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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A REFÉM / Sandra Brown
A REFÉM / Sandra Brown

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

Vítima de sequestro, Miranda Price viveu uma intrigante aventura, refém de um homem de comportamento ambíguo. Ora hostil, ora atrevido e sedutor, Hawk O;Toole provocava em sua prisioneira emoções contraditórias que iam do medo ao mais intenso desejo. E nesse excitante duelo entre temor e fascínio, Miranda foi desabrochando como uma mulher capaz de dominar seu seqúestrador com o poder de sua arrebatadora feminilidade!

 

 

 

 

Tinham a aparência de autênticos assaltantes de trens. Para Miranda, pareciam tão reais quanto Butch Cassidy e Sundance Kid, desde a aba dos chapéus empoeirados, até as tilintantes esporas das botas.

Para evitar uma colisão com uma barricada de toras em­pilhadas nos trilhos, a locomotiva freara bruscamente, soltando um guincho agudo e uma baforada de vapor. Os atores, desempenhando seus papéis à perfeição, haviam ga­lopado para fora da densa floresta que ladeava aquele tre­cho da ferrovia, os cascos dos cavalos martelando o chão, e parado em tumulto, junto aos trilhos. Enquanto as bem treinadas montarias ficavam à espera, em prontidão, os "assaltantes" mascarados, empunhando revólveres, subiram para o trem.

  • Não me lembro de ter lido sobre isso no manual tu­rístico — uma passageira comentou, inquieta.
  • Claro que não, querida. Estragaria a surpresa — o marido observou com uma risadinha. — Um show e tanto, não?

Miranda Price também achava. Um show e tanto. Digno do preço da passagem da excursão. A encenação do assalto teve um efeito arrebatador sobre os passageiros, principalmente sobre Scott, o filho de Miranda, um menino de seis anos. Sentado ao lado dela no banco, ele assistia, encantado, ao espetáculo realista. Mantinha os olhos fixos no chefe do bando, que percorria o corredor estreito, enquanto os outros bandidos montavam guarda nas duas extremidades do vagão.

—   Fiquem calmos, continuem sentados, e ninguém sairá ferido.

Devia ser um ator de Hollywood temporariamente de­sempregado, ou, talvez, um duble em férias de verão, que aceitara aquele trabalho para aumentar sua renda instável. Fosse o que fosse que lhe estivessem pagando, era pouco, Miranda pensou. O homem era perfeito para o papel.

Um lenço cobria-lhe a parte inferior do rosto, abafando a voz, que, ainda assim, alcançava todas as pessoas reunidas no vagão antigo. Trajado de modo bastante convincente, usava um chapéu preto que puxara para a testa, um so­bretudo branco e, ao redor dos quadris, um cinturão de couro que sustentava o coldre, preso à coxa por uma correia. O coldre estava vazio, porque ele segurava o Colt numa das mãos enluvadas, enquanto se movia entre as fileiras de bancos, observando detidamente todos os passageiros. As esporas tilintavam a cada passo.

— Ele vai mesmo nos assaltar, mamãe? — perguntou Scott num cochicho.

Miranda negou com um gesto de cabeça, sem desviar os olhos do fora-da-lei.

— É um assalto de faz—de—conta — explicou. — Não pre­cisa ter medo.

Mas, no instante em que os olhos do ator pousaram nos dela, não teve mais tanta certeza. Prendeu a respiração. O olhar quente, brilhante como um raio laser, pareceu atra­vessá-la. O homem tinha olhos de um surpreendente tom de azul, mas não fora isso que a deixara sem fôlego. Se a hostil intensidade daquele olhar não passava de encenação, o ator desperdiçava um grande talento dramático, fazendo shows num trem turístico.

Os olhos perturbadores permaneceram fixos em Miranda, até que o homem sentado de frente para ela perguntou:

__ Quer que esvaziemos os bolsos, pistoleiro?

Era o mesmo passageiro que tranquilizara a esposa, momentos antes.

O assaltante deixou de olhar para Miranda para fitar o homem.

—   Claro — respondeu, dando de ombros.

Rindo, o turista levantou-se e enfiou a mão num bolso da bermuda xadrez. Retirou um cartão de crédito, que aba­nou diante do rosto do mascarado.

—   Nunca saio de casa sem isto — informou em tom alto, tornando a rir.

Os outros turistas riram com ele. Miranda não riu. Obser­vava o assaltante. Os olhos azuis permaneciam sérios.

  • Sente-se, por favor — ele pediu num murmúrio.
  • Ah, não se irrite. Tenho outro bolso. — O turista tirou um maço de notas e jogou-o para o bandido, que pegou o dinheiro com a mão esquerda, sem mover a arma. — Pronto.

Sorrindo amplamente, o excursionista olhou em volta, pedindo aplausos. Os passageiros bateram palmas, alguns assobiaram.

O assaltante pôs o dinheiro no bolso do sobretudo.

—   Obrigado.

O turista voltou a sentar-se ao lado da esposa, que parecia nervosa e, ao mesmo tempo, embaraçada. O ma­rido deu-lhe um tapinha na mão.

—   É tudo brincadeira. Brinque também, querida.

O bandido olhou para Scott, que, acomodado entre Mi­randa e a janela, fitava-o com assombro e reverência. - olá.

  • Olá — o menino respondeu.
  • Quer me ajudar a fugir?

Os olhos inocentes arregalaram-se, e Scott sorriu, mos—Ir.mdo algumas falhas de dentes.

  • Quero!
  • Meu bem... — Miranda começou, em tom cauteloso. — Eu...
  • Não há perigo — assegurou o bandido.

O olhar duro aumentou a apreensão de Miranda. A ex­pressão fria desmentia as palavras tranquilizadoras.

Ele estendeu a mão para Scott. O menino pegou-a com excitação e confiança e passou por cima das pernas da mãe, indo para o corredor. Foi na frente, quando os dois come­çaram a andar na direção da porta do vagão, e as outras crianças lançaram-lhe olhares invejosos, enquanto os adul­tos o incentivavam a continuar.

—   Viu? — o homem sentado diante de Miranda comen­tou com a esposa. — Eu não disse que era brincadeira? Até as crianças participam.

Miranda levantou-se e foi atrás do filho e do fora-da-lei, quando eles chegavam ao meio do corredor.

—   Espere! Para onde vai levá-lo? Não quero que ele desça do trem.

O assaltante girou nos calcanhares e, novamente, perfu­rou-a com os penetrantes olhos azuis.

  • Eu lhe disse que não há perigo.
  • Aonde vão?
  • Fazer um passeio a cavalo.
  • Não, sem a minha permissão.
  • Por favor, mamãe!
  • Ora, vamos, senhora. Dê uma folga ao garoto — o detestável turista intrometeu-se. — Faz parte da brincadei­ra. Seu menino vai adorar.

Miranda ignorou-o e começou a andar pelo corredor atrás do bandido, que já empurrava Scott pela porta de ligação entre o vagão e a locomotiva. Andou mais depressa.

  • Eu pedi para não...
  • Sente-se, senhora, e fique calada!

Atónita com o tom áspero da voz do homem, ela se virou. Os dois bandidos que montavam guarda na parte de trás do vagão haviam se aproximado e parado atrás dela. Acima dos lenços, seus olhos eram desconfiados, nervosos, quase amedrontados, como se ela fosse surpreendê-los com um plano bem arquitetado. Foi naquele instante que Miranda soube que não era uma encenação. Não era, de jeito ne­nhum.

Virando-se, correu pelo corredor e jogou-se porta afora, saltando para a plataforma entre a locomotiva e o vagão. Dois homens, já montados, examinavam a área nervosamente. O chefe erguia Scott para a sela de seu cavalo.

O menino agarrou-se à espessa crina do animal.

  • Nossa, que cavalo grande! — exclamou, excitado. — Estamos bem no alto!
  • Segure-se com firmeza, Scott. Isso é muito importante — o bandido instruiu.

Scott!

Ele sabia o nome de seu filho!

Guiada pelo puro instinto maternal de proteger sua crian­ça, Miranda atirou-se degraus abaixo. Aterrissou sobre as mãos e os joelhos no cascalho do leito da ferrovia, arra­nhando-os de modo doloroso. Os dois bandidos cercaram-na. Segurando-a pelos braços, impediram-na de correr na direção de Scott.

—   Soltem a mulher! — o chefe rosnou. — Montem de­pressa, e vamos sumir daqui.

Os dois obedeceram e correram para as suas montarias. O chefe segurava as rédeas com uma das mãos e o re­vólver com a outra.

—   Volte para o trem — ordenou a Miranda com um gesto autoritário de cabeça.

  • Ponha meu filho no chão!
  • Eu lhe disse que ele não corre perigo. Mas algo pode acontecer à senhora, se não voltar já para o trem.
  • Obedeça, senhora.

Miranda virou-se na direção da voz aterrorizada. O maquinista do trem estava deitado de bruços, no cascalho ao

lado dos trilhos, com as mãos na cabeça. Um dos assaltantes o mantinha lá, apontando-lhe uma arma.

Miranda gritou de medo e aflição, correndo para o filho com os braços estendidos.

  • Scott, desça!
  • Por quê, mamãe?

— Desça, já!

—   Não posso! — o menino choramingou, contagiado pela ansiedade da mãe. Sua mente de seis anos de repente en­tendera que aquilo não era uma brincadeira. Os dedinhos agarrados à crina do cavalo apertaram-se ainda mais.

— Mamãe! — ele gritou.

O chefe sibilou um palavrão, quando Miranda jogou-se contra seu peito.

—   Não deixem ninguém sair do trem! — ordenou aos seus homens.

Os outros passageiros, amontoados nas janelas daquele lado do vagão, começavam a entrar em pânico. Alguns ber­ravam avisos para Miranda, outros gritavam de medo, en­quanto vários estavam espantados e assustados demais para dizer ou fazer qualquer coisa. Pais abraçavam os filhos, segurando-os com força.

Miranda lutava como uma gata selvagem. Suas unhas bem cuidadas transformaram-se em garras, e ela as teria usado para arranhar o rosto do assaltante, se o alcançasse. Mas ele prendera seus pulsos com dedos que pareciam al­gemas, e sua força era muito superior. Miranda, porém, chutou-lhe as canelas e tentou acertá-lo no meio das coxas com o joelho, ouvindo um gemido de dor e surpresa, quan­do errou por pouco.

—   Solte meu filho!

O bandido deu-lhe um empurrão violento, jogando-a para trás. Ela caiu sentada, mas levantou-se imediatamente e atacou-o quando ele punha o pé no estribo. Fazendo-o perder o equilíbrio, golpeou-o nas costelas com o ombro e estendeu os braços para Scott, que se atirou sobre ela, ba­tendo com tanta força em seu peito que lhe tirou o fôlego. Miranda agarrou-o e virou-se, correndo às cegas. Os outros bandidos estavam todos montados. Os cavalos haviam fi­cado nervosos com os gritos e agitavam-se, levantando nu­vens de poeira que anuviavam a visão de Miranda e en­travam por suas narinas e garganta.

Foi como se mil alfinetes espetassem seu couro cabeludo, quando o bandido agarrou-a pelos cabelos e a fez parar abruptamente.

—   Desgraçada! — ele xingou. — Ia ser tão fácil!

Ela se arriscou a segurar Scott com apenas um braço, para puxar o lenço que cobria o rosto do assaltante, mas ele a impediu, agarrando-lhe a mão, enquanto emitia uma ordem numa língua que ela não compreendia. Um de seus homens materializou-se no mesmo instante, saindo dos re­demoinhos de poeira.

—   Pegue o menino. Leve-o no seu cavalo. —Não!

Scott foi arrancado de Miranda. Quando o chefe envolveu-a pela cintura, com um braço que parecia uma torquês, tentando arrastá-la, ela lutou com mais violência. Enterrando os saltos na terra, procurou ver Scott, que gritava, aterrorizado.

—   Eu mato você, se machucar meu filho!

O bandido não pareceu abalar-se com a ameaça. Montou, levando-a consigo. Ela ainda estava meio sentada na sela meio pendurada, quando ele esporeou o cavalo, que dan­çou em círculo, antes de disparar na direção da mata. Os outros bandoleiros seguiram atrás.

Os cascos dos cavalos batiam no chão com um barulho de trovão, perturbando a paz da floresta de pinheiros. A velocidade era tanta, que o medo que Miranda sentia do sequestrador era menor do que o de cair e ser atropelada.

Receando que ele a soltasse, quando o caminho tornou-se íngreme, ela se agarrou à cintura dele.

Aos poucos as árvores foram ficando mais espaçadas, mas todos continuaram a cavalgar no mesmo ritmo. O ter­reno tornara-se rochoso, e as ferraduras dos animais soavam nas pedras, que formavam plataformas acima da trilha por onde seguiam. Miranda ouvia Scott chorando, um pouco atrás. Se ela, que era adulta, estava com medo, que terror horrível não se apossara de seu filho?

Depois de cerca de meia hora, chegaram ao topo, e o bando reduziu a velocidade para descer pelo outro lado da montanha. Quando alcançaram o primeiro grupo de pi­nheiros, o chefe deixou o cavalo seguir a passo. Então, pu­xou as rédeas, fazendo-o parar. Apertou o braço ao redor da cintura de Miranda.

  • Mande seu filho parar de chorar.
  • Vá para o inferno!
  • Juro, dona, que a deixarei aqui para ser comida pelos coiotes — ele rosnou. — Ninguém, nunca mais, terá no­tícias suas.
  • Não tenho medo de você.
  • Nunca mais verá seu filho.

Os olhos que a fitavam por cima da máscara eram ge­lados. Odiando-os, Miranda ergueu a mão e puxou o lenço. Sua intenção fora desarmá-lopela surpresa, mas foi ela quem prendeu o fôlego, espantada.

O rosto do homem era tão fascinante quanto os olhos. Os ângulos precisos pareciam ter sido tocados com uma régua. As maçãs do rosto eram salientes, os lábios eram estreitos e longos, e o queixo destacava-se, perfeitamente quadrado. O nariz reto harmonizava com o conjunto.

Ele continuou a fitá-la com evidente desprezo.

—   Mande seu filho parar de chorar — repetiu.

Os olhos e a voz implacáveis deixaram—na enregelada.

Ela lutara, quando houvera uma chance de vencer, mas agora seus esforços seriam inúteis. Não estava sendo co­varde, apenas não era tola.

  • Scott! — chamou tremulamente, engolindo o medo e o orgulho. O menino não parou de chorar, então ela pigar­reou e tentou de novo: — Scott!
  • Mamãe? — A criança baixou as mãos sujas que co­briam os olhos vermelhos e lacrimejantes e olhou ao redor, procurando-a.
  • Não chore mais, querido. Esses... esses homens não vão nos fazer mal.
  • Quero ir para casa.
  • Eu sei. Também quero, e iremos logo, mas agora, pare de chorar, sim?

Ele enxugou as lágrimas com as mãozinhas, ainda soluçando.

—   Está bem — concordou. — Mas posso ir no seu cavalo? Estou com medo.

Miranda olhou para seu captor.

  • Meu filho pode...
  • Não — ele respondeu secamente, antes que Miranda pudesse terminar a pergunta. Ignorando seu olhar furioso, dirigiu-se a seus homens, ordenando-lhes que pusessem as montarias em movimento. O cavaleiro que levava Scott era o segundo do cortejo. — Pode sentar-se a cavalo na sela?

— Quem é você? O que quer de nós? Por que tirou Scott do trem?

—   Passe a perna direita por cima da sela. Será mais se­guro e confortável.

—   Você chamou meu filho pelo nome, sabia quem ele era. O que... Oh!

Ele deslizou uma das mãos entre as coxas dela e puxou a direita por cima da sela. O couro era morno, contra a pele nua de Miranda, mas aquilo não era nada perto daquente sensação causada pelo contato da mão enluvada com a parte interna de sua coxa. Antes que pudesse se recuperar do choque, ele a ergueu e ajeitou-a entre suas pernas, pondo a mão em seu abdome e puxando-a para mais perto, pressionando-a contra o corpo.

  • Pare de me apalpar!
  • Só estou querendo que cavalgue com mais segurança.
  • Não quero cavalgar.
  • Pode descer e voltar a pé, no momento em que qui­ser, dona. Não estava nos meus planos trazê-la junto, de modo que, se não gostar da viagem, ponha a culpa apenas em si mesma.
  • Pensou que eu o deixaria levar meu filho sem lutar? O rosto austero não revelou emoção alguma.
  • Nem pensei na senhora, senhora Price.

Ele apertou os joelhos contra os flancos do animal, que começou a andar, indo vários metros na frente dos outros. Miranda ficou muda de espanto, não apenas por ele saber seu nome, mas também porque, enquanto segurava frou­xamente as rédeas com uma das mãos, o homem mantinha a outra pousada em seu quadril.

— Você me conhece? — — perguntou por fim, tentando não deixar o medo transparecer na voz.

  • Sei quem é.
  • Então, estou em grande desvantagem.

Miranda tivera a esperança de obrigá-lo a dizer como se chamava, mas ele permaneceu em silêncio, enquanto o cavalo descia cautelosamente a encosta íngreme. Por mais perigosa que houvesse sido a corrida montanha acima, a descida era ainda pior. Ela receava que o cavalo caísse de joelhos a qual­quer instante, projetando-os para a frente. Se isso acontecesse, não parariam de rolar até chegarem ao vale, muitos quiló­metros abaixo. Também tinha medo por Scott. O filho ainda chorava, embora não tão histericamente como antes.

  • O homem que está levando meu filho monta bem?
  • Ernie nasceu no lombo de um cavalo. E não deixará que nada aconteça ao garoto. Ele tem um bando de filhos.
  • Então, devia saber como estou me sentindo! — ela exclamou. — Por que nos sequestraram?
  • Logo saberá.

O silêncio que se seguiu era cheio de hostilidade. Mi­randa decidiu não dizer mais nada, para não dar a seu captor a satisfação de negar-lhe respostas.

De repente, a pata do cavalo falseou. Pedras começaram a soltar-se à volta deles. O animal, assustado, tentou fir­mar-se, mas não conseguiu e deslizou encosta abaixo, quase atirando Miranda para a frente, por cima do pescoço. Para não cair, ela segurou-se na cabeça da sela com a mão es­querda, e com a direita agarrou-se à coxa do seqúestrador. Ele envolveu-lhe a cintura com o braço, que se tornou uma barra protetora, dura como aço, enquanto usava a outra mão para puxar as rédeas. Os músculos das pernas dele retesaram-se no esforço de manter os dois na sela, e, por fim, depois de um tempo que pareceu uma eternidade, o cavalo firmou-se.

Miranda mal podia respirar, por causa do braço atraves­sado em seu tórax, mas ele não diminuiu o aperto, até con­trolar o animal completamente. Ela tombou para a frente, amolecida de alívio, mas com todos os sentidos em estado de alerta.

Quando, num gesto reflexo, segurara-se na coxa dele, tocara no coldre. O revólver estava ao alcance de sua mão! Tudo o que ela precisava fazer era agir com calma. Se o homem se distraísse, ela teria uma chance de pegar a arma e apontá-la para ele. Manteria os outros a distância, amea­çando seu chefe com o revólver, dando tempo a Scott para descer do cavalo do bandoleiro e subir no dela. Tinha cer­teza de que saberia fazer o caminho de volta para o trem, onde as autoridades policiais já deviam estar organizando a busca. Não seria difícil seguir os bandidos, pois eles não haviam se dado ao trabalho de apagar seus rastros, e talvez pudessem ser encontrados ainda bem antes do anoitecer.

Mas, para executar seu plano, Miranda precisava con­vencer o fora-da-leide que desistira de lutar, fingindo que se sujeitava a sua vontade. Aos poucos, para não deixá-lodesconfiado, foi relaxando o corpo contra seu peito. Parou de tentar impedir que as coxas dos dois se tocassem. Deixou de contrair os músculos dos quadris, repousando-os no colo dele, que se tornava perceptivelmente mais tenso e duro a cada movimento oscilante da sela.

Por fim, pendeu a cabeça para trás, pousando-a no ombro largo, como se estivesse cochilando, e posicionando-a de modo que ele visse que ela estava com os olhos fechados. Sabia que ele a olhava, porque sentia sua respiração no rosto e na lateral do pescoço. Respirando fundo, ergueu os seios propositalmente, até que eles apertaram-se contra o tecido fino da blusa. Quando os soltou, eles pousaram no braço que ele ainda mantinha a sua volta.

Miranda, porém, não ousou mover a mão, até achar que chegara o momento certo. Mas, então, o coração começou a martelar tão forte, que ela receou que o homem sentisse as batidas contra seu braço. Suor frio umedecera a palma de suas mãos, e ela esperou que os dedos não ficassem tão escorregadios que não conseguissem segurar o cabo da arma. Para evitar isso, precisava agir sem mais demora.

Num único movimento, endireitou-se e estendeu a mão para o revólver.

Ele reagiu instantaneamente. Pegou-a pelo pulso, com uma força descomunal, afastando-lhe a mão da arma.

Miranda gemeu de dor e soltou um grito angustiado, derrotada e dominada pela frustração.

— Mamãe? — Scott gritou. — O que foi?

Ela apertava os dentes, lutando contra a dor que os dedos do bandido infligiam aos ossos frágeis de seu pulso.

  • Não foi nada, querido — conseguiu responder, em tom sufocado. — Não foi nada. Estou bem. — O aperto em seu braço diminuiu, e ela perguntou: — E você, Scott, como está?
  • Estou com sede e preciso ir ao banheiro.
  • Diga a seu filho que já estamos chegando.

Ela repetiu o recado do bandido, e o menino pareceu ficar satisfeito.

O chefe deixou que os outros fossem na frente e, quando o último cavalo já quase desaparecera, pegou Miranda pelo queixo e virou-lhe a cabeça, obrigando-a a encará—lo.

—   Se está querendo segurar uma coisa dura e mortal, senhora Price, posso guiar sua mão até algo tão rijo e car­regado quanto o revólver. Mas já percebeu como é duro, não? Vem esfregando seu traseiro macio nele há pelo menos vinte minutos. — Os olhos azuis escureceram, ameaçadores.

— Não me subestime novamente.

Miranda sacudiu a cabeça, livrando-se, e ficou ereta na sela, mantendo as costas tão direitas e rígidas quanto um mastro. Mas a postura militar cobrou seu preço rapidamen­te, e ela começou a sentir um ardor de fogo entre as omo­platas. A sensação tornara-se quase insuportável ao anoi­tecer, quando chegaram a uma clareira, ao pé da montanha da qual haviam acabado de descer.

Várias caminhonetes encontravam-se estacionadas entre um riacho e uma crepitante fogueira. Homens andavam por ali, obviamente aguardando a chegada dos companhei­ros. Um deles gritou uma saudação numa língua que Mi­randa não reconheceu, mas isso não a surpreendeu, porque da se sentia incapaz de concentrar-se em outra coisa que não fosse seu desconforto físico. Estava zonza de cansaço. A situação assumira um aspecto irreal, mas essa impressão desapareceu quando o homem desmontou e puxou-a para baixo, colocando-a no chão. Depois da longa viagem a ca­valo, as pernas de Miranda tremiam, enfraquecidas, e o pés estavam dormentes. Ela ainda não os sentia, quando Scott jogou-se contra suas pernas, abraçando-a pelas coxas e enterrando o rosto em sua barriga.

Caiu de joelhos na frente dele e tomou-o nos braços, com lágrimas de alívio rolando pelo rosto. Haviam chegado tão longe, ilesos. Ela se sentia muito grata por isso. Após um longo abraço, afastou Scott para examiná—lo. Ele parecia bem, a não ser pelos olhos, vermelhos e inchados de tanto chorar. Miranda tornou a abraçá-locom mais força.

Então, uma longa sombra caiu sobre eles. Ela ergueu os olhos. O seqúestrador tirara o sobretudo branco, as luvas, o cinturão e o chapéu. Os cabelos lisos eram pretos como a escuridão da noite. A luz do fogo lançava sombras osci­lantes em seu rosto, acentuando os ângulos agudos, dan­do-lhe um ar mais sinistro.

Isso não deteve Scott. Antes que Miranda percebesse o que ele ia fazer, o menino atirou-se contra o homem. Chu­tou-lhe as canelas com a ponta dos ténis e socou as coxas esbeltas e rijas.

—   Vou bater em você porque machucou minha mamãe. Eu te odeio, vou te matar. Você é mau. Deixe minha mãe em paz!

A vozinha fina de flauta encheu o ar silencioso da noite. Miranda estendeu a mão para puxá—lo, rnas o homem im­pediu-a com um gesto. Suportou o inócuo ataque de Scott, até que a criança perdeu as forças e desatou numa nova torrente de lágrimas.

O seqúestrador pegou-o pelos ombros.

—   Você é muito corajoso.

A voz baixa e sonora acalmou Scott no mesmo instante, e o menino ergueu os olhos solenes e molhados para ele.

  • Ha?
  • É tão corajoso que atacou um inimigo muito mais forte do que você.

Os outros componentes do bando agruparam-se à volta deles, mas apenas o menino tinha a atenção do chefe, que se agachou, de modo que os olhos dos dois ficassem no mesmo nível.

—   Também é bom que um homem defenda a própria mãe, do modo como você fez — o seqúestrador continuou.

Tirou um punhal da cintura. A lâmina era curta, mas de tamanho suficiente para matar. Miranda prendeu o fôlego. O homem atirou o punhal para cima e deixou-o girar, fi­nalmente pegando-o pela ponta da lâmina. Estendeu o cabo de marfim para Scott.

—   Fique com isto. Se eu machucar sua mãe, pode cravá-lono meu coração.

Com ar compenetrado, Scott pegou o punhal. Não cos­tumava aceitar presentes de estranhos sem antes pedir per­missão, mas manteve os olhos fixos nos do bandido, sem lançar um único olhar para Miranda. Pela segunda vez, naquela tarde, ele obedecia ao homem, sem consultá-la pri­meiro, e isso preocupou-a quase mais do que a perigosa situação em que se encontravam.

Aquele falso assaltante de trens teria poderes sobrena­turais? Era necessário admitir que possuía voz e maneiras sedutoras. Os olhos, de um azul fora do comum, seriam hipnóticos? Os homens que o acompanhavam seriam seus comparsas de crime, ou discípulos?

Ela olhou em volta. Os bandoleiros haviam retirado as máscaras, deixando evidente que eram todos índios. O que se chamava Ernie tinha longos cabelos grisalhos, presos em duas tranças, que até então o chapéu mantivera escondidas. Os olhos eram pequenos, escuros e fundos, a pele enrugada parecia couro curtido, mas não havia nada de ameaçador em sua aparência.

—   Meu nome é Scott Price — o menino informou edu­cadamente, falando com o chefe do bando, e Miranda viu Ernie sorrir.

  • Prazer em conhecê—lo, Scott. — O homem e o menino apertaram-se as mãos. — Eu me chamo Hawk1.
  • Hawk? Nunca ouvi esse nome antes. Você é vaqueiro?
  • Não, não sou.
  • Mas usa roupas de vaqueiro e carrega uma arma.

—   Normalmente, não. Só hoje. Na verdade, sou engenheiro. Scott coçou uma das faces, onde as lágrimas haviam dei­xado trilhas de sujeira.

  • Engenheiro?
  • Engenheiro de minas.
  • Não sei o que é.
  • E muito complicado.
  • .. Posso ir ao banheiro?
  • Não temos banheiros aqui. O máximo que podemos oferecer é o mato.
  • Está bem. Às vezes, mamãe me deixa ir no mato, quan­do estamos fazendo piqueniques.

Parecia bastante conformado com a situação, mas olhou receoso para a parede de escuridão além do círculo de cla­ridade da fogueira.

  • Ernie vai com você — Hawk tranquilizou-o, apertan­do-lhe o ombro enquanto se levantava. — Quando voltar, beberá alguma coisa.
  • Também estou com fome.

Ernie deu um passo à frente e estendeu a mão para o menino, que a tomou sem hesitação. Viraram-se e, com os outros homens, afastaram-se. Miranda fez menção de se­gui-los. O homem chamado Hawk barrou-lhe o caminho.

  • Aonde pensa que vai?
  • Cuidar de meu filho.
  • Seu filho ficará bem sem você.
  • Saia da frente.

Em vez de obedecer, ele pegou-a pelos ombros e em­purrou-a, até encostá-la no tronco áspero de um pinheiro. Imprensou o corpo dela com o seu, os brilhantes olhos azuis examinando-lhe as feições, descendo para o pescoço e para o peito.

—   Parece que seu filho acha que vale a pena lutar por você — disse, aproximando o rosto do dela. — Vale?

 

1 Falcão em inglês. (N. do E.)

 

Os lábios dele eram duros, mas a língua era macia e fazia movimentos insistentes contra a boca fechada de Mi­randa. Quando os lábios dela não se abriram, ele ergueu a cabeça e olhou-a nos olhos, parecendo mais divertido do que zangado com sua atitude desafiadora.

—   Não vai se sair dessa facilmente, senhora Price. Acen­deu meu fogo deliberadamente, e agora vai ter de apagá—lo.

Fechou os dedos duros ao redor do queixo dela, obri­gando-a a abrir a boca e receber sua língua exigente.

Miranda plantou as mãos no peito musculoso e usou toda sua força para empurrá-lo, mas ele não se moveu. Foi submetida ao beijo mais intenso, íntimo e ávido que já experimentara, pois não havia nada que pudesse fazer, a não ser render-se. Pensava em Scott. Se o seqúestrador ficasse violento, queria que sua ira se voltasse contra ela, não contra o filho.

Mas não capitulou completamente. Debateu-se, tentando colocar alguma distância entre os dois, por menor que fosse. No entanto, ele parecia conhecer as partes mais sensíveis de seu corpo e ajustou o dele habilmente, enquanto, com a língua, continuava a acariciar-lhe a boca.

Por fim, Miranda conseguiu interromper o beijo.

—   Deixe—me em paz, senão... — disse em tom baixo e rouco.

Não queria que Scott percebesse o que estava acontecen­do e atravessasse a clareira correndo, brandindo o punhal que o bárbaro lhe dera.

—   Senão, o quê? — Hawk desafiou.

Pegou uma mecha dos cabelos dela e levou-a aos lábios severos, mas sensualmente úmidos.

—   Senão, tirarei o punhal de Scott e o cravarei no seu coração eu mesma.

Nenhum sorriso amenizou a dureza das feições dele, mas uma paródia de riso soou em seu peito.

  • Só porque roubei um beijo? Foi bom, mas não algo pelo qual valesse a pena morrer.
  • Não pedi nenhuma avaliação.
  • Se não gosta dos meus beijos, aconselho-a a não me tentar com os seus encantos femininos novamente. — Ele deslizou a mão pelo peito dela, cobriu um dos seios e aper­tou-o gentilmente. — E bom, mas não tanto que me faça desistir do que decidi fazer.

Ela deu-lhe um tapa na mão, afastando-a. Ele recuou um passo, mas porque quis, não porque ela o repelira.

  • E o que foi que você decidiu fazer?
  • Forçar o governo a reabrir a mina Fuma Solitário.

A resposta estava tão longe de ser a que Miranda espe­rara, que ela pestanejou, surpresa, e passou a língua pelos lábios sem perceber. O mais profundo recesso de sua mente registrou que seus lábios tinham sabor de beijo, de homem, de Hawk. Mas sua perplexidade superou os pensamentos.

  • Reabrir o quê?
  • A mina Puma Solitário. Uma mina de prata. Já ouviu falar?

Ela abanou a cabeça, negando.

  • Não me surpreende — ele comentou. — Não é im­portante para ninguém, a não ser para o povo que depende dela para viver. Meu povo.
  • Seu povo? Os índios?

— Adivinhou — ele respondeu sarcasticamente. — O que me denunciou? Minha burrice, ou minha preguiça?

Ela não fizera ou dissera nada para levá-loa pensar que era preconceituosa. Assim, aquele esnobismo às avessas era totalmente injustificado e irritou-a.

  • Seus olhos azuis — retrucou.
  • Um deslize genético.
  • Olhe, senhor Hawk...
  • Senhor O’Toole. Hawk O’Toole — ele corrigiu dando de ombros com displicência e deixando Miranda mais con­fusa. — Outra artimanha do destino.
  • Posso saber quem é, senhor O’Toole? — ela perguntou em tom suave. — O que deseja de mim e de Scott?
  • Meu povo explorou a mina Puma Solitário durante muitas gerações. A reserva é grande, e temos outras fontes de renda, mas o grosso da nossa economia depende do funcionamento da mina. Não vou aborrecê-la contando as maquinações que ocorreram, mas fomos destituídos de nos­so direito de posse.
  • De quem é a mina, agora?
  • De um grupo de investidores. Decidiram que não era economicamente viável e a fecharam. Assim. — Ele estalou os dedos diante do rosto dela. — Sem nenhum aviso, cen­tenas de famílias ficaram na miséria. E ninguém se importa.
  • O que tudo isso tem a ver comigo?
  • Nada de nada.
  • Então, por que me sequestrou?
  • Já lhe disse que só a trouxe também porque você fez aquele escândalo todo.
  • Mas assaltou o trem para sequestrar Scott.
  • Isso mesmo.
  • Por quê?
  • O que acha?

—   É óbvio que foi para fazê-lode refém.

Hawk concordou com um gesto brusco de cabeça.

  • Vamos pedir resgate.
  • Dinheiro?
  • Não, exatamente. Miranda, então, compreendeu.
  • .. — murmurou.
  • Seu marido. Talvez ele consiga fazer com que os seus colegas legisladores o ouçam, agora que o filho é refém de um bando de índios selvagens.

—   Ele não é mais meu marido.

Os olhos azuis moveram-se causticamente sobre ela.

—   Eu sei. Li a respeito do seu sujo divórcio nos jornais. O deputado Price pediu o divórcio porque você lhe era infiel. — Hawk inclinou-se novamente sobre ela, pressio­nando-a contra a árvore e movendo o corpo sugestivamen­te. — Pelo jeito como você se esfregou em mim, no caminho para cá, dá para entender por que ele quis o divórcio.

—   Guarde para si mesmo suas imundas opiniões a meu respeito.

—   Sabe de uma coisa? — ele perguntou, deslizando o dedo indicador pelo queixo dela. — Para uma refém, você é muito altiva.

Ela afastou a cabeça, fugindo do toque da mão dele.

—   E você é um tolo. Morton não erguerá um dedo para me resgatar.

—   Acredito, mas temos seu filho também.

  • Morton sabe que Scott estará em segurança, enquanto estiver comigo.
  • Então, talvez, tenhamos de separá-los. Ou mandar você de volta e ficar com o menino. — Ele observou aten­tamente a reação dela. — Mesmo à luz fraca do fogo, posso ver como essa ideia a assusta. A menos que queira que isso aconteça, seja esperta e faça o que lhe mandarem.
    • Por favor — ela implorou com voz trémula. — Não faça mal a Scott. Não nos separe. Ele é apenas uma criança e ficará com medo se eu não estiver por perto.
    • Não é minha intenção fazer mal a você ou a Scott. Mas me obedeça, sempre — Hawk acrescentou em tom ameaçador. — De acordo, senhora Price?

Por mais odioso que fosse oncordar, esse era o caminho mais seguro a seguir, pelo menos no momento. Ela moveu a cabeça concordando.

Ele deu um passo para o laço e com um gesto mandou-a ir na frente dele, na direção ca fogueira.

  • Não tem medo que o fcgo os denuncie? — ela per­guntou, olhando-o por cima do ombro. — Devem estar pro­curando por nós.
  • E provável, e já tomamcs providências.

Ela seguiu-lhe o olhar. Havhm tirado os arreios de todos os cavalos, que estavam sendo levados para dentro de um longo trailer.

  • Apagaremos as marcas dos cascos e dos pneus do Se alguém aparecer por aqui esta noite, vai encontrar apenas um grupo de pescadores índios embriagados, inca­pazes de segurar as calças, muito menos de assaltar um trem cheio de turistas.
  • Só que estarei estourando os pulmões de tanto gritar por socorro — ela observou com perversa satisfação.
  • Já estamos preparados para isso também.

—   Como?

  • Clorofórmio.
  • Vão nos cloroformizar?
  • Se houver necessidade — ele respondeu sem nenhuma cerimónia, antes de afastar-se, gritando uma ordem para seus homens, dizendo-lhes para apressar o embarque dos cavalos e levar o trailer

Miranda ficou furiosa com a negligência que ele demons­trou, virando-lhe as costas, obviamente considerando-a ape­nas um aborrecimento, não uma ameaça. Irritada, foi à pro­cura de Scott e encontrou-o devorando um prato de feijão.

—   E gostoso, mamãe.

—   Que bom que está gostando.

Ela olhou nervosamente para Ernie, que estava sentado de pernas cruzadas ao lado do menino. Hesitante, sentou-se numa tora caída.

  • Quer jantar? — o índio perguntou.
  • Não, obrigada. Não estou com fome.          Ele deu de ombros e continuou a comer.

