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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A REBELIÃO DAS ALMAS - P.2 / Flávio Vieira
A REBELIÃO DAS ALMAS - P.2 / Flávio Vieira

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

                                   Capítulo 22

                       Endo Facul

Kyõki e Alexandra se escondiam atrás das árvores e se camuflavam com a neve, enquanto o general, que os abateu morro abaixo, procurava por eles para ter certeza de que estavam mortos. O fato de nem Kyõki nem Alexandra conseguirem ver o general dificultava o combate, ao menos, eles podiam guiar-se pelo vento irregular que dava voltas em círculos no topo do morro, deduzindo que seria o general.

Nunca ninguém viu o general da A_mérica do Norte, e se alguém o viu, estava morto. Era o que diziam. True e Light eram exceções, eles de alguma maneira, conseguiram vê-lo.

 

 

 

 

O pequeno redemoinho no topo do morro se foi, fazendo Kyõki e Alexandra saírem de seus esconderijos. A mulher sabia algo sobre o adver­sário invisível e Kyõki havia percebido. Ele fez um acordo com Alexandra para que ela contasse tudo que sabia; em troca, poderia ajudá-la.

Ele deve ter pensado que fugimos. Certamente, seria o que um sol­dado, que de alguma maneira sobrevivesse, faria. Apesar de não saber de onde veio o ataque nem quem o atirou - explicou Kyõki.

E uma possibilidade, mas não devemos abaixar nossa guarda - acres­centou Alexandra.

O garoto encarou o rosto da mulher, esperando que ela começasse a contar o que sabia. A caçadora tentou fugir do assunto, mas o garoto insis­tiu. Assim, não teve outra escolha senão começar a contar:

Eu morava com minha família em uma cabana na floresta. Meu marido era um líder da rebelião e possuía esperanças em libertar o Canadá. Em uma tarde, meu filho me pediu para patinar no lago ao lado de onde nos escondíamos. Nós estávamos refugiados e fazia muito tempo que não nos divertíamos. Aquilo era muito estressante para uma pessoa, ainda mais para uma criança. Uma criança saudável não consegue ficar tanto tempo confinado em uma cabana sem ter nada para passar o tempo, principal­mente, uma cheia de energia como ele era. Então, mesmo com o meu marido sendo contra, acabei levando meu filho para patinar no gelo.

Kyõki pôde ver lágrimas surgirem no rosto da mulher. A história que ela contava não parecia que terminaria com um final feliz.

Quando chegamos ao lago... - continuou Alexandra se esforçando para não soluçar com o choro. - Meu filho sorria como nunca! O seu sorriso me fazia esquecer toda aquela ditadura e sofrimento. Ele sempre me chamava: "Mãe! Olha o que eu sei fazer!" - A mulher sorriu com a lembrança.

Alexandra deu uma pausa e não conseguiu se conter, derramando lágrimas e lágrimas de sofrimento com as memórias de seu filho. O garoto não sabia o quer fazer, de certa forma, ele não sabia como agir a certas reações humanas.

Meu filho me fez se juntar a ele, mas eu era uma horrível patinadora. Ainda sou, na verdade — agora a lembrança a fez abrir um longo sorriso enquanto enxugava as lágrimas. - Nós riamos com minhas quedas, tenho que concordar que foram realmente engraçadas. Mas então meu filho viu algo na margem do lago - Alexandra ficou séria de repente e Kyõki per­cebeu, dobrando a sua atenção para o que a mulher ia dizer. - Era um soldado, mas não era um comum, ele era um caçador de elite com a missão de encontrar os rebeldes. Naquela hora eu me lembro de puxar o braço do meu filho e de tentarmos sair correndo, mas não adiantou. Eu caia sem parar, e o soldado cada vez mais se aproximava. Quando conseguimos recuperar o equilíbrio, corremos o mais rápido que pudemos e quando eu olhei para trás, vi que o soldado não estava nos seguindo. Eu me senti aliviada, mas durou pouco. O soldado tinha retirado uma granada de um bolso da calça e arremessou em nossa direção. Quando ela explodiu, fez o gelo do lago se romper. Com a explosão, eu tive a sorte de cair perto da margem e alcançar a terra firme, porém meu filho não teve o mesmo des­tino, caindo na água, e como não sabia nadar, se afogou. Eu também não sabia nadar e estava com medo do soldado me alcançar. Eu sei que foi algo horrível o que eu fiz, e sei que se fosse qualquer outra mãe no meu lugar teria pulado no lago para salvar o filho, mas... eu não pude! - Alexandra chorava pela culpa que a assombrava.

Está me dizendo que o general é seu filho falecido? - concluiu o paladino.

Alexandra assentiu ainda chorando.

Você não teve culpa — disse Kyõki. - Como você não sabia nadar, só iria morrer junto ao seu filho.

Alexandra arregalou os olhos e parou de chorar no mesmo instante, ninguém nunca tinha dito isso a ela. As pessoas que ouviram a sua história apenas a julgaram por ela não ter salvado o filho.

Eu te agradeço por me contar. Agora que sei de tudo, bolei algo que pode ser a nossa única chance: ele te reconhecer - explicou o garoto. — Eu ouvi boatos que quando ele ataca, diz algo como: "proteger minha mãe" ou "Não vou deixar que façam mal a minha mãe". Esses relatos batem com a sua história, então de algum modo, devemos fazê-lo acreditar que você está bem e que não somos inimigos.

A mulher acompanhava a estratégia de Kyõki. O plano era arriscado, mas era sua única saída.

Eles, sem dificuldades graças às estacas de Kyõki, escalaram o morro do qual tinham caído. Quando chegaram ao topo, Alexandra o guiou até a cabana onde supostamente estaria o general.

A cabana, feita de madeira resistente, estava aos pedaços devido à luta que ocorreu em seu interior no passado. As janelas estavam quebradas e as que restavam estavam penduradas. Na cabana já não havia uma porta, a qual deveria ter sido destruída quando os soldados invadiram.

Alexandra foi à frente, tendo cuidado para não chamar a atenção do general. Primeiro, de acordo com o plano, eles teriam que descobrir a localização exata do general para, depois, Alexandra tentar convencê-lo de ser sua mãe. O garoto estaria logo atrás para defender os ataques, caso houvessem.

A medida que se aproximavam, eles puderam ouvir o vento forte passar pelas aberturas onde eram as janelas. Alexandra, que tinha mais experiência para não ser detectada, olhou por uma abertura para saber se o general estava no local. Ela, como não podia vê-lo, teve que prestar bastante atenção se ocor­ressem ventos irregulares. Os móveis, que também eram feitos de madeira, esta­vam revirados. Prestando atenção nesses detalhes, ela pôde ver que uma cadeira pequena estava virada para cima. O local onde seu filho sentava de costume. A caçadora concluiu que ele realmente estava lá, pois a cadeira virada para cima e a quantidade de vento que passava em volta do assento o denunciou.

A mulher fez um sinal para que Kyõki recuasse. Ele entendeu e andou bem devagar para não fazer qualquer ruído. Quando estava distante o sufi­ciente para conversar sem que chamasse a atenção, Alexandra explicou a experiência que teve.

Eu pude vê-lo! Não claramente, mas pude sentir que era realmente ele sentado na cadeira onde sentava antigamente!

Kyõki levou um choque com a notícia, aquilo poderia ser uma lem­brança que Alexandra acreditava estar acontecendo, mas decidiu dar um voto de confiança a mulher. Quando nos acostumamos a ver algo com muita freqüência, acabamos acreditando que o que vemos sempre estará no mesmo lugar - pensou Kyõki.

Então vamos tomar posição - disse Kyõki, e a mulher assentiu.

Alexandra ficou a poucos metros da porta, e Kyõki se preparou para criar um escudo caso precisasse.

Peter! - a caçadora gritou e Kyõki soube que aquele era o nome da criança.

No momento que a mulher gritou, uma quantidade enorme de vento se manifestou da cabana, arrancando as últimas janelas penduradas. O vento que percorria em volta da criança deu a forma de um pequeno corpo a ele, facilitando a sua localização para Kyõki e Alexandra.

Mãe? - A criança indagou, mas logo mudou de idéia. — Você não é minha mãe! Você é a mulher de antes!

Não! Peter... Sou eu, filho... Vem me dar um abraço! Senti tanto a sua falta! - insistiu Alexandra.

Eu não sei como sabe meu nome, mas minha mãe nunca teria um olhar de ódio como o seu! - disse Peter dirigindo uma grande quantidade de neve em direção à caçadora.

Kyõki teve que agir rápido ao criar um escudo com suas estacas para proteger Alexandra.

Então você tem companhia.

O garoto asiático teve que criar outro escudo, pois agora ele era o alvo. Os ataques estavam cada vez mais rápidos e fortes. Se recebessem um ata­que direto, poderia ser fatal.

Alexandra, vamos recuar! - gritou Kyõki, mas a mulher não pareceu ouvir.

Kyõki não teve outra escolha senão pegar a mulher nos braços e levá-la para longe. O general não era uma pessoa com quem pudessem brincar, na verdade, nem uma pessoa ele parecia.

Quando o paladino conseguiu se afastar o suficiente, colocou Alexandra ao chão e quis saber o motivo dela não ter se movido. A mulher não respondeu, estava abalada com alguma coisa. Depois de Kyõki tanto insistir chamando o nome dela, Alexandra finalmente disse alguma coisa.

Você ouviu o que ele me disse? — ela encarava o rosto do garoto com uma lágrima escorrendo de seus olhos.

Sim, mas certamente ele não iria te reconhecer na primeira tentativa.

Não foi isso... - disse Alexandra, fazendo Kyõki não entender onde ela queria chegar. — Uma criança de seis anos me falou sobre ódio.

Então foi isso que a abalou - pensou Kyõki, entendendo a reação da caçadora.

Ele deve ter enfrentado muitos soldados, como ele é uma criança, deve ter ouvido isso dos caídos e desde então fica repetindo. Porém, no caso dele realmente souber o que é o ódio, você deve ajudá-lo o mais rápido possível - disse o garoto.

Tem razão. Eu quero tentar de novo!

Mas antes... - Kyõki interrompeu, botando o braço que impediu a passagem. - É melhor que dessincronize sua alma.

Alexandra estava tão concentrada em fazer o filho reconhecê-la que esqueceu que sua alma estava ativa. Ela concordava que sua aparência, enquanto a alma estava ativa, não parecia nada amigável e materno. As listras negras em seu rosto tornavam sua aparência assustadora. Assim que desativou a alma, Alexandra seguiu Kyõki para localizar o general nova­mente. Agora o trabalho seria mais fácil, pois eles sabiam que o general estava próximo, e como a criança já sabia da existência de ambos, não teriam que se preocupar em se ocultar.

Alexandra, se seu filho é reconhecido como general, isso quer dizer que o ditador o nomeou, não estou certo? - indagou Kyõki.

Realmente para que alguém receba o título oficial de general, o pró­prio ditador tem que pessoalmente concedê-lo.

Como eu pensei, mas se não podemos vê-lo, como o ditador pôde? E mesmo se o visse, eu não acredito que ele daria um posto tão importante para uma criança - Kyõki pensava e estava tão distraído que não viu o ataque que surgiu a sua esquerda.

Kyõki! Cuidado! - Alexandra o alertou, mas foi muito tarde e o garoto recebeu o ataque, o qual o jogou contra uma das árvores.

O garoto não ficou inconsciente, mas a pancada fez a cabeça dele girar. Sua visão estava embaçada, colocando-o em risco. Mesmo naquela situa­ção, Kyõki sabia da sorte que teve, o general investiu com a neve que cobria a floresta, se fosse de outra maneira, o garoto teria sido congelado assim como Light.

Os fones foram retirados do ouvido devido ao golpe que recebera, cancelando a sincronia com a alma. Por algum motivo, ele se desesperou e cobriu os olhos o mais rápido que pôde com uma das mãos. Mesmo zonzo, agarrou rapidamente os fones e os recolocou nos ouvidos. Por sorte, o apa­relho não foi danificado.

Alexandra estranhou o pânico do garoto, mas não possuía tempo para se preocupar com aquele detalhe. Ela estava em uma situação complicada. Com Kyõki ferido, ela não tinha ninguém para protegê-la dos ataques além de não poder ativar sua alma, se o fizesse, a criança teria a mesma reação que na tentativa anterior. A única chance que eles tinham seria de Peter reconhecê-la naquele momento.

Pare, Pet! - Alexandra gritou chamando seu filho pelo apelido, como ela o chamava antes do acidente. Ela estendeu os braços e botou seu corpo à frente de Kyõki, para que o garoto não recebesse nenhum ataque. - Eu sofri muito com a sua morte, não só minha vida mudou como meu olhar para o mundo também mudou. Esse olhar de ódio me fez sobreviver nessa selva. O meu objetivo, as minhas forças, era de um dia vê-lo mais uma vez, e agora você está bem na minha frente!

O vento forte e agressivo estavam diminuindo, voltando a circular a pequena forma da criança que o vento esculpia. Alexandra encarava a neve temendo que o único motivo dela continuar vivendo não a reconhecesse.

Depois daquele dia em que nos separamos - ela continuou —, eu pensei em me matar várias vezes, mas sentia, no fundo, que aquilo não era o certo. O mundo é tão cheio de segredos, talvez houvesse um jeito de eu te ver mais uma vez. Sabe por que eu desejei esse único encontro?

Alexandra dizia, olhando para o suposto local onde o filho dela estava.

Para te pedir desculpas! Eu... — A mulher tremia com suas emoções, seus braços não puderam mais ficar estendidos, lágrimas escorriam em seu rosto sem que ela pudesse evitar. - Eu não pude te salvar... estava com tanto medo...

A medida que Alexandra pronunciava suas palavras sinceras, a tem­pestade de neve se tornava uma brisa gelada. A figura, com o contorno de uma criança, se aproximou de Alexandra, abraçando-a. Ela sentiu a tem­peratura do vento mudar ao redor de seu corpo, estava quente, afastando o frio daquele dia.

Não estou bravo, mãe. Fico feliz que esteja bem - disse Peter ao reco­nhecer sua mãe. - Eu não pude ter meu descanso eterno ainda, pois estava procurando por você. Enquanto afundava, imaginei que o soldado conti­nuaria a te perseguir. Eu queria tanto que ele fosse embora, queria tanto saber se você estava a salvo que não pude seguir a luz naquele dia! - disse a voz da criança, e Alexandra teve certeza de que se tratava de seu filho.

A voz do garoto ecoava como o vento pelas árvores. Kyõki estava pouco a pouco recuperando a sua visão e equilíbrio. Alexandra envolveu seus braços no pequeno corpo feito pelo vento. As lágrimas que brotavam não eram mais de medo ou dor; eram de alegria e paz.

Mãe... — A voz de Peter agora parecia trêmula. - Eu fiz coisas horrí­veis, mas não queria fazê-las! Ele me obrigou, mãe, um homem...

Não diga nada, Pet — interrompeu a mãe emocionada. — Depois fala­mos sobre isso, quero apenas que me abrace. — Alexandra imaginou que ele se referia ao ditador, então ignorou aquelas palavras.

O momento parecia perfeito, mãe e filho aproveitavam o momento sentindo aquela brisa quente que era o reencontro. Mas algo ainda não se encaixava, sabendo agora os motivos da criança estar ainda naquele mundo, não fazia sentido o ditador tê-lo nomeado como um general. Alexandra estava tão feliz que não queria atrapalhar aquele momento com pensa­mentos de angústia. Foi Kyõki que, ao se recuperar, percebeu que alguns fatos estavam faltando, mas logo algo apareceu para se encaixar no quebra-cabeça. Uma mão humana marcada com o símbolo do exército e unhas enormes saiu de dentro da criança, agarrando o pescoço de Alexandra.

Alexandra, recue! - Kyõki alertou, mas era muito tarde.

Mãe! - Peter gritou.

Os ventos agora não traziam a voz doce de Peter, traziam uma risada de um homem que certamente não tinha boas intenções.

Que cena tocante! Eu admito que estou emocionado. — Enquanto a voz irônica e arrogante começava seu discurso, Kyõki procurava em todas as direções onde ela tinha se originado. Aquela era uma tarefa complicada, os ventos eram usados como meio de comunicação, confundindo a mente do garoto.

Quando uma cabeça apareceu ao lado do braço que apanhou Alexandra, Kyõki pôde notar de onde tinha saído àquela voz. Ambos tinham saído do filho de Alexandra.

Talvez aquele soldado tenha a habilidade de entrar em corpo de pessoas e talvez até de almas - o garoto deduzira.

Deixe me apresentar - disse o estranho homem jogando Alexandra para a mesma árvore onde Kyõki fora arremessado. - Meu nome é Endo Facul, sou o atual general da América do Norte.

Endo é o tipo de pessoa que pode afirmar-se não ter boa aparência. O rosto era desproporcional, não tinha cabelo nem sobrancelhas. O sorriso largo se estendia quase até as orelhas. A voz era aguda e os olhos, pequenos e entreabertos, atentos ao que viam. Para piorar, o general possuía um pés­simo hábito de deixar a saliva escorrer de sua boca até o queixo.

Kyõki e Alexandra finalmente descobriram a última peça que estava faltando. O ditador não deu o título para o filho de Alexandra, mas para Endo, apesar de não ter certeza como Endo se apoderou de Peter.

Saia do meu filho agora mesmo! — Alexandra gritou, ativando sua alma.

Como Peter já tinha identificado sua mãe, não havia motivos para que Alexandra não ativasse sua alma, apesar do garoto ainda não aprovar a nova aparência.

Calma, caçadora - disse o general e ia continuar, mas foi interrompido.

Mãe, este é o homem que me obrigou a fazer maldade!

Cale-se! — O general interrompeu a criança antes que ela dissesse mais alguma informação, tomando total controle sobre o garoto. — Posso ver que você não é uma caçadora qualquer, você é da elite! — Endo conti­nuou, voltando a sua atenção para a caçadora.

De soldados até os generais, todos recebem certos distintivos para identificar seu posto. Os distintivos variam de formato e cor. A cor bronze é dada para os soldados, ele tem forma de um escudo com a bandeira do exército. A dos caçadores são anéis de cor prata enquanto o dos caçadores de elite são dourados. Os generais usam tatuagens como distintivo, sím­bolo que significa que até os últimos dias de sua vida não poderiam deixar o seu posto ou o exército, assim como não poderiam apagar aquela marca.

Alexandra foi descoberta por estar usando o anel dourado por cima da luva, o que era obrigatório para a identificação.

Isso é ridículo - disse Kyõki. - Qualquer um poderia usar um anel prata ou dourado e dizer que é um de vocês.

Endo gargalhou com o que tinha ouvido. O garoto não entendeu a reação do general, para ele, o que tinha dito fazia sentido.

Não esqueça, garoto, que todos se ajoelharam a nós em menos de uma semana e para isso acontecer teríamos que ser muito bem organiza­dos. Nós escolhemos esses acessórios para parecer o mais comum possível. Antes de dominarmos tudo, usávamos esses acessórios para nos identificar entre nós, mas para diferenciar dos outros acessórios, temos uma sigla em todos os distintivos que inclusive os generais têm que tatuar.

B.M.S.F - Alexandra interveio.

Sangue, mente e alma pelo Führer - o general continuou. - Mas apenas isso não seria suficiente, cada soldado, caçador e general tem um número de série que é identificado pelo sistema do nosso governo, evi­tando que alguém se passasse por algum agente do exército caso roubasse um distintivo. Mostre para ele, caçadora.

Alexandra retirou o anel do dedo e mostrou o avesso para Endo que estranhou, pois no anel não tinha qualquer sigla ou número de identifica­ção, fazendo-o suspeitar de a mulher ser realmente uma caçadora.

Esta é uma aliança de casamento que eu usava antes de tudo acon­tecer. O anel de caçadora está guardado no bolso de minha jaqueta, como sempre estou com meu subordinado e procurando por rebeldes, não tenho que provar para ninguém quem sou - explicou Alexandra e retirou do bolso o distintivo real com as iniciais marcadas do lado de dentro.

Ela pensava no falecido marido e no filho, mesmo servindo ao exército. O que a lembrava de que estava fazendo tudo aquilo por eles — o paladino deduziu.

Eu queria muito saber o que você faz aqui - disse Endo com um sor­riso torto. - Por que está atrás da criança em vez de caçar rebeldes? - Endo agora olhava na direção de Kyõki. - Esse garoto certamente não é um de nós e pelo visto, consegue ativar sua alma, por que não o matou?

Alexandra sabia que o general tentaria matá-la ou, na melhor das hipóteses, capturá-la. Ela já estava preparada para ser considerada traidora, como tinha reencontrado seu filho, não havia mais motivos para continuar no exército.

Eu não vim atrás de rebeldes, general. Eu vim para libertar meu filho de uma aberração como você! - falou Alexandra, fitando o general nos olhos minúsculos.

São palavras perigosas que podem custar sua vida, caçadora. Está disposta a largar seu ótimo posto no exército para ter seu filho de volta? - perguntou Endo.

Estou disposta a sacrificar minha vida por ele! - respondeu Alexandra determinada.

É uma pena, você deve ser uma caçadora muito boa para ser da elite. Largar tudo isso para tentar ter seu filho de volta... Mas como você pode ver, eu o controlo, então...

Alexandra não esperou o general terminar suas palavras inúteis, ela avançou com sua extrema velocidade e acertou um golpe no rosto do caído.

Sentindo o impacto do golpe, o general retornou ao seu hospedeiro e, aproveitando o furo na defesa de Alexandra, acertou com um chute fazendo-a recuar alguns passos.

Kyõki acompanhava a batalha atento. Ele pôde perceber a habilidade incrível do general de se mover livremente através do corpo do hospedeiro, que, no caso, era Peter. A velocidade com que ele se movia era impressio­nante, mas era facilmente superado pela velocidade de Alexandra caso ele deixasse o corpo. Enquanto a mulher atacava, Kyõki supôs qual era a forma da alma do general, mas tinha que avisar Alexandra de alguma maneira.

A caçadora recuou alguns passos para recuperar o fôlego. O general estava com toda a sua energia sem que pudessem notar qualquer exaustão. Endo acumulou uma grande quantidade de vento e neve para arremessar em Alexandra. Kyõki avistou o ataque e alertou a companheira.

Recue! Ele vai atacar!

Alexandra usou sua velocidade para recuar, e Kyõki foi em seguida, criando algumas estacas pelo caminho, fazendo a velocidade da neve ser diminuída.

Eles recuaram cerca de quinze metros. O ataque do general lembrava uma pequena avalanche destruindo tudo por onde passava. Os obstáculos criados por Kyõki apenas serviram para retardar. Agora que estavam a sós, o garoto pôde contar o que tinha descoberto para Alexandra.

Eu acredito que descobri a forma da alma do general.

A atenção de Alexandra estava totalmente voltada para a batalha, mas como estava há alguns metros de distância do inimigo, resolveu se concen­trar no que o paladino tinha a dizer.

Endo Facul é um pseudônimo, uma referência de sua própria alma. Pelo que observei, ele pode livremente se manifestar e se esconder em seu filho. O seu corpo realmente está enterrado, o que nós estamos lidando é com a alma dele. Como Peter disse, ele não pôde descansar em paz, pois estava preocupado com você. Eu acredito que o general tenha a alma em forma de parasita e, de alguma maneira, conseguiu fazer a alma de seu filho ser o hospedeiro dele. O nome Endo e Facul vem de "endoparasita" e "facultativo". Endoparasitas são os parasitas que ficam no interior do hospedeiro e um parasita facultativo é aquele que não depende do hospe­deiro para sobreviver, mas escolhe parasitá-lo. Isso também explica porque apenas True e Light conseguiram ver seu filho, ambos têm a alma do anjo e com ela podem ver as almas das pessoas. No caso de Peter, ele é a pró­pria alma. Eu acredito que os generais tenham liberdade para escolher seus pseudônimos para que sua identidade passada seja apagada. No entanto, esse general nos deixou pistas de sua alma.

Tudo isso faz sentido - concordou Alexandra pensativa. - Muito bem, garoto, eu pensei que você seria um pirralho qualquer para me atra­palhar, mas vejo que você pode ser de grande ajuda.

Obrigado, mas não me chame de garoto, meu nome é Kyõki.

Certo, Kyõki, o que vamos fazer agora? - Alexandra quis saber, gos­tando da atitude do paladino.

Temos que levá-lo até True. Ele é o único que pode tirar o general de Peter, já que Light foi congelado.

A caçadora apenas assentiu. Eles tinham que levar o general até o lago. A distância que eles recuaram ajudou para ficar mais perto, mas ainda fal­tava um quilômetro até ele.

Não me deixem esperando - alertou o general, mas eles não sabiam de onde ele estava vindo.

Alexandra e Kyõki ficaram de costas um para o outro em uma rápida estratégia, assim um deles veria o ataque que surgiria de ambos os lados. Porém aquela estratégia não foi necessária, o general se revelou da cin­tura para cima. Eles não entenderam o motivo tão descuidado da parte do general.

Cansei desse joguinho de esconde-esconde! Vou acabar de uma vez com vocês para que eu possa voltar a descansar - disse Endo com uma aparência zangada.

O general, bem devagar, levantava as mãos para o céu tempestuoso. Enquanto o fazia, toda neve que forrava a floresta era levada para frente de Endo, onde uma muralha ia se formando. A neve era arrastada para o general, fazendo Kyõki e Alexandra se desequilibrarem. Antes que fossem levados até onde a neve se acumulava, subiram na árvore mais próxima para permanecer em segurança. Cada vez mais a muralha ia ficando maior e mais neve ia sendo concentrada.

Alexandra! Ele pretende criar uma onda, como se fosse um tsunami! Temos que sair daqui agora!

Aquele foi um choque e tanto para a mulher. Ela não queria deixar o filho para trás, não suportaria se o perdesse novamente.

Não se preocupe, ele vai tentar nos encontrar para saber se o serviço foi feito - insistiu Kyõki.

A caçadora não teve outra escolha senão correr o mais rápido que pôde em direção ao lago. A muralha já estava alcançando seus quarenta metros, se eles não conseguissem chegar ao lago, certamente iriam morrer esmagados.

 

                                           Capítulo 23

Descanse em paz

Assim como True e Esmeralda, Alone estava surpreso com a chegada de Juan, que, aparentemente, seu avô. True não conseguia acreditar que a notícia era real. Ele não sabia muita coisa sobre a família de Alone, mas tinha conhecimento de que seus pais e irmãos foram mortos porque ele salvou as crianças prisioneiras do destino da morte. Durante o tempo em que conviveu com Alone, ele nunca havia comentado sobre seus avós.

Abuelo? - disse Alone atônito.

Esmeralda não entendeu o que ele disse, mas através do Laço, True pôde saber e explicar sobre a dúvida da garota.

Abuelo significa avô em espanhol, que é a língua falada no México. Alone devia ter o costume de chamá-lo assim quando o visitava.

A garota agora tinha entendido, confirmando a surpresa de conhecer o avô do ex-paladino.

Juan, você realmente é avô do... - True ia dizer Alone, mas imaginou que Juan não estava ciente das mudanças que seu neto passara. - John?

Juan virou para fitá-lo como um olhar de dúvida.

Vocês o conhecem?

True e Esmeralda fizeram que sim com a cabeça.

Como esse mundo é pequeno... - refletiu. - Respondendo à sua pergunta: sim, sou o avô dele. Com a ditadura perdemos totalmente o contato, mas não fomos mortos como o restante da família. A morte de minha única filha.

True notou a mudança do tom da voz de Juan, que conteve suas emoções.

O episódio foi levado até o ditador, que decidiu não nos julgar pelo crime; afinal, éramos de grande importância no Canadá. Não há muitos refeitórios aqui e como nunca criamos problemas, o Führer nos julgou inocentes - juan continuou. - Quando vimos a execução pelo noticiário, foi o momento mais difícil para mim e para minha esposa. Porém, John ainda estava foragido e orávamos para que ele nunca fosse pego. A razão de conseguirmos continuar nossas vidas era saber que nosso neto ainda estava vivo - Juan explicou. - Os avôs paternos de John morreram antes mesmo desse terror começar. A única família que resta a ele sou eu e minha esposa. Talvez o ditador tenha nos inocentado porque assistir a morte de nossa família tenha sido uma punição pior que a morte.

Enquanto Juan esclarecia o ocorrido de vários anos para os paladinos, Alone, paralisado, não sabia o que fazer naquela situação. Ele só desejava desaparecer daquele lugar o mais rápido possível.

Como você está, John? - disse Juan, voltando a se dirigir para o neto. - Faz muito tempo que não o vejo. Eu e sua avó estamos morrendo de saudades.

Alone não respondeu, apenas abaixou a cabeça, pensativo. Juan espe­rou por um instante e, percebendo que ele não responderia, continuou:

Você deveria usar coleiras nestes seus cães, se eu não estivesse aqui, não sei o que poderia ter acontecido com seus amigos.

O que você faz aqui? - indagou Alone, rompendo seu silêncio, em um tom de amargura.

Bom, eu vi uma tempestade se aproximando e não poderia deixar que estes jovens despreparados a enfrentassem sozinhos - respondeu Juan apontando para True e Esmeralda. - De onde eles vêm, duvido que este­jam acostumados com todo este frio.

Eles não são meus amigos! — Alone estava com uma aparência séria e tentou demostrar que não estava no local para rever alguém.

Juan fez uma expressão de decepção, enquanto os cães derrotados no chão viravam sombras e retornavam ao seu dono.

Você não era assim, sempre estava cercado de amigos, feliz. Sempre com uma expressão alegre contagiando todos à sua volta. O que aconteceu com você, meu neto? E o que está acontecendo aqui? Esses seus cães não parecem ser normais!

Alone não se conteve e soltou uma longa gargalhada. True sentia raiva pelo comportamento do caído, mas entendia seus motivos para estar daquela maneira.

Aqueles "amigos" pelos quais era cercado não eram nada mais que simples pessoas usando máscaras para conseguir algum benefício próprio. Eu era tão ingênuo... — disse Alone, falando a última parte quase para si mesmo. - Quanto aos meus cães, não se envolva em uma briga que não é sua!

Você está diferente, meu neto. Pare com isso! Nem todo mundo é assim. Você deveria confiar mais nas pessoas. Por que não vem morar comigo, como antigamente?

Finalmente, True soube que havia algo a mais no passado de Alone. Segundo o que Juan dissera, Alone havia passado algum tempo com ele.

Alone deu outra gargalhada, mas desta vez o garoto não entendeu os motivos.

Você acha mesmo que vou cair em outra armadilha? Acha que não aprendi nada com meus "amigos" que me traíram? É claro que não vou morar com você! Eu fui o responsável pela morte de sua única filha, minha mãe. Como você poderia me perdoar por isso?

Juan ficou chocado com a reação e as palavras que saíram da boca de seu neto. Parado, abaixou sua boina dificultando ver seus olhos.

Sei que não era sua intenção que aquilo acontecesse, mas vou te dizer por que eu posso te perdoar... E a resposta é: Porque sou seu Abuelo!

Aquelas palavras foram como um choque na alma de Alone, dúvidas surgiam em sua mente. Verdade e mentira lutavam para declarar quem realmente era real, mas aquilo não durou por muito tempo. Alone caiu duas vezes por um motivo bem comum que poderia ser resumido em uma palavra: decepção.

Se não quiser morar comigo, aqui no Canadá, eu não me importo, só quero, meu neto, que você seja feliz! - continuou Juan. - Não deixe crescer essa dor que está no seu peito, ou ela pode acabar te devorando aos poucos.

Tum, dum... Tum, dum...

True assistia atentamente o reencontro de Alone com seu avô, quando, naquele instante, começou a sentir uma imensa dor em seu coração. Ele, surpreendido pela dor, colocou a mão sobre o peito e Esmeralda, através do Laço sentiu que algo estava errado.

True! Está tudo bem?

Ele não respondeu. Nunca tinha sentido aquilo antes, era como se uma bomba estavivesse prestes a explodir em seu peito.

True! Diga alguma coisa, ou pelo menos pense para que eu possa te ajudar!

Juan se virou para ver o que estava acontecendo, mas antes que ele pudesse se preocupar, o garoto conseguiu dizer alguma coisa.

Está tudo bem! Só... Só me deixem respirar um pouco...

A dor começou a subir pelo corpo de True, ele sentia algo quente e gelado chegar a sua cabeça até seus olhos.

AAAH! - True gritou apavorado, agora sentindo seu olho direito em chamas e seu olho esquerdo congelar.

Esmeralda não sabia o que estava acontecendo. Ela soube o que o garoto estava sentindo através do Laço, mas, aparentemente, seus olhos estavam normais.

True cobriu os olhos com as mãos e continuou a gritar.

Ei! - chamou Juan. - Tem certeza que ele não precisa de ajuda?

Não, espere. Acho que está passando — Esmeralda respondeu.

Pouco a pouco a dor dos olhos ia desaparecendo, assim como a do peito.

Quando o garoto abaixou as mãos, Esmeralda arregalou os olhos, boquiaberta.

Os olhos de True adquiriram a tonalidade de antes na batalha. Seu olho esquerdo estava com um tom vermelho-sangue enquanto o direito estava em um tom verde-claro. O que Esmeralda não entendia era como isso era possível. True não tinha mais energia e sua alma não estava ativa. Os olhos pareciam mais estáveis do que antes, como se aquela cor sempre fosse o tom de seus olhos.

True, seus olhos... - Esmeralda tentou avisar, mas foi interrompida pelo garoto.

Eu posso ver! Eu podia antes, mas... está diferente! Posso ver com mais clareza!

Se não fosse a conexão entre ele e a garota, Esmeralda não teria enten­dido o que True tentava dizer. Ele agora podia ver as almas sem ter que usar sua habilidade. Elas ficavam fixas sobre as pessoas. True reconheceu o Cérbero, a alma de Alone. A Valquíria, a alma de Esmeralda, que planava sobre a cabeça da garota, com a mesma armadura que Esmeralda metalizara na batalha contra Alone.

Antes, True via as almas imóveis e instáveis. Agora, elas pareciam mais vivas, mas não demostravam qualquer expressão.

Taiji, o que houve?

O olho da verdade, True. Agora ele é permanente. Não precisamos gastar energia para usá-lo — esclareceu a alma do garoto.

Interessante. Mas vou ficar com meu olho dessa cor? Além disso, vou ficar vendo a almas de todos, mesmo sem querer?

Sim, vai. Isso mostra nossa evolução, True. Pelo que parece, durante a batalha, estávamos muito sincronizados, o que pode ter despertado o olho. O Laço também ajudou. Além do reencontro de Alone com seu avô. Fortes emo­ções influenciam na alma.

Eu gostei — aprovou Esmeralda através do Laço.

True sorriu com o elogio e antes que pudesse voltar sua atenção para a conversa, ele viu algo que o surpreendeu.

Sobre a cabeça de Juan estava um leão equivalente a um de tamanho real. True se lembrava de ter verificado cada pessoa no estabelecimento de Juan. Como ele não teria notado uma alma tão grande e que emanava tanta pureza?.

Os tamanhos das almas variavam, e True nunca soube o motivo. A Alma de Alone era imensa, já a de Esmeralda fazia a Valquíria parecer uma fada devido à estatura. Ele se perguntava de que tamanho seria a sua.

O que foi agora, True? - Esmeralda indagou ao notar o olhar do garoto fixo em Juan.

A alma de Juan. É de um leão e é dos grandes - ele conseguiu falar trocando sua expressão de espanto para a de dúvida. - Mas eu não entendo. Por que Juan não faz a sincronização com a alma? Talvez nem ele saiba a respeito dela.

Enquanto True pensava em algo que explicasse o fenômeno, Alone continuava imóvel onde estava desde o início da conversa, encarando o gelo, deixando o vento bagunçar seus cabelos compridos.

Juan, sabendo que não podia fazer mais nada, se virou para ajudar True e Esmeralda que estavam com sérias feridas nas pernas e braços, as quais os impossibilitava de andar.

Porém, quando ele se virou, viu algo que o apavorou. Uma avalanche estava vindo em direção ao lago com uma velocidade espantosa. Juan sabia que não conseguiria sair do lago a tempo de carregar os dois jovens sem que a neve os alcançasse, quando enfrentou os cães, sofreu um ferimento na perna provocado por um dos animais.

Alone, sentindo a vibração do solo, interrompeu seus pensamentos para avistar a imensa avalanche que em poucos segundos chegaria ao seu encontro. Ele seria o único que poderia escapar com vida daquele local, mas não sabia ao certo se deixaria os três para trás. Enquanto a dúvida o perturbava, Alexandra e Kyõki saíram da floresta em direção ao lago para comunicá-los.

True! - gritou Kyõki ao avistá-lo. - Descobri tudo sobre o gene­ral, mas antes temos que impedir que essa avalanche nos acerte. Você tem alguma idéia? — disse ele, notando a nova tonalidade dos olhos do garoto e se espantou. - Por Buda! O que aconteceu com seus olhos?

Despois eu explico.

O garoto se encontrava em uma situação complicada. No modo em que estava não poderia ativar sua alma e talvez só suas chamas pudessem salvá-los da enorme avalanche que se aproximava. Enquanto o garoto pen­sava em algo, Alexandra tinha ido até Alone para contar o que descobriu.

Eu não posso ativar minha alma no meu estado atual. Teria que me curar antes, mas para isso preciso de energia. Assim que eu conseguir, usa­rei minhas chamas para tentar parar a avalanche, mas também precisarei de muita energia para impedi-la de nos acertar - informou True quase sem esperança.

Eu posso ajudar - disse Esmeralda, feliz por finalmente dizer aquela frase. — Eu posso mandar todo o resto da minha energia para você. E pouca, mas é o suficiente para você conseguir se curar e ativar sua alma.

True assentiu e Esmeralda passou suas últimas forças para o garoto através do Laço. O garoto agora pôde ativar sua alma na forma original e, como tinha energia, usou a habilidade do anjo para curar seu corpo.

Obrigado, Esmeralda - agradeceu True.

A garota apenas fez um gesto com a cabeça, pois se sentia exausta devido à transferência. Juan a pegou no colo para que não ficasse jogada no gelo.

Kyõki, você tem muita energia sobrando? - perguntou True.

Não muita, tive que usar bastante dela na floresta e para chegar até aqui.

True pensou e concluiu que o garoto não teria muita energia significa­tiva. As opções eram poucas, tirando Esmeralda e Kyõki, tinha Alexandra, Alone e Juan, porém True não sabia se Alexandra e Alone iriam cooperar, além de ambos terem usado muita energia nas batalhas.

Use a minha — disse Juan sendo um voluntário. - Eu não sei exata­mente que energia é essa que vocês tanto falam, mas acredito que eu deva ter.

Não sei se Juan pode ajudar nessa situação, sem querer ofendê-lo - disse Kyõki, mas True concordou.

Eu agradeço, Juan. Mas só foi possível Esmeralda passar energia para mim porque estamos conectados.

Alone, impaciente, caminhou até o garoto e o acertou com um cascudo.

O que pensa que está fazendo! — True berrou com o caído.

Use a cabeça, garoto! - retrucou Alone. - Se um inimigo te atacasse com fogo você usaria o gelo para contra-atacar ou simplesmente usaria seu braço direito para controlá-lo?

O que Alone dizia fazia sentido. True, pesando melhor, se lembrou da batalha que teve há poucos instantes. Ele, com o braço esquerdo, con­trolou os pequenos fragmentos de gelo para criar o escudo. Seguindo sua teoria, ele poderia parar a avalanche com seu braço; afinal, o gelo era o outro elemento que manipulava.

Mas, Alone, eu não sei se posso parar uma avalanche inteira. Eu mal consegui controlar os fragmentos de gelo.

Eu sei que isso é impossível para você, criança - Alone zombou. — Pensando nisso eu bolei um plano. Com minha aura posso no máximo retardar a avalanche para que ela não nos esmague de uma vez. Enquanto isso, você estará logo atrás tentando dividi-la ao meio para que ela não nos acerte.

Faz sentido - concordou Kyõki. - Juan pode proteger Esmeralda, segurando-a em seus braços, já que ela está incapacitada de se mover no momento. Eu posso ajudá-los a retardar a avalanche com meus espinhos. E Alexandra poderá escapar caso o pior aconteça.

Os olhos de Alexandra e de Kyõki se encontraram por um instante. Mesmo se todos morressem naquele lugar, ela poderia escapar com sua velocidade e talvez resgatar seu filho.

Eles não tinham tempo a perder, a avalanche se aproximava cada vez mais, então logo entraram em posição.

Alone tomou à dianteira e logo atrás estava True, erguendo a mão esquerda de seu lado demônio. Kyõki estava na direita começando a criar os vários obstáculos de espinhos para retardar a avalanche, o que aparente­mente não tinha efeito algum.

Por que está fazendo isso, Alone? - True quis saber os motivos do caído em ajudá-los.

Não confunda as coisas, garoto. Só estou fazendo isso pelo meu avô, não quero que ele morra em um lugar como este. Agora, prepare-se!

Todos estavam em suas posições. True se concentrava na grande quan­tidade de neve que se aproximava. Pouco a pouco podiam ouvir o barulho da neve destruindo tudo por onde passava. Quando finalmente a onda de neve alcançou a margem do lago, Alone ergueu os braços para que sua aura repelisse a neve.

A avalanche passou violenta no local onde estavam. Se não fosse pelo esforço de Alone, todos teriam sido varridos pela neve.

Rápido, True! Desvie a neve!

O garoto estava nervoso. Sua mão tremia com a situação, o medo tomava conta de sua mente, interrompendo sua concentração.

True, acalme-se! Vamos conseguir, apenas acredite! — disse Taiji em sua mente.

True fechou os olhos e tentou ignorar tudo o que Alone berrava em seu ouvido. Ele sentia o forte vento bater contra seu rosto tentando imagi­nar que a neve que se aproximava fazia parte de seu corpo.

Saia da frente, Alone! — pediu True, e Alone rapidamente obedeceu cancelando sua aura e desviando para o lado.

O garoto foi à frente contra a avalanche que podia prosseguir livre­mente sem a aura de Alone para impedi-la. Quando pensaram que a neve os esmagaria, True, com seu braço erguido, dividiu a avalanche ao meio, fazendo ela seguir para dois caminhos distintos.

As laterais da onda passaram por eles e tomaram conta do lago. Agora estavam em segurança.

True desativou a alma deixando seu corpo cair sobre o gelo, mas Kyõki o impediu que batesse a cabeça.

Conseguimos - falou True aliviado.

Muito cedo para comemorar - disse Kyõki encarando a floresta.

Não se preocupe — falou Alexandra, interrompendo o medo do garoto. - Agora eu e Alone assumimos.

Uma pessoa se aproximava saindo da floresta ao encontro deles no lago. Era um homem vestido com roupas pretas parecidas com as de Alexandra. Ele estava com uma aparência séria e decidida.

Ele tomou todo o corpo - disse Kyõki, que percebeu o olhar de dúvida de True. Aproveitando o momento, ele decidiu contar tudo o que acontecera em sua ausência.

Endo parou na margem do lago e avaliou a situação de seus inimigos.

Pelo que vejo vocês conseguiram escapar de meu ataque, mas agora já não lhes resta muita energia.

Nem para você, que a usou naquele ataque - retrucou Alexandra.

Endo não se conteve e começou a rir.

Eu sou um parasita, caçadora. Eu uso a energia do meu hospedeiro, então estou com bastante energia sobrando.

Alexandra não reagiu, o mesmo fez Alone que só observava. Endo avaliava o comportamento dos dois.

Que cena maravilhosa. Vocês não sabem o que fazer, não é mesmo? - disse Endo rindo com a situação dos rebeldes.

Alexandra, irritada, não se conteve e arremessou uma de suas facas em direção ao coração de Endo, que desviou fazendo a faca passar raspando em seu braço, criando um pequeno corte.

O general voltou à alma do garoto ficando invisível novamente. Seguro de que ninguém o atingiria, gargalhou.

Desistam! Vocês não podem comigo. Se eu estivesse no lugar de vocês, fugiria o mais rápido que pudesse — provocou Endo que continuou acreditando que era invulnerável. — Por que acham que o Führer me deu o título de general? Porque eu tenho poder para isso, não existe nada que possa me tocar!

Enquanto o general continuava seu discurso, Alexandra e Alone deram um salto para lados opostos, deixando o caminho livre para que True inves­tisse usando o cabo do Flagelo das Almas para separar a criança do caído. Como a lâmina não acertou Peter, ele permaneceu no mundo físico.

True possuía o olho da verdade, possibilitando-o, agora mais do que nunca, ver as almas das pessoas e as almas que deixaram seus corpos.

Você fala muito, general - vociferou Alexandra, encarando-o com ódio.

Alone rapidamente agarrou o general pelo pescoço, apertando o sufi­ciente para que ele não tivesse forças para reagir.

Quando foi que... - disse Endo se esforçando para falar.

Nosso plano sempre foi te trazer para o lago onde estava o garoto, que possui a alma de Tao, sendo metade dela, anjo. Você deve saber que essa forma tem a habilidade de ver almas, e isso foi sua ruína! - explicou Alexandra feliz que finalmente o tinha capturado.

O general estava atordoado com tudo aquilo. Ninguém nunca o havia capturado, e agora, lá estava ele sem saber o que fazer.

Como planejou tudo isso?

Não me subestime, general! Afinal, fui nomeada como caçadora de elite.

Alone sorriu pensando na ironia. Ela queria que menos pessoas pos­síveis se envolvessem com seu assunto pessoal, e, agora, todos estavam envolvidos.

Endo, em uma tentativa desesperada, tentou possuir o corpo de Alone, mas ao entrar em seu corpo, viu todas as horríveis cenas que habitam sua mente. Ele não tinha escolha, uma vez que estava preso ao Cérbero. O general viu o imenso cão de sete cabeças fazendo desistir de fazer Alone, seu hospedeiro.

Após alguns segundos, o general saiu do corpo de Alone aos berros. Alone não deixou que fugisse, logo que saiu ele o agarrou novamente.

Como consegue suportar? Essas visões! Sua alma! Tão corrompida! Se você se unisse ao exército teria uma grande carreira, nosso senhor lhe concederia...

Quer que eu o mate, Alexandra? - perguntou Alone, ignorando o que Endo falava.

Não. Quero obter mais respostas.

Alexandra virou para encarar True que estava sentado com a ajuda de Kyõki.

Garoto, queria te pedir mais um favor - disse Alexandra. - Quero que entre no mundo do general e veja em sua memória como ele encontrou meu filho. Pode fazer isso?

O garoto pensou, ele não sabia se deveria confiar na pessoa que no dia anterior queria matá-los. Além disso, estava exausto.

Se fizer isso, quero que prometa que não irá mais nos caçar — propôs True.

Não se preocupe. Eu só fiz parte do exército para encontrar meu filho, agora não tenho mais motivos para continuar.

True observou como a mulher respondeu. As palavras dela pareciam ser sinceras. Kyõki contou sobre Peter e sobre o general, mas não disse os detalhes sobre os motivos de Alexandra ser uma caçadora.

Se é assim... Mas já aviso, terei que ser breve, não tenho muita força.

Alone levou o general até True, que ergueu a mão direita na testa do mesmo. Ele fechou seus olhos e entrou no mundo.

 

No começo da ditadura, assim que os caídos tomaram posse do mundo, os generais foram escolhidos para cuidar de seus respectivos continentes. Os quatro generais foram rapidamente nomeados por terem qualificações e serem de alta lealdade ao ditador.

Nos dois primeiros anos houve muitas revoltas com a esperança de que as pessoas pudessem recuperar o mundo que perderam, porém foi um fracasso. De todos os continentes, havia um que possuía o maior índice de rebeliões, era o continente americano. Graças a isso, o ditador, querendo resolver o problema, decidiu nomear outro general para ocupar a América do Norte, enquanto o outro que estava na América Central iria para a América do Sul.

O plano parecia ótimo, colocar dois generais em um só continente iria pôr muito mais medo e vigilância nas pessoas, reduzindo o índice de rebeliões. Porém havia um único problema: quem seria esse general. O ditador, apesar de ter vários homens de confiança, não tinha um que possuísse tanto poder para tomar tal responsabilidade. Quando teve uma idéia.

De todos os líderes de rebeliões, havia um que nunca tinha sido pego e que estava dando muito trabalho para achá-lo, seu nome era Brian Oak, líder da maior união de rebeldes que existia.

Por causa daquela situação, o ditador reuniu os três melhores caçado­res de sua elite, sendo que um deles era Endo, e propôs a eles que quem capturasse Brian Oak, vivo ou morto, e o trouxesse até ele, ganharia o posto de general da América do Norte. Os caçadores ficaram muito anima­dos com a proposta, àquela era uma oportunidade única de subir de posto, mas eles sabiam que não seria algo fácil, já que se tratava de um inimigo que eles perderam várias vezes de vista. Porém, mesmo com tanta dificul­dades, Brian não passava de uma pessoa como as outras, ele não possuía conhecimento sobre as almas.

Depois de quase um ano de procura e extrema dedicação, os três caça­dores descobriram que Brian estava morando com sua família na floresta próxima à Yellowknife. Endo foi o primeiro a encontrá-lo e no momento em que ia capturá-lo o outro caçador chegou e o atacou para que ele pudesse capturar Brian e ganhar a recompensa. Foi uma batalha mortal e enquanto os dois lutavam, o terceiro caçador capturou Brian e o levou ao ditador. Endo, apesar de ter ganhado a batalha, matando o caçador que o atacou, estava gravemente ferido. Ele andava lentamente para o lago, cami­nho que ele pensava que o caçador tinha tomado, porém quando chegou ao lago, encontrou uma mulher e uma criança patinando no gelo. Eram respectivamente Alexandra Oak e Peter Oak, esposa e filho de Brian. Endo ficou contente por encontrar alguém para que pudesse ser seu hospedeiro e assim se recuperar.

Quando ele caminhava lentamente sem forças para correr até os dois, Alexandra o avistou se aproximando e correu com o filho para a margem do lago. Endo estava sem forças para ir atrás dos dois, retirou uma granada de seu bolso e arremessou no lago para que o gelo se rompesse e eles não fugissem.

Com a explosão, Alexandra conseguiu ser arremessada até a margem enquanto Peter afundava no lago. As esperanças de Endo haviam acabado, sem um hospedeiro não poderia recuperar seus ferimentos, mas como uma última tentativa, se arrastou até a margem com a esperança de que alcan­çaria a mulher.

Depois de se arrastar alguns metros, pôde ver que a mulher estava muito distante, fazendo-o desistir de alcançá-la. Ele, exausto, voltou até o buraco que a explosão fez no gelo para se certificar se a criança estava viva. Vendo o corpo imóvel, se irritou consigo mesmo tamanho o desespero em que se encontrava. Uma criança não poderia sobreviver em uma água tão gelada se nem ao menos soubesse nadar. Com essa conclusão, deu as costas para o corpo submerso, se deitou no gelo e fechou os olhos, esperando que sua vida chegasse ao fim. Porém, para a sua surpresa, viu uma luz que vinha de dentro do lago, por um momento pensou que estava morto, mas viu que a luz saía da criança.

A luz emergiu com uma grande quantidade de vento à sua volta. Endo estava assustado com tamanho poder e quando conseguiu ver melhor, per­cebeu que o vento tomava forma de uma criança com o tamanho exato da que tinha acabado de morrer afogada no lago. Logo percebeu que o que estava em sua frente era um espírito e, devido ao desespero, usou sua habi­lidade para fazer da alma sua hospedeira. Ele não sabia se podia usar sua habilidade em algo que não fosse um ser vivo, mas aquela era a sua última chance.

Para sua surpresa, conseguiu tomar controle da alma da criança e com ela, ele era invencível. Tomado por vingança, esperou que o caçador que capturou Brian tomasse posse da América do Norte, para que quando che­gasse o dia, ele atacasse.

No dia em que o caçador ia receber o título de general, vários soldados estavam presentes como testemunhas. O próprio ditador estava no local para oficializar o título. Endo, tomado por ódio, atacou com força total, matando soldado por soldado até que chegasse ao caçador que tomou seu lugar. Endo não teve trabalho em matá-lo, como era invisível e intocável, o caçador foi congelado e morto rapidamente. O único que tinha sobrado era o ditador que aplaudia Endo. Ele não entendia como o ditador con­seguia vê-lo ou se estava realmente vendo, mas seus olhos o fitavam como se soubesse de sua localização. O título foi concedido a Endo e por estar exausto pelo ataque, deixou que a criança tomasse o controle por um tempo até que ele se recuperasse.

 

Então foi assim que aconteceu - disse Alexandra enxugando suas lágrimas.

True retirou a mão da testa do general e tentou consolar Alexandra.

Não foi sua culpa. Se não tivesse levado seu filho para patinar, vocês dois teriam sido mortos pelos caçadores junto ao seu marido, Brian Oak, que foi um grande homem. Eu mesmo o mencionava como refe­rência de esperança. O general só conseguiu controlar seu filho porque sua alma não é de um parasita qualquer, é um demônio parasita. Talvez, por estar no fim da vida entre os dois mundos, Endo conseguiu ver a alma de seu filho.

Talvez tenha razão - disse Alexandra mudando a direção para onde olhava. - Alone, não preciso mais dele.

Como quiser — ironizou Alone com um sorriso maligno no rosto.

Espere! - gritou Endo com suas últimas forças. - Eu não tive esco­lha! Eu ia morrer! Vocês não sabem como é ter que depender dos outros para sobreviver!

True, apesar de querer tentar fazer do general um puro, não se envol­veu. Aquela decisão cabia a Alexandra.

Sobreviver? Você é um parasita facultativo, não necessita de um hos­pedeiro para sobreviver - disse Kyõki.

Na verdade, seria bem melhor que você tivesse morrido em vez de meu filho - Alexandra falou enquanto retirava a faca de seu estojo e cra­vasse no coração do general.

True não quis ver a cena, mesmo sendo um general, sentia pena dele. Talvez fosse daquele sentimento que o seu lado anjo se originou.

Após Alexandra retirar a faca, Alone procurou um local onde o gelo estivesse mais fino para quebrá-lo e arremessar o corpo do general.

Não disse que o lago inteiro estava congelado, não só a superfície? - lembrou True.

E estava, porém o general não está mais controlando a alma de Peter, então tudo o que ele congelou está derretendo - explicou Alone enquanto jogou o general na água gelada que pouco a pouco ia afundando até atingir o fundo.

Mas se ele é um parasita, não poderia encontrar um ser vivo e possuí­do lá embaixo? - perguntou Kyõki.

Não existe um ser nesse lago que esteja vivo. Esse lago foi congelado com habilidades sobrenaturais. Pensamos também na hipótese de haver outra alma no lago, mas True já procurou com seu olho.

Kyõki olhou para o garoto que assentiu. Apesar de True e Alone não serem mais aliados, Kyõki pôde perceber que mesmo sem planejar nada com antecedência, um sabia exatamente o que o outro iria fazer.

Kyõki, pode me ajudar? Quero ir até Peter - True pediu.

Eles caminharam até a criança que apenas True conseguia ver parada na neve.

Então você é o filho de Alexandra. Peter, não é?

A criança era como Alexandra havia descrevido. Ele tinha um pouco de sardas no nariz e um pouco abaixo dos olhos, pele clara, cabelo ruivo com uma franja que cobria a testa. Era pequeno e magro, aparentando cerca de seis anos. Usava roupas de inverno. Apesar de estar morto, perma­necia com sua antiga forma.

Peter encarou True e estranhou os olhos de cores diferentes, mas não se intimidou.

Sim, senhor. — True achou diferente o modo como foi chamado, de "senhor". A criança parecia ser bem educada. - Fico feliz que ela esteja bem, mas eu queria que ela pudesse me ver.

Não se preocupe com isso, eu posso ajudá-la - True olhou para a Alexandra e fez um gesto com a cabeça, indicando para que ela se aproximasse.

Ele está aqui? - perguntou Alexandra ansiosa.

True assentiu e se afastou.

Pet, meu filho! - Alexandra estendeu a mão e sentiu quando um vento quente passou entre seus dedos. - Agora tudo acabou, filho. Aquele homem mal, já foi embora. Você vai poder ficar em paz - uma lágrima brotou dos olhos da mãe.

Não chore, mãe — disse Peter enxugando a lágrima com o vento. — Eu estou bem. Vou poder rever meu pai. Ele deve estar com saudade, de nós dois é claro. - Alexandra riu com a preocupação do filho de incluí-la. - Mas para partir, preciso saber se ficará bem, mãe. Não quero que continue com esse olhar, você é muito linda para ficar assim - Peter tocava o rosto de sua mãe e ela pôde sentir.

Não se preocupe, filho. Mamãe ainda tem algumas coisas para fazer, mas não vai continuar no exército. Eu te prometo! - Alexandra sorriu esforçando-se para não chorar.

Fico feliz - Peter abraçou sua mãe que fechou os olhos para se con­centrar no vento à sua volta. True assistia a tudo de longe, ele estava feliz em poder ajudar no reencontro, mas sabia que Peter tinha que partir. - Eu te amo, mãe. Mas agora tenho que ir, estaremos esperando por você, eu e meu pai.

Tudo bem, filho. Descanse em paz. Mamãe também te ama, muito - Alexandra não aguentou e deixou as lágrimas escorrem pelo seu rosto.

True viu Peter mudar sua forma, transformando-se em luz, desfazendo-se lentamente até ir em direção ao sol que quase não dava para se ver em meio ao clima.

Ele foi embora - avisou True.

Alexandra chorava, mas aliviada que tudo tinha acabado. Ela final­mente havia se livrado do imenso peso que carregava, acusando-se por todos esses anos da morte de seu filho. Agora a paz voltou a sua mente, sabendo que seu filho estava feliz ao lado de seu marido que tanto amava.

Obrigada, garoto. Estou em dívida com os paladinos.

Kyõki ajudou True a chegar perto de Alexandra, ele estendia a mão para ajudá-la a se levantar.

Não precisa agradecer. A Ordem dos Paladinos só quer a paz no mundo das pessoas. É desse modo que pode nos agradecer.

True viu o guepardo, a alma de Alexandra, diminuir sua corrupção. Uma aura negra deixava a alma, o que não foi o suficiente para voltar a ser pura, mas era um começo.

Prometo que darei uma nova chance ao meu mundo, paladino. Mas agora não é o momento, ainda preciso fazer uma coisa antes.

O garoto não compreendia os pensamentos da caçadora, aquele pare­cia ser o momento ideal para dar uma nova chance à vida, ele ia perguntar o que a mulher pretendia, mas Kyõki o interrompeu:

Eu estava pensando. Se o lago está derretendo, não significa que Light também esteja? - perguntou Kyõki.

O garoto de fones de ouvido lembrou a todos de algo muito impor­tante, haveria uma chance de Light sobreviver. Todos imediatamente parti­ram para onde o corpo de Light havia sido congelado, no entanto, quando True passava por Alone, sussurrou algo próximo a ele.

Devia ouvir seu avô.

Não se intrometa onde não é bem-vindo, garoto - alertou Alone, cerrando os punhos.

Você já parou para pensar: talvez não seja as pessoas que não tenham lhe dado uma segunda chance, mas, sim, você, quem não deu a si mesmo?

Antes que Alone retrucasse, True correu ao encontro de Kyõki e Esmeralda que iam em direção ao local onde Light fora petrificado. Juan acompanhava com os olhos a partida dos jovens, para que pudesse ficar sozinho com o neto, mas antes que percebessem, Alone e Alexandra já haviam partido. O homem, de quase setenta anos, queria se despedir do neto, mas já era tarde.

Cuide-se, meu neto - Juan pensou com um aperto no coração.

 

Alone seguia seu caminho para sudeste rumo a Niagara Falls quando percebeu que Alexandra o seguia.

Por que está me seguindo, caçadora? Nós tínhamos um acordo, você cumpriu com sua palavra e eu cumpri com a minha, logo não há mais necessidade que andemos juntos.

Não sou mais uma caçadora, desertei do exército - lembrou - Alone, sei o que vai fazer, mas saiba que não precisa seguir este destino desolado. Eu posso ajudá-lo.

Não preciso da sua ajuda. Você cumpriu um acordo sem me apu­nhalar pelas costas e já estou grato por isso. Não preciso lhe dar outra oportunidade.

Como você disse, eu não o apunhalei pelas costas. Você pode confiar em mim, graças a você pude reencontrar meu filho. Se for melhor, façamos outro acordo: eu te ajudo com seu destino e você me ajuda a dar o troco no exército pelo que eles fizeram a mim e a minha família. Nós podemos ajudar um ao outro.

Alone ficou pensativo por um instante.

Faça como quiser — ele respondeu e se virou para caminhar.

Só me prometa uma coisa, Alone. Prometa que nunca tentará nada comigo! Eu amo muito o meu falecido marido e não é só porque ele mor­reu que...

Alone se virou rapidamente antes que Alexandra pudesse fazer qualquer movimento. Ele a agarrou pelo pescoço e a ergueu alguns centímetros do chão.

Olhe bem para estes olhos! - Alone rugia. - Acha que eu tentaria algo com você, mulher! Ao contrário de sua história, a minha não teve um final feliz!

Alone a soltou e ao atingir o solo, a mulher tossia com a falta de ar.

Brian dizia que toda história tinha um final feliz, se não teve, é por­que não chegou ao fim.

Alone parou novamente. A mulher pôs o braço à frente do corpo, imaginando que ele a atacaria novamente, mas ao contrário do que ela esperava, ele respondeu:

E onde Brian está agora?

Alexandra não disse nada. Apenas se levantou e seguiu o caído em direção à fronteira do Canadá com os Estados Unidos.

Foi o que pensei... - murmurou.

 

Light foi encontrado vivo e foi levado até a o bar de Juan, que com suas empregadas cuidou para que Light não pegasse uma doença séria devido ao tempo que ficou exposto ao frio.

Todos se recuperaram após um banho quente e depois de terem cui­dado de suas feridas. A janta preparada pela esposa de Juan ajudou na recuperação, inclusive na de Juan, que sofreu danos quando defendeu True e Esmeralda dos ataques dos cães. True usou as chamas de sua alma para ajudá-los a cuidar dos ferimentos.

Juan não falou nada sobre ter visto Alone, ele não queria fazer sua esposa sofrer mais do que ela sofria com saudade do neto e de seus parentes que foram mortos.

Na manhã seguinte, após uma ótima noite de sono, todos estavam totalmente recuperados e, com exceção das empregadas e da esposa de Juan, esperavam o despertar de Light.

