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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A Rota para Andrômeda / K. H. Scheer
A Rota para Andrômeda / K. H. Scheer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A Rota para Andrômeda

 

                           

 

Gritavam sem parar. Não se acalmaram nem mesmo quando Icho Tolot entrou no quarto e parou junto às camas em que estavam deitados os dois doentes.

Fancan Teik ainda usava seu uniforme de batalha. Voltara há dois dias de uma missão difícil. Estava cansado.

Tolot lançou um olhar para o combatente. Ninguém jamais descobriria quais foram as aventuras que Fancan Teik tinha procurado — e encontrado. Costumava-se guardar silêncio sobre estas coisas — geralmente!

Mas desta vez acontecera uma coisa que obrigava Teik a revelar ao menos parte de suas experiências.

Klautos Mur mantinha-se na expectativa. Uma vez cumpridos conscienciosamente seus deveres de médico, recuara alguns passos.

A casa de Icho Tolot era grande; na verdade, era grande demais para um jovem que tinha de calar-se no conselho dos velhos, enquanto não lhe dirigiam a palavra. No entanto, Tolot possuía certas qualidades que não podiam ser menosprezadas. Era um cientista importante.

Tolot inclinou-se sobre os doentes, em cujos olhos via-se o brilho da loucura. O médico Klautos Mur os envolvera num campo de contenção energético, para que os loucos furiosos não pudessem ferir-se.

A voz grave de Tolot tinha um tom surpreendentemente suave. Passou cautelosamente a mão pelos cabelos grudados de suor do mais jovem dos dois homens. Tentou acalmar os doentes com seu canto. Não conseguiu.

— É uma reação muito violenta — disse Mur. —

O senhor não vai conseguir nada.

Tolot levantou-se! Retirou a mão do campo energético.

— Conseguimos curar os danos físicos — prosseguiu o médico. — Organicamente os dois estão perfeitamente bem. Mas diante da perturbação mental sou impotente. O que sugere?

Tolot percebeu a recriminação suave que havia na pergunta, ele mesmo pedira permissão para receber os doentes em sua casa.

Manipulou o controle robotizado do equipamento de climatização e sentou ao lado do médico. Alguns raios débeis do sol vermelho filtravam pelas janelas do teto, Fancan Teik notou a expressão de súplica no olhar de Tolot. Estava na hora de esclarecer as ligações que havia entre os fatos.

Teik pôs a mão num bolso externo de seu traje de combate e tirou dois envoltórios transparentes.

— São as credenciais destes homens — disse, indo diretamente ao assunto. — Trata-se do tenente Orson Coul, um terrano, e do artilheiro Heyn Borler, que também é terrano. Ambos eram tripulantes do cruzador pesado terrano Omaron.

— Eram...? — perguntou Tolot.

— Existe uma probabilidade de noventa e nove por cento de que a nave foi destruída.

— Em combate?

— Não. Minha interpretação não aponta para esta hipótese. Parece que foi um acidente. Descobri os doentes no setor de Szonu. Estavam num barco de salvamento. Recolhi-os a bordo de minha nave e resolvi trazê-los para cá. De qualquer maneira, minha tarefa tinha sido concluída.

As regras não mandavam que Fancan Teik dissesse mais que isso. Bastava que garantisse ter recolhido, os dois terranos no espaço sideral.

Tolot levantou e colocou-se à frente de uma das telas de visão direta. A nave de Teik estava pousada no campo de pouso que ficava à frente da casa de Tolot

O barco de salvamento terrano já tinha sido colocado fora da nave. Naquele momento um robô de processamento de dados estava fazendo a interpretação do computador positrônico de bordo.

— Está em perfeitas condições — disse Tolot, pensando em voz alta.— Fico-lhe muito grato pela gentileza, Fancan Teik. Tem alguma objeção a que eu transporte os náufragos resgatados à base terrana mais próxima?

Teik deu uma risada. Foi uma risada surda, que antes parecia um trovejar.

— Acho que o senhor tem de retirar-se, Tolot. Não tenho nenhuma objeção. Vai registrar sua saída na central?

O médico prendeu a respiração. Lançou um olhar fascinado para o jovem.

Um fogo interior fazia brilhar os olhos de Icho Tolot. Parte da tela estava encoberta por seu corpo.

— Provavelmente. Tenho muito interesse pela Terra.

Fancan voltou a rir. Desta vez foi uma risada menos barulhenta e mais amável.

— Não se deixe seduzir pelos simpáticos novos-ricos da história galáctica, mostrando-se muito prestativo em ajudá-los. Eles mesmos terão de resolver seus problemas.

O médico também riu. Estava velho e gasto, mas naquele momento sentia uma vontade indômita de abandonar seu mundo de origem para mergulhar nas profundezas insondáveis do cosmos e dar vazão ao espírito aventureiro que era uma das características de seu povo.

Quanto mais olhava para Icho Tolot, enquanto media seu corpo gigantesco com os olhos experimentados e avaliava as chances do jovem cientista, mais intensamente fervia seu sangue.

No planeta Halut, que era o único mundo que circulava em torno do débil sol vermelho conhecido pelo nome de Haluta, estas ondas emocionais eram conhecidas pelo nome de lavagem forçada. Era uma expressão típica da mentalidade halutense.

Eles, que já tinham sido os donos da Galáxia e eram considerados imbatíveis em virtude de sua ciência e dos corpos titânicos que possuíam, há cinqüenta anos haviam renunciado voluntariamente a quaisquer pretensões de exercer o poder.

Nenhum outro ser da Via Láctea jamais soubera onde encontrar o planeta Halut. Ninguém tinha visto Halut e nenhuma inteligência tinha qualquer idéia de onde vinham aqueles desconhecidos, o que pretendiam e por que de vez em quando intervinham com uma vitalidade extraordinária nos destinos dos diversos povos.

No grande e antigo mundo de oxigênio chamado Halut naquela altura não viviam mais de cem mil criaturas da espécie de Tolot. Passaram a retrair-se, mas tinham atingido um grau suficientemente elevado de maturidade para compreender que o expansionismo e o espírito de conquista dos antepassados só contribuíra para tornar desassossegada sua vida.

Os habitantes de Halut tinham chegado à conclusão de que cada halutense devia ter o direito de levar a vida conforme melhor lhe aprouvesse. O povo tornou-se pacato, sábio e discreto — com uma exceção.

Fancan Teik era um exemplo da vontade quase doentia de um halutense de abandonar de vez em quando seu mundo tão tranqüilo, para viver lá fora segundo o exemplo dos antepassados. A Galáxia nunca tinha gerado inteligências mais robustas e poderosas que os seres unissexuais de Halut.

O metabolismo biológico de seus corpos — mais precisamente, sua capacidade de dominar mentalmente todas as celas ao mesmo tempo, transformá-las e fazer do organismo um projétil pulsante duro que nem aço — predestinava os habitantes de Halut para a luta.

Onde quer que aparecessem, espalhavam o pânico e o terror — pelo menos até que os outros seres compreendessem que nem sempre um exterior monstruoso permite que se conclua que realmente se trata de um monstro.

O médico levantou-se. Caminhou pesadamente na direção de Tolot e colocou a mão do braço preênsil direito sobre seu ombro.

— Eu o invejo. Quando pretende partir? Permite que um velho o ajude a organizar seu equipamento? Por favor. Sei perfeitamente que é um pedido bastante estranho. Mas quando a vida de um combatente está chegando ao fim...

— Compreendo perfeitamente — interrompeu Icho Tolot. — Leu meu último estudo experimental sobre a Terra?

— Não só li, mas até estudei. É um fenômeno. Nossas crônicas falam no terceiro planeta de um sol pouco importante. Há tempos descobrimos um mundo primitivo por lá.

— Pois hoje o senhor encontraria um império sideral pequeno, mas poderoso, dominado pelos habitantes desse terceiro mundo. Em si isso não teria nada de extraordinário. A história apresenta inúmeros exemplos da ascensão e da decadência de um povo galático. Mas os terranos diferem num ponto importante de tudo que conhecemos. Possuem coragem pessoal, capacidade de sacrifício e uma vontade indomável de concluir o que começaram. Uma política inteligente levou à formação do chamado Império Solar em apenas alguns séculos. Quero entrar em contato com esses seres. Interesso-me por eles.

— Encontrei-me com um couraçado terrano — observou Fancan Teik.

Tolot virou a cabeça; parecia surpreso. Teik lançou um olhar pensativo para a tela. Fez o terceiro olho sair um pouco da órbita.

— A tripulação fez a nave pousar num mundo pelo qual também me interessava. Arrisquei um jogo, deixando que eles me caçassem. Tornaram-se mais perigosos do que eu acreditava. Até chegaram a usar armas parapsicológicas. O senhor certa vez não aludiu a um exército de mutantes?

— Foi num estudo bem antigo — confirmou Icho Tolot.

Fancan Teik confirmou com um gesto das mãos de seus braços de saltar.

— E verdade. Tentei calcular as chances de ascensão dos humanos. Baseei-me nos dados resultantes das observações colhidas durante a caçada.

— E daí...?

— O resultado é formidável, Icho Tolot! Este povo só parece pequeno e fraco. É claro que os terranos não possuem as mesmas capacidades orgânicas que nós. A potência de suas armas físicas é bastante reduzida, mas em comparação com as qualidades dos outros povos galácticos são verdadeiros gigantes. Acho que o Império Solar ainda dará o que falar. O velho império arcônida está no fim. A turbulência reina na frente dos blues. Todos os descendentes de arcônidas uniram-se contra a Terra. O Administrador Geral...

— Perry Rhodan...?

— Isso mesmo. Encontrei-me com ele. Está à procura de um mundo chamado Kahalo. Conhece o planeta das pirâmides?

— Conheço muito bem.

— Estive lá. Para minha surpresa — quase diria para meu espanto — descobri sinais de fortes combates. Os terranos tinham chegado antes de mim, mas ao que parece as coordenadas do planeta perderam-se de novo. Se precisar de alguém que o acompanhe, estou à sua disposição.

Icho Tolot levantou os dois braços curtos de saltar. Ficavam na mesma altura dos braços de ação, bem mais compridos, mas estavam dispostos mais para o centro do enorme peito.

— Fico-lhe muito grato. Posso ir só. As últimas investigações por mim realizadas também revelam que os terranos estão à procura de Kahalo. Instalaram um novo mundo para servir-lhes de base. Esse mundo fica situado no centro da Galáxia e seu nome é Opposite.

— Possui as coordenadas? — perguntou o médico em tom nervoso.

— Tenho, sim. Estou muito curioso para saber como reagirão diante de minha presença.

 

Fancan Teik retirou-se. Dali a alguns minutos sua nave decolou. Desapareceu atrás das montanhas baixas, de cume cortado, situadas na linha do horizonte, do lado oeste.

Halut era antigo — antiqüíssimo. .Quando as primeiras frotas de guerra halutense partiram espaço a fora, o planeta já tinha chegado ao fim de seu estágio de desenvolvimento. Fazia muito tempo.

Atualmente só decolavam as pequenas naves especiais dos halutenses que, sob o impulso da lavagem forçada, eram levados a deixar seu mundo para levar por algum tempo a vida que seus antepassados tinham levado.

Icho Tolot começou a preparar o equipamento. O velho médico ajudou-o. Os dois terranos resgatados no espaço ainda estavam gritando. Falavam em luzes chamejantes e figuras misteriosas que se tinham precipitado sobre eles.

Tolot registrou suas declarações no setor de memória de seu cérebro programador, que ficava na parte superior de seu crânio semi-esférico e era separado do cérebro comum por uma placa óssea. A função deste último consistia nos movimentos motores e no processamento das impressões sensoriais.

Os cálculos realizados pelo cérebro programador de Icho eram mais precisos, rápidos e criativos que os de um computador positrônico de primeira linha.

Tolot processou os dados que conseguiu extrair dá fala balbuciante dos doentes. Chegou à mesma conclusão que Teik. O cruzador pesado Omaron não existia mais. Os dois terranos tinham escapado ao desastre por acaso.

Tolot empertigou o corpo. Nesta posição tinha 3,50 metros de altura. A largura dos ombros chegava a 2,50 metros e seu peso era de 1.990 quilos, a uma gravitação de um gravo.

Num andar lento, que quase chegava a ser preguiçoso, caminhou sobre as pernas grossas, relativamente curtas, em direção à saída. A pele negra, com aspecto de couro, que cobria seu corpo, absorvia a luz do sol Haluta.

Klautos Mur ficou à espera junto à porta do depósito de armas. Tolot inclinou respeitosamente o corpo diante dos símbolos entrelaçados que seus antepassados haviam gravado na escotilha de aço.

Enquanto proferia as palavras que compunham o velho cerimonial, foi tirando a roupa. Mur permaneceu imóvel. Não lhe competia perturbar o diálogo que estava sendo travado.

Só se adiantou quando Tolot disse:

— Estou preparado; que seja. Vou partir. A escotilha abriu-se. O sistema automático robotizado testou as vibrações individuais do halutense. Seguiu-se o sinal de passagem livre. As armas embutidas foram introduzidas nos tubos existentes nas paredes.

Tolot entrou no depósito de armas. Escolheu um conjunto de combate fabricado há trinta mil anos. Era um traje muito bom, com conversor molecular embutido, capaz de transformar o material numa armadura forte como aço.

A colocação do traje demorou três horas. Lá fora já estava escurecendo. Haluta, a bola vermelha chamejante, mergulhou atrás das montanhas. Tolot não prestou atenção ao fenômeno.

Fechou o conjunto que acabara de vestir e examinou o micro conversor de matéria, capaz de transformar qualquer substância em misturas gasosas respiráveis ou líquidos potáveis.

Klautos Mur colocou os largos cinturões sobre o ombro do guerreiro. Nos mesmos estava pendurado o cinto com as armas e o equipamento de múltiplas finalidades. Só a cabeça de Icho sobressaía sobre o material verde-escuro do traje de combate. Era um crânio formidável, volumoso, que parecia assentar diretamente sobre os ombros largos.

Era de formato semi-esférico, não tinha cabelos e possuía três olhos. Dois desses olhos ficavam no lugar em que se encontravam as têmporas da criatura humana.

Atrás desses olhos viam-se as aberturas dos ouvidos, que podiam ser fechadas à vontade.

O terceiro olho ficava na parte frontal do crânio, na altura.da testa. Os Halutenses levavam vantagem sobre seus inimigos, entre outros pelo simples motivo de possuírem um ângulo visual muito mais amplo e serem capazes de perceber a luz infravermelha.

Nem Klautos Mur, nem Icho Tolot disseram uma única palavra durante a cerimônia de colocação do traje. Tudo se passou num silêncio deprimente. Os únicos ruídos eram os que os robôs provocavam de vez em quando no interior do depósito de armas.

Finalmente Tolot escolheu a arma que iria levar. Era uma arma energética com três combinações, maior, mais pesada e mais eficiente que um canhão de robô terrano, do tipo que só pode ser manipulado pelas gigantescas máquinas de guerra.

Icho levou trinta minutos para examinar a arma. O stand de tiro ficava logo ao lado. Verificou o raio de impulsos térmicos, o desintegrador de matéria e finalmente o detonador nuclear de grande alcance, capaz de causar a desintegração atômica de qualquer espécie de matéria.

Seguiram-se inúmeros objetos que também faziam parte do equipamento. Quando terminou e saiu do depósito de armas, Tolot poderia destruir sem a menor dificuldade um exército terrano do século vinte equipado com armas atômicas.

Mur só dirigiu a palavra ao jovem halutense quando chegaram à sala de testes.

— Faça o favor de examinar a fase de reversão de seu coração.

Tolot seguiu o conselho. Com a força de sua vontade paralisou o lado esquerdo do coração, fechou os grupos de válvulas orgânicas e deixou que o lado direito entrasse em funcionamento.

— As reações são boas. Não constatei nenhum tremor.

— Excelente. Há alguma modificação estrutural?

A pele muito elástica de Tolot brilhou. Os grupos moleculares modificaram sua posição relativa e tornaram-se cristalinos. Dentro de alguns segundos o halutense assumiu o aspecto de uma estátua feita de aço Terconit de primeira qualidade. As facetas que fechavam seus olhos estreitaram-se a tal ponto que só se via uma pequena fração dos vinte centímetros que os mesmos mediam.

— Um exercício de caminhada, por favor! — pediu o médico.

Icho Tolot saiu correndo. A alteração externa que se verificara em seu corpo não afetara os órgãos internos.

Tolot conseguia movimentar-se muito bem. A cada passo a condensação das juntas abria-se um pouco.

— Seus controles são excelentes. Gostaria de ver a alteração total.

O corpo do halutense enrijeceu. A respiração e o pulso pararam. O médico pegou uma arma mecânica e disparou uma série de cem projéteis quebra-blindagem contra o corpo imobilizado.

Tolot não demonstrou a menor reação. Quase não havia mais vida em seu corpo. Um grupo de células do cérebro comum era a única parte de seu corpo que ainda estava funcionando.

Quando os últimos projéteis ricochetearam, batendo na parede e caindo ao chão, Tolot devolveu a bio-estrutura normal ao seu corpo. Mais uma vez Klautos Mur ficou satisfeito.

O resto da noite foi consumido com os exames médicos. O teste de corrida foi realizado pouco depois do raiar do sol.

Icho Tolot deixou cair o corpo para a frente e tocou o chão com os dois braços curtos usados para saltar. Os braços compridos de agarrar estavam estendidos, prontos para entrar em ação.

Sob o comando do médico, o corpo titânico de duas toneladas transformou-se num foguete em disparada. Os halutenses eram capazes de deslocar-se de quatro a uma velocidade de 120 quilômetros por hora. Eram capazes de manter esta velocidade sem a menor dificuldade durante quinze horas.

Icho Tolot regressou depois de uma hora de corrida. As funções circulatórias eram perfeitas.

Pelo meio-dia o médico o dispensou. Os controles técnicos foram realizados por robôs.

Quando finalmente estava em condições de entrar em ação, Tolot parecia um monstro trajado de verde com olhos brilhantes avermelhados, em baixo dos quais havia um nariz quase imperceptível e uma boca larga, que antes parecia a goela de um animal.

Até mesmo os dentes reforçavam a impressão monstruosa. Os halutenses eram onívoros no verdadeiro sentido da palavra. Seu metabolismo não dependia exclusivamente da ingestão de alimentos animais ou vegetais. O Sistema de conversão de seu aparelho digestivo, também controlável por meio da vontade, aceitava qualquer substância que se pudesse imaginar.

O último teste foi realizado por iniciativa de Tolot. Entrou numa câmara de vácuo, ligou o termostato para 185 graus centígrados negativos e deixou cair o capacete dobrável para dentro da dobra do traje especial.

Durante cinco horas Icho viveu do oxigênio produzido por sistema de conversão orgânico com as rochas antes absorvidas. A concentração mínima da pele evitava a expansão da pressão de seu corpo. O calor gerado por seu organismo foi integralmente armazenado no próprio corpo.

Quando começou a segunda noite, Icho Tolot estava preparado para partir. Sua espaçonave surgiu em cima das montanhas e pousou na área extensa situada à frente de sua casa. Não havia mais ninguém.

Um halutense que atendia ao chamado de seu sangue selvagem e saía para fazer uma lavagem forçada nunca era objeto de despedidas oficiais.

Tolot colocou os dois terranos doentes sobre seus braços titânicos e carregou-os cautelosamente para a nave. Era um pequeno veículo em forma de disco, equipado com máquinas de um tipo que nenhum olho humano jamais tinha visto igual.

Acomodou os humanos cautelosamente sobre um campo energético e colocou um campo de contenção muito elástico sobre eles. Os dois homens possuíam uma mobilidade limitada. Continuavam a gritar. Mur não quisera arriscar-se a ministrar-lhes um calmante.

Tolot dirigiu-se à sala de comando. Era o lugar de onde entrava em contato com os seres pertencentes à seu povo. Sabia que estavam todos sentados diante das telas de seus aparelhos para observá-lo. A partida de um combatente era um dos acontecimentos mais excitantes em Halut.

— Já vou — disse Icho Tolot, repetindo a fórmula prescrita. — Vou para procurar. Encontrarei.

A resposta foi dada em forma de uma corrente de luzes atômicas que se acendeu no espaço, superando o brilho das estrelas. Icho Tolot passou a respirar mais depressa.

Decolou pela meia-noite. Quando atingiu o espaço e o dispositivo automático deu início ao cálculo da rota o halutense expediu a mensagem previamente preparada.

O sol Haluta ficava quase exatamente no centro da Via Láctea, a 51.321 anos-luz da Terra. Mas a distância que separava Halut do destino de Tolot, que era Opposite, o planeta-base, era de apenas 2.414 anos-luz.

Ninguém confirmou o recebimento da mensagem. Tolot nem esperara outra coisa.

Deu uma risadinha. Sua boca enorme abriu-se, pondo à mostra os dentes trituradores de que precisava para fragmentar o alimento.

Quando a nave penetrou no semi-espaço e passou a deslocar-se a uma velocidade um milhão de vezes superior à da luz, Icho Tolot foi para junto dos náufragos resgatados.

Estavam um pouco mais calmos, mas continuavam sem compreender onde se encontravam.

— Os cientistas de seu povo farão alguma coisa por vocês, meus pequeninos — cochichou o gigante. Enxugou cautelosamente o suor da testa do tenente Coul.

Tolot, que era bissexual como todos os halutenses, sentiu despertar seu instinto materno. Mas quando se lembrou da combatividade dos terranos, a ternura materna foi substituída pelo orgulho paterno. O gigante voltou a rir, desta vez mais alto. Prosseguiu em seu solilóquio:

— Seu povo acreditará que sou um monstro, pequenino. Fancan Teik não fez uma advertência direta, mas as informações que deu dizem tudo. Os halutenses sabem apreciar a coragem pessoal, a capacidade de sacrifício e o pensamento com vistas a um plano. Mas o que apreciamos mesmo são as brincadeiras e o jogo com as forças da natureza. Os terranos possuem senso de humor, do contrário não teriam conseguido levar a melhor sobre os povos mais numerosos e poderosos da Galáxia, apesar de sua debilidade inicial. Vocês arriscaram muito e ganharam. Nunca se riu tanto e tão gostosamente em Halut como no tempo do expansionismo dos terranos nas profundezas da Via Láctea. Observamos vocês e ficamos curiosos, à espera do próximo lance. Vocês introduziram um pouco de variedade em nossa solidão. Já chegou a hora de também entrarmos no jogo. Vocês têm grandes objetivos, pretendem coisas que nem mesmo nós ousamos fazer. Qual é mesmo o comprimento da estrada de Andrômeda?

O tenente Coul voltou a gritar. Investia desesperadamente contra o campo de contenção. Icho Tolot observava-o com uma expressão preocupada. Finalmente retirou-se em silêncio.

Dentro de alguns minutos o dispositivo automático daria início à manobra de retorno ao espaço normal.

 

Os calendários registravam o dia 15 de agosto de 2400, tempo padrão. O terceiro planeta do sol verde chamado Whilor, situado a 48.333 anos-luz da Terra, parecia querer arrebentar com o rugido provocado pela decolagem de um grupo de couraçados da USO.

As gigantescas naves ergueram-se do novo porto ‘espacial de grandes dimensões situado nas proximidades do pólo sul planetário, no lugar em que poucos anos antes tinha surgido a base mais importante do Império Solar. Era importante porque o grupo de Whilor era um dos sistemas solares que ficavam bastante próximos do Centro galático para servir de base às formações de combate e de pesquisa do Império.

Mais importante que esta circunstância favorável era afeto de que o Administrador Geral estava em condições de provar cabalmente seu direito ao planeta. O terceiro planeta de Whilor sempre pertencera ao Império. Fora descoberto e colonizado por humanos. Pouco importava que esses humanos fossem terranos coloniais pertencentes ao povo plofosense. O que importou ainda menos a Perry Rhodan foram as acusações formuladas por outras potências galácticas, segundo as quais o terceiro planeta teria sido tirado dos plofosense à força.

Há setenta e um anos havia somente uma estação secreta de pesquisa do Chefe Supremo Iratio Hondro no planeta Opposite, nome dado a este mundo.

Durante a luta de libertação do povo plofosense, travada contra o ditador odiado, um grupo de naves da frota terrana comandado por Rhodan e Atlan pousara em Opposite. Iratio Hondro tombara no mundo estranho.

Mas na época as pretensões do Império Solar já estavam consolidadas. Há setenta e um anos Mory Abro assumira a direção do estado em Plofos. Depois disso tornara-se a esposa de Rhodan. Nestas condições não era de admirar que em hipótese alguma Rhodan e a Segurança Galáctica estivessem dispostos a abandonar esta base, situada num ponto tão favorável.

O objetivo de Rhodan, que pretendia estabilizar á unidade terrana e fortalecer a Humanidade, só pudera ser concretizado por meio da concentração de todas as forças disponíveis em sua própria área de interesses.