—   Adivinhe uma coisa, mamãe! Ernie disse que posso andar a cavalo de novo, amanhã. E sozinho, se eu tiver cuidado e me segurar bem. O menininho dele vai me en­sinar. Vou conhecer a casa de Ernie. Eles não têm video­cassete, mas eu disse que não faz mal, porque têm cavalos. E um bode também. Não tenho medo de bodes, tenho? Ernie disse que eles não machucam as pessoas, mas que às vezes mastigam as roupas.

Miranda teve vontade de gritar com ele, lembrando-o do perigo que corriam, mas se conteve a tempo. Scott era uma criança. Sua inocência diante da gravidade da situação era sua maior proteção. Hawk O'Toole não ameaçara ne­nhum dos dois com maus—tratos físicos ou morte. Parecia ter certeza de que Morton reagiria favoravelmente as suas exigências. Ela não ousava imaginar o que lhe aconteceria, e a Scott, se as coisas não corressem como ele esperava.

Pouco depois, o trailer, levando os cavalos, saiu da clareira e desapareceu numa estrada de terra. Usando cobertores, os homens apagaram os rastros, até que restaram apenas as mar­cas dos pneus das caminhonetes estacionadas ao redor.

Depois, cada um tomou vários goles de uísque barato, que também espargiram sobre as roupas, e a clareira logo ficou com um cheiro desonroso de taberna. Rindo, prati­caram o jeito de falar e andar dos bêbados e, então, depois que todos haviam jantado, ficaram sentados em volta da fogueira, conversando amigavelmente e fumando, até o mo­mento de arrumar os sacos de dormir, preparando-se para a noite. De modo algum agiam como os bandidos endure­cidos que à tarde haviam cometido um crime da alçada da polícia federal.

Quando Hawk voltoi a prestar atenção em Miranda e Scott, o menino estiva encostado pesadamente no braço dela.

  • Está exausto — Mranda informou altivamente, de­ testando ter de erguer a cabeça para olhar o seqúestrador nos olhos ao falar com de. — Onde vamos dormir?
  • Na carroceria daqiela caminhonete. —— Ele apontou para um veículo e tentot pegar o braço dela para ajudá-la a levantar-se.

Com rudeza, ela recusou sua ajuda e ergueu-se sozinha. Hawk curvou-se e tomcu Scott nos braços.

  • Eu carrego meu filho — Miranda protestou.
  • Eu carrego — ele replicou.

Suas longas passadas venceram a distância muito mais rapidamente do que as dela. Ele já colocara o menino no saco de dormir, na carroceria da caminhonete, quando Mi­randa alcançou-o.

—   Posso fazer minha oração agora? — perguntou Scott, com um enorme bocejo.

—   Acho que está com muito sono — observou Miranda. — Por que não ora em pensamento?

—   Ok — ele engrolou. — Nossa! Mamãe, veja quantas estrelas!

Ela olhou para cima e ficou atónita ao ver o céu, como veludo negro, coberto de estrelas brilhantes, que pareciam enormes, próximas o bastante para serem tocadas.

  • São lindas, não?
  • São. Acho que é lá que Deus mora. Boa noite, mamãe, boa noite, Hawk.

Scott deitou-se de lado, puxou os joelhos para o peito e adormeceu no mesmo instante. À beira das lágrimas, Mi­ra nda ajeitou o saco de do:rmir ao redor do filho, cobrindo-o. — Se fizer mal a Scott, eu o matarei — declarou, virando-se para encarar Hawk.

  • Você já disse isso. E, como eu falei, não pretendo fa­zer-lhe nenhum mal.
  • Então, para que tudo isso? — ela gritou, abrindo os braços. — Onde fica seu poder de barganha?
  • Não farei mal a Scott — Hawk repetiu baixinho. — Mas talvez ele nunca mais volte para casa. Se seu marido não nos atender, podemos ficar com seu filho para sempre.

Com um grunhido de ódio, Miranda atirou-se contra ele e arranhou-lhe o rosto, vendo linhas finas de sangue for­marem-se na face rija. Hawk pegou-a pelo braço, torcendo-o para trás, erguendo-o até que a mão dela ficou entre as omoplatas. A dor foi intensa, mas Miranda impediu-se de gemer, apertando os dentes com força. O barulho chamara a atenção dos outros, que emergiram da escuridão, prontos para receber ordens de seu chefe.

—   Está tudo bem — — Hawk afirmou, soltando-a de re­pente. — Acontece que a senhora Price não gosta de mim.

—   Tem certeza? — perguntou Ernie, rindo. Acrescentou alguma coisa em seu idioma, provocando uma gargalhada geral.

Hawk examinou Miranda com os olhos. Ergueu um co­bertor do chão e atirou-o para ela grosseiramente.

__ Suba na carroceria e cubra-se com isto — ordenou.

O orgulho de Miranda doía tanto quanto o braço... e as coxas e nádegas magoadas pela sela. Ela envolveu-se no cobertor e subiu para a carroceria desajeitadamente. Ernie fez outro comentário e os homens tornaram a rir, mais alto do que da primeira vez.

Certa de que o que ele dissera fora obsceno e referente a ela, Miranda deitou-se ao lado de Scott e fechou os olhos. Ouviu os homens voltando para seus sacos de dormir ao redor da fogueira. Devia estar agradecida por ela e o filho estarem na caminhonete, protegidos de qualquer animal que por acaso aparecesse durante a noite, mas o piso de metal da carroceria não era uma cama muito confortável. Ela se revirou, enrolada no cobertor, tentando em vão en­contrar um lugar mais macio.

— Só temos sacos de dormir para os homens.

Ela abriu os olhos. Alarmou-se ao ver Hawk ao lado do veículo, observando-a. Ele limpara o sangue do rosto, mas os arranhões eram evidentes.

  • Um conforto que os índios não dão às esposas, su­ponho — Miranda provoou.
  • Um conforto que não podemos dar a uma refém com a qual não contávamos.
  • O que foi que ele disse?
  • Quem? Ah, Ernie? — Hawk deixou o olhar vaguear pelo peito dela. — Disse que das duas uma: ou você gosta muito de mim, ou está com frio.

O short e a blusinha curta que ela vestira pela manhã eram bastante adequados para uma tarde de verão no sopé das montanhas, mas não para uma noite num ponto mais alto. Miranda estava toda arrepiada de frio, mas sabia que não fora a isso que o índio se referira. O comentário tinha sido a respeito de seus mamilos, que, duros e eretos, mar­cavam a blusa. Uma onda de calor invadiu-a, aquecendo-a momentaneamente, mas não amolecendo os bicos dos seios, que ainda prendiam a atenção de Hawk.

—   Acho que a segunda hipótese é a verdadeira. — Ele estendeu a mão e esfregou o nó dos dedos sobre um dos sensíveis mamilos. — No entanto, se eu estiver errado, fi­carei feliz em dar-lhe o que você quer.

Sua voz era tão áspera quanto o tronco do pinheiro contra o qual ele a imprensara, mas baixa, como o som do vento nas folhas.

Miranda recuou, fugindo do erótico conta to. — O que mais ele disse? — perguntou por entre os lábios que haviam se tornado rígidos.

Hawk retirou a mão, mas continuou a fitá-la com aqueles cativantes olhos azuis.

— Disse que eu dormiria muito mais aquecido, se ficasse com o cobertor. — Ergueu a mão, tocando a face arranhada. — Ou, então, talvez não conseguisse dormir a noite toda. Ela lhe lançou um olhar venenoso e puxou o cobertor até as orelhas, fechando os olhos para não ver sua expressão sardónica. Deixou que longos instantes se passassem, antes de abri-los novamente. Viu que Hawk se fora, embora ela não houvesse percebido nenhum movimento ou ouvido o menor som. Imaginou quanto tempo ele ficara lá, obser­vando-a, antes de ir embora.

Prestou atenção, tentando captar algum ruído, mas tudo o que podia ouvir era os estalidos do fogo e o ressonar suave de Scott, um som querido e familiar, que lhe trans­mitiu conforto e fé. Milagrosamente, adormeceu.

 

Num momento, ela estava adormecida e sozinha. No se­guinte, acordada, e embaixo de Hawk, que, rápido como mercúrio líquido, e silencioso, deitara-se sobre ela, cobrin­do-a completamente com seu corpo. Com uma das mãos, ele tapava-lhe a boca, e com a outra pressionava a ponta de uma faca contra seu pescoço.

—   Se ousar respirar forte, mato você — murmurou-lhe ao ouvido.

Ela acreditou.

Na escuridão, os olhos dele emitiam um brilho gelado, insensível. Ela moveu a cabeça ligeiramente, indicando que compreendera. Mas ele não relaxou a mão sobre sua boca. Ao contrário, seus músculos ficaram mais tensos.

O motivo de tudo aquilo tornou-se evidente instantes depois, quando ela ouviu o ruído de um veículo que vinha pela acidentada estradinha de terra, em direção à clareira. A luz dos faróis refletia nas árvores que a ladeavam. Er­gueu-se unia nuvem de poeira, quando o carro parou com uma freada brusca. As portas abriram-se.

—   Levantem-se e ergam as mãos.

A aspereza militar da ordem surpreendeu Miranda. Ela arregalou os olhos, fitando Hawk. Ele estava xingando bai­xinho. Receava a mesma coisa que ela, que as vozes despertassem Scott.

Miranda rezou fervorosamente para que o filho conti­nuasse dormindo. Se ele acordasse e começasse a chorar, não havia como prever o que poderia acontecer. Uma bala perdida poderia atingi—lo, na inevitável troca de tiros entre os seqúestradores e os homens que estavam à procura deles. Ou, talvez, percebendo que sua missão falhara, Hawk, que não tinha nada a perder, decidisse levar todos com ele, quando tombasse.

Ela o olhou. Ele seria capaz de matar um criança a sangue frio? Observando a linha dura e implacável de sua boca, ela se sentiu enregelar, chegando à conclusão de que ele seria capaz de tudo.

Por favor, Scott, não acorde.

—   Quem são vocês? O que estão fazendo aqui? Hawk, aparentemente, escolhera seus comparsas por suas habilidades teatrais. Eles estavam fingindo que haviam sido arrancados de um sono provocado pela bebida, mas Miranda deduziu que, assim como Hawk percebera a apro­ximação do veículo, eles também tinham percebido. Res­ponderam às perguntas, aparentando estar confusos com 0 interrogatório, até que suas respostas sem nexo fizeram os policiais perder a paciência.

—   Pelo amor de Deus, é apenas um bando de índios bêbados — um homem da lei disse ao outro. — Estamos perdendo tempo.

—   Viram um grupo de seis ou sete homens a cavalo, hoje? — um dos policiais perguntou. — Vindo daquela direção?

Os índios trocaram algumas palavras entre si, em sua própria língua, então um deles respondeu que não haviam visto nenhum homem a cavalo.

Um policial bufou.

— Bem, muito obrigado. Mantenham os olhos abertos, sim? E avisem, se virem alguma coisa suspeita.

—   O que estão procurando?

Miranda reconheceu a voz de Ernie, cujo tom era enga­nosamente ingénuo e humilde.

—   Uma mulher e um menino. Foram sequestrados do trem Silverado por um bando de cavaleiros.

  • Como eram esses cavaleíros?
  • Usavam lenços no rostc, mas eram espertos e agres­sivos, a julgar pelo depoimeito do pessoal que estava no trem. O chefe roubou dinheiro de um dos passageiros. Arrancou as notas da mão dele! Disseram que a mulher lutou como louca para proteger o filio, quando o tiraram do trem. Mas o grandão, o chefe, colocou-a no seu cavalo e a levou também. Não posso culpá-lo— o policial acrescentou com uma risada maliciosa. — Estão mostrando a foto dela por aí. Uma beleza de mulher, loira, de olhos verdes.

Hawk olhou para Miranda. Ela desviou o olhar.

Os policiais despediram-se As portas do carro bateram. A luz dos faróis banhou novamente as árvores. A poeira ergueu-se e tornou a cair, silenciosa. Logo, nem mais o ronco do motor do veículo podia ser ouvido.

—   Hawk, eles já foram — um homem avisou.

Ele retirou a mão da boca de Miranda, mas não saiu de cima dela, observando-lhe os lábios. Estavam pálidos e imó­veis. Ele acariciou-os com o polegar, como se quisesse devolver-lhes alguma cor.

—   Hawk?

—   Já ouvi! — ele respondeu, impaciente.

Por alguns instantes, um silencio tenso imperou ao redor da fogueira quase apagada. Então, ouviram-se os ruídos que os homens faziam, acomodando-se novamente. Novo silêncio.

Hawk, no entanto, não se moveu do lugar. Desencostou a faca do pescoço de Miranda. Quando ela viu a lâmina afiada, seus olhos flamejaram de raiva.

—   Você podia ter me matado com essa coisa — sibilou.

— Mataria, se você tentasse nos denunciar — ele afirmou.

—   E Scott? Se ele acordasse e começasse a chorar, você o mataria?

—   Não. Ele é inocente. — Hawk ergueu o corpo, intro

duzindo um joelho entre os dela, forçando-a a abrir as coxas. — Mas todos, no Estado inteiro, sabem que você não é. Ouviu o que o homem disse. Você é uma beleza de mulher. Quantos amantes teve, antes que seu marido se fartasse de tanta infidelidade e a largasse?

—   Saia de cima de mim!

Ele a fitou, estreitando os olhos.

  • Pensei que estivesse gostando.
  • Não estou. Não gosto de você. Você é um ladrão, um seqúestrador, um...
  • Ladrão, não.
  • Tirou o dinheiro daquele homem no trem, apontan­do-lhe a arma.
  • Não foi roubo. Ele me ofereceu o dinheiro, lembra?
  • Mas vai gastá—lo.
  • Pode apostar que sim. Foi um presente dos que têm muito para os que não têm nada.
  • Oh, poupe—me! O que pensa que é? Um Robin Hood do século vinte? Pois se engana. Você é um criminoso. Nada mais.

Querendo empurrá—lo, ela colocou as mãos em seus om­bros. Foi um erro. Ele estava sem camisa, a pele nua era lisa. O peito, uma expansão bronzeada e firme, exibia discos mais escuros ao redor dos mamilos retesados.

Contendo o impulso de deslizar as mãos pelo corpo dele, Miranda tentou empurrá—lo. Hawk baixou a cabeça e pousou-a no côncavo entre o pescoço e o ombro dela. Afundou os dedos em seus cabelos, apertando-lhe o crâ­nio, para não deixá-la mover a cabeça. Tomou o lóbulo da orelha entre os dentes fortes e brancos, excitando-o com a língua.

  • Não!
  • Por quê? Nervosa? É a primeira vez que faz isso com um índio, senhora Price?

Ela não encontrou um insulto quefosse bastante ofensivo.

  • Se não fosse por Scott, eu...
  • O quê? Se entregaria? Aqui mesmo? Fica constrangida, com seu filho dormindo ao seu laço? E por isso que está resistindo?
  • Não! Pare com isso! — ela exclamou baixinho.
  • Ora, vamos, admita que tem a fantasia de fazer sexo com um selvagem. Você resiste, eu a domino. E assim que funciona?
  • Por favor, não. Por favor!
  • Bom, muito bom. Pode dizer aos seus amigos que eu a violentei. Um tema excitante para uma conversa de salão.

Ele passou a língua pelos lábios dela. Num gesto instin­tivo, ela apertou-lhe os ombros. Arqueou as costas, forçando o corpo contra o dele.

—   Você é quente — ele comentou com um gemido, pressionando a coxa na junção das dela. — Aposto que já está molhada.

Então, beijou-a, empurrando a língua profundamente para dentro de sua boca, enquanto a massageava com mo­vimentos ritmados dos quadris.

—   Hawk?

Ele ergueu a cabeça abruptamente, soltando um palavrão.

—   O que foi?

—   Você pediu para chamá-loao alvorecer. — A voz de Ernie chegou até eles, saindo da escuridão, que começava a mostrar ténues barrados cinzentos.

O homem falara em tom de quem pedia desculpas.

Os olhos de Hawk penetraram os de Miranda, quando ele se levantou. Pondo-se de pé, ele examinou-lhe os cabelos alvoroçados, os lábios avermelhados pelos beijos, os braços e pernas abertos.

—   Pelo que foi divulgado pela imprensa, você é mesmo

uma vagabunda, senhora Price. Foi bom termos sequestrado Scott. Não ganharíamos um centavo furado, se pedíssemos resgate por você.

Pulou por cima da lateral da caminhonete e afastou-se, puxando para cima o jeans que vestira apressadamente, deixando-o desabotoado.

Lágrimas de raiva e vergonha encheram os olhos de Miranda. Ela enxugou-as. Usando a ponta do áspero co­bertor de lã, tentou tirar dos lábios o gosto dos beijos de Hawk O'Toole.

Não conseguiu.

—   Acorde, Randy. Chegamos.

Sacudiram Miranda pelo ombro, com força. Ela ergueu a cabeça, que encostara no vidro da janela do passageiro, na caminhonete. A má posição resultara num entorpeci­mento do pescoço, e ela girou a cabeça várias vezes para livrar-se da incómoda sensação.

Abriu os olhos e olhou para o homem sentado ao volante. De repente, percebeu que só os dois estavam no veículo.

—   Scott! — gritou, alarmada.

Agarrou a maçaneta, mas Hawk agarrou-a pelo pulso, impedindo-a de jogar-se porta afora.

—   Calma. Ele está com Erníe. Ali.

Apontou através do pára—brisa, pontilhado de insetos mortos. Scott trotava atrás de Ernie como um cachorrinho confiante. Caminhavam ao longo de uma trilha que levava a uma casa sobre rodas.

— Scott disse que precisava ir ao banheiro, e eu permiti. — Hawk desdobrou um jornal e bateu na página frontal.

—   Você é manchete, Randy.

  • Por que está me chamando assim?
  • Porque é assim que se referem a você nos jornais. Por que não me disse que era conhecida por Randy?
  • Você não perguntou.
  • Um apelido carinhoso que seu marido lhe deu?
  • Não. Cresci com ele.
  • Então, também não foi dado por um dos seus muitos amantes.

Ela não gastou fôlego à toa replicando. Leu as manchetes. Os relatos do sequestro eram baseados nos depoimentos das testemunhas. Depois de retirar a barreira de toras de cima dos trilhos, com a ajuda de vários passageiros, o ma­quinista levara o trem de volta à estação, após comunicar o retorno pelo rádio. O FBI, juntamente com a polícia local, já se encontrava lá, quando o trem chegou. E, obviamente, representantes da imprensa também.

—   Seu ex—marido estava à espera, na estação. Muito abalado.

A primeira página exibia uma foto indiscreta do de­putado estadual Morton Príce. Seu rosto bonito estava contorcido numa expressão de angústia. De acordo com o jornal, ele dissera: "Farei qualquer coisa, qualquer coisa, para ter meu filho de volta. E Randy também, naturalmente".

Ela riu com amargura.

  • Não perdeu a mania.
  • O quê?
  • Continua tirando publicidade de tudo o que pode. E, como de costume, fiquei em segundo plano.

—   Espera que eu sinta pena? Ela o olhou com desprezo.

— Não espero nada de você, só um comportamento de canalha. E até agora não me desapontou, senhor O’Toole.

—   Nem pretendo. — Hawk abriu a porta e desceu da caminhonete. Fez um amplo gesto com a mão, quando Ran­dy juntou-se a ele. — Seja bem—vinda.

Ela observou a aldeia, composta quase exclusivamente

de casas móveis, embora houvesse algumas constru­ções, tanto de madeira como de alvenaria. A única rua estava deserta. Um dos prédios servia de posto de ga­solina, mercearia e correio, mas não se via ninguém ali. Outro prédio parecia uma escola, porém as portas encontravam-se fechadas. Além disso, não havia muito o que ver. Os olhos de Randy foram atraídos para um caminho pedregoso que subia pela encosta da monta­nha, desaparecendo no topo.

  • A mina? — ela perguntou, fazendo um gesto de cabeça naquela direção.
  • A mina — ele respondeu, examinando-a com ar cínico. — Não está acostumada com vilas como esta, não é?

Ela preferiu ignorar a provocação.

  • Gostarei muito mais da sua vila, se me levar a um banheiro.
  • Acho que Leta a deixará usar o dela.
  • Leta? — repetiu Randy, começando a andar ao lado dele.
  • A esposa de Ernie. E pode esquecer, se estiver ima­ginando que poderá telefonar para alguém. Eles não têm telefone.

Um poste telefónico fora a primeira coisa que Miranda procurara, mas não vira nenhum. Uma descoberta quase tão assustadora quanto a habilidade de ler pensamentos que Hawk demonstrava.

Um bode, amarrado a uma estaca, observou-os, enquanto eles cruzavam o pátio de terra e subiam alguns degraus de concreto. Hawk bateu na porta da casa móvel uma vez, antes de abri-la. O aroma de comida fez o estômago de Randy roncar. Logo que seus olhos acostumaram-se à pe­numbra, ela viu o filho sentado a uma mesa. Ele tirava o alimento do prato a sua frente e o enfiava na boca com uma lamentável falta de modos.

—   Oi, mamãe! Você já viu Gerônimo? E o nome do bode. Esse é Donny, meu novo anigo. Ele tem sete anos! E essa é Leta. Randy moveu a cabça num cumprimento. Donny desviou o olhar timidamente. Leta, depois de observar os arranhões no rosto de Hawk fitou-a com franca curiosida­de. Randy ficou chocada ao ver que a esposa de Ernie era mais nova do que ela, portanto muito mais jovem do que o marido.

— Gostaria de comer alguma coisa? — a moça perguntou. — É só um picadinho de carne, mas...

—   Gostaria, sim — respondeu Randy, sorrindo para ela. Leta parou de torcer as mãos nervosamente e sorriu também.

—   Tenho certeza de que a senhora Price está com muita fome — disse Hawk, sentando-se a cavalo numa cadeira, virado para o espaldar. — Acho que esperava comer charque de búfalo e pão frito, no café da manhã. Quando   nos oferecemos para   comprar-lhe   um   Egg McMuffin, ela não aceitou.

Ernie riu, e Leta pareceu confusa. Randy ignorou o aparte.

—   Posso usar o banheiro, por favor? —— pediu, dirigin­do-se a Leta.

—   Naturalmente. É logo ali.

Hawk levantou-se.

—   Vou mostrar onde é.

Randy seguiu-o através da cozinha e por um corredor que levava aos fundos da casa. Hawk abriu uma porta, olhou fiara dentro do cubículo, inspecionando-o rapidamente.

—   O que está procurando? — ela indagou.

—   Uma janela pela qual você pudesse escapar.

Ela bufou, impaciente, tentando passar por ele, que não se moveu do lugar.

  • Vai entrar comigo? — perguntou com exagerada doçura.
  • Não acho que seja necessário, mas vou ficar esperando aqui fora.

Ela plantou as mãos nos quadris.

—   Não quer me revistar?

Os olhos azuis viajaram pelo corpo dela, para baixo e novamente para cima.

— Talvez eu queira.

Empurrou-a pelos ombros, e ela tombou de costas contra a parede. Antes que Randy pudesse impedi—lo, ele intro­duziu as mãos por baixo de sua blusa curta, apalpando os bojos do sutiã de renda, amassando os seios levemente. Então, as mãos deslizaram para as costas, acariciando-as, e voltaram novamente para a frente, soltando o fecho do short que ela usava. Uma delas achatou-se contra a barriga de Randy, escorregou para baixo e foi para trás, compri­mindo uma das nádegas.

—   Não encontrei nada suspeito — ele informou calma­mente, retirando as mãos.

Randy estava abalada demais para dizer alguma coisa. Apenas ficou olhando para ele, sem fôlego. Sentira que o rosto empalidecera, embora o sangue corresse por suas veias em jatos quentes e rápidos.

—   Nunca me desafie — ele avisou baixinho. — Nem de brincadeira. Aceitarei todos os seus blefes.

Empurrou-a gentilmente para dentro do banheiro e fe­chou a porta.

Randy, sem firmeza nas pernas, encostou-se na porta até recuperar o fôlego. Estava tremula. Foi à pia, abriu a tor­neira e jogou água no rosto várias vezes. Depois de enxu­gá—lo, olhou-se no espelho.

Uma triste visão. Seus cabelos estavam desgrenhados, cheios de gravetos e folhas, remanescentes da cavalgada desenfreada pela floresta. As roupas estavam sujas. Ainda havia traços da maquilagem que aplicara mais de vinte e quatro horas antes.

—   Extremamente sedutora — resmungou.

Então, lembrando-se de que quase fora estuprada, fran­ziu a testa.

Pegou o sabonete e lavou o rosto vigorosamente, reti­rando os restos de maquilagem Escovou os dentes, usan­do os dedos. Tirou os gravetos e folhas dos cabelos e desembaraçou-os com as mão;. Depois de usar o vaso sanitário e limpar as roupas o nelhor que pôde, saiu do banheiro.

Hawk não estava a sua especa no corredor, afinal. En­contrava-se na cozinha, sentadc à mesa, tomando cerveja e conversando com Ernie. Ele a submetera à "revista" apenas para insultá-la, não por realmeite temer que ela tentasse fugir. Quando os homens notaiam que ela estava parada à porta, pararam de falar abruptamente.

  • Onde está Scott?
  • Lá fora.

Ela olhou pela janela. Scott acariciava Gerônimo com certa prudência, enquanto Donny dizia-lhe para não ter medo. Satisfeita em saber que o filho rão corria perigo imediato, dirigiu-se à mesa e ocupou a cadeira que Leta indicou-lhe. A tarde ia em meio, uma hora estranha para uma refeição. Hawk oferecera-lhe algo para comer, assim que haviam deixado o acampamento, pela manhã, bem cedo, mas ela não aceitara. Não haviam parado para almoçar, de modo que comeu tudo o que Leta colocou em seu prato. O café que lhe foi servido em seguida era forte, quente e revigorante.

Ela tomou alguns goles, então olhou para Hawk, sentado no outro lado da mesa.

  • O que pretende fazer comigo e com meu filho? — perguntou bruscamente.
  • Mante-los como reféns, até que seu marido, ex—marido, consiga do governador a garantia de que a mina será reaberta.
  • Isso talvez exija meses de negociações! — ela excla­mou, atônita.

Hawk deu de ombros. — Talvez.

—   Scott terá de ir para a escola dentro de algumas semanas.

  • As aulas começarão sem ele, se for preciso. Não confia no poder de persuasão de seu marido?
  • Por que não pede dinheiro, simplesmente, como os sequestradores comuns?

O rosto dele endureceu. Ernie pigarreou e olhou para as mãos. Leta remexeu-se na cadeira.

—   Se quiséssemos esmola, senhora Price, viveríamos à custa do serviço social.

Ela teve vontade de dar um chute em si mesma por ter explodido impensadamente. Ferira o orgulho de Hawk. Os olhos azuis podiam contradizer sua ascendência indígena, mas seu orgulho feroz a confirmava.

Randy respirou fundo para acalmar-se.

—   Não vejo como pretende levar isso adiante, senhor O’Toole. Uma negociação com qualquer governo envolve um bocado de burocracia. Morton talvez só consiga ser re­cebido pelo governador daqui a várias semanas.

Hawk bateu no jornal, que agora estava dobrado, sobre a mesa.

  • Isso ajudará, conforme planejamos. Seu marido está concorrendo à reeleição e agora virou notícia. O sequestro de seu filho o manterá constantemente no pensamento das pessoas. A pressão pública, apenas, forçará o governador Adams a atender as nossas exigências.
  • Parece que pensou em tudo. Como soube que Scott e eu estaríamos no trem Silverado?

Ela percebeu, no mesmo instante, que sua pergunta tocara num ponto sensível. Ernie e Leta olharam de modo inquieto para Hawk, que se recobrou rapidamen­te e respondeu:

—   Um seqúestrador precisa saber dessas coisas.

A resposta evasiva não esclareceu nada, mas Randy sabia que teria de contentar-se com ela, no momento.

  • Como planeja entrar em contato com Morton?
  • Vamos começar com esta carta. — Hawk tirou do bolso da camisa uma folha de papel sulfite. — Será colocada na caixa de correio dele, amanhã.

Randy leu a carta. Era um pedido de resgate, copiado de uma série de televisão sobre um detetive particular, e a mensagem fora escrita com letras recortadas de uma re­vista. Informava a Morton que Scott estava detido como refém e que os sequestradores logo entrariam em contato com ele para apresentar os termos das negociações.

  • Entrarão em contato com Morton? Por telefone? — Randy perguntou.
  • Através do telefone do gabinete dele.
    • Deve estar grampeado. Será fácil descobrir de onde loi feita a chamada.
    • As chamadas. Uma frase de cada vez, apenas. Serão telefonemas tão curtos, que não poderão ser localizados. Vindos de diversos Estados do Oeste.

Ela ergueu as sobrancelhas, admirada.

—   Mais uma vez, merece meus cumprimentos.

  • As outras nações indígenas nos apoiam em nosso pla­no. Quando pedi ajuda, recebi prontamente.
  • Parou para pensar no que acontecerá, se for apanhado?

—   Não. Mas não serei.

—   Já entrou em choque com a lei, antes disso, não? Quando tive tempo para pensar a respeito, lembrei onde foi que que ouvi o seu nome. Li coisas a seu respeito. Você tem criado onfusão há anos.

Hawk levantou-se e debruçou-se sobre a mesa, de modo que seu rosto ficou a centímetros do dela.

  • E vou continuar "criando confusão", enquanto meu povo estiver sofrendo.
  • Seu povo? O que você é, afinal? Um chefe, ou algo parecido?

A palavra chiou como uma gota de água caindo numa chapa quente. E fez Randy calar-se imediatamente. Ela exa­minou as feições marcadas e finas e percebeu que não estava lidando com um vagabundo qualquer. Hawk O’Toole ocu­pava um cargo equivalente ao de um chefe de Estado, era um governante sagrado, um ungido.

  • Então, sendo chefe, você cometeu um grave deslize — ela observou. — Assim que mencionar a mina Puma Solitário, este local será invadido pelo FBI e por tropas do Exército.
  • Com certeza.

Ela abriu os braços, dando uma risadinha.

  • E o que farão, quando eles chegarem? Vão se esconder embaixo das camas?
  • Não estaremos aqui.

Dizendo isso, ele se afastou da mesa e caminhou para a porta. Abriu-a com tanta força que quase arrancou-a das dobradiças.

—   Vamos partir em dez minutos.

Assim que a porta bateu atrás dele, Randy pousou as mãos na mesa, decidida a fazer um apelo a Ernie e Leta.

—   Vocês precisam me ajudar. O que o senhor O’Toole está fazendo pode ser bom e nobre, mas ele está cometendo um grave crime, que será investigado pela polícia federal. Irá para a cadeia, assim como todos vocês. — Umedeceu os lábios. — Mas farei com que sejam tratados com justiça, se me ajudarem a fugir. Ou, pelo menos, me ajudem a che­gar a um telefone.

Ernie levantou-se.

— Leta, já está tudo pronto? — perguntou à jovem esposa.

  • Está.
  • Coloque a bagagem perto da porta. Levarei tudo para a caminhonete.

Randy deixou os ombros penderem, derrotada. Eles não apenas haviam se recusado a ajudá-la a fugir de Hawk O’Toole, como até a discutir o assunto.

 

—   Aonde estamos indo?

—   Adoraria saber, não?

O sarcasmo de Hawk arranhou a paciência de Randy como lã de aço.

—   Eu não conseguiria achar o caminho de volta para a civilização, mesmo que tivesse um compasso na mão direita e um mapa na esquerda. Não há nenhum ponto de referência neste lugar, a não ser a monotonia da paisagem. Nem sei em que direção estamos indo.

—   Foi só por isso que não vendei os seus olhos.

Com um suspiro exasperado, ela se virou para a janela aberta da caminhonete. O vento frio soprou em seus cabelos. A lua esguia e despretensiosa lançou luz fraca em seu rosto. O perfil escuro de montanhas distantes marcava o horizonte, mas Randy mal podia distingui—lo.

Ela logo compreendera por que a vila nas proximidades da mina Puma Solitário fora abandonada. Todos os moradores haviam se mudado para o "esconderijo", permanecenndo apenas os envolvidos diretamente no sequestro e suas famílias. Pouco depois de Hawk ter saído como um furacão da casa de Ernie, a caravana partira, porém Randy ainda não sabia para onde. A caminhonete de Hawk era a última da fila, mas ele nunca deixara que uma distância muito grande se interpusesse entre eles e a perua que estavam seguindo.

  • Como chegou a chefe?
  • Não sou o único. Existe um conselho tribal, formado por sete chefes.

—   Herdou o posto de seu pai?

Ela percebeu que ele cerrou os dentes, porque os mús­culos de seu rosto retesaram-se.

  • Meu pai era alcoólatra inveterado e morreu num hos­pital público. Era um pouco mais velho do que sou agora, quando morreu.
  • O sobrenome dele era realmente O’Toole? — ela in­dagou após um breve silêncio.
  • Seu trisavô foi Avery O'Toole, que se estabe­leceu no território, depois da Guerra Civil, e se casou com uma índia.
  • Então, você herdou o cargo de chefe da família de sua mãe.
  • Meu avô materno era chefe.
  • Sua mãe deve ter muito orgulho de você.
  • Ela morreu de parto, quando teve meu irmão, que nasceu morto. — Hawk pareceu gostar do espanto de Randy. — O médico só ia à reserva de duas em duas semanas. Não estava lá quando minha mãe entrou em trabalho de parto. Ela teve uma hemorragia e sangrou até morrer.

Randy encarou-o, invadida por uma onda de compaixão. Não era de admirar que ele fosse tão duro, tendo conhecido tantas tragédias na infância. Mas bastou um olhar para o perfil que parecia esculpido em granito para ela saber que ele não aceitaria nenhuma demonstração de piedade, nem mesmo uma palavra gentil.

Olhou para Scott, que dormia no banco entre eles, a ca­beça em seu colo, os joelhos flexionados contra o peito. Pegou uma mecha dos cabelos loiros e enrolou-a num dedo.

  • Não tem irmãos, então?
  • Não.
  • Já foi, ou é casado?
  • Não — ele respondeu, olhando-a.
  • Por quê?
  • Se está perguntando se faço sexo regularmente, saiba que não tenho problemas quanto a isso. Se deseja conversar sobre esse assunto, vamos falar da sua vida sexual, que é muito mais interessante do que a minha.
  • Não é sobre isso que desejo conversar.
  • Então, por que tantas perguntas pessoais?
  • Quero entender por que um homem inteligente, o que obviamente você é, faria a estupidez de sequestrar uma mulher e uma criança, tirando-os de um trem cheio de tu­ristas. Está querendo ajudar seu povo, e isso é ótimo. Seus motivos são admiráveis. Espero que tenha sucesso, mas re­correndo aos canais legais.
  • Isso não funciona.
  • E o crime funciona? Que bem você poderá fazer ao seu povo, quando for trancado numa penitenciária, onde passará o resto de sua vida?
  • Isso não vai acontecer.
  • Pode acontecer — ela replicou com aspereza. — Deve acontecer, se não nos libertar.
  • Esqueça.
  • Escute, senhor O'Toole. Essa aventura já não foi longe demais? Os homens que o ajudaram, Ernie, por exemplo, não são criminosos. Tratam Scott mais como um sobrinho querido do que como refém. Até você, a seu modo, tem sido bom para ele.

ELa estava determinada a continuar com seu discurso persuasivo.

—   Se nos deixar na cidade mais próxima, direi, em meu depoimento, que não sei quem nos sequestrou, que os sequestradores usaram máscaras o tempo todo e que, por razões que ignoro, mudaram de ideia e nos libertaram.

— Quanta bondade!

—   Por favor, pense nisso.

Ele apertou o volante com mais força.

  • A resposta é não.
  • Juro que não direi nada.
  • E Scott?

Randy abriu a boca para responder, mas não soube o que dizer.

  • Certo — disse Hawk, lendo-lhe os pensamentos de novo. — Mesmo que eu confiasse em você, o que não é o caso, na primeira vez em que Scott dissesse alguma coisa sobre Hawk, os federais iriam atrás de mim.
  • Não iriam, se já não tivessem sua ficha — ela retrucou.
  • Minha ficha é limpa. Nunca fui processado.
  • Por pouco.
  • "Por pouco" não conta. Se contasse, eu já não estaria com ereção e você saberia como é fazer sexo com um índio.— Ela ficou muda de tão chocada, e, tirando vantagem disso, ele acrescentou: — Não sei o que eu mais queria, ontem à noite: ver você humilhada, ou ardendo de desejo.
  • Você é nojento!

Ele deu uma risada seca.

  • Não banque a menina imaculada. Sua roupa suja foi lavada em público, quando seu marido se divorciou de você por adultério.
  • A sentença de divórcio diz "incompatibilidade de génios".
  • Talvez, oficialmente, mas as suas aventuras extracon­jugais foram comentadas mais de uma vez.
  • Acredita em tudo o que lê, senhor O’Toole?
  • Em quase nada.
  • O que torna meu tão falado divórcio uma exceção?

Os olhos dele moveram-se sobre ela, observando os ca­belos despenteados, o rosto pálido e as roupas amassadas de uma pessoa que dormira vestida, o que de fato ela fizera.

  • Sei como é fácil convencê-la. Lembra-se da noite passada?
  • Você não me convenceu.

