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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A SEGUNDA DAMA / Irving Wallace
A SEGUNDA DAMA / Irving Wallace

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A SEGUNDA DAMA

 

SENTADA ali, ela começou a sentir-se melhor. A provação estava quase no fim.

 

O mobiliário Luís XVI da Sala Oval Amarela fora disposto de outro modo. Ela instalava-se, empertigada, alerta, no meio do sofá listrado, de costas para a janela arqueada e extensão de relvado ao sul, enfrentando pelo menos vinte repórteres femininos e quatro masculinos da Casa Branca, na sua maioria em cadeiras dobráveis, todos impacientes.

Colocara-se entre Nora Judson, sua secretária de Imprensa e amiga, e Laurel Eakins, secretário de entrevistas, o que resultava amparador e confortável. Mas o peso recaíra nela. Desde que se tornara Primeira Dama, apenas concedera quatro conferências de Imprensa em dois anos e meio. Aquela, a instâncias do marido («mais aparições em público podem ser vantajosas para ambos»), era a quinta. Em virtude do seu longo silêncio, a Imprensa comparecera com uma sobrecarga de perguntas.

 

Embora não se houvessem registado soluções de continuidade nos últimos sessenta minutos, as interrogações tinham-se revelado, na sua maioria, fáceis e frívolas. Era verdade que se sujeitava a uma dieta de baixo nível de hidratos de carbono? Tencionava reatar as lições de ténis? Interviria activamente na campanha do marido para as primárias? O Presidente confiava nela e consultava-a em questões de Estado? Que livros lera ultimamente? Tinha uma opinião formada sobre a moda feminina actual? Ladbury, de Londres, continuava a ser o seu costureiro preferido? Qual fora a sua reacção às recentes sondagens públicas que a consideravam a mulher mais popular no mundo de hoje? E assim sucessivamente, sem pausas.

 

Agora, uma mulher corpulenta com sotaque fanhoso do Texas formulava uma pergunta de carácter mais sério:

 

Mrs. Bradford, quanto à notícia de que estará presente na Reunião Internacional das Mulheres em Moscovo, esta semana, antes de acompanhar seu marido à Cimeira de Londres...

 

Sim?

 

... alterou o seu ponto de vista acerca da Emenda à Igualdade de Direitos ou do aborto? E pensa pronunciar-se sobre esses temas na capital soviética?

 

Ela sentiu a secretária de Imprensa agitar-se em desconforto a seu lado, mas ignorou a advertência e declarou:

 

Pretendo discutir os dois assuntos na minha intervenção. Quanto ao meu ponto de vista, não sofreu a mínima alteração. Continuo a acreditar que a igualdade de direitos para as mulheres nos Estados Unidos há muito que devia vigorar, e cada dia que passa recebemos mais manifestações de apoio. No caso do aborto, há muitos pontos a debater por ambas as partes. Fez uma pausa à espera do suspiro de alívio da secretária, ouviu-o e continuou: No entanto, penso que não deve existir legislação alguma contra a sua prática, mas reservar a decisão, individualmente, a cada mulher nessa situação.

 

Referir-se-á a isso em Moscovo?

 

Sem dúvida. Tentarei   igualmente determinar, com base nos dados estatísticos à minha disposição, como pensam as mulheres dos Estados Unidos neste momento, a respeito de ambos os tópicos.

 

Levantou-se outra repórter, alta, de ossos salientes, que se exprimiu com a inflexão bem modulada de Boston:

 

Mrs. Bradford, pode revelar-nos que mais espera discutir na Reunião Internacional das Mulheres?

 

A mulher no mundo do trabalho americano. A mulher nas nossas forças armadas. Enfim, um largo número de tópicos. Quando regressar, apresentarei um relatório minucioso.

 

A editora da secção feminina do New York Times pôs-se de pé por sua vez.

 

Consta que permanecerá três dias em Moscovo. Pode mencionar algumas outras actividades, além das reuniões, a que tenciona dedicar-se?

 

Bem, como se trata da minha primeira visita à União Soviética, espero dispor de tempo para algumas digressões turísticas. Em todo o caso, Nora, aqui presente, está mais familiarizada com o meu programa.

 

Olhou Nora Judson significativamente e esta apressou-se a fazer uso da palavra, de forma fluente e eficiente.

 

Billie Bradford reclinou-se com alívio, pela primeira vez. O dia, em particular a parte da tarde, fora tão activo, que só agora se dava conta do cansaço que a invadia. Sentia-se em desalinho. Baixou os olhos para a camisola de caxemira azul-clara e saia de uma tonalidade mais escura e convenceu-se de que continuavam apresentáveis. Então, devia ser o cabelo. Penteara a longa cabeleira loura para trás, com uma fita de seda em volta do rolo, mas, como sempre, haviam-se desprendido algumas madeixas, que pendiam sobre a fronte. com um gesto característico, tratou de as impelir para a posição conveniente.

 

Nora explicava, em voz firme e clara, o itinerário da Primeira Dama em Moscovo e esta sentia-se-lhe grata. Fingindo prestar atenção às palavras da sua secretária, Billie Bradford deixou o espírito retroceder para o fim da manhã daquele dia crucial e depois avançar ao longo da tarde até ao momento presente. Antes do meio-dia, despachara toda a correspondência pessoal, em especial as cartas destinadas ao pai em Malibu e à irmã mais nova, Kit, explicando-lhes que, após a viagem a Moscovo e antes da partida para Londres, teria de permanecer um dia em Los Angeles, oportunidade que aproveitaria para os visitar.

 

A seguir, entrara na panela de pressão. Houvera um longo almoço na Sala de Jantar da Família oferecido às mulheres dos dirigentes da maioria e minoria no Senado e Casa de Representantes, assim como às de vários chefes de comissões importantes. Depois, recebera os vencedores de um concurso de pintura patrocinado por uma associação nacional de deficientes, após o que o próprio Ladbury, acabado de chegar de Londres, aparecera para a prova preliminar dos vestidos que ela esperava usar na União Soviética e Inglaterra. Sem uma pausa, auxiliada pela criada pessoal, Sarah Keating, imergira na busca de um velho livro de recortes dos tempos da universidade de que Guy Parker necessitava para fonte de consulta da autobiografia que escrevia em seu nome. Logo em seguida, descera a escada apressadamente e dirigira-se ao Jardim das Rosas. Fazia uma tarde de Agosto cálida e, no ambiente aprazível, recebera a delegação das Escuteiras e respectivas chefes, no intuito de distribuir


os prémios às que haviam prestado serviços notáveis à comunidade.

 

Com menos de cinco minutos disponíveis, acompanhara Nora à Sala Oval Amarela do primeiro piso, onde os representantes da Imprensa tomavam chá, enquanto a aguardavam.

 

E agora, decorrida mais de uma hora, tinha consciência de que a conferência de Imprensa chegara ao fim. Nora e Laurel encontravam-se de pé, ladeando-a, e ela ergueu-se do sofá com prontidão para murmurar palavras de agradecimento aos presentes e despedir-se.

 

Quando a sala se esvaziou, Billie pemaneceu de pé, sem energia. O sorriso formal, longamente congelado nas feições pálidas clássicas, converteu-se numa expressão rígida. O dia crucial chegara ao fim, mas faltava ainda uma coisa.

 

Havia um derradeiro acto a efectuar.

Empertigando-se, abandonou a sala só, seguiu pelo extenso corredor em direcção ao elevador e entrou na cabina.

 

Minutos depois, encontrava-se na Ala Oeste, rumo à Sala do Gabinete. Embora raramente se sentisse apreensiva ou nervosa, acudiam-lhe ambas as emoções naquele momento. O espaçoso aposento cheirava a couro e fumo de charuto. Como previra, eles achavam-se lá, os cinco, sentados na extremidade mais próxima da mesa de mogno, olhos ainda cravados nos écrans dos dois monitores de televisão, os quais apresentavam imagens da Sala Oval Amarela que ela acabava de abandonar.

 

O mais corpulento do grupo, de tronco maciço como um barril, general Ivan Petrov, chefe do KGB, pôs-se de pé imediatamente, com um sorriso de satisfação no largo rosto eslavo.

 

Ah, Vera Vavilova!Acercou-se dela e beijou-a nas faces com formalidade. Foi extraordinária, minha amiga. Uma interpretação sem a míniima falha. Os meus parabéns!

 

Atrás dele, os outros o coronel Zhuk, Alex Razin e dois homens que não conhecia tinham-se levantado igualmente para a felicitar.

 

Obrigada articulou ela, sentindo o coração voltar a palpitar normalmente. Muito obrigada.

 

Terminou, pois, o ensaio geral volveu o general Petrov. Fez uma pausa para a observar com curiosidade. Pensa que está preparada?

 

Creio que sim foi a resposta firme.

 

Muito bem. Ele pegou no boné. Vamos ao Kremlin informar o Primeiro-Ministro.

 

Quando saíram da Sala do Gabinete, ela seguiu-os e acompanhou-os com o olhar, enquanto entravam na limusina e abandonavam a falsa Casa Branca, atravessando o portão no muro elevado, aberto por guardas do KGB. Olhando através do espaço, avistou as distantes cúpulas e agulhas douradas no interior do Kremlin e o perfil de Moscovo.

 

«Mais três dias, após cerca de três duros anos», reflectiu.

 

Por fim, Vera Vavilova sorriu para consigo. Desta vez, um sorriso autêntico.

 

Sim, estava preparada.

 

NO momento em que saiu do prédio de apartamentos em Georgetown, Guy Parker pressentiu que não estava nos seus dias. Quando Washington D.C. se apresentava quente e húmida, não havia em todo o mundo cidade mais sufocante. com efeito, ao entrar no beco, para se dirigir à garagem, já tinha o corpo inundado de transpiração. Havia manchas de suor das axilas até à cintura e a camisa colava-se à pele como uma vasta ligadura adesiva. Depois de abrir a porta do seu novo Ford, despiu o casaco de seersucker l ], aliviou a gravata de malha e instalou-se ao volante. Em seguida, dobrou o casaco, pousou-o no banco de trás e colocou o gravador em cima.

 

Depois de ligar o motor e abandonar o beco, acelerou e seguiu, o mais rapidamente possível, em direcção ao Hotel Madison, onde devia comparecer para almoçar, às 13.30. Não queria chegar atrasado, porque o seu convidado era uma pessoa muito atarefada e lhe fazia um favor. com efeito, nas duas vezes anteriores que combinara almoçar com George Kilday, este cancelara o encontro no último momento, em virtude de uma reportagem urgente. Uma hora antes, Guy Parker telefonara-lhe para a redacção do Angeles Times em Washington e obtivera confirmação de que não faltaria. Assim, estava resolvido a ser pontual, por se tratar na verdade de um favor. O outro nada tinha a lucrar com a entrevista, ao passo que ele obteria inegáveis benefícios. Constava na cidade, pelo menos entre os membros do Quarto Estado, que Parker arrecadaria meio milhão de dólares do

 

(nota:a Tecido indiano de linho, com riscas brancas e azuis.

 

adiantamento do editor à Primeira Dama pela sua autobiografia (os outros quinhentos mil destinar-se-iam a obras de caridade). Kilday poderia ter todos os motivos para sentir inveja e revelar escasso espírito de cooperação, mas, ao invés, demonstrara que era uma pessoa atenciosa, um veterano que gostava de ver os escritores mais novos triunfar.

 

Parker alcançou o Madison cinco minutos antes da hora estipulada e, pegando no gravador e casaco, confiou o carro ao porteiro. Uma vez no átrio decorado com requinte, o ar condicionado proporcionou-lhe alívio imediato e novas energias. Passou rapidamente diante da Recepção sem se deter e dirigiu-se ao café despretensioso. Ao transpor a entrada, viu uma empregada acompanhar Kilday a uma mesa e acercou-se com prontidão, acenando cordialmente, gesto que o outro retribuiu.

 

Não conhecia bem Kilday, mas falara com ele umas seis vezes nos últimos dois anos e meio, quando Parker fora um dos redactores dos discursos do Presidente, conquanto se limitassem, a trocar breves impressões sobre política.

Por conseguinte, conhecia-o pouco, pessoalmente, à parte o facto de ser um jornalista respeitado pelos colegas pela persistência e rigor com que investigava os temas das reportagens. Parker ignorava a existência de um elo entre Kilday e a Primeira Dama, até ao dia em que a própria Billie o mencionara, quando conversavam acerca do período após a formatura dela em Vassar, com uma classificação distinta em jornalismo. Antes da aposentação do pai, trabalhara na agência publicitária que se ocupava da negociação das (invenções do progenitor. Billie obtivera colocação numa firma de relações públicas de Nova Iorque e, mais tarde, fora sua representante em Londres durante uma curta temporada. A seguir, regressara a Los Angeles determinada a escrever um romance, que rasgara quando ia a meio.

Pouco depois, conseguiu um lugar no Los Anjeles Times? perguntara Parker.

 

Não foi bem assim. Na realidade, tive o meu primeiro emprego numa folha insignificante de Santa Mónica, por um salário que nem merece a pena referir. No entanto, o dinheiro não interessava. De facto, não me fazia falta. Em todo o caso, proporcionou-me acesso a muitos acontecimentos e locais que, de contrário, não conheceria. Um dia, o editor incumbiu-me de uma reportagem sobre um centro de reabilitação de drogados e, em vez de proceder em obediência à rotina, entrevistando o director, acudiu-me uma ideia inspirada por uma passagem que lera numa biografia de Nellie Bly. A que tentou bater o recorde de Júlio Verne da volta ao mundo em oitenta dias?

 

Exacto. O Phileas Fogg de Verne fê-lo nesse lapso de tempo em ficção, enquanto Nellie Bly completou a viagem na realidade em 1889 e 1890. Circundou o mundo em setenta e dois dias. Por outro lado, antes disso, quando iniciava as actividades como repórter estagiária no World de Nova Iorque, efectuou uma reportagem sobre loucos que tinham sido isolados na Ilha Blackwell e a forma como eram tratados. Mas em vez de recolher elementos pelos meios ortodoxos, disfarçou-se com roupas andrajosas, assumiu uma expressão alucinada e conseguiu que a internassem lá. Inteirou-se assim, em primeira mão, das condições miseráveis e crueldade dispensadas aos companheiros. Quando regressou à liberdade, escreveu dois artigos de primeira página sobre a experiência que vivera. As revelações tornaram-na famosa de um dia para o outro. Portanto, voltando ao nosso assunto, tinham-me encomendado uma tarefa de rotina relativa a um centro de reabilitação de drogados em Santa Mónica, lembrei-me de Nellie Bly e cismei: «Porque não?»

Conseguiu ser admitida no centro como toxicómana?

Consumidora de   cocaína. E resultou.   Mesmo   em cheio. Depois, escrevi a reportagem na primeira pessoa, do ponto de vista de uma paciente. Bem, não direi que foi sensacional (apareceu numa publicação pouco importante ao lado de anúncios de compra e venda de propriedades), mas fez incidir uma certa atenção em mim e alguns elogios. Em particular, da minha família. Meu pai adorou-a. Ficou mesmo tão impressionado, que enviou uma cópia a um amigo pertencente à administração do Los Angeles Times. Este também a apreciou, além da particularidade de ter sido escrita pela filha de Clarence Lane (meu pai era muito conhecido na altura, pelos seus inventos), e mostrou-a ao editor, o qual me convocou para uma entrevista e decidiu admitir-me nos quadros do jornal, à experiência.

 

Que aconteceu?

 

O   meu   primeiro trabalho   foi   um   fiasco. Billie Bradford soltara uma risada. Tinham-me posto na rua passadas quarenta e oito horas, sem a intervenção de George Kilday. Era o responsável do departamento de reportagens e salvou-me a pele.

 

Como?

 

Preferia não aprofundar o assunto. Pergunte-lhe, que não   hesitará   em   o elucidar.   Agora,   trabalha   aqui,   em Washington, como chefe da delegação do Los Angeles Times. De qualquer modo, acho conveniente que o procure. Há-de fornecer-lhe   muitos   elementos   acerca da   minha incursão pelo jornalismo que já não recordo. Tem,   realmente, um dado clínico, no que se refere a repórteres. Fale com ele.

 

Não deixarei de o fazer, Mrs. Bradford. Mas primeiro gostava de ouvir informações dos seus lábios. Que sucedeu na sua reportagem inaugural?

 

E ela elucidara-o acerca do que conseguira evocar.

 

Isto ocorrera há alguns meses e fora o momento em que Parker se inteirara pela primeira vez do modesto papel desempenhado por Kilday na vida de Billie Bradford. Em face disso, decidira encontrar-se com ele e, à terceira tentativa, achava-se finalmente sentado na sua frente, no café do Madison.

 

Parker apressou-se a manifestar gratidão pelo espírito de cooperação do jornalista, que esboçou um gesto de protesto. A empregada reapareceu para receber instruções e, enquanto Kilday esquadrinhava a ementa e optava por canja de galinha e uma sanduíche de queijo e alface em pão de centeio, Parker observava-o dissimuladamente. Tinha sobrancelhas brancas espessas, nariz proeminente, queixo largo com dois pequenos cortes produzidos ao fazer a barba, numa cabeça apoiada num pescoço curto e corpo atarracado envolto num fato cinzento amarrotado.

 

Depois de encomendar por seu turno, indicou o gravador na mesa de plástico entre ambos e perguntou:

 

Importa-se?

 

De modo algum. Confesso que nunca utilizo essas geringonças. Acho-as uma perda de tempo. Dão muito trabalho na transcrição e a maior parte do material não é essencial. Mas não me importo absolutamente nada que se sirva de uma.

 

Parker premiu uma tecla e as bobinas da cassette principiaram a girar.

 

Há quanto tempo está em Nova Iorque?

 

Fui transferido para cá no ano anterior ao ingresso de Billie Bradford na Casa Branca.

 

Há três anos e meio, portanto.

 

Mais ou menos. Orgulho-me muito dela. Incutiu uma aparência nova à Casa Branca. É elegante como Jacqueline Kennedy, inteligente e honesta como Betty Ford e mais criativa que ambas, assim como mais ao corrente das questões políticas. Pelo menos, tanto como Rosalyrtn Cárter. Tem instintos extraordinários. Quanto a mim, nunca houve lá uma mulher tão atraente.

 

Concordo. É um  prazer trabalhar com ela. Tem-na visto com frequência, desde que se tornou Primeira Dama?

 

Não. Tenho pouco em comum com a Ala Leste. Pertenço à fauna da Ala Oeste. Política presidencial, exclusivamente. Em todo o caso, ela mostrou-se amável ao ponto de me convidar para três ou quatro jantares oficiais.

 

Eu não sabia que você figurava no seu passado. Um dia, não há muito tempo, ela mencionou-o.

 

Sim? A que propósito?

 

Disse que lhe salvou a pele na sua primeira reportagem no Los Angeles Times.

 

Falou disso?

 

Sim. Afirmou que lhe devia muito.

 

Outro qualquer teria feito o mesmo. No fundo, como repórter, não passava de uma principiante que acabava de abandonar a universidade, com um par de trabalhos publicitários no seu activo. Kilday fez uma pausa. Que lhe revelou?

 

Apenas os factos gerais. Pensa que você pode desenvolvê-los. Precisamos de material colorido para o livro.

 

Continue.

 

O primeiro trabalho para o jornal, por exemplo salientou Parker. Era muito importante para ela, e o administrador... ignoro o nome...

 

Dave Nugent.

 

Obrigado. Incumbiu-a de entrevistar uma pessoa de relevo...

 

O Dr. Jonas Salk, da vacina contra a poliomielite.

 

Deslocou-se de La Jolla para pronunciar um discurso em Los Angeles.

 

Exacto. Por conseguinte, ela solicitou a entrevista e obteve-a. Salk mostrou-se cordial e forneceu-lhe material excelente. Billie sentou-se diante da máquina de escrever, compôs o artigo e entregou-lho, para que o apresentasse ao administrador. Ora, você considerou o texto horrível, próprio de uma principiante, menosprezando os pontos mais importantes, etc., e, sem lhe dizer nada, conservou-o em seu poder, pois sabia que se o editor o lesse a despedia imediatamente. Assim, confiou-o a um amigo, um veterano chamado Steve Woodson...

 

Steve Woods corrigiu Kilday.

 

Pois, obrigado. Ele reescreveu o artigo totalmente e devolveu-lho. Você mostrou-o então ao editor, que gostou e concedeu um lugar permanente a Billie, a qual ficou abismada com o que viu publicado. Foi ter consigo e você elucidou-a. Explicou que a entrevista fora conduzida die uma forma deplorável e indicou onde tinha errado, acrescentando que a entregara a Woods, para que a alterasse, tornando-se necessário rectificar os tópicos abordados para ficar aceitável. Ela demonstrou que podia aprender com rapidez e, a partir de então, procedeu em conformidade com as regras. Esta é a versão da Primeira Dama. Corresponde à verdade, substancialmente?

 

Hum...Acabou de comer a sanduíche e inclinou a cabeça. Julgo que sim, substancialmente. Colocou a mão diante da boca e utilizou um palito para retirar resíduos de comida entre os dentes. Só noto uma   incorrecção, e deve-se ao facto de eu nunca lhe haver revelado a verdade. Não interveio nenhum Steve Woods. Na realidade, nunca existiu, de contrário eu não lhe mostraria o artigo para que ninguém soubesse que ela produzira uma borracheira no seu primeiro trabalho. Não queria que o facto chegasse ao conhecimento das altas esferas do jornal. O que aconteceu foi que o levei para casa e tratei de reescrever, sem que jamais lhe falasse nisso. Portanto, continua sem saber e você não se pode servir desse episódio. Revelo-lho apenas a título confidencial.

 

Enquanto terminava o café, Parker reflectia que tinha na sua frente um homem curioso. Já não havia muitas daquelas pessoas do tipo altruísta, mesmo tratando-se da Primeira Dama como principal personagem envolvida.

 

Sem dúvida assentiu, após breve silêncio. Por conseguinte, depois do episódio sobre Stalk, ela ingressou nos quadros do jornal e dedicou-se a entrevistas importantes durante cerca de três anos.

 

Certo. E uma das últimas foi a um senador da Califórnia chamado Andrew Bradford, altura em que se iniciou verdadeiramente a sua história.

 

Com certeza. Gostava de recolher elementos sobre outras celebridades que entrevistou antes disso.

 

Não vejo inconveniente.

 

Naquele momento, o empregado da tabacaria do café aproximou-se da mesa.

 

Queira desculpar. Algum dos senhores é Guy Parker?

 

Eu declarou este último, surpreendido.

 

Tem uma chamada da Casa Branca. O telefone está junto da caixa registadora.

 

Intrigado, pousou o guardanapo, murmurou umas palavras de escusa e dirigiu-se ao local indicado.

 

A voz do outro lado da linha era a de Nora Judson:

 

Custou-me localizar-te, até que me lembrei de que almoçavas no Madison.

 

com George Kilday. Por causa do livro.

 

Podes abreviar a entrevista? Billie quer falar contigo, o mais depressa possível.

 

Mas tenho de a procurar dentro de uma hora, para...

 

Isso foi cancelado. O seu calendário está sobrecarregado. Não esqueças que parte para Moscovo, amanhã à tarde. Não tem tempo para trabalhar contigo sobre o livro, hoje. No entanto, quer falar-te de outra coisa. Se pudesses aparecer já... digamos, dentro de uns quinze minutos...

 

Está bem. vou tentar. Mas custou-me tanto apanhar Kilday...

 

Conversem   noutra   altura.   Despacha-te,   antes que mude de ideias.

 

Parker pousou o auscultador com lentidão e perguntou-se o que poderia dizer a George Kilday. Afinal, não necessitou de entrar em explicações. Quando regressou à mesa, o outro já se encontrava de pé e recolhia o maço de cigarros, fósforos e chaveiro.

 

Já sei articulou, com uma expressão maliciosa. A Casa Branca. Surgiu um assunto importante. É o costume.

 

Lastimo profundamente murmurou Parker, lançando uma olhadela à conta e pousando algumas notas de Banco na mesa. Ainda bem que compreende. Revelou-se muito útil. Podemos terminar a conversa noutra altura?

 

Quando estiver disponível, telefone.

 

Saíram juntos e detiveram-se à porta do hotel. A rua assemelhava-se a um forno. Não obstante, Parker decidiu deixar o carro no parque de estacionamento e seguir para a Casa Branca a pé, distância que podia cobrir num quarto de hora. Desejava dispor de um intervalo para coordenar as ideias. No momento em que Kilday pediu o carro ao porteiro, voltou a agradecer-lhe e despediram-se.

 

Apesar do calor, Parker movia-se em largas passadas. Do outro lado da rua, dois repórteres que saíam do edifício do Washington Post acenaram-lhe, porém ele seguiu em frente, depois de retribuir o gesto. Lobrigou várias vezes a sua silhueta em movimento reflectida nas montras. O que via a seu respeito nunca deixava de o surpreender. Tinha um aspecto escorreito, seguro de si, o que era enganador, pois, no íntimo, transportava uma mistura de ansiedades e incertezas.

 

Por vezes, admirava-se de se ter tornado escritor, embora fosse bom na matéria, sem margem para dúvidas. As pessoas costumavam dizer-lhe que tinha ar de homem de letras, conquanto não entendesse o que isso significava. Podia considerar-se alto, com perto de um metro e oitenta, magro, desempenado, sem um grama de adiposidades supérfluas. Usava os cabelos pretos espessos separados por uma risca lateral, os olhos castanhos pareciam encovados em virtude dos malares salientes, o nariz tinha configuração levemente romana, os lábios eram sensuais (na opinião das mulheres) e o queixo voluntarioso.

 

Nunca houvera um escritor na família. O pai era professor de ciências políticas na Universidade de Wisconsin e a mãe psicóloga. Parker frequentara a Universidade de Noroeste e envolvera-se na história americana, animado da vaga noção de um dia se dedicar ao ensino. A sua principal distracção consistia em ler romances de suspense e policiais, o que lhe acentuara o desejo de levar uma vida mais activa e excitante. Nos primeiros tempos da guerra do Vietname, tinham-lhe prometido uma oportunidade de ingressar nos Serviços Secretos do exército, se se alistasse. Conquanto considerasse a intervenção americana no conflito imoral, ansiava por um ensejo para pôr em prática as suas fantasias. Por conseguinte, alistou-se, frequentou a escola de treino de oficiais e conquistou um lugar num gabinete dos Serviços Secretos do Pentágono. Durante algum tempo, o trabalho revelou-se intelectualmente estimulante, mas acabou por se tornar um aborrecimento sedentário. Ao mesmo tempo, alguma informação sobre a guerra a que tinha acesso contribuía para agravar o seu sentido de decência. O que se passava no Vietname era revoltante, e ele principiava a sentir-se indignado.

 

Aguardou com ansiedade o momento em que pôde abandonar as fileiras, após o que quis colocar-se a uma distância confortável dos autómatos militares e do que faziam a milhares de pessoas da raça amarela situadas a meio mundo dos Estados Unidos. com as modestas economias que amealhara, Parker visitou a Europa, para estar só, reflectir, encontrar diversão. Era a sua primeira viagem ao estrangeiro e experimentou certo acanhamento perante as cidades e vistas mais populares: Londres, Paris e Roma. Por fim, apercebeu-se de que eram populares porque se localizavam entre os lugares mais interessantes da Europa e sentiu-se mais reconfortado por permanecer num ambiente vulgar.

 

Quando regressou aos Estados Unidos, a guerra do Vietname agravara-se e o movimento de protesto alcançara o auge. Despertou nele uma sensação de activista há muito olvidada e, automaticamente, dirigiu-se a -São Francisco e ingressou numa organização pertencente ao movimento para a paz. Como carecia de escritores, principiou a escrever para ela, na sua maioria cartazes e panfletos condenando o governo americano.

 

No final da guerra, encontrava-se em Chicago e necessitado de um emprego. Uma agência de investigações importante publicara um anúncio num jornal daquela cidade para contratar agentes jovens. Parker candidatou-se e, como os seus antecedentes militares tinham um aspecto prometedor no papel, foi contratado, o que o fez sentir-se um Dashiell Hammett, na fase em que trabalhara para os Pinkerton. Na realidade, embora necessitasse de seguir pessoas, entrar ilegalmente em domicílios e instalar dispositivos de escuta electrónicos, a maior parte do trabalho cingia-se a obtenção de provas para divórcios, localização de adolescentes fugidos de casa e investigação de desfalques de pouca monta. Para que a situação assumisse um aspecto algo mais romântico, Parker começou a escrever sobre o assunto, produzindo três artigos, que conseguiu vender.

Ao inteirar-se da existência de uma vaga na delegação de Nova Iorque da Associated Press, apressou-se a elaborar um resumo do seu currículo e enviou-o juntamente com fotocópias dos artigos. Transcorrida uma semana, era convocado para uma entrevista e, após meia hora de conversa com um funcionário superior da A. P., assinava um contrato e sequia para Washington D. C., a fim de escrever pequenas reportagens. No entanto, sentiu-se tão fascinado pelo que o rodeava, que o facto se reflectiu nos seus trabalhos e em breve adquiria certa notoriedade.

Um dia, recebeu um telefonema interurbano de um homem chamado Wayne Gibbs, o qual lera vários dos seus artigos e ficara favoravelmente impressionado. Esclareceu que era associado do senador Andrew Bradford, que acabava de vencer a nomeação do Partido Democrático para concorrer à Presidência dos Estados Unidos. Gibbs queria apresentar-lhe uma proposta. Podia Parker deslocar-se a Los Angeles, durante o fim-de-semana, com todas as despesas pagas? Sem dúvida que podia, e fê-lo. Na verdade, a proposta era tentadora. Os partidários de Bradford pretendiam que fosse escrito e publicado um livro sobre o seu candidato uma biografia empolgante, realista, de leitura fácil para todos os sectores. Uma biografia de campanha destinada a enaltecer a sua imagem. Já dispunham de um editor e agora necessitavam de um escritor capaz de produzir o livro com rapidez. A compensação material seria generosa.

 

Parker considerou a quantia envolvida atraente, mas vislumbrava outra coisa ainda mais estimulante. Tratava-se de um trabalho de envergadura. Até então, ele conhecera várias convulsões na sua atitude para com a pátria, para com a democracia americana. No exército, depois de se conformar por uma temporada, sentira-se revoltado com o que vira e regressara à vida civil convertido em dissidente, enojado com a política e corrupção do seu governo, empenhado em o derrubar. Mais tarde, na A. P., com a possibilidade de o observar de mais perto e objectivamente e tendo presente no espírito o ambiente político doentio que se lhe deparara na Europa, chegara à conclusão de que, apesar de mau, o sistema democrático dos Estados Unidos continuava a ser o melhor concebido pelos homens em qualquer parte. A conclusão não era de natureza juvenil, nem resultante de uma visão através de filtros vermelhos, brancos e azuis, mas pragmática, de uma mente adulta. Se as pessoas tinham de viver juntas numa sociedade, aquele sistema era o mais aceitável de todos. O óbice consistia em que o gigante nutrido e indolente apresentava muitos pontos vulneráveis e nenhum estranho podia fazer coisa alguma para o aperfeiçoar, excepto através da votação, o que, em si, oferecia poucas alternativas. Porém ali, em Los Angeles, deparara-se-lhe uma oportunidade rara para deixar de ser um estranho impotente e aproximar-se mais do núcleo, do mecanismo fundamental.

 

Assim, sem perder tempo a reflectir duas vezes, Parker abandonou a Associated Press e tornou-se escritor político a tempo inteiro.

 

Durante a preparação do livro, contactara com Andrew Bradford três vezes uma para jantar com a esposa deste e as restantes em entrevistas destinadas a recolha de material. A obra em si compunha-se de uma reunião de factos notáveis do visado. Parker simpatizou imediatamente com ele, um homem mais ou menos da sua estatura, embora um pouco mais forte e elegante. Tinha quarenta e oito anos, de traços fisionómicos esculpidos com delicadeza e expressão grave, sincera e atenta. Uma madeixa de cabelos grisalhos, óculos de aros de tartaruga e ton de voz incisivo acentuavam o aspecto geral de autoridade. Possuía um cérebro desprovido de tendência para os lugares-comuns e estereótipos, de raciocínio rápido, original, muito superior ao que se poderia esperar de um político.

 

Parker concluiu o livro dentro do prazo estipulado e vendeu-se bem nos comícios do partido e banquetes, enquanto a edição de bolso excedia a circulação prevista entre os independentes curiosos. Entretanto, a sua posição elevara-se substancialmente. Já não era um membro obscuro do partido. Desfrutava de certa notoriedade. Wayne Gibbs conservou-o ligado à comissão eleitoral, a fim de colaborar na preparação das declarações à Imprensa.

 

As eleições surgiram e passaram. Após um começo incerto, os locais de sufrágio mais importantes proporcionaram a Bradford uma vantagem de seis por cento sobre o oponente Republicano, acabando por vencer por sete por cento. Como Presidente eleito e antes da tomada de posse, começou a escolher o seu pessoal permanente, não se esquecendo de Guy Parker e do livro. Assim, chamou-o de São Francisco e, transcorridos dois meses, instalava-o na Ala Oeste da Casa Branca, como um dos seus escritores de discursos.

 

Isto passara-se dois anos e meio antes, e Parker sentia-se satisfeito com o cargo. Encontrava-se no fulcro da acção, um homem invisível atrás dos espíritos-motores, mas estava presente. De súbito, de um dia para o outro, deixou de estar. Uns prestigiosos editores de livros de Nova Iorque, que também eram membros regulares do Partido, sugeriram ao Presidente que uma autobiografia da esposa encontraria larga audiência e contribuiria para enaltecer a imagem d’ele, uma vez que se aproximava o ano da reeleição. Billie Bradford revelava-se uma Primeira Dama simpática e encantadora. com uma ponta de relutância e embaraço tinha apenas trinta e seis anos , concordou com a ideia da autobiografia e impôs uma condição: Guy Parker ajudá-la-ia na medida do possível. Ao princípio, ele resistira, pois encarava a ideia como uma despromoção. Deixar de escrever discursos para o Presidente e passar a frequentar uma espécie de confessionário frívolo, onde porventura predominavam os mexericos, afigurava-se-lhe mais ou menos como ir de cavalo para burro.

 

O que o convenceu de que se tratava de uma boa ideia foi o meio milhão de dólares do adiantamento que lhe pertenceria... e a própria Billie Bradfod. Não tardou a reconhecer que nada havia de frívolo nela. Era uma mulher ponderada, porventura mais esclarecida que o marido, comunicativa, inteiramente merecedora da admiração e respeito que Parker se apressou a consagrar-lhe. Por fim, transferiu-se da Ala Oeste para a Leste com um mínimo de resistência.

 

E havia um atractivo suplementar. Destinaram-lhe um gabinete junto da suite de trabalho de Nora Judson, secretária de Imprensa da Primeira Dama, que também intervinha na sua vida social e aparições em público. Conseguir desempenhar tantas funções e de forma irrepreensível representava uma medida de energia e dons da jovem. Parker atribuía-lhe uns vinte e nove anos e gostaria de a encarar como um objecto sexual. com efeito, dos cabelos negros brilhantes, olhos verdes, nariz ligeiramente arrebitado e lábios generosos até aos seios bem torneados e pernas esbeltas, constituía um regalo para qualquer olhar masculino. No entanto, o intelecto era impressionante. Uma pessoa raramente conseguia concluir uma frase na sua presença antes que ela completasse a tarefa. Executava dois trabalhos simultaneamente e com perfeição. Podia deslocar-se de uma informação à Imprensa para uma festa de caridade e um jantar oficial sem o mínimo sinal de cansaço ou protesto. O problema consistira no seu alheamento. Estava sempre ocupada, ou fazia por estar, e parecia preferir o recolhimento nos momentos livres. Parker sugerira uma bebida ou jantar juntos, porém ela não denunciara interesse em aceitar. Em cinco meses, ele não conseguira atravessar a parede que separava os seus gabinetes e pessoas. Nora mostrava-se sempre correcta, cordial, mas distante. Era uma situação frustrada, todavia a sua existência e proximidade física constituíam um atractivo suplementar.

 

Parker também não se mantivera inactivo, durante aqueles meses. A reunião de material destinado à elaborada autobiografia da Primeira Dama representava uma ocupação de dez horas diárias. O início da tarefa traduzira-se por compilar texto de interesse humano. Ele localizara e lera tudo o que fora publicado sobre Billie Bradford, imergindo em montanhas de recortes de jornais e revistas e enchendo páginas do bloco-notas. A seguir, passara a viajar no exterior de Washington, para entrevistar familiares, amigos, antigos professores e colegas dela. Chegara mesmo a deslocar-se de avião à Califórnia, a fim de passar dois dias na companhia do pai, Clarence Lane, a irmã, Kit, o cunhado, Norris Weinstein, e um sobrinho chamado Richie.

 

Por fim, ultimamente, com centenas de perguntas para fazer, entrara, por assim dizer, na polpa do livro. Principiara a entrevistar a própria Billie Bradford, a qual estabelecera uma rotina diária: uma»hora, em regra à tarde, para responder a perguntas diante do gravador. Parker encontrara-a divertida, profissional e concisa nas informações fornecidas, o que quase o levara a esquecer que se tratava de trabalho e não de um passatempo.

 

E agora, naquela tarde sufocante do final de Agosto, dirigia-se para mais uma sessão... mas não, nesse dia era diferente. Acabava de se recordar de que a Primeira Dama a cancelara. Tinha muito que fazer. O facto intrigava-o, pois era a segunda vez que acontecia desde o início dos trabalhos. Não obstante, Nora deixara bem claro que Billie Bradford lhe queria falar com urgência, o que o enchia de curiosidade.

 

Emergiu do Parque Lafayette, cruzou a Avenida Pensilvânia, aproximou-se da casa da guarda e abriu a carteira para exibir o cartão de identificação da Casa Branca. Em seguida, alcançou a escadaria principal com a passadeira vermelha, inclinou ligeiramente a cabeça para a fotografia de Herbert Hoover no patamar, continuou a transpor os degraus diante das imagens de Woodrow Wilson e Franklin D. Roosevelt e, no topo, foi saudado por Nora Judson.

 

Consegui chegar num quarto de hora? perguntou Parker, ofegante. Vim o mais depressa possível. Sabia que ansiavas por me ver.

 

Estava preocupadíssima replicou ela, sem pestanejar. Receava que tivesses sido esmagado por um camião... ou pelo teu enorme ego.

 

Qual ego? Encolhe-se sempre na presença da minha dama.

 

Havemos de falar disso noutra altura.

 

E se combinássemos já o dia e hora?

 

Não proferiu com firmeza, principiando a precedê-lo em direcção à Sala Oval Amarela. Na verdade, chegaste a tempo. A conferência de Imprensa terminou há dez minutos. Os repórteres já se retiraram e os técnicos da televisão estão a recolher o material.

 

Ela não podia mesmo manter a nossa sessão?

 

Tem uma agenda muito sobrecarregada, uma vez que parte para Moscovo amanhã à tarde. Para cúmulo, Ladbury chegou de Londres (era esperado ontem) e insistiu numa última prova antes da Cimeira em Inglaterra, para a semana. Portanto, fui obrigada a alterar o calendário profundamente. Ela ainda precisa de se ocupar do artigo para a House Beautiful. Não podíamos voltar a adiá-lo. Tem de acompanhar o novo embaixador francês na visita à Galeria Nacional. Depois, Fred Willis insistiu em lhe falar por causa de certas formalidades protocolares em Moscovo. Além de tudo isto, há a bagagem. Ela não quer que Sarah trate do assunto sozinha.

 

Que pretende de mim?

 

Não faço a menor ideia. Quis estar cinco minutos contigo a seguir à conferência de Imprensa e antes de receber Ladbury. Chegámos.

 

Alcançaram a entrada da Sala Oval Amarela, mas tiveram de se desviar para dar passagem a três componentes da equipa da TV, com o respectivo equipamento. Em seguida, Nora transpôs a porta e Parker imitou-a.

 

A sala era ocupada apenas por Billie Bradford, de costas para eles, os cabelos louros caídos sobre os ombros, que estendeu a mão para o braço do sofá e se afundou nele. Depois, desembaraçou-se dos sapatos sacudindo os pés e avistou os recém-chegados.

 

Não sabia onde estava, Nora. Olá, Guy. Pousou a mão no sofá a seu lado. Venha para aqui.

 

Boa tarde, Mrs. Bradford.. começou Parker, obedecendo.

 

Por favor, Guy interrompeu ela, franzindo os lábios. Quantas vezes tenho de lhe pedir que não me trate por Mrs. Bradford? Vemo-nos todos os dias em condições de intimidade, dispo-me praticamente na sua frente, permito-lhe o acesso a todos os esqueletos do meu armário e insiste em se me dirigir com formalidade. Vamos pôr cobro a isso imediatamente, sobretudo em virtude do que tenho para lhe dizer. A partir de agora, acabou-se a Mrs. Bradford e surae Billie a título permanente. A Primeira Dama ofereceu a face. Selemos o acordo.

 

Entendido, Billie murmurou ele, beijando-a com visível embaraço.

 

Como correu a coisa, Nora? Foi uma conferência de Imprensa satisfatória?

 

Foi maravilhosa, sincera e aberta, sem atitudes dúbias. Eles adoraram-na.

 

Oxalá que sim. No interesse de Andrew. Talvez devesse convocá-los com maior frequência.

 

Julgo que sim.

 

Lamento a suspensão do excitante episódio de hoje da vida e aventuras da Primeira Dama. Billie concentrou-se de   novo   em   Parker. Onde   deixámos   a   nossa   heroína? Amarrada à via férrea?

 

Não, Pearl Wjjite replicou ele, com um sorriso. No final da sessão de ontem, encontrava-se no terceiro ano da universidade e preparava-se para partir em digressão literária à Inglaterra, patrocinada por uma bolsa de estudo.

 

Tem   razão. A   expressão   dela toldou-se. Foi   a viagem em que conheci Janet Farleigh. Deve recordar-se de encontrar o nome nas suas pesquisas.

 

Sem   dúvida. A   autora   de histórias   para   crianças. É uma das suas melhores amigas, segundo o que li.

 

Era articulou em inflexão de amargura. Morreu, a noite passada. Cancro. Nunca suspeitei de nada. O embaixador   britânico   mandou   informar-me   pessoalmente,   esta manhã. Era uma das poucas pessoas ao corrente da nossa amizade. Confesso que fiquei abalada.

 

É natural assentiu Parker.

 

Conheci Janet Farleigh nessa viagem e fiquei em sua casa, em Londres. Apesar de dez anos mais velha que eu, éramos amigas íntimas. Não a via desde longa data. À pragmática da Casa Branca intromete-se sempre na vida privada de cada um. Esperava encontrar-me com ela, na próxima semana, mas agora... Enfim, visitarei o marido e filho.

 

Custa-me   lembrar-lho,   Billie interpôs   Nora,   indicando o relógio de pulso significativamente, mas o tempo urge.

 

Muito bem. A Primeira Dama regressou à realidade. com a azáfama constante, até agora não tinha disposto de um momento para meditar. Sorriu a Parker. De que falávamos? Ah, do cancelamento da sessão de hoje. Mas yia compensá-lo, e é esse o motivo por que o mandei chamar.

 

Ele aguardou com serenidade, enquanto Billie fazia uma breve pausa.

 

Amanhã à tarde, seguimos no Força Aérea Um em direcção a Moscovo. Pode ser uma viagem longa e monótona. Disponho de   duas   possibilidades:   reler   um   romance   de Tolstoi ou falar de mim. Durante as oito horas do percurso, posso optar entre Ana Karenina e Billie Bradford. Após certa ponderação, ganhei eu. Pelo caminho, quero conversar a meu respeito consigo. Por outras palavras, convido-o a acompanhar-me a Moscovo a bordo do Força Aérea Um. Podemos trocar impressões à ida e à volta. Conhece a Rússia?

 

Não,   mas... Parker   interrompeu-se,   abismado. Embora lhe agradeça profundamente, é um convite inesperado, repentino... quero dizer que precisava de me preparar, tratar do passaporte...

 

Deixe-se de histórias, homem! Conheço os seus antecedentes (Serviços Secretos no Vietname, trabalhos de investigação na vida civil, etc.), pelo que deve estar habituado às decisões repentinas. Quanto ao passaporte diplomático, nós tratamos disso. Faça as malas e partiremos. Garanto-lhe que terá com que se ocupar durante toda a viagem. Quando eu não lhe fizer companhia, Nora encarrega-se de o entreter. Que diz?

 

É uma ideia excelente, Mrs... Billie. Parker lançou uma mirada furtiva a Nora. vou reunir imediatamente os meus tarecos.

 

Nora fornece-lhe os pormenores sobre a hora da partida e coisas do género. A Primeira Dama levantou-se. Até amanhã.

 

Nesse momento, bateram à porta e Nora apressou-se a abrir. Acto contínuo, um homem de expressão grave e respeitosa avançou um passo e anunciou:

 

Mr. Ladbury e Miss Quarles acabam de chegar. Parker encontrava-se ao lado de Nora, quando os dois

 

ingleses entraram, cada um com diversas caixas de roupas. Saudando a rapariga quase com indiferença e ignorando Parker, Ladbury precipitou-se para a Primeira Dama, com Rowena Charles no encalço. O costureiro parecia um Aubrey Beardsley ressuscitado, com franja cor de palha, nariz aquilino, faces pálidas e corpo elegante e flexível, e dirigiu-se a Billie em voz aguda:

 

Trago   numerosas   coisas   bonitas   para   si,   minha querida!

 

Atrás dele, a ajudanta, de corpo roliço e pesado, vestia um conjunto de saia e casaco de tweed (com aquele calor!)

 

Porque recorre a um costureiro inglês? quis saber Parker, enquanto descia a escada com Nora.

 

Conheceu-o e gostou do seu trabalho antes de vir para a Casa Branca. No entanto, quando se tornou Primeira Dama, era patriótico comprar americano e optou por alguns especialistas nova-iorquinos. Voltou a utilizar os préstimos de Ladbury em obediência a uma ideia de Fred Wilis, convencido de que os ingleses apreciarão o gesto, nas proximidades da visita a Londres. Os costureiros de Manhattan insurgiram-se, naturalmente, mas Billie não lhes deu ouvidos.

 

Detiveram-se no átrio e ela prometeu:Terás o horário, passaporte e o resto nas mãos à hora do jantar.

 

Obrigado.

 

Deves estar contente com a viagem. É um gesto amável da parte dela. Como vai dormir pouco, podem conversar durante a maior parte do caminho.

 

E contigo.

 

Comigo? O ar reservado de Nora não se atenuou. Estarei ocupada com Tolstoi.

 

Que tens contra mim? perguntou Parker, segurando-lhe o braço.

 

Os olhos dela exibiram uma expressão glacial.

 

Apenas o facto de seres do mesmo sexo que o meu ex-marido.

 

Ex-marido? Confesso que não sabia.

 

Ficas sabendo.

 

Sofreste queimaduras graves?

 

Do terceiro grau foi a resposta formal.

 

Faltavam cinco minutos para a meia-noite, em Moscovo.

 

A curta distância do imponente Kremlin, no número dois da Praça Dzerzhinsky, erguia-se um conjunto de construções de pedra antigas e modernas conhecido na União Soviética por Centro, na realidade quartel-general do Comité de Segurança do Estado ou, mais simplesmente, K.G.B. No terceiro andar, atrás da ampla secretária do gabinete principal de uma vasta suite, sentava-se o chefe dos sete directores da organização, general Ivan Petrov, que contemplava o espaço exposto pela janela gradeada sobranceira ao pátio debilmente iluminado.

 

Rodeavam-no os ornamentos próprios do comando. As paredes eram forradas de mogno e, numa delas, via-se a fotografia emoldurada de V. I. Lénine. Em baixo, sofás requintados e poltronas estofadas, com uma carpeta oriental entre eles, pois tratava-se de um dos poucos gabinetes com tapeçarias. Ocupavam o lado direito da secretária seis telefones: um ligado directamente ao Secretário-Geral do Partido Comunista e Primeiro-Ministro, Dmitri Kirechenko e os outros a membros do Politburo, Ministro da Defesa, seis assistentes de Petrov no mesmo piso e (através de sistemas de alta frequência) aos escritórios do K.G.B. em embaixadas soviéticas dispersas pelo mundo.

 

Apesar de se aproximar uma data que se tornaria gloriosa, ele sentia a atenção absorvida pelo pedaço de papel que tinha na mão.

 

Chegara poucos minutos antes e tratava-se de uma mensagem codificada proveniente de agentes em Washington. Não parecia revestir-se de importância especial, porém naquele dia momentoso tudo o que era inesperado merecia-lhe particular interesse. Segundo o texto descodificado, fora acrescentado um novo nome à lista de acompanhantes da Primeira Dama dos Estados Unidos que chegava no dia seguinte a Moscovo.

 

Petrov pousou o papel na secretária e passou os dedos ossudos pelas faces por escanhoar. Podia entregar o assunto a um dos assistentes, quando se apresentassem ao serviço, às nove da manhã, ou satisfazer a curiosidade imediatamente. Por fim, levantou-se, empertigado, e dirigiu-se ao ficheiro situado ao canto do gabinete. Procurou na letra P e o número de referência no cartão com o nome PARKER GUY. A seguir, telefonou ao centro de computadores na cave e, transcorridos dez minutos, surgia um mensageiro com uma pasta de cartolina.

 

Petrov aguardou que o homem se retirasse, voltou a afundar-se na cadeira rotativa estofada e consultou o processo. Quem era Parker? Ah, ali estava tudo pormenorizado... Serviços Secretos do Pentágono. Detective particular. Biógrafo político. Escritor de discursos presidenciais. Actualmente, colaborador de Mrs. Bradford na sua autobiografia. Havia mais, mas aquilo bastava para Petrov.

 

Qual o motivo da súbita incorporação de Parker na comitiva que acompanhava a Primeira Dama a Moscovo? Talvez a explicação fosse óbvia: proporcionar companhia à Primeira Dama. Continuar a trabalhar com ela durante a viagem. Ou, mais provavelmente, actuar como agente da C.I.A. ao longo dos três dias de permanência na capital soviética.

 

Destacou uma folha de papel timbrado de um maço e traçou algumas palavras destinadas ao coronel Zhuk, em que mencionava o novo componente da comitiva americana e ordenava que providenciasse para que o K.G.B. não o perdesse de vista.

 

Em seguida, recordou a si próprio, mais uma vez. que nada devia ser descurado, naquelas derradeiras horas. Não se podia correr o menor risco. Não existia a mínima margem para erros, por insignificantes que fossem.

 

Pegou num charuto cubano e volveu os olhos para o relógio em cima da secretária. Passava da meia-noite. Moscovo dormia. Ele gostava de pensar que nunca dormia. Nas vinte e quatro horas do dia, aquele período desfrutava da sua predilecção. Lá fora, as ruas achavam-se silenciosas. Cá dentro, imperava tranquilidade absoluta, no Centro. À excepção do pessoal nas salas de comunicações e descodificação e alguns gabinetes ocupados pelo turno da noite, Petrov podia considerar-se só no edifício. Era o momento apropriado para reflectir. Poucos funcionários superiores dispunham de semelhante oportunidade, o que resultava deplorável. Sem dúvida que se lhe deparava o ensejo em prejuízo do sono, no fundo um preço irrisório. O sono era o inimigo da vida, como há muito decidira, um desperdício na existência de uma pessoa, uma rendição, uma indesejada visão preliminar da morte. Haveria muito tempo, demasiado, para a morte e sono.

 

O seu espírito recapitulou o excitante dia acabado de terminar. O apogeu das últimas horas, no recinto isolado de Potemkin, o ensaio final de Vera Vavilova excedera as previsões mais optimistas. Ela não se limitara a ser perfeita, o que implicaria imitação. Fora algo mais, de importância extraordinária. Actuara como a Primeira Dama americana, a personificação e encarnação de Billie Bradford, um feito notável, quase metafísico na sua concretização.

 

Petrov estava, todavia, ciente de que ela era o produto de homens, de esforço consciente, de trabalho aturado, de génio criador. Reconhecia que o seu assistente pessoal, Alex Razin, merecia um pequeno quinhão do crédito. A sua acção aturada tornara o projecto possível. No entanto, não passara de um elo na longa corrente de génio. O fulcro de tudo residira na concepção, a cargo de Ivan Petrov, exclusivamente. Sem o seu génio, não haveria Segunda Dama. Se a operação resultasse e ele estava convencido de que tal sucederia , constituiria a acção de espionagem mais arrojada e magnífica da história mundial. Infelizmente, a Humanidade nunca se inteiraria. O projecto teria de se manter, para sempre, o acontecimento militar e político mais secreto de todos os tempos. Assemelhava-se ao crime perfeito. Se era descoberto, deixava de ser perfeito. Se permanecia ignorado, equivalia a não ter acontecido. O plano em que Vera Vavilova participava apresentava o mesmo paradoxo.

 

Em todo o caso, era uma realidade conhecida de um círculo privilegiado. Os intervenientes estavam ao corrente. Acima de todos os outros, o primeiro-ministro e vários membros do Politburo achavam-se inteirados de tudo. Petrov orgulhava-se de ter conseguido convencer o primeiro-ministro durante quase três anos, conduzindo-o do interesse e hesitação à fé e entusiasmo prudente. Naquela tarde, ao ser informado do resultado do ensaio final, deixara transparecer esse entusiasmo prudente. Dentro de três dias, teria de tomar a fatídica decisão: descurar a prudência e actuar sem reservas ou cancelar o projecto. Petrov recusava-se a admitir que o primeiro-ministro optasse pela segunda alternativa, depois de conhecer os progressos registados e o êxito histórico que resultaria.

 

Uma vez iniciado o projecto, não haveria retrocesso possível. Depois de posto em prática, o triunfo apresentar-se-ia inevitável. Só então, embora no maior sigilo, Ivan Petrov obteria a compensação. A juntar à Ordem de Lénine, seria coroado Herói da União Soviética por um feito fictício qualquer. A sua posição ascenderia no Politburo. Seria reconhecido um génio pelos superiores, iguais, esposa e filhos. Que mais podia um homem desejar na Terra?

 

Chupando o charuto, satisfeito e tranquilo, ao mesmo tempo que cismava nas consequências, recapitulou e reviveu o plano, o seu papel nele, desde a concepção. A fim de não parecer auto-indulgente, simulou que o revia para se certificar de que não apresentava o mínimo ponto débil, vulnerável, nem fora descurado qualquer obstáculo, ainda que insignificante. com este motivo sério imposto, pôde permitir-se o prazer de festejar, uma vez mais, o seu génio criativo. Transportou-se para o passado sem dificuldade, para a noite memorável em que a ideia lhe acudira. Três anos antes. O passado convertera-se no presente.

 

O general Ivan Petrov e a sua comitiva efectuavam uma digressão por algumas das cidades mais importantes da U.R.SS. Ele procurava aperfeiçoar e incutir maior eficiência à acção do K.G.B. em cada uma delas. Encontrava-se em Kiev, abaixo de Moscovo no rio Dneizer, a maior e mais antiga metrópole russa. Após um dia extenuante, ao anoitecer sentia-se mentalizado para saborear vodka em companhia de uma mulher. Ao invés, inteirou-se com desalento de que o chefe local da organização tomara as disposições necessárias para que Petrov e a comitiva assistissem a um espectáculo e reservara-lhes lugares no Teatro Ukrainka, onde os actores actuavam em russo e não em ucraniano e se representava As Três Irmãs, de Anton Tchekhov. Ora, o general detestava o teatro legítimo em geral e as peças de Tchekhov em particular. Considerava-as incríveis, forçadas e fastidiosas. No entanto, não podia desapontar o anfitrião, um veterano do K.G.B. que ainda exercia certo peso. Por conseguinte, embora com relutância, compareceu.

 

Quando a limusina rolava pela Rua Lénine em direcção ao cruzamento da Pushkin, Petrov avistou com desagrado a fachada cinzenta do Teatro Lesya Ukrainka. Depois de se apear, imitado pela comitiva, atravessou a artéria pavimentada com paralelepípedos e encaminhou-se para uma das três portas de entrada. Quando se preparava para a transpor, sentiu a atenção atraída por uma pequena multidão reunida junto de um expositor de vidro à sua esquerda, atrás das entradas. Dominado por certa curiosidade, separou-se da comitiva e, acompanhado por um guarda-costas, acercou-se do grupo para averiguar o que ocorria. Abrindo caminho com o cotovelo, acabou por descortinar o alvo do interesse dos espectadores: uma jovem, extremamente atraente, de aspecto nórdico, com cabelos louros-pálidos cortados curtos, sorridente, que assinava autógrafos apressadamente, enquanto tentava prosseguir o seu caminho. O facto poder-se-ia considerar vulgar, sem determinado pormenor. O rosto da mulher exibia traços familiares. Ao princípio, Petrov convenceu-se de que se tratava de uma americana muito conhecida que visitava Kiev em digressão pela Rússia. Intrigava-o a circunstância de lhe parecer familiar e ignorar a sua identidade. Não se recordava de ver um processo acerca dela. Não obstante, devia ser uma estrangeira de certa importância, porquanto assinava autógrafos e tentava esquivar-se às pessoas que a tinham reconhecido.

 

No momento imediato, o general reunia-se à comitiva e em breve esqueceu o incidente. Em seguida, após algumas bebidas no bar, foi instalar-se na confortável poltrona das primeiras filas e preparou-se para passar pelas brasas.

 

Todavia, ainda não adormecera quando ela surgiu no palco. Interpretava a irmã de Andrey Prozorov, o jogador, Olga Prozorova, a mais nova de três, aquela que desejava regressar a Moscovo. Petrov endireitou-se no assento e prestou atenção. Apesar da caracterização, não lhe restava a mínima dúvida de que se tratava da jovem loura que vira à entrada e supusera uma turista americana. Afinal, era óbvio que tinha na sua frente uma actriz russa.

 

Consultou o programa, para determinar o nome de quem assumira a pele de Olga Prozorova, e depararam-se-lhe quatro de outras tantas actrizes que haviam interpretado o papel em diferentes noites. Petrov compreendeu: era uma companhia possuidora de um vasto repertório. De súbito, notou que um dos quatro nomes fora levemente sublinhado pelo arrumador.

 

Semicerrou as pálpebras, para enxergar melhor na penumbra, e tomou conhecimento da identidade da loura: Vera Vavilova.

 

Ergueu os olhos para a localizar no palco, estudou-lhe a fisionomia e descobriu o motivo por que lhe parecera familiar. Julgara-a americana, porque lhe lembrava uma mulher dos Estados Unidos cujo rosto vira em muitas revistas e jornais provenientes daquele país. O general acompanhara as eleições presidenciais, e o candidato Democrata, senador Andrew Bradford, tinha uma esposa encantadora Millie, Tillie, Billie ou algo do género, alvo de atenções especiais por parte da frívola Imprensa americana.

 

Continuando a observar a actriz, reconheceu que, à parte o corte de cabelo, quase se podia considerar sósia da esposa do candidato a Presidente dos Estados Unidos. Pestanejou, impressionado. Nunca vira uma parecença tão flagrante, embora tivesse lido recentemente que esses casos não eram raros. Billie recordava-se agora do nome com clareza Billie Bradford e Vera Vavilova passariam sem dificuldade por gémeas idênticas.

 

Por razões de momento inexplicáveis, Petrov conservou-se atento durante toda a representação da peça de Tchekhov. E, obedecendo a um impulso não menos estranho, no final do espectáculo, dirigiu-se aos bastidores, para felicitar Vera Vavilova. Ao inteirar-se das suas intenções, o director do teatro acompanhou-o e ao guarda-costas ao camarim da jovem actriz.

 

Havia vários membros femininos da companhia, em trajos mais ou menos resumidos, quando os três homens entraram. Contudo, Petrov ignorou as outras e acercou-se directamente de Vera Vavilova, que se sentava diante do espelho, entretida a remover a maquilhagem. O director, em voz trémula de emoção, procedeu às apresentações e ela levantou-se com lentidão, para encarar o general calmamente e estender-lhe a mão.

 

Parabéns proferiu ele simplesmente, vendo confirmada a sua impressão agora que se encontrava perto. Apreciei muito a sua interpretação.

 

Obrigada. Vera Vavilova inclinou a cabeça numa atitude de modéstia. Sinto-me profundamente lisonjeada.

 

Gostava que me revelasse uma coisa volveu Petrov sem parar de a fitar com admiração. Alguma vez esteve nos Estados Unidos?

 

Nos Estados Unidos? Não.

 

Tem lá alguém da família? Uma irmã, talvez?

 

Não. A actriz exibiu um sorriso cativante. Descendo de   ucranianos provincianos.  

Meus   pais vivem   em Borvari, uma povoação a vinte quilómetros de Kiev. Nunca estiveram em Moscovo e muito menos na América. À parte minha avó, sou a única pessoa da família que viajou um pouco. Mas sempre no interior da União Soviética. Recebi o meu treino em Moscovo.

 

Interessante. Fala inglês?

 

Até então, tinham-se exprimido em russo, e ela replicou em inglês irrepreensível:

 

Sim, general. Falo e escrevo inglês e francês. Por sinal, até o faço com sotaque americano. Estudei e falei o idioma   inglês durante quatro anos   na   Escola   de   Teatro Shchepkin de Moscovo. Tive mais de mil horas dessa disciplina. Os instrutores consideravam-me uma aluna de assimilação rápida e propensão extraordinária para a mímica. O meu melhor instrutor cresceu nos Estados Unidos. Compreende o que digo?

 

Muito bem.

 

Petrov dominava o inglês com dificuldade, sobretudo quando necessitava de o falar, embora o entendesse de modo satisfatório. Reconhecia que o sotaque dela era perfeito e, ao mesmo tempo, não conseguia definir porque se sentia tão satisfeito.

 

Duas horas depois, durante o voo de regresso a Moscovo, as pessoas de Vera Vavilova e Billie Bradford fundiram-se-lhe no espírito e, no momento em que apertava o cinto de segurança para a aterragem, elaborara o arrojado projecto.

 

Após ter sido depositado no quartel-general do K. G. B., a meio da noite, entrou na suite de trabalho e admitiu que todas as suas especulações resultariam infrutuosas, a menos que se registasse determinado facto dentro de dois meses, em princípios de Novembro, altura em que se realizariam as eleições nos Estados Unidos. Se o senador Andrew Bradford não as ganhasse, nada haveria a fazer. Mas se alcançasse a Presidência, a esposa tornar-se-ia a Primeira Dama. E a actriz soviética, Vera Vavilova, converter-se-ia num achado inapreciável. Petrov ansiava por pôr o projecto em execução, todavia conteve-se. Tudo a seu tempo.

 

De um momento para o outro, criou um interesse insaciável pelas eleições presidenciais americanas.

 

Como se achava muito atarefado, escolheu Alex Razin, assistente do Primeiro Directorado do K. G. B., para o auxiliar. Este último tinha o gabinete no piso superior, o quarto, sendo um dos responsáveis do Primeiro Departamento o Departamento Americano, secção criada seis anos antes durante uma reorganização do K. G. B. Nascido e educado parcialmente nos Estados Unidos e treinado na União Soviética, Razin era uma autoridade em história americana, costumes sociais, política, desporto e factos correntes daquele país. Indivíduo bem-parecido, de trinta e seis anos, servia a organização com lealdade e energia há mais de uma década. Petrov fê-lo descer do quarto piso e confiou-lhe a tarefa de o manter ao corrente dos desenvolvimentos na campanha presidencial dos Estados Unidos, incumbência que encantou Razin, pois fazia parte da sua rotina recolher todos os elementos sobre a matéria e o comportamento dos candidatos rivais, a fim de construir um perfil acerca do vencedor e próximo Presidente. A nova tarefa incutia uma dimensão adicional ao seu interesse. Embora Petrov tivesse plena confiança no assistente, não lhe revelou (nem a ninguém) o motivo da sua curiosidade especial no resultado das eleições. Limitou-se a indicar-lhe que colocasse diariamente sobre a sua secretária um relatório de uma página sobre o assunto.

 

Uma ocasião, numa fase preliminar, quando Bradford e o seu oponente Republicano ocupavam posições iguais nas sondagens, o general discutiu a forte competição da corrida aom Razin, comentando, algo enigmaticamente, que a vitória do candidato Democrata convinha ao Politburo e especulou sobre o que a União Soviética poderia fazer para a assegurar. Considerou a hipótese de o K. G. B. intervir na campanha de forma sub-reptícia, claro, difundindo rumores escandalosos acerca do oponente, a fim de aumentar as possibilidades de Bradford. No entanto, Razin discordou abertamente, por se lhe afigurar demasiado arriscado. Se fosse descoberta a participação da União Soviética no assunto, o efeito obtido consistiria em atribuir a Bradford simpatias pelos comunistas e consequente derrota. Em face disso, Petrov, que respeitava os conhecimentos do assistente sobre a mentalidade americana, não tornou a falar nisso.

 

Na véspera das eleições, uma derradeira sondagem atribuía vantagem a Bradford, e o general respirou fundo.

 

Não obstante, ao longo de todo o dia seguinte, viveu em ansiedade permanente. À noite, com Razin a seu lado, conservou-se quatro horas diante do televisor para se inteirar dos resultados transmitidos via satélite. Manteve os olhos colados ao pequeno écran, até que o candidato Republicano admitiu a derrota felicitou o rival. Petrov não conseguia dissimular a satisfação. Andrew Bradford instalar-se-ia na Casa Branca em Janeiro. A esposa, Billie, encontrar-se-ia a seu lado, companheira, confidente e Primeira Dama dos Estados Unidos. Na Rússia, graças a um capricho da Natureza, existia uma mulher que era quase a sua réplica exacta.

 

Petrov permitiu-se, pela primeira vez, transformar inteiramente aquilo que constituíra um projecto alucinado em algo que se poderia converter numa realidade nos domínios da espionagem.

 

com que finalidade poria o projecto em execução? Não se surpreendeu ao verificar que dispunha de uma resposta pronta. Se, num momento apropriado e por um lapso de tempo breve, pudesse substituir a Primeira Dama dos Estados Unidos pela sósia ucraniana treinada, a União Soviética inteirar-se-ia dos segredos do Presidente americano. Se, no decurso de uma crise e confrontação globais entre os Estados Unidos e a U. R. S. S. e havia pelo menos três potenciais em embrião, essa substituição se efectuasse com êxito, a União Soviética obteria uma vitória política e uma posição predominante à escala internacional.

 

Por conseguinte, o objectivo final era óbvio. A dificuldade residia no início. Na óptica de Petrov, havia três fases, que traduziu noutras tantas interrogações. O logro poderia ser devidamente preparado? Iludiria sem margem para a mínima suspeita? Recolheria a sanção oficial?

 

Decidiu que existia apenas uma maneira de atingir o seu objectivo: principiar pela fase um. Efectuar preparativos básicos para o projecto. Isso implicava cooperação total da actriz de Kiev.

 

Mandou, portanto, chamar Vera Vavilova.

 

Tratava-se de uma ordem, e ela compareceu com prontidão. Quando entrou no gabinete de Petrov, este tinha Alex Razin a seu lado. Ficou, uma vez mais, surpreendido e encantado perante a parecença da mulher com aquela que em breve seria a Primeira Dama americana. Pelo canto do olho, viu Alex Razin deixar transparecer profunda admiração. O assistente, porventura a única pessoa na Rússia ao corrente da existência de Billie Bradford, representava um teste importante. Para Petrov, a reacção do homem era reconfortante.

 

Antes da entrevista, o general ponderara a ideia de revelar a verdade a ambos, o que tinha em mente, mas acabara por não o fazer. Pelo menos, por enquanto. Era muito cedo. Por conseguinte, inventou uma história. Decerto não os iludiria, mas não tinha importância. Teriam de a aceitar, à falta de um motivo mais plausível para a entrevista.

 

Depois de Vera se sentar, ele levantou-se e proferiu:

 

Seja bem-vinda a Moscovo, camarada Vavilova. Recorda-se do nosso encontro em Kiev?

 

Não o poderia esquecer.

 

Apresento-lhe o meu assistente, Alex Razin.

 

Eles murmuraram as banalidades habituais de semelhantes situações.

 

Ora   bem prosseguiu   Petrov. Entrarei   directamente no assunto. Alguma vez ouviu falar de uma mulher chamada Billie Bradford?

 

Não creio.

 

Há-de ouvir. Trata-se de uma americana que em breve será famosa. É esposa do novo Presidente eleito dos Estados Unidos e passará a viver na Casa Branca no próximo ano como Primeira Dama do país.

 

A actriz manteve-se silenciosa, sem compreender onde o interlocutor pretendia chegar.

 

Procurei-a no seu camarim, em Kiev, porque se parece com ela de uma forma surpreendente. É igualmente essa a razão pela qual a mandei agora chamar.

 

Vera Vavilov aguardou uma explicação mais pormenorizada.

 

Essa parecença pode ser útil para a União Soviética. Tencionamos   produzir um   pequeno filme   (talvez   se   lhe pudesse chamar uma espécie de documentário) da Primeira Dama americana, Billie Bradford, e pensei que você poderia interpretar o papel principal.

 

Muito interessante. Sinto-me lisonjeada.

 

Não só é interessante como importante. Terá de renunciar a todas as suas actuais actividades, para se consagrar inteiramente à personificação da mulher em causa. Mudar-se-á para Moscovo imediatamente...

 

Mas os papéis que interpreto no repertório da companhia! O director não consentirá.

 

Não se preocupe com isso. Nós trataremos de tudo. Receberá quatro vezes   mais   do que ganhou   até agora.

 

Ocupar-nos-emos de todas as suas despesas e disporá de aposentos confortáveis em Moscovo. -

 

Apenas para fazer de Billie Bradford num filme? Onde; será exibido?

 

Não interessa. Mais tarde, será elucidada dos pormenores. De momento, porém, não necessita de saber mais. Outra coisa: é casada ou tem algum amante?

 

Não.

 

Óptimo, pois trata-se de um projecto secreto, de momento. Não queremos que seja discutido com ninguém, e o mesmo se aplica ao seu envolvimento. Se concordar, desaparecerá por completo da circulação. Não poderá revelar à família ou amigos o seu paradeiro ou trabalho a que se dedica. Em troca, garanto-lhe que a sua posição subirá consideravelmente e, um dia, tornar-se-á a actriz mais famosa da União Soviética. Está interessada?

 

Tenho alguma alternativa? perguntou ela, com um sorriso.

 

Decerto.

 

Estou mais do que interessada. Estou disposta a fazer tudo ao meu alcance pelo país.

 

Excelente. Petrov deu uma palmada de satisfação no tampo da

secretária. Aguarde na antecâmara.

O meu assistente transmitir-lhe-á instruções. Assim que a actriz se retirou, virou-se para Alex Razin. Que acha?

 

Dela? Como salientou, é quase perfeita. Se deixar crescer os cabelos, eliminar a pequena cicatriz na face e encurtar o nariz ligeiramente, passará sem dificuldade por Billie Bradford.

 

Refiro-me à minha versão. Parece-lhe que a engoliu?

 

É possível.

 

E você?

 

Confesso que não declarou Razin, que parecia algo divertido. No entanto, pertenço ao K. G. B. desde longa data. A história do filme deixou-me céptico.

 

Petrov soltou uma gargalhada, mas apressou-se a reassumir a expressão grave.

 

Por acaso, haverá um filme. Mas tem razão: o objectivo não é esse. Continue a confiar em mim, porque em breve conhecerá a verdade. Abriu uma gaveta da secretária e escolheu novo charuto. Principiaremos em seguida. Você ficará com plenos poderes, sob as minhas ordens. O... filme terá prioridade sobre todos os outros assuntos. Providencie para que ela não regresse a Kiev. Informe o teatro e a família. Qualquer pretexto banal serve. Mande buscar os seus artigos pessoais e instale-a numa pequena vivenda no sector dos V. I. P., perto da universidade. Teremos o seu domicílio permanente preparado dentro de umas semanas. No entanto, a partir de hoje, não deve contactar com estranhos. Amanhã, celebraremos uma longa reunião, e a transformação de Vera Vavilova em Billie Bradford principiará.

 

Começou com a recolha de elementos superficiais. Petrov transmitiu as instruções necessárias a Razin e este, recorrendo a agentes do K. G. B e certos círculos em Washington e Nova Iorque, iniciou os trabalhos. Naquela fase preliminar, havia necessidade de diapositivos e películas da televisão em que aparecesse Billie Bradford da cabeça aos pés, a fim de lhe estudar as dimensões físicas, maneira de andar, gestos e maneirismos. Gravações estereofónicas revelariam a forma de falar.

 

Enquanto o assistente desempenhava persistentemente a tarefa de que fora incumbido, Petrov debruçava-se sobre outro aspecto vital do projecto, que intitulara «Segunda Dama». Quinze quilómetros ao sul de Moscovo, numa elevação para lá da estrada circular que envolvia a cidade, requisitou três hectares de terreno virgem atrás de um pinhal que se estendia ao longo da rodovia principal em direcção ao aeroporto de Vnukovo e mandou construir uma estrada particular de acesso através do arvoredo. Depois, assistiu à preparação de uns estúdios, onde se achavam reproduzidos a Sala Vermelha, a Sala de Jantar do Presidente, o Quarto da Rainha, o Quarto de Lincoln e a Sala Oval Amarela da Casa Branca americana. As carpetes, cortinados, candeeiros, lustres, mobiliário, papel das paredes e quadros dependurados eram réplicas exactas dos observados nos diapositivos e películas da televisão obtidos nos respectivos locais. Circundava os estúdios uma elevada vedação de madeira, com uma porta que se abria para a estrada particular. Em seguida, o general mandou construir uma pequena casa de dois pisos a uma centena de metros das traseiras dos estúdios, que incluía uma sala de projecções. Assim que esta última foi dada por concluída, Vera Vavilov mudou-se para lá, como única ocupante.

 

Entretanto, Alex Razin obtivera os elementos necessários dos Estados Unidos.

 

As dimensões físicas de Billie Bradford eram impressionantes. Tinha um metro e sessenta e cinco de estatura, oitenta e cinco centímetros de busto, cinquenta e oito de cintura, oitenta e cinco de ancas e o peso de cinquenta e cinco quilogramas. Os cabelos à altura dos ombros eram sedosos e louros (havia uma pequena amostra recolhida pelo K. G. B.), os olhos azuis, nariz direito, com quatro centímetros de comprimento e ligeiramente arrebitado, e boca com seis e meio de largura.

 

As dimensões físicas de Vera Vavilova eram igualmente notáveis. No dia a seguir à mudança para a casa solitária, Razin pediu-lhe que vestisse um biquini e indicou a um médico do K. G. B. que lhe tirasse as medidas. Tinha um metro e sessenta e quatro de altura, oitenta e dois de busto, sessenta de cintura, oitenta e sete de ancas e cinquenta e sete quilogramas de peso. Os cabelos eram suaves, curtos e de um louro claro, olhos azuis, nariz direito, com quatro centímetros e meio de comprimento, levemente arrebitado, e boca com seis e meio de largura.

 

Petrov chamou Razin depois de se inteirar dos números. As discrepâncias eram pequenas,» superficiais mesmo, mas existiam. Vera Vavilova devia deixar crescer o cabelo até aos ombros e escurecê-lo um pouco, providenciar para que o busto aumentasse três centímetros e o nariz diminuísse cinco milímetros. A pequena cicatriz na face tinha de desaparecer. Além disso, necessitava de perder dois quilogramas, dois centímetros na cintura e outros tantos nas ancas. Seria possível? Os cirurgiões do Instituto de Cosmetologia de Moscovo asseguraram-lhe que o conseguiriam sem qualquer dificuldade. Que pensava a interessada?

 

Nada tenho a objectar à perda de peso declarou ela a Petrov e Razin, na sala da sua casa solitária. Mas confesso que a ideia da cirurgia plástica não me agrada. Um nariz mais pequeno e seios maiores para um simples filme. Porquê? Qual a necessidade de ser exactamente como Billie Bradford? Já nos parecemos o suficiente sem isso.

 

Garanto-lhe que é indispensável reiterou o general, com prudência. Compreenderá melhor mais tarde.

 

Não tenho voz activa, neste momento?

 

Lamento, mas julgo que não.

 

Insiste?

 

Sou obrigado. Não se arrependerá.

 

A actriz não tinha um temperamento rebelde e, até então, não protestara com coisa alguma, consciente de que ia até onde lhe era possível. Por fim, encolheu os ombros e assentiu:

 

Está bem. Seja como preferem.

 

Dias depois, submeteram-na a cirurgia cosmética e a intervenção saldou-se por um êxito absoluto. Seguiu-se um período de dieta rigorosa desapareceram as batatas e outras proteínas combinada com calistenia e ginástica vulgar diárias.

 

Quando o médico do K. G. B. a voltou a medir, as dimensões de Vera Vavilova eram exactamente iguais às de Billie Bradford.

 

Mais ou menos na mesma altura, na distante Washington D. C., Andrew Bradford prestava juramento como novo Presidente dos Estados Unidos e Billie Bradford instalava-se na Casa Branca como Primeira Dama.

 

Dois meses mais tarde, ela permitiu que uma cadeia de TV americana proporcionasse aos espectadores uma breve visita aos aposentos privados do primeiro piso da Casa Branca, oferecendo-se para comentadora, grave, humorística ou jocosa, consoante as circunstâncias. O programa revelou-se extremamente popular e contribuiu para incrementar as simpatias de que a Primeira Dama desfrutava. De Nova Iorque, seguiu de avião uma cópia do documentário para Moscovo, onde Petrov, Razin e Vera Vavilova observaram a projecção, após o que ela recebeu instruções para assistir à passagem da película de dez minutos três vezes por dia, durante seis semanas. Devia estudar e memorizar todas as variações da fala da Primeira Dama, juntamente com os gestos e movimentos, e depois imitá-los nas dependências da Casa Branca construídas nos estúdios.

 

Entre essas ocupações, a actriz prosseguia as lições de dicção e comportamento. Enquanto um instrutor passava gravações dos discursos e entrevistas de Billie Bradford, Vera Vavilova desenvolvia os maiores esforços para adquirir todas as suas características, tornando a voz mais grave e rouca. com outros instrutores, perante uma montagem de películas da americana, familiarizou-se com a sua maneira de andar, as graciosas piruetas ao voltar-se para escutar alguém, a atitude quando não se achava em movimento e os numerosos gestos.

 

Transcorridas seis semanas, Razin ordenou-lhe:

 

Apresente-se às oito da manhã nas instalações da Casa Branca, para iniciarmos a rodagem do filme.

 

Então, sempre há um filme? redarguiu ela, com um sorriso malicioso.

 

Sem dúvida, e você é a figura principal volveu ele, mantendo-se profissionalmente grave, embora impressionado pelos seus atractivos.

 

Quatro semanas depois, terminada a rodagem da película, Petrov assistiu à projecção e decidiu que chegara o momento de empreender o passo crucial. Não podia continuar sem autorização oficial... e uma verba consideravelmente mais elevada.

 

Assim, telefonou ao Primeiro-Ministro, Dmitri Kirechenko, para que lhe concedesse uma audiência especial, no dia seguinte, na sala de projecções do Kremlin.

 

Na sala de projecções? O Primeiro-Ministro, em regra cordial e imperturbável, parecia intrigado. Não tenho tempo para ir ao cinema. É melhor ficar para outra oportunidade.

 

Trata-se de um assunto de prioridade máxima.

 

Hum... Tenho o tempo todo tomado, de manhã e à tarde.

 

À noite, nesse caso?

 

À   noite?...   Garanin,   Lobanov   e   Umyakov   jantam comigo.

 

Referia-se a membros importantes do Politburo, de entre os quais Anatoli Garanin manifestava particular simpatia pelo K. G. B e seus projectos.

 

Que venham, também sugeriu Petrov. Não os reterei mais de meia hora, antes do jantar.

 

Está bem. Kirechenko exalou um suspiro de resignação. Às sete e meia na sala de projecções. E cortou a ligação.

 

Na noite seguinte, o general encontrava-se na imponente sala de projecções do Kremlin, sentado na primeira de meia dúzia de filas de poltronas confortáveis. Fizera-se acompanhar de Alex Razin, o qual se achava na cabina, a fim de transmitir instruções ao projeccionista. O Primeiro-Ministro chegou às 19.34, seguido dos colegas do Politburo. Garanin, Lobanov e Umyakov. Era um homem de presença impressionante, com mais de um metro e oitenta de altura, maciço como uma estátua de mármore e imaculado num fato azul-marinho com leves riscas claras. O rosto equino era adornado por óculos sem aros, bigode aparado de forma irrepreensível e barba tipo Vandyke pontiaguda, num conjunto fisionómico que lembrava vagamente um antigo inimigo do Estado: Leão Trotski. Após as saudações formais, sentou-se, imitado por Garanin, de cabelos ralos e baixo, Lobanov e Umyakov, que pareciam homens de negócios prósperos de meia-idade.

 

Aqui nos tem articulou Kirechenko, fixando o olhar em Petrov, que se conservava de pé. Que assunto é esse tão importante?

 

Um novo projecto. De interesse extraordinário, sem margem para dúvidas. Uma vez posto em prática, pode alterar a face do mundo. Principia com duas pequenas sequências filmadas.

 

Vendo Razin emergir da cabina de projecção, o general sentou-se, enquanto o assistente fazia sinal ao projeccionista e se instalava atrás do painel de comando.

 

As luzes apagaram-se e Billie Bradford surgiu na tela, no momento, em que entrava no Quarto Lincoln da Casa Branca.

 

Reconhece-a, senhor secretário? perguntou Petrov, por cima do ombro.

 

É a nova Primeira Dama americana replicou o interpelado. Um regalo para a vista.

 

A imagem de Billie Bradford começou a referir as histórias relacionadas com a cama de pau-rosa de dois metros e meio e decorações vitorianas adquiridas por Mrs. Lincoln. A projecção prosseguiu, enquanto ela se transferia para a Sala de Jantar do Presidente. Ao cabo de dez minutos, a película chegou ao fim e as luzes acenderam-se.

 

Este filme foi   apresentado recentemente por uma cadeia de televisão americana esclareceu Petrov. Vejamo-lo de novo.

 

Não sabia que o meu chefe de segurança se tornara distribuidor de filmes. O Primeiro-Ministro deu uma gargalhada e os membros do Politburo imitaram-no.

 

A minha intenção não tardará a tornar-se óbvia prometeu o general.

 

As luzes tornaram a extinguir-se e apareceu imediatamente na tela a imagem de Billie Bradford, entrando no Quarto Lincoln e indicando os seus pontos mais notáveis. Quando concluiu a descrição e seguiu para a Sala de Jantar do Presidente, a voz do Primeiro-Ministro indagou com impaciência:

 

Qual é a sua ideia, Petrov? Porque mandou projectar o mesmo filme duas vezes? Tínhamos acabado de o ver.

 

Agradecia que aguardasse mais uns momentos. Existe um motivo especial para proceder assim.

 

A película sobre a Primeira Dama americana continuou, com a repetição exacta do que fora projectado pouco antes, ao mesmo tempo que os grunhidos de desagrado de Kirechenko se acentuavam. Por último, a projecção chegou ao fim e as luzes acenderam-se.

 

Endoideceu? O   Primeiro-Ministro   cravou   o   olhar irado no general. Como se atreve a fazer-nos perder tempo precioso, para mostrar o mesmo filme duas vezes? Se outra pessoa   cometesse   semelhante   impertinência   mandava-o internar imediatamente num manicómio. Espero que tenha uma boa explicação para semelhante atitude.

 

com certeza assentiu, Petrov, imperturbável.

 

Então, deite-a cá para fora de uma vez!

 

Tem a certeza de que era o mesmo filme, camarada Kirechenko?

 

Julga que sou cego? Claro que era.

 

com a Primeira Dama americana no primeiro?

 

Decerto.

 

E a Primeira Dama americana no segundo?

 

Sem dúvida! vociferou o Primeiro-Ministro, exasperado.

 

Petrov deixou passar uns segundos e declarou:

 

Queira perdoar, mas está equivocado, camarada. No primeiro, vimos a verdadeira Primeira Dama americana: Billie Bradford. No segundo, aparecia uma actriz soviética, Vera Vavilova, que a personificava. E notou a incredulidade e choque desenhados nos quatro semblantes.

 

Seguiu-se   um   silêncio, cortado finalmente   por Kirechenko:

 

Trata-se de alguma brincadeira?

 

De modo algum. No primeiro filme, figurava a esposa do Presidente americano, Billis Bradford, e no segundo a sua sósia soviética, Vera Vavilova, a qual a personificava num cenário que construímos e constitui a réplica dos aposentos da Casa Branca. O meu assistente aqui presente, Alex Razin, pode confirmar as minhas palavras. Acabam de ver a esposa do Presidente, em Washington, e a sua sósia, em Moscovo.

 

Espantoso admitiu Garanin, olhando o Primeiro-Ministro a seu lado.

 

Incrível concordou este último, empertigando-se na poltrona. Foi um truque de mestre. Uma ilusão perfeita. Que tem em mente?

 

Uma ilusão de maior envergadura e consequências articulou Petrov, com suavidade. Em dado momento dos próximos anos, no palco político mundial, surgirá uma crise, uma confrontação inevitável entre os Estados Unidos e a União Soviética, a qual, como sabemos, ocorrerá na Coreia, Boende ou Irão. Nessa ocasião, um dos dois terá de ceder, ou haverá guerra e, para garantir a nossa vitória, necessitaremos de uma arma secreta. Ora, aquilo que acabamos de observar na tela pode representar essa arma secreta. Se dispusermos de uma mulher que não se possa distinguir da esposa do Presidente e conseguirmos instalá-la na Casa Branca no lugar da Primeira Dama americana por um breve período sem que ninguém se aperceba, teremos utilizado o maior agente de espionagem da História. Poderemos inteirar-nos de todos os projectos do Presidente e seus belicistas conselheiros. Conheceremos todos os planos do inimigo com a necessária antecedência. Assim, o nosso triunfo estará assegurado em qualquer crise.

 

Durante vários segundos, ninguém pronunciou palavra.

 

Finalmente, o Primeiro-Ministro murmurou:

 

É realmente exequível?

 

Refere-se à possibilidade de ela ser capaz?

 

Exacto.

 

Procederá com a maior eficiência, se a oportunidade surgir. Viram a prova. Vera Vavilova é Billie Bradford. you explicar como a ideia me acudiu, os preparativos a que nos dedicámos e a forma como tencionamos utilizá-la.

 

E, ao longo de quarenta e cinco minutos, Petrov desbobinou o seu rosário sem soluções de continuidade, nem interrupções. Quando terminou, estava quase ofegante.

 

E aqui tem, camarada Kirechenko.

 

Mas tenho o quê? retrucou o outro, a meia-voz. Alguém disposto a executar uma tarefa arriscada. Nada mais. Um filme de escassos minutos é uma coisa, mas esperar que se aguente durante dias (provavelmente, duas semanas) sem   despertar suspeitas,   afigura-se-me   inconcebível.   Ela acabaria por se denunciar. Um lapso ao longo das filmagens pode rectificar-se, enquanto na vida real...

 

Vera Vavilova não cometeu um único erro durante a preparação do filme afirmou   Petrov, com   ansiedade. Garanto-lhe que também não se comprometerá na vida real. Pode aguentar-se várias semanas. Aposto toda a minha carreira nela.

 

O Primeiro-Ministro contemplou-o em silêncio por um longo momento, antes de advertir:

 

Se se denunciar, será a sua   cabeça   que   rolará, general.

 

Estou perfeitamente ciente disso.

 

Por outro lado, o país ficaria numa situação melindrosa, a nível internacional.

 

Também não o ignoro.

 

E continua a recomendar o projecto?

 

Em absoluto asseverou Petrov. Estou certo de que ela se sairá bem. Obterá benefícios para nós que de outro modo nunca alcançaríamos. Transmitir-nos-á as suas estratégias e segredos, para que os aniquilemos. Não nego que há perigo envolvido, mas ele existe em todos os grandes empreendimentos históricos.

 

Um   simples   deslize   pode   cobrir-nos   de   ridículo perante todo o mundo... conduzir-nos à guerra.

 

Não digo o contrário. Mas se dermos conta do recado (e não temos a mínima dúvida a esse respeito), asseguraremos o domínio da União Soviética sobre os Estados Unidos durante gerações.

 

Kirechenko imergiu em reflexões e Garanin inclinou-se para ele e sussurrou:

 

Uma oportunidade inestimável.

 

Ignorando o conselheiro, o Primeiro-Ministro ergueu a cabeça e fixou os olhos no chefe do K. G. B.

 

É muito persuasivo, camarada Petrov. Desviou-os para a tela na sua frente. E ela também. Tornou a concentrar-se no general. De que necessita?

 

Duas coisas. Em primeiro   lugar, autorização para avançar. Evidentemente que a opção final para empreender o projecto ou cancelá-lo no último momento será de sua exclusiva competência. Mas, para já, a autorização.

 

Concedida proferiu Kirechenko, em tom quase inaudível.

 

Em segundo, dinheiro.

 

Pode, também, contar com ele.

