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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A SEMENTE DE MOSTARDA / Osho
A SEMENTE DE MOSTARDA / Osho

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

RAJNEESH:
Eu vi teus olhos. Tinham paz, não mentiam.
Eu senti tua mão sobre minha fronte. Se juntar toda a força do mar com a suavidade das nuvens; ainda assim não poderei descrever teu toque. Me senti como uma folha tremendo em mãos de um furacão.
Eu ouvi tua voz. Tem a firmeza dos séculos, a alegria das crianças, o calor da mãe, o poder de mil cascatas, a mensagem de Deus.
Você me falou e meus ouvidos não escutavam, meus olhos não viam, só minhas mãos se abriram à procura da graça.
Só meu coração compreendia, só minha consciência captava. Era a voz de muitos Cristos, de muitos Budas, de muitos Mahavis, a voz de todos os iluminados, e a voz de tantos outros, concentrada ali; naquele pedaço de Poona, perto de Bombay. E tua voz me falou e eu ouvi ...


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E essa tua palavra ressoa entre os cantos dos pássaros na floresta no Ashram, cada dia, cada manhã, cada entardecer, com uma nova mensagem de amor para esta sociedade neurótica, violenta e dividida, que tanto amas.
Eu, três vezes Doutorado, duas vezes Ph. D. pensava que minha ciência, meus títulos e meus livros iam fazer com que me amasse mais. Mas você me amou mais quando em meus olhos leu minhas misérias e minhas carências.
Dia a dia sentei com os cidadãos da Nova Babel que você formou. Línguas, idiomas, línguas, idiomas, rostos, rostos diferentes de todos os continentes do mundo, estavam aí comigo. Essa era uma Babel diferente: muitas línguas mas só um coração, só um latejar, só uma energia que cresce, até formar um imenso campo energético de paz e de amor, que poderá salvar as nações da loucura e da violência.
Sentado à teus pés, aprendi mais sobre o Amor de Cristo, sobre o Nada de Buda, sobre a Alegria dos Sufis, e sobre minhas próprias misérias, que tudo o que universidades, livros e homens haviam?? me ensinado a vida toda.
Aprendi que estou dormindo. Você me ensinou a acordar, a viver feliz aqui e agora.
Aprendi que não adianta o passado morto que deprime, nem o futuro incerto que anseia. Você me ensinou que sou uma ponte entre o passado e o futuro. Uma ponte em construção na procura do Infinito.
Aprendi que não sabia amar, pois meu amor era um amor egoísta e necessitado. Você me ensinou que o amor é doação.
Aprendi que eu era um homem triste e complicado. Você me ensinou a dançar no meu caminho para Deus como David dançou na presença da Arca.
Aprendi que não adianta ficar detido a vida toda na procura de poder. Você me ensinou a abrir meu centro bioenergético do amor.
Aprendi que tudo o que sabia sobre o homem era apenas o abecedário. Você me ensinou a verdadeira linguagem com sua ciência dos 7 corpos, dos 7 vales que levam à Unidade Total, das 7 portas através das quais se condiciona o ego, das 6 camadas da consciência e dos 3 níveis de bioenergia.
Aprendi que ainda a ciência da psicologia pode ser superada através do que Você chama a Terceira Psicologia, como um passo além da psicologia patológica de Freud, primeira psicologia, e da psicologia do homem normal dos Humanistas, segunda psicologia.
Você me ensinou o caminho para uma Terceira Psicologia, não só do Inconsciente e do Consciente, senão também do Supra consciente: a psicologia dos homens felizes, dos homens realizados.
Esta sua Terceira Psicologia faz da Terapia uma função de amor e leva o homem a encontrarse consigo mesmo em Deus, em felicidade, em alegria.
Agora toda a ciência do homem torna-se religiosa e toda a religião torna-se cientifica.
Aprendi a não julgar, a não supor, a não maldizer, pois pensamentos são sutis vibrações que podem ser usadas como espadas que ferem. Mas você me ensinou a cortar minha cabeça para não deixar-me manejar
por minha mente poluída e, em troca, estou aprendendo a pensar com um coração sem violência, com uma nova cabeça além dos condicionamentos, além das programações que não me permitiam ser eu mesmo.
Aprendi que a vida não é uma luta sem sentido em uma selva de feras que brigam por dinheiro. Você me ensinou que a vida é felicidade, é continua celebração, é canto de paz que reinicia, e reinicia cada
manhã, com cada novo sol e com cada nova luz.
Um dia a semente de mostarda foi semeada em meu coração, e todo meu ser entrou dentro dessa semente e sentia verdade.
A semente da Verdade está crescendo dentro de mim, por isso, imagino, você me deu o nome de Savya Sachi, Todo Verdade.
Eu já estou crescendo dentro da Semente. E quero crescer com ela a fim de transformar minha vida, como Jesus e Você fizeram, em urna grande árvore onde irão saciar sua sede de Verdade e Amor as novas gerações
de Aquário.
Sei que não estou só nesta Semente. Estão aqui teus 100.000 Sanyasins espalhados no mundo inteiro, estão aqui aqueles 1.000 Sanyasins que moram em teu Ashram em Poona, está aqui Tua energia, a energia
da Semente, a energia de Deus.
Tua Benção
Savya Sachi (Dr. Egidio Vechio) Ph.D.
PRIMEIRO DISCURSO
21 de agosto de 1974
Poona, Índia
"Os discípulos perguntaram a Jesus:
Diga-nos, com o que se parece o Reino dos Céus? Ele lhes disse: É como a semente de mostarda — a menor entre todas as sementes, mas quando cai em terra fértil dá origem a uma grande árvore que se torna
abrigo para todos os pássaros do Céu".
Os relacionamentos humanos mudaram muito, e mudaram para pior. Em todas as dimensões, o relacionamento mais profundo desapareceu: a esposa não é mais uma esposa, é apenas uma amiga; o marido não é mais
um marido, é apenas um amigo. A amizade é boa, mas não pode ser muito profunda. O casamento é algo que acontece no íntimo. É um compromisso solene, e a menos que você se comprometa, permanecerá superficial.
A menos que se comprometa, nunca dará o salto.
Você poderá flutuar na superfície, mas a profundidade não existirá. É claro que penetrar no abismo é perigoso. Mas tem de ser assim. Porque, na superfície, você é muito ativo, pode trabalhar como um autômato,
não precisa de nenhuma atenção. Entretanto, quanto mais penetrar no abismo, mais e mais alerta deverá estar porque a todo momento a morte será possível. O medo do abismo cria uma superficialidade em todos
os relacionamentos. Faz com que eles permaneçam imaturos.
Ter um amigo ou uma amiga pode ser algo divertido, mas não se transforma numa porta para a profundeza que está oculta em cada um de nós. Com uma amiga, você pode se relacionar sexualmente, mas o amor não
cresce. O amor necessita de raízes mais profundas. A sexualidade pode existir na superfície, mas então é apenas animal, biológica. Só pode ser bela se for parte de um amor profundo. Senão, transforma-se
no que existe de mais feio, porque nenhuma comunhão acontecerá; há apenas dois corpos se encontrando e se separando. Apenas dois corpos — nem eu, nem você, nem ninguém. Isso tem acontecido em todos os
relacionamentos.
O relacionamento maior, que é o que existe entre um Mestre e um discípulo, desapareceu completamente. Você não será capaz de entender Jesus se não puder entender a dimensão desse relacionamento. A esposa
foi substituída pela amante, o marido também; mas o relacionamento entre o Mestre e seus discípulos não existe mais. Ou melhor, tem sido substituído por algo muito diferente que é o que existe entre um
psiquiatra e seu paciente.
Entre o psiquiatra e seu paciente existe um relacionamento que está fadado a ser doentio patológico — porque o paciente não está à procura da verdade; não está, na realidade, à procura da saúde. Esta palavra
"saúde" é muito significativa: exprime totalidade, significa santidade, uma cura íntima na essência do Eu. O paciente não está em busca da saúde, porque se estivesse seria um discípulo, não um paciente.
O paciente vai ao psiquiatra para se livrar da doença; sua atitude é totalmente negativa. Vai apenas para ser forçado a tornar-se normal, para tornar-se parte da engrenagem do mundo normal outra vez. Está
desajustado e precisa do psiquiatra para ajudá-lo a se ajustar novamente. Mas ajustar-se a que? A este mundo? A esta sociedade absolutamente doentia?
O que você chama de ser humano "normal" nada mais é que a patologia normal, a loucura normal, a insanidade normal. O "normal" também é insano, mas insano dentro dos limites aceitos pela sociedade, aceitos
pela cultura. Às vezes alguém ultrapassa, vai além dos limites — então torna-se doente. Toda a enferma sociedade diz que esse alguém está doente. E o psiquiatra atua nesse limiar para auxiliar o doente
a voltar para a multidão.
O psiquiatra não pode ser o Mestre, porque ele mesmo não é total. E o paciente não pode ser o discípulo, porque não está à procura do saber. Está perturbado e não quer continuar assim; seu esforço tem
como objetivo apenas o ajustamento, não a saúde. O psiquiatra também é doente. Ele não pode ser o Mestre — embora no Ocidente ele esteja fingindo que é, o que mais cedo ou mais tarde também acontecerá
no Oriente. O psiquiatra pode ajudar os outros a se ajustarem. Isso pode acontecer: um homem doente pode auxiliar outro homem doente, de diversas maneiras. Mas não pode levá-lo à totalidade; um louco não
pode levar outro louco além da loucura.
Até mesmo os Freuds, os Jungs e os Adlers são absolutamente doentios. Não apenas os psiquiatras comuns são patologicamente doentes; os mais renomados também o são. Eu lhes contarei alguns fatos e vocês
poderão perceber isso. Quando alguém mencionava algo sobre a morte, Freud começava a tremer. Por duas vezes chegou a desmaiar apenas porque alguém falou sobre as múmias do Egito. Ele desmaiou! Jung também.
Ao falar certa vez da morte e de cadáveres, de repente começou a tremer e desmaiou, ficando inconsciente.
Se a morte causava tanto medo a Freud, o que dizer de seus discípulos? E por que tanto pavor da morte? Você pode imaginar Buda com medo da morte? Neste caso, ele não seria mais Buda.
Jung dizia que muitas vezes teve vontade de ir a Roma visitar o Vaticano, principalmente sua biblioteca, que é a maior do mundo e onde estão os mais secretos registros de todas as religiões que já existiram
— verdadeiras raridades. Mas sempre que ia comprar a passagem, ele começava a tremer — só em pensar em ir a Roma! O que acontecerá quando você se dirigir a Moksha? Jung cancelava a passagem e voltava.
Nunca chegou a ir, nunca. Tentou muitas vezes, mas finalmente decidiu: "Não, eu não posso".
O que é o medo? Por que um psiquiatra teria medo de ir à Roma? Porque Roma é justamente o
símbolo representativo da religião. Este homem, Jung, criou uma filosofia em torno de sua mente e tinha medo de vê-la destruída. Assim como um camelo tem medo de ir até o Himalaia, porque quando o faz,
fica, pela primeira vez, sabendo que isso não significa nada. Toda essa filosofia criada por Jung é apenas uma infantilidade, porque o homem já criou tantos, tão vastos cósmicos sistemas, e de nada adiantou.
Ele tinha medo porque indo a Roma estaria indo também para as ruínas dos grandes sistemas que o passado criou.
O que dizer sobre o seu pequeno sistema? O que dizer sobre esse cantinho que você limpou e enfeitou? O que dizer sobre sua filosofia? As Grandes Filosofias desabaram e tornaram-se pó. Vá a Roma, veja o
que aconteceu! Vá a Atenas, veja o que aconteceu! Onde estão as escolas de Aristóteles, Platão e Sócrates? Todas desapareceram nas cinzas. No final, todos os grandes sistemas se transformaram em cinzas.
E todos os pensamentos, afinal, provam sua inutilidade porque são apenas criações do homem.
Apenas pelo "não-pensamento" pode se chegar ao conhecimento do Divino. Pelo pensamento você
não chega ao conhecimento do eterno, porque o pensamento pertence ao tempo. O pensamento não pode estar no eterno; nenhuma filosofia, nenhum sistema de pensamento pode existir no eterno.
Esse era o medo! Pelo menos quatro ou cinco vezes Jung fez reservas e cancelou-as. E esse homem, Jung, é um dos grandes nomes da psiquiatria. E se ele tinha medo de ir a Roma, o que dizer de seus discípulos?
Mesmo que você não tenha medo, isso não quer dizer que você seja melhor do que Jung. Quer dizer apenas que você é mais inconsciente. Ele tinha consciência de que em Roma sua cabeça poderia tombar; de que
no momento em que olhasse para as ruínas de todos os grandes sistemas, sentiria um tremor, um certo medo da morte. E ele perguntaria a si mesmo: "o que acontecerá com o meu sistema? O. que acontecerá comigo?"
Ele tremeu e desistiu. Em suas memórias, escreveu: "Então, finalmente, abandonei meu projeto. Não irei mais a Roma".
O mesmo aconteceu com Freud muitas vezes. Assim, parece que isso não é apenas uma coincidência. Freud também tentou ir' a Roma e teve medo. Por que? Freud era tão irritado quanto você, era tão sensual
quanto você, tinha tanto medo da morte quanto você. Freud era tão neurótico em seu comportamento quanto você. Então, qual a diferença? Ele deve ter sido um homem muito inteligente — um gênio, talvez —
pode ter auxiliado um pouco, mas era tão cego quanto você no que diz respeito ao Supremo, no que diz respeito ao mais secreto, ao mais íntimo centro do ser.
Não, a psiquiatria não pode tornar-se uma religião. Pode ficar bem num hospital, mas não num templo — não é possível. Um psiquiatra pode ser necessário porque as pessoas estão doentes, desajustadas; mas
o psiquiatra não é um Mestre e o paciente não é um discípulo.
Se você vier a um Mestre como um paciente, então não compreenderá nada, porque o Mestre não é um psiquiatra. Eu não sou um psiquiatra. As pessoas vêm a mim e dizem: "Estou sofrendo ansiedade mental, de
uma ansiedade neurótica, disso e daquilo".
Eu lhes digo: "Está bem, porque eu não vou tratar de sua ansiedade, vou tratar de você. Não estou preocupado com as suas doenças. Estou interessado apenas em você. As doenças estão na periferia. Onde você
está não existe nenhuma doença".
Quando você compreende quem você é, todas as doenças desaparecem. Basicamente elas só existem porque você tenta encobrir o auto-conhecimento, tenta evitar a si mesmo, tenta evitar o encontro básico; elas
só existem porque você não quer olhar para si mesmo. Mas por que você não quer olhar para si mesmo? O que lhe aconteceu? A menos que esteja pronto para se encontrar, não poderá tornar-se um discípulo,
porque o Mestre não poderá fazer nada se você não estiver pronto para se encarar. O trabalho do Mestre é auxiliá-lo a encarar a si mesmo.
Por que você tem tanto medo? Porque algo de errado ocorreu em algum ponto do passado. A criança nasce e não é aceita como ela é, muitas coisas têm de ser mudadas, forçadas: ela tem de ser disciplinada.
A criança possui muitas facetas que a sociedade e os pais não podem aceitar, que têm de ser negadas, reprimidas. Apenas algumas partes podem ser aceitas e apreciadas. Então a criança tem de achar uma solução,
tem de negar muitos fragmentos de seu ser que não têm permissão para se manifestar. E ela os nega tanto que se torna inconsciente deles. Isto é repressão. Em qualquer sociedade existe repressão.
A maior parte do ser da criança tem de ser reprimida, completamente jogada na escuridão. Mas essa parte reprimida sustenta a si mesma e procura rebelar-se, reagir; ela quer vir a tona, mas você a sufoca
cada vez mais. Depois fica com medo de encontrar-se consigo mesmo, pois o que acontecerá com a parte reprimida? Ela voltará, ela existirá. O que acontecerá com o inconsciente? Nesse encontro o inconsciente
estará presente, tudo o que foi negado estará presente, E isso lhe dá medo.
A menos que a criança seja totalmente aceita, esse medo permanecerá. Entretanto, nunca existiu uma sociedade que aceitasse a criança completamente. E parece que essa sociedade nunca existirá porque isso
é quase impossível. Assim, a repressão está fadada a existir, em maior ou menor intensidade. E todo mundo, um dia, terá de enfrentar este problema: como encarar a si próprio? Você torna-se um discípulo
no dia em que esquece o que é bom e o que é mau; o que é aceito e o que não é aceito. Você se transforma num discípulo apenas no dia em que está pronto para expor a si mesmo todo o seu ser.
O Mestre é apenas uma parteira. Auxilia o discípulo a passar pelo novo nascimento, a renascer. E o que é o relacionamento entre o Mestre e o Discípulo?
Um discípulo tem de confiar, não pode duvidar. Se duvidar não conseguirá expor a si mesmo. Quando você duvida de alguém, torna-se tenso não consegue se expandir. Quando duvida de alguém, torna-se um estranho,
fecha-se. Não pode se abrir porque não sabe o que esse
estranho lhe fará. Você não pode ficar vulnerável diante dele; tem de proteger-se, tem de vestir uma armadura.
Com um Mestre, é preciso abandonar todas as defesas, completamente — isto é uma necessidade. Até mesmo diante de um amante, você pode ter suas defesas; com o amado, você pode não estar totalmente aberto.
Mas com o Mestre, a abertura tem de ser total; do contrário, nada acontecerá. Mesmo que você oculte apenas uma pequena parte de si, o relacionamento não existirá. A confiança total é necessária. Só então
os segredos podem ser revelados; só assim as chaves podem lhe ser oferecidas. Agora, se você está se escondendo de si mesmo, isto significa que está lutando contra o Mestre. Neste caso, nada poderá ser
feito.
A chave para se chegar ao Mestre não é a luta; é a rendição. Mas a rendição desapareceu completamente do mundo. Muitos fatos contribuíram para isso: por três ou quatro séculos, o homem foi ensinado a ser
individualista, egoísta; a não se render, mas a lutar sempre; a não obedecer, mas a rebelarse; o homem foi ensinado a não acreditar, mas sim a duvidar. Existiram razões para isso. Isso aconteceu porque
a ciência cresce através da dúvida. A ciência é de um profundo ceticismo. Não trabalha com a confiança, trabalha com a lógica, com o argumento, com a dúvida. Quanto mais você duvida, mais científico se
torna. O caminho da ciência é exatamente o oposto da religião.
A religião trabalha com a confiança: quanto mais você confia, mais religioso se torna. A ciência operou milagres e esses milagres são bem visíveis. A religião operou milagres maiores, mas esse milagres
não são visíveis. Porque mesmo que Buda esteja aqui, o que você pode sentir? O que pode ver? Ele não é visível — apenas seu corpo é visível. Visivelmente 'é tão mortal quanto você; aparentemente ficará
velho e morrerá um dia — e, no entanto, ele é a própria negação da morte. Mas você não tem olhos para ver o invisível, não tem capacidade para sentir o mais profundo, o desconhecido.
Por isso é que, pouco a pouco, apenas os olhos confiantes começam a sentir e tornam-se sensitivos. Confiar significa fechar esses dois olhos. Eis porque a confiança é cega, tão cega quanto o amor — ou
melhor, mais cega que o amor.
Quando você fecha esses olhos, o que acontece? Uma transformação interna! Ao fechar esses olhos, que olham para fora, o que acontece com a energia que estava saindo por eles? Começa a mover-se para dentro.
Ela não pode fluir dos olhos para os objetos; então começa a voltar, torna-se um retorno. A energia não pode ficar estática, tem de mover-se; se você fecha uma válvula, ela começa a procurar outra. Quando
os dois olhos estão fechados, a energia que estava se movendo para eles começa a retornar — há uma reversão.
E essa energia aquece o terceiro olho. O terceiro olho não é algo físico. É justamente essa energia
que estava se movendo para os objetos exteriores e que agora retorna à fonte — esse retorno transformase no terceiro olho, na terceira forma de ver o mundo.
Apenas por esse terceiro olho é que Buda pode ser visto; apenas por esse terceiro olho é que Jesus pode ser compreendido. Se você não tiver o terceiro olho, Jesus poderá estar aqui, mas você não o verá
— muitos não o viram. Em sua cidade natal, as pessoas pensavam que ele fosse apenas o filho do carpinteiro José. Ninguém, ninguém pôde reconhecer o que estava acontecendo a esse homem: que ele não era
mais o filho do carpinteiro, que ele havia se transformado no filho de Deus — mas esse é um fenômeno interno. Quando Jesus declarou:
"Eu sou o filho do Divino, do Pai que está no Céu", as pessoas riram e disseram: "Ou você ficou louco, ou é um tolo, ou então é um homem muito astuto. Como o filho de um carpinteiro pode, de repente, transformar-se
no filho de Deus?". Entretanto, isso é possível...
Apenas o corpo nasce do corpo. A alma não nasce do corpo; nasce do Espírito Santo, nasce do Divino. Mas primeiro, é preciso ter olhos para ver e ouvidos para ouvir.
Entender Jesus é algo muito sutil. Para isso, a pessoa precisa passar por um grande treinamento. É justamente como entender música clássica. Se você começar, de repente, a ouvir música clássica; pensará:
"Que coisa mais absurda!". A música clássica é tão delicada que um longo treino é necessário. A pessoa precisa passar por um aprendizado de muitos e muitos anos. Só então seus ouvidos estarão treinados
para captar o sutil — a partir daí, não existirá nada como a música clássica. A música popular, do dia a dia, como a música dos filmes, não representará absolutamente nada, apenas ruídos desconexos.
Por seus ouvidos não estarem treinados, você vive com esses ruídos e pensa que isso é música. Para ouvir música clássica é preciso ter um ouvido muito sensível. Um treino é necessário e quanto maior for
o treinamento, mais o sutil tornar-se-á visível. Contudo, a música clássica não é nada diante de Jesus, porque Jesus é a música cósmica.
Somente quando você estiver silencioso, sem qualquer vacilação no pensamento, sem um. só movimento no seu ser, é que poderá ouvir Jesus, entender Jesus e conhecê-lo.
Jesus costumava repetir isto muitas e muitas vezes: "Quem tiver ouvidos, que ouça! Quem tiver olhos, que veja! Eu estou aqui". Por que ele costumava repetir: "Quem tiver olhos, que veja! Quem tiver ouvidos,
que ouça!" Por que?
Ele estava falando em outra dimensão de entendimento, que apenas um discípulo pode compreender. Muito poucos entenderam Jesus, mas isso está na própria natureza das coisas, isso tem de ser assim. Muito
poucos — e quem eram esses poucos? Não eram estudantes, eruditos; não eram professores universitários; não eram sábios ou filósofos. Não! Eram pessoas comuns: um pescador, um camponês, um sapateiro, uma
prostituta. Eram pessoas comuns, as mais comuns entre as comuns. Como essas pessoas podiam entender? Deve haver algo de especial no homem comum que desapareceu dos homens chamados de "extraordinários".
O que é?
É a humildade, a confiança. Porque quanto mais a pessoa for intelectualmente capaz, menor
será a sua confiança. Quanto menos você for capaz intelectualmente, maior será a sua confiança.
Um camponês confia, ele não tem nenhuma necessidade de duvidar. Coloca as sementes no campo e acredita que elas brotarão, que crescerão quando a estação certa chegar, que florescerão. O camponês espera,
faz sua prece, e na estação certa as sementes florescem e transformam-se em plantas. Ele espera e crê. Por viver com as árvores, com as plantas, com os rios, com as montanhas, não tem necessidade de duvidar.
As árvores não são traiçoeiras, você não precisa se defender delas; as plantas não são astutas, não são políticas, não são criminosas — você não precisa vestir nenhuma armadura para se defender delas.
Não precisa se precaver, pode estar aberto.
É por isso que quando você vai para as montanhas, repentinamente sente-se em êxtase. De onde vem o êxtase? Das montanhas? Não! Vem de você que colocou suas defesas de lado, que não sente mais medo. Quando
você chega perto de uma árvore, sente a beleza. A beleza não vem da árvore, vem do seu interior. Porque com a árvore você não precisa de proteção, pode ficar à vontade, pode sentir-se em casa. As flores
não irão atacá-lo por trás; as árvores não o assaltarão; elas não podem roubar nada de você. Assim, quando você vai para as montanhas, para o mar, para a floresta, coloca suas defesas de lado.
As pessoas que vivem em contato com a natureza são mais confiantes. Num país menos industrializado, menos mecanizado, com menos tecnologia, onde as pessoas podem viver em contato maior com a natureza,
existe mais confiança. É por isso que é difícil conceber Jesus nascendo em Nova Iorque — quase impossível. Muitos "Jesus-freaks" podem nascer lá, mas não Jesus. E esses "freaks" são apenas neuróticos que
usam Jesus como uma desculpa. Não, você não pode imaginar Jesus nascendo lá, é quase impossível. E mesmo que ele nasça lá, ninguém o ouvirá; mesmo que ele apareça lá, ninguém será capaz de reconhecê-lo.
Jesus nasceu numa época sem tecnologia, sem ciência, filho de um carpinteiro. Viveu toda sua vida com gente pobre, simples, que estava em contato com a natureza. Essa gente podia confiar.
Um dia, ao amanhecer, Jesus foi à praia. O sol ainda não havia surgido no horizonte. Dois pescadores lá estavam e lançavam suas redes ao mar quando Jesus chegou e disse: "Olhem! Por que estão perdendo
tempo? Eu posso fazê-los pescadores de homens. Por que perder energia pescando peixes? Venham, sigam-me!
Se ele tivesse encontrado você em seu escritório ou em sua loja e lhe tivesse dito isso, você lhe diria: "Vé embora! Eu não tenho tempo. Não desperdice meu tempo!" Mas aqueles dois pescadores olharam para
Jesus sem qualquer dúvida. O sol estava surgindo e o homem era lindo. Seus olhos eram mais profundos que o mar, mais radiantes que o sol. Eles deixaram suas redes de lado e seguiram Jesus.
Isso é confiança. Nem uma simples pergunta: Quem é você?". Os pescadores não o conheciam, ele não era daquele povoado, eles nunca o tinham visto, nunca o tinham ouvido. Mas a
chamada foi o suficiente — o convite foi o suficiente. Eles ouviram Jesus', olharam-no, sentiram sua sinceridade e o seguiram.
Justamente quando estavam saindo da cidade, um homem veio correndo e disse aos dois pescadores: "Onde vocês vão? Seu pai morreu de repente. Voltem!" Então, eles perguntaram a Jesus: "Nós podemos ir para
casa e enterrar nosso pai? Depois, nós voltaremos". Jesus lhes disse: "Não se preocupem com o morto. Existem mortos suficientes na sua cidade. Eles enterrarão seus mortos. Venham e sigam-me. Não se preocupem
com os mortos". E aqueles dois pescadores o seguiram. Isso é confiança: eles ouviram, eles viram Jesus.
Jesus estava certo. O que ele disse significa: "Quando um pai já está morto, o que se pode fazer? Quando alguém morre, está morto. Que necessidade tem dos filhos? E existem mortos suficientes no povoado;
eles farão o que é necessário: farão o ritual, enterrarão seu pai. Venham, sigam-me!" E eles seguiram sem olhar para trás, nunca mais voltaram. Confiança significa não olhar para trás. Confiança significa
não mais voltar.
Uma mente que duvida, está sempre olhando para trás, está sempre pensando no que não foi feito, sempre pensando em qual será a melhor alternativa: "Devo voltar ou seguir esse louco? Quem sabe? Ele diz
que é o filho de Deus, mas quem pode saber? Ninguém sabe sobre Deus, ninguém sabe sobre seus filhos — e esse homem parece ser exatamente como nós!" Mas os pescadores seguiram Jesus.
Se você segue, um homem como Jesus, mais cedo ou mais tarde será contagiado por ele. Mas, no começo, é preciso segui-lo. Mais cedo ou mais tarde, sentirá que ele é o filho de Deus, e não apenas isso —
através dele, compreenderá que também é filho de Deus. Mas, no começo, é preciso confiar. Se a dúvida existir no começo, as portas serão fechadas.
Esse relacionamento entre Mestre e discípulo desapareceu por causa de três séculos de triunfo da ciência. A ciência prosperou muito. E atingiu milagres — na verdade, milagres inúteis — porque eles não
contribuíram nem um pouco para a felicidade humana. Pelo contrário, a felicidade tem diminuído. E um milagre é inútil se não houver felicidade. Atualmente há mais tecnologia, mais conforto — mas menos
felicidade: esse é o milagre que a ciência conseguiu. Quanto mais as coisas podem ser feitas mecanicamente, menos você é necessário. E quanto menos você é necessário, mais se sente fútil, inútil, vazio.
Qualquer dias desses, o computador o substituirá e então você não será absolutamente necessário. Poderá se suicidar, porque o computador fará tudo.
A felicidade surge quando você se sente útil, quando sente que sua vida tem sentido, que tem uma razão de ser, quando sente que sem você as coisas seriam diferentes. Mas atualmente nada é diferente sem
você. Ou melhor, as coisas ficam bem melhores sem você, porque as máquinas podem fazer tudo com muito mais perfeição. Você é apenas um obstáculo, apenas uma coisa antiquada. O homem é a coisa mais antiquada
dos dias de hoje. Todos os anos, tudo vem numa nova edição: um novo modelo de carro, uma novo modelo de tudo. Apenas o homem
permanece antiquado. Entre tantos objetos novos, você é a única coisa antiga. O homem moderno está constantemente sentindo que não tem qualquer razão de ser porque, na verdade, quem precisa dele? As crianças
já não necessitam tanto, porque o governo, as sociedades estatais podem tomar conta delas. Os velhos — seu pai, sua mãe — não precisam mais porque existem asilos do governo e do estado que podem cuidar
de suas necessidades. Portanto, quem precisa de você? E quando uma pessoa sente que ninguém precisa dela, que é apenas um fardo sem importância, como pode se sentir feliz?
Nos velhos tempos, você era necessário. Certa vez, um místico judeu, Hillel — que deve ter sido um homem muito confiante, um homem de prece — disse a Deus em sua oração: "Não pense que só eu é que preciso
de Você, Você também precisa de mim. Se Hillel não estiver aqui, quem irá rezar? Quem O respeitará? Eu sou necessário. Portanto, lembre-se disto: eu preciso de Você, isto é certo, mas Você também precisa
de mim."
Quando todo o universo precisa de você — até Deus — então você tem uma razão de ser, um significado, uma fragrância. Mas, agora ninguém está precisando. Você pode ser dispensado facilmente, você não é
nada. A tecnologia criou o conforto e tornou-o dispensável. A tecnologia tem feito melhores casas, mas não melhores homens, porque para isto outra dimensão é necessária — e essa dimensão não é da mecânica.
Essa dimensão é da consciência.
A ciência não pode criar um Buda ou um Jesus, mas pode criar uma sociedade onde um Buda seja impossível. Muitas pessoas vêm a mim e perguntam: "Por que não existem mais Budas, mais Teerthankers, mais Jesus
atualmente?" Por sua causa! Você criou uma tal sociedade, que agora torna-se cada vez mais difícil existir um homem simples, um homem inocente. E mesmo quando ele existe, você não o reconhece. A questão
não é que os Budas não mais existem — a questão é que é difícil vê-los. No entanto, eles estão aqui. É possível que você esteja passando por eles todos os dias, a caminho do seu escritório, mas você não
pode reconhecêlos porque está cego. A confiança desapareceu.
Lembre-se disto: Jesus viveu na era da confiança, de uma profunda confiança. Toda sua glória, todo o
seu significado pode ser compreendido apenas através da dimensão da confiança.
Agora, poderemos abordar esta pequena jóia dos ensinamentos de Jesus: "Os discípulos perguntaram a Jesus: Diga-nos, com o que se parece o Reino dos Céus?"
Eles não eram pesquisadores, não eram pessoas curiosas, não estavam ali para argumentar. Suas perguntas eram inocentes. E só quando uma pergunta é inocente, Jesus pode respondê-la.
Quando uma pergunta é inocente? Você sabe? É inocente quando você não sabe a resposta. Você pergunta: "Deus existe?" e já sabe a resposta. Você já sabe que Deus existe e faz essa pergunta apenas para confirmar
a resposta. Ou você sabe que não existe e pergunta apenas
para ver se a outra pessoa sabe ou não a resposta. Se a resposta existe, então a pergunta não é inocente e não pode ser respondida por Jesus, porque Jesus só pode responder o que é inocente.
Ao fazer uma pergunta, o discípulo não tem nenhuma resposta em sua mente. Não sabe, simplesmente não sabe e é por isso que pergunta. Lembre-se disto: ao fazer uma pergunta, observe bem se está perguntando
porque já tem uma resposta, porque já tem algum conhecimento. Pois se tiver, não poderá haver nenhum encontro. Se tiver, mesmo que eu responda, a resposta nunca o alcançará. Você não estará suficientemente
vazio para recebê-la. Sua resposta já estará lá: você já está prevenido, envenenado.
Há dois tipos de perguntas: uma que é feita a partir de suas informações; neste caso, a resposta é inútil porque existe a possibilidade de um debate e o diálogo não acontece. A outra é feita a partir de
sua ignorância. Quando você sabe que não sabe é pergunta, então torna-se um discípulo. Não faz a pergunta apenas para argumentar. Está com sede e pede água; está com fome e pede comida. Não sabe e pergunta;
está pronto para receber. Um discípulo pergunta sabendo que não sabe. Quando você não sabe, é humilde. Quando sabe, torna-se egoísta e Jesus não pode responder para egos.
"Os discípulos perguntaram a Jesus...", discípulos significa aqueles que estão conscientes de que não sabem, "... Diga-nos, com o que se parece o Reino dos Céus?"
Jesus falava sempre sobre o Reino dos Céus e isso criou muitas dificuldades. A própria terminologia criou muita perturbação, porque a palavra "reino" é política e os políticos ficaram com medo. Eles crucificaram
Jesus porque pensaram: "Esse homem está falando sobre um reino que está por vir na terra, está dizendo 'eu sou o rei desse Reino". Esse homem está tentando fazer uma revolução, está querendo depor o governo
e criar um outro reinado!"
O Rei, o Governador, os oficiais, os sacerdotes, todos ficaram amedrontados porque aquele homem era influente, as pessoa o ouviam; não apenas o ouviam, mas transformavam-se, tornavam-se flamejantes, ficavam
totalmente novas; algo acontecia dentro delas quando o ouviam. Os sacerdotes, o Governador Pôncio Pilatos, o rei Herodes, todo o Governo — o secular e o sagrado — ficou com medo daquele homem. Ele parecia
perigoso. Nunca existira um homem tão inocente e, por isso, ele parecia perigoso. Os políticos não o compreenderam.
Existe sempre a possibilidade de Jesus não ser compreendido. O problema surgiu porque ele teve de usar a linguagem existente, a sua linguagem, e nessa linguagem as palavras já estão codificadas, já estão
carregadas de significado. Jesus falava do Reino de Deus, do Reino dos Céus e as pessoas se ligavam na palavra "reino" com tudo o que ela pode sugerir de político, de perigoso.
Jesus não era um revolucionário deste mundo. Ele era um revolucionário, era um Mestre revolucionário — mas do mundo interior. Entretanto, até mesmo os discípulos não estavam
conscientes do que ele estava falando. Quando você chega diante de um Mestre, um encontro entre duas dimensões diferentes acontece: é justamente como o encontro entre o céu e a terra; acontece exatamente
no ponto onde um termina e o outro começa. Se a confiança existe, você pode subir para o céu; se não existe, fica ligado à terra. Se a confiança existe, você pode abrir suas asas e voar; se não existe,
você se apega à terra. O Mestre lhe traz um perigo.
O que é o Reino dos Céus? Que tipo de reino é esse? Ele é diametralmente oposto ao reino deste mundo. Jesus falou e falou sobre ele, mas era difícil fazer o povo entender.
Ele disse: "Em meu Reino, os pobres serão ricos, os últimos serão os primeiros" — Jesus falou exatamente como Lao-Tsé, ele era um homem como Lao-Tsé. "No meu Reino, os últimos serão os primeiros". Ele
disse que o mais humilde será o mais importante, o mais pobre será o mais rico, que aquele que não é reconhecido aqui, será reconhecido lá — tudo ao contrário!
E é assim que tem que ser. Se você parar perto de um rio silencioso, sem nenhum movimento e olhar seu reflexo na água, verá sua figura de cabeça para baixo. O reflexo está sempre invertido. Na realidade,
tudo neste mundo está de cabeça para baixo e, se tiver de ser colocado da maneira correta, terá de ser posto de cabeça para cima. Mas, aos nossos olhos, ficará como se tivesse invertido, de cabeça para
baixo — um estado de caos é necessário.
Buda tornou-se um mendigo — o último homem deste mundo. Ele era um rei, mas o Reino de Deus pertence ao último. Ele deixou seu reino porque o reino deste mundo é totalmente inútil, é um fardo sem importância.
Você o carrega e, no entanto, ele não é fonte de alimentação. Ao contrário, ele o destrói, o envenena — se bem que de um modo tão suave que você não chega a sentir.
Um homem estava bebendo, quando seu amigo chegou e disse: "O que você está fazendo? Não vê que isso o está envenenando aos poucos?"
O homem disse: "Eu sei... mas não estou com pressa".
Tudo o que você chama de vida, é apenas um lento veneno porque, no final, ela o leva à morte. Ela o mata, nunca faz outra coisa. Você pode não estar com pressa, mas isso não faz nenhuma diferença na qualidade
do veneno. Ele pode ser vagaroso, pode não estar com pressa, mas mesmo assim o matará.
O reino deste mundo pertence à morte; o Reino dos Céus pertence à vida eterna. Por isso, Jesus diz: "Quem estiver pronto, que venha comigo. E eu lhes darei vida."
Jesus estava passando por um povoado. Sentiu sede e caminhou até um poço onde uma mulher tirava água. Ele lhe disse: "Estou com sede, dê-me de beber."
A mulher replicou: "Não posso. Pertenço a uma casta muito baixa e isso não é permitido."
Jesus disse: "Não se preocupe. Dê-me de beber e, em troca, eu lhe darei da água do meu poço. Depois de bebê-la, você nunca mais terá sede."
Os discípulos perguntaram: "Com o que se parece o Reino dos Céus?" Porque aquilo que não é conhecido só pode ser explicado em termos de comparação. Daí todos os mitos. A mitologia é uma tentativa de explicar
o que não é conhecido, o que não pode ser conhecido no seu estado mental, através de algo conhecido. Tenta explicar o Desconhecido em termos do que é conhecido — procura trazer algum entendimento a partir
de onde você está.
O Reino dos Céus não pode ser explicado diretamente. É impossível. A menos que você entre nele, não há nenhum outro meio de conhecê-lo. Qualquer coisa que você diga, estará errada, porque a verdade não
pode ser dita. Então, o que Jesus, Lao-Tsé e Buda têm feito continuamente por todos esse anos? Se a verdade não pode ser dita, o que eles têm feito? Têm tentado lhe explicar o que não pode ser explicado,
utilizando-se de símbolos conhecidos, têm tentado explicar o Desconhecido através do conhecido. E contar parábolas, mitos, estórias, é a tarefa mais difícil do mundo.
Existem pessoas tolas que tentam analisar os mitos, dissecá-los e depois dizem: "Isso é um mito, não é a verdade." Elas analisam, dissecam, fazem uma cirurgia, e então dizem: "Isso é um mito, não é história."
Mas ninguém jamais disse que mito é história. O mito não pode ser retalhado porque é simples. mente simbólico.
É justamente como se uma pessoa pegasse um marco na estrada com uma flecha onde estivesse escrito: "Delhi" e dissecasse a pedra, a flecha, a tinta, a química e tudo o mais e depois dissesse: "Algum estúpido
deve ter feito isto. Não existe nenhuma Delhi aqui!"
Os mitos são marcos, flechas indicando o Desconhecido. Não são a meta, simplesmente indicam.
Esse é o significado da pergunta dos discípulos: "Diga-nos,. com o que se parece o Reino dos Céus?" É impossível perguntar o que é o Reino dos Céus — isto seria demais. Além disso, não poderíamos obter
uma resposta. Podemos perguntar apenas com o que ele se parece, o que significa: "Diga algo que nós possamos conhecer; dê algumas indicações através das quais nós possamos ter um vislumbre."
É o mesmo que um homem cego perguntar o que é a luz. Como você pode responder o que é a luz, se ele é cego? A própria pergunta impede a resposta. Ela não pode ser respondida porque a luz pode ser conhecida,
mas é preciso ter olhos para vê-la. Mas se ele perguntar: "Com o que se parece a luz?" então isso significará: "Diga algo na linguagem dos cegos."
Todas as parábolas são verdades em linguagem para cegos; todas as mitologias são verdades vestidas com a linguagem dos cegos. Assim, não tente dissecá-las! Você não encontrará nada
nelas. São apenas indicações. E se você confiar, as indicações serão maravilhosas.
Há um templo no Japão onde não existe nenhuma estátua de Buda. As pessoas entram e perguntam: "Onde estão as estátuas?" Mas não existe nenhuma estátua. Só existe um dedo apontando para o céu, em cima de
um pedestal — e ele é Buda. Às pessoas que perguntam, o sacerdote diz: "Este é Buda". Não sei se o sacerdote entende o que esse dedo apontado para a lua significa. O que é um Buda? Apenas um dedo apontado
para a lua!
Os discípulos pediram a Jesus que dissesse com o que o Reino dos Céus se assemelhava:
"Diga-nos, conte-nos por meio de uma parábola, de uma estória, para que nós, crianças, possamos entender. Nós não sabemos, não temos qualquer experiência. Diga algo que possa nos dar um vislumbre."
Jesus lhes disse: "E como a semente de mostarda — a menor entre todas as sementes — mas quando cai em terra fértil dá origem a uma grande árvore que se torna abrigo para todos os pássaros do Céu.
Jesus usou a semente de mostarda como símbolo muitas vezes e por várias razões: Primeira, a semente de mostarda é a menor que existe. Deus é invisível, menor do que o menor, então como é possível indicá-Lo?
No limite da visão está a semente de mostarda, o menor objeto visível do mundo. Além dela você não é capaz de perceber, porque além está o invisível. A semente de mostarda é o limite — você pode vê-la,
mas ela é muito pequena. Se for além, entrará no mundo do sutil, que é menor do que o menor. A semente de mostarda existe no limite.
Entretanto, a semente de mostarda não é apenas a menor coisa visível, tem também uma qualidade misteriosa: quando cresce, transforma-se na maior das árvores. Assim, ela é um paradoxo: é a menor semente
e produz a maior árvore. Deus é o invisível e o universo o mais visível; o universo é a árvore, Deus é a semente; Deus é o não-manifesto, o Universo é o manifesto.
Se você quebrar uma semente, não encontrará uma árvore. Você poderá até dissecá-la, mas não encontrará uma árvore escondida em seu interior. Então, poderá dizer que não existe nenhuma árvore dentro dela
e que o povo é tolo ao dizer que ela, esconde uma grande árvore.
Isto é o que os analistas vivem fazendo. Se alguém lhes diz que uma flor é bela, eles levam a flor para o laboratório e tentam encontrar a sua beleza. Colocam produtos químicos na flor, analisam-na, dissecamna,
dividem-na em vários fragmentos e colocam cada parte em uma garrafa rotulada — mas não haverá nem mesmo uma única garrafa onde a beleza possa ser encontrada. Então, eles saem do laboratório e dizem: "Você
deve ter tido alguma ilusão de ótica, acho que estava sonhando — não encontramos nenhuma beleza nela. Dissecamos a flor, nada deixou de ser examinado, e não encontramos nenhuma beleza."
Existem coisa que são conhecidas apenas em sua totalidade. Você não pode dissecá-las porque
o todo é maior que as partes. Este é o problema — o problema básico para aqueles que estão em busca da verdade. A verdade é maior do que suas partes reunidas. Não é apenas a soma das partes, é maior do
que todas as partes reunidas.
Uma melodia não é apenas a soma das notas, dos sons que a compõem não, é algo maior. Quando as notas se encontram, surge a harmonia; a harmonia que não existia nas notas isoladas, manifesta-se. Eu estou
falando com você: você poderá dissecar minhas palavras, poderá encontrar em todas elas um dicionário, mas não poderá me encontar no dicionário. Depois, poderá dizer: "As palavras estão todas aqui. Então,
para que me preocupar?"
Certa vez, Mark Twain foi ouvir o sermão de um amigo seu que era padre. O amigo havia insistido por muitos e muitos dias. Ele era um grande orador, altamente apreciado, seus discursos eram muito poéticos.
Quando ele ia falar, a igreja ficava repleta. Mas Mark Twain nunca ia ouví-lo. O amigo insistiu muitas vezes até que Mark Twain resolveu: "Está bem. Irei neste fim-de-semana." Então, para o sermão de domingo,
o padre preparou o que tinha de melhor, organizou em sua mente o que sabia de mais belo, porque Mark Twain iria ouví-lo. No domingo, Mark Twain foi e sentou-se na primeira fila. O padre entregou-se à melhor
palestra já proferida por ele até então. Trouxe toda a sua energia para o sermão que, na realidade, era mesmo belo: era uma sinfonia, uma poesia.
Mas, pouco a pouco, o padre começou a ficar apreensivo, porque Mark Twain estava se comportando como se estivesse morto. Nem um só vislumbre de apreciação passava por sua face. As pessoas aplaudiam, totalmente
arrebatadas, mas Mark Twain continuava imóvel, sem dar qualquer indicação de estar impressionado por isto ou aquilo, nem negativa, nem positivamente. Permanecia indiferente. — e a indiferença é mais mortal
do que qualquer negativa. Porque se você é contra algo, pelo menos está reagindo, está dando algum significado à coisa. Mas se permanece indiferente é como se estivesse dizendo: "Que coisa inútil, nem
vale a pena ficar contra!"
Quando o sermão terminou, Mark Twain foi embora no carro do amigo. O padre não conseguia perguntar nada e permaneceu silencioso. Mas quando Mark Twain estava saltando do carro, o padre resolveu perguntar:
"Você não tem nada a dizer sobre a minha palestra?"
Mark Twain replicou: "Ela não tem nada de novo. Tenho um livro em minha casa de onde você simplesmente copiou tudo. É uma palestra aborrecida e você não pode me fazer de tolo. Pode enganar aqueles ingênuos
lá da igreja, mas eu sou um homem letrado, eu estudo. A propósito, justamente ontem à noite eu estava lendo esse livro".
O padre não podia acreditar: "O que você está dizendo? Não copiei de lugar nenhum. É impossível!"
Mark Twain falou: "Todas as palavras que você disse estão lá. Amanhã eu lhe enviarei o livro."
No dia seguinte ele mandou para o padre o exemplar de um grande dicionário com um bilhete:
"Você encontrará todas as palavras aqui."
Assim é a mente de um analista. Consegue matar totalmente a poesia. Acaba dizendo que a poesia é apenas um conjunto de palavras. Não consegue sentir o que existe entre as palavras, nas entrelinhas — e
a poesia existe justamente aí. A beleza está aí. O êxtase, Deus, tudo o que é significante está entre as palavras, nas entrelinhas.
A semente de mostarda é a menor e contém o maior. É impossível ver Deus porque Ele é o menor — a semente de mostarda — mas você pode ver o universo. E se o universo existe, a semente também está presente.
Como a árvore pode existir sem a semente? Se ela não pode ser vista, isto não interessa. Como pode o universo existir sem uma causa final, sem uma fonte? O Ganges existe — poderia ele existir sem uma fonte?
Este vasto universo — você pensa que ele poderia existir sem uma fonte?
Este universo não é apenas vasto, possui também tal harmonia, tal sinfonia universal, tal sistema universal! Não é um caos — há disciplina nele, tudo está no lugar certo. E aqueles que realmente sabem
das coisas dizem que este é o melhor mundo possível, que nada pode ser melhor que ele.
Deve haver uma semente, mas a semente é muito pequena, menor que a semente de mostarda, usada como um símbolo apenas para indicar.
Aqueles homens que estavam questionando Jesus eram pescadores, camponeses e jardineiros. Eles podiam entender a parábola da semente de mostarda.
Se você dissecá-la, não a compreenderá. Se dissecar a religião, não a penetrará: ou você a vê diretamente ou não a vê. E só existe um meio de poder vê-la: confiar! É impossível ver a árvore na semente,
mas você pode semeá-la na terra — isto é o que faz um homem de fé. Ele diz: "Está certo, é apenas uma semente, mas certamente se transformará numa árvore, eu a plantarei no campo. Encontrarei o solo adequado
e a protegerei. Estarei esperando e rezando; amarei, terei esperança e sonharei..."
O que mais pode ser feito? Você pode semear e esperar, sonhar, ter esperança e rezar, O que mais se pode fazer? Então, de repente, numa manhã, você acorda e a semente transformou-se em algo novo, num broto
surgindo da terra. Agora, não é mais uma semente, é uma' planta que está florescendo.
O que acontece quando a semente se torna árvore? Isto também faz parte da parábola. A semente tem de morrer — só assim pode se transformar numa árvore. Deus morreu dentro deste universo, não pôde permanecer
à parte. Dissolveu-se nele. É por isso que você não pode encontrar Deus. Pode ir ao Himalaia, a Meca, a Kashi ou a qualquer outro lugar, mas não O encontrará em lugar algum, porque Ele está aqui, em todo
lugar! — exatamente como a semente está em toda a árvore. É impossível encontrar a semente porque ela morreu na árvore,
transformou-se na árvore. Deus morreu no universo, na existência e transformou-se no cosmos.
Ele não é algo que exista separadamente. Não é como um carpinteiro que faz um objeto e permanece à parte. É como a semente: dá origem à árvore e desaparece nela. Deus só pode ser encontrado quando a árvore
desaparece.
Os hindus têm dito que Deus pode ser encontrado no começo ou no fim da criação. No começo, quando o mundo ainda não existia, a semente estava lá, mas você não estava porque é parte da árvore, é uma folha
da árvore.
Ou no fim, quando Ele estará no pralaya, quando o mundo todo tiver se dissolvido, quando a árvore
tiver se tornado velha e morrido — isso acontece com todas as árvores: quando ficam velhas, novas sementes surgem, milhões de sementes.
No pralaya, você encontrará milhões de deuses — mas então não estará lá; este é o problema.
Existe apenas um jeito de encontrar Deus: é encontrá-Lo aqui e agora, na própria folha. Se você procurar por urna imagem particular, por Krishna ou Ram, então não O encontrará. Eles também são folhas —
é claro que folhas mais belas, mais vivas, mais verdes porque realizaram Deus em si, compreenderam que Ele está em todo lugar.
Quando Jesus disse: "O Reino de Deus é como a semente de mostarda", estava dizendo milhões de coisas. Esta é a beleza da parábola: com quase nada, quanta coisa pode ser dita!
Quando a semente morre, surge o universo, a árvore, o Reino de Deus. Se você estiver procurando este reino em algum outro lugar, estará procurando em vão. Se quiser encontrar o Reino de Deus, terá de ser
como a semente e morrer. Então, de repente, a árvore surgirá. Você não mais existirá, apenas Deus, você nunca encontrará Deus. Se você estiver presente, Deus não estará. Quando você desaparecer, Deus surgirá.
Na realidade, o encontro não acontece.
Quando VOCÊ não existe, Deus está presente — o vazio em suas mãos. Quando você não é mais ninguém, Deus está presente. Novamente um paradoxo: a semente contém a árvore, mas a semente também pode matar
a árvore. Se a semente ficar com medo da morte, então o próprio invólucro tomar-seá uma prisão; a própria casca que estava protegendo a árvore antes dela encontrar o solo certo tornar-se-á uma prisão —
então a árvore morrerá na semente.
Vocês são como sementes que se tornaram prisões. Buda é uma semente, Jesus é uma semente, cuja casca não é mais uma prisão; é uma semente, uma casca que morreu, dando origem a uma árvore.
"Ele lhes disse: É como a semente da mostarda — a menor entre todas as sementes, mas que quando cai em terra fértil deu origem a uma grande arvore que se torna abrigo para todos os
pássaros do Céu."
"... mas quando cai em terra fértil..." A terra certa é necessária. Apenas a morte da semente não é suficiente, porque ela pode morrer numa pedra e então nenhuma árvore nascerá; haverá apenas a morte.
É preciso encontrar o solo certo, a terra certa — este é o sentido de ser discípulo. Ser discípulo implica em preparo, em aprendizado para tornar-se terra fértil. A semente existe, mas a terra certa, a
terra fértil tem de ser encontrada. A árvore já está em seu interior; a única coisa que o Mestre pode lhe dar é a terra certa. Ele pode cultivá-lo, pode jogar fora as ervas daninhas, pode tornar o solo
rico para recebê-la. Pode enriquecer o solo com fertilizantes — ele é um jardineiro.
Você já contém tudo, mas precisa de um jardineiro; do contrário, jogará as sementes em qualquer lugar. Elas poderão cair no asfalto e morrer, poderão cair na calçada e as pessoas pisarão sobre elas e as
matarão. É necessário alguém para protegê-lo quando você estiver morrendo. Observe o que acontece quando uma criança vai nascer: ela precisa de uma parteira. A parteira é necessária porque o momento é
delicado. E o momento em que a Verdade nasce é o maior, o momento em que Deus nasce em você é o maior — o maior de todos os momentos. O Mestre é apenas a parteira.
Sem um Mestre muitas coisas podem acontecer: pode haver um aborto e a criança morrer. O Mestre é necessário para protegê-lo porque o novo broto é muito delicado, indefeso — algo pode lhe acontecer. É muito
perigoso. Mas se você confiar — a confiança é necessária; caso contrário, você poderá ficar tenso e a semente nunca morrerá — mas se confiar, a semente morrerá. A confiança é necessária porque a semente
não pode conhecer a árvore. A semente quer ter certeza de que ao morrer tornar-se-á uma árvore. Mas o que se pode fazer para que a semente tenha certeza? Este é o absurdo da fé. A fé é absurda.
Você quer ter certeza de que poderá tornar-se um sannyasin, que poderá renunciar a tudo, que estará pronto para morrer. Mas quem lhe garante que quando a semente morrer a árvore surgirá? Quem pode lhe
dar essa garantia? Como essa garantia pode ser dada? E mesmo que seja dada, quem irá cobrar essa garantia quando a semente não mais estiver aqui? Quem poderá provar para a semente que quando ela morrer
a árvore surgirá? Nenhuma garantia é possível.
É por isso que a fé é absurda: ter fé significa crer naquilo que não pode ter crédito; não existe nenhum jeito de acreditar e ainda assim você crê. A semente morre com uma profunda confiança e a árvore
nasce. Mas uma "terra fértil" é necessária, o solo certo é necessário. Todo o aprendizado do discípulo é justamente no sentido de tornar-se uma terra cultivada.
"... dá origem a uma grande árvore que se torna abrigo para todos os pássaros do Céu."
E quando sua árvore tiver crescido realmente, quando ela se tornar uma "árvore-Buda", virão milhões de pássaros em busca de abrigo. Sob Jesus, muitos "pássaros do Céu" tomaram abrigo; sob Buda, muitos
"pássaros do Céu" se abrigaram. Para aqueles que estão em busca do
mais profundo, essa árvore — "a árvore-Buda", a "árvore-Jesus" torna-se abrigo e nela eles podem sentir o palpitar do Desconhecido. Nelas, eles podem confiar, podem chegar à compreensão do Desconhecido,
podem dar o salto.
"O Reino dos Céus é como a semente de mostarda..." Você é o Reino dos Céus, você é como a semente de mostarda. Prepare-se para morrer, prepare-se para a sua morte!
É claro que haverá pânico, medo, apreensão. O salto está destinado a ser difícil. Muitas vezes, você poderá voltar atrás, chegará até a borda do abismo e fugirá com medo. A semente só pode conhecer o abismo,
não pode conhecer a árvore. Não existe nenhum meio da semente presenciar a árvore brotando, não há nenhuma possibilidade. A semente tem de morrer e confiar no Desconhecido - então isso acontecerá.
Se você estiver pronto para morrer, isso acontecerá. Vá e plante uma semente na terra: quando a árvore tiver brotado, cave a terra outra vez e veja onde está a semente; ela não estará lá, ela terá desaparecido.
Vá e cave em Buda, em Jesus — você não encontrará o homem, a semente. É por isso que Jesus é o filho de Deus, não mais do carpinteiro José. A semente veio de José e Maria, mas agora a semente desapareceu,
a casca desapareceu — a árvore que brotou não veio do visível, surgiu o invisível.
Olhe para Jesus: a semente não está mais presente, apenas Deus. Esteja pronto para morrer e então, poderá renascer. Abandone a mente, o corpo, o ego, a identidade — e, de repente, verá que algo novo está
nascendo em você, que está se tornando um útero, que está ficando prenhe. E estar espiritualmente prenhe é chegar no pico da criação, onde você cria a si mesmo. Nada é comparável a isto. Você pode criar
uma bela pintura ou uma grande escultura, mas nada pode ser comparado à criação de si mesmo, à "autocriação."
"... mas quando cai em terra fértil..." Esteja pronto para morrer! Antes de dar o salto, torne-se uma "terra fértil", torne-se um discípulo, um aprendiz, torne-se humilde, torne-se um não-ser. Logo, você
realmente não será, mas apronte-se para isto, comporte-se como se já não o fosse.
Então... "ela dá origem a uma grande árvore que se torna abrigo para todos os pássaros do Céu."
É sempre assim: você está aqui, perto de mim, minha semente está morta — é por isso que você está aqui. Não é por sua causa que você está aqui, é por mim. Mas dizer "por mim" não é correto, porque nenhum
"mim" existe mais; a semente desapareceu e agora só a árvore existe. E se você tiver algum vislumbre da sua própria possibilidade através desta árvore, o trabalho estará feito.
SEGUNDO DISCURSO
22 de agosto de 1974
Poona, Índia
"O Reino dos Céus é como a semente da mostarda..." Você é a semente, você é a possibilidade desse Reino. Esteja pronto para morrer. Esta é a única possibilidade de se renascer. Jesus disse: Os homens provavelmente
pensam que eu vim para lançar a paz sobre o mundo; eles não sabem que eu vim para lançar divisões sobre a terra o fogo, a espada, a guerra. Desde que existam cinco numa casa, três estarão contra dois e
dois contra três; o pai contra o filho e o filho contra o pai, e ambos permanecerão solitários. Jesus disse: Eu lhes darei o que os olhos não viram, o que os ouvidos não ouviram, o que as mãos não tocaram
e o que não surgiu no coração do homem.
Jesus é bastante paradoxal, e assim mesmo, repleto de significado. Para se chegar ao cerne do que ele diz, muito deve ser compreendido.
Em primeiro lugar: a paz só é possível se as pessoas estão quase mortas. Neste caso, não existe guerra, não existem conflitos, mas também não existe vida. É como o silencio de um cemitério. Essa Paz não
tem nenhum valor. Até mesmo a guerra é melhor do que ela porque pelo menos na guerra você está alerta, vivo.
Entretanto, existe um outro tipo de paz — de uma dimensão completamente diversa — que acontece quando se está vivo, alerta, mas centrado em si mesmo: quando o auto-conhecimento acontece, quando você se
torna Iluminado, quando a chama está acesa e a escuridão não mais existe. Há, nesta paz, mais silêncio, mais vida; contudo, este silêncio pertence à vida, não à morte. Este silêncio não é como o dos cemitérios.
Este é o paradoxo a ser entendido: a guerra é má, o ódio também: eles são o mal sobre a terra,
devem desaparecer. A doença é má, a saúde é boa; a doença deve desaparecer. Mas não se esqueça de que um homem morto nunca adoece; um corpo morto pode deteriorar-se mas não ficar doente. Se você não entender
isso, todos os seus esforços servem apenas para criar um mundo morto. Sem doenças, sem guerras e ódios — mas também sem vida.
Jesus não gostaria desse tipo de paz. Esse tipo de paz é inútil - um mundo com guerra é melhor.
Muitas pessoas têm se empenhado em conseguir a paz e suas atitudes acabam sendo negativas. Elas pensam que se a guerra acabar tudo ficará bem. Não é tão fácil assim. Essa concepção não é apenas a do homem
comum — mesmo grandes filósofos, como Bertrand Russel pensam que se a guerra acabar tudo ficará bem. Mas não é assim.
O problema não é a guerra, o problema é o homem. A guerra não é externa, é interna. Se você não lutar dentro, lutará fora. Ao passo que, se conseguir guerrear consigo mesmo e sair vitorioso, a guerra externa
cessará. Este é o único caminho.
Na índia, chamamos Mahavir de "O Conquistador", "O Grande Conquistador", o "jaina". A palavra "Jaina" significa conquistador. Contudo, Mahavir nunca lutou contra ninguém. O que ele conquistou, então? Ele
nunca acreditou na guerra, na violência, na luta. Por que o chamamos de Mahavir, "O Grande Conquistador"? Este não é o seu nome original; seu nome era Vardhaman. O que lhe aconteceu? Que fenômeno ocorreu?
Esse homem conquistou a si mesmo. Quando você conquista a si mesmo, sua luta contra os outros cessa imediatamente, porque a luta contra os outros é apenas um truque para esquivarse da guerra interior.
Se você não está bem consigo mesmo, existem apenas dois caminhos: suportar sua inquietação ou projetá-la sobre os outros. Quando uma pessoa está internamente tensa, está pronta para lutar. Qualquer desculpa
serve — o motivo é irrelevante. Ela pula sobre o primeiro que aparece: o empregado, a esposa, o filho.
Como as pessoas se livram dos seus conflitos e inquietações interiores? Responsabilizando os outros. Assim, elas passam por uma catarse: tornam-se irritadas, atiram sua raiva e violência nos outros e isso
lhes proporciona um alívio, um descanso. Temporariamente, é claro, porque no interior nada mudou. O interior continuou velho e novamente acumulará. No dia seguinte, voltará a acumular a mesma coisa — raiva,
ódio — e você terá de projetá-lo.
A luta contra os outros existe porque você continua acumulando lixo dentro de si e necessita jogá-lo fora. Um homem que conquistou a mesmo, que se tornou um auto-conquistador, não tem conflitos internos,
sua guerra cessou. Dentro de si, existe apenas um — não dois. Tal homem nunca mais irá projetar, nunca mais lutará contra alguém.
A mente usa o truque da projeção para esquivar-se do conflito interno porque esse conflito é muito doloroso — por muitas razões. A razão básica é que todas as pessoas têm uma imagem
muito boa de si mesmas. E isso é tão forte que sem essa imagem elas quase não conseguem sobreviver.
Os psiquiatras dizem que as ilusões são necessárias para se viver. Se você pensar que é tão ruim, tão demoníaco, tão mau; se essa imagem que é a verdadeira porque você é realmente assim — permanecer, você
será simplesmente incapaz de viver. Perderá toda a autoconfiança, ficará tão repleto de autocondenação que será incapaz de amar, não será capaz nem mesmo de se movimentar ou de olhar para qualquer outro
ser humano. Sentir-se-á tão inferior, tão demoníaco, que morrerá. Esse sentimento tornarse-á um suicídio. Mas isso é uma verdade — então, o que fazer?
O jeito é mudar essa verdade; é tornar-se um homem de Deus; não um homem do Diabo — é tornarse Divino! Entretanto, isto é difícil, árduo. É uma dura e longa caminhada. Muito tem de ser feito. Só então
o Diabo poderá tornar-se Divino. Ele pode tornar-se Divino! Talvez você não saiba que a raiz da palavra Diabo é a mesma da palavra Divino. Ambas vêm da raiz "deva", do Sânscrito. O Diabo pode tornar-se
Divino porque o Divino tornou-se Diabo. A possibilidade existe; são dois pólos da mesma energia. A energia que se tornou amarga, azeda, pode tornar-se doce. É necessária uma transformação interior, uma
alquimia interna — mas isto é demorado e árduo.
A mente sempre procura um atalho onde a oposição seja menor. Então ela diz: "Por que preocuparse em se tornar um homem bom? Basta acreditar que se é bom." Isto é fácil porque nada tem de ser feito. Basta
pensar que se é bom, criar uma imagem de que se é bonito, celestial, de que ninguém é como você. E esta ilusão de bondade lhe dá energia para viver.
Se as ilusões podem lhe dar tanta energia, você já imaginou o que acontecerá quando a Verdade surgir? A ilusão de que você é bom lhe dá vida para mover-se, energia para sustentar-se, lhe dá confiança.
Com a ilusão, você pode tornar-se quase centrado. Esse centro que acontece na ilusão, entretanto, é o ego.
Quando você esta realmente centrado, esse centro é o Eu. Mas isso só acontece quando a Verdade já foi realizada: quando suas energias internas já foram transformadas; quando o mais baixo transformou-se
no mais alto, o terreno no celestial; quando o Diabo tornou-se Divino; quando você estiver radiante com a glória que é sua; quando a semente tiver brotado, quando a semente de mostarda tiver se transformado
numa grande árvore.
Mas este é um longo processo, é preciso ter coragem para esperar, é preciso não se deixar tentar pelo atalho. E, na vida, não existem atalhos — eles só existem nas ilusões. A vida é árdua porque só por
meio de árduos esforços o crescimento acontece — ele nunca vem facilmente.
Você não pode conseguí-lo de um modo barato; nada que é barato pode auxiliá-lo a crescer. O sofrimento auxilia — o próprio esforço, a própria luta, o longo caminho lhe dão a clareza, o crescimento, a experiência,
a maturidade. Como uma pessoa pode adquirir a maturidade
através de atalhos? Existe uma possibilidade — atualmente estão fazendo experiências com animais e, mais cedo ou mais tarde, trabalharão com seres humanos — existe uma possibilidade: você pode ser injetado
com hormônios. Uma criança de dez anos pode receber injeções de hormônio e transformar-se num jovem de vinte anos.
Contudo, você acha que ele atingirá a mesma maturidade que teria conseguido se tivesse passado por dez anos de vida? A luta, o surgimento do sexo, a necessidade de controle, de amor; de ser livre e ao
mesmo tempo controlado, de ser livre e simultaneamente centrado; de conviver com os outros, de sofrer por amor, de aprender — tudo isso não estará presente. Esse homem que aparentar vinte anos, na realidade
terá apenas dez. Por meio de hormônios, é possível desenvolver apenas o corpo.
Estão fazendo isso com animais, com frutas, com árvores. Uma árvore pode ser injetada e, ao invés de florescer em três anos, de um modo natural, florescerá em apenas um. Mas suas flores estarão carentes
de alguma coisa. Será difícil perceber porque você não é uma flor; mas algo estará faltando nelas. Elas terão sido forçadas, não terão passado por todas as estações. As frutas surgirão logo, mas não estarão
amadurecidas; alguma coisa estará faltando nelas, serão artificiais.
