Era uma arrogância maior do que ela podia tolerar: esse convite só podia dizer que ele esperava a oportunidade de um encontro furtivo com ela. E usara seu marido como mensageiro.
- Venha, Ágata - Alexander murmurou, puxando-a mais para perto de si e beijando-lhe o rosto. - Saímos vitoriosos. É tempo de sorrisos, não de preocupações.
Apesar de sorrir e retribuir o beijo, Ágata teve impulso de lembrá-lo de que toda vez que havia um vitorioso, havia um derrotado. Que todo sucesso tinha preço. E que ela estava condenada a ensinar-lhe essa lição.
Edinburgh
Ágata estremeceu apesar do calor de verão e amaldiçoou o fato de estar lá.
Haviam ido a Leargan organizar o feudo e depois tinham seguido para ali. Malcolm conhecia a rotina de Alexander quando obtivera a promessa dela. Sabia quando e onde cobrar a dívida.
Olhou longamente para o marido que dormia a seu lado. Desde a batalha os dois haviam ficado progressivamente mais íntimos. A amargura se fora e o ódio era apenas uma lembrança ruim. Voltara a esperança de poder dar a Alexander e receber dele mais do que paixão. Desde que, afinal, ele lhe abrira o coração todas as suas atitudes eram de lhe dar o amor com que sonhava e lhe oferecera várias chances para irem além da luxúria; mas quem resistia agora era ela. Não queria aceitar o amor do marido e depois traí-lo. Se o fizesse, se tornaria igual às mulheres que o tinham tornado tão descrente e arredio.
Levantou-se e pegou suas roupas.
Na tarde anterior, durante um passeio na cidade, haviam encontrado Malcolm, conversado sobre banalidades e Ágata trocara algumas palavras desajeitadas com Giorsal. A jovem estava quieta e triste, o que deixou claro que Malcolm esperava que cumprisse o prometido.
Primeiro, Ágata pensou em jamais cumprir o acordo infame. Mas em seguida percebeu que seria inútil: isso não o anularia. Teria que decidir o que fazer e enfrentar as conseqüências.
Alexander vai pensar que sou como as outras, pensou acabando de se vestir.
Tornou a olhar para ele, que não se mexeu. Pegou a vela e a pederneira que escondera. Saiu do quarto e fechou a porta com cuidado.
Desceu a escada com firmeza, apesar da luz fraca, pensando em que gostaria que Moragh também tivesse vindo. Queria tanto vê-lo por uma última vez! Sabia que o marido jamais a aceitaria depois do que ia fazer e que perderia também seu filho.
Mas tive a última noite com Alexander, tentou se consolar. Saiu da casa e desejou que aquela noite pusesse um pouco de calor em sua vida no futuro.
Praguejando baixinho, Jaime saiu da casa e seguiu Ágata. Sabia para onde ela ia. Tentara dissuadi-la várias vezes de cumprir o acordo. Não havia honra alguma naquela promessa arrancada por coação, portanto ele não via nada demais em ignorá-la. Infelizmente ela não concordava e decidira pagar o preço estipulado pela sua vida e a do filho.
Sem ser percebido, seguiu-a até a casa de Malcolm MacCordy. Não tinha a intenção de sequer tentar impedir Ágata; queria apenas protegê-la. Ela precisaria de ajuda quando tudo terminasse. Estaria de coração partido e teria que se afastar dos MacDubh.
O bom rapaz esperava que para onde quer que a fidelidade à sua ama o levasse não fosse para longe de Kate.
Alexander esperou Ágata fechar a porta, levantou e vestiu-se. Parou ao lado da janela, escondido pela cortina, e afivelou a espada observando a rua. Emitiu uma imprecação ao vê-la se esgueirar junto das paredes. Ia sair ao seu encalço quando viu que alguém a seguia. Ficou tenso, temendo por ela, maltratado pelo ciúme e a fúria. Depois reconheceu o vulto. Aquele homem imenso só poderia ser uma pessoa.
- Ah, o sempre atento Jaime - murmurou apressando-se em segui-los.
Era-lhe difícil manter-se oculto porque jamais tivera hábitos furtivos. Demorara a perceber que havia algo entre ela e Malcolm, mas o encontro com ele naquela tarde lhe abrira os olhos.
Apesar dos fantasmas do passado terem sido expulsos da sua vida, algo lhe dizia que estava prestes a ser traído. Cada passo de Ágata confirmava a suspeita de que ia se encontrar com Malcolm. A dor profunda que lhe atravessava o peito surpreendeu-a. Jamais havia sentido algo assim.