 

Isto passara-se cerca de três anos antes. Atrás da secretária, o general Petrov emergiu das recordações para regressar ao presente. No dia seguinte, a contagem decrescente principiaria. Na realidade, naquela noite, pois o relógio da secretária indicava que era uma hora da madrugada. Faltavam setenta e duas. A expectativa era quase insustentável.

 

Levantou-se com impaciência. Era tarde e convinha que tentasse dormir um pouco, no quarto contíguo. No entanto, sabia que a agitação do espírito não se deixaria dominar pelo sono. Os acontecimentos de três anos atrás voltaram a apresentar-se-lhe. Na verdade, fora um colégio secreto que instituíra, com um curso de três anos, uma única disciplina e uma aluna. A disciplina era Billie Bradford e o corpo estudantil Vera Vavilova. Agora, com a formatura à vista e o mundo real abrindo-se à sua frente, Petrov sentia um desejo repentino de se avistar com o reitor. Somente Alex Razin poderia dizer se a aluna se achava em condições de enfrentar a gigantesca provação. O general carecia da confirmação de que não fora descurado qualquer aspecto, por insignificante que parecesse, e a finalista transporia o derradeiro obstáculo.

 

No monástico gabinete do K. G. B no quarto piso, Alex Razin guardava folhas dactilografadas em dossiers que depois fazia desaparecer na pasta. Explicara a Vera que talvez chegasse tarde e era tarde , porém ela insistira em o esperar. Agora, quando se preparava para pôr termo ao trabalho e passar a noite com a actriz a última nas próximas três semanas , via uma das mãos tremer.

 

A tensão dominava-o, sem que conseguisse atenuá-la. Enquanto preparara o perigoso projecto sob a égide de Petrov, com muitos outros, a única responsabilidade pela perfeição pertencera-lhe totalmente. A nível humano, ele, mais do que qualquer dos restantes envolvidos, arriscava tudo. A sua aluna, o peão naquele empreendimento de superespionagem, não era apenas uma agente, mas a única pessoa que amava mais do que a qualquer outra da Terra, facto cujo reconhecimento lhe tornara a tarefa duplamente difícil. A actuação de Vera devia ser impecável, o seu futuro imediato seguro, não só para alcançar uma vitória na guerra fria, mas também para preservar o seu precioso ser para ele, para ambos. A responsabilidade inundava-o de uma corrente de terror.

 

Quando bateram à porta e o general Petrov surgiu inesperadamente com a ideia de rever, mais uma vez, determinados aspectos do treino de Vera, Razin experimentou uma sensação de alívio. Embora ansiasse por se encontrar nos braços ternos dela antes que os separassem, agradava-lhe o pretexto para examinar de novo o trabalho executado. À semelhança do superior, desejava certificar-se, para além de qualquer dúvida possível, de que tinham previsto todas as surpresas. Não se importava de chegar atrasado. Se Vera tivesse adormecido, poderia acordá-la e saber que, em virtude da sua vigilância, ela permaneceria em segurança.

 

Espero que não esteja muito cansado observou

 


Petrov, afundando-se na cadeira diante da secretária de assistente.

 

Para isto, não. No fundo, apetecia-me recapitular os preparativos, mais uma vez. A prudência nunca é excessiva Temos de nos certificar de que não existe o mínimo ponto vulnerável.      

 

Disso, estou absolutamente certo declarou o general, enquanto Razin se dirigia ao ficheiro. Confesso quí nem sei bem porque quero rever tudo. Talvez pretenda vangloriar-me da perfeição do plano... antes de ela se afastar das nossas mãos.

 

Afastar das nossas mãos. As últimas palavras suscitaram nova sensação desconfortável em Razin. No entanto, procurando não deixar transparecer coisa alguma, pegou nas’ três volumosas pastas de cartolina que compunham o Projecto Segunda Dama e colocou-as em frente de Petrov.      

 

Está tudo aí. Encontrará uma cópia de cada memorando, folha de progresso, anotações sobre o que havia a fazer e o que fizemos, abarcando cada semana de actividades, desde o dia em que Kirechenko deu a luz verde e concedeu o fundo especial.

 

Vou apenas dar uma olhadela pelos tópicos principais. O general estendeu a mão para a pasta de cima e abriu-a sobre os joelhos. Espero não demorar muito. Tem alguma coisa que se beba?

 

Tenho, mas sem gelo.

 

O gelo só serve para diluir a bebida. Enquanto o subordinado vertia vodka num copo para cada um, o chefe do K. G. B principiou a examinar os documentos. Começámos com a construção da réplica da Casa Branca, à escala exacta. Foi uma operação morosa e dispendiosa.

 

Mas obtivemos uma reprodução autêntica. Razin puxou uma cadeira para junto do general e espreitou por cima do seu ombro. Quando possuímos fotografias minuciosas das últimas alterações, tudo correu bem. Fez uma pausa para levar o copo aos lábios. A única coisa que me preocupou um pouco foi a redução da escala de algumas dependências, para poupar dinheiro e tempo. Ainda hoje receio que ela se desoriente, quando estiver na Casa Branca autêntica.

 

Garante que não haverá problemas por esse lado?

 

Esperemos que não.

 

O arquitecto e os construtores quase tinham duplicado todo o interior da residência presidencial: rés-do-chão, primeiro e segundo pisos. Três lados do exterior eram paredes lisas (uma vez mais, para economizar dinheiro e tempo), oorém o Pórtico Sul e área em torno da Sala Oval e Jardim das Rosas constituíam reproduções fiéis.

 

Como pode ver, aumentámos o número dos nossos agentes e informadores em Washington, assim como no resto do país salientou Razin. Enquanto a construção prosseguia aqui, iniciámos a pesquisa intensa de facto nos Estados Unidos.

 

O material necessário fora canalizado para Moscovo através de uma corrente interminável de informação. De um modo geral, tornara-se relativamente fácil. Mais gravações de Billie Bradford, para as lições de voz de Vera Vavilova. Mais películas de Billie Bradford em acção, no interior da Casa Branca e em público. Eles tinham mostrado à actriz imagens e gravações da Primeira Dama americana, obrigando-a a reproduzir repetidamente tudo o que via e ouvia.

 

O verdadeiro físico de Billie Bradford era transmitido semanalmente, para detectar uma nova ruga na fronte, um novo penteado ou a mínima perda ou aumento de peso. Cada vez que se verificava uma alteração no original, era reproduzida em Vera Vavilova.

 

Também foram considerados outros aspectos do físico da Primeira Dama. A sua companhia de seguros foi invadida secretamente, para obtenção de cópias das suas apólices e eventualidade de conterem o registo de alguma deformação ou defeito encobertos. A ficha existente no dentista tão-pouco escapou à curiosidade dos investigadores. O consultório do médico da Casa Branca, Dr. Rex Cummings, foi visitado, para fotografar o resultado dos exames físicos e proporcionar indicações acerca de alguma doença crónica.

 

Ao longo de meses, registou-se uma lacuna preocupante. Os amigos e conhecidos podiam ser iludidos pela duplicação de uma Billie Bradford vestida ou semivestida. Mas o que se passaria com o médico ou o marido, sobretudo este último, que a veriam desnuda? Qual o aspecto da Primeira Dama totalmente despida? O facto devia ser indagado, para que Vera Vavilova pudesse desempenhar o seu papel com êxito. Razin ponderara o problema demoradamente e acudira-lhe uma inspiração. Recordara-se de ver, numa revista italiana para homem, cinco fotografias coloridas de Jacqueline Kenneddy e depois de Onassis, completamente desnudas. A antiga Primeira Dama americana tomava banhos de sol na ilha de Skorpios, seu refúgio na Grécia, e um fotógrafo italiano, numa embarcação de pesca ao largo, servira-se de uma máquina com teleobjectiva para registar a insólita cena. As fotografias eram inteiramente reveladoras, expondo com nitidez os seios firmes, ancas generosas e pêlos púbicos que cobriam o monte vaginal. Ao evocá-las, Razin reconheceu que, se conseguisse obter uma colecção similar da nova Primeira Dama, teria o problema resolvido.

 

Rumores persistentes indicavam que Billie Bradford, quando se achava numa área isolada de uma estância de veraneio, gostava de tomar banho desnuda. Assim, Razin apressou-se a contratar um fotógrafo, munido de uma poderosa teleobjectiva, para a seguir discretamente durante as férias. O homem acompanhou-a a Miami Beach e Malibu sem conseguir o que pretendia, até que, durante o segundo ano na Casa Branca, a Primeira Dama deslocou-se de avião à Sicília, para uma semana de repouso. Como convidada do embaixador italiano nos Estados Unidos, dispunha de uma pequena enseada e praia privativa. Na terceira manhã, bem cedo, emergiu de casa envolta num roupão azul-claro, aproximou-se da beira-mar e despiu-o. Totalmente desnudada, deitou-se na areia e fechou os olhos para desfrutar do calor dos primeiros raios solares. O enviado de Razin encontrava-se no telhado de uma casa à distância, com a teleobjectiva apontada à Primeira Dama como viera ao mundo.

 

Quando recebeu as fotografias, o assistente de Petrov ficou encantado. Já tomara as disposições necessárias, uma semana antes, para obter uma sequência de imagens análogas de Vera Vavilova, as quais haviam resultado excelentes. Na posse dos dois conjuntos, alinhou-os na sua frente em cima da secretária e, recorrendo a uma lupa, procedeu a uma comparação minuciosa. Os seios eram idênticos e os mamilos também, com minúsculas diferenças de pormenor. Os umbigos e estômagos não se distinguiam. Por fim, detectou uma discrepância e, logo a seguir, outra. Existia uma marca quase imperceptível na parte inferior do lado direito de Billie Bradford que não tinha correspondente no corpo de Vera Vavilova. Além disso, os triângulos formados pela área capilar pública não se podiam considerar idênticos. O de Billie Bradford prolongava-se mais para cima que o da russa. Razin mandou chamar um médico, para que estudasse as fotografias com a lupa. O sinal no corpo da Primeira Dama revelou-se fácil de identificar. Tratava-se de uma cicatriz resultante de uma apendicectomia. A solução consistia em submeter Vera Vavilova aos cuidados de um cirurgião e praticar uma incisão com um bisturi para duplicar a marca de bilie Bradford. Quanto às diferenças na configuração dos pelos púbicos, o médico também estava convencido de que se podiam anular. Bastava implantar um pouco mais em torno da vagina da actriz.

Todavia, era mais fácil dizer que fazer. Pouco antes dessas decisões, Vera Vavilova protestara contra a imposição de posar despida e Razin quebrara-lhe a resistência persuadindo-a de que as fotografias de nu artístico serviriam uma finalidade importante que em breve lhe seria divulgada. No entanto, quando se inteirou de que necessitava de se sujeitar a uma intervenção cirúrgica, ainda que insignificante, e implantação de pêlos púbicos, insurgiu-se com particular veemência.

 

Petrov tencionara elucidá-la da verdadeira natureza da sua tarefa logo que o Primeiro-Ministro aprovou o projecto, mas foi protelando a revelação por desejar que tudo se mantivesse secreto o mais longamente possível. Sabia que não podia continuar a ocultar a verdade indefinidamente à actriz e Alex Razin. com efeito, eram-lhes feitas demasiadas exigências, para que a ignorassem. O general resolvera informá-los no momento da conclusão da réplica da Casa Branca. Contudo, o dia chegara e passara sem que o fizesse. Por último, quando Razin o procurou para comunicar a necessidade da intervenção cirúrgica e implantação de pêlos e a recusa de Vera em aceder, reconheceu que não os podia manter alheios à realidade por mais tempo.

 

Encontraram-se ao fim da tarde, após um longo dia de ensaios, escolhendo para o efeito a sala da residência de Vera, com bebidas na sua frente.

 

Petrov dirigiu-se em primeiro lugar a Razin:

 

Sabe o que se passa? A finalidade do que estamos a fazer?

 

Creio que adivinhei.

 

E   você? Virou-se   em   seguida   para   a   actriz. Também adivinhou?

 

Sei que não vamos rodar outro filme. Deve tratar-se de algum assunto do K. G. B. fora da minha compreensão.

 

Não está muito longe da verdade. Uma vez que chegámos a este ponto e julgo poder confiar em ambos, vou elucidá-los.

 

Descreveu então todo o plano, desde a sua concepção até àquele momento, sem omitir o mínimo pormenor. Admitiu que podia revelar-se fútil e nunca surgir a oportunidade de o pôr em prática, enquanto Billie Bradford ocupasse’! Casa Branca, porém existiam fortes possibilidades de kjB terem perdido o seu tempo. Desenhavam-se no horizonte político várias confrontações importantes entre a União Soviética e os Estados Unidos, susceptíveis de redundar nun conflito aberto,’no ano seguinte. Portanto, impunha-se que estivessem preparados para semelhante eventualidade.

 

Quando tal acontecer concluiu, você substituirá Billie Bradford na Casa Branca como Primeira Dama por um breve período. Será o papel mais importante que uma actriz jamais interpretou... e o mais perigoso.

 

Não se preocupava com Razin, pois tratava-se de um homem inteligente, que teria deduzido tudo, à parte os pormenores. Era acerca de Vera Vávilová que lhe acudiam! certas reservas. Há muito que se convencera da sua resistência e lealdade, embora ignorasse até que ponto a poderia pôr à prova. Inteirar-se-ia agora.

 

Terminadas as explicações, Petrov esperara vê-la vacilar, enrugar a fronte de apreensão, exprimir dúvidas.

 

Ao invés, conservou-se imóvel e silenciosa, de rosto inexpressivo por uns momentos.

 

Então, camarada Vavilova? acabou o general por’ indagar.

 

Continuarei a interpretar o meu papel articulou ela em voz pausada. Agrada-me. Nunca me distribuirão outro melhor.

 

Após a reunião, seguiu para o hospital, a fim de se sujeitar à intervenção cirúrgica e implantação.

 

Pouco depois de ter alta, chegou, enviada por um dos agentes do K. G. B. nos Estados Unidos, uma derradeira encomenda que continha vários objectos: cópias de radiografias da dentadura de Billie Bradford e duplicados de moldes de gesso de impressões dos dentes de ambas as maxilas. Foi o dentista do próprio Primeiro-Ministro quem os estudou e comparou com os obtidos de Vera e, no final, anunciou:

 

Extraordinariamente   similares   no   alinhamento,   à excepção dos molares posteriores.

 

Os dentes de trás? inquiriu Razin.

 

Sim. Os da camarada Vavilova estão um pouco desalinhados, pelo que não condizem exactamente com os da americana.

 

Haverá possibilidade de alguém notar a diferença?

 

Só um dentista.

 

Ponderou a informação por uns instantes. Quando Vera substituísse Billie, seria por pouco tempo e provavelmente -não necessitaria de consultar o dentista. Se surgisse uma dor de dentes, teria de a aguentar em silêncio. No entanto, se Por uma razão imprevista, não o pudesse evitar, procuraria um de outra cidade e não de Washington, onde residia o dentista da Primeira Dama.

 

Descobriu mais alguma coisa?

 

Apenas uma discrepância que aparece com clareza nas radiografias. Os dentes da camarada Vavilova são todos seus e nunca necessitaram de cuidados de dentista, ao passo que os de Billie Bradford (o primeiro e segundo bicúspidos e o primeiro molar) foram brocados e obturados. É a única diferença óbvia entre os dois conjuntos.

 

A revelação preocupou Razin, que perguntou:

 

Pode alterar-se o aspecto dos da camarada Vavilova, para ficarem iguais aos da americana?

 

Sem dúvida: brocando-os e obturando-os. Custava-lhe dizer a Vera que ficaria com três dentes sãos afectados, além do que não estava seguro de como reagiria. Todavia, verificou com profundo alívio que se mostrava compreensiva e disposta a colaborar. com o escoar do tempo, ficara obcecada pela ideia de interpretar o seu papel até à perfeição.

 

Todos aqueles eventos relacionados com o desenvolvimento do projecto desfilavam agora no espírito de Razin, sentado no seu gabinete, ao lado de Petrov, saboreando a bebida e observando o chefe, que examinava os documentos e inclinava a cabeça, sorrindo e emitindo por vezes um comentário de satisfação.

 

Razin recordou que fora naquele ponto que Vera se convertera de uma actriz soviética empenhada em encarnar uma americana numa pessoa que vivia e pensava como uma americana. Só estava autorizada a falar inglês, usar vestuário americano (excepto o importado de Ladbury, em Londres) e consumir alimentos dos Estados Unidos. Ao pequeno-almoço, tomava sumo de tomate enlatado e tragava flocos de aveia de embalagens provenientes da América, além de ler as edições da véspera do New York Times e Washington Post. Quando lhe apetecia ouvir discos, escolhia apenas composições americanas de qualquer época e a televisão de circuito fechado exibia exclusivamente programas e noticiários das redes dos Estados Unidos.

 

Entretanto, era inundada por material relacionado com Billie Bradford, mas nunca ao extremo da saturação. Assinalava tudo com prontidão e possuía uma memória fantastica. Cultivava-se absorvendo a educação da Primeira Dama na escola primária, liceu e universidade. Lia os seus exames exercícios classificativos ao longo do ano escolar e toddos os livros pelos quais estudara. Nas pessoas de actores russos (que supunham que ensaiavam para uma película), depararam-se-lhe antigos condiscípulos, instrutores e professores da americana.

Recebeu informações minuciosas acerca da família imediata pai, irmã, cunhado, sobrinho e mãe, falecida há dez anos, animais de estimação, tias, tios e parentes mais afastados domiciliados em Los Angeles, Denver, Chicago « Nova Iorque. Gradualmente, esses elementos estenderam-se a um campo mais vasto para abarcar os amigos, conhecidos» e lojas que preferia frequentar, actividades do marido durante a campanha eleitoral, pessoal que prestava serviço na Casa Branca, responsáveis dos diversos departamentos,! congressistas, chefe do gabinete de Imprensa, etc.

No entanto, acima de tudo, era instruída diariamente! sobre os hábitos, preferências e antipatias de Andrew Brad- ford e tudo o que se conseguia apurar do seu convívio.       Neste ponto, Razin, enfrentou um obstáculo que quase levou Petrov a abandonar o projecto. Ao longo de dois anos, o assistente esforçara-se por se inteirar de todos os pormenores a respeito da vida sexual dos Bradfords. Para que Vera substituisse com êxito absoluto, necessitava de saber como esta última se comportava na cama com o marido, Como costumava reagir? Tinham relações com naturalidade e, em caso afirmativo, com que frequência? Billie era dócil ! ou agressiva? Algum dos dois gostava de se entregar às chamadas perversões? Não obstante, nos primeiros dois anos, por porfiadas que se revelassem as diligências dos agentes   enviados,   tornou-se   impossível   obter   a   mínima informação útil nesse capítulo. À medida que o tempo passava, Petrov principiou a admitir que, sem o conhecimento de semelhante faceta da vida de Billie Bradford, Vera só triunfaria por mera sorte. Ora, a operação impunha que não se contasse com a menor parcela desse elemento fortuito. Quase exasperado, Razin tentou encontrar meios para contornar o problema do sexo. Talvez o Presidente Bradford sofresse um acidente que o incapacitasse nesse aspecto durante um mês. Todavia, ver-se-ia igualmente obrigado a adiar uma conferência e confrontação com Kirechenko. Por conseguinte, a possibilidade foi posta de parte. Por outro lado, havia a esperança de a própria Billie se envolver num acidente que a impossibilitasse de receber o marido na cama por três ou quatro semanas. Enquanto Razin estudava esta solução, ainda que precária, surgiu uma luz intensa no túnel até então tenebroso.

 

Um americano, agente excelentemente remunerado do K. G. B. em Washington, na própria Casa Branca, tomou conhecimento de que a jovem ruiva que exercia as funções de enfermeira do Dr. Cummings era amante ocasional do Presidente. Chamava-se Isobel Raines e possuía um pequeno bangaló (muito acima do seu rendimento anual) em Bethesda, Maryland. O K. G. B. submeteu-a a vigilância imediata, ao mesmo tempo que lhe investigava o passado, não tardando a descobrir que, quando a Primeira Dama se ausentava da capital, o Presidente recebia Miss Raines na cama até à alvorada. Pouco após a confirmação destes factos, o K. G. B. concluiu a recolha de elementos sobre as precedentes actividades da enfermeira, em que se registara um período inconfessável. Cinco anos antes, ela vivera com um importante patrão da Mafia, em Detroit. Por conseguinte, chegara o momento de lhe fazer uma visita.

 

Dois eficientes agentes do K. G. B., membros da Rezidentura adstrita à embaixada soviética em Washington, que davam pelos nomes de Grishin e Hilfe, deslocaram-se a Bethesda, a fim de se avistarem com Isobel Raines. A conversa desenrolou-se num clima de franqueza absoluta. Os russos nem se deram ao trabalho de dissimular que se tratava de chantagem. Conquanto abalada pelo facto de o seu passado secreto em Detroit ter sido desvendado, com o inevitável termo da sua excelente posição na Casa Branca, se chegasse aos ouvidos de quem a contratara, ela revelou-se heroicamente leal ao Presidente e sua esposa. Assim, não estava disposta, independentemente das possíveis represálias, a discutir os hábitos sexuais de Andrew Bradford ou o que lhe constara do comportamento da Primeira Dama. Admitiu que tivera relações com ele, mas só «quando a esposa se ausentava da cidade ou, mais recentemente, adoecia e ficava incapacitada para o efeito».

 

Grishin e ilfe apressaram-se a informar Moscovo do resultado da entrevista e solicitaram instruções. Uma passagem do seu relatório suscitou a curiosidade de Razin e incutiu-lhe uma réstia de esperança: a alusão à doença recente da Primeira Dama, que a impedia de receber o marido na cama.

 

Tratou de contactar com os agentes em Washington e recomendou-lhes que não voltassem a procurar Isobel Raines até nova ordem.

 

Agora, no seu gabinete, sentado ao lado de Petrov, que conservava aquele relatório na mão, Razin evocou o que se seguira. Cada vez mais enervado pela carência de elementos sobre a vida sexual de Billie e sem saber para que lado se virar, vislumbrou uma oportunidade e não a perdeu. Alguns dias antes de partir para a Conferência Cimeira em Londres, enquanto a esposa permanecia em Los Angeles, o Presidente saboreara a companhia de Isobel Raines na casa da Casa Branca. Na noite seguinte, um adido presidencial foi surpreendido com uma prostituta e despedido imediatamente, Na conferência de Imprensa da manhã imediata, quando interpelado acerca do homem, o Presidente proferira uma prelecção acerca da moralidade que devia prevalecer num governo.

 

A ocorrência não passou despercebida a Razin, o qual pressentiu que Isobel Raines se devia sentir mais apreensiva que nunca. Chegara o momento de Grishin e Hilfe voltarem a visitá-la.

 

Na verdade, a enfermeira mostrou-se nervosa e perturbada. Se recusasse falar, a sua imoralidade seria conhecida, afectando o Presidente e destruindo a carreira dela. Desta vez, não guardou silêncio. Insistiu em que nada sabia acerca do comportamento sexual de Billie Bradford com o marido, pois ele nunca discutira o assunto na sua presença. Convidava-a para a cama apenas porque necessitava de manter relações daquele tipo e a esposa estava momentaneamente impossibilitada de o satisfazer. Deixou transparecer que se achava a contas com qualquer problema e o seu ginecologista recomendara a suspensão de actividades sexuais durante seis semanas, até que completasse o exame dos testes a que a submetera.

 

Inconscientemente, Isobel Raines forneceu a Razin aquilo que procurava. Durante as três semanas em que Vera Vavilova substituiria a Primeira Dama, não poderia haver qualquer contacto sexual entre ela e o Presidente.

 

Fora removido o derradeiro obstáculo à concretização do projecto. Petrov estava encantado, Razin satisfeito e Vera aliviada.

 

Entretanto, esta última prosseguia os ensaios, trabalhando persistentemente do romper do dia até à noite. As suas actividades não tardaram a revelar-se mais febris, pois enquanto estudava as pessoas e eventos do seu novo passado,

tinha de enfrentar conhecimentos de data recente e os factos do presente. O Continente Africano constituía há muito um vago pomo de discórdia entre as duas superpotências e agora, de súbito, o Boende tornara-se um nome próprio familiar no vocabulário de Vera. Tratava-se de uma nação independente da África Central, rica em urânio, uma democracia com um Presidente eleito, Mwami Kibangu, que mantinha laços de amizade com os Estados Unidos. Na sua fronteira setentrional, uma vasta força rebelde o Exército Comunista Popular, chefiado pelo coronel Nwapa, treinado em Moscovo aguardava o sinal dos Soviéticos para invadir o país e tomar o poder através de uma revolução, pois a U. R. S. S. estava disposta a fornecer o armamento necessário. A questão consistia em saber até que ponto as tropas governamentais de Kibangu tinham sido armadas pelos Estados Unidos. A presa que aguardava o vencedor revestia-se de valor elevado: não só em urânio em quantidades substanciais, como o domínio do coração da África.

 

Quando verificou que a confrontação se agravava, Kirechenko mandou chamar Petrov e consultou-o, após o que, mais tranquilo, efectuou a primeira jogada. Sugeriu que uma Conferência Cimeira bilateral, com delegações chefiadas pelo Presidente americano e ele próprio, se reunisse em território neutro, logo que possível, no interesse da paz mundial. Bradford não teve outro remédio senão aceitar a proposta. Seguiram-se os pormenores técnicos, o mais importante dos quais consistia na escolha do local, iniciando-se a habitual controvérsia preliminar. Foram indicadas Helsínquia, Genebra e Viena, prontamente rejeitadas por uma ou outra das partes interessadas, com base em diversas razões. Por fim, Kirechenko apresentou uma sugestão surpreendente e astuta. Embora os Americanos fossem aliados dos Britânicos desde longa data, a União Soviética assinara recentemente vários acordos importantes com a Grã-Bretanha e as suas relações nunca haviam sido tão cordiais. No intuito de salientar a sua confiança nos Ingleses e, ao mesmo tempo, desarmar os conservadores da ala direita dos Estados Unidos, o Primeiro-Ministro soviético propôs que a Cimeira se realizasse em Londres. Apanhado desprevenido, o Presidente Bradford não pôde apresentar objecções. Por conseguinte, efectuar-se-ia na capital britânica. O chefe do Executivo americano apresentou então uma data, prontamente aprovada por Kirechenko.

 

Poucas semanas depois, quase como em apêndice ao acordo anterior, a esposa do dirigente supremo russo, Ludmila Kirechenko, anunciou que, na semana anterior à Cimeira de Londres, convidaria dirigentes femininos de todo o mundo para a celebração, durante três dias, de uma Reunião Internacional das Mulheres, em Moscovo. O tema a abordar seria os direitos humanos da mulher, na actualidade e futuro. Apesar da relutância experimentada por Billie Bradford em se entregar a tantas viagens e actividades num lapso de tempo tão curto, identificava-se plenamente com o assunto escolhido. Assim, reconheceu a impossibilidade de declinara o convite e foi mesmo das primeiras a confirmar a comparência.

 

Conquanto a Reunião Internacional das Mulheres em Moscovo tivesse sido proposta e agendada unicamente para conveniência de Vera Vavilova, os seus preparativos não ficaram afectados, pois ela não interviria nos trabalhos. Em contrapartida, a Cimeira que se seguiria provocar-lhe-ia uma sobrecarga de trabalho. Novos nomes introduziram-se na sua vida uns que já devia conhecer e outros que se lhe deparariam e acerca dos quais precisava de estar bem elucidada.! Portanto, as pesquisas acentuaram-se para recolha de elementos minuciosos. De um momento para o outro, tinha de se achar familiarizada com Londres, cidade onde nunca pusera os pés e que Billie Bradford conhecia perfeitamente, Além disso, foi-lhe apresentado um longo elenco de personagens importantes, entre as quais a Rainha de Inglaterra, o Primeiro-Ministro Britânico, Dudley Heaton, e esposa, Penelope, o secretário dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha, lan Enslow, o Presidente do Boende, Kibangu, e respectivo embaixador em Inglaterra, Zandi.

 

Tudo isto figurava nos documentos que Petrov relia no gabinete de Razin.

 

Agora, tinha na mão a derradeira folha da terceira pasta o relatório final, dactilografado por Razin sobre o ensaio de Vera Vavilova, nove horas antes.

 

O general pousou a pasta na secretária, ingeriu o vodka que restava no copo e abanou a cabeça com lentidão.

 

Que projecto! Três anos de trabalho. Oxalá haja merecido a pena. Pôs-se de pé e emitiu um suspiro. Teve uma actuação excelente, Razin. Não noto a mínima falha ou ponto vulnerável. Posso mesmo afirmar que considero tudo perfeito.

 

Sou da mesma opinião.

 

A Primeira Dama chega amanhã... ou melhor hoje. Aaora encontra-se tudo inevitavelmente fora das nossas mãos. O êxito depende inteiramente da Segunda Dama. Bem, obrigado e boa noite.

 

Quando ficou só, Razin guardou os documentos e pegou na sua pasta. Ao mesmo tempo, acudiu-lhe uma ideia singular. Na sua qualidade de ateu, nunca rezara desde que se tornara cidadão russo, apesar de que lhe cruzava o espírito uma prece aprendida em criança, sentado no regaço da mãe. Uma prece pela segurança da sua amada Vera.

 

Eram 2.23, quando alcançou o portão nos arrabaldes de Moscovo e foi admitido na área interdita por duas sentinelas do K.G.B. Em seguida, conduziu o carro através do caminho que se estendia para além da réplica da Casa Branca era a última vez que a via antes da sua demolição, na manhã seguinte em direcção à construção de madeira um pouco adiante.

 

Depois de arrumar o veículo junto da porta principal, procurou na algibeira uma das três chaves (a terceira encontrava-se em poder de Petrov) de acesso ao esconderijo e entrou no vestíbulo. Atravessou a sala em silêncio, subiu a escada e transpôs a porta do quarto.

 

Vera deixara acesos dois candeeiros e brotava uma estreita coluna de luz amarelada pela frincha da porta entreaberta da casa de banho. O quarto era espaçoso, confortável e decorado segundo o estilo americano. Petrov não olhara a despesas para o mobilar, empenhado em fornecer o melhor à sua estrela, partidário da ideia de que o ambiente devia possuir todos os requisitos para a convencer de que se achava nos Estados Unidos.

 

Razin semicerrou as pálpebras, a fim de espreitar na direcção da vasta cama. Previra que ela adormecera e não se equivocara. Deitava-se de lado, parcialmente sob o cobertor, as costas desnudas voltadas para ele. A respiração regular suave soava distintamente.

 

Descalçou-se e entrou na casa de banho, onde se lhe deparou um bilhete preso com fita adesiva a um lado do lavatório. A mensagem traçada a lápis era do seguinte teor:

 

Meu querido coração:

 

Antes de adormeceres, acorda-me Não te esqueças. Amo-te. Para sempre. Vera

 

Não pôde evitar um sorriso e principiou a despir-se com lentidão, pensando nela, na primeira vez que a vira, no gabinete de Petrov, e nos dias subsequentes.

Para ele, fora, sem dúvida, um caso de amor à primeira vista. Pelo menos, convencera-se disso na terceira ou quarta vez que se tinham encontrado. No entanto, desenvolve» os maiores esforços para não o deixar transparecer.

Em diversas ocasiões tentara analisar as razões da sua inibição. Agora, voltava a fazê-lo. Ainda que não tivesse conhecido muitas mulheres, mantivera relações satisfatórias com algumas, sem que, todavia, o impressionassem como Vera. Embora, na sua maioria, possuíssem muito para ofirecer, apresentavam uma ou outra característica susceptivel de desencorajar um relacionamento mais profundo. Talvez fosse imaturo nas suas esperanças. Não obstante, decidira! aguardar.

E surgira então Vera. Contudo, ao princípio não conseguira exteriorizar os seus sentimentos. Achara-a totalmente intimidativa, através da sua beleza incrível, feminilidade, inteligência e segurança. Ao mesmo tempo, existia a faceta de actriz nela, destinada a ser apreciada apenas de longe. Isso e o seu novo papel, que a tornava única e preciosa, uma mercadoria do Estado intangível.

Por outro lado, de início Razin pusera em causa a sua posição para se colocar à altura dela. Ao nível físico, Vera podia ter qualquer homem que desejasse. Nesse capítulo, era uma deusa e ele um insignificante. Embora não sentisse complexos de inferioridade sobre o seu aspecto, podia perder-se numa multidão e ela nunca. Cabelos pretos penteados! para trás, sobrancelhas espessas, olhos negros pequenos, nariz um pouco abaulado, lábios grossos, num conjunto banal de um homem de trinta e nove anos, um metro e setenta e cinco de altura, ombros largos e cintura estreita. Necessitava de óculos para ler e, apesar de se considerar inteligente, Vera suplantava-o nesse particular. Tinha horizontes limitados. Não passava de uma pequena engrenagem numa máquina gigantesca. Talvez, um dia, se convertesse numa engrenagem maior, mas nada mais. Ao invés, o futuro dela era infinito.

 

E agora encontravam-se juntos, há quase dois anos.

 

Fora a necessidade do contacto diário entre si no primeiro ano, a proximidade, que se desenvolvera em intimidade. A vida e sobrevivência de Vera dependiam dele. Precisava de o conhecer como jamais conhecera outro homem.

 

Por seu turno, ele não podia deixar de se familiarizar com o que lhe dizia respeito, para se certificar de que superaria todos os obstáculos e porque a amava. Não foi sem profunda surpresa que descobriu que o afecto era retribuído.

Cada um encontrara o que necessitava no outro.

Evocou o dia em que recebera as fotografias dela desnuda a fim de lhe comparar o corpo com o de Billie Bradford. Esforçara-se por assumir uma posição clínica, ao mesmo tempo que, no íntimo, se desenvolvia o desejo de a possuir, amá-la e ser amado. Não obstante, mantivera as distâncias e assumira a atitude de mentor.

Apesar de tudo, o objectivo comum unira-os cada vez mais. Após um dia de trabalho árduo, em vez de regressar ao seu gabinete ou a casa, Razin habituara-se a permanecer junto de Vera, para uns minutos de conversa diante de bebidas ou troca de impressões acerca das actividades do dia. A transição desses momentos para refeições juntos surgiu com naturalidade. À medida que se estabelecia uma confiança mútua, principiaram a permutar confidências, aspirações, sonhos.

Ele não necessitou de muito tempo para se aperceber de que o passado de Vera fora mais disciplinado do que supusera. Não se tornara uma actriz consumada por casualidade. As informações a seu respeito, que Razin lera e decorara, forneciam escassas indicações do seu interesse e experiência pelo palco. Julgara-a o produto de dois operários sem cultura, um casal distanciado do mundo do teatro, que permitira que a filha concretizasse um capricho.

 

Na realidade, como a própria Vera revelara, desde cedo sentira a inclinação para o palco no sangue. A avó materna, agora afastada da actividade, interpretara com frequência peças teatrais ao lado da célebre Alia Tarasova, em Moscovo. Conquanto a mãe não possuísse dons de semelhante natureza, sempre frequentara as salas de espectáculo e encorajara-a desde criança. Aos dezoito anos, com o apoio da avó, Vera deslocara-se a Moscovo, para o exame de leitura na Maly. Havia oitocentos candidatos à escola e, dos vinte e cinco admitidos, ela fora considerada a mais prometedora. Consagrara quatro anos ao treino, num total de seis mil horas, um terço das quais em aulas de dicção e forma de actuar, segundo o método Stanislavski. Após a formatura, ingressara na companhia de repertório de Kiev, a fim de ganhar experiência no palco real. Nunca lhe acudira a mínima dúvida de que acabaria por se tornar estrela no Teatro Maly ou no Teatro de Arte de Moscovo e, eventualmente, uma das Artistas do Povo da União Republicana Soviética Socialista» com todos os privilégios especiais, inerentes a essa honra Quando Petrov a descobriu, Vera experimentava as primeiras reservas quanto ao seu futuro. Encontrava-se radicada   em Kiev há demasiado tempo e Moscovo ainda não a convocara para a consagração. Receava que, apesar de jovem, a tivessem ignorado ou esquecido. De súbito, o gemeral surgira para lhe apresentar um desafio e oportunidades que excediam os seus sonhos mais arrojados.

Uma ocasião, Razin atrevera-se a interrogá-la sobre os homens da sua vida e ela confessara francamente as duas únicas ligações um estagiário imberbe da escola Maly e uma figura importante da companhia de Kiev, que haviam constituído experiências decepcionantes e destituídas de consequências. Na realidade, os homens não tinham desenpenhado um papel importante no seu passado. A sua vida fora dedicada inteiramente ao teatro.

A partir de então, ele perguntara-se se os homens ou algum em particular poderiam jamais revestir-se de significado na sua existência.

Até que aconteceu. Verificou-se com a maior naturalidàde, na cozinha, durante o undécimo mês de convívio. Vera encontrava-se diante do fogão, brandindo uma frigideira,! enquanto ele, junto da porta, analisava um aspecto da sua encarnação de Billie Bradford. Em dado momento, entrou na cozinha e, quando passou perto, colidiu com ela. Acto contínuo, pediu desculpa e, numa atitude irónica, beijou-lhe o ombro em que embatera. Vera largou a frigideira, rodou nos calcanhares, lançou-lhe os braços ao pescoço e ofereceu os lábios com arrebatamento.

Não se seguiu qualquer palavra. Abandonaram a cozinha, enlaçados, e continuaram a beijar-se até ao quarto, no primeiro piso. Razin ajudou-a a despir-se, desembaraçou-se igualmente da roupa, abraçou-a e conduziu-a para a cama. Todas as   inibições se dissiparam instantaneamente. Os corpos colaram-se e conservaram-se unidos ao longo de mais de uma hora. Por fim, consumado o acto, permaneceram deitados lado a lado, exaustos, mas dominados por uma satisfação maravilhosa.

Nos vários meses subsequentes, nunca estiveram separados por muito tempo.

O seu segredo um segredo dentro de outro foi instintivamente encoberto ao general Petrov.

 

Razin por vezes especulava que o superior talvez estivesse ao corrente da ligação. Em caso afirmativo, nunca deixou transparecer o mínimo indício. De qualquer modo, pouco importava. Ambos   executavam   as   suas tarefas o melhor possível,   única   coisa que   interessava.

Emergindo do agradável passado para o presente, deu-se conta da sua roupa pendurada na porta da casa de banho e nudez. Vera desejava que a acordasse e ele queria compraze-la e fazer amor com ela pela última vez, antes da missão. O período da preparação terminara. A partir da manhã seguinte, ela passaria a estar a cargo do K.G.B. e do Politburo, e Razin não a tornaria a ver, a sós, até que regressasse.

Entrou no quarto, deixou os candeeiros acesos e deslizou para a cama. O peso do corpo obrigou-a a agitar-se. A mão dele insinuou-se sob o cobertor, para acariciar os seios desnudos, o ventre e a clitóride. No instante imediato, ela mudou de posição, apoiando-se nas costas, e abriu os olhos sonolentos. Por um momento, foi Billie Bradford, a Primeira Dama dos Estados Unidos, e achava-se na cama com ele. Era impossível. Afastou o cobertor, estendeu a mão para o pénis erecto e tornou-se a sua Vera Vavilova.

A consciência de que em breve se teriam de separar fez com que se unissem rapidamente. Razin mergulhou nela até onde lhe foi possível, para a ter tão perto quanto se pudesse acercar. Lembrava a primeira vez, ardente, apaixonada e interminável. Dentro de meia hora, os seus corpos estavam escorregadios. O irreflectido coito animal intensificou-se, até que Vera iniciou os longos gemidos ofegantes em direcção ao clímax. Arqueou o corpo na medida das suas forças e ele curvou no momento em que o sémen irrompeu em jactos sucessivos. Em seguida, renderam-se, nos braços um do outro.

 

Por último, ela desprendeu-se, a fim de abandonar a cama morna em direcção à casa de banho e colocar-se debaixo do chuveiro.

 

De novo na cama, sentada, tomou um comprimido dos que guardava na gaveta da mesa-de-cabeceira e reclinou-se.

 

Não precisas de barbitúricos para dormir, esta noite observou ele.

 

Billie Bradford precisa. Toma um comprimido todas as noites. Oxalá a minha memória se revele sempre melhor que a tua. Vera procurou a mão do companheiro, sob o cobertor.

 

Amo-te, querido.

 

- eu ainda te amo mais. Conserva a boa memória, porque quero que voltes sã e salva.

- não te preocupes. Nessa altura, casaremos.

-sim. Agora tenho que dormir.

Fez uma pausa – boa noite, senhor presidente. Posso tratar-te por Andrews.

- boa noite, meu coração.

Ele inclinou-se e beijou-a.

Vera voltou-se para o outro lado, puxou o cobertor para os ombros e, minutos depois, dormia profundamente. Razin conservou-se acordado, o espírito alerta e ansioso. Após breve intervalo, soergueu-se, saiu da cama e entrou na casa de banho, para procurar um maço de cigarros no casaco. Em seguida acendeu o lume, apagou os candeeiros, dirigiu-se à sala, localizou uma poltrona tateando e afundou-se nela. O presente afigurava-se-lhe  agora odioso e detistava a sua responsabilidade no papel e segurança de Vera. O que o arrastara para aquele estranho empreendimento? No fundo sabia que o facto de ser meio americano, o conduzira até ali. O seu coração nunmca se entregara totalmente à operação, nem desejara o êxito, até que se inamorara de Vera, a qual constituira o ponto de viragem. Após o seu envolvimento com ela, Razin sabia que tinha de triunfar, não podia falhar, e sublimara a sua faceta americana na russa. Enquanto se preparava para produzir danos graves no país onde nascera e sempre amara secretamente, raciocinava que a sua verdadeira lealdade tinha de pertencer à Rússia, à qual tanto devia e à mulher que estimava, mais que a si próprio. Seu pai, fora russo, natural de Sever de Losck, antigo corredor olímpico, que enveredara pelo jornalismo, incumbido pela Tass dos acontecimentos Políticos em WASHINGTON, e a mãe, que nasceu em FILADÉLFIA, transferira-se para a capital dos Estados Unidos, como secretária de um congrissista da sua cidade natal. O jornalista russo e a secretária americana, haviam-se conhecido, apaixonado e casado, fixando residênci num apartamento alugado na Virgínia, onde Alex Razin vira a luz do dia pela primeira vez. Depois frequentara a escola primária na Virgínia, fora escuteiro, praticara base-ball, e candidatara-se ao National Splen Big. Aos doze anos, assistira à morte da adorada e terna mãe. Três anos mais tarde, o pai recebeu a oferta de uma promoção e salário mais elevado na sede da Tass, em Moscovo, como sub-director. Embora os Estados Unidos sempre o tivessem fascinado, acabrunhado pela perda da esposa e sem amigos íntimos, decidiu regressar à pátria. Isso significava que Alex tinha de o acompanhar, abandonar o liceu e amizades, além do único lar que conhecera, e seguir para o país distante, onde não conhecia ninguém, além do progenitor.

Não conseguia inspirar ar puro em quantidade suficiente para o seu desejo. Em seguida, dedicou-se ao trabalho com fervor. com uma sensação de culpa, acudiu-lhe a tentação de desertar, porém sabia que não a poderia concretizar em virtude de o pai permanecer em Moscovo. Nãw obstante, encontrava-se na América e disposto a tirar o| máximo partido de cada dia que passasse. No entanto, o| prazer que experimentava foi de curta duração. Uma manhã,! no décimo mês da sua permanência no país, foi detido pelai F. B. i. e acusado de espionagem, por tentar obter segredos militares de um oficial naval. Admitiu que abordara uml membro da Armada, mas para solicitar informações aberta- mente destinadas a um artigo que preparava, sem a mínima alusão a segredos militares. Insistiu em que estava absoluta-mente inocente, mas o F. B. I. era de opinião diferente. Alguns dias depois de ter sido preso, compreendeu o que sucedia, Em Moscovo, fora dada voz de prisão a um subsecretário da embaixada americana por tentar ajudar dissidentes. Por! conseguinte, o governo americano tinha de retaliar, e Razin : fora escolhido para bode expiatório. Uma semana após a detenção, foi levado de avião para Bucareste e trocado pelo subsecretário.

 

De novo na capital soviética, sentado atrás da antiga secretária na sede do K. G. B., inteirou-se de que o pai sucumbira a um ataque cardíaco na véspera da sua chegada, o que o deixou triste e amargurado. Se tivesse morrido escassas semanas antes, Razin poderia tornar-se residente dos Estados Unidos e cidadão americano. A situação revestia-se de ironia, porque agora estava impossibilitado para sempre de voltar para o país em que nascera. As esperanças de viver lá, um dia, haviam-se extinguido. Fora considerado espião e banido permanentemente.

 

Não guardava rancor aos Estados Unidos por o expulsarem do país. Tratara-se de um acto político de que ele fora um peão acidental e insignificante. Sentia-se, sim, contrariado com os ventos que lhe regiam a vida. Todavia, era realista e arquivou num recanto do pensamento o velho sonho de se tornar cidadão americano. Concentrou-se no trabalho no K. G. B., concedeu inteira lealdade à Rússia e, nos anos subsequentes, conquistou a estima de Petrov.

Mesmo depois de conhecer Vera e enamorar-se dela, o sonho adormecido persistiu sob a forma de uma fantasia. Se, um dia, os Americanos o absolvessem, readmitissem, poderia providenciar para que ela o seguisse. Faria chantagem com as autoridades russas, ameaçando revelar fotoqrafias do Projecto Segunda Dama à C.I.A., o que as obrigaria a deixar partir Vera, para que, juntos, desfrutassem das vantagens inefáveis da cidadania dos Estados Unidos.

 

Naquela noite, ao evocar o assunto, a fantasia apresentava-se-lhe remota como nunca. Não poderia acontecer nem num milhão de anos. Agora, nem sequer desejava que se verificasse. A Rússia tratara-o bem. com Vera a seu lado, sua companheira, o país constituiria um paraíso. A única coisa que importava era ela, a sua segurança, a sua reunião, mais tarde.

Sentado na escuridão, Razin imaginava-a dormindo tranquilamente na cama de ambos. Dentro de poucas horas, separar-se-iam. Se ele executara a sua tarefa sem erros, Vera voltaria a deitar-se a seu lado transcorridas três semanas. Por outro lado, se cometera o mínimo lapso, não a tornaria a ver.

Na verdade, o projecto revestia-se de perigo invulgar. Ela não conseguiria levá-lo a cabo. Ninguém seria capaz.

Num momento de fria clarividência, compreendeu que não resultaria. Impunha-se que a operação fosse cancelada imediatamente. Sentiu-se tentado a pegar no telefone e acordar Petrov, para lhe comunicar que o êxito era impossível e deviam suspender tudo antes que fosse demasiado tarde.

 

Um breve prolongamento do momento de lucidez permitiu-lhe adivinhar a reacção do general. com efeito, o projecto constituía a sua obsessão. Nunca acederia em o cancelar.

De qualquer modo, já era, na verdade, demasiado tarde. Dentro de poucas horas, A Primeira Dama dos Estados Unidos chegaria a Moscovo.

Ela reflectia que, dentro de poucas horas, iniciaria a viagem.

Billie Bradford, envolta numa camisa de noite azul-pálido, adquiriu uma posição confortável no seu lado da cama no quarto do Presidente da Casa Branca.

Não lhe apetecia partir, pelo menos agora. De um modo geral, gostava de viajar e sentia-se tonificada com novos cenários e sons. No entanto, naquele momento, a deslocação a Moscovo excedia a sua capacidade temperamental. Desagradava-lhe a perspectiva do voo interminável, três agitados dias de permanência e monótono percurso de regresso. Depois, havia a viagem de avião a Los Angeles e volta.

 

Finalmente, o voo até Londres e o tumulto do aparato oficial na capital britânica.

Era, na realidade, de mais. Londres teria bastado, mas a visita a Moscovo em primeiro lugar tornava o conjunto de deslocações insuportável. Não obstante, reconhecia a impossibilidade de evitar a ida à U. R. S. S. O tema da reuneão eram os direitos da mulher, e Billy sempre se considerara uma feminista ardente. A recusa em comparecer implicaria comentários indesejáveis da Imprensa e ressentimento por parte das que pensavam como ela. De resto, Andrew insistira em que aceitasse o convite. Aproximava-se o ano de novas eleições e ele estava empenhado em permanecer mais quatro anos naquela casa cheia de correntes de ar, pelo que a viagem contribuiria para enaltecer a imagem de ambos.

Ele prevenira-a de que chegaria mais tarde naquela noite, pois tinha uma reunião com o Chefe do Estado-Maior almirante Ridley, e numerosos colaboradores, na Sala Oval.

Provavelmente, tratava-se de mais uma troca de impressões sobre a questão do Boende e a maneira de enfrentar os Soviéticos na Cimeira de Londres. Em todo o caso, já era tarde e Andrew ainda não aparecera. Ela desejava esperá-lo, para se despedirem convenientemente antes de partir da base da Força Aérea Andrews, no dia seguinte. Todavia, sentia-si demasiado fatigada para aguardar muito mais tempo. Convinha que tentasse dormir.

Pegou num comprimido dos que guardava na gaveta da mesa-de-cabeceira e engoliu-o com um pouco de água.        

O barbitúrico tardaria uns vinte minutos a fazer efeito.

Enquanto aguardava que tal acontecesse, Billie decidiu examinar a mala aberta, mais uma vez. A criada, Sarah Keating,! incumbira-se da maior parte da bagagem, mas interessava-lhe certificar-se de que incluíra tudo o que necessitava.

Afastou o cobertor, abandonou a cama e enfiou os pés nos chinelos, a fim de inspeccionar o conteúdo da mala. Notou a falta da camisola de caxemira castanha e saia de xadrez e dirigiu-se à sala de vestir, para as procurar e guardar. Em seguida, descobriu que Sarah, como sempre, se esquecera de incluir material de leitura. Talvez não dispusesse de tempo para ler, pois conversaria com Guy Parker sobre a autobiografia durante a viagem e, em Moscovo, não disporia de um momento livre, mas gostava de se fazer acompanhar de alguns livros. Consultou as   lombadas de quatro   romances   adquiridos   recentemente histórias   de suspense e policiais e escolheu três, após o que pousou os olhos em duas obras sobre a União Soviética que Nora Jodson adquirira e convinha consultar durante o percurso de avião. Por conseguinte, pôs de lado dois ou três romances e substituiu-os pelos outros.

De súbito, notou que começava a invadi-la o aturdimento... indicativo do efeito do comprimido e tratou de regressar à cama pegando, de caminho, no programa da sua estada em Moscovo. Reclinada na almofada, tentou lê-lo mais uma vez, porém o conjunto de palavras formava uma espécie de mancha ininteligível. Por fim, largou-o no chão e estendeu-se, com o cobertor até aos ombros. Começava a imergir no sono, quando ouviu vagamente a porta abrir-se. Devia ser Andrew.

Esforçou-se por descerrar as pálpebras e viu-o de pijama listrado, com um cálice de conhaque na mão.

 

Acordei-te? perguntou a meia-voz, detendo-se aos pés da cama.

 

Não sei. Pelo menos, estou acordada.

 

Desculpa. Moveu-se para o outro lado e sentou-se na borda da cama, para ingerir a bebida. Lamento o atraso, mas o Boende é um tema de interesse prioritário e os argumentos do almirante difíceis de combater. Temos de nos apresentar a Kirechenko providos das munições necessárias. Safa, que estou derreado. Pousou o cálice, apagou a luz e deitou-se.

 

Tens os pés quentes murmurou Billie.

 

Como te sentes?   Estás   preparada para   enfrentar Moscovo?

 

Acho que sim.

 

Já estou arrependido de ter insistido em que fosses.

 

É preciso manifestar boa vontade.

 

Tens razão, sobretudo numa época em que existem tantas discordâncias com os Russos. Hão-de gostar de ti.

 

Oxalá.

 

Ela sentiu as mãos do marido nos seios e, instantes depois, a língua nos mamilos.

 

O que daria para poder penetrar-te...

 

Já faltou mais.

 

Quatro semanas é muito tempo. Continuas a sangrar.

 

Um pouco. Muito menos que antes.

 

É uma expectativa excitante. Ele afastou-se para o seu lado Boa noite, querida.

 

Boa noite, senhor Presidente articulou Billie, em voz arrastada. Ou posso tratar-te por Andrew?

 

ERAM   oito   horas   menos   cinco minutos da manhã   em Moscovo.

Estavam os quatro reunidos na sala da casa solitária de Vera Vavilova, sentados diante do largo écran do televisor. A actriz, os longos cabelos louros unidos por uma travessa sobre a nuca, vestia blusa cor-de-rosa, calça azul e sandálias com correias. À sua direita imediata, achava-se o general Ivan Petrov, num fato azul-escuro conservador, olhar fixo na televisão, e, a seguir, o seu ajudante coronel Zhuk, e o seu melhor amigo no Politburo, Garanin

 

Ela já deve ter chegado declarou Petrov, consultando o mostrador negro do relógio japonês. Ligue o aparelho.

 

O coronel Zhuk pôs-se de pé com prontidão, acercou-se do televisor e premiu uma tecla, aguardando que a imagem surgisse. Esta formou-se gradualmente, mostrando a bandeira da União Soviética e a dos Estados Unidos, que ondulavam ao vento, nurn fundo de nuvens densas e ameaçadoras. Em seguida, Zhuk rodou um botão e uma voz anunciou que os visitantes americanos provenientes de Washington já haviam pousado no Aeroporto Vnukovo e o avião deslizava na pista em direcção ao terminal. Depois que a Primeira Dama desembarcasse e na sequência de uma breve cerimónia, a ilustre visitante seria escoltada por automóveis ao longo dos vinte e oito quilómetros até Moscovo.

 

Enquanto o coronel regressava à cadeira, surgiu no écran a imagem da anfitriã oficial, com um grupo à sua volta, aparentemente contemplando a aproximação do Força Aérea Um.

 

Vera inclinou-se para a frente e reconheceu a esposa do Pnmeiro-Ministro, Ludmila Kirechenko, uma mulher alta orpulenta de   cabelos   grisalhos,   com   aspecto   de   uma meio-soprano retirada da actividade.    A actriz só conseguiu identificar as outras pessoas, quando a câmara focou Alex, másculo e atraente no fato castanho, o que a obrigou a dessimular com dificuldade um sorriso de prazer.

Petrov extraiu   um   charuto da algibeira e destacou   o eMvólócro distraidamente, concentrado no televisor, no qual começou   a   surgir um   gigantesco   avião de   jacto,   com   o rectângulo das Estrelas e Listas pintadas na fuselagem, que acabou por se imobilizar diante do edifício do aeroporto. O pessoal apressou-se a aplicar a escada metálica a uma   das portas, que se abriu com lentidão, ao mesmo tempo que uma banda tocava o Stars Hindu the Banna. Vera inclinou-se ainda mais para a frente e Petrov semi-serrou as pálpebras. Acabava   de   surgir a porta do avião um jovem de porte atlético, que principiou a descer os degraus, seguido de perto por outro. São os guardas do Serviço Secreto - proferiu Vera em inglês. o   primeiro   chama-se   Van Acker   e o outro nekinty.

E a mulher atrás deles? - perguntou o general. é a secretária de imprensa dela, Nora Judson E aquele homem alto? Guy Parker.

Ah! A C. I. A. -   articulou Petrov, com um sorriso Não há a certeza disso, general interpôs o coronel em   tom    respeitoso.  Sabemos   apenas   que   ajuda Bradford a escrever a sua biografia. C i A persistiu Petrov cravando os dentes no charuto.

-entretanto, Vera fixava a atenção no pequeno écran, o qual mostrava Nora Judson e Guy Parker que desciam a escada, a em cuja base era estendida uma passadeira vermelha. Vira numerosas fotografias de ambos diversas vezes, e agora em   imagens tridimensionais, pareciam mais inpressionantes.

 

Ei-la. - exclamou o general, empertigando-se.   Bilie bradforf!   A Primeira Dama. Os olhos de VERA não se desviavam um milímetro do televisor, acompanhando os   movimentos graciosos da Pequena Dama ao longo dos degraus. Era alta, esbelta como uma estátua e não obstante, fluida.   Os contornos do rosto eram perfeitos.   Brincos brancos condiziam com os aros da mesma cor dos largos óculos escuros. O vestido de chifon aderia ao corpo sinuoso com a suavidade da brisa.

A fronte de Vera enrugou-se levemente, enquanto observava a mulher que se habituara a conhecer melhor que a si própria. Por uns segundos, o seu ar seguro e imperturbável alterou-se. Na verdade, Billie Bradford era admirável. Era famosa em todo o mundo, real, única, um exemplar ímpar! Nunca poderia haver outra igual. Ninguém acreditaria em semelhante possibilidade. Experimentou uma contracção na garganta. Pela primeira vez em cerca de três anos, conheceu a incerteza e o medo do palco.

É bonita de mais murmurou. Petrov transferiu o olhar de Billie Bradford no écran para Vera Vavilova a seu lado e estudou-a com curiosidade.      

Bonita de mais? repetiu, cobrindo a mão delicada] com a sua peluda. Tanto como você, cara amiga.

Eu tenho de facto aquele aspecto? estranhou ela conservando os olhos cravados no televisor.

Há ali um espelho. Virou-se para a parede e examinou a imagem. Na sua opinião, naqueles momentos, continuava a ser ela e nãoi Billie Bradford. Simplesmente a actriz que sempre conhecera,! Vera Vavilova de Kiev. Tornou a concentrar-se no écran e viu a Primeira Dama aceitar um ramo de gladíolos vermelhos de uma criança.

O embaixador americano na União Soviética, um homem de estatura gigantesca, trajado irrepreensivelmente, chamado Otis Youngdahl, avançava na passadeira para saudar a esposa do Presidente com um beijo na face. Em seguida, deu-lhe o braço e conduziu-a na direcção do grupo que a aguardava, a fim de a apresentar a Ludmila Kirechenko. As duas ilustres mulheres apertaram a mão, enquanto Alex Razin se materializava entre elas. A russa disse algo a Billie, que ele se apressou a traduzir.

Pouco depois, Alex acompanhou a americana ao círculo de dignitários soviéticos, onde traduziu as saudações e comentários destes últimos em inglês e as respostas dela em russo. Pousava a mão no braço da Primeira Dama, à medida que a escoltava em torno do círculo, inclinando a ! cabeça para o seu ouvido, sempre que necessitava de esclarecer alguma coisa.

Enquanto os observava no televisor, Vera Vavilova experimentava uma ponta de ciúme. O seu amado encontrava-se com a mulher mais bonita e excitante do mundo. Agora, estava perto dela e ainda estaria mais nas semanas seguintes. poderia confundir Billie com ela ou, pior, preferi-la.

A actriz tornou a desviar os olhos para o espelho na parede e reconheceu que os seus tenebrosos receios não se justificavam. Se Billie era a mulher mais bonita e excitante do mundo, ela também. Alex limitava-se a ver uma reprodução da sua Vera. Por fim, virou-se de novo para o televisor, mais tranquila.

 

Billie fora conduzida por Alex para junto de uma bateria de microfones e agora exprimia-se graciosamente em inglês, para declarar que sempre desejara visitar Moscovo, estava emocionada e ansiava pela oportunidade para discutir com dirigentes femininas de outras nações os progressos registados no capítulo dos direitos da mulher.

 

Vera assistia, hipnotizada, enquanto a esposa do Presidente americano e a do Primeiro-Ministro soviético seguiam para a limusina preta Chaika, ladeada por dois carros amarelos da Polícia e quatro guardas de uniforme cinzento e capacete, montados em motocicletas.

 

No momento em que Billie desaparecia no automóvel, Vera voltou-se para Petrov e surpreendeu-se ao ver que a fitava de olhos arregalados.

 

Ficou assustada? perguntou ele, inclinando a cabeça na ’direcção do televisor.

 

Absolutamente nada. A resposta da actriz revestia-se de firmeza. Quem é aquela impostora? Eu é que sou a Primeira Dama.

 

Excelente. O general soltou uma gargalhada. Não se esqueça de manifestar sempre essa segurança.

 

Hei-de conservá-lo bem presente no espírito. E Vera pressentiu que o interlocutor sabia que falava com sinceridade.

 

No interior do extremamente moderno Palácio dos Congressos, situado nas proximidades da Porta da Trindade de acesso ao Kremlin, no gigantesco auditório principal, a mulher mais importante da União Soviética, Ludmila Kirechenko, permanecia no pódio do palco, a fim de pronunciar a alocução de encerramento perante as duas mil delegadas e respectivas comitivas de noventa nações.

 

Era o terceiro e último dia da Reunião Internacional das Mulheres, e Billie Bradford congratulava-se com isso.

 

Sentava-se penosamente no centro da segunda fila, tentando mostrar-se atenta, com os auscultadores nos ouvidos, enquanto uma voz impessoal traduzia as palavras da esposa do Primeiro-Ministro. A um dos seus lados, sentavam-se o embaixador Otis Youngdahl e o oficial de protocolo Fred Willis. No outro, Alex Razin, Nora Judson e Guy Parker. Directamente à sua frente e atrás, encontravam-se os agentes do Serviço Secreto Van Acker e MecGinty. Antes

da intervenção da actual oradora, a Primeira Dama escutava outras mulheres russas sem os auscultadores. Enquanto as vozes ecoavam ruidosamente através dos sete mil altifalantes dissimulados por todo o auditório, preferira que o atencioso e simpático intérprete e guia, Alex   Razin, procedesse à tradução. Todavia, quando subiram ao pódio as chefes das delegações francesa, espanhola e alemã, o russo não lhe pôde ser útil, e ela teve de recorrer ao outro meio para se inteirar do que diziam.

Tentou concentrar-se na comunicação de Ludmila Kirechenko as conclusões e recomendações sobre o papel da mulher no mundo e no futuro , mas o espírito deambulava! por outras paragens.

Sentiu uma das pernas entorpecida e moveu a mão directamente para lhe aplicar uma ligeira massagem. Estava de facto extenuada. Fora a antepenúltima oradora, para ler um relatório acerca dos progressos registados pelos direitos da mulher nos Estados Unidos nos últimos dez anos, e, perto do final, a voz reduzira-se a pouco mais de um murmúrio rouco. Não obstante, o sentido das suas palavras fora captado com clareza e recebeu aplausos entusiásticos.

De um   modo geral, a   reunião correspondera à sua expectativa. Em síntese, resultara inconsequente um repositório de argumentação comunista. O tópico central, com a variedade de assuntos abordados, soara impressionante. No entanto, ao longo dos três dias de trabalhos, raramente tinham sido aprofundados. A maioria das delegadas executara as suas tarefas à semelhança de títeres de Câmaras do Comércio. A reunião e todas as intervenções soviéticas haviam-se revelado cansativas e até fastidiosas. Além disso, à semelhança de tantos visitantes americanos na   União Soviética, Billie sentira-se isolada do mundo exterior, alienada de tudo o que lhe era familiar, constantemente só e, separada de Andrew, vulnerável. Nunca notara tanto a ausência dele, e prometeu a si própria telefonar-lhe, mal regressasse ao hotel.

A voz monocórdica de Ludmila Kirechenko, seguida da pronta tradução de Razin, zumbia-lhe nos ouvidos, e tentou esquivar-se e refugiar-se no interior da cabeça. O espírito recuou para o início daqueles últimos três dias e procurou conjurar o que acontecera. Na primeira manhã em Moscovo, depois de instalada numa suite especial do Hotel Rossiya, esperara conseguir descansar, porventura reatar a troca de impressões com Guy Parker sobre o livro, pois não pudera conceder-lhe tanto tempo como previra, durante a viagem. Afinal, acabava de mudar de indumentária, após um banho reconfortante, quando os zelosos anfitriões a arrancaram dos aposentos, para uma digressão turística pela cidade. Ainda sentia a cabeça a vibrar ao evocar o cadeidoscópio de cenários: o Mausoléu de Lenine, na Praça Vermelha, a muralha vermelho-escuro do Kremlin, com as dezanove torres e portões que abarcavam quatro igrejas e duas praças, depois a Galeria Tretyakov, o Museu Pushkin, o Museu de Marx e Engels, a Exposição de Êxitos Económicos na U. R. S. S., o Parque Gorki, numa cavalgada esgotante. As pessoas pareciam cordiais, hospitaleiras, sinceras. Os dirigentes também, mas a sua sinceridade suspeita. Todavia, o facto verificava-se em toda a parte. A meio da tarde do primeiro dia, reunira-se com as outras delegações, naquele auditório. Discursos de boas-vindas intermináveis. Projecção de documentários anóninos sobre as mulheres na U. R. S. S. e largos passos que tinham dado a caminho da igualdade. Em seguida, uma breve pausa para jantar, leitura de relatórios de quarenta países acerca da condição feminina nos respectivos territórios, numa sequência até altas horas da noite.

 

Na segunda manhã, houvera mais relatórios e, na tarde e serão subsequentes, numerosos seminários a respeito de uma variedade de temas com o denominador comum da mulher e seus direitos. Na terceira manhã, a actual, as representantes de vinte nações tinham lido comunicações sobre as suas esperanças nos progressos futuros. À tarde, longas intervenções de delegadas de oito países importantes relacionadas com o futuro dos direitos da mulher. Agora, Ludmila Kirechenko dava os trabalhos por encerrados.

Graças a Deus que havia um banquete de despedida, naquela noite. Depois, estaria tudo terminado, e Billie poderia dormir descansada. Mas não por muito tempo, reconhecia com pesar. No dia seguinte, embarcaria de novo para regressar a Washington, de onde prosseguiria para Los Angeles, a fim de apresentar o relatório sobre a reunião, após o que voaria rumo a Londres, para se juntar ao marido, de visita a Inglaterra para a Cimeira. Era demasiado. As suas células cerebrais achavam-se perturbadas, e ela duvidava que um único dos seus músculos não protestasse.

De súbito, apercebeu-se de um silêncio de bom agoura nos ouvidos. As pessoas à sua volta e nos corredores haviam-se levantado para aplaudir com entusiasmo. Ludmilj Kirechenko terminara a alocução, no momento em que Billie receava não aguentar nem mais um minuto. Por fim, pousou os auscultadores e levantou-se para imitar os outros.

Em seguida, moveu-se ao longo do corredor central, precedida por dois homens da Segurança soviética, com os seus agentes do Serviço Secreto à retaguarda. Viu-se rodeada quatro ou cinco vezes por outras delegadas, que pretendiam o seu autógrafo e tiveram o desejo satisfeito. No átrio, os fotógrafos assediaram-na, os flasches explodindo quase sem interrupção.

 

Uma mulher de meia-idade, aparentemente repórter da índia, abriu caminho para bradar:

Porque curva a cabeça aos sexistas, com esse vestido transparente?

 

Billie conseguiu dominar a indignação e replicar, com um sorriso glacial:

Porque quero que os homens olhem para mim... não apenas como sua igual, mas como mulher.

Duas limusinas Chaika de oito cilindros aguardavam junto do passeio, e no instante em que o motorista da primeira abriu a porta da retaguarda, ela hesitou e virou-se para os membros da comitiva que a rodeavam.

 

Como estamos de tempo, Nora? Gostava de comprar: umas recordações.

 

Não nos resta muito informou a interpelada, consultando o relógio. Talvez uma hora.

 

Então, vamos a isso. Dentro de dias, visito Los Angeles e preciso de oferecer qualquer coisa à família. Billie dirigiu-se ao intérprete:Que aconselha, Mr. Razin?

 

A delegação mais próxima da rede Beryoska. É um estabelecimento controlado pelo Estado, que só vende aos estrangeiros com dinheiro dos respectivos países. Possui uma larga variedade de artigos de pele, cristais, vinhos...

 

Mas isso é só para estrangeiros. Franziu o nariz. Interessa-me visitar uma loja que os Russos também frequentem.

 

Nesse caso, há os GUM, armazéns dependentes do Estado esclareceu Razin. Fica do outro lado da Praça Vermelha. Tem mais de mil lojas nas suas arcadas, mas encontrará poucas coisas de valor para comprar. Apenas vestidos de fazenda, artigos de cozinha e brinquedos. E precisa de rubles para pagar.

 

Isso é o menos interveio o embaixador Youngdahl.

 

Os Russos vão lá? persistiu Billie.

 

Sem dúvida.

 

Então, também vou.

 

Deixe-me   telefonar   ao   director volveu   Razin. Fala bem inglês e pode facilitar as coisas. Encontramo-nos lá. E retrocedeu para o átrio.

 

Dez minutos depois, Razin inclinou-se para a frente no banco da retaguarda da segunda limusina, onde se sentava com o embaixador Youngdahl e Guy Parker, e apontou na direcção do pára-brisa.

 

Já nos aguardam. Estaciona atrás deles ordenou ao motorista.

 

O Chaika de Billie Bradford encontrava-se diante de uma das entradas do edifício de mármore e granito de três pisos. No momento em que o outro carro se imobilizava atrás, Razin abriu a porta e apeou-se apressadamente, quase perdendo o equilíbrio.

 

vou chamar o director anunciou por cima do ombro. Em escassos minutos, arrastava o homem pelo braço,

até se reunirem à Primeira Dama e comitiva, que permaneciam junto da primeira limusina. Razin apresentou-o a Billie e depois ao embaixador, Nora Judson e Guy Parker, enquanto o director inclinava a cabeça formalmente à menção de cada nome.

 

Muito   gosto,   muito   gosto articulou. Queiram entrar, para que lhes mostre as instalações.

 

Billie voltou-se para os companheiros e disse:

 

Preciso da sua opinião, Nora. Quanto aos outros, podem aguardar aqui. A digressão só serviria para os deixar exaustos. De resto, não quero despertar as atenções.

 

É melhor eu ir também acudiu o embaixador. Alex Razin e Guy Parker permaneceram junto dos carros, enquanto o grupo desaparecia nas entranhas do GUM.

 

Quer desentorpecer as pernas, enquanto fumamos um cigarro? propôs o russo.

 

Boa ideia.

 

Não perderemos a porta de vista. Passearemos em vaivém, como as sentinelas.

 

Ofereceu um cigarro ao americano, puxou outro para si e aplicou o isqueiro a ambos. |

 

Moveram-se em silêncio durante cerca de um minuto, até que Parker o quebrou: |

Você fala inglês com sotaque americano. Onde o adquiriu?

 

Nos Estados Unidos. Nasci na Virgínia.

 

Não me diga!   É surpreendente. Parece tão... ta russo.

 

E sou, por parte de meu pai. Minha mãe era americana, da Pensilvânia. Eu... mas não o quero aborrecer com a minha genealogia.

 

Estou interessado.

 

Vai arrepender-se proferiu Razin, com um sorriso solene.

E descreveu os antecedentes dos pais, o período qui vivera nos Estados Unidos e uma versão censurada no regresso à Rússia com o progenitor. Absteve-se de mencionar o treino e funções que exercia no K. G. B., limitando-sij a revelar que trabalhava para o Estado como intérprete.

Agora, ficou a saber tudo concluiu. Parker assentiu com uma inclinação de cabeça e aceitou]

O segundo cigarro. Após uma pausa, declarou:

Há algo de familiar na sua pessoa. Quase juraria! que   já   nos   encontrámos   nos   Estados   Unidos,   embora] reconheça que é impossível, uma vez que saiu de lá aos quinze anos.

 

Não é tão impossível como supõe. Razin decidiu] elucidá-lo. Esqueci-me de mencionar um pormenor. Voltei, por um breve período, há uns cinco anos.

 

Como turista?

 

Era correspondente da T. A. S. S., em Washington.      

 

Então, está explicado. Podemos ter-nos cruzado. Mais ou menos nessa altura, antes de me tornar um dos escritores de discursos do Presidente, trabalhei alguns meses no departamento da Associated Press, em Washington. De vez i em quando, frequentava a Casa Branca. Talvez nos víssemos numa conferência de Imprensa.

 

É muito provável concedeu.

Gostou de trabalhar em Washington?

 

Adorei.

 

Porque desistiu?

 

Não desisti. Disse para consigo que nada tinha a perder com a revelação da verdade. Fui expulso.

 

Expulso? ecoou Parker, detendo-se com brusquidão.

 

Exacto. As autoridades de Moscovo prenderam um membro da vossa embaixada, acusado de colaborar com dissidentes, e o governo americano decidiu retaliar, escolhendo -me ao acaso para vítima inocente. Fui detido sob um pretexto qualquer e depois recambiado para Moscovo em troca desse funcionário da embaixada. Portanto, sou persona non grata nos Estados Unidos. Razin meneou a cabeça. É pena, porque sempre os considerei a minha primeira pátria, pois nasci lá. Assim, creio que terei de ficar por cá, sem esperanças de uma nova visita.

 

Lamento.

 

Nunca conseguiu explicar o que o impeliu a proferir as palavras seguintes. Supunha que tinha sepultado a sua fantasia, mas, perante uma entidade oficial americana próxima da Primeira Dama e do Presidente, não resistiu à tentação de evocar a expectativa de uma opção que ele Vera poderiam porventura aproveitar num futuro indeterminado.

 

Quem dera que houvesse lá uma pessoa conhecedora da verdade, capaz de levantar a interdição. Era óptimo, mas não passa de um desejo sem possibilidades de concretização.

 

A última frase constituía uma interrogação velada, porém Parker não lhe respondeu.

 

Quem sabe o que pode acontecer? comentou, com um encolher de ombros, recomeçando a andar. Os climas políticos mudam. Há decisões antigas que são revogadas.

 

Se tal acontecer, agradecia que se lembrasse de mim. Está bem relacionado, e algumas palavras suas aos ouvidos apropriados podem representar muito para a minha situação. Note que me sinto satisfeito aqui, mas agradava-me saber que podia regressar aos Estados Unidos.

 

Não   me   esquecerei prometeu   Parker. Mas   o momento não é o mais indicado, como sabe. O clima existente entre os nossos países não se pode considerar propício, de contrário não haveria necessidade da Cimeira em Londres, na próxima semana. No entanto, quem pode prever o futuro? Garanto-lhe que conservarei os olhos bem abertos.

 

Não se esquece? insistiu Razin, com uma expressão grave.

 

-Não.

 

Agradeço-lhe. O que vou dizer parecer-lhe-á ridículo, mas se alguma vez puder retribuir o favor, estarei à sua disposição. Embora não seja uma personagem important tenho certos contactos.

 

Obrigado Parker sorriu. Talvez um dia recorra aos seus préstimos para... obter uma caixa de garrafas de vodka autêntica.

 

Quando quiser redarguiu Razin, mantendo o ar circunspecto.

 

Não é Mrs. Bradford que vem ali? O outro apontou para a entrada dos armazéns.

 

É. Parece que encontrou alguma coisa para comprar. com efeito, Billie Bradford aproximava-se com o director

do GUM, ambos segurando sacos de plástico, enquanto Nora Judson, com um embrulho debaixo do braço, precedia o embaixador.

 

Vamos ao seu encontro sugeriu Parker encaminhando-se para lá.

 

Razin seguiu-o, imerso em reflexões. Teria cometido um erro ao confiar no americano? Fora indiscreto? E se sua estima pela América e desejo de voltar para lá chegassem aos ouvidos de Petrov?

 

No entanto, estava convencido de que o general nunca se inteiraria, pois era óbvio que Guy Parker não o tomara a sério. Fingira apenas. À semelhança de todos os seuj compatriotas, gostava de se mostrar atencioso.

 

No fundo, não interessava. O velho sonho da America representava uma mera nostalgia da juventude. Agora, era adulto e só uma coisa importava.

 

Quando viu a Primeira Dama subir para a limusina, afigurou-se-lhe que era Vera Vavilova.

 

Apenas isso importava. Vera em segurança nos seus braços.

 

A noite tombara sobre Moscovo, mas no interior do Kremlin inundado de luz havia actividade, sobretudo no espaçoso gabinete do Primeiro-Ministro Dmitri Kirechenko, Secretário-Geral do Partido Comunista, Director do Presídio do Soviete Supremo e Marechal da União Soviética.

 

As quatro paredes, forradas com papel de seda branco! apresentavam apenas duas decorações: uma fotografia emoldurada de Karl Marx e outra de V.I. . Lenine. No centro da sala, sob o lustre de cristal, havia uma mesa de reuniões! coberta de baeta verde. A um canto do aposento hexagonal via-se a secretária em forma de «L» do Primeiro-Ministro. O tampo achava-se desprovido de objectos supérfluos ou equipamento, à parte três telefones brancos com um quadro He teclas, um relógio quadrangular de bronze, um tinteiro e caneta e um bloco-calendário.

 

Aquela hora da noite, a cadeira rotativa estofada era ocupada por Kirechenko, que cofiava a barba tipo Vandyke, enquanto, através dos óculos sem aros, contemplava os colaboradores à sua volta. Em frente, com os livros de informações sobre os joelhos, sentavam-se o general Chukovsky, o coronel Zhuk, os membros do Politburo Garanin e Umyakov e dois especialistas de assuntos africanos.

 

Muito bem proferiu o Primeiro-Ministro. Escutei as vossas sugestões e tomei-as na devida consideração. Agora, para que não haja mal-entendidos, vou recapitular a nossa posição e a da América, antes de nos apresentarmos na reunião de Londres.

 

Reclinou-se na cadeira, tirou os óculos, fechou os olhos e prosseguiu:

 

O Boende foi, até há pouco, um país insignificante da África Central, com trinta milhões de habitantes. Nos últimos doze meses, adquiriu particular importância. Foram descobertos no seu território vastos depósitos de urânio e explorados. Nós, na União Soviética, necessitamos de urânio, e o mesmo se aplica aos Estados Unidos. Para manter uma fachada- de neutralidade,   Mwami   Kibangu,   Presidente do Boende, na realidade um lacaio dos Americanos, estabeleceu um contingente do que nos venderia, ao mesmo tempo que fornecia o triplo aos Estados Unidos. Uma situação intolerável, meus senhores!

 

Sabemos que Kibangu chefia um governo sem o apoio sólido do povo. Trata-se de uma democracia artificial arquitectada pelo seu aliado americano. Por outro lado, o nosso homem, coronel Nwapa, dirige um exército de rebeldes clandestino voltado para os princípios do comunismo. Os nossos laços com ele são estreitos e fomos informados de que está disposto a entrar em acção, preparado para derrubar o Qoverno fantoche de feição americana. Isto quanto ao pano de fundo.

 

Descerrou as pálpebras, conservando os óculos suspensos dos dedos.

 

Chegamos assim à situação actual. O coronel Nwapa dispõe dos homens necessários para triunfar. No entanto, carece do armamento sofisticado que lhe assegure a vitória. u Presidente Kibangu, por seu turno, declara-se fortemente armado com o material mais moderno, um autêntico arsenal fornecido pelos Estados Unidos. Afirma igualmente que assinou um tratado com o governo americano, pelo qual este lhe enviará novas armas, se surgir alguma ameaça à sua posição. Depara-se-nos assim a grande dúvida. Kibangu fala verdade? E outras fecundarias. O seu exército foi totalmente armado com material americano? Kibangu obterá auxílio do Presidente Bradford, se as forças rebeldes desencadearem o ataque?

 

«Se o que ele propala corresponde à realidade, esmagará Nwapa e os seus homens sem dificuldade. Nessa eventualidade, não nos atreveremos a enviar armamento da Etiópia, por via aérea, aos revoltosos, e Nwapa nada poderá fazer. Em contrapartida, se se verificar a situação inversa e os Estados Unidos não acudirem a Kibangu numa emergência, estaremos numa posição privilegiada. Poderemos»’ fornecer a Nwapa material, técnicos e conselheiros em quantidade suficiente para assumir o controlo do país numa semana e teremos todo o urânio de que necessitamos, enquanto a sua exportação para os Estados Unidos será suspensa. O nosso poderio nuclear aumentará substancialmente e o domínio sobre o nosso rival capitalista tornar-se-á absoluto.

 

Algumas cabeças inclinaram-se em anuência, porém Kirechenko não lhes prestou atenção e continuou:

 

Chegamos assim à Conferência Cimeira de Londres, Os nossos informadores não conseguiram apurar a força do governo do Boende. Por seu turno, o Presidente Bradford ignora a dos rebeldes. Por conseguinte, atingimos um ponto morto. O inimigo prefere o status quo, para explorar as riquezas do país, e nós uma guerra de libertação destinada a salvar o povo. Para pôr termo a este ponto morto, decidimos própor a confrontação com a América numa Cimeira. Conhecemos o plano do Presidente Bradford. Apresentará um tratado,”para que o aceitemos e assinemos. Sugerirá o status quo, não apenas para o Boende, mas para toda a África, num’ documento em que figurará a garantia de que se não verificarão mais intervenções estrangeiras naquele continente, nem envio de armas para qualquer Estado africano. Como reagiremos perante semelhante proposta? Se os Estados Unidos fazem bluff quanto ao seu apoio passado e futuro ao Boende e não o conseguirmos provar, a assinatura do tratado constituirá uma vitória importante para eles. Ao invés,- se nos inteirarmos previamente de que se trata de uma artimanha, rejeitá-lo-emos, indicaremos a Nwapa que ataque possuiremos o Boende, com os seus depósitos de urânio, e a base mais vantajosa para o domínio gradual da África. Como poderemos comparecer à Cimeira em posição de supremacia? É impossível... a menos que intervenha uma arma secreta que nos assegure uma vitória retumbante.

 

A sua cadeira rotativa produziu um estalido, enquanto ele se endireitava para pôr os óculos.

 

Alguns dos presentes assistiram ao desenvolvimento da nossa arma secreta e todos ouviram falar dela. Essa arma investigará e obterá a verdade do próprio Presidente Bradford revelará a verdadeira posição da América e os pontos fortes e vulneráveis do Boende. com esses elementos nas nossas   mãos,   saberemos   exactamente   como   actuar   na Cimeira Meus senhores, quero que observem a arma secreta devidamente preparada, antes da sua utilização.

 

Estendeu a mão para a secretária e o indicador premiu um botão, ao mesmo tempo que fixava o olhar na porta dupla que comunicava com a antecâmara, no lado oposto da sala, enquanto as outras cabeças se voltavam para lá instintivamente.

 

A porta abriu-se, para dar passagem ao general Petrov, que se desviou e gesticulou para trás dele.

 

Ela entrou em passos lentos e firmes, para se imobilizar diante da secretária do Primeiro-Ministro.

 

Conservava a cabeça bem erecta e tronco empertigado e usava uma blusa de seda bege decotada, com um cordão de ouro do qual pendia um medalhão alojado na depressão entre os seios e saia de folhos castanha. Os cabelos louros achavam-se penteados imaculadamente, os olhos brilhavam e, sob o nariz ligeiramente arrebitado, os lábios exibiam um leve sorriso.

 

Estendeu a mão num gesto quase solene, e Kirechenko ergueu-se com prontidão para a estreitar com gravidade.

 

Sinto-me honrada por o conhecer finalmente, Primeiro-Mimistro proferiu ela. Sou Billie Bradford. O Presidente dos Estados Unidos, meu marido, incumbiu-me de lhe transmitir saudações cordiais.

 

Excelente articulou   Kirechenko, com   um sorriso característico. Em seguida, virou-se para os outros, que arregalavam os olhos (uns de assombro e os restantes de incredulidade) e declarou: Compreendo que alguns se sintam perplexos. Aos outros, limitar-me-ei a dizer: aqui têm o produto acabado. Apresento-lhes a maior actriz da União soviética, camarada Vera Vavilova. Traga uma cadeira, Petrov.

 

Aguardou que ela se sentasse, imitou-a e acrescentou

 

Embora soubessem mais ou menos o que planeava-mos duvido que estivessem convencidos da sua realidade. Agora podem certificar-se, render-se à evidência.

 

Incrível admitiu o velho general Chukovsky, que não conseguia desviar os olhos de Vera. De facto, estava ao corrente do que se passava, mas acalentava sérias dúvidas. Abanou   a   cabeça   com   veemência. Dissiparam-se por completo.

 

O Primeiro-Ministro deixou transparecer que estava satisfeito, assim como Petrov, a seu lado.

 

Aqui têm a nossa arma secreta, a nossa alavanca irresistível para quando nos apresentarmos na Cimeira de Londres volveu Kirechenko. O que ela apurar conduzir-nos-á à vitória. Um trabalho brilhante, Petrov murmurou em aparte.

 

Obrigado.

 

Está pronta a entrar em acção, Primeira Dama?    

 

Absolutamente, senhor.

 

Confiante?

 

Sem a mínima reserva.

 

Então, estou tranquilo. O futuro da União Soviética o próprio equilíbrio do poder mundial, dependem da sul actuação.

 

Tenho plena consciência do que está em jogo - afirmou Vera Vavilova.

 

Talvez cometa uma imprudência ao aprovar semelhante projecto. O Primeiro-Ministro parecia momentaneamente apreensivo. Os riscos são enormes. Um simples» erro, e estaremos perdidos.

 

Creia que não haverá erro algum - asseverou ela. Cumprirei a minha missão a contento.

 

Óptimo. Kirechenko levantou-se e voltou a estender a mão. Felicidades, Mrs. Bradford. Queira transmitir os meus respeitosos cumprimentos ao Presidente.

 

Apesar de fatigada, Billie Bradford via-se forçada a reconhecer que a cena era impressionante.

 

Ela e a sua comitiva sentava-se perto do centro de uma| das quatro mesas de banquete situadas ao longo das quatro paredes do deslumbrante Salão de São Jorge, no Palácio do Kremlin. Tinham-na colocado entre o intérprete, Alex Razin»! e o embaixador dos Estados Unidos, Otis Youngdahl. Nas cadeiras douradas a seu lado, encontravam-se Nora Judson, Guy Parker e o oficial de protocolo Fred Willis.

 

Billie fora informada de que a sala czarista tinha setenta metros de comprimento e vinte de largura. Dezoito colunas espiraladas de zinco suportavam o tecto abobadado, do qual pendiam seis gigantescos lustres dourados. Além destes, três mil lâmpadas inundavam de luz a parte central do sobrado, onde, três ou quatro horas antes, no início do banquete de encerramento da Reunião Internacional das Mulheres, membros da Companhia Bolschoi tinham interpretado excertos de três bailados.

 

Ela volveu os olhos para a varanda, onde uma orquestra atacava uma miscelânea de composições populares de peças representadas na Broadway.

 

Tornando a concentrar-se na mesa, onde homens de libré removiam o seu prato ainda com grande parte do bife e o copo quase cheio de vinho da Moldavia, reconheceu que perdera a noção do tempo, embora calculasse que devia ser perto da meia-noite. Por outro lado, sabia que se seguiria a sobremesa, com a qual terminaria o longo serão e dia.

 

Apesar das numerosas refeições exóticas em que participara em recepções oficiais na Cidade do México, Paris, Roma e na própria Casa Branca, nunca tivera de se sujeitar a um jantar tão abundante como aquele. Tentou recordar-se do primeiro prato e recapitular a ementa. Compunha-se de caviar, vodka, sonhos de peixe, vitela assada com pickles e salada. Tudo isto não passava do primeiro prato! A seguir, houvera caldo de aves com almôndegas e sopa fria de kvass, que ela não fazia a mínima ideia do que era. O repasto continuara com salmão grelhado, esturjão com vinho branco da Georgia e finalmente um bife monumental. Billie conseguira sobreviver comendo apenas metade do que lhe serviam. E ainda faltava a sobremesa. Tomou mentalmente nota para comunicar a Andrew que os jantares na Casa Branca se distinguiam pelo clima espartano em comparação com aquilo.

 

Ao pensar no marido, lembrou-se da frustração que experimentara por não conseguir contactar com ele antes do banquete. O telefonema efectuado para Washington fora atendido pela secretária particular do Presidente, Dolores Martin, a qual lhe revelara que ele se achava reunido com o Gabinete e deixara instruções para que não o interromPessem. Billie ficara desapontada, pois ansiava por lhe falar confessar que se sentia só e extenuada. Por fim, indicara a Dolores que o informasse de que contava com a sua chamada e regressaria ao hotel pouco depois da meia-noite. As suas reflexões foram interrompidas pelo criado, que colocou na sua frente um gelado de morango gigantesco e uma xícara de café. De súbito, descobriu antes de o poder advertir da sua aversão àquela bebida que enchia a tassa de champanhe.

 

Em seguida, verificou que todas as cabeças se voltavam para o centro da mesa, a uma dezena de lugares doponto em que se encontrava, e viu um homem levantar-se, segurando a taça à altura dos olhos. Compreendeu, e não tardou a confirmar a suposição, que se tratava do Primeiro

-Ministro Kirechenko. Até então, a sua cadeira estivera vazia e fora a esposa que fizera as honras do banquete. Segundo parecia, acabava de chegar e propunha um brinde em russa Billie apercebeu-se do alento de Alex Razin junto do ouvido enquanto murmurava a tradução. O Primeiro-Ministro brindava ao êxito das mulheres em todo o mundo, aos postos de trabalho que ocupariam e aos bebés que os maridos teriam uma observação jocosa. Risadas de compromisso. Depois com uma expressão mais grave, brindou à próxima cimeira de Londres e ao acordo que contribuiria para a paz mundial Billie viu que todos se levantavam para participar no

brinde e apressou-se a imitá-los, pegando na taça. Não sem visível relutância, acercou-a dos lábios, ingeriu um pequeno sorvo e contraiu as faces num esgar de desagrado. Apercebendo-se de que Razin a observava, admitiu:

Não sou capaz de beber tudo. Detesto o champanhe.