Poucos anos após a queda do Chefe Supremo de Plofos a tão desejada união se transformara em realidade. Novos sistemas foram colonizados. As constelações de Plêiades e Presépio, situadas a apenas quinhentos anos-luz da Terra, ofereceram-se para isso.

Os planos de Rhodan previam a criação de uma área concêntrica de compactação de forças, em cujo interior nenhuma estrela ficasse a mais de três mil anos-luz do mundo de origem.

Os planetas pertencentes ao chamado anel exterior eram escassamente povoados, e serviam exclusivamente como bases para a frota ou as operações comerciais. Em média os mundos de imigração propriamente ditos, integralmente ocupados pelos humanos, não ficavam a mais de oitocentos anos-luz da Terra.

Por meio dessa tática foi criado um império que, apesar de sua reduzida extensão espacial, formava uma poderosa concentração de seres humanos, indústrias; portos espaciais e centros comerciais.

No citado dia 15 de agosto de 2.400, apenas setenta e um anos depois da desagregação do antigo Império Unido e da Aliança Galáctica, a Terra possuía 1.112 planetas plenamente ocupados e um total de 1.017 sistemas solares.

Além disso, havia 1.220 mundos pertencentes ao anel exterior. Os mesmos eram usados exclusivamente como bases militares, geralmente secretas, e postos de suprimentos.

O mundo de origem, Terra, sede do governo solar e germe do império sideral, tinha uma população de sete bilhões de pessoas. O governo estimulava de todas as formas a emigração para os mundos recém-descobertos ou parcialmente inexplorados.

Depois que o Administrador Geral resolvera desistir da conquista da Galáxia com o auxílio de numerosos povos, principalmente os arcônidas, passando a dar prioridade exclusivamente aos interesses do Império Solar, este experimentara um período de grande prosperidade. As rivalidades e lutas internas entre os administradores coloniais tinham sido apaziguadas. No limiar do ano 2.400 ninguém mais poderia duvidar de que o planeta Terra se transformara num bloco gigantesco e poderoso, que os povos da Galáxia não poderiam deixar de incluir em seus cálculos.

Depois da destruição de Árcon III o velho império arcônida se havia dividido no curso dos últimos setenta anos em mais de mil áreas de interesse distintas. Os antigos governadores passaram a fazer valer um interesse próprio sobre as áreas por eles administradas. Os aconenses, que sem a menor dúvida eram os ancestrais dos arcônidas, esforçavam-se ao máximo para ocupar as colônias arcônidas.

Saltadores, aras, antis e mais uns dois mil povos, todos eles provenientes do núcleo comum arcônida, mas que tinham sofrido mutações no curso dos milênios, tentavam salvar o que ainda podia ser salvo.

Ao leste do centro galático, no temível Eastside, rugiam as batalhas entre os diversos ramos do povo dos blues com uma fúria incontida.

Aqueles seres tinham despertado depois que Rhodan quebrara o predomínio dos gatasianos e destruíra as fortalezas voadoras de molkex.

Todo o espaço galático transformara-se numa perigosa selva sideral. Era uma verdadeira arte coordenar os inúmeros pedidos de socorro de quem estava em perigo e das ameaças não menos numerosas de quem se julgava poderoso, sem abandonar um metro do próprio território e resguardando sempre os interesses da Humanidade.

Fazia setenta anos que os cruzadores e grupos de unidades pesadas dos terranos não intervinham mais nos acontecimentos. A construção do Império Solar pôde ser levada avante com toda calma.

Mas sempre que fora necessário impedir ataques já planejados a mundos coloniais, bases e planetas comerciais amigos, a Terra sempre soube desferir golpes pesados.

Os gigantes da classe império, flanqueados e protegidos por cruzadores ligeiros e grupos de couraçados, apareciam de surpresa, provando que não era nada inteligente subestimar o Império Solar.

Mais de um furacão de fogo atômico saíram dos canhões energéticos dos gigantes espaciais. As naves fragmentárias dos posbis, que agiam como verdadeiros amigos, dando um apoio irrestrito à Terra, produziram efeitos ainda mais devastadores. As gigassalvas disparadas por seus canhões conversores dizimaram os grupos de naves aconenses que as atacavam.

Apesar dos êxitos alcançados, Perry Rhodan não tinha a menor dúvida de que estava na hora de melhorar os armamentos das naves solares.

Especialmente os blues, altamente capacitados no setor técnico, ultimamente tinham aparecido com modelos que só ficavam atrás das naves terranas no que diz respeito aos canhões de conversão e à técnica de construção astronáutica mais avançada. Nos últimos dezenove anos a Humanidade estava à procura do lendário planeta Kahalo, onde Rhodan, Atlan, Mory Abro e mais algumas pessoas tinham descoberto os remanescentes de uma cultura extraordinária.

A ciência de Kahalo seria um fator decisivo no futuro desenvolvimento da Humanidade.

A nova base de Opposite existia há dez anos. Se Kahalo pudesse ser encontrado em algum lugar, seria no centro da Galáxia. Com esta idéia na cabeça foram iniciadas as buscas no oceano de estrelas. Por enquanto as mesmas não haviam dado nenhum resultado, embora Rhodan não tivesse a menor dúvida em utilizar na mesma cerca de dez mil espaçonaves de todas as classes.

Há oito semanas registrara-se o desaparecimento da primeira nave, e pouco depois da segunda e da terceira.

Fazia quatro dias que tinha sido captado um pedido de socorro desesperado do cruzador pesado Omaron. As investigações revelaram que as quatro naves tinham desaparecido no mesmo setor da concentração sideral do centro da Galáxia.

O marechal solar Allan D. Mercant, portador de um ativador celular e chefe da Segurança Galáctica, esperava um ataque em grande escala a Opposite.

Atlan, lorde-almirante no exercício do governo e comandante supremo da USO, sentia-se mais inclinado a acreditar numa série de atentados que seriam praticados por desconhecidos com tamanha habilidade que pareciam acidentes.

Perry Rhodan, fundador da potência terrana e antigo piloto de risco da força espacial dos Estados Unidos, que fora o primeiro homem a subir à Lua, preferiu não manifestar sua opinião. No entanto, transferira onze frotas para Opposite. Atlan reforçara a concentração de forças por meio de três esquadrilhas de apoio formadas por naves mais velozes que a luz.

Uma frota dos pos-bis estava estacionada nas profundezas do espaço, preparada para disparar suas peças de artilharia. Não seria nada fácil afastar as pretensões terranas sobre Opposite pela força das armas, ainda mais que poderosos grupos de naves de guerra terranas, comandadas pelo marechal de estado Reginald Bell, estavam estacionadas nas fronteiras do Império, à espera do alarme.

A Humanidade estava disposta a responder a qualquer violação da paz com o mais poderoso golpe de fogo de que os povos galácticos tinham notícia nos últimos vinte mil anos.

Nenhuma crônica relatava o que acontecera antes disso. Até era possível que muito antes da fase de conquistas arcônidas houvesse povos que possuíam um poderio em comparação ao qual a força da Humanidade era uma insignificância.

Mas parecia que no momento os inimigos do Império não tinham muita coisa para apresentar. Se os aconenses, que desempenhavam um papel importante nas agitações, tivessem conseguido equipar as numerosas partes em luta e formar uma frente única, a Terra estaria irremediavelmente perdida.

Competia a Allan D. Mercant evitar a formação dessa frente única, por meio de seu serviço secreto galático e do legendário exército dos mutantes.

Até então tinha sido bem sucedido na tarefa. Só havia um inimigo que o homem precisava levar a sério — o próprio homem! Era o que revelava a história mais recente. A revolta de Plofos ainda não tinha sido esquecida.

Nessa época a estação de rádio galáctica central de Opposite recebeu uma notícia tão estranha, que o rádio-operador de serviço imediatamente deu o alarme total.

Em virtude disso uma frota de interceptação da USO precipitou-se para o céu verde do planeta desértico. Outras duas mil naves ficaram estacionadas nas pistas do porto espacial, com os propulsores ligados.

Os fortes colocaram em posição seus canhões. Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo entre as estrelas.

— Conhece alguém chamado Icho Tolot? — perguntou Rhodan.

Allan D. Mercant abanou a cabeça. A fita de plástica em que estava gravada a mensagem encontrava-se sobre a mesa da sala de conferências.

Além de Rhodan e do chefe de segurança estavam presentes Mory Rhodan-Abro, o lorde-almirante Atlan, Gucky, o rato-castor e o mutante Ralf Marten.

Os comandantes dos diversos grupos de naves já se tinham dirigido às suas naves-capitâneas.

— A mensagem não foi recebida em código. É estranho! — disse Rhodan em tom pensativo. — Não foi possível determinar a posição aproximada do transmissor?

Mercant respondeu que não. Mory pegou a fita e voltou a ler o texto:

— Recolhemos o tenente Orson Coul e o artilheiro Heyn Borler. Estado preocupante. Prepare auxílio médico. Peço licença para pousar. Chegarei Opposite uma hora após expedição mensagem, tempo terrano. Viajo numa nave-disco. As: Icho Tolot.

Rhodan lançou um olhar para sua esposa. Ao notar que estava com a testa franzida, não pôde deixar de sorrir. Mory continuava a ser a mesma beleza orgulhosa e fria de setenta e um anos atrás. A herança do Chefe Supremo, consistente num ativador celular, detivera o processo de envelhecimento de Mory.

Mory recolocou a fita na mesa. Parecia pensativa.

— Não parece uma ofensiva, Atlan. Parece que mais uma vez o senhor ouve as moscas tossir.

Gucky deu uma risadinha. Por uma fração de segundo atreveu-se a usar seus dons telepáticos para tatear a mente de Mory. Realmente, a mesma estava pensando em moscas que tossissem! Gucky riu mais alto.

— Silêncio! — resmungou Ralf Marten, o teleótico do Exército de Mutantes.

Atlan segurou o rato-castor, que não tinha mais de um metro de altura, e colocou-o no colo.

— Não se deve espionar no cérebro de uma senhora. Entendido?— cochichou.

— Percebeu alguma coisa? — perguntou a pequena criatura em tom assustado.

O antigo imperador dos arcônidas pigarreou. Rhodan parecia nervoso, à espera da resposta de Mercant. Tratava-se de um homem pequeno, de aspecto insignificante, cuja verdadeira grandeza pouca gente conhecia. Fez um gesto negativo.

— Madame, de trezentos anos para cá qualquer notícia aparentemente sem importância causa reações desagradáveis em minha mente. Quem é o tal do Icho Tolot? Quem me garante que a nave-disco referida na mensagem não é uma bomba voadora? Peço encarecidamente que me seja permitido deter a nave no espaço e revistá-la.

— Pedido recusado — disse Rhodan.

Mercant parecia perplexo.

— Ora esta! O senhor conhece as manhas dos aconenses. Caso acredite que a citação dos nomes de dois membros da tripulação da Omaron é uma prova da sinceridade das palavras de Icho Tolot, peço licença para ponderar que o estratagema é transparente e...

— Pois é justamente isso, Allan!

— Não compreendo.

— Pois é justamente isso. Nenhum aconense seria capaz de esboçar um estratagema tão transparente. Uma das características principais da mentalidade desse povo insiste em complicar as coisas o mais possível. Ninguém aprecia o que é simples. Como ninguém pode sair da própria pele, conforme muito bem se diz na Terra, acho que a mensagem é inocente. Alguém que usa o nome Icho Tolot reconheceu dois náufragos da Omaron. Acho que deveríamos apertar a mão deste homem.

— Se é que ele tem mão — piou o rato-castor.

Atlan deu uma risada.

— E isso. Nosso pequeno amigo disse uma coisa que é verdade. Se é que ele tem mão. Depois dos êxitos colhidos nos últimos setenta anos no jogo galático você está reincidindo num velho erro, terrano. Acredita demais nas pessoas.

— Faço tudo para promover a tolerância e a sinceridade. Não gosto de comprimir constantemente as teclas da artilharia de um couraçado. O que acha, Mory?

A plofosense fez um gesto típico com a cabeça, para afastar uma mecha de seu cabelo ruivo.

— Deixem que pouse. Gostaria de saber de onde conhece os nomes de dois tripulantes de uma das nossas naves.

— Crachás ou documentos de identidade, madame — respondeu Mercant em tom seco.

— O senhor está sendo muito rebelde, Allan.

Antes que o chefe da segurança tivesse tempo de dar uma resposta, o almirante Hagehet entrou na sala.

Onton Hagehet, que era plofosense, ocupava há vários anos o posto de chefe militar da base avançada de Opposite.

Cumprimentou e tirou o boné.

— Localizamos alguma coisa, senhor — disse no tom lacônico que lhe era peculiar. Sua calva brilhava à luz do sol que penetrava pela janela. — Para mim o veículo que na mensagem foi designado como barco é um cruzador ligeiro. Tem forma de disco e seu eixo polar mede cerca de cinqüenta metros. Pelos meus cálculos o veículo pode ter mil bombas de quinhentos gigatons cada a bordo, o que basta para arrebentar com Opposite. Está disposto a assumir o risco?

— Derrube a nave — pediu Mercant em tom insistente.

Rhodan levantou-se. Só respondeu depois que todo mundo tinha chegado à porta.

— Gucky, vá à central de rastreamento e tente verificar os impulsos individuais dos tripulantes. Quer ir comigo ao campo de pouso, Atlan?

O arcônida levantou-se. Usava o uniforme da USO.

— Sem dúvida.

O rato-castor suspirou, concentrou-se e desapareceu em meio a um fenômeno luminoso cintilante. Atlan estremeceu. Nunca se acostumaria ao dom incompreensível da teleportação que o rato-castor possuía.

Um grupo de robôs de guerra tinha tomado posição à frente do edifício da administração. O oficial que os comandava fez continência.

— Para sua proteção, senhor — disse.

— Quem deu ordem para isso?

— A segurança, senhor.

— Que turma desconfiada — disse Rhodan de si para si.

Entrou juntamente com Atlan no veículo voador que descansava sobre um campo energético. Mory Rhodan-Abro decolou do campo de pouso do edifício em seu planador aéreo. Rhodan seguiu o aparelho com os olhos. Atlan sorriu.

— Veja só, meu caro! Sua querida esposa aceitou em silêncio o fato de você não a ter convidado a ir com você. Quem será que chega em primeiro lugar ao campo de pouso?

Rhodan passou a mão pelos lábios. O motorista, um plofosense pertencente à tropa de elite da Guarda Azul esforçou-se ao máximo para tranqüilizar os músculos de sua face.

Perry recostou-se no assento. Um vento quente soprava do deserto. Mais ao leste os arranha-céus da metrópole Hondro subiam ao céu.

— Ninguém, nem mesmo o gigante ertrusiano Melbar Kasom, é capaz de resistir ao arrojo dela. Afinal, sou apenas um homem fraco.

Atlan deu uma estrondosa gargalhada. Ainda estava rindo quando o veículo passava em alta velocidade entre as naves da oitava frota, que estavam preparadas para decolar.

Mercant dirigiu-se à sala de rádio. Olhava com uma expressão desconfiada as telas de imagem, nas quais não aparecia ninguém. Mas o contato pelo rádio era perfeito.

— Por que será que ele não aparece? — perguntou Mercant.

O rádio-operador ao qual tinham sido dirigidas estas palavras permaneceu em silêncio, até que chegasse a transmissão seguinte. Quase no mesmo instante o cruzador plofosense Sugara, empenhado no serviço de vigilância, anunciou que uma espaçonave estranha acabara de penetrar no sistema do sol Whilor.

— Icho Tolot chamando Opposite — disse uma voz saída dos alto-falantes. — Em que porto espacial poderei pousar? Poderia orientar minha entrada?

— O senhor será trazido à superfície com um raio de tração — informou Mercant em tom áspero.

— Está bem — respondeu o desconhecido num intercosmo perfeitamente compreensível. — Agradeço pela colaboração.

Mercant virou a cabeça para Ralf Marten.

— Será que isso foi uma esperteza misturada com atrevimento, ou uma verdadeira manifestação de agradecimento? E possível que se trate de um tipo insolente. Que houve? Não consegue captá-lo?

O teleótico, que possuía a capacidade de desligar temporariamente o próprio eu e ver e ouvir através dos olhos e ouvidos de outras pessoas, despertou de seu estado de concentração. O homem esbelto, de cabelos escuros, parecia confuso.

— Não, senhor, não é possível.

— O quê? — perguntou Mercant em voz mais alta. — Quer dizer que ele possui capacidades parapsicológicas? Era só o que faltava!

— De forma alguma, senhor. Aquele desconhecido Só é capaz de criar um bloqueio. Não consigo localizar nenhuma iniciativa estranha. Gucky também não conseguirá nada.

— E verdade — piou o rato-castor, que no mesmo instante apareceu na sala de rádio. — Ele se bloqueia de uma forma perfeita — quase perfeita demais. É um sujeito perigoso, Allan. Vou falar com Perry.

Antes que Mercant pudesse tomar qualquer decisão, o melhor “homem” do exército de mutantes terrano desmaterializou. Sem uma fração de segundo de diferença apareceu ao lado de Rhodan e Atlan. Os dois amigos acabavam de sair do carro e caminhavam em direção ao campo energético de absorção da pista 365-A.

Mais à direita os tubos em espiral dos emissores de raios de tração começaram a brilhar. As trilhas energéticas precipitaram-se pelo espaço e captaram a espaçonave que, segundo o almirante Hagehet, tinha as dimensões de um cruzador ligeiro.

Mory chegara antes dos homens. Estava sentada em seu planador, acompanhando a troca de mensagens entre a estação de Opposite e a nave desconhecida.

Atlan passou as mãos pelos cabelos louro-claros e esforçou-se para continuar sério. Perry Rhodan, o homem mais importante do Império, parecia tão nervoso ao olhar para a esposa, que Atlan acabou dizendo:

— Como é, barbarozinho? Acho que está na hora de voltarmos a fazer uma excursão só de homens. Que acha?

— Estou plenamente de acordo! — disse o terrano alto. — Antigamente tinha medo que acontecesse alguma coisa a ela. Enquanto hoje ela faz de conta que sou um bebê do qual tem de cuidar. Cuidado para não divulgar o acordo secreto que acabamos de fazer.

Caminhou em direção ao aparelho, ignorou o olhar, irônico da esposa e também se pôs a ouvir a troca de mensagens.

O comandante de um couraçado terrano estava transmitindo informações sobre as manobras realizadas pelo desconhecido. Não havia nada para criticar nas mesmas. A nave mantinha-se no corredor de entrada previamente fixado e nem tentou compensar a força de sucção dos raios de tração por meio de seus propulsores.

— Isso não é nenhuma bomba voadora — disse Mory em tom agressivo. — Acho que você também pensa assim, não é mesmo?

Rhodan confirmou com um gesto.

— Sem dúvida, meu amor, sem dúvida.

— Faça o favor de não o rebaixar perante todo mundo, dando a impressão de que é dominado pela esposa — cochichou Atlan ao ouvido da bela mulher.

Mory sorriu.

— O senhor não entende destas coisas, arcônida. Meu amo e senhor segue o princípio do “você tem razão e eu tenho meu sossego”. Se soubesse com que energia é reprimida minha pretensão de igualdade de direitos como cônjuge e chefe de governo, o senhor não se preocuparia mais.

— Não desperte o tigre adormecido — advertiu Atlan. — Seria muito desagradável se Perry se visse obrigado por uma questão de prestígio a censurá-la em público.

O arcônida levantou os olhos para o céu verde e brilhante. Um objeto negro foi saindo da bruma. Atlan estreitou os olhos.

Quase todas as inteligências galácticas, com exceção dos saltadores, tendiam, por motivos estruturais e de estática, a dar formato esférico aos seus veículos espaciais.

Por vezes pretendia-se o formato elipsóide. O veículo que se aproximava antes tinha o aspecto de duas conchas sobrepostas, com os pontos de contato puxados para fora.

Mas ao que parecia os propulsores não tinham sido instalados na protuberância lateral, embora, segundo os engenheiros terranos, não existisse posição mais favorável para os mesmos.

Com os propulsores instalados na protuberância lateral, a área polar inferior podia ser livremente usada para a colocação de vários aparelhos. Eclusas de ar, compartimentos de carga, hangares de astronaves e depósitos, de equipamentos de salvamento ficavam ao alcance da tripulação, facilitando a utilização da aparelhagem. As radiações residuais, que em outras circunstâncias poderiam tornar-se perigosas, eram captadas e absorvidas pelos campos energéticos dos jatos, situados mais acima. Os pousos forçados raramente se transformavam numa catástrofe, já que os propulsores situados na linha equatorial dificilmente entravam em contato com o solo.

Na nave que se aproximava o propulsor fora instalado exatamente no lugar em que se encontrava a eclusa polar dos veículos terranos, arcônidas e aconenses.

— Hum...! Que coisa estranha — disse o arcônida de si para si. — Por que recorreram a este sistema? Será que fazem questão de concentrar as forças do empuxo num único ponto? Isso pode ter suas vantagens. A área equatorial é apoiada por máquinas secundárias. Será que com isso aumenta a capacidade de manobra?

Rhodan ouvira as palavras do amigo. A nave desconhecida estava suspensa apenas cinqüenta metros acima do solo. Em torno dela havia unidades pesadas da frota. Vários comandos de robôs penetraram na área coberta pelo campo energético. Ouviram-se vozes de comando.

Os veículos blindados do serviço de defesa de superfície já tinham entrado em posição. Rhodan voltou a olhar em torno. Havia um brilho irônico em seus olhos cinzentos. Mercant chegou numa astronave armado da segurança plofosense. Muitos recursos tinham sido mobilizados para recepcionar um desconhecido chamado Icho Tolot.

Perry tomou conhecimento das idéias manifestadas por Atlan, mas não deu nenhuma resposta. Evidentemente aquela espaçonave era uma coisa nunca vista. Teve de mudar de opinião quando o lorde-almirante se aproximou e segurou seu braço com tanta força que doía. Atlan estava nervoso.

— Meu cérebro suplementar acaba de manifestar-se — disse em tom exaltado. — Já vi uma nave deste tipo. Faz muito tempo cerca de dez mil anos. Está lembrado da história que lhe contei sobre a grande guerra travada entre meu povo e os respiradores de metano não-humanóides?

Rhodan teve seu interesse despertado. Mais à esquerda a nave-disco foi tocando o solo. Ficou suspenso sobre colunas de apoio aparentemente débeis. Parecia que um campo de sustentação energético, situado bem embaixo do potente jato principal, suportava a maior parte do peso do veículo espacial.

— Quer dizer que naquela época você se encontrou com veículos deste tipo nas batalhas?

— Não, não é isso. Só tenho uma vaga lembrança.

— É estranho. Com sua célebre memória fotográfica.

— Não me venha com piadas. É possível que só tenha tido um encontro momentâneo com uma nave desse tipo. Tenho uma impressão apagada; só isso.

— Por que isso o deixa tão nervoso?

Atlan olhou para o disco. Não se via o menor movimento a bordo do mesmo. Os projetores de raios de tração foram desligados. A cintilância que se via acima das cúpulas apagou-se.

— Se me tivesse encontrado com um velho inimigo, não ficaria tão nervoso. De qualquer maneira, a história está superada. Os mundos de metano foram destruídos por meus antepassados.

— Em matéria de destruição eles eram peritos.

— Dê-se por feliz se um dia não for obrigado também a transformar sistemas solares inteiros em esferas de gases incandescentes. Não quero estar no seu couro no dia em que o destino o colocar diante da alternativa de sacrificar a raça humana ou destruir um conquistador. Isto pode parecer duro, não é mesmo? Vocês terranos parecem predestinados a aceitar certas contingências quando já é tarde.

— Deixe para lá — pediu Perry. — Estas discussões não levam a nada. Conhece o estranho, ou não o conhece?

— Saberei quando ele puser a cabeça para fora.

— Se é que ele tem cabeça — observou Gucky.

Atlan lançou um olhar zangado para o rato-castor, que ria gostosamente.

— Acho que já ouvi estas palavras hoje. Por que não dá um salto para dentro da nave para verificar?

O dente-roedor de Gucky desapareceu no interior da boca pontuda. Um véu parecia cobrir seus olhos marrons.

— Faz cinco minutos que eu tentei. Alguma coisa me arremessou de volta. Quer que lhe diga uma coisa, arcônida?

— Prefiro que fique calado.

— Está bem; não direi. Estou com medo. Você compreende? O chefe de todos os ratos-castores está com medo. Sabe lá o que é isto? Se quisesse, já poderia ser lorde-almirante. Mas nem por isso deixaria de ter medo. Reflita sobre isto.

Atlan olhou para o rato-castor, que se afastou saltitando sobre as perninhas curtas. Finalmente baixou a mão e segurou o cabo de sua arma térmica.

Saiu caminhando devagar atrás de Rhodan. Os fragmentos de recordações martirizavam o arcônida. Ele, que nunca esquecera nada, esforçava-se em vão para descobrir por que o formato daquela espaçonave lhe parecia familiar.