—   Claro que sim, só que você não quer admitir. Com as faces em fogo, Randy virou a cabeçi, tornando a olhar para fora da janela. Não queria que ele cotasse seu embaraço e soubesse que tinha razão. Detestava pensar na­quilo, pois, por um rápido instante, gostara do beijo dele.

Desculpara-se pela inusitada reação, refletindo que aqui­lo acontecera porque fazia muito tempo que não sentia a boca de um homem sobre a sua. Embora sua mente rejei­tasse Hawk, o corpo não fizera o mesmo e fora atraído pelo magnetismo masculino. Deliciara-se com o cheiro do corpo dele e o contato de seus cabelos. A rigidez de sua ereção acendera um fogo brilhante em seu ventre, que ainda se reavivava à simples lembrança.

Ela achara que sua reação fora tão débil que passara des­percebida, mas era evidente que ele notara. E que se rejubilara com aquela momentânea rendição, não apenas porque isso alimentara seu enorme ego, como também confirmara sua opinião a respeito dela e de seu casamento fracassado. Por mais que ela quisesse gritar que não era o que ele pensava, não gritaria. Não fizera isso antes, não faria agora.

Fechou os olhos numa tentativa de fugir das desagradá­veis recordações e deixou a cabeça pender contra o encosto do banco. A despeito do tumulto íntimo, cochilou. Quando despertou, a caminhonete estava parada, e Hawk abria a porta do seu lado.

—   Saia — ele ordenou.

Ela notou três coisas imediatamente. A temperatura caíra de modo perceptível, o ar era mais rarefeito, e Scott dormia no colo de Hawk, os bracinhos ao redor do pescoço dele. Com uma das mãos, Hawk sustentava o traseiro do menino, e com a outra abria a porta para ela.

Ela desceu da caminhonete. Ouviu o ruído de água em algum lugar perto dali, um som inconfundível de correnteza rápida. As encostas das montanhas que os rodeavam estavam pontilhadas de retalhos quadrados de luz, que depois de um momento ela reconheceu como janelas de numerosas construções, das quais, à claridade fraca da lua, só podia ver alguns contornos vagos.

  • Todo mundo já chegou? — Hawk perguntou a Ernie, que aparecera Silenciosamente, saindo da escuridão.
  • Já. Leta levou Donny para a cama. Mandou—me de­sejar-lhe uma boa noite. A cabana reservada para a senhora Price fica lá em cima. — O índio apontou para um caminho acidentado que serpenteava por um aclive suave.

Hawk concordou com um gesto de cabeça.

—   Falarei com você pela manhã, antes de qualquer outra coisa. Na minha cabana.

Ernie afastou-se, e Hawk tomou o caminho indicado por ele. A trilha acabava diante de uma pequena cabana feita de toras rústicas. Hawk subiu os degraus que levavam a um alpendre e empurrou a porta com o pé.

  • Acenda o lampião.
  • Lampião? — ela repetiu timidamente.

Amaldiçoando sua inépcia de mulher da cidade, ele en­tregou-lhe Scott. Acendeu um fósforo e encostou-o ao pavio de um lampião de querosene, ajustou a chama e colocou a manga de vidro. A claridade iluminou um único cómodo, que, como conforto, só oferecia dois catres estreitos, duas banquetas e uma mesa quadrada.

—   Não fique tão horrorizada. É a suíte de luxo. Randy virou-lhe as costas com desdém e deitou Scott num dos catres. O menino murmurou, sonolento, quando ela tirou-lhe os ténis e cobriu-o com um cobertor de lã tecido à mão. Randy inclinou-se e beijou-o no rosto.

Quando ela se virou e encarou Hawk, ele examinou-a lentamente. Ela sabia que seu cansaço era evidente, mas não queria dar-se por vencida na frente dele. Infelizmente,

a derrota era pesada, afetava sua atitide de orgulho e punha uma expressão confusa em seu roso.

  • A cabana será vigiada por giardas a noite toda.
  • E para onde eu fugiria? — el gritou, frustrada.
  • Para onde?

Ela se empertigou e olhou-o con altivez.

  • Pode me dar um pouco de privacidade, senhor O’Toole?
  • Você está tremendo.
  • Estou com frio.
  • Quer que eu mande chamar un jovem e viril guerreiro para aquecer sua cama?

Ela deixou a cabeça pender para a frente, até quase o queixo pousar no peito. Estava exausta, com a mente anu­viada demais para lutar com ele, mesmo verbalmente.

—   Deixe—me em paz. Estou aqui. Meu filho e eu estamos à sua mercê. O que mais pode desejar de mim?

Ergueu a cabeça e fitou-o com ai de súplica. Um músculo pulsou no rosto dele.

—   E imprudência uma mulher fazer tal pergunta a um homem desesperado. Tenho muito pouco a perder. Não fará diferença, se eu a tratar bem, ou mal, não é? Posso ser enforcado, faça o que fizer.

Ele parecia estar exercendo um tremendo controle sobre li mesmo para não vencer a distância que os separava.

—   Desprezo o que você é. Clara, loira. Tem sangue de branco, sem nenhuma mistura, e toda a superioridade que isso acarreta. Mas, sempre que olho para você, eu a desejo. Não sei a qual de nós dois isso rebaixa mais.

Marchou porta afora, deixando-a tremendo, parada no mesmo lugar.

O sol fulgurava na crista da montanha mais próxima, Hawk, de pé à janela de sua cabana, observava sua lenta subida. Já estava acabando de tomar a terceira xícara de café. Tomou o resto do líquido e pôs a caneca de lata sobre a mesa rústica junto à janela.

Não dormira bem.

Anos antes, treinara para não precisar de muito sono. Contentava-se com quatro, cinco horas por noite, no má­ximo. Tinha uma capacidade fora do comum para conciliar o sono assim que se deitava, a fim de tirar o melhor proveito possível daquelas poucas horas. Naquela noite, porém, fi­cara acordado, olhando para a escuridão, desejando não se sentir tão mal com a situação que criara.

Até ali, tudo correra bem. Quanto a isso, ele não tinha do que se queixar. O sequestro fora executado de acordo com os planos, sem nenhuma falha... a não ser pelo fato de ter incluído a sra. Price. Ele não conseguia descobrir por que não se sentia exultante, por que tudo aquilo o fazia experimentar uma sensação desagradável.

Não ouviu a aproximação de outro homem, até perce­bê-loa seu lado. Num movimento reflexo, virou-se, pre­parado para lutar.

Ernie recuou alguns passos, erguendo as mãos num gesto de rendição.

—   O que há com você? Não me ouviu chegar? Sentindo-se um tolo, Hawk deu de ombros e ofereceu café ao amigo, que aceitou.

  • Foi fácil demais, não acha? Fico imaginando o que pode dar errado — Ernie comentou, enquanto esperava que o café escaldante esfriasse um pouco.
  • Nada pode dar errado — declarou Hawk, mos­trando-se mais seguro do que se sentia. — A carta será entregue agora de manhã. Uma hora depois, Price receberá o nosso primeiro telefonema, que será rapidamente seguido pelos dos outros, até que os termos sejam estabelecidos.
  • Imagino quando ele falará com o governador Adams.

—   Imediatamente, suponho. Os jornais nos manterão informados.

Ernie riu.

—   Tornaram-se um bom recurso para nós, criminosos foragidos.

O comentário fez Hawk pensar em algo que a mulher dissera na noite anterior. pegou uma camisa e vestiu-a.

—   Você se sente um crininoso?

Não pretendera que Erine levasse a pergunta a sério, mas ele levou.

—   Agora, não — o índio respondeu, erguendo os olhos profundos para o amigo. — Mas me sentirei, se alguma coisa acontecer ao menino... ou à mulher.

A pausa estratégica provocou uma reação em Hawk, que parou de enfiar a camisa para dentro da calça e lançou um olhar frio e penetrante a Emie.

  • O que poderia acontecer a ela?
  • Você sabe.

Hawk acabou de arrumar a camisa e fechou o zíper da calça Levi's, macia e desbotada.

—   Se ela me obedecer, sairá ilesa.

Ernie observou-o sentar-se na borda da cama e calçar meias e botas.

—   Leta disse que Dawn Janeiro está de olho em você.

—   Dawn Janeiro? Ela é apenas uma menina.

  • Tem dezoito anos.
  • Como eu disse, não passa de uma menina.
  • Leta tinha dezesseis, quando me casei com ela.

—   E o que isso prova? Que você é mais macho do que eu? Parabéns.

O gracejo não arrancou nenhum sorriso de Ernie. Seu rosto taciturno continuou fechado. Hawk levantou-se e enrolou as mangas da camisa, expondo os longos braços.

—   Aaron Gira-arco está apaixonado por Dawn. Ela está apenas inquieta e nervosa, porque ele voltou para a uni­versidade. Acho que ficarão noivos, quando ele vier, nos feriados de Natal.

—   Isso lhe dá quatro meses para divertir-se com ela. Hawk virou o corpo como se houvesse sido metralhado. Seus olhos estavam duros e imóveis como lagos congelados.

  • Eu não faria isso com Aaron.
  • Mas pode fazer, se quiser.
  • Não quero. — Por alguns instantes, a atmosfera con­tinuou carregada de tensão. Por fim, os lábios de Hawk relaxaram num ensaio de sorriso. Ele colocou um punhal na bainha presa ao cinto. — Leta não é suficiente para man­ter a sua libido ocupada?
  • Mais do que suficiente — Ernie respondeu com uma risadinha maliciosa.
  • Então, por que precisa se intrometer com a minha?
  • Porque vi o jeito como olha para ela.
  • Ela, quem?

A resposta era tão ofuscantemente óbvia, que Ernie não se dignou a dizer o nome.

  • Você precisa de uma mulher na sua cama. Logo. Está nervoso, e isso o torna descuidado.
  • Descuidado?
  • Eu poderia tê-lomatado, minutos atrás. Não pode se dar ao luxo de ficar distraído. Principalmente agora.
  • Quando eu precisar de mulher, escolherei uma — Hawk replicou, irritado.
  • Mas não será ela, Hawk. Uma mulher como aquela, uma branca, nunca o compreenderia, nem em um milhão de séculos.
  • Não preciso que ninguém me diga isso.
  • Nem que lhe digam quais são as consequências de tomar uma esposa branca.
  • Não, mas você está dizendo da mesma maneira.

Ernie abrandou-se em deferência à expressão carrancuda de Hawk.

—   O bem—estar do nosso povo deperde da sua capaci­dade de raciocinar com clareza — observou baixinho.

Hawk levantou-se, endireitando-se en toda sua altura, o que o deixou quase um palmo mais alto do que Ernie, o     queixo orgulhoso projetado para a frente.

—   Eu nunca faria alguma coisa que ameaçasse o bem—estar do meu povo — declarou em tom bão frio quanto os olhos. — E não tenho intenção de abanconá-lopara viver entre os brancos.

Encararam-se. Ernie foi o primeiro a desviar o olhar.

  • Prometi a Donny que o levaria para pescar, hoje de manhã.

Hawk observou-o partir, enrugando a testa profunda­mente. A testa continuava enrugada, uma hora mais tarde, quando ele parou ao lado do catre onde Miranda Price dormia, as mãos sob uma das faces, numa atitude infantil. Os cabelos espalhavam-se no travesseiro num desalinho sensual. Os lábios entreabertos pareciam muito macios e úmidos. Aquela visão fez a masculinidade de Hawk comprimir-se desconfortavelmente contra a vista da calça. Ele se xingou por isso, amaldiçoando o corpo indisciplinado. E xingou Miranda com mais raiva.

—   Já devia estar de pé.

Despertada tão abruptamente, Randy sentou-se num mo­vi mento rápido, puxando o cobertor contra o peito, procurando proteção. Pestanejou até conseguir focalizar Hawk, uma silhueta alta e escura recortada contra a claridade do sol, que se derramava pela janela.

  • O que está fazendo aqui? — perguntou, olhando parao outro catre. As cobertas amarfanhadas haviam sido jogadas para um lado, e a cama estava vazia. — Onde está Scott?
  • Pescando, com Ernie e Donny.

Ela atirou o cobertor para baixo e levantou-se.

—   Ele não sabe pescar. E não acredito que consiga nadar na correnteza rápida que ouvi ontem à noite — disse, mar­chando para a porta.

Hawk segurou-a pelo braço.

  • Ernie está cuidando dele.
  • Prefiro eu mesma cuidar de meu filho.
  • Vai fazer dele um filhinho de mamãe. Ela puxou o braço, livrando-o.
  • Scott ainda precisa dos meus cuidados.
  • Ele precisa da companhia de homens.
  • Como se atreve a me dar conselhos sobre a maneira de criar meu filho?
  • Ele ficou aterrorizado só de subir no lombo de um cavalo.
  • Estava sendo sequestrado por um homem armado e mascarado! Que menino, nessa idade, em qualquer idade, não ficaria com medo?
  • Donny me contou que ele quase morreu de medo do bode.
  • Isso não me surpreende. Scott não está acostumado com animais.
  • E de quem é a culpa?
  • Eu o levo ao zoológico. Mas não há como interagir com leões e tigres.
  • Ele não tem nenhum bichinho de estimação?
  • Moramos num prédio de apartamentos, onde não per­ mitem animais.
  • Outra coisa na qual você deveria ter pensado, antes de tirar Scott do pai.
  • O pai dele não... — Ela se interrompeu bruscamente. Hawk encarou-a.
  • O pai dele, o quê?
  • Não é da sua conta! — Ela esfregou os braços gelados, mas, em vez de aceitar isso como fraqueza, dirigiu-se a Hawk em tom condescendente: — Fico muito feliz em dizer que Scott é um menino sensível.
  • Ele é um maricas. E a culpa é sua.
  • Como queria que ele fosse? Um selvagem como você?

Hawk agarrou-a pelos braços e puxou-a para si. A colisão contra o peito dele foi bastante forte para ela perder o fôlego e deixar a cabeça tombar para trás.

  • Ainda não me viu ficar selvagem, senhora Price — de replicou, sua respiração quente soprando no rosto dela a cada palavra enfática. — E melhor desejar que nunca veja. — Continuou com os olhos cravados nos dela, até empurrá-la com brusquidão. — Estão esperando para ser­vir-lhe o café da manhã. Venha comigo.
  • Não quero tomar café. Eu gostaria mesmo era de tomarum banho e trocar de roupas. Scott também precisa de um agasalho. Não sabíamos, quando nos vestimos, dois dias atrás, que iríamos ser sequestrados e levados para as montanhas.

—   Posso conseguir roupas. Na verdade, Scott já está usando outras. A banheira fica ali. — Ele se virou e abriu a porta da cabana.

Curiosa, Randy seguiu-o trilha abaixo.

A paisagem era espetacular. O que a escuridão da noite escondera descortinava-se diante dela, deslumbrando-a. O céu era de um azul forte e límpido. As árvores, altas, eretas, erguiam-se simetricamente. As pedras do chão, esbranquiçadas pelo pelo sol, davam a textura certa ao terreno acidentado.

  • Onde estamos?
  • Tenho cara de burro, senhora Price?
  • Só quero saber se este lugar faz parte da reserva — ela respondeu, agastada.
  • Um esconderijo para as férias, digamos assim.
  • É fácil entender o motivo. É um lugar lindo.

Randy viu que estivera certa a respeito do rio. Tão sel­vagem quanto o resto da paisagem, tombava pela encosta da montanha. Os respingos cintilantes que subiam no ar pareciam bruma e captavam a luz do sol, criando uma in­finidade de arcos—íris. O leito do rio era forrado de pedras que brilhavam como espelhos, e a correnteza, tão rápida, que Randy achou que não conseguiria manter-se de pé, se entrasse na água.

Seguiu as passadas largas de Hawk, até que ele parou a uma pequena distância do rio e apontou-o com um gesto.

—   A banheira — anunciou.

Ela ficou boquiaberta, observando a água cristalina e rodopiante, então olhou para o rosto divertido de Hawk.

  • Você deve estar brincando. Isso é a banheira? A água deve ser gelada!
  • Seu filho não se importou. Acho até que gostou muito.
  • Você pôs... pôs Scott nessa água gelada?
  • E peladinho. Ele ficou muito bem, depois que os seus dentes pararam de bater. Foi difícil convencê-loa sair da água.
  • Não tem graça, senhor O'Toole! Scott não está acos­tumado com essas coisas. Pode ficar doente.
  • Suponho que esteja recusando o banho que lhe ofereço.
  • Estou! — Ela girou nos calcanhares e começou a andar na direção da cabana. — Vou me lavar lá dentro.
  • Fique à vontade.

Ele a deixou voltar sozinha. Quando ela chegou à cabana, entrou e bateu a porta atrás de si. Não tinha como aquecer o balde de água que haviam deixado para ela e Scott be­berem. Havia uma lareira, mas lenha, não. No entanto, com certeza a água do balde estava menos fria do que a do rio.

Ela se lavou o melhor que pôde e já estava acabando, quando bateram na porta.

—   Entre — gritou, enrolando-se num cobertor. Leta entrou. Seu sorriso era sincero, mas tímido.

—   Hawk me mandou trazer-lhe estas roupas.

Era impossível não sorrir para Leta. Seu rosto era largo, o nariz curto, a boca, generosa. Não era bonita, mas os luminosos olhos escuros e as maneiras gentis compensavam a falta de beleza.

—   Obrigada, Leta.

A índia tirou algo do camisão longo e disforme.

  • Achei que precisaria disto — comentou, entregando timidamente um sabonete a Randy.
  • Obrigada novamente. Estou precisando, sim.

Randy cheirou o sabonete, que tinha perfume forte, mas­culino, diferente do aroma do sabonete que ela geralmente usava. Mas, mesmo assim, sentiu-se grata.

—   Trouxe também uma escova de cabelos — Leta acres­centou, entregando-lhe o objeto.

Randy observou os artigos de toalete em suas mãos. Tão comuns, eram preciosos naquele momento.

—   Você tem sido boa para mim, Leta. Muito obrigada. Feliz com o cumprimento, a moça virou-se para sair. Só então Randy notou as roupas que ela deixara sobre a mesa. A camisa de flanela era xadrez, marrom e cinzenta, a saia comprida tinha a cor mais apagada que ela já vira. Até as fardas de camuflagem do Exército eram mais atraentes.

—   Foi o senhor O'Toole quem escolheu as roupas? Leta moveu a cabeça afirmativamente e correu porta afora, como se receasse que Randy jogasse as roupas feias em cima dela.

Randy acabou de banhar-se. Encontrou roupas íntimas dobradas entre a camisa e a saia. A calcinha serviu, mas o sutiã era vários números maior do que o seu, que ela já lavara. Não podia vesti-lomolhado, de modo que teria de ficar sem. Não que isso importasse. A camisa era tão sem forma quanto a saia. As peças ficaram penduradas nela como uma mortalha num mastro de bandeira. Com certeza, outro método perverso que Hawk estava usando para aba­ter sua natureza determinada.

Mesmo sem espelho, ela se esforçou ao máximo para melhorar a aparência. Amarrou as pontas da camisa na cintura, enrolou as mangas até os cotovelos e ergueu a gola. Não havia nada que pudesse fazer com a saia, mas capri­chou nos cabelos. Quando conseguiu desmanchar todos os nós que embaraçavam as mechas, usou o cadarço de um dos ténis para amarrá-las num rabo-de-cavalo.

Não sabia como esperavam que se comportasse, mas não iria ficar na cabana o dia inteiro. O tempo estava ótimo, o dia, adorável. Como a estavam mantendo nas montanhas con­tra sua vontade, o melhor a fazer era tentar divertir-se ao máximo. Além disso, estava ansiosa por ver Scott. Não gos­tava da ideia de que o deixassem vaguear livremente por aquela imensidão selvagem. Ele não tinha noção de perigo.

Saiu para o alpendre e observou as proximidades. Vira pouca gente, quando saíra da cabana com Hawk, algum tempo antes. Agora, via muitas pessoas. Umas cem, ou mais. E era surpreendente o número de casas construídas nas encostas. As cabanas pareciam uma extensão natural da rocha, misturando-se ao fundo tão bem, que se tornavam quase invisíveis.

Quando ouviu a voz de Scott elevar-se acima do barulho da correnteza, seguiu naquela direção. Parou ao vê-lo à beira da água, com Ernie e Donny. De joelhos, e usando uma pedra chata como mesa, ele retirava as entranhas de um peixe com a ajuda do punhal que ganhara de Hawk.

—   Scott!

Ele olhou para ela através dos cabelos que lhe caíam nos olhos, abrindo aquele sorriso meio desdentado.

—   Mamãe, venha ver! Peguei três peixes! Sozinho. Tirei eles do anzol e tudo.

Estava tão excitado que Randy não podia repreendê-lo.

   Ela caminhou cautelosamente pelo caminho cobero de pe­dras, aproximando-se.

  • Isso é maravilhoso, mas...
  • Ernie me ensinou a pôr a isca no anzol, puxar os peixes para fora e tirar o anzol da boca deles. Donny já sabia tudo isso, mas ele só pescou dois, e eu pesquei três!

-     Está bem agasalhado? Entrou na água? As pedras são terrivelmente escorregadias. Precisa ter cuidado, Scott.

Ele não estava ouvindo.

—   Primeiro, a gente corta a cabeça deles fora. Depois abre a barriga. Olhe as tripas deles. Está vendo toda essa coisa gosmenta, mamãe? É preciso tirar tudo com a faca, antes de cozinhar e comer os peixes.

Atacou de novo o peixe que estava limpando, com um prazer que provocou náuseas em Randy. Estirou a língua para fora, prendendo-a no canto da boca, um trejeito que indicava o alto nível de sua concentração.

—   Preciso tomar muito cuidado com a faca para não cortar um dedo fora e cozinhá-lo junto com o peixe. Foi o que Hawk me disse. O menino aprende depressa.

Randy virou-se e viu que Hawk se aproximara por trás embora o topo de sua cabeça mal chegasse aos ombros ik-lc, ela o enfrentou com raiva.

— Quero que você faça tudo o que for necessário para nos tirar daqui — disse, cutucando-lhe o peito com o in­dicador para dar mais ênfase às palavras. - - Telefone a Morton. Faça-o concordar com as suas exigências. Telefone ao governador Adams. Declare guerra. Não me interessa como vai conseguir o que deseja, mas mande-nos de volta para casa. Entendeu?

  • Você não gosta daqui, mamãe?

Ela tornou a olhar para o filho. O rostinho sujo, erguido paia ela, tinha um ar preocupado. O brilho em seus olhos diminuíra. Não estava mais sorrindo com a animação de instantes antes.

  • É gostoso pescar, mamãe.
  • Não, Scott, não é. — Randy olhou para a pedra suja de sangue coagulado. — É nojento. Vá já para a cabana e leve as mãos e o rosto com sabonete.

O lábio inferior de Scott começou a tremer. Ele baixou a cabeça, embaraçado. Os ombros pequenos curvaram-se. Ela ra­ramente o repreendia tão severamente e nunca o fazia na frente de outras pessoas. Mas perdera o controle, vendo-o divertir-se na companhia de seus seqúestradores, tão inocente que não compreendia a ameaça em potencial que eles representavam.

Hawk postou-se entre os dois e colocou uma das mãos no ombro do menino.

—   Você foi muito bem na pescaria, Scott.

O garoto ergueu a cabeça e olhou-o com expressão de desânimo.

  • Fui?
  • Fez um trabalho tão bom, que tenho outro para lhe dar. Vá com Ernie e Donny. Como sabe, trouxemos todos os nossos animais. Quero que vá ajudar a escovar os cavalos.

Randy emitiu um som de protesto. Hawk girou, olhando com severidade para todos a seu redor.

—   Ernie?

  • Venham, Donny e Scott — o índio chamou. Scott hesitou.
  • Posso ir, mamãe?

—   Vou separá-la do menino — disse Hawk por entre os dentes, só para Randy ouvir. — Não saberá onde ele está, nem o que está fazendo.

Ela engoliu um nó na garganta. Apertou as mãos e fechou os olhos com força. Sentia-se encurralada, como se sentira na primeira vez em que ouvira os feios e infundados ru­mores a seu respeito. Sabia que fora derrotada.

  • Vá com Ernie e Donny, querido — respondeu ao filho com tom rouco. — Mas tome muito cuidado.

—   Vou tomar — ele prometeu, entusiasmado. — Vamos, Donny. Não tenho mais medo de cavalos.

Randy ouviu-o tagarelar alegremente, enquanto os três desciam a encosta. Então, fitou Hawk nos olhos.

—   Seu filho da puta nojento!

Com um movimento rápido e gracioso, ele tirou a faca da bainha e quase encostou a lâmina no nariz dela.

—   Vá acabar de limpar os peixes.

 

Randy riu, incrédula.

  • Limpe-os você! Ou, melhor ainda, vá para o inferno!— Afastou a faca do rosto. — Fique sabendo que não sou mulher de índio, Cochise1
  • Limpe os peixes, ou ficará sem comer.
  • Não faz mal.
  • Scott também não comerá. Ela decidiu aceitar o blefe.
  • Não negaria comida a uma criança, senhor O’Toole. Hawk observou-a durante um longo momento. Randy começava a sentir-se perversamente satisfeita, achando que conseguira uma grande vitória.
  • Limpe os peixes, ou cumprirei a ameaça de separá-la lê seu filho — ele disse em tom baixo e calmo.

Não era nenhum tolo, e isso o tornava um inimigo terrível. Se houvesse cravado a faca entre as costelas de Randly, não feriria tão certeiramente seu coração. Atingira-a em seu ponto mais fraco, seu grande medo de mãe. Para ela, seria um inferno em vida não saber do paradeiro de Scott taquele território selvagem.

Lançando-lhe um olhar mortífero, Randy pegou a faca da mão dele. Olhou-a por um instante, correndo o dedo pelo cabo liso de marfim e a lâmina chata de aço inoxidável.

  • Nem pense em me atacar com a faca — Hawk avisou baixinho. — Eles a matariam antes de eu cair no chão.

Quando ela o fitou, ele fez um gesto de cabeça na direção das casas. Várias pessoas haviam notado que os dois conversavam. Pareciam estar cuidando de seus afa­zeres, mas seus olhos eram vigilantes e desconfiados. O que Hawk dissera era verdade. Ela não teria a mínima chance de escapar, se apelasse para a violência. Não pen­sara em matá-lo, mas de fato considerara a possibilidade de causar-lhe algum dano.

Novamente derrotada, abaixou-se ao lado da pedra onde se encontravam os peixes de Scott.

  • Não sei fazer isso.

Ela olhou para os peixes com nojo. Só o cheiro dava-lhe vontade de vomitar. Recusando-se a tocá-los com as mãos nuas, virou um deles com a ponta da faca.

  • Por onde começo? — perguntou.
  • Ouviu o que Scott disse. Primeiro, corte a cabeça fora. Por fim, ela reuniu coragem suficiente para segurar pela cauda o peixe ainda intato e encostou a faca entre a cabeça e o corpo. Seu primeiro movimento, como se estivesse ser­rando, provocou um ruído de esmagamento. Com um gritinho, ela largou o peixe, estremecendo violentamente.

Resmungando palavrões, Hawk agarrou-a pela camisa e puxou-a, pondo-a de pé. Tomou-lhe a faca e colocou-a na bainha. Chamou um dos índios, e, quando um adolescente aproximou-se correndo, falou com ele em sua língua nativa. O rapaz olhou para Randy e riu. Hawk deu-lhe um tapinha carinhoso nas costas.

  • Não vai me obrigar a limpar os peixes? — ela per­guntou, quando Hawk começou a andar, puxando-a.

 

1 Referência a Cochise (1812-1876), chefe apache da tribo dos chiricauas que, com Jerônimo, unificou a nação apache e a organizou para resistir aos ataques dos brancos. Em 1856, assinou um tratado de paz que daria uma reserva aos chiricauas. (N. do E.).

 

  • Não.
  • Não há mais necessidade, não é? Você conseguiu o que desejava. Só queria me humilhar. Como me humilhou, obrigando-me a usar estas roupas horríveis.

—   Não quis que você limpasse os peixes porque você os estragaria. — Ele a fitou, e seu olhar zombava tanto de sua ignorância como de seus fúteis esforços para deixar o traje informe mais atraente. — Nunca preparou peixe?

Ela achou irritante ser obrigada a tomar uma posição defensiva.

  • Compro limpo, no supermercado. Nunca limpei nenhum.
  • Nunca pescou?

Ela negou movendo a cabeça, e uma expressão pensativa .muviou seu rosto.

  • Meu pai não gostava muito de atividades ao ar livre.
  • Não gostava? Já morreu?
  • Como?
  • Importa para você?
  • Não, mas parece que para você, sim.

Ela permaneceu em silêncio teimoso por vários instantes.

  • Ele se matou de trabalhar — contou finalmente. — Teve um infarto em seu escritório e morreu sentado à escrivaninha.
  • E sua mãe?

Casou-se novamente e mora na Costa Leste com o ma­rido.   - Randy abanou a cabeça com tristeza e acrescentou: - Escolheu um homem igual a meu pai. Não acreditei.

  • Como assim, igual a seu pai?
  • Exigente, egoísta, viciado em trabalho. Nunca fica satisfeito com nada do que conquista. Nem me lembro de quantas viagens de férias foram canceladas porque meu pai não podia, ou não queria, sair da cidade.
  • Nada de férias! Queria ir à praia e tinha que contentar-se com a piscina do seu quintal.

Randy estacou e encarou-o.

—   Como ousa depreciar a mim e a minha vida? O que sabe a meu respeito?

Ele aproximou o rosto do dela.

—   Não sei nada. Não havia piscinas nas casas onde cresci. Ela poderia estender o assunto. Poderia contar que teria trocado a piscina por um pouco de atenção do pai, que estava sempre ocupado demais para perder tempo com ela e a mãe. Sempre que elas reclamavam de sua excessiva devoção ao trabalho, ele se defendia dizendo que trabalhava pelo bem das duas. Randy, então, sentia-se culpada, con­siderando-se uma ingrata.

Com a maturidade, adquiriu uma compreensão mais pro­funda. O pai dava-lhe coisas materiais, mas ela continuava carente, apesar de tudo. Ele não trabalhava para dar con­forto e luxo à filha e à mulher. Não trabalhava pelo bem delas coisa nenhuma. Trabalhava tanto para satisfazer uma necessidade íntima e compulsiva.

No entanto, ela preferia morrer a fazer confidências a Hawk O’Toole. Ele que pensasse o que quisesse a seu res­peito. Não tinha a mínima importância.

Parecia, porém, que ela era a única que não valorizava as opiniões dele. Enquanto caminhavam pela vila, Hawk foi chamado para ver um novo bebé, para servir de juiz numa briga por causa de uma sela, e para ajudar a tirar um gerador de cima de um caminhão.

Encontraram um jovem encostado numa árvore, bebendo uísque diretamente da garrafa. O índio quase desmaiou quando viu Hawk. Tampou a garrafa rapidamente e jogou-a no chão.

  • Oi, Johnny — Hawk cumprimentou-o laconicamente.
  • Oi, Hawk.
  • Esta é a senhora Price.
  • Eu sei.

—   Também sabe por que estamos aqui, e como a nossa missão é importante para todos.

—   Só porque a mina foi fechada, não significa que não temos de trabalhar. Vamos usar esse tempo para faxer um trabalho de manutenção em todos os veículos. Estou con­tando com você para colocá-los em ordem. Entendeu?

Os olhos escuros de Johnny cintilaram, e ele engoliu em seco.

—   Entendi.

Hawk olhou para a garrafa de uísque. Não fez comen­tários, nem precisava. Seus olhos diziam tudo.

  • É o melhor mecânico que tenho. Confio em você. Não me desaponte.
  • Vou começar imediatamente.

Hawk despediu-se com um gesto de cabeça e afastou-se.

  • Como sabe que ele não vai continuar bebendo? — perguntou Randy, quando o rapaz já não podia mais ouvi-los.
  • Não sei. Espero que não continue. Quando ele pega uma garrafa, tem grande dificuldade em largá-la.
  • Não é jovem demais para já ter problemas com a bebida?
  • Johnny cometeu um erro grave e está pagando por isso.

—   Que erro?

  • Casou-se com uma branca. — Hawk olhou duramente para ela. — Ela detestou morar na reserva. Johnny não quis ir embora, porque sabia que nunca mais poderia voltar, líntão, um dia, a mulher pegou a sua trouxa e desapareceu, ele começou a beber. Seu ego foi brutalmente esmagado, porque ele estava apaixonado pela moça; conseguiu tê-la, mas não foi capaz de conservá-la.

Randy ignorou seu tom zombeteiro, decidida a continuar rom o assunto.

  • E você está tentando restaurar sua autoconfiança, dan­do-lhe responsabilidades.
  • Algo assim — Hawk concordou, dando de ombros. — Além disso, ele é, de fato, um excelente mecânico, e os veículos estão mesmo precisando de uma revisão.
  • Você é o psicólogo da tribo, o sacerdote que abençoa os bebés e um solucionador de problemas. Que outras fun­ções desempenha, senhor O’Toole?

Ele subiu para o alpendre de uma cabana e abriu a porta.

—   Sou um chefe proscrito.

Até o momento, Randy não notara aonde a caminhada os estava levando. Parou no último degrau.

  • O que quer dizer com isso?

Hesitante, ela o precedeu, entrando na cabana. A penumbra fazia drástico contraste com a luminosidade lá de fora, de modo que os olhos dela demoraram um pouco para acostu­mar-se. Vários homens, a quem ela reconheceu como parti­cipantes do sequestro, estavam amontoados ao redor de uma frágil mesa de madeira, sobre a qual repousava o primeiro telefone que Randy via desde que fora sequestrada. Ela sentiu o coração saltar de alegria, mas a expressão sombria dos ho­mens desanimou-a no mesmo instante.

  • Onde está Ernie? — um deles perguntou a Hawk.
  • Cuidando do menino. Disse para irmos em frente sem ele.

- Se tudo saiu de acordo com os nossos planos, está na hora de darmos o telefonema.

Hawk sentou-se na única cadeira que existia no cómodo e puxou o telefone para si. Olhou para Randy.

  • Venha cá — ordenou secamente.
  • Para quê?

Os olhos dele, sob as sobrancelhas escuras e arqueadas, brilharam perigosamente.

—   Venha cá.

Ela avançou com relutância, até parar junto à mesa.

—   A conversa deve ser breve — ele instruiu. — Trinta segundos, quarenta e cinco, no máximo. Quando eu lhe passar o aparelho, identifique-se e diga que vocês estão em segurança, que não foram maltratados, mas que os seus seqúestradores não estão brincando. Não diga mais nada. Se disser, vai se arrepender.

Tirou novamente a faca da bainha e colocou-a na mesa, ao alcance da mão.

—   Nossa honra e nosso meio de vida estão em jogo. listamos dispostos a morrer para defender essas coisas e para recuperar e preservar para as gerações futuras o que é nosso por direito. Você entendeu?

  • Mas se acha que vou dizer uma única palavra nesse telefone, está muito enganado.

Essa declaração categórica provocou uma reação de espanto nos outros homens que, obviamente, acharam incrível que cia ousasse dirigir-se a Hawk de modo tão desrespeitoso. Ele, porém, apenas continuou a fitá-la com aqueles olhos firmes azuis como chama de gás. Depois de vários instantes, torceu os cantos da boca para baixo e deu de ombros.

  • Muito bem. __Olhou para o homem mais próximo da porta. — Traga o menino. Vamos deixar que ele fale.
  • Não!

O grito de Randy impediu o homem de dar o primeiro passo na direção da porta. Ela e Hawk encararam-se tei­mosamente. A expressão dele era dura, cheia de resolução. Ele não cederia. Ela sabia disso. Ela não permitiria que Scott falasse com o pai. Disso, Hawk sabia. E aquilo tornou-se uma competição.

Aquela altura, Morton devia estar louco de ansiedade e transmitiria sua aflição a Scott. A assustadora faca sobre a mesa também precisava ser levada em consideração. Por mais sutil que fosse a ameaça, o menino era bastante perspicaz para captá-la. O que para ele estava sendo um acampamento de férias, se tornaria um pesadelo, como o que atormentava Randy. Como Hawk já adivinhara, ela faria de tudo para impedir que isso acontecesse.

—   Você ganhou desta vez — ela murmurou com relu­tância. — Falarei com Morton.

Hawk não disse nada. Estivera certo da vitória, mesmo antes de a competição começar. Erguendo o fone do aparelho, discou o número que já decorara. A linha estava ocupada.

Todas as pessoas reunidas na sala, até mesmo Randy, suspiraram, soltando o fôlego que haviam prendido. Ela passou as mãos suadas na saia.

  • O que significa isso? Que alguém se antecipou, ligando antes do momento combinado?
  • São muito espertos para fazer uma bobagem dessas— respondeu Hawk. — Lembre-se de que sabíamos quando iríamos ligar, mas as autoridades, não. Qualquer pessoa pode estar falando com Price.

Discou novamente, e a ligação foi completada. O telefone tocou três vezes, antes que alguém atendesse. O tempo ne­cessário para que os agentes do FBI acionassem o meca­nismo de identificação de chamadas, pensou Randy. Isso, porém, de nada adiantaria.