A natureza não tem pressa. Observe: a mente está sempre com pressa enquanto a natureza nunca está — a natureza espera sempre, ela é eterna. Não tem necessidade de pressa; ela é contínua, é eterna. Para
a mente, o tempo é curto. Então, ela diz: "Tempo é dinheiro". A vida nunca diz isso. A vida diz: "Experiência", não tempo. A vida espera, ela pode esperar; a mente não pode — a morte está se aproximando.
Para a vida, não existe nenhuma morte. A morte só existe para a mente.
A mente tenta sempre encontrar um atalho. E a maneira mais fácil de encontrá-lo é criar uma ilusão: pensar que é aquilo que quer ser — então, a pessoa torna-se neurótica. Foi isso o que aconteceu com a
maioria das pessoas que estão nos hospícios. Pensam que são Napoleão, Alexandre ou qualquer outro. Acreditam nisso e comportam-se como se o fossem.
Ouvi contar a respeito de um homem que passou por um tratamento analítico, que foi psicanalisado
porque pensava ser Napoleão. Após três ou quatro anos de tratamento, o psiquiatra achou que ele já estava curado e lhe disse:
"Você já está bom. Pode ir para casa".
"Casa?" admirou-se o homem, "diga: para o meu palácio!" Ele ainda era Napoleão.
Se você já se tornou Napoleão, será muito difícil receber um tratamento porque, mesmo que fique curado, sentirá que perdeu algo.
Um General encontrou um Capitão que estava sempre bêbado e o abordou. O Capitão era um homem bom — os bêbados geralmente são bons; são pessoas bonitas que resolvem tomar Um atalho. O General, então, lhe
disse:
"Você é um bom homem e eu o aprecio. Todos aqui o amam. Mas você está se perdendo. Olhe, se conseguir permanecer sóbrio, logo será um coronel".
O homem riu e disse:
— "Isso não me interessa. Se eu conseguir ficar sóbrio, derei ser um coronel. Mas o que me importa? Enquanto estou bêbado já sou General! Para que ficar sóbrio?"
Existe muita coisa envolvida na ilusão. Como esse homem pode abandonar sua ilusão? Ele já se tornou General com tanta facilidade!
A mente encontra atalhos. As ilusões são atalhos. "Maya" o que existe de mais fácil e mais barato para se adquirir. A realidade não, ela é dura, árdua: é preciso sofrer e passar pelo fogo. Quanto mais
você passa pelo fogo, mais amadurecido fica; quanto mais amadurece, mais valor adquire. Sua divindade não pode ser comprada num mercado, não pode ser pechinchada. Você tem de pagar por ela toda a sua vida.
Apenas quando você arrisca toda sua vida, ela acontece.
Você luta contra os outros porque essa é uma maneira fácil Você fica pensando que é bom, que o outro é que é mau e a luta fica no exterior Mas se olhar para si mesmo, a luta tornar-se-á interior: verá
que é mau, que é difícil encontrar uma pessoa mais demoníaca que você. Se conseguir olhar para dentro, verá que é absolutamente mau e que algo tem de ser feito. Uma luta interior, uma guerra interior será
então iniciada.
Pelo conflito interno — não se esqueça de que ele é uma técnica, uma das melhores técnicas já utilizadas através dos séculos — se o conflito interno acontece, você se torna integrado. Se o conflito interno
existe, surge além das partes conflitantes um novo centro de sabedoria. Se o conflito existe, suas energias são envolvidas, todo o seu ser torna-se agitado: o caos é criado e desse caos nasce um novo ser.
Todo nascimento necessita de caos: todo o universo surge do caos. Antes do seu nascimento, o caos realmente será necessário — esta é a guerra de Jesus. Ele disse: "Eu não vim para trazer a paz". Isto não
quer dizer que ele não tenha vindo para fazer a paz surgir. Mas não essa paz barata que você gostaria de receber. Agora, tente entender estas palavras: "Jesus disse: Os homens provavelmente pensam que
eu vim para lançar a paz sobre o mundo; eles raio sabem que eu vim para lançar divisões sobre a terra — o fogo, a espada, a guerra".
Quando você vem a um Mestre como Jesus, vem em busca de paz, sem saber que está vindo ao encontro da pessoa errada. Porque tal como você está não pode obter a paz. E se alguma pessoa lhe der a paz, isto
será a sua morte. Se você tornar-se pacífico no estado em que se
encontra agora, o que isso significará? Significará que seus esforços terminaram antes de obter algo. Do jeito que você está, se alguém o silenciar, o que isso significará? Significará que você está conformado
com sua situação, mesmo sem ter alcançado o Ser.
Deste modo é que se pode distinguir um falso mestre de um Mestre verdadeiro. O falso mestre é uma consolação, ele lhe dá a paz no estado em que você se encontra, nunca se preocupa em mudá-lo — é um tranqüilizante.
É exatamente como as pílulas para dormir: você o procura e ele o consola. Mas se você vem a um Mestre verdadeiro, o critério é este: toda e qualquer paz que você já tiver conseguido, será destruída; toda
a "tranqüilidade" que você já tiver alcançado, será atirada aos cães.
Um Mestre verdadeiro criará mais tumulto, mais conflito. Não o consolará porque não é seu inimigo. Todo consolo é venenoso. Ele o auxiliará a crescer. O crescimento é difícil, será preciso passar por inúmeras
dificuldades
Muitas vezes você tentará escapar desse homem, mas não conseguirá porque ele irá perseguílo.
A consolação não é ó objetivo. O Mestre não pode lhe dar uma falsa paz. Ele lhe dá o crescimento e, a partir desse crescimento, um dia você floresce. Este florescimento é a verdadeira paz, o verdadeiro
silêncio. A consolação é falsa.
As pessoas me procuram e, da maneira como elas chegam, vejo os problemas que trazem: querem ser consoladas. Alguém se aproxima e diz: "Estou em dificuldade, minha mente não tem paz, estou muito tenso.
Dê-me algo, abençoe-me para que eu me torne pacífico." Mas o que significa isso? Se esse homem for pacificado, o que acontecerá? Ele nunca mudará. Não, esse não é o caminho.
Se um Mestre verdadeiro o consolar, isso será apenas uma isca. Ele o fisgará com essa isca e depois, pouco a pouco, começará a criar o caos. Você tem de passar pelo caos porque no estado em que se encontra
está absolutamente errado. Nesse estado, se alguém o consolar, será seu inimigo. Com essa pessoa você estará perdendo tempo, vida, energia e, no final, o consolo de nada servirá.
Quando a morte chega, ele se evapora.
Havia um velho homem cujo filho morreu. Ele me procurou e disse:
"Console-me!"
"Não posso fazer isso, é pecado".
"Eu vim para isso", disse ele.
"Você pode ter vindo para isso, mas eu não posso fazê-lo."
"Mas eu fui àquele Shankaracharya e ele me consolou. Ele disse para eu não me preocupar porque meu filho renasceu no Astral Superior".
Eu também conheci o filho desse homem e o que ele estava dizendo era impossível porque seu filho era um político — e todos os políticos vão para o Inferno, nunca para o Céu. Além disso, o filho não era
apenas um político, era um político muito bem sucedido, era um Ministro de Estado. Com toda a esperteza, com toda a ambição de um político, como ele poderia ter ido para o Céu?
O pai também era um político. E, na realidade, não estava perturbado pela morte do filho. Seu maior problema era que sua ambição havia morrido porque era através do filho que ele conseguia cada vez mais
e mais. O homem já estava velho. Havia trabalhado durante toda a vida, mas não fora muito esperto. Ele era um pouco tolo, meio ingênuo. Trabalhara muito, sacrificara toda a sua vida, sem nunca conseguir
um cargo. Isso o ferira profundamente, criara uma chaga. Então ele começou a tentar através do filho. O filho conseguiu atingir o alvo. Mas agora, estava morto e, com ele, toda a sua ambição também morrera.
Quando eu disse a ele que essa era a razão do seu sofrimento, que seu sofrimento não era pelo filho,
ele ficou muito perturbado e disse:
"Eu vim em busca de consolo e você me perturba ainda mais. Pode ser que seja verdade, tudo o que você está dizendo parece ser verdade. Pode ser que a ambição seja a causa do meu sofrimento, poder ser que
não seja por meu filho que eu estou chorando. Mas não diga coisas tão duras para mim, estou sofrendo muito. Meu filho está morto e você fica me dizendo coisas tão pesadas. Eu procurei aquele Mahatma, procurei
o Shankaracharya, procurei um guru e todos elas me consolaram. Disseram que era para eu não me preocupar, que a alma é eterna, que ninguém morre e que meu filho não era uma alma qualquer, que ele alcançou
o Astral superior".
Essas palavras não passam de consolo e se esse velho homem continuar dando ouvidos a elas estará perdendo uma grande oportunidade. Estará perdendo a oportunidade de encarar a ambição que é o seu problema.
Ele poderia compreender que todas as ambições são inúteis, sem valor, porque a pessoa trabalha tanto, sem parar, e no final a morte acaba levando tudo. Ele poderia ter penetrado nisso mas preferiu não
voltar a me procurar. Ele costumava vir sempre mas desde esse dia nunca mais me procurou. Foi buscar outros que o consolassem.
Você está aqui para ser consolado? Então está no lugar errado. É isto que Jesus disse:
Jesus disse: "Os homens provavelmente pensam que eu vim para lançar a paz sobre o mundo;
eles não sabem que eu vim para lançar divisões sobre a terra — o fogo, a espada, a guerra."
Sempre que um homem como Jesus surge, o mundo imediatamente se divide entre os que estão a favor e os que estão contra ele. Não pode haver ninguém indiferente a Jesus. Sempre que alguém como Jesus está
presente, o mundo imediatamente se divide. Alguns são a favor, outros contra, mas ninguém fica indiferente. É impossível ficar indiferente a Jesus. Se você o ouve, se o vê, imediatamente fica dividido:
ou o ama ou o odeia; ou o aceita ou o rejeita; ou o segue ou começa a trabalhar contra ele.
Por que isso acontece? Porque um homem como Jesus é um fenômeno raro, ele não é deste mundo. Ele traz algo do Além. Os que temem o Além, imediatamente tornam-se inimigos — é a maneira que usam para se
proteger. Mas aqueles que têm um anseio, uma semente oculta em algum lugar, para aqueles que têm buscado constantemente e desejado com veemência encontrar o Além, esse homem torna-se carismático, torna-se
uma força magnética. E eles entregam-se ao seu amor porque é por Ele que estão esperando, há muitas vidas.
Imediatamente o mundo se divide: ou se está a favor ou se está contra Cristo. Não existe outra alternativa, não é possível ficar indiferente. Não se pode dizer: "Eu não estou preocupado", isto é impossível.
Porque uma pessoa que pode permanecer no meio, sem amar nem odiar, está além da própria mente. Você não pode ficar no meio. Você pende para um lado: torna-se "direitista" ou "esquerdista"; fica de um lado
ou de outro. Um grande tumulto é criado.
Isso não se refere apenas aos indivíduos, mas também à sociedade. Tudo o que existe sobre a terra entra em conflito, uma grande guerra é iniciada. Desde a vinda de Jesus, nunca mais houve paz no mundo.
Jesus criou uma religião. Introduziu neste mundo algo que criou tal divisão, tal conflito em todas as mentes que se tornou o foco de toda a História. É por isso que se diz "Antes de Cristo" e "Depois de
Cristo". Ele tornou-se o ponto de referência.
A História divide-se, o tempo divide-se com Jesus. Ele situa-se no limite. Antes dele, é como se o tempo tivesse uma outra qualidade. Depois dele, o tempo tornou-se diferente. Com Jesus, teve início a
História. Suas atitudes, sua maneira de atingir a mente humana é muito diferente da de Buda ou de LaoTsé. O objetivo final é o mesmo, o derradeiro florescimento é único, mas a abordagem é absolutamente
diferente. Ele é único.
O que Jesus disse? Disse que pelo conflito o crescimento é alcançado; que pela luta a concentração acontece; que através da guerra a paz floresce. Mas não tome literalmente — tudo o que ele diz é uma parábola.
Os cristãos o tomam literalmente e perdem o ponto básico. Então empunham a espada e matam milhões de pessoas desnecessariamente porque não é isso que Jesus quis dizer. Então a Igreja, a Igreja de Jesus,
torna-se bélica, torna-se uma cruzada.
Os cristãos lutaram contra os maometanos, contra os hindus, contra os budistas — lutaram em todas as partes. Mas perderam o ponto básico. Jesus estava falando de outra coisa. Não estava falando das espadas
deste mundo; ele trouxe a espada de um mundo diferente. O que é essa
espada? É um símbolo. Você tem que ser cortado em dois porque duas coisas encontram-se em você: este mundo — a terra — e o Céu; ambos encontram-se em você. Uma de suas partes pertence à lama; a outra pertence
ao Divino. Você é o ponto de encontro e Jesus trouxe uma espada para cortá-lo em dois. Assim, o que é da terra cai na terra e o que é do Divino dissolve-se no Divino.
Você não pode fazer nenhuma distinção entre o que pertence e o que não pertence à terra. Quando está com fome, pensa que é você quem está com fome? Jesus disse: "Não, pegue minha espada e cortea!". A fome
pertence ao corpo, é uma necessidade fisiológica. A consciência não sente fome; mas ela torna-se ciente do que acontece com o corpo porque o corpo não tem consciência.
Você já deve ter ouvido esta velha estória "Panchtantra". Certa vez, uma grande floresta incendiouse acidentalmente. Dentro dela, havia dois homens: um cego e outro aleijado. O aleijado não podia andar
nem correr, mas podia ver. O cego podia andar e correr mas não podia ver. Então, ambos fizeram um pacto: o cego carregaria o aleijado sobre seus ombros e o aleijado indicaria o caminho. Assim, eles tornaram-se
um só. Saíram da floresta e salvaram suas vidas.
Não se trata apenas de uma estória — é o que acontece em você. Uma de suas partes sente fome, mas não sabe disso porque não tem olhos para ver. Seu corpo sente fome, sente desejo sexual, sente sede, necessita
de conforto: todas as necessidades pertencem ao corpo. Sua consciência apenas vê. Seu Eu é apenas um espectador. Mas ambos fizeram um trato porque sem o corpo a consciência não pode caminhar, não pode
se movimentar, não pode fazer nada; e sem a consciência o corpo não pode compreender o que necessita, não sabe se está com fome ou com sede.
A "espada" de Jesus significa que esse compromisso tem de ser realizado conscientemente. Assim, uma distinção deve ser feita: o que pertence à terra, pertence à terra. Cumpra isso, mas não se torne obcecado.
Se você sente fome, o corpo precisa de alimento: conheça isso bem, satisfaça a fome, mas não se torne obcecado. Existem pessoas que se tornam obcecadas que comem sem parar até que um dia sentem-se frustradas
com a comida e começam a jejuar, jejuar... ambas são obsessões. Comer demais é tão prejudicial quanto jejuar demais.
O equilíbrio é necessário, mas quem pode dá-lo a você? E preciso tornar-se dois, é preciso tornar-se totalmente ciente de que: "Isso pertence à terra, mas eu não pertenço." Essa é a espada de Jesus.
Ele disse: "Eu vim para lançar divisões sobre a terra: o fogo, a espada, a guerra."
Por que o fogo? O fogo é um símbolo cabalístico muito antigo. É também um velho símbolo hindu. Os hindus sempre falaram sobre o fogo eterno. Chamam-no de tap porque ele é quente. Ao ato de inflamar esse
fogo par que ele incendeie o interior dão o nome de yagna.
Existem técnicas para aumentar esse fogo interno. Atualmente ele está quase extinto, coberto pelas cinzas. É preciso que ele seja atiçado descoberto, reaceso; mais combustível é necessário, mais combustível
deve ser dado, Quando o fogo interno se incendeia ao máximo, de repente, você é transformado Nenhuma transformação acontece sem o fogo. A água é aquecida e num determinado grau, a cem graus, ela evapora-se,
torna-se vapor; toda a sua qualidade muda.
Você já observou que quando a água se transforma em vapor todas as suas qualidades mudam? Enquanto ela é água, corre no sentido descendente — essa é a sua natureza, correr de cima para baixo. Ela não pode
correr baixo para cima, é impossível. Mas quando sua temperatura atinge cem graus, evapora, toda sua natureza muda: o vapor flui no sentido ascendente, nunca descendente. Toda a dimensão muda e isso acontece
por causa do calor. Se você entra num laboratório químico, o que encontrará? Se alguém tirar o fogo de lá, nada poderá acontecer, porque todas as transformações, todas as mudanças, todas as mutações acontecem
pelo fogo. E o que é você se não fogo? o que faz enquanto está vivo? Ao respirar, o que você respira? Oxigênio.
O oxigênio não é nada mais que combustível para o fogo. Ao correr, você necessita de mais fogo, por isso respira mais profundamente. Quando repousa, menos fogo é necessário; então você respira com menos
intensidade porque menos oxigênio é necessário — o oxigênio é combustível para o fogo. O fogo não pode existir sem oxigênio, porque é o oxigênio que inflama. Você é o fogo — cada momento o fogo é criado
em você através dos alimentos, do ar, da água. Se ele aumenta muito, é preciso acalmá-lo. Quando os animais sentem desejo sexual, dizemos que estão quentes. Isto é significativo, porque o desejo sexual
é um tipo de calor. Quando você está com mais calor do que pode absorver, sente necessidade de acalmá-lo e o sexo é uma válvula de escape.
Observe que nos países quentes, o povo é mais sensual que nos países frios. Os primeiros livros de sexologia apareceram nos países quentes: Kamasutra de Vatsayana e o Kokashastra de Koka Pandit. Os primeiros
freudianos eram orientais e apareceram três mil anos antes de Freud. No Ocidente, o sexo começou a ter importância há pouco tempo. Nos lugares frios, o corpo não tem fogo suficiente para criar muita sexualidade.
Há apenas três ou quatro séculos, o "sex" tornou-se mais importante no Ocidente porque os países continuam frios mas já existe o aquecimento central. Assim, as pessoas já não são tão frias; seus corpos
já não precisam continuar lutando contra o frio. Por causa do calor é que no Oriente a população continua aumentando e é muito difícil controlar seu crescimento. No Ocidente, a explosão populacional não
acontece com tanta intensidade.
Ouvi contar que quando os primeiros astronautas russos desceram na Lua ficaram muito felizes. Mas levaram um susto ao ver três chineses andando por lá. Olharam para eles e perguntaram:
— Como vocês conseguiram chegar aqui antes de nós! Vocês não têm meios, não tem
tecnologia, não têm ciência suficiente! Como vocês conseguiram? É um milagre! Como vocês chegaram aqui?
Os chineses responderam:
— "Não foi um milagre! Só uma coisa muito simples — matemática: subimos uns nos ombros dos outros e chegamos aqui!".
Os chineses podem conseguir isso. Os indianos também. Para eles não há problema. Basta decidirem, que chegam a qualquer lugar!
O sexo é um fenômeno do calor, um fenômeno do fogo. Sempre que o fogo está ardendo, a pessoa se sente mais sensual; quando o fogo está baixo, ela se sente menos sensual. Porque tudo o que lhe acontece,
seja uma transformação sexual, seja uma transformação espiritual, sempre depende do fogo.
Jesus foi treinado numa comunidade essênica — numa secretíssima sociedade esotérica. Como os
hindus, os cabalistas, os judeus e os sufis, ele também conheceu inúmeros métodos para criar o fogo interno. Assim, esse fogo não é exatamente o mesmo que você conhece. É o fogo mais interno a partir do
qual a vida existe.
Se o fogo é elevado a um certo nível, a transformação acontece. Mas só é possível elevá-lo a um determinado grau se ele não for liberado. É por isso que todas as religiões que usam o fogo são contra o
sexo. Se você o liberar pelo sexo, não será possível mantê-lo nesse grau porque ele terá uma válvula de escape..
Portanto, todas as válvulas devem ser completamente fechadas para que o fogo não tenha por onde sair e alcance os cem graus, para que alcance o grau onde, de repente, a transformação acontece: a alma e
o corpo separam-se — a espada age! E você fica sabendo o que é a terra e o que é o céu em si mesmo. Fica sabendo o que veio dos seus pais e o que veio do Invisível.
"... o fogo, a espada, a guerra..." Um profundo conflito interno. Você não pode ser letárgico, não pode relaxar, a menos que o relaxamento aconteça — o que é totalmente diferente. É preciso lutar e criar
o conflito, a fricção. Fricção é a palavra certa para a guerra interior. Gurdjieff trabalhou através da fricção, criando-a em seu corpo. Você pode não saber agora, mas observe e um dia terá consciência
de que seu corpo possui inúmeras camadas de energia. Quando a fricção não é feita, a pessoa utiliza apenas as camadas superficiais. Ao surgirem os conflitos, a camada superficial esgota-se e a segunda
camada entra em funcionamento.
Tente fazer o seguinte: se você costuma ir para a cama numa determinada hora da noite, um pouco antes dessa hora notará que está se sentindo sonolento — não vá dormir. Os sufis usaram esse método — a vigília
— e Jesus também o usou: no deserto, durante quarenta dias e
quarenta noites, ele não dormiu; ficou sozinho nas montanhas sem dormir um só momento. O que acontece? Se você não for dormir à hora de costume, por alguns minutos sentir-se-á extremamente letárgico, cada
vez mais adormecido. Mas, se resistir e lutar, uma fricção será criada, você tornar-se-á dois: o que quer dormir e o que não quer. As duas partes entrarão em conflito. Se você conseguir controlar-se e
não se render, de repente, notará que o sono desapareceu e que está tão bem como nunca esteve ao despertar pela manhã. De repente, o sono terá desaparecido. Você sentir-se-á bem disposto e, mesmo que resolva
dormir um pouco, será difícil. O que aconteceu? Só existiam duas possibilidades, e através da fricção, entre as duas possibilidades, uma energia foi criada.
A energia é sempre criada através da fricção. Toda a ciência depende de se criar uma fricção a partir da qual a energia será criada. Todos os dínamos são apenas técnicas de fricção para criar uma luta,
uma guerra entre duas coisas.
Uma guerra é criada quando seu corpo quer dormir e você não quer. A fricção acontece e muita energia é gerada.
Na fricção, você não pode se render, porque se isso acontecer seu corpo terá vencido a batalha contra a consciência, o que será muito ruim para você. Por isso, só inicie uma fricção se a mente estiver
determinada a não se render. Caso contrário, será melhor nem tentar. Os métodos de fricção são perigosos: ao iniciá-lo, é preciso vencer, porque senão você perderá a confiança em si mesmo.
Sua consciência se enfraquecerá e seu corpo terá mais força sobre você. E se você for derrotado muitas vezes, cada vez será menor a possibilidade de vencer.
Ao usar qualquer método de fricção, faça dele um ponto de vitória. A batalha não pode ser perdida, você precisa vencê-la. Uma vez vencida, uma diferente camada de energia será encontrada. Então, você verá
que a energia que existia na outra parte será absorvida pela consciência que se tornará mais forte até que, num certo momento, toda a energia do organismo terá sido absorvida pelo Eu.
Gurdjieff usou a fricção ao máximo e de maneiras inacreditavelmente perigosas. Quando já estava bem idoso, a poucos anos de sua morte, provocou um sério acidente de automóvel. Ele fez com que isso acontecesse
— na realidade não foi um acidente. Não existem acidentes na vida de pessoas como Gurdjieff. Para quem é consciente, os acidentes não são possíveis. Mas a pessoa pode permitir que aconteça, ou até provocar
um — foi o que aconteceu com Gurdjieff.
Ele era um bom motorista e em toda sua vida nunca lhe acontecera um acidente. Era também um motorista audacioso; todas as pessoas que andavam de carro com ele ficavam nervosas a todo momento. Ele era absolutamente
louco. Não acreditava em regras de trânsito ou em qualquer outra regra. Andava por todos os lados, sempre na velocidade máxima; e qualquer
coisa era possível a qualquer momento — mas nunca lhe acontecera nada.
Numa manhã, ao sair de seu Ashram, em Fontainebleau, em direção a Paris, alguém lhe perguntou:
"Quando você volta?"
"Se tudo acontecer como estou pensando", respondeu ele, "pelo fim da tarde. Caso contrário, é difícil dizer."
Ao anoitecer, quando regressava, o acidente aconteceu. E foi tão sério que os médicos disseram que ninguém poderia ter sobrevivido. Era impossível! O carro partiu-se em pedaços.
Mas Gurdjieff foi encontrado. Tinha sessenta fraturas por todo o corpo — estava quase morto. Entretanto, encontraram-no perfeitamente consciente, deitado sob uma árvore, a vários metros do carro. Ele havia
andado até ali e se deitado perfeitamente consciente. Ele pediu que não lhe aplicassem nenhuma anestesia — queria permanecer consciente. Esta foi a maior fricção que ele fez com seu corpo: o corpo chegou
à beira da morte. Ele criou a situação e quis permanecer alerta.
Ele permaneceu alerta e, nesse momento, alcançou a maior concentração que pode acontecer a um homem: tornou-se centrado em sua consciência — a camada terrena foi completamente separada, tornouse apenas
um veículo: Gurdjieff podia usar esse veículo, mas não estava identificado com ele.
É isso que Jesus quis dizer quando falou:
"Eu trouxe o fogo, a espada, a guerra — embora os homens provavelmente pensem que eu tenha vindo para lançar a paz sobre a terra..."
"Desde que existam cinco numa casa: três estarão contra dois e dois estarão contra três; o pai contra o filho e o filho contra o pai; e eles permanecerão solitários."
"Desde que existam cinco numa casa..."
Isto é uma parábola: no seu corpo, existem "cinco numa casa" — os cinco sentidos, os cinco indriyas. Na realidade, internamente você possui cinco corpos porque cada sentido tem seu próprio centro. Cada
sentido o manipula na sua própria direção. O olho diz: "Veja quanta beleza!" A mão diz: "Toque, é tão agradável!" O olho não está interessado em tocar; a mão não está interessada em olhar para uma pessoa
bonita, para um corpo bonito ou para uma bela árvore.
Todos os cinco sentidos existem como cinco centros independentes e a mente é a
coordenadora; é quem coordena os cinco. Ao olhar para mim e me ouvir, você está ouvindo pelos ouvidos e vendo pelos olhos. Os olhos nunca ouvem e os ouvidos nunca olham. Então, como você pode concluir
que está vendo e ouvindo a mesma pessoa? A mente é a coordenadora, é como um computador: combina o que é captado pelos ouvidos" e pelos olhos e lhe dá a conclusão.
Gurdjieff usou o método das fricções, assim como Jesus — e os que conhecem os segredos mais íntimos da vida de Jesus dizem que ele não foi crucificado, mas que fez com que o crucificassem, da mesma maneira
que Gurdjieff fez acontecer o acidente de carro. Ele dirigiu sua crucificação — ele mesmo montou o drama.
Os crucificadores pensaram que o estavam matando, mas um homem como Jesus não pode ser forçado a morrer. Ele poderia ter escapado com facilidade porque todos sabiam que ele ia ser preso. Poderia ter saído
da capital ou do país, não havia nenhum problema, mas ele foi para a capital. Diz-se que ele planejou tudo e que Judas não era seu inimigo mas sim o amigo que o auxiliou a ir para a prisão. Tudo o que
aconteceu foi dirigido e controlado por Jesus.
O que aconteceu na cruz foi a última guerra interior, a última grande fricção: enquanto estava morrendo, mas não perdendo a confiança no Divino; enquanto a terra estava voltando para a terra; enquanto
a divisão estava sendo absoluta, total — ele permaneceu totalmente nãoidentificado. Ele permitiu tudo.
Gurdjieff também costumava dizer que a crucificação de Jesus foi um drama e que o autor desse drama, na realidade, não foi Pôncio Pilatos, nem os sacerdotes judeus mas o próprio Jesus. Ele o dirigiu tão
bem que até hoje ninguém sabe exatamente o que e como aconteceu.
Você não é capaz de se imaginar planejando sua própria crucificação, mas isto é que é religião: planejar a própria crucificação. Chegar à cruz é atingir o clímax da fricção — onde está a morte.
Jesus disse: "Desde que existam cinco numa casa: três estarão contra dois e dois contra três..."
A fricção deve ser criada. Os sentidos têm de lutar e a luta deve ser consciente. Os sentidos lutam constantemente, mas não de um modo consciente. Você dorme enquanto a luta continua. Os olhos estão em
constante luta contra os ouvidos e os ouvidos contra os olhos porque são competidores.
Você já observou que a capacidade auditiva dos cegos é muito maior que a das pessoas que enxergam? É por isso que os cegos tornam-se bons músicos e cantores. Por que isso acontece? Eles possuem uma capacidade
maior para o som, para o ritmo; uma sensibilidade maior nos ouvidos. Por que? Porque os olhos não estão competindo; a energia que deveria estar sendo usada para enxergar é utilizada para ouvir — os olhos
não estão competindo mais.
Seus olhos consomem oitenta por cento da sua energia, deixando apenas vinte por cento para os outros quatro sentidos que estão famintos, que estão em constante luta. Os olhos tornaramse os mais fortes,
a força ditatorial. Você vive através dos olhos e alguns sentidos chegam a morrer completamente. Algumas pessoas não conseguem sentir odores, este sentido está totalmente morto; mas elas nem se preocupam
— não têm consciência de que não possuem olfato. Os olhos derrotaram o nariz porque eles estão tão perto um do outro que os olhos o exploraram totalmente. As crianças possuem olfato, mas aos poucos, começam
a perdê-lo porque os olhos necessitam cada vez de mais energia. Eles transformaram-se no centro do seu ser e isso não é bom.
Os métodos de fricção põem os sentidos uns contra os outros. Existem escolas e métodos onde os pesquisadores eliminam um sentido em favor dos outros; criam uma luta. Em muitos desses métodos, o pesquisador
permanece com os olhos fechados durante vários meses. A energia começa a movimentar-se e você pode senti-la. Se ficar com os olhos completamente fechados durante três meses, sentirá a energia dos olhos
movendo-se continuamente em direção ao nariz, aos ouvidos — poderá voltar a sentir odores, seu olfato voltará. Se você fechar os ouvidos por três meses e só enxergar, sem ouvir absolutamente nada, sentirá
um constante fluxo de energia em movimento.
Se puder observar a luta dos sentidos, então você se separará deles porque será apenas um expectador. Já não será mais os olhos, nem os ouvidos, nem as mãos, nem o corpo — será apenas um expectador. A
luta continuará dentro do seu corpo, mas você será só um expectador. Este é o significado, o significado mais alto da parábola. Mas ela é verdadeira também num outro sentido.
"Desde que existam cinco em uma casa: três estarão contra dois e dois contra três; o pai contra o filho e o filho contra o pai; e eles permancerão solitários".
Num outro sentido, isso também é verdadeiro. Numa família de cinco pessoas, três estarão contra dois e dois contra três. Para a família, o religioso dá inicio a uma fricção, é um perigo. A família pode
tolerar qualquer coisa, exceto a religião porque quando alguém se torna religioso não se identifica mais com o corpo.
A família relaciona-se através do corpo: seu pai é seu pai por causa do seu corpo. Se você pensar que é seu corpo, então estará relacionado com seu pai. Mas se descobrir que não, é o corpo, quem será seu
pai? Como relacionar-se com ele? Sua mãe deu nascimento ao seu corpo, não a você. Ao identificar-se com o corpo, você pensa que ela deu a luz a você. Mas quando não está mais identificado com o corpo,
quando esta identificação desaparece, quem é sua mãe? Ela não deu a luz a você mas sim a esse seu corpo que um dia morrerá. Portanto, ela não lhe deu a vida. Pelo contrário, deu-lhe mais uma morte. Seu
pai não lhe deu a vida, deulhe mais uma morte. Seu pai não lhe deu a vida, deu-lhe mais uma possibilidade de morrer. Ao não se identificar com o seu corpo, você se separa da família, torna-se desarraigado.
A família é capaz de tolerar o fato de você procurar uma prostituta. Está bem, não há nada de errado; pelo contrário, porque neste caso você está se identificando ainda mais com o corpo. Se você se torna
um alcoólatra, um bêbado, está bom porque também está se identificando mais e mais com o corpo. Nada disso está errado. Mas se você medita, se você é um sannyasin, isto não é bom. Isto é difícil porque
então você fica desarraigado da família. Ela já não tem poder algum sobre você; você já não faz parte dela porque já não faz parte deste mundo.
Assim, Jesus diz: "O pai estará contra o filho e o filho contra o pai. Eu vim para romper, para dividir, para criar conflito e fricção".
Isto é verdade. Muitas pessoas veneram a Buda. Mas pergunte ao pai dele — ele está contra Buda. Pergunte aos parentes de Buda — eles estão contra ele — porque esse homem saiu fora do controle da família,
da sociedade.
A família é a unidade básica da sociedade. Ao sair da sociedade, é preciso sair da família também. Mas isso não quer dizer que você tenha de odiá-los — não é esse o ponto. A separação acontece de qualquer
maneira, mais cedo ou mais tarde: quando você começa a encontrar a si mesmo, todo o seu passado tem de ser abandonado; o caos começa a existir. Então, o que fazer? A família o puxará para trás, tentará
trazê-lo de volta, fará qualquer coisa para conseguir isso. O que fazer então?
Existem dois caminhos: um, é o velho meio de escapar: abandonar a família sem lhes dar nenhuma oportunidade. Mas eu acho que este não é o mais aplicável. O outro, é estar com eles, mas como um ator: é
não dar demonstrações de que você está caminhando para além deles. Caminhe! Deixe que a sua jornada interior aconteça. Mas, exteriormente, preencha todas as formalidades: toque os pés de seu pai e de sua
mãe e seja um bom ator.
O velho caminho não pode ser usado por muitas pessoas. É por isso que a terra não pode se tornar religiosa — quantas pessoas poderiam sair da sociedade? E mesmo que saíssem, a sociedade teria de cuidar
delas. Quando Buda esteve aqui, ou Mahavir, ou Jesus, milhares de pessoas deixaram suas família. Mas apenas alguns milhares — outros milhões de pessoas ficaram para trás e tiveram de cuidar deles. Se esse
for o único meio, o mundo não poderá tornar-se religioso. Mas existe um modo mais bonito e esse modo é tornar-se um bom ator.
Um sannyasin precisa ser um bom ator. Ser um bom ator significa para mim não estar mais relacionado, mas continuar preenchendo as formalidades. Estar interiormente desarraigado, mas não dar nenhum sinal
disso. E qual é a utilidade de se dar esse sinal; se você o der, eles começarão a tentar mudálo. Não lhes dê nenhuma chance; deixe que isto seja uma jornada interior. Exteriormente, seja completamente
formal. Assim, eles ficarão felizes porque vivem apenas de formalidades, vivem do lado de fora, não precisam de sua devoção interna, não precisam do seu amor interior — para eles, a representação é suficiente.
São estes os dois caminhos: um é o de Buda e Jesus; o outro é o de Janak e o meu. Esteja você
onde estiver, não crie nenhuma representação externa de que está mudando e tornando-se um religioso porque isto poderá criar problemas e você pode não estar suficientemente forte para enfrentá-los. Crie
o conflito dentro de si, mas não o crie fora. O conflito interno é mais do que suficiente; ele lhe trará o crescimento e a maturidade necessários.
" ...o pai contra o filho e o filho contra o pai. E ambos permanecerão solitários".
Esta palavra "solitário" deve ser muito bem entendida. Quando alguém, se torna religioso, torna-se um solitário. A sociedade já não existe; ele está só. E aceitar a solidão é a grande transformação que
pode lhe acontecer porque a mente tem medo de estar só, a mente precisa de outras pessoas para se agarrar, para se prender.
Sozinho, você sente um temor, um medo começa a tomar conta do seu ser; estando só, imediatamente você corre para a sociedade — ao clube, à conferência, à seita, à igreja: para qualquer lugar onde encontre
a multidão, onde possa sentir que não está só, onde possa se perder na multidão. É por isso que a multidão se torna tão importante: ir à corrida de cavalos, ir ao cinema — a qualquer lugar onde haja multidão
para que você não se sinta solitário, para que você possa relaxar.
Entretanto, um homem religioso é um solitário porque está tentando alcançar o pico mais alto. Ele não se perde nas outras pessoas. Tem de recordar-se, tornar-se mais cuidadoso, tornar-se mais consciente
e alerta — e tem de aceitar a verdade. E a verdade é esta: todos são sós e não existe nenhuma possibilidade de qualquer relacionamento. Sua consciência é um pico solitário e esta é a beleza; não há nada
a temer. Imagine o Everest no meio de uma multidão de Everests — toda a sua beleza estaria perdida. O Everest é belo e desafiador porque é único, porque é um pico solitário. Um homem religioso é como o
Everest: um pico solitário, único, que vive e desfruta disso.
Isto não significa que ele não se movimente na sociedade. Não significa que ele não ame. Pelo contrário, só então ele pode amar, só então ele pode movimentar-se na sociedade porque só então ele é. Você
não é — então, como pode amar? O religioso pode amar porque seu amor não é como uma droga que entorpece. Ele não se perde. Pode distribuir, pode dar-se completamente e mesmo assim permanecer íntegro. Ele
pode dar-se e ainda assim não estar perdido porque sua consciência permanece no pico mais interno. E aí, nesse santuário, ele permanece só; ninguém entra, ninguém pode entrar aí.
No mais profundo centro do seu ser, você é só — existe a pureza da solidão, — a beleza da solidão...
Mas você sente medo. Por ter vivido na sociedade — por ter nascido nela, por ter sido trazido para ela — esqueceu-se completamente de que também pode ser só. Assim, mover-se por alguns dias dentro da solidão,
simplesmente sentir sua solidão, é belo. Depois vá ao mercado, mas leve sua solidão com você. Não se perca. Permaneça consciente e alerta.
Movimente-se na sociedade, caminhe no meio da multidão. Mas esteja só. Se quiser, poderá estar só no meio de uma grande multidão. Mas se quiser, poderá também estar no meio de uma grande multidão mesmo
estando só. Poderá ir para o Himalaia, ficar lá sentado, e pensar no mercado — você estará no meio da multidão.
Certa vez, Junnaid veio sozinho procurar por seu Mestre que se encontrava sentado no templo. Ao entrar no tempo, o Mestre lhe disse:
"Junnaid, venha só! Não traga a multidão com você" Junnaid é claro, olhou para trás porque achou que devia ter mais alguém junto com ele. Mas não havia ninguém. O Mestre riu e disse:
"Não olhe para trás, olhe para dentro".
Junnaid fechou os olhos e viu que o Mestre estava certo. Ele havia deixado sua esposa, mas sua mente estava presa nela; havia deixado seus filhos, mas a imagem deles ainda estava presente; e os amigos
que tinham vindo despedir-se dele ainda permaneciam em sua mente. O Mestre lhe disse:
"Saia e volte só. Como é que eu posso conversar com toda essa multidão?"
Junnaid teve de esperar fora do templo durante um ano para estar livre "dessa multidão". Depois de um ano, o Mestre o chamou:
"Agora você está pronto, Junnaid. Entre. Agora você está só e o diálogo é possível".
Você pode carregar a multidão: mas pode também estar na multidão e mesmo assim estar só. Tente isto: na próxima vez que estiver no meio de uma grande multidão, numa grande loja ou supermercado, sinta-se
só — você é só; por isso não haverá problema, você conseguirá sentirse assim. E se você conseguir, tornar-se-á um solitário. Jesus disse que veio para torná-lo solitário, para que fique só.
"Eu lhes darei o que os olhos não viram, o que os ouvidos não ouviram, o que as mãos não tocaram e o que não surgiu no coração do homem":
Seus olhos podem ver tudo o que está fora, mas não o que está dentro, não há como. Seus ouvidos podem ouvir o que está fora, mas não o que está dentro, é impossível. Eles são externos. Todos os sentidos
são externos. Não existe nenhum que seja interno. Por isso, quando todos os sentidos param de funcionar, de repente, você está voltado para o interior. Não existe nenhum sentido que esteja voltado para
o interior.
Jesus disse: "Eu lhes darei o que os olhos não viram — mas antes, torne-se um solitário". E é isso que significa ser sannyasin: um solitário. Antes, torne-se um sannyasin, compreenda que é só — seja conforme
essa solidão. Não tenha medo. Em vez disso, desfrute-a, veja o quanto é belo o silêncio, a pureza e a inocência. Aí não existe mácula porque ninguém penetrou nesse
santuário. Ele é eternamente puro, é virgem, ninguém este aí.
Sua virgindade está oculta em seu ser. Torne-se um sannyasin, um solitário. Jesus disse: "Eu lhes darei o que os olhos não viram...". Quando você se torna solitário, um só, de repente, compreende o que
nenhum olho pode ver, o que nenhum ouvido pode ouvir e o que nenhuma mão pode tocar. Quem pode tocar o Eu? Você pode tocar o corpo mas não o Eu. A mão não pode entrar na sua consciência — não existe como.
A última frase é a mais bela já proferida por uma pessoa nesta terra:
"... e o que não surgiu no coração do homem."
Porque a alma está além até mesmo do coração. É claro que o coração é algo profundo. Mas em relação à alma, ele, exterior está na superfície, também é exterior, não é interior. As mãos estão no exterior,
os olhos estão no exterior, o coração também está no exterior, na periferia. O centro mais interior do ser não é nem mesmo o coração. A fome surge no seu corpo, o amor surge no seu coração — mas não a
prece. A prece é ainda mais profunda, mais profunda que o coração.
A fome é uma necessidade física; o amor é uma necessidade do coração; Deus é uma necessidade do Além, não é nem mesmo do coração. A mente deve ser transcendida e o coração também. É preciso transcender
toda a periferia para que apenas o centro permaneça.
E o que não surgiu no coração do homem? Deus não surgiu no coração do homem. A ciência surge na mente, assim como a filosofia. No coração, a arte, a poesia — mas não a religião. A religião surge de uma
camada mais profunda, da mais profunda, além da qual não há nenhuma meta; surge do seu próprio centro que não é nem mesmo o coração.
"Eu lhes darei... o que não surgiu no coração do homem".
Mas o que está além, muito além. O que você não pode tocar, nem ver nem ouvir e nem mesmo sentir. Aqui, Jesus transcende até os místicos do coração.
Existem três tipos de místicos: primeiro, os místicos da mente que falam em termos de teologia, de filosofia, que possuem provas para Deus. Mas não existe absolutamente nenhuma prova ou tudo é uma prova.
Não existe nenhuma necessidade de se provar e você não é absolutamente capaz disso porque todas as provas podem ser refutadas, podem ser provadas ao contrário. Depois, existem os místicos do coração: falam
do amor, do Bem-Amado, do Divino, de Krishna; falam por música ou por poesia — são românticos. A busca desses homens é mais profunda do que a daqueles que procuram através da mente, mas ainda não chegaram
ao centro.
Jesus disse: "Eu lhes darei algo que não surgiu nem mesmo no coração, algo que nenhuma teologia consegue alcançar e nenhuma poesia chega a vislumbrar. Algo que nem a lógica, nem
o amor podem tocar — eu lhes darei o que não surgiu no coração do homem".
Está é a mais profunda, é a mais recôndita possibilidade — e Jesus a abre. Mas os cristãos a perderam. Começaram a inventar teorias em torno disso, fizeram disso um passatempo mental — não apenas um passatempo
do coração, mas mental. Os cristãos produziram grandes teólogos. Veja Thomás de Aquino e sua Suma Teológica: centenas de volumes sobre teologia. Mas eles perderam porque Jesus não está na mente. E por
causa desses teólogos intelectuais, os místicos que confiavam no coração, que estavam um pouco mais além, foram banidos da Igreja. Eckhart e Francisco foram banidos. Foram considerados tolos, ou quase
loucos, ou mesmo hereges — porque falaram do coração, falaram do amor.
Mas tanto os teólogos como os místicos do coração perderam Jesus — porque ele não pode ser compreendido nem pela mente nem pelo coração — Jesus não pode ser compreendido por coisa alguma. Ele simplesmente
fala através de todos os sentidos, através de tudo o que é externo e chega ao âmago onde apenas você está, onde apenas seu ser pulsa, onde apenas a Existência está presente. Você pode alcançar esse ponto
e, se alcançar, todos os mistérios lhe serão revelados, todas as portas lhe serão abertas. Mas, mesmo estando diante da porta, você não pode entrar. Se você se orientar pela mente permanecerá diante da
porta teorizando ou então poderá também permanecer diante dela fazendo poesias — falando em rimas e cantando.
Ouvir contar que Mulla Nasrudin foi ao psiquiatra e disse:
"Eu estou muito confuso, faça alguma coisa. Minha vida está impossível! Tenho tido um sonho que se repete todas as noites. Sonho que estou diante de uma porta tentando empurrá-la o tempo todo. Existe algo
escrito na porta, um sinal, e eu continuo empurrando. Todas as noites eu acordo transpirando e a porta nunca se abre".
O psiquiatra começou a anotar tudo o que ele dizia. Depois de ouvir durante meia hora, perguntou:
"Agora diga-me, Nasrudin, o que está escrito nessa porta, que sinal é esse?"
Nasrudin respondeu:
"Está escrito: Puxe!"
Se na porta está escrito "Puxe", não continue empurrando. Caso contrário, terá um sonho repetitivo, empurrará eternamente! Não existe nenhum problema. Simplesmente veja o que está escrito na porta. E Jesus
disse que mente e coração não estão escritos na porta mas sim algo que está além de ambos.
Assim, faça uma coisa: vá além. Não seja vítima da lógica do intelecto; nem se torne vítima das emoções, dos sentimentalismos. A mente está no corpo e o coração também — esteja além dos dois. O que está
além? Apenas a existência, simplesmente você.
Ser está além de qualquer atributo. Esse simples "ser" é dhyan, é meditação — e isto está escrito na porta.
Quando você simplesmente é, de repente, a porta se abre. Quando nenhuma emoção, nenhum pensamento, nenhuma nuvem estiver ao seu redor, quando nenhuma fumaça estiver ao redor da chama — apenas a chama —
você já entrou!
"... e o que não surgiu no coração do homem" ...eu lhe darei.
TERCEIRO DISCURSO
23 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus disse:
Tomei minha posição no meio do mundo
Tornei-me homem e apareci diante deles.
Encontrei-os todos bêbados E nenhum estava com sede. Minha Alma afligiu-se pelos filhos dos homens porque seus corações estão cegos e não podem ver que vazios vieram ao mundo e vazios procuram sair dele
novamente.
Mas agora eles estão bêbados.
Quando tiverem se livrado de seus vinhos então se arrependerão.
Jesus disse:
Se a carne veio à existência
por causa do espírito,
é uma maravilha;
mas se o espírito veio à existência
por causa do corpo, é a maravilha das maravilhas. E eu me maravilho de como essa grande riqueza fez seu lar em tão grande pobreza.
Jesus, Buda ou qualquer outra pessoa desperta encontrará todos vocês embriagados. A embriaguez pode ser de muitos tipos, mas está sempre presente. Você não está alerta, não está acordado, apenas pensa
que está — seu sono continua do nascimento até a morte.
Gurdjieff costumava contar uma pequena estória: era uma vez um homem que possuía milhares de ovelhas e tinha sempre problemas, porque elas podiam se extraviar e serem vítimas de animais selvagens. Então
ele consultou um sábio. Este lhe sugeriu que tivesse cães de guarda. Assim, o homem adquiriu centenas de cães para tomar conta das ovelhas. Eles não permitiam que as ovelhas se extraviassem e quando alguma
tentava fugir eles a matavam.
Aos poucos, os cães foram se acostumando a matar e começaram a assassinar as ovelhas — tornaram-se perigosos. Então, outra vez o homem procurou pelo sábio e lhe disse: "Eles se
tornaram perigosos, os protetores tornaram-se assassinos."
Isso sempre acontece — basta ver os políticos: eles são os protetores, os cães de guarda, mas, uma vez no poder, começam a matar.
O sábio disse: "Então só existe um jeito; irei até lá." Ele foi, hipnotizou todas as ovelhas e lhes disse: "Vocês estão acordadas, alertas, completamente livres. Não são propriedade de ninguém." As ovelhas
permaneceram nesse estado hipnótico e nunca mais fugiram. Elas não podiam escapar porque não estavam em nenhuma prisão e acreditavam serem donas, senhoras de si mesmas. Quando uma delas era morta pelo
dono, as outras pensavam: "Esse é o destino dela, não o meu. Ninguém pode me matar. Eu tenho um ser imortal, sou totalmente livre, não preciso fugir." Deste modo não houve mais necessidade de cães de guarda
e o dono pôde se tranqüilizar porque as ovelhas estavam hipnotizadas.
Elas viviam semi-adormecidas, e esse é o estado em que você se encontra — no qual Jesus o encontrou, no qual eu o encontro. Mas ninguém o hipnotizou — isto é uma auto-hipnose: você é tanto o sábio que
hipnotizou as ovelhas, como a ovelha que foi hipnotizada — você se autohipnotizou.
Existe um método de auto-hipnose: se você tiver continuamente um único pensamento, será hipnotizado por ele; se olhar continuamente para uma só coisa, será hipnotizado por ela. Se insistir continuamente
numa só coisa, será hipnotizado por ela.
Certa vez um poeta francês foi aos Estados Unidos. Estava passeando por Nova Iorque e o guia o levou ao Empire States Building, o poeta parecia atônito. Olhou muitas vezes para o edifício e disse: "Isso
me lembra sexo."
O guia ficou intrigado. Já tinha visto as mais diferentes reações, mas essa era totalmente nova. Jamais alguém havia comentado, olhando para o Empire State Building, que ele lembrava sexo. Então, perguntou
ao poeta: "Se você não se ofende, por favor, diga-me por que ele lhe lembra sexo?"
O francês respondeu: "Todo ele!" (me lembra sexo).
Se você pensar em sexo continuamente, tornar-se-á hipnotizado — então tudo será sexual para você. Mesmo que vá a um templo ele lhe lembrará sexo. A questão não é aonde você vai, porque sua mente estará
sempre presente e ela cria um mundo à sua volta. Uma pessoa está hipnotizada pelo sexo, outra pela riqueza, outra pelo poder — mas todas estão hipnotizadas. E ninguém o hipnotizou; você é que fez isso
por si mesmo; é trabalho seu.
Você tem feito isso há tanto tempo, que se esqueceu completamente de que é o sábio e a ovelha. Uma vez que um homem descobre: "Eu sou o sábio e a ovelha", então as coisas começam a mudar, porque a primeira
centelha de transformação aconteceu. Agora você não poderá nunca mais ser o mesmo de antes, porque a hipnose começou a se quebrar. Aconteceu uma ruptura — algo da consciência o penetrou.
Você pode ter diferentes objetos de hipnose — descubra qual é o principal objeto da sua hipnose, o que mais o atrai, aquele que se tornou o ponto focal do seu ser. Olhe, então para ele e veja como você
foi hipnotizado por ele.
A técnica da hipnose é a repetição: olhar ou pensar continuamente em alguma coisa. Se você for a um hipnotizador, ele dirá: "Você está adormecendo, adormecendo, adormecendo..." E continuará repetindo a
mesma coisa em voz monótona. Logo você estará dormindo profundamente. Ele não fará mais que repetir continuamente a mesma coisa. Ouvindo a mesma coisa repetida e repetida, você adormecerá. Você terá hipnotizado
a si mesmo.
Lembre-se disso, porque é isso que você faz continuamente, a sociedade também. Todo o mecanismo de propaganda consiste na repetição. Os políticos repetem sempre determinadas coisas. Ficam repetindo e nem
se preocupam se os outros estão ou não escutando. Escutar não é o que importa, porque apenas com a repetição, aos poucos você se convencerá, será persuadido. Não pela lógica, nunca racionalmente — eles
nunca argumentam com você — mas apenas pela repetição você será hipnotizado.
Hitler repetiu continuamente: "Os judeus são a razão da miséria e do declínio da Alemanha. Se eles
forem destruídos, não haverá mais problemas. Vocês são os senhores do mundo, são a raça especial; vieram ao mundo para dominar — são a Raça Superior." No começo, nem seus amigos acreditavam nisso. Assim
como ele também não acreditava, porque era uma mentira evidente.
Mas, depois de investir tanto, aos poucos, o povo começou a acreditar — estava hipnotizado. E quando outras pessoas ficaram hipnotizadas, Hitler também ficou hipnotizado pelo pensamento de que deveria
haver alguma verdade no que dizia: "Quando milhões de pessoas acreditam numa mesma coisa deve haver alguma verdade nela". Então seus amigos começaram a acreditar e isso tomou-se uma hipnose recíproca;
toda a Alemanha entrou nela.
E uma das raças mais inteligentes comportou-se de um modo tão idiota. Por quê? O que aconteceu à mente alemã? Apenas repetição, propaganda. Hitler escreveu em sua autobiografia, "Mein Kampf", que existe
um processo simples de transformar uma mentira em verdade — é só repetí-la continuamente — e ele sabia disso por experiência própria. Ao repetir continuamente uma determinada coisa, como por exemplo fumar,
fumar diariamente, isso se toma uma hipnose. Então, mesmo sabendo que é uma coisa inútil, fútil, tola, perigosa à saúde, nada pode ser feito, porque já se tornou uma auto-hipnose.
A mulher de Mulla Nasrudin estava lendo um artigo contra fumo. Os especialistas haviam chegado à uma conclusão de que o câncer, a tuberculose e outras doenças podem ser provocadas pelo fumo. Nasrudin ouviu
e disse: "Pare com essa insensatez! É tudo besteira, e eu lhe digo: pretendo continuar fumando até morrer!"
A mulher, desanimada, disse: "Está bem, faça como quiser. Mas o que o faz pensar que se morrer vai parar de fumar?"
Na realidade, quando você está sob hipnose, ela não cessa nunca. A morte não faz muita diferença: na próxima encarnação recomeçará novamente da mesma forma, porque a vida seguinte começa de onde a última
parou; é uma continuidade. Quando uma criança nasce, não é realmente criança, é muito, muito mais velha; é muito antiga. Ela traz consigo todos os seus karmas anteriores, todos os Samskaras e condicionamentos.
Começa como um homem velho — já tem suas hipnoses. É isso que os Hindus chamam de samskaras, karmas, que são karmas? Qual é o significado profundo da teoria do karma? Karma é um método de auto-hipnose.
Se você repetir uma ação continuamente, tornar-se-á hipnotizado por ela. Então o karma, a ação, será o senhor e você apenas um escravo.
O que você ganhou através do sexo? Ganhou alguma coisa? Ou ele é apenas uma repetição? Você o tem repetido há tanto tempo, que se parar agora sentirá que você está perdendo alguma coisa. E, se continuar,
sentirá que nada ganhou. Se nada se ganha pela continuação, nada se perde com a paralisação. Então, por que você sente que se parar estará perdendo algo? É apenas o velho hábito, um samskara, um condicionamento,
um karma. Você o tem repetido tantas vezes, que se tornou um hipnotizado por ele. Agora tem de repetí-lo, tornou-se uma obsessão, é compulsivo.
Observe uma pessoa que come sem parar: ela sabe que isso é mau, sofre com isso, está continuamente doente; mas, mesmo assim, senta para comer e não consegue fazer nada, é compulsivo. Por que é uma compulsão?
Porque ela fez isso por tanto tempo, que se tornou hipnotizada. Está embriagada.
Uma noite, Mulla Nasrudin chegou em casa muito tarde, devia ser três horas da madrugada. Bateu na porta. Sua mulher estava zangada, mas Mulla disse: "Espere! Antes me dê um minuto para explicar, depois
você começa. Eu estava com um amigo muito doente".
Sua mulher disse: "Essa é boa — mas diga-me o nome desse seu amigo".
Mulla Nasrudin, pensou, e então disse triunfante: "Ele estava tão doente que nem pôde me dizer o nome!"
A mente, se está embriagada, pode encontrar desculpas, mas todas são falsas como essa: "Meu amigo estava tão doente, que não pôde me dizer seu nome". Você encontrará desculpas para o sexo, para o cigarro,
para a sua cobiça de poder, mas todas elas são falsas. A realidade é que você não está pronto para reconhecer que essas coisas se tornaram compulsivas, que está obcecado, hipnotizado.
Foi isso que Jesus encontrou: todo mundo embriagado e profundamente adormecido. Você não pode perceber isso, porque você mesmo está adormecido. A menos que acorde, não pode se tornar consciente do que
está acontecendo a sua volta. O mundo todo se move em sonambulismo. É por isso que existe tanta miséria, tanta violência, tanta guerra. São
desnecessárias, mas tem de ser assim, porque as pessoas estão adormecidas, embriagadas: não podem ser responsáveis por nada. Se alguém perguntar a Jesus o que deve fazer para mudar esse estado de coisas,
ele dirá: "Você não pode fazer nada, a menos que se torne consciente". O que você pode fazer? O que pode fazer um homem — que dorme profundamente — para mudar seus sonhos?
As pessoas traziam o mesmo tipo de perguntas a Gurdjieff — e Gurdjieff é o maior representante de Jesus nesta época, não o Papa do Vaticano. Ele é o mais representativo, porque acreditava e utilizava os
mesmos métodos de fricção que Jesus empregou. Criou muitos tipos de cruzes para as pessoas se crucificarem e serem transformadas. Gurdjieff costumava dizer também que você não pode fazer nada a menos que
SEJA. Se você não está acordado, não está presente, apenas crê que está. Essa crença não o ajuda em nada.
Agora veja essas palavras. São todas muito altas, superiores, muito significativas e podem tornar-se uma luz no seu caminho. Lembre-se delas!
"Jesus disse: Tomei minha posição no meio do mundo; tornei-me Homem e apareci diante deles. Encontrei-os todos bêbados; e nenhum estava com sede". Jesus nunca renunciou ao mundo, permaneceu no meio de
todos nós. Ele não era um escapista: andou pelos mercados, conviveu no meio da multidão. Conversou com prostitutas, trabalhadores, lavradores e pescadores. Ele não abandonou o mundo, ficou aqui, no meio
de vocês. Conheceu o mundo melhor que qualquer pessoa que fugiu dele.
Não é de surpreender que a mensagem de Cristo tenha se tornado tão poderosa. A mensagem de Mahavir nunca se tornou tão poderosa, mas Jesus converteu quase metade do Mundo. Por que? Porque ele permaneceu
no mundo, entendeu o mundo — seus caminhos, o povo, a mente. Ele andou com homens, percebeu como agiam — adormecidos, embriagados — e começou a buscar meios para despertálos.
Na última noite, quando Jesus foi preso, — ou se deixou prender — quando o ultimo ato do drama estava sendo encenado, um discípulo estava com ele. Jesus lhe disse: "Esta é minha última noite; entrarei
em profunda oração. Tenho de orar e você deve ficar vigiando. Não durma! Eu voltarei para ver — lembrese, esta é minha última noite!"
Jesus saiu e voltou depois de meia hora. O discípulo dormia profundamente. Ele o despertou e disse: "Você está dormindo e eu lhe disse para vigiar, porque está é minha última noite. Esteja alerta porque
eu não voltarei aqui outra vez! Depois poderá dormir para sempre, se quiser. Mas enquanto eu estiver aqui, ao menos na minha ultima noite, esteja alerta!" O discípulo disse: "Desculpe-me! Senti tanto sono
que não resisti. Mas agora tentarei ficar acordado."
Jesus entrou novamente em oração. Meia hora depois estava de volta e o discípulo dormia profundamente. Novamente o despertou e disse: "O que faz você? A manhã já está próxima e eu serei preso!" O discípulo
respondeu: Desculpe-me, perdoe-me, a carne é tão forte e a minha vontade tão fraca, o corpo pesava tanto, que eu pensei: "O que há de errado em dormir um pouco?" Quando você voltasse eu já estaria acordado
novamente."
Por três vezes Jesus voltou e o discípulo dormia. Essa é a situação de todos os discípulos. Muitas vezes eu tenho vindo a vocês e os encontro a todos adormecidos. Sempre que venho eu os encontro profundamente
adormecidos. O sono tornou-se a segunda natureza. O que significa essa sonolência? Significa que você não têm consciência de quem é — então todas as suas ações são irresponsáveis. Você está louco e tudo
o que faz, faz como um bêbado.
Mulla Nasrudin foi apanhado beijando uma mulher, uma estranha, no meio da rua. Foi preso e levado a julgamento. Quando saiu da corte, disse a um amigo: "Não foi nada fácil: primeiro, o juiz me multou em
cinquenta rúpias pelo beijo — e depois que olhou para a mulher, multou-me em mais cinqüenta por estar bêbado! Isto porque a mulher quase não era uma mulher — era tão feia que ninguém poderia beijá-la,
a menos que estivesse bêbado!"
Vocês tem beijado as coisas mais feias possíveis. E isso só acontece, porque está bêbado e adormecido. Alguma vez já pensou nas coisas que o atraem? Como são feias! Você pode encontrar algo pior que o
poder? Pode achar um homem pior que Hitler, Napoleão ou Alexandre? Mas você também ambiciona o poder; bem no fundo, gostaria de ser um deles: ter sucesso no mundo, ser poderoso na terra. Mas existe alguém
mais feio que eles?
O poder é a coisa mais feia que existe mas é o que todos ambicionam: dominar. Existe algo pior que a riqueza? Ela tem que ser feia, não pode ser bela, porque depende da exploração. Nela existe sangue,
existe morte, porque só depois de muitos serem privados de suas vidas é que a sua conta bancária pode crescer. Não, se pode encontrar nada mais feio que a riqueza: mas, no fundo, todas as pessoas a estão
buscando.
Quando chegar o Dia do Juízo Final, primeiro você será multado em cinqüenta rúpias e quando Deus olhar as coisas que você tem beijado, será multado em mais cinqüenta. Verá que tem vivido embriagado, se
não isso não seria possível.
Jesus disse: "Tomei minha posição no meio do mundo, tornei-me Homem e apareci diante deles."
Ele não era um espírito. Muitos mestres continuam nos visitando freqüentemente, em espírito. Buda ainda bate à sua porta, mas em espírito. Entretanto, se você não consegue ver uma pessoa que esta encarnada,
como pode reconhecer Buda? Neste século, quando Helena P. Blavatsky descobriu — ou redescobriu — a existência de Mestres em espírito que continuam trabalhando e auxiliando as pessoas que estão em busca
de religião, ninguém acreditou nela. Achavam que estava enlouquecendo e diziam: "Queremos provas — onde estão esses mestres?" Um dos maiores sucessos da Teosofia foi a redescoberta dos Mestres porque nenhuma
pessoa que se Ilumina deixa o mundo; não existe para onde ir. Esta é a única existência que há. Então ela permanece, mas sem corpo, o seu Ser continua agindo, auxiliando, porque essa é á sua natureza.
E como a luz: existe e está sempre iluminando tudo o que se encontra ao seu redor: Mesmo que um caminho esteja abandonado e ninguém passe por ele, a luz continua iluminando, porque
esta é a sua natureza. Se alguém vier por esse caminho, ela estará presente e o guiará; não que ela tenha que fazer isso — é apenas sua natureza. Sempre que um ser se ilumina, torna-se um guia. Mas você
não pode reconhecer um guia em espírito se não consegue reconhecer um guia encarnado. Jesus diz: "Tornei-me Homem e apareci diante deles — eu estava encarnado, eles podiam me ver, podiam me ouvir, podiam
me sentir, mas não o fizeram. Não o fizeram porque estavam todos bêbados. Na realidade, eles não estavam presentes, não tinham consciência. Bati em suas portas, mas não os encontrei em casa". Se Jesus
chegar e bater na sua porta, você estará presente para recebê-lo? Estará em qualquer outro lugar, pois nunca está em casa. Pode ser encontrado em qualquer lugar do mundo, menos na sua casa. Onde é a sua
casa? Dentro de você, onde está o centro da consciência, aí é a sua casa. Mas você só está em casa quando entra em profunda meditação, pode reconhecer Jesus imediatamente — o fato de ele estar encarnado
ou desencarnado, não faz diferença. Se estiver em casa, reconhecerá a batida. Mas, se não estiver, o que se poderá fazer? Jesus baterá e você não estará lá para recebê-lo. Esse é o significado da palavra
"embriagado": não estar em casa.
Na realidade, sempre que você quer se esquecer de si mesmo, toma álcool ou drogas. A bebida significa esquecimento e a religião em seu todo consiste na recordação. É por isso que todas as religiões investem
contra a bebida. Não que ela tenha em si alguma coisa errada; se você não estiver trilhando o caminho religioso, não há nada de errado nela. Mas se você está neste caminho, então não pode existir nada
mais errado, porque este caminho consiste na recordação de si mesmo — e a bebida é o esquecimento.
Mas por que você quer se esquecer de si mesmo? Por que anda tão aborrecido consigo mesmo? Por que você não pode estar alerta e tranqüilo? Qual é o problema? O problema é este: sempre que você está alerta,
só, sente-se vazio; sente-se como se não fosse ninguém. Sente um nada dentro de si e esse nada se torna um abismo. Você se assusta e começa a fugir dele.
Bem no fundo, você é um abismo, e é por isso que continua fugindo. Buda chamou esse abismo de "não-eu", Anatta. Não há ninguém dentro. Quando você olha, vê uma vasta extensão, mas não há ninguém — apenas
um céu interior, um abismo infinito, sem fim, sem começo. No momento em que o vê fica atordoado, começa a correr, foge imediatamente. Mas para onde poderá fugir? Onde quer que você vá, esse vazio o acompanhará,
porque ele é você. É o seu Tao, a sua natureza. Você tem de encará-lo.
Meditar nada mais é que encontrar-se com o seu vazio interior: reconhecendo-o, não escapando, vivendo através dele, não escapando, sendo através dele, não escapando. Então, de repente, o vazio tornase
a plenitude da vida. Quando você não foge, ele é a coisa mais bela, a mais pura, porque só o vazio pode ser puro. Se algo existe dentro dele, é por que ele foi maculado; se existe qualquer coisa nele,
então a morte entrou; se algo existe lá, então a limitação entrou. Se há alguma coisa nele, então Deus não pode estar. Deus significa o grande abismo, o supremo abismo. O abismo está presente, mas você
nunca é treinado para olhar para dentro dele.
É exatamente como ir às montanhas e olhar para o vale: você fica atordoado. Então não quer olhar, porque um medo o invade — você pode cair. Mas nenhuma montanha é tão alta e nenhum vale é tão profundo
quanto o vale que existe no seu interior. Sempre que você olhar para dentro, sente uma tontura, uma náusea — e imediatamente foge, fecha os olhos e começa a correr. Você tem corrido por milhões de vidas,
mas não chegou a lugar nenhum, porque não pode.
