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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A SOMBRA DA PAIXÃO / Izabella Mancini
A SOMBRA DA PAIXÃO / Izabella Mancini

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

A tempestuosa Amélia Romanov tem trinta e seis anos e é mãe do sonhador rapaz Fernando. O decidido Marcelo Ferrari tem trinta e nove e é pai da travessa adolescente Marina. Vinte anos separam duas histórias que se entrelaçam fortemente pelo destino!
Amélia é uma famosa atriz que esconde em seu coração uma paixão proibida do passado. Marcelo, companheiro de profissão, foi seu grande amor e por ambição abriram mão da felicidade ao lado um do outro. Vinte anos depois, com a vida quebrada e vários segredos na bagagem, ambos se reencontram quando os filhos passam a estudar no mesmo colégio. Um olhar será o suficiente para reacender a chama de uma paixão avassaladora que passou anos ás sombras entregue a própria sorte.
Tudo o que Fernando Romanov desejava era ser ator como sua mãe. O garoto mais popular do ensino médio era veterano do último ano e um galã para as meninas, mas tudo muda quando Marina Ferrari - uma velha conhecida da infância - chega ao seu colégio trazendo a implicância que sempre alimentaram um pelo outro a tiracolo. A garota já não era a pirralha de suas lembranças, mas sim uma bela jovem que fazia questão de confrontá-lo e chamar sua atenção o quanto podia. Ambos não se suportavam, mas alimentavam secretamente o sabor do primeiro amor guardado em seus corações por muitos anos.
Duas histórias movidas pela paixão e ocultas pelo tempo estão prestes a serem desvendadas. Amélia e Marcelo. Fernando e Marina. Quantos segredos cabem em vinte anos?

 


 

 

A noite estrelada soava com um convite tentador para ser admirada bem de perto, por isso Amélia deixou para trás o estúdio quente e claustrofóbico em passos ansiosos. Empurrou a porta que levava ao terraço olhando ao redor para se certificar de que de fato não havia ninguém espiando sua escapadela para o esconderijo secreto.

Deslizou pela noite até finalmente alcançar seu local favorito, um pequeno assento no telhado envidraçado que oferecia uma visão incrível das estrelas.

Ajeitou o cabelo loiro atrás da orelha e aspirou lentamente o ar fresco ao sentar-se. Era como estar livre naquele instante... Como poder ser ela mesma longe das tais câmeras que a rondavam.

Amava ser atriz de televisão e principalmente a arte de atuar. Não era possível descrever em palavras todo o trabalho e dedicação por trás de seu atual status de “atriz classe A” da emissora mais famosa do país e apenas ela sabia o valor de cada esforço e lágrima derramada ao decorrer de vinte anos de carreira. Os altos e baixos da vida a trouxeram até os trinta e seis anos como uma atriz consagrada e neste momento tinha em mãos o maior papel de sua carreira.

O mais desafiador também.

Apertou os olhos ao lembrar-se do motivo de tremer tanto e o que a levava a escapar após certas cenas. Em vinte anos nada aconteceu de maneira tão impactante e seu estomago se apertava a cada vez que se deparava com aquele sorriso.

Marcelo Ferrari.

As duas décadas de carreira que comemoraria dali dois meses também marcavam o tempo em que o conhecia. Há duas décadas convivia com a sombra de Marcelo em sua vida e não sabia mais como ignorar o pesar de tantos anos. Ao mesmo tempo em que poderia ter sido tudo, aquele homem se tornou nada . Ao mesmo tempo em que poderia ter sumido com os anos, Marcelo sempre ressurgia das cinzas e reaparecia em sua vida como uma sombra da noite.

— As coisas se tornam difíceis quando guardamos os pensamentos apenas para nós — A voz forte soava límpida enquanto em passos curtos e com as mãos nos bolsos da calça o misterioso homem se aproximava.

Amélia abriu os olhos rapidamente e encarou-o em total espanto. A voz era familiar demais e absurdamente reconhecível a seus ouvidos sensíveis.

— Como me encontrou aqui? — Questionou sem hesitar e sequer disfarçar a surpresa pela presença ilustre.

— Digamos que esse lugar não é exclusivo a você, senhora Amélia Romanov — Aproximou-se a ponto de parar ao lado dela — Ainda posso te chamar assim ou Ettore prefere que use o nome de casada?

Amélia engoliu o palavrão e desviou o olhar dos olhos negros e impactantes de seu colega de trabalho.

— Ettore sabe que Romanov é o sobrenome que uso no trabalho — Corrige encarando a noite.

— Também é o sobrenome de seu pai — Amélia sorriu de canto com a citação — O grande Ítalo Romanov. O sonho dele era seu meu sogro, lembra?

— É porque ele não sabia com quem estava lidando — Ambos gargalharam juntos pela primeira vez desde que se reencontraram. Marcelo caminhou lentamente até ela e retirou do bolso um maço de cigarros vermelhos e famosos.

— Aceita?

Os olhos cor de mel de Amélia rapidamente deslizaram para o rosto serio e sensual de Marcelo.

— Pare de palhaçada... Sabe muito bem que eu não fumo mais — Ele volta a enfiar o maço no bolso após o tom irônico da mulher soar tão marcante.

— Não fuma desde que ficou careta e se casou com aquele almofadinha — Colocou um cigarro entre os lábios e acendeu com seu isqueiro prateado. Era uma missão impossível para Amélia deixar de acompanhar todo o percurso que o cigarro fazia entre os lábios cálidos e a mão forte e máscula.

—Pensei que você gostasse de Ettore.

—Não estou falando dele. Estou falando do outro — Corrige olhando para as estrelas e sem notar o olhar fixo dela em toda sua presença — Abner. Seu primeiro marido.

— Ah, por favor! — Amélia debochou — Sequer lembro-me de Abner, a não ser por meu filho, é claro! E respondendo a sua pergunta... Não fumo desde a gravidez de Felipe.

— Você fumava quando estava grávida de Fernando — Ele a encara e finalmente percebe seu olhar fixo. Amélia não hesita em desviar a atenção para a lua que parece muito desinteressante ao lado de um porte físico tão chamativo quanto o de Marcelo.

— Fernando é meu filho mais velho. Felipe é o mais novo.

— Sei disso... Claro que sei — Responde com um sorriso sem humor — Fumou quando grávida e agora recusa me acompanhar em uma noite tão bela?

— Não fumo porque meu filho teve asma por conta de minha imprudência e desde então decidi parar. Sabe disso.

— Você me disse que prometeu a Ettore que não fumaria mais... — Traga mais uma vez e o coração de Amélia dispara a cada vez em que os lábios dele envolvem o pequeno cigarro com firmeza e sensualidade. Poderiam passar mil anos que Marcelo Ferrari continuaria sendo o homem mais sexy sobre a terra aos olhos dela e de muitas outras.

— Ele ficou preocupado que Felipe nascesse com asma igual a Fernando — Respondeu rapidamente.

— Ou será que ele sabia que fumar e conversar sob as estrelas era nosso passatempo favorito desde que nos conhecemos?

Amélia não pôde evitar sorrir perante as palavras de Marcelo, que a encarava de canto de olho e seguia tragando com a habilidade corriqueira.

— Ele não sabia. Jamais contei isso para alguém — Marcelo se aproximou ao notar que Amélia sorria de maneira doce e finalmente baixou a guarda.

Não era fácil dizer a ela que aquele momento não era um encontro casual, mas sim algo minimamente planejado. Todas as noites durante as gravações noturnas do seriado em que atuavam juntos Marcelo a via escapando nos intervalos e sumindo por longos momentos. Criou a oportunidade perfeita quando decidiu segui-la e em fim ter um momento a sós com a mulher que marcou sua vida de maneira singular e depois de tantos anos reencontrava.

— Essa história de que o tempo leva a beleza não se aplica a você — Sentou-se ao lado dela com uma considerável distância entre os corpos — Se passaram vinte anos desde a primeira vez em que te vi e você continua tão bela quanto naquele dia.

Amélia sorriu com os olhos cor de mel brilhando sob a lua. De fato ainda era dona de um corpo torneado e bem desenhado mesmo após parir dois meninos e o calor da juventude não deixava falta em seu rosto. Aos trinta e seis anos era considerada como um símbolo de beleza e sensualidade, além de encantar a todos com seus longos cabelos loiros – não naturais, mas bem cuidados – e os marcantes olhos cor de mel. Havia algo em Amélia Romanov que pertencia somente a ela. Uma beleza única que Marcelo jamais encontrou em qualquer mulher com quem se relacionou.

— Posso dizer o mesmo sobre você. Parece que parou no tempo — Marcelo gargalhou com as palavras da amiga — Qual é o segredo para beirar aos quarenta com carinha e corpo de garotão?

— Quarenta no próximo verão.

— Quarenta mesmo? — Afastou os lábios em sinal de surpresa — Uau! Realmente toda aquela malhação fez efeito! Meus parabéns.

Marcelo sorriu e abaixou o olhar.

— Não é fácil perceber que os quarenta batem a porta. Na realidade é bem complicado — Coça a cabeça e retira novamente o maço de cigarros do bolso — Porque foi tocar justo nesse assunto, Amelinha?

— Não me chame desse apelido ridículo — Brincou lhe repreendendo — E foi você quem tocou nesse assunto elogiando minha beleza. Apenas lhe ressaltei o físico invejável.

— Teu marido também tem um físico invejável — Comenta acendendo um cigarro — Tem certeza que não quer?

— Continua insistente, senhor persistência? — Nega com um aceno e Marcelo volta a guardar o maço com decepção estampada no olhar — Prometi ao meu marido que não iria fumar faz dez anos.

— E daí? Ettore não está aqui — Amélia engoliu em seco com a seriedade das palavras. Era como se Marcelo lhe lembrasse de que estavam finalmente sozinhos depois de quase cinco anos sem se cruzarem —Estamos apenas eu, você e lua como nos velhos tempos.

O vento cálido e gélido de final de inverno soprava contra o cabelo loiro de Marcelo e Amélia pôde reparar como aquele homem ficava cada vez mais lindo com o tempo. Era como as revistas o descreviam... Como um bom vinho . Podia reparar os músculos torneados e fortes por baixo de sua camisa negra e não lhe passava despercebido às sardas e pintas salpicadas pela pele clara. Seu sangue fervia com as lembranças que lhe assolavam a memória.

— Do que está rindo? — Questiona ele quando repara que Amélia ri para si mesma e parece se divertir.

— Lembra quando você me pedia para espremer suas espinhas e eu ficava horas contando suas pintas? — Marcelo gargalhou também.

— Você anotava tudo em um papel e depois queria recontar para ver se estava certo. Era uma boa desculpa para ficar alisando meus braços e minhas costas — Amélia girou os olhos no rosto.

— Apenas queria te ajudar a se prevenir de um câncer de pele — Dá de ombros e ele deixa claro que não acredita em suas palavras — Nós estávamos em nossa primeira novela, lembra?

— Como esquecer... Parece que foi ontem e já faz vinte anos — Suspira soltando a fumaça do cigarro para longe e ela se mistura com a noite aos poucos — O que você fez para esquecer?

Amélia para de rir repentinamente ao ouvir a pergunta lhe chocando o coração. Era como um crime Marcelo citar o que ela acreditava que ele estava citando tão descaradamente.

Era um segredo federal entre ambos o envolvimento que tiveram quando jovens e aquela história para Amélia era um simples caso de adolescência. Ao menos era isso que tentava enfiar em sua cabeça durante os últimos vinte anos e agora notava que não teve muito sucesso. Engoliu em seco diante do olhar avaliador de Marcelo e não foi capaz de responder algo grosseiro como desejava.

— E você? O que fez para esquecer?

O vento chocava-se contra os fios alourados do cabelo de Amélia e Marcelo encontrava naqueles olhos cor de mel uma faísca de lembranças. Pela primeira vez em vinte anos foi capaz de ir direto ao ponto e perguntar o que tanto lhe atormentava... Teria Amélia Romanov o esquecido como prometeu no passado? Seria ela realmente apaixonada por Ettore e feliz em seu casamento? Tudo o que ela pôde fazer foi devolver sua pergunta e aquilo lhe ardeu o peito. Existia, afinal, uma faísca existente?

A história daqueles dois jovens vivendo uma aventura apaixonante ainda habitava no interior de ambos com aquela força deliciosa?

— Ettore não iria gostar de ouvir essa conversa — Para descontrair Marcelo sorri. Eram colegas de trabalho naquele momento e o projeto que os unia era demasiadamente forte para ser quebrado por desentendimentos bobos.

— Tão pouco Pia — A resposta dela o fez ironizar.

— Pia é minha ex-mulher — Amélia dá de ombros.

— Vocês foram casados por quase quinze anos e ela é mãe de seus filhos.

— Estou solteiro agora — Marcelo mostra sua mão livro de alianças e Amélia encara o grosso anel dourado que descansa em seu dedo anelar da mão esquerda.

Ettore é seu marido. Ettore é pai de Felipe, seu filho mais novo. Ettore está com ela há dez anos e ambos são considerados pela mídia nacional como um casal modelo. O admira. O adora.

Ergue os olhos para Marcelo novamente e o olhar acastanhado lhe analisa a expressão com curiosidade. Amélia não era boba e sabia bem o que aquilo queria dizer. Estou solteiro agora . Seu coração dispara e as palavras lhe faltam. Uma coisa é certa... Há muitos anos não se sente como uma adolescente novamente.

— É melhor voltarmos, correto? O diretor deve estar nos procurando! — Marcelo se coloca de pé e dá as costas para Amélia de modo a terminar de fumar o cigarro que lhe resta.

— Marcelo? — Ela o chama encarando suas costas e deslizando o olhar por seus ombros largos.

— Sim? — Responde virando-se parcialmente.

Amélia desliza para fora do assento e coloca-se de pé. Caminha até ele em passos largos e decididos, parando ao lado com uma expressão indecifrável.

— Me dá um trago?

O olhar cor de mel sorri por si só e exacerba sensualidade com as poucas palavras. Ele nada diz quando passa o cigarro para a mão delicada de Amélia com cuidado e a assiste levar o fumo aos lábios e tragar de olhos fechados.

O corpo forte se enrijece em todos os cantos com a delícia de assisti-la e naquele momento nota que o fogo que um dia existiu entre ambos ainda ardia com toda intensidade. A fumaça escapa dos lábios avermelhados e se mistura com a noite enquanto os olhos cor de mel o fitam com ardor. Apenas Amélia Romanov transmite aquela paixão. Apenas ela é capaz de fazê-lo desejá-la em qualquer instante e situação.

A vontade dele é puxá-la em um beijo quente e derrubá-la contra o chão naquele mesmo instante e apenas parar quando forem um, mas existe algo poderoso que os separa. O tempo. O tempo em toda sua magnitude tratou de separá-los quando jovens e Marcelo perdeu aquela mulher que um dia foi dele em segredo.

Após os poucos tragos, Amélia lhe devolveu o cigarro com os olhos ainda presos aos dele.

— Prometo não contar a Ettore sobre isso — Não pensou duas vezes antes de tragar por cima de onde os lábios femininos haviam se fechado. Havia gosto dela presente ali.

— É bom mesmo — Sussurrou caminhando em direção à porta sem deixar de encará-lo — Agora nós temos um novo segredo.

 

 


Capítulo Um

 

Fernando caminhava pelo largo e barulhento corredor do colégio levando sua mochila e vários livros pesados. Não era um bom dia para ter tantas provas e por isso agradecia mentalmente por te sobrevivido ao primeiro período de aulas e ter recebido ao menos um nove na pior avaliação.

Sua mãe era muito exigente em relação a suas notas e para sua paz de espirito era bom subir as médias se queria autorização para seguir na escola de teatro. Tudo o que a grande Amélia Romanov não queria era ver seu filho mais velho envolvido com atuação e carreira artística.

— E ai Nandinho... — Uma garota que passava ao lado dele com várias outras o cumprimentou com um toque no ombro.

— Bom dia — Respondeu sonolento e sem realmente ver de quem se tratava.

Abriu o armário e respirou profundamente quando finalmente colocou dentro dele todos os materiais que carregava. A jornada exaustiva no melhor colégio do Rio de Janeiro, além de obrigá-lo a estudar muito, também trazia consigo a sina de ser famoso. Na verdade, filho de uma mulher famosa. Apenas ele sabia o quão tórrido era ter que desviar as amizades interesseiras e ponderar os que lhe eram fieis de fato.

— Já encontrou a garota nova? Dizem que vocês se conhecem — Espiou por cima do ombro a garota que ainda falava com ele. Era uma ruiva alta. Beatriz. A menina mais popular do colégio e que durante muito tempo foi sua melhor amiga.

— Ainda não, mas eu conheço muita gente por causa de minha mãe. Não é novidade encontrar ninguém por aqui — Organizava seus livros para o segundo período enquanto falava.

— Dizem que é bem chata e antipática. O que acha sobre ela? — Seguia questionando.

— Nem sequer sei de quem se trata! — Vira-se para a garota e respira profundamente — Bia, sem querer ser chato, mas pode me dar licença? Preciso me organizar e estudar para a próxima prova.

— Amélia ainda está ameaçando tirar o teatro se suas notas não subirem? — Tocou o ombro dele sugestivamente e Fernando desviou com educação — Tudo bem. Eu saio. Mas não pense que ficamos por aqui, certo?

— Até mais — Pisca para ela e se alivia quando finalmente fica sozinho no corredor movimentado em frente a seu armário de parede.

Fita-se no pequeno espelho que está preso a porta e repara que seus olhos azuis parecidos com o de seu pai brilham pela ansiedade e exaustão. Ajeita o cabelo negro jogado para trás e repara que pequenas gotas de suor brotam em sua testa. Precisa ir bem na última prova. Precisa provar a sua mãe que pode ser um bom aluno para que ela possa lhe permitir seguir atuando.

Um dia serei tão grande quanto ela! Pensa enquanto se encara.

Amélia Romanov é sua inspiração. Além de mãe, é também uma mulher guerreira e que preza muito pelos filhos. Desde criança, quando teve dimensão do tamanho do sucesso de sua genitora, o sonho de Fernando era seguir os passos dela e se tornar um ator famoso e reconhecido. Não queria, por outro lado, conseguir isso com indicação de Amélia ou seu pai, um famoso diretor e também ator. Queria lutar e provar o talento que lhe corria nas veias.

— Mais que droga... Será possível que isso não abra? — Escuta um pequeno sussurrou vindo do armário ao lado do seu e franze o cenho. Desde quando aquele armário está alugado, se estava vazio desde que a antiga dona mudou de escola no começo do mês? — Eu mereço...

O sangue de Fernando gelou nas veias quando aquela voz soou mais nítida e perceptível. Era tão familiar... Tão parecia com a voz dela... Não! Não podia ser! Engoli em seco antes de pensar no que fazer e então se lembrou do que Beatriz havia dito.

“Já encontrou a garota nova? Dizem que vocês se conhecem”.

Fechou o armário com cuidado para ter certeza de que não estava devaneando. Ela ainda não havia reparado na presença dele enquanto Fernando deslizava o olhar pela garota que lutava contra a fechadura do armário ao lado.

— Pirralha? — Sussurrou e reparou naquele instante que sua voz estava repleta de surpresa.

Os olhos escuros da garota abandonaram no mesmo momento a fechadura do armário e se dirigiram para o rapaz ao seu lado. Os lábios rosados da menina se separaram quando notou que não era uma miragem, mas sim de fato ele.

— Bolinho? — Respondeu em um murmúrio.

— Cala boca... Não fala isso aqui! — Fernando repreendeu com as bochechas coradas e nitidamente nervoso. Olhou ao redor para constatar que ninguém havia ouvido seu apelido de infância escapar dos lábios dela — Isso só pode ser uma brincadeira!

— Ou uma maldição... — Cruzou os braços em frente ao peito e o encarou com seriedade.

— O que está fazendo aqui, pirralha? — Questionou se aproximando alguns passos a mais.

— Eu estudo aqui! E você? O que está fazendo aqui? — As pessoas que passavam no corredor não deixavam de olhar para o garoto mais popular do colégio, o filho de Amélia Romanov, conversando com a novata que também era filha de um famoso.

— Sou eu quem estuda aqui, pirralha, há mais de dez anos! — Ela aperta os olhos em sinal de descrença — Desde quando você faz parte do Colégio Linhares Albuquerque?

— Desde hoje, às sete da manhã! — Fernando sorri sem humor e passa a mão entre os fios de seu cabelo.

Parecia mentira que depois de cinco anos voltava a reencontra aquela garota pentelha que vivia em sua cola quando eram apenas duas crianças choronas. Definitivamente não era a mesma, apenas o olhar escuro e o rosto sardento remetia a pequena que o infernizava para brincar de “papai e mamãe” com ela! Agora era uma moça feita, tinha cabelos loiros e longos e em nada se assemelhava a uma menina usando aquela calça colada do uniforme.

— Pensei que estivesse em São Paulo vivendo com sua mãe — Cruza os braços tentando disfarçar as olhadas que lançava para as mudanças do corpo dela. Apesar de estar diferente, ainda era aquela pirralha pentelha aos olhos dele.

— Meus pais se separaram! Todo mundo sabe disso, principalmente você! Tia Amélia não te contou? — Ironizou o encaro com desdém.

— Sim, ela comentou — Deu de ombros — Porque essa cara? Não é o fim do mundo, afinal. Meus pais são separados desde que eu era um bebê. Você também sabe disso!

— Por isso você não sabe o que é sofrer em meio a isso, bolinho.

— Para de me chamar assim, pirralha! — Repreende ficando ainda mais perto dela. A menina não se intimida, apenas sustenta seu olhar pesaroso com a astúcia de sempre.

— Então para de me chamar de pirralha! Eu não sou mais criança, Fernando Romanov — Fernando concorda.

— Mas continua chata igual — Dá de ombros. Ela se volta para o armário e tenta abrir a fechadura após os minutos em que estiveram tão próximos. Vendo que o faz sem sucesso, Nando toma a chave da mão da menina com ardor e em uma passada rápida abre o armário com eficiência — Cara... Só pode ser brincadeira uma coisa dessas! Você aqui!

— Digo o mesmo. Só pode ser castigo meu pai ter me colocado no mesmo colégio que você estuda! — Nando lhe entrega a chave do armário e ela apanha com vigor.

— Está vivendo com seu pai agora? — Questiona enquanto a menina mexe nos livros dentro do armário.

— Sim. Eu e meu irmão estamos ficando com ele enquanto minha mãe faz a mudança definitiva para o Rio. Vamos mudar para ficarmos mais perto de meu pai. Meu irmão sente falta dele e como ele está trabalhando aqui depois do divórcio... Sabe como é — Explica sem encará-lo, ainda organizando os livros.

Fernando não disfarça enquanto analisa a menina com curiosidade. Definitivamente já não é aquela pirralha, ao menos por fora! É difícil acreditar que a pequena garotinha filha de um grande amigo de sua família se tornou aquela moça. Estava linda, tinha de admitir. Jamais pensou se pegar deslizando o olhar pelo corpo dela, em particular.

Quando pequenos ambos viviam em pé de guerra e após se reencontrarem na adolescência parecia que nada havia mudado. Ela ainda o chamava de bolinho e ele ainda a tratava como pirralha.

— Você mudou bastante — Sussurra pensando alto e leva um susto quando ela bate o armário com força proposital — Quero dizer, por fora! — Endireita a postura e volta a encará-la com certo desdém — Por dentro continua a mesma pirralha chata, pentelha e pouco educada de sempre!

— Está falando isso de mim? Quantos quilos você perdeu nos últimos cinco anos? — Ironiza encarando os braços fortes do garoto — Uns cem?

— Engraçadinha...

— Mas continua o mesmo babaca, tosco e idiota de sempre! — Revira os olhos escuros no rosto — Apenas te reconheci porque me chamou de pirralha, acredita? E os olhos, é claro. Isso não muda!

Fernando sorriu pela primeira vez e ela o acompanhou. Não demorou até que quebrassem o clima ameno.

— Quer dizer que agora vou ter a infelicidade de te ver todo dia, pirralha?

— Infelizmente sim, bolinho.

— Não me chame assim!

Fernando não pensou duas vezes antes de atravessar o espaço que os separava a tapar a boca dela com uma das mãos. Ao invés de afastá-lo, a menina o encarou com surpresa e colocou-se imóvel sob os braços fortes. Nandinho agora era um homem alto e tinha braços fortes, não mais aquele menino gordinho e desengonçado. Ambos se encararam por alguns segundos e ele se perdeu em meio às sardas pequenas presentes nas bochechas e no nariz da menina, que por sua vez parecia encantada com os olhos azuis e brilhantes do rosto daquele garoto que quando criança era seu companheiro de peripécias.

Ela o empurrou quando o sinal anunciando a nova aula soou e Nando a soltou rapidamente.

— Espero não te ver tão cedo! — Sussurrou vendo que ele encarava o chão.

— Espero não lembrar que você existe! — A resposta dele a fez revirar os olhos.

— Mesmo assim, obrigado pela ajuda com o armário, bolinho! — Provocou-o e Fernando respirou profundamente.

— Se alguém souber desse apelido eu juro que vai se arrepender! — Ameaçou aproximando-se dela novamente.

— Não tenho medo de você! — Mostrou a língua para ele — Vou contar para tia Amélia que você anda me ameaçando e ela vai dar tapas no seu bumbum de novo!

— Estou avisando! Pode não parecer, mas nesse colégio eu tenho muita influencia — Ela se calou e apenas o observou — Então é melhor ir na minha se quiser se dar bem, entendeu?

— Pode ter o respeito deles, mas o meu não. Para mim você sempre será o bolinho — Sorri para si mesma e começa a se afastar em meio aos demais alunos — Até mais ver, Fernando Romanov.

— Até mais ver, Marina Ferrari.


Fernando colocou-se de pé de maneira hesitante e caminhou até a mesa da professora de Literatura com a prova em mãos. Era um dos últimos alunos presentes na classe aquela altura e praguejou em silêncio quando pousou a folha na mesa da professora.

A elegante senhora abaixou os óculos para encará-lo e deixou claro ali que não esperava muito de seu resultado. Nando mordeu os lábios e apertou a alça da mochila que descansava em um de seus ombros enquanto observava a maestra passando os olhos e a caneta sobre sua folha. Se tomasse bomba naquele teste apenas haveria uma pessoa culpada...

Marina Ferrari!

Não pôde deixar de pensar nela um só minuto desde que a encontrou no corredor e estava absurdamente perturbado com a ideia de tê-la em seu colégio permanentemente! Marina era ninguém menos que a filha de Marcelo Ferrari, um amigo das antigas de sua mãe, Amélia.

Ambos passaram grande parte da infância estudando no mesmo colégio e frequentando as mesmas aulas de idioma. Além disso, eram constantemente unidos por eventos dos pais famosos e passavam grande parte das férias escolares nos mesmos acampamentos de verão. Pia, a mãe dela, não gostava muito de Amélia, mas fazia questão de oferecer a sua filha a mesma educação de ponta que a rival dava ao filho.

Marcelo era um cara legal, devia admitir, mas há cinco anos havia se mudado com a esposa e os dois filhos para São Paulo. Desde então não via mais a pirralha – como se referia a Marina por ser mais nova e baixa do que ele a vida toda.

Sabia que Marcelo havia se separado de Pia há algum tempo. Ouviu algo na televisão e uma conversa interessante entre seu pai biológico, Abner, e seu padrasto, Ettore.

“É melhor tomar cuidado, cara. Marcelo Ferrari está livre agora e aquele lá não gosta de perder tempo”.

Abner disse a Ettore em uma tarde em que foi buscar Fernando para o final de semana. O garoto os observava parados na calçada de sua casa pelo vidro do carro.

“Acredito que seja você quem vê maldade em tudo. Sou muito seguro quanto Amélia. Ela conhece Marcelo há mais de vinte anos e quando ambos eram solteiros. Se fosse para existir algo certamente já deveria ter acontecido!”.

Ettore soou seguro e Abner riu por trás dos grandes óculos negros que lhe cobriam o rosto.

“O que te garante que não aconteceu?”.

— Sua nota é sete ponto um, senhor Romanov — Fernando suspira e leva uma das mãos o rosto suado pelo nervosismo — Ao menos fechou com média azul esse bimestre.

Queria protestar a nota relativamente baixa, porém os olhos firmes da professora o fizeram lembrar de que se tratava da maior víbora do colégio. Se contestasse certamente havia algo que faria sua nota baixar e preferiu seguir com a média azul. Saiu da classe sem nada dizer e praguejando em silêncio pelo resultado.

Sete ponto um.

Apenas um décimo de nota maior! Não era nem de longe páreo para o tanto que havia estudado e muito menos suficiente para convencer Amélia a deixá-lo nas aulas de teatro! Chutou a parede por um acesso de raiva e caminhou com decisão até o mural de salas. Observou as listas que designavam o horário e constatou rapidamente que a turma do segundo ano do ensino médio a qual Marina pertencia estava naquele momento na aula de educação física.

Não hesitou em caminhar até o complexo esportivo com sangue nos olhos e transbordando pela raiva. Iria confrontá-la, certamente! Não era certo passar seus dias com medo de que ela o envergonhasse diante da escola toda com aquele apelido ridículo de “bolinho”. Não era certo temer cruzar com ela em cada corredor e devanear sobre as circunstâncias!

A turma toda jogava vôlei e poucas meninas estavam de fora da aula, sentadas na arquibancada próximas da piscina. A professora era uma bonitona que os garotos cercavam e a atenção estava toda na quadra. Marina era uma das meninas a margem da aula e estava sozinha sentada assistindo a turma. Usava o short de educação física, a camisa da escola, tênis e o longo cabelo preso em um coque alto.

Não demorou a reparar na presença de Fernando vindo em sua direção com muita pressa. Teve de sorrir para a maneira engraçada como ele caminhava! Aquele garoto podia estar musculoso, definido e ser considerado popular pelas garotas, mas ainda era o gordinho desengonçado de sua infância!

— Fala bolinho... Você realmente não me esquece! — Colocou-se de pé com os braços cruzados e ele atirou a mochila que carregava na arquibancada causando um estrondoso barulho.

— Você vai me prometer que nunca mais irá me chamar assim! — Pegou-a pelo braço sem machucá-la, apenas aproximando-a de seu corpo.

— Está ficando doido, é isso? Me solta Fernando! — Empurrou-o com força e se afastou.

— Por culpa tua tirei nota baixa na porcaria da prova! Por culpa tua minha mãe não vai me deixar seguir na aula de teatro!

— Culpa minha? Realmente você não anda batendo bem! — Encarava-o sem compreender nada do que lhe era dito. O sol queimava sobre a cabeça de ambos e Fernando realmente parecia nervoso com a situação.

— Culpa sua! Eu varei a noite e o final de semana estudando para essa maldita prova e hoje, justo hoje, te encontro antes dela! — Sorri sem humor. A camisa branca colada a seu peito forte é um atrativo e tanto para Marina, que não sabe como desviar a atenção do novo corpo de bolinho — Você me tirou do sério com essa droga de apelido ridículo... Lembro-me daquela época em que eu era gordo e sempre zoado pelos demais!

— E qual é o problema? Eu já disse que para mim você sempre será o bolinho! — Marina provocou, mas não teve tempo de rir muito. Fernando a pegou pelas pernas rapidamente e a ergueu deitando-a em seu ombro forte — ME SOLTA FERNANDO! O QUE ESTÁ FAZENDO? ME LARGA!

Gritava enquanto era carregada por ele em meio às alunos. Todos pararam suas atividades, inclusive a professora, para assistirem a cena engraçada. Os alunos gargalhavam e apontavam para a dupla. Os meninos admiravam as pernas de Marina enquanto as meninas assoviavam para Fernando, que parecia ainda mais bonito com aquela pose de fortão.

— Você vai aprender a me respeitar, Marina Ferrari! — Silabou parando com a garota ao lado da piscina olímpica.

— Você não se atreveria! — Gritou ela quando notou a real intenção de Fernando — Me coloca no chão bolinho!

— Apenas se me pedir desculpas e jurar pela sua felicidade que nunca mais irá dizer isso alto!

— Nunca!

— Dou-lhe uma...

— Me larga! — Marina esmurrava as costas de Fernando e sacudia-se, mas os braços fortes do garoto a seguravam como uma pluma.

— Dou-lhe duas...

— Idiota!

— Três... É sua chance, pirralha! Peça desculpas! — Insistiu.

— Nunca! Bolinho!

Fernando não pensou duas vezes! Atirou Marina na piscina olímpica da escola e ganhou aplausos dos colegas ao redor. Era como estar em um jogo de futebol. A plateia toda assoviava, gargalhava e brincava com a situação.

Marina caiu na água com a raiva fervilhando dentro de si. Era só o que faltava... Ser arremessada na piscina por Fernando Romanov em seu primeiro dia de colégio! Emergiu das bolhas de água e não hesitou em nadar até a borda e agarrar na perna de Fernando com toda força. O garoto estava desprevenido acenando para os alunos que aplaudiam a brincadeira e se desequilibrou no mesmo momento.

Não demorou nem um segundo para que Fernando caísse na piscina ao seu lado e a galera aplaudisse e assoviasse ainda mais!

— O que você fez? Sua louca! — O garoto disse ofegante ao emergir ao seu lado.

— Louca? Você esqueceu com quem está lidando! — Marina jogou água no rosto dele e partiu para lhe agarrar os cabelos. Fernando a afastou de modo a não apanhar muito.

— MARINA FERRARI E FERNANDO ROMANOV! — A professora de educação física parou ao lado da piscina com dois inspetores. Ambos se detiveram e Marina parou de atacá-lo com tapas desenfreados — Fora dessa piscina agora! É melhor ficarem calados porque os dois estão bem encrencados!

 

 


Capítulo Dois

 

Talvez fosse cedo demais para tomar um vinho, mas Amélia não estava muito preocupada com formalidades após os últimos acontecimentos de sua vida.

Ler revistas não era um habito muito comum desde que começou a trabalhar como atriz de televisão, mas naquela manhã sua empregada havia chegado para o dia com um exemplar da revista mais famosa do país em mãos onde o rosto dela e de Marcelo eram estampados na capa central.

— O seu Marcelo é lindo, dona Amélia — Nana, a empregada, sussurrou com carinho enquanto as duas admiravam a foto — A senhora, é claro, não fica atrás! Vocês formam um casal dos sonhos!

— Casal dos sonhos? Está falando de Amélia e eu, Nana?

As duas desviaram a atenção para Ettore, que adentrava a cozinha com o sorriso de sempre. O segundo marido de Amélia é um homem de estatura média, cabelos negros, pele morena e mais jovem do que ela alguns poucos anos. Sempre transmitia alegria por onde passava a mostrava-se alto astral. Foi por isso que a conquistou no passado, após ter o coração destruído pelo casamento terrível com o pai de Fernando... Ettore a levou pela simpatia.

— Estou falando de dona Amélia e seu Marcelo — Respondeu animadamente. O olhar confuso de Ettore apenas sumiu quando se aproximou da dupla e avistou a revista entre ambas.

— Ah, claro... Eu vi o exemplar — Tocou o ombro da esposa com empolgação — Parabéns, querida. Você está incrível na foto!

— Obrigado...

O olhar de Amélia era fixo na imagem onde Marcelo a abraçava pela cintura e ambos se encaravam com cumplicidade. “Os bandidos também amam: Confira o romance secreto que balança a nova série da Tvfoco”. Essa era a manchete de destaque junto à fotografia. As poucas linhas remetiam a história de amor entre Alicia, sua personagem, e Teodoro, o personagem de Marcelo. Ambos eram golpistas profissionais e rivais no ramo, mas acabaram se deixando levar pelo desejo e se envolveram colocando muito em jogo.

— Está tudo bem Amélia? — Despertou para a realidade quando foi tocada pela mão de Ettore novamente. Pigarreou e tomou mais um longo gole do vinho.

— Claro. Apenas estou lendo a revista — Sorriu como uma boa atriz e encarou o marido, finalmente.

— Ligaram da escola do Nando. Parece que ele aprontou alguma e estão convocando o responsável para ir até lá agora — Amélia franziu o cenho e pousou a taça de vinho sobre o balcão da cozinha.

— Nando? Meu filho? Tem certeza? — Questiona totalmente pega de surpresa — Ele nunca fez nada do tipo! Jamais fui convocada para a escola!

— Também assustei querida, mas é a verdade! A diretora quer alguém lá! — Esclareceu com a voz calma. Amélia não hesitou e saiu da cozinha em uma passada rápida. Ettore a seguiu de perto e preocupado com sua reação — Quer que eu vá? Não tem problema...

— Não, claro que não! — Adentrou ao quarto e começou a recolher bolsa, chaves e óculos — Fernando é meu filho e eu cuido disso! Se puder, por favor, busque Felipe na escola! Sei que hoje é meu dia, mas não sei mensurar o tempo que demoraria no colégio de Fernando!

Mirava-se no espelho para ter certeza de que o vestido branco que usava lhe caia verdadeiramente bem. Por ser uma figura publica sempre buscar sair arrumada e minimamente apresentável. Desceu as escadas correndo e sequer ouviu a resposta de Ettore, que lhe desejava boa sorte e ficou para trás olhando-a entrar no carro parado a porta.

Fernando aprontando no colégio.

Essa era realmente nova! Fernando, seu primogênito, sempre foi um garoto calmo e muito zeloso. Jamais lhe deu qualquer trabalho e se relacionava muito bem com os colegas, principalmente após perder bastante peso e começar a malhar. O problema de autoestima do garoto, gordinho na infância, era um fator desagradável já deixado de lado.

Praguejou em silêncio. Deveria contar a Abner, seu ex-marido e pai do menino?

— É claro que não... A mãe sempre paga o pato! — Sussurrou a avistar a fachada do grande Colégio Linhares Albuquerque.

Não havia muitas vagas no estacionamento em frente e isso a fez praguejar alto. Rodou com o carro até avistar uma vaga escondidinha e meteu a mão no volante quando um conversível escuro embicou em frente ao seu automóvel branco.

— Primeiro as damas, querido! — Gritou de dentro do carro quando o motorista do carro negro estacionou na vaga que ela havia desejado — Era só o que me faltava... — Abriu a porta com sangue nos olhos e desceu com rapidez e certeza. Caminhou até o veículo negro — Com licença! Será que você não viu que eu cheguei primeiro e... — Sua voz morreu quando a porta do veículo escuro foi aberta e uma figura alta e muito familiar se desenhou a seus olhos — Marcelo?

Marcelo retirou os óculos de sol que lhe cobriam os olhos e encarou Amélia com um sorriso surpreso. Usava uma camiseta despojada que lhe evidenciava os músculos definidos do braço e aproximou-se de Amélia com cordialidade. A respiração ficou presa na garganta da mulher, que mal se lembrava de como respirar.

— Amelinha... O que está fazendo aqui?

Amélia era baixinha, por isso Marcelo se abaixou um pouco para desferir um beijo curto em seu rosto corado.

Não sou uma menina. Não sou uma adolescente! É apenas Marcelo, afinal.

As palavras que ecoavam em sua mente tentavam acalmá-la diante dele. Era a segunda vez que encontrava Marcelo fora do ambiente de trabalho e aquilo lhe causava comichão no estômago. Porque diabos ele tinha de reviver agora?

— Sou eu quem te pergunto — Manteve-se firme em sua postura — Estava tentando entrar nessa vaga que você acabou de me roubar!

— Me desculpe! Realmente não te vi... Vou liberar o espaço — Marcelo não precisou ir longe. Um carro saiu bem ao lado e ambos se encararam em meio a um sorriso.

— Está tudo bem. Vou manobrar.

— Não, eu faço questão! — Marcelo esticou a mão — Me dê a chave. Faço isso para você.

— O que? — Ela riu baixinho — Quer estacionar o meu carro?

— Sim. É um pedido de desculpas — Amélia passou a chave para Marcelo e o assistiu adentrar ao seu carro e estacionar o veículo branco perfeitamente no meio-fio.

O sol refletia nos óculos dele e a luz do dia ficava ainda mais perceptível todo seu charme. Como Pia havia deixado escapar aquele homem? Como ela havia o feito no passado? Sabia, dentro de si, que Marcelo também não era nenhum santo e por isso a história deles havia sido interrompida.

— Divida paga — Entregou as chaves de volta a ela, que piscou para ele guardando o maço na bolsa — Eu te convidaria para um café, mas preciso entrar no colégio. Convocaram-me aqui por causa de minha filha.

— O que? Sua filha? — Questionou intrigada — Ela estuda aqui?

— Marina e Júnior estão morando comigo enquanto Pia acerta os detalhes da mudança dela para o Rio — Explicou — Você vai entrar no colégio?

— Vou sim, vamos! Meu filho também estuda aqui! — Ambos passaram a caminhar lado a lado e as palavras dele ainda rondavam a mente de Amélia — Você e Pia... Vocês voltaram?

— Não, claro que não! — Explica rapidamente enquanto os seguranças indicam o caminho para a direção — É por causa das crianças. Marcelo Júnior estava sentindo muito minha falta, andava malcriado e Pia decidiu vir para mais perto.

— Oh eu entendo. Você é um ótimo pai. Abner continua morando em Miami e raramente aparece para ver Fernando. Sequer se importa com a maneira como levo a educação do garoto.

— Fernando deve estar um homem, hein? Se Marina já fez dezesseis, com quantos anos ele deve estar? — Marcelo abriu a porta de vidro para que ela passasse com todo seu cavalheirismo. Os alunos ao redor os olhavam e cochichavam pela presença dos atores famosos no colégio.

— Dezessete. É apenas um ano mais velho do que ela.

— Senhor Ferrari, senhora Romanov! — A recepcionista os cumprimenta assim que se aproximam — A diretora Maria Antônia está à espera de vocês! Podem entrar!

Ambos se encaram sem compreender muito.

— Os dois juntos? — Marcelo questiona com certa hesitação.

— Sim senhor, os dois.

Amélia franze o cenho e dá de ombros. Marcelo abre a porta para ela novamente e ambos levam grande susto quando reparam que seus filhos estão juntos dentro da sala da diretora!

— Fernando? — Amélia murmura.

— Marina? — Marcelo estreita o olhar.

— O que está havendo aqui? — Amélia cruza os braços sem compreender a cena.

Fernando e Marina estão sentados em uma grande mesa de madeira onde a diretora se encontra na cabeceira. Os dois adolescentes parecem ter acabado de sair de um banho, pois estão de cabelos e roupas úmidas e com uma toalha sobre os ombros. Maria Antônia Linhares Albuquerque é a diretora do colégio de caráter familiar e os encara com certa indignação.

— Bom dia senhor Ferrari e senhora Romanov. Sei que os dois são pessoas ocupadíssimas, mas tive de convocá-los e agradeço a presença. Por favor, sentem-se — Indicou duas cadeiras na mesa que ficavam lado a lado e de frente para os filhos. Marina e Fernando traziam no rosto um olhar de raiva e culpa quando os pais se acomodaram com curiosidade e aguardando as palavras da diretora — Hoje pela manhã houve um infeliz incidente onde o senhor Fernando Romanov Del Grego foi encontrado dentro da piscina olímpica com a senhorita Marina Gabriela de Alcântara Ferrari. Ambos estavam em uma situação de briga e constante embate verbal dentro da água quando foram interrompidos pela professora de educação física.

— Foi ele quem me jogou primeiro! — Marina pontuou de maneira nervosa.

— Porque você ficou me chamando daquele apelido idiota! Eu não queria entrar na água, foi ela quem me puxou pela perna!

— Por favor, silêncio! — A diretora exigiu de maneira enfática.

— Mãe, por favor, não me tire das aulas de teatro — Fernando implorou com as mãos unidas — Eu juro que não vai acontecer mais!

Amélia estudava o rosto do filho ao lado de Marina e não podia crer na cena! Seu filho novamente ao lado da filha de Marcelo e os dois em constante guerra.

— Me desculpe senhora diretora, me desculpe... — Amélia falava calmamente — Fernando e Marina cresceram juntos e sempre brigaram desse jeito!

— Nós tentamos de tudo durante muito tempo, mas o temperamento dos dois realmente não é condizente — Marcelo ajudou amiga a explicar — Sempre discutiram e discordam um do outro, não é algo realmente novo.

— A culpa é sua por me matricular no mesmo colégio que esse garoto, pai! — Marina suspira nervosamente.

— Eu não tinha ideia que Fernando estudava aqui, realmente! E fique quieta Marina! Você será castigada por essa conduta deplorável! — A menina abaixou o olhar.

— O senhor e a senhora também enfrentam problemas de relacionamento um com o outro? — A diretora dirigiu a pergunta para Amélia e Marcelo, que se encararam de maneira cumplice. Ela enrubesceu e engoliu as palavras. Agradeceu mentalmente por ser uma boa atriz e disfarçar o rubor.

— Não senhora. Minha mãe e tio Marcelo são amigos há mais de vinte anos e sempre se deram muito bem — Fernando responde pelos dois, que foram incapazes de proferir as palavras cabíveis pelo rubor nas faces.

Amigos. Parceiros. Companheiros. Um dia amantes. Hoje? Apenas colegas de trabalho!

— O que realmente aconteceu naquela piscina, Fernando? — Amélia questionou com a voz tremula e buscando desviar o assunto — Você agrediu Marina fisicamente?

— Responde, garota! Eu te agredi? — Fernando se dirigiu a Marina, que negou com um aceno.

— Não me bateu, mas me pegou pelas pernas e me jogou na piscina! A ideia foi dele!

— E porque ele fez isso com você? — Marcelo questionou a filha — Te conheço muito bem para acreditar que você seja uma vitima nisso tudo, Marina Ferrari!

O rosto dela enrubesceu de raiva.

— Porque eu chamei dele de bolinho!

— Bolinho? — A diretora questionou sem compreender.

— É... Meu apelido de quando eu era gordo! — Fernando responde nervosamente — A gente se encontrou no corredor antes de minha prova e ela ficou me provocando ameaçando contar que meu apelido era bolinho para a galera toda! Fiquei maluco com isso e por culpa dela tirei sete na prova!

— Sete? — Amélia suspirou.

— Eu sei que a senhora não vai permitir que eu continue nas aulas de teatro com essa nota e por isso perdi a cabeça, mãe.

— Realmente não é a nota que eu esperava de você hoje, Nando — Amélia soou decepcionada — Estou realmente desapontada!

— Espero que você se desculpe com Fernando, Marina — Marcelo pediu com cordialidade — Foi muito inconveniente tudo o que fez a ele!

— E eu que você se desculpe com Marina, Fernando! — Amélia exige — Isso não é jeito de tratar uma mulher!

Ambos se encararam com receio. O olhar azul de Fernando em contato com o acastanhado de Marina deixava claro que arrependimento ali não existia!

— Me desculpe! — Disseram ao mesmo tempo.

— Eles terão alguma punição em relação ao colégio, diretora? Deixo claro que não me oponho a sua decisão — Amélia pontuou enfaticamente — Acredito que Marcelo concorde comigo.

— Certamente. Estou de acordo.

Fernando e Marina mantinham os olhares baixos para os adultos e ignoravam completamente a presença um do outro. A menina temia perder a mesada e o garoto as aulas de teatro, por isso oravam baixinho. A diretora os encarava por de trás dos óculos pequenos de grau enquanto proferia sua decisão.

— Por enquanto creio que a conversa com vocês foi produtiva e não irei aplicar qualquer castigo — Dizia a Marcelo e Amélia. Os adolescentes suspiraram em alivio pelas palavras — Mas recomendo que incentivem a boa convivência entre Fernando e Marina assim como vocês dois demonstram ter! É notório que você, senhor Ferrari, tem muita admiração por senhora Romanov e vice-versa.

— Nossos pais são amigos há anos... — Marina sussurra como se fosse obvio.

— E vocês se conhecem desde o ventre! — Marcelo repreende — Pode deixar senhora diretora. Iremos incentivar com certeza a boa relação entre os dois e começo agora convidando Amélia e Fernando para almoçarem comigo e Marina!

— Ah, Marcelo! É muito gentil, mas deixei Felipe com Ettore e... — Ele segura a mão da mulher com educação e ela se detém com as faces coradas.

— Devo insistir! Além de incentivar as crianças, faz tempo que nós dois não conversamos fora do trabalho, vai ser bom! — Amélia encarou o filho e viu que o garoto não estava muito feliz com a ideia. Concordou por isso, apesar de hesitar em aceitar.

O corpo estremecia ao pensar que almoçaria com Marcelo, mas as crianças estariam junto. Fernando, por sua vez, merecia um corretivo e almoçar com Marina parecia uma boa maneira de aproximá-lo da garota que o filho sempre disse repudiar.

— Está bem, nós iremos — Concorda fazendo o amigo sorrir. Marina e Fernando se encararam com raiva e desviam rapidamente enquanto rodavam os olhos no rosto.

— Ótimo! — A diretora intervém animadamente — Se não for incomodo, também, será que vocês dois poderiam autografar esse papel para mim e tirar uma foto comigo? — Dirigiu-se a Marcelo e Amélia com empolgação. Ambos se encararam com um sorriso bobo e concordaram com o pedido da diretora.

 


Capítulo Três


Parados no estacionamento onde os carros se encontraram, Amélia respirou fundo ao se dar conta de que estava novamente sozinha com Marcelo. Cruzou os braços em frente ao corpo enquanto avaliava o amigo mexer no celular e desmarcar algo com alguma amiga por áudio. Ambos aguardavam Marina e Fernando se trocarem dentro do colégio para enfim almoçarem.

— Espero que não seja um convite muito refinado, afinal sai de casa com essa roupa simples pensando que viria apenas atender a ocorrência — Marcelo colocou o celular no bolso e a encarou de maneira descontraída. Não podia esconder o sorriso por finalmente ter conseguido um momento a sós com Amélia, mesmo que tenha sido à custa da filha.

— Você está linda com esse vestido — Elogiou deslizando o olhar por detrás dos óculos escuros pelo corpo dela. Agradeceu por usar os óculos e poder focar o olhar nas belas pernas e nas curvas delicadas. Amélia não era uma mulher muito voluptuosa, mas sim de aspecto pequeno e doce. Mais elegante do que sensual a primeira vista, porém em cena toda sua sedução se aflorava e Marcelo tinha a impressão de que aquela era a mulher mais poderosa do mundo. Ao menos aos seus olhos — Muitas mulheres desejariam ser simplórias como você.

— Desde quando se tornou tão cavalheiro como nos últimos dias? — Brincou tentando descontrair. Há muito não ouvia um elogio tão sincero.

— Talvez seja a idade e o tempo, eu sei lá.

— Os quarenta batendo a porta, quer dizer? O tempo não passou para você — O olhar doce de Amélia e todo o carinho com o qual se dirigia a Marcelo era quase palpável.

— O tempo passou sim e você não tem ideia do quanto... Talvez nós pudéssemos conversar sobre tudo o que houve — Aproximou-se dela com seriedade.

— Acha prudente? — Questionou ainda em posição defensiva. Tinha de estar assim para não deixar transpassar toda sua insegurança diante dele.

— Você sabe que te respeito muito, Amélia. Respeito seu casamento, Ettore e seus filhos — A sinceridade de Marcelo foi como um lembrete a Amélia.

Casada pela segunda vez. Mãe de dois. Figura pública. Nunca existiu e sequer poderá existir algo entre eles. Marcelo é apenas uma ilusão de menina!

— Claro que sei disso. Claro que sei.

— Mãe! — Fernando chegou caminhando na frente e Marina vinha logo atrás. O garoto usava jeans escura, uma camiseta branca por baixo de uma camisa xadrez azul contrastando com seus olhos claros e cabelos negros — Eu já disse que não gosto que venha até a escola! Os caras ficam te olhando e fazendo piadinhas nas minhas costas! Agora tenho que aguentar uma semana esses moleques fazendo piadas utilizando termos como “mãe gostosa”!

Amélia separou os lábios para responder ao filho quando o garoto foi tocado no ombro por Marcelo.

— Fernandinho... Cara... Ainda não tive a oportunidade de dizer o quanto você está bem, rapaz! Já é um homem feito! — Fernando sorriu cordialmente para Marcelo e aceitou o abraço do amigo com bastante afeto.

— Obrigado tio. Você continua em alta!

Marina chegou em meio ao abraço do pai com Fernando e sorriu para Amélia, que fez questão de fazer o mesmo com a menina e a envolveu em um longo abraço.

— Você está linda, querida! Uma moça muito bonita! — Tocava o cabelo da menina com carinho. Marina sorria para ela com o mesmo cuidado.

— A senhora que está incrível tia! Parece que ao invés de envelhecer a senhora rejuvenesceu!

— Ah, por favor! Senhora não! Prefiro tia... — As duas gargalharam juntas — Ainda não tenho idade para ser chamada de senhora por uma menina que vi nascer! — Fernando e Marcelo assistiam as duas — Não acha que Marina ficou uma moça linda, Nandinho? Da última vez em que a vimos você andava com um paninho de boca e carregando uma boneca!

— Mãe, por favor! — Fernando respondeu corando.

— Bom, vamos ao almoço! — Marcelo interrompeu animadamente — Você segue o meu carro, Amélia?

— Claro... Vamos!

A presença dos filhos e o lembrete de que eram apenas amigos fez com que Amélia relaxasse, porém esqueceu completamente de sua vida quando chegou ao restaurante que mais gostava de frequentar em sua adolescência, bem na época em que conheceu Marcelo. Não era um local sofisticado e bem frequentado, ao contrário! Tratava-se de um pequeno restaurante adaptado dos estadunidenses onde os jovens se reuniam para comer hambúrguer e batatas fritas com queijo. Estacionou o carro rindo para si mesma e cobriu os lábios com as mãos quando se deparou com Marcelo já fora do carro.

— Não acredito que nos trouxe nesse lugar! — Admirava o ambiente quando Marcelo abriu a porta para que passassem.

Marina e Fernando se encantaram pela decoração inspirada nos norte-americanos, principalmente nas mesas com assentos estofados para quatro pessoas ficarem bem próximas. Tocava uma música country baixinha quando adentraram e Amélia segurou no braço de Marcelo.

— Sempre tenho uma carta escondida na manga, esqueceu? — Sussurrou piscando um dos olhos.

— Você é terrível, cara! — Amélia não escondia a felicidade enquanto caminhavam até a mesa que Marina escolheu, uma bem ao fundo e próxima da vidraça que dava para a rua — Crianças... Essa restaurante era o point quando eu e Marcelo éramos jovens!

Fernando se acomodou ao lado de Marina contra a vontade de ambos e Marcelo junto a Amélia. Os adolescentes tinham cara de poucos amigos e se ignoravam completamente, ao contrário dos adultos, que sorriam para qualquer coisa e pareciam se divertir com o passeio.

— Vocês nem são tão velhos assim... — Marina observou — Quantos anos você tem, tia? Meu pai acabou de fazer quarenta!

— Ela tem trinta e seis — Respondeu Nando com a voz ríspida.

— Não perguntei para você, mas sim para sua mãe!

— Chega os dois! — Amélia interrompeu — Estamos no lugar onde vende a melhor batata frita do mundo e não podemos perder essa oportunidade brigando!

— Você não come fritura, mãe! — Fernando parecia surpreso pela animação da mãe.

— Não quando a fritura em questão tem gosto de adolescência — Marcelo explicou sorrindo para Amélia — Desde que voltei ao Rio sonhava em vir a esse lugar, mas estava esperando poder vir com você.

— Porque não me convidou antes? — A garçonete anotava os pedidos de Marina e Fernando, alheios a conversa dos pais.

— Fiquei receoso de Ettore achar inconveniente.

— Bobagem... Ele sabe que somos amigos de longa data! — Marcelo concordou com as palavras e abaixou o olhar. Amélia pediu às batatas que tanto gostava na adolescência e contou aos filhos deles um pouco sobre aquele tempo.

— É tão estranho saber que vocês eram tão unidos — Marina falava enquanto limpava as mãos após terminar seu hambúrguer. Os demais também concluíam seus pratos — Isso é a prova de que realmente existe amizade entre homem e mulher!

— Como assim querida? — Marcelo questiona a filha.

— Ah pai... Muita gente acredita que não existe amizade entre homem e mulher sem qualquer interesse. Dizem que se um homem se aproxima de uma mulher tem interesse em se relacionar e a mesma coisa ao contrário.

— Acredito nisso — Fernando pontua de maneira calma — Todo cara que se aproxima de uma menina está interessado em ficar com ela.

— Claro que você acredita nisso! — Marina suspira encarando-o com desdém — Só poderia vir de você algo assim, mas veja bem a sua frente à prova de que não é verdade! Nossos pais são amigos há anos e nunca tiveram qualquer envolvimento!

— Você nem sabe se eles realmente nunca tiveram nada! Tiveram? — A pergunta de Fernando direcionada a Marcelo e Amélia faz com que os dois desviem o olhar para qualquer coisa além dos olhos dos filhos. Amélia limpa os lábios com guardanapo e Marcelo suspira desconfortavelmente enquanto leva as mãos ao copo vazio de refrigerante.

— Fernando, por favor! Esse assunto é algo totalmente deselegante! — Amélia soa descontraída, utilizando suas habilidades de atriz — Eu e Marcelo temos uma amizade firmada, não é? — Ela cutuca o amigo levemente.

— Claro... E de muito respeito! — Afirma concordando com ela.

— Então você acha que existe amizade entre homem e mulher, pai? Posso confiar em um amigo homem? — Marina questiona colocando fé nas palavras dos adultos.

— Claro que não! Nunca se deve confiar em um homem e... — Amélia cutuca Marcelo por de baixo da mesa e ele reconsidera as palavras impensadas — Quero dizer, a minha princesa nunca deve confiar em qualquer rapaz antes dos trinta anos!

Todos riram das palavras dele, que agradeceu mentalmente por ter conseguido desviar a atenção de sua frase proferida de maneira errada. O olhar de Amélia era sugestivo quando saíram da mesa para acertar as contas no balcão. Os adolescentes recolhiam suas mochilas e caminhavam até a porta da lanchonete enquanto os dois adultos aguardavam a garçonete fechar a conta.

— Ainda bem que você é uma grande atriz... — Marcelo sussurrava sem encarar a amiga, mas sim os filhos deles parados a porta.

— Você precisa pensar antes de falar as coisas perto deles. Marina e Fernando não são mais duas criancinhas bobas. Agora eles são adolescentes e podem pegar no ar qualquer deslize de nossa conversa — Marcelo concorda.

— Abner, Ettore e Pia jamais desconfiaram de nosso envolvimento na adolescência. Acredito que não serão Marina e Fernando que descobrirão qualquer coisa — Amélia gargalha baixinho.

— Abner, Ettore e Pia não nos conheciam como nossos filhos conhecem. Em um primeiro encontro os dois já questionaram o que os outros jamais cogitaram colocar em pauta! — A garçonete estende a conta em frente a eles e Marcelo faz questão de pagar o valor integral. Amélia não questiona, está muito mais envolvida com a conversa.

— E qual seria o problema se alguém descobrisse? — A voz de Marcelo é confusa enquanto caminham para o lado de fora. Ele guia Amélia pela cintura com delicadeza e educação e ela quase desfalecia com tanta proximidade — Acaso Ettore te proibiria de estar próxima de mim?

— É claro que sim! — Murmura e param enquanto estão a uma distância considerável dos filhos, que seguem parados se ignorando completamente — Nós dois temos um pacto e esse pacto consiste em jamais dizer nada sobre nosso envolvimento para que assim possamos seguir trabalhando juntos. Nossa carreira exige uma boa convivência e principalmente agora que Marina e Fernando estão no mesmo colégio! Não é prudente que alguém saiba do que houve...

— Realmente. O que aconteceu entre nós foi muito insignificante para ser levado em consideração — Marcelo está chateado com a postura de Amélia, mas oculta os sentimentos por trás de um sorriso amarelo — Não aconteceu nada demais, correto?

— Pois é... — Os olhos cor de mel se apagam de repente — Nada demais.

— Nada a ser lembrado... — Dá de ombros com a postura reprimida.

— Eu sequer me lembro! Tudo se apagou! — Amélia também sorri sem humor e com o estomago comprimido.

Não. Não era assim!

Aos trinta e seis anos depois de um casamento fracassado e outro sem sal e açúcar Amélia percebia que os dias passados ao lado daquele homem que a encarava agora haviam sido os melhores de sua vida. Nunca experimentou algo tão visceral, apaixonado e sensual quanto o que viveu com Marcelo na adolescência. Apesar de ser uma menina de dezesseis anos na época, Amélia se lembrava de cada cena com riqueza de detalhes.

— Espero que continue apagado por um bom tempo — Marcelo não disfarça a decepção, mas ambos são interrompidos por Marina, que toca o ombro de Amélia.

— Tia, será que eu posso falar com você algo de mulher para mulher? — O questionamento da menina surpreende aos dois.

— É melhor eu ir até ali com o Nando... Com licença para as belas damas! — Marcelo sai antes que Amélia responda e as duas ficam frente a frente no estacionamento.

— O que foi querida? Está tudo bem?

— Não tia, é que... — Morde os lábios rosados e se aproxima de Amélia para que ninguém escutasse a conversa — Vou ter pedir uma coisa, mas, por favor, não fale para o Fernando que eu disse isso! — Implora baixinho.

— O que houve Marina? Pode me dizer!

Marina enrubesce ao pensar no pedido que faria a tia. É difícil dar o braço a torcer, mesmo que seja de maneira secreta, mas não pode negar o que está sentindo dentro do coração.

— Estou me sentindo culpada pela nota do Fernando. Eu realmente o tirei do sério antes da prova e o provoquei... Não foi culpa dele, tia! — Amélia estreita o olhar diante das palavras da menina, mas segue ouvindo — Deixe que ele siga nas aulas de teatro! Ele gosta muito disso desde pequeno e sempre sonhou em ser ator... Até emagreceu e mudou para chegar lá!

— Marina...

— Eu realmente ficarei muito chateada se por minha culpa você o tirasse das aulas e arruinasse o sonho dele! Por favor, tia Amélia!

— Ai Marininha... — Amélia puxa a menina para um abraço e sorri — Você continua a mesma menina marrenta por fora e bonequinha por dentro! — Beija o cabelo loiro da menina — Não vou tirar Fernando da escola de teatro por isso, pode ficar tranquila! Ele seguirá com as aulas! Mas deixo claro que se não se esforçar as coisas serão diferentes... Um homem não pode ter tudo de mão beijada. Precisa aprender a batalhar por suas conquistas importantes.

— Obrigado tia! Você é uma mulher que admito demais por sua garra, coragem e postura! Certamente é minha inspiração! — Amélia sorri orgulhosa.

— Pia ficaria com ciúme ouvindo isso, querida.

— Ela não precisa saber!

Perto dali, Fernando e Marcelo conversavam encostados ao carro. Era inacreditável para Marcelo notar o quão crescido estava o filho mais velho de Amélia, aquele bebê que viu crescendo na barriga de sua amada no passado e acompanhou também o nascimento. Lembrava perfeitamente a maneira como se emocionou ao vê-la grávida após se reencontrarem e todas as vezes que acontecia se pegava devaneando sobre a possibilidade daquela criança ser seu filho.

Após o nascimento do menino, ao contemplar os olhos claros do garoto e o porte físico parecido com o do verdadeiro pai, Marcelo respirava com a certeza de que Fernando realmente não era seu filho.

Abner também fazia parte da primeira novela em que Marcelo e Amélia fizeram juntos e nunca deixou escondido seu interesse na moça. Após a história deles chegar ao fim definitivamente, Amélia resolveu dar uma chance para Abner e acabou grávida. Para Marcelo era um mistério a gravidez tão rápida de Amélia, uma vez que quando se conheceram era apenas uma menina sem qualquer experiência com o amor e homens. Não pôde acreditar que sua menina havia se entregado assim tão rápido a Abner, mas o fato é que aconteceu.

A gravidez levou Amélia a se casar com Abner pela imposição dos pais e pela culpa relacionada ao filho. Naquela época, em paralelo, Marcelo casou-se com Pia, uma modelo que também era sua ex-namorada e esperou muito até voltarem.

Era também um segredo que Marcelo procurou Amélia dias antes do casamento dela e pediu que ficasse ao seu lado. Implorou para que assumissem um romance de verdade e prometeu assumir a paternidade de Fernando mesmo não sendo ele o verdadeiro pai, mas a moça recusou em nome da honra. Havia dado sua palavra à família e ao noivo! Não podia faltar com o filho, fazendo com que fosse criado por um homem que não era seu pai.

Amélia chorou vales de lágrimas e o mandou embora mesmo ainda o amando, no entanto, selaram o pacto: ninguém jamais saberia do romance de ambos para que assim pudessem ser amigos a vida toda! Ao menos, em parte, estariam juntos!

Marcelo lutou a vida toda para esquecer sua amada e o principalmente o dia em que a procurou para propor uma volta antes do casamento dela. Tais detalhes que deveriam ter sido esquecidos ainda rondavam sua mente de maneira assombrosa, vagando as sombras da paixão que pode vinte anos nutriu em silêncio.

— Será que você pode me passar o seu treino, tio? Estou tentando ficar mais definido para as câmeras e a profissão... Sabe como é — Fernando falava de maneira descontraída enquanto Marcelo o encarava se recordando de detalhes de sua história — Você é referência em termos de corpo definido. Se eu chegar aos quarenta anos igual você estarei bem animado!

— Claro cara, claro! Tenho um personal muito eficaz e treinos ótimos. Podemos marcar um dia desses e te passo os revezamentos. Tenho uma academia em casa — Fernando concordou animadamente — Mas e o seu pai? Ele também treina desde jovem... Ettore também ainda é um cara ativo.

— Ah tio, o senhor sabe bem das coisas — Fernando murchou a animação e abaixou o olhar — Meu pai vive em Miami e dificilmente vem me ver. Ele e minha mãe brigaram bastante durante a vida e não temos uma relação muito próxima por conta disso... Já Ettore, bom... Ele é um cara maneiro, mas não tenho muito papo, sabe? Nos conhecemos desde sempre, mas é como se fossemos absurdamente estranhos um para o outro! — Aproximou-se mais de Marcelo — Não conta para minha mãe que eu te disse essas coisas, tudo bem? Ela acha que admiro Ettore e coisa e tal. Não quero contar que acho o pai de meu irmão e marido dela um completo idiota!

— Um completo idiota? — Fernando assente positivamente e sorri quando Marcelo o abraça pelos ombros — Primeiro, cara, vamos parar com esse negocio de senho r. Igual sua mãe disse a Marina, eu prefiro ser chamado de tio por você.

— Certo. Desculpe-me! — Os dois gargalharam.

— Segundo... Deixando de lado suas diferenças com Abner e Ettore, eu te conheço desde que você foi concebido e em mim existe um amigo! Se precisar conversar algo de homem para homem, umas dicas de treino e qualquer coisa basta me procurar! Agora estou no Rio, na área de novo, e certamente vamos estar mais próximos.

— Obrigado tio. Você é o cara!

 

 


Capítulo Quatro

 

Marina encontrava-se deitada em sua cama de princesa no quarto que o pai preparou para ela. Definitivamente Marcelo ainda não havia se dado conta de que sua filha mais velha não era mais uma garotinha, mas sim uma moça de dezesseis anos e cheia de descobertas. Considerava-se sortuda por ser a queridinha de seu pai, mas sentia-se superprotegida em uma figura tão delicada e que nem sempre tinha tanto a ver com ela.

Marrenta por fora e bonequinha por dentro.

Sorriu sozinha ao se lembrar da definição que Amélia havia dado a sua personalidade. De fato estava certa... Essa sempre foi Marina Gabriela Ferrari, uma menina casca grossa, mas que no fundo era uma manteiga derretida.

Caminhou até sua prateleira e retirou dela uma pequena caixinha amarela em formado de baú. Destravou a chave e voltou para a cama com cuidado, sentando-se sobre os lençóis rosados. Abriu o baú com cuidado e avistou rapidamente o objete de seu interesse... Fotografias de sua infância.

Haviam muitas fotos reveladas por Pia, sua mãe, e em sua maioria eram do desenvolvimento de Marina ao decorrer da infância. Em meio a elas havia um retrato perdido e muito curioso... A foto que verdadeiramente vinha buscando. Posicionou a foto em frente aos olhos enquanto se recordava perfeitamente daquele dia. Seu aniversário de onze anos, a última vez em que esteve com Fernandinho Romanov.

Ambos estavam abraçados atrás da mesa do bolo de aniversário, mas não em um abraço convencional. Ele passava o braço pelo pescoço dela como se a enforcasse e Marina fazia uma careta com a língua para fora. Claro que era uma brincadeira, mas remetia perfeitamente ao modo como se tratavam: sempre em pé de guerra! O Fernando daquela época era um garoto gordinho que usava aparelho e ela uma magrela, baixinha, alourada e sardenta.

Tinha de admitir que Fernando não era mais aquele garoto. O Fernando que reencontrou hoje no colégio era um rapaz totalmente novo a seus olhos, mas com a personalidade do antigo amigo dentro dele.

O Fernando Romanov de dezessete anos era um homem atlético, alto e com os olhos mais lindos que ela já viu. Ainda eram os mesmos olhos da infância, mas aquele azul a fez estremecer de fora para dentro quando pousaram nela após cinco anos. Ele estava lindo, tinha de admitir! Mais do que lindo, sua voz rouca pela chegada da puberdade o deixava com ar de seriedade e as pintas salpicadas por sua pele branca o tornavam ainda mais intrigante.