Quando enfim ele abriu os olhos, todos sorriram e o cumprimenta­vam, dando as boas-vindas. Light ficou contente de encontrar todos os seus amigos bem e preocupados com sua saúde. Ele estava recuperado e contou que tinha feito uma barreira com suas últimas energias em volta do seu corpo quando o general o congelou. Isso impediu que o interior do seu corpo fosse afetado, mantendo-o vivo.

True, como era o líder temporário, relatou tudo o que acontecera enquanto ele esteve congelado. Light acompanhou surpreso todo o percurso da história. True tinha ficado com uma grande responsabilidade em seus ombros.

Distintivos... Eu nunca imaginei que eles fossem tão organizados - disse Light surpreso.

Eu também não imaginava... - True ia concordando quando foi interrompido por um de seus pensamentos. - Esmeralda! Você era tenente-coronel, não recebeu um distintivo?

A garota estava distraída e quando virou o centro das atenções, corou.

Eu acho que não. Victor apenas me dava colares e pulseiras.

- Colares! É isso! Eles usavam acessórios comuns como distintivos para não chamar a atenção. Traga para mim os colares que ganhou do general.

Esmeralda assentiu e foi correndo até sua pequena mala para pegar seus acessórios, que eram muitos, mas nem todos foram dados pelo falecido general.

Juan, assim que certificou que Light estava bem, deixou o quarto para continuar seus afazeres, sem conseguir esconder a expressão entristecida. True olhou pelo corredor para ver se alguma empregada ou a esposa de Juan estava por perto para conversar sobre Alone.

Como eu te contei, tivemos uma luta difícil contra Alone e durante o combate, descobrimos sobre Juan ser seu avô. Por acaso sabia de alguma coisa? - True indagou.

Alone não fala muito dele, mas quando dizia algo do avô, sentia muito orgulho. Juan é muito conhecido por onde ele passa, faz várias ami­zades por sempre ajudar as pessoas. A esposa dele não fica muito contente por todo o tempo as pessoas o procurarem quando precisam de ajuda, temendo que abusem da boa vontade do marido. Uma vez ele me disse que nunca conheceu alguém como Juan, forte e calmo ao mesmo tempo. Alone agradecia por ser neto dele, assim não tinha riscos de enfrentá-lo - Light sorriu com a lembrança.

True pensou no exato momento em que Juan apareceu para ajudá-los, ele se lembrou de que Alone nem se atreveu a lutar contra o avô, mas o que ele não sabia era se Alone tinha medo de enfrentá-lo ou se não queria feri-lo.

Eu achei estranho, depois de tudo o que Juan presenciou, ele não me questionar sobre nada. Se estivesse no lugar dele, nos bombardearia de perguntas.

Light sorriu.

Juan é uma pessoa sábia, True. Alone também nunca entendeu esse lado do avô, mas é nesse ponto que os dois são parecidos. Juan sabe que o neto passa por dificuldade e isso já é o bastante para ele. Ele sabe que por mais que nos pergunte, ele não entenderá devido à sua experiência de vida. Se é difícil para os mais jovens entender sobre as almas, imagine alguém que sempre viveu acreditando em antigas crenças. E um ponto delicado.

True refletiu sobre as palavras deu seu líder. No primeiro momento ele estranhou o comportamento de Juan, mas pensando melhor, nada que sou­besse iria mudar o fato de Alone estar passando por problemas. E o único e verdadeiro fato que o preocupava era a mudança brusca de seu neto.

Achei! São todas estas — disse Esmeralda chegando e interrompendo a conversa.

Light deu uma boa olhada em todos os colares e pulseiras, porém só foi achada a sigla B.M.S.E nos colares, a mesma sigla que tinha na ban­deira do exército. Ele então deduziu que os colares seriam os distintivos dos Tenentes e Majores.

Obrigado, Esmeralda, você ajudou muito - agradeceu Light com um sorriso no rosto, deixando-a feliz por ser útil.

Agora que todos tinham ido para outros cômodos. Light pôde conver­sar a sós com True. Aproveitando para notar a mudança de cor nos olhos do garoto.

True! O que houve com seus olhos?

- Ah, isso... - True não sabia direito o que tinha acontecido, mas talvez Light soubesse explicar. - Não sei como foi exatamente, eu senti uma dor no coração que subia até meus olhos. Não sei ao certo se estavam quei­mando ou congelando.

Light ficou pensativo analisando os olhos.

Assim que eu sair desta cama, você fará uns exames para checar como está sua visão.

Não se preocupe, Light. Minha visão está ótima, consigo ver até melhor as almas. Taiji explicou que o olho da verdade ficou permanente.

Entendo. Mas deixe a parte da "visão ótima" para os exames.

True bufou. Quando Light dizia algo era difícil mudar sua opinião, então resolveu mudar o assunto.

Light, tem mais uma coisa. É sobre Juan. Quando fiquei com esses olhos, pude ver a alma imensa de um leão. Era a alma dele, mas pelo jeito ele nem suspeita do poder que ele possui.

Entendo. Há casos assim, True. Certas pessoas possuem seus prin­cípios e os seguem dignamente, assim como Juan. Mas elas não acreditam em um poder espiritual. Podemos colocá-los entre as aves que não voam e as que estão no céu. Da forma deles, ajudam as pessoas, podendo até fazer nosso papel de trazer um caído aos puros - Light tentou explicar.

O garoto se lembrava da metáfora que Light usou quando se conhe­ceram, quando explicou a ele sobre a diferença entre as almas. Ele esque­ceu rapidamente o assunto quando se lembrou da dúvida sobre seu novo destino.

Quando partiremos para o outro continente? Ou melhor, qual será o próximo?

Eu estava pensando em ir para a Ásia. Kyõki só está conosco para libertar o Canadá, que agora está livre graças a vocês, e Tóquio, onde se encontra o outro general. Jack deve estar de volta amanhã pela manhã, será quando partiremos.

Tudo bem. Vou avisar aos outros.

Só mais uma coisa! - gritou Light para que True esperasse. - Você se saiu muito bem! - disse tendo o cuidado de elogiá-lo.

O garoto sorriu e fez um gesto de agradecimento.

Light se deitou novamente curtindo a paz que sentia por mais pessoas serem livradas da ditadura. O gesto de True lembrava muito Alone. Light riu com a comparação, eles eram reservados, mas valentes na hora que era preciso. O efêmero silêncio foi interrompido com o barulho de duas pes­soas subindo as escadas.

Light, tem mais uma pessoa querendo te ver - informou Juan batendo na porta.

Light, apesar de estar cansado, se levantou e disse que a pessoa podia entrar. Ele sempre se deixava por último, pensando primeiro nas pessoas a sua volta.

Light! O que você aprontou enquanto eu estive fora? - Era Jack e ao ver seu estado, ficou assustado.

Não se preocupe, meu velho amigo, agora estou bem. Pensei que você só viria amanhã.

Não tinha muitos voos para fazer, então vim mais cedo. Na verdade, queria saber antecipadamente para onde vocês pretendem ir agora.

Nosso próximo destino será Tóquio, devemos sair amanhã pela manhã se você puder - disse Light contente pelo amigo ter chegado com antecedência.

Tudo bem. Vou programar um voou para amanhã bem cedo. Acredito que com a ausência do general não teremos problemas como no último voo.

Isso seria bom.

Light e Jack conversaram um pouco mais. Jack estava interessado no que tinha ocorrido. Light contou a ele sobre o fim do general e que final­mente um continente inteiro estava livre.

 

Base militar da Europa — Sala de reuniões.

Enquanto os Paladinos arrumavam suas malas para partirem para Tóquio, o seu novo destino, muito longe de onde estavam, o ditador orde­nou uma reunião com os generais restantes. Com o atual estado de rebe­lião, não podia mais ignorá-los.

Estamos todos reunidos? — A voz inflexível do ditador ecoou pela sala.

Sim, meu Führer - disse um dos generais.

A reunião começou com o ditador se levantando e indo até um qua­dro onde se encontrava o mapa-múndi. Nele mostrava, em vermelho, os territórios que pertenciam ao seu exército e em branco os territórios con­quistados pelos Paladinos.

Como vocês podem ver, nosso inimigo dominou todo o continente americano. Nossos generais não foram suficientes para detê-los. Agora que eles dominaram todo um continente, não podemos ignorá-los - disse o ditador quebrando a varinha que segurava, demonstrando o quanto estava irritado.

Não se preocupe, Führer - falou uma voz quase impossível de se des­crever. Aqueles que a ouviam sentiam sua sede por destruição. As palavras saiam como risadas. Ela lembrava um predador que se diverte ao ver sua presa amedrontada, sem chances de sobrevivência. - Certamente, irão ao meu continente, e quando isso acontecer, eu os matarei!

A sala de reuniões estava escura, impossibilitando de ver os rostos de quem estava presente. Apenas uma lâmpada no centro da sala fazia a iluminação.

O ditador avaliou o general que estava confiante, mas teve que atua­lizá-lo do que estava acontecendo.

Não tenho dúvidas quando a isso, Pandinus. Porém eles não vão para o seu continente, o Africano. Nosso informante nos disse que eles estão se dirigindo para Tóquio, na Ásia.

Como podem ignorar meu continente! — gritou Pandinus em frenesi, arremessando a cadeira que estava sentado contra a parede que a espatifou.

Eles devem ter motivos para isso - disse o outro general que estava calmo, apoiando a cabeça com sua mão.

Pandinus, que estava em pé inquieto, encarou o outro general com ódio por ele ser o general da Ásia.

Silêncio! — gritou o ditador fazendo os dois generais em crise se calarem. — Preciso que vocês trabalhem juntos e quero que vocês deem as boas-vindas aos nossos rebeldes - o ditador deu uma efêmera gargalhada. - Akuma, você tem consciência de que ele virá, não tem?

Sim, meu senhor. O que me deixa mais empolgado! - sorriu o gene­ral da Ásia continuando na mesma posição na cadeira.

Muito bem. Pandinus Imperator, general da África, e Akuma Genkaku, general da Ásia, tenho um trabalho para vocês!

Pandinus sentou-se novamente na cadeira com um sorriso maligno, interessado na missão que seria ordenado. O outro general, Genkaku, não teve nenhuma reação, apenas esqueceu as provocações do general e se con­centrou no Führer.

Havia outro e o último general na sala, era uma mulher que estava mais afastada dos outros, sentada na última cadeira do lado mais sombrio

da sala. Além do ditador, ninguém a tinha notado.

 

Canadá — Yellowknife.

- A... Z... R... F...

A noite havia chegado quando True fazia o exame de vista improvisado por Light. Ele fez uma espécie de tampão para que o garoto pudesse testar cada olho individualmente. Há alguns metros estava uma folha que Light segurava com algumas letras que variavam de tamanhos.

Light, já chega! Estou cansado de ficar falando letra após letra!

Muito bem. Realmente sua visão está ótima, melhor do que a minha, devo admitir - disse Light olhando desconfiado para o tama­nho das letras.

Esmeralda assistia ao exame, sentada em um banco no canto do quarto.

Light olhou torto para a garota e suspeitou:

Você não está dizendo as letras através do Laço, ou está?

Light! - True se irritou com a teimosia do tutor.

Desculpe - Light sorriu assumindo o erro. — Mas é porque esses olhos estão me incomodando. Essa mudança de cor pode ser relativa à alma, mas ficar permanente... Isso é estranho - Light tentava pensar em algo botando a mão sobre a cabeça, sentando na cama para relaxar. - True me diga mais uma vez o que aconteceu.

Mas Light! Eu já disse mil vezes!

Por favor.

True suspirou cansado.

Eu senti meu olho direito queimar e meu olho esquerdo congelar... - contou True novamente, desanimado. - Então depois que a dor passou, conseguia ver as almas mais estáveis.

Só isso? Tinha mais coisa na primeira vez que me contou.

Além da dor no peito, não teve mais nada que...

Dor no peito... Dor no peito! - interrompeu Light. - Mas é claro! True tire a blusa, preciso certificar uma coisa!

Tirar minha blusa? Mas Light, estamos no Canadá, melhor dizer qual das sete blusas devo tirar.

Não seja exagerado, aqui dentro tem aquecedor e o quarto está fechado. Comparado ao frio que enfrentou lá fora, alguns segundos sem camisa não vão te matar.

True olhou torto para a garota no canto do quarto. Light percebeu para onde o garoto olhava e logo chamou sua atenção.

Não está com vergonha da Esmeralda, está?

O que? Eu? Não, é só que posso escutar os pensamentos dela e isso pode ser... estranho — True corou ao tentar se defender.

Esmeralda riu da timidez do garoto.

True, você as vezes é tão fofo! — provocou Esmeralda através da mente o que fez o garoto corar ainda mais.

Vocês não precisam manter o Laço conectado em tempo integral, apenas quando quiserem, é claro.

True e Esmeralda se entreolharam, eles não sabiam desse detalhe.

Dando uma instrução em suas mentes, eles desfizeram o Laço dourado que unia a mente dos dois.

E então? - perguntou Light.

Não escuto nada - disse True e Esmeralda confirmou.

Ótimo, agora tire a camisa.

True, sem escolha, retirou a blusa de frio e as outras camadas de cami­sas sem mangas que usava por baixo. Assim que descobriu seu peito, Light viu uma espécie de estigma que lembrava uma tatuagem.

A marca era a mesma da bandeira do exército. O símbolo estava loca­lizado exatamente onde seria o coração, explicando a dor que o garoto sentira naquele dia.

Como isso surgiu, True? - Light indagou.

Eu não sei, na verdade, nem sabia da existência dela, se não fosse você nunca saberia que estava aí.

Ele apenas sentiu uma dor no peito, Light - Esmeralda tentava aju­dar. - Dizia que o coração ia explodir, mas depois de um tempo passou.

Light não disse nada. Já tinha ouvido a versão do garoto, que fora a vítima, e da garota, que presenciou o momento. Ele colocou a mão no queixo pensativo e andava de um lado a outro inquieto.

Sobre seus olhos, acredito que seja algo de sua alma. Uma caracterís­tica própria dela. Mas essa marca, nunca tinha visto antes. Ela é a mesma que o ditador usa em sua bandeira, mas não sei o que isso significa — Light fez uma pausa esperando que o garoto vestisse a roupa.

Boa coisa não deve ser - disse True desanimando. - Se é o mesmo símbolo do exército, talvez eu tenha uma relação maior com meu lado caído.

Não acho que seja esse o motivo, de qualquer forma, acho que já tomei bastante tempo dos dois. Vocês podem ir e terminem de arrumar as coisas para a viagem de amanhã.

Esmeralda e True deixaram o quarto rapidamente. Light imaginou ter ouvido True murmurar algo como "Pensei que nunca sairia daqui", mas ignorou. O símbolo no peito esquerdo do garoto o preocupava, não menos que a mudança de cor dos olhos.

Light não queria dizer ao garoto, mas a corrupção que sentiu emanar do estigma o preocupava.

Ele é mais parecido com você do que imaginei — pensou Light enquanto tocava no camafeu que levava em seu pescoço.

 

                                      Capítulo 24

Cilada

Todos levantaram bem cedo, checando mais uma vez suas bagagens. Esmeralda, no dia anterior, pediu para True, com a permissão de Light, para que conhecessem o Canadá. Já que conseguiram libertá-lo e só no outro dia partiriam, Light não teve motivos para impedir.

A garota quis ir mais uma vez ao lago onde tudo aconteceu, era um passatempo que algumas pessoas, assim como ela, gostavam de fazer. Lugares que marcavam histórias são bons para passar o tempo e relembrar os acontecimentos.

True, está tudo bem? — Esmeralda indagou vendo a expressão triste do rapaz.

Só estava pensando na marca em meu peito.

Não deixe que isso fique te atormentando - Esmeralda colocou sua mão sobre o local do estigma. - Logo descobriremos que isso não é nada, e as pessoas vão achar que é durão por parecer que fez uma tatuagem.

Tem razão... Espere! "Achar que é durão"?

Convenhamos, True. Um garoto que fica com vergonha de tirar a blusa na frente de uma garota não me parece muito "durão" - Esmeralda riu com a provocação.

Como tem coragem de dizer isso! Volte aqui garota! - True sorriu e correu atrás de Esmeralda que fugiu sorrindo em direção à casa de Juan.

Kyõki estava ansioso para ir à Tóquio, mas ele guardava um segredo que decidiu contar para todos antes que eles descobrissem sozinhos. O garoto asiático esperou que True e Esmeralda chegassem para então reunir os paladinos.

Light havia conversado naquela manhã com Juan sobre a importância de ele se unir a ordem. Juan salvou a vida dos dois jovens e poderia refor­çar sua guarda caso eles se descuidassem. Ele possuía uma alma formidável que se aprendesse a usá-la, poderia fazer uma grande diferença. Juan não concordou na primeira tentativa de Light, mas depois que pensou melhor, poderia proteger aqueles jovens além de ter novamente a chance de reen­contrar o neto. O que o fez lembrar-se dos estranhos cães que evaporaram em uma fumaça negra. Juan tinha comentado o sobre incidente com Light e o líder rebelde explicou da forma mais simples que pôde, mas no fim Juan não quis se envolver no assunto sobre as almas. Quando se decidiu, foi con­tar para a esposa, que não gostou muito da idéia, mas teve que deixá-lo ir. Apesar de estar feliz que Juan iria com eles, Light sabia que o homem estava indo contra a própria vontade, motivo que, entristecia Light.

Assim que todos estavam presentes, Kyõki pediu para que se sentassem à mesa do bar. Light aproveitou para que todos levassem suas bagagens para facilitar quando Jack chegasse.

Quero que prestem bastante atenção no que tenho a dizer - disse Kyõki fazendo todos se calarem e esperarem por suas palavras.

Está tudo bem, Kyõki? - Light indagou.

Sim, mas preciso que saibam de uma coisa - o garoto assentiu fazendo Light se preocupar com o que ele tinha a dizer. — Antes que sai­bam por outra pessoa, quero que fique claro que o general da Ásia, Akuma Genkaku, o qual enfrentaremos, é meu pai.

Todos levaram um choque com a notícia, alguns até ficaram boquia­bertos com a notícia. O garoto quase não se comunicava e sempre que dizia alguma coisa, era importante, fator que deveriam ter levado em conta para que não se abalassem tanto com a notícia. Apesar da surpresa de todos, Kyõki mantinha sua expressão séria, não demostrando medo ou algum tipo de incomodo.

Isso significa que teremos uma guerra contra o seu pai? — True quis se certificar de que não ouviu errado, se levantando e botando as mãos sobre a mesa.

Kyõki apenas assentiu e Light não sabia o que dizer, mas como líder, teria que fazer algo. True ia se envolver mais uma vez, mas foi impedido.

- True! - gritou Light para interromper o garoto. - Kyõki tem que dizer se está tudo bem para ele, e se estiver, não podemos fazer nada! A decisão cabe a ele!

True ia retrucar, mas decidiu ficar quieto.

Jack entrou no bar interrompendo a situação tensa que estava aconte­cendo. Light foi cumprimentá-lo e ordenou que todos levassem suas malas para o transporte de Jack.

A ida até o aeroporto só não foi em total silêncio porque Light e Jack conversavam sem parar sobre suas histórias de piloto. Porém, assim que embarcaram, Light foi novamente servir como copiloto, deixando o silên­cio pairar na cabine dos passageiros.

Esmeralda estava na poltrona da janela e True estava ao seu lado. Kyõki, sempre distante, estava na primeira poltrona da janela do lado esquerdo, oposto onde os outros dois estavam. Juan já estava mais próximo, sentado ao lado da poltrona de True, apenas o corredor os separavam.

A esposa de Juan, junto à empregada, foi até o aeroporto se despe­dir de todos. Esmeralda acenava para elas pela janela, mas logo tiveram que ir embora para que o avião decolasse. A esposa ficaria bem agora que os soldados foram embora do continente, amedrontados com os paladinos.

Desta vez ninguém estava usando as roupas especiais da organização, apenas roupa comum. Com a destruição da base, ficaram desamparados em relação à comunicação e utensílios para a batalha. Dessa forma, estava impossibilitada a comunicação com a base da Ásia, que serviria para avisá-los de sua viagem até o continente.

A viagem foi tranqüila, o tempo estava perfeito, a derrota do general ajudou muito nesse fator. O avião que Jack usava era geralmente usado para transferir civis de um país a outro, facilitando quando houvesse inter-calações para que os soldados não os impedissem de seguir viagem.

Assim que estavam chegando depois de longas horas de voo, Jack anunciou ao rádio e True foi até a cabine para observar Tóquio de cima. Ele adorou a vista, porém algo a mais chamou sua atenção. Jack estava usando um colar prateado o qual True nunca tinha reparado. Com um movimento do pescoço, True viu algo escrito no colar, mas não pôde ver claramente o que era. Jack teve que pedir para o garoto voltar ao assento, pois iriam pousar.

Quando Jack virou o avião para iniciar a aterrisagem, Light viu algo extremamente desagradável. Na pista de pouso estava esperando por eles uma aglomeração de soldados ansiosos para capturá-los.

Jack! Está vendo aquilo? Algo não está certo, não é necessária aquela quantidade de soldados para fazer a vigilância nos aeroportos. Eles devem ter descoberto algo, temos que levantar o avião agora mesmo!

Tarde de mais, Light - respondeu Jack, calmo, o que Light estra­nhou. - Estamos muito perto da pista, agora teremos que pousar.

Light sabia que dava para erguer o avião, mas a insistência do amigo o fez hesitar. Tudo o que podia fazer agora era alertar a todos do perigo.

Ele anunciou ao rádio para que todos, com exceção de Juan e Jack, ativassem suas almas, pois havia inimigos os esperando. Light não sabia o que fazer, se o exército decidisse atacar, não teriam nenhuma chance.

True foi o primeiro a descer do avião, concentrando-se para criar o gelo e formar o escudo que o ajudou na batalha contra Alone. Light foi logo atrás do garoto e em seguida Jack e Kyõki. Esmeralda foi a penúltima protegendo Juan que era o mais vulnerável.

Aqui é Genkaku Akuma, atual general da Ásia! - disse o general no alto-falante. Ele usava um terno elegante que substituía sua farda. O cabelo escuro era bagunçado, mas não era muito comprido. Os óculos de lentes lilás cobriam seus olhos. — Nós estamos aqui representando o Führer! Não temos a intenção de atacar, queremos apenas fazer um acordo com vocês! Para que possamos conversar melhor, peço a vocês que dessincronizem suas almas!

Ao lado do general da Ásia estava outro general, Pandinus, o general do continente Africano. O homem devia ter dois metros de altura e apa­rentava ser bastante forte. Sua pele era escura e seu rosto era coberto por um capacete, deixando apenas o nariz e a boca a mostra. O cabelo longo e crespo saia do capacete até sua cintura em uma trança. Vestido com um sobretudo que escondia todo o seu corpo, com exceção das pernas, as quais eram cobertas por uma espécie de armadura de aço.

True olhou para Light, esperando por sua ordem.

Como saberemos que não irão atirar em nós quando desativarmos nossas almas? - indagou Light o mais alto que pôde enquanto estudava os soldados fortemente armados que os cercavam.

Se quiséssemos matá-los, já teríamos feito isso enquanto estavámos pousando!

Light estava nervoso. Tinham apenas duas escolhas: se arriscarem a conversar ou reagir, porém estavam em grande desvantagem para a última alternativa.

Eu tenho um plano, mas é arriscado - sussurrou Light apenas para que seus companheiros ouvissem. - Posso colocar uma barreira em volta do avião até que nós decolemos e... - Light ia dizendo, mas Jack o inter­rompeu, apontando uma arma para sua nuca.

Você não vai tentar nada, Light!

Todos ficaram chocados com o que estavam vendo. Como já tinham descido da rampa do avião, Jack pôde puxar Light para longe deles antes que reagissem.

Por que está fazendo isso, Jack? — perguntou Light atônito.

Porque eu sou o Major da Ásia!

True, quando ouviu aquelas palavras, se lembrou do colar que viu no pescoço do piloto. O que ele tinha visto escrito no colar era a sigla do exército. O garoto se perguntava por que não tinha percebido antes, ele poderia salvá-los daquela situação, mas agora era tarde e teria que dar um jeito de ajudar Light.

Vocês devem ter conhecido meu major, Jack Eagle! Mas agora digam sua resposta! — disse o general da Ásia, apressado.

Com Light como refém, não tiveram escolha, então desativaram suas almas. Com as mãos estendidas se rendendo, os soldados foram até cada um deles e os algemaram, levando cada paladino em uma viatura distinta. A que mais sofreu com a situação foi Esmeralda que gritava apavorada.

Um helicóptero e alguns cinegrafistas mostravam ao vivo em rede internacional os paladinos serem levados até o quartel general.

A viagem não durou muito e logo todos se reencontraram na entrada do quartel. Kyõki reconheceu o local e avisou True:

Esta é a base militar deste continente. Aqui funcionava um templo budista, o templo Zojoji, antes da ditadura.

True olhou curioso para o templo, sempre quis conhecer um, mas não daquela maneira.

Os rebeldes foram escoltados até uma sala enorme com vários sofás. Havia uma mesa no centro onde Akuma se apoiou enquanto permanecia de pé. Jack ficou do lado direito do general e soltou Light para que se sen­tasse com os outros rebeldes.

True notou, assim como seus companheiros, que havia outro general que estava à esquerda de Akuma. Algo os dizia que ele não era um general comum, por possuir uma cauda de escorpião revestida de aço, que não tinham notado antes, apenas o ferrão na ponta da cauda estava desprote­gido. O general da África estava com um sorriso amedrontador, enquanto, de tempo em tempo, passava a língua entre os lábios.

Akuma pôde notar os olhares amedrontados e curiosos para o outro general, então resolveu apresentá-lo:

Este à minha esquerda é o general Pandinus Imperator, general da África. Ele estava ansioso para conhecê-los. Mesmo em tão pouco tempo, vocês ficaram famosos.

Muito prazer, minhas presas - disse o general alargando o sorriso.

Eles não serão suas presas, general! Caso concorde com nosso acordo, é claro — lembrou Akuma.

A atenção voltou para o general da Ásia. Eles avaliavam enquanto ele ajeitava os óculos no rosto e mexia no cabelo negro e bagunçado. Suas ações o contradiziam. Apesar de usar uma roupa elegante, o cabelo bagunçado e o modo como se apoiava aparentava alguém relaxado, mas o cuidado com os óculos e a posição da gravata demostrava ser perfeccionista. True aproveitou para dar uma olhada na alma do inimigo. Ela parecia adotar a forma de uma borboleta ou de uma mariposa, o garoto não sabia distinguir nem o que significava. O que pôde perceber é que dela saia uma aura corrompida que confundia seus sentidos. A alma, tingida de vermelho, parecia grande para uma mariposa, equivalendo-se ao tamanho do rosto de Akuma.

O Führer reconhece a força e coragem de vocês e acha uma pena desperdiçar tanto talento. Mandou avisá-los que os generais que comba­teram não se eqüivalem a nós. Se por acaso pensam que somos iguais...

Genkaku deu uma risada baixa - podem esquecer! Caso nos enfrentem, serão, sem dúvida, mortos! Ou pior...

Todos congelaram, estavam sendo subestimados, mas por alguma razão acreditavam nas palavras do general. Akuma se levantou, ajeitou o elegante terno e foi até o outro lado da mesa e se apoiou.

Possuo uma habilidade interessante que vocês chamam de "ler a mente", mas o que realmente faço é vasculhar suas memórias.

Deve ser a mesma habilidade que eu e Light possuímos - pensou True.

Não. Não é a mesma habilidade, garoto, e se me permite o elogio, seus olhos são fascinantes!

True paralisou, mesmo em uma fração de segundos, o general tinha lido sua mente e até descoberto sobre seus olhos, o qual não parecia amedrontá-lo.

Como eu ia dizendo, posso procurar por todas as suas lembranças, inclusive descobrir seus maiores medos. Para provar, vou falar qual seria o pior pesadelo para cada um de vocês. Vou começar por você, Juan - apon­tou para o homem imóvel até então. - Juan, seu maior pesadelo é que todo o mundo entre em guerra, haja um massacre e ninguém nunca mais olhe para o outro com um olhar de ternura. Você teme que o mundo encarne o ódio. Você teme isso porque já viveu uma guerra... Você tentou impedir que nossas tropas dominassem o mundo há cinco anos, agora eu me recordo.

Juan não disse uma palavra, apenas ficou de cabeça baixa.

A próxima é... Esmeralda? - O general pareceu confuso ao vê-la.

Pensei que o Führer tinha mandado Alexandra cuidar de você... Então ela reencontrou o filho e é agora uma traidora! Lembre-se de contar isso ao Führer, Pandinus — interrompeu Genkaku virando-se para o aliado.

Enfim, seu maior medo é que seu passado volte. Medo de ser abusada inúmeras vezes pelos homens mais uma vez.

Cale a sua boca imunda, maldito! - vociferou True avançando para atacar o general, mas foi impedido por dois soldados que o seguravam pelo braço e o apunhalaram no abdômen.

Apesar de True ter gritado com o general, estava com medo. O gene­ral estava não só descobrindo os nomes de cada um, como revendo suas memórias, descobrindo sobre Alexandra e sobre todos os medos individu­ais. Como se não fosse o bastante, quanto mais o garoto encarava a alma do general da Ásia, mais entranho ele se sentia.

Você é muito corajoso, True. Então você é o garoto que possui a alma de Tao. Eu acho sua alma interessante, mas a minha é muito superior. Vamos ver seu medo garoto... — O general ficou um pouco pensativo por um instante. - Desculpe a demora, mas achei sua mente fascinante! Seu medo é de que Esmeralda sofra novamente e você não possa ajudá-la. E estranho por que...

Cale-se! - gritou True novamente e desta vez o próprio general o acertou com vários socos, terminando com uma joelhada no queixo que jogou o garoto contra o sofá.

Juan não aguentou ver aquela cena. Ele se levantou e acertou em cheio uma cabeçada no nariz do general, fazendo-o sangrar. Pandinus não se conteve com o ato do prisioneiro, então decidiu acertá-lo com o ferrão de sua cauda, gravando-a no peito do rebelde.

Juan! - Light gritou, preocupado com a gravidade do ferimento.

O veneno não irá te matar de imediato. Ele aumenta mês a mês, até que um dia seu corpo não irá mais agüentar - explicou Pandinus.

Juan gemia com a dor, mas eles não podiam fazer nada, apenas lamen­tar o que tinha acontecido.

O próximo é Light - o líder dos paladinos ficou pálido por um tempo, como se estivesse com medo que o general lesse sua mente. - Acredito que não haja necessidade de penetrar em sua mente, já que todos sabem de seu maior medo. Você e sua organização falhando em tentar restaurar o mundo, mas não devo te iludir, seu maior medo será real - continuou o general depois de limpar o sangue que escorria do nariz. - O próximo é...

O general olhou para o lado e teve uma surpresa.

Filho? Não percebi que estava aí. Que vergonha, andando com más companhias, era para você ser meu major, mas é uma pena. Eu também não preciso ler sua mente para saber seu maior medo, que é eu fazer mal à sua mãe.

True não entendeu o comportamento frio da parte do general. Ele deveria estar longe do filho durante algum tempo, mas não tinha demos­trado nenhum tipo de afeto. Kyõki também não demonstrou entusiasmo ao revê-lo. O garoto apenas assistiu o pai voltar para a mesa e sentar sobre ela, começando a balançar os pés até que se sentiu confortável para continuar.

Se acharam essa minha habilidade impressionante, terei que desapontá-los. Minha verdadeira habilidade é criar ilusões, por exemplo, posso criar uma pistola na minha mão — disse o general retirando os óculos e materializando a arma. - Apesar dela não existir, se eu atirar em qualquer um de vocês, você morre por seu cérebro acreditar que uma bala de ver­dade o atingiu.

Além de ler mentes, ainda cria ilusões! Com que tipo de pessoas estamos lidando? — pensava Light abismado, assim como os outros rebeldes.

Agora imaginem - continuou o general com um sorriso no rosto. — Se eu posso criar qualquer tipo de ilusão, já imaginaram se eu criar o pior pesadelo de cada um de vocês?

Aquelas palavras eram o que faltava para abalar a todos, sem exceção. Eles tremiam com tamanhas habilidades destrutivas do general. A habili­dade de ler a mente e de criar ilusões é o par perfeito para descobrir o medo da pessoa e torná-lo real.

Sei que alguns de vocês ainda não acreditam quando disse que somos muito mais superiores que os outros generais que enfrentaram. Por isso vou mostrar a vocês o meu poder!

Pandinus sorriu. Como se estivesse esperando por aquilo desde que chegou.

Akuma respirou fundo e com um olhar sombrio criou os maiores medos de cada prisioneiro em suas mentes. Juan viu o mundo inteiro tomado por ódio, o fogo tomando conta de tudo, destruindo a vida que ia embora do planeta, ficando apenas as cinzas. Seu bar pegava fogo junto aos seus amigos e parentes. Enquanto procurava por socorro, via as famílias lutando entre si, pais contra filhos.

Esmeralda e True dividiram o mesmo pesadelo: Esmeralda estava amarrada em uma cama enquanto vários homens saíam das sombras abu­sando dela das formas mais nojentas e dolorosas. True assistia a tudo sem poder fazer nada, pois estava acorrentado a uma parede. Ele apenas con­seguia gritar pelo nome de Esmeralda e para que os homens com sorrisos maliciosos a deixassem em paz.

Light teve quase a mesma visão que Juan, porém ele era o motivo do fracasso, fazendo o mundo entrar em uma ditadura bem mais rígida do que era antes. Vendo seus amigos e aliados de guerra morrer na sua frente. Ele sabia que nenhum civil jamais teria esperança novamente, afogando no mar do desespero.

Kyõki também passou por um pesadelo, vendo a mãe sendo agredida pelo seu pai. Mas ao contrário de todos, ele não demostrou muito pavor, apenas seus olhos estavam esbugalhados.

As ilusões duraram cerca de três minutos, mas para quem estava pas­sando por elas, pareciam que os minutos eram eternos e, quando final­mente acabou, todos tremiam e choravam. Apenas Esmeralda que, além de chorar, vomitou no chão da sala e Kyõki que estava encolhido pressio­nando os fones nos ouvidos.

Este é o meu poder. E se estão neste estado, imaginem ficar presos por horas ou dias - disse Genkaku colocando os óculos de lentes lilás.

Aquilo estava além da compreensão de uma pessoa, apenas quem estava na ilusão podia sentir tamanho sofrimento. Enquanto permaneciam na ilusão, não conseguiam acreditar que não era real. Juan pôde sentir o calor do fogo que fizeram feridas reais em seu corpo, o que tornava a habi­lidade do general ainda mais assustadora.

Se não quiserem mais passar por isso, aceitem a generosa oferta do Führer. Ele deixará todos vocês vivos, porém terão que assinar um docu­mento dizendo que abrem mão da organização, que devolverão o continente americano para nós e que nunca, nunca tentaram algo novamente contra o governo. E claro que ficarão presos por uns anos devido a tantas leis violadas. Mas isso não é nada comparado à pena de morte. Então, o que me dizem?

Enquanto o general explicava, eles arrumavam forças para conseguir dizer uma só palavra. Light, sabendo que era sua responsabilidade, respon­deu sobre a proposta:

Nós aceitamos! Agora, por favor, nos deixe em paz! - Light estava de cabeça baixa e com a voz trêmula enquanto uma lágrima deslizava pelo seu rosto.

Genkaku, assim como Jack, sorriu por tudo seguir como havia pla­nejado. Ele fez um sinal para que seus subordinados os levassem para os quartos onde iam passar a noite. Apenas Light ficou na sala com os gene­rais e o major.

Pedi para que você ficasse, pois tenho que te explicar como exatamente vai acontecer esse acordo. Hoje vocês vão passar o resto do dia e a noite nos luxuosos quartos desta base, e não se preocupe que será servida comida para todos. Amanhã, ao amanhecer, vocês irão até o avião no qual Jack os levará de volta para o Canadá. No avião também estarão alguns subordinados meus para que a viagem seja "tranqüila", se é que me entende. Assim que chegarem ao Canadá, ficarão em um hotel próprio para que descansem para, então, no dia seguinte, todos os rebeldes que estavam aqui, assinem o acordo em rede internacional, para que o mundo veja o quão generoso nosso Führer é. E quão tolas são as pessoas que tentam enfrentá-lo.

Light entendeu cada informação, mas estava com um olhar exausto.

-Vocês querem nos humilhar para o mundo... Tudo bem... Eu não me importo, desde que não os matem...

Genkaku deixou outro sorriso nascer no canto do rosto, assim como Pandinus.

Você fez uma sábia decisão. Fique ciente de que estarei mandando dois aviões com os novos generais e soldados para tomar o cargo oficial­mente quando todos já tiverem assinado o acordo e feito o juramento. Agora que estamos conversados, vou pedir a meus subordinados para que o levem até seu aposento.

O general da Ásia fez um gesto de aprovação e os dois soldados que estavam atrás do sofá bateram continência e agarraram os braços de Light para levá-lo.

Se me permite, senhor. Também vou me retirar — disse Jack feliz em ter cumprido seu papel e com nenhum sentimento de culpa.

Permissão concedida, major. Você fez um ótimo trabalho hoje - elo­giou o general colocando a mão no ombro de Jack. - Mais tarde manda­rei que levem algumas mulheres para que lhe façam companhia. Também pedirei que sirvam comida e umas bebidas. Você deve estar exausto com a viagem.

Muito obrigado, meu senhor! - Jack agradeceu sorridente e se retirou.

Quando os generais estavam a sós, Pandinus comentou:

Não vai mandar ilusões para o quarto dele de novo, ou vai? - disse em uma gargalhada.

Como pode dizer isso, Pandinus? Eu não sou assim, tão cruel - falou Genkaku com ironia e um sorriso no canto do rosto.

 

A noite nos aposentos da base militar da Ásia foi a pior da vida dos rebel­des, não devido ao conforto e comida, pois o local era luxuoso e a comida era farta, mas devido à cilada em que foram pegos. Comeram apenas para não morrer, o que não era uma má opção para o que estava para acontecer. Depois ficaram na cama deitados até adormecer, o que não foi nada fácil, torcendo para quando acordassem tudo não passar de um pesadelo.

Esmeralda chorava por estar sozinha. O medo tomava conta de sua mente, não só dela como a de todos. True ouvia o choro da garota, mas não podia ajudá-la. Ele botava o travesseiro nos ouvidos com esperança de que tudo ficasse em silêncio, mas seus pensamentos o atormentavam brotando mais lágrimas de seus olhos.

Como não pude perceber que Jack era um deles! - True se culpava.

Não foi sua culpa, garoto - a voz de Taiji também parecia abalada. - A alma de Jack não tem forma, o que nos impossibilitou de descobrir que ele era do exército.

O garoto não respondeu, ainda sentia a dor dos golpes que recebera do general. Ele também sabia que nada do que pensasse mudaria o que aconteceu.

No dia seguinte todos foram levados ao aeroporto e foram postos em fila para entrar no avião. Variando de duas em duas fileiras, sentava um rebelde perto da janela que era acompanhado por um soldado ao seu lado. Nas poltronas da frente e de trás estavam mais dois soldados, impedindo qualquer tipo de fuga e comunicação entre eles.

Após quase um dia de viagem, chegaram ao Canadá e foram levados para o hotel reservado para passarem a noite. No dia seguinte, entrariam nos veículos para serem levados ao local onde seria assinado o acordo.

A cidade de Vancouver foi escolhida para a realização do evento. O local seria a nova base militar quando o outro general assumisse. Havia vários soldados fazendo a segurança, mas nenhum general estava pre­sente. Afinal, eles não podiam deixar seus países ou então uma nova rebelião iria acontecer nos respectivos continentes, apesar de ninguém ter a coragem de enfrentar o exército depois das únicas pessoas que con­seguiram fazer algo a eles serem capturadas. Jack cuidava para que tudo acontecesse como o planejado, inclusive a transmissão que seria enviada por todo o mundo.

Os Paladinos foram organizados em fila indiana por ordem alfabética. À medida que eram chamados, iam até a mesa onde se encontrava o con­trato para assinarem, mesmo algemados. Após assinarem, esperariam para que os outros assinassem para que todos fizessem o juramento e enfim fos­sem enviados para a prisão onde cumpririam a sentença por longos anos.

Quando deram 9h da manhã no horário local, teve início a transmis­são, para que o mundo visse a derrota dos rebeldes, o que serviria como exemplo a qualquer um que tentasse algo contra o governo.

Há várias milhas daquele local, Alone e Alexandra estavam em uma lan­chonete. Então, neste momento, Alexandra foi surpreendida com a notícia que passava na televisão. Alone estava de costas então não havia notado.

- Alone! Eles foram pegos! - gritou Alexandra, apontando para televisão.

Alone se virou e pediu para que o dono do estabelecimento, que tam­bém estava acompanhando a notícia, aumentasse o volume.

"A organização rebelde, conhecida como Ordem dos Paladinos, foi surpreendida em Tóquio pelo general da Ásia, Akuma Genkaku, e o gene­ral da África, Pandinus Imperator, que capturaram os rebeldes e, seguindo ordens do Führer, propuseram uma espécie de acordo, dando posse do continente americano novamente para o exército. Eles cumprirão prisão de vinte a trinta anos e, assim que forem soltos, realizarão trabalhos para o exército sendo todos vigiados por vinte e quatro horas. Os seus familiares e eles próprios não serão mortos, decisão que o Führer tomou. Segundo ele, isso servirá como exemplo para todos os civis" - disse o soldado que atualizava o mundo do acontecimento quando fez uma pausa.

Na América do Sul, a família Silvermoon e os irmãos indígenas tam­bém acompanhavam a notícia com todos da base.

Surpreendidos? Light sempre foi tão cuidadoso. Eu não acredito que ele tenha cometido um erro tão grave — pensava Alone imaginando como seus antigos amigos foram parar naquela enrascada, quando foi interrompido percebendo que o soldado que passava a notícia parecia receber mais informações.

"Desculpe. Acabo de receber mais informações sobre um major que estava infiltrado com os rebeldes. O major da Ásia, Jack Eagle, ajudou na captura dos..."

Jack? Como aquele piloto de segunda pôde fazer isso! - Alone rugiu jogando a mesa que estava ao seu alcance pelos ares.

Algumas pessoas que estavam na lanchonete saíram do estabeleci­mento, amedrontadas.

Quando tudo estava pronto, deu-se o início a chamada para que fosse até uma pequena mesa onde se encontrava o acordo que deveria ser assinado.

Esmeralda Elizabeth! - chamou o soldado.

A garota deu passos curtos até chegar à mesa e então assinou seu nome. Depois um soldado a encaminhou para uma cadeira para esperar pelos outros até que assinassem e começasse o juramento à bandeira do exército.

Juan Leon Strongheart!

Alone assistia seu avô caminhar mais devagar que Esmeralda. Ele parou na frente da mesa e pediu ajuda para por os óculos para que pudesse enxergar de perto. Juan assinou com lágrimas nos olhos.

Kyõki Genkaku!

O garoto foi mais rápido que os anteriores, ele assinou e rapidamente se sentou ao lado dos prisioneiros que estavam de cabeça baixa.

Light Adam!

Light seguiu o mesmo ritmo de Esmeralda e ao apanhar a caneta não assinou de imediato. Alone acompanhava tudo pela televisão, a milhas de distância, sem acreditar que Light assinaria, mas o soldado o apressou, fazendo-o assinar sem escolha.

True Constantine!

O garoto estava parado e foi empurrado pelo soldado para que come­çasse a andar. Ele andou normalmente, sem pressa e sem se arrastar, como se estivesse caminhando em um lugar qualquer. Quando chegou à mesa, tentou apanhar a caneta, mas ela caiu no chão e como estava algemado, pediu para que um soldado a apanhasse para ele.

É o nosso fim! - lamentou o dono da lanchonete onde estava Alone e Alexandra.

Alone achou estranho o comportamento do garoto, então ignorou o comentário do homem a sua frente.

Antes de assinar, posso perguntar algo para o Major Jack? - pediu o garoto em um tom de respeito.

O soldado ao seu lado o agarrou pela blusa pensando que o garoto estava brincando com sua paciência, mas antes que o soldado fizesse algo ao paladino, Jack fez um sinal para que subordinado deixasse o garoto falar.

O soldado encarou o garoto e o soltou com desprazer.

Jack, porque nos traiu?

Eu não traí vocês, rebelde - disse imediatamente. - Sempre estava seguindo as ordens do meu general. Não pense que vocês foram os primei­ros rebeldes que enganei. Você sabe muito bem que para entrar no exército do grande Führer precisa se dedicar bastante e merecer o título. Um civil comum, como eu era, não teria a mínima chance se não fizesse qualquer tipo de serviço que fosse ordenado.

Por que o general te escolheu? Você sabe muito bem que não possui uma forma de alma; em outras palavras, não possui nenhum poder sobre­natural. Se o general tem ciência disso, por que ele te fez Major?

Os soldados olharam para Jack em dúvida se podia ou não transmitir aquela última mensagem que, de certa forma, revelava o segredo do poder do exército. Jack não interferiu, as pessoas comuns não iam entender do que eles estavam falando de todo modo, então não haveria motivos para a mensagem ser editada.

Justamente por isso, rebelde. Como não possuo uma forma de alma, os seus olhos não podem distinguir se sou caído ou não. Mesmo que não tenha os benefícios da alma, posso enganar facilmente as pessoas com a ilusão de que sou amigo delas, quando na verdade, estou levando-as para a morte - Jack riu consigo com suas últimas palavras.

True se irritou com o traidor e antes que pudesse fazer alguma coisa, os soldados o cercaram, ameaçando-o. Sem escolha, voltou ao contrato.

O garoto apanhou a caneta e quando ia escrever, suspirou e deu um sorriso torto. Todos olhavam para ele confusos, se perguntando se o garoto tinha ficado louco. Um microfone estava disponível a eles para que todos ouvissem quando fizessem o juramento.

Aght! - gritou True fazendo todos os seus companheiros o encarar. - O que Alone diria se estivesse aqui? - Agora o garoto sorria abertamente para que todos percebessem.

Light ficou pensativo por um instante, mas logo deixou nascer o mesmo sorriso que havia em True. Esmeralda e Kyõki mantinham sua atenção no garoto e continuavam a se perguntar o que ele queria com aquilo. Principalmente a garota, que tremia com o medo de seu destino.

"O medo é nosso aliado. Vença-o e torne-se mais forte" — respondeu Light se lembrando.

Exatamente, e ele estava certo. Ele pode ser aquele caído sentimental de agora, mas devemos a ele. Enfrentamos muitos medos juntos e este de agora não é diferente dos outros. Uma vez você me disse: "Se você não conseguisse chegar nem na cobertura do seu prédio, dificilmente consegui­ria fazer parte da nossa organização, estamos sempre nos arriscando e em perigo". Mas eu faço parte da Ordem dos Paladinos com muito orgulho, podemos fazer isso! Somos aqueles que superam o medo!

Todos os seus companheiros assentiram, acreditando nas palavras do garoto, todos eles já sabiam o que fazer. Em um rápido movimento, True ativou sua alma, as quais criando as chamas em seu braço direito as quais derreteram a algema. O garoto tocou no contrato fazendo-o queimar, trans­formando-o em cinzas. Jack, revoltado, levantou a mão com a pistola e disparou um tiro com o intuído de acertar a cabeça de True, porém Light criou um escudo que repeliu a bala.

True ajudou Esmeralda e Kyõki a se libertarem das algemas. A garota logo ativou sua alma e foi ajudar Juan. Kyõki criou várias celas com seus espinhos, aprisionando os soldados que investiam ferozmente na direção de seus aliados.

Jack mirava agora em Juan, por ele não possuir nenhuma habilidade. Esmeralda estava ocupada ajudando o homem a se livrar das algemas e não pôde ver a ameaça do major, mas Kyõki viu que Jack ia atirar, então rapidamente, criou uma estaca que perfurou o braço de Jack, que soltou a arma deixando-a cair no chão. O garoto não podia mais subestimá-lo; então, em outro rápido movimento, criou outro de seus enormes espinhos que atravessou o coração de Jack, agora ele iria ser julgado por sua traição no outro mundo.

Todos os soldados foram contidos e Light anunciou em rede internacional:

Nós somos a Ordem dos Paladinos! Aqueles que irão livrar o mundo da ditadura e não há general que irá nos impedir! O continente americano é nosso!

O mundo inteiro gritou apoiando a organização. Apenas o ditador e seu exército que assistiam estavam furiosos com tamanha ousadia dos rebeldes.

O que vamos fazer, Führer? - indagou Akuma ao telefone, espe­rando pelas ordens.

Deixem que pensem que estão no comando. Quando vierem para nos enfrentar, vamos fazê-los sofrer mais do que qualquer miserável já sofrerá na vida! Vocês não podem, por motivo algum, deixar seus res­pectivos continentes! Depois do discurso desse paladino, certamente os civis se acharão com o direito de tentar algo - respondeu o ditador, quebrando o copo que segurava com a mão. Ao desligar o telefone, o ditador ficou perdido em seus pensamentos. - Não há mais dúvidas! E ele, tenho certeza!

A lanchonete, onde Alone e Alexandra estavam, ficou em festa, o dono da lanchonete gritava pedindo desculpas, feliz por ainda restar esperança no mundo.

Aquele garoto não cansa de me surpreender - pensou Alone, sorrindo.

Light! - gritou True - Temos que curar Juan!

True se lembrou de que Pandinus havia o envenenado na Ásia, mas eles não puderam fazer nada desde aquele momento. Light pediu para que Juan deitasse nas cadeiras e que tirasse a blusa.

Havia uma pequena mancha roxa no local, que, segundo Pandinus, cresceria mês a mês. Light tentou curá-lo, mas não surtira efeito, a mancha, crescia lentamente, fazendo a cura de Light servir apenas para retardar o processo.

True e Light trocaram olhares sabendo que em poucos anos Juan não suportaria, mas iriam fazer de tudo para desacelerar o veneno. Mesmo com toda aquela situação, Light se lembrou das palavras que o general da Ásia havia lhe dito na ausência de todos. Akuma enviaria dois aviões assim que eles partissem, contendo neles; vários soldados e um general em cada aero­nave para que ocupasse o cargo na América.

True! Temos que correr! Chame Esmeralda para que venha conosco - Light o chamou e o garoto assentiu à procura da garota. - Juan você pode dirigir? Temos que chegar ao aeroporto o mais rápido que pudermos.

Claro, posso fazer isso. O veneno ainda não fez muito efeito no meu corpo.

Kyõki! Quero que também venha conosco. Nos dê cobertura até a viatura.

O garoto assentiu em um gesto de cabeça e aumentou o volume do aparelho de som para aumentar a sincronização. Não retirar o aparelho de Kyõki foi um erro que os soldados cometeram por não o conhecer bem.

Juan encontrou um carro abandonado dos soldados e o usou para levá-los até o aeroporto. Juan dirigia muito bem, mesmo em uma velocidade alta, os passageiros se sentiam seguros.

Chegaram ao aeroporto em poucos minutos e praticamente pularam do carro. Esmeralda foi abrindo o caminho entre os poucos soldados que restavam no local. Quando finalmente chegaram à pista, dois aviões se aproximavam para pousar.

São eles! — exclamou Light.

Como sabe? Pode ter civis naquele avião! — disse True.

Com certeza não há. Os portos são exclusivos de transferência de soldados, aqueles que transferem civis são diferentes dos demais, confie em mim - Light tentou explicar. - Agora, quero que os três prestem bastante atenção no que vou fazer. Este é o motivo de vocês estarem aqui!

Eles, obedecendo, ficaram parados e atentos a Light, que dava alguns passos para frente enquanto se concentrava.

Light suspirou e aumentou a sincronização com sua alma. Seu cabelo loiro se alongou até a cintura. Asas brancas surgiram em suas costas, fazendo-o levitar. Seus olhos estavam mais claros, deixando o azul original atingir a cor do céu. Uma aura pura cercava o paladino, demostrando seu poder. True, Esmeralda e Kyõki não acreditavam no que viam. Light nunca tinha dito sobre uma fase mais avançada da sincronização do corpo e alma.

Nos próximos meses, nós iremos reconstruir a nossa base, e durante esse tempo, quero que vocês treinem para alcançar este nível.

Light ergueu os braços e criou uma enorme barreira ao redor do aero­porto. Ela era tão grande que os jovens acreditaram que aquilo não era possível, mas "não ser possível" era algo que cada vez mais sumia de seus vocabulários.

Os aviões estavam muito perto do aeroporto, impossibilitando-os de mudar o curso. Não demorou muito quando se chocaram contra a bar­reira, fazendo os dois aviões explodirem.

A América estava a salvo.

Esta é a verdadeira sincronização, a sincronização avançada! - disse Light virando para seus aprendizes que o encaravam, avaliando sua incrível semelhança com um anjo.

 

 

                         Agentes das sombras, servidores da luz

 

                                 Capítulo 25

Luto

Passaram três anos desde que os Paladinos foram pegos em uma arma­dilha no continente asiático, sendo forçados a assinarem um acordo dando total poder para o exército do ditador. No entanto, felizmente, True, o garoto que possui a alma do Tao, reavivou a chama da esperança de seus amigos dando-lhes coragem para enfrentar o medo que sentiam.

Durante esses três anos, a Ordem dos Paladinos não tentou dominar novos territórios, permaneceram na defensiva enquanto se aprimoravam. Mas prometeram que após esse período recuperariam o resto do mundo com força total.

Light, o líder da Ordem, mostrou aos seus jovens aprendizes a sin­cronização máxima da alma. Durante o tempo em que permaneceriam na defensiva, todos teriam que aprender essa técnica para que suas forças se eqüivalessem a dos generais restantes.

True, no momento, tinha 20 anos e daqui a poucos meses faria 21 anos. Esmeralda, que era mais velha, estava com 22 anos já que seu aniver­sário era antes do garoto.

Ele havia mudado bastante. Com o treinamento, True melhorara todas as suas habilidades, ficando mais alto, mais forte, o que não era nada exa­gerado, inteligente e estava se acostumando a liderar quando Light estava ausente. Também havia mudado o corte de seu cabelo, em vez do cabelo curto como era obrigado a usar, agora estava um pouco mais longo e espe­tado. O que mais chamava a atenção em seu cabelo eram os fios da parte detrás da cabeça que estavam compridos até a cintura, amarrados por um prendedor de cabelo no início da longa mecha e outro a poucos centíme­tros da ponta. O prendedor de cabelo foi feito pela organização em um tom neutro e resistente para que não soltasse ou quebrasse em uma bata­lha. O novo corte foi resultado da sincronização avançada que implicou em algumas partes físicas.

Apesar do corte incomum, muitos diziam que sua aparência estava ótima, motivo que era facilmente compreensível uma vez que o corte era fruto de sua alma, feito unicamente para ele.

Esmeralda não era uma exceção, a garota, que agora era uma linda mulher, se tornou ainda mais bela, o que True duvidava que fosse possível, pois sua beleza já encantava a todos no passado. Não só fisicamente, ela havia amadurecido psicologicamente com o tempo, deixando as atitudes de criança do tempo em que True a libertou de seu sofrimento do mundo. Estava mais confiante e não dependia tanto do amigo como antes, o que não significava que não gostasse de sua presença. Seu cabelo continuava praticamente o mesmo: longo, moreno e agora repicado.

No primeiro ano, Light dedicou-se a base do norte, que fora destruída pelo exército, durante o dia, enquanto à noite dedicava-se ao treinamento de True e Esmeralda. Kyõki, o garoto asiático que se juntou a organização para libertar a América do Norte e o continente Asiático, foi o primeiro a aprender a nova técnica. Light ficou realmente surpreso com a velocidade do garoto, tudo o que fez foi comprar um novo aparelho de som e novos fones que foram construídos pela própria organização, tendo a medida exata de Kyõki para que ficasse confortável e não fosse destruído facil­mente nas batalhas. Os fios que conectavam os fones ao aparelho eram revestidos por um metal resistente para que durante alguma batalha não sofresse danos.

A música era o que sincronizava a alma de Kyõki. Como não possuía nenhum apego pelo aparelho de som que ganhou da mãe no passado, ape­nas pelas músicas que nele continha, não teve problemas em se acostumar com o novo aparelho. Seis pastas com várias músicas separadas por gênero era o que continha no pequeno player de áudio digital.

No segundo ano, True e Esmeralda viajaram com Light pelo conti­nente americano. A viagem não atrapalhou o andamento da construção da nova base subterrânea uma vez que Light havia dado as instruções para seus ajudantes até que voltasse. Ele tinha feito todo o projeto e medidas; afinal, era membro da família Adam, uma das famílias mais ricas e requi­sitadas por todo o mundo devido ao seu sucesso com passagens subterrâ­neas, abrigos de emergência e outras obras com fins militares, reconhecidos como verdadeiros arquitetos.

Durante esse segundo ano os aprendizes não só tiveram que apren­der a sincronização avançada, como também a usar armas de fogo. Os dois jovens possuíam dificuldades em aprender a manuseá-las, mas com o tempo foram melhorando.

À medida que visitavam país por país, eram bem recebidos por mul­tidões que queriam vê-los para agradecer, apoiar e até se juntar a eles. Light explicou, sempre com muita calma, que para fazer parte da Ordem era só ter a iniciativa para ajudar, mas para ser nomeado Paladino era diferente, deveria ter uma alma pura além de passar por treinamentos básicos até chegarem ao segundo passo no qual True e Esmeralda esta­vam. Houveram muitas reclamações devido a isso, as pessoas queriam muito ajudar de qualquer maneira. Light, com o coração fragilizado querendo dar a oportunidade aos civis, teve uma idéia que serviria exa­tamente para eles. Durante o tempo em que estavam na defensiva, o exército não estava parado, eles mandavam pequenos grupos de solda­dos atacarem os portos do continente americano. Isso era inesperado e causava vários riscos às pessoas, porém eram facilmente vencidos pelos paladinos. O que preocupava Light era saber suas localizações, e, então, decidiu criar um grupo especial para lidar com esse problema, foi então que surgiu o grupo Sentinela.

Esse grupo seria encarregado de vigiar todos os portos e litoral do continente. Aqueles dispostos a ajudar poderiam se juntar à organização e fazerem parte desse grupo. Assim que localizassem algum sinal inimigo, deveriam comunicar imediatamente a base mais próxima da Ordem para que fossem mandados os membros para os locais específicos onde estivesse ocorrendo o ataque.

O rádio era um forte aliado para manter a comunicação entre a base do Norte, que estava sendo reconstruída, com a do Sul, onde os irmãos indígenas administravam. Ele também servia para que fosse realizada a troca de informações entre os pequenos postos Sentinelas para as bases centrais.

Light pôde perceber que, com os ataques, os soldados estavam cada vez mais ferozes e com maior poder destrutivo, fato que confirmou suas suspeitas e para que True e Esmeralda aprendessem de qualquer maneira a sincronização avançada.

Durante o terceiro ano, o grupo Sentinela já estava devidamente ins­talado nos portos, o rádio estava mantendo contado com todos, os novos uniformes foram feitos e a base de comando do norte foi finalmente inau­gurada. Durante o tempo em que não permaneciam na base, Light, True, Esmeralda e Kyõki estavam morando com Juan e sua esposa, onde antiga­mente era um bar transformado em restaurante comunitário.

Juan havia sido gravemente ferido pelo general do continente Africano há três anos, sendo infectado por um veneno que nem as habi­lidades de cura de Light poderiam impedir totalmente seu avanço, ape­nas retardá-lo, sabendo que um dia chegaria o fim para sua vida. A esposa de Juan sofria muito com o acontecimento e culpava os paladinos por terem envolvido o marido nessa guerra. Apesar de Juan dizer várias vezes que foi por conta própria para a Ásia, Light se culpava por ter insistido. True e Esmeralda estavam criando laços com Juan, que já era de idade, mas jovem por dentro.

Kyõki também possuía certa afinidade com Juan, já que o ajudava há algum tempo, depois que a ditadura foi banida do continente americano, não era necessário que o garoto cumprisse tarefas naquele estabelecimento, mas ele não se incomodava já que tinha terminado seu treinamento. O garoto percebia que naquele terceiro ano em que estavam convivendo com Juan, o homem estava mais indisposto e fadigava com maior freqüência, o que significava o aviso do que todos temiam.

 

True e Esmeralda estavam treinando juntos durante esses últimos meses que estavam no continente. Light pediu para que o treinamento fosse feito a vários quilômetros da base e das cidades. Os dois jovens adqui­riram grandes habilidades com a nova sincronização que certamente pode­ria destruir uma cidade inteira.

Pelo que eu vejo vocês progrediram bastante! - disse Light, che­gando ao local do treinamento que estava totalmente destruído.

Acho que... nos empolgamos um pouco — respondeu True, olhando em volta do local todo irregular. Ele estava ofegante e feliz por fazer uma pausa.

A voz de True mudara um pouco, ficando mais grave, mas não desapa­recendo o tom amigável que todos reconheciam.

Você nos trouxe um lanchinho! Como você é gentil, Light - agrade­ceu Esmeralda, faminta.

Apesar de ter amadurecido, Esmeralda continuava com algumas carac­terísticas antigas, como a voz meiga e seu afeto por gestos simples.

Light não mudou tanto quanto seus aprendizes, continuava com o mesmo cabelo curto de quando True o conheceu e a mesma expressão sorridente que todos admiravam. Apesar de estar alguns anos mais velho, o tempo não parecia afetá-lo.

Os três se sentaram em algumas pedras que serviram como assentos e os jovens começaram a saborear o delicioso sanduíche natural que Light trouxera para eles, além de algumas panquecas com maple syrup[1]. Para acompanhar, o tutor havia levado uma bebida quente em duas garrafas térmicas, imaginando que iriam adorar.

Light avaliava seus aprendizes com um sorriso, há quase quatro anos ele convivia com os dois jovens, fazendo-o sentir que eram uma família. Ele sabia do que gostavam ou não gostavam, sua rotina e suas manias depois de passar tanto tempo juntos.

Light - True chamou e engoliu o pedaço do sanduíche que estava comendo -, por que não nos ensinou a sincronização avançada antes? Eu sempre quis te perguntar isso, mas nunca tinha oportunidade ou esquecia. Sabe... você nem sequer mostrou para nós. Poderia ter usado contra os generais que enfrentamos, o que tornaria tudo mais fácil.

Esmeralda encarava Light esperando pela resposta, ela também demos­trava interesse pelo assunto, o qual devia ter debatido com True durantes os anos.