 

A primeira reação de Rhodan foi estranha conforme costumavam ser as reações deste homem. Antigamente costumavam chamá-lo de reator instantâneo. A capacidade de avaliar as situações novas mais depressa que qualquer outra pessoa fizera com que fosse escolhido para comandar a primeira expedição tripulada à Lua.

Naquela altura, cerca de quatrocentos e trinta anos após a conquista da Lua, levada a efeito com meios rudimentares, o dom de Perry tinha amadurecido ainda mais.

Uma circunstância que depôs a seu favor foi o fato de que não se deixou dominar por um instante que fosse pelo aspecto monstruoso do ser que viu à sua frente. Não havia nenhum astronauta terrano que nunca se tivesse encontrado com criaturas estranhas. Mas o ser que estava ali parecia ser o supra-sumo do estranho.

Todos olhavam, perplexos e apavorados ao mesmo tempo, para a escotilha retangular da eclusa que acabara de abrir-se no casco abaulado da nave.

Todos viram o campo antigravitacional brilhante que ligava a eclusa à superfície. Gucky registrou uma tempestade parapsicológica de defesa instintiva e de vez em quando até chegou a constatar a presença de impulsos destrutivos incontroláveis, que os seres humanóides nunca conseguem eliminar de vez, quando de repente se vêem colocados diante de um monstro.

A reação de Rhodan foi bem diferente. Constatou com a maior tranqüilidade que o gigante que, segundo tudo indicava, era o mesmo Icho Tolot, tivera seus motivos para designar uma nave de dimensões apreciáveis como jato espacial. Para ele isso não passava de um jato. O almirante Hagehet, que certamente nem chegava à cintura do gigante, acreditara que fosse um cruzador.

A teoria do ataque defendida por Allan D. Mercant desmoronou. Allan percebeu imediatamente que a nave que se encontrava à sua frente não podia ser um veículo de bombardeio dirigido por controle remoto. E compreendeu instantaneamente por que o piloto preferira não aparecer nas telas de imagem.

— Retirar comandos de robôs — ordenou Mercant com a maior calma. Usou seu videofone portátil. — Coronel Peacher, retire seus blindados. Atenção, chamando os comandantes de todas as unidades. Recolher os canhões. Levantar estado de prontidão. Confirmem recebimento.

Mais uma vez o chefe da Segurança Galáctica provara que suas reações não eram muito menos rápidas que as de Perry Rhodan. Mory Abro perturbara-se ainda menos com o quadro monstruoso. Conseguiu dominar o medo que começou a sentir. Antes que alguém pudesse detê-la, saiu caminhando em direção ao campo antigravitacional. O monstro de quatro braços estava parado na eclusa de ar, uns vinte e cinco metros acima dela. Os olhos de Tolot brilhavam num vermelho vivo. Parecia um dos ursos lendários das regiões norte do planeta Terra. Esta impressão só era afetada pelo gigantesco crânio semi-esférico, pelos três olhos e a boca larga em forma de fenda.

A pele negra com aspecto de couro não incomodava tanto. O conjunto que a criatura trajava encobria a maior parte da mesma.

Ninguém deu atenção a Atlan, que se mantinha de pé atrás de Rhodan, trêmulo e com a arma apontada, olhando fixamente para o desconhecido. De repente o arcônida compreendeu por que tivera a impressão de já conhecer aquela nave.

Certa vez, numa batalha decisiva travada no setor das nebulosas da constelação de Holpolis, tinham aparecido quatro ou cinco seres desse tipo. O veículo espacial em que viajavam só foi detectado de maneira fugaz por uma das unidades de rastreamento da nave-capitânea Tosoma. Era dali que provinham as recordações vagas de Atlan.

Depois disso os gigantes tinham aparecido num mundo de metano em que estava sendo executada uma manobra de desembarque dos arcônidas.

Rechaçaram uma tropa de elite e a dizimaram a tal ponto que só sobraram oito homens. O então almirante Atlan nunca tinha assistido a uma luta como esta.

Agora, cerca de dez mil anos depois, via-se novamente diante de um ser monstruoso da mesma espécie, Sem que o quisesse, Atlan tinha posto a mão na arma.

Mory gritou alguma coisa para o lado da eclusa, mas suas palavras foram abafadas pelo rugido saído da boca de Tolot.

— Paz, arcônida! Os tempos são outros.

Rhodan deu um salto para o lado. Com um lance de olhos compreendeu a situação. Viu os braços levantados do desconhecido, a arma energética apontada e o rosto tenso de Atlan, no qual se exprimiam sentimentos conflitantes.

— Pare com isso — exigiu Perry em tom enérgico. — Que houve? Dez mil anos são um tempo muito longo, não são?

O lorde-almirante baixou a arma energética. Respirando pesadamente, descontraiu os músculos de seu corpo.

— Que monstro! — disse. — Que monstro horrível! Então voltaram a aparecer. Cuidado. Estes seres são conversores estruturais. Já tive minhas experiências com eles. Resistiram às salvas de nossos canhões térmicos como quem enfrenta uma brisa da primavera. Além disso, são mais rápidos e ágeis que um antílope terrano. Quando movimentam o corpo pesado, até parece que um tanque se aproxima da gente. Vi um desses tipos correr a pelo menos cem quilômetros por hora sobre uma barreira de rochas atrás da qual meu comando se tinha abrigado. Atravessou-a com a força de um projétil. Foi uma calamidade. Cuidado!

Rhodan era a calma em pessoa. Quando voltou a olhar para cima, o monstro abaixou-se e levantou dois corpos humanos. Os uniformes dos astronautas terranos eram inconfundíveis.

Tolot colocou os homens sobre os braços curtos de salto e fez um sinal com as mãos de seis dedos dos braços-instrumento. Não tinha necessidade de qualquer equipamento de ampliação da voz para fazer-se entendido. Foi ouvido a grande distância.

— Permitem que desça para o campo de pouso? Os doentes precisam de cuidados. Trata-se de uma doença mental que infelizmente não conseguimos curar.

— Faça o favor de aproximar-se — gritou Perry.

Tolot olhou para o terrano. Reconheceu o Administrador Geral. Sentiu-se dominado por uma vontade indomável de entrar em ação. Quando saltou para dentro do campo antigravitacional e foi descendo em direção à superfície, já tinha avaliado a situação. O cérebro programador fixou o procedimento que o halutense iria adotar.

Não deixou de perceber que a maior parte dos presentes o considerava um monstro.

A atitude ameaçadora de Atlan era compreensível. Há muito tempo o mesmo colhera experiências amargas com uma unidade halutense. Naquela oportunidade cinco halutenses se tinham unido para formar o chamado “grupo de lavagem forçada”, a fim de impedir uma manobra de desembarque dos arcônidas. Isso acontecera num mundo cujos habitantes no curso das ocorrências turbulentas tinham sido incluídos por engano nos planos estratégicos dos antigos arcônidas. A destruição do planeta pôde ser evitada.

Antes de tocar o solo, Icho Tolot tinha fixado seu procedimento com base em premissas matemáticas. Precisava fazer tudo para conquistar a confiança dos presentes. Atlan era um homem poderoso no Império. Tolot classificou sua atitude agressiva como um ato reflexo inconsciente. Atlan teria de vencer uma barreira psicológica que a recordação criara em sua mente.

Rhodan era um homem tolerante, tranqüilo e aparentemente preparado para qualquer eventualidade. Naturalmente reconhecera imediatamente o perigo que o halutense representava. Tolot fazia questão de descobrir que procedimento o grande terrano adotaria dali em diante.

Allan D. Mercant representava alguma coisa na mente de Icho. As ações arrojadas dos últimos quatrocentos anos tinham sido orientadas principalmente por este homem de aspecto insignificante. Tolot sentiu uma ligação amistosa para com o mesmo.

Mory Rhodan-Abro lutava com os sentimentos que se agitavam em seu interior. Fez um esforço sincero para não se impressionar com o aspecto exterior de Tolot para fixar-se nas qualidades de sua mente e de seu caráter.

Os mutantes foram reconhecidos imediatamente por Tolot. Os estudos seculares, realizados com base na experiência, mostraram-lhe o que deveria pensar deles. Seus instintos naturais exigiam uma descarga das energias armazenadas no curso dos anos. Fazia muito tempo que Tolot tinha feito a última lavagem forçada. Resolvera preparar-se cuidadosamente para as peculiaridades dos terranos, antes de ter o primeiro encontro direto com os mesmos.

O gigante saiu do campo antigravitacional. Mory não recuou um passo que fosse. A medida que o halutense se aproximava, era obrigada a inclinar a nuca para trás, a fim de ver seu rosto monstruoso. Mal chegava à cintura da mesma.

— Toda a Galáxia fala na sua beleza, madame — disse Icho com a voz mais suave que conseguiu entoar. — Permita que lhe apresente os respeitosos cumprimentos de meu povo.

Mory quase perdeu o fôlego. Lançou um olhar de perplexidade para Perry, que no mesmo instante compreendeu o que poderia esperar do desconhecido.

Essas criaturas não eram somente grandes táticos, que provavelmente se esforçavam para manter contatos amistosos com todas as criaturas inteligentes.

Perry sentiu mais do que reconheceu com a inteligência que Tolot provinha de uma cultura antiqüíssima. Podia dar-se ao luxo de ser generoso e tolerante. Em todas as situações era o mais forte.

— Obrigada, muito obrigada — respondeu Mory, um tanto confusa. — Poderia fazer o favor de colocar os dois homens nas macas?

O médico vindo na ambulância deu um passo para trás. Tolot abaixou-se e colocou os dois soldados que não paravam de gritar num colchão de espuma plástica. Fitou com uma expressão pensativa o carro que se afastava em alta velocidade.

— Faço votos de que seus cientistas sejam bem sucedidos, senhor — disse, dirigindo-se a Rhodan, que se colocara ao lado da esposa. — Tentarei fornecer-lhe todos os detalhes possíveis. Seus soldados foram encontrados por um dos meus amigos. Encontravam-se numa situação de emergência espacial. Segundo nossas interpretações, o cruzador pesado Omaron, pertencente à sua esquadra espacial, provavelmente foi destruído num acidente.

A situação mudava a cada instante. Rhodan já se habituara ao desconhecido. Lançou um olhar sério para os grandes olhos vermelhos; cujo brilho vermelho não era capaz de interpretar.

— Podemos contar com seu apoio, senhor Tolot? Suponho que seja Icho Tolot.

O gigante inclinou o corpo.

— Foi para isso que eu vim, senhor. Conheço a história da Humanidade. Escolhi-a como objeto de meus estudos científicos em horas vagas. Os senhores diriam que é um hobby.

— O senhor está muito bem informado — observou Atlan.

Continuava com a mão direita perto da arma.

Tolot deu uma risadinha.

— É verdade, arcônida. Não existe nada que um halutense não saiba.

— Um halutense? — exclamou Mory em tom exaltado.

— É assim que nós nos chamamos. Venho de um planeta que ninguém viu, a não ser nós. E queremos que as coisas continuem assim. Os senhores enviaram a Omaron ao espaço para procurar o mundo Kahalo?

Rhodan empalideceu. O que queria mesmo este desconhecido? O que sabia a respeito de Kahalo, um mundo no qual há cerca de setenta anos tinham sido descobertas as seis pirâmides e uma técnica extraordinária?

Allan D. Mercant mantinha-se um pouco afastado. Limitou-se a observar. Os últimos destacamentos de robôs estavam se afastando. Tolot registrou o fato com satisfação.

— Posso convidá-lo a ser um hóspede do Império Solar? Quero dar-lhe as boas-vindas, Icho Tolot — disse Rhodan em tom solene.

— Vejo que a Humanidade já ficou adulta, senhor. Se tivesse aparecido na Terra há quatrocentos e trinta anos, teriam feito tudo para matar-me. Posso garantir que os representantes de meu povo já desistiram há cinqüenta mil anos de expandir o império galáctico que possuíam na época. Meus antepassados retiraram-se. Estamos reduzidos ao papel de observadores passivos, se bem que há mais de quatrocentos anos, tempo padrão, estamos tendo o prazer de observar o arrojo, a astúcia e a inteligência dos terranos durante seus avanços na Galáxia. Tentei em vão explicar aos dois terranos resgatados que em Halut nunca se riu tanto. Quando logo depois de sua entrada em cena na história galáctica o senhor resolveu fingir-se de morto e dizer que a Terra tinha sido destruída; e quando até chegaram a acreditar nisso, dois homens velhos de Halut sofreram um acesso de riso incurável. Sinto-me muito satisfeito porque o senhor conseguiu superar a impressão causada por minha aparência. Uma inteligência só pode ser considerada amadurecida quando é capaz de avaliar as outras criaturas exclusivamente com base em critérios espirituais e morais.

Tolot sentiu que conseguira romper o gelo. De vez em quando alguém sorria. Rhodan apresentou as pessoas que o acompanhavam.

— Ei, gigante, o ar aí em cima está muito frio? — gritou Gucky, que de repente apareceu entre as pernas do halutense.

O rato-castor apoiou as mãos nos quadris e jogou a cabeça bem para trás.

— Ei, estou aqui, gigante. Resolvi não lhe fazer nada, se puder, pode levantar-me.

Tolot já tinha visto o pequeno rato-castor. Recuou cautelosamente, segurou Gucky com uma de suas mãos titânicas e colocou-o num dos ombros. Mais uma vez teve de lutar contra seus instintos maternos, que queriam levá-lo a estreitar aquela criatura peluda delicada fortemente contra seu corpo. Tolot deu uma risadinha.

— Está bem assim, criatura de Vagabundo? Você é Gucky, não é mesmo? Permita que o trate por você, embora em nosso mundo não se costume fazer isso. Só se costuma acrescentar a sílaba Tos ao nome dos melhores amigos. Dessa forma você deveria chamar-me de Tolotos.

A cabeça de Gucky era pouco maior que o olho do halutense.

— Quer dizer que para você passo a chamar-me de Guckytos — disse Gucky com uma risada. — Ei, vocês aí em baixo, aqui está um homem educado. Vocês são mesmo uns malcriados. Alguém já me perguntou se pode tratar-me de você? Vamos andando, gigante. Está com fome?

Um estranho grupo formado por criaturas de várias espécies saiu andando em direção aos carros que estavam à sua espera. Tolot recusou o convite de acomodar-se em um dos veículos. Justificou a recusa com seu peso.

Atlan ainda não dissera uma única palavra. Quando o carro voador deu partida, Tolot ficou de quatro e saiu em disparada, com Gucky nas costas.

— Mory... Perry... — disse Atlan. — Não pensem que eu seja um tipo vingativo ou obtuso. É claro que não me deixo impressionar pela aparência do halutense. Acho que vocês já perceberam.

— Naturalmente — confirmou Rhodan. —- Um homem que usa o ativador celular e já teve a graça de viver dez mil anos deveria estar acima destas coisas. O que o deixa angustiado é a lembrança, não é mesmo? Ainda vê pela frente os gigantes em disparada, que devem ter ignorado o fogo de suas armas e certamente mataram seus companheiros. Mas acho que Icho Tolot não foi um deles.

Atlan procurou descontrair a musculatura tensa. Respirou profundamente e recostou-se no assento.

— Foram mais furiosos que as feras de um mundo primitivo. Olhe este gigante dando saltos, e você terá uma pálida idéia de como estes seres lutaram. Devem ter uma tecnologia muito avançada.

— Afinal, já foram donos da Galáxia — disse Mory. — Vocês podem pensar que eu seja uma tola, mas para mim a observação que ele soltou ao acaso é a expressão da verdade.

— Para mim também é — disse Mercant, que estava sentado ao lado do motorista. — Em numerosas investigações realizadas pelo serviço secreto tenho-me deparado constantemente com relatos lendários sobre o aparecimento de monstros invencíveis. Os mesmos nunca travaram uma guerra no sentido convencional da palavra; somente intervém de vez em quando a favor de uma das partes. Atlan, na minha opinião os halutenses possuem um sentimento de justiça muito acentuado. Uma criatura que em virtude da força física e das conquistas científicas de seu povo pode dar-se ao luxo de abandonar uma posição de força alcançada para dedicar-se apenas aos seus prazeres só pode ser justa. Talvez seria mais exato dizer que deve ter-se tornado justa. Não gostaria de ter-me encontrado com eles quando estavam atravessando sua fase de conquistas, há uns oitenta ou noventa mil anos. Já se deu conta de que a destruição de suas tropas espaciais de desembarque só se verificou há dez mil anos?

— Vivo pensando nisso.

— Nesse caso já deve ter compreendido que na época em Halut há tempo não se fazia política galáctica. Os halutenses já tinham atingido o estágio de desenvolvimento mental que encontramos em Tolot. Sinto-me fortemente inclinado a acreditar que a manobra de desembarque dos arcônidas foi uma operação mal planejada, que poderia ter atingido um povo que não era responsável pelo que estava acontecendo. Por isso um grupo de combate halutense resolveu intervir na luta. Que acha de minha teoria?

— Um dia perguntarei a Tolot — respondeu Atlan, esquivando-se ao debate. Por enquanto um sentimento me obriga a ficar de olho no halutense. Ainda não conhecemos seus objetivos. Ou será que o senhor acredita que veio para Opposite porque desta vez quer ajudar os terranos?

Rhodan ouviu os gritos alegres do rato-castor, que se agarrava às costas de Tolot. Este acompanhava com a maior facilidade a velocidade do carro aéreo.

— E exatamente isso, Atlan. Uma criatura de sua espécie não tem necessidade de usar meios menos decentes. Tenho a impressão de que Tolot está ardendo de vontade de entrar em ação. Só quer dar vazão às suas energias. Tenho certeza de que pode ensinar-nos muita coisa. Peço que não tentem obrigar o halutense a fazer certas revelações. Este pedido é dirigido principalmente ao pessoal de segurança, que sempre anda desconfiado de todo mundo, Mercant. Deixe que fale quando tiver vontade. Ele conhece Kahalo. Atlan, você terá de controlar seus sentimentos.

— Dê um pouco de tempo. Já estou me esforçando para isso. Neste momento o setor lógico de minha mente me informa com uma boa dose de ironia de que minha vida emocional subconsciente já começa a admirar o gigante. Isto é bastante embaraçoso, considerando que minutos atrás tive a impressão de ter que odiá-lo por causa de uma velha história.

Perry sorriu para o amigo. Os dois homens biologicamente imortais compreendiam-se. A medida que se tornavam mais velhos, que compartilhavam alegrias e tristezas, mais se pareciam. Formavam uma boa dupla.

Mercant percebeu a alteração dos sentimentos de Atlan. Não, queria que o essencial fosse deixado de lado, e por isso disse com uma ponta de ironia:

— O senhor não há de me proibir de lhe perguntar a esse menino-prodígio com toda amabilidade se sabe alguma coisa a respeito da Omaron. Por enquanto só fiquei sabendo que um amigo seu conseguiu recolher dois de seus tripulantes no espaço. Quero saber onde desapareceu o cruzador pesado.

Naquele momento Mercant nem desconfiava que essa pergunta viria ao encontro dos desejos de Tolot. O halutense não tinha vindo para desfrutar a hospitalidade dos terranos em Opposite.

Queria fazer novas experiências, seguir a tendência inata da luta, do perigo e da aventura. Tolot sabia perfeitamente em que lugar tinha desaparecido a Omaron. Também conhecia o maior mistério da Via Láctea.

Enquanto corria velozmente ao lado do carro voador, resolveu fornecer uma indicação. Era a única coisa que as leis rigorosas de seu povo permitiam que fizesse.

Rhodan reagiria segundo seus desejos e faria uma descoberta capaz de transformar a Humanidade nos donos da ciência mais avançada — desde que soubessem compreender aquilo que certamente iriam encontrar.

O halutense deixou esta pergunta em aberto. Seu cérebro programador apresentou-lhe outra interpretação, que considerava todas as características conhecidas de Rhodan, Atlan e Mercant.

Além disso, o grande computador biológico incluíra em seus cálculos a busca constante da Humanidade por novas armas e tecnologias.

Diante dos dados coletados só se poderia concluir que Rhodan não perderia tempo: seguiria imediatamente para o lugar em que a Omaron fora localizada pela última vez. Fancan Teik elaborara diagramas precisos.

Os mesmos nem seriam necessários. Mesmo sem estes elementos, Tolot era perfeitamente capaz de imaginar por que motivos quatro naves exploradoras dos terranos nunca tinham regressado.

Por que motivo não haviam expedido um pedido de socorro com dados mais precisos: por que os comandantes não tinham conseguido fugir da área de perigo — a todas estas perguntas nem mesmo Icho Tolot poderia dar resposta. Se conhecesse as respostas, evidentemente não teria deixado de prevenir Rhodan.

 

O supercouraçado Crest II, nave-capitânea e uma das unidades mais avançadas da frota terrana, concluiu a operação de retorno. As sombras confusas da área de libração, que formava uma ligação instável entre o Universo de quarta e quinta dimensão, desapareceram das telas.

Em seu lugar bilhões de estrelas de todas as cores pertencentes ao centro da Via Láctea tornaram-se visíveis nas superfícies de projeção da galeria panorâmica.

A Crest II, um gigante esférico de mil e quinhentos metros de diâmetro, pertencente à classe império e equipada com os propulsores mais avançados que a ciência terrana tinha criado, além dos armamentos mais terríveis, encontrava-se no setor de condensação, onde a distância entre um sol e outro muitas vezes não ultrapassava alguns meses-luz.

Nesta área a astronáutica era bastante problemática. Até mesmo o simples vôo à velocidade da luz realizado no âmbito do universo einsteiniano normal envolvia certos perigos, que só podiam ser controlados por meio dos cálculos precisos dos cérebros positrônicos.

Os vôos a velocidades superiores à da luz só podiam ser feitos a pequena distância. As nebulosas gasosas chamejantes, os estranhos fenômenos físicos que se verificavam neste núcleo material altamente condensado, feito de centenas de bilhões de estrelas e inúmeros planetas com órbitas muito extensas constituíam outro empecilho ao vôo.

Uma viagem através do núcleo interior da Galáxia transformava-se invariavelmente num simples rastejar entre obstáculos, sem a menor chance de percorrer maiores distâncias.

A tripulação do veículo espacial da classe império já estava acostumada a isso. A bordo do mesmo encontrava-se a elite astronáutica da Humanidade, A nave era comandada por um epsalense, o coronel Cart Rudo.

O comportamento dos homens estava marcado pelos acontecimentos apavorantes dos últimos dias. De repente ficou-se sabendo em que lugar tinham desaparecido as quatro espaçonaves, mas apesar disso a busca no meio do oceano de estrelas praticamente não parecia oferecer nenhuma chance. Não havia pontos de referência especiais, estrelas-alvo facilmente identificáveis ou dados comparativos a serem utilizados na computação positrônica.

A orientação do vôo era feita principalmente com base no chamado “traço cosmonáutico”. Tratava-se de um método bastante ambíguo, baseado em dados empíricos.

Não havia nenhum lugar na Galáxia em que as estrelas se parecessem tanto como na área interior de condensação. Em nenhum outro setor suas características físicas eram tão parecidas. Os erros de localização eram uma coisa corriqueira, até que se introduziu o método indireto do traço astronáutico.

Neste método a posição era determinada com base no tempo de vôo, nas distâncias provavelmente percorridas e nos desvios aproximados resultantes das tempestades magnéticas cósmicas e de outras manifestações energéticas.

No entanto, os valores apurados sempre eram somente “valor de traço”. Os tripulantes das naves obrigadas a penetrar nesta área costumavam designar o método pela expressão singela de goniometria a dedo.

Nesta área os rádio-faróis, inclusive os que funcionavam em base hiperenergética superposta, não mereciam confiança. Verificara-se que seria inútil instalar transmissores de raios-vetor em planetas cuja posição cósmica era conhecida, já que normalmente as naves não podiam orientar-se pelos respectivos impulsos. As hiperondas sofriam a interferência de fatores de superposição e distorção, fazendo com que a goniometria cruzada se tornasse impraticável.

A goniometria de traço representava a última possibilidade. A mesma não deixava de ter um fator de insegurança, mas ao menos tinha-se, condições de saber com uma razoável precisão em que lugar a gente se encontrava.

Alguns computadores positrônicos ocuparam-se durante toda a viagem com o processamento dos fatores desconhecidos, resultantes dos campos energéticos intercambiantes que atuavam entre as estrelas e, das diferenças de velocidade e dos desvios dali resultantes. Mas com tudo isso a nave só podia rastejar lentamente entre as estrelas.

Há dois dias, mais precisamente, no dia 17 de agosto de 2.400, Rhodan partira com um destacamento misto de cinqüenta e quatro naves. Atlan convocara onze cruzadores ligeiros da USO. As quarenta e três unidades restantes eram formadas por cruzadores de reconhecimento plofosenses e couraçados gigantes da Terra.