É preciso encontrar-se com o vazio interior. Quando você mergulha nele, repentinamente o vazio muda sua natureza — torna-se o Todo. Então não é mais vazio, não é mais negativo; é a coisa mais positiva
da existência. A aceitação é a porta.
É por isso que o álcool atrai a tantas pessoas — o LSD, a maconha, as drogas. E existem muitos tipos de drogas: físicas, químicas, mentais.
A riqueza, o poder, a política — tudo são drogas.
Observe um político: está drogado, embriagado pelo poder; não caminha sobre a terra. Observe um homem rico: você pensa que ele caminha sobre a terra? Não, seus pés nunca tocam a terra, ele está muito acima,
ele é rico. Só os homens pobres caminham sobre a terra, só os mendigos; os ricos voam pelo céu. Quando você se enamora, de repente, sente-se no céu; de repente deixa de ter os pés na terra — um romance
começou. Toda a qualidade do seu ser se modifica, porque agora você está embriagado. O sexo é o álcool mais forte que a natureza lhe deu.
Jesus disse: "Eu os encontrei todos bêbados; e nenhum estava com sede".
Isso deve ser entendido, é um ponto muito delicado: quando você está embriagado por este mundo, não pode ter sede de outro. Quando se embriaga com álcool ordinário, com vinho ordinário, não pode ter sede
do Vinho Divino — é impossível!
Quando um homem não está embriagado por este mundo, a sede surge. E essa sede não pode ser satisfeita por nada que pertença a este mundo; só o Desconhecido pode satisfazê-la, só o Invisível pode satisfazê-la.
Então Jesus diz uma coisa muito contraditória: "Eu os encontrei todos bêbados e nenhum estava com sede". Ninguém sentia sede, por que eles pensavam que já tinham encontrado a chave, o Tesouro, o Reino.
Então não havia mais o que procurar.
Deus é uma embriaguês de outro tipo. Kabir disse: "Aisi tacilagi — eu caí em tal embriaguês que agora nada pode perturbá-la; ela é eterna". Pergunte a Omar Khayyam, ele conhece, ele fala do Vinho do outro
mundo. E Fitzgerald equivocou-se totalmente, porque Omar não está falando do vinho que você consegue aqui; está falando do Vinho Divino, que é o símbolo Sufi para deus. Quando Você se embriaga com Deus,
então já não há mais sede.
Mas este mundo e seus vinhos podem lhe dar apenas um descanso temporário, intervalos
temporários de esquecimento. E a diferença é diametral: quando uma pessoa se embriaga com o vinho de Deus, fica totalmente alerta, consciente, completamente desperta; quando alguém se embriaga com este
mundo e seus vinhos, fica hipnotizado, dormindo, movimenta-se sonolentamente, vive num sono — toda sua vida é um longo sonho.
"Eu os encontrei todos bêbados; e nenhum estava com sede. E minha alma afligiu-se pelos filhos dos homens, porque seus corações estão cegos e não podem ver que vazios vieram ao mundo e vazios procuram
sair dele novamente".
"E minha alma afligiu-se..." — Você não pode entender o sofrimento que acontece a um Jesus ou a um Buda quando olham para você, embriagado por este mundo e sem nenhuma sede pelo Divino, pela Verdade; vivendo
em mentiras e acreditando nelas como se fossem verdades — perdendo-se por nada, perdendo tudo por nada. Então acontece que as menores coisas podem transformar-se em barreiras.
Certo homens estava muito doente. A doença era tão grave que ele sentia continuamente os olhos estourando e os ouvidos tinindo — o tempo todo. Aos poucos ele foi enlouquecendo, porque isso acontecia vinte
e quatro horas por dia. Ele não podia dormir, não podia trabalhar; então foi consultar os médicos.
Um médico lhe disse: "Remova o apêndice" — e o apêndice foi removido mas nada aconteceu. Outro sugeriu: "Extraia todos os dentes", e todos os dentes foram extraídos. Nada aconteceu; o homem simplesmente
ficou mais velho. Então alguém sugeriu que suas amídalas fossem removidas (há milhões de pessoas que querem sugerir coisas e, se você lhes der ouvidos, acabarão matando-o). Suas amídalas foram removidas
e tudo continuou como antes. Então ele consultou o médico mais famoso, o mais conhecido.
O doutor deu o seguinte diagnóstico: "Não se pode fazer nada, porque a causa não pode ser encontrada. Você viverá no máximo mais seis meses. Preciso ser franco com você, porque tudo o que podia ser feito
já se fez. Não há mais nada a fazer."
O homem saiu do consultório e pensou: "Se eu só tenho seis meses de vida, então por que não vivêlos bem?" Ele era um miserável, nunca tinha vivido; então comprou o carro mais caro e mais moderno, a casa
mais bonita, encomendou trinta ternos e mandou fazer camisas novas sob medida.
Foi ao alfaiate tirar suas medidas e este lhe disse: "Trinta e seis de punho e dezesseis de colarinho".
O homem disse: "Não, quinze, eu sempre usei quinze". O alfaiate mediu outra vez e disse:
"Dezesseis!"
O homem disse: "Mas eu sempre usei quinze."
O alfaiate disse: "Está bem, seja como você quiser, mas eu lhe digo: você ficará com os olhos
estourando e os ouvidos tinindo". — essa era a razão de toda a sua doença!
Você não está perdendo o Divino por grandes causas. Não! Apenas um colarinho quinze — e os olhos não podem ver, porque estão estourando; os ouvidos não podem ouvir, porque estão tinindo. A causa da doença
do homem é simples, ele se viciou em coisas pequenas.
As coisas deste mundo são muito pequenas. Mesmo que você tenha um reino o que é isso? Uma coisa muito pequena. Onde estão os reinos que existiram na História? Onde está a Babilônia? Onde a Assíria? Onde
o reino dos faraós? Todos desapareceram, são apenas ruínas — e esses reinos eram grandes. Mas o que foi que eles conseguiram? O que Gengis Khan conseguiu? O que Alexandre conseguiu? Todos esses reinos
são apenas coisas triviais.
E você não sabe o que está perdendo — está perdendo o Reino de Deus. Mesmo que você obtenha sucesso, o que conseguirá através dele? Observe as pessoas de sucesso: o que elas alcançaram? Elas também estão
em busca da paz mental — mais do que você. Também temem a morte, assim como você.
Se observar todos os momentos de uma pessoa bem sucedida, descobrirá que esses "deuses" também têm pés de barro. A morte os pegará. E todo o sucesso ruirá, toda a fama irá desaparecer. Todas as coisas
parecerão um pesadelo: tanto esforço, tanta miséria, tanta privação — e tudo perdido. No final, a morte chega e tudo desaparece como bolha de sabão. E por causa dessa bolha o eterno é perdido.
"E minha alma afligiu-se pelos filhos dos homens, porque seus corações estio cegos e eles rido, vêem que vazios vieram ao mundo e vazios procuram sair dele novamente".
Vazios vocês vieram, mas não exatamente vazios: cheios de desejos. Vazios sairão, mas não exatamente vazios: novamente cheios de desejos. Mas desejos são sonhos; e você permanece vazio. Os desejos nada
têm de substancial em si. Você nasce vazio, move-se pelo mundo e acumula coisas apenas por achar que essas coisas irão preenchê-lo. Mas permanece vazio. A morte arranca tudo e novamente você vai para o
túmulo — vazio.
Em que ponto chega toda essa vida? Qual o seu significado e qual sua conclusão? O que você adquire através dela? É essa aflição de Jesus ou de Buda ao olhar para os homens. Eles estão cegos, e por que
estão cegos? Onde está essa cegueira? Não que eles não sejam espertos — são muito espertos, mais do que precisam, mais do que podem, mais do que é bom para eles. São excessivamente espertos, ladinos. Pensam
que são sábios. Não que eles não possam ver, eles podem, mas só enxergam as coisas que pertencem a este mundo. Seus corações estão cegos, seus corações não podem ver.
Você pode ver com seu coração? Já viu alguma coisa com seu coração? Muitas vezes, você pensou: "O sol está nascendo e a manhã é linda" E acha que isso vem do coração. Não! Porque sua mente ainda está tagarelando:
"O sol é belo, a manhã é bela" — você está simplesmente repetindo as idéias dos outros. Você já sentiu realmente que a manhã é linda — esta manhã, o fenômeno que está acontecendo aqui? Ou está simplesmente
repetindo palavras?
Você se aproxima de uma flor. Aproxima-se realmente? A flor tocou seu coração? Ela atingiu o mais profundo do seu ser? Ou você apenas olhou para ela e disse: "Ela é bonita, é bela!" Estas são palavras
quase mortas porque não vêm do coração. As palavras nunca vêm do coração. Os sentimentos sim, mas não as palavras. As palavras vêm da mente, os sentimentos vêm do coração. Mas aí você está cego. Por que
está cego no coração? Porque ele o conduz a caminhos perigosos.
Assim, ninguém se permite viver com o coração. Seus pais têm tomado cuidado para que você viva com a mente, não com o coração, porque o coração pode fazer você fracassar neste mundo. Ele faz isso; e, a
menos que você fracasse neste mundo, nunca sentirá sede de outro mundo.
A mente conduz ao sucesso terreno. Ela é ladina, calculista, e manipuladora — e o conduz ao sucesso. Por isso, todas as escolas, todos os colégios, e universidades lhe ensinam como ser mais "intelectual".
As pessoas "intelectuais" conseguem obter medalhas de ouro. Elas são bem sucedidas e podem ter as chaves para entrar neste mundo.
Mas um homem de coração é um fracassado porque não pode explorar. Ele é tão amoroso que não pode explorar. É tão amoroso que não pode ser mesquinho, não pode acumular nada. É tão amoroso que anda distribuindo
tudo; tudo o que ele obtém, dá, ao invés de arrancar das pessoas.
Ele é um fracasso. E é tão verdadeiro que não pode enganá-lo. É sincero, honesto, autêntico; é um estranho neste mundo, onde só as pessoas ladinas podem ser bem sucedidas. É por isso que os pais tomam
cuidado para que o coração da criança torne-se cego, completamente fechado, antes que ela comece a se mover pelo mundo.
Você não pode orar, não pode amar. Ou pode? Você pode orar? Você pode — vá a uma igreja no domingo: as pessoas estarão rezando, mas tudo será falso, porque mesmo suas orações, vêm de suas mentes. Elas
as aprenderam, não vêm do coração. Seus corações estão vazios, mortos, não sentem coisa alguma. As pessoas "amam", casam-se e delas nascem as crianças — não nascem do amor. Tudo é calculado, aritmético.
Você tem medo de amar, porque ninguém sabe até onde o amor poderá conduzí-lo. Ninguém sabe quais são os caminhos do coração; eles são misteriosos. Pela mente, você está no caminho seguro, na auto-estrada;
pelo coração, move-se dentro da selva. Não existem estradas, nenhuma sinalização; é preciso encontrar o caminho por si mesmo.
Com o coração, você é individual, solitário; com a mente, é apenas parte da sociedade. A mente tem sido treinada pela sociedade, é parte dela. Com o coração você se torna um solitário, um marginal. Por
isso, todas as sociedades procuram matar o coração. Jesus diz:
"... porque seus corações estão cegos e não podem ver que vazios vieram ao mundo e vazios procuram sair dele novamente."
Só o coração pode ver o quanto você está vazio! O que ganhou? Que maturidade, que crescimento atingiu? A que êxtase chegou? — nenhuma bênção ainda. Todo o seu passado tem sido uma coisa apodrecida. E você
tentará no futuro repetir o passado. O que mais pode fazer? É essa aflição de Jesus ou de Buda: sentir-se miserável por você.
"Mas agora eles estão bêbados. Quando tiverem se livrado de seus vinhos se arrependerão."
Isso diz respeito a VOCÊ. Não pense "neles" — "eles" significa Você: quando sair de sua embriaguês, se arrependerá.
Essa palavra arrependimento tornou-se muita significativa. Todo o cristianismo depende do arrependimento; nenhuma outra religião dependeu tanto do arrependimento. O arrependimento é belo quando vem do
coração, quando compreende que: "Sim, Jesus está certo, nós estamos desperdiçando nossas vidas".
Esse desperdício é o pecado — não o que Adão cometeu — esse desperdício da sua vida, das possibilidades, do potencial, da oportunidade de crescer, de tornar-se semelhante a Deus ou tornar-se deus. Você
perde seu tempo com coisas frívolas, colecionando porcarias inúteis.
Quando você se tornar consciente, se arrependerá. E se esse arrependimento vier do coração, ele o purificará. Nada purifica como o arrependimento. Ele é um dos mais belos bens do cristianismo.
No hinduísmo não existe nenhum mistério sobre o arrependimento. Eles não acharam essa chave. Ela pertence unicamente ao cristianismo. Quando você se arrepende totalmente, de todo o coração, lamenta e chora.
Quando todo o seu ser sente e se arrepende por estar perdendo esta oportunidade dada por Deus, quando você percebe que não tem sido grato, que tem se comportado mal, que tem desrespeitado seu próprio ser...
você sente o pecado. Isto é pecado! —não matar ou roubar, isso não é nada. Esses são pecados menores oriundos desse pecado original: estar embriagado. Quando você se arrepende totalmente, abre seus olhos
e seu coração se enche de arrependimento. Então, um grito, um choro surge de todo o seu ser. Não há necessidade de palavras, não há necessidade de dizer a Deus: "Eu me arrependo, perdoeme." Não há necessidade
de nada, todo o seu ser torna-se um arrependimento. De repente você está redimido de todo o passado.
Essa é uma das chaves mais secretas que Jesus entregou ao mundo. Os Jainas dizem que é preciso muito trabalho para se redimir, que este é um longo processo: tudo o que você fez no passado tem de ser desfeito.
Se cometeu um erro no passado, tem de desfazê-lo. Isso é matemático: se você cometeu um pecado, tem de fazer algo para equilibrá-lo. E os hindus dizem que você cometeu tantos pecados, que é tão ignorante,
praticou tantas ações por ignorância e o passado é tão vasto que não é fácil livrar-se dele. É necessário um árduo trabalho para que o passado seja limpo.
Mas Jesus nos deu uma bela chave. Ele disse: Arrependa-se e todo o passado será limpo!
Parece algo inacreditável. Como isso pode acontecer? Essa é a diferença entre os hindus, budistas, jainas e os cristãos. Os hindus, os budistas e os jainas não acreditam que isso possa acontecer apenas
pelo arrependimento porque não sabem o que ele representa. Jesus descobriu a chave do arrependimento, uma das mais antigas chaves.
Mas compreenda o que é o arrependimento. Dizer apenas palavras não significa nada; arrepender-se apenas com a metade do coração também não significa nada. Quando todo o seu ser se arrepende, quando todo
o seu ser pulsa e você sente em cada poro, em cada fibra, que errou — e errou porque estava embriagado — então se arrepende e nesse momento a transformação acontece. O passado desaparece e a projeção do
futuro pelo passado também desaparece; você é arremessado para o aqui e agora, é arremessado para o seu próprio Ser.
E pela primeira vez sente o nada interior. Ele não é negativamente vazio, é exatamente como um templo muito vasto, como o espaço... Você é perdoado. Jesus diz que você é perdoado no momento em que se arrepende.
Mestre de Jesus foi João Batista. Todo o ensinamento de João Batista foi: "Arrependa-se! Porque o dia do Juízo está próximo!" Isto foi tudo o que ele ensinou. João Batista era um homem muito sábio, um
grande revolucionário, e andou de um canto a outro do país apenas com esta mensagem: "Arrependam-se porque o Juízo Final está muito próximo!"
É por isso que os cristãos abandonam completamente a teoria da reencarnação. Não que Jesus não tivesse consciência da reencarnação — ele sabia, sabia muito bem que existe um ciclo contínuo de renascimentos.
Mas abandonou completamente essa idéia para pregar o arrependimento na sua totalidade.
Se existem muitas vidas, seu arrependimento não pode ser total. Você pode esperar, pode adiar. Pode pensar: "Se eu perder nesta vida, não tem importância, ganharei na próxima". E isso é o que os hindus
têm feito. São as pessoas mais preguiçosas do mundo por causa dessa teoria. E a teoria está certa, esse é o problema; então eles podem sempre adiar, não estão com pressa. Por que ser tão apressado?
É por isso que os hindus nunca estão preocupados com o tempo. Nunca inventaram relógios e, se fosse por eles, o relógio não existiria. Para a mente hindu, o relógio é realmente um elemento estrangeiro;
na casa de um hindu, relógio não tem sentido. O relógio é uma invenção cristã por causa do tempo que em suas mãos. A morte desta vida será a última, você não pode adiar. Essa idéia foi em suas mãos. A
morte desta vida será a última, você não pode adiar. Essa idéia foi criada apenas para evitar o adiamento.
Todo o ensinamento de Jesus e João Batista, o Mestre de Jesus, aquele que o iniciou nos mistérios, baseava-se em: "Arrependa-se! Porque não há mais tempo; não adie nada para mais tarde, porque se não você
não se realizará." Isto tornou tudo mais intenso.
Se, de repente, eu disser: "Este é o último dia, amanhã o mundo irá desaparecer, a bomba H
será lançada. Arrependa-se!" — todo o seu ser ficará focado, centrado, você estará presente aqui e agora. E surgirá um grito, um choro, um grito primal do seu ser. Não será expresso por palavras — será
mais existencial que isso — será do coração. Não apenas seus olhos chorarão, mas seu coração estará repleto de lágrimas, todo o seu ser estará repleto de lágrimas porque você errou.
Se houver esse arrependimento, essa intensidade de tornar-se alerta, todo o passado será lavado. Não há necessidade de desfazê-lo — porque ele nunca foi uma realidade. Foi um sonho, não há porque desfazê-lo
— basta acordar. Com o despertar, todos os sonhos e pesadelos desaparecem. Na realidade eles não existem; são apenas pensamentos.
Não tenha preguiça — você tem adiado por muitas vidas. E pode continuar adiando por muito tempo: o adiamento é uma grande atração para a mente. A mente sempre diz: "Amanhã" — sempre. O amanhã é o esconderijo.
O amanhã é o esconderijo para todos os pecados. A virtude surge no momento presente.
Ouvi contar que existia uma escola, uma escola de missionários cristãos, com alguns alunos nãocristãos, aos quais também era ensinada a Bíblia; suas parábolas, suas estórias — e eles tinham de aprender.
Um dia, o diretor da escola perguntou a um garoto: "Quem foi o primeiro homem e quem foi a primeira mulher?"
A criança respondeu: "Adão e Eva".
O diretor ficou satisfeito e continuou: "A que nacionalidade eles pertenciam?"
O garoto respondeu: "Eram indianos, é claro".
O diretor ficou um pouco perturbado, mas continuou perguntando: "Por que você pensa que eles tinham essa nacionalidade? Por que você pensa que eles eram indianos?"
O menino respondeu: "É fácil! Eles não tinham nada para se abrigar, não usavam roupas, não tinham nada para comer, a não ser uma maçã para ser dividida entre os dois — e mesmo assim achavam que estavam
no Paraíso! Só podiam ser indianos!"
Os indianos estão satisfeitos com qualquer coisa. Não estão preocupados em fazer nada porque pensam: "A vida é tão longa, para que se preocupar? Por que ter pressa? Não há porque correr."
O cristianismo criou intensidade por causa da idéia de que só existe uma vida. E lembre-se bem: no que diz respeito à teoria, os cristãos estão errados e os hindus estão certos. Mas a teoria não é problema
para Jesus. O problema é a mente humana e suas transformações — e, às vezes, a verdade pode ser venenosa; às vezes, a verdade pode fazer de você um ser preguiçoso.
Eu lhe darei um outro exemplo que deve auxiliar: Gurdjieff costumava dizer que você não tem
alma eterna. Você pode alcançá-la, mas não a tem. E se não a alcançar, simplesmente morrerá, nada sobreviverá. Gurdjieff disse que apenas uma pessoa em milhões atinge a alma, que continua se movendo. O
corpo é deixado e a alma continua sem ele. Mas isso não acontece a todos.
A alma não lhe é dada, tem de ser atingida; é uma cristalização. Quando ela é realizada, então um Mahavir, um Buda, Um Jesus, torna-se eterno. Não você! — Gurdjieff costumava dizer que você é um vegetal!
Será comido, será dissolvido; não tem nenhum centro; então, como poderá sobreviver?
Estava novamente usando a tática de Jesus. Ele não estava certo, porque você tem alma, uma alma eterna. Mas essa teoria é perigosa, porque quando você ouve dizer que tem uma alma eterna, que é Brahma (a
Suprema Realidade), você vai dormir. Isso se torna uma coisa hipnótica: se você já é eterno, por que se preocupar? Qual a necessidade de sadhana? Qual é a necessidade de meditar? "Aham Brahmasmi — Eu já
sou Deus."Deste modo, você vai dormir, porque não precisa fazer mais nada.
As teorias podem matar, mesmo as verdadeiras teorias podem matar. Gurdjieff não estava certo, mas dizia isso por compaixão. Você é tão mentiroso que só as mentiras podem ajudá-lo. Só as mentiras podem
fazê-lo sair de suas mentiras, exatamente quando um espinho entra em sua pela e outro espinho é necessita, de que você.
Jesus sabia disso, sabia tudo sobre a reencarnação — ninguém sabia tanto como ele. Mas ele simplesmente abandonou a idéia porque esteve na Índia. Ele viu a mente indiana, viu como a mente havia se tornado
um adiamento por causa da teoria da reencarnação e abandonou essa teoria.
Gurdjieff também esteve na índia e no Tibet e observou toda a insensatez originada pela crença de que você já tem dentro de si tudo o que necessita, de que você já é Divino: não tem necessidade de fazer
nada. Por causa dessa crença, os mendigos pensam que são imperadores — para que se preocupar? Gurdjieff começou a ensinar na mesma linha de Jesus; a tônica era a mesma. Dizia que nenhuma pessoa nasce com
a alma: "Você pode criá-la, você pode perdêla, portanto nada é certo — trabalhe!"
Só quando você tiver se esforçado muito é que um centro nascerá e esse centro viverá — "Mas não como você é porque assim é apenas um vegetal". E ao dizer que você é apenas um vegetal, Gurdjieff criou um
outro mito. Disse: "Vocês são vegetais para a lua, alimento para a lua." Ele brincou, mas sua brincadeira é bonita e muito significativa.
Disse que tudo no mundo serve de alimento para outra coisa: este animal come aquele outro, o outro come outra coisa qualquer. Se tudo serve de alimento para outra coisa qualquer, como o homem poderia ser
diferente? O homem deve servir de alimento para alguma coisa, e Gurdjieff disse: "O homem é alimento para a lua. Quando ela tem muita fome, acontecem as guerras. Quando a lua sente muita fome acontecem
as guerras porque ela necessita de muita gente." Ele estava brincando. Mas os discípulos são sempre cegos e levaram essa piada a
serio. Os discípulos de Gurdjieff continuam dizendo que essa é uma das grandes verdades que ele descobriu. Se ele voltasse, iria achar isso muito divertido.
Ele estava brincando, mas quando Gurdjieff faz uma brincadeira ela tem grande significado. E a insistência, a ênfase, era que vocês são vegetais — no estado em que estão. O que pode lhes acontecer é serem
comidos pela lua. Você pode encontrar algo mais estúpido que a lua? É difícil! Quando os astronautas a alcançaram pensaram que iriam realizar todos os sonhos e toda a poesia do mundo porque o homem sempre
pensou em alcançar a lua. Mas quando chegaram lá, não havia nada. A lua não é nada — e você serve de alimento para nada. A lua é apenas um planeta morto. E você serve de alimento para um planeta morto
porque você está morto!
Lembre-se disso: Jesus sabe muito bem que existe a encarnação, a reencarnação, o renascimento. A vida é uma longa continuidade, essa morte não será a derradeira. Mas se isso é dito, você relaxa. E todo
o método de Jesus depende da fricção: você não tem permissão para relaxar, tem que lutar, criar fricção, só então poderá tornar-se cristalizado.
"Mas agora eles estão bêbados. Quando tiverem se livrado de seus vinhos, então eles se arrependerão."
Jesus disse? "Se a carne veio à existência por causa do espírito, é uma maravilha; mas se o espírito veio à existência por causa do corpo, é a maravilha das maravilhas."
Eu acho que Karl Marx não sabia disso Gostaria de saber o que ele teria pensado se conhecesse essas palavras de Jesus: "Se a carne veio à existência por causa do espírito..." como dizem todas as religiões
— Deus criou o mundo. Isso significa: a carne veio ao espírito; a matéria veio da mente; a consciência é a fonte, o mundo é apenas um sub-produto. Então Jesus diz: "... é uma maravilha!" — é um mistério.
"Mas se o espírito veio à existência por causa do corpo..." como dizem os ateus, os materialistas, Karl Marx, Charvak e outros... Marx diz que a consciência é um sub-produto da matéria. É isso que dizem
todos os ateus; o mundo não é criação do espírito; o espírito é apenas um "sub-fenômeno", um epifenômeno da matéria; surgiu da matéria, é apenas um subproduto... então Jesus diz: "Se o espírito veio à
existência por causa do corpo, é a maravilha das maravilhas." A primeira coisa que ele diz é apenas uma maravilha: Deus criou o mundo. Mas a segunda, é a maravilha das maravilhas — o mundo criou Deus.
Crer na primeira é difícil; crer na segunda é quase impossível.
É possível que o inferior nasça do superior, como um homem possa pintar um quadro. Podemos dizer que o quadro veio do pintor, é maravilhoso, um belo quadro. Mas se alguém diz que o pintor veio do quadro,
é a maravilha das maravilhas. Como pode o espírito surgir da matéria se ela ainda não existe? como a flor pode nascer se já não estiver na semente? Mas Jesus diz: de qualquer maneira, é uma maravilha.
A terceira afirmação é mais importante ainda:
"Fico maravilhado de como essa grande riqueza fez seu lar em tão grande pobreza."
Você é pobre, um mendigo, sempre pedindo por mais, porque está sempre desejando e uma mente desejosa é uma mente mendiga. Por ser até de um imperador, não faz diferença — tornase mendiga. Mesmo sendo de
um imperador, continua implorando.
Farid, um místico maometano, vivia numa pequena aldeia perto de Delhi. O imperador, Akbar, era um discípulo de Farid. Akbar costumava procurá-lo e Farid era um pobre faquir. A cidade ficou sabendo que
Akbar costumava visitar Farid; então os aldeões reuniram-se e disseram a Farid: "Quando Akbar vier visitá-lo, peça-lhe alguma coisa para nós. Precisamos de uma escola, de um hospital. E bastará você pedir
que nossas necessidades serão satisfeitas porque o próprio imperador vem a você."
A aldeia era pobre, sem instrução, não tinha hospital. Então Farid disse: "Está bem, mas não sou muito eficiente em fazer pedidos, porque não peço nada há muito tempo. Mas, se vocês desejam, posso tentar."
Foi o que fez.
Pela manhã, ele foi ao palácio. Todos sabiam que Akbar era seu discípulo; assim, sua entrada foi permitida imediatamente. Akbar estava no seu altar, um pequeno altar feito por ele mesmo, onde costumava
rezar. Ele estava rezando e Farid ficou parado atrás dele até que terminasse, para poder fazer o pedido.
Akbar não percebeu que Farid estava em pé atrás dele. Fez uma oração e, no final, disse:
"Deus Supremo, faça meu império ainda maior, dê-me mais riquezas."
Farid ouviu e deu meia-volta. Quando Akbar terminou e olhou para trás, Farid estava descendo as escadas. Ele chamou: "Por que você veio? E por que está indo embora?"
Farid disse: "Vim me encontrar com um imperador, mas encontrei aqui um mendigo. Então é inutil! Se você está pedindo a Deus, por que eu não posso pedir diretamente a Ele? Para que um intermediário? Akbar,
eu pensei que você fosse um imperador, mas estava enganado."
Akbar relatou a estória na sua autobiografia e acrescentou: "Naquele momento, eu entendi: qualquer coisa que se consiga obter, não faz diferença, porque a mente continua pedindo mais e mais."
Jesus diz que esta é a maior de todas as maravilhas: "... como essa grande riqueza" — o Ser Divino, a Divindade de Deus — "fez seu lar em tão grande pobreza".
Pessoas bêbadas, adormecidas, pobres, que pedem continuamente durante toda sua vida; pedem por coisas feias, lutam por coisas feias, obcecadas por males e doenças — e Deus fez
nelas seu templo, fez nelas sua morada: fez sua morada em você! Jesus diz que esse é o maior — impossível, incompreensível — mistério. A maravilha de todas as maravilhas! Nada transcende a isso.
Essa é a aflição de um Buda, de um Jesus: olhar para vocês — imperadores, possuidores do Reino de Deus, mendigando, pedindo coisas inúteis, perdendo seu tempo, sua vida, sua energia, sua oportunidade.
Arrependam-se! Vejam o que estão fazendo. E tudo parecerá tão tolo que você não será capaz de acreditar que está fazendo essas coisas. Tudo parecerá sem sentido!
Veja o que está fazendo com sua vida, veja o que está fazendo com você mesmo. Apenas uma ruína e a ruína cresce a cada dia. No final, você será apenas uma ruína. Estará totalmente arruinado. Entretanto,
no seu coração pedinte, na sua mente mendicante, habita o Rei, o Supremo. Esta é a maravilha!
E Jesus sente muito, por isso está triste, não pode rir. Não que o riso seja difícil para ele — não pode rir por sua causa. Está tão triste, sente tanto por você que continua inventando métodos, inventando
chaves para destrancá-lo, para fazer de você o que já é para fazê-lo realizar quem você é.
Siga através destas palavras e lembre-se da palavra-chave: arrependimento. Se você chegar a
compreender que o arrependimento é a chave, ele limpará todo o seu passado. De repente você estará puro e virgem novamente.
E quando você estiver puro, Deus estará presente. Porque Deus é a pureza, é a sua virgindade.
QUARTO DISCURSO
24 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus disse:
Não pensem desde o amanhecer até o por-do-sol e desde o por-do-sol até o amanhecer sobre o que usarão. Os discípulos perguntaram: Quando serás revelado a nós e quando nós te veremos?
Jesus disse:
Quando tirarem suas vestes sem sentir vergonha e, pegando suas roupas, colocarem-nas sob seus pés e pisarem sobre elas como as criancinhas — então, contemplará o Filho daquele que Vive e não temerão.
Os homens não vivem como são, mas como gostariam de ser: não com a face original, mas com máscaras. Aí reside todo o problema. Ao nascer, sua face é natural — ninguém a perturbou ainda, ninguém a modificou.
Mas, cedo ou tarde, a sociedade começa a manipulá-la, começa a esconder a original, a natural, aquela com a qual você nasceu, e lhe dá diversas outras: uma para cada ocasião porque uma só não é suficiente.
Para cada situação, você precisa de uma face; então, muitas máscaras são necessárias. Desde o amanhecer até o por-do-sol e desde o por-do-sol até o amanhecer milhares de faces são usadas. Ao aproximar-se
de um homem poderoso, você usa uma máscara; a cada momento, uma mudança ocorre em sua face.
É preciso que a pessoa esteja bem alerta para observar isso porque essa mudança torna-se tão mecânica que é difícil percebê-la; a máscara muda por si mesma. Se um empregado entra em sua sala, você nem
olha para ele. Age como se ele não fosse um ser humano, como se ele não existisse, como se ninguém tivesse entrado. Mas se é o seu chefe quem entra imediatamente você pula da cadeira com um sorriso na
face, recebendo-o, dando as boas vindas, como se o próprio Deus tivesse chegado.
Observe sua face: a mudança ocorre continuamente. Olhe-se no espelho e pense nas muitas faces que pode ter. Imagine sua mulher se aproximando e olhe-se no espelho. Imagine um
encontro com sua namorada e olhe-se no espelho. Olhe para a face que tem quando está ansioso ou quando está com raiva. Faça a expressão que tem ao se sentir sensual; imagine sua expressão quando está insatisfeito,
frustrado e observe-se no espelho. Não encontrará apenas um homem — verá uma multidão. E algumas vezes será até difícil reconhecer todas essas faces como sendo suas.
Um espelho pode ser uma grande benção. Você pode meditar com ele: mudar suas faces e olhá-las. Isto lhe dará um vislumbre de como sua vida tomou-se falsa. E nenhuma dessas faces é você.
Esta tem sido uma das meditações mais profundas do Zen: encontrar a face original, a que você tinha antes de vir para este mundo — e a que terá quando deixar este mundo. Porque você não poderá carregar
todas essas faces consigo. Elas são truques, técnicas para iludir, técnicas de auto-defesa, são armaduras. Essas faces têm de ser abandonadas. Só assim você poderá ver Jesus porque quando você vê sua face
original está vendo a de Jesus.
Jesus nada mais é que sua face original. Buda é simplesmente sua face original. Buda não está fora de você, nem Jesus. Quando você abanbona toda a falsidade e fica nu — sem qualquer manipulação, sem qualquer
mudança, apenas você no original então é Jesus; Jesus em toda sua absoluta glória é revelado. Mas não é o filho de José que é revelado. É você que se torna Jesus. E só o semelhante pode conhecer o semelhante.
Lembre-se sempre desta lei: você só poderá reconhecer Jesus quando for semelhante a ele. Do contrário, como irá reconhecê-lo? Só ao sentir seu próprio ser interior é que poderá reconhecer o ser interior
de outra pessoa.
A luz pode reconhecer a luz; não pode reconhecer a escuridão. E como a escuridão poderá reconhecer a luz? Quando você é falso, não pode reconhecer um homem real; e Jesus é o mais real dos homens. Não é
um mentiroso, é autêntico. Se você estiver mentindo em sua vida, continuamente — com palavras, com gestos — como poderá reconhecer Jesus? É impossível. Só na sua total nudez é que reconhecerá o Jesus interior.
Apenas então o exterior será reconhecido. O interior tem de ser reconhecido primeiro porque o reconhecimento vem da fonte mais interna do ser. Não há outro meio.
Um dos mais antigos ditos judeus resume-se no seguinte: você só começa a procurar por Deus quando já o encontrou. Parece paradoxal, mas é absolutamente verdadeiro, porque como você começará a procurá-lo
se ainda não o descobriu se ainda não o notou, se ainda não o encontrou em si mesmo, se ainda não o realizou dentro de si? Só quando você o descobre é que a procura começa, mas então a procura já não é
mais necessária. A procura começa e termina no mesmo ponto. O primeiro passo é o último passo.
Entre você e o Divino, apenas um passo existe. Não existem dois. Assim, não há nenhum caminho. Apenas um passo: o abandono de todas as falsidades que tomaram posse de você; o abandono de todas as máscaras
emprestadas.
Mas, porque temos máscaras? Qual a necessidade delas e por que o medo de abandoná-las?
Todos os mecanismos têm de ser entendidos; só assim as palavras de Jesus ficarão claras para você.
Primeiro: você nunca amou a si mesmo — se amasse elas não seriam necessárias. Você odeia a si mesmo; é por isso que esconde sua face. Você odeia tanto a si mesmo que não quer nem ver sua face. E se você
mesmo odeia como poderá revelá-la aos outros? O que lhe aconteceu para odiar tanto a si mesmo?
Todo o condicionamento da sociedade depende da criação da auto-aversão, da autocondenação, da culpa. As religiões, os padres, as sociedades — todos os tipos de exploração — têm existido a partir dessa
semente básica que é o ódio a si mesmo.
Por que você iria confessar-se ao padre se não odiasse a si mesmo? Qual seria a necessidade? Quando você odeia, sente-se culpado, sente que alguma transformação é necessária, pensa que necessita de auxílio,
que alguém é necessário para mudá-lo, para torná-lo amável, para fazê-lo digno de ser amado. Seus pais estão sempre lhe dizendo: "Você está errado, isto é errado, aquilo também! Não faça isso, não faça
aquilo!"
Certa vez, uma criança foi à praia com sua mãe. Ela queria brincar com a areia mas sua mãe lhe disse: "Nada disso! A areia é úmida e você estragará toda a sua roupa." Então, a criança quis ir para perto
d'água. "Não! De jeito nenhum!" disse a mãe, "lá é muito escorregadio e você poderá cair". A criancinha quis então brincar de correr e saltar, e a sua mãe disse: "Não faça isso! Poderá se perder na multidão!"
A criança sentou-se, olhou ao redor, viu um sorveteiro e pediu à mãe: "Posso tomar um sorvete?" "Claro que não! Você sabe muito bem que pode ficar resfriado!" Já irritada, a mãe virou-se para uma pessoa
que estava a seu lado e disse: "Você já viu criança mais neurótica?"
A criança não é neurótica. A mãe sim é que é neurótica. Brincar na areia não é neurose; ir para perto da água não é neurose; correr e pular não é neurose. Mas a mente neurótica sempre diz:
"Não!" Uma mente neurótica nunca diz: "Sim!" porque não pode permitir a liberdade nem para si mesma, quanto mais para as outras pessoas. E quase todas as mães e pais são como essa mãe. Lembre-se disso
quando você se tornar um pai ou uma mãe — eles são todos assim. A liberdade é exterminada e a criança, pouco a pouco, é forçada a sentir-se neurótica, errada. Para qualquer coisa proposta sempre receberá
um "Não!"
Ouvi contar sobre um menino que foi à escola pela primeira vez. Ao voltar, sua mãe lhe perguntou: "O que você aprendeu lá?" A criança disse: "Aprendi que meu nome não é "Não!" Sempre pensei que meu nome
fosse "Não!" — Você sempre disse: "Não faça isso! Não vá lá! Não seja assim! Então eu pensei que o meu nome fosse "Não! Lá na escola é que eu fiquei sabendo que o meu nome não é esse".
Se você é neurótico — e toda a sociedade é neurótica — há uma corrente de neurose que passa de uma geração para outra. Tem sido sempre assim. Até hoje nenhuma sociedade foi capaz de criar uma geração não-neurótica.
Apenas alguns indivíduos têm sido capazes de sair da prisão, mas isso raramente acontece porque a prisão é grande e seus alicerces muito fortes!
Todo o velho estabelecimento é mantido por um passado tão vasto que quando a criança nasce é guise impossível imaginá-la saudável, nãoneurótica.
É quase impossível porque todas as pessoas ao redor são loucas e forçam a criança a ser como elas. Elas matam sua liberdade e lhe incutem o sentimento de que está errada, de que sempre está errada. Isto
acaba criando uma condenação, uma auto-condenação — e você começa a odiar a si mesmo. E lembre-se: se você odiar a si mesmo, não conseguirá amar ninguém. Impossível! Como pode alguém amar outra pessoa
se odeia a si mesmo? Se o veneno estiver na fonte, envenenará todos os relacionamentos. Com ele, você nunca será capaz de amar alguém.
O segundo ponto que se segue a esse, como uma conseqüência lógica, é: se você odeia a si mesmo, como os outros poderão amá-lo? Se você não consegue amar a si mesmo, quem irá conseguir? No íntimo, você
sabe que ninguém irá amá-lo; e mesmo que alguém tente, você não acreditará. Irá sempre suspeitar de que está sendo enganado. Como pode alguém amá-lo, se você mesmo não se ama? Assim, mesmo que alguém o
ame, você nunca acreditará, estará sempre cético, cheio de dúvidas. Como não consegue acreditar, encontrará meios para provar que o outro não o ama. E quando o conseguir ficará à vontade, sentirá que tudo
está certo.
Esse rancor é a base de todas as máscaras. Por causa dele é que você começa a se esconder.
As roupas não existem por causa do clima; este motivo é justamente o menor. Elas existem para esconder o corpo, para esconder a sexualidade, para esconder o animal que existe em você. Entretanto, o animal
é a vida exceto a cabeça — tudo o que você tem de vida é semelhante ao animal; então, tudo tem de ser escondido, menos a cabeça. Apenas a cabeça pensante não é igual à do animal. ela é permitida. A sociedade
ficaria muito feliz se todo o seu corpo pudesse ser cortado fora e apenas a cabeça permanecesse.
Existem pessoas tentando fazer isso e seus experimentos têm tido êxito. É possível deixar o corpo de
lado e a mente continuar funcionando. O cérebro pode continuar funcionando apenas por meio de auxílios mecânicos: um coração mecânico continua batendo, um sistema sanguíneo artificial continua movimentando
o sangue, fazendo-o circular no cérebro — e o cérebro vive sem o corpo. Os cientistas estão fazendo vários experimentos, mas estão confusos a respeito do que o cérebro pensa; não existe nenhum corpo para
contar — o cérebro pode estar tendo sonhos, pensamentos, criando sistemas.
Os cientistas alcançaram esse êxito há poucos anos atrásl Mas a sociedade sempre o conseguiu, se bem que de um modo diferente: ela tira o corpo da sua consciência, deixando apenas a cabeça. Se de repente,
você encontre, seu corpo sem a cabeça, será capaz de reconhecer que esse corpo é seu? Estou certo; que não. Você nunca o viu; nem mesmo no banheiro. Você nunca viu seu corpo. As roupas o têm transformado
muito. Elas não estão apenas no corpo; estão na mente também.
Dois pequenos estudantes estavam passando por um grande muro e ficaram curiosos para saber o que estava acontecendo do outro lado. Encontraram uma pequena brecha mas estava difícil alcançá-la; ela era
muito alta. Então, um menino subiu nos ombros do outro, olhou o buraco 'e disse: "Fantástico! Tem um monte de gente lá jogando; e eles estão completamente nus. Acho que é um clube de nudismo".
O outro menino ficou excitadíssimo e pediu: "Conte-me mais — são homens ou mulheres?"
O que estava olhando respondeu: "Não dá prá saber. Eles estão sem roupas".
Um homem é reconhecido como homem por causa das suas roupas; uma mulher é reconhecida como mulher por causa das suas roupas. O menino estava certo. Ele disse: "Como posso saber quem eles são? Estão sem
roupas". As roupas identificam. É por isso que um rei não permite que ninguém use roupas iguais as dele — não! Se as pessoas comuns começarem a usar roupas iguais as dele, como ele será reconhecido? Isso
não pode ser permitido porque ele tem de ser algo especial.
As roupas identificam. E tornam-se tão importantes que mesmo em sonhos você nunca se vê nu, sempre se vê com roupas. Isto é algo de muito profundo. Mesmo em sonhos, você nunca se vê nu, nunca vê a sociedade
nua. Não! As roupas foram para o próprio inconsciente visto que o sonho é um fenômeno inconsciente. Ao menos nos sonhos, deveria ser natural. Mas até neles você não é natural; as máscaras, as fachadas
continuam.
Toda essa falsidade, toda essa pseudo-personalidade existe porque, no fundo, você odeia a si mesmo. Você quer se esconder; ninguém pode conhecer seu "eu" real porque, se conhecer, como será capaz de tolerá-lo?
Como o amará, como o apreciará? Por isso você se transforma em ator. Esta é a base do ensinamento de Jesus.
"Jesus disse: Não pensem desde o amanhecer até o por-do-sol e desde o por-do-sol até o amanhecer sobre o que usarão".
Não pense em máscaras, roupas, falsidades. Permaneça tal como é, aceite a si mesmo tal como é. Isto é difícil, muito difícil, porque quando você pensa em si mesmo, tal como é, de repente, sente um certo
desconforto.
De onde vem esse desconforto? Vem desses professores que têm lhe ensinado, desses professores que são o grande veneno da vida. Na realidade, eles não são professores; são inimigos. Eles têm lhe ensinado:
"Isso é animalesco, aquilo é animalesco — e você é um homem". O que eles estão dizendo? Estão dizendo: "Negue tudo que é animal em você! E eu lhe digo que o homem não é um anti-animal; o homem é o animal
supremo. Não anti — é o mais alto, é o próprio pico. Quando você nega o animal, está negando sua própria fonte de vida. E então está sendo falso.
Se você negar a sua animalidade ao fazer amor com uma mulher, o que acontecerá? É por isso que as pessoas tornaram-se quase incapazes de amar. Talvez você fique surpreso ao saber que, no Oriente, noventa
e nove por cento das mulheres nunca tiveram orgasmo. O mesmo acontecia no Ocidente, mas agora está havendo uma mudança. Noventa e nove por cento das mulheres nunca conheceram qualquer êxtase sexual porque
nunca tiveram permissão. Os homens têm permissão para serem um pouco semelhantes aos animais, mas as mulheres nunca. Durante as relações, têm de ficar imóveis, mortas, quase como um cadáver. A elas não
é permitido demonstrar qualquer emoção, qualquer alegria — porque somente uma prostituta se alegra com o sexo. A uma prostituta é permitido alegrar-se com o sexo, mas a uma esposa não.
Se uma esposa goza com o sexo, sente-se extasiada, o marido fica ofendido e pensa logo que a esposa não é muito correta porque deveria comportar-se como uma deusa e não como um animal. Mas, comportando-se
como uma deusa sem ser uma deusa, ela acaba ficando falsa. A mulher fica deitada, morta como um cadáver, sem nenhuma emoção.
Você já observou a palavra "emoção"? Vem da mesma raiz de "moção", movimento. Quando você está emocionado, todo seu corpo se movimenta, vibra, palpita, fica vivo — selvagem. Não, a uma mulher não é permitido
ser selvagem, viva. Ela tem de permanecer como um cadáver, morta; então, é uma boa mulher, transcendeu a animalidade. Mas, se você negar o sexo e dizer que é animal, então terá de escondê-lo.
Na América, há apenas três ou quatro anos, uma fábrica de brinquedos enfrentou uma grande dificuldade; foi chamada à Corte Suprema. O problema foi o seguinte: eles criaram alguns bonecos com pênis e vagína
— bonecos reais.
Se uma menina tem um rosto, deve ter uma vagina; se um menino tem um rosto, deve ter um pênis. Mas, brinquedos com órgãos sexuais! — eles tiveram dificuldades. Tiveram de cancelar toda a produção. Eles
haviam feito uma coisa bonita, mas a Corte não podia permitir, a sociedade não podia permitir.
Por que seus brinquedos não têm órgãos sexuais se têm tudo o mais? Você quer que as crianças não se conscientizem desse fato? Então, você está criando uma falsidade. E por que as pessoas ficaram contra
esses bonecos de um modo tão louco? Brinquedos são brinquedos! Mas os padres, os missionários, as pessoas conhecidas como "benfeitoras" ficaram loucas; levaram o homem à Corte. E ele tinha feito uma coisa
bela, histórica. As crianças devem conhecer o corpo todo porque o corpo todo é belo. Por que escondê-lo? Porque cortá-lo? Um medo, um medo profundo da animalidade. Mas você é um animal, isto é um fato:
você pode transcendêlo, mas não destruí-lo. Destruir significa criar o falso. Quando você destrói um fato, cria uma face falsa; sua máscara é algo falso, sua divindade é apenas uma máscara.
Quando você transcende, então sua divindade é autêntica. Mas transcender significa aceitar, passar pelo fato com consciência, sem se perder nele; passar por ele e seguir além. E negar significa nunca penetrar
no fato, nunca passar por ele, isto é, passar apenas por cima. Na vida, nada pode ser passado por cima. Se você passar por cima de alguma coisa, permanecerá
sempre imaturo, juvenil, nunca crescerá. A vida tem de ser vivida — apenas assim ela o faz crescer. Só desse modo é que chega o momento no qual você transcende o sexo. Mas esse momento vem pelo conhecimento,
vem pela experiência, pela profundidade da consciência e do amor — não pela negação, não pela repressão.
Jesus disse: "Não pensem desde o amanhecer até o por-do-sol e desde o por-do-sol até o amanhecer sobre o que usarão". Não vista nada. Eu não estou dizendo para você andar nu pela cidade; mas não vista
nada: seja apenas você mesmo! Seja o que for que a vida lhe tenha feito, aceite, alegre-se, dê as boasvindas! Celebre! Agradeça ao Divino tudo o que Ele lhe tem dado, seja o que for. Não rejeite porque
quando você rejeita algo está rejeitando a Deus porque Ele é o Criador, Ele o criou assim.
Certamente Ele sabe mais do que você. Quando você rejeita algo em si mesmo, está rejeitando o Criador, está criticando o universo, a própria natureza. Isso é tolice, estupidez mas as pessoas que agem assim
tornam-se muito respeitáveis. Jesus disse para você não pensar no que usará, para mover-se espontaneamente na vida. Seja receptivo, não coloque qualquer falsidade entre você e o fluxo da vida.
Viva cada momento sem pensar, porque o pensamento é a mais profunda máscara. Quando você vai se encontrar com uma mulher, começa a ensaiar na sua cabeça o que irá dizer: "Eu te amo" ou "Não existe ninguém
como você". Quando você precisa ensaiar, não está amando. Quando ama, não há necessidade, porque o amor fala por si mesmo, o amor flui por si mesmo; tudo acontece a partir da sua própria harmonia. As flores
surgem, mas através da sua própria harmonia — nenhum ensaio é necessário.
Certa vez, Mark Twain foi questionado por um amigo. Ele estava vindo de uma palestra onde havia feito uma bela conferência. O amigo lhe perguntou: "Que tal? Você gostou da sua palestra?" Mark Twain falou:
"De qual palestra? Da que eu preparei, da que discursei ou da que eu gostaria de ter feito? —sobre qual delas você está perguntando?" Toda a sua vida é assim: você prepara determinada coisa, faz outra
e gostaria de ter feito uma outra completamente diferente.
Por que isso acontece? Por que tantas divisões? Porque você não é espontâneo. Uma pessoa espontânea necessita apenas de uma coisa — estar alerta, consciente — nada mais. Deste modo, ela responde a partir
da sua consciência. Você precisa se preparar porque está inconsciente; porque não está consciente. Você precisa se preparar porquê está inconsciente; porque não está consciente. Mas Jesus Disse: "Não pensem
sobre o que usarão".
"Os discípulos perguntaram: Quando senis revelado a nós e quando nós te veremos?"
Jesus disse: "Quando tirarem suas vestes sem sentir vergonha e, pegando suas roupas, colocarem-nas sob seus pés, pisarem sobre elas como criancinhas — então, contemplarão o Filho d'Aquele que Vive e não
temerão".
Tente entender cada uma dessas palavras. Os discípulos perguntaram: "Quando serás revelado a nós...? Jesus estava lá, revelado em toda sua glória. Ele estava presente, diante deles. E eles estavam perguntando
ao próprio Jesus: "Quando serás revelado a nós...?" Eles estavam falando como se Jesus estivesse escondendo a si mesmo.
Uma vez, alguém perguntou a mesma coisa a Buda. Ele estava passando por uma floresta. As folhas secas caíam pelo caminho. Não havia mais ninguém por perto porque alguns discípulos haviam ido na frente
e outros vinham atrás, seguindo-os; no momento, apenas Ananda estava perto de Buda. Ele disse: "Eu sempre quis lhe fazer uma pergunta: Você já revelou tudo o que é? Ou está escondendo alguma coisa de nós?"
Buda responde: "Minha mão é aberta — um Buda nunca tem as mãos fechadas. Olhe para esta floresta, olhe como ela se revela; nada está escondido. Sou exatamente como esta floresta; um Buda não tem a mão
fechada. "Então, ele pegou algumas folhas secas em suas mãos e disse:
"Agora, minhas mãos estão fechadas, você pode ver as folhas. As pessoas avarentas sobre seus conhecimentos, aquelas que não gostam de compartilhar — são como as mãos fechadas".
Depois, Buda abriu suas mãos, as folhas caíram e ele disse: "Mas a mão de Buda não é fechada, é aberta. Já revelei tudo. Se você sente que algo ainda está escondido, isto acontece por sua causa, não por
mim".
Jesus estava lá, presente. E os discípulos perguntando: "Quando serás revelado a nós...?" Ele estava revelado!... "e quando nós te veremos?" Eles falavam como se Jesus estivesse se escondendo. Não, Jesus
não está escondido; muito pelo contrário, os discípulos é que não estão abertos, estão fechados; os olhos dos discípulos é que não estão abertos. Eles é que estão escondidos, não Jesus.
A verdade não está escondida — você é que está fechado. A verdade é revelada a todo momento, a cada momento. A verdade não pode estar escondida, por sua própria natureza. Apenas as mentiras tentam se esconder;
a verdade não. Apenas as mentiras são dissimuladas. A verdade é sempre mão aberta; nunca se fecha. Entretanto, você está fechado.
O problema é seu. Jesus disse: "Quando tirarem suas vestes sem sentir vergonha..." Porque você pode tirar suas roupas e continuar sentindo vergonha; então, essa nudez não é real, essa nudez não é inocente.
A vergonha é astuta.
No Cristianismo, a vergonha é o pecado original. Você já ouviu o que aconteceu com Adão e Eva? Você sabe em que momento o pecado aconteceu? Tem havido uma contínua pesquisa para descobrir qual foi exatamente
o momento em que o pecado aconteceu. Adão e Eva foram proibidos de comer o fruto da Árvore da Sabedoria. Mas eles foram tentados. Isto é natural: se algo é proibido, a tentação vem — é assim que a mente
se comporta. A mente tem também outro truque: ela o tenta mas sempre coloca a responsabilidade nos outros. Se algo é proibido, a mente se interessa; isto torna-se um convite. A mente quer saber, ela se
intromete, investiga.
Adão e Eva foram tentados por si mesmos, não havia mais ninguém lá. Mas a estória conta que foi o Diabo, o Satanás que os tentou. Este é um truque da mente: joga sempre a responsabilidade nos outros. E
esse "Diabo" nada mais é do que um bode expiatório, esse "Diabo" é apenas um truque da mente para descartar-se de todas as responsabilidades. Você é tentado, mas o "Diabo" é o tentador; assim, você não
é o responsável. Ele o persuadiu, o seduziu; ele é o pecador, não você. Mas a tentação veio da proibição, isso foi um truque da mente. A estória é belíssima:
Deus lhes disse: "Não comam o fruto desta árvore!" Se eles tivessem confiado, teriam evitado a árvore. Mas eles não confiaram. Disseram: "Por que? Por que Deus nos proíbe esta que é justamente a Árvore
da Sabedoria?" A mente deve ter dito a eles: "Se vocês comerem, tornarse-ão deuses porque serão conhecedores. Deus proibiu porque é ciumento. Proibiu porque não quer que vocês se tornem deuses. Se comerem,
serão sábios e nada será escondido de vocês". Mas a estória conta que foi o Diabo que os tentou: "Comam. Ele proibiu porque tem; ciúmes e medo". Esta situação aconteceu para Adão e Eva provarem se confiavam
ou não — nada mais.
Entretanto, a mente persuadiu-os — a mente é o "Diabo". O Diabo veio em forma de serpente, o mais antigo símbolo da sagacidade — a mente é a serpente, é o que há de mais astuto. Adão e Eva responsabilizaram
o Diabo, jogaram toda a responsabilidade no Diabo — e Adão também jogou a responsabilidade em Eva. O homem sempre disse que a mulher é a tentação; por isso, está sempre condenando-a. Em todas as escrituras
do mundo, a mulher é a tentação: ela o induz à tentação, ela o seduz, ela é a causa de todos os problemas. Assim, o que você chama de santidade vai condenando as mulheres.
Este é o caminho da mente: Eva diz que foi o Diabo; Adão diz que foi Eva; e se você algum dia encontrar o Diabo e lhe perguntar, ele dirá: "Foi Deus. Para começar, por que Ele proibiu? isto é que criou
toda a confusão." Caso contrário, eles nunca teriam ido à Árvore da Sabedoria — o Jardim do Éden era muito grande; havia milhões de árvores; eles nunca a teriam encontrado. "Proibido!" Eles sabiam que
esta era a árvore e, então, todo o jardim tornou-se desinteressante, focalizaram toda a atenção nessa árvore — a culpa foi de Deus!"
Mas a estória é bela e tem milhões de dimensões; pode ser interpretada de muitas e muitas maneiras — essa é a beleza da parábola. Adão e Eva pegaram o fruto da Árvore, comeramno e imediatamente ficaram
envergonhados de sua nudez. Em que ponto o pecado original aconteceu? Na desobediência a Deus? Se você perguntar ao Papa no Vaticano, ele dirá: "No momento em que desobedeceram a Deus" porque os padres
gostariam que você sempre os obedecesse, que não desobedecesse nunca.
Se você perguntar aos filósofos, aos teólogos, eles dirão: "No momento em que comeram o fruto da sabedoria". Porque, neste momento, você começou a pensar e os problemas surgiram. A vida sem pensamentos
é inocente; as crianças são inocentes porque não podem pensar: as árvores têm uma aparência tão bela porque não podem pensar. Ao homem, tudo parece tão feio
porque sua mente está sempre carregada e tensa pelas preocupações, pensamentos, sonhos e devaneios: ele está sempre sobrecarregado -- e perde toda a graça, Assim, se você perguntar aos filósofos existencialistas
eles dirão que foi por causa da Árvore da Sabedoria.
Agora, se você perguntar aos psicólogos, cuja abordagem é mais profunda, eles dirão: "Por causa da vergonha". Porque quando você sente vergonha, começa a odiar a si mesmo. Quando você sente vergonha, rejeita
a si mesmo — mas isso vem pelo conhecimento. Crianças não podem sentir vergonha. Andam nuas facilmente, não há problema. Pouco a pouco, você as força a sentir vergonha: "Não fique nu!" Quanto mais elas
conhecem, mais escondem a si mesmas.
Jesus disse: "Quando tirarem suas vestes sem sentir vergonha..." Mas o que Adão e Eva fizeram? Puseram sobre seus órgãos sexuais folhas de parreira — a primeira roupa inventada — e o mundo começou. Como
você poderá entrar novamente no Jardim do Éden? Jogando todas as suas folhas de parreira. Isto é o que Jesus disse; este é o modo de voltar ao paraíso. Este é o caminho de volta: "Quando tirarem suas vestes
sem sentir vergonha..." Porque você pode tirar suas roupas e permanecer envergonhado; neste caso, as roupas ainda estarão presentes no íntimo: você estará se escondendo, não estará aberto. Nudez não é
estar despido, você pode estar despido e mesmo assim não estar nu.
A nudez é uma dimensão mais profunda: significa nenhuma vergonha, nenhum sentimento de vergonha; significa aceitar seu corpo em toda a sua totalidade, tal como é. Sem nenhuma condenação na mente, sem nenhuma
divisão no corpo — uma simples aceitação; isto é nudez. Mahavir não ficava despido, não era membro de nenhum clube de nudismo; ele ficava nu; ele era nu como uma criança. Num clube de nudismo, você não
está nu. Ao se despir, está fazendo um cálculo, isto é, uma manipulação da sua mente. Você está revoltado, rebelou-se contra a sociedade — joga fora as roupas porque a sociedade acredita nelas. Mas esta
é apenas uma reação; então, você não é inocente, não é inocente como uma criança.
Jesus disse: "... e, pegando suas roupas, colocarem-nas sob seus pés e pisarem sobre elas como as criancinhas — então, contemplarão o Filho d'Aquele que Vive e não temerão".
Em primeiro lugar: você deve aceitar sua nudez diante de Deus, tal como ela é: exatamente como uma criancinha diante de seu pai e de sua mãe, sem nenhuma vergonha. Você não deve ficar envergonhado diante
do Divino — só assim você será real. Se a vergonha estiver presente, então as máscaras serão usadas; elas estão fadadas a serem usadas.
Em segundo lugar: se o sentimento de vergonha desaparecer, você não temerá. Eles estão justapostos: se você sentir vergonha, terá medo; se não sentir vergonha, não terá medo de modo algum. O medo desaparece
junto com a vergonha. E quando o medo e a vergonha desaparecerem, seus olhos são abertos — e então você vê o Filho de Deus, ou "o Filho d'Aquele que Vive"; então, Jesus lhe é revelado; e você pode conhecer
um Buda.
As pessoas vêm a mim e perguntam: "Como podemos reconhecer se um Mestre é Iluminado ou não?" Você não pode reconhecer um Mestre Iluminado tal como está. É justamente como um homem cego perguntando como
pode reconhecer se a luz está apagada ou acesa. Como um homem cego pode reconhecer isso? O reconhecimento necessita de olhos e os olhos de um homem cego estão fechados. Você não pode reconhecer se um homem
cego chegou à Realização ou não, se é Iluminado ou não, se realmente é Cristo ou não — você não pode reconhecer. Se as pessoas pudessem reconhecer, como Jesus poderia ter sido crucificado?
Eles o trataram muito mal, eles fizeram com que ele parecesse um tolo. No dia em que ele estava carregando a cruz para o Calvário, havia soldados, uma massa de gente ao seu redor jogando pedras e coisas
sujas, deleitando-se: "Este é o "Rei de Israel"; este o "Filho de Deus"; o filho do carpinteiro ficou louco!" Fazendo piadas, colocaram a coroa de espinhos em sua cabeça e disseram: "Olhem! Aqui está o
"Rei de Israel", o "Filho de Deus"!"
E então, quando ele foi crucificado, a piada final: foi colocado entre dois ladrões. Foi crucificado como um criminoso, com dois ladrões. E não apenas a multidão fez piadas, os ladrões também. Um deles
disse: "Já que vamos ser crucificados juntos, não se esqueça de nós em seu "Reino de Deus". Nós estamos sendo crucificados com você; assim, não se esqueça de nós. Afinal, você é "O Filho!" Ah! e quando
chegar ao Reino de Deus, faça alguns preparativos para nós também. Você pode fazer isso — você pode fazer qualquer coisa!" Eles também estavam fazendo piada. Fizeram com que Jesus parecesse um tolo.
Por que nós deixamos de reconhecer Jesus? Por termos os olhos fechados. E os olhos estão fechados por causa das vestes — não apenas por causa das roupas, mas pelos diversos tipos de vestes: roupas, vergonha,
medo, ódio de si mesmo, auto-condenação, culpa — camadas e mais camadas de vestes.
Jesus disse: "Quando tirarem suas vestes sem sentir vergonha e, pegando suas roupas, colocarem-nas sob seus pés e pisarem sobre elas como as criancinhas..."
Quando uma criancinha é forçada a usar roupas pela primeira vez, rebela-se. Não quer porque isso confina sua liberdade e a torna falsa. Sua resistência é natural mas você a força, você a convence. "Você
tem de colocar essas roupas para sair porque na sociedade elas são necessárias — se não, não poderá vir conosco". E como ela quer ir, acaba vestindo as roupas.
Mas ao voltar, ela tira as roupas; não apenas tira, pisa sobre elas. Elas são as inimigas, elas a tornam falsa. A criança não é ela mesma com tais roupas. Quando as tira, fica livre novamente. Celebra
sua nudez jogando as roupas e pisando sobre elas. Se vocês fizerem como as crianças: "... então contemplarão o Filho d'Aquele que Vive e não temerão".
Na nudez da criança, não há nenhum medo, porque o medo é algo acrescentado a você — o medo é criado através da vergonha. Muitas religiões têm criado a culpa; por isso, você se sente culpado, envergonhado
e torna-se medroso. Então, uma neurose nasce e você se dirige para as mesmas pessoas que criaram a culpa e o medo, dirige-se para as mesmas pessoas
buscando transcendê-los! Elas não podem auxiliá-lo porque foram elas mesmas que criaram o medo. Elas dirão: "Reze, seja temente a Deus". Elas não podem orientá-lo para além do medo. Jesus pode orientá-lo
para além do medo, mas então tudo isso tem de ser demolido desde a própria base. Esta é a base: não aceite a si mesmo e sempre terá medo.
Aceite a si mesmo e não haverá nenhum medo. Não pense em termos de "devo" ou "não devo", de
"tenho de" ou "não tenho de" e nunca mais terá medo. Seja real e confie na realidade; não lute contra a realidade. Se o sexo existe, ele existe: aceite-o; se a raiva ocorre, ocorre: aceite-a. Não tente
criar o oposto: "Estou com raiva; isso não é bom; não devo ter raiva; tenho de perdoar. Sou sensual, isso não deve acontecer, tenho de ser casto". Não crie o pólo oposto, porque, se criar, estará tentando
criar máscaras. A raiva permanecerá; seu perdão será apenas uma máscara. O sexo estará lá, mergulhando mais e mais no inconsciente; e em sua face haverá uma máscara, brahmacharya. Mas isto não o auxiliará.
Ouvi dizer que um cientista estava trabalhando para descobrir o segredo dos diamantes. Ele trabalhou arduamente e todos os elementos lhe foram revelados, com exceção de um único fator. Se ele viesse a
descobri-lo, tomar-se-ia o homem mais rico do mundo. Ele trabalhou muito, mas não conseguiu encontrá-lo. Então, alguém lhe sugeriu: "Você está perdendo seu tempo, sua vida, inutilmente. Ouvi dizer que
existe uma mulher no Tibet muito sábia que conhece todas as respostas. Basta você ir até ela, e o seu problema estará resolvido. Para que continuar perdendo tempo aqui?"
O homem viajou para o Tibet, mas demorou muitos anos para encontrá-la. Foi difícil achar a sábia mulher: ele teve de passar por muitas privações e várias vezes sua vida esteve por um fio. Mas ele conseguiu
chegar lá. Era de manhã. Ele bateu na porta e a sábia mulher abriu. Era uma mulher tão bonita, tão maravilhosa como ela nunca vira. E não era apenas bela; todo seu ser era convidativo — em seus olhos uma
luz dizia: "Venha até aqui". Ela lhe disse: "Muito bem, você conseguiu chegar. Meu marido saiu e esta é a regra: você pode fazer apenas uma pergunta. Lembre-se eu responderei apenas a uma pergunta". Sem
pensar, o cientista perguntou: "A que horas seu marido volta?"
Esta era a única pergunta que havia em sua cabeça. Em algum lugar, bem no fundo do seu inconsciente, o sexo deve ter sido o problema, o problema real. Trabalhar com diamantes, encontrar o segredo dos diamantes
deve ter sido apenas uma distração. Intimamente, inconscientemente, ele estivera pensando: "Quando eu me tornar o homem mais rico do mundo, todas as mulheres — as mais belas mulheres — serão minhas". Em
algum ponto, seu pensamento era este, embora ele não tivesse consciência disso.
Você pode ir trabalhando na superfície sem estar alerta sobre o inconsciente; mas no momento certo ele virá, explodirá. Fugir é inútil. Apenas a transformação pode auxiliar. E para que haja transformação
é preciso uma profunda aceitação de si mesmo, tal como é. Sem nenhum julgamento, sem nenhuma avaliação: "Isto é bom, aquilo é ruim!" Não seja um juiz!
Simplesmente confie em sua natureza e flua com ela. Não tente nadar contra a corrente — isto é o que significa nudez.