 

Faça um esforço, por favor recomendou ele, em meia-voz. Seria uma quebra de etiqueta, sobretudo de sua parte.

 

Billie virou-se para o embaixador Youngdahl, que ouvira e inclinou a cabeça. Desviou em seguida os olhos para Nora Judson, cuja aversão ao champanhe não era inferior à sua e verificou que esvaziava a taça. Por último, com um leve» encolher de ombros de resignação, imitou-a. A bebida era menos doce do que habitualmente e provocou-lhe um breve acesso de tosse. No entanto, acabou por pousar a taça e sentar-se, aliviada por o cerimonial do brinde ter terminado.

 

Uma voz anunciou algo através dos altifalantes, e Razin apressou-se a traduzir. O final do banquete caracterizar-se-ia por nova actuação do corpo de bailado.

 

Apesar da fadiga, Billie tentou concentrar-se no que se passava no espaço circundado pelas mesas. Não obstante, sentiu-se dominada por uma debilidade crescente. Principiou a dormitar, apercebeu-se e tentou reanimar-se, acompanhando as piruetas das bailarinas através do olhar enevoado, pouco depois, ouviu a música interromper-se e aplausos calorosos. Esforçou-se por fazer contactar as mãos, mas uma das palmas não conseguia localizar a outra. Aliviada por a provação se encontrar no termo, impeliu a cadeira para trás, a fim de se levantar, porém, a mão de Razin impediu-a com suavidade.

 

Falta um número para concluir o espectáculo. As nossas campeãs mundiais de ginástica.

 

Billie esboçou um sorriso indefinido, no momento em que os projectores incidiram em barras paralelas e outro equipamento da modalidade. Em seguida, procurou concentrar-se na actuação das ginastas, mas reconheceu a impossibilidade de o conseguir. As seis iniciais transformavam-se em doze e depois em dezoito ou mais. Resultaram baldadas todas as tentativas para melhorar a visão. As pálpebras acabaram por se cerrar e a cabeça pendeu para o lado.

 

Quando tornou a ter consciência de algo, notou que a sacudiam. O embaixador Youngdahl segurava-a pelos ombros e o espectáculo parecia ter terminado.

 

Vamos, Mrs. Bradford dizia ele em surdina. São horas de regressar ao hotel e ir para a cama.

 

Dormir articulou Billie, em voz quase irreconhecível. Tenho... preciso de dormir.

 

Estava rodeada por uma pequena multidão que se encaminhava para a saída e, protegida pelos agentes do seu Serviço Secreto e guardas do K. G. B., arrastava-se com dificuldade.

 

Perguntou-se vagamente se Nora também teria tanto sono. Em dado momento, tropeçou, porém, mãos fortes conservaram-na de pé.

 

«Abraça-me», cogitava. «Abraça-me, sono querido.»

 

Abandonaram a cabina do elevador e imergiram no corredor do terceiro piso do Hotel Rossiya.

 

Billie Bradford fora acordada para se apear da limusina e entrar no edifício. Por breves instantes, no átrio, recuperara a lucidez, mas agora, no corredor, arrastando-se com lentidão em direcção à suite, voltava a sentir os membros quase paralisados.

 

Os homens do Serviço Secreto do turno da noite, Oliphant e Upchurch, ladeavam-na, segurando-lhe os braços e acentuando a pressão cada vez que ela parecia na iminência de perder totalmente o conhecimento. Um pouco atrásj Guy Parker prestava assistência a Nora Judson, igualmente aturdida.

 

Para Billie Bradford, decorrera uma eternidade, quando! finalmente alcançaram a porta da suite da Primeira dama. Junto da entrada, a criada pessoal de Billie, Sarah Keting que substituía a habitual dezhurnaya russa, encarregada das chaves dos aposentos, ergueu-se com prontidão e abriu-a.

 

Quer que a ajude a deitar-se, minha senhora? perguntou, preocupada.

 

Não... não é nece... necessário. A interpelada teiv tou mover a mão para a mandar embora. Estou bem. Sou capaz de me despir sozinha.

 

Guy Parker confiou Nora ao agente Upchurch e aproximou-se.

 

Sente-se bem, Billie?

 

Per... perfeitamente. Apenas cansada.

 

Lembre-se que seguimos para o aeroporto às sete da manhã.

 

Não se apoquente. Tenho o despertador.

 

Então, vá-se deitar. Precisa de repousar.

 

Em seguida, voltou para junto de Nora e, com o agente, conduziu-a ao quarto.

 

Coitada murmurou Parker, acompanhando a secretária com a vista. Deve ser excesso de trabalho. E rodou nos calcanhares para abrir a porta da suite.

 

Deseja que a ajude? perguntou o agente Oliphant, que ainda lhe segurava o braço.

 

Não, obrigada. Ela desprendeu-o. vou já para a cama acrescentou, transpondo a entrada.

 

Fico cá fora toda a noite advertiu ele. Se precisar de alguma coisa, não hesite em chamar.

No entanto, Billie inclinou a cabeça e fechou-lhe a porta na cara.

 

A luz da sala estava acesa e ela olhou em volta, descobrindo que as paredes e o sobrado oscilavam como o camarote de um navio. Confusa, principiou a avançar no aposento em movimento, colidindo com os móveis, até que localizou o interruptor e apagou a luz.

 

Arrastando as pernas que lhe pareciam de borracha, entrou no quarto, cuja única iluminação provinha do candeeiro de uma das mesas-de-cabeceira da cama de casal, e l recorreu a todo o vigor que lhe restava para a alcançar.

 

A meio caminho deteve-se e principiou a despir-se, operação que resultou particularmente penosa e difícil. A seguir, enfiou a camisa de noite, pousou as mãos na cama, afastou o cobertor e deixou-se cair como uma pedra.

 

Cobriu-se até ao pescoço e tentou abrir os olhos. Havia vários tectos sobre a sua cabeça, que se deslocavam num vaivém inverosímil, enquanto as paredes não encontravam uma posição definida. Volveu a cabeça para os candeeiros de uma das mesas-de-cabeceira, aguardou que se fundissem num único e tentou ver as horas, todavia o despertador dir-se-ia igualmente animado de agitação invulgar. Só conseguiu descortinar que passavam dez minutos de uma hora indeterminada. Talvez da meia-noite. Por fim, pousou os dedos no interruptor e apagou o candeeiro.

 

Na escuridão, afundou a cabeça na almofada macia. Não havia dúvida de que os Russos tinham almofadas deliciosas. Billie cerrou as pálpebras e afigurou-se-lhe ouvir uma campainha ao longe. Provavelmente, do telefone. Era, sem dúvida, a chamada de Andrew. Andrew! Diligenciou erguer-se, contudo os ombros e tronco negaram-se a colaborar, obrigando-a a renunciar. Ao diabo com o telefone...

 

Conservou-se imóvel. Nunca se sentira assim em toda a vida. Presa à cama. Desamparada. Apenas a cabeça sentia movimento. Parecia conter uma roleta em actividade constante. Devia estar terrivelmente embriagada.

 

A roleta continuava a girar.

 

Sucedeu-lhe um clarão de lucidez. O que bebera não justificava semelhante estado. Teria sido drogada? Talvez conviesse chamar o embaixador. Ou o agente do Serviço Secreto, que permanecia à entrada. O espírito esforçava-se por tomar uma decisão e conservá-la, mas não conseguia.

 

A roleta reapareceu, agora em rotações mais lentas, distanciando-se e mergulhando num vazio que se enchia de trevas. O seu corpo afundou-se e vagueou na sonolência e o corpo não tardou a reunir-se-lhe.

 

Billie Bradford adormecera.

 

O despertador indicava meia-noite e catorze minutos.

 

Escuridão.

 

O despertador indicava agora 02.10.

 

Billie Bradford continuava a dormir, profundamente, alheia à noite que a rodeava.

 

Mantinha-se imóvel. A cama não revelava o mínimo movimento. De súbito, algo se moveu: o pequeno tapete oriental no chão, junto da cama. com lentidão, de uma forma sinistra, uma das pontas principiou a erguer-se, um cetímetro, dois, três quatro cinco, dez.

As tábuas de carvalho do sobrado sob o tapete duas, uma de cada lado elevavam-se. Uma mão de dedos nodosos e um braço» materializaram-se junto do tapete, agarrando-o, afastando-o para o lado, para expor as quatro tábuas elevadas que se deslocavam para cima. A mais distante encontrava-se a trinta centímetros do sobrado e foi desviada e baixada sem ruído. Depois, rápida e silenciosamente, outras três, uma após outra, foram igualmente pousadas.

 

O chão apresentava agora uma abertura rectangular com um metro e meio de comprimento por um e vinte de largura. Um vulto de forma indefinida começou a emergir de baixo, na escuridão. Um homem magro, trajado de negro saiu do espaço acabado de abrir, permaneceu de joelhos por um momento e endireitou-se. instantes depois, surgia outro, mais corpulento, que se colocou ao lado do vulto que o precedera.

 

Em seguida, em bicos dos pés, aproximaram-se da cama, detiveram-se e contemplaram a mulher adormecida.

inclinou a cabeça para o outro e, simultaneamente, como que ensaiados, levaram as mãos às algibeiras do casaco.

Um puxou de um lenço e o companheiro de uma seringa hipodémica. Tornaram a acenar e, num movimento extremamente rápido, o lenço foi introduzido na boca de Billie Bradford. No mesmo instante, a agulha da seringa cravava-se-lhe no antebraço. A pressão e dor repentina fizeram-na estremecer, arqueando o corpo enquanto tentava acordar. Os olhos abriram-se, arregalaram-se, denunciaram terror, perderam a possibilidade de focar, as pálpebras cerraram-si

pesadamente e a cabeça afundou-se na almofada. Os lábios comprimiram-se e depois descontraíram-se. A seringa, agora vazia, foi retirada.

Ela mantinha-se inerte, totalmente inconsciente.

O cobertor foi afastado e os dois vultos inclinaram-se para a frente, a fim de a levantar e conduzir em direcção à abertura no sobrado.

Foi descida com extrema precaução. Quatro outros braços estenderam-se para a recolher, seguraram-na com firmeza e o corpo envolto na camisa de noite desapareceu do quarto.

Os dois primeiros vultos aguardaram, até que um ajoelhou e introduziu-se na abertura. Transcorridos uns segundos, o companheiro seguiu-lhe o exemplo.

O quarto ficou desprovido de vida.

Mas unicamente por um minuto.

O topo de uma cabeça destacou-se da abertura e a seguir o resto do corpo de uma mulher, que se endireitou, ajeitou a camisa de noite e tentou habituar a vista à escuridão.

Bastaram uns segundos para estar em condições de se orientar e passou a mover-se com rapidez e graciosidade, sem um gesto supérfluo. Pegou numa das tábuas, colocou-a num dos lados da abertura e, como se reconstituísse um puzzle, dispôs as restantes nos respectivos lugares. Por último, arrastou para lá o tapete oriental, e o sobrado readquiriu o aspecto primitivo, como se ninguém lhe tivesse tocado.

A mulher esquadrinhou o quarto e, até onde lhe era possível determinar, convenceu-se de que estava tudo no seu lugar. Assomou à porta de comunicação com a sala e apurou os ouvidos. Imperava silêncio absoluto. O agente do Serviço Secreto americano não se apercebera de nada, no seu monótono posto no corredor.

 

Sorrindo para consigo, ela encaminhou-se para a cama, descalça. Observou-a por um momento, sentou-se na borda, introduziu as pernas sob o cobertor e deitou-se entre os lençóis ainda mornos.

 

O despertador indicava 02.26.

 

Estendeu a mão para localizar o comprimido para dormir e encontrou-o junto do copo de água. A sua predecessora não se sentira em condições de o tomar e ela reconheceu que também não o devia fazer.

Satisfeita, afundou a cabeça na almofada e fixou o olhar no tecto quase invisível. O coração palpitava com intensidade e regularidade. Pressentia que, por mais que se esforçasse, não conseguiria dormir. A adrenalina continuava a Percorrer-lhe as veias com impetuosidade, os nervos conservavam-se tensos e o corpo arquejava sob o efeito da excitação do perigo. Não podia negar que a dominava profunda ansiedade, como acontecia sempre que se preparava para Pisar o palco, e reflectia que se tratava de um bom sinal. Prometedor de uma actuação perfeita.

No entanto, impunha-se que serenasse. O sono era indispensável. O seu espírito evocou rapidamente a agitação do Passado recente. Kiev. A noite em que Petrov a visitara, no camarim. Moscovo. O dia em que fora convocada pelo K. G O dia em que se inteirara do papel transcendente que deveria interpretar. O dia em que descobrira que desejava Alex e a tarde que ele a possuíra pela primeira vez. E a última particularmente deliciosa. Em seguida, abandonou as realidades daqueles três anos e concentrou-se no futuro. O termo do projecto, ela transformada em heroína da União Soviética, uma princesa entre os simples mortais, admirada pela elite. Ela e Alex.

Tinha a consciência da cabeça esvaziando-se, as imagens de ontem e de amanhã, atenuando-se, ao mesmo tenpo que os membros se descontraíam. Bocejou, enquanto o sono principiava a dominá-la, e acolheu-o com satisfação. precisava de se levantar às cinco, hora a que subiria o pano. Virou-se para o lado.

Amanhã. Tinha de se recordar do seu papel, identidadi e texto. Fez um esforço e descobriu que não conseguia limbrar-se de uma única palavra. Todavia, a proximidade do sono abafou o pânico. Tudo lhe acudiria, no momento oportuno. O pano subiria e a representação da peça principiaria. Adeus, Vera Vavilova.

 

Olá, Primeira Dama dos Estados Unidos da América.

 

A   emersão do sono assemelhava-se à escalada de uma encosta íngreme e interminável.

No entanto, Billie Bradford estava acordada na cabeça, com as pálpebras ainda cerradas. Por detrás da fronte e fina cintura de dor que persistia, o cérebro achava-se convertido num charco e havia um sabor amargo na boca seca.

Os seus pensamentos abriram caminho através do charco e acabaram por alcançar a recordação da noite anterior O banquete, a exaustão, a embriaguez. Era isso: bebera de mais Sofria uma terrível ressaca, o que não a devia surpreender.

Conservava os olhos fechados, esperançada em que o cérebro se desanuviasse e a dor de cabeça desaparecesse.

Transcorridos uns minutos, durante os quais permaneceu imóvel, sentiu-a principiar a atenuar-se e o cérebro, liberto do charco, começou a funcionar. Billie ficava gradualmente alerta. Lembrou-se de onde estava, o dia que era e onde a esperavam.

Devia levantar-se às cinco da manhã, a fim de partir de Moscovo com destino aos Estados Unidos.

Abriu os olhos e voltou a cabeça para o despertador, que indicava quatro horas. Por sorte, não se deixara dormir, ”estava-lhe uma, antes de soar o alarme. Podia aproveitá-la Para mais um pouco de sono.

Preparava-se para adquirir uma posição mais confortável, guando se apercebeu de um pormenor singular. O despertador era diferente, muito maior e de outra cor. Porventura sarah o trocara pelo seu? Não fazia sentido. Modificou a Posição da cabeça na almofada, para observar o quarto Acto contínuo, descobriu com um sobressalto que não eram os seus aposentos na suite do Rossiya. O aspecto diferia por completo, do papel das paredes ao mobiliário moderno e cama de colunas.

 

Soergueu-se, confusa, intrigada.

 

Não obstante, havia coisas familiares: a aliança de casamento no dedo, a camisa de noite verde, os chinelos Junto da cama, o roupão azul-turquesa no espaldar da cadeira, mas o quarto era indiscutivelmente outro.

 

Que acontecera? Estaria demasiado embriagada para que a conduzissem ao seu e ficara no de Nora? de súbito, distinguiu duas vozes, masculinas, abafadas provenientes da dependência contígua. Havia alguém, duas pessoas pelo menos, na sala. Deviam ser os agentes do Serviço Secreto, Oliphant e Upchurch. Decidiu inteirar-se.

 

se era assim e da razão pela qual se encontrava num quarto diferente.

 

Levantou-se, enfiou os pés nos chinelos e vestiu o roupão. Depois de atar o cinto, procurou o pente que sempre conservava numa das algibeiras e encontrou-o. A seguir, aproximou-se do espelho do toucador, penteou os cabelos desgrenhados e observou-se. A ressaca extinguira-se e paricia e sentia-se quase humana.

O zumbido de vozes na sala ao lado tornou a despertar-lhe - a atenção. Impelida pela curiosidade e perplexidade abriu a porta de comunicação.

No primeiro instante, não viu as pessoas às quais as vozes pertenciam. Apenas se lhe deparou uma sala diferente e muito mais espaçosa e moderna que a da suite que ocupara no Hotel Rossiya, nos últimos dias. Por fim, Avistou-os, à sua esquerda e um pouco atrás dela, ficando surpreendida ao verificar que não se tratava dos seus protetores do Serviço Secreto.

Pareciam russos, um familiar e o outro totalmente dêsconhecido. Que faziam ali? E ela? Fitou-os com intensidade numa   tentativa   para   obter uma   explicação do   mistério.

Naquele momento, um deles, sentado numa poltrona, viu-a e fez sinal ao companheiro, que se virou para a porta.      

O familiar era o seu intérprete russo dos últimos tres dias, Alex Razin, enquanto o outro, um indivíduo atarracado de olhar penetrante, não passava de um desconhecido.      

 

Ah, Mrs. Bradford proferiu este último, levantando-se, imitado por Razin. Aguardávamos que acordasse.!

 

Que significa isto? Billie ignorou-o e dirigiu-se ao Intérprete com um gesto largo que abarcava a sala, inquiriu: Como vim parar aqui? Confesso que não compreendo. Vou ___ tentar elucidá-la - disse o interpelado, em ton De desculpa, adiantando-se um passo. No entanto, o companheiro ergueu a mão para que se calasse.

__ Procurarei satisfazer-lhe a curiosidade. Traga café, Razin. Enquanto este se afastava em direcção à cozinha, moveu-se para um dos dois sofás que ladeavam a lareira e indicou: Sugiro que se sente aqui, Mrs. Bradford.

Embora desejasse desafiá-lo, Billie obedeceu e puxou o roupão para cobrir os joelhos.

O homem conservou-se de pé e acrescentou em voz baixa e rouca:

É natural que esteja confusa.

Isso é ficar muito aquém da realidade! Não faz...

Sentido? Vai fazer, garanto-lhe. Mas primeiro quero apresentar-me. Sou o general Ivan Petrov. Ouviu falar de mim?

 

Não.

 

Ele levou a mão à algibeira interior do casaco, puxou do cartão de identificação e mostrou-o, pousando o indicador junto de três iniciais em cirílico.

  1. G. B. esclareceu, ao mesmo tempo que ela o olhava, sem compreender. Sou director da nossa polícia de segurança prosseguiu, voltando a guardá-lo. vou responder às suas perguntas. Quer saber onde está? Num apartamento de   hóspedes do   Kremlin. Como veio cá parar? Fomos buscá-la ao hotel, durante a noite.

Foram quê?

Buscá-la ao hotel repetiu   pacientemente. Foi necessário. Decerto não compreende porquê...

Um momento!vociferou Billie. Quer dizer que... que me raptaram?

Acho que as suas palavras descrevem a situação com rigor admitiu ele, com um leve encolher de ombros.

Raptaram-me durante o sono? O assombro dela Parecia exceder toda a possibilidade de   reprodução por Palavras. É   impossível.   Como   podiam?... InterromPeu-se, arregalando os olhos. A menos que me drogassem. Foi isso?

Sem dúvida assentiu o general, com desprendimento. NO banquete, por meio do champanhe.

 

Endoideceram? Devem estar completamente loucos. Quando meu marido souber...

Ele nunca se   inteirará - afirmou com um sorriso irritante. Posso garantir-lho.

Razin reapareceu com um tabuleiro em que se viam café, leite, açúcar, algumas fatias de pão de centeio e com pota e pousou-o na mesinha diante dela, evitando-lhe o olhar.

 

Diga-me que isto não é verdade, Mr. Razin. Não pode ser. Vendo que não obtinha resposta e ele assumia uma posição respeitosa atrás de Petrov, Bellie voltou-se de novo para este último. Ao menos, diga-me que estou a sonhar.

 

Não se trata de sonho. É realidade.

 

Devo estar a enlouquecer articulou, numa inflexâl aguda que se aproximava da histeria. Não faz sentido repito. Ninguém rapta uma...   uma Primeira Dama e fica impune. Sabe as consequências que podem advir em mente extorquir alguma coisa ao Presidente? Garanto-lhes que não conseguirão nada. Não percamos tempo e expliquem o que se lhes meteu na cabeça. Tenho de apanhar o avião dentro de poucas horas.

O seu avião já vai informou o general, com serei nidade. São quatro horas da tarde.

 

Eles não partiam sem mim.

 

Isso é verdade, até certo ponto. O Força Aérea Um não descolaria sem Mrs. Bradford a bordo. Asseguro-lhe que segue no aparelho. Fez uma pausa, enquanto ela o fitava abismada   e   perplexa. Permita-me que descreva   o que aconteceu. Depois, compreenderá e poderei retirar-me, pois que tenho um dia particularmente sobrecarregado. Se lha acudir alguma dúvida, Mr. Razin procurará esclarecê-la. Ora bem. Seu marido e o nosso Primeiro-Ministro encontram-si numa reunião Cimeira em Londres, na próxima semana, para discutirem assuntos dos quais pode depender a paz mundial. É de importância vital para nós conhecer as intenções do Presidente Bradford. Para tal, esperávamos colocar um agente secreto na Casa Branca, alguém com acesso à sua maneira de raciocinar. Trata-se de uma prática corrente, utilizada com frequência pela C. I. A. Tivemos a sorte de prever a necessidade de um agente dessa natureza. Há cerca de três anos, ainda antes de residir na Casa Branca,! Mrs. Bradford, iniciámos o seu treino. Quis a nossa boa estrela   que   descobríssemos   na   União   Soviética   alguém| extremamente parecido consigo.

 

Alguém extremamente parecido comigo? Impossível.!

 

AS pessoas são como as impressões digitais. Não há duas iguais.

 

Creia que é muito possível. A mulher que se nos deparou pode tomar-se pela sua réplica exacta. O mesmo rosto e corpo, e fala inglês sem sotaque. Existiam, é certo, algumas   pequenas   discrepâncias,   mas foram   eliminadas. Consagrámos três anos ao treino paciente da sua sósia.

 

Sósia? Billie mostrava-se claramente agastada. Nunca ouvi um disparate tão ridículo! Sósia de uma figura pública? Abanou a cabeça com vigor. Não resultaria, jamais se viu uma coisa dessas.

 

Para melhorar a sua imagem junto da nossa hóspeda, elucide-a, Razin. Como antigo estudante de história, reúne as condições ideais para o efeito.

 

Não sem uma ponta de relutância, o visado interpôs:

 

Receio que esteja equivocada, Mrs. Bradford. A operação em causa não é nada de novo. Há numerosos casos no passado em que sósias, por uma variedade de razões, substituíram com êxito figuras políticas importantes. Napoleão tinha um chamado Eugene Robeaud. O vosso Presidente Roosevelt também utilizou um sósia, em mais de uma ocasião. Decerto se inteirou de que o general britânico Bernard Montgomery   recorreu   aos   préstimos   de   um   durante   a Segunda Guerra Mundial. Como vê, não se trata de uma situação inédita.

 

Decerto que não apoiou Petrov.

 

Não há-de resultar persistiu Billie.

 

Se resultou no passado, por que não agora?

 

Não acredito. E eu? Que destino me reservam?

 

Nenhum em particular. A sua vida não corre perigo. Julga-nos   bárbaros?   Encontra-se   em   segurança.   Mantê-la-emos incomunicável neste apartamento do Kremlin durante cerca de duas semanas, enquanto a nossa agente (designemo-la Segunda Dama) obtém a informação que pretendemos. No último dia da Cimeira, após a vitória, transportá-la-emos Para Londres, onde trocará de lugar com a sua sósia e regressará aos Estados Unidos com seu marido. Ninguém saberá o que aconteceu.

 

Ninguém? bradou,   ofegante. Pensam   que   guardarei silêncio? Hei-de denunciá-los na Imprensa, TV e...

 

Não acredito que o faça, no seu próprio interesse Redarguiu Petrov. Supõe que seu marido se convenceria de uma história dessa natureza? Quem aceitaria a possibilidade de uma operação alucinada como esta? Se persistisse com as suas fantasias, colocaria o Presidente numa posição embaraçosa perante o mundo. Terminaria os seus dias n… - a como se chama aquele estabelecimento, Razin

 

Clínica Menninger.

 

Exacto, num hospital para desequilibrados mentais.

 

Não, Mrs. Bradford. Uma vez regressada ao lar, guardará silêncio, como se nada tivesse sucedido. Não receamos que nos denuncie, porque não o fará. A própria audácia e inacreditabilidade do nosso plano garante-nos a impunidade.

 

Pegou na cigarreira de cima da mesa, guardou-a na algibeira do casaco e pôs o chapéu. Tenho de me retirar. Mr. Razin.

providenciará para que disponha de todo o conforto. Espero que arranje uma distracção para passar o tempo. Coma, durma, faça exercício, leia. Possuímos obras inglesas e americanas de autores célebres e videotapes de filmes de países ocidentais que pode ver na televisão. Nas duas telefonias que lhe deixamos, captará a Voz da América ou a B. B. C,

No quarto, há duplicados das suas   malas e   roupa que escolheu para esta viagem. Não lhe sucederá mal algum, si aceitar a situação. Assumiu uma expressão grave. Si tentar fugir ou comunicar com o exterior, ficará privada de tudo e sofrerá. No seu próprio interesse, procure adaptar-se ao seu destino temporário, a estas breves férias, e tudo correrá bem. Mr. Razin fornecer-lhe-á o que pedir, dentro do razoável. Quanto a mim, virei vê-la de vez em quando.

E encaminhou-se para a porta.

Não pensem que se safam! exclamou Billie.

 

Não? Petrov pousou a mão no puxador e voltou-se» para trás com um sorriso. Já nos safámos. Mostre-lhe Razin. E desapareceu.

Alex aproximou-se com lentidão e sentou-se no outro sofá, enquanto ela o olhava com incredulidade.

 

Isto está a acontecer? Será mesmo verdade?

 

Receio que sim, Mrs. Bradford assentiu ele, con uma expressão de contrariedade.

 

Também está envolvido? Ontem e anteontem parecia tão atencioso.

 

Hoje não o sou menos asseverou, em ton solene. Quanto a estar envolvido, a resposta é sim e não. Sou contra o projecto, pois considero-o revoltante, mas, no fundo trata-se de uma operação exclusiva do K.G.B., a que não pertenço. Obrigaram-me a participar, talvez por ser meio-amerIcano, da parte de minha mãe. Nasci nos Estados Unidos, meu pai, de nacionalidade russa, trouxe-me para a União Soviética aos quinze anos.

Porque não regressou à América?

 

Hesitou antes de responder. Pôs-se de pé, aproximou-se de uma telefonia em cima da mesa, ligou-a e rodou o botão de comando do som até atingir uma tonalidade elevada, após o que regressou ao sofá com um sorriso de embaraço.

 

. Porque não regressei à América? Era o meu desejo, e ainda é. Não convém que repita isto. Voltei a Washington como jornalista, mas envolveram-me num caso de espionagem com o qual nada tinha a ver e fui expulso do país.

 

Eu podia levantar a interdição... falar com meu marido     se me ajudasse.

 

Ajudá-la? Como? Encontra-se no Kremlin, no interior de uma fortaleza, sob as vistas de guardas. O simples facto de pensar na fuga é perigoso. Creia que gostaria de poder valer-lhe, mas...

 

Não me refiro a fugir. Bastava que informasse alguém, o embaixador americano, por exemplo.

 

Não acreditaria atalhou Razin. De qualquer modo, como a localizaria? Se viesse cá, não encontraria o mínimo vestígio. Nessa altura, já a teriam levado para longe de Moscovo. Quanto a mim, se transpirasse que dera com a língua nos dentes, era fuzilado. Garanto-lhe que todas as tentativas para a libertar, resultariam fúteis.

 

Tem razão concordou Billie, num murmúrio. Tencionam mesmo deixar-me partir, dentro de duas semanas?

 

Penso que sim.

 

Sem me molestar?

 

Não há razão alguma para tal. Aliás, interessa-lhes que não sofra qualquer contrariedade. Talvez necessitem de mais informações de si, coisas que a Segunda Dama não consiga obter. No final da Cimeira, regressará à companhia de seu marido.

 

Apesar destas palavras mais ou menos tranquilizadoras, ponderava com apreensão a realidade de alguém a personificar.

 

Não acredito que resulte proferiu, como se falasse consigo. No instante em que ela descer do helicóptero, no rilvado da Casa Branca, meu marido saberá que não sou eu. Conhece-me suficientemente bem para não se deixar iludir. Descobrirá que se trata de uma impostora. Hesitou.

O outro homem que estava aqui...

General Petrov.

 

Quando se preparava para sair e eu disse que não se safavam, afirmou que já o tinham conseguido e indicou-lhi que me mostrasse. A que se referia? Mostrar-me o quê?

 

Razin inclinou a cabeça, abriu a pasta que se encontrava ao canto do sofá, extraiu uma bobina de videotape e introduziu-a na máquina que estava ligada a um circuito interno de televisão.

 

Isto explicou. Acabamos de gravar este acontecimento, transmitido dos Estados Unidos, via satélite.-l Premiu uma tecla. A sua chegada à Casa Branca, há poucas horas.

 

Billie colou os olhos ao pequeno écran, onde se via o helicóptero presidencial da Base Aérea Andrews, que pairou! sobre o relvado a sul da Casa Branca antes de pousar lentamente. Em seguida, a porta do aparelho abriu-se e surgiu..! Billie Bradford, que acenava, sorrindo.

 

A Primeira Dama não pôde evitar uma exclamação de assombro.

 

Era ela, sem margem para a mínima dúvida. Os mesmos cabelos louros, traços fisionómicos, corpo, vestuário... Agora descia do aparelho e o marido aproximava-se da base dai escada. Andrew. Encontrava-se nos braços dele. Beijavam-se e, entre os aplausos de uma assistência fora do raio de acção da câmara, encaminharam-se na direcção dos membros! da Imprensa, fotógrafos e numerosos microfones. Ela pronunciou breves palavras. A Reunião Internacional das Mulheres constituíra um êxito. Partiria para Los Angeles, no dia seguinte, a fim de falar no congresso dos Clubes Femininos»! dos Estados Unidos e comunicar os resultados da deslocação! a Moscovo. Embora o ambiente na capital soviética tivessal sido receptivo, cordial e fascinante, era muito agradável estar de novo na pátria.

 

Billie continuava a fitar o écran da televisão, fascinada,!

 

Acabava de escutar a sua própria voz, com todas as inflexões,!

e observar os seus gestos. Sem o mínimo motivo de reparo.!

E provenientes de uma impostora russa. Viu Andrew conduzi-la em direcção ao Pórtico Sul, para entrarem na Sala de Recepção aos diplomatas. Acompanhava-a ao lar, na qualidade de sua mulher.

 

Não pensem que se safam!

 

Já nos safámos...

 

Sentia-se estupefacta ao ponto de não conseguir Pronunciar palavra.

 

Por fim, Razin desviou os olhos do televisor e olhou-a com uma expressão compungida.

 

Acaba de ver o que Petrov me indicou que lhe mostrasse. Ninguém sabe que não é a senhora, nem o seu próprio marido. Receio que o general tenha razão. Já nos safámos. Lamento, Mrs. Bradford.

 

Braços cruzados sobre o peito, os dedos exercendo pressão nas costelas, ela principiou a oscilar no sofá, como se deplorasse a perda de um ente querido. O repelente K.G.B. fora brilhante. A substituição, a substituta, perfeita, acima de toda a suspeita. A terrível organização soviética achava-se firmemente instalada na Casa Branca. A posição de Billie Bradford podia considerar-se desesperada.

 

Não obstante, o seu espírito procurava uma ponta de esperança e detectou algo, ainda que remoto, para se agarrar.

 

No dia seguinte, ela estaria em Los Angeles e, no imediato, pronunciaria a alocução. A seguir, reunir-se-ia ao pai, a Clarence, o seu progenitor de toda uma existência. Se o marido se revelara demasiado insensível e desatento para se aperceber de que enfrentava outra mulher não a Primeira Dama, mas uma Segunda Dama forjada, o pai reagiria de maneira muito diferente. Ninguém poderia fazer-se passar por sua filha sem que ele o descobrisse. Notaria imediatamente algo de anormal e apressar-se-ia a denunciá-la e liquidar o plano do K.G.B.

 

De repente, acudiu-lhe outra possibilidade. Talvez nem houvesse necessidade de esperar pela confrontação com o pai. Havia uma esperança de a mistificação não passar daquela noite, quando Andrew e a impostora fossem para a cama. Ela não podia estar ao corrente de que se tinha de abster de actividades sexuais durante um mínimo de quatro semanas. Portanto, se cometesse o deslize de se mostrar receptiva ’nesse capítulo, ele desconfiaria com prontidão.

 

Se tal não acontecesse, a visita ao pai poria termo à indesejável situação.

 

Impunha-se que não desesperasse.

 

Não sem certa dificuldade, tornou a concentrar-se em Razin e exibiu um sorriso de concessão.

 

Muito bem. O primeiro assalto foi-lhes favorável. Mas o combate ainda não terminou. Para a vossa Segunda Dama, Vai apenas no princípio. Os problemas não tardarão a surgir.

 

Após a refeição da noite na Sala de Jantar do Presidente, o trio transferiu-se para a Sala Verde, a fim de ver televisão!

 

Vera   Vavilova   fora   minuciosamente   instruída   acerca; daquele aposento, assim como dos outros nos pisos superiores, pelo que sabia que, quando via televisão, a Primeira Dama ocupava o sofá listrado junto da parede oeste, na qual se encontrava o retrato a óleo, datado de 1767, de Benjamin! Franklin. Ladeavam-na, em poltronas de mogno, Nora Judson e Guy Parker.

 

Como era o seu primeiro dia em casa, após a cansativa deslocação a Moscovo, ficara estabelecido que não haveria trabalho, naquele serão. Aproveitariam a oportunidade para se descontraírem e irem para a cama cedo, pois no dia siguinte deviam partir para Los Angeles.

 

Estavam inteiramente de acordo em que a televisão representava o melhor sedativo, em particular a transmissão; de uma película de outros tempos. Por conseguinte, tinham sintonizado o canal que passava o êxito do passado Casablanca e imergiram nas aventuras de Humphrey Bogart el Ingrid Bergman. Vera sabia que Guy Parker já a vira trêsj vezes, Nora duas e a verdadeira Billie Bradford uma. Ela, por seu turno, desconhecia-a por completo, mas necessitava de simular que tal não acontecia. No intuito de alimentar se me lhante convicção, emitia comentários ocasionais, do género» de: «Esta cena agrada-me mais que da outra vez.»

 

No entanto, enquanto deixava transparecer interesse pelo desbobinar das imagens, revia intimamente cenas do seu primeiro dia na Casa Branca.

 

O que lhe acudia ao espírito satisfazia-a plenamente, A partir do momento em que descera do helicóptero e recebera o abraço caloroso do Presidente Bradford Andrew, a sua confiança avolumara-se e, ao longo das onze horas desde a chegada, superara com êxito todos os testes concebíveis.

 

Na realidade, o primeiro surgira antes, no instante em, que subira para o Força Aérea Um, quando compreendera que estaria sob observação constante. Todavia, em breve reconheceu que ninguém a observava. Todos contavam com; a presença de Billie Bradford a bordo do avião e ela era Billie Bradford. O período respeitante à viagem não suscitaraj qualquer problema. Nora Judson, uma das pessoas que mais convivia com a Primeira Dama, não provocara a mínima dificuldade a Vera, e isto sobretudo porque dormira profunda-« mente ao longo de todo o percurso de Moscovo a Washington.

 

Aliás, Alex revelara-lhe que também a drogariam no banquete de encerramento da Reunião Internacional das Mulheres, e tudo indicava que tal sucedera. Por seu turno, Guy Parker tão-pouco dera azo a preocupações. Não manifestara a mínima reserva quanto ao facto de Vera ser Billie. Pouco após a descolagem, perguntara-lhe se desejava conversar acerca da autobiografia, porém ela alegara cansaço e necessidade de dormir e ele não insistira.

 

Na opinião de Vera, o maior obstáculo a transpor consistiria na aceitação imediata do marido, e assolaram-na vagas de apreensão até ao momento em que o helicóptero pousou no relvado da Casa Branca e a porta se abriu. Quando chegou ao fundo da escada, a preocupação dissipou-se. Sentiu-se subitamente segura de si e calma. No instante em que o Presidente a recebeu nos braços, era Billie Bradford. A partir de então, excepto numa ocasião, as coisas desenrolaram-se com facilidade. Na Casa Branca, apesar de se achar familiarizada com todos os recantos nos ensaios, houve uns segundos de hesitação. Compreendia que se introduzira com êxito na verdadeira residência oficial do Presidente e necessitara de recorrer a um esforço para dominar as emoções e mostrar-se absolutamente serena e à vontade no ambiente que, supostamente, lhe era familiar. Contudo, o temperamento de actriz acudira à superfície. Era Billie Bradford e encontrava-se no seu lar. (Contribuíra para a tranquilizar por completo o facto de permanecer pouco tempo junto de Andrew Bradford, ansioso por reatar as solicitações da pesada agenda. Assim, não o tornou a ver durante o dia, nem ao jantar. Algumas horas antes, telefonara da Sala Oval, a fim de se desculpar por não poder comparecer à mesa, pois ele e os seus assessores teriam de se contentar com sanduíches, enquanto discutiam pormenores da próxima Cimeira em Londres.

 

Nos aposentos presidenciais, Vera mantivera-se presente, enquanto Sarah desfazia as malas, para escolher a roupa que a acompanharia a Los Angeles nos dois dias seguintes. Depois, almoçara com três esposas de senadores, Perante as quais não cometera o menor deslize. A meio da tarde, Ladbury reaparecera com a ajudante para as provas finais do guarda-roupa destinado à visita a Londres.

 

Guy Parker mostrara-lhe o esboço preliminar do discurso Que ela pronunciaria em Los Angeles e Vera introduzira algumas alterações, que ele aceitara. Também se sentira tentada a rectificar alguns comentários errados acerca da vida da mulher russa sob o comunismo, porém recordara a si própria que não era a dedicada cidadã soviética Vera Vavilova, mas a patriótica Primeira Dama dos Estados Unidos,] chamada Billie Bradford. Como esta última costumava convidar Parker e Nora Judson para jantar, quando o marido não, podia comparecer, Vera tratara de o fazer, naquela noite. Depois, deitara-se para dormir um pouco e, acordada por Sarah, vestira uma indumentária informal, composta por camisola de lã e calças de belbutina. Antes do jantar, pedira uma bebida, consciente de que não poderia ser vodka, mas o habitual uísque com soda que Billie preferia.

 

À mesa, então, já mais confortável na presença de Nora e Parker, pudera descontrair-se. A secretária aludiu ao banquete da véspera em Moscovo e, ao abordar a sonolência resultante, sugeriu a possibilidade de terem sido drogadas. No entanto, Vera soltou uma gargalhada divertida e replicou:

 

O Primeiro-Ministro da União Soviética interessado em drogar a Primeira Dama dos Estados Unidos e a sua secretária de Imprensa? Francamente, Nora, isso é levar a fantasia demasiado longe. Mais vale que nos rendamos à ivedência. Ficámos naquele estado provavelmente porque as bebidas deles são muito mais potentes que as nossas.

 

Em seguida, Parker mencionou a família de Billie, que entrevistara pouco antes e voltariam a ver dentro de dois dias. Vera aproveitou o ensejo para proceder a uma evocação sentimental da falecida mãe e do pai, que levava uma existência solitária desde que enviuvara. Ao mesmo tempo, dava-se conta de que Parker tentava recolher mais material para o livro. Além disso, chegou prontamente à conclusão de que o interesse dele era puramente profissional, desprovido da mínima suspeita.

 

Após o jantar, dirigiram-se à Sala Verde para assistirem   a mais uma passagem de Casablanca na televisão, que agora   atingia o clímax. Consciente da presença dos seus companheiros, Vera esforçou-se por manifestar mais   interesse pelo desenlace.

 

Por fim, terminou e Parker levantou-se.

 

Foi   uma emissão agradável, à parte a   malfadada publicidade comentou   aproximando-se   do   aparelho. Quer ver o que há nos outros canais? perguntou a Billie.

 

Passa das dez murmurou a interpelada, bocejando e consultando o relógio. Foi um dia longo. Acho que já chega.

 

Para mim também apoiou Nora.

 

A que horas partimos para Los Angeles? quis saber ele, desligando o televisor.

 

Entre as quatro e as cinco da tarde, salvo erro disse Vera.

 

Às cinco e cinco informou Nora.

 

Suponho que estará muito ocupada para trabalharmos no livro observou Parker.

 

Parece-me preferível não pensarmos nisso até depois de Los Angeles. No avião, podemos rever o meu discurso. Vera pôs-se de pé e espreguiçou-se. Boa noite.

 

Uma vez no quarto do Presidente, começou a despir-se com lentidão, plenamente satisfeita com a forma como tudo se desenrolava. Conseguira atravessar todo o dia sem o mais remoto lapso. Encontrava-se no covil do inimigo, só, sem aliados, e iludira toda a gente. No instante imediato, introduziu uma rectificação nas suas reflexões. Não estava totalmente privada de aliados. Durante os ensaios intensivos, antes de partir, haviam-lhe comunicado que contava com dois na Casa Branca, conhecedores da sua verdadeira identidade. Se possível, convinha que não estabelecesse contacto com eles, nem com os outros agentes do K. G. B. localizados em Washington. Na realidade, não devia tentar contactar com ninguém até se achar em Londres, para a Cimeira... excepto se se declarasse uma emergência e necessitasse desesperadamente de ajuda. Nessa eventualidade, recorreria a um número de telefone, que lhe divulgaram. A pessoa que atendesse informaria um dos contactos do K. G. B. no interior da Casa Branca, o qual a procuraria, identificando-se por meio de uma senha especial.

 

Depois de se despir, Vera entrou no quarto de vestir de Billie e escolheu uma camisa de noite cor de pêssego de uma gaveta da cómoda. Não sem uma réstia de fascinação, inspeccionou o guarda-roupa, que continha uma extensa colecção de vestidos e calças da Primeira Dama, e verificou que o gosto desta era mais frívolo e provocante que o seu. No entanto, enquanto a personificasse, teria de lhe seguir as pisadas.

 

Quando se afundou na ampla cama de casal, percorria-a uma reconfortante sensação de triunfo. Graças a Alex. O seu mentor orgulhar-se-ia da aluna. Descobriu então que quase não o recordara em todo o dia. Evidentemente que ele compreenderia, se soubesse, em virtude da concentração, excitação e ansiedade que a dominavam. Por outro lado, talvez não entendesse bem que se regozijasse como actriz e desfrutasse em exercer o seu poder histriónico. Independentemente da sua verdadeira identidade, naquele momento era a Primeira Dama dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo perguntava-se qual seria a ocupação actual de Alex. com vertera-se no mentor da Primeira Dama deposta. O facto levou-a a pensar na situação da infortunada Biilie, mas apressou-se a afastar o assunto das suas cogitações. Havia apenas uma Biilie merecedora das suas preocupações: ela própria, Vera.

 

Estendeu a mão para a mesa-de-cabeceira, introduziu o comprimido para dormir na boca e impeliu-o com um pouco de água. Em seguida, pegou no programa das actividades para o dia imediato, que Nora passara à máquina. Era propositadamente leve, em virtude da partida para Los Angelês, ao fim da tarde.

 

Preparava-se para voltar a página, quando o Presidente entrou, e apressou-se a pousar os papéis, enquanto ele se inclinava para a beijar fugazmente nos lábios. Depois, despiu o casaco, desfez o nó da gravata e perguntou distraída mente como correra a viagem.

 

Divertiste-te muito? insistiu. Os nossos amigos russos trataram-te bem?

 

Demasiado. Arrasaram-me com a sua hospitalidade e vodka.

 

Viste   Kirechenko? inquiriu,   continuando a   despir-se.

 

Só de longe. Não esqueças que era uma reunião de mulheres. Tive algumas conversas interessantes com Mrs. K.

 

Sim? Como é ele?

 

Tem   um aspecto decepcionantemente caseiro. No entanto, pareceu-me um osso duro de roer; é o que me tem constado. Ele acabara de se desembaraçar das cuecas e encontrava-se desnudo. Vera esforçou-se por não o olhar com insistência,   pois   o   espectáculo   devia   ser-lhe   familiar.   Não obstante, abarcou o seu físico. Não se comparava ao de Alex, mas, para um homem da sua idade, não merecia reparos. Ao mesmo tempo, especulou mentalmente como se comportaria na prática do sexo. Todavia, ela nunca se inteiraria, pois quando o Presidente pudesse reatar as relações íntimas com a esposa teria de novo a verdadeira Biilie na sua cama.

A voz de Vera seguiu-o à casa de banho, cuja porta deixou aberta enquanto lavava a boca, para descrever as passagens mais interessantes da visita a Moscovo.

 

Que fazes amanhã?

 

Leu as indicações das folhas que Nora dactilografara e, pouco depois, ele reaparecia de pijama listrado.

 

Ainda bem que não tens uma agenda muito sobrecarregada. Apagou o candeeiro e afastou o cobertor do seu lado da cama. E agora fico sem ti por mais dois dias.

 

Califórnia, aí vou eu proferiu Vera, encantada com a expressão que Alex lhe ensinara.

 

Para o caso de amanhã não me ocorrer, transmite os meus   cumprimentos   a   teu   pai. O   Presidente   deslizou entre os lençóis e beijou-a. Tive muitas saudades tuas, Biilie murmurou.

 

E eu tuas, querido.

 

Acariciou-lhe a face e pescoço e introduziu a mão pelo decote da camisa, para a pousar num dos seios.

 

Estás a excitar-me advertiu ela, tentando dissimular a admiração.

 

Pois é, não convém. A mão afastou-se com prontidão. Como vão as coisas, lá em baixo?

 

Melhor admitiu, cautelosamente.

 

Óptimo. Verás que isso passa. Estou ansioso por voltar a entrar aí. Talvez não seja necessário esperar.

 

Sabes o que o médico recomendou.

 

Tens razão. Mas vou contar os dias, as horas.

 

Eu também.

 

Safa que estou cansado suspirou ele, afundando a cabeça na almofada.

 

Precisavas de trabalhar até tão tarde?

 

A questão africana é muito urgente. O Boende adquiriu uma importância extraordinária. Os Russos estão a pressionar-nos com força. Vai ser uma Cimeira difícil.

 

Ela desejava extrair-lhe mais pormenores, mas conteve-se, tendo presentes as instruções de Petrov: «Não tente sondá-lo até estar certa de que falará.»

 

Estou contente   por teres   regressado,   Biilie. Os dedos dele pousaram na sua mão, sob o cobertor.

 

E eu por estar de volta, querido.

 

Virou-se para o seu lado e não tardou a roncar com suavidade.

 

Conservando os olhos abertos na escuridão, Vera emitiu um suspiro de alívio involuntário. Sobrevivera à primeira noite com ele, que a tragara, com anzol e linha. E, pormenor importante, a necessidade de abstinência sexual acabava de ser confirmada. O K. G. B. era extraordinário.

 

Voltou-se igualmente, de costas para o companheiro, e esboçou um sorriso. Encontrava-se no seu suposto lar e em segurança.

 

Faltava um derradeiro exame. O encontro com o pai de Billie, dois dias depois. Em seguida, tudo se desenrolaria com facilidade.

 

Encontravam-se   a   noventa   minutos   de   Los   Angeles!

 

seguindo na direcção do Sol que mergulhava no horizonte, quando Vera Vavilova mandou chamar Guy Parker, para que se lhe reunisse na suite presidencial.

 

Explicou que não planeara trabalhar, mas como tinham completado a redacção do discurso e não lhe apetecia passar pelo sono, mudara de ideias, em obediência ao proverbial privilégio feminino. Trocariam impressões sobre a auto-biografia, para que o tempo se escoasse mais depressa. De resto, o livro tinha de ser concluído.

 

Satisfeito, Parker foi buscar o gravador portátil, introduziu uma cassette virgem e premiu a tecla respectiva.

 

A última sessão que tivemos foi sobre a viagem a Moscovo recordou. Continuemos a partir daí.

 

Estou preparada.

 

Numa das nossas conversas, referiu-se superficialmente ao seu primeiro emprego no Los Angeles Times. gostava de obter mais pormenores acerca dessa época.

 

Muito bem. Creio que já falei da minha primeira! tarefa para o Times, que me ia valendo o despedimento,!

 

Mas George Kilday salvou-lhe a pele. Sim, de facto...

 

Não foi só ele, mas também Steve Woods, a quemi incumbiu de rescrever o artigo. Conhece esse pormenor?»

 

Conheço. Parker hesitou. Há uma coisa que deve saber. Foi-me revelada pelo próprio Kilday, há dias. Prometí guardar segredo, mas penso que não lho devo ocultar. Aliás,! não se reveste de grande importância. Nenhum Steve Woods reescreveu o artigo. Fê-lo Kilday.

 

Ele disse-lhe isso? Vera parecia contrariada.

 

Exacto.

 

Então, o pobre homem deve começar a estar senil. Abanou a cabeça, sorrindo. Quando me inteirei de quem tinha sido encarregado, procurei Woods para lhe agradecer e ele confirmou que o fizera.

 

Steve Woods confessou que tinha reescrito o artigo?

 

Precisamente.

 

Compreendo murmurou Parker, esforçando-se por dominar a estupefacção.

 

Mas não compreendia.

 

Menos de uma semana antes, George Kilday afirmara, no café do Hotel Madison: Não interveio nenhum Steve Woods. Na realidade, nunca existiu...

 

Agora, Billie Bradford insistia em que se avistara com o inexistente Woods, a fim de lhe agradecer o auxílio. Talvez não gostasse que a contradissessem. Ou então a memória traíra-a. De qualquer modo, tratava-se de uma atitude pouco própria dela.

 

Bem, esse ponto ficou esclarecido declarou ele, por fim. Passemos adiante.

 

Ela continuou a responder as perguntas com prontidão e, transcorridos quarenta e cinco minutos, decidiu:

 

Acho que já avançámos o suficiente, por ora. De resto, estou cansada.

 

Parker assentiu, pegou no gravador e abandonou a suite, seguindo lentamente pelo corredor em direcção ao seu lugar no avião.

 

Sentia-se profundamente abalado. Era a primeira vez que se apercebia de que Billie lhe mentia.

 

Ao mesmo tempo, não podia deixar de se perguntar que haveria de errado nela.

 

Fora um dia curioso em Los Angeles, porém, agora terminara e regressavam a Washington.

 

Guy Parker reclinou-se no assento, desviou os olhos para onde Nora se encontrava e verificou que ela e vários outros membros da comitiva tentavam passar pelo sono. Em seguida, desprendeu o cinto de segurança, espreguiçou-se e levou o scotch com água aos lábios pensativamente.

 

Decorridos uns minutos, pousou o copo ao lado da pasta que continha, entre outras coisas, o seu Diário pessoal, que mantinha desde que aceitara a incumbência para se ocupar da autobiografia de Billie Bradford. No fundo, não sabia explicar o que o levara a fazê-lo, pois constituía um peso adicional nas actividades quotidianas ter de registar todos os seus actos e o que observara ao longo de vinte e quatro horas.

 

Quinze minutos antes, terminara de inscrever um resumo dos movimentos da Primeira Dama e dele próprio, do início da manhã até ao momento da partida de Los AngelOs acontecimentos do dia haviam-no fascinado e desejava revê-los. Assim, pegou na pasta de folhas soltas e principiou a ler.

 

Um dia realmente curioso com Billie na sua cidade-natal de Los Angeles.

 

De manhã, às nove, deu três entrevistas na suite presidencial do , Century Plaza a articulistas do Los Angeles Times, Los Angeles Examiner e United Press International sobre a visita a Moscovo, sensações experimentadas ao regressar a Los Angeles e impressões acerca de acompanhar o marido à Cimeira de Londres com os Soviéticos, na próxima semana. Nora, que não costuma manifestar estado de espírito famoso durante a manhã, mostrava-se particularmente bem disposta e ” reconheceu que as entrevistas se haviam desenrolado de forma excelente. Billie revelou-se de uma erudição surpreendente a respeito da Rússia e respondeu de modo acutilante a todas as perguntas.

 

Acompanhei a Primeira Dama e sua comitiva ao Salão de Baile do Century Plaza, onde ela comunicou, perante a televisão, os resultados da Reunião Internacional das Mulheres em Moscovo. Assistiram as delegadas de todos os Clubes Femininos que celebravam o seu congresso anual. A ocasião serviu de pretexto para um almoço em que participaram milhares de pessoas, de entre as quais, a Primeira Dama, que se distinguia pela simpatia que irradiava, distribuindo sorrisos e comentários espirituosos em todas as direcções.

 

Registou-se um momento embaraçoso à cabeceira da mesa de honra, quando ela ocupou o seu lugar. Nora informara-a de que se sentaria entre a presidente dos Clubes Femininos dos Estados Unidos! e Agnes Ingstrup, sua velha amiga de Los Angeles, uma das quais já se encontrava instalada quando Billie chegou. Esta apressou-se a apertar-lhe a mão e exclamar «A minha querida Agnes!», ao que a outra, abismada e chocada, replicou que era a presidente dos Clubes Femininos. Nesse momento, Nora acompanhou outra mulher à mesa e disse a Billie: «Eis a sua amiga Agnes.» Em face disso, a Primeira Dama apresentou desculpas à presidente, alegando: «com tantos acontecimentos» sucessivos, fiz confusão.

 

Tinham começado a servir o almoço, quando ouvi Nora emitir um breve grunhido de contrariedade. Intrigado, perguntei de que se tratava! e explicou: «Meti água. Esqueci-me de prevenir os organizadores que Billie detesta as ostras. Enfim, c’est la guerre. Não lhes vai tocar. No entanto, verifiquei que as comia sem relutância e observei: «Talvez o faça por uma questão de deferência.» Mas Nora abanou a cabeça e afirmou: «Nunca a vi preocupada com esses pormenores, em casos anteriores.»

 

Após estes dois pequenos lapsos, da parte de Billie e de Nora tudo decorreu satisfatoriamente. No final da refeição, a Primeira Dama levantou-se e pronunciou o discurso. Revestiu-se de considerável impacte (embora não me fique bem dizê-lo, uma vez que o redigi), sobretudo a passagem em que verberou as nações que ainda não concedem o direito de voto às mulheres. Foi interrompida por aplausos diversas vezes e, no final, as aclamações prolongaram-se.

 

Quando a acompanhávamos em direcção à saída do hotel, foi-lhes comunicado que houvera uma alteração de última hora no programa aprovada pessoalmente pelo Presidente. Segundo a agenda primitiva seguiria directamente para Malibu, a fim de passar umas horas com a família antes do regresso a Washington. No entanto, agora, a reunião com os parentes fora protelada por um breve lapso de tempo, para que a Primeira Dama visitasse o Estádio Dodger, onde atiraria a primeira bola numa partida de basebol de beneficência entre os Dodgers de Los Angeles e os Angels da Califórnia. Durante o percurso na limusina, Billie mostrou-se agitada e protestou que o facto não se achava previsto, ao mesmo tempo que Nora tentava acalmá-la. O presidente do Dodgers telefonara a Tim Hibberd, responsável das relações públicas da Casa Branca, para convidar Billie a assistir ao encontro, salientando que a sua presença contribuiria para que o estádio se enchesse. Informado por sua vez, o Presidente considerou que representaria uma pausa de descontracção no sobrecarregado programa da esposa, além do que o pai dela fora um entusiasta do basebol e a levara a assistir a jogos por diversas vezes, na adolescência. «Basta que fique até à segunda bola», asseverou Nora. «Depois, pode seguir para Malibu.»

 

No entanto, notei que Billie não estava contente com a alteração, mas acabou por suspirar e concordar, mantendo-se silenciosa e circunspecta durante todo o percurso.

 

No estádio, fomos recebidos com entusiasmo pelo presidente dos Dodgers e acompanhados a um dos camarotes de honra. Os altifalantes anunciaram a chegada da Primeira Dama, que foi aclamada ruidosamente e fotografada.

 

Em seguida, entregaram-lhe uma bola, em que ela pegou, como se não soubesse como utilizá-la, mesmo depois de apontarem para o catcher dos Angeles, que aguardava atentamente. Ouvi o Presidente do Dodgers comentar: «Sei que tem um lançamento poderoso, Mrs. Bradford. Chegou o momento de o demonstrar em público. Atire a bola para a mitene dele.». Só então Billie pareceu aperceber-se do que lhe competia fazer. Inclinou a cabeça com entusiasmo, recuou um passo e lançou a bola com força. A multidão soltou um rugido de entusiasmo e, momentos depois, a partida era iniciada.

 

Não obstante, para uma pessoa que sei ser amante do basebol, a Primeira Dama não se mostrou muito interessada durante o primeiro Inning (2). Na verdade, parecia concentrar a atenção nos ocupantes do camarote contíguo, onde um homem de meia-idade falava a uma garota, enquanto Billie inclinava a cabeça para lá, como se estivesse empenhada em se inteirar do que dizia. Em dado instante, chegou mesmo a dirigir-se-lhe. Depois, no segundo inning, passou a acompanhar o jogo com interesse, até que nos retirámos.

 

Deixei-me ficar um pouco para trás, empenhado em averiguar o que se passara. O homem de meia-idade mostrava-se satisfeito por ter trocado algumas palavras com a Primeira Dama e, quando perguntei o que ela dissera, sorriu e reproduziu as palavras: «A sua garota é muito bonita. Reparei que lhe explica as regras do jogo. Importa-se que também oiça?» E acrescentara, como que à guisa de justificação: «Quero aprender a fazê-lo às crianças.» Um episódio singular.

 

Fomos seguidos por um autocarro repleto de técnicos e repórteres da televisão e fotógrafos ao longo da auto-estrada marginal, mas Billie manteve-se silenciosa e pensativa durante quase todo o percurso. A casa Pertencente a seu pai, Clarence Lane, é uma estrutura de dois pisos, com uma frente de quinze metros de largura, em Carbon Beach. Segundo me recordava da minha recente visita à família de Billie, dispunha de

 

Um   Jogador encarregado de recolher a bola. no basebol. (N. do T.)  

Parte do fogo em que um dos grupos bate a bola. (N. do T.)

 

uma sala espaçosa com uma das paredes coberta de livros, lareira de alvenaria e uma varanda panorâmica sobranceira ao oceano.

 

No momento em que as duas limusinas, a escolta da Polícia e o autocarro dos órgãos da Informação se detiveram, a porta da casa abriu-se para dar passagem à irmã mais nova de Billie, Kit, que correu a abraçá-la. Os fotógrafos e técnicos da televisão moveram-se em volta para captar a cena do ângulo que se lhes afigurava mais favorável, enquanto elas continuavam juntas, conversando animadamente.

 

Depois, entrámos, seguidos pelos fotógrafos. Quando transpus a porta, Billie já saudara o pai e conduzira-o para um canto, a fim de obterem um pouco de intimidade, enquanto Kit servia café e biscoitos ingleses.

 

A seguir, Billie destribuiu os presentes trazidos da Rússia e sentámo-nos em volta da mesa, com os fotógrafos a certa distância. Os temas abordados giravam quase exclusivamente em torno da recente viagem à União Soviética, até que bateram à porta. Kit foi abrir e admitiu o marido e o filho, que reconheci imediatamente: Norris Weinstein, dentista, e Richie, de catorze anos. Billie beijou o cunhado e o sobrinho e pousou as mãos nos ombros deste último, para o contemplar, dizendo: «Já me ultrapassaste em altura, Richie. Quantos centímetros cresceste, desde a última vez que nos vimos, há um ano?»

 

«Que estás para aí a dizer, mana?», interveio Kit. «Um ano? Vocês viram-se ainda não há um mês! Não te lembras?»

 

E, ante a perplexidade da irmã, acrescentou: «Levei-o a Washington para indagar das possibilidades de se matricular no liceu de lá e fomos ver-te à Casa Branca.»

 

«Que cabeça a minha!» Billie deu uma palmada na testa. «Desculpa, Richie, mas quando chegares à minha idade, as células cerebrais também te hão-de trair, uma vez por outra. Agora, recordo-me perfeitamente.»

 

«Tens mais uma visita», anunciou Norris Weinstein, dirigindo-se à porta. Entrou no carro e, momentos depois, reaparecia com um cão, que reconheci sem dificuldade. Era o pequeno temer escocês preto, de que Billie me falara, uma ocasião. Deixara-o ao cuidado do cunhado, porque sofria de artrite e necessitava do sol da Califórnia. Weinstein pousou-o no chão e ela emitiu uma exclamação de alegria, ao mesmo tempo que ajoelhava e estendia os braços. «Vem à dona, Hamlet! Todavia, o cão não esboçou o menor movimento, conservando-se como que petrificado, até que começou a farejar ruidosamente e pôs-se a ladrar, não obstante os esforços de Billie para o atrair. Por fim, endireitou-se, embaraçada, e murmurou: «Criei-o desde pequeno e sempre me saltava para os braços. Não compreendo o que tem.» Agitou o indicador na direcção do animal. «És um mau. Se continuas assim, não volto a procurar-te.» Em seguida, sorriu e mudou de assunto. Conversámos durante mais meia hora, até que chegou o momento de nos despedirmos.

 

Embora não descortine o motivo de tudo o que aconteceu hoje o incidente do cão relutante destaca-se com nitidez, levando-me a pensar na Odisseia. Ulisses, após uma ausência de sete anos de (taça» regressou disfarçado de mendigo, e quem o reconheceu imediatamente e saudou? O seu velho e fiel cão. Quero dizer com isto que, por longa que seja a separação, os cães nunca deixam de identificar o dono... ou a dona.

 

Quando nos encontrávamos no Aeroporto Internacional de Los Angeles, prestes a embarcar no avião que nos conduziria a Washington, fiquei uns instantes a sós com Nora.

 

Correu tudo sobre rodas, hem?, observei.

 

Não se podia desejar melhor.

 

Houve apenas uma coisa. Não te pareceu estranho que o cão ladrasse a Billie?

 

Que sugeres?

 

Que foi estranho.

 

Ora! O bicho devia estar com indigestão.

 

Sim, talvez fosse isso.

 

Como Billie regressara muito tarde de Los Angeles, o Presidente transmitiu instruções par-a que não a acordassem antes das dez, pois necessitava de dormir.

 

Quando se levantou, ele dirigiu-se à piscina da Casa Branca para efectuar algumas braçadas, após o que tomou banho de chuveiro, vestiu-se, ingeriu o pequeno-almoço e entrou na Sala Oval às oito horas, a tempo de presidir à penúltima sessão de ensaio da estratégia a assumir na Cimeira de Londres perante o Primeiro-Ministro Kirechenko.

 

Os outros achavam-se sentados em torno da mesa Buchanan, quando Andrew Bradford ocupou o seu lugar e olhou em redor, verificando que o único conselheiro que faltava era Wayne Gibbs, e preparava-se para utilizar o intercomunicador, a fim de averiguar a causa do atraso, no momento em que ele transpôs a entrada, sobraçando um maço de documentos.

 

Desculpem a demora, meus senhores, mas tive de aguardar estas   informações. Começou   a distribuir as folhas e, quando entregava a última ao Presidente, acrescentou: Diga à Primeira Dama que a vi discursar em Los Angeles pela televisão e a achei a todos os títulos sensacional. Nunca esteve melhor. As suas palavras devem resultar vantajosas para ambos.

 

Com as eleições à porta, vieram em boa altura admitiu Andrew Bradford, com um leve sorriso. O que nos conduz ao tema do Boende, não só uma questão de segurança nacional, como um factor de reeleição. Baixou os olhos Para os elementos fornecidos por Gibbs e, após atenta leitura, prosseguiu: Recapitulemos a situação em ambos os lados, à luz desta última informação: o clima político no país, a posição do governo e a dos rebeldes. Consideraremos o nosso ponto de vista e o soviético, em face da Cimeira. Como perito em assuntos africanos, dê o pontapé de saída, Jack. E reclinou-se no espaldar da cadeira rotativa, fazendo girar um lápis entre os dedos, preparado para escutar.

 

Jack Tidwell, que ingressara na Administração depois de leccionar história de África na Universidade de Alabama, não necessitou de qualquer incentivo para desbobinar o seu rosário.

 

O nosso homem no Boende, o Presidente Kibangu dispõe de efectivos, mas não de armamento adequado. Nutria confrontação normal, sem auxílio exterior a qualquer das partes, as suas forças dominariam as do Exército Popular Comunista de Nwapa e conservaria o país favorável aos nossos interesses, segundo informações dos agentes dos Serviços Secretos militares e da C. I. A. com efeito, Nwapa nãoj tem a mínima hipótese de triunfar, a menos que possual armas e conselheiros da Rússia, em cuja eventualidade assumiria o poder sem dificuldade, e os Soviéticos controlariam! inteiramente os depósitos de urânio do Boende, além de contarem com uma base para se infiltrarem na maioria das outras nações africanas. Por outro lado, se nós interviessemos e fornecêssemos armamento em qualidade e numero iguais aos dos Russos, Nwapa não se atreveria a desencadear o ataque e continuaríamos na mó de cima .

 

Sim, creio que essa situação se tornou clara há vários? meses. O Presidente girou na cadeira. Que diz a isto, almirante? Os Soviéticos colocaram lá armas em quantidade suficiente?

 

O Chefe do Estado-Maior assentiu com uma inclinação de cabeça.

 

Não subsiste a mínima dúvida a esse respeito. Não exactamente no Boende, mas muito perto. Constituíram um vasto arsenal na Etiópia, pronto para ser transferido por via aérea para lá, numa noite. Extraiu vários documentos de uma pasta de cartolina e estendeu-os ao Presidente. É o melhor inventário que conseguimos obter do armamento soviético na Etiópia, destinado a Nwapa. Aclarou a voz antes de concretizar: Como pode verificar, a lista é impressionante: mísseis guiados SA-2, mísseis Goa SA-3, mísseis Gainful SA-6, mísseis antitanque Sagger e Snapper, mísseis TOW, espingardas de assalto, AKM, artilharia de foguetões, foguetões de cerco de 122 mm, tanques T-54, caças de jacto MIG-21, aviões de carga Antonov 22, etc. é Impressionante, repito.

E a situação do nosso armamento no Boende? quis saber Bradford, coçando o queixo com a ponta do indicador, pensativamente. Alguma alteração?

 

Nenhuma. O almirante Ridley abanou a cabeça com veemência. As armas que fornecemos a Kibangu resumem-se a um sistema defensivo composto largamente por noticiário nos jornais, publicidade e camuflagem. Divulgámos ao mundo (aos Soviéticos, na realidade) vendas e embarques gigantescos com destino ao Boende, quando, na verdade, o movimento de material de guerra para lá tem sido reduzido, quase nulo. Se eles descobrissem, podiam invadir e dominar o país em menos de uma semana.

 

O Presidente pousou os documentos com um suspiro de resignação e perguntou:

 

Se o nosso fornecimento fosse comparável a este, pensa que Kibangu esmagaria a rebelião?

 

Sem a menor dificuldade. Evidentemente que, nesse caso, precisaríamos de enviar também um número considerável de técnicos militares, o que, em certos sectores, seria encarado como uma intervenção total dos Estados Unidos... perspectiva não de todo inoportuna, atendendo aos factores em jogo.

 

Um momento. Deixem-me intervir também acudiu Wayne Gibbs. De um ponto de vista rigorosamente político, fornecer material de guerra e técnicos militares ao Boende não passaria de um suicídio para si, senhor Presidente. Ontem à noite, recebi de Nova Iorque o resultado das últimas sondagens efectuadas. Neste momento, a opinião pública mostra-se cinquenta e cinco por cento contrária e vinte e nove por cento favorável (os restantes não sabem) a qualquer intervenção dos Estados Unidos em África e quarenta e trinta e quatro, respectivamente, à nossa intervenção no Boende, mesmo que a Rússia apoie rebeldes comunistas noutros pontos do continente. Quanto a grandes fornecimentos de armas para apoiar um aliado em África, o público vota quarenta e oito por cento contra e trinta e um por cento a favor. A voz do povo não permite duas interpretações. Para ele, tudo   isso contém   um   cheiro demasiado   intenso a Vietname. A menor decisão contra a vontade do público comprometerá a sua popularidade, senhor Presidente, e pode conduzir à derrota, nas próximas eleições.

 

Portanto, politicamente, a estratégia que projectámos Para a Cimeira de Londres é a mais conveniente. Apoiamos, vigorosamente, a não-intervenção de qualquer espécie de nossa parte ou dos Soviéticos.

 

Exacto confirmou Wayne Gibbs. Se conseguir Que eles concordem, obterá a vitória na Cimeira... e a reeleição.

 

Concordo que a nossa única posição deve consistir en não meter o bedelho em África, se me permitem a expressão interpôs o Secretário de Estado, Canning. Embora hesitasse até agora, as dúvidas dissiparam-se-me. Não intervenção absoluta. Por detrás da minha atitude situa-se a forte convicção de que o público americano se está nas tintas para o que acontece em África. Não consegue identificar-se com nativos negros analfabetos. Não compreende como o controlo de uma pequena república africana lhes pode afectar a vida. E também não há possibilidade de o levar a entender a importância do urânio. Portanto, a natura de um tratado de não-intervenção pelos Soviéticos representará uma vitória para nós, política e militarmente.

 

Penso que o assunto está fora das nossas mãos, observou o almirante Ridley. Encontra-se realmente nas de Kirechenko e do seu bando comunista. Os Russos pensam que fornecemos enormes quantidades de armas a Kibangu e estamos dispostos a enviar mais. Muito bem. Se ainda julgarem isso na próxima semana em Londres, não desencadearão o ataque. Inclinar-se-ão para um pacto de não-interv venção. No entanto, se descobrirem a verdade (a nossa fraqueza militar no Boende e incapacidade para agir se eles; atacarem), não assinarão o tratado da Cimeira. Limitar-se-ão a transferir o seu arsenal para lá e meter o país no bolso, Se está decidido a não intervir, senhor Presidente, o futuro não se encontra nas nossas mãos, mas nas de Kirechenko

 

Correcto aprovou Andrew Bradford. Por conse» guinte, meus senhores, tudo se resume a eles não conhecerem a verdade sobre a nossa situação. Por outras palavras», temos de conservar as nossas intenções rodeadas do maior sigilo.

 

Nem mais aquiesceu o Secretário de Estado. A nossa arma secreta consiste no próprio sigilo. Se a verdade transpirar, estamos perdidos, e o equilíbrio do poder inclinar-se-á contra nós nos próximos dez anos.

 

A menos, senhor Presidente tornou o almirante Ridley, que esteja disposto a intervir activamente já. Isso havia de os manter em respeito e aniquilar.

 

E a mim também, pois perdia as eleições. Haveria um novo Presidente e todos os presentes ficariam sem emprego.

 

Precisamente corroborou Gibbs.

 

O Presidente pousou as palmas das mãos na mesa o levantou-se, a fim de dar por encerrada a reunião.

 

Não nos resta qualquer alternativa senão proceder como decidimos. Se surgir alguma alteração nas informações dos nossos agentes, reconsideraremos. Nessa conformidade, agiremos como planeámos. Temos de continuar a iludir os serviços secretos deles, mantendo-nos calados acerca da verdade. É essa a fórmula que nos permitirá vencer. Celebraremos uma última reunião após a chegada a Londres, para confirmarmos a nossa decisão. Até lá, subscreveremos uma velha máxima da Segunda Guerra Mundial: «Conserva os lábios abotoados.» Obrigado, meus senhores, e bom dia.

 

Ao princípio da tarde, na Sala de Jantar do Presidente da Casa Branca, Vera Vavilova e Nora Judson terminavam o rápido almoço de trabalho.

 

Ainda fatigada pelas viagens e actividade geral da semana precedente, aliadas às exigências do papel que desempenhava, a russa movia a colher no café com lentidão, para que arrefecesse, ao mesmo tempo que tentava prestar atenção à sua secretária de Imprensa.

 

Esta última tinha na mão o programa da Primeira Dama para aquela tarde e lia-o pausadamente. À medida que divulgava cada tópico, erguia os olhos para emitir a opinião sobre a importância do mesmo e acrescentar elementos relativos à natureza das pessoas ou organizações envolvidas.

 

Para Vera, o resto do dia não apresentava dificuldades ou possibilidades de surpresas. Mais uma sessão para um retrato a publicar na capa da revista Ladies’ Home Journal. Receber um contingente de estudantes estrangeiros de visita à Casa Branca. Encontro com os seus editores de edições de bolso e de luxo provenientes de Nova Iorque, com a presença de Guy Parker. Chá com as esposas de funcionários superiores da embaixada da China. Uns minutos de folga para despachar a correspondência mais urgente. Um breve repouso antes do jantar. Participação, ao lado do Presidente, como convidados d’e honra, num jantar informal dos angariadores de fundos do Partido Democrático.

 

Tudo muito simples.

 

Em seguida, Nora entregou-lhe uma cópia do programa, a que juntou um maço de recortes de jornais e mensagens recebidas por teletipo, esclarecendo:

 

As primeiras impressões e críticas à sua aparição de ontem em Los Angeles, na televisão. São todas particularmente favoráveis. Foi um autêntico êxito, como tínhamos Previsto.

 

Vera lançou-lhes uma olhadela e conteve um sorriso. De facto, aquelas opiniões da Imprensa divertiam-na. Durante toda a sua carreira como estudante em Moscovo e profissional em Kiev nunca fora alvo da décima parte das atenções de que a cumulavam agora, apesar de uma breve aparição em público. Não havia dúvida de que a América era uma fábrica de publicidade.

Já completei o seu programa para amanhã anuncia Nora. Como é o último dia inteiro antes da partida para Cimeira de Londres, na manhã seguinte, calculei que gostaria de ficar com uma cópia, a fim de poder organizar o tempo livre para fazer as malas e coisas no género. Mantive-o propositadamente aliviado, em virtude da consulta às quatro da tarde.

A actriz ergueu a folha de papel acima da chávena que acabava de levar aos lábios e fixou o olhar em determinada linha: «Sair 15.45 para a consulta importante com o Dr. Murry Sadek. Regresso às 17.00.»

 

Estas palavras intrigaram-na profundamente, mas conservou-se impassível, sem desviar os olhos da expressão «consulta importante».

O computador na sua cabeça desenvolvia frenética actividade, recapitulando as informações sobre médicos fornecida por Alex Razin. Fora meticulosamente elucidada sobre os seus hábitos, personalidades e aparência. Havia o Dr. Rem Cummings, clínico da Casa Branca, e Brown, Appel, Stoleff e Sadek, especialistas. Sim, o Dr. Murry Sadek, ginecologista. Agora, recordava-se bem. Todavia, o treino intensivo não preparara para o procurar em virtude daquilo que Nora classificava de «consulta importante. De que se trataria? A ignorância do assunto enervava-a. Seria apenas um exame e check-up trimestrais de rotina, ou, pelo contrário, algo especial? O termo «importante» anulava a hipótese «rotina e indicava «especial. Nesse caso, a que se referia concretamente? Ela não podia comparecer a semelhanttt consulta de olhos fechados, sobretudo por se relacionar com algo existente no seu corpo.

 

O Dr. Sadek murmurou, por fim. Já não me lembrava. Fingiu não se aperceber da admiração de Nora. Mas porquê «consulta importante? Incutiu ênfase à alínea por ser um assunto médico?

 

Fi-lo por recomendação sua, antes de partirmos para Moscovo. Não se recorda? Mencionou a palavra «importante» e eu repeti-a no seu programa.

 

Tem razão. No entanto, acho que exagerei. Pode ficar para quando regressar de Londres. Agora, quase não disponho de tempo para respirar. Portanto, mais vale cancelá-la e...

 

Mas o médico insistiu nesta consulta, Billie. Como sabe, procurou-o antes da viagem a Moscovo e ele manifestou interesse em a examinar de novo, agora. Até alterou o seu calendário para a receber. Quando telefonei a confirmar, esta manhã, a enfermeira pediu que lhe dissesse que os testes estavam concluídos.

 

Pois, os testes articulou Vera em voz átona. Não sei onde tinha a cabeça. Claro que é importante. Não posso faltar.

 

Óptimo. A perplexidade desapareceu do semblante de Nora. Teria sido difícil...

 

Não se fala mais nisso. Quanto a estes outros compromissos...

 

Discutiram-nos por uns minutos, até que, de súbito, a carteira de Nora, no chão a seu lado, principiou a emitir sons agudos intermitentes.

 

É o meu beeper. com licença, Billie. vou ver o que querem.

 

Pegou no telefone e marcou o número da Sala de Comunicações no edifício. Quando pousou o auscultador, informou:

 

Tim Hibberd quer que assista à recepção à Imprensa. É uma autêntica honra daquele machista. Provavelmente, depois do seu discurso de ontem em Los Angeles, decidiu reconhecer a existência das mulheres da Ala Leste da Casa Branca. Pegou na carteira e acrescentou:A menos que deseje abordar mais algum assunto...

 

Não, obrigada. Pode ir.

 

Dispõe de meia hora livre antes de eu voltar com os estudantes estrangeiros.

 

Estarei na Sala Azul.

 

Assim que a secretária desapareceu, a imperturbabilidade de Vera dissipou-se. Na verdade, sentia a agitação intensificar-se. Por fim, levantou-se e seguiu para a Sala Azul. Tudo se desenrolara satisfatoriamente até então. Era certo que a visita a Los Angeles não se revelara isenta de laPsos, porém uma artista consumada como ela dominara a situação sem problemas e ninguém dera conta de nada. O Pai e irmã de Billie tinham-na aceitado sem reservas. APenas o malfadado cão pressentira a realidade, mas, por Sorte, não podia falar. Sim, de um modo geral, apesar daquilo, cpmportara-se bem. E Londres, longe daqueles que conheciam a Primeira Dama intimamente, não ofereceria dificuldades... desde que ela conseguisse superar o obstáculo imprevisto da tarde imediata. Somente o Dr. Murry Sadek se erguia no seu caminho em direcção ao êxito da missão. com efeito, a consulta «importante» do ginecologista poderia conduzir a um djesaire inadmissível.

 

Entrou na Sala Azul, ainda imersa em reflexões, e afundou-se numa poltrona voltada para a lareira. Sentia-se apreensiva, mas tentava dominar-se. Impunha-se que não cedesse ao pânico. Devia analisar a sua precária situação e agir com serenidade. Tudo indicava que a única protecção residia em conhecer antecipadamente o motivo pelo qual o Dr. Sadek insistira em a examinar, no dia seguinte. Por que o consultara? Qual a razão da importância?

 

Dispunha apenas de umas escassas e assustadoras vinte e seis horas para se inteirar. O general Petrov chamaria àquilo uma emergência? Sem dúvida. Haviam-na advertido de que só contactasse com os agentes do K.G.B. nos Estados Unidos, se se lhe deparasse um problema urgente susceptível de redundar num infortúnio desastroso. Na verdade, a urgência não podia ser escamoteada, pelo que Vera tinha de se arriscar a estabelecer contacto com alguém.

 

Recordou a maneira de proceder num caso daqueles. Envolvia dois telefonemas para o exterior. Indicaria à telefonista um número e, efectuada a ligação, perguntaria por Mr. Smith, obtendo a resposta de que se tratava de engano. Em seguida, pediria o mesmo número, à excepção do último dígito, que diferiria, após o que se repetiria o processo anterior. A partir de então, o K.G.B. saberia que necessitava de auxílio e contactaria com um dos seus agentes implantados na Casa Branca, que a abordaria com as palavras: «É servido na Disneylândia»Em face disso, ela descreveria, tão rápida e sucintamente quanto possível, a natureza do problema e, mais tarde, outro agente procurá-la-ia com a solução.

 

O relógio de pulso indicou-lhe que ainda faltavam vinte minutos para que Nora aparecesse com o grupo de estudantes estrangeiros. Sem perda de um instante, abandonou a poltrona e aproximou-se do telefone na mesa junto da parede em que se via o retrato do Presidente James Monroe, da autoria de Gilbert Stuart. Levantou o auscultador, pediu o número, perguntou por Mr. Smith e foi-lhe respondido que se tratava de engano. Cortou a ligação e apressou-se a executar a segunda parte do processo, com idêntico resultado.

 

Por último, pousou o auscultador, com uma sensação de alívio. Algures naquela mansão, um aliado, um amigo, acabava de receber um pedido de socorro e não tardaria a estabelecer contacto com ela. Já não se encontrava só.

 

Não fazia a menor ideia de como, quando e quem a abordaria. Só sabia que, por meio de qualquer meio misterioso, isso aconteceria.

 

Passou a mover-se em vaivém na Sala Azul, entregue a cogitações, tentando conceber uma maneira condensada de informar o agente da consulta com o Dr. Sadek e do que necessitava de saber antes de comparecer.

 

Por fim, dirigiu-se ao quarto, para trocar a blusa por uma camisola de malha e regressar à Sala Azul. Acabava de pousar a mão no puxador da porta, quando o telefone atrás dela tocou. O som assemelhava-se ao de uma sereia de alarme no seu espírito, e tratou de atender com prontidão.

 

Madame Bradford? perguntou uma voz masculina com sotaque francês.

 

Sim.

 

Sou o chef da sua cozinha, Maurice. Recordava-se do nutrido francês, que chefiava o pessoal da cozinha da Casa Branca, responsável pelas melhores iguarias nela confeccionadas. com efeito, vira-o duas vezes e considerava-o simpático.

 

Há alguma novidade?

 

Queira desculpar o incómodo, madame, mas pensei que gostaria de conhecer a ementa para esta noite.

 

Não é necessário retrucou Vera, com impaciência. Confio na sua experiência. Prepare o que lhe parecer mais adequado.

 

Pareceu-me que o prato principal a divertiria. É servido na Disneylândia.

 

Ao princípio, não compreendeu e a alusão quase lhe passou despercebida. De repente, porém, reconheceu que o homem acabava de pronunciar a senha. É servido na Disneylândia. O chef francês!

 

Não sei, Maurice murmurou, segurando o auscultador com firmeza. Talvez seja um prato demasiado invulgar. Afinal, mais vale que troquemos impressões. Procure-me na sala do Presidente, imediatamente.

 

E desligou, dominada por um ligeiro tremor. Por fim, recompôs-se graças a um esforço e dirigiu-se ao quarto.

 

Depois de incumbir Sarah de prevenir Nora de que chegaria um pouco atrasada, vestiu a camisola de malha, e acabava de ajeitar o cabelo, quando bateram discretamente à porta. No instante imediato, admitia o rotundo chef e, conf um gesto, indicava-lhe uma cadeira, sentando-se em frente.

 

Trouxe a ementa para esta noite? perguntou a meia voz, com ansiedade.

 

Estão aí as minhas sugestões replicou ele, colocando-lhe um bloco-notas sobre o regaço. Sou todo ouvidos para o que tiver para me dizer.

 

Uma complicação.

 

Continue, por favor.

 

Uma consulta médica imprevista, marcada há umas semanas murmurou Vera. Tenho de ser observada pelo meu ginecologista, Dr. Murry Sadek...

 

Dr. Murry Sadek ecoou Maurice.

 

... amanhã, às quatro da tarde. Sairei da Casa Branca quinze minutos antes. Parece tratar-se de uma consulta, importante e foram efectuados alguns testes. Tenho de saber porque procuro o Dr. Sadek, o que devo esperar, de contrário arrisco-me a cometer um erro irreparável.

 

Entendido. As   faces   adiposas  permaneciam   im» passíveis.

 

Preciso de me inteirar de tudo.

 

Trarei um relatório minucioso.

 

Outra coisa. É provável que ele me submeta a um, exame interno. Observou a vagina da Primeira Dama várias vezes e está familiarizado com a sua constituição. Para um ginecologista, isso pode resultar tão revelador como as impressões digitais para um detective. Após o exame pélvicO com o especulo, sondará o interior com os dedos, exercendo pressão nos ovários, etc. Não sei o que conseguirá apurar por esse meio, mas existem fortes possibilidades de se aperceber de que as dimensões da minha vagina diferem das da Primeira Dama, o que lhe provocará suspeitas. Dos dóis perigos, este talvez seja o menor. No entanto, existe. O ideal, seria que ele não me examinasse. Compreende, Maurice?

 

Perfeitamente, madame. Ele levantou-se com um] grunhido. Tratar-se-á de tudo esta noite. De manhã, será informada da situação. Não se preocupe. Desejo-lhe um bom jantar e serão. Bon appétit.

 

Obrigada, Maurice.

 

O chef recolheu o bloco-notas, inclinou-se respeitosamente e retirou-se com o problema afastado do espírito, noutras mãos competentes, o resto do dia de Vera desenrolou-se normalnente e, ao jantar, mostrou-se mesmo alegre.

 

Somente à noite, quando se encontrava na cama com Andrew, voltou a pensar no assunto. Deitara-se primeiro e aguardava que ele se lhe reunisse, quando abordou com naturalidade a questão da Cimeira.

 

Estão preparados para enfrentar os Russos?

 

Ainda não replicou o Presidente, atando o cinto das calças do pijama. Mas havemos de estar.

 

Vai ser uma confrontação renhida?

 

É difícil de dizer.

 

Não podem chegar a um entendimento?

 

Espero que sim.

 

Mostrava-se irritantemente enigmático e reticente, e Vera decidiu não insistir.

 

Em Londres, vai ser só trabalho e nenhuma distracção?

 

É o mais certo. Hei-de elucidar-te de tudo, quando tiver a certeza do rumo que seguiremos.

 

Uma vez na cama, ele apagou a luz, beijou-a e depois acariciou-lhe os bicos dos seios.

 

Deves estar ansioso pelo que vai acontecer amanhã murmurou.

 

Um pouco.

 

Não te apoquentes. O Dr. Sadek é dos melhores ginecologistas do país.

 

Faço o possível por me tranquilizar. Suponho que todas as mulheres ficam apreensivas antes de consultar o seu ginecologista. É uma reacção automática. Na realidade, não estou muito preocupada. Vera efectuou mais uma tentativa para obter informações. E tu?

 

Claro que não. Andrew virou-se para o seu lado. Vamos aguardar e ver. O que for será. Confiemos no médico. Boa noite, querida.

 

Boa noite replicou ela, a meia voz. Que quereria ele dizer com o que for será?

 

Era frustrador, assustador, não fazer a mínima ideia.

 

Antes que a apreensão se intensificasse, acudiu-lhe outro pensamento que a serenou.

 

Havia de se inteirar.

 

Entretanto, o K.G.B. tratava de averiguar a verdade. Os Seys agentes conseguiam sempre o que procuravam. Eram Práticos e eficientes. Haviam-se empenhado em instalá-la na Casa Branca e ela encontrava-se agora na cama do Presidente dos Estados Unidos. Naquele momento, deveria averiguar por que devia consultar o Dr. Sadek e eles comunicar-lho-iam.  

 

Com efeito, sentia-se mais sossegada e preparada para uma noite de sono reparador.

 

 

ERA um edifício moderno de dez pisos na 16th Street, uma das construções mais recentes de Washington, ocupado durante o dia por advogados, técnicos de contas e médicos. Àquela hora, meia-noite, estava imerso na penumbra e desprovido de humanidade, à excepção do átrio iluminado, onde o guarda particular uniformizado se sentava atrás de uma mesa junto de uma coluna de mármore, a curta distância da entrada.

 

Dois homens de fato-macaco, um de bigode, meia-idade, corpulento, munido de um aspirador industrial, e o outro de rosto rapado, jovem, magro, com uma caixa de madeira, impeliram a porta e avançaram para a mesa.

 

Não me lembro de os ter visto cá observou o guarda,   olhando-os   com curiosidade. São   novos   nisto?

 

Somos assentiu o jovem. É a nossa primeira visita. Pertencemos ao Kleen-up Janitorial Service e vimos proceder à limpeza do quarto andar.

 

É curioso tornou o guarda. O administrador do Prédio não me disse nada. Deve ter-se esquecido. Trazem alguma identificação?

 

O homem de meia-idade rebuscou numa das algibeiras do fato-macaco e puxou de um cartão dobrado e sujo, que mostrou.

 

Enquanto o guarda o examinava, o companheiro afastou-se uns metros, assobiando, e voltou para junto da mesa. em seguida, aquele pousou o cartão na sua frente e estendeu a ”mão para o telefone.

 

Vou ligar à vossa empresa, só para confirmar...

 

A esta hora, atende o serviço automático advertiu o homem de meia-idade.

 

Tentarei, em todo o caso.