Light sorriu vendo os olhos curiosos de seus pupilos.

Realmente eu poderia ter usado contra os generais que enfrentamos, mas isso tornaria tudo mais arriscado - respondeu, dando ênfase na última palavra.

Os aprendizes olharam entre si, tentando imaginar como poderia ser arriscado sendo que a sincronização aumentava o poder em aproximada­mente dez vezes.

Light percebeu os olhares confusos então resolveu explicar melhor:

Quando enfrentamos o primeiro general, Victor, você era apenas um adolescente imaturo e sonhador. Estava aprendendo sobre o segredo das almas e a controlá-la melhor. Se eu mostrasse a sincronização avançada naquele momento, sua mente ia ficar confusa imaginando que seu treina­mento não estava dando resultado, mas esse não era o maior dos problemas - Light deu uma pausa cruzando as pernas. - Eu quero que imagine se tudo desse errado, que Victor nos derrotasse e você não conseguisse salvar Esmeralda, nem mesmo o outro grupo com a família Silvermoon e os irmão indígenas conseguissem conter os soldados.

True tentava imaginar a cena, a qual não gostava nem um pouco de cogitar.

Se isso tivesse acontecido, eu teria a sincronização avançada para nos tirar com vida daquele local. Como sabem, o modo avançado consome muito mais energia que apenas a sincronização comum. Então com a eco­nomia de energia, poderia salvar a todos se o pior acontecesse. Mas contra o antigo general da América do Norte foi diferente, eu fui pego de surpresa sendo congelado.

Eles refletiam sobre as palavras do professor. Talvez ele estivesse certo, se a pior das alternativas tivesse acontecido, Light poderia salvá-los. Porém algo de ruim aconteceu naquele dia. Romeo, como era chamado, caiu e se tornou Alone Walker, que mesmo após os anos, eles nunca o viram nova­mente depois do episódio no Canadá.

E Romeo? Você poderia tê-lo impedido. Mesmo assim por que não fez nada? — True quis saber.

Eu admito que errei e quero que me perdoem — o sorriso desapa­receu por um instante no rosto de Light. - Romeo ou Alone sabia sobre a sincronização avançada, mas nunca conseguiu concluí-la. O motivo era porque ele não possuía um mundo estável. Sua alma estava pouco a pouco se desfragmentando, o motivo era porque estava perdendo a esperança. Então ele me pediu que, como vocês sabem, se o plano principal não desse certo, ele usaria seu plano "B" para que pudesse restaurar seu mundo, mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu.

Não precisa se desculpar, Light. Você pensou em nós como um todo, e não se limitou a uma pessoa. Você é um grande líder, saiba disso! - Esmeralda conformava o tutor, que era como um pai, sabendo como estava se sentindo.

Os dois jovens prestavam bastante atenção nas respostas que tanto quiseram saber um dia. Mesmo sabendo a sincronização avançada, há mui­tas coisas que ainda desconheciam, aos poucos aprendiam com seu tutor e amigo, que mesmo para ele tantas coisas eram incertas.

Agora que as dúvidas foram esclarecidas, True só tinha mais uma per­gunta que não havia pensado até então.

Light, se me permite, como você sabe tanto sobre o segredo das almas? Como descobriu sobre tudo isso, porque, nem os mais religiosos conseguiram desvendar tal segredo, pelo menos não que tenham divulgado.

Esmeralda achou a pergunta interessante e encarou rapidamente o tutor para esperar pela resposta, porém havia algo estranho com Light, ele estava ficando cada vez mais pálido, como se fosse desmaiar.

Light! Está tudo bem? - Esmeralda correu para dar apoio ao profes­sor sem equilíbrio.

Está tudo bem, Esmeralda. Obrigado — respondeu Light enquanto a cor voltava ao seu rosto. Aquela pergunta, de certa forma, o afetou muito para ficar naquele estado.

A última vez que assisti ao treinamento, vocês já tinham aprendido a sincronização avançada. O que estão fazendo agora? - indagou Light, esquivando-se do assunto.

Estamos ganhando experiência de batalha e nos acostumando com as novas habilidades - respondeu True, desconfiado.

Isso é ótimo...

True achou estranha a reação de deu professor. Parecia que ele tinha algo a esconder, sua alma estava inquieta, se movendo para todos os lados. Ele ia continuar o assunto, mas foi interrompido por um homem que ajudava no restaurante comunitário de Juan. O homem parecia eufórico e seu rosto estava pálido como se tivesse visto a morte encarnada. Além de sua expressão amedrontada, havia lágrimas que escorriam de seu rosto. Os cabelos cacheados estavam cobertos por uma toca que o protegia do frio. E os olhos castanho-claros, trêmulos.

True e Esmeralda já tinham terminado de comer. Agora sua atenção estava fixada no que o homem tinha a dizer.

Senhor Adam! Venha comigo, por favor, algo de muito ruim aconteceu!

Os jovens franziram o cenho e trocaram olhares.

O que foi que aconteceu? - Light perguntou sem conseguir imaginar o motivo do pânico.

E sobre Juan, senhor... Ele faleceu!

Levou certo tempo para que os rebeldes processassem a notícia em suas mentes. Eles tinham se preparado para aquela notícia, mas quando finalmente a ouviram, não conseguiam acreditar.

Light levou um choque em seu coração, mesmo sabendo que este dia chegaria, não queria acreditar que aquele era o dia. Odiava dar más notí­cias e, principalmente, vê-las causarem efeitos nas pessoas. Conseguia ima­ginar como o homem se sentia com seu coração apertado. Os olhos dos dois jovens se arregalaram e lágrimas brotaram de seus olhos. Esmeralda chorava enquanto True foi ao lado dela para abraçá-la. True tinha passado grande parte de seu tempo com Juan. Mas, naquele momento, ele estava em estado de choque com a notícia, depois que algumas lágrimas desce­ram, ele as enxugou e tentou manter-se forte para consolar Esmeralda.

E a esposa dele? - True indagou preocupado.

Ela não se conforma com o falecimento do marido. Tentei conversar com ela, mas ela ainda os culpa pela doença que levou à morte de Juan — explicou o homem. - Kyõki pediu para que eu viesse contar a vocês, ele disse que daria um jeito de acalmá-la.

Apesar de não desejarem o fato ocorrido, sabiam que, de certa forma eram culpados pelo falecimento do amigo. As lembranças apenas serviram para que mais lágrimas fossem derramadas.

Vamos até ela... Temos que ajudá-la neste momento, pois tudo o que fizemos até agora foi acabar com sua felicidade - disse Esmeralda se recuperando.

As palavras que a garota dizia eram fortes, mas eram a realidade. Eles não puderam proteger Juan, que se sacrificou para defender True do ataque do general.

Os paladinos chegaram rapidamente ao restaurante comunitário onde Juan e sua esposa moravam. A casa estava cheia de amigos e vizinhos que souberam da notícia e correram para ajudar a Senhora Leon naquele momento difícil.

O homem que tinha dado a notícia abriu caminho pela multidão, seguido por Light e os dois jovens. As pessoas que estavam no estabeleci­mento encaravam os rebeldes com olhares frios e acusadores. Alguns não queriam culpá-los, mas era inevitável naquela situação não encará-los.

Assim que subiram as escadas, já podiam ouvir o choro ensurdecedor da esposa de Juan. As mulheres que trabalhavam há muito tempo na casa desde a época em que esta era um bar, estavam ao lado da viúva, consolando-a junto a Kyõki que a envolvia com seus braços.

O corpo de Juan estava sobre a cama. Ele parecia uma estátua, imóvel e fria.

True paralisou quando viu o corpo. Não conseguia acreditar na notícia que o homem tinha lhe passado. Esperava que encontrasse Juan de pé com a velha expressão sorridente e despreocupada. Seus olhos se encheram de lágrimas e se manteve na porta sem saber o que fazer.

Esmeralda correu até o falecido amigo, mas foi impedida aos berros da viúva.

Saiam daqui! Afastem-se dele! Ele não queria ir com vocês! Assassinos!

Kyõki foi obrigado a se levantar e conter a Senhora Leon. Light foi até Esmeralda e sussurrou em seu ouvido para que deixassem a mulher com seu falecido marido a sós.

Os paladinos saíram do quarto e da casa, onde era impossível pen­sar em alguma coisa com tantos olhares acusadores os cercando. O homem que os haviam informado sobre a morte do amigo saiu do estabelecimento junto a eles, para que pudesse contar os detalhes do ocorrido.

Michael, pode me contar como aconteceu? - Light perguntou ao homem.

Foi tudo muito rápido, Light - começou Michael pensando nas palavras certas. - Eu estava no andar de baixo limpando as mesas quando ouvi a Senhora Leon gritar alguma coisa. Eu não lembro exatamente, mas ela disse algo como: "Fale comigo". Naquele instante eu não me preocupei, o Senhor e a Senhora Leon brigavam o tempo todo por causa de vocês... bem, vocês sabem...

Light sabia que o casal discutia sobre o acontecimento de três anos atrás. Juan defendia com todas as forças a palavra dos paladinos, afirmando que eles não tiveram nenhuma parcela de culpa no que aconteceu, mas a Senhora Leon não acreditava na inocência dos rebeldes, mesmo sendo os responsáveis por manter a paz no continente americano. Michael também acreditava na inocência dos paladinos, assim como Juan, então evitava o assunto.

Continue - Light pediu indicando que não se importava com as acusações.

Como eu disse, não me movi de imediato, porém ouvi as mulhe­res que auxiliam na limpeza começarem a chorar e algumas gritavam por ajuda. Foi nessa hora que corri até as escadas e cheguei ao andar superior antes que outra gritasse novamente por ajuda. Quando cheguei ao quarto, Juan estava de olhos fechados e com a respiração forte, como se estivesse com falta de ar - Michael deu uma pausa para enxugar as lágrimas que se formavam. - Ele estava segurando na mão da esposa que gritava freneticamente para que o marido abrisse os olhos e se movesse. Kyõki chegou logo após, estudando o que estava acontecendo. O garoto me pediu para que o ajudasse a levantar a blusa de Juan para examinar seu peito. Assim que fizemos, me lembro de ter paralisado, a mancha roxa que, no começo, se localizava próxima ao peito, se espalhou por todo o corpo, braços, pernas e até mesmo no rosto. Devido às roupas compridas, eu não pude reparar de imediato que a mancha havia se espalhado tanto.

Deveriam ter me chamado imediatamente - disse Light e Michael assentiu.

Foi exatamente o que íamos fazer, mas Juan nos impediu. Chamou por Kyõki e disse estas palavras: "Não vai ser preciso chamá-lo, apenas diga que eu peço desculpas a ele e aos outros paladinos. Fui um com­pleto inútil no continente Asiático." Ele ia continuar quando a Senhora Leon o interrompeu com palavras grosseiras sobre vocês, mas ele não se importou com a atitude da esposa e continuou agora se dirigindo a ela: "Meu amor, eu a amo tanto, te amei por todos esses anos de casados como se fosse o nosso primeiro encontro. Apesar de você ser uma cabeça-dura às vezes, eu a amo, e por isso não quero que guarde ódio pelo que aconteceu". Me lembro dele tentar sorrir, mas a dor estava muito intensa para que mudasse sua expressão. Depois ele se dirigiu a mim e as outras mulheres que estavam no quarto: "Obrigado por tudo que fizeram para nos ajudar, eu e minha esposa não somos tão jovens como antes para poder suportar todo o serviço. Quero que cuidem dela na minha ausên­cia, se for possível. Agora me deixem descansar... estou sentindo um sono incontrolável".

Light tentava manter-se forte, mas aquelas palavras machucaram sua alma. Ele devia eternas desculpas a Juan por ter insistido na ida ao outro continente e não o contrário. O líder dos paladinos derramava lágrimas, e Michael lhe deu um forte abraço, entendendo sua dor.

O Senhor Leon faleceu naquele momento. A Senhora Leon estava incontrolável. Kyõki precisou contê-la várias vezes, e desde então está com ela, como viram. O que mais me assustava era aquele paladino, o Kyõki. Apesar de conhecer o Senhor Leon há mais tempo de que todos nós, ele não demonstrou nenhum sinal de tristeza. Houve apenas uma lágrima em seu olho, o que me pareceu forçado, pois o garoto piscava sem parar como se quisesse que a lágrima descesse. Talvez ele estivesse paralisado como eu, e não quis demonstrar seus sentimentos perto da viúva que precisava de consolo.

Você sabe que horas será o enterro?

Acredito que no fim da tarde. Até lá, o corpo ficará em uma capela aqui perto da cidade. Mas sem querer ser grosseiro, senhor Adam. Acho melhor que vocês não apareçam na capela e nem no enterro.

Eu entendo sua preocupação, Michael. Mas olhe bem para aqueles jovens - Light apontou para Esmeralda e True sentados em um banco de madeira. - Eles, apesar da idade, ainda são muito jovens, estão aprendendo sobre as lições da vida, e a perda de alguém querido é uma dessas lições que eles não podem evitar. Você tem minha palavra que não apareceremos na capela, mas quanto ao enterro, não está em meu direito nem de ninguém impedir que eles se despeçam do grande amigo que Juan foi para eles.

Michael ouviu cada palavra, refletindo sobre elas. Ele olhou a expres­são triste dos jovens sentados, o que o fazia lembrar-se de quando perdeu pela primeira vez alguém querido e sabia que não era algo fácil.

Faça como quiser. Só estou lhe avisando sobre o que vai acontecer - disse Michael despedindo-se com um toque no ombro do paladino.

E eu agradeço - respondeu.

 

O funeral aconteceu no fim da tarde como Michael havia previsto. No local estavam todos os amigos e pessoas que tinham afinidade por Juan. A viúva não queria ver Light por perto ou qualquer paladino; apenas Kyõki conseguia se aproximar, sendo o único que a viúva confiava. Talvez pelos anos que ficou trabalhando junto a Juan e sua esposa, fez criar um laço equivalente a um parentesco.

True e Esmeralda nunca estiveram em um enterro, não de uma pessoa tão próxima e querida. Apesar dos jovens terem jogado as cinzas de Victor, o sentimento era bastante diferente. Kyõki, por ter vivido boa parte do tempo nos templos que freqüentava, acabava participando dos rituais de enterro de seu país. Porém, nenhum deles havia presenciado um funeral com tantas pessoas. Juan certamente era alguém bom e o que não faltava eram testemunhas para comprovar. Até os soldados que freqüentavam o bar na época foram bem tratados por Juan, apesar de serem do exército do ditador.

Todos se dirigiram para o local onde finalmente Juan seria enterrado, um homem se manifestou e pediu permissão para que pudesse fazer a ceri­mônia. A viúva assentiu, fazendo o homem começar a dizer algumas pala­vras de conforto. O funeral cristão foi feito como a vontade de Juan, que fora cristão assim como o resto de sua família.

True estava abraçado com Esmeralda que chorava escondendo seu rosto no peito do amigo. True olhava ao seu redor, via várias pessoas cho­rando desconsoladas, outras ajudando aos que sofriam mais, porém ele reparou que outra pessoa atraia os olhares dos presentes, além do corpo de Juan, eles observavam a Senhora Leon.

A esposa de Juan, Silvia, como era chamada pelas pessoas mais próxi­mas, não estava aceitando a morte do marido, ela chorava e lamentava ao lado de Kyõki, que estava sentado em uma cadeira ao lado da dela. True pôde ouvir das pessoas: "Ela não quer aceitar", "É uma pena, um amor tão lindo", "Ela quer o marido de volta". Aquela situação o deixava preocu­pado, a mulher, sentindo tamanha dor, procuraria um culpado por tudo aquilo. E isso ela já tinha.

O homem que estava realizando a cerimônia terminou de dizer as últimas palavras, desejando uma boa passagem para Juan ao outro mundo, e então proclamou:

Está na hora.

Aquela pequena frase com um simples significado fez um grande impacto sobre Silvia, que se levantou e abraçou o caixão onde estava Juan, gritando para que ele levantasse e abrisse os olhos. Impedindo que o caixão fosse fechado.

As pessoas não agüentavam ver aquela triste cena. Kyõki tentava con­vencê-la para que deixasse Juan ser enterrado, mas ela estava ainda mais relutante.

Isso tudo é culpa dele! — gritou Silvia, apontando para Light.

O que True temia tinha acontecido, ele sabia que aquela dor era muita intensa para que a viúva suportasse. Agora, ela acusaria todos eles e trans­formaria toda a sua dor em ódio contra os paladinos. Ela repetia as acu­sações várias e várias vezes para que todos ouvissem. Alguns não deram importância a elas e sabiam que os paladinos eram pessoas boas, que aquilo tudo era devido à dor que Silvia estava sentindo. Porém outras concorda­ram com a mulher, eram aquelas que também não aceitavam o fato.

Sendo a principal vítima das acusações, Light não ficou quieto. Pegou o banco mais próximo e subiu para que ficasse visível. Assim todos o veriam e ouviriam sua defesa.

- Juan foi muito mais do que um aliado, ele foi um amigo, um irmão, um pai! Sempre nos tratou bem e não só a nós. Ele tratava seus inimigos como se fossem seus amigos de infância, apesar de saber que eles causa­vam sofrimento às pessoas. Juan fazia o oposto, enxergando o mínimo de humanidade que havia neles! Assim que cheguei ao Canadá, sofri um acidente que quase custou minha vida, como último esforço, pedi para que Juan cuidasse de meus aprendizes, e foi o que ele fez, mesmo sem saber quem eu era. Os jovens que vocês estão vendo hoje só estão aqui graças a ele! Os inexperientes paladinos enfrentaram o general há três anos, que comandava pelo medo este lugar onde estamos agora, com coragem e sabedoria que tenho passado a eles! Durante o combate, meus aprendizes iam ser atingidos e certamente seriam mortos por um ataque do inimigo que, depois de uma árdua batalha, significaria o fim. Porém foi graças a um homem guerreiro e corajoso, que sempre coloca os outros acima de si mesmo, que os protegeu. Juan pôs seu corpo na frente do ataque inimigo, impedindo que meus dois alunos fossem mortos, mesmo sem conhecer o segredo das almas, ele não hesitou! Graças a ele vencemos o general e a paz voltou a este lugar. Nosso objetivo aqui estava terminado, iríamos partir para o próximo continente. Eu pedi, não, implorei para que Juan fosse conosco libertar o povo da Ásia, eu admito. Ele, relutante para não abandonar a esposa, lembrou-se das pessoas que sofriam naquele lugar, fazendo-o aceitar minha proposta. Foi um risco levar alguém sem possuir habilidades especiais para o campo de batalha, mas foi quando pensei: Juan é uma pessoa cheia de habilidades especiais, quem além dele colocaria a vida na frente do próximo? Quando pensei sobre esse assunto, um medo muito grande veio me assombrar e, infelizmente, ele se tornou realidade. Nosso antigo piloto, Jack Eagle, nos traiu, sendo ele um agente infiltrado que nos entregou para dois generais que nos aguardavam no aeroporto de Tóquio. Enquanto o general da Ásia nos fazia de prisioneiros, ele se irritou com um de nós, dirigindo ataques ao paladino indefeso, Juan não aguentou ver aquela cena e reagiu defendendo o garoto, porém o general do continente africano puniu Juan, aplicando um veneno que não poderia ser curado nem com nossas atuais habilidades. Tudo o que pudemos fazer foi retardar o processo. Mas sabíamos que um dia, isso aconteceria. Juan também estava ciente disso e quando nós pedimos desculpas pelo ocor­rido ele respondeu: "Eu que tenho que me desculpar por ter sido inútil. O garoto ainda se machucou, e eu causei problemas a vocês". Naquele momento meu coração sentiu um aperto, qualquer um de nós desejaria vingança, ódio por termos adquirido uma doença que nos mataria, mas Juan pensava não em si, mas em nós, que fomos os culpados por o termos envolvido - Light se esforçou ao máximo para que não chorasse, mas não aguentou. — A Senhora Silvia Leon tem total direito de não nos querer por perto, por isso, hoje, nos instalaremos em nossa base e amanhã partiremos para a Ásia e só voltaremos a este local quando o mundo inteiro for liber­tado! Nós, da Ordem dos Paladinos, sabemos que essa cena de sofrimento ocorre dia após dia, porém muito pior. No enterro os parentes não estão presentes, pois mal sabem que seu ente querido faleceu. Nós, vamos fazer com que isso acabe, é uma promessa!

Houve murmúrios dos presentes a respeito do discurso de Light, algu­mas mudaram sua opinião, outras ficaram em dúvida.

Não me venha com essas desculpas! Isso não vai trazer meu marido de volta! - Silvia gritou, atirando um copo de vidro que segurava.

Mais burburinhos, agora os argumentos iam contra os paladinos.

O copo acertaria Light se True não tivesse agarrado o objeto enquanto ele seguia sua trajetória.

Calem-se! — vociferou o jovem.

True interrompeu qualquer troca de opiniões entre as pessoas, as quais, neste momento, estavam caladas mantendo a atenção no paladino.

E vocês se dizem amigos de Juan? - True olhou enfurecido para cada rosto dos presentes. Avaliou cada alma, que com exceção dos paladinos, não tinham forma.

As pessoas continuavam caladas, esperando por uma explicação sobre a pergunta que o paladino havia feito.

Vocês já pararam para pensar na diferença entre o meu ver com o ver de vocês? A diferença de um paladino para um civil comum? Eu acredito que não! - O silêncio continuava absoluto. - Eu não possuo esses olhos tão diferentes em vão. Eu posso ver o nível de corrupção de uma alma assim como a pureza. Por que tenho esse dom? Para que eu possa enxergar o mínimo de bondade que há no coração dos caídos, aqueles que vocês cha­mam de inimigo! - True deu alguns passos à frente em direção ao caixão de Juan que ainda estava entreaberto. - Juan não precisava de olhos como os meus. Ele enxergava a bondade mesmo naqueles que faziam mal ao seu país, naqueles que mataram sua filha e parentes, naqueles que o fizeram viver o horror da guerra. Nunca irei me esquecer de quanta luz aquela alma emanava e da tamanha pureza que se expandia ao redor das pessoas que os cercava. — True alcançou o caixão onde o corpo de Juan descansava e lá ficou parado, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. - Eu, como amigo de Juan, não irei desrespeitar seu momento de descanso. E como ele poderia descansar sabendo que as pessoas que ele queria tão bem estão aflitas e julgando umas as outras pelo que tinha acontecido? Ele não mere­cia isso! O que ele sempre desejou foi paz, e em seu leito de morte não deve haver outra coisa! Hoje estou triste por me despedir de uma pessoa tão querida, mas em vez de me lamentar vou agradecer pelo destino ter me dado a oportunidade de conhecê-lo, e quando a saudade vier, eu me lembrarei dos momentos felizes que tivemos e das lições que aprendi com esse sábio - o paladino enxugou as lágrimas e abriu um longo sorriso. - Obrigado, por tudo meu fiel e querido amigo...

True agachou se apoiando em seu joelho esquerdo, colocando a mão direita em seu coração.

Foi uma honra conhecê-lo!

As pessoas se entreolhavam pensando no que fazer ou dizer. Enquanto hesitavam, Esmeralda e Light caminharam até ao lado de True e fizeram o mesmo gesto de despedida e agradecimento.

Os presentes, vendo a ação dos paladinos, decidiram fazendo o mesmo concordando com as palavras que foram ditas. Juan era um homem que desejava uma coisa no mundo: paz. Se estivesse vivo, com toda a certeza não queria ver seus amigos discutirem entre si por ele.

Silvia assistia a todos se ajoelharem e fecharem seus olhos. Alguns faziam preces enquanto outros apenas pensavam nas bonitas lembranças que tiveram desde que conheceram Juan.

Naquele momento, a neve começou a cair como se até mesmo o lugar se despedisse do incrível homem que deixou tantas lições e boas lembran­ças para trás.

Quando os paladinos se levantaram para ir embora, True encarou o céu nebuloso, sentindo a neve que caía em seu rosto. Light encarou Kyõki para saber onde passaria a noite.

Eu ficarei o resto do dia com Silvia, amanhã estarei na base bem cedo. — Light assentiu e foi embora junto a True e Esmeralda para que não houvesse mais problemas. Enquanto eles seguiam seu caminho em direção à base, mal sabiam que, a alguns metros do local, um cachorro de grande porte com pelagem negra e olhos escarlates assistia a todo o funeral.

 

Base da Ordem dos Paladinos — América do Norte.

Já era noite quando Esmeralda procurava por True. Ele não estava no quarto nem na área de alimentação. Talvez ele estivesse com algum mal-estar, então a garota procurou na ala hospitalar, mas ele também não estava no local.

Esmeralda foi procurar por Light, talvez ele soubesse do paradeiro do pupilo. O líder rebelde era muito mais fácil de se achar, quando não estava com sua equipe técnica, estava visitando as outras alas para certificar-se de que tudo estava em seu perfeito estado. Como a garota tinha visitado todas as alas atrás de True, Light só poderia estar em um local: junto aos imensos computadores que rastreavam qualquer sinal do inimigo e faziam a comunicação entre as bases.

Light! - chamou Esmeralda, elevando um pouco a voz, pois o homem estava com os gigantes fones de ouvido para escutar algum contado aliado.

Pode falar, estou te ouvindo - respondeu Light sem perder a concen­tração do que estava fazendo.

Sabe onde o True está? - Se fosse há alguns anos, a garota tinha o chamado com mais formalidade, mas à medida que os anos passaram, ela conversava de maneira mais informal.

Light virou a cadeira, pensativo, para dar mais atenção à garota.

Se bem conheço aquele garoto, deve estar nos túneis de transporte em um daqueles momentos reservados dele.

Obrigada, vou checar se ele está lá - ela se despediu dando-lhe um beijo na testa.

Light assentiu e voltou ao que estava fazendo.

Os túneis de transporte são um ótimo local para ficar sozinho e para refletir. No local passam pequenas correntes de ar da superfície, impedindo que fique abafado e ao mesmo tempo protegendo do frio rigoroso do lado de fora.

True realmente estava no local, sentado na elevação que separava da via de transporte para o local seguro. O pequeno vagão de metrô estava desativado, fazendo o local ficar ainda mais escuro. Esmeralda se aproxi­mava, tentando não fazer barulho, e então colocou as mãos sobre os olhos do jovem pensativo.

Adivinhe quem é! - ela brincou.

Esmeralda! - True respondeu aparentemente alegre pela garota ter aparecido.

Finalmente te encontrei! Eu te procurei por toda a base! O que estava fazendo?

O sorriso no rosto de True desapareceu com a pergunta. O motivo de ele estar no local desolado, pensativo, era os atuais acontecimentos.

Estava pensando em Juan, em como a Silvia vai viver daqui para frente, sobre nossa batalha que recomeçará amanhã... Sobre Ducy, que está sofrendo em uma cela neste momento e a única coisa que sei é que ela está em alguma prisão na Europa.

A garota se sentia um pouco culpada. True tinha contado que ela fora a pessoa quem entregou Ducy aos soldados. Lembrando-se do que veio fazer, afastou os pensamentos ruins do passado.

Esmeralda fez um gesto, batendo de leve suas mãos em suas pernas. True reconheceria aquele sinal a distância. Ele recostou a cabeça nas pernas da linda jovem, esticando o resto do corpo no chão gelado, o que não o incomodava.

Esmeralda acariciava o cabelo e a fina, porém longa, media que ia até a cintura de True.

Qual era mesmo o motivo de você ter deixado crescer apenas esta mecha? - indagou Esmeralda, tentando se lembrar.

Faz parte do treinamento, quando ativo minha alma, essa mecha cresce, então tive que me acostumar a me locomover com um cabelo desse tamanho.

Eu achei que ficou bem diferente, combinou com você.

Que bom que acha isso. Eu não queria ficar com o cabelo todo com­prido, fico aliviado por ela ser fina.

Enquanto True falava, Esmeralda procurou no bolso de trás da calça por um anel que desejava dar ao paladino.

Isto é para você.

True se sentou e pegou o pequeno anel que Esmeralda o presenteou. O anel era estreito, cabendo apenas no dedo mindinho. No anel, peque­nos desenhos o enfeitavam. Começava com o sol pela metade, depois estava completo e o próximo era novamente pela metade. À medida que ia girando, podia ver o resto dos desenhos, quando terminava o sol, apare­ciam as fases da lua até que começava tudo novamente.

O primeiro desenho mostra o nascer do sol, depois ele ao meio-dia e logo após quando se põe. As fases da lua simbolizavam a noite até que um dia - Esmeralda agarrou a mão de True e girou o anel mostrando a última figura. - Eles se encontram formando o eclipse.

O jovem não havia percebido quando sol e lua estavam juntos, achando interessante o detalhe forjado no anel.

Por que está me dando isso?

Uma vez estava conversando com Light sobre as pessoas materialis­tas. Aquelas que apenas se importam com o imóvel mais caro, o melhor veículo etc. Resumindo, se importando apenas com bens materiais se esquecendo de que na vida existem coisas mais importantes, como a alma. Esse fator é responsável por grande parte das pessoas que não possuem uma forma de alma. Ele acrescentou que também existem certos objetos que mesmo não possuindo muito valor financeiro, podem ser mais valioso dependendo da pessoa.

True ouvia atento, esperando que ela concluísse.

Light me mostrou o camafeu que sempre carrega. Aquele camafeu não possui muito valor no mercado, mas, para ele, é mais valioso do que as mansões que tem em seu nome, devido ao sentimento que o camafeu o faz relembrar em relação ao irmão gêmeo. Aquele camafeu o acalma nas batalhas e nas suas decisões mais importantes, lembrando-o de não esque­cer a esperança. Se o valor for com esse objetivo, em sua opinião, Light não considera a pessoa materialista, pois ela não enxerga a matéria, mas o sentimento que há nela.

True pensava no assunto e fitava o anel.

Então nós é que tornamos algo valioso - concluiu.

Sim, foi o que ele quis dizer - Esmeralda assentiu. - Imaginei que você estaria nervoso, então pensei em te dar esse anel para que se lembrasse do que já passamos.

Vou fazer mais que isso.

Esmeralda franziu o cenho em dúvida.

Eu vou fazer um juramento - True colocou o anel na mão esquerda e a cerrou. Concentrando-se no anel, continuou: - Prometo não cair em ilusões. No momento em que descobrir meu mundo, vencerei cada obs­táculo para alcançá-lo. Mesmo se eu fraquejar no caminho sinuoso, me reerguerei e continuarei andando. Prometo, também, proteger a pessoa mais importante para mim até o dia em que o brilho continuar em meus olhos.

Esmeralda sorriu, feliz por conseguir ajudá-lo. Observando o sorriso que havia voltado ao rosto do paladino.

E quem seria essa pessoa mais importante para você? - indagou curiosa.

Isso... - True fez um tom de suspense. - Eu não vou te falar!

Como assim não vai me falar? Você vai me dizer agora!

Esmeralda investiu com seus braços, querendo alcançar os pontos em que True sentia cócegas. Ele sorriu com a brincadeira, segurando os braços da jovem, impedindo-a que o tocasse.


Após a troca de sorrisos, True deitou-se novamente no colo de Esmeralda e ficaram em silêncio por um tempo.

Esmeralda pensava no juramento que True havia feito. Ele, mesmo conseguindo fazer a sincronização avançada, ainda não sabia qual seria seu mundo, o que a fazia pensar que não estava muito diferente daquela situ­ação, mesmo depois de voltar a ser pura, não tinha parado para pensar no que era mais importante para ela. Até o momento, queria pagar sua dívida aos paladinos que a salvaram, o que era o bastante até então.

Mas sabe o que eu realmente queria mais do que qualquer coisa? - indagou True, interrompendo os pensamentos de Esmeralda enquanto fechava os olhos e virava a cabeça em direção a ela.

Não, o quê?

Queria que o tempo parasse agora. Eu não me importaria de passar a eternidade aqui.

Esmeralda sorriu. Realmente aquele momento era único. A brisa que atravessava o túnel parecia levar todas as preocupações embora. A paz que estava naquele local parecia eterna. A felicidade por estar com alguém que­rido dispensava qualquer outra coisa que se precisasse.

E uma pena que isso não dure para sempre - disse a jovem.

 

                             Capítulo 26

28 de outubro

Rio de Janeiro, Brasil — América do Sul.

A Ilha de Malevolência era agora um local de memórias. O que antes era uma base militar se transformara em ruínas, simbolizando a derrota do general e de seu exército.

Era noite e a falta de iluminação deixava o lugar escuro como o breu. O mar estava tingido de preto, somente alguns reflexos iluminavam a água. Afastado da cidade, uma canção interrompia o silêncio das ruinas. Ecoando por entre os destroços.

 

"Alegria, mais belo fulgor divino, Filha do Elíseo!

Ébrios de fogo entramos, em teu santuário celeste!"

 

A voz era meiga, de uma garota, encantando a todos que podiam ouvir.

- Foi aqui que tudo acabou e recomeçou - disse Alone, olhando em volta do antigo local onde fora a batalha contra o general da América do Sul.

Alone estava usando uma espécie de máscara de caveira que escon­dia sua boca e seu nariz. O homem, que tinha se tornado um caído pela segunda vez, não estava sozinho, estava acompanhado de mais seis pessoas, um homem e cinco mulheres, sendo uma delas uma adolescente e outra estava totalmente coberta por roupas que não mostravam quase nenhuma parte de seu corpo. Todos, sem exceção, usavam a mesma máscara em seu rosto, tal qual Alone.

Está tudo bem, mestre? - indagou uma mulher ruiva de cabelo chanel que chegou mais perto se agachando como se estivesse na presença de um rei.

Ela tinha cerca de 30 anos, era alta, mas menor que Alone. Usava ócu­los de lentes transparentes que lhe davam uma aparência séria e madura. A roupa de couro preta junto ao salto lembrava o mesmo estilo de Alexandra, a caçadora de elite que abandonou o exército. Era uma mulher de poucos atrativos, apesar do belo rosto e das sardas que, com os olhos verde-escuros, lhe davam certo charme.

Levante-se, Kristin, esqueça a formalidade por enquanto. Este momento é único no ano. Estou procurando pela princesa, sabe onde ela está?

Provavelmente, na encosta da ilha, olhando a lua.

Alone fez um gesto de agradecimento a Kristin e se dirigiu ao local descrito. A medida que se aproximava, podia ouvir melhor a canção que rompia o silêncio da noite.

 

"Teus encantos unem novamente,

O que o costume rigorosamente separou,

Todos os homens se irmanam, onde teu doce vôo se detém."

 

Alone aplaudiu a bela canção cantada por uma garota que logo se virou o reconhecendo.

John! - ela correu até ele.

A garota, a qual Alone se dirige como se ela fosse da realeza, era pequena, tendo aproximadamente l,55m de altura. Pele branca como a lua. Cabelo preto e comprido que se dividia em dois, amarrados por prendedores de cabelo, batendo um pouco abaixo da cintura com uma franja de lado. Ela tinha olhos castanhos e usava um calçado e vestido pretos. Seu peso era certo para sua idade, que era 16 anos, com o corpo em desenvolvimento.

Nona sinfonia de Ludwig van Beethoven e poema "An die Freude", de Friedrich Schiller, nunca me canso de ouvi-las, principalmente vindas de você. Fico feliz que esteja fazendo sua parte, e eu prometo que logo o Rito estará em suas mãos.

Alone estendeu a mão para que ela usasse como apoio e assim alcan­çasse o local onde estava. Devido o terreno ter sofrido grandes danos com a batalha, o solo era bastante irregular, com vários destroços um sobre o outro. Apesar de que algumas estruturas, mesmo com partes destruídas, ainda estavam de pé.

A propósito - Alone continuou —, não me chame de John, minha princesa. Assim como não quer que eu a chame de rainha, também prefiro que me chame por outro nome — disse Alone enquanto caminhava até onde estava anteriormente. - E então, sabe que dia é hoje?

Vinte e oito de outubro - ela respondeu com um olhar curioso.

Exatamente, hoje faz três anos que renasci como Alone, é como se fosse meu aniversário - explicava enquanto se sentava, colocando a garota em seu colo.

Eu deveria te dar os parabéns? Como se fosse um aniversário? — ela indagou quando Alone arrumou um fio de sua franja que tinha escorre­gado para frente de seus olhos.

Certamente que não, minha princesa. Este dia, apesar de ser um dia de nascimento, não deve ser comemorado como um aniversário. E um dia como o dia dos mortos, as pessoas vão ao local do ente querido e visitam seu túmulo lembrando-se dos bons momentos que passaram juntos.

Mas não vejo túmulo e ninguém visitando este local - disse fran­zindo o cenho e botando suas pequenas mãos no rosto de Alone.

Você observou bem, como sempre - elogiou Alone enquanto pegava a pequena mão e lavava aos seus lábios, beijando-as por cima da máscara. - Assim como um corpo é cremado e são jogadas as cinzas ao vento, minha alma foi despedaçada em minúsculos pedaços, menores que um grão de areia, então não foi necessário um túmulo. E quanto às pessoas, elas estão fazendo algo que consideram muito mais importantes do que as dores do passado, talvez nem se lembrem deste trágico dia. Mas eu não me importo, de qualquer forma, um dia eu sei que mesmo vocês irão me trair e partir.

Nós nunca faríamos isso, mestre Alone! - Um coro de todas as pes­soas que estavam no local surgiu. Todos ajoelharam apertando o nó que mantinha a máscara presa ao rosto.

Como você é cruel! Acha mesmo que eu irei embora? - gritou a garota com uma voz aborrecida, batendo os punhos no peito de Alone.

O caído fechou os olhos por um instante, agarrou os braços da garota e olhou bem fundo em seus olhos.

Princesa, você é uma pessoa rara que adquiriu uma maturidade muito mais avançada do que sua idade aparenta, para uma garota que possui 15 anos e que logo fará 16 anos, assim como você, deveria vagar pelo mundo conhecendo as coisas, errando e aprendendo com os erros, porém... - Alone fez uma pausa, passando a mão lentamente no cabelo liso e brilhante da garota. - Chegará um dia no qual serei um peso para você, e neste dia, seguirá seu caminho. Não se preocupe, quando chegar essa época, serei eu quem sofrerá com sua falta, mas posso sobreviver sozinho, afinal meu nome é Alone Walker.

A garota abaixou seu olhar, ficou pensativa por um momento e voltou a encarar Alone.

Então viverei cada minuto enquanto estiver ao seu lado - disse, fazendo o mesmo gesto apertando o nó da máscara como os outros fizeram.

Alone deu um sorriso, mas a garota não pôde perceber devido ao aces­sório. Ele observava os olhos castanhos da garota assim como os dele, apa­rentando se lembrar de algo no passado distante.

Estava cantando aquela canção outra vez?

Sim — ela mudou a direção de seu olhar. - Por algum motivo me sinto atraída pela nona sinfonia de Beethoven.

Alone a olhou novamente nos olhos e pôde perceber o sorriso mesmo debaixo da máscara. A garota parecia estar confortável na presença do caído, e parecia ser a única, pois todos os outros presentes estavam afasta­dos e encaravam Alone como se a qualquer momento ele pudesse matá-los.

O momento foi interrompido com o ruído de unhas raspando o con­creto. Todos encararam um dos cachorros de Alone saindo do chão entre sombras.

Solitude! - ela gritou reconhecendo. Em um curto assovio, ela fez o cão ir a sua direção e permanecer ao seu lado.

Solitude, um dos sete cães que representa uma das sete cabeças do Cérbero, reconheceu a garota de imediato. O cão, que aparentava ser da raça rottweiler, abaixou a cabeça, deixando que a garota passasse a mão em seu pelo.

Eu não gosto de cães - disse a pequena jovem com um olhar pene­trante enquanto acariciava Solitude. - Eles sempre estão felizes mesmo se você tiver a intenção de matá-los, mas o seu é diferente, mestre Alone - ela concluiu e Alone concordou avaliando o comportamento alerta de seu cão.

Seja bem-vindo. Agora venha - Alone deu a ordem estendendo a mão chamando seu animal do submundo, que se aproximou e virou som­bra voltando ao corpo do dono.

Alone suspirou e cerrou os olhos enquanto as imagens que o cão havia visto passavam em sua mente. Ele levemente afastou as pernas da garota para que levantasse. Ela rapidamente entendeu o gesto e se retirou, mas pôde notar o olhar pensativo e vazio do caído.

Todos o olharam enquanto subia em uma pilastra maior e encarava a lua. Notando que algo estava errado, Kristin resolveu certificar-se sobre o comportamento de seu líder.

Aconteceu algo, mestre?

Meu avô faleceu - respondeu lentamente.

-Juan está morto? - Era a voz de Alexandra, que estava mais afastada, mas a notícia a fez conferir o que poderia ter sido um engano.

Alone se virou e encarou Alexandra se lembrando de que foi a primeira a acompanhá-lo desde que ele a ajudou no Canadá. A mulher continuava a mesma, porém notava-se um olhar mais tranqüilo do que antes quando era caçadora.

Sim, ele foi enterrado hoje no fim da tarde. Solitude estava lá e viu tudo, mas não se preocupem comigo... — Alone ficou pensativo. — Vinte e oito de outubro, neste dia minha alma, sentimentos, esperanças, tudo foi quebrado como cacos... Juan Leon Strongheart, ele era um homem que eu admirava, não, todos admiravam.

O que vai fazer, Alone? - Alexandra indagou, mas já sabia a resposta, apenas queria que ele desse a ordem.

Estejam prontos em cinco minutos! Vamos partir para o Canadá!

Todos fizeram o mesmo sinal anterior, ajoelharam e apertaram o nó de suas máscaras. Aqueles que estavam acomodados se levantaram esticando o corpo para seguir viagem. Alone deu alguns saltos para que alcançasse o local onde tinha enfrentado o general, afastando-se dos outros.

Foi tão terrível assim? — perguntou Alexandra e Alone ficou surpreso, pois não percebeu que foi seguido.

Você não sabe o quanto! Mas não quero falar agora sobre isso. Eu só estava pensando em meu avô, o que ele faria naquela situação.

Quando eu presenciei o medo de ser morta pelo soldado e depois que perdi meu filho, senti minha alma congelar, minha mente foi tomada pelo arrependimento e desespero - disse Alexandra, tentando uma comparação.

Entendo - Alone suspirou. - Sua mente foi afetada e sua alma sofreu grandes danos, mas não o suficiente para desaparecer. Naquele dia, meu mundo estava desmoronando, minha alma agarrou o último fio de esperança que restava para se salvar, saltando pelo abismo, estendendo a mão para que outra pessoa a puxasse, porém ninguém estava lá! Deixando-me cair no mais profundo abismo - sorriu percebendo que mesmo não querendo tocar no assunto, desabafou com a mulher que parecia lhe dar segurança.

Você já imaginou que talvez ela não fosse a pessoa certa e por isso tudo isso aconteceu? - Alexandra refletiu. - Brian dizia que tudo termina em um final feliz, se não chegou a esse ponto, é porque ainda não acabou. Era assim que ele mantinha a esperança. Mesmo depois de ele morrer, ainda acredito em suas palavras, agora mais do que nunca.

Basta, Alexandra! Não quero me irritar com você.

Alone fez uma pausa e continuou:

-Amadureci muito nesses três anos, graças àquele encontro no Canadá. Refleti muito sobre as palavras do meu avô, e é claro, daquele garoto.

"Já parou para pensar se não é você quem não está dando uma segunda chance", ou algo assim — lembrou com um sorriso.

Você também tem mérito nisso, Alexandra. Se não fosse por você, eu não teria esses seguidores, nem a princesa.

Eu fico honrada. E quem sabe True esteja certo?

Ela não podia ver a expressão do rosto de Alone, que estava de costas, e querendo acabar com aquela melancolia, informou que todos já estavam prontos para partir. Após dar o recado, deu meia-volta e desceu para que Alone ficasse sozinho.

 

Cidade de Yellowknife, Canadá, América do Norte.

A temperatura naquele dia estava em graus negativos. A viúva Silvia estava terminando de se servir com uma apetitosa sopa que ela mesma fizera. Estava sentindo pela primeira vez o que era o vazio, o silêncio, a solidão, o nada. Não imaginava que a ausência do marido faria tanta falta a ponto de deixá-la em desespero. Mesmo das brigas ela sentia falta, a voz de Juan que a consolava e lhe dava esperança no mais difícil problema que teriam que superar, preenchendo a casa com vida. O cabelo branco, pela idade, estava preso a um acessório enquanto alguns fios escorregavam e caiam sobre seu rosto, mas ela ignorava a má aparência.

O estabelecimento onde morava sempre foi um local cheio de gente e barulho. Depois que o general foi derrotado, o local recebeu ainda mais clientes, o que a ajudava a passar o tempo, porém, naquele dia, devido à temperatura, as pessoas resolveram ficar em suas casas com suas famílias, esquecendo-se da idosa que habitava o enorme restaurante.

Quando terminou de se alimentar, por hábito, sua mão procurou a mão de Juan, que sempre estava ao seu lado jantando, mas ele não estava lá. Aquilo fez lágrimas brotarem de seus olhos, perguntando-se o que faria de sua vida a partir de agora.

Enquanto o doloroso silêncio tomava conta do local, foi interrom­pido com o barulho de pancadas na porta. Silvia se perguntou quem poderia ser aquela hora. Ela olhou para o relógio de parede carrilhão e viu que já se passava de meia-noite. A viúva não conseguia imaginar alguém que deixasse o conforto de sua residência para visitá-la naquele horário, principalmente com a temperatura e a tempestade de neve que estava do lado de fora. Sabendo que não tinha nada a perder, foi checar quem era. Agarrou um cobertor para que a protegesse melhor do frio e abriu a porta, tendo o cuidado de olhar primeiro por uma fresta, para que não sentisse a mudança brusca da temperatura do interior do restau­rante e do lado de fora.

Quando Silvia encarou a pessoa que estava do lado de fora, se assus­tou. Logo à sua frente estava um homem de sobretudo com capuz, coturno e uma máscara misteriosa com uma imagem de caveira, mostrando ossos da mandíbula, nariz e dentes. Ela pôde perceber que o homem não estava sozinho, atrás dele havia mais seis pessoas todos com a mesma máscara amarrada na parte inferior do rosto. A senhora não tinha gostado muito de suas aparências hostis. Eles não eram paladinos nem soldados, pois ambos foram embora do país, se não eram nenhum dos dois, Silvia não tinha idéia de quem seriam os estranhos.

Quem são vocês e o que querem a esta hora?

A senhora se chama Silvia Leon?

Sim, e o senhor quem é? - Silvia quis saber.

Sou eu, abuela. John - disse Alone, abaixando a máscara para que sua avó o reconhecesse.

John? Meu neto! - Silvia disse atônita. Ela avaliava a mudança física do neto ainda sem acreditar que realmente era ele e não um sonho. Se não fosse pela barba, talvez a viúva tivesse reconhecido mais facilmente. - Quase não o reconheci! Agora entre, meu querido! Você pode ter uma doença com a tempestade que está do lado de fora. Chame seus amigos, eles também são bem-vindos.

Assim que todos entraram para o estabelecimento, Silvia fechou a porta e pendurou o cobertor que manteve seu corpo protegido. Alone se sentou em uma mesa esperando por sua avó, enquanto seus subordinados sentaram-se em outra mesa próxima para que os parentes pudessem con­versar com privacidade.

Eles conversaram durante algumas horas, contando tudo o que houve nos últimos anos, antes mesmo dos paladinos aparecerem. Silvia nunca mais viu seu neto depois que a ditadura começou. Os pais e irmãos de Alone iam visitá-los no México quando estavam de férias, mas isso se tor­nou impossível com a ditadura.

Sua voz mudou tanto, John. Nem parece aquele menino hiperativo que me deixava louca - Silvia deu uma risada rouca. — Também percebi que está mais sério, parece que amadureceu muito durante esses anos que não o vejo. Na época, nem barba você tinha.

Realmente eu mudei muito - Alone assentiu e ficou em silêncio por um tempo. - Mas você parece a mesma, ainda continua jovem apesar do tempo.

Silvia gargalhou.

Não me faça elogios se não são verdadeiros, sua abuela já está no fim da vida.

Não acho isso. Comparando com outras mulheres de sua idade, você está bem, falo sério.

Silvia sorriu mais uma vez e depois o silêncio voltou a predomi­nar. A viúva mexia em sua sopa com o talher quando um pensamento a interrompeu.

Como sou rude! Nem ofereci comida a vocês. Desculpe-me, John, sua abuela não tem a mesma "cabeça" de antes - Silvia se levantou cor­rendo até o balcão onde levava à cozinha.

Não se preocupe! - Alone a impediu. - Não estamos com fome. Sente-se, por favor.

A viúva encarou seu neto, preocupada. Quando ele era mais jovem, não dispensava qualquer refeição feita por ela, mas decidiu não discutir, ela apenas sentou-se novamente.

Você precisa saber de uma coisa - Alone encarou sua avó nos olhos, certificando-se de que tinha sua atenção. - Antes de o abuelo morrer, eu me encontrei com ele há três anos. Quando os paladinos estavam aqui e derrotaram o general.

Tem certeza, John? Se Juan tivesse se encontrado com você ele teria me avisado.

Você o conhecia melhor do que eu. Sabe que ele não contaria para não fazê-la sofrer e o que ele viu de mim, não era algo que um avô poderia se orgulhar de um neto.

Silvia ficou confusa e hesitou.

O que quer dizer?

Isso não importa agora, apenas pense que estou em um período difícil de minha vida.

Silvia ficou pensativa, tentando imaginar o que o falecido marido e seu neto estavam escondendo.

Mas eu não vim aqui para isso. Eu vim porque queria ver como estava. Fiquei sabendo do funeral ontem pela noite, então vim o mais rápido que pude.

Alone observou a expressão de sua avó, percebendo o olhar baixo se lembrando dos acontecimentos. Quando Silvia voltou a encará-lo, contou tudo o que havia acontecido desde antes do funeral.

É muito difícil viver assim, meu neto. Eles tiraram seu avô de mim. Se eles não tivessem aparecido - Silvia chorava se lembrando.

Eles quem? - Alone perguntou sem saber dessa versão da história.

Os Paladinos. Eles convenceram Juan a ir lutar contra o exército, mas seu abuelo foi ferido por um ataque do inimigo. Uma espécie de veneno que não poderia ser curado com a medicina atual. Light disse que ele ape­nas conseguiria retardar o processo, mas eu não acredito nele!

Alone ouvia atentamente as palavras da avó, o que o fez levantar-se bruscamente parecendo irritado, mas apenas estava pensativo. O caído caminhou duas vezes de uma ponta a outra da mesa quando concluiu:

Você sabe que fui o responsável pela morte de meus pais e irmãos e mesmo assim você me recebeu em sua casa e ainda me chama de "meu neto". Se você pôde me perdoar, por que não pode perdoar a eles que, assim como eu, não tiveram a intenção de causar tamanho sofrimento?

Silvia ficou calada por um tempo, refletindo sobre as palavras do neto. Os subordinados de Alone também esperavam pela resposta da viúva com expressões curiosas. O caído falara alto o suficiente para que entendessem do que o assunto se tratava.

Talvez esteja certo, meu neto. Porém, não sei mais o que fazer! Depois que Juan faleceu, não sobrou grande coisa, não tenho forças para gerenciar o restaurante. Minhas ajudantes, um dia, terão que seguir suas vidas. Os vizi­nhos, assim como hoje, ficarão em suas casas com suas famílias, e eu apodre­cerei nessa casa sozinha, esperando que alguém se lembre de mim - Silvia deu uma pausa restaurando o fôlego devido ao choro. - Tudo de repente ficou escuro, nada faz sentido, é como se eu acordasse e visse que tudo foi um sonho e que ele tinha chegado ao fim. A morte é uma opção, o que antes era algo ter­rível, virou um caminho para o fim do sofrimento! Desculpe falar essas coisas, você não deve estar entendendo nada, mas eu precisava desabafar!

Não, eu entendo tudo perfeitamente — disse Alone que se apaixonou e ficou de joelhos na altura da avó que estava sentada. - Sabe de uma coisa, todos nessa sala entendem perfeitamente o que você está passando, e todos nós não escolhemos a morte como solução, você sabe por quê?

Silvia fez um gesto de cabeça, indicando que não sabia a resposta.

Por que ela não é uma solução! Se você morrer, Juan, continuará morto e nem após a morte você poderá vê-lo. Meus pais foram executados pelo exército por minha causa, por eu ter salvado as crianças naquele dia. Eu poderia ter ficado louco e ter me matado, mas aí eu pensei, se eu morrer aqueles que executaram meus pais não pagarão pelos seus atos. Agora que não tenho nada a perder, posso fazer tudo o que julgar correto. Todos que estão aqui possuem uma ambição, e eu posso torná-la realidade!

Alone se levantou.

Agora tenho que ir, abuela. Passei para ver como estava, mas preciso partir. Antes de deixar o Canadá, vou visitar o túmulo do abuelo.

Quando se despediu de Silva e foi indo até a porta, seguido por seus subordinados, ela o impediu:

Espere! Deixe-me ir com você! - Silvia implorou, agarrando no braço do neto. - Eu estou sozinha nesta casa, abandonada na escuridão, por favor, me tire deste lugar!

Alone olhou o estado triste de sua avó, imaginando como seria sua vida. Com um leve sorriso, encarou seus seguidores, todos entenderam do que se tratava; assim, fizeram um gesto de aprovação e então Alone retirou sua máscara.

Se é o que deseja - disse Alone entregando o acessório para Silvia. - Porém assim que aceitar esta máscara, devo alertá-la de que o caminho não será muito diferente do agora. Poucos conseguem trilhar o caminho que percorro, não é porque sou seu parente que você terá um tratamento espe­cial. Quando colocar esta máscara será como se estivesse morta, e a partir deste dia, realizará tudo do que se arrependeu uma vez antes de morrer.

Eu não me importo! Ficar aqui não mudará nada!

A viúva, sem se intimidar, agarrou a máscara na mão de Alone e a amarrou em seu rosto. Naquele momento um forte vento passou pela porta, sacudindo as janelas do alojamento.

- Eu e a princesa seguiremos viagem para a Ásia. Vocês podem ir para a África sem nós, e se puderem me fazer um favor, eu quero que ensinem tudo o que sabem para minha avó - explicou Alone para seus subordina­dos, deixando que o sorriso crescesse ainda mais em seu rosto. Quando percebeu que Silvia tinha posto o sombrio acessório, ele a encarou nos olhos vazios. - "Deixai toda a esperança, vós que entrai". Seja bem-vinda, abuela, à Pandora!

 

                                      Capítulo 27

Okaerinasai

Os Paladinos, depois de várias horas de viagem, estavam chegando ao continente do qual foram capturados. O local não lembrava nada de bom, deixando o silêncio e as lembranças tomarem conta do ambiente.

Light era o novo piloto com a ausência do antigo, traidor, que quase custou o fim da organização e da esperança. Apesar das tristes e humilhan­tes cenas que voltavam para assombrar as suas mentes, todos estavam deci­didos a fazer muito diferente nas batalhas, onde o inimigo seria totalmente derrotado. Kyõki havia aprendido algumas noções de pilotar, fazendo Light o escolher como seu copiloto. Como tinha terminado o treinamento da sincronização avançada muito rápido, pôde aprender coisas novas em seu tempo livre, as quais, com certeza, seriam úteis.

Light anunciou ao rádio que estavam chegando ao local, e após alguns minutos, disse para os passageiros colocarem o cinto para ter início a aterrisagem.

True estranhou, ele não via nenhuma pista de pouso pela pequena janela, questionando-se onde Light pousaria. Contrariando sua idéia, a aeronave começou a perder altitude para que pudessem pousar, o que em poucos minutos, todos puderam sentir quando as rodas tocaram o chão e, depois, quando finalmente parou.

Após retirarem o cinto, Esmeralda tomou à frente. Ela também estava curiosa sobre o local onde o avião havia pousado. Assim que a porta se abriu, uma surpresa. Uma pista de pouso tinha surgido no meio do oceano, tão comprida, que eles mal conseguiam avistar seu fim.

- Incrível! Este é mais um de seus projetos? - indagouTrue, maravilhado.

Não, eu tive ajuda de vários outros arquitetos realmente habilidosos. Mas vocês ainda não viram nada, vamos até aquela cabine — disse Light, orgulhoso, apontando para uma cabine com paredes transparentes.

A cabine possuía espaço suficiente para que todos pudessem se loco­mover com folga. Ela possuia alguns assentos na lateral esquerda, suficien­tes para todos, e na lateral direita ficavam os controles que até então nin­guém, além de Light, sabia o que faziam.

Após todos se sentarem, Light ligou o mecanismo e deu alguns coman­dos ao puxar algumas alavancas. Após um leve tremor, paredes feitas por rigorosos metais se elevaram nas laterais da imensa pista de pouso, fazendo com que o local ficasse escuro e a vista para o oceano ficasse impossibilitada. Luzes imediatamente se acenderam, iluminando novamente o recinto.

Depois que a barreira de metal foi totalmente erguida, Light puxou outra alavanca, fazendo a pista de pouso descer metros e metros abaixo do oceano. Todos, com exceção de Light, acompanhavam o trajeto sem saber o que aconteceria em seguida.

A plataforma parou e começou um novo percurso a comando de Light, o qual seguia para a lateral. Depois de alguns quilômetros percorrendo nessa direção, pararam mais uma vez e, após outro comando de Light, a plataforma começou a subir, mas não demorou muito quando pararam definitivamente.

Muito bem, chegamos ao nosso destino — proclamou Light, dando o último comando para que as barreiras abaixassem e a porta que mantinha a cabine fechada fosse aberta.

O líder rebelde guiou todos até a entrada da base quando foram recepcionados.

Okaerinasai[2], Light-san! - disse um japonês cumprimentando Light, abaixando a cabeça junto ao tronco.

Tadaima[3] - respondeu Light cumprimentando o japonês da mesma forma.

True e Esmeralda ficaram perdidos, mas vendo Light e Kyõki reali­zando o cumprimento, fizeram o mesmo.

Quero que conheçam Kenichi Nishi, ele é responsável por adminis­trar a base enquanto eu estiver fora, além disso, ele foi um dos arquitetos que me ajudou a projetar aquela pista de pouso - disse Light, feliz por ter um ajudante tão habilidoso.

Incrível, Kenichi-san! Você deve ser muito inteligente e criativo - Esmeralda elogiou. Ela não sabia muitas coisas sobre a língua e costu­mes japoneses, mas sabia que sempre tinha que acrescentar o sufixo "san" quando fosse se dirigir a alguém.

Fico muito feliz pelos elogios, mas eu também tive muita ajuda no projeto. Os senhores e a senhorita não se preocupem, podem me chamar pelo primeiro nome.

Nishi era um japonês muito bem-educado. Um excelente arquiteto e administrador. Era paciente assim como Light. Um homem de estatura média, idade cerca de 30 a 40 anos, o peso um pouco acima da média, cabelo curto quase raspado, usava óculos e quase sempre estava com um sorriso no rosto. Light tinha orgulho de tê-lo em seu time na base, o que mais chamou sua atenção foi por Nishi ser um homem esforçado e que sempre pensa no bem-estar das pessoas, apesar de sua alma ainda não ter uma forma definida.

Esse é meu amigo Nishi, sempre modesto - Light o abraçou. - Se precisarem de qualquer ajuda na base, é só procurá-lo. Agora quero que conheçam meus alunos e nossos guerreiros, e guerreira — acrescentou.

Light apresentou cada um informando um pouco de sua história e habilidades. Nishi, assim que conheceu Kyõki, ficou feliz em saber que um japonês também estava incluído como um paladino, ajudando a libertar o mundo da ditadura.

Assim que foram devidamente apresentados, todos entraram pela porta que ligava a base. O que lembrava muito a do continente americano, possuindo apenas a diferença do meio de transporte. Em vez do pequeno vagão de metrô, estava a pista de pouso onde era guardado o avião que fizera a viagem.

A base era imensa e, apesar da semelhança do lado de fora, o interior era bem diferente das outras do continente americano. Como estavam no Japão, toda a base seguiu sua arquitetura, costumes e decorações.

Quando todos conheceram seus respectivos quartos, perceberam melhor a diferença. A porta era de correr e a cama mais baixa do que a de costume, possuindo apenas uma pequena elevação de madeira para que não se encostasse ao chão. Outro móvel bastante incomum que eles perce­beram era o kotatsu[4], um móvel bastante comum no Japão, especialmente no inverno ou em regiões frias.

Cansados da viagem e curiosos com a diferença de ambiente, os paladi­nos resolveram que tirariam o dia para conhecer a base e descansarem. E na manhã seguinte, haveria uma reunião para debater os detalhes da invasão. Com todos concordando, dividiam-se para conhecer melhor cada lugar.

True foi imediatamente conhecer a culinária, algo que tinha curio­sidade desde pequeno. No primeiro momento, o jovem não apreciou a comida, sentindo a diferença no paladar entre uma região e outra. A alga contida em alguns alimentos como o sushi e a temaki não foi muito bem aprovada de início. O cozinheiro japonês riu com a expressão do jovem e comentou que a maioria estranhava o gosto na primeira vez que provava, principalmente, aqueles que vinham do mundo ocidental.

Light, depois de fazer um ronda pela base e cumprimentar a todos os seus ajudantes, acompanhou seu aluno nas refeições, pedindo o sakê para que brindassem a volta ao continente. True quis provar a bebida, e depois de várias experiências, o sakê parecia agradá-lo.

Esmeralda passou o dia provando roupas do país, ela observava algu­mas mulheres que andavam pela base e se encantou com o kimono, esco­lhendo o kimono yukata como seu predileto. Uma japonesa, percebendo a curiosidade da moça, ajudou-a com as roupas e mostrou algumas maquia­gens da região, como as das gueixas.

Enquanto todos se divertiam com a nova cultura, Kyõki, o mais familiarizado com o local, foi até o segundo andar, local onde se encon­trava um pequeno local de orações. O ambiente era dividido em duas pequenas salas; uma continha uma estátua de Buda, representando o budismo; e na outra era para seguidores do Xintoísmo, a qual possuía um pequeno altar elevado, chamado de Kamidana, consagrado aos deu­ses para que fossem postas as oferendas e recitasse as orações. Kyõki, como era budista, se dirigiu até a estátua de Buda e acendeu alguns incensos e fez suas preces.

O resto do dia foi usado para dormir e acostumar-se com o fuso horário. Após conhecer muito sobre a cultura oriental, precisavam de um tempo para absorver tanta informação. Nishi ficou feliz em contar sobre seu país e conversar com Kyõki quando se encontraram perto do local de orações. Nishi era xintoísta e também estava fazendo suas preces para que tudo desse certo para os paladinos.