Natã, o gigantesco centro de computação biopositrônico da Lua terrana, acabara de fornecer uma interpretação dos dados. O centro de computação não acreditava na ocorrência de quatro acidentes em idênticas circunstâncias! Natã chegara à conclusão de que o desaparecimento das quatro naves exploradoras só poderia ter resultado de uma ação proposital de ataque ou sabotagem.

Nem mesmo Icho Tolot pôde rejeitar estes resultados. De fato, era pouco provável que quatro comandantes experimentados com naves de tipos diferentes, cada uma com outros armamentos e com um sistema de propulsão e unidades energéticas que se diferençavam bastante daquelas das outras naves, tivessem sido vítimas das mesmas forças da natureza.

Diante disso Rhodan resolvera averiguar o que estava acontecendo. Atlan também se encontrava a bordo da Crest II, embora seu lugar fosse no cruzador pesado Dauntu, nave-capitânea da USO.

Acontece que o lorde-almirante não se conformara em que o halutense deixasse de ser vigiado. Ficava sempre perto dele e tentava investigar os atos do gigante.

Mory Rhodan-Abro, que só pretendera passar pouco tempo em Opposite, também fez questão de ir. Não deu atenção às objeções de Perry e Atlan. Encontrava-se a bordo da nave-capitânea.

Reconheceu que não era recomendável que os três personagens principais do Império Solar permanecessem simultaneamente a bordo da mesma nave. Qualquer acidente poderia significar a destruição da elite do Império Solar.

Mas Rhodan acabou cedendo. Sabia que o marechal de estado Reginald Bell se encontrava na Terra e segurava firmemente as rédeas do poder.

Allan D. Mercant tinha ficado em Opposite, onde realizaria outras investigações juntamente com o almirante Hagehet.

Apenas dois dias depois da chegada de Tolot a Crest II penetrara à frente de um destacamento da frota no setor central a que correspondiam os dados de posição fornecidos pelo halutense. Não haviam encontrado nada.

Não se localizara nenhuma flotilha dos blues, nem se descobriram as naves-experiência dos aconenses ou dos antis, que Natã apontara com cinqüenta por cento de probabilidade como causadoras dos chamados acidentes.

Também não se descobriu qualquer base planetária secreta na área.

Icho Tolot viu-se em posição difícil. Ele mesmo não sabia dizer exatamente o que estava acontecendo atrás do grupo de sóis mais próximo. A luminosidade e cintilância compacta dos astros impedia qualquer forma de rastreamento de matéria. Os rastreadores de massa falharam por completo. As interferências eram muito fortes.

Assim mesmo Tolot afirmava que as posições por ele fornecidas eram corretas. Recomendou correções de rota, mas estas se revelaram inúteis.

Finalmente Rhodan resolveu dissolver o grupo, para estender as buscas a uma área mais ampla. Os comandantes das diversas unidades receberam ordem para vasculhar cuidadosamente os mundos interiores, que geralmente apresentavam condições hostis à vida.

Rhodan esperava que talvez acabasse descobrindo o mundo Kahalo por acaso. Tolot não lhe revelara que este planeta ficava a pelo menos dois mil anos-luz do centro propriamente dito da Via Láctea. Não poderia dar qualquer informação a este respeito.

A Crest II e o cruzador pesado Dauntu, pertencente à USO, prosseguiram sós. A Dauntu manteve a distância prescrita de dez bilhões de quilômetros. Esta distância mal e mal ainda permitia uma troca de mensagens visuais e de hipercomunicação em boas condições.

A Crest II, que recebeu este nome em homenagem ao cientista arcônida Crest, que há quase quatrocentos e trinta anos tinha entregue a Rhodan a herança dos arcônidas, precipitava-se a uma velocidade cem vezes superior à da luz em direção a um sol violeta. Parecia igual a centenas de milhares de estrelas desse tipo.

Icho Tolot entrou na sala de comando da nave-capitânea terrana. Fazia muito tempo que em Halut não se construíam belonaves gigantescas como esta. Não havia necessidade delas. A ciência superavançada dos cem mil halutenses vivos era suficiente para rechaçar qualquer ataque — inclusive um ataque do Império Solar, de que praticamente não se poderia cogitar.

Tolot deixou-se cair sobre os braços de salto e nesta posição conseguiu atravessar a escotilha da sala de comando.

Rhodan, Atlan e Mory encontravam-se na estação de rastreamento, separada por uma placa de plástico blindado do restante da sala.

O coronel Cart Rudo estava travando uma discussão com o primeiro e o segundo oficial cosmonáutico. Tratava-se do primeiro-tenente Brent Huise, um homem de aspecto colérico, mas na verdade bem seguro de si, com um corpo hercúleo, e do major Jury Sedenko, cuja calma e equilíbrio proverbiais contrastavam com o temperamento de Huise.

O comandante epsalense, cuja largura era igual à altura, lançou um olhar indecifrável para o halutense.

Rudo era natural de um mundo “pesado”. Tal qual Tolot, usava um microgravitador, que lhe dava a impressão de estar submetido à mesma gravitação de seu mundo, A única diferença consistia no fato de que o aparelho de Tolot era muito mais potente e menor. O mesmo convertia a gravitação artificial reinante na nave, que atingia um gravo, numa força de atração de 3,6 gravo. Era o valor que ocorria no mundo halutense.

O epsalense não poderia concorrer nessa área. Seu planeta de origem só apresentava uma gravitação pouco superior a dois graves. Para um ser humano normal já era muito.

Tolot sentiu a tensão nervosa que se apoderara dos homens. A guarnição da sala de comando permanecia ininterruptamente nos postos. As reservas eram postas de prontidão a cada instante. A Crest II parecia antes um formigueiro, em cujo interior dois mil humanos e alguns extraterrenos tentavam descobrir um alvo desconhecido.

Rhodan atravessou a escotilha pressurizada do rastreamento. Icho Tolot viu que o major Enrico Notami, chefe da estação, gritava alguma coisa atrás dele. Rhodan fez um gesto de pouco caso.

Atlan e Mory vieram logo atrás dele. O sol-destino mais próximo brilhava nas telas gigantescas da galeria panorâmica.

Só dali a alguns minutos Tolot percebeu que na verdade a estrela violeta era formada por um grupo de sóis da mesma cor. Formavam uma concentração tão compacta em pleno centro galático que só a pequena distância se conseguia distinguir as diversas estrelas.

O cérebro programador de Tolot começou a fazer seus cálculos. O nervosismo começou a tomar conta dele. Aquilo era uma constelação rara, até mesmo no centro da Via Láctea. Os sistemas automáticos da Crest tinham sido corretamente programados por ele. Estavam bem perto da área-destino indicada por Fancan Teik.

Tolot sentiu o olhar desconfiado de Atlan. Se fosse capaz de sorrir, o halutense o teria feito naquele momento. Mas sabia que a contração das córneas de seus lábios nunca produziria um sorriso humano e preferiu abster-se do gesto.

Também não conseguiu manifestar algum sentimento ou fornecer uma indicação através da expressão de seus olhos. Os mesmos estavam concentrados exclusivamente em sua finalidade específica. Desempenhavam muito bem suas funções biológicas, mas não se prestavam a dar expressão aos sentimentos manifestados na poesia terrana.

Por um instante Tolot negligenciou seu mecanismo de bloqueio parapsicológico. Gucky percebeu imediatamente e pôs-se a investigar os pensamentos do halutense. Era a terceira vez que isso acontecia. Por isso mesmo Gucky sabia que Icho Tolot possuía dois cérebros com funções distintas.

— Não é nada fácil, não é mesmo, gigante? — gritou com sua voz aguda. — Se resolve dar uma risada, até parece que quer devorar o pessoal. Quando quer brindar alguém com um olhar amável, tem-se a impressão de que seus olhos estão chispando fogo vermelho. Até parecem brasas, gigante! Você se descuidou. Andei espionando.

Gucky deu uma risada de triunfo. Os pios iam saindo de sua garganta.

— Está zangado comigo, gigante?

Não, Icho Tolot não se zangou com a criatura de pêlo marrom. A mesma já encontrara um lugar em seu coração ou em seus corações. O instinto refinado de Gucky já percebera isso.

Estendeu os braços, e Tolot colocou-o sobre o ombro esquerdo. Gucky segurou-se nas dobras do colarinho de seu traje de combate.

— Até que enfim fiquei maior que vocês — gritou para Perry. — Que cara é essa? Até parece que sua mulher assumiu o governo.

— E uma boa idéia! — disse Mory.

Perry fez um gesto contrariado.

— Deixe de bobagens, Gucky! Tolot, precisamos discutir a situação. Não estou mais interessado em ficar vagando nesta área perigosa. Os rastreadores revelam a presença de fortes hipertempestades na área central. A Crest é uma nave sem igual, mas não quero sobrecarregá-la ao máximo. Tem certeza de que suas coordenadas são corretas? As comunicações com as outras unidades do grupo foram interrompidas. À medida que avançamos em direção ao centro, a situação torna-se cada vez mais difícil. Onde foi que seu amigo encontrou os dois astronautas?

Tolot apontou com dois dos seus braços para a imagem da concentração de estrelas, que estava clareando na tela.

— Ali, bem perto do grupo violeta. Tenho certeza absoluta, senhor. Por que quer desistir? Não seria digno de sua pessoa.

— Faça o favor de não usar truques psicológicos — interveio Atlan em tom áspero. — Com isso a gente atrai uma criança, mas não um Perry Rhodan.

— Não são truques, arcônida.

— O senhor tem sua opinião, e eu a minha. O comandante da Dauntu tem dificuldades com seu conversor kalup. A aparelhagem falhou num ensaio. Esta área é uma armadilha mortífera.

— Pois é justamente isso, arcônida! Por isso estamos aqui. O senhor veio para conhecer o perigo que já devorou quatro naves terranas. Contorne o grupo violeta, e o senhor assistirá a um milagre. É só o que posso dizer. Até contei demais.

— Um milagre? — repetiu Rhodan em tom curioso.

— Isso mesmo. Os halutenses o conhecem há muitos milênios, mas não nos interessamos muito pelo mesmo.

— Em superseres dessa espécie isso é bastante surpreendente — ironizou Atlan.

Estava irritado.

— O senhor não conhece nossa mentalidade, arcônida. Existem leis que proibiam e ainda proíbem que nos ocupemos com coisas que não conseguimos desvendar completamente. E aqui trata-se de uma coisa desse tipo.

O que Tolot estava dizendo era a pura verdade. Para os halutenses o mistério do centro da Via Láctea nunca deixara de ser um mistério. Eles, os poderosos, tinham-se esquivado ao indecifrável.

— Vamos encerrar a discussão — pediu Rhodan. — Não desconfiamos do senhor, Icho Tolot, mas temos dúvidas de que os dados que nos forneceu sejam corretos. Coronel Rudo, prepare uma manobra de vôo linear. A concentração violeta deve ficar a pouco menos de um mês-luz. Tome cuidado para não voar para dentro do gigante vermelho. Fica bem próximo à nossa rota.

O terrano foi-se afastando. Tolot seguiu-o com os olhos. Depois passou a olhar para Ivã Ivanovitch Goratchim, um mutante de duas cabeças que tinha subido a bordo pouco antes da partida.

A figura de Ivã, que costumava impressionar por suas feições grosseiras, não encontrava muito destaque ao lado do halutense. Tolot era um metro mais alto e bem mais largo. A cabeça esquerda, conhecida como Ivã o velho, disse em tom seco:

— Meu irmãozinho, caso esteja tramando alguma coisa, nós o transformaremos numa bomba e o faremos explodir. Já deve saber que somos capazes de por meio de um impulso parapsicológico provocar reações nucleares nos compostos de carbono e de cálcio.

— Por que não tenta? — perguntou Tolot em tom retumbante.

— Pare com essa bobagem — gritou a cabeça esquerda, conhecida como Ivanovitch o jovem. — Confio nele. Seus olhos parecem bons.

Gucky inclinou-se para a frente e bateu com o dedo na têmpora direita do halutense. A mesma foi fechada imediatamente pelo conjunto de facetas.

— Seus olhos parecem bons. Ouviu essa, gigante? — disse o rato-castor com uma risadinha. — Quer que eu diga a esses idiotas o que você sabe fazer? Pensam que podem transformá-lo numa bomba? Vocês terão problemas comigo, meus chapas.

Tolot caminhou em direção ao seu assento especial, fabricado em Opposite e que tinha o aspecto de uma gigantesca cama anatômica. Dali a cinco minutos ouviu-se o rugido do conversor kalup. O campo que se formou no semi-espaço protegia a nave contra as influências energéticas do universo einsteiniano e as do hiperespaço de quinta dimensão.

A Crest II desapareceu em meio a uma luminosidade cintilante. O cruzador pesado Dauntu seguiu-a de perto.

A manobra só demorou alguns segundos. Quando o sistema positrônico concluiu a manobra de retorno e as telas do rastreamento comum se iluminaram, a Crest II encontrava-se a apenas quatro milhões de quilômetros do grupo de estrelas violetas.

Tremendas tempestades energéticas fustigaram os campos defensivos da gigantesca nave. A Crest vibrou. Dali a meia hora o fenômeno ondulante diminuiu. Os sóis foram caminhando para o setor verde.

Outras estrelas, que brilhavam num multicolorido que o olho não podia abranger, interpuseram-se na rota da nave que desenvolvia uma velocidade equivalente apenas a metade da luz.

O centro de computação positrônico de bordo fizeram uma advertência sobre os fenômenos cada vez mais intensos de dilatação do tempo. No momento em que Rhodan pretendia dar ordem para reduzir ainda mais a velocidade, a central de rastreamento chamou. O major Enrico Notami apareceu nas telas.

— Devo estar louco ou metade da Galáxia ficou de cabeça para baixo, senhor.

— Será que o senhor acha que isso é uma informação? — gritou o coronel Rudo em tom furioso.

— Queira desculpar, senhor. Localização de energia no setor vermelho com um excedente de 28,34628 graus. Forte tempestade magnética de valor constante, rajadas gravitacionais com a intensidade sete na escala de Torst. Há seis gigantes azuis à nossa frente. São eles que causam as perturbações.

— E daí? O que há de extraordinário nisso? Por aqui existem muitos gigantes azuis. Acabamos de passar por uma concentração muito compacta de estrelas violetas. Não perca os nervos, Notami.

A imagem colorida mostrou que o major empalidecera diante dessas palavras.

— Sem dúvida, senhor — respondeu em tom hesitante. — Acontece que as seis estrelas que estão à nossa frente não formam uma concentração. Não são um grupo aberto ou fechado. Os gigantes azuis formam um hexágono geométrico no espaço. Exatamente, senhor! A distância entre as estrelas é de aproximadamente 5,4 bilhões de quilômetros. O hexágono não poderia ser mais perfeito. Até parece que foi traçado com os instrumentos mais precisos que existem neste mundo.

— Será que o senhor enlouqueceu? — perguntou O primeiro-tenente Brent Huise.

A figura do imediato, que para os padrões terranos era enorme, enchia a tela de Notami.

— Mas é um hexágono perfeito — insistiu o chefe do rastreamento. — O senhor não vê? Nós o focalizamos nas telas frontais. A direita, bem em cima de nós.

Brent Huise ficou vermelho no rosto. Esteve a ponto de explodir da maneira que lhe era peculiar, mas calou-se ao ver o gesto de comando de Rhodan.

O Administrador Geral inclinou-se para a frente. Esforçou-se para romper a profusão de estrelas com os olhos. Era tão densa e compacta que antes parecia uma parede feita de centelhas que se confundissem. Só por acaso podia-se distinguir certa constelação a olho nu. Seria impossível dissolver a parede luminosa sem o uso de potentes telescópios ou de rastreadores de massa ou energia de primeira categoria com conversores de imagem ótica.

— Não vejo nada, Notami — disse Rhodan para dentro do microfone. — Façam o favor de ficar em silêncio na sala de comando. Uma tripulação de elite não tem direito de perder a cabeça, nem mesmo quando acontece alguma coisa fora do comum. Notami, será que o senhor poderia criar uma imagem-eco nítida?

Os trinta homens que guarneciam o setor de rastreamento passaram a desenvolver uma atividade febril. De repente o silêncio passara a reinar no interior do corpo gigantesco da Crest II. A notícia inacreditável tinha sido ouvida em todos os setores do couraçado.

Uma figura geométrica exata formada por seis sóis no interior do próprio núcleo do centro galático com suas condições extremas...? Ridículo! Notami só podia estar enganado.

Dali a pouco o chefe do setor de rastreamento transmitiu o resultado de outra medição. Foi ainda mais inacreditável. Notami tremia que nem vara verde.

— Rastreamento chamando o Chefe. Senhor, mesmo que também acredite que enlouqueci, devo informá-lo que os seis sóis azuis se parecem como — como rolamentos pertencentes à mesma série de precisão. Desculpe a comparação, mas não me ocorreu outra.

— Não importa — disse Rhodan. — Notou mais alguma coisa?

— Há uma coincidência surpreendente de todos os dados astrofísicos. São sêxtuplos perfeitos, diria.

— Isso não existe — observou o físico-chefe em sua sala de comando. Tratava-se do Dr. Spencer Holfing, um homem corpulento, de gênio colérico, que era um dos cientistas mais competentes do Império. Fora aluno de Kalup e tinha trinta e nove anos.

Notami começou a transpirar. Para ele a observação de que aquilo não existia representava um profundo golpe moral.

— Não estou louco — gritou o homem do rastreamento, fora de si. — Meus aparelhos estão funcionando muito bem. As interferências são muito reduzidas e vêm sendo compensadas por meio de cálculos especiais. Há três conjuntos positrônicos em funcionamento, doutor. Venha pana cá e veja o senhor mesmo.

— Não tenha a menor dúvida de que farei isso mesmo — berrou Holfing.

O rosto encimado pelos cabelos precocemente brancos ficou vermelho que nem uma lagosta.

— Transmita os dados, Notami — pediu o matemático-chefe. Tratava-se do Dr. Hong Kao, um homem baixo e quieto, que adquirira fama por causa de suas teorias arrojadas. Geralmente tinha razão!

— Obrigado, doutor — disse o homem do rastreamento em tom de alívio. — Atenção. Conduzirei os dados para seu centro de computação positrônica. Faço questão de repetir que os seis sóis se parecem tanto que não sei como distingui-los. Formam um hexágono com uma inclinação de 22,758462 graus no setor vermelho em relação ao plano de nossa trajetória.

— Qual é a disposição das estrelas? — perguntou Hong Kao.

— Isto parece uma loucura ainda maior. Ficam todas no mesmo plano, sem qualquer deslocamento, de um quilômetro que seja, para cima ou para baixo. E só imaginar uma roda com seis raios, com esferas nas pontas. Tire o centro e os raios, e o senhor terá a constelação dos sêxtuplos sem tirar nem por.

O major Jury Sedenko, segundo oficial, fez uma coisa que ninguém tinha mandado. Comprimiu o botão vermelho do alarme geral. O uivo das sereias fez com que os homens despertassem do seu torpor. Os homens corriam apressadamente pela nave-capitânea do Império Solar.

Cerca de quatro mil escotilhas resistentes à pressão fecharam-se ruidosamente. A Crest II transformou-se num favo composto por milhares de casinhas. Cada setor tinha seus próprios dispositivos de segurança contra a despressurização repentina, os focos de incêndio e outras ocorrências que costumavam verificar-se quando a nave era gravemente atingida por um tiro ou quando se verificava alguma catástrofe da natureza.

Rhodan pos a mão instintivamente em seu traje espacial. No mesmo instante Atlan virou-se com sua poltrona giratória. Viu outra poltrona do mesmo tipo, mas de dimensões muito maiores, a apenas dez metros de distância. Icho Tolot descansava nessa poltrona.

— Foi isso que o senhor quis mostrar, halutense? — gritou Atlan. — Vamos, fale logo! Por favor!

— É muita gentileza sua.

Tolot levantou-se. No andar gigante que lhe era peculiar caminhou para junto dos controles principais e parou à frente dos assentos de Atlan e Rhodan. Gucky e os outros dois mutantes mantinham-se nos fundos da sala, perto do computador que fazia a interpretação dos dados.

O coração esquerdo de Tolot batia furiosamente. Seus olhos pareciam querer grudar-se nas telas dos conversores que transformavam os hiperimpulsos dos rastreadores de massa e energia em símbolos gráficos.

Uma alegria selvagem e exultante estava tomando conta do halutense. O maior enigma da parte conhecida da Via Láctea encontrava-se à sua frente. Tratava-se de um enigma do qual sempre se esquivara, em conformidade com uma decisão antiqüíssima dos halutenses. Era muito grande, muito sublime e muito impenetrável.

Em virtude da educação e das características mentais de Tolot, o mesmo sempre pensava em primeiro lugar nas leis de seu povo. Será que ele já as violara ao revelar o grupo de coordenadas?

— Não! — disse seu cérebro programador, depois de ter concluído o processamento dos dados. Mas restava fazer mais uma coisa; Tolot sabia.

Encontrou a constelação mais estranha da Galáxia. Estava enxergando uma coisa que outros olhos não puderam perceber.

— Tolot...! — lembrou Atlan. — O senhor não pretendia dizer alguma coisa?

— Peço-lhe que confirme solenemente que o hexágono de sóis foi descoberto sem minha participação. Por favor! É muito importante para mim.

— Compreendo — disse Rhodan. Lançou um olhar pensativo para o gigante. — Confirmo que nosso setor de rastreamento descobriu uma coisa em que ainda não conseguimos acreditar. O senhor não nos forneceu nenhuma indicação. Só nos informou sobre o lugar em que muito provavelmente desapareceu o cruzador pesado Omaron. Isto basta?

— Perfeitamente. Fico-lhe muito grato. Deixe as dúvidas de lado. Aquilo que o major Notami acaba de descobrir realmente existe. Felicito-o pela descoberta, mas também quero fazer uma advertência.

— Por quê? — apressou-se Mory em perguntar.

Tinha as faces vermelhas de excitação. O Dr. Spencer Holfing saiu de um elevador antigravitacional e atravessou a sala de comando correndo.

O capitão Don Redhorse, um terrano pertencente ao povo dos índios cheiene, afastou-se de seu caminho. Abanou a cabeça enquanto seguia com os olhos o homem de cabelos brancos, que atravessava a escotilha do rastreamento que nem um foguete vivo.

— Está louco — disse Redhorse de si para si.

O tenente Orsy Orson sorriu e lançou um olhar para seu amigo Finch Eyseman, cujos olhos castanhos sonhadores pareciam arder num fogo interior.

Eyseman era o maior idealista a bordo da Crest II. Para ele as idéias de astronáutica e amizade entre os povos eram uma e a mesma coisa. Admirava o halutense, que naquele momento dizia com a voz retumbante:

— Por que, madame? Também não sei dizer. Até hoje nenhum halutense se aproximou tanto dos seis sóis para descobrir exatamente o que os mesmos representam.

— Representam? — perguntou Rhodan. — Tolot, o senhor está nos escondendo alguma coisa. Por que usou justamente o termo representam? No intercosmo corrente o mesmo está ligado a determinado ato, ou então com um produto técnico ou artificial. Os seis sóis só podem representar alguma coisa se admitirmos...!

Rhodan interrompeu-se. Notou a expressão tensa no rosto de Atlan e a súbita palidez de Mory. A Crest II continuava a correr com metade da velocidade da luz em direção a alguma coisa que ainda não se distinguia a olho nu.

— O que pretendia dizer mesmo, senhor? — perguntou Icho Tolot.

Estava completamente calmo. Não violara as leis de seu povo. A indicação do lugar em que tinham sido encontrados os dois náufragos terranos não representara qualquer informação sobre os seis sóis.

Rhodan esforçou-se para encontrar as palavras certas. Foi interrompido por uma voz saída do alto-falante. Era o Dr. Hong Kao.

— Aqui fala a central matemática, setor de interpretação. Os resultados fornecidos pelo rastreamento são corretos. Trata-se de um hexágono formado por sóis. As estrelas que formam o mesmo são perfeitamente idênticas. O computador positrônico traçou uma paralela com o hexágono de pirâmides descoberto há setenta e um anos no planeta Kahalo. Os resultados da comparação são muito claros. O processamento dos dados revela que os sóis foram colocados artificialmente na posição hexagonal.

— Não! — gemeu Rhodan. — Isso é uma loucura!

— É um fato, senhor — prosseguiu o matemático-chefe. — Mas de outro lado não há dúvida de que as próprias estrelas não foram produzidas artificialmente. Sem dúvida trata-se de verdadeiros sóis, que foram reunidos por alguma força desconhecida no centro galáctico e dispostos segundo um princípio livremente escolhido, para formar o hexágono.

— Pare — pediu Mory, toda trêmula. — O senhor, o senhor não sabe o que está dizendo.