No instante em que Morton disse um trémulo "alo", Hawk apresentou-se como o seqúestrador.

—   Estou com a senhora Price e seu filho, Scott — infor­mou, passando o fone para Randy.

Como estivesse com as mãos úmidas de suor e escorre­gadias, ela quase deixou o fone cair, antes de conseguir encostá-lo na orelha. Os olhos de Hawk prenderam-se aos dela como imãs.

—   Morton?

  • Deus meu, Randy! E você? Fiquei tão preocupado! Como está Scott?
  • Está bem.
  • Se lhe fizeram algum mal...
  • Não, não fizeram. — Ela viu Hawk passar o indicador pelo próprio pescoço, num rrovimento de cortar. — Esta­ mos sendo bem tratados. — Hawk levantou-se da cadeira e estendeu a mão para o telefcne. — Mas você precisa fazer o que eles mandarem. Não estão brincando.

Hawk arrancou-lhe o fone. Todos na sala ouviram a voz frenética de Morton, que exigia mais informações, quando Hawk desligou.

—   Dentro de alguns segundos, ele receberá novo telefo­nema, o primeiro de uma série em que estabeleceremos nossas exigências — Hawk informou, dirigindo-se a todos. Para Randy, disse: — Fez tudo direitinho, senhora Price.

  • Em silencioso desespero, e.a o viu pegar a faca e cortar o fio do telefone. — Não vamos mais precisar disso.

Agora, que a ligação fora irremediavelmente cortada, Randy pensou em várias coisas que poderia ter feito ou dito para revelar o lugar onde se encontravam. Qualquer mensagem nesse sentido poderia ter lhe custado a vida, mas ela ao menos teria tentado. Chamou-se de covarde e só se perdoou porque refletiu que, se algo lhe acontecesse, Scott ficaria em perigo. Não podia jogar com a própria vida, pois temia pela do filho.

Hawk ordenou a um dos homens que a acompanhasse à cabana e a trancasse lá.

O desespero de Randy deu lugar à raiva.

  • Vai me deixar trancada o dia todo? — ela gritou.
  • Pelo tempo que eu achar necessário.

—   O que farei, presa lá dentro, o dia inteiro?

  • Vai ficar se preocupando, suponho.

—   Quero que Scott fique comigo — ela exigiu, furiosa.

  • Scott tem com que se distrair. Como não há perigo de ele querer fugir, não vejo motivo para mante-lo fechado em casa.

Hawk fez um gesto de cabeça na direção da porta, e o homem que ele escolhera para acompanhá-la pegou-a de­licadamente pelo cotovelo.

Randy livrou-se, zangada.

  • Eu vou sem criar problemas — prometeu com um sorriso meigo, mas seus olhos, voltados para Hawk, eram como punhais. — Quando o prenderem, espero que o con­denem à prisão perpétua.
  • Nada disso acontecerá.

Caminhando de volta para a cabana, Randy refletiu, abor­recida, que ele parecia ter muita certeza de que escaparia impune.

  • E era um cavalo bem grande, mamãe, não um pónei. Cavalguei sozinho! Primeiro, Ernie segurou o cavalo por uma corda, mas depois deu um tapa na anca dele, foi isso o que ele disse, "anca", e o cavalo disparou. — Scott deslizou a palma de uma das mãos contra a outra, fazendo um gesto que in­dicava que o aramai partira em velocidade. — Mas eu tive que ficar dentro do cercado. Hawk disse que talvez amanhã eu possa sair, mas que teremos de esperar para ver.
  • Pode ser que amanhã não estejamos mais aqui, Scott. Seu pai pode vir nos buscar e nos levar para casa. Você não gostaria disso?

Ele franziu o rostinho numa expressão de perplexidade, analisando o que ouvira.

  • Acho que gostaria, mas não quero ir ainda. Estou me divertindo muito.
  • Não tem medo?
  • Medo do quê?

"Do quê?", ela se perguntou.

Das sombras da noite, que pareciam mais longas e es­curas do que na cidade? Do crepúsculo que deixava o céu cor de púrpura, chegando horas mais cedo, quando o sol descia por trás dos picos das monta nhãs? Das paisagens, sons e cheiros estranhos?

  • De Hawk — respondeu por fim. Scott olhou-a, obviamente onfuso.
  • De Hawk? Por que eu tíría medo dele?
  • Ele fez uma coisa muito errada, Scott. Cometeu um crime grave, quando nos tiroudo trem contra a nossa vontade. Você sabe o que significi "sequestro", não sabe?
  • Mas Hawk é bom.
  • Você se lembra de que falei várias vezes que uma criança nunca deve entrar no carro de uma pessoa estranha, por mais boazinha que ela pareça?
    • E das pessoas nojentas que tocam nos meninos e me­ninas com maldade? — O garoto moveu a cabeça afirmativamente. — Hawk não me tocou com maldade. Ele fez isso com você, mamãe?

Ela precisou pigarrear para limpar a garganta.

  • Não, mas há outras coisas más que as pessoas podem fazer — respondeu.
    • Hawk vai fazer alguma coisa má comigo e com você?

Scott franziu as sobrancelhas loiras com ar preocupado. Tarde demais, Randy percebeu que suas advertências estavam fazendo mais mal do que bem. Não queria alarmar o filho, mas também não queria que ele transformasse Hawk num ídolo. Forçou um sorriso e, depois de umedecer os dedos com saliva, alisou-lhe o topete rebelde.

  • Não, não vai — respondeu. — Só não se esqueça de que o que ele fez é contra a lei.
  • Certo — Scott concordou, depressa demais. O que ela dissera fora totalmente inócuo, como água jogada nas costas de um pato. — Hoje, Hawk me ensinou como pegar peixes com uma lança, da margem de uma lagoa de água parada. Me mostrou como afiar a ponlta de um pau, com a faca que ele me deu. Disse que é bom ter uma arma, mas que isso exige re.. "reponsabilidade"'.
  • Responsabilidade — Randy corrigiu-o.

—   Isso. Ele disse que a gente só deve usar uma arma para conseguir alimento, para se defender ou... — O menino fez uma pausa, tentando lembrar-se. — Ah, sim, ou para proteger alguém que se ama.

Randy achava difícil acreditar que Hawk amara alguém um dia. Os pais, talvez? O avô paterno, que fora chefe antes dele? O povo de sua tribo? Com certeza. Mas tivera um relacionamento amoroso? Ela não podia imaginar um ho­mem de coração tão duro amando uma mulher.

  • Tenha cuidado com a faca — avisou, distraída, per­turbada pelos próprios pensamentos.
  • Eu tenho. Hawk me deu muitas explicações sobre segurança.
  • Você e ele conversaram bastante, pelo jeito. Sobre o que mais falaram?
  • Hoje, quando estávamos fazendo xixi no mato, per­guntei se o meu pipi ia ficar tão grande quanto o dele, e Hawk disse que provavelmente ficará. O dele é enorme, mamãe. Maior que o do papai. Oi, Hawk.

Atônita com o rumo que a conversa com o filho tomara, Randy voltou-se e viu Hawk parado na porta, preenchendo o vão estreito. Scott correu para ele.

  • Eu estava contando a mamãe que...
  • Que você lhe ensinou como manejar uma faca — ela o interrompeu apressadamente. Encarou Hawk, esperando que ele não houvesse ouvido o que Scott dissera. — Acho que ele é muito pequeno para brincar com facas.
  • Ele é pequeno para brincar com elas. Mas todos os garotos, até mesmo os brancos criados na cidade, deveriam aprender a usá-las para caçar. Vim chamá-los para jantar. Está pronto, Scott?

Mantendo os olhos sobre Randy, Hawk estendeu a mão para o garoto, que a agarrou sem hesitação. Saíram juntos, ieixando que Randy os seguisse.

Os dois conversaram até chegar ao centro da aldeia, onde fora montado um tipo de bufe. O prato principal era chili, preparado em enormes caldeirões que haviam ficado sobre fogo o dia inteiro. E cada família contribuíra com um prato complementar.

As pessoas haviam se reunido em grupos ao redor da fo­gueira. Depois que os três se serviram, Hawk conduziu Randy e Scott até um cobertor estendido no chão. Cruzando os pés, baixou o corpo num único e gracioso movimento. Scott tentou imitá-lo, quase derrubando a tigela de chili que segurava. Hawk ajudou-o, até que o menino ajeitou-se tão perto dele, que só faltou sentar em seu colo. Randy acomodou-se numa nas extremidades do cobertor, o mais longe possível.

A comida era muito saborosa. Ou, então, ela estava com fome exagerada. Fosse como fosse, o alimento era quente e substancioso, e isso tornou o ar frio da noite menos desconfortável.

—   Todo mundo está olhando para mim — Randy comentou com Hawk, quando acabaram de comer.

Quase ninguém deixara o círculo ao redor da fogueira. As mulheres conversavam entre si e riam. Alguns homens afinavam violões, ensaiando melodias.

—   Por causa dos seus cabelos. — O timbre enrouquecido da voz de Hawk fez com que ela o encarasse. — A luz do fogo os deixa...

Não completou a sentença. Foi algo desconcertante. Assim como o modo atento com que ele a fitava. Randy teve a sensação de que se elevava no ar e depois caía, incapaz de segurar-se. Queria desesperadamente ouvir o adjetivo que ele se recusara a pronunciar, mas a intimidade do momento era assustadora.

  • Estou com frio. Quero voltar para a cabana.

Hawk moveu a cabeça, negando permissão.

  • Por favor.
  • Eu teria de mandar um guarda junto — ele explicou, fazendo um gesto que abrangeu as pessoas ao redor do fogo. — E todos estão precisando de um pouco de diversão.
  • Não me importo — ela replicou asperamente. — Que­ro ir para a cabana.

Sustentando seu olhar hostil, Hawk ergueu a mão. Em questão de segundos, uma jovem índia surgiu a seu lado, sorridente, ansiosa por servi-lo. Ele falou com ela em tom autoritário. A moça desapareceu na escuridão. Voltou em menos de um minuto com um cobertor pendurado no braço. Estendeu-o para Hawk, mas ele não o pegou, emitindo nova ordem. A jovem virou-se para Randy. Não sorria mais, e sua expressão era de rebeldia e rancor. Praticamente atirou o cobertor para Randy e afastou-se.

Randy abriu o cobertor e envolveu-se nele.

  • O que deu nela? — perguntou.
  • — Hawk estava carrancudo, observando a moça caminhar ao longo do círculo e sentar-se no outro lado da fogueira.

Mesmo a distância, o antagonismo da jovem era evidente.

  • O tempo todo, ela me lançou olhares de "quero que você morra". O que foi que eu fiz?
  • Ela está irritada, só isso.

Randy não acreditou. Era óbvio que a jovem índia estava se corroendo de ciúme.

  • Tem a ver com o fato de eu estar sentada no mesmo cobertor que você?
  • As famílias, geralmente, reúnem-se para comer.
  • Um costume tribal antigo?
  • Não. Um costume recente, que estou incentivando.
  • Por alguma razão especial?
  • É importante que as crianças reconheçam o núcleo familiar: pai, mãe, filhos. Isso sstabelece união e ordem.
  • Então, por que Scott e eu comemos com você?
  • Por enquanto, sou responsável por vocês.
  • De maneira indireta, somos a sua família.
  • E um jeito de ver as coisas.
  • Parece que é o jeito corro ela vê. E não precisa perguntar quem. Estou falando da garota "irritada", que me tratou com azedume e lançou olhares de peixe morto para Você. Como se chama?

—   Dawn Janeiro.

Através das bruxuleantes chemas da fogueira, Randy ob-lervou a moça. Dawn tinha clássicas feições indígenas, maxilares altos e olhos oblíquos, que pareciam ficar quentes bomo fogo quando se fixavam em Hawk, transborda ntes .e desejo e paixão. A boca sensual e o corpo curvilíneo girariam a cabeça de qualquer homem, despertando seus instintos mais primitivos.

  • Ela está com ciúme — observou Randy, seguindo a intuição. — Queria estar sentada a seu lado, em seu cobertor, por que não oferece ao pai dela uma lisonjeira quantidade de bons cavalos? Tenho certeza de que a moça seria sua.

Um canto da boca de Hawk ergueu-se ligeiramente. Era um arremedo de sorriso.

—   Vi esse filme de John Wayne quando era menino. Randy fez um gesto de impaciência.

—   Você me entendeu.

—   Entendi, sim. — O leve sorriso desapareceu, a expressão dele tornou-se novamente severa e intensa.

—   Se eu quisesse Dawn, nem que fosse só por uma noite, não teria de pagar coisa alguma.

—   Ah! — ela exclamou, fingindo que ficara impressio­nada. — As mulheres lhe oferecem favores sexuais porque é chefe?

—   Não. Elas me oferecem favores sexuais porque sou Hawk O’Toole.

Derrotada, Randy ficou em silêncio. Sem dúvida, a maio­ria das mulheres devia achar Hawk muito desejável. Ele era um homem interessante. Sua frieza desafiava o instinto de todas as mulheres de se tornar necessárias. Era bonito, para quem apreciasse o tipo solitário e sério. O corpo esbelto e forte era, com certeza, atraente. A inocente descrição que Scott fizera da masculinidade de Hawk voltou à lembrança de Randy, e ela se pegou lançando olhares disfarçados para o ponto entre as virilhas dele. Sentiu as faces aquecerem-se.

  • Alguma coisa errada? — ele perguntou, estendendo as pernas e apoiando-se num cotovelo.
  • Não. Eu só... — Os olhos dela foram atraídos pelo volume entre as coxas dele. Virou a cabeça depressa, pro­ curando algo para dizer. — Você não tem filhos, apesar de sempre falar de crianças e do futuro da tribo.
  • Como sabe que não tenho?

— Oh! — Randy exclamou baixinho. — Eu pensei... Parece que você disse que não existe uma senhora O'Toole.

Divertido com o modo hesitante de ela falar, Hawk deu uma risada.

  • Também não existem filhos ilegítimos.

Ela o encarou, furiosa, porque ele a confundira de propósito.

  • Por que me deixou passar por tola?
  • Porque você faz isso muito bem.

Randy ficara irritada e estava procurando briga.

  • Se família é algo que o preocupa tanto, por que não tem filhos? Alguns pequenos O'Toole não fortaleceriam a tribo?
  • Pode ser.
  • E então?
  • Já tenho muito o que fazer. Por que assumiria mais responsabilidades?
  • Uma boa esposa saberia cuidar das crianças.
  • Sabe de alguma pretendente?
  • O que acha dela?
  • Quem? Dawn? — ele perguntou, quando Randy apontou para a jovem sentada num cobertor, no outro lado da fogueira. — Ela ainda é virgem.
  • Sei — respondeu Randy, sarcástica. — Você acreditou na palavra dela, ou descobriu por si mesmo?

Ele não gostou da estocada. Franziu a testa, irritado.

  • Sou velho demais para ela.
    • Acho que Dawn não se importa com isso.
  • Ela poderia ser minha filha. Além disso, pertence a outro homem.
  • "Pertence"?
  • Um dos jovens, Aaron Gira-Arco, está apaixonado por ela desde que eram crianças.
  • E isso faz diferença para você?

As chamas vivas da fogueira não eram nada comparadas às que flamejaram nos furiosos olhos azuis.

—   Faz. Muita diferença.

Randy baixou os olhos, reconhecendo que merecia o olhar de desprezo que ele lhe lançou. Ela não tinha motivo para insultá-lo, ou àquela garota, Dawn. O fato era que estava mal-humorada. E cheia de suspeitas.

Tendo vivido com o pai, e depois com Morton Price, rotulara todos os homens de egoístas, que tomavam para si tudo o que queriam, quando queriam. Assim, ou Hawk O’Toole era um mentiroso e estava tentando impressioná-la com sua nobreza de alma, ou era uma raridade, totalmente desconhecida para ela.

Randy descartara a possibilidade de ele ser homossexual. Mas que homem recusaria o convite explícito da voluptuosa Dawn? Não existia tanto altruísmo no mundo. Era mais fácil acreditar que ele estava mentindo, o que significava que ela não decifraria o enigma.

A conversa entre eles acabou. Ambos pareciam contentes por tê-la deixado morrer. Aconchegada no calor do cober­tor, Randy respirou fundo e teve a impressão de que o ar fresco da montanha a limpava de dentro para fora.

As baladas, cantadas suavemente, com acompanhamento de violões, embalavam os ouvintes. O ritmo repetitivo das canções era envolvente e sedutor. As conversas tornaram-se mais baixas, e algumas silenciaram.

As crianças, Scott entre elas, que haviam estado brincan­do de esconde-esconde no arvoredo mais próximo, finalmente cansaram-se. Scott voltou para junto de Hawk e Ran­dy e aninhou-se entre eles. Envolvendo-o no mes^io co­bertor em que se enrolara, ela puxou-lhe a cabeça de en­contro aos seios e apertou as mãozinhas frias entre es suas. Beijou-o no topo da cabeça e esfregou o rosto suavemente nos cabelos revoltos. — Com sono?

  • Não.

Ela sorriu quando ele bocejou.

Os casais começaram a juntar os filhos e a afastar-se, entrando na escuridão além do círculo de luz da fogueira. Randy viu Ernie inclinar-se e cochichar alguma coisa no ouvido de Leta, que baixou os olhos timidamente, Ernie enxotou Donny na direção da cabana da família, e, de braços dados, ele e a esposa seguiram o menino.

Hawk também estivera observando-os.

  • Velho assanhado.
  • Foi por isso que ele casou com uma mulher tão mais jovem?

Ele sorriu de leve, erguendo um canto da boca.

  • Tenho certeza de que a luxúria teve algo a ver com isso, mas não foi tudo. A primeira esposa de Ernie morreu logo depois que Donny nasceu. Ele teve três outros filhos com ela. Já estão crescidos. Leta era órfã e precisava de proteção. Ernie estava solitário e precisava de uma esposa. Deu tudo certo — acrescentou, dando de ombros.

Ernie pusera um braço ao redor de Leta e aproximara a cabeça da dela. Os índios eram geralmente descritos como pessoas frias, pouco emotivas. Randy ficou surpresa ao ver Ernie dar uma franca demonstração de afeto pela jovem esposa. Comentou isso com Hawk.

  • A masculinidade de um homem não é avaliada pelo modo grosseiro como ele trata sua mulher, mas por seu carinho por ela — ele recitou.
  • Você acredita mesmo nisso? — perguntou Randy, es­pantada por ele professar uma doutrina que contrariava as tradições de seu povo.
  • Não tenho mulher, de modo que não importa se acre­dito ou não. A comunidade apenas se beneficia quando as mulheres não se sentem cidadãs de segunda classe.
  • Mas a sociedade indígena não é terrivelmente machista?
  • Todas são. Concorda? — retrucou Hawk, e ela moveu a cabeça numa afirmativa. — Não deviam ser melhoradas?
  • Com certeza. Porém, me surpreende ver que vocês romperam com certas tradições.
  • Algumas delas devem ser preservadas. Mas como uma sociedade pode ser boa, se metade de seus membros sente que só serve para cozinhar, limpar e parir filhos?

Ele era um homem cheio de contradições. Tinha mente complexa, e seus pensamentos pareciam serpentear mais do que uma estrada de montanha. Randy estava cansada demais para viajar por eles naquela noite. Olhou novamente para Ernie e Leta. Observou-os até que a escuridão os engoliu.

  • Parece que eles se amam muito.
  • Ela dá a ele satisfação física, e vice-versa.
  • Falo de um amor que ultrapassa o plano físico.
  • Isso não existe.

Randy examinou Hawk atentamente. Ele acabara de con­firmar suas conjeturas a respeito de seus relacionamentos pessoais, principalmente com mulheres.

  • Não acredita no amor?
  • Você acredita?

Ela se lembrou da traição de Morton e do inferno emo­cional que ele a fizera atravessar durante o processo de divórcio.

—   De um modo idealista, acredito, mas realisticamente, não — respondeu com honestidade. Acariciou a face macia e fresca de Scott, que adormecera aconchegado em seu peito ele' respirava pela boca, babando um pouco. — Acredito no amor entre um pai, ou mãe, e seu f i ho. Hawk emitiu um som de zombará.

  • Um filho ama a mãe porque é através dela que se alimenta. Primeiro de seus seios, depois de sua mão. Quan­do não precisa mais dela para alimentar-se, deixa deamá-la.
  • Scott me ama — Randy declarou acaloradamente.
  • Ele ainda depende de você.
  • E quando não depender mais, deixará de me amar?
  • Suas necessidades serão outras Um menino precisa de leite. Um homem precisa de sexo. — Hawk fez um gesto com a cabeça na direção do garoto adormecido. — Ele encon­trará uma mulher que lhe dará isso, e acalmará a consciência por usá-la, dizendo que a ama.

Randy encarou-o, perplexa.

  • De acordo com essa sua cínica filosofia, do que uma mulher necessita quando deixa de precisar do leite materno?
  • Proteção, afeição, bondade. De um marido que satisfaça seu instinto de construir um ninho. Isso é visto como amor. Ela permite que o homem use seu corpo, em troca da segurança e de filhos. Se tiverem sorte, acharão que fizeram um bom negócio.

— Como você é pervertido, Hawk O'Toole! — ela acusou, abanando a cabeça, espantada.

  • Sou — ele afirmou. De repente, levantou-se. — Vamos. Pegou-a pelos braços e ergueu-a, com cobertor, Scott e tudo. Foi tão repentino, que Randy perdeu o equilíbrio. Ele esperou até que ela se firmasse, então soltou-a.

Randy ficou satisfeita pelo fato de o corpo de Scott servir de barreira entre ela e Hawk. A noite fora extremamente sensual. A comida condimentada, a música, o ar fresco, o cobertor quente, tudo contribuíra para excitar seus sentidos. A conversa, especialmente as referências sexuais, deixara-a agitada e inquieta, com um prurido que vinha do íntimo para fora.

Ela estava perturbada e plenamente consciente da pro­ximidade daquele homem alto, enquanto caminhavam lado a lado na escuridão, dirigindo-se para a cabana. De vez em quando, os quadris dos dois colidiam, ou o cotovelo dele roçava o seio dela.

Chegavam à cabana, quando um vulto destacou-se das sombras e barrou-lhes o caminho. Hawk levou a mão à bainha presa ao seu cinto e sacou a faca.

O vulto deu um passo à frente, e uma réstia de luz ilumi­nou-o. Randy deixou escapar um suspiro de alívio, quando reconheceu Dawn Janeiro. Hawk, no entanto, não pareceu muito satisfeito em ver a moça. Falou com ela em tom áspero. A índia replicou, parecendo argumentar. Ele disse mais al­guma coisa, enfatizando a frase com um gesto impaciente. Ela lançou a Randy um olhar que destilava ódio, então girou nos calcanhares e desapareceu na escuridão.

Randy subiu os degraus para o alpendre e entrou na cabana. Cruzou cautelosamente o piso de tábuas até a cama de Scott, deitou-o e cobriu-o com um cobertor. Ele nunca dormira com as mesmas roupas que usara durante o dia, e agora estava fazendo aquilo pela terceira vez em seguida.

Quando acabou de ajeitá-lo, ela retornou à porta aberta. Hawk estava lá fora, imóvel como uma pedra, olhando para a noite.

  • Ela foi embora? — Randy perguntou.
  • O que estava fazendo aqui?
  • Esperando o quê?
  • Que você entrasse.
  • Duvido que ela esteja preocupada com a minha se­gurança ou o meu bem-estar — Randy comentou com sar­casmo. — Deve achar que você vai dormir comigo.
  • E pode estar certa.

Randy olhou-o, imaginando se ele estava brincando, ou não. Não estava. Quando ele virou a cabeça e fitou-a, seu rosto exibia uma expressão intensa. Executou um giro gra­noso, empurrando Randy contra o batente da porta.

— Primeiro, você teria de me matar — ela declarou, ofegante.

  • Não, não teria. — Ele passou os lábios pelos dela, num beijo leve e excitante. — Você não hesitaria em me deixar usar seu corpo, em troca da segurança de seu filho, senhora Price.
  • Sei que não faria mal a Scott.
  • Mas não tem certeza.

Ela engoliu em seco e tentou virar a cabeça.

  • Teria de me tomar à força.

Ele impulsionou o corpo para a frente, pressionando-o sugestivamente contra o dela.

  • Acho que não. Fiquei observando-a, agora à noite. Há certos aspectos da nossa cultura que você acha muito estimulantes. Neste exato momento, seu sangue está correndo depressa, tão quente quanto o meu.
  • Não.

O débil protesto foi sufocado pelo beijo. Com os lábios entreabertos, ele massageou os dela, obrigando-a a separá-los, e sua língua ágil apossou-se de sua boca em rápidos golpes, possuindo-a com lentas e deliciosas investidas.

Com a respiração alterada, deslizou a boca pelo pescoço dela, tomando a pele delicada entre os dentes.

  • Você gosta de ficar sentada no chão, com nada acima da sua cabeça, a não ser o céu noturno. Gosta de enrolar um corpo em volta do corpo para aquecer-se.

Beijou-a pelo pescoço todo e deslizou os lábios pela abertura da camisa que ela vestia. Plantou um beijo ardente na macia elevação de um dos seios.

  • Você gosta da nossa música, com sua batida primitiva, pagã e excitante. Sente o ritmo. Aqui.

Cobriu o seio dela com uma das mãos. Acariciou-o agres­sivamente, então com mais gentileza, esfregando de leve, com a palma da mão, o mamilo que se enrijecia.

O cérebro de Randy entoava "não, não, não". Mas quando a boca máscula voltou a reclamar a sua, ela correspondeu avidamente. Sua língua foi ao encontro da dele. As mãos subiram para agarrar mechas do cabelo escuro e espesso. Ele escorregou uma das mãos pelas costas dela e, com um movimento firme, forçou-a a pressionar sua feminilidade contra a vista de seu jeans.

—   Por que eu te desejo? — gemeu.

Randy achou que ele fizera a pergunta sem perceber. E que ela podia perguntar-se a mesma coisa. Por que seu corpo estava respondendo ao estímulo do dele, quando ela não devia sentir nada, além de repulsa? Quando fora que o desejo tomara o lugar do medo? Por que queria apertar-se ainda mais contra ele, em vez de empurrá-lo?

—   Quero me enterrar dentro de você — ele murmurou. Ela tremeu de excitação, não de repugnância.

  • Desgraçada! — ele xingou. — Você é minha inimiga. Eu te odeio. Mas te quero.

Pronunciou uma palavra obscena, emitiu um som erótico e continuou a prendê-la contra o corpo, mantendo a mão em suas costas.

Então, no momento seguinte, empurrou-a. Limpou a boca com as costas da mão.

  • Quantos homens antes de mim? Quantos homens sa­crificaram seu orgulho, sua integridade, por alguns mo­mentos de prazeroso esquecimento entre as suas pernas? — Recuou, afastando-se, como se ela fosse algo podre. Não serei tão fraco, senhora Price.

Virando-se, cruzou o alpendre e desceu os degraus. Ran­dy entrou na cabana aos tropeções. Bateu a porta com força e encostou-se nela. Cobrindo o rosto com as mãos, soluçou sem lágrimas. Seus seios pesavam, ainda atormentados pelo desejo. Ao mesmo tempo, ela se atolava num pântano de desprezo por si mesma. E tremia de raiva de Hawk e de suas acusações infundadas.

Como ele ousava acusá-la, sem conhecer a verdade? Como ousava beijá-la daquele modo?

Como ela ousava corresponder?

Baixou as mãos e ficou olhando para a escuridão da ca­bana, amenizada apenas pelos fracos raios de luar que en­travam pela pequena janela.

De uma coisa ela estava certa. Não podia esperar até que Morton atendesse às exigências dos índios. Já era mais do que tempo de tomar alguma iniciativa. Pelo bem de Scott, pelo seu próprio bem, os dois precisavam fugir de Hawk O’Toole.

Randy traçara um plano para a fuga, mas tão arriscado que não podia ser chamado de bom. Sob todos os ângulos, mostrava-se muito dependente do acaso, da sorte. No en­tanto, era tudo o que ela possuía. Impaciente para começar a agir, já que se decidira, iria ignorar todos os riscos e levar o plano adiante.

A ideia ocorrera-lhe depois que ela passara horas an­dando de um lado para outro. Ficou grata à musa que regia a memória, fosse qual fosse o nome que tivesse, quando se lembrou, de repente, de ter visto o jovem que Hawk chamara de Johnny saindo de um barracão, que ela dedu­zira tratar-se da oficina.

Em certo momento, naquela noite, vira o índio sair de lá, segurando uma garrafa de uísque contra o peito. Hawk apa­rentemente não o notara. Em vez de juntar-se aos demais para o jantar, Johnny desaparecera nas sombras com sua garrafa.

Aquela dependência do álcool era trágica, e Randy sen­tia-se mal pensando que iria tirar proveito disso, mas fora a única possibilidade que vislumbrara. Era razoável deduzir que Johnny podia ter deixado as chaves em pelo menos um dos veículos em que estivera trabalhando naquele dia.

Se ela pudesse chegar à oficina sem ser percebida, se en­contrasse uma caminhonete com a chave na ignição, se o veículo não estivesse sem motor, se ela pudesse colocá-lo em movimento, talvez conseguisse fugir.

Havia outros fatos a considerar. Por exemplo, ela não sabia onde estava, embora supusesse que aquela região fi­casse ao norte do Estado, onde o terreno era mais monta­nhoso. Não sabia quanta gasolina haveria no tanque da caminhonete. Não tinha dinheiro, porque deixara a bolsa no trem Silverado. Mas ela lidaria com tudo isso quando fosse preciso. Primeiro de tudo, tinha que fugir da aldeia.

Escolheu a hora antes do alvorecer para colocar o plano em prática. Não lera em algum lugar que era na última hora da noite que as pessoas normais dormiam seu sono mais profundo? Hawk O'Toole não era uma pessoa normal, mas ela tentou não deixar que esse pensamento perturbador abalasse sua determinação.

Apesar de precisar da cobertura da escuridão, ela tam­bém precisava de claridade para ver o que fazia e para onde ia. Não queria usar luz artificial, portanto dependeria do que a natureza pudesse fornecer, que seria a luminosi­dade cinzenta que precedia o nascer do sol.

Encontrou o primeiro obstáculo ao acordar Scott. Ele ge­meu e afundou-se ainda mais sob o cobertor, quando ela o sacudiu, tentando despertá-lo. Não queria assustá-lo, mas cada minuto era precioso e não podia ser desperdiçado.

  • Scott, por favor, querido, acorde. — Ela foi gentil, mas persistente, e por fim ele se sentou, embora choramin­gando. — Quietinho — ela pediu, dando-lhe tapinhas nas costas. — Sei que é cedo, mas você precisa acordar. É muito importante.

Ele balbuciou um protesto e enterrou os punhos nos olhos que, Randy sabia, deviam estar ardendo. Forçando-se a manter a calma, ela não o repreendeu. Se o fizesse, ele poderia desatar numa choradeira sem fim. Preferiu apelar para seu espírito de aventura.

  • Vamos fazer uma brincadeira com Hawk— cochichou.

Ele parou de choramingar. Endireitou-se e pestanejou, tentando focalizá-la.

  • Uma brincadeira?

"Deus, perdoe-me por mentir", ela pediu.

Nunca mentira ao filho, por mais dolorosa que fosse a verdade. Só esperava que ele ficasse tão contente por voltar para casa que a perdoasse.

  • Isso mesmo, mas teremos de ficar em completo silên­cio. Você não pode fazer nenhum barulhinho. Sabe que os índios têm ouvido muito apurado.
  • Quando estão no mato, eles podem ouvir os ani­mais nas suas tocas e os insetos andando embaixo da terra, não é?
  • E, sim. Então, você precisará ficar bem quietinho, porque, se Hawk nos encontrar, a brincadeira acabará.

 

  • Vamos brincar de esconde-esconde? Hawk vai nos procurar?
  • Com toda a certeza — ela respondeu, e não estava mais mentindo.

Ajudou Scott a vestir a jaqueta emprestada por Donny e .imarrou-lhe os ténis. Olhando pela janela, tentou localizar o guarda. Por fim, distinguiu o vulto maciço de um homem envolto num cobertor e recostado no tronco de nina árvore próxima. Adormecera. Até ali, Deus estava ouvindo suas preces.

— Agora, escute, filho — ela começou, agachando-se para ficar ao nível do menino. — Primeiro, teremos de passar pelo guarda. Vou carregar você no colo. Mas não diga uma

palavra. Nem mesmo cochichando. Certo? — O garoto ape­nas encarou-a, os olhos arregalados. — Entendeu, Scott?

  • Você disse que não posso nem cochichar. Ela sorriu e abraçou-o com força.
  • Você é um bom menino.

Erguendo-o nos braços, abriu a porta lentamente. As do­bradiças rangeram. Ela estacou e esperou durante longos instantes, mas nada aconteceu. Saiu para o alpendre. O ín­dio sob a árvore não se movera.

Ela desceu os degraus cautelosamente. Na trilha, andou devagar para não perder o equilíbrio, tentando não chutar nenhuma pedra. Não se sentiu segura, até afastarem-se uns cem metros da cabana. Então, começou a correr, mas não muito depressa, mantendo-se nas sombras o máximo pos­sível. Um cão ladrou duas vezes, mas ela só parou quando chegaram ao barracão.

A escuridão, lá dentro, era total. Randy colocou Scott no chão.

  • Fique aqui perto da porta. Vou procurar uma cami­ nhonete para usarmos.
  • Não gosto deste lugar. Cheira mal e é escuro. Estou com sono, mamãe. E com frio.
  • Eu sei, eu sei. — Ela acariciou-lhe o rosto para confortá-lo. — Mas você é um menino muito corajoso. Não sei o que eu faria, se não tivesse você para vigiar a porta para mim.
  • Esse é o meu trabalho? Vigiar a porta?
  • Esse é o seu trabalho.

Ele refletiu por um momento.

  • Está bem — concordou, embora com relutância. — Mas eu gostaria de brincar de outra coisa. Quero que esta brincadeira acabe depressa.
  • Acabará logo. Prometo.

Deixando Scott junto à porta e recomendando-lhe que não "abandonasse o posto", ela foi à procura de um veículo com a chave na ignição. Teve sorte no segundo que exa minou. Pelo que pôde distinguir no escuro, tratava-se de um caminhão que puxava um reboque com laterais altas de madeira.

Pensou em procurar mais um pouco, pois, talvez, en centrasse algo menor, mais fácil de manobrar, porém, come corria contra o tempo, desistiu da ideia. Lá fora, o céu cia reava mais a cada minuto.

Foi buscar Scott e mandou-o subir na cabine. Ele obede­ceu, mas com relutância.

  • Acha que Hawk poderá nos achar neste caminhão?
  • Faz parte da brincadeira sairmos da aldeia sem que ele nos veja.

Antes que isso acontecesse, porém, ela teria de ligar o motor e arriscar-se a acordar todo mundo com o barulho. Só esperava que Johnny houvesse acabado de trabalhar no veículo, antes de começar a beber. Fazendo uma prece si­lenciosa, enxugou as mãos suadas na saia, segurou a chave e torceu-a.

O barulho pareceu-lhe mais estrondoso do que o provo­cado pelo lançamento de um foguete, mas o motor apenas roncava, protestando.

—   Vamos, por favor! — ela suplicou, pisando na em­breagem e no acelerador.

O motor começou a funcionar tão de repente, que por um momento ela ficou olhando para o volante, assustada. Então, virou-se para Scott:

  • Pegou!
  • Não queria que pegasse, mamãe?
  • Queria, mas é que... Não importa. Vamos ver se con­seguimos sair sem acordar a aldeia toda.
  • Posso convidar Donny para brincar?
  • Não.
  • Por favor!
    • Agora, não, Scott.

O menino torceu a boca num trejeito amuado. Ela se arrependeu de ter sido tão áspera, mas não podia perder tempo com discussões. Manejou o câmbio teimoso até con­seguir engatar a primeira marcha, pisou no acelerador e foi soltando o pedal da embreagem. O caminhão deslizou para a frente.

Randy chegou a pensar que poderia encontrar uma pa­rede de índios armados até os dentes quando passou pela porta do barracão, mas não havia o menor movimento em nenhum ponto da aldeia. Ela mordeu o lábio inferior, es­forçando-se para virar o veículo, e conseguiu. Seguiu em frente, na direção da saída do acampamento, mantendo a primeira marcha.

Resistiu ao impulso de pôr o polegar no nariz e abanar os outros dedos num gesto de zombaria, quando passaram pela cabana de Hawk. Dirigir aquele monstro exigia toda a força física que ela possuía, e ainda era necessário prestar o máximo de atenção ao que se passava ao redor, vascu­lhando a área através do pára-brisa. Embora o ar da manhã fosse frio, ela sentia o suor escorrer-lhe pelo corpo. Seus dedos abriam-se e fechavam-se nervosamente ao redor do volante. Todos os músculos estavam rígidos de tensão.