No dia seguinte, após o almoço, todos se reuniram em uma sala criada especialmente para debater estratégias e decisões importantes para a restau­ração do mundo. A sala, como nas outras bases, se localizava no piso mais elevado.

Assim como toda a base, o salão de reuniões era diferente dos que tinham visto, em vez de várias cadeiras, eram pequenas e confortáveis almofadas que foram postas lado a lado no chão. A mesa possuía a mesma largura, mas sua altura era bem menor. Light sentou na ponta, como de costume, Nishi também estava presente na reunião e se sentou à direita do líder. True ficou à sua esquerda, em seguida Esmeralda e por último Kyõki, sempre mais afastado.

Agora que todos estão aqui, vamos começar - proclamou Light.

As portas sempre estavam fechadas, não para esconder informações dos outros que trabalhavam no local, mas para manter o silêncio e a concentração.

Eu compreendo que vocês ainda não devem ter se acostumado com o fuso horário. Então, antes de começarmos a invasão, quero que fiquem, no mínimo, mais cinco dias restaurando suas energias para a batalha, porém haverá horas de treinamento para que não percam o ritmo. Quanto a isso alguém tem alguma objeção? - Light indagou.

Concordo com um período de descanso, mas cinco dias? Não acha que é muito? - True opinou.

Desculpe, mas tenho que discordar do True-san. Acho que Light-san tomou uma sábia decisão. Eu iria propor esse período se não tivesse dito. Principalmente porque a diferença é enorme, doze horas entre um local e outro — explicou Nishi, e Light ficou feliz que sua filosofia estava certa.

Então quanto ao período, alguém mais tem alguma coisa a dizer?

Todos permaneceram em silêncio. Nishi parecia ter experiência e como apoiava Light, não havia motivos para duvidar da palavra dos dois.

Muito bem, continuando. Nishi-#m deixou à nossa disposição dois carros que poderemos usar para chegar ao antigo templo onde pro­vavelmente estará o general Genkaku Akuma. Usaremos dois veículos, pois caso precisemos nos separar para distrair algum inimigo, não será possível utilizando apenas um; além disso, o veículo que iremos usar só possui bancos dianteiros. Quanto ao general, como todos sabem, ele pos­sui habilidades perigosas, às quais ainda não possuo uma solução eficaz contra elas...

Quanto a isso... - Kyõki interveio. - Eu irei enfrentá-lo, na verdade, sou o único que pode vencê-lo.

Kyõki encarou Light com olhar sério e decidido, como de costume.

Agora eu me lembro! — Nishi interrompeu. - Você é o filho do gene­ral! Eu sabia que conhecia seu nome de algum lugar, Genkaku Kyõki.

Houve alguns segundos de silêncio e então Light recuperou a palavra:

Você tem certeza de que quer fazer isso? Ele é o seu pai. Pode cuidar disso sem que haja nenhum arrependimento? Nós somos mais que uma organização, somos como uma família, não precisa fazer isso sozinho.

True queria impedi-lo, mas como tinha ocorrido no último debate sobre o assunto, era dever de Kyõki decidir.

Sim, podem confiar — Kyõki afirmou com o mesmo olhar. - Sou o único entre nós que pode derrotá-lo.

Light pensava se estava fazendo a coisa certa ou estava tomando o mesmo erro que ocorreu com Alone, deixando seu antigo amigo enfrentar sozinho um general.

Então está decidido. No primeiro carro, irei eu e Kyõki. True e Esmeralda irão nos seguir e garantir que nossa retaguarda não seja alvo. Quando chegarmos ao quartel general, cuidaremos de abrir caminho até o Akuma e então Kyõki o enfrentará. Alguma pergunta?

True novamente queria impedir a loucura que Kyõki estava para come­ter, mas não interferiu. Light percebia que True estava incomodado com o assunto, mas também não podia fazer nada.

Não deveria ir algum de nós para dar suporte ao Kyõki? Temos que dar a chance ao general de se tornar um puro novamente - perguntou Esmeralda, e aquela foi uma ótima chance de True se envolver, mas antes que ele pudesse dizer algo, Kyõki o impediu.

Não há necessidade. Meu pai se perdeu há muito tempo nesse cami­nho e não existe chance de que ele possa voltar a ser um puro. Eu o conheço melhor que vocês, se hesitarem por um segundo, serão pegos em uma ilu­são e será o fim.

Se esta é sua decisão, não podemos contrariá-la, mas esteja ciente das conseqüências - disse Light, triste por não poder impedir a decisão de Kyõki. - Antes de terminarmos, os últimos detalhes. Não subestimem os atuais soldados, eles estão muito mais selvagens e poderosos, vimos isso quando impedimos os ataques na América. Quanto ao horário da ope­ração, daremos início quando o sol começar a se pôr, nessa hora haverá poucos civis nas ruas, diminuindo os riscos de algum se envolver. Isso é tudo, daqui a cinco dias daremos início à libertação do continente asiático!

 

Passado o período de cinco dias determinado por Light para que todos restaurassem seus corpos, preparando-os para a batalha contra os generais, as roupas especiais foram entregues para cada membro.

A roupa de True era semelhante à antiga, a regata branca e a calça preta. Porém, foi adicionado um sobretudo, sem mangas de gola que elevada até a altura da ponta do nariz, tinha uma característica bastante diferente, podendo ser fechado de várias maneiras. Pensando como se fossem botões, havia pequenos prendedores de metal que se encaixavam, podendo pren­der somente na altura do peito até a cintura, facilitando a movimentação das pernas e garantindo a proteção da parte superior do corpo. Também poderia fechá-lo totalmente, escondendo metade do rosto até um pouco acima dos joelhos. Dividido em duas cores, preta na esquerda e branca na direita, possuía uma linha branca que contornava a extremidade esquerda e uma linha preta que contornava a direita, no centro, as duas linhas se encontravam formando do topo das costas, logo abaixo dos ombros, o sím­bolo do yin-yang. Por dentro, uma regata de algodão branca e a calça com­prida preta reforçavam a defesa. True continuava optando por seu coturno como calçado, o qual lhe dava maior proteção.

Esmeralda ganhou um uniforme à sua escolha, pois quando ativasse sua alma, materializaria sua armadura. Então escolheu um vestido oriental que lhe era confortável e havia gostado.

Kyõki adotou um kimono que samurais usavam. Foi feito em home­nagem ao seu país natal. O paladino, apesar de não demostrar nenhuma expressão animadora, disse que gostou do uniforme e logo o colocou. Nishi ajudou na fabricação da roupa, ajudando o paladino preferido para que fizesse uma boa luta, mesmo contra seu pai.

Light escolheu roupas sociais: camisa de mangas compridas branca, calça e sapato pretos. Apesar de pouca proteção, ele não precisava tanto quantos os outros que não podiam criar barreiras assim como ele.

Apesar de, aparentemente, as roupas serem comuns. Todas eram feitas pelo mesmo material usado nas fardas do exército, que suportavam certa quantidade de danos provocados por propriedades das almas.

Assim que todos estavam prontos, foram para o último andar da base onde esperavam por eles duas Mercedes SLK, nas quais se dividiram para os respectivos carros e duplas. Nishi e os outros ajudantes que trabalhavam na base desejaram boa sorte e disseram para darem o melhor de si nas bata­lhas. Os jovens agradeceram, assim como Light, e então partiram.

Outro elevador levou os carros até a superfície, onde saiam de um galpão abandonado.

A dupla de Kyõki e Light seguiu à dianteira. Kyõki dirigia o carro para que Light pudesse estar com as mãos livres; assim, poderia usar suas habilidades no caso de algum ataque. Na outra dupla, Esmeralda estava na direção enquanto True seria encarregado da proteção do veículo.

Assim que partiram em direção à pista, notaram que não havia outros veículos circulando e nenhum civil pelas ruas. A medida que avançavam, começaram a estranhar a total ausência dos civis e soldados. Apesar do horário, poucos minutos antes do toque de recolher, soldados deveriam estar patrulhando o local, porém não havia ninguém, apenas eles circula­vam pelas vias, aparentando serem os únicos da província.

Light, não estou gostando nada deste silêncio, algo está errado! - True anunciou ao rádio que, embutido nas roupas, fazia a comunicação entre eles.

Tem toda razão. Fiquem atentos! — Light respondeu.

Ambos os veículos diminuíram a velocidade e seguiram sua trajetória, atentos a qualquer ataque. Ainda faltavam alguns quilômetros até o antigo templo onde estava o general. Até o local eles temiam que houvesse alguma armadilha, como ocorreu há três anos.

True e Light olhavam o local abandonado. Tóquio sempre foi muito movimentada mesmo após a ditadura. Onde estariam os milhões de pessoas que habitavam a província? - Os paladinos tentavam imaginar.

Depois de avançar alguns quilômetros, Light e True voltaram aos seus assentos, já que não havia necessidade de proteção. True apoiou o braço na janela e ficou pensativo. Esmeralda, na direção, encarou rapidamente seu parceiro percebendo sua expressão.

No que está pensando? — indagou Esmeralda, querendo romper o silêncio que a deixava mais ansiosa.

Em tudo - respondeu. - Onde estão os civis, o motivo deles não estarem aqui, a batalha de daqui a poucos instantes contra os generais, essas coisas...

Esmeralda encarou True novamente e perguntou hesitante:

Posso te fazer uma pergunta?

Quantas quiser - disse.

O que vai fazer quando encontrar Pandinus? Você sabe... Ele é o verdadeiro culpado pela morte de Juan. Eu sei que não o veremos tão cedo, mas ele será o próximo general que enfrentaremos.

True fechou os olhos e ficou um tempo pensativo, depois de alguns segundos reabriu os olhos, encarando os edifícios.

Eu não sei. Pensei muito durante esses anos, mas ainda não achei a resposta. E como você disse, não o veremos tão cedo.

Esmeralda voltou seu olhar para a direção e continuou a conversa:

Também não sei o que fazer. Sei que temos que dar uma chance a ele, mas ele matou Juan! Um homem que não fazia mal nem a seus inimigos; na verdade, duvido que ele tivesse algum.

Eu também tive culpa, Esmeralda. Se não fosse por minha atitude, o general não teria feito o que fez.

Se pensar desta forma, todos temos culpa. Light pela insistência, eu por fazer você me proteger, e você por ter se exaltado. Em minha opinião, não foi nossa culpa, o general escolheu feri-lo!

Eu sei, mas...

Então usará o Solstício nele? - Esmeralda o encarou.

True ia responder quando escutou um zumbido, mas o som estava dis­tante. Quando se concentrou melhor, o som lembrava o ruído de motores.

Não!

-Não?

Não é isso! Escute!

Esmeralda se concentrou e pôde notar o mesmo barulho. True enca­rou Light, percebendo que o tutor também havia percebido. Em um gesto de concordância, os dois se preparavam.

Eles já haviam percorrido metade do percurso e no momento em que passaram por um cruzamento, um Jipe Marruá e duas motos Ninja vinham de cada lado lateral da encruzilhada, totalizando dois jipes e quatro motos.

Como estavam atentos, Kyõki acelerou rapidamente seguido por Esmeralda. Eles conseguiram criar uma distância pequena, mas segura.

Os perseguidores se uniram, dando passagem aos jipes, para que estes alcançassem os fugitivos. Assim que todos iam por uma mesma rodovia, os soldados que estavam de carona nos veículos iniciaram os disparos contra os paladinos.

Kyõki e Esmeralda não podiam dirigir em linha reta, pois seriam atin­gidos pelos tiros. Eles ficavam alternando em direita e esquerda para difi­cultar a mira dos atiradores.

Se continuarmos assim será uma questão de tempo até eles nos acer­tem - True alertou ao rádio.

-Tem toda razão. E agora que o treinamento com armas de fogo trará bene­fícios — disse Light. - Atrás dos bancos estão guardadas metralhadoras MP5. Tem munição suficiente no porta-luvas e debaixo dos bancos para derrubá-los.

Onde Light arruma essas coisas - pensou True, virando para pegar as metralhadoras e carregá-las.

Tudo pronto, Light.

Muito bem. Vamos focar nos jipes primeiro, eu acerto o da esquerda e você pega o da direita.

Entendido.

Esmeralda estava nervosa com aquilo. Não sabia se mantinha os olhos na direção que Kyõki seguia ou cuidava para que True não fosse atingido.

Esmeralda, mantenha sua concentração no volante. Isso só vai dar certo se todos fizerem seu papel e confiarem uns nos outros - disse Light, percebendo a ansiedade da garota.

True começou atirando, mas não teve muito sucesso com os primei­ros disparos. Mesmo depois do treinamento, ainda não estava acostumado com a mira e o modo como a arma pulava ao disparar.

Mire mais embaixo, True.

O garoto disparou mais alguns tiros. A precisão estava melhor, mas o soldado desviou de todos. True imaginou que aquilo seria alguma habili­dade da alma do soldado; então, pensando desse modo, o garoto mirou os pneus e os acertou.

Quando as balas perfuraram a grossa camada de borracha, o moto­rista perdeu o controle do veículo, fazendo o jipe acertar os soldados que estavam na moto à direita. O carro capotou quase acertando uma segunda moto que desviou.

Ótimo tiro, garoto!

True ficou bastante contente de sua idéia ter dado certo. A empolgação foi tanta que ele se virou para agradecer a Light. Uma atitude perigosa, pois poderia ser atingido a qualquer momento nas costas.

O soldado que estava no segundo jipe mirou o garoto, mas Light per­cebeu e rapidamente descarregou vários tiros no soldado, o qual foi morto por um projétil que acertou sua cabeça e dois que atingiram o tronco. Ele, aproveitando a chance, acertou o motorista, fazendo o veículo desgover­nado capotar.

Desculpe, Light - disse True envergonhado.

Apenas não faça isso de novo.

Agora só restavam três motos para serem abatidas.

Kyõki e Esmeralda estavam se dirigindo para um túnel, do qual eles não se lembravam de sua existência.

Eu não me lembro desse túnel - Kyõki alertou. - Acho que estamos indo na direção errada.

Pouco provável, já estou vendo a torre de Tóquio - Light apontou. - O antigo templo é vizinho da torre, estamos perto.

Kyõki, sem querer questionar seu líder, acelerou e seguiu em direção ao túnel. Esmeralda o seguiu e aumentou sua velocidade.

Umas das motos que os perseguiam avançou passando por eles, ficando à frente do carro onde estavam Kyõki e Light.

Agora eles teriam que proteger sua vanguarda e retaguarda. Light não quis que aquela situação se prolongasse, então, assim que o carro de True e Esmeralda entrou no túnel, ele criou uma barreira, inclinada aproximada­mente sessenta e cinco graus, que funcionou como uma rampa, fazendo as motos serem arremessadas para cima da entrada do túnel. Com o impacto, elas explodiram, restando apenas a da frente.

Light, posso destruí-la rapidamente com meus espinhos - Kyõki sugeriu.

Não! Guarde o máximo de energia para a batalha contra Akuma. Você vai precisar, Kyõki, não subestime o título de seu pai.

Kyõki não insistiu, apenas manteve a aparência séria e se concentrou no inimigo à sua frente.

A moto, que tomava à dianteira, avançou mais um pouco, aumentando a distância entre eles. Assim que calculou a distância adequada, começou a arremessar pequenas esferas que explodiam depois de alguns segundos.

Explosivos! - gritou Light para que todos ficassem atentos, princi­palmente para a dupla que o seguia.

Assim como fizeram para desviar dos tiros, tiveram que seguir des­viando dos pequenos explosivos que eram arremessados. Mas agora era bem mais complicado.

As explosões atingiam uma área maior, além de qualquer acerto signi­ficar o fim para eles. Mesmo aqueles que não o acertavam, davam proble­mas. Os explosivos que acertavam o chão criavam buracos, além de arre­messar pedaços da via que voavam com a explosão. Os que explodiam no ar faziam os motoristas perderem o controle da direção por alguns segun­dos. Os tiros dependiam da mira, mas, naquele caso, o soldado apenas arremessava os explosivos aleatoriamente.

A seqüência de explosões não podia continuar, de algum modo, eles teriam que acabar com aquela situação de descontrole.

Light tentou uma idéia, pediu que Kyõki acelerasse e esperou que o soldado arremessasse outro explosivo.

Quando enfim Light viu o movimento do braço do soldado arremes­sando um explosível no ar, rapidamente mirou e atirou com a metralha­dora. Quando o projétil atingiu seu destino, criou-se uma explosão sufi­ciente para que o soldado perdesse o controle da moto e fosse arremessado alguns metros à frente.

O soldado ferido levantou-se cambaleando, apanhou um explosivo e com um último esforço acertou a parte de cima do túnel. O teto cedeu caindo sobre ele, terminando de matá-lo e fechando a passagem para os paladinos.

Essa não! Alguém tem alguma idéia? — disse Esmeralda, preocupada.

Light analisou a situação e deu a ordem:

Esmeralda, acelere e fique o mais próximo de nós. True, volte para dentro e se segure. Kyõki, acelere mais um pouco e depois mantenha a velocidade. Não se preocupem, vai dar tudo certo!

Assim como foram ordenados, todos se prepararam. Light abriu a porta do veículo e por um instante todos arregalaram os olhos, tentando imaginar o que o tutor faria. Concentrado, Light pulou para fora do veí­culo e ativou sua alma. Antes que fosse jogado contra a parede do túnel ou contra o pavimento, Light brandiu suas asas e voou até o carro onde estava, para que pousasse no para-brisa. Fechou os olhos e respirou fundo, ergueu as mãos para frente e começou a recitar alguma prece, criando uma barreira com o formato de uma pirâmide, com a ponta virada para os escombros. Faltando poucos metros, Light fortaleceu um pouco mais a barreira e todos se seguraram quando, enfim, veio o impacto.

Devido à forma da barreira, a força que foi aplicada no muro de pedras, que bloqueava a saída do túnel, foi concentrada em um único ponto, quebrando-a e os libertando do túnel.

Light voltou para seu assento e desativou sua alma para que não gastasse mais energia antes do grande combate. Assim que os motoristas retomaram o controle dos veículos devido ao terreno irregular, come­moraram pelo rádio, felizes por todos estarem bem, pelo menos, até o momento.

Quando eles se acalmaram, Kyõki disse que já estavam chegando ao local. Aos poucos, as más lembranças reconheciam o percurso por onde foram levados quando capturados. De onde estavam, podiam ver a torre de Tóquio, antigo ponto turístico.

Em poucos minutos, finalmente chegaram à rua que dava acesso ao quartel general. Assim que Kyõki e Esmeralda estacionaram os veículos ao lado da entrada, todos desembarcaram. Os paladinos olharam em volta, como se Tóquio tivesse sido desabitada.

Não abaixem a guarda, a qualquer momento podemos ter outro contato com o inimigo - disse Light enquanto distribuía as armas carrega­das. - A propósito, terei que levar sua arma e munição comigo, Kyõki. Usei energia que não queria ter gasto; então, tenho que acumular o máximo caso precisemos.

Não tem problema. Posso atirar meus espinhos caso precise.

Obrigado. Agora vamos entrar.

Light ia à frente seguido por Kyõki e True. Esmeralda ia por último, cuidando da retaguarda.

Enquanto davam os primeiros passos entrando no quartel gene­ral, Kyõki olhava atentamente relembrando o local. Há vários anos ele havia freqüentado o templo, despertando assim, sua alma. Notou que no lugar das pequenas barracas comerciais, estavam grandes tendas que ser­viam como dormitório para os soldados. Light, quando avistou as tendas, fechou a mão e a ergueu, indicando para que parassem. Despois fez outros gestos para que se dividissem e certificassem que as tendas estavam vazias.

Light e True foram para a esquerda enquanto Kyõki e Esmeralda ave­riguavam as da direita.

Tomando todas as precauções, viram que todas estavam vazias e não havia nenhum sinal do inimigo. Light pediu para que todos voltassem para a formação em fila e continuassem penetrando no quartel.

Diferente do que Kyõki percebeu logo na entrada, o restante do quar­tel general não parecia ter sofrido alterações. Parecia que o templo Zojoji continuava intocável, as estátuas, os cata-ventos, o templo de orações, tudo parecia o mesmo de oito anos antes.

Quando penetraram o máximo que puderam no local, Light relaxou e se virou para os outros paladinos.

Não há ninguém. Algo está muito estranho.

Kyõki olhava o local desconfiado, perguntando-se o motivo de seu pai não ter feito modificações.

Vamos voltar aos veículos, lá pensaremos em algo - Light deu meia-volta e quando ia seguindo o percurso até a entrada foi surpreendido por uma voz conhecia.

Aonde pensam que vão? - Era a voz do general da Ásia, Akuma Genkaku, que ecoou de todos os lados, impossibilitando saber sua origem.

Os paladinos procuraram por toda parte, quando Esmeralda os avisou:

Olhem! No céu!

Seguindo a indicação da jovem, todos avistaram a figura parada no ar. O general estava sentado, vestido com um elegante terno acompanhado de seus óculos de lentes lilás.

Como isso é possível? Ele nem possui asas como você, Light. Na verdade, ele está parado a vários metros do chão - disse True boquiaberto.

Simplesmente porque não é ele. É uma ilusão - explicou Kyõki.

Não sabem quanto tempo esperei por vocês. Desculpem pelo con­tratempo, mas precisava terminar de preparar a surpresa para os nobres paladinos — disse o general com um sorriso suspeito.

O que quer dizer, Akuma? Que aqueles soldados nos veículos eram apenas uma distração? - Light interveio.

Exatamente, eu não esperava menos do líder rebelde. Apenas uma pequena correção, eles não eram reais, eram ilusões para que me dessem tempo.

Ilusões? Quase morremos naquele...

Túnel? Também foi criado por mim!

Tudo estava claro na mente de Kyõki, ele desconhecia aquela rota e deveria ter descoberto que era uma ilusão.

Sinto muito, Light. Eu devia ter percebido.

Light fez um gesto indicando que estava tudo bem, agora precisava se preocupar com o que aconteceria daquele momento em diante.

Você disse que precisava de tempo. Tempo para quê?

O general deu um longo sorriso, como se esperasse por aquele momento há anos.

Para isso!

Akuma estalou os dedos, e um forte nevoeiro surgiu pelo templo, difi­cultando a visão.

Fiquem juntos! - Light ordenou, e todos ficaram de costas um para o outro, impedindo que qualquer ângulo estivesse exposto.

Quando a névoa ia se assentando. Os paladinos puderam ver a grande armadilha em que haviam caído. Em todo o local, sobre os muros, nos andares superiores, nos telhados, nos recintos, em todos os locais, estavam soldados armados de acordo com suas necessidades com todos os tipos de expressões. Alguns sorridentes, outros concentrados, outros ansiosos, porém todos atentos a qualquer movimento dos rebeldes.

O coração de Light estava acelerado, o suor frio percorria seu corpo e a responsabilidade dominava sua mente. Ele, o líder, deveria ter previsto a estratégia do inimigo, mas não estava lá para pensar no que havia acontecido, e sim pensar no que deverá ser feito. Uma guerra intensa estava prestes a ser travada.

Atirem! — Light deu a ordem.

Os paladinos obedeceram e imediatamente iniciaram a rajada de pro­jéteis contra os inimigos. Eles atiravam sem parar, sem se importar com a perda de munição. Quando pararam, não conseguiam enxergar seus inimi­gos graças à cortina de poeira que se ergueu.

Quando a poeira abaixou, notaram que nenhum de seus disparos havia surtido efeito. Haviam soldados com almas especializadas na defesa, alguns haviam realizado com escudos materializados, outros por uma espé­cie de concha que os protegeu dos disparos, outros por barreiras criadas pelo manuseio do solo, e vários outros métodos.

O general gargalhou com a tentativa.

Não acham que dominaríamos o mundo se não fossemos capazes de resistir a simples disparos, acham?

Akuma continuou com sua risada quando se lembrou de outra infor­mação nada agradável para os rebeldes:

Quase ia me esquecendo! Os civis estão misturados junto dos solda­dos, então tomem cuidado para não matá-los - o general não se conteve dando um sorriso. - E então? O que acharam da surpresa de boas-vindas que preparei para os senhores?

Isso não é bom! Todos estão com o uniforme, não tem como diferen­ciá-los. Além disso, estão usando capacetes, desse jeito não posso ver suas almas - disse True.

Achando que a situação não poderia piorar, quatro pessoas atravessa­ram a multidão alcançando a visão dos paladinos.

Olhe só como você cresceu, garoto cabeça-quente.

True reconheceu a voz no momento em que a ouviu. Ele, seguindo o som, encarou o homem no telhado do prédio principal. Pandinus Imperator, estava lá, com um enorme sorriso no rosto usando a mesma armadura de cobre, o capacete e o sobretudo que usava na última vez que se viram.

Pandinus também! - disse True em sua mente, preocupado com a situ­ação. E o seu pensamento era mútuo entre os rebeldes.

As outras três figuras estavam no telhado abaixo ao de Pandinus. Três caçadores de elite que Esmeralda reconheceu pelos anéis que usavam. Eram duas mulheres, uma equipada com uma lança e a outra com duas espadas, e um homem, equipado com um machado de duas lâminas; todos aparen­temente do setor da África.

Viemos levar a traidora, Esmeralda Elizabeth, para ser sentenciada perante o ditador - eles disseram em coro.

Se não bastasse as centenas de soldados que teriam que enfrentar, caçado­res de elite e mais um general se juntaram para esmagar de vez os paladinos.

Light, todos estão idênticos, não tenho como diferenciá-los dos civis. Acredito que também existam alguns caçadores entre os soldados. Os uniformes...

"Os uniformes", seguindo seu significado, algo uniforme, que tem a mesma forma, idêntico. Poupe seu tempo, paladino. Cuidei para que não os diferenciassem dos demais soldados. Também dei a ordem de atacá-los, senão seria muito óbvio, não concorda? A propósito, não entendo as suas roupas, parece um desfile de moda! Além do símbolo no peito, eles não têm nada em comum, querem que eu repita o significado de uniforme? - Akuma zombava.

Não aceitem as provocações. Precisamos manter a calma - disse Kyõki.

Light, por algum motivo, sorriu. Kyõki percebeu o sorriso e se per­guntou se ele teria enlouquecido ou achara uma saída para toda aquela situação.

Creio que você já tenha descoberto onde o general está, não estou certo, Kyõki? - indagou Light convencido da resposta.

Sim, acredito que ele esteja no observatório da torre de Tóquio. Posso estar me equivocado, mas creio que descobri sua técnica.

True e Esmeralda arregalaram os olhos surpresos com a agilidade da mente do companheiro. Mal tinham percebido que durante todo aquele episódio, o amigo procurava pela localização de seu pai.

Muito bem, já tenho as ordens... — Light deu uma pausa e então, com uma aparência séria, gritou as ordens para que não houvesse dúvida. - Kyõki, vá atrás de Akuma Genkaku e derrote-o! True, deixarei Pandinus em suas mãos! Eu e Esmeralda nos encarregaremos dos soldados e dos caçadores de elite!

True, apesar de surpreso, sabia que Light não tinha a intenção de se sacrificar. Se essas eram as ordens de Light, era porque ele tinha pensado bastante sobre o assunto e descobriu que este seria o melhor caminho.

Entendido! — Os três alunos gritaram em uníssono. Durante o trei­namento, Light também ensinou a eles que não seria apenas um amigo no campo de batalha, ele seria um comandante e suas ordens deveriam ser obedecidas.

Kyõki agarrou o aparelho de som e arrumou os fones para que ficas­sem bem presos, colocou na música que desejava e aumentou o volume no máximo. Ele, em um rápido movimento, criou uma enorme estaca que se estendia até a torre.

Está pronto, True? — indagou Esmeralda.

Vamos mostrar o que fizemos desde que nos vimos! - True se alegrou finalmente por mostrar o resultado do treinamento.

Esmeralda ativou sua alma e uma armadura azul com detalhes dou­rados revestiu seu corpo. Sua cabeça não estava descoberta, estava prote­gida por um elmo da mesma coloração que a armadura, possuindo peque­nas penas brancas enfeitando as laterais do elmo. Um par de asas surgiu em suas costas semelhantes às de Light. No lugar da alabarda que usava, surgiram duas espadas longas, ambas de dois gumes, porém uma possuía lâmina irregular sendo estreita no meio e um pouco mais larga na ponta, com detalhes semelhantes ao bronze; a outra possuía os detalhes de cor grená, cerras que contornavam toda a espada até a ponta onde era a única parte que a lâmina era lisa. A proteção de empunhadura das duas espadas era semelhante à cabeça de um lobo que abocanhava o início da lâmina. Correntes presas ao pomo das espadas estavam ligadas às pulseiras de ferro em cada braço. Além das espadas, uma pequena bolsa de couro foi mate­rializada onde continha pequenas sementes.

Na vez de True, ele se afastou dando alguns passos para frente. Conto com você, Taiji! — disse à sua alma e quando sincronizou com ela, uma esfera de vento se formou, cobrindo seu corpo durante a transformação. Um par de asas, uma preta e outra branca, surgiram para fora da esfera e alçou vôo em direção à Pandinus. Assim que True saiu de dentro da esfera, todos puderam ver o ser misterioso que surgira. O cabelo continu­ava o mesmo, com a fina mecha chegando até a cintura. As propriedades dos braços estavam mais fortes que nunca, o braço direito coberto pelas chamas, enquanto o braço esquerdo estava revestido por gelo com pon­tas muito afiadas em todos os dedos, criando uma garra resistente como diamante.

Pandinus viu aquele ser se aproximando rapidamente sem saber ao certo se ainda era o garoto que tinha visto há três anos. Deu um longo salto para trás, criando um espaço entre ele e True, o qual chegara ao local.

Kyõki seguia seu percurso em direção ao observatório, de onde já podia ver seu pai sentado em um banco utilizando binóculos.

- Então você realmente veio, meu filho - disse Akuma para ninguém em especial, abaixando os binóculos e mostrando os olhos nus.

Não demorou muito quando o paladino alcançou o local e rompeu uma janela para que entrasse. Estudou o oponente ainda sentado a obser­var com um estranho sorriso. Ao que parecia, eles estavam a sós. Assim Kyõki poderia se dedicar ao seu único, mas não subestimado, oponente.

Okaerinasai, Kyõki - brincou o general dando as boas-vindas.

Tadaima - respondeu o garoto com um olhar frio.

 

                                           Capítulo 28

Acerto de contas

True não esperava rever o inimigo naquele continente, para ele, aquela batalha havia sido adiada até que cuidassem do general da Ásia. No entanto, de alguma forma, Pandinus soube da chegada dos paladinos ao continente.

Apesar do inesperado encontro, o paladino estava animado vendo o inimigo frente a frente, o qual causara tanto sofrimento a Juan e sua esposa. Um inimigo que, apesar da reação de recuo, abria o sorriso como se estivesse alegre por revê-lo.

Saiam todos imediatamente! Eu cuido desse paladino! Quanto a vocês, acabem com os outros dois no pátio! - O general deu a ordem aos subordinados que sem questionar saíram do telhado indo ao encontro de Light e Esmeralda.

Pandinus voltou sua atenção ao jovem que o encarava.

Está com medo? - True indagou avaliando o comportamento do general por ter recuado. Aproveitando para notar o estranho capacete sem viseira, o qual impedia totalmente a visão do general, fazendo o jovem imaginar como o oponente sabia de sua localização.

Pandinus soltou uma gargalhada rouca e apontou em direção ao seu inimigo.

Iriam fazer a mesma pergunta para você, garoto cabeça-quente.

True sabia o motivo do apelido. Na última vez em que esteve no con­tinente, ele se irritou com as palavras do general da Ásia, agindo como uma criança sem medir as conseqüências, e, infelizmente, isso custou a vida de Juan.

Garoto - chamou Pandinus, interrompendo as lembranças de True. - Você poderia desmanchar esse seu olhar patético?

True estreitou os olhos, tentando entender o comportamento de seu oponente.

Escute, Pandinus, general do continente africano — True começou enquanto esticava a mão direita materializando a foice negra: Flagelo das Almas. - Neste momento, estou me segurando para ocultar meus senti­mentos, ignorando o que você nos fez passar na última vez que cruzamos o mesmo caminho. Então eu lhe pergunto: o general realmente deseja que eu mude meu olhar?

True havia adquirido uma habilidade que poucos obtinham: o auto-controle. Em uma batalha como aquela, qualquer um no lugar de True descarregaria todo o ressentimento pelo general, mas ele procurava se man­ter calmo; afinal, um dos objetivos da Ordem dos Paladinos era dar uma segunda chance aos caídos.

Pandinus recuou um passo. O olhar vazio e a enorme foice indicavam um comportamento impiedoso, aparentando que não estava aberto a con­versas. O general avaliou as características da nova forma que a alma do garoto se adaptou ao corpo, foi então que percebeu sua chance para voltar ao controle.

Então essa é a sua forma avançada? Você deve ter se esforçado bas­tante para aprendê-la.

De fato - concordou o garoto -, demorei um pouco para entender. Eu tratava minha alma como outro ser que vivia dentro de minha mente, quando, na verdade, era apenas um espelho posto em minha frente. O Taiji sempre fui eu e eu sempre fui o Taiji, desde o início e será até o fim. A idéia do fogo e gelo também derrubavam todas as minhas teorias, foi quando estudando melhor sobre minha alma, percebi que ela se trata de opostos, por isso sou metade anjo e metade demônio, fogo e gelo.

Pandinus sorriu. Ele tinha uma carta guardada na manga.

Se sabe de tudo isso, acha mesmo que minha forma está correta?

True avaliou as palavras do general por um momento. Ele não neces­sitava ativar o olho da verdade, uma vez que a habilidade se tornara passiva mesmo com a alma inativa, porém tudo o que via era um escorpião negro e grande ligado ao general. Concluindo que aquela forma ligada a ele seria sua alma.

A habilidade do olho da verdade tinha se aprimorado com o treina­mento. Antes, True necessitava fitar a pessoa nos olhos por alguns segun­dos até que a forma da alma se manifestasse, sendo a maneira mais rápida. Porém em casos como o de Pandinus, que escondia os olhos, era necessário que se concentrasse por um tempo maior, prestando atenção nos gestos, tom da voz e comportamento para que seu olho visse a verdade por trás da pessoa. Devido a esse tempo, ele não pôde distinguir os civis dos soldados, o que demoraria e colocaria em risco, pois teria que se concentrar em meio a tantos oponentes.

O paladino procurou ver algo de diferente no corpo do general, mas não via nada de estranho além da larga cauda de escorpião que possuía. Para muitos, aquilo era estranho suficiente para se preocupar, mas não para ele que, sabendo da alma do inimigo, deduzira que o general já estava na forma avançada.

Assim como eu, você também está no modo avançado, fazendo seu corpo possuir características próprias de sua alma - respondeu o garoto seguro.

Errado! — Pandinus rugiu em um tom superior. - Eu estou com apenas cinqüenta por cento de minha forma. Apenas sincronizei minha alma, mas não a ativei totalmente para evitar que toda a energia seja gasta de uma vez.

True não sabia se o general estava blefando. Porém, como ele ainda conseguia ver a alma de Pandinus e ela permanecia quieta, deduziu que o general falava a verdade. Quando a sincronização é completa, a alma se torna um só ao corpo, desaparecendo ao redor do proprietário. Aquilo se tornara um problema, além do ferrão, do qual o garoto não poderia rece­ber sequer um ataque, ou então iria fazer parte do mesmo destino de Juan, ainda restavam outras habilidades desconhecidas.

Agora veja! O verdadeiro poder de um general! - Pandinus rugiu ainda mais alto.

True, precavido, colocou a foice à frente do corpo preparando-se para qualquer investida do inimigo.

Enquanto olhava atentamente a transformação de Pandinus, viu algo que o fez recuar. Uma segunda alma surgiu ligada ao general, uma alma com a forma de um leão. Ele não sabia como seria possível alguém ter duas almas, mas o que via, contrariava suas teorias.

Pandinus rugia enquanto seu corpo tomava uma forma mais forte, musculosa e apavorante. O cabelo crescia, desmanchando a trança que saía do capacete que usava, escorrendo até suas costas. Os dentes, maiores e aparentemente mais fortes, lembravam os de um leão. O general rasgou o sobretudo, ficando apenas com o short preto que o cobria da cintura até os joelhos. O capacete e a armadura de aço na cauda e nos membros eram as únicas coisas que protegiam seu corpo. O início da noite camuflava sua pele escura, dificultando ainda mais a batalha.

True resolveu atacar para testar o general, atirou sua foice que, com o impulso, ia ao encontro do ser estranho que enfrentava. Ele não necessitava da corrente que havia no Flagelo das Almas, com a sincronização avançada, aprendeu a manuseá-la como um se fosse um bumerangue. A foice era resultado de sua energia positiva e negativa, o que possibilitava seu con­trole, assim como as chamas e o gelo.

Pandinus desviou do ataque facilmente, mesmo sendo daquele tama­nho, tendo cerca de três metros, e usando o capacete que tampava total­mente sua visão. Irritado, o general deu um último rugido ensurdecedor, fazendo o paladino recuar mais um passo.

- O que achou? - Pandinus perguntou. Ao ver que seu inimigo se distanciara, zombou. - Não está com medo, está?

O jovem da alma de Taiji, vendo que sua foice estava voltando, forçou as asas, criando um impulso. No ar, ele agarrou a foice e a apoiou no braço. Aproveitando a velocidade, deu uma investida contra o general, que defen­deu cruzando os braços. A lâmina da foice ficou a poucos centímetros da garganta de Pandinus, e apesar de True fazer o seu melhor para atingi-lo, o general, com uma força sobre-humana, arremessou o paladino em direção ao telhado vizinho.

True não sofreu danos com a queda, pois, antes que atingisse a cober­tura, usou suas asas, criando uma lufada de vento, impedindo que caísse.

O paladino investiu novamente, dirigindo golpes e mais golpes com sua foice na esperança de acertá-lo. O general esquivava e contra-atacava com socos e com sua cauda. Em perfeito sincronismo, ambos atacavam e se defendiam, quando conseguiram uma brecha na defesa um do outro, Pandinus acertou o paladino com um chute, e ele devolveu, acertando-o com o cabo da foice, indo cada um para direções opostas.

Antes que continuemos a luta, quero te pergunta algo - disse True ofegante ao abaixar a foice, dando uma pausa do combate.

Pandinus, antes de dar a resposta, tentou perceber se seria uma arma­dilha. Como estava a uma boa distância de seu inimigo e seu oponente havia abaixado a arma, decidiu deixar que falasse.

Por que você luta? Existe algum motivo para você estar neste lugar agora, lutando contra uma pessoa que mal conhece? - True quis saber.

Pandinus quando ouviu a pergunta abaixou os braços e a cabeça. Sem se segurar, deixou que o sorriso surgisse em seu rosto.

Você é o primeiro inimigo que me pergunta isso, Taiji.

True percebeu o tom da voz quando o general disse "Taiji". Até o momento, durante a batalha, o general apenas o chamava de "garoto cabeça-quente" ou "paladino", como se o subestimasse, mas chamá-lo de Taiji significava que o general teria o reconhecido com um oponente, ou melhor, o reconhecia por sua alma, e não por seu título.

"Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho da alma, nós continuaremos em guerra". Essa é a minha resposta, Taiji.

Entendo - True desmaterializou a foice, fazendo-a se dissipar e voltar se dividindo entre as propriedades opostas. - Creio que você conheça meu motivo de estar aqui presente. Então agora podemos continuar!

Foi a vez de Pandinus investir, assim como um leão, rapidamente alcançou o oponente tentando acertá-lo com a pesada mão que, certa­mente, quebraria os ossos de True com o impacto.

O Taiji usou as asas para recuar e desviar, mas foi um movimento arriscado. Quando o general quando errou o ataque, criou um impulso no chão e saltou em direção ao paladino. Se True não pensasse rápido criando um escudo com seu gelo, seria seu fim, porém conseguiu com êxito defen­der-se do golpe. O escudo, mesmo feito pelo rigoroso gelo, foi quebrado com apenas um ataque do inimigo, mas ele não se intimidou.

True recuou com duas rajadas de suas asas, ele estava além da cobertura flutuando no ar. Mesmo com o coração acelerado dominado pela adrena­lina da batalha, percebia o resultado de seu treinamento. Agora, conseguia controlar livremente seu gelo, o qual o protegeu do ataque fatal que pode­ria ter custado sua vida.

Esticando as asas, True forçou o máximo para ganhar impulso e acertar o general com seu punho flamejante, mas como Pandinus não estava muito longe, recebeu o ataque, jogando-o para a outra extremidade do telhado.

O general foi se recuperando, se levantou e checou o ferimento em seu peito. O local foi queimado, equivalendo-se a uma queimadura de terceiro grau.

- Você possui habilidades incríveis, tenho que admitir. Mesmo àquela distância conseguiu se esquivar alguns centímetros. Se não fosse por isso, seu osso já estaria exposto. A temperatura das minhas chamas podem aumentar dependendo de minha vontade de lutar.

Pandinus havia se esquivado por pouco, mas mesmo escapando do pior, o golpe o abalou. Se mesmo na esquiva as chamas fizeram tamanho estrago, em um golpe direto, certamente o atravessaria ou, no mínimo, causaria uma queimadura que derreteria até mesmo seus ossos. Pensado nisso, o general decidiu manter mais distância entre eles e usar sua cauda para lutar.

O Taiji pousou e esperou por algum movimento do inimigo. Assim que ele viu o general se levantar e correr em sua direção, decidiu fazer o mesmo.

Ambos tomaram impulso e foram se encontrar no meio do recinto. A poucos metros de alcançar o Taiji, Pandinus girou e usou a cauda para abatê-lo. True, com seu reflexo, fez o gelo absorver o dano, porém a força foi gigantesca, fazendo-o ser jogado para o lado. Antes que ele pudesse se recuperar, Pandinus atacou novamente com um giro de direita, forçando o garoto usar as asas para subir e esquivar do ataque. Quando desviou com sucesso, outro ataque do general vinha em sua direção, desta vez por cima. O Taiji teve que agir rápido, recuando, mas brusca esquiva o fez perder o equilíbrio, tendo como conseqüência sua queda.

True se preocupou que naquele meio-tempo o general o acertasse, mas ele também teve problemas com o último golpe. No momento em que atacou por cima para atingir o ser celeste, Pandinus incidiu o ferrão além das telhas, ficando preso por alguns segundos. True notou que aquele seria seu trunfo para a batalha.

Quando, enfim, Pandinus conseguiu retirar seu ferrão enterrado, puxou com muita força perdendo o equilíbrio. True, aproveitando a chance, deu outro impulso com suas asas e acertou o general novamente, arremessado-o.

True estava cansado, mesmo com o gelo absorvendo boa parte do dano, o golpe que ele recebera ainda fez alguns ferimentos. A dor era tão intensa que ele se perguntava se teria fraturado alguma costela.

Mais uma vez... — pensou ele. — Mais uma vez e eu termino com isso!

Os pensamentos do Taiji eram os mesmos do general, que acreditava acabar a luta em alguns golpes após perceber que seu oponente fadigava.

De seus pontos de partida, ambos saíram novamente ao mesmo tempo para outro assalto. Tudo aconteceu muito rápido, se um dos dois perdesse o equilíbrio ou demorasse mais de um segundo para atacar e se esquivar, seria derrotado.

Pandinus atacou com sua cauda em um golpe lateral pela esquerda, True usou as asas para esquivar para o lado oposto ao do golpe. Sem perder o ritmo ou a esperança, o general girou novamente para acertá-lo em um golpe de direita, o Taiji fez o mesmo movimento anterior, usando as asas para subir e escapar do golpe e, como já era esperado, Pandinus atacou com tudo em um golpe por cima com maior velocidade.

Se houvesse alguém assistindo a batalha, não conseguiria acompa­nhar o último movimento. O ferrão de Pandinus vinha com uma velo­cidade extrema em direção ao abdômen de True, mas em uma fração de segundo, ele apoiou as mãos sobre a armadura que protegia a cauda e rolou passando para o outro lado. Errando o golpe, Pandinus enterrou novamente a cauda no telhado, só desta vez mais profundo, já que usou mais força. Desesperado para soltar sua cauda, Pandinus agarrou a pró­pria cauda, puxando-a com toda força que possuía. O Taiji, do outro lado, concentrou sua energia no braço direito e com toda força dirigiu um soco flamejante nas costas do general.

O fogo tomou conta das costas, ferindo-o cada vez mais, com tamanha dor, o general se libertou, rugindo de um lado a outro descontrolado. Ele se contorcia girando a cauda para todas as direções, batendo-a no telhado, causando várias rachaduras. Em um dos ataques involuntários, a cauda acertou o rosto de True que foi jogado a alguns metros.

True não conseguia enxergar direito, o golpe acertou a lateral de seu rosto, acertando também o ouvido. Com seu equilíbrio e visão descon­trolados, não sabia onde exatamente estava o inimigo nem o que estava fazendo. Tonto, a única coisa que pôde pensar foi criar uma proteção de gelo à sua frente em uma tentativa desesperada para se defender.

Quando Pandinus voltou a si, percebeu que o Taiji estava caído e teria sofrido algum golpe. Olhando melhor, pôde notar que tinha sangue em sua cauda e a lateral do rosto de seu oponente estava ferida. Ao descobrir o que tinha acontecido, o general avançou em direção ao alado com toda calma e com um enorme sorriso de satisfação misturado a dor, alegre em poder retribuir o golpe que sofrerá.

Quando alcançou seu inimigo, o general usou sua cauda e agarrou True, enrolando seus braços e asas, o erguendo para que ficasse com o rosto defronte ao dele.

Suas últimas palavras, Taiji.

True estava totalmente preso, não podia se defender ou se mover. Suas per­nas, fora do alcance do chão, apenas se mexiam de um lado a outro inutilmente. O fogo de seu braço tinha apagado assim como o gelo que derreteu temporariamente pela falta de energia; em outro caso, a cauda não poderia prendê-lo. Pandinus teve o cuidado de deixar o ferrão liberto para poder dar o golpe final.

Já que não tem nada a dizer, mande um "oi" para Juan.

O Taiji tinha se concentrado para não julgar o general sem antes avaliá-lo. Tudo daria certo se não fosse pelo golpe de sorte que recebera. Ele queria terminar a luta sem que pensasse em vingança, por isso fez o que fez. Mas o general tocou em sua ferida adormecida.

"Se não botarmos nossas dores para fora, elas nos devoram por dentro" - lembrou-se True das palavras de Juan.

Sem alternativa, ele decidiu liberar sua fúria que, desde o começo da batalha, lutava em seu interior para se manifestar.

Quando Pandinus dera o comando para o ferrão acertar seu inimigo, o gelo voltou ao braço do paladino, petrificando tudo o que estava à sua volta, inclusive tomando conta da cauda de Pandinus.

O general berrou, liberando seu opoente e arremessando-o para longe. A cauda estava totalmente congelada, fazendo o general, em um rápido golpe, arrancá-la de seu corpo.

Assim como as asas de True, a cauda que Pandinus ganhara era apenas um pedaço de sua alma, não fazia parte de seu corpo, em vez de ter que arrancá-la, bastava que o general desativasse a alma e a reativasse, porém levaria certo tempo para recriá-la e ativar a segunda alma que possuía. Dentre essas alternativas, o general decidiu arrancá-la, sentido a dor como se fosse um membro.

Pandinus! — True vociferou em fúria. - Hoje você irá pagar pelos pecados que cometeu há três anos!

True tomava uma forma que ninguém havia presenciado. O gelo se expandia por todo o corpo, criando uma armadura de ossos sobre suas roupas. Uma nova caixa torácica formou-se, aumentando sua proteção sobre a pele. Os ossos do membro feitos pelo gelo se uniram formando uma armadura que envolvia seus membros. Uma coluna vertebral mais alongada surgiu nas costas como uma cauda com uma ponta na extremi­dade. No rosto, outra mandíbula foi forjada aderindo à pele com dentes pontiagudos. O olho direito foi tapado pelo gelo que escondia metade do crânio. E no topo da cabeça havia um par de chifres. Mesmo as chamas de seu braço direito foram substituídas pelo gelo, formando outra garra; e sua asa branca recebeu o tom preto como a outra.

O general, após sofrer dois ataques fatais, estava sem forças para conti­nuar uma batalha daquela magnitude. A voz que o julgava pelos seus atos talvez fosse a última coisa que ouviria. Como estava de capacete, não pôde ver a metamorfose que True sofrerá.

Estou falando com você, general! Levante-se e lute por sua cabeça!

Pandinus lentamente se ergueu e seu corpo inteiro parou quando sen­tiu a energia corrompida que emanava de seu oponente.

Por que fez aquilo com Juan? Ele nem sequer poderia te ferir ou matá- -lo! Ele não sabia dos segredos da alma, era apenas um humano comum querendo viver sua vida longe das guerras! Diga-me, general, o motivo!

True caminhava em direção a Pandinus, congelando até mesmo onde pisava, e quando restavam apenas dois metros, o general soltou uma gosma verde de sua boca que por pouco não atingiu o Taiji, que desviou. A gosma caiu no telhado que rapidamente se desfez.

Ácido! Então ainda guardava essa habilidade - disse True, agarrando-o pela garganta com seu braço esquerdo.

O Taiji alçou voo segurando o general até que atingisse uma altitude elevada.

Esmeralda estava lutando contra os vários soldados quando, de relance, viu o ser estranho que erguia Pandinus a vários metros do solo.

True? - ela se perguntou, mas antes que pudesse examinar melhor, outro soldado investiu sobre ela, sendo obrigada e se concentrar na batalha.

True, alcançando a altitude de julgava suficiente, desceu a toda veloci­dade usando as costas do general, já feridas, para quebrar o telhado e cada andar até que chegassem ao solo.

O prédio cedeu, desmoronando sobre eles. True, no último instante, alçou voo impedindo que fosse esmagado pelos escombros. Voltando ao céu, assistia a nuvem de poeira se expandir e depois, aos poucos, se assentar.

Light e Esmeralda, que estavam guerreando com os vários soldados, puderam ver a criatura estranha que voava pelo céu enquanto o prédio caia. Alguns soldados interromperam os ataques para ver o resultado da outra luta.

Pandinus, com suas últimas foças, saía dos escombros e se deitou exausto, com inúmeros ferimentos. True pousou e foi até o general que estava imóvel, quando o alcançou, percebeu a ferida em seu pescoço que foi criada pelo gelo quando o segurou.

Não vai poder usar seu ácido agora, vai?

Pandinus não respondeu, estava muito fraco e se preocupava em respi­rar o máximo que podia.

O paladino o encarou com um olhar de ódio. Estendendo a mão, forjou uma lança criada com gelo. Quando a segurou com as suas mãos, mirou o peito nu do general e investiu querendo acabar com sua vida.

O golpe ia acertá-lo e não havia nada que o oponente podia fazer para evitar. True soltou um rugido e a poucos centímetros da ponta da lança perfurar a pele, ele parou.

Pandinus ficou quieto, interrompendo até sua respiração. Pensando que sua vida havia chegado ao fim, não entendeu quando o jovem hesitou.

A armadura de gelo que envolvia todo o corpo do paladino trincou, caindo pedaços após pedaços sobre os escombros. A sua forma voltava pouco a pouco a ser o que era. A asa branca, o olho verde reabriu, as chamas se controlaram e o olhar do Taiji já não possuía mais ódio. Sua respiração estava forte e, logo em seguida, veio uma forte tosse que durou por alguns instantes.

Assim que a tosse se estabilizou, True encarou o general já vencido, se sentou em uma pedra próxima a ele. Como se não bastasse a segunda alma, uma terceira apareceu, era de um urso.

Somando a força do leão e a resistência maior que a alma do urso for­nece, ele pôde sair vivo e quase sem maiores ferimentos do desmoronamento. Pandinus estava usando, na verdade, apenas trinta e três por cento do poder no começo na batalha. Você não cansa de surpreender, não é general? - pensou True.

Com a poeira totalmente abaixada, o paladino ficou defronte ao gene­ral e retirou seu capacete. A boca estava seca e os cabelos tinham voltado ao comprimento normal, quando seus olhos se abriram, True notou que ele era cego devido à tonalidade branca.

Por que não me matou? — perguntou o general quase sem voz.

Porque não foi para esse fim que me uni à Ordem dos Paladinos.

Pandinus refletiu por um breve instante enquanto novas perguntas surgiam em sua mente.

Como me venceu?

Seguindo três regras básicas que aprendi: estude seu oponente, nunca o subestime e planeje como derrotá-lo.

Pandinus deu uma risada que mal pôde ser ouvida.

Sua resposta só me faz repetir a pergunta.

True, percebendo que ele estava respirando com dificuldade, envolveu a cabeça com seu braço esquerdo para que ficasse erguida, tomando o cui­dado de interromper o gelo, impedindo que o ferisse ainda mais.

O seu nome não é Pandinus Imperator, não estou certo?

O general arregalou os olhos confirmando as suspeitadas.

Como descobriu?

Ninguém teria um nome tão feio assim — True brincou.

Pandinus sorriu e esperou pela explicação.

Quando enfrentamos o general da América do Norte, o nome dele nos deu as dicas sobre sua alma. Eu tentei fazer o mesmo com o seu caso, depois do nosso encontro há três anos, pesquisei sobre esse nome e foi quando descobri. Pandinus Imperator é o nome da espécie de um escor­pião encontrado no continente africano, noturnos, quase cegos, mas os pelos sensoriais em seu corpo ajuda a suprir a deficiência. Era assim que sabia de minha localização na batalha e isso explica também porque sem­pre mantém sua alma sincronizada, para que possa "enxergar".

Você pesquisou bem, Taiji - respondeu o general sorrindo, agora com uma voz mais alta.

Não quero forçá-lo a me revelar seu passado com minha habilidade, quero que me conte você mesmo, não sei os seus motivos, mas a resposta que me deu no início da batalha me fez acreditar que ainda existe pureza em você.

O general pensou um pouco na proposta, ele foi vencido por um adversário digno. De alguma maneira ou de outra, True saberia de seu pas­sado, pensando nisso aceitou, mas antes pediu para que o ajudasse a sentar.

Eu nasci na África junto à miséria. Vivia dia após dia sem saber como fui parar naquele inferno. Em minha mente, o resto do mundo era igual, então ainda jovem comecei a pensar no motivo da vida. Pai e mãe existiam somente nos contos de fada. A pobreza e a doença eram as únicas coisas que sabíamos que era real. No lixo, eu e mais outras crianças e adul­tos nos matávamos para obter as sobras e poder viver mais um dia. Quando alguém adoecia, mal sabíamos o que era e o que fazer; remédio era mito. Um dia, fraco por não comer a dias, uma mulher me encontrou e me levou para um abrigo onde eram tratadas as pessoas doentes; um daqueles locais solidários que alguns países davam apoio. Eu estava tão magro que podiam ser vistos meus ossos. A doutora, mulher que me salvara, acompanhou meu desenvolvimento e, por milagre, fui melhorando. Meses se passaram e criamos um laço, ela resolveu me adotar. Mal sabendo o que estava aconte­cendo, comecei a chamá-la de mãe, ela sorria quando eu dizia isso. Então descobri, pela primeira vez, o que era o carinho.

Lágrimas brotavam nos olhos do general. True as enxugou com a mão direita, tendo o cuidado de apagar as chamas.

Ela era brasileira, e um dia, fomos para o seu país. Os dias que passei no Brasil foram como um sonho. Comida de vários tipos à vontade, água, eu estava no paraíso, mas algo que vi mudou meu pensamento. Quando estava almoçando em um restaurante, vi que muitos clientes deixavam sobras e que o desperdício era tanto que meu sangue fervia ao ver. Eu me lembrava dos dias em que estava passando fome e que trocaria qualquer membro por um pouco de comida. Aquelas pessoas não sabiam como era passar a vida sem ter alimento à sua disposição. Eu não pude me controlar e ataquei um dos clientes, aquilo foi um choque para minha mãe, eu nunca estive tão bravo, eu gritava com o cliente e após algumas pessoas me conterem, fomos expulsos do estabelecimento. Quando chegamos ao apartamento, minha mãe conversou comigo e eu não pude aceitar aquele fato. Depois daquele dia, aquela cena se repetiu mais três vezes em diferentes ambientes, então minha mãe voltou à África e me abandonou. Largado novamente à sorte, eu preferia assim, onde o mundo não escondia seu rosto. Com o tempo voltei a emagrecer e um biólogo me encontrou, ele me mostrou o escorpião da espécie Pandinus Imperator e me falou sobre ela, eu fiquei maravilhado, aos poucos estava me tornando cego como ele, devido alguma infecção.

Pandinus ergueu a mão e tocou nos olhos. Colocando as mãos um pouco afastadas, conseguindo apenas ver os vultos.

O biólogo me disse sobre os escorpiões cometerem canibalismo com a própria raça, isso ocorria porque os escorpiões passavam tanto tempo sem comer que acabaram por cometer esse ato. Um dia o biólogo foi embora e eu voltei à minha vida solitária, mas era diferente, eu me tornei como aquele escorpião e mataria até seres humanos para me alimentar caso precisasse.

O general fez uma pausa e logo continuou:

Apesar de ter passado por tudo que vivi, ainda consegui encontrar uma dor maior do que a fome. Antes de minha mãe me abandonar defini­tivamente na África, nós visitamos outros países na América e na Europa. Naqueles lugares, as pessoas me olhavam com um olhar diferente, o qual nunca tinha visto. Um olhar de desprezo, de nojo, como se eu fosse uma aberração. Tudo aquilo por eu possuir uma pele mais escura que a deles. Nunca pensei que algo tão insignificante me fizesse tão mal. Naqueles dias jurei que conseguiria poder para me vingar e trazer o fim a eles.

Isso explica a frase, o motivo dele lutar, e como eu pensei, não existe uma espé­cie de animais para a alma, o próprio Pandinus moldou sua alma — pensou True.

Depois de fazer várias vítimas, chegou um dia em que estava me ali­mentando de um humano e um homem barbado se aproximou e me disse que me daria comida, poder e que nos vingaríamos de todos que desper­diçavam alimentos e que nos julgava por nossas aparências. A única coisa que teria que dar a ele, era minha lealdade. E assim foi feito, esse homem se tornou o atual ditador, e eu, um general.

Talvez, quando cometeu o canibalismo, tenha adquirido parte da alma de suas vítimas. A alma de Pandinus é muito complexa, e talvez nem mesmo ele saiba explicar - True tentava achar um significado para as outras almas que apareceram.

O paladino olhava o general com um olhar triste, apesar de o homem ter feito tantas coisas horríveis, era a realidade, ele sabia que o homem cer­tamente preferia alimentar-se de maneira adequada a cometer canibalismo, mas a vida não lhe dera muitas alternativas.

Qual é o seu nome? O seu verdadeiro nome?

Eu não nasci com um nome, mas a mulher que me adotou me cha­mava de Lutalo, que significa guerreiro.

Então, Lutalo, deseja voltar a ser um puro! - True indagou com o olhar desviado do general.

O general arregalou os olhos surpreso com a atitude do Taiji.

Você vai me perdoar? Quer dizer... eu fui o responsável pela morte daquele homem, Juan como vocês o chamam, e mesmo assim... Eu estava seguindo ordens...

Não seja ridículo! - True levantou fazendo o general ficar de pé junto a ele. - Você fez muito mal a mim, aos paladinos e a esposa de Juan! Silvia chorou mais do que qualquer um, além de perder o marido, perdeu o sentido da vida! - True deixou que seus olhos ficassem úmidos, mas seus olhos não desviaram dos de Pandinus, um olhar sério como de um pai educando uma criança. — Porém, você também sofreu muito, passou por coisas, como cometer canibalismo, e eu não quero que continue assim! Não posso ignorar uma alma que ainda possa ser salva, se fizesse o contrá­rio, estaria desonrando a Ordem da qual faço parte!

O general ouvia pela primeira vez um inimigo se importar pelos seus pesadelos, ele agora conseguindo ficar de pé, decidiu responder:

Por favor, eu lhe imploro, mostre-me a luz mais uma vez!

True interrompeu o sofrimento que sentia e assentiu. Ele deu um passo para trás e ergueu a mão direita colocando-a sobre a testa do general.

Solstício!

Ambos fecharam os olhos e True entrou no mundo de Lutalo, a histó­ria que ouvira, batia com as memórias vividas pelo general. True procurava pela alma de Pandinus para purificá-la e, durante o percurso, avaliava o local que lembrava a savana africana. Ele caminhava quando encontrou no horizonte um leão deitado em uma sombra e um urso caminhando até uma lagoa que estava perto do animal. True foi até cada uma das almas e usou sua foice, rompendo as correntes que mantinham as almas ligadas a Lutalo. Ambas as almas perdiam cada vez mais a cor até que desapareceram totalmente, recebendo a paz merecida. A única que restava era a Pandinus Imperator.

Despois de andar alguns metros, o paladino chegou a uma depressão que estava cheia de ossos humanos, como um cemitério exposto. No cen­tro do buraco estava o escorpião e Lutalo ao seu lado. True o chamou pelo nome e o general se virou ficando de pé. Quando o jovem estendeu sua mão para que Lutalo a pegasse e fosse purificado, tudo parou. Era como se a dimensão fosse alterada, mesmo Lutalo estando parado, ele se distanciava cada vez mais até que não podia ser mais visto e tudo ficou escuro. True olhou para todos os lados, mas tudo havia desaparecido, e sem saber o que ocorrera, decidiu sair daquele mundo.

Pandinus, eu não... - True começou dizendo, mas foi interrompido com a cena que presenciava.

O peito do general foi atravessado por uma lâmina que perfurou seu coração. O sangue estava jorrando e alguns pingos caíram espirraram no paladino.

Lutalo! - True gritou e, com o barulho, fez o assassino se assustar e retirar a lâmina, deixando o corpo do general cair nos escombros.

O jovem pôde ver lentamente o corpo do general caindo para o lado e revelar o rosto do frio assassino.

Como se aquele choque não tivesse sido o bastante, True teve mais uma surpresa. Não o assassino, mas a assassina que havia cravado a lâmina no coração do general. Ela era a viúva, esposa de Juan. Era Silvia Leon que estava bem na sua frente, suja do sangue de sua vítima.