 

No momento em que os dedos contactaram com o aparelho, o guarda estremeceu e ficou imóvel.

 

Faça o que lhe ordenarmos e não se magoará - recomendou   o mais jovem,   apontando-lhe   um   revólver às costas. Para já, vamos aliviá-lo desse excesso de péso Extraiu a pistola do coldre do guarda e entregou-a ao conpanheiro, que a fez desaparecer na algibeira. Não se arme ei herói. Levante-se e dirija-se com naturalidade para o primeiro elevador. Não tenha medo, porque o seguimos de perto.

 

Lívido, o guarda pôs-se de pé e encaminhou-se para o local indicado, onde o homem de meia-idade o precedeu no elevador, com o aspirador e a caixa que continha artigos de limpeza, enquanto o outro empunhava o revólver com firmeza

 

Quando se encontraram os três na cabina, o primeiro premiu o botão do oitavo piso, onde saíram para o corredor deserto.

 

Para a sua direita, emdirecção ao toucador das senhoras indicou o homem mais jovem, exercendo pressão com o cano da arma.

 

Uma vez no pequeno compartimento, o homem de meia -idade pousou o equipamento junto da porta e acendeu a luz após o que procurou na caixa de madeira e puxou de dois pedaços de corda e um rolo de adesivo. Poucos momentos depois, o guarda achava-se solidamente atado e amordaçado A seguir, arrastaram-no para uma das sanitas e sentaram-no.

 

Passe uma noite descansada - desejou o mais idoso. Alguém apanhará um valente susto, de manhã, quando entrar para fazer chichi.

 

Recolheram o equipamento, apagaram a luz, regressaram ao elevador e dirigiram-se para o elevador.

 

Não custou nada, Hilf comentou o mais idoso.

 

És um companheiro de equipa eficiente, Grishín reconheceu o outro.

 

Meteram-se na cabina até ao quarto andar e detiveram-se à entrada da suite, ao lado da qual se via uma pequena placa metálica:

 

  1. MURRAY SADEK

             DR.a RUTH DARLEY

             OBSTETRÍCIA * GINECOLOGIA

 

O homem de bigode, Grishin, inclinou-se para a frente e forçou a fechadura em quinze segundos.

 

Quando se encontraram na antecâmara às escuras, abandonaram o equipamento, ignoraram o interruptor da luz e puxaram de lanternas.

 

   Que luxo! observou ilf.

 

A primeira Dama não podia frequentar uma espelunca, redarguiu Grishin.

 

Conservando os focos baixos, exploraram a suite: sala de espera, gabinete da recepcionista e ficheiros, gabinete do Dr. Sadek, uma sala de exames, um laboratório, uma casa de banho, uma terceira e quarta salas de exame.

 

Bem, vamos ao ficheiro indicou Grishin.

 

O móvel metálico continha pastas de cartolina, cada uma das quais exibia o nome de uma cliente. Enquanto ilf apontava as duas lanternas à segunda gaveta, o companheiro esquadrinhava e localizava a referente a BRADFORD, BILLIE L.

 

Cá está murmurou, com satisfação. Vejamos o que nos revela.

 

Dirigiu-se à secretária da recepcionista e sentou-se na cadeira rotativa sem braços, enquanto ilf pousava as lanternas, para procurar algo nas algibeiras.

 

Aponta lá as lanternas protestou Grishin. Depois puxas da Minox.

 

O outro apressou-se a obedecer e iluminou a pasta que continha o processo de Billie Bradford.

 

Havia cerca de meia dúzia de folhas de papel. Grishin inspeccionou a primeira, passou à segunda e resmungou:

 

Apenas datas e anotações de exames desde que ela começou a consultar Sadek, há dois anos e meio. Tudo visitas de rotina. Nada de invulgar ou diferente, nem emergências de qualquer espécie.

 

Talvez a folha da última visita nos esclareça sugeriu ilf.

 

É possível. Mas primeiro deixa-me ver as restantes... Grishin fez uma pausa. Infecção vaginal, em Dezembro Passado... Hesitou. Não interessa. Curada três semanas depois. Continuou a consultar as folhas. Nada. Nada. Cá está a última entrada, efectuada há duas semanas... Que diabo é isto? Mostrou a inscrição ao companheiro, com um gesto de frustração.

 

Estenografia disse ilf.

De uma espécie que nunca vi.

 

Devem ser sinais característicos do médico. Há muita gente que os inventa... Espera. Tem uma anotação a vermelho, na margem. «Para transcrição.»

 

Por que diabo não terá o raio da enfermeira transformado isso em linguagem clara? grunhiu Grishin. O resto está tudo passado à máquina.

 

É muito recente. Talvez ainda não tivesse oportunidade.

 

Assim, não nos serve para nada. Estamos tramados

 

Tive uma ideia. Há alguém que nos podia elucidar, A enfermeira. Se passa o material à máquina, deve conseguir interpretar estes gatafunhos.

Explica-te melhor.

 

Vamos visitá-la. Se recusar colaborar, aplicamos-lhe uns sopapos até que mude de ideias.

 

Grishin fitou o companheiro em silêncio por um momento e abanou a cabeça.

 

Onde estavas, quando distribuíam os miolos? Safa que és estúpido! Damos uma tareia na enfermeira do Dr. Sade até que nos explique o que aconteceu na última consulta de Billie Bradford. Chamas a isso uma operação secreta? A mulher telefonava à Polícia e comunicava que dois rufia se mostravam interessados em assuntos íntimos da Primeira Dama. Tenho a certeza de que Petrov nunca aprovaria uma diligência dessa natureza.

 

Tens razão admitiu Hilf. Não faças caso.

A verdade nua e crua é que não podemos decifrar a estenografia do bastardo. Grishin guardou as folhas dentro da pasta de cartolina, que entregou ao comparsa. Põe isto no seu lugar e limpa as impressões digitais. Deixa ficar as das lanternas.

 

Enquanto Hilf se afastava para cumprir a ordem, olhou en volta, abriu a gaveta do meio da secretária e encontrou um livro de marcação de consultas da recepcionista. com efeitflj Billie Bradfor devia comparecer no dia seguinte, às quatro da tarde. Em seguida, voltou a guardá-lo, fechou a gaveta i chamou:

 

Hilf?

 

Estou aqui, no ficheiro.

 

Metemos água na primeira tentativa. Vejamos se temos mais sorte na segunda. Traze cá seis processos.      

 

Pois sim. Minutos depois, esquadrinhavam os processos das mulheres que tinham consultado o Dr. Sadek nos últimos doze meses. Leram atentamente as inscrições mais recentes em cada caso e rejeitaram três. Grishin examinava a última entrada no quarto processo, quando, de súbito, ergueu a cabeça, sorrindo.

 

Acertámos na mouche. Puxou o telefone para a sua frente. Vamos a isto.

 

Marcou o número da residência do Dr. Sadek e atendeu o serviço de mensagens.

 

Fala Joe MacGill. Minha mulher, Grace, que é cliente regular do Dr. Sadek, sente-se muito mal.

 

Não pode aguardar até de manhã?

 

Garanto-lhe que não se sente nada bem. Queixa-se de dores agudas e precisa de ser examinada com urgência.

 

Está bem. vou ver se consigo localizar o doutor. Importa-se de me dar o número de onde fala?

 

Não posso. O nosso telefone avariou-se e estou numa cabina, cujo número não é legível.

 

bom, veremos o que consigo. Não desligue, por favor. Grishin piscou o olho a Hilf, enquanto aguardava. Registaram-se alguns estalidos na linha e surgiu uma voz ensonada.

 

Fala o Dr. Sadek. Mr. MacGill?

 

Exacto, doutor. Liguei por causa de minha mulher, Grace. É sua cliente.

 

Recordo-me perfeitamente dela. Pode explicar o que se passa?

 

Tem dores intensas na região pélvica e cãibras na parte inferior do estômago. Diz que nota os mesmos sintomas do ano passado, quando o doutor a submeteu a uma intervenção...

 

com a ficha médica de Grace MacGill na sua frente, Grishin escolheu e pronunciou, errada e propositadamente, termos médicos para descrever a condição da mulher. No final, registou-se breve silêncio e o ginecologista declarou:

 

De facto, convém que a examine já. Diga-lhe que se conserve deitada até eu chegar. Agradecia que me indicasse a morada. Depois de a anotar, acrescentou: Conto estar aí dentro de três quartos de hora.

 

Grishin pousou o auscultador, dirigiu um sorriso de triunfo ao companheiro e voltou a levantá-lo, para marcar outro número.

 

A campainha tocou uma vez no outro extremo do fio e surgiu uma voz masculina.

 

Gel regressam à base. Fase dois operativa.

 

Quando?

 

- Imediatamente. Ele está a vestir-se para visitar a doente Vocês já conhecem o endereço de onde parte. Tome nota do seu destino. indicou a morada, mais uma vez. Espera chegar dentro de três quartos de hora. Haverá! tempo para actuar?

 

Há, de certeza.

 

Felicidades. Cortou a   ligação e levantou-se. Inspecciona a área, para ver se está tudo em ordem, enquanto recolho o equipamento. Encontramo-nos à saída.

 

Um minuto depois, ilf reunia-se-lhe junto da porta da antecâmara.

 

Bem, obtivemos metade do que a Primeira Dama pretendia comentou Grishin. Quanto à outra metade... Que diabo, ela é uma actriz! Vamos.

 

 

Na Sala Verde da Casa Branca, a meio da tarde, Vera Vavilova sentava-se no sofá e fingia prestar atenção à sua secretária de Imprensa, ao mesmo tempo que olhava dissimuladamente o relógio com frequência. Enquanto Nora recapitulava o programa do primeiro e segundo dias de Billie em Londres, ela preocupava-se com o tempo. Dentro de uma hora e vinte minutos, partiria para comparecer à consulta com o’ Dr. Sadek e continuava sem conhecer a verdade. Os segundos sucediam-se inexoravelmente, aproximando-se cada vez mais o momento em que enfrentaria o ginecologista e mantinha-se tão elucidada como na véspera. Perguntava-se, impaciente, quando o K.G.B. estabeleceria contacto e que teria o agente para lhe comunicar.

 

Simultaneamente com cada movimento do longo ponteiro do relógio na parede, a sua confiança esgotava-se ao ponto do desespero. Não obstante, conservava a fé no K.G.B. como a mãe (mesmo naquela época esclarecida) em Deus.

 

Fica assim arrumado o segundo dia em Londres ouviu Nora anunciar. Penso que não é um programa muito carregado.

 

Pois não. Importa-se de repetir a parte referente ao segundo serão?

 

Como referi, não há nada previsto para o primeiro, servindo para adaptação à diferença de horas. Portanto, as actividades sociais principiam no segundo. O primeiro-ministro, Dudley Heaton, e a esposa, Penelope, promovem uma recepção e jantar em sua honra e do Presidente. E dos Kirechenkos, claro.

 

Onde?

 

No Salão de Banquetes, em Whitehall.

 

Nunca lá entrei.

 

É maravilhoso, Billie. Trata-se de um legado de Henrique VIII.

 

Tenho curiosidade...

 

O telefone tocou e Vera experimentou um sobressalto. Devia ser Maurice, o chef salvador. Nora fez menção de se levantar, porém ela antecipou-se.

 

Eu atendo. Estou à espera de uma chamada pessoal. - Levantou o auscultador e proferiu: Sim?

 

Mrs. Bradford?

 

A voz era aguda, com sotaque britânico artificial, e Vera não conseguiu determinar se se tratava de homem ou mulher.

 

É a própria.

 

Fala Fred Willis, do protocolo. Queria discutir um pormenor da viagem a Londres.

 

Experimentou profundo desapontamento. Esperava que fosse o telefonema, pois o tempo urgia, e não aquele homem irritante, do qual se recordava vagamente.

 

De momento, estou ocupada. Tem de ficar para mais tarde.

 

Preciso falar-lhe, imediatamente,   Mrs.   Bradford. A inflexão de Willis tornara-se ainda mais aguda, como no limiar da histeria.

 

Tenho de mudar de roupa e...

 

Por favor, Mrs, Bradford. Estou cá em baixo.

 

Havia algo no ton dele que a levou a reconsiderar. Por fim. na sequência de uma hesitação, acedeu:

 

Seja, mas só por uns instantes.

 

Pousou o auscultador, contrariada e irritada consigo mesma por ter transigido, e verificou que Nora recolhia os papéis e pegava na pasta.

 

Depreendo que tem visitas.

 

Fred Willis. Tive medo que lhe desse um chilique, se não o recebesse.

 

É embirrante. No entanto, sabe do ofício. vou deixá-la. Não se esqueça do médico.

 

Esteja descansada.

 

Quando ficou só. Vera voltou a consultar o relógio e em seguida cravou o olhar no telefone. Que teria acontecido ao seu informador? Até então, o K. G. B nunca a desapontara. Dentro de uma hora, encontrar-se-ia no consultório do Dr. Sadek, sem fazer a mínima ideia do motivo pelo qual a verdadeira Billie Bradford necessitava dos cuidados do ginecologista. Era, na verdade, uma situação impossível

 

De súbito, bateram levemente à porta.

 

Entre, entre. Fred Willis transpôs a entrada nos seus passos incertos. Vera sentia-se impressionada, cada vez que o via. Era um indivíduo de aspecto e maneiras ridículos. Nora deviria ter razão. Provavelmente conhecia o ofício a fundo. De olhos hipertiróidicos, nariz afilado e boca e queixo flácidos, lenbrava um adolescente desprovido de energias e trajava como um estudante de Oxford do século passado.

 

Alegra-me que dispusesse de uns momentos para me receber, Mrs. Bradford, articulou, com uma ligeira vénia.      

 

Mas   poucos salientou   Vera, afundando-se   numa poltrona.

 

Não a incomodava, se não fosse importante. Ele; puxou uma cadeira para junto dela e sentou-se sem aguardar convite. Em seguida, inclinou-se para a frente e murmurou» -lhe ao ouvido: É servido na Disneylândia.

 

Disneylândia? ecoou   Vera,   não compreendendo!

 

Você? balbuciou, olhando-o com curiosidade. Confesso que cheguei a suspeitar, quando telefonou, mas parecia-me impossível. Graças a Deus que me procurou a tempo. Escuto-o.

 

Quanto ao que pediu, a primeira coisa, a finalidade da sua visita ao ginecologista, desenvolveram-se esforços no sentido de a averiguar, mas a informação não estava disponível. Willis exprimia-se a meia voz, como se receasse que houvesse microfones ocultos em todos os cantos.      

 

Mas isso é horrível. Ela estremeceu involuntáriamente. Deve haver algum elemento.

 

Não foi possível apurar o mínimo indício. Em todo o caso, a situação não é tão grave como parece, porque tivemos sorte com o segundo dos seus pedidos, que afecta o primeiro. Assim, graças à intervenção da Providência, por assim dizer, às quatro horas não será recebida pelo Dr. Murry Sadek.

 

Não?

 

Foi substituído pela sua associada, Dr. Ruth Darli.   Ontem à noite, quando seguia no carro, para se ocupar de   uma emergência, sofreu um acidente de certa gravidade.   Colidiu com um veículo roubado que surgiu de uma transversal, fora de mão. e se pôs em fuga. O Dr. Sadek apresenta fractura de duas costelas e várias contusões. Segundo as minhas informações, estará hospitalizado vários meses e talvez não possa regressar ao consultório. Por conseguinte, a dr.a Ruth Darly ficou com algumas das suas doentes e todas as consultas marcadas para hoje foram canceladas, à excepção da sua, Mrs. Bradford.

 

Demónio...

 

Atendendo a que parte para Londres amanhã, ela resolveu recebê-la.

 

Em todo o caso, sempre é melhor do que enfrentar Sadek.

 

Alguma vez foi examinada pela doutora?

 

Vera recordou as informações que lhe haviam sido transmitidas durante o treino e replicou:

 

Penso que não.

 

Então, nada tem a recear.

 

Mas continuo sem saber o que vou lá fazer.

 

com o Dr. Sadek, teria sido difícil, embaraçoso, ao passo que com a Dr.a Darly a maior parte do perigo desapareceu. Ela só sabe dos seus problemas clínicos o que as anotações dele indicam. Por outro lado, não está familiarizada com o seu corpo. Willis levantou-se e exibiu um sorriso. De resto, Mrs. Bradford, é uma pessoa de recursos, como já demonstrou, uma actriz consumada. Estou certo de que não se lhe hão-de deparar grandes dificuldades. Começou a mover-se na direcção da porta, ao mesmo tempo que proferia em voz alta: Concluiremos a recapitulação deste tópico durante a viagem. Nessa altura, já saberei se a Rainha regressará das Bermudas, enquanto permanecer em Londres.

 

Às quatro e cinco minutos daquela tarde, Vera Vavilova, com a maquilhagem reduzida à expressão mais simples e ausência total de jóias, vestindo blusa e saia simples, sentava-se na poltrona diante da secretária da Dr.a Ruth Darly, que tinha na sua frente uma pasta de cartolina com a inscrição: BRADFORD, BILLIE L.

 

Depois de se separar dos homens do Serviço Secreto à entrada do consultório, Vera usara das maiores precauções. Era provável que conhecesse a médica pessoalmente, porventura apresentada pelo Dr. Sadek, e estava empenhada em evitar o lapso de saudar a pessoa errada. Por sorte, uma jovem enfermeira, que a acolhera com extrema deferência, conduzira-a directamente à presença da ginecologista.

 

Esta era uma mulher de meia-idade e maneiras afectuosas. baixa, um pouco nutrida, quase perdida dentro de uma bata longa.

 

Tenho muito gosto em voltar a vê-la, Mrs. Bradford, embora nunca supusesse que viríamos a encontrar-nos profissionalmente.

 

Fiquei   horrorizada com o sucedido ao Dr. Sadek. Pobre homem...

 

Os minutos seguintes foram consagrados ao deplorável acidente, até que a Dr.a Darly baixou os olhos para a pasta de cartolina e consultou as folhas.

 

Ainda não foi transcrita declarou, quando chegou à última. Felizmente, sou a única pessoa, além da recepcionista, capaz de decifrar os caracteres exóticos do Dr. Sadek. Vejamos. Ergueu a cabeça. Já esteve na casa de banho?

 

Não.

 

Então, vá, enquanto leio isto. É do outro lado do corredor. Deixe o frasco com a amostra de urina no laboratório.

 

Vera abandonou o gabinete, entrou na casa de banho. transcorridos uns minutos, reaparecia.

 

Parece-me tudo muito claro informou a ginecologista. Como sabe, temos de resolver dois problemas.      

 

Decerto assentiu Vera, com uma ponta de nervosismo.

 

Como se tem sentido, desde a última visita? Sei que viajou com frequência. Nota melhoras?

 

Muitas.

 

Óptimo. A Dr.a Darly pôs-se de pé. Antes de mais, vou examiná-la. Acompanhe-me, por favor. Uma vez na sala ao lado, acrescentou: Já sabe o que tem a fazer, Dispa-se. O roupão está em cima da mesa e o lençol ao lado. Depois, deite-se, que volto em seguida.

 

Quando ficou só, Vera principiou a despir-se, tentando desesperadamente determinar o que a ginecologista procuraria nela. Depois, enfiou o roupão e descobriu que era aberto nas costas e atingia apenas os joelhos. Por último, sentou-se na extremidade da mesa e cobriu as pernas atei aos tornozelos com o lençol. Nesse momento, a porta abriu-se e surgiu uma rapariga morena de bata branca.

Vejo que já está preparada. Posso, pois, medir-lhe a tensão arterial. Seguidamente, guardou o aparelho e anunciou: A doutora não tarda.

 

Como se aguardasse a deixa, a Dr.a Darly apareceu nesse instante, exibindo um sorriso tranquilizador.

 

Vamos a isto proferiu, enquanto Vera se deitava de costas, erguia os joelhos e abria as pernas. Tem continuado a sangrar? perguntou, puxando o candeeiro de suporte telescópico.

 

Então, era isso! Uma hemorragia latente. Acabava de ser mencionada a primeira indicação.

 

Foi diminuindo gradualmente, até, que, há cinco dias, parou por completo.

 

Excelente. O Dr. Sadek acalentava essa esperança.

 

Entretanto, a Dr.a Darly, que calçara uma luva de borracha transparente na mão direita, pegou no especulo de plástico que a enfermeira lhe estendia, ergueu o lençol e iniciou o exame. Vera compreendeu que procurava sinais de inflamação ou irritação na área exterior da vagina. A seguir, introduziu o especulo e murmurou:

 

Paredes suaves, sem vestígios de lesões. Colhemos uma amostra das células, na última visita.

 

Pacientemente deitada, Vera tentava desenvolver a única pista de que dispunha sobre a sua condição. A verdadeira Billie sangrara e agora não. Que significaria isso?

 

Teve consciência do especulo no seu íntimo e reflectiu que, quando se sujeitara a um exame similar em Moscovo e Kiev, não se preocupara. Era mulher e a Natureza concedera-lhe, como a todas as fêmeas da Terra, um complexo sistema procriador. Os exames, de vez em quando, eram obrigatórios e aconselháveis. Agora, porém, no instante em que o instrumento de plástico lhe abandonava a vagina, a situação afigurava-se-lhe irreal e perigosa. Era uma estranha, num ambiente desconhecido, entre inimigos, personificando outra pessoa a mulher mais importante do mundo. Existiria alguma possibilidade de a vagina a denunciar, revelar que não passava de uma impostora?

 

Estremeceu involuntariamente, e a Dr.a Darly apressou-se a pedir-lhe desculpa.

 

Vera apercebeu-se de que o especulo fora retirado e os dedos da ginecologista exploravam os ovários e órgãos internos, em busca de anomalias.

 

Pronto. Esta última endireitou-se, com novo sorriso tranquilizador. Nada que justifique preocupações. Descalçou   a   luva   e   lançou-a   para   um   recipiente   metálico. Rode vestir-se e depois venha ao meu gabinete, para conversarmos.

 

Aliviada, Vera soergueu-se, enquanto a Dr.a Darly se retirava, aguardou que a enfermeira a seguisse, e tratou de se vestir rapidamente, após o que se dirigiu a um espelho na parede para retocar a maquilhagem e ajeitar o cabelo.

 

Quando entrou no gabinete, a ginecologista concluía um telefonema e pousou o auscultador, para a encarar.

 

Tenho más notícias e boas, Mrs. Bradford declarou com uma expressão grave. Comecemos pelas más. Recebemos o relatório do laboratório sobre o seu teste de gravidez após a sua partida para Moscovo. Ora, como só permaneceu um dia em Washington antes de se ausentar de novo, não dispôs de tempo para contactar com o Dr. Sadek e ele não quis transmitir-lhe o resultado pelo telefone. Apesar de alguns indícios no primeiro teste, como acontece com frequência, o segundo revela, sem margem para dúvidas, que não está grávida. Lastimo profundamente.

 

Vera, que se conservava suspensa de cada palavra que brotava dos lábios da interlocutora, experimentou uma sensação de alívio ao inteirar-se do principal motivo da consulta. No entanto, reconheceu que, como Billie Bradford, devia reagir da forma esperada. A Primeira Dama desejava a gravidez e os testes indicavam o contrário. No palco, em Kiev, Vera fora sempre admirada pela sua habilidade histriónica para evocar as lágrimas nos momentos apropriados. Era assim que convinha proceder naquele momento: desapontamento, tristeza, mas sem exagero. Acto contínuo, os olhos marejaram-se. Voltou o rosto para o lado, procurou o lenço na carteira e utilizou-o discretamente.

 

Compreendo como se sente. A Dr.a Darly levantou-se com prontidão e rodeou-lhe os ombros com o braço, para a consolar. Mas creia que se trata de uma impossibilidade temporária. A senhora e o Presidente desejam um filho e garanto-lhe que terão tantos quantos quiserem.

 

Obrigada murmurou Vera, em voz trémula. Desculpe, mas... estava tão esperançada.

 

Repito que terão tantos filhos quantos quiserem. A ginecologista tornou a sentar-se à secretária. Passemos agora às boas notícias. A hemorragia. Pegou no relatório dos testes e consultou-o. Não era, de modo algum, grave, Devia-se ao pequeno pólipo que o Dr. Sadek cauterizou, aliado a um desequilíbrio emocional resultante da sua preocupação acerca disso. Não vejo necessidade de me alongar em pormenores. O essencial é que está eliminada por completo. Como referiu há pouco, terminou há cinco dias e o meu exame confirmou-o.

 

Vera sentia que lhe desaparecera um peso enorme dos ombros e acudia-lhe uma euforia que dominava com dificuldade. O mistério que rodeava a «consulta importante» dissipara-se. Não obstante, reconhecia que devia insistir em deixar transparecer uma ponta de amargura em virtude da gravidez frustrada. Impunha-se que continuasse a ser Billie Bradford.

 

Assim, esboçou um sorriso, embora conservasse a expressão dos olhos e rosto grave.

 

Fico satisfeita com o que acaba de dizer, Dr.a Darly. A hemorragia preocupava-me, sem dúvida.

 

As suas preocupações terminaram. Está óptima.

 

Graças a Deus.

 

Preparava-se para se despedir, quando a voz da ginecologista a manteve imóvel na poltrona:

 

Falta um pequeno complemento das boas notícias. Fez uma pausa. Pelo que li nos apontamentos do Dr Sadek, proibiu-lhe as relações sexuais durante seis semanas. Por outras palavras, a inibição deveria terminar dentro de quatro. Agora, porém, tenho o prazer de lhe anunciar que, em face do resultado do exame a que acabo de proceder, pode reatá-las quase imediatamente. No entanto, para jogar pelo seguro, digamos daqui a quatro ou cinco... é melhor cinco dias. Nessa conformidade, em breve se lhe deparará a oportunidade de voltar a engravidar. Espero que isto a deixe completamente satisfeita.

 

Dentro de cinco dias? balbuciou Vera, sentindo o coração palpitar com intensidade.

 

Sem a menor dúvida.

 

Tentou manter-se calma, mas reconhecia que a agitação aumentava gradualmente.

 

Estou.,   encantada   e   ansiosa   por   informar   meu marido.

 

Todavia, sabia que nunca lhe revelaria a verdade. Ao invés, mentiria, afirmando que necessitavam de deixar transcorrer as seis semanas de abstinência. Ele não podia inteirar-se. Só assim ela se salvaria.

 

Lamento privá-la desse prazer. Mrs. Bradford, mas já ’ho comuniquei, quando telefonou, pouco antes da consulta. Ansiava por tomar conhecimento do diagnóstico do   Dr. Sadek... ou antes, do meu. Prometi informá-lo depois de a examinar e fi-lo enquanto a senhora se vestia. Ficou um pouco contrariado com o resultado do teste sobre a gravidez. Por outro lado, mostrou-se aliviado com a questão da hemorragia e-.. bem, francamente entusiasmado por poderem retomar as relações sexuais com regularidade, dentro de menos uma semana.

 

O essencial

 

O essencial é que ficou a saber - articulou Vera esforçando-se por falar num ton normal. Obrigada por tudo.

Dr.” Darly.

Articulou Vera. Obrigada

 

«Obrigada por nada, estúpida de uma figa!», pensava com irritação.

 

Quando abandonava o consultório e se encaminhava para o elevador, seguida pelos agentes do Serviço Secreto diligenciava repelir a espécie de aturdimento que a assolava. Por fim, afundou-se no assento da limusina da Casa Branca como se fosse uma urna. Tinha consciência dos transeuntes curiosos, que a haviam reconhecido e rodeavam o carro para a ver de perto. Alguns até lhe acenavam cordialmente. Pela primeira vez, ignorou-os, olhos fixos em frente, enquanto o veículo se afastava do passeio e rolava em direcção à Avenida Pensílvânia.

 

Envolvia-a um terror glacial. A situação fora de mal a pior. A descoberta do motivo do exame ginecológico parecera-lhe um obstáculo intransponível, porém agora enfrentava uma ratoeira muito mais impressionante, uma obstrução que tanto Alex como o K. G. B. não tinham previsto.

 

Relações sexuais com o Presidente dentro de cinco dias. E ela necessitava de passar mais de duas semanas na sua companhia, antes da troca e fuga.

 

Ao longo de cinco, seis, sete anos. não se recordava ao certo, o Presidente dormira com Billie quase todas as noites. Provavelmente, fornicavam ou lá o que faziam juntos três ou quatro vezes por semana. Na cama, conhecendo-se intimamente, cada um bem elucidado de todas as protuberâncias e depressões do corpo do outro, consciente do que agradava e desagradava ao parceiro. E agora, Billie fora afastada,   substituída por Vera.   Era assustador.   Como se comportaria a Primeira Dama entre os lençóis? Como devia ela reagir? Passivamente? com agressividade? Dócil? Arrebatada? Haveria aberrações? Como procederia? O que a aguardaria

 

Até   então,   experimentara   relações   sexuais   com   três homens, e cada um fora individual, diferente, subtil à sua maneira. Que se passaria com o Presidente? E com Billie? Aquilo assemelhava-se a um pesadelo. Durante o longo período de treino, Alex e o K. G. B. tinham desenvolvido todos os esforços para obter aquele elemento que faltava: os hábitos de alcova de Billie Bradford.

 

O primeiro mostrara-se tão confiante em o conseguir, que redobrara de pressistência para a preparar devidamente. Contudo, - à medida que o tempo passava e a data da Reunião internacional das mulheres em Moscovo se aproximava, a a coonfiança dimenuira. Sem a informação indispensável, o Projecto Segunda Dama não poderia ser posto em execução. Todos os esforços resultariam infrutíferos. Por fim, quase no derradeiro momento, brilhou um clarão de esperança. o presidente revelara à amante que ele e a esposa não poderiam entregar-se a actividades sexuais durante seis semanas. Vera recordava-se do alívio e euforia que ela, Alex e Petrov haviam sentido. Como o conhecimento do comportamento sexual de Billie deixara de interessar, o projecto ficara liberto de obstáculos e pronto para arrancar 

 

Agora, Vera encontrava-se no ponto de partida. de novo necissitava dos   elementos que o K. G. B nunca conseguiria obter, com a diferença de que a sua situação era mais grave que anteriormente. Convertera-se na realidade em Billie, com o momento do coito à porta, imersa na ignorância total.        

Enquanto a limusina entrava no recinto da Casa Branca, com o pórtico sul em frente, o seu espírito concentrava-se numa emagem projectada na cabeça Andrew Bradford, desnudo com uma poderosa   erecção, aproximando-se, ao mesmo tenpo que ela, igualmente despida, deitada na sua frente, paralisada, permanecia na expectativa de quê?

 

O abismo era demasiado profundo para abarcar, evitar, sobreviver.

Sem o conhecimento carnal, estava perdida. Só uma réstia de sorte incrível a salvaria. Um movimento em falso de sua parte, um acto ou reacção característicos, e ele mostrar-se-ia surpreendido, desconcertado, desconfiado. Surgiriam perguntas embaraçosas, as dúvidas. Aperceber-se-ia de que não era quem parecia, a companheira de cama familiar de tantos anos.

 

”Não és Billie. quem diabo és?

 

Isso poderia conduzir ao fim do projecto, dela própria.

Não se tratava simplesmente de uma situação de emergência, mas quase de desespero.

     Apenas uma coisa preocupava agora Vera.

Descobrir como enfrentá-la.

 

Assim que se encontrasse só na Casa Branca, contactaria com o chef Maurice ou com o chefe do protocolo Fred.

 

Não, com esses não. Devia utilizar o telefone. Duasligações para números errados, depois sorgiria um salvador: porventura Maurice Willis ou outro qualquer. Quem queer que fosse, informaria Petrov, em Moscovo.

Somente uma pergunta, general Petrov, uma única.      

 

Como se comporta a Primeira Dama dos Estados Unidos, quando vai para a cama com o Presidente?

 

 

Como diab podemos saber uma coisa dessas? - vociferouPetrov, mostrando o telegrama de Washington!

descodificado, a Alex Razin.

 

Ao ler o texto, a expressão deste último passou de surpresa a preocupação.

 

É um facto imprevisto murmurou.

 

Não há lugar para o imprevisto numa operação dai importância tão vitalrugiu o general, encolerizado.      

 

A porta do gabinete abriu-se, para dar passagem Ao coronel Zhuk, Garanin e Dr. Lunts, responsável do departamento de psiquiatria do K. G. B., convocados para uma reunião de emergência, os quais saudaram Petrov antes de se sentarem diante da secretária.

 

Um problema de extrema gravidade anunciou o general, voltando a pegar no telegrama e contemplando-o com aborrecimento. A nossa invencível dama, Vera Vavillova, encontra-se em apuros.

 

Mas foi tudo previsto argumentou Garanin.        

 

Parece que não. Petrov cravou o olhar em Razin.

» Este nosso camarada descurou um pormenor.

 

Garantiram-nos   que   não   haveria   relações   sexuais durante seis semanas protestou o visado.

 

Garantir não é dar a certeza. Mrs. Bradford tinha com sulta marcada com um ginecologista por razões que a camarada Vavilova desconhecia. Não obstante, compareceu e comportou-se satisfatoriamente, inteirando-se de que a verdadeira Billie Bradford sofria de hemorragia vaginal. Era por esse motivo que não podia ter relações sexuais com o Presidente durante seis semanas, ou seja, durante mais quatro a partir deste momento. Assim, a nossa enviada dispõe» de tempo suficiente para cumprir a sua missão relacionada com a Cimeira e regressar a Moscovo, antes de se entregar a actividades intimas com o marido. Agora, descobriu que está curada da pequena anomalia e a ginecologista informou o Presidente de que pode reatar as práticas sexuais con a esposa dentro de cinco dias.   Estão a abarcar a posição precária em que a nossa agente se encontra?               

 

Perfeitamente resmungou o Dr. Lunts. É uma infelicidade...

 

Isso é ficar muito aquém da realidade cortou o general. Trata-se de um autêntico desastre potencial. Dentro de cinco noites, quando estivermos em Londres, Vera Vavilova deitar-se-á com o Presidente para retomarem as relações sexuais. Ora, ela, ignora por completo como ele e a esposa se comportavam na cama e precisa de saber, sob pena de se expor à descoberta da verdade. Portanto, ou averiguamos esse pormenor ou cancelamos o projecto.

 

É possível, de um momento para o outro? perguntou o coronel Zhuk.

 

Porque não? Um dia ou dois antes de o Presidente poder fornicar com Vera Vavilova, metemo-la num avião de regresso a Moscovo e substituímo-la por Billie Bradford. Simplesmente, não quero ter de recorrer a essa medida extrema. Não interessa que ela volte antes de obter a informação de que o nosso primeiro-ministro necessita para a Cimeira.

 

Fazê-la regressar equivale à destruição de três anos de trabalho árduo observou Garanin.

 

Pior que isso tornou Petrov. Deixará o primeiro-ministro desarmado na Cimeira, ante a perspectiva de ter de capitular em face das intenções dos capitalistas. Não podemos admitir uma coisa dessas. Temos de descobrir como a Primeira Dama se comporta na cama com o marido e transmitir o resultado a Vera Vavilova.

 

Mas   como? perguntou   Razin,   a   ninguém   em especial.

 

É para isso que estamos aqui reunidos. Para conceber uma maneira.

 

Há segredos impossíveis de averiguar advertiu. A natureza das relações sexuais entre marido e mulher figura nessa categoria.

 

Não   necessariamente discordou   Petrov. Talvez um deles consultasse um psicanalista.

 

Nenhum o fez asseverou Razin.

 

Ou confiasse num amigo ou amiga de maior intimidade.

 

Parece-me duvidoso. De qualquer modo, não dispomos de tempo para...

 

Nesse caso, digamos que apenas duas pessoas no fundo sabem como Billie Bradford se comporta na cama com o Presidente. Evidentemente que não podemos interrogar Andrew Bradford. Resta, por conseguinte, a esposa, que se encontra em nosso poder. Talvez consigamos extrair-lhe informação.

 

É pouco provável, general.

 

Ora, ora, Razin. A sua Billie Bradford não é positivamente uma virgem vestal. Estou ao corrente, através do perfil dela que obtivemos, de alguns dos seus envolvimentos no passado.

 

Teve relações sexuais com todos os homens que conheceu?

Não sei admitiu Petrov. Não possuímos provas E não podemos sondá-los.

 

Alguma vez cometeu adultério?interpôs o Dr. Lunes.

 

Não há indicações disso replicou o general. No entanto, estou certo de que existem outras possibilidades.

 

Quais? quis saber o psiquiatra do K.G.B.

 

Uma consiste no método directo. Procurá-la e explicar-lhe francamente o que pretendemos dela. Sublinhar que a segurança futura depende da colaboração que prestar.  

O seu   perfil   indica que   recusará   abertamente. O Dr. Lunes abanou a cabeça com veemência. Santidade do do matrimónio. Intimidade. Puritanismo. Desafiar-nos-á até ao fim com o silêncio.

Nesse caso, tratá-la-emos como a qualquer obstrucionista.

 

Refere-se à tortura?

 

Que remédio! suspirou o general, com um encolher de ombros.

 

Desculpe, mas qualquer lesão física que ela apresentar não poderá ser explicada, quando a restituirmos aos Americanos.   acudiu Razin.

 

Quem falou em lesões físicas? redarguiu Petrog inocentemente. Há outras formas de persuasão. A fome, por exemplo.

 

Deixaria marcas.

 

Então, drogas.

 

Não merecem confiança declarou o Dr. Lunts.-- Podiam alterar-lhe as reacções normais. A hipnose deve igualmente ser posta de parte, sobretudo se ela oferecesse uma resistência forte.

 

Basta de divagações. O general deixava transparecer profunda impaciência. vou dizer-lhe o que há a fazer. Procura-se Billie Bradford e monta-se pela força. Verificaremos assim, em primeira mão, como se comporta.

 

Pensa que reagirá à violação do mesmo modo que durante o coito natural? objectou Razin. Nem pensar. ”Ele tem razão, general. apoiou o Dr. Lunts. Desse modo não obteríamos o resultado desejado.

 

A única coisa que consigo de vocês é uma colaboração negativa. Ainda não apresentaram uma única intervenção construtiva... Apenas nyet. Sabem porque os convoquei? Porque os considero os maiores cérebros do K.G.B. Temos de tomar uma decisão, hoje, de contrário estará tudo perdido.

 

Seguiu-se um longo silêncio, durante o qual todos assumiram expressões de profunda concentração.

 

Por fim, Razin ergueu o braço para chamar a atenção.

 

General Petrov...

 

Sim?

 

Creio que vislumbro uma possibilidade.

 

Principiou a falar com lentidão e não tardou a captar o interesse geral.

 

Na suite do Kremlin prisão ou Lubyanka camuflada, pois não merecia a pena recorrer a eufemismos, Billie Bradford, de camisa de meia manga cinzenta e calça branca, debicava o repelente pequeno-almoço russo composto de rodelas de salame, queijo fresco com açúcar, uma espessa panqueca coberta de leite azedo, iogurte e pão de centeio num tabuleiro. A comida revolvia-lhe o estômago, além do que não tinha fome. Comia o pouco que conseguia levar à boca, a fim de conservar energias para o que surgisse.

 

Fora apanhada desprevenida, quando o general Petrov se apresentara, poucos minutos antes, numa atitude cordial, o animal, anunciando que se lembrara de a visitar para tomarem café juntos, após o que desaparecera na cozinha para levar a cafeteira ao lume.

 

Billie ficara surpreendida, porque já não contava com mais visitas oficiais. Nos últimos três ou quatro dias começava a perder a noção exacta do tempo, apenas aparecera uma pessoa. O intérprete, Alex Razin, procurara-a no segundo dia, para deixar os últimos jornais e revistas americanos e perguntar como se sentia. Ela não considerava as três visitas diárias dos dois guardas armados e silenciosos do K.G.B., que lhe levavam a comida, assim como videotapes, tabaco, garrafas de bebidas. Um permanecia à entrada, vigiando-a atentamente, enquanto o companheiro pousava os tabuleiros e inspeccionava a suite, após o que se retiravam.

 

Conservava-se só durante longos períodos. Embora a solidão nunca lhe tivesse suscitado problemas especiais, o irrealismo daquela experiência contribuía para que experimentasse dificuldades em a suportar. Tentava esquivar-se à introspecção por meio do exercício, fazendo a cama, entrando na cozinha para abrir o frigorífico em busca de algo para comer que, no fundo, não lhe apetecia, limpando o pó, lendo e vendo os videotapes de programas da véspera ou escutando a Voz da América ou a B.B.C.

 

Todavia, na maior parte do tempo, vivia no interior de sua cabeça. Esforçava-se por se convencer de que nada daquilo acontecera na realidade e não passava de um pesadelo do qual acabaria por emergir. Quando reconhecia que não se tratava de um sonho, tentava imaginar como o inimigo pudera conceber semelhante maquinação, como tinham os Soviéticos descoberto e treinado outra mulher para ocupar!

o seu lugar. Em seguida, como sempre, as cogitações concentravam-se nessa mulher, a falsa Primeira Dama, e no que fazia no seu lugar e com o seu marido.

Mas nem todos se deixariam iludir. Alguém acabaria por suspeitar da verdade. Confiara em que Andre a vislunbrasse. Ou Nora, Guy, Wayne Gibbs, um agente do Serviço Secreto, enfim alguém. Pelo menos, o pai apercebia-se imediatamente de alguma anormalidade e lançaria o alarme, denunciando a impostora. O escândalo teria repercussões mundiais, para lém de todas as previsões. Assim, Billie escutava atentamente os noticiários em inglês e esperava

ver a porta da prisão abrir-se a todo o momento, para que Razin ou Petrov entrasse e anunciasse que o plano abortara e a enviariam para os Estados Unidos. Ou o embaixador Youngdahl, que surgiria para comunicar que a impostora fora

presa e a acompanharia ao avião que a conduziria à Casa Branca.

No entanto, não aparecera ninguém com a ansiada notícia.

Agora, porém, acabava de se apresentar um deles. O monstro que engendrara o hediondo projecto e a sua prisão. Talvez fosse portador da notícia da sua libertação, Todavia, mostrava-se demasiado seguro de si, para ser o mensageiro da sua própria derrota.

As cogitações de Billie foram interrompidas pelo reaparecimento de Petrov, munido de uma xícara fumegante.

Instalou-se no sofá diante dela, pousou a xícara na mesinha entre ambos, agitou o líquido com a colher e ingeriu um sorvo.

 

Billie decidiu que ele reconhecia que a chamada Segunda dama fora desmascarada, mas evitava divulgá-lo. brincava Com ela, o animal sádico. Pois bem, jamais lhe proporcionaria a satisfação de o interrogar.

 

Não obstante, a curiosidade foi mais forte e a pergunta surgiu.

 

Deu para o torto, hem?

 

O quê? O general parecia sinceramente perplexo.

 

O vosso conluio. Aposto que foi meu pai, em Los Angeles, quem descobriu tudo insistiu ela, observando-o com ansiedade.

 

Ah, refere-se a isso? Ele inclinou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada divertida. Minha cara Mrs. Bradford, seu pai adorou voltar a vê-la, há dias, e conversaram cordialmente. Por outro lado, a senhora e seu marido nunca estiveram tão unidos.

 

Billie esforçou-se por dominar a amargura. Dir-se-ia que todos os órgãos do seu corpo vibravam de indignação.

 

Decerto não esperava que, após os meses   intermináveis de preparativos, a nossa Dama seria descoberta prosseguiu Petrov, olhando-a por cima da xícara, que aproximava dos lábios. Lamento desapontá-la, mas é mais popular que nunca em toda a América. Deve ter-se inteirado de que o seu discurso de Los Angeles foi aplaudido em todos os sectores do país.

 

Com efeito, ela inteirara-se através das gravações em videotape e emissões radiofónicas, mas julgara-se vítima de um logro bem montado.

 

Ninguém deu pela sua falta, Mrs. Bradford acrescentou o general, com um sorriso. Era impossível, de resto, POIS tem continuado a aparecer nos lugares habituais e, em breve, em Londres.

 

Billie mordeu os lábios, esforçando-se por acreditar que se tratava de uma fantasia gigantesca prestes a dissipar-se.

 

Estou certa de que a verdade acabará por se descobrir afirmou, obstinada.

 

Preciso de me repetir? Quer que lhe explique de novo que tudo se desenrola em conformidade com as nossas Previsões?

 

Mais cedo ou mais tarde, o vosso projecto alucinado há-de abortar. Cancelem-no, antes que comprometa os trabalhos da Cimeira e destrua as relações entre os nossos Países   Pense no que aconteceria se vocês descobrissem que a América tinha raptado a esposa de Kirechenko, a substituira por uma agente dos Estados Unidos sua sósia e conservava detida em Camp David. Não compreende o perigo de semelhante situação?

 

Admiro a sua imaginação, Mrs. Bradford, mas

Não abarca o ponto fundamental da questão. Ele parecia divertido. O que acaba de referir nunca poderia acontecer. vocês, Americanos, não possuem a nossa mentalidade. Falta-lhes a inteligência suficiente para um empreendimento desta natureza. A C.I.A. compõe-se de amadores em comparação com o K.G.B. A vossa suposta liberdade democrática na realidade, mera licenciosidade torna o povo mole, por assim dizer. Quanto ao perigo que representa para a Cimeira, foi cuidadosamente ponderado. Se vencermos, disporemos de poder para manter a paz no mundo. Se perdermos... para dizer a verdade, não elaborámos qualquer plano para a evemtualidade de tal acontecer, porque a derrota é virtualmente impossível.

 

Veremos proferiu Billie, entre dentes.

 

Já vimos, Mrs. Bradford. Petrov esvaziou a xícara.

 

A prova está bem clara nos progressos que efectuamos até agora. À parte Razin e o Politburo, ninguém sabe que se encontra aqui. A Segunda Dama está na Casa Branca, facto apenas do nosso conhecimento. Já mencionei que seu marido, pai, irmã e amigos a aceitaram como se fosse a senhora.

Amanhã, em Londres, os Ingleses recebê-la-ão como esposa do Presidente. Fez uma pausa. Se acalenta a esperança de que haja algum deslize, desiluda-se. Conforme-se com a sua sorte, colabore connosco e regressará à procedência dentro de duas semanas ou menos.

Colaborar convosco? Que quer dizer?

 

Não levante dificuldades. Não tente evadir-se nem comunicar com alguém do exterior. Responda a todas as perguntas que lhe fizermos. Por sinal, trago algumas para lhe dirigir. No fundo, não se revestem de importância, pois sabemos tudo o que nos interessa. No entanto, para confirmar os elementos existentes nos nossos arquivos, desejamos escutar o que tem para dizer.

 

Acerca de quê? inquiriu Billie, consciente de que haviam chegado à finalidade da visita do russo.

 

De seu marido, por exemplo esclareceu Petrov,; retirando o envoltório de um charuto. Do Presidente dos Estados   Unidos. Mordeu   a   extremidade   e   puxou   do isqueiro. Está sempre calmo e imperturbável como aparece em público?

 

Se sabe tudo, por que perde tempo tentando averiguar factos conhecidos?

 

Constou-nos que tem um temperamento horrível, na vida particular.

 

Ah, sim? Ela esboçou um sorriso malicioso. Muito interessante.

 

Naquele momento, a sua atenção foi desviada para a porta atrás do general, que acabava de se abrir para dar passagem a Alex Razin, o qual a saudou com uma breve inclinação de cabeça e foi sentar-se numa cadeira próxima, enquanto Petrov parecia alheio ao facto.

 

Chamo a isso falta de vontade de colaborar, Mrs. Bradford Olhou-a com uma expressão dura por um momento e continuou: Sugiro que reconsidere a sua atitude. Garanto-lhe que tem muito a perder. A saúde, por exemplo é uma ameaça?

 

Interprete as minhas palavras como entender. Dispomos de meios para a obrigar a falar. Preferia não os utilizar, mas, em caso de necessidade, não hesitarei. Não se trata de um jogo de salão, Mrs. Bradford. Esta minha visita não tem características sociais. Não nos encontramos em pé de igualdade. De momento, não possui direitos, nem qualquer alternativa.   Se persistir na sua obstinação, receberá o devido castigo. Expeliu uma nuvem de fumo azulado. vou conceder-lhe mais uma oportunidade de demonstrar a sua boa vontade. Voltemos ao seu marido. Interessa-se pelo sexo? Gosta de ir para a cama consigo?

 

Não é de sua conta. A indignação de Billie intensificou-se Que atrevimento.

 

É tudo de minha conta, prezada senhora. Petrov levantou-se com ar ameaçador. vou repetir a pergunta. Se se negar a responder, chamarei os guardas e...

 

Razin pôs-se de pé rapidamente e pousou a mão no ombro do superior.

 

Por favor, general. Tentou afastá-lo da mesa. Prometeu não recorrer à força...

 

Se ela se mostrasse razoável salientou Petrov, enfurecido. Mas está a comportar-se como uma cadela casmurra.

 

Não nos precipitemos.

 

Os dois homens moveram-se para o canto da sala e trocaram algumas palavras em surdina, até que o general contemplou o interlocutor com uma expressão de desdém

E observou:

 

Você ainda tem muito veneno americano nas veias, mas É fraco e sentimental. Chupou o charuto prolongadamennte. mas está bem. Faça a experiência. Converse com ela a sós. No entanto, recomendo-lhe que não abuse da minha paciência. E, rodando nos calcanhares, desapareceu.

 

Depois de, a porta se fechar ruidosamente, Razin fixou-a por uns segundos, antes de se voltar e ir sentar-se Junto de Billie.

 

Desculpe.

 

Não posso ver aquele homem! explodiu ela.- é sub-humano. Encarou-o com gratidão. Que lhe disse para o fazer mudar de ideias?!

 

Apenas que não entende as mulheres americanas. A tortura não lhe proporcionaria nada, a não ser porventura resultados opostos aos pretendidos. Assegurei-lhe que era uma mulher decente e sensata e se comportaria de forma razoável, se as perguntas não fossem impertinentes.  

 

Obrigada murmurou, concedendo-lhe um sorriso.

 

Creio que ambos necessitamos de uma bebida

 

Razin levantou-se, ligou a telefonia e, depois de rodar o botão até o som atingir um nível elevado, aproximou-se do aparador, a fim de preparar um scotch com soda para Billie, e uma dose de vodka simples para ele. A maior parte dos homens que ocupam posições de autoridade, como Petrof não compreendem as mulheres ocidentais. Fui criado por uma americana e, na adolescência, acompanhei várias raparigas dos Estados Unidos. Quando me trouxeram para a Rússia verifiquei imediatamente que a atitude dos Soviéticos para com as mulheres era muito diferente. Na verdade, comsideram-nas escravas, objectos sexuais, e é um dos motivos por que sempre desejei reqressar à América.

 

Se gosta tanto da América, porque se deixou envolver numa maquinação destas?

 

Por uma questão de sobrevivência declarou com simplicidade, levando as bebidas para a mesa. Em seguida, ergueu o copo e murmurou: À sua saúde, Mrs. Bradford.

 

O brinde afigura-se-me oportuno. Billie pegou no seu e levou-o aos lábios. Há pouco, quando manifestava reservas acerca do êxito da minha sósia, Petrov garantiu que procedia sem margem para reparos. Ninguém suspeita dela! incluindo meu marido e os amigos. Devo acreditar?

 

Receio que sim. Corresponde inteiramente à verdade!

 

Em todo o caso, parece-me incrível. Como pode essa mulher ter-se inteirado de tanta coisa a meu respeito?

 

É uma actriz profissional.

 

Actriz?

 

Brilhante, providencialmente parecida consigo. Fui incumbido de a instruir, em virtude dos meus antecedentes, dos conhecimentos de inglês. Na realidade, o trabalho fascinou-me. Ou melhor, o papel que ela desempenhava.

 

A minha personificação?

 

Exacto. E acabei por me sentir fascinado por si, Mrs. Bradford.

 

Porquê?

 

Não sei. Talvez por ser o protótipo da mulher americana, numa versão californiana. Acho-a atraente, sincera, inteligente, espirituosa. Na minha juventude, conheci uma moça com essas características.

 

Sinto-me lisonjeada.

 

Talvez não tenha motivos para isso. Razin contraiu as faces num esgar. A minha fascinação contribuiu para tornar a personificação mais perfeita.

 

Nesse caso, não me resta a mínima esperança?

 

De a nossa actriz ser desmascarada? Eu não contaria muito com isso.

 

Então, resta-me procurar uma maneira de sair daqui e alcançar a embaixada americana.

 

Impossível.

 

Com a sua ajuda, poderia tornar-se possível. Como lhe prometi, o outro dia, providenciaria para que seguisse para os Estados Unidos.

 

Cravou o olhar no chão, como se ponderasse o assunto e, quase imperceptivelmente, acabou por menear a cabeça.

 

Mesmo com a minha colaboração, não conseguiria. Eles descobririam o meu envolvimento e...

 

Eu deixava-me matar antes de o denunciar.

 

Não decidiu com firmeza. É melhor não falarmos mais nisso.

 

Billie emitiu um suspiro de resignação e tornou a pegar no copo.

 

Voltemos a Petrov e às suas perguntas sobre as relações sexuais   com   meu   marido.   Fê-las   realmente   para confirmar alguma coisa?

 

Claro que não. Razin sorriu e hesitou por um momento antes de acrescentar:Vou explicar-lhe de que se trata. Eles têm um problema, mas não querem que se saiba. Surgiu um facto imprevisto. Não lhe devia dizer e espero que guarde segredo.

 

Juro. Ela ergueu a mão solenemente.

 

Tinha consulta marcada com o ginecologista, esta semana com o gineco...? Ah, o Dr. Sadek! Sem dúvida. A vossa actriz teve de comparecer?

 

Sim. Infelizmente, ele sofreu um acidente de certa gravidade, pelo que a nossa enviada foi atendida por uma substituta, que a submeteu a um exame minucioso e anunciou o resultado dos testes. Lamento comunicar-lhe que não está grávida.

 

A revelação produziu-lhe uma sensação de desaponta mento e mágoa, conservando-se imóvel e silenciosa por uns segundos, enquanto tentava dominar as lágrimas. As suas esperanças e de Andrew desmoronavam-se. No entanto, decerto surgiriam novas oportunidades.

compreendo o seu pesar disse Razin, que a olhava com apreensão.

 

Enfim, atendendo às circunstâncias, talvez seja preferível assim.

 

Quanto à hemorragia... Evidentemente que a ginecologista examinou outra mulher e achou-a normal, sem que isso esclareça coisa alguma quanto ao seu estado, Mrm Bradford. Continua a sangrar? Em caso afirmativo, podemos..

 

Não, já parou.

Óptimo. Todavia, quando a hemorragia principiou, há umas semanas, foi-lhe indicado que se abstivesse de relações sexuais durante um mês e meio, aproximadamente, pormenor que Petrov julgou muito conveniente para a sua sósia

 

Como se inteiraram de coisas tão íntimas? perguntou Billie, perplexa.

 

Não faço a mínima ideia, mas a verdade é que o| K. G. B. estava ao corrente disso. Agora, apuraram outro facto. A   hemorragia parou   e a ginecologista declarou-a curada e em condições de reatar as relações sexuais com o seu marido, dentro de cinco dias.

 

Dentro de cinco dias repetiu, inclinando a cabeça. Começo a compreender. A minha sósia precisa saber como eu e meu marido nos comportamos na cama.

 

Acertou.

 

Esboçou um sorriso divertido, mas readquiriu a expressão grave com prontidão.

 

Como deve calcular, não tenciono discutir o assunto, Não me interessa valer à vossa actriz no aperto em que se meteu.

 

Não a censuro.

 

. Ainda bem que compreende. Serei um espírito desinibido, mas não a esse ponto. Penso que certas coisas devem permanecer na intimidade.

 

Estou inteiramente de acordo. No entanto, isso levanta-me um problema. Consegui convencer Petrov a deixar-nos sós, insistindo em que obteria a sua colaboração se apelasse para o seu bom senso. Agora, tenho de lhe provar que o meu método é o mais indicado. Se o procuro de mãos vazias, pode   reatar o   interrogatório, com   consequências imprevisíveis. No seu próprio interesse e segurança, Mrs. Bradford, preciso fornecer-lhe algum elemento, ainda que não passe de uma migalha.

 

Que pretende de mim? indagou Billie, após uma

pausa.

 

Qualquer coisa, por insignificante que seja, desde que corresponda à verdade.

 

Ponderou a situação por momentos. Tudo indicava que Razin se exprimia com sinceridade. Se conseguisse’ provar que as suas maneiras obtinham resultados, Petrov não a incomodaria. Por outro lado, revoltava-a aludir ao comportamento sexual de Andrew diante de estranhos... não apenas estranhos, mas criminosos. Razin, apesar de ser um deles, manifestava um pouco de decência. Além disso, era meio americano. A opção não se podia considerar famosa, porém existia.

 

Por fim, optou por Razin e proferiu, em ton hesitante:

 

É um tópico embaraçoso, como deve concordar...

 

Não quero ouvir nada que a embarace apressou-se ele a afirmar. Apenas um pormenor qualquer que tranquilize Petrov.

 

Bem... meu marido... acho que posso revelar isto... meu marido não gosta do sexo... normal, nas nossas relações.

 

Pronto. Os bastardos passavam a dispor de alguma coisa Para se contentarem. Talvez bastasse para que não a molestassem.

 

Razin parecia satisfeito e deu-lhe uma palmada no braço, num gesto tranquilizador.

 

Obrigado. Sei   como   lhe deve ter custado. Mas é suficiente. Não precisa de acrescentar uma única palavra.

 

Agradeço a... a preocupação que manifesta por mim.

 

Farei tudo o que puder, para que não a incomodem mais, Mrs. Bradford. Confie em mim. bom dia.

 

O Força Aérea Um descolara da Base Andrews em Maryland, duas horas antes, e agora o gigantesco quadrimotor sobrevoava o Atlântico à altitude máxima, rumo a Londres e à Conferência Cimeira.

 

A um canto da espaçosa sala de reuniões na suite residencial de bordo, Guy Parker e a Primeira dama reclinavam-se em poltronas azuis, frente a frente, com o gravador sobre a mesinha entre ambos. Ele verificou se a cassette necessitava de ser substituída, mas o contador de voltas indicava que ainda restava uma quantidade de fita apreciável. Em seguida, voltou a acomodar-se e concentrou-Se na tarefa da recolha de mais material para a autobiografia di Billie Bradford.

 

Creio   que já   dispomos   de   elementos   suficientis.

 

Acerca do namoro com o Presidente e casamento. Comvém debruçarmo-nos agora sobre a vida em comum, mas primeiro gostava de saber mais das suas relações pessoais com ele até este ponto. Refiro-me a pequenas coisas na natureza íntima que mais ninguém conheça. Como se comportam do pequeno-almoço até à hora de irem para a cama!

 

Diga-me o que puder, o mais francamente possível. Mais tarde, poderá introduzir alterações ou suprimir passagens.

quando lhe apresentar as primeiras provas. Portanto, veja O que consegue recordar das intimidados que...

Interrompeu-se ao observar a expressão que ela exibia, como se algo a contrariasse profundamente.

 

Endoideceu, Guy? Em caso algum revelarei pormenores íntimos a meu respeito e de Andrew. Nem em sonhos. Pensava que isso tinha ficado assente desde o princípio.

 

Mas uma vez... começou ele, estupefacto. - volveu Billie, com firmeza. E não se fala no assunto.

 

__Não era minha intenção...

 

__ Por favor, não discuta comigo Extraiu um cigarro

Do maço em cima da mesinha. Passemos a outro assunto.

 

__Como queira. Parker ofereceu-lhe o isqueiro aceso reclinou-se na poltrona. A personalidade de seu marido, segundo a sua maneira de ver.

 

__A sua disposição e coisas do género?

 

O temperamento, variações do estado de espírito, etc. Deixe-me pensar um pouco...

 

Ela expeliu uma densa baforada e principiou a referir episódios relacionados com o Presidente, todos eles lisonjeadores e na sua maioria pueris, enquanto Parker escutava distraidamente e a fita ia deslizando no gravador.

 

Ele reflectia que se tratava de material destituído de interesse, banal. Em regra, Billie mostrava-se mais esclarecida sobre aquilo que se revestia de valor para figurar no livro. Continuou a falar durante dez minutos, enquanto Parker aguardava pacientemente a deixa que lhe permitisse reconduzi-la ao ponto em que começara a divagar.

 

Isso de o Presidente ser um cinéfilo entusiástico tem interesse interrompeu, por fim. Costumava andar com gente do cinema, salvo erro.

 

Sim, tinha alguns amigos nesse meio.

 

Creio que saía frequentemente com uma estrela popular, quando se conheceram. Se a memória não me atraiçoa, mais tarde convidou-a para uma festa em que ela se encontrava e apresentou-lha.

 

Não foi bem assim. Ele acompanhava de facto essa actriz de cinema, mas nunca nos encontrámos.

 

Tinha-me constado...

 

Não sei o que lhe constou, mas nunca nos vimos. A Primeira Dama levantou-se e espreguiçou-se. Basta, por hoje. Apontou para o quarto, com as duas camas individuais. vou deitar-ne por uma ou duas horas. Convém que nos apresentemos em Londres com o melhor aspecto possível.   Até logo.

 

Parker compreendeu que nada mais obteria de momento, Pelo que desligou o gravador e principiou a afastar-se.

 

Tentarei arranjar algum tempo livre para continuarmos, em Inglaterra prometeu ela.

 

Obrigado.

 

Ao abandonar a suite presidencial, ele afastou-se da área da frente do avião e, depois de atravessar o compartimento onde se encontravam os agentes do Serviço Secreto os quatro guardas da Segurança da Força Aérea e a enfermeira da Marinha, entrou no sector reservado ao pessoal da Casa Branca. Observou que uma das duas máquinas de escrever eléctricas estava disponível e ponderou se de via aproveitar a oportunidade para passar alguns apontamentos, mas desistiu. Faltava-lhe a disposição. Outros assuntos mais intrigantes lhe assolavam o espírito.

 

Olhou em volta e verificou que a maior parte dos lugares eram ocupados por membros da comitiva, que dormitavam ou liam. As cadeiras viravam-se umas para as outras, separadas por mesas, e num par delas encontravam-se o conselheiro Wayne Gibbs e o chefe do protocolo, Fred Willis, imersos numa partida de gin rummy. Logo a seguir, sentava-se Nora Judson, que escrevia afanosamente num bloco sobre a mesa, diante de uma cadeira vaga. Parker sentiu-se tentado a instalar-se nela, pois necessitava de desabafar com alguém da Ala Leste. Talvez a secretária de Imprensa não fosse a pessoa mais indicada para o escutar, devido à maneira como parecia evitá-lo e mostrar-se pouco comunicativa na sua presença, mas não se lhe deparava qualquer alternativa. Além de mais, gostava de lhe contemplar o busto.

 

Por conseguinte, sentou-se na cadeira diante dela, que continuou a escrever, sem erguer os olhos.

 

Importas-te que fume? perguntou ele.

Estamos num país livre foi a resposta seca. Parker puxou do cachimbo, encheu-o e aplicou-lhe um fósforo aceso da carteira que exibia o selo presidencial num dos lados e as palavras Força Aérea Um no outro. Em seguida, vagamente consciente do zumbido dos ventiladores, recapí-  

tulou a recente sessão com Billie, ao mesmo tempo que   enrugava a fronte com perplexidade.

Considerou a possibilidade de entabular conversa com o belo bloco de gelo na sua frente, mas mudou de ideias quando ela levantou a cabeça, para o olhar com estranheza.

Que mosca te mordeu? Não pareces contente. Há alguma novidade?

Sinto-me confuso. O interesse da rapariga encorajou-o. A tua Billie por vezes é desconcertante.

 

Que aconteceu? quis saber Nora, pousando o lápis   reclinando-se.

 

Acabo de ter uma sessão com ela e, quando sugeri que abordássemos a sua vida pessoal com o Presidente, parecia que a insultei. Negou-se terminantemente a discuti-la. Nem uma palavra. No entanto, repara nisto, no início dos trabalhos, há dois meses, uma das primeiras coisas que me disse foi que a analisaria livremente comigo, desde que, mais tarde, tivesse o ensejo de ler o resultado e introduzir as alterações que julgasse convenientes. Prometeu ir tão longe quanto possível para tornar o texto excitante e, ao mesmo tempo, recheado de um clima humano. Mas isso foi há dois meses. Agora, há meia hora, assumiu a atitude inversa e declarou-se incapaz de abordar o assunto, afirmando que eu era conhecedor do facto desde o princípio. Ele retirou o cachimbo da boca. Não achas estranho?

 

Não. Nora encolheu os ombros ligeiramente. Em dois meses, pode ter mudado de ideias.

 

Tão radicalmente? E reage como se nunca nos tivéssemos debruçado sobre o tema. Confesso que não compreendo. Já que conseguira captar o interesse dela, Parker decidiu continuar. Mas há mais. Vejamos se consegues explicar esta outra anomalia. Antes disso, declarei ter lido algures nas   minhas   pesquisas   que,   quando Andrew   Bradford   a conheceu, andava com uma artista de cinema muito popular na época, com a qual ela se tinha cruzado, numa festa. Pois, desmentiu o facto redondamente, apesar de haver afirmado o contrário, poucas semanas atrás. Insistiu em que nunca vira a mulher e impediu-me de continuar. Na verdade, não sei o que pensar de uma contradição dessas.

 

Tens as afirmações contraditórias gravadas? inquiriu ela, fitando-o com curiosidade.

 

Só a de hoje. A anterior não. Ao princípio, não gravávamos as conversas.

 

Portanto, baseias-te apenas na tua memória.

 

Ainda não estou senil asseverou Parker, enxofrado com a insinuação velada.

 

Mas és um ser humano e, nessa conformidade, sujeito a confusões momentâneas.

 

Não há confusão nenhuma. Ela contradisse-se clamorosamente. E já que estamos com a mão na massa, por assim dizer, vou referir-te outra coisa. Desde que regressámos de Moscovo, Billie comporta-se como uma pessoa diferente, no que se me refere. As nossas sessões costumavam ser um motivo de prazer. Ela mostrava-se comunicativa, alegre, espirituosa, mesmo. Agora, dá a impressão de que se limita a fazer um frete. Parece outra.

 

Deve ser cansaço. Repara em como o Presidente a obriga a andar numa roda-viva. Está arrasada, física e mentalmente.

Não pode ser só isso. Ele meneou a cabeça com veemência. Quase me convenço de que lhe lavaram o cérebro, durante a permanência em Moscovo. Podia dar! mais meia dúzia, de exemplos de incoerências recentes.

 

Não merece a pena. Recuso-me a ouvir mais, porra não passa de impressão tua. Simpatizo contigo sob vários aspectos, mas quando começas com as tuas suspeitas, tornas-te maçador. Aconselho-te a esquecer tudo isso antes de chegarmos a Londres. Cinge-te à realidade e à tua tarefa guarda os produtos da imaginação para um romance. Prometo adquirir um exemplar e até te pedirei o autógrafo. E agon desculpa, mas tenho de ir à casa de banho.

 

Era a noite das boas-vindas oficiais à Inglaterra, com recepção e banquete oferecidos pelo primeiro-ministro, Oudley Heaton, e esposa, Penelope, ao seu homólogo soviética Dmitri Kirechenko, e ao Presidente dos Estados Unidos!

 

Andrew Bradford, e respectivas esposas.

 

Vera reflectia que seria um dos serões mais excitante da sua vida, se não estivesse tão profundamente preocupada

 

A ideia de que, dentro de três noites, teria relações com o Presidente não lhe abandonava o pensamento um único instante. A menos que recebesse alguma informação dos seus contactos do K.G.B. nas próximas setenta e duas horas!

Aguardavam-na sérios aborrecimentos. O receio do desconhicido não a abandonava um só instante e aniquilava toda e qualquer perspectiva de prazer.

 

Quando pousaram no Aeroporto Northolt, na véspera, ela devia arder de antecipação. Nunca estivera em Londres, ao contrário de Billie Bradford, porém Alex preparara-a meticulosamente para o que se lhe depararia. Tratava-se de uma experiência que aguardara com ansiedade ao longo de todo o período de treino. No entanto, apesar da pompa e cerimonial

na área inundada de luz do terminal do aeroporto, apreensão não a largava um único momento.

 

Refugiada ao canto de um dos reluzentes Rolls-Royces, esforçou-se por parecer excitada e curiosa durante os vinte ?

e cinco quilómetros até ao West End londrino, todavia a preocupação íntima não se atenuara Quando o veículo entrou na Brook Street e se imobilizou diante da porta rotativa do austero e magestoso Hotel Claridae, Vera efectuou um esforço para manifestar interesse. No sumptuoso átrio, rodeada por agentes do Serviço Secreto e da Segurança inglesa, apenas teve Oportunidade de   um   relance em volta. À esquerda ficava a a Recepção, em frente um único elevador de aspecto requintado, à direita a entrada para uma sala onde várias pessoas tomavam bebidas ao som de uma orquestra de câmara e, ao fundo, um vasto espaço alcatifado com numerosas poltronas.

 

O gerente do hotel, de sobrecasaca, escoltou o Presidente e esposa ao primeiro piso e orientou-os para a sua esquerda, esclarecendo:

 

Destinámos-lhes a Royal Suite, evidentemente.

 

Uma vez transposta a entrada, apressou-se a mostrar-lhes as instalações. O vestíbulo servia de acesso à sala de jantar, em frente, e ao salão, à direita. Dirigiram-se para a primeira e ele bateu com os nós dos dedos no tampo da mesa, esclarecendo:

 

Regência autêntica. Há oito cadeiras, mas colocaremos mais, se desejarem. Apontou para a porta dupla com puxadores dourados. Comunica com uma suite suplementar de três quartos e duas salas, que convertemos em gabinetes de trabalho. Agora, permitam-me que lhes mostre os aposentos pessoais.

 

Outra porta dupla, esta aberta, franqueou-lhes o acesso à sala de estar da Royal Suite. Na verdade, era imponente, como Vera observou imediatamente. A seus pés, uma espessa alcatifa verde e, sobre a cabeça, um tecto de brancura imaculada com um único lustre. Havia duas poltronas uma verde e a outra vermelha e um sofá verde junto de um piano de cauda, «outrora pertencente a D’Oyly Carte, produtor das peças de Gilbert e Sullivan, além de presidente do nosso Grupo Savoy», segundo o gerente fez questão de salientar. As janelas altas permitiam a entrada de claridade a jorros durante o dia. Os olhos dela continuaram a contemplar o que a rodeava, enquanto seguia o homem, que abriu uma porta castanha perto da lareira.

 

O quarto.

 

Vera precedeu o Presidente, dominada por uma sensação indefinível. Havia duas camas individuais, lado a lado, cada Uma com mesa-de-cabeceira e candeeiro, numa das quais se viam dois telefones e na outra apenas um. A decoração era agradável, com predominância da tonalidade verde, com um toucador munido de um espelho triplo e dois candeeiros brancos. Na mesa a um lado, encontrava-se um tabuleiro que continha um balde metálico com gelo, uma garrafa de champanhe e taças. O Presidente pousou a mão numa das camas para experimentar a suavidade do colchão e inclinou a cabeça num gesto de aprovação, enquanto Vera tentava esboçar um sorriso.

A casa de banho era enorme e o mármore era o elemento que a constituía em percentagem mais elevada. Numa espécie de nicho, no lado oposto à sanita, encontrava-se o bidé.

A um canto, a banheira. Entre ambos, um lavatório duplo.

 

Vera decidiu que Tibério se sentiria à vontade em semelhamte ambiente.

 

Espero que tudo corresponda às vossas necessidades - proferiu o gerente, antes de se retirar.

 

Não podíamos desejar melhor assegurou-lhe Vera

 

Obrigada.

 

Exprimia-se com sinceridade, porém a beleza do que a circundava não aliviava a tensão que a assolava com persistência.

 

As palavras finais do gerente destinaram-se ao Presidente:

 

Recordo-lhe que a sua comitiva ocupará o resto do primeiro piso.

Em seguida, Andrew Bradford quis ver o seu gabinete de trabalho e confiou a Vera o cuidado de inspeccionar todo.

O piso, para se certificar de que não fora descurado qualquer pormenor. À meia-noite, com a ajuda de Sarah, ela acabara de desfazer as malas, após o que se foi deitar, imitada pelo Presidente. Isto acontecera na véspera.

 

Na maior parte do dia seguinte, enquanto o Presidente conferenciava com os seus conselheiros. Vera cumpriu um programa de visitas turísticas à cidade, acompanhada por anfitriões britânicos. Um número apreciável dos   lugares visitados Museu Britânico, Abadia de Westminster, breve pausa à entrada de Hotel Dorchester onde a delegação soviética estava instalada. Era conhecido de Billie Brad ford, da sua visita a Londres nos tempos de estudante e, mais tarde, como representante de relações públicas. Vera vira-se forçada a aparentar nostalgia, conquanto tudo fosse novo para ela e contribuísse para a distrair das reflexões tenebrosas.

 

Enquanto Sarah a auxiliava a vestir-se para o banquete, olhava as duas camas individuais com uma expressão apreenssiva, considerando-as o seu Waterloo. Pouco antes, sentada , entre o Presidente e o Secretário de Estado dos Assuntos Estrangeiros e Comunidade, o elegante lan Enslow, tentara prestar atenção aos pontos de interesse histórico que este ia indicando,  à medida que a limusina deslizava nas proximidades.

 

Em dado momento, o carro teve a ampla vista de Whitehol, na sua frente, enquanto ele perorava:

Adiante, na esquina à esquerda, ergue-se o edifício

 

De três pisos que constitui a Casa de Banquetes. A seguir, cortaremos para a Horse Guards Avenue. A entrada imponente é utilizada para eventos sociais de maior importância. o recinto nas traseiras serve de parque de estacionamento dos transportes de comida. Por estranho que pareça, a Casa de Banquetes não dispõe de cozinha. No entanto, as iguarias servidas são de alta qualidade. A limusina acabava de enveredar pela Horse Guards Avenue, quando ele soltou uma exclamação de contrariedade. A multidão, com a breca! Londres em peso deve estar à espera da atracção principal do programa: o senhor Presidente e sua encantadora esposa.

 

Detiveram-se na extremidade do corredor formado por dois cordões da Polícia Metropolitana, que se prolongava até à porta. Os numerosos espectadores, mantidos à distância por um segundo cordão de bobbies, exerceram pressão para a frente, a fim de verem melhor as celebridades internacionais. O primeiro-secretário britânico apeou-se com prontidão e ajudou Vera a seguir-lhe o exemplo, enquanto dezenas de fotógrafos procuravam as posições mais favoráveis para captar a Primeira Dama e o Presidente.

 

Depois de transpor um pequeno átrio verde decorado com flores, Vera encontrou-se numa sala um pouco mais espaçosa em que se via um pedestal com um busto de bronze de Jaime i. Enquanto os homens despiam os sobretudos e ela confiava o casaco de vison a um empregado, Enslow indicava a ampla escadaria de pedra que conduzia ao salão da Casa de Banquetes, e principiaram a subi-la, com Vera no meio do pequeno grupo.

 

Nunca tinha estado aqui? perguntou Enslow. E um velho celeiro muito impressionante, concebido por Henrique VIII para Ana Bolena. Foi construído e reconstruído numerosas vezes. No entanto, o Salão de Banquetes básico deve-se ao génio criador de Inigo Jones, durante o reinado de Jaime i. Duvido que lhe sobre tempo para visitar todas as instalações, Mrs. Bradford, de contrário recomendo que não Perca as pinturas de Rubens no tecto. São um total de nove, encomendadas pelo rei Carlos, quando o pintor visitou Londres em missão diplomática. Todo o salão de trinta metros de comprimento foi remodelado expressamente para o memorável momento desta noite. Cá estamos, no patamar.

 

Espreitemos. O primeiro-ministro já se encontra à espera para a reunião, assim como o seu homólogo soviético.    

Permanecendo entre os agentes da Segurança Britânica, que formavam uma cunha à frente, e os dos Serviços Secretos dos Estados Unidos atrás, Vera tentava manter o equilíbrio e atitude imperturbável, enquanto se dirigiam para a ária do salão separada do espaço destinado aos banquete por meio de uma elevada divisória, a fim de servir de sala de recepção. Avançou por entre as duas colunas brancas gigantescas, ouviu a orquestra tocar na varanda e viu-se subitamente rodeada de pessoas.

O anfitrião e anfitriã o primeiro-ministro Heaton, com um sorriso oficial no rosto redondo e pálido, e a elegante esposa, alguns centímetros mais alta aguardavam. Vera recordou-se de que BilIe Bradford os conhecera no Verão anterior, numa recepção em sua honra, na Casa Branca tentou evocar as informações fornecidas por Alex. Heaton estudara em Harrow, o Balliol College, era Conservador, frequentava o Clube Charlton, para o inevitável cálice de xerez! e lia The Times. No instante imediato, apertavam as mãos e o primeiro-ministro manifestou profundo prazer por a voltar a ver em Londres.

O recinto estava apinhado de convidados e o nível sonoro excedia o de trezentas gralhas em vozearia simultânea. Segurando a carteira com uma das mãos e o braço do Presidente, com a outra, Vera foi atraída por Enslow para a multidão de pessoas trajadas a rigor. Havia apresentações quase constantes e começavam a doer-lhe os cantos da boca e as faces de tanto sorrir. A mais importante constituiu a do primeiro-ministro Kirechenko, com a esposa, Ludmina. Vera notou que ele não apresentava um aspecto muito proletário. O longo rosto aristocrático, óculos sem aros, barba pontiaguda irrepreensível e sobrecasaca conferiam-lhe a aparência de um ministro czarista abastado. A rotunda companheira, num vestido de seda horrível, parecia mais gorda que nunca,

Vera teve de se advertir intimamente de que, na sua qualidade de Primeira Dama, Billie Bradford, nunca fora oficialmente apresentada a Kirechenko, ao passo que se avistara com Ludmila recentemente, na Reunião Internacional das Mulheres, em Moscovo. Verificou que o Presidente e o primeiro-ministro   soviético   entabulavam   conversa   imediatamente, enquanto ela e a mulher pouco tinham para dizer, pois esta última apenas conhecia algumas palavras soltas de inglês Que Billie Bradford não falava russo. Um homem de aspecto possante, nariz abaulado e fato azul-escuro destacou-se ao lado de Dudmila, que, sorrindo, o apresentou no seu idioma. Como Bilhe faria no seu lugar, Vera encolheu os ombros, como se não compreendesse, embora ficasse sabendo que se tratava de Yankovich, um dos guardas pessoais das duas importantes figuras soviéticas, sem dúvida do K.G.B.

 

Ela e o Presidente não tardaram a reatar o circuito por entre os convidados, com novas apresentações, na sua maioria esquecidas com prontidão. Não obstante, uma causou certa impressão: Mwami Kibangu, Presidente do Boende. Segundo as informações de Vera, não passava de um mero instrumento dos capitalistas, porém verificava agora que era um indivíduo inteligente, culto e bem-humorado. Na realidade, não pôde deixar de simpatizar com ele. Quando se separavam, ela observou com um sorriso malicioso:

 

Agora, tenho de conhecer Nwapa. Onde está? Kibangu e Bradford soltaram gargalhadas divertidas, contudo este último apertou o braço de Vera e murmurou:

 

Cuidado com o que dizes. Oficialmente, Nwapa não existe, embora esta reunião o tenha bem presente.

 

Pouco depois, o Presidente foi separado dela para ser apresentado a um ministro do Gabinete britânico e Vera viu-se só no meio da multidão. Aceitou uma taça de vinho branco de um criado de libré e aproximou-se de uma mesa para obter uma dose de caviar.

 

Nesse momento, apercebeu-se, pelo canto do olho, de que Ludmila Kirechenko também se encontrava só, sentada num sofá, provavelmente por sentir os pés cansados. Tratava-se de uma oportunidade rara. Tudo indicava que não conseguira convencer o K.G.B. de que a sua ignorância total da vida sexual de Billie com o Presidente comprometia seriamente o êxito do projecto. Deparava-se-lhe, pois, o ensejo de passar por cima do K.G.B. e contactar directamente com os dirigentes da nação. Uma palavra de advertência a Ludmila Kirechenko faria com que o assunto chegasse imediatamente aos ouvidos do primeiro-ministro, o qual, por seu turno, pressionaria Petrov para a auxiliar sem demora ou cancelar a operação.

 

Vera principiou a desviar-se lentamente da mesa dos hors d’oeuvres e encaminhou-se para junto da pessoa que a poderia salvar, sentando-se no sofá ao lado da esposa de Kirechenko, a qual pareceu surpreendida e, em seguida, encantada. Vera olhou em redor para se certificar de que não havia ninguém nas proximidades e murmurou:

 

Preciso da sua ajuda. Diga a seu marido que... ínterrompeu-se   ao   recordar que   Ludmila   Kirechenkoh quase não entendia uma palavra de inglês e apressou-se enveredar pelo russo, principiando a explicar a situação difícil em que se achava. No entanto, antes que pudesse completar a segunda frase, a outra inclinou-se para ela ar apreensivo e recomendou:

Não fale russo. Lembre-se que não domina o idioma

É perigoso. E levantou-se abruptamente, para se perder entre a multidão.

Vera sentiu-se desolada, reconhecendo que a mulher tinha razão. As pessoas em apuros entregavam-se a actos de desespero. Julgava-se abandonada e compadecia-se da sua sorte. De repente, teve consciência de que se encontrava alguém atrás do sofá: o guarda-costas do K.G.B., Yankoviáj que se postara ali como medida de precaução, quando elas tinham começado a conversar. Dirigiu-lhe um sorriso embaraçado, todavia ele já voltava as costas e seguia a esposa de Kirechenko.

A seguir, Vera observou que os convidados se moviam para a porta de acesso ao salão de banquetes, que acabava de ser aberta. Ao mesmo tempo, avistou o Presidente, ao lado de Kibangu, fazendo-lhe sinal, e apressou-se a reunir-se-lhe, em direcção à porta.

 

A Primeira Dama americana e a sua homóloga sovíética formavam um quadro enternecedor, sentadas lado a lado. De que falavam?

 

De nada. Foi um diálogo verdadeiramente de surdas. Ela compreende tanto o inglês como eu o russo. Não faço a menor ideia do que me disse.

 

Talvez venhamos a saberadmitiu Bradford, sorrindo. Baixando a voz, acrescentou: Temos agentes espalhados pela sala, como eles, sem dúvida. Faz parte do jogo.

 

Queres dizer que há alguém dos nossos que se finge russo? Ela experimentou um estremecimento de excitação, enquanto transpunham a porta do salão de banquetes. Não acredito.

 

Não? Vês aquele russo de cabelo liso e nariz comprido, que conversa com a patroa de Kirechenko?

 

Voltou-se na direcção indicada e deparou-se-lhe Yankovich, que trocava algumas palavras com Ludmila Kirechenko.

 

Referes-te ao guarda-costas soviético?

 

Ao suposto guarda-costas soviético corrigiu o Presedente, num murmúrio. O M16 britânico conseguiu instalá-lo lá, há uns anos. E agora, deixemos isso e vamos comer.

 

No entanto, Vera sentia-se dominada por espasmos de terror difíceis de dissimular.

 

Dirigira-se à esposa do Primeiro-ministro soviético em russo. Ela, a Primeira Dama americana que, supostamente, não sabia proferir uma palavra daquele idioma, fizera-o abertamente, alheia ao facto de que um agente britânico se aproximara e podia ter ouvido! Fora uma imprudente, sem desculpa possível. Se Yankovich informasse os ingleses, estaria perdida. Existiam fortes possibilidades de haver cometido um erro fatal.

 

Voltou a olhar para lá e verificou que o agente se afastava de Ludmila Kirechenko.

 

Parece que ficamos aqui ouviu, distraidamente, o Presidente dizer.

 

Sentou-se com lentidão, ao mesmo tempo que ponderava com desespero como conseguiria superar a perigosa situação. O primeiro-ministro Heaton sentava-se à sua esquerda e de momento transmitia instruções ao empregado incumbido das bebidas. À sua direita, o Presidente já encetara conversa coin Kibangu. Ignorando a mousse de salmão escocês na sua frente, Vera reconhecia que devia actuar imediatamente, para evitar uma catástrofe.

 

O mais dissimuladamente possível, impeliu a cadeira para trás, levantou-se e regressou à sala de recepção, onde se encontravam apenas alguns retardatários prestes a ocupar os seus lugares à mesa. À esquerda, descortinou Yankovich que se encaminhava para a escada. Cada vez mais alarmada, olhou em volta, para tentar descobrir alguém susceptível de lhe valer e, entre os retardatários, avistou um dos colaboradores de Petrov, o coronel Zhuk.

 

Diligenciou conservar-se calma ao aproximar-se. No momento em que os seus olhares se cruzaram, ela fez um pequeno sinal para que a seguisse e afastou-se em direcção ao patamar. Quando alcançou a porta, Zhuk precedeu-a e abriu-a num gesto cortês.

 

Vera sabia que o contacto devia ser rápido e natural, Pois era a Primeira Dama americana e ele um oficial da Segurança russa, que aparentemente quase não conhecia.

 

Obrigada articulou com suavidade. Aquele que vai a descer a escada..

 

Yankovich?

 

É um agente britânico informou com um sorriso formal. Ouviu-me falar em russo com a esposa de chenko.

 

Um agente britânico? Tem a certeza?

 

Ouvi-o dos lábios do Presidente.

 

Volte para dentro. Zhuk retribuiu o sorriso, mas os olhos exibiam uma expressão cruel. Não deixe transparecer a menor agitação. Eu resolvo o assunto... se não for demasiado tarde. É principiou a descer a escada apressadamente.

 

A orquestra do salão de banquetes acabava de interpretar uma   composição em voga, quando Vera   regressou sentindo-se alvo da curiosidade geral. No instante em que se sentou, o primeiro-ministro Heaton, que prestara atenção as palavras de Ludmila Kírechenko, traduzidas pela intérprete, inclinou a cabeça e levantou-se para propor um brinde. Vera voltou-se e notou que o Presidente a observava com uma ponta de perplexidade.

 

Do que se passou a seguir, não conseguiu recordar

Um único pormenor, mais tarde.

 

As horas imediatas a refeição, com o seu cordeiro assado, conversa e música sucederam-se numa aura de confusão. Ela reagia a tudo como um autómato. O lapso   momentâneo   e   auto-recriminação   flagelavam-lhe a cabeça. Tratava-se de um temor novo, e o perigo de ser desmascarada a todo o instante sobrepunha-se à perspectiva das relações sexuais com Andrew Bradford, dentro de poucos dias. Estas distavam ainda três noites, ao passo que a possível denúncia   de Yankovich pairava   à sua volta naquele momento.

 

O banquete parecia prolongar-se eternamente, porém Vera mantinha-se alheia a quase tudo o que a circundava!

 

Porém, cerca da uma da madrugada, regressaram à primeira midade da suite no Hotel Claridge. A porta acabava de Se fechar atrás deles e ela ainda não tivera tempo de despir o casaco de vison, quando o Presidente se lhe dirigiu.

 

Que mosca te mordeu? rugiu, o rosto congestionado de   cólera.

 

Não... não sei ao que te referes. Vera ouvira falar das suas explosões ocasionais, mas assistia a uma pela primeira vez e sentia-se impressionada. ”

 

Sabes perfeitamente volveu ele, arrancando o laço com um movimento brusco. Desapareceste no início do jantar, sem dizer uma palavra. Nunca tinhas procedido assim.

 

Foi uma deplorável manifestação de más maneiras. Não são coisas que se façam, em especial aos ingleses. Não o pude evitar. Tive de ir à casa de banho. __ Foste lá pouco antes.

 

__ Não era para isso. Ela esforçava-se por recobrar a presença de espírito. Estava mal disposta, agoniada. Talvez fosse da excitação.

 

Podias ter tentado aguentar-te.

 

Era óbvio que a irritação inicial passara e ele começava já a pensar noutra coisa.      Lastimo profundamente, Andrew.

 

Não se fala mais nisso resmungou, enquanto tentava retirar os botões de punho.

 

Deixa-me ajudar-te.

 

Não é necessário. Vai-te deitar, que estás cansada. Despiu a camisa, que largou numa cadeira e, de tronco nu, fechou-se na casa de banho.

 

Vera tirou as jóias e principiou a despir-se, reflectindo que devia prestar a máxima atenção a todos os seus movimentos. O Presidente achava-se enervado, preocupado com a Cimeira. Provavelmente, avaliara o calibre de Kirechenko e concluíra que a conferência se desenrolaria em clima tenso. No entanto, não estava apreensivo ao ponto de lhe passar despercebido um lapso da companheira.

 

Se o seu actual estado de espírito persistisse, era quase impossível que trocasse impressões com ela sobre os planos da delegação americana. Quase impossível, à parte num pormenor a favor de Vera. O reatamento das relações sexuais dentro de três noites. Isso poderia desencadear uma certa tendência para as confidências. Ela, por seu turno, precipitara-se, naquela noite. Fora ingénua em supor que não haveria agentes duplos na recepção. Assim, expusera-se desnecessariamente e as consequências poderiam atingi-la a todo o instante. Ao’mesmo tempo, não deixava de ponderar o paradoxo: arriscava-se a ver rolar a cabeça... porque a perdera.