Entregue-se à vida com uma profunda confiança, seja qual for o lugar onde ela o dirija. Não crie seu próprio objetivo; se criar sua própria meta, tornar-se-á falso. A vida não tem metas. Se você tiver
um alvo, estará contra a vida. A vida não se movimenta como um negócio; é como a poesia. A vida não se movimenta a partir da mente; mas do coração — é um romance. A confiança é necessária; a dúvida não
auxilia em nada. A vida não é científica; é irracional. A vida não acredita nos lógicos, em Aristóteles; crê no amor, nos poetas, nos místicos. A vida não é um enigma para ser resolvido; é um mistério
para ser vivido. A vida não é um quebracabeça, não é um problema. Só você está fechado; o segredo está aberto. Ele é revelado em todos os lugares: em cada árvore, em cada raio de sol — só você está fechado.
Por que você está fechado? Se você não aceita a vida que está em seu interior, como poderá aceitar o que está fora? Aceite! Comece a partir do seu próprio centro. Aceite a si mesmo tal como é e começará
a aceitar as coisas assim como são. Com a aceitação, a transformação virá: você nunca mais será o mesmo.
A transformação acontece por si mesma, vem da sua própria harmonia, mas só quando você deixa acontecer. É isto que Jesus diz: fique nu, só assim você poderá deixar acontecer. Abandone tudo o que a sociedade
lhe deu — isto é o que significa "vestimenta". A sociedade não lhe deu a vida, deu-lhe apenas "vestimentas". A sociedade não lhe deu o Ser, deu-lhe apenas o ego. Abandone as vestes e o ego desaparecerá.
Pense em si mesmo caminhando nu pelas ruas.
Um homem chamado Ebrahim foi ao seu Mestre — Ebrahim era um Rei. Quando sua busca começou, ele foi a um Mestre que lhe perguntou: "Você está preparado para aceitar qualquer coisa?" Ebrahim respondeu: "Eu
vim para isto — diga e eu farei". O Mestre olhou-o e disse:
"Está bem. Tire suas roupas!". Os discípulos ficaram pouco à vontade porque Ebrahim era um grande rei e isso, além de ser demais, era desnecessário. Isso nunca havia sido ordenado a nenhum deles. Por que,
então, uma coisa tão dura para o rei? Um discípulo chegou a sussurrar no ouvido do Mestre: "Isso é demais, não seja tão duro — você nunca nos pediu isso!"
Mas o Mestre disse ao rei: "Segure os sapatos nas mãos e ande pelas ruas, batendo com os sapatos na sua cabeça! Ande assim por toda a cidade!"
Essa cidade era a sua capital, mas Ebrahim foi. Nu, ele andou por toda a capital batendo com seus próprios sapatos na cabeça. Conta-se que quando voltou estava Iluminado.
O que aconteceu? Ele abandonou suas vestes. Ele era u homem de grande potencialidade. Só por isso é que o Mestre lhe pediu tanto. O Mestre exige apenas o que lhe é possível. Quanto mais potencialidade
você tiver, mais lhe será exigido. Se você for pobre, ele não exigirá muito. Ebrahim era um homem de muita potencialidade — tornou-se um grande Mestre por seu próprio direito. O que aconteceu? Ele fez
o que Jesus disse a seus discípulos: abandonou as vestes, abandonou o ego — tudo o que a sociedade lhe deu.
Muitas vezes, o ego é abandonado por si mesmo por que ele é um fardo; mas você volta a colocá-lo na cabeça e o carrega. Muitas vezes, você chega ao fracasso; muitas vezes, você não obtém sucesso. Muitas
vezes, o ego cai por si mesmo. Mas, humilhado, frustrado, derrotado, fracassado, você volta a carregar o fardo com alguma esperança.
Certa vez, o leão foi ao tigre e perguntou: "Quem é o chefe desta floresta?"
O tigre respondeu: "É claro que é você, Mestre. Você é o único, é o rei!"
Depois, o leão foi ao urso, agarrou-o e perguntou: "Quem é o Mestre aqui? Quem é o chefe?"
O urso respondeu: "É claro que é você. Não precisa nem perguntar. Você é o rei de todos os animais. Você é o chefe!"
Então, o leão foi ao elefante e fez a mesma pergunta: "Quem é o chefe aqui?"
O elefante agarrou o leão e jogou-o nas rochas, a cinquenta metros dali. O leão, todo machucado, sangrando, fraco, humilhado, levantou-se e disse: "Se você não sabia a resposta, não precisava se comportar
assim!"
Isto é o que você tem feito. Você não abandona o ego, você também diz: "Se você não sabia a resposta, não precisava se comportar assim! Por que ficar tão bravo? Podia responder simplesmente: "Não sei!"
Se você puder reconhecer no fracasso que tudo o que essa sociedade tem lhe dado são apenas quedas, esse fracasso poderá tornar-se o começo do maior sucesso possível na vida. É por isso que apenas no fracasso
o homem se torna religioso — isto é, se puder reconhecer o fracasso. É muito difícil tornar-se religioso quando se obtém sucesso. Se as vestes estão lhe dando tanto, para que se preocupar em ficar nu?
Então, as vestimentas são um bom investimento. Mas no fracasso, de repente, você se torna alerta para a nudez que existe. Nada pode escondê-la; você pode apenas se iludir.
Use seus fracassos! E quando você for jogado contra as rochas e estiver humilhado, sangrando, não repita a estupidez do leão. Reconheça que não existe nenhum sucesso no mundo. Não pode haver, porque tudo
é tão falso, tão cheio de máscaras e sendo assim como você poderá triunfar? Mesmo os seus Napoleões, os seus Secundars, os seus Alexandres e os seus Gêngis Khans, foram todos eles um fracasso.
Um Jesus triunfa porque se sustenta em sua originalidade, em sua natureza. Tente entender isso, não apenas através do intelecto, mas pelo abandono gradual de suas vestes: fique nu e será puro. Quando isso
acontecer, você terá jogado fora a maçã que Adão e Eva comeram e a porta do Paraíso estará novamente aberta.
Os cristãos dizem que com Adão e Eva a humanidade foi expulsa do Paraíso. Com Jesus, as
portas estão novamente abertas — você pode entrar. Mas isso não acontecerá apenas sendo você cristão. Só acontecerá quando você r econhecer Jesus, e esse reconhecimento só virá quando você reconhecer Jesus
em si mesmo — nada menos que isso.
QUINTO DISCURSO
25 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus lhes disse:
Se jejuarem,
gerarão pecado em si mesmos; se rezarem,
serão condenados; se derem esmolas,
prejudicarão seus espíritos.
E, quando andarem por algum país estranho e percorrerem suas regiões, ao serem recebidos, comam o que colocarem à sua frente e sanem os que estiverem doentes.
Pois o que entrar pela boca não os profanará. Mas o que sair da boca, isto os maculará.
Isto é uma afirmação estranha, mas muito significativa também. Parece estranha porque o homem não é verdadeiro, vive em falsidade. Assim, qualquer coisa que faça está destinada a ser falsa.
Se você fizer uma prece, a fará por razões erradas; se você jejuar, jejuará por razões erradas — porque você está errado. Assim, a questão não é o que está certo fazer; a questão é como estar certo em
seu ser. Se o seu ser estiver certo, então tudo o que você fizer estará automaticamente certo; mas se o seu ser não estiver certo, não estiver centrado, autêntico, qualquer coisa que você fizer estará
errada.
No final, o certo não depende do que você faz mas do que você é. Se um ladrão fizer uma prece, esta prece estará errada, pois como é possível uma prece nascer de um coração que tem estado enganando a todo
o mundo — roubando, mentindo, prejudicando? Como é possível a prece vir do coração de um ladrão? É impossível. A prece pode modificá-lo, mas de onde virá a prece? Virá de você. Se você estiver doente,
sua prece será doentia.
Mulla Nasrudin certa vez solicitou um emprego. No requerimento que preencheu mencionou muitas qualificações. Ele declarou: "Obtive o primeiro lugar em minha universidade, e me ofereceram a vicepresidência
de um banco nacional. Recusei porque não estou interessado em dinheiro. Sou um homem honesto, um homem leal. Não sou ganancioso e não me preocupo com salários; ficarei satisfeito com qualquer coisa. Adoro
trabalhar — sessenta e cinco horas por
semana.
Quando o superintendente que entrevistava Nasrudin olhou para o seu requerimento, ficou surpreso e perguntou: "Você não tem nenhuma fraqueza?"
Nasrudin disse: "Apenas uma. Sou mentiroso!"
Mas essa semente abrange todas as outras. Não é preciso ter nenhuma outra fraqueza; uma apenas é o suficiente. Não existem muitas fraquezas em você, apenas uma — e é dessa que todas as outras se originam.
E você tem de lembrar-se da sua fraqueza porque ela o segue como uma sombra por todos os lugares onde você vai; faça você o que fizer, ela o aniquilará.
Assim, o ponto básico em religião não é o que fazer, é o que ser. O "Ser" diz respeito ao seu íntimo; e "fazer" diz respeito às suas atividades na superfície; o "fazer" relaciona-se com os outros, com
o mundo exterior; o "ser" é você tal como é interiormente.
Você pode estar sem o fazer, mas não sem o ser. O fazer é secundário, dispensável. Umhomem pode ficar inativo, pode ficar sem fazer nada; mas não pode estar sem o ser — assim, o ser é a essência. Jesus,
Krishna, Buda, todos falam sobre o ser; e os templos, as mesquitas, as igrejas, as organizações, as seitas, aqueles que são chamados de gurus, os professores, os sacerdotes, todos falam sobre o fazer.
Se você perguntar a Jesus, ele falará sobre o ser, em como transformá-lo. Se você perguntar ao Papa no Vaticano, ele falará sobre o fazer, sobre a moralidade. A moralidade está interessada no fazer; a
religião refere-se ao ser.
Essas distinções têm de permanecer as mais claras possíveis porque tudo o mais depende disso. Quando uma pessoa como Jesus nasce, nós não a compreendemos. E a nãocompreensão acontece porque nós não alcançamos
essa distinção: ele fala sobre o ser e, ao ouvirmos, interpretamos como se ele tivesse falando sobre o fazer.
Se você compreender isso, então estas palavras serão claras, e muito úteis. Elas poderão tornar-se uma luz em seu caminho. Do contrário, serão estranhas, contraditórias e parecerão anti-religiosas. Quando
Jesus as pronunciou devem ter parecido anti-religiosas aos sacerdotes; é por isso que o crucificaram. Eles pensaram que ele iria destruir a religião.
Veja estas palavras — aparentemente são anti-religiosas: "Jesus lhes disse: Se vocês jejuarem, gerarão pecado em si mesmos..."
E nós sempre ouvimos falar que a religião prega o jejum. Tem sido dito, muitas vezes, que pelo jejum você é purificado. Toda a religião dos Jainas depende do jejum. Se eles ouvirem estas palavras de. Jesus
dirão: "Esse homem é perigoso; os judeus fizeram bem em crucificálo!"
Os judeus também ficaram perturbados: tais palavras eram rebeldes e toda a moralidade poderia ser perdida. Se você disser ao povo: "Se vocês jejuarem, gerarão pecado em si
mesmos", o jejum tornar-se-á um pecado! Você alguma vez, já ouviu dizer que orando será condenado? Então, o que é religião? Nós pensamos que religião é ir à igreja e rezar a Deus, e Jesus diz: "se rezarem
serão condenados; e se derem esmolas prejudicarão seus espíritos".
Que estranhas palavras, mas muito significativas. Jesus quer dizer que como você está não pode fazer nada certo. A ênfase não está em jejuar ou não jejuar; a ênfase não está em dar esmolas ou não; a ênfase
não está em orar ou não: — a ênfase está em: qualquer coisa que você fizer, do jeito em que se encontra agora, estará errada.
Você pode rezar? Você pode ir ao templo porque isso é fácil, mas não pode rezar. A prece exige uma qualidade diferente — e essa qualidade você não a possui; assim você está apenas enganando a si mesmo.
Vá e veja as pessoas que estão rezando nos templos: estão simplesmente engando a si mesmas, não têm essa qualidade que é a devoção! Como você pode rezar? E se você tivesse como qualidade a devoção, que
necessidade teria de ir ao templo ou à igreja?
Onde quer que você estivesse, a oração estaria presente: você se movimentaria, caminharia — e isso seria prece! Você comeria, amaria — e isso seria prece! Você olharia, respiraria — e isso seria prece!
Porque a devoção estaria sempre presente, seria exatamente como respirar. Então, você nunca deixaria de estar em prece, nem por um só momento. Mas, então, não haveria necessidade de ir ao templo ou à igreja.
As igrejas e templos existem para aqueles que querem enganar a si mesmos, para aqueles que não têm nenhuma qualidade de prece e assim mesmo preferem acreditar que estão orando.
Um homem, um pecador, estava morrendo. Ele nunca tinha ido ao templo, nunca tinha orado, nunca tinha ouvido o que os sacerdotes dizem, mas no momento da morte ficou com medo. Pediu, suplicou, para que
um padre viesse. Quando o padre chegou, havia uma multidão. Muitas pessoas estavam lá porque o pecador era um homem importante, muito bem sucedido; ele era um político, tinha poder, dinheiro. Assim, muitas
pessoas tinham se reunido.
O pecador pediu ao padre para chegar perto, porque queria dizer algo em segredo. O padre chegou perto e o pecador sussurou-lhe: "Eu sei que sou um pecador e sei muito bem que nunca fui à igreja, que não
sou um membro da igreja. Não sou um homem religioso absolutamente, nunca rezei. Sei muito bem que o mundo não irá me perdoar. Mas ajude-me, dê-me um pouco de confiança, diga-me que Deus irá me perdoar!
O mundo não me perdoará, eu sei, e quanto a isso nada pode ser feito — mas diga-me que Deus irá me perdoar!"
"Bem", disse o padre, "talvez Ele o perdoe porque não chegou a conhecê-lo do modo como nós o conhecemos. Talvez Ele o faça porque não o conhece tão bem como nós". Mas, se você não pode enganar ao mundo,
poderá enganar a Deus? Se você não pode enganar as mentes comuns poderá enganar a Divina Mente? Isso é apenas uma consolação, algo confortável:
"Talvez". Mas esse "talvez" está absolutamente errado; não se apegue a esse "talvez"! Enganar a Divina Mente? Isso é apenas uma consolação, algo confortável: "Talvez". Mas esse "talvez"
está absolutamente errado; não se apegue a esse "talvez"!
A prece é uma qualidade que pertence à essência e não à personalidade. A personalidade diz respeito ao que você faz, ao seu relacionamento com os outros. A essência é o que lhe foi dado — não tem nada
a ver com o que você faz; é um presente de Deus. A prece pertence à essência: é uma qualidade; não é nada que possa ser feito.
O que é jejuar? Como você pode jejuar? E por que as pessoas jejuam? As palavras de Jesus são muito profundas; mais profundas do que qualquer pregação de Mahavir sobre o jejum. Jesus está se referindo a
uma verdade psicológica muito profunda, e esta verdade é que a mente move-se para os extremos: uma pessoa obcecada por comida pode jejuar facilmente. Parece estranho, paradoxal, que um glutão possa jejuar
facilmente. Mas apenas esse tipo de pessoa pode jejuar facilmente. Alguém que sempre foi equilibrado em sua dieta achará quase impossível jejuar — por que? Para responder a isto teremos de entrar na fisiologia
e na psicologia do jejum.
Primeiro, na fisiologia, que é a camada mais externa. Se você comer demais, obterá uma reserva muito grande, coletará muita gordura. Então, poderá jejuar muito facilmente porque a gordura nada mais é do
que um reservatório, uma reserva. As mulheres podem jejuar mais facilmente do que os homens e você sabe disso. Se você observar as pessoas que estão jejuando, particularmente entre os Jainas, descobrirá
que para cada homem existem cinco mulheres jejuando: esta é a média. O marido não pode jejuar, mas a esposa pode. Por quê? Porque o corpo feminino acumula mais gordura. Quando você tem mais gordura é mais
fácil. No jejum você tem de comer sua própria gordura. É por isso que perde um ou dois quilos por dia. Para onde vai esse peso? Você come a si mesmo; é um tipo de alimentação.
Assim, não há muita dificuldade para as mulheres, elas podem jejuar facilmente, acumulam mais gordura do que os homens. É por isso que seus corpos são mais redondos. As pessoas gordas podem jejuar com
muito mais facilidade, podem fazer dietas; elas estão sempre à procura de dietas. Um homem comum, saudável, acumula gordura suficiente para jejuar por três meses sem morrer; noventa dias — tal é a reserva
que pode ser acumulada. Mas se você é magro — quer dizer, se você tem comido uma quantidade equilibrada, apenas o suficiente para a atividade física do dia a dia, se não acumulou muita gordura — você não
poderá jejuar... Por isso que o culto do jejum existe sempre entre as pessoas ricas, nunca entre as pobres.
Observe: quando um homem pobre celebra um dia religioso, celebra com um banquete; quando se trata de um homem rico, ele celebra com jejum. Os Jainas são as pessoas mais ricas da índia; daí o seu jejum.
Mas um maometano, um maometano pobre ou um hindu pobre, faz um banquete ao chegar o dia religioso porque durante o ano inteiro esteve com fome; então, como poderá celebrar esse dia fazendo jejum? Ele já
jejuou durante o ano inteiro e o dia religioso deve ser diferente dos dias comuns. Assim, esta é a diferença: ele vestirá roupas novas, terá um bom banquete, alegrar-se-á, e agradecerá a Deus. Esta é a
religião do homem pobre.
Agora, na América, o jejum, o culto do jejum se desenvolverá rapidamente. Já está se desenvolvendo porque a América tornou-se tão rica e o povo tem comido tanto que agora, de algum modo, o jejum tem de
chegar lá. Na América, todos os cultos de jejum têm crescido rapidamente — podem ter diferentes nomes mas, fisiologicamente, seus corpos têm mais gordura que a necessária, então jejuar é fácil.
Em segundo lugar, psicologicamente, você pode estar obcecado por comida. A comida tem sido sua obsessão: você deve estar comendo demais, comendo, comendo, e pensando sobre comer mais e mais. Esse tipo
de mente, um dia, ficará farta de comer e pensar em comida. Se você pensar demais sobre algo, ficará farto disso. Quando você obtém muito de alguma coisa, acaba ficando enjoado. Então, o oposto torna-se
atraente: você têm comido demais; agora, precisa jejuar. Pelo jejum, você será capaz de comer novamente com gosto, seu apetite voltará — esse é o único jeito.
A mente tem como lei básica movimentar-se de um oposto a outro com extrema facilidade, sem nunca permanecer no meio. O equilíbrio é o ponto mais difícil para a mente; os extremos são sempre fáceis. Se
você come demais, poderá jejuar facilmente porque este é o outro extremo — mas não poderá permanecer no meio. Não poderá ter uma alimentação correta, uma dieta correta. Não! Ou este lado ou aquele — a
mente sempre tende para os extremos. É exatamente como o pêndulo de um relógio: vai para a direita, depois para a esquerda e novamente para a direita; mas, se parar no meio, o relógio parará, então não
haverá nenhuma possibilidade de o relógio se mover.
Se a sua mente parar no meio, os pensamentos pararão, o relógio parará. Mas se for para o extremo, cedo ou tarde o oposto tornar-se-á novamente significante, e você será atraído para ele.
Jesus compreendeu isso muito bem. E ele disse "Se vocês jejuarem, gerarão pecado em si mesmos..."
O que é pecado? Na terminologia de Jesus é o extremo, é caminhar para o extremo. Para permanecer exatamente no centro é preciso estar além do pecado. Por que? Por que é pecado caminhar para o Extremo?
Caminhar para o extremo é pecado porque, no extremo, você escolhe uma metade e nega a outra metade. Quando diz: "Não comerei nada", escolheu a outra metade, escolheu algo No meio, não há nenhuma escolha:
você alimenta o corpo, não está obcecado nem por este nem por aquele caminho; não estão obcecado de modo algum, não é neurótico. O corpo é satisfeito em suas necessidades, mas você não é sobrecarregado
por elas.
Esse equilíbrio está além do pecado. Assim, quando você tem um desequilíbrio, é um pecador. A idéia de Jesus é que uma pessoa muito apegada a este mundo é pecadora. E se ela se move para o outro extremo,
renuncia ao mundo, torna-se contra o mundo, permanecerá em pecado. Uma pessoa que aceita o mundo, sem escolher este ou aquele caminho, transcende-o.
Aceitação é transcendência. Quando você escolhe, isto significa que você entrou, que o seu ego entrou, que você está lutando.
Quando você vai para um extremo, tem de lutar continuamente porque no extremo não se pode nunca estar à vontade — apenas no meio é possível estar tranqüilo. No extremo, você está sempre tenso, preocupado;
a ansiedade está presente. Apenas nó meio, quando você está equilibrado, não existe nenhuma ansiedade, nenhuma angustia; você está em casa. Nada o preocupa porque não existe tensão. A tensão indica o extremo.
Você tentou muitos extremos, eis porque está tão tenso.
Ou você anda atrás de mulheres e então o sexo continuamente se agita em sua mente ou virouse contra elas e então o sexo também se agita em sua mente. Se você estiver existindo pelo sexo, ele será a única
presença na sua mente. Se você estiver contra ele, se for um inimigo, então novamente o sexo estará na sua mente — porque dos amigos, você se lembra, mas dos inimigos você se lembra ainda mais. Algumas
vezes, os amigos podem ser esquecidos, mas os inimigos nunca; eles estão sempre presentes. Como você pode esquecer seu inimigo? Assim, as pessoas que se movimentam no mundo do sexo ficam fartas do sexo.
Vá aos mosteiros e Olhe como estão as pessoas que se moveram para o outro extremo — estão continuamente com o sexo, toda a sua mente tornou-se sexual.
Se você comer demais, tornar-se-á obcecado pela comida, como se toda a vida existisse apenas para comer; então continuamente a comida estará na mente. Se jejuar, a comida também estará sempre na sua mente.
Se algo ficar sempre na mente, tornar-se-á um fardo. A mulher não é o problema, o homem não é o problema — ter sexo na mente o tempo todo é o problema. A comida não é um problema: você come e está acabado;
mas a comida na mente o tempo todo é que é o problema.
E se houver sempre muitas coisas em sua mente ela fica dissipando energia; torna-se insensível, entediada e tão carregada que a vida parece completamente sem sentido.
Quando a mente está descarregada, leve, fresca, a inteligência sobrevém você olha para o mundo com novos olhos, com uma consciência nova, leve. Então toda a existência é bela — que beleza é Deus! Então
toda a existência é vida — que vitalidade é Deus! Então toda a existência é extasiante. Cada momento, cada segundo é repleto de alegria — essa felicidade, esse êxtase é Deus.
Deus não é uma pessoa que o espera em algum lugar; Deus é uma revelação neste mundo. Quando a mente está silenciosa, clara, leve, jovem, fresca virgem — como uma mente virgem, Deus está em todo lugar.
Mas sua mente está morta e você a fez assim por um processo específico. Esse processo é o movimento de um extremo a outro, de um pólo a outro, sem nunca permanecer no centro.
Ouvi contar que um bêbado estava caminhando por uma rua extensa, muito ampla. E perguntou a um homem: "Onde está o outro lado da rua?" A noite estava descendo, a luz desaparecendo,
ele completamente bêbado e a rua era muito larga. Ele não podia ver bem e por isso perguntou: "Onde está o outro lado?" O homem sentiu pena e levou-o para o outro lado.
Quando o bêbado chegou do outro lado, perguntou a um outro homem: "Onde está o outro lado?" O homem tentou levá-lo para o outro lado. Mas o bêbado parou e disse: "Espere! Que tipo de gente existe por aqui?
Eu estava lá e perguntei: Onde está o outro lado? Eles me trouxeram até aqui e agora eu pergunto: Onde está o outro lado? Você diz que é lá! E quer me levar outra vez para aquele lado. Que tipo de gente
existe por aqui? Onde está o outro lado?"
Onde você está não faz nenhuma diferença: o extremo oposto transforma-se no outro lado e tornase atraente porque a distância cria a atração. Você não pode imaginar a atração que um homem que está tentando
ser casto sente pelo sexo. Você não pode imaginar a atração que um homem em jejum sente pela comida. Você não pode imaginar porque isso é uma experiência: estar continuamente com uma coisa na mente — comida,
sexo. E isso pode continuar até a morte. Mesmo quando você estiver morrendo, se algum extremo existir, você estará obcecado.
Como estar tranqüilo e relaxado? Não vá para o extremo; este é o significado das palavras de Jesus: não se afaste para o extremo! Jesus sabe muito bem que você está viciado em comida — não vá jejuar, isso
não o auxiliará: "Se vocês jejuarem, gerarão pecado em si mesmos; se rezarem, serão condenados..."
O que é rezar? Comumente pensamos que rezar é pedir alguma coisa, exigir, reclamar; você tem desejos e Deus pode auxiliá-lo a satisfazê-los. Você vai à porta de Deus e pede algo; você vai como um mendigo.
Para você rezar é mendigar. Mas rezar não pode ser mendigar; a prece só pode ser um agradecimento, uma gratidão. E isto é totalmente diferente. Quando você vai mendigar, sua prece não é um fim, é justamente
um meio. A prece em si não tem significado porque você está rezando para obter algo — esse algo é que é significativo, não a prece. E, muitas vezes, você pede e seus desejos não são atendidos. Então, você
abandona a prece e diz: "Inútil!" Para você, ela é um meio.
A prece não pode nunca ser um meio, assim como o amor também não pode. O amor é um fim: você não ama para obter algo mais, o amor em si mesmo tem um valor intrínseco — você simplesmente ama! Ele é uma
bênção! Não há nada além. Não existe nenhum resultado a ser obtido através dele. Ele não é um meio para se atingir algum fim; ele é o fim! E rezar é amar — você simplesmente reza e alegra-se com isso;
não pede, não mendiga.
A prece em si mesma, intrinsecamente, é tão bela, você se sente tão extasiado e feliz, que simplesmente agradece ao Divino por Ele ter lhe permitido ser, respirar, olhar — que cores! Por ter lhe permitido
ouvir, estar consciente. Isso não foi adquirido, é um presente. Você vai ao templo com um profundo agradecimento, apenas para agradecer: "Seja o que for que Você tenha me dado, é muito. Eu nunca mereci!"
Você merece alguma coisa? Você consegue encontrar algum merecimento em si mesmo? Se você não estivesse aqui, poderia dizer que alguma injustiça foi feita a você? Não! Tudo o que você tem obtido é simplesmente
um
presente vindo do amor Divino. Você não o merece.
Deus transborda em Seu amor. Quando você entende isso, uma qualidade nasce em você: a qualidade do agradecimento. Então, vai a Ele simplesmente e Lhe agradece, sente apenas gratidão. Gratidão é prece;
e é tão belo sentir-se grato! Nada pode ser comparado a isso! A prece é o ápice da felicidade, não pode tornar-se um meio para qualquer outro fim.
Jesus diz: "... e se você rezar será condenado..." porque sua prece estará errada. Jesus sabe que quando você vai ao templo, vai para mendigar, para pedir algo. Isto é um meio, e quando você faz da prece
um meio, está pecando.
O que é amar? Pelo amor, você pode entender o que acontece na prece. Você ama alguém — realmente? Você ama ou algo mais existe aí? Uma mútua gratificação? Quando você ama uma pessoa, você realmente ama
a pessoa? Você dá seu coração? Ou você apenas explora o próximo em nome do amor?
Você utiliza o outro em nome do amor. Isso pode ser sexual, pode ser de algum uso, e você utiliza o outro. E se o outro disser: "Não, não me utilize!" seu amor continuará presente ou desaparecerá? Você
dirá: "Qual é a utilidade disso?" Se o outro o aprecia, se uma bela mulher o aprecia, seu ego é satisfeito. Uma bela mulher o admira e você sente, pela primeira vez, que é um homem. Mas se ela não o aprecia,
não o admira, o amor desaparece. Se um belo homem, um homem importante, a admira, diz que você é uma bela mulher, a aprecia continuamente, você se sente gratificada porque o ego é satisfeito!
Trata-se de uma mútua exploração. E você chama isso de amor. E quando se transforma num inferno, nada existe de estranho; isso tem de transformar-se num inferno porque amor é apenas o nome sob o qual algo
mais está escondido. O amor nunca cria inferno, o amor é uma qualidade inerente ao celestial. Quando você ama, é feliz e a sua felicidade mostra que você está amando.
Olhe para os amantes: eles não parecem estar felizes — apenas no começo, quando estão planejando sem saber, quando estão inconscientemente jogando a rede para um apanhar o outro. Mas a poesia, o romance
e toda a insensatez existe apenas para um apanhar o outro. Tão logo o peixe é fisgado, eles ficam infelizes, sentem-se como se estivessem numa prisão. O ego de cada um torna-se um cativeiro. Cada qual
tenta dominar e possuir o outro.
Esse amor torna-se condenação. Se o seu amor está errado, sua prece não pode estar certa porque prece significa amar o Todo — e se você tem sido um fracasso no amor com um ser humano comum, como poderá
ser bem sucedido no seu amor ao Divino?
O amor é apenas um passo para a prece. Você tem de aprender. Se puder amar um ser humano, conhecerá o segredo. A chave do Divino é a mesma; é claro que milhões de vezes ampliada e multiplicada. A dimensão
é maior, mas a chave é a mesma. O amor é um fim em si mesmo e
nele não existe nenhum ego. Quando você está sem ego, o amor existe. Então você simplesmente dá sem pedir, sem qualquer retorno. Você simplesmente dá porque é tão belo dar; você compartilha, porque compartilhar
é tão maravilhoso — então não há nenhuma barganha. Quando não há nenhuma barganha, nenhum ego, o amor flui — então você não é frio, você se dissolve. Essa fusão tem de ser aprendida para que você possa
rezar.
Jesus diz a seus discípulos: "... se vocês rezarem", e a ênfase está no vocês, "vocês serão condenados". Ele conhece muito bem seus discípulos "... e se vocês derem esmolas, prejudicarão seus espíritos".
Você já observou o que acontece em seu íntimo quando dá algo a um mendigo? Isso surge por compaixão ou vem do seu ego? Se você estiver só na rua e um mendigo vier, você dirá: "Vá embora!" porque não há
ninguém vendo o que você está fazendo ao mendigo, seu ego não é ferido de modo algum. Mas o mendigo também conhece psicologia: ele nunca pede quando você está sozinho na rua e não há ninguém por perto;
ele passa de lado — esse não é o momento certo. Mas se você está andando com alguns amigos, ele se agarra a você.
No mercado, quando muitas pessoas estão olhando, ele se agarra a você porque sabe que se você disser: "Não!" as pessoas pensarão: "Que desapiedado, que cruel!" Portanto, você dará esmola para salvar o
seu ego. Você não estará dando ao mendigo, isso não acontecerá por compaixão. E lembre-se bem que, quando você der, o mendigo irá contar aos outros mendigos que o enganou, que você é um tolo. Ele rirá
porque também sabe o motivo pelo qual você deu; sabe que não foi por compaixão.
A compaixão dá por diferentes razões: você sente a miséria do outro, e a sente tão profundamente, que se torna parte dela. E não sente apenas a miséria, sente a responsabilidade também porque se um homem
está miserável, de algum modo você é responsável — porque o todo é responsável pelas partes: "Estou auxiliando uma sociedade, um tipo de governo, uma estrutura que cria a exploração. Sou parte disso e
esse mendigo é uma vítima." Você não sente apenas compaixão, sente responsabilidade; você tem de fazer algo. Quando você dá algo a um mendigo, quer que ele lhe agradeça. Mas quando o doar vem pela compaixão,
você é que se sente agradecido porque sabe que o que deu não é nada.
A sociedade continua e você tem investido muito nessa sociedade que cria mendigos. Você sabe que é parte desse sistema no qual as pessoas pobres existem porque o rico não pode existir sem o pobre. E você
bem sabe que também tem a ambição de tornar-se rico. Você sente toda a culpa, sente o pecado — então, dar é totalmente diferente. Mas, se você sente que fez algo de grande ao dar dois centavos a um mendigo,
Jesus diz: "... você está prejudicando o seu espírito..." porque não sabe o que faz.
Dê por amor, dê por compaixão. E você não estará dando esmola a um mendigo, isso não será esmola, você estará simplesmente compartilhando com um amigo. Quando o mendigo torna-se um amigo é totalmente diferente:
você não está acima dele, o ego não é satisfeito. Pelo
contrário, você sente: "Eu não posso fazer nada — dar apenas essa pequena quantidade de dinheiro não será de muito auxílio."
Certa vez, aconteceu o seguinte: um Mestre Zen vivia em uma cabana numa colina distante, a muitas milhas da cidade. Numa noite de lua cheia, um ladrão entrou. O Mestre ficou preocupado porque não tinha
nada que pudesse ser roubado, exceto uma manta, que ele estava usando. Então, o que fazer? Ele ficou tão preocupado, que quando o ladrão entrou ele colocou a manta ao lado da porta e escondeu-se.
O ladrão olhou ao redor mas, no escuro, não pôde ver a manta — não havia nada. Desanimado, frustrado, ele estava indo embora. Então, o Mestre gritou: "Espere! Pegue essa manta! Eu sinto muito porque você
veio de tão longe, a noite está fria e não há nada nesta casa. Da próxima vez que você vier, por favor me avise. Eu arranjarei alguma coisa. Sou um homem pobre, mas tomarei algumas providências. Assim,
você poderá roubar. Mas tenha pena de mim, caso contrário eu me sentirei muito constrangido: leve esta manta — e não diga não!" O ladrão não podia acreditar no que estava acontecendo. Ficou apreensivo;
esse homem parecia estranho, ninguém havia se comportado desse modo antes. Ele simplesmente pegou a manta e foi embora correndo.
Nessa noite, o Mestre escreveu um poema. Sentado em sua janela — a noite estava fria, havia lua cheia no céu — ele escreveu um poema que dizia: "Oh bela lua! Gostaria tanto de te oferecer a esse ladrão!"
E as lágrimas correram de seus olhos: ele estava soluçando, chorando e sentindo: "Pobre homem, veio de tão longe!"
Pouco tempo depois o ladrão foi preso. Havia outros crimes contra ele e a manta foi encontrada. Essa manta era muito famosa — todo o mundo sabia que pertencia ao Mestre Zen. Então, o Mestre Zen teve de
ir à Corte. O magistrado lhe disse: "Diga simplesmente que esta manta lhe pertence; isto é o suficiente. Esse homem roubou esta manta de sua cabana — diga apenas sim, apenas isto".
O Mestre disse: "Mas ele não a roubou, ele não é um ladrão! Eu o conheço bem. Uma vez ele me visitou, é claro, mas não roubou nada — essa manta fui eu que lhe dei de presente. E eu me senti culpado por
não ter mais nada para dar. A manta é velha, quase sem valor; e esse homem é tão bom que a aceitou. Não apenas isto, em seu coração havia agradecimento".
Jesus diz: "... e se derem esmolas prejudicarão seus espíritos" — porque você dá por razões erradas. Se você praticar uma boa ação por motivos errados falhará, falhará completamente.
"E quando andarem por um país estranho e percorrerem suas regiões, ao serem recebidos, comam o que colocarem à sua frente e sanem os que estiverem doentes':
Duas coisas são ditas aqui por Jesus a seus discípulos. Primeira: "Seja o que for que lhe derem, receba, não imponha qualquer condição".
O budismo expandiu-se muito — quase metade do mundo tornou-se budista; mas os monges Jainas não puderam sair da índia. Assim, os Jainas permaneceram confinados neste país; não são mais do que trinta lakhs
(três milhões). Mahavir e Buda eram do mesmo calibre, então por que os Jainas não puderam enviar sua mensagem para fora? Por causa do monge Jaina; ele não sai, impõe condições: um tipo especial de comida
preparada de um modo especial, e servida a ele de uma maneira especial. Como pode ele sair do país? Mesmo na índia, ele pode mover-se apenas pelas cidades onde os Jainas vivem porque não aceita comida
de ninguém mais. Por causa desse hábito, Mahavir tornou-se inútil para o mundo; o mundo foi incapaz de aproveitar um grande homem.
Jesus diz a seus discípulos: "... andem por qualquer terra e percorram suas regiões. Ao serem recebidos, comam o que colocarem à sua frente — não imponham nenhuma condição, não digam que comerão apenas
um determinado tipo de comida".
Seu caminhar pelo mundo deve ser incondicional. Se você impuser condições tornar-se-á um fardo. Eis porque os discípulos de Jesus nunca foram um fardo: comiam qualquer coisa que lhes fosse dada; usavam
qualquer roupa que pudessem obter, viviam em todos os tipos de clima, com todo o tipo de gente, misturados com todo mundo. Eis porque o cristianismo pôde se expandir como fogo: por causa do comportamento
dos discípulos — incondicional.
Em segundo lugar, Jesus diz o seguinte: "... sanem os que estiverem doentes".
Ele não diz: "Ensine-os o que é a Verdade." Não! Isso é inutil! Ele não diz: "Force-os a acreditarem em minha mensagem". Isso é inutil! Simplesmente curem os doentes! Porque se uma pessoa está doente,
como pode vir a compreender a verdade? Como pode entendê-la? Se a sua alma está doente, como pode receber minha mensagem? Curem os doentes! Façam-nos ficar sãos, isso é tudo. Quando estiverem sãos e saudáveis
serão capazes de entender a verdade, serão capazes de entender Jesus.
"Seja um servo, um médico — apenas auxilie as pessoas a serem curadas". Psicologicamente, todo mundo está doente. As pessoas podem não estar doentes fisiologicamente, mas todo mundo está doente no que
diz respeito à mente e uma profunda cura é necessária. Jesus diz:
"Seja um médico: vá e cure as mentes".
Tente entender qual é o problema da mente: quando dividida, está doente; quando nãodividida, está saudável. Quando existem muitas coisas contraditórias na mente, ela fica doente, fica como uma multidão,
como uma louca multidão. Mas, quando existe apenas uma coisa na mente, ela fica saudável — porque através da unidade uma cristalização acontece. A menos que na mente exista apenas uma coisa, ela permanece
doente.
Há certos momentos em que sua mente também atinge a unidade. Alguns momentos acontecem, algumas vezes, acidentalmente. Certa manhã, você levanta cedo; tudo está fresco e o sol está surgindo; tudo é tão
belo que você se torna centrado. Esquece que tem de ir ao mercado,
esquece que tem de ir ao escritório, esquece que é hindu, maometano ou cristão, esquece que é pai, mãe ou filho — esquece este mundo. O sol é tão belo e a manhã tão fresca que você penetra nela e torna-se
um só. Por um singular momento, você é um só, sua mente é total e saudável; você sente uma benção surgindo por todo o seu ser. Isto pode acontecer acidentalmente, mas você também pode fazer com que aconteça
conscientemente.
Quando a mente é uma só, uma qualidade mais alta expressa a si mesma e a inferior cai imediatamente por si mesma. É exatamente como numa escola: quando o diretor está presente, os professores trabalham
bem, os alunos aprendem e há ordem. Quando o diretor sai, os professores são a autoridade mais alta e não existe tanta ordem porque os professores estão em liberdade. Uma energia mais baixa começa a funcionar
— eles vão fumar, tomar chá e começam a tagarelar. Ainda assim, se os professores estiverem presentes, os estudantes estarão quietos. Mas quando o professor sai, a classe vira um caos; é uma multidão,
uma louca multidão. O professor entra na classe — e de repente, tudo muda. Uma força mais alta entrou, o caos desapareceu.
O caos demonstra simplesmente que uma força mais alta está ausente. Quando não existe nenhum
caos, quando há harmonia, isto demonstra que uma força mais alta está presente. Sua mente está em caos — um ponto mais alto é necessário, uma cristalização mais alta é necessária. Você é exatamente como
um aluno, uma classe, uma classe louca onde o professor não está. Quando você se concentra, imediatamente se faz sentir uma função mais alta.
Assim, Jesus diz: "Sane!" A palavra "sane" vem da mesma raiz da palavra "são"; o mesmo acontece com a palavra "santo". Sane uma pessoa e ela tornar-se-á sã; quando uma pessoa é sã torna-se santa. Este
é o processo completo. A mente está doente porque não tem nenhum centro. Você já obteve um centro na mente? Você pode dizer: "Este centro sou eu? Ele muda a cada momento: pela manhã, você está com raiva
e sente que é a raiva; à tarde, fica amoroso e pensa: "Eu sou amor"; à noite, está frustrado e pensa: "Eu sou frustração". Há algum centro em você? Ou você é apenas uma multidão em movimento?
Do jeito que você está, não existe nenhum centro, não há nenhum centro ainda — e um homem sem um centro é um doente. Um homem saudável é um homem com um centro. Jesus disse:
"Auxilie as pessoas a alcançarem o centro"; assim, seja qual for o caos ao redor haverá um centro por dentro, você permanecerá centrado vinte e quatro horas por dia; algo permanecerá contínuo — esse continuam
tornarse-á seu Ser.
Observe: existem três camadas na existência. Uma camada é objetiva, é o mundo objetivo; seus sentidos transmitem tudo o que está a sua volta — seus olhos vêem, seus ouvidos ouvem, suas mãos tocam. O mundo
objetivo é a primeira camada da existência e, se você estiver envolvido por ela, permanecerá satisfeito com a mais superficial. Há uma segunda camada em seu interior, a camada da mente: pensamentos, emoções,
amor, raiva, sentimentos — esta é a segunda camada. A primeira camada é comum — se eu tiver uma pedra em minha mão você
será capaz de vê-la — ela é um objeto comum a todos. Mas ninguém pode ver o que está dentro da mente.
Quando você olha para mim, vê apenas o meu corpo; nunca me vê. Quando eu olho para você, vejo apenas o seu corpo, não você. Uma outra pessoa pode ver o seu comportamento: como você age, o que faz, como
reage. Pode ver a raiva em sua face, o rubor, a crueldade, a violência em seus olhos, mas não pode ver a raiva dentro da sua mente. Pode ver um gesto amoroso demonstrado pelo seu corpo, mas não pode ver
o amor. E você pode estar apenas fazendo um gesto, talvez não haja nenhum amor. Você pode enganar os outros por meio de ações, e é isso o que você tem feito.
Seu corpo pode ser conhecido pelos outros, mas a sua mente não. O mundo objetivo é comum a todos; é o mundo da ciência. A ciência diz que essa é a única realidade porque: "Nós não podemos saber sobre os
pensamentos — se eles existem ou não, ninguém sabe. Você diz que eles existem, mas eles não são aparentes, objetivos; nós não podemos experimentá-los, não podemos vê-los. Você os transmite, mas pode estar
nos enganando ou sendo enganado — quem sabe?" Seus pensamentos não são coisas mas você bem sabe que existem. Sabe que não existem apenas coisas, mas pensamentos também. Entretanto, os pensamentos são privados,
não são comuns.
A camada externa, a primeira camada, a camada da superfície cria a ciência. A segunda camada, a dos pensamentos e sentimentos, cria a filosofia, a poesia. Mas isso é tudo? Matéria e mente? Se isso fosse
tudo, você não poderia nunca ficar centrado porque a mente é sempre um fluxo. Não tem nenhum centro: ontem, você teve determinados pensamentos, hoje tem outros; amanhã terá outros — é como um rio, não
tem nenhum centro em si.
Na mente, não se pode encontrar qualquer centro: os pensamentos mudam, os sentimentos mudam; há um fluxo. Desse modo, você permanece sempre doente, confuso, não pode nunca estar são. Mas há também uma
outra camada na existência, a mais profunda. A primeira é o mundo objetivo, o mundo da ciência; a segunda é o mundo dos pensamentos — a filosofia, a poesia, os sentimentos, os pensamentos. E há uma terceira
camada que é o mundo da religião, do testemunho — daquele que observa os pensamentos, daquele que observa os objetos.
Esse observador é único; não existem dois. Se você está olhando para uma casa com os olhos abertos ou fechados, o observador é o mesmo. Se você está olhando para a raiva ou para o amor, o observador é
o mesmo. Se está triste ou alegre, se a vida transformou-se em poesia ou em pesadelo, isso não faz nenhuma diferença — aquele que olha permanece o mesmo, a testemunha permanece a mesma. A testemunha é
o único centro, essa testemunha é o mundo da religião.
Quando Jesus diz: "Vá e sane as pessoas", está dizendo: "Vá e auxilie-as a alcançar seus centros, faça com que sejam testemunhas. Assim, não estarão envolvidos pelo mundo, nem pelos pensamentos, estarão
enraizadas no ser". E, uma vez que você esteja enraizado em seu
ser, tudo muda, a qualidade muda — você pode rezar.
Mas, então, você não fará a prece por razões erradas; a prece será um agradecimento. Não rezará como um mendigo, mas como um imperador que tem muito de tudo. Você dará esmolas, mas não por egoísmo, dará
por compaixão, porque é tão belo dar, isso o torna tão feliz. Você jejuará, mas esse jejum não será uma obsessão por comida, será totalmente diferente.
Como o jejum de Mahavir, será totalmente diferente. Haverá momentos em que você esquecerá o corpo de tal modo que não notará que existe fome; você se desligará de tal modo do corpo que não será capaz de
informá-lo que está com fome. A palavra jejum, em sânscrito, é muito bela; essa palavra é upawas. Ela não carrega absolutamente nenhum sentido de comida ou não comida, não tem nada de jejum em si, essa
palavra significa simplesmente: "viver mais próximo de si mesmo"; upawas significa "viver mais próximo de si mesmo", "estar mais perto de si mesmo". Um momento chega em que você está tão centrado que o
corpo é completamente esquecido, é como se não existisse. Então não há fome, e o jejum acontece — ele é um acontecimento, não um fazer.
É possível permanecer nesse centro por muitos dias. Isso acontecia com Rama-Krishna: ele entrava em êxtase por seis ou sete dias e permanecia como se estivesse morto. Seu corpo não se movia, continuava
na mesma posição; se ele estivesse em pé continuaria em pé. Os discípulos tinham de deitá-lo e alimentá-lo à força com um pouco de água e leite — mas era como se ele não estivesse lá. Isto é um jejum:
porque você não está mais no corpo.
Estando no corpo, você não está mais no corpo. Isso não pode ser feito. Como você pode fazer isso? Todo o fazer é pelo corpo; é preciso usar o corpo para fazer algo. Esse jejum não pode ser feito porque
esse jejum significa estar sem o corpo. Mas pode acontecer — aconteceu a Mahavir, a Jesus, a Maomé. Pode acontecer a você também.
Jesus disse: "Andem entre o povo, comam o que colocarem à sua frente e sanem os que estiverem doentes. Pois o que entrar pela boca não os profanará, mas o que sair da boca, isto os maculará".
Este provérbio é muito significativo. Não se preocupe se a comida não é pura, se um Shudha (intocável) o tocou ou se uma mulher menstruada passou por perto e o maculou com sua sombra. A questão não é o
que entra, é o que você traz à luz — porque o que você traz, isto mostra sua qualidade; como você transforma o que recebe, este é o ponto.
Um lótus nasce no lodo, o lodo é transformado e transforma-se em lótus. O lótus nunca diz:
"Não comerei desse lodo, ele é sujo!" Não, não é bem isso. Se você é um lótus, nada é sujo. Se você tem a capacidade do lótus, tem o poder de transformar, a alquimia, então, você pode permanecer no lodo
e um lótus nascerá. Mas, se você não tiver a qualidade do lótus, mesmo que viva no ouro, apenas o lodo sairá de você. O que entra não importa. O que importa é estar centrado no ser. Se você estiver, tudo
o que entrar será mudado, será transformado; receberá a
qualidade do seu ser e tornar-se-á publico.
Certa vez, Buda foi envenenado por um alimento estragado, mas isso foi um acidente. Um homem pobre ficou muitos dias a espera de Buda para convidá-lo para ir à sua casa. Então, um dia, ele veio, cedo,
às quatro horas da manhã, e parou perto da árvore onde Buda estava dormindo para ser o primeiro a convidá-lo — e ele foi o primeiro. Buda abriu os olhos e o homem disse: "Aceite o meu convite! Tenho esperado
por muitos e muitos dias. Sou um homem pobre e não tenho muito para lhe oferecer, mas há muito tempo sonho com a sua visita". Buda disse: "Eu irei".
Exatamente nesse momento, o Rei da cidade vizinha com suas carruagens, seus ministros e um longo séquito, aproximou-se de Buda. "Venha! Eu o convido para o meu palácio!"
Buda disse: "Não posso! Meus discípulos irão ao seu palácio mas eu já aceitei um convite — e este homem chegou primeiro. No momento em que abri meus olhos, ele foi o primeiro a me convidar; assim, irei
com ele."
O rei tentou persuadí-lo de que isso não seria bom: "Esse homem, o que ele pode lhe dar para comer? Seus filhos estão famintos, ele não tem nenhuma comida!"
Buda disse: "Essa não é a questão. Ele me convidou e eu irei". E Buda foi.
O que esse homem tinha feito? Em Bihar e em outras partes pobres da índia, as pessoas apanham muitas coisas na estação das chuvas; tudo o que germina, elas colhem. Um tipo de vegetal, o kukarmutta (cogumelo),
com formato de guarda-chuva, brota nesta época e eles o colhem, colocam-no para secar e guardam para o ano todo. Esse é o único vegetal que comem — mas algumas vezes fica envenenado.
Assim, esse homem apanhou kukarmutta para Buda. Ele o secou e o preparou, mas quando Buca começou a comer sentiu que estava muito amargo, que estava envenenado. Esse era o único vegetal que o homem possuía
e se Buda dissesse: "Está amargo, não posso comê-lo", o homem ficaria magoado porque não tinha mais nada para oferecer. Assim, Buda continuou comendo sem dizer que o vegetal estava amargo e envenenado.
O homem ficou muito feliz. Buda foi embora e o veneno começou a funcionar. O médico foi chamado e disse: "É um caso muito grave. O veneno entrou na circulação sanguínea e é impossível fazer algo — Buda
morrerá!"
A primeira coisa que Buda fez foi reunir seus discípulos e dizer-lhes: "Esse homem não é comum, é um homem excepcional. Minha mãe foi a primeira a me alimentar e ele foi o último — ele é exatamente como
minha mãe. Assim, honrem-no porque isso é algo raro!"
"Um Buda acontece em milhares de anos e apenas duas pessoas têm essa rara oportunidade: a primeira é a mãe; ela auxiliou Buda a entrar no mundo; e a ultima é esse homem; ele me
auxiliou a entrar no outro mundo. Por isso, ide e anunciai ao povo que esse homem deve ser venerado — ele é grande!"
Os discípulos ficaram muito perturbados, porque tinham pensado em matar o homem. Quando todo mundo se foi, Ananda disse a Buda: "Respeitar esse homem é demais para nós. Ele é um assassino, ele o matou!
Não diga tais coisas. Por que você as diz?"
Buda respondeu: "Eu o conheço, você poderia matá-lo — foi por isso que eu disse: vá e renda-lhe homenagem. Essa é uma rara oportunidade; acontece apenas algumas vezes no mundo: dar a Buda o último alimento".
Buda recebeu veneno e devolveu amor. Isso é alquimia: ele sentiu compaixão por aquele homem que
quase o matou. Ainda quando é veneno o que se dá a um Buda, apenas o amor pode surgir.
Jesus disse: "Pois o que entrar pela boca não os profanará". Até mesmo o veneno não pode maculálo, "mas o que sair da boca, isto é que os maculará". Assim, observe como você transforma as coisas: se alguém
o insulta, se alguém o alimenta com um insulto, isto não o desonra. Mas, o que sai de você? Como você transforma o insulto? O que surge: amor ou ódio?
Assim, Jesus diz: "Observe o que surge de você; não se preocupe com o que encontra." Isso tem de ser observado por você também; do contrário, toda a sua abordagem estará errada. Se você pensar continuamente
no que entra, nunca desenvolverá essa capacidade de ser que pode transformar as coisas. E tudo continuará superficial: a comida pura, esse ou aquele tipo de comida. Ninguém poderá tocá-lo, você será um
Brahmin, uma alma pura. Desse modo, tudo será absurdo! O essencial não é o que entra; o essencial é lembrar-se de que você tem de transformar o que entra.
Certa manhã, Shankaracharya estava em Benares e foi tomar o seu banho ritual no Ganges, pensando, de acordo com a velha tradição Brahman, que o Ganges poderia torná-lo puro. Ao voltar do banho, um Shudra
o tocou. Ele ficou com muita raiva e disse: "O que você fez? Agora terei de tomar outro banho. Você me profanou!"
Conta-se que Shankara inclinou-se e disse: "Até agora, eu estava apenas pensando sobre a unidade, isto era apenas uma filosofia. Agora, você torna maculado — nesse caso eu sou maior do que seu Ganges!"
E o Shudra continuou: "Que tipo de sábio você é? Porque tenho ouvido você dizer que a unidade existe em todos. Assim, permita-me fazer-lhe uma pergunta: o toque do meu corpo pode maculá-lo? Se assim é,
isso significa que o meu corpo pode tocar sua alma. Mas você diz que o corpo é ilusão, que é apenas um sonho, como pode um sonho tocar a Realidade? Como pode um sonho macular a Realidade? Como o que não
é pode macular o que é? Se você
diz que não foi o meu corpo e sim minha alma que o maculou porque só uma alma pode tocar outra alma, então eu não sou Brahma, eu não sou essa unidade da qual você fala?
Diga-me, quem o maculou?"
Conta-se que Shankara inclinou-se e disse: "Até agora, eu estava apenas pensando sobre a unidade, isto era apenas uma filosofia. Agora, você me indicou o caminho certo, agora ninguém pode me macular. Agora
eu entendo: a unidade existe, apenas a unidade existe e o mesmo que está em mim está em você". Então Shankara tentou por todos os meios descobrir quem era esse homem. Ele não pôde descobrir; nunca descobriu
quem era esse homem. Deve ter sido o próprio Deus, deve ter sido a própria Fonte... e Shankara transformou-se.
O que entra em você, não pode maculá-lo, porque seja o que for que entre, entra no corpo. Nada pode entrar em VOCÊ; sua pureza é absoluta. Mas tudo o que sair de você carrega sua qualidade, a fragância
do seu ser — isso demonstra algo. Se o ódio sai de você, isso demonstra que o seu interior está doente; se o ódio vem de você, isso demonstra que você não está são por dentro; se o amor, a compaixão e
a luz surgem de você, isso demonstra que a totalidade foi alcançada.
Espero que você compreenda estas estranhas palavras. A falta de compreensão é fácil, e com pessoas como Jesus o equívoco é sempre possível; a compreensão é quase impossível — porque ele fala verdades e
as verdades são sempre paradoxais — porque você não está pronto para ouvir, não está centrado.
Você compreende pela mente e a mente embaralha, confunde, interpreta — então esta asserção torna-se perigosa. Devo lhes dizer que estas palavras não estão registradas na versão autorizada da Bíblia. Elas
têm sido deixadas de lado — porque o que elas dizem é perigoso! Elas estão registradas, mas não na versão autorizada, não na Bíblia que os cristãos acreditam. Enquanto Jesus falava, muitas pessoas tomavam
nota e este registro sobreviveu. Ele foi encontrado há apenas vinte anos em uma escavação no Egito.
Todos esses dizeres que estamos explanando pertencem a esse registro. Eles não fazem parte da versão autorizada porque a versão autorizada não pode estar certa — é impossível. Quando você organiza uma
religião, o espírito morre; ao ser organizada, a religião morre. Há interesses investidos. Como pode o Papa do Vaticano dizer: "Se você jejuar, fará mal a sí mesmo"? Assim, ninguém jejuará. "E se orar,
será condenado?" Ninguém orará. "E se derem esmolas farão mal a seus espíritos?" Ninguém dará donativos. E como essa grande organização, a Igreja, poderá existir?
Os cristãos têm a maior organização do mundo: os padres católicos são em número de doze lakhs (um milhão e duzentos mil); há milhares de igrejas em todo o mundo. A organização mais rica que existe é o
Cristianismo Católico; nem mesmo os governos federais são tão ricos porque todo governo é falido. Mas o Papa do Vaticano é o homem mais rico, com a maior
organização em todo o mundo, o único estado internacional — não visível, muito invisível, mas com milhões de pessoas trabalhando sob suas ordens.
Como isso pode acontecer? Tudo isso acontece pelas doações, e se os cristãos souberem que Jesus disse: "Se derem donativos, prejudicarão seus espíritos"...? E essas igrejas feitas para orar, se as pessoas
vierem a saber que Jesus disse: "Não reze, caso contrário estará cometendo pecado", quem irá lá rezar? Se ninguém orar, se não houver nenhum jejum, nenhum ritual, nenhuma doação, como os padres existirão?
Jesus tira o próprio fundamento de toda organização religiosa. Sem ela, Jesus pode estar presente, mas o cristianismo não.
Esses dizeres não estão na versão autorizada, eles tiveram de ser deixados de lado. Talvez você não os compreenda, mas, se puder sentir o que eu estou dizendo, você compreenderá. Ele não é contra a prece,
ele não é contra o jejum, ele não é contra dar e compartilhar — é contra as máscaras.
O real deve vir do ser. Primeiro, você deve mudar e ser transformado; então, tudo o que fizer será bom.
Certa vez, alguém perguntou a Santo Agostinho: "O que devo fazer? Não sou um homem instruído; por isso, responda-me com poucas e curtas palavras".
Agostinho disse: "Nesse caso, há apenas uma coisa a ser dita: AME! E tudo o que fizer estará certo".
Quando você ama, tudo está certo, é claro; mas se você não ama, então tudo está errado.
Amar significa não ter ego! Amar significa ser centrado! Amar significa permanecer feliz! Amar significa ser grato! Este é o significado de viver pelo ser, não pelos atos. Porque os atos estão na superfície,
o ser está no íntimo.
Deixe as coisas virem do seu ser. Não manipule e não controle suas ações, transforme seu ser. O real não é o que você faz, o real é aquilo que você é.
SEXTO DISCURSO
26 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus disse:
O reino é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas perdeu-se, a maior de todas. Ele deixou as noventa e nove e saiu em busca da extraviada até encontrá-la. Então, mesmo estando cansado,
ele lhe disse: eu te amo ainda mais que a todas as noventa e nove.
Um dos mais enigmáticos problemas tem sido: o que acontecerá aos pecadores, àqueles que se extraviaram? Qual a relação entre o Divino e o pecador? O pecador será castigado? Irá para o inferno? Todos os
padres têm dito, têm insistido em que o pecador será atirado ao inferno, que terá de ser punido. Mas pode Deus punir alguém? Não tem compaixão suficiente? E se Deus não pode perdoar, então quem será capaz
de fazê-lo?
Muitas respostas têm sido dadas, mas a de Jesus é a mais bela. Antes de abordarmos as palavras de Jesus, muitas coisas devem ser entendidas; elas lhe darão uma base.
Sempre que punimos uma pessoa, sejam quais forem as racionalizações nossas razões são diferentes. Lembre-se da diferença que existe entre razão e racionalização. Você pode ser um pai ou uma mãe, e seu
filho ter feito algo que você não aprova. Não interessa que ele tenha feito algo certo ou errado porque quem sabe o que é certo e o que é errado? Mas você desaprova e tudo o que você desaprova torna-se
errado. Pode ser que seja, pode ser que não seja, este não é o ponto — tudo o que você aprova está certo. Então tudo depende da sua aprovação ou da sua desaprovação.
Quando uma criança se extravia, quando faz algo errado, a seu ver, você a pune. A principal razão é que ela desobedeceu, não que fez algo errado; a principal razão é que seu ego se sente ferido. A criança
teve um conflito com você e afirmou-se a si mesma. Ela disse não a você, ao pai, à autoridade, ao poderoso, então você a pune. A razão é que seu ego está ferido e a punição é uma espécie de vingança. Mas
a racionalização é diferente: você diz que ela errou e tem de agir direito — se você não a punir, como ela irá se endireitar? Assim, ela deve ser punida quando está no caminho errado e recompensada quando
o obedece. É assim que ela é condicionada para uma vida certa. Isso é racionalização; é assim que você se justifica em sua mente, mas esta não é a razão inconsciente básica.
A razão inconsciente é totalmente diferente: é colocar a criança em seu devido lugar, é lembrá-la de que você é o chefe e não ela, que você é quem decide o que é errado e o que é certo, que você é quem
deve dar a ela a direção; que ela não é livre, que você a possui, que você é seu proprietário — e se ela lhe desobedecer, sofrerá.
Se você perguntar aos psicólogos, eles dirão que em todo comportamento esta distinção entre razão e racionalização tem de ser muito bem entendida. A racionalização é um esquema muito astuto — esconde a
verdadeira razão e lhe dá algo falso, mas aparentemente correto. E isso não acontece apenas entre um pai e seu filho, uma mãe e seu filho, acontece entre a sociedade e seus filhos que se extraviam. É por
isso que existem as leis e as prisões — são uma vingança, uma vingança da sociedade.
A sociedade não pode tolerar alguém que se rebela porque esta pessoa pode destruir toda uma estrutura. A pessoa pode estar certa. Atenas não podia tolerar Sócrates; não porque ele estivesse errado — estava
absolutamente certo — não podia tolerá-lo porque se isso acontecesse toda a estrutura social ruiria, seria atirada aos cães e a sociedade não poderia mais sobreviver. Então Sócrates teve de ser sacrificado
à sociedade.
Jesus foi crucificado, não porque tivesse dito algo errado — nunca existiram palavras mais verdadeiras nesta terra — mas foi crucificado pela sociedade porque a maneira pela qual ele as dizia, a maneira
como se comportava, era um perigo para a estrutura social.
A sociedade riso pode tolerar isso, ela pune. Mas também racionaliza: diz que é só para corrigi-lo; pune-o para o seu próprio bem. Mas nunca ninguém se preocupa se esse bem chegou a ser realizado ou não.
Nós punimos os criminosos há milhares de anos, mas ninguém se preocupa em saber se esses criminosos se transformaram por causa da nossa punição ou não. Os criminosos continuam aumentando, crescem as prisões
e cresce o número de prisioneiros; quanto 'mais leis, mais criminosos; quanto mais tribunais, mais punições. O resultado é totalmente absurdo — a criminalidade aumenta.
Qual é o problema? O criminoso também pode racionalizar, pensar que ele não foi punido por ter errado — mas sim por ter sido apanhado. Ele também faz suas racionalizações: "da próxima vez serei mais esperto
e mais inteligente. Desta vez, fui apanhado porque não estava alerta, não porque agi errado. A sociedade foi mais inteligente que eu, mas da próxima vez..."
— ele quererá provar a si mesmo que é mais esperto, mais inteligente, mais astuto e que não será apanhado. Um prisioneiro, um criminoso que é punido, sempre pensa que foi punido não pelo que cometeu, mas
porque foi apanhado. Esta é a única coisa que ele aprende com a punição.
Sempre que um prisioneiro sai da prisão, ele sai aperfeiçoado: viveu com pessoas experientes dentro da prisão, pessoas com uma habilidade maior, que sabem mais, que já foram presas antes, que já foram
punidas muitas vezes e já sofreram muito; que já foram enganadas de muitas maneiras e que estão muito avançadas no caminho do crime. Vivendo com essas
pessoas, servindo-lhes, tornando-se seu discípulo, ele aprende pela experiência como não ser apanhado outra vez. Então, torna-se um criminoso muito mais experiente.
Ninguém parou por causa das punições, mas a sociedade continua pensando que para o criminoso desaparecer, é preciso que ele seja punido. Ambos estão errados: a sociedade tem alguma outra razão e se vinga;
e o criminoso também entende — porque os egos se entendem entre si com muita facilidade, por mais inconscientes que sejam — o criminoso também pensa:
"Está bem, eu me vingarei quando chegar minha vez". Desse modo. Existe um conflito entre o ego do criminoso e o ego da sociedade.
Com Deus acontece a mesma coisa? Ele é semelhante à justiça, ao magistrado, ao pai ou ao patrão? Deus é tão cruel quanto a sociedade? Deus é tão baixo e egoísta quanto nós? Ele se vingará se você desobedecer?
Ele o punirá? Então Ele não é mais Divino, é apenas um homem comum como nós.
Este é um dos mais profundos problemas: como Deus se comportará com o pecador que se extravia? Será gentil? Existem outros pontos envolvidos. Se Ele for justo, não poderá ter compaixão porque justiça e
compaixão não podem existir juntas. Compaixão significa perdão incondicional, mas isso não é justo.
É possível que um santo reze constantemente e durante toda a sua vida, não faça nada de errado; tenha sempre medo de sair dos limites, viva no seu próprio confinamento, crie uma prisão para si mesmo; nunca
faça nada errado, permaneça virtuoso durante toda a vida; nunca se permita qualquer prazer dos sentidos, seja muito austero. Também é possível que um outro homem viva satisfazendo-se, faça tudo o que lhe
vier à cabeça, vá onde seus sentidos o levarem, goze de tudo o que o mundo lhe der; faça todo o tipo de coisa, cometa todo o tipo de pecado — e que ambos alcancem o Divino, e que ambos alcancem o mundo
de Deus.
O que acontece? Se o santo não é recompensado e o pecador não é punido, isso é injusto. O santo irá pensar: "Eu tive uma vida correta, mas nada de especial me foi concedido por isto. Se o pecador recebe
a mesma recompensa, então qual é a vantagem de ser santo?" Todo o esforço se torna inútil. Deus pode ter compaixão, mas não é justo.
Se Ele fosse justo, então a aritmética estaria clara em nossa mente: o pecador seria punido e o santo recompensado. Mas então, Deus não teria compaixão — um homem justo tem de ser cruel; caso contrário
a justiça não pode ser feita. Um homem justo tem de usar a cabeça, não o coração.
Um magistrado não deve ter coração, senão sua justiça vacila. Não deve ter nenhuma bondade, porque a bondade torna-se uma barreira para que a justiça seja feita. Um homem justo tem de tornar-se um computador,
só cabeça: leis, recompensas, punições — nada de coração deve penetrar nele, nenhum sentimento deve ser permitido. Tem de permanecer um expectador, insensível, como se nele não existisse coração. Mas então
surge um problema difícil, porque
há séculos temos dito que Jesus é justo e compassivo, bondoso, amável, e ainda assim, justo. É uma contradição, um paradoxo — como resolver isto?
Jesus tem uma solução, a mais bela. Agora tente entender sua resposta. Será difícil porque ela irá de encontro a todos os seus preconceitos porque Jesus não crê em punições. Ninguém como Jesus pode acreditar
em punições porque, no fundo, a punição é uma vingança. Um Buda, um Jesus, um Krishna não podem acreditar em punições. Muito pelo contrário, eles podem abandonar a própria qualidade de justiça de Deus.