Ela viu uma porteira aberta e um mata-burro que impedia os animais de saírem da área cercada. Ousou engatar a segunda marcha e acelerar. Assim que o caminhão passou barulhentamente pelo mata-burro, Randy engatou a tercei­ra. O motor protestou, mas ela pisou no acelerador e o veículo atirou-se para a frente.

  • Quando é que Hawk vai começar a nos procurar, mamãe?
  • Não sei, querido.

Ela enxugou o suor da testa com a manga da camisa. A estrada era tão acidentada que se tornava perigosa. O caminhão sacolejava, passando pelos buracos. Mas Randy sevtia-se aliviada, como se uma enorme pedra houvesse sido retirada de seu peito.

  • Scott, conseguimos! Conseguimos! — gritou, feliz.
  • A brincadeira acabou? Ganhamos?
  • Acho que ganhamos, sim. Tenho quase certeza!
  • Podemos voltar, agora?

Rindo, ela estendeu a mão e alvoroçou-lhe os cabelos. — Ainda não.

  • Mas eu estou com fome.
  • Terá de esperar um pouco para tomar o café da manhã. A brincadeira ainda não acabou.

Rodaram vários quilómetros. A estrada parecia não ter fim. Mas tinha de dar em algum lugar, ela dizia a si mesma. Estavam indo para o leste, de acordo com o sol que nascia. Isso era bom. Ou não era? Ela não sabia. No momento, seu único objetivo era chegar a uma rodovia. Então, seria o mesmo que estar em casa.

O sol surgiu acima do pico das montanhas como uma explosão, cegando-a momentaneamente. Randy ergueu a mão esquerda para proteger os olhos da luz. Mas, quando se recuperou do ofuscamento, achou que seus olhos lacrimejantes estavam pregando-lhe uma peça.

  • É Hawk! — gritou Scott, ajoelhando-se no banco. Segurando-se no painel, começou a pular. — Ele nos achou! É esperto, mamãe. E um rastreador. Eu sabia que ia nos achar, Oi, Hawk! Estamos aqui!

Randy virou o volante bruscamente. O caminhão jogou-se para o lado, por pouco não atropelando o homem em seu cavalo, parado no meio da estrada. Nenhum dos dois pareceu assustar-se. Nenhum dos dois moveu nem um músculo sequer.

Uma nuvem de pó cercou o caminhão quando Randy brecou-o. Antes que ela pudesse impedi-lo, Scott atirou-se porta afora e correu para Hawk, que descera do cavalo.

Derrotada, Randy pousou a cabeça nas mãos cruzadas sobre o volante. Sentia o fracasso dominá-la, da medula dos ossos até cada extremidade de seu corpo.

—   Saia.

Ela ergueu a cabeça.

Hawk sibilara a ordem através da janela aberta. Abriu a porta e agarrou Randy pelo cotovelo com uma força de quebrar ossos, obrigando-a a descer. Vários cavaleiros jun­taram-se a eles, incluindo o sempre fiel Ernie. Scott pulava num pé e depois em outro, deliciado por ter chegado tão longe, antes de ser encontrado.

—   Mamãe disse que eu não podia fazer nenhum barulhinho, porque os índios ouvem tudo. E fiquei vigiando a porta, enquanto ela pegava o caminhão. Depois, fomos embora, sem acordar ninguém. Mas eu sabia que você ia nos achar! — Girou nos calcanhares e atirou-se sobre Hawk, abraçando-o pelos joelhos. — Gostou da brincadeira, Hawk?

Os frígidos olhos azuis desviaram-se do rosto pálido de Randy e pousaram no menino.

—   Gostei. Me diverti muito. Mas você vai fazer uma coisa bem mais divertida. O que acha de voltar para o acam­pamento, montado naquele cavalinho? — Hawk apontou para um pónei, cujas rédeas Ernie segurava.

Scott arregalou os olhos.

  • Posso mesmo? — murmurou com reverência. Hawk concordou com um gesto de cabeça.
  • Ernie segurará as rédeas, mas você irá sozinho na sela. Antes que Randy pudesse dar sua opinião a respeito do assunto, ele ergueu Scott e colocou-o no lombo do animal. O menino agarrou-se com força à cabeça da pequena sela. Seu sorriso era hesitante, mas seus olhos brilhavam.

Hawk fez um gesto brusco para Ernie, que, juntamente com os outros cavaleiros, virou a montaria, tomando o rumo da aldeia.

Saindo da estrada, subiram uma colina e desapareceram. O salto da bota de Hawk cavou um buraco no chão, quando ele girou para encarar Randy.

  • Cometeu um tremendo erro tático, senhora Price. Ela não se acovardou. Ergueu o queixo, desafiadora.
  • Foi um erro tentar fugir dos seqúestradores de meu filho?
  • Foi um erro provocar meu lado mau.
  • O que não foi tão difícil, já que você não tem um lado bom.
  • Estou avisando. Tome cuidado comigo.
  • Não tenho medo de você, Hawk O’Toole.

Os olhos azuis percorreram lentamente o corpo dela. Ele não disse nada, até que seus olhares voltaram a se encontrar.

—   Pois devia ter — murmurou por fim.

Mais uma vez, virou-se com notável economia de movi­mentos e subiu no cavalo. Randy não notara, até então, que ele estivera montando em pêlo. As coxas fortes comprimi­ram-se contra os flancos do cavalo. Ela entrou no caminhão.

  • O que pensa que está fazendo? — Hawk indagou.
  • Acho que preciso dirigir o caminhão de volta para a aldeia.
  • Johnny vai fazer isso.

Ela saltou para o chão e encarou-o, plantando as mãos na cintura.

  • Quer dizer que vai me levar novamente no seu cavalo? Ele se inclinou sobre o pescoço do animal.
  • Não. Você vai a pé.
  • A pé?!
  • Isso mesmo. Comece a andar. — Hawk pressionou os joelhos nos flancos do cavalo, que se pôs em movimento.
  • Estamos a quilómetros do acampamento!

Ela estendeu o braço e apontou na direção de onde viera. Hawk apertou os olhos, calculando a distância.

—   Mais ou menos quatro.

Randy baixou o braço e cruzou-o com o outro, na altura do estômago.

  • Não vou andar. A menos que me arraste, não pode me obrigar a dar um único passo. Quando Johnny vier buscar o caminhão, irei com ele.
  • Eu lhe disse, mais de uma vez, para não me subestimar — ele falou com voz aveludada, mas entremeada de um tom sinistro. — Você se aproveitou da infelicidade de John­ny. Eu a vi observando-o, quando ele saiu da oficina, ontem à noite. Imaginei que tentaria aplicar algum golpe. Mas teria coragem de explorar a fraqueza do rapaz novamente? O que pretende fazer? Iludi-lo com a promessa de que lhe dará todo o uísque que ele conseguir beber antes de des­maiar? Não. Seria mais do seu estilo prestar-lhe alguns fa­ vores sexuais em troca da sua liberdade.
  • Você é um ser desprezível. Como se atreve a falar comigo desse jeito?
  • E você, como se atreve a me considerar, e ao meu povo, uns tolos desmiolados? Achou mesmo que consegui­ ria passar por mim sem ser vista?
  • Você?! Era você o homem adormecido sob a árvore?
  • Era eu, e não estava adormecido. Tive de me esforçar para não rir.
  • Achei que não sabia rir.

A farpa atingiu o alvo. O queixo dele endureceu.

  • Dei boas gargalhadas, depois que você saiu com o caminhão. Se eu não tivesse me divertido tanto a sua custa, logo cedo, deixaria você aqui para ser comida pelos abutres. Talvez faça isso mesmo, porque é o que você merece. Que mãe enganaria o filho, deixando-o acreditar que se tratava de uma brincadeira?
  • Uma mãe desesperada para afastar o filho de um mar­ginal, um fanático, um louco! — ela gritou.

Sem se comover, ele fez um gesto de cabeça na direção do acampamento.

—   Vamos.

Incitou o cavalo a ir em frente. Randy, furiosa, não se moveu. Ficaria parada ali até que os elementos a petrifi­cassem, se não fosse por Scott. Ficava histérica cada vez que o perdia de vista. Quando os dois estavam juntos, ela podia exercer algum controle sobre o destino do menino. Mas, quando se separavam, só sabia pensar em como era precária a situação dos dois.

Ergueu uma nuvenzinha de poeira, quando girou e co­meçou a marchar na direção da aldeia indígena. Não teve tanto cuidado para pisar no chão quanto tivera ao fugir da cabana. Pedras rolavam, deslocadas por seus ténis, e não seria difícil torcer um tornozelo. Poderia ir mais devagar, mas estava consciente de cada batida dos cascos do cavalo atrás dela. Os olhos de Hawk pareciam perfurar um buraco na base de sua espinha. Ela os sentia lá. Como um falcão, ele não a perdia de vista. Sob tão minuciosa observação, ela queria mostrar-se intrépida, e o orgulho impulsionava-a para a frente.

Ignorou as bolhas que se formavam em seus pés, o suor que escorria até sua cintura, represando-se lá, o contato desagradável dos cabelos em seu pescoço. A respiração tor­nava-se mais difícil a cada passo. Ela estava acostumada a fazer exercício físico, mas não naquela altitude. O ar rare­feito começou a cobrar seu preço.

A boca ficou seca como a poeira que rodopiava ao redor de seus pés. E ela estava com muita fome. Manter o passo rápido logo esgotou sua reserva de energia. Começou a sentir-se zonza. A linha do horizonte parecia oscilar.

Ela viu um réptil escamoso, mas só quando estava quase pisando nele. O bicho estirou uma língua de cobra. Randy recuou com um salto, deixando escapar um grito lancinante. O enorme lagarto perdeu a fanfarronice e deslizou para trás de uma rocha. O cavalo de Hawk bufou e agitou-se, assustado, quase atropelando Randy. Ela soltou outro grito de medo. O cavalo empinou. Ela caiu e mal teve tempo de rolar para o lado, antes que ele batesse novamente com os cascos no chão.

—   Fique onde está, praga! — Hawk comandou. — E pare de gritar.

Usando os joelhos, mãos e um tom de voz apaziguador, controlou o cavalo. Então, levou-o para mais perto de Ran­dy, que tremia de pavor, os dentes castanholando.

Hawk inclinou-se e pegou-a pela camisa, puxando-a.

—   Jogue a perna por cima.

Ela estava apavorada demais para desobedecer. Passou a perna por cima do lombo do cavalo, ao mesmo tempo em que se agarrava à crina com as duas mãos. A saia subiu, deixando uma boa porção de suas coxas expostas ao sol. Ela tentou puxá-la para baixo, pelo menos para cobrir os joelhos.

  • Largue a saia.
  • ..
  • Eu disse para largar!

O seios dela subiram e desceram, movidos por um soluço.

  • Não ficará satisfeito até me humilhar completamente, não é?
  • E sou perito em humilhação.
  • Hawk, por favor!
  • Já chega. — Quando ela se acalmou, ele encostou a boca em uma de suas orelhas e murmurou em tom de amea­ça: — Aproveite o passeio. Não terá outros momentos de paz por muito tempo. — Então, possessivamente, pôs a mão em sua coxa, enquanto apertava os joelhos contra o corpo do cavalo, que recomeçou a andar. — Fica ofendida com a minha mão escura, de índio, pousada na sua coxa de branca?
  • Não mais do que fico quando qualquer canalha tenta me apalpar.

Uma imitação de risada escapou dos lábios dele.

—   A quem você acha que engana? Não a mim, com cer­teza. Muitos canalhas já a apalparam.

Randy manteve a boca teimosamente fechada. Não iria trocar insultos com Hawk. Seria perda de tempo e de ener­gia. Ele que acreditasse no que quisesse. Outros já haviam feito isso. Ela suportara o escárnio. Não saíra ilesa, mas sobrevivera. Também resistiria aos insultos do sr. O’Toole.

O cavalo andava devagar. Randy começou a imaginar que nunca chegariam ao acampamento, mas, por fim, suas narinas captaram o cheiro de fumaça e de comida. Seu es­tômago roncou grosseiramente.

Mantendo a mão na coxa dela, Hawk introduziu a outra no cós da saia e espalmou-a na cintura.

  • Com fome?
  • Não.
  • Além de prostituta, é mentirosa.
  • Não sou prostituta!
  • Estava querendo ser para mim, ontem à noite.
  • Nunca quis ser para ninguém.

—   Não?

Ele deslizou a mão para baixo. Seus dedos tocaram a renda da calcinha que ela vestira assim que secara, subs­tituindo a que lhe haviam emprestado. A reação de Randy ao toque foi violentamente sensual, profunda, alcançando o íntimo de seu corpo. Ela arquejou audivelmente. As coxas, quentes e sensíveis por causa do contato com o lombo do cavalo, contraíram-se num movimento reflexo. Ela agarrou-se com mais força à exuberante crina do animal.

Hawk continuou a passar os dedos de leve pela renda. Randy deixou escapar um gemido involuntário.

—   Não, por favor...

Ele retirou a mão. Se Randy virasse a cabeça e o encarasse, notaria uma sensível diferença em sua expressão. A pele pa­recia esticada ao máximo sobre os ossos do rosto. Os lábios estavam comprimidos. Os olhos tinham um brilho febril.

—   Vou parar porque não quero que me vejam bolinando você e confundam meu desprezo com desejo.

O povo da tribo sabia reconhecer quando seu chefe estava de mau humor, e todos evitaram ficar em seu caminho. Randy olhava em volta, aflita, mas não viu Scott, nem Ernie. Hawk guiou o cavalo até sua cabana e deslizou agilmente para o chão.

  • Pensei que fosse me levar de volta para a minha cabana — comentou Randy.
  • Pensou errado. — Erguendo a mão, tornou a agarrá-la pela camisa e puxou-a do lombo do cavalo para o chão.

Ela cambaleou atrás dele, subindo a trilha pedregosa.

  • Precisa ficar me maltratando?
  • Parece que sim.
  • Garanto que não.
  • Não seria necessário se você não tivesse tentado fugir. Antes de gastar tanta energia, devia ter se certificado de que seria bem-sucedida.

O tom crítico e zombeteiro picou o ego de Randy. Hawk empurrou-a, atirando-a para dentro da cabana. Ela não caiu porque segurou-se na mesa, no centro do cómodo, e virou-se para encará-lo, pronta para o combate. Sentiu sua coragem desaparecer quando o viu aproximar-se com a faca na mão.

—   Oh, meu Deus! Se me matar, não deixe que Scott veja o meu cadáver. Prometa pelo menos isso, Hawk! — gritou, erguendo as mãos num gesto de súplica. — Não faça mal a meu filho! Ele é apenas uma criança! — Lágrimas saltaram de seus olhos. — Não machuque o meu bebé!

Atirou-se contra o peito de Hawk, socando-o com as duas mãos. A faca que ele segurava caiu na mesa atrás dela. Hawk tentou pegar-lhe as mãos e finalmente conseguiu se­gurá-las. Levou-as para trás, de modo que Randy ficou in­capaz de mover-se, muito menos de lutar.

—   Pelo que me toma? — perguntou em tom furioso. — Eu nunca maltrataria o menino. Nunca tencionei fazer mal a nenhum de vocês dois. Isso não está no trato. Ele sabia...

Randy, que curvara a cabeça, ergueu-a abruptamente, os olhos procurando os dele.

—   Ele?

O rosto irado de Hawk sofreu uma rápida transformação. Ele refreou todas as emoções, até que suas feições torna­ram-se uma máscara impenetrável e seus olhos parecessem sem vida.

  • Ele? — Randy repetiu, gritando. — Ele, quem?
  • Não importa.
  • Morton? — ela murmurou, ofegante. — Meu marido está metido nisto? Oh, Deus! Morton encenou o sequestro de seu próprio filho?

Hawk soltou-lhe as mãos. Tornou a pegar a faca e usou-a para cortar uma tira de couro em duas partes. Randy seguia seus movimentos, procurando um sinal de que adivinhara ser a verdade.

A ideia seria horripilante, se ela não conhecesse Morton tão bem. Ela sabia o que mais o deixava satisfeito. Desde o sequestro, seu nome vinha aparecendo em todos os jornais do Estado e também de outros pontos do país. Ele devia estar adorando. Devia estar jubiloso com toda aquela pu­blicidade gratuita. Tiraria todo o proveito que pudesse, sem pensar em mais nada, nem mesmo no bem-estar do filho.

—   Responda, desgraçado! Diga a verdade! — Ela agarrou a manga da camisa de Hawk. — Acertei, não é? Você está trabalhando para Morton!

Ele tornou a pôr as mãos dela para trás e começou a atá-las com uma das tiras de couro. Randy não lutou. Nem pensou nisso. A probabilidade de Morton ser o mandante daquele crime abominável apagara todos os seus outros pensamentos. Ela só conseguia pensar em como ele fora convincente na representação de seu papel, ao falar com ela pelo telefone.

Morton pusera a alma e o coração na voz trémula, quando perguntara se Scott estava bem. Sua aflição fora falsa, pura encenação.

Observou o rosto de Hawk, que não revelava nada. Quando acabou de unir as mãos dela, ele pegou a outra tira de couro e conduziu-a à cama, que era de madeira, maior e mais forte do que aquelas em que Randy e Scott haviam dormido. Depois de amarrá-la ao pé da cama com uma série de nós que ela jamais conseguiria desfazer, abanou a cabeça num gesto de aprovação e marchou para a porta.

  • Espere! Não saia daqui sem me responder! — Randy gritou, e Hawk virou-se, cravando os olhos azuis em seu rosto. — Morton Price tramou tudo isso com você?

Ela teve a impressão de que seu peito afundava e ficou sem poder respirar. Agora, que tinha certeza dos fatos, de­sejava poder negá-los.

  • Por quê? — murmurou, incrédula. — Por quê?
  • Alguém lhe trará água de vez em quando — ele in­formou, ignorando a pergunta. — E como não tomou o café da manhã porque não quis, pode muito bem ficar sem comer até a hora do jantar.

Foi só então que Randy percebeu realmente que estava amarrada e indefesa. Saber do envolvimento de Morton no sequestro aumentava o perigo em que ela se encontrava?

  • Não pode me deixar aqui, amarrada. Solte-me.
  • Nem pensar, senhora Price. Tentei ser gentil, mas você abusou da minha bondade.

—   Bondade! — ela escarneceu. — Sou sua refém. Se fosse o contrário, se você estivesse no meu lugar, não tentaria fugir?

—   Tentaria, mas com a diferença de que conseguiria. A zombaria ofendeu-a, porém não a impediu de tentar outra tática.

—   Não quero que Scott me veja amarrada, senhor OToo-le. Ficaria assustado.

  • Eu sei, e é por isso que ele não a verá. Ela se sentiu empalidecer.

—   O que está dizendo? — perguntou, a voz apertada de medo.

—   Scott ficará com Ernie, Leta e Donny, de agora em diante.

Randy sacudiu a cabeça com força, lágrimas enchendo-lhe os olhos.

  • Não, por favor! Não faça isso comigo. __ Não viu nenhuma mudança no rosto de Hawk. — Se não se importa comigo, pense em Scott. Ele sentirá a minha falta, vai querer me ver, perguntará por mim.

—   Aí, então, nós o traremos aqui, e você o receberá de­samarrada. E, enquanto estiver com ele, não dirá uma pa­lavra, nem fará nada, além daquilo que eu lhe ordenar.

  • Não tenha tanta certeza.
  • Ah, tenho, sim — ele replicou.
  • Você me separou de meu filho. O que mais poderá fazer para me punir, se eu lhe desobedecer?
  • Como adivinhou, a ideia foi de Price, e não era para você tomar parte. Mas foi imprudente, e acabou se envolvendo.
    • E daí?

—   Daí, que a segurança de Scott está garantida, porque ele é valioso para o deputado Price. — Os olhos azuis mo­veram-se sobre ela com desprezo. — Mas a esposa infiel não tem valor algum.

— Ele não cumprirá sua parte no trato — Randy comentou, mexendo distraidamente a comida. Irritada, porque Hawk não lhe deu atenção, jogou o garfo no prato de lata. Ele, então, a fitou, e ela perguntou: — Ouviu o que eu disse?

—   Ouvi. Você disse que Price não cumprirá sua parte no trato.

  • Saber disso não o aborrece?

Hawk pousou o próprio garfo e empurrou o prato para o lado. Pegou a caneca de café com as duas mãos e levou-a à boca, apoiando os cotovelos na mesa.

—   Não sei de nada. Você é que está dizendo, e não tenho de acreditar.

—   Você não quer acreditar. Ele apertou os olhos.

  • Tem razão. Se Price não cumprir o que prometeu, não haverá motivo para eu mante-la aqui. Isso me obrigaria a... eliminar o problema.
  • E Scott? — ela indagou, sem fôlego.

—   Ele logo a esqueceria. Já está bastante acostumado comigo e com os outros. As crianças são muito maleáveis. Em um ano ele seria mais índio do que branco. — O rosto abalado de Randy parecia não causar nenhum efeito sobre Hawk. Ele fez um gesto displicente com a mão. — Claro, a tribo teria outra boca para alimentar, outra criança para vestir e educar, mais uma responsabilidade. Prefiro que Pri-ce cumpra a sua promessa.

Aquele tom calmo e seguro instilou mais medo no co­ração de Randy do que palavras furiosas e gritos. Ela pre­cisou pigarrear para livrar a garganta do nó de nervosismo e emoção, antes de conseguir falar.

  • O que foi que Morton lhe prometeu, chefe O’Toole? — perguntou.
  • Que conseguiria convencer o governador, quando lhe apresentasse o nosso caso, de que a mina Puma Solitário precisa ser reaberta.
  • Isso eu já sabia. Em troca de quê?
  • Da publicidade gerada pelo falso sequestro.
  • Para mim, não é nada falso — retrucou Randy, es­tendendo os braços em cima da mesa e virando os pulsos para cima, para que ele visse os vergões provocados pela correia de couro.

Ele puxou um dos braços dela para examiná-lo mais de perto. Massageou as marcas com o polegar. Randy puxou o braço e levantou-se abruptamente.

  • Sente-se — ele ordenou baixinho, mas em tom de ameaça.
  • Já acabei de comer.
  • Mas eu, não. Sente-se.

—   Tem medo de que eu fuja novamente? — ela provocou. Ele colocou a caneca na mesa e fitou-a, atingindo-a com todo o impacto do poder de intimidação dos olhos azuis.

  • Não. Tenho medo de que você, estupidamente, me obrigue a fazer algo que não quero.
  • "Eliminar o problema?"

Randy fez menção de afastar-se da cadeira. Hawk le­vantou-se antes que ela tivesse tempo de piscar e pegou-a pela nuca.

—   Sente-se.

Intensificou o aperto, e as pernas de Randy ameaçaram dobrar. Ela se sentou, ele também. Encararam-se por cima da mesa.

  • Seu marido viu uma maneira de beneficiar a ele e a mim.
  • Meu ex-marido.

Hawk deu de ombros, complacente.

  • Fui procurá-lo meses atrás, porque li que ele defende a causa dos índios.
  • Porque isso está na moda e é vantajoso, não porque ele simpatize com vocês. Todas as convicções de Morton giram em torno dele mesmo. Você se iludiu.
  • Apresentei-lhe o nosso caso. Disse que a mina pertence à tribo. — Uma sombra passou pelo rosto de Hawk que, por um momento, pareceu estar olhando para outro tempo, outro lugar. Então, ele voltou a fitar Randy. __ Foi muito ruim quando um grupo de investidores comprou a mina, tirando-a de nós. Pode imaginar a nossa raiva ao desco­brirmos que iriam fechá-la e que não havia nenhum projeto para a sua reabertura.
  • Por que fecharam a mina? Estava dando prejuízo?
  • Prejuízo? — ele repetiu, cuspindo a palavra. — Não. Dava lucro, e esse é o problema.

Ela abanou a cabeça, confusa.

  • Não estou entendendo.
  • Os novos proprietários haviam planejado usá-la para sonegar impostos, nada mais. Estão pouco se importando com o fato de a mina ser o nosso meio de vida. Egoístas, filhos da puta! — Hawk xingou baixinho. — Durante anos, falsificaram os livros para enganar a Receita Federal, mas começaram a ser investigados. No início, restringiram a nos­ sa produção, depois decidiram que, a longo prazo, o mais lucrativo seria acabar com a operação.

Saiu da mesa e foi até o fogão de ferro num canto. Abrindo a porta, jogou para dentro alguns pedaços de madeira. A temperatura caíra bastante, desde a noite anterior. Mas Randy nunca conhecera um frio maior do que o que vira nos olhos de Hawk, quando ele falara das injustiças come­tidas contra o povo de sua reserva.

  • E o Departamento de Assuntos Indígenas?
  • O DAI investigou, mas os donos da mina têm a es­critura e um contrato assinado. Legalmente, eles possuem a mina e podem fazer o que quiserem com ela.

—   Então, você apelou para o legislativo estadual. Hawk assentiu.

  • Quando procurei Price, ele me ouviu e se compadeceu. Como já tinham batido muitas portas na minha cara, aquela demonstração de solidariedade significou alguma coisa. Ele prometeu investigar e fazer o que pudesse — contou, seu tom de voz tornando-se amargo. — Não pôde fazer grande coisa, mas disse que aprofundaria a investigação e que de­ pois me daria uma resposta. — Voltou para a mesa, lar­ gando-se numa cadeira. — Eu estava começando a achar que Price tinha esquecido a promessa, quando, algumas semanas atrás, ele me procurou para apresentar essa ideia.
  • Essa
  • Convenceu-me de que daria certo.
  • Manipulou você.
  • Nós dois teríamos o que queríamos.
  • Ele Você seria fichado como criminoso.
  • O caso nunca iria a julgamento. Ele me garantiu.
  • Morton não tem tanto poder.
  • Ele disse que persuadiria o governador a intervir a nosso favor.
  • Você será processado. E, quando isso acontecer, ga­ranto que Morton não moverá um dedo para ajudá-lo. Vai jurar que nunca fez nenhum trato com você. Seria a sua palavra contra a dele. Quem vai acreditar num índio ativista, com uma ficha não muito limpa, e culpar um depu­tado estadual? Admita, Hawk, que a sua história pareceria no mínimo estranha, e que mesmo pessoas com muita ima­ginação teriam dificuldade em aceitá-la.
  • De que lado ficaria, senhora Price?
  • Do No caso de ter de escolher, eu não saberia dizer qual dos dois é pior, o manipulador, ou o sujeito que ele enganou.

A cadeira tombou para trás e caiu no chão, quando Hawk levantou-se impetuosamente.

—   Não fui enganado! Price cumprirá a sua promessa. Sabe que estamos com Scott, mas não para onde o levamos. Ele ama o filho e, para tê-lo de volta, terá de fazer o que disse que faria.

Randy também ergueu-se, para não precisar ficar olhan­do para cima a fim de encará-lo.

—   Seu primeiro erro foi acreditar que Morton ama Scott. Que piada! — exclamou, jogando o cabelo para trás com um gesto impaciente. — Se amasse, não o usaria numa trama dessas, como quem usa um peão num jogo de xadrez. Não colocaria sua vida em risco! Você deixaria que um filho seu passasse por tudo isso?

Hawk apertou os lábios.

—   Morton Price ama apenas a si mesmo — Randy con­tinuou. — Pode apostar nisso, senhor O’Toole. Se ele o procurou, se esse golpe foi ideia dele, então, fique certo de que extrairá o máximo de proveito, e mais um pouco. Vai pegar tudo o que deseja e deixá-lo na mão. Você será res­ponsabilizado, não Morton.

Parou de falar por um momento.

—   Ele está morrendo de medo da próxima eleição — prosseguiu. — Receia ser derrotado, e com razão. Esta fa­çanha é uma tentativa desesperada de ganhar a atenção e a simpatia dos eleitores. Quem pode resistir à imagem de um pai que sofre a angústia de desconhecer o paradeiro de seu único filho? De um filho que vive com a mãe adúl­tera, por causa das "injustas" leis estaduais? Ele fará o pú­blico lembrar-se de mim e da minha infidelidade. Dirá, nem que seja de maneira sutil, que foi por negligência minha que Scott foi sequestrado. — Fez outra pausa, respirando fundo. — Você estabeleceu um prazo?

  • Duas semanas. Também não queremos que as nossas crianças percam o início das aulas.
  • Durante duas semanas, Morton terá seu nome nas manchetes dos jornais — Randy comentou com uma risada irônica. — Do jeito que ele gosta. Durante duas semanas, será a notícia principal nos noticiários da televisão. — Es­fregou a testa, que começara a latejar. Então, tornou a olhar para Hawk. Espalmando as mãos na mesa, inclinou-se na direção dele. — Não percebeu ainda? Morton lesou vocês de maneira mais torpe do que os homens que fecharam a mina. Está usando você e seu povo em proveito próprio.

Umedeceu os lábios nervosamente.

  • Deixe-nos ir, Hawk! — implorou. — Será melhor para você, se nos levar de volta e contar a sua história às autoridades. Eu o defenderei. Testemunharei a seu fa­vor, direi que você foi enganado, que foi induzido por Morton. Quando tudo ficar esclarecido e você estiver livre de acusações, veremos o que pode ser feito a respeito da mina. O que me diz?
  • Faremos negócio, se você me servir esta noite. Tire as roupas e deite-se de costas.

Ela o encarou, atônita.

—   O quê?!

Hawk sorriu, embora fosse mais um trejeito de zombaria do que um sorriso.

—   Devia ver seu rosto, senhora Price. Parece que engoliu. Eu só queria ver até que ponto estava disposta a ir para me convencer de suas nobres intenções.

—   Oh, você é repulsivo! — ela exclamou, estremecendo de nojo. — E idiota. Logo, terá prova disso. Pelos jornais, ficaremos sabendo quanto empenho Morton está colocando na defesa da sua causa. Então, você verá como foi ingênuo. Cometeu o erro de rir. Isso acendeu a ira de Hawk. Em duas longas passadas, ele foi para junto dela e puxou-a para si.

  • Não abuse da sorte, dona. É mais do que certo de que seu marido não a quer de volta. Sou seu proprietário, posso fazer com você o que quiser. — A respiração dele era rápida e quente contra o rosto de Randy. As mãos, fortes o bastante para rachar o crânio dela, mantinham-na cativa. — É melhor você rezar para que Price não quebre o nosso trato.
  • Suas ameaças não me assustam, Hawk O’Toole. Não acredito que me mataria.
  • Não, mas mandaria você de volta e ficaria com o me­nino e desapareceria com ele. Depois que eu o educasse, você não o reconheceria. Scott não seria mais um garotinho efeminado da cidade, um filhinho da mamãe. Seria mais vil do que uma cobra, um arruaceiro, um criador de en­crencas, um pária da sociedade, como eu. E, como eu, ele a odiaria por tudo o que você representa.
  • Por que você me odeia? Porque não sou índia? Isso não é preconceito?
  • Eu não a odeio porque é branca. Odeio porque, como a maioria dos brancos, nos ignorou. Vocês, de modo muito con­veniente, nos mantêm afastados dos seus pensamentos. Chegou o momento de os índios chamarem a sua atenção. Tirar um menino branco, loiro, de sua mãe branca e loira fará isso.

Por dentro, ela tremia, mas mantinha a cabeça erguida e os olhos desafiadores.

  • Você não poderia desaparecer. Eu o encontraria.
  • Mas eu teria tido tempo, anos, talvez, para transformar Scott num desordeiro.

Ameaças a sua vida não a haviam abatido. Aquela, porém, acabou com sua coragem. Ela agarrou-o pelo peito da camisa.

—   Por favor, não tire Scott de mim. Ele é... ele é meu filho. E tudo o que tenho.

Ele escorregou as mãos pelos ombros dela e pelos braços, até os quadris. Puxou-a contra o corpo, de modo insultuoso.

—   Devia pensar nisso quando ia para a cama com todos os amigos de seu marido.

Randy empurrou-o, furiosa, e recuou.

  • Eu não ia para a cama com ninguém.
  • E o que me diz das histórias que correm por aí?
  • Não passam disso, de histórias.
  • Está me dizendo que são boatos mentirosos?
  • São! — ela gritou, a palavra ecoando na atmosfera explosiva.
  • Mamãe?

A voz hesitante do filho fez Randy voltar-se, e ela o viu parado na porta. Atrás dele, como uma sombra, Ernie olha­va com curiosidade para Hawk. Mas Scott observava a mãe, e havia apreensão em seu rostinho.

—   Oi, querido — ela murmurou, forçando um sorriso. Esperava que ele não tivesse escutado as últimas palavras de sua discussão com Hawk. E que, no caso de ter ouvido, não houvesse compreendido.

Caiu de joelhos e estendeu os braços. Scott correu para ela e abraçou-a com força. Ela o envolveu nos braços, ado­rando o contato de seu corpinho robusto, de suas faces frias, aspirando o cheiro bom de ar e sol que emanava de seus cabelos e roupas.

Ele se livrou do abraço muito antes de ela querer soltá-lo.

  • Mamãe, adivinhe o que aconteceu. — Os olhos dele brilhavam. — Donny e eu fomos caçar com Ernie.
  • Foram caçar? — ela repetiu, afastando-lhe os cabelos da testa. — Com armas?
  • Não — ele respondeu, parecendo levemente desapon­tado. — Hawk disse que ainda não podemos usar armas, mas fizemos armadilhas e pegamos coelhos.
  • Pegaram? — Ela examinava os rosto dele amorosa­mente, observando todos os detalhes.

A não ser pelo nariz, que mostrava uma moderada quei­madura de sol, ele parecia normal, a criaturinha adorável de sempre.

—   Pegamos, mas depois os soltamos. Eram pequenos, e Ernie disse que seria um dês... desperdício.

  • Acho que Ernie entende realmente dessas coisas.
  • Ele sabe tudol — Scott exclamou, dirigindo um sorriso para o seu novo amigo. — Sabe quase tanto quanto Hawk. Você sabia que Hawk é igual a um príncipe ou um presi­dente? — Baixou a voz e confidenciou: — É um homem muito importante.

Randy não queria falar sobre os méritos de Hawk.

  • O que mais você fez hoje? Almoçou bem?
  • Almocei sanduíches de queijo — o menino respondeu, distraído, esquivando-se, quando ela tentou pôr-lhe a ca­misa para dentro do jeans. — Leta fez biscoitos. Ficaram muito gostosos. Melhor do que os seus — afirmou com ar compadecido.

Os olhos de Randy encheram-se de lágrimas.

—   Eu perdoo você por isso.

— O que vocês fizeram o dia todo? Ernie disse que Hawk precisou de você aqui.

  • E verdade. Bem, eu... estive ocupada

—   Fez mais alguma brincadeira com Hawk?

  • Brincadeira?
  • Igual à que fizemos hoje de manhã. Randy lançou um olhar turvo para Hawk.
  • Não, não brincamos mais.

O menino inclinou-se para falar-lhe ao ouvido.

—   Preciso lhe contar um segredo, mamãe — cochichou.      Ela se alarmou, certa de que o filho iria dizer que fora maltratado de algum modo abominável.

  • Claro, meu bem. Acho que Hawk não se importará se formos para aquele canto, conversar em particular.

Levantando-se e puxando Scott para um lado, olhou para Hawk, desafiando-o a proibi-la. Agachou-se no canto e virou o menino de frente para ela, de maneira que ele ficasse de costas para os outros.

—   O que foi que aconteceu, Scott? Conte para a mamãe.

—   Acho que Hawk não gostou da brincadeira que fize­mos com ele — o garoto contou com expressão muito séria.

Por um momento, o "segredo" a deixou perplexa.

—   Por que você acha isso? — perguntou então, tentando evitar que sua impaciência transparecesse.

—   Porque ele ficou o dia inteiro com uma cara assim. - Scott franziu as sobrancelhas para exibir uma carranca que, em outras circunstâncias, seria engraçada. — E ouvi Ernie dizer a Leta que Hawk estava irritado por causa do que fizemos. — Pousou a mão no ombro da mãe, apaziguador, como se, dos dois, ele fosse o mais sábio. — Sei que você se divertiu, mamãe, mas acho que não devemcs mais brincar com ele daquele jeito.

—   Não, não devemos — ela concordou, e nem teve de fingir que se sentia aborrecida.

Era perturbador ver como o filho se preocupava em não deixar Hawk de mau humor, como achava importante me­recer sua aprovação. Abraçou o menino, aninhando-lhe a cabeça sob seu queixo.

  • Eu te amo, Scott.
  • Também te amo, mamãe. — Mas, assim que recitou sua réplica, ele já começou a pensar em outra coisa. Remexeu-se, saindo do círculo dos braços dela. — Preciso ir. Donny está me esperando para fazermos pipocas. Ele me convidou para dormir na casa dele, e Ernie disse que você não ia se importar, porque vai ficar aqui, na cabana de Hawk.
  • É verdade. Mas não precisa se preocupar com isso.
    • Não estou preocupado. Acho legal você dormir na casa de um amigo também. Vão dormir na mesma cama, como os papais e mamães que aparecem na televisão?

—   Scott! Você sabe que não! — Ela moveu os olhos espan­tados para Hawk, que a observava como uma ave de rapina.

Era impossível que não houvesse escutado o que Scottt dissera, mas sua expressão mantinha-se impassível.