 

Depois de se despir na sala contígua, entrou no quarto e verificou que Andrew ainda não reaparecera, continuando fechado na casa de banho, e perguntou-se se devia esperar Por ele. Na realidade, não queria voltar a falar-lhe nessa noite, pelo menos enquanto estivesse mal-humorado.

 

Por conseguinte, ingeriu o habitual comprimido para dormir e meteu-se na cama.

 

O sono não surgiu imediatamente, como desejava, e conservou-se deitada, de olhos abertos durante dez minutos, tentando reflectir. Quando ouviu a porta da casa de Banho abrir-se, cerrou as pálpebras e fingiu que dormia.

 

depois, ele apagou a luz e as molas da outra cama rangeram.

 

Vera supôs que acabara por adormecer, pois o som imediato que lhe acudiu aos ouvidos foi o retinir insistente de um dos telefones da mesa-de-cabeceira do Presidente

 

Este acordou sobressaltado, soergueu-se, acendeu»a luz e estendeu a mão para o auscultador. ”!

 

Estou... Sim, o próprio. Escutou por uns momentos.

 

Quem?... Heaton, a estas horas?... Está bem. vou atender.

Cortou a ligação, e enfiava o roupão quando se aperciBeu de que ela acordara. É o Prímeiro-Ministro Heaton que quer que utilize a linha directa do meu gabinete. Não te preocupes, dorme.

 

Todavia, perfeitamente lúcida, Vera viu-o encaminhar-se para a porta de comunicação com a outra suite, onde se situava o gabinete privativo.

 

Que razão levaria o Primeiro-Ministro britânico a telefonar ao Presidente americano às três e um quarto da madrugada? Ela preferiu não se entregar a conjecturas, consciente de que não chegaria a qualquer resultado tranquilizador!!

 

Escoaram-se oito minutos antes de Andrew reaparecer e apressou-se a interrogá-lo.

 

Há alguma novidade?

 

Se há! Ele despiu o roupão e sentou-se na beira da outra cama, com uma expressão pensativa. O nosso melhor agente na delegação russa acaba de ser encontrado morto.

 

Morto?!

 

A Scotland Yard retirou o corpo do Tamisa, há cerca de meia hora. Foi apunhalado várias vezes.

 

Que horror! Trata-se de roubo?

 

Não parece. Conservava o dinheiro e documentos. Tudo indica estarmos em presença de um crime político,  

 

Um dos nossos agentes?

 

Britânico, mas dos nossos, sim. Os ingleses recrutaram-no em Moscovo, há uns anos, e veio com a delegação soviética, como guarda-costas de Ludmila Kírechenko. E estava na recepção desta noite. Não to indiquei? Confesso que não me recordo. Chamava-se Yankovich. O Presidente abanou a cabeça. É uma perda importante. A Cimeira não Principia da forma mais auspiciosa. Apagou a luz e enfiou-se entre os lençóis. Quem o teria denunciado? Bocejou.

 

Bem, durmamos. Boa noite, Billie.

 

___Boa noite, querido.

 

só transcorridos alguns minutos, quando o ouviu roncar, se atreveu a reflectir no que acontecera.

 

A violência envolvida fazia-a tremer de pavor.

 

por fim, voltou-se para o seu lado e afundou a cabeça na almofada.

 

Entretanto, sentia-se segura. Pelo menos, durante mais três dias. Até aquilo se lhe afigurava agora menos ominoso. A K.G. B protegera-a, como Alex prometera, e não deixaria de tornar a intervir.

 

Embora o Presidente, a Primeira Dama e grande parte do pessoal da Casa Branca se encontrassem ausentes em Londres, Isobel Raines tivera um dia invulgarmente cansativo, pois o consultório do Dr. Rex Cummings fora visitado por numerosos doentes e ela, na sua qualidade de única enfermeira, vira-se forçada a fazer horas extraordinárias.

 

Agora, ao conduzir o seu BMW para o caminho de acesso a sua casa em Bethesda, reconhecia que dispunha de pouco tempo. Combinara jantar com duas amigas num restaurante de Georgetown e não queria chegar atrasada. Encantavam-na particularmente aquelas reuniões mensais, durante as quais ingeriam umas bebidas prévias e trocavam impressões sobre a vida e o futuro, e não desejava perder pitada. Estava convencida de que, se se apressasse, ainda poderia tomar banho antes de seguir para lá.

 

Arrumou o carro na garagem, aplicou o travão manual, desligou a ignição, e no momento em que estendia a mão para o puxador da porta, descortinou algo de estranho no espelho retrovisor. Pouco antes, apercebera-se de um Ford com dois indivíduos estacionado diante de sua casa, mas não lhes prestara atenção por supor que aguardavam alguém.

 

No entanto, equivocara-se. O espelho retrovisor indicava-lhe agora que eles ou um, pelo menos a esperavam.

 

com efeito, um saiu do Ford, cruzou a rua e aproximou-se da garagem. Era alto, corpulento, de bigode e óculos escuros. A medida que se acercava da retaguarda do BMW, cada vez maior no espelho, Isobel perguntou-se se se trataria de um assalto. Contudo, parecia pouco provável, pois ainda era dia e circulavam várias pessoas nas proximidades. Não obstante, conservava os olhos colados ao espelho com fascinação. Na verdade, o homem afigurava-se-lhe familiar e, de súbito, reconheceu-o.

 

Gaita! exclamou.

 

Começou a abrir a porta do carro para se escapar, porém ele já entrara na garagem e principiava a abrir a do outro lado.

 

Sugiro que permaneça sentada, Miss Raines indicou com naturalidade. Queria ter uma breve conversa consigo e aqui dentro está-se mais à vontade.

 

Agora, não pode ser retrucou ela, estendendo um pé para fora. Estou com muita pressa. Deixe-me em paz.

 

São só uns minutos tornou o homem, sentando-se calmamente a seu lado.

 

Repito que...

 

Deixe-se estar, Miss Raines. Isobel hesitou por um momento e reconheceu a inutilidade de resistir. Teria de o enfrentar, mais cedo ou mais tarde. Por conseguinte, reclinou-se no assento e fechou a porta.

 

Que mais pretende? inquiriu, irritada. Da outra vez, prometeu não voltar.

 

Lamento faltar à palavra, mas é necessário. Pediram-me que obtivesse determinada informação de si. Assim que a conseguir, partirei, sem mais aborrecimentos. Garanto-lhe que não tornarei a importuná-la.

 

Ouvi essa cantiga noutra ocasião. Quem diabo é   você?

 

Isso não   interessa redarguiu   Grishin. A única coisa que a deve preocupar é o que sei.

 

Na realidade, ela estava perfeitamente ciente do que ele sabia. A antiga ligação com Da Costa, em Detroit. A sua actual posição, na Casa Branca. As actividades ocasionais na cama com o Presidente Bradford. As duas anteriores submissões a chantagem.

 

De qualquer modo, aquilo não podia continuar. O homem e o comparsa representavam um país estrangeiro, como calculara desde o princípio, embora ignorasse qual... ou talvez não. Todavia, desconhecia a finalidade de todas aquelas visitas. Uma coisa era certa. Não podia continuar a trair o Presidente.

Veio, pois, para mais uma operação de chantagem observou, por fim.

Apenas procuro a sua cooperação.

 

Decidi não cooperar mais. Estou farta disto. Nunca mais tem fim. Sei que não me deixarão sossegada. Portanto, mais vale que lhe ponha cobro imediatamente. Divulgue o que lhe apetecer do meu passado. O pior que me pode acontecer é perder o emprego, mas arranjarei colocação noutro lugar. Há grande falta de enfermeiras qualificadas. Além disso, contactarei com o F.B.I.

 

Não lho aconselho, Miss Raines. A voz dele dir-se-ia conter uma ponta de pesar. A sua saúde não tardava a ressentir-se disso. Fez uma pausa. Quanto a divulgar o seu passado, a ideia nem me passou pela cabeça. Ninguém pretende   aniquilá-la.   Reconsidere,   por   favor.   Garanto-lhe (desta vez, a sério) que não me voltará a ver. Responda a uma pergunta simples e ficará tudo arrumado.

 

Isobel hesitou. Ele parecia sincero e se colaborasse, talvez não a importunasse mais. No fundo, dependia do que pretendia dela.

 

Muito bem. De que se trata?

 

Trata-se. . Grishin procurou a maneira mais delicada de expor a questão .. dos hábitos de alcova do Presidente.

 

Ainda não se cansou de insistir na mesma tecla? retorquiu ela, agastada. É a terceira vez, que diabo!

 

Preciso saber mais.

 

São coisas muito íntimas, que não desejo ventilar. De qualquer modo, não se podem explicar.

 

Vejamos se consigo facilitar-lhe a tarefa, Miss Raines. Deixe-me pôr a questão de outra forma. Alguém nos revelou que o Presidente não gosta... enfim, para não estar com rodeios, detesta as práticas sexuais normais.

 

Ela tinha dificuldade em acreditar no que ouvia e, de súbito, soltou uma gargalhada divertida.

 

Quem... balbuciou,   tentando   dominar   a   hilaridade ...quem lhes vendeu essa?

 

Não importa. Porque ri?

 

Porque   não   corresponde   à   verdade explicou, levando o lenço aos olhos.

 

Não?

 

Sem dúvida. Ele é direito como uma seta, nessas coisas   Compreende? Direito.

 

Quer dizer?...

 

Sabe-o bem. E agora desampare-me a loja.

 

Obrigado,   Miss   Raines. Grishin   abriu   a porta   e abandonou o carro, com visível satisfação.

 

Isobel viu-o afastar-se pelo espelho retrovisor e aguardou que o Ford desaparecesse na esquina. Em seguida, saiu do BMW e encaminhou-se para casa. Agora, já não tinha tempo de tomar banho.

 

Na sala da suite do Kremlin, em Moscovo, Billie Bradford

 

sentava-se no sofá, pernas dobradas sob o corpo, tentando ler uma edição em inglês, impressa na U. R. S.S., obra A Voz da Selva, de Jack London. O tema não lhe interessava particularmente, mas escolhera o livro para passar o tempo até ao jantar, dentro de duas horas.

 

Advertida pelo ruído da chave na fechadura da porta da entrada, ergueu os olhos e avistou Alex Razin. Acto contínuo, fechou o volume, pô-lo de lado e pousou os pés no chão. Embora continuasse a incluir o recém-chegado entre os inimigos, concedia-lhe certas reservas. No fundo, simpatizava com ele. Era a única pessoa decente com que contactara desde o início do cativeiro. Por outro lado, ansiava por companhia humana.

Como se sente hoje,   Mrs. Bradford? perguntou Razin, pousando um maço de jornais na mesa e aproximando-se dela.

 

Frustrada e um pouco aborrecida.

 

É natural. Acompanha-me numa bebida? Uma bebida em comum passara a fazer parte da sua rotina diária, ao fim da tarde.

 

com certeza. Uma dose dupla para mim, por favor. Ele dirigiu-se ao aparador, verteu scotch num copo e vodka noutro e perguntou:

 

Esteve entretida, durante o dia?

 

Até certo ponto. Foi muito deprimente.

 

Em que sentido? insistiu, entregando-lhe o uisque e levando o seu copo aos lábios.

 

Sente-se aqui. Billie deu uma leve palmada no sofá a seu lado. Escute o meu rosário de infortúnios.

 

Foi assim tão mau? .

 

Comecei por ouvir o noticiário da rádio em inglês, Na sua maioria, abordava as actividades de meu marido e do primeiro-ministro Kirechenko no primeiro dia de visita a Londres, o banquete oferecido pelo primeiro-ministro britânico, alguma especulação política acerca da Cimeira e do Boende e pormenores a respeito de um guarda-costas soviético encontrado a flutuar no Tamisa, com o corpo coberto de punhaladas.

 

Infelizmente, é verdade.

 

Nem uma palavra sobre a Primeira Dama, à parte o facto de que acompanhou o Presidente ao banquete. A seguir, vi a gravação das notícias na TV. Aí, eu recebia atenção especial, deslumbrante pelo braço de Andrew, em Whitehall, quando entrávamos na Casa de Banquetes. Billie fitou Razin com intensidade. Sabia que a descarada impostora levou o arrojo ao ponto de usar o meu último vestido de noite confeccionado por Ladbury? Apeteceu-me estrangulá-la. E toda aquela multidão a aclamá-la com entusiasmo! Não consigo entender como se consegue safar. Nem meu marido se dá conta do logro! Sabe uma coisa, Alex?... Desculpe tratá-lo assim. Bem, o melhor é chamar-me também Billie... se porventura sou a verdadeira.

 

Pois sim, Billie.

 

Como dizia, fiquei com uma sensação de desespero, como se não existisse. Como se me tivesse tornado uma... não-pessoa. Dá a impressão de que ninguém se apercebe da minha presença na face da Terra. Ninguém precisa de mim ou sente a minha falta. Admira-se que esteja deprimida? Nem faz uma ideia... Ela interrompeu-se e os olhos marejaram-se.

Impressionado, ele rodeou-lhe os ombros com o braço, num gesto instintivo, empenhado em a reconfortar.

 

Compreendo perfeitamente o que sente murmurou, ao mesmo tempo que recolhia o braço com prontidão. Bebamos.

 

Levaram os copos aos lábios e conservaram-se silenciosos por um momento.

 

Finalmente, Razin pousou o seu e, parecendo concentrado no vinco das calças, ao longo do qual fazia deslizar o polegar e o indicador, declarou:

 

Queria discutir uma coisa consigo, mas a disposição com que está não é a mais encorajadora.

 

Já passou. De que se trata?

 

Não o devia abordar, mas há necessidade absoluta.

 

Explique-se, de uma vez urgiu Billie, impaciente.

 

Recorda-se de, o outro dia, me ver obrigado a perguntar-lhe   como   seu   marido   se   comportava   na   cama? Custou-me fazê-lo, mas reconheceu a conveniência de responder e elucidou-me. Como sabe, tive de o repetir a Petrov.

 

Decerto.

 

Na verdade, a informação não lhe interessava particularmente, No fundo, era uma maneira de pôr à prova a sua sinceridade. Em seguida, o K. G. B. recorreu a outras fontes, nos Estados Unidos, para se certificar. Lamento dizer-lhe que o resultado foi negativo. Em suma, mentiu acerca de seu marido.

 

Isso   é   simplesmente   ridículo! vociferou   ela.

 

Quais outras fontes? Quem pode estar ao corrente de cono ele procede comigo na intimidade?

 

Não a posso elucidar, porque não sei. Não me compete aprofundar as formas de proceder do K. G. B.

 

Não podiam recorrer a pessoa alguma para obter um informação dessa natureza volveu, como se reflectisse em voz alta. Só se descobriram qualquer mulher com a qual Andrew teve relações antes de casar. Ou então julgam que encontraram uma amante actual. Não é possível. Ou talvez seja. Não sei. Em todo o caso, mesmo que exista, isso não significa necessariamente que se comporte do mesmo modo com ambas. Não concorda? Estão loucos.

 

Não sei que lhe diga. Razin ergueu as mãos nunj gesto conciliador. Apenas lhe posso revelar, sem o conhecimento deles, que estão convencidos de que mentiu e, não merece confiança nesse assunto, nos outros tão-poucoi Preocupo-me o suficiente consigo para a prevenir do qui deve esperar. Para a obrigarem a mudar de atitude, eles podem decidir castigá-la.

 

Castigar-me? articulou   Billie,   com   incredulidade.

 

Quando querem, são implacáveis.

 

Em que sentido?

 

Sei de casos em que os suspeitos são interrogados interminavelmente e, se persistem no mutismo, começam! por os privar de alimentos. Se a resistência continua, torturam-nos. Custa-me falar nisto, mas...

 

Acha que me torturarão, apesar de quem sou?      

 

Isso não os deterá. Imagine que lhe arrancam as unhas, queimam partes do corpo mais sensíveis, chicoteiam,! fracturam membros... Garanto-lhe que não olham a meios para alcançar os, seus fins. São capazes de tudo para que um prisioneiro aprenda a lição e diga a verdade.

 

Pensa que me fariam tudo isso? murmurou, impressionada.

 

Se encontrarem motivos.

 

Que posso fazer, Alex? Ele dirigiu-se à telefonia, ligou-a, rodou o botão de sintonia até captar uma estação que transmitia música, regulou o volume do som para o máximo e voltou a sentar-se ao lado dela.

 

Que pode fazer? Nada... excepto, talvez, confiar em i mim. Não permitirei que a torturem. Estimo-a demasiado para que isso aconteça. Somos, até certo ponto, compatriotas.

 

Se me ajudar, pode ter a certeza de que não se arrepende.

 

Decidi correr o risco. vou auxiliá-la a fugir.

 

Dominada pela emoção, Billie abraçou-o espontaneamente, beijou-o nas faces e proferiu uma torrente de palavras de gratidão, enquanto Razin, embaraçado, tentava repeli-la.

 

Deve compenetrar-se do perigo... para ambos continuou. Se formos apanhados e provarem o meu envolvimento, perderei a vida e, no seu caso, decerto preferirá a morte ao destino que lhe reservarão.

 

Pela parte que me toca, é-me indiferente afirmou ela, sem hesitar. Só a sua sorte me pode...

 

Não se preocupe comigo. Ele fez uma pausa. Está disposta a correr o risco?

 

Absolutamente.

 

Muito   bem. Levantou-se   com   ar   decidido. Já concebi um plano.

 

Para quando? quis saber Billie, imitando-o.

 

Amanhã. Entretanto, descanse tanto quanto puder. Vista a roupa mais andrajosa que tiver e use sapatos de salto raso. Esteja preparada, a esta hora.

 

Razin começou a mover-se para a porta e, no momento em que a alcançou, ela acercou-se, pousou-lhe as mãos nos ombros e olhou-o fixamente.

 

Porque faz isto, Alex?

 

Porque a amo replicou ele, sem desviar a vista, e desapareceu.

 

A conferência de Imprensa realizava-se numa sala contígua ao átrio do Hotel Claridge. Nora Judson convidara vinte e quatro dos editores, articulistas e repórteres mais influentes de Londres e não se registava uma única ausência, sentando-se em semicírculo, enquanto Billie Bradford os enfrentava num pequeno estrado. Um pouco atrás dela, encontrava-se instalada Nora, que sorria, ao mesmo tempo que, num bloco-notas atribuía uma classificação entre 1 e 10 às respostas da Primeira Dama a cada pergunta.

 

Até àquele momento, tudo se desenrolara da forma mais satisfatória, num clima de à-vontade e cordialidade. Ao longo de dois anos, os órgãos da Informação ingleses haviam-se mostrado entusiásticos acerca da esposa do Presidente americano e agora, ao inteirarem-se pessoalmente da simpatia que irradiava, o entusiasmo convertia-se em adoração.

 

A sessão principiara há quarenta e cinco minutos e, segundo a tabela de Nora, Billie obtivera entre 9 e 10 valores nas respostas proferidas.

 

Afortunadamente, a Primeira Dama estava bem instruída acerca da natureza das perguntas que devia esperar, pelo que ainda não fora apanhada desprevenida. Nora esquadrinhou as páginas que inscrevera a totalidade e confirmou que só havia motivos para satisfação. Era a primeira visita de Mrs. Bradford a Londres? Que diferenças notava em comparação com as outras vezes? Tinha alguma interferência nas decisões do Presidente? Gostara da reunião com a esposa do Primeiro-Ministro soviético? Como tencionava passar o tempo livre na cidade? Tinha em mente efectuar alguma digressão turística? Faria compras? Algum artigo em particular? Todo o seu guarda-roupa fora confeccionado por Ladbury? Que vestiria na recepção do dia seguinte promovida   pela embaixada soviética?

 

Nora congratulou-se profundamente com a classificação obtida por Billie. As suas respostas imediatas tinham-se revelado suaves como a seda e, ao mesmo tempo, expressivás, espirituosas, modestas. Sim, tudo se desenrolava às mil maravilhas e, dentro de poucos minutos, terminaria.

De súbito, ergueu os olhos do blloco-notas e avistou um homem alto, de ombros possantes, que se levantara de uma cadeira da segunda fila e, depois de se identificar e declarar que pertencia ao Observer, acrescentou:

Posso fazer uma pergunta de natureza pessoal?

 

Certamente.

 

Como estou ao corrente da longa amizade entre ambas, gostava de conhecer o que pensa de Janet Farleigh.    

O olhar de Nora desviou-se prontamente para Billie e observou, surpreendida, que sorria enquanto pronunciava a resposta.

 

Adoro-a. Na verdade, considero-a um membro da minha família. Como muito oportunamente referiu, a nossa amizade é de longa data. Conhecemo-nos na minha primeira visita a Londres, ainda adolescente, e tratou-me com um carinho inesquecível. Orgulhei-me dela, quando começou a a escrever romances, que obtiveram largo êxito no   Reino Unido. No entanto, espero alterar a situação, se me for possível.

 

Anseio por tornar a vê-la, o que deverá acontecer na próxima semana.

Nora estremeceu e fechou os olhos, enquanto circulava , um murmúrio de perplexidade entre a assistência. Quando voltou a abri-los, viu que os jornalistas se entreolhavam.

Uma mulher de meia-idade, instalada na última fila, pôs-se de pé, declarou pertencer à publicação Taeper e prosseguiu:

 

Receio não ter ouvido bem. Referiu que contava tornar a ver Janet Farleigh na próxima semana? Decerto está ao corrente de que morreu de cancro, há quinze dias.

 

A tensão na sala acentuou-se e todos os olhares se fixaram em Billie Bradford. O sorriso abandonara-lhe o rosto, prontamente substituído por uma expressão de amargura. Nora, que a observava com atenção, notou que nem uma pálpebra oscilava.

 

Peço desculpa pela forma deficiente como construí a frase. disse   a   Primeira Dama,   friamente. A   verdade é que ainda não me habituei ao seu desaparecimento do número dos vivos. Para mim, continua viva. Evidentemente que fui uma das primeiras pessoas a inteirar-me da sua morte prematura. Quando mencionei que ansiava por tornar a vê-la, referia-me ao local onde repousa... à sepultura.

 

Não perca tempo a procurar a sepultura, Mrs. Bradford interpôs uma voz cáustica. Os restos mortais de Janet Farleigh encontram-se numa pequena urna. no apartamento da família, em St. James Place. Foi incinerada.

 

Sem dúvida redarguiu Billie, com firmeza. Era isso que queria dizer. Tenciono apresentar condolências à família, na próxima semana. Mais alguma pergunta?

 

Cada vez mais abismada, Nora baixou os olhos para o bloco-notas, inscreveu a pergunta sobre Janet Farleigh e, após uma pausa, atribuiu um zero à resposta.

 

Obrigada,   Mrs. Bradford exclamou em seguida, levantando-se. Virou-se para os jornalistas e repetiu: Obrigada, meus senhores!

 

Aguardou que a Primeira Dama desaparecesse no elevador e foi postar-se junto da saída para se despedir dos assistentes. A sala ficou deserta em menos de cinco minutos mas, antes de se afastar, Nora ouviu algumas palavras trocadas por dois deles.

 

Foi um momento embaraçoso, não achas?

 

Estranho. Inexplicável.

 

com um suspiro de alívio e uma expressão de perplexidade, abandonou a sala, cruzou o átrio, subiu a escada apressadamente e entrou na Royal Suite, para bater à porta do quarto.

 

Billie Bradford estava sentada diante do toucador, entertida a ajeitar o cabelo, e quando avistou Nora, perguntou – que tal me portei?

- melhor que nunca. - declarou outra, sem entusiasmo. Foi quase perfeito. – sim, quase. - sim, a sério, achei-a extraordinária, salvo…. – não diga mais. A resposta acerca de Janette FALEY. A CULPA foi minha, estava distraída. Deixei o espírito vaguear. Garanto-lhe que não volta a acontecer.

Em todo o caso, a responsabilidade não me pertenceu por completo. O bastardo tentou apanhar-me em falso, com aquela pergunta.

- pareceu-me uma pergunta inocente.

- não arme em ingénua. Nenhuma delas era inocente. Os jornalistas são todos uns bastardos e cadelas. Conheço-lhes a tradição. Não me torno a meter numa situação dessas. Acabaram as conferências de imprensa.

- entendido.

Entretanto, Nora sentia-se dominada por desalento crescente, enquanto via a primeira dama retocar a maquilhagem. Desejava assegurar-lhe que os representaantes da imprensa britânica não se haviam comportado como bastardos e cadelas, naquela tarde. Ao invés, tinham-se mostrado extremamente simpáticos e compreensivos. Não obstante, absteve-se de o fazer, pois Billie achava-se visivelmente excitada e pouco receptiva a opiniões contrárias. Na realidade, até tentara, ainda que indirectamente, responsabilizá-la pela ocorrência, atitude imprópria de Billie que julgava conhecer perfeitamente.

- se não precisa de mais nada….

- não. Pode ir. Outra coisa. Cancele a sessão com Guy. Já falei de mais, por um dia. Tenciono ir às compras. Previna os agentes do serviço secreto de que sigo para o Hevels dentro de minutos.

No entanto, Nora sentia-se impossibilitada de sair, conservando os olhos na imagem da primeira dama no espelho, em que lhe parecia divisar umas linhas duras, inexplicáveis.

- porque está a olhar?

- nada. Limitava-me a admirá-la. – no corredor, Nora transmitiu o recado ao agente do serviço secreto postado junto da saída, e afastou-se em direcção ao quarto de Guy Parker, a cuja porta bateu discretamente. Transcorridos uns segundos, ele surgiu de cabelos desgrenhados e húmidos, como se tivesse acabado de tomar banho, com uma toalha sobre os ombros nus. O aspecto agradável não representava uma novidade para ela, que o considerava atraiente, desde o dia em que o vira pela rimeira vez na Casa Branca, razão pela qual, tentava ivitá-lo. –a si da miss universo! – exclamou Parker, fingindo-se abismado.portadora duma carta a Garcia.

- a primeira dama incumbiu-me de te comuunicar que a sessão desta tarde foi cancelada. Podes dispor do tempo como te aprouver.

- porquê?

- Há uma história ligada ao assunto, mas fica para depois. – nora, preparava-se para rodar nos calcanhares, todavia, reconsiderou. Ou talvez não. Queres subir uns furos na minha estima? Convida-me para uma bebida.

- combinado. Fico à tua espera no bar.

- o colege não tem barl. Em todo o caso, servem bebidas no salão, junto do átrio.

- então veste uma camisa e vai ter comigo.

Quinze minutos mais tarde, ela sentava-se a uma pequena mesa a um canto do salão do hotel, escutando distraidamente a orquestra húngara, que principiava a actuar, quando Guy Parker se lhe reuniu. Usava casaco e gravata, um conjunto indiscutivelmente atraente e Nora reconheceu que se alegrava por o ver.- segunda doze, para uma donzela em apuros. – indicou, erguendo o copo vazio. Ginold roks. Já agora, duplo. – ele fez sinal ao empregado, encomendou as bebidas e concentrou-se de novo na companheira.

- parece que viste um fantasma. Que aconteceu?

- quem disse que tinha acontecido alguma coisa?

- identificaste-te como uma donzela em apuros.

- foi uma força de expressão. – passa-se alguma coisa? – insistiu, olhando-a com curiosidade. – há pouco, quando me comunicaste que Billie tinha cancelado a sessão, falaste-me numa história ligada ao assunto. A que te referias?

- primeiro, deixa-me ganhar coragem. – Nora indicou o empregado que reaparecia com as bebidas pegou no seu copo e ingeriu o gim de um trago, como se              estivessem trinta graus à sombra. Em seguida, posou-o, e sustentou a mirada prescrutadora de Parker.

Queria começar por te fazer uma pergunta.        

 

Dispara.

 

Porque desconfias que... bem, que Billie Bradford está diferente?

 

Não sabiia que estavas interessada nisso.      

 

O interesse apareceu de repente, por assim

Dizer.

Se queres realmente saber... principiou ele com prudência.

 

Claro que quero.

 

Depois, não assumes ares superiores?

 

Não, se forneceres uma explicação sensata.-num gesto impulsivo, ela tocou-lhe na face com as pontas dos dedos. Prometo escutar com o maior respeito.

 

Então, aí vai. As suspeitas, ou melhor, a curiosidade fora estimulada em primeiro lugar após o regresso de Moscovo, durante a viagem em direcção a Los Angeles. Billie afirmara que quando trabalhara à experiência no Los Angeles Times se avistara com um jornalista chamado Steve Woods, personagem que Parker sabia não existir.

 

Que Guy Parker sabia não existir. Nu almoço em los Angeles, a Primeira Dama devia sentar-se entre uma velha amiga, Agnes Ingstrup, e a presidente dos Clubes de Mularés dos Estados Unidos e dirigira-se a esta última como se fosse a outra. No decurso da refeição, comera ostras sem a menor relutância, apesar de, até então, as ter recusadosempre. Na visita ao Estádio Dodger, embora fosse uma ensiasta do basebol, prestara a maior atenção às explicações de um espectador à garota que o acompanhava. Em casa do pai, em Malibu, Billie não se recordava de que vira o sobrinho no mês anterior, e o cachorro de estimação não a reconhecera. Depois de prometer revelar as suas relações pessoais com o Presidente e aludir a um incidente sobre o encontro com uma estrela de cinema que fora companheira de Bradford, dias antes, na viagem para Londres, recusara-se a abordar aqueles tópicos.

 

Cada caso, tomado individualmente, pode encarar-se como um óbice do comportamento humano concluiu Parker. Por outro lado, analisados no seu conjunto conduzem a... suspeitas. Que te parece?

 

Parece-me que preciso de mais uma bebida. Dose dupla.

 

Transmitiu instruções ao empregado e voltou-se de novo

 

Para_Nora._ Então? Não há nenhuma reacção ao meu recital? que conclusão traçaste? Que, pelo menos desde Moscovo, Billie não é a mesma.

Fez uma pausa, à espera de um comentário de Nora, que não surgiu. Fingia escutar a música, mas concentrava o espirito na Primeira Dama. As novas bebidas apareceram, o empregado afastou-se e ela recomeçou a absorver gin.

 

Após um longo silêncio, pousou o copo com mão trémula, vertendo parte do conteúdo, e, com notável deliberação, pegou no guardanapo de papel para limpar o líquido.

 

De súbito, abruptamente, como se receasse arrepender-se, declarou:

 

Ela deu uma conferência de Imprensa, há pouco.

 

Como correu?

 

Mostrou-se em plena forma até perto do fim. Nessa altura, um jornalista referiu-se a Janet Farleigh...

 

Janet Farleigh... Ah. já sei. A escritora, sua velha amiga, que vivia aqui, em Londres, e morreu há semanas.

 

Exacto. Morreu. Simplesmente, Billie não sabia. Afirmou que tencionava vê-la, na próxima semana. Quando um dos presentes lhe recordou o facto, esquivou-se bem, ata gando que tinha em mente dizer que visitaria a sepultura. Um repórter mais ousado explicou que não havia sepultura alguma para visitar, mas apenas as cinzas, guardadas numa urna em casa da família. Em face disso, voltou a safar-se airosamente e a conferência terminou logo a seguir.

 

Que barafunda... Parker emitiu um silvo em surdina.

 

Uma barafunda dupla, como a dose de gin de que estou a precisar redarguiu Nora, erguendo o copo e ingerindo mais um longo trago.

 

Qual foi a reacção dos jornalistas?

 

Como disse, ela esquivou-se bem. Suficientemente bem para a Imprensa, mas não para mim.

 

Não percebo porque isso te abalou mais que os vários   incidentes que descrevi inquiriu, olhando-a com curiosidade.

 

Não sei. Ou antes, sei. Não só porque aconteceu na minha frente, mas também porque na manhã anterior à partida para Moscovo, na Casa Branca, algumas horas antes de te comunicar que também ias... lembras-te?

 

Perfeitamente.

 

...Billie tinha sido informada   da morte de Janette Farleigh e estava desgostosa. Portanto, foi uma ocorrência importante, do ponto de vista emocional, que não esqueceria em tão pouco tempo.

 

Hum... Como se inteirou?

 

O   embaixador   britânico informou-a   pessoalmente segundo creio. Portanto, apenas ela, tu e eu estávamos ao corrente.

 

E quanto aos jornais?

 

Não publicaram nada. Janet era uma desconhicida nos Estados Unidos.

 

Mas Billie sabia.

 

Claro.

 

Então, como se explica que não soubesse, há uma hora? Parker enrugou a fronte ao ver Nora esvaziar o copo. Outra?

 

Não, obrigada. Já tenho mais que a minha conta.

 

Ela levantou-se com visível dificuldade. Vamos para teu quarto.

 

Ele assinou o talão da conta, pegou no braço de Nora conduziu-a para o elevador.

 

Minutos depois alcançaram o quarto, abriu a porta e quando estendia a mão para o interruptor na parede, ele opôs-se.

 

O candeeiro chega.

 

Parker acendeu o candeeiro de pé junto da cama enquanto a companheira fechava a porta e colocava a corrente de segurança, após o que se aproximou dele com lentidão, a fim de não perder o equilíbrio.

 

Estou   um   pouco tocada,   Guy articulou   com   voz arrastada. Não o nego. Antes que faça algum disparate.

 

responde francamente a uma pergunta. Tens um fraco por mim?

 

Enorme.

 

E sério?

 

Realmente sério.

 

Também gostei do teu rosto e corpo desde o princípio, mas pensava que eras um desses fulanos egoístas, só interessados em terem as mulheres rojadas a seus pés. Mais tarde, julguei-te um presumido. Compreendes?

 

Ele não compreendia, mas inclinou a cabeça e Nora prosseguiu:

 

Não me podia envolver com alguém dessa espécie.

 

Fui casada e a experiência redundou num autêntico desastre, era egocêntrico e dominador, e acabei por o despachar. mas toda a gente necessita de alguém. Por conseguinte, optei Por Billee, à qual me dediquei inteiramente. Agora... onfesso que não sei. De repente, é como se ela tivesse desaparecido. Ao mesmo tempo, comecei a reparar melhor em ti e considerei-te atencioso, sensato e até sexy. Preciso de alguém que me mereça inteira confiança. Guy. Podes ser tu?

 

Parker tomou-a nos braços e beijou-a. Ela notou o seu calor nos seios e coxas, enquanto sentia os dedos desabotoarem-lhe a blusa.

 

Desembaraça-te das tuas coisas murmurou Nora, repelindo-o, com esforço. Eu me encarrego das minhas.

 

Não queres aguardar até estares sóbria? perguntou ele, hesitando.

 

Não me interessa estar sóbria para nada. A blusa desapareceu   com   um   movimento   abrupto. Quero   ficar ainda mais eufórica.

 

Enquanto se libertava do soutien. Parker voltou-lhe as costas e tratou de se despir rapidamente. Por fim, pousou as reduzidas cuecas numa cadeira e, virando-se, viu-a deitada na cama, totalmente desnuda. Começou a aproximar-se, ao mesmo tempo que o pénis tumefacto se tornava erecto. Era a mulher mais sensual que jamais tivera ensejo de contemplar. Na realidade, despia-a mentalmente desde a primeira vez que a vira. E agora, tinha-a na sua frente, disposta a entregar-se-lhe incondicionalmente.

 

Nora necessitava de alguém que precisasse dela. E passava-se o mesmo com ele.

 

Ajoelhou diante dela e inclinou-se para lhe beijar a boca e explorar a língua com a sua. Fez deslizar os lábios pelo pescoço e ombros, enquanto acariciava os seios. Lambeu os mamilos turgentes. Afundou a cabeça entre as pernas e beijou a vulva húmida.

 

Em seguida, apoiou-se nos joelhos e soergueu-se, para Que ela não encontrasse dificuldade em mover os dedos ao longo do pénis em erecção total. Ele arquejava e ela experimentava dificuldade em respirar normalmente.

 

Estou pronta sussurrou. Ama-me, querido.

 

O corpo de Parker mergulhou entre as coxas de Nora e, fincando os cotovelos na cama, penetrou-a gradualmente.

 

Vinte minutos mais tarde, achavam-se ambos saciados e esgotados. Por fim, ele descolou-se e deitou-se ao lado dela.

 

ÉS divina, Nora,

 

Também não és nada mau, Para ser mais rigorosa considero-te mesmo maravilhoso, incrivelmente maravilhoso. Nunca pensei que pudesse gostar tanto de fornicar. Havemos de repeti-lo, noutra oportunidade.  

 

Porque não esta noite?

 

E de manhã. Foste um tónico para mim. Restauraste- te-me por completo a fé nos homens. Tens um cigarro?  

 

Sou fumador de cachimbo, mas devo ter para aí um maço, para situações destas.

 

Ele abriu a gaveta da mesa-de-cabeceira, localizou o tabaco, puxou de dois cigarros, acendeu-os e estendeu un a Nora.

 

Há uma hora, não julgaria isto possível. Foi um dia horrível. Ela expeliu uma densa baforada. Fiquei trauma tizada pelo lapso de Billie. Sentia-me totalmente acabrunhada Agora, parece que me incutiram vida nova. Não noto a mínima ressaca dela ou das bebidas. És um mágico. Conseguiste fazer-me esquecer tudo.

 

Não o podemos esquecer salientou ele, com uma expressão grave. O que aconteceu não se pode eliminar.

 

Tens razão. Ela fixou o olhar no tecto, pensativamente. Garanto-te uma coisa. Se não soubesse que é a Primeira Dama, julgava-a outra pessoa. Mas... interrompeu-se e volveu os olhos para Parker. é inconcebível. Não achas?

 

em face do que está a acontecer, julgo perferível começarmos a conceber o inconcebível.

 

O som da telefonia estava mais elevado que nunca, Billie Bradford conservava-se imóvel no centro da sala da suite no Kremlin, aguardando o parecer de Alex Razin, que se movia à sua volta, para lhe inspeccionar a indumentária. Puxara os cabelos para trás e vestia um casaco castanho curto, blusa bege, saia também castanha e sapatos de salto raso.

 

Então? acabou por perguntar com ansiedade,

 

Parece uma turista ocidental típica, talvez abastada, mas não é uma circunstância invulgar. Costuma haver muitas na Praça Vermelha, para fotografar o túmulo de Lenine e a Catedral de São Basílio. Não creio que desperte a atenção. Ele consultou o relógio. Cinquenta por cento do êxito da fuga depende da sincronia de movimentos.

 

E os outros cinquenta?

 

Da sorte.

 

E pensa que conseguirei? inquiriu ela, franzindo o sobrolho.

 

Existem fortes possibilidades. Recapitulemos os diversos passos, único factor que podemos controlar. Calculei tudo meticulosamente. Quando sair deste edifício, avançará para a Porta Spassky   Dispõe de dez minutos para isso. Gastará mais cinco para cruzar a Praça Vermelha e passar com naturalidade diante dos armazéns GUM em direcção às cantinas de vodka, na Rua 25 de Outubro. Aí, pedirá uma bebida... Razin extraiu algumas   moedas da algibeira e entregou-lhas. Leve   estes   kopeks, pelo   sim   pelo   não. Enquanto bebe. preste atenção à chegada de um homem com uma mala azul. Deve abordá-lo, pois ele conta com isso, para a conduzir à embaixada americana. Daí em diante, a operação correrá a cargo do seu embaixador.

Dito asim. parece tudo muito simples.

 

Talvez seja Veremos. Tornou a consultar o relógio. Não temos muito tempo. vou explicar-lhe o percurso! O mais simplesmente possível, com um mapa que tracei. dispomos de quinze minutos. Depois, deixá-la-ei só durante dez para que decore as instruções. A seguir, partirá.

 

Onde estou, exactamente? Como principio?

 

Encontra-se no edifício do Soviete Supremo, numa suite de gabinetes convertidos em apartamento.   Siga-ne para que lhe indique o ponto de partida. Dirigiram-se a cozinha e ajoelhou junto do lava-loiça. Há aqui um alçapão cujos contornos não se notam. Colocou o indicador de cada   mão em   duas pequenas   depressões   no   sobrado e levantou   parcialmente   uma   área   rectangular. Como v« abre-se com facilidade.

 

E depois? murmurou   Billie.   empenhada   em não perder o mínimo dos seus movimentos.

 

Há uma escada de madeira de acesso a um compartimento subterrâneo, utilizado para armazenamento de géneros em 1785. As paredes são de pedra e faz muito frio, além de não haver luz. Portanto, deixe a tampa do alçapão levantada para aproveitar o clarão da cozinha. No lado oposto do compartimento encontrará mais alguns degraus, que subirá em direcção a um segundo alçapão, este aberto. Entrará noutro local de armazenamento, mas de mobília, com duas janelas, pelo que não está às escuras. Só existe uma porta Utilize-a»

e alcançará a rua do Kremlin. Agora, é melhor mostrar-lhe o resto do mapa.

Razin voltou a baixar a tampa do alçapão e regressaram a sala, para se sentarem no sofá, onde ele puxou de uma folha de papel, que desdobrou e alisou em cima da mesa

 

Billie imclinou-se e viu um mapa de aspecto rudimentar traçado a lápis, e apenas uma parte, do lado direito, continha indicações.

 

O Kremlin é um local gigantesco, como deve saber. continuou ele Há três muralhas em forma de triânguloe o interior abarca uma área de vinte e oito hectares. Para evitar confusões, só indiquei a parte que lhe interessa. O X maiúsculo assinala este apartamento e o minúsculo o ponto em que abandonará o edifício do Soviete Supremo. Na realidade, encontrar-se-á num corredor, mas em frente verá uma porta de acesso ao exterior. Compreendeu até aqui?

 

Muito bem.

 

Siga ao longo do edifício, paralelamente à muralha com arcadas. Razin indicou uma linha tracejada. Depois, cruze a rua e continue ao longo do Edifício Administrativo, Neste ponto, à sua esquerda, há uma torre com uma estrela no topo. É a Porta do Salvador, onde só costuma estar um guarda. Transponha-a e estará na Praça Vermelha. ele não deve interceptá-la, mas se o fizer, explique que se perdeu de um grupo de turistas no Palácio Oruzheinaya e tenciona aguardá-lo no GUM. Aponte para lá porque o homem decerto não fala inglês. Duvido que suspeite de alguma coisa, pois o seu aspecto é o de uma inocente e bonita turista americana.

 

Quem me dera suspirou ela.

 

O quê?

 

Ser uma turista. Inocente. Bonita.

 

Uma vez na Praça Vermelha, siga para aiém do GUM e entre nas cantinas de vodka, aqui. Peça uma bebida e aguarde o homem da mala azul. Entendeu tudo?

 

Acho que sim.

 

Se tem alguma dúvida, diga. Depois de esclarecer várias, Razin puxou de outra folha de papel, esta em branco, e um lápis e estendeu-os a Billie. Copie o mapa, para destruir o meu. Não convém que leve coisa alguma com a minha letra.

 

Ela obedeceu com mão trémula e dobrou o papel, que fez desaparecer na algibeira do casaco, enquanto ele pegava no seu mapa e desaparecia na casa de banho, não tardando a ouvir-se o autoclismo. Quando regressou à sala, Billie apertou-lhe as mãos e declarou:

 

Não sei como poderei agradecer-lhe.

 

Não se preocupe com isso. Agora, não posso demorar-me mais. Lembre-se de que só dispõe de dez minutos para decorar o percurso, Depois, deve partir imediatamente,

 

Quando voltar aos Estados Unidos, hei-de desenvolver todos os esforços para o ajudar. Só você conseguiu tornar-me este pesadelo suportável.

 

Ficarei no Kremlin, ocupado com outros assuntos, até ter a certeza de que se encontra em segurança. Se o alarme, a sereia, não soar, compreenderei que conseguiu safar-se, felicidades,

 

Obrigado. Alex. E beijou-o nos lábios.

 

Os olhos dele fitaram-na por um momento e pareceu na erninência de dizer algo, mas mudou de ideias e retirou-se aPressadamente.

 

De novo só, Billie voltou a sentar-se no sofá, puxou o mapa, desdobrou-o e tentou fixá-lo na memória, desviando os olhos para o relógio com frequência. Entretanto, esforçava-se por não pensar nos imponderáveis da aventura que estava prestes a empreender e consequências de um possível malogro. A única diversão que se podia permitir era a ideia da reunião com Andrew em Londres. Concentrando-se na sua rotina, verificou que se haviam escoado nove minutos, pélo que tornou a dobrar o mapa e guardá-lo na algibeira, colocou a carteira a tiracolo e encaminhou-se para a cozinha.      

Sentiu as palpitações do coração acelerarem-se no momento em que levantou a tampa do alçapão e colocou ao lado.

Em seguida, introduziu-se na abertura, pousou um pé no primeiro degrau e principiou a descer com lentidão.

 

A temperatura no compartimento em que imergiu era quase   insuportável e, tremendo, tentou orientar-se. Na penumbra, divisou uma escada no lado oposto e aproximou-se.

Depois de se certificar de que oferecia um mínimo de segurança, subiu e encontrou-se noutro compartimento, este cheio de mobiliário coberto com lona.

Uma vez junto da porta, hesitou. O medo dominava-a como uma prisão física e sentia o espírito paralisado, não conseguindo recordar a fase seguinte da operação. Preparava-se para puxar do mapa, quando se lembrou. Razin garantira-lhe que a porta não estava fechada à chave e desembocaria num corredor, com uma saída em frente. A seguir, devia transpô-la, voltar à direita, cruzar a rua, continuar ao longo do Edifício Administrativo, dirígir-se à Porta do Salvador e alcançar a Praça Vermelha.

Entretanto, perguntava-se se ele lhe concedera tempo suficiente para tudo aquilo. Desde que se encontrava prisioneira, entravam no apartamento guardas do K.G.B. para lhe levar as refeições ou jornais e revistas, e nunca o faziam a horas certas. Se agora aparecessem mais cedo que habitualmente, dessem pela sua ausência e descobrissem o alçapão aberto, lançariam o alarme com prontidão.

A possibilidade   impeliu-a a agir com maior rapidez.

 

Assim, pousou a mão no puxador e abriu a porta sem dificuldade, como Razin lhe assegurara. Viu-se num corredor amplo e deserto, com a saída em frente. Transpô-la e achou-se no exterior do edifício, sob o ar húmido e céu coberto. Avistou a muralha avermelhada adiante, com uma pequena torre, indicada no mapa, atrás da qual se situava o Mausoléu de Lenine, com um grupo de quatro soldados do Exército Vermelho, imersos em animada conversa, e, por fim, o caminho à sua direita. Billie enveredou por este último, paralelamente ao edifício do Soviete Supremo, e alcançou uma rua, que atravessou, deparando-se-lhe nova estrutura: o Edifício Administrativo. De olhos fixos na sua frente e carteira oscilando a tiracolo, moveu-se na direcção da porta do Salvador, derradeiro obstáculo a transpor antes de se ver livre daquela fortaleza.

 

Preparava-se para abandonar o passeio, quando um som de intensidade crescente lhe atingiu os tímpanos, obrigando-a a estacar. A sereia de alarme!

 

Que dissera Razin? Compreenderia que conseguira fugir, «se o alarme, a sereia, não soar».

 

Mas soava. Ela não se encontrava em segurança. A sereia dizia-lhe directamente respeito.

 

Ficou imobilizada, sem saber para que lado se voltar, e lançou um olhar em redor, para verificar se alguém reagia. Não se achava visível vivalma, nem sequer o grupo de soldados de que se apercebera pouco antes. Durante uns instantes, ponderou as opções que se lhe deparavam. Deveria lançar-se em correria desenfreada, para tentar alcançar a saída? Procurar um lugar para se ocultar até que se restabelecesse o sossego? Regressar ao apartamento?

 

De súbito, a Porta do Salvador explodiu de vida. Um pelotão de soldados, empunhando espingardas, transpunha-o em acelerado.

Billie actuou orientada pelo instinto. Não lhe restava senão esquivar-se-lhes, refugiar-se algures. Notando as palpitações cada vez mais aceleradas, retrocedeu para o edifício em busca da porta mais próxima.

 

Ouviu gritos a curta distância e, olhando para trás, descortinou pelo menos três soldados que a apontavam, gritando-lhe em russo. Esforçando-se por os ignorar, enfiou num corredor cheio de portas com caracteres em cirílico que nada lhe diziam, ao mesmo tempo que ouvia aproximarem-se passos pesados. Desesperada, estacou diante de uma ao acaso, fez rodar o puxador, entrou e fechou-a atrás dela.

 

Em seguida, ofegante, voltou-se para observar onde se encontrava. Tratava-se de uma sala espaçosa, com um lustre de cristal, uma ampla lareira, tapeçarias orientais e uma fiada de cadeiras douradas ao longo de uma das paredes. A impressão inicial de que se achava desocupada dissipou-se no momento imediato, quando descobriu, na cadeira do extremo oposto, junto de uma porta dupla, uma mulher de meia-idade, robusta, que a contemplava de olhos arregalados, Tentando recobrar o alento, Billie acercou-se dela, ao mesmo tempo que procurava recordar uma palavra útil em russo. No entanto, reconheceu a impossibilidade de o com- seguir e dirigiu-se-lhe no seu idioma.

 

Fala inglês?

 

Sou americana, do Texas, declarou a mulher, pestanejando de perplexidade.

 

Graças a Deus murmurou Billie, com um suspiro de alívio. Pode dizer-me onde estou?

 

com certeza. Na sala de recepção de um gabinetl oficial, onde o Ministro da Cultura atende o público.

 

Disse qu é americana?

 

Do Texas. Sou Mrs. White, do Museu de Belas Artes de Houston.

 

Escute. Olhou em volta e baixou a voz. Tem de me ajudar.

Mas eu não...

 

Faça o que lhe peço. Segurou-lhe o braço com firmeza. Quando sair daqui, dirija-se à embaixada americana e peça para falar com o embaixador Youngdhal, é meu amigo, Diga-lhe que estou prisioneira no Kremlin e alguém se faz passar por mim...

 

Não... não a compreendo. Mrs. White parecia cada vez mais abismada. Quem é?

Olhe-me bem. Não me reconhece?

 

Acho que sim. É... é...

 

Billie Bradford, mulher do Presidente. Fui...

 

Que faz aqui, vestida dessa maneira?

 

vou explicar-lhe...

 

Naquele momento, a porta dupla entreabriu-se e a mulher levantou-se.

 

O ministro vai receber-me. Conquanto a porta ainda não estivesse totalmente aberta, Billie divisou a recepcionista, que falava com alguém no gabinete.

 

Aterrorizada, retrocedeu para a entrada da sala, a fim de evitar que a vissem, lançou um olhar de súplica a Mrs. White, I abriu a porta e transpô-la rapidamente.

 

Preparava-se para correr, quando colidiu com dois guar- das do K.G.B.

 

Não me matem! gemeu, apavorada.

 

Em seguida, o mundo pareceu extinguir-se à sua volta eles ampararam-na com brutalidade, no instante em que perdeu o conhecimento,

Aquilo não lhe estava a acontecer. Por mais que se esforçassem por a convencer, recusava-se a aceitar a evidência.

 

Estava de novo plenamente consciente, numa cadeira da sala do apartamento no Kremlin, com a diferença de que agora não podia mover os braços nem as pernas. Tinham-na algemado, unindo-lhe os pulsos atrás da cadeira e uma correia prendia-lhe os tornozelos,

 

A curta distância, dois indivíduos de aspecto possante, com uniformes do K.G.B., encontravam-se junto do telefone. Um deles segurava o auscultador e as feições pareciam esculpidas como uma gárgula. Naquele momento, informava alguém do outro lado da linha de que era o capitão llya Mirsky e, inclinando a cabeça na direcção do companheiro silencioso, acrescentou aparentemente que se encontrava com o capitão Andrei Dogel. Exprímia-se em russo e o lábio superior erguia-se para expor uma fiada de dentes com coroas de aço. A seguir, escutou por uns segundos e cortou a ligação.

 

Vejo que acordou articulou em inglês deficiente, exalando uma baforada com uma mistura de cheiros em que predominava o de cebola. Não sou barra na sua línnua, mas havemos de nos entender. Tentou fugir, do que não a censuramos. Interessa-nos saber é como conseguiu ir tão longe Billie permanecia petrificada pelo terror. Cometera um acto arrojado, e o insucesso expunha-a agora a possíveis e penosas represálias.

 

Mirsky acercou mais o rosto dela, enquanto Dogel observava a cena sem a mínima expressão.

 

Tenho de lhe fazer perguntas volveu o primeiro, Preciso descobrir quem estava... como se diz?... envolvido consigo na fuga. Vimos o alçapão na cozinha e o seu mapa, muito rigoroso. Quem lhe indicou o caminho? Quem é o seu cúmplice? Há algum agente da C.I.A. no Kremlin? Fez uma pausa. Quem a ajudou? Vendo Billie abanar a cabeça e comprimir os lábios,   esclareceu:Se   não disser, continuamos   aqui.   Se   falar,   vamos   embora. Nova   pausa. Sabemos que é uma pessoa importante, mas não nos interessa.   Para   nós, não   passa de   uma   insignificante. compreende? Se não diz a verdade, arrancamo-lha. Temos meios para isso e muito mais. Quem a ajudou?

 

Ninguém replicou ela, em tom de desafio.      

 

Mente! Mirsky cerrou os punhos e as faces adquiriram uma tonalidade rubra. vou dar-lhe mais uma oportunidade. quem foi?

 

Ninguém.

 

Prostituta mentirosa!

 

Os nós dos dedos do russo atingiram o rosto de Bilii com violência,

 

Não, por favor!

 

Então, fale! Desta vez, o local visado foi a boca, e ela notou o sabor

do sangue, ao mesmo tempo que as lágrimas brotavam! De súbito, por entre a névoa que lhe acudira aos olhos, viu a porta atrás dos dois homens ab« ir-se, para dar passagem! a Alex Razin. i

Mirsky preparava-se para a agredir de novo, quando o recém-chegado vociferou uma ordem em russo e o outro imobilizou-se. |

que demónio vem a ser isto? inquiriu Razin, desviando-o com o braço.

 

Ela tentou fugir. declarou Mirsky, com uma ponta de relutância. Recebemos ordens...

As únicas ordens que vocês recebem são as minhas, Fui encarregado deste assunto. Libertem-na.

 

Mas...

 

Imediatamente! É preciso chamar o general Petrov? Contrariados, os dois guardas do K.G.B. trataram de obedecer. Mirsky colocou-se atrás de Billie para retirar as algemas e Dogel ajoelhou em frente, a fim de desatar os tornozelos. Em seguida, ela começou a inclinar-se para a frente e decerto teria caído da cadeira, se Razin não a segurasse, enquanto ordenava por cima do ombro:

 

Agora, ponham-se a mexer.

 

Mas o comandante da guarda do Kremlin... começou Mirsky.

 

Rua!

 

com a dignidade que conseguiram reunir nas circunstâncias, os dois homens retiraram-se sem ulteriores protestos.

 

Razin examinou o rosto de Billie e verificou que um fio de sangue deslizava da boca para o queixo, após o que lhe rodeou as costas com um dos braços e enfiou o outro por - por baixo dos joelhos, para a conduzir ao quarto. Depois de a depositar na cama cuidadosamente, observou-a com maior atenção e introduziu os dedos na boca, para determinar a origem do sangue. Era na parte interna do lábio inferior, e ele dirigiu-se à casa de banho, onde se muniu de um frasco de álcool e uma caixa de compressas, que pousou na mesa-de-cabeceira. A seguir, limpou o sangue das faces e queixo e, soerguendo-se, despiu-lhe o casaco e a blusa e fez desaparecer o que se acumulara na garganta e peito, até ao soutien. Por fim, colocou-a na cama e pousou-lhe a cabeça nos seus joelhos, para aplicar uma compressa embebida em álcool no corte do lábio.

 

Embalava-a como uma criança, quando Billie começou a descerrar as pálpebras.

 

O pior já passou murmurou ele.

 

Graças à sua intervenção. Quando me capturaram, fiquei assustadíssima. Começaram a espancar-me...

 

Não pense mais nisso. Doravante, nada tem a recear. Não permitirei que tornem a tocar-lhe. Dou-lhe a minha palavra.

 

É tão bondoso... Billie estendeu os braços e conservou-os em torno dele. Se não aparecesse, não sei o que me aconteceria. Descobriram-me, quando estava prestes a abandonar o Kremlin.

 

Ouvi a sereia e acudi sem demora. Garanto-lhe que ninguém voltará a molestá-la.

 

De certeza?

 

Absoluta.

 

As mãos dela procuraram-lhe a cabeça, puxaram-na e pousou os lábios nos do seu salvador, num gesto de gratidão e alívio, ao mesmo tempo que ele lhe acariciava os ombros desnudos.

 

Como se sentia muito só, aterrorizada e grata, respondeu a manifestação de ternura, afagando-lhe o rosto. Razin puxou-a para si e os dedos alcançaram o fecho do soutien, soltando-o. A curvatura de um seio branco e suave, com o largo mamilo rosado, ficou plenamente exposta.

 

Amo-a, Billie murmurou em voz rouca, inclinando a cabeça, para lhe procurar o bico do seio com a língua.

 

Isso, não gemeu Billie, continuando a cingi-lo. Preciso muito de si, Alex, mas por favor...

 

A boca dele cobriu o mamilo e a mão deslizou para a cintura e puxou o fecho da saia, após o que os dedos principiaram a baixar as cuecas.

 

Ela agora arquejava, sobretudo a partir do momento que sentiu os dedos alcançarem a região púbica. Todavia, no instante imediato, regressou à realidade e tentou dsprender-se.

 

Não, Alex, por favor. Vendo que ele a olhava numa expressão perscrutadora, acrescentou: Nunca fiz coisas dessas. Estou-lhe profundamente grata, mas não insista.

 

Desculpe proferiu Razin, pausadamente, soltando-a.

 

Sabe o que sinto por si. É apenas isso.

 

Compreendo. Pôs-se de pé e apressou-se a mudar de assunto. Tomarei as medidas necessárias para que não voltem a importuná-la. Houve alguma confusão, no meio dia O oficial de serviço do K.G.B. não devia saber que se tratava de um caso especial de nossa exclusiva responsabilidade. Quer que lhe traga uma bebida?

 

Não.

 

Então, vou avistar-me com ele. Antes de me retirar virei ver se precisa de alguma coisa.

 

Obrigada, Alex. Quando ficou só, Billie reclinou-se na cabeceira da cama e tentou analisar o que acabava de acontecer. Baixou os olhos para o soutien solto e saia aberta e perguntou-se como pudera» permitir que as coisas chegassem àquele ponto. Não se tratava de apetite sexual, embora por uns momentos se tivesse sentido excitada. A única explicação devia consistir! em que contraíra uma dívida, de elevada envergadura, desejara compensá-lo e conservar a sua boa vontade. No fundo, ele arriscara a vida ao ajudá-la a evadir-se. Há pouco, impedira que continuassem a espancá-la e, eventualmente,! torturassem. Era o seu único aliado no local horrível em que se encontrava. Devia-lhe muito e pretendera dar-lhe uma prova de afecto. No momento em que tentara fazê-lo, ele interpretara o gesto erradamente. Na sua qualidade de homem, ser humano, pretendera possuí-la inteiramente. Compreendia-se. Em resumo, ela descontrolara-se, além do que não quisera desapontá-lo. Contudo, acabara por não poder entregar-se-lhe,   Embrenhou-se em reflexões sobre Alex Razin. Era um   homem decente. Não acalentava a mínima dúvida a esse respeito. Não a obrigara a curvar-se ao seu desejo e naquele momento avistava-se com o oficial do K.G.B., a fim de assegurar a sua segurança. De futuro, ninguém a molestaria. De repente, acudiu-lhe um pensamento singular. Quem era Razin, para se dirigir a um oficial da temível organização soviética e dar-lhe ordens? Que poder possuía para intimar guardas do K.G.B. a desobedecer a instruções superiores para a espancar?

 

Que dissera ele, pouco antes? O oficial do K.G.B. não devia Saber que se tratava de um caso especial de nossa exclusiva responsabilidade.

 

Nossa?

 

De Petrov e sua? Mas Petrov era um general e director do K.G.B. em toda a União Soviética e Razin um mero intérprete civil. Portanto, o que lhe conferia tanto poder?

 

Quem era, na realidade?

 

Os olhos de Billie pousaram no casaco que ele deixara no espaldar de uma cadeira e despira antes de se dirigir à casa de banho, em busca do álcool e compressas. Alguns minutos atrás, fora procurar o oficial do K.G.B. em mangas de camisa e não tardaria a reaparecer, para vestir o casaco e indagar se ela necessitava de alguma coisa.

 

Entretanto, existia uma oportunidade para tentar confirmar ou desmentir a sua identidade.

 

Levantou-se da cama, fez uma pausa para dominar o aturdimento, puxou o fecho da saia, rectificou a posição do soutien, enfiou a blusa e tornou a concentrar-se no casaco.

 

Após breve hesitação, aproximou-se e introduziu a mão numa das algibeiras exteriores. Um pente, uma esferográfica e um botão. A outra continha um maço de cigarros e um isqueiro. Em seguida, inspeccionou uma das interiores e deparou-se-lhe a carteira.

 

Tornou a hesitar, tentando determinar se desejava realmente elucidar-se melhor acerca dele. Por fim, optou pela afirmativa e começou a esquadrinhá-la. Num dos compartimentos, havia várias notas de Banco russas de valor elevado. Noutro, uma série de cartões, todos em caracteres cirílicos, portanto incompreensíveis, e uma fotografia... dela própria! O facto deixou-a estupefacta. Examinou-a com atenção e verificou que usava uma blusa bordada que nunca fizera parte do seu guarda-roupa. Acto contínuo, abarcou a verdade. Tratava-se da sua sósia, a actriz que ocupava o seu lugar em Londres. com efeito, à parte o pormenor da blusa, a semelhança era flagrante. E a presença da fotografia na carteira de Razin justificava-se, pois ele admitira desde o princípio que a treinara para a grande impostura. Existiam, pois, fortes possibilidades a ter bem presente no espírito, quando tentara possuir Billie.

 

Voltou a debruçar-se sobre os cartões. Eram ilegíveis. Apenas o título de um, que encimava uma fotografia tipo passaporte dele, sugeria algo de familiar, e ela tentava recordar onde vira os mesmos dizeres em cirílico. Evocou o primeiro encontro com Petrov, que lhe mostrara o cartão de identidade e identificara as iniciais como representativa K. G. B.

 

Ora, o existente na carteira de Alex também as Exibia.

O livro de história da Rússia e guias turísticos que lhe fornecera continham a indicação em inglês: Kom Gosudarstvennoi Bezopasnosti K G. B.

 

Desvendara-se o mistério. Alex Razin pertencia ao K.G. B.

 

O bastardo imundo!

 

Apressou-se a guardar a carteira no bolso interior do casaco e acendeu um cigarro, para se sentar na borda da cama, imersa em reflexões.

 

Não era fácil, pois sentia-se profundamente abalada pela descoberta que acabava de efectuar. Todos os acontecimentos recentes registados durante o cativeiro ajustavam-se nos devidos lugares. A realidade tornava-se difícil de aceitar porém a verdade do que acontecera não podia ser refutada

 

Por conseguinte, Alex Razin, seu protector e amigo, nascido nos Estados Unidos, intérprete solícito, não passava de um agente do K. G. B. tão implacável como os outros assumira o papel de conciliador, em contraste com Petrov. Tentando ajudá-la a fugir. Protegera-a para que não a torturassem!!

Todavia, não fora mais que uma vasta mascarada.

Billie lera romances em número suficiente para se achar familiarizada com a técnica do Polícia bom e Polícia Mau.

 

Petrov assumira a pele do segundo, para a aterrorizar, enquanto Razin interpretava o outro papel, para a proteger.

E conquistar-lhe a confiança. A tentativa de evasão constituíra o clímax da peça, destinada a levá-la a confiar nele inteiramente e abalar a posição defensiva.

Mas com que intuito?

Desfilaram-lhe no espírito motivos possíveis, até que um se destacou. A impostora soviética, de momento em Londres, achava-se em apuros. A sósia sabia tudo a respeito de Billie, à excepção de um facto, agora revestido de imPortância vital. Enquanto o K. G. B. se convencera de que não haveria actividades   sexuais durante o   Projecto Segunda Dama, os problemas brilhavam pela ausência. No entanto a partir do momento em que uma ginecologista afirmara que as relações sexuais podiam ser reatadas, estabelecera-se o pânico nas hostes soviéticas, pois tratava-se de uma área totalmente desconhecida do K. G. B. A actuação dos Bradford na cama representava um livro fechado para a temível organização e, a menos que a sua Segunda Dama fosse informada do que devia esperar do Presidente entre os lençóis, o plano abortaria irremediavelmente.

 

A única esperança de o K. G. B. se inteirar do momentoso pornenor residía em o escutar dos lábios da verdadeira Billie Bradford. Contudo, ela negara-se terminantemente a divulgá-lo. Portanto, como esperariam transpor o obstáculo?

Compreendeu sem dificuldade o método que tinham em vista.

Comprimiu os lábios com determinação e prometeu a si própria jamais os elucidar, por mais que a torturassem.

 

Nunca explicaria como se comportava na cama com Andrew. Ao mesmo tempo, acudiu-lhe uma esperança. Se a impostora cometesse um erro nesse capítulo, ele desconfiaria e arrancar-lhe-ia a verdade, denunciando as intenções dos Soviéticos.

 

No instante imediato, o horizonte tornou a apresentar-se-lhe tenebroso. É certo que a Segunda Dama poderia cometer um deslize, mas também existia a possibilidade de actuar convenientemente e a operação triunfar. No fundo, havia cinquenta por cento de hipóteses para cada lado.

Não obstante, havia outra esperança, que quase esquecera: a mulher de meia-idade que vira na sala de recepção do Ministro da Cultura, quando tentava esquivar-se aos guardas do K. G. B. A abismada Mrs. White, do Texas, representante do museu de Houston. Billie rogara-lhe que procurasse o embaixador americano e repetisse o que acabava de lhe revelar.

A questão consistia em saber se o faria.

Ao fim da tarde, a temperatura ainda era amena, e Mrs. Louise White, de Houston, Texas, transpirava em virtude da actividade que desenvolvera ao longo do dia.

Deteve-se na Rua Tchaikowski, um nome deveras romântico, para consultar o guia, mais uma vez. Sim, não havia dúvida de que se encontrava na artéria que lhe interessava. O endereço da embaixada americana em Moscovo situava-se na Rua Tchaikowski, números 19 a 23. Por conseguinte, o seu destino não podia ser longe dali, e recomeçou a andar.

 

Apesar de ter todos os motivos para se sentir contente, assolava-a uma apreensão estranha. Deslocara-se à União Soviética num voo charter com um grupo de protectores das artes que pousara em Leninegrado e a visita ao Eremitério constituíra   uma   experiência   memorável.   No   entanto, digressões de natureza turística não representavam o único objectivo da viagem de Mrs. White. Na realidade, fora enviada para desempenhar uma missão. A finalidade fundamental da sua deslocação consistia em se avistar com o Ministro da Cultura da U. R. S. S., no Kremlin, a fim de discutirem a possibilidade de conseguir o empréstimo de trinta pinturas impressionistas francesas na posse da União Soviética, para figurarem na importante exposição que o Museu das Belas Artes de Houston tencionava organizar, dentro de um ano. O ministro revelara-se atencioso e receptivo e prometera apresentar o assunto aos superiores, a fim de dar uma resposta no prazo máximo de um mês.

Para Louise White, fora uma entrevista agradável e bem sucedida, perturbada apenas pelo peculiar incidente na sala de recepção. Quando abandonara o Kremlin, decidira esquecei o encontro com a mulher alucinada e a sua improvável pretensão de que era a   Primeira   daama americana. Assim, reunira-se ao seu grupo, disposta a aproveitar o melhor possível a breve estada em Moscovo, contudo, perdera o interesse pelo que via. O incidente no Kremlin não lhe saía do pensamento. A loura que a abordara parecia-se de facto com Billie Bradford e suplicara-lhe que procurasse o embaixador americano. Na verdade, deixava transparecer profundo desespero. Alucinada ou não, o seu pedido merecia atenção. Pelo menos, Mrs. White era dessa opinião, ainda que se arriscasse a fazer figura ridícula.

 

Assim, depois de escutar as instruções fornecidas pela guia da Intertourist sobre o modo de funcionamento dos telefones russos, separou-se do grupo, procurou o número da embaixada americana na lista de uma cabina, depositou uma moeda de dois kopeks na caixa e marcou o 252-00-11. Quando atenderam, pediu para falar com o embaixador Youngdahl sobre um assunto urgente, mas a telefonista ligou a um , funcionário chamado Heller, o qual, depois de inteirado do ; que ela pretendia, embora não da sua natureza exacta, sugeriu que se dirigisse à embaixada.

Cinco minutos depois, Mrs. White encontrava-se diante do edifício de nove pisos, com janelas protegidas por estores de alumínio e telhado coroado por um labirinto de antenas e cabos. Certificou-se do endereço e avançou para a entrada, mas foi interceptada por dois guardas armados do K. G. B., aos quais exibiu, orgulhosamente, o passaporte dos Estados Unidos. Um deles comparou a fotografia com o original, mostrou-se satisfeito e fez sinal para que passasse.

 

Uma vez junto da porta, premiu o botão da campainha e apercebeu-se de que era alvo de inspecção através da câmara de um circuito fechado de televisão. Segundos depois, uma voz incaracterística perguntava-lhe, por meio de um altifalante, o nome, nacionalidade e motivo da visita, ao que ela respondeu pacientemente. A seguir, indicaram-lhe que aguardasse e, transcorridos cerca de dois minutos, a porta abriu-se.

 

Mrs. White entrou sem hesitar e um homem alto, magro, de expressão algo ausente e fato castanho apresentou-se como sendo Heller. Se tivesse a gentileza de o acompanhar ao seu gabinete, discutiriam o «assunto urgente».

 

Vim para falar com o embaixador replicou ela com firmeza.

 

Heller, com ares de quem previa que a visitante provocaria dificuldades, observou com a maior amabilidade ao seu alcance:

 

Receio que não seja possível, com tão pouca antecedência. O embaixador Youngdahí encontra-se numa reunião que se deve prolongar até à noite.

 

Preciso falar-lhe com urgência.

 

Mas está ocupado, como acabo de dizer

 

Eu espero.

 

Se me revelar a natureza do que pretende, providenciarei para que ele tome conhecimento oportunamente.

 

Não.

 

Assim, disporíamos de tempo para combinar uma entrevista futura.

 

Não.

 

O vaivém de palavras continuou, porém Louise White não estava disposta a deixar-se dissuadir. Na sua terra natal, era bem conhecida pela firme determinação. Quando havia necessidade de promover diligências difíceis junto das autoridades, era sempre ela a escolhida para o efeito. Fora exactamente por esse motivo que a administração do Museu das Belas Artes de Houston a preferira para se deslocar a Moscovo e avistar-se com o Ministro da Cultura russo, a fim de conseguir o empréstimo das obras dos impressionistas franceses.

 

Por conseguinte, Heller estava derrotado à partida e, passados cinco minutos, capitulou, para que a confrontação não redundasse numa cena acalorada. com um suspiro de resignação, indicou-lhe que aguardasse e pegou num telefone da mesa da Recepção, falando a meia voz durante uns momentos. Por fim, inclinou a cabeça, pousou o auscultador virou-se de novo para Mrs. White.

Muito bem. O embaixador vai recebê-la, mas apenas por uns minutos, pois não se pode ausentar por muito tempo da reunião que mencionei. vou acompanhá-la ao seu gabinete.

Instantes depois, Louise White encontrava-se sentada diante da secretária do embaixador Otis Youngdahl, que parecia empenhado em arrumar meticulosamente os papéis na sua frente, ao mesmo tempo que esboçava um sorriso!

Tentava mostrar-se atencioso.

De que se trata, Mrs. White?

 

Tem a certeza de que estamos sós? perguntou com um olhar desconfiado em volta.

Sem dúvida.

 

Não é isso. Refiro-me a microfones ocultos.

 

Quer saber se os Russos instalaram um sistema para escutar o que se passa na embaixada? Youngdah não pôde evitar uma expressão divertida. Custa-me a crer embora nunca se possa afirmar com segurança, nos tempos que correm.

 

Nesse caso, não podemos falar. Seria muito perigoso para mim.

 

Reconheceu que a situação se poderia prolongar indefinidamente, além do que sentia certa curiosidade em se inteirar do que aquela turista do Texas considerava tão importante e secreto, pelo que resolveu deixar-se arrastar ao sabor da corrente impelida pela visitante.

Bem, dispomos de um gabinete à prova de som, na cave, onde se realizam as conversas de carácter confidencial.

Minutos depois, achavam-se numa espécie de cubículo que continha unicamente uma mesa e meia dúzia de cadeiras e Indicando a   Mrs. White que se sentasse, o embaixador explicou:

Esta área encontra-se protegida contra a penetração de ondas electromagnéticas. As paredes têm um revestimento de aço, com um emaranhado de fios no interior, para impedir a passagem de sinais de rádio e captação por Parti de dispositivos de escuta. Instalou-se do outro lado dá mesa e acrescentou: Parece-lhe que estão reunidas condições para que possa falar?

 

Ela assentiu, excitada, e principiou a explicar o motivo da sua visita a Moscovo, a entrevista com o Ministro da Cultura soviético e presença no Kremlin, naquela tarde, para o efeito.

Encontrava-me na sala de recepção, à espera que ele me recebesse, quando aquilo aconteceu. Foi incrível.

 

Fez uma pausa para reunir todos os pormenores do incidente e o embaixador aproveitou para inquirir:

 

O quê? Descreva tudo, por favor.

 

Estava sentada, muito sossegada da vida, quando uma mulher jovem, loura, entrou, ofegante. Parecia que fugia de alguém e procurava um esconderijo. De repente, viu-me e perguntou se falava inglês. Expliquei-lhe quem era, e ela pegando-me no braço, suplicou que a ajudasse e disse mais ou menos o seguinte: «Quando sair daqui, dirija-se à embaixada americana e peça para falar com o embaixador Youngdahl, que é meu amigo. Diga-lhe que estou prisioneira no Kremlin e outra se faz passar por mim.» Olhei-a com atenção e de facto parecia-se com alguém cujo rosto vi diversas vezes na televisão e nos jornais. Acrescentou que era Billie Bradford, esposa do Presidente. Naquele momento, a secretária do ministro mandou-me entrar e ela voltou a sair precipitadamente. Mais tarde, quando me reuni ao meu grupo, pus-me a pensar no assunto e admiti que se parecia na verdade com Mrs. Bradford, pelo que considerei meu dever comunicar-lhe o incidente.

 

Youngdahl conservou-se silencioso por uns segundos, ao mesmo tempo que contemplava a interlocutora, como se estivesse em presença de alguém que se lhe dirigira para anunciar que tivera um encontro com o piloto de um OVNI.

 

Agora que desabafara, o episódio dir-se-ia mais improvável que nunca, e Mrs. White agitou-se com desconforto ante o olhar perscrutador.

 

Confesso que não sei o que concluir do que me acaba de revelar. Quando se verificou o... o encontro com a jovem loura?

 

Pouco depois das duas da tarde.

 

E pareceu-lhe que era a Primeira Dama?

 

Ela afirmou-o.

 

Qualquer pessoa o pode dizer, por brincadeira ou desequilíbrio mental.

 

De acordo. Mas devo confessar que se parecia com Mrs   Bradford.

 

Alguma vez lhe falou... ou viu de perto? perguntou o embaixador, reclinando-se na cadeira.

 

Só na televisão. Mrs. White sentia-se algo confusa. Compreendo que isto se lhe afigure bizarro, mas foi o que aconteceu.

Permita-me uma pergunta de natureza pessoal. continuava   a   olhá-la   com   curiosidade. Quando   viaja costuma tomar algum medicamento?

Quer dizer,

Daqueles que provocam sonolência ou efeitos similares.

 

Não.

 

Já tinha almoçado, quando se dirigiu ao Kremlin?  

 

Sim, com o grupo.

 

Houve cocktails?

 

Garanto-lhe que estava tão sóbria como neste momento. Desta vez, Mrs. White empertigou a cabeça, melindrada. Procurei-o como faria qualquer cidadão americano! consciente do seu dever. Pensa que procedi mal?

 

Não, de modo algum. Youngdahl coçou a cabeça pensativamente e inclinou-se para a frente. Só lhe posso dizer o seguinte: A Primeira Dama dos Estados Unidos encontra-se em Londres, com o Presidente. Ainda ontem falei com ela. Não podia deslocar-se a Moscovo repentinamente sen que eu fosse informado...

 

Não sei que mais possa dizer, senhor embaixador. atalhou ela, com veemência. A mulher em causa afirmou que a mantinham prisioneira e alguém se fazia passar por ela. Ela Pediu-me que o informasse e limitei-me a agir como me pareceu que devia.

Procedeu de forma a todos os títulos louvável assentiu ele, com um leve sorriso. Trata-se, na verdade, de um incidente singular. Levantou-se e conduziu-a para a saída. Asseguro-lhe que procurarei aprofundar o assunto com os meios à minha disposição. Estou-lhe muito grato por Mo revelar. No corredor, encontrava-se o secretário, ao qual indicou:Acompanhe Mrs. White à saída, por favor.

- Esta última principiou a afastar-se, mas não sem detectar o olhar de inteligência trocado pelos dois homens. «A época alta do turismo, traz sempre excêntricos, parecia ser o seu significado.

 

Sentiu-se revoltada, sem que, todavia se arrependesse da atitude que assumira.

 

Em seguida, perguntou-se quem seria na realidade a a infortunada mulher que vira no Kremlin e que lhe teria acontecido

 

A área de trabalho do Presidente Bradford no Hotel Claridge consistia numa ampla suite, que comunicava, por meio de um pequeno corredor, com os seus aposentos. Subdividia-se num círculo de gabinetes que circundavam a dependência mais espaçosa, onde funcionava o do Presidente. O mais importante desses gabinetes-satélites era o utilizado pela sua secretária, Dolores Martin, o qual dispunha de uma porta para o corredor do hotel, outra para o do Presidente e uma terceira para os restantes.

 

Agora, ao fim da tarde, Nora Judson era a única ocupante de todo aquele complexo de trabalho.

 

Como o Presidente pretendera que a sua secretária a acompanhasse a uma reunião com jornalistas, Nora acedera em substituir Dolores Martin por umas horas, antes de jantar com Guy Parker.

 

Assim, sentava-se à secretária desta última e tentava concentrar-se na elaboração do programa da Primeira Dama para o dia seguinte, embora o espírito se desviasse com insistência para Parker e as profundas suspeitas que os assolavam acerca de Billie Bradford.

 

De súbito, ouviu a campainha do telefone pessoal do Presidente no gabinete contíguo e depreendeu que se tratava de uma chamada do estrangeiro. Por conseguinte, levantou-se com prontidão, precipitou-se para a secretária de Andrew Bradford e levantou o auscultador.

 

Fala do gabinete do Presidente Bradford.

 

Billie? É Otis, de Moscovo.

 

Calculou que se tratava do embaixador Otis Youngdahl e tratou de esclarecer:

 

Não, senhor embaixador, é Nora Judson, secretária de Imprensa de Mrs. Bradford.

 

Ah, como está, Nora?

 

Óptima, obrigada. Deseja?...

 

Gostava de falar com o Presidente. Está disponível?

 

De momento, não. Recebe um grupo de jornalistas, mas posso transferir a chamada para lá.

 

Não merece a pena. Estou a saborear uma bebida, após um dia de trabalho, e apeteceu-me conversar um pouco com ele. Queria saber como decorrem os trabalhos, na Cimeira. Voltarei a ligar noutra altura.

 

A Cimeira ainda não principiou oficialmente. A primeira sessão inicia-se amanhã. No entanto, comunicarei ao Presidente que telefonou.

 

Obrigado, Nora. Billis está aí perto?

 

Também saiu. Foi a uma recepção promovida pela embaixada do Boende.

 

Não tem importância. Queria apenas falar-lhe de um episódio divertido desta tarde. Já agora, vou descrever-lho, para que depois a informe e riam juntas.

 

Sem dúvida.

 

Pergunte-lhe se sabe que se encontra em Moscovo, neste momento prosseguiu Youngdahl, com uma risada. Uma turista americana de Houston procurou-me para afirmar que viu Billie Bradford no Kremlin, esta tarde.

 

Voltou a rir e narrou a visita de Mrs. White, a qual insistira em que a Primeira Dama se encontrava prisioneira dos Soviéticos e alguém ocupava o seu lugar.

 

Segurando o auscultador com os dedos crispados, Nora apresentava uma expressão lívida, enquanto escutava com ; fascinação crescente.

 

Embora só devessem encontrar-se à hora do jantar, ela localizou Guy Parker e implorou-lhe que comparecesse mais cedo, para tomarem cocktails.

Agora, sentavam-se a um canto isolado do salão do Claridge, e ele deixava transparecer profunda concentração, enquanto Nora falava.

 

Repetia o que o embaixador Youngdahl lhe revelara acerca da visita da turista americana, a qual alegava ter-se encontrado, no Kremlin, com uma mulher que afirmara ser Billie Bradford, e concluiu:

 

Por fim, a suposta Billie afirmou que alguém se fazia passar por ela e afastou-se correndo.

 

Disse mesmo que alguém se fazia passar pela Primeira Dama?

 

Parece que sim, segundo as palavras do embaixador.

 

E que estava prisioneira no Kremlin?

 

Exacto.

 

Parker levou o copo aos lábios antes de perguntar:

 

Youngdahl parecia encarar o assunto a sério?

 

Pelo contrário. Achou-o divertido e riu-se várias vezes   durante a descrição.

 

Como reagiste?

 

Como querias que reagisse? Vi-me obrigada a rir também. Não podia fazer outra coisa.

 

Tencionas repeti-lo à nossa Primeira Dama?

 

Ainda não sei. Por um lado, gostava de ver como se comportava. Mas, por outro, não quero que fique de pé atrás. Que achas?

 

É melhor guardares silêncio. O instinto indica-me que esqueçamos o episódio.

 

Está bem.

 

Que te parece tudo isso?

 

Provoca-me calafrios.

 

É claro que existe a possibilidade de Youngdahl ter razão proferiu Parker, pensativamente. A mulher de Houston pode não passar de uma turista com excesso de imaginação. Provavelmente, o incidente nunca aconteceu ou então a pretensa Billie não regula bem. Em todo o caso, atendendo às suas suspeitas, se fosse verdade explicar-se-iam muitas coisas.

 

Muitas concordou   Nora. Mas   como   pode   ser verdade? Que Billie se encontre aqui, vítima de lavagem ao cérebro, ainda admito. Agora, substituída por uma impostora, é uma hipótese que não me atrevo a conceber. Como se atreveriam os Russos a fazer uma coisa dessas?

 

Talvez tenhas razão. De facto, parece uma fantasia incrível. No entanto, tudo é possível. Em particular, à luz dos outros elementos que possuímos. Isto, agora, vem confirmar as nossas suspeitas.

 

Terminaram as bebidas e ele chamou o empregado para pedir novas doses. Quando o homem se afastou, Nora murmurou com uma expressão apreensiva:

 

Que podemos fazer? Confesso que não vejo...

 

Dizer ao Presidente.

 

Ao Presidente? Franziu os lábios, com ar céptico. Procurá-lo sem dispormos de factos? Chamava-nos loucos e despedia-nos ou mandava encerrar no manicómio.

 

É possível. Ou talvez não o fizesse. Depende. E se porventura ele tiver suspeitas da mesma natureza? As nossas informações serviriam para as reforçar e obrigá-lo a conservar os olhos abertos.

 

Não podemos provar absolutamente, Guy. Ele está convencido de que tem a sua querida Billie, e talvez seja verdade. Se lhe divulgamos isto, numa altura em que crê nela, perdemos a confiança que lhe merecemos. E se lho repetir entre os lençóis, ela corre imediatamente comigo, seja ou não Billie. E contigo também. A partir de então, nada mais poderíamos averiguar.

 

Que sugeres que se faça?

 

Aguardamos os acontecimentos e mantemo-la sob vigilância, sempre que possível, à espera de um focubá mais flagrante, de um facto real.

Parker pegou no copo e levou-o aos lábios com uma expressão meditativa, consciente do que acabava de se instalar no espírito. Até ali, esforçara-se por negar a existência. Tratava-se do desejo quase embaraçoso de participar num sistema de governo que se habituara a respeitar e desejara influenciar e melhorar. Constituíra um factor para se tornar um dos escritores de discursos. Deixara-se afastar do centro de acção, quando acedera em ser colaborador de Billie. Fora dominado pelo encanto dela e pelo dinheiro. Agora, porém, voltava a ser atraído para o centro

Acidentalmente, ou talvez não, mas através de uma agudeza de observação, deparara-se-lhe algo susceptível de representar uma ameaça monumental a um sistema de vida que lhe era caro. Ele, só, despertaria o gigante sonolento. Se não lograsse melhorar o sistema, pelo menos concorreria para preservar a sua parte melhor. Sabia que não podia comunicar, esta maneira de pensar, pois assemelhar-se-ia ao texto arrancado de uma página do manual do escuteiro. Mesmo aos ouvidos de Nora. Os adultos não raciocinavam nem falavam assim. ”

Por fim, voltou a concentrar-se nela. Que acabava de dizer? Aguardamos os acontecimentos... à espera de um faux pas, de um facto real.

 

A expectativa é uma posição muito passiva para mim. Creio que vou fazer um pouco mais. Tenciono vigiar os Movimentos de Billie. Doravante, não a perderei de vista. Segui-la-ei como uma consciência culpada.

Não sei... Se te aproximares de mais, podes magoar-te.

 

Se não o fizer, magoamo-nos todos.

 

O aparecimento de Billie Bradford, ou de quem se fazia passar por ela, no átrio do Claridge, foi inesperado e apanhou Guy Parker desprevenido.

 

Era o princípio da tarde seguinte, e ele abandonara o seu quarto claustrofóbico, cerca de uma hora antes, para se sentar no átrio, ler os tópicos principais dos jornais, rever parte dos seus últimos apontamentos e passar o tempo entre a uma e as quatro, hora a que se devia encontrar com Billie Bradford, a fim de trabalharem na autobiografia

 

Consagrara a manhã à preparação do que revelara a Nora que devia fazer: vigiar de perto a possivelmente falsa Primeira Dama. Para o efeito, alugara um dispendioso Jaguar azul-escuro, rápido e facilmente manobrável, apropriado para o tráfego citadino e para a estrada, depois de se habituar à condução à esquerda. Gratificara um dos porteiros do Claridge para que lhe reservasse um espaço para estacionamento diante da entrada de Brook Street e em seguida procurara Nora, a fim de se inteirar do programa de Billie Bradford para aquela tarde, verificando, desapontado, que não sairia nem receberia ninguém antes do seu encontro, às quatro. Depois, como o Presidente estava ocupado, assistiria a representação de uma comédia musical, na companhia de Penelope Heaton, esposa do Primeiro-Ministro britânico, Para finalmente cear com a comitiva no Mirabelle, em Curzon Street.

 

Entretanto, restava-lhe preencher as horas de ociosidade até ao momento da sessão com ela. Por conseguinte, conservava-se no átrio, lendo distraidamente, quando erguera os olhos por casualidade e a vira emergir do elevador.

 

Constituía na verdade uma surpresa avistá-la sem os agentes do Serviço Secreto, porém Parker não tardou a admitir que pudera esquivar-se-lhes com relativa facilidade atravessando parte do labirinto de suites existentes no primeiro piso, tinha possibilidade de os evitar, subir ao segundo andar e meter-se aí no elevador. Era óbvio que não desejava ser reconhecida ou seguida. Além de ocultar os cabelos louros sob um chapéu de abas largas, dissimulava os olhos atrás de uns óculos escuros de dimensões apreciáveis e a parte inferior do rosto por meio da gola levantada de um casaco de linho. A camuflagem poderia iludir um observador casual.

Todavia Parker identificou-a com prontidão.

 

Guardou apressadamente os papéis na pasta e, mantendo uma curta distância entre ambos, seguiu-a através da porta de Brook Street, após o que se encaminhou para a esquina da Davies Street, em direcção ao Jaguar.

Acabava de ligar o motor e afastar-se da berma do passeio quando a viu subir para um táxi, que principiou a mover-se com lentidão. Não sem uma ponta de impaciência.

Parker aguardou que outro carro se interpusesse e seguiu o táxi.

Este cortou à direita para Bond Street, depois de novo à direita para Bruton Street e não tardou a atravessar a BERKWAY Square. Ele não fazia a mínima ideia do destino de Billie, porém o rumo que tomava parecia indicar que se situava no West End. Não experimentou dificuldades em a seguir Através de Fitzmaurice Place e Curzon Street, à parte dos cruzamentos, pois necessitava de prestar atenção aos semáforos, e viu-se forçado a ignorar o vermelho por duas vezes para não perder o táxi de vista.