 

                                 Capítulo 29

Os seis reinos

Kyõki estava finalmente frente a frente com seu pai, general da Ásia, Akuma Genkaku. O confronto havia chegado e até o amanhecer do dia seguinte o destino de seu país natal estaria traçado. De cada lado, um opo­nente encarava o outro se lembrando de suas vidas no passado. Depois de anos estavam juntos novamente em interesses opostos: Akuma defendendo seu poder absoluto e seu filho querendo a liberdade.

Qualquer ser que tivesse uma pequena fragilidade emocional poderia sentir a tensão naquele lugar. Como se estivessem em outro mundo, pai e filho trocavam olhares que significavam muito mais que mil palavras, tantas que talvez uma existência não fosse o suficiente.

Não era necessário ser um psicólogo ou outro especialista da mente para saber que ao encarar qualquer um dos homens naquele lugar, acha­ria um "Por quê?" em seus olhos. As perguntas guardadas há anos seriam respondidas.

Para muitos, assim como True, aquele momento nunca deveria acon­tecer ou pelo menos não da maneira que iria ocorrer. Pai e filho se enfren­tando em uma batalha; algo absurdo, mas necessário. Todos possuem uma maneira de se expressar, para eles, aquela a era maneira.

Kyõki, em posição de batalha segurando seu largo espinho que lem­brava uma katanaobservava seu inimigo tendo cuidado com qualquer movimento.

Eu, Kyõki Genkaku, nomeado paladino pelo líder da Ordem, estou aqui neste momento para puni-lo por seus atos. Estou certo de que se você se render, nosso líder, Light, poupará sua vida e purificará sua alma.

O general nada disse de imediato. Ele estava sentado na cadeira de forma descontraída. O assento estava virado ao contrário, fazendo o apoio das costas serem um apoio para os braços. O rosto estava descansando em uma das mãos enquanto a outra estava sobre o encosto. Mostrando-se rela­xado, os olhos do general fitavam o rebelde sem nenhum tipo de interesse. Sobre uma das pernas, que estavam abertas e relaxadas, estavam os óculos.

Você realmente queria estar aqui? - O general indagou.

Não está me escutando, general? Eu vim para... - Antes que Kyõki pudesse terminar, o general rapidamente pegou seus óculos e os guardou no bolso de seu paletó. Ele se levantou e agarrou a cadeira, arremessando-a pela abertura que foi criada quando Kyõki entrou.

Então venha - chamou Akuma, fazendo um sinal com a mão.

Kyõki cerrou os olhos por um momento e se concentrou. Como havia imaginado, não restava esperanças para que seu pai escolhesse o lado dos puros. Ver aquele comportamento relaxado do general o irritou. Ele sabia que seu pai desejava aquele encontro tanto quando ele, porém parecia não querer demostrar.

Akuma sempre foi um pai frio e ausente. Em alguns momentos, no passado, o general o procurava do nada para ver seu crescimento. O rela­cionamento dos dois nunca foi próximo, sempre um tentando entender o outro. Como dois lados da mesma moeda, apesar de opostos, estavam unidos para sempre pelo grau de parentesco.

O sonho do general sempre foi de seu filho herdar seus negócios; na atualidade, ser seu major. Kyõki, por outro lado, nunca gostou da compa­nhia de seu pai, mas admirava sua inteligência e confiança.

Pare de bancar o estúpido! - Kyõki berrou. - Eu não sou o único interessado aqui! Hoje iremos acertar nossas contas!

O general fechou os punhos e encarou seu filho com uma aparência zangada.

Por que você sempre foi assim? Nunca me deu uma chance de me aproximar.

Porque eu sei que tipo de ser humano você é: daqueles que acham que pessoas são meras peças de um jogo, podendo descartá-las e usá-las quando bem quiser; escondendo o rosto com uma máscara para que todos o vejam como uma pessoa gentil, dedicada, quando, na verdade, é uma pessoa fria e maliciosa. Meu pior pesadelo é ser como você um dia! - Apesar das duras palavras, Kyõki continuou em sua posição sem mudar sua aparência séria. Apenas o tom da voz ia aumentando.

Já chega! - O general retrucou.

Akuma Genkaku foi até a extremidade do salão e apanhou duas espa­das que estavam embainhadas. Ele retirou o paletó e afrouxou a gravata, retirou as espadas das bainhas e ficou em posição de batalha. Kyõki estava tão concentrado no general que não percebeu que elas estavam no canto escuro, escondidas.

Escute, pai... Não. General - corrigiu. - Eu possuo conhecimento de como sua técnica funciona, sei de suas franquezas. Se fosse outra pessoa, mesmo tendo ciência das suas habilidades, nunca o derrotaria, mas eu sou diferente, sou imune a elas.

Não me faça perder mais a cabeça, moleque. Além de me julgar, está me subestimando. Deveria existir um limite para tamanha insolência!

Kyõki não queria declarar suas vantagens, mas parecia que o general não acreditava em suas palavras.

Os seus olhos funcionam como um projetor. Sua mente cria a ima­gem, os detalhes e formatos, e com os olhos projeta a ilusão. Uma habili­dade bem perigosa podendo criar qualquer coisa, até mesmo ferir um ser, desde que a mente acredite que é real. Você usa os óculos para interromper a projeção, se estiver com ele, a ilusão não é criada, provando minha teoria. Por isso ficou no observatório da torre, daqui poderia ver grande parte das vias, para que nos distraíssemos com suas ilusões.

O general arregalou os olhos e avaliou seu filho. Ele agora era um homem formado, fazendo pensar o que teria perdido de seu crescimento. Algumas coisas ainda continuavam como os cabelos espetados e a expres­são séria, mas Akuma percebia que não lidaria com a criança que morava debaixo de seu teto, ela agora tinha suas próprias decisões, e por mais que o contrariasse, ele havia escolhido seu caminho.

- Você cresceu, filho...

O general pensativo abaixou as espadas junto à cabeça. O cabelo ficou sobre os olhos impossibilitando a tentativa de Kyõki adivinhar os pensa­mentos do inimigo. Quando a reergueu depois de alguns segundos com um enorme sorriso, deu uma gargalhada.

Vejo que herdou minha inteligência, mas está se esquecendo da minha outra habilidade: a leitura de mentes.

Kyõki não havia se esquecido, apenas não sabia como lidar com a habilidade do inimigo. Isso também não mudava o fato dele ser o único capaz de enfrentar o general.

Esse fato só irá prolongar um pouco a batalha - acrescentou Kyõki mais seguro.

Estou louco para saber que truque você tem guardado para me derrotar.

Não há truque algum - disse Kyõki rapidamente, interrompendo o general de acrescentar alguma coisa. - Enquanto você estava na sua empresa ganhando mais e mais dinheiro, eu usava o resto do meu tempo, que já era curto, para aprender sobre o budismo no templo.

O general franziu o cenho e logo encarou seu filho com um olhar de dúvida.

Religião? Acha que sua religião pode contra meu poder?

Sua mente é muito vaga para tamanho conhecimento. Você ainda tem que amadurecer muito para que possa entender.

Akuma não conseguiu mais se segurar e começou a gargalhar, fincando uma das espadas ao chão para servi-lhe de apoio. Um filho dizendo que sua mente era mais madura de que seu pai. A idéia ficou martelando em sua cabeça, assim como Kyõki havia previsto, seu pai não possuía a maturidade para entender.

Existem seis reinos que nossos espíritos podem "ficar". Durante as vinte e quatro horas do dia, nós podemos passar pelos estados desses reinos sem nem mesmo perceber. O que faz nossa alma ir para os determinados reinos é o nosso karma. Eu não consigo defini-lo rapidamente, mas para que você possa entender, são os "tipos" de pensamentos que temos que resulta no karma, assim como causa e efeito, se possuímos sentimentos negativos, é certo que pertenceremos a um reino inferior. E já que pergun­tou, esses seis reinos são as chaves para minha vitória nesta batalha.

Kyõki agarrou seu aparelho de som e o programou para ouvir as músi­cas da segunda pasta chamada "semideuses". A música o lembrava de seu treinamento e de seu dia a dia na organização. A música que sempre escu­tava quando batalhava para ativar sua alma do porco-espinho.

— Neste momento estou no reino dos Asuras ou deuses invejosos. O karma que é acima de tudo positivo ou puro, misturado com a inveja, causa o nascimento no reino dos deuses invejosos. Este é um estado feliz, dotado com muitos poderes e prazeres, mas por causa da força da inveja, há cons­tantes brigas e conflitos. Eu sempre tive inveja das pessoas, elas possuem algo que nunca irei possuir - Kyõki explicava e nas últimas palavras colo­cou a mão sobre o rosto enquanto ficava perdido em seus pensamentos.

O general não estava entendendo o assunto, tentando imaginar o que seu filho queria dizer com tudo aquilo. Algumas coisas não faziam sentido para ele, como o karma, os reinos, a inveja que seu filho sentia das pessoas, tudo era vago em sua mente, o que o irritava. Mas eles não estavam lá para um conversa de pai e filho, a qual nunca tiveram, e se tentaram, nunca deu certo.

Ele retirou a espada que estava fincada e correu em direção ao seu oponente. Kyõki estava pensativo, mas em nenhum momento havia se esquecido do general. Em um rápido ataque, Akuma tentou atingi-lo por cima do ombro, mas foi impedido pelo bloqueio do espinho em forma de katana de Kyõki. O general não desistiu e tentou atingir seu oponente com a outra espada, mas teve que desistir quando percebeu que um espinho saía do concreto para acertá-lo. O general em uma habilidosa esquiva escapou ileso da investida.

Recuando alguns metros, Akuma resolveu iniciar suas ilusões. Ele subestimou a habilidade incrível de seu filho, o que não poderia se repetir. Em uma grande área, Kyõki podia criar quantos espinhos fossem necessá­rios, porém só poderiam partir do solo ou de seu corpo.

O paladino não querendo perder sua vantagem, então antes que o general terminasse de recuar, arremessou alguns espinhos para acertá-lo. A precisão foi perfeita e acertou seu destino, porém era apenas uma ilusão.

Assim que o corpo foi atingido, virou um pedaço de pano que caiu lenta­mente no chão.

Vai começar - pensou o garoto, reforçando sua concentração.

O general estava oculto em suas ilusões, sem deixar qualquer rastro ou provocar qualquer ruído. Kyõki fechou os olhos e procurou se concentrar em seus outros sentidos, refletindo por onde seu pai atacaria.

Pela retaguarda! — concluiu.

Como havia imaginado, Akuma investia contra as costas do paladino quando o rebelde criou duas estacas fazendo um "x", defendendo-o do ataque.

No momento em que seu golpe foi interrompido, Akuma recuou enquanto várias estacas surgiam do solo na tentativa de acertá-lo. Quando alcançou uma distância segura, criou um nevoeiro atrapalhando a visão de seu oponente.

Não se esqueça de que conheço seu maior medo. Deixe-me relem­brar seu pesadelo — a voz de Akuma ecoava por todas as direções.

A habilidade do general não estava limitada em apenas criar ilusões visu­ais, poderia, como quisesse, manipular o som, como também os sentidos.

Kyõki esperava atentamente pela investida do general, sabendo que não cometeria o mesmo erro de atacá-lo pelas costas. O paladino pensava em que estratégia o oponente usaria naquela situação, imaginado se seria um ataque a distância.

No local, dominado pela ilusória névoa para dificultar ainda mais seus sentidos, surgiu uma mulher andando vagarosamente ao seu encontro. Ela estava usando um kimono rosa, com desenhos de flores que davam uma aparência mais feminina a roupa. Uma fita branca era amarrada à cintura, fechando com um laço borboleta nas costas. Um salto plataforma deixava a mulher, aparentemente baixa, da mesma altura que Kyõki. O cabelo negro amarrado e as maquiagens denunciaram sua identidade.

Mãe? - Kyõki paralisou, mesmo sabendo que era uma ilusão, ficou chocado ao rever a aparência da mãe que começava a esquecer.

Ele ficou em silêncio por um tempo, fincou a katana feita por seu espi­nho no chão e sobre ela apoiou suas mãos enquanto abaixava sua cabeça.

Kyõki? - a mulher começou a falar. — Por que está em guerra com seu pai? Não é isso que eu quero para você.

Sem qualquer reação, Kyõki continuou com a cabeça abaixada.

Fale comigo, meu filho. Esqueça o que seu pai fez, ele só quer o nosso bem. Venha comigo, vamos ser uma família outra vez - disse a mulher quando agachou e estendeu a mão.

Kyõki, em um rápido movimento, sacou a katana e cortou a mulher. Como era uma ilusão, ela simplesmente desapareceu como névoa.

Não conseguirá me derrotar com ilusões tão baixas, general! - aler­tou Kyõki enquanto se levantava. - Porém posso afirmar que você conse­guiu algo com isso. Agora irei te mostrar o próximo reino.

O garoto pegou seu aparelho e passou para as músicas da sexta pasta nomeada Jigoku[5].

Dos seis reinos existentes, eu consegui dominar cinco deles. No reino dos fantasmas famintos nunca podemos obter o que queremos, nem pode­mos desfrutar da comida ou bebida que desejamos desesperadamente como fantasmas famintos. Sempre estamos precisando e procurando algo, mas somos completamente incapazes de satisfazer nossos desejos e sofremos de fome, de sede e de constantes frustrações intensas. A ganância é o que faz você ir a esse reino, o único dentre os seis que não consigo suportar. Mas...

Kyõki fez uma pausa e fechou os olhos para se concentrar. A música come­çou e as lembranças vinham em sua mente, mas, desta vez, nada agradáveis.

Ele se lembrava de quando sua mãe era maltratada por Akuma Genkaku, seu pai. Apesar dos pais nunca terem percebido, o garoto viu cada vez que sua mãe foi espancada, pelos problemas que seu pai trazia para casa e descontava na pobre mulher. Akuma ligava uma música alta para que o garoto não ouvisse os gritos, a mesma música que estava ouvindo naquele momento.

Mesmo passando por tudo aquilo, a mãe de Kyõki, no outro dia, acor­dava com um humor incrível como se nada tivesse acontecido. Ela sorria, e sempre que o garoto perguntava, ela dizia que havia caído da escada ou esbarrado em algum lugar.

Kyõki sabia que, apesar do sorriso que demonstrava em seu rosto, sua mãe chorava por dentro. Certamente, ela amava muito Akuma e não queria que o garoto ficasse sem um pai, por isso, durante todos os anos que conviveu, aguentou cada dia de sofrimento.

- Como eu disse, durante as vinte e quatro horas do dia, mudamos constantemente de reinos. Depois que entendi melhor sobre eles, usei as músicas para me manter no reino escolhido. E desta maneira que posso permanecer sem que me preocupe, controlando o karma através dos pen­samentos - Kyõki, enquanto falava, estava tomando uma forma estranha, deformada. Seu corpo era tomado por espinhos e seus olhos se tornaram rubros. - Agora veja o sexto reino, que possui um sofrimento maior que o reino dos fantasmas famintos, o mais desagradável dos reinos inferiores. - Com exceção do tórax, do abdômen e da face, o corpo inteiro foi tomado por espinhos. Mesmo os fios de cabelo se tornaram afiados e pontiagudos, maiores como agulhas. - O reino do inferno!

O general, escondido em sua ilusão, acompanhou, horrorizado, a metamorfose. A energia corrompida comparava-se a sua, mesmo sendo tão jovem, o estado daquele paladino demostrava anos de sofrimento e angústia.

Como isso é possível? Há poucos instantes ele possuía um nível corrompido quase nulo, agora se compara ao meu! - Akuma se perguntava.

Tem alguma relação aos reinos que tanto fala, mas não vamos ficar para descobrir, temos que deixar o local imediatamente — disse a alma do general.

Não temos alternativa... Attacus Atlas, vamos sincronizar ao máximo - respondeu Akuma à sua alma.

Kyõki cerrou as duas mãos e as dirigiu contra o chão com toda a força. Naquele momento, vários espinhos, que mais se assemelhavam a cristais, surgiam no observatório, preenchendo todo o local.

Antes que pudesse ser atingido, Akuma correu até a abertura na parede, criada pelo paladino quando invadiu o local, e saltou quando a sincronização avançada foi feita, dando-lhe asas alaranjadas de uma mari­posa. O branco de seus olhos foi tingido de preto e a cor da íris mudou para o dourado. Chifres de cor bege cresceram sobre a cabeça e manchas negras preencheram seu rosto.

Kyõki, vendo seu inimigo fugir, arremessou uma rajada de espinhos para acertá-lo no ar, mas o general se esquivou facilmente. Furioso por errar os ataques, Kyõki criou um par de asas que surgiram de suas costas, podendo alçar o seu oponente.

O paladino investiu com toda a sua velocidade segurando a katana em sua mão. Quando o alcançou, o paladino tentou acertar seu oponente em um golpe lateral. Akuma bloqueou e encarou os olhos de seu filho.

Surpreendente! Se tivesse me mostrado esse poder, eu já o teria feito major!

E o que lhe faz pensar que eu aceitaria o cargo?

Seria um tolo se não aceitasse.

Existem coisas mais importantes que a fama e o poder, general.

Acha que não sou capaz de compreender idéias como os sonhos? Sinto desapontá-lo, mas o mundo real não é tão fácil quanto aparenta!

Houve um choque com as espadas, faíscas saíram entre as lâminas com a troca de golpes.

A batalha não se limitara apenas à terra, agora a disputa evoluiu a outro nível, sendo levada ao céu. Naquela noite, as faíscas se destacavam na escuri­dão. A poucos quilômetros da torre, Esmeralda e Light continuavam lutando contra os numerosos soldados que não paravam de surgir: Imaginado que fosse um início de uma tempestade, os paladinos viram as faíscas surgirem, preocupando-se com a intensidade que a batalha havia chegado.

Quando houve uma abertura, Kyõki investiu mirando o peito do general que recuou antes que o golpe o acertasse.

Akuma, a uma distância segura, inspirou a maior quantidade de ar que pôde e depois soprou cuspindo uma grande quantidade de fogo. O pala­dino, reconhecendo que era uma ilusão, voou entre as chamas com intuito de alcançar o general no fim de sua nuvem chamejante.

Esse tipo de ilusão não vai funcionar comigo - disse Kyõki, porém quando concluiu sua frase, se surpreendeu com uma investida de seu oponente.

O general atacou fazendo um corte na lateral das costelas de Kyõki.

Vejo que possui um bom reflexo. Se fosse outro, minha espada teria atravessado seu corpo - Akuma sussurrou no ouvido de seu filho.

Em vantagem, Akuma girou e acertou o rosto do paladino com o coto­velo, arremessando-o até o segundo observatório da torre que ficava a uma altura ainda mais elevada do local onde se iniciou a batalha.

Posso ler sua mente, você já se esqueceu? A ilusão foi apenas uma distração, sabia que não funcionária, na verdade, você me disse isso através de sua mente - o general explicou, alcançando o local onde Kyõki havia sido jogado.

A mente dominada pela raiva e pelo ódio produz o karma para a vida em um inferno. O que sofre, nesse estado infernal, é a mente. Esse é o reino do inferno - concluiu Kyõki enquanto se recuperava dos golpes que recebera.

O general percebeu e tentou recuar. Mesmo se esquivando, Kyõki con­seguiu disparar alguns espinhos que acertaram a perna do general. Alguns espinhos se dirigiram para a parte superior do corpo, mas Akuma conse­guiu bloqueá-los com as espadas.

Kyõki estava ofegante, diferente do general que apenas se surpreen­deu com os disparos. Com um simples puxão, retirou as duas agulhas que penetraram na perna direita. A perna esquerda recebeu apenas alguns arra­nhões das agulhas que passaram raspando.

Se pode ler minha mente, farei com que não possa.

Mesmo cansado, o garoto agarrou novamente o aparelho de som e mudou para a quarta pasta.

O reino animal, um dos reinos inferiores, sendo ele o que possui menos sofrimento, mas isso não faz com que seja um lugar menos terrível. Nesse reino, a mente sofre a influência da cegueira, da estagnação men­tal e da estupidez, o que causa o nascimento como um animal. Há mui­tas espécies, como os animais selvagens, animais domésticos e assim por diante. Todos eles vivenciam diferentes formas de sofrimento, tais como ser comido vivo, brigar uns com os outros ou ser abusado.

O general rasgou um pedaço de pano e amarrou na ferida para que estancasse o sangue. Entrando novamente na posição de batalha, esperou pelo que vinha. Os reinos realmente eram perigosos, ele não podia avançar e ser pego por algo que não conhecesse.

Kyõki se lembrou do período em que tentava se socializar. Na escola, era tratado de maneira desigual pelos colegas. Seu pai, na época, era um grande empresário, fazendo Kyõki ser um herdeiro milionário. Todos tinham inveja de sua vida, julgavam-na perfeita. Ele nunca foi um garoto comunicativo, fazendo os colegas pensarem que ele se julgava melhor do que os outros e por isso os ignoravam, quando na verdade, Kyõki apenas tinha medo de se relacionar.

Quando não tinha ninguém por perto, os colegas se juntavam para castigá-lo. Kyõki sem poder se defender, recebia os chutes e socos sem qual­quer expressão o que deixava os agressores ainda mais nervosos. Depois de terem descarregado suas raivas, iam embora e Kyõki jurava que aquilo não continuaria.

Começou a treinar, fortalecer seu corpo e aprendeu a se defender. Com a ajuda do templo e com as aulas de kendô que o seu pai o matriculara, ajudaram em seu propósito. Depois daqueles dias, tudo melhorou de certa forma. Os colegas que os perseguiam foram todos derrotados por suas habi­lidades, mas eles não pararam tão facilmente. Sempre voltavam em maior número para tentar uma revanche, mas eram novamente derrotados. O dia a dia da infância do garoto foi vivido como em uma selva, tentando todo dia sobreviver no ambiente que era rejeitado e obrigado a conviver.

Kyõki retirou a parte superior do Kimono, que foi rasgado pelo golpe das espadas, e o arremessou para o canto das janelas ainda intacto.

O hino da escola tocava em seu aparelho, fazendo-o relembrar do que viveu. Então, pouco a pouco, deu-se início à próxima transformação, ganhando a forma de um animal, as unhas viravam garras longas, os dentes viravam grandes presas, os olhos avermelhados com as pupilas dilatadas e os sentidos, mais aguçados.

O general recuou. Não por estar amedrontado com a aparência do inimigo, mas por não conseguir ler sua mente. O único pensamento era o de atacar. Como Kyõki havia explicado, a mente se torna estúpida, apenas o instinto estava guiando seu corpo.

A besta avançou rapidamente sem dar chance para o general pensar em algo. Em vários ataques rápidos, Kyõki saltou e atacou como um lobo feroz que protegia seu território. O general, desesperado, tentou voar para fora do alcance do ser medonho, mas foi impedido quando o mesmo arrancou uma de suas asas fazendo ambos caírem contra o chão do observatório. Sem poder voar e fugir, Akuma usava as espadas para se defender, a espada da esquerda para reforçar a defesa e a da direita para absorver a força do golpe.

Quando se levantaram, se olhavam aguardando quem faria o primeiro movimento enquanto andavam de lado. Sem perceber, Akuma chegou perto da beirada da estrutura, o general, preocupado em não cair, olhou para trás, o que custou caro. Kyõki atacou com toda força, e o general foi obrigado a criar um bloqueio com a espada da mão direita, o que fez a espada ser jogada para fora do observatório, caindo a vários metros do chão. Quando o general ia voltar sua atenção para o combate, o garoto atacou novamente em um golpe de esquerda, fazendo cinco cortes com a garra que começou no peito e terminou próxima a cintura.

O general, por reflexo, acertou com toda força, usando o cabo da espada, o rosto do oponente que, com a dor, recuou rugindo.

Akuma, preocupado com a perda da outra arma, olhou à sua volta e retirou uma das estacas que estava fincada na parede, usando-a com sua arma. Vendo que sua roupa transformara-se em trapos, terminou de rasgar a camisa e a gravata, as quais foram cortadas pelo golpe. Furioso, decidiu terminar com a batalha.

Quando se recuperou, a besta viu que o general estava se aproximando, então se preparou para contra-atacar.

Quando ficaram cerca de três metros de distância um do outro, o general criou uma incrível ilusão: um tornado negro circulava o local, o céu e o ambiente fora do observatório tomara a cor avermelhada. Pouco a pouco o tornado ia se fechando, diminuindo o espaço do salão. No centro, os oponentes se encaravam e para completar a ilusão. Akuma criou cópias idênticas de si, confundindo o ser sem inteligência.

Kyõki estava cercado por todos os cantos, e se não fosse o bastante, o tornado ia delimitando cada vez mais o território. Se o paladino estivesse consciente, poderia facilmente escapar daquela armadilha, pois as ilusões só têm efeito se a pessoa acreditar que a ilusão é real.

O general e suas cópias começaram a correr em círculos no sentido horário. Na visão de Kyõki, eles estavam aumentando a velocidade criando outro tornado ao seu redor. Sempre que Akuma via uma abertura, saía do tornado e atacava, criando cortes a cada golpe que limitavam cada vez mais os movimentos do rebelde. A cada investida, a velocidade dos ataques aumentava. O paladino estava louco, rugia por não conseguir acompanhar seu oponente. De tanto mover a cabeça de um lado a outro, ficou zonzo perdendo cada vez mais o equilíbrio e sangue pelas feridas.

Akuma avistou a criatura já derrotada e esperou até que ficasse de costas para dar o golpe final. Se distanciando de suas cópias ilusórias, afastou-se cerca de três passos e criou uma pistola em sua mão. Sabendo que naquela forma Kyõki não poderia diferenciar o real do imaginário, tinha certeza de que seu disparo o mataria. Quando enfim teve sua chance, despediu-se do filho em sua mente: Adeus, Kyõki. E uma pena que você mesmo tenha se posto nessa situação. O general erguia a arma de fogo enquanto abria um sorriso de vitória que não pôde controlar. Se não fosse a dor dos ferimentos, talvez estivesse gargalhando.

Mirando na cabeça do paladino, disparou seu tiro.

Seus olhos, por reflexo, fecharam e a cabeça se moveu para o lado devido ao barulho. Quando reabriu os olhos, viu as gotas de sangue que espirraram até onde ele estava.

Tomado por uma alegria incontrolável, gargalhou enquanto encarava o sangue que jorravam sobre o chão.

 

                                          Capítulo 30

Ragnarõk

Light e Esmeralda enfrentavam os milhares de soldados com toda força e coragem que possuíam. Se não bastasse o grande número desigual de inimigos, entre eles estavam caçadores de elite e os civis que eram força­dos a lutar contra os paladinos.

Enquanto Esmeralda cobria as costas de Light, ele tentava, relutante, distinguir os inimigos das pessoas comuns, mas era freqüentemente inter­rompido. Quando Light conseguia identificar um ou outro soldado, logo disparava a rajada de projéteis com sua metralhadora. Apesar do líder rebelde não querer adotar tal método, não tinha escolha naquela situação de emergência.

Esmeralda, estou quase com minha energia máxima, tenha mais um pouco de paciência.

Ela apenas assentiu, atenta para que nenhum soldado atacasse seu companheiro desprevenido. E por um instante a preocupação a respeito dos outros companheiros tomou sua mente.

Eu me pergunto se eles estão bem. O prédio onde True lutava contra Pandinus desabou e avistei alguém coberto por algum tipo de armadura, mas não sei quem poderia ser.

Não se preocupe, se algo estiver errado, eles avisarão pelo rádio.

Light disparou uma nova seqüência em quatro soldados que avança­vam. As balas de uma das metralhadoras acabara, e como não tinha muni­ção para recarregar, largou sua arma e recuou alguns passos para que ficasse ao alcance da defesa da aluna.

Esmeralda fazia o mesmo, derrotando o máximo de soldados que con­seguia com sua espada, mas não se esquecia de focar sua atenção nos três caçadores de elite que desceram do prédio e se dividiram esperando a hora certa para atacar. Apesar do tempo em que estavam lutando, o número de inimigos não havia diminuído significativamente. Esmeralda apenas ator­doava aqueles que não sabiam se eram civis ou soldados.

Falta pouco - disse Light chegando ainda mais perto da guerreira. - Assim que minhas balas acabarem, vamos colocar em prática nossa estratégia.

Esmeralda assentiu mais uma vez e voltou a se concentrar nos inimigos.

Os soldados estavam muito mais fortes e insanos desde a última vez que os combateram. Durante o tempo em que eles treinavam, os soldados certamente se aprimoraram. Se não fosse por Esmeralda, Light já teria sido pego pelo inimigo, apesar da boa perícia com armas de fogo, a desigual­dade era incomparável.

Light sentiu a arma falhar dirigindo o último projétil que atingiu a cabeça do inimigo. Largou a arma e fez a sincronização com sua alma.

Esmeralda, suas espadas estão prontas?

As espadas que Esmeralda carregava continham um pequeno marcador no centro da lâmina. A cada golpe e a cada defesa que usava as espadas, elas absorviam uma pequena fração da energia espiritual do oponente. Assim que o marcador alcançasse seu limite, Esmeralda estaria pronta para usar seu trunfo.

Sim, ambas estão carregadas à espera do seu comando.

Ótimo, tente ganhar espaço para que eu crie a barreira!

Os três caçadores de elite já tinham se espalhado, ficando um em cada extremo, formando um triângulo. Esmeralda estava ocupada com dois sol­dados e percebeu que os caçadores atacariam. Pensando nisso, guardou uma das espadas e com a outra erguida investiu, arremessando-os a poucos metros, mas o suficiente para que Light criasse sua barreira e garantisse a segurança.

Santuáriol - sussurrou Light invocando uma barreira.

No momento em que a barreira foi criada, os três caçadores de elite atacaram, mas era tarde, fazendo-os se chorarem contra o bloqueio sólido e transparente.

Esta barreira parece diferente das demais - notou a Valquíria.

Santuário é uma barreira que apenas permite almas puras equivalen­tes a de anjos. Nenhum caído ou uma alma pura inferior pode permanecer dentro dela, caso por engano alguma alma seja presa, a barreira agirá como um organismo de defesa tentando expulsar o ser estranho. Além desta, existem outras camadas que exigem ainda mais pureza. Esse tipo de prote­ção é chamada de barreira celeste.

Esmeralda pôde sentir a diferença no momento em que permaneceu dentro dela. Além da mudança de cor do dourado para o branco quase incolor, ela sentia uma sensação boa, de paz, dentro da barreira, como se fosse levada para outro lugar, como se não estivesse no meio de uma guerra.

Vou manter a barreira sólida, então não poderei te ajudar no com­bate. Agora deixo o resto com você - disse Light enquanto sentava de pernas cruzadas e as mãos encostadas uma a outra em posição de prece.

Chegou sua vez de brilhar, Esmeralda — pensou o tutor contente.

No espaço livre ao lado de onde Light estava sentado, Esmeralda abriu a pequena bolsa de pano e pegou uma das sementes que continha em seu interior. Com a espada que ainda estava em sua mão, quebrou o concreto abaixo de seus pés e lá depositou a semente. Erguendo a mão livre na altura de seu rosto, moveu a espada e encostou a lâmina afiada no dedo polegar.

Yggdrasil, árvore da vida, eixo do mundo, eu ofereço meu sangue em troca de sua proteção!

Fazendo um corte superficial, uma gota de seu sangue brotou e caiu sobre a semente enterrada no solo.

Naquele momento, o chão começou a tremer, o que fez os soldados recuarem alguns passos para longe da barreira celeste. A semente que havia sido plantada crescia rapidamente, atingindo vários metros de altura. Nove raízes saiam do solo envolvendo nove esferas brilhantes de diferentes cores. Em uma velocidade surpreendente, a pequena semente cresceu e se tornou uma enorme árvore majestosa que em seus galhos cresciam frutos doura­dos reluzentes. Em seu tronco um cordão verde fosforescente o envolvia ligado ao coração de Esmeralda.

Yggdrasil, o eixo do mundo segundo a mitologia nórdica. Enquanto Esmeralda estiver ligada à árvore, todos os seus ferimentos serão curados tor­nando-a quase invencível, porém uma habilidade tão incrível como esta, certa­mente teria seus riscos. Caso a árvore sofra algum tipo de dano, Esmeralda tam­bém sofrerá, em outras palavras, se uma delas morrer a outra também morre. Por isso necessita-se de algum tipo de suporte para manter a árvore a salvo de ataques inimigos, o que éperfeito para minha barreira "Santuário". O Cordão Vital que as mantém unidas não possui limite de distância e não pode ser rom­pida por armas comuns e dificilmente por armas criadas por almas, sendo o menor dos problemas- Light assistia a tudo sem perder o foco de sua barreira.

A Valquíria virou em direção aos seus inimigos e começou a se concen­trar, erguendo seus braços os quais seguravam a empunhadura das espadas em suas costas. Fechou os olhos e suspirou brevemente, controlando sua respiração. Após alguns segundos ignorando o barulho que os soldados faziam do lado de fora da barreira celeste, sentia a brisa suave que assoprava seu cabelo. E assim que se sentiu segura, avançou para fora da barreira.

Quando já havia avançado alguns metros para longe da proteção, alçou voo até que pudesse ver todos os inimigos de cima. Calculando a distância certa, arremessou suas duas espadas em direções opostas. A corrente que mantinham as espadas presas ao seu braço se estendia sem parecer ter um fim. Ambas as armas penetraram fundo no concreto, delimitando o local onde todos os soldados e sua barreira estavam.

Eu os liberto! Skoll e Hati, lobos celestes!

No momento em que Esmeralda pronunciou aquelas palavras, os grilhões em seu pulso se romperam, libertando as espadas de seu corpo. Quando o fez, ambas espadas, afastadas a vários metros uma da outra, liberaram uma energia escura que tomava forma de lobos gigantescos que cresciam conforme subiam em direção ao céu, envolvendo todo o local delimitado.

Agora! - A Valquíria ergueu a mão em direção ao céu. - Ragnarõk!

Os lobos soltaram um longo uivo enquanto se expandiam aprisio­nando todos em uma cúpula negra. No céu, tomado pela escuridão, apenas via-se o eclipse. Do solo, saíam raízes que envolveram alguns dos supostos soldados dentro da cúpula.

Aí está! Ragnarók, a habilidade suprema de Esmeralda. Delimitando a área da cúpula com suas espadas, ninguém que uma vez fosse aprisionado poderia sair antes que um dos lados terminasse vencedor. Com a Yggdrasil ativa, ela pode identificar aquelas de almas puras e protegê-los do "fim dos tempos". Em outras palavras, protegendo os civis, permitindo que Esmeralda lute contra os soldados sem hesitar - Light sorria pelo plano ter dado certo. - Porém o maior problema vem agora, para manter a Yggdrasil e o Ragnarõk consome-se muita energia, dando a ela no máximo dez minutos devido o tempo em que já vem lutando. Espero que consiga vencer todos os soldados antes que seu tempo acabe — o tutor se preocupou.

A Valquíria, vendo que tudo ocorrera como planejado, pousou para enfrentar seus inimigos.

Dei-me poder, mundo de Niflheim! — A pedido de Esmeralda, de dentro de uma das esferas que Yggdrasil envolvia com suas raízes, de colo­ração preta e roxa, saiu uma alabarda que em poucos segundos chegou até ela.

Brandindo sua arma, Esmeralda demonstrava sua maestria com a ala­barda, fato que fizeram os soldados hesitarem, fazendo um empurrar o outro para decidir quem daria a primeira investida.

Se não veem até mim... - disse a Valquíria com um sorriso - eu vou até vocês! - disse, por fim, trocando o sorriso por uma expressão amedrontadora.

 

True não acreditava no que via. O corpo de seu inimigo jogado ao chão no momento em que ia mudar seu destino. Um inimigo que tinha pedido pelo perdão e era seu dever dar a ele uma segunda chance. Como um soldado que fracassou em sua missão, a tristeza tomou conta de seu coração e quando procurou para ver quem o impedira do sucesso, via Silvia Leon, a viúva que culpava os paladinos pela morte de seu marido.

O Taiji não reconheceu a mulher de imediato. Ela estava usando uma máscara no rosto, a qual nunca tinha visto antes. Nela havia o estranho desenho de alguns ossos da face.

Silvia, é você mesma? - True perguntou, querendo acreditar que tudo aquilo tinha sido um engano.

Silvia afrouxou o acessório para que descesse ao pescoço, e assim faci­litasse sua identificação.

Não reconhece a pessoa que te deu abrigo e te alimentou por três anos? - respondeu, encarando-o com um olhar frio.

Ela estava vestida com uma roupa preta, a mesma que estava usando no funeral de seu marido. O vento sobrava os cabelos longos e brancos. O punhal, sujo com o sangue de Lu talo, estava em sua mão esquerda.

Finalmente encontrei o responsável pela morte de meu marido. Agora ele pagará pelos pecados que cometeu.

Ele não matou Juan com essa intenção, foi apenas... - True tentava buscar as palavras certas, mas falhava. — É complicado explicar, mas ele passou por muita coisa e...

Escute, paladino! - Silvia o interrompeu. - Estou disposta a perdoá­mos, agora que sei quem é o verdadeiro assassino. Mesmo sem ter consci­ência, você me ajudou com meu propósito. Eu estava presente quando o prédio desmoronou e pude ouvir quando ele confessou. Não quero que tenham pena de mim, muito menos agora que estou em uma organização mais justa que a de vocês.

Organização? — pensou True. — Que outra organização existe além da nossa?

Pandora, é nome do nosso grupo. Não temos a menor intenção de atrapalhá-los, nosso único objetivo é dar um fim aos nossos pesadelos.

Quem é o seu líder? - True perguntou mesmo sabendo que talvez não o conhecesse.

Nosso líder? Não sei se tenho permissão para contar, mas posso adiantar que você já ouviu falar dessa pessoa.

True ia fazer mais perguntas, mas uma estranha sombra apareceu e puxou Silvia para baixo, junto ao corpo de Lutalo.

O que está fazendo?

Eu vou levá-lo, essa foi a ordem dada a mim.

O paladino investiu para que tentasse segurá-la, mas antes que True conseguisse impedi-la, Silvia desapareceu com o corpo do falecido general.

O que houve aqui? Por que Silvia está no meio disso tudo? Por que me sinto feliz que ela tenha matado o general e nos inocentado? Se me sinto assim, por que estou triste por Lutalo morrer a poucos instantes de se redimir? Por que

estou sorrindo e chorando ao mesmo tempo? O que houve aqui?

 

Há poucos quilômetros dali o general gargalhava ainda com a cabeça abaixada, certo de sua vitória. A cada gota de sangue que escorria pelo salão uma nova risada. Ele estava fraco, cansado e sem energia para fazer mais ilusões. A última combinação de habilidades lhe custou bastante esforço e concentração.

Para que as ilusões dessem certo, três fatores importantes deveriam ocorrer: primeiro, o general usa seu cérebro para imaginar a ilusão em três dimensões, tendo o devido cuidado com detalhes, para que então o olho projete. Ao contrário do que Kyõki imaginava, não era necessário que o general tenha total campo de visão para que haja a projeção, ele apenas teria que manter a concentração, desse modo, evitando que a ilusão já projetada desaparecesse do local onde não estivesse olhando. Segundo, a pessoa que estiver vendo a ilusão deve acreditar que ela realmente é real; e por último, mas não menos importante, o usuário deve possuir energia suficiente para manter a ilusão criada, como uma bateria.

O "olho projetor" é uma melhoria do projetor comum, em vez de man­dar a imagem apenas à sua frente, ele manda a imagem em uma área específica escolhida pelo usuário. Mas Kyõki acertara em uma coisa, os óculos serviam para interromper a habilidade e apenas ao retirá-los poderia criar as ilusões.

Mesmo as pessoas sabendo que são ilusões, o cérebro, por alguns segun­dos, pode criar uma relação com a realidade, o que pode ser fatal, basta um milésimo de segundo para que o que era fantasia se torne real. A verdade tal­vez não existisse, e sim existisse uma verdade para cada um. A incrível habi­lidade do general que mesmo alguns decifrando seus segredos, o temiam.

Eu venci... Eu venci... - dizia o general ofegante.

Quem você venceu, general? - indagou uma voz conhecida.

O corpo de Akuma congelou, um frio enorme tomou seu corpo e, desta vez, de medo. Ele lentamente procurou pelo corpo abatido e viu a figura ferida o encarando.

Kyõki?

O paladino tinha criado uma barreira no momento exato em que a arma disparou, porém a bala conseguiu penetrar o escudo mesmo per­dendo muito de sua velocidade, o que apenas resultou em uma ferida na palma de sua mão, a qual usou para criar o bloqueio.

Ainda não peguei o jeito destas barreiras. Light realmente é incrível por criar com tanta facilidade e em tamanhos tão variados.

O general o encarava sem entender o que estava acontecendo. Em sua mente, ele o teria matado pelas costas, mas o garoto estava bem, apenas com a mão ferida.

Kyõki percebeu a dúvida no rosto de seu pai então decidiu esclarecer:

O reino divino, o karma positivo combinado com pouquíssimo karma negativo, resulta em um renascimento nos estados divinos. Há dife­rentes níveis de existência divina. Mesmo em um reino tão puro, ainda há sofrimento devido ao tédio e vida longa, por isso, quando começam a morrer, percebem que desperdiçaram suas vidas mais uma vez, entram em um processo de sofrimento mental terrível.

Akuma deu um rápido e grande salto para trás, recuando. Ele, ainda com uma de suas espadas e na outra mão uma das estacas de Kyõki, ficou em posição de batalha e avaliou a nova forma do seu oponente.

Kyõki estava com duas asas brancas e seus ferimentos foram curados. A forma se assemelhava a de Light, mas com algumas diferenças. Seu corpo se curava automaticamente quando era ferido, o que gastava bastante energia fazendo as barreiras serem menores, mas Kyõki achava mais útil daquela maneira.

Minha alma passou à forma de um anjo - explicou para que o general entendesse. — O reino animal é perigoso por perder o controle da mente, e foi pensando nisso que programei a música para não repetir, assim que acabou, determinei que tocasse alguma música me deixar no reino divino, já imaginando que sofreria alguns ferimentos.

As músicas contidas na primeira pasta nomeada "Tengoku" lembrava coi­sas boas, apesar da vida que levou, houve momentos em que estava em harmonia. A melodia que ouvia lembrava o tempo em que passava com sua mãe, dei­tado, enquanto ela ficava ao seu lado o acariciando. Apesar do pai ausente, ele mantinha a situação financeira da família, que era ótima, dando-lhes conforto.

Kyõki avaliou seu oponente e percebeu que não restava tanta energia para que ele fizesse ilusões. Pensando nisso, decidiu contar a ele sobre o que queria ter dito há muito tempo. Um segredo que responderia as dúvidas do general e enfim, poderiam acabar de vez com a batalha.

Por que não acabamos logo esta luta? - disse Kyõki, fazendo o gene­ral focar sua atenção. - Proponho que nós retiremos nossas "máscaras" para por um fim a tudo isso.

O general sabia o que Kyõki queria dizer com "máscaras". Ele sempre soube que seu filho guardava algum segredo que nunca compartilhou e como Kyõki havia dito, ele não era alguém que fosse honesto com as pes­soas, guardando seu real sentimento para si próprio.

Tudo bem, eu concordo - respondeu o general, recuperando a pos­tura. Ele desejava há muito tempo desvendar o filho que, mesmo com a habilidade de ler mentes, não pôde entender.

Kyõki cancelou a barreira e abaixou o volume da música que tocava no seu aparelho.

Como eu disse, existem seis reinos que nossa alma pode permanecer. Usei esses reinos para que minha alma mudasse sua forma, dando-me mais habilidades, mas, ao contrário do que todos pensam, não passei esses anos tentando melhorar minhas habilidades, pelo contrário, tentei ocultá-las ao máximo.

O general ficou ainda mais confuso. Ele sempre procurou por mais e mais poder para alcançar seus ambiciosos objetivos, mas seu filho estava fazendo o oposto.

O que quer dizer?

Kyõki respirou fundo e olhou para seu minúsculo aparelho de som.

Durante a batalha passei por quatro dentre os seis reinos, e um dos dois que não usei, eu expliquei que não possuía controle sobre ele até o momento.

Akuma acompanhava a explicação atento e assentiu enquanto o garoto o encarava.

Existem três reinos superiores e três reinos inferiores. Todos os infe­riores eu comentei, mas ainda resta o último reino dos superiores que falta lhe apresentar. Ele é o reino humano. A condição humana é a primeira das existências nos reinos superiores. Os humanos são praticamente os únicos seres dotados com as condições necessárias para o progresso espiritual, apesar de ser uma condição menos dolorosa que as existências nos reinos inferiores, a condição humana ainda tem muitos tipos de sofrimento, sendo que os quatro tipos principais são o nascimento, a doença, a velhice e a morte.

O general continuava sem entender. Kyõki apenas estava ensinando religião, e ele não era uma pessoa que tinha paciência para coisas desse tipo. O paladino percebeu que seu pai estava com uma expressão de dúvida, então resolveu ir logo ao ponto.

Os humanos possuem uma grande característica que os diferem dos outros seres: a inteligência. A capacidade de raciocínio que, até o momento, ninguém sabe seu limite. Lembrando-nos de que apenas dez por cento do nosso cérebro é usado. Esta é a característica deste reino e, assim como os outros, possui sua característica única.

Sem conseguir agüentar mais nenhum minuto sobre o assunto, ima­ginando que seu filho nunca lhe diria o que desejava, o general investiu contra o paladino com a estaca. Ele correu a distância que os mantinham distantes e quando o alcançou, usou a ponta para perfurar a face. Em um ataque veloz, Kyõki desviou e deixou que a estaca se envolvesse no cabo do fone, retirando-os de seu ouvido, o que lhe custou um pequeno corte superficial na lateral do rosto.

O general ficou ainda mais ofegante. Ele tinha perdido o controle e viu seu filho estender a mão até o rosto para sentir a gravidade da ferida.

Kyõki tampava os olhos e o ferimento. Ele recuou dois passos, fazendo o general imitá-lo.

Durante o dia podemos viajar por todos os seis reinos, porém... — Akuma pensava que o garoto ia repetir novamente sobre o período de vinte e quatro horas, mas voltou à atenção quando escutou o "porém" - no meu caso é diferente. Eu, por algum motivo, estou preso neste reino eternamente, mesmo através da música, minha viagem aos outros reinos é limitada.

Kyõki retirou a mão do rosto e o general, no momento em que encon­trou os olhos de seu filho, sentiu seu corpo e alma congelarem. Seu coração começou a bater mais rápido e o medo do desconhecido tomou sua mente.

Kyõki estava com um olhar que ele nunca vira antes. Em poucas pala­vras, ele podia definir um olhar frio, racional, mas havia muito mais. Assim como o olhar de True permanecia após ocultar seus sentimentos, o olhar de Kyõki estava vazio. Era como se tivesse arrancado as suas emoções e o vão tomasse o lugar de sua alma. "Vazio" seria a palavra mais apropriada para descrever o que via.

Este sou eu, pai. Preso no reino humano, preso somente à razão. Eu sou... um psicopata!

Naquele momento, do lado de fora, uma chuva forte começou. Relâmpagos surgiam no céu e as fortes gotas de chuva caíam dificultando a dura batalha que acontecia.

O general estava em choque após ouvir as palavras de seu filho. Aquela notícia responderia a muitas perguntas que desejava saber, mas não queria acreditar.

Não brinque comigo! Psicopatas não possuem sentimentos, e você mostrou várias vezes que os possui! - Akuma, apavorado, começou a falar em japonês, que era sua língua materna.

Quando? - Kyõki avançou dizendo. - No passado? Quando chorava ou sorria? Na batalha de há poucos minutos quando fiz expressões com meu rosto? — ele respondia no mesmo idioma, e a cada pergunta Kyõki avançava mais um passo enquanto o general recuava. - Vou esclarecer as coisas em uma palavra: teatro!

O general, assustado, perdeu o equilíbrio e caiu sentado no chão e continuou se arrastando para longe do paladino.

Mentira! - gritou o general quando criou uma distância e perce­beu que Kyõki não avançava. - A música é um exemplo, você, quando as ouviu, sentiu algo como... - gaguejou quando notou que Kyõki voltou a avançar. - Ódio! - ele se lembrou. - Você disse que no reino do inferno a mente fica tomada pelo ódio.

Quando finalmente Kyõki o alcançou, agachou para ficar frente a frente com seu pai.

As músicas não me fazem ter sentimentos, mas lembranças. Através delas eu lembro o que desejava naquele momento. Quando você machu­cava minha mãe, desejava fazer o mesmo com você para castigá-lo, esse pensamento fez meu karma produzir energia negativa, por isso o reino do inferno. O que me lembra de três anos atrás, quando me fez rever o episó­dio. Naquela hora, por pouco você não revelou minhas habilidades, o que talvez você pudesse saber a muito tempo se não fosse orgulhoso e ignorasse minha mente.

Akuma poderia ter vasculhado a mente de seu filho quando foi pego junto aos paladinos. No entanto, se julgava conhecedor da mente do garoto, o que custou a derrota nessa batalha.

Lembra quando lhe falei sobre o reino dos deuses invejosos?

O que têm eles? - disse o general recordando-se.

A inveja que me referi das pessoas era por elas terem sentimentos, diferentes de mim.

Akuma arregalou os olhos, ele lembrava-se perfeitamente desta parte, era uma das perguntas que queria que Kyõki respondesse.

Agora se levante. Vamos acabar logo com isso. Você está patético com medo, nem parece uma atitude de um general.

Kyõki deu de costas e foi até a outra extremidade do terraço. Agarrou sua katana moldada por seu espinho e ficou em posição de batalha, espe­rando para que seu oponente se preparasse.

O general levantou furioso por seu filho criticar sua postura como general, o medo foi esquecido e ele se preparou brandindo a espada. Seu orgulho gritava em seus ouvidos, ele não seria derrotado por uma aberração, como julgava ser seu próprio filho, sem que em nenhum momento tentasse imaginar como ele conseguiu suportar todo esse tempo sem sua ajuda.

Só me responda uma coisa, por que se tornou general? - Kyõki quis saber. Ele achou justo depois de ter dito seu maior segredo.

"Tudo muda em um segundo" - respondeu o general lentamente e avançou.

Kyõki não entendeu muito bem o que ele quis dizer, mas depois acha­ria a resposta. No momento, tinha que garantir que haveria um amanhã para ele.

O paladino avançou para enfrentar o general que se aproximava. Os olhos do rapaz continuaram vazios desde a destruição de seu fone de ouvido. O general estava sério, mas não chegava nem perto da expressão de seu filho.

Quando a distância foi percorrida, eles se encontraram e em um rápido movimento de espada tentaram se acertar. Depois da veloz investida, eles ficaram de costas um para o outro nas extremidades.

Kyõki recebeu um pequeno corte no peito esquerdo, nada muito pro­fundo, porém com o general foi diferente. O paladino conseguiu fazer um feroz ataque sobre a ferida já aberta onde havia atingido anteriormente quando estava no reino animal. Akuma caiu ao chão derrotado, enquanto uma poça de sangue se formava ao seu redor.

O garoto se virou e foi até seu pai, que estava quase morto, e o virou para ver seu rosto. Sua katana estava fincada na outra extremidade, já que não necessitaria dela naquele momento.

Como conseguiu? — perguntou o general com suas últimas forças, sua mente só ficaria em paz quando descobrisse como foi derrotado.

Ao contrário de você, eu não usei nenhum truque. No reino humano eu não posso usar nada mais que minha mente avançada. Não posso materializar espinhos ou garras ou barreiras, apenas a inteligência foi minha arma. Mesmo quando estava no reino animal, eu me lembro da batalha. A espada que você levava na mão esquerda era uma ilusão, por isso nunca se defendia com ela por ser arriscado, uma vez que dependia de eu acreditar que era real, mas atacar era diferente, você podia arriscar. Outro pensamento veio em minha mente, uma pessoa que dedicou a vida toda ao escritório de uma empresa não poderia manejar tão facil­mente duas espadas de uma vez. Se tivesse acompanhado minhas aulas de kendô, você saberia disso. Então, apenas tive que acreditar que meu golpe atravessaria sua espada, assim sua ilusão não iria funcionar. E foi o que aconteceu, eu consegui te atingir com um golpe direto. Vocês, gene­rais, deixam o orgulho tomar o controle, subestimando seu inimigo.

Entendo... - disse o general quando foi interrompido com os pigar- ros de sangue. - Você não vai ficar com remorso, vai?

Os psicopatas não sentem remorso, nós podemos até saber que esta­mos errados, mas não sentimos isso.

Akuma, lembrando-se do passado, deu um sorriso torto.

Isso explica muita coisa, o fato de você ser um psicopata. Nunca conseguia fazer você sorrir, por mais que tentasse. Eu o matriculei na aula de kendô quando me pediu imaginando que nossa relação melhoraria, mas não foi como o esperado.

Desculpe-me por isso.

Não deve se desculpar, até porque não sente de verdade algum arre­pendimento quanto a isso. Eu deveria ter notado, sou seu pai, era meu dever.

Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos quando Akuma continuou:

E sua mãe, ela sabia?

Eu não sei. Ela sempre me tratou bem, mas eu também não retri­buía muitos sorrisos. Com o tempo, aprendi a sorrir observando as outras pessoas, mas não era bom o suficiente para parecer espontâneo. Talvez ela sempre soubesse e nunca se importou. Ela devia me amar, apesar de eu não saber exatamente o que é o amor.

Amor - o general relembrava. - Sua mãe foi a melhor coisa que me aconteceu e mesmo assim deixei que o orgulho me possuísse de tal maneira que fiz tamanho mal a ela - lágrimas surgiram dos olhos de Akuma, o que fez Kyõki se surpreender, pois nunca tinha visto seu pai chorar. — Então acho que meus herdeiros acabam aqui, já que não possui sentimentos, creio que não se interesse por uma esposa.

Não que seja esse o ponto. Realmente, por eu não possuir sentimen­tos, não sei o que é o amor ou outro sentimento ligado à outra pessoa, mas não é isso o que mais me impede.

O general encarou seu filho esperando pelo que ia dizer.

Se eu tivesse um filho ou filha, não ia querer que eles sofressem. Os pais afetam em uma grande parte na vida de seus filhos, pensando nisso, imaginei um de meus filhos chegando até mim com um desenho feito por ele. Quando sobe no meu colo ele diz: "Papai, fiz para você, somos eu, você e a mamãe, o que achou?". E nessa hora, eu, sem conhecer os sentimentos,

respondo: "Ficou ótimo". Mesmo sabendo que é um elogio, o tom da voz seria o mesmo, a expressão continuaria séria, e aquele episódio iria se repetir em outras ocasiões, fazendo as crianças crescerem com um pai frio em suas vidas. Então como eu poderia esperar que elas não me odiassem? Como poderia querer que elas dessem importância aos sentimentos se o próprio pai não os possui?

Akuma refletia sobre as palavras enquanto derramava lágrima após lágrima que escorriam pela lateral do rosto. Kyõki o encarava sem saber se o que havia dito provocava tristeza a ele, em sua mente, nunca conseguiria entender.

Está falando de mim, não é?

Não, me refiro a mim. Tive a sorte de conhecer o templo onde aprendi sobre o budismo, se isso não tivesse acontecido, não sei onde esta­ria hoje, talvez estivesse no seu lugar como general.

Responda-me uma última coisa, o que você é? Um puro ou um caído? - perguntou com suas últimas forças.

Segundo o ensinamento budista, eu seria um puro. Mas quem sou eu para me julgar, aprendi poucas coisas, os monges possuem uma sabe­doria muito mais avançada do que meu conhecimento. Além disso, minha forma se assemelha a de um humano, não de um anjo ou de um demônio. Os paladinos não sabem disso, eu estava no reino dos Asuras, então Light julgou minha alma de acordo com aquele momento. O meu aparelho de som serve somente para que não descubram a verdade, sem ele, minha verdadeira forma se manifesta.

Entendo... - Akuma, sentindo muitas dores, decidiu pedir um último favor ao seu filho. - Kyõki, termine o que começou... Se for você, eu não me importo.

O general tossiu mais sangue, e Kyõki decidiu aceitar o pedido. Buscou a katana e voltou até o corpo de seu pai, que já estava com os olhos fecha­dos. O cansaço o dominava junto à dor, então Kyõki ergueu a estaca e a segurou com as duas mãos. Com um rápido movimento, cravou a ponta da lâmina no coração do general, dando um fim ao seu sofrimento.

Akuma Genkaku estava morto.

 

                                       Capítulo 31

A ajuda emerge das sombras

Kyõki recolocou os fones percebendo que seu lado esquerdo sofrerá danos com a última investida do general. No entanto, com o direito ainda em bom estado, podia se manter no reino dos semi-deuses impedindo que os paladinos descobrissem sobre seu segredo. Ele tentou imaginar se Light ficaria bravo com ele por não ter tomado cuidado. Antes que se esquecesse, ele foi até onde tinha deixado a parte superior do kimono, que foi rasgada em um ataque do general, e o colocou sobre as suas costas, voltando uma última vez ao corpo de seu pai para se despedir.

Encarou a posição em que seu pai havia falecido. A expressão era de paz, algo que pensara nunca ver em seu rosto. Um sorriso torto chamava a atenção do paladino que se perguntava o motivo. Avaliando melhor, per­cebeu a estranha posição do corpo, o braço direito estava estendido um pouco acima da cabeça, diferenciando-se do resto do corpo que estava reto. Para alguém que aceitou a morte como uma amiga, não devia estar deitada em uma forma irregular.

Pensando melhor, foi quando percebeu. O general deixou uma men­sagem a ele, como se apontasse para alguma coisa. Com os olhos, Kyõki seguiu a direção em que o braço apontava quando encarou uma pequena porta que, até então, estava oculta a seus olhos devido à falta de iluminação.

Decidido, Kyõki caminhou calmamente em direção à sala, curioso para descobrir o que seu pai queria lhe dizer. Porém, após alguns passos, sentiu um grande abalo no chão, fazendo se perguntar se aquilo seria um terremoto. Para sua surpresa, estava enganado.

Ele virou para o local onde estava o corpo e percebeu que era daquele ponto de onde o abalo vinha com mais intensidade. A cada segundo ia ficando mais forte, quando ele não pôde mais se equilibrar, caiu ao chão, conseguindo usar o braço para impedir que se machucasse.

O abalo não era como um terremoto, ele oscilava. Um abalo e parava, depois outro abalo mais forte.

Após se desequilibrar, mais dois abalos ainda mais intensos sacudiram a torre. Kyõki, sem entender o que estava acontecendo, olhou pela janela fazendo seus olhos se arregalarem. Uma gigante pata de animal, semelhante à de um cão, se aproximava com velocidade ao encontro do observatório. O paladino, já abaixado, envolveu sua cabeça com os braços e esperou pelo encontro.

Quando a pata atingiu a torre, levou com ela o teto do observatório junto ao topo da torre que despencou a vários metros de altitude, criando um grande estrondo assim que atingiu o solo. Alguns fragmentos do teto caíram sobre o paladino, porém não eram grandes o suficiente para feri-lo.

Além da pata que destruiu a estrutura, outra pousou afundando o concreto, criando várias rachaduras, servindo de apoio para que a imensa criatura surgisse.

Kyõki encarou o ser medonho que estava diante de seus olhos. As patas fincaram no concreto mais adiante, para dar uma maior estabilidade e então vieram as cabeças.

A criatura possuía uma imensa cabeça de cão e mais outras seis ao redor, que eram menores. Em cada uma delas uma espécie de coleira feita com a união de várias serpentes. O cão parecia procurar por alguma coisa, ele fitou com os vários pares de olhos negros para Kyõki, mas não parecia ser ele seu objetivo.

- Nós o encontramos! Ele está deitado logo ali! - A voz de uma garota ecoou sobre a noite.

Kyõki não tinha percebido que uma garota, entre 14 e 16 anos, estava agachada em cima da cabeça central da besta. Ela estava usando uma espé­cie de vestido preto que dificultava ser encontrada na noite e ainda mais sobre a imensa criatura negra.

O cão encarou o corpo do general e todos os seus olhos se arregalaram. Antes que Kyõki pudesse fazer qualquer coisa, a criatura abriu a enorme boca da cabeça central e abocanhou o corpo do general, destruindo grande parte do local.

A garota, no momento em que o cão incidiu, saltou para a parte sólida do observatório. Ela não parecia ter notado que ele estava lá, e ele muito menos queria ser descoberto.

Voltando sua atenção ao cão, viu que ele estava diminuindo de tama­nho, tornando-se uma espécie de sombra que formava o corpo de um homem ao lado da garota. Quando a transformação foi concluída, pôde observar um homem alto, forte, de cabelos ondulados usando uma más­cara, que, por algum motivo, era a mesma que a garota estava usando.

O homem, percebendo a presença de Kyõki, seguiu em sua direção. O paladino tentou se levantar tirando os olhos do estranho por alguns segundos, e quando voltou sua atenção a ele, o homem estava parado à sua frente com a mão erguida, oferecendo ajuda.

Segure minha mão, eu te ajudo a levantar.

Kyõki, sem saber o que fazer, resolveu confiar e aceitar a ajuda. Quando ambos estavam de pé, o homem encarou Kyõki e parecia reconhecê-lo.

Por acaso, você é aquele garoto que ajudou Alexandra no Canadá?

Sim, sou eu. Mas quem lhe deu essa informação? — lembrou Kyõki do nome da caçadora com qual trabalhara junto para resolver o mistério do general da América do Norte.

O homem afrouxou o nó da máscara facilitando a memória do paladino.

Alone? Alone Walker! O que está fazendo por aqui? - Kyõki analisou o caído e se perguntou como não notou que era ele. Alone era o mesmo, o cabelo alguns centímetros mais compridos e o cavanhaque, eram as poucas mudanças que havia nele fisicamente.

Eu estava caçando o general da Ásia, mas alguém já o matou - Alone encarou o paladino vendo seu estado quando teve sua conclusão. — Foi você quem o derrotou?

Kyõki assentiu.

—Mas por que o estava caçando? — Kyõki quis saber.

Quando Alone ia responder a garota o interrompeu:

Está uma bagunça lá embaixo. Creio que seja melhor irmos até os outros que devem estar entediados após perderem a viagem até a África.

Você está certa — respondeu Alone e depois voltou sua atenção para Kyõki. - Nos veremos de novo, rapaz.

Quando Alone terminou sua fala, ele criou sua garra e fez um corte no ar. Um portal escuro se abriu, surpreendo o paladino, e antes que ele pedisse para esperar, Alone e a misteriosa garota entraram, desaparecendo por completo.

Desde quando ele pode fazer isso? — pensou.