Mas a compaixão não pode ser abandonada porque a justiça é um ideal humano; a compaixão é Divina. A justiça tem condições ligadas a ela: "Faça isto e alcançará aquilo. Não faça isto senão você não conseguirá
aquilo".
A compaixão não tem condições.
Deus é compassivo. E para entender Sua compaixão temos de começar pelo pecador.
"Jesus disse: o Reino é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas perdeu-se, a maior de todas. Ele deixou as noventa e nove e saiu em busca da extraviada até encontrá-la. Então, mesmo estando
cansado, disse-lhe: eu te amo ainda mais que a todas as noventa e nove."
Absurdo! Ilógico! — mas verdadeiro. Tente entender: "O Reino de Deus é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas perdeu-se, a maior de todas."
É sempre assim — aquele que se extravia é sempre o melhor.
Se você é um pai e tem cinco filhos, você sabe que só o melhor deles tentará resistir e negar você, só o melhor se afirmará a si mesmo. Os medíocres sempre cederão, mas aquele que não é medíocre se rebelará
porque a rebeldia é uma qualidade própria da sua mente. A inteligência é rebelde: quanto mais inteligente, mais rebelde. E aqueles que não são rebeldes, que sempre dizem sim, estão quase mortos; você pode
gostar deles, mas eles não têm vida em si. Eles o seguem não porque o amam, seguem porque são fracos, são medrosos, não podem ficar sozinhos, não podem enfrentar nada — são débeis, impotentes.
Olhe ao seu redor — as pessoas que você acha boas, quase sempre são fracas. A bondade delas não vem da força, vem da fraqueza. Elas são boas porque não ousam ser más. Mas que tipo de bondade é essa que
vem da fraqueza? A bondade tem de surgir de uma força transbordante, só então é boa porque ela é viva, um fluxo de vida.
Assim, sempre que um pecador se torna santo, sua santidade tem sua própria glória. Mas sempre que um homem comum se toma santo por causa da sua fraqueza, sua santidade é pálida e morta, não existe vida
nela. Você poderá tomar-se santo pela sua fraqueza, mas lembre-se de que estará perdendo. Só tornando-se santo pela sua força é que ganhará. Um homem que é bom porque não pode ser mau, não é realmente
bom. No momento em que se tornar forte, será mau; dê-lhe o poder e imediatamente estará corrompido.
Isto aconteceu neste país: Ghandi tinha um grande séquito, mas parece que a bondade de seus seguidores vinha da fraqueza. Eram bons quando não estavam no poder, mas quando o tiveram, quando se tornaram
os dirigentes deste país, o poder imediatamente os corrompeu.
O poder pode corromper um homem poderoso? Nunca! Porque ele já é poderoso. Se o poder pudesse corrompê-lo, já o teria feito! O poder só o corrompe quando você é fraco e sua bondade vem da fraqueza. Lorde
Acton disse: "O poder corrompe e corrompe completamente!" Mas eu gostaria de fazer esta frase condicional porque ela não é incondicional, não é categórica, não pode ser. O poder corrompe quando a bondade
vem da fraqueza; quando a bondade vem da força, nenhum poder pode corrompê-la. Como poderá corrompê-la se o poder já existir? Se você já o conhecer?
No entanto, é muito difícil saber de onde vem a sua bondade. Se você não é um ladrão porque tem medo de ser preso, no dia que tiver certeza de que ninguém poderá prendê-lo, tornar-se-á um ladrão — porque,
então, quem irá impedi-lo? Antes, só o medo o impedia; você não assassinava seu inimigo porque sabia que seria preso. Mas se surgir uma ocasião em que você possa assassinar um homem e não ser preso, não
ser punido por isso, você o matará imediatamente. Então é só pela sua fraqueza que você é bom.
Mas como a bondade pode vir da fraqueza? A bondade precisa de uma energia transbordante. A bondade é uma luxúria, lembre-se. A santidade é uma luxuria — surge da fluência. Quando existe muita energia,
tanta que você está inundado por ela, então você começa a distribuí-la. Então você não pode explorar porque não há necessidade. Pode dar de coração porque você tem tanta que está realmente sobrecarregado.
Você prefere distribuir e renunciar, prefere atirar tudo e dar toda a sua vida como um presente.
Quando você tem alguma coisa, você gosta de dar — lembre-se desta lei: você se prende a alguma coisa só quando não a tem realmente; se você tiver poderá dar. Só quando você se sente feliz por dar alguma
coisa é que você a tem. Se você ainda se prende a ela, isto significa que, no fundo, sente medo e não é o senhor dessa coisa. No fundo, você sabe que ela não lhe pertence e mais cedo ou mais tarde, será
tirada de você. É por isso que não pode dar. Só quando uma pessoa dá seu amor é que mostra que tem amor; só quando uma pessoa dá toda a sua vida é que mostra que está viva. Não há outra maneira de se saber.
Muita bondade aparece a partir da fraqueza. É uma aparência, é uma falsa moeda semelhante a uma flor de papel ou de plástico. Sempre que uma árvore floresce é porque está com muita energia. As flores são
luxúria — uma árvore só floresce quando pode se dar a esse luxo. Se não receber água na proporção certa, se não for fertilizada na proporção certa, se não estiver em solo rico, poderá ter folhas, mas não
flores.
Existe uma hierarquia: o mais alto só pode existir quando existe energia para elevá-lo até ele. Se você
não se alimentar bem, a inteligência desaparecerá porque ela é uma florescência. Num país pobre, a verdadeira pobreza não é a do corpo, é a da inteligência porque se o país é muito pobre, a inteligência
não pode existir — ela é uma florescência. Só quando todas as necessidades do corpo são satisfeitas, a energia do corpo pode mover-se para o alto; quando as necessidades do corpo não são satisfeitas, a
energia movese para satisfazer primeiro a essas necessidades. Porque a base, a raiz tem de ser protegida em primeiro lugar. Se não existe raiz, não pode haver nenhuma florescência; se o corpo não existe,
como a inteligência poderá existir? E a compaixão é ainda mais alta que a inteligência, assim como a meditação.
Na índia, Buda e Mahavir aconteceram quando o país era muito rico. Desde então os chamados santos têm existido, mas nenhum como Buda — é difícil, muito difícil! Porque tal florescimento só pode existir
quando existe excesso de energia, energia que não precisa ser utilizada — só então ela pode começar a gozar de si mesma. E quando a energia começa a desfrutar de si mesma, ela começa a voltar para dentro,
torna-se uma reversão. Então, passa a ser meditação. Um Buda nasce, o êxtase existe.
Se você não dá água à árvore, primeiro desaparecem as flores, depois as folhas, a seguir morrem os galhos; finalmente morrem as raízes — porque, tendo raiz, tudo pode voltar a brotar, é por isso que a
árvore protege suas raízes. A raiz é o que existe de mais fundo, mas tem de ser protegida porque é a base. Quando surgem dias melhores, quando as chuvas caem e a água está presente, então a raiz pode brotar
outra vez, as folhas voltam e novamente surgem as flores. Essa mesma hierarquia existe em você.
Seja bom a partir da sua energia, nunca pela sua fraqueza. Eu não estou dizendo para você ser mau! Mas, pela sua fraqueza, como você pode qualquer uma das duas coisas? A maldade precisa de energia, tanto
quanto a bondade. Sem energia, você não pode ser mau, não pode ser demoníaco nem pode ser bom — porque os dois pontos são REAIS. Então o que você pode ser sem energia? Só pode ser uma máscara: não pode
ser nada real, só uma fachada, uma fraude, uma sombra, não uma pessoa real — tudo o que você fizer, será nebuloso. É isto o que está lhe acontecendo. Você está criando uma bondade falsa, uma santidade
falsa. Pensa que é santo porque não cometeu nenhum pecado, não porque alcançou o Divino.
Alcançar o Divino é uma realização, uma realização positiva da energia. Quando isto acontece, você se torna bondoso, mas essa bondade não surge de nenhum esforço — flui espontaneamente. Você pode reprimir
sua maldade, mas isso é negativo. Se você reprimir, o desejo permanecerá; e se o desejo de ser mau permanecer, você o estará cometendo; não importa que não esteja agindo. Essa é a diferença entre pecado
e crime.
O crime tem de ser um ato. Você pode viver pensando em cometer um crime, mas nenhum tribunal pode puni-lo porque não tem autoridade sobre a mente, só sobre o corpo — o crime é um ato. Eu posso pensar constantemente
em matar todo mundo, mas nenhum tribunal pode me punir por estar pensando nisso. Posso me satisfazer com isso, mas se não matei ninguém isso não se tornou um ato. A ação está sob o controle da lei, o pensamento
não. Esta é a grande diferença entre pecado e crime.
O pecado não faz nenhuma distinção entre os seus atos e os seus pensamentos: quando você pensa, a semente está presente; se ela brotará em um ato ou não, não é o problema. Se ela tornar-se um ato, então
passará a ser crime. Mas se você pensar, já estará cometendo pecado — para o Divino, você tornouse um criminoso, você extraviou-se. Este é o ponto que deve ser entendido, um ponto muito difícil: aqueles
que se extraviam são sempre muito mais poderosos do que aqueles que permanecem no caminho.
Os que se extraviam são sempre melhores. Vá a um hospício e observe: verá que as pessoas mais inteligentes ficaram loucas. Veja os últimos setenta anos deste século: foram as pessoas mais inteligentes
que enlouqueceram, não as medíocres. Nietzsche, uma das maiores inteligências que já surgiu, ficou louco, tinha de ficar — ele tinha muita energia; tanta energia que não podia ficar confinado, tanta energia
que se tornou transbordante; não podia permanecer um pequeno regato, ele não podia canalizá-la — era como um oceano, selvagem. Nietzsche enlouqueceu. Nijinsky enlouqueceu. Observe o passado deste século
e verá que os melhores, a nata enlouqueceu; os medíocres continuaram sãos.
Isto parece absurdo: os medíocres permanecem sãos e os gênios enlouquecem. Por que uma pessoa medíocre permanece sã? Porque não possui energia para extraviar-se. Uma criança torna-se problema quando tem
energia transbordando, quando se torna irrequieta. Só uma criança exangue permanece pelos cantos — se você dizer a ela: "repita Ram, Ram, Ram", ela repetirá; se você der a ela um rosário, ela rezará. Mas
se a criança estiver realmente viva, jogará longe o rosário e dirá: "Isto é uma droga! Vou brincar, subir nas árvores, fazer qualquer outra coisa!"
A vida é energia. Só uma mente exangue, anêmica, não fugirá, ela não pode porque é difícil prover-se de tanta energia, é difícil mover-se a tais extremos, a tais abismos. Mas os que se extraviam — se conseguem
ser encontrados — tornam-se Budas. Se Nietzsche tivesse se entregado à meditação teria se tornado um Buda. Ele tinha energia para ficar louco, então tinha energia para ser um Iluminado — a energia é a
mesma, só a direção é que muda. Um Buda em potencial ficará louco se não se tornar Buda — para onde irá sua energia? Se ela não puder ser criativa, será destrutiva. Vá a um hospício: lá encontrará os homens
mais inteligentes; estão loucos porque não são medíocres; estão loucos porque podem ver mais além, podem ver com mais profundidade que você. E quando eles vêm com mais profundidade, as ilusões desaparecem.
A totalidade da vida é um quebra-cabeça. Se você conseguir ver mais profundamente, será difícil continuar são, muito difícil. Uma pessoa permanece sã porque não pode ver: você só enxerga dois por cento
da vida, noventa e oito por cento, dizem os psicólogos, está oculto, porque se você chegar a ver, haverá um fluxo tão grande que você não será capaz de suportar — enlouquecerá.
Atualmente, alguns psicólogos, aqueles que estudam profundamente a loucura, como R. D. Laing e outros, estão surpresos com certos fatos. Um desses fatos é o seguinte: as pessoas que
enlouquecem são as melhores, as pessoas que cometem crimes são as mais rebeldes. Podem tornar-se grandes santos e não é surpresa que Valmiki tenha se tornado um santo.
Valmiki era um dacoit, um assassino, vivia de matar e saquear. Um instante aconteceu — e ele se Iluminou.
Um Iluminado estava passando e Valmiki, o assassino, um homem que vivia de roubar, assaltou-o. O Iluminado disse a Valmiki: "O que você quer?"
Valmiki disse: "Vou roubar tudo o que você tem."
Iluminado disse: "Se você puder fazer isso, ficarei feliz porque tenho algo muito interno; roube-o e será bem-vindo!"
Valmiki não entendeu, mas disse: "Estou me referindo apenas a coisas eXteriores."
Iluminado disse: "Mas elas não ajudarão muito. Por que você está fazendo isso?"
Valmiki respondeu: "Pela minha família, por causa dela — minha mãe, mulher e filhos — se eu não o fizer, eles morrerão de fome; e eu só sei fazer isto."
Iluminado disse: "Amarre-me numa árvore de modo que eu não possa escapar e vá dizer à sua mãe, à sua esposa e às suas crianças que você está pecando por eles. Pergunte-lhes se estarão prontos para compartilhar
do castigo. Quando você estiver diante de Deus, quando chegar ao Juízo Final, estarão prontos para compartilhar do castigo?"
Pela primeira vez, Valmiki começou a pensar. Disse: "Você deve estar certo, vou perguntar a eles."
Voltou para casa, perguntou a sua mulher e ela respondeu: "Por que eu deveria dividir o castigo com você? Não fiz nada. Se você erra a responsabilidade é sua."
Sua mãe lhe disse: "Por que deveria compartilhar? Sou sua mãe, é seu dever alimentar-me. Não sei como conseguir pão. A responsabilidade é sua."
Ninguém estava pronto para dividir o castigo — e Valmiki se converteu. Voltou, caiu aos pés do homem Iluminado e disse: "Dê-me agora o interno, não estou interessado no externo. Deixe que eu seja ladrão
do interno porque entendi que estou só e qualquer coisa que fizer, a responsabilidade será minha, ninguém irá dividi-la comigo. Nasci só e morrerei só. Tudo o que fizer será minha individual, pessoal responsabilidade;
ninguém irá compartilhá-la comigo. Agora tenho de olhar para dentro e descobrir quem sou eu. Acabou! Acabei com tudo aquilo que fazia!" Esse homem foi convertido em um segundo.
A mesma coisa aconteceu com Buda: havia um homem que estava quase louco, um assassino louco. Ele fez um juramento de matar mil pessoas, não menos que isso, porque a sociedade
não o tinha tratado bem. Ele se vingaria matando mil pessoas. E de cada uma que matasse tiraria um dedo e faria um rosário em torno do pescoço — mil dedos. Por causa disto seu nome para a ser Angulimala:
o homem do rosário de dedos.
Ele matou novecentas e noventa e nove pessoas. Sempre que as pessoas desconfiavam que Angulimala estava por perto, não passavam por aquela região, o tráfego era interrompido. Então tornou-se difícil para
ele encontar um homem; e só mais um era preciso.
Buda aproximou-se da floresta. As pessoas vieram das vilas até ele e disseram: "Não vá! Angulimala, o assassino louco, está lá! Ele não pensa duas vezes, simplesmente mata; portanto, não vai querer saber
se você é Buda. Não vá por esse caminho, existe outro. Você pode ir pelo outro, não siga pela floresta". Buda disse: "Seu eu não for, quem irá? Ele está esperando por mais um; tenho de ir".
Angulimala quase cumpriu seu juramento. Era um homem de muita energia porque lutava contra toda a sociedade: apenas um homem — e havia matado quase mil pessoas. Os reis, os generais, os governadores, a
lei e a polícia — todos o temiam, ninguém conseguia fazer nada. Mas Buda disse: "Ele é um homem e precisa de mim. Tenho de arriscar. Ou ele me mata ou eu o mato". Foi o que Buda fez. Eles se enfrentaram
e arriscaram suas vidas. Buda entrou na floresta. Mesmo seus discípulos mais próximos, mesmo os que diziam que permaneceriam com ele até o fim, foram ficando para trás — porque isso era perigoso!
Quando Buda se aproximou do morro onde Angulimala estava sentado numa pedra, não havia ninguém atrás dele, estava só. Todos os discípulos tinham desaparecido. Angulimala olhou esse homem, inocente como
uma criança; achou-o tão belo que até mesmo ele, um assassino, se compadeceu. Pensou: "Esse homem parece não ter consciência de que estou aqui; caso contrário não viria por este caminho". E o homem parecia
tão inocente, tão belo que até Angulimala pensou: "Não é bom matar esse homem. Deixarei que ele siga, encontrarei outra pessoa".
Então, disse a Buda: "Volte! Pare aí mesmo e volte! Não dê mais nenhum passo! Eu sou Angulimala e tenho aqui novecentos e noventa e nove dedos; preciso apenas de mais um — mataria até minha mãe, se ele
passasse por aqui, para cumprir meu juramento! Portanto, não se aproxime, sou perigoso! Não creio em religião, não me importo com quem você seja. Você pode ser um bom monge, talvez um santo, mas não me
importa! Só importa o dedo e o seu é tão bom quanto o de qualquer outro! Não dê mais nenhum passo, senão eu o mato. PARE!"
Mas Buda continuou andando.
Angulimala pensou: "Ou esse homem é surdo ou é louco!"
Gritou outra vez: "Pare! Não se mova!"
Buda disse: "Parei há muito tempo, não estou me movendo,
Angulimala, você é que está. Parei há muito tempo. Todo o movimento parou porque toda a motivação parou. Quando não existe motivação, como pode acontecer o movimento? Não existe nenhuma meta para mim,
já atingi a minha, então para que eu vou me mover? É você quem está se movendo — e eu lhe digo: pare!" Angulimala estava sentado na pedra e começou a rir. Disse: "Você está mesmo louco! Estou sentado e
você diz que estou me movendo; você está se movendo e diz que parou. Você é mesmo um tolo ou um louco — ou não sei que tipo de homem é você!"
Buda aproximou-se mais e disse: "Ouvi dizer que você precisa de mais um dedo. No que diz respeito a este corpo, minha meta foi alcançada, não preciso mais dele. Quando eu morrer as pessoas irão queimálo,
não será útil para ninguém. Você pode usá-lo para cumprir seu juramento: corte meu dedo e corte minha cabeça. Vim disposto a aproveitar esta chance de meu corpo ser usado de alguma maneira; caso contrário,
as pessoas irão queimá-lo!"
Angulimala disse: "O que você está dizendo? Pensei que eu fosse o único louco por aqui. Não tente ser esperto porque eu sou perigoso, posso matar você!"
Buda disse: "Antes de me matar, faça uma coisa, atenda ao desejo de um moribundo: corte um galho desta árvore". Angulimala bateu sua espada contra a árvore e um grande galho caiu dela. Buda disse:"Só mais
uma coisa: junte-o outra vez à árvore".
Angulimala disse: "Agora sei perfeitamente que você está louco — posso cortar mas não posso juntar".
Então Buda começou a rir e disse: "Se você pode destruir e não pode criar não deveria destruir porque isso pode ser feito por uma criança, rito existe grandeza nisso. Esse galho pode ser cortado por uma
criança, mas para juntá-lo é preciso um mestre. Se você nem mesmo pode juntar um galho à árvore, como pode cortar cabeças humanas? Você alguma vez já pensou nisso?"
Angulimala fechou os olhos e caiu aos pés de Buda, dizendo: "Leve-me por esse caminho!"
Dizem que nesse momento ele se tornou Iluminado.
No dia seguinte, ele era um bhikkhu, um mendigo, um mendigo de Buda, e mendigava pela cidade. Toda a cidade se fechou. As pessoas tinham tanto medo que diziam: "Mesmo que ele tenha se tornado um mendigo,
não se pode acreditar nele. É um homem muito perigoso!" As pessoas não saíam às ruas. Quando Angulimala foi mendigar, não havia ninguém para lhe dar comida. Quem correria tal risco? As pessoas ficaram
nas sacadas olhando para baixo. E então começaram a atirar pedras nele porque havia matado novecentos e noventa e nove homens do lugar. Quase todas as famílias tinham sido vitimadas e, por isso, começaram
a apedrejá-lo.
Angulimala caiu na rua e o sangue escorreu de todo o seu corpo, ficou muito ferido. Buda aproximouse com seus discípulos e disse: "Vejam! Angulimala, como voce está se sentindo?"
Angulimala abriu os olhos e disse: "Estou grato a você. Eles podem matar meu corpo, mas não podem me tocar — e foi isso que eu fiz durante toda a minha vida sem nunca perceber".
Buda disse: "Angulimala se Iluminou, tornou-se um Brahmin, um conhecedor de Brahma (a Realidade Última)."
Pode acontecer de repente, se existir energia. Se não existir energia, será muita difícil. Toda a Yoga consiste na criação de energia, de mais energia. Toda a dinâmica tântrica consiste na criação de mais
energia em você, a ponto de torná-lo um fenômeno transbordante. Então, você pode ser bom ou mau.
Jesus disse: "Uma delas extraviou-se, a maior de todas".
Só aqueles que são grandes, que são os melhores, se extraviam. Os pecadores são as pessoas mais belas do mundo — numa vida errada, é claro! Podem tornar-se santos a qualquer momento. Os santos são belos,
os pecadores do belo, mas as pessoas que estão no centro são feias. Porque a impotência é a feiura extrema: quando você não tem qualquer energia, quando já é uma coisa morta, um cadáver, de algum modo
você está sendo carregado por si mesmo ou por outras pessoas.
Por que os melhores, os grandes, se extraviam? Há um segredo que deve ser entendido: no processo de crescimento, primeiro você tem de alcançar o ego. Se você não conseguir obter um ego cristalizado, a
entrega será Impossível. Parece paradoxal, mas é assim. Primeiro, você tem de obter um ego muito cristalizado e depois tem de abandoná-lo. Se você não o alcançar, não o obtiver, a entrega nunca poderá
lhe acontecer. Como você poderá entregar algo que não conseguiu?
Um homem rico pode renunciar às suas riquezas, mas o que pode fazer um mendigo? Ele não tem bens para renunciar. Um grande intelectual pode livrar-se de seu intelecto, mas o que poderá fazer um medíocre?
Como ele poderá se livrar de algo que não tem? Se você tem algum conhecimento pode renunciar a ele e tornar-se ignorante, humilde; mas se não o tiver, como renunciar?
Sócrates podia dizer: "Tudo o que sei é que nada sei". Essa é a segunda parte: ele era um sábio e percebeu que todo o conhecimento é inútil. Mas isso não pode ser alcançado por uma pessoa que não caminhar
como Sócrates. O intelecto tem de ser treinado, o conhecimento 'tem de ser ganho, o ego tem de ser cristalizado; essa é a primeira parte da vida. Só quando você tem riquezas, pode renunciar a elas — a
diferença é grande.
Veja um mendigo nas ruas e veja Buda mendigando: ambos são mendigos, mas a qualidade difere totalmente: Buda é um mendigo por sua própria escolha. Não é forçado a mendigar, é livre. Buda é um mendigo porque
experimentou as riquezas e achou-as fúteis; Buda é um
mendigo porque viveu através de seus desejos e achou-os fúteis, inúteis. Buda é um mendigo porque o reino deste mundo fracassou. A mendicância de Buda tem uma riqueza em si — nenhum rei pode ser tão rico
porque ainda está dando meia volta e Buda já completou o círculo. Um mendigo que nunca foi rico também está nas ruas: ele mendiga simplesmente porque não conhece o gosto da riqueza. Como ele pode renunciar
a um desejo se ainda não o satisfez? Como pode dizer que os palácios são inúteis? Ele não os experimentou. Como pode dizer que as mulheres belas não têm nenhum valor? Ele nunca conheceu mulheres bonitas.
Só a experiência pode lhe dar a chave da renuncia. Sem experimentar, você pode consolar a si mesmo. Muitas pessoas pobres, pobres em todos os sentidos, fazem isso.
Se você não tiver uma esposa bonita, você dirá: "E daí? O corpo é só o corpo, é mortal, é a morada da morte". Mas no fundo, bem no fundo, o desejo permanecerá, e ele só irá embora quando a experiência
acontecer, quando você chegar a conhecê-lo, do contrário isto será uma consolação. Um homem pobre pode consolar-se achando que não há nada nos palácios, mas sabe que há; senão, porque todos estariam loucos
por riquezas? Ele mesmo está louco e obcecado: nos seus sonhos, mora em palácios, torna-se Imperador. Mas, durante o dia, quando é um mendigo andando pelas ruas, diz: "Não me importo, não me preocupo,
eu renunciei!" Essa consolação é inútil, é perigosa, é falsa.
A primeira parte da vida de uma pessoa corretamente amadurecida é alcançar o ego, a segunda parte — e então o círculo se completa — é renunciar a ele.
Uma criança só cresce quando resiste a seus pais, quando luta com eles; quando sai de perto deles, move-se contra eles; aí ela alcança seu ego individual. Se ela viver presa aos pais, se os seguir, nunca
será um indivíduo por si mesma.. Ela tem de se extraviar — é isso que a vida tem de ser. Tem de tornar-se independente, e é doloroso tornar-se independente. Existe luta; e você só pode lutar quando sente
que é. Este é o círculo. Se você sentir que é, poderá lutar mais; se você lutar mais, será mais — sentirá: "Eu sou". A criança atinge a maturidade quando se torna totalmente independente. E para alcançar
essa independência ela tem de se extraviar.
O pecador pode estar procurando ser independente da sociedade, da mãe, do pai — mas está procurando a independência e o ego da maneira errada. O santo também está buscando a independência, mas da maneira
certa. Os caminhos são diferentes, mas os errados são sempre fáceis. Tornar-se um santo é difícil porque, para isso, é preciso ser antes um pecador. Tente entender isto: para ser um pecador você não precisa
ser um santo antes; mas para ser um santo, antes você tem de ser um pecador. Caso contrário, sua santidade será pobre; será fraca, pálida, não estará viva; será um regato de verão, não um rio transbordante.
"Uma delas extraviou-se, a maior de todas".
Como você sabe, a palavra "maior" no mundo das ovelhas, significa a "melhor". Porque a maior ovelha é a melhor: tem mais lã, mais carne.
Tem mais valor para venda; se você a vender, ganhará mais. Quanto maior é a ovelha, melhor é; quanto menor, mais pobre. "A maior" significa a melhor — e a melhor se extraviou. Isto é simbólico.
"O pastor... deixou para trás as noventa e nove... " elas não tinham valor.
Por que Jesus escolheu o pastor e as ovelhas? Sua simbologia é muito significativa: toda a multidão de mentes medíocres é como ovelhas, vive em ajuntamentos. Observe as ovelhas andando numa estrada; elas
caminham como se tivessem uma mente coletiva, não como seres independentes; apertam-se uma às outras, amontoam-se com medo de ficar sozinhas. Movemse em rebanho.
Ouvi dizer que um professor perguntou a um garoto cujo pai era pastor: "Se existem dez ovelhas e uma pula a cerca do quintal, quantas permanecem do lado de dentro?"
O menino respondeu: "Nenhuma!" O professor disse: "O que você está dizendo? Dei a você um problema de aritmética para ser resolvido: Havia dez ovelhas, uma pulou a cerca; quantas sobraram?"
O menino respondeu: "Você pode conhecer aritmética, mas eu conheço as ovelhas — nenhuma!" Porque as ovelhas têm mente coletiva, movem-se em rebanho: se uma pular, todas pularão.
O pastor deixou as noventa e nove e saiu em busca daquela que se extraviou.
Jesus diz sempre que Deus vai em busca do pecador, não em busca do medíocre, do meiotermo — porque... os medíocres não têm valor nenhum, não conseguiram nenhum valor. E, além do mais, eles estão sempre
no caminho, não há necessidade de procurá-los, de buscá-los — eles não podem se extraviar. É por isso que o pastor deixou as outras noventa e nove na floresta, de noite, e saiu em busca daquela que se
extraviou: Porque ela se tornou individual, atingiu o ego; as outras noventa e nove estavam sem ego, eram um rebanho.
Olhe para todo o seu ser: ainda é uma multidão? Ou você tornou-se um ego? Se você tornou-se um ego, então Deus o está buscando porque tem valor — você tem de ser procurado, tem de ser encontrado. Você
já ganhou a metade do círculo; agora a outra metade é a entrega; agora a outra metade pode ser alcançada através de Deus. Só você pode conseguir a primeira metade; a outra é completada pelo Divino. Quando
você tem um ego, em algum lugar, de alguma maneira, Deus está buscando-o porque você já fez a sua parte, tornou-se um indivíduo. Agora, se você perder a individualidade, tornar-se-á universal.
Esta é a diferença: antes da individualidade, você é apenas uma multidão, não universal; apenas uma multidão, a multidão local. Então você alcança a individualidade e extravia-se; torna-se independente,
torna-se um ego — e ao perder esse ego torna-se o Oceano, torna-se o
Todo.
Neste momento, você não é. Por isso não pode se transformar no todo. Neste momento, existe a multidão: você é apenas um número na multidão. No exército fazem isso muito bem, dão números aos soldados: um,
dois, três quatro — não nomes; porque na realidade você mio tem nenhum nome, você tem de ganhá-lo. Você é apenas um número, um dígito: um, dois, três, quatro... — quando os soldados morrem, pode-se escrever
no quadro que tais e tais números tombaram. São números e números, podem ser substituídos. Quando o "número um" cai, pode ser substituído por qualquer outra pessoa que se tornará o "número um". No exército
existem ovelhas e o exército é a sociedade perfeita; é como uma sociedade de formigas, uma multidão. Se você quiser conhecer a mente coletiva observe o exército: ele o disciplina tão completamente que
você perde toda a independência. Uma ordem é uma ordem, você não tem de pensar sobre ela. Eles ordenam: "Direita volver!" e você vira!E isto torna-se muito profundo.
Ouvi contar que a mulher de um coronel estava muito perturbada porque sempre que o coronel dormia do lado esquerdo roncava. Era muito difícil para ela porque não era um ronco comum — era um ronco dê coronel.
Era como um rugido e ela não conseguia dormir. Mas quando o coronel dormia do lado direito não roncava. Então ela foi ao psicanalista e consultou-o sobre isso. Ele disse: "É simples: sempre que ele roncar,
vire-o para a direita."
Ela disse: "É difícil! Ele é pesado e além disso fica zangado. Se eu o sacudo e ele acorda, fica bravo; e acontece tantas vezes durante a noite que eu perderia toda a minha noite fazendo isso."
O psicanalista disse: "Não se preocupe — apenas sussurre no ouvido dele: 'Direita, volver!' e ele o fará." Deu certo! Uma ordem é uma ordem — ela está gravada fundo no inconsciente.
Uma sociedade existe como uma multidão. Você pode torná-la um exército imediatamente, sem nenhum problema. É por isso que Hitler pôde ser bem sucedido ao transformar todo o país num exército. O mesmo aconteceu
com Mao Tsé Tung, ao transformar todo o seu país num campo de batalha. A sociedade vive num limite, você pode modificá-lo num único momento: um pouco de disciplina e ela pode ser transformada num exército.
Não existe individualidade porque isso não é permitido, você não pode afirmar-se a si mesmo. É rebanho de ovelhas, mentes de ovelhas.
Você tem alguma consciência de si mesmo? Ou simplesmente vive como parte da sociedade onde nasceu? Você é um hindu, um maometano, um cristão, um sikh, um jaina — mas você é um homem? Você não pode dizer
que é um homem porque um homem não tem sociedade. Um Sócrates é um homem, um Jesus, um Nanak é um homem — mas você não! Você faz parte, mas um homem não faz parte de nada — firma-se em seus próprios pés.
É por isso que Jesus disse: a melhor extraviou-se.
E quando a melhor se extravia: "O pastor... deixou as outras noventa e nove e saiu em busca da
extraviada até encontrá-la."
Você continua orando a Deus, mas Ele não o está buscando, é por isso que você não O encontra.
Antes, seja você mesmo; então, Ele estará buscando por você. Não há necessidade de procurar Deus como pode você fazer isso?
Você não sabe o endereço, não sabe onde Ele mora. Você só conhece palavras sem significado e teorias que não irão ajudar.
Ouvi dizer que um padre chegou numa cidade estranha. Os taxis estavam em greve e ele tinha de chegar à igreja porque tinha de fazer um sermão naquela noite. Então, perguntou a um garotinho onde ficava
a igreja e este o levou até lá. Quando chegaram, o padre agradeceu ao menino e disse-lhe: "Estou muito grato por você ter me ajudado — não só por ter me mostrado onde fica a igreja, mas por ter me acompanhado
até aqui. Se você estiver interessado em saber onde Deus está, venha assistir ao meu sermão desta noite. Falarei sobre o caminho para a morada do Divino."
O menino riu e disse: "Você não sabe nem o caminho da igreja, como é que pode saber o caminho do Divino? Não irei!"
Mas eu lhe digo, mesmo que você saiba o caminho da igreja, isso não faz diferença. Todos sabem o caminho da igreja, mas isso não faz diferença porque a igreja não é a Sua morada, nunca foi! Você não pode
procurá-Lo lá porque não o conhece. Ele pode procurá-lo porque o conhece — e esse é um dos ensinamentos básicos de Jesus: o homem não pode alcançar o Divino, mas o Divino pode alcançar o homem. E Ele sempre
alcança quando você está pronto.
A questão não é procurá-lo, mas sim estar pronto e esperar. E a primeira providência é tornarse individual, "extraviar-se". A primeira coisa é ser rebelde porque só assim você ganha o ego. A primeira coisa
é estar além da multidão — é isso que significa extraviar-se, ir além dos limites formulados, delineados, definidos pela sociedade. Porque além existe a sabedoria, existe a vastidão de Deus.
A sociedade é como uma clareira numa floresta. Ela não é real, é criada pelo homem. Todas as suas leis, tudo o que ela chama de virtude e tudo que chama de pecado é apenas criação do homem. Você não conhece
realmente o que é virtude. A origem latina da palavra virtude é muito bela: a palavra latina significa "poderoso", não quer dizer "bom"; quer dizer "viril", "poderoso".
Ser poderoso, afirmar-se a si mesmo, firmar-se em si mesmo. Não caia vítima da multidão! Comece a pensar, comece a ser você mesmo! E siga seu caminho solitário — não seja uma ovelha!
Noventa e nove ovelhas podem ser deixadas numa floresta — não há o que temer por elas, elas não se perdem porque estão amontoadas umas nas outras e podem ser encontradas a qualquer momento. O problema
não são elas, mas aquela ovelha, a melhor, a que abandonou o rebanho. Sempre que uma ovelha abandona o rebanho, e não tem medo da floresta, dos animais selvagens, não tem medo de nada, isso significa que
está sendo poderosa; a ovelha tornou-se corajosa — só então ela pode abandonar o rebanho. E a coragem é o primeiro passo para estar pronto.
O ego é o primeiro passo para a entrega. Parece absolutamente paradoxal. Você achará que sou louco porque pensa que é preciso ter humildade — eu digo que não! Primeiro, é necessário o ego, senão sua humildade
será falsa. Primeiro é necessário o ego — afiado, afiado como uma espada. Ele lhe dá uma clareza de ser, uma distinção; então você pode abandoná-lo. Quando você o tem, pode abandoná-lo. Então a humildade
acontece, mas é uma humildade completamente diferente: não é a humildade do mendigo, não é a humildade de um fraco — é a humildade do forte, do poderoso. Então você pode render-se, não antes.
"Ele deixou as noventa e nove e saiu em busca da extraviada até encontrá-la."
Lembre-se de que você não precisa procurar por Deus; Ele virá a você. Primeiro, torne-se valoroso e Ele o encontrará, Ele fará um caminho em direção a você. No momento que alguém, em algum lugar, torna-se
cristalizado, toda a energia Divina move-se em direção a ele. Ele pode alcançá-lo através de um Iluminado, pode alcançá-lo através de um Mestre, de um Guru, pode alcançá-lo de milhões de formas. Mas como
Ele o alcançará não é o ponto — isso é problema Dele, não seu. Primeiro, atinja o ego, esteja pronto, seja individual, e então o universal poderá lhe acontecer.
"Então, mesmo estando cansado, disse a ovelha: Eu te amo ainda mais que a todas as noventa e nove."
Deus prefere aquela que se rebelou. Os padres dirão: "Que absurdo! Deus prefere aqueles que se extraviam?" Os padres não podem acreditar nisso, mas é assim que acontece. Jesus é a ovelha perdida. Buda
é a ovelha perdida. Mahavir é a ovelha perdida. A multidão continua movendo-se na sua mediocridade, enquanto Mahavir, Buda e Jesus estão extraviados — Deus vem em direção a eles.
Isto aconteceu sob a árvore Bodhi, onde Buda estava sentado, perfeitamente individual, com todas as correntes da sociedade, da cultura, da religião quebradas; todas as correntes quebradas, perfeitamente
só. Então Deus veio de todos os lugares, de todas as direções, porque Deus está em todas as direções — e Buda tornou-se Deus. E ele negou que existe um Deus porque era uma maneira de se extraviar. Ele
disse. "Não existe Deus, eu não creio em nenhum Deus". Disse que não existe nenhuma sociedade, nenhuma religião. Negou os Vedas, negou o sistema de castas — Brahmins, Shudras. Negou toda a estrutura de
pensamento dos hindus. Ele disse: "Não sou um hindu e não acredito em nenhuma sociedade, não acredito em nenhuma teoria. A menos que eu conheça a verdade, continuo não acreditando em nada!"
Ele continuou negando até que chegou um momento em que ficou só, sem nenhum laço, todos absolutamente rompidos. Ele tornou-se uma ilha, absolutamente só. Sob essa árvore Bodhi, há vinte e cinco séculos
atrás, Deus veio de todos os lugares para esse homem, para essa ovelha que tinha se extraviado. E "... mesmo estando cansado, disse à ovelha: Eu te amo ainda mais que a todas as noventa e nove." Isto também
foi dito a Jesus, só pode ter sido, é uma lei básica. Deus procura o homem, não o homem a Deus — o homem deve apenas estar pronto.
E como pode estar pronto? Tornando-se individual. Seja um revolucionário! Vá além da sociedade, seja corajoso, quebre as correntes, todos os relacionamentos. Esteja só e viva como se fosse o centro do
mundo! Então, Deus lançar-se-á em sua direção e nesse lançamento seu ego será perdido, a ilha desaparecerá no Oceano — de repente, você já não estará.
Em primeiro lugar, a sociedade tem de ser abandonada, essa é a mecânica interior: porque o seu ego só pode existir com a sociedade. Se você continuar negando a sociedade, chegará um momento em que o ego
estará só porque a sociedade foi abandonada. Mas então, sem a sociedade, o ego não poderá existir, porque a sociedade reforça o ego. Se você continuar negando, aos poucos a base será abandonada. Quando
não existe o 'outro', o 'eu' não pode existir. No estágio final, o 'eu' desaparece porque o 'outro' foi abandonado. Quando tido existe o 'outro', 'eu' não sou. O 'outro' tem de ser abandonado para o 'eu'
desaparecer. Mas para abandonar o 'outro', antes, o 'eu' tem de se tornar mais definido, mais cristalizado, centrado, belo, poderoso. Então ele é consumido — esta é a chegada do Divino.
Jesus foi crucificado por causa dessas palavras. Ele estava fazendo as pessoas se rebelarem, estava ensinando-as a se extraviarem. Ele dizia que Deus ama aquele que se extravia — o pecador, o rebelde,
o egoísta. Os judeus não puderam tolerar isso, era demais. Este homem deve ser silenciado. "Este homem tem de parar — está indo longe demais, está destruindo toda a sociedade!" Ele estava criando uma situação
que os sacerdotes não poderiam aceitar.
Ele estava contra a multidão — e a multidão é tudo que está ao seu redor — e ela entrou em pânico. Eles pensaram: "Este homem é um inimigo, está destruindo a própria base. Sem a multidão, como poderemos
sobreviver?.. Por estar ensinando às noventa e nove ovelhas a se rebelarem, elas se amontoaram ainda mais. E se você ensina isso, elas se vingam, elas o matam, dizem: "Chega, já chega!"
Nós vivemos numa multidão, somos parte dela. Sós não podemos existir. Não sabemos ser sós, sempre existimos com os outros. O outro é necessário, é uma necessidade. Sem o outro, quem seremos? Nossa identidade
se perderá.
Este é o problema: as noventa e nove ovelhas criam todas as religiões e a verdadeira Religião só acontece à ovelha que se extravia.
Seja corajoso! Mova-se para além da clareira, vá para a selva! A vida está lá e só lá você crescerá. Poderá haver sofrimento, porque não há crescimento sem dor. Pode haver uma cruz,
porque não existe maturidade sem crucificação. A sociedade se vingará — aceite isto! Está fadado a ser assim. Quando a ovelha voltar, as noventa e nove dirão: "esta é a pecadora! Esta ovelha se extraviou,
não faz parte de nós, não nos pertence!"
E essas noventa e nove ovelhas serão totalmente incapazes de entender porque o pastor está carregando aquela nos ombros — porque era a ovelha perdida e foi encontrada.
Jesus diz que o pastor voltará para a sua casa, chamará seus amigos e festejará porque uma ovelha se perdeu e foi encontrada. Jesus diz que sempre que um pecador entra no Céu, há regozijo porque a ovelha
que se perdeu foi encontrada.
SÉTIMO DISCURSO
27 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus disse:
O Reino do Pai assemelha-se a um homem
que possuía uma rica mercadoria e encontrou uma pérola
O homem era prudente.
Vendeu a mercadoria
e adquiriu a pérola para si mesmo.
Procure também
pelo tesouro que ílio desaparece que permanece firme onde nenhuma traça alcança e nenhum verme pode destruir.
Se você olhar para fora, o mundo dos muitos existirá; se olhar para dentro, verá o mundo da Unidade. Se você caminhar externamente, poderá conseguir algo notável, mas não alcançará a Unidade. E essa Unidade
é o próprio centro — se você não a conseguir, não conseguirá nada. Você poderá atingir algo grande mas isso não contará muito no final porque, a menos que a pessoa alcance a si mesma, não alcançou nada.
Se você for um estranho para si mesmo, nem mesmo o mundo inteiro poderá satisfazê-lo. Se você não entrar em seu próprio ser, as riquezas o tornarão cada vez mais pobre. Isto acontece: quanto mais riquezas
você tem, mais pobre se sente porque então pode fazer uma comparação entre a riqueza exterior e a interior e nessa comparação a interior parecerá cada vez mais pobre. Daí o paradoxo do homem rico: quanto
mais obtém riquezas, mais pobre se sente; quanto mais tem, mais vazio se sente — porque o vazio interno não pode ser preenchido por coisas externas. O que é externo não pode entrar no ser.
O vazio interno pode ser prenchido apenas quando você alcança a si mesmo, quando atinge o seu ser. Distinga claramente: o mundo externo é o mundo dos muitos, mas a Unidade está ausente — e essa Unidade
é a meta. A Unidade está dentro de você: assim, se você procurar fora não a encontrará. Nada irá auxiliá-lo; tudo o que fizer será um fracasso.
A mente continuará dizendo: "Alcance isso! Então você estará satisfeito." Quando você alcança isso, a mente lhe dirá novamente: "consiga algo mais! Então você ficará satisfeito." A
mente dirá: "Se você não está obtendo êxito, isto significa que não se esforçou o suficiente. Se você não chegou, é porque não está correndo o suficiente." E se você ouvir a lógica da mente — que parece
lógica mas não é — continuará correndo cada vez mais e no fim não encontrará nada, a não ser a morte.
Os muitos formam o reino da morte, a Unidade é o reino da não-morte. Aquele que busca tem de estar à procura da sua subjetividade, não, dos objetos externos; tem de voltar-se para dentro. Uma conversão
é necessária, um retorno, uma volta total é necessária para que os olhos focados para o exterior comecem a olhar para dentro. Mas como isto acontece?
A menos que você se sinta totalmente frustrado com o mundo, isto não pode acontecer; se um lampejo de esperança acontecer, você continuará movendo-se. O fracasso é importante, com o fracasso dos muitos
uma nova jornada se inicia. Quanto mais cedo você fracassar no mundo exterior, melhor; quanto mais cedo você se tornar totalmente frustrado, melhor — porque o fracasso exterior torna-se o primeiro passo
para o interior.
Antes de entrarmos neste sutra de Jesus, muitos outros pontos devem ser compreendidos: quem é o homem sábio? Aquele que está pronto para perder tudo pela Unidade. Quem é o tolo? Aquele que perdeu a si
mesmo e adquiriu coisas ordinárias; aquele que vendeu o que tinha de mais precioso e encheu sua casa de objetos inúteis.
Certa vez, aconteceu o seguinte. Um amigo de Mulla Nasrudin enriqueceu, ficou rico, muito rico. E quando alguém enriquece, quer voltar para seus velhos amigos, para seus velhos vizinhos, para sua velha
cidade para mostrar o que conseguiu. Assim, o ricaço chegou da capital em sua pequena cidade. Justamente na estação encontrou Mulla Nasrudin e disse:
"Nasrudin, você sabia? Eu consegui! Fiquei muito, muito rico, você nem pode imaginar! Tenho um palácio com quiquinhentos quartos, é um castelo!"
Multa Nasrudin disse: "Conheço algumas pessoas que têm casas com quinhentos quartos."
O amigo disse: "Tenho dois campos de golfe, três piscinas e muitos e muitos acres de estufa!"
Nasrudin replicou: "Conheço um homem em outra cidade que tem dois campos de golfe e três piscinas."
O homem rico perguntou: "Dentro de casa?" Nasrudin disse: "Ouça — você pode ter ganho muito dinheiro, mas eu também não estou mal: tenho asnos, cavalos, porcos, bufalos, vacas, galinhas."
O outro começou a rir e disse: "Nasrudin, um monte de gente tem asnos, cavalos, vacas, galinhas..."
Nasrudin interrompeu-o para perguntar: "Dentro de casa?"
Mas qualquer coisa que você obtenha, seja campos de golfe, piscinas, casas com quinhentos quartos, asnos, cavalos ou vacas — seja o que for que você adquira exteriormente não o fará rico porque, na realidade,
a casa permanece vazia, você permanece vazio. Nada entra na casa, estas coisas permanecem de fora porque pertencem ao exterior — não há nenhum jeito de colocá-las dentro. E a pobreza é interior. Se fosse
exterior, não haveria nenhum problema.
Se o vazio existisse no exterior, na periferia, você poderia preenchê-lo com casas, carros, cavalos ou qualquer coisa assim. Mas o vazio é sentido no interior, é por dentro que se sente insignificante.
O que cria insatisfação não é a ausência de uma casa grande, é a insignificância total que você sente interiormente: por que você existe? Por que toda essa confusão do ser na existência? Por que está vivo?
Para onde a vida o está conduzindo?
Todos os dias você acorda de manhã para seguir — e não existe para onde ir! Todos os dias de manhã você se veste, mas sabe que ao chegar a noite não terá alcançado nada, não terá chegado a nenhuma meta.
Novamente dormirá, e na manhã seguinte novamente a Jornada será iniciada — que falta total de sentido há nisso tudo! Por dentro você continua sentindo-se vazio, não há nada. Com as coisas exteriores você
pode enganar no máximo aos outros, mas não a si mesmo. Como você pode enganar a si mesmo?
Quanto mais coisas acumula, mais vida perde porque essas coisas são adquiridas a custo da vida. Você está menos vivo, a morte chegou mais perto, as coisas estão crescendo mais e mais, a pilha está se tornando
cada vez maior, e por dentro você está minguando. Então o medo surge: "O que estou atingindo, onde estou chegando? O que tenho feito de toda a minha vida?"
E você não pode voltar atrás, o tempo perdido não volta mais, é impossível. Você não pode obtê-lo de volta, você não pode dizer: "Sinto muito, começarei outra vez"; isso não é possível. Então, ao envelhecer,
você se torna mais e mais triste. Essa tristeza não se deve à idade física, essa tristeza existe porque você compreendeu o que fez a si mesmo: você fez uma casa, é claro; você obteve êxito, é rico, atingiu
prestígio aos olhos dos outros — mas e a seus próprios olhos?
Agora você sente a dor, o sofrimento de uma vida perdida, de um tempo perdido. O vazio é interior; você não pode preenchê-lo com algo que possa ser obtido no mundo — a menos que tenha conseguido a si mesmo.
Daí a insistência de Jesus ao dizer: "E mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus". Por que? O que está errado com o homem rico?
Não há nada de errado com o homem rico. A ênfase é que aquele que perdeu sua vida acumulando coisas fio mundo — esse é o significado de homem rico — não pode entrar no Reino dos Céus porque lá só entram
aqueles que atingiram o interior. Lá na porta do Céu ele não poderá enganar. Não poderá entrar porque estará muito gasto, roto, uma ruína. Não poderá dançar, não poderá cantar. Não poderá entrar com um
certo significado que alcançou em sua
vida. Estará desarraigado: ele ganhou muito, mas nunca possuiu a si mesmo — e essa é a pobreza. Quando você possui a si mesmo, é rico, realmente rico. Quando você não possui a si mesmo, pode ser o imperador,
mas é pobre.
O segundo ponto a ser entendido é porque acumulamos coisas. Deve haver uma profunda razão porque a verdade é tão clara e mesmo assim continuamos. Ninguém ouve Buda ou Jesus é mesmo quando os ouve, quando
sente que os compreende, nunca os segue. Assim, Buda e Jesus são negligenciados e você continua em seu caminho. Algumas vezes, a dúvida surge, mas isso é tudo; novamente você se acomoda e segue seu próprio
caminho. Deve haver algo muito enraizado que mesmo um Buda ou um Jesus não possa sacudir, não possa arrancar. O que é isso que está tão enraizado?
Nós existimos aos olhos dos outros: nossa identidade consiste na opinião dos outros: os olhos dos outros são o espelho, olhamos para a nossa face nos olhos dos outros. Este é o obstáculo, o problema —
porque os outros não podem ver o seu ser interno. O seu ser interno não pode ser refletido em nenhum espelho, seja ele qual for. Apenas o seu exterior pode ser refletido; os reflexos são apenas do exterior,
do físico. Mesmo que você fique diante de um espelho, apenas a sua parte física poderá ser refletida. Nenhum olho poderá refletir a sua parte interior.
Então, os olhos dos outros refletem sua riqueza, suas façanhas no mundo, suas roupas; eles não podem refleti-lo. E quando você vê que os outros pensam que é pobre — isso significa que não tem boas roupas,
uma boa casa, um bom carro você começa a dirigir-se para essas coisas. Você acumula apenas para ver sua riqueza nos olhos dos outros. Então os olhos dos outros começam a refletir que você está enriquecendo
cada vez mais, que está ganhando poder e prestígio. Sua identidade consiste em reflexos, mas os outros só podem refletir os objetos — não podem refleti-lo. Por causa disso, a meditação é muito, muito necessária.
Meditar significa fechar os olhos; não olhar para o reflexo, mas sim para o seu próprio ser. Mas ao invés disso você passa o dia inteiro envolvido pelos outros. À noite, ao dormir, o mesmo acontece: ou
você fica inconsciente, se o sono for profundo, ou fica novamente envolvido pelos outros nos sonhos. O problema é que você vive continuamente com os outros: nasce na sociedade e morre na sociedade — sua
existência interior consiste no social. E sociedade significa olhos em toda a sua volta,
Seja o que for que esses olhos reflitam, eles o impressionam. Se todo o mundo disser que você é um homem bom, começará a sentir-se bom. Se todo o mundo pensar que você é um homem mau, começará a sentir-se
mau. Se todo o mundo disser que está doente, começará a sentir que está doente. Sua identidade depende dos outros, é uma hipnose através dos outros. Entre na solidão — viva com outros mas não esgote a
si mesmo com os outros.
Fique com os olhos fechados pelo menos uma hora por dia. Fechar os olhos significa estar fechado para o social; quando nenhuma sociedade existe, apenas você, então você pode encarar a si mesmo diretamente.
Uma vez por ano vá por alguns dias para as montanhas, para o deserto, para onde não houver ninguém, exceto você, e veja a si mesmo como é. Do
contrário, vivendo continuamente com os outros, você criará uma hipnose em si mesmo. Essa hipnose é a razão pela qual você continua influenciando os outros, impressionando os outros. O essencial não é
viver ricamente, o essencial é dar impressão aos outros de que você é rico — mas estas são duas coisas completamente diferentes.
Os outros ficam impressionados com qualquer coisa que você possua, nunca ficam impressionadas com você. Se você encontrar Alexandre com roupas de mendigo, não o reconhecerá, mas se encontrar o mendigo
que sempre esteve pedindo esmolas em sua rua sentado em um trono como Alexandre, cairá a seus pés e o reconhecerá.
Certa vez, um grande poeta Urdu Ghalib, foi convidado pelo imperador para jantar. Muitas outras pessoas foram convidadas, quase quinhentas. Ghalib era um homem pobre, é muito difícil um poeta ser rico
— rico aos olhos dos outros.
Os amigos sugeriram: "Ghalib, é melhor você pedir roupas, sapatos e um bom guarda-chuva emprestados. O seu guarda-chuva está tão estragado, o seu casaco desbotado. E com essas roupas e esses sapatos com
tantos buracos você não terá uma boa aparência!"
Mas Ghalib disse: "Se eu pedir alguma coisa emprestada, me sentirei desconfortável por dentro porque nunca pedi nada emprestado a ninguém — tenho sido independente, tenho vivido por meus próprios recursos.
Quebrar um hábito de toda a minha vida apenas por um jantar não é bom."
Assim ela foi para a corte do Imperador com suas próprias roupas. Quando apresentou seu convite ao porteiro, o homem olhou para ele, riu e disse: "De onde você roubou isso? Vá embora daqui imediatamente.
Senão você será preso!"
Gahib não podia acreditar. Ele disse: "Eu fui convidado! Vá perguntar ao Imperador!"
O porteiro disse: Todos os mendigos pensam que foram convidados! Você não é o primeiro, muitos outros vieram bater na porta antes. Fuja daqui! Não fique aqui porque os guardas logo estarão chegando!"
Assim, Ghalib foi embora. Seus amigos sabiam que isso iria acontecer, por isso tinham arrumado um casaco, sapatos e um guarda-chuva para ele — coisas emprestadas. Então ele colocou os objetos emprestados
e voltou. O porteiro inclinou-se e disse: "Entre".
Ghalib era um poeta muito conhecido e o Imperador amava sua poesia, então ele foi colocado justamente ao lado do Imperador. Quando o banquete começou, Ghalib fez uma coisa estranha e o Imperador pensou
que ele estivesse louco — começou a alimentar o seu casaco dizendo:
"Coma isto, meu casaco, afinal foi você que entrou e não eu."
O Imperador disse: "O que você está fazendo Ghalib? Ficou maluco?"
Ghalib disse: "Não — quando vim pela primeira vez não me deixaram entrar. Depois, este casaco veio e entrou — só estou aqui porque ele não podia vir sozinho — se não fosse ele, eu não poderia ter vindo!"
Mas isso está acontecendo com todo o mundo — não é você mas o seu casaco que é reconhecido pelos outros; assim, você fica enfeitando-o, fica colocando adornos em si mesmo.
A meditação é necessária para que haja um rompimento entre você e os outros, entre você e os olhos dos outros, os espelhos dos outros. Esqueça-os! Por alguns minutos, olhe apenas para dentro — e sentirá
uma dor, um sofrimento interno por estar vazio. Neste momento, a transformação terá início: você começará a olhar para a riqueza interior, para o tesouro que existe dentro de você dão para os tesouros
que se dispersam ao seu redor.
Muitos são os tesouros externos; no interior existe apenas um. Muitas são as dimensões e direções externas; a meta interior é uma só, tem apenas uma direção.
"Jesus disse: o Reino do Pai assemelha-se a um homem que possuía uma rica mercadoria e encontrou uma pérola. O homem era prudente. Vendeu a mercadoria e adquiriu a pérola para si mesmo."
A estória é esta: um homem foi a um país muito distante para negociar. Conseguiu ganhar muito dinheiro, juntou bastante mercadoria, mas no ultimo momento encontrou uma pérola. E resolveu fazer uma troca:
vendeu toda a mercadoria e comprou a pérola. Quando estava voltando, houve um acidente e o navio em que estava afundou. Mas como tinha apenas uma pérola ele pôde nadar até a praia e chegar em sua casa
com o tesouro intacto.
A esta estória é que Jesus se refere: o homem adquiriu uma ao invés de muitas. Assim, mesmo quando o navio afundou, nada foi perdido. Quando a morte vem e o seu navio afunda, se você tiver uma pérola será
capaz de carregá-la para a outra praia; mas se tiver muitas e muitas coisas, não será capaz de carregá-las. uma pérola pode ser carregada, mas como carregar muita mercadoria?
Jesus disse: "O Reino do Pai assemelha-se a um homem que possuía uma rica mercadoria e encontrou uma pérola. O mercador era prudente." Ele era sábio. Vender uma só coisa para adquirir muitas é tolice.
A sabedoria consiste em vender muitas para adquirir uma só. A pérola é o símbolo da Unidade do Interno.
"O mercador era prudente. Vendeu a mercadoria e adquiriu a pérola para si mesmo. Procurem também pelo tesouro que não desaparece, que permanece firme onde nenhuma traça alcança e nenhum verme pode destruir."
Seja como esse mercador, esse homem sábio, prudente. Qualquer coisa que você obtenha deste mundo lhe será arrancado. Você já observou o fato de que na realidade, não pode possuir nada neste mundo? Você
simplesmente pensa que possui — mas tudo já estava aqui
antes de você chegar, era propriedade de outra pessoa. Logo você não estará mais aqui, mas as coisas estarão e alguém mais as possuirá. Sua possessão é apenas um sonho: algumas vezes, está aqui, outras
não está.
Isto aconteceu: havia um rei chamado Ebrahim. Uma noite, ele ouviu um barulho em seu telhado, alguém estava caminhando por lá. Então ele perguntou: "Quem está aí?"
O homem respondeu: "Não se incomode. Meu camelo se perdeu e estou procurando por ele." Seu camelo estava perdido no telhado do palácio!
Ebrahim riu e disse: "Seu louco! Desça daí! Camelos nunca se perderam no telhado dos palácios. Vá para casa!"
Mas daí ele não pôde dormir porque era um homem de contemplação. Ele pensou: "Talvez o homem não esteja louco, talvez tenha dito alguma coisa simbolicamente; talvez seja um grande místico, porque a voz
era tão especial ao dizer: "Não se incomode", havia tanta consolação e silêncio nela. A voz era tão musical e harmônica que não poderia vir de um louco. E ao dizer "Meu camelo se perdeu e estou procurando
por ele", a voz era tão penetrante, parecia estar querendo indicar alguma coisa... Esse homem tem de ser encontrado amanhã! Quero ver quem é — se é doido ou se é um louco de Deus; se estava no telhado
apenas por loucura ou se foi enviado particularmente a mim, para me dar alguma mensagem."
Rei não pôde dormir a noite toda. Pela manhã enviou seus cortesões para encontrar o homem que possuía aquele determinado tipo de voz. Mas toda a capital foi vasculhada e o homem não pôde ser encontrado.
Como é possível encontrar um homem apenas pelo seu timbre de voz? É difícil!
Então, justamente ao meio-dia, houve uma grande precipitação no portão do palácio. Um faquir, um mendigo havia aparecido e dito ao porteiro: "Deixe-me entrar. Quero ficar alguns dias neste sarai, nesta
hospedaria."
O porteiro disse: "Isto aqui não é uma hospedaria, não é um sarai — é o palácio do Rei, sua própria residência!"
Mas o faquir disse: "Não! Sei muito bem que isto é uma hospedaria: os viajantes vêm, ficam por algum tempo e se vão. Ninguém reside aqui. Deixe-me entrar; falarei com o Rei. Ele parece ser um homem bem
tolo."
Isto chegou aos ouvidos do Rei que o mandou entrar. O Rei estava furioso e disse: "O que você está dizendo?"
O homem disse: "Ouça! Eu vim aqui há algum tempo e outra pessoa estava sentada no trono. Ele era um homem tão tolo quanto você porque pensava que esta era a residência dele. Agora
você está pensando a mesma coisa, está pensando que esta residência é sua!"
O rei disse: "Não seja estúpido! E não se comporte de um modo tão incivilizado — ele era meu pai e agora está morto."
O faquir disse: "E eu lhe digo que virei novamente e não o encontrarei aqui. Alguma pessoa estará em seu lugar. Será seu filho e me dirá: "Esta é a minha residência!" Que tipo de residência é esta? Onde
as pessoas vêm e vão — eu chamo de hospedaria para viajantes."
A voz pôde ser reconhecida! O Rei disse: "Então você é o louco que estava procurando pelo camelo no telhado!"
O faquir disse: "Sim, eu sou o louco e você também o é: quando alguém está procurando a si mesmo na riqueza, está procurando por um camelo no telhado!"
Rei desceu de seu trono e disse ao faquir: "Você pode ficar neste sarai, mas eu tenho de ir. Eu estava aqui porque pensava que era uma residência, que era um lar. Se não é um lar, então preciso procurar
por um, antes que seja muito tarde!"
Ebrahim tornou-se um místico por seu próprio direito. E quando tornou-se um homem conhecido, transformou-se num homem realizado, resolveu viver do lado de fora da capital — da sua própria capital. Uma
vez que esta tinha sido sua propriedade, mas agora era apenas um sarai, ele ficava do lado de fora.
Quando alguém passava e perguntava: "Onde é o basti?" — 'Basti' significa 'cidade'; mas a palavra é muito bonita, significa 'onde o povo reside' — Ebrahim lhes mostrava o cemitério. Ele dizia: "Vá pela
direita e encontrará o 'basti' onde as pessoas residem."
As pessoas iam. Quando voltavam, depois de algum tempo, estavam furiosas e diziam: "Que tipo de homem você é? Nós perguntamos sobre a basti, a cidade, o lugar onde as pessoas moram — e você nos mandou
para o cemitério!"
Ebrahim ria e dizia: "Então nós usamos termos diferentes para designar as coisas — porque é no cemitério que a gente entra e mora para sempre. Ele é o verdadeiro basti, a residência permanente onde suas
roupas nunca mudam porque você está lá para sempre e sempre. Neste caso, você não está perguntando pelo verdadeiro basti, está perguntando por esta cidade que é um cemitério, onde as pessoas estão enfileiradas
apenas para morrer."
Chegou a vez de alguém hoje, a de outra chegará amanhã, a de outra mais depois de amanhã — mas todos estão esperando apenas para morrer! E você chama isto de basti? Você chama isto de lugar onde as pessoas
residem? Eu chamo isto de marghat, cemitério, onde as pessoas estão esperando simplesmente para morrer, onde nada existe, exceto a morte."
Se a vida existe, não é nada mais que uma espera pela morte; mas como a vida pode ser uma espera pela morte? Como a vida pode ser momentânea? Como a vida pode ser exatamente como um sonho? Estar aí — depois
ir embora, desaparecer. A vida deve ser algo eterno. Mas se você está procurando pelo Eterno, então seja como o mercador prudente: venda tudo o que tem! Venda tudo e adquira a Unidade, a pérola única do
seu ser interior que não pode naufragar, que não pode ser roubada — porque essa pérola é VOCÊ. Você pode possuir apenas a si mesmo, nada a não ser você pode ser realmente possuído. Você pode viver e sua
vida ser uma ilusão — isso é outra coisa.
Pode viver na ilusão que possui uma casa, uma esposa, um marido, filhos, mas isso é uma ilusão: mais cedo ou mais tarde o sonho acabará. Você pode possuir apenas a si mesmo porque isto nunca irá embora.
O Ser é permanente, eterno. É infinitamente seu. Não pode lhe ser tomado.
Esta é a diferença entre a busca terrena e a religiosa: ser religioso significa procurar pelo Eterno, ser terreno, significa procurar pelo temporal.
O mundo existe no tempo e a religião no Eterno. Observe um fato claro: sempre que você fecha seus olhos e abandona os pensamentos, não existe tempo; sempre que você fecha seus olhos e os pensamentos não
estão presentes, o tempo desaparece. Quando os pensamentos existem, então o tempo está presente; quando os objetos estão presentes, o tempo existe.
O tempo, o oceano do tempo, existe ao seu redor. Em seu Interior existe a eternidade, o infinito.
Eis porque todos os Realizados dizem que quando você transcende o tempo, quando vai além do tempo, então já encontrou a si mesmo, já chegou em casa.
Certa vez, aconteceu o seguinte: um homem trabalhava numa fábrica. Ele era muito pobre e costumava ir à fábrica montado no seu burro. Ele sempre voltava tarde para casa e sua mulher ficava brava. Um dia,
ele disse à esposa: "Tente compreender meu problema: este burro está tão acostumado a ir embora quando soa a sirene, que se eu chegar dois ou três minutos atrasado ele vai embora sozinho. E nessa hora
é uma loucura. Todo mundo quer sair correndo da fábrica. Muitas vezes, quando consigo sair, já o perdi, o burro já se foi! Ele espera no máximo dois ou três minutos. Se até então eu tiver saltado sobre
ele, tudo bem; do contrário ele parte sozinho e eu tenho de voltar a pé". Ele pensou que esta explicação tudo resolveria e perguntou à mulher: "Você entendeu a moral da história?"
A esposa respondeu: "Entendi muito bem! Até mesmo um burro sabe quando é hora de ir para casa!"
Até mesmo um burro sabe quando é hora de ir para casa — mas você ainda não se conscientizou onde é a sua casa e de que está na hora de voltar para casa. Você continua
perambulando, continua batendo na porta da casa dos outros; você esqueceu completamente onde é a sua casa. Assim, se você está perturbado, isto não é estranho. Você continua viajando de um canto do mundo
ao outro. Por que essa locura de ficar viajando de uma cidade para a outra? O que você está procurando? Sempre que alguém tem recursos fica viajando. As pessoas trabalham e juntam dinheiro justamente para
viajar pelo mundo — por que? O que você irá ganhar?
Ouvi contar que certa vez um pesquisador americano estava olhando dentro de um vulcão grego, exatamente para o centro do vulcão. Então, ele disse ao guia: "Céus! Isto parece o inferno!"
O guia disse: "Vocês americanos! Vão a todos os lugares! Se puderem, irão até o inferno!"
Mas por que essa intranquilidade existe? Porque o homem, no íntimo, é um nômade? Porque perdeu sua casa e está procurando-a. Sua direção pode estar errada, mas sua intranquilidade é indicativa. Onde quer
que você esteja, esta não é sua casa — este é o problema. Assim, você continua procurando por ela, é capaz de ir procurá-la até mesmo no inferno, mas não irá encontrá-la em lugar nenhum porque ela está
dentro de você. E até mesmo um burro sabe quando está na hora de voltar para casa!