 

Pelo caminho, depararam-se-lhe vários postos de venda de jornais, que exibiam o Evening News e o Evening Standar, a com largas parangonas sobre a abertura da Cimeira Americano-Soviética.

com efeito, os trabalhos haviam sido iniciados na embaixada soviética, naquela manhã, e Parker tomara conhecimento   do   relatório preliminar   da   primeira   sessão   por intermédio do secretário de Imprensa do Presidente. Tint l Hibberd, durante o almoço. Bradford expusera um pacto mútuo de não-intervenção, sem armamento, conselheiros ou   tropas exportados para qualquer nação africana pelos Estados Unidos ou União Soviética. O Primeiro-Ministro Kirechenko, por seu turno, replicara com a sua versão. Em princípio, concordava com a proposta de não serem enviadas tropas para qualquer país africano pelas duas superpotências mas insistira em que algumas nações daquele continente necessitavam de armamento para se defenderem dos vizinhos mais agressivos. Nenhuma das partes aludira directamente ao Boende.

 

Na opinião de Parker, a posição russa parecia ser a de ganhar tempo. Mas ganhar tempo para quê? Havia uma explicação, ainda que forçada. Se Billie Bradford não fosse quem parecia e, ao invés, uma impostora soviética, Kirechenko tinha motivos para assumir aquela atitude. Podia aguardar informações sobre os planos secretos do Presidente, fornecidos pela suposta Primeira Dama ou por uma Billie Bradford à qual haviam efectuado uma lavagem ao cérebro. A audácia de semelhante empreendimento dir-se-ia, porém, achar-se fora dos limites do admissível.

 

Espreitando por cima do volante do Jaguar, viu o táxi voltar à direita para Hyde Park Comer e prosseguir ao longo de Grosvenor Crescent. Entretanto o carro entre ambos mudara de rumo, pelo que Parker necessitava de redobrar de precauções.

 

Mais adiante, o táxi enveredou por Motcomb Street, onde, um pouco antes de metade da artéria, Parker descortinou a entrada de uma transversal que ostentava os dizeres ARCADA HALKIN. Ao mesmo tempo, viu a Primeira Dama inclinar a cabeça e o outro veículo encostar ao passeio, pelo que ele decidiu prosseguir cerca de duas dezenas de metros e parar igualmente. Em seguida, desligou o motor e voltou-se para trás. Billie acabava de pagar ao motorista e recusava o troco com um gesto. Verificando que principiava a atravessar a rua, apeou-se e seguiu-a à distância.

 

Deixou-a desaparecer na esquina e estugou o passo até se encontrar à entrada da Arcada Halkin. Depararam-se-lhe duas fiadas de estabelecimentos requintados e lobrigou Billie no momento em que parecia ter alcançado o seu destino. Na verdade, viu-a impelir uma porta e entrar sem hesitação.

 

Parker tratou de averiguar a natureza da loja, e avançou com precaução, pois se fosse descoberto não encontraria qualquer explicação aceitável para a sua presença no local. por fim, conseguiu ler as letras douradas por cima da entrada: LADBURY DE LONDRES.

 

Ladbury, o costureiro que visitara a Casa Branca, na semana anterior, acompanhado pela assistente, a fim de proceder às provas finais do guarda-roupa encomendado pela Primeira   DAMA

 

Que pretenderia ela do homem, naquele momento? pi que o visitava tão sub-repticiamente?

 

Especulando sobre a possível razão de uma digressão tão furtiva, Parker passou diante do largo escaparate e foi postar-se atrás de uma coluna, na extremidade oposta da arcada, disposto a aguardar que ela reaparecesse.

Na loja de modas, Ladbury, elegante até ao exagero, como sempre, movia-se à frente de Vera Vavilova, em direção ao seu gabinete, nas traseiras. A seguir, fechou a porta indicou à mulher que se sentasse, e só então deixou transparecer o desespero.

 

Sabe perfeitamente que só devia   procurar-me no caso...

De uma emergência cortou ela. Pois bem, surgira uma.

 

Como conseguiu esquivar-se? Os gorilas do Serviçffl Secreto acompanharam-na?

 

Evidentemente que não. Safei-me sem que dessem! por isso. Atravessei a suite de trabalho de Tim Hibberda desemboquei noutro elevador, subi ao segundo andar pela escada e meti-me no elevador até ao átrio. Foi fácil.

 

Tem a certeza de que ninguém sabe que está aqui?

Absoluta. Pare de tremer e preste atenção. Estou em apuros e preciso da sua ajuda.

 

É essa a minha função. Continue.

 

O Presidente devia reatar as relações sexuais com a mulher, amanhã à noite.

 

Já sabia.

Pois, esta manhã disse-me que não queria esperar | mais. Estava-se nas tintas para as indicações da ginecologista e tinha a certeza de que me encontrava curada. Por- tanto, quer recomeçar esta noite.

Tentou dissuadi-lo?

 

Alguma vez experimentou desencorajar um homem   em jejum há várias semanas? O mais suavemente possível, esforcei-me por convencê-lo de que devíamos aguardar mais vinte e quatro horas Não serviu de nada. Portanto, capitulei   e declarei que também não aguentava mais.

 

Nesse caso, é mesmo esta noite? murmurou Ladbury, visivelmente preocupado.

 

E palpita-me que está disposto a revelar pormenores sobre os seus planos quanto ao Boende... depois de termos relações. Tentei obter a informação antes, sem resultado.

NO Entanto, tenho a certeza que hoje falará.

 

     Vera fez uma pausa. Mas desconfio que dará tudo para o torto, uma vez que continuo sem saber como devo comportar-me na cama. Um movimento errado e ele notará que não procedo como a esposa. Nem quero pensar no que acontecerá. Se desconfia...

 

Acalme-se, por favor.

 

Não posso! Que têm feito aqueles imbecis em Moscovo, durante todo este tempo? Por que não sugerem alguma coisa? Diga-lhes que, se a situação se mantém, desisto.

 

Está bem aquiesceu ele, levantando-se. Mas não se descontrole. Aguarde pacientemente. Alguém contactará consigo até logo à noite. Prometo-lhe. vou chamar um táxi.

 

Guy Parker regressou ao Claridge pouco depois de Billie Bradford, dirigiu-se ao quarto para recolher o gravador e compareceu na suite presidencial para a prevista sessão com a Primeira Dama.

 

Agora, sentado diante dela, com o aparelho entre ambos, reflectia que havia quase cinquenta minutos que abordavam pormenores acerca do primeiro ano de Billie na Casa Branca. Por conseguinte, preparou-se para sugerir outro tópico e ia formular a primeira de uma série de perguntas, quando o Presidente entrou, imerso em cogitações. Tirou os óculos de aros de tartaruga, guardou-os no bolso do lenço do casaco e encaminhou-se para o bar ao canto.

 

Olá, Andrew saudou ela.

 

Ah, como vai isso, querida? Bradford aproximou-se dela e beijou-a na face. Olá, Guy.

 

Não te esperava tão cedo declarou Billie. Como correram as coisas?

 

Como previmos, Kirechenko mostrou-se cordial, mas as divergências não tardaram a surgir. Não vai ser fácil. Em todo o caso, creio que conseguiremos impor o nosso tratado. O Presidente esboçou um sorriso. Ainda ficaram a discutir. Resolvi consagrar algum tempo a minha mulher e descansar um pouco antes do jantar.

 

Excelente ideia aprovou ela.

 

E tu, tiveste um dia cansativo? Saíste? Foste ver alguma coisa?

 

Não fiz absolutamente nada. Conservei-me aqui, fechada. Não pus os pés lá fora. Virou-se para Parker. É melhor darmos por terminada a sessão, Guy. Obrigada. Talvez continuemos amanhã. Consulte Nora.

 

O interpelado apressou-se a pegar no gravador e despedindo-se, abandonou a suite.

 

Ansiava por falar com Nora e foi bater à porta do quarto. A voz abafada dela perguntou prontamente quem era e mandou-o entrar.

Cocktails? sugeriu Parker, apontando para as várias garrafas no aparador.

 

Porque não? Nora pousou a caneta na secretária onde despachava a correspondência oficial. Parece qui u que mais fazemos aqui é beber.

 

Talvez com bons motivos volveu ele, colocando gravador em cima da televisão.

 

Alguma novidade, hoje?

 

Uma. Terminou de preparar as bebidas e estendeu um dos copos a Nora. Em seguida, ligou o gravador, fez passar a fita até ao ponto que lhe interessava e explicou: Estava a trabalhar com Billie, quando o Presidente entrou, há momemtos. Como tinha isto a funcionar, o elucidativo diálogo ficou gravado. Presta atenção.

 

Premiu uma tecla, regulou o volume do som e a voz de Andrew Bradford brotou do pequeno altifalante.

 

«E tu, tiveste um dia cansativo? Saíste? Foste ver alguma coisa?»

 

E a Primeira Dama replicou:

 

«Não fiz absolutamente nada. Conservei-me aqui, fechada. Não pus os pés lá fora.»

 

Desligou o gravador e voltou-se para ela.

 

Que te parece?

 

Não notei nenhuma anormalidade. Ela na verdade não saiu em todo o dia. Não havia nada previsto no programa.

 

Não? Custa-me contradizer-te, mas vi-a abandonar o hotel quando me encontrava lá em baixo, no átrio.

 

Tens a certeza?

 

Absoluta.

 

Só ou com o Serviço Secreto?

 

Só. E não utilizou a limusina. Preferiu um táxi.

 

É estranho. Sabes aonde foi?

 

Claro, uma vez que a segui. A loja de modas de   Ludbury.

 

O costureiro? Não percebo para quê, pois ele deslocou-se a Washington, a semana passada, propositadamente para as últimas provas. Aliás, quando chegámos, estava tudo à sua espera, no hotel. Porque o terá procurado, agora?

 

Sim, é possível. Não faz sentido.

Acho que faz muito sentido, se não é a Primeira Dama precisava de contactar com os soviéticos.

 

Pensas que Ladbury é um intermediário deles?

 

Admiras-te? vou investigar esse Ladbury a fundo.

 

Como?

 

com a ajuda do Presidente.

 

Tencionas mesmo falar-lhe das   nossas suspeitas?

 

Que remédio.

 

Não sei, Guy..   No entanto, há uma coisa que me

 

intriga?

 

Qual?

 

Se a nossa Dama não é a Primeira, que pretende do seu «contacto»? Que problema se lhe deparou?

 

Essa é a grande incógnita, prezada amiga.

 

Na suite do Kremlin, ao princípio da noite, Billie Bradford entregava-se a profundas reflexões.

 

Na véspera, analisara o assunto demoradamente em todas as suas facetas, até que se deixara vencer pelo sono, e, de manhã, reatara as cogitações até àquele momento.

 

Alex Razin constituía a personagem-chave das suas considerações, e uma olhadela ao relógio indicou-lhe que surgiria dentro de cerca de quinze minutos, para a visita obrigatória. Mas com uma diferença: agora procurá-la-ia à noite e não à tarde, pormenor que decerto se revestia de significado especial.

 

De início, aguardara a sua aparição com ansiedade, pois julgava-o atencioso e empenhado em a tranquilizar. Agora, porém, sabia que era membro do K.G.B., um agente inimigo, incumbido da missão de lhe conquistar a confiança. E a finalidade apresentava-se com clareza: ajudar a Segunda Dama em apuros, numa operação destinada a destruir a posição do Presidente

 

Na realidade, detestava Razin solenemente, desde o momento em que se inteirara da verdade a seu respeito. Não lhe apetecia tornar a ver o bastardo, o traidor imundo, o repelente agente do K.G.B. Contudo, se isso era inevitável, congratulava-se por acontecer à noite e não durante a tarde. Precisara de todo o dia para determinar a atitude que assumiria, a maneira de o enfrentar. Achava-se perto da decisão final, mas ainda queria reflectir mais um pouco.

 

Dez minutos bastariam.

 

Verteu uma dose generosa de conhaque num copo,

adicionou água e recapitulou mais uma vez o seu debate interior.

em seguida, tomaria a resolução que lhe parecesse mais adequada à situação.

 

Reclinada no sofá, enquanto ingeria a bebida com lentidão, ponderou a questão de fundo, a pergunta que exige uma resposta. Uma vez que Andrew, seu marido, teria relações sexuais com a impostora, na noite seguinte, pela primeira vez, de que forma procederia e reagiria ela para não se denunciar?

Antes de poder considerar qualquer possibilidade, viu as reflexões distraídas por uma imagem no espírito. Andrew desnudo, na noite imediata, deitado ao lado de uma intrusa também despida, e acabando por possuí-la. com um esforço repeliu-a, insistindo em recordar que o marido não fazia a mínima ideia do que ocorria. O mais importante consistia no papel que ela, Billie, desempenharia e na sua sobrevivência!

Tudo indicava que os Soviéticos estavam desesperados!

Tinham de descobrir, e sem demora, como a impostora

Se devia comportar na cama com Andrew. Se ela actuasse por instinto e de maneira a corresponder à expectativa do Presidente, conquistar-lhe-ia a gratidão e confiança, inteirando-se, sem dúvida, do segredo que lhe interessava. Billie sabia que o marido, uma vez saciado o apetite sexual, costumava discutir as suas preocupações oficiais com ela. Portanto, revelaria a atitude a assumir na Cimeira. No dia seguinte, a Segunda Dama transmitiria a informação aos superiores, os quais fariam triunfar os seus pontos de vista na conferência.

 

Por outro lado, os Russos temiam que a impostora agisse erradamente na cama. Nessa eventualidade, Andrew compreenderia imediatamente que não se achava deitado com a sua Billie. com efeito, ele era uma criatura de hábitos, tanto entre os lençóis como fora deles, e aperceber-se-ia prontamente de qualquer alteração. Assim, um comportamento sexual invulgar por parte dela redundaria na descoberta do conluio soviético.

 

Portanto, havia cinquenta por cento de probabilidades a favor dos Russos, se a impostora actuasse ao sabor da inspiração do momento. Ora, a intuição segredava a Billie que , eles, depois de se aventurarem àquele extremo, não arriscariam tudo em semelhantes condições. Desejariam que se : registassem cem por cento de hipóteses favoráveis.

 

E como podia ela intervir no meio de tudo aquilo?

 

Era a única pessoa possuidora dos elementos que procuravam, e necessitavam de os obter naquela noite, para utilizarem na seguinte. De que modo tentariam extrair-lhos”? Em vez de Razin, o K.G.B. poderia enviar um dos seus algozes para a torturar até que falasse. No fundo, porém, Billie duvidava que recorressem a essa alternativa. Tão-pouco in-cumbiriam um estranho de a violentar, porque só conseguiriam obter uma imagem distorcida do seu comportamento na cama. O mais provável afigurava-se-lhe ser nova tentativa de Pazin para a seduzir.

 

Admitindo esta última possibilidade, como deveria ela reagir: resistir ou sucumbir? Qual a melhor alternativa na sua luta pela sobrevivência? O dilema pairava-lhe no espírito e psique, equilibrado uniformemente, desde a véspera. Agora, dispondo de poucos minutos, necessitava de se decidir.

Resistir. Se recusasse dormir com Razin, se o rejeitasse, o K G.B. nunca conheceria a verdade. Teria de lhe ordenar ou a outro que a violentasse friamente ou optar pela tortura. Qualquer dos casos implicaria dor, mas também a satisfação de que não se inteirariam do que pretendiam.

 

Sucumbir. Billie emergiria da provação ilesa, excepto no psique. Representava o caminho mais rápido para a sobrevivência, contudo eles obteriam uma aproximação da sua conduta na cama, informações para a impostora e, até certo ponto, uma vitória. Não obstante, o resultado não tinhia de ser forçosamente esse. A submissão também os poderia conduzir a um desaire total.

 

Sim, era possível proceder como eles queriam e converter a sua vitória numa derrota, aumentando ao mesmo tempo as hipóteses de sobrevivência. Deparava-se-lhe com clareza que, na submissão, subsistia mais opção a seu favor. Se fosse para a cama com Razin, sujeitar-se-ia voluntariamente ao contacto íntimo e permaneceria senhor a da situação. Poderia orientar as informações que ele recolhiesse por meio de reacções falsas, contrárias ao seu comportamento habitual. Desse modo, ao iludi-lo, contribuiria para o malogro das actividades da Segunda Dama e suscitaria as suspeitas de Andrew.

No fundo, tudo se lhe apresentava agora com notável simplicidade. Uma oportunidade para se salvar e ao marido. Na realidade, porém, talvez as coisas não fossem tão sinples como pareciam.   Subsistia um factor importante: permitir a penetração de outro homem. Nunca fora infiel a Andrew nem imaginara relações sexuais com mais ninguém. Apenas duas vezes, antes de casar, tivera ligações, embora de curta duração. Fazer amor friamente com um estranho bárbaro não se adaptava à sua natureza. Além disso, o homem que não tardaria a aparecer era um inimigo incumbido de uma missão destrutiva, merecia-lhe desprezo absoluto. Era um inimigo do seu espírito. Um inimigo do seu corpo. Um inimigo do seu marido, da sua pátria, de todos os ideais que perfilhava. A ideia de fazer amor com ele repugnava-lhe. No entanto, tal como dominara a contrariedade ante a imagem do marido deitado com outra mulher, por reconhecer que era vítima de uma mistificação, também reconhecia que a violação do seu corpo por Razin se podia reduzir a um mero exercício físico. As relações sexuais sem amor não violavam o corpo nem o espírito. O essencial era que aquele acto lhe facultaria os meios para prevenir Andrew. Razin constituía o único elemento condutor, através da impostora, que permitiria enviar-lhe uma mensagem de advertência.

 

Por conseguinte, que devia fazer? Resistir ou submeter-se?

 

Imersa em reflexões, preparou segunda bebida e encaminhou-se para o quarto, ingerindo-a com lentidão. Quando, o alcançou, tomara uma decisão inabalável. Sabia perfeitamente como devia proceder.

 

A partir daquele   instante, deixou de pensar no seu dilema. Decidira-se, e restava-lhe unicamente actuar em conformidade. com nova olhadela ao relógio, começou a despir-se, após o que entrou na casa de banho, meteu-se debaixo do chuveiro e deixou a água quente estimular-lhe o corpo. ’; Enquanto se secava, observou-se ao espelho e ficou satisfeita > com o que se lhe deparava: seios firmes, estômago liso, ancas   ”. generosas e pernas bem torneadas. Em seguida, lembrou-se de uma forma de protecção, um dispositivo contraceptivo.   , Preocupou-se com o facto por uns momentos, até que se   lembrou do estojo de casa de banho, que mantinha sempre   completo, mesmo nos intervalos entre viagens, para nunca se esquecer de nada. Quando ela e Andrew tinham efectuado tentativas para ter um filho, Billie incluíra o diafragma para uma eventualidade futura. Ainda lá estaria? Procurou a maleta e, abrindo-a, verificou que não se registava uma única omissão no conteúdo. Se não era o seu estojo originário, o K.G.B. reproduzira-o com a maior eficiência.

 

Com um suspiro de alívio, descobriu o diafragma, juntamente com um tubo de espermicida, preparou-o e introduziu-o na vagina.

 

A seguir, abriu uma gaveta da cómoda e escolheu uma camisa de noite translúcida, cuja bainha terminava abruptamente à altura dos joelhos, após o que enfiou um negligé rendado e apagou a luz do tecto, deixando aceso apenas o candeeiro da mesa-de-cabeceira.

 

Depois, concentrou-se na cama e retirou a colcha, para puxar o cobertor para baixo.

 

Satisfeita com o cenário que preparara, pegou no copo e esvaziava-o, quando viu Razin surgir à entrada. Naquela noite, parecia mais corpulento do que o recordava. Usava casaco castanho tipo sporf, camisa verde de gola aberta e calça bege, e ela notou, como se o visse pela primeira vez, que tinha ombros largos e musculosos e cintura fina.

 

A realidade da sua presença, aliada à recente decisão, infundiu-lhe um momento de pânico. Chegou a acudir-lhe a ideia de reconsiderar, mas reconheceu que o dever lhe impunha que a pusesse em prática. No entanto, carecia de apoio’ mais uma bebida.

 

Olá, Alex. Esperava que aparecesse.

 

Não podia perder a oportunidade de desfrutar da sua companhia replicou ele, despindo o casaco e colocando-o sobre o espaldar de uma cadeira.

 

Apetece-me   nova   dose de   conhaque com   água. Billie estendeu-lhe o copo vazio. Não abuse da água.

 

Também tenho sede admitiu o russo, aceitando-o e desaparecendo na sala contígua.

 

De caminho, ligue a telefonia. Ponha o som alto, para eu ouvir bem.

 

Enquanto a música brotava do altifalante com intensidade, ela inspeccionou o quarto mais uma vez e instalou-se no canapé, reclinando-se e permitindo que o negligé se abrisse, para expor a resumida camisa e extensão apreciável das pernas.

 

Ao mesmo tempo, esforçava-se por não imaginar Razin desnudo. Impunha-se que pensasse somente na sua motivação e no resultado final.

 

Quando regressou ao quarto com as bebidas, ele deteve-se junto da porta, para a admirar.

 

Muito cativante. É realmente, uma mulher bela, Billie.

 

É muito gentil.

 

Com moderação afirmou, entregando-lhe o copo qual continha o líquido mais escuro.

 

À sua brindou ela , por ser um homem tão atencioso e ter-me salvo a vida.

 

À sua replicou Razín, por iluminar a minha. Lamento que as circunstâncias não fossem diferentes. E sentou-se no chão aos pés dela.

 

Apesar disso, a vida não pode parar.

 

Decerto que não.

 

Portanto, vivamos um pouco. Billie levou o copo aos lábios e sentiu o calor do conhaque propagar-se à garganta e estômago, sob os seios, para lhe lhe provocar um leve aturdimento. Ao mesmo tempo, olhou-a! com curiosidade. Parecia surpreendentemente jovem e inocente, o que atribuiu ao efeito da bebida. Conservou o copo entre os lábios até que o esvaziou e pousou-o.

 

Como   se   sente? perguntou   ele,   contemplando-a com uma expressão cordial.

 

Nunca me senti melhor. E você?

 

Quer mesmo saber?

 

Com certeza.

 

Estou   loucamente apaixonado por si, Billie murmurou, pousando-lhe a mão no joelho exposto. Dava tudo para a possuir.

 

Também estive a pensar nisso admitiu ela, segurando-a entre as suas. Reconheço que procedi de forma insensata, ontem. Na realidade, desejo-o Muito. Não percamos mais tempo.

 

Após estas palavras, quase experimentou uma sensação de alívio. Agora, não podia voltar atrás.

 

Ele levantou-se e puxou-a para que o imitasse, numa tentativa para a abraçar, porém ela esquivou-se, murmurando, ofegante:

 

Não quero que haja a menor peça de roupa entre nós.

 

Não quero nada no meio. Vamos para a cama.

 

Movendo-se para lá, deixou o negligé deslizar para o chão e em seguida rodou lentamente nos calcanhares. Ele já despira a camisa e tirara os sapatos e começava a desapertar o cinto, para se desembaraçar das calças. Quando se endireitou, depois de sacudir as cuecas, agitando as pernas, o pénis erguia-se gradualmente e apontava para ela. Billie tentou abster-se de lhe cravar o olhar, mas não conseguiu.

 

Não era invulgarmente longo, todavia possuía um diâmetro respeitável.

 

Ajude-me a tirar isto, Alex rogou, erguendo os braços e voltando-lhe as costas.

 

Ele pegou na bainha da camisa de noite e fê-la sair pela cabeça, com um puxão abrupto. Em seguida, os braços possantes introduziram-se nas axilas dela e as largas palmas cobriram-lhe os seios. Ao mesmo tempo, o pénis exercia pressão nas nádegas, como o cano de um revólver. «Que Deus me acuda!», reflectiu ela, subitamente receosa e repugnada.

 

No momento imediato, ele largou os seios, levantou-a do chão e depositou-a na cama.

 

Os olhos de Razin fixavam-se no corpo desnudo na sua frente. Ela desejava cobrir a vagina, o umbigo, os mamilos, ocultar a nudez, vestir-se apressadamente e negar-se a semelhante farsa, mas era demasiado tarde. Assim, esforçava-se por não o olhar, determinada a conservar o domínio da situação e ter presente o que planeara, a finalidade da humilhação que trocava pela liberdade.

 

Por uns segundos fugazes, acolheu Andrew no pensamento um amante calmo, beijando-lhe os seios com suavidade, acariciando-lhe o corpo e friccionando ternamente a clitóride antes de se lhe colocar em cima. De lábios colados aos dela, o tronco dele descia, a pouco e pouco, entre as coxas, enquanto a erecção localizava a abertura palpitante e deslizava para o interior, iniciando o ritmo de vaivém crescente. Não se registavam movimentos além daquele. Permaneciam ambos passivos, à parte os impulsos rítmicos. Depois, aumentavam com rapidez até que Andrew atingia o clímax com uma exclamação abafada. Não pronunciavam uma só palavra. Seguidamente ele, deslocava-se um pouco para baixo e para o lado, estendia a mão para a clitóride e, transcorridos uns minutos, levava-a a contrair-se em espasmos irresistíveis, após o que se conservavam deitados de costas em silêncio, recuperando o alento, e ele começava a falar, para se referir às actividades do dia. Por último, fumavam um cigarro e adormeciam.

 

Tudo muito civilizado, confortável e terno.

 

Como ansiava por aquilo, nessa noite!

 

Sentiu o colchão afundar-se a seu lado em virtude do peso da realidade, e as evocações aprazíveis dissiparam-se. com profunda relutância, Billie abriu os olhos, ao mesmo tempo que o coração sofria um sobressalto. Eram horas de principiar.

 

Principiar o quê? E como?

 

Tentou evocar todas as recordações de livros e películas com situações similares que conhecia, a fim de se comportar como uma mulher que Andrew nunca vira.

Arqueou a parte superior do corpo desnudo na direcção de Razin, ombros inclinados para trás e seios globulares e firmes com bicos rosados ainda flácidos junto do rosto dele, num conjunto provocantemente ardente e convidativo. A reacção produzida foi instantânea. As mãos seguraram as suaves esferas por baixo, a boca beijou e sugou um dos mamilos, até que endureceu, e depois o outro. Ela gemia e pressentiu a excitação do parceiro forçado, no instante em que ergueu os joelhos. Os lábios abandonaram o busto e deslocaram-se para baixo, enquanto Billie adivinhava o seu objectivo final.

No entanto, ainda teria de aguardar um pouco.

Cravou-lhe as unhas no ombro e puxou-o com força. numa tentativa para o fazer subir de novo.

 

Não, Alex. Espere.. Primeiro, quero fazer outra coisa, que adoro.

 

Estendeu a mão para o pénis erecto, abriu a boca e acer- cou-a dele. A parte seguinte seria a mais repulsiva de toda a operação e a que Billie mais temia. A relação era-lhe totalmente estranha, pois nunca a praticara. Beijara a extremidade ardente de Andrew algumas vezes, porém ele não mostrara apreciar a carícia. E agora via-se forçada a fazê-lo e, como se isso não bastasse, fingir que delirava com isso, para que Razin transmitisse a informação à impostora. Não obstante, repugnava-lhe abocanhar um pénis, em particular aquele. O acto afigurava-se-lhe sujo e degradante. com o homem amado, talvez não, mas o bastardo que tentava pôssuí-la obrigava-a a sentir-se enojada.

 

Por fim, fechou os olhos e rodeou a ponta escaldante com os lábios. Após uma pausa, fê-lo deslizar para dentro, diligenciando resistir ao asco crescente, enquanto o arete   de carne espalmava a língua e dir-se-ia explorar as paredes   da boca e o palato. Por incrível que parecesse, o apêndice   cilíndrico aumentava de tamanho, enchendo a cavidade por completo   e   ameaçando   sufocá-la.  Entretanto,   Billie   não estava bem certa do que devia fazer a seguir. Contudo, o instinto indicou-lhe que sugasse, simulasse o acto sexual. Por conseguinte, puxou-o até quase à extremidade e voltou a introduzi-lo.

Por seu turno, ele emitia sons intermitentes com palavras em russo. De súbito, quando o julgou ao rubro, ela retirou o pénis da boca e, anelando, articulou:

 

Agora, Alex... agora, por favor... Fez o corpo deslizar para debaixo do seu, abrindo as pernas até onde lhe era possível. Deixe-me metê-lo... Monte-me, monte-me...

 

Segurou o músculo do amor com as duas mãos e puxou-o para o espaço entre as pernas, intimamente ansiosa por terminar com a hedionda cena. Até lá, todavia, necessitava de desempenhar o seu papel com a maior convicção, com perfeição, se possível.

 

O pénis deixou-se conduzir para a vulva e, uma vez em contacto com os lábios exteriores, Billie largou-o. Como se acabasse de adquirir potência suplementar, penetrou profundamente, enquanto as paredes suaves da vagina se alargavam e distendiam para se lhe adaptar. Quando a encheu inteiramente, ela apercebeu-se, com um pequeno choque, de que não fora necessário lubrificante e o canal vaginal estava quente e húmido espontaneamente.

 

Tentou compreender a razão daquela humidade, mas foi imediatamente impedida de se entregar a reflexões. Ele agora actuava como se tivesse adaptado o membro a um bate-estacas de alta velocidade, entrando e saindo num ritmo crescente. Billie esforçou-se para descerrar as pálpebras por um instante e descobriu que Razin a observava com atenção, a fim de registar todas as expressões e gestos, o que a fez recordar aquilo que quase esquecera e constituía a razão fundamental do sacrifício a que se sujeitava. Ele precisava de comunicar a alguém a maneira como se devia comportar na cama com Andrew. Portanto, ela precisava de proceder de forma totalmente diferente da habitual.

 

Mais devagar... balbuciou, tentando aguentar os impulsos gigantescos. Assim, ainda me atravessa.

 

Ao princípio, ele não respondeu e prosseguiu na operação avassaladora. No entanto, passado um momento murmurou:

 

Estou a exagerar? Quer que abrande um pouco?

 

Não faça caso. Continue. com mais força, se puder. Adoro, isto!

 

Num movimento penoso, Billie ergueu as pernas até onde lhe foi possível e fez contactar os tornozelos por cima dos ombros dele, o que lhe provocou um autêntico frenesim, pousando-lhe as mãos nas nádegas e intensificando o movimento de impetuoso vaivém. Entretanto, ela tinha a impressão nítida de que tentavam abri-la ao meio, e acentuou a Pressão das pernas, ao mesmo tempo que procurava conservar a lucidez, para execução total do plano que concebera.

 

Nos minutos imediatos, os dois corpos entregaram-se a um autêntico turbilhão, enquanto Billie proferia obscenidades entrecortadas que jamais empregara.

 

Contava os segundos, os minutos, na expectativa que ele atingisse o clímax, porém este continuava ausente pelo que renovou movimentos frenéticos, com a intenção de lhe facilitar o trabalho, cravando as unhas nos ombros soltando exclamações agudas.

De repente, sentiu algo de estranho no seu íntimo, uma coisa que nunca experimentara com um homem dentro dela como uma força explosiva que aumentava gradualmente, uma sensação espontânea, inesperada, desconhecida, o desejo de que a vagina se abrisse e irrompesse. Notou algo de semelhante à imersão numa torrente, com o gaiser na vagina prestes a projectar-se a um quilómetro de altura. De súbito, compreendeu o que sucedia. Estava a perder o domínio da situação, na iminência de um orgasmo monumental, e apetecia-lhe chorar, porque não queria que tal acontecesse na primeira vez que tinha relações sexuais com o odioso patim.

 

Não conseguiria orquestrar os seus   movimentos se éle acabasse por dominá-la, se o corpo a traísse perante o monstro e cedesse. Os dedos firmaram-se na cabeceira da cama mordeu os lábios e implorou aos seus sentidos que resistissem e não permitissem que a vagina se rendesse.      

 

Esforçou-se por parar de reagir e voltou a cabeça Para o lado na almofada, lutando ferozmente para afastar o espirito daquele momento quase irresistível. Mas era impossível, por demasiado delicioso. Billie encontrava-se a segundos da rendição total. Impunha-se que praticasse mais um acto incaracterístico de si próprio, para que ele o registasse e transmitisse à impostora. Baixando as pernas, estendeu as mãos ao longo do ventre, pousou-as na bolsa que continha as esferas em agitação permanente e começou a acariciá-la, como se procedesse a uma massagem.

O efeito obtido foi imediato e óbvio, pois Razin principiou a uivar palavras russas e o orgasmo surgiu finalmente, intenso e prolongado.

 

Por último, como que ao retardador, afundou-se, como um balão perfurado.

Fascinada, ela viu-o rolar para o seu lado, ao mesno tempo que saboreava o triunfo. Conseguira evitar o seu clímax. Mantivera o autodomínio. Agora, necessitava de o conservar para um derradeiro acto no seu cenário.

 

Aguardou pacientemente. Razin repousava, ainda ofegante como um animal. Escoaram-se alguns minutos e a respiração tornou-se gradualmente regular, até que ele se soergueu e sorriu.

 

Foi óptimo, Billie.

 

Estupendo sussurrou ela. Mas ainda falta uma coisa. Faça com que chegue lá, Alex.

 

Onde?

 

Quero vir-me. Já falta pouco. Por favor..

 

Que pretende de mim?

 

Ergueu os joelhos e abriu as pernas, após o que lhe puxou a cabeça na direcção da vagina.

 

Beije-me aí. Prometo vir-me imediatamente.

 

Ah, gosta disso?

 

Muitíssimo.

 

Razin acomodou-se, baixou a cabeça entre as pernas dela, afundou o nariz nos pêlos púbicos e principiou a beijar a vulva húmida.

 

Billie nunca se sujeitara a nada do género e verificou com admiração que era agradável. Sentia a língua no seu íntimo, explorando as paredes suaves, e ergueu as nádegas para lhes imprimir um leve movimento rotativo, acompanhado de leves gemidos. Os esforços para se conter resultavam excruciantes e não compreendia porque não cedia. Para não proporcionar a mínima satisfação ou domínio ao parceiro? Ao diabo com isso. Deixou escapar um gemido mais prolongado, arqueou as costas e dissolveu-se num orgasmo completo.

 

Ele endireitou-se, contente consigo próprio.

 

Ela tentou dizer algo, porém a respiração anelante não lho permitia, pelo que aguardou uns momentos, até que conseguiu murmurar:

 

Obrigada, Alex. Foi maravilhoso. Agora, desligue a telefonia e deixe-me dormir.

 

Virou-se para o outro lado e afundou a cabeça na almofada, ao mesmo tempo que fechava os olhos. Em seguida, ouviu-o abandonar a cama, para se dirigir à casa de banho, e regressar, fingindo-se adormecida, enquanto ele se vestia e cantarolava em surdina.

 

Quando a porta de entrada se fechou atrás dele, Billie levantou-se, não sem certo esforço, pois sentia todos os músculos doridos. Depois de tomar banho demoradamente, regressou ao quarto, apagou a luz e meteu-se na cama sem Se preocupar com o comprimido para dormir.

 

Fragmentos eróticos do que acabava de acontecer desfilaram-lhe pelo espírito durante alguns minutos.

 

A Primeira Dama dos Estados Unidos... Santo Deus! Se os Americanos soubessem...

 

Invadiu-a uma onda de vergonha pelo acto que praticara. Além de se sentir suja, percorria-a uma sensação de culpa por haver desfrutado em certos momentos. No entanto, acabou por recordar que se sujeitara ao sacrifício para prevenir o marido e contribuir para a salvação de ambos.

Razin, o bastardo. Todos eles eram bastardos e ela dera-lhes uma lição que não tardaria a produzir frutos.

 

Sorriu-se na escuridão, ao imaginar a impostora perante Andrew, na noite seguinte. O marido seria virtualmente assaltado por uma autêntica bomba sexual, a qual lhe exigiria as práticas mais incríveis, que culminariam com a introdução da língua na vagina, em vez da esposa mais ou menos submissa dos últimos sete anos. Decerto não aceitaria a metamorfose sem tratar de averiguar o motivo.

 

A outra mulher podia ser uma actriz consumada, mas somente ela, a verdadeira Billie Bradford, saberia que desempenhara o papel mais arrojado do século.

Para os bastardos, o espectáculo aproximava-se do fim. Para ela, surgiria a libertação.

Agora, podia dormir descansada.

 

Uma hora mais tarde, no gabinete silencioso do K. G. B., Alex Razin puxou de um bloco-notas e lápis e tentou concentrar-se na tarefa que o aguardava.

 

Não era fácil. O seu espírito recusava-se a abandonar   a cama de Billie Bradford. O prazer do maravilhoso encontro   sexual   ainda   perdurava.   Assolava-o uma   boa   disposição   extraordinária, como se tivesse voltado a possuir Vera. E daí, não era exactamente verdade, como o coração e aparelho genital lhe asseguravam. Embora se lhe afigurasse pouco curial estabelecer comparações entre duas mulheres e Vera nunca deixasse de lhe proporcionar plena satisfação, Billie Bradford revelara-se ainda melhor. Uma fêmea fantástica, agressiva, sem a mínima inibição. Na realidade, admirava que o Presidente dos Estados Unidos não necessitasse de se sujeitar a uma cura de recuperação periodicamente.

O facto levou-o a recordar que fornicara com a Primeira Dama americana. Conquanto correspondesse ao plano, a circunstância de as esperanças se terem concretizado abismava-o. Parecia-lhe duplamente surpreendente que aquilo que encarara como uma tarefa de natureza política se desenvolvesse no ponto alto de toda a sua vida sexual.

 

Perguntou-se se ela seria sexualmente insaciável e voltaria a fazê-lo com ele. Era natural que não, pois não encontraria um pretexto para justificar a si própria a repetição de um acto que, na primeira vez, poderia aceitar como um antídoto para a solidão e manifestação de gratidão pela maneira como ele a tratara. Razin reconhecia tudo isto e fez questão de não insistir.

De resto, agora que cumprira a sua missão, Vera poderia regressar. Baixou os olhos para o bloco-notas e reflectiu que em breve encheria as páginas de instruções bem claras sobre a forma como ela se deveria comportar na cama com o Presidente. Uma vez satisfeito, era natural que este lhe fizesse confidências sobre os seus projectos secretos. E depois que Vera transmitisse os elementos obtidos a Kirechenko, a sua tarefa estaria concluída e seguiria para Moscovo, enquanto Billie Bradford seria transportada para Londres.

 

A ideia de Vera nos seus braços absorveu-lhe os pensamentos por um momento.

Decerto se achava dominada pelo pânico. O Presidente decidira antecipar o reatamento das relações sexuais em vinte e quatro horas e ela não estava preparada. Portanto, ficaria profundamente aliviada quando recebesse a mensagem relativa ao que Andrew Bradford esperava acerca do seu comportamento na cama.

 

O facto de ela se achar na iminência de ter relações íntimas com o Presidente produziu-lhe uma leve sensação de ciúme. A perspectiva da sua bela Vera, a mulher que não tardaria a ser sua esposa, possuída por outro homem, projectava uma sombra na proeza que Razin alcançara, naquela noite. No entanto, tinha de se mostrar razoável. A infidelidade dela, como a sua própria, era artificial, mecânica, um acto executado no cumprimento do dever. Impunha-se que permanecesse objectivo. Se a mensagem chegasse às mãos de Vera e o Presidente fosse ludibriado, a União Soviética obteria o triunfo na Cimeira.

 

Apercebeu-se subitamente de que se fazia tarde e ela devia ansiar por receber notícias suas.

 

Por conseguinte, pegou no lápis, a fim de reconstituir os momentos que passara com Billie. Puxou a cadeira para mais perto da secretária e descobriu que tinha as pernas invulgarmente fatigadas. Na verdade, sentia todo o corpo moído o que não admirava depois das energias que despendera. Agora, necessitava de conservar a cabeça fria, para não esquecer um único pormenor da fantástica actuação

de Billie. No fundo, as minúcias careciam de importância. O que interessava eram os vários actos da sua natureza geral, a maneira de proceder e o que esperava do parceiro. a atitude dela correspondera à de uma mulher desinibida, sexualmente agressiva, ansiosa por se entregar a todas as variações do acto sexual. Esta análise parecia lógica. De resto, ele disponha de provas obtidas em primeira mão. Não obstante, havia algo que o preocupava. A Billie bradford que acabava de se lhe apresentar na cama, era uma contradição profunda da que conhecera ao longo dos dias anteriores. na verdade, após o convívio quotidiano de cerca de uma semana, nunca esperara enfrentar uma autêntica ninfomaníaca. A forma desenvolta como fizera o clássico nó com as pernas, a celação e «cunmivinctus final achavam-se fora de todas as previsões. A situação revelara-se quase incrível. Pousou o lápis e reclinou-se na cadeira com uma expressão pensativa. Talvez fosse mesmo incrível. Apesar da necessidade de não perder tempo, reconheceu a conveniência e prudência de se entregar a uma ponderação minuciosa dos factos. O que se encontrava em jogo justificava que procurasse evitar o mínimo erro. A mensagem que seguiria para Londres determinaria o resultado da Cimeira, assim como o destino de Vera. Impunha-se, pois, proceder-se a um estudo mais profundo do comportamento da sua recente companheira de cama. Teria procedido do mesmo modo com toda a sinceridade, ou tratava-se de uma representação com o objectivo de o induzir a enviar informações erradas

À sósia?recordou-se vagamente de ter lido um conto americano intitulado a dama, ou o tigre, em que um jovem bem parecido cometera o crime de se atrever a amar a filha do rei, e, conduzido à arena públicca para julgamento, viu-se perante duas portas. Se abrisse uma, surgiria uma mulher atraente, que poderia possuir. No caso de escolher outra, saltaria de lá um tigre, que o devoraria. Qual deveria preferir? Agora Razin sentia-se confrontado por uma situação similar. A mulher na cama com ele, fora um tigre uu uma dama? Quando estimulada, convertia[-s? de facto numa gata selvagem ou procedia de modo diametralmente oposto, calma, passiva, condescendente?

 

Perguntava-se se ela efectuara realmente um esforço para o iludir. Embora a tivesse encarado como uma americana típica, desembaraçada, mas destituída de um temperamento complexo, reconhecia a possibilidade de existir algo mais sob a superfície. Um espírito imaginativo e dissimulado, por exemplo. com, efeito, poucas simplórias se tornavam Primeiras Damas dos Estados Unidos. A capacidade para se servirem dos outros poderia representar uma característica comum à maioria delas. Por conseguinte, havia que contar com a hipótese de Billie pretender utilizá-lo para aniquilar Vera.

 

Razin sentia-se cada vez mais indeciso. Tinha de tomar uma resolução, e não subsistia a mínima margem para um erro.

 

Impaciente, levantou-se e dirigiu-se ao ficheiro, para consultar o processo de Billie Bradford. Folheou-o apressadamente, até chegar à secção consagrada à vida sexual. Havia os nomes de dois jovens com os quais estivera envolvida antes de conhecer o senador Bradford. A informação era de âmbito geral e não continha qualquer indicação sobre o comportamento sexual com eles. A seguir, figuravam os elementos que ele próprio inscrevera sobre o interrogatório dela, segundo os quais o marido procedia de variadas maneiras entre os lençóis. Se correspondia à verdade, Billie necessitava de colaborar em conformidade, o que confirmaria a sua atitude daquela noite. Por outro lado, a amante ocasional do Presidente, Isobel Raines, manifestara um parecer totalmente oposto: Andrew Bradford comportava-se de forma convencional, quando se entregava a relações sexuais. Assim, Billie não recorreria a práticas menos ortodoxas com o marido, e o recente comportamento constituiria uma farsa absoluta. Duas informações totalmente antagónicas. com um suspiro de impaciência, Razin tornou a guardar o processo no ficheiro e regressou à secretária.

 

O tempo urgia e ele necessitava de tomar uma decisão sem demora, pelo que procedeu a uma derradeira análise do que se passara naquela noite.

 

Hipótese de Billie haver procedido com sinceridade. Era óbvio que desejava entregar-se a actividades sexuais e lhe agradavam. Sugerira que fossem para a cama e pedira-lhe que a ajudasse a despir a camisa de noite. Nada disso parecera artificial. Suscitara e acolhera de bom grado o que se seguira e reagira como qualquer das mulheres que ele conhecera. Insistira na felação como prelúdio, o que resultara inesperado apenas porque a envolvera numa aura de romantismo.  

Muitas das suas parceiras de cama do passado gostavam daquela prática. Na altura, a ansiedade de Billie em ser montada, excitada como estava, revestira-se de normalidade absoluta, e orientara o pénis para a vulva em movimentos experientes. Uma vez penetrada, reagira e colaborara como qualquer amante consumada. A humidade vaginal não podia ser forçada. Conquanto actuasse com menor inibição e maior agressividade que as mulheres que conhecia, devia tomar em consideração o facto de ele só ter dormido com russas, e as americanas modernas desfrutavam da fama da máxima liberdade nas actividades entre lençóis. Tudo o resto pernas em torno dele, unhas cravadas nos ombros, obscenidades e carícias na bolsa testicular dificilmente se podia encarar como invulgar, em resultado do clima agitado que a situação adquirira. Razin surpreendera-se por não lhe provocar o orgasmo através da introdução normal, porém agora o facto parecia-lhe menos importante. Poucas mulheres americanas o experimentavam no decurso do acto, apesar da sua desinibição. Como corolário das operações, Billie pedira-lhe que executasse o «cunnilinctus», para a conduzir ao clímax acedera e a manifestação de êxtase supremo não fora simulada. Em suma, encarado no seu conjunto, o comportamento dela revestira-se de naturalidade, sem qualquer movimento suspeito. Portanto, a actuação merecia crédito absoluto.  

Ou não? Se se examinasse a sua atitude mais minuciosamente, menos por sentimentos do que pelo intelecto, não de uma forma global, mas passo a passo, mereceria confiança?

 

A Hipótese de Billie se haver comportado sem sinceridade.    

Houvera algo de estudado em cada movimento que efectuara, do princípio ao fim, e não se podia pôr de parte a possibilidade de ser uma actriz tão consumada como Vera.

No fundo, porque não? Como Primeira Dama numa Casa Branca rodeada de objectivas preparadas para captar o menor dos seus gestos e expressões, necessitava de se habituar a simular uma atitude que não merecesse o mínimo reparo, como Jackie Kennedy desempenhara o papel de heroína cultural e Betty Ford de candura enternecedora. Naquela noite, Billie Bradford devia ter-lhe despertado suspeitas desde o primeiro instante em que a vira. Vestira-se ou despira-se expressamente para o papel de sedutora. Mostrara-se demasiado ansiosa, ávida, em ir para a cama com ele. Os seus antecedentes, investigados com meticulosidade, não continham exemplos do género. Na realidade, durante a felação revelara notável inexperiência. Em dado momento, dera mesmo a impressão de não saber como ocupar-se do pénis, a menos que fosse assim que o fazia com o Presidente. Todavia, Razin duvidava fortemente de que tivesse executado algo do género no passado. Quanto ao coito em si, em instante algum se abandonara para o saborear convenientemente. Ao invés, mostrara-se empenhada em o querer convencer de que desfrutava sem restrições. Por outro lado, custava-lhe crer que uma Primeira Dama deixasse escapar dos lábios obscenidades como as que lhe ouvira, sobretudo nas ocasiões anteriores, com o Presidente. Quanto às carícias à bolsa testicular, efectuara-as com visível dificuldade e porventura relutância. E, para coroar o raciocínio sobre o seu comportamento forçado, havia o «cunnilinctus». Por mais que tentasse convencer-se, ele não podia conceber Bradford com a cabeça imersa entre as pernas da esposa. Só tinha a certeza de uma coisa. O clímax não constituíra um orgasmo fictício. Quanto ao resto, as suspeitas avolumavam-se.

 

Acabavam de ser analisadas as duas possibilidades antagónicas. Agora, competia-lhe pronunciar o veredicto.

 

Fechou os olhos e reflectiu com ansiedade. Por fim, voltou a abri-los. Acabava de se decidir.

 

Apressou-se a pegar no lápis e principiou a escrever. As linhas que traçava representariam a salvação de Vera... ou a sentença de morte. Mas prosseguiu sem vacilar.

 

NAQUELA tarde, em Londres, no Hotel Claridge, Guy Parker permanecia sentado com nervosismo no cubículo em que Dolores Martin exercia as funções de secretária do Presidente, contando os minutos até que este o recebesse.

 

Apesar das advertências de Nora para aguardar até surgirem elementos mais concretos, ele decidira apresentar as suas suspeitas a Andrew Bradford. Desde a visita secreta da Primeira Dama a Ludbury, Parker não conseguia esquecer os seus movimentos furtivos, e a ocultação do facto ao chefe do Executivo constituiria um mau serviço prestado ao país e ao seu dirigente supremo. A concessão da entrevista não resultara fácil, pois o Presidente tinha uma agenda particularmente sobrecarregada antes de comparecer a um jantar oficial, às nove. Não obstante, Parker insistira e acabara por conseguir que Dolores Martin arranjasse uns minutos livres entre dois encontros.

 

Por fim, soou o besouro do intercomunicador, ela escutou por um momento e virou-se para Parker:

 

O Presidente vai recebê-lo.

 

Parker entrou no espaçoso gabinete e avistou Andrew Bradford sentado à secretária, assinando documentos.

 

Sente-se, Guy. Dou-lhe já atenção.

 

Este instalou-se numa poltrona e olhou em volta com desconforto, perguntando-se se não deveria ter seguido o conselho de Nora e protelado aquela conversa.

 

O Presidente pousou finalmente a caneta, colocou os documentos a um lado e preparou-se para escutar o que o visitante tinha para dizer.

 

Peço desculpa por o interromper...começou Parker.

 

Não tem importância. Posso dispensar-lhe dez minutos. Segundo depreendi do que Dolores me revelou, trata-se de um assunto urgente.

 

Muito, na minha opinião, e julguei conveniente discuti-lo consigo sem demora. Penso que se lhe refere directamente, senhor Presidente, e pode influir no resultado da Cimeira.

 

Muito bem. Sou todo ouvidos. Andrew Bradford parecia bem disposto. Explique lá todo esse mistério.

 

bom... relaciona-se com Mrs. Bradford, a Primeira Dama. Parker hesitava cada vez mais. Confesso que não sei como principiar.

 

Da maneira mais prática. Pelo princípio.

 

Como sabe, tenho trabalhado com sua esposa quase todos os dias.

 

E constou-me que executa um trabalho brilhante com a autobiografia. Pelo menos, Billie não se cansa de o enaltecer.

 

Obrigado. Na verdade, há uma coisa que me preocupa, ultimamente. Primeiro, permita-me que lhe faça uma pergunta. Desde que ela regressou de Moscovo, notou-lhe alguma diferença?

 

Diferença? O Presidente deixou transparecer perplexidade. Não faço a mínima ideia do que pretende dizer.

 

Para Parker, a resposta eliminava definitivamente qualquer possibilidade de o interlocutor se haver apercebido de algum pormenor suspeito nela, o que tornava as suas revelações seguintes mais difíceis. Portanto, resolveu proferi-las o mais pronta e claramente possível.

 

Dá-me a impressão de que Mrs. Bradford mudou desde que voltou da União Soviética. Na realidade, não parece a mesma pessoa, em vários aspectos, como se uma mulher chamada Billie Bradford tivesse partido para passar três dias em Moscovo e reqressasse outra com o mesmo nome.

 

Que está para aí a dizer, Guy? O Presidente olhou-o com estranheza. Fale claro.

 

Penso que ela não parece a mesma. Não notou nada nesse sentido?

 

Continuo sem compreender. Billie é Billie. A minha mulher. Que tem de diferente?

 

Parker conteve o alento por uns segundos e desbobinou o rosário:

 

Muitas coisas. Pelo menos, quanto a mim. A memória, por exemplo. As suas contradições. A sua atitude geral.

 

Descreveu o incidente Kilday no Los Angeles Times, o lapso no almoço realizado em Los Angeles, onde não re- conhecera a velha amiga Anges Ingstrup, o desinteresse e ignorância das regras do jogo manifestados no Estádio Dodger e a visita ao pai em MSlibu, onde ela revelou não se recordar de que vira o sobrinho poucas semanas antes e fora ignorada pelo cão.

 

Antes que pudesse prosseguir, foi interrompido abruptamente.

 

Era esse estendal de disparates que estava tão impaciente por me comunicar? O Presidente não ocultava a irritação. Seja realista, homem! Que esperava de Billie! É um ser humano falível, como qualquer outro. Toda a gente tem falhas de memória. Entre multidões, sob pressão, uma pessoa pode esquecer momentaneamente certos factos e não reconhecer uma amiga que não via desde longa data. Quanto ao episódio do cão, não se reveste do menor significado. O animal está velho e a visão começa a traí-lo.

 

Escute-me mais um momento, por favor, senhor Presidente. Uma ocasião, Mrs. Bradford referiu-se a um incidente embaraçoso numa festa e prometeu divulgar os pormenores mais tarde. Mais tarde, quando aludi ao assunto, insistiu em que isso nunca acontecera. Depois, na conferência de Imprensa do outro dia, anunciou a intenção de visitar Janet Farleigh, embora tivesse sido informada da sua morte antes de partir para Moscovo. Isto também não lhe parece invulgar?

 

De modo algum redarguiu Andrew Bradford, com aborrecimento crescente. Serve para provar a fragilidade humana. Todos temos lapsos de memória, repito. Os exemplos que descreve podem explicar-se com facilidade. Fez uma pausa e assumiu uma expressão grave. Foi para isto que me fez perder tempo? Deve haver outro motivo mais forte. Em caso afirmativo, desembuche de uma vez.

 

Afirmo...   tenho   razões   para   afirmar...   Parker pousou as mãos no tampo da secretária, como se necessitasse de um apoio físico. Não acredito que sua esposa, a Primeira Dama, seja a mesma que se encontra a seu lado, em Washington, há um mês.

 

O Presidente contemplou-o em silêncio, pestanejando, durante vários momentos.

Sugere que lhe lavaram o cérebro?

 

Não. Sugiro... mas primeiro deixe-me falar-lhe de um telefonema que Nora Judson atendeu, efectuado pelo embaixador Younadahl, de Moscovo. Segundo ele, foi procurado por uma turista americana portadora de uma mensagem de uma jovem perseguida, no Kremlin. Alegava ser sua esposa e estar prisioneira dos Soviéticos, enquanto uma impostora ocupava o seu lugar aqui, em Londres.

 

Esteve a beber, Guy? perguntou, após novo silêncio.

 

Nem uma gota. Limito-me a repetir exactamente o que o embaixador Youngdhal revelou a Nora.

 

Ele parecia convicto do que dizia?

 

Bem, na verdade, não admitiu Parker, com relutância. Julgava que a turista não passava de uma excêntrica.

 

E eu também. Mas, por outro lado, você não pensa assim, hem?

 

Inclino-me para a sinceridade da mulher, em virtude dos deslizes e contradições anteriores da Primeira Dama. Não parece a mesma. Em tom quase implorativo, perguntou: Tem a certeza de que não lhe notou nada?

 

Absolutamente nada. A paciência de Andrew Bradford achava-se claramente no fim. Tomamos o pequeno-almoço juntos, vemo-nos várias vezes ao longo do dia, durmo com ela e considero-a a esposa que sempre foi. Ficou com a curiosidade satisfeita? Creio desnecessário insistir nesta discussão.

 

Antes de ser convidado a retirar-se, Parker levantou um pouco a voz, num esforço para obter um resultado positivo, ainda que escasso, das diligências desenvolvidas.

 

Só mais uma coisa, senhor Presidente. Isto passou-se ontem. Talvez se recorde de que, quando entrou na suite, eu trabalhava no livro com a Primeira Dama. Quando lhe perguntou o que fizera, respondeu que não saíra do hotel em todo o dia. Ora, isso não corresponde à verdade. com efeito, ausentou-se e tratei de a seguir...

 

Um momento! Diz que a seguiu? Quem demónio se julga, para vigiar os passos de minha mulher?

 

Lamento, mas fi-lo no seu interesse. Estava preocupado e pretendia averiguar os seus movimentos. Parker fez uma pausa antes de anunciar: Visitou a loja de Ladbury.

 

E considera isso suspeito? Minha mulher procurou o seu costureiro e ocultou-me o facto com receio de que criticasse o dinheiro que gasta em vestidos. É essa a sua ideia?

 

Não, senhor Presidente. A minha ideia é que Ladbury trabalha para os Soviéticos e esta Primeira Dama está envolvida com eles.

 

Pode prová-lo?

 

Para tal, precisava da sua ajuda. Acalentava a esperança de o convencer a pedir à British Intelligence que investigasse as actividades de Ladbury.

 

Investigar-lhe as actividades? Refere-se a revistar a loja? E se não encontrassem nada, que é o mais certo, tínhamos um escândalo público nas mãos? Antagonizávamos os Russos, precisamente a meio de negociações delicadas na Cimeira? Por outras palavras, está doido varrido?

 

O que se passa à nossa volta talvez justifique todos esses riscos persistiu. Acredite na minha sinceridade, por favor. Preocupo-me consigo, e se não pensasse...

 

Deve preocupar-se mais consigo que comigo. O Presidente achava-se agora furioso. Preste atenção, meu amigo. Contratei-o, porque o julguei um rapaz inteligente e competente. Depois, cedi-o a minha mulher pelos mesmos motivos e por supor que possuía o discernimento suficiente para analisar qualquer situação. Agora, confesso que começo a ter dúvidas. Sofre de alucinações e pretende contagiar-me com elas. Aconselho-o a arrepiar caminho, antes que se arrependa. Há pouco, interrompi-o para não dispor de um pretexto para o despedir. Assim, concedo-lhe tempo para reconsiderar. Estou meio tentado a comunicar tudo a minha mulher, para...

 

Não faça isso, por favor suplicou Parker, persuadido de que, se a suposta Primeira Dama tomasse conhecimento das suas suspeitas, os cúmplices não lhe concederiam muitos dias de vida.

 

Descanse que não o farei, mas apenas porque ela o despediria imediatamente. Ora, não quero que isso aconteça, porque o seu serviço tem sido a todos os títulos satisfatório e merece outra oportunidade. Mais um conselho. Guarde silêncio sobre tudo isto. Se repetir uma única palavra a quem quer que seja, não estará nem mais uma hora entre nós. Entendido?

 

Sim, senhor.

 

E para tornar a situação mais tranquila, faremos de conta que esta conversa nunca ocorreu.   Pode retirar-se. Espero que não volte a incomodar-me com assuntos desta natureza.

 

Perfeitamente, senhor Presidente. Muito boa tarde.

 

Aconteceu no instante oportuno, quando o Presidente recebia Parker e antes de ela partir com o marido para o jantar oficial. E também antes que os seus nervos em franja cedessem por completo.

 

Vera Vavilova tinha a impressão de que havia uma eternidade que aguardava notícias de Moscovo. E os seus amigos da capital persistiam em manter o mutismo. Enquanto se vestia para o jantar, analisara as alternativas, mas não vislumbrara uma única prometedora. A melhor possibilidade consistia em alegar que adoecera. No regresso do jantar, diria a Andrew que se sentia indisposta indigestão, um acesso de gripe ou reatamento da hemorragia vaginal. No entanto, receava que a simulação não se prolongasse, porque ele mandaria chamar o Dr. Cummings, o qual não lhe encontraria nada de anormal. Mesmo que o médico prescrevesse repouso, apenas significaria um adiamento de vinte e quatro horas do inevitável. Outra possibilidade implicava estabelecer contacto com os mensageiros, anunciar-lhes que não continuaria naquele lugar sem informação e seguir para o aeroporto nos subúrbios de Londres, que os Ingleses haviam reservado para utilização exclusiva da União Soviética, regressando a Moscovo, a fim de ser trocada por Billie Bradford. Todavia, Vera não desejava desistir do papel mais importante da sua carreira. Uma oportunidade como aquela para alcançar a glória talvez não voltasse a deparar-se-lhe.

 

Restava apenas uma opção: enfrentar o inevitável, manter relações sexuais com Andrew Bradford naquela noite e confiar na sua intuição.

 

Afigurava-se-lhe, porém, demasiado arriscado.

 

Começava a entregar-se ao desespero, quando o telefone tocou e a voz declarou tratar-se do desejado Fred Willis.

 

Está só? inquiriu em inflexão átona.

 

Sim, de momento.

 

Gostava de ir aí entregar-lhe uma coisa. Relaciona-se com o que servem na Disneylandia.

 

Vera sentiu o coração intensificar as palpitações. Era como se acabassem de lhe anunciar a comutação da pena de morte.

 

Oh, Fred...

 

Até já. A ligação foi cortada bruscamente. Aguardou com ansiedade junto da porta de entrada da suite, com olhadelas frequentes à da secção de trabalho do Presidente. Se este aparecesse quando Willis estivesse presente, ela teria de raciocinar depressa.

 

Transcorridos cerca de quatro minutos, ouviu a voz do mensageiro no corredor, dirigindo-se aos agentes do Serviço Secreto, e tratou de abrir a porta para o admitir.

 

É perigoso reproduzir as instruções no papel, mas são muito extensas para as transmitir verbalmente murmurou Willis, levando a mão à algibeira das calças e extraindo uma folha dobrada. Está tudo aqui acrescentou, com um sorriso. Leia com atenção e queime-o.

 

Não tenho palavras para...

 

No entanto, ele já se afastava. De novo só, Vera entrou na casa de banho e fechou-se à chave para se inteirar do conteúdo do papel. As instruções achavam-se dactilografadas a um único espaço e cobriam-no quase por completo. No final, releu-as, para fixar todos os pormenores, e preparava-se para o fazer mais uma vez, quando ouviu a voz de Andrew no quarto:

 

Estás pronta?

 

Concede-me só mais dez minutos, querido.

 

Rasgou o papel em numerosos pedaços, lançou-os na sanita e utilizou o autoclismo, certificando-se de que desapareciam todos. Satisfeita, saiu a fim de acabar de se preparar para o jantar.

 

A refeição desenrolou-se com particular animação e Vera pressentiu que ele estava encantado com a forma como se comportava. Quando regressaram ao Claridge, o Chefe do Estado-Maior, almirante Sam Ridley, aguardava para falar com o Presidente. Em seguida, este voltou-se para a suposta Primeira Dama e proferiu:

 

Lamento, querida, mas surgiu um problema urgente que exige discussão. Não devo tardar mais de meia hora. Piscando o olho e baixando a voz, concluiu: Espero que não adormeças. Há muito ansiava por esta noite.

 

Não te preocupes prometeu ela, beijando-o levemente na face. Aguardarei o tempo que for necessário.

 

Recolheu ao quarto, agora menos preocupada com a perspectiva do contacto íntimo com ele. Depois de tomar banho e perfumar-se, procedeu a uma inspecção minuciosa daquilo que o espelho reproduzia. O que observou não era nada de que se devesse envergonhar ou merecesse sequer a mais remota apreensão, e perguntou como Andrew trataria, aquele corpo. Conquanto o medo a tivesse abandonado e sentisse a confiança restaurada, pairava-lhe no espírito uma sensação de incerteza, mais ou menos como a que a assolava nos bastidores, momentos antes de o pano subir.

Em seguida, enfiou um negligé transparente e um roupão de seda, entrou no quarto e apagou a luz, deixando aceso apenas o candeeiro da mesa-de-cabeceira do seu lado. A operação seguinte consistiu em puxar o cobertor para os pés da cama e deitar-se, à espera do momento em que ocorreria a fase mais crucial da perigosa missão prestes a chegar ao fim.

 

Os prometidos trinta minutos esgotaram-se, depois quarenta e cinquenta, sem que ele aparecesse. Não adiantava tentar adormecer ou fingir que dormia, pois Andrew não o permitiria.

 

Pegou num livro, disposta a distrair o espírito, mas não conseguiu. O seu pensamento encontrava-se longe. Acabou por o pôr de lado, endireitar uma das almofadas e apoiar-lhe as costas. O material que recebera de Moscovo sobre a maneira de enfrentar o Presidente na cama mencionava generalidades em certos aspectos e revelava-se específico noutros, mas, no seu conjunto, fornecia-lhe uma ideia excelente acerca do que devia esperar e do que era esperado dela. Especulou a respeito do método utilizado para obter as informações, todavia não teve dificuldade em o adivinhar. Alex seduzira Billie Bradford. Alex fora para a cama com a Primeira Dama. Em todo o caso, o conhecimento do facto não lhe suscitava o mínimo ciúme. A americana não se revestia de qualquer significado para ele, à parte na medida em que contribuía para o êxito da operação. Vera estava persuadida de que a sua única preocupação residia em que regressasse a Moscovo sã e salva. Nos últimos dias, ela não dispusera de muitas oportunidades de pensar em Alex, mas agora sentia reaparecer a ternura e afecto que lhe inspirava. Concentrando-se no acto que se avizinhava, para o qual se sentia finalmente bem preparada, descobriu que ansiava pelo seu início. A excitação produzida era provavelmente muito superior à que conheceria se se estreasse num palco de Moscovo com’ a peça Casa de Boneca.

 

Também estava bem ciente de que o que aconteceria naquela noite representava apenas um meio para alcançar o fim que se seguiria. A sua entrega ao Presidente proporcionaria os dividendos previstos. Dentro de pouco tempo, ele mostrar-se-ia descontraído e comunicativo, e, com um estímulo subtil da parte dela, divulgaria os planos secretos referentes à Cimeira. A contribuição de Vera para a vitória chegaria então ao termo, após comunicá-los a Kirechenko. Dentro de dois dias, seguiria de avião para Moscovo, ao mesmo tempo que Billie Bradford seria transportada para Londres, onde reataria as suas funções de Primeira Dama. Por seu turno, ela, de novo na U R.S.S., sujieitar-se-ia a uma pequena intervenção de cirurgia plástica, a fim de recuperar as feições de Vera Vavilova e prosseguir a sua carreira no palco. Os papéis mais importantes do Teatro de Moscovo pertencer-Ihe-iam. Quanto a Alex, o querido Alex, casaria com ele ou viveriam juntos, como preferisse.

 

Consultou o relógio e verificou que passara mais de uma hora. Não havia duvida de que o Presidente estava consideravelmente atrasado. Só um assunto de extrema importância o reteria tanto tempo, quando se lhe deparava a oportunidade de retomar as relações sexuais com a suposta esposa.

 

Cinco minutos depois, ouviu a porta da suite abrir-se e o fecho de segurança accionado do interior.

 

Andrew Bradford entrou apressadamente no quarto, sorridente, ao mesmo tempo que des’pia o casaco, desatava o nó da gravata e desabotoava a camisa, aproximando-se de Vera para a beijar nos lábios.

 

Estás   deslumbrante murmurou. Desculpa   o atraso, mas tínhamos de assentar nuns pormenores da estratégia a utilizar. Garanto-te que senti grande dificuldade em me concentrar no trabalho, sabendo que me aguardavas.

 

Amo-te, Andrew. Já tinha saudades tuas.

 

Não tantas como eu tuas. Ele despiu a camisa com movimentos rápidos. Dá-me só cinco minutos.

 

Despacha-te.

 

Desapareceu na casa de banho e, momentos depois, Vera ouviu o autoclismo, seguindo-se o som da água da torneira do lavatório, que antecedeu um breve silêncio. Devia estar a aplicar água-de-colónia, Zizanie.

 

Reapareceu descalço, apenas com as cuecas azuis, que não tardou a retirar igualmente. Ela reconheceu que ainda tinha uma figura admirável, enquanto se acercava do outro lado da cama individual, unida à sua. O pénis oscilava de um lado para o outro, um pouco avolumado, mas ainda não erecto.

 

Estás cansado, querido?

 

Um pouco. Foi uma sessão esgotante. com uma breve risada, acrescentou: Mas ainda me restam energias para alguma coisa. E enfiou entre os lençóis.

 

Por um instante, Vera sentiu a confiança em si própria vacilar. As informações de Alex revelavam-se explícitas, mas, de repente, tudo lhe parecia confuso. Quais eram os pormenores intermédios? Que deveria acontecer nos segundos imediatos? Era costume ela tomar a iniciativa de se aproximar ou esta pertencia a Andrew?

 

Por fim, começou a deslizar na direcção dele e deteve-se. Recordava-se agora que, segundo as instruções, seria ele quem efectuaria o primeiro movimento.

 

E assim sucedeu.

 

Afastou o lençol, aproximou-se e estendeu a mão para a bainha da camisa de noite. Vera elevou um pouco o corpo para lhe facilitar a operação e ficou desnuda.

 

Tens as tetas mais atraentes que jamais vi admitiu ele, contemplando-a com gravidade por um momento.

 

São tuas, querido. Exclusivamente tuas. Aproximou os lábios do seio mais próximo e beijou-o até que o bico principiou a endurecer, após o que se concentrou no outro.

 

Ela fechou os olhos e conservou-se imóvel, à parte a mão que lhe afagava a cabeça. A seguir, beijou o umbigo e ventre, enquanto uma das mãos acariciava a região púbica e depois descia um pouco mais para massajar a clitóride Vera sentiu um contacto rígido na perna e, descerrando as pálpebras, descobriu que o pénis apresentava uma erecção total.

 

Sentiu-se tentada a rodeá-lo com os dedos, mas conteve-se, tendo presentes as instruções. Ele ajoelhou e ela ergueu as pernas e abriu-as. Não estava completamente excitada, sem vestígios de humidade, o que a preocupou até recordar-se de que, pouco antes, aplicara um lubrificante para tornar a introdução mais fácil.

Andrew descia sobre as pernas, uma das mãos pousada no pénis, para o orientar em direcção à vagina. A extremidade explorou o terreno, localizou a vulva e enfiou na abertura até ao fundo.

 

Como ansiava por este momento... articulou, ofegante.

 

É tão bom, querido...

 

Vera cobriu os olhos com o braço, conservando a boca entreaberta, numa atitude de êxtase, enquanto ele se entregava ao vaivém rítmico. Apetecia-lhe agitar as nádegas, mas reconheceu a necessidade de se conter, no intuito de evitar o mínimo desvio do comportamento habitual de Billie Bradford.

 

Afastou o braço dos olhos e viu-lhe as feições alteradas, como se desfrutasse profundamente, ao contrário do que se passava com ela, que se limitava ao papel de parceira inerte.

 

Por um instante, sentiu o desejo de colaborar sem restrições e levar o Presidente dos Estados Unidos a uma fase de alucinação sexual como decerto nunca conhecera. No entanto, os factos essenciais das informações do K.G.B. sobre as reacções sexuais de Billie permaneciam bem presentes.

Posição rigorosamente missionária vulgar. Reacções de preferência passives. Deixe-o procurá-la. Nada de actividades preliminares, à parte nos seios e clitóride. Deixe-o procederá sua maneira. Reaja normalmente e com prazer. Evite os movimentos agressivos. É duvidoso que a conduza ao orgasmo pelo processo vulgar. Se tal acontecer, não exagere a reacção. No final, é possível que ele lhe provoque o orgasmo com a mão. Não conhecemos todos os pormenores, mas estes devem bastar. Deixe-o dirigir o espectáculo e trate de demonstrar que desfruta. Todos os seus movimentos devem ser familiares, confortáveis, expressivos da ternura do matrimónio. Felicidades.

 

«Está bem, felicidades», reflectiu ela. «Obrigada, Alex. Fico sabendo que Billie fornica de uma forma monótona e rotineira.»

 

De súbito, sentiu Andrew emitir uma exclamação abafada, seguida de gemidos entrecortados, ao mesmo tempo que o ritmo do vaivém se acelerava. Surgiu o jacto impetuoso de esperma, o clímax, que assinalava o final da operação sem que Vera tivesse cometido o mínimo deslize.

 

Maravilhoso, querido. Simplesmente maravilhoso.

 

Melhor que nunca assentiu ele, retirando o pénis. Portaste-te de uma maneira admirável.

 

Foi de facto delicioso. Ela baixou as pernas ligeiramente entorpecidas e espreguiçou-se. Mereceu a pena esperar tanto tempo.

 

Ainda   não terminámos murmurou Andrew,   reclinando-se a seu lado.

 

Estás muito cansado. Não há necessidade de...

 

Mas insisto. Fez deslizar a mão para a vagina. Quero que te sintas tão feliz como eu.

 

Os dedos localizaram a clitóride distendida e principiaram a friccioná-la, ao mesmo tempo que Vera movia a cabeça na almofada, de um lado para o outro, e agitava as nádegas ligeiramente, como sabia que Billie costumava fazer.

 

Transcorridos uns cinco minutos, compreendeu que não teria um orgasmo autêntico.

 

Surgira o problema final. Billie decerto alcançava o clímax por aquele método. Mas decorrido quanto tempo?

 

Dez minutos? Vinte? Meia hora? Impunha-se que não errasse o cálculo. Necessitava de fazer com que ele a elucidasse.

 

Lamento tardar tanto, querido.

 

Já falta pouco. Descontrai-te. Dispomos de toda a noite, se necessário.

 

Escoaram-se mais dois minutos e, por fim, ela anunciou num murmúrio:

 

Estou toda molhada.

 

Ficou rígida por uns segundos, apertando as pernas e erguendo as nádegas, até que soltou um grito estrangulado, estremeceu e afundou-se no colchão.

 

Pronto proferiu Andrew, retirando a mão, com um sorriso.

 

Obrigada, querido. Foi tudo delicioso, da cabeça aos pés. Aperta-me com força.

 

Enlaçou-a, enquanto Vera sorria para consigo. Fora, sem dúvida, o melhor orgasmo simulado de toda a História.

 

Agora, tinha de passar à segunda parte da sessão, o verdadeiro objectivo da farsa magistral que acabava de interpretar. Como deveria proceder? Ensaiara o momento numerosas vezes no seu espírito. Convinha que abordasse o assunto com prudência, gradualmente e da forma mais natural possível.

 

Andrew...

 

Sim, querida?

 

Sinto que era capaz disto todas as noites.

 

Eu também. Quem dera que fosse possível, mas atendendo ao que nos espera com os Russos nos próximos dias, as energias vão esgotar-se totalmente nas sessões. É um período de alta tensão. Acham-se valores elevadíssimos em jogo. Não posso prever como me sentirei, cada noite.

 

Que há de especial nesta reunião? perguntou com aparente indiferença. A atmosfera é sempre tensa.

 

vou explicar-te o problema. Ele movera-se para a outra cama e encontrava-se de costas, olhos fixos no tecto. Em geral, negociamos numa posição de força, o que facilita as coisas. Desta vez, porém... Interrompeu-se, como que imerso em reflexões.

 

Continua. Já agora, elucida-me.

 

Desculpa. Desta vez, temos de fazer bluff para vencer. É um assunto muito complicado. Um dia, conto-te tudo pormenorizadamente.

 

Não é justo, Andrew volveu ela, fingindo-se desapontada.Tratas-me como um cidadão de segunda classe.

 

Sempre confiaste em mim e eu em ti. Interessas-te pelo que faço cada dia. Pois bem, também sinto interesse pelas tuas actividades. Portanto, não armes em machista e corras comigo para a cozinha. Explica-me os problemas que enfrentas. Quero partilhá-los contigo.

 

Não pretendo ocultar-te nada redarguiu ele, em ton constrangido. Simplesmente, estou arrasado e é tardíssimo. ! Mas assiste-te de facto o direito de saber. Vejamos se con» sigo expor as coisas com a máxima clareza. Espero que te contentes com uma versão condensada.

 

Sem dúvida. Tenho quase a certeza de que se relaciona com aquele Estado africano... Boende, salvo erro...

 

e o vosso desacordo com os Soviéticos. Mas qual é o problema? Porque levantam eles tantas dificuldades? Quero inteirar-me de tudo o que interfere na minha vida sexual.

 

Tens toda a razão concordou, sorrindo. Eles têm aquele rebelde comunista, Nwapa, preparado para tomar o poder no Boende   No entanto, não estão certos da nossa posição. Se fornecêssemos armas ao Presidente Kibangu e ao governo e interviéssemos, os revoltosos eram esmagados, e uma derrota afectaria o domínio comunista em toda a África.

 

E forneceram-lhas?

 

É exactamente o que os Russos precisam de saber. Emitiu um suspiro. Na verdade, não o fizemos.

 

Não lhes forneceram armas?

 

Não. Limitamo-nos a simular o contrário. O meu problema consiste precisamente nisso: manter o bluff.

 

Vera dominava a alegria com dificuldade. Três anos de esforços acabavam de produzir o resultado esperado. Obtivera a informação tão ansiada, e agora transmiti-la-ia a Kirechenko, para lhe garantir a vitória.

 

Pobrezinho murmurou, acariciando-lhe a cabeça. Não admira que estejas tão preocupado.

 

E tu tão adorável.

 

Obrigada, querido. Perguntou-se se exageraria, tentando obter algo mais, e acabou por decidir tentar com prudência. Há uma coisa que não compreendo declarou, exibindo uma expressão intrigada.

 

O quê?

 

Mesmo que os Russos descobrissem que fazes bluff e passassem à ofensiva, não podias ajudar militarmente o Boende sem demora?

 

Podia, mas não faria. Custava-me a possibilidade da reeleição. Quando regressarmos à Casa Branca, mostro-te o resultado das nossas sondagens secretas. Portanto, estou impossibilitado de salvar o Boende no último instante. Andrew fez uma pausa. Por sorte, os Soviéticos ignoram-no, de contrário mandavam avançar os rebeldes e dominavam o país em menos de uma semana. Recusavam-se a assinar o nosso pacto de não-intervenção e abandonavam a Cimeira.

 

Tens a certeza de que não sabem nada?

 

Absoluta. Nem hão-de saber, o que significa a vitória para o nosso lado, a parte de leão do urânio do Boende, influência no controlo da África Central e termo da influência comunista.

 

Vera sentia-se cada vez mais excitada. Tomara conhecimento de tudo o que se revestia de importância vital. Era a única soviética ao corrente do segredo transcendente do Presidente dos Estados Unidos. Até ao dia seguinte,

 

Havemos de triunfar, não é verdade?

 

Sem dúvida, desde que joguemos as nossas cartas convenientemente e mantenhamos o bluff

 

«Enganas-te redondamente», reflectiu, ao mesmo tempo que bocejava.

 

Sinto-me muito melhor, agora que partilhas os teus segredos comigo. Ao menos, passo a compreender os esforços que tens de desenvolver. Apoiou-se no cotovelo para o beijar. Boa noite, querido. Renovo os meus agradecimentos por este bocado maravilhoso, o melhor de todos, até hoje. Esquece as preocupações e pensa em nós.

 

Enquanto ele se voltava para o outro lado e puxava o lençol para os ombros, Vera levantou-se para tomar o comprimido, apagou o candeeiro na outra mesa-de-cabeceira e voltou a deitar-se.

 

Permanecia de costas, à espera que o comprimido começasse a actuar, quando ouviu Andrew principiar a roncar em surdina. Sabia que, para ela, o sono tardaria a aparecer, pois sentia-se positivamente eufórica com o êxito da sua missão.

 

Aproveitou a oportunidade para recapitular as restantes instruções.

 

Se conseguisse averiguar algo de importante, devia contactar com Fred Willis, o qual, por seu turno, procuraria Ladbury, que prepararia a entrevista com o Primeiro-Ministro Kirechenko. Na altura prevista, Willis providenciaria para que ela dispusesse de um carro com motorista, sem os agentes do Serviço Secreto, que a conduziria a um aeródromo abandonado, a quinze quilómetros de Londres, cedido exclusivamente aos Soviéticos para os seus transportes, onde Kirechenko e o general Chukovsky a aguardariam numa limusina. Ela comunicar-lhes-ia o que obtivera do Presidente Bradford e em seguida embarcaria num «jacto» soviético para regressar a moscovo, ao mesmo tempo que Billie Bradford seria transferida para Londres.

 

Kirechenko conseguiria o triunfo que ambicionava e Vera Vavilova o seu, convertida em heroína da União Soviética.

 

Aconchegou o lençol, reflectindo que nunca se sentira tão feliz.

 

Vera Vavilova, heroína e lenda.

 

Era algo que merecia a pena recordar toda a vida.

 

AO fim da tarde, enquanto o céu se cobria de nuvens ameaçadoras, Guy Parker passou uma vez mais, no carro, diante do Palácio de Buckingham, contornou o Queen Victoria Memorial, encostou ao passeio e imobilizou o Jaguar, deixando o motor ligado, para observar as três entradas, numa tentativa para descortinar Nora Judson.

 

Havia vinte minutos que circundava St. James Park, abrandando continuamente diante do palácio, à procura dela, mas continuava sem a avistar.

 

Ele tinha uma sessão com a Primeira Dama marcada para aquela manhã e tencionava segui-la à tarde, se abandonasse o Claridge. No entanto, um breve telefonema e uma mensagem escrita de Nora obrigaram-no a alterar os planos. O primeiro anunciara-lhe que a sessão consagrada a autobiografia fora cancelada e a segunda era do seguinte teor: «O Príncipe de Gales convidou Billie e Ludmila Kirechenko para tomar chá no Palácio de Buckingham, esta tarde, e eu acompanho a Primeira Dama. Podes esperar-me à entrada, por volta das quatro?»

 

Eram já 16.20 e ela continuava a brilhar pela ausência. Preparava-se para novo circuito, quando a lobrigou no pátio, movendo-se apressadamente em direcção à saída. Parker saiu do carro, fez-lhe sinal e Nora aproximou-se com prontidão.

 

Como estás? perguntou ele, conduzindo o Jaguar para a faixa de rodagem.

 

A nossa rainha continua com o príncipe deles. Demorei-me um pouco por causa do gabinete de Imprensa do palácio, onde me fizeram algumas perguntas relacionadas com a visita. Pedi que me viesses buscar, não por precisar de boleia, mas para me contares o que aconteceu ontem. Sempre procuraste o presidente?

- claro.

- disseste-lhe o que pensavas?

- tudo, incluindo as suspeitas quanto à verdadeira identidade da primeira dama.

- e então?

- tinhas razão. Ia-me pondo na rua.

- ficou assim tão enfurecido?

 

Muito. Chamou-me maluco. Apresentou uma expliicação para todos os deslizes dela e advertiu-me de que, se mencionasse   o   assunto   a   alguém,   podia   procurar outra ocupação.

 

Encarando a situação do ponto de vista dele, a sua atitude aceita-se observou Nora, pensativamente. Nof fundo, vive com ela. É a sua Billie de sempre, sem qualquer! alteração.

 

Foi isso que tornou tudo mais. difícil. Parker travou para obedecer ao sinal vermelho. Para ele, continua a ser a Billie de sempre. Tu e eu sabemos que alguma coisa está errada e não podemos recorrer a ninguém. Surgiu o verde e reatou a marcha. Até lhe sugeri como devia proceder.

 

Como é?

 

Pedir às autoridades inglesas que efectuem uma íns- ; pecção às instalações de Ladbury. Estou certo de que os Soviéticos as utilizam para se reunirem. Uma visita inesperada podia proporcionar prova necessária.

Como reagiu? .

 

Como seria de esperar. Soltou um suspiro. Quem está convencido de que a esposa não tem culpas no cartório ! não vê nada de censurável no facto de ela procurar o seu < costureiro. Limitou-se a rejeitar a sugestão. E nem fazes uma ideia de como ficou, quando soube que a segui.

 

Acaba de me ocorrer uma ideia. Ela endireitou-se no assento, os olhos dominados por um brilho de excitação.

 

Na verdade, não compreendo como não pensei   nisso antes. Se o Presidente exige provas das nossas suspeitas, podemos apresentar-lhe uma. As impressões digitais dela devem estar registadas algures. Obtemo-las e verificamos se condizem com as da Primeira Dama.

 

É inútil. Parker abanou a cabeça com veemência.

 

Também me lembrei disso. Telefonei para a Casa Branca e pedi a um amigo íntimo da Ala Oeste que localizasse as impressões digitais de Billie discretamente e mas enviasse no primeiro transporte oficial. Adivinha o que aconteceu. O computador indicou que estavam arquivadas no F. B. I., no Departamento de Viação da Califórnia e vários outros lugares, por conseguinte, ele solicitou um conjunto. Pois não existia um único em qualquer desses sítios. Tinham desaparecido. Alguém executou o trabalho com a maior eficiência. Portanto, depara-se-nos mais uma suspeita, mas ausência absoluta de provas.

 

Gaita.

 

Podes repeti-lo.

 

Acabavam de enveredar por Brook Street e aproximavam-se do Claridge.

 

Que fazemos a seguir?

 

Continuo a vigiar Billie, na esperança de que aconteça alguma coisa.

 

Hoje, não precisas de te preocupar com isso, porque regressa do Palácio de Buckingham muito tarde e à noite não sai. Quer pôr a correspondência em dia. Não te apetece passar o serão comigo?

 

Não declarou ele, distraidamente. Desculpa, não era isso que queria dizer, mas... Travou o Jaguar a poucos metros da entrada do hotel e, de súbito, deu uma palmada no volante. Acabo de descobrir onde vou passar parte do serão.

 

Onde?

 

Na loja de Ladbury. Dou uma olhadela em volta e talvez o convide para jantar.

 

Eu pensava duas vezes, antes de efectuar uma diligência dessas. Se o teu palpite corresponde à verdade, podes ver-te em apuros.

 

Não sei porquê. O colaborador da Primeira Dama na elaboração da sua autobiografia não pode visitar o costureiro dela? Parece-me a todos os títulos natural. E inocente.

 

Não sei... Nora exibia uma expressão apreensiva. Quando pensas fazê-lo?

 

Imediatamente anunciou Parker, consultando o relógio.

 

Tem cuidado recomendou ela, beijando-o.

 

Tentarei, quanto mais não seja para voltar a ver-te. Talvez ainda esta noite.

 

Ficarei à espera. Tem muito cuidado, por favor. com estas palavras, apeou-se e ele reatou a marcha,

para se incorporar na longa fila de veículos, pois o tráfego era intenso, àquela hora. Alcançou Motcomb Street em menos de quinze minutos, encontrou um espaço para arrumar o Jaguar a um quarteirão da Arcada Halkin e cobriu a pé a distância que o separava da loja de Ladbury.

 

Diante da entrada, fez uma pausa para coordenar as ideias, pousou a mão no puxador da porta e impeliu-a. No momento em que a transpunha, uma sineta algures sobre a sua cabeça anunciou o facto.

 

Deteve-se na extremidade da espessa alcatifa cinzenta e olhou em volta. Não havia qualquer vendedor visível. A sala achava-se decorada com gosto e luxo. Nas proximidades da porta encontrava-se, num pedestal, um manequim com um conjunto de saia e casaco de veludo preto e um lenço de seda verde em torno do pescoço. Logo a seguir, via-se um expositor com diversas peças de joalharia. As paredes laterais apresentavam-se cobertas de roupa dispendiosa, com vestidos, blusas, camisas e calças dispostos em nichos.!

Perto do fundo da loja, havia dois espelhos do tecto ao chão e algumas cadeiras em volta. No extremo oposto, existia uma escada de caracol de acesso ao piso superior, assim como uma abertura para um corredor que conduzia aparentemente a compartimentos de provas e escritórios.

 

Parker permaneceu só cerca de meio minuto, antes de alguém se materializar ao fundo da sala. Tratava-se da mulher de ar masculinizado que ele se recordava de ter visto na Casa Branca e exercia as funções de assistente do costureiro, Rowena Ouarles.

 

Em que lhe posso ser útil? inquiriu, imobilizando-se diante de Parker.

Desejava falar com Mr. Ladbury informou o interpelado, polidamente. Trabalho para Mrs. Bardford, a qual sugeriu que o procurasse.

 

Mrs. Bradford?

 

Billie Bradford, a Primeira Dama americana. Julgo que cliente de Mr. Ladbury.

 

Foi ela que o enviou? insistiu a mulher, após breve   hesitação.

Exacto.

Creio que ele está ocupado. No entanto, vou ver. Quem devo anunciar?

 

Guy Parker.

 

Queira aguardar um momento, Mr. Parker. Desapareceu no corredor e ele moveu-se em torno da impressionante sala, acabando por se deter junto do expositor.

 

Instantes depois, viu pelo canto do olho o homem de franja e passos apressados, como se usasse molas nos sapatos, acercar-se com uma expressão interrogativa.

 

Mr. Parker? articulou em falsete. Sou Ladbury. Estendeu uma mão frouxa. Mrs. Bradford pediu que me procurasse?

 

Até certo ponto. Trabalho na Casa Branca e de momento ajudo a Primeira Dama na elaboração da autobiografia. O que ela disse na realidade foi que podia entrevistar qualquer dos seus conhecimentos em Londres. Talvez lhe falasse nisso.

 

Não ouvi uma única palavra acerca de entrevistas. Por outro lado, creio que se referiu na minha presença a um livro em que trabalhava, na minha recente visita à Casa Branca.

 

Pois, é por causa disso que estou aqui. Gostava de trocar impressões consigo sobre as preferências de Mrs. Bradford no capítulo de modas. O que aprecia, o que lhe desagrada, como se conheceram, algum episódio divertido... Podemos mesmo tomar uma bebida ou jantar juntos.

 

É muito atencioso. Adoro Mrs. Bradford e colaborarei com o maior prazer, mas não imediatamente. O costureiro consultou o relógio Patek Philippe. São quase horas de fechar e depois tenho um jantar de trabalho com uns fornecedores. Porque não telefona amanhã ou depois?   Nessa altura, combinaremos uma data para podermos conversar à vontade.

 

Muito bem.