— Infelizmente sei, madame. Baseio-me na interpretação positrônica. É impossível que exista uma constelação natural com este formato. Trata-se de uma impossibilidade física. Alguém diante do qual somos selvagens da Idade da Pedra procurou e encontrou seis sóis de tamanho, massa e temperatura superficial absolutamente igual, arrancou-os das órbitas que descreviam em torno do centro galático e reuniu-os numa figura geométrica no lugar em que acabam de ser descobertos por nós. O computador positrônico até vai mais longe. Constatou que a identidade das características dos seis sóis também não pode ser natural. Estou recebendo os últimos dados. Aqui está. Vejam os senhores mesmos...!

Duas fitas-diagrama apareceram na tela.

— Estão vendo? Da interpretação resulta a conclusão lógica de que a coincidência só pode ter sido criada por meio de alguma forma de correção física, através de um processo de coordenação ou de sincronização. E a única explicação para o parentesco dos sêxtuplos. Encontramo-nos diante do fenômeno mais importante da Via Láctea, senhor.

— Era o que eu imaginava — disse Rhodan em voz baixa. Suas mãos crisparam-se em torno das braçadeiras de sua poltrona. — Previ isso desde o momento em que o halutense usou o termo representar. Primeiro-tenente Huise, tire o Dr. Holfing da central de rastreamento. Diga-lhe que deve controlar-se. Preciso muito dos meus rádio-operadores. Atlan, você esteve em Kahalo comigo. A constelação hexagonal também provoca certas lembranças em você?

— Sim, provoca lembranças bem definidas — confirmou o arcônida, que já estava recuperando a calma. Também descobrira os seis pontos luminosos era meio às outras estrelas. Não havia a menor dúvida: tratava-se de um hexágono inclinado para o lado.

— Perry, tenho a impressão de que já não temos necessidade de sair à procura do mundo dos cabeças grandes. Aqui está a solução final. Lembra-se de que na oportunidade formulei a teoria de que as seis pirâmides pudessem ser uma espécie de estação de transmissor? Tudo que entrava no núcleo radiante desaparecia. Estes sóis...!

— Não venha me dizer que acabamos de descobrir um transmissor gigante construído por um povo desconhecido — berrou o Dr. Spencer Holfing, que estava sendo retirado delicadamente da central de rastreamento pelo tenente Huise.

— Ouça, senhor, estou acostumado a ver muita coisa desde que me encontro a bordo desta nave. Mas as teorias que estão surgindo agora já são demais. Se quiser afirmar seriamente que os seis sóis são um transmissor artificial e natural ao mesmo tempo, que recebe sua energia diretamente dos mesmos, então, então...!

— Então o quê? — interrompeu Atlan com a maior calma. — Não esqueça sua pressão, doutor. Os terranos nunca aprendem. Controle-se, meu caro, controle-se.

Holfing ameaçava explodir. Respirava com dificuldade. Deu uma canelada no imediato, passou correndo junto ao homem que praguejava fortemente e voltou a desaparecer na central de rastreamento.

Tolot bateu as quatro mãos e balançou o corpo titânico nas pernas curtas e grossas. Deu uma gargalhada tão estrondosa que os ouvidos dos homens doeram.

— Já consigo imaginar o que deve ter acontecido em seu mundo quando desferimos nossos primeiros golpes na luta pelo poder galático — disse o coronel Rudo. — Se estes tipos sempre berram desse jeito, não é de admirar que não tenham orelhas. Eles as cobrem. Ei, pare! Em minha nave existe disciplina. Pare!

Icho Tolot continuou a rir. A reação dos terranos diante da maravilha galáctica era exatamente a que ele imaginara. Para Tolot já não havia a menor dúvida de que os representantes do jovem povo inteligente da Galáxia se atreveriam a fazer coisas que nem mesmo as frotas de guerra halutenses arriscavam. Naquele momento compreendeu que a avaliação que fizera dos homens era correta. Os mesmos mereciam ser colocados diante de problemas. Também saberiam enfrentar o hexágono de sóis — de uma forma ou de outra.

As interpretações fornecidas pelos computadores foram chegando à sala de comando do supercouraçado. As teorias se amontoavam. A equipe científica travava debates acalorados, enquanto os soldados discutiam conforme lhes permitia seu grau de instrução.

As hipóteses mais estranhas foram levantadas. Os galatonautas, especialmente os oficiais especialistas em hiperfísica, aludiam à possível existência de um gerador de frentes de choque cuja finalidade consistisse na criação de variadas tempestades gravitacionais. Afirmavam que em algum lugar, devia existir um planeta no qual tinham sido instalados conjuntos de máquinas que utilizavam a energia retirada dos sóis azuis.

Era apenas uma conjetura de mutos. A teoria do transmissor, formulada por Atlan, era inaceitáveis. Não havia como estabelecer as respectivas relações científicas. Rhodan seguiu a opinião dos matemáticos, segundo os quais a conjunção artificial dos seis sóis só poderia destinar-se ao suprimento energético de uma arma ou de uma central de força. Todos previam o aparecimento de um povo ainda desconhecido no centro da Galáxia. Era o que indicava a interpretação dos dados pelos computadores de bordo.

Icho Tolot não participou das discussões. Não tinha opinião formada. O hexágono de sóis ainda estava muito distante para que se pudessem realizar investigações mais precisas.

Uma hora depois do primeiro rastreamento energético ouviu-se a voz do comandante saída dos alto-falantes.

— Preparar manobra, guardas a postos. Major Wholey, transmita uma mensagem ao comandante da Dauntu. O cruzador pesado deverá seguir-nos a uma distância de dez bilhões de quilômetros, mantendo-se em estado de rigorosa prontidão para o combate.

O major Kinser Wholey, um terrano com pele negra que nem ébano, confirmou o recebimento da ordem. Seus dentes brilharam na tela do sistema de transmissão de comandos. O chefe da central de rádio gostava de rir.

Dali a segundos foi transmitida a mensagem para a Dauntu. O comandante da USO introduziu as coordenadas da manobra em seu computador positrônico linear.

O kalup da Crest II rugiu. Mais uma vez a esfera gigantesca desapareceu no semi-espaço linear, a fim de percorrer num instante a distância de alguns meses-luz.

O cruzador pesado USO seguiu a rota do couraçado. Alguns pontos quase imperceptíveis brilhavam na tela especial. No momento tudo girava em torno desses pontos.

Icho Tolot cantarolava. Tratava-se de uma canção de guerra de seu povo. Gucky estava enrolado no colo do gigante. Escutou todo enlevado os sons que passavam pelos lábios monstruosos de Tolot.

A Humanidade dispunha-se a encontrar a solução de um enigma do qual até mesmo o povo que na época era o mais poderoso da Galáxia se afastara. Icho Tolot admirava os homens vindos do terceiro planeta do Sol.

 

Lanças de fogo cortavam o espaço entre as estrelas do centro galáctico. As descargas energéticas eram captadas pelos dispositivos óticos externos e transmitidos para as telas. No vácuo absoluto os lampejos luminosos não seriam percebidos, por falta de um condutor. Mas aqui eram vistos. Era um sinal de que o espaço situado entre os sóis não era absolutamente vazio.

A Crest II freou, utilizando toda a capacidade de aceleração negativa, que chegava a 620 km/seg2. No interior da central energética hermeticamente fechada, que formava uma esfera no centro da nave, os gigantescos reatores de fusão rugiam. Nos últimos três minutos havia necessidade de cada watt que os mesmos eram capazes de produzir, a fim de suprir de energia os projetores de campos defensivos, que de repente passaram a funcionar a plena potência.

Até parecia que a nave tinha mergulhado num inferno. A matéria gaseificada, tão rarefeita que os instrumentos supersensíveis dificilmente poderiam constatar sua presença, já se transformava numa parede de lixa quando a nave desenvolvia metade da velocidade da luz.

As partículas chicoteavam os campos defensivos, tentavam rompê-los para transformar o corpo de aço do couraçado numa bola incandescente.

O comandante da Dauntu saíra do espaço linear no interior do campo de gravitação de uma gigantesca estrela vermelha. A tripulação da nave, que era muito menor que a Crest II, lutava pela vida. As comunicações pelo hipercomunicador tinham sido interrompidas. A única coisa que os rastreadores da Crest puderam constatar foi que a velocidade do cruzador pesado da USO no momento do retorno ao espaço normal era de apenas cinco por cento da da luz. Ninguém sabia explicar por que houvera tamanha redução de velocidade. Só se sabia que a Dauntu desenvolvia metade da velocidade da luz ao iniciar o vôo linear. Em condições normais deveria ter retornado ao universo einsteiniano com a mesma velocidade.

O alarme soou nos diversos setores da Crest. Desta vez realmente havia a perspectiva de uma catástrofe. O major Jury Sedenko não teve de fazer muitas perguntas antes de ligar as sereias. Todo mundo via que a Crest corria para o desastre.

Até então os erros de cálculo típicos da concentração central da Galáxia sempre puderam ser compensadas. Durante dois dias a nave tinha executado manobras loucas, que forçavam as máquinas e cansavam o material. Os dados cosmonáuticos pouco precisos obrigaram a nave a realizar o vôo linear segundo o processo do traço, também da última vez. Em virtude disso a nave-capitânea da frota saíra a pouco menos de cinqüenta milhões de quilômetros da estrela que ficava no ângulo inferior do hexágono.

Tremendas tempestades gravitacionais e magnéticas investiram contra os campos defensivos submetidos ao regime de sobrecarga. Em virtude da frenagem de emergência, os neutralizadores de pressão também exigiram maiores volumes de energia. Acontece que nem toda a energia necessária pôde ser conduzida aos mesmos já que os projetores dos campos defensivos utilizavam cem por cento da capacidade da central energética.

Através de um comando manual instantâneo, o major Bert Hefrich, engenheiro-chefe da nave, colocou em funcionamento as unidades de emergência. O reator trabalhou com a capacidade máxima. Era capaz de fornecer outros mil megawats, mas quinhentos megawats foram conduzidos para os projetores dos campos defensivos, o resto foi destinado aos neutralizadores de pressão.

Os jato-propulsores da Crest dispunham de seu próprio suprimento de energia. Os campos energéticos de campo de reação e dos jato-propulsores necessários ao bom funcionamento do conjunto eram fornecidos pelos conversores sincronizados de alta potência integrados no sistema de propulsão.

A instalação já dera prova de sua eficiência em inúmeras batalhas. Naquele momento estava trabalhando em prol da autoconservação da nave. Hefrich até assumiu o risco de também conduzir o excedente de segurança dos conjuntos propulsores para os campos defensivos.

Os comandos de ar comprimido, propositadamente rudimentares, que eram extremamente seguros e independentes de qualquer fonte de suprimento de energia, fizeram com que as placas polares se juntassem num milésimo de segundo. A potência de saída dos conversores do sistema de propulsão era de quinhentos mil volts. O excedente produzido pelos mesmos era da ordem de duzentos megawats.

Tremendo e balançando que nem um antiquado veículo de rodas numa estrada ruim, o moderno supergigante da Frota Solar corria em direção aos sóis perfeitamente reconhecíveis.

Os mesmos realmente ficavam a uma distância pouco inferior a cinco horas-luz um do outro. Não havia a menor irregularidade da figura geométrica formada pelos mesmos que indicasse que possivelmente pudesse tratar-se de uma constelação surgida por um acaso extraordinário. Não havia dúvida de que a figura tinha sido criada por meios artificiais.

Quem poderia possuir capacidade técnica e científica para localizar as gigantescas estrelas azuis, cada uma das quais tinha pelo menos quinhentas vezes o tamanho do sol do planeta Terra, arrancá-los de suas órbitas e dispô-los em hexágono?

A localização desses sóis seria o problema mais fácil. Em compensação o processo de adaptação mencionado pelo computador positrônico era totalmente incompreensível. A mente humana recusava-se a aceitar um fato terrível como este.

Mas nestes momentos não havia ninguém a bordo da Crest que pensasse nisso. A vida dos ocupantes da nave estava em jogo.

As forças gravitacionais dos seis gigantes azuis puxavam a nave para cada vez mais perto. O cérebro programador de Tolot fez seus cálculos com a rapidez costumeira.

Levou apenas dois segundos para chegar à conclusão de que as forças de empuxo de que dispunha a nave, juntamente cornos campos antigravitacionais, deveriam ser capazes de arrancar o veículo espacial da força de atração das seis estrelas — isto se não ocorressem outras anomalias

A seguir Tolot começou a calcular a parábola que a nave descreveria durante a manobra de desvio para o setor vermelho: Os valores mudavam rapidamente com a desaceleração.

Rhodan não perdeu a calma. O comandante epsalense também não. Este, que na verdade era responsável pela direção da nave, transmitira suas ordens sem perder tempo com perguntas.

Rhodan manteve uma atitude discreta. Limitava-se a observar. Cabia ao comandante executar manobras de todas as espécies. Rhodan, Atlan e Mory exerciam as funções de comandantes supremos, competentes para a execução de manobras táticas e estratégicas. O cumprimento das ordens era da alçada do coronel Cart Rudo.

A tripulação estava com os capacetes pressurizados dos trajes espaciais fechados. Em virtude do uivo e dos estrondos das unidades energéticas, projetores e propulsores solicitados ao máximo de sua capacidade, a comunicação acústica normal já não era possível. O gigantesco corpo esférico da Crest parecia um sino repicando.

— Manobra iniciada, senhor — informou o imediato pelo rádio-capacete. — Temos seis tipos bem fortes pela frente. Acho que querem devorar-nos antes da hora, não é mesmo?

Brent Huise deu uma risada. Era galatonauta por paixão.

— Mostraremos a eles — acrescentou.

Eles eram os sóis azuis. A estrela situada no ângulo inferior do hexágono brilhava em toda sua grandeza nas telas de visão próxima. As outras apareciam nas áreas de projeção das grande angulares.

Outras telas mostravam os campos defensivos. No campo exterior, repelente da matéria, verdadeiros furacões energéticos tremeluziam. As partículas de gases tóxicos que atingiam o mesmo eram irradiadas, depois de terem sido submetidas a um processo de dissolução atômica.

O campo de absorção hiperenergético neutralizava as energias da quinta dimensão. Os canhões polares superiores, que eram os canhões desintegradores mais pesados que a frota possuía, abriram fogo contra as concentrações de gases previamente identificadas. Os canhões também possuíam seu próprio suprimento de energia.

Dali a mais três segundos os primeiros gravos foram sentidos no interior da nave. Os neutralizadores já não conseguiam absorver totalmente as forças da inércia que se formavam durante a manobra.

Com o aumento da carga, as poltronas anatômicas dos tripulantes foram-se inclinando para trás. Ficaram cada vez mais na horizontal, até que seus ocupantes se vissem deitados nos colchões hidroneumáticos, com as pernas formando um ângulo bem aberto com o corpo e respirando com dificuldade.

Icho Tolot fazia cálculos apressados. As naves modernas do tipo da Crest estavam preparadas para enfrentar condições extremamente adversas. Por que a curva de escape era cada vez mais aberta, por que os valores apurados há pouco não eram corretos?

Os instrumentos já estavam na marca de 3,023 gravos. Tolot desligou seu microgravitador, que em condições normais substituía a gravitação elevada de seu planeta de origem.

Levantou da poltrona. Apesar da carga cada vez maior, ainda se sentia mais leve que em Halut.

Sem o menor esforço, colocando cautelosamente os pés no chão, saiu caminhando para perto de Rhodan e Atlan, que já tinham de lutar bastante com a pressão que os atingia.

O rosto de Rhodan estava muito tenso. Teve de fazer um grande esforço para virar a cabeça e balbuciou alguma coisa que Tolot não compreendeu. Finalmente ouviu algumas palavras entrecortadas.

— Tolot — anormal, fisicamente impossível. Faça alguma coisa — Comando de emergência em quatro gravos no neutralizador. — Aceitar o calor provocado pelo atrito, reduzindo a potência dos campos defensivos. Entendeu...?

— Entendi. Farei o que estiver ao meu alcance. Respire devagar. Não fale.

O coronel Cart Rudo, o epsalense habituado a uma gravitação elevada, também estava em condições de trabalhar. Desligara seu neutralizador.

Nestes segundos o rastreamento revelou por que apesar da desaceleração provocada pela frenagem a Crest II não estava reduzindo a velocidade. Esta redução teria resolvido todos os problemas.

A nuvem de matéria formada por partículas gasosas que funcionavam como uma lixa já não provocava o mesmo pavor de antes. Os campos defensivos, que devoravam grandes quantidades de energia, poderiam ter sua potência reduzida; em compensação a potência dos neutralizadores de pressão poderia ser aumentada. Mas como a velocidade não diminuía, isso era impossível. A nave se transformaria numa bola incandescente. A Crest continuava a deslocar-se a uma velocidade pouco inferior a cinqüenta por cento da da luz.

Neste instante todos os rastreadores estruturais do supercouraçado ultrapassaram a marca máxima. Ouviram-se alguns estrondos, e nuvens de fumaça encheram a sala de comando. No mesmo instante uma concentração de energia chamejante surgiu no ponto de interseção das linhas que uniam as seis estrelas. Dessa concentração saiu um raio alaranjado.

Cart Rudo deu um grito. O equipamento ótico normal não mostrou o fenômeno luminoso. Devia ter uma velocidade equivalente ou superior à da luz.

A tremenda irrupção só foi registrada pelo rastreamento hiperenergético, que a tornou visível nas telas de reflexos.

Logo o raio chegou. Atingiu a nave, fê-la tremer em todos os cantos e envolveu-a.

— Tolot, manobra linear, rápido — gritou Cart Rudo.

Icho transferiu o dispositivo automático para o vôo a velocidade superior à da luz para o comando manual. Seu dedo polegar arrebentou a capa protetora que cobria o botão vermelho do dispositivo de emergência, que no mesmo instante foi colocado na posição de contacto.

Não aconteceu nada! O kalup não pegou. Mas houve um fenômeno diferente.

As energias de inércia, que nos últimos segundos tinham subido para oito gravos, desapareceram de repente. Os campos defensivos perderam a cintilância chamejante. O dispositivo automático central transferiu imediatamente a energia liberada para os neutralizadores de pressão.

Mas Tolot percebeu que o alívio repentino de forma alguma podia ser atribuído aos neutralizadores, que a essa hora estavam funcionando a plena carga.

Os seis sóis chamejantes apareciam nas telas da Crest. Não havia a menor dúvida de que a nave estava submetida a uma tremenda aceleração, enquanto a nave era atraída para a luminosidade violeta e vermelho-alaranjada da área de concentração situada entre as estrelas.

Icho Tolot já começava a compreender por que seus antepassados preferiram não explorar a constelação mais misteriosa da Via Láctea. Certamente sabiam que os sêxtuplos azuis eram muito perigosos.

Não havia mais nada que pudesse deter o avanço da Crest II. Estava sendo atraída por forças titânicas, forças alimentadas pela energia das seis estrelas gigantescas. Em comparação com estas forças, as unidades energéticas do supercouraçado eram que nem velas de cera diante de uma lâmpada elétrica muito forte. A própria natureza fora tecnicamente aproveitada.

Nem mesmo o halutense com suas reações ultra rápidas compreendeu inteiramente a situação. No momento em que, um pouco mais aliviado, pretendia virar a cabeça para Rhodan, o Administrador Geral saltou da poltrona, atirou os braços para cima e começou a gritar que nem um louco.

Atlan, Mory, Cart Rudo e os outros tripulantes também foram atingidos repentinamente por um psicochoque, que provocava sintomas evidentes de um começo de loucura.

Dali a mais um segundo as pessoas que tinham adoecido repentinamente foram atingidas por uma onda de mania de perseguição. Rhodan debatia-se furiosamente, que nem os dois astronautas que Fancan Teik tinha recolhido nesta área.

Atlan gritou alguma coisa a respeito de uma luz muito forte. Isso combinava com as declarações prestadas pelos outros doentes. De repente o halutense compreendeu qual era a causa da demência.

A luz forte só podia ser o raio energético vermelho-alaranjado. Talvez fosse a incandescência que se verificava no ponto exato de interseção das linhas que cruzavam o hexágono.

Tolot não perdeu tempo. Com a maior facilidade afastou as pessoas enfurecidas e saltou para dentro de sua poltrona.

A concentração energética central do hexágono projetada nas telas expelia línguas de fogo. Icho Tolot deu início ao processo de modificação total de sua estrutura celular. Seu corpo transformou-se num bloco metálico cristalino altamente condensado, em cujo interior só umas poucas células indispensáveis aos processos vitais conservaram suas qualidades orgânicas.

Foi bem em cima da hora. Tolot ainda chegou a ver a luminosidade ofuscante das telas de imagem. O choque da desmaterialização martirizou as raras células nervosas que não tinham sido submetidas à alteração estrutural.

Os corpos dos terranos que gritavam furiosamente transformaram-se em nebulosas feitas de matéria. A sala de comando tornou-se transparente, dissolveu-se e desapareceu da estrutura espacial da quarta dimensão. O rugido foi diminuindo. Depois foi o nada.

 

Os propulsores da Dauntu trabalhavam a plena potência. O cruzador pesado de quinhentos metros de diâmetro foi saindo bem devagar do campo de gravitação do gigantesco sol vermelho e voltou a aumentar a velocidade.

O capitão Rono Batlos, pertencente à USO, tentou em vão restabelecer o contato de rádio com a Crest, que fora interrompido.

Enquanto o cruzador supermoderno lançava mão de todas as energias disponíveis para romper uma protuberância que avançara espaço a dentro, conseguindo escapar a mais este inferno atômico, a vinte bilhões de quilômetros dali os seis sóis começaram a inchar.

Quando mal e mal escapara ao desastre, a Dauntu voltou á ser solicitada até os limites da resistência do material.

Batlos, que se levantara da poltrona para ir à sala de comando, foi atingido ao chão com tamanha força pelo impacto de um furacão magnético que quase perdeu os sentidos. Um robô ajudou-o a pôr-se de pé e levou-o de volta à sua poltrona anatômica.

Os cintos de segurança saíram automaticamente das braçadeiras e prenderam o capitão.

Naquela altura a Dauntu já estava acelerando rapidamente. O sol vermelho já não representava nenhum perigo. Com uma aceleração pouco inferior a 600 km/seg2, o cruzador foi correndo para a área livre entre as estrelas. Dentro de vinte segundos a distância que separava a nave da estrela azul cresceu tanto que o hiper rastreamento voltou a funcionar.

A nave-capitânea da frota apareceu nas telas em que eram projetados os ecos. Os resultados das medições foram interpretados e projetados em forma de sinais óticos nas telas de controle.

— Senhor...! —- gritou o imediato da Dauntu, apavorado. Apontou para o indicador de posições tridimensional, no qual o ponto luminoso que representava a Crest se projetava em velocidade tresloucada sobre os seis sóis.

As escalas que acompanhavam o deslocamento indicavam os dados. A Crest estava acelerando pelo menos à razão de dez mil quilômetros por segundo ao quadrado. Não havia propulsor capaz de atingir este valor, e nenhum neutralizador podia absorver a pressão gerada por um deslocamento desta ordem.

O capitão Batlos enxugou o sangue da testa e, pálido que nem um cadáver, fitava o indicador de posições. Antes que o comandante tivesse tempo de tomar uma decisão, a Crest II desapareceu no centro situado entre os seis sóis. Houve uma tremenda descarga que produziu um forte lampejo circular. As frontes de choque hiperenergéticas fizeram desmoronar os campos protetores externos do cruzador pesado. Em toda parte os aparelhos se quebraram. Máquinas foram arrancadas dos suportes.

O choque estrutural que se seguiu foi tão intenso que até mesmo na Dauntu os rastreadores queimaram.

Uma nave quase inutilizava balançava e sacudia através da área de perigo situada entre as concentrações de mundos.

A tripulação levou bastante tempo para compreender a situação. A gigantesca Crest tinha desaparecido. Desmanchara-se no furacão de fogo entre as estrelas, como se nunca tivesse existido.

— Já sabemos onde desapareceram os cruzadores de exploração — disse o imediato com a voz apagada. — Não consigo localizar mais a Crest, senhor.

O capitão Batlos assumiu o risco de aproximar-se a dez bilhões de quilômetros do grupo de seis sóis. Quando apareceram os primeiros sinais de que os gigantes azuis voltariam a inchar, Batlos não perdeu tempo: penetrou imediatamente no espaço linear.

Foi uma manobra cega, do tipo que só se costumava arriscar nos momentos de maior perigo. Na área em que estava a nave poderia trazer a destruição. Batlos permaneceu no semi-espaço por cinco segundos. Quando retornou ao espaço normal, as seis estrelas encontravam-se a uma distância tão grande que não se podia distingui-las a olho nu em meio à profusão de sóis. Os reparos mais urgentes consumiram oito horas. Os radioperadores da Dauntu aproveitaram o tempo para tentar entrar em contato com alguma das naves empenhadas nas buscas.