Agora que estava novamente sozinho, voltou-se ao que ia fazer. Ele temia que, com o ataque da imensa fera de sete cabeças, a sala teria sido destruída, mas para sua felicidade estava intacta. Ele não hesitou e arrom­bou a porta que estava trancada.

O jovem tinha a intenção de encontrar informações importantes para ajudar os outros paladinos na batalha contra o ditador, mesmo que não encontrasse nada que lhe dissesse sobre seu passado. Quando começou a revirar o escritório não encontrou nada de útil. Sobre a mesa estavam alguns documentos como pedidos de residências para soldados, quanti­dade de alimentos em estoque nos dormitórios, pedidos de transferências, entre outros. Porém, após revirar todos os arquivos, achou uma planta de um presídio de segurança máxima, indicando cada passagem e seu local. O presídio ficava na Europa, onde supostamente estaria Ducy.

Kyõki também encontrou uma pasta que informava a relação dos nomes dos prisioneiros contidos na penitenciária da Ásia, indicando se deveriam ser transferidos para a Europa, se foram sentenciados ou perma­neciam no continente. Ele não encontrou o nome de Ducy na relação de prisioneiros contidos na Ásia nem dos sentenciados, para seu alívio. Kyõki teria uma ótima notícia para True, que sonhava em reencontrá-la.

Aproveitando as informações em suas mãos, decidiu procurar pelo nome de sua mãe, que, até então, não tinha notícias desde que foi man­dado para outro continente.

Quando localizou o nome, no lugar onde informaria sua atual situa­ção, estava um asterisco que não constava na legenda. Perturbado, procu­rou no rodapé da página quando encontrou uma descrição.

Então foi isso que aconteceu - Kyõki fechou a pasta e a deixou sobre a mesa.

O paladino, mesmo encontrando informações sobre Ducy e sua mãe, esperava saber mais, foi quando viu que uma gaveta possuía uma fechadura e estava trancada, com o propósito de manter algo protegido e acima de tudo sigiloso.

Ele começou a procurar pela chave, e como tinha convivido com o general, sabia de seus truques. Seu pai guardava coisas importantes em fundos falsos de gavetas e armários. Então, depois de examinar outras três gavetas notou que uma delas possuía um fundo diferente, descobrindo o local da chave. Como havia previsto, a pequena chave dourada que estava escondida no fundo falso destravou a tranca da gaveta, possibilitando sua abertura.

Kyõki poderia ter forçado a fechadura, mas aprendeu também com a convivência com seu pai que ele armava alguns mecanismos que destruíam o conteúdo da gaveta ou cofre caso alguém tentasse forçá-la.

Em seu conteúdo estava um pequeno caderno de anotações. Kyõki pegou e o observou melhor, ao lê-lo, seu corpo paralisou e seus olhos se arregalarem.

- O diário do meu pai!

 

"Pandora", "um líder que eu já ouvi falar", "nova organização", "um pro­pósito maior que o da Ordem" - True refletia sobre as palavras ditas por Silvia, que fora tomada pela vingança. — Tenho que atualizar Light sobre os últimos acontecimentos. Ainda possuo energia espiritual restando, posso voar até onde estão.

True, ansioso para chegar até seu líder, contraiu suas asas, preparando para alçar voo. No entanto, algo o fez hesitar. O paladino antes de aban­donar o local, olhou a poça de sangue deixada pelo corpo do general da África, Pandinus Imperator, que havia sido levado por Silvia.

Nós não conseguimos salvá-lo - disse Taiji em sua mente. - Mesmo aprendendo a sincronização avançada, não pudemos mudar seu destino.

Desculpe, Taiji — True respondeu, deixando sua alma confusa.

Por que está se desculpando?

Você é uma alma rara, com habilidades formidáveis. O culpado por não termos salvado Lutalo sou eu.

O que está dizendo, True? Sabe que somos um, dependemos um do outro para existir...

Eu sei! Foi sabendo disso que conseguimos a sincronização avançada, mas... o nosso corpo éfraco, não consigo usar toda a nossa capacidade.

Taiji nada disse, ele ficava pensando no que True dizia. Não podia fazer nada para ajudá-lo, o jovem teria que crescer sozinho e fortalecer seu corpo.

Taiji!—True chamou em sua mente, fazendo sua alma assustar-se com o comportamento incomum. - Quero que libere todo o seu potencial! Eu vou suportar! Apenas não quero presenciar outro pedido de ajuda que não possa atendê-lo!

-Taiji estava pensativo e ficou sem responder durante alguns minutos. O que True estava pedindo era muito arriscado, talvez pudesse levá-lo à morte.

True, posso fazer o que está me pedindo, mas devo te alertar que pode haver conseqüências. Quando o equilíbrio da balança entre alma e corpo é rompido, coisas muito ruins podem acontecer a uma delas.

True não entendia o porquê de sua alma se referir ao equilíbrio da balança. Ele estava farto de falhas e queria estender a mão a todos aqueles que pudessem segurá-la.

Faça agora!- o paladino ordenou. Sua alma, sem mais hesitar, atendeu ao seu pedido.

Tum, dum... Tum, dum... Tum, dum...

Uma dor insuportável tomou o coração de True naquele instante. Como havia acontecido no Canadá, seus olhos estavam sofrendo altera­ções. Tomado por sensações opostas, gelo e fogo feriam seus olhos como se fossem destruí-los.

Não era isso que True havia pedido. Parecia que Taiji estava ferindo seu corpo por dentro, tornando a dor quase insuportável. O coração ardia e pulsava acelerado, o que fez o jovem pensar que explodiria.

Após alguns segundos que pareceram longos minutos, a dor ia decrescendo enquanto o paladino caía de joelhos, ofegante.

Desculpa por isso True, não imaginava que seria tão doloroso.

O jovem ainda ofegante arrastou-se até uma pedra onde descansou sua cabeça. Agora que a dor havia passado, criou uma fina camada retangular com seu gelo em uma das grandes pedras que estava ao seu lado, podendo ver seu reflexo.

As colorações de seus olhos mudaram novamente. O verde-claro de seu olho direito converteu-se para um tom laranja-claro, similar a cor da chama que envolvia seu braço. O olho esquerdo, antes vermelho-sangue, mudou para o azul-claro.

O que mais o surpreendeu foi ver sua alma refletida junto ao seu reflexo no pequeno espelho improvisado.

Atingimos o nível máximo de nosso "olho", agora você poderá ver a "ver­dade" em cada alma.

A que "verdade" você se refere, Taiji?

Isso não importa agora. Faça aquilo que o fez despertar nesse nível, vamos até aqueles que precisam de nós!

True, agora mais confiante, ergueu-se ao céu e do alto pôde ver a área escura criada por Esmeralda.

A Valquíriajá está no auge de sua luta, precisamos ir até ela. Não se esqueça, True, sinta minha energia fluir em seu corpo e deixe-me guiar seus instintos.

O paladino, tomado por sua determinação, avançou ao encontro de sua aliada, penetrando na cúpula.

Ao atingir seu interior, True viu os vários soldados que ainda restavam investirem contra Esmeralda. Procurando por seu líder, viu Light sentado, mantendo a barreira "Santuário" ativa. Enquanto seguia ao seu encontro, o jovem parou repentinamente quando avistou um comportamento incomum entre as almas.

Parado a vários metros do chão, ele avaliava as almas dos caídos que ata­cavam a jovem Valquíria. Com a evolução de seus olhos, True via além de apenas o formato de cada alma, ele via seus sentimentos. Ao contrário do que esperava, ódio, ganância, cólera, ele via frustração, temor, melancolia. Aquelas visões o fizeram paralisar, várias e várias perguntas e teorias surgiam uma após a outra em sua mente. A principal delas: o motivo deles estarem sofrendo sendo que possuem tudo o que desejam e a suposta resposta: o que eles real­mente estão sentindo. Procurando entre os soldados, avistou a Valquíria com uma expressão impiedosa, tirando vida após vida de cada soldado que estava à sua frente. A alma de Esmeralda estava com a mesma expressão e sua pureza havia diminuído desde a última vez que o paladino tinha visto. Se aquela era a verdade que Taiji se referia, ele não poderia ignorá-la.

Esmeralda enfrentava os soldados bravamente. Desde que tinha criado sua cúpula junto à árvore da vida, havia derrotado metade do exército que a enfrentava. Sua alabarda de Nifheim, ao fazer um corte no oponente, liberava um veneno que prejudicava a sanidade mental e visual, fazendo-o ter visões de ilusórias criaturas apavorantes que não paravam de persegui­dos. Aqueles que sobreviviam ao ataque da Valquíria estariam "cegos" até que ela o finalizasse, facilitando a tarefa de enfrentar tantos inimigos.

Enquanto cravava a ponta de sua arma no inimigo que acabara de derrotar, Esmeralda reconheceu o paladino vindo em sua direção. Ela não sabia quando ele tinha entrado na cúpula, estava tão concentrada na bata­lha que mal o notou.

True? - perguntou a si mesma.

O que você está fazendo! - disse True quando a alcançou.

Esmeralda, ainda confusa, não respondeu de imediato.

Estou impedindo que eles nos matem.

Esmeralda, ainda não percebeu? Olhe só para você!

A jovem, querendo entender, olhou para suas mãos que seguravam sua arma com firmeza, como se fosse a coisa mais importante naquele momento. Quando compreendeu o que True queria dizer, soltou a ala­barda, deixando-a cair sem mais se importar. Suas mãos estavam banhadas com sangue inimigo. "O que você está fazendo?" - A pergunta ecoava em sua mente sem parar.

A Valquíria tremia e os olhos arregalados procuravam por qualquer movimento inimigo em sua direção. O paladino, sentindo pena, envolveu a mulher em seus braços. Ela sentia o sentimento apavorante que era a guerra. Ela lutava para se manter viva, e devido a isso não notara o que fazia.

Está tudo bem, deixe o resto comigo.

Esmeralda, exausta com a grande perda de energia drenada pela árvore e pela cúpula, desativou sua alma e com ela o Ragnarók e a Yggdrasil se foram, liberando consequentemente os civis protegidos pela árvore.

Há alguns metros dali, Light mantinha Santuário sólido. Quando se surpreendeu vendo a Yggdrasil se desfazer.

Esmeralda! Sua energia deve ter acabado, devo ir até ela antes que seja tarde! - Light fez a sincronização com sua alma no modo avançado e voou a procura de sua aluna.

Os soldados desorientados com o veneno da alabarda rodeavam onde os paladinos estavam. Aqueles ainda intactos hesitavam em atacar espe­rando por uma abertura.

Taiji, preciso salvar cada alma aqui presente, deixarei que guie minha intui­ção, apenas os salve — True dizia a sua alma enquanto dava dois passos a frente.

A aparência de True passava agora por transformações. A camada escura de seu braço esquerdo se soltava tornando-se semelhante ao braço direito tomado pelo fogo. Linhas douradas percorreram ambos os braços criando figuras incomuns na atualidade. A asa negra tingiu-se de branco e seu olho esquerdo tornou-se laranja assim como as chamas. O prendedor que mantinha sua mecha presa se soltou deixando o cabelo de espalhar.

Light chegou naquele instante, estranhando a sincronização do rapaz. Vendo Esmeralda sentada sem forças, foi até ela para lhe dar apoio.

Como você está, minha guerreira?

Não sei o que dizer - respondeu a jovem com um olhar perdido.

Quando ele chegou aqui?

Há poucos minutos.

Light ergueu sua cabeça para olhar seu aluno, a energia contida no Taiji era maior que o corpo de True poderia suportar, Light sabia disso, mas ainda não tinha instruído seu aluno sobre o equilíbrio.

True, o que pensa que está fazendo?

Light? Não vi quando chegou — quando o rapaz virou procurando por seu líder, Light pôde notar a diferença nos olhos do paladino.

O que houve com seus olhos? - ele se espantou.

True voltou sua atenção aos soldados e depois de algum tempo respondeu:

O mesmo de antes, mas isso não importa agora. Cuide de Esmeralda e deixe o resto comigo e com o Taiji.

True cerrou os olhos e se concentrou em seu interior.

Vamos salvá-los, Taiji!

Com uma de suas mãos elevadas até o peito e a outra na cintura, o paladino concentrava toda sua energia no vão entre as mãos. As chamas em seus braços foram levadas e contidas na esfera que se formava, além do fogo, as marcas douradas em sua pele drenavam grande parte da energia de sua alma, deixando apenas uma pequena quantidade que seria usada para manter a alma ativa e usada em caso de emergência.

Que quantidade de energia é essa? Ele está concentrando em um ponto! No que está pensando? Qual o será o seu objetivo? — Light tentava imaginar.

True levitou há alguns pés e começou a recitar algumas palavras. À medida que ia dizendo, mais energia ia sendo contida na pequena esfera.

 

"Chama Sagrada,

Aqueça os corações congelados,

Cure as feridas causadas pelo passado,

Retorne o brilho dos olhos,

Reacenda a chama da esperança,

Ilumine o caminho em direção aos sonhos.

Remoção dos Pecados.

Nascer do Sol!".

 

A pequena esfera se expandiu por todo o local equivalente ao da cúpula criada por Esmeralda. Quando alcançaram cada um dos soldados presen­tes, as chamas criaram formas de pequenos anjos que abraçavam cada um dos caídos.

A energia contida em um único ponto havia se expandido aparen­tando a forma do sol. Aqueles que escaparam por algum motivo e tenta­ram correr eram atraídos pela gigante esfera chamejante devido ao campo magnético causado por ela.

Light e Esmeralda, mesmo estando no centro do globo de chamas, não foram afetados, assim como os civis que estavam entre os soldados. Eles apenas assistiam à magnífica habilidade do paladino que iluminava toda a noite.

Meu Deus, True! Como você fez isso? - disse Light em sua mente maravilhado.

Após toda energia ser liberada, as chamas cessaram e True voltou ao chão perto de seus aliados, exausto.

Esmeralda olhou à sua volta e parecia que nenhum soldado havia sobrado. As pessoas que restavam de pé eram civis que logo deixaram o local indo se esconder na cidade.

Conseguimos? - Light se perguntou.

True! - Esmeralda se levantou para ajudar o rapaz. - Você está bem?

Sim - respondeu com uma voz cansada.

Que alívio! - A jovem o abraçou. - Acabou! Nós vencemos!

Light olhava ao longe, agradecendo por ter acabado. Ele encarou aquele céu estrelado que levava todos os seus medos embora. Quando se levantou, alongou seus braços e pernas preparando-se para ir ao encontro de Kyõki. Ainda restava o outro general, mas ele acreditava que o paladino o derrotara.

True encarava o sorriso no rosto de Esmeralda, aquilo trazia paz para ele e estava contente por ela, mas o que ainda não sabia era se seu propósito havia sido cumprido como esperava.

Não pode ser...

O que disse? - True perguntou, percebendo o sorriso que se desfez, e o rosto de Esmeralda empalideceu.

Procurando saber o que a tinha deixado naquele estado, olhou na mesma direção do olhar da amiga quando entendeu a causa do espanto.

No horizonte, na direção oposta a que os civis fugiram, viam-se fileiras de soldados que marchavam ao encontro dos rebeldes.

Light! - True chamou percebendo que o líder estava distraído.

Maldição! Eu devia ter previsto! Os soldados que foram derrotados não passaram de distrações para que nos desgastássemos - o líder rebelde pensava no que poderia fazer naquele momento. - Esmeralda, possui alguma energia?

Não muita, já estava no meu limite quando True chegou.

Então vamos...

Guarde-a! - True interrompeu quando Light ia dizer o que havia pensado. - Light, leve Esmeralda até a sua barreira. Eu sei que leva certo tempo para criá-la além de muita energia. Eu vou distrai-los.

Não se faça de herói, garoto — o líder paladino se irritou pensando na loucura que seu aluno tinha dito.

Não estou me fazendo de herói! - True de alterou. - Não temos escolha! Se todos nós morrermos não vai adiantar muita coisa! Não estou pedindo para que me abandone no campo de batalha, apenas deixe Esmeralda a salvo e volte para me ajudar, tem que ser você, eu não posso entrar na barreira celeste!

Esmeralda queria ficar para lutar, mas entendeu que ela só iria atrapa­lhar. Enquanto encarava os dois discutirem, percebeu a mudança nos olhos do jovem, o que a deixou mais preocupada. Light analisava o plano de seu pupilo. True pensou em tudo, o que deu confiança para ele aceitar.

Tudo bem. Estarei de volta em breve - Light segurou Esmeralda em seus braços, ficando de costas para True.

Estarei aqui - True se virou fitando os soldados que se aproximavam.

Não faça nada idiota - Light se despediu.

 

Kyõki encarava o diário fixamente. Não imaginava seu pai escrevendo um diário, se não estivesse em suas mãos, nunca acreditaria se soubesse por outra pessoa. Na capa, preta de enfeites simples, a palavra "Dias", do título "Dias Inesquecíveis", estava tachado sendo substituído por "Lembranças".

"Lembranças Inesquecíveis" - Kyõki refletia.

Imaginando que os outros paladinos estariam ainda em combate, deci­diu guardar o diário preso à sua roupa e ir até os outros para ajudá-los.

Preciso pensar em como vou voltar... — Kyõki pensava quando sentiu sua cabeça girar, perdendo o controle do corpo, que logo o fez procurar por algum apoio. - Acho que me esforcei além do que deveria, imaginei que a troca de reinos teria um efeito colateral. Desculpe-me, True, Light, Esmeralda.

Deitando no pequeno espaço onde o pouco da chuva que restava não atingia, fechou os olhos e adormeceu.

True enfrentava os soldados sem matá-los. O paladino, ainda aba­lado com seu fracasso, aplicava golpes que apenas atordoava os soldados por um tempo, o que ele ainda não entendia era a razão deles continua­rem lutando, era comum que após um general ser derrotado, muitos soldados desertassem e fugissem amedrontados, a aura de cada general tinha influência em cada alma menos corrompida como se alimentassem os sentimentos ruins que cada um guardava dentro de si, quando essa aura se vai, acontece o mesmo processo quando se tira a droga de um viciado. Sabendo desse fato, alguém com uma aura negativa, superior ou equivalente a de um general, estava por perto para que os soldados continuassem a atacar.

O jovem, entretido com dois soldados que o atacavam simultanea­mente, não percebeu quando mais dois soldados investiram em suas costas para apunhalá-las. Quando havia percebido o perigo não havia mais tempo para reagir, porém Light chegou naquele instante criando uma barreira que o protegeu.

Desculpe a demora! Conseguimos chegar à barreira sem problemas, Esmeralda está a salvo.

Ainda bem que chegou, já estava ficando sem energia.

Vamos terminar logo isso.

Mas antes, me desculpe pelo que aconteceu, não devia ter gritado daquela maneira.

Depois conversaremos sobre isso. Por ora, tenho outros "rebeldes" para ensinar bons modos.

True sorriu e desarmou o próximo soldado que o atacou. Light criava clarões que cegavam os soldados temporariamente enquanto afastava outros com rajadas de vento.

Light continuava com sua seqüência de golpes quando foi surpreen­dido por um soldado que saiu do solo agarrando seus pés, imobilizando-o. Antes que o líder rebelde pudesse se libertar, mais três soldados investiram, forçando-o a criar uma barreira em forma de pirâmide para protegê-lo.

True, vendo a situação de seu tutor, virou-se para afastar os soldados, porém o paladino foi surpreendido com um golpe na lateral da cabeça que o atordoou.

True! Levante! - Light não podia ajudá-lo, se desfizesse a barreira, sofreria o mesmo destino do rapaz. Se não estivesse mantendo Santuário ativo, poderia criar outra barreira que protegesse seu pupilo.

O soldado, sorridente por ter o destino de seu inimigo em suas mãos, ergueu o machado o mais alto que pôde. E com um único golpe tentou acertar o paladino para tirar sua vida.

Tchin! - soou o encontro de dois metais.

True, ainda zonzo, se esforçou para encarar o que ou quem teria impe­dido o ataque do soldado.

Pelo que estou vendo, você continua o mesmo fraco de antes, garoto.

Alone! - True se surpreendeu. Ele não esperava ver o antigo aliado naquele lugar; muito menos ajudando-o.

Light via tudo de relance, pois de onde estava não conseguia ver o rosto da pessoa que surgiu defendendo o paladino.

Eu ouvi certo? Alone? Não pode ser! Mas se for realmente ele, o que faz aqui?

Alone encarou o soldado com um sorriso, e com um curto assobio chamou seus cães, que emergiram do solo cercando o soldado.

Não me mate! Por favor! - O soldado implorou.

Shiii... — Alone fez um gesto de que queria silêncio. - Vai começar! — ele mudou seu gesto, botando a mão atrás da orelha, como se esperasse para ouvir algo. E então veio a canção.

 

"Alegria, mais belo fulgor divino, Filha do Elíseo!

Ébrios de fogo entramos, em teu santuário celeste!

Teus encantos unem novamente,

O que o costume rigorosamente separou,

Todos os homens se irmanam, onde teu doce vôo se detém."

 

Enquanto o lugar era preenchido pela melodia que ecoava, seis pessoas emergiam das sombras. Alone se distanciou do soldado, deixando que seus cães o impedisse de fugir. E quando a voz doce finalmente parou, Alone deu a ordem:

Pandora, ataque!

 

                                    Capítulo 32

Há oito anos

Em um estalar de dedos, as seis pessoas que emergiram das sombras ini­ciaram seus ataques aos soldados restantes. Um dos cães, que vigiavam o ini­migo imóvel perto de onde Alone e os paladinos estavam, saltou e mordeu o pescoço do caído o qual logo foi morto com a investida dos outros cães.

Alone ajudou True a levantar-se e viu o cansaço em seus olhos.

Vá ajudar Light e em seguida a mulher do outro lado do pátio. Deixe os soldados conosco.

Por que está fazendo isso, Alone? Não éramos inimigos? - True per­guntou curioso pelo comportamento estranho.

Apenas fiz isso pelos velhos tempos, agora vá antes que eu mude de idéia — Alone o empurrou, sendo a única hora que ficou de frente.

True, sem mais hesitar, correu até Light e o ajudou derrotando os sol­dados que o mantinha sem ação.

Era mesmo Alone?

Sim, ele está logo ali... — True se virou, apontando para o local onde o encontrou, agora vazio. - Desapareceu!

Vamos até Esmeralda, ela deve estar confusa com tudo isso - Light seguiu na dianteira.

True foi logo atrás de seu líder. Enquanto corria, vias as incríveis habi­lidades e sinergia do grupo que vencia cada um dos soldados com facili­dade. Um deles, todo coberto por vestimentas, liberava uma fumaça de gás verde em uma grande área que parecia neutralizar a visão dos solda­dos e prejudicar sua respiração. Quando os soldados saiam da fumaça, à espera deles estavam duas mulheres; uma delas transformava os soldados que investiam em sua direção em estátuas; enquanto a outra, mais velha, controlava o corpo dos soldados falecidos para lutarem contra os antigos aliados. Mesmo com essa formação, alguns soldados, amedrontados, con­seguiam fugir se distanciando da área de efeito, porém uma mulher dotada de uma incrível velocidade, que estava mais distante dos outros, perseguia aqueles que fugiam e dava um fim às suas vidas.

Light, True? — Esmeralda os chamou e o jovem se assustou, pois estava concentrado na batalha que acontecia a alguns metros. - Se não são vocês que estão lutando contra os soldados, quem são?

Explicaremos mais tarde - disse Light, desativando a barreira.

Incrível! Reduziram o número deles rapidamente! - falou Esmeralda, tentando ver o que acontecia no centro do pátio.

True ainda não havia notado até aquele momento uma dupla, mais distante do outro grupo, derrotar um número ainda maior de soldados que seus outros companheiros.

Aqueles dois são incríveis — Light analisou.

A dupla era composta por um homem que disparava vários mísseis no campo que explodiam levando um grande número de soldados, e uma mulher, que parecia possuir uma força incrível e uma precisão formidável protegendo a retaguarda do homem. Um sabia exatamente o que o outro ia fazer, sem hesitar sequer um movimento, ambos confiavam suas guardas expostas ao outro. Havia momentos em que os paladinos pensaram que um dos integrantes da dupla ia ser atingindo, mas de uma maneira surpre­endente o outro o livrava do perigo sem demonstrar qualquer expressão de medo ou preocupação.

Em poucos minutos, todos os soldados haviam sido derrotados e, as pessoas que os enfrentaram deixaram o local, fazendo o silêncio voltar a reinar no templo.

É isso? Acabou? - Esmeralda se perguntou.

Ainda é cedo para dizer - Light respondeu. - De qualquer forma, temos que saber se Kyõki derrotou o general ou se precisa de ajuda.

Vou tentar contatar com ele pelo rádio — disse Esmeralda afastando-se, onde conseguia um melhor sinal.

"Kyõki, está tudo bem aí? Diga alguma coisa, câmbio".

True observava o horizonte procurando por qualquer vestígio de outros soldados, mas para sua felicidade não havia nenhum.

"Aqui é Esmeralda, responda se estiver ouvindo, câmbio."

Parece que não temos escolha, precisaremos ir à torre. True, desative sua alma, mas fique alerta.

O jovem assentiu e seguiu para saírem do templo.

Esmeralda caminhava entre os dois paladinos que andavam em silên­cio. True estava com um olhar triste e perdido, certamente, ela tentaria animá-lo, mas não estava diferente do rapaz. Na cúpula, quando True a interrompeu, ela já não sabia se o que estavam fazendo era certo ou errado, se suas ações a tornariam melhor que os soldados.

A caminhada não durou muito, logo entraram em uma rua comprida que dava acesso à Torre de Tóquio. Mesmo de longe, quando observaram melhor o local, se espantaram. A parte superior da torre estava no chão, fazendo-os se questionarem como Kyõki estaria e como a batalha teria chegado àquele ponto.

Light! - True chamou e seu líder entendeu de imediato.

Vamos logo!

Quando ambos iam ativar suas almas para voarem ao encontro de Kyõki, hesitaram quando ouviram fortes aplausos.

Quem está fazendo isso? - True indagou.

Ali! Olhem! — Esmeralda apontou para o local alguns metros à frente, próximo à torre.

Os paladinos viram duas pessoas que caminhavam ao seu encontro. Dois homens aparentemente. Um aplaudia enquanto o outro o seguia atento. O homem da frente tinha barba volumosa, pele queimada do sol, uma farda diferente das demais, luvas e botas pretas de couro, no topo da cabeça uma boina da cor da farda com o símbolo do exército, próximo da sua cintura estava presa uma espada de empunhadura simples com guarda mão, punho coberto com enrolamento de cobre, lâmina estreita, de secção em losango, semelhante à espadas do século XVII. O outro homem usava uma roupa mais informal: jeans, camiseta branca, sapatênis e um blazer bege. Ele parecia extremamente magro, mas seus olhares fixos demostra­vam sua força apesar das olheiras. O cabelo era longo e preto sem nenhum tipo de acessório, deixando que esvoaçassem.

A iluminação daquele lugar estava funcionando perfeitamente, dife­rente do pátio onde estavam. Quando os homens alcançaram a luz, fizeram os corações dos paladinos acelerarem com a surpresa.

Devo admitir, vocês superaram minhas expectativas!

True podia identificar aquela voz em uma fração de segundo. A voz que teve que ouvir várias vezes em sua escola. Mesmo se a iluminação esti­vesse precária, ele saberia de quem se tratava. Diante deles estava a pessoa responsável pelo terror do mundo. A pessoa que trouxe o inferno à Terra.

Führer! — True gritou quase rugindo. - O que você faz aqui, desgraçado?

Meu senhor, posso puni-lo pela insolência - sussurrou o homem perto do ouvido do ditador. Sua voz passava tranqüilidade e, de certo modo, tédio.

Não há necessidade disso, Astaroth. Não sei por que pergunta se sabe a resposta.

Desculpe por isso, meu senhor.

True, aproveitando enquanto o ditador e seu subordinado conversa­vam, avaliou suas almas, o que o fez imaginar que forma medonha a alma do ditador havia tomado.

A alma do subordinado era de um homem com asas, braços e pés de dragão, não usava roupas e apenas uma coroa enfeitava o topo de sua cabeça junto a um par de chifres. Um segundo par de asas estava logo abaixo da primeira, porém de plumas. E em sua mão direita uma víbora estava enrolada.

Nunca tinha visto uma alma tão estranha. Não posso subestimá-lo, seu nível de corrupção é muito acima de um general — True engoliu em seco.

Fixando seu olhar em quem realmente queria descobrir a alma, True não entendeu. A alma do ditador não estava à mostra, o que causou uma grande confusão na mente do jovem paladino. Quando não conseguia ver uma alma, geralmente era por ela não possuir uma forma, porém para alguém que comandava todo um exército de caídos isso não era fácil de aceitar.

Light, eu não entendo, não consigo ver... - True mudou a direção de seu olhar encarando seu líder, foi quando percebeu a expressão assustada do tutor.

A alma de Light estava agitada e parecia querer se esconder. True com­parou com o comportamento da alma de Esmeralda, mas diferente do líder rebelde, a Valquíria apenas demonstrava medo e ressentimento pelo passado. Havia algo a mais em Light, não parecia que fora a primeira vez que eles se encontraram, mas Light não tinha dito sobre nenhum contato com o ditador.

Führer! - Esmeralda chamou com uma voz hesitante. - Mesmo quando servia ao exército nunca tive a oportunidade de vê-lo frente a frente. Só ouvia falar de você através de Victor. Eu sempre quis saber por que você fez isso com o mundo. Você destruiu tantos lares a troco de quê? Responda-me!

O ditador ficou em silêncio, ouvindo o que a jovem tinha a dizer, sem qualquer interesse.

Victor". Fazia tempo que não ouvia esse nome. Agora eu me lem­bro, você era a tenente-coronel daquele lixo.

Não o chame assim! — Esmeralda gritou irritada. - Victor odiava ser comparado a isso, coisa que ele não era! As pessoas sempre o julgavam por sua origem, mas todos estavam enganados. Não vou deixar que insulte a memória dele. Não na minha frente!

E o que vai fazer? - disse o Führer, estendendo o braço para impedir que seu subordinado investisse contra a jovem. - Eu posso matá-la agora mesmo se eu quiser, mas não quero criar uma má impressão com o Senhor Constantine.

Má impressão? Não acha que é tarde demais para isso, Führer? - disse True agressivo.

O ditador sorriu e logo respondeu:

Tenho certeza de que quando conversarmos, todo o rancor que sente de mim ficará para trás. Agora falando sobre o assunto que me trouxe aqui... Vejo que já despertou seus olhos!

True franziu o cenho, estranhando o interesse do inimigo pela mudança de seus olhos. Quando o rapaz ia questioná-lo, seu líder interveio.

Não era para você estar aqui! - Light gritou com todas as forças, interrompendo o ditador.

O grito foi tão alto que mesmo seus companheiros o fitaram para enten­der seu comportamento. Nunca o tinham visto com aquela expressão, acos­tumados com uma aparência tranqüila, e agora quase não o reconheciam.

Fique quieto, Senhor Adam, ou terei que fazer coisas bastante desa­gradáveis - disse o ditador agora sério e com um olhar impiedoso.

Já chega! - True o interrompeu. - Na verdade, Führer, estou feliz em vê-lo. Em vez de termos que procurá-lo na Europa, você veio até nós e agora vai pagar pelo que fez ao Lutalo, ao Juan, à Silvia e a todos nós!

True fez a sincronização com sua alma e contraiu o máximo que pôde de suas asas para que investisse ferozmente.

Não interfira, Astaroth - ordenou o ditador ao ver o avanço do rapaz.

Como quiser, mestre.

True atacou com toda sua força em um soco em chamas. Astaroth foi obrigado a desviar; caso contrário, as chamas o alçariam. O ditador era empurrado pela intensidade do golpe do qual defendia apenas com a mão esquerda. O pavimento ia se partindo, já que o ditador o usava para dimi­nuir a velocidade que era arrastado. O paladino em fúria não se importava na direção em que estava indo, apenas queria dar um fim ao ditador e vingar seus amigos.

True! Tem algo de muito estranho nesse homem! Ele está aparando nosso golpe com apenas uma mão!

Se não fosse o alerta de Taiji, o paladino não teria percebido a façanha do inimigo.

Eu não entendo, Taiji! Mesmo sem a alma possuir uma forma, ele ignora nossas chamas como se fossem nada!

Talvez o olho tenha um limite de alcance, por isso não conseguimos ver sua alma. Agora que estamos mais perto, pode ser que funcione.

Não creio que seja esse o motivo, conseguimos ver a alma do outro caído, mas vou tentar assim mesmo.

True ergueu a cabeça para fitar os olhos do ditador e assim ver o for­mato de sua alma, porém o que encontrou foi uma expressão que nunca imaginaria vinda daquele homem.

Em meio àquele ataque, o ditador não parecia preocupado ou irritado; ele, por algum motivo que True desconhecia, encarava o paladino com um olhar triste, de preocupação, quase fraterno. O ditador mudou a direção de seu olhar e ficou pensativo.

Eu sei pelo que você está passando...

Como? - True não entendeu o que seu inimigo quis dizer. Talvez fosse algum tipo de truque, pensou o jovem.

Eu sei como você realmente se sente em meio a tudo isso. Eu te entendo!

O paladino percebeu que o Führer ia apontar para alguma coisa em sua roupa, mas temendo que ele usasse alguma habilidade, o empurrou e se afastou para ganhar distância.

O ditador sorriu ao ver o paladino ofegante e em dúvida.

Peço que se acalme. Se não aprender a controlar sua mente, não vai conseguir lidar com situações como esta.

True investiu mais uma vez, agora materializando sua foice. O inimigo desembainhou sua espada e desarmou o ataque com facilidade, movendo a foice para baixo, como se a espada pesasse uma tonelada.

As lâminas carregam o peso que levamos em nossas costas. Quando o fardo que você carregar se eqüivaler ao meu, trocaremos golpes — disse o Führer quando destruiu a foice fazendo o paladino recuar alguns passos.

O que quer de mim? - desabafou em meio ao turbilhão de pensamentos.

O símbolo em seu peito, eu sei o significado!

Aquelas palavras fizeram True paralisar. Quando começou a ligar os fatos, lembrou que o símbolo que estava marcado em seu corpo era o mesmo da bandeira do exército. Sua cabeça girava, não conseguia entender o que havia ali, o motivo que o ligava ao ditador.

Como sabe de tudo isso? Sobre os meus olhos, o símbolo, o meu nome?

O Führer deixou o sorriso tomar conta de seu rosto. Antes que True percebesse, o ditador atravessou toda a distância que os mantinham afasta­dos, parando ao seu lado.

Somos mais próximos que imagina - sussurrou o Führer.

Quando foi que ele... - pensou o jovem atônito.

Sem dar a chance para que se esquivasse, o ditador acertou True com um soco no abdômen, arremessando-o ao local de origem.

True! Consegue ficar de pé? — Esmeralda ajudou o paladino abatido a se levantar.

Estou bem, pode me soltar.

Por mais que True não quisesse admitir, estava exausto. Tinha enfren­tado um general e usado uma grande quantidade de sua energia para derro­tar os soldados que restavam. Se não fosse pela ajuda de Alone e os outros caídos, o paladino não escaparia com vida. Agora ele fitava o pior dos ini­migos que estava parado ao lado do subordinado com uma mão no queixo e a outra dando apoio ao braço.

No que está pensando? Em quem matar primeiro?

Efetivamente estava pensando em matar seus amigos agora, mas isso, infelizmente, afetaria no seu amadurecimento.

No meu amadurecimento... — pensou True, ainda tentando entender o interesse peculiar do ditador.

Não nos subestime, Führer! - Esmeralda gritou irritada.

Basta! — retrucou o ditador com um olhar soberano. Todos sem exceção se abalaram com a voz forte e amedrontadora. - Ponham-se em seus lugares, paladinos! Acham que estão lidando com um general cheio de falhas como os que vocês derrotaram? Sigam o exemplo de seu comandante!

Os jovens fitaram Light, que não se manifestou, apenas ouvia de cabeça baixa sem nenhuma expressão facial. A atitude do líder os incomodava, pois Light sempre estava um passo à frente deles e não se abalava facilmente.

Um dia também disseram que um general nunca seria derrotado. Hoje, quatro deles já se foram! - True fitou seu inimigo nos olhos com um sorriso, demonstrando sua coragem, contando que Kyõki havia vencido.

O Führer não se intimidou. Continuou a fitar o jovem nos olhos e então se decidiu:

Vocês não me deixam escolha.

Naquele instante um vendaval surgiu envolvendo o ditador. O chão começou a se agitar, aumentando gradativamente até que se abriu for­mando uma enorme depressão. Da abertura, saíram várias mãos cobertas de terra que puxaram Light e Esmeralda para baixo.

Light! Esmeralda! - True, sem equilíbrio, tentou alcançar a mão de um de seus companheiros, mas era tarde, deixando que o solo os engolisse e se fechasse por completo.

Antes que o jovem pudesse fazer algo contra o ditador, sentiu o ar esca­par de seus pulmões. Por algum motivo ele não conseguia respirar, como se o ar deixasse o local.

Está confuso? Não consegue respirar? — O ditador o observava friamente.

Em meio ao suplício, True fitou o Führer, esperando por uma explicação.

Estou impedindo que o ar circule em seu corpo. Sem ele, em poucos segundos, irá morrer e quanto mais tempo ficar sem oxigênio mais riscos de ter seqüelas.

O ditador alcançou onde True estava, jogado-o ao chão, e se agachou.

Seus amigos estão a vários metros abaixo do solo, que não deve possuir muito oxigênio, já que fechei a passagem de ar. Eu poderia enterrá- -los vivos antes que uma gota de suor escorresse pelo meu corpo. - True piorava, começando a tremer. - Está me entendendo, Senhor Constantine? Consegue perceber a diferença entre nós?

O ditador fitou o paladino e quando achou que já era o suficiente para que aprendesse a lição, deixou que o ar voltasse a circular por seu corpo e que os outros paladinos voltassem à superfície.

Enquanto a respiração, dos vulneráveis paladinos, voltava ao normal, o Führer agarrou a gola de True, levantando-o até que conseguisse sussur­rar em seu ouvido.

Vamos fazer um acordo... - ele deu uma pausa para se certificar que o jovem estava atento ao que ia dizer. - Complete as formas que usou para enfrentar Pandinus e quando derrotou os soldados; faça sua lâmina se eqüivaler a minha; depois, venha até mim que lhe direi tudo o que quiser saber sobre isso!

O Führer indicou com a mão onde o estigma do sol negro que estava sobre a pele de True. O mesmo símbolo que fora desenhado na bandeira do exército.

O que te faz pensar que vou ouvi-lo? - disse True cuspindo as pala­vras. Ele não queria admitir que estivesse curioso para saber as respostas, não queria aceitar que apenas o ditador as tinha.

—Ah, você irá! — retrucou o Führer demonstrando sua confiança. —Tenho certeza de que vai querer saber sobre o legado por trás de sua existência!

Legado? - True estranhou a expressão. Seu mentor nunca havia falado sobre algum legado. Novamente, o orgulho do rapaz falou mais alto que sua curiosidade acerca das palavras do ditador.

No entanto, é claro, terá suas respostas se conseguir chegar até mim - continuou o Führer. - Ouvi boatos que o último general está louco para te conhecer. - O ditador encarou de relance a expressão exausta do jovem deixando-o que caísse sobre o chão.

Astaroth fitou seu mestre e esperou que andasse até onde estava, porém quando o Führer deu as costas para o paladino, ele o segurou na perna impedindo-o que deixasse o local.

O que é agora? — O ditador se virou.

True se arrastou, segurando firme na perna do Führer, e cuspiu em seu calçado.

O ditador, sem acreditar no comportamento do derrotado rebelde, o atingiu com um chute, fazendo escorrer sangue de seu nariz e boca.

Eu devia matá-lo agora mesmo, mas há outra maneira de fazê-lo sofrer! - Fazendo uma posição de mãos, fez as nuvens se unirem, ficando pretas e trovões se manifestarem. - Você será culpado pela morte de um inocente! - Mirando a Torre de Tóquio, o Führer apontou com sua mão esquerda para o topo e com a direita para as nuvens, dirigindo um raio que acertou a torre, destruindo grande parte do topo onde chamas rapida­mente surgiram dominando o local.

Kyõki... — disse o jovem paladino sem forças.

O ditador nada disse, apenas se retirou deixando seus inimigos para trás, desaparecendo junto ao seu subordinado.

 

Em algum lugar de Tóquio.

Pandora estava hospedada em um hotel luxuoso, o que foi fácil graças a Alexandra, que ainda possuía seu distintivo, o entregando para Kristin que fingiu ser do exército. O ato só foi possível porque Alexandra conhe­cia uma caçadora parecida com Kristin, e após burlar os números de iden­tificação, não teve problemas quando o soldado recepcionista verificou no sistema. A antiga caçadora de elite estava sendo procurada como traidora; por isso, outro dos integrantes de Pandora teve que conseguir os quartos em seu lugar. No total foram alugadas duas suítes, dividindo quatro dos oito integrantes em cada. Em uma delas estavam: Alone, a misteriosa ado­lescente (que todos a tratavam com respeito), Alexandra e Silvia.

Alone estava apoiado no parapeito da pequena varanda perto de onde Silvia descansava em uma cama. Apenas uma lâmpada iluminava todo o local para que Silvia conseguisse dormir com mais facilidade. As únicas pessoas que usufruíam da luz eram a pequena jovem e Alexandra que se enfrentavam em uma partida de xadrez.

Alexandra observava o comportamento de Alone que estava inquieto naquela noite. Assim que o caído deixou a varanda, foi assistir à partida.

O que está te deixando tão ansioso, Alone? — perguntou Alexandra enquanto movia seu bispo.

Não é nada. Apenas está fazendo muito calor esta noite - Alone respondeu, balançando a regata.

Ele está assim por causa do paladino. True o nome dele, não é? — disse a garota enquanto movia uma de suas peças.

Alone nada disse naquele momento, sabia que nada que dissesse mudaria a opinião da adolescente.

Também fiquei interessada por aquele paladino. O olhar dele era igual ao nosso — ela virou para encarar o caído.

Se você o conhecesse, saberia que não é típico dele - Alone final­mente desabafou. — Aquele olhar era o mesmo que o meu quando dei­xei a Ordem — confessou pausadamente enquanto lembrava-se de seu passado.

A poucos centímetros da porta uma sombra irregular se formou, tão escura quanto o canto mais afastado da luz naquele quarto. De dentro dela saiu um cão de olhos escarlate e uma expressão atenta.

Solitude? — Alexandra não entendeu o motivo de o cão estar ali. - O que ele faz fora do submundo?

A garota observava o rosto de Alone enquanto o cão voltava até seu dono.

O que houve?

O caído suspirou fechando os olhos, quando os reabriu, respondeu à pergunta:

Isso é ruim. O ditador se encontrou com os paladinos.

O que disse? — Alexandra se levantou agitada. - Está me dizendo que...

Foi o que você ouviu. Lembro-me quando nos deparamos com ele. Mal conseguimos resistir a tamanho poder. Se não fosse por Cérbero, hoje não estaríamos conversando neste quarto.

E quando foi isso? O encontro com os paladinos - a garota indagou.

Logo quando nos retiramos - Alone respondeu, fitando o olhar da garota.

A pequena jovem ficou quieta por um tempo, e Alexandra voltou a se sentar para que fizesse sua jogada.

Alone, sabe que com o número de membros que temos, mesmo possuindo almas tão incríveis, não podemos atingir nossos objetivos atual­mente - disse a garota enquanto movia uma de suas peças.

Guerras não são vencidas com números - disse Alexandra quando moveu seu bispo, capturando uma das peças da adversária que estava com um número maior de peças. - Xeque! - anunciou.

Concordo com você, Alexandra. Contudo, para se chegar ao Rei, temos que fazer de tudo ao nosso alcance - retrucou e Alexandra arregalou os olhos ao perceber o movimento que a garota iria realizar com a Rainha. - Xeque-mate! - anunciou a garota e Alexandra com um sorriso aceitou a derrota.

Entendendo a mensagem, Alone também sorria enquanto fitava a garota que assentia.

Alexandra, avise o restante, estamos de partida.

Aonde vamos? - perguntou Alexandra já a caminho da porta.

Diga a eles que vamos "rever alguns antigos colegas de trabalho", e quero que eles se comportem.

Alexandra assentiu e deixou o quarto. A pequena jovem, ainda enca­rando Alone, decidiu perguntar:

Quero que seja verdadeiro comigo, pois sabe como odeio que min­tam para mim. Quando deixou seu cão?

Assim que segui ao seu encontro.

Por que salvou aquele paladino?

Alone se recordava do momento em que salvou True da investida do soldado.

Porque quero ver até onde ele consegue carregar sua cruz sem cair. E quando a verdade for dita a ele, quero estar presente para ver sua reação - Alone deu um longo sorriso, ansioso só de imaginar a chegada daquele momento.

Tem algo a mais, não?

Não tem como esconder nada de você, não é, princesa?

A garota sorriu e não esperou pela resposta.

Alone caminhou até sua avó para despertá-la e dizê-la que estavam de saída.

Abuela?

Não estou dormindo, Alone. E como poderia?

A mão de Silvia tremia enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto.

O caído a havia alertado sobre o caminho que trilhava, mas mesmo assim ainda se sentia culpado pelo que sua avó sentia.

Sairemos em dez minutos, esteja pronta - disse Alone, deixando-a com seus pensamentos.

 

True! Agüente firme, por favor! - Light correu até seu aprendiz e começou a tratar seus ferimentos.

O jovem sentia raiva pelo comportamento de seu líder que apenas assistiu a tudo sem interferir. Por mais que estivesse irritado com a atitude de Light, True, devido à nova habilidade de seus olhos que conseguiam captar o sentimento das almas, compreendia o homem que jorrava lágri­mas de seus olhos, mesmo contrariando as dores em seu corpo.

Desculpe... por tudo! Eu só não consegui...

Esmeralda, compreendendo a atitude hesitante, envolveu Light em um abraço, botando suas mãos sobre as deles para que parassem de tremer.

Eu já o havia enfrentado... fazia parte da Liga de Brian Oak quando aconteceu... foi um total fracasso, deixamos muito homens para trás, mui­tos deles foram mortos e outros ainda continuam presos. Eu e Brian fomos os únicos sobreviventes e... depois da humilhante derrota, decidimos que não mais nos envolveríamos.

Por que nunca nos contou? — perguntou Esmeralda, imaginando que True queria saber o mesmo.

Porque não queria que vocês soubessem que fracassei! Desculpe, fui egoísta, um completo idiota! — Light se lamentava.

True não conseguia sentir raiva de seu instrutor, por mais que dese­jasse. Os sentimentos reais que se manifestavam da alma de Light pareciam chegar até ele.

Naquela época, não conheci Alexandra pessoalmente, apenas sabia que Brian tinha uma esposa e um filho. Nesse período, pensava que apenas eu era capaz de realizar a sincronização da alma. Se não fosse tão ignorante, eu poderia...

True empurrou levemente a lateral do rosto de Light com seu punho fechado, interrompendo o que ele ia dizer.

Não podemos mudar o passado, mas podemos construir o futuro - disse True esforçando-se em um sorriso ao ver a tristeza deixar o rosto de seu amigo e tutor. - Agora, se não calar a boca, vou dar um jeito para que nunca a abra novamente.

Esmeralda sorriu. Ela imaginava que o jovem paladino estivesse zan­gado com Light e que não o perdoaria naquele momento, mas ele havia mostrado sua maturidade.

Isso mesmo, afinal, Kyõki deve estar nos esperando - a jovem acrescentou.

Você acha que... - Light ia dizendo.

Está brincando? Aquele moleque é tão inteligente que prevê até a morte - True brincou.

Light pode ter errado em seu passado, mas nem tudo foi um erro. Ele soube ensinar como ninguém, a sempre deixar acesa, por mais fraca que seja, a chama da esperança.

 

Escondido em um canto onde uma pequena cobertura oferecia pro­teção dos últimos pingos de chuva que caíam, estava Kyõki, dormindo, exausto. As gotas escorriam para a extremidade do pequeno abrigo até que alcançassem uma viga onde se aglomeravam até que caíssem sobre a testa do paladino que, com a constante queda das gotas, acordou.

Reabrindo os olhos, encarou o local ao seu redor, imaginando quanto tempo ele havia dormido.

Preciso ir até os outros — pensou, dando uma ordem a si mesmo.

Assim que se levantou foi até a borda e encarou o chão.

E melhor descermos logo, as nuvens estão se mexendo depressa, uma tem­pestade está se aproximando — disse a alma de Kyõki.

Concordo com você, Yamaarashi — respondeu encarando o céu.

Voltando sua atenção para baixo, pensando em qual seria a melhor maneira para descer, deixou que o diário preso a sua calça se soltasse e caísse.

Essa não! - Kyõki tentou agarrar o diário, mas já era tarde, vendo o pequeno objeto se distanciar a cada segundo.

Sem hesitar, criou um longo espinho que se estendeu do solo até a altura onde estava, porém um pouco afastado da borda por motivo de segurança, caso a estrutura cedesse enquanto estivesse descendo. O pala­dino se afastou até o centro da pequena área e iniciou sua corrida até a extremidade onde saltou para alcançar a estaca.

Cabrum! — Soou o trovão quando o relâmpago surgiu atingindo a superfície onde o Paladino estava anteriormente.

Devido ao relâmpago, Kyõki foi arremessado além da estaca, fora seus sentidos sofrerem com o fenômeno. Sua visão estava embaralhada e seus braços e pés não se mexiam. O paladino estava perdendo a consciência enquanto caía a vários metros de altura.

Sem ninguém para ajudá-lo, Kyõki se perguntava se tudo acabaria ali, o que o fez refletir sobre seu passado. Ele havia completado seu objetivo livrando o Canadá e o Japão da ditatura, mas algo o incomodava, como se ainda restasse algo a fazer.

Sua mente voltava no tempo, em um período antes da ditadura. Ele estava em um beco escuro, apesar da tarde estar em seu auge. Estava sem os fones que não usava na época, suas roupas eram o uniforme da escola de onde estava voltando. Junto a ele, um homem, vestindo farrapos com manchas de sangue, segurava uma faca o ameaçando.

"Entregue tudo o que tem, garoto, se não quiser perder a vida" - dizia o homem.

Kyõki o encarava com a mesma expressão séria de sempre, sem demonstrar qualquer medo.

"O que está olhando? Por acaso acha que estou brincando sobre tirar sua vida?"

"Não..." - ele o interrompeu. — "Não tenho dúvidas quanto a isso. Eu o conheço, vi seu rosto no noticiário. Acusado de esfaquear cinco mulheres, três crianças e dois homens, sendo eles amigos próximos. O mundo não precisa de alguém como você, sua morte será o maior bem que já fiz."

O homem hesitou ao perceber o olhar da criança, que a passos curtos ia se aproximando.

"Morra!" - Kyõki investiu.

Em poucos segundos, o garoto encarava sua vítima jogada ao chão. Em sua mão tingida de vermelho estava a faca, que o homem segurava quando o abordou, enquanto o sangue pingava de sua lâmina.

"Você!" — disse outra criança, porém mais velha que Kyõki, indo ao seu encontro. - "Que se julga no direito de decidir sobre a vida de um homem" — O menino ruivo de olhos rubros e cabelos longos e amarrados dizia em japonês. - "Se tudo o que disse é verdade, você é tão desnecessário quanto ele nesse mundo!"

"Afaste-se ou terá o mesmo destino que este homem" — alertou Kyõki, apontando a faca para o pescoço do estranho.

A criança parou e fitou os olhos do assassino, mas não se amedrontou com a ameaça.

"Apesar de seus olhos frios e inumanos, são cegos, incapazes de enxer­gar a verdadeira essência." - A entrada e saída do beco foram fechadas por uma barreira de chamas que surgiram do vão. Os muros também foram envolvidos pelas chamas fazendo Kyõki pensar de onde elas tinham sur­gido. - "Essas chamas foram criadas por mim, que sou seu mestre. Se pre­tende continuar com seus assassinatos não terei escolha senão fazer justiça. Entretanto, se me der a chance de lhe mostrar um caminho mais nobre, prometo-lhe que não se arrependerá."

Kyõki não sabia o que estava sentindo naquele momento. Na verdade, nunca havia preenchido sua alma com nenhum sentimento, mas aquilo era diferente. Por algum motivo que ele próprio desconhecia, o olhar daquele garoto que estendia a mão dava a ele uma oportunidade de um novo cami­nho que pensou que nunca existia. Tomado pelo impulso, Kyõki aceitou a oferta.

"Há um lugar que quero que conheça, o Templo Zojoji."

 

O paladino continuava a cair ganhando mais velocidade. Seus olhos estavam se fechando e com o mínimo que restava de seu reflexo, Kyõki avistou uma pessoa que estendia a mão e vinha ao seu encontro.

O jovem se perguntava se estaria louco, ou realmente estava vendo um homem cair da mesma altura para salvá-lo. Sem ter nada o que fazer para tirá-lo daquela situação, decidiu acreditar no que via, torcendo para que não fosse uma ilusão.

O homem conseguiu alcançar a mão de Kyõki que estava quase inconsciente, envolvendo com um dos braços do paladino o seu pes­coço. Virando para o local de onde surgiu o relâmpago, o homem esten­deu a mão livre, como se quisesse alcançar as chamas na parte superior da torre, e como se elas estivessem vivas, as chamas desceram ao seu encontro. Assim que estavam prestes a atingir o solo, o estranho direcionou as chamas para o solo até que perdessem velocidade suficiente para descerem em segurança.

Algumas partes da torre havia se soltado, caindo onde estavam. Pensando rápido, o homem retirou uma das duas espadas que possuía embainhadas em sua cintura e com um simples movimento cortou o bloco de concreto e as vigas que iam atingi-los.

Agora que estavam a salvo, o homem cumprimentou o paladino:

Olhe só para você! Faz tempo que não o vejo e quando o encontro está caindo da Torre de Tóquio! Desse modo você envergonha nosso mes­tre! - dizia em japonês.

Kyõki ouvia aquela voz familiar, rígida e protetora. Virando para enca­rar quem o tinha salvado, identificou o rosto da criança que o encontrou em um beco escuro há vários anos. Os cabelos longos e amarrados continu­avam os mesmos. Os olhos rubros focados e preocupados demonstravam seus sentimentos. Cicatrizes, uma que começava próximo a sobrancelha esquerda até o canto dos lábios e outra um pouco afastada do queixo onde se estendia na altura do nariz, e a barba rala no queixo lembrava que o tempo tinha passado. A altura se eqüivalia a de Kyõki, porém o homem aparentava um corpo mais robusto e a pele era levemente bronzeada. Estava vestido com um kimono e por algumas partes de uma armadura que protegiam seus membros.

Kitsune! O que faz aqui? Pensei que você estivesse preso ou morto — lembrou-se de seu único amigo de infância.

Idiota! - Kitsune o segurou enquanto fechava o punho simulando um soco. — É assim que me agradece?

Desculpe - respondeu na mesma língua forçando um sorriso. - Estou surpreso em te ver. Que bom que estava por perto.

Kitsune encarou o paladino e o soltou.

Não precisa fingir o sorriso. Sei muito bem que não possui senti­mentos. Sobre o comentário, desde que seja honesto, eu não me importo, pelo menos vindo de você - disse ajudando o amigo a se levantar. - Acha que consegue andar?

Não.

Respondeu rápido demais! — resmungou.

Desculpe, mas estou muito fraco. O relâmpago atingiu o local pró­ximo de onde estava, preciso descansar.

Tudo bem. Suba nas minhas costas, eu te carrego.

Kyõki se apoiou em seu velho amigo e decidiu informá-lo sobre os paladinos.

Kitsune, agora, eu faço parte da Ordem dos Paladinos. Eles devem estar me esperando em algum lugar do templo. Como não vieram até à torre, acredito que devem estar com problemas.

Aquela organização? Parece que você também passou por mudan­ças - Kitsune sorriu, tentando imaginar Kyõki agindo em grupo. - Quando o conheci, pensava apenas em si mesmo. Estou ansioso para conhecê-los.

O paladino nada disse, ele agora dormia novamente exausto depois de quase ser atingindo por um raio.

Kitsune ia caminhar em direção ao templo quando avistou um pequeno caderno jogado ao chão. Lembrando que havia visto seu amigo deixar algo cair, foi até o pequeno objeto para apanhá-lo, porém antes de alcançá-lo, um homem de jeans, camiseta e um blazer bege pegou o objeto e encarou o japonês.

Então você é o Kitsune e esse outro deve ser Kyõki — disse o homem erguendo o braço para entregar o pequeno caderno. - Meu nome é Astaroth, é um prazer conhecê-los.

Kitsune, tentado imaginar de onde o estranho tinha surgido, agarrou o caderno e nada disse.

Astaroth caminhou até o lado do japonês e sussurrou:

Aguardo ansioso por vocês. — Um dos olhos do caído derramou san­gue e antes que Kitsune pudesse perceber, o homem se foi.

"Aguardo ansioso por vocês" — refletia. — O que aconteceu aqui? Não pude dizer se quer uma palavra... A presença daquele homem, nunca senti algo tão sombrio!

Avaliando melhor o caderno que possuía em suas mãos, leu o que estava escrito na capa: "Lembranças Inesquecíveis. Pertence a: Genkaku Akuma".

O pai de Kyõki. Então quando ele saltou estava atrás disto — ele encarou o jovem que carregava. — Não está em meu direito tirar esta informação de você, mas espero que aqui não contenha nada para que volte a ser o que era antes.

 

O pequeno grupo avançava em direção à torre, preocupados com o estado de seu companheiro, que até o momento não dera notícias sobre seu sucesso ou fracasso. Quando enfim chegaram ao local, procuraram pelo paladino em meio ao cenário decorado com os destroços da torre.

Esmeralda, procure por ele no topo, eu e True procuraremos por aqui.

Entendido - respondeu a jovem, ativando sua alma com a energia que tinha acumulado no contratempo.

Os dois paladinos caminharam no terreno irregular à procura de qual­quer sinal de Kyõki, até que Light avistou um homem que carregava seu aluno.

Ele está ali! Mas quem é aquele? - Light avisou True que pensou o mesmo.

Kitsune percebendo que não estava mais sozinho. Preparou-se para se defender caso fossem inimigos, porém, à medida que os paladinos cami­nhavam em sua direção, ele pôde identificá-los, lembrando quando os vira no noticiário há três anos e o símbolo na roupa. Sabendo que eram os aliados de Kyõki, acenou.

"Esmeralda, nós o encontramos. Estamos no sudoeste da torre, câm­bio" — Light informou a jovem.

"Entendido, já estou a caminho, câmbio".

Prazer em conhecê-los, meu nome é Kitsune, amigo de infância do Kyõki.

Amigo de infância? — True estranhou, lembrando-se que o paladino nunca havia comentado sobre o assunto.

Muito prazer, Kitsune. Eu sou Light e esse é True. Somos da Ordem dos Paladinos, assim como Kyõki. Desculpe desconfiar de suas palavras, mas ele nunca comentou sobre você.

Nunca comentou sobre mim? Que moleque ingrato, depois de tudo o que fiz por ele! Assim que ele acordar, vou cuidar para que eu mesmo o jogue da torre! - Kitsune parou, percebendo um olhar de desconfiança dos paladinos.

True? - Light perguntou, esperando que ele lhe desse uma avaliação melhor sobre o que o homem dizia.

True viu a alma de Kitsune, que era de uma raposa com fogo em suas patas. Enquanto o estranho se apresentava, o paladino via que ele falava a verdade pelo comportamento calmo de sua alma, e quando falava de Kyõki, True via alegria.

Eles parecem ter passado muitos momentos juntos. Bons e maus - True sorriu, confirmando a versão de Kitsune. - Achei interessante a alma dele, uma raposa manipuladora de fogo, bem original. E não se preocupe, ela é pura.

Kitsune tinha ouvido boatos sobre as habilidades dos paladinos, mesmo assim não impediu que se admirasse. Em um simples olhar o pala­dino descobriu informações sobre sua alma e sobre sua infância.

Então o que aconteceu? — Light indagou.

Resumindo, um raio quase o atingiu, o que o fez ser jogado para fora da torre. Nessa hora eu apareci e impedi que ele atingisse o chão.

Light e True trocaram olhares se lembrando de quando o ditador diri­giu um raio no topo da torre, se não fosse por Kitsune, Kyõki realmente estaria morto.

E o general? - True lembrou.

General? Não havia ninguém na torre além de Kyõki.

Ele pode ter fugido — disse Light, confuso. — Mas quanto a isso, deixaremos que Kyõki esclareça.

Ele está desacordado agora. Talvez tenha que fazer alguns exames parar checar se houve algum dano. Eu já vi casos que pessoas ficaram desa­cordadas por um bom tempo quando um raio atingiu o local perto de onde estavam. Kyõki realmente teve muita sorte.

Concordo com você — disse Light. - Temos dois veículos estacio­nados na entrada do templo, lá adiantarei o tratamento. Se não for inco­modo, peço que nos acompanhe até nossa base.

Irei sem nenhum proble...

Desculpe pela demora! Aqui está uma bagunça vista de cima - Esmeralda pousou surpreendendo o japonês.

Maldito Kyõki! Fazendo parte da mesma organização que essa gata! — Kitsune invejava.

True, percebendo a animação e admiração através da alma de Kitsune, o intimidou:

Nem se atreva!

Kitsune, percebendo o gesto protetor sobre a jovem, resolveu ser mais discreto.

Quem é esse? — Esmeralda perguntou.

Contamos tudo pelo caminho - respondeu True antes que o homem se apresentasse.

O grupo ia deixando o local quando True perdeu o equilíbrio do corpo por um instante.

Está tudo bem, True? - Esmeralda indagou preocupada.

Sim, só foi uma tontura.

Quando voltaram a caminhar, Esmeralda se alegrava por tudo ter acabado.

- Até que enfim. Agora que todos nós estamos juntos, podemos voltar para nossa pacífica base.

Sim. Finalmente um descanso merecido. Mal posso esperar para ver o sorriso voltar ao rosto das pessoas.

True caminhava devagar quanto tudo ficou escuro e não pôde mais sustentar seu corpo.

True! - Esmeralda o segurou antes que caísse.

Obrigado, Esmeralda. Eu não sei o que aconteceu.