Está na hora, já está na hora, você já esperou o suficiente. Não procure pela casa, nas coisas, não procure.nos outros, não procure no lado de fora — aí você encontrará os muitos, os múltiplos, o que os
hindus chamam de maya.
Maya significa os muitos, o múltiplo; maya significa o contínuo. Você vai procurando, procurando e não há nenhum fim para isso. Esse é um mundo mágico — maya significa a magia dos muitos. O mágico permanece,
você continua procurando, mas nunca obtém nada porque este é um mundo mágico: sempre que você chega perto, ele desaparece como um arcoíris. À distância, ele é belo, ele o fascina, você fica obcecado por
ele; ele entra em seus sonhos, em seus desejos; você gostaria de ter o arco-íris em suas mãos. E então vai andando, mas o arco-íris continua recuando.
Sempre que você se aproxima, descobre que não há nada. O arco-íris é um sonho, uma realidade ilusória. Os hindus chamam esse mundo dos muitos de maya — o mundo mágico, como se tivesse sido criado por um
mágico. Na realidade, não há nada, tudo existe através dos desejos e dos sonhos. Você o cria através dos seus desejos; você é um criador através dos seus desejos — você cria o mundo dos muitos.
Existe um carro, um belo carro. Mas se não houver nenhuma pessoa na terra, qual será o valor do carro? Quem o apreciará? Quem se interessará por ele? Os pássaros não olharão para ele, os animais não se
interessarão por ele. Ninguém prestará atenção nele — ele estragará, vai virar lixo. Mas se houver um homem, ele terá valor. De onde vem o valor? Vem do seu desejo: se você o desejar, ele terá valor; se
você não o desejar, o valor desaparecerá. O valor não
está no objeto, está no seu desejo.
A velha lei da economia era: sempre que houver procura, a oferta aparece. Mas agora a lei mudou completamente: ofereça e a procura virá. Você pode pensar em qualquer pessoa sonhando com um carro no tempo
de Buda? Não havia nenhum problema, pois a oferta não existia, então como alguém poderia desejar um carro? Agora, todo o negócio do mundo consiste em criar novas ofertas. Primeiro, os negociantes criam
a oferta, depois, fazem a propaganda, criam o desejo; então, a procura começa — você corre porque pensa: "Agora encontrei o que estava esperando durante toda a minha vida. Agora que 'encontrei, tenho de
conseguir isto, quando eu conseguir, terei conseguido tudo!"
Mas o comércio continua inventando novos objetos, fazendo propaganda e criando novos desejos. Cada ano, um novo carro é criado, novas casas, novos objetivos aparecem. Eles lhe conferem novos caminhos para
mover-se no exterior constantemente — não lhe dão nenhum intervalo para pensar. Seu carro pode estar bom, mas eles dizem que um novo modelo chegou. Assim, se você andar com o modelo velho seu ego ficará
ferido. O novo modelo pode não ser melhor — pode ser até pior — mas o novo tem de ser adquirido. Você o compra porque seus vizinhos compraram, porque todo o mundo está falando a respeito.
Uma mulher foi ao médico e disse: "Opere-me de qualquer coisa!"
O doutor disse: "O que? Você ficou louca? Por que uma operação? Sua saúde está ótima!"
A mulher disse: "Mas isto é muito difícil — quando vou ao clube todas as mulheres ficam falando a respeito de suas operações: uma tirou o apêndice; outra as amígdalas e eu me sinto anormal — não tenho
nada para contar! Opere-me de qualquer coisa. Assim, quando eu for ao clube poderei falar a respeito!"
A competição existe até nas doenças! Você tem de estar na frente de todo mundo; você tem de estar no topo, seja qual for a conseqüência. Três companheiros de viagem estavam em um trem conversando. Um deles
se vangloriava da própria mulher: "Tenho uma esposa incrível. Nós nos casamos há dez anos e até hoje ele vem todas as noites à estação para me esperar." O outro disse: "Posso entender isso porque estou
casado há vinte anos e o mesmo acontece comigo — minha mulher ainda me espera todas as noites na estação".
"Isso não é nada!" disse o terceiro. "Minha esposa tem estado me esperando há trinta anos — e eu nem mesmo estou casado com ela! Mesmo assim ela vem me esperar. Nisso eu ganho de vocês!"
Mesmo que as pessoas estejam contando mentiras, você tem de ficar por cima, tem de ser o primeiro — seja o que for que as pessoas estejam fazendo. Se o estilo de roupa mudar, a nova moda pode parecer neurótica,
mas você tem de seguí-la. Ninguém está em casa porque todo o mundo está batendo na porta dos outros.
Lembre-se bem disto: ninguém é um objetivo para você; exceto seu próprio Ser. Você é a meta, e você tem de encontrar a si mesmo — nada mais vale a pena.
Isto é o que Jesus diz:
"O Reino do Pai assemelha-se ao homem que possuía uma rica mercadoria e encontrou uma pérola".
O mercador era prudente. Vendeu a mercadoria e adquiriu a pérola para si mesmo.
Procurem também pelo tesouro que não desaparece, que permanece firme onde nenhuma traça alcança e nenhum verme pode destruir.
Olhe para o imortal e permaneça alerta; não perca seu tempo com o que não permanece, não perca seu tempo com o que é mutável, com o que faz parte das mudanças do mundo.
O que você pode imaginar sobre o que permanecerá? Você chegou a qualquer fato em sua vida que lhe dê a sensação de permanência? O mundo visível está ao seu redor — mas nada nele é permanente. Até mesmo
as montanhas não duram para sempre; elas também envelhecem e morrem; até os continentes desaparecem.
O Himalaia não existia no tempo dos Vedas porque o Rigveda orinal não fala sobre ele. E é impossível não falar sobre o Himalaia se ele está presente — impossível! Como você pode negligenciar o Himalaia?
Os Vedas falam sobre outras coisas mas nunca sobre ele. Por causa disso, Lokmanya Tilak chegou à conclusão que os Vedas foram criados há pelo menos setenta e cinco mil anos atrás. Isso parece significante,
pode ter sido assim; eles podem não ter sido escritos há tanto tempo, mas devem ter existido sob forma oral há milhares de anos. Eis porque o Himalaia não é mencionado neles.
Atualmente, os cientistas estão dizendo que o Himalaia é a última aquisição do mundo, a montanha
mais jovem; ela é a mais alta, a mais jovem. Ela ainda está crescendo, ainda é jovem — tornase mais alta a cada ano. Vindhya é a mais velha montanha sobre a terra — talvez seja por isso que sua curvatura
assemelha-se a um homem velho morrendo. Os hindus têm uma bela história sobre Vindhya.
Um profeta, Agastya, foi para o sul; e era muito difícil cruzar a montanha Vindhya naqueles tempos porque não existia nenhum caminho. A beleza da estória está no momento em que o profeta chegou. Vindhya
inclinou-se para tocar os pés dele e ele disse: "Voltarei logo; permaneça na mesma posição; assim poderei passar sobre você facilmente!" Assim Vindhya permaneceu inclinada porque o profeta nunca mais voltou
— ele morreu no sul. Mas a estória é bela: Vindhya — a parte mais velha da terra — está curvada como um homem velho!
As colinas também são jovens, velhas; morrem, nascem. Nada é permanente no mundo exterior. Olhe para as árvores, para os rios, para as montanhas: eles dão a impressão de permanência, mas olhe um pouco
mais profundamente e a impressão desaparecerá.
Olhe para dentro e veja seus pensamentos — eles são o que há de mais temporário. Estão continuamente modificando-se, nem um único pensamento permanece; um momento atrás você estava com raiva e sua mente
estava cheia de pensamentos raivosos; agora está sorrindo e aqueles pensamentos desapareceram completamente como se nunca tivessem existido. São justamente como as nuvens no céu que vem e vão; os pensamentos
estão constantemente mudando de forma, exatamente como as nuvens — os pensamentos e as nuvens são exatamente iguais.
Medite sobre as nuvens e verá suas formas mudando constantemente. Se você não olhar, talvez não perceba; se olhar, verá suas formas mudando continuamente: nem por um simples momento a forma da nuvem é
a mesma. O mesmo acontece em sua mente: a forma de um pensamento é exatamente como a da nuvem, está sempre mudando. Essa é a razão pela qual as pessoas não podem se concentrar porque para concentrar-se
é preciso que a forma do pensamento seja constantemente a mesma. Este é o problema porque os pensamentos vão se movimentando e mudando. Seja o que for que você pense, isto está mudando: um pensamento modifica-se
em outro, uma forma, em outra. O mundo dos pensamentos não é permanente.
Os montes mudam, as nuvens mudam, mas o céu permanece o mesmo — ele permanece. O mesmo acontece em seu interior: as coisas mudam do lado de fora e as nuvens, os pensamentos, mudam do lado de dentro — mas
o céu do Ser, o Ser testemunhante, permanece o mesmo. Esta é a pérola: o Ser Testemunhante. Ele não tem forma, portanto não pode mudar. Se houvesse forma, a mudança acabaria acontecendo. Quando a forma
não existe, como a mudança pode ocorrer? O Ser não tem forma, nirakar.
Se você entrar nesta não-forma interior, no início ela parecerá vazia porque você não conhece a nãoforma, você só conhece o vazio. Mas não tenha medo, não fique assustado, entre nela. Quando você se tornar
familiarizado com ela, quando você se acalmar nela, então o vazio não será mais vazio: tornar-se-á a não-forma. Quando esta não-forma é encontrada, você achou a pérola. A unidade é a pérola, o resto apenas
bijouterias. Elas podem parecer muito valiosas mas não o são porque não podem durar.
A durabilidade, nityata, a eternidade é o critério da Verdade. Lembre-se bem disto: o que é Verdade? É o que permanece firme, o que dura infinitamente. O que é um sonho? O que começa e termina; o que não
pode resistir para sempre. Assim, procure por aquela Pérola que ninguém pode tirar de você, nem mesmo a morte. Na morte, o corpo morrerá; na morte, os pensamentos desaparecerão — mas VOCÊ? — você continuará
para sempre...
A morte acontece ao seu redor, mas nunca a você. Acontece na cercania, mas nunca no centro;

acontece na circunferência. Você nunca morreu, você não pode morrer. As montanhas desaparecem, as nuvens vêm e vão, mas o céu permanece o mesmo. E você é o céu. A natureza do Ser é justamente como o espaço:
vazio, infinitamente vazio, sem forma. Tudo acontece dentro dele, mas nada acontece a ele. Estè é o significado das palavras de Jesus.
"Você também deve procurar pelo tesouro que não desaparece, que permanece firme onde nenhuma traça alcança e nenhum verme pode destruir."
OITAVO DISCURSO
28 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus olhou para as crianças que estavam sendo amamentadas e disse a seus discípulos: Estas crianças que estão sendo amamentadas são semelhantes àqueles que entram no Reino. Os discípulos perguntaram a
Jesus: Se nos tornarmos crianças, poderemos entrar no Reino?
Jesus lhes disse: Quando da dualidade fizerem a unidade; quando tornarem o interior como o exterior, o exterior como o interior, e o de cima como o de baixo; quando fizerem do macho e da fêmea um só, de
modo que o macho não seja mais macho e a fêmea não seja mais fêmea — então entrarão no Reino.
Este é um dos mais profundos sutras de Jesus, básico para todo aquele que está na busca. E também um dos mais difíceis de ser alcançado porque se for realizado já não existirá mais nada para ser alcançado.
Primeiro, tente entender alguns pontos e então abordaremos esse sutra.
O homem, se vive pela mente, não pode nunca ser inocente — e só na inocência o Divino baixa, ou você ascende ao Divino. A inocência é a porta. A mente é ladina, calculista, esperta e por causa dessa esperteza
você perde — perde o Reino de Deus. Você pode alcançar o reino deste mundo através da mente sucedido; quanto mais calculista, mais eficiente nestes caminhos do mundo, sucedido; quanto mais calculista,
mais eficiente nestes caminhos do mundo.
Mas a porta para o Reino de Deus está exatamente no oposto. Lá, não é necessário nenhum cálculo, nenhuma esperteza. A mente é totalmente desnecessária porque é apenas um mecanismo para se calcular, um
mecanismo para ser esperto. Se você não precisa de nenhuma esperteza, de nenhum calculismo, a mente é desnecessária. Então, o coração torna-se a fonte do ser, e o coração é inocente.
Por que você insiste em ser esperto? Por que a mente está sempre pensando em como enganar? Porque está é a única maneira de se obter sucesso neste mundo. Assim, os que querem ser bem
sucedidos neste mundo fracassam no Reino de Deus. Se você estiver pronto para aceitar o seu fracasso neste mundo, estará pronto para entrar no outro mundo. No momento em que alguém está pronto para reconhecer
que: "O sucesso neste mundo não é para mim, não existo para ele", imediatamente acontece uma reversão, um retorno. Então a consciência não se dirige para fora, começa a mover-se para dentro.
Jesus enfatiza muito a inocência. Por isso está sempre falando da beleza das crianças, da inocência das flores, dos lírios, dos pássaros. Mas esse tipo de inocência não ajuda, você já a perdeu. Não tente
assemelhar-se a ele verbalmente, não tente entendê-lo literalmente, é apenas simbólico.
Você não pode ser uma criança novamente — como isso é possível? Uma vez que você experimenta o conhecimento não pode voltar atrás. Você pode transcendê-lo, mas não voltar atrás, não existe nenhuma maneira
de voltar atrás. Você pode seguir adiante, ir além mas não pode regredir — não há como. Não pode ser novamente uma criança comum. Como? Como perder aquilo que conheceu? Mas é possível transcender, ir além.
Lembre-se disso, caso contrário poderá começar a imitar uma criança e isso será uma esperteza, será mais uma premeditação. Jesus diz: "Seja como uma criança" e você começa a exercitar-se para ser uma criança
— mas uma criança nunca se exercita. Uma criança é simplesmente uma criança, nem mesmo sabe que é uma criança, não tem consciência da sua inocência. Sua inocência existe, mas ela não está autoconsciente
disso. Mas quando você se exercita, a auto-consciência estará presente. Então, essa infância será uma coisa falsa. Você pode representar mas não pode ser criança novamente — no sentido literal.
Um santo, um sábio, torna-se semelhante a uma criança num sentido totalmente diferente. Ele transcendeu, foi além da mente porque entendeu sua futilidade. Entendeu toda a falta de sentido que existe em
ser um homem bem sucedido neste mundo — renunciou ao desejo de ser bem sucedido, ao desejo de impressionar aos outros; ao desejo de ser o maior, o mais importante; ao desejo de satisfazer o ego. Entendeu
a absoluta futilidade disso tudo. A compreensão transcende. Havendo compreensão — imediatamente você é transformado numa dimensão diferente.
A infância está novamente presente — é chamada de segunda infância. Os hindus chamam este estágio de "renascimento", dwij. Você nasce outra vez, mas este é um nascimento diferente, não vem do pai e da
mãe. Vem do próprio Eu, não de dois corpos se encontrando, não da dualidade. Vem através do seu próprio Eu.
Este é o significado do nascimento de Jesus — neste sentido é que ele nasceu de uma virgem. Mas as pessoas tomam tudo no sentido literal e não entendem. De uma virgem significa: !bis, de um só. O outro
não está presente, então quem pode corromper? Quem pode penetrar? A virgindade permanece absolutamente pura porque não existe o outro. Quando o outro está presente, a virgindade é perdida. Se o outro está
presente na mente, a inocência é perdida. A consciência do outro, o desejo do outro faz com que a virgindade se perca. E este segundo nascimento pode ser virgem, mas o primeiro tem de acontecer através
do sexo — não há outro
jeito, não pode haver.
Jesus nasceu através do sexo como qualquer outra pessoa e está certo que seja assim. Jesus é exatamente como você — em semente, mas no reflorescimento é totalmente diferente porque um segundo nascimento
aconteceu; um novo homem nasceu. O Jesus que nasceu de Maria não existe mais, deu a luz a si mesmo. Na antiga seita Essênia, diz-se que quando um homem é transformado, torna-se pai de si mesmo. Este é
o significado: quando dizemos que Jesus não tem pai, isto significa que ele é o seu próprio pai. Parece absurdo, mas é assim.
O segundo nascimento é um nascimento virgem — e você é novamente inocente. Esta inocência é superior à de uma criança porque a criança terá de perder a sua. É um presente da natureza, não foi conseguida
pela criança, então tem de ser tirada da criança. Quando a criança cresce perde sua inocência — e ela tem de crescer! Mas um sábio permanece inocente. Sua inocência não pode ser perdida porque é o clímax,
é o auge do crescimento; não há um crescimento posterior. Se houver crescimento, então haverá mudança; mas se você atingiu uma meta além da qual não existe nada, somente então não haverá mudanças.
Uma criança tem de crescer diariamente: perder a inocência, tornar-se experiente; tem de conseguir conhecimento, tem de tornar-se esperta, calculista. Mas se ficar muito obcecada pelo mecanismo calculista,
permanecerá no nascimento sexual, no nascimento dual. Então haverá sempre um contínuo conflito interior — porque será sempre dois.
Quando você nasce através de dois seres permanece sendo dois, porque ambos estão presentes: um homem não é apenas um homem, mas também mulher; o mesmo acontece com uma mulher — porque ambos nasceram de
dois seres. Seu pai continua existindo em você, sua mãe também, porque ambos participaram, ambos se encontraram no seu corpo e suas correntes continuam fluindo — você é dois. E se você é dois, como pode
estar tranqüilo? Se você é dois existe um contínuo conflito. Se você é a junção de duas polaridades opostas, uma tensão contínua permanece. Essa tensão não pode ser perdida, mesmo que você fique continuamente
tentando descobrir um meio de ser silencioso, de ser pacífico, de alcançar a tranqüilidade. É impossível! Porque você é dois!
Para ser silencioso, é necessária a união, e para isso você tem de nascer novamente — foi isso que Jesus disse a Nicodemus. Nicodemus lhe perguntou: "O que tenho de fazer?"
Jesus disse: "Primeiro, terá de renascer. Só então alguma coisa poderá acontecer. Assim como está, nada pode ser feito".
E eu digo o mesmo a você: "Assim como você está, nada pode ser feito. A menos que renasça, a menos que se torne seu próprio pai, a menos que a dualidade desapareça e você se torne um só, nada pode ser
feito".
Quando o homem e a mulher que existem dentro de você se encontram, transformam-se num círculo. Não lutam mais, desaparecem, anulam um ao outro, e resta a união. Esta união é a virgindade.
É este o significado do que Jesus diz: "Sejam como crianças". Não entendam isso literalmente. Mas por que "como crianças"? Porque quando a criança é concebida, durante as primeiras semanas não é nem macho
nem fêmea. Perguntem aos biólogos e eles lhe dirão que ela não é nenhum dos dois.
Durante as primeiras semanas de vida a criança não é nem macho nem fêmea — é ambos ou nenhum, a divisão ainda não está nítida. É por isso que atualmente a ciência médica é capaz de trocar o sexo da crianças.
Uma série de injeções podem mudá-lo porque ambos os sexos estão presentes — o masculino e o feminino. O equilíbrio logo é perdido, predomina o masculino ou o feminino. O que predominar será o sexo da criança.
Mas no início existe um equilíbrio, ambos estão presentes. Depois, depende dos hormônios.
Se injetarmos hormônios masculinos, a criança será homem; se injetarmos femininos, a criança será mulher. O sexo pode ser mudado porque é uma coisa externa, não pertence ao ser, pertence apenas à periferia,
ao corpo; é algo hormonal, físico. O ser permanece totalmente à parte. Mas logo a distinção aparece: a criança começa a tornar-se homem ou mulher.
No início, a criança é uma unidade. Então ela nasce: fisicamente torna-se uma mulher ou um homem. Mas a divisão ainda não penetrou na consciência; na consciência ela ainda não é nenhum dos dois — não sabe
ainda se é homem ou mulher. Mais alguns meses de vida e então a distinção entra na mente. Então ela tem um ponto de vista diferente — imediatamente se torna auto-consciente.
No início, o corpo era um só; depois, o corpo separou-se. Mas mesmo quando o corpo se separa, a criança é uma só. Depois, ela também se separa: o ser humano desaparece porque você está identificado com
o ser homem ou mulher — isso continua durante toda sua vida. Isso significa que você nunca encontrou a fonte original; o círculo permanece incompleto. Mas o sábio alcança novamente a fonte, completa o
círculo. E o que desaparece primeiro é a distinção da mente — exatamente o inverso!
Na criança, a diferença começa pelo corpo; depois, acontece na mente. No sábio, primeiro desaparece da consciência, depois do corpo; e antes que ele morra, torna-se um só. Esta é a segunda infância: ele
se torna inocente outra vez — mas esta inocência é muito mais rica.
A inocência da criança é pobre, porque não tem nenhuma experiência, a inocência da infância é a ausência de alguma coisa. Mas a inocência do sábio é a presença de alguma coisa, não a ausência. Ele conheceu
todos os caminhos do mundo, movimentou-se, experimentou de tudo. Ele seguiu para o extremo oposto e tornou-se um pecador, chegou ao fundo, entregou-se, experimentou tudo que o mundo pode proporcionar,
e agora abandonou tudo. Sua inocência é muito mais rica porque a experiência está presente. Você não pode destruí-la agora porque o sábio conheceu tudo o que pode ser conhecido — como destruí-la agora?
Você não pode mais motivá-lo, toda a motivação desapareceu.
Se você alcançar este estágio — no início, você era uma criança; no final é outra vez uma criança — sua vida será um círculo completo, perfeito. Se você não atingir a fonte outra vez, sua vida será incompleta.
E este é o sofrimento. É a isto que Buda dá o nome de "dukka", miséria. Se você está incompleto, existe miséria; se você está completo, está satisfeito.
Um sábio morre satisfeito — então não há mais nascimento, porque não há mais necessidade de voltar ao mundo da experiência. Você morre incompleto e por causa disso tem de nascer outra vez. Seu ser persiste,
outra vez e outra vez, em se completar, e a menos que você esteja completo terá que continuar nascendo e morrendo. É isso que os hindus chamam de "roda da vida e da morte". Um sábio escapa da roda porque
ele próprio tornou-se um círculo e já não tem mais necessidade da roda.
Mas o que acontece para a mente comum? A distinção permanece até o fim, o sexo continua até o fim. Mesmo que o corpo enfraqueça, a mente continua e o sexo é a dualidade básica. Então, a menos que o sexo
desapareça, a união, o não-dual, Brahma, não acontece. Lembre-se, o não dual — o adwaita, Brahma, a unidade não é uma hipótese, não é uma teoria, não é uma doutrina. Não é uma coisa filosófica que se possa
argumentar à respeito, não é uma crença — é a transcendência do sexo. É um fenômeno biológico muito profundo, é alquímico, porque todo o seu corpo precisa de uma transformação.
Três velhos estavam sentados num banco de jardim, discutindo suas misérias — porque os velhos não têm mais nada para dizer. Um deles, que tinha setenta e três anos, disse: "Quase não ouço mais. As pessoas
têm de gritar no meu ouvido e mesmo assim não escuto bem!"
O outro, de setenta e oito anos, disse: "Meus olhos estão enfraquecendo, quase não enxergo mais nada; e o que é pior: quase já não distingo. uma loira de uma ruiva".
Então, perguntaram ao terceiro: "Mulla Nasrudin, qual é o seu problema?"
Nasrudin que tinha noventa e três, disse: "O meu problema é maior que o de vocês dois. Na noite passada aconteceu o seguinte: nós jantamos, tomamos um pouco de vinho, e então me deitei no sofá e adormeci.
Depois de mais ou menos meia hora, eu me dei conta de que minha esposa tinha ido para cama. Então, eu entrei no quarto e disse a ela: "Chegue um pouco para lá, deixe-me deitar na cama e vamos nos divertir
um pouco". Minha mulher respondeu: "O quê? Já fizemos isso há apenas vinte minutos!"
Então Nasrudin bateu na cabeça com muita tristeza e disse: "Senhores, meu problema é que a minha memória está dormindo!"
O sexo o acompanha até o final. E você pode não ter observado, pode não ter pensado nisso, mas se um homem não transcende a mente, a última coisa que terá na mente ao morrer será o sexo — porque é a primeira
coisa quando ele nasce. Tem de ser a ultima. É natural.
Tente! Quando você for dormir à noite, observe o ultimo pensamento — precisamente o último, depois do qual você adormece. Lembre-se dele, e pela manhã você se surpreenderá:
será o seu primeiro pensamento — se você conseguir observar. Ou então, faça de outra maneira: pela manhã, observe o seu primeiro pensamento e lembre-se dele. A noite será o último porque a vida é cíclica.
O sexo é a primeira coisa na vida e será a última. Se você não o transcender, será apenas uma vítima, não o senhor de si mesmo.
Você sabe o que acontece sempre que uma pessoa é enforcada? Se um homem é enforcado, o sêmen é liberado imediatamente. Isso acontece em todas as prisões, sempre que uma pessoa é enforcada. É a última coisa
que acontece: quando ele está morrendo o sêmem é liberado. O que significa isso? Por que acontece? A vida é um círculo, completa a si mesma; essa foi a primeira coisa através da qual ele entrou na vida;
essa será a última coisa através da qual ele novamente entrará na outra vida.
Um sábio transcende o sexo — mas não o reprime. Lembre-se disso, porque repressão não é transcendência. Se você reprimir qualquer coisa, continuará nela, continuará dividido. Um sábio não reprime nada.
Muito pelo contrário, a energia masculina e feminina tornam-se dentro dele uma unidade, então ele já não é homem nem mulher. Foi isso que Jesus disse:
"Eunucos de Deus." É isso que os hindus querem dizer quando representam Shiva como Ardhanarishwar — meio homem, meio mulher — tornouse a unidade. Os hindus dizem que Shiva é o deus mais perfeito, o maior
— Mahadeva. Por que chamamno de Mahadeva, o grandioso? Porque é metade-homem e metade-mulher e quando isso acontece a voçê conscientemente, os dois se transformam num círculo e ambos desaparecem. A dualidade
desaparece, torna-se unidade.
Jesus está falando dessa Unidade — Ardhanarishwar — metade-homem, metade-mulher. Então você não é nenhum dos dois, e tem início uma criança, uma segunda infância — você é dwij, renascido. Um novo mundo
de inocência é descoberto.
Agora entraremos no sutra.
"Jesus olhou para as crianças que estavam sendo amamentadas e disse a seus discípulos: estas crianças que estão sendo amamentadas são semelhantes àqueles que entram no Reino.
Os discípulos perguntaram a Jesus: se nos tornarmos crianças, poderemos entrar no Reino?"
É dessa maneira que os discípulos sempre perdem: tomam as coisas literalmente, entendem demais as palavras — e a mensagem não está nas palavras. Eles se apegam demais aos símbolos, tornando-os muito concretos
e, quando Jesus está falando, seus símbolos não são concretos, são líquidos. Eles estão demonstrando alguma coisa e não dizendo alguma coisa. Eles são como indicações, dedos apontando para a lua, sem dizer
nada.
Uma vez que Jesus diz: "Estas crianças... são semelhantes àqueles que entram no Reino", imediatamente pensamos que se nos tomarmos semelhantes a essas crianças, então estaremos capacitados, então conseguiremos,
então poderemos entrar no Reino de Deus.
Os discípulos perguntaram: "Se nos tornarmos crianças, poderemos entrar no Reino?"
Jesus disse: "Nao! Ser apenas crianças não adianta".
Jesus lhes disse: "Quando da dualidade fizerem a unidade, quando tornarem o exterior como o interior, o interior como o exterior e o de cima como o de baixo; quando fizerem do macho e da fêmea um só, de
modo que o macho não seja mais macho e a fêmea não seja mais fêmea — enfio entrarão no Reino".
É isto que significa ser criança novamente. Tente entender toda a frase:
"Quando da dualidade fizerem a unidade..."
Este é o problema básico. Você já observou que quando um raio de sol atravessa um prisma, imediatamente se torna sete? Todas as cores do arco-íris aparecem. É assim que acontece um arco-íris: na estação
das chuvas, sempre que o ar está cheio de vapor ou de pequenas gotas d'água, essas gotas suspensas no ar comportam-se como um prisma. Um raio de sol as penetra e imediatamente se divide em sete — é assim
que surge o arco-íris. Na estação das chuvas, quando o sol sai de trás das nuvens, há um arco-íris. O raio de sol é branco, de um branco puro, mas através do prisma torna-se sete, a brancura desaparece
e surgem sete cores.
Sua mente funciona como um prisma; o mundo é um só, a existência é um branco puro e através da sua mente é dividida em muitas. Todas as coisas vistas através da mente tornam-se múltiplas. Se você estiver
alerta, verá sete aspectos em todos os conceitos mentais. A mente divide exatamente como um prisma — divide em sete. É por essa razão que dividimos a semana em sete dias. Por causa dessa atitude da mente,
Mahavir dividiu toda a sua lógica em sete estágios. São chamados "os sete aspectos da lógica". Quando uma pessoa fazia uma pergunta a Mahavir, ele dava sete respostas.
A pessoa fazia uma pergunta — e imediatamente ele dava sete respostas. Era muito confuso porque se você faz uma pergunta e recebe sete respostas, fica muito mais confuso do que antes de perguntar. E por
causa dessas respostas, Mahavir não pôde ser entendido: era impossível entendê-lo. Mas ele estava absolutamente certo porque estava dizendo: "Você pergunta através da mente, por isso tenho de responder
através dela — a mente divide tudo em sete". E essas sete respostas contradiziam umas às outras; e tem de ser assim porque a Verdade só pode ser uma, a Verdade não pode ser sete.
Quando você diz sete coisas tem de se contradizer. Se você perguntasse a Mahavir se Deus existe, ele diria: "Sim, Deus existe", "Não, Deus não existe". Depois diria: "Sim e não, ambas as coisas — Deus
existe e não existe"; e depois: "Nem existe nem não existe..." E dessa maneira continuava até dar sete respostas.
A mente divide como um prisma. Sempre que você olha através da mente, tudo se torna sete. Se você olhar algo de um modo penetrante, esse algo tornar-se-á sete; se você não olhar de um
modo penetrante então tornar-se-á apenas dois. Se você perguntar a um homem comum, ele dirá: "Só duas respostas são possíveis". Se você perguntar sobre Deus, ele dirá: "Deus existe ou não existe — só existem
duas possibilidades". Mas ele está perdendo cinco possibilidades porque não está alerta. Caso contrário, são sete as possibilidades. Dois é o início do múltiplo e sete é o fim.
Jesus diz: "Quando da dualidade fizerem a unidade". Está falando com pessoas comuns enquanto Mahavir falava com grandes estudiosos e grandes lógicos. A diferença está na audiência de ambos: Jesus está
falando aos mais pobres, aos mais comuns — à massa: Mahavir falava a uma minoria selecionada. Podia falar sobre o sete, enquanto Jesus falava sobre o dois — mas ambos queriam dizer a mesma coisa.
Jesus diz: "Quando da dualidade fizerem a unidade, quando o dois desaparecer e ficar um só vocês terão alcançado". Mahavir diz: "Quando do sete fizerem um, quando o sete desaparecer e ficar um só, voces
terão alcançado. A diferença está na audiência, ambos falam da mesma coisa.
Como pode a dualidade desaparecer? O que voce deve fazer? Nada pode ser feito através da mente porque se ela estiver presente, a dualidade permanecerá. Como o arco-íris pode desaparecer? Como pode ele
desaparecer? Você joga fora o prisma, e o arco-íris some; tire as gotas suspensas no ar e o arco íris desaparecerá. Não olhe através da mente e o mundo dos múltiplos desaparecerá; olhe através da mente
e esse mundo estará presente.
Não olhe através da mente, coloque-a de lado e veja! As crianças olham o mundo sem a mente porque a mente leva tempo para se desenvolver. O corpo vem primeiro, em seguida vem a mente — na realidade leva
alguns anos para acontecer. Quando a criança nasce, no primeiro dia que olha para o mundo, ele é um só, ela não faz nenhuma distinção. Como poderia? Ela não pode dizer: "Isto é verde e aquilo é vermelho".
Ela não conhece o verde nem o vermelho, ela simplesmente olha — o mundo é um só. Sendo assim ela não pode distinguir seu próprio corpo do corpo de sua mãe.
Jean Piaget trabalhou muito no desenvolvimento da mente da criança. Trabalhou nisso toda a sua vida e conseguiu revelar muitas verdades: uma criança não consegue fazer nenhuma distinção entre seu próprio
corpo e as coisas que a rodeiam. É por isso que chupa seu dedo do pé, porque não faz distinção. Não consegue pensar que aquilo é seu próprio dedo e que é inútil mamar nele; ela agarra o dedo como agarraria
qualquer coisa — não faz distinções. Ele defeca e come suas próprias fezes, não é bom nem mau. Nós podemos dizer: "Que porcaria!", mas para a criança não tem diferença; o que ela pode fazer?
Por causa disso, na Índia, por séculos, muitas pessoas têm tentado imitar as crianças. Comem no mesmo lugar que defecam, e os tolos as chamam de Paramahansa, aqueles que alcançaram. Elas simplesmente imitam
as crianças, tentam não fazer qualquer distinção — mas fazem! Caso contrário, qual seria a necessidade de fazer isso? Elas fazem distinção, mas forçam-se a não fazer. Buda não faria isso, Jesus não faria
isso, Krishna também não, mas essas pessoas a
quem chamam de Paramahansas — você pode encontrá-las, estão num lugar ou noutro por todo o país — forçam a si mesmas a não fazerem distinções.
Mas fazendo distinções ou forçando-se a não fazê-las, a mente continua sendo o foco; a distinção continua presente, você está apenas reprimindo-a. Está se comportando de um modo infantil, mas não inocente.
"Quando da dualidade fizerem a unidade, quando dois tornarem-se um só — exatamente como uma criança. Quando uma criança nasce, abre os olhos, ela olha mas não consegue pensar; o olhar vem primeiro, depois
é que acontece o pensamento. Algumas vezes, leva tempo, anos, para que a criança estabeleça distinções.
Uma criança arranca um brinquedo das mãos da outra, e você diz: "Não faça isso! Esse brinquedo não é seu!" Você está fazendo uma distinção de propriedade porque acredita na propriedade individual. Você
pensa: "Isto é meu, e aquilo não é". Para uma criança, não existe diferença — um brinquedo é só um brinquedo. Ela nunca pensa nele como não sendo seu. "Se minha mão pode tocar, agarrar o brinquedo, ele
é meu!" "Meu" e "Seu" ainda não estão definidos. Uma criança não faz nenhuma distinção entre o sonho e a realidade. Assim, pela manhã, ela pode chorar e resmungar porque sonhou com um lindo brinquedo.
"Aonde ele está?" A criança o quer de volta imediatamente. Não consegue distinguir o sonho da realidade, não pode fazer distinções. Sua inocência existe porque ainda não é capaz de fazer distinções.
E a inocência de um sábio começa quando ele abandona as distinções. Não que ele não consiga ver que o verde é verde e o vermelho é vermelho; não que ele não veja a diferença entre um pão e uma pedra —
mas ele abandonou a mente. Agora, vive através do olhar e não do pensamento. É por isso que os hindus chamam sua filosofia de darshanas. Darshan significa olhar, sem pensar; e filosofia não é uma tradução
correta, porque filosofia significa pensar; é o oposto.
Darshan significa olhar e filosofar significa pensar — são opostos entre si, não podem ser combinados de maneira nenhuma. Darshan significa olhar como uma criança, abandonar todas as distinções. "Quando
da dualidade fizerem a unidade. Quando tornarem o interior como o exterior..." Porque "interior" e "exterior" também são distinções.
Eu mesmo tenho falado: deixe o exterior, abandone o que está fora! Mas você não entende nada. Ao abandonar o exterior, o interior é automaticamente abandonado. Quando o exterior não está mais presente,
como pode existir o interior? São termos relativos; o interior só existe como oposto do exterior; quando não há mais exterior, não há mais interior. Primeiro, você abandona o exterior, e então o interior
desaparece automaticamente, por si mesmo; não existe "dentro" nem "fora" — você torna-se um só. Se o interior e o exterior existem, você ainda é dois, ainda não é um, ainda está dividido.
É por isso que os monges Zen fizeram uma das afirmações mais estranhas: eles dizem que este mundo é Deus; dizem que a vida comum é religião; dizem que tudo está bem, como está. Nada
precisa ser mudado porque só o conceito de mudança já cria a dualidade, a mudança do que é para aquilo que deve ser; Á tem de ser mudado para B e a dualidade acontece. Dizem que todo este mundo é Divino;
Deus não está em nenhum lugar porque este outro lugar cria a dualidade. Deus não é o criador nem você é a criatura — VOCÊ é Deus. Deus não é o criador — é a própria criação; Deus é a própria criatividade.
A mente está sempre tentando fazer distinções, é uma especialidade dela. Quanto mais distinções você consegue fazer, mais esperta é a sua mente. E a mente sempre diz que os místicos são meio tolos porque
para eles as fronteiras não estão claras. É por isso que chamam a religião de misticismo, e por misticismo não significam uma coisa muito boa. Significam algo vago como neblina, algo nublado, algo que
não é uma realidade clara, mas que é como um sonho.
Para os lógicos, os místicos são tolos porque não fazem distinções — e distinções é tudo o que você tem feito; você tem de saber o que é o que! E os lógicos pensam que quanto mais distinções se faz, mais
se aproxima da realidade. É por isso que a ciência — que segue a lógica, que é apenas lógica aplicada e nada mais — chegou até o átomo; fazendo distinções pouco a pouco as coisas foram sendo separadas
até chegar no átomo.
Sem separar nada, unindo, abandonando as fronteiras, não delineando os limites, a religião alcançou o Supremo, a Unidade. A ciência alcançou o átomo que significa o múltiplo, o infinitamente múltiplo;
a religião alcançou a Unidade o infinitamente UNO. As abordagens: a ciência utiliza a mente e a mente cria fronteiras, distinções nítidas; a religião não utiliza a mente e por isso todas as fronteiras
desaparecem; tudo se torna um só, há um encontro. As árvores encontram-se com o céu, o céu derrama-se na árvore, a terra encontra-se com o céu, o céu toca a terra.
Se você olhar a vida profundamente, verá que estes místicos estão certos. Todas as fronteiras são criadas pelo homem, não existem na realidade. Elas são úteis, práticas, mas não reais; servem para algumas
coisas mas para outras também atrapalham.
Tente encontrar distinções. Durante a última semana voce se sentiu infeliz — você consegue apontar exatamente o momento em que se tornou infeliz? Consegue traçar uma linha? Pode dizer: "Exatamente naquele
dia, às nove e meia da manhã, eu me tornei infeliz?" Não, você não consegue determinar uma linha! Se você procurar, de repente descobrirá que tudo é vago, que é impossível dizer quando se tornou infeliz.
Depois, você ficará feliz — observe o momento em que se tornará novamente feliz. Você pode não ter percebido o momento em que ficou infeliz porque não estava atento mas agora você está se sentindo infeliz
— e logo se sentirá feliz porque a mente não consegue permanecer no mesmo estado eternamente. Você não pode ajudá-la. Mesmo que queira permanecer infeliz permanentemente, não conseguirá. Observe em que
exato momento você se tomará feliz novamente. Você se sentirá feliz mas outra vez perderá o momento porque será muito vago.
O que isso significa? Que felicidade e infelicidade não são dois estados. É por isso mesmo que você não consegue, fazer uma distinção: eles se mesclam um no outro, misturam-se, suas fronteiras dissolvem
se entre si. Na realidade, as fronteiras não existem, são como uma onda, são como o vale e a colina: o vale? Em lugar nenhum! Eles são UM SÓ. "Este é o vale e esta é a colina". Você pode encontrar um vale
sem colina? Ou uma colina sem vale? Pode sentir-se Você pode encontrar um vale sem colina? Ou uma colina sem vale? Pode sentir-se feliz sem se sentir infeliz? Se está tentando isso, está tentando o impossível.
Você pode ter a felicidade sem ter a infelicidade? É difícil, porque esta felicidade e infelicidade são mais poéticas. A saúde e a doença são mais fisiológicas. Observe! Exatamente quando você adoeceu?
Onde o limite pode ser traçado? E quando se tornou saudável? Ninguém pode traçar nenhuma linha de demarcação; a doença transforma-se em saúde e a saúde em doença; o amor transforma-se em ódio e o ódio
em amor; a raiva transforma-se em compaixão e a compaixão em raiva — pode ser difícil aceitar isto, mas os místicos estão certos.
Você era uma criança — quando se tornou adolescente? Quando a adolescência teve início em você? Você é jovem e um dia será velho. Observe e marque no calendário: "Neste dia eu me tornei velho". Se você
não pode distinguir esse dia, como pode fazer a distinção entre quando está vivo e quando está morto? Mesmo os cientistas têm muitos problemas sobre quando declarar que um homem está morto. Tudo o que
se conhece até agora tem sido apenas utilitário, não verdadeiro.
Quando declarar que um homem está morto? Quando não está respirando? Mas existem muitos iogues que demonstraram em laboratórios científicos que podem permanecer sem respirar até por dez minutos. Então
o critério de morte não pode ser este: um homem está morto sempre que não respira mais. Ele pode não ser capaz de voltar a respirar, mas este critério não serve porque pessoas demonstraram que podem permanecer
sem respirar por dez minutos. Este homem pode ser um iogue. Ele pode não querer voltar, você não tem o direito de declará-lo morto. Mesmo assim, temos que declarar a morte porque é preciso desfazer-se
do defunto.
Quando um homem está realmente morto? Quando seu coração para de bater? Ou quando seu cérebro para de funcionar? Atualmente, nos laboratórios, existem cérebros sem corpos — e em funcionamento. Quem sabe
o que estarão pensando? Quem sabe se estarão sonhando? Podem até nem estar cientes de que perderam o corpo. Os cientistas que têm observado esses cérebros sem corpo dizem que eles têm o mesmo ritmo: dormem,
acordam; dormem, despertam, mostram sinais de que estão sonhando, mostram sinais de que não estão sonhando, dão sinais de que estão pensando: algumas vezes com raiva, agitados e tensos, outras vezes relaxados.
Dentro deles, o que estarão pensando? Eles podem não estar cientes de que o corpo não existe mais, mas você pode dizer que essas mentes estão mortas? Estão funcionando bem. Em que parte se aplica o critério?
Em que momento?
Na segunda Guerra Mundial fizeram experiências na Rússia, e pelo menos seis pessoas ainda continuaram vivas depois de terem sido declaradas mortas por causa de uma parada súbita do coração. Foram declaradas
mortas, mas o sangue foi bombado e elas voltaram a viver, as seis continuaram vivas. O que aconteceu? Elas foram recobradas.
Existe realmente um limite onde termina a vida e começa a morte? Não! É um fenômeno ondular. A vida segue a morte assim como uma onda é seguida por um vazio. Não estão separadas, são uma só — o ritmo da
UNIDADE. Os místicos dizem que para propósitos utilitários está bem que se divida, mas a realidade é indivisível. O que se pode fazer para ficar conhecendo esta realidade indivisível? Por o mecanismo divisor
de lado — isso é que é meditação. Por a mente de lado e olhar!
OLHAR sem a mente! ESTAR CONSCIENTE sem a mente! VER! Não permitir que os pensamentos se estabeleçam como uma tela entre você e o universo. Quando as nuvens, os pensamentos, não estão presentes, e o sol
brilha em todo o seu esplendor, o mundo é um só.
"Quando da dualidade fizerem a unidade, quando tornarem o interior como o exterior, o exterior como o interior, e o de cima como o de baixo; quando fizerem do macho e da fêmea um só, de modo que o macho
não seja mais o macho e a fêmea não seja mais fêmea — então entrarão no Reino".
A maior e mais profunda distinção existente é entre o masculino e o feminino. Você já observou que nunca esquece se alguém é homem ou mulher? Você pode esquecer o nome, esquecer a religião, pode esquecer
completamente seu rosto mas nunca esquece se a pessoa é homem ou mulher. Parece impossível esquecer-se disso. Isso demonstra o profundo impacto que essa divisão provoca na memória.
Alguém que você encontrou há vinte anos; você não consegue lembrar-se de nada — o rosto sumiu, o nome desapareceu — mas se a pessoa é homem ou mulher, isso permanece, isso fica gravado. Isso causa um impacto
profundo em você, como se a primeira coisa que você procurasse numa pessoa fosse ver se é homem ou mulher. A primeira coisa que você observa é a última que permanece. Você pode não observar isso conscientemente,
mas sempre que encontra uma pessoa, a primeira coisa que nota é se ela é homem ou mulher. Se é mulher, você se comporta de uma forma, se é homem, comporta-se de outra. Se é mulher, então o homem que existe
dentro de você é atraído para conhecê-la ou não. Você pode não ter consciência disso mas seu comportamento torna-se mais delicado.
As pessoas que possuem lojas sabem muito bem disso porque todos os vendedores foram substituídos por vendedoras. E tem de ser assim: se os compradores são homens, é melhor ter vendedoras porque então o
comprador não pode dizer não com tanta facilidade que diria a um vendedor. Quando uma mulher calça um sapato em você, toca seus pés — uma mulher bonita — de repente o sapato não tem importância, torna-se
secundário. Pode estar apertando seus pés mas você diz: "Lindo! Está muito bom!" e o compra. Você está comprando a mulher, não os sapatos.
É o que acontece em todos os anúncios — racionais ou irracionais, relacionados ou nãorelacionados, consistentes ou inconsistentes, não faz a menor diferença se eles estão anunciando um carro, um sapato
ou qualquer outra coisa — é preciso colocar uma mulher nua
perto do que se quer vender. Porque não é o carro que é comprado, mas sim a mulher dentro dele. O sexo é que é comprado e vendido, o resto é superficial.
No fundo, você está em busca de sexo — em todos os lugares! Jesus diz que você não será inocente se essa busca permanecer. Com ela, você permanece dividido: se você é um homem, procura por uma mulher;
se é uma mulher, procura por um homem. Então a procura está sempre se referindo ao outro, não pode se tornar interior, você não consegue mover-se para dentro, não pode ser meditativo. A mulher o perturbará,
ela o perseguirá. Se você resistir, lutar, fechar os olhos, ela tornar-se-á cada vez mais bela, você ficará cada vez mais tentado.
O que fazer? Como transcender essa dualidade? Muitos métodos têm sido utilizados. A maioria deles são apenas fraudes. As pessoas dizem: "Pense que toda mulher é sua mãe", mas isso não vai fazer nenhuma
diferença; é uma fraude. "Pense que toda mulher é sua irmã" — também não faz diferença porque ela continua sendo mulher. Se ela é mãe ou irmã, não faz diferença, continua mulher e você continua homem.
Uma profunda busca permanece e essa busca é tão biológica que está por trás da sua consciência, é um "sub-fluxo".
Observe! Você está sentado numa sala e uma mulher entra. Observe-se e veja o que acontece. De repente, você é outra pessoa! Se ela é bonita então você se transforma mais ainda. O que acontece? Imediatamente
você já não está mais presente, só existe o homem, você já não está mais, só os hormônios sexuais. Eles entram em funcionamento, colocam você de lado, sua consciência é perdida, você fica quase inconsciente,
comporta-se como se estivesse bêbado.
Até agora, nós não fomos capazes de descobrir uma embriaguez maior do que o sexo, uma droga mais forte que o sexo: ele muda tudo imediatamente. Se você toma LSD, as coisas ficam coloridas — o sexo é um
LSD interno. Sempre que você se sente sensual, tudo se torna colorido, tudo tem uma aparência diferente, um brilho diferente, você fica mais vivo; não anda, corre; não diz nada, canta. Sua vida torna-se
uma dança, você vive numa dimensão diferente.
Sempre que o sexo não está presente, de repente você está de volta ao mundo monótono, ao mundo das coisas: opaco, sem nenhum brilho. Você não consegue cantar, não consegue correr, tudo se torna entediante.
Se novamente um homem ou uma mulher entra na sua vida, tudo muda de cor, tudo é romance, poesia. O que está acontecendo? Se isso continuar acontecendo, você permanecerá na dualidade — na mais profunda
delas. A dualidade não lhe permitirá ver o real. O real é um estado de graça, não é feliz nem infeliz.
A realidade está além da felicidade e da infelicidade. Não é tensa nem relaxada; não é escura nem clara; está além. Quando toda a dualidade cessa, você está em estado de graça. Os hindus chamam esse estado
de ananda — que significa "além de dois". Você não pode dizer que um sábio é feliz. Ele não é feliz por que a felicidade tem de ser seguida pela infelicidade. Você não pode dizer que ele é infeliz. Um
sábio está em estado de graça, transpôs a dualidade. Agora já não existem vales nem colinas; ele caminha no plano, num único nível. Não existem altos e baixos porque eles só existem na dualidade.
Jesus diz: "Quando não há nada em cima nem embaixo, nada superior nem inferior, quando não existem dois, então você não pode escolher; você simplesmente existe." E essa existência existe num só plano:
as ondas não existem, o oceano fica absolutamente silencioso, sem nenhuma onda, nem mesmo ondulações porque nada sobe nem desce. O oceano torna-se uma superfície espelhada, sem nenhuma ondulação. Toda
a agitação cessa.
Toda a agitação existe através da dualidade e o sexo é a base de todas as dualidades. Você consegue abandonar todas as outras coisas com facilidade, mas o ponto básico a ser abandonado é o sexo. E isso
é muito difícil, porque ele está em cada célula do seu corpo, em cada célula do seu ser — você é um ser sexual, nasceu como um ser sexual. E por isso que Jesus diz: "A menos que você renasça, nada poderá
auxiliá-lo". Como você está, permanecerá tenso, como você está, continuará miserável.
"Quando fizerem do macho e da fêmea um só, de modo que o macho não seja mais macho e a fêmea não seja mais fêmea — então poderão entrar no Reino".
Então, o que deve ser feito? Um círculo tem de ser feito no interior. Jesus não disse exatamente como fazê-lo porque tais segredos não podem ser dados abertamente; só podem ser dados a discípulos. Jesus
deve tê-los dado a seus discípulos porque dizer simplesmente:
"Torne-se um!" não resolve nada, ninguém consegue tornar-se um só. Dizer simplesmente que o macho deve ser fêmea e a fêmea deve ser macho, não auxilia ninguém a tornar-se um porque essa é a meta. Mas,
qual é o método?
Jesus deve ter mantido esse método em segredo. Deve tê-lo dado aos discípulos como uma chave secreta porque esses segredos que podem torná-lo um só, são também muito perigosos. Se você não compreendê-los,
se aplicá-los de maneira errada, enlouquecerá. Este é o problema, este é o medo.
Normalmente, como você está, é um ser dividido: sua energia masculina busca no exterior a energia feminina; sua energia feminina busca fora a energia masculina — assim é o ser humano normal. Mas para tornar-se
unido, tudo tem de ser transformado: sua energia masculina deve procurar a energia feminina no interior. O homem interior tentando encontrar a mulher interior é algo muito perigoso porque a natureza não
proveu esta necessidade.
A natureza lhe deu a necessidade de encontrar a mulher, de encontrar o homem e isso é natural. Mas fazer com que isso ocorra dentro de você sozinho não é natural. A chave deve ser usada muito, muito delicadamente.
Só pode ser usada sob os cuidados de um Mestre que já trilhou o caminho. É por isso que os mais altos segredos da religião não podem ser revelados nas escrituras, só podem ser revelados através da iniciação.
Eu lhes darei algumas informações de como isso pode ser feito. Mas lembre-se bem; se você quiser fazer isso, tenha cuidado para não se afastar de jeito nenhum do que eu disser; não se
desvie, senão tudo dará errado. Neste caso, será melhor ser normal porque muitos religiosos já enlouqueceram. Isto aconteceu pelo seguinte: você tem a chave mas não sabe como usá-la, pode usá-la de maneira
errada e a fechadura se danificar, então será muito difícil consertar a fechadura.
Estes métodos só podem ser aplicados com um Mestre que possa estar sempre observando o que está lhe acontecendo. Eu estou lhes dando algumas informações porque estou aqui e se você quiser trabalhar, poderá
fazê-lo.
Primeira coisa: sempre que tiver uma relação sexual com um homem ou com uma mulher, este é o momento certo para olhar para a sua mulher interior ou para o seu homem interior. Sempre que você tiver relações
sexuais com uma mulher, faça-o com os olhos fechados, faça disso uma meditação. A mulher externa pode auxiliar a mulher interna a acordar. Quando você tem relações sexuais suas energias interiores, tanto
a masculina quanto a feminina, atingem um ápice. E quando o orgasmo acontece, não é entre você e a mulher exterior é sempre entre você e a mulher interior.
Se você estiver alerta, terá consciência de que um encontro de energias está acontecendo no interior. E sempre que este encontro acontece, o orgasmo é no corpo inteiro, não é apenas local, não fica confinado
ao centro sexual. Quando fica confinado ao centro sexual, é apenas masturbação, nada mais. O orgasmo exprime-se no corpo inteiro: cada fibra pulsa com uma nova vida, com uma nova energia porque muita energia
é ativada pelo encontro. O encontro está acontecendo dentro, mas se você estiver preocupado em observar o exterior, perderá.
O homem externo ou a mulher externa são apenas uma representação do interior. Quando você se apaixona por um homem ou mulher, isso só acontece porque esse homem ou essa mulher, de alguma forma, corresponde
ao interior. É por isso que você não consegue encontrar nenhuma razão pela qual está apaixonado pela pessoa, porque isto não é absolutamente algo racional.
Você carrega uma mulher dentro de si. Sempre que uma mulher se ajusta com essa mulher interior, de repente, você se apaixona. Esse amor não é manipulado por você, não é sua mente que se apaixona, isto
é algo profundamente inconsciente. Nesta mulher você tem um vislumbre. De repente, você sente que é a pessoa certa.
O que faz com que essa pessoa seja certa? Porque ela não o será para todos: haverá pessoas que a odiarão, que sentirão repulsa; haverá pessoas que não a olharão uma segunda vez, que não verão nada de especial
nela. E haverá alguns que até rirão de você: "Como você se apaixonou por aquela mulher? Está louco?" Mas esse homem ou mulher, de alguma maneira, corresponde ao seu interior. É por isso que o amor é uma
coisa irracional, sempre que acontece, acontece — você não pode fazer nada a respeito; se não acontece, você também não pode fazer nada.
Quando você tem relações sexuais com uma pessoa, a energia interna chega a um ápice, chega
ao auge. E, nesse auge, não fique olhando para fora porque então perderá algo muito belo que acontece, algo profundamente misterioso que acontece em seu interior: você torna-se um círculo. Seu macho e
sua fêmea encontram-se, você torna-se Ardhanarishwar. Nesse momento, todo seu corpo vibra dos pés à cabeça. Cada nervo do seu corpo vibra com a vida porque esse círculo se estende por todo o corpo. Não
é sexual, é mais que isso. Observe! Observe o ápice, o encontro das energias interiores. Depois, observe a maré baixando e o começo do abismo. Observe, as duas energias separando-se outra vez, aos poucos...
Se você fizer isso algumas vezes, imediatamente se conscientizará de que a mulher ou o homem externos não são necessários. Isso pode ser feito sem o exterior porque está acontecendo sem ele; o exterior
é apenas o gatilho. Esse gatilho pode ser criado em seu interior. E uma vez que você descubra como, poderá fazê-lo internamente. Mas isso tem de ser experimentado, só então você conhecerá — eu não posso
dizer como. Você tem de olhar, observar, e então saberá como as energias chegam, como o orgasmo acontece, como elas se separam e novamente surge a dualidade.
Por um único momento a Unidade acontece em você. É por isso que existe tanta atração pelo sexo; é por isso que tanto prazer é derivado do orgasmo — porque por um único momento você se torna um só, a dualidade
desaparece. E no momento do orgasmo, não existe nenhuma mente. Se a mente estiver presente, o orgasmo não poderá acontecer. No momento do orgasmo, não existe um único pensamento, todo o prisma é completamente
posto de lado. Você É, mas sem pensamentos. Você existe, mas sem a mente. Isso acontece por momentos tão rápidos que você pode perdê-lo facilmente; você o tem perdido há muitas vidas. É um instante tão
pequeno que se você estiver interessado no que está acontecendo fora, o perderá...
Assim, feche os olhos e observe o que está acontecendo dentro. Não tente fazer nada, apenas observe o que estiver acontecendo. Aos poucos começará a acontecer, assim como quando você entra numa sala depois
de ter andado no sol. Você entra na sala e tudo está escuro, você não consegue ver nada porque seus olhos ainda não estão acostumados no quarto escuro. Espere! Sente-se e olhe em silêncio. Aos poucos,
a escuridão começará a desaparecer e você tomará consciência das coisas quando seus olhos estiverem acostumados ao ambiente.
Vir do exterior para o interior é um grande problema apenas porque seus olhos estão acostumados com o lado de fora. O lado de denta parece escuro — e quando você consegue estar pronto, o momento já se
foi. Então medite cada vez mais de olhos fechados e olhe para dentro para que você se harmonize com a escuridão interior. Não é escuro, só parece escuro porque você esta acostumado com a luz de fora. Aos
poucos, começará a sentir uma luz difusa, as coisas começarão a clarear e chegará um momento em que as coisas se tornam tão claras que ao abrir os olhos você descobrirá que o lado de fora é que é escuro.
Contam que Arvind disse "Quando eu vim a saber, pela primeira vez, o que é o interior, a luz de fora tornou-se uma escuridão". A luz que está fora torna-se como a morte porque agora algo mais alto, maior,
algo vindo da fonte está acontecendo.
Observe como surge o círculo interior, como as duas energias transformam-se em uma. Nessa unidade, não existe mente nem pensamento. Olhe! E quando você descobrir o que está acontecendo, o exterior poderá
ser abandonado — não haverá necessidade de abandoná-lo, mas ele poderá ser abandonado.
Uma mulher é bonita, um homem é bonito. O amor é bom, não tem nada de errado, é saudável e total. Não há necessidade de abandoná-lo, mas pode ser abandonado e então você não depende mais dele. Pode permitir
que o fenômeno aconteça em seu interior, e chega um momento em que esse círculo permanece para sempre. Com a ajuda do exterior, ele não pode permanecer porque o que está fora tem de ser separado, a separação
é uma necessidade. Mas com o interior, não existe nenhuma necessidade de separação; quando o casamento interior acontece, não há nenhum divórcio, não existe essa possibilidade porque os dois estão sempre
presentes, ambos estão presentes. Uma vez que eles se encontram não existe nenhuma questão sobre o divórcio. Com o exterior o divórcio acontece continuamente; num momento você está junto, noutro tem de
se separar.
Quando esse círculo permanece constantemente em seu interior, este é o estado de Ardhanarishwar — e é isso que Jesus diz:
"Quando fizeram do macho e da fêmea um só, de modo que o macho não seja mais macho e a fêmea não seja mais fêmea — então entrarão no Reino".
Então, você entrou, tornou-se perfeito, não está dividido, tornou-se indivisível. Agora tem um Eu, tem a liberdade e a independência, nada está faltando, você está completo em si mesmo. A menos que esse
círculo aconteça, você estará necessitando de alguma coisa, estará dependendo dos ostros para satisfazer-se.
É por isso que o sexo parece uma escravidão — e é! É como uma dependência. E sempre que você se sente dependente fica ressentido. Daí a luta constante contra o amor: você fica ressentido mas não pode abandonar
o outro porque você se sente dependente.
E ninguém quer depender de ninguém porque toda dependência é uma limitação: o outro tenta dominar, tenta possuir — e, se você é dependente, tem de permitir ao outro uma certa dominação porque sente medo.
E um mútuo acordo: "Eu dependerei de você e você dependerá de mim. De algum modo poderemos possuir um ao outro, de algum modo poderemos dominar um ao outro".
Mas ninguém gosta de dominações e possessões. É por isso que o amor traz tanta miséria. Se você ama uma pessoa e se ressente com ela, como pode ser feliz? Mesmo a pessoa mais bela torna-se feia.
Mulla Nasrudin estava sentado com um amigo. Sua mulher chegou e o amigo disse: "Suponho que esta seja a sua esposa mais bonita!" Mulla Nasrudin olhou tristemente e disse: "E a minha
única esposa!"
Essa tristeza está sempre presente nos amantes porque nenhuma mulher pode satisfazer um homem. Mesmo que você tenha todas as mulheres do mundo não estará satisfeito porque o interior é maior do que "tudo".
Todos os homens do mundo não conseguirão satisfazer uma mulher — não! Não é possível! Uma coisa ou outra estará sempre faltando porque nenhum homem é exatamente igual ao homem interior. E este é um problema
de tempo também porque o encontro pode acontecer apenas por um único momento; depois, vem a separação.
A menos que você alcance a unidade interior, estará mudando de uma miséria para outra, de uma mulher para outra, de um homem para outro, de uma vida de misérias para outra vida de misérias. A mudança pode
lhe dar uma esperança — mas ela é inútil, todo o envolvimento é inútil.
Quando este círculo acontece, você se torna um só novamente, inocente como uma criança; mais do que qualquer criança pode ser — você se torna um sábio.
Medite sobre essas palavras de Jesus e sobre o que eu disse, tente. Se você quiser tentar, deixe-me saber. Se você quiser trabalhar pelo círculo ulterior, deixe-me saber constantemente o que está acontecendo.
Porque se algo não estiver certo e as duas energias se encontrarem de um modo errado, você enlouquecerá.
Este é o medo de tornar-se um sábio: se você cair, cairá até o fundo, ficará louco. Se você subir, subirá ao mais alto, tornar-se-á um sábio. É sempre assim quando alguém quer andar nas alturas, tem de
ter coragem porque se cair, cairá no abismo. O abismo está sempre perto das alturas.
Assim, lembre-se de que é necessário um esforço muito equilibrado e muitas coisas mais. Se você quiser trabalhar nisso, conversarei com você, mas isso só pode ser feito pessoalmente. É por isso que Jesus
fala sobre a meta, mas nunca fala sobre o método. O método deve ser dado pessoalmente, é uma iniciação.
NONO DISCURSO
29 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus disse:
O argueiro que existe no olho de teu irmão, tu o vês, Mas a trave que existe em teus olhos tu não a vês, Quando arrancares a trave de teus olhos, então verás claramente e poderás retirar o argueiro do
olho de teu irmão.
O auto-conhecimento é o que existe de mais difícil — não porque seja difícil, mas porque você tem medo de saber a respeito de si mesmo. Existe um medo profundo. Todos estão tentando escapar, escapar de
si mesmo. Este medo deve ser entendido. E, se esse medo existir, qualquer coisa que você fizer não irá ajudar muito. Você pode pensar que quer se conhecer, mas se esse medo inconsciente existir, estará
constantemente evitando o auto-conhecimento, estará sempre tentando esconder, enganar. Por um lado, tentará se conhecer; por outro lado, criará todos os tipos de obstáculos para não se conhecer.
Conscientemente você pode pensar: "Gostaria de me conhecer"; mas no inconsciente, que é maior, mais forte e mais poderoso que o consciente, você evita o auto-conhecimento. Então o medo deve ser entendido.
Por que você tem medo? Primeira coisa: se você realmente penetrar em si, a imagem que você criou para o mundo revelar-se-á falsa. Todo o seu passado não significará nada porque tem sido como um sonho.
E você investiu tanto nele, viveu tanto por ele, que saber agora que ele foi um falso fenômeno irá feri-lo — toda sua vida terá sido um desperdício.
Se tudo o que você viveu foi uma pseudo-vida, em nada autêntica, se você nunca amou mas apenas fingiu amar, como poderá encontrar a si mesmo? Porque então você virá a saber que tudo foi fingimento: você
não fingiu apenas que amou, fingiu também que foi feliz enquanto amava. Você não enganou mais ninguém além de si mesmo. E agora, olhar para trás, olhar para dentro — o medo o agarra.
Você tem pensado que é único; todos pensam isso. Essa é a coisa mais comum neste mundo, pensar que se é extraordinário, especial, "o escolhido". Mas se você olhar para si, saberá que não há nada, não há
nem um motivo para ser egoístico. Então onde se firmará o ego? Ele ruirá,
cairá no pó.
O medo existe, por isso você não olha para si mesmo. Não olhando, você pode continuar criando sonhos sobre si mesmo, imagens sobre si mesmo. Criar imagens é fácil, barato, mas é muito difícil e penoso
ser realmente alguma coisa. As pessoas sempre escolhem o mais barato — você tem escolhido o mais barato. Olhar para si mesmo é muito difícil.
Numa casa, o telefone tocou no meio da noite — era de madrugada. O homem levantou da cama, furioso, e gritou no aparelho: "O que você quer?" O homem do outro lado disse:
"Nada!" O outro ficou ainda mais, furioso e disse: "Então porque você me telefonou no meio da noite?"
O homem disse: "Porque a ligação é mais barata!"
Se o preço for mais barato, você pode até comprar nada. E e isso que você tem feito. Criar uma
imagem de si mesmo como único é uma coisa barata, mas ser único é árduo, muito duro. Muitas e muitas vidas de combate, de luta, muitas vidas de esforço culminam em algo quando você se torna único. Mas
acreditar que se é único é barato, você pode fazer isso agora mesmo, não tem necessidade nem de se mexer. Você tem acreditado em coisas baratas — é por isso que o medo existe.
Você não pode olhar para si mesmo. Tudo o que você tem pensado ser não será encontrado aí — e você sabe muito bem disso. Quem sabe disso melhor do que você mesmo? Se você pensar que é bonito, e essa beleza
for apenas uma idéia então você não poderá olhar no espelho. E você sabe muito bem disso! Ao invés de se olhar no espelho, quebrará todos eles. Sempre que um homem ou uma mulher feia se olha no espelho,
pensa que existe alguma coisa errada com o espelho — porque é penoso verificar que não se é nada.
Você é alguém a seus olhos. Todos os demais podem saber que você não é ninguém, mas você não. Até mesmo um louco pensa que todo o mundo é louco. Todos lhe dizem: "Você é louco!", mas ele não ouve porque
isso é muito doloroso. Cria todos os tipos de argumentos, racionalizações para dizer:
"Não sou louco!"
Certa vez Mulla Nasrudin entrou correndo numa fazenda e perguntou ao fazendeiro: "Você viu uma mulher lunática passando por aqui?"
O fazendeiro disse: "Como ela é?"
Nasrudin descreveu-a: "Ela tem um metro e oitenta de altura, é muito gorda e pesa quarenta e cinco quilos."