Aquele era Fernando Romanov... Seu primeiro amor.

Fernando jamais chegou a saber que a pequena Marina, entre os nove e os onze anos, foi apaixonada por ele e o obrigava a brincar de “papai e mamãe” apenas para imaginar que um dia no futuro se casariam. Jamais chegou a saber que no caderno dela, durante todos os anos seguintes, o nome dele foi rabiscado na última folha e rodeado por corações flutuantes.

O Fernando gordinho era seu primeiro amor, mas o Fernando de dezessete anos mostrou-se uma figura totalmente nova e envolvida em um mundo diferente. O Fernando de agora era popular, tinha muitos amigos e as garotas aos pés. O Fernando de agora a via como pirralha e jamais teria olhos para ela!

Uma leve batida foi ouvida na porta do quarto e Marina enfiou as fotos de volta na caixinha como em um reflexo. Seu irmão menor apareceu na porta estreitando o olhar e buscando-a pelo ambiente.

— O que você quer aqui garoto?

Júnior, com seus olhos escuros e cabelos loiros em formato de tigela, deu de ombros com seu jeito brincalhão de sempre.

— Papai pediu para ver se você está ocupada. Ele quer conversar com você.

— Conversar o que comigo? — Marcelo surge atrás do filho e sorri para Marina de maneira tranquila — O que foi papai?

— Júnior, me deixe sozinho com a mana, tudo bem? Depois a gente joga junto meu campeão — O garoto sai sem nada dizer e Marcelo se aproxima da cama da filha com cuidado, sentando-se ao lado dela e encarando o bauzinho aberto a frente da menina com um sorriso torto — Estava recordando?

— Apenas organizando minhas coisas — Mentiu ao ver que o pai tomava uma foto dela pequenina usando asas de borboletas nas costas e encarava com carinho.

— Parece que foi ontem... Parece que você ainda é essa menininha tão sapeca e bonitinha — Marina sorri também e Marcelo segue olhando a foto.

— Eu ainda sou bonitinha, pai! — Repreende em tom de brincadeira.

— Sim, mas hoje você é uma mulher... Uma moça linda, mas que mantém aquela personalidade forte e arrebatadora de sempre! — Marina se alegra com o elogio do pai, que toca seu rosto com cuidado — Fernando sabe bem o que existe por trás desse rostinho, por isso que vocês dois vivem em pé de guerra desde sempre.

— Não gosto daquele garoto, papai! — Suspira enfiando as fotos de volta no baú — Não adianta a diretora e o senhor ficarem me irritando com esse assunto! Jamais me dei bem com Fernando e jamais iremos ser amiguinhos.

— Mas ele é um bom rapaz e eu faria muito gosto que fossem amigos! Confio em Fernando por ser filho de Amélia e um menino que vi crescer.

— Não foi o senhor que disse que não devo confiar em homens? — Ironizou e Marcelo deu de ombros.

— Fernando te vê como uma irmã. Não me preocupo exatamente por isso — Marina revirou os olhos.

— Não o vejo como irmão e jamais verei!

— O vê como o que então? — Marina paralisou e encarou o pai com certo receio. Droga. O que dizer agora, após tal gafe?

— Como um idiota e chato... Ele continua aquele gordinho, desengonçado e que me irritava constantemente — Disfarçou com as bochechas corando.

— Pode ser, mas eu e Amélia fizemos uma promessa à diretora do colégio e iremos cumpri-la. Você e Fernando sempre tiveram problemas e agora irão resolver isso juntos. Precisam aprender que parte da vida é tolerar até mesmo o que não se deseja e precisam aprender a respeitar mutuamente — Marcelo explicava com convicção e muita decisão. Marina cruzou os braços em frente ao corpo de maneira confusa.

— O que o senhor que dizer com isso? Vai me obrigar a aguentar Fernando?

— Sim. Vou cumprir o trato com a diretora e promover encontros entre vocês fora do âmbito escolar para que possam se conhecer melhor e entender que existe sempre algo positivo por trás da figura do outro — Marina deixou o queixo cair perante as palavras do pai — Amélia me mandou uma mensagem com um convite para almoçarmos na casa dela no domingo e aceitei. Eu, você e Júnior iremos até lá.

— Não é porque o senhor e tia Amélia são amigos que eu e o filho dela temos de ser também! Isso é absolutamente injusto! — Marcelo se colocou de pé e Marina atirou as almofadas de sua cama ao chão.

— E quem disse que a vida é justa, Marina Gabriela de Alcântara Ferrari? — A garota suspirou em indignação e apertou os olhos — Esteja pronta no domingo.

Marcelo saiu do quarto da filha ouvindo a menina praguejando e sorriu para si mesmo. Certamente essa ideia da diretora de promover a paz entre sua filha com o filho de Amélia havia vindo a calhar... Desde que voltou ao Rio vinha buscando motivos para se reaproximar da antiga amiga e essa situação caiu do céu como uma chuva de bonança.

Havia, enfim, uma desculpa para se aproximar sem que precisasse constantemente inventar desculpas. Ettore precisaria compreender e Amélia não teria como recusar!

— Já vai para o trabalho, papai? — Júnior jogava vídeo game na sala de jogos quando o pai apareceu.

— Sim campeão. Vou trabalhar. Trate de se comportar e cuidar da sua irmã! — Aproximou-se para beijar o cabelo loiro do filho caçula.

— Cuidar como se ela é mais velha? Eu tenho só dez anos, pai! Marina nem gosta de mim...

— Claro que gosta, sua irmã é apenas difícil — Júnior concordou com as palavras do pai — Até amanhã, campeão.

— Vai passar a noite gravando?

— Sim... Hoje é dia de noturna. Papai te ama.

— Também te amo, pai.

O caminho para o estúdio de gravações era sempre solitário e um momento para pensar. Desde que Marina e Júnior vieram para sua casa, não era fácil sair de deixá-los com a senhora que cuidava da casa. Por outro lado encarava o caminho que o levava até Amélia, mesmo que apenas figurativamente. Trabalhar com ela era um martírio sem fim, mas também um grande aprendizado.

Amélia é uma atriz de alto escalão e uma das poucas que tem contrato quase vitalício com e emissão a qual servem há anos. Ele também não fica atrás, mas sempre admirou muito mais do que o lado artístico de sua companheira de cena. Amélia era um furacão de mulher em tamanho pequenino, a julgar por seu tamanho doce e carinhoso. Era o tipo de mulher pequena em tamanho e grande em presença, inexplicável aos outros de muitos.

Marcelo sempre foi profissional, mas não podia negar o gelar no coração que sentia ao fazer cenas mais intensas com a companheira. Era tudo coreografado, mas existia o calor do corpo dela contra o dele. Um calor conhecido e repleto de saudade.

O estúdio estava movimentado e ao adentrar ao camarim com o texto em mãos e já caracterizado com o figuro encontrou Amélia sentada sobre seu sofá envolta por um roupão com o nome dele estampado. Deteve-se na porta com a visão e engoliu em seco quando os olhos cor de mel subiram para seu rosto ao notar sua presença.

— Amélia? — Sussurrou quase sem voz.

— Ah... Ainda bem que chegou! — Largou os textos que lia sobre o sofá e colocou-se de pé de modo a caminhar até ele. Marcelo abaixou-se para trocarem dois beijos cordiais no rosto e seguiu encarando-a sem compreender a cena — Estava te esperando para passarmos a cena antes de estrar.

— Está tudo bem?

— É... Mais ou menos — Caminhou de volta ao sofá e Marcelo a seguiu em passos hesitantes. Acomodou-se ao lado dela ainda aéreo com a situação — Viu a cena que teremos hoje?

— A da perseguição?

— Também... Mas o que me preocupa é o que vem depois dela! — Marcelo olhou rapidamente para o texto e lembrou-se.

— A cena em que os personagens fazem sexo no chuveiro? — Ele sorri sem muito humor — Ah, Amélia... Quantas cenas assim você não já fez?

— Nenhuma... Na verdade, uma. Foi bem catastrófica e rendeu criticas péssimas! Acho que talvez seja por isso que estou tão receosa — Amélia aparentava certa ansiedade diante da cena e isso surpreendeu Marcelo.

— Você? Receosa com uma cena? — Ela concordou com um aceno — Amélia, por favor! Nessa altura do campeonato?

— Sempre é diferente. Nada se repete.

— O diretor coreografou a cena e está tudo pensado, certamente. Não há o que temer — Deu de ombros passando os olhos pelo papel.

— Ainda não percebeu? A cena está em branco... Rondam no roteiro apenas as frases — Marcelo a encarou e encontrou certa apreensão nos olhos cor de mel — O diretor e o autor querem que fique ao nosso critério.

Amélia não sabia expressar o nervosismo, por isso buscava ocultar as emoções, mas deixava transparecer a apreensão. Já havia feito vários tipos de cena “a seu critério” e às vezes até preferia poder ter espaço para demonstrar sua arte e não se limitar ao diretor, porém neste caso as coisas eram diferentes. Tratava-se de uma cena com Marcelo onde os personagens fariam sexo no chuveiro entregue ao seu critério!

Marcelo pigarreou antes de responder qualquer coisa. As palavras se enrolavam em sua cabeça.

— Podemos fazer isso e vai ficar ótimo — Garantiu — Nos conhecemos há anos e sabemos trabalhar juntos.

— Eu sei, eu sei... — Respondeu em um murmuro — Precisa ficar na medida.

Nem muito. Nem pouco.

— Va ficar... E sabe o que faremos depois que acabar? — Amélia o encarou com certa esperança e vontade de rir. A expressão dela era cômica — Vamos escapar para o telhado e dar umas tragadas.

— Eu não posso! — Sorriu escondendo o rosto entre as mãos.

— Em segredo... — Marcelo piscou para ela e ambos sorriram juntos — Porque está usando meu roupão? — Estreitou o olhar para ela.

— Porque não encontrei o meu — Respondeu ainda nervosa — Será que podemos ler isso de uma vez?

— Claro, vamos lá. Temos alguns minutos.

Repassaram a cena. Leram muitas vezes. Focaram no trabalho e sem que notassem já estavam enquadrados na cena recebendo as especificações do diretor. Para Marcelo era incrível assistir a forma como sua companheira se adequava ao personagem. Podia jurar que Amélia possuía várias personalidades presas dentro de si e que vinham a tona com a profissão, tamanho seu talento e presença.

O maior trunfo do talento de Amélia era fazer Marcelo esquecer o que havia por trás daquela mulher enquanto trabalhavam. Quando a bandida Alice - a personagem - vinha à tona, era impossível assemelhá-la a doce e perspicaz personalidade de sua interprete.

Marcelo não ficava atrás aos olhos de Amélia.

Também era um exímio ator e muito concentrado. As máscaras vestidas pelos personagens os deixavam seguros na zona em que titulavam a sombra da paixão.

A cena acabou após muito trabalho. Gravar o tal sexo no chuveiro não foi tão simples, mas com a parceria e concentração conseguiram um brilhante resultado. Certamente não se tratava de uma cena explicita, por isso utilizaram de roupas de baixo estratégicas e posições perante a câmera previamente estipuladas. O único problema é que os beijos eram técnicos, mas os olhares verdadeiros. As caricias eram superficiais, mas as peles se buscavam de maneira realista. Como explicar tamanho desejo?

Amélia não pensou duas vezes antes de penetrar a noite escura após as câmeras pararem. Era alta madrugada enquanto o resto do elenco se preparava para as próximas cenas, mas ela precisava daquele tempo distante para voltar a si. Alice se escondia em seu interior enquanto Amélia se acomodava no assento de sempre, justo aquele que a deixava diante das estrelas no terraço. Apertou os olhos quando notou que ainda usava o roupão de Marcelo... O nome dele estampava suas costas de maneira grande e seu peito de maneira menor. Era completamente negro com letras brancas.

“Porque você está com meu roupão?”

Porque tinha o cheiro dele impregnado em cada canto.

Porque era dele como ela jamais seria.

Como seria sua vida se houvesse seguido ao lado daquele homem? Como estaria hoje, aos trinta e seis anos, se houvesse seguido ao lado de Marcelo e enfrentado os desafios com ele?

Eram demasiadamente jovens quando se conheceram, ela com dezesseis e ele vinte anos, e alcançavam ao mesmo tempo o sonho de chegar ao estrelato em uma novela de faixa central. Curtiram a juventude juntos e faziam parte do mesmo ciclo de amigos quando descobriram ser apaixonados. Antes se pegavam em constante conflito por coisas banais e depois, com o tempo, o amor veio à tona. Tratava-se de uma paixão tão desenfreada que Amélia mal sabia explicar onde começava a terminava!

Ela tinha apenas dezesseis quando Marcelo lhe ofereceu um cigarro despretensiosamente após brigarem por uma bobeira e ficarem duas semanas sem se falar. Estavam gravando a novela em uma bela praia ao anoitecer e naquela época fumar era visto como algo descolado e quase todos seus amigos o faziam, por isso aceitou sem nada dizer.

Tragaram em silêncio enquanto assistiam o mar a frente se quebrando sobre as rochas. Marcelo sentou ao lado dela com cuidado e sussurrou um pedido de desculpas seguido por uma frase marcante aos ouvidos de Amélia.

“Eu fico louco com você, por isso brigamos tanto. Você me tira do sério de todas as formas possíveis!”

“Isso também acontece comigo...”.

“No meu caso eu fico assim porque jamais havia experimento o amor dessa maneira”.

A partir dali a história começou. Aquele era o segredo deles.

Beijaram-se pela primeira vez tendo o mar e as estrelas como testemunhas de uma paixão jovem e fresca, com aroma de amor. Foram um do outro durante meses sem que ninguém soubesse. O diretor da novela não queria os jovens atores se envolvendo amorosamente e não estavam aptos a arriscar. A chama da paixão ardeu no coração de ambos e Amélia sabia que nunca antes – e depois – foi tão feliz. Marcelo era dela e ela era dele.

Separaram-se por futilidade, hoje ela tinha convicção de tal fato. Eram jovens, novatos e tinham muitas ambições. Ambos colocaram o dinheiro e a fama a frente do verdadeiro amor, na época, e hoje se viam assim... Na meia idade e com a vida amorosa completamente destroçada! Ao menos ela era a grande Amélia Romanov... Uma atriz consagrada, mãe, com dinheiro na conta, mas totalmente incompleta no amor.

Tudo ou qualquer coisa havia dado errado! Casar com Abner havia sido uma experiência catastrófica e com Ettore a coisa havia degringolado de maneira mais sutil, porém tão terrível quanto! Seu segundo marido ao menos não era violento quanto o primeiro, mas não havia paixão em meio a seu casamento. Era como viver em banho-maria. Era como nadar contra a correnteza.

Marcelo era dela e ela era dele.

— Será por isso que não consigo ser feliz?

— Não acredito que você seja uma pessoa infeliz, de fato — Marcelo apareceu ao seu lado e Amélia sequer notou.

Estava vestido como o personagem e trazia na mão um cigarro que queimava ao vento.

— Vai me seguir para sempre agora? — Questionou com a mente pesarosa.

— Esqueceu que temos um segredo? — Esticou para ela o cigarro em sua mão — Uma tragada?

— Esqueceu que eu não posso? — Levou os olhos cor de mel ao rosto dele de maneira desafiadora.

— Depois da primeira vez deixa de ser uma novidade e as coisas acontecem com mais facilidade — Pisca para ela com cumplicidade — Não concorda?

Amélia o encarou com certa ira e tomou dele o cigarro enquanto mordiscava o lábio. Abandonou o vicio, além da gravidez e pela saúde, por ele. Essa droga a fazia recordar ele. Levou o cigarro a boca e tragou com cuidado sentindo o sabor dele preso ali.

— Porque nunca te vejo fumar em outras ocasiões, apenas quando estamos sozinhos? — Questiona a ele com curiosidade e os olhos castanhos sorriem a luz da lua.

— Porque não sou viciado em cigarro, apenas no que me faz lembrar — Amélia fixa o olhar no dele e por muito pouco não se derrete com as palavras. Estaria ele falando deles? — Gosto apenas de tragar um ou dois enquanto as lembranças batem a porta.

— Não acha mais prudente guardar as lembranças em lugar seguro? — Sugere jogando a fumaça na noite.

— O que acho prudente vai completamente contra toda ou qualquer racionalidade, portanto é melhor pararmos por aqui — Marcelo desvia o olhar e coloca-se de pé, dando as costas a Amélia como se jamais fosse retornar.

— Espera — Ela o chama com urgência e se coloca de pé indo atrás dele. Para a alguns centímetros e o vê virando aos poucos — Você vai almoçar em casa amanhã?

— Certamente. Marina, Júnior e eu estaremos lá — Relembra a presença dos filhos e acena cordialmente. Amélia se aproxima dele até parar a alguns centímetros de sua face repleta de seriedade. Marcelo engole em seco quando fica tão próximo a Amélia, aquela doce e pequena tentação.

— Irei esperá-los — O cigarro já quase se acaba quando Amélia o passa para a mão firme de Marcelo, que agarra no mesmo momento — Continue guardando nosso segredo.

A mulher sumiu na noite como um fantasma que se movia a sombra. Como o fantasma da paixão que adormecia na alma de ambos... Um fantasma prestes a despertar.

 

 


Capítulo Cinco

 

Marcelo estacionou o carro em frente à casa de Amélia e Marina observou a paisagem pela janela de maneira intrigada. A casa definitivamente era bem maior do que imaginava e não aquela onde brincava com Fernando na infância. Júnior saltou do carro e a irmã foi atrás, seguindo o pai e o irmão bem de perto pelo gramado até alcançarem a porta central. Apertaram a campainha e Marina cruzou os braços em sinal de completo nervosismo.

— Não devíamos ter vindo aqui... — Sussurra para o pai sem disfarçar o desconforto.

— Quem não deveria brigar com o Fernando feito uma menina sem educação é a senhorita — Marcelo repreende em tom de voz controlado e com as mãos sobre os ombros do filho mais novo, que parece empolgado com a piscina que contemplam.

Trata-se de um condomínio fechado e muito conhecido pelo luxo e segurança. Não é muito diferente do apartamento de Marcelo em Copacabana, mas qualquer novidade é capaz de atiçar uma criança.

— Ele também briga comigo! — Dá de ombros.

— Espero que os dois se comportem e sejam educados, ouviu senhor Marcelo Júnior?

— Sim senhor, papai — O garoto bate continência e concorda. Realmente o filho caçula sempre foi mais maleável que a primogênita quando o assunto é o pai.

Marcelo também não podia conter o nervosismo. Estava mais uma vez visitando Amélia estando ela casada com outro homem e tal fato lhe fazia o estômago afundar. Era inconcebível pensar, a essa altura de sua vida, que no passado foi tão tolo a ponto de colocar prioridades frente à história de ambos. A cada momento com Amélia sentia-se emergido em uma piscina funda e sem conseguir ressurgir ao sol. A agua lhe invadia os pulmões e respirar era impossível...

Deveria ter ficado. Deveria ter insistido.

Era para Amélia ser minha.

A porta foi aberta e Ettore apareceu diante deles com o sorriso corriqueiro de sempre e usando óculos de sol. Trazia nas mãos um copo grande de caipirinha e mostrou-se a pessoa mais simpática sobre a terra ao abraçá-lo.

— Marcelão, cara... — Dizia em meio ao abraço generoso — Há quanto tempo não nos vemos meu irmão? Você está ótimo!

— Você também está bem, Ettore, é um prazer reencontrá-lo — Separaram-se e Ettore dirigiu a atenção para as crianças em cena — Lembra-se de meus filhos, Marina Gabriela e Marcelo Júnior? Crianças, esse é Ettore, marido de tia Amélia.

Marcelo apagou a expressão ao dizer a ultima parte.

— Claro que me lembro de seus filhos! Uau! Sua menina está uma moça, igualzinho ao Nando! Lembro-me deles brigando quando pequenos, não é? — Marina revirou os olhos.

— Todo mundo só lembra disso — A menina disse antes de cumprimentar Ettore e segui-los para dentro da enorme casa.

Era de fato um ambiente de muito bom gosto e repleto de artes conhecidas. A cor predominante na casa era branco, mas havia muito preto e cinza para completar a decoração. Não se tratava de um ambiente alegre e tão pouco transparecia ser um lar feliz, mas trazia consigo harmonia na decoração e muito talento por trás do design. Apenas.

Caminharam seguindo Ettore até a área da piscina, um local amplo e com algumas espreguiçadeiras, e os olhos de Marcelo se detiveram na mulher que bebericava um vinho na taça enquanto assistia aos filhos brincando dentro da água. Amélia os viu e sorriu de longe, acenando e dando a volta na grande piscina em passos cuidadosos.

Marcelo engoliu em seco diante da visão dela usando um maiô branco e rendado. Um bonito chapéu também descansava sobre os cabelos alourados e óculos de sol lhe cobriam a face. Depois de tantos anos e de tê-la nos braços um dia ainda era difícil se desvincular do desejo que o tomava com a visão de seu corpo tão belo. Era como se os anos houvessem compactado todo seu ardor e agora a coisa explodia... Não podia mais esconder e ficar longe daquele sentimento.

Não podia mais negar para si que havia sido um erro separarem-se e levarem uma vida distante um do outro.

—Marcelinho! — Amélia surpreendeu-se ao ver o filho caçula do amigo e correu para o garoto com total alegria. O menino sorria quando foi envolvido em um abraço forte contra o peito da emocionada tia Amélia — Como você está grande! Como está lindo! — Segurou o rosto do garotinho em suas mãos e analisou o sorriso banguela com carinho — Está a cara do seu pai!

— Você lembra da tia Amélia? — Marcelo sussurrou ao filho, que negou — Ela é amiga do papai há muito tempo e te viu nascer.

— Já ouvi falar dela, mas não lembrava. Obrigado tia Amélia — Amélia abraçou o garoto novamente e se voltou para a piscina — Felipe! Venha conhecer o tio Marcelo e os filhos dele! Fernando! Saia da piscina e venha cumprimenta as visitas!

Os dois meninos ouviram o chamado da mãe, mas quem atendeu com prontidão foi o pequeno Felipe, que não demorou a correr até as visitas completamente encharcado. Marcelo demostrou a mesma surpresa em rever o filho de Ettore e Amélia. O garoto trazia cabelos castanhos e olhos escuros, pele clara e bastante sardenta. Não era muito parecido com Ettore como Fernando era com Abner, neste caso Felipe lembrava muito mais Amélia.

Enquanto Amélia, Ettore e Marcelo apresentavam os dois garotinhos, Marina não podia evitar encarar Fernando saindo da piscina por detrás de seus óculos de sol. O observava totalmente alheia aos adultos em cena desde que colocou os pés na casa, mas surpreendeu-se demasiadamente quando o viu usando apenas short e saindo da água. O cabelo negro reluzia com o sol enquanto as gotas de água pingavam dele e escorriam por seus ombros largos e claros. Os olhos azuis brilhavam como nunca sob os belos raios do dia e as pernas de Marina bambearam quando o garoto se aproximou ao ponto de parar perto dela.

Desviou o olhar sem querer entregar sua fraqueza, cruzando os braços e o ignorando.

— Oi tio... Oi Juninho — Fernando rapidamente abraçou Marcelo em um abraço repleto de admiração e chacoalhou o cabelo loiro de Júnior.

— Eu me lembro dele! — Júnior anunciou entusiasmado e apontando para Nando — Ele era o namorado da minha irmã!

Todos gargalharam quando Fernando e Marina coraram diante das palavras do garotinho.

— Cala a boca garoto! Isso era quando a gente brincava de casinha e não éramos namorados!

— Era papai e mamãe... Eu também lembro! — Felipe intervém, uma vez que Júnior e Felipe tem a mesma idade, apenas dez anos.

— Ah cara... Ninguém merece isso — Nando suspira levando as mãos ao rosto em sinal de constrangimento.

— Vocês dois não vão se cumprimentar? — Ettore se dirige e Marina e Fernando, que o encaram como se quisessem matá-lo — Dois amigos de tantos anos devem se cumprimentar, afinal!

Os adolescentes se encararam com expressão de poucos amigos e suspiraram.

— Como vai Marina? — Foi tudo o que Fernando disse.

— Tudo bem, Fernando — Respondeu automaticamente e sem querer encará-lo.

Era certo que os poucos músculos de Fernando e os ombros largos do garoto chamavam sua atenção e a desconcertavam, mas não podia ficar encarando e dar aquele gostinho a ele. Tinha de pensar que seguia sendo aquele garoto chato que a via como pirralha.

— Meninos, vão se trocar para o almoço. Nana disse que tudo está pronto e ela já vai servir — Amélia dizia a Felipe e Fernando — Também vou me trocar e em alguns minutos estou de volta. Ettore acompanhará vocês até a sala de jantar.

— Posso mostrar meu quarto para o Júnior, mãe? — Felipe propôs animadamente.

— Claro querido, mas não demorem muito — Os dois garotinhos subiram correndo as escadas e nitidamente animados — É... Parece que ao contrário de uns, Felipe e Júnior se tornaram grandes amigos.

Ettore e Marcelo sorriram ao notar o desconforto de Marina e Fernando perante as palavras de Amélia.

— Bom, vou indo me trocar. Com licença — Nando saiu em direção ao andar de cima acompanhado da mãe e Marina e Marcelo seguiram para a sala de jantar com Ettore.

— E Pia? Eu a encontrei em uma feira de artes e ela me contou sobre o divórcio... Realmente sinto muito pela família — Acomodaram-se a mesa, que já estava posta.

— Ah, já alguns quase dois anos que nos divorciamos. As crianças estão ficando comigo agora até que ela ajeite a mudança para o Rio e eles possam também passar um tempo com ela — Marcelo explicou pacientemente — De fato é triste quando um divórcio acontece, mas no nosso caso foi o melhor. Nossa relação andava muito instável.

— Realmente... Foi o melhor — Marina mexia nos talheres bem colocados e não encarava os adultos enquanto falava — Eles brigavam demais.

— Está se sentindo bem, Marina? — Ettore questiona da maneira preocupada.

— Claro, porque não estaria? — Mentiu. O problema não era citar o divórcio de seus pais, algo que para ela chegava a ser indiferente. O real incômodo era estar sob o mesmo teto de Fernando e ainda se sentir uma boba ao lado dele.

O almoço transcorreu de maneira tranquila e todos saborearam a maravilhosa comida de Nana, que trabalhava com a família de Amélia há muitos anos e mal pôde acreditar em como Marina e Júnior haviam crescido ao decorrer dos anos. Ettore bebeu demasiadamente de falou pelos cotovelos sobre o terrível fim do casamento de Pia e Marcelo, mas foi advertido por Amélia a se calar perto das crianças.

Amélia mantinha os olhos voltados para Marcelo durante todo o almoço e seu coração se apertava quando olhava ao redor da mesa e imaginava que aquela deveria ser sua família com ele. Aqueles quatro jovens deveriam ser os filhos que a vida daria para ambos como casal e fruto daquele amor.

Porque havia dado continuidade à ideia de ficar sem ele?

Porque não deu voz aquele amor?

Porque colocou as ambições em frente à história de ambos?

O almoço acabou e Ettore já dava certos vexames enquanto seguia bebendo caipirinha. Júnior e Felipe subiram para brincar de carrinho no quarto e os demais permaneceram na sala de estar enquanto conversavam de assuntos diversos. Ettore já começava a dormir quando Amélia o cutucou e sugeriu que fosse para o quarto tirar o sono por lá. Não houve hesitação e finalmente Marina, Fernando, Amélia e Marcelo ficaram sozinhos.

— Acho que precisamos conversar sobre vocês dois — Amélia sugeriu sentada ao lado do filho e encarando Marcelo e Marina, sentados bem à frente.

— Não tem mais o que falar sobre isso, mãe. Eu e Marina não nos suportamos e pronto, fim de papo!

— Concordo... Vocês não podem fazer com que sejamos melhores amigos. Isso nunca vai rolar! — Marcelo abraça Marina pelos ombros e lança um olhar para que ela se acalme.

— Não queremos que vocês sejam melhores amigos, apenas que aprendem a se respeitar — Marcelo pontua com seu jeito tranquilo de sempre — Queremos que entrem em harmonia.

— Não quero ser chamada no colégio novamente e esse problema de relacionamento entre vocês já vem desde a infância! Aconteceu algo para acarretar tudo isso entre vocês? — Marina e Fernando se encaram enquanto a ouvem.

— Algo como o quê, mãe? — Nando questiona em tom de brincadeira — Fala sério...

—Alguns desentendimentos ou coisas do tipo. Tamanho ódio de alguém sem qualquer motivo não pode aparecer do nada.

— Concordo com Amélia — Marcelo intervém — Aconteceu algo que nós não sabemos?

Marina não podia dizer que sempre gostou de Nando na infância. Nando não pôde dizer que sempre gostou de Marina da mesma maneira e o ódio era a melhor saída para disfarçar tal fato.

— Aconteceu que eu sou de aries e ele de leão, por isso não nos damos bem. É incompatibilidade astral, entendem? — Todos encaram Marina com o cenho franzido e certa desconfiança.

— Ariano e leonino realmente não dá certo... Ela tem razão — Amélia comenta com Marcelo e ele dá de ombros — Mas sabem o que daria certo? Um gole de vinho depois do almoço... Ah... Você vai adorar a garrafa da safra que minha prima trouxe da Espanha, Marcelo!

Amélia ficou de pé e Marcelo a seguiu com um sorriso. Fernando e Marina se entreolharam novamente.

— Porque vocês dois não fazem algo? — Marcelo sugeriu antes que saísse da sala com Amélia.

— Tipo o que? — Nando sussurrou se acomodando no sofá preguiçosamente — Não tenho mais idade para brincar de papai e mamãe.

— Porque não vão para a sala de jogos com os meninos ou ver fotos no seu quarto? — Amélia sugeriu como se fosse óbvio — Tem a piscina também.

— No meu quarto? — Fernando ironizou quando disse — Mãe... Nós não somos mais crianças para ficarmos sozinhos no quarto. Aposto que tio Marcelo não aprova tal ideia.

— Por mim não há problema, Nando — Marcelo deu de ombros e Amélia concordou — Você é como um irmão para Marina e cresceram juntos. Confio em você de olhos fechados! É claro que com outro rapaz eu não permitiria, mas não vejo qualquer perigo em você.

Marina enrubesceu e tentou disfarçar o desconforto com as palavras do pai. Ele realmente pensava isso? O pobre Marcelo não tinha ideia de como estava indo em contramão ao que realmente acontecia!

— Isso... Subam para ver fotos, filmes ou fazer algo bacana... Vocês escolhem! — Amélia incentivou novamente.

— Falando em algo bacana, eu vou para a festa da Paulinha hoje, mãe. Não esquece! — Fernando comentou já ficando de pé e Amélia concordou.

— Claro querido. Se Ettore não puder te levar eu te dou dinheiro para o táxi e te busco depois.

— Ah, eu também vou à festa da Paulinha, papai! — Marcelo franze o cenho com as palavras de Marina, que aparenta empolgação.

— Mas é claro que não! Você não tem permissão para ir à festa de noite e muito menos sozinha!

— Mas papai! A escola toda vai estar lá e eu sou a novata! Se eu não for vão me taxar de careta e ninguém irá querer me enturmar! — Marina choramingava e Fernando observava a cena com os braços cruzados e se deleitando.

— Marcelo, por favor — Amélia tocou o ombro dele com cuidado — Marina é uma boa menina e não faria algo errado! Além disso, Nando sempre vai às festas de colégio e são feitas com supervisão de algum adulto — Marcelo a encara com certa dúvida.

— O seu filho é um homem, Amélia. A minha filha ainda é só uma menina de dezesseis anos. Infelizmente o mundo ainda é mais fácil para os homens.

— Entendo sua cautela, mas Nandinho estará lá e eles podem ir juntos.

— O que? — Os dois questionam juntos e com expressão de asco.

— Sim... Claro! Você os leva e eu os busco! É uma ótima ideia! Nando ficará de olho em Marina, não é filho?

— Mãe... — Nando sussurra sem saber o que fazer — Por favor, mãe!

— Bom... Se Nandinho vai estar lá e Marina irá com ele eu até posso reconsiderar — Marina sente o mundo nas costas, mas a ideia de não ir à festa e não fazer amigos é bem pior do que ir com Fernando. O garoto, por sua vez, sabe que se negar ir com Marina também será proibido por Amélia de ir ao evento.

— Então está decidido! Os dois irão juntos a festa de hoje à noite!

 

 


Capítulo Seis


O vinho enchia a taça de Marcelo enquanto ele e Amélia conversavam a beira da piscina. O sol já se abaixava no horizonte, mas o dia ainda era agradável.

— Está com cara de chuva não acha?

— Talvez... O vento já sopra com mais intensidade — Ela levou a taça de cristal aos lábios e saboreou novamente o vinho — A série está chegando ao fim. Recebi as últimas cenas ontem... Vai sentir saudade?

— Certamente. Foi um incrível trabalho e não vejo a hora de ver na televisão os frutos — Ergueu a taça para ela — Um brinde a isso.

Ambos chocaram as taças e sorriram um para o outro de maneira rápida. Os olhos cor de mel de Amélia analisava Marcelo com a doçura de sempre e ele se perdia naquele instante.

— Gostou da minha casa?

— É muito agradável, mas um tanto fria — Explica sinceramente e olhando ao redor — Parece um ninho sem pássaros.

Amélia fecha a expressão pelas palavras dele e até se choca pela sinceridade.

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer que é muito vazia... — Marcelo deu um longo gole no vinho e tomou coragem para perguntar o que lhe entalava — Sei que não falamos muito disso e concordamos em não tocar em tal assunto, mas me responda com a verdade... Você é feliz com Ettore?

Amélia se travou diante das palavras dele.

— Que tipo de pergunta é essa?

— Uma pergunta simples e direta! — Aproxima-se dela ainda mais. Ambos estavam sentados nos altos bancos do bar que ficava em frente à piscina — Você é feliz em seu casamento?

— Você era no seu? — Devolve sem ser capaz de responder.

— Se fosse não haveria me separado. A única coisa boa de meu casamento foram meus filhos, de resto certamente me arrependo até o último minuto por ter dito sim naquele altar — Ela engole em seco e desvia o olhar do dele — Porque não pode me responder? Basta dizer que sim ou que não. Não tem ninguém aqui ouvindo...

— Tem você e esse é o maior problema.

— Eu sou um problema?

— Sim, você é. Não quero falar sobre isso com você! — Amélia encara a taça e Marcelo finalmente recua.

— Certo. Sendo assim você sequer precisa proferir palavras. Já compreendi.

O silêncio se instala entre ambos e assim permanecem. Aquele vácuo fala mais que mil palavras.

No andar de cima, Júnior e Felipe brincam de carrinho na grande pequena pista que existe no quarto de Felipe e Marina assiste aos pequenos enquanto mexe no celular e acerta os últimos detalhes do encontro na festa com sua única amiga no colégio até então, Anita. Já estava farta de esperar Fernando se arrumar enquanto pensava no vestido que usaria... Não podia fazer feio em sua primeira social com o pessoal do Linhares Albuquerque.

— Estou pronto... Vamos? — Marina ergue o olhar para a porta quando escuta a voz dele ecoando pelo ambiente.

Fernando usa uma camiseta azul no mesmo tom de seus olhos colada ao peito e por cima dela existe uma camiseta xadrez em preto e branco. Usa também jeans escuro, sapatos baixos e o cabelo negro ajeitado e alinhado. O perfume que exala do garoto rapidamente se prende nas narinas da menina, que mal consegue desviar o olhar da figura bem apessoada.

Aquele era o gordinho de sua infância?

— O que foi Marina Gabriela? Vamos ou não? Ainda temos que passar na sua casa para você se arrumar! — Relembrou ajeitando as mangas da camisa para que se dobrassem até o cotovelo.

— Claro, vamos! — Colocou-se de pé e passou por ele como um raio, descendo as escadas de maneira desconcertada. Correu atrás de seu pai e de Amélia, encontrando os dois ao lado da piscina com uma garrafa de vinho ao lado — Pai? Vamos? O Fernando está pronto e eu ainda preciso me arrumar!

— Claro... Hora de ir — Marcelo coloca-se de pé um tanto hesitante e é notório que o clima entre ele e Amélia pesa em certo ponto. Marina, envolvida em Fernando e sua aparência, sequer se atentou ao fato.

Fernando apareceu com Júnior e Felipe e Amélia rapidamente desviou a atenção para o primogênito.

— Nossa meu filho! Você está parecendo um príncipe! — Segurou o rosto do garoto e o beijou no rosto. Ela ficava pequenina ao lado dele, que já era quase um homem feito — Está lindo!

— Obrigado mãe — Nando corou com as palavras da mãe e Marina desviou o olhar.

— Certamente vai ter uma garota especial na festa, hein Nando? — Marcelo bateu no ombro dele com camaradagem e Nando sorriu — Mas olha lá hein! É preciso se cuidar!

— Pai, vamos! Preciso me trocar! — Marina interveio com impaciência e já se despedindo de Amélia.

Todos se despediram e ficou combinado que Marcelo os levaria até a festa e Amélia ou Ettore os buscaria de noite. A despedida de Marcelo e Amélia foi silenciosa e um tanto acanhada. As palavras não ditas aquela tarde significavam um ponto verdadeiramente importante para ambos... Significava que tanto ela quanto ele eram infelizes após tantos anos.


Fernando se acomodou no sofá da sala de estar de Marcelo enquanto Marina se trocava. O apartamento dos Ferrari era amplo e com uma bela visão de Copacabana, tendo também vários retratos de Marina e Marcelo Júnior espalhados pelas prateleiras.

— Sabe como é... Vivi quase dois anos sem meus filhos comigo e eu morria de saudade por eles estarem em São Paulo e eu aqui. Foi um tempo bem difícil, mas agora tudo está bem. Graças a Deus os dois estão comigo no Rio.

— Você é um pai bacana... Diferente do meu pai — Fernando sorriu sem humor e Marcelo sentiu certa pena naquele momento — Ele mora em Miami desde que separou da minha mãe há quase doze anos e nem sequer se importa comigo. Aparece para me ver apenas quando tem algum compromisso aqui no Brasil e me liga no natal e no meu aniversário. É como se ele não existisse.

O olhar azul de Fernando se fixa no copo de suco de laranja em seu colo. As lembranças relacionadas a Abner são poucas e algumas delas bem infelizes. Amélia e o primeiro marido viveram cinco anos em um casamento conturbado e apenas sustentado pela existência do filho.

— Realmente sinto muito, Nando — O tom é de condolência — Não compreendo como um pai pode ser indiferente à existência de um filho. Eu sem Marina e Júnior não sou nada! Os dois sem dúvida são o motivo de minha existência e a melhor coisa que fiz em vida. Se não fosse por eles, acredito que já teria surtado!

— Do que está falando tio?

Nando notou o tom de tristeza muito presente nas palavras de Marcelo, que naquele instante apenas pensava na história dele com Amélia. Teve de ser rápido para disfarçar o clima pesaroso.

— Me refiro à vida como um todo — Explica calmamente e com cuidado — Não é fácil ser adulto. Pior ainda, não é fácil arcar com as escolhas que fazemos na juventude e repercutem depois que já estamos mais velhos — Fernando se atenta às palavras do tio de consideração e concorda. Marcelo se aproxima dele e fala com seriedade — Você sabe que e te conheço desde que nasceu e te quero bem como ao um de meus filhos, por isso aja com cautela e prudência em sua juventude. Não arrume filhos tão cedo, seja paciente e, principalmente, escolha uma mulher que verdadeiramente ame quando chegar a hora. O amor, Fernando, vale mais do que qualquer ambição e qualquer coisa não tem valor algum quando não se tem a pessoa amada ao lado para compartilhar.

Fernando engole em seco ao ouvir tais palavras e finalmente nota que existe um grande segredo por trás de Marcelo. Os olhos escuros refletem agonia e talvez desespero.

— Quem é ela, tio Marcelo? — Questiona com convicção — Quem é essa mulher que você perdeu no passado e hoje sofre pelo ocorrido?

Marcelo toma mais um gole de seu suco e sorri sem humor. Não era viável falar mais do que devia ao filho de Amélia, mas não podia deixar de instruí-lo na ausência do pai.

— Para mim é tarde demais, cara — Pontua com um sorriso morto nos lábios — Mas para você ainda é somente o começo! Faça tudo certo para não terminar com um espinho cravado no coração.

Nando não questiona e apenas concorda. Será que o grande amor de sua vida era a filha de Marcelo Ferrari? Será que no futuro Marina seria a sua mulher do passado?

— Sabe de uma coisa tio Marcelo? — Os dois se encaram com fraternidade — Teria sido muito maneiro se você fosse meu pai. Eu seria um cara muito mais feliz hoje.

Marcelo sorriu e tocou no ombro do garoto com certa emoção. Tais palavras vindas do filho de Amélia, o garoto que chegou a cogitar ser seu filho um dia, era demasiadamente tocante. Infelizmente Fernando não era seu filho, mas não podia negar sentir muito carinho por ele apenas pelo fato de ser parte de Amélia, a sua mulher do passado.

— E eu seria um pai muito orgulhoso por ter um filho como você, rapaz.

— Estou pronta! — Ambos desviaram a atenção para a escada e se colocaram de pé quando notaram Marina chegando e trajando um novo visual.

Os olhos de Fernando brilharam ao ver a menina usando uma roupa diferente. Ao contrário das outras garotas - que sempre iam às festas com roupas curtas e provocativas – Marina usava jeans escura e uma blusinha bege por baixo de uma jaqueta de couro preta. Também usava saltos médios e tinha o cabelo loiro e longo caindo até a cintura. Estava maquiada, algo que Fernando nunca havia visto, e ele reparou que sua pirralha realmente estava se tornando uma lindíssima mulher.

— Que isso filha! Desse jeito o papai vai te prender dentro de casa! — Marcelo caminhou até ela e a beijou sobre o cabelo.

— Qual é pai! Não tem nada curto! A roupa está bem colocada! — Analisa o visual e repara que Fernando a segue encarando como um bobo.

— A minha princesa não precisa de algo curto para ser a menina mais linda da festa. Não é Nando? — Fernando concorda despertando do transe em que se inseriu. Pigarreia.

— Claro... Está muito bem, Marina. Será que podemos ir?

Marcelo instruiu os dois várias vezes sobre a maneira como devem se portar até deixá-los na porta da casa de Paulinha, a anfitriã da festa. É a filha da diretora, portanto uma menina muito conhecida e popular. Marina ainda tinha o rosto corado por saber que era observada por Fernando e naquele instante notou que o garoto já não a via tanto como pirralha, mas como uma garota crescida. Ela também o via como um rapaz, mas nada mudava. Ainda se tratavam como duas crianças tolas.

— Finge que você não me conhece — Nando sussurra enquanto adentram a festa já bem movimentada realizada no interior da casa de Paula — Finge que nem sabe meu nome!

— Ah... Acho que já é bem tarde para isso! Todo mundo ficou sabendo daquele acidente na piscina e nós dois chegamos juntos! — Relembra seguindo ao lado dele.

— Não me importa! Você fica com suas amigas e eu com o meu grupo e na hora de ir embora a gente se encontra lá na piscina. Fechou? — Marina concorda.

— Perfeito! É melhor mesmo eu ficar bem longe dessa sua cara azeda, bolinho.

Fernando ignorou o comentário de Marina e lhe deu as costas quando alcançaram a sala e a aglomeração de pessoas se fez presente ao redor. Havia musica e muitos bebiam em copos coloridos ao redor do ambiente barulhento. Não demorou a enxergar Beatriz e seus amigos mais chegados, incluindo Thales, um de seus fiéis companheiros no Colégio Linhares Albuquerque.

— Nando Romanov — Thales e Nando trocaram um aperto de mão seguido de um longo abraço quando se aproximaram e as garotas logo comentaram sobre a aparência do garoto — Qual segredo para você sequer colocar o pé na festa e a galera toda já estar falando de você?

Fernando deu de ombros e cumprimentou o resto dos amigos. Beatriz segurou no ombro dele após trocarem dois beijos no rosto e o encarou com certo ciúme.

— É verdade que você chegou com a novata?

— Sim, por quê? — Revirou os olhos diante da indagação da ruiva.

— Como por quê? Vocês quebraram o pau semana passada no colégio e deu até direção! — Fernando encarou Thales de canto de olho enquanto o amigo falava — Não faz essa cara... Só se fala disso no colégio todo! Você e a tal Marina Ferrari são o assunto do momento, irmão.

Ele e Marina Ferrari o assunto do momento. Era só o que faltava naquele instante! Todos seus amigos cobravam uma explicação para a cena da piscina e agora por sua chegada com ela. Não podia ser obvio e dizer que eram desconhecidos, por isso a melhor coisa em tal situação era dizer a verdade.

— Marina e eu somos antigos conhecidos — Todos o assistiam de braços cruzados e com expressão confusa.

— Como assim? Tu tem só dezessete anos! Conhece-a da segunda guerra ou o quê? — Thales brincou e o pessoal gargalhou. Nando lhe deu um soco de brincadeira no peito.

— Disseram que ela veio de São Paulo, Nando — Bia torcia os lábios para cada detalhe da história. Não era uma novidade para ninguém que a ruiva sempre foi interessada em Fernando, mas nunca passou de alguns simples amassos.

— Não repararam no sobrenome da novata? — Todos deram de ombros — Ela é Marina Ferrari, filha de Marcelo Ferrari, o ator — O queixo de Bia caiu quando se deu conta do fato — Marcelo e minha mãe são amigos desde a adolescência e sempre tivemos contato com a família deles. Marina e eu temos a mesma idade e por isso fomos praticamente criados juntos.

— Ah cara... Agora tudo faz sentido! — Thales o abraçou pelos ombros — Sequer me liguei que a gatinha era filha do ator Marcelo Ferrari! Poxa, melhor ainda! Porque não chama sua amiguinha antiga para se juntar a nós e aproveita e me apresenta para ela? Não é por nada não, mas a novata é bem gostosa.

Fernando deu uma cotovelada nas costelas de Thales com certa força e fechou a expressão.

— Eu não suporto essa garota! Está ficando maluco?

— Como assim? Vocês não são amigos de infância? — Thales responde quase sem ar.

— Fomos obrigados a conviver desde a infância porque nossos pais são amigos! Nós dois realmente não somos nada! — Beatriz sorriu com as palavras de Nando e se aproximou novamente — Sempre brigamos e vivemos em constante guerra. Por isso que em nosso reencontro fomos parar dentro da piscina.

— Menos mal... Eu já estava com ciúme da novata paulistana — Fernando aceitou a aproximação de Bia, mas rapidamente apanhou um copo de ponche que passava e começou a bebericar olhando ao redor.

Marina estava na sacada com Anita Mendonça, uma garota dotada de muita inteligência, mas também de um gigante fogo embaixo da saia. Era sem dúvida uma garota divertida, mas não muito apropriada para Marina ter amizade. Porque estava se preocupando com ela, afinal? Virou o copo de ponche com impaciência e puxou Bia para dançar de modo a esquecer por um instante a existência da pirralha.

 

 

 

 


Capítulo Sete

 

— Você e o Nando Romanov, hein. Cara! Que história mais doida essa de amiguinho de infância... Vocês são tipo primos — Anita, a garota de cabelo rosa e descolada, falava enquanto estava encostada a sacada da sala com Marina ao lado. As duas admiravam a vista da piscina, um tanto alheias à festa.

— Primos se gostam... A gente se odeia! — Pontuou enfaticamente — Nunca nos demos bem, como eu acabei de contar. Sempre brigamos e sempre brigaremos! — A voz de Marina era dura. Havia dado as costas quando viu uma garota ruiva e com um vestido curtíssimos dançando com Fernando com certa liberdade — Essa idiota...

— Azar teu, querida. Nando Romanov é um dos veteranos mais cobiçados do colégio e todas as garotas se derretem por ele! Eu mesma já dei uns pegas nele ano passado, mas como sempre não passou disso. Ele é bem reservado — Anita falava enquanto bebia ponche — Não quer beber?

— Valeu — Recusou sem encará-la.

— Tem alguns que não tem álcool.

— Depois eu pego — Virou-se novamente para a festa e apoiou os braços no parapeito da sacada bem ao lado do corpo. Seus olhos fulminavam a tal garota ruiva que Anita disse se chamar Beatriz — Pelo jeito com essa tal de Beatriz o buraco é mais embaixo. Eles ficam há muito tempo?

— Ela é doida pelo Nando, mas ele como sempre só fica — Respondeu simplesmente — Loira, desviando o assunto, o Lucas do terceiro ano está de olho em você faz tempo!

— Quem é esse? — Questionou ainda encarando Bia e Nando dançando. Ele parecia se divertir bastante ao lado da garota — Pensando bem, me dá esse copo aqui!

Marina nunca havia bebido álcool, mas agora certo ódio a dominava e não parecia correto aguentar tudo isso em silêncio. Nunca havia sentido tanta raiva em ver alguém com Fernando como sentia daquela garota... Nunca imaginou que o ciúme doesse tanto.

Saia daí! Esse é o meu bolinho!

Era tudo o que podia pensar enquanto os assistia e ouvia parcialmente Anita falando sobre o tal Lucas do terceiro ano. Era também um garoto popular como Nando, mas muito mais desinibido. Anita não deu boas recomendações, mas Marina sequer deu trela. Não demorou até que o mesmo se aproximasse dela juntamente com a dona da festa, Paula. Marina não pôde recusar um pedido de dança do garoto, que era mais baixo que Nando, amorenado e de olhos esverdeados. Certamente tratava-se de um tipo bonitão e os olhos de Fernando fumegaram quando detectaram a presença de Marina na pista dançando com Lucas.

A menina se movia de maneira tranquila e o moreno não disfarçava a admiração enquanto a seguia em movimentos mais próximos. Fernando não conseguia acreditar no que via! Lucas era um garoto perigoso para se ter por perto! O conhecia há muitos anos e sabia que o mesmo tinha envolvimento com drogas pesadas e dificilmente passava uma festa toda sem se drogar. Além disso, era um tipo arrogante e prepotente com as mulheres. Certamente Marina não estava ciente disso.

Beatriz soluçou quando Fernando a largou na pista de dança e saiu em disparado em direção a Anita, que bebia na sacada conversando com um garoto qualquer. Ele a puxou pelo braço com certa pressa.

— O que sua amiga está pensando que está fazendo? — Cobrou explicação em tom apreensivo — Ela não tem noção do perigo?

— Hey, gato, fique calmo! — Anita sorriu animadamente para Fernando — Eles apenas estão dançando e pelo que eu saiba ela é sua amiga!

— Faz um favor? Vai até lá e chame ela! Tira ela dele antes que isso dê em porcaria! — Nando não conseguia disfarçar o ciúme que transbordava em seu peito, muito menos a maneira enraivecida com a qual encarava o casal.

— Eu? Está louco? Porque eu faria isso? — Anita o analisava com curiosidade — Além do mais, eles apenas estão dançando como qualquer outro casal da festa! Se algo a mais acontecer eu posso até intervir, mas isso aí não é nada!

— Isso é um ultraje!

— Qual é Nando? Até parece que você está com ciúme da novata!

O rapaz engoliu a respiração.

Ciúme da novata.

As palavras de Anita ecoavam em sua mente enquanto assistia a garota ainda junto de Lucas. Aquela não era apenas uma garota nova no colégio para ele, era também sua pirralha, a garotinha loirinha que corria atrás dele usando asas de fada e o obrigava a cantar até que dormissem. Aquela era Nininha, a bebê rosada que conheceu ainda na maternidade e a garotinha tagarela que estampava muitas fotos ao lado dele.

Era seu primeiro amor. Sua primeira garota dos sonhos.

Talvez sua mulher do passado.

Deixou Anita falando sozinha e voltou para a festa com o coração disparado. Apanhou mais um copo de ponche e se jogou no sofá em um dos cantos. Seus amigos logo o cercaram a passaram a falar futilidades que felizmente o distraiam momentaneamente.

Era certo se fixar em Marina de tal maneira? Era certo deixar se levar por emoções que sequer eram correspondidas? Ainda o via como aquele gordinho desengonçado e jamais olharia para ele, mesmo que hoje fosse diferente. Tudo havia sido uma ilusão de infância e agora estava assim porque não esperava revê-la e sentir tal atração... Tal paixão.

Paixão.

Essa palavra era nova em seu vocabulário! Sempre foi tão fácil ficar com as garotas e descartá-las após o beijo. Sempre foi tão simples dizer que namorado apenas seria da garota certa. Quem era ela, afinal? Quem era a garota certa?

“O amor, Fernando, vale mais do que qualquer ambição e qualquer coisa não tem valor algum quando não se tem a pessoa amada ao lado para compartilhar.”

As palavras de Marcelo ecoavam em sua mente e deveriam ser consideradas. Os encontros com o tio de consideração desde que se reencontraram eram o mais próximo da relação de pai e filho que tinha com alguém e não era certo ignorar a experiência.

A festa transcorreu normalmente e Fernando decidiu não dar mais ouvidos aos sentimentos, ao menos por hora. Danço e bebeu ponche com os amigos enquanto buscava deixar a mente distante do assunto Marina Ferrari. Bia fez questão de entretê-lo por vários momentos e jogou conversa fora falando sobre os professores e o colégio. Já estava transtornado demais pela ausência de Marina a sua vista quando notou que Anita caminhava pela festa observando em volta com certa impaciência. A garota de cabelo rosa chamava por alguém e Nando apenas observou com certa curiosidade.

— Ah, era você mesmo que eu vinha buscando! — Anita se enfiou entre os amigos de Fernando e eles brincaram com a presença dela, que os ignorou totalmente. Era nítido em seu olhar que algo sério estava acontecendo — Preciso fala com você.

Nando a tirou do meio dos amigos com cuidado e ambos pararam um pouco distantes da roda. Os demais estranhavam a parceria de Anita – uma garota meio deslocada - com o garoto popular, por isso cochichavam entre si.

— O que está rolando? — Questionou apreensivo e falando baixo.

— Tua amiguinha novata de infância... — Começou em tom preocupado — Ela desapareceu faz um tempinho com o Lucas e não consigo encontrá-los! Estou com medo de que ele tenha feito algo, sabe? Induzido ela a algo que talvez não seja legal.

— Como assim? Do que está falando? — Nando já olhava ao redor tentando identificar Marina ou Lucas. Nenhum dos dois estava à vista.

— Que isso não saia daqui, entendeu? É um segredo meu! — Sussurrou puxando o garoto pela gola da camisa. Anita engoliu em seco antes de relevar a Nando algo constrangedor e apertou os olhos diante das palavras — O Lucas me levou para o banheiro em uma festa dessas enquanto eu estava bêbada e a gente transou. Diz ele que eu queria, mas a verdade é que não me lembro de nada! Foi algo realmente perturbador!

— O que? — Cuspiu as palavras de maneira desacreditada — Fala sério... Que cara nojento! — Procurava ao redor com ainda mais vontade — Se ele tocar em um fio de cabelo da Marina eu o mato! Eu mato esse cara!

Fernando não pensou muito antes de se meter entre a multidão de jovens e procurar Marina em tudo qual é canto. Empurrou as pessoas até alcançar as escadas e perguntou a um garoto que descia se havia alguém lá em cima.

— Tem um casal no banheiro do quarto, mas é melhor não entrar. Sabe como é.

A vista de Nando se tornou turva enquanto o rapaz corria os degraus com ainda mais precisão e rapidez. Empurrou todas as portas que viu a sua frente e pegou várias pessoas em diversas situações, mas nada de encontrar Marina! Agarrou o cabelo em nervosismo e suspirou de raiva por apenas cogitar na ideia de um idiota ter embebedado Marina e a levado para uma situação intima. Não podia aceitar tal ideia!

Por fim chutou a porta de um dos quartos e caminhou até o banheiro com rapidez e os punhos cerrados. Havia uma menina no quarto, talvez a acompanhante do garoto que desceu.

— Tem alguém aqui? — Sussurrou apontando para o banheiro.

— Lucas e a novata — A menina respondeu um pouco assustada pela maneira como ele adentrou ao quarto.

Fernando não pensou duas vezes antes de esmurrar a porta e exigir que fosse aberta. Demorou um pouco, mas Lucas destravou a maçaneta e o encarou com expressão estarrecida de alguém que foi interrompido.

— Qual é cara? Isso é jeito de interromper as pessoas?

Marina estava sentada sobre o vaso fechado com o corpo encostado à parede e não parecia muito bem. Estava pálida e tonta, mas assim que viu Fernando tentou colocar-se de pé e ir até ele. Foi a deixa para que Fernando agarrasse Lucas pela camisa e o arrastasse para fora do banheiro com sangue nos olhos e o peito explodindo de raiva.

— Você só pode estar louco, moleque, mas muito louco! — Anita estava ao lado e Nando apenas notou o fato quando seu punho se chocou contra o rosto de Lucas e a garota gritou alto. Todos se aglomeraram na porta do quarto para assistir a cena — Olha para mim! Olha direito, porque vai ser a última vez que você vai ficar de pé!

Fernando partiu para cima de Lucas, que mal teve tempo de reagir. Além de Nando ser maior e mais forte, a raiva o movia com ainda mais ímpeto. Lucas recebeu diversos socos na face e Fernando apenas parou de bater no garoto quando alguns outros o tiraram de cima dele.

— Para Fernando! — Anita gritava quando finalmente os separaram — Ele vai parar no hospital desse jeito!

— Homem que faz uma merda dessas com uma garota merece muito mais do que hospital, merece uma vala! Seu desgraçado! — O rosto de Fernando se encontrava suado e a expressão transtornada — É melhor você sumir mesmo da minha frente antes que eu te mande para lá! Não apenas sumir da minha frente, mas do colégio!

— Nem homem esse idiota é! — A garota que estava anteriormente no quarto gritou enquanto alguns outros socorriam Lucas, que saia do quarto carregado e com o rosto ensanguentado.

Anita socorria Marina no banheiro. A loira estava sem forças para se mover e sussurrava o nome de Fernando enquanto tentava dizer algo coerente. Nando se aproximou das duas após a aglomeração se dissipar e ajoelhou ao lado de Marina.

— Ela está drogada, mas não lhe deram uma dose muito forte — Sussurrou Anita com a voz apreensiva e preocupada. Nando sacou o celular do bolso e mandou uma mensagem para que Amélia os buscasse — Como você foi fazer isso em novata?

— Foi ele... — Marina sussurrava em meio a soluços — Foi o Lucas que colocou algo no meu copo.

— Ah... Eu vou matar esse cara! — Nando ainda fumegava de raiva enquanto ouvia as palavras.

— Nando... — Marina tocou a mão dele com a sua trêmula e pálida e o encarou com os olhos castanhos transbordando em lágrimas — Me desculpe! Eu não queria!

— Calma, está tudo bem! — O garoto agarrou a mão dela e beijou com cuidado — Minha mãe está vindo e ela vai te levar para casa. Depois nós vemos o que falamos para o seu pai.

Anita os encarava e observava o modo doce como Fernando falava com Marina e a força que a mesma fazia para apertar os dedos dele nos seus. Definitivamente existia muito mais por trás da história de ambos do que realmente estavam interessados em contar.


Marcelo estacionou o carro em frente à casa de Amélia e evidenciou a velocidade que usou para chegar até ali. Desceu do automóvel vermelho com pressa e caminhou até a entrada. Sequer precisou apertar, uma vez que a loira o aguardava em meio à madrugada abraçada a si mesma pelo vento frio que soprava do horizonte.

— Onde ela está? — Disse exasperado e ofegante, ainda carregando as chaves do carro. Amélia apoiou as mãos no peito dele pedindo calma.

— Respira fundo e não vamos nos desesperar — Aconselhou cuidadosamente — Ela está bem. Está lá em cima descansado e se recuperando. Nando está com ela.

Foi como se duzentos quilos fossem tirados dos ombros dele, que levou as mãos ao cabelo alourado em sinal de alivio. Os olhos castanhos se estabilizavam conforme via a tranquilidade estampada no semblante doce de sua querida Amélia. O olhar de ambos se encontrou na penumbra da sala e não foi necessário muito a ser dito.

Amélia foi a primeira e se mover e abraçar Marcelo pelos ombros largos de maneira reconfortante. Sentir o abraço dela era o melhor naquele momento perturbador onde havia acabado de receber a noticia de que sua filhinha, a garotinha que viu nascer, havia usado drogas em uma festa e esteve a ponto de ser abusada sexualmente.

— Estou me sentindo em um abismo sem fundo, acredita? Parece que nada é real... Sequer sei o que pensar! — Sussurra ao ouvido de Amélia enquanto se estreitam um no outro.

— Pense que ela está bem e tudo não passou de um susto — Acaricia o cabelo dele enquanto deita o rosto em seu ombro largo. O perfume de Marcelo a embriaga os sentidos.

— Marina vai ficar de castigo pelo resto da vida e amanhã mesmo vou até o Linhares de Albuquerque exigir que aquele garoto seja punido! — Amélia o encarou, mas não se afastou. As mãos de Marcelo seguiam envoltas em sua pequena cintura.

Os fios alourados do cabelo dela que se desprendiam do coque frouxe se derramavam pela face e os olhos cor de mel se mantinham apaixonados no rosto sardento de Marcelo. Ele parecia um cachorro sem dono e demasiadamente amedrontado com a situação.

— Faça tudo com muita discrição! Fernando e Marina não querer um escândalo e acho que devemos respeitá-los.

— Respeitar? Minha filha quase foi estuprada, além de ter sido drogada, e eu tenho que respeitar alguma coisa? — Esbravejava em tom controlado.

— Respeitar nossos filhos! — Amélia segurou o rosto dele em suas mãos pequenas — Eles confiaram em nós e não hesitaram em contar o que houve. É um sinal de confiança muito importante que não podemos ignorar! Se formos contra eles agora, perderemos tal confiança e as coisas podem não terminar tão bem em um futuro próximo.

Marcelo beijou uma das mãos de Amélia com carinho e concordou. Realmente fazia sentido. Fernando e Marina confiavam neles e não podiam traí-los. Desejavam descrição e Marcelo resolveria tudo de maneira discreta.

— Como sempre você tem razão.

Fernando parou repentinamente na entrada da sala quando notou que Amélia e Marcelo estavam abraçados próximos do hall de entrada. Não escondeu o espanto ao pegá-los em uma situação tão intima.

— Mãe? Tio Marcelo? — Disse com as bochechas coradas e carregando em mãos uma bandeja com alguns alimentos.

Marcelo e Amélia encararam o garoto e se separaram repentinamente sem disfarçar o constrangimento. Ela usava um robe de seda branca sobre a camisola da mesma cor e ele um conjunto de moletom negro.

— Fernando — Marcelo aproximou-se do garoto — Marina está acordada?

— Sim tio... Estou levando esse lanche para ela. Ela está com fome agora que o efeito do negócio passou — Explicou com certa hesitação — Tio... Quero pedir desculpas. Fui eu quem me comprometi a cuidar de Marina e sinto muito que tudo isso tenha acontecido. Eu falhei com você e com ela.

Marcelo levou uma das mãos ao ombro de Fernando e sorriu de canto.

— Eu tenho que te agradecer rapaz. Se não fosse por você, sabe lá Deus o que teria sido de minha Marina! — Amélia aproximou-se dos dois com os braços cruzados em frente ao corpo.

— Também estou orgulhosa de você, querido. Você demonstrou ser um verdadeiro homem por tudo que fez por Marina.

— A culpa disso tudo é de Marina. Não sei o que deu na cabeça dela para que se envolvesse com uma situação do tipo! Se ela ingeriu alguma coisa por engano, certamente estava bebendo algo!

— Ponche! — Fernando interveio — Estávamos bebendo ponche de frutas sem álcool. Foi aquele idiota que agiu de má fé, tio. Posso garantir. Isso já aconteceu antes com outras garotas que não tiveram a mesma sorte.

— Isso não vai ficar assim... Quero que me diga o nome desse garoto e todos os dados. Ele está realmente encrencado! — Marcelo soava enraivecido e Amélia levou uma das mãos ao ombro dele para acalmá-lo.

— Já exigi que ele saísse do colégio e comigo ninguém brinca naquele lugar. Todos tem medo por causa da fama de minha mãe — Fernando piscou um dos olhos de maneira sorrateira — Mas sim, tio. Amanhã eu mesmo me apresento à diretoria do colégio com você para darmos queixa sobre esse garoto também na policia.

Fernando subiu as escadas com o lanche para Marina quando Ettore desceu as escadas e se deparou com a esposa e Marcelo. Ambos se separaram rapidamente e passaram a narrar os acontecimentos recentes com cautela.

Marina encontrava-se encostada na cabeceira da cama quando Nando abriu a porta com a bandeja do lanche que prometeu em mãos. O garoto sorria para ela com certa timidez quando se aproximou e depositou a bandeja no criado mudo ao lado.

— Gostei da camisa — Brincou por saber que se tratava de uma camiseta dele.

— Sua mãe que me emprestou... — As bochechas dela coraram quando abaixou o olhar para a camisa azul lhe cobrindo o corpo. As pernas estavam cobertas pelo edredom da cama de casal do quarto de hospedes — Ela é muito legal.

— Eu disse que ela iria entender. Nunca me deixa na mão — Os dois se encaram sentados lado a lado.

— Meu pai deve estar uma fera comigo. Ele vai me matar! —Marina suspira ainda sem muita força e encostada aos travesseiros.

— Está lá embaixo com minha mãe e estão conversando. Mostrou-se enérgico, mas aparenta mais medo do que raiva. Vai ficar tudo bem... Ela vai falar com ele! — Tentou acalmá-la com as palavras tranquilas.

— Tia Amélia sempre acalma o meu pai, exatamente o oposto do que acontece com a gente! — Ambos sorriem um para o outro com certa timidez. Fernando desvia o olhar para o edredom e dá de ombros.

— Sempre foi assim e sempre será — Sussurra para si mesmo — Como está se sentindo agora?

— Melhor. Ao menos já não vejo coisas estranhas e já consigo fixar o olhar em um ponto fixo — Garante a ele quando novamente se encaram. O silêncio se instala entre ambos e Nando suspira.

— Bom, eu vou dormir e te deixar descansar. Já o seu pai sobe e vocês conversam — Marina agarrou o pulso do garoto quando já ia se retirando da cama ao lado dela.

Fernando a encarou com surpresa quando teve o pulso segurado delicadamente pela mão pequena. Os olhos escuros da loira o analisavam sem saber ao certo o que dizer.

— Fernando, eu... — A fala era hesitante e os olhos tímidos — Obrigado por tudo que fez por mim hoje e me desculpe.

— Não precisa se desculpar, a culpa não foi sua!

— Não... Não é isso! — Engoliu em seco antes de continuar. Sua mente girava e seu coração disparava e certamente tudo isso se devia ao efeito da droga e da bebida em seu organismo, do contrário não estaria sendo tão direta e sincera — Me desculpe por ser uma idiota com você a vida toda. Nós dois... A gente só briga quando tudo poderia ser diferente e...

— E? — Fernando mal conseguia acreditar que ouvia tais palavras vindas de Marina. A garota apertou os olhos e se aproximou como conseguiu.

— Tudo poderia ser diferente se déssemos ouvido ao coração — Marina puxou o rosto de Fernando contra o seu e selou os lábios de ambos em um beijo calmo.

Durante toda a vida, desde que era apenas uma menininha boba de nove anos, Marina imaginou como seria beijar Fernando Romanov nos lábios. Naquela época apenas queria imitar os atores de televisão e sequer imaginava o que estaria por vir... Naquela época ainda não sabia que aquele garoto gordinho era seu primeiro amor.

Nando a segurou no rosto e aprofundou o beijo com cuidado, movendo os lábios nos dela com cautela. Marina tinha gosto de novidade, apesar de ser sua antiga paixão. Marina tinha sabor de desejo, algo conhecido, porém jamais experimentado. Beijou-a com ímpeto nunca antes usado e pela primeira vez sentiu o coração disparando no peito enquanto tinha uma garota nos braços.

Nininha borboletinha, Nandinho gatinho.

Papai e mamãe da Brenda e do Carlinhos.

Nando se recordou a musiquinha que a pequena Marina cantava quando brincavam de casinha. Os filhos deles se chamavam sempre Brenda e Carlinhos e por isso a tal musiquinha. Separaram-se quando passos foram ouvidos no corredor e tiveram tempo de se encarar durante alguns instantes. Os olhos azuis de Fernando brilhavam em contato com os dela e o cabelo loiro de Marina ainda se entrelaçava nos dedos dele que descansava em seu belo rosto.

Aquela imagem da face sardenta e corada jamais saiu da mente de Fernando, que se trancafiou no quarto para dormir com a música infantil em mente e uma frase que resumia todos seus sentimentos.

A minha garota. A garota do presente e do passado.

 

 


Capítulo Oito


Não estava sendo simples para Marcelo toda a situação que enfrentava com Marina após o fatídico acontecimento na festa.

Após retornarem da casa de Amélia a garota se enclausurou no quarto e pediu alguns dias em casa para se recuperar do trauma. Marcelo concordou em deixa-la em casa durante alguns dias, um tempo necessário para que resolvesse junto ao colégio as questões envolvendo o agressor da filha. Conversou com a filha sobre o ocorrido e Marina deixou claro que não concordou em se drogar, sendo vitima de uma terrível armadilha por parte de Lucas. Pediu desculpas ao pai e jurou jamais voltar a praticar tal ato.