Certo, agora se apoie em mim e não se faça de teimoso — a jovem segurou o braço do paladino, envolvendo-o em seu pescoço enquanto com o braço livre o segurava do outro lado, na região das costelas. - Minha nossa! Você está muito quente! Deve estar com quase quarenta graus! Não percebeu a mudança na temperatura? — estarreceu.

Acha que consegue chegar até a base? - perguntou Light.

Eu me senti estranho um pouco antes de virmos para cá. Mas não se preocupem, depois que comer alguma coisa e ter um bom descano vou estarei bem melhor.

A febre deve ter sido causada por ele forçar a sincronia com a alma além de sua capacidade — Light pensava.

Paladinos, tem alguém nos observando! — Kitsune os alertou indi­cando as duas pessoas paradas olhando para onde estavam.

Ambos pareciam ser soldados, devido aos uniformes e os capacetes que escondiam suas identidades, concluindo que estavam no meio do imenso exército que os atacou. Um dos supostos soldados era uma mulher que tinha a mesma altura de Esmeralda e o outro parecia ser um homem, que era um pouco menor que True, porém mais alto que a mulher.

O que querem? — Light perguntou, preparando para criar uma bar­reira caso fosse necessário.

É mesmo você? - disse a mulher.

Aquela voz fez o coração de True bater mais forte. A voz que não escu­tava há oito anos.

A mulher retirou o capacete e todos puderam vê-la. Os cabelos com­pridos eram castanhos, que lembrava o tom de mel. Olhos também cas­tanhos, pele clara como a de True e uma expressão de surpresa enquanto lágrimas desciam de seus olhos até que chegassem a sua boca, que se esfor­çava em um sorriso para não se entregar ao choro.

O homem, também retirando o capacete, mostrou sua face. Cabelos castanho-escuros curtos e olhos esverdeados, postura ereta demonstrava sua personalidade firme, e o sorriso relaxado mostrava seu carinho. Diferente da mulher, ele usava óculos discretos com armação preta.

Sonhamos muito com esse reencontro, meu garoto - disse o homem com uma voz grave, mas não assustadora.

Não pode ser...

Você os conhece? - Esmeralda indagou.

Eles são meus pais! - disse True atônito.

 

                                       Capítulo 33

Invasão

True despertava de seu sono. Olhando o local à sua volta, lembrou-se daquele local familiar, percebendo que estava na ala hospitalar da Ordem. Relembrando o que tinha acontecido na noite anterior, depois de ter a visão de seus pais ao seu alcance, em um longo abraço, mataram aquele tempo perdido. Os paladinos voltaram à base naquela noite e seus pais vieram com eles, preocupados com a saúde do jovem que apresentava uma forte febre. Ele agora estava melhor, mas podia sentir o corpo quente, porém não como antes.

Em outra cama ao lado da dele, estava Kyõki, que ainda dormia. Os fones estavam sobre um criado-mudo que acompanhava cada cama. True, desperto, sentou e tentou se levantar para que fosse ao encontro dos outros. Já de pé apanhou sua roupa e tentou se trocar, porém a tontura que havia sentido no dia anterior voltara, fazendo seu corpo perder o equilíbrio por um instante. Felizmente, Light e Esmeralda estavam chegando ao local, impedindo que True se machucasse com a queda.

True, não se esforce! Você ainda não está em condições de sair andando por aí! — Light advertia enquanto aparava o jovem.

Desculpe por isso, eu me senti bem melhor quando acordei, mas, de repente, me senti fraco - respondeu, deitando-se novamente na cama, ajeitando o travesseiro para que a cabeça ficasse mais elevada.

Está assim porque ainda não comeu nada. Eu já teria trazido algo para você, mas sua mãe insistiu que prepararia algo - apesar de saber que True não via os pais há oito anos, Esmeralda não via felicidade ou ansie­dade no paladino. — O que foi? Não está feliz por ter reencontrado eles?

Não é isso - retrucou - Eu só não sei como lidar com eles. Digo... Passou-se muito tempo, e eu mudei bastante e eles também. Não sei como esse período afetou as coisas.

Light encarou o jovem entendendo seus sentimentos. Procurando confortá-lo, lembrou-se da boa notícia que tinha a dar.

Tenho certeza de que, com o tempo, isso vai passar. Mudando de assunto, tenho algo que possa te animar.

True ouvindo aquelas palavras olhou seu tutor, atento, tentando ima­ginar qual seria a boa notícia.

Quando você penetrou na cúpula de Esmeralda e interrompeu a batalha, lembra do motivo que te levou a agir daquela maneira?

Sim - assentiu sem hesitar. - Eu percebi um comportamento inco- mum nas almas dos soldados, seus sentimentos, os quais não imaginava vindo deles. Eu não sei como transmitir em palavras, mas sabia de algum modo que eles estavam sofrendo e tudo que eu desejei naquele momento era ajudá-los.

E então você confiou em sua intuição, em sua alma melhor dizendo.

Meu coração batia acelerando e meu corpo se mexia sozinho como se soubesse o que estava fazendo — assentiu.

Quando, enfim, usou aquela técnica.

True assentiu novamente.

Por quê? - perguntou True, confuso.

É melhor você ver com os próprios olhos - Light sorriu encarando Esmeralda que retribuiu o sorriso.

Não estou entendendo nada.

Não seja ansioso. Assim que fizer o desjejum você verá.

Ver o quê?

Interrompendo a conversa dos paladinos, a mãe de True, Melissa Constantine, entrou segurando uma bandeja com frutas, cereais e alguns laticínios.

Bom dia, filho. Eu trouxe muitas coisas gostosas para você. Logo estará longe dessa cama.

Bom dia... e obrigado.

Por nada. - Melissa deixou a bandeja sobre o criado e deu um beijo na testa de seu filho. - Quer que eu te ajude? Posso te dar comida na boca se estiver se sentindo muito fraco.

Não, obrigado — True corou.

Esmeralda tentou não rir, mas não conseguiu. Light imaginou que aquilo iria acontecer então pôde disfarçar melhor.

Pare com isso, Melissa. Nosso filho já é um homem - interrompeu o pai de True, dando um fim a sessão de risos.

Bom dia, pai. Ainda bem que chegou, minha mãe já tá dando traba­lho - True disse brincando, mas, mesmo sem querer, sua mãe interpretou de outra maneira.

Desculpe, True. Vou procurar me conter - Melissa se desculpou, tentando disfarçar a expressão triste.

Não é isso... é que posso fazer sozinho... - True procurou palavras, mas sabia que só iria piorar a situação.

Interrompendo o silêncio que se formou, o pai de True, Harrison Constantine, propôs:

Vamos querida, deixe-o aproveitar as deliciosas coisas que você trouxe e se recuperar normalmente. Ele está sendo bem cuidado, ainda não percebeu a linda jovem que está ao lado dele - concluiu com um sorriso. - Mais tarde, se ele estiver disposto, nós almoçamos juntos e superaremos esses oito anos perdidos.

Light se surpreendeu com o comportamento de Harrison, sua sabe­doria conseguiu ir mais além do que a ansiedade de ficar com o filho, se preocupando com todos.

Você está certo. Desde que o vimos, vocês não o deixam desam­parado, obrigada por estarem cuidando do meu filho durante todo esse tempo - Melissa direcionou-se a Esmeralda e Light, agradecendo-os.

Não precisa agradecer, fizemos por ele o mesmo que faríamos por qualquer outro. Devo parabenizá-los pela ótima educação que deram a ele; hoje, ele é um homem graças a vocês.

Afinal, ele também fez muito por nós, eu mesma sou muito grata a ele - disse Esmeralda com um sorriso.

True — Harrison chamou. - Por que não leva Esmeralda para almo­çar conosco? Ela parece ser uma mulher simpática, também seria interes­sante conhecê-la.

O jovem paladino ficou sem saber o que dizer em meio a toda aquela situação constrangedora.

Fica à sua escolha, agora estamos indo. Até mais tarde, filho — despe­diu o pai de True, percebendo o comportamento hesitante.

-Vou estar te esperando - despediu-se Melissa dando um último beijo em seu filho.

Adeus - Harrison despediu dos outros paladinos que retribuíram.

Assim que os pais de True deixaram o local, o jovem se aliviou, não por eles terem o deixado; pelo contrário, queria passar o maior tempo com eles para matar a saudade, mas sabia que tinha que ir devagar, sem querer poderia dizer algo como de há poucos instantes.

Vocês viram? Eu a magoei.

Não foi sua culpa, você disse sem pensar - Light o consolou.

E Esmeralda, não precisa ir, se não quiser, ao almoço.

Quanto a isso, ficarei feliz em ir, se você quiser, é claro, eles parecem ser pessoas legais, só estão sendo seus pais, você entende.

Eu agradeço se me fizer companhia. Pode me ajudar caso fale boba­gens de novo.

Eu discordo - Light interveio. - True, eu sei que está nervoso com tudo isso, mas são seus pais. Você tem que fazer isso sozinho, não vai ser algo imediato, aos poucos vai perceber que estará ficando à vontade com eles, assim como eram.

Eu sei, Light. Mas já me vejo sendo bombardeado de perguntas sobre a Ordem, a forma de minha alma, os olhos... Principalmente vindas de minha mãe, e quando ela não comenta algo de imediato, é porque a conversa vai ser longa.

Isso é comum. É tudo uma grande novidade para eles. Eu tomei a liberdade de adiantar um pouco as coisas ontem à noite, mas quando as palavras vêm do filho, fazem uma grande diferença.

Realmente Light está certo. Pensando melhor, eu deixaria tudo mais difícil - concordou Esmeralda.

True ficou pensativo por um tempo. Voltou a se recostar no travesseiro enquanto passava as mãos no cabelo. Em um leve suspiro, viu que não tinha escapatória, se recusasse aquele convite, deixaria sua mãe mais triste.

Tudo bem, eu vou.

 

Há vários metros acima da base, até a superfície, um condomínio fechado composto por cinco prédios com um número igual de andares estavam espalhados simetricamente pelo terreno. Na única entrada e saída ficavam dois portões fortemente vigiados pelos próprios civis agora que a Ásia estava livre. Uma sala de controle construída com vidros a prova de balas ficava próxima aos portões onde o vigia daquela manhã podia ver facilmente quem se aproximava.

Um dos prédios estava logo à esquerda, junto a outro mais afastado para a direita, lembrando duas torres gigantes de um forte. No centro havia outro prédio, de mesma altura, porém era mais largo. Os prédios das extre­midades da entrada se conectavam aos dois detrás.

Para ter acesso ao condomínio era necessária a identificação, se caso entrasse com veículos. Para aqueles que vinham a pé, uma pequena porta era aberta com a permissão do porteiro da cabine que fazia a identificação, porém era menos rígido percebendo uma vez que o vigia liberava apenas por conhecer os moradores.

As proteções das laterais possuíam cerca elétrica além de um pequeno espaço onde continham minas afastadas a certa distância dos prédios para que com alguma explosão não prejudicasse a estrutura. Avisos eram mos­trados em grande quantidade ao redor das grades de proteção, alertando a qualquer um que tentasse se aventurar sobre as conseqüências. Além das grandes ameaças, câmeras estrategicamente localizadas gravavam qualquer um que andasse pelo condomínio.

- Alone, já sabe como vamos entrar? - indagou Alexandra que usava roupas comuns: calça jeans azul-escura, botas marrons, blusa amarela e uma jaqueta jeans cinza.

Logo ao lado da mulher estava Alone e o restante de Pandora atrás. Eles estavam a duas ruas de distância da entrada do condomínio, debaixo de uma árvore, que era grande o suficiente para não chamar a atenção do vigia em relação ao grupo que observava o local, atento.

Todos usavam roupas comuns, diferentes das roupas escuras que cos­tumavam usar, até mesmo a máscara de caveira foi retirada.

Se quiséssemos, entraríamos rapidamente a nosso modo, con­tudo nós não devemos chamar a atenção do nosso verdadeiro objetivo. Sabendo disso, quero que façam exatamente o que eu disser - explicou Alone.

Primeiramente, Alone ordenou que eles se separassem; depois, espe­ravam até que algum morador se aproximasse da entrada, o que levou algum tempo, pois nem todas as pessoas que chegavam ao portão estavam entrando ou aqueles que entravam estavam de carro. O que eles precisa­vam era de no mínimo uma dupla que fosse entrar no condomínio para que dois dos membros de Pandora se unissem a eles como se fossem um único grupo.

Assim que Alone avistou um casal caminhando na calçada em direção ao condomínio, avisou a Kristin e Alexandra, que seriam as primeiras a entrar, servindo como cobaias para certificar se o plano daria certo.

Agora! Vão! Ajam como se fossem moradores.

Kristin, que usava uma calça legging preta, um salto pequeno, óculos, blusa rosa clara e uma blusa de frio branca, iniciou sua caminhada ao lado de Alexandra.

Está uma bela manhã, não é mesmo, amiga? - Alexandra iniciou a conversa para que pudessem se aproximar do casal à sua frente.

Com certeza! — respondeu Kristin, forçando um sorriso que não era de seu costume. — Fiquei sabendo da guerra que teve ontem à noite. Ainda bem que estava longe, como não moro por aqui, volto para minha casa um pouco mais cedo.

O casal que andava em silêncio percebeu quando as mulheres se apro­ximaram e podiam ouvir sobre o assunto que conversavam.

Mas eu não sei, amiga. Será que é seguro ficarmos aqui? E se aqueles soldados voltarem?

Isso não vai acontecer - disse a civil, se interessando pelo assunto. - Pelo que eu ouvi, havia civis entre os soldados que guerreavam contra os paladinos, mas nenhum civil foi morto! Os paladinos são realmente incrí­veis, eles salvaram os civis e ainda derrotaram os generais.

"Os generais"? - Alexandra fingiu uma expressão de espanto. - Havia mais de um?

Sim! Sim! — a mulher respondeu com empolgação. — Mas não se preocupem, eles foram vencidos. Os soldados, aqueles que escaparam com vida, devem estar muito longe daqui, amedrontados.

Que alívio - Kristin suspirou.

Ei, querida! — O homem, que provavelmente era seu namorado, chamou a atenção da mulher, cochichando. - Não sabemos quem são elas, quem sabe não são do exército.

Deixa de bobagem! — A mulher disse alto. - Elas não são daqui. Não acabou de ouvir que a moça trabalha aqui, mas mora fora? Elas devem estar visitando algum parente que mora no nosso condomínio.

E como sabe disso? - O homem perguntou, encarando as duas mulheres suspeitas.

É um sexto sentido nosso. Vocês homens não entenderiam - respon­deu a mulher, sorrindo para Kristin e Alexandra.

Eu sei bem o que é isso, os homens não conseguem perceber o que está diante de seus olhos - disse Kristin.

Imagina se eu fosse do exército. Do jeito que sou desajeitada, acaba­ria morta no primeiro dia. Armas, tenho pavor a elas - Alexandra encenava.

Não fale isso, amiga! Falar de morte atrai coisa ruim!

Não se importem com ele, os homens, na maioria das vezes, não têm sentimentos, só andam desconfiados sendo racionais — acrescentou a civil, tratando Alexandra e Kristin como velhas amigas.

O homem, desistindo de mudar a opinião de sua namorada, deixou suas suspeitas, acenando para o vigia, que ao reconhecê-lo, acionou em sua cabine a abertura do portão para que o grupo entrasse.

Perfeito! - disse Alone orgulhoso de seu plano. - Agora vamos espe­rar até que outra chance apareça.

O tempo passava lentamente. O movimento no local era pouco. A maioria das pessoas preferia ficar em seus abrigos, aproveitando a paz em seu interior, que era raro nos últimos anos. Diferente do que aconteceu na América, onde houve uma grande comemoração.

Após quase duas horas de espera, mais duas duplas já haviam entrado com sucesso no condomínio, agora restavam Alone e a adolescente, que avis­taram uma mulher acompanhada de dois homens se aproximarem do portão.

É a nossa deixa! Está pronta? — Alone estendeu a mão.

Sim - respondeu a garota que usava um vestido preto de alças, uma sandália de dedo e os cabelos presos.

Eles estão demorando - disse Alexandra, ansiosa.

Acalme-se. É natural quem lidera vir por último, devendo tomar todas as precauções.

Não acho que algo vá dar errado; pelo contrário, tudo dará certo. Só está frio aqui fora, quero entrar logo.

Kristin nada disse tentando compreender a mente da mulher ao seu lado, mantendo a mesma aparência séria de sempre agora que não preci­sava mais fingir.

Estão vindo! - Alexandra chamou a atenção de Kristin para o portão.

Alone e a garota entraram logo atrás do trio de moradores. Depois de passarem pelo portão, andaram pela estreita calçada de onde viram as duplas espalhadas. Alexandra e Kristin estavam sentadas em um banco perto a uma pequena fonte no centro do condomínio, atentas a qualquer comando de Alone. Outra dupla composta por Silvia e uma mulher que escondia seu rosto com o capuz estava apoiada nas pilastras do estaciona­mento, enquanto a última dupla, composta por um casal, andava de mãos dadas, mais distantes.

Notando que todos prestavam atenção a seus movimentos, eles vira­ram à esquerda, caminhando sobre a mesma calçada estreita que seguia até uma porta.

O que ele vai fazer? Aquela porta está trancada, e se ele tentar forçá-la, a câmera vai vê-lo facilmente - alertou Kristin.

Ao contrário do que pensaram, Alone virou novamente à esquerda, penetrando no estacionamento escuro. Após. dar alguns passos virou à direita e seguiu em direção da parede que levou a uma porta de fechadura simples.

Uma segunda entrada - Alexandra concluiu.

E sem câmeras ou... - disse Alone e girou a manivela da porta, abrindo-a - portas trancadas.

Por que não há segurança nessa parte do estacionamento? - A garota quis saber.

Na verdade, há segurança, mas Light cuidou para que esta passagem ficasse em um ponto cego das câmeras, e com a falta de luz, também difi­cultasse para as pessoas descobrirem sobre ela - Alone explicou enquanto guiava o grupo até o elevador.

Assim que as portas do elevador se fecharam, Alone usou o pequeno corrimão como apoio para os pés, fazendo com que alcançasse a parte superior do elevador onde deslocou o vidro, para que, ao procurar com sua mão, encontrasse uma pequena chave dourada.

Eu acredito que o elevador seja monitorado por câmeras, a esta hora, os vigilantes já devem estar cientes de nosso objetivo - disse um homem de cabelo despenteado e roupas caras que usava uma capa semelhante a de um toureiro que escondia o braço esquerdo.

Com certeza eles sabem, Belphegor. É agora que as coisas tornam-se interessantes - respondeu Alone, que usou a chave em uma fechadura no painel do elevador, revelando um novo botão, o qual indicava um andar de número negativo, ao lado, um leitor que, ao ler o polegar de Alone, reconheceu sua digital, liberando a função do andar. — Parece que Light se esqueceu de apagar algum membro de seu sistema.

Não está com frio com essas roupas, Alteza? - Alexandra perguntou, notando a falta de proteção.

Frio? Não. Admiro-me que não consiga sentir o calor.

O elevador, respondendo ao comando de Alone, iniciou sua descida para o andar 7.

Estamos chegando, Light!

PÉM, PÉM, PÉM, PÉM! - soava o alarme da base surpreendendo a todos. Luzes vermelhas imediatamente se acederam informando a todos que se tratava de uma invasão.

O que houve? — Light indagou eufórico após uma corrida da ala hospitalar até o sistema de controle central.

O sistema parece ter identificado um usuário antigo, mas pelo que consta, ele foi posto como alerta até a confirmação de "usuário banido". Um com o nome de... - O assistente virou a folha. - Romeo Silvermoon.

Alone! - Light se sentou rapidamente e ligou o monitor para checar as câmeras.

O assistente observava a tudo atentamente, agora que percebera que não se tratava de uma simulação.

É ele! - Light congelou a imagem para observar melhor e ter certeza de suas suspeitas. — Descubra onde ele está!

Desde que partiu, com as reformas da base do Canadá, o treinamento e as viagens, não tive tempo para removê-lo do sistema, foi um erro fatal! Como pude ser tão descuidado — Light culpava-se.

O assistente, sem hesitar, virou para seu computador e iniciou sua busca. Enquanto realizava os procedimentos, dizia tudo o que conseguia enquanto procurava.

Ele está a caminho do portão leste. Neste instante se encontra no metrô acompanhado por sete pessoas. Eu usei o zoom da câmera para checar se havia alguma bagagem, mas parecem totalmente desarmados. De acordo com meus cálculos, devem chegar ao portão cerca de...

Treze minutos — Light completou. - Obrigado, contando que corte­mos a força do metrô. Faça isso imediatamente para que tenhamos tempo, depois fique de olho neles e me informe se eles se desviarem do percurso.

Entendido.

Light, o que está acontecendo? - Esmeralda indagou do andar superior.

Esmeralda, vou precisar de você, mas antes encontre os pais de True e peça a eles que fiquem com filho.

Assim que Esmeralda se virou para ir à procura dos Constantine, Kitsune, vendo o tumulto e o alarme que soava por toda a base, refletia sobre as palavras da garota no dia anterior:

"Pacífica base?". E esse o pacífico?

Esmeralda entrou acompanhada de Melissa e Harrison Constantine, e antes que a jovem pudesse dizer algo, True logo a atropelou:

Esmeralda! O que está acontecendo lá fora? Alguém invadiu a base? Light já foi checar? Preciso ir ajudá-los!

Acalme-se, True! Pare de falar por um instante! - quando percebeu o silêncio do rapaz, continuou. - Light me pediu para que deixasse seus pais cuidarem de você. Eu e ele estaremos ocupados cuidando da situação, então não se preocupe.

Antes mesmo que tentasse fazê-la mudar de idéia, a jovem deixou o local. True encarou seus pais, temendo que a conversa programada para mais tarde viesse mais cedo que imaginava.

 

Tudo pronto! - informou Esmeralda, esperando pelas ordens de Light.

Bom trabalho, mas agora precisamos de um plano para pará-los. Pensei em criar uma barreira celeste, já que uma tradicional não seria muito eficiente contra oito caídos. Porém, precisaria de tempo para invocar.

Eu poderia atrasá-los — ofereceu-se.

Negativo. Primeiro: é você contra oito caídos com habilidades des­conhecidas; segundo: você só poderia atrasá-los se tivesse tempo para usar a Yggdrasil, o que nós não temos — Light olhou para o cronômetro. - Oito minutos.

Eu posso ajudar! - Kitsune se envolveu.

Você?

Desculpe rapaz, não tivemos chance de conversarmos. Fico feliz que você queira ajudar, mas assim como Esmeralda, não posso te mandar para...

Não! - interrompeu. - Eu posso mandar minha raposa. Não se pre­ocupem, ela é bem obediente.

Light e Esmeralda se entreolharam para se certificar se algum deles estava entendendo.

Tsc!— Kitsune se irritou pela reação. - Eu vou mostrar a vocês.

Assim que Light e Esmeralda voltaram a sua atenção para Kitsune, ele materializou sua raposa de fogo que deu um rápido passeio pelo local, demostrando sua velocidade e acrobacias.

Viram! - Kitsune, ao perceber que os tinha convencido, assobiou para que a raposa ficasse ao seu lado.

Light, isso é algum tipo de sincronização?

- Eu não sei dizer. Ela não se une ao corpo, age independente, mas obedece à suas ordens. Bom, é tudo o que temos.

Entregando todas as suas expectativas naquele plano, Light se sentou próximo ao portão leste e iniciou a invocação. Kitsune mandou sua raposa atrasar os intrusos o maior tempo possível, enquanto ela corria pelo túnel, Kitsune acompanhava o percurso pelas câmeras. Esmeralda estava atenta na entrada; caso algo desse errado, ela defenderia a base.

Restavam cinco minutos.

Alone corria pelo túnel à dianteira, seguido por Alexandra e o restante de Pandora.

Alone, vejo uma luz se aproximando - Alexandra alertou.

Sim, eu vi. Vá checá-la, mas não faça nada, apenas me informe.

Alexandra assentiu e com a habilidade de sua alma do guepardo, con­cluiu a tarefa antes que o restante dos caídos notassem sua falta.

Uma raposa, aparentemente revestida por fogo.

Então Light mandou seu cão de guarda - Alone sorriu.

Em um sinal com o braço, Alone informou para que eles esperassem a criatura se aproximar.

Por que paramos?

Quero saber quais as intenções de terem a enviado.

A raposa parou cerca de cem metros de distância em relação à Pandora. Alone olhou atentamente a abertura das patas e o focinho abaixado com os olhos atentos a qualquer movimento.

Ela não pretende atacar. Querem ganhar tempo - concluiu.

Do outro lado da câmera Kitsune sorriu vendo sua pequena raposa prestes a demonstrar suas habilidades.

Dê o seu melhor! - disse em sua mente.

A raposa, ainda em posição de guarda, começou a crescer, atingindo o teto do túnel, ocupando uma grande quantidade de espaço.

Alone, tem certeza de que ela não pretende atacar? — indagou Kristin, desconfiando da análise do caído.

Fique tranqüila, se ela quisesse atacar, teria feito isso enquanto estava menor. Em um túnel com este, grande do jeito que está, não conseguiria se mover com facilidade. Baseado nessa teoria, eu diria que tem noventa por cento de chance de ela se manter na defensiva.

A raposa, percebendo a guarda baixa, soprou uma rajada de chamas nos invasores.

Sua raposa é incrível - elogiou o assistente que acompanhava tudo junto ao Kitsune.

As chamas foram bloqueadas por uma muralha de raízes e viraram cinzas após absorver todo o dano.

"Fique tranqüila", o senhor disse - resmungou Kristin.

Um lança-chamas estava nos dez por cento restantes, mas isso não muda o fato dela continuar na defensiva - Alone olhou discretamente para Kristin, que, ao perceber, fez seu coração congelar, percebendo que tinha faltado com respeito.

Deixem isso! Agora precisamos pensar como iremos passar. A raposa está tampando todo o caminho e seu corpo está coberto por chamas. Se aquelas raízes criadas por alma foram destruídas tão facilmente, nosso corpo não resistirá — Alexandra manteve a ordem.

Alone ficou pensativo por um minuto e pareceu achar a solução.

Kristin pode investir e usar suas habilidades para se esquivar, assim vamos distraí-la. Belphegor pode enfraquecê-la e...

Pare, Alone! Entendi seu plano, mas isso custará tempo, esse é o objetivo deles. Deixe isso comigo! E enquanto cuido dela, recoloquem as máscaras, sem elas vocês parecem esquecer-se de manter a ordem - disse a pequena jovem, seguindo para a dianteira.

Alone sorriu, percebendo a ansiedade da garota.

Uma adolescente? — avaliou Kitsune, vendo que ela seria sua oponente. - Não posso fazer mal a alguém tão jovem, e ainda é uma garota, isso fere totalmente o meu código de honra.

Eu a evoco, uma das sete cabeças da Hidra, filha de Leviatã! - A garota evocava.

À sua frente um vão negro apareceu. Aos poucos dava para ouvir um ruído incomum, e antes que Kitsune pudesse observar os olhos penetrantes que havia na escuridão, de dentro da passagem negra saiu uma enorme cabeça que lembrava a de uma cobra, mas amedrontadora como a de um dragão. A fissura de sua boca se abriu, disparando uma torrente a uma velocidade espantosa. A pressão foi suficiente para deslocar a raposa e jogá-la para o caminho de onde viera. Após o ataque, a cabeça de hidra voltou à abertura escura que se fechou.

O que diabos foi aquilo? - O assistente se assustou ao ver a besta evocada pela garota.

Essa não! Eu abaixei minha guarda! — Kitsune tirou o olhar das câmeras e se abaixou para materializar sua raposa novamente.

O animal espiritual lambeu levemente a mão de Kitsune, indicando que estava tudo bem.

Desculpe por isso.

A raposa se desintegrou para voltar ao rapaz.

E agora, o que faremos?

Light? - Esmeralda perguntou.

Nada bom. Falta pouco, mas falta menos ainda para eles chegarem.

Esmeralda, sem mais hesitar, ativou sua alma e alçou voou em direção ao túnel.

Esmeralda, espere!

Ignorando as palavras de seu líder e amigo, aumentou o bater de asas para que alcançasse o mais cedo possível os invasores.

A adolescente continuava à frente, andando a passos largos, quando avistou a Valquíria vindo em sua direção. Quando começou a canalizar sua energia, Alone a impediu.

Essa não, princesa.

Ela o encarou e por um segundo e os olhares ficaram ligados. Sem questionar, ela abaixou o braço e recuou alguns passos.

Alone fez um gesto de agradecimento e se concentrou em Esmeralda.

Ora, ora, ora, veja só quem saiu da gaiola!

Esmeralda, ignorando a provocação, investiu com tudo alcançando as espadas em suas costas para iniciar sua seqüência de golpes.

Alone defendeu os dois primeiros ataques trocando de uma mão, já transformada em garra, para outra distribuindo o peso. Alexandra ata­cou em seguida, e Esmeralda teve que pensar rápido para desviar com um balançar de asas dos velozes ataques da mulher.

Mais afastado do combate, Belphegor olhou para a mulher de roupas à moda chinesa ao seu lado, e com um movimento com a cabeça pediu para que ela se juntasse a batalha. Entendendo o comando, ela assentiu e logo investiu.

Esmeralda recuava lentamente com cada uma das espadas mirando os dois adversários quando foi surpreendida com uma investida ousada de uma mulher de cabelos pretos e amarrados por dois prendedores. Por reflexo, a jovem cruzou as espadas para aparar o golpe, e quando recebeu o ataque, sentiu o peso muito maior do que esperava o que a desequilibrou, pressionando-a contra o solo.

Sem que Valquíria pudesse empurrar a adversária para recuperar sua posição, a mulher, em uma bela demonstração de sua maestria, passou seus braços entre os de Esmeralda, empurrando os pulsos para direções opostas, deixando a defesa exposta para que pegasse em sua armadura e a arremes­sasse contra a parede.

Contenha-se, Eva. Não sabemos a situação desses túneis, depen­dendo do abalo poderemos ser soterrados - Belphegor advertiu.

Esmeralda se recuperou rapidamente. O golpe não tinha causado nenhum dano graças à armadura, mas a oponente conseguiu surpreendê-la com a força espantosa.

Avaliando um sorriso que se formou no rosto da Valquíria, Pandora ficou em alerta, esperando por seus movimentos. A jovem caminhou alguns passos à frente e pegou algo na pequena bolsa amarrada a sua cintura.

Por Odin! - gritou e então arremessou algo contra o solo que criou uma grande quantidade de fumaça.

Pandora recuou alguns passos sem saber exatamente o que a oponente pretendia. À medida que o tempo ia passando, a fumaça ia se assentando, até que a adolescente viu através do truque.

E uma bomba de fumaça comum! Ela nos enganou e conseguiu o que queria, nos atrasar.

Alone sorriu com o modo que a jovem tinha encenado, para que caís­sem no truque.

Espero que essas pessoas sejam interessantes, Alone. Ou então vou fazê-los pagar por tentarem enganar meus olhos.

O sorriso deixou o rosto do caído no mesmo instante, sem duvidar em nenhum momento das palavras da garota.

 

O silêncio era absoluto na ala hospitalar. True observava as gotas de seu soro cair uma a uma e sempre evitava olhar em direção aos pais, temendo que tivesse que iniciar uma conversa que não estava preparado. Seus pais, assim como ele, não sabiam o que dizer em meio aquela situação, enquanto procuravam as palavras certas, olhavam cada detalhe do quarto.

O que houve com seu amigo? - Melissa indagou ao perceber Kyõki ainda desacordado.

True congelou. Como poderia dizer que aquele rapaz, um ano mais novo que ele, estava desacordado por quase ter sido atingido por um raio proposital e caído cerca de trezentos metros? Isso, é claro, depois de uma batalha de vida ou morte contra seu próprio pai.

Estava chovendo muito e um raio caiu perto de onde estava. Estava no lugar errado na hora errada - disse em um tom natural, tentando disfarçar.

Pobre rapaz.

Novamente o silêncio voltara. O alarme da base era a única coisa que se ouvia. Agora que sua mãe tomara a iniciativa, True se sentia no dever de dizer alguma coisa.

Mãe, pai...

Filho, nós...

True, a gente...

Disseram juntos e pararam no mesmo instante, dando a preferência um ao outro.

Fale você primeiro - Melissa o encorajou.

Bom... Tudo bem... - True passou a mão entre os cabelos e ansioso pelo que estava acontecendo do lado de fora, arriscou. - Eu quero que saibam que concordei com o almoço de mais tarde e nessa hora poderemos conversar sobre o que quiserem, mas, por ora, preciso que me levem para ver o que está acontecendo lá embaixo.

Mas True, aquela moça foi bem específica em pedir para que fique aqui!

Isso mesmo. Além disso, o outro, o loiro, Li... Como era mesmo?

Light - completou desanimado.

Pois bem, ele pediu para que ficasse de repouso.

Eu sei o que ele pediu, mas eu me recupero muito mais rápido do que imaginam. Também podem perguntar sobre isso mais tarde, mas tenho que ir lá agora!

Harrison viu o olhar aflito do filho. Sabia que, naquele momento, desejava ajudar seus amigos, e para que as coisas não ficassem mais difíceis, achou melhor respeitar sua decisão.

Se deseja mesmo ir.

Harrison! - Melissa não acreditou na fácil concordância.

Querida, eles também são a família dele agora. Durante esse tempo que ficamos afastados, True amadureceu aqui e se tornou um homem.

Melissa, relutante, sabia que o que seu marido dizia era verdade. Ela, não querendo ir contra seus instintos, olhou para o rosto de seu filho e após ver os olhos esperando por uma reposta positiva, não conseguiu dizer o contrário.

Certo, vamos te ajudar, e se sentir qualquer tontura, segure firme em nós, estaremos bem ao seu lado!

True assentiu com um sorriso.

 

                                           Capítulo 34

Lordes Daemons

Pandora já via a porta que dava acesso ao interior da base e quando adentraram, os caídos foram surpreendidos pela armadilha de Light.

Santuário! - disse Light em bom som ativando sua barreira celeste, prendendo todos os membros de Pandora em seu interior.

Uma barreira redonda?— estranhou Esmeralda sem reconhecer a mesma habilidade que presenciou quando lutou contra o exército de soldados.

Se forem observadores, perceberão a área neutra que deixei no inte­rior da barreira. Essa pequena área irá mantê-los a salvo, mas para que essa área não aumente, terão que colaborar.

Alone olhou atentamente a estrutura da barreira, tentando reconhecê-la. Com uma de suas garras tocou levemente a parede branca, quase incolor, que respondeu ao movimento como um sistema de defesa, repelindo-a.

Eletricidade? - A pequena jovem arriscou um palpite.

Muito mais complexo que isso. Esta barreira é de categoria celeste, o que significa que apenas puros de alto nível podem permanecer em seu interior. Essa mesma categoria possui vários níveis que exigem ainda mais de pureza.

Exatamente - Light assentiu, fazendo a atenção voltar para ele. - As barreiras que crio são dimensionais, para que assim compreendam. O que significa...

Que ele pode alterar o nível e categoria como e quando quiser — completou Alone.

Light fez que sim com a cabeça e aproveitou para avaliar os visitantes inesperados.

Alone e Alexandra estavam bem visíveis logo à frente do grupo. Ao lado de Alone estava uma adolescente que parecia avaliar atentamente a base, os seus movimentos e as pessoas que estavam assistindo. Light pôde ver facilmente a forma da alma da garota, o que, no primeiro momento, não parecia nada assustador: tinha a forma de uma mulher adulta, muito semelhante à adolescente, cabelos pretos e longos, bem arrumados, olhos castanhos, aparentemente maquiados com sombra preta esfumaçada e delineador, e a pele pálida. A roupa lembrava uma toga, semelhante as que eram usadas na Grécia antiga. Em sua mão carregava uma flor discreta. Apesar de tudo, Light podia sentir que se tratava de uma caída.

Logo atrás, o líder rebelde pôde perceber a Senhora Leon, agora uma caída com uma alma bastante entristecedora: uma caveira, com um manto negro e cabelos longos e brancos, que lembrava a morte. Os outros caídos ao lado da viúva estavam de costas, impossibilitando que o olho da verdade de Light pudesse alcançá-los.

O que querem aqui? — Light disse diretamente.

Estávamos por perto e pensamos em fazer uma visita — respondeu Alone com um sorriso, apesar de Light mal percebê-lo por baixo da máscara.

Não tenho tempo para brincadeiras - falou, diminuindo a área neu­tra da barreira.

Para um puro, você me parece bem assustador - disse Alone com seu tom sagaz.

Light semicerrou os olhos e ia limitar a área novamente, mas Alone, percebendo o movimento, decidiu parar de adiar o inevitável.

Muito bem. Viemos aqui apenas conversar.

Seja mais específico!

Esmeralda desativou sua alma agora que tinha certeza de que tudo estava sob controle e se concentrou curiosa nas palavras de Alone.

Queremos fazer um acordo.

Acordo? — estranhou Esmeralda. - Sempre que nos encontramos, Alone age de forma cada vez mais estranha. Primeiro a luta no Canadá, que por pouco não fomos mortos, depois nos ajuda e agora um acordo.

Que tipo de acordo? - perguntou Light, curioso.

Sobre isso, preferia conversar em algum lugar mais reservado — Alone olhou para os espectadores no andar superior e Light seguiu o olhar. - Digamos apenas que será vantajoso para ambas as partes.

Eles não são diferentes de nós. São preciosos amigos que tem dado duro pela organização. Não tenho motivos para esconder algo deles — retrucou Light, referindo-se aos seus ajudantes.

Imaginei que diria isso, mas eu insisto.

Se é assim, peço que se retirem imediatamente.

Light, você está tomando a decisão errada—Alone continuava a insistir.

Não posso correr o risco de cair em seus planos. Se deixá-los livre­mente pela base...

Como eu disse, Light, só queremos conversar! - Alone erguia os braços em sinal de rendição.

Light não estava disposto a conversar, não após uma invasão como aquela. O líder já havia se decidido a mandá-los para fora da base, mas foi impedido por seu aprendiz.

Vamos ouvi-lo! - gritou True do andar superior em meio a multidão que abriu caminho para que passasse.

Garoto — Alone sorriu.

True, o que está fazendo aqui? Pensei ter sido claro em dizer para que se recuperasse.

Estou bem, obrigado — disse True para que seus pais o soltassem. — Light, eles realmente vieram sem a intenção de nos fazer mal. Ou melhor, Alone veio em paz, enquanto os outros ainda estão nos avaliando.

A garota franziu o cenho ao ouvir o paladino.

Parece que eles têm alguma coisa a nos contar, isso é claro, em troca de algum favor. Porém o que eles têm a dizer pode provocar pânico às pessoas que possuem menos conhecimento sobre o assunto. E confesso que fiquei curioso sobre o que Alone tem a dizer e sobre a organização que criou, então tenho uma proposta.

Light ouvia tudo ainda sem entender como True havia chegado lá, tomado o controle da conversa e já achado uma solução. Ele não parecia estar de nenhum lado, queria apenas resolver o problema. Isso sem que ofendesse nenhuma das partes.

Então fale de uma vez - Alone o encorajou a seu modo.

Proponho que cada líder de cada lado escolha dois representantes de sua organização. Assim será justo e haverá testemunhas. Os escolhidos conversarão na sala própria de reuniões desta base, uma vez que Alone sabe que não existe nada demais naquela sala além dos móveis.

E quanto aos outros?

Os outros eu não pude pensar nada de imediato, então peço humil­demente que esperem dentro da barreira. Light irá deixá-la, digamos, mais confortável até que terminemos. Não façam isso por mim, pois sei que não tentarão nada, mas façam pelas pessoas que se sentem indefesas - True olhou para a multidão de espectadores que assistiam a tudo temendo o pior.

Alone olhou para seus aliados e alguns pareciam irritados com a con­dição, mas preferiram não fazer nenhuma objeção.

Tudo bem, aceitamos.

True deu um suspiro aliviado.

Light imediatamente aumentou a barreira e relaxou batendo nos ombros de True, disfarçando um sorriso.

Então vamos formar o grupo. Do meu lado, escolho True e Esmeralda.

Esmeralda arregalou os olhos, surpresa. Depois de desobedecer a uma ordem de seu superior, pensou que Light não a escolheria.

Princesa e Belphegor, vamos - Alone chamou e os escolhidos deram um passo à frente afastando-se dos outros.

Light abriu uma passagem para que o trio de caídos deixasse a prisão provisória para seguirem à sala de reuniões.

 

Desta vez, Light não estava ao lado de uma tela, em pé com um mapa ou na ponta da mesa. Ele, assim como os outros, sentou-se como igual ao lado dos outros paladinos defronte aos caídos.

Então, para alguém que segue o solipsismo e se auto-denomina "Alone Walker", não acha que tem muita gente à sua volta? - Light per­guntou, irônico e curioso.

Muita coisa aconteceu, Light - respondeu Alone em um tom brando. - Pandora nasceu por uma necessidade, assim como a Ordem dos Paladinos, mas não confunda os dois, os ideais são completamente diferentes.

Continue.

Não estamos do lado do Führer ou de vocês. Pouco nos preocupa­mos quem são os caídos ou puros. Nós somos as vítimas dessa guerra, e não quem a provoca.

Os paladinos absorviam aquela idéia pouco a pouco tentando enten­der quais eram os seus reais significados.

Alone - True começou a falar -, talvez eu entenda sobre o que você esteja falando, mas poderia explicar melhor a sua visão para que eu tenha certeza de minha teoria?

Para que entenda, é necessário que me responda uma pergunta: Existe apenas um tipo de caído? Já pararam para pensar e analisar que há algo muito mais complexo do que apenas dois lados?

Novamente refletiram sobre as palavras ditas. Apesar de ter uma res­posta para arriscar, True preferiu esperar pelas palavras experientes de Alone.

O que quero dizer, senhores e senhoritas, é o que até então sabía­mos, era apenas a ponta do iceberg - Alone deu uma pausa para observar as expressões de todos. - Eu me dei ao luxo de dividi-los em dois grupos. O caído do tipo "A", que seriam aqueles que têm tendência à maldade, começam por pequenos roubos e sentem prazer nisso até que evoluem para assassinatos, e à medida que este prazer vai crescendo, corrompe ainda mais suas almas. O segundo grupo, os caídos do tipo "B", seriam aqueles que sofrem o efeito de uma ação de um caído do tipo "A". Um exemplo muito freqüente que víamos eram em escolas, os mais fortes batiam naqueles mais fracos, os mais fracos deixavam que aquele ódio pelos mais fortes crescesse em seus corações até que se vingavam. Ou em uma família desestruturada, onde um pai abusa de um filho e esse filho cresce achando que é normal e torna-se um pedófilo.

As teorias de True estavam certas, ele pouco a pouco estava percebendo que nem todos os caídos tinham se originado sozinhos, mas foi um efeito de algo no passado.

E a Pandora é composta por caídos do tipo "B", que buscam vin­gança àqueles que o levaram ao desespero.

E você acredita que isso consertará tudo? - Esmeralda se intrometeu no assunto que estava envolvida indiretamente.

Honestamente, não.

Então por que faz isso? - Light pareceu confuso.

Enquanto vagava sozinho, de certa forma, estava bem daquela maneira. Tinha aceitado meu destino e viveria como um peregrino a espera de minha morte. Porém... - Alone passou as mãos levemente pelo cabelo - tudo mudou quando Alexandra me pediu ajuda. Quando tudo estava acabado, não sentia qualquer satisfação por tê-la ajudado, mas por algum motivo a vi mais leve, como se todo o peso em suas costas fosse retirado. As cicatrizes ainda estavam ali, mas agora podia traçar uma nova rota em sua vida - Alone desamarrou o nó de sua máscara e a pôs sobre a mesa, fitando-a. — Com o tempo, novos caídos pediram por meu amparo, o que foi estranho, pois, em vida, sempre estendi a mão para aqueles que estavam ao meu redor, mas eles nunca a agarravam.

Desculpe, "em vida"? - True perguntou assustado.

Todos nós estamos mortos, garoto. Afinal, "a gente só está vivo quando o coração está vivo". - True pensou naquelas palavras, sabendo que o coração ao qual Alone se referia seria no sentido figurado, os sentimen­tos, a alma, a razão de viver, o mundo. - Todos nós estávamos à beira da morte e da perda da razão. Já é tarde demais para voltar. O arrependimento é o que restou, e foi esse arrependimento que nos fez renascer. Essas másca­ras que usamos são o símbolo do silêncio, como uma focinheira amarrada a um cão. Em vida, éramos sufocados por regras e ideais que nos limitavam. Sonhos que nunca se realizaram. Mas quando a tiramos, sabemos que esta­mos mortos e não estamos presos a nada.

Os paladinos hesitaram por um instante. Seguindo essa teoria, Pandora seria capaz de qualquer coisa, por mais absurda que parecesse, a fim de saciar seus desejos de vingança.

Você diria que age como um anjo da guarda, para eles? - perguntou a Valquíria.

Não diria que sou merecedor de tal título. Eu sou como um demô­nio. Crio um pacto com aqueles que pedem minha ajuda. Acompanho sua história e desejo ver seu fim, depois disso não ajudo com sua nova vida, sozinha, a pessoa deve achar seu caminho.

"Um demônio"? Alone, você é mais que isso. Por que perdeu a confiança em você - Light lastimava lembrando-se do dia em que o ajudou.

Por que aceitou esse caminho tão facilmente? Será que nunca se arrependerá de não ter lutado mais? — True se preocupou. — "Devemos aprender quem realmente somos e não dizer quem deveríamos ser".

As palavras de True fizeram o coração congelado de Alone bater por um instante, mas ele logo afastou qualquer pensamento.

Entenda, garoto. Não há como remediar o que passou. Se me redi­mir, as vidas que tirei vão voltar? A dor que causei será perdoada? Tudo será justificado?

True não respondeu. Ele cerrou os punhos, furioso por não ter uma resposta. Ele se sentia no dever de ajudar aquele que um dia fora seu amigo. Sem argumento, abaixou sua cabeça e deixou que Light continuasse.

Agora, sobre o assunto que nos reúne aqui - Light provocou uma tosse. - Que acordo queria fazer conosco?

Alone virou-se para a adolescente ao seu lado e com um sinal de con­cordância explicou seu objetivo:

Queremos nos unir à Ordem!

Light arregalou os olhos com a surpresa, assim como True e Esmeralda. Sem imaginar que Alone desejaria qualquer envolvimento que lembrasse seu passado, a surpresa era difícil de acreditar.

Não acha que é egoísmo de sua parte depois de cortar qualquer envolvimento com a Ordem, quase matar True e Esmeralda, incluindo seu avô que se envolveu em uma batalha perigosa, e agora quer se unir a nós? — dizia o líder dos paladinos eufórico.

True sentiu um aperto no coração naquele momento. Apesar de dis­cordar com algumas palavras de Alone sobre se redimir, pôde perceber que, em prática, não funcionava tão facilmente.

Não digo isso com ódio de você, Alone. Eu ainda acredito naquele homem que conheci, mas quero entender essa mudança de comporta­mento repentina. Eu deixarei esta decisão nas mãos de True e Esmeralda, pois foi a eles que você fez mal.

Concordo com suas palavras, Light. Eu o entendo perfeitamente, assim como aos dois jovens. Mas tenho meus motivos para pedir ajuda. A maioria dos membros de Pandora deseja se vingar do exército, principal causa de suas vidas atuais. Porém, nos deparamos com o Führer, e os resul­tados não foram os melhores.

Está dizendo que todos vocês não foram capazes de pará-lo?

Exatamente. Ele nos derrotou rapidamente, pouco revelou sua alma. Conseguimos escapar por muito pouco, na verdade, acredito que ele não tinha interesse em nos matar, pois se tivesse um pouco desta vontade, não poderíamos fazer nada!

Os jovens paladinos se lembraram do dia em que cruzaram o caminho do ditador e por sua vontade, estavam vivos.

Por isso, queremos juntar forças para vencê-lo! Vocês não serão capa­zes sozinhos!

Cabe a eles responderem — disse Light, afastando-se um pouco da mesa para que cruzasse a perna, deixando True e Esmeralda no controle.

Esmeralda olhou para o rapaz que assentiu imaginando o que ela dese­java. Rapidamente, conectaram seus mundos através do Laço que se formou.

Alone, lembrando-se da técnica, cerrou os punhos com força, e a garota, percebendo a reação, botou sua mão sobre a dele e a relaxou. O caído a encarou e viu o sinal de negação que ela fez com a cabeça.

Não viemos aqui sem ter nada a oferecer - Alone continuou. — Possuímos informações valiosas, mas que estão incompletas. Tenho certeza de que se trabalharmos nelas, poderemos decifrar seu segredo.

Parece que ele está determinado em se unir a Ordem — disse True em sua mente.

Tem razão. Vamos ouvi-lo e quando ele terminar, daremos nosso veredito - propôs Esmeralda.

De acordo.

-Tudo bem. Podemos trabalhar juntos e conseguir bons resultados para ambos os lados, e baseado no fruto desse debate, daremos nossa resposta.

Que assim seja. Vamos começar.

 

É claro que estou preocupada! Eles não parecem boas companhias!

Entendo sua opinião e tudo isso está sendo uma novidade para mim. Mas sabemos de pouca coisa, não podemos julgá-lo desta maneira!

Kyõki ouvia a conversa sem reconhecer a voz. Reabrindo os olhos vagarosamente, procurou as pessoas que estavam por perto. Sua visão ainda estava embaçada e aos poucos ia voltando ao normal. Ele pôde ver quando uma mulher se levantou de onde estava sentada para ir até ele. O homem que a acompanhava fez o mesmo.

Parece que ele acordou - disse a mulher quase como um sussurro para o homem ao seu lado. - Olá, eu vou chamar o médico, continue dei­tado. Meu marido vai ficar com você enquanto eu volto.

Kyõki não respondeu, ainda estava confuso sobre quem se tratava.

Em poucos minutos a mulher voltou com o médico que cuidava da ala hospitalar.

Bom dia, Kyõki. Quase boa tarde - corrigiu-se ao olhar o relógio. — Como se sente?

Usando as laterais da cama como auxílio, sentou-se e respondeu à pergunta:

Zonzo e um pouco enjoado.

Não se preocupe, isso é normal para uma pessoa com seu quadro, mas não faça muito esforço. Elevarei a cama para que fique recostado - explicou o médico enquanto fazia pequenos exames para checar o estado do paladino.

Kyõki! - espantou Kitsune ao ver seu amigo acordado. - Que bom que já está consciente. O pior já passou, logo voltará ao normal!

Agora que está bem acompanhado, vou procurar pela enfermeira e informá-la sobre alguns remédios que deverá tomar. Também vou pedir para que tragam algo para você comer. Se Light não estivesse tão ocupado, poderia pedir a ele que o ajudasse na recuperação, mas, infelizmente, terá que ser pelo modo antigo por enquanto.

Aproveitando a deixa do doutor, o casal deixou o local agora que Kyõki estava com o amigo.

Quem são eles?

Os pais de True. Os encontramos assim que você apagou.

Eu me lembro dele ter comentado que os pais estavam a serviço aqui na Ásia. E como foi a reação dele?

No momento em que os viu, correu para abraçá-los, foi um encon­tro e tanto - lembrou. - Mas hoje não me parece tão animado. É tudo muito estranho, todos esses anos afastados e do nada se reencontram.

Kyõki ficou pensativo. Ele estava perdido em suas memórias, lembrando-se de seu pai, comparando as reações opostas. Kitsune, perce­bendo o que tinha dito, hesitou por um instante, mas resolveu contar ao amigo:

Acho que isto é seu - entregou o pequeno diário do general, pai do amigo.

Então você pegou. Pensei que tinha perdido a única chance de conhecer o passado de meu pai. Obrigado.

O paladino fitou o pequeno caderno de lembranças por um tempo, ansioso para folheá-lo, mas preferiu esperar quando tivesse privacidade.

O que está acontecendo na base? Algum tipo de comemoração? — perguntou, percebendo o fluxo incomum de pessoas andando ansiosas para todos os lados.

Gostaria que você estivesse certo, mas é justamente o contrário.

Eu não entendo. Derrotamos os generais, não era para ter algum tipo de festa?

Teve certa comemoração, mas Light não tinha certeza sobre o para­deiro de seu pai. Quando fomos buscá-lo, o corpo de Akuma não estava mais lá. Agora há pouco houve uma invasão, pareciam querer alguma coisa. Mas não se preocupe, seu líder já controlou tudo e neste momento estão conversando na sala de reuniões. Eu não me recordo direito como era o nome do caído, mas...

Alone?

Esse mesmo. E estava bem escoltado, sete caídos para ser exato.

Kyõki não se envolvera tanto como os outros paladinos na história de Alone, mas o fato dele ter levado o corpo de seu pai o incomodava.

 

O primeiro tópico em questão são as formas das almas - iniciou Alone. — Quando tive meu primeiro contato com a ciência das almas, fui instruído de que elas eram moldadas de acordo com a personalidade, logo duas pessoas com a mesma forma seriam parecidas, diferentes em alguns pontos, mas muito semelhantes em outros.

Os paladinos assentiram acompanhando o raciocínio.

Porém formas únicas começaram a despertar. Exemplos como a alma de True, o Taiji; Esmeralda, a Valquíria; e também como eu, o Cérbero. Pensei que pessoas como estas deveriam ter uma personalidade muito fora do comum para ser tão raro, porém não pareceu uma verdade. Então refleti sobre outra teoria, baseado em minha alma e da Esmeralda, que são de seres mitológicos, percebi que talvez a mitologia seja feita pelo homem, o proprietário que moldava a própria alma.

O que diz faz sentido. Mas é fácil derrubar essa teoria com a hierar­quia das almas. Se um proprietário do lobo acreditasse que ele fosse a alma mais pura, superaria a do anjo, o que não é verdade. Um exemplo concreto disto seriam os caldos, suas almas alimentam-se de corrupção e à medida que crescem tornam-se demônios, o estágio máximo.

Exatamente. Eu segui a mesma lógica que você, então pensei em outra: vivência.

Um estalo veio a mente dos jovens, aquela poderia ser a que chegasse mais perto da verdade.

Isso faz sentido e nós temos bons exemplos. Pandinus, há pouco tempo general da África, tinha a alma de um escorpião que havia estudado na infância. Herdando até mesmo habilidades da espécie, como o caniba­lismo, que deu a ele parte da força das almas de suas vítimas.

Temos também Alexandra que, como todos sabem, perdeu o filho em um acidente. Ela não pôde suportar tal perda, o que a marcou para sempre, assim como uma lenda que diz sobre uma mãe guepardo que per­deu os filhotes e chorou tanto que o caminho que as lágrimas percorreram, permaneceram para sempre.

Mesmo não querendo, o mesmo caso se aplica a mim. Eu não tive uma adolescência normal, e a luxúria tornou-se minha arma. Quando me tornei tenente-coronel, gostava de provocar a todos, pois sabia que não podia ser tocada, graças à minha patente.

Então a teoria da personalidade ainda não está inválida, ela ganha força. Formamos nossa personalidade de acordo com o estilo de vida, as pessoas que conhecemos e nossas experiências. O que não se encaixa são as almas raras, conhecidas por mitos.

True juntava as peças em sua mente e parecia que estava próximo de desvendar aquele quebra-cabeça.

Será que... - True começou a falar, mas hesitou.

Diga o que pensa, True. Qualquer idéia é bem-vinda - encorajou Light, também aprendendo com o debate.

Acho que estamos lidando com algo bem maior aqui.

Esmeralda, conectada ao rapaz por meio do Laço, espantou-se com sua conclusão.

Diga a eles! - Esmeralda disse ansiosa para compartilhar a descoberta e True assentiu.

É uma mensagem para a humanidade - disse finalmente.

Explique melhor - Alone pediu interessado.

Eu não creio que a alma seja moldada pela vontade do proprietário, eu sou a própria prova disso. Quando vi pela primeira vez minha alma, não gostei muito de saber que metade dela era de um demônio.

Light sorriu com a lembrança.

As almas são muito antigas e existem desde que o primeiro humano foi criado, então elas não poderiam ser baseadas em mitos e lendas que apareceram com o tempo. Poderá haver exceções, mas é muita fraca para ser uma lei. Então cheguei a uma conclusão.

Eles estão chegando perto — Belphegor disse em sua mente, ainda sem participar da conversa.

Mesmo que o proprietário não saiba o significado de sua alma, existe registro sobre a forma na história do homem. Posso me usar como exem­plo. Minha alma é dos opostos, e ela escolheu a forma de um anjo e de um demônio, poderia ser outra forma qualquer, mas foi escolhida pelo homem associar o anjo como o ser mais puro e o demônio o mais corrompido. O mesmo se aplica ao Cérbero que, segundo a mitologia, guarda as portas do submundo.

Entendi. De certa forma é o que eu faço, caço caídos e protejo aque­les que aceitaram seu destino — disse Alone.

Sim, mas existe uma variação. O mesmo significado da alma de um puro para de um caído tem suas diferenças. Enquanto a forma e habilidade de um puro contam o propósito deles existirem, a dos caídos se baseia no sofrimento. Pego Esmeralda como exemplo, quando ela era uma caída, sua alma era de um Súcubo, que estava diretamente ligado ao sofrimento na adolescência. E quando voltou a ser pura, a alma era o oposto, demons­trando um comportamento inocente, o qual acompanhamos, e um desejo de proteger seus aliados.

Ele está certo - a adolescente concordou. - Todos os membros de Pandora cabem perfeitamente nessa regra, suas almas foram moldadas por sua dor. Cérbero é um animal solitário, se formos avaliar. Alexandra tam­bém serve como um bom exemplo - disse e ficou pensativa. - Então as almas e suas formas variam da personalidade e vivência - concluiu.

Fizeram um bom trabalho, mas ainda há algo que estão esquecendo - Belphegor bocejou arrumando sua posição.

A garota, ao perceber o comportamento relaxado do caído, soube que ele escondia algo.

Com as informações que obtemos ficará mais fácil encontrar a fra­queza do inimigo, inclusive facilitará o nosso trabalho para usar o Solstício - disse Light contente.

Mas ainda há uma coisa que não entendo — True interrompeu antes que todos perdessem a concentração. — Havia um homem que seguia o ditador. Ele possuía um nível de corrupção que nunca presenciei antes. Para mim, o nível máximo seria de um general, mas ele estava muito além. O que não entendo foi quando forcei o aumento da sincronização para usar a técnica que derrotou o exército de soldados, sofri conseqüências por minhas ações, mas aquele homem parecia perfeitamente tranqüilo com aquilo.

Ele fala do equilíbrio — disse Alone e Light assentiu.

Desculpe, True e Esmeralda. Mesmo em todos esses anos eu ainda deixei algo sem ensinar a vocês. Para que vocês entendam a diferença entre vocês e aquele caldo, precisam entender sobre a lei do equilíbrio que difere cada pessoa da outra, tornando-a única.

True e Esmeralda ficaram atentos a cada palavra. Tinham absorvido tudo muito rápido e por meses apenas aperfeiçoavam o que tinham apren­dido, então, quando surgia algo novo, ouviam atentamente entusiasmados.

Cada pessoa possui um corpo, uma mente e uma alma. E em cada uma dessas categorias existem subcategorias que diferem uma pessoa da outra. Por exemplo: o corpo diferencia-se na altura, peso, cor da pele, dos olhos, dos cabelos etc.

Ou como a mente. Existem pessoas com facilidade em raciocínio lógico e outras, nem tanto - acrescentou Alone.

Quando um ser humano nasce, herda os níveis de equilíbrio do pai e da mãe, e à medida que crescem, esses níveis sofrem mudanças, tor­nando a pessoa única. Foi dessa lei que surgiu o cumprimento do exército: "Corpo, mente e alma pelo Führer", que em outras palavras significa que você entregou toda a sua existência para o ditador - continuou Light.

Mas esses níveis são muito delicados. Se houver uma grande quan­tidade de diferença para as outras categorias, a pessoa pode sofrer deficiên­cias - advertiu o caído.

Um atleta, por exemplo, possui um nível elevado na categoria corpo, devido aos treinos, mas não sofre nenhum mal devido a todo um processo saudável. Por outro lado, se fosse treinado, o corpo exageradamente sem nenhuma dosagem, o nível da alma e da mente iria ficar muito baixo, tor­nando a pessoa uma massa de músculos que se locomove.

Então quanto mais exercitarmos cada categoria, seu nível aumenta - True certificou-se de que acompanhava o raciocínio.

Exatamente, garoto. Também há casos daqueles que exercitam suas mentes ao máximo e por isso, o corpo atrofia. O último caso, a sobrecarga da alma, seria o que aconteceu com você, que, ao ultrapassar o limite de sua alma, causou danos ao corpo e por pouco à sua mente.

True lembrou-se das palavras de aviso de Taiji momentos antes de usar a técnica.

É claro que estamos falando sobre casos extremos. Poucos desenvol­vem essas deficiências, mas devemos avisá-los. Então, para que use aquela técnica sem riscos, deve exercitar seu corpo e mente para que atinjam um nível de segurança. Creio que... Cinqüenta por cento em uma categoria e vinte e cinco nas outras duas seria o limite máximo de segurança - Light colocou a mão no queixo pensativo. - Sei que é difícil pensar nisso em porcentagem, então use em tempo. Durante o dia você deve administrar o tempo para que não exercite apenas a sua alma. Pequenas tarefas já ser­vem como exercício, como um jogo de xadrez para a mente e uma simples caminhada para o corpo. No seu caso, acredito que o corpo seja o mais carente; então, procure fazer exercícios físicos.

Esmeralda absorvia as informações preocupada. Não com ela, pois durante esse tempo trabalhou sua mente, o principal fator de desequilíbrio no passado, mas, sim, com True, que apresentava riscos.

O ideal seria se conseguíssemos manter corpo, mente e alma devida­mente equilibrados e assim aumentá-los gradativamente - concluiu o rapaz.

Isso mesmo. Porém é quase impossível. A maioria sempre se identi­fica com uma categoria ou outra: esportes, estratégia, religião. O que influ­ência na escala e dificulta manter o equilíbrio. Mas quero deixar claro que não é um dever atingir esse equilíbrio, vocês devem seguir o caminho que preferirem e não fiquem preocupados com as deficiências, sem perceber, vocês sentirão falta de algum exercício e, inconscientemente, dosarão entre as três categorias.

Ao ouvir aquelas palavras, Esmeralda ficou mais tranqüila sobre o assunto. True só precisava se esforçar um pouco até que alcançasse uma taxa segura.