  • Por quê? — o menino indagou. — Porque não são mamãe e papai de verdade?
  • Por isso, sim.
  • .. — Scott inclinou a cabeça para um lado, pare­cendo analisar a questão. — Mas acho que seria bom se dormissem na mesma cama. Boa noite, mamãe. — Plantou um beijo distraído no rosto de Randy, puramente por obri­gação, e correu porta afora, gritando por cima do ombro: — Boa noite, Hawk.

Ernie olhou fixamente para Hawk. Randy não pôde de­cifrar sua expressão, mas achou-a quase reprovadora. Ele saiu e fechou a porta, deixando os dois sozinhos.

  • Onde vai dormir? — perguntou Hawk, após um mo­mento. — No chão, ou na minha cama?
  • No chão.

Ele deu de ombros, demonstrando suprema indiferença.

—   Venha cá.

Randy não saiu do lugar, então ele se aproximou, levando a odiosa tira de couro. Ela se encolheu, quando ele juntou-lhe as mãos atrás das costas.

—   Não vou tentar fugir de novo. Dou-lhe minha palavra.

  • Por que eu aceitaria a sua palavra sem nenhuma garantia?
  • Eu não iria embora sem Scott.
  • Mas ficaria bem satisfeita em poder cortar o meu pes­coço, quando eu dormisse — ele comentou.

Enfiou a mão no bolso da saia de Randy e puxou para fora a faca que ela tirara de Scott, quando os dois haviam se abraçado. Não fora para isso que ela abraçara o filho tão longamente, mas quando sentira o cabo de marfim em sua mão, aquilo lhe parecera uma dádiva de Deus. Apro­veitara a chance, achando que ninguém percebera.

No entanto, agora Hawk tirava-lhe a faca da mesma ma­neira que a despojara do orgulho.

  • Essas tentativas de fuga estão se tornando cansativas, senhora Price. Por que não desiste?
  • Por que você não vai para o inferno?

Ela passou por ele com o máximo de dignidade que uma pessoa com as mãos amarradas nas costas poderia exibir. Sentou-se no chão, aos pés da cama, no mesmo lugar onde ficara o dia todo, exceto quando Hawk a soltara para jantar e receber a visita de Scott.

Sem uma palavra, Hawk ajoelhou-se a sua frente e amar­rou-lhe as mãos no pé da cama. Depois, foi até um armário no outro lado do cómodo e pegou um cobertor e um travesseiro.

—   Deite-se — ordenou, jogando o travesseiro no chão.        Randy quis rebelar-se, mas estava cansada de lutar contra ele. Não iria desperdiçar o que lhe restava de energia física e mental. Deitou-se de lado e ajeitou a cabeça no travesseiro. Hawk abriu o cobertor e deixou-o cair sobre ela.

—   Volto já — avisou, antes de sair da cabana.

Levou o lampião, deixando Randy no escuro. Passou-se mais de uma hora. Randy imaginou aonde ele fora e o que estaria fazendo. Patrulhando o acampamento? Conferen­ciando com os outros chefes? Fazendo amor com Dawn?

Esse último pensamento fixou-se em sua mente. Ela os visualizou juntos, dois corpos, um duro e esbelto, outro macio e voluptuoso, movendo-se em perfeita sincronia. Viu o rosto de Hawk, intenso e viril, enquanto seus quadris se moviam contra os da mulher com infinita graça.

Imaginou a boca de Hawk no seio de Dawn, os lábios abrindo-se e fechando-se ao redor de um mamilo, a língua excitando-o. Viu-o sugar avidamente o bico ereto, tomando-o todo na boca.

Gemeu alto, sacudida por uma onda de desejo. Odiou a sensibilidade de seu corpo, mas não podia negar que se excitara. A fantasia acendera em seu íntimo um fogo de­savergonhado que clamava por ser extinto. Hawk era o homem certo para apagá-lo. Ele sabia dar à amante o mesmo prazer que tirava dela. Randy percebera isso só pelo modo dele tocá-la. Naquela manhã, ela se sentira latejar de desejo com suas hábeis carícias, que haviam desencadeado uma febre voraz em seus seios e entre as pernas.

Uma visão da mão dele percorrendo-lhe a coxa passou por sua mente. Ela mordeu o lábio para sufocar outro ge­mido, ansiando por sentir aquela mão embaixo de suas rou­pas, apalpando-a, investigando seu corpo.

Estava tão perdida em sua fantasia, que se assustou quando Hawk entrou, fechando a porta atrás de si. Fingiu que dormia. Ele se aproximou e segurou o lampião bem acima de seu rosto. Randy só podia esperar que suas faces não estivessem muito vermelhas e que a respiração fosse bastante calma para que ele se convencesse de que ela adormecera.

Hawk pareceu convencido, porque não disse nada. Co­locou o lampião na mesa e apagou-o. Ela ouviu o barulho das botas caindo no chão e o farfalhar das roupas, quando ele as despiu. As molas da cama rangeram sob seu peso. Ela ficou prestando atenção, esperando ouvi-lo ressonar, mas adormeceu primeiro.

Em dado momento, durante a noite, acordou e viu-o in­clinado sobre ela. Encolheu-se, assustada. Os raios pratea­dos da lua, entrando pela janela, contornavam o corpo más­culo e tornavam luminosos os olhos incrivelmente azuis.

— Seus dentes estão batendo — ele murmurou.

Estendeu outra coberta sobre ela. Uma das pontas tocou-a no rosto. Pele de carneiro. Ela vira muitas pelo acampa­mento. Aninhou-se em seu calor. Hawk voltou silenciosa­mente para a cama.

Por muito tempo, Randy ficou olhando para a janela. Notara os movimentos do peito e dos ombros musculosos, quando Hawk abrira a coberta sobre ela. A pele morena era lisa e esticada como a de um tambor. Os mamilos salientavam-se, pequenos e duros. A cintura era esbelta e o estômago, chato. Uma trilha formada por pêlos escuros guiou o olhar dela para baixo.

A visão foi de tirar o fôlego.

Hawk O’Toole estava selvagemente, primitivamente, ma­ravilhosamente nu.

Leta e Randy estavam servindo de garçonetes para os homens. Moviam-se do fogão para a mesa e de novo para o fogão, carregando o pesado bule esmaltado, tornando a encher com café as xícaras que iam ficando vazias. Os con­selheiros da tribo haviam se reunido na cabana de Hawk para discutir suas estratégias. Era o equivalente a um pow-wow, o antigo ritual dos índios, que reunia chefes, sacer­dotes e curandeiros.

Randy poderia ficar ressentida pelo fato de eles estarem falando a seu respeito como se ela não estivesse presente, mas não ficou. Pelo menos, saberia de que modo eles pre­tendiam agir. Além disso, estava livre para mover-se pela cabana, o que lhe permitia olhar pela janela e ver Scott brincando lá fora com Donny.

Tinha a impressão de que se tornara invisível para Hawk, que não lhe dava a menor atenção. Quando ela acordara, pela manhã, descobrira que ele já se levantara e que a de­samarrara, antes de sair da cabana. Ele voltara mais tarde, acompanhado por Leta e Ernie, e evitara, acintosamente, olhar em sua direção.

Durante a discussão com os conselheiros, embora proferisse o nome de Randy com frequência, ele a olhou apenas uma vez, quando ela espirrou, chamando a atenção de todos.

Seus olhares cruzaram-se tão brevemente, que ela não saberia dizer quem desviara os olhos primeiro.

O propósito principal da reunião era esperar pela che­gada do jornal. Um dos índios fora à cidade mais próxima, que ficava a uma distância considerável, para comprar a primeira edição do dia. Ele chegou, por fim. Desceu da caminhonete e correu pela trilha que levava à cabana, ao encontro do homem que lhe abrira a porta.

Trazia três exemplares, que distribuiu entre os homens sentados à mesa. Estava carrancudo. Com um olhar, Hawk avaliou o estado de espírito do mensageiro, antes de co­meçar a ler a primeira página.

Randy viu uma foto sua e uma de Scott. Havia também uma de Morton, na qual ele parecia arrasado pelo sofri­mento. Estava desempenhando seu papel à perfeição. Só um canalha completo poderia dar prosseguimento a um embuste tão grande. Só um ególatra teria a coragem de tentar. Ela estava ansiosa por ler as reportagens, pois as declarações de Morton deviam ser muito interessantes. Também queria saber que providências estavam sendo to­madas para que ela e Scott fossem libertados.

Os homens começaram a remexer-se nas cadeiras. Ernie ergueu a cabeça e olhou com severidade para Hawk, antes de retomar a leitura. Um dos conselheiros xingou e saiu da mesa, furioso, indo postar-se à janela.

Randy ficou nervosa, notando que ele observava Scott. Olhou inquisitivamente para Hawk. O que viu no rosto dele não lhe deu nenhum conforto. Ele apertava os dentes com força. Cerrara as mãos pousadas nos dois lados do jornal e franzira as sobrancelhas.

—   Praga! — ele bradou, dando um soco na mesa. Randy sobressaltou-se.

  • Talvez haja mais informações em outro caderno do jornal — Ernie sugeriu.
  • Já verifiquei — disse o homem que fora comprar os jornais. — Não há mais nada. Só o que vocês leram.
  • O miserável mal nos mencionou!
  • E se referiu ao sequestro como um ato selvagem e criminoso!
  • Pensei que ele iria tomar o nosso partido, que iria apresentar o nosso caso ao governador.

Um por um, todos os homens fizeram seus comentários. Apenas Hawk permaneceu em silêncio. Por fim, ele ergueu a cabeça e perfurou Randy com o olhar. Ela estremeceu, invadida pelo medo.

—   Saiam todos — Hawk sibilou.

A ordem foi quase inaudível. Os homens olharam em volta, indecisos. O que se encontrava junto à janela foi o primeiro a sair. Os outros seguiram-no, cochichando entre si. Leta parou à porta, à espera do marido, que se mantinha ao lado de Hawk.

  • Antes de agir, meça todas as possíveis consequências — Ernie aconselhou ao amigo.
  • Que as consequências vão para o diabo! Eu sei o que estou fazendo! — replicou Hawk.

Ernie não parecia ser da mesma opinião, mas saiu com Leta, seguindo os demais. Randy sabia que Hawk não a incluíra na ordem que dera. Ficou parada no mesmo lugar.

Fez-se silêncio. Lá de fora vinham os sons familiares de crianças brincando, alguém martelando, cães latindo. Ca­valos relinchavam e bufavam. Um motor começou a fun­cionar. Mas esses barulhos comuns pareciam distantes, in­capazes de quebrar o silêncio que pesava na cabana. Exceto pelo fogo crepitando no fogão, e a respiração rápida de Randy, nada mais se ouvia.

Então, quando ela achou que não suportaria a tensão nem mais um instante, Hawk levantou-se lentamente, afas­tando a cadeira para trás. Deu a volta na mesa e avançou para Randy, olhando-a fixamente.

Parou a menos de um metro de distância.

—   Tire a camisa — ordenou com voz inexpressiva.

que ficava a uma distância considerável, para comprar a primeira edição do dia. Ele chegou, por fim. Desceu da caminhonete e correu pela trilha que levava à cabana, ao encontro do homem que lhe abrira a porta.

Trazia três exemplares, que distribuiu entre os homens sentados à mesa. Estava carrancudo. Com um olhar, Hawk avaliou o estado de espírito do mensageiro, antes de co­meçar a ler a primeira página.

Randy viu uma foto sua e uma de Scott. Havia também uma de Morton, na qual ele parecia arrasado pelo sofri­mento. Estava desempenhando seu papel à perfeição. Só um canalha completo poderia dar prosseguimento a um embuste tão grande. Só um ególatra teria a coragem de tentar. Ela estava ansiosa por ler as reportagens, pois as declarações de Morton deviam ser muito interessantes. Também queria saber que providências estavam sendo to­madas para que ela e Scott fossem libertados.

Os homens começaram a remexer-se nas cadeiras. Ernie ergueu a cabeça e olhou com severidade para Hawk, antes de retomar a leitura. Um dos conselheiros xingou e saiu da mesa, furioso, indo postar-se à janela.

Randy ficou nervosa, notando que ele observava Scott. Olhou inquisitivamente para Hawk. O que viu no rosto dele não lhe deu nenhum conforto. Ele apertava os dentes com força. Cerrara as mãos pousadas nos dois lados do jornal e franzira as sobrancelhas.

—   Praga! — ele bradou, dando um soco na mesa. Randy sobressaltou-se.

  • Talvez haja mais informações em outro caderno do jornal — Ernie sugeriu.
  • Já verifiquei — disse o homem que fora comprar os jornais. — Não há mais nada. Só o que vocês leram.
  • O miserável mal nos mencionou!
  • E se referiu ao sequestro como um ato selvagem e criminoso!
  • Pensei que ele iria tomar o nosso partido, que iria apresentar o nosso caso ao governador.

Um por um, todos os homens fizeram seus comentários. Apenas Hawk permaneceu em silêncio. Por fim, ele ergueu a cabeça e perfurou Randy com o olhar. Ela estremeceu, invadida pelo medo.

—   Saiam todos — Hawk sibilou.

A ordem foi quase inaudível. Os homens olharam em volta, indecisos. O que se encontrava junto à janela foi o primeiro a sair. Os outros seguiram-no, cochichando entre si. Leta parou à porta, à espera do marido, que se mantinha ao lado de Hawk.

  • Antes de agir, meça todas as possíveis consequências — Ernie aconselhou ao amigo.
  • Que as consequências vão para o diabo! Eu sei o que estou fazendo! — replicou Hawk.

Ernie não parecia ser da mesma opinião, mas saiu com Leta, seguindo os demais. Randy sabia que Hawk não a incluíra na ordem que dera. Ficou parada no mesmo lugar.

Fez-se silêncio. Lá de fora vinham os sons familiares de crianças brincando, alguém martelando, cães latindo. Ca­valos relinchavam e bufavam. Um motor começou a fun­cionar. Mas esses barulhos comuns pareciam distantes, in­capazes de quebrar o silêncio que pesava na cabana. Exceto pelo fogo crepitando no fogão, e a respiração rápida de Randy, nada mais se ouvia.

Então, quando ela achou que não suportaria a tensão nem mais um instante, Hawk levantou-se lentamente, afas­tando a cadeira para trás. Deu a volta na mesa e avançou para Randy, olhando-a fixamente.

Parou a menos de um metro de distância.

—   Tire a camisa — ordenou com voz inexpressiva.

 

Randy não disse nada, não se moveu. Apenas a rápida contração de suas pupilas e um leve estremecimento indi­caram que ela ouvira o que Hawk dissera.

  • Tire a camisa — ele repetiu.
  • Não — ela respondeu com uma voz que não passava de um murmúrio rouco. Então, abanando a cabeça, disse em tom mais categórico: — Não. Não!
  • Então...

A lâmina da faca, afiada como a de uma navalha, asso­biou sinistramente, quando ele a tirou da bainha de couro. Randy recuou um passo. Segurando a faca com a mão di­reita, ele estendeu a esquerda para agarrá-la. Ela se abaixou. Ele pegou uma mecha farta de seus cabelos, enrolou-a no pulso e puxou. A dor impediu-a de perceber que ele cortava sua camisa da gola até embaixo, mas ela sentiu o contato do ar em sua pele. Olhando para baixo, viu a camisa to­talmente aberta. O choque sufocou o grito que lhe subiu à garganta.

Hawk soltou a mecha de cabelos, mas Randy estava ató­nita demais para pensar em correr. Ele segurou uma das mãos dela e, manejando a faca novamente, fez um corte na parte mais carnuda do polegar, antes de guardar a arma na bainha.

Randy ficou olhando para o sangue que escorria de seu dedo. Sem fala, assustada demais para fazer qualquer mo­vimento, não resistiu, quando Hawk tirou-lhe a camisa.

—   Sua teimosia foi benéfica. A camisa cortada causará uma impressão muito maior. — Ele apertou o polegar ferido, até que o sangue fluiu livremente, descendo pela mão e pelo braço. Sujou a camisa, pressionando-a contra os fi­letes de sangue. — Eles farão testes e verão que se trata do seu sangue. — Fios de cabelos de Randy estavam en­rolados em seus dedos, e ele retirou-os cuidadosamente, grudando-os no tecido da camisa. — Seus cabelos. — Hawk sorriu cinicamente. — Eles acharão que você foi vítima de uma cruel agressão.

—   E não fui?

Ele olhou para os seios nus. Randy fechou os olhos, mor­tificada, sabendo que Hawk observava seus mamilos em­pinados e rijos.

—   Ainda não, mas talvez seja. — Aproximando-se mais, ele pegou a mão dela, que ainda sangrava, e colocou-a sobre sua ereção. — Estou louco de desejo por você, senhora Price. Vamos sujar a camisa com outra coisa, além de sangue? Algo que não precise de um microscópio para ser identificado.

Pressionou a mão dela com mais força. Ela gritou e puxou a mão. Gritara de dor, não de protesto contra a grosseira sugestão ou a carícia a que ele a estava forçando.

—   O que foi? — Hawk perguntou.

A voz dele mudara. Já não estava carregada de ameaça. Tinha um tom de genuína preocupação. Os olhos azuis não cintilavam sinistramente quando se moveram sobre ela, investigando.

—   Nada. Não foi nada — respondeu Randy, ofegante. Ele a agarrou pelo braço.

—   Não minta para mim. O que foi? — Sacudiu-a de leve e, quando ela se encolheu, contorcendo o rosto num trejeito de dor, afrouxou o aperto. — Seu braço dói?

Ela não queria demonstrar fraqueza, mas, como ele in­sistia, moveu a cabeça num gesto afirmativo.

—   Está dolorido de eu dormir no chão, na mesma po­sição. E apanhei muito frio, antes de você... antes de você me cobrir — observou baixinho, baixando o olhar. — Meus músculos ficaram entorpecidos.

Hawk recuou, soltando-a. Quando Randy ergueu os olhos, ele ainda a fitava. Então, viu-o virar-se bruscamente, ir até o armário e pegar uma camisa limpa, também de flanela, mas muito maior do que aquela que ela estivera usando. Devia ser dele.

Depois de ajeitar a camisa nos ombros dela, Hawk aju­dou-a a introduzir os braços nas mangas compridas demais. Os punhos penderam abaixo dos dedos. Enquanto ela ficava de pé diante dele, dócil como uma criança, Hawk enrolou as mangas até acima dos pulsos. Foi então que ele notou que o polegar dela ainda sangrava.

O coração de Randy quase saltou do peito quando ele er­gueu-lhe o dedo até a boca e sugou-o com força. Os olhos dos dois encontraram-se, enquanto ele deslizava a língua pelo corte. Ela aspirou o ar convulsivamente, atraindo a atenção dele para seus seios, cobertos agora, mas ainda meio expostos, porque a camisa estava desabotoada. Os mamilos desenhavam relevos no tecido macio. Aquilo era mais sensual do que a nudez.

Hawk pousou os dedos no pescoço dela e, examinando-o, notou a leve marca deixada por seu beijo voraz, duas noites antes. Massageou o ligeiro hematoma, ternamente. Randy viu arrependimento em seus olhos, mas, também, um ine­gável traço de orgulho.

Ele deslizou a mão para baixo e afastou um dos lados da camisa, revelando um seio que parecia muito claro, rosado e frágil, em contraste com o tecido escuro da camisa e a más­cula mão bronzeada. Hawk acariciou-o com os nós dos dedos. Com o polegar, acariciou o mamilo delicado, fazendo-o em­pinar e perder a aparência inocente para tornar-se franca­mente erótico. Seus olhos encontraram os de Randy, que pa­recia maravilhada com a revelação daquele lado terno de Hawk O’Toole. Os olhos dele fulguravam de desejo.

Então, como se ficasse zangado com ela, ou consigo mes­mo, ele retirou a mão e virou-se. Por um longo momento, ficou parado, o corpo ereto e rígido.

  • Parece que seu marido não se importará se você não for devolvida.
  • Eu lhe disse que Morton não se importa comigo. — Ela estava tendo dificuldade em falar. Os joelhos pareciam ter se liquidificado. Sua feminilidade latejava, úmida de desejo. As faces queimavam com o rubor da vergonha. — E ele não é mais meu marido.
  • Mas ainda se preocupa com Scott.
  • Só porque é isso que o público espera dele.
  • Ele se refere muito pouco a nós, a nossa causa, nas declarações à imprensa. — Hawk virou-se e sacudiu a ca­misa manchada de sangue. — Isto aqui o lembrará dos termos do nosso acordo.
  • Duvido que adiante alguma coisa. Talvez ele nem re­vele que recebeu a camisa.
  • Não vou remetê-la para ele, mas diretamente para o governador Adams, com uma carta declarando nossas rei­vindicações e explicando por que a mina Puma Solitário é tão importante para a economia da reserva.
  • Espero que consiga o que deseja, Hawk. Sinceramente. Mas você precisa nos libertar. Mandar roupas ensanguen­tadas pelo correio, numa ameaça tácita de violência, é algo perigoso e estúpido. Fará mais mal do que bem.
  • Não pedi a sua opinião. — Ele olhou para a abertura da camisa dela, onde os seios se juntavam formando um vale. — Só existe um assunto no qual você é perita, e esse eu já conheço bem — disse com sarcasmo.

Deixando-a engasgada de raiva, marchou para fora da cabana, batendo a porta atrás de si.

—   Ele não teve uma vida fácil. E por isso que às vezes parece tão duro — Leta comentou em tom solene, falando com Randy. — Mas por baixo dessa dureza, Hawk tem um coração mole. Ele não quer que as pessoas saibam, por­que isso o faria parecer fraco. Leva muito a sério sua função de chefe da tribo.

Randy só podia concordar. As duas encontravam-se à mesa, na cabana de Hawk, picando legumes para fazer um ensopado. Randy não vira Hawk desde que ele saíra tem­pestivamente, horas antes, levando a camisa manchada de sangue. Surpreendera-se por ele não ter voltado a amarrá-la, mas isso ficara explicado momentos depois, quando Leta chegara, trazendo algumas roupas para consertar e um cesto de legumes, além de um Band-Aid para o dedo cortado.

—   Você foi nomeada meu cão de guarda, suponho — observara.

O sorriso inocente de Leta desaparecera, e Randy arre­pendera-se das palavras agressivas. Não era culpa da moça o fato de ela ser prisioneira de um homem sem coração. A índia apenas obedecia às ordens de um homem, de um chefe, algo a que fora condicionada desde que se entendera por gente.

—   Desculpe minha grosseria, Leta. Sobrou café. Quer um pouco?

Parecia grotesco brincar de anfitriã, logo depois que o senhor do castelo arrancara a camisa de seu corpo, cortara-a com uma faca e a insultara. Leta, porém, pareceu não per­ceber o absurdo da situação e aceitou alegremente a xícara de café. Fez seus remendos e, ao terminar, começou a des­cascar e picar os legumes, conversando sem parar. Aos pou­cos, e de modo natural, pôs-se a falar de Hawk O’Toole.

Randy vinha querendo saber tudo o que pudesse a res­peito dele, sem precisar fazer perguntas, e ficou satisfeita com as informações sem censura que Leta lhe forneceu.

—   Não vi muita coisa que prove que Hawk tem um bom coração — observou, jogando uma batata descascada na bacia de água fria e pegando outra.

  • Oh, ele tem, sim. Ainda lamenta a morte da mãe e do irmão. E sente muito a falta do avô.
  • Parece-me que o avô foi o único que exerceu uma influência positiva e estável na vida de Hawk — Randy comentou.

Leta refletiu um pouco, então concordou com um gesto de cabeça.

  • Hawk não derramou uma lágrima quando o pai mor­reu. Os dois brigavam como cão e gato. Sou muito nova para me lembrar, mas Ernie me contou. — Calculou quantas cenouras já pelara e picara e decidiu acrescentar mais uma. — Hawk e o filho mais velho de Ernie são da mesma idade. Jogaram futebol juntos na universidade.
  • Universidade?
  • Os dois são engenheiros. Hawk trabalha com minas, e Dennis com represas e pontes. Hawk voltou para a reserva quando o avô morreu. Desistiu de fazer carreira na cidade.

Randy esqueceu a batata meio descascada que tinha na mão.

  • Se abandonou uma carreira promissora na cidade, deve ter sentido um impulso muito forte de voltar.
  • Acho que foi por causa do pai dele e da mina.
  • Do pai e da mina?
  • Eu não sei a história direito, mas o pai de Hawk era gerente da mina. Ele não... — Leta fez uma pausa breve, então prosseguiu em tom mais baixo: — Não era muito confiável. Ernie disse que vivia bêbado. Seja como for, dei­xou que aqueles homens o convencessem a vender a mina.

Randy estava ansiosa por saber mais, embora não quisesse demonstrar.

  • Ele vendeu a mina para o grupo de investidores? ____ perguntou.
    • Ernie disse que a tribo foi enganada. Quase
      todo mundo culpou o pai de Hawk, que acabou ficando louco por causa da bebida e teve de ser levado embora.

—   Então, Hawk assumiu a responsabilidade e a culpa — Randy terminou a história, como falando consigo mesma.

Isso explicava muita coisa a respeito de Hawk O’Toole. Ele queria que a mina voltasse a funcionar, não só pelo bem da tribo, mas também para redimir-se. Com um di­ploma universitário e aquele dom de liderança, ele poderia estar trabalhando em qualquer mina do mundo, mas per­manecera na reserva, não só porque fora nomeado chefe, mas também porque o sentimento de culpa o prendia ali.

—   Ernie se preocupa muito com Hawk — Leta continuou, inconsciente das reflexões de Randy. — Acha que ele devia se casar e ter filhos. Assim, talvez, não ficasse de mau humor com tanta frequência. Ernie diz que Hawk sofre de solidão, e que é por isso que age mal de vez em quando. Ele podia escolher qualquer moça da tribo para ser sua esposa, mas se recusa.

—   Suponho que escolha uma para... bem... você sabe.

Leta baixou os olhos, acanhada.

—   Quando ele quer uma mulher para aquilo, vai à cidade e fica lá durante alguns dias.

Randy engoliu em seco.

—   E ele vai à cidade frequentemente?

  • Isso varia — Leta respondeu, dando de ombros. — Algumas vezes por mês.
  • De vez em quando, demora quatro dias ou mais para voltar — a índia acrescentou. — E é quando volta mais irritado. Parece que quanto mais fica com uma mulher com­prada, menos satisfeito se sente — Enxugou as mãos num pano de prato e juntou as cascas num jornal que espalhara na mesa com essa finalidade.
  • Prostitutas não lhe darão filhos — Randy comentou.
  • Ele disse a Ernie que não quer nenhum.
  • Não? Por quê?
  • Ernie acha que Hawk tem medo, por causa do que aconteceu com a mãe. Ele a viu morrer.

Grande parte do antagonismo de Randy caiu por terra. Era difícil ter raiva de uma pessoa que passara por tão grande sofrimento.

  • Se Hawk não começar a ter filhos logo, terá de trabalhar dobrado para alcançar Ernie — Leta observou em tom brin­calhão, endereçando um sorriso sugestivo para Randy.
  • Você está grávida?

Leta moveu a cabeça afirmativamente, os olhos enchen­do-se de alegria.

  • Já contou a Ernie? — Randy indagou.
  • Ontem à noite.

—   Parabéns a vocês dois. Leta riu.

—   Ernie já tem netos, mas ficou orgulhoso como um pavão, quando lhe contei sobre o bebé.

Olhando para a barriga, alisou-a carinhosamente. Sua ex­pressão suave e amorosa embelezou-lhe o rosto.

Randy sentiu-se feliz por ela, mas experimentou também uma pontada de inveja. O amor da jovem por Ernie era descomplicado, os dois levavam uma vida simples. Claro, ele era cúmplice de um crime e poderia ser preso, mas por nada no mundo ela nublaria a felicidade de Leta, dizen­do-lhe aquilo.

Alguns minutos mais tarde, Donny e Scott chegaram, pedindo almoço. Comeram sanduíches, que Randy e Leta prepararam para eles. Randy sentou-se perto do filho e não perdeu nenhuma oportunidade de tocá-lo, mas discreta­mente, para não embaraçá-lo.

—   Poxa, mamãe, foi legal dormir na casa de Donny! Ernie contou histórias de fantasmas, de fantasmas índiosl — Scott acabou de tomar o leite e limpou a boca com as costas da mão. — Você gostou de dormir na casa de Hawk? O sorriso de Randy tornou-se hesitante.

  • Foi bom.
  • Hawk disse que vamos andar a cavalo, depois do almoço. E mandou você fazer um sanduíche para ele. Eu vou levar.

Ela teve vontade de mandar o filho dizer ao sr. O’Toole que ele podia muito bem voltar para a cabana e fazer seu próprio sanduíche, mas não queria envolver Scott naquela briga, o que, sem dúvida, Hawk esperava que acontecesse.

Depois de entregar ao menino dois sanduíches embru­lhados, ela o abraçou.

  • Tenha cuidado. Não esqueça que faz pouco tempo que anda a cavalo. Não se arrisque sem necessidade.
  • Eu tenho cuidado — afirmou Scott. — E Hawk vai junto. Espere, Donny! Já estou indo!

Correu para fora, atravessou o alpendre e desceu a escada sem olhar para trás. Quando Randy virou-se, Leta olhava-a com ar compreensivo.

—   Hawk não deixará que nada de mau aconteça a Scott. Eu sei que não.

Randy sorriu debilmente.

  • Não deixará enquanto eu colaborar, o que pretendo continuar fazendo. — Respirou fundo. — Assim, não há necessidade de você ficar comigo. Sei que tem outras coisas para fazer. Pode ir. Não sairei daqui.
  • Você tentou fugir.
  • Não vou mais fazer isso.
  • Devia saber que Hawk a encontraria.
  • Acho que sabia, mas precisava tentar.

Leta, incapaz de compreender tanta determinação, aba­nou a cabeça.

—   Gosto muito mais de ser protegida por um homem do que de andar por aí sozinha.

O inocente comentário perturbou Randy. Por quê, de re­pente, ser protegida por Hawk parecia algo tão atraente? Ela queria ficar sozinha para refletir sobre aquilo. Além disso, estava sentindo os efeitos de uma noite maldormida. Os olhos pareciam cheios de areia. Ela não podia conter os bocejos e desistira de disfarçá-los. Insistiu para que Leta fosse embora, e, por fim, a moça cedeu.

Assim que a porta fechou-se, Randy cambaleou para a cama. Deitou-se, cobriu-se com o cobertor e afundou a ca­beça no travesseiro. Que Hawk se danasse, se ficasse abor­recido por ela dormir em sua cama. Fora por culpa dele que ela não dormira direito. Primeiro, ele a obrigara a dei­tar-se no chão duro. Depois, quase a deixara congelar, antes de cobri-la com a coberta de pele de carneiro. E permitira que ela o visse totalmente nu.

Com essa deliciosa lembrança, Randy mergulhou em sono profundo.

Hawk estava na cabana, quando ela acordou e sentou-se na cama, olhando em volta. Ele se encontrava sentado numa cadeira perto do fogão, as pernas estendidas, as mãos cru­zadas sobre a fivela de seu cinturão. Olhava-a, e ela teve a sensação de que já fazia algum tempo que era observada.

  • Desculpe — Randy disse nervosamente, atirando o cobertor para o lado e virando as pernas para fora da cama. — Que horas são?
  • Que diferença isso faz?

—   Nenhuma, acho. Eu não pretendia dormir tanto. Pela claridade que entrava pela janela, ela percebeu que a tarde chegava ao fim. O sol já descera atrás das monta­nhas, e as sombras lá fora tornavam-se mais densas.

—   Não está curiosa? — Hawk perguntou.

Ela esfregou as mãos ao longo dos braços para aquecê-los.

—   Curiosa? A respeito de quê?

  • Da camisa.
  • Você a mandou?
  • Espero que isso apresse nossa volta para casa. — Ela se levantou e alisou a camisa amassada. — Levou Scott para cavalgar?
  • Seu filho está montando bem.
  • Onde ele está?
  • Acho que na casa de Ernie, jogando cartas.
  • Vou vê-lo no jantar, não é?
  • Você perdeu o jantar. Comemos mais cedo, hoje.
  • Está dizendo que só verei Scott amanhã? Por que não me acordou? — ela perguntou, irritada.

Ele ignorou tanto a raiva dela quanto a pergunta.

—   Por que está esfregando os braços? — indagou.

  • Porque estou com frio. Não me sinto bem. — Para sua mortificação, lágrimas encheram-lhe os olhos. — Minha cabeça está anuviada, o corpo todo dói. E é tudo culpa sua. Preciso tomar uma aspirina. Esbarro o dedo machucado em todos os lugares, e o corte não fecha por causa disso.
  • Mandei um Band-Aid.
  • Saiu, quando eu estava lavando os seus pratos! — ela gritou. — Quero ver meu filho, dar-lhe um beijo de boa-noite. Você o manteve longe de mim quase o dia todo.

Hawk levantou-se da cadeira.

  • Devia ter pensado nisso, antes de tentar fugir.
  • Por quanto tempo ainda me castigará?
  • Até ter certeza de que você aprendeu a lição.

Ela curvou a cabeça, sentindo-se derrotada. Uma lágrima rolou por seu rosto.

—   Por favor, Hawk, me deixe ver Scott. Só por cinco minutos.

Ele colocou um dedo sob o queixo dela e obrigou-a a erguer a cabeça. Olhou-a por alguns instantes, então soltou-a. Tirou o cobertor da cama e pegou outro de uma prateleira.

—   Venha — chamou, caminhando para a porta.

Satisfeita, ela o seguiu trilha abaixo, enxugando as lágri­mas que escorriam pelo rosto. Achou estranho quando Hawk a levou para a sua caminhonete, então supôs que ele não quisesse ir a pé até a cabana de Ernie.

Mas, quando ele dirigiu o veículo na direção oposta, olhou-o, surpresa.

  • O que está fazendo? Aonde vamos?
  • Logo vai saber. Aproveite o passeio. A noite está linda.
  • Quero ver Scott.

Hawk não disse nada, olhando fixamente para a frente. Randy não iria lhe dar novamente a satisfação de vê-la chorar. Não iria implorar. Endireitou-se no assento, as cos­tas rígidas, o queixo erguido. Estava com vontade de bater em si mesma por ter chorado e suplicado. Humilhara-se, e de nada adiantara.

Não foram longe, mas quando Hawk parou a caminho­nete, ela viu que o lugar era muito mais selvagem do que o acampamento. Randy olhou-o, perplexa, quando ele des­ligou o motor e puxou o breque de mão.

—   Onde estamos? Por que viemos aqui? Vai enterrar o meu corpo neste lugar?

Sem nada dizer, Hawk saltou para o chão e rodeou o veículo para abrir a porta do passageiro. Randy saiu e es­perou até que ele tirasse os cobertores da carroceria.

—   Lá em cima — ele disse.

Desconfiada, ela começou a subir o aclive. Ficou sem fôlego quando chegaram ao topo, não apenas por causa da subida, mas também porque a vista era deslumbrante. Pa­recia que o mundo todo estendia-se diante dos dois, e que nada se interpunha entre eles e o pôr-do-sol.

As cores eram maravilhosas, indo do mais flamejante vermelho ao mais translúcido lilás. À medida que o céu escurecia, as estrelas apareciam, como flores se abrindo de­pois de um aguaceiro de primavera. Logo acima do hori­zonte, a lua crescente era grande e tão sem mácula quanto a mais fina porcelana. As roupas de Randy colavam-se ao corpo, sopradas pelo vento frio.

  • Vamos ter de nos espremer para passar por ali — Hawk avisou, falando quase ao ouvido dela.
  • Por ali, onde? — ela perguntou, porque ele apontava para o que parecia uma parede de pedra.

—   Aqui — ele respondeu, pegando-a pela mão e puxando-a.    Fazendo uma inspeção mais minuciosa, ela notou uma fenda na rocha, larga apenas o bastante para deixar passar uma pessoa esbelta. Hawk empurrou-a de leve, e ela entrou numa espécie de corredor. Ele a seguiu. Na outra extremi­dade, bem mais larga, Randy estacou.

Viu, a uma curta distância, uma pequena lagoa. Vapor elevava-se da água, como de um caldeirão de sopa em ebu­lição, criando uma bruma rodopiante que cobria o chão e se enroscava em seus pés e pernas. Fontes subterrâneas faziam a água borbulhar.

—   Seja bem-vinda â banheira de água quente fornecida pela Mãe Natureza — Hawk entoou atrás dela.

A ideia de afundar-se na borbulhante água quente era deliciosa. Fazia dias que Randy não sabia o que era tomar um banho de verdade. Não quisera lavar-se nas águas frí­gidas do riacho, de modo que, desde o sequestro, tivera de contentar-se com banhos de esponja.

  • Quer entrar? — perguntou Hawk.
  • Quero! — ela exclamou, excitada. Então, com mais compostura, acrescentou: — Posso?
  • Foi para isso que eu a trouxe aqui. Talvez a água quente clareie a sua cabeça e espante o frio dos ossos.

Ela deu um passo na direção da lagoa, então lembrou-se de que estava vestida.

  • O que faço com as roupas?
  • Tire-as.
  • Não quero.
  • Então, elas ficarão molhadas.