Além de tudo, ainda transtornada, pediu que Marcelo não se zangasse com Fernando. O garoto não tinha qualquer culpa da má conduta dela e apenas fez ajudar quando conseguiu. Era claro para ele que Marina estava arrependida e muito constrangida com tudo o que havia acontecido. Era obvio, também, que algum motivo levou a filha a se aproximar do tal Lucas em meio aquela festa. Motivo estes que Marina não soube explicar.

Não era fácil dizer ao próprio pai que apenas se aproximou de Lucas para causar ciúme em Fernando e acabou sendo vitima da própria armadilha. O melhor a ser feito era ficar calada.

Uma vez no colégio, Marcelo levantou com Anita, uma aluna apontada por Fernando, que não era a primeira vez que Lucas praticava violência contra uma garota na qual drogou ou embebedou. Os depoimentos foram suficientes para que Maria Antônia, a diretora do Colégio Linhares Albuquerque, convidasse Lucas a se retirar do ambiente escolar. Além do mais, o menor e sua família estavam envolvidos em um processo aberto por Marcelo Ferrari.

Após dias indo e voltando do colégio com seu advogado, finalmente conseguiu colocar um ponto final na história e retornar a rotina normal. O melhor era saber que sua filha realmente era uma vitima e não mentia para ele. Somente pelo fato já se sentia tranquilo e a ponto de deixar tudo isso passar.

O clima era de despedida no estúdio de filmagens da série naquela manhã. Finalmente o final. Finalmente deixaria de ver Amélia Romanov todos os dias. O vínculo entre ambos se romperia novamente quando o diretor disser “corta” pela última vez. Caracterizou-se em total silêncio enquanto os demais atores já lamentavam o final da história. Desceu para a produção com o texto em mãos e sem qualquer vontade de gravar... Era o fim de um ciclo, mas também um corte trágico.

Estava acostumado com os olhos cor de mel todos os dias em contatos com os seus e não sabia mais como viver sem aquilo. Tudo era coreografado e apenas profissional, mas era a única maneira de ter um pouco da mulher que amava ao seu lado. E como em todas as manhãs, ela estava lá!

Amélia lia o texto sobre suas coxas enquanto comia uma maça e também estava alheia a todos ao redor. Os diretores preparavam a cena junto da produção quando os olhos dela se levantaram e encontraram o castanho profundo na face de Marcelo. Ela usava um robe negro com seu sobrenome estampado sobre o figurino e tinha os cabelos alourados presos para o lado. Sorria sem muito humor e era como se captasse tudo o que se passava dentro dele. Ambos se encararam em silêncio quando Marcelo sentou ao lado dela um tanto constrangido.

— Então é o fim... — Ele sussurrou sem encará-la.

— Mais uma vez o fim — As palavras dela o fizeram torcer os lábios e apertar os olhos — Estamos acostumados com isso, não estamos? Quantos finais já experimentamos juntos?

— Acredito que possamos elege o melhor e o pior — Amélia gargalhou e ele sorriu, somente — Não me lembro do melhor, mas certamente recordo o pior.

— Que tal tornarmos esse o melhor? — Finalmente Marcelo encarou os olhos cor de mel e encontrou entusiasmo ali. Tal alegria o fez estremecer por dentro e certa chama acender seu coração.

— Como faremos isso? — Amélia pensou por um minuto e quase hesitou diante do olhar curioso — Fale, vamos! Não existe segredo entre nós, existe? — As palavras dele foram suficientes para que ela se aproximasse ainda mais e sussurrasse seu plano.

— Lembra quando queríamos sair e não tínhamos lugar para ir devido à sempre ter alguém que nos conhecia? — Marcelo assentiu — O que fazíamos nessa situação?

— Comprávamos comida e íamos até o mirante da cidade. Ficávamos lá por horas apenas observando as estrelas deitados com o teto do carro aberto — Marcelo se lembrava de cada detalhe daquela situação, principalmente porque havia sido ali um dos momentos mais lindos de sua vida — Está sugerindo fazer isso? Hoje?

Amélia assentiu positivamente e fez final de silêncio.

— É um segredo... O que acha?

O estômago de Marcelo gelou e certamente o coração de Amélia quase quebrava as costelas, tamanha a intensidade com a qual batia. Os olhos de ambos evidenciavam a excitação e empolgação para tal situação. Era como reviver uma lembrança inesquecível.

— O que vai dizer ao Ettore? — Amélia deu de ombros.

— Ele sabe que não retornarei cedo hoje. É o final, não é? — Concordou.

Gravaram.

Marcelo nunca antes fez cenas tão calculadas e talvez as melhores sequências de sua carreira. Alice, a personagem de Amélia, terminou na cadeira e grávida de Teodoro, o personagem de Marcelo, que morreu para salvá-la no último bloco da série. Foi lindo e tocante, principalmente porque o sonho dele era deixar um legado e o fez com o filho que ambos tiveram. Naquele instante, enquanto assistia por trás das câmeras a cena em que Amélia segurava o bebê nos braços, Marcelo pegou-se imaginando como teria sido era um filho com ela.

Porque não fizeram um filho no passado, ao menos?

Se assim houvesse sido nada seria suficiente para separá-lo de Amélia... Amava Marina e Júnior com todas suas forças, mas não podia negar que sempre havia sonhado em ter em seus braços um filho dele com Amélia, seu grande amor do passado.


O carro era o dele por ser um conversível preto dos mais atuais. O vinho era dela, sempre escondido em seu camarim para o final de um longo dia de filmagem. A música era simplória e um sertanejo qualquer que tocava na rádio naquele momento. O cabelo alourado de Amélia soprava com o vento enquanto Marcelo dirigia e espiava a beleza marcante contrastando com a noite estrelada e deliciosa. A mais bela paisagem era contemplá-la de olhos fechados apenas sentindo a brisa ricocheteando contra seu belo rosto e respirando o doce aroma do luar.

— Sabe que o que estamos fazendo é uma completa loucura, certo? — Marcelo dizia enquanto o carro subia em direção ao mirante.

— Claro que sei! Acho que aquele mirante sequer existe mais e deve ser um pátio abandonado! — Amélia gargalhou e ele a acompanhou.

Não era uma mentira. O mirante estava realmente abandonado e já não era mais como nos tempos de adolescência de ambos. O local era um pátio vazio com o portão quebrado e cercado por árvores baixas e calmaria. Ainda assim a visão do céu era a mais apreciável que ambos já contemplaram e essa sim se mantinha intacta. Nada os impediu de estacionar o carro sob as estrelas e empurrar os bancos para que pudessem deitar lado a lado. Amélia serviu duas taças de vinho e entregou uma delas para Marcelo, que não hesitou em tomar entre os dedos.

— Um brinde a nós? — Ele questionou sorrindo.

— Não... — Os olhos cor de mel brilhavam sob a lua e era incrível pensar que estavam sozinhos naquele local tão especial. A expressão no rosto dela era ardente e sedutora como sempre seria aos olhos de Marcelo, que a contemplava como um homem hipnotizado pelo sol — Um brinde aos finais da vida... Um brinde a Marcelo e Amélia do passado... Um brinde aos segredos que a noite guarda.

Marcelo chocou a taça com a dela e beberam o vinho até o final em apenas um gole. O liquido doce inundou os sentidos de Amélia, que não pode deixar de se recordar do momento em que havia vivido ali com Marcelo. Era como reviver cada detalhe. Não hesitou em se aproximar dele e tão pouco ele em deixar que ela se achegasse.

— Você se lembra do que aconteceu entre nós aqui ou foi capaz de esquecer? — Sussurrou muito próxima aos lábios dele. Os olhos castanhos brilhavam em contato com os dela e a respiração dele se acelerava com a ousadia da mulher. Amélia havia bebido vinho pelo caminho e certamente já estava um pouco mais corajosa do que o habitual.

— É melhor deixar os segredos guardado com a noite não acha? — Marcelo sussurrou e ela fechou os olhos quando o hálito quente roçou-lhe a face.

— Sei que combinamos de jamais falar sobre o passado, mas olhe em volta... Não há ninguém nos ouvindo, apenas nós dois e as sombras da noite como acontecia no passado — A voz dela não passava de um sussurro e os olhos se mantinham fechados. Estar tão próxima de Marcelo era reconfortante como adormecer em meio à tempestade... Era como sentir na pele a noite em que viveram ali, naquele mesmo local. Sua primeira noite de amor — Você esqueceu?

— Como eu poderia esquecer? — A voz de Marcelo a tocou profundamente e Amélia se deixou roçar contra o corpo forte. Marcelo a abraçou pela cintura e o rosto dela se deitou contra o ombro dele — Nós chegamos aqui em meio a madrugada e já não havia mais carros e ninguém, apenas nós dois e as sombras da noite — Para provar que se lembrava, Marcelo narrava as palavras ao ouvido dela como se realmente fosse um segredo — Nós deitamos sob as estrelas, você deitou sobre meu peito e tragou meu cigarro de brincadeira, soprando a fumaça em meu rosto.

Um filme se passava na mente de Amélia, que de olhos fechados podia se recordar de cada detalhe narrado por ele. O cheiro de Marcelo próximo de suas narinas e os músculo dele sob seus dedos lhe davam a certeza de que o momento era real.

— Você disse que eu era a paixão personificava sob a noite...

— O seu cabelo ainda era escuro e descia no meu rosto — As palavras dele seguiam e os olhos dela se apertaram — Você usava uma blusinha de alças branca, uma presilha no cabelo e um colar com a letra “A” pendurado no pescoço.

Amélia separou-se do ombro dele e o encarou com os olhos cor de mel inundados por lágrimas. Seus dedos foram para o rosto dele com cuidado e não pôde evitar deixar algumas lágrimas escaparem enquanto o admirava tão de perto.

— Você estava de camisa preta e com uma corrente dourada. O seu perfume era aquele amadeirado e as sardas dos seus ombros pareciam caminhos sob a luz da lua. Eu as contei enquanto você me beijava o corpo — Marcelo sorriu e beijou a mão de Amélia — Aquela foi a minha primeira noite... Foi à primeira vez em que um homem me tocou.

Marcelo assentiu as palavras dela. Recordava perfeitamente do momento em que foram um e Amélia apertou seus ombros com força e sussurrou que o amava. Recordava da maneira doce como o encarava e da emoção que lhe invadia o peito. Reviveu em silêncio cada minuto daquela noite durante vinte anos, imaginando o momento onde tudo havia dado errado em meio aquela história.

— Onde foi que eu te perdi? — Marcelo segurou o rosto dela com o coração despedaçado — Onde foi que nos perdemos?

— Você nunca me perdeu!

Os lábios dela roçaram os dele com convicção e força, algo grandioso o suficiente para trazer a lua para mais perto. O beijo foi urgente e desesperado, uma vez que se perderam um no outro enquanto sentiam novamente o gosto cálido dos lábios amados. A saudade era presente e as lágrimas corriam pelo rosto de Amélia em meio ao beijo... Os dedos dela se apertavam nos ombros fortes se como desejasse se fundir ao corpo másculo para sempre.

Quase vinte anos separavam aquele momento da primeira vez em que estiveram juntos e era como se nada houvesse sido mudado. O importante seguia intacto e, a aquela altura do campeonato, tanto Marcelo quanto Amélia estavam convictos de que duraria para sempre. A paixão entre eles não era mero acaso, mas sim algo vivo e intenso. Tratava-se de muito mais do que uma simples atração... Era um verdadeiro amor.

O beijo terminou no silêncio, assim como quase toda a noite.


A sensação era de ser uma aberração passeando pelos corredores do colégio, por isso Marina manteve os fones presos aos ouvidos enquanto guardava os materiais no armário e se dirigia para a sala de aula.

Os demais alunos não disfarçavam enquanto a encaravam e os professores se dirigiam com certa cautela para reportar qualquer atividade. Não estava sendo fácil retornar as aulas, mas ao menos ninguém questionava qualquer coisa. A diretora cumpriu a promessa a tornar o assunto algo inapropriado aos comentários.

Já estavam no terceiro período de aulas quando abriu o caderno na página final e encontrou o nome dele rabiscado ali. Quando foi que fez aquilo? Questionou-se, afinal, enquanto encarava as letras do nome de Fernando estampadas em caneta rosa e brilhante. Já não era uma menininha de quarta série para ficar com fantasias infantis, mas o sentimento era o mesmo. Talvez mais forte, arriscava dizer. A Marina de dez anos sequer imaginava como era realmente estar nos braços dele e ser beijada.

A Marina de hoje experimentou tal sensação e mal conseguia se conter enquanto revivia aquele momento. A última semana toda passou sobre a cama tentando ponderar se aquele beijo realmente havia existido ou sido uma imaginação. Fernando havia correspondido ao beijo. Fernando também sentia o que ela sentia?

— Oi Marina... — Anita foi a primeira pessoa que tomou coragem de conversar com ela na penúltima aula — Como você está?

— Oi Anita — Respondeu com um sorriso curto e escrevendo os exercícios em seu caderno — Acredito que você tenha ideia de como estou. Meu pai me contou sobre você... Que você também passou por maus bocados.

— Felizmente você teve um final mais feliz do que eu — Anita ajeitou o cabelo rosa atrás da orelha — Ao menos o Nando Romanov se encarregou de mandar a galera se calar e seguir a vida.

— O Fernando fez isso? — Marina parou de escrever e encarou a garota com total surpresa.

— Sim... O seu amigo de infância realmente é bem fiel a você — As bochechas de Marina coraram — Ele te curte.

— Não seja boba. Eu e o Fernando somos apenas...

— Amigos de infância, eu sei — Anita rodou os olhos no rosto — Se quer minha opinião sincera, realmente acho que o Nando é amarradão em você! O que ele fez na festa com o Lucas não foi pouco, querida. O rosto do Lucas ficou todo inchado e ele saiu de lá parecendo uma laranja — As duas gargalharam baixinho — Foi algo heroico da parte do Nando.

— Você acha? — O tom de Marina era derretido.

— Claro. Assim que fui chamá-lo para falar sobre seu desaparecimento ele saiu correndo feito um doido atrás de você... O resto você já sabe — Marina concordou e não pode evitar sorrir.

Essa era a resposta? Fernando gostava dela como ela dele? Pegou-se com o coração disparado e sem saber o que pensar... Aquele havia sido seu terceiro beijo em toda a vida, mas era como se fosse o primeiro! Na verdade, o primeiro também havia sido com Fernando quando ainda eram duas crianças.

Ela tinha onze e ele doze quando se esconderam em uma brincadeira de pique esconde e Nando perguntou se ela já havia beijado alguém. Estavam escondidos sob uma árvore no acampamento de verão quando decidiram dar um beijo para “ver como era”. Foi mais um desafio que algo romântico, apenas uma experiência de duas crianças. Colaram os lábios durante poucos segundos e com os olhos apertados, algo tão inocente quanto às risadinhas que deram em seguida.

— A única coisa que eu não entendo é esse papo de que o Nando está com a Bia — Marina encarou a garota de cabelo rosa um pouco surpresa pelas palavras.

— O que? Como assim com a Bia? — Franziu o cenho.

— Pois é — Anita se aproximou mais para sussurrar a fofoca — Está todo mundo comentando que eles estavam aos beijos atrás da quadra faz uns dois dias. A Bia, inclusive, está arrastando para todo o colégio que é a nova namorada do Nando!

Nova namorada no Nando.

— Isso não pode ser verdade! — Marina sussurrou para si mesma — Tem certeza do que está dizendo? O Nando com aquela garota?

— É a fofoca que corre... Confesso que apenas os vi juntos saindo ontem do colégio, mas apenas lado a lado, não tinha nada demais.

O dia de Marina acabou ali.

Como Fernando podia beijá-la em um dia e na semana seguinte, enquanto ela se recuperava de um trauma, sair se agarrando com a menina mais piranha do colégio? Era o fim de seu sonho de amor que não durou mais de um segundo! Bem que sua mãe lhe dizia para não confiar nos homens... Pia era uma mulher muito segura, mas morta de amor por Marcelo, o marido que durante toda a vida nunca foi capaz de verdadeiramente lhe amar.

Segurou as lágrimas pelo final do período e decidiu procurar Fernando quando acabasse a aula. Evitou sair no intervalo e por isso não se cruzaram, mas agora a situação seria diferente. Precisava ver para crer que realmente Fernando estava mesmo com Beatriz.

O sinal soou e Marina rapidamente reuniu seu material com bastante convicção. Caminhou pelo corredor com a mochila em um dos ombros e os passos certeiros. Sabia que naquele dia Fernando estaria no primeiro prédio e o pegaria no armário ao lado do seu. Bebericou sua garrafa de água ao alcançar o armário e não encontrá-lo, mas não precisou de muito mais esforço. Fernando estava há alguns metros conversando com Beatriz, que tinha uma das mãos sobre seu ombro. O sangue de Marina ferveu nas veias e a garrafa foi apertada por seus dedos.

Traidor.

Ele a iludiu!

Fernando terminou a conversa desferindo um beijo no rosto de Beatriz e se dirigiu para o armário. Marina se virou em direção aos livros e ignorou a presença dele. O garoto deteve-se no caminho e abriu um largo sorriso quando se deu conta de quem estava no armário ao lado do seu... Correu até ela com euforia e parou ao lado com o coração na boa.

— Sim. Voltei — Disse sem encará-lo e ajeitando seus livros. O sorriso dele se desfez perante a rispidez presente no tom de voz dela.

— O que foi? Pensei que ao menos ia ganhar um abraço quando você voltasse! Tentei te ligar, mas seu pai disse para te deixar descansar e resolvi obedecê-lo! Esperei você voltar durante todo esse tempo e...

— E? Qual vai ser dessa vez? — Virou-se para ele com os nervos a flor da pele. Os olhos azuis de Nando a encaravam com confusão.

— O que você tem?

— Porque não me diz você qual é a graça de iludir uma garota e em seguida sair ficando com a menina mais piranha da escola? — Fernando franziu o cenho e separou os lábios para responder, mas já era tarde demais — Sabe o que você merece? Isso!

Marina virou a garrafa de água na cabeça de Fernando e o empurrou com força enquanto o conteúdo todo escorria pelo rosto e uniforme do garoto.

— VOCÊ ESTÁ LOUCA, PIRRALHA? — Fernando gritou com o susto de ser molhado e pelo empurrão que levou.

— Você é um idiota, bolinho! Um idiota! — Os demais alunos já se aglomeravam ao redor de ambos, que seguiam discutindo enfaticamente.

— Você com certeza é muito mais idiota por fazer isso!

— Realmente sou uma idiota por ter me deixado levar por você! Como pude ser tão tola? — Marina voou para cima de Fernando, que a segurava pelos pulsos tentando não levar tapas — Você queria brincar comigo depois de tudo que passei, é isso?

— Do que está falando? Para, Marina, para!

A inspetora se aproximou e retirou Marina de cima de Fernando de modo a cessar a briga.

— Senhorita Ferrari e senhor Romanov... Direção. Agora!

 


Capítulo Nove

— O que está acontecendo com Fernando? Ele nunca foi um garoto de dar trabalho! — Ettore comentava com Amélia enquanto ambos caminhavam lado a lado em direção à sala da diretora do colégio.

— Para chamarem nós dois a coisa deve ser realmente séria! — Finalmente chegaram à recepção e foram indicados a entrada da sala.

A surpresa, no entanto, quase fez Amélia cair para trás! Novamente Fernando estava molhado ao lado da Marina e ambos pareciam ter cometido um assassinato, tamanha a expressão de decepção estampada nos belos rostos. Além disso, Marcelo estava lá ao lado de ninguém menos que Pia, sua ex-esposa.

O coração dela gelou quando contemplou a cena uma vez mais. Desviou de Marcelo desde que a última vez em que se encontraram com o intuito de esquecer aquele beijo e toda a cena de paixão que os envolveu. Havia bebido e cometido o erro de trair seu marido, no entanto era impossível se arrepender e não reviver aquela cena a todo o momento! Fugiu da presença do amigo durante os dias em que se passaram para não sucumbir ao desejo quando por um acaso do destino voltaram a se reunir por conta dos filhos em constante pé de guerra.

Tudo soava como um terrível acaso.

Não soube nomear o sentimento apertado em seu peito ao ver Pia ao lado dele naquela sala. A linda mulher se colocou de pé assim que notou a presença de Amélia e Ettore e sorriu cinicamente. Tratava-se de uma mulher alta, magra, de cabelos loiros tingidos e de olhos escuros. Era demasiadamente elegante e perspicaz, totalmente o oposto da baixinha e doce Amélia.

— Querida Amélia... Como os anos foram favoráveis para você! — Pia aproximou-se em passos certos para dar um beijo rápido no rosto da amiga — Está impecável como sempre.

— Não mais do que você — Amélia sorriu de volta buscando disfarçar o desconforto — Pintou o cabelo... Está quase no mesmo tom do meu! — Provocou por saber que durante toda a vida Pia buscou sempre acompanhar suas tendências.

— Gostou? É uma grande conivência! — Para disfarçar, Pia dirigiu-se ao marido de Amélia enquanto a mesma se ocupava de sentar de frente para Marcelo na parte oposta da mesa — Ettore, meu caro! Há quanto tempo?

— Pia... — Trocaram beijos rápidos — Você está ótima!

— E surpresa por ver que ainda seguem casados — Ettore franziu o cenho e Amélia suspirou pela indelicadeza da mulher.

Não era segredo para muitos que Pia sempre desconfiou de uma relação secreta entre Marcelo e Amélia, mas nunca teve provas suficientes para incriminar qualquer coisa. Após seu divórcio tinha ainda mais certeza de que o marido sempre foi apaixonado pela melhor amiga e havia muito mais por trás dessa história do que ambos diziam ser real.

— Estamos casados e estaremos assim por muito tempo! — Ettore sorriu inocentemente e sentou-se ao lado da esposa, passando um dos braços pelo ombro dela. Amélia não encarava Marcelo, que sequer conseguia disfarçar o esforço que fazia para manter o desconforto pela situação calado em seu peito.

— Assim espero... —Pia sorriu para eles.

— Mãe, chega! — Marina suspirou de maneira entediada e encarando Pia — Para de fazer esse papel de chata toda hora! Será que não vê que isso é bem inconveniente? O que você tem a ver com a vida de tia Amélia?

— Marina Gabriela, cale-se! — Pia repreendeu — Se estamos aqui reunidos é em prol de sua desobediência! Será possível que depois de tantos anos ainda temos problemas com você e Fernando?

— Agora percebo de onde realmente vem a pré-disposição para que os dois se comportem de tal maneira — A diretora ajeitou os óculos em frente ao rosto enquanto olhava de Pia para Amélia. O clima tenso era sempre nítido em meio às duas mulheres.

— Se a senhora se refere à Amélia e eu, está redondamente enganada! Sempre tivemos uma boa relação — As duas sorriram uma para a outra de maneira irônica. Marcelo cutucou a ex-mulher por baixo da grande mesa de madeira e ela o encarou com certa ira.

— Qual motivo de ter nos convocado novamente, diretora? O que ocasionou essa reunião? — As palavras de Marcelo eram sérias e realmente preocupadas.

— Os convoquei porque novamente o senhor Romanov e a senhorita Ferrari foram pegos brigando em meio aos corredores e causando perturbação a paz dos demais colegas. Em menos de dois meses ambos se envolveram em diversas situações inusitadas e creio que não seja viável mantermos os dois no mesmo colégio.

— O que quer dizer com isso? — Ettore interveio de maneira confusa — Está dizendo que os dois estão expulsos?

— Não, senhor. Estou dizendo que um dos dois terá de ser convidado a se retirar se não colocarem um fim de vez em tal situação! Não é viável ter dois alunos que causem tantos problemas quando estão juntos! Meu colégio é referência no país e não tolero escândalos do tipo! Preservo, principalmente, pela paz entre os alunos — A diretora discursava de maneira calma.

— Isso é um absurdo! Eu não vou sair do colégio em que estudei a vida toda no último ano do ensino médio, quando estou prestes a me formar com a turma! — Fernando levantou-se e falou de maneira nervosa. Amélia segurou no braço dele e o puxou para sentar-se novamente. O garoto estava vermelho e muito contrariado — Se alguém aqui tem que ir embora é ela!

— Eu não vou a lugar algum! Acabei de chegar e me adaptar aqui! Não vou passar por isso novamente... Pensa que é fácil mudar de Estado e de escola? — Marina devolveu as palavras com tamanha ira.

— Fernando tem razão — Marcelo pontuou dirigindo-se a filha — Você acabou de chegar e, portanto, é quem sairá!

— De maneira alguma! — Pia chamou a atenção de Marcelo — Nós também pagamos a mensalidade e Marina Gabriela tem o mesmo direito que qualquer outro aluno desta instituição! Ela não irá embora!

— Não acredito que nenhum dos dois precise, de fato, sair do colégio! — Ettore interveio de maneira tranquila e com a expressão beirando o obvio. Amélia se mantinha calada ao lado dele por conta de toda a situação e da presença de Pia ao lado de Marcelo. Era terrível encará-los juntos bem a sua frente! — Se a diretora disse que basta que se entendam, porque não investir na situação?

— Nós já fizemos isso e nunca surtiu efeito — Amélia respondeu ao marido com tom derrotado — Eles não se dão bem e ponto!

— Vocês organizaram um almoço e obrigaram os dois a comerem juntos... Acham que isso é uma medida para que selem a paz? — Todos encararam Ettore com certa confusão.

— Então tudo bem, senhor inteligência rara... — Marcelo acomodou-se na cadeira disposto a ouvir a ideia do marido de Amélia. Os adolescentes riram das palavras ditas por ele — O que sugere para que Marina Gabriela e Fernandinho se tornem amigos?

— Sugiro que façamos uma viagem juntos no feriado, todos nós! — Dizia empolgado — Podemos ir para uma viagem familiar e tranquila com as crianças e passar alguns dias longe da cidade. Assim os dois poderão se conhecer de verdade a partir do convívio e todos aproveitamos para passar um tempo de qualidade com nossos filhos.

— Me parece uma ótima ideia — Pia comentou sorridente. Para ela seria o céu passar alguns dias na companhia do ex-marido e certamente seria a desculpa perfeito para tanto — Marcelo e eu temos uma casa de campo e será perfeito passarmos alguns dias a beira do lago!

— A casa de campo ficou comigo na separação... — Marcelo comentou sem encará-la.

— Tanto faz! — Deu de ombros.

— Vocês realmente acreditam que isso possa dar certo? Eu sequer suporto ficar dois minutos no mesmo lugar que esse garoto! — Marina trazia expressão de asco e os braços cruzados em frente ao peito.

— Muito menos eu com você! — Fernando revirou os olhos — Desculpem, mas me recuso a ir viajar com ela!

— Se recusa? Então perfeito! Quem sairá do colégio é o meu filho, senhora Diretora! — As palavras decididas de Amélia fizeram o rosto do garoto corar de raiva.

— A senhora não pode fazer isso, mãe! — Suspirou — Eu sou seu filho!

— Senhora está no céu e você escolheu não ir à viagem, portanto, escolheu abrir mão de seu direito de ficar! — Fernando cobriu o rosto com as mãos.

— Para com isso, Nando — Marcelo usava um tom calmo para se dirigir ao garoto — Vamos para essa viagem e você verá como vai ser divertido. Tem várias coisas para fazer por lá e nós podemos passar bons momentos. É melhor vocês fazerem isso do que saírem do colégio, certo?

— Realmente posso concordar em deixar essa situação nas mãos de vocês, mas adianto que será a última vez! — Maria Antônia era severa com as palavras e deixava claro que não brincava em cada sentença — Não tolerarei mais brigas entre Marina Gabriela e Fernando Romanov. A próxima situação gerará a expulsão de uma das partes e não terei pena de tomar tal decisão.

— Está vendo o que você fez? Precisava fazer aquela cena no corredor? — Fernando dizia a Marina de maneira nervosa.

— E você? Esqueceu-se do que fez?

— Já chega! — Amélia chamou a atenção de ambos e parecia realmente absolvida pela situação. Sua expressão era de cansaço, mas não apenas pelas brigas constantes dos adolescentes. Sentia-se cansada do olhar de Marcelo sobre si sem sequer disfarçar o interesse — Vamos a tal viagem e fim de papo. Vocês dois tratem de crescer de uma vez já que não são mais duas crianças para fazerem tal cena!

Os olhos de Marcelo não abandonavam Amélia por sequer um segundo e Pia se perguntava em silêncio como Ettore podia ser tão desligado a ponto de não notar a situação que ali acontecia. Amélia se fazia de tudo para não manter contato visual com Marcelo e o mesmo não fazia questão de disfarçar o interesse. Se algo estava demasiadamente claro ali é que algo acontecia entre ambos... Algo do qual Pia sempre foi desconfiada!

Era um fato que jamais teve provas do envolvimento do ex-marido com Amélia, mas notava sempre certa melancolia na voz dele quando se dirigia a mulher que considerava sua melhor amiga . Nunca acreditou realmente em amizade entre um homem e uma mulher, por isso Pia afirmava com certeza de que alguma das partes nutria em silêncio um sentimento a mais. Apenas não conseguia compreender o que fez Amélia e Marcelo não ficarem juntos, uma vez que tanto ela quanto ele se casaram anos após se conhecerem.

Pia sabia que Amélia era apenas uma menina de dezenove anos quando engravidou de Abner, sem mais nem menos, após pouco tempo de namoro. Ela e Marcelo se conheceram na primeira novela em que fizeram quando ela tinha dezesseis e ele vinte anos. Os três anos anteriores ao casamento de Amélia eram um mistério para Pia e era aí onde morava o segredo, ela estava segura! Conheceu Marcelo após o casamento de Amélia e ele foi rápido em lhe pedir em noivado. Não demorou nem um ano para que também estivesse grávida e Marina Gabriela viesse ao mundo, obrigando-a a abandonar a carreira de modelo internacional e se dedicar a vida de madame e mãe de família.

Pia não podia negar que Marcelo era um ótimo pai e muito apaixonado pelos dois filhos, mas dizia com todas as letras que aquele homem jamais a amou. Poderia ter sido apaixonado em algum momento do casamento, mas jamais olhou para ela como olhava agora para Amélia Romanov, a mulher que sempre esteve presente em seu casamento. Com a desculpa de serem amigos , Amélia e Marcelo sempre buscavam uma maneira de estarem presentes na vida um do outro. Pia e os dois maridos que Amélia teve jamais viram ou puderam falar algo além da amizade dos dois, mas não era tão fácil aceitar a ideia de que seu marido, o homem que era pai de seus filhos, abandonasse tudo quando Amélia precisava dele.

Lembrava-se perfeitamente da maneira como Marcelo cuidou de Amélia após a separação da mesma e esteve presente em todos os momentos em que se fez necessário. Naquele momento, apenas três anos após seu casamento, Pia via sua vida conjugal indo pelos ares! Amélia estava solteira após um casamento conturbado e Marcelo atrás dela como um cãozinho... Era o fim, certamente, por isso precisou agir.

Engravidar novamente foi à saída e assim conseguiu trazer Marcelo para perto uma vez mais. A segunda gravidez foi de alto risco e o bebê nasceu prematuro, obrigando o casal a se mudar para São Paulo em busca de melhores recursos na época e se manter unido pela vida frágil de Marcelo Júnior. Era um sonho para Marcelo ser pai de um menino e somente a saúde debilitada do filho foi capaz de obrigá-lo a deixar Amélia recém-separada com um filho de quatro anos no Rio de Janeiro.

Por sorte de Pia, Amélia, que estava frágil e triste, conheceu Ettore em uma novela e ambos tiveram afinidade no mesmo momento! A fama dele era de garanhão e galã, mas rapidamente estava rendido aos encantos da beleza incomum de Amélia e se apaixonou perdidamente. A mesma já não via futuro com Marcelo, uma vez que o mesmo estava casado, com dois filhos e aparentando muita felicidade com a esposa e a família. Não cabia a ela destruir um lar e muito menos ser a responsável por separar os pais da pequena Marina, uma menina que criou grande afeto. Decidiu seguir em frente e aceitou se casar com Ettore, um homem que julgava ser correto e gostava demasiadamente de Nandinho.

Casou-se e logo engravidou, trazendo Felipe ao mundo para a alegria de Fernando, que agora tinha uma família completa. Ali decidiu que tudo havia acabado e não havia mais esperançada para a história de amor que nutria em silêncio.

Marcelo e Pia voltaram para o Rio após Júnior se recuperar e encontraram Amélia já casada e grávida. Os encontros de ambos se limitavam a Fernando e Marina, que estudavam nos mesmos colégios e passavam muito tempo juntos no acampamento de férias. A história morreu, mas o amor revivia a cada vez que seus olhos se encontravam. Pia inconscientemente buscava ser como Amélia e o fato trouxe muitos problemas ao casamento de Marcelo. O ciúme desequilibrado da mulher os obrigou a mudar definitivamente para São Paulo quando Marina tinha onze anos e assim foi. Viveram na grande metrópole por três anos, até o casamento desmoronar e Marcelo retornar ao Rio sozinho e separado. Agora era ele quem tinha ciência de que não tinha o direito de atrapalhar a vida de Amélia, o marido e os filhos. Apesar de buscar se manter distante, foi convidado para trabalhar na mesma série que ela e não pôde recusar.

Foi ai que tudo começou.

— Será que você pode me explicar a cena que presenciei ou terá a cara de pau de insinuar que foi tudo minha imaginação?

Marcelo fechava a porta de seu apartamento quando foi pego de surpresa pelas palavras de Pia. Marina apenas os encarou com desaprovação antes de subir para seu quarto ainda usando o uniforme escolar e carregando sua mochila.

— Eu te convidei para almoçar por conta das crianças. Você ainda é mãe dos meus filhos, mas não vou tolerar esse tipo de cena agora. Nós somos divorciados! — Marcelo caminhou até ela e disse as palavras com firmeza. Em seguida, voltou-se para o sofá e sentou-se ligando a televisão.

— Você passou anos negando em minha cara que jamais teve ou sentiu algo por Amélia Romanov, no entanto, bastou separar e vir morar no Rio para que tudo viesse à tona... Na frente de sua filha... Ao lado do marido dela! — O tom de Pia evidenciava nojo e Marcelo finalmente se irritou com as insinuações.

— O que está querendo dizer? Fale de uma vez! — Insistiu encarando-a.

— O jeito como você olhava para ela é pior do que antes ! Agora sequer disfarça como a admira e como a deseja... — Marcelo engoliu as palavras.

— Enlouqueceu de vez, foi isso? Não tem qualquer cabimento tudo que está falando!

— Desde quando vocês estão traindo o Ettore? — Cruzou os braços em tom de acusação.

— Pia, chega! — Marcelo a segurou pelos ombros com calma e fixou o olhar no dela — Amélia é uma mulher casada, séria e com filhos ! É uma dama e não admito que insinue coisas sobre ela, além disso, coisas irreais!

— Irreais? Chama de irreal todos esses anos? — Marcelo estreitou o olhar em direção a ela em confusão pelas palavras — Não é irreal o fato de eu ter passado mais de dez anos casada com a sombra de outra mulher entre nós até mesmo na cama e hoje tenho certeza de que essa mulher é Amélia Romanov!

 

 


Capítulo Dez

 

Marcelo, Marina, Júnior e Pia chegaram primeiro a casa de verão da família Ferrari naquele feriado em meados de Outubro.

O local era arborizado e localizado a beira de um belo riacho na região interiorana do Rio de Janeiro. A casa onde se hospedariam durante quatro dias com Amélia, o marido e os filhos era construída na mais moderna arquitetura e contava com maravilhosas paisagens que podiam ser admiradas pelas vastas paredes de vidro que decoravam o imóvel. Três piscinas interligadas e aquecidas proporcionavam ainda mais diversão para a viagem, além da quadra de futebol e das belas trilhas próximas à propriedade.

Pia gritava para que Júnior saísse da piscina, uma vez que o garoto havia acabado de chegar e já pulado dentro da mesma. Enquanto observava a ex-esposa repreendendo o filho por estar se divertindo, Marcelo viajava uma vez mais no passado e pela centésima vez se imaginava casado com Amélia e a mesma naquela posição. Certamente toleraria a diversão do garoto e não seria tão explosiva quanto Pia... Certamente criaria as crianças de uma maneira mais parecida com a dele.

Marina observava a paisagem com os fones no ouvido sentada a beira da piscina e existia certa melancolia no olhar castanho da garota. A menina nunca havia se dado bem com a mãe e como o pai não apreciava a maneira com a qual conduzia sua vida. Sentia-se presa quando Pia estava por perto e tal fato não lhe agradava, muito menos a competitividade que se estabelecia entre Pia e Amélia quando ambas habitavam o mesmo lugar. Era algo natural e inexplicável para quem não sabia sobre a história de Marcelo e Amélia... Uma história controversa.

O carro se aproximava o final do caminho de terra e o coração de Amélia já disparava no peito.

— Parece nervosa mamãe — Felipe comentou enquanto a mãe acariciava seu cabelo castanho com carinho.

— Não querido... Está tudo bem — Sorriu para o filho caçula e lhe beijou a testa.

— Estou empolgado para brincar com o Júnior. Ele disse que tem três piscinas aqui.

— Sim querido, é um lugar muito bonito... Você vai adorar.

— Já esteve aqui Amélia? —Ettore lhe lançou um olhar questionador pelo retrovisor. Ele dirigia com Fernando ao seu lado, no banco do passageiro.

— De certo que sim. Quando Fernando era pequeno nós passamos alguns verões nesta casa, se lembra filho? — O garoto assentiu positivamente.

— Eu, você, meu pai e os Ferrari. As lembranças são longínquas, mas certamente me lembro de alguns flashes.

Ettore aceitou a explicação de Fernando e seguiu dirigindo em silêncio. Não demorou até alcançarem a entrada do imóvel e o porteiro abrir o portão com um largo sorriso. Definitivamente tratava-se de uma hospedagem apreciável e luxuosa, exatamente o mesmo local que habitava nas lembranças de Amélia.

Avistou Pia na beira da piscina brigando com Marcelo e o motivo parecia ser o filho mais novo, Júnior, querer brincar na piscina. Resolveu ignorar a situação conflituosa enquanto Ettore amenizava o clima tenso com suas brincadeiras de sempre.

— Posso pular na piscina também mamãe? — Felipe questionou empolgado com o cenário e logo que adentraram ao local.

— Claro querido... Apenas tire a camisa, o tênis e as coisas do bolso — Amélia respondeu com rapidez e o menino obedeceu suas ordens rapidamente.

Junto de Júnior, Felipe caiu na água no mesmo momento e não houve o que Pia fazer para deter as crianças na brincadeira. Marcelo trocou um longo olhar com Amélia e tal contato falou mais do que mil palavras. Tanto era expresso, mas nada poderia ser revelado.

— Parece que sua esposa e meu ex-marido têm muito em comum quando se diz respeito à criação dos filhos, Ettore — O comentário de Pia certamente foi com a intenção de criar um clima estranho.

— Amélia sempre foi muito prática... — Deu de ombros e abraçou a esposa pelos ombros — Gostaria de pedir um favor, Pia. Será que poderia me apresentar a propriedade? Amélia já esteve por aqui e certamente a entediará passear pelo conhecido. Você me faria às honras?

— Será um prazer — Pia aceitou o braço que Ettore lhe estendeu e ambos começaram a caminhar para a parte interna do imóvel.

— Eu também vou subir mãe — Fernando sussurrou com a mochila pendurada nas costas — Vou desfazer as malas e depois fazer meus exercícios. Tem academia por aqui tio?

— É uma ótima ideia. Vou pegar uma esteira com você garoto... — Marcelo bateu no ombro de Fernando quando Amélia desviou o olhar do seu e sentou-se na beira da piscina. Não seria uma boa ficar a sós com ele e preferia ficar ali olhando os pequenos Júnior e Felipe se divertindo na água.

Marina sequer cumprimentou-os. Assim que viu Fernando ignorou completamente a presença de todos e seguiu mexendo em seu celular do outro lado da piscina.

Era estranho pensar em como as coisas aconteciam e em tudo que havia sido feito para que chegassem até ali. Ao mesmo tempo em que Fernando e Marina viviam como gato e rato, os pequenos Júnior e Felipe se divertiam a beça juntos e se comportavam como melhores amigos durante todo o tempo. Vendo-os brincar na água animadamente, Amélia tinha a impressão de que presenciava o encontro entre dois primos... Amigos... Irmãos. Os garotinhos jogavam água um no outro e gargalhavam com as brincadeiras.

Talvez fosse a hora de admitir para si mesma que fugir de Marcelo não era mais uma opção. Mesmo que amasse seus dois filhos e a família que Ettore proporcionava, não havia como sustentar tal mentira por mais tempo. Era isso o que vivia, afinal... Uma grande mentira!


Fernando corria na esteira ao lado de Marcelo e ambos conversavam sobre treinos e assuntos diversos. Nunca em vida sentiu-se tão próximo da figura de um pai quanto naquele momento raro em que se abria com Marcelo sobre sua vida.

— Abner sempre foi um homem difícil, mas certamente te ama a sua maneira — Marcelo corria com o suor escorrendo em sua testa e com a camisa branca regata colada aos músculos — Não é possível que um pai não ame seu filho, ainda mais um rapaz tão bacana quanto você.

— Sequer penso em meu pai... Já é carta fora do baralho, mas confesso que penso diversas vezes em como seria conversar com ele sobre certos assuntos que não posso tratar com minha mãe — Fernando respondeu também correndo e com o cabelo escorrendo em sua testa.

— Está falando sobre mulheres? — Fernando sorriu de canto e Marcelo lhe acertou com a toalha de maneira brincalhona — Ah rapaz... Não vai me dizer que o cupido já te acertou?

— Já faz um tempo que o cupido me acertou, tio, mas faz pouco que me dei conta — Respondeu medindo as palavras.

— Não é fácil se dar conta de que está apaixonado, mas quando se cai no abismo às coisas ficam complicadas. É mais fácil aceitar de uma vez antes que seja tarde — A seriedade de Marcelo fez Fernando pensar.

— Acho que talvez já seja tarde...

— Você ainda é tão jovem, garoto. Aposto que ainda há tempo — Fernando deu de ombros — Me fale sobre ela. Como é a felizarda?

Fernando engoliu em seco e espiou Marcelo pelo canto de olho. Conteve o impulso de falar demais e policiou as palavras para seguir uma linha coerente.

— Ela é uma antiga conhecida do colégio e nós somos parceiros das antigas — Dizia rapidamente e com certo desconforto. Era difícil não dizer que a garota em questão era a própria filha de Marcelo! — Mas ela nunca pareceu gostar de mim da mesma maneira e demoramos muito para descobrir que sentíamos a mesma coisa. Pelo menos eu acho que é assim.

— É uma boa garota?

— Sim... É impulsiva, espontânea e incrivelmente doce em certos momentos — Sorriu ao imaginar Marina — Muito bonita e tem uns olhos... Eu fico apaixonado cada vez que a encontro.

— Pois é, garoto. Comigo acontece o mesmo — O tom sonhador de Marcelo fez Fernando reduzir um pouco o ritmo na esteira devido à curiosidade.

— Espera ai tio... O senhor e tia Pia não estão separados faz tempo? Quer dizer que você está amarrado em outra mulher? — Marcelo engoliu a respiração — É aquela tal mulher do seu passado?

— Ah garoto... Aí já está querendo saber demais! — Brincou para quebrar o clima — Todos nós temos segredos.

— Está aí uma grande verdade — Voltou a correr com mais intensidade — Até o Ettore com aquela cara de santo tem segredos e não são poucos.

— Do que está falando Fernando? — Questionou curioso pelo tom enraivecido do garoto.

— Não vai contar para ninguém? — Sussurrou olhando dos lados e Marcelo concordou.

— Dou minha palavra de homem.

—Já peguei umas conversas estranhas do Ettore no celular e já o vi saindo de casa após colocar camisinha no bolso. Já vi, inclusive, coisas de mulher que não eram da minha mãe no carro dele quando me leva para o colégio — Marcelo olhava para o garoto com a expressão embasbacada — Tenho certeza que ele bota chifre na minha mãe há muito tempo.

Marcelo parou a esteira com prontidão e colocou-se a pensar.

— Está seguro do que está falando Fernando? Ettore trai Amélia?

— Cem por cento seguro! É por isso que não vou com a cara dele... Tenho convicção de que esse cara trai minha mãe e só não conto para ela porque iria machucá-la demais! A vida dela é esse casamento e a família que acredita que somos. Minha mãe morre se outro casamento não der certo e ela afastar o meu irmão do pai dele como aconteceu comigo e com meu pai.

As palavras de Fernando não saíram da mente de Marcelo, que inventou uma boa desculpa para deixar o garoto malhando sozinho e caminhar pelo jardim de inverno. Não fazia nenhum sentido nada que foi dito! Como Ettore – ou qualquer outro homem no mundo – poderia ser capaz de trair uma mulher como Amélia? Era inviável tal situação e, pior ainda, saber que o que prendia Amélia de ser feliz ao lado dele era o casamento com Ettore e o filho que tinham! Tal casamento era uma furada e era direito dela saber disso!

Mas como diria se havia prometido a Fernando que não o faria? Também iria trair o garoto como fez Abner, seu verdadeiro pai, durante todos esses anos? Não podia faltar com sua palavra de homem.


— Pai? — Marina adentrou a academia em passos largos e ansiosos. Olhou ao redor e suas bochechas se ruborizaram quando notou que Marcelo não estava ali, apenas Fernando erguia alguns ferros solitário e suado.

Conteve-se para não reparar muito na camisa preta colada ao peitoral levemente musculoso e a forma sensual como o garoto suspirava ao erguer o peso. Definitivamente sensual havia se adequado ao momento e a ele, algo que nunca imaginou ser possível no passado. Cruzou os braços em frente ao corpo quando sua presença foi notada pelo garoto, que apenas a encarou enquanto seguia com sua série.

— Seu pai saiu faz alguns instantes — Respondeu ofegante — Posso ajudá-la?

— Você ajuda alguém em alguma coisa garoto? — Ironizou ainda com a mesma postura acuada.

— Te ajudei quando um cara tentou roubar sua pureza de maneira pouco convencional... Está esquecendo? — Marina mordeu os lábios com as lembranças e revirou os olhos. Não conseguia desviar a atenção dele, que seguia se exercitando sem encará-la.

— De onde tirou que sou pura? — Fernando quase deixou os pesos caírem em suas costas ao ouvir tais palavras. Colocou o aparelho de volta em seu lugar de maneira desengonçada e Marina teve vontade de rolar de rir perante sua falta de jeito.

— O que está querendo dizer? Você só tem dezesseis anos! — Aproximou-se dela em passos curtos e com o rosto distorcido em uma expressão de horror.

— E o que tem isso? — Deu de ombros. Obviamente estava blefando. Ainda era uma garota sem experiências intimas com garotos, mas a reação dele estava sendo realmente curiosa. O rosto pálido de Fernando estava ainda mais ruborizado que anteriormente e parecia prestes a explodir.

— Como assim o que tem isso? Você é a Marina... A Nininha que eu conheci! — Suas palavras eram um tanto atropeladas — Não acho que você seja uma garota do tipo que sai com qualquer um e pelo que eu saiba nunca houve um namorado em sua vida.

Marina cruzou os braços e gargalhou baixinho. Não podia deixar de se sentir especial diante da perplexidade dele para com sua virgindade.

— Realmente você é um bom expectador de minha vida, Fernando Romanov — Piscou para ele com cumplicidade e sentiu certo alivio no olhar azul do garoto perante suas palavras — De fato não é possível mentir para você, correto?

— Não quando estamos falando sobre algo que me importa! — A resposta foi impensada e Fernando se envergonhou quando notou que as proferiu de maneira tão intensa.

A própria Marina ficou sem palavras diante do tom do garoto e quando reparou ambos estavam próximos demais. Fernando deu um passo largo em direção a ela e fixou os olhos azuis nos seus. Era impossível ser imune ao charme do garoto e aos sentimentos que despertava em seu coração. O que seria aquilo? Talvez amor?

— Nininha! Nandinho! — Um pulo separou os lábios próximos quando Júnior e Felipe adentraram a academia correndo e usando roupas de banho.

— O que foi garoto? — Marina gritou para o irmão que parecia muito empolgado — Será que não consegue ser uma criança normal uma vez na sua vida?

Fernando coçou a cabeça e se afastou dela com certa decepção diante da chegada dos meninos.

— Tio Ettore e papai estão fazendo churrasco e chamaram vocês dois para comer — Júnior anunciou com o cabelo loiro colado ao rosto e ainda empolgado — Porque vocês não vêm nadar com a gente?

— É! Vai ser muito legal! Podemos fazer uma competição! — Felipe saltita ao lado de Júnior e Marina e Fernando se encaram longamente.

— Eu topo... — Nando responde de maneira misteriosa e Marina estreita o olhar — E estou seguro que meu e irmão e eu vamos ganhar! — Abraça Felipe pelo ombro e o garotinho de cabelos escuros sorri orgulhoso.

— Isso é o que vamos ver! Meu irmãozinho aqui é uma fera da natação — Abraça Júnior da mesma maneira e os garotinhos gritam empolgados.

Usar os pequenos para estarem mais próximos era uma estratégia que ainda engatinhava diante das outras estabelecidas por Fernando. De alguma maneira era necessário convencer Marina de que a história deles estava apenas começando.

 

 


Capítulo Onze

 

O primeiro dia na casa de verão dos Ferrari havia sido muito mais tranquilo do que Amélia podia ter imaginado.

Passou quase todo o tempo lendo a beira da piscina enquanto os filhos brincavam na água de maneira animada. Felipe e Júnior conseguiram convencer Marina e Fernando a brincarem com eles na piscina e a disputa entre irmãos parecia divertir a todos. Os mais velhos seguiam brigando por coisas pequenas, mas em algumas ocasiões presenciou Fernando carregando Marina nas costas dentro da água e não pareciam tão enraivecidos como antes, ao contrário. A garota gargalhava enquanto tentava se desvencilhar do ataque.

Ettore e Marcelo fizeram churrasco com a ajuda dos empregados da casa e Pia, como sempre, ficou palpitando da vida alheia e gritando com os filhos ao redor da cena. Tudo como antes. Tudo como esperou.

Ficou longe de Marcelo o quanto pôde, mas não conseguiu evitar reparar nos olhares demorados que o amigo lançava para seu corpo coberto apenas com o maiô branco e molhado. Por trás dos óculos escuros enxergava os olhos escuros dele lhe percorrendo as pernas e se demorando em seu busto. Não parecia temer a presença de Ettore e muito menos de Pia!

Jantou junto de todos e com a desculpa de que iria colocar Felipe na cama subiu antes dos demais. O quarto do filho seria dividido com Júnior e não demorou até os dois pequenos caírem em um peso sono após um dia de tantas atividades. Pegou-se admirando os garotinhos por largos momentos enquanto visualizava no rosto do pequeno Marcelinho os traços marcantes de seu pai. O garoto era uma réplica exata de Marcelo, com seus lindos cabelos loiros e as sardas espalhadas na pele bronzeada. Tocou o cabelo do pequeno adormecido e lhe deu um beijo na testa. Um dia esteve prestes a jogar tudo para o alto e voltar com Marcelo, mas por um acaso do destino o nascimento do filho caçula dele os impediu. Amélia escolheu se afastar por conta do bebê e hoje enquanto contemplava a pequena figurinha se orgulhava disso.

Tanto ele quando Marina não mereciam uma mãe histérica como Pia por tempo integral. Graças a Deus os dois eram criados por Marcelo.

Saiu do quarto e caminhou em direção ao que dividiria com Ettore. Tal fato fazia seu estomago gelar. Há quanto tempo não dividia um quarto com o marido, realmente? Já era casada há dez anos, mas não dormiam juntos em sua casa. Tinha um quarto de faixada, mas o marido costumava dormir na sala ou no quarto de hospedes. A desculpa de ambos era a rotina diferente, uma vez que Ettore costumava trabalhar a noite escrevendo suas peças e decorando suas falas quando raramente fazia televisão. Amélia sempre acordava cedo e utilizava isso como motivo para dormirem longe. No fundo Ettore sabia que tudo tinha a ver com a falta de interesse de Amélia para com ele.

Após os primeiros anos de casamento foi difícil encontrar algo para dizer quando não queria se deitar com Ettore e ele teve de se dar conta sozinho de que a esposa não se interessava muito por sexo. Com o tempo passou a rotular o fato como rotina ou até mesmo menopausa. Era ridículo, uma vez que Amélia ainda era muito jovem para tal fato e tinha uma vida de desejos intensos acuados em seu corpo. Em todas as ocasiões em que se deitou com Ettore, não houve uma em que não houvesse imaginado Marcelo em seu lugar.

Atualmente podia contar nos dedos os momentos em que partilhavam de qualquer intimidade e todas às vezes que era necessário acontecer colocava em sua mente que esse era seu dever de esposa. Não era fácil, mas muito mais simples do que um dia foi com Abner.

Para sua surpresa encontrou Ettore adormecido em seu lado da cama e a julgar pelo cheiro de álcool no ambiente estava embriagado pelo dia todo bebendo a beira da piscina. Agradeceu aos céus quando saiu do banho usando sua camisola branca de seda e pronta para dormir. Ouviu uma leve batida na porta do quarto e rapidamente foi atender. Era Fernando também já pronto para dormir.

— O Ettore está bem mãe? — Questionou preocupado.

— Está sim querido... Está tudo bem. Você já vai deitar?

— Vou ver um filme na sala de televisão. Tio Marcelo também está lá com a Marina... Quer dizer, ele acabou de ir para a cozinha brigar com a Pia — Deu de ombros — Quem aguenta essa mulher maluca?

— Boa pergunta meu filho — Amélia gargalhou baixinho — Quem aguenta?

Fernando voltou para a sala de televisão no andar de baixo e Amélia seguiu em direção à cozinha de maneira espreitada e oculta. Não queria ser vista investigando a briga do ex-casal, mas era mais forte do que sua vontade. Eles brigaram aos sussurros, mas era possível identificar algumas palavras.

— Não sei por que está reclamando de ter vindo até aqui — Dizia Pia — Ficou o dia todo secando o corpo dela na piscina e bebendo uísque com o corno do lado!

— Cala a boca Pia! Quantas vezes vou ter que lhe pedir para ser discreta e parar de inventar absurdos? — A mulher suspirou — Sabe o que verdadeiramente acho? Que você tem obsessão por Amélia! Você é apaixonada por ela ou queria ser ela, porque é impossível alguém implicar tanto com uma pessoa que sequer liga para sua existência!

— Foi por causa dela que nos separamos! Acha que não sei que você passou todos esses anos pensando nela?

— Faz dez anos que escuto o mesmo discurso, mas você nunca provou absolutamente nada! Responde-me uma coisa... Porque acha tanto que eu e Amélia temos um caso?

— Por acaso você esquece que por mais de dez anos dormi ao seu lado na cama? — Marcelo se mantinha em silêncio — Eu ouvia você dormindo e sussurrando o nome dela noite após noite. Você dizia que a amava — O coração de Amélia se apertava enquanto ouvia as palavras de Pia — Já ouvi você chorando por ela, Marcelo, até mesmo peguei fotografias dela escondidas em suas gavetas e no seu computador existe uma pasta com o nome dela... Fotos, textos, cartas... Eu sei de tudo. Um simples amigo não guardaria tantas coisas, não acha?

— Você acha que sabe, mas não sabe Pia. Já é tarde demais para nós e não existe fundamente nesta discussão — A voz dele era transtornada.

— Sei que não existe mais nós e talvez nunca antes tenha existido! A vida toda lutei contra o fantasma dela, mas sei de uma coisa que você, bem no fundo, também sabe... Amélia Romanov jamais será sua, Marcelo! Jamais! Ela fugiu de você por mais de vinte anos de todas as formas possíveis e já deu provas mais do que suficientes de que não te ama da mesma maneira.

— Chega Pia...

— Ela não te ama e se um dia te amou, o fez da maneira errada!

Pia saiu da cozinha na direção aos quartos e no exato momento Marcelo apoiou os braços na bancada e suspirou pesadamente. Amélia não pôde evitar uma vez mais. Saiu de seu esconderijo as sombras e caminhou por detrás dele.

— Fotos... Arquivos... Sussurros em meio ao sono — Disse próxima dele. Marcelo se virou em um susto e encarou os olhos cor de mel com surpresa — Tudo isso é verdade?

O mundo girou lentamente aos olhos dele enquanto a encarava. Seria sensato dar asas ao que sentia e concordar ou seguir a diante com seu jogo de sombras?

— É melhor não — Respondeu com sinceridade e nervosismo.

— Eu lhe fiz uma pergunta e não irei sair daqui até que seja respondida. O que Pia disse é verdade? — A questão era sustentada de maneira segura.

— Durante vinte anos você deixou esse assunto nas sombras e acha que agora é o momento certo de questionar qualquer coisa? — Amélia seguia com a expressão inalterada — Não é justo.

— Durante vinte anos nós dois não tivemos coragem e pelo que vejo você segue na mesma posição...

— A culpa não foi somente minha — Suspirou baixinho e tomando cuidado para que não fosse ouvido — Você disse que não queria algo sério, no entanto engravidou de Abner em contramão a tudo que foi usado como desculpa para nos separarmos.

— O que está querendo dizer? — Estreitou o olhar enquanto o encarava profundamente — Acaso ainda sente algo por mim?

Marcelo sorriu de maneira desacreditada e passou os dedos entre os cabelos.

— Porque você teve de se casar com Abner quando disse que não poderia ser minha porque ainda era muito jovem?

— Eu sei o que eu disse, mas quando percebi que ficar sem você era impossível já era tarde. Você estava com Pia e trabalhando no exterior... Joguei-me nos braços de Abner porque era a única coisa que podia me consolar pela sua perda, mas nada deu certo — Amélia dizia em meio às lágrimas que corriam em seu rosto corado. Era como desabafar palavras presas por décadas — Era impossível viver sem você e ainda continua sendo, Marcelo. Ainda continua sendo!

Não demorou sequer um instante para que ambos quebrassem o espaço que os separava e colassem os lábios um no outro. O coração de Amélia batia como quando ainda era uma adolescente que estava pela primeira vez nos braços do grande amor. Único amor. O amor que um dia cresceu por Marcelo era o mais puro e verdadeiro e jamais desapareceu... Jamais se foi. Estreitava-se contra o peito forte enquanto tinha os lábios amassados em um beijo dilacerante e recordava como era ser amada. Ela o amava com tal intensidade que sequer podia pensar. A vida apenas fazia sentido ali, nos braços dele, contra ele, amando-o e tendo-o.

— Você é um idiota mesmo hein garoto! — Os gritos vinham da sala ao lado e os obrigaram a se separar com pressa — Olha o que fez com a pipoca!

— Ah cala boca! — Fernando respondia a Marina em tom nervoso — Você esbarrou no meu braço!

Amélia tapou os lábios com as mãos pelo susto e Marcelo suspirou pesadamente. Ambos demoraram alguns segundos para caminharem até a sala e encontrarem os dois adolescentes discutindo e muita pipoca espalhada no sofá.

— O que está acontecendo? — Marcelo questionou roubando a atenção dos dois.

— Fernando derrubou a pipoca que acabei de fazer — Marina torceu os lábios ao responder — Vocês estão bem?

De fato era nítido que Amélia parecia abalada e Marcelo muito inquieto.

— Claro que estamos... Ótimos — Amélia deu de ombros ao responder — Vocês vão continuar vendo o filme?

— Eu vou... Você não fica tio? — Nando direcionou-se a Marcelo enquanto ignorava Marina e se sentava no sofá ao lado dela.

— Não eu... Vou deitar. Estou cansado.

— Mas você disse que estava sem sono, pai — A garota não compreendeu a colocação dele.

— É, mas agora estou cansado. Boa noite para vocês.

— Boa noite — Amélia desejou com um meio sorriso e saindo em frente a Marcelo, que ainda demorou-se uns instantes olhando-a voltar ao quarto.

— Pai, espera! — Marina se colocou de pé e correu até o pai, que a encarou um tanto desconcertado pela maneira como estava mexido por Amélia — Está chovendo e eu não quero dormir sozinha.

— Ah Marina Gabriela, por favor... Você não é mais uma criança para temer barulhos de chuva — Repreendeu um tanto aéreo e com a cabeça nitidamente em outro lugar. Não parecia muito importante nada do que a garota dizia comparado com o que havia acabado de acontecer.

— Papai! Posso dormir com você? Por favor! — Insistiu nervosamente e de fato era possível ouvir os barulhos dos trovões ecoando ao longe, algo corriqueiro naquela região — Sempre que ficamos aqui você me deixa dormir com você!

— Você já é uma moça, Marina, por Deus — Suspira pesadamente — Dorme com o Nando. Ele te faz companhia.

— O que? — Tanto Marina quanto Fernando encararam Marcelo ao mesmo tempo e em total surpresa.

— Vocês não vão ficar vendo o filme? Então! Quando acabar vocês dormem juntos lá em cima e sem drama... Estou cansado e preciso subir — Marina tinha o queixo caído diante das palavras de seu próprio pai.

— Pai... O Fernando é um garoto e eu uma garota! Nós não temos mais dez anos! — Relembro para ver se o pai caia em si.

— Marina, por favor! Vocês dois são como irmãos e eu confiaria sua vida ao Nando... Ele já provou que é um garoto direito. Vocês são como irmãos... Não é Fernando? — O garoto encarava Marcelo sem saber o que dizer e coçando o cabelo negro.

— A gente se conhece há muito tempo e...

— Está vendo? — Marcelo logo atropelou as palavras do garoto e Marina seguia boquiaberta diante de tudo o que ouvia — Vocês foram criados juntos e eu confio na sua educação, querida.

— Mas é diferente, papai.

— O que está querendo dizer? — Marcelo encarou a filha com certa curiosidade.

— Que não somos mais crianças.

— Então pare com suas bobagens e durma com a chuva sozinha... — Marcelo se aproximou da filha e lhe deu um longo beijo na testa de maneira carinhosa — Boa noite querida. Eu te amo.

— Boa noite papai... Também te amo — Respondeu baixinho e com a expressão ainda baqueada.

Quando Marcelo subiu as escadas em direção aos quartos, Marina virou-se para Nando com o rosto convertido em choque.

— Ouviu o que acabou de acontecer? — Sussurrou caminhando de volta até o sofá.

— Sim, mas ainda não acredito — Fernando sussurrou de volta sem encará-la — O seu pai é maluco.

— Ele nunca me deixa dormir nem na casa de amigas, que dirá com um garoto no quarto! — Tapou os lábios com as mãos enquanto pensava — Ele deve confiar muito em você.

— Ou realmente achar que entre nós dois nunca rolaria nada mais que brigas — A resposta dele surpreendeu e Marina não pôde evitar seguir com a questão que lhe rondava a mente

— Como poderia acontecer algo se você está namorando a ruiva azeda? — Nando a encarou com o cenho franzido e uma total expressão de horror estampada na bela face.

— O que está falando? Pirou?

— Da sua amiguinha piranha Beatriz — Ironizou com a voz nitidamente afinada e imitando a garota citada — Anita me contou que viu você e ela juntos na saída do colégio e que todo mundo estava falando que vocês estavam namorando.

— Mas isso não tem o menor cabimento! — Virou-se em direção a Marina e ambos ficaram frente a frente sentados ao grande sofá em frente à televisão — Não tenho nada com a Bia, ela é só minha amiga.

— Ah claro — Seguia em tom desacreditado — Sua palavra contra a palavra de todo colégio!

— Você acredita neles ou em mim, que te conheço a vida toda? — Marina torceu os lábios e desviou os olhos castanhos da face do garoto — Ela fica me cercando, mas nós dois nunca tivemos nada sério e faz muito tempo que não tenho nada além de amizade com ela... É por isso que você ficou bolada e fez todo o show no colégio?

Fernando sorria de canto e o rosto de Marina se avermelhou instantaneamente.

— Pode tirar esse sorriso do rosto... Você pode andar com quem quiser! Para mim isso não muda nada!

— Não acredito em sequer uma palavra — O garoto estava próximo dela e Marina rapidamente virou o rosto em direção ao filme na televisão.

— Você não tem que achar nada, apenas me deixar ver meu filme em paz.

Fernando suspirou quando a garota voltou a mastigar a pipoca de maneira grosseira para que o distraísse. Encostou-se ao sofá com certo tédio e passou a direcionar a visão para o filme, mas sua mente apenas focava na garota ao lado. Marina estava com ciúme dele com Bia e esse era o motivo de toda a briga até agora. Finalmente compreendia a complexa mente das mulheres. Certamente era mais fácil soltar as feras do que simplesmente dialogar.

Não demorou para que o filme rodasse e ela adormecesse. Não demorou para que Fernando deslizasse até mais perto e hesitasse antes de deslizar um de seus dedos pela bela face pálida da menina. Marina era linda como uma boneca e os belos cabelos louros e cheirosos emolduravam sua doce beleza com inocência e delicadeza. Ele não podia deixar de admirá-la de perto, tão pouco contar as poucas sardas que se desenhavam em suas bochechas. Não era fácil explicar os sentimentos que nutria por ela, mas Nando certamente sabia que era algo poderoso e talvez arquitetado pelo destino.

Marina sempre o hipnotizou, até mesmo quando era uma bebê loira, redonda e rosada.

Tocou o cabelo dela após alguns segundos e teve vontade de enterrar o rosto entre os fios para então respirá-la. A força que os unia era grandiosa e inquebrável... Naquele momento Fernando compreendeu que desde sempre esteve apaixonado. Grandiosa e copiosamente apaixonado. Era como uma febre que aumentava com o passar dos anos. Os sintomas apenas se agravavam.

— Nininha borboletinha... — Sussurrou enquanto acariciava o cabelo dela com cuidado.

Naquele momento Marina abriu os olhos e o encarou com as íris escuras em grande surpresa.

— Nandinho gatinho — A garota completou a frase dele com a musiquinha que inventaram quando crianças. Ambos sorriram um para o outro.

— Está com sono? — Ela assentiu positivamente sem querer se mover. Nando removeu a mão que acariciava o cabelo dela e dissipou um pouco do clima tenso — Vamos subir então.

Marina concordou e ambos desligaram os aparelhos da sala. Subiram em direção aos quatros com a chuva tamborilando na vidraça das janelas e os relâmpagos reluzindo nas paredes esbranquiçadas. O quarto dela chegou e foi ali que os dedos de Marina se fecharam no pulso de Fernando, que seguia em direção a seu dormitório.

— Espera Fernando — Disse apreensiva. Rapidamente foi atendida com o olhar azul do garoto repleto de surpresa — Fica aqui.

O rosto dele se avermelhou.

— Mas Marina...

— O meu pai disse que podia — Insistiu nervosamente devido a intensidade dos trovões — Nós já dormirmos juntos várias vezes durante a vida, não vai ser a primeira vez.

—Mas é diferente... É tudo diferente — Nando gaguejava as palavras atropeladas.

— Por favor. Fica.

Ele não soube dizer não e Marina tão pouco pôde ignorá-lo.

 

 


Capítulo Doze

 

O quarto cor de rosa não havia mudado em nada aos olhos de Fernando.

Ainda era possível encontrar resquícios da pequena Marina borboletinha saltitando entre as paredes decoradas com ursos e ouvir a voz infantil sussurrando uma canção inocente. Tudo era muito presente, mas ao mesmo tempo surreal. A menina do passado era também a linda moça pela qual estava apaixonado. Aliás, não sabia dizer qual das duas amava mais, apenas podia garantir que era difícil desviar os olhos do rosto dela.

— Nando? — Sussurrou a voz de sua imaginação, mas agora era de fato real. Marina chamava por ele.

Estava deitado na cama de baixo – aquelas que se puxa — e ela na de cima como sempre foi durante a infância. A chuva tamborilava na vidraça e os trovões chacoalhavam o quarto escuro.

— Oi — Respondeu sem se mover.

— Deita aqui... — Os olhos dela se fizeram visíveis quando o rosto bonito se aproximou da beira da cama.

As palavras faltaram a ele, mas não soube como dizer não. Era difícil negar algo para ela e muito mais ficar tão perto. Deu-se conta de que foi um erro deitar ali quando o fez, aproximando-se dela a ponto de sentia as curvas do corpo feminino coladas a rigidez de sua estrutura. Caramba. Marina era muito linda e nada mais criança.

— Não entendo você... Uma hora me bate e na outra me chama para ficar aqui — Nando segue sussurrando enquanto encara os olhos escuros fixos em seu rosto.

— O que está querendo dizer? Você sabe que sou assim o tempo todo — Marina era incapaz de desviar a atenção dos olhos azuis do garoto. Era incrível a maneira como a hipnotizava tão facilmente.

— Estou dizendo que você precisa decidir se gosta de mim ou não — Marina corou e ele pôde notar tal fato mesmo sob as sombras. Seus rostos estavam próximos e a respiração também.

— Você gosta de mim? — A pergunta inocente de Marina não deixou duvidas a Nando.

— Sim, eu gosto — Sussurrou decidido e sem qualquer hesitação — Talvez seja a chuva e todo esse escuro, mas agora eu tenho coragem de falar... Eu gosto de você, Marina, e gostei de você a vida toda.

O silêncio imperou após as palavras corajosas e a menina não sabia como expressar o que se passava em seu coração naquele momento. Nando, por sua vez, não podia crer que disse isso à garota que sempre declarou guerra a sua vida.

— Desde quando éramos crianças? — A pergunta dele o fez hesitar um pouco.