Naquele momento, Rowena Quarles emergiu do corredor e anunciou:

A chamada de Paris, Mr. Ladbury!

vou já! replicou ele. Virando-se de novo para Parker, acrescentou: Desculpe, mas esperava este telefonema desde a manhã. Fica, então, combinado. Transmita os meus respeitosos cumprimentos a Mrs. Bradford. Conto vê-la antes que deixe Londres.

 

Parker encaminhou-se para a porta, onde fez uma pausa e olhou em volta. Ladbury e a mulher tinham desaparecido no corredor e ele encontrava-se de novo só.

 

Que dissera o costureiro, antes de se retirar?

 

Transmita os meus respeitosos cumprimentos a Mrs. Bradford. Espero vê-la antes que deixe Londres.

 

Não obstante, vira-a pouco antes, pois Parker vigiava-lhe os movimentos quando transpusera a entrada da loja.

 

Ela mentira a esse respeito e agora Ladbury imitara-a.

Que significaria aquilo? ’

 

Sentindo as suspeitas reactivadas, acudiu-lhe a tentação de averiguar a verdade acerca do que se passava ali.

De súbito, tomou uma decisão.

 

Abriu a porta da rua e imobilizou-se, enquanto a sineta soava mais uma vez, tornando a fechá-la de dentro.

A seguir, rodou nos calcanhares e avançou, o mais rapidamente possível, protegido pela espessa alcatifa, que abafava os passos, para as traseiras. Espreitou para o corredor iluminado e verificou que estava deserto. Esforçando-se por conter o alento, aventurou-se nele e, mais ou menos a meio, ouviu a voz de Ladbury, que falava ao telefone. À esquerda, havia vários   compartimentos antecedidos   de   reposteiros, sem dúvida destinados às provas. Continuando a deslocar-se, com precaução, prosseguiu em frente até que as palavras do costureiro se distinguiram com clareza, dirigidas a um, colega de Paris. Quase directamente em frente daquilo que devia ser o seu gabinete de trabalho, situava-se mais um compartimento, e Parker afastou o reposteiro e entrou.

Na verdade, tratava-se de um local destinado a provas de vestuário, decorado de forma atraente. Em cada lado, havia espelhos móveis e, adiante, um roupeiro aberto cheio de vestidos de todas as cores e feitios. Apressou-se a abrir espaço entre eles, introduziu-se e voltou a uni-los, acomodando-se o melhor possível no esconderijo improvisado, após   o que apurou os ouvidos.

A voz de Ladbury achava-se agora parcialmente abafada, porém ainda audível. Parker conservava-se imóvel atrás dos vestidos, com a sensação de que o sufocavam, plenamente consciente do risco a que se expunha. Se alguém o dêscobrisse, não poderia invocar qualquer explicação aceitável e as consequências seriam catastróficas. Na eventualidade de a loja constituir um ponto de contacto do K. G. B., os

captores não hesitariam um segundo em o eliminar. Se fosse aquilo que parecia, entregá-lo-iam às autoridades como um ladrão ou intruso comum, e o Presidente, ao inteirar-se do facto, despedi-lo-ia com prontidão. Começava a duvidar do acerto da decisão que tomara e preparava-se para bater em retirada, quando soou a sineta da entrada. Acto contínuo, assumiu uma posição rígida e prestou atenção ao que se passava.

Ouviu vagamente a porta fechar-se, para tornar a abrir-se, com nova actividade da sineta. Quase imediatamente, chegou-lhe aos ouvidos a voz de Ladbury.

Attendez, attendez proferiu para o bocal. Depois dirigiu-se a alguém que se encontrava no gabinete: Devem ser eles. Pegue você no telefone, Rowena. O seu francês é melhor que o meu. Diga-lhe que recebe a encomenda para a semana, sem falta. Não se alongue em pormenores. Despache-o o mais depressa possível. Entretanto, vou ver se são eles que chegaram.

Parker espreitou entre os vestidos e, por baixo do reposteiro, que terminava a uns dez centímetros do chão, avistou os sapatos de polimento do costureiro surgindo no corredor, visivelmente rumo à entrada da loja.

 

Ah, sempre são vocês! exclamou na habitual inflexão aguda. Chegam mesmo à hora combinada. Vamos para o meu gabinete. Mas primeiro, agradecia que corresse o fecho de segurança da entrada, para que não nos interrompam, Baginov. A chave de reserva está na algibeira do fato de veludo do manequim.

 

Pouco depois, desfilaram, ao longo do espaço na parte inferior do reposteiro, dois pares de sapatos, além do de Ladbury: um de camurça castanha e outro de cabedal preto, mais rudimentar.

 

Constou-me que as notícias são boas! articulou o costureiro, quando se encontraram no gabinete.

 

As melhores confirmou uma voz com sotaque americano e leve cecio, que soava vagamente familiar a Parker, embora não conseguisse identificá-la.

 

Porta da rua fechada à chave anunciou outra, grave, com ligeiro sotaque russo.

 

Então, podemos conversar à vontade volveu Ladbury. Tenho um   xerez excelente para lubrificarmos as gargantas.

 

Parker continuou a apurar os ouvidos, no esconderijo, e, por uns momentos, não distinguiu o menor som. Por fim, a voz do costureiro tornou a soar:

 

Brindemos por um êxito triunfal.

 

Tudo indicava que o silêncio correspondera ao lapso de tempo consagrado a servir as bebidas, e agora os quatro festejavam as boas notícias. Parker tentou especular sobre o motivo da celebração. Se se tratava de alguma vitória, como se justificava a presença de um americano? Por outro lado, na eventualidade de um triunfo americano ou britânico, que fazia um soviético no grupo?

 

Por conseguinte, a nossa dama apresentou resultados?

 

Ainda não, mas falta pouco corrigiu o americano.

 

Comunicou-me simplesmente que possui o que pretendemos e comparecerá ao encontro com o Primeiro-Ministro, às onze da noite. Nessa altura, apresentará um relatório completo.

 

Quer que transmita isso? inquiriu o costureiro.

É melhor não. Aguardemos que fique tudo concluído.

Mas a troca... o momento apropriado?

Não haverá troca   nenhuma interveio o   russo. A partir do instante em que revelar as informações, a utilidade de Vera termina. Nessa altura, a outra será devolvida à procedência.

Seguiu-se   um   longo   silêncio,   cortado finalmente   por Ladbury;

Nesse caso, a nossa Vera vai ser liquidada?

É necessário afirmou o russo, ao qual Parker ouvira chamar Baginov, quando entrara.

 

Talvez. O tom de Ladbury continha uma ponta de pesar. É pena, uma mulher tão inteligente e hábil. Isso vai acontecer depois de ela se avistar com o Primeiro-Ministro?

 

Esta noite asseverou Baginov.

 

Têm um lugar seguro para isso?

 

Está tudo preparado.

 

E se um dia, descobrirem o corpo?

 

Não se preocupe, porque ninguém o poderá identificar. Nem sequer o rosto. Acido.

 

Novo silêncio.

 

Quando transmitiremos? quis saber o costureiro.

 

Você deve encontrar-se aqui a partir das onze da noite. Fedin   comparecerá   com   o   código.   No   outro   lado, estarão a postos para actuar.

 

Muito bem.

 

Parker ouviu o som produzido pelo arrastar de cadeiras e, espreitando, descortinou o movimento de quatro pares de sapatos, um dos quais pertencia a Rowena Ouarles, que abandonavam o gabinete. Momentos depois, soou a porta da rua. A seguir, as luzes foram apagadas simultaneamente, sem dúvida através de um interruptor geral.

 

Conservou-se imóvel atrás dos vestidos, pois não sabia se se encontrava só na loja. Existia a possibilidade de um deles ter ficado, e se o descobrissem naquele momento, tratariam de o abater. Por outro lado, não se podia manter assim muito tempo. Mais cedo ou mais tarde, teria de abandonar o esconderijo. Na verdade, quanto mais cedo melhor.

Decidiu aguardar mais quinze minutos, já que, se efectuasse algum movimento, um dos quatro que tivesse ficado poderia ouvi-lo.

Enquanto esperava dispôs da primeira oportunidade de ponderar o que acabava de escutar. Não subsistia a mínima duvida de que actuavam na sombra e dispunham de uma gente   chamada   Vera,   a qual   descobrira   um   segredo   de grande valor. Não era difícil concluir que o Primeiro-Ministro mencionado na conversa era Dimitri Kirechenko, Tratava-se, pois, de uma operação soviética relacionada com a Cimeira, os três homens presentes   na   loja de   Ladbury decerto pertenciam ao K. G. B. Além disso, Vera, terminada a sua utilidade para a organização,   seria eliminada logo após a revelação da sua descoberta ao Primeiro-Ministro   E não só eliminada, mas desfigurada.

Tudo aquilo confirmava as suspeitas de Parker, e Vera não podia ser senão a substituta de Billie Bradford, que obtivera informações vitais dos lábios do Presidente. A ideia de a desfigurarem baseava-se na intenção de evitar que, se porventura o corpo fosse encontrado, não restasse o menor perigo de a relacionar com a gigantesca mistificação. A seguir, «a outra» Billie Bradford seria devolvida à procedência, como se nada tivesse acontecido.

 

A enormidade da operação assombrava-o e o facto de se achar próximo do êxito final impeliu-o a sair do esconderijo.

 

Havia mais de um quarto de hora que não se registava o mínimo som na loja, e Parker afastou os vestidos para imergir no compartimento às escuras, estendendo a mão à sua frente, a fim de se orientar na direcção do corredor. Uma vez aí, verificou que uma nesga de luz provinha da sala da frente e encaminhou-se prudentemente para lá. Havia diversas lâmpadas de fraca intensidade ao longo do chão que lhe facilitavam as intenções, enquanto o recinto da loja era iluminado parcialmente pelo clarão de um candeeiro da arcada.

 

Quando alcançou a porta, deteve-se, hesitante. Pousou a mão no puxador, mas não cedeu, como supusera. Lembrou-se imediatamente da chave de reserva que Baginov utilizara por indicação de Ladbury e rebuscou nas algibeiras do manequim, encontrando-a sem dificuldade com a mão trémula, introduziu-a na fechadura, abriu a porta, transpô-la e voltou a fechá-la.

Depois,   imobilizou-se na arcada, fixando o olhar na chave. Se a conservasse em seu poder, eles dariam pela sua falta, mais tarde. Necessitava, portanto, de mandar fazer!

um duplicado e devolver o original. Consultaria a lista telefónica, em busca de uma loja de ferragens aberta àquela hora, e dirigia-se para o carro, quando avistou uma perto da esquina.

 

Antes de entrar, inspeccionou a montra, que continha uma variedade de ferramentas, utensílios para a cozinha e fechaduras de modelos sofisticados. Por fim, aventurou-se e descortinou um empregado calvo atrás do balcão, que parecia preparar-se para apurar a receita do dia.

Pode fazer uma réplica desta? perguntou Parker, mostrando a chave.

 

Uma quê?

 

Réplica. Duplicado.

 

Ia agora mesmo fechar. O homem enrugou a fronte. Suponho que é americano?

Exacto.

Está bem. Pegou na chave e examinou-a. Minha mulher descende de americanos. Boa gente. Volto já.

Desapareceu numa oficina ao fundo e, transcorridos cinco minutos, regressava com duas chaves.

 

Parker entregou a importância pedida e retrocedeu apressadamente em direcção à loja de Ladbury. Quando alcançou   a entrada, olhou em volta. A arcada achava-se vazia de transeuntes. Sem perda de um momento, introduziu a chave   é original na fechadura e entrou, após o que tratou de a colocar de novo na algibeira do manequim. Tornou a aproximar-se da saída, espreitou pela montra, para se certificar de que não havia qualquer presença incomodativa nas cercanias, abriu a porta e em seguida fechou-a com a outra chave, que fez desaparecer no bolso do casaco.

 

Só quando se sentou ao volante do Jaguar respirou normalmente. Recapitulando as actividades dos últimos sessenta minutos, não pôde evitar uma leve exclamação de assombro e reconheceu que conseguira levá-las a cabo vitoriosamente porque era um amador na matéria e procedera ao sabor da inspiração do momento, sem obedecer a qualquer plano. Um profissional teria sido descoberto e eliminado. O que ouvira resultava demasiado surpreendente para encarar de ânimo leve. Agora, dispunha de confirmação absoluta das suas suspeitas. Havia uma Segunda Dama, chamada Vera, que fora introduzida subtil e habilmente na Casa Branca, a fim de obter informações importantes do Presidente dos Estados Unidos. Como recompensa na realidade, por saber de mais, seria executada e mutilada naquela noite. A seguir, quando Moscovo estivesse elucidado do facto, a verdadeira Primeira Dama voltaria a ocupar o seu lugar, em Londres.

 

Tudo aquilo tinha de ser divulgado. Impunha-se que os Soviéticos e a sua Vera fossem denunciados a alguém. Mas a quem? Quem acreditaria em semelhante maquinação? Parker reconhecia que, embora acabasse de descobrir a verdade, eles ainda conservavam um trunfo. com efeito, os Russos podiam devolver a verdadeira Billie sem se preocuparem com o perigo de que os denunciasse. Quem saberia que ela não fora a Primeira Dama em Londres, até ali? Se decidisse acusá-los, quem aceitaria uma história tão inverosímil? O Presidente? A C.I.A? O Primeiro-Ministro britânico? Ninguém. Os médicos diagnosticariam excesso de trabalho, pressão mental, efeitos da tensão própria da posição que ocupava e os psiquiatras inclinar-se-iam para um colapso nervoso, alucinações. De facto, ninguém se convenceria do que afirmasse. Os Soviéticos estavam a coberto de represálias, e não o ignoravam.

 

E quem acreditaria em Parker? Não se atreveria a divulgar o que acabava de ouvir. Excepto a Nora e a ideia acudiu-lhe naquele instante outra pessoa. Sim, havia mais alguém que precisava de se inteirar. Era esse o caminho mais indicado.

 

Ligou o motor e conduziu o carro para a faixa de rodagem, decidido a avistar-se com Nora imediatamente. Necessitava do seu auxílio, para o plano que concebera. Ainda havia algo para fazer, antes que o resultado da Cimeira ficasse irremediavelmente comprometido.

 

Quando alcançou a Royal Suite, no primeiro piso do Hotel Claridge, Parker avistou o agente do Serviço Secreto, Oliphant, junto da entrada.

 

Mrs. Bradford já regressou do Palácio de Buckingham?

 

Ainda não.

 

Satisfeito com a resposta, perguntou:

 

Sabe onde está Nora?

 

Ali dentro. Oliphant indicou a suite seguinte.

 

Obrigado.

 

Parker aproximou-se da outra porta, diante da qual se encontrava um agente da Scotland Yard, ao qual mostrou o cartão de livre-transito. Em seguida, atravessou um pequeno vestíbulo e o pequeno gabinete de Dolores Martin, cruzou o corredor que estabelecia comunicação com a suite contígua e encontrou-se diante da entrada do minúsculo local de trabalho de Nora.» A porta achava-se entreaberta, e ela ouviu-a falar ao telefone, pelo que entrou, fechou-a atrás de si e puxou uma cadeira para junto da secretária, enquanto ela terminava a conversa e pousava o auscultador.

 

Foste à loja de Ladbury? foi a primeira coisa que perguntou, com uma expressão de ansiedade.

 

Se fui! Não vais acreditar no que aconteceu. Baixando a voz, Parker descreveu tudo o que se passara, do momento em que se ocultara no roupeiro diante do gabinete do costureiro até à conversa entre um agente soviético e um americano.

 

Enquanto escutava, os olhos de Nora arregalavam-se gradualmente, cobrindo a boca com o punho cerrado. No final, conservou-se silenciosa, como se necessitasse de mais algum tempo para assimilar tudo.

 

Então? inquiriu ele, por fím.

 

Que posso dizer? Sabes que tenho concordado com todas as tuas suspeitas, mas isto é diferente. Trata-se de.., provas. Ela meneou a cabeça. Nesse caso, a Primeira Dama não é Billie.

Chama-se Vera.

Desculpa, Guy, mas custa-me a crer. Como conseguiram eles levar a cabo uma operação tão arriscada?

Isso não interessa, de momento. O essencial é que conseguiram.

 

E Billie, onde está?

 

Em   Moscovo, provavelmente. Eles deixaram transparecer que a trariam, depois de Vera lhes revelar os nossos segredos e ser eliminada. A nossa missão consiste em impedir que ela os revele.

 

Tens de procurar o Presidente imediatamente.

 

Acreditava tanto como da outra vez. Ou então alegava que não existem provas suficientes. O mais certo era pôr-me na rua e ficava impossibilitado de fazer coisa alguma,

 

Tens   razão concedeu. Não   adiantávamos   nada com isso. Ergueu as mãos num gesto de desespero. Que sugeres?

 

Parker levantou-se, contornou a secretária e deteve-se diante dela.

 

Existe uma possibilidade, remota, mas merecedora de ser explorada. A ideia acudiu-me pelo caminho. A nossa tarefa principal não consiste em denunciar esta Primeira Dama. Por enquanto, não dispomos de qualquer método para o conseguir. O que interessa é impedi-la de transmitir ao Primeiro-Ministro russo os nossos segredos sobre a Cimeira, como tenciona fazer logo à noite.

 

De que modo o evitaremos?

 

Providenciando para que Vera conheça a verdade acerca do seu destino. Ó que lhe reservam como prémio dos esforços que desenvolveu. Para tal, preciso da tua ajuda.

 

Farei tudo o que for necessário.

 

Então, presta atenção. Ele inclinou-se e principiou a murmurar ao ouvido de Nora. Por fim, endireitou-se e perguntou: Que te parece?

 

Achas que resulta?

 

Espero que sim. Tens alguma ideia melhor?

 

Não. Está bem. Vamos a isso.

 

Óptimo. Sabes quando ela volta?

 

Deve chegar a todo o momento.

 

Há alguma possibilidade de seguir directamente para o quarto?

 

Duvido. Costuma passar por aqui primeiro, para indagar se houve algum telefonema ou recado importante.

 

Tens a certeza?

 

Absoluta.

 

Nesse caso,   preparemo-nos para a receber. Abandonaram o minúsculo gabinete dela e entraram no corredor que comunicava com a Royal Suite A porta da sua sala está fechada à chave?

 

Só durante a noite.

 

Parker entreabriu-a e retrocedeu alguns passos, para ficar ao lado de Nora e aguardar. De vez em quando, consultava o relógio, e começava a impacientar-se, quando, decorridos dez minutos, ouviu a porta do vestíbulo da suite contígua abrir-se.

 

Reconheceram a voz da Primeira Dama, a qual trocava algumas palavras com os agentes do Serviço Secreto que a tinham acompanhado ao Palácio de Buckingham. Tudo indicava que se dirigira à sala de jantar, porque passou a ouvir-se mais claramente.

 

Não sei se sairemos, esta noite. Depois, o Presidente diz-lhes qualquer coisa.

 

A porta fechou-se, soaram passos e a suposta Billie

Braddford voltou a falar:

Está aí, Nora?

 

Parker levou o indicador aos lábios e a companhou

 

inclinou a cabeça com nervosismo. Passado pouco mais de um minuto, ele fej-lhe sinal, quando calculou que a Primeira Dama se acercava do corredor, e principiou a dizer, como que na sequência de uma conversa:

Exacto, é uma espia russa. Ouvi-o dos lábios de un dos conselheiros do Presidente. Os Russos instalaram uma espia aqui, em Londres, e parece que conseguiu infiltrar-se» nos círculos mais íntimos de Bradford.

 

Não me digas! exclamou Nora, em obediência aoque tinham combinado. Parece-te possível?

 

Não sei. Limito-me a repetir o que ouvi. Até conheço o primeiro nome dela. Vera.

 

Quem é? A...

Não faço a menor ideia. Aliás, julgo que o meu informador também não sabe.

Parker fez uma pausa. Se a Primeira Dama que se encontrava do outro lado da parede fosse na verdade Billie Brad-ford, surgiria imidiatamente e insistiria em conhecer todos os pormenores, de contrário abster-se-ia de revelar a sua presemça. Aguardaria em silêncio, na expectativa de escutar mais informações.

 

Como averiguou ele tudo isto? perguntou Nora.

 

Também não sei. No entanto, depreendi que um dos nossos agentes conseguiu instalar um dispositivo de escuta numa reunião deles.

Que medidas vão ser tomadas?

 

Enquanto não houver provas positivas, pouco ou nada podem fazer. Essa Vera obteve elementos de extrema importância sobre a Cimeira, que vai transmitir a Kirechenko. Por outro lado, ela encontra-se fora das nossas mãos.

 

Que queres dizer com isso?

 

Segundo parece, depois de comunicar o que apurou, será liquidada pelos próprios russos.

 

Tencionam matar a sua própria agente?

 

No fundo, compreende-se. Já não precisam dela. De resto, com o que ficou a saber, podia constituir um perigo permanente para eles. Portanto, vão eliminá-la, para garantia da segurança da operação.

 

Não hesitarão em matá-la?

 

Esta noite, a fazer fé no que me constou.

 

Santo Deus! Para onde caminha este mundo?

 

É melhor não pensarmos nisso e irmos tomar uma bebida.

 

Foram interrompidos pela voz estridente da Primeira Dama, na sala contígua:

 

Está aí, Nora?

 

Sim, Billie!

 

Surgiu no corredor em passos apressados, como se acabasse de chegar.

 

Há algum recado importante?

 

O mais dissimuladamente possível, Parker tentou observar-lhe o rosto e verificou que adquirira a tonalidade da cinza, como se lhe tivessem sugado todo o sangue.

 

O Presidente mandou dizer que estará ocupado até às dez. Se quiser esperar, jantará consigo na suite, de contrário pode comer mais cedo.

 

Obrigada. vou pensar. Quero deitar-me por uns minutos, porque estou exausta. Não me incomodem sob pretexto algum.

 

Encaminhou-se para o quarto, cuja porta fechou à chave por dentro. Depois de se assegurar de que não os podia ouvir, Nora murmurou:

 

Achas que as nossas palavras lhe chegaram aos ouvidos?

 

Não lhe escapou uma única.

 

Que acontece a seguir?

 

Nem quero tentar adivinhar. Só tenho a certeza de uma coisa. Ela vai pensar duas vezes antes de divulgar o que descobriu.

 

E depois?

 

Talvez considere a possibilidade de pedir asilo político. De qualquer modo, tenciono encorajá-la.

 

Precisarias de lhe dizer que a desmascaraste argumentou, enrugando a fronte.

 

É uma informação que pode causar-lhe satisfação.

 

Por outro lado, pode mandar-te liquidar.

 

Mais uma razão para saborearmos uma última ceia.

 

E a dela, também.

 

Não acredito muito. Aguardemos os acontecimentos.

 

Sentada diante do espelho do toucador, Vera Vavilova estremeceu involuntariamente, impossibilitada de determinar se isso se devia a medo ou cólera, ou ambas as coisas.

 

A conversa que acabava de surpreender entre Parker e Nora abalara-a profundamente como ainda não acontecera desde o início do projecto. Como se explicava que a fonti dele tivesse apurado tantos pormenores? E por intermédio de quem? Referira-se a um dispositivo de escuta. Era possível que agentes do governo tivessem tomado essa decisão junto de Ladbury ou Willis. Ou podia tratar-se de uma operação da C.I.A. Ou talvez Fred Willis fosse um agente duplo!

embora esta hipótese se lhe afigurasse pouco provável. Sentia-se tentada a alertar os seus «contactos», todavia reconhecéu que não havia necessidade. Não se registara a mínima alusão à circunstância de a misteriosa «Vera» personificar a Primeira Dama. De resto, antes que o inimigo pudesse desmascará-la, ela já se acharia a caminho de Moscovo. Ou não?»

Se as informações repetidas por Parker correspondiam a verdade, executá-la-iam friamente depois de transmitir o que apurara a Kirechenko. Parecia-lhe incrível que tivesse confiado naqueles bastardos traidores. Pois bem, deixaria de ser o seu instrumento passivo. Dispunha de poder e trataria de o utilizar.

Sabia o que devia fazer. O único problema residia na malfadada Primeira Dama reproduzida no espelho. O seu» óbice era precisamente aquele: ter o rosto mais facilmente reconhecível do mundo, o que lhe impedia a liberdade de movimentos de que agora necessitava urgentemente.

 

Enfrentara dificuldades sucessivas para chegar àquele ponto e superara-as graças à sua inabalável força de vontade, inteligência e auxílio de aliados. Agora, porém, não dispunha de aliados em parte alguma. Só podia contar consigo, no momento em que se lhe deparava a maior crise pessoal de toda a sua vida. Não obstante, também a venceria, como tudo o resto, porque agora possuía munições.

Como conseguiria dirigir-se aonde pretendia sem dar nas vistas?

 

Concentrou-se no problema, surpreendida com a nova calma que lhe acudira, e ainda ficou mais admirada quando a solução se lhe apresentou tão facilmente.

 

Primeiro, precisava de efectuar dois telefonemas. Em seguida, pôr-se-ia a caminho.

 

Procurou a agenda de endereços e números de telefone, duplicado exacto da que Billie levava em todas as viagens, e abriu-a na letra F, onde figuravam os de Janet Farleigh. Esta já não existia, porém averiguara após o lapso na conferência de Imprensa que o marido dela, Cecil, e o filho de dezassete anos, Patrick, ainda viviam no apartamento de Castlemain House, junto de Green Park, onde Billie passara uns dias. Vera pegou no auscultador do aparelho sobre a mesa-de-cabeceira e indicou o número à telefonista.

 

Atenderam ao segundo toque, e uma voz masculina juvenil proferiu:

 

Estou. Fala Patrick Farleigh.

 

Patrick? Daqui Billie Bradford, uma velha amiga de sua mãe.

 

Billie?...A voz deixava transparecer admiração.

 

Sim, Billie Bradford. Vim a Londres com meu marido, por causa da Conferência Cimeira.

 

Eu sei. Vi-os na televisão e li no jornal que tencionava visitar-nos. Lamento que meu pai não esteja...

 

Não tem importância, embora gostasse de o ver. Queria apresentar-lhe condolências. Era muito amiga de sua mãe. Aliás, toda a gente simpatizava com ela.

 

Obrigado.

 

Telefono igualmente para lhe pedir um favor. Posso passar por aí?

 

Sem dúvida. Quando? Esta noite?

 

Sim. Dentro de um quarto de hora, aproximadamente. Não lhe faz diferença?

 

Pelo contrário, é uma honra para mim.

 

Então, até já.

 

Vera cortou a ligação, reflectindo que tudo se desenrolara da melhor maneira, até ali. Agora, precisava de fazer outra chamada, a mais importante. Pegou na lista, abriu-a na secção da letra H e procurou o número do Hotel Dorchester, que reproduziu num pequeno bloco-notas. A seguir, fitou-o pensativamente e assumiu uma expressão maliciosa.

 

Por fim, voltou a levantar o auscultador e pediu a nova ligação à telefonista. Após um lapso de tempo que lhe pareceu interminável, surgiu uma voz feminina, sem dúvida do P.B.X. do Dorchester, e Vera, esforçando-se por recorrer a uma inflexão autoritária, indicou que ligasse à suite do Primeiro-Ministro Kirechenko. Sabia que ele não atenderia, mas um membro da comitiva, o que não a preocupava, pois o essencial era que lhe transmitisse o recado.

 

Delegação soviética anunciou uma voz rouca, em russo.

 

É o general Chukovsky? perguntou ela no mesmo idioma, reconhecendo-a.

 

Quem é? O ton dele tornou-se desconfiado. Que pretende?


Não sabe, general? redarguiu Vera,   com prazfl sádico. Vera Vavilova.

 

Vera Vav...Chukovsky dir-se-ia na iminência de explodir. Ficou estabelecido que nunca telefonaria.      

 

Mas resolvi fazê-lo. Ela alterou subitamente a voz. Ligue ao Primeiro-Ministro Kirechenko

Não posso... É impossível. Está ocupado e depois tem de sair. Mais tarde, encontrar-se-á consigo, como combinou.

 

Decidi antecipar a hora do encontro articulou com firmeza. Quero avistar-me com ele imediatamente. Sigo já para aí e...

 

Não pode ser! É perigoso para si...

Ainda é mais se não o fizer. com estas palavras, pousou o auscultador abruptamenti cortando a onda de protestos do interlocutor.

 

Até àquele momento, decorrera tudo da melhor maneira possível. a seguir, não efectuou a mínima tentativa para abandonar a suite sem dar nas vistas. Ao invés, procedeu» abertamente e em conformidade com a pragmática usual

Mandou chamar os agentes do Serviço Secreto, Oliphant McGinty, para lhes comunicar que se ausentaria do hotel a fim de visitar a família de uma amiga residente em St Jamedfal Place, 21, após o que requisitou uma das limusinas da delegação americana, na qual seguiu com eles. Por fim, o carro imobilizou-se diante do prédio em que a família de Janet Farleigh ainda vivia, uma estrutura de sete pisos, cujo átrio se achava dissimulado por uma porta de vidro despolido.

 

Oliphant apeou-se e, quando Vera se preparava para o ’jm imitar, McGinty impediu-a com um gesto, explicando:

Ele   quer   inspeccionar   previamente   o   local.   Não demora nada.

Ela conservou-se sentada com impaciência, enquanto o agente transpunha a entrada do edifício. Depois de trocar algumas palavras com o porteiro, reapareceu, ergueu a mão para indicar aos outros que aguardassem, passou diante da garagem e desapareceu num beco lateral.

 

Regressou à limusina transcorridos cinco minutos, para comunicar ao colega:

 

Não noto nada de invulgar. Há um extenso relvado ,i nas traseiras, com um muro de betão ao fundo, sem qualquer porta. Fica de guarda aqui, enquanto entro com Mrs. Bradford.

 

Preocupada com o facto de não haver uma saída nas traseiras, Vera abandonou a limusina e precedeu Oliphant em direcção à entrada do prédio. Havia uma escada à esquerda do átrio e, quando se encaminhavam para lá, o agente informou:

 

Os Farleighs moram no apartamento das traseiras do segundo andar.

Eu sei mentiu ela, congratulando-se com a revelação.

Há um elevador.

Aqui, chama-se ascensor, mas prefiro a escada. Uma vez no segundo piso, Oliphant postou-se ao lado

da porta e, premindo o botão da campainha, Vera esclareceu:

 

É uma visita de condolências. Tenciono demorar-me cerca de hora e meia.

 

Perfeitamente. Não sairei daqui.

 

A porta abriu-se, e o único ocupante do apartamento no momento, Patrick Farleigh, convidou a suposta Primeira Dama a entrar. Apesar da pressa que tinha, ela esforçou-se por conservar as aparências. Assim, beijou o rapaz na face sulcada de pequenas borbulhas e pousou-lhe as mãos nos ombros para o contemplar.

 

Como está crescido, Patrick!

 

Ele indicou-lhe uma poltrona, manifestou pesar por o pai não se encontrar presente e Vera simulou interessar-se por assuntos de natureza pessoal do rapaz. Por último, terminadas as formalidades, decidiu entrar no assunto que a levara ali:

 

Como referi pelo telefone, precisava que me fizesse um favor.

 

Se me for possível...

 

Tenho um encontro marcado com alguém que desejava manter secreto. Não é nada de censurável, bem entendido, mas preferia não o ventilar. Infelizmente, a intimidade não figura entre osprivilégios de uma Primeira Dama. Onde quer que vá, preciso de utilizar a limusina oficial e aceitar a companhia de agentes do Serviço Secreto. Comuniquei aos que vieram comigo que me demoraria cerca de hora e meia, para os tranquilizar. Entretanto, aproveitarei para comparecer ao encontro. Suponho que isto não o contraria?

 

De modo algum. Até acho excitante.

 

Há alguma maneira de sair sem que eles se apercebam? Ficou um à entrada do apartamento e outro diante da porta da rua. Se existisse uma passagem de serviço...

 

Não. Os fornecedores utilizam a porta principal.    

 

Se a memória não me atraiçoa, o relvado das traseiras é rodeado por um muro de betão.

 

Exacto.

 

Então,   não   há   mesmo nenhuma  hipótese de sair por aí?

Patrick conservou-se silencioso por um momento e, de súbito, exibiu uma expressão de satisfação. ’

 

Existe uma maneira, embora pouco cómoda.

Como?

Costumam estar várias escadas de madeira apoiadas ao muro, utilizadas por pedreiros que procedem a reparações durante o dia. Posso colocar uma do outro lado, se quiser. A altura não é grande.

É uma jóia. Vera levantou-se e abraçou-o. Para onde dá o muro?

 

Há uma passagem asfaltada até Grean Park e dai» pode alcançar uma rua de grande movimento.

Tenho possibilidade de apanhar um táxi?

 

Sem dúvida.

 

Excelente. Fez uma pausa, dominada por mais uma preocupação. As escadas estarão no mesmo sítio, quando regressar?

 

Tratarei disso.

 

Penso estar de volta dentro de uma hora. Depois acompanharei os agentes do Serviço Secreto até ao hotel. Pegou no braço do rapaz. Indique-me o caminho.

O táxi surgiu da esquina e imobilizou-se à entrada do Hotel Dorchester. Vera Vavilova abriu a carteira para pagar ao motorista e acrescentou uma gorjeta generosa, após o que puxou de um lenço. Usava um casaco de linho com gola alta para dissimular o rosto revelador, mas necessitava de algo mais para que a certeza de não ser reconhecida fosse absoluta.

 

A seguir, avançou para a porta rotativa e imergiu no vasto átrio. Diversos árabes que se encontravam sentados ergueram as cabeças e interrompendo momentaneamente a leitura do jornal, porém ela conservava o lenço junto das faces, enquanto se encaminhava para o elevador.

 

Andar,   por   favor? perguntou   o   ascensorista, fechando a porta da cabina.

 

Aposentos do Primeiro-Ministro Kirenchenko. Vendo que o homem a observava com curiosidade, ela julgou conveniente acrescentar: Esperam-me.

 

Muito bem. É o oitavo. Uma vez no piso indicado, abriu a porta e informou: À sua esquerda e depois à direita. Procure a Terrace Suite.

 

Vera agradeceu com uma inclinação de cabeça e principiou a avançar no longo corredor. Por fim, tendo obedecido às instruções do ascensorista, deparou-se-lhe um grupo de quatro homens que conversavam em surdina diante de uma porta com os dizeres: HARLEQUIN AND TERRACE SUITES.

 

No instante em que fez menção de se aproximar, um deles apressou-se a impedir-lhe o caminho, com uma expressão grave.

 

Não pode entrar ninguém sem cartão de livre-trânsito esclareceu em inglês com forte sotaque eslavo.

 

Naquele momento, outro membro do grupo, que se mantivera de costas, rodou nos calcanhares e ela reconheceu o coronel Zhuk, cuja admiração foi bem visível. Acto contínuo, ele pegou-lhe no braço e, afastados dos outros, perguntou o que pretendia, acenando com a cabeça em assentimento, quando Vera explicou que Kirechenko a esperava. A seguir, abriu a porta e comunicou para dentro que a podiam deixar passar.

 

Ela entrou e avistou três agentes do K.G.B. armados, postados na base de uma escada íngreme. Sorrindo-lhes, apoiou-se ao corrimão e transpôs os degraus até alcançar um patamar, onde existia outra porta com a indicação TERRACE SUITE e mais dois membros daquela organização. Saudou-os com um movimento de cabeça e tocou à campainha.

 

A reacção foi quase instantânea, surgindo um dos dirigentes da União Soviética, Anatoli Garanin, do Politburo, que a fitou com uma ponta de contrariedade.

 

Camarada Vavilova? Só devia procurar o Primeiro-Ministro muito mais tarde, como sabe.

 

Telefonei a prevenir replicou Vera, secamente. Ficou combinado que viria agora.

 

Não   sei. Garanin   meneou   a   cabeça,   com   uma expressão de dúvida. Aguarde aqui, enquanto falo com ele.

 

Transcorrido pouco mais de um minuto, reapareceu, para a conduzir a uma sala espaçosa, decorada luxuosamente.

 

O Primeiro-Ministro assentiu em a receber por uns instantes, mas devo preveni-la de que está irritado.

 

Eu também.

 

Não esqueça que é o Primeiro-Ministro adverti-la. parecendo considerar a observação desrespeitosa.

 

E eu a Primeira Dama. Garanin franziu o sobrolho, mas afastou-se sem mais UMA ppalavra.

 

Quano ficou só, Vera moveu-se em impaciente vai vem, ao mesmo tempo que contemplava a decoração distraidamente. De súbito, pressentiu que entrara alguém em silêncio e, voltando-se, avistou Kirechenko, sem gravata nem casaco, com as mangas da camisa arregaçadas, que no entanto principiou a puxar para colocar os botões de punho.

Gosta de se expor a riscos consideráveis, camarada Vavilova articulou pausadamente, sem erguer os olhos da operação a que se entregava. É uma imprudência.

Exprimia-se em russo, e ela compreendeu que preferia conduzir a entrevista naquele idioma. Ao mesmo tempo reflectia que não se devia impressionar com a posição do interlocutor, evitando a mínima sugestão de subserviência consciente de que possuía uma arma poderosa.

Estou habituada aos riscos, camarada   Kirechenko Tudo o que faço em prol dos seus interesses envolve-os em doses elevadas. Não o procuraria agora, se o assunto não se revestisse de importância vital.

 

Muito bem. Ele sentou-se atrás de uma secretária, Traga uma cadeira para aqui e conversemos. Fez uma pausa, enquanto Vera obedecia. Posso felicitá-la? Constou-me que Já completou a missão e obteve o que pretendíamos.

É verdade

Espero que seja significativo.

 

Excelente. Aguarde um momento, enquanto chamo o general Chukovsky.

 

Não o quero presente declarou ela, com veemência.   A Só falarei consigo a sós.

Esperava que a audácia o enfurecesse, todavia ele recolheu a mão que aproximara do intercomunicador e contemplou-a, como se acabasse de surgir uma pessoa diferente.

Se prefere...aquiesceu, ligeiramente divertido. Trabalhámos quase três anos neste projecto, camarada Vavilova. Despendemos horas incontáveis de energia e quantias enormes para chegarmos a este momento. Por conseguinte, desenrolar-se-á agora a entrevista que tínhamos planeado para mais tarde. Semicerrou as pálpebras atrás dos óculos sem aros. Obteve tudo o que desejávamos?

 

Sim, tudo.

 

Dos lábios do próprio Presidente?

 

Exacto, em primeira mão.

 

Considera verdadeiro o que escutou? Ele não desconfiou e tentou iludi-la?

 

Exprimiu-se   com   sinceridade. Vera   esboçou   um sorriso reminiscente. Encontrávamo-nos na cama. Fizemos amor. Sentia-se grato.

 

É natural admitiu   Kirechenko, com gravidade. Muito bem. Sou todo ouvidos, como dizem os nossos amigos Americanos. Explique-me que atitude pensam assumir na Cimeira.

 

Não.

 

Perdão? inquiriu, como se receasse ter escutado mal.

 

Não revelarei nem uma palavra.

 

Essa, agora! Que mosca lhe mordeu? Desconfio que um de nós enlouqueceu. Terei ouvido bem? Recusa-se a divulgar o que apurou?

Precisamente. Ela respirou fundo antes de acrescentar: Não lhe fornecerei a minha sentença de morte.

Que está para aí a dizer? A incredulidade de Kirechenko acentuava-se claramente. Qual sentença de morte? Fale de forma coerente e não insista em pôr a minha paciência à prova.

Sei o que tenciona fazer. Inteirei-me através de uma fonte fidedigna. A partir do momento em que revelar o que descobri,   posso   considerar-me   morta.   Transmitiu   ordens precisas para a minha execução, depois de abandonar este hotel. Como estou ao corrente de demasiados assuntos confidenciais, tenho de ser reduzida ao silêncio permanente pelo K.G.B., esta noite mesmo.

 

Ele mostrava-se abismado, e Vera reflectiu que se tratava de um actor consumado, ainda mais que ela.

 

Que disparates são esses? Onde ouviu isso?

 

Na minha suite do Claridge, de uma fonte da Casa Branca que tomou conhecimento por intermédio de um dos conselheiros do Presidente.

 

Uma fonte da Casa Branca? Como contactou com uma pessoa dessas?

 

Recordo-lhe que sou a Primeira Dama dos Estados Unidos.

 

Tem razão, não me lembrava. O Primeiro-Ministro fungou com impaciência. Pois fique sabendo que a informaram mal. Por razões que não interessa agora aprofundar devem suspeitar de si e ocorreu-lhes esse ardil para a impedir de me transmitir os elementos que obteve. Não acredito que uma pessoa tão inteligente e experiente como você se deixe ludibriar dessa forma rudimentar. Encontra-se do nosso lado. Envolvemo-nos no projecto juntos contra eles. Portanto, acabemos com as divagações sem futuro e passemos ao que interessa. Revele-me o que apurou e será recompensada muito para além do que espera, pelo esforço patriótico que desenvolveu. Vá, fale.

 

Ela comprimiu os lábios e conservou-se silenciosa por longos segundos, até que proferiu sem vacilar:

Não confio no senhor.

Camarada Vavilova, não passa de uma insolente. Eram evidentes os esforços de Kirechenko para dominar a cólera. Talvez me veja obrigado a ensiná-la a confiar em min. Disponho de meios para lhe arrancar as informações! antes de abandonar esta sala.

 

Sem dúvida que me pode fazer tudo o que entendera O arrojo de Vera excedia aquilo que ela própria ousara! prever. Isso só serve para confirmar o que tenho estada] a dizer. Rodeiam-no brutos, torcionários, carrascos, mas desta vez não recorrerá a eles. Se me maltratar ou matar, os segredos dos Americanos morrerão comigo.

Nos momentos imediatos, o único som audível foi o| tiquetaque do relógio em cima da secretária. De repente, a fachada granítica que ele exibia desmoronou-se. Inclinou o tronco para trás na cadeira, tirou os óculos e o rosto alterou-se num largo sorriso.

 

Ganhou,   camarada  Vavilova reconheceu   em ton quase jovial. É uma mulher forte, característica que sempre respeitei. Tem toda a razão. O plano de Petrov consistia   em executá-la depois de sair daqui. Aliás, pareceu-me uma   ideia insensata desde o princípio e não concordei, mas insistiu, acabei por ceder e não voltei a pensar no assunto. No   entanto, admito que constituiu um erro crasso, que tenciono rectificar. Revogarei a ordem de execução. Garanto-lhe a segurança absoluta.

A sua palavra não basta. Vera sacudiu a cabeça com firmeza. Necessito de uma garantia a toda a prova.

 

Explique-se melhor. Como quer que lhe garanta a segurança? Kirechenko pegou num lápis e começou a desenhar distraidamente   num   bloco-notas. Tem   alguma ideia definida nesse sentido?

 

Ainda não.

 

Então, vou sugerir uma, que talvez considere aceitável. Pousou o lápis e fitou a interlocutora com intensidade. Um passaporte para um país neutro. Alterávamos-lhe as feições mais uma vez e providenciávamos para que desfrutasse de residência permanente na Suécia ou Suíça, por exemplo, com uma quantia substancial depositada em seu nome em qualquer desses países. Que lhe parece?

 

Pouco   prometedor.   Eu   continuaria   vulnerável.   Os mastins de Petrov acabariam por me localizar, com receio de que recorresse à chantagem. Tem de ser algo de melhor, que me garanta a segurança absoluta.

 

Seguiram-se uns minutos de silêncio, durante os quais cada um tentou encontrar uma solução aceitável.

 

Por fim, Kirechenko inclinou-se para a frente, como que fascinado pela inspiração que lhe acudira.

 

Há uma possibilidade, um pouco arriscada, mas viável, que a satisfará em todos os aspectos.

 

Ouçamo-la articulou ela, com ansiedade.

 

Como sabe, à parte as suspeitas de alguns membros da Casa Branca, e não necessitam de ser forçosamente encaradas a sério, porque ninguém pode provar que você não é a autêntica Primeira Dama, à parte isso conseguiu iludir toda a gente, nas últimas semanas. O Presidente, os seus colaboradores mais próximos, os políticos, as amizades mais íntimas de Mrs. Bradford a Imprensa, etc. Todos a aceitaram como esposa do chefe do Executivo.

 

Sem dúvida.

 

Ora bem. Gostava de continuar a ser a Primeira Dama toda a vida?

 

Toda a vida? Vera não descortinava claramente o que ele pretendia propor.

 

Sim, enquanto Bradford permanecer na Casa Branca e depois, na vida privada, a seu lado, até que a morte os separe. Agradava-lhe esta perspectiva?

 

Na realidade, ela nunca considerara semelhante hipótese, ou melhor, o prazer que o papel de Primeira Dama lhe proporcionava. Nunca? Não era verdade. Pensara mesmo muito nisso, com frequência. De vez em quando, nas últimas semanas, alimentara fantasias sobre a eventualidade de prosseguir na pele de Billie Bradford. Chegava até a acontecer esquecer-se por completo das suas verdadeiras funçoes de espia ao serviço da União Soviética. Apenas via América dourada à sua volta, com a sua riqueza, luxo e vida.

fácil. E a ela própria, como Primeira Dama americana, com o seu poder, respeito, fama, a mulher mais famosa do mundo.

Inclusivamente, a existência matrimonial ao lado do Presidente, mais tarde o ex Presidente, resultava agradável. Andrew Bradford era relativamente pouco exigente e mesmo atraente em certos aspectos. Embora nunca o pudesse amar como a Alex, ao qual deveria renunciar, o poder não se obtinha sem alguns sacrifícios. Por outro lado, conquanto se achasse impossibilitada de reatar a carreira no palco, no seu papel da vida real estaria sempre em primeiro plano. Sim, ponderara esse panorama nas últimas semanas, e agora tudo se lhe afigurava mais convidativo, sobretudo porque jamais poderia viver na União Soviética em segurança e até em qualquer parte do mundo. A sua intervenção no projecto de Petrov convertera-a numa ameaça para os seus chefes. A sua única   invulnerabilidade   residia   nas   funções   de   Primeira Dama. Estaria Kirechenko a deixar transparecer que poderia transformar a sua fantasia em realidade?

Que   sugere? inquiriu  com   desconfiança. Como   podia eu tornar-me na Primeira Dama dos Estados Unidos   para toda a vida?

 

Sendo a única, camarada Vavilova.Ele inclinou-se ainda mais para a frente e baixou a voz. com a eliminação da outra Primeira Dama. Se a liquidarmos, você será a única esposa do Presidente, o que representará a garantia máxima da sua segurança.

A indiferença com que ele propunha a execução de uma figura de relevo internacional impressionou-a e a crueldade envolvida deixava-a positivamente aterrorizada.

 

A ideia de matar alguém não me agrada.

 

A conservação da própria vida é o que conta, neste mundo. A vida dela pela sua. De resto, terá de morrer, um dia, de colapso cardíaco, cancro ou outra enfermidade fatal. Limitar-nos-emos a acelerar a obra da Natureza. Um final rápido e indolor para uma actriz desconhecida, enquanto a Primeira Dama continuará a viver. Que diz?

 

Confesso que não sei o que dizer.

 

Queria uma garantia a toda a prova? Aí a tem. Não concorda?

 

Concordo que seria a toda a prova.

 

Uma vez consumada, revelava-me o que descobriu, sem receio de ser liquidada.

 

É possível.

 

Então, vamos pôr a ideia em prática. Eliminaremos Mrs. Bradford com discrição.

 

Quando?

 

Imediatamente. Digamos, dentro de vinte e quatro horas. Kirechenko fez uma pausa. Estará morta e sepultada e você fornecer-nos-á o que pretendemos. De acordo?

 

Vera estremeceu, reflectindo que devia afastar do espírito a imagem de Billie, a vibrante e atraente Billie Bradford. Inpunha-se que considerasse unicamente a sua própria sobrevivência e a concretização da fantasia que concebera.

 

Estou disposta a aceitar a proposta declarou, por fim. Mas com uma condição.

 

Qual?

 

Têm de me apresentar uma prova de que a mataram.

 

É exigente, camarada Vavilova. Continua desconfiada.

 

com bons motivos. A minha vida está em jogo.

 

Muito   bem assentiu   ele,   pensativamente,   parecendo julgar a sugestão razoável. Obterá uma prova indiscutível. Mandarei fotografar o corpo de Mrs. Bradford após a execução, para lhe mostrar uma cópia. Isto satisfá-la?

 

Em absoluto.

 

Verá a fotografia amanhã.

 

Mais uma coisa. Vera reconheceu que se sentiria muito só, na sua nova identidade definitiva, sem a presença de alguém da sua intimidade. Por outras palavras, sem Alex. É certo que estivera disposta a sacrificá-lo, no interesse da sua própria segurança, poder e fortuna, mas se pudesse tê-lo junto de si e continuar a dispor do resto, não hesitaria em aproveitar   a   oportunidade. Diz   que   verei   a   fotografia amanhã?

 

Exacto. Chegará num avião especial. Será prevenida, quando a tivermos em nosso poder.

 

Gostava de designar o portador.

 

Pode ser quem quiser.

 

Alex Razin, do K.G.B.

 

Razin,   o   seu   instrutor? estranhou   Kirechenko, arqueando as sobrancelhas.

 

E amigo. Confio nele. Desejo mesmo que seja admitido nos Estados Unidos, para eu dispor de alguém para conversar, de vez em quando.

 

isso pode complicar a sua vida como americana.

 

Não creio. Tem de ser ele a trazer a fotografia que prova a morte de Billie. Quando a vir, amanhã, e me convencer de que sou a única, divulgarei as informações que obtive Cumprirei a minha palavra, mas primeiro tem de cunprir a sua.

Assim será. prometeu, levantando-se. Billie Bradford morrerá antes que nasça novo dia.

 

CERCA de hora e meia antes, Guy Parker vira Vera, a suposta Primeira Dama, abandonar a suite presidencial com os agentes do Serviço Secreto. Um terceiro funcionário da Segurança, postado à porta dos aposentos, revelara-lhe que ela ia visitar uns amigos. Parker sabia, no entanto, que não era esse o objectivo da saída. Agora que se inteirara da sua execução iminente, pretendia sem dúvida avistar-se com alguma alta patente da delegação soviética. Ao mesmo tempo, ele perguntava-se como o conseguiria, e também não vislumbrava como lograria persuadir os compatriotas a anular a ordem. Decerto dispunha de argumentos de peso, já que estava ao corrente de segredos de Estado americanos. Talvez permitissem que se sujeitasse a uma intervenção de cirurgia plástica e passasse a viver no Ocidente, embora subsistisse igualmente a possibilidade de a matarem, com ou sem as informações que pretendiam.

 

Ao longo de noventa minutos, Parker movera-se do corredor do hotel para o gabinete de Nora e vice-versa, com os olhos fixos no elevador, à espera que ela reaparecesse.

 

Começava a admitir que fora liquidada, quando a viu surgir no corredor, exibindo uma expressão serena, acompanhada pelos agentes.

 

Ele tratou de desaparecer prontamente no gabinete de Nora, que terminava uma conversa pelo telefone, e anunciou:

 

A nossa Vera continua viva.

 

Bem sei replicou ela, pegando no bloco-notas e lápis. Acaba de me chamar para introduzir alterações no programa para amanhã.

 

Isso quer dizer... murmurou Parker, segurando-lhe o braço com   certeza aquiesceu,   desprendendo-se..vou ter com ela antes que se impaciente.

 

Vê se consegues apurar mais alguma coisa. Nora assentiu com uma inclinação de cabeça e desapareceu na Royal Suite.

 

Ele aplicou o ouvido à porta, todavia as vozes eram demasiado abafadas para que pudesse distinguir as palavras. Em face disso, começou a percorrer em impacienti vaivém a curta distância entre o gabinete de Nora e a passagem que ligava as duas suites. Entretanto, especulava sobre a sósia de Billie e o que tencionava fazer. Em seguida, ponderou possíveis ardis para a desmascarar. Considerou É hipótese de,   na   primeira oportunidade,   se   introduzir no quarto em busca de algo que a comprometesse, mas reconheceu que se limitaria a perder tempo, pois nada haveria de interessante nesse capítulo num lugar ocupado igualmente pelo Presidente dos Estados Unidos. A única opção que se lhe deparava consistia em continuar a segui-lo aonde quer que se dirigisse.

 

Por fim, a porta de comunicação abriu-se, para dar passagem a Nora, que informou a meia voz:

 

Tivemos de interromper a reunião. O chefe do prótocolo, Fred Willis, apareceu de repente sem se fazer anunciar para tratar de um assunto urgente.

É estranho.

Talvez... Olha, não fechei bem a porta. Importas-te , de?... Interrompeu-se ao ver a   expressão dele. Vais escutar? (

com efeito, Parker acercou-se da porta, que ficara entreaberta pouco mais de um centímetro, e escutou. Acto contínuo, apercebeu-se de uma voz masculina familiar que o fez estremecer, sobretudo quando notou o cicio. Devia ser de Fred Willis, apesar do que era idêntica, a mesma que ouvira no esconderijo da loja de Ladbury. Seria de facto Willis que conspirava com o costureiro e um agente soviético? Não podia haver outra explicação.

 

De repente, fez-se-lhe luz no espírito. Se os Russos tinham alguém instalado na Casa Branca, porque não Fred Willis?

 

Conservou-se imóvel, esperançado em detectar pelo menos a natureza da conversa, o que não resultava fácil, pois exprimiam-se em surdina. No entanto, conseguiu captar fragmentos de frases pronunciadas por Willis, cuja inflexão aguda era parcialmente audível.

 

...acabo   de   ser   informado.,     comunicar-lhe...   o assunto vai para a frente.

 

Vera replicou algo, mas Parker não pôde inteirar-se do conteúdo, e Willis tornou a falar.

 

...será transmitido. . dentro de uma hora no local do costume... você... informada, esta noite.

 

Parker acabou por fechar a porta em silêncio e virou-se para Nora, que o olhava com ansiedade. Conduziu-a para o gabinete e murmurou-lhe ao ouvido:

 

Fred Willis faz parte do conluio.

 

Não me digas! Como?...

 

Posso garantir-to. Procurou-a para lhe comunicar qualquer coisa. Segundo depreendi do que consegui ouvir, dentro de uma hora eles transmitirão informações, provavelmente para Moscovo, e mantê-la-ão ao corrente do que se passar. Tenciono averiguar de que se trata. E é para já.

 

Aonde vais?

 

À loja de   Ladbury. Tenho de chegar antes deles. Espera por mim. Não devo tardar muito. Parker deteve-se junto da porta. Suponho.

 

Movia-se em passos rápidos na direcção da loja de Ladbury, consciente de que jogava uma cartada. O homem que ouvira conversar com o costureiro e o agente russo talvez não fosse Willis, mas outra pessoa com voz parecida. Não obstante, a similaridade entre ela e a que se dirigira à Primeira Dama, pouco antes, era surpreendente. Portanto, Parker não podia descurar o indício. Se a sua suposição correspondesse à realidade, não tardaria a comparecer alguém na loja, a fim de transmitir uma mensagem através de um emissor oculto numa das dependências.

 

Reconhecia perfeitamente o risco a que se expunha ao visitar o local pela segunda vez, mas a diligência tornava-se imprescindível. Dispunha de elementos mais que suficientes para justificar uma investigação a fundo, todavia não tinha ninguém a quem recorrer. O Presidente negar-se-ia a escutar suspeitas tão inverosímeis, e os membros da C.I.A. que o rodeavam não se mostrariam mais receptivos. O assunto encontrava-se inteira e exclusivamente nas suas mãos e de Nora. Se, ao menos, obtivessem algo de concreto para apresentar, um fragmento de prova, poderiam neutralizar o plano que Vera concebera para transmitir as informações ao K.G.B. ou ao Primeiro-Ministro soviético.

 

Alcançou a entrada da loja e, depois de olhar nos dois sentidos da artéria para se certificar de que não havia ninguém nas proximidades, além de um casal jovem que se entretinha a ver montras, puxou da chave que mandara fazer e abriu a porta, voltando a fechá-la atrás dele com prontidão ao mesmo tempo que soava a sineta.

 

As   lâmpadas’ de   fraca   intensidade   estavam   acesas porém a iluminação era deficiente. Considerou a possibilidade de se dirigir ao primeiro piso, para tentar descobrir o transmissor de rádio, mas desistiu. Além de a operação envolver algum tempo, de momento precioso, se entretanto entrasse alguém, poderia surpreendê-lo, sem haver um esconderijo seguro. O posto de observação e escuta que utilizam anteriormente afigurava-se-lhe mais conveniente.

Assim, tacteando,   em   virtude   de   imperar escuridão quase absoluta, encaminhou-se para o gabinete de provas ocultou-se no roupeiro, atrás dos vestidos.

Se a transmissão se verificasse «no local do costume», e a expressão dizia respeito à loja de Ladbury, ocorreria dentro de vinte minutos. Portanto, restava-lhe aguardar.

Manteve-se   pacientemente entre   os   vestidos,   numa atmosfera quase sufocante, transferindo o peso do corpo de uma perna para a outra a intervalos. O tempo escoava-se com lentidão enervante e a expectativa parecia interminável.

 

Começou a sentir dores nas costas e acudiram-lhe dúvidas.

 

Talvez se tivesse equivocado acerca de Willis e seguisse uma pista falsa e ridícula. O mais aconselhável seria porventura sair dali com a maior prontidão possível. E ir para onde? Não existia outro indício explorável.

Portanto, continuou a aguardar.

As dúvidas reacendiam-se e tentava refutá-las, quando o silêncio foi alterado pela sineta da entrada, e as costas dele estremeceram contra a parede.

Pareceu-lhe distinguir passos que se aproximavam e a luz do corredor acendeu-se. Espreitando por entre os vestidos, descortinou um par de sapatos de polimento abaixo do limite do reposteiro. Ladbury, certamente.

 

A porta do gabinete em frente foi aberta e em seguida fechada, o que levou Parker a mastigar uma imprecação de contrariedade.

 

De súbito, tornou a vibrar a sineta da entrada e registaram-se novos passos, agora de duas pessoas que calçavam sapatos de aspecto rudimentar e também desapareceram no gabinete, cuja porta se voltou a fechar.

 

A sineta soou terceira vez, quase imediatamente, e seguiram-se passos apressados, movendo-se um par de sapatos de camurça sob o reposteiro. Parker verificou com satisfação que desta vez a porta do gabinete permanecia aberta, e conteve o alento, a espera que começassem a falar.

 

Ladbury...   Baginov...   Fedin...   Sim,   senhor,   estão todos presentes. Era a voz aguda de Willis. Prestem a máxima atenção, porque isto é importante. O plano foi alterado totalmente, por determinação das altas esferas. Temos de actuar com rapidez. Fedin, você utilizará o transmissor assim que nos separarmos.

 

Muito bem.

 

Que aconteceu?quis saber Ladbury. Que alterações houve? Fui informado de que a nossa dama se avistou com Kirechenko. É verdade?

 

É confirmou Willis. Não conheço os pormenores, à parte o facto de que ela descobriu que a aguardava a execução.

 

Mas como? balbuciou o costureiro.

 

Não faço a mínima ideia. Resolveu fazer chantagem com o Primeiro-Ministro. Quer uma garantia de que não será molestada, ou não divulgará o que obteve do Presidente Bradford.

 

Uma garantia? Não vejo de que espécie...

 

Conseguiu-a. Já explico tudo a seguir. Evidentemente que a liquidação dela foi cancelada pelo próprio Kirechenko. Não sofrerá a menor beliscadura.

 

Essa parte já eu conhecia declarou Baginov. Daí em diante, estou a zero.

 

As instruções que recebi destinam-se em particular a Fedin. Deve transmitir isto, segundo o código mais recente, ao general Petrov, em Moscovo. Willis articulava as palavras como se se tratasse de um ditado. A Primeira Dama, Billie Bradford, será executada antes de amanhecer.

 

Parker sentiu-se percorrido por tremor irresistível e segurou-se freneticamente aos vestidos mais próximos para conservar o equilíbrio.

 

O quê? bradou Ladbury. Billie executada? Não posso acreditar. Tem a certeza?

 

Absoluta redarguiu Willis, em voz tensa. Temos uma Primeira Dama aqui. Não precisamos da outra.

 

É, então, essa a garantia de Vera?

 

Exacto. Creio que a ideia partiu do próprio Primeiro-Ministro. Ora bem, Fedin, aí vai o que lhe compete transmitir. É melhor tomar nota. Registou-se uma breve pausa.

 

Billie Bradford executada antes de amanhecer. Já está? A seguir, antes da desfiguração, o corpo deve ser fotografado, para provar claramente que morreu. Alex Razin trará o pacote com as cópias. Para o efeito, um avião especial conduzi-lo-á a Westbridge, nossa base aérea temporária. A nova Primeira Dama encontrar-se-á presente para examinar as fotografias. Quando se declarar satisfeita... O resto não tem nada a ver com a mensagem. Escreveu tudo?

 

Sim, senhor aquiesceu uma voz que Parker depreendeu pertencer a Fedin.

 

Entretanto, dominava-o estupefacção crescente. O horror do que se desenrolava impedia-o de raciocinar com clareza. Quando se inteirara de que os Russos tinham substituída a Primeira Dama americana por uma sósia, julgara-se imunizado contra surpresas ulteriores. Agora, porém, sentia-se abalado para além de tudo o que conhecera em qualquer experiência do passado. O problema imediato consistia em absorver aquilo como uma realidade irrefutável. O facto de os Soviéticos raptarem a Primeira Dama, para a substituir e assassinar, parecia-lhe produto de uma daquelas histórias fantásticas só possíveis nos livros ou cinema.

 

E naquela noite. Aconteceria naquela noite.

 

Manteve-se petrificado atrás da barreira de vestuário feminino, apurando os ouvidos para se elucidar de mais pormenores. No entanto, tudo indicava que a reunião terminara, pois a luz do gabinete foi apagada e os sapatos desfilaram no corredor.

 

Uma voz que se afastava, sem dúvida de Baginov, informou:

 

Vamos lá acima transmitir. Tens o código de hoje, Mikhail?

 

Na pasta.

 

Mais uma coisa advertiu Willis. Averigue exactamente a que horas Razin chega a Westbridge.

 

Entendido. Depois, comunico-lho.

 

Não se esqueçam de apagar a luz, quando saírem recomendou Ladbury. E fechem a porta. Têm chave?

 

Eu não replicou Baginov, mas Fedin tem. Parker ouviu a sineta da entrada e compreendeu que o costureiro e Willis se retiravam, ao mesmo tempo que distinguia os passos dos dois agentes soviéticos na escada. Em seguida, silêncio absoluto.

 

Embora estivesse ansioso por sair dali, resolveu deixar transcrever cinco minutos. Por fim, abandonou o roupeiro e avançou para o corredor em bicos dos pés. Quando passou junto da escada, divisou um ténue clarão no piso superior, mas prosseguiu em direcção à saída. Depois de abrir a porta uns dois centímetros, pousou um dos pés no rebordo metálico que circundava a montra, elevou-se até alcançar a sineta com a mão, no intuito de abafar o som, puxou a porta o suficiente para a transpor, saltou para o chão e fechou-a à chave por fora.

 

Entretanto, acudira-lhe uma apreensão crescente, tanto pelo que acontecia como em virtude da sua incapacidade para intervir.

 

Enquanto regressava apressadamente ao carro, ponderava o movimento a seguir. Necessitava de auxílio, mas não sabia a quem recorrer. Convencer alguém possuidor de autoridade de que o que ouvira correspondia à verdade e havia necessidade urgente de tomar medidas drásticas para que a concretização do projecto Segunda Dama se consumasse, era a todos os títulos impossível. De qualquer modo, seria um processo demasiado moroso. Até lá Billie morreria. Se ele conhecesse alguém em Moscovo no qual pudesse arriscar-se a confiar...

 

Quando entrou no Claridge, ocorrera-lhe uma possibilidade. As probabilidades de não resultar eram montanhosas, mas se agisse com prudência e tacto, talvez conseguisse o que pretendia. De resto, não havia outro lado para onde se voltar. Por conseguinte, concentrou-se no que devia fazer. Antes de mais, precisava de conversar com Nora.

 

Ela não se encontrava no quarto e Parker perguntou-se se estaria com a Primeira Dama, porém lembrou-se em seguida de que esta jantava fora. Não obstante, abordou o agente do Serviço Secreto, para indagar se Mrs. Bradford já regressara. Inteirou-se então de que o Presidente cancelara o jantar e ela comera só, na suite, onde permanecia. Dirigiu-se ao gabinete de Nora e viu-a de copo na mão, à sua espera.

 

Não te aconteceu nada! exclamou, com um profundo suspiro de alívio. Graças a Deus. Não conseguia imaginar o que sucedera. Ou antes, conseguia. Vi-te amarrado a uma cadeira, enquanto te arrancavam o que sabias. Acercou-se dele e abraçou-o com ternura. Agora, compreendo a angústia de quem sofre, à espera do ente querido. Fez uma pausa e fitou-o com curiosidade. Foste molestado?

 

A minha pessoa carece de importância, neste momento replicou Parker, conduzindo-a para a cadeira rotativa da secretária e sentando-se em frente. O Importante é o que tenho para te dizer. Escuta e não me interrompas, sem duvidar de uma única palavra. A meia voz, como se reciasse o aparecimento de intrusos agressivos de um instante para o outro, descreveu tudo o que ouvira na loja de LECBURRY. No final, Nora empalidecera e parecia privada do uso da voz. Gradualmente, porém, recoMpôs-se e balbuciou:

 

Querem... querem matá-la? Não é possível.

Infelizmente, é.

Bem sei que ele te mandou calar, da outra vez, mas tens de procurar o Presidente imediatamente.

 

Já pensei nisso, sem que vislumbre a mínima hipótese de me prestar atenção. Que aconteceria? Ele diria: «com que então, escondeu-se atrás de uns vestidos, ouviu tudo isso e agora quer que me insurja perante o Primeiro-Ministro soviético? Ou sugere, porventura, que mande invadir a Rússia para salvar minha mulher... quando ela se encontra a meu lado? Não acredito numa única palavra do que afirma.»

 

Tens razão. Ela inclinou a cabeça com lentidão. Bem,   passemos   a   outra   possibilidade.   E   o   embaixador Youngdahl? Está em Moscovo e talvez nos prestasse mais atenção que àquela turista.

 

Não fazia nada sem consultar o Presidente... admitindo que acreditava em nós. Mas supondo que o convencíamos a agir, procuraria as autoridades soviéticas e exigiria que libertassem a Primeira Dama? «Qual Primeira Dama?», replicariam. «Endoideceu?» Não, Nora. O caminho indicado não é esse. Existe outro, mais prometedor e envolve Youngdahl, embora numa intervenção secundária que não lhe revelaria a situação. Quem conhecemos em Moscovo?

 

Apresentaram-nos numerosas pessoas, quando estivemos lá.

 

Mas houve uma que se destacou. Pelo menos, recordo-me bem dela, em virtude de uma breve conversa que tivemos. Não sei se poderemos estabelecer contacto ou aceitará colaborar. Em caso afirmativo, aproveitaríamos o facto de pretender uma coisa de mim. Além disso, acompanhou Billie em quase todas as visitas.

 

O intérprete?

 

Esse mesmo. Alex Razin. Como te expliquei, mencionaram-no na loja de Ladbury. É o mensageiro que trará as fotografias do cadáver de Billie, e palpita-me que conhece o paradeiro dela. A grande dúvida consiste em saber se está do lado deles ou do nosso. Tê-lo-ão informado da execução da Primeira Dama? Conhece a natureza do conteúdo da «encomenda» que transportará? Penso que a resposta é negativa, em ambos os casos. Sendo assim, podemos contactar com ele, antes que molestem Billie e parta de Moscovo para Londres, e alterar o rumo dos acontecimentos. Prometemos-Lhe asilo na América, o que parece desejar mais que tudo o resto na vida. Parece-me que merece a pena tentar.

 

Mas como estabeleceremos contacto?

 

Pela   nossa   linha   directa   para   Moscovo. Parker apontou para o gabinete do Presidente.

 

O pior é que só ele e a Primeira Dama têm autorização para...

 

És o braço direito da Primeira Dama interrompeu com prontidão. Ela pediu-te que efectuasses a chamada, mandas chamar o embaixador, e o resto fica por minha conta.

 

Nora hesitou por um momento, semicerrando as pálpebras.

 

Está bem. Creio que Dolores Martin ainda não saiu. Precisamos da sua ajuda.

 

Dirigiu-se ao gabinete contíguo e ele seguiu-a. A cabeça grisalha da mulher debruçava-se sobre umas anotações e lápis que transcrevia, com uma xícara de café ao seu alcance.

 

Graças a Deus que ainda cá está, Mrs. Martin proferiu Nora, aliviada.

 

E estarei até ao romper do dia, segundo tudo indica grunhiu a outra, com uma expressão de amargura.

 

Mrs. Bradford incumbiu-me de telefonar ao embaixador Youngdahl, em Moscovo, e quer que o faça pela linha directa. Venho, pois, comunicar-lho, por ser da sua responsabilidade.

 

Ela devia ter-me prevenido.

 

Deve ter-se esquecido, por estar muito atarefada. Disse que a senhora compreenderia se eu fizesse a chamada em seu nome.

 

Bem, acho que daí não virá nenhum mal ao mundo. Dolores Martin levantou-se e levou a mão às costas, com um esgar de dor. vou retirar o cadeado do aparelho.

 

No gabinete do Presidente, havia um telefone branco em cima da secretária ao lado de dois pretos. Ela puxou de um chaveiro, escolheu a chave apropriada e aplicou-a ao cadeado, após o que pegou num lápis e inscreveu um número no bloco-notas.

 

É para chamar o telefonista para as ligações com O estrangeiro. Identifique-se e indique com quem pretendE falar e onde se encontra. Quando terminar, diga-me. E afàstou-se, fechando a porta atrás de si.

 

Sem perda de um segundo, Nora sentou-se à secretária do Presidente, levantou o auscultador do telefone branco marcou o número. Atendeu um capitão do Corpo de Comunicações, ao qual se identificou, após o que anunciou qui desejava falar com o embaixador Otis Youngdahl, em Moscovo. Por último, obedecendo às instruções dele, cortou a ligação e aguardou.

 

Que tencionas dizer? perguntou a Parker, que compunha uma mensagem numa folha de papel.

vou transmitir-lhe um recado para Alex Razin. Não ] tardarás a ouvi-lo. Não sei se resultará, mas temos de tentar.

 

O telefone tocou e Nora apressou-se a levantar o auscultador.

 

Estou...

 

Parker baixou a cabeça e colocou o ouvido junto da parte exterior do auscultador, ouvindo sem dificuldade a voz de Youngdahl:

 

Olá, Nora. Disseram-me que era você. Esperava que fosse o Presidente, nesta linha.

 

Está em reunião e Billie janta com umas pessoas conhecidas, além do que Dolores Martin já saiu. Pediram-me que falasse consigo, porque se trata de um assunto urgente. Acordei-o?

 

Não. Costumo deitar-me tarde. De que se trata?

 

Confiaram-me uma mensagem, para que a faça chegar ao conhecimento de alguém em Moscovo. Ditaram-na a Guy Parker..

 

A quem?

 

Guy Parker, um dos escritores de discursos do Presidente, actualmente colaborador de Mrs. Bradford na elaboração da autobiografia. Conheceu-o há umas semanas, quando estivemos...

 

Ah, já sei. Recordo-me das feições do rapaz.

 

Vou passar-lhe o telefone.

 

Um momento, que tenho de procurar um lápis.

 

Ele volta já murmurou Nora a Parker, estendendo-lhe o auscultador.

 

De pé diante da secretária do Presidente, ele levou-o ao ouvido, enquanto continuava a introduzir alterações na mensagem que preparara.

 

Está, Parker? proferiu finalmente a voz do embaixador.

 

Sim, senhor.

 

Pode começar. Que pretende o Presidente que se faça?

 

Recorda-se de que, quando a Primeira Dama visitou Moscovo, o mês passado, os Soviéticos lhe forneceram um intérprete russo nascido nos Estados Unidos? Um indivíduo chamado Alex Razin.

 

Razin, Razin... Confesso que não... Seguiu-se uma pausa. Acho que tenho uma vaga ideia. Alto, de cabelos pretos com   risca ao   lado.   Exprimia-se fluentemente em inglês. Sentou-se ao lado de Billie no...

 

Esse   mesmo confirmou   Parker. Pensa   que   o pode localizar?

 

Os nossos Serviços Secretos devem ter elementos a seu respeito nos ficheiros. Amanhã, indagarei.

 

Tem de ser esta noite. Já.

 

É assim tão importante? estranhou o embaixador, após nova pausa.

 

Julgo que o Presidente e a Primeira Dama são dessa opinião. Aliás, limito-me a repetir as suas instruções.

 

Muito bem. Averiguarei o seu paradeiro imediatamente. Uma vez localizado, que fazemos com ele?

 

Entregam-lhe uma mensagem.

 

Entregar mensagem a Razin. Pronto. Qual é o texto? Parker, que, entretanto, prosseguira na introdução de alterações, considerou-se satisfeito com o resultado. A mensagem tinha de ser suficientemente dissimulada para não despertar suspeitas a Youngdahl e, por outro lado, bastante clara para que Alex Razin a asssimilasse sem demora. E necessitava de conter veemência na dose necessária para que ele actuasse imediatamente, admitindo que estava ao corrente do local onde Billie Bradford se encontrava prisioneira vou lê-lo com lentidão, para que escreva.

 

Pode começar.

 

Diga a Alex Razin o seguinte: «A Primeira Dama precisa desesperadamente da sua ajuda. Receia que a execução determinada pelo K.G.B. se realize em Moscovo, esta noite. Vera passaria a ocupar o lugar permanentemente. A Primeira Dama espera que possa intervir em seu nome, em troca do que terá a sua entrada nos Estados Unidos garantida. Se possível, comunique-me o resultado para o Hotel Claridge em Londres, por intermédio do embaixador americano em’ Moscovo. Assina Guy Parker.» Final da mensagem.

 

Não entendo absolutamente nada.

 

Ele há-de entender.

 

Isto é algum código?

 

Mais ou menos.

 

Bom, é melhor eu repetir desde o princípio.

 

Sem dúvida. Parker aguardou que o embaixador chegasse ao fim da leitura do texto e declarou: É exactamente isso.

 

Logo que localizarmos o homem, mandarei alguém entregar-lhe a mensagem.

 

Não. O Presidente quer que seja o senhor, pessoalmente.

 

Eu? O torn de Youngdahl denunciava surpresa. Não lhe parece um pouco irregular? Tem a certeza?

 

Deixou bem vincado que a devia entregar, sem intermediários.

 

Tem de ser muito importante, de facto. Está bem. Hesitou. Mas preciso de usar de extrema cautela.

 

com certeza. Devo acrescentar que o Presidente quer que o faça imediatamente.

 

Envidarei todos os esforços nesse sentido prometeu, suspirando

 

Apesar da hora adiantada da noite, o velho edifício na Praça Dzerzhinsky apresentava luzes em várias janelas. O pessoal nocturno do K.G.B. desenvolvia intensa actividade. Algumas delas, porém, pertenciam a gabinetes de agentes que trabalhavam dia e noite, como era o caso de Alex Razin.

 

De momento, este sentia-se particularmente bem disposto. Acabava de despachar um monte apreciável de documentos e disporia de algumas horas para repousar em casa, ingerir uma ou duas bebidas, ler o jornal e dormir tranquilamente.

 

Reclinou-se na cadeira rotativa, mãos unidas sobre a nuca e permitiu que o espírito se concentrasse, uma vez mais, em Vera. Sentira profundamente a sua ausência nos últimos dias, mas o período de separação aproximava-se do termo. Através dos meios de informação habituais, inteirara-se de que o dia seguinte seria crucial para a Cimeira de Londres, e o primeiro-ministro Kirechenko negociaria com os Americanos numa posição de força. Isso significava, sem dúvida, que Vera sobrevivera ao teste sexual (com a sua própria colaboração perceptiva), obtivera os elementos sobre a estratégia americana e os transmitira a Kirechenko. Também queria dizer que ela, completada a missão triunfalmente, regressaria a Moscovo dentro de um ou dois dias, trocada por Billie Bradford. Razin ficaria aliviado ao tornar a vê-la em segurança nos seus braços e liberto da responsabilidade por velar pela Primeira Dama. Decidira anunciar-lhe que desejava casar imediatamente, a fim de a conservar sempre a seu lado.

 

Estava convencido de que poder algum da Terra lhe poderia alterar a euforia, nem mesmo a consciência de que Billie se tornara ultimamente mais retraída e deprimida. No fundo, a depressão crescente compreendia-se e ele conhecia a causa, pois continuara a visitá-la diariamente depois da noite em que haviam mantido relações íntimas. No entanto, não se tinham repetido, nem qualquer dos dois voltara a referir-se-lhes. Não obstante, Razin pressentia que ela, após a actuação agressiva na cama, esperara inteirar-se de resultados, persuadida de que Vera tentaria emunerá-la. Em face disso, o Presidente suspeitaria de algo, o conluio soviético seria exposto e Billie conquistaria a liberdade, depois de ludibriar os captores. Na verdade, sempre que ele aparecia, observava-o com uma expressão de ansiedade e, vendo que não pronunciava uma única palavra de esperança, imergia em silêncios cada vez mais prolongados. Poucas horas antes, numa dessas visitas, mostrara-se à beira do desespero, bebendo em excesso e recusando-se a comer. Todavia, naquela noite, Razin não se compadecia dela, por saber que dentro de quarenta e oito horas, na pior das hipóteses, recuperaria tudo o que desejava. Seria posta em liberdade, reunir-se-ia ao marido em Londres e regressaria à Casa Branca como Primeira Dama. Lamentava não a ter podido consolar com semelhantes notícias mas não se achava autorizado a fazê-lo. Na realidade, a sua libertação e troca ainda não passavam de temas de conversas de corredor, por assim dizer, sem carácter oficial.

 

Levantara-se da secretária e preparava-se para pegar na pasta, quando o telefone tocou.

 

Era o secretário do general Petrov, o qual anunciou que este último lhe desejava falar de um assunto urgente.

 

Surgia finalmente a informação oficial da troca da Segunda Dama pela Primeira.

 

Convencido disso, Razin abandonou o gabinete, descer ao piso seguinte e entrou na antecâmara de Petrov, onde e1 secretário lhe indicou que avançasse.

Quando transpôs a porta, viu o general sentado à secretária, concentrado em algo que parecia uma longa mensagem Ao inteirar-se da presença do subordinado, voltou o papel para baixo e apontou para uma cadeira, antes de principiar:        

 

Meu caro, receio que tenha de passar a noite em claro a menos que consiga dormir a bordo de um avião.

 

De um avião?

 

Tenho uma missão imediata para si. Preciso de um mensageiro para entregar uma encomenda por mão em Londres, esta noite.

 

Mas estou autorizado a entrar em Inglaterra?

 

O seu destino, o Aeroporto Westridge, nos arrabaldes de Londres, é temporariamente território soviético, à semelhança da nossa embaixada em qualquer lugar do estrangeiro. Até certo ponto, não pisará solo inglês. À parte os controladores aéreos britânicos e dois agentes da imigração pouco interessados no que se passa à sua volta, só haverá pessoal soviético nas imediações. Um dos nossos funcionários prócurá-lo-á para aceitar a encomenda e você regressará imediatamente a Moscovo.

Perdoe,   general,   mas   um   mensageiro   vulgar   não podia encarregar-se da tarefa?

 

Decerto.   Simplesmente,   o   primeiro-ministro   Kirechenko mencionou o seu nome. Portanto, tem de ser como   acabo de lhe indicar.

 

Muito bem.

 

Observará as seguintes instruções. Providenciei para que um aparelho militar o conduza a Londres e você será o único passageiro. Aguarda-o no Aeroporto Vnukovo e descolará dentro de três horas. Entretanto, vá a casa, jante calmamente e espere lá por mim. Aparecerei para lhe entregar a encomenda. Depois, o meu motorista voltará a depositar-me aqui e levá-lo-á ao aeroporto. Entendido?

 

Sim, senhor. Razin sabia perfeitamente que não devia perguntar o motivo de tudo aquilo. Nada mais?

 

Abandonou o gabinete de Petrov profundamente intrigado quanto ao objectivo da viagem inesperada, mas decidiu não se entregar a longas cogitações e cumprir as ordens, como sempre fizera

 

Regressou ao seu gabinete, acabou de guardar os documentos na pasta infiou o impermeável e encaminhou-se para o parque de estacionamento, à entrada da Travessa Furkosov.

 

A temperatura descera e, com uma das mãos, abotoou o impermeável, enquanto se aproximava do seu sedan Volga, cuja porta abriu, para se sentar ao volante. Em seguida, colocou a pasta a seu lado, puxou da chave da ignição e ligou o motor, que deixou aquecer por uns momentos, antes de acender os faróis e olhar por cima do ombro, a fim de fazer marcha-atrás. Nesse instante, descortinou um homem alto, bem trajado, que se acercava apressadamente. Não o reconhecendo, Razin preparava-se para executar a manobra, quando o outro abriu a porta do lado do passageiro, afastou a pasta e sentou-se.

 

Suponho que é Alex Razin? perguntou em inglês.

 

O embaixador Youngdahl! articulou Razin, surpreendido, ao reconhecê-lo. Que?...

 

Tenho um recado urgente e confidencial para si. Afastemo-nos daqui. Procure uma rua pouco frequentada.

 

Hesitou por um momento, perplexo, porém a curiosidade acabou por dominá-lo e pôs o carro em movimento.

 

Quando pararam na primeira luz vermelha, lançou uma olhadela ao companheiro e inquiriu:

 

Um recado para mim?

 

E muito importante, segundo parece. Não entendo a mensagem, mas garantiram-me que você sabia de que se tratava.

 

À aparição do sinal verde, reatou a marcha e enveredou pela Rua 25 de Outubro, quase deserta, àquela hora da noite, abrandando o andamento diante de cada cruzamento, em busca de um local pouco iluminado. Por fim, avistou um beco estreito e conduziu o Volga para lá, imobilizando-o junto do passeio, sob uma das várias árvores frondosas. Em seguida, virou-se para o americano e perguntou:

 

Quem envia essa mensagem?

 

Um homem que faz parte da comitiva presidencial em Londres. Chama-se Guy Parker. Ao que parece, conheceram-se, quando...

 

Recordo-me dele. Escreve discursos para o Presidente e colabora na autobiografia da Primeira Dama. Que pretende de mim?

 

Não sei confessou Youngdahl. Pediu-me que lhe transmitisse uma mensagem, que ditou pela linha pessoal do Presidente. Introduziu a mão na algibeira interior do sobretudo e puxou de uma folha de papel dobrada. Apenas estou ao corrente de que lha devo entregar pessoalmente e diz respeito a um assunto urgente. Estendeu-a a Razin. Encontrará o meu número de telefone no bilhete de visita apenso, para a eventualidade de necessitar de contactar comigo a qualquer hora. Pousou a mão no puxador da porta e abriu-a. É melhor separarmo-nos aqui. Irei a pé até onde deixei o carro. Boa sorte. E afastou-se em passos apressados.

 

Dez minutos mais tarde, Alex Razin continuava sentado ao volante na mesma rua, depois de ler a mensagem de Guy Parker três vezes. A primeira deixara-o confuso e desconcertara-o. A segunda provocara-lhe calafrios e a última fizera com que o sangue palpitasse intensamente nas têmporas.

 

Registara-se uma série de abalos, uns após outros, que o haviam afectado como uma concussão.

 

Somente agora emergia do torpor para um estado de indignação que se solidificava em profunda agitação e, com certa dificuldade, tentava coordenar as ideias e raciocinar de forma coerente.

 

Traduzira a mensagem propositadamente obscura de Parker em algo que conseguia entender sem margem para dúvidas. O americano revelava-lhe que Billie Bradford seria executada naquela noite. A alusão ao nome de Vera, além de surpreendente, indicava que não regressaria à Rússia e continuaria na posição actual. Por fim, o texto explicava que, se conseguisse salvar a verdadeira Primeira Dama, seria autorizado a entrar nos Estados Unidos, onde receberia asilo.

 

No termo da segunda leitura, todas as terríveis implicações da breve mensagem se lhe apresentaram com clareza no espírito. Em primeiro lugar, havia a horrorosa informação de que a Primeira Dama americana seria assassinada imediatamente. Ora, em momento algum da elaboração do projecto fora sequer aflorada semelhante possibilidade. Que motivo justificava agora um acto tão desumano? Se Kirechenko o ordenara, endoidecera ou não passava de um selvagem sanguinário. Na eventualidade de o propósito se concretizar e tornar conhecido no Ocidente, registar-se-ia o corte de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a União Soviética susceptível de conduzir a uma conflagração nuclear. Milhões de pessoas morreriam em virtude da execução insensata de uma mulher. A fúria em toda a América atingiria níveis inauditos. A imagem da U.R.S.S. perante o mundo equivaleria à de uma nação animada de intenções bárbaras homicidas. Para quê um risco daquela natureza? Resultava quase impossível conceber uma razão. Destinar-se-ia a desimpedir o caminho para que Vera personificasse a Primeira Dama sem perigo, ao longo de cinco anos e o K.G.B. dispusesse de uma espia na Casa Branca e, mais tarde, nas altas esferas da sociedade americana? Ou existiria porventura uma causa de outra ordem, mais importante, que ele não conseguia descortinar? Sim, devia haver um motivo mais imediato e poderoso que levava Kirechenko a praticar um acto inqualificável que se traduziria na eliminação da mulher mais famosa e estimada dos Estados Unidos.

 

Não menos intrigante, e sobretudo incompreensível, era o facto de os Americanos ou, em todo o caso, um deles, um burocrata de segundo plano chamado Parker terem descoberto que a verdadeira Primeira Dama se encontrava prisioneira em Moscovo e uma agente soviética chamada Vera a personificava com êxito. E que ele, Razin, se achava pessoalmente envolvido. Como se inteirara Parker de tudo aquilo? De momento, não interessava averiguá-lo. Todavia, como se explicava que não tivesse procurado imediatamente o Presidente ou a C.I.A., para obrigar a União Soviética a apresentar explicações? Ao invés, dava a impressão de que mais ninguém estava ao corrente, pois a Cimeira aproximava-se do termo, sem qualquer incidente susceptível de perturbar o clima cordial.

 

De súbito, uma passagem do texto assumiu relevo especial, por lhe dizer respeito directamente. Vera passaria a ocupar o lugar permanentemente. Parker não podia estar inteirado das relações pessoais secretas existentes entre eles. Não obstante, involuntariamente, atingira o ponto fraco de Razin. A conclusão de Parker não permitia a mínima dúvida. Correspondia à realidade. Se Billie Bradford fosse executada naquela noite, continuaria a viver através de Vera Vavilova, que, da Cimeira de Londres regressaria à Casa Branca, onde se conservaria durante todo o mandato do Presidente, após o que continuaria a seu lado como esposa dedicada, até que a morte os separasse. Por conseguinte, estaria irremediavelmente perdida para Razin.

 

A perspectiva era tão excruciante, que se negou a analisá-la mais profundamente.

 

A única conclusão óbvia era a seguinte: os destinos de ambos achavam-se totalmente ligados à vida ou morte de Billie Bradford. Se esta morresse, as relações dele com Vera extinguir-se-iam igualmente. Se vivesse, o amor e futuro que desejavam concretizar-se-ia. Substituída e livre, Vera poderia reunir-se-lhe nos Estados Unidos. A mensagem de Parker prometia a recompensa: a revogação do impedimento de entrar no país e residência permanente.

 

Poderia haver um futuro perfeito para ambos. Se Razin conseguisse intervir agora proteger Billie, libertá-la, conduzi-la a Londres e providenciar previamente para que, em combinação com Parker, ele e Vera ingressassem numa clínica para se submeterem a intervenções de cirurgia plástica e em seguida instalaram-se nos Estados Unidos, ficariam em segurança e poderiam viver juntos. Entretanto, Billie reataria as suas actividades como Primeira Dama. Seria possível?

 

Dostoievski enfrentava um pelotão de fuzilamento, naquela mesma Moscovo, quando fora salvo por um indulto do último momento. Haveria possibilidade de a Primeira Dama da América, igualmente na iminência da execução, ser salva pela intervenção de Razin?

 

Voltou a formular-se a pergunta. Seria possível?

 

A resposta desenhou-se-lhe no espírito com prontidão. Porque não?

 

Era, sem dúvida, possível... embora por uma margem ténue. Graças a uma afortunada casualidade, as circunstâncias ofereciam alguma esperança. Por um lado, conquanto a ordem de execução fosse secreta, ele inteirara-se, sem o conhecimento do seu superior. Por outro, aguardava-o um avião, num aeroporto a vinte e oito quilómetros de Moscovo, para o conduzir a Londres, a fim de entregar uma encomenda. Porque não havia Billie Bradford de ser essa encomenda? Por um momento, tentou explicar-se a razão pela qual Petrov não o informara do plano para eliminar Billie e manter Vera no lugar de Primeira Dama. Talvez porque ficara ao corrente do amor de Razin por ela ou queria conservar o assunto o mais secreto possível, para garantia de segurança dos assassinos.