Ágata agasalhou-se mais com a capa, apesar de não sentir frio. Ficou parada à porta da casa de Malcolm por muito tempo, incapaz de bater. Revisou seu dilema sem achar outra saída e bateu à porta com o coração pesado. Lá dentro soaram passos se aproximando e ela estremeceu.
Malcolm abriu a porta, olhou para todos os lados, pegou-a gentilmente pela mão e a fez entrar.
Depois que Ágata entrou, Alexander seguiu Jaime para a ruela ao lado da casa. Tinha ímpetos de entrar também e derramar a ira de Deus sobre aqueles dois. Enquanto caminhava reconheceu que pretendia enfiar o aço frio da espada na garganta de Malcolm MacCordy além de despejar a ira de Deus na sua cabeça.
Parou atrás de Jaime quando ele se deteve embaixo de uma janela entreaberta e espiou. O rapaz não demorou a perceber que havia alguém a seu lado. Um sorriso gelado perpassou pelos lábios de Alexander quando ele se voltou e o fitou com os olhos arregalados.
- O senhor sabe de tudo - Jaime sussurrou.
- O que sei é que minha mulher veio encontrar-se com o amante e você está ajudando.
- Não, não é verdade.
- Não minta por ela. Fique em silêncio e deixe-me ver a verdade!
E ficou espiando, ao lado de Jaime. Ágata e Malcolm entraram na sala, sentaram-se e ele serviu vinho para ambos. A fresta na janela permitia que ouvissem tudo. Jurou permanecer calmo e ver tudo antes de agir.
Malcolm fez Ágata acomodar-se numa cadeira de espaldar alto à frente da mesa. Serviu o vinho e sentou-se. Ela hesitou entre beber ou jogar o vinho na cara dele, que era gentil mesmo sabendo que acabaria com a vida dela.
- Onde está Giorsal? - perguntou, ciente do sofrimento da moça.
- Ordenei que ficasse no quarto. Ela tem me atormentado desde que salvei você e seu filho.
- Não precisa me lembrar do que fez por mim. É por isso que estou aqui.
Malcolm fitou-a com atenção.
- Parece que vai ser executada. Está apenas pagando uma dívida honradamente.
- Não há nada de honroso nisto!
- Talvez não. - Ele se inclinou e beijou-lhe a mão. - Mas a obrigação não exclui o prazer.
- Você terá em vez de prazer - Alexander murmurou, preparando-se para saltar a janela.
Jaime segurou-o.
- Espere. Não entre agora, meu lorde.
- Acha que devo esperar até que estejam abraçados? - ironizou Alexander.
- Ouça, eu imploro!
Jaime continuou a segurá-lo, mesmo depois que se acalmou.
- Só mais um pouco. - O lorde avisou: - Se for um adultério, você pagará pela impertinência.
- Seria justo - concordou o rapaz, rezando para que a verdade fosse dita lá dentro.
- Prazer? - Ágata deu uma risada amarga. - Existe prazer na traição?
- Você vê traição - Malcolm retrucou -, eu vejo o cumprimento de um acordo.
- Que acordo? - Alexander perguntou num sussurro.
- Fique quieto e ouça - murmurou Jaime.
- Você está passando dos limites - irritou-se Alexander. Mas ficou quieto. Algo na extrema agitação do rapaz convenceu-o ouvir antes de agir.
- E você não tem a intenção de me liberar dele, não? - Ágata perguntou sabendo a resposta.
- Não. Acha que teria exigido essa promessa se não a quisesse muito? Sei o que pensa dos MacCordy, mas nem todos somos depravados. Eu me rebaixei por querer você demais.
- Obrigando-me a quebrar votos sagrados e me tornar prostituta para salvar a vida do meu filho?
- Sim...
Malcolm bebeu seu vinho num só gole e serviu-se novamente. Uma expressão soturna perpassou-lhe pelo rosto.
Jaime sentiu uma mudança em Alexander e, mesmo no escuro, pôde perceber a ira no olhar que ele dirigia ao homem lá dentro. Com cuidado, afrouxou um pouco a mão que segurava o braço do lorde de Rathmor. Quando ele se voltou para encará-lo, o gigante soltou a respiração contida.
- Um acordo pela vida do meu filho? - Alexander não podia acreditar.
- Sim - o grandão encolheu-se sob o olhar de fúria.