— Naquela época eu não sabia o que era gostar... Hoje eu sei e posso dizer. Eu gosto de você e não aguento mais ficar brigando por tudo — Marina seguiu em silêncio e o garoto foi tomado pela ansiedade — Você não vai dizer nada? Vai começar a rir de mim, é isso? Foi para isso que me chamou aqui?

Repentinamente Marina sentou-se na cama e Fernando a acompanhou com o olhar sem conseguir compreender. Foi então que notou que ela chorava. Seu belo rosto sardento se evidenciou a luz dos trovões e o cabelo loiro e revolto se mostrou ao redor da face. Lágrimas finas e silenciosas rolavam em suas bochechas avermelhadas.

— Como posso rir de você se também sinto a mesma coisa? — Disse um tanto alto e nervosamente. Aquela Marina brava e cheia de marra era a mesma garota que chorava por poucas palavras — Será que você é um idiota completo incapaz de compreender isso, Fernando? Será que eu preciso mesmo dizer com todas as palavras que também gosto de você desde a infância e durante a vida toda?

— Como eu poderia adivinhar? — Esbravejou sentando-se ao lado dela — Sempre que você abre a boca é para ofender. Nada do que acontece entre nós remete a qualquer sentimento! Como posso prever que você... Que você... Goste de mim? Como posso acreditar nisso, Marina?

— Acha que estou mentindo?

— Não é fácil acreditar...

Não era fácil vê-la chorando e toda a cena soava inacreditável, mas a verdade se desenhou a frente de seus olhos da maneira mais doce.

— Lembra no meu aniversário de onze anos, quando você foi até São Paulo com a tia Amélia para conhecer a nossa casa e a gente se viu depois de uns meses? — Fernando assentiu diante das palavras nostálgicas e carregadas de sinceridade.

— Você largou suas amigas e veio correndo me abraçar. Você usava um vestido de princesa, coroa no cabelo e estava comendo bala de ursinhos — Sorriu de canto — Foi a primeira vez que você demostrou estar feliz porque me via.

— Eu sentia saudade, por isso deixei todos meus amigos de lado e fiquei brincando com você a noite toda. Você já estava chato e nem queria brincar, mas a gente dançou naquele aparelho e na hora de cantar os parabéns enfiou minha cabeça no bolo... — Ambos gargalharam juntos — Mesmo que tenha sido um desastre, na hora que você foi embora e meu pai disse que iriamos ficar anos sem nos ver eu chorei muito. A noite acabou para mim e tudo perdeu a graça. Naquele momento eu percebi que a sua importância na minha vida era demais para ser ignorada e que eu nunca iria gostar de um garoto como gostava de você.

Fernando lembrava perfeitamente de tal dia. Lembrava-se de Amélia chorando ao volante quando voltaram para o Rio e por se pegar triste por saber que demoraria a ver Marina novamente. Lembrava-se da última vez que a abraçou, do cheiro de bala de goma no cabelo loiro e da forma como ela dançava segurando a mão dele e rindo como uma boba. Doeu também. Foi horrível.

— Eu me lembro — Sussurrou olhando nos olhos dela e buscando qualquer resquício de mentira. Não encontrou.

A garota se moveu para perto da cabeceira e agarrou um objeto pequeno dentro da gaveta. Rapidamente entregou o pequeno inseto de pelúcia nas mãos dele. Tratava-se de uma pequena borboleta cor de rosa e felpuda dada por ele a ela. Foi um brinquedo pego em uma daquelas caixas de parque de diversão após muitas tentativas.

Nininha borboletinha.

— Nossa... Já faz tanto tempo — Nando sorriu olhando o brinquedo antigo.

— Eu sempre dormi com ela para sempre lembra você — A voz dela o encantou — Agora você acredita?

Fernando não hesitou e sequer pensou na resposta. Aproximou-se de Marina e a puxou para um beijo longo e profundo, talvez o beijo mais esperado de toda sua vida. Para ele, era a realização de um sonho longínquo. Para ela, era desabrochar o beijo que sempre guardou para seu príncipe, para seu Nandinho. Tal momento era marcado pela doçura e pelo ardor da tempestade, que ecoava em seus corações com a mesma intensidade da paixão.

Fernando a deitou na cama com cuidado e colocou-se sobre ela por puro instinto. Marina era pequena, frágil, cheirosa e linda como em sua imaginação. Sua boca quente o procurava com ardor e não havia como não acreditar nos sentimentos que ali habitavam. Ela gostava dele... Ele gostava dela... Como podia ser real sentir tamanha paixão por uma garota?

Os dedos pequenos de Marina percorreram as costas largas de Fernando enquanto sentia o beijo dele quente em seu rosto, em seu pescoço e cabelos. Os leves músculos se desenhavam a seu tato tanto quanto seu corpo de menina moça nas mãos dele. Viveu temendo o amor, mas por outro lado sempre imaginou como seria sua primeira vez. Não queria que fosse com outra pessoa além dele, mas não podia evitar sentir uma pontada de medo. O que vinha em seu coração era forte demais para ser controlado.

Nando se afastou quando as mãos começaram a penetrar a barreira das roupas. Marina hesitou.

— Estou fazendo algo errado? — Sussurrou amedrontada e observando-o pairando sobre ela.

— Não, é que... — Não sabia como dizer — O tio Marcelo. Ele confia em mim.

— Você está falando sério? — Apoiou-se nos cotovelos e ele teve vontade de rir da expressão indignada adotada por ela — Nando...

— Muito sério. Ele confia em mim e você ainda não é minha namorada... A gente precisa ir com calma.

As palavras dele fizeram sentido e Marina voltou a se deitar.

— Ainda não sou sua namorada? — Sorriu de canto ao dizer as palavras.

— Eu preciso falar com o tio primeiro — Deitou-se ao lado dela. Ambos ficaram encarando o teto.

— Nossos pais não vão receber isso muito bem, eles acham que a gente se odeia.

— Até agora eu também achava...

Sorriram. Beijaram-se. Confessaram, finalmente, e dormiram um sono de sonhos.


— Você está maluco, Marcelo? — Pia gritava enquanto Amélia descia as escadas — Definitivamente acredito que o seu juízo foi pelo ralo!

— Pelo amor de Deus... Nós vamos nos estressar por um problema de crianças?

Ouvir discussões entre Marcelo e a ex-esposa era algo corriqueiro, mas naquele momento a situação parecia ir além de algo banal e relacionado a problemas do passado. Pia mostrava-se verdadeiramente contrariada e Marcelo um tanto enraivecido diante da postura dela.

— Um problema de criança? — Amélia pronunciou quando botou os pés na sala e recebeu atenção de ambos. Pia surpreendeu-se com sua presença e Marcelo suspirou como se soubesse que as coisas iriam piorar — Certamente envolve um dos meus filhos.

— Amélia, querida, que bom que chegou — Pia aproximou-se dela em seu tom natural de falsidade e a encarou fixamente para reportar o problema — Não vai crer no que Marcelo fez ontem à noite... — Amélia ergueu uma das sobrancelhas em espera a resposta — Permitiu que Marina e Fernando dormissem juntos no mesmo quarto!

O tom de indignação de Pia quase fez Amélia rir. Sua expressão em nada se alterou enquanto processava a informação que tanto parecia constranger a outra.

— E qual o problema? — Marcelo bateu uma palma e suspirou aliviado pela reação instantânea de Amélia.

— Como assim qual o problema? — Pia ironizou — Marina é uma donzela e Fernando um rapaz! Os dois já não são mais crianças para partilharem um quarto como quando eram pequenos!

— Acaso não confia na educação que deu para sua filha, Pia? — Dá de ombros um tanto despreocupada — Certamente sei sobre a educação que dei a Fernando e ele jamais iria faltar com o respeito a uma mulher, muito menos a Marina, que é uma menina que ele conhece desde pequeno e vê como irmã!

O olhar de Marcelo para Amélia era de pura satisfação e contentamento. Pensavam da mesma maneira sobre o tema e até mesmo sem trocar palavras eram cumplices naquele instante.

— Vocês só podem estar brincando! É inaceitável uma garota de dezesseis anos dormir com um rapaz de dezessete no mesmo quarto! É um ultraje!

— Ultraje... Por favor, Pia, seja menos antiquada! — Marcelo interveio em tom cansado.

— Está querendo dizer que meu filho é um exemplo ruim, é isso? Está insinuando que Fernando possa fazer algo com Marina? — O tom de Amélia se colocou sério e Pia deu de ombros.

— Estou querendo dizer que ambos são adolescentes com os hormônios a flor da pele e isso pode trazer problemas. Não para você, por ter um filho homem, mas certamente para mim, que tenho uma filha mulher!

— Nunca pensei que você tivesse um pensamento tão machista... Logo você, uma mulher que diz ser tão para frente — Amélia provocou e Pia suspirou de raiva — Sabe qual é a melhor solução? Vamos todos até o quarto onde eles estão dormindo para averiguarmos tal situação de tamanho ultraje.

Rapidamente Amélia voltou-se novamente para a escada e subiu em direção aos quartos. Marcelo e Pia a seguiram de perto e caminharam até o quarto em questão. Assim que Amélia rodou a fechadura a porta se abriu e certo sorriso vitorioso brotou em seus lábios quando reparou que a porta estava destravada e os adolescentes dormiam cada um em sua cama. Marina estava adormecida na cama de cima e Fernando roncava na cama de abrir em baixo, cada um em sua individualidade.

Pia engoliu em seco diante da inocente visão e Marcelo encarou-a com ar zombeteiro.

— Está ai todo seu ultraje — Sussurrou para a ex-esposa enquanto observavam os garotos dormindo — Tão inocentes quanto antes.

Pia saiu da cena em passos largos quando ouviram certo movimento na andar de baixo. A falação era certamente o anuncio de qualquer visita. Marcelo e Amélia ficaram sozinhos em frente à porta do quarto dos garotos e antes de fecharem a porta ouviram que Fernando estava acordando surpreso pela invasão.

— Você é sempre certeira — Amélia sorriu diante do elogio de Marcelo e deu de ombros ao fechar a porta.

— Confio no meu filho. E em Marina também — Garantiu sorridente e orgulhosa. A expressão de ambos era tranquila e o rosto de Marcelo não deixava duvida sobre o tamanho de sua paixão e gratidão para com a mulher a sua frente — Desfaz essa cara, Marcelo...

— Não posso... Não sei sequer disfarçar o que estou sentindo agora. Não depois de todos esses anos.

Ambos se aproximavam quando a porta do quarto abriu a Fernando saiu de lá amassado e sonolento.

— Mãe? Tio Marcelo? O que está acontecendo? — Questionou com a voz grave e preguiçosa.

— Querido, bom dia! — Amélia desviou de Marcelo e beijou o rosto do filho — Está tudo bem meu amor.

— Que barulho todo é esse lá na sala? — Fernando olhava em direção a escada. Marcelo e Amélia, envolvidos com o momento a dois, sequer prestaram atenção ao barulho de vozes no andar de baixo — Parece a voz do meu pai.

O coração de Amélia gelou naquele instante e Marcelo pôde notar certa hesitação em seu olhar cor de mel.

Abner.

Certamente era a voz dele e não havia qualquer dúvida! Fernando saiu na frente em direção às escadas e Marcelo o seguiu de perto. Amélia não podia acreditar na situação e demorou alguns instantes para conseguir se mover e ir em direção a eles. Abner. Não. Aquilo só podia ser um pesadelo!

O pai de Fernando era a pessoa que Amélia mais detestava no mundo por ter vivido ao lado deles anos de amargura e sofrimento. Abner, assim como Pia, garantia em alto e bom som que Amélia e Marcelo tinham um caso secreto há anos e sempre usou tal argumento para atacá-la mesmo que jamais tenha conseguido qualquer prova do fato. A constante perturbação que o ex-marido a expunha era demasiada para ser suportada em bom humor. No entanto, Abner estava lá.

Já não era um garoto como antes e de longe se notava sua semelhança com Fernando. Mesmo estando mais velho e de cabelos grisalhos ainda era bem apessoado, alto e exibia brilhantes olhos azuis como o filho. Pia ria ao lado dele enquanto todos os cumprimentavam, inclusive Marcelo, que trocou apenas um aperto de mão muito surpreso. Amélia parou ao lado do homem que amava em silêncio para obter um pouco de segurança. Abraçou a si mesma quando trocou um longo olhar com Marcelo em um pedido quieto de socorro.

— O que está fazendo aqui pai? — Fernando questionou surpreso. Não parecia empolgado em ver o pai biológico.

— Ora garoto... Como você está bem! Está um homem feito e muito bonito! — Abraçou o filho pelo ombro da maneira orgulhosa e o garoto seguia sem compreender nada. Pia era a única sorridente ali. Até mesmo Ettore parecia desconfiado em meio à cena — Vim porque fui convidado...

— Convidado por mim! — Pia entrelaçou o braço no de Abner e sorriu abertamente — Achei que seria uma maravilhosa ocasião para passarmos alguns dias em família! Só faltava o Abner para completar essa linda viagem!

— Você ao menos deveria ter me consultando antes de convidar meu ex-marido para essa viagem, Pia — O tom de Amélia era ameaçador. Deixava claro seu descontentamento — E você... — Olhou para Abner fixamente — Não deveria estar aqui.

O clima tenso rapidamente se instalou no ambiente. Pia sabia que Amélia e Abner não se davam bem por conflitos do passado e fez de proposito o convite ao antigo amigo. Abner, por sua vez, estava ali apenas para causar impacto e provocar um pouco Marcelo e Amélia. Ele ainda tinha certeza que havia sido traído um dia e quando surgia uma oportunidade para cutucar tal ferida certamente agarrava.

— Querida Amélia, qual o problema? Abner é pai do seu filho...

— Ora, veja só — Abner falava em tom amistoso — Qual o problema de seu ex-marido estar aqui? Pelo que sei Pia e Marcelo também são ex-cônjuges e estão aqui, convivendo harmoniosamente sob o mesmo teto! Qual é o impasse, Amélia? Acaso alguém — Olhou para Marcelo — Desaprova minha presença junto a você?

— Não sei de onde tirou que eu e Pia temos uma convivência harmoniosa — Marcelo respondeu por Amélia prontamente. Tinha os braços cruzados sobre o peito e uma expressão nervosa na face — E não estou gostando do seu tom para se referir a Amélia. Pelo que eu saiba ela não é mais nada sua e não tem a obrigação de aturar tamanha grosseria.

— Pelo que eu saiba — Abner deu mais um passo em direção a Marcelo e ambos se encararam bem de perto — Amélia não é e nunca foi nada sua para que a defenda. Aliás... Nada oficial.

— O que está querendo dizer, Abner? — Ettore interveio também entrando no clima tenso e encarando os dois — Quer dizer que Amélia e Marcelo têm algo além de amizade e eu não estou sabendo?

— É verdade que você demorou anos para constatar algo tão obvio? — A ironia de Abner atingiu Ettore em cheio — Porque acha que Amélia e eu não demos certo? Porque acha que Marcelo e Pia não deram certo? Porque acha que o seu próprio casamento é uma desgraça? — Todos ao redor estavam sem palavras — Sua esposa sempre foi apaixonada por Marcelo e ele por ela... É tão obvio!

— Olá, será que dá para parar? — Fernando interveio tocando no ombro do pai em um pedido de calma — Que absurdo é esse, pai? Você aparece do nada sem ser convidado por mim ou minha mãe e vem inventar um monte de mentiras a respeito dela? Não vou tolerar que fale assim com ela em minha frente, muito menos sobre o tio Marcelo!

— Tio Marcelo? — Abner ironiza novamente — Você sabia que por muito pouco esse homem não foi seu pai? — Fernando o encarou confuso — Hoje posso afirmar que você é meu filho por vê-lo tão parecido a mim, mas no passado tive sérias duvidas. Amélia e seu tio Marcelo, como o chama, escondem muito mais do que você pode imaginar meu filho.

— Já chega! — Amélia empurrou Fernando e partiu para cima de Abner. Ela o atingia com socos e tapas sem medir esforços e mesmo sendo pequena conseguiu cravar alguns golpes. Fernando e Marcelo rapidamente a seguraram no momento se fúria — Você não vai falar essas coisas para o meu filho! Não tem esse direito!

— Os anos passam e você continua mentirosa...

— SAIA DAQUI! — Amélia gritou a Abner com toda sua força. Neste momento Marina e os dois meninos menores já assistiam tudo ao pé da escada e muito assustados — VÁ EMBORA E NÃO VOLTE NUNCA MAIS!

— Estou aqui porque fui convidado por Pia.

— Mas agora já não é... Faça o que ela está mandando e vá embora! — Marcelo interveio indo para cima de Abner da mesma maneira ameaçadora que Amélia, apenas sem desferir golpes físicos.

— Marcelo... — Pia começou, mas logo foi cortada.

— EU SOU O DONO DESTA CASA E ORDENO QUE VÁ EMBORA DAQUI! SE VOCÊ NÃO SAIR, NÃO RESPONDO POR MIM! — Gritou sobrepondo a voz de todos.

Amélia continuava nervosa e se debatendo para sair dos braços do filho, que a soltou. Não demorou nem um segundo para que corresse em direção a saída mais próxima para ficar livre da presença de Abner. Entrou no campo vasto para esquecer o terrível pesadelo que a assombrava todos esses anos junto a sombra da paixão que carregava em seu peito.

 


Capítulo Treze

 

Mesmo o vento turvo do dia nublado que soprava do horizonte não impediu Amélia de seguir caminhando em meio ao vasto campo ao redor da propriedade dos Ferrari.

Era certo que dali a alguns instantes uma grande chuva cairia no local, mas não era o suficiente para detê-la em sua fuga voraz. Não podia mais suportar tal situação. Não podia mais sufocar o grito enraivecido em sua garganta alimentado pela paixão que corroía seu peito. Aquele amor já estava doendo e adoentando-a. O desejo já a paralisava e os indícios vinham à tona. Não podia mais escapar de Marcelo, mesmo que corresse quilômetros para o norte que o afastava dela.

O ar ardia em seus pulmões conforme se aproximava do lago onde muitas vezes chorou na beira. Conhecia aquele lugar de paisagem invejável de outros carnavais. Já havia vindo passar as férias nessa casa de verão e presenciado Marcelo e Pia em situações diferente. Hoje eram divorciados, mas quando casados à mulher fazia de tudo para cerca-lo e provocar Amélia da maneira mais dolorosa. Chorou por ciúme, raiva de si mesma e amor como fazia ainda hoje, naquele precioso instante.

Como anunciado previamente, pequenas gotas começavam a cair do céu sobre sua pele bronzeada e a tranquilidade que proporcionavam ao calor que irradiava de sua alma era reconfortante. Sentia como se o próprio tempo estivesse derramando lágrimas junto a ela naquele momento precioso.

— Porque eu fugi... Porque eu tive medo... Porque não arrisquei tudo em nome da única coisa que me faria feliz? — Sussurrou a si mesma já sentindo a garoa lhe umedecendo o corpo, com os olhos fechados e o rosto voltado para o céu.

O lago tamborilava com a leve chuva quando Amélia se deu conta de que havia alguém se aproximando. A mesma voz que chamava por seu nome era a que ecoava em sua mente barulhenta. A voz do amor. O ressoar da paixão.

— Amélia? — Era Marcelo parado bem ao seu lado e encharcado dos pés a cabeça. O cabelo loiro grudando a sua testa e a visão apertada para conseguir enxergá-la em meio aos chuviscos acalentadores. A camiseta branca se grudava ao peito forte devido à água — Você está ficando louca? É perigoso ficar aqui enquanto chove!

Marcelo parecia preocupado e o coração da mulher se apertou no peito enquanto o mirava em meio ao barulho da chuva. Somente aquele homem poderia se preocupar o suficiente para ir atrás dela em tal situação. Somente ele, além de todos que estavam naquela casa, sempre fez e faria de tudo por ela. Não podia mais ser indiferente a ele. O amor em seu coração naquele instante se inflama de maneira surreal e arrebatadora.

— Vá embora Marcelo... — Sussurra com a expressão tomada por autocontrole. Continha-se para não atravessar o espaço e agarrá-lo naquele momento — Me deixa em paz pelo menos um minuto da minha vida!

Cobriu o rosto com as mãos e se encostou a arvore que estava atrás dela, em frente ao lago. Ele se aproximou ainda mais em passos largos e decididos.

— Que diabos está acontecendo? Onde está a Amélia que eu conheci? Onde está aquela mulher forte que nunca abaixou a cabeça para um homem, muito menos para o Abner?

— Essa mulher está cansada! — Gritou ainda com o rosto tapado pelas mãos.

— Cansada do que? — Seguia insistindo enquanto a chuva caia em seu rosto e pingava nas pintas de seus ombros — Você é linda, famosa, inteligente, mãe de dois belos garotos, forte, dedicada, tem boa situação financeira... Casada... O que mais lhe falta, Amélia? O que em meio a tudo isso te impede de ser feliz?

— VOCÊ AINDA PERGUNTA MARCELO? — O grito enraivecido de Amélia penetra em todos os poros dele no exato instante em que é proferido. Aquele desabafo era como uma bofetada bem forte na face de ambos — Faz vinte anos que guardo esse sentimento... Há vinte anos reprimo o meu coração e guardo segredos demais. Esses segredos já me transbordam a alma e fica cada vez mais impossível — Os olhos cor de mel o encaram com lágrimas transbordando. Marcelo certamente jamais a viu tão linda e vulnerável como naquele momento, por isso não é capaz de deixar de fitá-la em silêncio desejando afundar os dedos em seus revoltos cabelos loiros — Faz vinte anos que tento fugir de você, mas sua presença jamais é apagada de mim. Jamais!

As mãos tremulas cobrem novamente o rosto tristonho e os soluços a sacodem dos pés a cabeça. Marcelo não hesita em caminhar o mais próximo que consegue até remover as mãos de sua face e encará-la.

— Há vinte anos eu penso todos os dias de minha vida em como poderia ter sido se tivéssemos tentado — Confessa com os lábios a centímetros dos dela e as mãos entrelaçadas nas dela ao lado do corpo. Amélia aparenta estar sem forças diante de seus braços — E em todos esses sete mil e trezentos dias que compõe vinte anos tive a certeza de que cometi um grave erro em ter te perdido. A minha vida e quase toda minha felicidade morreu no passado, quando você acordou naquela manhã e levou de mim os melhores planos que já fiz.

— Eu te amo Marcelo, eu te amo... — Sussurrou segurando o rosto dele com as mãos trêmulas e aproximando os lábios de ambos — Abner tem razão e todos também sabem. Eu te amei no passado como te amo ainda agora e como amarei daqui a sete mil e trezentos dias.

— Acha que ainda é tarde? — O olhar dele dizia mais do que mil palavras. O corpo quente e úmido de Amélia entre seus braços era o maior êxtase que experimentava desde quando a perdeu.

— Espero de todo meu coração que não o seja...

Foi como ser acordada de um sono profundo totalmente desperta para a vida. Sentir os lábios de Marcelo nos seus e os braços fortes lhe rodeando o corpo era como flutuar de volta ao passado - quando era somente uma menina – e reviver cada segundo das descobertas intensas que o amor lhe proporcionou.

Naquele momento também descobriu coisas novas sobre si.

Jamais imaginou que seria capaz de se entregar a seu verdadeiro amor novamente, muito menos fazer amor aos pés de uma árvore em meio a uma forte garoa! Nunca se julgou sortuda o suficiente para voltar a sentir a boca de Marcelo em seu pescoço, deslizando pelos seios fartos e lhe roubando o ar entre suas coxas. Não imaginava sequer seu vestido sendo erguido por ele enquanto suas mãos trêmulas arrancavam a camisa e lhe abriam o botão da bermuda com ansiedade.

A respiração ofegante de ambos se entrelaçava em uma sinfonia sensual juntamente as gotas de chuva e as mãos de Marcelo equilibravam Amélia com maestria contra o tronco da árvore. As pernas bem torneadas se cruzavam em sua cintura e os lábios se moviam em um beijo que parecia inquebrável.

Apertou os olhos com a sensação incrível de sentir Marcelo novamente em seu interior quando em uma passada rápida ele deslizava dentro dela. Profundo. Certeiro. Acalentador. Queimando aos poucos. Seu coração derretia com todo o desejo que seus gemidos lançavam para fora enquanto seus dedos deslizavam pelo cabelo úmido de seu amante .

Os dedos trêmulos de Amélia dançavam pelas sardas que pintavam os ombros de Marcelo ao passo em que seus corpos afoitos se tornavam um. Após tantos anos o ato conseguia ser ainda mais intenso, poderoso e sensual.

Os olhos castanhos de Marcelo procuraram os dela quando já não podia mais tolerar tamanha paixão, deslizando suas mãos fortes pelas coxas roliças com ardor. Ela segurou o rosto dele e aproximou seus lábios de seu pescoço evidenciando, como antes, que também havia alcançado o máximo do prazer.

Sete mil e trezentos dias haviam se passado desde a última vez em que foi mulher dele, mas era como se apenas um segundo houvesse marcado aquela diferença. O mundo parou há vinte anos e agora tudo novamente fazia sentido. Foi como acordar de um sono profundo .


Ettore e Pia discutiram descontroladamente na cozinha enquanto Fernando – usando apenas calça do pijama - estava sentado na sacada com o irmão ao lado e o celular em meio aos dedos.

Marina não sabia o que fazer, por isso cruzou os braços em frente ao corpo de maneira confusa. Há quase duas horas seu pai havia saído como um louco atrás de Amélia e deixado um dos maiores conflitos de sua vida para trás.

— Tenho muito respeito por você, Pia, mas não deveria ter feito o que fez! Não deveria ter trazido Abner aqui! — Ettore soava nervoso e Marina podia ouvir os gritos de ambos da porta da sala.

— Será que apenas você não vê Ettore? As palavras de Abner são a mais pura verdade! Depois de todos esses anos e da cena que acabamos de assistir ainda te restam dúvidas de que meu ex-marido e sua esposa são amantes ? — Parecia horrorizada pela desconfiança do rapaz.

— Amélia jamais teve algo com Marcelo! Eles são apenas amigos!

— “Apenas um amigo” atenderia todas as vontades dela como ele faz? “Apenas um amigo” olharia para ela como Marcelo olha? “Apenas uma amiga” teria tantos problemas em seus relacionamentos como Amélia tem? Quando ela separou de Abner a primeira pessoa que correu atrás dela foi Marcelo, e olha que ela tinha um menino pequeno! Se eu não houvesse engravidado na época, sabe Deus lá como as coisas teriam acabado! Mesmo com tudo que houve, Amélia ainda assim conseguiu arruinar meu casamento com sua presença constante em minha vida e no meu casamento! — Ettore a encarava sem palavras — Pense você se tudo isso é normal... Pense você se “apenas um amigo” defenderia Amélia como Marcelo fez agora mesmo, ignorando até mesmo você, e sairia atrás dela em meio a chuva como um louco apenas por... Amizade — Deu de ombros — Pense Ettore. Pense! Amélia e Marcelo são amantes!

Ettore caminhou até Pia com o rosto transtornado e pontuou cada palavra de sua conclusão.

— Isso não é verdade. Eu não posso acreditar.

A discussão seguia e Marina resolveu caminha até a varanda e fechar o vidro com cuidado para que os meninos não ouvissem mais nada.

— Isso é verdade Nando? — O pequeno Felipe questionava ao irmão mais velho — A mamãe e o tio Marcelo são... Amantes?

— Isso não quer dizer namorados ? — Marcelo Júnior emendou o pensamento do amigo.

— Não pode ser... A minha mãe é casada com o meu pai! Ela não pode namorar o tio Marcelo também! — Felipe sussurrou para Júnior.

— É claro que não meninos — A voz de Marina atraiu a atenção de Fernando, que apenas virou o rosto rapidamente para constatar sua presença — Nossos pais não são nada disso!

— Então porque a mamãe está falando? — Júnior se vira para a irmã.

— Você sabe como é a mamãe... Sem shopping, compras e plástica ela fala coisas que não devem ser ditas — Júnior sorri e Felipe segue confuso — Não é Fernando? Tudo isso é uma mentira...

— É... Claro que é — O rapaz acaricia o cabelo do irmão e tenta ser convincente. Felipe parece acreditar nas palavras dele.

— Porque vocês dois não sobem para jogar um pouco? Quero conversar com o Nando um papo de gente grande.

— Mas vocês ainda não são gente grande... São gente... Média — Felipe comenta fazendo todos rirem.

— Obedeça a Marina, Felipe. Vá jogar com o Marcelinho.

Felipe obedeceu ao irmão e saiu junto de Júnior em direção ao andar de cima, onde a briga era menos escutada. Marina fechou a porta da sacada novamente e vagarosamente se aproximou de Fernando até sentar-se ao lado dele. A vista dali era incrível, voltada para o jardim e colorida. Um cenário perfeito para um romance. Nando, no entanto, não escondia a tristeza.

— Você não está acreditando nisso, está? — Marina questionou baixinho e tentando ser cautelosa. Conhecia Fernando e seu temperamento explosivo.

— Está falando de nossos pais serem amantes? — Respondeu sem encará-la.

— Fala sério... Nossos pais amantes? Isso é impossível! — A loira realmente não conseguia enxergar a situação — Eles são amigos a mais de vinte anos e se isso tivesse cabimento alguém saberia! Ambos são atores, afinal! É impossível que papai e tia Amélia tenham enganado todo mundo desse jeito, inclusive a gente!

— Não estou preocupado com isso — O garoto murmurou ainda sem olhá-la.

— Então está preocupado com o que? — Ironizou — Nando... Para...

— Já pensou que nós dois podemos ser irmãos? — Ele finalmente a encara e Marina quase ri da frase.

— O que? — Sussurra — Fernando, por favor...

— Se eles são mesmo amantes a mais de vinte anos significa que nós dois podemos ser irmãos! Eu posso ser filho do seu pai! — Marina revirou os olhos e segurou para não rir.

— Nós não somos irmãos — Segurou o rosto dele com cuidado e silabou as palavras — Seu pai verdadeiro esteve aqui e eu vi o quanto vocês são parecidos. É inegável! Isso não tem o menor cabimento!

— Mas poderíamos ter sido irmãos, sei lá... — Murmurou desviando novamente o olhar do dela — Estou muito assustado com tudo isso. Nunca pensei ver minha mãe tão descontrolada e o seu pai tão nervoso. Foi uma coisa muito louca o que acabou de acontecer.

— Você não pode duvidar de tia Amélia! Ela te criou praticamente sozinha e jamais mentiria dessa forma... Meu pai também não, ele jamais mentiu para mim!

— Tomara que você tenha razão.

A mão de Marina vagarosamente se estendeu até tocar a de Fernando com cuidado. O garoto a encarou após alguns segundos, olhando em seguida para suas mãos unidas.

— Vai mesmo deixar essa história mentirosa atrapalhar a nossa depois de tanto tempo as sombras? — A voz da moça era tristonha e um tanto chateada.

Fernando encarou os belos olhos castanhos com atenção e sentiu seu coração amolecer. Estava preso demais na história de Marcelo e Amélia, esquecendo até mesmo de sua própria condição de garoto apaixonado que finalmente conseguia seu objetivo. Apertou de volta a macia mão de Marina e levou-a aos lábios com carinho.

— É claro que não... Demorei quase dez anos para te falar o que sinto e não vou deixar nada estragar o nosso momento — O rosto sardento dela se iluminou com as palavras doces.

Fernando lhe tocou as bochechas e se aproximou com cuidado, selando os lábios rosados com os seus em um beijo cálido e longo. Os dedos de Marina abraçaram aos ombros largos do garoto enquanto se entregava a paixão contida naquele ato. Toda vez que Fernando lhe beijava era como viver um sonho real. O garoto, por sua vez, tinha de se controlar para não deitá-la sobre o assoalho e concretizar seus desejos mais profundos. Por anos imaginou fazer amor com Marina... Por anos, também, deu tal sonho como impossível.

Uma forte trovoada anunciou uma nova onda de chuva sobre a cidade. Ambos se assustaram e sobressaíram com os passos que ouviram a seguir. Pia e Ettore abriram a porta da varanda e por sorte – e ela cortina – não enxergaram os garotos em meio ao beijo.

— Alguma noticia? — Ettore questionou quando os dois adolescentes se colocaram de pé em frente a eles.

— Não... Minha mãe deixou o celular em casa e o tio Marcelo não atende o dele já tem horas!

— Só cai na caixa postal — A moça completou um tanto nervosa pela chegada da mãe.

— O que isso sugere? — Pia sussurrou a Ettore.

— É melhor você não ficar insinuando coisas sobre meu pai, mãe. Não gosto que falem dele — Marina usava tom severo.

— É melhor você se calar e subir para o quarto com seu irmão! O que está acontecendo aqui é coisa de adulto, Marina Gabriela!

— Mas...

— Marina, vamos sair — Fernando tocou no ombro dela com cordialidade e ela encarou os olhos azuis do garoto — É melhor.

Nando não deu trela para as palavras de Pia e caminhou em direção à área da piscina. Marina o seguiu após encarar a mãe com desaprovação e ambos sentaram em direção à estrada que trazia a porta da residência aguardando qualquer sinal que fosse de Marcelo e Amélia.

 


Capítulo Quatorze


Deitada sobre o peito de Marcelo, Amélia não conseguia nomear o que sentia naquele instante. Ouvia o coração dele contra o seu e sentia a respiração forte próxima de seu rosto delicado. Era como abrir os olhos novamente após vinte anos.

— Sete mil e trezentos dias... — O sussurro dele em seu ouvido a fez sorrir — Lembre-se.

A chuva caia ainda em alta intensidade do lado de fora do carro dele. Ambos estavam no banco de trás imersos em um paraíso real e inacreditável.

— É impossível esquecer — Garantiu erguendo o rosto para beijá-lo uma vez mais.

A mão máscula percorria o braço frágil enquanto os dedos dela passeavam pelo peito sardento, largo e forte. Não sabiam contar nos dedos às vezes em que fizeram amor sob a chuva ou dentro do carro, apenas tinham a certeza de que não havia sido o suficiente.

— A única coisa que sei é que o tempo podia parar aqui e agora — Marcelo sussurrava em meio aos sons da tempestade — Queria fechar os olhos e pensar que nada diferente aconteceu — Amélia se ergueu para encará-lo enquanto ouvia as palavras.

— O que quer dizer?

— Quero pensar que nos casamos depois da novela, que passamos a lua de mel no caribe como queríamos e você engravidou logo de cara de gêmeos — O rosto dele se iluminou — Um menino e uma menina. Fernando e Marina. Logo em seguida, anos depois, tivemos novamente dois garotos saudáveis e bonitos, Marcelo Júnior e Felipe. Somos a família perfeita e eu sou o homem mais feliz do mundo... É isso que quero pensar — Tocou o rosto dela com carinho.

— Mas não é o que é... — Suspirou com o olhar pesaroso. Mesmo assim Marcelo a via como a coisa mais bela sobre a terra. O cabelo loiro e revolto ao redor do rosto lhe trazia um ar jovial e incrível, algo que apenas Amélia sabia proporcionar — Precisamos voltar à vida real e nela existem pessoas somadas a essa equação.

— Amélia... — Ela se sentou e começou a vestir a roupa molhada espalhada pelo carro — As coisas não precisam ser assim.

— Mas é assim que elas são Marcelo — Tocou o rosto dele em total condolência — Existe Pia. Abner... Existe Ettore e eu acabei de trair o meu marido! Existem as crianças e tudo isso não é tão simples quanto aparenta.

— Eu sei, mas sete mil e trezentos dias não é pouco tempo! — Esbravejou em tom indignado — Não vou deixar que nossa história morra.

O entardecer abrilhantava o céu quando Amélia e Marcelo cruzaram a porta da frente da casa de campo dos Ferrari.

Pia se colocou de pé quando os avistou da sala e Ettore seguiu-a com a mesma velocidade. Descendo as escadas rapidamente, Fernando sorria aliviado.

— Mãe! Caramba, o que houve? Onde vocês... — Calou-se quando Amélia fez um sinal com a mão pedido silêncio e subiu em direção ao quarto sem nada declarar.

Todos a assistiram bater a porta no andar superior e o ruído da chave se fez presente no momento seguinte. Marcelo apenas suspirou pesadamente com o clima que o rondava. Todos ali o observavam como se fosse o portador da maior verdade.

— Está tudo bem? — Ettore questionou com certa impaciência.

Os olhos de Marcelo não conseguiam se fixar no marido de Amélia por muito tempo, por isso se dirigia a Nando quando respondia.

— Amélia estava nervosa e acredito que precise de um tempo para pensar...

— Ela não pensou durante o dia todo? — A voz de Pia era irônica — O que foi que ficaram fazendo, afinal?

— Me poupe de seus comentários, Pia! — Marcelo franziu o cenho e seguiu em direção as escadas.

— Acho que nós dois precisamos conversar, Marcelo — Ettore caminhou até o pé da escada e Marcelo olhou por cima do ombro forte. Encontrava-se ainda molhado pela chuva e cansado pela tarde de amor.

— Não agora... Já esperamos tanto tempo, não é? — Subiu os degraus sem sequer pestanejar.

Também se trancou no quarto da mesma maneira que Amélia, mas antes que pudesse adentrar ao chuveiro ouviu uma leve batida na porta. Era a voz de Marina chamando seu nome.

— Pai! — A garota o abraçou com força pela cintura e foi retribuída com carinho — Fiquei tão preocupada... Onde estavam até agora?

— Querida... Eu e tia Amélia tínhamos muitas coisas para acertar. Coisas de adulto que uma moça como você certamente não entenderia! — Acariciou o cabelo da menina e os olhos castanhos iguais aos seus logo o encararam cheios de desolação.

— Não sou mais uma criança, papai... — Sussurrou e segurou nas mãos dele — O que estão dizendo de você e tia Amélia é um ultraje! Não pode permitir que mamãe e Abner caluniem-no de tal maneira!

— Princesa... — Suspirou.

— Nando e eu ficamos muito preocupados, os meninos também!

— Eu sei querida, mas as coisas são complicadas — Tocou o rosto dela novamente — Agora preciso tomar um banho, mas prometo que conversaremos com calma, tudo bem?

Marina saiu do quarto do pai um tanto triste pela recepção desanimada do mesmo. Nando a esperava sentado na beira da cama com o celular em mãos e o pensamento longe.

— Ele disse algo? — A menina sentou ao lado dele com certa decepção.

— É obvio que essa história é ridícula. Nossos pais nunca tiveram um caso. Estão arrasados com tudo isso — Sem se convencer, Nando passou o braço pelos ombros de Marina em uma atitude amorosa.

— Tudo vai ficar bem. Nós vamos ficar bem.


Ettore rompeu a porta do quarto de Amélia de maneira agitada quando a tranca foi desfeita mais tarde naquela mesma noite.

A loira terminava de organizar a mala de volta quando notou a presença do marido com certo assombramento, mas logo voltou a seu afazer. Os cabelos úmidos deixavam claro que havia perdido bastante tempo embaixo do chuveiro e o vestido leve todo o calor que o anoitecer ainda lhe trazia. Sentia-se em chamas cada vez que recordava os detalhes dos momentos anteriores ao lado de seu amante secreto.

— Já pensa em voltar? — A primeira frase de Ettore foi tomada com surpresa por ela, que esperava uma abordagem muito mais ofensiva.

— Claro. Os meninos precisam retornar a escola na segunda — Seguia enchendo a bolsa com as peças de seu vestuário sem lhe dar muita atenção.

— Não acha que me deve uma explicação? — Ettore parou frente a ela e usou certo tom de ironia — O que foi toda essa cena? O que significam todas essas acusações de que você e Marcelo...

— O que acha que significam? — Não pôde evitar certa raiva, talvez algo mais pendente para o desespero e o grande descontentamento que sentia pela vida.

— Um verdadeiro absurdo... Não posso crer que tenha me traído com Marcelo por tantos anos! Justo com Marcelo... — Foi interrompido com rapidez.

— Isso certamente não é verdade — Não mentia, afinal, não foi realmente amante de Marcelo por tantos anos. As coisas apenas esquentaram agora, porém Amélia sabia que em sua mente e seu coração sempre havia sido dele — Mas não exclui a necessidade que temos em levar uma conversa. Uma conversa decisiva sobre nós.

Ettore travou o maxilar e respirou profundamente enquanto encarava os olhos cor de mel de Amélia. Ela não parecia blefar um só minuto enquanto disse tais palavras.

— Está querendo propor o divórcio, é isso?

— Estou querendo dizer que tanto eu quanto você sabemos que nós não existe há muitos anos — Voltou a arrumar mala — Talvez seja a hora de colocarmos a situação em pratos limpos.

— Amélia... — Ettore agarrou o pulso dela demonstrando certo desespero — Nós temos um filho. Temos uma família. Somos figuras publicas... Pense no que esse divórcio significaria para nossa imagem!

Para sua imagem, ela pensou em dizer. Ettore de fato era um homem talentoso no ramo, mas o fato de ser marido de Amélia Romanov o promovia e um status que talvez não merecesse. Desde que se casaram ficou claro a ela o interesse repentino de Ettore em sua imagem de atriz querida e reverenciada pelo publico. Aquele belo e jovem diretor não se interessaria por uma jovem, linda e vulnerável mãe-solteira se por trás dela não houvesse algum lucro, afinal.

Tomou as mãos de Ettore entre as suas e encarou-o com certo pesar. Havia acabado de traí-lo e não podia deixar de sentir o peito pesando pela culpa.

— Ao contrário do que houve com Abner, sempre gostei de você, Ettore. Nós formamos uma boa dupla e nos respeitamos... Não quero que tudo termine mal e a única coisa que sei é que a situação tornou-se insustentável. Precisamos de uma saída.

— Mamãe, papai... — Felipe adentrou ao quarto com um sorriso largo e empolgado — O jantar está pronto! Tia Pia contratou um rapaz que faz comida japonesa!

Não estava nos planos de Amélia jantar com todos, mas devido à insistência de seu casula resolveu fazer o esforço de encarar Marcelo mais uma vez.

Marina e Fernando pareciam se divertir muito enquanto assistiam o tal chef japonês preparar os pratos e os dois pequenos se deliciavam com os sabores diferenciados. Todos estavam a beira da piscina, por isso sentou-se em uma das espreguiçadeiras usando óculos de sol mesmo que a noite estivesse em seu auge de escuridão.

— Amélia, querida... — Pia usava seu tom irônico de sempre — Você não me parece muito bem.

Parou a frente dela com um sorriso curto e a postura elegante de sempre.

— Você, como sempre, é uma ótima observadora — O sorriso de Amélia soou tão falso quanto o de Pia — Está certa. Não me sinto bem e seguirei viagem com os meninos agora de madrugada.

Marcelo apareceu quase instantaneamente caminhando com sua habitual segurança pelas margens da piscina. As luzes que reluziam da iluminação do jardim refletiam na figura alta e máscula e tornavam a visão quase um sonho para Amélia. Não podia parar de encará-lo enquanto acompanhava seus passos por trás dos óculos.

— As malas estão prontas, Marina? — Marcelo questionou a filha assim que se aproximou.

— Mas já pai? — A garota parecia desapontada enquanto comia seu sushi — Amanhã ainda é domingo!

— Preciso resolver alguns assuntos importantes em casa — Respondeu simplesmente e parou também próximo a piscina, distante das mesas onde as crianças e Ettore jantavam.

— Tanto você quanto Amélia parecem empenhados em voltar o quanto antes. Acaso existe algum motivo em comum? — A voz de Pia era insinuadora.

— Mesmo se houvesse, Pia, não seria de seu interesse — Marcelo intervém dando as costas a todos e caminhando ainda mais para longe da piscina.

Alheio a todos, sabia que Amélia não iria lhe dirigir a atenção naquele instante e deveria estar sendo bem constrangedor dividir o mesmo ambiente com ele e Ettore. Retirou do bolso um maço de seus cigarros ansiando mais do que qualquer coisa dar uma tragada. Não gostava de fumar perto dos filhos, mas a única coisa capaz de fazer o ardor em seu peito se acalentar era soltando ao vento a fumaça da fogueira que queimava em seu coração.

Acendeu o cigarro com certa pressa e deu as costas as crianças para tragar. Era quase instantâneo sentir o olhar de Amélia sobre seus ombros. Era como estar parado bem ao lado dela sob o telhado ou olhando as estrelas no mirante. Naqueles lugares e em todos os momentos o amor de ambos não estava às sombras, mas sim demasiadamente evidente.

Lançava a fumaça no ar contendo em seu peito a vontade de ir até todos e contar a verdade sobre seu amor. Apertava o cigarro entre os dedos se lembrando de cada momento incrivelmente sensual que passou com Amélia durante a tarde. A amou tanto e por tantas vezes que sequer podia contar qual havia sido a melhor.

Depois de tantos anos, mesmo assim, sua fome dela ainda não havia sido saciada.

Ousou encará-la de canto e encontrou seu olhar cor de mel em sua direção. Ela comia alguns poucos sushis, mas o prato servia mais como um disfarce para seu nervosismo. O mesmo que ele sentia, ela sentia. Como no passado, ainda eram um só e sempre seria. Não sabia dizer onde começava ou ela terminava.

 

 


Capítulo Quinze

 

Fernando não compreendia o que acontecia com a mãe e o porquê de estar tão estranha após os acontecimentos recentes.

O comportamento estranho de Amélia evidenciava que tudo não era simplesmente uma fofoca de Pia por despeito. Para Nando era claro que existia algo muito além de todas as palavras lançadas ao vento, apenas não conseguia decifrar por si mesmo todo o mistério envolvendo a mãe e Marcelo.

Terminou seu banho a pouco e agora se encarava no espelho com o cabelo negro úmido e pingando levemente em sua camiseta do colégio. O ano estava acabando e aquilo significava terminar o ensino médio. Puxou o logo da camiseta para encarar o emblema da instituição e um filme se passou em sua mente... Sabia que era a hora de tomar decisões e a mais importante delas não parava de lhe tirar o sono.

Marina.

O que seria deles quando o ensino médio acabasse para ele? O que seria da relação de ambos, aliás, em meio a tantos problemas que ambos enfrentavam com suas famílias?

— Filho? — Amélia abriu a porta após bater levemente e encontrou o filho em frente ao espelho segurando o logo da camiseta. Sorriu com a cena e adentrou ao quarto do garoto, decorado totalmente em azul, branco e cinza com ares joviais e modernos — Está pensando sobre o final do ano? Já está com saudade?

O tom de brincadeira foi levado a sério por Nando, que caminhou até ela e ambos sentaram juntos na beira da cama alta do garoto.

— Estou pensando sobre o que vai acontecer quando tudo acabar, mãe. Isso me preocupa — Sussurrou sem conseguir encarar os olhos cor de mel de Amélia.

— Mas meu amor... Você vai para os Estados Unidos estudar na American Film Institute de Los Angeles, querido! — Nando se assustou com as palavras da mãe.

— O que? Isso é sério? — Questionou pensando se tratar de uma brincadeira. Amélia tocou o rosto do garoto com carinho.

— Claro meu amor! É uma das melhores, se não a melhor, instituição de formação de atores do mundo! Com um curso deles em seu currículo tenho certeza que voltando ao Brasil será um novo contratado da minha emissora!

Nando sorriu com as palavras da mãe e teve de conter a emoção. Batalhou muitos anos para conseguir ouvir isso dela e agora as coisas pareciam acontecer naturalmente.

— Mas até ontem você não aprovava minha escolha de ser ator. Preferia ver seu filho sendo advogado ou médico... Foi o que sempre disse a todos — Amélia abaixou o olhar diante das palavras do garoto e sorriu sem muito humor.

— Antes eu pensava de uma maneira, mas agora vejo que tudo o que temos são nossos sonhos.

— Do que está falando mãe? — Questionou confuso diante da baixa que notou no ânimo da loira.

— Que deixei de viver o que eu mais desejava durante a adolescência e hoje, anos depois, percebo que minha vida foi baseada em mentiras. Alimentei-me de sonhos por vinte anos e hoje sou resultado de escolhas erradas, Fernando. Não quero que o mesmo aconteça com você e Felipe. Tudo o que estiver ao meu alcance para ajuda-los a realizar seus maiores sonhos o farei. Pode contar comigo, meu filho.

Fernando abraçou a mãe com carinho após ouvir as palavras dela e suspirou pesadamente em meio ao abraço.

— Mas eu preciso fazer mais cursos antes de entrar na AFI, mãe. Lá só entram os melhores.

— Evidente, querido. Escolheremos uma ótima faculdade nos Estados Unidos e após o curso você começa na AFI. Não há problema! Eu custeio seus estudos e Abner sua estadia. Já está tudo muito claro para nós quanto a isso, o advogado dele me disse que seu pai está de acordo.

Morar nos Estados Unidos pelo menos dez anos.

Fernando deveria ir para a escola sem parar de sorrir naquela manhã, mas seu pensando apenas focava em uma parte especifica do que Amélia havia mencionado durante seu discurso maternal...

“Alimentei-me de sonhos por vinte anos e hoje sou resultado de escolhas erradas, Fernando”.

Chovia naquela manhã quando chegou ao colégio. O garoto correu para a quadra após o celular apitar com uma mensagem de Marina, onde ela pedia que ambos se encontrassem as escondidas atrás do ginásio.

Nando chegou primeiro e escondeu-se no ginásio vazio de modo a olhar para a porta. Qualquer um que ali chegasse estaria bem em seu campo de visão, mas naquela altura da manhã quase não havia alunos no colégio, que dirá no ginásio! Observou o celular em seus dedos de maneira ansiosa, espiando rapidamente se alguém vinha pelo caminho.

Seu mundo girou devagar quando notou os longos cabelos alourados de Marina balançando ao redor do belo sorriso contagiante da garota. Ela corria animadamente com a mochila de onça pendurada em um dos ombros e o celular em uma das mãos com as unhas pintadas de rosa. A gargalhada era contagiante, assim como a maneira como o short saia do uniforme dançava em seu quadril aos olhos de Nando. As mãos do garoto foram parar em seu rosto antes que ela chegasse. Precisava controlar alguns pensamentos referentes a ela, afinal, Marina não era uma simples garota. Além de ser sua amiga de infância e grande amor, era filha de Marcelo Ferrari, melhor amigo de sua mãe e um grande exemplo do homem que Nando almejava ser um dia.

Naquele instante, contemplando-a sob as gotas de chuva e caminhando em sua direção, Fernando Romanov soube que Marina Ferrari era o resumo do que significavam seus sonhos. Aquela garota gostava dele quando era apenas um menino gordinho. Aquela garota corria em direção a seus braços mesmo sabendo que tudo ao redor deles não colaboraria tão facilmente para que fossem felizes. Marina e Fernando são uma combinação que existiu há muito tempo e agora acontecia. Marina e Fernando. Ele e ela. Ainda podia sentir o cheiro de bala de goma nos lábios dela como na infância. Ainda podia vê-la usando as asas de borboleta.

Ele a amava. Ela era seu sonho!

— Não me diga que alguém chegou? — Marina hesitou antes de se jogar nos braços de Fernando.

Ambos olharam ao redor com certa cautela e ao constatarem que estavam sozinhos logo se atracaram em um beijo longo.

Para Fernando era urgente beijá-la e tê-la em seus braços da maneira mais próxima possível. Desejava sentir o corpo de Marina contra o seu e cada curva que desabrochava ao longo dela era um deleite a suas mãos ansiosas. Já a menina, um pouco menos experiente que ele em relação a namoros, sentia o coração em chamas cada vez que era tomada com vigor pelos braços levemente musculosos. Apertava-se contra o peito forte sem acreditar que se tratava de Fernando... O mesmo Nandinho que imaginou abraçar um dia.

— Porque está rindo? — Questionou tocando a face corada da garota após o beijo.

— Estava lembrando o tempo em que imaginava tudo isso acontecendo... Nunca pensei que fosse ser real — Tocou também o rosto dele. Nando deslizava a ponta dos dedos pelas sardas salpicadas nas bochechas rosadas da menina — Nunca imaginei que você também gostasse de mim.

— Nunca imaginou ou nunca quis enxergar?

— Um pouco dos dois... — Confessou dando de ombros — Sei que vai ser um pouco complicado contar sobre nós aos nossos pais.

— Complicado ou não, quero falar com tio Marcelo ainda hoje — Os olhos escuros de Marina se abriram muito em contato com os dele. As mãos da menina repousavam nos ombros largos.

— O que? Está maluco?

— Maluco por querer te pedir em namoro ao seu pai? — Gargalhou baixinho — Pensei que ficaria feliz com minha atitude! Já viu o tamanho do braço do seu pai? Com um tapa ele me desmonta! Estou correndo sérios riscos pelo seu amor.

Marina gargalhou também, mas não por muito tempo.

— Meu pai acha que sou uma criança, Nando. Sabe como ele é... Não me deixa fazer nada e duvido que vá permitir que eu namore tão fácil — Fernando concordou.

— Sim, mas ele me conhece desde criança e certamente mamãe pode complementar e falar com ele sobre nós. Sobre minhas intenções. Tio Marcelo sempre foi muito legal comigo e nos damos bem...

— Sempre foi legal com o filho de Amélia, não com o meu namorado — Pontuou em tom irônico — Nando... Acha mesmo que é um bom momento para contarmos aos nossos pais sobre nós?

— Do que está falando? — Sentou-se com Marina ao seu lado em uma das escadas do ginásio.

— De todo aquele clima chato entre nossas mães na viagem e daquela história maluca sobre nossos pais terem um caso.

— O meu pai deu um vexame e tanto...

— Pois é. Tudo está estranho, pelo menos meu pai está bem abalado com algo que não sei definir — Deu de ombros.

— Minha mãe também. Acho que o casamento dela com Ettore está em crise... Os dois andam discutindo bastante — Franziu o cenho — Acha que seu pai não vai levar numa boa?

— Acho que não seja o momento de contar. Até então eles acham que nos odiamos... Como vamos chegar do nada e dizer que estamos namorando? Somos muito próximos, temos certa liberdade um com o outro pelo fato de nos odiarmos e acredito que possamos aproveitar isso por enquanto — Nando a encarou com meio sorriso — Acha que meu pai me deixaria dormir no seu quarto se soubesse a verdade sobre nós?

— Claro que não... — Respondeu sorrindo e a beijando rapidamente — Então devo esperar?

— Pelo menos até a poeira abaixar e acharmos um jeito deles compreenderem. Vai ser um impacto descobrirem que nós dois... Bom... Que a gente se gosta — Nando a puxou para um abraço contra seu peito.

— Há muitos anos... Muito tempo mesmo! — Completou beijando-a na testa — Tudo bem, eu posso esperar um pouco, mas não muito! Quero que todos saibam de uma vez por todas para tudo ficar sério como se deve.

O estômago de Marina afundou um pouco em nervosismo e suas bochechas coraram. Lembrou-se da noite em seu quarto, quando Nando não quis seguir à diante com seus beijos por ainda não namorarem.

— Vamos segurar a onda aqui no colégio também, do contrário será questão de dias até que nossos pais descubram tudo — O garoto concordou — Ai de você se eu te pegar com qualquer garota!

— O mesmo vale para você... Não quero nenhum cara perto de você — Pontuou em tom de voz autoritário — Podemos não estar namorando para os outros, mas para mim você já é minha garota.


Amélia finalmente tinha um tempo a sós após tudo o que vinha lhe acontecendo nos últimos dias.

Finalmente via-se livre da presença constante de Marcelo Ferrari e ainda não sabia definir se isso era algo realmente positivo ou não em sua vida. Ao mesmo tempo em que se sentia aliviada por não precisar omitir seus sentimentos, lidava com o impasse de não saber algo sobre ele e com a saudade de não tê-lo em seu campo de visão, bem ali, sob seu alcance. O coração apertava no peito com a ideia de que não tinha previsão e ao menos uma boa desculpa para vê-lo.

Seu único desejo, além de ir até ele, era acender um cigarro para relembrá-lo, mas não queria partilhar de tal vicio. O jeito foi ocupar seu tempo com a coisa mais inocente ao seu redor... Uma pequena coisa que lhe enchia o peito de emoções e matava parte de sua saudade... Felipe.

— Faz muito tempo que não passeamos sozinhos, mamãe — O garotinho não parava de sorrir enquanto caminhava com a mãe pelos corredores do shopping mais bem frequentado do Rio. As câmeras incomodavam um pouco, mas ao menos podia comer algo diferente com o menino e comprar algumas coisas para se distrair — Você quer falar sobre o meu pai?

— Como assim Felipe? — Ambos aguardavam a chegada da refeição em um bom restaurante quando a pergunta veio.

— É que todo mundo está falando que você o meu pai... Bom... Que vocês vão se separar assim como aconteceu com você e o pai do Nando — A explicação inocente do garoto de dez anos fez Amélia suspirar baixinho — É verdade isso mãe?

— Felipe... — Agarrou a mãozinha dele nas suas com carinho — Eu e Ettore gostamos muito um do outro. Independente de qualquer coisa, sempre seremos seus pais e te amaremos. Não precisa se preocupar com isso, tudo bem?

— Mas é verdade? — Apoia o rosto com a mão livre e faz biquinho.

— O que é verdade é que desejo um delicioso almoço com meu filho caçula. Um almoço entre mãe e filho para passar um tempo bom... Você não acha? — O garçom começou a servir os pratos e Felipe se animou. As pequenas sardas saltaram no rosto do garotinho e naquele momento o coração de Amélia se apertou.

Sardas.

Como as de Marcelo...

Como ela gostava de ver aquele pequeno detalhe no rostinho de Felipe!

Fernando se atrasou, mas também chegou para o almoço com a mãe e o irmão. Havia dado a desculpa de que estava no treino de futebol quando na verdade estava aos beijos com Marina escondidos atrás do ginásio. Passearam pela praça nas proximidades do colégio quando todos foram embora e se despediram com a promessa de se verem no dia seguinte, à tarde, após as aulas. Um trabalho seria a desculpa para que Nando fosse até a casa dela.

— Mamãe me disse que ano que vem você vai para a faculdade, Nando. Vai morar com o seu pai bem longe — Felipe comentou após o término dos pratos, quando já degustavam a sobremesa.

O olhar de Fernando foi um tanto nervoso em direção à mãe, que sorria orgulhosa, mas sem muito humor.

— Ela disse? — Sussurrou levando uma colherada de mousse aos lábios.

— Sim querido... — O tom doce de Amélia tocava o coração do garoto, que parecia desconcertado — Felipe e eu vamos sentir muito sua falta, mas sabemos que ser ator é seu sonho e iremos apoiá-lo — Nando sorriu para não fazer desfeita, porém era evidente sua falta de jeito — O que é isso Fernando? — Amélia levou uma das mãos à camiseta do colégio do garoto — É uma marca... De maquiagem?

Fernando olhou em direção ao que sua mãe apontava e deparou-se com uma mancha de delineador em seu colarinho. Rapidamente seu rosto enrubesceu e levou a mão ao local para conferir. Era a maquiagem que Marina usava naquela manhã! Amélia o encarava sem compreender a situação e em busca de uma resposta.

— Quero falar com você uma coisa, mãe — O garoto murmurou baixinho — É bem sério.

— O que está havendo, Fernando? Existe uma garota na sua vida e até agora eu não sei? — Questionou em tom cordial e até mesmo animado. O garoto, por sua vez, não sabia por onde começar a explicação.

— Mãe... É que... — Coçava o cabelo negro com certo desconforto — Não tenho certeza se vou mesmo viajar quando acabar o ensino médio.

 


Capítulo Dezesseis

 

Nada do que Fernando lhe disse naquele almoço fazia sentido aos ouvidos de Amélia.

Os sonhos do garoto, desde que ela podia se lembrar, se baseavam em estudar no exterior e se tornar um exímio ator. Relutou por muito tempo em aceitar deixar Fernando voar e agora que isso acontecia não conseguia compreender qual motivo levaria o filho mais velho a abandonar tudo o que acreditava ser ideal.

“Não sei se estou pronto para ficar longe de você e do meu irmão, mãe. Não é uma distância como daqui a São Paulo, é em outro país! Além do mais, tenho meus amigos e meus interesses. Não sei se viajar agora será algo tão proveitoso quanto imaginei todos esses anos e depois de tudo que venho passando com meu pai não sei se quero que ele se aproxime. Se eu for para os Estados Unidos, certamente vamos ter muito contato”.

Fernando era certeiro com as palavras e o fato sempre agradou Amélia, mas de fato nunca a convenceu. Sabia muito bem interpretar as intenções as sombras de cada expressão do primogênito e o que viu naquele rosto não deixava de lhe rondar a mente. Nando a escondia algo e isso já era uma certeza.

— A senhora está bem dona Amélia? — A empregada apareceu à porta com o telefone sem fio em mãos. Parecia preocupada com a situação em que a patroa se encontrava.

Sentada em frente à janela da grande sala de estar olhando a chuva, Amélia era o retrato perfeito da depressão de tal paisagem. Sua mente vagava longe... Talvez no fato de que, por sorte, Ettore estava viajando a trabalho e tinha um tempo para si onde poderia pensar no que fazer quando ele voltasse.

— Estou bem, obrigado por perguntar querida... — Sussurrou com a voz baixa e o olhar cansado — Trata-se de uma ligação importante? Não vejo chamadas em meu celular — Vasculhou a tela do aparelho telefônico, mas nenhuma ligação era encontrada. A empregada corou delicadamente.

— É o senhor Marcelo Ferrari, dona Amélia. Deseja falar com a senhora.

Os olhos da moça se fecharam devagar pelo impacto da noticia. Levou uma das mãos a testa pensando se deveria atender por alguns segundos até notar que a mulher ainda a encarava sem compreender o que fazer.

— Está certo... Me passe o telefone, por favor — Pediu enquanto respirava profundamente. Sua vontade foi atendida — Pode me deixar a sós agora, querida. Muito obrigado.

Quando se viu só, encarou o fone por poucos instantes antes de levá-lo a orelha. Marcelo não ligava desde a viagem e não havia sequer tentado entrar em contato com ela.

— Está ficando maluco? Como pode ligar para minha casa assim? E se Ettore está aqui? — As primeiras palavras que estão em sua mente escapam como o vento entre as persianas.

— Ainda se preocupa com esse cara? É verdade? — Questiona com certo tédio — E estou ficando maluco faz anos, mas você ainda não viu nada!

— Não pode fazer isso... Se os meninos pegam essa situação vão acreditar nas fofocas que fazem!

— Está falando sobre sermos apaixonados há anos? Isso realmente não se trata de uma fofoca... Eu pelo menos te amo há mais de vinte anos.

— Marcelo! — O repreende com um gemido de surpresa pelas palavras — Não faz isso de novo...

— Não fazer o que?

— Não finja que a nossa história pode ser quando ela não pode... E não me ligue mais em casa! — Suspira se erguendo do sofá e caminhando para um local mais isolado da grande sala.

— Apenas te liguei no telefone fixo porque você me bloqueou em todos os lugares e eu já estava ficando maluco! E o nosso pode ser, Amélia. Se não puder, que sentido faz existir? — Amélia apertou os olhos para conter as lágrimas. Essa era uma pergunta que não sabia responder — Estou esperando há vinte anos e...

— Sete mil e trezentos dias, eu sei — Respondeu por ele com um suspiro de nervoso. Algumas lágrimas se formavam em seus olhos — Preciso de um tempo. Preciso pensar. São muitas coisas em minha cabeça e muitas vidas em jogo.

— O que mais te perturba, além disso?

— Mãe? — Amélia afastou o fone do ouvido quando Nando apareceu na sala carregando sua mochila e já usando uma roupa comum, não seu uniforme escolar — Está tudo bem?

— Claro querido — Respondeu com a voz trêmula e tentando se camuflar entre as paredes brancas da sala — O que foi?

— Nada... Só quero avisar que vou à casa de Marina fazer um trabalho que a diretora pediu. Sabe como é...

— A casa de Marina? Ok — Sorriu para ele com certa interpretação — Boa sorte querido. Se cuide.

— Amélia? — Ela voltou ao telefone quando o filho saiu.

— Quer mesmo me ajudar a resolver algo?

— Mas é claro...

— Fernando está indo até aí fazer um trabalho com Marina e ele anda muito estranho! Mas estranho ainda, devo admitir, é que ele gosta muito de você e parece confiar em suas palavras e conselhos — Fala de maneira rápida — Antes ele queria viajar para os Estados Unidos e ser ator, mas agora parece que isso ficou em segundo plano. Estou certa de que existe uma mulher na vida dele e quero saber quem é e quanta influência essa pessoa tem sobre as decisões dele.

— Não acho correto que eu investigue seu filho. Nós somos homens e temos nossos segredos.

— Ah... Então você tem segredo com meu filho?

Marcelo se lembra do caso que Fernando lhe contou sobre Ettore e desconversa.

— É modo de dizer, Amélia — Suspira — Mas compreendo. Eu vou ajudar como conseguir, mas você terá de me encontrar para que eu lhe conte o desfecho.

— Não podemos...

— Então nada feito.

— Tratante! — Murmurou e Marcelo gargalhou — Combinado. Descubra algo e eu lhe encontro.

— No mirante, então. Hoje às dez da noite.


Fernando apertou a campainha do apartamento dos Ferrari um tanto hesitante.

A porta de madeira com acabamentos modernos parecia se erguer dois metros acima de sua cabeça, tamanho o nervosismo que lhe percorria. Já havia estado ali antes, mas nunca com um encontro marcado com Marina e suas palmas suavam frio quando pensava que estava mentido para sua mãe e Marcelo sobre o motivo de tal visita. Não havia trabalho, é claro. Tudo não passava de uma boa desculpa para os adolescentes passarem um tempo a mais juntos e curtindo seu momento.

Esperava que a empregada abrisse a porta, porém ninguém menos que o próprio Marcelo apareceu diante de si com um sorriso cordial e um tanto mais feliz que o usual por recebê-lo.

— Fernando, meu filho... — Marcelo partiu para abraçá-lo com carinho e o garoto empalideceu. Obviamente gostava de seu tio, mas naquele instante o enxergava como um sogro e tal figura nunca soou tão agradável no primeiro momento — Como é bom te ver!

— Oi tio... Como vai? — Cumprimentou devolvendo o abraço e sendo guiado pelos ombros até o centro da sala luxuosa e bem decorada em diversos tons de marrom e branco. Vários retratos de Marina e Marcelinho embelezavam o local, junto a obras de arte e cinema — Marina está?

— Claro, está lá em cima. Ela me disse que vocês vão fazer um tipo de trabalho escolar e coisa do tipo... Fico feliz que estejam se dando bem — Segurava o ombro de Nando com um grande sorriso nos lábios. O garoto não sabia onde enfiar a cara.

— Estamos nos dando melhor, eu diria — Corrigiu com certa vergonha.

— Sente-se, garoto. Antes que você suba para falar com Marina eu quero ter dois dedos de prosa com você — O rosto de Nando perdeu a cor ainda mais quando ouviu tais palavras. A impressão que tinha era de que o mundo deslizava em câmera lenta a sua frente — Vamos Fernando. Sente-se — Marcelo se acomodou em um sofá e o garoto no outro, ambos frente a frente.

A primeira coisa que veio a mente de Fernando é que Marina deveria ter dito algo a mais sobre eles ao pai.

— Olha tio... Se ela te disse algo sobre o que vem acontecendo, eu posso explicar! — Começou a falar com a voz trêmula e o semblante preocupado.

— É, ela me disse — Marcelo respondeu se referindo a conversa com Amélia — Não achei que me diria tão rápido, mas sempre fomos próximos e ela confia em mim.

— Também não achei que ela diria tão rápido — Marcelo parecia muito calmo diante do assunto e Fernando estranhou.

— Pode me achar intrometido, Nando, mas tudo o que quero é ajudar!

— Ajudar? Eu pensei que o senhor ia surtar e...

— Surtar? Porque eu surtaria? — Sorriu sem muito humor. Fernando franziu o cenho.

— Espera... Do que você está falando?

— De Amélia. Ela está preocupada e me contou o motivo. Disse que seus planos mudaram de repente e teme que haja alguém por trás destas mudanças. Alguém com más intenções — Fernando soltou o ar de maneira aliviada quando notou o quão sortudo havia sido por questionar antes de dizer qualquer coisa — Somos figuras públicas e isso nos preocupa muito, garoto. Compreendo Amélia perfeitamente.

— Ah tio... — Suspirou ainda tomado pelo alivio — É uma longa história o motivo pelo qual não quero viajar.

— Tem a ver com aquela garota que me contou na viagem? A que você gosta há muito tempo? — Um nó se fez na garganta de Fernando quando encarou Marcelo novamente.

— Digamos que sim... É tudo sobre ela — Confessou nervosamente.

— Não me diga que vocês dois se acertaram? — Marcelo sorriu e bateu amigavelmente no ombro de Nando. O garoto retribuiu o sorriso sem esconder a felicidade — Ai garoto! Meus parabéns!

— Depois de anos nós dois finalmente nos acertamos e eu não sei se quero abrir mão do que conquistei indo embora para tão longe — Explica rapidamente — Entende o que quero dizer? Sonho em ser ator, mas mais do que tudo, sempre sonhei em namorar essa garota e até mesmo me casar com ela!

— Casar? — Marcelo sorriu.

— Sim tio, me casar! Não agora é claro, mas quando estiver mais estável para nós. Sinto que todos os meus sonhos sem ela não fazem qualquer sentido! Se ela não estiver ao meu lado não vale a pena ser ator ou qualquer coisa... — Fernando explica com sinceridade e Marcelo não consegue parar de atrelar tal história a sua com Amélia.