Mas demorou nove horas até que o couraçado terrano Helos, comandado pelo comodoro Abdei Karit, respondesse ao chamado. A Helos encontrava-se a apenas vinte horas-luz. O comodoro Abdei Karit era o chefe da terceira flotilha de couraçados, pertencente à nova frota de contra-ataque. Além da Helos, dois grupos de naves exploradoras estavam sob seu comando.

A comunicação pela imagem não era boa. A transmissão acústica era mais nítida. O capitão Batlos fez um relato dos acontecimentos.

O comodoro terrano não perdeu tempo. Interrompeu a transmissão, solicitou a posição aproximada da Dauntu, pediu que fossem emitidos sinais goniométricos e penetrou no espaço linear juntamente com dois cruzadores leves da classe cidades.

Dali a duas horas a Dauntu foi capturada pelo raio de tração do couraçado de oitocentos metros de diâmetro e trazida para junto do costado da nave maior.

Batlos passou para Helos, com mais alguns oficiais. Levaram todos os dados reunidos durante as operações de busca.

Os últimos resultados mostravam que a Crest II tinha desaparecido na concentração de energia situada entre os seis sóis.

Mais três naves pertencentes ao grupo empenhado nas buscas chegaram ao local. Uma delas era um cruzador do comando experimental, tripulado por uma equipe de cientistas.

Juntamente com este cruzador Abdei Karit avançou em vôo linear até um local próximo aos seis sóis. As medições foram efetuadas com o maior cuidado. As teorias que já tinham sido formuladas a bordo da Crest passaram a ser examinadas pelos homens que se encontravam a bordo das duas naves.

A Crest não respondia mais aos chamados. O comodoro Abdei Karit fez a determinação exata da posição galáctica do hexágono formado por sóis. Ficava a 50.816 anos-luz da Terra, nas proximidades do centro absoluto da Galáxia.

Dois cruzadores ligeiros foram mandados de volta para Opposite. O alarme geral para toda a Humanidade foi dado cerca de vinte e quatro horas depois. Dali a três dias chegou um destacamento especial do comando experimental, comandado por Mercant. Ainda não havia notícias da Crest.

— Talvez tenhamos de admitir a hipótese de que a nave foi destruída, senhor — disse o hiperfísico Kalup, o cientista mais importante da Terra.

Allan D. Mercant ficou pálido, mas conseguiu controlar-se. Estava parado à frente das enormes telas de sua nave de pesquisa.

— Tem certeza?

O professor Kalup, possuidor de um ativador e inventor do conversor de campo energético que tinha seu nome, pos-se a refletir.

— Dê-me mais alguns dias. Conheço a teoria do transmissor formulada por Atlan. A constelação hexagonal que temos pela frente é tão fantástica e apaixonante que somos levados a acreditar que é obra de um povo altamente desenvolvido. Por isso não quero afastar a hipótese de ter ocorrido uma supertransmissão. Um grupo de seres inteligentes que é capaz de dispor estrelas de grande porte numa figura geométrica também deveria estar em condições de dominar a técnica de utilização deste reator atômico natural. Desde logo posso garantir que os seis sóis não são nenhuma arma. Sua finalidade é outra. Preciso de uma ligação instantânea com a luz terrana. Natã deve ser liberado imediatamente de todas as outras tarefas. Preciso do centro de computação para as pesquisas que pretendo realizar.

— Concedido, professor. Quer dizer que não se trata de uma arma?

— Em hipótese alguma.

— Será que o halutense não pode ter praticado um atentado em condições extraordinárias?

— Tolice — interrompeu Amo Kalup em tom contrariado. — Deixe o halutense fora disso. Ele mesmo não sabia no que estava entrando. O abalo estrutural extraordinário registrado neste setor da Via Láctea é sinal da existência de uma curvatura fortemente carregada de energia no espaço normal. Os dados têm de ser interpretados. Além disso, precisamos realizar experiências. Não se perca em conjeturas estratégico-militares. Encontramo-nos diante de um problema que só a ciência pode resolver. Entregar-lhe-ei uma lista de mulheres e homens de que preciso com urgência. Estamos na pista do maior mistério da Galáxia, Mercant. Se soubesse o que os tripulantes da Crest deve ter percebido no último instante, poderíamos agir imediatamente.

— Ainda estão vivos? — perguntou Mercant em tom deprimido. — Podem estar vivos? Ainda existe uma chance?

Kalup não chegou a responder a estas perguntas. Sacudindo-se numa tosse asmática, arrastou seu corpo pesado pela escotilha do setor de processamento de dados.

Mercant seguiu o grande hiperfísico com os olhos. Kalup já tinha resolvido problemas aparentemente insolúveis.

 

Um segundo choque, sentido com mais intensidade ainda que a onda de desmaterialização, atormentou os centros nervosos de Icho Tolot que não tinham sido atingidos pela transformação realizada em seu corpo.

Não viu nada, e não ouviu nada. Somente a dor lancinante mostrava que acontecera alguma coisa que já esperara pouco antes do desastre.

Fora tudo resultado de um raciocínio lógico! O cérebro programador de Tolot tinha descoberto que os seis sóis não tinham sido reunidos, certamente por meio de um trabalho incrível, para o fim de transformar hóspedes incômodos em átomos. A finalidade da dispendiosa instalação cósmica só podia ser outra — certamente servia a uma verdadeira finalidade econômica ou militar. Por isso mesmo Tolot resolvera efetuar uma alteração estrutural em seu corpo pouco antes que o gigante azul irrompesse em chamas. Provavelmente teria feito a mesma coisa se soubesse que se defrontava com a morte.

No estado em que se encontrava não podia fazer nenhum movimento. Os sentidos comandados pelo cérebro normal estavam quase todos desativados. O cérebro programador, que era a parte mais sensível de seu organismo, de qualquer maneira formava um bloco de aço.

O halutense procurou refletir um pouco. Só teve um êxito parcial. No estado de rigidez em que se encontrava o número de células em atividade era somente o estritamente necessário para que pudesse promover o retorno ao estado normal, por meio de um impulso instantâneo, e para que o sentimento fosse capaz de absorver os conceitos mais primários.

Resolveu assumir o risco. A situação era perfeitamente clara. Todos os sintomas indicavam a ocorrência de uma transição de proporções gigantescas. A segunda sensação de dor, que se seguira de perto à primeira, só podia prover de uma rematerialização.

Tolot levou dez segundos para reverter o processo de cristalização total dos grupos moleculares. Sentiu um ligeiro enjôo. De repente o gigante levantou-se de um salto, como se nada tivesse acontecido.

Sua boca enorme abriu-se num grito de surpresa. Uma coisa destas nenhum halutense tinha visto!

Os tripulantes da Crest II estavam jogados no chão, num estado de inconsciência absoluta. Os dois choques e o ataque de loucura que os precedeu deviam ter atacado bastante as células cerebrais dos humanos.

No momento Tolot preferiu não realizar tentativas de revitalização. Não havia tempo para isso. As telas do rastreamento ótico estavam funcionando perfeitamente. As máquinas trabalhavam e as unidades energéticas supriam de força os sistemas de comunicação sem fio.

Mas não era isso que deixava o halutense tão espantado.

Pouco atrás do couraçado, a apenas alguns milhões de quilômetros de distância, brilhavam dois sóis amarelos normais do tipo G, que estavam tão próximos um do outro que mesmo a pequena distância pareciam uma única estrela. Entre eles uma concentração energética vermelho-alaranjada expelia línguas de fogo. Parecia que os fluxos energéticos dos sóis amarelos se encontravam a meio caminho, para produzir um mar de fogo esférico.

Tolot imaginava que a Crest devia ter saído dessa concentração de energia. Rematerializara nesse lugar e fora expelida à maneira do que acontecia em qualquer transmissor.

Dessa forma os seis gigantes azuis eram apenas uma estação de transmissor de proporções inconcebíveis. A teoria arrojada de Atlan fora confirmada pelos fatos.

Tolot ligou a objetiva grande angular — e levou um susto.

Um negrume desolado, interrompido somente pelo brilho apagado de galáxias muito distantes, cobria as telas que nem uma camada de algodão escuro. A confusão de sóis do centro da Via Láctea tinha desaparecido.

Não se via nada além das duas estrelas amarelas, cuja posição estranha também indicava que as mesmas tinham sido artificialmente dispostas desta forma.

— Não...! — disse Tolot em voz alta. — Não pode ser.

Voltou a mexer nos comandos. Os rastreadores de massa, matéria e energia confirmaram os resultados da observação ótica.

Oito astros foram localizados, medidos e tornados visíveis ao mesmo tempo. Os computadores do Setor astrofísico entraram em funcionamento.

Dali a dois minutos chegaram os primeiros resultados.

O sol Gêmeos, nome que Tolot deu às duas estrelas, possuía oito planetas, que circulavam em torno da estrela dupla que constituía uma impossibilidade física numa órbita ainda mais impossível. A distância média que os separava do sol gêmeo era de oitenta milhões de quilômetros.

Não haveria nisso nada de extraordinário, se os oito planetas não tivessem o aspecto de um anel de matéria, do tipo dos anéis do planeta Saturno, pertencente ao Sistema Solar.

Os oito mundos circulavam em torno de sua estrela exatamente à mesma distância, e numa órbita absolutamente igual.

Um sistema como este não poderia existir no mundo da natureza. Mas existia. Parecia um anel formado por oito corpos, em cujo centro estava o sol gêmeo.

Mas este fato não esgotava o arsenal de surpresas. O sistema automático de processamento forneceu novos dados.

Todos os planetas mantinham os eixos polares em posição perpendicular em relação à órbita. Isso significava que as estações do ano não existiam nestes mundos. Todos apresentavam a mesma temperatura.

Uma nebulosa do tamanho de um cartão postal brilhava bem ao longe. Só podia ser a Via Láctea.

Um pouco mais perto, mas ainda a uma distância de pelo menos meio milhão de anos-luz, desenhavam-se os contornos de uma nebulosa em espiral, que Tolot conhecia muito bem. Tratava-se da nebulosa de Andrômeda. Era bem mais nítida que a Galáxia da qual tinham vindo.

Desta forma a nave-capitânea solar encontrava-se sem a menor dúvida no abismo que separava as ilhas estelares. Não correspondia à mentalidade de um halutense desanimar ou entrar em pânico por causa disso.

O primeiro fato registrado foi que os ocupantes da nave ainda estavam vivos. Por enquanto era só o que importava. Também não se abalou ao constatar que se haviam afastado tanto da Via Láctea que seria impossível voltar com os próprios recursos. A distância ainda não fora calculada, mas não havia dúvida de que a Crest se encontrava a oitocentos ou novecentos mil anos-luz da Via Láctea.

O halutense não se interessou mais pelos dados que eram fornecidos pelo sistema de processamento inteiramente automático. A descoberta de mundos estranhos e a interpretação dos dados físicos encontrados nos mesmos era uma questão de rotina.

O halutense virou-se um tanto apressadamente e deu um salto até o teto abaulado. Conseguiu controlar-se e voltou a ligar seu microgravitador.

A unidade médica robotizada da nave deu o alarme. Tolot levou apenas alguns instantes para compreender a situação.

Assim que os primeiros medo-robôs chegaram a sala de comando, Tolot descobriu o potente raio energético que, segundo parece, captara a Crest II já durante a manobra de rematerialização.

Envolveu o gigantesco corpo esférico, ignorou o empuxo dos propulsores em pleno funcionamento e puxou a nave para o menor dos oito mundos.

A aceleração devia ser muito grande. Assim mesmo os neutralizadores automáticos de pressão conseguiram absorver as forças de inércia.

O supercouraçado deslocava-se em velocidade cada vez mais elevada. O raio de tração não pôde ser afastado, nem mesmo quando Tolot ativou os campos defensivos. As unidades energéticas rugiram por um instante e voltaram a desligar-se, já que os projetores de campo defensivo não aceitavam o suprimento de energia.

O cérebro programador do halutense voltou a raciocinar. Havia duas possibilidades.

Se alguma força desconhecida pretendesse, por meio de maquinismos ainda mais desconhecidos, fazer arrebentar o visitante não convidado na superfície do oitavo mundo, não haveria salvação.

Tolot acionou os comandos de emergência e os jato-propulsores de reversão passaram a funcionar a plena carga, mas nem por isso a velocidade da nave foi reduzida. O potencial energético do oitavo planeta era muito mais elevado. Tolot deu-lhe o nome de Power.

A segunda possibilidade, que na opinião de Tolot era a mais provável, consistia na tentativa de fazer a Crest II aproximar-se do planeta em alta velocidade, freá-la no último instante e obrigá-la a realizar um pouso suave.

O halutense viu nisso sua única chance. Preferiu não realizar outras pesquisas. Se a força de tração não diminuísse espontaneamente, dentro de meia hora o mais tardar ocorreria o choque fatal.

Só por um instante o halutense se entreteve com a idéia de fugir num barco auxiliar. Logo a abandonou. Não podia deixar duas mil pessoas inconscientes entregues ao seu próprio destino.

Tolot mexeu nos comandos e dirigiu-se ao autômato de medicamentos. Escolheu as drogas revitalizantes e estimulantes da circulação mais poderosas de que a Terra dispunha.

As injeções pressurizadas saíram das aberturas. As instalações robotizadas estavam funcionando na farmácia de bordo, que ficava mais em baixo.

Tolot cuidou em primeiro lugar do comandante. O robusto epsalense provavelmente seria a primeira pessoa a despertar do estado de inconsciência.

A seguir o halutense passou a dedicar sua atenção a Rhodan, Atlan, Mory e os oficiais mais importantes da nave. O chiado das seringas pressurizadas cessou. Os terranos não faziam o menor movimento. O arcônida também jazia pálido e aparentemente sem vida ao lado de sua poltrona anatômica.

Uma vez tomadas as providências possíveis naquela situação, Tolot passou por uma escotilha de segurança e deixou-se levar para baixo no campo antigravitacional de um elevador.

O centro de comando de tiro da nave recebeu-o com o som estridente das campainhas. O dispositivo automático há muito dera o alarme.

Também neste lugar o halutense só descobriu pessoas inconscientes. O major Cero Wiffert, primeiro oficial de artilharia da nave, estava sentado em sua poltrona especial, com os cintos atados. Certamente o ataque de loucura o impedira de soltar os cintos.

Todas as torres de canhões da nave tinham sido colocadas em posição. As luzes verdes brilhavam no console inclinado em forma de ferradura do chamado piano de fogo. A expressão fora criada há séculos nas naves de guerra terranas.

Tolot tirou Wiffert da poltrona. A seguir comprimiu os botões de recolhimento dos canhões conversores. O rugido dos propulsores foi superado pelo estrondo das capas de aço que se fechavam.

Tolot deixou que os canhões energéticos, os desintegradores e os canhões vibratórios permanecessem em posição de tiro. Depois disso pôs-se a esperar. Não havia mais nada que ele pudesse fazer.

Caso o raio de tração vindo de Power se tornasse mais fraco, o dispositivo de emergência automático, previamente ajustado, de qualquer maneira tiraria a nave da perigosa rota de colisão. Tolot não precisava preocupar-se com isso.

Se o raio de tração não fosse desligado, de qualquer maneira não haveria salvação.

O plano primitivo de Tolot, que previa a destruição do oitavo planeta com bombas de gigatons, destruição esta que evidentemente abrangeria também a fonte de energia, tornara-se inexeqüível. A Crest II já se encontrava muito próxima de Power. Como não havia como ativar os campos defensivos, o procedimento forçosamente acarretaria a autodestruição da nave.

Os oito astros brilhavam nas telas do dispositivo de mira, mas quase todos os canhões estavam apontados para Power.

Icho Tolot lembrou-se de seu mundo e dos terranos, que ele induzira indiretamente a lançar-se nesta aventura. Estava disposto a fazer tudo que estivesse ao seu alcance para salvá-los.

A manobra de frenagem iniciada há três minutos era a melhor prova de que não se pensava em poupar os ocupantes da Crest. Apesar dos neutralizadores de pressão que funcionavam a plena potência, a nave ainda foi atingida por dezoito naves. A desaceleração era extremamente rápida.

O halutense estava deitado no chão, ao lado do piano de fogo. Assim que percebeu os primeiros sinais da frenagem forçada, arrancou seis poltronas anatômicas dos suportes, colocou-as lado a lado e descansou seu corpo gigantesco sobre as mesmas.

O colchão macio fora-lhe muito útil. Para um halutense dezoito gravos não eram muita coisa. Icho Tolot até conseguia fazer alguns movimentos, muito embora preferisse não neutralizar as forças da inércia por meio de uma transformação das células metabólicas de seu corpo.

Observava ininterruptamente as telas e os instrumentos, O centro de comando de tiro funcionava em sincronia com a sala de comando. As indicações mais importantes dos instrumentos também eram mostradas ali em baixo.

A velocidade da Crest II diminuía constantemente. De repente, há um décimo de segundo, a pressão diminuíra. Tolot levantou-se de um salto.

A superfície desértica de um planeta sem água aparecia nas telas. Tolot percebeu imediatamente que por aqui não encontraria outros seres vivos. Tratava-se de um mundo sem vida, governado exclusivamente por máquinas muito avançadas.

O supercouraçado ainda continuava preso ao potentíssimo raio de tração, mas a capacidade energética do mesmo diminuíra consideravelmente. Além disso, parecia ter modificado sua estrutura. Tolot reconheceu sua chance.

Estendeu os quatro braços, que dispunham de um total de vinte e quatro dedos, em direção aos botões de comando do piano de fogo. Mas acabou hesitando.

O quadro que se lhe deparou bem lá embaixo era apavorante!

A Crest II mantinha-se suspensa numa altura de apenas dois mil e quinhentos quilômetros sobre o pólo norte do oitavo planeta, que era o menor do sistema. Exatamente em cima do pólo, coberto por um deserto pedregoso plano, viam-se três gigantescas pirâmides, em cuja linha de interseção chamejava um campo de energia concentrada. Ali era gerado o raio de tração que prendia a nave; e dali mesmo esse raio era enviado ao espaço.

Tolot registrou certo paralelismo com o mundo Kahalo, onde estivera mais de uma vez. Naquele mundo tinham sido construídas seis pirâmides. Em Power só haviam três. Mas parece que estas eram suficientes para as finalidades do sistema.

A uns quatrocentos quilômetros ao sul do plano polar o rastreamento detectara quatro objetos metálicos. Depois de várias ampliações Tolot identificou perfeitamente quatro espaçonaves de construção terrana.

O nervosismo passou a tomar conta dele. Então as naves desaparecidas tinham ido parar neste lugar. O que era feito de suas tripulações? Já não havia a menor dúvida quanto ao fato de que o hexágono formado por sóis era um transmissor. O sistema de Gêmeos parecia ser uma estação intermediária na estrada para Andrômeda. Muito provavelmente tratava-se de uma espécie de estação de controle ou de interceptação, na qual os recém-chegados eram testados ou destruídos.

Tolot esperou até que de repente sentiu uma vibração. A Crest II estava sendo bombardeada com pulsadores de alta potência, certamente para pôr fora de ação os tripulantes que eventualmente ainda estivessem em condições de empreender qualquer ação.

No mesmo instante o halutense calcou todos os botões de comando de tiro que pôde alcançar ao mesmo tempo. A ponta de mira do dispositivo automático do centro de tiro estava dirigido para as pirâmides polares.

Um rugido tremendo sacudiu o gigantesco couraçado. Tolot disparara uma salva de costado de três tipos de armas energéticas. O rugido continuou. Trilhas térmicas de dez metros de diâmetro chicoteavam o alvo a uma velocidade aproximadamente igual à da luz. Os raios cintilantes dos desintegradores, que dissolviam a matéria, eram quase invisíveis. As frentes de ondas dos canhões vibratórios eram totalmente imperceptíveis ao olho humano.

Numa fração de segundo os tiros atingiram o alvo. O solo abaulou-se. Sóis artificiais surgiam nos lugares em que as trilhas de impulsos atingiam o solo.

As rochas derretidas formavam gigantescas bolhas, que arrebentavam sob a pressão do excesso de gás, atirando para o alto esguichos de matéria incandescente liquefeita.

A área polar logo se transformou num oceano em ebulição, do qual subiam colunas enormes provocadas pelas explosões.

Tolot foi disparando salva após salva, até que o dispositivo de segurança das armas superaquecidas desligou as mesmas por um breve espaço de tempo.

Bem lá embaixo era um inferno. Tolot ficou impressionado. Os terranos sabiam construir naves muito perigosas.

O raio de tração vermelho-alaranjado desapareceu. O dispositivo automático previamente ajustado esteve prestes a imprimir velocidade à nave, quando a mesma foi atingida por outra frente energética. Tratava-se de outro raio de tração, partido de uma posição de fogo situada na periferia da área destruída, que escapara ao ataque.

A Crest voltou a precipitar-se em direção ao planeta. Tolot voltou a comprimir as teclas do comando de tiro, mas quase já era tarde.

Quando o último forte explodia lá embaixo, a Crest II começava a cair. O gigante de Halut atravessou a central de comando de tiro numa corrida louca, saltou para dentro do elevador antigravitacional e empurrou-se. Levou apenas alguns segundos para chegar à sala de comando. Os homens continuavam inconscientes.

Tolot ficou de pé enquanto manipulava os comandos de emergência. As poltronas eram muito pequenas para ele.

Os campos antigravitacionais foram ativados. Os propulsores instalados na protuberância equatorial da nave bramiram, dando o máximo de si. De repente o solo desértico parecia ao alcance da mão. Tolot mal e mal conseguiu fazer sair as colunas de apoio e a nave tocou o solo.

O halutense foi atirado violentamente ao chão. Segurou-se no suporte do computador central e esperou que os solavancos diminuíssem. A Crest batera fortemente no chão — quase fortemente demais. Estava ligeiramente inclinada para a esquerda e absorvera o último impacto com o círculo equatorial de propulsores. As colunas de apoio do lado esquerdo deviam estar quebradas, ou então tinham penetrado trinta metros no solo.

Tolot viu-se envolvido pelo silêncio. Os propulsores e reatores da central energética foram desligados. O dispositivo automático de segurança ainda estava funcionando.

Um rugido vindo bem de longe se fez ouvir. Pareciam milhares de trovoadas que se descarregassem ao mesmo tempo.

Tolot levantou-se. Seu corpo resistira ao impacto. Os terranos também não estavam feridos, pois o medo-robô os tinha colocado e amarrado sobre as poltronas anatômicas. O ataque de loucura fizera com que quase todos abandonassem suas poltronas.

O cérebro programador informou Tolot de que por enquanto conseguira salvar a situação. A estação do pólo norte tinha sido destruída. Ao que parecia ninguém, nem mesmo os controles robotizados que certamente existiam por lá, contara com a possibilidade de que uma nave saída do transmissor de Gêmeos ainda estivesse em condições de oferecer resistência.

Certamente era a primeira vez na história dessa estação de interceptação que no momento decisivo estivesse por lá um halutense, que não só compreendesse a situação, mas agisse com a necessária rapidez.

Icho Tolot deu uma risada. Era uma situação bem ao seu gosto. Caminhou em atitude arrojada para perto das telas.

Lá fora reinava o silêncio. Não se via o menor sinal de vida. Bem acima do horizonte norte línguas de fogo super-luminosas subiam ao céu. O sol Gêmeos ocupava um lugar solitário na escuridão do espaço.

 

Atlan devia ser a criatura inteligente mais velha da Galáxia. Por dez mil anos o ativador celular lhe conservara a saúde e a juventude, mas nem por isso o processo de maturação espiritual foi afetado.

O arcônida, que diferia biologicamente dos terranos e estava habituado há muito mais tempo aos impulsos vitalizantes do ativador que os humanos que portavam o aparelho, acordou somente alguns minutos depois de Cart Rudo.

O epsalense ficou estupefato ao contemplar as telas de hiperrastreamento. O terrano aclimatado de quinhentos quilos ainda não conseguia acreditar que a nave tinha saído entre a Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda.

Segundo os dados mais recentes, Andrômeda ficava a 1,45 milhões de anos-luz da Via Láctea. Entre as duas ficava o vazio do espaço intercósmico — um verdadeiro abismo entre as ilhas de estrelas.

Até então nenhuma espaçonave terrana tinha chegado tão longe. O raio luz. Como as naves queriam regressar, ninguém chegara a penetrar mais de trezentos mil anos-luz no deserto sem estrelas. Quando as naves regressavam ao porto de origem depois de uma viagem forçada como esta, suas máquinas tinham de ser transformadas em sucata.

A Crest II, cujos propulsores não estavam preparados para vencer distâncias como esta, encontrava-se a novecentos mil anos-luz de sua Galáxia. Para atingir a nebulosa de Andrômeda, a nave teria de percorrer cerca de quinhentos e cinqüenta mil anos-luz, o que também era impossível.

Atlan só levou alguns minutos para reconhecer a situação desesperadora em que se encontravam.

Icho Tolot contemplou o grande arcônida, ao qual a Humanidade devia tanto. O coronel Cart Rudo recorreu a alguns palavrões de bom quilate usados pelos astronautas. Isso parecia deixá-lo mais aliviado.