Hawk começou a desabotoar a própria camisa. Quando arqueou os ombros para trás, tirando a camisa de dentro da calça, Randy desviou o olhar, sabendo que ele tentava intimidá-la. Mas ela não iria deixar. Beligerante, tirou os ténis e as meias, colocando-os numa pedra chata e seca. Soltou o fecho da saia e deixou-a cair, então pulou por cima do amontoado de tecido. A enorme camisa descia-lhe até o meio das coxas, cobrindo-a de modo decente.

Ouvindo o zumbido do zíper do jeans de Hawk, ela avan­çou o mais depressa que o chão pedregoso permitia e entrou na lagoa. Gritou. A água parecia escaldante, em contato com seus pés frios, mas após alguns segundos Randy se acostumou, então abaixou-se, deixando que a água a co­brisse até a cintura e, depois, até os ombros. Sentiu-se to­mada de um prazer celestial.

Uma banheira feita por mãos humanas teria de ter mil já tos instalados, para poder comparar-se com aquela. A água a atingia de todos os lados, massageando os músculos dolo­ridos, lubrificando as juntas duras, aquecendo a pele gelada.

—   Está gostando? — Hawk perguntou.

Ela ficou com medo de virar a cabeça para encará-lo, mas criou coragem e ficou aliviada ao ver que ele também estava submerso até o queixo. Porém, sabia que abaixo da superfície ondulante, o corpo dele estava nu. Tentou não pensar naquilo.

  • É maravilhoso! Como encontrou este lugar?
  • Meu avô costumava me trazer aqui, depois de uma caçada. Então, quando fiquei mais velho, comecei a trazer garotas para cá.

—   Acho que não preciso perguntar para quê. Ele sorriu e, dessa vez, foi um sorriso legítimo.

  • A água tem o dom de desfazer inibições. Depois de alguns minutos, as meninas esqueciam a palavra "não".

—   Trouxe muitas delas?

—   Não contei — Hawk respondeu, dando de ombros. — Elas simplesmente passavam pela minha vida.

  • Mas foram em número suficiente? Ele riu, zombeteiro.
  • Para um rapaz, nenhum número de mulheres é suficiente.
  • E agora, que já é adulto?

Hawk a observou por alguns instantes.

—   Nenhum número de mulheres é suficiente — ele repetiu. Mesmo sabendo que seria mais prudente não insistir no assunto, ela decidiu ir em frente.

—   Leta me falou de suas viagens à cidade. Mulheres de aluguel o satisfazem?

—   Perfeitamente. E eu também as satisfaço. E você? — ele indagou em tom suave. — Sempre fica satisfeita? De quantos amantes precisa para apagar o seu fogo?

Randy apertou os dentes para impedir-se de dar uma resposta grosseira.

—   Você me julga uma depravada — disse. — E eu o considero um criminoso. Um acha que o outro merece ser castigado. Muito bem. Não podemos deixar as coisas assim e parar de trocar insultos? Principalmente agora. Não va­mos arruinar estes momentos com discussões, por favor. Estou adorando isto aqui. Não quero que uma briga idiota estrague tudo.

Hawk virou a cabeça, e seu perfil recortou-se contra o horizonte, que escurecia rapidamente, perdendo a batalha contra a noite.

Randy admirou sua beleza máscula. Imaginou como se sentiria a respeito de Hawk O’Toole, se o tivesse conhecido em outro tempo, em outro lugar. Se não houvesse se casado com Morton Price, ainda tão jovem, para fugir de um lar i nlVI iz, poderia ter conhecido um homem como Hawk, forte, mas altruísta, lutando por causas, em vez de dinheiro, um líder sem ambições pessoais. Ela teria se apaixonado per­didamente por ele.

Sacudiu a cabeça para afugentar os estranhos pensamentos.

  • Fale-me de seu avô — pediu.

—   Falar o quê?

—   Você o amava?

Hawk virou a cabeça depressa e olhou-a com inegável suspeita. Então, pareceu perceber que ela não estava que­rendo ridicularizá-lo, porque respondeu:

—   Eu o respeitava.

Randy encorajou-o a falar, e logo ele estava contando fatos de sua infância e adolescência. Até sorriu, tocado por algumas recordações. Mas, quando acabou de contar uma história particularmente engraçada, seu rosto sorridente transformou-se numa carranca.

  • Quanto mais velho eu ficava, mais percebia que havia duas coisas contra mim — comentou.
  • Que coisas?
  • O fato de eu ser índio e o de ter um pai alcoólatra. Quando eu não era discriminado por um desses motivos, certamente era pelo outro.

Randy sabia que falar de certas coisas era o mesmo que mexer num ninho de vespas, mas não tinha nada a perder, e muito a ganhar, se chegasse a conhecê-lo melhor.

  • Leta me contou sobre de seu pai — começou, um tanto hesitante. — Disse que ele entregou a mina aos investidores.
  • Inferno! — Hawk endireitou-se, de modo que seu cor­po ficou exposto até abaixo da cintura. A água escorreu por seu peito liso. Gotas ficaram presas nos pêlos ao redor do umbigo. Randy queria ficar olhando para aquele ponto, mas os olhos dele estavam furiosos e prenderam sua aten­ção. — O que mais ficou sabendo com a tagarelice de Leta?
  • Não foi culpa dela — ela disse depressa. Não queria que a jovem ficasse em dificuldades por ter divulgado se­ gredos da tribo. — Eu fiz perguntas sobre você.
  • Por quê?

Randy olhou para ele, confusa.

  • Por quê? — ecoou.
  • É. Por quê? Por que essa curiosidade a meu respeito?
  • Pensei que, sabendo de que modo você foi criado, conseguiria entender os seus motivos. E consegui. Agora, sei por que a recuperação da mina é tão importante. Você quer compensar a tribo pelo erro de seu pai. — Ela pousou a mão no braço dele. — Hawk, ninguém o condena. Não foi culpa sua, se...

Ele empurrou a mão dela e levantou-se.

—   A última coisa que desejo é a sua compaixão. Ao con­trário, senhora Price, você é quem deveria implorar a minha.

Virou-se e já ia sair da água, quando Randy agarrou-lhe a mão e usou-a como apoio para erguer-se.

—   Não tenho pena de você, seu burro, cabeça-dura! — explodiu. — Eu só queria compreendê-lo, saber o que se passa na sua mente.

Hawk a segurou pelos ombros, levantando-a, de modo que apenas os dedos dos pés dela tocavam o fundo da lagoa.

—   Você nunca poderá me compreender, porque sua pele não é da cor da minha. Não foi ridicularizada por gente cheia de preconceitos, nem tratada com condescendência por pessoas fingidas. Não sabe o que é ter de provar seu valor como ser humano todos os dias da sua vida. Não dizem apesar de, quando falam dos seus sucessos, nem por causa de, quando se referem aos seus fracassos. Você foi aceita pela sociedade no dia em que nasceu. Eu ainda estou lutando para conseguir isso.

Randy afastou as mãos dele com um movimento brusco.

—   Não acha que essa sua suscetibilidade é grande demais? Nunca pensou em livrar-se dela? Ninguém se abespinha tanto por causa do seu sangue índio quanto você mesmo — gritou, pressionando o peito dele com o indicador. — Ninguém o culpa pelas falhas de seu pai, a não ser você! Torna tudo tão difícil para si mesmo, porque acha que merece ser punido pelo que ele fez. Isso é burrice! É loucura!

Hawk tentava aparentar indiferença, mas seus olhos o traíam. Estavam turbulentos, fervilhantes de raiva.

  • Coloque-se no seu lugar, senhora Price.
  • No meu lugar!? — ela gritou. — Posso saber que lugar é esse?
  • Embaixo de um homem — ele engrolou, puxando-a para si.

Beijou-a com violência. Randy debateu-se, tentando escapar. Hawk, porém, estava incontestavelmente no controle da situação. Ela acabou por entreabrir os lábios, e a língua ávida mergulhou no calor úmido de sua boca, ágil e pro­vocante, minando-lhe a resistência. Deixou de lutar para soltar-se e ficou ansiosa por aconchegar-se a ele.

Retribuiu o beijo, recebendo com entusiasmo as investi­das eróticas da língua exploradora. Mas não estava prepa­rada para a gentil sucção que Hawk aplicou, levando-lhe a língua para dentro de sua boca. Assim que o choque eletrizante passou, Randy começou sua própria exploração, com curiosidade e prazer.

Suas coxas nuas pressionavam-se contra as de Hawk. Os músculos duros do peito dele moviam-se sobre os seios dela, cada vez que ele movia os braços para abraçá-la com mais força. Randy gemeu, quando sentiu a rija evidência do desejo dele pressionando sua barriga.

Hawk interrompeu o beijo, soltando-a. Os dois ficaram se olhando, enquanto recuperavam o fôlego. O vento refrescou seus corpos febris, e o ar da montanha clareou suas mentes. A água borbulhava ao redor das pernas deles. Mas nada disso conseguia dissipar o desejo que um sentia pelo outro.

Hawk olhou para os seios dela e respirou fundo. Os ma­milos pareciam querer perfurar o tecido molhado, colado ao corpo. Ele levou a mão ao botão de cima da camisa. Hipnotizada por seu olhar, Randy o deixou soltá-lo. Então, foi o segundo botão. A mão dele roçava-lhe a pele, na des­cida de um botão para o outro.

Por fim, a camisa abriu-se, e Hawk afastou as duas partes para os lados, observando por um longo tempo os dois seios claros com seus bicos mais escuros e eretos.

Deixando escapar um som rouco e ansioso, ele passou as mãos por dentro da camisa e sob os braços dela, de modo que os seios repousaram no espaço entre seu polegar e os outros dedos. Testou sua sensibilidade, acariciando os mamilos, que reagiram prontamente. Curvando a cabeça, ele tomou um deles na boca quente e faminta.

Randy arqueou-se instintivamente, deixando a cabeça pender para trás. Seu ventre achatou-se contra a dura ere-ção. Hawk ergueu a cabeça e proferiu uma torrente de pa­lavras obscenas que, vergonhosamente, a excitaram. Pegou-a pela mão e levou-a para fora da lagoa. Deitaram-se num dos cobertores.

—   Acrescente outro crime a minha lista — ele murmurou, tirando-lhe a calcinha.

Beijou-a na barriga, nos seios, na boca, como se nunca mais fosse parar. A ponta aveludada de seu sexo já estava úmida, quando ele a penetrou, investindo, querendo ir mais fundo.

Randy arquejou, chocada com uma tão completa posse. Enquanto Hawk se movia dentro de seu corpo, o céu mag­nífico pareceu abrir-se. Ela fechou os olhos, ofuscada pela luz incandescente que continuou a jorrar, caindo em cen­telhas fulgurantes. Seu corpo estava dominado por um calor tão intenso quanto o de cada estrela em chamas. Randy começou a tremer. Só então, Hawk enterrou o rosto em seus cabelos e entregou-se à explosão do prazer.

Deitada entre os dois cobertores, as pernas entrelaçadas nas de Hawk, ela virou o rosto e beijou-lhe o peito timi­damente, acariciando a pele soberba com a ponta dos dedos.

  • Sou apenas outra garota cujas inibições derreteram na lagoa — murmurou.
  • Não. — Ele rolou de lado e deslizou a mão entre as coxas de Randy. — Nenhuma tinha cabelos loiros.
  • .. — ela murmurou meio sem fôlego, o máximo que podia fazer, pois ele movia o polegar de modo i nsolente sobre seu sexo. Esforçou-se para manter os olhos abertos para conseguir falar. — Você me chamou de Miranda.

A mão de Hawk ficou imóvel.

  • O quê?
  • Quando você... ha... Bem, você me chamou de Miranda. Ele puxou a mão e afastou-se. Seu rosto estava fechado.
  • Hawk?
  • Está na hora de voltar.

Ele se levantou e ofereceu-lhe a mão. Randy aceitou, pe­gando a calcinha e tentando vesti-la disfarçadamente. Hawk pareceu não notar seu acanhamento. Vestia-se com movi­mentos rápidos e descontrolados. Randy odiou ter de vestir a camisa molhada, mas não havia outro recurso. Quando os dois estavam vestidos, ele a pegou pela mão e a levou de volta através da fenda na rocha. Desceram a trilha em direção à caminhonete.

Lá embaixo, ela o puxou, obrigando-o a encará-la.

  • Por que gritou o meu nome?
  • Não percebi. Não crie caso à toa.

—   Não estou criando. Você é que está. Ficou aborrecido. Por quê?

Por alguns instantes, Hawk olhou para tudo o que os rodeava, menos para ela. Então, fitou-a no rosto.

  • Eu quis ser diferente dos outros.
  • Dos outros?
  • Dos seus outros amantes.

Pouco falaram, na volta para o acampamento. Quando pararam em frente à cabana, Randy sabia que Hawk já devia estar lamentando o que acontecera na lagoa. Mostrava-se carrancudo e os lábios apertados só podiam significar que ele desaprovava sua conduta.

Desceu da caminhonete e rodeou-a para abrir a outra porta para ela. Randy saltou, mas não pôde seguir adiante, porque ele bloqueava seu caminho. Ela manteve os olhos fixos no chão.

Hawk ergueu-lhe o rosto, pegando-o pelo queixo.

—   Acho que ficou óbvio que não usei preservativo.

  • Acho que ficou óbvio que nem pensei nisso.
  • Não tem com que se preocupar. Nunca deixei de usar, antes — ele informou, depois de uma breve pausa.

Tudo dentro de Randy pareceu parar de funcionar, di­ficultando-lhe a respiração. Sem querer, Hawk dissera que ela era especial, pelo menos diferente. Já era alguma coisa. Randy precisava de todas as justificativas que pudesse reu­nir, para desculpar-se pelo que deixara acontecer entre eles.

  • Você também não precisa se preocupar, Hawk.
  • Tomou cuidado, quando foi para a cama com os seus outros amantes?

Ela abanou a cabeça, desanimada, piscando para segurar as lágrimas que lhe encheram os olhos. Passou a língua pelos lábios.

—   Não tive outros amantes — respondeu com voz rouca. — Nenhum. Só meu marido. E agora, você. Juro.

Os olhos de Hawk nunca haviam brilhado tanto. Então, como para esconder aquela luz, ele os apertou num trejeito de suspeita. Depois de alguns instantes, afastou-se para um lado e a pegou pelo cotovelo.

  • Aonde? — ela perguntou, quando notou que ele não a conduzia na direção da cabana.

—   Pensei que quisesse dar um beijo de boa-noite em Scott. Randy tropeçou várias vezes, pois mantinha os olhos no rosto de Hawk, em vez de no caminho pedregoso. Ele era um enigma que ela desejava decifrar.

No dia seguinte, Randy ainda não solucionara o mistério de Hawk O’Toole.

Na noite anterior, os dois haviam ficado com Scott du­rante meia hora e depois retornado para a cabana de Hawk. De modo egoísta, ela se sentira contente em deixar o filho com Ernie e Leta. Mas o menino estava feliz na casa dos amigos, e Randy ansiava por ficar sozinha com Hawk a noite toda.

Contudo, não haviam feito amor novamente, como ela pensara... e desejara. Dormiram juntos, na cama. Ele a des­pira lentamente, ficando impaciente apenas quando tirara as próprias roupas. Então, cobrira os dois e ficara obser­vando os cabelos de Randy, espalhados no travesseiro. Per­correra o corpo dela com a mãos, sensível às formas e tex­turas, como um escultor. Mas nem ao menos beijou-a.

Uma vez, durante a noite, ela acordara sentindo os braços dele a sua volta, as pernas musculosas movendo-se contra as suas. Beijando-a na nuca, Hawk murmurara seu nome. Randy sentiu sua ereção, volumosa e dura, pressionando-lhe as nádegas. Ele, porém, não passou disso, limitando-se a cobrir um de seus seios com a mão em concha, puxando-a para mais perto. Logo depois, adormeceu, e Randy também, assim que seu coração voltou a bater em ritmo normal.

Quando ela despertou, Hawk já saíra da cabana. Levan­tou-se e vestiu-se, acendeu o fogo, arrumou a cama e fez café. Repreendeu-se por estar se comportando de um modo tão ridiculamente doméstico, mas toda vez que captava seu re­flexo em qualquer superfície brilhante, ficava espantada ao ver que ostentava languidez nos olhos e um sorriso nos lábios.

Além disso, havia aquele constante e delicioso latejar na parte baixa do ventre. Os seios estavam pesados e quentes, os mamilos reagiam ao menor estímulo. Hawk não saciara sua fome, ao contrário, deixara-a completamente faminta.

A porta rangeu, abrindo-se, e Randy voltou-se, ofegante. Hawk parou na soleira. Os dois ficaram se olhando por um longo tempo, antes de ele entrar na cabana. Os outros chefes entraram atrás. Não pareceram notar a atmosfera densa. Nenhum deles, a não ser Ernie, que olhou para Hawk e para ela com ar astuto.

— Sirva café para todos — Hawk ordenou asperamente, e Randy empertigou-se, altiva.

— Por favor — ele acres­centou em tom baixo.

Randy assentiu, não tanto porque a ordem fora educa­damente abrandada, mas porque os homens haviam trazido um jornal. Queria saber como o governador reagira, ao re­ceber a camisa manchada de sangue e a carta.

—   Pelo menos, conseguimos chamar a atenção do homem — Hawk disse aos demais, quando acabou de ler a repor­tagem. — Ele prometeu verificar o verdadeiro motivo do fechamento da mina. Está passando por cima de Price e entendendo-se pessoalmente com os agentes do FBI. Quer informações detalhadas sobre o sequestro de Randy e Scott. Por outro lado, avisa que, se Randy foi fisicamente maltra­tada, ele usará sua autoridade para fazer com que receba­mos o castigo máximo previsto por lei.

Olhou para Randy que, sentindo o sangue subir-lhe às fa­ces, baixou o olhar, imaginando se ele percebera que se referira a ela informalmente, dizendo "Randy", não "senhora Price".

—   O que faremos agora? — perguntou um dos membros do conselho.

Hawk bebericou o café servido por Randy.

—   Não sei. Preciso pensar. Vamos nos reunir novamente à noitinha, antes do jantar, para discutirmos os nossos pla­nos. — Olhou para cada homem ao redor da mesa. — En­quanto o caso não se resolve, aproveitem as férias. Volta­ remos ao trabalho logo, espero.

Depois que os conselheiros saíram, Leta entrou com Scott e Donny. Ernie continuou conversando com Hawk, e os meninos começaram a brincar de luta, rolando no chão. Randy estava curiosa para saber o que os dois homens fa­lavam, mas eles mantinham a voz baixa. Parecia que Hawk apresentava uma ideia a Ernie, mas que o amigo a rejeitava. Como era óbvio que eles não iriam pedir sua opinião, ela foi ajudar Leta a preparar a primeira refeição.

Comeram todos juntos, sentados à mesa de Hawk. A conversa fluiu facilmente. Quem não soubesse da verdade, jamais imaginaria que ela e o filho eram reféns, Randy re­fletiu. Atendendo ao pedido de Scott, Hawk consertou seu estilingue, aproveitando a oportunidade para fazer uma preleção sobre como usá-lo de modo seguro.

—   Não vamos voltar logo para casa, não é, mamãe? __ o menino perguntou, pegando Randy de surpresa.

  • .. não sei — ela respondeu. — Por quê?

—   Não quero ir embora. Gosto muito daqui — Scott declarou.

Saiu da cabana correndo, atrás de Donny. Os adultos per­maneceram em constrangido silêncio. Foi Leta quem o quebrou.

—   Não me sinto bem — disse, apoiando-se no ombro de Ernie para se levantar.

O marido ergueu-se rapidamente e levou-a para fora. Ran­dy pensou que nunca o vira movimentar-se tão depressa.

—   O que deu nela? — Hawk indagou, assim que Randy fechou a porta atrás dos dois.

  • Leta está grávida.

Hawk encarou-a e, após um momento, olhou para a por­ta, como se pudesse ver Ernie e a jovem esposa através da madeira. Resmungando uma praga, fincou os cotovelos na mesa e apoiou a cabeça nas mãos, mergulhando os dedos nos cabelos, afastando-os do rosto.

  • Não está feliz por eles? — Randy perguntou, aproxi­mando-se devagar.
  • Não parece.

Ele ergueu a cabeça bruscamente.

—   Se Ernie for considerado culpado pelo crime, irá para a cadeia.

Randy sentou-se numa cadeira no outro lado da mesa.

—   Até que enfim recuperou a clareza de raciocínio, senhor O’Toole — comentou. — É isso que eu venho dizendo há dias. Vocês todos irão para a cadeia.

—   Não. Fiz um trato com Price a respeito. E disse aos outros que, se alguma coisa saísse errada, eu assumiria toda a responsabilidade. Obriguei-os a jurar que se espalhariam e se esconderiam, no caso de eu ser preso.

Randy refletiu que tal generosidade era exagerada, mas não podia deixar de admirá-lo por seu sacrifício.

  • Um gesto muito nobre, mas os seus amigos viverão como fugitivos.
  • Melhor do que ir para a prisão.

—   Isso é discutível. Ernie não fez o juramento?

  • Fez, mas me disse que se entregará, se eu for preso.
  • Duvido que Leta saiba disso.
  • Também duvido.

Ele se levantou e começou a andar pela cabana. Randy tirou da mesa a louça usada no café e lavou-a numa bacia, com água que tirara com a bomba e pusera para esquentar. Estava tão distraída, pensando no dilema de Hawk, que mal notava como era difícil trabalhar naquelas condições primitivas.

Quando acabou, virou-se e viu Hawk abrindo um pe­queno cofre de metal, usando uma chave dourada.

—   O que é isso?

  • O arquivo da mina.

Randy olhou para a pilha de papéis que ele jogou sobre a mesa.

  • Arquivam os documentos assim, amontoando-os de qualquer jeito?
  • Sou engenheiro. Sei onde encontrar prata e como ex­traí-la de modo seguro e económico. Também cuido da co­mercialização. Não sou contador.
  • Devia ter contratado um.
  • Nunca pensamos nisso. — Ele se acomodou numa

cadeira. — Achei que talvez encontre algo aqui que não vi antes e que possa usar em proveito da nossa causa.

Randy voltou a sentar-se na frente dele. À medida que Hawk examinava os papéis e depois os jogava para o lado, ela os pegava e lia. Começou a arrumá-los em pilhas, separando cál­culos, impostos, folhas de pagamento, faturas e gráficos.

Resmungando palavrões, Hawk jogou para o lado uma cópia do contrato que transferia a posse da mina Puma Solitário para o grupo de investidores. Randy leu-a e per­cebeu que se tratava de um contrato padronizado. A quantia de dinheiro paga aos índios parecia enorme, até que se considerasse o prazo estabelecido para o pagamento, contra o potencial da mina que estava sendo desperdiçado.

Então, lendo o contrato outra vez, mais cuidadosamente, ela estranhou uma das cláusulas. Seu coração deu um salto, excitado, mas, para ter certeza de que não estava sendo otimista demais e tirando conclusões apressadas, Randy leu tudo outra vez.

  • Hawk, o que é isto? — perguntou, erguendo um dos mapas do laudo de inspeção da propriedade.
  • Um mapa. Os avaliadores fazem mapas para determinar...
  • Eu sei — ela o interrompeu com irritação. — Trabalho na firma de um avaliador.

A informação surpreendeu-o.

  • Você trabalha?
  • Claro que trabalho. Como acha que me sustento, e a meu filho?
  • Pensei que Price...
  • Não — ela negou, movendo a cabeça enfaticamente. — Eu não quis receber dinheiro de Morton. Nem mesmo uma pensão alimentícia para Scott. Não queria dever nenhuma obrigação a ele. — Abriu o mapa na mesa. — O que é isto? Esta extensão de terra, aqui. — Passou o dedo sobre uma linha pontilhada que rodeava o trecho a que se referia.

Hawk torceu a boca com amargura.

  • Campos, onde o nosso gado pastava.
  • Gado?
  • A tribo tinha centenas de cabeças. Gado de corte.
  • Não tem mais?
  • Sem pastos, nada de gado. Perdemos essa terra, com a venda da mina.

Para sua surpresa, Randy sorriu.

  • Quer dizer que os novos proprietários da mina apos­saram-se também dos pastos?
  • Ergueram uma cerca de arame farpado em volta da área toda e colocaram placas, proibindo a entrada. Suponho que isso signifique que se apossaram da terra.
  • Ele franziu a testa.
  • Como assim?
  • Veja os pastos. Vários quilómetros quadrados, não? — Ela esperou uma resposta, e Hawk moveu a cabeça num gesto afirmativo. — Essa terra aparece no mapa, mas não é mencionada no contrato.
  • Tem certeza? — ele perguntou, sem conseguir escon­der a excitação.
  • Hawk, examino mapas iguais a este o dia todo. Ob­servo cada detalhe, antes que uma propriedade mude de dono. Sei do que estou falando. Aqueles investidores não são apenas trapaceiros. São trapaceiros burros. Compraram a mina apressadamente, com certeza para fugir dos impos­tos, no final do ano. — Estendeu a mão e pegou a de Hawk, apertando-a. — Os pastos ainda são dos índios. E se você apresentasse este material ao governador, sei que ele au­torizaria uma investigação completa. Você não precisaria de Morton como intermediário. — Deu um tapa no contrato e no mapa a sua frente. — Isto aqui o ajudaria muito mais do que qualquer intercessão.

Hawk ficou olhando para os documentos.

  • Nunca passei um pente-fino nesse contrato. Droga! Eu estava furioso demais! Sempre que pensava nesse do­cumento, ficava com o estômago enjoado. Não conseguia nem olhar para ele.
  • Não se culpe pela negligência. Isso já passou. O que importa, agora, é agir, usando essa informação. Antes tarde do que nunca, não acha? — Randy observou-o juntar os papéis e guardá-los no cofre, desfazendo as pilhas que ela fizera, então comentou: — Seu sistema de arquivar docu­mentos ainda deixa a desejar.

Ele apenas dirigiu-lhe um sorriso oblíquo. Trancando o cofre e pondo-o embaixo do braço, deu a volta na mesa. Parou ao lado de Randy, pegou-a pelos cabelos, puxando-lhe a cabeça para trás.

  • Fale-me daqueles amantes. Ela não desviou o olhar.
  • Já disse, ontem à noite, que não tive nenhum.
  • Por que não negou as acusações que lhe fizeram?
  • Por que negaria? Eram falsas. Não quis me rebaixar, dando explicações. Era Morton quem tinha amantes. Ele foi infiel desde o início do nosso casamento. Depois que se elegeu deputado, parecia achar que ter outras mulheres era um direito seu, um prémio que ele merecia. Esfregava seus casos na minha cara, sabendo que eu queria preservar a família, por amor a Scott. Quando, finalmente, me fartei daquilo e não pude mais tolerar sua infidelidade, pedi o divórcio. Ele ameaçou lutar pela custódia de Scott, se eu entrasse na justiça com um pedido de divórcio, acusando-o de adultério. Isso prejudicaria a sua imagem.
  • Ele nunca conseguiria a custódia do menino.
  • Talvez não. Mas eu não queria expor Scott a um jul­gamento sujo, cercado de publicidade, e Morton sabia. Além disso, eu não estava certa de vencer. Ele tinha amigos influentes, prontos para testemunhar, sob juramento, que eu havia dormido com eles, que os havia seduzido.
  • Que amigos?
  • Homens que lhe deviam favores políticos.
  • Quando eu a acusei de ser uma esposa infiel, por que não se defendeu? Por que me deixou atormentá-la?
  • Quando Morton começou a espalhar que eu o traía, minha própria mãe me repreendeu, dizendo que eu devia ser mais discreta. Nem a ela eu disse que era tudo mentira. Se minha mãe era capaz de acreditar naquelas coisas que diziam de mim, por que eu negaria? Diante de tanta falta de confiança, parei de me importar com o que ela pudesse pensar a meu respeito.
  • Mas para mim você disse a verdade. Por quê?

A resposta que não foi pronunciada vibrou entre eles. A opinião de Hawk valia muito para ela.

Ele ainda mantinha sua cabeça inclinada para trás. Randy deveria estar com dor no pescoço, mas não estava. Sentia apenas o calor dos olhos azuis em seu rosto. Hawk puxou a cabeça dela para mais perto de seu corpo. Instintivamente, Randy ergueu a mão e pousou-a em sua coxa, junto à vi­rilha. Hawk soltou um gemido involuntário.

—   Se continuar a me olhar desse jeito, terá de... — co­meçou, ofegante.

Uma batida na porta interrompeu-o. Randy baixou a mão. Hawk soltou-lhe os cabelos e recuou.

—   Entre.

Ernie abriu a porta e avaliou a situação com um único olhar. O ar estalava, carregado de eletricidade sexual.

  • Posso voltar mais tarde — o índio disse, fazendo men­ção de retirar-se.
  • Não — replicou Hawk. — Eu ia procurar você. Temos muito que conversar.

Quando saiu, não trancou a porta da cabana.

 

Naquela noite, a atmosfera ao redor da fogueira era quase festiva. O conselho da tribo engendrara um plano que lhes devolveria a mina. Ninguém sabia exatamente que plano era aquele, mas isso não importava. Os índios confiavam em seus chefes, a quem estavam tratando com mais defe­rência do que de costume.

Johnny aproximou-se de Hawk, que jantava com Randy. Desde sua frustrada tentativa de fuga, toda vez que ela via o jovem, ele estava trabalhando diligentemente, como se tentasse redimir-se da negligência daquele dia.

Johnny mostrou as mãos, estendendo-as para a frente. Não tremiam mais.

—   Tenho me mantido sóbrio faz três dias — informou. Hawk não sorriu, mas o rapaz devia saber que não podia esperar tal coisa.

  • Fez um bom trabalho com os veículos, Johnny, e re­cuperou a minha confiança. Quando voltarmos à mina, o equipamento precisará de uma revisão. Eu o indicarei para o cargo de supervisor da oficina, se você concordar em fazer um curso de mecânica na cidade. A tribo pagará. Está interessado?

Hawk lançou-lhe um olhar avaliador.

—   Tratarei disso o mais depressa possível.

Os olhos de Johnny brilharam, porém ele se afastou sem dizer nada. Não se isolou, como fazia antes, mas se misturou aos demais. Randy viu-o aproximar-se de uma jovem e co­meçar a conversar com ela.

—   Acho que tanto o orgulho como o coração de Johnny estão a caminho da cura — comentou.

Hawk concordou, mas sua atenção já se voltara para um casal que caminhava em sua direção, de mãos dadas. O bonito jovem andava de cabeça orgulhosamente erguida, porém a moça, numa atitude de timidez, mantinha os olhos no chão.

  • Que bom ver você de volta, Aaron! —; Hawk disse, dirigindo-se ao homem.
  • Vou ficar apenas dois dias. Já me matriculei, mas as aulas só começarão na segunda-feira.

—   O dinheiro que levou foi suficiente para pagar tudo? O jovem índio assentiu e, aparentando nervosismo pela primeira vez, olhou para a companheira. Passou a língua nos lábios, antes de dirigir-se a Hawk novamente:

—   Gostaria de pedir permissão para me casar com Dawn Janeiro.

Hawk olhou para Dawn, que o fitou de relance e tornou a baixar os olhos.

  • E os estudos? — perguntou.
  • Vou me formar em maio — Aaron lembrou-o. — E estamos pensando em nos casar em junho. Dawn poderia estudar também, começar a faculdade no outono.
  • Terá de apresentar o seu pedido ao conselho.
  • Pensei em fazer isso hoje à tarde, mas sabia que os assuntos que iriam ser discutidos eram mais importantes.— Aaron olhou rapidamente para Randy. — Conversei em particular com os outros chefes que fazem parte do conse­lho, e eles deram permissão.
  • A família de Dawn concorda com o casamento?
  • E ela?

O jovem índio empurrou a moça um pouco para a frente.

—   Quero me casar com Aaron Gira-Arco — ela declarou em tom suave.


—   Então, vocês têm a minha permissão — disse Hawk, acrescentando rapidamente: — Mas só depois da sua gra­duação, Aaron.

Os jovens agradeceram com o devido respeito, então afas­taram-se quase correndo. Antes que a escuridão os engo­lisse, Hawk e Randy viram Dawn abraçar o noivo pelo pescoço e pressionar o corpo contra o dele.

  • Duvido que esperem até junho para consumar a união — Hawk comentou.
  • Duvido que esperem até amanhã. Não esperarão, se depender de Dawn — Randy observou com malícia.

Hawk virou-se para encará-la. Com expressão severa, tentou conter um sorriso.

  • Só espero que ela não fique grávida, o que me forçaria a antecipar o casamento vários meses. Investimos muito na educação de Aaron. Até agora, ele não nos decepcionou. Eu temia que ele se apaixonasse por alguma moça branca na universidade e...
  • E o quê? — Randy indagou, quando ele se interrompeu bruscamente.
  • E o quê? — ela persistiu.
  • E quisesse se casar com ela.
  • Isso seria tão terrível? — perguntou Randy, o cora­ção doendo.

Não queria ouvir a resposta, mas sabia que era necessário.

  • Precisamos de homens fortes e inteligentes como Aa­ron. Se ele se casasse com uma mulher branca, com certeza deixaria a tribo.
  • E nunca mais seria aceito de volta — ela murmurou, dizendo o que Hawk omitira.
  • Ele poderia viver na reserva, mas não fazer parte do conselho. E muito difícil, se não impossível, conciliar duas culturas. Depois que se escolhe, vale para a vida toda.

Virou o rosto, e Randy observou-lhe o perfil recortado

contra o brilho fraco do fogo. Ele era um líder duro, mas justo. Ela admirava seu senso de justiça. Suas repreensões eram sutis, porém eficientes. Seus elogios eram grandemen­te valorizados por serem raros. Ele levava em grande con­sideração os problemas de cada membro da tribo. Randy estava contente por ter conhecido aquele homem, o único que encontrara que não estava sempre pensando em ser o maior, o mais importante. Até conhecer Hawk O’Toole, ela achara que homem assim não existia.

Mas, enquanto continuava a observá-lo, um pensamento ocorreu-lhe. Hawk era solitário. Embora vivesse no meio de pessoas que obviamente o adoravam, era como se esti­vesse distante. Pensar nessa separação entre ele e os outros deixou-a comovida. A tristeza aparecia nas profundezas dos olhos azuis. Ele a conservava escondida, mas, nos momen­tos em que se distraía, ela se tornava aparente para qualquer pessoa que a estivesse procurando. Por causa da infância infeliz e da culpa que carregava, Hawk sofria em silêncio, sofria sozinho.

Antes que Randy tivesse tempo de analisar as emoções que agitavam seu íntimo, Scott apareceu e sentou-se no cobertor a seu lado.

  • Oi, mamãe — disse, parecendo triste, e aconchegou-se a ela, encostando a cabeça em seu peito.
  • Oi, querido. Onde esteve? Fazia tempo que eu não via você. O que andou fazendo?

Ela olhou para Hawk com ar indagador, mas ele deu de ombros, indicando que não sabia o motivo do comporta­mento estranho de Scott.

  • Algum problema, querido?
  • Não — o menino engrolou.
  • Tem certeza?
  • Tenho, mas...


—   Mas?

Scott endireitou-se.

  • Donny vai ganhar um irmãozinho.
  • Eu sei. E acho isso maravilhoso. Você não acha?
  • Ele está contando para todo mundo. — Scott fez um gesto com as mãos, mostrando tudo o que os rodeava. — E disse que eu não vou ter nenhum bebé. Não podemos arrumar um, mamãe?

Por um momento, a pergunta inusitada deixou-a muda, então ela riu.

  • Vamos ver — respondeu evasivamente.
  • Foi isso o que você disse quando pedi um coelhinho de verdade, e até hoje não ganhei. Prometo que vou ajudar a tomar conta do bebê. Por favor, mamãe. Eu...
  • Scott! — Hawk chamou-o.

O menino interrompeu a súplica bruscamente.

  • Senhor?
  • Onde está a sua faca?

Scott tirou-a da cintura. Hawk pegou-a e observou-a, mantendo-a na palma da mão.

—   Nunca mais a perdeu? — indagou.

Era óbvio que, quando lhe devolvera a faca, Hawk não dissera que fora a mãe que a tirara, enquanto o abraçava.

—   Não, senhor.

  • .. Acho que você merece uma recompensa por cuidar bem dela. Uma bainha.
  • Já tenho, Hawk.
  • Mas não igual a esta.

Do bolso da camisa, Hawk retirou uma bainha de couro entalhado. Deslizou a faca para dentro dela e entregou-a a Scott, que recebeu o presente com a reverência devida a uma relíquia sagrada.

—   Poxa, Hawk! Que legal! Onde conseguiu?

—   Era de meu avô. Ele fez a bainha para mim quando eu tinha mais ou menos a sua idade. Quero que fique com ela.

Para não se esquecer de mim. Embora Hawk não dissesse as palavras, Randy ouviu-as em sua mente, pronunciadas com a voz dele. A bainha fora um presente de despedida. O pensamento fez seu coração disparar, em pânico, o que não fazia o menor sentido. Ela não tentara fugir apenas alguns dias antes? Agora, a ideia de nunca mais ver Hawk O’Toole era deprimente. O que ocasionara tal reviravolta?