Hoje nada fazia sentido sem ela ao seu lado, ele compreendia.

— Pode parecer estranho, mas entendo completamente o que me diz, rapaz — Assentiu positivamente — E te apoio em suas decisões.

— Obrigado tio... Nem sequer vou perguntar como você compreende porque sei que seus assuntos do passado são sigilosos — Marcelo concorda em silêncio.

— Essa garota é mesmo sortuda por ter encontrado um rapaz como você nos dias de hoje — Fernando cora — Ela é mesmo boa menina? Não se trata de uma interesseira qualquer, correto? — Estreita o olhar.

— Não tio, claro que não. Ela também tem boa família e boas condições e certamente não precisa ter interesse em nada — Ri por dentro por se tratar da filha dele.

— Mesmo assim, sendo eu um homem mais experiente, devo te dar um sábio conselho — Marcelo retirou de trás de uma almofada uma grande cartela de preservativos de uma marca famosa. No mesmo momento Fernando sentiu os olhos se abrirem muito no rosto e a temperatura das bochechas ferverem — Isso aqui é para você — Entregou a ele a fileira de camisinhas embaladas em sacos pretos — Abner devia fazer isso e ter essa conversa, mas como ele não está me sinto no direito de te alertar que ter um filho agora seria muito ruim para você e para sua namorada. Você deve pensar nela acima de tudo agora se a ama como diz.

— Tio, eu... — Sussurra olhando as camisinhas sem ter o que dizer. Sentia-se o pior dos homens naquele instante! Marcelo não fazia ideia que tais preservativos, se fossem usados, seriam com sua filha! — Eu não...

— Está tudo bem, rapaz. É normal que aconteça, você apenas precisa se prevenir e estar atento. Ser pai é uma grande responsabilidade, assim como ter uma vida sexual. Sei que você é ajuizado e fará tudo da maneira correta!

— Pai? — Marina aparece na sala com as bochechas coradas e um tanto aflita.

Não pôde deixar de ouvir o final da conversa e desejou que um buraco se abrisse no chão quando viu seu pai a frente de Fernando com um molho de camisinhas entre eles. O garoto escondeu a cartela rapidamente quando a viu e se colocou de pé.

— Marina Gabriela... Fernando veio fazer o trabalho com você — Marcelo também se colocou de pé, mas de modo sorridente — Vou ter que trabalhar na biblioteca, mas fique a vontade! Faça um lanche na cozinha para vocês e seja gentil, querida. Receba bem nosso visitante — Abraçou Fernando pelo ombro com carinho — Qualquer coisa você pode falar comigo, Nando. Sabe que te vejo como um filho.

— Obrigado tio Marcelo, muito obrigado — Gaguejou tentando não encarar Marina naquele momento.

Ambos subiram em silêncio em direção ao quarto da menina e obviamente Marcelo não esboçou qualquer protesto por ficarem sozinhos lá. Realmente se consolidava na opinião de que Marina e Fernando eram como um casal de irmãos ou primos, talvez.

Adentraram ao quarto decorado em cor de rosa e com vários ursos, algo não muito comum para uma menina de quase dezessete anos, mas com um leve toque de menina-moça. Um painel de fotos no canto do quarto despertou o interesse de Nando, que caminhou até lá e contemplou as imagens ali exibidas. Muitas das fotos eram da infância e em várias delas o garoto estava presente. Tal fato o fez sorrir enquanto observava o quarto, retirando de lá um retrato onde estava abraçado com Marina em um parque aquático. Não pareciam gostar de estar juntos e ele se recordava que haviam sido obrigados pelos pais a tirarem a foto.

— Você não pode exibir isso para a sociedade — Nando brincou mostrando a ela a foto — Eu ainda era um bolinho e você tinha os dentes tortos.

— Mesmo assim eu já gostava de você — Marina comenta sentada sobre sua cama e parecendo vagar longe dali. Foi à deixa para que o garoto se aproximasse e sentasse ao lado dela no grande colchão macio.

— O que foi que aconteceu? Porque essa cara? — Questionou delicadamente.

— Ouvi sua conversa com meu pai... — Não o encarava enquanto falava.

— Se surpreendeu com as camisinhas? — Brincou — Não tem ideia de como estou me sentindo envergonhado e muito culpado! É como se estivesse traindo a confiança dele!

— Também fiquei do mesmo jeito, mas não é sobre isso... É sobre seus planos — Ergueu os olhos escuros para o rosto dele e claramente se mostrava apreensiva — Você vai mesmo ficar aqui por minha causa? Vai abandonar seus sonhos de viajar para fora por mim?

— Por nós — Corrigiu enfaticamente — E não irei abandonar meus sonhos, apenas torna-los um pouco mais próximos da realidade aqui do Brasil. Ao invés de estudar no exterior, procurarei uma boa escola de atores por aqui e usarei a influência de minha mãe para entrar na área.

— Mas você nunca quis isso, Nando. Sempre quis conquistar seu espaço por seu talento e não pela carreira de tia Amélia...

Fernando cobriu as mãos dela com as suas e a encarou com carinho.

— Isso era antes — Dá de ombros — Agora tenho novos planos... Tenho você aqui. Existe algo a perder.

— Isso é legal demais, mas estamos falando da sua vida. E se você se arrepender depois? E se... — Ele pousou um dedo sobre os lábios dela.

— Vamos falar do agora. Do hoje. Do nosso plano maligno para nos vermos e passarmos a tarde juntos — Ela sorriu de canto com o tom brincalhão dele — Vamos fazer um lanche e ver vídeos no celular. Vamos simplesmente ficar juntos enquanto não temos que dar explicações. Já perdemos tempo demais pensando em como seria e agora é.

Marina assentiu positivamente, mas por dentro nada daquilo fazia sentido. Por dentro não tinha certeza de que faria a coisa certa apoiando Fernando a abandonar seus sonhos de infância por ela.

Seria a história de ambos forte o suficiente para resistir a tais provações?

 

 


Capítulo Dezessete


Uma vez mais Amélia se via na ponte que levava ao farol na beira da praia, desta vez um tanto distante do local do mirante que estava acostumada a frequentar.

Era final de tarde e o crepúsculo iluminava o céu ensolarado com seus raios coloridos. As mãos delicadas pousaram nas fileiras de madeira enquanto observava o céu encontrando o mar naquele local vazio e tão acolhedor. Não podia evitar sentir paz naquele instante. Não podia evitar relaxar com o vento tocando seu rosto e fazendo seu leve vestido branco esvoaçar ao seu redor. Ao fechar os olhos podia se lembrar da época de sua adolescência, quando corria pela ponte de madeira ao lado de Marcelo e paravam aos pés do farol para se beijarem as escondidas dos olhares curiosos dos amigos.

Suas risadas moravam naquele local, assim como o amor que sempre sentiu por aquele homem. Ainda era vívido e pulsava em sua alma, algo tão real que chegava a lhe assustar.

— Confesso que pensei em acender um cigarro quando soube que iriamos nos ver sozinhos, mas ao sentir seu perfume soprando em minha direção desisti no mesmo momento! — Amélia não se virou quando ouviu o tom de voz dele ecoando em suas costas. Não demorou até o calor do corpo masculino lhe tocar as costas quando ele se aproximou a ponto de falar em seu ouvido — É o mesmo perfume depois de tantos anos. É o mesmo cheiro que irradia da sua pele.

— Para com essa história de cigarro, Marcelo — Sorriu ainda de costas e se virou em direção a ele — Você não é mais um garoto para se aventurar em tais vícios.

— Não sou viciado — Garantiu encarando-a em contraste com a bela paisagem. Os cabelos alourados esvoaçavam com o vento — É mais...

— Uma lembrança — Ela o interrompeu e completou a frase.

— Exato. Uma boa e velha lembrança.

Os olhos castanhos se prenderam no rosto feminino emoldurado pela delicadeza. Tocou-lhe as bochechas esperando ser rechaçado, mas Amélia apertou os olhos diante do toque delicado e suspirou com a quentura da grande mão. Marcelo não hesitou em beijá-la, enlaçando a cintura fina em seus braços e deslizando os dedos pelos longos cabelos macios.

Amélia sabia que era errado estar ali beijando seu amante do passado, mas nada no mundo a faria se arrepender. Espalmou as mãos no peito largo e se entregou as carícias, ao perfume e as lembranças... Sentiu os olhos inundados por lágrimas enquanto se estreitava nos braços de Marcelo com ainda mais ardor e não pôde evitar derramá-las em protesto pela injustiça do destino. Tanto tempo à sombra da paixão... Tantos anos guardando um sentimento tão bonito e poderoso! Como conseguiu suportar tudo, afinal?

— Amélia? — Afastou-se quando sentiu o sabor das lágrimas em meio ao beijo — O que foi? Porque chora?

— Ah meu Deus, como sou idiota... — Afastou-se dele voltando-se novamente para a paisagem e lhe dando as costas — Esse lugar... Você... Tudo isso me faz parecer uma adolescente bobinha — Secava as lágrimas com dedos trêmulos.

— Tudo o que menos quero é te fazer chorar. Não precisa ser assim — Tocou a cintura dela por trás e sussurrou ao pé de seu ouvido.

— Nós estamos aqui por um motivo, Ferrari, e esse motivo é meu filho. Você prometeu me ajudar — Um pouco reestabelecida, encarou-o com a firmeza que sempre era encontrada nos olhos de Amélia Romanov quando se dirigia a qualquer assunto dos meninos — Conseguiu descobrir algo?

Marcelo engoliu em seco e assentiu positivamente. A camisa branca – cor também do vestido dela – esvoaçava junto aos cabelos claros.

— Você estava certa. Fernando tem uma namorada e é por ela que não quer ir embora do país.

— Uma namorada? Você tem certeza? — Cruzou os braços em frente ao corpo de maneira a se proteger do vento. Marcelo concordou novamente — Ele nunca me disse nada...

— Tem coisas que os garotos se sentem mais confortáveis em conversar com um homem, Amélia. Fernando não é mais um menino que você podia controlar a vida.

— Acaso pode dizer algo de meu zelo? Você trata Marina Gabriela como uma menininha até hoje e ela já está uma moça! — Marcelo franziu o cenho.

— É diferente... Marina é uma frágil menina de dezesseis anos. Fernando já é um homem que pode se defender sozinho e está quase na maior idade — Deu de ombros — O fato é que Fernando sempre foi apaixonado por tal garota e ela nunca lhe soube de seus sentimentos. Agora, ao que parece, ele teve coragem de se declarar e as coisas aconteceram — A expressão de Amélia era de alguém totalmente desacreditada — O garoto está feliz e me garantiu que se trata de uma moça de boa família, ou seja, sem interesses em qualquer bem, como era sua preocupação. Além disso, me disse que é uma menina educada e muito bacana. Certamente deve ser, uma vez que Fernando é um bom rapaz e com ótimas intenções.

— Céus — Pendeu a cabeça para trás e suspirou — Meu filho... Meu menininho... — Tapou a boca com as mãos — O que você disse a ele, Marcelo? Acaso o alertou que desistir da viagem por um namorico é um tremendo absurdo?

— Claro que não — A frase despertou a atenção de Amélia, mas ele prosseguiu antes que ela pudesse protestar — Jamais induziria Fernando, um rapaz que amo como filho, a cometer o mesmo erro que eu. O mesmo erro que nós cometemos no passado, Amélia.

— Como assim? — Suspirou.

— Não é obvio? — Sorriu sem humor — Há vinte anos nos conhecemos e namoramos. Há vinte anos eu te amava como te amo hoje, mas éramos imaturos o suficiente para acreditarmos que o dinheiro de nossa carreira artística e todo luxo que ela proporcionaria supriria a falta de um grande amor. Há vinte anos você desistiu de mim para ser famosa, mas se jogou nos braços do primeiro que apareceu e engravidou dele sem mais explicações!

— Você rapidamente ficou noivo de Pia! Eu não suportava pensar que havia te perdido e era tarde demais, Marcelo, por isso me casei com Abner. Você sabe... Sempre soube! — Vociferou de maneira nervosa.

— Nos desviamos e acabamos cumprindo o mesmo destino que teríamos cumprido juntos, mas de uma maneira infeliz. Era para Fernando ser meu filho e Marina ser sua filha também e jamais irei compreender qual o intuito do destino em nos separar naquela época... Jamais! — Amélia o assistia em completo silêncio e com o coração sangrando — Fui infeliz por medo de arriscar pelo seu amor e nunca irei aconselhar Fernando a abandonar a garota que ele diz amar por uma coisa que pode ser resolvida aqui no Brasil. Ele não desistirá de seu sonho de atuar, apenas fará por um caminho menos glamoroso e mais simplório. Será que pode compreender?

— Sim, eu posso — Respondeu segurando as lágrimas e evitando encará-lo — Obrigado por ter falado com ele. Sabendo que o motivo é esse me sinto mais tranquila.

— Por você eu faço tudo. Para mim Fernando é como um filho... Ele e Felipe são parte de mim também — Os olhos de Amélia se dirigiram para os dele com o silêncio lhe corroendo a alma — Gostaria de ser mais próximo de Felipe assim como sou de Fernando.

— Não é uma boa ideia — Amélia não pôde evitar sentir um frio na barriga com as palavras ditas por ele.

Sempre gostou da proximidade que Fernando tinha com seu antigo amante, algo que não acontecia em relação a seu filho mais novo, Felipe. Assim que o garoto nasceu — na mesma época do filho mais novo de Marcelo — o contato entre eles se estreitou e evitou que o laço fosse firmado, algo que Amélia agradecia aos céus. Não podia permitir que Marcelo fosse próximo de Felipe. Não naquela altura da vida, onde as coisas haviam ido parar tão longe.

— Porque não? Ele é tão parecido com você que sequer lembra que é filho de Ettore — Sorriu de canto.

— Não é uma boa ideia que fique tão próximo assim de Felipe e ponto, Marcelo. Sem mais perguntas! — Abaixou o olhar e emendou uma desculpa para escapar — Preciso ir, mas antes quero te lembrar de algo...

— O que? — Sussurrou envolvido pela proximidade com ela.

— Quando você me conheceu e começamos a namorar eu tinha dezesseis, a idade de Marina — Piscou para ele como uma indireta — Então é melhor deixar de ser careta e aceitar que sua filha já se tornou uma mulher!

— Isso não é engraçado! — A prendeu pelo pulso e puxou-a em sua direção. Amélia se calou e o encarou profundamente — Sei que você e Ettore não estão bem. Sei também que é uma questão de tempo até vocês terminarem esse casamento sem fundamento.

— Talvez — Amélia concorda ainda o encarando firmemente.

— Quando isso acontecer... O que será de nós? — Questiona com o rosto convertido em uma expressão de sofrimento — Eu já esperei muito, Amélia. Vinte anos. Esperaria a vida toda se você me dissesse que vamos ter uma chance em meio a tudo, mas não vou suportar ficar tão próximo sem uma garantia.

— O que quer dizer?

— Que preciso ouvir você dizer que vamos tentar quando tudo acabar entre você e Ettore. É somente o que falta.

— Mas e Pia?

— Já me livrei dela...

— Ela tornaria tudo impossível para nós — Marcelo suspira diante das palavras dela — Iria querer te afastar das crianças. E nossos empresários que sempre acreditaram que tudo não passava deu uma fofoca? E nossa carreira? E os meus filhos?

— Sempre os outros, é isso? É sempre os demais que contam e, enquanto isso, continuaremos sofrendo longe um do outro ou fazendo amor às sombras? — Amélia suspira e cobre o rosto com as mãos — Então é isso, Amélia — Abriu os braços em sinal de indignação, começando a afastar-se dela — O seu amor por mim sempre foi feito de medo .

O coração sagrava, mas mesmo assim Marcelo deixou Amélia onde a encontrou naquela tarde e voltou em passos largos para seu carro estacionado no pé do farol. Daria tudo para ter ouvido a voz dela lhe chamando no horizonte, porém não houve nada . Nada.

Enquanto dirigia acendeu um cigarro com os dedos trêmulos e os olhos queimando. Mesmo que a amasse sentia que jamais teria Amélia Romanov como sua mulher diante de tudo e todos... Jamais alcançaria seu sonho de amor, como acontecia com Fernando e sua jovem namorada. Algumas lágrimas caiam em seu rosto quando a tristeza se tornou impossível de suportar e o coração transbordou.

Qual sentido de viver mais vinte anos sem ela? Já estava com quarenta anos e deveria aceitar que talvez nunca ficassem juntos. Talvez o medo realmente fosse maior que o amor de Amélia por ele. Enquanto dirigia lembrou-se de Fernando. Enquanto dirigia lembrou-se da estratégia do garoto e aquilo fez sentido em sua mente.

Se ela não me quiser eu vou... Se ela me quiser eu fico.

Amélia não era forte por eles e nunca havia sido. Amélia definitivamente não o queria.

Ele precisava ir .

 


Capítulo Dezoito

 

Marina encarava o pai enquanto o mesmo fechava o pacote de sua festa de aniversário com a gerente de um dos melhores espaços da cidade.

Marcelo parecia ainda mais empenhado em transformar seu dia especial em um dos melhores de sua vida naquele ano e a garota se perguntava a todo o momento o motivo. Definitivamente estava apresentando um comportamento estranho, mas não admitia para ninguém o que estava prestes a acontecer. Não podia negar que sentia medo dos planos dele, uma vez que viver com Pia estava fora de seus planos naquele momento.

— Muito obrigado senhor Ferrari — A vendedora apertou a mão dele com convicção e um largo sorriso. Marina apenas observava de maneira entediada o modo como às mulheres costumavam se portar diante de seu pai — Certamente será um aniversário inesquecível para sua filha.

— Claro... E não se esqueça de colocar o nome dela sobre a mesa como “Marina Gabriela” — Relembrou a atendente arrancando um olhar derretido da moça.

— Marina Gabriela é horrível, pai — A menina saiu do salão sendo guiada pelos ombros pelo pai.

— Não é horrível... Fui eu quem escolheu — Repreendeu enquanto caminhavam.

— Mamãe disse que Marina foi ela e Gabriela você. Disse que era o nome que você e sua antiga namorada dariam a uma possível filha, por isso ela odeia — Os dois gargalharam e Marcelo engoliu em seco.

Sim, era um fato. Quando devaneava com Amélia sobre a possibilidade de terem uma filha sempre acabavam chegando ao nome Gabriela. Era uma escolha de algo que nunca aconteceria, por isso decidiu batizar sua filha como o nome, mesmo que fosse um segundo nome.

— Eu nunca deveria ter contado isso a ela — Brincou abrindo a porta do carro para a menina.

— Mamãe é muito careta. É normal combinar com o namorado o nome dos futuros filhos. Todo mundo faz isso! — Enquanto o pai se acomodava no banco do motorista, Marina observava o celular rapidamente para checar se havia alguma mensagem de Fernando.

— E o que a senhorita sabe sobre namorados? Pelo que sei nunca existiu nenhum em sua vida... Ou será que está traindo a confiança que sempre depositei em você? — Encarou a filha por trás dos óculos escuros.

Marina definitivamente corou. Definitivamente não soube o que fazer durante alguns bons minutos e muito menos onde enfiar a cara! Certamente aquele era um dos momentos mais embaraços de sua vida, visando que Fernando lhe mandava uma mensagem naquele instante combinando o próximo encontro as escondidas no clube de verão que sempre frequentavam.

Dois meses.

Esse era o tempo que levava o relacionamento de ambos às escondidas e até agora nem Amélia e muito menos Marcelo haviam desconfiado de algo. Em seu coração existiam muitas dúvidas apesar de todo o amor que nutria pelo garoto. Certamente ainda era muito jovem para afirmar que aquilo era amor, mas podia garantir que jamais havia experimentado algo mais poderoso. Fernando era exatamente aquilo que sempre sonhou... Um garoto calmo, cavalheiro, divertido e seu melhor amigo de infância. Amava estar com ele e cada detalhe, apenas sentia-se assustada quando ficavam muito a sós e os sentimentos transcorriam com mais intimidade.

Nunca fizeram amor ou algo do tipo e Marina sabia que apenas não havia acontecido por falta de oportunidade. Tanto ela quanto Fernando ansiavam por aquele momento, mas o medo era o sentimento que mais forte batia a sua porta. Seria o momento certo? Seria ela boa o suficiente?

Depois do episódio com Lucas aquele dia na festa era certo que não possuía confiança de uma garota normal. Sempre que Fernando excedia um pouco a linha se pegava recordando dos momentos que viveu aquela noite. Não muitos, mas alguns flashes em sua memória traziam a tona algo terrível relacionado ao contato físico. Sentia vontade de gritar ao mesmo tempo em que ardia em desejos... Consternada, buscava driblar tais sentimentos e dar espaço a doçura. Buscava dar uma chance a ambos, uma vez que a magia que encontrava aquele relacionamento era sublime e superior aos temores de sua alma.

— Pai, por favor — Murmurou com a voz trêmula e olhando para tudo, menos para ele — Que absurdo você diz.

— Absurdo seria eu descobrir que você trai minha confiança enquanto deposito minhas fichas em seu futuro, garota. Não me decepcione — Ligou o carro — Não gosto que fique muito nesse celular. Existem muitos segredos por trás dessa tela.

— Até parece que você nunca teve um segredo não é papai? — Brincou encarando-o de lado. Marcelo deu de ombros.

— Um seria uma quantidade limitada, certamente — Marina observava a tela do celular e analisava qual desculpa daria para encontrar Nando naquela tarde — Está tudo bem?

— Sim, é que as meninas estão combinando de ir ao clube hoje pegar uma piscina... O sábado está lindo não acha? — Sorriu inocentemente e ajeitou o cabelo longo como desculpa para não encará-lo.

Não gostava de mentir para seu pai. Sentia-se uma criminosa escondendo segredos de alguém que sempre foi sincero e amigo. Marcelo era mais do que um pai... Era seu herói e decepcioná-lo seria terrível. Talvez esse fosse o motivo de ainda não ter contado sobre seu romance com Fernando. Seu pai sempre a viu como uma menininha incapaz de mentir e ela mentiu a vida toda quando disse que odiava o garoto, inclusive nas vezes em que esteve sozinha com ele ocultando as reais intenções. Marcelo ainda acreditava que ela era uma criança que precisava ser protegida e nada parecia mudar seu conceito.

Além de tudo e todos, Marina não sentia firmeza em tal relação. Ainda pensava o que poderia acontecer se Fernando fosse embora, uma vez que até agora o garoto não havia tomado uma atitude sobre o feito. Dizia que não ia, mas tão pouco voltou a tocar no assunto de assumir o romance. Não seria ela a responsável por pressioná-lo. No fundo Marina sentia medo.


À tarde de sábado estava ainda mais ensolarada que a manhã do mesmo dia.

— Qual é Nando? Você parece no mundo da lua — Um dos amigos do garoto comentou enquanto bebiam água de coco na lanchonete do clube. Ambos os meninos usavam short de banho escuro e tinham a pele úmida pelos recentes mergulhos na piscina olímpica — Está esperando alguém?

— O que? Ah... — Despertou a atenção para o amigo e deixou de olhar ao redor em busca de Marina — Estou esperando Marina. Ela vai trazer uma coisa da escola para mim. É tipo um trabalho.

— A Ferrari? — Os olhos do menino brilharam e demonstraram interesse — Estou sabendo que vocês são amigos de longa data. Ela é uma tremenda gata hein... O problema é que o pai dela é meio casca grossa e a trata como se fosse um inseto no potinho. Você bem que podia nos apresentar, cara. Dizem que ela nunca namorou — Fernando chutou o pé do garoto por baixo das banquetas com força — Ai cara! O que foi?

— Desculpa, foi sem querer. Eu estava distraído — Mentiu com o rosto em chamas pelas palavras do garoto. Essa era uma desvantagem de ninguém saber sobre eles. Não podia se pronunciar quando um de seus amigos falavam coisas desagradáveis sobre Marina em sua frente e muito menos conseguia disfarçar — Eu não seria louco de apresentar vocês... Meu tio Marcelo é realmente muito bravo em relação a ela. Já deu uma olhada no tamanho do braço dele?

— Não só o braço... O cara todo é um gigante! — Fernando sorriu vitorioso quando reparou na pontada de medo presente na voz do garoto — Vem cá... É mesmo verdade esse boato que vem circulando?

— Que boato? — Encarou-o com certa desconfiança.

— Que o Marcelo Ferrari e sua mãe são amantes de longa data e sempre esconderam a história dos respectivos conjugues — Fernando suspirou e colocou a bebida de lado — Não me leve a mau cara, mas todo mundo anda falando sobre isso na internet, nos blogs de famosos e tal. Está virando um tremendo escândalo.

— Não preciso responder um absurdo desses, certo? É claro que minha mãe e tio Marcelo jamais tiveram algo! Acha que conseguiriam esconder algo do tipo por tantos anos? Fala sério...

— A julgar que ambos são grandes atores de televisão eu diria que sim, é possível. Já pensou que você e a Ferrari podem ser irmãos? Você não iria se importar se eu ficasse com a sua irmã, iria? — Deu de ombros enquanto sorria e Fernando o encarou com os olhos azuis pegando fogo de raiva. O garoto apenas se manteve sentado enquanto Nando se erguia do banco e partia para cima dele em uma postura agressiva.

— Você está mesmo chamando minha mãe de falsa na minha frente, cara? — Avançava sobre o garoto em uma postura nervosa e algumas pessoas ao redor já entravam em alerta. O garoto se colocou de pé também.

— Foi só uma brincadeira, cara, não precisa disso — Explicou calmamente, mas Fernando seguia nervoso. Não apenas pelas insinuações com a mãe, mas também pela parte que envolvia Marina.

— O que não precisa são seus comentários desnecessários sobre as pessoas. É melhor aprender a segurar a língua — No exato momento Marina apareceu entre os dois e empurrou Fernando para trás após ultrapassar uma pequena roda de pessoas.

— O que está acontecendo Nando? — Questionou nervosamente enquanto o garoto tentava se acalmar após vê-la — Para com isso! Porque está brigando com seu amigo?

— Ele saiu do sério porque fiz uma brincadeira, Marina. Foi algo inocente — O garoto explicou enquanto Fernando lhe dava as costas.

— Inocente? Ah cara, você tem sorte dela ter chegado, do contrário eu ia te arrebentar!

Marina saiu puxando Fernando da multidão e o garoto deixou ser guiado pela mão. Ambos voltaram para a beira da piscina e sentaram em algumas espreguiçadeiras de maneira a ficarem longe dos demais conhecidos, uma vez que grande parte dos amigos do colégio frequentavam aquele clube.

— O que foi que aconteceu? Porque estava brigando com ele?

— Porque ele foi um idiota... Insinuou coisas sobre seu pai e minha mãe.

— Ah Fernando. Todo mundo fez isso pelas nossas costas a vida toda! Eles são famosos, não é bem algo que podemos controlar — Sentou-se ao lado dele com maior proximidade. Usava um biquíni rosa junto a um short jeans branco e carregava uma bolsa de praia colorida.

— Não foi só isso... Ele falou de você também — Não a encarou quando disse e Marina corou pelas palavras — Disse que você é uma tremenda gata e não sei o que mais — Deu de ombros e se enraiveceu enquanto falava.

— Ele disse isso?

— Disse sim, por quê? Te interessa? — Virou-se para ela de maneira nervosa.

— Claro que não! — Esbravejou ainda corada — É que... Bom... Eu não sabia que você tinha tanto ciúme assim de mim — Deu de ombros e ajeitou o cabelo atrás da orelha.

— Pois é, mas tenho e não suporto mais esse negócio de ouvir meus amigos falando de você na minha cara sem que eu possa tomar alguma atitude — Marina encolheu os ombros e suspirou — Quando é que essa história vai acabar, hein? Quando finalmente poderei pedir você em namoro para o seu pai?

— É complicado, Fernando. Você está querendo ir rápido demais... — Suspirou olhando na direção oposta a dele.

— Porque rápido demais? Qual é o problema? Nós dois sabemos que seu pai vai ficar bolado, que não teremos mais a mesma liberdade e tal... Não entendo porque tanto drama, Marina — Não obteve resposta por parte dela — Quer saber? Às vezes acho que você não gosta de mim de verdade como disse.

Fernando se colocou de pé e saiu caminhando com a garota ao seu encalço.

— Como posso ter certeza? — Marina o alcançou na parte do jardim e se lançou a frente dele.

— Do que está falando? — Franziu o cenho.

— Como posso ter certeza de que você realmente não vai embora para os Estados Unidos em Janeiro? — Nando a encarava como se estivesse diante de uma louca — Além disso, tem os nossos pais que confiam em nós e sequer imaginam o que temos. Minha mãe odeia sua mãe... Como posso ter certeza de que a nossa história é forte o suficiente para superar tantos obstáculos?

Nando apertou os olhos em sinal de indignação e deu de ombros.

— Quer saber? Não vou dizer nada — Suspirou com um sorriso sem humor — O que quer são provas? Então tudo bem... Irei te provar que quero algo realmente sério com você.

Marina observou Fernando se afastando com os músculos se movendo sob a luz do sol e voltando em direção a piscina. Teve tempo apenas de ameaçar ir até lá quando o viu mergulhando na água e desistiu do feito. Ele havia arruinado o encontro com a briga e ela a história deles com tantos medos e inseguranças.

Porque diabo tinha de ser uma menina tão tola quando demonstrar tamanha firmeza?


O celular tocava alto ao lado de Amélia enquanto a loira corria na esteira e ela apenas se esticou para observar o visor.

Era o empresário novamente.

Revirou os olhos e seguiu correndo sem a intenção de atendê-lo, uma vez que já sabia de cor quais eram as propostas de trabalho que viriam. Fernando adentrou a academia da casa observando a mãe ignorar o ensurdecedor ruído.

— O que foi? Não vai atender? — O jovem subiu na outra esteira ao lado dela e começou a se alongar para a corrida.

— É o Johnny de novo... Está insistindo para que eu seja a vilã principal da próxima novela do horário nobre, mas não estou interessada em trabalhos extensos agora — Deu de ombros e secou o suor da testa com uma toalha vermelha. Usava top de ginástica, calça leggin e cabelos presos em um coque.

— Está recusando uma vilã da novela das nove, mãe? — Amélia torceu os lábios — Caramba... Tem ideia do que é isso?

— Claro que sim... Já fiz grandes vilãs e isso não me chama a atenção agora. Significa muito trabalho e minha cabeça está na lua — Fernando seguia encarando-a com indignação. Amélia recusava naquele instante um papel pelo qual muitos atores experiências se matariam e ela tinha o privilégio de ser convidada — O problema é que o autor quer a mim. Ele já me ligou umas três vezes também.

— Arrisco dizer que a senhora está ficando louca, mãe. Onde já se viu recusar uma oferta assim? — Nando ligou a esteira.

— A proposta é incrível, mas por outro lado estou me divorciando e isso viraria um escândalo ainda maior com minha carreira tão em evidência quanto estará caso eu volte para uma novela do horário nobre — Explicou um tanto ofegante — Tudo o que não precisa é ainda mais fofocas. Preciso pensar em Felipe. Em preservá-lo.

— Felipe está bem... O problema é você mesmo, mãe. Anda literalmente com a cabeça na lua — Amélia parou de correr e encarou o filho pelo canto de olho.

— Não se meta em meus problemas, garoto. Apenas se limite a não encontrar problemas até se formar... — Fernando suspirou — E Marina? — O tom confuso de Amélia o fez encará-la com certo constrangimento.

— O que tem ela? — Respondeu disfarçando.

— Pararam de brigar de uma vez? — Apanhou sua garrafa de água e parou em frente à esteira do filho.

— Um pouco. Ela anda distraída, mas está tudo bem — Amélia concordou.

— Creio que sejam os preparativos para o aniversário... O convite chegou essa manhã.

— Chegou?

— Sim. É muito bonito — Elogiou fazendo um beicinho de admiração — Pia e Marcelo não deixam a desejar, é claro. Vai ser no sábado.

— Sábado? — Fernando parou a esteira com certo espanto e Amélia se assustou — Mas já? O aniversário dela não era mês que vem?

— Está escrito lá que é sábado, querido — Franziu o cenho e observou os olhos azuis do filho em total desespero — Por quê? O que foi?

— Preciso comprar um presente para ir à festa e... — Deteve-se quando notou que a mãe o encarava com estranhamento — O colégio todo vai estar lá, sabe como é. Quero ir bem bonito.

— Hm. Certo — Mediu-o dos pés a cabeça — Não se preocupe com o presente. Irei encomendar uma bonita joia ou uma bolsa, algo de mulher. Marcelo precisa ver que a garota não é mais uma menina.

— Realmente ela não é...

— O que foi que disse? — Fernando corou e voltou a ligar a esteira.

— Nada mãe, não é nada — O celular de Amélia voltou a tocar e essa foi à deixa para Fernando escapar dos questionamentos. Suspiro aliviado quando se viu sozinho na academia pesquisando no celular modelos de alianças de compromisso.

Definitivamente iria fazer uma surpresa para Marina na festa e provaria a ela que não queria apenas uma noite, mas uma vida toda ao seu lado.

 


Capítulo Dezenove

 

Uma foto não é simplesmente um retrato quando o que existe por trás dela é bem mais do que uma lembrança. Uma foto não é somente uma recordação quando exibe um sentimento... Um momento... Algo valioso demais para ser mensurado.

Aquela foto era um tesouro.

Não apenas pelo imensurável valor, mas também pelo fato de ter passado quase vinte anos escondida aos olhos do mundo.

Amélia contemplava com dedos trêmulos o retrato que havia acabado de receber pelo correio em um envelope negro e dourado. Quem mandaria algo pelo correio em pleno século vinte e um? Pensou consigo mesma quando se deparou com aquilo em meio à correspondência. Abriu o objeto endereçado em seu nome e se viu diante de algo que sequer pensou ainda existir.

Uma foto de vinte anos atrás. Um foto dela e de Marcelo em um balanço em meio às árvores e ela podia muito bem reconhecer aquele local. A casa dos pais dela. A casa onde passou toda sua infância e onde havia o levado para apresentar a seu pai. Aquilo era um tesouro, uma vez que atrás havia um pequeno texto escrito por ele para ela no ano de 1998.

Junto da foto havia um cartão e nele palavras escritas. Uma simples música singela, mas que falava por si só.

Um dia vai e outro vem
Espero o tempo que for
Vivendo longe de alguém
Sou beija-flor sem a flor

Quem parte, leva a certeza
Mas deixa a saudade coberta de dor
Quem fica, dorme sozinha
Chorando os espinhos morrendo de amor.

— Daniel, Coração de Menino.

A foto era antiga e Amélia se contemplou no retrato em meio às lágrimas. Estava tão feliz... Sorria em frente a Marcelo, sentada no balanço enquanto ele ficava em pé atrás dela segurando em seus ombros. Tão jovens... Tão felizes... Apaixonados como nunca, talvez não mais do que hoje. A Amélia daquele retrato julgou errado o valor da felicidade. A menina daquela foto deu valor a carreira e escolheu o caminho errado.

O que ele queria dizer com aquilo, afinal?

Porque isso agora?

Recebeu uma chamada em seu celular e encarou o visor com desconfiança. Era do colégio de Felipe e ela se deu conta de que estava realmente atrasada para apanhá-lo naquela tarde. Suspirou enquanto enfiava a foto em uma de suas gavetas e atendia a ligação com agilidade.

— Me desculpe, eu já estou a caminho...

— Amélia? — A voz não era de uma atendente, mas sim muito familiar e lhe fez estremecer ao primeiro contato.

— Marcelo? — Quase deixou a bolsa cair de sua mão ao constatar que era ele e olhou novamente o visor para se certificar que era realmente do colégio de Felipe — O que está acontecendo?

— Não se preocupe, estou aqui no colégio com os meninos e pensei em leva-los para passear já que a mãe de Felipe se esqueceu do horário hoje — Dizia com a voz animada em tom de brincadeira. Ela apertou os olhos.

— Como assim?

— Vim buscar Júnior e Felipe estava aqui com ele aguardando. Como você não chegava os meninos sugeriram que fossemos ao shopping juntos tomar um lanche e jogar. Você se opõe?

“Mas é claro que sim!” seria a resposta enfática dada por ela, mas ao ouvir os resmungos dos garotinhos ao fundo sentiu uma leve pontada no coração. Felipe estava chateado pela situação dela e de Ettore e certamente merecia alguns instantes de distração longe de tal ambiente. Além do mais, sabia do apego que o filho mais novo havia tomado pelo filho de Marcelo. Ambos eram amigos de classe e em todas as horas que podiam estavam juntos.

Definitivamente não era algo bom.

Definitivamente não estava em seus planos e jamais imaginou que Marcelinho e Felipe um dia fossem ser amigos.

Seu coração gelava com lembranças.

Com culpa.

E se algum dia Marcelo notasse?

Engoliu em seco para responder.

— Tudo bem, vocês podem ir — Suspirou quase sem voz — Mas vou buscá-lo em duas horas.

— Melhor ainda... — Marcelo sussurrou animadamente — Vamos ao shopping de sempre. Te espero no parque de jogos.

Ouviu os meninos comemorando antes de desligar a chamada e sentou-se novamente sobre a cama com um muxoxo de reprovação. Esse era o tipo de coisa que precisava evitar se queria continuar preservando seu filho e sua vida de um terrível de grandioso escândalo.


Marcelo sabia que aquele adorável garotinho de cabelos escuros era filho de Ettore, mas não conseguia enxergar nada do mesmo presente em cada atitude do menino.

Os cabelos castanhos, talvez, fossem o que mais aproximasse o pequeno do pai, mas tinha de admitir que assim como acontecia com Fernando, aquela era uma característica herdada de Amélia. Era loira sim, mas naturalmente possuía cabelos castanhos claros como o dos meninos. Os olhos espertos e atentos definitivamente não pertenciam à mãe e tão pouco ao pai, mas lhe soavam familiares, assim como as poucas sardas que lhe cobriam as bochechas.

Quando o alourado Marcelinho corria ao lado do filho de Amélia era possível confundir os dois pela forma física. A única distinção, realmente, era a cabeleira de ambos. Tratava-se do mesmo corte em forma de tigela, mas em tons diferentes. Chegava a ser engraçado.

— São lindos seus garotos — Uma senhora simpática elogiou ao vê-los na praça de alimentação comendo lanches.

Os meninos se divertiam usando as coroas de papel da lanchonete e se entupindo de refrigerante e hambúrguer com batatas de cheddar. A mulher certamente não deveria tê-lo reconhecido para falar de tal maneira, mas Marcelo não se importou. Às vezes, tinha de admitir, apanhava-se observando o menino brincar e vislumbrava a si mesmo naquela idade. O temperamento de ambos era algo realmente parecido.

— Não posso fazer isso de novo... — Sussurrou a si mesmo enquanto os meninos se distraíam no parque de diversões, especificamente nas máquinas de jogos — Não posso criar ilusões.

Já havia se iludido uma vez no passado.

Em determinada época podia afirmar com certeza que Fernando era seu filho, mas como o tempo provou, o garoto era a cara do pai e não havia como negar. Não podia se deixar enganar... Não existia a possibilidade de Felipinho ser seu filho, existia?

— Quem está ganhando o jogo? — Questionou aproximando-se dos meninos.

— O Felipe... Ele é muito bom — Marcelinho anunciou enquanto ambos assistiam o garotinho jogando — Joga a todo o momento com o irmão dele. A Marina jamais jogaria isso comigo!

— Isso porque ela é uma garota, filho.

— Eu preferia ter tido um irmão — Marcelinho cruzou os braços de maneira emburrada e Marcelo sorriu. O jogo acabou — Minha vez!

Felipe desceu do brinquedo e deixou Marcelinho sentar. Marcelo se afastou para um dos bancos e o menino o seguiu de perto.

— Está gostando do passeio carinha? — Questionou acariciando o cabelo do menino, que se acomodou ao seu lado.

— Sim senhor, tio. É muito divertido! — Sorria animadamente enquanto falava, porém existia certa melancolia em sua voz.

— Mas parece meio entristecido... Está tudo bem? — Marcelo abraçou o garoto pelos ombros.

Felipe hesitou e olhou ao redor com certa vergonha. As bochechas coraram e os olhos animados ficaram um tanto mais tensos.

— O meu pai nunca fez isso por mim — Murmurou sem encarar Marcelo — Nunca me levou para passear no shopping e brincar. Às vezes ele me levava para sair, mas era o que dizia para a mamãe. Na verdade eu ficava naqueles lugares que tem brinquedos no shopping por algumas horas enquanto ele sumia... Não era nada legal e nem divertido.

— Ettore faz isso? — Pigarreou quando percebeu o tom de indignação em sua voz — Quero dizer... Que bom que está se divertindo, Felipe. Prometo que iremos sair mais vezes juntos.

— É sério tio? — Questionou encarando Marcelo de baixo.

— Claro, carinha. Você é como... Como... — Buscou palavras enquanto olhava nos olhos do garotinho. Sentiu tamanha emoção que não soube descrever em palavras — Muito especial.

— Você também tio. O meu irmão diz que você é o cara mais legal do mundo e sabe tudo sobre tudo! — Marcelo gargalhou e Felipe sorriu ao abraçá-lo.

É como se eu tivesse quatro filhos. Pensou consigo mesmo.

Naquele momento em que abraçava o garoto notou a presença doce e imponente de Amélia a frente de ambos. A expressão no rosto feminino era de desconcerto e surpresa, talvez buscando algo a ser dito em meio à cena.

— Mamãe! — Felipe alegrou-se ao vê-la e esticou a mão em sua direção. Amélia caminhou encarando Marcelo e indo em direção a eles em passos lentos — O tio Marcelo é muito legal... Ele disse que vai me trazer para passear com ele e com o Júnior mais vezes! Posso vir? Nós comemos hambúrguer com batatas, tomamos sorvete, brincamos na piscina de bolinhas e agora estamos jogando vídeo game. Quer vir?

— Felipe... — Sussurrou ainda encarando Marcelo. Em sua inocência, Felipe não percebia a tensão entre os adultos a forte energia entre ambos — Vá se despedir do Marcelinho para irmos para casa.

— Mas mãe...

— Felipe, por favor — Amélia insistiu docemente e o menino encarou Marcelo com tom de súplica.

— Obedeça a sua mãe, rapazinho. Prometi que voltaremos outro dia e isso será feito... Nem que para isso seja necessário trazê-la comigo — Felipe sorriu, mas foi contragosto se despedir de Marcelo do outro lado.

— Não prometa o impossível — Amélia sussurrou de modo que as crianças não pudessem ouvir.

— Não será impossível — Afirmou colocando-se de pé e indo em direção a ela, que recuou alguns passos — Qual seu problema comigo?

— Eu... — Piscou várias vezes — Não é uma boa ideia que fique tão próximo de Felipe.

— Por quê? — Questionou sem compreender — Com Fernando você até me pede ajuda e me incentiva a se aproximar... Qual é a diferença entre os garotos? — Amélia engoliu em seco — Acaso Ettore me proibiu de me aproximar dele, foi isso?

— Não torne tudo mais difícil — Insiste apertando os olhos.

— Você é quem torna tudo tão difícil e até agora não entendi! Se você está deixando Ettore, qual é o impedimento?

— Você jamais me perdoaria se soubesse! — Esbraveja sem pensar e cobre o rosto com as mãos. Marcelo nada compreende, apenas a encara em busca de decifrá-la — Não me manda mais fotos como aquela.

É tudo o que tem tempo de dizer antes de Felipe alcança-los e a conversa acabar por ali.

Amélia, que nunca havia sentido remorso no passado, naquele instante se via como a pior das mulheres ao assistir Felipe dando tchau para Marcelo e virando-se a cada passo para encará-lo de longe.


Seria hoje, afinal.

Aquele era o grande dia.

— Como estou? — Marina desceu as escadas de maneira nervosa e encarou o pai com total expectativa.

Marcelo perdeu as palavras enquanto analisava o lindo vestido da garota. Tratava-se de um modelo dourado, longo, aberto nas costas e repleto de detalhes. A primeira vista causava um tremendo impacto, mas a peça era delicada e formal, nada chamativo e tão pouco extravagante. Aos olhos dele, era a primeira vez que via sua menininha com uma roupa tão adulta. Era a primeira vez que a via como uma verdadeira mulher.

— Você está linda querida... Uma princesa — Sussurrou se aproximando para lhe dar um beijo na testa.

Os lindos cabelos loiros de Marina desciam até a cintura e um leve penteado na franja a prendia para trás. Usava também um belo colar de brilhantes com a letra “M”, o presente que Marcelo havia lhe dado para comemorar seus dezessete anos. A letra “M” era a letra deles, afinal. A maquiagem era leve, mas ao mesmo tempo abria seu olhar castanho e destacava os belos lábios delicados. Não podia negar que verdadeiramente se sentia como uma princesa.

— Que bom que gostou. Foi tia Amélia que me recomendou o modelo e a estilista — A menina passou o braço pelo do pai.

— Amélia e seu eterno bom gosto — Murmurou enquanto caminhavam em direção ao carro que os levaria até o salão.

— Obrigado por tudo que está fazendo, papai. Está tudo como sempre sonhei — Adentraram ao bonito carro de Marcelo.

— Você não quis uma grande festa de quinze anos, por isso estou aproveitando a oportunidade para fazer tudo como planejei desde que você estava para nascer — Comentou com meio sorriso.

— Aos quinze eu não me sentia pronta para me tornar uma mulher — Confessou enquanto ele dirigia para o salão usando um elegante terno negro com gravata dourada.

— Como assim se tornar uma mulher? — Questionou em tom confuso — O que vai ser diferente de hoje para os quinze anos?

A respiração de Marina falhou e ela corou levemente sob a maquiagem. Droga. Como explicar ao pai tudo o que sentia naquele instante? Como explicar que agora tinha um namorado, – o garoto pelo qual sempre foi apaixonada — mais consciência do próprio corpo e sentia que aquela noite seria especial? Não podia dizer a ele o que pretendia... Não podia dizer que queria se tornar mulher de uma vez e deixar de ser a menina dos olhos dele.

— Dois anos fazem a diferença, não acha? — Marcelo deu de ombros.

— Para quem passou vinte anos às sombras, dois anos não mudam em nada!

— O que disse papai?

— Nada querida, nada. Você está linda!

Dirigiu em silêncio pensando se seria realmente correto anunciar sua decisão justo aquela noite. Marina parecia tão animada que o fato lhe parecia injusto, porém tinha pouco tempo para prepará-los para sua ausência. Por outro lado, o momento seria de intensa felicidade para toda a família e talvez fosse a hora certa de dizer a Junior e Marina que voltariam a morar com Pia.

Suspirou quando estacionou o carro em frente ao grande salão e desceu com a filha. Buscava sorrir mesmo que por dentro estivesse dilacerado. Como fez a vida toda, interpretou um papel que não lhe cabia verdadeiramente ao se mostrar alegre com o momento. Era feliz por ter Marina e por seus dezessete anos, mas uma parte dele – aquela parte que amava Amélia intensamente – não conseguia descansar por nada.

Estava ficando tarde para eles.

A vida já havia corrido demais, assim como o tempo que dispunham.

Aquela foi à última oportunidade e ela disse não outra vez.

Não havia mais o que ser feito. Precisava aceitar que Amélia Romanov jamais seria verdadeiramente sua e dar um jeito de afogar o amor em seu coração de uma vez por todas.

Naquela noite Marcelo tomou a decisão enquanto caminhava de braços dados com a filha mais velha em meio aos convidados. Olhando nos olhos castanhos de Amélia entre a multidão, um filme sobre a vida deles passou diante de sua visão... Desde quando eram jovens e até hoje, quando se viram pela última vez no shopping com os meninos.

Amélia fugia dele como se foge do perigo. Amélia nunca havia o amado de verdade.

Iria embora para nunca mais encontrá-la e esquecer de uma vez que aquela mulher – a mesma que o deixou vinte anos a sombra da paixão – um dia existiu em sua vida.

 

 


Capítulo Vinte


A ansiedade tomava conta do corpo de Fernando enquanto o mesmo assistia Marina ser cumprimentada por praticamente todos os convidados, incluindo alguns garotos do colégio que ele simplesmente não suportava.

Mordeu os lábios em nervosismo ao presenciar Pietro, seu colega do incidente no clube, passando os braços pela cintura da menina e a abraçando com entusiasmo. De fato não aguentava mais a situação em que se encontrava... Marina era dele e sempre havia sido! Era nos braços dele que a garota suspirava em meio ao beijo e contra o calor dele que as mãos pequenas descobriam novos sentimentos. Não podia mais assistir a todos a tratando como uma moça solteira.

Muito em breve perderia a cabeça e talvez fosse tarde demais para conversar com Marcelo da maneira calma como deveria.

— E ai Nandinho... Você está demais hein! — Parado com as mãos nos bolsos, Fernando se virou e encontrou Anita, uma das melhores amigas de Marina no colégio.

A garota de cabelos coloridos usava um belo vestido estilo princesa, mas preto e um tanto curto demais. A maquiagem forte combinava com as madeixas rosadas, principalmente o batom rosa-pink. Carregava uma bolsa pequena nas mãos e parecia alheia a multidão, exatamente como ele.

— Você também está muito bem, Anita — Cumprimentou-a com um beijo rápido no rosto e ela sorriu amigavelmente.

— Cheguei agora. Queria dar um beijo na Mari, mas parece que o pessoal está igual abutre em cima da carne fresca — Comentou analisando algo dentro da pequena bolsa — Quer ir lá fora comigo? Vou fumar.

— Fumar? Com essa idade? — A repreendeu de maneira bem humorada.

— Qual é Fernando, larga de ser careta... — A garota começou a caminhar e foi seguida por ele em direção ao lado de fora do salão destinado aos fumantes. Ambos pararam ao lado de um pequeno banco e observaram ao redor. O começou de noite era definitivamente bonito e agradável em contraste com a decoração sofisticada e belíssima — Parece nervoso, cara. Aconteceu alguma coisa com você?

Nando seguia parado com as mãos nos bolsos do terno e não disfarçava a apreensão. Movia-se a todo o instante e tinha de se conter para não correr até lá e afastar aqueles garotos de Marina.

— Acho que você não compreenderia... Talvez não acreditasse... — Olhava na direção oposta a ela. Apenas havia seguido Anita até ali porque sabia que se tratava de uma amiga de Marina e certamente ela não iria se importar em vê-los juntos.

— Deixe-me adivinhar... — Anita tragou o cigarro profundamente e se sentou no banco a frente dele — São os caras abraçando Marina, é isso? No mínimo está enciumado e não sabe o que fazer para ficar ao lado dela.

Fernando corou violentamente e seus olhos azuis cresceram no rosto em direção a Anita. Aproximou-se ainda mais da garota e viu um sorriso vitorioso nascendo em seus lábios enquanto jogava a fumaça fora.

— Como... Como é que... — Gaguejava sem saber o que dizer.

— Ah, qual é Nando! — Deu de ombros — A Marina é minha amiga e ela me disse que está ficando com alguém, apenas não me disse o nome do carinha em questão. Também dizia que eu não iria acreditar — O garoto suspirou em alivio — É claro que é você! Não precisa ser muito esperta para sacar que vocês não param de se olhar a todo o momento no colégio e sempre somem juntos.

— É tão óbvio?

— Basta parar e prestar atenção — Nando sentou ao lado dela ainda pensativo — Ela me disse que tem medo de assumir o namoro e decepcionar o pai dela. Além disso, tem medo de sofrer caso você decida fazer uma tal viagem e nunca mais voltar.

— Eu sei que ela acha que estou brincando com os sentimentos dela — Anita assentiu — Mas não é assim. Eu a amo e quero ficar com ela.

— Ama ? — Fernando assentiu — Uau... Como é intenso dizer que ama alguém aos dezoito anos!

— Não amo Marina desde ontem ou há alguns meses — Explicou enfaticamente e em tom sério — A amo desde que a conheço. Eu sempre soube que ela era a mulher da minha vida, apenas não sabia como iriamos fazer para chegar lá... Na verdade ainda não sei o que fazer.

— O que está esperando para meter as caras e pedi-la em namoro se é isso o que quer? — Anita incentivou — Acho que é o que ela espera... Que você tome a frente de tudo e fale com o pai dela de uma vez!

Fernando apalpou o bolso e retiro de dentro dele uma pequena caixinha de veludo em formato de coração. Anita apertou as bochechas em sinal de surpresa e suspirou quando o garoto mostrou a ela um par de alianças de prata e muito brilhantes.

— Comprei para ela de presente, mas não sei se foi uma boa ideia...

— Foi uma ótima ideia — Garantiu animadamente — Garanto que Marina está tão apaixonada quanto você. Ela sempre me fala sobre seus medos e inseguranças, principalmente relacionadas a... Você sabe... — Deu de ombros — A primeira vez.

— Ai cara... Não sei o que fazer! — Fernando colocou a aliança de volta no bolso e mordeu os lábios enquanto voltavam para o salão — E se ela se chatear comigo por não ter falado com ela antes de fazer qualquer coisa?

— Você prefere deixar que aquilo aconteça? — Anita apontou para o canto onde Marina estava sentada e Pietro se achegava a ela e Marcelo de maneira galanteadora — Ele certamente está a convidando para dançar.

Fernando não pensou duas vezes. Atravessou o salão em passos largos e alcançou o local onde eles estavam com agilidade e rapidez. Marina, que o procurava com a visão há muito tempo, tomou um susto ao vê-lo se metendo na frente do inconveniente Pietro sem deixar que o garoto cumprimentasse seu pai adequadamente.

— Tio Marcelo, Marina... — Cumprimentou com um sorriso largo e rapidamente recebeu um abraço de Marcelo.

— Fernando, é muito bom te ver! — Marcelo sorria ao bater no ombro largo do garoto — Onde está Amélia?

— Está com Felipe ali nas mesas tio — Respondeu sem deixar de admirar a maneira como Marina estava linda usando aquele vestido dourado — Eu...

— Eu já ia te procurar para pedir algo — Confessou aproximando o garoto dele próprio, assim como fez com a filha — Eu te vi crescer e você para mim é como um filho.

— Que isso tio, eu... — Engoliu em seco.

— Vou dançar com Marina agora e depois eu preciso passá-la para alguém como acontece nos aniversários tradicionais — Explicou.

— Pai, isso é uma caretice! — A garota se intrometeu e todos riram.

— Pode ser, mas ela não me deixou dançar com ela no aniversário de quinze anos e agora quero realizar esse sonho de pai — Fernando assentiu e Marina corou diante do olhar do garoto — Como ela não pensou em nenhum ator famoso para ser príncipe — Brincou e eles riram ainda mais — Seria uma honra para mim que você dançasse com ela depois de mim, garoto.

— O que? — Fernando e Marina disseram juntos em total surpresa.

— Mas tio...

— Por favor, garoto. Você é como um irmão para ela — Insistiu com um sorriso emocionado — Seria uma honra, não é querida?

— Pai...

— Eu sei que vocês já pararam de brigar e que Fernando não me negaria esse favor — Fernando e Marina se encaravam sem saber o que dizer — E então?

— É claro tio — Nando respondeu prontamente e com postura seria — Será um prazer dançar com a Marina depois do senhor.

— Ah, que incrível! — Marina suspirou em nervosismo e abraçou a si mesma — Pois então vamos começar! Quando eu fizer o sinal você sobe no palco.

Fernando assentiu e ficou parado aos pés do palco observando sua amada ir em direção aos holofotes com o pai. Marcelo realmente confiava nele. Realmente gostava dele. Tal fato fazia seu estomago afundar ainda em nervosismo. Talvez aquela fosse à brecha para conversarem naquela noite, em especial.

Os convidados aplaudiram Marcelo e Marina entrarem na pista de dança com entusiasmo. Apesar de fortão e sempre expressivo, Marcelo aparentava muita emoção em dado momento. Significava muito para ele ver a filha tão bela e se tornando uma mulher e não podia negar que sentia que sua missão se cumpria quando contemplava a admiração de Marina por ele. De fato a garota o amava. Foi criada pelo pai, uma vez que a mãe sempre foi uma mulher desequilibrada e instável. Devia a Marcelo todos os méritos de sua criação. Dançaram uma valsa leve banhada a sorrisos, mas o nervosismo tomou conta do semblante delicado da garota quando Marcelo fez sinal para que Fernando subisse no palco.

Parecia cena de cinema.

Todos os convidados – principalmente a galera do colégio – assistiram ao momento com muita surpresa.

Fernando caminhou até eles com as pernas trêmulas e sem tirar os olhos de Marina. Era preciso ser cego para não enxergar todo o amor e carinho presente na troca de olhares do jovem casal. Marcelo apertou a mão de Fernando e o garoto sorriu de maneira emocionada antes de abraçar Marina pela cintura e achegá-la ainda mais a ele. Os dois coraram e gargalharam quando se aproximaram, causando aplausos nos presentes.

— Não acredito que isso está acontecendo — Marina sussurrou a ele com um sorriso meigo nos lábios.

— À noite ainda nem começou, Nininha borboletinha... — Brincou tentando disfarçar a tensão — Eu nunca te vi mais bonita — A garota corou ainda mais enquanto entrelaçava o pescoço dele ao passo em que dançavam — Exceto quando você quebrou o dente da frente no acampamento e saiu correndo em minha direção encharcada de sangue.

Marina gargalhou em meio à dança.

— Isso é um de nossos segredos, bolinho — Sussurrou — Não pode dizer isso em voz alta.

— Acredito que existam segredos bem mais interessantes...


Amélia levou novamente a taça de champanhe aos lábios enquanto assistia os adolescentes se divertindo na pista de dança.

Parada no jardim ao lado de fora do salão também podia contemplar a bela noite estrelada em contraste com aquela maravilhosa comemoração. Parecia mentira que a filha de Marcelo já completava seus dezessete anos.

Podia recordar com clareza seus dezessete anos.

Aos dezessete era uma jovem atriz da novela da tarde que se relacionava bem com todos ao seu redor. Era popular, animada e apaixonada. Namorava Marcelo às escondidas naquela época e certamente em uma noite como essa estariam aos pés do mirante com o carro parado fazendo amor enlouquecidamente. Talvez, se estivessem na onda romântica, fariam piquenique em algum parque noturno ou ouviriam música no carro enquanto conversavam. Foi uma época realmente feliz... Um tempo onde cada segundo valeu a pena.

Podia dizer que de fato era um milagre que não houvesse engravidado dele na época. Talvez um golpe de sorte que não se repetiu anos depois.

— Mamãe! — Felipe, usando um lindo terno com gravata azul, corria em sua direção com um largo sorriso. Marcelo Júnior estava ao lado dele como costumava acontecer nos últimos dias — O Marcelo me convidou para dormir na casa dele.

— Sim tia Amélia! Nós vamos jogar vídeo game a noite toda! — Os garotinhos soavam empolgados.

— Mas a festa vai acabar muito tarde, meninos. Creio que não irão aproveitar nada do tempo de vocês esta noite — Explicou tocando o cabelo loiro de Marcelinho com carinho. Aquele garoto certamente era uma cópia do pai e vendo-os tão de perto podia notar semelhanças entre as duas crianças. Aquilo a arrepiava.

— Mas mãe...

— Amélia está certa, meninos — Pia se aproximava também segurando uma taça de champanhe e com o olhar enigmático. Os longos cabelos alourados como os de Marina desciam até seu ombro em um penteado perfeito e os olhos escuros fitavam Amélia com desconfiança. Usava um lindo vestido marrom e as unhas no mesmo tom — Não é prudente que fiquem tão... Perto.

— Do que você está falando mamãe? O Felipe é meu melhor amigo! — Os dois meninos encararam Pia com confusão. Amélia segurou no ombro do filho delicadamente.

— É melhor vocês irem brincar e aproveitar enquanto estão aqui. Eu e Pia temos algumas coisas para conversar.

Marcelinho e Felipe pensaram em revidar uma resposta insistente, mas o tom doce de Amélia os convenceu a seguir de volta para a festa. As duas mulheres se encararam e as bochechas de Amélia se tornaram mais avermelhadas que seu vestido, dada sua raiva. Sentia vontade de voar no cabelo de Pia por tudo que aquela mulher vinha insinuando sobre ela ultimamente.

— É melhor não se meter com meus filhos... E fique atenta, pois não se trata de apenas um aviso — Aproximou-se a ponto de respirarem o mesmo ar — Pode me difamar e dizer o que quiser em relação a minha conduta, mas com Fernando e Felipe você não mexe, entendeu? Do contrário irei te destruir e sabe que tenho meios para isso.

Pia engoliu em seco, mas buscou não aparentar nervosismo. Ela e Amélia jamais haviam colocado as cartas na mesa de maneira tão intensa e sabia que a influencia de Amélia no meio artístico era enorme. O status de atriz e a figura poderosa de sua imagem podiam criar problemas para quem quer que fosse no ramo, principalmente sendo ela uma modelo aposentada, recém-separada que ainda precisava trabalhar para se manter na mídia.

— Não me interessa qualquer coisa relacionada a seus filhos, mas no caso meu filho está se tornando muito amigo de Felipe e acredito que concordará comigo que isso não é nada bom — Amélia apertou o maxilar ao ouvir as palavras dela.

— São duas crianças inocentes e de nada tem culpa. Temos que aprender a separar as coisas de uma vez — Deu de ombros e se afastou alguns passos.

— Duas crianças inocentes que possuem uma história incomum, se é que você anda esquecida — Pia cutucou.

— Fale baixo! — Amélia se aproximou dela novamente e um tanto mais nervosa — Nós duas guardamos este segredo, apenas nós duas ! Ninguém mais sabe disso e jamais saberão se não for algo que sair de nossos lábios!

— Acha mesmo que vai guardar isso para sempre, Amélia? Acha mesmo que ninguém nunca irá notar que o garoto não se parece com Ettore e... — Amélia pegou no braço dela com força — Você tem medo porque Marcelo nunca irá te perdoar quando souber — Sussurrou.

— Fiz isso pelo seu filho! Única e simplesmente porque ele era doente e você sabe muito bem que se Marcelo soubesse da verdade iria querer ficar comigo naquele momento! Fizemos um pacto de silêncio e sua palavra foi dada! Você nunca vai contar isso... Nunca, me entendeu?

Há anos não tocavam naquele assunto. Há anos era algo dado como morto, enterrado e nunca ocorrido.

— Pia? Amélia? — Marcelo se aproximava com o olhar franzido e as mãos nos bolsos — O que está acontecendo aqui? — Questionou vendo-as se largando. Cada uma foi para seu canto e Marcelo parou ao lado de Amélia — Não acredito que ainda estão brigando e...

— Não é nada, Marcelo — Pia interveio um tanto tremula de nervoso.

— É bom mesmo que não seja. Estamos no aniversário de Marina e ela não merece um escândalo vindo de vocês — Repreendeu vendo que Amélia não o encarava e parecia tremer mais do que Pia.

— Está vendo coisas onde não existe, Marcelo — Amélia suspirou e o encarou com seriedade. Os olhos cor de mel evidenciavam que sofria — Não julgue como algo tão importante.

— Na verdade era por isso que eu buscava vocês — Respondeu encarando Amélia com a mesma firmeza — Preciso anunciar algo importante.

— Pois bem... Diga — Pia cruzou os braços e o encarou também.

— Aguardem no salão que o discurso já irá começar.

Amélia e Pia trocaram um longo olhar enquanto caminharam próximas até o salão principal, onde quase todos os convidados se reuniam ao lado do bolo. Felipe, Marcelinho, Fernando, Anita e Marina estavam juntos atrás da mesa com a aniversariante em posição central. De fato era um momento de emoção, mas ninguém esperava pelo que viria a seguir.

— Para algumas pessoas que estão com a minha idade, a vida significa felicidade. Para outras, talvez, dever cumprido. Mas não podemos ignorar aquelas que sentem muito pelo passado e desejariam ter feito tudo diferente — Amélia suspirou com as palavras de Marcelo ao microfone e apertou ainda mais a taça de champanhe em meio aos dedos. Ele abraçava Marina pelos ombros enquanto discursava — Hoje, comemorando os dezessete anos de minha filha, desejo que ela seja uma destas pessoas que vêm à vida aos quarenta com a sensação de dever cumprido. Desejo que Marina faça as escolhas certas, seja feliz com elas e sempre siga o seu coração — Todos aplaudiram fortemente e ele beijou o cabelo da menina com carinho — Nesta noite tão especial para toda minha família, quero comunicar aos meus filhos e amigos que irei em busca de mais um sonho em minha vida... Não alcancei o maior sonho — Encarou Amélia com intensidade — Mas ainda existem outros e um deles é fazer um filme internacional e fui convidado para fazer parte do elenco de uma produção de Hollywood — Vários convidados aplaudiram e Amélia quase deixou a taça cair ao ouvir tais palavras — Partirei em breve e compartilho com todos mais essa conquista!

Marina separou em lábios em um susto com a novidade do pai.

Amélia, transtornada, sentiu o coração sendo rasgado e sangrando aos poucos. Sabia, bem lá no fundo, que se tratava de um adeus. Sabia que era o fim da linha e Marcelo largava os pontos.

Seu grande amor iria para nunca mais voltar .

 

 


Capítulo Vinte e Um


O chão se abriu aos pés de Marina em uma única passada e isso ficou muito claro para Fernando, principalmente quando as lágrimas começaram a inundar os belos olhos dela.

— Marina, espera! — Fernando a seguiu de perto quando os parabéns acabaram e a aniversariante finalmente pode fugir da aglomeração — Marina!

A garota finalmente parou de andar quando subiu algumas escadas e adentrou em um pequeno trocador. Lágrimas espessas deslizavam no rosto maquiado e os cabelos loiros se grudavam a face desesperada.

— Por favor, Nando... Não fala nada! — Pediu tentando se acalmar e esconder o rosto — Meu pai não pode ter feito isso comigo! Não pode!

— Fazer o que? Ele simplesmente vai se mudar por alguns meses...

— Não são alguns meses, eu o conheço! Ele comprou uma casa na Flórida e vai viver lá de agora em diante! Se fosse apenas um trabalho teria alugado um flat ou coisa do tipo, mas os planos dele são outro, estou segura! — Desabafou em meio a soluços fortes. O garoto lhe segurou os ombros com delicadeza e os olhos castanhos o miraram com receio — Vou ser obrigada a viver com minha mãe de novo e é horrível! Ela é simplesmente maluca!

— Ou você pode ir viver com ele — Marina suspirou.

— Não, é claro que não! Quero ficar aqui! — Respondeu rapidamente e certo alivio tomou conta dele — Não vou suportar viver com Pia... Não tenho idade para morar sozinha... Céus! — Escondeu o rosto no pescoço dele — O que vai ser de mim?

— Você tem a mim, Marina — Nando acariciou o cabelo dela quando se abraçaram ternamente — E pode ter certeza que não irei te deixar sozinha se tio Marcelo for mesmo morar fora.

— É o que mais me assusta — Confessou separando-se dele e o encarando de baixo — Com meu pai aqui nosso namoro poderia até ser possível. Certamente seria um choque, mas ele gosta de você e acabaria te aceitando uma hora ou outra... Já Pia... — Suspirou e apertou os olhos — Ela odeia tia Amélia e tornará minha vida impossível!

— Vai mesmo deixar sua mãe controlar sua vida tão facilmente Marina Gabriela? Não pensei que fosse tão vulnerável as vontades alheias — Marina torceu os lábios e se afastou um passo dele para encará-lo melhor.

— Sabe que isso é verdade!

— E você sabe que se quisermos realmente ninguém irá nos separar! — Esbravejou e ela nada respondeu, apenas seguiu encarando-o com firmeza — Sabe de uma coisa Marina? Já estou farto de disse-me-disse! Quando confessamos um ao outro sobre nossos sentimentos achei que estava tudo resolvido ali! Eu te queria e você me queria... Basta, não é? Porque nossos pais e o colégio todo te importam tanto? Não consigo entender!

— Fernando...

— Sabe qual é a real mesmo? Você não é apaixonada por mim desde a infância como disse! Apenas te parecia interessante porque hoje em dia sou... — Usou aspas com as mãos — “Bonito”.

— Isso é mentira! Nunca menti em relação aos meus sentimentos por você! Sempre fui apaixonada por você e sonhei todas as noites durante a infância em ser sua namorada! — Exasperou-se e transbordou em emoções — Não é justo que coloque meus sentimentos a prova desta maneira!

— Sabe o que não é justo? Você me falar que se importa tanto com o fato de sua mãe tornar nossa vida um inferno quando te comprei isso! — Fernando tira do bolso a caixinha com os anéis de compromisso e coloca sobre um pequeno balcão ao lado deles. Marina observa o par de alianças com os olhos arregalados e muito surpresa — Era meu plano te pedir em namoro para seu pai depois dos parabéns, mas vejo que me enganei. A Marina que conheci durante a infância não existe mais. Você não é mais aquela garotinha destemida e impulsiva... Agora existe uma menina medrosa por detrás da máscara de quem se garante.

— Porque está dizendo isso? Porque está fazendo isso comigo, Fernando? — Lágrimas silenciosas deslizavam nas bochechas rosadas da menina enquanto encarava a decepção estampada no rosto do garoto.

— Porque tudo o que vejo agora é uma borboleta que tem medo de voar. Uma menina tão incrível, mas que se esconde atrás de uma figura que não mais a pertence — Se aproximou e colocou o par de alianças entre os dedos dela — Você tem medo de virar mulher, Marina. Tem medo de crescer!