— Devemos ser gratos ao senhor, Tolot — disse Atlan em meio ao silêncio. — Se não tivesse acordado imediatamente após a rematerialização e tomado as providências adequadas, a esta hora a Crest estaria jogada ao lado das quatro naves desaparecidas. Este planeta é um posto de extermínio de primeira categoria. Não me olhe desse jeito, Rudo! Todo mundo sabe que possuo um cérebro suplementar, cuja lógica não tem igual.

Tolot deu uma risadinha. Até que tinha igual e até podia ser excedido. Atlan ainda não conhecia o cérebro programador do halutense. Gucky permaneceu em silêncio.

— Esqueça — pediu o gigante. — Fiz o que tinha de ser feito. Acha que os tripulantes das quatro naves estão mortos?

— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — respondeu o lorde-almirante em tom deprimido. — E impossível que tenham escapado a um inferno como este. Afinal, não tinham nenhuma máquina de guerra halutense a bordo.

Tolot inclinou o corpo. Atlan nem desconfiava de quanto o halutense se sentia honrado pelas palavras que ele acabara de proferir.

— Quem dera que não me tivesse aproximado do hexágono de estrelas — resmungou o epsalense. — Deveria ter-me recusado a cumprir a ordem neste sentido. Bem que tive uma sensação desagradável. Não é nada fácil, Tolot, mas não posso deixar de também manifestar-lhe meus agradecimentos. Não me leve a mal a franqueza. Preciso de um tempo para acostumar-me às suas maneiras sinceras. Achava que fosse um tipo duvidoso.

— Infelizmente não deixo de ser. Indiretamente eu os induzi a entrar nesta aventura. Deveria tê-los advertido mais claramente. Meus antepassados costumavam prevenir todo mundo para não se aproximar dos seis sóis.

— Tolice — respondeu o comandante, refutando a auto-inçriminação. Um olhar amável foi lançado para o gigante. — O senhor conhece os terranos, não conhece? Realmente acredita que ainda poderia ter conseguido convencer o Chefe a não fazer o vôo de reconhecimento? Só mesmo se o fuzilasse juntamente com dois mil soldados de primeira linha. Só assim talvez teriam desistido. Não perca os nervos. Preciso muito do senhor. Posso contar com seu apoio total? Esta é minha nave. Sou responsável por ela.

Tolot sentiu-se mais aliviado. Acreditara ter estudo muito bem os humanos, mas viu que subestimara suas qualidades de caráter. Mereciam ser chamados de amigos.

— Cumprirei suas ordens enquanto o Administrador Geral não acordar.

— Naturalmente. Muito obrigado. No momento ainda não sei muito bem o que fazer. Preciso de pelo menos cem homens para pôr isto mais ou menos em ordem. É uma confusão tremenda. Bem, deixe para lá. Tolot, preciso saber o que está acontecendo lá fora. Qual é o jogo? Existe vida por aqui? Em caso afirmativo, quais são as formas de vida e o que querem de nós? Será que pode fazer um reconhecimento?

— Isso já estava nos meus planos. Só quis esperar que o senhor acordasse.

Cart Rudo respirou aliviado. Neste instante a nave foi sacudida por um forte tremor. Nas telas via-se que lá fora o chão se abaulava.

Tolot segurou Atlan. O arcônida ainda estava um pouco debilitado. Era o quinto tremor em trinta minutos.

— Outra vez — disse o epsalense em voz baixa. .— Droga! Há algo de errado por aqui. Está vendo o brilho no horizonte norte? Em que o senhor atirou? Somente nas três pirâmides? Será que também irradiou uma bomba arcônida para provocar um incêndio nuclear?

— Nada disso — respondeu o halutense. — Também não posso explicar por que surgem os deslocamentos do solo. Irei imediatamente. Não, não quero que me ofereça um carro versátil ou voador. Não sabemos praticamente nada sobre as condições reinantes aqui. Prefiro confiar no meu corpo.

— O quê?... Pretende sair correndo? — perguntou o comandante em tom de perplexidade. — Pelos meus cálculos, devemos estar a uns seiscentos quilômetros do pólo.

— Então é questão de seis horas — respondeu o gigante em tom indiferente.

— Respeito, respeito — disse uma voz.

Atlan virou-se abruptamente.

Rhodan já parecia ter acordado há alguns minutos. Foi o primeiro terrano normal a despertar da profunda inconsciência.

Rhodan gemia enquanto se erguia da poltrona anatômica. Lançou um olhar para as telas.

— Deixe para lá — disse, dispensando as explicações que Rudo pretendia fornecer. — Ouvi quase tudo. Então! Aqui estamos, não é? Sempre tive vontade de avançar tão longe no espaço vazio. Infelizmente ainda falta um pouco para chegarmos à nebulosa de Andrômeda.

— Quem me dera que eu tivesse seus nervos — disse o arcônida em tom exaltado. — Não quer prosseguir viagem logo? Talvez com as colunas de apoio quebradas, o líquido hidráulico vazando e as máquinas defeituosas? Meu caro, acho que nossa vez chegou. Os tremores são um sinal bem claro.

Rhodan levantou-se. Ficou de pé com as pernas afastadas, inclinou todo corpo para a frente e procurou combater a tontura. O coronel Rudo aplicou-lhe mais uma injeção estabilizadora.

Rhodan formulou várias perguntas sobre assuntos a respeito dos quais ainda não estava informado. Finalmente olhou para Mory. Seu pulso ainda era fraco. Levaria pelo menos mais uma hora para acordar.

— Mais uma vez os velhos portadores de ativador estão em melhores condições, não é? — ironizou Perry em tom amargo. — Muito bem, vamos aceitar a situação como ela é. Coronel Tudo, faça tudo que estiver ao seu alcance para acordar antes do tempo pelo menos um dos médicos. Aplique um tratamento cavalar. Os homens têm de ficar de pé quanto antes. Tolot, será que poderia levar-me juntamente com Atlan? Nas suas costas. Enquanto isso Rudo assume por aqui. Ou será que você também prefere ficar na nave, arcônida?

O rosto de Atlan ficou vermelho. O terrano magro sorriu.

— Até parece que você já está com vontade de perder os sentidos de novo — disse o lorde-almirante num tom perigosamente suave.

Tolot soltou uma estrondosa gargalhada. Rhodan tapou os ouvidos.

— Eu sabia — disse com um suspiro. — Este velho acha que ainda é jovem, só porque parece. Tudo bem, também não sou muito jovem. Como é, Tolot? Acha que pode carregar dois homens adultos? Não seria preferível tomarmos um carro voador? Conhece este veículo versátil?

O halutense fez um gesto negativo.

— Já os vi mais de uma vez em operação. Não terei nenhuma dificuldade em carregá-los. Será uma honra. Já se sente bastante forte para resistir à prova de fogo?

— Enquanto não formos obrigados a correr a seu lado, agüentaremos. A ação dos medicamentos é muito rápida — disse Atlan. — Daqui a meia hora estaremos em perfeita forma. Antes de mais nada gostaria de ver as quatro espaçonaves.

Rhodan confirmou com um gesto. Atlan, que foi quem melhor conseguia atravessar a camuflagem psicológica do amigo, percebeu que este se sentia martirizado pelo nervosismo. Mais uma vez Rhodan se mostrava muito confidente.

— Os mutantes devem estar todos fora de ação, não é mesmo? — perguntou.

— Estão — confirmou Rudo. — Seus cérebros e nervos supersensíveis ficaram bastante afetados.

— Que pena. Bem que Gucky poderia ser-me útil. Vamos cuidar do médico-chefe, o Dr. Artur. Enquanto não tiver certeza de que está em forma e é capaz de ajudar os outros, nenhuma força da Galáxia me tira desta nave. Rudo, no momento o senhor está condenado à inatividade. Ou será que acredita que pode fazer os reparos sozinho?

Os músculos faciais do epsalense tremeram. Até parecia que estava com vontade de chorar.

— Pois então. Providencie o equipamento para Atlan e para mim. Trajes de combate pesados, capacetes dobráveis para qualquer eventualidade, instalações de climatização, isolamento de alta potência à prova de pressão, mochila mecânica, armas térmicas.

— Equipamento de vôo?

Rhodan hesitou, mas Tolot interveio prontamente.

— Não convém, senhor. Já formei uma teoria sobre a luminosidade que aparece no horizonte. O funcionamento de seus trajes voadores depende de um micro-conjunto, não depende?

Rhodan fez que sim.

— Pois nesse caso peço-lhe que dispense estes conjuntos fáceis de serem localizados por um goniômetro e altamente suscetíveis a interferências. Por isso mesmo prefiro não usar um carro voador. Quando tivermos descoberto o que está acontecendo no pólo, ainda poderemos voar. Não chamo tanto a atenção, sou mais difícil de localizar e desenvolvo velocidade bastante para evitar qualquer perigo. Peço-lhes que confiem em meu corpo.

— Ele não está pedindo demais — disse Atlan em tom irônico. — Vamos seguir seu conselho.

Cart Rudo apresentou as análises automáticas sobre as condições reinantes na superfície do planeta.

Estas análises revelavam que o mesmo possuía uma atmosfera de oxigênio bastante rarefeita, que mal e mal era respirável. A gravitação era de 0,76 gravos. Toda a superfície do planeta era desértica. Não se descobrira água em nenhum lugar. O tempo de rotação era de exatamente trinta horas. As estações do ano não existiam.

Atlan deu uma risada aborrecida.

— Foi o que eu disse: é um mundo infernal. Ficaria admirado se neste sistema solar artificialmente instalado todos os oito planetas não apresentassem as mesmas condições.

— Instalado é bem o termo — disse Rhodan em tom pensativo. — Mas onde estão os instaladores? Sabe lá que gente deve ser esta? Em comparação com eles somos apenas miseráveis principiantes. Inclusive o povo a que pertence o senhor, Tolot.

O halutense inclinou a cabeça. Só então Rhodan percebeu que a cabeça, que parecia estar diretamente ligada aos ombros gigantescos, na verdade descansava sobre um pescoço móvel. A natureza tinha sido bastante pródiga com essa criatura que parecia um monstro. Tudo preenchia alguma finalidade, era bastante prático, livre de defeitos e bem estruturado em seu conjunto. Provavelmente um povo teria de passar por uma evolução de centenas de milhares de anos para atingir o mesmo estágio de perfeição dos halutenses. A arte era sobreviver até que o povo atingisse o máximo proporcionado pela natureza. A Humanidade, por exemplo, por pouco não se exterminou numa guerra atômica, numa época em que ainda era bem mais primitiva que no ano 2400.

A tecnologia, aperfeiçoada com o aumento da inteligência, parecia ser, segundo a vontade do Criador, uma prova difícil de ser superada no caminho da maturidade.

Quando voltou a olhar para a tela, Rhodan teve de fazer um grande esforço para não perder o autocontrole. O rastreamento de grande alcance só mostrava o espaço vazio. Era deprimente, soberbo e penetrado por um substrato onipresente, que mostrava ao homem que era pequeno e insignificante, apesar da técnica do vôo a velocidades superiores à da luz.

— É perfeito, senhor. Vamos andando?

 

Um monstro corria pelo deserto. Da parte do traje verde-escuro que cobria o pescoço saía uma cabeça semi-esférica negra. Os pés presos a pernas curtas e muito grossas eram cobertas por sapatos especiais com grande capacidade de aderência. As mãos correspondentes aos quatro braços eram a única parte descoberta do corpo.

As garras dos braços de corrida, mais curtos que os outros, com os quais Tolot se transformava num quadrúpede quando assumia a posição de salto, espalhavam pelo ar a areia e a pedra. Os dedos, que se tinham tornado duros que nem diamante em virtude da condensação de sua estrutura, penetravam velozmente no solo.

Os dois braços preênseis e de uso, que eram do comprimento e da grossura do corpo de um terrano, raramente tocavam o chão com as mãos. Mas sempre que se tornava necessário saltar sobre um desfiladeiro de cinqüenta metros de largura, os mesmos ajudavam a dar maior impulso ao corpo titânico.

Rhodan e Atlan estavam sentados nos ombros do halutense. Estavam agarrados às abaulações encontradas nas soldas do traje de combate. Cada um deles colocara uma perna em torno do pescoço do gigante, para encontrar um apoio mais seguro.

Fazia duas horas que a montanha de aço que formava a Crest tinha desaparecido atrás do horizonte. As comunicações pelo rádio foram interrompidas. Os pequenos rádios de pulso não eram capazes de atravessar as frentes de dispersão vindas do pólo norte.

O coronel Rudo seguiu as instruções, abstendo-se de transmitir mensagens pelos potentes transmissores da nave. Rhodan queria que a descoberta da mesma fosse retardada o mais possível.

Icho Tolot mantinha uma velocidade constante de cem quilômetros por hora. Nenhum veículo de superfície, mesmo que fosse dotado de colchões energéticos do tipo mais moderno, teria sido capaz de superar os acidentes que por vezes surgiam de repente com a mesma rapidez e segurança do gigante halutense.

Corria em disparada pela paisagem desolada como se estivesse empenhado em quebrar todos os recordes de velocidade dos povos galácticos. Provavelmente era isso mesmo que estava fazendo.

Uma hora depois da partida os tremores de terra observados há algum tempo começavam a tornar-se cada vez mais freqüentes e fortes. Uma coluna de energia vermelho-alaranjada apareceu sobre o pólo sul e penetrou com uma velocidade aproximadamente igual à da luz no espaço intercósmico.

Uma mensagem curta enviada por Rudo aos três companheiros tão diferentes informou-os de que o raio chegara ao espaço situado entre os dois sóis amarelos e desaparecera no interior do campo energético que ali se formara.

A estrela gêmea inchara. Até parecia que queria transformar-se numa nova para fazer explodir tudo ao seu redor com uma fúria terrível.

Depois de tremer um pouco, a coluna de energia estabilizou-se. Fazia uma hora que penetrava no espaço. Depois de seu aparecimento os tremores de terra tornaram-se mais violentos. Um furacão parecia soprar sobre o pólo distante. A visibilidade não era boa.

De vez em quando surgiam de repente fendas no solo, das quais saíam massas de magma viscosa que inundavam o solo.

Em Power havia poucas montanhas. Os numerosos grupos de colinas eram íngremes, mas não muito altos. Parecia tratar-se de um mundo muito antigo, cujos acidentes geológicos tinham sido debastados no curso de milhões de anos.

Icho Tolot já conhecia o fenômeno, que também estava ocorrendo em Halut, seu mundo de origem. Todos os planetas gastos tinham o mesmo aspecto.

A ausência de água era outro sinal de que Power tinha entrado no último estágio. Era estranho que conseguisse reter alguns remanescentes de sua atmosfera.

A posição das quatro espaçonaves que tinham sido avistadas era conhecida. Além do mais tinham sido detectadas por uma sonda enviada ao local. A rota mantida por Tolot corria obliquamente junto ao pólo. Seguia na direção noroeste.

Atlan e Perry mal e mal puderam trocar algumas palavras. Tiveram a impressão de encontrar-se num carro aberto, cuja velocidade provocava um vento tão forte que impedia a conversação.

O halutense corria sem parar. Parecia não saber o que era cansaço. Rhodan começou a compreender por que cinco seres dessa espécie tinham conseguido dizimar um comando de desembarque arcônida.

Depois de quase três horas de corrida incessante, o halutense parou no topo de uma colina. Sua respiração era tão regular como antes. Tolot ainda não tinha necessidade de ativar o segundo coração para ajudar o primeiro. Pôs os longos braços-instrumento para trás, segurou cautelosamente os dois homens pelos quadris e colocou-os no chão. Depois ergueu-se sobre as pernas curtas, cuja enorme capacidade de salto só poderia ser avaliada por quem as visse em atividade.

De repente o elegante projétil vivo parecia novamente monstruoso e desajeitado. Tolot apontou para a frente.

— As naves estão atrás desta cadeia de montanhas. Podemos usar o desfiladeiro que atravessa as mesmas.

— Tem certeza? — perguntou Atlan em tom de dúvida.

Recuou um pouco quando os três olhos da estranha criatura o fitaram. Não se via nenhuma emoção nos mesmos.

— Tenho certeza absoluta. Trago as fotografias aéreas da área na cabeça. A rota que mantive foi correta. Permita que lhe diga que também possuo uma espécie de cérebro suplementar.

Atlan empalideceu. Rhodan passou a mão pelos lábios ressequidos. Finalmente sorriu.

— Era mais ou menos o que eu imaginava — disse. — O senhor é um gênio matemático, Tolot. Faço votos de que o mundo de nosso amigo arcônida não tenha desmoronado com a notícia que o senhor acaba de dar.

Atlan fitou-o com uma expressão furiosa.

— Se você se refere a um mundo de uma arrogante auto-avaliação, posso garantir-lhe que neste ponto não existe nada que possa desmoronar. Há pouco compreendi por que fomos derrotados por cinco halutenses. Tudo bem. O que estamos esperando? O senhor espera encontrar resistência?

Tolot balançou o corpo à maneira de um urso.

— Não — respondeu em tom hesitante. — Se até agora ninguém nos fez nada, daqui em diante também não farão.

O terrano e o arcônida voltaram a subir em seu estranho meio de transporte. Tolot saiu correndo.

Atravessou o desfiladeiro e não parou nem mesmo quando os contornos das quatro espaçonaves apareceram de repente na planície.

Reconhecia-se perfeitamente a Omaron. Era a maior das espaçonaves desaparecidas.

Tolot não deu atenção às palavras berradas por Rhodan. Também achou perfeitamente natural que revistassem em primeiro lugar a nave que chegara por último a Power.

O halutense procurou um abrigo pouco antes de chegar ao gigante esférico de duzentos metros de diâmetro. Olhava atentamente para o cruzador pesado.

A Omaron tinha sido reduzida a destroços! Havia rombos enormes em seu casco. As colunas de apoio tinham-se quebrado com o forte impacto no solo. Os fragmentos estavam espalhando numa grande área do deserto.

A protuberância em que ficavam os propulsores estava esmagada a estibordo. A Omaron oferecia o quadro triste de uma maravilha técnica destruída.

— E possível — é possível que tenham sobrevivido à queda — disse Rhodan com uma voz que de repente se tornara rouca. — Se os neutralizadores de pressão e os campos de compensação estavam funcionando, o impacto não pode ter sido tão forte, mesmo que quem olha de fora tenha a impressão de que no interior da nave tudo deve ter sido destruído.

Atlan ficou em silêncio. Olhou para os outros veículos espaciais. Tratava-se de três cruzadores leves de reconhecimento; um deles pertencia à USO. Seu aspecto não era melhor que o da Omaron. Os cascos estavam abaulados. Apresentavam rombos enormes, que permitiam que se visse o interior das naves.

Tolot pegou os dois homens e voltou a colocá-los sobre os ombros. Não perdeu tempo pedindo permissão para agir desta forma.

Com alguns saltos gigantescos atingiu a Omaron. Estava inclinada para estibordo. A eclusa polar inferior estava fechada. Ao que parecia, ninguém tinha saído do cruzador pesado, com exceção dos dois homens que o halutense Fancan Teik tinha recolhido próximo ao hexágono de sóis.

Provavelmente nunca se poderia reconstituir a maneira pela qual os soldados conseguiram sair com uma espaçonave. Já se sabia que a Omaron tinha sido atingida pelo potentíssimo raio de tração e arrastada para o centro de transmissores. Era possível que antes disso o tenente Coul e o artilheiro Borler já tivessem recebido ordem, por causa da interrupção das comunicações pelo rádio, de voltar num jato espacial que desenvolvia velocidade superior à da luz para restabelecer o contato com Opposite. Era a teoria mais provável.

Rhodan saltou sobre a superfície inclinada da protuberância equatorial. Viam-se as máquinas do cruzador atrás do gigante. Não se via sinal de vida, muito menos havia uma criatura humana à vista.

Rhodan usou seus reduzidos dons telepáticos, resultantes de um treinamento parapsicológico muito intenso, para tentar captar algum modelo de vibração individual. Não conseguiu.

Tolot não precisou de uma lâmpada. Seus olhos enxergavam na escuridão. A guarnição da central de comando secundária número três foi encontrada em primeiro lugar. Era o lugar de onde se fazia o controle dos conversores energéticos e dos sistemas de propulsão números um e dois.

Rhodan parou. Estava bastante abalado. Os homens estavam de pé ou deitados, na mesma posição em que a desmaterialização os surpreendera. Muitos se haviam levantado de suas poltronas anatômicas quando a nave penetrou no transmissor hexagonal. Depois disso caíram ao chão. Ao que tudo indicava, também tinham sofrido um ataque de loucura.

Segundo parecia, não tinham recuperado a consciência depois da rematerialização ocorrida no transmissor dos sóis gêmeos. Mas naquele momento ainda deviam estar vivos, tal qual a tripulação da Crest.

Os soldados da Omaron estavam inconscientes quando foram arrastados pelo raio vindo de Power e a seguir tinham sido colocados no solo de forma pouco suave. Mesmo no momento do impacto ainda deviam estar vivos pelo menos aqueles que não se tinham levantado de suas poltronas anatômicas.

Sem dúvida o dispositivo automático de alta capacidade da Omaron pudera reduzir consideravelmente o impacto: Os controles dos propulsores ainda estavam na marca correspondente à plena carga. Tinham trabalhado para neutralizar o raio de tração.

Tolot inclinou-se sobre um dos cadáveres. Parecia estar vendo o rosto de uma múmia. O corpo estava completamente ressequido. Todo o líquido parecia ter sido retirado do mesmo.

Atlan participou das buscas. Ninguém disse uma palavra. Rhodan ficou parado junto à parede e passou os olhos pela central secundária. Teve a impressão de que nos outros setores do cruzador pesado o quadro não seria menos desagradável.

Mais uma vez a paisagem extensa foi sacudida por um forte tremor. Os destroços tinham descido a apenas quatrocentos quilômetros do pólo norte, onde se originavam os tremores.

Atlan levantou-se.

— Estão mumificados; todos eles — disse em tom deprimido. — Sem dúvida o ar seco e poeirento deste planeta é capaz de secar um cadáver, mas não em alguns dias. A Omaron chegou pouco antes de nós. E não há a menor dúvida de que no momento do pouso forçado os homens ainda estavam vivos. Só tinham ficado inconscientes. O que ou quem os fez secar?

— Isso é uma loucura! — disse Rhodan em tom áspero. — Durante o pouso forçado devem ter sofrido ferimentos num órgão interno, que causaram sua morte.

— Não senhor — objetou Tolot. — Ainda estavam vivos. Alguma coisa os matou. Acho que deveríamos levar pelo menos um dos mortos para a Crest. Devemos fazer a autópsia.

Rhodan fez um gesto de recusa.

— Por enquanto vamos deixá-los onde estão. Mais tarde enviarei um comando de salvamento. Só sei que, se não fosse sua ação instantânea, a esta hora também estaríamos mumificados. Este planeta é uma armadilha da morte. Deve ser uma estação de interceptação que destrói implacavelmente qualquer criatura que utilize o transmissor hexagonal sem estar autorizado. Tolot, devemos ser-lhe gratos por ter salvo nossa vida.

O halutense ficou em silêncio. Teve pena do terrano magro que certamente estava lutando para não perder o autocontrole. Perry Rhodan não era um daqueles estadistas que estão dispostos a sacrificar vidas humanas em virtude de considerações políticas ou estratégicas.

Penetraram mais profundamente na nave. À medida que avançavam, as avarias eram menores. A central esférica interna estava intacta. Só os instrumentos mais frágeis se tinham quebrado. Mas mesmo neste lugar foram descobertos corpos mumificados.

Depois de duas horas saíram da Omaron. O sol gêmeo estava desaparecendo atrás do horizonte, mergulhando a paisagem numa luz vermelha como sangue.

A nave tinha pousado bem ao norte. Em virtude da posição do eixo polar, ali nunca escurecia de vez. A aura do sol amarelo Gêmeos ainda sobressaía sobre a linha do horizonte. A nave entrou numa área de penumbra.

Atlan soltou um grito alarmado. Estava muito nervoso e apontava para o norte.

O raio energético alaranjado continuava suspenso sobre o pólo não muito distante. Mas tinha-se reforçado tanto que parecia uma gigantesca coluna atômica em cujo interior pedaços de matéria cujos contornos só se reconheciam vagamente eram arrastados.

Rhodan olhou para o relógio. Só fazia cinco horas que tinham saído. A tripulação da Crest já devia estar de pé. Provavelmente a nave tinha o aspecto de uma fortaleza.

Perry preferiu não usar o rádio. Provavelmente não conseguiria mesmo estabelecer contato. Tinham resolvido não usar as ondas hipercurtas.

— Tolot, acha que está em condições de carregar-nos até o pólo e em seguida voltar à nave? Seriam cerca de novecentos quilômetros.