- Diga-me exatamente o que combinaram! - ordenou vendo Jaime hesitar.
- Que Malcolm faria tudo que pudesse para salvar a criança se ela passasse uma noite com ele.
- E Ágata concordou?
Alexander não soube quem eliminaria primeiro.
- Que escolha a ama tinha? - Jaime argumentou. - Estava molhada até os ossos, cansada e para dar à luz. Donald logo iria chegar. Não havia opção.
Uma punhalada de dor penetrou a raiva do lorde. Via Ágata molhada, exausta e na mais vulnerável condição de uma mulher. Jaime estava lá para ajudá-la, mas tinha seus limites. Alexander sempre se sentira mal por estar enfiado em Rathmor em vez de ir ao auxílio dela. Agora que compreendia a situação sentiu-se pior. Malcolm ia pagar por aquilo. Estava prestes a pular a janela quando Ágata recomeçou a falar. Resolveu ouvir para saber mais.
- Por que, Malcolm? - Ela perguntou. - Por que quer algo que não quero lhe dar? Você pode ter tantas outras mulheres. Tenho certeza de que nunca precisou forçar alguma.
- Não, mas elas não podem me dar o mesmo que você.
- O que acha que posso lhe dar? Meu corpo é igual ao de todas as mulheres.
Malcolm ficou zangado.
- Não é isso! Não se trata apenas do seu corpo, mas também do que você tem aqui! - ele bateu no peito, à altura do coração. - Foi isso que enfeitiçou o MacDubh, Ágata.
- Isso eu não posso lhe dar, Malcolm - ela disse, solene.
- Ah, claro! Alexander MacDubh tem o rosto bonito e a fala doce!
- Sim, a fala de Alexander é doce e o rosto dele é belo, mas é apenas um rosto. Poderia ser queimado ou retalhado. Não faria diferença alguma no que sinto por ele porque... você mesmo disse... eu o amo também pelo que ele tem aqui - e ela levou a mão ao coração.
- Bom, o fato é que você dá seu fogo a ele. É o que eu quero.
- Também não posso lhe dar isso, porque vem da minha alma. Talvez algum dia ele e eu nos tornemos apenas amigos, mas mesmo assim não haveria espaço para um amante no meu coração. - Ela meneou a cabeça. - Você vai tirar tudo que eu tenho e não vai conseguir o que quer.
- Tudo? O que quer dizer, vou tirar tudo que tem? Só lhe pedi uma noite.
- E o que acontecerá quando chegar a madrugada? Ágata se perguntou como Malcolm podia ser tão insensível e cego.
- Você volta para seu marido e pronto.
- Quer dizer, devo voltar para Alexander e mentir?
- Você contaria a ele? - Malcolm ficou chocado.
- Não seria preciso. Ele saberia por que eu mudaria. Eu viveria com medo de ser descoberta guardando esse segredo. Iria me sentir suja porque outro homem me tocara. Nunca mais seria como antes. Não sei explicar... Só posso dar a Alexander o que você me pede.
Malcolm aproximou-se.
- Então finja que sou Alexander - e tocou os lábios dela com os seus.
Ágata não achou o toque dele repulsivo, mas ficou tensa. Esperava que o beijo prosseguisse, o que não aconteceu. Abriu os olhos e perdeu a respiração. Alexander tinha a espada encostada no pescoço de Malcolm. A fúria que flamejava nos olhos azuis a fez gelar.
- Então, minha esposa, foi por isso que quis vir a Edinburgh? - perguntou.
Ele sabia que estava sendo injusto, mas vê-la beijar Malcolm inflamara seu ciúme.
Antes que Ágata respondesse, soou um grito. Giorsal entrou, empurrou Alexander e se colocou entre ele e Malcolm. Estava pálida como a morte, tremia, porém se manteve firme, determinada a proteger o homem que amava.
- Giorsal, está louca? - Malcolm quis tirá-la da sua frente, mas viu que não seria fácil. - Olhe, isto não é assunto seu.
- Como não? - Giorsal respondeu, deixando Malcolm sem fala. - Quem é que vai enterrá-lo se você for morto tentando roubar algo que nunca poderá ter?
- Lamento dizer, mas eu não ia matá-lo. - Alexander embainhou a espada e fez Ágata se pôr em pé. - Gostaria muito de fazê-lo, mas devo-lhe duas vidas que estou pagando agora. - Virou-se para Jaime e gentilmente entregou-lhe a esposa. - Leve minha mulher para casa.
- Alexander... - Ágata começou, quando Jaime a pegou pelo braço.