Marina apertou os olhos ao ouvir as palavras dele e quando os abriu se viu sozinha em meio ao trocador com o par de anéis nas mãos. Apertou nos dedos a caixinha de veludo e se sentou em um dos pufes em meio a lágrimas de desespero. Havia acabado de perder seu pai para sei lá o que quer que ele tenha feito de errado no passado e agora perdeu Fernando por ser uma medrosa idiota com medo de desabrochar!

Observou as alianças em meio ao choro e pegou em seu dedo a que seria dela.

Aquele era mais do que um sinal de que Fernando a levava a sério... Ele realmente queria namorá-la e não estava brincando! Porque foi tão tola a ponto de chegar ali? Sentia como se sua vida toda escapasse de seus dedos por mera imbecilidade!

Seu pai.

Fernando.

O que mais lhe faltava perder, além deles?


— O que está tentando fazer, Ferrari? — A voz de Amélia o fez parar em meio ao caminho do carro.

— Ir embora. Quer uma carona? — Continuou caminhando até alcançar a porta do automóvel. Amélia o encarava carregando em mãos uma pequena bolsa e com a expressão totalmente derrotada. Era notório que sofria e, além disso, sentia muita raiva. O lindo vestido vermelho delineava suas belas curvas de maneira tentadora aos olhos de Marcelo — A festa acabou Amélia.

Aquela frase impactava e dizia muito mais do que aparentava. Dizia exatamente o que o coração dela não queria ouvir.

— Acabou para quem? Para mim ou para você? — Aproximou-se ainda mais dele de modo a expor seus olhos carregados por lágrimas.

— Para nós dois — A garganta de Marcelo secava quando a sentia tão próxima e era inevitável se perder em seus olhos.

— Porque está fazendo isso? Porque está indo embora? — Questionou sem esconder a dor que sentia.

— Ora veja quem me vem com tal pergunta... A mulher que durante vinte anos me esnobou e me trocou por todos os motivos banais do universo! — Ironizou com um sorriso curto.

— Os motivos podem ser banais a seu ver, mas eu te amo Marcelo! — A maneira firme como as palavras foram ditas fez o coração de Marcelo balançar fortemente no peito, talvez mais forte do que em muitos anos. Não existia mentira por detrás dos olhos cor de mel, muito menos qualquer arrependimento. O olhar de Amélia se limitava a dor e sofrimento — Você sabe e sempre soube que eu te amo!

— Pare de atuar, Amélia. Aqui você não precisa ser uma grande atriz porque te conheço muito bem! — Soou frio e realmente era no que acreditava — Talvez me ame como diz, mas seu amor é feito de medo e já me cansei de esperar e esperar... Primeiro foi por sua carreira, depois por Fernando, depois por meu casamento e agora por quê? Porque seus filhos sofreriam se soubessem da nossa história? Realmente não existe uma desculpa pior?

— Eu acabei de me separar... — Relembrou segurando as lágrimas porque estava em público.

— Separou, mas ainda acha que deve algo a ele e ao mundo quando na verdade a única pessoa que sempre esperou algo de você fui eu! — Esbravejou sem medo de ser ouvido. Ela apenas apertou os olhos — Não são vinte meses, vinte dias ou vinte minutos... São vinte anos esperando. Vinte anos perdidos por alguém que sequer me considera importante e ainda diz que me ama! — Riu sem humor e deu de ombros.

— Marcelo... — Secou uma lágrima fujona buscando dentro de si algo a ser dito. Tudo era verdade. Tudo era real.

— Eu sim te amo como um louco e morreria mil vezes por você, mulher — Aproximou-se dela a ponto de fazê-la estremecer — Eu te amei há vinte anos no mirante, há dez anos quando nos reencontramos e há alguns dias quando fizemos amor depois de tanto tempo! O meu amor seria capaz de abandonar Pia, criar seus filhos como meus e dar a cara a tapa para falarem o que quiserem! O meu amor matou, morreu e ainda sobrevive apesar de tudo! O meu amor é verdadeiro... E o seu, Amélia Romanov? — Ela engoliu em seco diante das palavras — O seu é feito de medo.

— Mãe? — Fernando chegou acompanhado de Felipe. Marcelo e Amélia se separaram nervosamente — Você já vai?

— Já querido, já sim — Respondeu tentando dissimular estar bem com seus talentos de atriz — Estou cansada e acho melhor ir embora.

— Você também vai tio? — Felipe perguntou a Marcelo.

— Vou... Você não vai ficar Fernando? Os adolescentes estão dançando ainda e para eles a noite sequer começou. Vai perder a melhor parte, quando os adultos vão embora? — Marcelo incentivou o garoto.

— Queria, mas minha mãe já vai então devo ir junto — Deu de ombros. Era nítido que estava um pouco abalado pela discussão com Marina.

— Que isso filho... Eu vou de táxi e o motorista fica com você — Amélia sorriu para o garoto — Você merece curtir a noite com seus amigos.

— É sério? — Amélia concordou e Fernando sorriu de canto.

— Faço questão de levar Amélia e Felipe em casa — Marcelo atraiu o olhar da loira no mesmo momento — Estávamos conversando e não tivemos a oportunidade de terminar.

— Não será um incomodo? — Ela questionou um tanto desconfiada.

— Obviamente não. Um prazer. Queria pedir, Nando, se não for um problema, para que você vá embora com Marina. Acha que o motorista poderá levá-la com Nando, Amélia? — Fernando engoliu em seco.

— Claro. Os dois podem ir juntos. Ele os deixará em casa — Garantiu sem compreender os planos de Marcelo — E Pia?

— O Marcelinho já foi embora com a mãe dele — Felipe usou tom de desdém para se referir a Pia — Ela não é muito legal.

— Felipe... — Amélia repreendeu.

— Pois bem... Curta a noite, rapaz — Marcelo abraçou Fernando com carinho — E tenha juízo!

— Claro tio, claro. Estou precisando mesmo curtir alguma coisa na vida hoje — Nando suspirou e se despediu da mãe e do irmão antes de retornar ao salão.

Ao que parece sua noite não havia acabado e ainda havia muito para rolar até que o amanhecer raiasse.

— Você não disse que ia embora, galã? — Anita para de dançar e questiona a Fernando quando o vê se aproximando com a expressão cansada e um tanto desanimada.

— Pois é, mas meu tio Marcelo me pediu que ficasse até o final para levar a filhinha dele para casa — Provocou sabendo que Marina podia escutá-lo.

— Não preciso de nenhuma babá — A resposta da aniversariante foi instantânea. Marina estava há alguns metros dali dando atenção para algumas amigas e os demais colegas soltaram assobios diante da tensão entre ela e Fernando.

— Vai lá e diga isso ao seu pai — Um garçom passava com alguns copos de ponche e Fernando apanhou em reflexo — Quer dançar Anita?

— Talvez seja uma boa ideia — A garota de cabelo rosa afastou Fernando dali para evitar que a briga continuasse e as tensões se exaltassem ainda mais — Qual é Nando? Você pirou? Não disse que ia pedir a Marina em namoro hoje?

— Ia... — Bebericava a bebida colorida e podia sentir um leve gosto de álcool. Obviamente estava batizada, uma vez que quase todos os responsáveis haviam ido embora aquela altura da festa — Você disse bem. Ia.

— O que rolou?

— Rolou que a sua amiguinha nunca mudou! — Dizia de maneira alta para que Marina, prestando atenção neles mesmo que do outro lado do salão, pudesse ouvi-los — Me iludi achando que ela havia crescido e se tornado uma moça doce e destemida, quando na verdade continua sendo aquela pentelha chata que me humilhava de graça na frente dos demais. É isso que eu sou. Um idiota!

Marina suspirou e deu as costas a ele fingindo não saber do que estavam falando. Fernando notou seu descaso e continuou bebericando o ponche.

— E bebendo desse jeito acha que vai resolver alguma coisa? — Anita o repreendeu.

— Melhorar certamente não. É o primeiro copo que bebo, Anita. Deixa de ser careta! — Torceu os lábios e voltou para a pista de dança sozinho.

Não demorou sequer um minuto para que Marina presenciasse um grupo de garotas se aproximando dele e o rodeando com suas atenções. Fernando não as ignorou, pelo contrário! Iniciou conversas bobas apenas porque sabia que estava sendo observado.

— Esse garoto é um idiota! — Aproximou-se de Anita alguns minutos depois, quando já se tornava insuportável vê-lo ao lado de tantas meninas interessantes — Olha só isso... Disse que me amava e agora está lá, sendo tratado como um rei árabe! — Cruzou os braços em frente ao corpo de maneira indignada.

— Ele é um gato, popular e está solteiro... Você queria o que? — Marina a encarou com certo nervosismo.

— Fernando não presta, essa é a verdade. Ele nunca mudou! — Anita segurou no ombro da amiga com cordialidade.

— Mas não era você quem não queria assumir o lance de vocês? Cara... Ele te comprou alianças, Marina! — A loira engoliu em seco diante das palavras da amiga — Sabe de uma coisa? É melhor mesmo que continue vendo o Fernando como um amigo porque vocês dois não nasceram para dar certo!

Anita deixou Marina sozinha e voltou a dançar com o garoto que antes lhe acompanhava.

O queixo de Marina caiu antes de ranger os dentes de raiva. Não sabia dizer o que mais lhe irritava: as palavras de Anita ou o comportamento de Fernando. No fundo sabia que a amiga tinha razão... Ele era solteiro, bonito e popular. Apertou os olhos e voltou-se para um canto isolado da festa buscando se distrair.

Era para ter sido a noite mais incrível de sua vida, no entanto descobriu que seu pai iria mudar de país e Fernando havia se revelado contra seus medos. O próprio encontrava-se rindo com uma menina ruiva do primeiro ano e aquele certamente era o momento mais esperado pela tal na vida. Não pôde se conter! Apesar de não ter visto nenhum contato físico entre ele e qualquer garota, Marina se dirigiu até o primeiro organizador que viu e pediu que a festa fosse encerrada.

O anúncio foi feito e no mesmo instante os olhos de Nando buscaram os dela sabendo que seu objetivo havia sido concluído. Marina estourava de ciúme e sequer sabia disfarçar.

— Mas já Marina? — Uma das meninas que dançava com ele questionou a ver o pessoal se preparando para ir embora — Eu tinha planos para essa noite.

— Ah querida, então vá cumprir seu plano em outro pasto porque aqui já era... Boa noite — A garota arregalou os olhos diante das palavras irônicas da menina e Fernando apenas deu de ombros.

— Nossa... O que foi que fiz para ela? — Sussurrou para o garoto.

— É melhor nem saber.

Fernando se despediu dos colegas por Marina, que subiu em direção as andares de cima enquanto o salão era esvaziado. Não demorou sequer meia hora para que tudo estivesse praticamente entregue as moscas e aos últimos organizadores, que entregavam as chaves a Fernando.

— Ela está lá em cima. Vou chama-la e nós já vamos — O garoto disse a um dos organizadores.

— Está tudo bem. O senhor Ferrari alugou aqui até amanhã às oito da manhã. Os seguranças estão de plantão lá fora. Pode ficar o tempo que quiser, cara. Curte a piscina. É aquecida — Um dos últimos funcionários disse a ele antes de sair.

— Ok, obrigado — Apertou a chave em meio aos dedos e olhou o salão vazio sem saber ao certo o que fazer.

O motorista também o esperava do lado de fora, mas não era bem um impedimento. Poderia demorar o quanto fosse. Talvez não o suficiente para discutir com Marina...

Subiu as escadas em direção ao andar superior com certa hesitação. Caminhou pelos quartos de troca até chegar ao último, um local alto, amplo e com uma bela sacada. Diferente dos demais, havia um sofá de descanso gigantesco nas extremidades. A decoração era branca e preta, algo sutil e elegante. Marina estava entre as cortinas esvoaçantes observando a janela aberta do terraço. A vista das estrelas era impagável, quase um camarote de encontro à imensidão negra e brilhante.

Observou-a como um bom apreciador por largos instantes. O vestido dourado delineava o corpo esbelto e desenhado demais para uma menina de dezessete anos. O longo cabelo loiro descia pelas costas um tanto despenteado e desprendido do antigo penteado. A coisa mais bela a olhos nus. A visão perfeita de seu amor da vida toda, aquela mesma garotinha que implicava e corria para ele na primeira ocasião.

Era quase impossível enxergar a pequena Marina naquele mulherão, mas o amor de Nando era tão puro que jamais poderia esquecê-la. Aquela criança fazia parte da história deles, assim como cada segundo vivido agora.

— Feliz aniversário — A voz dele ecoou pelo cômodo como um aviso de sua presença.

Marina sobressaltou-se e virou-se no mesmo momento, sequer conseguindo ocultar as lagrimas que lhe desciam pelo rosto. Assustada, secou as faces correndo e afagou as bochechas para disfarçar.

— O que está fazendo aqui bolinho? — Questionou nervosamente — Não vê que quero ficar só?

— Estou lhe desejando um feliz aniversário... — Relembrou ainda parado e com as mãos nos bolsos do terno — Ainda é seu aniversário não é?

— Ah, veja só... Feliz aniversário — Ironizou com as lágrimas presas na garganta — Acha mesmo que se trata de um dia feliz? Céus! Devo estar ficando louca por ainda te dar ouvidos, Fernando Romanov!

— Louco sou eu de ter aceitado ficar aqui para te esperar, Marina Ferrari — Aproxima-se dela em passos lentos e despretensiosos. Apenas encara a janela sem deixar de admirar a noite — Mas tenho um apreço por tio Marcelo e costumo gostar das coisas que vem dele.

— Você o que? — Marina se vira em direção a ele com certa ira no olhar — Ah Fernando... Você é maluco! Sem noção! Um garoto bobo que só pensa em...

— Futilidades? Comida? Sou um sabe-tudo chato? — Disse antes que ela completasse e Marina engoliu em seco quando o garoto se aproximou — Era isso que você me dizia e, ora, vejam só! Anos depois disse que me amava! — Sorriu sem humor — Era mentira, Marina? Tudo o que compartilhamos era mentira?

— Não! Você sabe que eu sempre te amei! — Esbravejou apertando os punhos contra o peito dele de maneira nervosa — Eu sempre... Sempre... — Desferia socos sem muita força contra o peitoral do garoto, que a segurava levemente pela cintura tentando contê-la — Sempre goste de você! Sempre! E ainda gosto! Ah... Você é um idiota!

— Sabe por que sou idiota? — Fernando a agarrou com mais intensidade e Marina se conteve diante do arrepio que lhe percorreu a espinha. Os olhos castanhos se fixaram nos azuis dele enquanto todo o corpo desfalecia em meio às mãos fortes e grandes — Porque acredito em você. Porque sou louco por você. Porque eu sempre... Sempre... Desejei te ter.

Marina não pôde reagir quando todo o ar foi roubado de sua órbita e borboletas invadiram seu estômago. Certamente jamais sentiu aquele fogo lhe tomando o corpo, muito menos ânsia por ser beijada daquela maneira e abraçada com tal intensidade. Fernando a tomou nos braços com vigor, lhe prensando contra a porta de vidro e agarrando seu quadril em suas mãos.

O odiava.

O amava.

Era impossível descrever em palavras tudo o que sentia!

A única certeza em seu coração era a de que seu aniversário ainda poderia ser um feliz aniversário. Ainda poderia voltar atrás. Ainda era tempo de considerar... Naquela noite iria crescer.

Sob as estrelas e com a lua de testemunha seria completamente dele.

 


Capítulo Vinte e Dois


Fernando tinha ciência de seus atos até que o momento crucial chegou.

Soube perfeitamente como beijá-la até enlouquecê-la, como prensá-la contra seu corpo até ouvi-la suspirando e o caminho certeiro para o zíper do vestido. Esperou por alguns instantes a voz dela dizer não , mas Marina parecia enfeitiçada enquanto o correspondia com o mesmo ardor. As mãos pequenas percorriam o peito largo de maneira apressada e os dedos frágeis empurraram o paletó para o chão e afrouxaram a gravata com rapidez.

Caramba. Ela também o queria .

O garoto arrepiou dos pés a cabeça quando roçou sua ereção contra o quadril ela e foi correspondido, enlouquecendo pela possibilidade de finalmente tê-la em seus braços. O calor do corpo pequeno o preenchia de cima a baixo e certamente jamais a tinha visto tão bonita. Levou-a até o sofá quando o calor da briga foi baixando e dando lugar a uma paixão doce e desenfreada, algo tão transparente que lhe incendiava os poros.

Um sobressalto tomou conta de Marina quando se viu em tal posição. Fernando lhe descia o zíper do vestido enquanto a olhava nos olhos, roçando seus lábios nos dela em uma caricia leve e silenciosa. Os olhos azuis brilharam quando a viram desnuda nos seios e usando uma pequena calcinha branca. Para ele aquela era a visão do paraíso!

Os braços da menina correram para se cobrir, mas Nando segurou-lhe os pulsos com cuidado e se aproximou a ponto de se fundirem. Desabotoou o primeiro botão de sua camisa e o recado foi suficiente. Marina, enrubescida e tomada pela vergonha da primeira vez, desabotoou os demais botões com as mãos tremulas e o desejo a flor da pele.

Não podia negar que foi incrível sentir seus seios roçando o peito forte de Fernando. Os poucos pelos castanhos lhe causavam cócegas, mas os arrepios vinham em maior quantidade. A única vontade presente em seu ser no instante em que foi deitada contra o estofado era ser completamente preenchida por ele. Em todos os lugares. De todos os jeitos. Até se esquecer qual era seu nome.

Não precisou dizer se queria ou podia, tão somente entregou-se aos sentimentos que lhe sondavam a alma com a maior naturalidade do mundo. Entregou-se aos beijos nervosos que percorreram seu corpo, aos lábios macios e ao temor do que viria a seguir. Também o tocava, também o descobria com a mesma intensidade e a mágica que existia ali era algo maior do que qualquer empecilho.

Os lábios que lhe roçavam os seios a fizeram esquecer que existia. As mãos que lhe separavam as pernas delicadamente a lançavam pelas nuvens, mas não pôde negar que se retraiu quando o sentiu por cima de seu corpo frágil prestes a penetrá-la.

— Espera Nando... — Segurou o ombro dele com os dedos trêmulos.

O suor de ambos se entrelaçava, assim como as respirações descompassadas e irregulares se chocavam contra os lábios um do outro.

— Oi... — O garoto sussurrou com a voz tomada pelo desejo — Estou te machucando?

O tom delicado a fez suspirar de vergonha. Sentiu-se boba por parar naquele momento.

— Não, é que... — Apertou os olhos com vergonha de encará-lo — Estou com medo.

— Ah, eu também! — Sorriu para ela e recebeu um largo sorriso em troca. Ambos gargalharam baixinho e o garoto levou uma das mãos até a bonita face de Marina — Estou aterrorizado, morrendo de medo de fazer tudo errado, mas... Eu te amo.

O coração de Marina perdeu uma batida com tais palavras e também pôde enxergar a alma do garoto enquanto analisava seus incríveis olhos azuis brilhando na luz da noite. O corpo forte parecia seguro sobre ela, mas Nando navegava no mesmo ar de descobertas. Talvez fosse o momento mais certo da vida de ambos. Certamente, podia assegurar, tratava-se do mais doce.

— Também te amo Nando... — Tocou o rosto dele com cuidado, segurando em seu ombro com a outra mão — Você vai segurar minha mão para que eu não tenha mais medo? — Era o que dizia quando eram crianças.

Nando sorriu apesar de toda a pressão que sentia pelo corpo. Mareado entre o desejo e o amor, precisava estabelecer um paralelo entre ambos naquele instante. Era um adolescente a flor da pele, mas nunca sentiu tanto desejo e necessidade sexual em sua vida. Era como se fosse explodir a cada segundo que contemplava Marina nua sob ele, exalando uma beleza doce, feminina e muito sensual. Precisava dela , mas não queria assustá-la com o tamanho de seu desejo.

— Sempre vou segurar sua mão — Garante beijando-a na face e no pescoço — Depois que descobri o que era fazer amor imaginei a vida toda como seria fazer com você. É como um sonho, Marina... — Fixou os olhos nos dela enquanto falava tão próximo que era possível sentir seu coração descompassado — De todos os meus sonhos, te fazer minha sempre foi o maior de todos eles.

Marina apertou o ombro de Fernando quando a ansiedade lhe tomou. Os lábios dele selaram os dela como em um pedido silencioso e não foi preciso mais nenhuma palavra.

Os olhos dela se apertaram quando a dor veio em um turbilhão, mas Fernando segurou sua mão com cuidado enquanto a beijava com carinho onde podia alcançar. Ele derretia em prazer e ela buscava descobrir a magia por trás de tantos sentimentos, algo sublime e doce além do compreensível.

O sangue de sua pureza se derramou em Fernando e as carícias de ambos se eternizaram naquele belo quarto, marcantes em seu próprio momento. Marina jamais imaginou que algo que lhe amedrontava tanto pudesse ser tão terno e especial.

Era definitivamente o melhor aniversário de sua vida.

Naquele dia acordou menina e dormiu mulher. Naquele dia soube mensurar o tamanho do amor que existia em seu coração e teve a ciência do quão sortuda era por ter tido sua primeira vez com o amor de sua vida... Uma vida que apenas havia começado!


— Obrigado por nos trazer tio Marcelo — Felipe agradeceu assim que chegaram à porta da casa de Amélia — Já que está aqui, você podia entrar e ver o meu peixinho! O nome dele é Fisher!

— Fisher? — Felipe assentiu com empolgação quando todos desceram do carro no hall de entrada — Quem foi que escolheu esse nome?

— Fui eu mesmo... Sei que peixe em inglês é fish, aí acrescentei o “er” no final para ficar mais legal — Amélia não pôde evitar um sorriso após ouvir a explicação do garotinho sorridente. Marcelo o encarava com admiração a todo o instante — Achou estranho?

— Claro que não, rapaz. É muito criativo! Adorei sua ideia! Fisher é um ótimo nome para um peixe, certamente — Elogiou fazendo Amélia sorrir ainda mais.

— Então venha vê-lo! Ele é colorido e veio de longe, mamãe mandou trazer do fundo do mar! — Marcelo encarou Amélia esperando que relutasse contra a ideia do menino de que entrasse, mas nada aconteceu. A mulher apenas seguiu o filho em completo silêncio em direção ao interior da casa.

O peixe em questão ficava no quarto de Felipe, um ambiente dominado por desenhos e quadros de diversos animais, principalmente peixes coloridos e felinos. Era um apaixonado pela natureza assim como Marcelo, algo que o intrigou prontamente. Raramente uma criança parecia saber tanto sobre espécies e demonstrar tanto entusiasmo diante do tema.

— Fisher é um peixe encantador, carinha. Você é um ótimo criador — Elogiou quando o garotinho se deitou na cama mesmo ainda usando roupa de festa. Aparentava muito cansaço.

— Obrigado tio. Você sabe muito sobre peixes e animais. Quando vamos juntos no zoológico? — Questionou sonolento e Marcelo aproveitou para tirar o sapato dele com cuidado.

— Assim que você e Júnior tiverem um tempo livre no colégio e sua mãe permitir — Felipe assentiu positivamente.

— Promete?

— Claro... Jamais mentiria para um de meus melhores amigos — Felipe sorriu abertamente e se acomodou ainda melhor na cama.

— Obrigado tio. Você também é meu melhor amigo depois do Fernando — Marcelo sorriu e assistiu o garoto pegar no sono quase que instantaneamente após um tempão falando sem parar.

Observou por alguns segundos o rosto do pequeno Felipe com certa curiosidade. Parado ao lado da cama analisava alguns traços no menino que curiosamente remetiam a algo familiar. Havia doçura naquela criança, algo especial que não podia ser explicado com palavras. Durante anos ficou longe de Amélia porque morava em São Paulo e não teve muito contato com Felipinho e sua criação. De fato havia passado despercebido muitos detalhes sobre o garotinho, alguns que de fato o intrigavam.

A única certeza, porém, é de que se tratava de uma criança incrível.

Desceu as escadas após afagar o cabelo escuro do menino e encontrou Amélia ainda usando seu fatal vestido vermelho e bebericando uma taça de vinho que dançava em suas mãos nervosas. Como uma deusa da escuridão se virou em direção a ele e fixou os olhos cor de mel em seu rosto com intensidade.

— Ele já dormiu — Anunciou com calma enquanto terminava de descer os degraus — Adormeceu falando do peixe e pedindo para ir ao zoológico. É um menino muito esperto, especial e sensível.

— Sim, ele é — Concordou com a voz monótona e sem desviar o olhar do dele. Algo falava em silêncio naquele instante soando como um grito em meio aos segredos — Muito especial.

— Porque às vezes parece que deseja me dizer algo, mas não consegue concluir? — Amélia bebericou a bebida delicadamente e abraçou a si mesma com o braço livre. Deu de ombros levemente.

— Muitos segredos se escondem por trás de vinte anos não acha? — Marcelo torceu o lábio e se aproximou mais um pouco.

— Pensei que fossemos confidentes um do outro... Que eu saiba não existe nada oculto entre nós, existe? — Os olhos cor de mel apenas o encararam com certa apreensão.

— O coração de uma mulher é cheio de mistérios... E segredos — Passou a taça de vinho para as mãos dele.

Marcelo tomou a bebida com decisão, virando a taça nos lábios sem hesitar nem um segundo. Os olhos de Amélia ainda dançavam em sua face com a admiração de quem encara o amor de sua vida pelos últimos momentos.

— Não acredito que será capaz de ir embora e deixar as crianças... — Usa as últimas armas que lhe restam para confrontá-lo — Não por um capricho.

— Não é um capricho quando já deixei de lado tantos anos por ainda ter qualquer esperança — Rebate seriamente — Alonguei esse sonho por muito tempo, mas agora irei realiza-lo. Ao menos um deles.

— Não estou falando do filme...

Nem eu , queria ter dito ele, mas seguiu encarando-a.

— Vou embora, Amélia. Vou embora e não se tratam de dias ou meses, mas para a vida toda — A garganta dela se fechou com a expressão tão decidida estampada no rosto de Marcelo. O conhecia o suficiente para saber que não blefava e tal fato a fazia estremecer por dentro — Meus filhos ficarão bem com a mãe deles aqui e não deixarei faltar nada. Assim que forem maiores poderão ir viver comigo lá, se essa for à vontade de ambos. Não há nada que me prenda. Não há nada mais que me faça querer ficar.

A vontade de chorar apertou o peito da mulher, mas se controlou com a maior força que tinha em sua alma. Mesmo relutante deixava transparecer que sofria. Era nítido em seu olhar que seu coração gritava naquele momento, enquanto ouvia tais palavras. Apertou os lábios para não chorar quando Marcelo lhe deu as costas, mas o alcançou rapidamente. Puxou-o pelo braço até que a encarasse novamente.

— É tudo por mim ?

— É tudo por nós — A voz de ambos soou embaraçada pela emoção.

— Espere mais um pouco, eu... —Fez um sinal para que se calasse.

— Não vou esperar mais nada, Amélia. Já ouvi isso antes e nada nunca aconteceu — Ironizou também se contendo para não chorar — Não vou esperar mais nenhum segundo depois de vinte anos implorando um amor que só existe em suas palavras.

— Não... Somente em minhas palavras não! — Pousou a taça de vinho no móvel ao lado de ambos, parados ao pé da escada — Esse amor sempre existiu na prática!

Marcelo não teve tempo de reagir.

Foi envolvido pelo pescoço pelos braços de Amélia e sua boca assaltada pela dela com um ímpeto que a muito não presenciava. Sentiu o corpo sacudir para trás quando em um reflexo a puxou em direção a si completamente tomado pelo desejo. Apesar de tudo não podia negar que ela sempre o fazia sentir a intensidade de sua paixão, algo que não deixava claro estar ligado com suas reais intenções.

Não soube como, mas encontrou o caminho das escadas enquanto se beijavam e terminaram o percurso no quarto de Amélia, uma espaçosa suíte decorada com joias e fotos dela e dos garotos. Não se atentou aos detalhes enquanto sentia o corpo sinuoso roçando contra o dele, muito menos quando as mãos hábeis passaram a deslizar seu terno para fora do corpo e desabotoarem os botões de sua camisa.

Queria do mesmo jeito e jamais rejeitaria aquela mulher, por isso se apressou a subir o vestido vermelho pelas coxas roliças enquanto as apalpava com voracidade. Precisava dela uma vez mais e a necessidade o alucinava. Era sempre como a primeira vez... Sempre como descobrir algo novo em um ritual que existia há mais de vinte anos.

O quarto era tomado por fogo enquanto as roupas caiam ao chão e as peles suavam uma contra a outra.

Já conhecia de cor cada parte do corpo de Amélia, mas fazia questão de deitá-la e beijá-la singularmente cada vez que tinha a oportunidade de tocá-la como queria. Arrastava os lábios por seus seios fartos enquanto ouvia seus gemidos e separava suas pernas com ardor antes de segurá-la por baixo do cabelo e penetrá-la com paixão. Era um caminho sem volta. Um caminho de amor traçado com luxuria.

Completavam-se até o limite do imaginável, deixando a critério do momento tornar cada movimento ainda mais necessário.

Os dedos dela se moviam nos ombros fartos ao passo em que gemia o nome dele em frases curtas. Sentia que Ferrari lhe tocava a alma quanto passava as mãos em suas costas ou a preenchia com ainda mais intensidade. Não podia negar que nunca , jamais , experimentou algo parecido em sua vida. Se não era com ele, era como não ser. Se não era dele , jamais seria de ninguém!

Abner e Ettore um dia tiveram seu corpo, mas jamais seu coração. Nunca souberam realmente quem era Amélia Romanov entre quatro paredes como Marcelo Ferrari sabia. Os segredos daquela mulher eram – quase – todos dele!

— Mãe?

A voz de Fernando ecoou quando o ápice já havia os atingido fortemente em meio aos sentimentos. Era realmente uma boa maneira de terminar a noite.

 

 


Capítulo Vinte e Três

A mão de Amélia tapou os lábios de Marcelo em um reflexo ao passo em que arquitetava o que fazer em tal situação.

Os olhos castanhos a fitaram com intensidade e certo bom humor enquanto ambos se ajeitavam como podiam até conseguirem chegar às roupas espalhadas pelo grande quarto. Por sorte a porta estava trancada e Nando não conseguiu destravar a maçaneta ao tentar entrar. As batidas se fizeram mais intensas.

— Mãe, você está aí? — Insistiu com a voz um tanto nervosa pela falta de resposta.

— Oi querido, estava indo para o banho... Um segundo — Amélia respondeu com a voz um tanto entrecortada. Marcelo, já vestido com sua calça, agarrou suas peças de roupa e correu para o banheiro. A mulher fechou-se ao redor de um roupão branco e caminhou até a porta tentando disfarçar a respiração ofegante — Olá querido.

— Oi mãe — O garoto respondeu mais aliviado — Fiquei preocupado. Está tudo bem?

Obviamente se referia ao fato de que Amélia nunca trancava a porta do quarto. Ela assentiu positivamente e sorriu de maneira tranquila buscando evitar constrangimentos.

— Sim meu amor, só um pouco cansada... Como foi o fim da festa? — Nando coçou a cabeça antes de responder e sorriu.

— Foi muito bom... Melhor do que pensei.

— Levou Marina em casa? Lembrou-se disso? — Brincou vendo a expressão empolgada do rapaz.

— Sim, é claro. O motorista deixou-a lá primeiro — Amélia piscou para ele com simpatia.

— Fico feliz que estejam se dando melhor. Ela vai precisar de apoio agora que Marcelo irá morar no exterior, o que para mim é uma grande besteira! — Enfatizou a última frase e Marcelo pôde ouvir tudo do banheiro enquanto terminava de se vestir — Bom, vou tomar banho e descansar. Boa noite querido.

— Boa noite mãe... Tem certeza que está tudo bem? — O garoto voltou um passo antes de sair e a impediu de fechar a porta — A senhora parece... Nervosa.

— Eu? — Sorriu de maneira sem graça — Ora Fernando... Isso são horas de implicar com alguma coisa? Por favor... Está tudo ótimo, o que não haveria de estar?

O menino espiou por cima do ombro dela e realmente não encontrou nada suspeito. Deu de ombros antes de se despedir e realmente sair dali. Amélia fechou a porta e suspirou quando se viu livre da presença do garoto. Marcelo demorou alguns segundos para sair do esconderijo. Caminhou lentamente de volta ao quarto onde a encontrou sentada na beira da cama com uma expressão transtornada e muito aflita.

— Está tudo bem. Ele não suspeita de nada — Acalmou-a já vestido e com as mãos dentro dos bolsos — Eu já vou indo.

— As coisas não podem ficar assim, Marcelo — Sussurrou quando o viu andando até a porta. Ele se deteve com a mão na fechadura e a encarou sem delongas. Um olhar dizia mais do que mil palavras.

— As coisas não vão ficar assim, Amélia — Garantiu antes de sair vagando pelo corredor escuro como uma sombra da noite embebida pela paixão.

 

Quatro semanas depois...


Marina sentia tanto sono que praticamente tropeçava nos próprios pés enquanto caminhava pelo corredor movimentado do colégio segurando seus pesados livros nos braços e uma grande mochila nas costas. O cabelo loiro e longo estava preso em um coque e a maquiagem era zero, algo totalmente atípico dela. Bocejava de sono quando colocou os livros dentro do armário e leu pela milésima vez a mensagem de Fernando onde o garoto dizia que não iria para a aula porque tinha uma entrevista em uma famosa escola de atores.

— Logo hoje... — Sussurrou para si mesma enquanto caminhava até a sala da próxima aula, que seria de matemática segundo a sua lógica.

— Bom dia gata — Anita cumprimentou-a animadamente, mas seu sorriso morreu quando a amiga se sentou ao seu lado com a expressão cansada e sonolenta — Nossa... Você anotou a placa?

— Que placa? — Questionou já deitada sobre a carteira ao lado dela.

— Do caminhão que passou por cima de você! Parece que você foi torturada, Marina.

— Tortura será essa aula de matemática... — Sussurrou apoiando a cabeça em um dos braços e se virando para a amiga.

— Não é aula de matemática, mas sim de biologia. O que está havendo hein? — A loira suspirou pelo erro da aula e cobriu o rosto com as mãos — Você anda estranha essa semana toda e hoje parece ainda pior! Sei que está acontecendo uma coisa diferente.

Marina engoliu em seco enquanto pensava no que dizer. Não queria expor sua vida, mas por um lado não aguentava mais guardar para si aquela dúvida que assolava seu coração. Não era tão fácil não ter uma mãe que fosse sua amiga para desabafar e muito menos poder dizer as suas próprias colegas o que se passava.

Sentia-se inerte e nervosa diante dos últimos acontecimentos por nunca ter se imaginado em tal situação. Era bizarro ver-se em meio a um conflito tão real e ao mesmo tempo fantasioso. Aquilo não podia estar acontecendo! Não com ela!

— É complicado, Anita... É bem complicado... — Sussurrou sem querer que os demais ouvissem.

— Ué... Explica! Parece que você vai explodir! — Marina mordeu os lábios — Ao menos o Nando sabe o que é?

A loira suspirou e apanhou seu caderno. Abriu na ultima pagina e rabiscou as palavras que não conseguia proferir em voz alta. Passou o bilhete para a amiga, que abriu a leu no mesmo instante em que o apanhou.

“Minha menstruação está atrasada quatro dias”.

— O QUE? — Anita praticamente gritou e alguns alunos olharam para as duas pela surpresa do ato. A garota de cabelo rosa tapou os lábios com as mãos e se aproximou para falar ainda mais baixo — Você está brincando, certo? Não posso acreditar que isso esteja acontecendo!

Marina apertou os olhos e negou com o rosto ruborizado de vergonha.

Não era fácil explicar que sua menstruação, sempre tão regulada, havia atrasado quatro dias justo no mês seguinte ao começar sua vida sexual. Não era fácil dizer, também, que nas primeiras vezes ela e Nando não haviam usado qualquer método contraceptivo. Como pôde ser tão tola? Estava nas nuvens com tudo o que vinha acontecendo em sua vida e não conseguiu dar a devida atenção a algo realmente importante.

— Me preocupei tanto com o medo que acabei dando uma dessa... — Disse baixinho enquanto assistia Anita expressar uma total indignação — O que eu faço? Estou desesperada!

— Seu pai vai te matar! Você é louca Marina? Como assim? Mas... Ah meu Deus! — Anita tapou a boca com as mãos novamente e suspirou — Você definitivamente é maluca!

Marina torceu os lábios.

— Eu sei disso, Anita! Estou te contando para que me ajude, não para que me diga o quão maluca sou! Preciso de uma luz, não de sermão! As coisas não podem ser mudadas e estou definitivamente surtando! — Sussurrou com o rosto repleto de medo e nervosismo. Praticamente chorava, buscando controlar dentro de si cada sentimento louco que a assolava.

— O Nando sabe disso? — Marina negou com um aceno — Não vai contar?

— Claro que não! Ele vai surtar também e não vai ser legal! — Suspirou abaixou o olhar — Passei a noite em claro pensando no que fazer, mas nada me ocorre.

— Como que ele dá uma dessa? Vocês não usaram nada? — Marina negou.

— Não nas primeiras vezes... Depois começamos a usar camisinha. Meu pai não pode saber que eu tomo remédio ou coisa e tal — Explicou baixinho.

— Ai cara... O primeiro passo é descobrir se realmente é verdade. Você precisa de um teste.

— Teste do que? — Franziu o cenho.

— Como de quê? — Aproximou-se para falar como se fosse algo proibido — De gravidez !

— Agora é você quem está louca! De onde vou tirar um teste de... — Engoliu o ar e colocou a caderno em frente as duas para que ninguém pudesse ver sobre o que falavam — Minha mãe me manda direto para a Itália em um colégio católico se eu sequer mencionar que posso estar... Você sabe!

— Então vamos nós duas comprar isso depois da aula — Sugeriu dando de ombros.

— O que? Você esqueceu quem é meu pai? — Ironizou — Os fotógrafos vão me pegar em uma farmácia comprando teste de gravidez e isso vai parar na primeira página do principal tabloide da cidade!

— Assim fica difícil... Não vou fazer isso sozinha! — Anita mordeu os lábios — Não existe ninguém que você confie e possa te ajuda com isso? Alguém experiente e que poderia conseguir para nós?

Marina suspirou e abaixou o olhar em um sinal claro de derrota. Não conseguia parar de tremer e o professor chamou a atenção das duas para a aula, obrigando-as a encerrarem a conversa. Definitivamente estava em uma grande enrascada e nada parecia representar o fim de tal problema.

Ao término da aula correu no banheiro para ver se havia descido, mas a frustração tomou conta de si novamente. Nada . Continuava atrasado e o pânico apenas crescia em seu coração.

— Marina... Está tudo bem? — Marcelo a interceptou quando chegou do colégio e a viu subindo as escadas. Parou no lugar e engoliu em seco enquanto encarava o pai sem saber o que dizer.

— Sim. Tudo ótimo! — Sorriu tentando fingir bom humor.

— Não parece estar bem... Aconteceu algo? — Aproximou-se alguns passos da garota e ela hesitou.

— Sim papai. Preciso subir e me trocar. Vou sair com as garotas para o shopping — Ele e analisou uma vez mais antes de assentir positivamente e liberá-la para subir.

Na cabeça de Marcelo aquilo tudo se devia ao fato de ele ir para outro país. Certamente estava chateada com sua partida, por isso não questionou tamanho abatimento.

A garota se trancou no quarto e sentou-se atrás da porta com a mão tapando o rosto. Como podia ser tão idiota? Grávida aos dezessete anos...? Isso significaria uma tragédia em sua vida! O celular tocou em seu bolso e olhou o visor para constatar que era a nona chamada de Nando em duas horas.

— Oi... — Pensou alguns segundos antes de atendê-lo. Lágrimas caiam em seu rosto, mas disfarçava a voz para falar — Tudo bem?

— Sou eu quem pergunta! O que está acontecendo? — Soava aflito — Tentei te ligar durante todo o dia e só tomei caixa postal. Estou preocupado!

— Calma, não se preocupa. Apenas estou atarefada com as coisas do colégio — Mentiu deitando de costas em sua cama de princesa.

— Vamos nos ver de tarde?

A vontade dela era dizer que não estava bem para encontra-lo, mas não conseguiu resistir ao tom chorão de Fernando. Combinaram de se ver no shopping e depois dariam um jeito de ir para um lugar mais reservado. Ainda eram amigos aos olhos de todos e estava tudo bem. Após a primeira vez desencanaram daquela responsabilidade de contar sobre o namoro a cada momento, principalmente com a partida de Marcelo e o recente divórcio de Amélia. Decidiram esperar até que a poeira baixasse e era o que vinha acontecendo.

Arrumou-se em frente ao espelho e certamente não se reconheceu. Apesar de estar bonita usando um vestido azul e uma sandália de verão, certamente demonstrava em seus olhos escuros como os de seu pai toda a inquietude de sua alma. Tinha dezessete anos e tantos sonhos pela frente... Levou uma das mãos a barriga lisa e apalpou o local se olhando no reflexo.

Grávida.

Esperando um filho de Fernando.

Isso não podia estar acontecendo!

Chegou ao shopping com o motorista de Marcelo e o dispensou. Encontrou Fernando em frente à lanchonete favorita de ambos e o cumprimentou com um beijo no rosto e um abraço rápido. O gesto a fez estremecer por dentro.

— Como foi sua entrevista? — Questionou sem deixá-lo mencionar sua expressão derrotada. O garoto sorriu com a pergunta.

— Foi incrível. A escola é melhor do que pensei e apenas na visita conheci profissionais maravilhosos. Fiquei muito empolgado com o que vi e certamente será minha escolha — Os olhos azuis brilhavam.

— Acha que eles irão te aceitar? — Pegou na mão dele com inocência e um grande sorriso de alegria.

— Pelo que disseram meu teste foi bom. Estou ansioso para a resposta da diretora — Assentiu positivamente e apertou os dedos de Marina — O curso dura três anos e depois dele quero me aperfeiçoar no exterior. Agora que seu pai vai morar lá as coisas ficaram mais fáceis.

— Como assim?

— Já pensei em tudo, Nina — Fernando a chamou pelo apelido carinhoso e aquilo evidenciou a ela toda a empolgação dele para com a conversa — Daqui três anos você já terá concluído o ensino médio e eu o curso. Nós vamos juntos para os Estados Unidos. Você pode morar com seu pai e eu vivo em um dos apartamentos do meu pai por lá. Estudamos, fazemos nossos cursos e depois voltamos para o Brasil formados e poderemos nos casar — A expressão dela era de puro terror, mas não pelos planos dele. Pensava a todo o momento em sua possível gravidez arruinando tudo isso! — Enquanto isso, podemos viajar por lá e curtir juntos. O que você acha?

Marina não conseguia dizer nada ao passo em que encarava os olhos azuis e profundos pregados em seu rosto com toda alegria transbordando. Abaixou o olhar e respirou profundamente.

— Nando... Isso tudo é muito legal, mas as coisas não são tão simples — Tentou explicar.

— Como não, Marina? Podemos fazer o que quisermos! Nossos pais nos apoiam! Basta sonharmos para realizarmos! — Segurou o rosto dela e sorriu — Temos o mundo aos nossos pés.

— Ai Nando... Não é assim — Suspirou e afastou a mão dele.

Sentia-se culpada. Sentia-se um lixo. Sentia-se nervosa e ansiosa. Não conseguia pensar em ter um filho naquele momento e muito menos em abandonar os sonhos que alimentavam.

— Como não? O que foi, Marina? — Preocupado, aproximou-se ainda mais e tomou a mão dela na sua.

— Nós dois nos precipitamos. Não devíamos ter feito certas coisas agora. Deu tudo errado! — Sussurrou com a voz embaraçada e os olhos cheios de lágrimas. Sem compreender, o garoto buscou na mente algo plausível a dizer.

— Como assim? Do que você está falando?

— De nós. Não devíamos ter feito certas coisas... Não devíamos ter escondido o namoro dos nossos pais, você sempre teve razão nisso! — Lágrimas caíam em seu rosto nervoso — Não devíamos ter feito amor no meu aniversário.

Fernando engoliu em seco diante do desespero dela. Nunca havia visto Marina tão aflita.

— Pensei que você me amasse — Foi o que conseguiu dizer diante das palavras dela — Pensei que estivesse feliz.

— Eu estou, mas é que... — Apertou os olhos e cobriu o rosto com as mãos — Nós não somos adultos e as escolhas da nossa vida são feitas agora, a partir de nossos atos.

— Marina... Do que você está falando? — Insistiu, mas ela ficou de pé e se recusou a dizer qualquer coisa.

— Preciso ir.

— Não, como assim? Espera! — Segurou o pulso dela, mas a garota puxou delicadamente.

— Preciso ir Nando, por favor, não me pergunta nada! — Suplicou em meio às lágrimas e o baque que tal gesto causou nele o fez soltá-la.

A garota simplesmente lhe deu as costas e saiu andando em meio à multidão do shopping. Desnorteada, Marina não podia pensar e era incapaz de encarar a realidade. Como era imatura! Tinha medo de estragar os planos dele de toda uma vida. Tinha medo de contar a ele sobre sua possível gravidez e arruinar o que tinham, mas por outro lado explodia em nervosismo apenas com a possibilidade!

O que seria do sonho de ambos?

Caminhou entre as pessoas até chegar ao lado de fora do shopping, onde viu em seu celular várias chamadas do garoto. Caminhou por minutos a fio sem ter ideia do que fazer, desesperada para que uma solução caísse do céu a qualquer momento.

— Marininha?

A familiar voz feminina a fez girar o pescoço rapidamente e finalmente teve a certeza de que havia um escape para seu problema.

 

 


Capítulo Vinte e Quatro


Amélia Romanov – mãe de Fernando e melhor amiga de seu pai – a encarava com um sorriso surpreso. Carregava em mãos uma linda bolsa de couro branca, um par de óculos de onça e usava um vestido elegante e claro.

Marina não soube o que dizer, apenas se moveu para mais perto de Amélia enquanto ela se aproximava em passos semelhantes aos de uma top model na passarela. A mulher a abraçou com entusiasmo e acariciou seu cabelo com cuidado ao notar a expressão de desespero estampada nos olhos castanhos.

— Como está tia? — Questionou educadamente após trocarem três beijos na face. Colocou o cabelo para trás da orelha e sorriu de modo tímido.

— Aparentemente mais tranquila que você, querida. Porque essa carinha? Eu quando tinha sua idade raramente ficava feliz quando chegava perto de um shopping — Brincou e conseguiu arrancar um sorriso da menina.

— Ah tia... As coisas não estão tão divertidas ultimamente — Cruzou os braços em frente ao corpo e se controlou para não entrar em pânico.

— Algo que eu possa ajudar? — Marina deu de ombros diante da pergunta de Amélia.

— Acho que não tia... Obrigado — Envergonhada, a menina foi guiada pelos ombros por Amélia até a entrada do shopping.

— Então insisto que tomemos um café juntas para que essa carinha de tristeza suma desta bela face — Propôs em tom animado. A garota sorriu de canto enquanto adentravam ao estabelecimento comercial novamente — Conheço uma cafeteria incrível. O bolo de morango é ótimo!

Marina sorriu e aceitou o convite de sua sogra que mal sabia ser sua sogra. As duas caminharam em meio às pessoas enquanto conversavam sobre coisas comuns e não foi difícil para Amélia distrair Marina.

Jamais pensou que ao ir ao shopping levar Felipe para ver os amigos encontraria a filha mais velha de Marcelo e muito menos que a veria em uma situação tão calamitosa. Marina era o retrato do desespero e do baixo astral, mas não podia demonstrar desespero em frente a ela. Primeiro iria se aproximar para depois descobrir qual era o problema.

Sentaram-se frente a frente em uma mesa da cafeteria mais cara do shopping e já quase concluíam o café com bolo quando Amélia conseguiu uma brecha para chegar ao assunto desejado. Conhecia as meninas e sabia qual era o problema.

— Está assim tristinha porque Marcelo vai embora? — Lançou a questão com certo nervosismo. A menina suspirou.

— Isso é algo que vem doendo muito.

— Eu sei... — O lamento profundo de Amélia tocou Marina — É algo que está doendo muito também.

— Sabe?

Amélia corou e buscou mudar de postura.

— Marcelo é um grande amigo e eu imagino como você se sinta por ficar longe de seu pai.

— Ele é um pai incrível, tia. Muito melhor do que minha mãe — Garantiu olhando para a xícara em meio a seus dedos — Eu o amo muito e não quero decepcioná-lo, mas parece que já é tarde demais para voltar atrás — Apertou os olhos para conter as lágrimas.

— Como assim Marina? — Segurou a mão dela com carinho — Você é uma menina inteligente e incrível! Marcelo sempre se orgulhou muito de você e certamente jamais irá se decepcionar contigo.

— Já aconteceu tia. Já decepcionei meu pai e me tornei tudo o que ele não queria! — Lágrimas escorreram dos olhos da menina e finalmente a coragem tomou conta de Amélia.

— O que você fez de tão grave para falar de tal modo? — Os olhos molhados de Marina correram para o rosto dela repletos de apreensão — Pode confiar em mim. Prometo que não irei te julgar e muito menos dizer algo a Marcelo sem que você permita.

O coração da menina estava tão apertado que as palavras de Amélia a fizeram chorar ainda mais. Apertou a mão que lhe oferecia enquanto os soluços a sacudiam e foi o suficiente para Amélia se levantar e abraçá-la com carinho. Marina se rendeu ao abraço e se deixou levar pelo desespero. Precisava urgentemente contar a alguém tudo o que acontecia e, mais do que isso, precisava de uma ajuda real.

— Tia... Não conte a ninguém, mas eu acho que... Que... — Aproximou-se para sussurrar ao ouvido de Amélia — Acho que estou grávida.

Amélia não esperava ouvir tais palavras, mas buscou não demonstrar seu susto. Demorou alguns segundos até conseguir raciocinar algo coerente e que não a assustasse, mas principalmente custou a enxergar a filha de Marcelo como uma mulher, não mais uma criança que brincava com seus filhos.

— Grávida? — Sussurrou engolindo em seco. Agora compreendia as palavras dela em relação a Marcelo — Porque está dizendo isso?

Marina explicou a Amélia sobre o atraso menstrual e as relações desprevenidas muito rapidamente.

— Esse garoto definitivamente é um irresponsável! — A loira esbravejou após ouvir o discurso da menina — Ele sabia que era sua primeira vez e não tratou de usar preservativo? Meu Deus!

— A culpa não foi dele tia. Não planejávamos nada, simplesmente aconteceu.

— Simplesmente aconteceu... — Amélia suspirou encarando-a sem querer ser ainda mais infeliz em seus comentários — Ah os hormônios... Definitivamente nada mudou do que eram no meu tempo.

Marina mordeu os lábios com o comentário de Amélia.

— Você já passou por isso tia? — Questionou hesitante. Amélia tirou algumas notas da bolsa e deixou dentro da conta da cafeteria e as duas voltaram a caminhar pelo shopping.

— Claro que sim... Quando suspeitei de uma gravidez pela primeira vez eu tinha sua idade... Dezessete anos.

E foi com o seu pai! Segurou a língua para não completar a frase. Encarava a sua frente como se pudesse visualizar perfeitamente o momento ao qual se referia.

— A minha idade?

— Sim... Perdi a virgindade com um namorado muito especial aos dezesseis anos e foi exatamente como você. Simplesmente aconteceu — Sorriu para Marina com delicadeza — Ficaria maluca se fosse sua mãe, mas me coloco em seu lugar. Já tive sua idade e sei como as coisas funcionam...

Pararam em frente a uma farmácia no shopping e Amélia pediu que Marina esperasse do lado de fora enquanto escolhia alguns artigos lá dentro. Apanhou na estante quatro testes de gravidez de uma marca muito confiável e alguns esmaltes para disfarçar o interesse. Passou rapidamente sem ser reconhecida pelo grande óculos que usava e sorriu para a menina ao se reencontrarem.

— O que é isso? — Marina e Amélia caminhavam de volta para o carro.

— Para termos certeza de que é apenas um alarme falso. Uma chuva de hormônios devido ao inicio da sua vida sexual.

— Mãe? Marina? — Fernando se encontrou com as duas enquanto ainda procurava Marina aos arredores do estacionamento.

Não soube o que dizer ao vê-las juntas, muito menos no clima de intimidade que se encontravam. Marina era abraçada de lado por Amélia e pareciam muito entretidas. O olhar de desespero de Marina para o garoto deixava claro para que ficasse calado naquele momento e apenas seguisse em frente.

— Querido, como vai? Já encontrou sua garota no shopping? — Sorriu animadamente — Porque não me apresenta minha norinha?

— Mãe, por favor! — Marina corou com as palavras e quis cavar um buraco abaixo dos pés — Eu... Desencontrei com ela. Acabamos nos separando sem querer.

— Ah, mas ligue e reencontre. Hoje em dia ninguém perde ninguém meu filho!

O olhar de Nando e Marina se encontravam com muita intensidade.

— O problema é que não me atende — Jogou a indireta fortemente — Deve estar acontecendo algo, mas ela não quer me contar.

— Sendo assim sugiro que insista! — Amélia pontuou.

— Ou talvez ela tenha medo de dizer... — Marina sussurrou.

— Porque teria medo? Nós confiamos um no outro! — Os olhos azuis de Nando faiscaram em nervosismo.

Ansiava pular em Marina e perguntar o que acontecia, mas Amélia parecia muito mais a par de tudo do que ele. Não conseguia compreender como sua mãe havia chegado ali justo naquele instante. Tudo soava demasiadamente surreal.

— Você pode até discordar Marina, querida, mas o meu Nandinho certamente é um namorado exemplar. Minha nora misteriosa é uma garota de sorte assim como você, que também está apaixonada — Nando cruzou os braços em frente ao corpo e sorriu de canto.

— Quer dizer que a pirralha está apaixonada? — Provocou e Marina corou. Neste momento queria matá-lo!

— Fernando, por favor — Amélia pediu com educação.

— Precisamos ir. Quer uma carona ou vai continuar procurando a princesa? — Marina cutucou-o com desdém.

— Vou dar um tempo aqui no shopping, obrigado. Até mais mamãe.

As duas caminharam juntas em direção ao carro enquanto Nando as observava. Não conseguia compreender essa conexão e muito menos porque sua mãe parecia saber tanto sobre Marina naquele momento.

Desistiu de tentar ligar e se limitou a esperar. Se Marina não contasse, obviamente arrancaria alguma coisa de Amélia ao voltar para casa. Era uma questão de tempo até que tudo viesse à tona e os segredos se apagassem as sombras.


Amélia abriu a porta de sua casa e teve uma grande surpresa.

— Amélia querida e maravilhosa!

Uma elegante mulher ruiva caminhou em direção a ela e lhe abraçou fortemente sem que tivesse chance de pensar. Marina as encarava sem compreender a cena, mas se limitou a ficar calada e observar.

— Antonieta! — Retribuiu o abraço ao se recordar de como sempre foi calorosa sua amiga de adolescência — É muito bom te ver! Que surpresa enorme!

Deixou as coisas que carregava sobre a mesinha e passou a sacola da farmácia para Marina.

— Estou no Brasil a trabalho e resolvi rever os grandes amigos... Passei no Marcelo e agora dei um pulo aqui para saber como você anda — Sorriu e olhou para a garota ao lado — Essa bela mocinha é...

— Marina, a menina do Marcelo. Lembra-se dela? — Amélia colocou a mão sobre o ombro de Marina em uma atitude cordial.

— Céus... Aquela garotinha? — Marina sorriu — Está linda como seu pai minha querida. É muito bom revê-la e sei que certamente não se lembra de mim.

— Acredito que não — Eu recordaria de uma figura tão diferente! Pensou consigo mesma diante da ruiva de quase dois metros de altura e um vestuário muito particular.

— Bom querida, vá resolver suas coisas lá em cima enquanto converso com Antonieta. Pode esperar em meu quarto.

— Sim tia... Com licença — A garota saiu de cena rapidamente e deixou as duas velhas amigas sozinhas na grande sala de estar da casa de Amélia.

— Por favor, sente-se — Educadamente sentaram-se no bonito sofá claro e Amélia pediu um café para as meninas que trabalhavam em sua cozinha — Como é bom vê-la novamente querida amiga... Somente eu sei como nossas conversas fazem falta em minha vida!

— Posso dizer o mesmo Amélia, por isso fiz questão de visita-la em minha estadia no país — Ajeitou o cabelo ruivo atrás da orelha.

Antonieta não é uma simples amiga de adolescência. Aquela maluca inconsequente havia sido sua melhor amiga na época da juventude e conhecia perfeitamente cada façanha de sua história. Atualmente era produtora de filmes e séries nos Estados Unidos e uma figura muito influente na televisão nacional.

— Eu poderia acreditar se não te conhecesse — Brincou em tom de segundas intenções — Nunca te vi aparecer em um lugar sem ser anunciada. Não faz parte de sua personalidade. Você gosta de uma boa festa.

As duas gargalharam.

— Tem razão. Você me conhece, de fato — Entregou logo — Estou no Brasil porque vim colher à assinatura do contrato de Marcelo.

— Você ? — A xícara que a moça havia trazido para as duas quase caiu da mão de Amélia. Antonieta assentiu — Marcelo vai trabalhar com a sua produtora?

— Sim. Foram meus funcionários que o sondaram para o projeto e para minha surpresa ele aceitou.

— Você o queria no filme?

— Certamente. Adoro o trabalho dele, assim como o seu, mas pensei que se tratava de algo temporário — Deu de ombros — Quando cheguei para tratar com ele, Marcelo me informou que adquiriu um imóvel na Flórida e quer ficar por lá permanentemente. Você sabia disso? — Estreitou o olhar.

— Sim, sabia — Admitiu tentando disfarçar o desconforto.

— E vai permitir? — A expressão da ruiva era praticamente horrorizada — Depois de tantos anos, justo agora que está separada e desimpedida, vai mesmo deixar que Marcelo vá embora?

— Eu e Marcelo não nascemos para ficar juntos. Você melhor do que ninguém sabe de tudo o que houve em nossa vida.

— A única coisa que sei é que vocês deveriam ter ficado juntos desde aquele tempo como aconteceu comigo e com Thomas — Garantiu sem hesitar — Nós quatro éramos amigos e estávamos no mesmo barco. Todos começavam uma carreira e...

— E você e Thomas seguiram em frente juntos enquanto eu e Marcelo tivemos medo — Abaixou o olhar.

— Pior... Você e Marcelo tiveram medo e cometeram erros irreparáveis! Você se jogou nos braços do pai de Fernando para esquecê-lo e acabou grávida. Marcelo começou a namorar com Pia para te esquecer após sua gravidez e acabou no altar. Percebe que se houvessem ficado juntos as coisas seriam menos catastróficas?

— Passei vinte anos pensando sobre tudo isso e imaginando como tudo teria sido — Admitiu com o olhar baixo e a expressão derrotada.

— E qual sua conclusão após tanto tempo?

— Que já é tarde demais para nós.

O olhar fixo de Antonieta em direção a Amélia a fez derramar algumas lágrimas. A presença da amiga significava algo como a própria vida se materializando a sua frente para cobrar-lhe explicações. Não era fácil admitir para si mesma que o passo havia sido um grande erro. Deveria ter ficado com ele e lutado.

— Não é tarde porque você ainda tem tempo — Garantiu enfaticamente — Resolvi dar um jantar de despedida para Marcelo em minha casa de verão daqui alguns dias. Obviamente você é minha convidada de honra.

— Antonieta, eu...

— Não aceito não como resposta! — Pontuou. Amélia conhecia a amiga e sabia de sua decisão certeira em relação a tudo — Não me conformo em vê-los ainda sofrendo um pelo outro quando a vida já lhes libertou das amarras. Ele é livre e você também... Não posso compreender o que te impede de se entregar!

— É uma coisa complicada... — Não podia revelar o segredo que guardava a sete chaves, por isso mordeu os lábios enquanto a encarava — Algo que não é tão fácil de compreender, realmente.

O silêncio se instalou entre as duas durante alguns minutos.

— Você é feliz minha amiga? — A questão pairou no ar como um pesado balão de ar quente.

— Em alguns aspectos sim, mas...

— Mas... — Antonieta se colocou de pé — Preciso ir. Espero-te na festa.

As duas caminharam até a porta juntas e de tão desnorteada Amélia são soube como impedi-la de partir.

— Não sei se efetivamente irei — Disse já na porta.

— Você irá. Eu sei que irá — Abraçou-a com carinho durante alguns segundos e quando se separaram sorriu — Grande Amélia.

Grande Amélia .

Era assim que costumavam lhe chamar após sua carreira explodir e sua popularidade decolar. Ainda hoje era grande, mas apenas figurativamente. Dentro de si havia um imenso vazio que apenas pessoas como Antonieta podiam compreender.

Fechou a porta e caminhou até as escadas, onde subiu em passos lentos e ainda pensativa até seu próprio quarto. Abriu a porta lentamente e encontrou Marina sentada na beira da cama com uma expressão longínqua e um teste de gravidez fechado em meio a seus dedos. Foi até ela e sentou-se ao lado de maneira tranquila, observando-a enquanto voltava a pensar nos problemas da menina.

— Que tal tirarmos essa carinha de desespero de uma vez? — Sugeriu com um sorriso.

— Estou com medo... — Suspirou e apertou os olhos.

— Estou aqui com você. Tenho certeza que vai dar tudo certo! — Garantiu em tom otimista.

Marina apertou os dedos de Amélia e sorriu para ela de volta. Tomou coragem e caminhou até o banheiro do quarto sem hesitar. Fechou a porta atrás de si e fez xixi rapidamente dentro do recipiente que vinha dentro da caixinha do teste. Suas mãos tremiam quando apanhou o bastão e inseriu em sua urina como Amélia havia explicado no caminho.

Sentou-se na beira da banheira e suspirou profundamente.

O que lhe restava agora era esperar para saber se sua vida efetivamente mudaria para sempre!

 


Capítulo Vinte e Cinco

 

— Tia! Tia! Algo apareceu! — A voz de Marina ecoou alta e nervosa vinda do banheiro.

Amélia apertou os olhos.

— Por favor, que seja negativo. Por favor — Sussurrou para si mesma antes de sorrir para receber a menina que corria em sua direção — E ai?

— Veja... Já faz cinco minutos — Mostrou a Amélia o bastão onde havia apenas um risco em evidência — Estou grávida?

Questionou em tom apreensivo.

— Não querida. Isso é um negativo! — A voz calma de Amélia expressou todo seu alívio — Eu não disse?

— Negativo? — Surpresa, Marina perdeu a voz — Mas... Está atrasado! Estou me sentindo esquisita! Acho que isso está errado! — Indagou ainda sem compreender, mas com uma pontada de alivio em seu intimo.

— Tenho certeza que é um negativo, Marina. Veja. Apenas mostra uma listra! — Observava o teste mais detalhadamente — Não há com que se preocupar.

— Posso fazer outro? — Questionou incrédula.

— Claro... Quer que eu faça um também? Só para te garantir que isso é um negativo — Ao perceber a insegurança da menina, Amélia ofereceu-se como saída — Era isso que minhas amigas faziam quando não acreditavam na eficácia do teste, por isso comprei quatro.

— Certo. É uma boa ideia.

Marina fez o teste primeiro e saiu do banheiro com o bastão em mãos. Sentou-se na cama e colocou o objeto no criado-mudo ao lado. Amélia entrou sem seguida e repetiu o processo do teste rapidamente e com sua experiência. Voltou ao quarto com um sorriso torto.

— Está feito. Agora você pode ter certeza que seu teste é negativo! — Depositou seu teste sobre a mesinha ao lado da de Marina — Mas existe uma lição a ser tirada de tudo isso, mocinha. Você precisa aprender a se proteger melhor. Não apenas você, mas também seu namorado!

— Eu sei tia, eu sei... — Garantiu suspirando — Nós vamos aprender.

— E você pode contar comigo sempre que precisar de uma mão feminina, ok? — Sorriu amigavelmente.

— Obrigado por tudo que fez por mim, tia. Você é a melhor! — Marina abraçou Amélia com carinho.

— Agora você precisa relaxar para que a menstruação regularize, procurar um médico e contar a seus pais sobre seu namorado — Advertiu em tom sério — Imagina o susto que Marcelo teria se você realmente estivesse grávida?

E o susto que você também teria se soubesse que Fernando seria o pai ... Pensou enquanto a encarava em completo silêncio.

— Prometo que vou tomar uma atitude, tia. Isso não vai mais acontecer, principalmente depois desse enorme susto que tomei — Suspirou aliviada e sorriu com uma pontada de felicidade — Será que o teste ficou pronto?

Marina se ergueu e pegou seu teste em cima do móvel. Como no anterior, o resultado foi apenas uma listra. Negativo. Sorriu ao ver que realmente não estava grávida e suspirou novamente de modo a descarregar suas preocupações das últimas horas.

— Negativo novamente? — A menina assentiu a pergunta de Amélia — Eu não disse... Tudo não passou de um susto para que aprendesse.

Em um reflexo, Marina caminhou até o outro lado do quarto e apanhou em seus dedos o teste de Amélia. Ao levar o mesmo em direção aos olhos, tomou um susto ainda mais grandioso que seu próprio resultado.

— Tia... O seu teste não está igual o meu — Disse olhando novamente para o bastão.

— Como não? — Amélia piscou algumas vezes sem compreender o que lhe era dito. Marina caminhou até ela de maneira hesitante e lhe entregou o bastão.

— No seu tem duas listras... — A doce voz anunciou enquanto Amélia analisava o resultado em total pavor — Acho que você está grávida, tia.

Acho que você está grávida.

Não houve muito tempo para pensar. Amélia analisou o resultado como se não acreditasse que estava vendo a mesma coisa que Marina. As duas se empertigavam em frente ao bastão com resultado positivo sem crer que era real... Como podia algo assim acontecer?

— Isso não pode estar certo! — Anunciou nervosamente — Certamente há algo errado... Não posso estar... Não!

Tremia dos pés a cabeça como uma menina boba e não conseguia manter a calma diante do fato. Por suas contas, se estivesse mesmo grávida, não havia completado sequer um mês e meio! Engoliu em seco diante do olhar questionador de Marina.

— Justo agora que você e o tio Ettore estão separados... — Marina lamentou com a mão cobrindo os lábios.

O chão faltou abaixo dos pés de Amélia. Morava ai mais um problema... Se efetivamente estivesse grávida, com certeza aquele bebê era filho de Marcelo! Não havia tido relações com Ettore há muito tempo e a última vez que compartilhou de intimidade havia sido com Marcelo na noite do aniversário de Marina.

Levou uma das mãos a cabeça e sentou-se novamente na beira da cama. A listra no teste era forte e muito nítida, indicando a presença certeza do hormônio da gravidez em sua urina. Já havia recebido um teste assim antes e certamente sabia o que aquilo significava... A chance de ser um falso positivo era realmente muito pequena! Mordeu os lábios em nervosismo quando encarou Marina. A garota não fazia ideia que aquela possível criança seria irmão dela!

— Marina, querida, me prometa que não vai contar isso para ninguém ! — Pediu em tom de súplica — Por favor...

— Claro, tia, claro... Mas você precisa contar para o tio Ettore e...

— O bebê não é do Ettore — Entregou sem pensar e sendo levada pelo nervosismo — Estou perdida... — Sussurrou para si mesma.

— Não é dele? — Alterou o tom de voz — Então é de quem?

Mais uma vez Amélia se via naquela posição. Mais uma vez segurava um teste de gravidez positivo entre seus dedos sem ter ideia do que fazer! Na primeira vez estava grávida de um homem que não amava e aquilo significou quatro terríveis anos ao lado dele. Pela segunda vez se viu perdida em meio a uma situação complicada... Não podia destruir uma família! Agora, pela terceira e mais louca de todas, já tinha trinta e seis anos e jamais cogitou engravidar de Marcelo em tal altura da vida. Além de tudo, ele estava indo embora!

— É uma história complicada, Marina. Peço que tudo isso fique entre nós, por favor — A loirinha concordou rapidamente — Obrigado. Você é uma grande amiga.

— Você também tia. O mínimo que posso fazer é guardar seu segredo, mas pode contar comigo para o que for!

Abatida, Amélia não conseguiu conversar com a garota por mais tempo. A menina percebeu que não havia mais clima, agradeceu Amélia pela ajuda e foi embora curtir sua tranquilidade, mas certamente ainda martelando em mente sobre quem poderia ser o pai do bebê de Amélia ?

Sozinha, Amélia não hesitou. Realizou o quarto e último teste de gravidez que havia comprado na farmácia. Não podia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo! Aguardou o novo resultado com o pequeno bastão preso entre os dedos e sua agonia não durou muito: novamente as duas listras apareceram fortemente.

— Céus... Não pode ser! — Sussurrou para si mesmo — Estou grávida de novo!

— Mãe, está aí? — Era a voz de Fernando, por isso tratou de esconder os dois testes em sua gaveta.

Caminhou rapidamente até a porta e abriu com cuidado. O garoto a encarava com certa curiosidade.

— Olá querido.

— Oi mãe... Está tudo bem? Cadê a Marina? — Questionou olhando para dentro do quarto.