Antes que Randy tivesse tempo de analisar os estranhos sentimentos, Leta e Ernie aproximaram-se com Donny que, quando viu a bainha, ficou tão impressionado, que parou de gabar-se do fato de que sua família iria ganhar um bebé.

  • Querem que Scott durma novamente na minha caba­na? — perguntou Ernie, olhando primeiro para Hawk, en­tão para Randy e depois novamente para o amigo.
  • Há mais espaço na sua cabana do que na minha — respondeu Hawk. — Por isso, seria melhor que Scott dor­misse lá.
  • Ele e a mãe podiam ficar na cabana que ocuparam quando chegaram aqui — Ernie sugeriu.

A alternativa não agradou a Hawk.

  • Faz dias que não acendem o fogão. Deve estar muito frio lá dentro.
  • Scott não incomoda nem um pouco — declarou Leta, levando os meninos embora.

Ernie deu a impressão de que tinha algo mais a dizer, mas certamente decidiu que era melhor calar-se, porque seguiu o pequeno grupo, após ligeira hesitação.

—   Acho que Ernie não gosta de mim — comentou Randy, quando não podia mais ser ouvida.

Num movimento gracioso, sem usar as mãos como apoio, Hawk levantou-se e pegou-a pela mão, ajudando-a a se pôr de pé. Juntos, começaram a andar na direção da cabana dele.

 

  • Ernie não gosta de mulheres brancas em geral.
  • Foi o que imaginei.
  • Ele acha que são agressivas e espertas demais.
  • Não somos submissas o bastante.
  • O que vem a dar na mesma.
  • E o que você acha?
  • Acho que, no que diz respeito ao movimento femi­nista, Ernie é um caso perdido.
  • Quero saber o que você acha das mulheres brancas.
  • De alguma em particular?

Aquela altura, haviam chegado à cabana. Entraram, e Hawk fechou a porta.

Randy virou-se para encará-lo.

—   O que você pensa de mim?

Ele avançou e parou a poucos centímetros dela.

  • Ainda não formei uma opinião a seu respeito.
  • Qual foi a sua primeira impressão? — Randy insistiu com faceirice.
  • Desejei tê-la na minha cama. Ela prendeu o fôlego, surpresa.
  • ..

A única luz vinha das chamas no fogão. Sombras gra­ciosas dançavam nas paredes de toras, no chão e sobre os dois, que se fitavam nos olhos.

Por longos momentos, não fizeram nada além disso. En­tão, movendo-se com dolorosa lentidão, Hawk enterrou as mãos nos cabelos dela e ergueu-os, observando o brilho do fogo filtrar-se através das mechas loiras.

—   Seus cabelos são lindos, principalmente à luz do fogo. Embora tivesse dificuldade em falar, Randy murmurou um "obrigada".

Hawk aninhou-lhe o rosto entre as mãos e correu os po­legares ao longo de seus cílios inferiores.

—   E os seus olhos têm a cor das primeiras folhas da primavera.

Escorregou as mãos pelo pescoço dela e por um momento fechou os dedos a sua volta, antes de deslizá-los em direção aos seios.

Naquela manhã, Randy recebera uma nova camisa, mais atraente do que as anteriores, mas Hawk parecia não notar. Estava mais interessado em observar o modo como o tecido se modelava sobre os seios. E seu olhar fez Randy sentir-se bonita como nunca se sentira.

Ele acariciou-lhe os seios.

—   Tire a camisa — pediu, baixando as mãos.

Ela olhou para baixo, mas apenas para localizar o pri­meiro botão. Depois disso, mantendo os olhos nos dele, desabotoou a camisa e tirou-a, jogando-a no chão. Viu Hawk engolir em seco e estender as mãos, mas já fechara os olhos quando ele a tocou.

—   Seios lindos. — Ele os tomou nas mãos em concha. — Lindos mamilos sensíveis.

Soltou um longo suspiro entrecortado quando os bicos se enrijeceram ao toque de seus dedos. Curvou a cabeça e aca­riciou um deles com a língua. Randy sentiu o estômago con­trair-se e gemeu baixinho. Hawk continuou a excitar os ma­milos, um após o outro, até vê-los empinar-se completamente.

Era o que ele evidentemente queria, pois só então desa­botoou a camisa e arrancou-a, apressado. Pondo as mãos abertas nas costas de Randy, puxou-a para si, comprimin­do-lhe os seios contra o peito. Gemendo de prazer, beijou-a na boca. Não foi um beijo violento e exigente, mas profundo, como se ele quisesse tocar-lhe a alma.

Acariciaram-se mutuamente, espalhando beijos no rosto um do outro. Em certo momento, Randy percebeu que ele a soltava para abrir o zíper do jeans. Os dois ficaram se olhando, respirando de modo ofegante. Os olhos dela baixaram para o peito de Hawk, incrivelmente firme, a pele es­ticando-se, lisa, sobre os músculos esculturais. Randy tocou-o com um dedo, descendo-o pela ligeira depressão central, pas­sando pelo estômago rijo, pela cintura estreita, até a faixa de pêlos escuros e brilhantes. Contornou o umbigo e parou ali, imaginando o que Hawk esperava que ela fizesse.

Não precisou esperar muito para descobrir. Hawk to-mou-lhe a mão e introduziu-a na vista aberta da calça. Mas deixou que Randy decidisse. Retirou a mão, deixando a dela espalmada em sua barriga.

Randy fechou os olhos e inclinou-se para a frente. En­costou a face no peito dele. Só então, deixou a mão escor­regar para o denso tufo de pêlos. Quando o tocou em sua masculinidade, Hawk estremeceu.

— Miranda! — ele gritou, quando ela lhe envolveu o membro com os dedos, e a abraçou.

Randy deitou a cabeça para trás para receber seu beijo tempestuoso. Ele pôs as mãos sob sua saia e removeu-lhe a calcinha. Puxou-a pelos quadris, pressionando-a contra o corpo. Tocaram-se, e o contato foi mais intenso do que podiam suportar.

Hawk moveu-se em direção à cama, levando Randy jun­to. Sentou-se, meio reclinado contra a parede, e ela deitou-se sobre ele. Segurando-a pelos quadris, beijou-lhe o corpo por cima da saia, que logo depois ergueu, para poder beijar a barriga nua, as coxas macias, o retalho de pêlos entre elas. Escorregou na cama, sempre beijando, separando, in­vestigando a sedosa feminilidade com a língua.

Quase no mesmo instante, Randy alcançou um clímax violento. Antes que pudesse recobrar-se totalmente, Hawk a penetrou com sua quente rigidez. Os lábios de ambos colidiram num beijo faminto. Com as mãos, ele aplicava sutil pressão nos quadris dela, guiando-lhe os movimentos.

Querendo desesperadamente satisfazê-lo, Randy se livrou de todas as inibições e deu mais do que lhe foi pedido. Seus corpos brilhavam, cobertos de suor, febris, quando eles se renderam à paixão que ameaçava consumi-los.

Saciados, enfraquecidos pelo prazer, separaram-se ape­nas o tempo suficiente para retirar o resto das roupas. Então, Hawk abraçou-a e puxou o cobertor sobre os dois.

  • Ernie não aprovaria — Randy murmurou de encontro ao pescoço dele.
  • Que Ernie vá para o inferno! — O riso de Hawk ecoou-lhe no ouvido.

O sorriso de satisfação que pairava no rosto de Randy desapareceu quando ela tomou consciência do que estava implícito naquelas palavras.

  • Hawk, não quero que comprometa a sua posição na tribo por minha causa.
  • Nada do que aconteceu esta noite fará diferença.
  • Tem certeza?
  • Mas, eu pensei que, se...
  • Quietinha — ele disse baixinho, passando o polegar pelos lábios dela. — Sua boca está inchada.
  • De tanto beijar você.
  • Sinto muito. Fui bruto.
  • Eu não sinto.

Pousou os lábios nos dele, e beijou-o longamente.

Deitada sobre o peito largo, os cabelos loiros espalhados na pele cor de cobre, ouvindo o ritmo cadenciado do co­ração de Hawk, mergulhou no sono.

Acordou com a ausência do calor do corpo dele. Antes de abrir os olhos, apalpou a cama e descobriu que estava sozinha. Abriu os olhos e ergueu a cabeça, olhando em volta, assustada. Voltou a reclinar a cabeça no travesseiro, quando viu que Hawk se encontrava junto à janela, olhando através da vidraça, imóvel.

Continuava nu, parecendo indiferente ao frio que fazia na cabana. Puxando o cobertor para cima, Randy cobriu-se até o pescoço, aproveitando a distração de Hawk para ob­servá-lo. Os ombros eram largos, o torso longo tinha pro­porções perfeitas. As nádegas, duras e estreitas, elevavam-se graciosamente logo abaixo da parte funda das costas. Ele possuía pernas compridas e musculosas. Braços, mãos, pés... Ela não conseguiu encontrar um único defeito.

Admirou o corpo másculo considerando-o uma das mais belas criações divinas. Como mulher, desejava-o. Era um corpo capaz de lhe dar incrível prazer, que extraíra de seu íntimo sentimentos e sensações que ela, até então, desco­nhecera. Um corpo que despertara zonas erógenas que ha­viam ficado adormecidas desde que ela nascera, que exercia forte e maravilhosa magia sobre o seu.

Dominada pela emoção, saiu da cama e aproximou-se dele por trás. Abraçou-o pelas costas, cruzando as mãos no peito amplo.

  • Bom dia — cumprimentou, beijando-o numa das omoplatas.
  • Bom dia.
  • Por que se levantou tão cedo?
  • Não consegui dormir.
  • Devia ter me acordado.
  • Para quê?

Talvez ela devesse deixá-lo com seus pensamentos. Hawk não estava com vontade de conversar. Mas Randy não que­ria voltar para a cama, tão vazia sem ele.

  • O que está olhando?
  • O céu.
  • Está pensando em quê?

O peito dele subiu e desceu num suspiro profundo, mas silencioso.

—   Na vida, em meus pais, no irmão que nasceu morto.

No meu avô. No irlandês que tomou para esposa uma jo­vem índia e me legou olhos de branco.

Randy queria dizer que eram olhos magníficos, mas isso certamente Hawk já sabia. Ela podia imaginar como ele se sentia, possuindo olhos tão diferentes dos de sua gente.

—   Não gosta deles porque não são olhos de índio, certo?

Hawk deu de ombros, aparentando indiferença. Ela, po­rém, teve a forte sensação de que acertara. Beijou-o no côn­cavo entre as omoplatas, espalmando as mãos em seu es­tômago. Deixou-as escorregar para baixo, lentamente, pas­sando pelos ossos dos quadris e através dos pêlos púbicos, roçando o sexo e descendo para o topo das coxas. Ela o sentiu enrijecer-se, mas não houve outra reação.

—   Você é bonito, Hawk O'Toole. Tudo em você é bonito. Moveu as mãos para cima, só que dessa vez seu toque foi menos pesquisador e mais sensual. De repente, Hawk pegou-lhe as mãos e segurou-as.

—   Volte para a cama — disse em tom de áspero comando. — Está frio.

Randy deixou escapar um gritinho de espanto e soltou-se. Sentindo-se brutalmente rejeitada, virou-se. Mas, antes que desse dois passos, ele a agarrou por um braço e puxou-a de volta.

—   Você acha que não a quero — engrolou. — E não quero. Ela não teve tempo de reagir, pois ele a imprensou na parede e penetrou-a. Palma contra palma, as mãos dos dois achataram-se contra a parede, aos lados da cabeça de Ran­dy. Afundando o rosto nos cabelos dela, Hawk se apertou contra seu corpo.

—   Oh, Senhor... — gemeu. — Eu não quero desejar você, mas desejo. Não a quero porque você me deixa fraco.

Em princípio atónita, Randy recuperou-se e rodeou-lhe a cintura com as pernas, enterrando-o mais fundo dentro de si, e começou a movimentar os quadris.

—   Não, não se mexa — ele pediu, arfante. — Não faça nada... só me segure dentro de você. Não deixe acabar. Me prenda, quero me sentir envolvido, quero ficar... Não, não...

As palavras hesitantes foram sufocadas quando de den­tro dele jorrou um jato quente. Seu gemido de êxtase foi baixo, longo, num tom de desespero.

Alguns minutos mais tarde, Hawk a baixou para o chão. Randy examinou-lhe o rosto em busca de uma explicação. Não estava ofendida, mas perplexa. Sua confusão tinha uma mistura de medo. Medo de que, ela não saberia dizer. Antes que pudesse pressionar Hawk para que ele esclarecesse seu comportamento, ela ouviu ruídos que eram incompatíveis com o romper da aurora.

Foi até a janela e olhou para fora. O sol nascente come­çava a lançar seu brilho acima da montanha. As pessoas que desciam de um comboio de veículos, lá embaixo, pa­reciam insetos negros correndo pelo chão pedregoso.

  • Hawk! — ela gritou, alarmada. — É a polícia! Como vieram até aqui? Como foi que nos encontraram?
  • Vieram porque eu chamei.

—   Chamou a polícia? Por quê?! Hawk pegou o jeans e vestiu-o.

—   Para me entregar. — Deu a informação sem deixar transparecer emoção alguma. — E melhor você se vestir. Com certeza, esperam que desça logo.

  • Hawk! — Randy gritou, agarrando-o pelo braço para forçá-lo a encará-la. — Por que está fazendo isso? Pensei que fosse enviar os documentos ao governador!

Ele se livrou, puxando o braço, e começou a jogar-lhe as roupas, peça por peça.

  • Mandamos cópias ao gabinete de Adams, ontem. De­pois de lhe dar tempo suficiente para examiná-las, telefonei.
  • Falou com ele diretamente?

—   Não foi fácil, mas depois que fiz algumas ameaças veladas, envolvendo a sua vida, Adams concordou em falar comigo.

  • E o que ele disse? — ela perguntou, impaciente, quan­do Hawk virou-lhe as costas e começou a vestir a camisa.
  • Disse que daria toda a atenção ao assunto, se eu me entregasse às autoridades e libertasse você e Scott. Concor­dei, mas só depois que ele garantiu que eu, e mais ninguém, seria responsabilizado pelo sequestro.

—   Hawk... — Randy murmurou, totalmente infeliz, aper­tando as roupas contra o peito. — Isso não é justo.

—   Muita coisa na vida não é. Vista-se.

  • ..

—   Vista-se, a menos que queira que eu a arraste nua até lá embaixo. Acho que seu ex-marido não gostaria nem um pouco.

Ele não se comportara mais daquela maneira dura desde a primeira noite, no acampamento temporário, logo após o sequestro. Seu rosto estava rígido, os olhos tinham um fulgor de ódio.

  • Que papel Morton desempenhou nessa sua decisão de se entregar?
  • Não sei, mas aposto como estará de braços abertos para receber você e Scott.
  • Você quer que eu... que nós voltemos para ele?
  • Estou pouco me importando com isso — Hawk de­ clarou, e seus olhos estavam frios. — Nós dois nos diver­timos bastante. Você é gostosa de olhar, de tocar, de... - Fez um gesto de cabeça na direção da cama. — Se é verdade que nunca teve amantes enquanto esteve casada, nem de­pois do divórcio, desperdiçou os seus talentos.

Randy sentiu o peito doer sob o peso da agonia, mas conteve o impulso de gritar. Virando-se de costas para ele, mordeu o lábio inferior com força. Sua coordenação motora estava tão ruim que ela teve dificuldade em vestir as roupas. Quando, finalmente, acabou, virou-se para encarar Hawk. Ele segurava a porta aberta, o rosto parecendo esculpido em pedra.

No fim da trilha, Ernie esperava-os, em companhia de Scott. Os olhos do menino estavam inchados de sono. E perturbados. Ele correu para Randy, quando ela se apro­ximou com Hawk.

—   Mamãe, Ernie disse que preciso ir para casa. Mas eu não preciso, não é? Não posso ficar mais um pouco?

Ela tomou-lhe a mão e dirigiu-lhe um sorriso trémulo.

  • Receio que não possa, Scott. Já deveríamos ter ido.
  • Mas eu não quero ir! Quero ficar para brincar com Donny. Quero ver o irmãozinho dele, quando nascer.
  • Scott! Ao ouvir seu nome pronunciado por Hawk, o menino interrompeu a torrente de protestos choramingados e olhou para ele.

—   Mas, Hawk, eu... — ainda tentou suplicar, porém ca­lou-se ao olhar para os implacáveis olhos azuis.

Baixou a cabeça e ficou parado ao lado de Randy. Ernie postou-se diante de Hawk.

  • Deixe-me ir com você.
  • Falamos sobre isso mais de cem vezes. Não seja idiota. Você precisa ficar aqui para cuidar dos seus filhos. Faça com que eles cresçam fortes e inteligentes. Transforme-os em homens com objetivo na vida.

O rosto enrugado de Ernie pareceu ficar mais velho. Com ar triste, ele pôs a mão no ombro de Hawk, e ambos tro­caram um longo olhar. Por fim, retirou a mão e afastou-se para o lado.

Com Randy e Scott na frente, o pequeno cortejo percorreu a rua central da aldeia, em direção à porteira. Randy sentia que eram seguidos pelos olhares solenes e amargurados das pessoas que os observavam por trás das vidraças. Do outro lado da porteira, viaturas policiais da capital do Es­tado formavam um semicírculo intimidante. Randy reco­nheceu o governador, parado no meio. Ao lado dele, Mor­ton. Ela teve vontade de vomitar.

  • O papai — observou Scott em tom baixo e desinteressado.
  • E seu pai, sim.
  • O que ele veio fazer?
    • Acho que sentiu saudade de você e quis vê-lo. Scott não disse nada. Nem andou mais depressa em direção ao pai. Ao contrário, seus passos tornaram-se mais lentos.

—   Mamãe, o que esses policiais estão fazendo aqui? Estou com medo.

—   Não precisa ter medo, filho. Eles querem que você volte para casa escoltado, só isso.

  • Escoltado? O que é isso?

—   E algo que fazem só para pessoas muito importantes, o presidente, por exemplo.

A ideia de uma escolta policial também não o excitou.

Ainda não haviam chegado à porteira, quando Hawk pa­rou. Randy virou-se e olhou para ele com ar triste e indagador.

  • Estão esperando que vocês saiam primeiro. Pedi que os levassem embora, antes de me prenderem. Por causa do menino.

Hawk sendo algemado e jogado no banco traseiro de um carro da polícia. Randy estremeceu ao imaginar Scott vendo tal coisa.

—   Foi bom ter pensado nisso — aprovou. — E o melhor jeito, claro.

A despeito das palavras duras que Hawk dissera-lhe pou­co antes, Randy sentia o coração partir-se. Queria gravar o rosto dele na memória. Aquela devia ser a última vez que o via em seu ambiente natural, contra o céu, da exata cor de seus olhos, contra a encosta da montanha, rude e altiva como seu perfil.

Ele era alto e esbelto feito os pinheiros ao fundo. O vento soprou-lhe os cabelos, e ela pensou nas asas negras e bri­lhantes de uma magnífica ave de rapina.

—   Hawk, você não vai com a gente? — perguntou Scott com voz de choro.

Embora não compreendesse tudo o que estava aconte­cendo, sentia que havia algo errado.

  • Não, Scott. Tenho negócios a tratar com esses homens, mas só depois que vocês forem embora.
  • Quero ficar com você.
  • Não pode.

—   Por favor — o menino pediu, a voz partindo-se. Um músculo no rosto de Hawk contraiu-se, mas ele man­teve a postura orgulhosa.

—   Onde estão a faca e a bainha?

O lábio inferior de Scott tremia, e lágrimas brilhavam em seus olhos. Ele pôs a mão no cinto.

  • Ótimo. Conto com você para cuidar de sua mãe.
  • Vou cuidar, prometo.

Hawk segurou o ombro do menino com firmeza, do jeito que Ernie fizera com ele na despedida, então retirou a mão e recuou rapidamente, como rompendo um cordão invisí­vel. Lançou um olhar penetrante para Randy.

  • Vá, antes que eles fiquem impacientes.

Ela queria e precisava dizer mil coisas, mas Hawk não desejava ouvi-las, nem havia tempo. Recorrendo a uma ín­tima reserva de forças, virou-se e começou a andar, levando o filho relutante.

Os dois passaram pela porteira. Morton correu ao en­contro deles e agarrou Randy pelos ombros.

  • Você está bem? — perguntou. — Ele cumpriu a ameaça de lhe fazer mal?
  • Tire as mãos de cima de mim — ela sibilou, como se cuspisse.

Morton pestanejou, atônito, mas, para não piorar a si­tuação na frente dos espectadores, obedeceu.

—   Scott, você está bem, filho?

  • Estou, papai. Por que preciso ir para casa?
  • Como? O que...
  • Governador? — Randy interrompeu-o, dirigindo-se a Adams.

O homem fora abençoado com o dom da oratória e um grande talento para a política, o que compensava o corpo obeso e a cabeça prematuramente calva. Ele se aproximou de Randy.

  • Em que posso ajudá-la, senhora Price? — perguntou, apertando a mão dela. — Sei que passou por uma terrível

experiência. Farei qualquer coisa pela senhora. Basta que me diga o que deseja.

—   Obrigada. Pode pedir aos policiais que guardem as armas?

Por um instante, o governador perdeu a compostura. Es­perara que ela pedisse comida, água, roupas limpas, um médico, proteção. Tudo, menos aquilo.

—   Senhora Price, eles estão armados para protegê-la. Não podíamos confiar na promessa do senhor O’Toole, de que a senhora e seu filho seriam entregues ilesos e sem resistência.

  • Por que não? — ela argumentou. — Parecemos maltratados?
  • Bem, não, mas...
  • O senhor O’Toole não lhe deu sua palavra de que não nos faria mal?

Ela só estava tentando adivinhar o trato que Hawk fizera com o governador, mas, pelo ar embaraçado do homem, viu que acertara.

  • Deu sua palavra, sim — ele respondeu.
  • Então, mande os policiais guardarem as armas, ou não sairei daqui. Eles estão assustando meu filho.

Morton plantou as mãos nos quadris.

  • Randy, que diabo você pensa que está...
  • Não fale comigo nesse tom condescendente, Morton!
  • E isso mesmo! — Scott intrometeu-se. — Hawk vai ficar furioso se você gritar com mamãe.
  • Olhe aqui, garoto...

Adams ergueu a mão, interrompendo Morton.

  • Por favor, senhor Price. Parece que a senhora Price tem algo a dizer.
  • Tenho — ela afirmou. — E as armas?

O governador lançou-lhe um olhar avaliador. Então olhou por cima do ombro dela, para o homem ereto, em cima de uma rocha, uma silhueta recortada contra o céu. Com um aceno, chamou o chefe dos agentes do FBI. Randy precisou argumentar com o homem, como fizera com Adams, mas finalmente os policiais receberam ordem de guardar as armas. O nó de tensão que apertava o peito dela começou a se desfazer.

  • Ontem, o senhor recebeu uma pasta com cópias de documentos que o senhor O’Toole lhe enviou.
  • Recebi — o governador confirmou. — Documentos muito interessantes.
  • Falou com ele por telefone, a respeito daquele material, dizendo que iniciaria uma investigação.
  • Então, não há necessidade de tudo isso — ela declarou, fazendo um gesto que abrangia as viaturas policiais.
  • O homem concordou em entregar-se às autoridades.
  • Por quê?
  • Por quê?! — exclamou Morton. — Ele cometeu um crime!

—   Ele apenas executou. Quem planejou tudo? — ela perguntou.

Morton empalideceu. Enquanto permanecia mudo de surpresa e susto, Randy virou-se para Adams, que franzira a testa, numa expressão de desagrado e suspeita.

—   Governador, Morton é o responsável pelo sequestro. Iludiu o senhor O’Toole, dizendo-lhe que, em troca de um "pequeno favor", providenciaria para que a mina Puma Solitário fosse devolvida à tribo. Não é preciso di­zer que Morton não se importava com os interesses dos índios, mas apenas com os seus. Instigou o sequestro por­ que as eleições serão em novembro e o incidente lhe ga­rantiria grande publicidade.

O olhar furioso de Adams poderia ter transformado Mor­ton numa estátua de pedra. Deixava claro que, embora no momento houvesse outras coisas a resolver, mais tarde aquele assunto teria de ser esclarecido.

  • Permanece o fato de que o senhor O'Toole sequestrou a senhora e seu filho.
  • Se ele for julgado, afirmarei, sob juramento, que ele não fez isso. Direi que o acompanhamos por livre e espon­tânea vontade — Randy declarou, desafiadora.
  • Ele roubou dinheiro de um dos passageiros do trem.
  • Não. Pegou o dinheiro que um fanfarrão enfiou na mão dele, achando que estava sendo muito engraçado. As pessoas que se encontravam no trem, quando testemunha­rem, dirão o mesmo. Todo mundo pensava que o assalto fosse uma encenação. Ninguém correu perigo, em nenhum momento.
  • Ninguém, a não ser a senhora e seu filho.
  • Não, não corremos — ela teimou em tom categórico.
  • Recebi uma camisa rasgada, manchada com o seu san­gue, senhora Price.

Ela ergueu o polegar, onde o corte ainda não cicatrizara.

—   Um acidente de cozinha — mentiu. — E a camisa não era minha. — Agora não estava mentindo, apenas torcendo a verdade. — Sujá-la com o meu sangue e mandá-la ao senhor foi uma tentativa desesperada do senhor O’Toole de chamar a sua atenção. Nunca corremos risco algum. Per­gunte a Scott.

O governador Adams olhou para o menino, que acom­panhava a conversa, tanto quanto lhe permitia seu limitado vocabulário.

—   Scott, você teve medo dos índios? O garoto torceu os lábios, pensativo.

  • Um pouco, quando Ernie me levou no cavalo dele, mas ele disse que não me deixaria cair. Depois, fiquei com medo de Jerônimo, porque ele queria me dar cabeçadas.
  • Jerônimo é um bode — Randy explicou.
  • Ainda não gosto muito dele — Scott admitiu.

—   O senhor O’Toole alguma vez machucou você? Ou ameaçou machucar?

Confuso com a pergunta, o menino negou, movendo a cabeça.

—   Não. Hawk é legal. — Olhou por cima do ombro e acenou alegremente para a orgulhosa silhueta. — Não ace­nou para mim porque não está gostando de ver esses carros na grama, deixando marcas. Ele diz que às vezes o homem faz maldades com a terra. E por isso que eles tiram prata da mina do jeito que fazem, para não estragar o que fica no chão, em cima.

O governador pareceu impressionado com o que ouvira, mas fez mais uma pergunta:

—   O senhor O’Toole alguma vez machucou sua mãe? Scott ergueu a mão para proteger os olhos do sol e in­clinou a cabeça para trás a fim de fitar Randy.

  • Não. Ele tinha uma faca e...
  • Uma faca?
  • — O garoto tirou a pequena arma da bainha. — Hawk me deu. Disse que eu podia enfiar a faca no co­ração dele, se ele maltratasse minha mamãe. Não maltratou, então não precisei fazer isso. Mas acho que não ia ter co­ragem, porque ele disse que a gente pode usar uma faca para tirar a pele de um animal ou limpar um peixe, mas nunca para ferir uma pessoa.

Morton avançou para Randy.

  • Deixou meu filho brincar com facas? Quer que ele seja tão selvagem quanto o seu novo amante? — pergun­tou com aspereza, tentando tirar a faca de Scott. — Me dê essa coisa!
  • Não! — o menino gritou, curvando-se para a frente para proteger a faca.

Morton agarrou-o rudemente pelo braço.

Hawk saltou da rocha e correu na direção da porteira.

Os policiais voltaram a empunhar as armas automáticas, apontando-as para ele.

—   Não atirem! — gritou o governador, erguendo os braços. Depois de um momento tenso, ele se virou para Randy.

  • Senhora Price, a senhora foi muito útil no esclareci­mento da questão. — Fez uma pausa e lançou um olhar de desprezo para Morton. — Foi um infeliz equívoco. Mas acho que não posso dar o assunto por encerrado.
  • Por que não?
  • O episódio consumiu uma tremenda quantia de di­nheiro. Dinheiro dos contribuintes.

—   Prender o senhor O'Toole desnecessariamente também custará muito caro — ela argumentou.

  • Mas o público exigirá uma explicação plausível.
  • Tenho certeza de que encontrará uma, governador. Pense no bem que lhe fará mostrar ao público que apoia a causa dos índios.

Ele a examinou detidamente.

  • Muito bem. Dou-lhe minha palavra de que abrirei imediatamente um inquérito para apurar o que houve no negócio da mina Puma Solitário. A senhora e seu filho acei­tariam voltar para a capital na minha limusine?
  • Obrigada, governador, mas não voltaremos.
  • Vamos ficar, mamãe? — Scott berrou. — Posso ir con­tar a Donny?

Sem esperar permissão, passou correndo pelo pai, indo em direção à porteira.

Morton bufou, mas Adams silenciou-o com um gesto brusco e voltou sua atenção para Randy.

  • Nesse caso, levaria um recado ao senhor O’Toole?
  • Com prazer.

—   Diga a ele que marcarei uma reunião com represen­tantes do Conselho Geral de Tribos, da Secretaria de As­suntos Indígenas, advogados do governo e os atuais proprietários da mina. E estou certo de que a Receita Federa} mandará um de seus agentes. Assim que forem fixados o local e a data, entrarei em contato com ele. Enquanto isso não acontece, sugiro que a tribo volte para a aldeia perto da mina.

Randy agarrou-lhe a mão.

— Obrigada, governador Adams! Muito obrigada!

Nem mesmo olhou para Morton, que a xingou, quando ela passou por ele. Seus palavrões, seu desprezo, não a afe-tavam em nada. O coração martelava loucamente, mas ela caminhava com passos firmes, indo ao encontro de Hawk.

Quando apenas uma pequena distância separava-os, Randy o encarou.

  • Você me tirou daquele trem à força, de modo que agora tem de me aturar. Sei que me deseja. Suspeito até que me ame, embora não queira admitir. Mais do que tudo, porém, você precisa de mim, Hawk O’Toole. Precisa de mim para abraçá-lo à noite, quando se sente sozinho. Precisa do meu incentivo, quando está em dúvida. Precisa do meu amor, e eu preciso do seu.

O rosto dele permaneceu impassível.

  • E não me mande embora — ela prosseguiu. — Se me mandar, vão me considerar uma completa idiota.

Viu uma centelha de riso nos olhos azuis. Hawk se mo­veu, então. Estendeu a mão e pegou-a pelos cabelos. For­çou-a a erguer o rosto e apossou-se de sua boca num beijo devorador.

 

                                       Epílogo

—   Não é lindo?

Randy afagou a cabecinha do filho recém-nascido, co­berta de cabelos lisos e pretos.

—   Para um mestiço, até que é.

Ela afastou o dedo de Hawk do rosto do bebé.

  • Não se atreva a falar assim de meu filho!
  • Nosso filho — o marido corrigiu-a com um sorriso afetuoso, encostando novamente o dedo na bochechinha rosada que se inflava e murchava, nos movimentos que o bebe fazia, sugando o seio da mãe. — E mesmo lindo, não é?

O rosto de Hawk refletia assombro e reverência, porém continuava severo. Isso não mudara. Mas, ao contrário de um ano antes, suas feições suavizavam-se com mais fre­quência, quando ele ria das bobagens de Scott, quando fazia amor com Randy, quando a fitava, em lugares públicos, onde só podiam dizer que se amavam através de olhares.

—   É uma beleza, mas já vejo nele traços do seu tempe­ramento — comentou Randy, tirando o seio da boca do bebé, que fechou as mãozinhas e socou o ar, o rostinho contorcido num trejeito de feroz descontentamento. — Cal­ma, você só mamou de um lado — ralhou brandamente, dando-lhe o outro seio.

A criança agarrou o mamilo, começando a sugá-lo rui­dosamente. Hawk sorriu, divertido com o apetite que o filho demonstrava.

—   Se continuar comendo assim, vai ser zagueiro, quan­do crescer.

  • Pensei que Scott é que fosse ser zagueiro.
  • Há quatro em cada time. Se tivermos mais dois filhos, a defesa ficará completa.
  • Posso dar minha opinião a respeito?
  • Pode dizer "não" todas as noites, quando eu a abra­çar. — Hawk inclinou-se e beijou-a nos lábios. — Mas nunca diz.

Ela baixou os olhos.

—   Que indelicadeza mencionar isso, senhor O’Toole! Nesse instante, uma enfermeira entrou, carregando um vaso de rosas.

  • Mais flores — anunciou, pondo o vaso na mesa-de-cabeceira. — Como estão indo as coisas por aqui? — per­guntou, olhando o bebé por cima do ombro de Hawk.
  • Agora acredito que ele está de barriguinha cheia — disse Randy, olhando amorosamente para o filho, que adormecera.
  • Vou levá-lo de volta para o berçário.
  • Espere um minuto — pediu Hawk.

Pôs as mãos sob o bebé e ergueu-o. Beijou-o na testa e admirou-lhe o rostinho e os membros fortes, antes de en­tregá-lo à enfermeira.

Acompanhou a mulher até a porta, como para ter certeza de que seu filho chegaria ao berçário em segurança. Quando voltou para perto da cama, ficou alarmado ao ver os olhos de Randy cheios de lágrimas.

  • O que foi? Ela fungou.
  • Só estava pensando em como amo você. Ele se sentou e beijou-a delicadamente.
  • Este beijo foi mandado por Scott, que quer saber quan­do levaremos seu irmãozinho para casa.
  • Diga que faltam apenas dois dias. Como ele está?

—   Muito ocupado, fazendo um desenho para você. Disse que estará pronto amanhã.

Ela sorriu.

—   Mal posso esperar para ver. Quem mandou as rosas?

Hawk pegou o cartão e leu-o.

  • Ernie e Leta. Tenho certeza de que foi ideia dela. Ernie ficou emburrado porque meu filho nasceu com mais peso do que o dele.
  • Eu que o diga! — Randy exclamou com uma careta, pondo a mão na barriga.

—   Está sentindo dor? — Hawk perguntou, ansioso. Como a mãe morrera dando à luz, ele ficara preocupado com Randy durante toda a gravidez. E, quando a levara para o hospital, na cidade, mostrara-se muito mais nervoso do que ela a respeito do parto.

—   Não, não estou sentindo dor — Randy assegurou. —Só estava brincando.

Afastou uma mecha de cabelos escuros da testa dele. Por algum tempo, depois do casamento, hesitara em ex­pressar seu afeto por Hawk, a não ser na cama. Logo, porém, descobrira que ele gostava de suas carícias es­pontâneas, talvez porque houvesse conhecido tão pouco afeto durante a vida.

  • Ernie ainda não gosta de mim — observou, olhando para as rosas.
  • Você é minha
  • Isso quer dizer o quê?
  • Ernie é indiferente a toda mulher que não governe a sua cozinha e não durma na sua cama. Não é que ele não goste de você. Sei que a respeita, embora a contragosto.
  • Sua atitude melhorou um pouquinho, quando ele se convenceu de que eu não iria tentar persuadir você a sair da reserva.

Hawk acariciou-a no pescoço.

—   Ele percebeu, naquela primeira noite, quando subi na carroceria da caminhonete e encostei uma faca no seu pes­coço, que você poderia ser bastante persuasiva.

O parto a deixara emocionalmente abalada. Novamente à beira das lágrimas, Randy tratou de desviar o rumo da conversa.

  • Fiquei contente por Leta, por Ernie ter construído uma casa maior. Precisavam mesmo de mais espaço.
  • Não foi só Ernie quem prosperou, este ano. Todos nós prosperamos. Graças a você, que nos devolveu a mina — disse Hawk em tom grave.
  • Só pus as engrenagens em movimento. Foi o seu poder de persuasão que fez o resto.

Ele apoiou o cotovelo no travesseiro e inclinou-se sobre ela.

  • Eu já lhe agradeci?
  • Pelo menos um milhão de vezes.
  • Obrigado mais uma vez. — Beijou-a castamente, com imensa ternura. — Este beijo fui eu que mandei.
  • Eu sei. Senti o seu toque especial.
  • Já disse como sinto a sua falta, como a cama fica vazia sem você, quanto te amo?
  • Hoje, não.

Hawk a beijou novamente, de modo inocente, até que a língua de Randy procurou a sua. Com um gemido de desejo, ele aprofundou o beijo. Deslizou uma das mãos pelo peito dela, abrindo-lhe a camisola. Cobriu um dos seios com a mão em concha, num gesto possessivo e amoroso. Quando sentiu a umidade pegajosa do mamilo, ergueu a cabeça e fitou Randy nos olhos.

—   Adoro ver meu filho mamar.

—   Eu sei. E eu adoro ver você olhando para ele. Hawk apertou o mamilo de leve, e aparou uma gota de leite no polegar.

  • Ele não tomou tudo. Você ainda tem leite.
  • Muito — Randy concordou em tom rouco.

Os olhos azuis fixaram-se nos dela, indagadores. Então, carinhosamente, Randy segurou-o pela nuca e empurrou-lhe a cabeça para baixo. 

 

                                                                  Sandra Brown

 

 

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