Sabendo de tudo isso, aquele homem deve possuir um nível alto de corrupção, ele também me pareceu ter um bom controle da mente ao demonstrar tranqüilidade aos comandos de seu superior, porém seu corpo era magro, o que demonstra sua fraqueza - mesmo sabendo melhor sobre o caído, restava uma última questão a ser resolvida. - Se ele possuía um nível tão alto de corrupção, por que o ditador não o fez general?

Hahaha... — Belphegor começou com risos intercalados até que evo­luíram para uma única gargalhada.

Do que ele está rindo? — Esmeralda se irritou.

Eu não sei. Tinha esquecido que ele estava presente. Até agora não havia dito uma palavra sequer, mas... — True usou seu olho e notou a quantidade de corrupção que emanava da alma daquele homem. — Você também pode ver, não pode? Aquela forma?

Esmeralda olhou melhor a forma que a alma se manifestava. Um demônio velho de barba grisalha e unhas longas. Um par de chifres late­rais, uma cauda similar a de um leão e asas negras de pluma. True não se sentia ameaçado pela forma, mas percebeu o olhar pensativo da alma caída e sabia que ali estava sua preocupação.

Se Astaroth estivesse aqui ele certamente o mataria, rapaz, por com­pará-lo a um general - disse Belphegor quando terminou sua gargalhada. — Vocês não têm chances contra eles!

Que eu saiba, resta apenas um general e o próprio ditador. Assim como foi com os outros generais, derrotaremos o próximo e quando chegar a hora do Führer será diferente da última vez, eu garanto! - True resmungou.

Não são esses a quem me refiro - Belphegor retrucou. - Existem caídos superiores ao título de general.

O que está dizendo? Os generais são os pilares de toda a força do ditador, se os derrotarmos, a vitória praticamente estará garantida! - True questionou temendo que houvesse algo superior a um general.

Errado. Seria impossível até mesmo para o Führer sozinho domi­nar todo o mundo se possuísse apenas cinco generais. Para tal feito, ele precisava de homens indestrutíveis, que não hesitassem na batalha e não tivessem piedade em seus corações.

Como poderia existir pessoas assim? — Esmeralda perguntou já ima­ginando a resposta.

O mundo estava pobre, senhorita. Não foi difícil encontrar pes­soas com essas características, o mais complicado foi mantê-las cooperando entre si. A maioria matou uns aos outros até a chegada do dia em que o Führer botou seu plano em prática. Com eles foi muito simples. Eles sozinhos dizimavam uma civilização inteira! E mesmo após a conquista do mundo, o ditador os mantém sob sua vigilância. Por isso foi necessário os generais, ou então aqueles caídos destruiriam todo o continente!

Os paladinos estavam assombrados com a notícia inesperada. Como se não bastasse a luta contra os generais, ainda havia forças superiores a deles.

Alone, o que ele diz é verdade? - Light indagou preocupado.

Sim, e existem seis deles. Astaroth é o que vocês encontraram junto ao ditador, os outros estão na Europa - continuou Belphegor.

Seis deles! Estávamos tão perto de acabar, agora... — lamentou Light.

Astaroth, Beelzebub, Asmodeus, Lilith e Abaddon compõem a guarda pessoal do Führer, os quais são conhecidos como os seis Lordes Damons.

Espere, você disse que haviam seis, mas só mencionou cinco. Quem é o último? - True perguntou inquieto.

Ele está aqui entre nós, garoto - respondeu Alone.

Será que é... — True arregalou os olhos e sentiu um frio percorrer sua alma ao encontrar o olhar do caído à sua frente.

Prazer em conhecê-los, sou o sexto Lorde Damon, Belphegor!

 

                                        Capítulo 35

Abalos e sorrisos

Abalos e sorrisos Lordes Dczmons... — Light fixava em sua mente. Como líder, não podia se dar ao luxo de ficar abalado com a situação e esperar até que aceitasse o fato. Ele, mais do que todos, teria que agir o mais breve possível e preparar seus seguidores para o que estava por vir.

Se não fosse pelo Belphegor aqui presente e o incidente com o Führer, eu não ia acreditar em tal notícia.

Como disse, não vim propor um acordo sem oferecer nada em troca. Nós precisávamos de mais poder ofensivo assim como vocês. Mas também precisávamos de recurso e um lugar seguro para nos abrigar. Com as cons­tantes mudanças e nossas poucas opções, era difícil elaborar um plano que não fosse um ataque direto.

True e Esmeralda estavam pensativos, agora que tinham se acalmado, tentavam encontrar seus pontos falhos, os quais precisavam melhorar ime­diatamente devido àquela situação inesperada.

Senhor - chamou o rapaz dirigindo-se a Belphegor com respeito, reconhecendo que ele era o único com as informações que poderiam ajudá-los contra os novos inimigos.

O Lorde caído o encarou, esperando pelo que o paladino falaria.

O senhor disse que nós nunca o venceríamos, o que, com nosso estado atual, talvez seja verdade, mas tenho certeza de que se apontar a diferença entre nós e os Lordes, poderemos mudar esse resultado.

Belphegor olhou nos olhos do rapaz por um instante, percebendo a coloração incomum, mas não foi o que lhe chamou a atenção, assim como em suas palavras, o seu olhar não transmitia dúvida.

Muito bem - aceitou Belphegor com um sorriso discreto. - Primeira coisa que lhes devo chamar a atenção é para a energia que tanto falam de suas almas.

Os paladinos corrigiram a postura e voltaram toda a sua atenção para a explicação do Lorde Daemon.

O primeiro ponto de que devem observar é que a alma não é como o corpo que atinge seu limite. Essa energia é nada mais que sua determina­ção. O mesmo vale para os caídos, a única diferença é que eles acumulam ódio, e os puros, esperança.

Se o que diz é verdade, então poderíamos permanecer sincronizados com a alma em tempo ilimitado - comentou Esmeralda.

Na teoria é assim que funciona; na prática, porém, o que não deixa de ser possível, é mais complicado que isso. Todos nós temos falhas e por mais que estamos determinados a fazer algo, às vezes desis­timos ao encontrar obstáculos que pensamos que não seríamos capazes de superar.

True lembrava-se do tempo em que ainda era um estudante do Ensino Médio, preparando-se para o dia em que serviria o exército. Ele desistiu inúmeras vezes quase reconhecendo sua derrota, porém sempre restava aquela última fagulha que reacendia a esperança. Se tivesse desistido defi­nitivamente, ele nunca iria conhecer os companheiros preciosos que fez em sua jornada. Parando para refletir, naquele momento se encontrava no mesmo estado. O medo do desconhecido o assombrava novamente; um novo obstáculo que teria que superar, não, ele iria superar.

Nós vamos conseguir! - True disse batendo a mão contra a mesa ao ficar de pé. — Não. Nós tenios que conseguir! Eu confesso que não tenho um objetivo ainda, mas... vou fazer por aqueles que, assim como eu fazia, sonham para que alguém se levante contra o exército.

True... — Esmeralda se surpreendeu.

A adolescente o avaliava. Ela, ao contrário da Valquíria, não estava admirada. Já tinha visto aquele comportamento, mas nunca presenciou alguém que o mantivesse até o fim.

Alone encarou a adolescente ao seu lado e chegou perto de seu ouvido.

Agora que as coisas ficam interessantes - sussurrou.

A garota lembrou-se do que Alone disse no hotel onde estavam hos­pedados no dia anterior. O caído desejava acompanhar o caminho do pala­dino, interessado se ele manteria sua palavra.

Você diz palavras bonitas, rapaz. Mas palavras não vencem guerras, e sim ações. Nunca subestime o Führer, ele é um homem incrível, apesar de tudo. O único que conheci que conseguiu equilibrar devidamente a alma, o corpo e a mente - disse Belphegor.

Não o subestimo, não mais - True o interrompeu, recordando do encontro inesperado momentos antes de conhecerem Kitsune. — Desculpe se passei uma imagem de alguém motivador, mas eu digo isso não para os que estão em minha volta; digo isso para mim, alto, para que nada me impeça de ouvir e para que eu acorde e não perca tempo com lamentações. Afinal, como o senhor disse, guerra se vence com ações.

Alone sorriu e a pequena jovem pode perceber a expressão, porém sua opinião não havia mudado, queria ver o rapaz cumprir a palavra.

Belphegor o fitava. Percebendo que suas intenções eram verdadeiras, disse com um sorriso:

Eu os ajudarei com qualquer informação que desejarem, mas fiquem cientes desde já que nunca os ajudarei a derrotar o Führer! Ele fez muito por mim e eu ainda o admiro. Tenho uma rivalidade com um Lorde, então apenas os ajudarei até lá, depois estarão entregues à própria sorte.

Light observava tudo acontecer sem mais se envolver. Quando perce­beu que todos se acalmaram, decidiu encerrar a reunião.

True e Esmeralda, vocês já ouviram as intenções de Pandora, agora cabe a vocês decidirem se a aliança será feita.

Os olhares dos paladinos se cruzaram e através do Laço chegaram a uma decisão.

Nós aceitamos! - disseram em uníssono.

Estão cientes das condições de Belphegor? — Light lembrou.

Sim.

Aos membros de Pandora, estão cientes do modo que trabalhamos, dando oportunidade para o caído se redimir?

Sim — confirmaram um após o outro.

Alguma objeção contra isso?

- Não.

Se é assim... - Light suspirou e conteve-se para não abrir um longo sorriso de empolgação. - Está feita a aliança entre Pandora e a Ordem dos Paladinos. A primeira união de puros e caídos!

 

Após a reunião Light foi imediatamente anunciar à base sobre a aliança formada. A notícia não foi bem-vinda de imediato, mas à medida que o líder contava sobre os detalhes do acordo, ia ganhando a confiança de alguns.

True preparava-se para o almoço marcado com os pais. Antes de seguir ao encontro de Harrison e Melissa, buscava apoio de Esmeralda, que o encorajava.

Ele caminhava a passos curtos em direção à ala de alimentação onde estava marcado o encontro para que ele e seus pais conversassem.

Vamos, True! - Esmeralda o empurrava. - Olhe para você! Parece um gatinho medroso! Para alguém que enfrentou várias batalhas, uma sim­ples conversa não vai te matar!

Acho... — o rapaz engoliu em seco — que tem razão.

Ele às vezes é tão teimoso! — a jovem dizia em sua mente.

Eu posso te ouvir.

Desde quando nos eonectou com o Laço?

Desde quando deixamos o quarto. Pensei que podia me ajudar com o que dizer. Tem certeza que não quer vir junto?

Não! Você deve fazer isso sozinho, agora vamos!

Antes de o jovem inseguro desse mais algum passo, avistou o amigo que passava pelo local. Esmeralda aproveitou e desfez o Laço.

Kyõki! - True ficou contente ao ver o amigo recuperado.

True - Kyõki o reconheceu. - Kitsune me contou sobre seus pais. Fico feliz por você.

Feliz... — o rapaz não sabia o motivo, mas estranhou o modo como o paladino disse a palavra. - O que foi isso? Não que eu esteja duvidando das palavras de Kyõki, mas foi diferente dos outros — True fitou os olhos do pala­dino e observou sua alma. Agora que podia sentir e ver o comportamento das almas, percebeu que o porco-espinho de Kyõki não se movia com entu­siasmo ou demonstrava qualquer sentimento. O olhar fixo no rapaz lembrava a muitos um olhar invejoso ou vingativo, mas True sabia que não se tratava daquilo. Aquele vazio lembrava uma máquina ou um objeto sem vida.

Com a mudança de seus olhos, True agora podia ver além da forma e movimentos das almas, ele conseguia ver os sentimentos que elas mani­festavam. O fato da alma de Kyõki não demonstrar nada o incomodava.

-True... True! - dizia Esmeralda, e o paladino percebeu que o chamava.

O que foi?

Kyõki te fez uma pergunta! - explicou a Valquíria, franzindo o cenho.

Desculpe, pode repetir.

Perguntei se você está feliz — True ainda fazia uma expressão de dúvida, então Kyõki completou: - Por ter reencontrado seus pais.

Ah sim, estou - respondeu hesitante.

Desculpa por isso, Kyõki. Ele está desse jeito hoje, deve ser a ansie­dade. Está a caminho para um almoço com eles - disse Esmeralda ten­tando consertar a falta de atenção do rapaz.

Não tem problema. Agora eu tenho que ir, Light está me esperando. Boa sorte com o almoço e aproveite.

Obrigado — agradeceu ainda preocupado com o que viu.

O tom da voz e os gestos foram normais... Deve ser algo da minha cabeça - refletia.

Certo, agora chega de enrolação e vamos logo! Já estou cansada de te arrastar!

Antes de entrar, True estendeu a cabeça para dar uma olhada no local, procurando de mesa em mesa por seus pais.

Eles já chegaram! — estremeceu.

Eu não acredito, você está suando! Francamente, True!

Esmeralda, já irritada, empurrou o rapaz para dentro do restaurante.

O golpe o pegou de surpresa e antes que pudesse fazer alguma coisa, seus pais o viram e acenaram para ele.

Desistindo de qualquer resistência, decidiu ir ao encontro deles.

Boa tarde, filho. Estávamos ansiosos para que chegasse.

Eu também - mentiu, pois não queria magoá-la.

Enquanto se cumprimentavam, o chefe de cozinha, responsável por um dos restaurantes da ala, reconheceu o rapaz e foi ao seu encontro, pois estava preocupado devido às notícias que ouvia pela base a respeito do que levou True a ala hospitalar.

Boa tarde, Kani-kun. Como você está? Fiquei sabendo que teve febre alta.

Sim, mas estou muito melhor agora. Obrigado pela preocupação, ojisan.

Lembrando que não estava sozinho, True apresentou seus pais ao cozi­nheiro chefe:

Estes são meus pais; minha mãe, Melissa e meu pai, Harrison.

Prazer em conhecê-los. Kani-kun sempre falava bem de vocês, e estava ansioso para revê-los. Ele sempre que tinha tempo vinha aqui provar minhas receitas.

Kani-kun? — Melissa franziu o cenho.

É um apelido, mãe - explicou True sem jeito. - Deram-me esse apelido porque demorei um tempo para me adaptar à comida daqui e no processo comi muita carne de caranguejo, a que mais gostei. Caranguejo em japonês é kani.

Sim. Por semanas ele comeu a mesma coisa até se adaptar - sorriu o cozinheiro com as lembranças.

Obrigada por ter cuidado dele durante esse tempo, ojisan — agradeceu.

Mãe! ojisan[6] não é o nome dele!

Não? Mas você acabou de chamá-lo assim.

O cozinheiro deu risada.

Não faz mal. O erro foi meu de não me apresentar. Meu nome é Ogawa Aida, sou o cozinheiro chefe do restaurante, se precisarem de qualquer coisa que esteja ao meu alcance, podem pedir.

Prazer em conhecê-lo. Desculpe pela confusão - consertou Harrison o mal entendido.

Deixem isso para lá. Vejo que hoje se trata de um reencontro familiar, não estou certo?

Com toda certeza. Aguardávamos muito esse dia — continuou o pai.

Se é assim, venham comigo. Eu tenho um local reservado perfeito para vocês. Eu o utilizo para passar o tempo enquanto não tenho serviço.

Não queremos atrapalhar - disse True.

Deixe disso, Kani-kun. Não vai atrapalhar em nada. Venham!

Harrison olhou para a sua esposa que assentiu.

Se não vai atrapalhar, muito obrigada.

O quarto ficava localizado atrás do balcão perto da cozinha, assim como Aida havia dito, o local era reservado, sem nenhuma intromissão de cozinheiros ou outros ajudantes. No centro, uma pequena mesa onde seria servido o almoço. Eles optaram por um prato típico do Brasil, para relem­brarem os velhos tempos. Os cozinheiros eram muito habilidosos, e para o conforto de todos, Light sempre pediu que houvesse uma grande variedade de pratos para que se sentissem em casa.

True - chamou Harrison dando início à conversa. - E quanto àquela moça, ela não quis vir?

Esmeralda achou que não era o momento certo. Ela preferiu que conversássemos apenas entre nós, imaginou que atrapalharia.

É bondade da parte dela. Dá para perceber que teve uma boa educa­ção - elogiou Melissa.

Boa educação? — True refletiu. - Então esta é a visão que as pessoas têm dela atualmente. Isso é bom, mesmo deixando sua casa muito cedo e ter passado por tantas coisas, ela superou e hoje demostra ser uma pessoa completamente diferente.

Mas eu notei um clima diferente entre vocês ou estou errado? - inda­gou seu pai com um sorriso.

True, percebendo ao que seu pai se referia, logo deixou claro:

Não somos nada mais do que amigos - respondeu friamente, acos­tumado com a pergunta.

Não seja tímido, filho - Melissa arriscava em insistir. - Eu aposto que são muito além do que amigos, talvez namorados?

Não - continuou ele com o mesmo tom de voz. - Talvez o que tenha notado seja porque quando ela deixou o exército, nós ficamos bem próximos, dividimos até o mesmo quarto, mas não somos nada mais do que amigos, como eu disse - desabafou, pois não queria que seus pais sou­bessem do fato deles dividirem o quarto por outra pessoa.

Ela era do exército? — Melissa se assustou.

Dividem o mesmo quarto? — Harrison perguntou surpreso.

O paladino, percebendo as coisas que tinha dito sem pensar, engoliu rapidamente a comida e logo tentou consertar as coisas.

Ela era tenente-coronel da América do Sul, mas durante a invasão consegui fazê-la mudar de lado. Na época também foi um choque para mim, éramos colegas de classe e nunca a imaginava em uma patente tão alta - True se referia à antiga forma da alma, porém sabia que seus pais não iriam entender. — Com a grande mudança de ambiente, Esmeralda não se sentia segura nem aceita por todos. Então ela passou a dividir o quarto comigo, quem ela mais confiava - explicou sem entrar em detalhes.

Seus pais trocaram olhares que True conhecia bem. Eles não gostaram muito da idéia, e a história parecia mais como uma desculpa.

Mas filho, você acha mesmo que essa moça é de confiança? Ela traiu o exército, o que precisa de muita coragem hoje em dia. Ela poderia fazer o mesmo com vocês, se fosse do interesse dela - Melissa disse com uma voz calma e seu marido assentiu.

O rapaz sorriu com a contradição. Há poucos instantes estavam elogiando Esmeralda com uma "boa educação" e agora a julgavam sem conhecê-la. Seu sangue ferveu com aquelas palavras, mas o paladino soube se controlar.

Aposto minha vida que ela não faria isso!

Seus pais ficaram em silêncio por um tempo ao ouvir a resposta con­fiante do filho.

Se você confia nela, também confiaremos. Você a conhece a mais tempo que nós, então não temos esse direito - disse Harrison após uma garfada.

Realmente não têm — reforçou.

Notando que o clima estava mais pesado, Melissa decidiu mudar de assunto.

Esse lugar é fantástico, não é?

Com certeza. Foi bem projetado e Light pensou até em lazer. Fiquei perdido naquela biblioteca, era imensa — concordou Harrison.

É verdade. Lembro-me da primeira vez que vim aqui. Vocês também precisavam ver a base no Brasil. Tem uma entrada que passamos por uma cachoeira, só estando lá para ver como é incrível! - contou True eufórico, engolindo a comida o mais rápido que pôde.

Eu imagino.

Vocês já conheceram a base?

Não toda - mentiram.

Então, se quiserem, posso mostrá-la para vocês - convidou.

Seria ótimo.

Harrison tocou levemente a mão de Melissa por baixo na mesa, con­tente que tinham ganhado um tempo a mais com o filho, e por livre von­tade. Porém o sinal significava algo a mais. Por mais que tentassem aceitar algumas mudanças, queriam saber sobre as transformações que seu filho passou durante esses anos. Quando se separaram, True tinha apenas treze anos, e durante esse tempo ainda se sentiam, no dever como pais, de per­guntar e orientar seu filho. Aquele costume talvez nunca acabasse, e como se o tempo tivesse parado, sentiam em seus corações que seu filho ainda era um garoto.

True, nós queríamos fazer algumas perguntas, até mesmo para saber tudo o que aconteceu, como você cresceu, as mudanças que ocorreram em sua vida. Sabe que, como seus pais, mais do que qualquer um, estamos muito curiosos - explicou Harrison, dando ênfase com sua voz no "querí­amos", deixando claro que era a vontade do casal.

Aquela velha introdução — True sabia que tudo o que conversaram até aquele instante não tinha passado de uma preliminar. Estava até admirado por conseguir terminar sua refeição e começar a sobremesa sem o início do verdadeiro diálogo. Agora dobraria sua paciência e compreensão.

Não precisam se explicar. E tudo novo para vocês.

O casal hesitou. Harrison ainda mantinha sua mão sobre a da esposa. Decidido a dar o primeiro passo até que sua mulher pensasse em algo, perguntou:

Nós notamos a mudança de cor de seus olhos. O que foi isso? Alguma lente especial que está usando?

Isso vai ser difícil. Temos que ter cuidado com nossas palavras — disse Taiji.

Não, são meus olhos mesmo. Não tenho uma explicação exata para a cor deles, seria praticamente o mesmo motivo que vocês têm olhos casta­nhos. Mas eles não sáo diferentes a toa. Graças a eles posso ver a alma das pessoas, seus sentimentos, se estão mentindo ou falam a verdade e também posso descrever sua personalidade. Devido a todas essas características, nós o chamamos de "Olho da Verdade". Todos com a alma de anjo podem usá-lo, porém o meu é o mais desenvolvido.

E isso não é perigoso? — preocupou-se Melissa.

Não - sorriu com a ignorância.

Agora estou curioso, pode dizer como são nossas almas? - interes­sou-se o pai após uma breve introdução sobre as almas feitas por Light.

Claro que sim. Vamos começar pelo senhor, que é a de um cão. Lembra muito ao da raça pastor alemão. O que significa lealdade. Sinto que você está tenso e feliz ao mesmo tempo, então, quando quiser soltar a mão da mamãe, fique à vontade - True sorriu.

O casal arregalou os olhos surpresos, fazendo um soltar a mão do outro, como se tivessem sido pegos fazendo algo de errado.

E o seu, mãe, é de uma formiga. O que significa que não é uma pes­soa solitária e gosta de trabalhar em equipe.

Uma formiga? Quem diria. Mas o significado está exato — Harrison sorriu.

Se é uma formiga, como consegue vê-la? Não é muito pequena? — perguntou curiosa.

Não. O tamanho das almas é muito relativo. Até hoje não entendi como funciona exatamente. A sua, por exemplo, é do tamanho da palma de uma mão. Já a do meu pai é o tamanho de um cão adulto como conhecemos.

E a sua filho? Como ela é? - questionou Melissa curiosa.

True temia a pergunta, mas como já havia pensado naquela possibili­dade, já estava preparado.

É uma alma de equilíbrio, como o yin-yang - o rapaz poupou deta­lhes e qualquer expressão como: "metade demônio", "metade corrompido", evitando também exemplos. Com uma frase curta, ia dar a impressão de ser algo simples, o que faria seus pais dizerem que tinham entendido mesmo se fosse o contrário, pois não queriam assumir que eram totalmente leigos.

Certo tempo passou entre uma colherada e outra no delicioso pudim, quando Harrison retomou as perguntas.

Filho, quem eram aquelas pessoas que usavam máscaras hoje pela manhã? Nós não entendemos direito como aconteceu aquilo tudo. O que eles queriam? Light pareceu bem zangado ao vê-los, e o alarme não parou um minuto! Até onde eu sei, eles invadiram a base, mas agora andam nela como se fosse suas casas.

Melissa ergueu as sobrancelhas e limpou os lábios com um guardanapo, demonstrando ansiedade. True percebeu que sua mãe também se interessava pela pergunta, e talvez seus pais tivessem debatido sobre o assunto e resolveram guardar a questão para que ele explicasse melhor.

Eles são de uma organização chamada Pandora. Ela não é popular e grande como a Ordem e seus membros são todos caídos — o paladino fez uma pausa para checar se seus pais estavam cientes sobre os puros e caídos.

Light nos falou um pouco a respeito.

Pois bem... Um dos membros era um antigo paladino que decidiu abandonar a Ordem. Apesar de, na época, não sermos chamados assim.

Um traidor?

Não! Alone nunca foi um traidor! - True deixou claro. - Ele não tinha motivos para continuar na Ordem, então foi embora.

Ele poderia ter vendido suas informações para o ditador. Fizeram uma coisa arriscada ao deixá-lo ir.

Mas não vendeu! Nós sabíamos que podíamos confiar nele. Nunca nos prejudicaria, apesar da batalha no Canadá, mas foi compreensível, pois...

Batalha? Vocês lutaram contra eles?

Eu lutei contra ele com a ajuda de Esmeralda, mas ele estava sozinho.

Mesmo sozinho, aquele homem, pelo que soube, era muito mais experiente que vocês.

Sim, mas foi uma batalha dois contra um. Se for para julgar, julgue a mim que estava na vantagem.

Não sei qual vantagem - disse Melissa indignada. - Eram dois ado­lescentes, sendo um deles uma garota, contra um homem experiente.

Como assim "garota"? Esmeralda sabe se defender muito melhor que muito homem por aí!

True percebeu a confusão que tinha arranjado. Irritado com as acusa­ções contra Alone, ele se arrependeu de não ter mantido em sigilo.

Interrompendo o debate, vozes foram ouvidas do lado de fora do pequeno aposento.

Percebendo o barulho que vinha do lado de fora, ambos fizeram uma pausa para tentar adivinhar o que acontecia. Antes que arriscassem qual­quer palpite, Aida entrou no cômodo, e o paladino logo o atropelou com perguntas:

Ogawa-san, o que está acontecendo do lado de fora? Algum pro­blema com os membros de Pandora? Pareceu a voz de Light ao microfone.

Realmente era ele, mas não era algo relacionado à Pandora - Aida recolhia os talheres e pratos vazios enquanto explicava. - Kyõki confirmou tudo. A Ásia está livre e nossa vitória foi oficialmente declarada.

True deu um longo sorriso e olhou para os pais que retribuíram. Em uma troca de abraços, festejaram o acontecimento. Se não fosse pelo que Aida estava prestes a dizer, talvez eles aproveitassem o resto do dia juntos com tranqüilidade.

Como é bom ver uma família unida assim - disse Aida com um sorriso que logo se desfez. - E uma pena que o jovem Kyõki não possa desfrutar dessa felicidade.

True congelou ao ouvir aquelas palavras, pensou de todas as formas como impedi-lo, mas já era tarde.

O que aconteceu? A família dele está distante ou morreram? - arris­cou Melissa com o palpite, sobre o qual era muito comum naquela época.

Não, senhora. A história daquele rapaz é ainda mais triste. Ele matou o próprio pai, que era o general deste continente, e parece que não sabem o paradeiro da mãe.

Os pais de True entraram em choque. Se fosse um general ou um sol­dado qualquer, não se espantariam daquela forma, mas se tratava de um paladino, amigo de seu filho.

Como o restaurante está cheio, vim apenas recolher as coisas, mas sintam-se à vontade. Se precisarem de mais alguma coisa podem me chamar.

Do mesmo modo repentino que entrou, Aida deixou o lugar. Os olha­res surpresos de Harrison e Melissa logo procuraram por seu filho.

True, o que ele disse é verdade? - Harrison indagou atônito.

Sim - respondeu enquanto olhava para baixo.

Explique, por favor.

True respirou fundo sabendo que seria difícil convencê-los da verdade.

É mais complicado do que parece... Eu tentei impedi-lo várias vezes, mas não cabia a nós a decisão. Foi uma armadilha do destino. O pai, gene­ral da Ásia que buscava poder, e o filho, um rebelde obstinado a livrar sua terra natal da ditadura. Dois caminhos que se cruzam com objetivos dis­tintos. Desde pequeno Kyõki não teve uma relação próxima com o pai e...

True não conseguia arranjar mais argumentos, então entregou a pró­pria sorte.

-True, filho, desculpe o que vou dizer agora, mas está entalado em minha garganta e eu preciso dizer - Melissa gaguejava trêmula. - Eu não gosto do que faz aqui! Eu não gosto de saber que meu filho faz parte disso tudo!

Você está no meio de uma guerra, True. Nós ficamos preocupados com o que pode acontecer a você! Querendo ou não, é obrigado a matar os soldados senão o contrário pode acontecer! Não te criamos para que se metesse nisso tudo - Harrison também se envolveu, porém em um tom mais amenizador.

Light tem os outros paladinos. Por que não vem morar com a gente no Brasil com o era antes? Lá ficaremos em paz e você não terá que ir para nenhuma batalha. Poderá retomar os estudos. Claro que isso ainda levará um tempo até que tudo se ajeite pelo mundo, mas poderá trabalhar em algo que queira, nós te apoiaremos! - continuou Melissa.

Também fará novos amigos.

Isso mesmo — encorajou. - Porque, francamente, não gostamos muito das companhias que tem aqui. Basta ver esse rapaz que acabamos de falar! O que ele fez não é algo que uma pessoa normal faça, ele deve ter algum problema!

Essa aliança feita com a outra organização também não acho que foi uma decisão sábia. O homem de quem falou deixou vocês uma vez, quem garante que não fuja novamente?

E também aquela moça! Ela pode mudar de lado novamente se per­ceber que pode ser vantajoso para ela. Nós só queremos o seu bem, filho. Por isso estamos o alertando!

True ouvia tudo calado. Os punhos estavam cerrados e seu rosto enrubesceu. As palavras iam acumulando em sua garganta, prontas para saírem e retrucar a cada acusação equivocada. Não suportava ouvir aquilo, e assim que percebeu que seus pais tinham acabado com as acusações, ergueu a cabeça.

Vocês não mudaram nada!

O jovem paladino se levantou e abriu a porta com uma força que mal podia controlar. Dando as costas para seus pais, ele avançou ao balcão, abrindo passagem, não importando o que estivesse em sua frente. Ouvia de seus pais para que esperasse, mas não se importou.

Filho, espere! Não está vendo no que você se tornou? Está sendo influenciado por eles, por favor, nos escute!

Os olhos de True esbugalharam, incrédulos em presenciar tamanha ignorância. Sem conseguir mais agüentar, True estourou.

Parem de falar! - True golpeou a mesa que estava ao seu alcance, chamando a atenção do restaurante lotado.

O rapaz parou em meio a multidão e virou para olhar nos olhos de Melissa e de Harrison, que se aproximava para abraçar a esposa.

Não vou escutar essas coisas absurdas sobre meus amigos! - True vociferava. Sua voz ecoava por todos os corredores da base. - Vocês não sabem pelo que passamos e o que vivemos para chegar até aqui! Se eu quero ir com vocês para o Brasil? Se eu quero ter aquela vida normal de antes? Como podem ter olhos saudáveis, mas são tão cegos? A verdade está ao alcance de seus olhos, mas só veem ilusões, seus próprios desejos! Dizem que me apoiam em minha decisão, mas são vocês que ditam as opções! Aquele continente só está em paz porque nós nos levantamos e acredi­tamos que podíamos fazer alguma coisa! - Apesar da raiva que sentia do julgamento preconceituoso, o paladino sentia tristeza pelos pensamentos de seus pais. - Não acham que estão pensando apenas em si? Nós vivere­mos em paz, mas e quanto àqueles que vivem onde a ditadura ainda está presente? Seria justo abandoná-los? Se não me falha a memória, há poucas horas vocês dois estavam cercados por soldados, sendo escravos de suas ordens. Não sentiam medo naquele instante?

Melissa não pôde se conter e chorou. Harrison tentava acalmá-la em seus braços, mas ouvia calado as perguntas que não sabia dar as respostas.

Esmeralda chegara naquele instante à ala de alimentação e logo que reconheceu True, correu até ele abrindo caminho entre as pessoas para tentar acalmá-lo.

Respondam! — True insistia aos berros.

True, acalme-se! Vamos dar uma volta! - Esmeralda tentava acalmá-lo. Ela não imaginava que as coisas chegariam àquele ponto ou então teria concordado em acompanhá-lo.

Por que não dizem as coisas absurdas que fui obrigado a ouvir lá dentro na frente de todos? - continuou, ignorando a jovem.

-True, eles são seus pais! Despois vai se arrepender do que está dizendo!

Espere, Esmeralda. Ainda há mais uma coisa que eles precisam saber! - True afastou as mãos da jovem. Neste momento ela percebeu que ele estava tremendo.

True ativou sua alma e revelou a seus pais sua verdadeira forma. Os olhos dos Constantine se arregalaram ao perceber o lado sombrio de seu filho, fazendo ignorarem o seu lado anjo.

Olhem para mim, pois é isso o que sou! Metade anjo, metade demô­nio. Por que sou assim? Porque sou diferente de vocês. Eu vejo a maldade e a bondade no coração das pessoas, sou o equilíbrio entre as raças. Este sou eu, filho de Melissa e Harrison Constantine. Mas se quiserem me negar e irem embora, podem ir. Não precisamos de pessoas egoístas que julgam os outros pela aparência! Não digo estas palavras com ódio em meu coração, pois entendo que ainda são ignorantes como um dia eu fui, mas não posso perdoar as acusações contra os outros paladinos.

Algumas lágrimas escorriam pelo rosto do rapaz, assim como Esmeralda, que procurava se manter forte. Naquele instante o líder rebelde compareceu à ala.

True! Já chega! - Light deu a ordem pondo a mão sobre o ombro do paladino.

O rapaz, ao reconhecê-lo, desativou sua alma.

Acredito que deva desculpas ao Ogawa-san.

O silêncio era absoluto. Apenas a voz de Light era ouvida. Aida estava de braços cruzados e uma expressão zangada enquanto esperava pelo pedido de desculpas. True olhou à sua volta e notou os ajudantes assustados. Ele, ao reconhecer o erro, não hesitou em se desculpar.

Desculpe-me, Ogawa-san. Perdi o controle e causei transtornos ao senhor. Obrigado pela refeição e pelo almoço especial que fez para nós. Estou disposto a ajudá-lo na cozinha e na limpeza do restaurante como um gesto para me redimir - disse, inclinando o corpo em sinal de respeito.

Aida descruzou os braços e encarou seus ajudantes.

Aceito suas desculpas. Mas não o quero aqui até que esfrie a cabeça. Você poderá cuidar da limpeza após terminarmos. Pensei em deixá-lo com o turno da noite, mas isso só afastaria as pessoas. Também quero que arrume a mesa que usou para descarregar a raiva, caso ela tenha sofrido algum dano.

Farei isso - True concordou.

Não está se esquecendo de nada?

True refletiu sobre a pergunta de Light e logo percebeu.

Ah... Desculpe também a todos.

Acho que nem todos puderam ouvir. Por que não usa o mesmo tom que alcançou até o andar inferior onde eu estava?

Eu peço desculpas! A todos os presentes! Não quero que pensem que os paladinos são assim. O erro foi meu e apenas meu! - pediu em um tom mais alto, para que todos os presentes ouvissem.

Melissa e Harrison tinham suas opiniões, mas perceberam naquele momento que True havia crescido e aprendeu boas maneiras. Light agiu como um pai, melhor que os verdadeiros, reconheceram.

Alone assistia a tudo ao lado da adolescente, afastados da multidão em uma mesa na lateral.

Assim está melhor - Light soltou o ombro do rapaz e procurou por Esmeralda. - Quanto a você, fez um bom trabalho tentando acalmá-lo. Já é a segunda vez em um dia que toma a iniciativa para resolver uma situação de emergência.

Esmeralda enxugou as lágrimas e agradeceu com um sorriso.

-Agora venham comigo, os três! - Light teve o cuidado de acrescentar.

Light estava na dianteira e o restante do grupo o seguia em total silên­cio. Partindo do restaurante, foram para o andar superior e caminharam até chegarem a um enorme portão.

Campo de treinamento? Por que estamos aqui?

Lembra-se da surpresa que tinha para lhe mostrar?

True tentava se lembrar de que surpresa o líder dos paladinos se referia, quando recordou-se da conversa que teve ao acordar na enfermaria, refres­cando sua memória.

Quase me esqueci. Mas o que tem a ver com a situação?

Apenas observe.

Esmeralda também estava presente e mal continha-se em esperar pela reação do rapaz.

Ao abrir o portão, em vez de colunas e obstáculos, estavam centenas de pessoas abrigadas de formas básicas. No local havia vários grupos, alguns conversando e trocando sorrisos, outros disputando uma partida de basquete com uma cesta e uma bola improvisada, outros seguiam até algumas caixas de papelão que continham livros usados os quais usavam para passar o tempo, entre outras tarefas. O que se observava ali era uma alegria inquestionável, ninguém parecia se importar com a básica instalação e com os sacos de dormir onde aparentemente usavam para passar a noite. As pessoas pareciam pertencer àquele lugar há anos, como se fosse o seu lar.

Quero que dêem uma boa olhada nessas pessoas que estão à frente.

True tentou reconhecer alguma delas, mas não se lembrava de nenhuma.

Estas pessoas, Senhor e Senhora Constantine - Light enfatizou — só estão aqui hoje porque seu filho as salvou!

True arregalou seus olhos e encarou Light para ter certeza de suas suspeitas.

Light, não me diga que são...

Exatamente, True. São os soldados que você enfrentou! Ao usar aquela técnica, foi como um Solstício em massa, purificando todas as almas.

O rapaz, ainda sem acreditar, encarou Esmeralda que assentiu com um sorriso.

Vá conhecê-los! Estão ansiosos para vê-lo. Eu disse a eles que estava hospitalizado, e acredite, foi difícil controlar a ansiedade dessa multidão.

O paladino engoliu em seco e com alguns incentivos de Esmeralda, caminhou em direção aos estranhos.

Ao entrar em seu meio, um ou outro começava a cochichar entre os grupos sobre a presença do paladino. Alguns apontavam e se levantavam para cumprimentar o paladino.

É você! True o seu nome, não é rapaz? - perguntou um homem bar­budo e com um olhar emotivo.

Sim... - respondeu hesitante.

Eu pensei que ia morrer naquela imensa bola de fogo, mas o que senti não tenho palavras para descrever. As boas memórias voltaram à minha mente e me fizeram lembrar o que realmente era importante para a minha vida.

O homem deixoyi que um sorriso crescesse em seu rosto. Era um sor­riso desajeitado, mas sincero. Em um grito, que fez o rapaz se assustar, chamou os outros que aguardavam a chegada do paladino para que se aproximassem. True pensou por um instante ativar sua alma, mas desistiu ao ver a marcha das pessoas sorridentes que vinham ao seu encontro.

Ele ouvia agradecimentos de todos os lados. Muitos estendiam as mãos para o cumprimentarem e outros, mais extrovertidos, o abraçavam. O rapaz, ainda zonzo com tudo aquilo, foi afetado pela onda de sorrisos e começou a gargalhar.

Eu não sei o que houve entre vocês e não é preciso que me digam - Light se dirigia aos pais do rapaz. - Mas peço que olhem para seu filho agora e vejam o seu sorriso. Aquela cena que estamos presenciando é o que a Ordem dos Paladinos busca, Senhor e Senhora Constantine. Queremos que o mundo tenha a chance de sorrir novamente, e as pessoas tenham a chance de começar de novo.

Os olhares de Melissa e Harrison se cruzaram e perceberam o erro.

Nós os julgamos errado. Peço que nos perdoe.

Não há porque pedir desculpas. Eu entendo que está sendo tudo muito estranho para os dois. Pensando nisso organizei essas palestras - Light entregou um panfleto para o casal com os horários e temas diferen­ciados. - Já faz um tempo que estava pensava em criá-las com o intuito de ajudar pessoas como vocês, que sabem pouco do assunto, para que com­preendam sobre nossa filosofia.

Obrigado, nós iremos.

Esmeralda observava de longe True interagir com os antigos soldados que no dia anterior se enfrentavam para tirar a vida um do outro, mas, hoje, alegravam uns aos outros.

As horas foram passando, e True ficou lá até o fim do dia.

 

                                           Capítulo 36

Confidência

Após conhecer cada soldado redimido que salvou, True passava mais uma parte de seu tempo ao lado de um ex-caçador de elite, pelo qual teve mais afinidade.

Incrível! Você tem apenas 25 anos e conseguiu atingir o nível da elite! - True elogiou. - Até Alexandra, a ex-caçadora de quem falei, era mais velha quando recebeu o título.

Falando dessa forma até parece algo que deva se orgulhar... - falou o rapaz, agora entristecido. - Eu obtive esse título pelos rebeldes que capturei e ajudei a matar... Não há nenhum mérito nisso.

Não é isso que quis dizer, me desculpe - disse True corrigindo o erro, após resmungar em sua mente como havia sido descuidado. - Você deve ser muito habilidoso quando o assunto é rastreamento, é o que eu estava tentando expor. Sua atenção aos detalhes e sua invejável percepção podem ser bem aproveitadas nas "Sentinelas".

O paladino notou quando a expressão depressiva do ex-caçador foi substituída por uma de esperança. Ao ouvir um lugar onde poderia ser útil, o ex-agente do exército não hesitou em querer saber mais.

"Sentinelas"?

É um grupo especial responsável pela vigilância e segurança de um continente, para certificar que a paz reestabelecida pelos paladinos con­tinue durante os anos. Tenho certeza de que suas habilidades serão bem-vindas. Na verdade, Light deve estar recrutando pessoas para o papel; afinal, logo teremos que deixar o continente.

Um longo sorriso surgiu no rosto do ex-caçador. Ele viu ali a oportuni­dade de compensar seus crimes, para que finalmente conseguisse ficar em paz com sua alma.

Muito obrigado, Senhor Constantine! Não imagina o alívio que é saber que posso ajudar de alguma forma. O senhor pode dizer-me como faço para fazer parte oficialmente das Sentinelas?

True sorriu com a empolgação do rapaz e a forma como se dirigia a ele.

Primeiro, não me chame de senhor, apenas True; afinal, você é o mais velho entre nós.

Como quiser - o ex-agente assentiu com um sorriso amistoso. — As vezes me esqueço de que você é mais jovem. Apesar do elogio, você tam­bém merece algum mérito, tem quase 21 anos e já é um paladino.

True ficou pensativo por um instante.

É verdade. Isso me lembra de quando era um simples estudante, per­dido naquele ambiente ao qual não me encaixava. Foram muitos desafios até chegar aqui.     '

O ex-caçador refletiu sobre aquelas palavras, recordando-se de quando True contou a ele sobre como Light o encontrara.

É engraçado como deixamos tudo para trás e seguimos um estranho que nos passa tanta confiança... - disse e por um tempo o rapaz ficou em silêncio.

Percebendo a expressão pensativa, True procurou saber o motivo.

Algo errado?

Só estava pensando no dia em que me uni ao ditador... Não quero entrar em detalhes, mas tive meus motivos. Eu acreditava que o que fazia era correto, e o Führer era uma inspiração para mim... No entanto...

True franziu o cenho e esperou que o ex-agente concluísse o que dizia. O caçador, redimido, parecia resgatar algo em sua memória, mas falhava.

Eu nunca soube qual era a razão, o que motivava nosso líder a seguir a diante.

Não seria por poder? Ganância? — True arriscou cauteloso, pois, entre eles, o paladino era o que menos podia afirmar algo a respeito do ditador.

Foi o que muitos pensaram, mas eu discordo. A ganância e o desejo do poder podem levar as pessoas a fazerem loucuras, mas não acredito que chegue ao ponto de abandonar sua vida para viver em função do controle mundial. Apesar dos grandes privilégios, é um cargo de alto risco. Muitos podem querer seu lugar, você é cercado por interesseiros que ficam a espera de te apunhalar nas costas. Em um ambiente como esse, você só tem a si, mais ninguém.

True nunca havia parado para pensar naquele ponto de vista. Ele poderia esperar tudo do ditador, mas um motivo muito grande ele teve para fazer o que fez. Talvez por vingança ou para satisfazer o próprio ego, mas aquela pergunta não seria respondida tão cedo.

E quanto ao seu? - O rapaz indagou.

O meu? - True estava distraído, e a pergunta havia interrompido seus pensamentos.

Seu líder. Qual a motivação dele para enfrentar um exército que todos pensavam ser invencível?

A de Light? Bem... Ele nos contou uma fez. Quando a mãe dele morreu e seu irmão ficou desaparecido, ele percebeu o vazio que ficou em sua vida. Por isso, ele pôde entender a dor que a ditadura causou quando as famílias foram separadas. Light está decidido a unir as famílias novamente, como fez comigo e com meus pais...

Só isso? - indagou o ex-caçador, e o tom da voz fez com que True adicionasse mais um fator.

Ele também procura dar uma chance aos caídos, faz parte da per­sonalidade dele... Ele quer que as pessoas se tornem melhores — acrescen­tou, tentando demonstrar a seriedade que aquelas ações eram para o líder rebelde.

E comovente, mas... — o caçador redimido pousou a mão sobre o ombro do paladino e continuou, cauteloso. - True, eu não te conheço há muito tempo, nem o seu líder, Light, e talvez eu possa estar me equivo­cando. Porém, posso te garantir que ninguém levanta da cama decidido a se arriscar pelo mundo, investir todo o seu dinheiro em bases e equi­pamentos sofisticados, além de ir contra um força militar aparentemente invencível, sem um grande propósito.

O que quer dizer com isso? - True estreitou os olhos, recuando um passo e retirando a mão do ex-caçador de seu ombro. - Por acaso está me dizendo que Light mentiu todo esse tempo?

Não exatamente. Mas algo ele esconde. Que esse pode não ser o verdadeiro motivo dele ter criado esta organização. Pelo que você me disse, esse tal irmão gêmeo pode estar morto - ele fez uma pausa, notando a antipatia nascer no rosto do paladino. - Eu me sinto no dever de retribuir o ato que fez por mim e pelos outros soldados, por isso estou te alertando. Pense nisso como um aviso de amigo...

-Tem razão... - True o interrompeu.

Tenho? - O caçador redimido ergueu as sobrancelhas, surpreso.

Tem razão em dizer que está se equivocando! Se você o conhecesse como eu o conheço, saberia que ele fala a verdade!

O ex-caçador nada disse. Ele deu de ombros e fez outro gesto demons­trando que não mais se envolveria.

Após a contradição de opiniões, o ex-caçador se despediu sem ressenti­mento e foi se inscrever para fazer parte da equipe das Sentinelas; True, por sua vez, seguiu para seu quarto onde permaneceu o resto do dia enquanto fitava o teto vazio, deitado sobre a cama.

E se aquele rapaz estiver certo? Se Light esconde um segredo de nós? - Taiji refletia. — Não sabemos como Light aprendeu sobre as almas, e quando o ques­tionamos ele se esquivou da pergunta. Ele sempre diz que nós somos especiais, mas o quê exatamente nos difere das outras pessoas ele nunca, nos revelou.

Eu sei, Taiji! Eu sei... - True murmurou. - Light fez muito por nós. Se não fosse por ele nós nunca teríamos essa conversa ou trocado sequer uma pala­vra. É por isso que evito pensar nesse assunto!

Inconformado com as acusações, True virou para o lado na tentativa de buscar uma posição mais confortável. A área um pouco abaixo de seu peito esquerdo doía, lembrando-se do estigma que misteriosamente apare­cera em seu corpo e das dúvidas que tinha com relação à sua alma.

Quem realmente é você, Light? — indagou a ninguém em especial. — E o que sou eu?

 

Quando todos os membros de Pandora foram libertos da barreira, receberam permissão para andar por toda a base. E assim que os respecti­vos quartos foram preparados para eles, a grande maioria permaneceu nos aposentos até o fim do dia, exceto por um caído que se aventurava no último piso, em direção ao escritório onde Light organizava seus registros após cuidar de seus deveres.

Toc, Toc, Toc...

Eu já imaginava que viria aqui - disse Light ao ver Alone bater na porta.

Não poderia deixar de cumprimentá-lo.

Entendo... - Light sorriu. - Alone, não sei como suas desculpas fun­cionam com os seus novos... - Light fez uma pausa para procurar a palavra correta. — Companheiros? - perguntou sem saber como se dirigir aos caídos que seguiam Alone.

De trabalho — acrescentou.

Que seja - Light pouco se importou com a resposta. - Mas vejo que está bem acompanhado - Light se sentou e folheou algumas fichas com fotos e perguntas que deveriam ser preenchidas com os dados dos novos membros. - Seis mulheres, apesar de uma delas ser sua avó e outra mal ter passado da puberdade.

Não brinque com isso, Light! — ameaçou.

Desculpe, não vai acontecer de novo. Sente-se - Light fez um pequeno teste para avaliar a mudança no comportamento de Alone durante esse tempo que não o via, e para sua tristeza, o homem ainda guardava rancor de seu passado.

Alone se sentou e retirou a máscara. O paladino notou o movimento e sabia que o acessório significava algo a mais para eles. Ao retirar a máscara, como a focinheira de um cão, Alone estava livre para realizar qualquer coisa, para conseguir o que quer. Aquele simples movimento não podia ser ignorado.

Eu o conheço bem, Alone. Melhor do que qualquer um nesta base, tenho certeza. Não precisa hesitar, diga-me o que realmente veio fazer aqui - disse Light sem nenhum temor.

Isso adianta muita coisa, já que insiste.

Assim como Light esperava, Alone possuía um desejo oculto, o qual talvez escondesse de seus seguidores, e o que certamente deixou de comen­tar na reunião.

Fiquei sabendo que andaram se esbarrando com o Führer por aí.

Ao ouvir aquela simples frase, Light desfez a posição relaxada que estava e rapidamente se levantou para fechar a porta, tendo o cuidado para certificar-se que não havia ninguém passando pelo local.

Você devia deixar seus cães na coleira — retrucou assim que teve cer­teza que ninguém ouviria o que eles iriam conversar.

Alone sorriu, admirando o raciocínio rápido do paladino.

Contou a ele? - Alone foi logo ao ponto, seguindo Light com o olhar enquanto o líder rebelde voltava para o assento.

Não. Nem eu nem o Führer.

Alone deu um suspiro de alívio.

Por um instante pensei que tinha perdido toda a diversão - alegrou- -se. - Mas então por que diabos ele apareceu diante de vocês?

Eu não sei. Talvez para testá-lo?

Talvez — Alone ficou pensativo.

Você precisava me ver... — Light pôs a mão entre os cabelos e apoiou os cotovelos sobre a escrivaninha. - Fiquei totalmente sem controle! Além de ter gritado de um modo como nunca, True e Esmeralda me viram antes. Eu não disse nada depois disso, fiquei totalmente sem reação, como um cãozinho com o rabo entre as pernas.

E o que disse a eles? Certamente depois do episódio eles te bombar­dearam de perguntas - imaginou.

Nem tanto. Antes que eles dissessem alguma coisa, comecei logo a me desculpar dizendo que tinha enfrentado o ditador no passado, quando fazia parte da Liga de Brian Oak e que tinha falhado...

Você o quê? - Alone não se conteve e começou a gargalhar. - Light... Você é surpreendente! - Alone agora batia palmas enquanto tentava conter os risos. - Às vezes eu me pergunto: Se você possui a alma do anjo, talvez eu ainda seja um puro!

Não brinque com isso, Alone! - Light se irritou fazendo-o se levan­tar, dando um fim às risadas do caído. - Sabe muito bem que nunca faria isso se realmente não fosse necessário! Eu jurei que não esconderia nada de você, mas não disse nada sobre...

Tudo bem, tudo bem... - Alone tentou acalmá-lo. - Assim como você me respeita, também não voltarei a brincar com o assunto.

O escritório ficou em silêncio por um tempo.

Devia contar a ele - Alone propôs.

O que disse?

É o que eu penso. Devia contar a ele seu segredo! Quanto mais o tempo passar, mais difícil será. Afinal, ele também está envolvido!

Acha que não pensei nisso? - disse Light em um tom de exaustão, como se já tivesse pensado inúmeras vezes sobre a questão. — Mesmo assim vou fazer de tudo para adiar esse dia. Eu não quero que ele sofra, Alone! Ele não está preparado! Já imaginou quando ele souber do legado que ele carrega?

Light estava inquieto, logo começou a andar pelo pequeno escritório.

Eu ainda me lembro daquele dia em que estávamos dando um tempo até que os boatos de nossa organização diminuíssem. Você estava tão entediado que foi consertar aquele rádio velho, lembra? - Light sorriu com a lembrança. — Jurava que nunca conseguiria consertá-lo.

E eu também — Alone admitiu.

Mas o destino agiu naquele dia. Você conseguiu consertar, e enquanto passava entre uma estação e outra ouvimos a transmissão de True. Achei uma atitude corajosa, então logo tentamos localizá-lo. Com a esperança que ele pudesse ser um de nós, acabamos nos surpreendendo com o resul­tado. A alma dele é raríssima, e nós o encontramos. Nunca vou acreditar que foi coincidência. Éramos para estar ali naquela noite!

Ambos ficaram pensativos por um tempo, recordando as lembranças e toda a trajetória que fizeram até ali.

Não se preocupe, meu amigo. Você vai achar uma solução para tudo isso - Alone caminhou até Light e pôs a mão sobre seu ombro. - Eu não acredito em finais felizes, mas acredito em força de vontade.

Obrigado.

Você fez muito por mim, Light, apesar de tudo. E uma amizade verdadeira dura mesmo em caminhos opostos - disse Alone estendendo a mão.

Light o fitou e sorriu. Ficou de pé a apertou a mão do amigo.

Agora já vou indo - anunciou. - Vou ver como meus companheiros de trabalho - disse dando ênfase na última parte - estão instalados.

Light assentiu, mas teve de impedi-lo ao lembrar-se de um favor.

- Ah sim, espere! - recordou, procurando algo nas pilhas de papéis sobre a escrivaninha. - Preciso que o responsável por Pandora assine o acordo, nele tem as cláusulas que debatemos na reunião, mas se quiser ler, fique à vontade. Assim que tiver sua assinatura vou pedir para que True colete algumas informações dos membros de Pandora, mas não pense que é alguma desconfiança, pois é de praxe.

Light afastou os outros documentos e deixou uma caneta sobre o acordo para que Alone assinasse, porém tido o observava em dúvida.

O quê? Não posso!

Como assim não pode? Não vai desistir agora, vai? - Agora era Light quem não entendia.

Alone franziu as sobrancelhas e fitou o amigo por um instante.

Acha que eu sou o líder de Pandora?

E não é? Sempre vejo aqueles caídos esperando por sua decisão, te tratam com respeito. Mesmo na hora de escolher os representantes para a reunião, foi você quem escolheu.

Alone não se conteve e deu algumas risadas.

Não, Light! Eu só disse aquilo por ser a escolha mais óbvia. Mas nunca passei de um conselheiro ou um comandante de batalha.

Se não é você, quem é?

No ínterim do debate, a porta se abriu, dando passagem a uma terceira pessoa que estava envolvida no diálogo.

Vejo que sou o assunto nesta sala - disse uma adolescente de voz doce e delicada que entrou antes que Light ou Alone percebessem, desfi­lando com seu vestido preto e elegante, com duas presilhas no cabelo de mesma cor. — Ainda não fomos devidamente apresentados...

Alone sorriu e rapidamente recolocou a máscara.

Prazer em conhecê-lo, mestre dos paladinos. Eu sou Emily Whitfield, líder de Pandora.

Light não pôde dizer que não se espantou com a notícia. Uma ado­lescente de cerca de 16 anos comandava todos aqueles caídos, os quais a respeitavam. Naquele instante, a garota o fitava fixamente com um olhar crítico e em sua mão estava sua máscara. Além daquele ponto, outro deta­lhe chamou sua atenção.

A garota à sua frente era a mesma que John Strongheart havia salvado há cinco anos no presídio.

Espere, Alone! - exclamou Light enquanto ligava os fatos em sua mente. - Você não contou a ela, contou?

Desculpe, Light. Eu não tive escolha...

Você me prometeu! — vociferou Light, jogando uma pilha de livros que estava sobre a escrivaninha contra o chão.

Alone se surpreendeu com a reação. Desde que o caído conheceu Light, ele nunca o viu tão aflito.

Light, acalme-se! Eu já disse que não tive escolha. Assim como você me contou seu segredo e eu sou uma exceção a sua regra, Emily é a minha.

Emily assistia a tudo sem demonstrar qualquer expressão. Imaginando que a discussão entre os velhos amigos não chegaria a um consenso, interveio.

Pare, Alone! Sem rodeios, vamos pedir o que queremos!

Ao ouvir aquelas palavras, Light interrompeu suas acusações. Como era de costume, estava a um passo à frente e já imaginava o interesse dos caídos.

Vocês vieram atrás do Rito, não vieram? — indagou o líder rebelde, que fitava os caídos com um olhar severo, o qual Alone nunca tinha visto em todos aqueles anos.

Alone fitou o velho amigo e sacudiu a cabeça em desaprovação.

É muito importante para nós — justificou.

Importante? - disse Light sagaz. - Como o tempo passa... Eu me lembro de você, Alone, sentado perto da fogueira em uma noite de céu estrelado enquanto falava sobre seus sonhos, sobre tal... Rito.

Alone estreitou os olhos e relembrou o dia em que comentou sobre seus objetivos junto aos irmãos indígenas, True e Light, na noite da invasão à ilha de Malevolência.

Pois bem. Façamos um acordo, vocês não contam nada para o True sobre o legado, e eu entrego as escrituras sobre o Rito...

Ou então... — Emily interrompeu. — Você nos dá o que queremos ou nós contamos, agora, para True sobre o legado dele.

Light podia sentir a energia corrompida que emanava da garota, mas não hesitou um sorriso, demonstrando que estava com o controle da situação.

Devem se sentir encorajados por serem dois caídos contra apenas um puro. Porém, devo lembrá-lo, Alone, que apesar de minha alma não ter habilidades ofensivas, existe uma exceção. Você sabe o que ela pode fazer a uma alma.

Basta, princesa! — Alone disse logo que ouviu a ameaça do líder rebelde, pondo o braço à frente da garota para que ela recuasse. - Vamos fazer do jeito dele. Não diremos nada ao garoto. E quando a hora chegar, você nos dará o que desejamos.

Assim é melhor - disse Light, desfazendo a postura rígida.

Quando voltou a se sentar, o líder rebelde passou a mão entre os cabelos enquanto pensava. Ele suspirou profundamente na tentativa de acalmar-se.

Eu não permitirei que ele saiba do significado daquele estigma, não até a hora chegar. - Light dizia para ninguém em especial.

Sobre o que ele está dizendo, Alone? - indagou Emily, confusa.

Alone refletiu brevemente e compreendeu a dúvida da garota.

Sobre a maldição do legado - esclareceu.

Maldição?

É o principal motivo que não quero contar a ele - Light continuou a explicação quando girou sua cadeira e fitou o teto vazio. - O Taiji é uma alma incrivelmente poderosa, mas ela carrega um legado pesado demais para alguém carregar sozinho; a maldição, muito pior.

Os caídos não o interromperam. Como Alone já sabia do fato e Emily estava ciente da maior parte da verdadeira história do líder rebelde, Light não se preocupou em guarda sigilo.

Em resumo, se as pessoas tiverem um grande vínculo com True... Elas morrem.

 

Em algum lugar da Europa.

Führer estava em seus aposentos, deitado em sua cama e coberto com grossos cobertores. Ele fitava o lado de fora de seu quarto, a bela vista era proporcionada pela parede transparente. Então, naquele momento, que ouviu batidas na porta, interrompendo seus pensamentos.

Meu senhor, a general da Europa está aqui para vê-lo — anunciou uma voz masculina que logo o Führer reconheceu ser de Astaroth.

Mande-a entrar.

A porta se abriu e dela surgiu uma moça que não devia ter mais que 20 anos. Relativamente alta, alcançando no máximo l,70m de altura. Os cabelos lisos e castanhos estavam enrolados e presos. Os seus olhos, castanho-escuros, os quais demonstravam confiança, se moviam de um lado a outro, atentos ao mínimo movimento. Sua roupa era inteiramente preta, aparentemente de couro, refletindo a menor centelha. Usava um top de alças que se estendia um pouco acima do umbigo, uma calça comprida, luvas longas, que iam até a metade do braço, cobrindo apenas o dedo indicador por completo, e um coturno. Antes de adentrar no aposento, ela usava um sobretudo para suportar o frio, o qual, agora, Astaroth segurava.

Miriam? Não esperava vê-la aqui - falou o ditador, rouco.

Não se esforce, meu pai - disse a filha preocupada. - Eu soube de suas dores no coração, então vim imediatamente para vê-lo.

Nada que eu não tenha passado antes. Eu não ordenei para que você desviasse o seu posto, não é? - continuou o Führer, mantendo o tom inflexível de costume.

Perdoe minha desobediência, não acontecerá novamente - Miriam se curvou em um gesto de desculpas e submissão.

O Führer fitou a filha e ficou pensativo por um instante.

Os outros generais se foram. Resta apenas você. Sabe que ele virá, não sabe?

É o que mais quero - disse ao mesmo tempo em que cerrou os punhos.

O ditador, notando o movimento, ia repreendê-la, mas ela o atropelou com palavras.

Afinal, ele tomou meu lugar!

As palavras ditas transmitiam amargura e o olhar direcionado ao dita­dor não deixava dúvidas.

Faça o quiser — ele deu de ombros mas espere o momento opor­tuno. Não deixe o continente sobre hipótese alguma!

Entendido — assentiu Miriam. — Com sua licença, meu pai.

O Führer fez um gesto com a cabeça dando permissão para que a filha deixasse o aposento.

Astaroth a esperou e devolveu o sobretudo. Em seguida, se pôs guar­dando a porta, deixando o ditador com seus pensamentos.

Miriam andava pelos corredores a passos largos. De dentro de um dos bolsos de seu casaco retirou um retrato. Nele estava o rosto de True Constantine.

Viva enquanto pode, paladino, pois quando nossos caminhos se cru­zarem, eu o matarei!

 

"Grandes segredos serão revelados no segundo livro da série A Rebelião das Almas'. Descubra o mistério por trás do criador da Ordem dos Paladinos e a grande maldição que envolve o estigma de True".

 

 

[1] É um xarope extraído da seiva de árvores do gênero Acer, comuns no Canadá. Conhecido também como Xarope de bordo que é muito usado na culinária canadense.

[2]    Cumprimento comum no Japão que a pessoa diz para quem chega ao local.

[3]    Cumprimento comum no Japão que a pessoa diz para quem está no local.

[4] Uma mesa baixa com um pequeno aquecedor elétrico embutido no centro e voltado para baixo, para aquecer as pernas, e cercado por um cobertor grosso, que impede que o ar quente escape.

[5] Tradução literal do japonês: inferno.

[6] Um homem; titio em japonês. 

 

                                                                                Flávio Vieira

 

 

                      

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