— Ela já foi — Deu de ombros tentando disfarçar o impacto que sofria — Por quê?

— Por que... — Pigarreou — Ela parecia ter algum problema lá no shopping, eu sei lá. Fiquei preocupado, você sabe como sou curioso e tudo — Coçou a cabeça — Ela estava bem mesmo?

— Ah Fernando... As coisas são muito particulares, não acha? — Cruzou os braços de maneira interessada — Mas cá entre nós... Quem é o namorado dela? — Fernando corou — Eu mal sabia que essa menina namorava e muito menos que já tinha uma vida sexual. É nisso que dá Pia ser uma mãe tão desligada da menina! Podia ter levado a um médico para auxilio, ao menos!

— Mãe... — O garoto não sabia o que dizer — Ela tem um namorado na escola, mas...

— Claro que tinha que ser um garoto de escola! — Revirou os olhos — Por favor, não comente com ninguém, mas trata-se de um menino muito irresponsável e sem qualquer delicadeza! — Soava preocupada — Onde já se viu chegar a tal situação com dezessete anos nos dias de hoje? Na minha época até que eu compreendia, nós não tínhamos tanta liberdade de conversar, mas hoje em dia é complicado! Ainda bem que você é um garoto muito bem esclarecido!

Fernando pigarreou novamente. Ela estava falando dele, afinal de contas!

— Por que... Porque você está falando isso mãe? O que foi que houve? — Bateu levemente no peito para parar de tossir.

Amélia hesitou, mas se aproximou um pouco mais do filho.

— Por favor, querido. Trata-se um segredo e se eu souber que você contou a alguém ficarei realmente decepcionada! Marina não confiará mais em mim! — Advertiu em tom autoritário e Fernando assentiu rapidamente.

— Não contarei mãe, eu prometo!

Amélia abaixou o tom de voz.

— Nos encontramos no shopping e ela veio me pedir ajuda porque suspeitava de uma gravidez — Os olhos de Fernando se abriram demasiadamente no rosto e a respiração faltou por alguns segundos. Sentiu o ar preso em sua garganta e um buraco se abrindo a seus pés — Você acredita? Marininha grávida?

Marina grávida.

Ter um filho com ela!

Segurou para não tossir, mas por outro lado não conseguia proferir qualquer palavra. Como assim Marina suspeitava de uma gravidez e não havia dito nada a ele? Apoiou-se na porta para conseguiu ficar de pé em frente à Amélia sem ceder ao nervosismo.

— Mas... Ela está mesmo grávida?

A pergunta que tanto temia foi feita de uma vez.

— Não, por sorte foi um alarme falso — Sussurrou a ele. O garoto quase caiu pelo alívio que o tomou — Mas a pobrezinha estava muito assustada! Pode imaginar o que significaria para ela? Marcelo certamente teria um surto.

Eu também teria um surto .

Fernando pensou, mas não conseguiu proferir nenhuma palavra. A sensação que tinha era a de que o mundo se abria abaixo de seus pés e tudo se tornaria ainda mais complicado.

Não se recordou de como se despediu de Amélia antes de ir para o quarto e muito menos da maneira como a mãe parecia estranha além do ocorrido com Marina, apenas sentou-se na beira de sua cama e agarrou o celular entre os dedos com uma imensa vontade de telefonar a Marina naquele instante! Perguntas rondavam sua mente e nenhuma resposta fazia sentido diante dos acontecimentos...

Que tipo de garoto ela o julgava?

Como podia ter escondido algo assim dele, justo dele ?

Será que pensava que Nando não assumiria o bebê, caso existisse?

Passou a mão entre os fios desgrenhados de seu cabelo escuro e encarou seu próprio rosto refletido no visor quando a luz do celular apagou. Não podia surtar agora . Marina havia acabado de sair da situação embaraçosa e devia estar começando a raciocinar com calma. Explodir e causar uma briga não era algo bom no momento, muito menos correto.

Resolveu buscar se acalmar e conversar com ela de cabeça mais fria. Daria tempo ao tempo antes de confrontá-la.

Vestiu uma sunga e desceu para a piscina de modo a relaxar enquanto curtia as braçadas vigorosas que desferia contra a água. Por pouco a história de ambos não se transforma em um verdadeiro caos perante seus pais!


O dia tinha outro significado para Marina quando um enorme peso havia sido tirado de suas costas frágeis. Jamais imaginou que menstruar fosse significar algo tão positivo, afinal!

Não conversou com Fernando no dia anterior porque ainda se sentia despreparada e tão pouco tinha ideia se contaria sobre a gravidez que não aconteceu, mas certamente inventaria um bom motivo para explicar seu sumiço repentino no shopping. Talvez tensão pré-menstrual ou algo feminino que o garoto desconheça.

Arrumou-se na manhã seguinte para ir ao colégio de modo a deixar claro que tudo estava bem. Queria abraça-lo e se desculpar, dizer que o amava e que desejava assumir o namoro de uma vez. A história teria sido bem mais complicada caso algo acontecesse e não queria imaginar algo do tipo novamente. O certo e mais racional era abrir o jogo com Marcelo e Amélia de uma vez, ignorando as criticas que Pia certamente desferiria sobre ambos.

Usava short do colégio, camiseta, tênis e cabelo amarrado quando desceu as escadas naquela manhã e deu de cara com sua mãe sentada na mesa de café da manhã ao lado de seu pai e irmão. Marcelinho parecia animado narrando sobre seus amigos e Marcelo comia em silêncio e com cara de poucos amigos. Pia, sempre elegante, fingia ouvir a história do filho, mas não tirava o olho do ex-marido.

— Bom dia — Cumprimentou-os com um sorriso enquanto se sentava ao lado de Marcelo.

— Bom dia querida... Está com uma cara muito melhor hoje! — O pai a elogiou com um sorriso torto e ergueu a xícara em comemoração.

— Sim. Por sorte acabei um trabalho que estava me sugando às energias — Apanhou um pão integral e começou a passar creme de avelã.

— Isso me parece ter a ver com homens, isso sim. Toda essa alegria apenas significa paixão — Pia comentou enquanto a observava comendo com pressa.

— Não seja boba, Pia. Marina não tem tempo para pensar em homens — Marcelo repreendeu em tom seco.

— Estou atrasada! — Pegou o resto do pão e um pouco de suco de laranja e se despediu da família rapidamente — Bom te ver, mamãe. Você nunca aparece.

Foi o que disse antes de sair pela porta ainda mastigando seu café.

— Porque sempre tem que fazer comentários desagradáveis e que constrangem as pessoas? — Marcelo observou a filha sumir na porta e encarou Pia em tom de desgosto.

— Reparou que ela não negou em momento algum? — Secou os lábios com um guardanapo. Marcelo acenou negativamente em sinal de desaprovação — Marina não é mais uma menina, Marcelo. Ela cresceu diante dos seus olhos, mas ainda a vê como uma criança.

Marcelinho se despediu dos pais e saiu junto do motorista para a escola. Ambos se viram sozinhos na mesa farta.

— Marina é uma moça responsável e jamais se envolveria com ninguém enquanto estuda. Sabe o que é melhor para si e namorar com essa idade apenas traria problemas — Finalizava seu café.

— Me espanta todo seu conservadorismo! Não era você quem vivia se esfregando com Amélia Romanov por ai enquanto ela tinha a idade de nossa filha? — Apoiou os cotovelos na mesa em sinal de confronto e ironia — Engraçado não é? Você podia desfrutar da desfrutável e sua filha não pode namorar...

— Primeiramente, Marina é minha filha e sei o que é melhor para ela. Segundo... — Colocou-se de pé — Não gosto que fale de Amélia na minha frente! Ela não é nenhuma desfrutável, como acabou de dizer. É muito mais decente do que várias damas que conheço.

— Certamente você não conhece muitas boas damas... — Marcelo caminhou em direção à sala e foi seguido de perto por ela.

— O que está fazendo aqui mesmo, Pia? Veio visitar as crianças, não é? — Olhou ao redor — Veja só, já foram para o colégio! Acho que sua visita acabou.

— Vim falar sobre nós e você sabe... — Cruzou os braços em frente ao corpo e ele a encarou com certa pena.

— A única coisa que tínhamos para conversar era sobre minha viagem. Você vai vir morar aqui com Marina e Júnior, eu continuo mantendo a casa de lá... O que mais há para ser dito? — Deu de ombros.

— Você vai mesmo abandonar tudo aqui por causa daquela mulher? — Insiste em tom de decepção — Seus filhos... Sua carreira nacional... Seus fãs... Tudo por causa de Amélia? Ela vale esse preço?

— Está falando como se ela fosse fugir comigo — Ironizou — Sabe muito bem que irei sozinho. Nada disso faz sentido.

— Está escrito na sua cara que essa viagem é um pretexto porque não aguenta mais viver tão perto dela sem poder tê-la — Afirmou com convicção e o encarando de maneira perversa — Você não se aguenta depois que veio para o Rio e a vê quase todos os dias. Não consegue saber que ela está tão próxima e não pode ser sua.

Marcelo travou o maxilar.

As palavras de Pia tocavam em sua alma com crueldade porque eram reais. Naquele instante, inclusive, não se aguentava de vontade de vê-la e tê-la em seus braços. Saber que poucos quilômetros os separava e ela estava solteira era tão tentador que chegava a doer fisicamente! Não conseguia lidar com o desejo de seu corpo e paixão que ardia em sua alma. Precisava dela.

— A visita acabou — Pontuou severamente e Pia notou a raiva brilhando nos olhos escuros do ex-marido — Acabou assim como nós. Que fique claro.

Deu-lhe as costas e bateu a porta de saída com força. Não seria fácil se desfazer da sombra de Amélia em sua vida mesmo que lutasse incansavelmente contra ela.

 


Capítulo Vinte e Seis

 

Marina esperou durante o tempo permitido antes de começar a aula, mas Fernando não apareceu. Olhou ao redor com certa descrença, sem compreender o porquê de o garoto ter faltado ao encontro que tinham todos os dias pela manhã desde que iniciaram o romance às escondidas.

Observou mais uma vez o visor do celular, porém nenhuma mensagem dele se mostrava presente. O “visto por último” tão pouco havia sido atualizado naquela manhã. Nada fazia sentido, por isso caminhou de volta ao complexo estudantil em direção a sua sala de aula. Jogou a mochila sobre a carteira e suspirou ao sentar-se.

— Bom dia Marina — Anita cumprimentou-a com um sorriso torto.

— Bom dia para quem?

— Ainda não resolveu aquele problema? — Anita sentou-se em sua carteira e a encarou com desconfiança.

— Já. Não estou grávida — O tom de alivio se fez presente em sua voz — Mas isso não significa que tudo está bem.

— É... Eu acho que não mesmo! O Nando estava com uma cara péssima no pátio — Suspirou sem mais pretensões.

— O Fernando estava na escola? — Quase pulou da carteira. Anita afirmou com um aceno — Bom saber que ele furou comigo de propósito.

— Furou? — Franziu o cenho.

— É... Ele não apareceu para me ver — Abaixou o olhar e suspirou — Deve estar chateado pela maneira como o tratei ontem.

— Isso é questão de pedir desculpas. Certamente ele irá compreender quando souber seus motivos.

Marina observou-a de canto de olho e nada disse. Não fazia parte de seus planos contar a Fernando sobre a gravidez que não aconteceu, apenas citaria que precisavam tomar atitudes. Vinham usando preservativo, mas pediria que lhe acompanhasse a um médico para se prevenirem de melhor forma. Não parecia certo se limitar a se preocupar com isso sozinha.

O primeiro período acabou e o sinal do intervalo soou.

Marina foi até o vestiário retirar a roupa de ginástica da aula de educação física e se viu sozinha após todas as garotas saírem correndo para curtir o tempo livre. Colocou de volta o uniforme convencional de calça, camiseta regata e tênis enquanto penteava seu longo cabelo loiro. Fernando ainda não havia visto o celular e estava decidida a caçá-lo pela escola nem que a missão fosse durar o intervalo todo.

Não precisou ir muito longe.

Ao sair do vestiário feminino deu de cara com o rosto bonito e o incrível par de olhos azuis que pertenciam ao garoto. Quase pulou com a surpresa e agarrou ainda mais a única alça da mochila que descansava em um de seus ombros. Ele a analisava como se pudesse ver sua alma, mas de maneira assustadora. Era quase como estar nua diante de uma multidão.

— Nando... — Sussurrou com o impacto.

— Oi pirralha — Disse em tom calmo — Demorei a te achar.

— Pensei que teria que te caçar. Era você quem estava fugindo de mim — Ajeitou o cabelo atrás da orelha e notou que tremia. Nunca antes teve tanto medo de alguém e sequer sabia o motivo.

— Estou aqui — Pontuou friamente — Pode me dizer o que quiser.

Marina corou e se aproximou dele ainda mais.

— Me desculpe por ontem, eu... Estava muito nervosa — Sussurrou em tom de súplica — Errei em te tratar daquela maneira.

— Você me tratou como antes — Referiu-se ao tempo em que apenas brigavam — E me impactou demais te ver recorrendo a minha mãe para resolver um problema.

— Amélia me ajudou muito — Garantiu nervosamente — Se não fosse por ela as coisas poderiam ter sido piores.

— Com certeza... — O tom dele a fez estreitar o olhar — Não tem nada que queira me dizer?

— Eu... — Começou sem saber o que dizer.

— Nada importante? — Aproximou-se ainda mais dela.

— Como o que?

— Você confia em mim? — Marina assentiu.

— Sim. Você é meu melhor amigo.

— Amigo? — O desdém se fez presente — É isso o que sou? Um amigo?

— Claro que não! Você é muito mais do que isso, mas também é meu melhor amigo... — Rebateu já nervosa com o que ele fazia — Quer saber? É melhor conversamos com mais calma depois. Pelo visto você está muito nervoso.

Marina ia saindo quando a voz dele a pegou de surpresa.

— Você não contaria ao seu melhor amigo se estivesse esperando um filho dele?

A menina se deteve quando ouviu a frase e sentiu o corpo todo congelar. Apertou os olhos ainda de costas para ele e respirou profundamente. Fernando sabia, afinal, de tudo que havia acontecido ontem. Virou-se em direção a ele lentamente.

— Sua mãe te contou? — Sussurrou de maneira hesitante.

— Ela me confessou em segredo algo que pensou ser inocente. Queria que eu descobrisse quem foi o irresponsável que quase te engravidou e desse um esporro nele... — Ironizou e Marina corou — Imagina como me senti ouvindo tudo isso da boca de minha mãe? Ela me xingando indiretamente e você me escondendo algo tão importante! As duas mulheres mais importantes para mim me fuzilando por todos os lados sem que eu soubesse o motivo!

Marina tapou o rosto com as mãos sem saber o que fazer e Nando se aproximou dela em passos certeiros e a encarou com o questionamento estampado.

— Me desculpe, eu não sabia o que fazer... — Não conseguia encará-lo da mesma forma — Fiquei desesperada e não queria te apavorar! Estava com medo de ser verdade e termos que abandonar os planos que fizemos... Você estava tão feliz com a possibilidade de irmos morar fora que o chão me faltou quando desconfiei que... Que eu podia estar... Grávida.

— E o que pensou que eu faria? — Esbravejou tentando se conter pelas pessoas que poderiam passar por ali. Marina jamais tinha visto Nando daquele jeito.

— Não sei, eu...

— Achou que eu te abandonaria? Que iria embora sozinho para o exterior e deixaria meu filho para trás? — O tom de indignação a faz abaixar os olhos e suspirar.

— Não sei qual seria minha reação, que dirá a sua, Fernando! Minha cabeça ficou cheia de coisas e pensamentos, não foi nada fácil encarar algo assim logo depois de termos... Você sabe... Começado nosso namoro de verdade! — Os olhos dele se comprimiram. Era como se não a reconhecesse.

— Eu não te fiz mulher para te abandonar, Marina — Sua convicção a envergonhou — Sempre te amei e sempre cuidei de você, mesmo quando não sabia sequer que deveria. Se você estivesse grávida pode ter certeza que eu te assumiria, assim como meu filho — Os olhos dela se encheram de lágrimas que se continham para escapar, mas em vão — Além disso, eu gostaria de ter um filho com você, mesmo que em tais condições. Eu gostaria, sabe por quê? — Apertou a mão em punho em sinal de raiva. Não gostava de vê-la chorando, muito menos de maneira tão sentida — Porque eu te amo... E te amo de verdade!

Fernando lhe deu as costas assim que disse as ultimas palavras e saiu caminhando em disparada de volta para o pátio. A menina não pensou duas vezes antes de correr atrás dele chamando por seu nome.

— Fernando! Fernando! — O garoto seguia caminhando em direção ao carro que o esperava — Espere! Aonde vai? Ainda não terminamos!

— Bom, eu já terminei — Respondeu ainda de costas para ela — Não tenho mais nada para falar com uma pessoa que não confia em mim.

Marina parou de correr quando Nando adentrou ao carro e fechou a porta com força. Definitivamente tinha sido um erro esconder dele o que havia acontecido. Definitivamente havia conseguido deixa-lo chateado. O pior de tudo foi olhar ao redor e reparar que a maioria das pessoas a encarava de maneira confusa.

A cena havia sido presenciada e, ao que parece, nada mais era um segredo.


O único lugar no mundo capaz de acalmar o coração de Amélia Romanov era o mirante e foi para lá onde se dirigiu ao primeiro sinal de calmaria em sua vida.

Fechou os olhos diante da leve brisa que soprava contra seu rosto e sentiu uma lágrima fujona deslizando em sua bela face. Não sabia o que fazer . Não conseguia decidir qual rumo tomar em sua vida, muito menos em quem podia confiar.

Ainda parecia uma mentira o fato de ter descoberto sua terceira gravidez em um momento onde tentava ajudar a filha do homem que amava. Não conseguia crer que o teste havia dado positivo e muito menos que saindo dali iria buscar o exame de sangue que realmente constatava a gestação. Sabia que estava grávida . Não havia sintomas antes da descoberta, mas agora já podia perceber leves enjoos a certos cheiros e um ligeiro cansaço tomando conta de seu dia-a-dia.

Enquanto o vento tocava seu corpo e sacudia seus cabelos ao redor da face, levou as mãos ao pé da barriga onde o bebê crescia.

Trinta e seis anos.

Dois filhos crescidos.

Recém-separada pela segunda vez.

Uma gravidez inesperada.

Mais um filho do amor de sua vida!

Agora não havia como escapar... Ettore saberia que a criança não era dele e assim que a noticia se espalhasse Marcelo juntaria as peças do quebra-cabeça. Não havia como correr, muito menos esconder! Lágrimas percorriam suas bochechas e os olhos cor de mel contemplavam o horizonte. Podia ver cenas dela e de Marcelo neste mesmo lugar há muitos anos e em alguns momentos visualizava também os vinte anos de tortura longe dele, criando sozinha uma vida de mentiras.

— Será que devo levar isso à diante? — Pensou enquanto analisava a barriga que ainda não evidenciava qualquer gravidez.

Se queria seguir em frente, abortar era sua única opção!

Apertou os olhos e pôde se lembrar com detalhes da alegria que lhe preencheu o peito quando Felipe, seu segundo filho, nasceu. Aquele sentimento certamente havia sido o mais poderoso de toda sua vida e o mais bonito também. Jamais amou tanto algo como amou instantaneamente aquele lindo bebê com os olhos iguais aos do pai.

Dar a luz a Felipe foi como eternizar seu amor de maneira única e inexplicável! O garotinho enérgico e risonho representava sua história, sua vida, seu maior tesouro... Era o que ele sempre foi.

Um tesouro escondido.

Amava Fernando incondicionalmente e daria a vida por ele, mas não podia negar que o amor que tinha por Felipe tinha um sabor especial pelo que o pequeno era... Seu maior tesouro. Jamais assumiria em voz alta, mas seu coração sabia. Nada mais importava quando um filho do amor de sua vida crescia em seu ventre.

Mesmo em meio ao caos, Amélia já amava essa criança.

Secou as lágrimas e sorriu para si mesma. Que droga havia feito... Como podia sequer cogitar desistir de uma vida por um mero capricho? Havia conseguido uma vez e conseguiria novamente, apenas precisava pensar.

Dirigiu até o laboratório e apanhou o resultado do exame.

Positivo para gravidez.

Sorriu ao abrir o envelope e voltou para casa ainda em meio a lágrimas. Chorar era inevitável, assim como se perguntar a todo o instante o que faria em tal situação. Precisaria explicar ao mundo de onde havia saído aquela pequena vida e a única alternativa era a verdade.

Mais uma vez se via sozinha em meio ao caos.

Mais uma vez estava grávida de Marcelo Ferrari.

Secou as lágrimas quando chegou em sua casa e viu o carro de Ettore estacionado no jardim. Lembrou-se que era dia de visita dele para Felipe e tentou ao máximo se recompor antes de entrar e vê-lo novamente. Não sabia ao certo se era um bom momento, mas teria de enfrentar. Desceu do veículo e o encontrou na sala de estar ao lado de Felipe. O garoto assistia televisão em silêncio enquanto o pai mexia no celular.

Felipe não pareceu se importar quando Ettore pediu para ficar sozinho com Amélia, ao contrário. Subiu de bom grado para seu quarto e os deixou para trás com o clima pesado em silêncio. Amélia não compreendia o motivo do pedido, mas aguardou enquanto o encarava em expectativa.

— Está tudo bem com você? — Questionou ao vê-la tão frágil.

— Sim, porque não estaria? — Deu de ombros. Os olhos vermelhos deixavam claro que havia chorado por muito tempo.

— Talvez porque algo aconteceu... — Aproximaram-se alguns passos — Algo como Marcelo Ferrari ir embora para sempre, quem sabe?

Estreitou o olhar em direção a ele e abraçou a si mesma. O sobretudo branco que cobria seu corpo parecia o melhor escudo naquele momento.

— Não compreendo aonde quer chegar.

— Também não compreende o porquê de você não ter corrido para os braços dele assim que nos separamos — Deu de ombros em uma atitude irônica — Sabe que analisando os fatos hoje em dia, chego à conclusão de que Pia tem razão? — Amélia abaixou o rosto em sinal de tédio — Você se casou comigo porque engravidou em uma noite que sequer me lembro, uma noite em que estávamos muito bêbados para contar a história. Você reclamava de um amor perdido, disse algo sobre um filho doente e se entregou para esquecê-lo. Depois que nos casamos ficou impossível de ter qualquer intimidade, você sempre disse que odiava sexo... Não faz sentido nada do que vivemos, Amélia.

— Não faz sentido nada desta conversa também, Ettore. Por favor, com licença.

Ia passando, mas ele a agarrou pelo braço com certo ímpeto. Amélia se deteve e o encarou com total perplexidade, estando a ponto de gritar pelos seguranças da residência ou talvez Fernando, que deveria estar no andar de cima.

— Não tenho como provar seu envolvimento com ele, mas te garanto que se escolher correr para Marcelo provará que me traiu durante todos esses anos e não deixarei barato! — Ameaçou em tom nervoso. Amélia puxou o braço do apertou dele e continuou sustentando o olhar forte sobre si.

— E qual seria seu grande plano?

— Eu tiro Felipe de você — Garantiu com muita convicção. Amélia sorriu sem humor.

— Ninguém tira um filho de uma mãe tão facilmente, Ettore. Por favor, seja menos ridículo!

— Isso é o que vamos ver, Amélia. Fui casado com você durante anos e meu pai é um ótimo advogado. O que o mundo dirá se souber que fui traído por você durante tanto tempo com seu melhor amigo? Sabe que se brigarmos na justiça será de igual para igual. Se eu fosse você, certamente não desejaria arriscar — Piscou para ela. A moça fechou a expressão e o encarou como se pudesse matá-lo apenas com a mirada — Passar bem.

Amélia apertou os olhos e levou uma das mãos a barriga.

Ettore era um produtor famoso e filho de um grande advogado de fama nacional. Seu ex-sogro era conhecido por não perder casos facilmente e ela sabia muito bem disso, uma vez que já havia usado seus serviços para muitos processos envolvendo sua carreira. Não seria fácil enfrentar qualquer coisa com ele na justiça, principalmente em um momento tão delicado!

Precisava pensar... Pensar... E pensar!

— Dona Amélia? — Uma das meninas que trabalhava na cozinha apareceu na sala limpando as mãos no avental.

— Sim querida... — Respondeu disfarçando as lágrimas.

— Queria saber se coloco um lugar a mais na mesa do jantar...

— Não. Ettore apenas veio visitar, não irá ficar graças a Deus! — Suspirou em alivio.

— Não estou falando por isso não, senhora. É pela filha de seu Marcelo — Explicou melhor.

— Como assim? Marina? — Questionou sem compreender e se aproximando da moça.

— Sim, a loirinha pequena. Ela chegou tem algumas horas e está lá em cima com seu Fernando — Amélia franziu o cenho — Disse que veio fazer um trabalho de colégio, mas eu não encontro os dois pela casa para perguntar se devo colocar mais um lugar. A menina vai jantar com vocês?

Amélia não sabia o que dizer, tão pouco encontrava explicações para a visita repentina de Marina a seu filho. Os dois mal se toleravam, afinal? Cruzou os braços em frente ao corpo e passou a pensar.

— Tem certeza que ninguém saiu da casa?

— Sim senhora. Apenas a senhora chegou e seu Ettore saiu, eu estava na cozinha trabalhando de frente para as câmeras — Garantiu — Procurei os dois por todo o lado, mas nada de achá-los. Às vezes estão fazendo uma travessura por aí — Sorriu em tom inocente.

— Certo... Sendo assim, coloque mais um lugar, por favor, querida.

— Sim senhora, com licença — Saiu de maneira educada.

— Toda — Amélia sentou-se a beira do sofá com um dos dedos apoiados no queixo e a maior expressão confusa do mundo — Visita sem avisar? Fernando e Marina? Sumiram dentro de casa? Ah não... — Apertou os olhos ao pensar um pouco mais profundamente — Não pode ser!

Suspirou para si mesma diante do que sua mente confabulava. Não parecia certo duvidar da índole de seu filho e de Marina, uma menina que viu nascer e crescer, mas seu alarme costumava soar poucas e certeiras vezes. Pensou por um minuto se deveria tirar a prova de sua desconfiança e não foi capaz de deixar passar. Se fosse apenas um engano de sua percepção, certamente não haveria problemas em ter investigado.

Mordeu os lábios quando se colocou de pé e caminhou até o pé da escada. Subiu em passos lentos ainda com a voz de sua empregada ecoando na memória... Marina e Fernando? Haveria possibilidade?

Subiu mais um pouco e parou diante da porta do quarto do garoto. Girou a maçaneta lentamente sem revelar sua intromissão e descobriu que estava trancada! Sorriu sem humor e um tanto chocada, constatando que sim , as chances realmente existiam! Não pensou duas vezes antes de ir até as chaves-reservas e apanhar a segunda cópia do quarto de Fernando.

Voltou até lá decidida e destravou a porta com maestria e rapidez. Para sua surpresa ambos não estavam no quarto, mas o barulho do chuveiro podia ser ouvido. A porta encontrava-se entreaberta e risadas eram perceptíveis lá dentro.

“Já que cheguei até aqui, irei até o final!”. Pensou consigo mesma enquanto caminhava até o banheiro.

Parou na porta e apenas observou o que seu subconsciente já havia anunciado... Marina e Fernando estavam sob o chuveiro totalmente nus e em uma situação que Amélia não quis observar demais.

— FERNANDO! — Gritou nervosamente sem compreender se seu tom de voz evidenciava desespero ou constrangimento.

— MÃE!

Isso não podia estar acontecendo!

 


Capítulo Vinte e Sete


Marina decidiu esperar até procurar Fernando novamente e a gota d’água foi quando não recebeu sequer uma ligação após três dias. O garoto não estava indo ao colégio devido aos jogos escolares dos veteranos e a agonia comprimia o peito de Marina toda vez em que pensava nele e nos erros que havia cometido.

Demorou muito para tê-lo e não o perderia de maneira tão tola!

Saiu do colégio e foi de maneira decidida até a casa dele naquela tarde, sem pensar duas vezes no que estava ou não a perder. Desembarcou do carro alugado e marchou até a porta, onde foi recebida por uma das meninas que trabalhava na casa.

Deu uma desculpa qualquer e subiu em direção ao quarto dele ser ter ideia de como seria recebida. Encontrou-o sentado no chão com o violão no colo e muitos papeis espalhados ao redor. Usava uma camiseta regata preta e um short da mesma cor. O cabelo negro contrastava com sua pele clara e a voz suave proferia a letra da música baixinho enquanto as cordas do instrumento sacudiam pelo quarto.

Um anjo do céu
Que trouxe pra mim
É a mais bonita, a joia perfeita...

A famosa música ecoava em seus ouvidos de maneira emocionante. Lembranças de sua infância assolavam sua mente de maneira intensa, principalmente quando chegou ao refrão e Fernando notou ali sua presença.

— Marina? — Parou de tocar assim que a viu e não pôde evitar um sobressalto — O que está fazendo aqui?

— Te escutando... — Comentou adentrando ao quarto em passos lentos — Posso?

— Claro... Feche a porta — Pediu ainda surpreso e sentando no mesmo lugar.

A menina fez o que ele pediu e seguiu em sua direção. Largou a mochila no chão e se acomodou em frente a ele de maneira nervosa e um tanto acanhada.

— Eu adoro essa música... Lembro-me de quando era pequena e meu pai...

— Seu pai cantava essa música para você enquanto te fazia dormir. Às vezes ele tocava no violão também — Marina sorriu perante as palavras de Fernando e abaixou o olhar de maneira envergonhada.

— Não sabia que você se lembrava disso.

— Lembro-me de quase tudo em relação a você — Os olhares de ambos se cruzaram de maneira pesarosa. Marina sentia vergonha e ele um tanto de arrependimento — Porque veio?

Voltou a dedilhar as cordas do violão e uma doce melodia era espalhada ao longo do quarto.

— Porque estava com saudade — As palavras dela o pegaram de surpresa — Estava me agoniando ficar longe de você e... — Apertou os olhos como se percebesse as besteiras que dizia. Suspirou — Vim me desculpar por ter escondido sobre a possível gravidez de você. Eu não tinha esse direito — O encarou seriamente e Fernando sustentou seus olhos castanhos. Parecia analisá-la com detalhes — Tenho certeza que você não me abandonaria com a criança e sempre estaria ao meu lado. Foi isso que sempre fez durante a infância e agora que nos reencontramos... Sempre esteve ao meu lado mesmo brigando o tempo todo.

Marina sorriu de canto e lágrimas inundaram seus olhos diante do pequeno sorriso de Fernando.

— Me desculpe também — Deixou o violão de lado e se aproximou dela de modo a tocá-la no rosto — Fui um idiota por não ter pensado em nos proteger de uma situação assim. Fiquei muito nervoso quando finalmente aconteceu e envolvido com tudo aquilo... Deixei passar. Sempre sonhei em ficar com você e acabei fazendo tudo da pior maneira.

— Não foi assim. A culpa também é minha. Também sabia o que poderia acontecer — Deu de ombros.

— Me desculpe por ter tratado você daquela maneira rude. Fiquei muito nervoso por saber as coisas por minha mãe... Ela fala de um jeito terrível, sabe como é — Os dois gargalharam baixinho.

— Meu pai sempre diz que tia Amélia é uma atriz tão requisitada por ser a rainha do drama.

— E ele tem toda razão!

Fernando beijou Marina após um abraço apertado após tanto tempo sem qualquer demonstração de afeto. Era incrível a forma como nada no mundo importava quando estavam juntos e dispostos a tudo para serem felizes.

Passaram a tarde juntos tocando violão e vendo filmes e sequer notaram a chegada de Amélia a casa. Fernando estava acostumado a passar as tardes ali com Marina na companhia das empregadas, que nunca demonstraram estranhamento com a estadia da filha de Marcelo. Beijaram-se. Namoraram. Mataram a saudade em meio a carícias e fizeram amor de maneira segura na cama de Fernando. Não havia nada mais satisfatório do que reatar após uma briga com uma incrível tarde de paixão. O dia terminou no chuveiro e com uma grande e terrível surpresa.


Amélia não podia crer na cena a sua frente.

Tudo ainda parecia muito surreal para ser levado a sério, principalmente a expressão repleta de vergonha de Marina e Fernando sentados na cama do garoto com os cabelos úmidos e envoltos por roupões. Ambos não sabiam o que fazer diante do silêncio e da indignação demonstrada por Amélia.

— Você não vai dizer nada mãe? — Fernando disse encarando-a de baixo. Marina não conseguia sequer encará-la.

— Desde quando isso vem acontecendo de baixo de nossos olhos sem que saibamos? — As palavras de Amélia eram secas e seu olhar avaliador.

Os jovens se entreolharam e ficou a critério dele respondê-la.

— Faz pouco tempo, eu juro — Nando falou rápido.

— Desde a viagem para a casa de campo, tia — Marina respondeu mais enfaticamente. Apesar do constrangimento gigantesco, era um peso a menos terem sido descobertos.

— Vocês tem certeza? — Questionou com a voz enfática — Não quero mais mentiras.

— Sim mãe. Não estamos mentindo... Até porque nós ficamos muitos anos sem contato um com o outro.

— Imagino o estrago que teria sido se tivessem tido mais tempo — Sussurrou para si mesma — Estou muito decepcionada com os dois! Fernando, você é meu filho! Pensei que nossa relação fosse baseada no respeito e na confiança... E você, Marina... Eu te vi nascer! Te ajudei por esses dias sem ter a noção de que aquele bebê que nunca existiu podia ser meu... Meu neto!

Amélia sorriu sem humor e cobriu os lábios com as mãos. Deixava claro que estava realmente chateada.

— Mãe, me desculpe... — Nando sussurrou com tristeza.

— Nós estávamos com medo da reação de meus pais, tia. Meu pai por ser protetor demais comigo e minha mãe por que... Bom... Ela não gosta de você — Explicou calmamente e um tanto nervosa.

— Nós demoramos anos para confessarmos que éramos apaixonados um pelo outro e tínhamos medo de que estragassem tudo, entende?

Amélia ergueu os olhos e encarou o filho ao lado de Marina. Como não notou antes? Ambos pareciam realmente apaixonados e muito conectados durante todo o tempo. Os olhos dela brilhavam para ele e Fernando não conseguia disfarçar o modo como queria protegê-la. Via a si mesma anos antes, mas sem a coragem de arriscar.

— Então quer dizer que aquelas brigas todas eram apenas uma desculpa para chamarem atenção um do outro? — Nenhum dos dois nada disse — Desde pequenos vocês dois nunca se deram bem e hoje vejo uma cena desta... Imaginam como me sinto? — Ambos abaixaram o olhar — Me sinto traída. Jamais teria sido rude com vocês ou contrária qualquer relação!

— Me desculpe mãe — Nando sussurrou.

— Confesso que é um choque ver a filha de Marcelo namorando meu filho — Disse mais para si do que para ambos. Estava nervosa e um pouco descontrolada emocionalmente devido à gravidez — Depois de tantos anos...

— Porque em choque? Pensei que não iria se importar já que gosta muito do tio Marcelo — A observação de Nando a fez se colocar de pé.

— Ainda estou muito abalada, mas a partir de agora as coisas serão feitas da maneira correta, mocinhos! — Desconversou — Nós todos iremos conversar antes de Marcelo ir embora.

— Não tia, por favor! — Marina se colocou de pé com as mãos unidas como se orasse — Não conte nada ao meu pai! É capaz de ele querer me levar para os Estados Unidos com ele se souber que tenho um namorado e da coisa toda!

— Não se preocupe. Não irei contar a Marcelo sobre o que houve na semana passada e muito menos sobre qualquer coisa que tenha visto — Referiu-se ao flagra no banheiro — Apenas que vocês dois estão namorando. Na verdade, vocês mesmo irão dizer.

Marina e Fernando se entreolharam.

— Ela está certa. Nós precisamos contar logo.

— É claro que estou — Amélia pontuou de maneira severa — Vocês tem uma semana para armarem o encontro aqui em casa. Marina, diga a seu pai que o convidei e venha com ele quando estiver pronta.

— E se ele não quiser vir?

— Se disser que eu convidei certamente ele virá! — Garante com sua postura elegante de sempre — Ainda estou muito decepcionada com os dois e espero que daqui para frente às coisas sejam feitas com maior responsabilidade.

Amélia ia saindo quando Fernando a chamou novamente.

— Mãe? — Virou-se em direção ao filho — Será que a minha namorada pode ficar para o jantar?

Amélia tentou não sorrir, mas foi em vão. Suspirou em sinal de derrota e concordou.

— É claro. Já existe um lugar para ela em nossa mesa — Piscou um dos olhos para Marina antes de sair definitivamente.

Desceu as escadas em direção à sala sabendo que a noticia do namoro de Fernando com Marina não seria bem recebida por todos. Ela mesma, inclusive, sentia arrepios em sequer imaginar que ambos poderiam ter sido irmãos por muito pouco!

Sentou-se a beira do sofá e cobriu o rosto com as mãos enquanto raciocinava sobre o ocorrido. Graças a Deus tinha plena certeza de que Fernando era filho de Abner! Graças a Deus o garoto era o retrato vivo do genitor e não existia a possibilidade de ser filho de Marcelo. Do contrário, certamente estaria se descabelando após presenciar a cena que flagrou. Não podia negar que era estranho ser sogra da filha do homem que amava. Aquela garota por pouco também não foi sua filha... A situação toda era demasiadamente estranha, mas obviamente Fernando e Marina não tinha ideia do que aquilo significava para ela, Marcelo e Pia.

Suspirou quando conseguiu organizar os pensamentos.

Se ambos eram apaixonados, quem era ela para impor qualquer coisa ao filho? Não podia negar que gostava muito de Marina e estava – no fundo – feliz pelo namoro dos adolescentes. Apoiaria o filho e faria de tudo para defendê-los se realmente se gostassem. Havia sido um baque, mas certamente passaria. O mais importante era que Fernando fosse feliz e tivesse ao lado uma mulher que verdadeiramente amassa.

A essa altura da vida Amélia sabia que a única e mais valiosa coisa que existia era o amor. Somente o amor era capaz de tornar uma pessoa verdadeiramente feliz, seja lá pelo quê tal sentimento seja direcionado.

Levou uma das mãos ao ventre em reflexo. O amor trouxe aquele bebê até ali. O intenso e grande amor que nutriu a vida toda às sombras pelo pai de sua nora.

Não seria capaz de abortar aquela criança.

Não seria capaz, jamais, de sequer pensar em recusar um filho do homem de sua vida.

Manteve-se discreta durante o jantar com os filhos e Marina, no entanto, quando Felipe se retirou para dormir, propôs um brinde com champanhe na sala para comemorar brevemente o novo romance que nascia. Nunca viu Fernando sorrir tanto, tão pouco Marina tão aliviada. Seu apoio era realmente importante para eles.

Quando foram se despedir, apertou a menina um pouco mais em seus braços para sussurrar em seu ouvido...

— Você contou ao Fernando sobre minha gravidez?

Marina prolongou o abraço com um sorriso enquanto o namorado abria a porta de saída.

— Não, tia. Eu jamais contaria seu segredo — Murmurou quase que imperceptivelmente.

— Continue assim. Obrigado.

 

Finalmente Amélia podia dizer que tinha uma verdadeira amiga.


Marcelo sentia como se parte de seu coração estivesse ficando para trás, mas não sabia explicar ao certo o porquê de tal sentimento.

Podia dizer que se tratava de seus filhos, no entanto estava seguro que tanto Marina quanto Júnior iriam ficar bem e em breve estariam vivendo ao lado dele no exterior. Era uma questão de tempo. Podia citar, também, Amélia, o amor de sua vida, mas a certeza de que jamais a teria como sonhava já quase o conformava. Não adiantava ficar. Não adiantava lutar... No entanto a sensação não lhe abandonava um só segundo.

Era como se um segredo lhe rondasse como uma sombra.

Encarou-se no espelho uma vez mais antes de Marina aparecer ao seu lado na imagem refletida. A filha estava belíssima usando um delicado vestido rosa e sorria sem muito humor enquanto se encaravam na imagem.

— Você está um gato, papai — Suspirou com certo desânimo.

Adentrou ao quarto e se aproximou dele de modo a ir ajeitar a gravata cinza que Marcelo usava em conjunto com o colete, a camisa e a calça alongada. Brilhava como um diamante novo e reluzia como um artista de cinema, exatamente o que seria dali para frente, após os seriados.

— E você, como sempre, está como uma verdadeira princesa — Beijou a testa da menina com carinho e devoção. Marina sorriu quando se encararam — Ultimamente muito mais feliz, diga-se de passagem. Existe algo que eu deva saber?

Já havia notado Marina o rondando há algum tempo em busca de dizer algo, mas devido aos preparativos da viagem não pôde se dedicar muito a descobrir o que era. Ela parecia ter medo do assunto e ele ainda mais de descobrir o que era, por isso não insistiu e se resguardou. Até ali.

— Na verdade... — O encarou seriamente — Precisamos ter uma conversa antes que você vá.

— Como assim, querida? Partirei após a festa de despedida... Amanhã estaria em Miami — Marina perdeu a cor diante das palavras.

— E você decidiu isso agora? — Esbravejou.

— Não, apenas não fiz questão de contar antecipadamente para evitar despedidas prolongadas. Sabe que eu...

— Odeia despedidas. Sim, eu sei — Completou a frase dele enquanto Marcelo ajeitava as mangas da camisa. Apoiou as mãos nos quadris e suspirou encarando seu vestido rosa claro — Então precisamos conversar na festa.

— Porque não agora Marina Gabriela? Ainda tenho alguns minutos — Colocou o smoking negro e o ajeitou perfeitamente ao corpo.

— Porque tem uma pessoa que precisa participar da conversa. Alguém muito importante e com quem espero que seja receptivo — Marcelo girou os olhos em sinal de ironia e torceu os lábios.

— Sabe o que penso sobre namoro na sua idade. Você não tem permissão! — Pontuou terminando de se arrumar e sem dar muita importância — Acredito que saiba perfeitamente como me portaria diante de qualquer situação, então não me cobre.

— O senhor acha mesmo que eu nunca beijei? — O seguia pelo quarto — Que eu nunca...

— Definitivamente espero que não! — Alterou o tom de voz e a menina cruzou os braços em frente ao peito — Não é uma boa hora para falarmos sobre isso. Você só tem dezessete anos.

— Eu já tenho dezessete anos! — Corrigiu — E você, papai... Você já tem um genro!

Marcelo se deteve e apertou os olhos nervosamente.

— Essa palavra não existe antes que você termine sua graduação e não quero mais nenhuma menção sobre o assunto.

— Mas sou uma menina como qualquer outra... Não sou feita de cristal, papai! — Marcelo esbravejou.

— Assunto encerrado Marina Gabriela. Não me obrigue a te arrastar comigo para o exterior.

Marina se deteve e apenas o encarou sem conseguir dizer qualquer palavra. Viu o pai descer as escadas e se pegou com uma enorme vontade de chorar, mas sabia que ainda existia a cartada final. Amélia Romanov estava sendo uma ótima sogra e aliada. Seu pai era devoto da opinião dela e certamente a escutaria de alguma maneira.

Respirou profundamente para não chorar e borrar sua produção e desceu as escadas em direção ao carro. Não podia desistir agora.

Chegaram ao local da festa, uma incrível casa de praia em Búzios, e foram recebidos por uma grande equipe de evento social. Definitivamente Antonieta havia transformado a festa de despedida de Marcelo em um evento top daquele ano! A imprensa estava por lá em peso com vários fotógrafos e repórteres na porta, incluindo cobertura ao vivo dos convidados que chegavam. Muitos atores e atrizes que faziam parte de sua trajetória estavam lá para prestigiar sua despedida na televisão nacional e a nova carreira no exterior. Marcelo não podia deixar de se sentir especial e privilegiado por receber os cumprimentos de tantos colegas consagrados e que o adoravam.

— Você sempre se supera... — Comentou após cumprimentar Antonieta com dois beijos no rosto.

— Você merece depois de toda contribuição que deu as novelas e ao cinema deste país — Entrelaçou o braço no dele com carinho — Ainda estou esperando que se arrependa de partir, por outro lado.

— Porque insiste tanto que eu fique Antonieta? Não é um negócio proveitoso para você fechar o meu contrato? — Ela deu de ombros — Não compreendo porque sempre me pergunta se estou seguro.

Ambos pararam de caminhar em frente a uma porta de vidro que exibia o mar. No salão os convidados bebiam champanhe e apreciavam o finíssimo Buffet. A ruiva tomou a mão de Marcelo na sua e o encarou fixamente. Parecia uma fada de filmes de ficção usando um vestido lilás com detalhes mais claros e paetês em contraste com o cabelo cor de fogo. Definitivamente moda não era seu forte!

— Te pergunto isso porque você é um profissional que trabalha com o coração e sei que não funciona se seu talento não vier daqui — Apontou para o centro do peito dele.

— Me dedicarei ao trabalho com meu coração... Vai ser como sempre fiz — Assegurou um tanto hesitante.

— Como irá trabalhar com o coração se ele ficará preso aqui no Brasil? — Marcelo engoliu em seco e se moveu desconfortavelmente. Por acaso do destino enquanto ouvia as palavras dela avisou Amélia adentrado ao salão trajando um incrível e estonteante vestido branco. Parecia um anjo flutuando entre os convidados enquanto sorria e acenava de braços dados com o filho mais velho. O cabelo cor de ouro esvoaçava ao seu redor com frescor e sensualidade. Linda. Maravilhosa. Todo seu coração — Pode dizer o que quiser, mas a energia que te move vem de Amélia. Ela é o centro da sua vida e mesmo quando estavam em estados diferentes à vida seguia conectando-os — Os olhos de Marcelo encontraram os de Antonieta em sinal de total desespero. Tudo o que aquela mulher dizia era verdade, por isso levou as mãos ao rosto dele e o fez encará-la — Como você irá viver sem ela?

— Sete mil e trezentos dias — Sussurrou com os olhos tomados por lágrimas — É esse o tempo que vivi sem ela. Vinte anos. O tempo em que fiz tudo o que um homem podia ter feito pelo amor de uma mulher.

— Sete mil e trezentos dias... — Antonieta repetiu a quantidade com certa surpresa — Acha que isso é significativo perto do que ainda está por vir?

— Como assim?

O encarou firmemente.

— O que são sete mil e trezentos dias perto do resto de sua vida?

 

 


Capítulo Vinte e Oito

 

Amélia não podia dizer que não tentou, uma vez que buscou uma oportunidade de falar com Marcelo durante toda a noite, mas completamente em vão. Parecia se tratar de uma missão de vida se esquivar dela o máximo que podia.

Conteve as lágrimas quando o viu se despedindo de vários colegas da emissora a qual serviam durante anos, notando ali a seriedade da situação. Quantas vezes já havia visto Marcelo Ferrari partir? Sabia perfeitamente como era aquela sensação desesperadora lhe assolando o peito e tal fato a sufocava. Nunca imaginou voltar a sentir o que um dia considerou a pior coisa de sua vida.

Trancou-se no banheiro durante alguns minutos para conseguir se controlar e manter seu disfarce. Já começava a ser acometida por grandes enjoos e fadigas familiares da gestação. Tudo se tornava ainda mais difícil quando se lembrava de tal detalhe, afinal. Encarou-se no espelho do banheiro por alguns segundos antes da porta se abrir e por ela entrar Pia. A encarou pelo reflexo do espelho e imediatamente começou a secar as mãos para sair do local.

A ex-mulher de Marcelo encontrava-se linda em um vestido prateado e com uma carregada maquiagem. O cabelo loiro descia até os ombros magros e um grande ar de superioridade a rondando pelas beiradas. Parada na porta do banheiro impediu que Amélia seguisse seu caminho até o lado de fora com certa urgência.

— Com licença? — Amélia sussurrou com educação e um sorriso falso. Por dentro queria gritar.

— Deve estar se perguntando o porquê de tal sorriso, uma vez que também ficarei sem ele... — Colocou a bolsinha que carregava embaixo de um dos braços. Amélia apenas revirou os olhos e seguiu ouvindo-a — Eu sempre soube que Marcelo não seria meu, mas nunca tive certeza que não seria seu . Hoje, nesta noite maravilhosa, comemoro a despedida de você de nossas vidas! Se eu não o tive, você também nunca o terá!

A vontade de Amélia era voar no cabelo dela e iniciar uma briga, porém, devido a sua gravidez se resguardou e respirou profundamente com o máximo de calma que poderia guardar no coração.

— Com licença — Repetiu com um aceno educado e usando suas habilidades artísticas para fingir um sorriso.

Nunca havia atuado tanto quanto naquela noite .

Caminhou entre as pessoas após se desvencilhar de Pia e não pôde conter algumas lágrimas de rolarem em seu rosto. Secou-as com leves batidas na bochecha e apenas parou quando saiu do salão para uma área mais isolada.

Tremia, mas não pelas palavras de Pia, e sim pela realidade atrás delas.

Ela jamais o teria .

Apanhou um cigarro dentro da bolsa e, mesmo sabendo que era completamente errado por conta de sua recente gravidez, colocou-o entre os lábios e acendeu por alguns minutos. As lágrimas rolavam em sua bochecha conforme tragava e a culpa comprimia seu coração. Culpa por fumar estando grávida. Culpa, mais ainda, por ter deixado a vida lhe roubar seu grande amor. Culpa por ter sido tola...

Jogou o cigarro fora antes da terceira tragada e colocou entre os lábios um apagado. A culpa, neste caso, diminuía. Não queria destruir uma das poucas coisas dele que lhe restavam, queria?

— Acho que você precisa de fogo...

Deteve-se quando a voz familiar ecoou ao seu lado no jardim vazio.

Virou-se para Marcelo e o encarou profundamente com os olhos avermelhados. Era inegável e muito perceptível que até ali se encontrava em prantos. Adaptou-se a seu olhar mais serio e negou com um aceno.

— Você sabe que eu não fumo de verdade.

— Mentira — Respondeu no mesmo momento, quase que sobre as palavras dela — É tudo uma desculpa para encobrir a verdade. Você fuma para se lembrar, assim como eu, e mente para fugir, assim como eu.

Marcelo acendeu seu próprio cigarro e aproximou-se dela vagarosamente. Amélia apenas o encarava sem ter qualquer ideia do que fazia diante da situação. Queria chorar, esmurra-lo e beijá-lo, tudo ao mesmo tempo.

— É você quem está fugindo... Não sou eu quem está indo embora — Amélia jogou o cigarro apagado fora e caminhou para longe dele. Marcelo a alcançou com rapidez e a tomou pelo braço com certa pressa.

— Estou indo porque você nunca fez nada por mim, muito menos pelo nosso amor.

A loira puxou o braço com severidade e sorriu com ironia. As lágrimas inundavam seus olhos com força ao pensar em Felipe e no novo bebê.

— Está aí uma coisa que certamente você não tem o direito de dizer.

Não soube dizer quem os interrompeu, apenas se pegou sozinha novamente após um olhar gélido e enigmático vindo da parte de Ferrari. Os olhos arderam em lágrimas e a vontade de ir embora a dominou como nunca. Decidiu fazê-lo. Não precisava estar ali para vê-lo partir de maneira tão boba e fria. Retornou ao salão com o intuito de apanhar seus pertences, mas foi surpreendida por Marcelo no palco ao lado de Antonieta, a anfitriã do grande jantar.

A ruiva, sempre tão cordial e receptiva, pediu para que o amigo dissesse algumas palavras antes de efetivamente partir. Nando e Marina encontravam-se sentados na mesa junto de Amélia e a menina assistia ao pai com lágrimas nos olhos. Disseram algo sobre “não terem conseguido interceptá-lo facilmente”, mas Amélia tão pouco conseguiu compreender.

Continuou de pé enquanto encarava o palco sem saber ao certo por que.

— Quero que me diga o que ficou em seu coração... O que vai ser daqui por diante... E, claro, agradeça a quem quiser. A quem te marcou. A quem foi importante — Os olhos de Antonieta se dirigiram a Amélia e Ferrari pôde localizá-la em meio à multidão.

A luz brilhou sobre ele no palco e o sorriso morreu em seus lábios quando contemplou o amor de sua vida entre os demais.

Jornalistas fotografavam.

Câmeras gravavam.

Seus amigos e familiares assistiam.

Mas nada no mundo era como aquele olhar.

Talvez essa fosse sua última oportunidade de dizer... Talvez essa fosse sua última vez encarando pessoalmente os olhos cor de mel mais encantadores do planeta.

A garganta secou quando o silêncio tomou conta do local para ouvirem-no. Ferrari, acostumado aos holofotes, não sabia o que dizer e como se comportar. Era puramente dirigido por suas emoções e o peito fervilhava em várias delas. Levou o microfone aos lábios e simplesmente soltou o que havia de mais real em seu coração.

— Sete mil e trezentos dias ... O que esse tempo significa para vocês?

O coração de Amélia disparou instantaneamente e seu corpo perdeu as forças. Já não podia simular estar bem.

— Para alguns talvez signifique o tempo de uma vida... Para outros, apenas parte dela. Para os mais afortunados, significa um casamento. Para os menos afortunados, quem sabe, uma pena na prisão? — As pessoas o encaravam em busca de compreender algo que fazia sentido apenas para uma pessoa naquele local... Amélia — Sete mil e trezentos dias, ou melhor, vinte anos , para mim significaram um grande escuro, uma grande treva e um tempo triste em que passei tentando adivinhar onde foi que errei.

Lágrimas caíram pela bochecha de Amélia enquanto ouvia cada palavra.

— Hoje muitos me olham em cima deste palco em meio a uma festa tão bonita e me julgam uma pessoa de sucesso. Avaliam meus bens e minha carreira e pensam que sou alguém que chegou ao topo , mas mal sabem eles que passei os últimos sete mil e trezentos dias esperando uma felicidade que jamais chegaria — O silêncio no salão era quase palpável — Uma felicidade que se perdeu no passado devido a escolhas erradas.

— Do que é que seu pai está falando? — Fernando sussurrou ao ouvido de Marina.

— Também gostaria de saber — Respondeu com o cenho franzido e a expressão atordoada. Jamais havia ouvido Ferrari falando daquela maneira.

— Hoje posso dizer que minha maior conquista está muito além de uma carreira ou um contrato. Além de meus queridos filhos, o meu bem mais precioso é aquilo que carrego aqui dentro — Colocou a mão sobre o lado esquerdo do peito — Algo que viveu por muitos anos às sombras como um segredo profundo. Me pego pensando, talvez, se é justo que um sentimento desta magnitude seja por tanto tempo enterrado.

Fernando e Marina encaravam Amélia neste momento. A loira chorava copiosamente mesmo que não fizesse qualquer barulho. As lágrimas fluíam dos olhos cor de mel com tamanha facilidade que para a dupla de jovens tudo começava a fazer sentido. Fernando levou uma das mãos ao rosto em sinal de descrença e Marina separou os lábios quando finalmente começou a concluir o que o amado já havia notado.

— Por fim — Marcelo soltou uma risadinha para disfarçar seus olhos castanhos tomados por lágrimas que custava a conter — Gostaria de agradecer aos meus amigos presentes e meus filhos por tanto amor. Marina e Júnior, vocês são o meu único motivo para continuar. Daqui para frente, amigos, desejo encontrar todos vocês brindando nas areias de Miami.

Marcelo ergueu uma taça de champanhe que havia na mesinha a sua frente e sorriu ainda tristemente. Amélia secou as lágrimas abaixo dos olhos e cobriu o rosto com as mãos. Antonieta desceu do palco em direção a ela enquanto Marcelo terminava de se despedir para ir em direção ao carro que o levaria para o aeroporto.

— Amélia! — A ruiva a chamou com entusiasmo — Ele está indo... — Anunciou ao aproximarem-se. A essa altura grande parte dos convidados já notava certa tensão entre ambos.

— Antonieta, eu...

— Você vai atrás dele! — Agarrou os pulsos de Amélia — É sua última chance, me escuta... Pare de pensar nos outros ao redor e pense em você nem que seja uma vez !

Amélia acompanhou Marcelo com o olhar.

O viu abraçando alguns amigos e indo em direção à porta. Em meio há esse tempo muita coisa se passou em sua cabeça, principalmente as palavras de Ettore.

Se eu descobrir que você me traiu com Marcelo durante todo esse tempo tiro Felipe de você!

E as de Pia.

Se Marcelo souber o tamanho do segredo que você esconde dele há tantos anos, jamais irá te perdoar! Ele nunca deve saber!

Encarou o olhar perplexo de Marina e Fernando em direção a elas e ao vê-los soube exatamente o que deveria fazer. Lembrou-se deles naquela época de juventude enquanto os encarava e não conseguiu esconder a emoção.

Caminhou em direção ao palco com o coração na boca e subiu as escadas sem hesitar. Apanhou o microfone de cima da mesinha e passou a falar de maneira que atraiu a atenção de todos logo na primeira frase.

— Sete mil e trezentos dias... Quanto tempo isso significa para você ? — Repetiu a frase de maneira impactante. Todos se viraram em direção a ela, inclusive Marcelo, que já quase saia do salão, mas retornou um tanto desacreditado.

— Para mim significam vinte anos perdidos nas sombras, mas que eu não trocaria por nada pelo simples fato de um dia ter amado verdadeiramente — Dizia olhando fixamente para Marcelo — Há vinte anos eu era uma moça boba que se apaixonou perdidamente por um rapaz loiro, forte e boa pinta que fazia aulas de teatro comigo. Vivemos um romance de novela antes mesmo de encararmos qualquer protagonista e nos tornarmos dois grandes atores. Aprendemos a amar e conhecemos o amor de maneira marcante, algo tão poderoso que nem sequer sete mil e trezentos dias puderam apagar. Há vinte anos, em meio a toda essa fantasia, fizemos escolhas erradas e deixamos a ambição e as circunstâncias nos separarem. Por acaso do destino, fugindo de um casamento, acabamos nos envolvendo em histórias paralelas que nos levaram para onde desejamos deixar para trás... Tivemos filhos com outras pessoas, nos envolvemos e criamos histórias lindas, mas que na verdade nunca foram reais. O real de verdade era aquilo que sempre morou em nosso coração.

Amélia suspirou pesadamente e apertou os olhos.

— Hoje, contemplando o que talvez seja a última chance de viver algo real com o amor de minha vida, pergunto-me o que vem rondando minha mente desde que o destino se encarregou de nos reencontrar — Encarou-o com ainda mais intensidade — Será tarde demais para recuperar o que ficou há sete mil dias atrás Marcelo? O destino vem me dando provas de que não, mas somente nós dois podemos responder tal questão... Hoje, aqui — Descia as escadas em direção a ele e todos a assistiam em silêncio. Ambos ficaram rosto a rosto quando se encontraram em meio ao salão — Eu te peço pela primeira vez... Não vá embora. Fique comigo. Eu, Amélia Romanov, continuo te amando como te amava há vinte anos. Perdoe-me por ter sido idiota até hoje... Errei em escolher te deixar e, principalmente, ao sequer cogitar que poderia viver sem você. Eu te amo .

Amélia abaixou o microfone dos lábios desde que desceu do palco e se limitou a encará-lo de modo a demonstrar toda sua verdade.

— É real tudo isso Amélia? — A voz dele sussurrou no que lhe restava de fôlego — Depois de tanto tempo...

A loira deu de ombros.

— É a única verdade, Marcelo. Eu nunca fui feliz e tenho certeza que jamais serei completa sem você — Sussurrou aproximando-se ainda mais dele — Não posso, não quero e não consigo mais viver sem você. Por favor, não vá!

Marcelo abriu os braços para recebê-la quando se lançou em seus braços sem hesitar. As lagrimas de Amélia contra o ombro forte evidenciavam o desespero oculto por todos esses anos e a dor que a mesma sentia somente de pensar ficar sem ele. Marcelo a apertou contra o peito e não pôde evitar cair em lágrimas também.

Aquilo tudo soava como um sonho. Aquilo tudo parecia ser irreal!

Beijou-lhe o cabelo com delicadeza e suspirou em alivio. Era como esvaziar sua alma tirando de dentro do peito toda a dor de vinte anos.

Amélia finalmente dizia que o amava. Finalmente deixava os medos de lado. Finalmente, depois de vinte anos, ele a tinha em seus braços por completo.

— Você irá ficar? — Encarou-o de baixo com os olhos molhados.

Marcelo lhe tocou o rosto com carinho e lhe beijou a testa com emoção.

— Não poderia ir a nenhum lugar sem que meu coração ficasse preso por aqui. Ele não ficará longe de mim nem mais um dia depois de tantos anos.

 

 


Capítulo Vinte e Nove

 

Você não pode fugir do amor por muito tempo, mesmo que este tempo dure algo como vinte anos.

Acredite que a vida não vale a pena quando futilidades penetram em seus objetivos de maneira a superarem a presença de alguém que te fará feliz. Parece besteira, mas realmente não é! Perdi tempo demais me deixando levar pelo orgulho, pelos alheios e pela vaidade ao invés de me entregar verdadeiramente ao amor. Perdei não um dia, mas tempo suficiente para saber que metade de minha vida foi em vão.

Marcelo girava em seus dedos a carta que encontrou no quarto de Amélia enquanto ela dormia nua no centro da grande cama de casal. Existiam fotos deles anexas à carta da primeira gaveta da penteadeira e ela havia mencionado algo sobre antes de apagar em sono após o amor.

“Se eu não te amasse tanto assim” era uma das músicas favoritas dela e estava rabiscada no verso de uma foto que estava dentro da caixa. A foto era um retrato de ambos no balanço da casa dos pais dela quando eram adolescentes.

O coração pode ser um inimigo às vezes. A carta seguia e Marcelo percebeu que se tratava de um monologo dela para ela. O coração pode enganar, mas jamais ser enganado. Busquei enganar o meu diversas vezes, mas nada surtiu efeito. Ele é muito mais sábio do que parece e bem superior a mim.

Em uma das fotos Amélia aparecia posando com uma enorme barriga de grávida e um enorme sorriso no rosto. A foto estava remendada com durex após ter sido rasgada ao meio e o nome gravado com tinta azul na barriga dela era o de Felipe. Marcelo virou o retrato e encontrou algumas palavras.

Nunca estaremos completos .

— Nunca estaremos completos? — Sussurrou para si mesmo enquanto franzia o cenho e olhava novamente para a bela fotografia.

Encarou-a novamente sobre a cama e reuniu as fotos dentro da caixinha para voltá-la ao seu lugar. Caminhou para a cama e sentou-se ao lado da adormecida enquanto a luz da manhã começava a invadir o quarto onde se amaram durante toda a noite após a festa.

Obviamente não foi embora.

Obviamente voltou para casa com ela sem dar satisfação a ninguém.

Não queria e tão pouco devia.

Embriagados de amor e felicidade ambos subiram para o quarto sem nada dizer e fizeram amor durante toda a noite em comemoração ao êxito. Finalmente juntos. Finalmente, após tanto tempo!

Marcelo deslizou o olhar pelas costas nuas de Amélia e encontrou uma pequena tatuagem em suas costelas, algo minúsculo e quase imperceptível. Deveria ser novo a julgar por certa vermelhidão, talvez feita poucas semanas atrás. Tratava-se de um coração com um pequeno furo de onde escapavam borboletas. Não precisou de muito para se lembrar de quando ele mesmo fez aquele desenho na pele dela usando caneta. Foi exatamente há dez anos quando estiveram juntos e fizeram amor antes de Felipe e Júnior nascerem.

Esse desenho significa sua falta em minha vida .

Foi o que ele disse quando os olhos cor de mel de ergueram para cobrar uma explicação.

— Amélia... — Sussurrou para si mesmo enquanto a encarava em profundo sono — Que mistérios existem por trás de você, mulher?

Admirou-a por um tempo a perder de vista e apenas saiu da cama quando bateram na porta do quarto.

— Desculpe incomodar senhor Marcelo — Uma das meninas que trabalhava na casa de Amélia parecia envergonhada demais para encará-lo. Vermelha, prosseguiu a frase — Senhora Pia está lá embaixo querendo falar com a patroa. Ela já está acordada?

Marcelo travou o maxilar e olhou para dentro do quarto rapidamente.

— Acho que eu mesmo posso resolver este problema — Garantiu saindo da habitação e fechando a porta.

A moça não hesitou em levá-lo até a visitante e somente quando chegou à sala e se viu em um dos espelhos decorativos teve a ideia de que usava apenas uma calça de moletom escura com o peito desnudo. Talvez seja por isso que a garota mal conseguiu encará-lo lá em cima. Pia o mediu dos pés a cabeça sem esconder a expressão de ódio.

— Não era bem quem eu esperava ver, mas certamente foi oportuno nos cruzarmos. Tive de percorrer muitos quilômetros para tirá-lo das sombras, Marcelo. Não sabia que era tão fácil te persuadir — Dizia com o queixo elevado e a postura agressiva de sempre.

— Não preciso que me tire das sombras, muito obrigado. Aqui está muito bom — Sorriu de canto — O que quer Pia? Será que ainda não notou que nessa história não existe lugar para você? — Cruzou os braços fortes sobre o peitoral másculo de maneira entediada — Já faz tanto tempo...

— Será que você ainda não percebeu as mentiras que existem por trás dessa mulher a quem diz tanto amar?

— Não admito que invente mentiras acerca de Amélia — Repreendeu com a voz branda e muito calmamente — Se foi para isso que veio, com certeza perdeu a viagem.

Ia lhe dando as costas quando ela novamente o chamou.

— Somente me responda uma coisa... — Marcelo se deteve — O que foi que ela fez?

— Como assim? — Virou-se em direção a ex-mulher novamente.

— O que foi que Amélia Romanov fez para que você a amasse tanto durante tantos anos? — A dor no olhar de Pia era nítida e de certa forma o comoveu.

Havia usado aquela mulher durante muito tempo para esquecer seu verdadeiro amor e foi muito injusto ao fazê-lo. Iludiu Pia de tal forma que o sentimento dela por ele se tornou obsessão, não algo natural e bonito. Sentia-se culpado pela mãe de seus filhos ser uma pessoa tão amarga, mas não podia se martirizar para sempre. Ainda era uma mulher jovem, bonita e capaz de seguir em frente.

— Nada, Pia. Amélia nunca fez nada para que eu a amasse — Respondeu com sinceridade estampada no olhar — Te peço perdão por não ter sido o homem que você merecia, mas tudo não passa da realidade. Amei e amo Amélia Romanov e jamais serei capaz de me desfazer da presença dela em minha vida. Jamais!

Marcelo tocou-lhe o rosto em sinal de despedida, mas antes que removesse a mão Pia apertou seu braço com impaciência.

— Pois então dê um jeito de fazê-lo. Não permitirei que essa mulher siga te enganando por um dia sequer, mesmo que isso me custe toda uma vida — O nervosismo em sua voz o provocou de tal maneira que não pôde ignorar o que ela dizia.

— Do que está falando? Se souber algo verdadeiramente, fale de uma vez! — Exigiu — Não tenho mais tempo para perder.

Pia engoliu em seco.

Sabia que contar o segredo de Amélia lhe renderia gigantescos problemas, mas por outro lado era sua última chance de ver o amor de sua vida separado da mulher que o roubou dela durante a vida toda. Não podia permitir que Amélia ficasse com seu ex-marido e tão pouco temia as consequências perante tal afronta. Contaria.

— Nunca se perguntou o porquê de Amélia ter ido embora justo quando engravidei de Júnior? Nunca ficou curioso em saber o que a motivou a se casar tão rápido com Ettore, sem qualquer justificativa? — Estreitou o olhar — Nunca percebeu que a idade do filho mais novo dela condiz com a última vez em que estiveram juntos antes de mudarmos para São Paulo?

— Aonde quer chegar? — A palidez tomou conta da face dele.

Pia se aproximou alguns passos.

— Acaso nunca reparou que Felipe parece muito mais com você do que com o “pai” que ela diz ser o dele? — Usou aspas para colocar a palavra pai .

Marcelo abaixou o olhar e pensou. Certamente já havia cogitado tudo isso, mas nunca de fato considerara.

— Amélia não seria capaz... — Sussurrou para si mesmo, mas Pia o escutou.

— Tanto seria, quanto foi — Garantiu severamente — Na época em que se descobriu grávida, também descobrimos que Júnior nasceria com problemas e tivemos que correr para São Paulo em busca de tratamento. Foi quando ela decidiu se afastar para que não nos separássemos. Amélia tomou a decisão de se casar novamente para dar um pai ao seu filho .

— O que? — Murmurou praticamente sem voz.

— Felipe é seu filho, Marcelo. Ela escondeu isso de você o tempo todo...

A calma de Pia deixava claro para ele que não estava sendo mentirosa. A troco do quê inventaria algo de tamanha magnitude? Além de tudo, seu próprio coração sussurrava que tudo era real. No fundo, em algum lugar de seu peito, sempre soube de tal verdade.

Felipe era seu filho.

Aquele garoto de sorriso angelical e cabelos castanhos era um laço eterno que o unia a Amélia para sempre. Sentiu lágrimas em seu rosto e apenas encarou Pia por mais alguns segundos.

— Você sabia disso o tempo todo? — A loira deu de ombros de maneira debochada.

— Minha obrigação era te contar sobre os nossos filhos , não sobre os bastardos que você teve pela rua — Pontuou de maneira sarcástica.

— Vá embora, Pia. Se puder não volte nunca mais!