- Conversaremos em casa.
Ela assentiu, com o coração apertado, e foi com Jaime. Chegava a ser engraçado e Ágata riria se não tivesse tanta vontade de chorar. Não cumprira o acordo, mas pagaria por ele. Depois que os dois saíram, Alexander voltou-se para Malcolm e riu, apesar da raiva. Era divertido vê-lo irritado e protegido pela pequena Giorsal. Em se tratando de mulheres, aquele jovem era tão cego quanto ele havia sido.
- Sobreviveu a este insulto, Malcolm, pela dívida que eu tinha com você. Não haverá outra chance.
- Sua esposa não se entregou a ele! - lembrou-o Giorsal. Alexander sorriu.
- Eu sei - ficou sério e voltou-se para Malcolm. - Ouça-me com atenção, Malcolm MacCordy, e pense bem no que vou dizer. Você tentou roubar de mim o que tem ao seu alcance.
Giorsal levou a mão aos lábios, respirando forte. Alexander fitou-a, piscou-lhe um olho e foi embora.
Enquanto voltava para casa ele pensava em como agir com Ágata. Errara por tanto tempo que não se sentia seguro. Não podia acreditar que dera conselhos malucos aos seus amigos de como lidar com as esposas. Se eles o vissem agora, dariam gargalhadas.
Esperava que aquilo tudo servisse para que ele e sua mulher chegassem à sinceridade.
Sentada na cama, Ágata pensava em se merecia estar lá. Quando ouviu Alexander se aproximar, empertigou-se determinada a falar. Ele iria tentar impedir, mas tinha que tentar. Quando olhou para ele, a coragem desapareceu.
Alexander parou diante dela, com as mãos na cintura.
- Então, você fez um acordo com Malcolm...
- Fiz. - Ágata engoliu em seco, mas não abaixou o olhar. - Precisava de abrigo e Malcolm pôs um preço nisso: uma noite comigo. Sem a proteção dele, meu filho estaria condenado, então concordei.
- Nunca pensou que não precisava cumprir uma promessa dessas?
- Foi o que fez nosso filho viver e eu tinha que pagar o preço.
Alexander balançou a cabeça, sentou-se ao lado dela e tirou as botas.
- Acho que deveria saber que não precisaria pagar. Deveria aceitar o acordo e esquecê-lo quando estivesse livre. O que Malcolm faria se você dissesse não? Reclamar esse direito só o cobriria de vergonha e ele não poderia vir se queixar a mim.
- Está querendo dizer que fui lá porque queria me deitar com ele?
- Não, de modo algum. Penso que o fez por estar muito agradecida a ele pela vida de Moragh.
- É, talvez... - De repente, ela se sentiu insegura. - Achei que a honra exigia isso.
- Não há honra em acordos desonrosos - explicou Alexander.
- Então perdi tudo sem motivo algum.
- Perdeu tudo? - ele fitou-a, perplexo.
- Sim, você e meu filho.
- É, mesmo? E pode me dizer para onde vamos Moragh e eu? - inquiriu.
Ajoelhou-se aos pés dela e lhe tirou os sapatos, enquanto Ágata o fitava, atônita.
- Eu o traí, Alexander, e você nunca escondeu o que pensa das mulheres que o traíram. - Ela queria ir embora antes de chorar, mas ele começou a soltar-lhe o cabelo. - Tentei tanto mudar sua opinião sobre as mulheres, mostrar que nem todas são más e que poderia confiar em algumas, porém...
Ágata não conteve um gritinho quando ele se levantou, pegou-a pela cintura e a ergueu até ficarem face a face.
- Sabe quantas mulheres eu tive na vida?
- Centenas? - murmurou ela, estranhando o assunto.
- Sim, centenas. E nenhuma delas me deixou confuso como você me deixa.
- Eu o deixo confuso?
- Sim. Você me deixa completamente confuso e perdido. Deitou-a na cama com gentileza. Ágata não entendia nada.
Alexander deveria expulsá-la, não tirar suas roupas. Não parecia enraivecido.
- Traí você e age como se nada tivesse acontecido... - conseguiu dizer com voz trêmula.
- Você não me traiu.
Ele a apreciou com os olhos brilhantes antes de se despir.
- Fui à casa de Malcolm.
- Mas não se deitou com ele.
- Mas ia deitar...
Um arrepio percorreu a espinha de Ágata quando seus corpos se tocaram.