— Confie em mim. Peço licença por alguns minutos. Preciso reforçar minhas reservas de energia.

Viram o halutense colocar pedaços de rocha na boca e triturá-los com os dentes que antes pareciam uma moenda. Rhodan virou a cabeça, apavorado.

— Que coisa horrível — cochichou Atlan. — Olhe só. Deve ser um conversor de matéria. Tenho certeza de que a partir de rocha ele fabrica todas as substâncias de que precisa para seu metabolismo.

— Por que não procurou os depósitos de mantimentos da Omaron? Afinal, os mesmos estão cheios.

Atlan tentou encontrar uma explicação.

— Certamente não depende das substâncias animais ou vegetais. É um conversor de matéria vivo. Afinal, também criamos com nossas máquinas modernas as matérias primas mais valiosas, a partir do barro. Isso é feito por meio da conversão atômica controlada. Não lhe faça nenhuma pergunta sobre isso. As concepções de honra dos halutenses parecem ser muito estranhas.

O estrondo cessou. Tolot terminara sua refeição. Novas energias animavam seu corpo. Seu conversor orgânico de matéria começou a trabalhar imediatamente. Os minerais e resíduos existentes na rocha foram separados das substâncias menos preciosas.

Icho Tolot percebeu o embaraço dos homens.

— Queiram desculpar — disse em tom objetivo, sem a menor ênfase. — Sei que produzi um efeito repugnante nos senhores. Esta forma de ingestão de alimentos é apenas um recurso de emergência. Também apreciamos as substâncias orgânicas, mas podemos passar muito tempo sem elas. Não pensem que em Halut só se comem rochas. Possuímos plantas ricas em vitaminas de várias espécies e provavelmente o melhor gado de corte da Galáxia se encontra em nosso planeta.

Tolot deu uma risada. A expressão do rosto dos amigos o divertia.

Finalmente o halutense prosseguiu em sua corrida, levando nas costas dois homens que não tiravam os olhos da coluna energética ofuscante. Os abalos sísmicos eram cada vez mais fortes. Até parecia que o planeta Power iria estourar.

 

Icho Tolot teve de correr menos de quatrocentos quilômetros para chegar ao pólo norte.

Depois de cerca de trezentos quilômetros entrou na zona de desmaterialização. Até então ninguém era capaz de imaginar o que acontecia em Power. E agora três seres inteligentes, um dos quais natural da Terra, estavam vendo. Eram todos filhos da mesma galáxia, o que estabelecia uma forte ligação entre eles.

O deserto polar estava transformado numa cratera gigante de duzentos quilômetros de diâmetro, da qual saía uma enorme coluna energética para desaparecer no espaço. O oitavo planeta do sol Gêmeos, que era o menor, estava se dissolvendo. Era o fenômeno mais incrível; nem mesmo o halutense, que estava acostumado a muita coisa, tinha visto coisa igual.

A coluna vermelho-alaranjada era um raio transportador, onde eram pulverizados e arremessados para o espaço milhões de toneladas de matéria planetária. O sol Gêmeos parecia uma nova. Sem dúvida a matéria recebida era desfeita em seu transmissor de desmaterialização e enviada para as misteriosas profundezas do Universo.

Era possível que em outra parte surgisse um novo planeta, exatamente igual ao mundo chamado Power.

A medida que se aproximavam do pólo, a tempestade tornava-se mais violenta. Naquela altura já se transformara num verdadeiro furacão.

O solo ia desmoronando na borda do funil de desmaterialização. Quantidades incríveis de matéria escorregavam, desapareciam no abismo que já tinha alguns quilômetros de profundidade e eram dissolvidas. Parecia ser um processo de gaseificação atômico ou semi-atômico, que sob o aspecto energético ainda apresentava as características de um fenômeno ocorrido na quarta dimensão. A desmaterialização levada a efeito na quinta dimensão só se verificava no centro de concentração do transmissor solar.

Icho Tolot segurou os dois homens. O furacão era cada vez mais forte. Tolot era o único que conseguia comunicar-se. As vozes de Atlan e Perry não conseguiam superar o uivo da tempestade e o estrondo do funil de dissolução.

O cérebro programador de Tolot fazia cálculos febris. O que tinha acontecido? Tinha certeza absoluta de não ter causado um incêndio atômico artificial.

Tecnicamente os canhões energéticos e os desintegradores não estavam em condições de causar tamanha destruição num mundo como este.

Certamente surgira um processo ligado à explosão das pirâmides. O cérebro programador de Tolot apurou com uma segurança de cem por cento que essas construções eram apenas transmissores de matéria destinados ao transporte de mercadorias de todas as espécies a velocidades superiores à da luz. Provavelmente tratava-se de estações intermediárias entre o gigantesco mecanismo solar e as estações situadas nos outros sete planetas pertencentes ao sistema de Gêmeos.

Mas as três pirâmides serviam antes de mais nada como armas. Cabia-lhes sugar naves estranhas que penetrassem no sistema sem autorização, fazê-las descer em Power e destruí-las depois de mais um teste.

O sistema realmente era uma armadilha da morte. Parecia ser o primeiro obstáculo na estrada de Andrômeda.

Mas as pirâmides acabaram sendo destruídas pela força das armas. O pólo transformara-se num inferno incandescente em ebulição, em cujo interior as temperaturas chegavam a milhões de graus.

Certamente as energias térmicas tinham atacado os mecanismos e os depósitos cheios de substâncias altamente reativas, situados em baixo das pirâmides. Um sol artificial surgira no local, sol este que em virtude das peculiaridades dos combustíveis nucleares ali armazenados dera origem à um ciclo de instabilidade no intercâmbio energético. Só assim se explicava o processo de autodestruição iniciado no planeta.

Tolot já enxergava as coisas com maior clareza. Rhodan e o lorde-almirante ainda se entregavam a conjeturas.

Perry ergueu-se, pois queria rastejar para mais perto da cratera. De repente o halutense levantou sua arma versátil superpesada.

Rhodan abrigou-se. Um raio térmico da grossura de um braço humano rugiu perto dele, rompeu a muralha de areia e pedras feita pela tempestade e cem metros adiante atingiu a face de uma máquina.

Tolot deu um grito de alerta. Atlan e Rhodan também pegaram suas armas.

Lá adiante explodiu uma figura chata, em forma de tartaruga, cuja superfície era enfeitada por algumas corcovas. Não havia dúvida de que se tratava de uma máquina.

De repente estas figuras apareceram em toda parte. Seus formatos eram os mais diferentes. Algumas rolavam sobre esteira, outras em cilindros muito largos que lhes permitiam passar por cima de qualquer obstáculo. Quase todas eram achatadas e alongadas, por vezes elipsóides ou redondas.

Saíram velozmente das nuvens de areia, rolavam ou deslizavam que nem planadores que se deslocassem sobre um campo energético até a borda do funil e iniciaram uma estranha atividade.

Atlan também abriu fogo. O ruído provocado por sua arma energética era abafado pelo furacão. Tolot puxou os amigos uns cinqüenta metros para trás. De repente o chão cedeu. Uma avalanche gigantesca de areia e pedra precipitou-se no funil, onde imediatamente foi atingida pela base do raio energético vermelho-alaranjado, para ser pulverizada e arremessada no espaço.

Várias máquinas também tinham caído. Explodiam dentro do funil, no interior de línguas de fogo ofuscantes.

Outros robôs recuaram antes que fosse tarde. Trilhas de raios azul-pálidos saíam de seus corpos. Essas trilhas eram abertas em leque, assemelhando-se às pérolas de água despejadas por um aparelho de irrigação.

De repente Rhodan e Atlan compreenderam o que as máquinas incansáveis pretendiam fazer. Tolot já fizera a interpretação lógica dos fatos.

— São os bombeiros atômicos — berrou o gigante. — Reagem às intensas hiperradiações da coluna de fogo. Querem apagar o incêndio. Ao menos acreditam que se trata de um incêndio. Cuidado, daqui a pouco a borda do funil vai desabar de novo. O terreno está sendo escavado por trás. Vamos embora.

Dispararam mais alguns tiros, destruindo os robôs que saíam das brumas atrás deles, fechando-lhes o caminho, e fugiram.

Rhodan sentia-se muito preocupado. Quanto tempo levaria o estranho incêndio para atingir a Crest? A nave continuava no deserto, a menos de seiscentos quilômetros do local do desastre, e não estava em condições de decolar. Não — com a rápida expansão do funil a distância tinha sido reduzida para quinhentos quilômetros. Talvez até fosse menor.

— Mais depressa — gritou Perry para o halutense, que corria que nem um louco. — Mais depressa, Tolot, senão estamos perdidos.

 

O major Kinser Wholey, um homem que gostava de rir e praguejar, estava praguejando. Abriu todo o volume e esforçou-se para distinguir uma voz humana em meio aos uivos e apitos que saíam dos alto-falantes.

O rosto escuro de Wholey ainda não perdera a tonalidade cinza. Fora despertado do choque por meio de remédios de ação violenta.

Logo acima da central de rádio uma bateria de canhões térmicos pesados do setor verde disparava suas salvas. As trilhas de calor seriam suficientes para gaseificar uma lua não muito grande. Não era de admirar que Wholey praguejasse contra o comando da nave e o primeiro oficial de artilharia.

A Crest II parecia uma montanha de aço que cuspisse fogo. Fazia quatro horas que as máquinas-robô que investiam contra a nave, algumas delas maiores que uma residência unifamiliar terrana, tinham aparecido pela primeira vez.

Era estranho, mas seus feixes de raios atravessavam os campos energéticos da Crest e produziam efeitos prejudiciais nas células nervosas dos homens, que já estavam bastante atacadas.

Mory Rhodan-Abro, que assumira o comando, deu ordem para que os canhões atirassem em qualquer coisa que apresentasse um brilho metálico.

Bem ao longe, no lugar em que o deserto fervia, lançando bolhas, surgira um monte de destroços circular. Ao que parecia, o planeta possuía reservas inesgotáveis de robôs de todas as espécies.

As máquinas não usaram outras armas além dos emissores de raios azuis. Mas a cintilância destes raios bastava para desgastar ainda mais os homens já bastante cansados.

Wholey sentia dores de cabeça alucinantes, para as quais parecia não haver remédio. Para tranqüilizar a tripulação, o médico-chefe, Dr. Artur, anunciara que os raios só atacavam certos vestígios minerais existentes nas células. Não ocorria nenhum dano orgânico propriamente dito. Até parecia que a informação podia servir para tranqüilizara tripulação!

— Assuma meu lugar, Fedderer — gritou Wholey para um tenente. — Vou à sala de comando.

O homem de pele escura que desempenhava as funções de chefe da equipe de rádio-operadores, que era um terrano natural do estado federado da África, levantou-se e saiu correndo em direção à escotilha aberta da ligação gravitacional direta. No mesmo instante uma voz potente saiu dos alto-falantes do sistema de intercomunicação. Era o coronel Cart Rudo.

— Que diabo, Wholey! Onde foi que o senhor se meteu?

Kinser correu de volta para seu lugar e colocou-se à frente da objetiva.

— Estava de saída para procurá-lo, senhor. Será que o fogo não pode ser reduzido? Pelo menos na quarta bateria do setor verde? Eles acabam nos deixando loucos.

Rudo deu uma risada sem graça.

— Não diga! Sabe lá como nós nos sentimos? Se alguém não nos disser logo como devemos fazer para espantar os robôs, realmente ficaremos loucos. Entre em contato com o Chefe. Use o hipertransmissor. A partir deste momento fica revogada a proibição de usar o mesmo. Comunique-lhe o que está acontecendo por aqui e solicite instruções.

Antes que Rudo terminasse de falar, dois rádio-operadores já estavam mexendo nos controles. No momento em que Wholey encostava o microfone à boca, novas ondas de robôs apareceram. Viu-se uma ligeira luminosidade nos campos defensivos da Crest. Foi o único sinal de defesa esboçado pelos mesmos. Mais uma vez a nave foi envolvida por uma salva de raios. Kinser teve a impressão de que sua cabeça iria estourar.

Nem podiam pensar em fugir. A Crest não estava em condições de decolar. Noventa por cento dos tripulantes estavam trabalhando nos reparos. Demoraria pelo menos quarenta e oito horas até que os técnicos pudessem liberar a nave.

O major Wholey transmitiu o primeiro pedido de socorro. Naquele momento pouco lhe importava que alguém pudesse fazer a determinação goniométrica da posição da Crest ou não. Rhodan e Atlan precisavam voltar para bordo quanto antes. E, é claro, também o halutense.

— Crest chamando grupo de reconhecimento — Crest chamando grupo de reconhecimento — transmitia ininterruptamente. — Utilize o hipertransmissor. A nave foi descoberta e está sendo atacada. Repito...!

Depois que a mensagem tinha sido repetida quatro vezes, os alto-falantes berraram. O tenente Fedderer praguejou enquanto corria para perto do botão do volume. Perry Rhodan estava no aparelho. Wholey respirou aliviado.

— Rhodan chamando Crest. Quase não consigo entendê-lo. As hiperondas estão sofrendo alguma interferência. Chegaremos dentro de uma hora, aproximadamente. O que aconteceu? Dê as informações.

Wholey fez um relato do ataque de robôs. Rhodan só fez uma pergunta. Estava compreendendo. Eram as mesmas máquinas que tinham aparecido no pólo. Não era difícil destruí-las, mas constantemente apareciam outras.

— Quer dizer que sente dores de cabeça cada vez mais fortes?

— São quase insuportáveis, senhor — disse o chefe da equipe de rádio com um gemido. — Tentamos fazer subir a Crest com os propulsores que continuam em boas condições. Não conseguimos. O empuxo é suficiente, mas não conseguimos estabilizar a nave. Além disso, os neutralizadores de pressão não estavam funcionando. Parece que querem pegar, ficam gaguejando e é só. Não conseguimos proteger a massa da nave contra a gravitação do planeta. Do contrário poderíamos subir com os propulsores que nos restam.

— Isso não adiantaria muito. Não me prepare outro pouso forçado. Diga a Rudo que deve prosseguir nas operações de defesa. Iremos para aí. Outra coisa. O pólo foi transformado numa cratera gigantesca! Power começou a dissolver-se. A matéria é arremessada para o espaço e sofre um processo de desmaterialização entre dois sóis.

— Era só o que faltava — disse Wholey. — A propósito. Sua esposa está passando bem, senhor, mas Gucky e os outros mutantes ainda estão inconscientes.

— Obrigado. Mais alguma coisa?

Wholey desligou. Sentia-se mais tranqüilo.

— Já viram um homem curioso? Não...? Pois olhem para mim. Estou ardendo de curiosidade para saber como Rhodan sairá desta armadilha.

 

Icho Tolot levou cerca de cinco horas para percorrer os quinhentos quilômetros que separavam a borda do funil do lugar em que estava a Crest. No entanto, Rhodan teve de registrar com muita preocupação que o gigante começava a ficar cansado. Felizmente a silhueta gigantesca da nave-capitânea da frota já estava aparecendo na linha do horizonte. Estava cada vez mais claro.

No pólo a coluna de energia chamejante continuava a erguer-se para o céu sem estrelas do mundo desértico. Os dois sóis amarelos pareciam inchar cada vez mais. Encontravam-se além da curvatura do planeta e no local em que estava a nave devia ser noite, mas as línguas de fogo provocadas pelas tremendas descargas de gases passavam por cima da linha do horizonte, inundando a paisagem convulsa com torrentes de luz cor de sangue.

Pouco antes de os homens avistarem a Crest, Tolot constatou a presença de uma segunda fonte de luz, que surgia no lugar em que tinha pousado o couraçado. Só depois da troca de hipermensagens os homens descobriram que a luminosidade era provocada pelos robôs que se desmanchavam em fogo.

Tolot descansou dez minutos, renovou suas reservas de energia e prosseguiu em sua corrida. Só atingia noventa quilômetros por hora, quando antes tinha atravessado o deserto à velocidade de cento e dez quilômetros.

O halutense parou de novo. O segundo coração apoiava as funções metabólicas do organismo. Aos poucos o halutense começou a sentir o peso de Rhodan e Atlan.

Perry pôs-se de pé nas costas do gigante e olhou para o círculo chamejante de matéria derretida. Apesar do vento que soprava cada vez mais forte, ouvia-se perfeitamente o rugido dos canhões.

A Crest parecia um monstro que cuspia fogo para defender-se desesperadamente contra inúmeros atacantes.

— Que belo fogo de artifício — disse Atlan com um humor fúnebre. — De onde vêm todas essas máquinas? O anel de fogo tem pelo menos quatro quilômetros de largura. Será que o senhor consegue atravessá-lo, Tolot?

— Sem dúvida. Mas os senhores seriam carbonizados.

Atlan engoliu em seco. Teve a impressão de que havia um brilho irônico nos olhos vermelhos do gigante.

— Diga a Rudo que envie um carro voador — pediu Perry.

O pensamento do halutense foi mais rápido e lógico.

— O senhor se esqueceu de que Wholey disse que as máquinas antigravitacionais não estão pegando? É preferível não usar os carros voadores.

— Dro...!

Perry mordeu os lábios.

— Acho que encontrei a solução — disse Tolot com a maior calma. — Parece que os robôs reagem aos campos hiperenergéticos de grande intensidade. Isto explicaria suas tentativas desesperadas de apagar o fogo no pólo. Rudo deveria fazer uma experiência, desligando as máquinas e os campos defensivos alimentados por unidades geradoras hiperenergéticas. Se depois disso os robôs continuarem a atacar, o jogo estará perdido. Neste caso só lhe restaria fazer sair os barcos auxiliares e encontrar um meio de fazê-los decolar exclusivamente pela força, de suas máquinas, sem o apoio dos campos antigravitacionais.

— Será que o senhor acredita que para os robôs a Crest é um segundo foco de incêndio, somente porque suas máquinas que funcionam com hiperenergia estão ligadas? — perguntou Rhodan.

— Isso mesmo, senhor. É claro que posso estar enganado. Mas segundo a interpretação realizada por meu cérebro a solução é esta.

O Administrador Geral encostou o minicomunicador aos lábios. Rudo respondeu imediatamente. Apesar da distância reduzida havia fortes interferências.

— O quê? — gritou o epsalense em tom apavorado. — Quer que desligue os campos defensivos? Isso seria suicídio, senhor.

— Diga o que eu mando. Ou será que não está com dor de cabeça?

— O senhor será responsável pelo que acontecer.

— É claro que assumo a responsabilidade.

— Sua esposa não concorda — disse Rudo, fazendo mais uma tentativa de mudar a opinião de Rhodan.

— É mesmo? Acontece que eu sou a favor. Vamos, desligue tudo que funciona com base em hiperenergia.

Dali a um minuto os campos defensivos luminosos da Crest se encolheram. O fogo cerrado dos canhões cessou. O silêncio passou a reinar de repente. O único ruído que se ouvia era o borbulhar da rocha liquefeita. Nuvens de gases cor de sangue subiam da superfície, eram atingidas pela tempestade e tangidas para longe.

— Está vendo? — disse Tolot dali a mais dois minutos. Rhodan olhava para o deserto com uma expressão de enlevo.

Milhares de máquinas robotizadas permaneciam imóveis junto ao círculo da morte. Os últimos feixes de raios azuis desapareceram. Depois de algum tempo as máquinas aceleraram e desapareceram em alta velocidade em meio às brumas. Seguiram em direção ao pólo.

Atlan ficou estupefato. Fitou o halutense como se o visse pela primeira vez.

Rudo voltou a chamar. Era a perplexidade em pessoa.

— Estes... estes monstros desapareceram, senhor — gaguejou. — Será que estavam sendo atraídos por nossos campos hiperenergéticos?

— Ainda bem que o senhor também já percebeu, meu chapa — respondeu Rhodan. — Poderia ter a gentileza de mandar um carro voador para recolher três homens cansados? Pode...? Que beleza! Muito obrigado, coronel.

Atlan sorriu. Sempre que começava a falar desse jeito Rhodan encontrava-se próximo à exaustão ou então estava apenas começando. Dependia das circunstâncias.

O carro voador pousou. Tolot deitou na plataforma de carga. Atlan e Perry entraram. Dali a pouco chegaram à eclusa da nave.

Os oficiais e cientistas mais importantes da Crest II tinham-se reunido no hangar. Rhodan fitou os rostos marcados pelas canseiras das últimas horas. Mory era a única que parecia descansada, dando a impressão de que nada tinha acontecido.

Perry beijou-a. Os dois só precisavam de um olhar para comunicar-se.

— Quer dizer que ainda levarão quarenta e oito honras para colocar a nave em condições de decolar? — perguntou Rhodan, dirigindo-se ao engenheiro-chefe, o Dr. Bert Hefrich. — Não é possível antes?

— O dia de Power tem trinta horas, senhor. Se estas trinta horas não forem suficientes, aproveitaremos a noite e a pausa do almoço — declarou o engenheiro-chefe com grande sutileza.

Rhodan acenou com a cabeça. Parecia muito sério.

— Não esqueça a pausa do lanche. Mas, falando sério, não existe um meio de apressar os reparos?

— Já lançamos mão de todos os recursos disponíveis — respondeu o Dr. Hefrich, recusando o pedido do Chefe. — Ainda devo acrescentar que em quarenta e oito horas a nave só estará parcialmente reparada. Sinto muito, senhor.

Rhodan sabia que Hefrich era um homem muito competente, que já tinha tomado todas as providências possíveis. Seria inútil continuar a insistir.

— Bem, neste caso devemos conformar-nos. Coronel Rudo, prepare os barcos auxiliares. Destaque comandos de robôs. Se á frente de dissolução chegar aqui antes que possamos deslocar a Crest para o sul, então só nos restará morder a maçã azeda. Intendente-chefe...

O major Curt Bernard adiantou-se. Seu cabelo louro muito ralo estava desgrenhado. A miopia o fazia piscar com os olhos. Plantou seu corpo robusto à frente do Administrador-Geral. As faces com bordas vermelhas tremiam. Sempre que era obrigado a ficar em posição de sentido, parecia-se com um pingüim desajeitado. Era um paisano incorrigível que tinha duas mãos esquerdas, conforme certa vez dissera o colérico imediato.

Outra peculiaridade de Bernard era uma vontade enervante de ensinar os outros, que já havia levado muitos oficiais astronautas à beira do desespero. Toda vez que um colega se mostrava enfurecido, Bernard tentava encontrar uma explicação psicológica para seu comportamento. A bordo da nave era conhecido pelo apelido de bomba de retardamento, porque demonstrava a tendência de explicar os traços de caráter pouco recomendáveis de outras pessoas com um atraso na puberdade.

— Pois não...? — disse o intendente-chefe, transpirando abundantemente.

— Esvazie seus depósitos. Tire os mantimentos de todos os tipos, medicamentos, vestimentas, tudo que faça parte de seus planos de suprimento. Encha os barcos auxiliares até a borda. Assim pelo menos não teremos de renunciar a todas as amenidades caso sejamos obrigados a fugir.

Bernard piscou com mais força.

— Senhor! — disse em tom insistente, — Se os homens perceberem, haverá uma catástrofe a bordo. Até chego a recear um motim. Seria mais conveniente do ponto de vista psicológico se os barcos só fossem carregados no último instante. Procure compreender, por favor. Penso num estímulo do instinto de autoconservação, na ativação da vontade de agüentar, pelo simples fato de fazermos de conta que nem pensamos em abandonar a Crest.

O major de aspecto pouco militar ergueu os punhos e, sacudindo-os numa tentativa desesperada de convencer, olhou em torno com uma expressão agitada.

— Bomba de retardamento, se não der o fora dentro de um segundo mandarei designá-lo para a tarefa de limpeza dos canhões — berrou o imediato.

O major Curt Bernard retirou-se. Rhodan riu tanto que as lágrimas brotaram em seus olhos. Era a primeira risada gostosa que se ouvia a bordo da Crest depois do pouso forçado.

A bomba de retardamento fugiu pelo corredor mais próximo, colocou cautelosamente um dos pés no campo antigravitacional de um dos elevadores, respirou profundamente e saltou para o poço vazio, tremendo que nem vara verde.

Como sempre, sentiu-se muito aliviado ao notar que esta criação da técnica ainda estava funcionando.

— Um dia isto vai falhar — pensou Bernard. — E então? Cairei. Esta não! Prefiro preparar as naves-girino.

Oitocentos homens, que formavam a elite dos especialistas da frota solar, não deixaram que estes acontecimentos os perturbassem. Trabalhavam ininterruptamente nos reparos dos propulsores.

A apenas algumas centenas de quilômetros de distância erguia-se a coluna chamejante vermelho-amarelada. O planeta Power agonizava. Eles encalharam no abismo que separa as ilhas cósmicas — a 900.000 anos-luz da Terra. Não existia a menor possibilidade de voltar à Terra com a força das próprias máquinas. O raio de ação dos propulsores lineares da Crest II não chegava a este ponto.

 

                                                                                            K. H. Scheer  

 

                      

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