O fazendeiro olhou um pouco confuso e disse: "Se ela tem um metro e oitenta de altura e é gorda, como pode pesar só quarenta e cinco quilos?" Nasrudin riu e disse: "Não seja tolo — eu não lhe disse que
ela é meio louca?"
É sempre o outro que está errado, que é louco. É assim que você protege o que chama de sanidade, esta é a sua proteção. E uma pessoa que não pode olhar para si mesma, basicamente, não pode olhar, não é
porque tem medo apenas de olhar para si mesma — o ponto básico é que ela tem medo de olhar. Porque quando você olha para o outro, ele pode tornar-se o espelho; quando você olha para dentro do outro, o
outro pode indicar algo sobre você. Você é refletido nos olhos dos outros, por isso não pode olhar para ele. Você cria uma ficção tanto sobre si mesmo como sobre o outro. Então, vive num mundo de sonho
— é assim que todos têm vivido.
E você pergunta como ser feliz. Seu pesadelo é natural: de tudo o que você tem feito, só pode brotar um pesadelo. E você pergunta como ser tranqüilo. Ninguém pode estar tranquilo com a ficção, apenas com
o fato. Por mais duro que ele seja, deve ser aceito; só o fato pode torná-lo não tenso, só o fato pode conduzí-lo em direção à verdade. Se você nega a factualidade, não haverá nenhuma verdade para você,
ficará girando em torno sem nunca atingir o centro.
Ouvi contar que certa vez aconteceu o seguinte: um médico foi ver uma paciente, uma mulher muito doente. Entrou no quarto e saiu depois de cinco minutos. Pediu ao marido que esperava do lado de fora: "Dê-me
um saca-rolhas!" O marido ficou um tanto preocupado sem saber para que seria necessário o sacarolhas. Depois de cinco minutos o médico voltou novamente, transpirando, e disse: "Agora, dê-me uma chave de
fenda!" O marido preocupou-se ainda mais, mas continuou em silêncio — porque os médicos sabem o que fazem. Cinco minutos depois o médico pediu um martelo e um cinzel. Agora já era demais, o marido não
podia mais suportar e disse: "O que há de errado com minha mulher?" O médico respondeu: "Ainda não sei, não consegui abrir minha valise!"
E eu lhe digo que você ainda está lutando com sua valise!
Não apenas isso — que você não seja capaz de abri-la — você não quer abri-la. Todos esses sacarolhas, chaves de fenda, cinzéis e martelos que você carrega consigo são disfarces. Você não quer nem mesmo
abrir sua valise porque uma vez aberta, o que você fará? Então o paciente — que é você — terá de ser diagnosticado, terá de olhar para si mesmo.
Por isso, todos se preocupam com suas valises — é este o seu negócio, a sua profissão, a sua preocupação. Você pode ser um poeta, um músico, um pintor, mas todas as suas preocupações são apenas formas
de permanecer engajado com o exterior. É por isso que ninguém está pronto para ser só, nem por um único momento. Isso é muito temido porque, se você estiver só, poderá cruzar consigo mesmo. Quando estiver
só, o que você fará? Quando estiver só, estará consigo mesmo — e a realidade poderá entrar em erupção.
Assim, todos procuram estar sempre ocupados, ocupam-se durante vinte e quatro horas por dia. Quando você está ocupado, parece um pouco feliz; quanto está desocupado, torna-se infeliz. Os psicólogos dizem
que quando um homem fica sem ocupação por um período longo, acaba ficando doente. Mas por que? Se você está são, por que adoece ao ficar sem ocupação por um longo período? Se você está são, um longo período
de inatividade, um longo período sem fazer nada, torna-o mais são, faz você crescer. Mas por que você adoece ao ficar só durante um longo período? Isso acontece porque você está doente! Sua ocupação apenas
esconde esse fato.
Olhe em volta — porque é difícil olhar para si mesmo — olhe em volta, olhe para as pessoas! Um homem, por exemplo, que está constantemente ocupado com dinheiro. O que ele está realmente fazendo? Focalizando
sua mente no dinheiro para poder esquecer de si mesmo. Ele fica pensando em dinheiro de manhã, de tarde e de noite. Mesmo na cama ele pensa no dinheiro, no banco, no saldo. O que ele está fazendo com o
dinheiro? É por isso que quando consegue ter dinheiro se sente frustrado — o que fazer então? No momento em que consegue mais dinheiro que queria, começa a pensar em conseguir mais dinheiro — porque dinheiro
não é o que ele procurava. Caso contrário, ao consegui-lo ficaria satisfeito. Mas nem um Rockefeller ou um Ford podem estar satisfeitos.
Quando você tem dinheiro, imediatamente quer ter mais porque a motivação básica não é o dinheiro, mas sim a ocupação com o dinheiro. Sempre que não há o que fazer você sente um desconforto, uma profunda
inquietação surge em você. O que fazer? Se não houver nada para fazer, você irá reler o jornal — o mesmo que você já leu inteiro. Se não houver o que fazer, você fará qualquer coisa sem nenhuma importância,
mas não ficará quieto. Vem daí a insistência de todos os Mestres em que, se você puder sentar-se durante algumas horas sem fazer nada, logo estará Iluminado.
Esse estado de desocupação da mente é meditação. Um estado ocupado de mente é o mundo, o cansar. Não importa que tipo de ocupação você tenha — se você se interessa por Política, dinheiro, serviço social
ou revolução, não faz nenhuma diferença — a sua sanidade é a mesma. Se você deixar Lênin sozinho, ele enlouquecerá: ele necessita da sociedade e da revolução; se não houver nada para fazer, será impossível
para ele existir, sua sanidade estará perdida. Ele é são através dos outros. Você trabalha tanto que sua energia é gasta no trabalho, então você fica exausto e pode ir dormir.
Os velhos parecem excêntricos, quase loucos, e o motivo é que não têm nada para fazer. A velhice não é o motivo — a razão é que agora estão desocupados, não são necessários, estão aposentados. As pessoas
aposentadas sempre se tornam um pouco excêntricas. Algo de errado acontece com elas. Um homem está bem, é o presidente ou o primeiro ministro de um país, mas- aposente esse homem e veja o que acontecerá:
imediatamente começará a se deteriorar. Seu corpo, sua mente, ambos se deteriorarão e ele tornar-se-á um excêntrico, um louco, um maluco. Porque então não terá mais nada para fazer, ninguém olhará para
ele, ninguém se
interessará por ele. Não terá nada para fazer, nada para focalizar sua mente. O tumulto penetrará cada vez mais fundo — ele tornar-se-á confuso.
Os psicólogos dizem que as pessoas aposentadas morrem dez anos antes do que teriam morrido se continuassem ocupadas. O que acontece? Por que é tão difícil estar consigo mesmo? Você sempre pensa que as
pessoas se sentem felizes com você — sua esposa, seu marido são felizes com você. Você nunca se sentiu feliz consigo mesmo, então como é possível qualquer outra pessoa se sentir feliz com você? Se você
tem uma personalidade tão aborrecida a ponto de se aborrecer consigo mesmo, como é possível que os outros o tolerem? Eles o toleram por outras razões — não porque você seja uma pessoa amável, não! Eles
o toleram porque você dá a eles uma ocupação. Um marido é ocupação suficiente para uma mulher e ela é ocupação suficiente para ele. É um engano mútuo: concordaram em enganar um ao outro, em um auxiliar
o outro a permanecer ocupado.
Você não pode olhar para si mesmo, não pode chegar à auto-realização porque esta é uma meta muito distante. Você não pode voltar-se e ver a 'factualidade' sobre si mesmo, a razão é esta: você tem uma falsa
imagem, uma falsa identidade, uma falsa idéia de que é alguém muito importante, muito significante — o mundo todo irá parar se você morrer. O que acontecerá ao mundo se você não estiver mais aqui? Quando
você não estava presente, o que acontecia? O mundo estava um pouco mais em paz, só isso. Quando você não estava aqui, havia um pouco menos de problemas no mundo, só isso — porque havia uma pessoa inquieta
a menos, uma pessoa a menos para criar inquietação nas outras pessoas. Mas, para sustentar o ego, todas as ficções são necessárias.
Napoleão torno-se um prisioneiro no fim da vida. Foi preso numa pequena ilha, Santa Helena. Ele já não era nada — ninguém nunca é —e continuar na ficção era muito difícil. Ele era um Imperador, um dos
maiores conquistadores: "O que vou fazer? Como posso aceitar o fato de que já não sou mais nada; apenas um prisioneiro, um prisioneiro comum?" Ele não encarou o fato; continuou na velha ficção. Não trocou
suas roupas durante seis anos porque a prisão não lhe daria roupas de imperador para vestir. Suas roupas estavam completamente rasgadas, descoradas, imundas, mas ele não as tirava.
O médico da prisão lhe perguntou: "Por que você não tira esse casaco? Está imundo! Nós podemos lhe dar roupas melhores e mais limpas." Napoleão olhou para ele e disse: "Este é um casaco de Imperador —
pode estar sujo mas não posso trocá-lo por um casaco qualquer!" Ele andava como se ainda fosse um Imperador, falava como se fosse um Imperador, dava ordens — não havia ninguém para ouvi-las, mas ele continuava
ordenando. Escrevia cartas e ordens, trazia consigo seu bloco de cartas. Em sua mente ainda era um Imperador.
O que aconteceu com esse pobre homem? Ao ficar desocupado, começou a ficar doente constantemente. O médico que o acompanhava tinha um diário onde escreveu: "Sinto que ele não está realmente doente; agora
a doença é só uma ocupação. Às vezes, ele diz 'meu estômago'; outras vezes, diz 'minha cabeça'; outras, 'minhas pernas'," e o médico achava que
não havia nada de errado, seu corpo estava absolutamente são. Mas agora ele não tinha mais nada para se ligar, agora o único outro era o corpo. Todos os outros haviam desaparecido.
Muitas pessoas têm a doença como ocupação: no mundo, cinquenta por cento das doenças existem como ocupações. Se você estiver ocupado, não precisará encarar a si mesmo. Caso contrário, o que teria acontecido
a Napoleão? Se ele tivesse encarado a si mesmo, teria visto que era um mendigo — e teria ganhado muito mais! Morreu como um Imperador. Antes da sua morte ordenou como deveriam ser feitas as cerimônias
fúnebres, cada detalhe. Ninguém fez o que ele pediu porque ninguém estava interessado. Mas ele deu as ordens e deve ter morrido tranquilo pensando que teria um enterro de Imperador.
Com Napoleão, esse processo é claro porque ele foi um Imperador. Isso também foi uma ficção — mas apoiada pela sociedade. Nada mudou, Napoleão continuou o mesmo, apenas o apoio desapareceu. Isto é difícil
de entender: existem ficções nas quais a sociedade o apóia e existem outras em que ninguém o apóia. Esta é a diferença entre uma pessoa sã e uma doente: a pessoa sã é aquela cuja ficção é apoiada pela
sociedade. Ela manipulou a sociedade para corroborar com a sua ficção. Um homem doente, insano, é aquele cuja ficção não é apoiada por ninguém; ele está só, você pode colocá-lo num hospício.
Mas ter um apoio não torna nada real — se é uma ficção, é uma ficção. Se você olhar para si mesmo, imediatamente sentirá que não é ninguém, nada de importante. Mas então toda a terra, toda a base sob seus
pés se desfaz, você está num abismo. É melhor não olhar para ele — é melhor continuar com seus sonhos. Podem ser sonhos, mas ajudam-no a viver de maneira sadia.
Não só você não consegue olhar para si mesmo como não consegue olhar para os outros também porque o outro também é representativo. Assim, você cria ficções também sobre os outros: através do ódio, cria
a ficção de que o outro é um demônio; através do amor, cria a ficção de que o outro é um anjo, um deus. Você cria ficções também sobre os outros; não consegue olhar diretamente, não pode ver através deles,
sua percepção não é imediata. Você vive um maya, numa ilusão criada por si mesmo. Então, tudo o que você vê é exagerado: se você odeia uma pessoa, ela imediatamente transforma-se no demônio; se você ama
alguém, ela imediatamente torna-se deus. Você exagera: se vê o mal, exagera e transforma-o no mal supremo; se vê o bem, transforma-o no bem supremo, em deus.
Mas é difícil manter essas ficções, você tem de mudá-las constantemente. Por que você exagera tanto em suas percepções Por que você não vê claro o que está acontecendo? Porque você tem medo de ver claramente.
Você quer as nuvens em volta para que tudo permaneça obscuro. Você não quer se conhecer. E todos os que se conheceram, insistem: "Conhece-te a ti mesmo!" Buda, Jesus, Sócrates continuam insistindo. Toda
a religião é uma insistência para que você conheça a si mesmo.
E você insiste em não se conhecer. Às vezes, faz o jogo de conhecer a si mesmo. Tenho
cruzado com muitas pessoas que fazem esse jogo e não querem saber. Este é um jogo: elas querem criar uma nova ficção, uma nova ficção religiosa e vêm a mim para que eu possa apoiá-las. Dizem: "Compreendi
isto, compreendi aquilo", e olham para mim mendigando com o olhar.
Se eu digo: "Sim, você experimentou isso", elas se sentem apoiadas, vão embora felizes. Se eu digo: "Não", ficam infelizes, nunca mais voltam. Simplesmente desaparecem porque precisam encontrar outra pessoa,
outra autoridade qualquer. Mas por que você está em busca de uma autoridade? Por que precisa de uma testemunha? Se você compreendeu algo, está realizado — não há necessidade de nenhuma autoridade porque
a experiência em si é auto-evidente.
Se você realiza sua alma, não necessita do reconhecimento de ninguém, de nenhum certificado. Mesmo que o mundo todo diga que você não realizou, não faz diferença; não há necessidade de votos, você sabe
que isso aconteceu. Se um cego começa a enxergar, não precisa de ninguém como testemunha para dizer que agora ele pode ver — ele vê, isso é suficiente. Mas se o cego sonha que está vendo, então precisa
de uma autoridade para autenticar essa verdade.
As pessoas jogam, até mesmo jogos espirituais. Mas a menos que você pare de jogar e tornese sóbrio sobre o fato de que as ficções devem ser abandonadas, e que a verdade nua tem de ser encarada como é,
nada é possível — porque isto é uma porta. Se ninguém o apóia, você mesmo se apóia. Então, pára de falar com as pessoas porque elas não podem entendê-lo.
Um homem veio aqui há alguns meses atrás e me disse: "Você me entende, ninguém mais pode me entender; tenho recebido mensagens Divinas todas as noites". Ele tinha consigo um grande arquivo delas — absolutamente
sem sentido! Mas pensava que estava recebendo mensagens de Deus. Pensava que esse era o novo Alcorão, que desde Maomé ninguém havia recebido tais mensagens e que o Alcorão estava fora de moda. Se os maometamos
escutassem isto, matariam o homem porque acreditam numa outra ficção que esse homem estava tentando destruir. E esse homem que recebia mensagens de Deus ficava nervoso e todo trêmulo ao me olhar para ver
o que eu diria porque todos que ele encontrara haviam rido e pensado: "Você está ficando louco!" Ele disse: "Sei que você é um homem Realizado". Agora, ele tentava me subornar. E implorava sem parar: "Diga
apenas: Sim está certo".
Mas eu disse: "Seu Deus está lhe dando mensagens, não há necessidade de vir a mim, Deus é suficiente."
Ele tornou-se um pouco confuso, duvidoso, e disse: "Mas quem sabe? Pode ser apenas um truque da minha mente". Isso ele conhecia bem. Sempre que você usa truques, no fundo sabe disso, não precisa de ninguém
para lhe mostrar — mas você quer esconder esse fato.
Eu lhe disse: "Isto é loucura!" Então ele nunca mais voltou — agora, não sou mais um homem Realizado! Ele procurava uma coisa mútua: se eu tivesse dito: "Sim, você está recebendo mensagens", ele teria
saído daqui dizendo: "Este homem tornou-se Realizado!"
Se eu aceito a sua ficção, você pode ajudar a minha, este é um jogo mútuo feito constantemente. E esse jogo satisfaz tanto que você não quer interrompê-lo. Mas um profundo descontentamento também o persegue
como uma sombra. Isto está fadado a acontecer porque tudo é ficção.
Um mendigo que pensa ser um imperador, sabe que é um mendigo. Este é o problema: ele pensa que é um imperador, finge que é um imperador, e no fundo sabe que é um mendigo. Ele se sente bastante satisfeito
com o seu reinado, mas um profundo descontentamento o segue como uma sombra: "Sou apenas um mendigo". Este é o seu problema: você pensa algo sobre si mesmo e sabe que não é verdade.
Você nunca amou, apenas fingiu; nunca foi honesto, apenas fingiu; nunca foi verdadeiro, apenas fingiu — toda a sua vida tem sido uma longa série de fingimentos. E agora, depois de ter perdido tanta vida
nisso, reconhecer que tudo tem sido só ficção é demais para você. Você pensa: "De algum jeito vou até o fim com isso". Mas se você não acabar com isso, mesmo que o leve às últimas conseqüências, nada lhe
será dado. Terá simplesmente um desgaste; isso é um simples desgaste; e, no final, toda a frustração explodirá.
É por isso que a morte é tão difícil. Ela não tem em si nada de perigoso; é um dos fenômenos mais lindos deste mundo — você simplesmente dorme! E tudo dorme: uma semente brota e uma árvore surge; então,
novamente, vêm as sementes, caem no chão e vão dormir; depois novamente brotarão. Depois de cada atividade, um repouso é necessário. A vida é uma atividade; a morte, é um repouso. Ela tem de acontecer
para que uma nova vida possa surgir. Não há nada de errado com a morte, nada de perigoso.
Mas porque todas as pessoas temem tanto a morte? Porque nesse momento desaparecem todas as ficções; no momento da morte você vê que toda a sua vida foi um desperdício. Por que as pessoas dizem que no momento
da morte a pessoa chega a ver toda a sua vida? Isso acontece, é verdade: na hora da morte a pessoa tem de encarar toda a sua vida porque então o futuro não mais existe e ela não pode mais criar ficções.
Para as ficções, é preciso que haja futuro porque elas existem na esperança, estão no amanhã. A morte traz de volta o fato de que agora não há mais amanhã; os amanhãs terminaram; agora, não há nenhum futuro.
Onde você pode sonhar? Onde pode projetar suas ficções? Não há para onde ir! De repente você está fixo. E durante toda a sua vida você tem criado ficções no futuro. Agora, você está engasgado. Durante
toda a sua vida você esteve criando ficções no futuro Agora, está entalado, não tem mais nenhum futuro — para onde olhará? Você tem de olhar para o passado; e no momento da morte a sociedade desaparece;
você tem de olhar para si mesmo, nada mais lhe é deixado. Então, você sente a dor, a angustia de toda uma vida perdida.
Se isso puder lhe acontecer antes da morte, você se tornará um homem religioso. O religioso é aquele que realizou, antes da morte, aquilo que todos realizam na morte. O religioso é aquele
que olhou enquanto ainda estava vivo — olhou dentro do passado, enxergou através de todo o jogo, compreendeu a ficção de toda a sua vida — olhou dentro de si mesmo.
Se você olhar para dentro de si, a mudança será certa, absolutamente certa porque uma vez que a ficção é compreendida como ficção, você começa a desaparecer. Para ser retida, a ficção tem de ser fixada
como um fato; mesmo uma mentira tem de ser pensada como verdade para ser carregada. No momento que você compreende que é uma mentira e ela começa a desaparecer — já está fora de seu alcance, você não pode
agarrá-la. Para que o sonho continue, é preciso que se acredite que não é um sonho, que é realidade. No momento que você se torna consciente de que é um sonho, o sonho já está desaparecendo.
Mas todo o seu esforço consiste em não saber disso, em evitar isso; é por isso que você nunca está tranquilo quando fica só. Mesmo que vá ao Himalaia, levará seu rádio de pilha carregará todo mundo; mesmo
que você vá ao Himalaia, sua mulher, seus amigos, seus filhos irão com você. Você sai num feriado, mas na realidade nunca sai — carrega toda a atmosfera da cidade para a praia, para as montanhas e outra
vez fica rodeado por tudo que é absurdo.
Certa vez, um marinheiro náufrago alcançou uma ilha deserta. Teve de viver durante cinco anos na ilha porque nenhum navio passou por lá. Construiu uma pequena cabana para viver, mas constantemente estava
pensando no mundo. Tudo estava tão em paz, como nunca havia estado. Ele nunca conhecera, nem mesmo imaginara que tal paz fosse possível. A ilha estava completamente deserta, não havia ninguém — este era
o único problema. Fora isso, tudo era perfeito: o regato era belo, as árvores cheias de frutos: ele podia comer, podia repousar; não havia nenhuma preocupação, ninguém com quem se preocupar, ninguém para
criar problemas. E ele sempre pensara em estar algum dia num lugar como esse — e, de repente, lá estava ele! Mas era insuportável... O silêncio é insuportável, a pessoa tem de ser capaz de suportá-lo —
ele pode matá-lo.
Era difícil para esse homem, mas ele era um arquiteto e por isso pode começar a construir pequenas coisas, pequenos modelos, apenas para permanecer ocupado. Fez uma pequena rua e deu um nome a ela; não
fez apenas uma igreja, fez duas — uma perto de sua casa, outro no outro extremo da cidade; fez pequenas lojas onde se podia fazer compras. Criou uma cidade completa.
Depois de cinco anos, quando chegou um navio e ancorou na baía, ele ficou muito feliz. Veio um homem num pequeno barco até a praia. Ele correu para a praia muito excitado porque agora poderia voltar ao
mundo novamente. Mas ficou um pouco confuso: o homem tirou do bote um grande pacote de jornais. Então, ele perguntou: "Para que esses jornais? Por que você os trouxe aqui?"
O homem, que era capitão do navio, respondeu: "Primeiro, dê uma olhada neles e veja o que está acontecendo no mundo — depois, diga se ainda quer voltar".
O homem atirou os jornais no mar e disse: "Que absurdo! Mas antes de entrar no bote, gostaria
de lhe mostrar a minha cidade!"
Ele mostrou a cidade ao capitão, mas este não entendeu quando viu a segunda igreja. Disse:
"Compreendo que você tenha feito uma igreja para as suas preces, mas por que esta outra?"
Ele respondeu: "Esta é a igreja onde eu vou, aquele é a que eu não vou".
Você precisa de duas igrejas, no mínimo, duas religiões porque a mente é uma dualidade:
"Esta é a igreja para a qual eu digo sim e aquela é a igreja para a qual eu digo não. Esta é a igreja errada, pessoas erradas a frequentam, aquelas que não se relacionam comigo." Ele estava só, mas criou
o mundo todo. E estava ansioso para voltar para o mundo, não estava preparado para olhar os jornais. E fez bem porque se lesse os jornais não gostaria de ser resgatado.
Olhe para os seus jornais! O que está acontecendo no mundo? Vale a pena viver nele? Você lê, mas não vê; sua leitura não é uma visão, é um entorpecimento. Você não entende o que está acontecendo no mundo,
o que o homem tem feito ao homem, o que o homem está constantemente fazendo ao homem: tanta violência, tanta tolice, tanto envenamento de tudo o que é belo, verdadeiro e bom; todos os tipos de veneno.
Você gostaria de viver num lugar assim? Se você enxergar, então será muito difícil decidir viver nele. É por isso que é melhor não ver, apenas se movimentar como se estivesse hipnotizado.
A fim de não olhar para si mesmo, outra técnica tem sido usada, a que Jesus fala neste sutra, e essa técnica é: veja no outro tudo o que está errado para que possa concluir que você é bom. Existem duas
maneiras de ser bom: uma delas, sendo bom — está é difícil; a outra maneira é ser relativamente bom: provar que o outro está errado. Você não precisa ser bom, apenas provar que o outro é mau. Isto lhe
dá a sensação de que é bom.
É por isso que vivemos provando que o outro é o ladrão, o outro é o assassino, o outro é o demônio. Quando você prova que todos estão errados, de repente você tem a sensação de que é bom. Este é um fenômeno
relativo: não há necessidade de mudar a si mesmo, basta provar que o outro está errado. E isto e muito fácil — não há nada mais fácil que isto. Você pode ampliar a maldade do outro; você faz isso e ninguém
pode impedi-lo. E diante dessa ampliação da maldade, você fica parecendo simplesmente inocente. É por isso que quando alguém diz a respeito do outro: "Ele é um homem mau!" você nunca argumenta contra,
você sempre aceita, você diz: "Eu sempre soube disso." Mas se alguém diz algo de bom sobre alguém, você argumenta que precisa de provas.
Você já observou o fato de que milhões de pessoas disseram: "Nós acreditamos em Deus, só quando nos derem provas", mas ninguém ainda escreveu um livro requerendo provas para o Diabo — ninguém! Ninguém
pede provas para o Diabo, ninguém diz: "Eu só acredito no Diabo quando me provarem". Não, você já sabe que o Diabo está em toda a volta. Só Deus está perdido. Não está presente.
Por que o bem precisa de provas e o mal não precisa? Observe a tendência e chegará a um belo fenômeno, a um dos mistérios da mente humana: que, no fundo, todos procuram ser bons. Mas é difícil, então o
que fazer? Prove que o outro é mau: "Você é pior do que eu — e até que sou um pouco bom!"
"'Jesus diz: o argueiro que existe no olho de teu irmão, tu o vês, mas a trave que existe em teus olhos, tu não a vês. Quando arrancares a trave de teus olhos, então verás claramente e poderás retirar
o argueiro do olho de teu irmão".
Você vive olhando para os outros como se fossem obscuros. Isto lhe dá um sentimento ilusório de que você é luz, mas não lhe dá a luz. E se você tentar tornar os outros iluminados por pensar que eles estão
na escuridão, isso tornará as coisas piores — isto é adicionar insulto à injúria. Porque, em primeiro lugar, a escuridão é projetada por você; e, em segundo lugar, você não tem luz nem para si mesmo quanto
mais para iluminar os outros.
As pessoas que tentam transformar a sociedade são causadoras de danos; as pessoas que tentam mudar as outras são sempre perigosas. Assassinam de um modo muito sutil; o assassinato que cometem é tão sutil
que você nem consegue captar. Elas não matam diretamente, elas aleijam, podam — e 'para o seu próprio bem', e você não pode fazer nada contra. As pessoas que você chama de santas estão apenas tentando
destruir a escuridão que não está em você, ou que pode não estar em você e que elas imaginam que esteja. Elas enxergam um inferno em você, porque está é a única maneira de elas se sentirem celestiais.
Mulla Nasrudin morreu. Bateu na porta do céu. São Pedro abriu, olhou para Nasrudin e disse:
"Mas eu não estou esperando ninguém hoje. Na minha lista de reservas não há nenhum nome, ninguém deve chegar hoje. Então como?... Você me surpreende, como chegou aqui? Diga seu nome bem alto, soletre para
que eu possa confirmar.
Então Nasrudin soletrou bem alto: "M-U-L-L-A N-A-S-R-UD-I-N". São Pedro foi olhar a lista, mas não havia ninguém previsto para esse dia.
Voltou e disse: "Você não estava sendo esperado aqui hoje, e nem dentro de dez anos. Diga-me quem é o seu médico?"
Os médicos podem matá-lo antes da hora; os benfeitores podem matá-lo antes da hora; esses benfeitores são sempre perigosos. Mas todos vocês são benfeitores de uma maneira ou de outra. Todos querem mudar
o outro porque pensam que o outro está errado; todos querem mudar o mundo. E esta é a diferença entre uma mente política e uma mente religiosa.
Uma mente política sempre quer mudar o mundo porque não consegue pensar que ela está errada — o mundo todo é que está errado. Se ela está errada, é porque o mundo todo, toda a situação está errada. Tem
de estar — caso contrário, ela seria um santo. Uma pessoa religiosa olha precisamente a partir do outro extremo. Pensa: "Estou errado, é por isso que o mundo
está errado, porque eu contribuo para que o mal exista nele. Através de mim, o mundo está errado. A menos que eu mude, não poderá haver nenhuma mudança".
O político começa pelo mundo, mas nunca atinge nenhum objetivo porque o mundo é muito grande — e o problema não é o mundo. Então, ele cria mais problemas: através de sua medicina, muitas doenças surgem
onde ainda não existiam; através de seus esforços, mais miséria é criada. Um homem religioso muda a si mesmo. Muda apenas a si mesmo porque esta é a única coisa possível.
Você só pode mudar a si mesmo e, no momento em que você muda, o mundo começa a mudar porque você é uma parte vital dele. Quando você se torna Iluminado — mudado, totalmente mudado — torna-se mais vital,
tem em si a suprema energia. Um Buda simplesmente se senta sob sua Árvore Bodhi e todo o mundo é transformado.
Um Jesus é crucificado, mas torna-se um marco: a história é dividida a partir desse dia: ela nunca mais será a mesma. Assim, é bom catalogar e dividir os anos em nome de Jesus: 'Antes de Cristo, depois
de Cristo'. É bom porque antes de Cristo existiu um certo tipo de humanidade; depois de Cristo uma humanidade diferente entrou no ser. O fenômeno é tão vital que sempre que existe um Cristo, sempre que
uma consciência se eleva tão alto quanto a de Jesus, todas as outras consciências são simultaneamente afetadas. Elas também ascendem, também têm um vislumbre — e não podem ser novamente as mesmas; o velho
nível não pode ser obtido.
Um homem religioso simplesmente transforma a si mesmo, mas a transformação não é possível apenas quando você se vê; a transformação é possível apenas quando você abandona a ficção. Quando você compreende
o seu estado de 'não ser', quando verifica que não é nada, quando vê que sua vida não é autêntica, imediatamente as ficções começam a ser abandonadas.
O conhecimento é uma revolução — não o conhecimento adquirido através da mente, mas aquele que você vem a possuir quando encontra a si mesmo. O auto-conhecimento é uma força transformadora, nada mais precisa
ser feito. Isto deve ser entendido; as pessoas pensam:
"Primeiro conheceremos e depois mudaremos". Não! No momento que você conhece, a mudança ocorre. O conhecimento em si é uma transformação. Não acontece primeiro você saber e depois fazer alguma coisa para
mudar. O conhecimento não é um método, não é um meio — o conhecimento em si é a meta.
Mas quando eu uso a palavra 'conhecimento', quero dizer auto-conhecimento. Todos os outros conhecimentos são um método: primeiro, você tem de conhecer a técnica e depois tem de fazer algo. Mas com o auto-conhecimento
a qualidade é absolutamente diferente: você conhece e o próprio conhecimento o modifica.
Abandone as ficções! Crie coragem para se conhecer. Abandone o medo e não tente escapar de si mesmo!
E Jesus disse: "Quando tu arrancares a trave de teus olhos, então verás claramente". Só
quando as ficções forem abandonadas! Elas têm sido a trave de seus olhos. Você não consegue ver claramente, não consegue ver nada claramente, tudo está enevoado. Quando a trave for retirada de seus olhos,
verá claramente. A clareza deve ser a meta — apenas a clareza dos olhos, para que você possa ver diretamente e penetrar no fato sem criar projeções em torno dele. Mas isto é muito difícil, porque você
se tornou muito automatizado com as ficções, muito mecanizado.
Você olha para uma flor e imediatamente sua mente começa a falar: "Uma bela flor, como nunca vi antes". Alguma poesia surge, mas tomada como empréstimo, é claro. A flor é perdida, a clareza não está presente.
As palavras a maculam — você não consegue ver uma flor sem lhe dar um nome? E necessário denominá-la? O nome que você der à flor auxiliará alguma coisa? Ela será mais bela se você tiver um conhecimento
botânico sobre ela? Esta é a diferença entre um botânico e um poeta: um botânico conhece sobre a flor, o poeta conhece a flor. O botânico é simplesmente um ignorante — sabe muito, mas apenas sobre, apenas
na periferia — o poeta vê.
Em Sânscrito existe uma só palavra para rishi e kavi, para o vidente e o poeta. Não existem duas palavras porque segundo eles sempre que um poeta realmente existe, ele é um vidente; sempre que um vidente
existe, ele é um poeta. Quando a clareza existe, a vida se torna uma poesia. Mas para isso você tem de olhar para a flor sem denominá-la — ela é uma rosa ou outra flor qualquer?
Por que as palavras são necessárias? Por que você diz: "Isto é belo"? Você não consegue ver a beleza sem falar nada? É necessário dizer que ela é bela? O que você quer dizer repetindo isso? Quer dizer
que a flor não é suficiente — é preciso sugerir que ela é bela para conseguir criar a beleza em torno dela. Você não vê a flor; ela é apenas um desenho no qual você tem de projetar a beleza.
Olhe para a flor e nãa diga nada. Será difícil, a mente se sentirá inquieta porque já se habituou. Ela vive tagarelando constantemente. Olhe para a flor e faça disso uma meditação! Olhe para a árvore e
não a verbalize, não diga nada! Não há necessidade, a árvore existe — para que dizer qualquer coisa?
Ouvi contar que Lao-Tsé, um dos maiores místicos chineses, costumava fazer uma caminhada pela manhã, diariamente. Seu vizinho costumava acompanhá-lo, mas como sabia que Lao-Tsé era um homem silencioso
seguiu-o durante anos nessa caminhada sem nunca dizer nada. Um dia, havia uma visita na casa do vizinho, um hóspede, e ele quis ir também. O vizinho disse:
"Não fale nada porque Lao-Tsé gosta de viver diretamente. Não diga nada!"
Eles saíram. A manhã estava bela, silenciosa, os pássaros cantavam e só por hábito o hóspede exclamou: "Que beleza!" Só isso, não era muito; em uma hora de caminhada, não é muito:
"Que beleza!" Mas Lao-Tsé olhou-o como se ele tivesse cometido um pecado.
Quando chegaram em casa, ao entrar na porta, Lao-Tsé disse ao vizinho: "Não venha nunca mais! E nunca mais traga qualquer pessoa — esse homem é muito tagarela." E ele só disse:
"Que beleza!" — muito tagarela. E Lao-Tse continuou: "A manhã era bela, era silenciosa. Esse homem perturbou tudo". "Que beleza!" Caiu como uma pedra numa água silenciosa.
"Que beleza!" Caiu como uma pedra na água calma e provocou urna série de ondas.
Medite próximo a uma árvore, medite com as estrelas, com o rio, com o oceano; medite no mercado com as pessoas andando de todos os lados — não diga nada! Não julgue! Não use palavras! Apenas olhe! Se você
puder clarear sua percepção, se você puder captar a clareza de olhar, tudo será alcançado. E uma vez que essa clareza seja alcançada você será capaz de ver a mesmo.
O auto-conhecimento acontece a uma mente clara, não à mente repleta de conhecimento, não à mente cheia de julgamentos de bem e mal; não à mente cheia de beleza, feiura, mas à mente silenciosa. O auto-conhecimento
acontece à mente calada. Está sempre presente, mas você precisa ter uma mente clara para percebê-lo, para refleti-lo; você precisa ter uma mente espelhada para que o reflexo seja possível. Uma vez que
aconteça, então você poderá auxiliar o próximo, nunca antes. Assim, não aconselhe ninguém! Todos os seus conselhos são perigosos porque você não sabe o que está fazendo.
Não tente mudar ninguém, nem mesmo seu irmão, nem mesmo seu filho. Ninguém tem necessidade das suas mudanças porque você é perigoso. Você pode aleijar, matar, mutilar, mas não pode auxiliar uma transformação.
A menos que você esteja transformado, não se meta na vida alheia. Quando você estiver repleto de luz poderá auxiliar. Na realidade, nesse caso não haverá necessidade de nenhum esforço para auxiliar. Nesse
caso, o auxílio flui de você como a luz flui de uma lâmpada, como a fragrância flui de uma flor, como a lua brilha na noite — sem nenhum esforço. A lua flui naturalmente.
Alguém pediu a Basho, um Mestre Zen: "Diga algo sobre as suas palestras. Você vive falando e sempre fala contra as palavras. Você vive falando e quando fala, é sempre contra as palavras. Diga algo a respeito
disso!"
O que Basho disse? Ele disse: "Os outros falam — eu desabrocho!" Quando não há esforço, o florescimento acontece. É exatamente como uma flor desabrochando, sem nenhum esforço. Um Basho fala, um Buda fala
— nenhum esforço, apenas acontece! Quando Buda está falando é um fenômeno natural. Quando você está falando, este não é um fenômeno natural, outras coisas estão envolvidas: você quer impressionar os outros,
quer modificá-los; quer controlá-los, manipulá-los, quer dominá-los; quer dar a impressão de que é um homem de conhecimento — quer alimentar seu ego. Muitas outras coisas estão envolvidas. Você não está
florescendo. Ao falar está fazendo um grande jogo político; existe uma estratégia, urna tática.
Mas quando Basho fala, ele floresce. Se houver alguém presente, será beneficiado — mas beneficiar o outro não é o objetivo, o benefício pode acontecer mas não existe qualquer
esforço. A flor não desabrocha para você. Se você passar pelo caminho, a fragrância o atingirá, você poderá desfrutá-la, poderá sentir o êxtase, poderá ser grato — mas a flor nunca desabrocha para você,
ela simplesmente desabrocha.
Um Buda floresce, um Jesus floresce e o mundo todo é beneficiado. Mas você vive querendo beneficiar os outros e ninguém é beneficiado; pelo contrário, só danos são causados. O mundo seria melhor se houvesse
menos pessoas nocivas querendo mudá-lo e transformá-lo. Todas as revoluções só conseguiram causar mais danos, e todas as reformas viraram grandes confusões.
D. H. Lawrence certa vez sugeriu que, por cem anos, deveríamos parar com todas as revoluções, com todas as universidades, com todas as reformas, com tudo o que se fala delas e viver esses anos como primitivos.
A sugestão é bela. Assim, a humanidade poderia tornar-se viva novamente, a energia poderia surgir e as pessoas poderiam atingir a clareza.
As palavras tornaram-se obscuras, muito pesadas, você carrega consigo tanto conhecimento que está impossibilitado de voar no céu. Está tão pesado que não tem nenhuma leveza, suas asas não estão livres.
Você prendeu-se a coisas que o aprisionam que o limitam por pensar que elas são muito valiosas. São coisas sem valor e não apenas isso, mas também perigosas para você: palavras, escrituras, conhecimentos,
teorias, 'ismos' — tudo isso o destrói. A clareza não pode ser alcançada através disso. Ponha de lado todas as escrituras, todos os julgamentos.
Olhe para a vida como uma criança que não sabe o que está olhando, que está apenas olhando — e essa visão lhe dará uma nova percepção. E é dessa nova percepção que Jesus está falando. Repetirei as palavras:
"O argueiro que existe no olho de teu irmão, tu o vês, mas a trave que existe nos teus olhos, tu não a vês.
Quando arrancares a trave de teus olhos, então veras claramente e poderás arrancar o argueiro do olho de teu irmão".
Só isso pode auxiliar. Quando você se tornar uma luz para si mesmo, tornar-se-á uma luz para os outros. Haverá um florescimento e todos serão beneficiados — sabendo ou não sabendo, todos serão beneficiados.
Você será uma benção.
DÉCIMO DISCURSO
30 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus disse:
É impossível para um homem montar em dois cavalos, e esticar dois arcos; e é impossível para um servo servir a dois senhores; senão, ele honrará um deles e ofenderá a outro.
Todas as pessoas estão montadas em dois cavalos e esticando dois arcos — não só dois, mas muitos. É assim que se cria a angústia; é por isso que você está continuamente ansioso. A ansiedade demonstra que,
de alguma maneira, você está montado em dois cavalos. Como, então, pode estar à vontade? Impossível! Porque os dois cavalos movimentam-se em direções diferentes e você não pode ir a lugar nenhum.
Com um cavalo, o movimento é possível, você então pode alcançar algum lugar. Com dois, o movimento é impossível. Eles negarão um ao outro e você não chegará a lugar nenhum. E esta é a ansiedade — não conseguir
chegar a lugar nenhum. No íntimo, esta é a angústia: a vida está escorregando por suas mãos, o tempo ficando cada vez menor, a morte se aproximando e você sem chegar a lugar algum. É como se você tivesse
se tornado uma poça estagnada, secando cada vez mais até morrer. Não há meta, não há nenhuma satisfação. Mas porque isto está acontecendo? Porque você está tentando fazer o impossível.
Procure entender a mente como ela funciona em você, então será capaz de entender o que Jesus disse. Você quer ser tão livre quanto só um mendigo pode ser — ele não tem cargas, não tem nada para proteger,
você não pode roubá-lo. Ele não tem medo. Você não pode arrancar nada dele porque ele não tem nada: sem nada, ele está à vontade; sem nada que seja seu, nada lhe pode ser roubado. Ninguém é seu inimigo
porque ele não é um competidor, não está competindo com ninguém.
Você quer ser tão livre quanto um mendigo, mas também quer estar tão seguro quanto um homem rico, tão ileso quanto um imperador. O rico está protegido, está seguro, sente-se mais enraizado. Aparentemente,
ele tomou todas as providências, não está vulnerável: tem proteções contra a morte, você não pode assassiná-lo facilmente, ele tem uma armadura. Você gostaria de ser tão livre como um mendigo e seguro
como um imperador — mas então você está montado em dois cavalos e é impossível chegar a qualquer lugar!
Você ama urna pessoa, mas quer que ela se comporte como um objeto, quer que ela esteja completamente em suas mãos. Mas você não pode amar um objeto, porque os objetos estão mortos e não tem reação. Assim,
se o outro é realmente uma pessoa, não pode ser possuído; é como o mercúrio: quanto mais você tenta prendê-lo, mais ele escapa — porque ser uma pessoa significa ser livre Se ele é uma pessoa, você não
pode possuí-lo; se você conseguir possuí-lo, é porque ele ainda não é uma pessoa e você não será capaz de amá-lo. E apenas uma coisa morta e quem consegue amar algo morto?
Você está montado em dois cavalos. Quer uma pessoa como uma coisa, o que é impossível! Uma pessoa tem de ser livre e viva, só assim você pode amá-la. Mas então sentirá dificuldade, então começará a possuir
e a matar a pessoa; você é um veneno. Se ela lhe permitir esse veneno, mais cedo ou mais tarde será apenas uma coisa. Por isso as esposas tornam-se peças decorativas numa casa e os maridos os guardas —
e o amor desaparece. Isso está acontecendo em todas as direções. A duvida existe em você porque tem seus benefícios: ela lhe dá um poder maior para calcular, ela lhe dá maior proteção, ninguém consegue
enganálo com facilidade. Então você duvida — mas aí a dúvida cria ansiedade porque no fundo você fica inquieto. A duvida é como uma doença. A menos que você confie não pode estar à vontade porque duvidar
significa vacilar e a vacilação não dá tranquilidade. A dúvida significa "O que fazer? Isto ou aquilo?" Duvidar significa "ser ou não ser?" — e é impossível decidir.
Nem mesmo num único ponto a decisão é possível através da duvida. No máximo, você consegue decidir com a parte da mente que se torna majoritária. Mas a minoria continua presente e não é uma pequena minoria.
Por você escolher contra a minoria é que essa minoria está sempre buscando uma situação na qual possa provar que você escolheu errado. A minoria está presente para criar uma rebelião — é um tumulto constante
em seu interior.
Com a duvida existe a intraquilidade. Ela é uma doença, é justamente como uma doença — uma doença mental. Por isso é que um homem que duvida torna-se cada vez mais doente. Mas você não consegue enganá-lo
facilmente porque ele é muito esperto; é muito hábil nos caminhos do mundo. Você não consegue enganá-lo, mas ele está doente. Então existe um benefício: ele não pode ser enganado. Mas há também, uma grande
perda. O benefício tem um preço muito alto: permanece vacilante, intranquilo, não consegue decidir. Mesmo que ele decida, a decisão é apenas a maior porção decidindo contra a menor. Ela está dividido,
existe um conflito constante.
Você também quer confiar. Você também quer ter fé porque a fé lhe dá saude, acaba com as indecisões, faz com que você fique completamente certo. A certeza lhe dá felicidade: a dúvida não existe, você fica
equilibrado, total, sem divisões — e totalidade é saúde. A confiança lhe dá saúde, mas então você se torna vulnerável, qualquer um pode enganá-lo. Quando você confia, está em perigo porque existem pessoas
em toda a sua volta que gostariam de explorálo, e que só podem fazer isso se você confiar. Quando você duvida, não podem explorá-lo.
Então você está montado em dois cavalos: duvida e fé — mas está fazendo o impossível. Permanecerá em constante ansiedade e angustia, irá deteriorar-se. Nesse conflito entre os dois cavalos, você morrerá.
Um dia ou outro um acidente acontecerá — e causará sua morte; você está acabado antes de chegar a qualquer lugar; estará acabado antes que as flores cheguem; estará acabado antes que venha a saber o que
é a vida, o que significa ser. O ser terá desaparecido.
"Jesus disse: é impossível para um homem montar em dois cavalos..."
Mas todos os homens estão tentando fazer o impossível; por isso é que todos estão com problemas. E eu lhe digo: isto acontece em todas as direções. Então não existem apenas dois cavalos, existem milhões
de cavalos de uma vez. E a cada momento você está caindo numa contradição. Por que isso acontece? o mecanismo deve ser entendido, só então poderá ser abandonado. Por que acontece? A causa é a maneira como
todas as crianças são trazidas ao mundo. A causa é o modo como todas as crianças entram neste mundo de loucos onde as contradições são criadas, onde você aprende coisas contraditórias.
Por exemplo, você tem aprendido: "Ame toda a humanidade, seja irmão de cada um e de todos, ame seus vizinhos como a si mesmos". E simultaneamente você tem sido educado, condicionado, levado a competir
com todos. Quando você compete, o outro é o inimigo, não o amigo. Tem de ser vencido, conquistado; na realidade, tem de ser destruído. Se você é um competidor, então toda a sociedade tornase um inimigo:
ninguém é um vizinho, ninguém é irmão. E voce não consegue amar — tem de odiar, tem de ter ciúmes, tem de sentir raiva. Precisa estar constantemente pronto para lutar e vencer; é um duro combate — se você
tiver compaixão perderá. Então seja forte, violento e agressivo. Antes que o outro ataque, ataque-o. Antes que seja tarde demais, ataque e vença; caso contrário estará perdido porque milhões estão competindo
pela mesma coisa, você não é o único. E como pode uma mente em competição estar amando seu próximo? É impossível! Mas os dois ensinamentos lhe são dados. Você deve ter aprendido que a honestidade é a melhor
política, e também que negócios são negócios! Ambas as coisas, os dois cavalos lhe são dados de uma só vez. E uma criança inconsciente dos caminhos do mundo não pode ver nem sentir as contradições.
Para sentir a contradição é necessário que haja uma inteligência bem amadurecida. Um Jesus, um Buda pode sentir a contradição. Uma criança é inconsciente dos caminhos do mundo e os professores — o pai,
a mãe, a família — são pessoas que ela ama. Ela os ama! Como pode pensar que estão criando contradições dentro dela? Não pode nem mesmo imaginar; porque essas pessoas são suas benfeitoras: são carinhosas
com ela, a estão criando. São a fonte de energia, de vida, de tudo. Então como podem essas pessoas criar contradições? A mãe ama, o pai ama, mas o problema é que eles também foram criados no mesmo erro
e não sabem o que fazer, exceto repetir para seus filhos tudo o que aprenderam de seus pais. Simplesmente transferem um mal; de uma geração para outra, o mal vai sendo transferido. Você pode chamálo de
'tesouro', de 'tradição', mas é um mal. É um mal porque através dele ninguém se torna são.
A sociedade continua cada vez mais neurótica. E uma criança é tão simples, tão inocente, que pode ser condicionada em caminhos contraditórios. No momento que ela compreende a contradição já é muito tarde.
E acontece que quase toda a sua vida é perdida sem se conscientizar que está montada em dois cavalos. Pense sobre essas contradições e tente encontrá-las em sua vida. Você encontrará milhões — você é uma
confusão, uma desordem, um caos!
Quando as pessoas me procuram e pedem por silêncio, eu as olho e sinto muito porque isso é quase impossível — o silêncio só pode existir quando desaparecem as contradições. É preciso um árduo esforço,
uma inteligência penetrante, compreensão, maturidade para alcançá-lo. Você não tem nada disso e pensa que só por repetir um mantra se tornará silencioso. Se isto fosse tão fácil, todo o mundo poderia tornar-se
silencioso. Você pensa que só por repetir "Ram, Ram", se tornará silencioso? Esse mantra será apenas um cavalo, só isso — mais confusão virá através dele. Se mais um cavalo vier mais confuso você se torna.
Observe os chamados homens religiosos: eles estão mais confusos do que os leigos porque adicionaram novos cavalos. O homem que vive no mercado, no mundo do comércio, está menos confuso porque pode ter
muitos cavalos mas, pelo menos, todos eles pertencem a este mundo; pelo menos, têm uma coisa em comum — todos pertencem a este mundo. Mas o religioso tem muito mais cavalos: os que pertencem a este mundo
e alguns cavalos novos que ele acrescentou, os quais não pertencem a este mundo. Ele criou uma fenda maior: o outro mundo, Deus, o Reino de Deus e continua movendo-se neste mundo. Tornou-se mais confuso,
mais conflitos surgiram no seu ser. Ele está despedaçado, seus fragmentos caem, toda a sua unidade se foi — isso é o que a neurose é.
O modo como você foi criado está errado, mas nada pode ser feito agora porque você já é adulto, não pode voltar atrás. Você tem de entender o que acontece e abandonar tudo através da compreensão. Se você
abandonar porque eu estou dizendo, estará apenas acrescentando mais cavalos. Se abandonar através da compreensão — porque compreendeu tudo e por isso abandonou — então nenhum cavalo será acrescentado.
Pelo contrário, os velhos cavalos serão devolvidos à sua liberdade, poderão mover-se e alcançar suas metas, e você poderá mover-se e alcançar a sua própria meta.
Porque não é só você que está em dificuldade, seus cavalos também o estão por sua causa; eles não podem chegar a lugar nenhum. Tenha pena de si mesmo e de seus cavalos — de ambos! Mas isso só pode ser
feito pela compreensão — pela sua compreensão, não pelos meus ensinamentos ou pelos de Jesus ou de Buda. Eles podem indicar o caminho, mas se você o seguir sem compreender nunca alcançará o objetivo.
Agora, tente compreender:
"Jesus disse: impossível para um homem montar em dois cavalos e esticar dois arcos; e é impossível para um servo, servir a dois senhores; senãohonrará um deles e ofenderá a outro".
Por que é impossível? O que é uma impossibilidade? Uma impossiblidade não é algo que seja muito difícil, não! Por mais difícil que algo possa ser não é impossível, você pode conseguir. Por impossibilidade
eu me refiro a algo que não pode ser conseguido, faça você o que fizer; não há jeito, nenhuma possiblidade de realização.
Quando Jesus diz impossível quer dizer impossível, não muito difícil — e você está tentando fazer o impossível. O que acontecerá? O impossível não será feito. E você será destruído através disso. Não pode
ser feito! Mas o que acontecerá a você que tem se esforçado para fazer o impossível? Ficará despedaçado! Quando alguém fica tentando fazer o impossível, está destruindo sua própria vida. É o que acontecerá,
é o que tem acontecido.
Observe as pessoas que duvidam. Você já viu um homem em dúvida, sem fé? Ao observá-lo, você verá que ele não consegue viver, é impossível. Vá a um hospício: lá você encontrará pessoas que estão em dúvida
sobre tudo. Não podem nem se movimentar porque duvidam de uma simples ação.
Conheci um homem tão cheio de dúvidas que não conseguia nem ir comprar comida — o mercado era a poucos passos de sua casa. Ele voltava várias vezes para olhar se a porta estava trancada. E quando éramos
crianças, costumávamos brincar com aquele pobre homem. Quando ele acabava de sair, nós lhe perguntávamos: "Você trancou a porta?" Ele ficava bravo mas voltava para verificar. Ele vivia só, não tinha mais
ninguém — e tão medroso! Ele ia tomar banho no rio e alguém perguntava: "Você trancou a porta?" Ficava muito bravo, mas deixava o banho pela metade e corria até a casa para verificar. Era um perfeito cético.
Quando a dúvida vai longe demais você vai para o hospício porque então duvida de tudo. Esse tipo de homem está completamente fragmentado.
Se em vez disso você escolher a fé, tornar-se-á completamente cego. Qualquer pessoa poderá levá-lo a qualquer lugar, você não terá inteligência própria, não terá consciência de si mesmo. Em volta de pessoas
como Hitler você encontrará esse tipo de gente — eles acreditaram e através dessa crença se perderam.
Por causa disso você está tentando o impossível, fazer um acordo: não chegar a um extremo porque nele a neurose virá; não chegar ao outro extremo porque lá a cegueira acontecerá. Então o que fazer? A razão
lhe diz: "Faça um acordo com ambos, meio a meio — um pouco de dúvida, um pouco de fé". Mas é deste modo que você está montado em dois cavalos. Não é possível viver sem a dúvida e sem a fé?
É possível! Na verdade, esta é a única maneira de crescer: viver sem a dúvida e sem a fé: viver simplesmente, espontaneamente, com consciência. Esta é a verdadeira fé — não confiar em ninguém, confiar
na vida, aonde quer que ela o leve, sem duvida, sem fé; movendo-se simplesmente, inocentemente.
Um homem que duvida não pode viver inocentemente. Antes de fazer algo, pensará. E algumas
vezes pensará tanto, que quando resolver a oportunidade já estará perdida. É por isso que os pensadores nunca fazem muito. Não conseguem agir, tornam-se simplesmente cerebrais porque antes de agir precisam
resolver, têm de chegar a uma conclusão; e nunca conseguem chegar a nenhuma, então como agirão? Assim, sentem que é melhor esperar e não agir. Mas a vida não espera por você. Agora, no outro extremo está
o homem que tem fé, o crente, o cego. Qualquer pessoa, qualquer político, qualquer louco, qualquer Papa, qualquer padre pode conduzí-lo a qualquer lugar. Mas eles próprios estão cegos, e quando um cego
guia outro cego está sujeito a acontecer qualquer catástrofe. O que fazer? A razão diz: "Faça um acordo".
Um cientista, B.F. Skinner, fez uma experiência importante. Um rato branco era o objeto do experimento: o rato ficou preso durante dois ou três dias de modo que estava faminto; na realidade tão faminto
que estava pronto para saltar e devorar qualquer coisa disponível. Ele foi colocado numa plataforma, em baixo da qual havia duas caixas semelhantes da mesma cor e do mesmo tamanho, ambas contendo alimento.
O rato branco podia saltar tanto na Caixa da esquerda quanto na da direita.
O rato saltou imediatamente, não pensou nem mesmo por um segundo. Mas ao pular sobre a caixa da direita, levou um choque elétrico. Havia um alçapão e ele caiu em outra caixa, através desse alçapão, sem
conseguir alimento. Então ele pulou na caixa da esquerda: não havia choque nem armadilha e ele pôde alcançar o alimento. Assim, ele aprendeu o truque: começou a pular só na caixa da esquerda.
Após dois ou três dias, Skinner fez uma mudança: trocou as caixas de lugar: O rato saltou na caixa da esquerda, levou o choque e não conseguiu se alimentar. Ficou confuso sobre o que fazer e o que não
fazer. A partir daí, antes de pular, ele tremia e hesitava. Assim é um filósofo — um rato branco tremendo, em dúvida sobre o que fazer: esquerda ou direita, como escolher? Como saber? Mas o rato acostumou-se.
Então Skinner fez outra mudança. O rato tornou-se tão confuso que apesar da fome ficava esperando, trêmulo, olhando de uma caixa para outra sem saber como decidir. Afinal, ele decidiu fazer o mesmo que
você: pular entre as duas caixas — mas lá não havia alimento e isso não resolveu nada. Depois de algumas semanas de experiência o rato branco ficou louco, neurótico.
É isso que está lhe acontecendo: você tornou-se confuso — o que fazer? E a única coisa que vem à mente é que se é difícil escolher isto, difícil escolher aquilo, então é melhor fazer um acordo: pular no
meio. Mas aí não existe alimento. E claro que não tem nenhum choque elétrico, mas também não tem comida.
A vida é perdida quando se salta no meio. Se fosse possível para o rato montar nas duas caixas, ele teria montado. Estas são as duas possibilidades que se abrem para o raciocínio: montar nos dois cavalos
ou saltar no meio. Uma inteligência, uma inteligência aguda e penetrante é necessária para compreender o problema — não há outra solução. Eu não lhe darei nenhuma solução, nem Jesus a deu a ninguém; a
solução está simplesmente na compreensão do problema. Você o compreende e ele desaparece.
Não é possível viver sem fé e sem dúvida? Não fazer nenhum acordo? Porque esse acordo acaba tornando-se um veneno: as duas coisas são contrárias que toda sua vida torna-se uma contradição e, se a contradição
existe, a divisão, a fragmentação está presente; o resultado final é a esquizofrenia. Se você escolher uma e negar a outra, então lhe serão negados os benefícios que podem vir da outra. A dúvida lhe dá
proteção contra a exploração, a fé lhe dá a certeza — abandone uma delas e seus benefícios também desaparecerão. Se você escolher as duas, estará montando em dois cavalos. Se você fizer um acordo, criará
uma divisão em seu interior — será dois, tornar-se-á uma multidão. Então, o que fazer?
Basta compreender o problema e descer dos dois cavalos — não faça nenhum acordo. Deste modo, um tipo totalmente diferente de ser acontecerá, haverá uma qualidade totalmente diferente de consciência. Mas
por que você não faz isso? Porque essa qualidade necessita que você esteja alerta, necessita que esteja consciente. Então você não precisa duvidar de ninguém, simplesmente estar completamente aberta. Esse
estado o protege da exploração.
Se um homem completamente alerta olha para você, é impossível enganá-lo, o olhar dele é suficiente para desarmá-lo. Se a exploração acontece, não é pela sua sagacidade em enganálo, mas sim porque ele é
gentil e permite que você o faça. Você não pode perturbar um homem alerta. É impossível porque você é transparente para ele; ele está tão consciente que você se torna transparente. Se ele permite que você
o trapaceie é por compaixão. Você não pode enganá-lo.
Mas essa consciência parece ser difícil. É por isso que você escolhe o impossível. Mas o impossível é impossível,— você apenas imagina que pode acontecer; mas nunca aconteceu, nem nunca acontecerá. Você
escolheu o impossível porque parece mais fácil. O acordo sempre parece mais fácil — sempre que está em dificuldades você faz acordos. Mas o acordo nunca ajuda ninguém porque significa que dois contrários
existem, os quais estão sempre em tensão e o dividem. E um homem dividido não pode nunca ser feliz.
É isso que Jesus quis dizer, mas os cristãos não entenderam. Os cristãos afastaram-se completamente de Jesus porque a mente vive interpretando. Como eles interpretariam? Pensaram que Jesus tivesse dito:
"Escolha um cavalo! Ou este mundo ou o outro — escolha um! Não monte em dois cavalos porque é impossível e isso lhe trará dificuldades. Escolha apenas um cavalo!" É isso que conseguiram concluir e interpretar.
Ouvi dizer que aconteceu o seguinte: uma noite, a mulher de Mulla Nasrudin estava sentindo muita fome e saiu em busca de um lanche. Mas não pôde encontrar nada — só biscoitos para cães. Então ela resolveu
experimentá-los; eram gostosos e ela os comeu. E gostou tanto que de manhã pediu a Nasrudin para comprar uma provisão. Nasrudin foi ao mercado e pediu uma grande quantidade. O vendedor lhe perguntou: "Para
que tanto biscoito? Seu cachorro é pequeno, não precisa de uma provisão tão grande".
Nasrudin respondeu: "Não é para ele, é para minha mulher!"
O homem disse: "Devo lembrá-lo de que esses biscoitos são exclusivamente para cães, se ela
os comer morrerá — são venenosos".
Depois de seis meses a mulher morreu.
Um dia Nasrudin admitiu ao vendedor: "Minha mulher morreu".
O homem disse: "Eu lhe avisei que aqueles biscoitos iriam matá-la".
Nasrudin retrucou: "Não foram os biscoitos! — Correr latindo atrás dos carros é que a matou, não os biscoitos!"
A mente prende-se às suas próprias conclusões porque quando uma conclusão é perdida, sua confiança também o é. Então seja qual for a situação, você se prende às suas conclusões. Isso dá uma base para o
seu ego e a sua mente levantarem-se.
Um dia, Mulla Nasrudin estava passeando com uma vara muito comprida que lhe servia de cajado. Um amigo sugeriu: "Nasrudin, por que você não corta um pedaço da ponta dessa vara?" — Ele respondeu: "Não adianta
— o cabo é que é comprido".
A sua racionalização pode ser suicida. E é! Você pensa que é um raciocínio, mas não é, é só uma ilusão — você ilude a si mesmo. Mas você não quer perder a base, quer estar confiante; e toda a confiança
que vem através da mente é falsa porque a mente não pode lhe dar confiança. Só pode lhe dar coisas falsas, só pode supri-lo de coisas falsas. Não é possível chegar a coisas reais através dela: ela tem
apenas reflexos. A mente tem apenas pensamentos, reflexos, não possui nada de substancial. Mas ela pode viver construindo racionalizações e você sentese bem com elas.
Os cristãos perderam toda a essência. Pensam que Jesus está dizendo: "Escolha!" Jesus nunca diz: "Escolha!" O significado é: não escolha nada. Porquê se você escolhe, a mente é reforçada, não destruída;
a mente que escolhe se torna mais forte através da escolha. Não, não é uma questão de escolha! E através da escolha você não pode nunca ser total porque tem de negar algo.
Quando você escolhe a fé, nega a duvida. Para onde vai essa duvida? Não é nada exterior que possa ser jogado fora, está profundamente enraizada em você. Para onde vai? Você pode simplesmente fechar seus
olhos, isso é tudo; pode simplesmente reprimi-la no inconsciente, isso 'é tudo. Mas ela continua existindo como um verme que vai devorando sua consciência. Ela fica aí e um dia ou outro vem à tona. O que
você pode fazer? Como abandoná-la? Quando você escolhe a dúvida, para onde vai a fé? Ela faz parte de você?! Assim, um acordo acontece: você se torna um amálgama de muitas coisas reunidas de qualquer maneira;
não uma síntese, mas um acordo.
Jesus diz exatamente o contrário. Diz: "Não escolha!"
"É impossível para um homem montar em dois cavalos e esticar dois arcos: é impossível para
um servo, servir a dois senhores; senão honrará um deles e ofenderá a outro".
Observe a última frase: ..."senão, honrará um deles e ofenderá a outro." Se você escolher um, ofenderá a outro — e a parte ofendida vingar-se-á, tornar-se-á rebelde.
Isto acontece — a ciência depende da dúvida, depende totalmente da dúvida, nenhuma confiança lhe é permitida. Você já viu, já observou os cientistas? Fora de seus laboratórios são cheios de fé, você não
é capaz de encontrar pessoas mais confiantes que eles. Podem ser enganados facilmente porque o lado da dúvida funciona dentro do laboratório e o da fé funciona fora. São simples no que se refere ao mundo
exterior, mas nos laboratórios são espertos, sagazes.
Você pode enganar um cientista com muita facilidade. Mas não é tão fácil enganar aos homens chamados de religiosos. Nos templos eles estão em profunda confiança; fora do templo, são muito espertos. Observe
as pessoas chamadas de religiosas: fora do templo você não consegue enganá-las, mas dentro do templo você pode enganá-las, explorá-las porque dentro de um templo elas são muito simples. Usam o lado da
confiança no templo e o da dúvida no mundo. São bons negociantes, acumulam bens — exploram o mundo todo.
Um cientista não pode ser nunca um bom negociante, não pode ser um bom político. Não é possível porque o lado da dúvida está confinado ao laboratório. Fora, funciona o lado da fé. Um cientista em casa
é completamente diferente de um cientista no seu trabalho de pesquisa científica. Você já deve ter ouvido muitas estórias sobre a distração dos cientistas. Elas acontecem, acontecem mesmo, não são estórias.
Por usarem toda a atenção no laboratório, fora dele tornam-se desatentos — após usarem uma parte, deixamna de lado. Assim, têm uma vida dupla -- no laboratório são muito inteligentes, fora deles são distraídos.
Eis uma estória sobre Albert Einstein: ele estava visitando um amigo e depois do jantar, conversavam sobre amenidades. Não havia muito para dizer porque Einstein não era homem de muita conversa — então
o amigo começou a se sentir aborrecido. E foi ficando cada vez mais tarde, até que chegou onze horas da noite. O amigo já estava querendo que Einstein fosse embora. Mas não era polido dizer isso a um homem
tão importante, então continuou esperando. De vez em quando fazia algumas insinuações: "Já está ficando tarde, acho que já são mais de onze e meia". Mas Einstein apenas olhava e bocejava sonolentamente.
Já era meia-noite e o amigo disse: "Acho que você está com sono, está bocejando tanto". Era a indireta final.
Einstein disse: "Sim, estou com muito sono, mas estou esperando que você vá embora para poder ir dormir".
O homem disse: "O que você está dizendo? Você está em minha casa!"
Einstein levantou-se e disse: "Desculpe-me, eu estava pensando: quando esse homem irá embora para que eu possa dormir?"
No laboratório, esse homem é perfeito no que diz respeito à atenção, à presença. Mas essa parte só é usada lá; fora do laboratório é um homem totalmente diferente, o oposto.
É por isso que acontece de você encontrar uma contradição na vida dos homens chamados religiosos, é natural. Veja-os orando no templo, veja, suas faces! Parecem tão inocentes, seus olhos estão plenos de
profunda emoção, as lágrimas fluem. Você não consegue imaginar como o mesmo homem, fora do templo, irá olhar as coisas, fará suas compras, se comportará. A parte emocional, a parte da confiança, acaba
no templo, na mesquita, na igreja; ao sair, ele está livre dessa parte. Começa a duvidar como qualquer cientista, torna-se o mais cético possível. É assim que vivemos uma vida dupla, este é o acordo. Jesus
não está dizendo:
"Escolha uma coisa contra a outra". Se você escolher uma contra a outra, a parte não escolhida do seu ser se ofenderá e se vingará. E isso torna tudo muito difícil, faz a vida quase impossível de ser vivida.
Quanto mais você tenta viver com uma parte, mais a outra perturba todos os seus planos, todos os seus esquemas, rebela-se cada vez mais. Então o que fazer?
O caminho, o que deve ser feito, é não escolher. É preciso compreender toda a contradição do seu ser. Não escolher, mas tornar-se sem escolha; não abandonar um contra o outro — porque é impossível abandonar
um dos aspectos de uma coisa.