- Pela vida de Moragh. Acha que iria acusá-la por fazer o possível para salvar nosso filho? Foi o medo que a levou a isso. Como posso condená-la se sei que eu mesmo venderia minha alma ao diabo para salvá-lo?
Um beijo profundo e doce os uniu. Pela primeira vez desde que fizera o odioso acordo, Ágata soube que ia ser feliz. Então perdeu toda a capacidade de pensar quando Alexander fez amor com ela, lenta e apaixonadamente. A cada toque ele a fazia querê-lo com cada centímetro do seu corpo. Quando por fim Alexander a possuiu, Ágata abraçou-o com intenso ardor e alcançaram juntos o universo colorido e estonteante do prazer.
Ainda estavam envoltos na densidade macia do desejo aplacado quando Alexander riu.
- Isso quer dizer que posso ficar com você? - ela inquiriu.
- Tem que ficar, moça - ele respondeu. - Ágata, o que você me dá que não pode dar a Malcolm?
- Amor - ela confessou, enrubescendo.
E fechou os olhos, recriminando-se pela própria estupidez. Respondera sem pensar. Naquela pequena palavra expusera-se completamente a ele e não tinha idéia do que Alexander faria, como reagiria. Não tinha certeza se o sorriso dele, que sentia junto à pele do seu ombro, era um bom sinal.
Alexander apoiou-se nos cotovelos para olhá-la.
- Pobre Ágata. Não queria ter dito isso?
- Não é da sua conta! - ela se irritou com o ar brincalhão dele.
- Não? Acha que não devo saber o que minha mulher sente por mim?
- Não, quando arranca uma declaração dela.
- Ah! - Alexander beijou-lhe os lábios de leve. - Não precisa ter tanto cuidado, querida. Ninguém se machucou.
- Não? Coloquei tudo aos seus pés, meu coração, meu corpo e a minha alma. O que tem a me oferecer? Quando vai tirar essa armadura?
- Tenho me protegido muito, não é?
Ele afastou-lhe os cabelos da face, imaginando se Ágata tinha idéia do quanto era bela no rosto, nas formas e no caráter.
- Sim. O pouco que me disse até agora nada revelou.
- Ah, Ágata! Desde o começo eu sabia que você não era como as outras e por isso a tratei de forma tão dura. Mesmo quando a amargura me deixou, continuei mantendo-a à distância. - Acariciou-lhe o rosto com a ponta dos dedos. - Via você como uma ameaça. Mas só depois que a perdi para os MacCordy compreendi o quanto é importante para mim.
Ágata sentia-se como se flutuasse ouvindo aquelas palavras.
- Sentiu saudade de mim?
- Não é possível dizer quanto. E quando a vi indo para a casa de Malcolm é que a verdade ficou clara. Doeu tanto... Foi naqueles momentos, quando mais lutava contra você, que perdi a batalha.
- Está dizendo que se importa comigo? - ela sussurrou.
- Tanto que nem sei como dizer - a voz dele traía sua emoção.
- Bem, tente!
Ela riu ao vê-lo sorrir e quase não pôde acreditar no amor que aqueles olhos azuis espelhavam.
- Ah, moça, eu a amo tanto!
Ágata abraçou-o com toda sua força custando a conter o choro. Estava tão emocionada que não conseguia falar. Olhava-o e tocava-lhe o rosto com os dedos trêmulos.
- Nunca pensei que você fosse retribuir meu amor, Alexander - disse enfim. - Vai levar um pouco de tempo até eu acreditar nisso.
Ele pegou as duas mãos dela e beijou as palmas.
- Acredite desde já. - Beijou-lhe a ponta do nariz. - Nossos destinos estão amarrados um ao outro, moça. Preciso de você para iluminar a escuridão do meu espírito.
- E eu preciso de você para tantas coisas que levaria anos citando todas.
- Bom, temos tempo, querida. Sim, minha amada esposa, temos vários e gloriosos anos pela frente - ele riu -, até eu ficar murcho, careca e pronto para a terra fria.
- Tenho certeza que na sua lápide se lera "Ainda o mais belo homem da Escócia", mesmo que você chegue aos cem anos.
- E na sua: "Aquela que teve o coração dele".
- Você será capaz de amar uma mulher pequena e arisca até que a morte nos separe?
Ágata aproximou os lábios dos dele.
- Querida, meu amor não diminuirá nem com o toque frio da morte.
- Então, meu belo cavaleiro dourado, vamos percorrer juntos o mesmo caminho.
Hannah Howell
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