 

Esforçou-se por concentrar o espírito nos passos que precisava de efectuar. Petrov não tardaria a visitar o Kremlin, se não o fizera já, para, juntamente com os seus algozes, levar Billie à força para um local solitário dos subúrbios, onde o crime se consumaria. A seguir, sepultá-la-iam num lugar sem qualquer indicação e ninguém daria pela sua falta, porque continuaria a viver em Londres e Washington.

 

Portanto, o primeiro passo óbvio consistia em a retirar do Kremlin, antes que Petrov aparecesse.

 

No instante imediato, reconsiderou, reconhecendo que se trataria de uma acção precipitada, susceptível de redundar em malogro trágico. A visita ao Kremlin constituía o segundo passo. Antes, devia dirigir-se a casa, para proceder aos preparativos necessários. Só depois se atreveria a ir buscar Billie e tentar fugir com ela. No aeroporto, o avião aguardava-o com a «encomenda», mas, antes de partir, Razin telefonaria ao embaixador Youngdahl. Em seguida, o aparelho descolaria e, duas horas mais tarde, a Operação Vera terminaria com êxito.

 

Talvez, talvez.

 

Tratava-se de um plano muito mais fácil de elaborar do que de pôr em prática. Um movimento em falso, e a Primeira Dama morreria em conformidade com as previsões de Petrov. E Razin poderia contar igualmente com a execução.

 

Emergiu finalmente das cogitações e guardou o bilhete de visita do embaixador, após o que abriu a porta do carro, aproximou o isqueiro aceso da mensagem e aguardou que ficasse totalmente reduzida a cinzas.

 

A seguir, ligou o motor e abandonou a rua estreita rapidamente.

 

Não podia consagrar mais tempo às reflexões. Necessitava de todos os segundos para actuar.

 

Conhecia o inimigo.

 

Era o próprio tempo.

 

AFIGURAVA-SE incrível a Alex Razin, doze minutos depois de abandonar a estrada circular de Moscovo, para enveredar pelo pátio junto do apartamento de quatro divisões, que visitava o seu domicílio pela última vez. A velha casa de madeira, pintada de verde-claro, com uma das janelas da frente iluminada, era uma dacha herdada do pai, que a recebera como recompensa dos serviços prestados ao Estado. Agora, o outro único ocupante era seu tio Lutoff, septuagenário, flagelado pela artrite, irmão mais velho do progenitor. Depois de arrumar o Volga diante da entrada, Razin apeou-se, abriu o porta-bagagem e verificou que havia espaço suficiente.

 

Satisfeito, encaminhou-se para a porta, que foi aberta pelo tio, com uma expressão cordial.

 

Ó jantar está pronto dentro de dez minutos.

 

Não tenho tempo para comer anunciou Razin, entrando   apressadamente. vou   partir   para   Londres   sem demora.   Podes ajudar-me   nos preparativos. Ainda temos aquele velho baú que meu pai trouxe da América?

 

Julgo que continua na arrecadação.

 

Então, esvazia-o e trá-lo para aqui. Se precisares de ajuda, chama-me. Há por aí alguma broca? De contrário, um escopro e martelo servem.

 

Lutoff aquiesceu com uma inclinação de cabeça e afastou-se em direcção à arrecadação.

 

Razin entrou no quarto, depois de consultar o relógio, despiu o casaco e enfiou um blusão de cabedal, numa de cujas algibeiras interiores guardou uma pequena garrafa abaulada de vodka. A seguir, abriu a gaveta inferior da cómoda, afastou as camisas e roupa interior e extraiu a pistola Makarov de 9 mm e uma caixa de munições. Carregou-a com movimentos eficientes, aplicou-lhe um silenciador, que se encontrava na mesma gaveta, e fê-la desaparecer noutra algibeira do blusão.

 

Retirou a carteira do bolso do casaco, certificou-se de que continha o cartão de livre-trânsito do K.G.B. e introduziu-a numa algibeira das calças, após o que repetiu a operação com o passaporte diplomático que Petrov lhe fornecera e o bilhete de visita do embaixador Youngdahl, que continha o número do telefone. Olhou em volta, perguntando-se se esquecia alguma coisa. Lembrou-se de que havia algures um velho instantâneo da mãe e a última fotografia do pai, mas não dispunha de tempo para os procurar. Tinha de os sacrificar, no interesse da segurança de Billie.

 

Preparava-se para abandonar o quarto, quando se recordou de algo mais. Abriu o armário embutido na parede e pegou num cobertor, que levou para a sala, onde o tio se entretinha a limpar o pó de um baú com cerca de um metro e meio de comprimento. Razin colocou o cobertor ao lado, ajoelhou, soltou os fechos metálicos, levantou a tampa e inspeccionou o interior. Apesar de espaçoso, não permitiria que uma pessoa de estatura média dispusesse de grande conforto. No entanto, embora porventura encolhida como um feto, Billie caberia lá. De resto, não seria por muito tempo. Pelo menos, ele acalentava essa esperança.

 

Em seguida, pegou no cobertor, endireitou-se, sacudiu-o e estendeu-o dentro do baú, que voltou a fechar e apoiou num dos lados.

 

Arranjaste a broca? perguntou ao tio.

 

Não, mas descobri um escopro e martelo.

 

Também servem.

 

Utilizou as duas ferramentas para abrir alguns orifícios nos lados do baú, o que não conseguiu sem certo esforço, pois a madeira era particularmente resistente. Por fim, retrocedeu um passo para admirar o trabalho. Pareciam de diâmetro e em quantidade suficientes para que Billie respirasse sem dificuldade.

 

Guardou o escopro na algibeira, devolveu o martelo ao tio, puxou da carteira, extraiu várias notas de rublo e pousou-as no baú. Depois, procurou uma folha de papel e caneta, inscreveu a data e acrescentou algumas palavras, segundo as quais transferia todos os seus bens para o tio. Finalmente, colocou o papel e dinheiro na mão do ancião, dizendo:

 

Tudo o que é meu passa a pertencer-te... no caso de me acontecer alguma coisa.

 

Isso não protestou Lutoff. Não te há-de acontecer nada.

 

Deixa-te de histórias e ajuda-me solicitou Razin, com um sorriso, ao mesmo tempo que estendia as mãos para um dos lados do baú. Vamos levá-lo para o porta-bagagem do carro. Não posso perder um segundo.

 

Em virtude do adiantado da hora, o parque de estaciona, mento do Kremlin apresentava numerosas lacunas, pelo que Alex pôde arrumar o Volga num lugar favorável aos seus objectivos. Ao longo do percurso até ao edifício, embora os guardas dispersos o conhecessem, teve de lhes mostrar o cartão de livre-trânsito, em obediência ao regulamento rigoroso.

 

Uma vez diante da suite em que se encontrava Billie Bradford, fez uma pausa para trocar algumas palavras com o agente do K.G.B. à entrada.

 

Como vai isso, Boris?

 

Bem, camarada Razin.

 

E o teu rapaz?

 

Já não tem febre. Mais uma semana e volta a praticar desporto.

 

Óptimo. com simulada indiferença, perguntou: Veio alguém visitar a nossa hóspeda, esta noite?

 

Até agora, não.

 

Experimentou uma sensação de alívio, pois o seu receio mais premente consistia em que Petrov chegasse lá primeiro, o que constituiria o fim da Primeira Dama e de todas as suas esperanças. Puxou da chave com aparente naturalidade, abriu a porta e entrou.

 

Calculara que ela estaria deitada e necessitaria de a acordar para que se despachasse, mas na realidade encontrou^a sentada à mesa, envolta na negligee e roupão de seda, entretida a fazer paciências com cartas. No momento em que Razin fechou a porta atrás dele, acolheu a sua aparição com uma expressão de surpresa.

 

Ele apressou-se a levar o indicador aos lábios e aumentar o volume da telefonia, que transmitia uma peça sinfónica, após o aue se acercou de Billie.

 

Não acha um pouco tarde para me visitar? inquiriu esta última, observando-o com estranheza.

 

Tenho uma coisa muito importante para lhe dizer redarguiu ele, deixando transparecer ansiedade.

 

Alguma   novidade? quis   saber   ela, pousando o baralho.

 

Sim, mas não do género que esperava.

 

Não compreendo.

 

vou elucidá-la, mas esforce-se por não entrar em pânico. Vim para a ajudar. Pense o que pensar, lembre-se disso.

 

Está bem. Pretende anunciar-me que não voltarei para casa na data prevista?

 

Pior. Muito pior. Decidiram livrar-se de si.

 

O quê?! Dir-se-ia que não ouvira bem. Livrar-se...

 

Decidiram livrar-se de si repetiu Razin.

 

Por fim, a realidade pungente das palavras instalou-se no cérebro de Billie, que assumiu uma expressão de terror.

 

Não é possível...

 

Tranquilize-se que não acontecerá. No entanto, é o que pretendem fazer. Querem matá-la.

 

Matar-me? ecoou,   com   incredulidade. Matar mesmo?

 

Esta noite, para que a Segunda Dama fique no lugar da Primeira. Permanentemente.

 

Mas isso nunca...

 

Eles pensam que sim.

 

Deixe-me falar-lhes, explicar...

 

Não adiantava nada. A partir do momento em que lhe puserem as mãos em cima, está perdida. Existe apenas uma solução. vou ajudá-la a fugir imediatamente. Incumbiram-me de seguir para Londres como mensageiro, e há um avião à minha espera. Tentarei levá-la comigo. Mas para tal precisamos de agir com rapidez.

 

Ele esperara vê-la reagir com prontidão, precipitando-se no quarto para se vestir. Em vez disso, olhava-o com uma expressão de amargura, ao mesmo tempo que tornava a pegar nas cartas.

 

Não ouviu o que eu disse? inquiriu Razin, alarmado.

 

Perfeitamente replicou ela, concentrada nas cartas. Mas não acredito.

 

Não acredita? Por favor...

 

Aliás, não é a primeira vez. Na outra, também alegou que me ajudaria a fugir. Afinal, serviu-se de mim para os seus fins. Não permitirei que se repita. Sei que é agente do K. G. B. Não perca tempo a negar, porque vi o seu cartão de identidade. Fez uma pausa, enquanto ele a contemplava, incapaz de pronunciar palavra. Amigos como você, quanto mais longe melhor. Ignoro o que pretende de mim, desta vez Talvez lhe ordenassem que me levasse daqui sem dificuldade. Seja o que for, escusa de contar com a minha colaboração. É um mentiroso, indigno da mínima confiança e...    

 

Escute,   Billie. Razin segurou-lhe os   braços com’, tanta força, que a fez estremecer. Tudo o que acaba de dizer corresponde à verdade. Pertenço ao K. G. B. e servi-ne de si. Ordenaram-mo e tive de obedecer. Mas agora é diferente Por que motivo havia de a querer utilizar?

 

Bem .. não sei murmurou ela, hesitante.

 

Se continuasse do lado deles, não me atrevia a revelar-lhe o que ouviu. Tencionam executá-la, esta noite. Que lhe poderia eu fazer pior que isso? Que lucraria?

 

Supondo que fala verdade, porque perde tempo a ajudar-me? Porque arrisca a sua carreira, a vida?

 

Tenho motivos de natureza pessoal.   Mas não há tempo para entrar em pormenores. Insisto em que precisamos de agir rapidamente, de contrário estamos perdidos.

 

É mesmo verdade? Billie levantou-se, arregalando os olhos. Pretendem realmente matar-me?

 

Juro-lhe que sim.

 

E você quer. . quer ajudar-me? perguntou, começando a mostrar-se alarmada.

 

Pelo menos, tentarei. O general Petrov virá buscá-la. Não sei exactamente quando. Tanto pode ser mais tarde como dentro de segundos. Portanto, temos de sair daqui. Deixei o carro no parque de estacionamento. Faça o que lhe you indicar.

 

Muito bem.

 

Vista-se imediatamente, use o conjunto de vison.

 

O conjunto de vison? Começava a encaminhar-se apressadamente para o quarto, mas estacou à entrada. Como?...

 

Esqueceu-se de que sabemos tudo a seu respeito? Compõe-se do fato castanho, blusa creme, sapatos de pele de crocodilo e casaco de vison bege. Despache-se. Talvez conseguíssemos sair pela porta normal, mas prefiro o alçapão da cozinha, por uma questão de segurança.

 

Pregaram a tampa.

 

Eu sei, mas posso abri-la. Não perca mais tempo. Enquanto ela se vestia, Razin entrou na cozinha, afastou

 

o tapete que cobria o alçapão, ajoelhou e verificou que havia oito pregos de fixação da tampa. Puxou do escopro e iniciou o trabalho com impaciência.

 

Apenas o preocupava uma coisa. O êxito da fuga dependia inteiramente da hora a que o general Petrov chegasse. Se aparecesse pouco depois de eles partirem, suspeitaria de Razin e mandaria detê-los no aeroporto. Por outro lado, se já se encontrassem a bordo do avião, telegrafaria ao piloto para que retrocedesse. No fundo, era a possível detenção no aeroporto que o apoquentava, pois se já estivessem em pleno voo, ele utilizaria a pistola para impedir o piloto de cumprir a ordem. Por conseguinte, impunha-se que descolassem antes que Petrov se inteirasse da fuga.

 

Arrancou o último prego, após cerca de dez minutos de tentativas persistentes, afastou a tampa e certificou-se de que a escada de madeira continuava no mesmo lugar.

 

Preparava-se para chamar Billie, que já devia estar vestida, quando se registou uma pausa na música da telefonia, o que lhe permitiu detectar o som inconfundível de uma chave introduzida na fechadura da entrada. Apurando os ouvidos com ansiedade, distinguiu o ranger da porta e passos na sala. Movendo-se com extremas precauções, encostou-se à parede e deslizou ao longo dela para um ponto de onde dominava a área da sala junto da porta do quarto.

 

Naquele instante, surgiu o vulto corpulento do general Petrov e, quase simultaneamente, Billie, envolta no casaco de vison, acudiu para ver quem entrara. O seu pavor foi aparente, embora diligenciasse dissimulá-lo.

 

O recém-chegado, momentaneamente enervado com o reatamento da música em ton invulgarmente elevado, deteve-se e proferiu:

 

Boa noite, Mrs. Bradford. Olhando-a da cabeça aos pés, acrescentou: Tenciona sair Talvez ao teatro? Ou ao bailado.

 

Na., não balbuciou ela. Resolvi provar roupas para atenuar o tédio.

 

Petrov conservou-se silencioso por uns segundos, como se ponderasse o que dizer a seguir, e declarou, em inflexão quase jovial:

 

Que feliz coincidência! Vim precisamente para a convidar.

 

Convidar? Billie   parecia empenhada- em   ganhar tempo. A mim? Para quê?

 

É surpresa. Está aqui encerrada há demasiado tempo.

 

Acompanhe-me.

 

Confesso que não me apetece sair. Queria deitar-me

cedo.

 

Tem muito tempo para dormir. Sugiro que venha comigo.

 

Na verdade, não estou com disposição, general. Se não leva a mal...

 

Isso é que levo volveu ele, em voz áspera. Vejo-me mesmo forçado a insistir.

 

Bem, nesse caso...

 

Já.

 

Deixe-me ir buscar a carteira.

 

Não a vai necessitar. Aconselho-a a não me obrigar a empregar a força.

 

Com um encolher de ombros de resignação, Billie começou a dirigir-se para a saída, enquanto Petrov a seguia de perto.

 

Razin, que não perdera um pormenor da cozinha, reflectiu que a crise se apresentara mais cedo do que previra e analisou rapidamente as opções. De uma coisa não lhe restava a mínima dúvida. O general conduzia a Primeira Dama para a morte. Portanto, impunha-se que o impedisse por quaisquer meios. Mas quais? Afundou a mão na algibeira e os dedos rodearam a coronha da pistola. Necessitava de desarmar Petrov, obrigá-lo a descer a escada de madeira, amordaçá-lo e deixá-lo na arrecadação da cave. Assim, Razin e Billie pôr-se-íam a salvo antes que alguém o descobrisse. Sem mais um segundo de hesitação, puxou da pistola e irrompeu na sala, empunhando-a com firmeza.

 

Petrov! bradou. Surpreendido, o director do K.G.B. estacou, voltou-se com lentidão e arqueou as sobrancelhas de admiração. Aproxime-se.

 

O general começou a mover-se para ele, ao mesmo tempo que erguia os braços. De repente, uma das mãos alterou a trajectória com a velocidade da luz, em direcção ao coldre suspenso do ombro no interior do sobretudo.

 

No entanto, Razin conseguiu disparar primeiro, num estampido abafado pelo silenciador. Petrov soltou uma exclamação rouca, a arma de que já puxara soltou-se-lhe dos dedos e caiu pesadamente, levando as mãos ao abdómen. Billie e Razin contemplaram o corpo imóvel, fascinados, à espera da mínima sugestão de movimento, que não se verificou. Entretanto, a carpeta em volta começava a tingir-se de sangue.

 

Como se emergisse de um transe hipnótico, Razin voltou à actividade e, com a pistola, gesticulou para que Billie se lhe reunisse na cozinha.

 

Agora acredito em si sem reservas murmurou ela, diante do alçapão. Acha que conseguimos?

 

Não sei, mas oxalá que sim, pois não tenho para onde ir senão sempre em frente.

 

Razin sentava-se ao volante e Billie Bradford a seu lado no carro que rolava velozmente na estrada que conduzia ao aeroporto Vnukovo.

 

À parte uma breve pausa, a retirada do Kremlin desenrolara-se sem obstáculos. Depois de abandonarem a arrecadação da cave, Razin recomendara à companheira que dissimulasse a parte inferior do rosto levantando a gola do casaco. Depois, pegando-lhe no braço, conduzira-a na direcção do Edifício Administrativo, saudando com desprendimento os guardas seus conhecidos.

 

No parque de estacionamento, acercaram-se do Volga sem problemas, todavia, na Porta Spasskaya, um agente do K.G.B. que não o conhecia impedira a passagem.

 

Identificação? exigiu.

 

Razin puxou da carteira e extraiu o cartão do K.G.B., que o outro examinou atentamente, comparando a fotografia com o original. Por fim, satisfeito, devolveu-o e moveu o cano da espingarda na direcção de Billie.

 

E a senhora?

 

É testemunha de acusação na investigação de um homicídio explicou   Razin. O   general   Petrov   mandou apresentá-la em Lubyanka, para interrogatório.

 

Muito bem. Pode seguir.

 

Enquanto o sedan se afastava, deixando o Kremlin para trás, Razin murmurou enigmaticamente:

 

Falta mais um passo... dos grandes. Apercebendo-se da expressão de curiosidade dela, esclareceu: Alcançar o aeroporto antes que nos apanhem. Mais cedo ou mais tarde, alguém dará pela falta de Petrov e tratará de o procurar. Quando interrogar Boris, o guarda da suite, ficará a saber que estive lá e utilizámos o alçapão. Em face disso, tentarão interceptar-nos no aeroporto. Mas é possível que as coisas não cheguem a esse ponto.

 

Que faço, no aeroporto? perguntou ela, estremecendo.

 

Nada. Deixe tudo a meu cargo.

 

Enquanto cruzava Moscovo com uma passageira reconhecível, àquela hora da noite, Razin sentia-se vulnerável e ameaçado. Ao passar na Praça Gagarin e enveredar pela Alameda Lenine, descortinou a Universidade de Amizade Patrício Lumumba, as luzes distantes do Hotel Sputnik e os edifícios comerciais imersos na penumbra, como a Casa dos Sapatos, a Casa dos Tecidos e os Armazéns de Moscovo. Não tardaria a distanciar-se da cidade.

 

Depois de atravessar a Alameda Vernadsky, começou a avistar zonas de campo aberto. No entanto, o receio não diminuiu. Inclinado para o volante, continuou a conduzir em silêncio, enquanto Billie se mantinha encolhida no canto do seu banco. Pelo caminho, a Alameda Lenine cedeu o lugar à auto-estrada asfaltada de quatro faixas denominada Rodovia Kiev, e ele prestou particular atenção a todas as limusinas com motorista, motociclistas uniformizados e até transportes públicos que se aproximavam ou o ultrapassavam, sem deixar de se preocupar com os faróis que surgiam de artérias transversais.

 

Agora, ao lobrigar um dístico indicativo de que o aeroporto distava quatro quilómetros, abrandou a velocidade e desviou o Volga para a faixa exterior, a fim de não perder de vista o arvoredo que a ladeava. De súbito, conduziu-o para uma rua transversal e acabou por travar numa área solitária. Em seguida, ligou os mínimos e virou-se para Billie, que assumira uma expressão mista de apreensão e perplexidade.

 

O último   passo informou ele.Prepare-se para cerca de uma hora de desconforto. É natural que sofra uma ou duas escoriações e fique com todos os músculos doridos. No entanto, se tudo correr como espero, conservará a vida. Oxalá resulte.

 

Oxalá resulte o quê?

 

No porta-bagagem, há um baú explicou, abrindo a porta do seu lado. Tem de se acomodar dentro e não fazer o menor ruído. com o cobertor que coloquei lá e o casaco de vison, estará razoavelmente protegida contra os solavancos. Além disso, abri vários furos para que respire sem dificuldade. Acha-se capaz de suportar a provação?

 

Depois do que sofri? Que pergunta!

 

Óptimo. Mãos à obra.

 

Apearam-se de lados opostos do carro e reuniram-se na retaguarda. Razin abriu o porta-bagagem e expôs o baú, cuja tampa levantou.

 

Parece-lhe que consegue acomodar-se aí?

 

Talvez fosse mais fácil se despisse o casaco.

 

Não, porque precisa da protecção da pele. Vamos experimentar. Estendeu a mão. Suba para o pára-choques e ajudo-a a entrar.

 

Billie obedeceu em movimentos hesitantes e, apertando o casaco à sua volta, acabou por ajoelhar dentro do baú.

 

Agora, deite-se de lado e dobre os joelhos no sentido do queixo... Isso. Um pouco mais, se puder. Razin inclinou-se para a frente e tentou ajeitar o casaco da melhor maneira. Que tal?

 

Horrível, mas mais confortável que uma urna. Quanto tempo disse?

 

Uma hora, no máximo. Quando descolarmos, poderá sair. Está pronta? vou fechá-la.

 

Baixou a tampa com lentidão, ajustou os fechos, fechou o porta-bagagem e regressou apressadamente ao volante. Apesar da urgência em alcançar o aeroporto, conduziu com extrema prudência ao longo do piso irregular do caminho até se achar de novo na auto-estrada, a fim de evitar que a passageira sofresse solavancos contundentes.

 

Agora, só o preocupava uma coisa. A guarda pretoriana de Petrov estaria à sua espera, com um pelotão de fuzilamento?

 

Afinal, parecia não haver ninguém à espera, e ele respirou mais facilmente. Ao aproximar-se do terminal, que apenas visitara uma vez, recentemente, sentiu-se confuso por uns momentos, pois depararam-se-lhe dois edifícios em vez de apenas um. À direita, situava-se uma pequena estrutura de estuque, obviamente antiga, antecedida de degraus e uma espécie de alpendre. À esquerda, separado dela por uma solução de continuidade de cerca de cinco metros, erguia-se uma construção mais imponente de alumínio e vidro. Sobre o terraço, um letreiro luminoso com pelo menos dois metros de altura, informava: VNUKOVO.

 

Razin decidiu que não era neste último que o esperavam.

 

Por conseguinte, conduziu o sedan para a estrutura de estuque e, ignorando os espaços para estacionar do outro lado, travou diante de um dístico que proibia o estacionamento. Olhando em volta, viu que o aeroporto Vnukovo se mostrava muito concorrido, apesar da hora tardia, enquanto a construção diante dele parecia abandonada. Por último, apeou-se, no momento em que um oficial emergia da entrada e avançava para ele.

 

Perdão, é Alex Razin? perguntou, perfilando-se.

 

Exacto.

 

Recebi instruções para lhe prestar assistência Sou o capitão Meshlauk, do K.G.B. Para já. o cartão de identidade e passaporte, por favor.

 

Razin entregoulhe os documentos, o homem inspeccionou-os rapidamente e inclinou a cabeça.

 

Muito bem. Foi requisitado um Antonov Art-12 para o transportar, um modelo muito espaçoso, como sabe. Fica inteiramente por sua conta, à excepção da tripulação, claro. Compõe-se de piloto, co-piloto, navegador, mecânico e opeirador de rádio, que se encerrarão no cockpit. Têm indicações expressas para não tentarem confraternizar consigo. O aparelho encontra-se preparado para o conduzir ao aeroporto Westbridge de Londres, imediatamente. Fez uma pausa. Falaram-me também de uma encomenda.

 

Está no porta-bagagem do carro, mas eu não lhe chamaria exactamente encomenda replicou Razin, com um sorriso. Trata-se de um baú que devo entregar ao Primeiro-Ministro Kirechenko.

 

Um baú? Bem, é possível que alguém o considere uma encomenda.

 

Vou abrir o porta-bagagem. Preciso de dois homens para o levarem para bordo.

 

Volto já com eles. O capitão rodou nos calcanhares e desapareceu no interior da construção de estuque.

 

Razin aproximou-se da retaguarda do sedan e abriu o porta-bagagem, após o que cravou o olhar no baú que continha Billie, perguntando-se como se encontraria. Quase cedeu à tentação de lhe falar, mas não se atreveu.

 

Lançou uma olhadela em redor, concentrando-se na área parcialmente iluminada, sem contudo descortinar sinais de perigo. Restava-lhe confiar em que a sorte o protegesse até ao fim.

 

Transcorridos escassos minutos, o capitão Meshlauk reapareceu com dois homens de fato-macaco e Razin apontou para o baú.

 

Ei-lo. Levem-no com cuidado, porque parece que contém material frágil. Enquanto eles se preparavam para lhe pegar, voltou-se para o oficial. Convém que fique na secção de passageiros do avião. Recomendaram-me que não o perdesse de vista um único momento.

 

O outro assentiu com um movimento de cabeça e orde nou aos dois homens:

 

Levem-no para a secção de passageiros do Antonov An-12.

 

Razin tornou a fechar o porta-bagagem e entregou as chaves ao capitão.

 

Importa-se de o arrumar no parque? Devo regressar dentro de oito horas.

 

Ainda estarei de serviço, nessa altura. Agora, é melhor irmos para bordo. Não temos de nos preocupar com a inspecção ao passaporte.

 

Preparavam-se para entrar na estrutura de estuque, quando Razin reteve o companheiro, segurando-lhe o braço.

 

Já me esquecia. Tenho de contactar com a base antes de partir. Onde posso encontrar um telefone particular?

 

Siga-me.

 

O oficial conduziu-o a um gabinete pouco maior que um cubículo, abriu a porta, acendeu a luz e indicou-lhe que entrasse.

 

Pode servir-se do que está em cima da secretária. Entretanto, vou verificar se colocaram o baú onde determinei. Depois, encontramo-nos à saída e acompanho-o ao avião.

 

Quando ficou só, Razin puxou do bilhete de visita do embaixador Youngdahl que continha o número do telefone da embaixada americana e, levantando o auscultador, marcou-o.

 

A telefonista do turno da noite atendeu com prontidão e ele anunciou que desejava falar com Youngdahl, o qual esperava o telefonema.

 

Diga-lhe que se relaciona com Guy Parker acrescentou.

 

Registou-se uma pausa de quinze segundos, antes de a voz son

olenta do embaixador surgir no outro extremo da linha.

 

É Alex Razin?

 

O   próprio. Tenho uma   mensagem   para transmitir directamente à Primeira Dama ou através da sua secretária.

 

Estou preparado com papel e lápis.

 

O texto é o seguinte. Razin principiou a ditar pausadamente: vou a caminho de Londres com a encomenda, devendo chegar ao romper do dia. Espere-me no aeroporto Westbridge e não se esqueça de usar o conjunto de vison. Como devo estar impedido de desembarcar, suba a bordo. Nessa altura, dar-lhe-ei novas instruções. Assina Alex Razin. Fim da mensagem. Tem alguma dúvida, senhor embaixador?

 

Muitas, mas talvez a Primeira Dama compreenda.

 

Importa-se de repetir tudo? Aguardou que Young, dahl obedecesse e declarou: Excelente. Vai transmiti-lo a Mrs. Bradford?

 

Imediatamente.

 

Obrigado.

 

Cortou a ligação e descobriu que transpirava, pelo que puxou do lenço para o passar pela fronte. Em seguida, apagou a luz e entrou na caverna quase deserta do pequeno terminal. Avistou à distância, para além do local de inspecção de passaportes e bagagem, o capitão, que lhe fazia sinal curvando o indicador.

 

Aproximou-se rapidamente e ouviu-o anunciar: Está tudo em ordem. Obrigado.

 

Transpuseram a saída, e a temperatura baixa atingiu-o como um impacte físico. Encaminharam-se para o gigantesco turbo-reactor militar, cujas turbinas emitiam um silvo agudo, preparado para descolar.

 

O capitão começou a subir a rampa de embarque e, com um olhar rápido para trás, Razin seguiu-o. À entrada, o oficial deteve-se e apontou para dentro.

 

O baú informou, elevando a voz para se fazer ouvir. Foi instalada uma fila de bancos. Portanto, pode escolher o lugar à sua vontade. Estendeu a mão. Boa viagem. Até logo.

 

Quando   regressar,   procurá-lo-ei prometeu   Razin, apertando-lha. Uma vez mais, obrigado pela ajuda.

 

Entrou para o avião e apercebeu-se de que o capitão enfiava a cabeça no cockpit. No entanto, momentos depois afastava-se. Em seguida, um membro da tripulação, sem parecer dar-se conta da presença de Razin, foi fechar a porta e voltou para junto dos outros.

 

Razin olhou em volta. O interior do Antonov continha apenas longos bancos junto das paredes obviamente destinados aos pára-quedistas, uma fiada de cadeiras estofadas e, a curta distância destes, o baú.

 

Com um suspiro de exaustão, deixou-se cair numa delas e cravou o olhar no baú. No seu interior, achava-se a Primeira Dama dos Estados Unidos. Simplesmente incrível.

 

E não o era menos o facto de terem chegado até ali. Não pôde deixar de especular por um momento sobre a sorte do general Petrov. Estaria morto ou sobrevivera? Neste último caso, alguém o teria descoberto?

 

Se continuava vivo e o encontrassem, o perigo persistia.

 

No entanto, Razin pousou a mão na algibeira que continha a pistola, e experimentou uma réstia de confiança no futuro.

 

O avião principiou então a rolar na pista para descolar.

 

Os primeiros clarões da alvorada realçavam os contornos das cúpulas do Kremlin.

 

Encostado ao passeio no interior da fortaleza, a alongada limusina azul-escura, pertencente ao director do K.G.B., permanecia no lugar onde este a deixara, à chegada.

 

Os quatro ocupantes continuavam à espera. Atrás do volante, reclinava-se Konstantin, o motorista, com o fotógrafo Sukoloff a seu lado. Na espaçosa retaguarda, achavam-se dois dos guarda-costas nos quais o general Petrov mais confiava: os capitães llya Mirsky e Andrei Dogel.

 

O rosto sombrio de Mirsky reflectia profunda impaciência, até que acabou por resmungar:

 

Está a fazer-se tarde e confesso que isto não me agrada. A operação devia ser executada durante a noite.

 

Que diferença faz? argumentou Dogel.

 

No entanto, para Mirsky, os planos deviam desenrolar-se em rigorosa conformidade com o combinado. Se as pessoas descurassem o rigor, a disciplina, a vida na Terra não tardaria a converter-se num caos. Surgiriam pormenores imprevistos, susceptíveis de fazer desmoronar os projectos mais ambiciosos. Era uma das qualidades que ele mais admirava no general Petrov. Os planos que traçava cumpriam-se sempre sem o menor desvio.

 

Por conseguinte, o atraso que se verificava naquela noite era inexplicável.

 

Pela décima vez, pelo menos, como antídoto do tédio provocado pela inactividade, decidiu rever o plano. Todos haviam recebido instruções minuciosas sobre os papéis que lhes competiam, embora apenas ele e Dogel soubessem antecipadamente o que aconteceria. Logo que a passageira fosse levada para o carro, o motorista conduzi-los-ia a um denso bosque virgem, a cinco quilómetros do Parque Izmailovo. Aí, conservar-se-ia na limusina, juntamente com o fotógrafo, o qual seria depois chamado, quando a mulher estivesse inconsciente entre o arvoredo. No instante em que Petrov reaparecesse com ela da suite, Dogel cobrir-lhe-ia o rosto com um pano embebido em éter e colocá-la-ia deitada no sobrado do veículo. Uma vez no bosque, onde já aguardaria uma cova que lhe serviria de sepultura anónima, Mirsky atingi-la-ia com uma bala no coração e não lhe tocaria nos traços fisionómicos até que Sukoloff a fotografasse de vários ângulos Em seguida, Dogel verteria ácido no rosto da mulher, o corpo seria depositado na cova e ele e Mirsky tratariam de a cobrir de terra. Por fim, regressariam às instalações do K.G.B. e as cópias das fotos não tardariam a ser entregues a Alex Razin pelo próprio Petrov.

 

Era esse o plano... ainda por executar.

 

São quase três horas articulou, irritado, acendendo um cigarro depois de consultar mais uma vez o relógio. Praticamente dia claro. Ele não costuma proceder assim. Apagou-o com brusquidão. vou ver o que se passa.

 

Não sei...objectou Dogel, hesitante. Recebemos ordem para aguardar aqui. És capaz de ir interromper a última fornicação da prisioneira.

 

Correrei o risco. Mirsky abriu a porta da limusina e afastou-se em passos rápidos.

 

Alcançou o seu destino em menos de dez minutos e, ao aproximar-se da suite, avistou o guarda à entrada.

 

Como estás, Boris?

 

Bem, obrigado.

 

Quem está lá dentro?

 

A senhora claro, com Alex Razin...

 

Razin?

 

Entrou há cerca de quatro horas. O general Petrov apareceu mais tarde e também continua lá dentro.

 

Nenhum dos dois saiu?

 

Não, senhor.

 

Tenho de falar com o general. Abre a porta. Boris procurou a chave e obedeceu.

 

Mirsky viu o corpo inconfundível de Petrov estendido no chão, no instante em que entrou. A cena era tão inesperada que a sua expressão, em geral impassível, deixou transparecer estupefacção. Todavia, recompôs-se com prontidão e bradou por cima do ombro:

 

Boris!

 

Em seguida, enquanto o guarda se precipitava na sala, voltou o corpo cautelosamente e expôs o ferimento no abdómen.

 

Foi atingido a tiro articulou entre dentes, rodeando o pulso do general com os dedos. Ainda vive. Ergueu os   olhos   para   Boris. Chama   uma   ambulância,   o   mais depressa possível! Liga o alarme!

 

Quando se encontrou só, endireitou-se, puxou da pistola e olhou em volta, consciente de que havia mais duas pessoas na suite. Onde estavam?

 

Avançou cautelosamente para o quarto e espreitou. Vendo-o deserto, correu para a casa de banho, com idêntico resultado, e a visita a cozinha não se revelou mais frutuosa. A prisioneira, a Primeira Dama, desaparecera, assim como Alex Razin. Já não subsistia a mínima dúvida do que acontecera. Mas como tinham conseguido fugir?

 

Lembrou-se quase imediatamente do alçapão e da anterior tentativa de fuga, pelo que examinou melhor o local. A tampa parecia no seu lugar, mas de repente Mirsky descobriu que os pregos haviam sido arrancados. Apressou-se a levantá-la e, puxando de uma pequena lanterna, esquadrinhou a arrecadação da cave com a vista. Como calculava, achava-se deserta.

 

Era óbvio que os fugitivos tinham utilizado o alçapão e ele tentou determinar o motivo pelo qual um dos agentes merecedores de maior confiança do K.G.B. como Alex Razin cometera um acto verdadeiramente insensato. Ter-se-ia deixado subornar pela C.I.A.? Ou fora sempre um agente duplo ao serviço dos Americanos? A menos que se houvesse inteirado da execução iminente da Primeira Dama e acedesse em a salvar em troca de uma recompensa. De qualquer modo, como esperava conseguir levá-la de Moscovo e da Rússia? Na verdade, o comportamento de Razin apresentava-se enigmático. Não fazia sentido.

 

Quando regressou à sala, viu que o corpo de Petrov estava rodeado por um pequeno grupo que consistia num médico, duas enfermeiras e dois maqueiros. Mirsky desviou-se para não os estorvar e, no momento em que se preparavam para sair, levando o ferido, o médico informou:

 

Conheceremos a gravidade do seu estado depois de o examinarmos na Clínica do Kremlin.

 

Mirsky tratou de se retirar igualmente, mas foi interceptado por investigadores da Polícia de Moscovo e alguns outros oficiais do K.G.B., aos quais descreveu rapidamente o que sabia, antes de regressar à limusina. Pelo caminho, fez uma breve pausa, a fim de observar a ambulância, um minibus com as insígnias da Cruz Vermelha e uma luz rotativa intermitente no tejadilho, que se afastava velozmente na direcção da Porta Borovitsky.

 

Quando se reuniu aos outros ocupantes do Z ordenou a Konstantin que os conduzisse ao edifício da Clínica do Kremlin, a curta distância dali, à maior velocidade possível.

 

A seguir, explicou o que acontecera aos perplexos Doael e Sukoloff e, no momento em que chegavam à estruturada granito de cinco pisos, concluiu:

 

Só Petrov pode revelar-nos o que aconteceu... se sobreviver. Estendeu a mão para a porta e indicou a Dogel Vamos ver como se encontra.

 

A pequena sala de espera situava-se diante da porta pela qual desaparecera a maca que transportava o general e, nos longos minutos que se seguiram, Mírsky, mais impaciente que nunca, moveu-se em excitado vaivém, fumando ininterruptamente, enquanto Dogel, sentado, folheava uma revista. Escoara-se quase uma hora, quando finalmente surgiu um cirurgião.

 

Tudo indica que, salvo alguma complicação imprevista, o general Petrov sobreviverá. Sei que estão ansiosos por obter informações, mas não esperem que possa falar antes de dois ou três dias. Ser-lhes-á comunicado o seu estado diária e confidencialmente.

 

Quando abandonaram a clínica, Mirsky tinha plena consciência do que havia a fazer a seguir. Impunha-se uma visita imediata ao gabinete de Petrov, na sede do K.G.B.

 

O voo de Moscovo a Londres devia durar três horas e meia, e o transporte Antonov, com os seus dois passageiros, sobrevoavam o Mar do Norte a menos de sessenta minutos do termo da viagem.

 

Logo que o aparelho descolou, Alex Razin apressou-se a abrir o baú, deparando-se-lhe Billie Bradford, encolhida e comprimida entre as quatro estreitas paredes, com as pálpebras cerradas e faces contraídas num esgar de dor, parecendo semi-inconsciente. Segurou-a pelas axilas, retirou-a suavemente da minúscula prisão e depositou-a numa das cadeiras, amparando-a pacientemente até que recobrou o conhecimento por completo, o que aconteceu decorrida meia hora.

 

Está bem? perguntou com ansiedade.

 

Não... não sei.

 

Dói-lhe alguma coisa?

 

Tudo.

 

Quer que lhe aplique uma massagem?

 

Vendo-a aquiescer com uma leve inclinação de cabeça, principiou pelos ombros e prosseguiu ao longo da cintura e pernas. Quando terminou, verificou que ela adormecera profundamente.

 

Sentou-se então a seu lado, para fumar, recapitular o passado e especular sobre o futuro imediato. Por último, apagou o cigarro e passou pelo sono.

 

Quando acordou sobressaltado, descobriu que se tinham escoado duas horas e Billie também despertara e cravava o olhar na sua frente.

 

Como se sente?

 

Muito melhor. Onde estamos?

 

A cerca de uma hora de Londres.

 

Em segurança?

 

Penso que sim.

 

Graças a Deus. Volveu a cabeça para ele e pousou-lhe os dedos na face. Obrigada. Devo-lhe tudo.

 

Incluindo   envolvê-la   no   assunto articulou   Razin, com uma ponta de amargura.

 

E livrar-me de apuros. Porque o fez?

 

É   uma   história   longa.   Espero contar-lhe   antes   de aterrarmos. Para já, creio que preciso de uma bebida.

 

Sou da mesma opinião.

 

Extraiu o frasco de vodka da algibeira do blusão, desrolhou-o e ofereceu-lho. Ela ingeriu um trago, tossiu, endireitou-se na cadeira, repetiu a operação e devolveu-lho.

 

É potente admitiu. Agora, estou bem acordada. Fez uma pausa, enquanto Razin bebia por seu turno. Sou toda ouvidos.

 

Para quê?

 

Para conhecer o motivo por que procede assim. Por que nos encontramos aqui. Disse que era uma história longa.

 

Tentarei   abreviá-la prometeu   ele,   com   um   leve sorriso. Sim, acho que deve inteirar-se de todos os pormenores, porque não tardaremos a enfrentar uma situação a todos os títulos embaraçosa e potencialmente perigosa. Parte já é do seu conhecimento. Portanto, limitar-me-ei a preencher as lacunas.

 

Principiou pela descoberta acidental do general Petrov da actriz de teatros da Província, Vera Vavilova, em Kiev, cuja parecença com a esposa de um dos principais candidatos à Presidência dos Estados Unidos era flagrante. Quando ela se tornou na Primeira Dama, Petrov pôs em prática o seu projecto Segunda Dama. De início, não tinha qualquer objectivo específico em vista apenas a certeza de que pairavam diversas crises no horizonte e uma Primeira Dama russa na Casa Branca poderia representar um trunfo inapreciável para a União Soviética. O general consumiu três anos e uma fortuna em rubles para converter Vera Vavilova numa réplica exacta de Billie Bradford.

 

Participei no projecto desde o primeiro dia prosseguiu. Como sabe, vivi na América e falo inglês correctamente, razões fundamentais da minha escolha, e incumbiram-me de americanizar Vera Vavilova. A pouco e pouco, com o convívio constante, acabámos por nos apaixonar. Custou-me enviá-la para Washington por troca consigo, mas não o pude evitar. Depois, tive de providenciar para que fosse bem sucedida, no interesse do projecto e também do meu próprio.

 

Entretanto, o K.G.B. colocou Billie sob a sua responsabilidade, durante o período de aprisionamento. Como ela sabia agora perfeitamente, todos os actos que executara desde a simulada colaboração na primeira tentativa de fuga à intervenção para que não a torturassem haviam sido ordenados pelo K.G.B. E confessou que o maior problema consistira em descobrir como a Primeira Dama se comportava na cama.

 

Fui encarregado de o averiguar. Tentei servir-me de si e você de mim. No entanto, quando tudo terminou, cheguei à conclusão de que procurara ludibriar-me com uma reacção errada, pelo que joguei uma cartada e transmiti instruções a Vera para que procedesse de forma totalmente oposta à sua comigo. Verificou-se mais tarde que não me enganara nas deduções.

 

Eu receava isso mesmo reconheceu Billie.

 

Agi em conformidade com o que o dever me impunha. Mas hoje, ignorei-o. Neguei-me a obedecer. Por métodos que desconheço, Guy Parker descobriu que se encontrava em Moscovo e na iminência de ser executada, informação que me comunicou por intermédio do embaixador americano na nossa capital. Calculou que eu não o permitiria e acertou. De um momento para o outro, encarei como autênticos monstros os homens aos quais até aí obedecera cegamente e decidi arriscar a vida para salvar a sua. Obedeci a dois motivos. O primeiro era de natureza egoísta. Se a assassinassem, Vera continuaria sendo a companheira do Presidente até que a morte os separasse, enquanto eu a perderia para sempre. O outro, de características humanas... Enfim, digamos que criei profunda estima por si e passei a encará-la como uma substituta dela. A decisão de a executar pareceu-me a todos os títulos bárbara e não quis participar nela.

 

Ao salvá-la, poderia restaurar a minha honra, assim como recuperar a mulher que amo. E aqui tem, Billie.

 

Ela escutara a confissão mesmerizada, os seus sentimentos para com ele oscilando entre a cólera e o afecto. Agora, mais tolerante e aceitando a transformação que sofrera, reconhecia o risco a que se expusera.

 

Alvejou a tiro o general Petrov para me salvar observou, por fim. Que destino o espera?

 

A mim? Depende inteiramente de si.

 

Como? Que pretende que faça?

 

Quero conservar a vida e a de Vera declarou Razin, com simplicidade. Ela estará à nossa espera no aeroporto, pois providenciei nesse sentido. Ficará extremamente preocupada, assustada mesmo, quando a vir a meu lado, mas hei-de tranquilizá-la. Trocarão então de lugar. Para facilitar as coisas,   recomendei   que vestissem   ambas da   mesma forma. A seguir, você terá de nos fornecer um esconderijo por uns dias. Penso que conseguirá fazer-nos sair do aeroporto sem dificuldade. Ninguém interceptará a Primeira Dama e comitiva.

 

Conheço um sítio no West End. Dm apartamento em que vive um viúvo com o filho.

 

Depois,   precisamos   de   passaportes   americanos. O meu está prometido desde o princípio. Agora, quero outro para Vera. com nomes novos.

 

Acho que será possível.

 

E descubra uma clínica, num local isolado, em que pratiquem intervenções de cirurgia plástica. Necessitamos de mudar de rosto, sem demora. Assim, estaremos a coberto da perseguição do K.G.B.

 

Tratarei disso imediatamente.

 

Depois de obtermos residência permanente nos Estados Unidos, deverá ajudar-me a conseguir um lugar de repórter ou professor de línguas e Vera a regressar ao palco.

 

Tenho a certeza de que não será difícil.

 

Mais uma coisa. Nunca se refira, em público ou na intimidade, ao que lhe aconteceu. Não pode transpirar uma única palavra sobre o assunto. Se seu marido ou algum membro do governo tomasse conhecimento do rapto e da existência de uma sósia, os Estados Unidos e a União Soviética... Razin interrompeu-se, com uma expressão de desespero. A amizade e paz tornar-se-íam impossíveis e as relações diplomáticas um autêntico pesadelo.

 

Por grande que seja a tentação (o desejo de vingança é uma força emocional poderosa), tentarei guardar silêncio assentiu Billie. Não se preocupe. Garanto-lhe que dos meus lábios não sairá a mínima inconfidência.

 

Nesse caso, considero-me compensado dos esforços desenvolvidos replicou, ele, esboçando um sorriso.- Começa a amanhecer. Reclinou-se no assento e enrugou a fronte. Gostava de saber o que se passa em Moscovo, neste momento.

 

Na sede do K.G.B. perto do Kremlin, Mirsky sentava-se atrás da secretária do general Petrov, com todas as notas, ordens transmitidas e mensagens telegráficas descodificadas na sua frente. Do outro lado, encontravam-se Dogel e mais três oficiais da organização ao corrente do Projecto Segunda Dama.

 

Mirsky consultou os documentos mais uma vez, enquanto começava a desenhar-se-lhe no espírito uma imagem do que acontecera. Não na sua totalidade, mas o suficiente para que ficasse elucidado.

 

O facto significativo consistia em que, depois de o Primeiro-Ministro ordenar a execução de Mrs. Bradford e Alex Razin ser incumbido de levar uma encomenda (que continha fotografias do cadáver) a Londres, este último inteirara-se da liquidação iminente e, por razões ainda inexplicáveis, resolvera salvar Billie Bradford e conduzi-la a Inglaterra no avião colocado à sua disposição.

 

Assim que isto se tornou óbvio, Mirsky telefonou para o aeroporto Vnukovo e falou com o capitão Meshlauk, obtendo a informação de que o transporte Antonov, com Razin a bordo, descolara havia mais de três horas.

 

Acompanhava-o uma mulher? inquiriu.

 

Não, ia só. Levava apenas uma encomenda,   ou melhor, um baú.

 

Ah, um baú...

 

Apercebeu-se imediatamente da horrorosa inevitabilidade do que se seguiria. O K.G.B. tinha a sua Primeira Dama, Vera-Vavilova, em segurança em Londres e, dentro de poucas horas, a verdadeira Primeira Dama, Billie Bradford, também se encontraria lá. A confrontação entre ambas pulverizaria o projecto do K.G.B., e a denúncia resultante e consequências achavam-se para além de todas as previsões possíveis.

 

Por fim, abanou a cabeça e ergueu os olhos para os colegas.

 

Sabemos aproximadamente o que sucedeu. A questão consiste em determinar o que podemos fazer. Concentrou-se em Dogel. Tens a certeza absoluta de que não há possibilidade de mandar regressar o avião?

 

Sem   dúvida. O   interpelado   voltou   os   polegares para baixo, num gesto significativo. Não dispõe de combustível suficiente. Tem de se reabastecer em Westbridge. Além disso, Razin está armado.

 

Então, só nos resta fazer uma coisa. Mirsky emitiu um suspiro de resignação. Informar o Primeiro-Ministro imediatamente. Encontra-se no local do próximo episódio do drama e é o único que nos pode salvar.

 

No Hotel Claridge, Guy Parker acabava de passar pelo gabinete de Nora Judson e atravessava com ela o de Dolores Martin, a fim de tomarem o pequeno-almoço apressadamente, quando o telefone privativo do Presidente principiou a tocar. Acto contínuo a secretária de Andrew Bradford pôs-se de pé para ir atender e Parker reteve Nora junto da porta, murmurando:

 

Pode ser para nós.

 

Sim, senhor embaixador proferia já Dolores Martin para o bocal. Creio que ela ainda não se levantou, mas está aqui Nora Judson. Quer falar com ela? Escutou por uns segundos e virou-se para a porta. O embaixador Youngdahl precisa transmitir-lhe um recado.

 

Nora apressou-se a pegar no auscultador que a outra lhe estendia e disse:

 

bom dia, senhor embaixador. Quer que acorde Mrs. Bradford?

 

Não. Para o que é, você também serve.

 

Muito bem.

 

Em primeiro lugar, diga a Parker que procedi como indicou. Localizei Alex Razin e transmiti-lhe a mensagem. Mais tarde, ele telefonou-me e pediu que fizesse chegar ao conhecimento da Primeira Dama o seguinte recado. Posso ditá-lo?

 

Um momento. Nora puxou um bloco-notas e lápis para a sua frente. Estou preparada para escrever.

 

«vou a caminho de Londres com a encomenda, devendo chegar ao romper do dia. Espere-me no Aeroporto Westbridge e não se esqueça de usar o conjunto de vison. Como devo estar impedido de desembarcar, suba a bordo. Nessa altura, dar-lhe-ei novas instruções.» Anotou tudo?

 

Sim, senhor. Tratarei de o entregar a Mrs. Bradford logo que se levantar.

 

Lamento só telefonar agora, mas houve uma avaria de circuito. Não se esqueça de lhe dar cumprimentos meus.

 

Razin vem a caminho comunicou Nora a Parker, depois de pousar o auscultador, ao mesmo tempo que arrancava a folha do bloco-notas. Quer que Billie compareça no Aeroporto Westbridge. vou já mostrar-lhe isto.

 

Ela não ficará preocupada por saberes que a Primeira Dama americana vai esperar um cidadão soviético no?...

 

Faço-me estúpida. Digo que me incumbiram de lhe entregar uma mensagem inexplicável e finjo que não estou interessada   em   conhecer   o   seu   significado. Fez   uma pausa. Há   um   pormenor favorável, do   nosso   ponto de vista. Não preciso de acordar os dois, porque Billie ficou no outro quarto. Como o Presidente estava com um princípio de gripe, quis evitar o contágio.

 

Só um   momento. Parker pegou   na mensagem e leu-a, acabando por exibir uma expressão de perplexidade. Diz aqui que Razin traz uma encomenda. Ora, era o que estava previsto desde o princípio: as fotografias do cadáver de Billie. Não há a mínima alusão à Primeira Dama.

 

Não a podia mencionar, para evitar inconfidências.

 

Também pode significar que não conseguiu salvá-la.

 

É impossível traçar uma conclusão concreta. A mensagem não podia ser mais clara, para   impedir possíveis suspeitas do embaixador.

 

Nesse caso, porque quer que Vera compareça no aeroporto?

 

Não faço a menor ideia

 

Isso só pode querer dizer que não consequiu salvar Billie persistiu Parker. Traz as fotografias do corpo e interessa-lhe que Vera saiba imediatamente que passa a ser a Primeira Dama efectiva.

 

Não podemos estar certos de uma coisa dessas. Bem, vou acordá-la, para que leia a mensagem. Esperas aqui?

 

Não replicou, começando a encaminhar-se para a porta.

 

Aonde vais?

 

Ao Aeroporto de Westbridqe anunciou, baixando a voz. Tenho de averiguar se Billie está morta ou viva.,   e com que Primeira Dama passaremos a viver.

 

O Primeiro-Ministro Kirechenko atravessava uma fase de euforia quase explosiva, enquanto subia a escada de acesso à Terrace Suite do Hotel Dorchester.

 

O pequeno-almoço na embaixada da União Soviética em Londres desenrolara-se satisfatoriamente. Comparecera a maior parte do pessoal superior e haviam trocado impressões sobre a agenda para aquela que ele esperava ser uma das últimas sessões da Cimeira, na embaixada americana, na manhã seguinte. Até ali, ele e a sua delegação tinham empregado tácticas retardadoras, por assim dizer, porém agora ele esperava poder anunciar uma decisáo definitiva acerca do pacto de não-agressão na questão do Boende.

 

A impertinente Vera Vavilova conseguira mante-lo numa situação de expectativa latente, ocultando informações preciosas. No entanto, como se sentia bem disposto, estava resolvido a encarar o assunto com tolerância e, no fundo, não censurava a atitude que ela assumira. Queria uma garantia de segurança, e tê-la-ia. Entretanto, Billie Bradford decerto já fora executada e, dentro de menos de uma hora, Razin chegaria com as fotografias que o comprovavam. No instante em que as mostrasse a Vera, obteria os elementos que lhe interessavam. Se fossem favoráveis, poria os Americanos de joelhos, no dia seguinte.

 

Quando alcançou o topo da escada, ocorreu-lhe que Razin podia ter chegado antes da hora prevista e nessa eventualidade Vera estaria disposta a falar. com efeito, que outro motivo levaria o general Chukovsky a interromper-lhe o pequeno-almoço na embaixada, vinte minutos antes? Telefonara para sugerir que regressasse ao Dorchester imediatamente, a fim de se inteirar de uma questão de grande importância que não convinha mencionar através daquele meio de comunicação.

 

Retribuiu a saudação dos guardas quase jovialmente e entrou na Terrace Suite dominado por uma ponta de excitação a que se não entregava com frequência.

 

Chukovsky, movia-se em impaciente vaivém no meio da sala, as numerosas medalhas oscilando no peito, e Kirechenko olhou em volta com estranheza, ao verificar que não havia sinais de Vera Vavilova. Intrigado, aproximou-se da secretária e instalou-se pesadamente na cadeira rotativa.

 

Vamos lá saber em que consiste esse assunto de grande importância.

 

Em vez de responder, o interpelado extraiu uma folha de papel da algibeira, desdobrou-a e pousou-a diante do Primeiro-Ministro, explicando:

 

Esta mensagem telegráfica chegou há pouco de Moscovo, camarada Kirechenko. Já foi descodificada.

 

o outro baixou os olhos e principiou a ler. À medida que se inteirava do texto, o rosto sofria uma transformação radical, enquanto pronunciava em voz alta as passagens de maior relevo:

 

Petrov alvejado a tiro... Razin fugiu com a Primeira Dama... Utilizou o avião previamente destinado a conduzi-lo a Londres...As faces atingiram uma tonalidade rubra e, por fim, amarfanhou o papel entre os dedos, ao mesmo tempo que a fisionomia se contraía, como na   iminência de um ataque apopléctico. Na sequência de várias imprecações em russo, rugiu:Como diabo foi isto possível?

 

Não... não sei balbuciou Chukovsky. Tudo indica que Razin tomou conhecimento da execução iminente e não quis que se consumasse. Dá a impressão de que atingiu Petrov a tiro e desapareceu com a Primeira Dama, utilizando o avião fretado especialmente para o transporte das fotografias. Assim, vai chegar com ela... viva!

 

É uma situação impossível!vociferou Kirechenko, desferindo um murro no tampo da secretária. Pode destruir-nos e a tudo o que tanto trabalho nos deu. Vera será desmascarada, não obteremos as informações que pretendemos, e se os Americanos descobrem...   Impossível. Pôs-se de pé com brusquidão. Temos de actuar.

 

Como leu no telegrama, é demasiado tarde para fazer retroceder o avião.

 

Mas não para outra coisa articulou, pensativamente. Consultou o relógio e continuou: Devem estar prestes a aterrar. Pois bem. Não executámos a Primeira Dama em Moscovo, graças   à intervenção   de   um   renegado?   Então, fá-lo-emos aqui. Deu uma palmada na secretária, agora de satisfação. É   isso mesmo.   Liquidá-la-emos aqui. Tornou a olhar o relógio. Não dispomos de muito tempo. Quem é o nosso especialista mais indicado para a operação?

 

Baginov, indiscutivelmente.

 

Mande-o chamar.

 

POSTADO no edifício do Aeroporto de Westbridge, atrás de uma janela panorâmica sobranceira às pistas, Guy Parker conservava os olhos bem abertos, à espera da chegada do avião de Moscovo. Conservava-se ali há mais de meia hora, e começava a sentir-se cada vez mais impaciente.

 

Abandonando o Claridge logo após o telefonema do embaixador Youngdahl, metera-se no Jaguar alugado e percorrera a auto-estrada quase deserta a uma velocidade que só empregava em situações extremas. Quando avistou ao longe as luzes do pequeno aeródromo da R. F. A., aliviou a pressão do pedal do acelerador e acabou por arrumar o carro no parque de estacionamento defronte da entrada do edifício.

 

Dois funcionários britânicos que fumavam diante da porta, pediram-lhe que se identificasse. Parker exibiu as credenciais da Casa Branca e um deles premiu teclas de um computador portátil. Em seguida, o pequeno écran indicou elementos aparentemente satisfatórios, pois deixaram-no passar. Entretanto, ele esperava que, quando a Primeira Dama ou suposta Primeira Dama chegasse do Claridge, não a sujeitassem a uma verificação similar.

 

Cruzou o átrio, e preparava-se para transpor a saída de acesso à zona das pistas, quando dois guardas armados soviéticos o impediram.

 

Proibida a entrada no campo esclareceu um, em inglês hesitante. Tem de aguardar junto da janela.

 

Obedientemente, Parker dirigiu-se para lá e ocupou a posição que lhe pareceu mais favorável para abarcar todas as pistas, a uns dez metros da saída. Perto do edifício, havia dois aviões, com um gigantesco helicóptero ao lado, utilizado para transporte de carga, e logo a seguir uma plataforma móvel, em que se via um técnico de fato-macaco azul, munido de uma lanterna, que examinava uma secção da parte inferior daquele aparelho.

 

Agora, transcorrida mais de meia hora, começava a despontar o clarão da alvorada e as luzes eram apagadas gradualmente. Parker acendeu o cachimbo, transferiu o peso do corpo de um pé para o outro e tentou resistir ao cansaço resultante da falta de sono. Para passar o tempo, analisou mais uma vez o motivo que o conduzira ali. Sabia que Vera não tardaria a surgir para esperar o avião de Moscovo e Alex Razin, embora ele não compreendesse como conseguira esquivar-se sem fornecer uma explicação convincente ao Presidente. De súbito, recordou determinada revelação de Nora. Ela dormia noutro quarto, para que Andrew Bradford não lhe transmitisse o princípio de gripe. Portanto, não teria dificuldade em abandonar o hotel.

 

Para Parker, a pergunta que exigia uma resposta e a sua presença no aeroporto era simples: Razin chegaria só, com a encomenda que continha as fotografias do cadáver de Billie, ou acompanhado da Primeira Dama, sã e salva? Evidentemente que Vera ignorava esta última possibilidade. O seu único objectivo residiria em ver as fotos e certificar-se de que Billie desaparecera, o que a tornaria Primeira Dama permanentemente. Por outro lado, esforçar-se-ia por conduzir Razin a Londres, sem que os funcionários da Imigração interviessem. Em seguida, com os poderes de que dispunha, converteria o estrangeiro indesejável num visitante digno de aceitação. Depois, telefonaria ao Primeiro-Ministro Kirechenko, para lhe revelar o que sabia acerca dos planos do Presidente Bradford para a Cimeira.

 

Distraído pelas reflexões, Parker não se apercebeu da aterragem do avião soviético, mas acabou por avistá-lo, quando rolava lentamente na faixa de acesso à área fronteira ao edifício. Calculou que se tratava do aparelho esperado, que resolveria o enigma do destino de Billie Bradford.

 

Acabava de se voltar, a fim de verificar se Vera já chegara, quando a viu transpor a entrada apressadamente. Vestia o casaco de vison bege, cuja gola dissimulava a maior parte do rosto. Um homem esguio segurava-lhe o braço e, após um segundo, Parker reconheceu-o. Era Fred Willis, o chefe do protocolo, o traidor americano.

 

Naquele momento, este último fez Vera deter-se e dirigiu algumas palavras aos funcionários da Imigração, os quais a olharam por um instante e inclinaram as cabeças. Em seguida, Willis voltou-se para a companheira, que acenou afirmativamente, e afastou-se em direcção a um Austin estacionado junto do passeio diante do edifício, ao mesmo tempo que Vera continuava a atravessar o átrio.

 

Enquanto lhe observava os movimentos, Parker descortinou, pelo canto do olho, que o turbo-reactor soviético avançava para o espaço ao lado do helicóptero, de onde se acercavam dois empregados do aeroporto que impeliam a rampa móvel.

 

Entretanto, Vera desviava a gola do casaco ligeiramente e sorria aos dois guardas soviéticos junto da saída, que inclinaram as cabeças respeitosamente, deixando-a prosseguir em direcção ao espaço de estacionamento dos aviões.

 

O Antonov imobilizou-se finalmente e os dois homens colocaram a rampa junto de uma das portas. Logo que esta se abriu, Vera principiou a subi-la apressadamente.

 

Parker conteve o alento, perguntando-se o que aconteceria a seguir.

 

Durante os últimos quarenta e cinco minutos, o técnico na plataforma junto do helicóptero conservara-se de costas para o edifício e o avião acabado de chegar. Portanto, não o vira ocupar o espaço livre, embora estivesse ciente da sua presença. Também não assistira à manobra da colocação da rampa de desembarque, nem vira Nora desaparecer nas entranhas do avião.

 

Vira o mínimo possível, porque não queria que o observassem e pudessem descrever, mais tarde.

 

Agora os passageiros não tardariam a surgir, Baginov voltou-se pela primeira vez. Começou por divisar o homem atrás da janela panorâmica e os guardas soviéticos à saída.

 

Em movimentos lentos, para não despertar a atenção, desceu da plataforma, pousou a lanterna e principiou a afastar a estrutura do helicóptero. Encontrava-se do lado contrário à rampa de desembarque, mas tinha plena consciência disso e achava-se preparado para agir. Continuando a impelir a estrutura com extrema lentidão na direcção do nariz do Antonov, aproximava-se do alpendre de reparações anexo a uma das extremidades do edifício.

 

No momento em que passou sob a vanguarda do gigantesco aparelho, ergueu os olhos. Agora, a rampa de desembarque estava totalmente visível. A porta do avião permanecia aberta, mas não havia ninguém visível.

 

«Perfeito», reflectiu Baginov. «A sincronização não podia ser melhor.»

 

Continuou a empurrar a estrutura e, num ponto intermédio entre a base da ratnpa e o alpendre, deteve-a. Em seguida, estendeu a mão para uma pequena caixa, abriu-a e friccionou a palma na calça do fato-macaco, para se certificar de que estava seca.

 

Por fim, virou-se para a rampa, olhar fixo na porta aberta.

 

E aguardou.

 

Vera Vavilova, ofegante, transpusera a entrada do avião, na esperança de colidir com Alex Razin, empenhado em se lhe reunir. No entanto, estacou, perplexa. Não havia qualquer membro da tripulação presente. Aquela secção do aparelho apresentava-se deserta.

 

De seguida ouviu passos e virou-se. Razin, que abrira a porta e se desviara, avançava agora para ela. Ao tornar a vê-lo. Vera sentiu os joelhos ceder, como se fossem de gelatina. Parecia-lhe haver uma eternidade que não se achavam juntos. Felizmente, voltava a tê-lo na sua frente, atraente, viril, reconfortante... e, não obstante, com uma expressão estranha.

 

Oh, Alex! exclamou, correndo para ele. Anichou-se-lhe nos braços e, nos momentos imediatos, desenvolveu esforços frenéticos para não chorar de alívio e alegria.

 

Amo-te, Vera murmurou Razin.

 

Beijaram-se, porém ela não tardou a aperceber-se de que lhe pousava a mão no ombro e a impelia com suavidade.

 

Surpreendida, desprendeu-se e olhou-o com curiosidade.

 

Há uma coisa... começou ele. Todavia, ela interrompeu-o, excitada.

 

Vieste, estás em segurança, Alex. Há-de resolver-se tudo. Tomei as providências necessárias para que possas ficar. Fez uma pausa. Trouxeste as fotografias? Preciso de as ver antes de...

 

Não há fotografia nenhuma redarguiu Razin, secamente. Em compensação, há outra coisa. Voltou-se e fez sinal a alguém que se encontrava ao fundo do compartimento.

 

No momento imediato, começou a emergir um vulto da área mergulhada em escuridão quase absoluta.

 

Uma mulher.

 

Vera arregalou os olhos e deixou escapar um grito estrangulado de incredulidade.

 

A mulher na sua frente, que a encarava com serenidade, era Billie Bradford.

 

Continuou de olhos arregalados, contemplando o seu próprio cabelo, olhos, lábios, queixo, busto e até o casaco de peles. Por um segundo fugaz, julgou que se observava ao espelho. Vera olhava Vera. Mas não, tinha na sua frente Billie Bradford, em carne e osso, e esforçou-se por manter a lucidez, reconhecer que se tratava da genuína e ela não passava de uma reprodução.

 

De repente, as implicações do terrível encontro apresentaram-se-lhe com clareza e, alarmada, consultou Alex com o olhar.

 

Já se conhecem lembrou ele, acercando-se.

 

Alex, eu... confesso que não compreendo.

 

Tive de proceder assim. Não me restava qualquer alternativa. Fi-lo por ti, por nós, acredita.

 

Que estupidez!A cólera começou a dominar o terror de Vera. Podia resolver-se tudo sem isto. Assim, destruíste-me... vendeste os nossos compatriotas... comprometeste tudo.

 

Pára com isso! ordenou Razin, sacudindo-lhe os ombros. Era a única solução. Não somos assassinos.

 

Mataste-me articulou ela em inflexão átona.

 

Garanto-lhe que ficará em segurança, Vera. Billie Bradford interveio no diálogo pela primeira vez. Não o censure. No fundo, demonstrou que é um homem consciente. Não quis que eu morresse e, ao mesmo tempo, perdê-la. Mal-grado o que me fizeram anteriormente, devo-lhe a vida. Em troca, ajudá-los-ei. Já planeámos tudo.

 

Não! Vera sentia o autodomínio extinguir-se. Ninguém nos pode valer.

 

Garanto-lhe, dou-lhe a minha palavra, que os ajudarei. Como Primeira Dama...

 

Primeira Dama...ecoou, horrorizada, abanando a cabeça.

 

Sofri e sobrevivi tornou Billie. Agora, é você que sofre e também há-de sobreviver.

 

Como que hipnotizada. Vera não conseguia desviar os olhos dela, procurando compreender aauilo que lhe assegurava. Nos longos segundos de silêncio que se seauiram, tentou dominar-se e considerar a sua imagem mais objectivamente. Ao reconhecer o que tinham feito àquela mulher e a situação em que ela própria se encontrava, experimentou uma sensação de desespero.

 

Lamento... lamento sinceramente o que lhe fizeram proferiu num murmúrio.    

 

Sei o que foi obrigada a suportar e a executar, mas perdoo-lhe asseverou Billie, Por sua vez, Alex teve de proceder assim no interesse de ambos. Tudo se recomporá da melhor maneira.

 

Parece-lhe?

 

Já começou, aliás. Se posso ser objectiva, como sua crítica mais severa, reconheço que teve a criação mais perfeita de toda a sua carreira.

 

O misto de hostilidade e receio de Vera principiou a atenuar-se, e sentiu uma ponta de respeito por aquela mulher.

 

Tem de interpretar mais um papel prosseguiu Billie.

Como o que aconteceu não se podia evitar, vou acrescentar uma coisa que talvez ache estranha. Agradeço-lhe ter iludido meu marido e contribuir para manter a minha imagem, pelo que posso voltar a ocupar o meu lugar sem apreensões.

 

Bem, não podemos perder mais tempo acudiu Razin.

 

Ainda há muito que fazer. Colocou-se entre ambas, oferecendo um dos braços a Vera e o outro a Billie. Vamos abandonar o avião. Para evitar comentários, levantem a gola do casaco e ocultem o rosto. Vieste de carro, Vera?

 

Esta assentiu com um gesto, recordando-se de que Willis se encontrava ao volante, à espera, sem saber que transportaria duas Primeiras Damas em vez de uma. Todavia, atendendo à sua posição, nunca se atreveria a ventilar o facto.

 

Quando nos afastarmos, Billie ocupará o seu lugar acrescentou Razin. Qual quer sair primeiro?

 

Guy Parker permanecia rígido atrás da janela panorâmica, olhar fixo na rampa de desembarque encostada ao avião soviético. Ainda não surgira ninguém, e ele aguardava com ansiedade.

 

Conhecia as parcelas e sabia o que o total significaria.

 

Se só aparecesse uma Primeira Dama, seria Vera, o que equivaleria a anunciar que Bídie morrera e os Russos poderiam celebrar a vitória.

 

No caso de serem duas, Billie teria escapado à morte e os Russos conheceriam a derrota.

 

Por conseguinte, não desviava os olhos da porta do avião.

 

De repente, uma mulher de casaco de vison, rosto parcialmente dissimulado pela gola, surgiu no espaço rectangular e, em movimentos graciosos, mão pousada no corrimão, principiou a descer. Segundos depois, materializou-se um homem de cabelos negros e ombros largos, que usava blusão de cabedal, o qual começou igualmente a transpor os degraus. Era Razin, o colaborador distante de Parker.

 

Este observava a porta com ansiedade crescente, desejando ardentemente que saísse uma terceira pessoa.

 

Ao mesmo tempo, apercebeu-se de que o coração palpitava desordenadamente.

 

A curta distância da base da rampa, Baginov fingia-se concentrado na caixa de ferramentas, ao mesmo tempo que não perdia de vista a porta aberta do avião. Quando a mulher apareceu, logo seguida de Razin, observou-os com atenção.

 

Viu o pé dela pousar no derradeiro degrau, com Razin no seu encalço. Depois um dos pés abandonou a rampa e a seguir o outro. Chegada ao chão, ela hesitou, para permitir que ele a alcançasse.

 

Continuando a observá-los, Baginov estendeu a mão para a caixa que abrira minutos antes e rodeou a pequena bomba de fragmentação com os dedos. Ao mesmo tempo, evocava a primeira vez que vira experimentá-la, num descampado a trinta quilómetros de Moscovo. Para o efeito, o Exército Vermelho utilizara um prisioneiro político checo. O engenho explodira junto dos seus pés e, dissipada a nuvem de fumo, o homem desaparecera. O maior vestígio dele encontrado consistira num fragmento de pele de cinco centímetros.

 

Baginov viu-os a mulher de casaco de vison e o homem que se chamava Razin começarem a afastar-se da rampa de desembarque.

 

«Agora», decidiu para consigo.

 

O polegar activou o detonador, que actuaria transcorridos oito segundos. Em seguida, ergueu a bomba acima do ombro e arremessou-a numa trajectória em arco, na direcção dos dois vultos a caminho do edifício. Enquanto contava o tempo mentalmente, distinguiu um movimento na porta do avião. Outra mulher acabava de aparecer no espaço rectangular e preparava-se para descer. Parecia idêntica à que se distanciava com Razin e, por um instante, Baginov ficou petrificado pela confusão.

 

No entanto, a contagimental acabava de atingir os seis segundos e, instintivamente, lançou-se ao chão junto da estrutura que continha as ferramentas.

 

Sete... oito... e o engenho deflagrou com um estampido ensurdecedor.

 

O solo sob os seus pés»oscilou e o fumo sufocou-o por uns momentos, enquanto pedaços de betão choviam à sua volta.

 

Sentindo os ouvidos zumbir com intensidade, momentaneamente cego, Baginov reuniu, porém, energias para se erguer de joelhos e gatinhar com rapidez em direcção ao alpendre de reparações. Alcançou a porta arrombada pelo sopro da explosão, impeliu os destroços e principiou a entrar. Todavia, antes de desaparecer, quis certificar-se de que podia informar do êxito da operação.

 

Olhou por cima do ombro, tentando enxergar por entre a densa cortina de fumo cinzento-escuro, e notou que ardia algo. Divisou o ventre rasgado do avião, o espaço vazio onde estivera a rampa de desembarque e, em cima, a outra mulher, encostada a um dos lados da porta. Por fim, o fumo dissipou-se quase por completo e expôs o local em que anteriormente a mulher de casaco de vison e Razin se encontravam, onde agora não havia absolutamente nada. Tinham sido destruídos, literalmente varridos da face da Terra.

 

Baginov reconheceu que vira tudo o que necessitava e permitiu-se um leve sorriso de triunfo. No entanto, a expressão tornou-se imediatamente grave e apreensiva. A outra mulher não estava incluída no plano. Algo correra mal. Ele executara a sua missão com rigor e eficiência, mas qualquer coisa não batia certo.

 

Por último, endireitou-se no interior do alpendre e encaminhou-se para a outra saída que o conduziria à segurança.

 

Guy Parker jazia no chão do edifício do aeroporto, aturdido e ensanguentado.

 

A poderosa explosão destruíra por completo a janela junto da qual se encontrava e a deslocação do ar derrubara-o como uma pena. O sangue na face direita e pescoço devia-se a estilhaços da vidraça.

 

Em movimentos inseguros, soergueu-se, tentando recuperar a lucidez e entender o que se passara.

 

A primeira coisa que recordou foi que avistara duas mulheres pouco antes da explosão. Estava absolutamente convencido de que não se equivocara. Vira uma no fundo da rampa de desembarque e outra à porta do avião, e, à primeira vista, eram idênticas. Isso significava que Razin conseguira salvar Billie e abandonar Moscovo com ela. Além disso, implicava que a Primeira Dama e Vera se haviam enfrentado no interior do aparelho, antes de sair.

 

Apoiando-se nos joelhos, Parker inspeccionou as imediações. Os dois guardas russos pareciam aturdidos e principiavam a levantar-se. À entrada do edifício, os funcionários da Imigração haviam abandonado os seus lugares e um corria para a zou’a de estacionamento de aviões, enquanto o companheiro se dirigia ao telefone. Por seu turno, Fred Willis surgira do carro encostado ao passeio e precipitava-se para a porta do edifício.

 

Parker conseguiu finalmente pôr-se de pé e ensaiou alguns passos, verificando que, embora as pernas não possuíssem a firmeza habitual, suportavam o peso do corpo. Após breve hesitação, transpôs a abertura produzida pela destruição da vidraça da janela, desceu uns degraus e encontrou-se na área de estacionamento.

 

Em seguida, fez uma pausa e tentou estabelecer um pouco de ordem na cena catastrofica que se lhe deparava. A um lado, alguns mecânicos russos moviam-se de um lado para o outro, em passos incertos, ainda sob o efeito do abalo. Mais adiante, uma dezena de homens que envergavam o uniforme militar soviético contemplava com assombro os destroços retorcidos da rampa de desembarque. Um dos funcionários da Imigração acabava de surgir do edifício e bradava, ofegante, que o assassino tinha de ser descoberto.

 

Ignorando-os, Parker só tinha olhos para um objecto. Por entre a coluna de fumo que se elevava da cratera produzida pela bomba, observava a fuselagem dilacerada do avião, concentrado na porta. Estava lá uma mulher e ele reconhecia-a. A Primeira Dama sobrevivera e apoiava-se a um dos lados da abertura rectangular, cravando o olhar arregalado no espaço vazio a seus pés e no que restava da rampa de desembarque. Naqueles breves segundos, Parker descortinou outros vultos, sem dúvida membros da tripulação do aparelho, que se materializavam atrás dela.

 

«A Primeira Dama encontra-se viva e ilesa», reflectiu com alívio.

 

Ao mesmo tempo, reconhecia que devia fazer alguma coisa. Impunha-se que alguém lhe valesse.

 

Cobrindo a boca e nariz com o lenço, inclinou a cabeça para o peito e atravessou a coluna de fumo, tomando a precaução de contornar a cratera e tentando ignorar os pequenos fragmentos de vison chamuscado e o sinistro pedaço de uma orelha humana.

 

Emergiu tossindo e prosseguiu, quase cambaleando, até que se achou directamente por baixo da porta do avião, onde estava a Primeira Dama.

 

Estou aqui, Billie! * bradou, acenando. Sou eu! Ela ouviu e inclinou a cabeça várias vezes.

 

Salte!volveu Parker, estendendo os braços para cima. Não é muito alto! Os tripulantes ajudam-na! Largue-se, que eu apanho-a!

 

Sem uma palavra, a Primeira Dama voltou-se e ofereceu as mãos a dois membros da tripulação, que a ladeavam, segurando-se aos lados da porta e sentando-a no sobrado, com as pernas suspensas. Em seguida, ela fez deslizar o corpo e eles começaram a baixá-la gradualmente.

 

Parker ergueu os braços, viu que conseguia alcançar-lhe os tornozelos e indicou:

 

Soltem-na!

 

No instante imediato, tinha-a nos braços e quis pousá-la no chão, porém o impacte fez-lhe perder o equilíbrio e caiu, com o corpo dela por cima.

 

Após uma pausa para recuperar o alento, desenvencilhou-se do peso e, erguendo-se, ajudou-a a imitá-lo.

 

Está bem? perguntou com ansiedade.

 

A Primeira Dama inclinou a cabeça, levemente aturdida. Soou uma sereia ao longe, e, pouco depois, mais duas sucessivamente.

 

Tem de sair daqui advertiu ele, pegando-lhe na mão.

 

Sem perda de um momento, contornaram o fumo e correram para o que restava da janela panorâmica, pela qual se introduziram no edifício. Nesse instante, Parker avistou alguém no átrio que acenava à Primeira Dama freneticamente. Era Fred Willis, que chamou:

 

Mrs. Bradford! Por aqui, depressa!

 

Viu o chefe do protocolo segurá-la pelo braço e arrastá-la para a saída. Quando se preparava para a transpor, ela virou-se para trás e agradeceu a Parker com um gesto eloquente.

 

Este último aproximou-se da porta com lentidão e viu-os subir para o Austin, que se afastou velozmente.

 

Conservou-se naquela posição alguns minutos, acompanhando o veículo com a vista. Ao mesmo tempo, ocorreu-lhe algo que quase esquecera.

 

Elas eram duas. Agora, só restava uma.

 

O quê? vociferou Dmitri Kirechenko, saltando da cadeira e crescendo para o agente do K.G.B. Baginov. Diz que eram duas? Duas? E pareciam iguais?

 

Esforçando-se por dissimular o nervosismo, o outro retrocedeu para o centro da sala da suite no Dorchester, enquanto movia a cabeça afirmativamente.

 

É... é verdade. Voltou-se para o general Vladimir Chukovsky, que permanecia de pé atrás do Primeiro-Ministro. Eram duas. Uma no chão e a outra lá em cima, à saída do avião.

 

E pareciam iguais? insistiu Kirechenko.

 

Como irmãs gémeas.

 

Tem a certeza?

 

Só... só vi a segunda por uns segundos, mas não tenho a menor dúvida.

 

Conservou-se silencioso e imóvel por um momento, os olhos azuis acerados fixos no agente.

 

Vejamos se compreendi bem articulou, por fim. Fez ir pelos ares a Primeira Dama que estava no chão?

 

E o homem que a acompanhava.

 

Razin resmungou. Não   se   perdeu   nada.   Mas liquidou a Primeira Dama totalmente?

 

Exacto. Aquelas bombas destroem uma pessoa em milhares de fragmentos. O que fica não pode ser identificado.

 

E, durante a explosão, viu surgiu outra mulher no cimo da rampa de desembarque?

 

Absolutamente.

 

Outra mulher... Reconheceu-a?

 

Era a reprodução exacta da do chão, a Primeira Dama.

 

Eram exactamente iguais... duas Primeiras Damas? Baginov inclinou a cabeça vigorosamente e o Prímeiro-Ministro imergiu em cogitações.

 

Que aconteceu a essa, à de cima? Também foi pelos ares?

 

Não. Só a vi de relance antes de me safar dali. O sopro da explosão obrigou-a a amparar-se à porta. Não morreu, como a outra.

 

Pareceu ponderar a revelação e, quando voltou a falar, dir-se-ia que pensava em voz alta.

 

Por conseguinte, Vera, a cadela, entrou no avião e avistou-se com Billie Bradford. Agora, uma foi destruída e a outra continua viva. Avançou um passo para Baginov e cravou-lhe o indicador no peito. Preste bem atenção, antes de responder. Qual morreu? Respirou fundo e expeliu o ar ruidosamente. Qual sobreviveu?

 

Não sei, camarada JKirechenko replicou o agente, com prontidão. Não faço a mínima   ideia. Eram   iguais como duas gotas de água. Não percebo o que aconteceu. Segui as instruções à risca: eliminar a Primeira Dama. Avistei-a e eliminei-a. Depois, verifiquei com profundo espanto que reaparecia. Não faz sentido.

 

Não se preocupe com   isso. O Primeiro-Ministro exalou um suspiro. Obrigado por ter cumprido a missão. Pode retirar-se.

 

Aguardou que Baginov saísse e, no momento em que a porta se fechou, rodou nos calcanhares com lentidão, aproximou-se da secretária e sentou-se distraidamente, conservando-se imóvel por longos segundos, até que se virou para o general Chukovsky.

 

Que pensa de tudo isto?

 

Não me agrada, naturalmente.

 

Podemos   de facto ter liquidado a   Primeira   Dama deles cismou   Kirechenko. Mas também   podemos   ter feito desaparecer a nossa.

 

Creio que não tardaremos a sabê-lo. Se a vítima foi Vera, evidentemente que Billis Bradford não nos procurará. Por outro lado, se liquidámos a Primeira Dama, Vera não tardará aí e estará tudo em ordem.

 

O Primeiro-Ministro tornou a levantar-se e moveu-se pausadamente pela sala, entregue a reflexões. Por último, deteve-se diante do general e declarou:

 

Engana-se. Ninguém nos procurará. Na primeira hipótese, da morte de Vera, claro que não o poderá fazer. Na segunda, se Billie Bradford morreu e ela sobreviveu, também não aparecerá. Agora, não terá necessidade. Passou a ser a Primeira Dama, a única, e não nos atreveremos a abordá-la, por não sabermos se se trata dela ou da verdadeira. Estendeu a mão para uma cesta com fruta numa mesinha e pegou numa maçã. Que demónio levaria Vera a entrar no avião? perguntou-se, fazendo-a rodar entre os dedos. Foi isso que nos arrumou.

 

Contemplou-a pensativamente e cravou-lhe os dentes.

 

Umas vezes ganha-se, outras perde-se, segundo uma expressão americana. Foi a vez de perdermos. Agora, nunca saberemos se eles fazem bluff, no caso do Boende. Não podemos arriscar-nos a pô-los à prova. Temos de jogar pelo seguro e aguardar outra oportunidade. Para já, devemos ceder, concordar com o pacto de não-agressão. Para o mundo, também seremos amantes da paz. Um dia, dentro de dez, vinte anos, meio século, talvez apareça outro ensejo e até outra Vera, ainda melhor que esta. Mas de momento, graças a ela, temos de nos curvar ante a derrota. Dirigiu-se à secretária. vou telefonar ao Presidente, para comunicar que tomámos uma decisão e propor uma reunião de emergência na sua embaixada, esta tarde. Pousou a maçã no cinzeiro e premiu o botão do telefone, a fim de pedir a chamada. Olhando o general com uma expressão maliciosa, murmurou: Gostava de saber quem dormirá com Andrew Bradford, esta noite.

 

No dia seguinte, o Força Aérea Um sobrevoava o Atlântico a altitude elevada, rumo à Base Andrews e Washington.

 

Parker e Nora Judson reclinavam-se nas poltronas da secção do pessoal, compartilhando a primeira página do Telegraph de Londres daquela manhã.

 

O principal cabeçalho enaltecia o clímax vitorioso da Conferência Cimeira, o tratado de não-agressão, a paz em África e uma nova era de desanuviamento entre os Estados Unidos e a União Soviética. Outro, de menor relevo, era consagrado às mortes misteriosas ocorridas no Aeroporto Westbridge, onde um assassino da ala direita atacara à bomba e chacinara uma hospedeira e um navegador russos de um avião militar soviético acabado de chegar de Moscovo.

 

Por fim, Parker pôs o jornal de lado e, com Nora, observou a excitação à sua frente. com efeito, imperava uma atmosfera de festividade e celebração no espaçoso aparelho. O Presidente e a Primeira Dama tinham emergido da sua suite para se reunirem aos membros da comitiva num brinde à vitória. Bradford, sorridente, com uma bebida numa das mãos e a outra em torno da cintura de Billie, igualmente prazenteira, conversava cordialmente com os seus colaboradores da Casa Branca, mostrando-se confiante quanto à reeleição.

 

A Primeira Dama, olhando em volta, avistou Parker e Nora e separou-se do marido, a fim de se aproximar deles.

 

Andava à vossa procura. Queria exprimir a gratidão por tudo o que fizeram.  

 

im, Parker pôs o jornal de lado e, com Nora, observou a excitação à sua frente. com efeito, imperava uma atmosfera de festividade e celebração no espaçoso aparelho. O Presidente e a Primeira Dama tinham emergido da sua suite para se reunirem aos membros da comitiva num brinde à vitória. Bradford, sorridente, com uma bebida numa das mãos e a outra em torno da cintura de Billie, igualmente prazenteira, conversava cordialmente com os seus colaboradores da Casa Branca, mostrando-se confiante quanto à reeleição.

 

A Primeira Dama, olhando em volta, avistou Parker e Nora e separou-se do marido, a fim de se aproximar deles.

 

Andava à vossa procura. Queria exprimir a gratidão por tudo o que fizeram.

 

Ele fez menção de se levantar, todavia a mão livre dela pousou-se-lhe no ombro com firmeza.

 

E desejava propor um brinde acrescentou, erguendo o copo.

 

Parker e Nora imitaram-na e o primeiro sugeriu:

 

Ao êxito da Cimeira.

 

A isso também, com certeza assentiu a Primeira Dama. Mas na realidade o brinde diz respeito a vocês os dois, se o que corre por aí corresponde à verdade. Consta que vão casar.

 

De facto, tomámos essa decisão confirmou Nora, com   um   largo   sorriso. Obrigada.   Tencionava   dizer-lhe, quando a excitação acalmasse um pouco.

 

É uma «calamidade» que não podia acontecer a duas pessoas mais simpáticas. Billie levou o copo aos lábios. Espero apenas que sejam tão felizes como Andrew e eu em todos estes anos.

 

Não aspiramos a mais asseverou Parker.

 

Veja se não a engravida logo de entrada, Guy recomendou a Primeira Dama, com simulada gravidade. Preciso dela para o nosso segundo mandato. E de si também. Para já, parabéns e as maiores felicidades.

 

com estas palavras, deixou-os e foi juntar-se ao Presidente e ao grupo que o rodeava.

 

O olhar perplexo de Parker acompanhou-a, mesclado com uma expressão de dúvida. Transcorridos uns momentos, desviou-o para o jornal que pusera de lado e releu a descrição das mortes misteriosas perpetradas no Aeroporto Westbridge. Quando chegou ao fim, ergueu a cabeça e descobriu que Nora o contemplava com curiosidade.

 

Então?

 

Deve haver uma maneira de nos certificarmos murmurou Parker, pensativo.

 

Qual? Estudámos todas as hipóteses possíveis, ontem à noite, e não descortinamos uma única solução. O ginecologista dela converteu-se num vegetal, em consequência do acidente que sofreu, há uma semana. Vera deve possuir cicatrizes resultantes de uma intervenção de cirurgia plástica, como sugeriste. E eu confidenciei-te que Billie também se submeteu a uma operação do género, há anos, segredo que guarda ciosamente e só conhecem as pessoas da sua intimidade. Portanto, não existe qualquer caminho a seguir, a menos que descubras algum indício nas vossas sessões relacionadas com a autobiografia.

 

Duvido que isso proporcione a mínima pista.

 

Nesse caso, em que situação ficamos? Achas que alguma vez apuraremos a verdade?

 

Vou dizer-te o que acho. Quanto a mim, ninguém conhecerá jamais a verdade. O Presidente. O país. Ou o mundo. Só uma pessoa está ao corrente. Fez uma pausa e inclinou a cabeça na direcção do grupo.

 

                                                                                Irving Wallace  

 

                      

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