Você tem uma moeda; ela tem duas faces. E impossível abandonar uma delas. Você pode não gostar de um dos lados, mas tem de carregar a ambos; se quiser carregar um, terá de carregar o outro e assim a moeda
inteira estará com você. A única coisa que você pode fazer é escolher o lado de que não gosta e colocar o outro virado para cima. E assim que o consciente e o inconsciente são criados.
O consciente é esse lado, o cavalo de que você gosta; e o inconsciente é o outro, o cavalo de que você não gosta. O consciente é aquele que você escolheu. O inconsciente é o outro contra a qual você escolheu.
São as duas igrejas -- a que você vai e a que você não vai. Num homem como Buda, o consciente e o inconsciente desaparecem porque não há o que escolher. Todas as moedas foram abandonadas. E só a moeda
inteira pode ser abandonada; a metade é impossível.
A duvida e a fé são os dois lados de uma mesma moeda, assim como o calor e o frio parecem ser contrários entre si mas ambos se pertencem. São polaridades de um todo, assim como a eletricidade positiva
e negativa, assim como um homem e uma mulher. Parecem opostos, mas são polaridades de um fenômeno. Você não pode abandonar o pólo negativo sem abandonar o positivo, não pode reter um e abandonar o outro.
Se você o fizer, seu ser estará dividido: o abandonado, o reprimido, o negado tornarse-á inconsciente. E então haverá uma constante disputa entre o consciente e o inconsciente.
Mas você ainda está montado em dois cavalos. A única possibilidade é abandonar tudo e este é o segredo: não abandone — porque o abandono também pode tornar-se uma escolha. Este é o ponto mais sutil e complexo:
você pode abandonar, escolher o abandono contra o nãoabandono — mas então novamente existirão dois cavalos. Não, isso deve ser feito pela
compreensão. O objetivo não é abandonar, mas sim compreender.
Compreender toda a loucura: o que você tem feito a si mesmo, o que permitiu que lhe acontecesse, que espécie de contradições tem acumulado — veja — através de tudo isso. Não esteja a favor nem contra,
não condene nem julgue — apenas olhe através de tudo que você é. Não esconda, não ofenda, não julgue: "Isso é bom e aquilo é mau", não avalie. Não seja um juiz, mas apenas um observador imparcial, um espectador.
Simplesmente veja tudo o que você é, seja o que for; seja qual for a confusão em que você estiver, apenas veja como você é.
De repente, a compreensão surge e o abandono acontece. E corno se você estivesse tentando entrar pela parede e, de repente, percebesse isso. Você continua esforçando-se?' Não, simplesmente pare de bater
na parede! Esse movimento é simples, não é a favor nem contra — você simplesmente compreende que isso é absolutamente inútil, impossível. É isso que Jesus diz: olhe simplesmente, veja que é impossível
e mova-se. A mente não precisa escolher, você não precisa fazer qualquer esforço.
Quando a compreensão existe, o esforço não é necessário. E sempre que algo acontece sem esforço é belo porque é total. Quando há esforço é que você está lutando contra alguma coisa. Mas, porque você luta?
Porque aquilo pelo qual você está lutando ainda tem algum significado pra você. O inimigo também tem significado, tanto quanto o amigo — o significado oposto, mas tem. Você já reparou que sempre que um
inimigo morre, algo morre imediatamente dentro de você? Você não sofre apenas pela morte de seus amigos, mas também pela morte de seus inimigos — você não consegue permanecer o mesmo.
Isto aconteceu na índia: Mohammed Ali Jinnah e Mahatma Gandhi lutaram continuamente um contra o outro. Então, Gandhi foi assassinado.
Conta-se que Jinnah disse: "Sinto-me muito triste. Algo em mim morreu". Agora contra quem Jinnah poderá lutar? Contra quem poderá aceitar o desafio? O ego enfraquece se o inimigo não existe. Você é constituído
de seus amigos e de seus inimigos — é uma contradição.
Só é total aquele que não tem amigos nem inimigos, que não tem escolha, que não se inclina nem por uma coisa nem por outra; aquele que simplesmente se move, de momento a momento, com uma consciência sem
escolha e aceita tudo o que a vida lhe dá. Aquele que flutua ao invés de nadar; aquele que não luta. Se você puder entender isso, então será capaz de compreender Jesus:
"É impossível para um homem montar em dois cavalos e esticar dois arcos, e é impossível para um servo servir a dois senhores; sendo, honrará um deles e ofenderá a outro".
O significado comum é: "escolha um mestre, não dois". Mas pela escolha você nunca será total; então, a questão não é escolher um mestre contra o outro porque assim você ainda continuará sendo escravo,
não poderá ser livre. Só a não-escolha pode lhe dar a liberdade. Assim, não escolha; simplesmente abandone todo o esforço — ele é abandonado por si mesmo quando você compreende. Quando isto acontece, você
é o mestre.
Na índia, chamamos os sannyasins de 'swami'. Swami significa mestre de si mesmo, aquele que abandonou a escolha, aquele que já não aceita nenhum mestre. E esta não é uma compreensão egoísta, é um profundo
conhecimento de que ao escolher entre os opostos, você é uma vítima; ao escolher entre os opostos, você permanece dividido nesses opostos. Um sannyasin não é nem a favor nem contra este mundo, um sannyasin
simplesmente não e a favor nem contra —apenas caminha sem amigos nem inimigos.
Existe uma bela história Zen: numa manhã, um sannyasin estava parado no topo de uma colina. Estava só. Estava tão só e imóvel quanto a colina. Três homens estavam dando um passeio matinal e passaram por
ele. Olharam aquele homem e tiveram opiniões diferentes sobre o que ele estava fazendo. Um homem disse: "Conheço aquele monge. Às vezes, ele perde sua vaca e fica lá no topo da montanha, procurando por
ela".
O segundo disse: "Mas, embora ele esteja parado ali, não está procurando nada. Não se move, seus
olhos parecem quase fixos. Não é essa a maneira de alguém procurar alguma coisa. Acho que ele deve ter vindo dar um passeio com um amigo e o amigo ficou para trás — ele está esperando que o amigo chegue".
O terceiro disse: "Não parece ser essa a razão porque sempre que alguém está esperando, olha para trás de vez em quando para ver se o amigo vem vindo ou não. Ele não está esperando, não tem a postura de
alguém que espera. Acho que está em prece ou em meditação".
Estavam tão divididos e tão excitados com as explicações, que acharam melhor ir perguntar ao próprio monge. Era difícil subir ao topo, mas eles foram. Quando chegaram, o primeiro homem perguntou: "Você
está procurando por sua vaca? Porque sei que às vezes ela se perde e você tem de procurá-la".
O monge abriu os olhos e disse: "Não possuo nada: assim. nada posso perder. Não estou procurando por uma vaca, nem por coisa alguma."
Depois, fechou os olhos.
O segundo homem disse: "Então, acho que estou certo — você está esperando por um amigo que ficou para trás."
O monge abriu os olhos e disse: "Não tenho amigos nem inimigos; então como posso esperar por alguém? Estou só — não deixei ninguém para trás porque não existe ninguém. Estou só, totalmente só."
O terceiro disse: "Então, acho que estou certo porque não há outra possiblidade: acho que você está rezando, meditando".
O monge riu e disse: "Você é o mais tolo porque não conheço ninguém para quem eu possa rezar e não tenho nenhuma meta para alcançar; assim, como posso meditar?"
E os três perguntaram ao mesmo tempo: "Então, o que você está fazendo?"
O homem disse: "Estou apenas parado aqui. Não estou fazendo absolutamente nada".
Mas isso é que é meditação, isso é que é sannyas: apenas ser!
Ter liberdade — liberdade dos amigos e dos inimigos; liberdade das possessões, e nãopossessões; liberdade deste e daquele mundo; liberdade da matéria e da mente — liberdade de todas as escolhas e divisões.
O impossível é abandonado e você torna-se natural, torna-se o Tao, flutua.
Quando o esforço impossível se vai, a ansiedade desaparece, você não tem mais angustias. E quando você não tem mais angustias surge o estado de graça. O estado de graça não é algo que precise ser alcançado.
Você só tem de criar a capacidade. Quando você não está em angústia, ele acontece. Você cria a capacidade, abre a porta e os raios de sol entram e clareiam você. Como você está — oprimido pela angustia,
dividido, montado em dois cavalos, tentando esticar dois arcos ao mesmo tempo — está doente, está esquizofrênico, está à deriva! Ou, no máximo, está fazendo um acordo e vivendo normalmente neurótico.
Um ser normal, de alguma forma, leva avante seu trabalho, a neurose não o atrapalha, só isso; é um cidadão ajustado, apenas isso. Mas isso não tem qualquer valor! Mesmo que você seja um cidadão ajustado,
um bom cidadão, um ser humano normal, nenhum êxtase lhe acontecerá. Você permanecerá triste e seja o que for que alcance neste mundo lhe trará mais tristezas. Observe as pessoas que são bem sucedidas,
que estão adiante de você, que alcançaram o topo, e verá que são mais tristes que as outras que não obtiveram sucesso — porque perderam a esperança.
Numa manhã, Mulla Nasrudin caminhava em direção ao mercado, muito triste. Um amigo lhe perguntou: "O que aconteceu?"
Nasrudin, disse: "Nem me pergunte! Estou tão triste e deprimido que tenho até vontade de chorar!"
Mas o amigo insistiu: "Mas o que houve? Nunca o vi tão triste! Você já esteve em muitos tipos de dificuldades mas nunca o vi tão triste e deprimido. O que aconteceu? Qual é o problema?"
Mulla Nasrudin respondeu: "Há duas semanas atrás, um dos meus tios morreu e deixou um monte de dinheiro para mim."
O amigo disse: "Nasrudin, você enlouqueceu? Você devia estar feliz por isso!"
Nasrudin respondeu: "Sim, eu sei — mas na semana passada, meu outro tio morreu e deixou o dobro desse dinheiro para mim".
O amigo falou: "Então você está completamente fora de si — você devia dançar, comemorar, celebrar! Você não tem motivo para tristezas! Você é o homem mais feliz desta cidade!"
Nasrudin disse: "Isso eu sei — mas não tenho mais tios! Isso me deixa triste!"
É isso que acontece quando um homem consegue sucesso: quando não tem mais tios; de repente, desaparecem todas as esperanças. Um homem fracassado ainda espera, pode esperar; ainda existem tios, a possibilidade
existe. Quanto mais sucesso, mais ansiedade, porque o sucesso traz a neurose à tona, ele revela a sua esquizofrenia. É por isso que na América há mais esquizofrenia e mais loucura do que em qualquer outro
lugar. A América conseguiu sucesso de muitas maneiras.
Num país pobre, não há muita loucura. O povo ainda tem esperanças. E quando se pode ter esperanças, nada vem à tona — você continua correndo e tentando. Quando a meta é atingida, você tem de parar e olhar
para si mesmo, ver a confusão que conseguiu criar no seu ser; que caos! De repente, você enlouquece. Você sempre esteve louco, mas isso só é revelado quando você alcança o sucesso porque então não há mais
nada para sonhar, não há nada para encontrar. Como você está, a felicidade não é possível. O estado de graça é impossível. Você só pode esperar por ele e tolerar a dor, o sofrimento que criou para si mesmo.
Mas o estado de graça é possível! Aconteceu a Jesus, a Buda; pode acontecer a você — mas então você tem de abandonar o impossível. Pense no natural, no possível, no fácil. Não pense no impossível, no difícil,
no desafiador. O ego gosta sempre de fazer o impossível, mas é um fracasso, tem de ser. O ego tem de desafiar o impossível para que você possa sentir que é algo. Contra o objetivo impossível você se torna
um grande lutador.
A religião é simples, fácil, natural — não está montada num cavalo, absolutamente! É apenas um passeio pela manhã, sem se dirigir a lugar nenhum. Apenas o caminhar é a meta; sem fazer nada em particular,
apenas desfrutando da brisa da manhã, do sol, dos pássaros — apenas deleitando a si mesmo!
DÉCIMO PRIMEIRO DISCURSO
31 de agosto de 1974
Poona, Índia
Jesus disse:
Uma cidade construída no alto de uma montanha e fortificada não pode ruir nem jamais ser escondida.
Jesus disse:
Aquilo que ouvires tanto com um ouvido quanto com o outro proclama aos quatro ventos. Porque ninguém acende uma lâmpada e a coloca sob um arbusto, nem a põe num lugar escondido; coloca-a num pedestal para
que todos os que entrarem e saíem possam ver a sua luz.
Jesus disse:
Quando um cego guia outro cego, ambos caem no abismo.
Todo o problema humano consiste em escolher entre o momentâneo e o eterno. Quando você escolhe o momentâneo, está construindo sua casa na areia — ela cairá. Quando escolhe o eterno, então algo que dura
para todo o sempre é alcançado.
E nada menos pode satisfazê-lo; apenas o eterno. O momentâneo não pode. Muito pelo contrário, ele o faz cada vez mais faminto e mais sedento. É como alguém que joga manteiga no fogo para apagá-lo — a manteiga
torna-se alimento para o fogo e ele aumenta. O momentâneo é como a manteiga no fogo dos desejos da sua mente; ele o aumenta, é um alimento. Só o eterno pode aplacar a sede, não há outra possibilidade.
Mas quando eu digo: "Só quando você escolhe o eterno está construindo sua casa no alto de uma montanha, em algo firme como rocha, que perdurará e não tornará seu esforço em vão", o que eu quero dizer com
"quando você escolhe ó eterno?" porque o eterno não pode ser escolhido. Se você escolher, estará sempre escolhendo o momentâneo, porque a escolha é do momentâneo. Então o que quero dizer com "escolher
o eterno?" Quero dizer: se você puder entender que o momentâneo é inútil, que logo você estará com sede outra vez, que essa água não irá aplacar a sua sede, então o momentâneo desaparecerá. Tornar-se-á
inútil se você simplesmente entender que ele não tem nenhum sentido. Simplesmente evaporará e o eterno
será escolhido — você nunca o escolhe.
Quando o momentâneo se vai, o eterno entra na sua vida. Mas o momentâneo tem de tornar-se absolutamente infrutífero, sem sentido algum; com o momentâneo, seu fracasso tem de ser total. "Bemaventurados
os que fracassam nesse mundo" — essa bem-aventurança tem ser unida às outras de Jesus.
Seja um fracasso neste mundo! Você está tentando fazer exatamente o contrário: ser bem sucedido. Se você obtiver sucesso, esse será o fracasso verdadeiro porque então permanecerá com o momentâneo — mas
ninguém nunca é bem sucedido. Somos afortunados porque nunca ninguém é bem sucedido. Você pode, no máximo, continuar adiando o fracasso; só isso. Pode adiá-lo para a próxima encarnação, pode adiá-lo por
milhões de vidas. Mas nunca ninguém é bem sucedido neste mundo porque como pode alguém ser bem sucedido com o momentâneo? Com o que é passageiro? Como pode construir sua casa sobre ele? Como você pode
construir uma casa, um abrigo, sobre algo que está passando, desaparecendo da existência a cada momento? Na hora em que a casa estiver pronta, o momento terá passado. É por isso que você está sempre se
sentindo, frustrado — mas novamente começa a fazer a mesma coisa.
Parece que você não percebe, parece que não está alerta para o que faz — parece que não aprendeu nada com a vida.
Tem permanecido ignorante sobre a vida, não adquiriu nenhuma experiência. Você pode ter muito conhecimento, pode saber como se constrói uma casa — pode ser um engenheiro, um arquiteto — mas não aprendeu
através da experiência que a casa não pode ser construída no momentâneo. E este é o primeiro ensinamento de Jesus:
"Uma cidade construída no alto de uma montanha e fortificada não pode ruir nem jamais ser escondida".
Em primeiro lugar: "uma cidade construída no alto de uma montanha..."
Você sempre constrói nos vales! Estas palavras são simbólicas: 'vale' significa noite escura; 'alto da montanha' significa mais consciência, mais percepção; quanto mais consciência você tem, mais alto
chega. Quando se torna' completamente consciente, está acima do Everest. É por isso que os hindus dizem que Shiva vive no Gaurishankar, o pico mais alto. Shiva é a mais alta consciência; não é uma pessoa,
Shiva significa consciência perfeita. A consciência perfeita habita no Gaurishakar.
Quando você está inconsciente, cai no fundo do vale escuro — sua noite é um vale, seu sono é um vale. Quando está consciente, começa a mover-se em direção às alturas. Quando está completamente inconsciente,
está no ponto mais baixo da existência. Aí, no degrau mais baixo da escada, estão as pedras porque as pedras são perfeitamente inconscientes, Elas não estão mortas — estão vivas, crescem, são jovens, envelhecem
e morrem. Passam por todas as fases
que você passa, mas não tem consciência — o degrau mais baixo da escada. Às vezes quando você dorme profundamente, é como uma pedra. Qual é a diferença entre você e a pedra? Quando não tem um único raio
de consciência, qual é a diferença entre você e a terra? Você retrocedeu.
No sono, você segue em direção ao vale. "Pecador" é aquele que vive constantemente dormindo; 'santo' é aquele que não dorme mesmo durante o sono. Krishna disse a Arjuna:
"Quando todos dormem, o iogue ainda está acordado. Quando todos repousam, o iogue ainda está alerta". A totalidade do iogue nunca adormece. Um ponto de observação permanece sempre presente; observa seu
próprio sono. No sono, você afunda; na consciência ascende. Quando nada está dormindo em você, quando toda sua consciência tonou-se uma luz, quando nem um único fragmento está inconsciente, quando o seu
ser está pleno de luz — é isto que significa Buda, Cristo: consciência total — este é o pico mais alto. Daí o sentido simbólico de "Uma cidade construída no alto da montanha..."
Você está construindo sua cidade, sua casa, num vale; e o sono comum não lhe é suficiente. Você procura drogas para dormir ainda mais, procura métodos de hipnose para tornar-se mais adormecido, mais inconsciente
— porque a consciência é dolorosa, é angustiante. Por que é angustiante? Buda e Jesus dizem que é a maior felicidade possível! Mas para você, porque ela é tão dolorosa? Por que você quer esquecer tudo?
É dolorosa quando apenas um por cento do seu ser torna-se consciente e noventa e nove por cento, permanece inconsciente: então, este um por cento sofre por ver tanta confusão a sua volta. Vendo os outros
noventa e nove por centro de loucura, esse um por cento sofre e procura o álcool, as drogas, o LSD, a maconha, ou qualquer outra coisa — sexo, música, montras — para criar uma auto-hipnose. Então esse
um por cento também regride e torna-se parte do todo. Então você já não se preocupa porque já não resta ninguém para saber, não há ninguém alerta e consciente — não há mais problema.
É a isso que dão o nome de lógica da avestruz. Sempre que uma avestruz descobre que um inimigo se aproxima, esconde sua cabeça na areia. Por um momento ela não pode vê-lo, e é essa a sua lógica: "Quando
eu não posso ver o inimigo, como ele pode existir?" A avestruz parece um perfeito ateu porque é isso que os ateus vivem dizendo: "Se não podemos ver Deus, como Ele pode existir? As coisas só existem quando
nós as vemos". Como se a existência dependesse da sua visão: quando você não a vê, ela desaparece.
A avestruz esconde a cabeça, fecha os olhos e imediatamente não tem mais medo porque o inimigo não pode ser visto. Mas o inimigo não acredita na sua lógica. Pelo contrário, você é um brinquedo em suas
mãos quando fecha os olhos; está pedindo para ser uma vítima. Você poderia fugir mas não o fez porque pensou que o inimigo não estivesse lá. Sentiu uma felicidade momentânea porque o inimigo não estava
presente — não que ele não estivesse, você é que sentiu que ele não estava. É assim que você sente uma felicidade momentânea quando se torna inconsciente através de drogas — os problemas não existem, todos
os
inimigos desaparecem, não há ansiedade — porque para haver ansiedade, você tem de estar alerta, desperto.
Quando cem por cento do seu ser torna-se consciente, então existe felicidade porque o conflito desaparece — Buda está certo. Você também está certo porque a sua experiência lhe diz que quanto mais você
se torna consciente, mais sente problemas a sua volta, de modo que se sente melhor permanecendo numa longa sonolência, numa vida inteira de sono. É por isso que construímos nossas cidades nos vales, não
no alto das montanhas.
Mas existe uma outra razão:
"Uma cidade construída no alto de uma montanha, e fortificada, não pode ruir nem jamais ser escondida..."
Nós construímos nossas cidades de uma tal maneira, numa existência tão inconsistente, tão momentânea, tão temporária que, no momento em que estão prontas, já se tornaram ruínas. Por que? Porque só podemos
ver o momentâneo, não temos uma visão total. Só conseguimos ver o que está perto, apenas o imediato. Só o momento que está próximo — você vê um momento: então ele passa; depois vê outro momento que também
passa. Você vê os momentos passando e não consegue ter uma visão dó geral.
Para a visão total, uma consciência perfeita é necessária. Numa visão total você pode ver o todo da vida, não apenas o todo da vida mas o todo do mundo. É isso que os Jainas indicam quando dizem que, ao
se iluminar, Mahavir pôde ver o passado, o presente e o futuro — a totalidade do tempo. O que isso significa? Significa que a existência como um todo tornou-se clara e quando a totalidade é clara, só então
se pode fazer uma cidade fortificada. Caso contrário, como se pode fazer uma cidade?
Você não sabe o que acontecerá no momento seguinte. O que quer que faça pode ser desfeito no momento seguinte. E tudo o que você faz depende do momentâneo, não do todo. O todo pode rejeitar seu fazer:
ele pode tornar-se absolutamente insignificante no todo.
Certa vez, aconteceu o seguinte: um mestre chinês tinha um discípulo americano. Quando o discípulo ia voltar para o seu país, o mestre lhe deu um presente, uma pequena caixa de madeira, e lhe disse: "Existe
uma condição que deve ser sempre seguida. Mesmo que você dê a caixa a qualquer outra pessoa, essa condição deve ser obedecida. Eu a estou obedecendo e ela não é uma coisa nova; é muito antiga e por muitas
gerações tem sido cumprida. Você promete que a cumprirá?"
O discípulo disse: "Eu a cumprirei". A caixa era tão bela, tão valiosa, tão antiga, que ele disse: "Seja qual for a condição, eu a cumprirei!"
O Mestre disse: "A condição é simples: você tem de manter essa caixa em sua casa voltada para o leste. Isso foi sempre assim, respeite a tradição".
O discípulo disse: "Isso é simples, e eu o farei."
Mas quando ele colocou a caixa voltada para o leste, percebeu que era muito difícil porque toda a decoração da sala tornou-se absurda. A caixa voltada para o leste não se ajustava. Então ele teve de mudar
todos os móveis — para que se harmonizassem com a caixa. Mas então sua casa toda tornou-se absurda e ele teve de mudar a casa toda. Aí o jardim tornou-se absurdo: o discípulo ficou exausto. Escreveu ao
mestre: "Essa caixa é perigosa! Vou ter de mudar o mundo todo — se eu mudar meu jardim também, a próxima coisa terá de ser a vizinhança..." E ele era um homem sensível; foi por isso que se sentiu assim.
Se você construir sua vida sobre o momentâneo, estará em constante dificuldade com o todo porque ela nunca estará ajustada. Nunca será harmoniosa, uma coisa ou outra estará sempre errada. O todo tem de
ser visto antes que a sua cidade seja construída, antes que você fixe sua morada. O todo tem de ser consultado e considerado. Com a visão do todo você pode criar sua vida e modelá-la. Você deve viver com
a visão do todo. Só assim, ela será harmoniosa, melodiosa, caso contrário você será sempre um tanto estranho, excêntrico, um tanto excêntrico.
Todos os homens são excêntricos. Essa é uma bela palavra. 'Excêntrico' significa fora do centro; de algum modo, ausente do centro, não exatamente como é para ser. Por que todo o homem é excêntrico, fora
do centro, fora de foco, em descompasso com a vida? Porque todos estão tentando fazer a vida de acordo com o momento e o momento não é o todo. O momento é um pequeno fragmento, apenas um fragmento insignificante
da eternidade. Como você pode estar ajustado à eternidade se dirige sua vida de acordo com o momento? É isso que Jesus diz:
"Dirija sua vida, crie sua vida de acordo com o todo, com o eterno, não com o momentâneo".
"Uma cidade construída no alto de uma motanha e fortificada não pode ruir nem ser escondida". Sua cidade está sempre caindo, sempre em ruínas. Ela estão assim! Você não precisa perguntar a Jesus, basta
olhar sua vida — é uma ruína! — antes de ter terminado a construção ela já está arruinada. Você é uma cidade arruinada. Por que isso está acontecendo? Por causa do momentâneo. Tenha uma visão do eterno,
do atemporal.
Como acontece essa visão? Quanto mais alta a sua consciência, maior a visão. Quanto mais baixa a consciência, menor a visão. Ande por uma rua, pare sob uma árvore e olhe: você terá uma visão, conseguirá
ver a próxima esquina; depois haverá uma curva e a visão será interrompida. Suba na árvore e olhe de cima — então terá urna visão maior. Ande num avião — terá a visão de um pássaro, poderá ver toda a cidade.
Ao voar mais alto a visão será maior; ao voar mais baixo, a visão será menor. Existem degraus na escada da consciência. Ao chegar no pico da sua consciência, olhe: a eternidade será revelada.
Você já observou uma coisa? Você está parado sob uma árvore e olha para o leste — não vê nada. Alguém está sentado no topo da árvore e lhe diz: "Posso ver um carro de bois
aproximando-se".
Você diz: "Não há nenhum carro de bois! Não estou vendo nada! Como pode haver?" O carro de bois está no futuro para você, mas para o homem que está no alto da árvore está no presente. Não pense que o presente
é o mesmo para todos. O seu presente está confinado a você e pode não ser presente para mim; meu presente está confinado a mim e pode não ser presente para você. Depende da escala de consciência.
Para Buda tudo é presente porque não há futuro — sua visão é completa. Para Jesus tudo é presente, não há passado porque ele pode ver; não há futuro porque ele também pode ver. Do ponto mais alto da consciência
o todo é visível; então, nada é passado, nada é futuro, tudo está aqui e agora! O futuro existe por causa da sua visão limitada, não porque seja uma necessidade do mundo, na existência. Ele simplesmente
demonstra que você tem uma visão estreita. O que sai do seu campo de visão torna-se passado. O que ainda não entrou torna-se futuro. Mas as coisas, elas mesmas, estão na eternidade.
O tempo foi inventado por você porque você vive no vale. Por isso, todas as tradições do mundo têm enfatizado que quando você entra em samadhi, em êxtase, em meditação profunda, o tempo desaparece. O que
elas querem dizer? Que a divisão de presente, passado e futuro desaparece: a existência é, não há divisões, não há tempo. Construa sua cidade no atemporal, não construa no momentâneo. Senão ela será sempre
uma ruína porque o presente está correndo e tornando-se passado. Por que eu digo que ela já está em ruínas antes que você a tenha construído? Porque no momento que você a constrói, esse momento já é passado,
já se foi, já não está em suas mãos! A terra sob seus pés está em constante movimento.
"Uma cidade construída e fortificada no alto de uma montanha..."
Porque ele usa a palavra 'fortificada'?Como você está agora, no vale, está sempre com medo, inseguro, sempre em perigo. O vale está repleto de fantasmas, sombras, inimigos, perigos em toda a volta.
Ouvi contar de uma mosca que estava passando, por um supermercado. Os inseticidas estavam expostos numa das prateleiras. Ela leu um anuncio, em grandes letras vermelhas, onde estava escrito: "Novo spray
— morte instantânea para as moscas." Ela leu e continuou seu vôo, resmungando consigo mesma: "Existe ódio demais neste mundo."
Você vive no mundo do vale, onde tudo é garantido para matar — imediatamente. Você vive no vale da morte — onda nada mais é garantido, exceto a morte.
Você já observou que na vida tudo é incerto, exceto a morte? Deveria ser diferente, mas a unica certeza que você tem é uma morte garantida, só isso. Isso é o máximo que pode ser dito no vale, que você
morrerá — esse máximo é certo. Tudo o mais é incerto e acidental — pode acontecer, pode não acontecer. Que espécie de vida é essa, onde só a morte é garantida? Mas é assim mesmo, porque na escuridão só
pode existir morte; na inconsciência só pode existir
morte. A inconsciência é o caminho em direção à morte.
Sempre que você ficar inconsciente, quer morrer. Uma profunda necessidade de morrer surge em você; caso contrário começaria a se mover em direção às alturas. Freud, na última fase de sua vida, deparou
com um fato dos mais profundos; chamou-o de 'thanatos' o desejo de morrer. Durante toda a sua vida ele esteve pensando sobre 'libido' — uma teoria que diz que o homem existe como um desejo de viver; mas
quanto mais ele penetrou no desejo de viver, mais incerto tornou-se. Quanto mais ele começou a entender o desejo de víver, mais ver ficou que, no fundo, existe um desejo de morrer.
Isso foi muito difícil para Freud, porque ele era um pensador linear, uni-dimensional, aristotélico, um lógico. Era contraditório que atrás da libido — o desejo de viver, a vontade de viver — existisse
uma vontade de morrer, thanatos. Ele ficou muitíssimo perturbado. Mas é isso que Buda, assim como Jesus, tem dito sempre: do jeito que você está, é tão inútil, toda a sua vida é tão fútil, tão cheia de
frustrações, que você preferiria morrer.
Quando você toma algo para ficar inconsciente, o desejo de morrer está presente — porque a inconsciência é uma morte temporária. Você não pode viver sem dormir nem mesmo por alguns dias porque o sono é
urna espécie de morte temporária. E você precisa dela, necessita dela profundamente. Se não puder morrer todos os dias por oito horas, não será capaz de viver no dia seguinte porque toda a sua vida é uma
tamanha confusão que se não é uma felicidade; pelo contrário, não parece ser a felicidade. Quando você se perde num movimento político, quando se torna nazista ou quando se perde na multidão, sente-se
bem porque isso é uma morte — você não existe mais, só a multidão existe.
E por isso que os ditadores são bem sucedidos — por causa do seu desejo de morrer. Mesmo no século XX os ditadores são bem sucedidos, porque eles lhe dão uma chance de morrer facilmente. E por isso que
as guerras existem e continuarão sempre existindo. Porque você não mudou. O homem não se transformou. As guerras existirão porque elas são um profundo desejo de morte. Você quer matar ou ser morto. A vida
é um peso tão grande que o suicídio parece ser a única solução. Se você não cometeu o suicídio até agora, não pense que é um verdadeiro amante da vida. Não! Você está simplesmente com medo. Você não é
um amante da vida porque um amante da vida está sempre se movendo em direção às alturas — quanto mais alto o pico, maior a vida. Eis porque Jesus pode prometer: "Venha a mim, e eu lhe darei vida em abundância".
Jesus diz: "Eu sou a vida, a grande vida. Venha a mim!" Mas ir a Jesus é muito difícil porque você tem muitos investimentos no vale, nos caminhos escuros da vida. E você tem tanto medo de viver. Faz qualquer
negócio para não estar muito vivo, existe com um mínimo de vida. Você existe como um autômato, transforma tudo numa coisa mecânica para que não tenha necessidade de se preocupar — para não precisar viver.
As guerras continuarão, a violência continuará e os homens continuarão matando uns aos
outros. Todo o esforço tem sido criar um esquema que possa se tornar um suicídio global; agora, ele já foi criado: descobrimos a bomba H. Por que os cientistas estão trabalhando constantemente, devotando
toda a sua vida para criar coisas destrutivas? Porque esse é o desejo mais profundo do homem: morrer, de qualquer maneira, morrer. Isto não é muito consciente; se o fosse, você começaria a transformar-se.
Muitas vezes, você afirma: "Teria sido melhor se eu não tivesse nascido!"
Conta-se que um filósofo grego, Philo, disse uma vez: "A primeira benção é não ter nascido; a segunda é morrer o mais cedo possível". E ele diz que essas são as únicas bênçãos. A primeira, não ter nascido
— mas ninguém tem essa sorte porque todos já nasceram. Então só a segunda é possível — morrer o mais cedo possível. O próprio Philo viveu até os noventa e sete anos. Alguém lhe perguntou: "Mas porque você
não cometeu o suicídio?" E ele respondeu: "Eu apenas tolerei viver para dar essa mensagem aos outros — morrer é a única solução."
O suicídio é algo profundamente enraizado. Logo que você sente qualquer coisa indo mal, quer cometer suicídio, destruir a si mesmo. Um homem religioso é aquele que descobriu que um profundo desejo de morte
se esconde dentro de si. Por que tal desejo? Você tem de trazer mais luz para dentro de si para que possa se conscientizar do canto onde a morte está oculta, comendo-o continuamente. Você não morre em
um dia, de repente — você morre lentamente durante setenta anos.
A morte não é um fenômeno que acontece no final; começa no nascimento. Então, cada respiração, cada momento, nada mais é do que morrer continuamente. O ciclo completa-se em setenta anos, porqueé um processo
muito lento.
Mas você tem morrido e, no fundo, está esperando que tudo acabe — quanto mais cedo melhor. Você não cometeu o suicídio porque é medroso demais, apavorado: o que poderá acontecer? Assim, você tolera a vida,
não a desfruta como um presente de Deus. Está simplesmente tolerando, simplesmente carregando a vida de algum modo, esperando pelo momento em que possa saltar do trem.
Aconteceu certa vez que Thomas Edson foi convidado para um jantar onde se reuniam alguns amigos. Ele era um homem de poucas palavras e ficava sempre perturbado quando havia muita gente por perto. Ele era
um trabalhador solitário em seu laboratório, era um pesquisador, um homem contemplativo; a presença dos outros era sempre uma perturbação para ele. E no jantar havia muitas pessoas, todas ocupadas em comer,
tagarelar que Edison pensou: "Esse é o momento de escapar!" Então ele começou a procurar uma porta pela qual pudesse escapar — nesse momento foi apanhado. O anfitrião agarrou-o e perguntou: "Sr. Edson,
no que o senhor está trabalhando atualmente?" Ele respondeu: "Na fuga!"
Mas todos estão trabalhando na fuga. Esteja alerta para isso!
Por que você não consegue desfrutar da vida — que é um presente? Você não teve de ganhá-la;
é por isso que eu digo que é uma graça. Ela lhe foi dada pela existência — você pode chamála de Deus — ela é simplesmente um presente, um puro presente. Você não fez nada para conseguí-la, para ganhá-la.
Por que não consegue ser grato e desfrutá-la? Você deveria estar dançando de alegria, mas qual é o problema? Porque para desfrutar da felicidade, é necessária uma consciência maior. Para sofrer uma angustia
não há necessidade de estar alerta. Para sofrer uma angustia é necessário maior escuridão, menos consciência — é necessário a noite, não o dia. Mas para desfrutar da felicidade, é necessário mais consciência.
Assim, se você encontrar um santo triste, saiba que ele não é santo. Porque a consciência dá felicidade plena, dá um profundo sorriso a todo o seu ser. A consciência lhe dá algo que o transforma em criança:
você pode correr atrás de uma borboleta, pode saborear uma comida simples, pode desfrutar das coisas simples da vida, a ponto de tudo se tornar um presente. Tudo se torna uma graça de Deus e você pode
ser grato a cada momento — mesmo pelo ar que respira. Pode desfrutar até da sua própria respiração. Uma simples respiração! E o prazer é tão grande! Se encontrar um santo triste, saiba que algo está errado;
ele ainda vive no vale, ainda não se moveu para o pico. Caso contrário ele estaria radiante, teria beleza, teria o prazer de uma criança: despreocupado, sem medo — estaria fortiticado pela sua consciência.
Por que a consciência o fortalece? Porque quanto mais consciente você se torna, mais sabe que não pode morrer, que não há morte. A morte só existe no vale escuro. E se você está fortalecido contra a morte,
está fortalecido. Quanto mais consciente você é, mais sabe que é eterno, Divino. Agora, neste momento, você não sabe quem é. Este é o vale da ignorância e aqui só a morte acontece, nada mais. E você vive
tremendo de medo. Se olhar para dentro encontrará apenas medo e nada mais porque a morte existe a sua volta, nada mais. De modo que isso é natural; com a morte a sua volta, o seu medo é contrapeso natural.
Quando você se move para as alturas, o amor e a eternidade estão ao seu redor. Não há medo — não pode haver porque você não pode ser destruído. Você é indestrutível. Não há NENHUMA possibilidade de morte.
Você é imortal. É dessa fortificação que Jesus fala:
"Uma cidade construída no alto de uma montanha e forticada...", mas lembre-se de que a grande altitude é a fortificação, "... não pode ruir nem jamais ser escondida".
Isso é bastante paradoxal. No vale, você cai constantemente; no topo, nunca. É paradoxal porque vemos as pessoas caindo do alto. Por que alguém cairia do vale, se a superfície é plana? As pessoas caem
do alto — isso é um mito! No mundo interior ninguém cai das alturas. Uma vez que as alturas interiores são atingidas nunca se cai delas. Nada pode ser tirado de você se o tiver alcançado em seu interior.
Mas do lado de fora seu mito é verdadeiro.
As pessoas caem sempre que estão nos pontos mais altos. Mas esses pontos pertencem ao vale; não são alturas verdadeiras. Se você tem fama, pode estar certo de que mais cedo ou mais tarde será difamado.
Se está num trono, mais cedo ou mais tarde será destronado. Tudo o que alcançar neste mundo lhe será tomado. Mas, no mundo interior, tudo o que você alcança, é
para sempre, é eterno, não pode ser perdido. A sabedoria não pode regredir — uma vez atingida, torna-se parte de você. Não é algo que você possua — torna-se seu próprio ser e você não pode desconhecê-la.
Uma vez que você percebeu que é imortal, como pode deixar de sabê-lo? Não há como desaprender — você aprendeu. E só o que não pode ser desaprendido é um verdadeiro saber. O que pode ser desaprendido é
apenas memória, não conhecimento; o que você pode esquecer é apenas memória.
O saber é o que não pode ser esquecido de jeito nenhum, o que tornou-se o seu ser, parte de você, sua própria existência. Você não precisa lembrar-se, você só precisa se lembrar das coisas que não são
parte de você.
"Fortificada, uma cidade construída no alto de uma montanha não pode ruir nem jamais ser escondida".
Você não pode escondê-la. Uma cidade construída no alto será conhecida — por toda a eternidade; não há como escondê-la. Como você pode esconder um Buda? É impossível! Como você pode esconder um Jesus?
É impossível! O fenômeno é tão imenso, sua existência tão penetrante, o impacto dura para sempre!
Você pode crucificar Jesus, mas não pode negligenciá-lo. Aqueles que o crucificaram ainda sofrem por isso. Apenas um único homem, o filho de um carpinteiro qualquer foi morto — nada importante. Os judeus
devem ter agido daquela maneira porque ninguém se importava. Se você mata o filho de um carpinteiro, e mata de acordo com a lei, não há problema. Mas os judeus estão sofrendo há dois mil anos, por causa
dessa crucificação, geração após geração. Eles têm sido constantemente crucificados por causa de um único homem. Parece bastante ilógico e os judeus continuam dizendo: "Nós não fizemos nada!" Eles estão
certos num ponto porque aqueles que o crucificaram morreram há muito tempo.
Mas uma pessoa como Jesus move-se no atemporal. No que diz respeito a Jesus, a crucificação continuará para sempre e sempre. Não é passado por que alguém como Jesus nunca é passado — o fato é presente,
está acontecendo agora — ele é crucificado. Os judeus podem pensar: "Fizemos isso no passado, mas aqueles que o fizeram já não estão mais aqui. Nós nunca o fizemos — podemos pertencer àqueles que o fizeram,
mas nós nunca o fizemos." Mas a crucificação de Jesus agora já é um fato eterno.
Agora ela não pode ser colocada no passado, e continuará sendo uma ferida viva. Essa ferida vai permanecer lá; no coração. E os judeus sofreram, e parece que sofreram demais pois, por causa de um único
homem, milhões de judeus têm sido mortos nestes vinte séculos. Só por um único homem, milhões de judeus? Isso parece injusto.
Mas você não conhece este homem; é por isso que parece injusto. Este homem tem mais valor que milhões de homens. No dia em que crucificaram este filho de carpinteiro brincaram com
um fogo muito alto. Tentaram esconder o fato, mas não há como esconder. Eles tentaram, não há entre os judeus nenhum registro de que Jesus tenha sido crucificado. Entre os cristãos sim, mas os judeus nem
ao menos registraram o fato de que Jesus foi crucificado. Mas você não pode escondê-lo e os judeus começaram a desaparecer; sofreram porque tentaram fechar os olhos diante do sol. E essa miséria toda existe
porque foram eles que deram a luz a Jesus.
Jesus era um judeu e continuou judeu até o último momento — nunca foi um cristão. E os judeus tinham esperado por esse homem milhares de anos. Seus profetas do passado lhes disseram: "Um homem virá que
irá conduzi-los. Logo estará aqui o homem que será a vossa salvação". Por milhares de anos, os profetas proclamaram isso aos quatro ventos e os judeus esperaram e esperaram. Eles oraram e esperaram — e
essa é a ironia: quando o homem chegou eles o recusaram! Quando o homem chegou e bateu à porta, eles disseram: "Não! Você não é o prometido." Por que?
É fácil para a mente esperar porque ela pode ficar esperando, desejando, sonhando. Mas quando Deus bate à porta — lembre-se — você também recusará — mesmo que você tenha estado orando. O que acontece quando
Deus bate à porta? Por que você o recusa? Porque só pode existir uma casa. Quando Deus bate à porta, você tem de desaparecer — este é o problema.
Esperando, você existe, seu ego existe. Os judeus sentiam-se orgulhosos em saber que o homem prometido nasceria de sua raça. Eram os escolhidos de Deus e o filho d'Ele iria nascer numa família judia —
o ego sentiu-se muito bem com isso. Mas quando esse homem escolhido veio e bateu na porta dizendo: "Vim cumprir a promessa", eles disseram: "Não, você não é o escolhido! E se você tentar dizer que é, nós
o mataremos!" Qual era o problema?
O problema é humano. O problema é que se Jesus existe, e então você tem de desaparecer, tem de dissolver-se nele — e tem de entregar-se. Era bom para o ego pensar: "O homem prometido virá a nós, a raça
escolhida em todo o mundo", mas foi muito difícil aceitar o homem quando ele veio.
Eles mataram Jesus, mas nem mesmo registraram o fato. Quiseram esquecer tudo aquilo para que pudessem esperar novamente — e ainda esperam. Até hoje ainda estão esperando pelo homem prometido. E eu lhes
digo: se ele vier novamente — ele não virá porque já deve ter aprendido com a experiência — se ele vier outra vez, eles o crucificarão novamente. E os judeus sofreram muito só porque tentaram ignorar a
cidade construída no alto da montanha.
Tentaram esconder uma cidade construída no alto da montanha, tentaram esconder o sol. Tentaram esconder a verdade. Crucificaram a Verdade. Mas a verdade não pode ser crucificada, não se pode matá-la, ela
é eterna, imortal. E eles ainda não perceberam porque têm sofrido tanto. A culpa! No íntimo eles ainda se sentem culpados — a culpa os segue como uma sombra. E essa culpa existe por terem recusado o homem
prometido quando ele chegou. No fundo, os judeus sabem que cometeram o maior pecado possível: negar Deus quando Ele bate à sua porta.
Ele não vai preencher as suas expectativas — sempre que ele vier será um estranho. Porque se ele preencher as suas expectativas, de maneira nenhuma será Deus. Deus é sempre um estranho, é sempre o desconhecido,
batendo à porta do conhecido. Não pode vir na forma do conhecido, não é possível — Ele permanece sempre desconhecido, misterioso. Você gostaria que Ele viesse de acordo com uma fórmula. Não! Ele não segue
nenhuma forma, Ele não está morto — só coisas mortas seguem fórmulas. A vida vive como um mistério.
"Jesus disse: Uma cidade construída e fortificada no alto de uma montanha, não pode ruir, nem jamais ser escondida."
Jesus disse: "O que ouvires tanto com um ouvido, quanto com o outro, proclama aos quatro ventos. Porque ninguém acende uma lâmpada e a coloca sob um arbusto, nem a põe num lugar oculto; coloca-a num pedestal
para que todos que entrarem e saírem possam ver sua luz."
Jesus disse a seus discípulos "Tudo o que ouvistes, ide e apregoai dos topos das casas para que outros possam ouvir... porque nenhuma pessoa acende uma lâmpada e a esconde sob um arbusto, nem a coloca
num lugar escondido..."
Jesus disse "'Ide e apregoai a boa nova! Ide e apregoai que o desconhecido penetrou no conhecido, que o mistério penetrou no mundo rotineiro! Ide e apregoai aos quatro ventos para que o povo possa ouvir;
para que o povo venha, conheça e seja beneficiado — não se calem sobre isso!"
Existe um profundo problema nisso. É muito difícil — deve ter sido muito difícil para os discípulos de Jesus; sempre é — contar aos outros que o filho de Deus chegou. Muito difícil! Porque as pessoas riem,
dizem que você está louco. Não acreditam que Jesus é Cristo — pensam que você enlouqueceu. Se você disser: "Jesus é Deus", pensarão que ficou completamente louco: "Você precisa de uma psicanálise, consulte
algum médico, tome algum remédio, repouse e relaxe! Você pensa assim porque algo está errado em você!"
É muito difícil dizer as pessoas que alguém se tomou realizado. Por que? Porque sempre que alguém se realiza, isso se torna uma profunda ferida dentro de você, torna-se um profundo ferimento — você poderia
ter feito o mesmo mas não conseguiu. Surge uma comparação — seu ego sente-se ferido: "Jesus é o filho de Deus? Por que não eu? Podia ter sido de outra maneira. Como Jesus tornar-se filho de Deus. É mais
fácil porque o não é sempre a coisa mais fácil do mundo, nada precisa ser feito. Você diz não e acabou-se! Se você diz sim, tudo começa, nada está acabado. Não é sempre o fim; e sim é sempre o começo.
Se você diz: "Sim, Jesus é o filho de Deus", então tem de se transformar. Então não poderá permanecer com este sim, tem de se mexer, fazer alguma coisa. Se você diz não, então seja você quem for, esteja
onde estiver — no vale, na escuridão, na morte — está à vontade. Jesus cria uma intranqüilidade em você, Buda anda entre vocês, cria uma inquietação e nós nos vingamos — porque se um homem pôde alcançar
tais alturas, como é que você não conseguiu? É melhor dizer que não existem tais alturas, ninguém nunca as alcançou. Então você está à
vontade, na sua escuridão, então pode estar confortável.
Pessoas como Jesus ou Buda o arrancam do vale, o acordam do sono e dizem: "Ande — isso não é lugar para se ficar!"
Estas são as palavras de Jesus: "este mundo é apenas uma ponte. Ande! Isto não é lugar para se fazer um lar. Atravesse-a, não pare nela. Ninguém faz uma casa numa ponte." Este mundo é só uma ponte e você
tez uma casa nele. Você não gosta de saber que ele é uma ponte porque então o que acontecerá a todos os seus esforços, a todo o seu trabalho, a todo o investimento, e a toda a sua vida devotada na construção
dessa casa? E neste momento chega um errante e diz:
"O que você está fazendo? Isto é uma ponte!" Então é melhor não olhar para baixo, não olhar para o rio.
Por que o mundo é uma ponte? Jesus, ou as pessoas como Jesus, nunca usam uma palavra sem um significado profundo. É uma ponte porque está no rio e o rio é momentâneo. O tempo é apenas um rio momentâneo
— está sempre fluindo e fluindo. Heráclito disse: "Você não pode pisar no mesmo rio duas vezes." Porque ao pisar pela segunda vez, o rio já passou, agora é uma outra água que está fluindo, aquela já passou.
O rio lhe dá a impressão de ser sempre o mesmo, mas não tem nada de fixo, Um rio significa mudança — está fluindo, fluindo, fluindo continuamente. Por que Jesus chama esse mundo de ponte? porque você o
fez sobre o temporário: o tempo, o rio do tempo, tudo está se movendo. Saia dessa ponte! Esse não é lugar para se fazer uma casa.
Mas se chega alguém e diz isso a você que está construindo uma casa que já está quase pronta... e lembre-se, está sempre quase pronta, nunca pronta! Não pode estar, não é da sua natureza. Quando a casa
já está quase pronta e você está indo descansar de todo o esforço e tensão dispendidos em sua construção, se um homem vem e diz: "Sua casa está sobre o rio", em vez de acreditar nele e olhar para baixo,
você dirá: "Vá embora, não seja tolo!" Se o homem insistir como Jesus vem insistindo e continuar martelando, você acaba se irritando. É por isso que ele foi crucificado — era problema demais.
Sócrates foi envenenado porque toda Atenas foi incomodada por sua causa. Ele o agarrava em qualquer lugar e lhe fazia perguntas incômodas — destruindo suas confortáveis mentiras. Ele tornou-se muito incômodo!
No vale, um Buda é sempre um incômodo. Sócrates criou muita angústia e ansiedade. O povo não podia dormir, não podia trabalhar direito porque ele criou a duvida. Disse: "O que você está fazendo? Isto é
um rio, esta é uma ponte — você está construindo sua casa aqui? Busque o Eterno, a Verdade!" Sócrates tornou-se um incômodo tão grande que o envenenaram.
No vale isto está sempre acontecendo. Se um homem que enxerga chega a uma cidade de cegos, os cegos o matarão -- ou, se forem gentis, operarão seus olhos. Mas farão algo porque simplesmente indo até lá,
esse homem os fez cegos. Eles pensaram que não eram cegos — nunca souberam que eram cegos — nunca souberam disso — e este homem vem e diz: "Vocês são cegos. Vocês são loucos!" Ele os alerta de coisas sobre
as quais não queriam estar alertas.
Essas coisas criam ansiedade.
Jesus disse a seus discípulos: "ide a apregoai aos quatro ventos". Por que aos quatro ventos? Porque as pessoas estão quase surdas e não ouvem, não querem ouvir. Mesmo quando escutam, não estão ouvindo,
estão em algum lugar. Mesmo quando concordam estão simplesmente aborrecidas. Elas conseguem tolerar, mas nunca desfrutam da verdade. Para você a verdade é sempre desconfortável. E tem de ser assim porque
você vive num vale de mentiras.
Toda a sua vida é uma grande mentira: você tem mentido aos outros, a si mesmo e faz mentiras de tudo o que o cerca. Agora, alguém chega e fala a verdade. Alguém vem a um homem que se acredita ser sadio,
mesmo tendo toda a espécie de doenças e lhe diz: "Que coisa mais sem sentido você está falando — você está doente." O homem doente pensará: "Esse homem é um mau agouro — ele está me fazendo doente. Eu
estava absolutamente bem." Para alertá-lo, fazêlo consciente da verdade, destrói seus castelos, seus castelos de sonhos, construídos com cartas de baralho.
Jesus disse: "Ide e tudo quanto me ouviram dizer, apregoai aos quatro ventos, porque ninguém acende uma lâmpada e a coloca sob um arbusto..."
No se intimidem e não tenham medo! A luz existe; não a escondam: "... nem a ponham num lugar escondido, mas num pedestal para que todas as pessoas que entrarem e saírem possam ver a sua luz."
Isto foi sempre um problema: Buda, Mahavir, Lao-Tsé, Jesus, Maomé, Zaratustra, sempre tiveram de insistir continuamente com seus discípulos para que fossem e apregoassem aos outros porque a oportunidade
não seria para sempre. Jesus não estaria fisicamente aqui para sempre. E se você não pode reconhecê-lo quando ele está no corpo, como poderá quando não estiver mais? Se sua presença física não é uma revelação
para você, como poderá ser quando desaparecer no universal?
Raramente alguém se ilumina, raramente as trevas de uma pessoa desaparecem. É um fenômeno muito raro e que não dura para sempre. Por isso Jesus estava sempre com pressa. Ele bem o sabia. Jesus teve o mais
limitado espaço de tempo sobre a terra. Morreu aos trinta e três anos. E começou a pregar quando estava com trinta. Apenas três anos — ele estava com muita pressa. Sabia que sua crucificação iria acontecer;
assim, ele dizia: "Ide e fazei alertas tantas pessoas quantas forem possível. Agora a porta está aberta; elas podem entrar no Divino."
Mas os discípulos continuavam vacilando. Só começaram a pregar quando Jesus morreu; só quando ele desapareceu eles se deram conta do que havia acontecido em suas vidas.
Isto sempre acontece. Quando Jesus está aqui, você se acostuma à sua luz; quando desaparece — há escuridão, e então você sente quanta luz perdeu, e começa a pregar aos quatro ventos. Quando Jesus estava
aqui, algo era possível, mas agora nada mais é possível.
Você está nessa situação há séculos — isto é o que a igreja está fazendo, pregando a todo mundo que Jesus é a luz. Mas agora isto não pode ser de grande ajuda porque a porta desapareceu, Jesus tornouse
invisível. Ele pode ajudar, mas se você não pode ver a luz quando visível, como poderá vê-la quando Jesus tornar-se invisível? Se não puder entrar pela porta quando ela está aberta bem à sua frente, como
poderá quando ela estiver absolutamente invisível? É difícil!
Mas os discípulos, por si próprios, tornam-se alertas quando a luz desaparece, e começam a chorar e a se lamentar; então eles sabem. Porque só através do contraste você vem a saber: você só descobre que
estava vivo quando está morrendo, quando chega o momento da morte. Só então você acorda para o que foi a vida e para o modo como a perdeu. Dizem que só quando as pessoas morrem vêm a saber que estavam
vivas. Antes disso, elas ignoram.
"Jesus disse: Quando um cego guia outro cego, ambos caem no abismo." Não se intimidem. Ide e dizei aos outros que existe um homem que tem olhos — de outra maneira as pessoas se extraviarão, porque elas
têm necessidade de serem guiadas. Se você não encontrar um Buda ou um Jesus, ainda assim seguirá alguém porque há uma grande necessidade de seguir. É uma grande necessidade porque você não sabe para onde
ir. E se alguém lhe diz: "Eu sei!" O que fazer?
Jesus não está aqui todos os dias, Buda não nasce todos os dias. Mas a necessidade existe e se você não pode comer o alimento certo, comerá o errado porque a fome está presente todos os dias. É muito fácil
encontrar um homem cego porque você também é cego e entende a sua linguagem. É facílimo seguir um homem cego porque ambos pertencem ao mesmo mundo de trevas, ao mesmo vale. É muito fácil convencer-se de
que um homem cego é um mestre do que convencer-se de que um Mestre é Mestre mesmo porque este usa uma tinguagem diferente, fala sobre um mundo diferente; é tão estranho que você não consegue entendê-lo.
É sempre fácil seguir o Mestre errado porque você também é errado, há algo de semelhante entre vocês. Mas: "Quando um homem cego guia outro cego, ambos caem no abismo."
Isto aconteceu: Mulla Nasrudin morreu e seus dois discípulos cometeram suicídio — porque, sem um mestre, o que eles poderiam fazer? Mulla guiando e seus dois discípulos seguindo, todos os três bateram
à porta do outro mundo, um belo portão. Nasrudin disse: "Olhem! Isto é o que eu havia prometido — e eu sempre cumpro o que prometo. Nós chegamos ao Paraíso!" E eles entraram.
O guia os levou a um lindo palácio e lhes disse: "De agora em diante viverão aqui por toda a eternidade e tudo o que precisarem é só me dizer que eu posso satisfazê-los imediatamente." Mulla disse: "Vejam!
Isto é o que eu prometi e está cumprido!"
Durante sete dias viveram em extrema felicidade porque tudo o que necessitavam imediatamente era satisfeito. O que quer que fosse. Todos os seus desejos de milhões de vidas
foram satisfeitos em sete dias porque não havia esforço a ser feito, nem tempo a ser perdido. Mas no sétimo dia ficaram muito frustrados porque quando você consegue algo tão facilmente não pode gozá-lo.
Quando consegue algo tão de imediato, sem um intervalo entre o desejo e a satisfação, você se torna saturado — por isso os homens ricos são tão saturados. Um homem pobre pode ter uma pequena dança em sua
vida, mas um homem rico não. Veja os reis: eles estão mortos, enfastiados com tudo, porque tudo lhes é acessível.
A fácil conquista é um grande problema! Maior que a pobreza, maior que a penuria.
No sétimo dia eles estavam fartos porque haviam gozado as mais belas mulheres, o vinho mais caro, a melhor comida, as mais valiosas roupas - eles viviam como reis. Mas então, o que fazer? No sétimo dia,
Mulla perguntou ao guia: "Nos gostaríamos de dar uma olhada lá para baixo, no mundo. Gostaríamos de abrir a janela e olhar para a Terra." O guia lhes perguntou:
"Por que?" Mulla disse: "Apenas para recuperarmos nosso interesse; nos ajudará a reaver nossos desejos." O guia abriu uma porta, eles olharam para baixo, para as pessoas na terra e nos viram lutando toda
a nossa vida sem muito alcançar - e assim eles reativaram sua fome através do contraste.
Eles gozaram por mais sete dias e novamente ficaram fartos. Agora o mesmo remédio não seria de grande ajuda; apenas olhar para o mundo não ajudaria, eles haviam se tornado imunes. Então Mulla disse: "Agora,
eu tenho outro pedido ridículo: nós gostaríamos que você abrisse a porta do interno, assim olharíamos para ele e poderíamos recuperar nosso gosto. Mas nós estamos com medo, porque o que faremos depois
disso?" O guia começou a rir e lhe disse: "Onde vocês pensam que estão?" Eles estavam no inferno.
Se todos os seus desejos são satisfeitos, você estará num inferno porque não conhece a felicidade da ausência do desejo; conhece apenas a luta. Por isso os poetas dizem que o prazer está na espera e não
no encontro; o prazer está no desejo, não na satisfação. E eles estão certos sobre você! Sempre que todas as coisas são satisfeitas, o que você faz? Simplesmente fica sabendo que está no inferno.
Isso acontece quando você segue um homem cego: mesmo que alcance o paraíso, ele se tornará um inferno porque a cegueira nunca alcança o paraíso. Na realidade,o paraíso não é um lugar a ser alcançado: é
um estado de consciência, não um lugar geográfico - é algo em você. O inferno e o paraíso existem em você. Ao seguir um homem cego, como poderá ser guiado em direção às alturas? Ele o guiará em direção
ao vale. E a necessidade de ser guiado existe - esteja alerta para essa necessidade.
Você quer ser conduzido porque então a responsabilidade cairá sobre o outro. É melhor ter um líder cego do que nenhum - este é o seu estado mental. Por isso Jesus disse: "Ide e dizei às pessoas do topo
de suas casas que o Mestre está aqui."
Jesus apareceu. É uma chance rara e existem muitas possibilidades de você perder esta oportunidade. Corra e agarre-se neste homem porque são poucos os momentos em que a porta
do paraíso se abre! Ela é aberta quando um homem torna-se iluminado. Então, ele é a porta: você pode olhar através dele e chegar à compreensão de toda a verdade.
Um Mestre não é um homem que ensina. O Mestre é alguém que acorda. Não é alguém que tem algumas informações para lhe dar, é um homem que lhe proporciona vislumbres do seu próprio ser. Mas isto torna-se
um problema. Se Jesus permanecesse silencioso, 'ninguém o crucificaria. Mas ele tinha pressa e começou a viajar pelo país e falar às pessoas. O problema foi criado porque nunguém o entendia. E é assim
que acontece porque entre duas diferentes dimensões a comunicação é impossível. Ele falava do Reino de Deus e as pessoas pensavam que ele estava falando sobre o reino deste mundo.
Ele disse: "Eu sou o Rei" e as pessoas pensaram que ele fosse destronar algum rei da Terra. Disse também: "Todos aqueles que são humildes herdarão a terra." Ele falava sobre algo além, mas todos pensavam
que ele estava fazendo promessas aos seus próprios discípulos:
"Vocês herdarão a Terra". Os políticos ficaram com medo porque "reino", "rei", herdar a terra", todos esses termos são políticos. Os sacerdotes também amedrontaram-se porque tudo o que ele dizia estava
além da lei.
Amor está sempre além da lei e não pode seguir qualquer lei porque é algo superior, é mais alto. Quando você ama, tudo está bem, porque o amor não pode fazer nada de errado. Não há regulamentos e regras
para ele - regulamentos e regras existem quando você não pode amar, é incapaz de amar. Por causa disso existem tantas regras. Assim, você não pode fazer mal aos outros e está prevenido do mal que eles
possam lhe fazer. Mas quando você ama, por que prejudicaria o outro? As regras desaparecem!
Jesus falava sobre a Lei Máxima, o amor. Então os sacerdotes tinham medo. Os juízes, os magistrados, o sistema legal, todos ficaram temerosos de que ele çriasse um caos, uma anarquia. E o crucificaram
porque ele tornou-se um criador de problemas.
Isso não precisa acontecer -- aconteceu no passado, não há necessidade de acontecer agora. Porque depois de milhares de anos, vivenciando Budas, Mahavirs, Zarathustras, Jesus, Maomés, nós temos de nos
tornar mais alertas!
Mas não! Este ainda é o caso - como se o homem nunca aprendesse. Sua estupidez parece ser suprema, total; ele continua racionalizando sua estupidez. Fortifica sua estupidez, sua ignorância e quem quer
que venha livrá-lo delas parece ser o inimigo. Amigos parecem ser inimigos; inimigos parecem ser amigos. Aqueles que podem guiá-lo parecem querer desviá-lo; e os cegos são seus lideres.
Antes de tudo, entenda sua necessidade de ser guiado. Ela é bela porque revela uma busca. Mas não se apresse em seguir qualquer um. Como você decidirá? Qual é o critério? Para quem busca, este é um dos
pontos mais contundentes: como decidir quem é Jesus e quem é cego? A certeza parece ser impossível, mas víslumbres dessa certeza são possíveis. Você não pode estar absolutamente certo desde o começo porque
a natureza das coisas é tal que, corno pode um cego decidir que o outro tem olhos? A única decisão, a única certeza possível é
quando começa a ver. Então será capaz de decidir - mas quando isso acontecer, não haverá necessidade. Quando você se torna um Buda não precisa reconhece um Buda: quando se é como Jesus não há necessidade
de reconhecer Jesus ou seguí-lo. Isto é um paradoxo.
Você é cego e tem de escolher - corno decidir? Pelas palavras? Assim será enganado porque os estudiosos, os eruditos, os sacerdotes são mais espertos com palavras. Ninguém pode vencê-los porque estão nesse
tipo de negócio há muito tempo. Jesus parecerá pobre em suas palavras - o supremo sacerdote judeu poderia derrotá-lo facilmente. Não seria um grande problema. Kabir ou Buda podem ser derrotados facilmente
através de argumentos, da lógica. Mas você não pode julgar pelas palavras, pois será enganado; não use esse critério.
Um Jesus pode ser julgado somente pelo seu ser. Fique perto dele - não tente ouvir o que ele está dizendo; tente escutar o que ele é. Esta é a chave: fique simplesmente perto dele. Os hindus chamam isso
de sa tsang, estar perto da verdade. Apenas perto - não ouça o que ele diz, não se engane intelectualmente - ouça o que ele é, o ser vibra, floresce, tem uma fragrância. Se você puder ficar silencioso
perto de Jesus, começará a ouvir o seu silêncio. E este silêncio o fará feliz, satisfeito, fluente de amor e compaixão — este é o critério. Se fizer isto com um homem erudito ou com um homem de conhecimento,
você simplesmente se encherá de miséria - porque ele é tão miserável quanto você. Se ouvir o seu ser, suas vibrações, suas pulsações de vida verá que é tão miserável quanto você — talvez até mais. Foi
por isso que ele se tornou um homem de palavras: para esconder sua miséria. É por isso que ele fala de teorias, filosofias e sistemas; é por isso que ele argumenta — porque não sabe.
Um homem que sabe, na verdade, não argumenta; ele simplesmente declara, simplesmente diz... Olhe para estes dizeres de Jesus — ele não está argumentando riem dando qualquer razão; está simplesmente constatando:
"Uma cidade construída no alto de uma montanha e fortificada não pode ruir nem jamais ser escondida". Nenhum argumento; apenas uma simples constatação de fatos. "O que ouvires tanto com um ouvido quanto
com o outro proclama aos quatro ventos porque ninguém acende uma lâmpada e coloca sob um arbusto, nem a põe em lugar escondido; coloca-a num pedestal para que todos que entrem e saiam possam ver a luz".
Nenhum argumento! Não tenta provar nada, simplesmente constata um fato.
"Jesus disse: Quando um cego guia outro cego, ambos caem no abismo". Simplesmente a constatação do fato! Estas palavras podem ser usadas com mais beleza por um homem de conhecimento. Mas então você será
enganado.
Sempre que estiver à procura de um Mestre, ouça o seu ser. Aprenda a arte de ouvir o seu ser. Fique perto dele, sinta-o — através do coração. De repente você sentirá que está mudando. Porque ele é uma
força magnética. Subitamente sentirá que alguma coisa está se transformando profundamente dentro de você. Já não é mais o mesmo; seu espaço está repleto de urna luz desconhecida —como se por um momento
seu peso fosse jogado fora; como se através dele você ganhasse asas, você pudesse voar. E isto é uma experiência. Somente esta experiência lhe dá a pessoa certa, o homem com olhos que pode guíá-lo.
Para onde ele o guiará? Eie o guiará para você mesmo. Um homem de conhecimento sempre o
conduzirá a algum outro lugar, a algum paraíso, a algum céu, a um objetivo no futuro. Mas um homem de ser, como Jesus, Buda, não o guiará a lugar algum, apenas a Você mesmo — porque Você é a meta, Você
é o alvo. o objetivo.
Ouça através do coração, satsang, este é o critério. De outro modo, os cegos continuarão a guiá-lo por muitas vidas e tanto o líder cego quanto você continuarão a cair no abismo.
Uma última coisa sobre o abismo: Sempre que Jesus diz: "Eles caem no abismo este abismo é o útero. Sempre que um cego guia, ambos caem dentro do útero novamente — este é o abismo. Eles nascerão novamente
na mesma vida miserável; a mesma angústia começará com novas formas. Nada substancial terá mudado; a estória permanecerá a mesma: tudo igual, apenas com novas formas exteriores. Você cairá novamente no
inferno, na miséria — o útero é o abismo.
Quando um homem de ser lhe conduz, você nunca cai num abismo. Você nasce em uma outra dimensão; não vale a pena nascer novamente neste mundo. Você desaparece daqui e aparece em um lugar além. Este lugar
além é Deus, este lugar além é o Nirvana.

 

 

                                                                  Osho

 

 

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