Caminhou até ela e a pegou pelo braço tomado pela ira. Pia nada fez para relutar, apenas caminhou ao lado dele e aceitou ser colocada para fora sem pestanejar.

— Boa sorte agora que te livrei das sombras.

Foi o que disse antes de ter a porta fechada em sua face.


Amélia despertou com um barulho forte vindo da sala e colocou os pés para fora da cama preguiçosamente.

Sentia-se uma adolescente depois de sua primeira vez, tamanha a felicidade que embriagava todo seu ser. Respirou aliviada quando reparou que nada havia sido um sonho e sua noite havia sido incrível ao lado de Marcelo. Finalmente ambos assumiram para o mundo o que sentiam sem medo e a emoção que lhe assolava o peito era tão forte que sequer conseguia explicar.

Enrolou-se em seu roupão de seda preto enquanto pensava no que fazer a seguir. Certamente precisavam ter uma conversa com Marina e Fernando e, posteriormente, com Felipe. Essa seria a parte mais difícil, a julgar que Ettore também seria envolvido na questão da paternidade. Pensando em paternidade levou as mãos ao ventre e apalpou sua pequena barriga de dois meses de gestação.

Era a hora de contar a Marcelo que teriam um filho juntos e mal podia esperar para presenciar a reação dele! Não cometeria o mesmo erro duas vezes. Desta vez faria tudo como se deve e sempre sonhou.

A porta do quarto foi aberta em uma passada rápida. O ambiente antes tranquilo e cheio de ternura se tornou um caos com a chegada de Marcelo, que mal a olhou nos olhos e começou a recolher as peças de roupa que usou na noite anterior e colocá-las no corpo com urgência. A calça de Fernando que ela lhe emprestou ficou no chão esquecida sem que ao menos Amélia pudesse raciocinar, tamanha rapidez.

— Está tudo bem? — Questionou sem compreender a atitude estranha do homem que a amou durante toda a noite. O rosto duro de Marcelo se mostrava prestes a explodir enquanto terminava de vestir a camisa e os sapatos sociais. Reuniu em mãos todos seus pertences espalhados pelo quarto enquanto Amélia o seguia de perto — Marcelo...

— Sai de perto de mim, Amélia — Pediu com a voz controlada e o rosto ainda em chamas. Ela se colocou diante da porta para que ele não saísse do quarto.

— Como assim? Do que você está fugindo? — Exasperou-se.

— De você e suas mentiras — Sussurrou se controlando para não explodir. Sentia vontade de chorar ao mesmo tempo em que desejava quebrar tudo ao redor — Sempre soube que você era uma pessoa controladora, mas nunca imaginei que fosse capaz de jogar com a minha vida e a de seus filhos, as pessoas que certamente mais te amam e consideram no mundo!

— Do que está falando? — Aproximou-se um pouco mais dele, mas Marcelo se esquivou — Ontem passamos a noite juntos e foi mágico e hoje você chega com tudo isso... O que foi que houve?

Marcelo focou o olhar no dela e se aproximou a ponto de respirarem o mesmo ar.

— Eu sabia que vinte anos guardavam segredos. Sempre estive convicto de que existia algo por trás disso tudo, mas nunca me propus a verdadeiramente enxergar — Uma lágrima rolou no rosto dele — Me sinto enraivecido, porém a última coisa que desejo agora é brigar por algo ou alguém. O que me resume é a decepção!

— Marcelo...

Amélia sentia o tamanho do sentimento dele, por isso se manteve firme e incapaz de dialogar.

— Justo quanto pensei que finalmente poderia te amar de verdade... Justo quando me descobri completo isso vem à tona! E sabe o que é pior? — Sorriu sem humor — Eu sempre soube que Felipe é meu filho!

As mãos dela cobriram os próprios lábios e foi incapaz de desmentir. Derramou lágrimas em seguida enquanto ouvia cada palavra.

— Sempre soube e nunca tive coragem de crer que a mulher que amei e idolatrei por toda a vida me esconderia tamanho tesouro.

— Você estava casado na época... Pia estava grávida de Júnior e ele nasceria com problemas... Você sabe de tudo isso! Foi a melhor coisa que eu poderia ter feito e...

— NÃO, não foi! — Enfatizou nervosamente com um grito que a assustou — Você sabia o tamanho do meu amor e não tinha esse direito. Eu teria escolhido você.

— Exatamente por isso deixei que ficasse na ignorância! Pia precisava mais do que eu de sua presença e o bebê também! Felipe ficou bem — Explicou em meio às lágrimas.

— Então quer dizer que pensou em Pia, em Felipe, em Júnior, em você e até em Ettore, mas em mim nunca? — Franziu o cenho — Não pensou que seriamos mais felizes juntos? Não pensou em nós ? Eu teria criado Júnior e ajudado Pia! Nenhuma desculpa justifica suas palavras e tão pouco teus atos!

Marcelo se desvencilhou dela e saiu caminhando apressadamente pelo corredor.

— Marcelo, espere! — Implorava enquanto o seguia — Como foi que ficou sabendo disso? Foi ela?

— De que importa? — Respondeu abrindo a porta principal da casa. Os empregados assistiam a briga sem compreenderem o motivo — A única coisa que importa agora é que exijo ser reconhecido como pai de meu filho e quero recuperar meu tempo perdido com ele. Espero que ao menos tenha a decência de me permitir isso!

— Não é tão fácil... — Respirou profundamente — Me perdoe Marcelo. Tudo o que fiz foi...

— Por amor? — Ele sorriu sem humor — Que amor é esse que conseguiu mentir por mais de uma década? — Amélia cobriu o rosto com as mãos diante das duras palavras — Que amor é esse que aceitou tudo, menos ousar ser feliz ao meu lado?

— Eu juro que...

— Não jure — Pediu com cordialidade e uma profunda tristeza estampada na voz — Para mim acabou, Amélia. Acabou!

 


Capítulo Trinta

 

Marina acordou com uma mensagem de Fernando em seu celular e aquelas poucas palavras foram o suficiente para que soubesse que a noite anterior não havia sido um devaneio.

Seu pai passou a noite aqui em casa. Sua mãe apareceu por aqui e rolou uma espécie de briga entre eles, em seguida com a minha mãe.

A mensagem a deixou confusa, por isso respondeu assim que conseguiu se sentar sobre a cama.

Como assim? O que aconteceu?

Não demorou nem um minuto para a resposta chegar.

Não sei dizer, apenas sei que Marcelo saiu irado daqui e minha mãe foi em seguida. Talvez tenha ido atrás dele e logo cheguem a sua casa. Acha que devo ir até ai?

Marina levantou-se da cama para ver se não captava nenhum som no andar de baixo. Saiu no corredor e apenas viu Pia sentada na sala de visitas conversando com Júnior, pedindo a ele que reunisse suas coisas para ir morar com ela. O garoto discutiu algum tempo e combinaram de esperar que Marcelo chegasse para decidirem juntos. Ao que parece, Pia queria a custódia dos filhos definitivamente.

Espere. Minha mãe está aqui e meu pai vai encontrar com ela primeiro se vier para cá. Não vai ser uma coisa muito agradável, é bom que não presencie.

Fernando digitou rapidamente.

Não posso acreditar que nossos pais realmente tiveram uma história. Isso é bizarro!

Marina concordou.

Você não tem ideia de como está sendo difícil para mim .

A menina abaixou o celular e finalmente juntou as peças do quebra-cabeça. Agora compreendia todo o desespero de Amélia ao se descobrir grávida. Aquele bebê certamente era filho de Marcelo, seu pai! Marina cobriu o rosto com as mãos e se deitou de costas em seu colchão. A mãe do garoto que sempre amou sempre teve um romance com seu pai. Os dois tiveram uma história longa, romântica e tórrida! Ela podia ter sido irmã de Fernando e, mais estranho do que tudo, ambos estavam namorando e partilhariam um irmão ou irmã! Amélia, sua sogra, carregava um filho de seu pai!

— Essa é realmente uma história bizarra ! — Concluiu para si mesma.

Não demorou muito até que ouvisse a porta batendo vindo do andar de baixo.

Saiu correndo do quarto assim que escutou e se posicionou no topo da escada. O apartamento de Marcelo era um duplex, sendo assim podia visualizar com facilidade as duas figuras femininas presentes ali. Pia e Amélia Romanov estavam frente a frente e nenhuma das duas parecia muito amigável.

— Amélia, querida. Como é bom te ver! Está com um semblante ótimo para quem começou o dia tendo que prestar satisfações sobre a paternidade de um dos filhos — Pia ironizou em seu tom superior de sempre.

— Eu sabia que tinha sido você! — Amélia parecia ter chorado durante todo o trajeto e até mais. O rosto estava inchado e os olhos avermelhados — Só podia ter sido você !

— Do que está reclamando, querida? Poupei-te de um grande problema e contei de uma vez ao Marcelo que ele é o pai de seu filho caçula. Você o conhece... Ele é tão apaixonado e tapado que iria continuar acreditando em suas mentiras até a próxima vida se fosse necessário. Seu feitiço é forte — Gargalhou no final como se realmente falasse com uma boa amiga.

Marina cobriu os lábios com as mãos.

O pequeno Felipe era filho de Marcelo! Era seu irmão!

— Confesso que não pensava te encontrar aqui, mas foi muito oportuno. Frente a frente posso te perguntar o que foi que ganhou com todo o empenho que sempre teve para separar Marcelo de mim — Marina tinha vontade de abraçar Amélia, tamanho o desolamento estampado na face da mesma. De fato nunca havia presenciado uma pessoa que aparentava tanto sofrimento e desespero.

— Você o dispensou na adolescência. Você o jogou nos meus braços quando engravidou de Abner — Relembrou fazendo o punhal ser cravado com ainda mais força no coração de Amélia — Você foi burra de perder o amor da sua vida, mas nunca o libertou. Marcelo passou todos esses anos preso a você porque nunca de fato foi liberto. Seu coração o chamava e ele ouvia.

— E isso também é minha culpa? O amor que sentimos um pelo outro durante vinte anos é minha culpa? — Amélia alterou a voz — Não é minha culpa você não ter sido capaz de conquistá-lo. Tempo e oportunidade teve, apenas não teve a capacidade .

— Como eu disse, seu feitiço é forte — Pia se ofendeu, mas não recuou a postura — Não sei o que fez, Amélia Romanov, mas Marcelo é incapaz de te deixar. Incapaz de viver sem sua... Presença.

A encarava com desprezo.

— Posso ter errado como você disse, mas uma coisa fiz corretamente em minha vida... — Aproximou-se de Pia — Amei Marcelo em silêncio durante muitos anos e todas as vezes que abri mão dele foi pensando em seu melhor. Meu único e verdadeiro erro foi nunca ter visto que o melhor dele era ao meu lado — Pia engoliu em seco — Mas mesmo com todo seu veneno, fique sabendo que ainda não é tarde demais. Estou grávida e tenho certeza que quando Marcelo souber tudo será diferente.

A expressão de Pia se tornou um vazio e o rosto empalideceu. Os olhos desceram para o ventre de Amélia em uma passada rápida.

— Você está grávida? — Repetiu nervosamente.

— Estou. Marcelo e eu teremos outro filho. Esta é a prova de que nosso amor sempre existiu e de fato nunca morreu.

A loira retirou o telefone celular da bolsa e deu as costas a Pia de modo a ignorá-la.

— O que está fazendo? — Pia exigiu saber de maneira nervosa.

— Ligando para Marcelo. Agora tudo será diferente. Não aceito perdê-lo uma vez mais e não vai ser você quem impedirá qualquer coisa.

Levou o fone a orelha esperando ser atendida e não demorou até Pia avançar sobre ela de maneira a tentar pegar seu celular. As duas começaram um embate físico por conta do aparelho.

— Não vou permitir que você tenha uma vida com Marcelo! Não irei tolerar te ver ao lado dele quando isso a mim pertence!

Marina assistia a cena sem saber o que fazer, mas ao ver as duas começando a se empurrar resolveu descer as escadas e começou a gritar para que parassem. Pia não ouviu, tão pouco Amélia, que não demorou muito a se desequilibrar e cair sobre a mesinha de centro da sala com o ventre virado em direção à quina. Um gemido de dor evidenciou que não havia sido um simples tombo e no mesmo instante Amélia esticou a mão em direção a Marina.

— Mãe! Olha só o que você fez! — A garota gritou ao mesmo tempo em que corria até Amélia e se abaixava ao lado dela.

— Eu não fiz nada! Ela caiu sozinha! — Defendeu-se dando passos para trás sem prestar qualquer socorro.

— Sai daqui mãe! Sai daqui! — Marina gritava em total nervoso.

— Marina, por favor. Me leve pra emergência! — Amélia sussurrou com a voz repleta de dor e nervosa — Está doendo muito... — Reclamou com as mãos no pé da barriga.

Pia observou a cena por mais alguns instantes e franziu o cenho quando Marina sacou o celular e pediu que o motorista subisse o mais rápido possível para ajudá-las a chegarem até o carro.

— Você está ajudando esta mulher depois de tudo que ouviu, Marina Gabriela?

Marina ajudava Amélia a se erguer do chão quando encarou a mãe com o olhar tomado por desprezo e desapontamento.

— Na verdade estou lamentando por ser sua filha — Disse enquanto colocava Amélia sentada no sofá — Vá embora e não volte. Você não é bem-vinda aqui.

— Ela tirou seu pai de nós!

— Ela nunca tirou meu pai de mim , mas sim ajudou para que ele ficasse! Eles se gostam e você sempre soube disso! — Rebateu com as informações que havia acabado de ouvir — Você teve coragem de machucar uma mulher grávida... Grávida do meu irmão! — Sorriu sem humor — Vá embora antes que eu peça que alguém te tire daqui!

Pia viu o nervosismo de Marina e resolveu obedecer ao que a filha dizia. Realmente parecia sobrar na cena e lhe caia a ficha naquele momento de que nem sequer o amor de seus filhos lhe restaria se continuasse com tal postura.

— Calma tia, calma! — Marina sussurrava para Amélia enquanto ela se revirava de dor sentada no sofá — Vai ficar tudo bem com você e o bebê!

Não demorou e o motorista chegou para acompanhá-las até a maternidade. Marina foi segurando na mão dela durante todo o tempo e a ajudou até que entrasse na consulta com a obstetra de plantão.

— Oi Nando, aqui é a Marina... — Sussurrou ao celular enquanto aguardava o atendimento de Amélia — Estou no hospital com a sua mãe, ela sofreu uma queda e está mal. É melhor você vir para cá quando ouvir essa mensagem, tem algumas coisas que você ainda não sabe, mas ela irá contar. Te amo e te espero. Um beijo.

Gravou a mensagem de voz sem saber se deveria ligar para seu pai sem antes consultar a própria Amélia. Não era possível que algo daquela magnitude havia acontecido bem diante de seus olhos. Não podia acreditar que Pia, sua mãe, houvesse sido capaz de empurrar Amélia daquela maneira maldosa e cruel. Ela obviamente havia planejado o empurrão para que fosse prejudicial ao bebê.

Após meia hora de espera, Marina foi chamada pela enfermeira para ser avisada de que Amélia realizaria naquele momento um exame mais especifico de ultrassom, mas que a pequena hemorragia que havia sofrido já havia sido contida.

— De fato foi uma queda brusca e no inicio da gestação todo cuidado é pouco — A médica explicou a elas. Amélia estava pálida sobre a cama do hospital e já usava um avental do lugar — Mas Amélia está fora de perigo. O que precisamos saber agora é se o bebê está mesmo bem, por isso pedi o exame.

— Certo. Vai ficar tudo bem tia, eu tenho certeza! — Marina agarrou a mão de Amélia, que deixava algumas lágrimas escaparem pelo canto do olho enquanto olhava para a filha de Marcelo.

— Obrigado por me ajudar, Marina — Sussurrou em meio ao choro — Você foi muito boa para mim.

— Você também me ajudou quando mais precisei. Não é nenhum favor que faço por você e pelo meu irmão — Um sorriso escapou dos lábios de Marina e o rosto de Amélia enrubesceu.

— Então já sabe que...

— Obviamente o bebê é do meu pai — Falou calmamente e Amélia sorriu — Me pergunto se é uma boa ideia informá-lo de onde estamos.

— Acha que ele viria?

— Correndo — Garantiu sem hesitar — Agora compreendo o porquê dele sempre estar por perto de você. Tudo faz sentido. Apenas não sei como nunca percebi...

— Do mesmo jeito que eu nunca percebi que você era minha nora misteriosa — Deu de ombros — É tão obvio que nossos olhos se fecham para a situação.

Amélia foi levada para o exame de ultrassom e Marina saiu para a sala de espera novamente. Ao chegar lá, deparou-se com Fernando sentado em uma das cadeiras aguardando de maneira impaciente.

— Marina! — O garoto chamou sua atenção assim que a viu. Ambos se abraçaram com força e demoraram alguns segundos até se soltarem — Como você está? Como minha mãe está? Porque vocês estão em uma maternidade ?

O garoto parecia perdido e nervoso. O cabelo negro contrastava com os grandes e assustados olhos azuis no rosto pálido.

— Nando... — A menina segurou as mãos dele com impaciência, mas lutando para se manter calma — Tia Amélia caiu na minha casa e bateu a barriga. Ela... Bom... Ela está bem, mas o bebê eles ainda não tem certeza.

— Bebê ? — O queixo de Nando caiu e seu olhar se tornou assustado — Que história é essa de bebê?

— Ai... — Marina cobriu o rosto com as mãos sem saber o que dizer — Sua mãe está grávida, Nando.

— Grávida? — Sorriu sem humor — Como assim, grávida? — Levou às mãos a cabeça — Que isso... Como?

— Sua mãe está grávida do meu pai.

Explicou mais especificamente e neste momento o rapaz teve que se sentar para conseguiu absorver a história.

— Minha mãe... Grávida... Do seu pai? — Repetiu pausadamente e realmente sem compreender — Marina...

— Sim Nando, é tudo verdade. Tia Amélia está grávida de dois meses de um filho do meu pai — Sentou-se ao lado dele e lhe tomou as mãos com cuidado — Fica calmo.

— Mas isso é muito louco! — Suspira ainda tomado pelo choque — Como que pode... Minha mãe grávida do meu sogro!

Marina sorriu e Nando o fez também, mesmo que ainda parecesse indignado.

— Nós precisamos dar apoio para ela agora. Amélia está sofrendo muito com a situação dela e do bebê, principalmente agora que meu pai descobriu que também é pai do Felipe — Nando ficou de pé em um pulo.

— O que? Seu pai também é pai do meu irmão? — Praticamente gritou no corredor — Meu Deus, o que está acontecendo com a minha vida?

Marina ficou de pé ao lado dele e lhe segurou o rosto com cuidado.

— Nando... Não me peça para explicar, apenas apoie sua mãe. Ela precisa de você agora — Pediu com a expressão tranquila e o semblante calmo.

O garoto apertou os olhos como se colocasse os pensamentos no lugar e concordou com um aceno silencioso. Envolveu Marina pela cintura delicadamente e lhe beijou os lábios com carinho. Ao menos em meio a essa tempestade tinha o amor da garota que sempre quis para lhe consolar. A presença de Marina significava um alento em meio a tamanhas surpresas.

— Fernando? Marina?

A voz tomada por surpresa vinha da entrada da sala de espera e fez com que os dois jovens se separassem rapidamente assim que a ouviram.

Sim, tratava-se dele.

Marcelo estava ali, prostrado na entrada com a expressão mais aterradora possível.

— Pai? — A garota disse se escorando contra Fernando.

— O que está acontecendo?

 


Capítulo Trinta e Um

 

O mundo desmoronou quando Marcelo ouviu de seu motorista o que havia acontecido entre Pia e Amélia no meio de sua sala.

Havia desviado o caminho da casa de Amélia em direção ao mirante para pensar sem sequer imaginar que ela estava o seguindo. Amélia jamais o seguiu, esse era o papel dele! Quando ocorreu pela primeira vez, as coisas saíram da maneira errada.

Chegou em sua casa tarde demais, mas a tempo de se inteirar para onde Marina havia levado o amor de sua vida. O choque maior, talvez, tenha sido quando se deu conta de que o hospital em questão era uma maternidade. Atravessou os corredores frios sem compreender nada do que acontecia, principalmente o motivo que havia levado Amélia a chegar até ali. Perguntou sobre ela na recepção e rapidamente foi indicado até a sala de espera da paciente.

Deteve-se na porta quando viu as duas pessoas dentro da sala e constatou que se envolviam em um beijo carinhoso. Seu queixo de fato foi ao chão ao ver Fernando com os braços envolvidos na cintura de Marina e os lábios de ambos se movendo em sintonia. Não pôde crer que estavam se beijando realmente!

Sua surpresa foi convertida em nomes, que em seguida se tornaram olhares assustados.

— Marcelo... Eu posso explicar! — Nando disse com o rosto avermelhado pelo flagra e um pouco trêmulo de nervoso.

A cena seria engraçada se não fosse trágica. Marcelo os encarava seriamente enquanto Marina buscava esconder Fernando atrás de si. Obviamente o garoto era maior do que ela, impossibilitando assim que a façanha fosse bem sucedida. O olhar de Ferrari era de pura surpresa, a julgar que jamais imaginaria encontrar Marina beijando um rapaz, muito menos o filho de Amélia!

— Explicar que estava agarrando minha filha? — O tom de Marcelo era alterado — O que está acontecendo, Marina Gabriela? Não compreendo sequer por um minuto o que foi que presenciei!

— Um beijo, papai. Eu e o Nando estávamos nos beijando, eu não fui agarrada — Corrigiu com a expressão tomada por coragem. Não podia hesitar agora, caso contrário tudo iria abaixo — Nós estamos juntos.

— Juntos? — Questionou com a cabeça fora de órbita — Esperem um minuto... Não consigo compreender nada! Vocês dois não se odiavam? E toda aquela cena de brigas, insultos e as advertências na escola?

Questionou olhando de um para o outro. Nando engoliu em seco e tomou a frente das palavras. Marina o encarava como se reprovasse.

— Tio... Quero dizer, Senhor Ferrari — Nando caminhou vagarosamente até ele e parou um pouco distante — Minhas intenções são as melhores. Eu quero um compromisso serio, garanto que sou um bom garoto e pretendo me casar.

— O que? Se casar? — O tom indignado de Marcelo fez o garoto assentir — Garoto... Eu deveria te capar! Acabei de te pegar com a mão na bunda da minha filha! Tem ideia das consequências? Até ontem, para mim, Marina nunca havia sequer beijado!

— Ah, então sendo assim estamos quites. Acabei de descobrir que minha mãe está esperando um filho seu e que você é pai do meu irmão! — Marcelo engoliu em seco e sua expressão se transformou. Fernando falava sem pensar também tomado pelo baque dos acontecimentos recentes, sem ter ideia do que aquilo tudo significava para Ferrari — Acho que rola pelo menos um empate, não acha?

O silêncio tomou conta da sala enquanto Marina adotava uma expressão de “você não devia ter dito isso” e Fernando a encarava de volta com um pedido de desculpas no olhar. Foi o suficiente para demonstrar a Ferrari que nada do que havia sido dito era mentira.

— Amélia está grávida? — A voz de Marcelo refletiu em sua palidez. Marina assentiu positivamente — Grávida?

— Sim, minha mãe está grávida — Nando pontuou tranquilamente — Você engravidou minha mãe e eu somente peço a sua filha em namoro. É bem mais tranquilo.

— Onde ela está? — Segurou os ombros de Fernando de maneira nervosa, sem se importar com nada que havia sido dito além da gravidez de Amélia.

— Na sala três de ultrassom fazendo um exame para ver como o bebê está após a queda. Os médicos não sabem se vão conseguir salvá-lo — Marina respondeu ao ver a agonia do pai — Sinto muito, papai.

— O motorista me disse que foi Pia quem a machucou... Isso é verdade? — Ferrari questionou a Marina e viu o rosto da menina enrubescer aos poucos — Ela sabia que Amélia estava grávida? — Estreitou o olhar.

— Sim. Amélia havia acabado de contar e as duas começaram a brigar — As palavras de Marina o deixaram ainda mais indignado — Papai...

— Vou ver como Amélia está. Vocês dois fiquem aqui — Pediu com a voz embaraçada por variados sentimentos — Separados. Cada um em um canto da sala — O tom autoritário quase fez os jovens rirem, mas se contiveram devido ao momento triste.

— Não sairemos daqui — Fernando garantiu educadamente e sentou-se após uma cadeira de onde estava Marina.

Não demorou nem um minuto até que ficassem a sós novamente e pudessem se aproximar com rapidez. Ambos se abraçaram com um misto de alivio e nervosismo enquanto suspiravam a ideia de finalmente terem se libertado das mentiras.

— Foi melhor do que eu pensava... — Marina sussurrou ao ouvido dele enquanto ainda se envolviam. O cheiro de perfume masculino a acalmava como nunca.

— O momento foi oportuno, devo admitir. O fato de minha mãe estar grávida ajudou bastante — Gargalharam baixinho e ela concordou segurando a mão dele.

— Tomara que ele entenda. Tomara que sua mãe fique bem, assim como o nosso irmão — As palavras de Marina o fizeram sorrir de canto.

— Nosso irmão.

Sorriram entre si e demoraram algum tempo para conterem a felicidade.

— Nunca imaginei que de fato estaria com você um dia — A mão dele tocou o rosto dela com carinho. Marina se inclinou na direção do toque e sorriu com ternura — Muito menos que compartilharíamos um irmão.

— Eu nunca pensei que havia puxado algo do meu pai além do olhar e da cor de cabelo... Mas vejo que somos muito ligados a pessoas de uma determinada família — Enfatizou a voz para dizer — Assim como ele, passei anos à sombra de uma paixão que demorou a dar certo.

— Acha que vai dar certo?

— Tenho certeza que já deu.

O abraço de ambos foi interrompido pela súbita chegada de Ettore. O rapaz adentrou a sala usando seus habituais jeans e jaqueta de couro. O cabelo negro caia na testa e os óculos escuros foram retirados para cumprimentar os jovens presentes.

— Marina, Fernando... — Disse vendo-os levantar — Onde está Amélia?

— Você não tem nada para fazer aqui, cara — Nando disse em tom agressivo — Na moral... Sai fora! — Apontou a saída.

— Vim em paz, Fernando — Ergueu as mãos em sinal de paz — Apenas quero ver sua mãe.

— Quem foi que disse que ela estaria aqui?

— Pia — Marina suspirou diante da menção da mãe — E me disse coisas que são meu direito cobrar! — Nenhum dos dois disse nada, então Ettore prosseguiu — É verdade que Felipe não é mesmo meu filho?

Fernando soltou um muxoxo seguido de uma risadinha sem humor. Encarava Ettore com desprezo.

— O que você acha? — Deu de ombros — Isso é tão verdadeiro quanto às vezes em que você traiu minha mãe com várias pela rua!

Marina separou os lábios em surpresa e seguiu quieta diante da troca de farpas entre Fernando e o antigo padrasto. O clima era pesado e a menina agradecia por seu pai não estar ali. Ettore apertou os olhos e lamentou em silêncio. Deu as costas a eles por alguns segundos e se voltou ainda mais enraivecido.

— Amélia não podia ter feito isso comigo!

— Nem você podia ter traído ela! — Nando rebateu nervosamente — Você é a última pessoa que tem moral para cobrar algo aqui, meu irmão! É melhor sair fora antes que eu peça para alguém do hospital te arrastar para fora. Nem marido da minha mãe você é mais, graças a Deus! Sai fora!

— Isso não vai ficar assim, garoto — Ettore ameaçou apontando o dedo para Nando. O garoto ia partir para cima dele, mas Marina o segurou pelo peito — Escreve o que eu digo... Não vai ficar assim!

— Vá embora!

Fernando gritou e um funcionário do hospital apareceu para repreendê-lo ao passo em que Ettore sumia no corredor. Marina o puxava com força e pedia calma incontáveis vezes.


Amélia nunca pensou que doeria tanto ouvir que um de seus filhos corria risco de morte, mesmo que o filho em questão fosse ainda um pequeno feto de dez semanas.

— Fique tranquila Amélia. O bebê apresenta batimentos cardíacos e está bem fixado no útero, apenas temos que observá-la melhor durante as próximas horas e continuar com a medicação. Acredito que esse pequeno conseguirá sair dessa sem qualquer problema — O tom da médica era doce e amigável após a realização da ultrassonografia.

— Então ele está bem? — Levou a mão ao ventre assim que conseguiu sentar-se.

— Sim, está bem — Assentiu positivamente — Fique tranquila. Agora levaremos você para um quarto de observação e pelo que sei lá tem alguma visita para te acompanhar.

— Deve ser o meu filho... — Suspirou com um emocionado sorriso.

Não demorou a se acomodar na cadeira de rodas para ser levada até o quarto de observação. Todo cuidado era pouco para uma gestante com mais de trinta e cinco anos que havia sofrido uma queda brusca. A felicidade não podia deixar de ser visível no rosto de Amélia, que exibia o alivio em seu semblante enquanto era empurrada pela enfermeira pelos corredores.

Finalmente chegou ao quarto e adentrou ao mesmo sem ter ideia de quem encontraria lá dentro. Tomou um grande susto quando se deparou com ninguém menos que Marcelo Ferrari sentado no canto do cômodo com a expressão mais aflita do mundo refletida no belo rosto. Engoliu em seco quando se encararam e paralisou de tal modo que se tornou quase inviável caminhar até a cama onde deveria se deitar para repousar.

— Marcelo... O que... — Sussurrou olhando para a enfermeira de canto — Poderia nos dar licença, por favor? — Pediu com educação e a moça prontamente atendeu ao pedido deixando-os a sós — O que está fazendo aqui? — Voltou a questionar sem disfarçar o baque.

— Vim saber de você e do meu filho — Um sorriso sem humor escapou dos lábios dele. Amélia apertou os olhos ao notar que ele já sabia sobre a criança — Novamente descubro que você me esconde coisas, Amélia.

— Marcelo, por favor! — Suplicou caminhando em direção à cama alta. Ele a acompanhou com o olhar — Se está aqui para brigar novamente é melhor ir embora. Preciso repousar pelas próximas horas.

— Não estou aqui para brigar. Vim apenas saber como você está. Dessa vez não vou deixar que me poupe do papel de pai — Amélia se sentou sobre a cama e recostou-se aos travesseiros. Marcelo se aproximou e parou ao lado dela.

— Estou bem — Sussurrou sem encará-lo — A médica disse que meu filho vai sobreviver.

— Nosso filho — Corrigiu rapidamente e com severidade na voz — Vou até lá falar com ela. Qual o nome da doutora?

— Espera Marcelo! — Pediu quando o viu se dirigindo até a porta. Ele parou no meio do caminho e a encarou. Amélia não soube o que dizer em um primeiro momento, apenas engoliu em seco pensando como organizar sua mente de maneira favorável — Eu ia te contar... Juro que ia.

— Quando?

— Essa manhã assim que tivesse uma oportunidade, mas fui barrada por Pia. Ela chegou primeiro e arruinou tudo — Explicou calmamente. Marcelo considerou.

— Não sei se posso acreditar nisso depois da história de Felipe — Voltou a se aproximar com as mãos nos bolsos.

— Acredite. É verdade — O encarava com os olhos cor de mel exibindo lágrimas — Essa gravidez me assustou, mas depois comecei a enxergar o quão milagrosa é. Essa criança veio justo no momento em que mais preciso dela... No momento em que eu de fato posso ter um pai para o meu bebê que verdadeiramente esteja ao meu lado, o que não aconteceu das outras vezes.

— Quando você engravidou de Fernando eu implorei para que me deixasse assumir o garoto — Relembrou com uma pontada de tristeza na voz — No entanto você preferiu se casar com Abner. Depois, com Felipe — Soltou um muxoxo de desapontamento — Somente descobri que você teria outro filho quando já estava em São Paulo com Pia. Nas duas ocasiões eu teria ficado.

— Sei disso — Garantiu secando uma lágrima abaixo dos olhos — É por isso que imploro agora... Não me deixe! — Soluçou — Se você não estiver comigo não sei se serei capaz de suportar.

Marcelo hesitou por alguns instantes, mas como Pia havia dito... O coração dela chamava pelo dele e ele ouvia. Era impossível ficar longe de Amélia e ainda mais impossível negar um pedido feito com lágrimas.

Aproximou-se vagarosamente até conseguir abraçá-la. Amélia o apertou pela camisa com força e chorou ainda mais contra o ombro forte e largo. Sentia-se como uma criança acolhida pelo salvador enquanto Ferrari lhe consolava com caricias no cabelo. Como o amava... Era impossível explicar a alegria que a consumia por tê-lo ali.

— Jamais poderia ir embora — Sussurrou ao ouvido dela — Jamais deixaria para trás o amor de minha vida. Não mais. Nunca mais.

Por mais alguns minutos se curtiram no silêncio, mas o mesmo foi interrompido por uma leve batida na porta. Era Fernando.

— Marcelo — O garoto chamou baixinho vendo a cena que interrompia — Preciso falar com você lá fora. Agora. É urgente.

— Você não é a pessoa que mais me agrada no momento, Fernando. É melhor falar logo — O tom dele fez Amélia suspirar.

— Então ele já sabe? — Questionou a Fernando.

— Sim. Ele viu a gente se beijando — Entregou sem dar muita atenção às palavras de Ferrari.

— Você sabia disso também? — Virou-se para Amélia de maneira nervosa e ela apenas o encarou sem muita reação.

— Por favor, Marcelo. É importante — Insistiu o garoto com certa urgência.

Marcelo acariciou o rosto de Amélia em uma despedida silenciosa e saiu do quarto junto de Fernando. Fechou a porta atrás de si e notou melhor a palidez no rosto do garoto.

— O que foi rapaz? — Questionou prontamente — Porque está branco desse jeito?

— Acabei de ligar para o colégio do Felipe perguntando a hora que deveria buscá-lo. Quem faria isso hoje é a minha mãe, mas ela está aqui, então...

— Então?

— A atendente informou que Felipe foi retirado da escola pelo pai dele faz alguns minutos.

— O que? — As palavras escaparam.

— Ettore esteve aqui faz algum tempo e disse que já sabia de tudo. Ele disse para mim e Marina que a situação não ficaria assim e saiu fazendo ameaças — Explicava de maneira desesperada — Ele está com meu irmão em algum lugar já sabendo que Felipe não é filho dele!

— Acha que Ettore machucaria Felipe? — O suor começou a brotar na testa de Marcelo — Ele não seria capaz...

— Aquele cara traia minha mãe! Ele não suporta o fato de ter sido trocado por você porque nunca nenhuma mulher o dispensou como minha mãe fez! — Relembrou como se alertasse Marcelo — Estou com medo pelo meu irmão. É melhor irmos atrás deles.

 


Capítulo Trinta e Dois

 

Felipe caminhava tropeçando em seus pequenos sapatinhos ao lado de Ettore.

Não se lembrava de ser convidado pelo pai para passear, principalmente no meio da semana, mas o seguiu de perto enquanto andavam em direção ao guichê de compra de passagens aéreas.

— É melhor você se sentar ali — Ettore apontou para as poltronas de espera e o garotinho de olhos castanhos o encarou de baixo — O que foi? Porque está me olhando assim?

— Nós vamos viajar? — Questionou olhando ao redor. Sabia bem o que era um aeroporto, afinal. Sempre viajava com Amélia e Fernando, por isso estranhou o fato de estar ali.

— Vamos, vamos sim. É muito importante — Garantiu de maneira desdenhosa, mas com empenho para convencer o garoto. Abaixou-se em frente a ele — Não vai ser legal ter um tempo para nós dois?

Felipe pensou por alguns segundos e o lábio formou um biquinho pequeno. Ainda usava seu uniforme escolar, carregava a mochila nas costas e um de seus carrinhos favoritos em mãos. Não parecia confortável com a situação.

— Mamãe sabe que vamos viajar?

— Claro que sim — Mentiu Ettore com um sorriso falso.

— Mas ela não me disse nada... Não mandou roupa nem sapatos, ficou tudo na casa dela — Continuou questionando e Ettore perdeu a paciência.

— Sou seu pai, Felipe. Você pode confiar em mim — Relembrou em tom tranquilo e se colocou de pé — Venha. Sente-se aqui e espere enquanto adquiro as passagens — Levou o garotinho pela mão até uma poltrona de espera onde o colocou sentado — Não saia daqui!

— Para onde vamos? — Foi à última pergunta que Ettore parou para responder.

— Para o sul — Logo após responder saiu em direção à fila de compra.

— Para o sul... — Felipe sussurrou para si mesmo.

O plano de Ettore era muito claro. Levaria Felipe para o sul e sairia com ele do país via terrestre. Atravessaria a fronteira de carro e se refugiaria no Chile, talvez na Argentina, até conseguir um visto internacional e se mandar com o menino para o exterior. Como tinha cidadania Europeia e o garoto era legalmente seu filho, lá seria ainda mais difícil para Amélia conseguir recuperar a criança.

Não estava disposto a entregar tudo de mão beijada, muito menos para uma mulher que se atreveu a dispensá-lo e trocá-lo como nota velha por Marcelo Ferrari, um ator que sempre odiou e precisou fingir ser amigo. Ainda não se conformava em ter que dividir os bens com Amélia, muito menos após saber que Felipe não era de fato seu filho! Havia sido enganado e sentia-se no direito de ficar com o garoto, nem que isso lhe custasse problemas com a justiça.

Amélia até poderia conseguir o menino de volta após algum tempo, mas penaria um pouco para aprender que com ele não se brincava por tantos anos. Após dez anos sendo feito de idiota, Ettore conseguia compreender o ódio de Pia e certamente fazia o correto enquanto seguia as ordens dela. Sumir com o garoto era o correto a ser feito. Marcelo e Amélia não tinham o direito de sair da história ilesos depois de tantas mentiras.

A filha para comprar passagens estava grande, por isso Felipe se aproximou daquele que achava ser seu pai novamente e pediu para ir ao banheiro. Ettore apontou o local onde o garoto deveria ir e rapidamente o menino o fez. Não tinha muito tempo até que Amélia notasse a falta deles, por isso precisava correr.

Felipe adentrou ao banheiro e se fechou em uma das cabines. Retirou de dentro da bolsa o tablet que ganhou de presente da mãe no último natal e desbloqueou com rapidez. Não podia deixar de viajar sem se despedir da mãe e do irmão e Ettore não parecia muito disposto a ajudá-lo. Rapidamente abriu o a rede social a qual tinha acesso e telefonou para a mãe, algo que foi em vão, uma vez que não houve resposta.

Por último ligou para Fernando, que atendeu ao celular no primeiro chamado.

— Felipe? Onde você está? — O garoto gritava do outro lado da linha.

— No banheiro — Respondeu inocentemente — Mas já estou indo viajar e liguei para me despedir. Estou naquele aeroporto que viemos na última vez que viajamos com a mamãe.

— Banheiro de onde? Viajar para onde? — Questionou ainda mais nervoso — Fique onde está... Não faça nada!

— Estou com meu pai, Nando. Está tudo bem — Garantiu ainda mais tranquilo — Apenas diga para a mamãe que eu a amo muito e você também.

— Felipe, me escuta — Marcelo pegou o celular da mão de Fernando.

— Tio Marcelo? — Sorriu ao dizer.

— Sim, sou eu! Não desligue e me escute... — A voz soava apreensiva e Felipe começava a se dar conta de que algo estava errado ali — Fique onde está. Onde está agora?

— Dentro da cabine do banheiro do aeroporto — Disse seguramente.

— Tranque a cabine e não saia daqui por nada até que eu e Fernando cheguemos. Pode fazer isso? — O garoto pensou.

— Posso, mas o meu pai vai brigar comigo!

— Deixa que eu falo com ele... Amélia não deixou você viajar, entendeu? Ela não quer que você vá! Fique ai! Nós estamos chegando!

Marcelo desligou o celular para poder se atentar mais ao trânsito e se direcionou para o aeroporto.

— Estou ligando para a polícia — Fernando disse a ele sentado no banco do passageiro — Esse cara não tem a tutela completa do meu irmão para sair com ele daqui.

— Isso, ligue para a polícia.

O tempo até o aeroporto parecia interminável, mas não foi um grande trajeto. O trânsito estava livre e tudo parecia conspirar a favor deles.

Enquanto isso, Ettore lutava para conseguir as passagens e por ser uma figura famosa não teve que enfrentar tanta burocracia. Ao consegui-las voltou em direção às poltronas para procurar o pequeno Felipe, mas não o avistou inicialmente. Percorreu o olhar ao redor e caminhou entre as pessoas em busca da criança. Seu próximo passo foi se dirigir ao banheiro onde anteriormente havia o deixado.

— Felipe? — Chamava alto no banheiro masculino.

O garoto encolheu as perninhas e ficou sentado sobre o vaso fechado com certo medo de ser descoberto. Não queria desobedecer às ordens de Marcelo e do irmão. Se sua mãe não queria que ele viajasse, não iria de qualquer maneira!

— Felipe, saia dai! — Ettore foi até a cabine onde o garoto estava e bateu incontáveis vezes. O descobriu pela mochila que descansava no chão do pequeno box — Pare de graça, Felipe! Não estou para brincadeiras! Sei que está ai dentro!

Continuou batendo fortemente contra a cabine e o garoto foi tomado por pânico.

— Minha mãe não quer que eu vá com você! — Gritou de volta e Ettore se enfureceu — Não irei viajar!

— Se você não sair eu terei que arrombar a porta, garoto! — Continuou batendo e não demorou até um segurança chegar à cena após ser alertado por outros usuários do banheiro.

— O que está acontecendo senhor? — O homem fardado questionou ao reparar na postura agressiva de Ettore.

— É o meu filho... — Sorriu amarelo e sem querer demonstrar alarde — Está fazendo birra que não quer ir viajar comigo. Sabe como são as crianças... Você poderia abrir a porta, por favor?

O segurança não hesitou em caminhar até a porta.

— Garoto... Aqui é a segurança do aeroporto. Por favor, saia do banheiro — O homem pediu educadamente. Felipe demorou alguns segundos para destravar a porta, mas o fez sem hesitar. Correu para o segurança de maneira apreensiva.

— Eu não quero viajar com meu pai! Minha mãe não quer que eu vá!

Ao ver o garoto usando uniforme escolar o segurança rapidamente se alarmou. O menino chorava pedindo pela mãe e nada daquela situação parecia muito comum.

— O senhor é o pai dele? — Questionou um tanto receoso.

— Sim, claro. Posso provar.

— Por favor, venham comigo um minuto — O segurança pediu com educação e Ettore lançou um olhar longo e nervoso em direção a Felipe, que seguia chorando e se debatendo para longe dele.

Tudo aconteceu em questão de segundos.

Assim que saíram do banheiro com o oficial e alcançaram a sala da policia se depararam com Fernando e Marcelo lá dentro nitidamente alterados e nervosos em busca do garoto.

— Felipe! — Fernando gritou assim que viu o irmão caçula e correu na direção dele. O menino pulou no colo do irmão com agilidade e se agarrou a ele com unhas e dentes.

Marcelo encarava Ettore com desaprovação e desdém.

— Este é o garoto? — O oficial que atendia Marcelo questionou ao vê-los.

— Sim, é ele — Garantiu com os olhos fixos em Ettore. Era como se pudesse matá-lo apenas com o pensamento — E este é o cara que acha que pode tirá-lo do país sem dar satisfação a mãe.

— Eu sou legalmente o pai dele! — Ettore esbravejou com uma pontada de indireta para Marcelo.

— Apenas legalmente, porque o verdadeiro pai é o Marcelo! — Fernando interveio ainda carregando o menino nos braços.

Os olhos de Felipe foram para o rosto de Marcelo de maneira intrigada. Não esboçou reação diante das palavras do irmão, apenas tentou encaixar em sua mente infantil que algo realmente diferente estava acontecendo naquele momento.

— O menino estava trancado no banheiro chorando e dizendo que não queria ir embora com o pai — O oficial comunicou ao outro em tom de suspeita — O senhor tem autorização legal da mãe do menino para tirá-lo do país?

— Amélia Romanov é mãe dele — O segundo oficial que atendia Marcelo reportou ao primeiro — E pelo que consta, ela não autorizou nada.

Fernando explicou em poucas palavras que Amélia estava hospitalizada e que a guarda do garoto era compartilhada entre ela e Ettore, mas que recentemente haviam descoberto que o garoto não era filho biológico dele. A falta de autorização de Amélia para a viagem foi mais do que suficiente para que Fernando conseguisse adiar o embarque do irmão. O advogado de Amélia – impossibilitada de estar naquele local – chegou em pouco tempo com uma procuração e uma carta assinada por ela garantindo que o garoto não podia viajar.

Ettore desistiu de tirar Felipe dali e fugiu rapidamente para fora do aeroporto assim que pôde após receber ameaça de prisão por sequestro. Marcelo não hesitou em segui-lo de perto até a rua, onde o puxou pelo ombro e lhe socou a face com força.

Caído de costas do asfalto, Ettore o encarou de baixo com o semblante confuso e o queixo sangrando.

— Não faça isso Marcelo, esse cara não vale o chão que pisa! — Fernando chegou caminhando com Felipe e viu a cena com surpresa.

— Isso é por ter traído Amélia durante tantos anos... — Ettore ficou de pé cambaleando e com a mão no maxilar machucado. Marcelo lhe acertou outro soco do outro lado e o rapaz caiu novamente — E isso é por ter tentado sequestrar o meu filho!

As pessoas se aglomeravam ao redor para presenciar a briga e alguns seguranças do aeroporto se aproximaram, mas nada fizeram por ser um local fora das imediações do aeroporto. Ettore desandou a rir quando o outro lado do rosto foi atingido. Cuspiu sangue no asfalto e demorou alguns segundos para se reerguer a frente de Marcelo com dignidade.

— Você é um idiota, Ferrari — Declarou com a voz tremula e ainda cambaleando pelos socos — Passou vinte anos correndo atrás dela como um cachorrinho e ela sempre fugindo de você... Primeiro para o Abner e depois para mim... Nunca para você! — Marcelo o encarava de maneira desacreditada — Amélia nunca te amou de verdade e você é o único idiota incapaz de perceber o obvio. Sempre foi e sempre será um fantoche nas mãos dela!

— Sai daqui cara! — Fernando gritou de maneira nervosa — Não aparece mais na nossa frente, ainda mais agora que você nada acrescenta!

Ettore o encarou com desdém e deu as costas com rapidez. Não fazia sentido correr atrás de Amélia e as pessoas ao redor dela. Ouvir Pia havia sido um erro e não pretendia continuar jogando com a sorte. Para ele o jogo havia terminado.

Fernando caminhou lentamente até Ferrari com Felipe no colo e os três se abraçaram com carinho. Pela primeira vez teve a sensação de que as coisas estavam em seus devidos lugares. Era impossível não se assustar com o medo que havia passado em relação ao irmão, mas agora já podia relaxar sabendo que Marcelo estava ao lado deles e tudo estava bem.

— Minha mãe precisa de nós — Fernando anunciou assim que se separaram.

— Já estamos indo até ela — Ferrari bagunçou o cabelo de Felipe, que o encarava com certo receio.

— É verdade o que o Nando disse? — Questionou com a voz confusa — Você é meu pai? — Franziu o cenho em direção a Marcelo, que apoiou as mãos na cintura e pensou para responder.

— Por acaso seria legal me ter como pai? — O garoto sorriu.

— Seria estranho me acostumar, mas você é mais legal que meu antigo pai — Afirmou com a voz tímida.

— Pois então comece a pensar na possibilidade... — Marcelo tocou o nariz dele com cuidado em uma brincadeira — Me sinto muito feliz por ter um filho tão inteligente como você.

— Obrigado Marcelo... — Felipe esticou os braços para ele e Ferrari o tomou no colo com carinho de modo a abraçá-lo — Obrigado por ser meu pai de verdade.

A emoção que tomava o peito de Ferrari era indescritível. O garoto em seu colo era filho dele com Amélia, o amor de toda sua vida. Desconhecia tal sensação e aquilo o levava ao limite da felicidade. Fernando os observava e sorria de maneira emocionada. Não podia deixar de sentir uma pontada de inveja branca do irmão, uma vez que adoraria descobrir que não era filho de seu verdadeiro pai.

— Você é um garoto de sorte, irmão.

— Você também é meu filho aqui — Ferrari apontou para o coração e Fernando sorriu.

— Graças a Deus. Eu não queria ser seu filho biológico nem de brincadeira! — Referiu-se ao fato de namorar Marina.

Ferrari sorriu para ele e o abraçou também, selando então um momento de harmonia. Tudo estava bem. Tudo estava em família.

 

 


Capítulo Trinta e Três

 

— Está tudo bem tia. Eles já estão vindo para cá.

Amélia apenas relaxou verdadeiramente quando ouviu tais palavras saindo dos lábios de Marina. Haviam sido horas de horror enquanto aguardava o andamento de tudo, principalmente sabendo que Ettore havia tentado levar Felipe para longe sem o consentimento dela. Precisou intervir com advogado, mas ao final tudo terminou bem.

Já era começo de noite quando Marina avistou Marcelo adentrando ao hospital com Felipe adormecido em seu colo e Fernando caminhando ao lado. Abraçou o namorado com carinho e demorou-se alguns segundos no feito. Ferrari os encarava com certo desconcerto, mas buscava não dizer nada. Era em vão tentar atrapalhar algo inevitável.

— Pensei que algo ruim iria acontecer... — A loirinha sussurrou a Nando, que tocava o rosto dela com alegria.

— Não aconteceu nada. Seu pai cuidou de tudo — Garantiu animado.

— O Nando... — Ferrari suspirou — Quero dizer, seu namorado, também ajudou muito — A expressão a contragosto fez os dois adolescentes sorrirem.

— Vai ficar tudo bem, papai. O Nando é um bom garoto — Marina segurou a mão do pai com carinho e fez um cafuné no adormecido Felipe.

— Somente estou tranquilo porque sei que ele é — As palavras de Ferrari soaram como um elogio para Fernando e foi impossível não se emocionar — Espero que tenha muito respeito e cautela com a minha princesa. Ela é minha única filha mulher e é preciosa.

— Por enquanto sou a única — Marina continuava fazendo carinho no pequeno irmão adormecido — Pode ser que venha ao mundo uma bela princesa sua e de tia Amélia.

— Tem mais essa... — Nando suspirou levando a mão a testa e Ferrari corou — Como está minha mãe e o bebê?

— Fora de perigo. Está tudo bem com o nosso irmãozinho — Todos suspiraram e Ferrari não pôde esconder o alivio que lhe tomou o semblante — Como você se sente passando de pai de dois para pai de quatro filhos?

Marcelo sorriu de canto.

— Eis uma história maluca, porém me sinto grandemente afortunado. Além disso, agora tenho outro filho do coração que devo chamar de genro — Encarou Nando — Espero que saiba no que está se metendo. Pretendo me casar com a sua mãe!

— E eu com a sua filha, é claro — Garantiu com convicção e Ferrari assentiu positivamente.

Todos adentraram ao quarto de Amélia, que agora já estava melhor de aparência e um tanto mais recuperada. Recebeu-os afetuosamente e abraçou Marcelo depois que ele colocou o adormecido Felipe deitado ao seu lado.

— Está tudo bem agora — Ferrari sussurrou ao ouvido dela — Estamos todos bem.

— Fiquei tão preocupada que Ettore tirasse Felipe de nós — Sussurrou em meio a lágrimas. Acariciava o cabelo do filho com zelo e carinho.

— Ettore é um desequilibrado. Marcelo fez bem em descer uns socos na cara dele — O comentário de Nando fez Amélia o encarar com surpresa.

— Não compreendo porque Ettore chegou a tal ponto. Ele deveria ter sido preso! — Amélia pontua nervosamente.

— Resolvamos não dar a queixa porque ele saiu pacificamente — Ferrari tocou a mão dela com carinho — Aquele homem não vai mais nos importunar depois de tudo que seu advogado disse a ele.

— Como assim? — Franziu o cenho. Os olhos cor de mel aparentavam confusão.

— Mãe... Aquele cara não presta — Nando disse sem medir palavras — Você não sabe por que nunca tive coragem de contar, mas já peguei varias traições dele quando vocês ainda eram casados.

— O que está dizendo Fernando? — O garoto corou e apertou-se mais a Marina para tomar coragem de continuar falando — Sabia o tempo todo que Ettore me traía e nunca me contou nada?

— Não queria que você sofresse mãe. Já havia sido muito duro tudo que houve com meu pai e sabia que você chorava calada por algo. Até então não sabia que era por Ferrari, pensava que era pelo Ettore — Deu de ombros — Tinha medo de contar e você não acreditar. Não queria destruir tudo e tirar o pai do meu irmão como aconteceu comigo. Pensei que estava sendo bom. Perdoe-me.

O garoto realmente soava arrependido e Amélia se emocionou com o discurso dele. Marcelo a encarava com carinho e condolência, sentimentos facilmente transmitidos por ela ao filho primogênito.

— Eu teria acredito, querido — Garante com a voz emocionada — Tenho orgulho de você, meu amor.

Fernando e Marina saíram do quarto em seguida e deixaram Amélia e Marcelo sozinhos com o pequeno adormecido. Parecia que o mundo havia finalmente parado de correr ao redor deles para dar lugar a um minuto de paz e tranquilidade.

Marcelo sentou-se do outro lado dela na cama larga enquanto no outro Felipe seguia dormindo. Abraçou-a de lado com carinho e beijou-lhe sobre os cabelos com cuidado.

— Te amo, Ferrari — Amélia declarou no silêncio do quarto ainda abraçada a ele — Não sei como agradecer por tudo que fez por nosso filho.

— Não sei de fato o que sinto agora — Sussurrou sem encará-la — Depois de vinte anos descubro tantos segredos difíceis de digerir.

Amélia o encarou de baixo. Os olhos cor de mel transbordavam medo e insegurança.

— Eu já disse os meus motivos para ter escondido e...

— Sei de seus motivos. Sei o que Pia fez. Sei de tudo, Amélia — Suspirou com os olhos fixos nos dela — Eu deveria lhe odiar por tantos segredos, mas sabe de uma coisa? Depois de tantos dias, meses e anos longe acredito que nada é mais forte do que meu amor. Nada. Sequer esse rancor e a sensação estranhada de ter sido enganado são mais poderosos do que tudo que sempre escondi as sombras dentro do peito.

Amélia apertou os olhos diante das palavras dele e derramou algumas lágrimas.

— Espero que um dia me perdoe... — Tocou o rosto dele com carinho.

— Não sei se posso te perdoar, mas uma coisa é segura... Sigo te amando como há vinte anos e todos os dias de minha vida.

As palavras seguras balançaram o coração dela, que se inclinou em meio ao pranto para lhe selar os lábios em um beijo profundo e apaixonado.

Certamente sete mil e trezentos dias eram apenas uma parcela do tempo em que seguiriam se amando.


Ettore enfrentava um processo por ter tentado tirar Felipe do país e Pia havia perdido a guarda definitiva de Marcelo Júnior e Marina para Marcelo, que com o testemunho da empregada e as câmeras de sua casa conseguiu provar a agressão dela contra Amélia e alegar que os filhos não estavam em boas mãos sendo criados pela mãe.

Não foi fácil para todos se verem envolvidos em tal situação, principalmente pelo fato de Fernando e Marina serem agora oficialmente namorados.

— Estão todos em seus lugares? — Amélia indagou ao ver a família reunida nas cadeiras da sala de cerimônia.

Aquele, talvez, era um dos momentos mais emocionantes de sua vida.

Não era todo dia que se formava um filho, afinal, e ver Fernando prestes a subir ao palco para pegar o diploma do Ensino médio era uma emoção a parte para uma mãe que se dedicou sozinha a vida toda pela criação do garoto. Sua família – antes limitada aos filhos – agora era realmente grande e feliz. Pela primeira vez em anos se sentia completa e cheia de contentamento.

Sentia as lágrimas pinicarem nos olhos enquanto observava Marcelo sentado no meio da fileira com seu bonito traje formal carregando Felipe em seu colo e com o pequeno Marcelo Júnior ao lado. Os dois garotinhos eram inseparáveis e nada no mundo parecia mais legal para eles do que o fato de serem irmãos. Marina tinha a emoção estampada na face enquanto assistia o inicio da cerimônia e certamente podia imaginar tudo o que se passava no coração da garota. Não era todo dia que um rapaz desistia do sonho de ir para longe estudar em troca de ficar no país por amor.

De fato lamentava a escolha do filho por seu futuro, mas o apoiou por saber que era o correto a ser feito. Nada havia valido a pena durante vinte anos sem Marcelo como valia agora ao lado dele. A única coisa boa em sua vida durante todo o tempo haviam sido seus filhos e o resto se resumia a um incrível vazio.

— Amélia?

A voz familiar ecoou atrás dela e Amélia se virou rapidamente para se encontrar com Abner, o pai de Fernando. Sempre elegante, estava já com os cabelos grisalhos e o olhar azul e familiar muito cansado. Marcelo se alertou no mesmo momento, mas se limitou a contemplar os dois enquanto seguia ao lado das crianças.

— Abner — Cumprimentou educadamente com toda sua pose — Que surpresa.

— Surpresa? É a formatura do meu filho — Sorriu de canto e colocou a mão nos bolsos enquanto a media de cima a baixo.

— Exatamente. Nunca foi algo que realmente te interessou — Deu de ombros e notou o interesse dele por sua grande barriga de gestação avançada.

— Eu estava no país e decidi vir. O colégio me enviou uma mensagem pela finalização do pagamento das mensalidades e em anexo veio o convite da formatura.

— Está explicado — Sorriu sem humor. Sabia que Fernando não havia comunicado nada a ele sobre a festa.

— Meus parabéns pelo bebê — Apontou para a grande barriga coberta pelo vestido rosa claro.

— Oh, muito obrigado — Acariciou a barriga com carinho e sem esconder o grande sorriso.

— Você parece feliz... Aliás, vocês — Olhou para Marcelo por cima do ombro de Amélia. Foi o suficiente para que Marcelo se levantasse e caminhasse até eles — Marcelo — Esticou a mão em direção a ele.

— Abner — Aceitou a mão em respeito ao momento de Fernando.

— Fiquei sabendo que se casaram. Pia me contou.

— Ainda não casamos, mas está próximo — Marcelo garantiu abraçando Amélia de lado — Nós ficamos sabendo que você está doente. Lamentamos muito.

Abner estava com câncer e todos ao seu redor haviam desaparecido com a constatação. Abaixou o olhar diante deles com certa vergonha pela menção de Marcelo.

— Não é algo muito agradável para ser dito.

— Certamente é o motivo pelo qual está aqui prestigiando seu único filho pela primeira vez em uma ocasião importante — As palavras de Amélia foram certeiras e o fizeram pigarrear — Deve ser complicado chegar ao fim da vida sem ter ninguém ao redor para compartilhar a dor e saber que todo seu dinheiro ficará para um garoto que você sempre buscou fingir que não existia.

— Mãe? — Fernando se aproximou usando a famosa beca de formatura e um tanto confuso pela cena a sua frente — Abner... — Sussurrou surpreso e um tanto curioso.

— Fernando, meu filho — O homem rapidamente desviou de Marcelo e Amélia e encarou o garoto que trazia no rosto seus familiares olhos azuis — Como vai?

— Que surpresa... — Simplesmente disse sem se aproximar demais — Como vai sua saúde?

— Está indo — Respondeu simplesmente e sorrindo para o garoto.

— Acho que esqueci o anel de formatura com você, Marcelo — Fernando se aproximou do padrasto e sogro ainda estranhando a presença do pai biológico e Marcelo rapidamente tirou do bolso do paletó uma belíssima caixinha de veludo e entregou a ele.

— Obrigado... Deseje-me sorte — O garoto sorriu para Marcelo e ambos se abraçaram com carinho. Em seguida abraçou Amélia da mesma maneira e Marina se aproximou para lhe selar os lábios com um beijo animado.

— Eles estão namorando? — Abner questionou a Amélia, que torceu os lábios.

— É uma longa história...

— E você definitivamente não sabe de nada — Fernando se aproximou do pai biológico com o olhar tomado por tristeza — Não sabe sobre mim, sobre minha vida e sobre qualquer coisa importante, mas sabe de uma coisa? — Tocou o ombro dele com certa tristeza — Não te desejo o mal, apenas sinto pela por tudo que você perdeu.

Abner engoliu em seco e ficou parado no mesmo lugar por muito tempo depois que o filho saiu caminhando em direção ao palco. Como de costume, Fernando era o garoto mais popular do Ensino médio em seu ano e foi escolhido como orador da turma de veteranos que se formava. Discursou lindamente sobre a importância da amizade, dos objetivos e metas, por fim fazendo seus agradecimentos as pessoas mais relevantes em sua criação.

— Hoje era para ser meu último dia no Brasil durante muitos anos se não fosse à aparição de uma pessoa especial em minha vida — Dizia em frente ao microfone com todas as atenções voltadas para ele — Desde criança eu a amei e jamais pensei que poderíamos chegar a um acordo em meio a tantas tempestades... Ela é realmente muito briguenta! — As pessoas ao redor riram das palavras dele — Meu sonho era ser um ator de sucesso como minha mãe é, mas abandonei tudo em nome de algo que acredito ser o mais forte que um ser humano pode carregar por toda a vida... O verdadeiro amor — O silêncio seguia — Alguns podem me chamar de maluco e até eu me senti assim quando tomei a decisão, mas recentemente descobri uma história oculta às sombras durante vinte anos e me fiz à pergunta... O que será de mim com dinheiro, fama e uma carreira brilhante sem o amor de minha vida ao lado? Valerá a pena? O que levarei desta vida quando chegar a hora... Dinheiro ou as coisas boas que fiz para quem amo? — Fernando pôde contemplar no rosto de muitas pessoas a sombra da dúvida e do arrependimento — A resposta, meus amigos, é muito simples. O amor vence independente de como for! — Muitos aplaudiram e Fernando sorriu — Por isso agradeço minha mãe, meu padrasto, meus irmãos e minha incrível namorada Marina Ferrari por todo apoio. Incondicionalmente amo vocês.

Amélia contemplou o filho lançando o chapéu para o alto com os amigos e se emocionou por pensar que havia conseguido cumprir sua missão com o garoto mesmo com todas as falhas que o destino lhe impôs.

Certa vez havia se considerado uma fracassada por não ter conseguido ser feliz com Abner pelo fantasma de Marcelo sempre presente em sua vida e considerou-se uma inútil por não ser capaz de dar ao filho uma família. Certa vez se julgou uma mulher fraca por não ser completa no amor e uma péssima mãe por Fernando ter crescido longe do pai.

Hoje, vendo-o fazer as escolhas que ela mesma deveria ter feito um dia, concluiu que havia vencido em sua jornada. O garoto era um grande homem e não erraria colocando a soberba e a ganancia acima de sua prioridade... O amor da jovem Marina.

— Quem diria... — Marcelo a abraçou de lado enquanto aplaudiam o garoto. Marina já estava em frente ao palco esperando-o descer a essa altura do campeonato — Nós dois. Juntos. Nossos filhos também.

— Repetindo nossa história da maneira correta — Os olhos emocionados de Amélia o encarar de baixo. Ferrari lhe segurou o queixo com carinho — Deveríamos ter ficado juntos e encarado a vida lado a lado. Tudo seria mais complicado, mas ao menos teríamos o que há de mais valioso... Um ao outro.

— Se assim fosse Marina e Fernando não estariam juntos hoje, já pensou nisso? — Ferrari piscou para ela e Amélia o encarou com certa confusão — O destino tem suas façanhas e um dia descobriremos o real motivo de tudo isso. O que importa para mim é nossa família reunida aqui e agora — Marcelo pousou a mão sobre o ventre saltado de Amélia e alisou sua barriga de seis meses de gestação — Eu nunca desisti de você.

Amélia derramou mais algumas lágrimas antes de se esticar e beijá-lo com paixão.

De fato, Ferrari tinha razão.

Eles nunca desistiram realmente um do outro.

 

 


Epílogo

 

AMÉLIA

 

É impressionante como a vida pode mudar em apenas um segundo, principalmente quando as coisas fogem de nosso controle e se tornar absurdamente surreais. Vivi anos dando vida a personagens diversos e com histórias incríveis a serem contadas, mas devo confessar que minha própria história daria por si só uma boa narrativa.

— Victoria, se apresse! Nós precisamos ir para o hospital!

Gritei em meio ao corredor enquanto terminava de apanhar todas as coisas que Fernando havia me pedido para levar ao hospital. Não demorou muito e Felipe apareceu no topo da escada carregando também algumas malas e utensílios pedidos pelo irmão. Corria esbaforido escada a baixo com o cabelo castanho claro colado ao rosto.

— Está tudo pronto? — Questionou me vendo parada na varanda após carregar o carro.

— Falta sua irmã... — Declarei sem fôlego pela correria e sem a capacidade de adentrar em casa para buscá-la.

— Victoria! — Marcelo Júnior saiu de dentro da casa gritando de modo a apressá-la — Sua mãe está chamando, vamos!

Em questão de segundos uma pequena figura magricela e alourada apareceu na varanda carregando algumas bonecas e uma mochila cor de rosa. A garotinha adorável tropeçava nos próprios pés enquanto corria com os cabelos ao vento e os olhos cor de mel se fixavam no rosto dos irmãos pelos chamados exasperados.

Minha filha. Minha caçula. Minha Victoria.

Dez anos haviam se passado desde seu nascimento e foi ali que tudo mudou. Meu primeiro grande sonho realizado havia sido me casar com Marcelo com a benção de nossos filhos em uma cerimônia no jardim e familiar. Havia sido como um sonho deslizar pela grama em direção ao altar enquanto Fernando me guiava pelo braço e Marina nos esperava no altar ao lado do pai, que chorava emocionado. Júnior e Felipe arremessavam pétalas de rosa branca sobre nós enquanto os convidados aplaudiam e aclamavam um amor de tantos anos.

Eu tinha oito meses de gestação naquele momento e não demorou muito até que minha bolsa rompesse. Aos trinta e sete anos foi quase um milagre conseguir chegar até o final da gravidez com muita saúde. Jamais pensei ter a alegria de trazer um bebê ao mundo ao lado do homem que verdadeiramente amo e muito menos com meus filhos e enteados ansiosos para a chegada do novo membro da família.

Decidi não saber o sexo da criança para criar determinado suspense. Já tínhamos quatro filhos ao todo – contando com filhos biológicos e enteados – e o que viesse seria lucro. Não posso negar que secretamente desejei uma menina durante toda a gestação. Após dar a luz dois lindos rapazes era meu segundo maior desejo poder experimentar a sensação de ter a minha princesinha.

Marcelo sabia que era ela, uma vez que não me permitiu escolher um nome masculino enquanto esperávamos os meses passarem. A única coisa relacionada a nome que vinha em nosso coração quando pensávamos no bebê era certa e definitiva: Victoria.

Nos calamos até a maternidade e subimos para o parto com a mala pronta. Sem que eu soubesse Marina escondeu uma pequena boneca na mala e foi a primeira coisa que vi na mão de Marcelo quando entrou para assistir ao parto.

— Como você sabe que vai ser ela? — Questionei já nervosa e tomada pelas fortes dores.

— Da mesma maneira que eu sempre soube que seria você... — Respondeu beijando minha testa e colocando a pequena boneca no berço que o bebê ocuparia ao chegar.

Foram horas intensas de dor e agonia até que o choro delicado ecoasse no ar. Era forte e com a voz potente, algo quase palpável, como se houvesse esperado muito tempo para chegar e nos repreendesse por isso naquele momento. Diferente de Felipe que se assemelhava ao pai em detalhes, era como Marcelo totalmente. Sardenta. Rosada. Loira. A única coisa minha presente naquele delicado bebê eram os olhos cor de mel.

Os olhos que Marcelo chorou ao contemplar quanto a tomou pela primeira vez em seus braços fortes e a encarou profundamente. Era ela .

— Desculpe por fazê-la esperar tanto tempo, querida. Nós estávamos guardado o melhor para o final — Sussurrou emocionado enquanto a observava em cada detalhe — Você é a nossa Victoria.

Dez anos se passaram e ainda parecia muito presente a sensação de vê-la pela primeira vez. De fato, nossa pequena conquista. Nossa grande vitória!

Meu enteado Júnior agora era um belo rapaz de vinte anos assim como Felipe. Ambos tinham uma banca de rock adolescente e estouravam nas rádios e com os jovens, mas estava em casa naquela semana para prestigiar o grande momento que sucederia em nossa família.

— Já estou aqui — Victoria disse a Júnior com certo nervosismo — Não precisam me chamar tantas vezes!

— O que estava fazendo lá em cima durante tanto tempo? — Felipe questionou a pequena com certa impaciência. Todos adentraram ao carro no qual eu estava ao volante.

Comecei a dirigir assistindo Júnior com Victoria no banco de trás e Felipe ao meu lado no da frente.

— Estava pegando as bonecas, é claro — Declarou mostrando a mochila aberta para o irmão — Tenho certeza que o bebê vai ser uma menina e irá querer brincar comigo. Não posso deixa-la com vontade.

— Pode ser um menino, não se esqueça — Júnior alertou com certa brincadeira na voz — Você não se sente mal em deixar de ser a caçula?

Lancei um olhar nervoso para Júnior e ele gargalhou. O garoto era brincalhão como Marcelo e gostava de fazer colocações intrigantes.

— Eu sempre serei a caçula... O bebê vai ser um neto e eu sou uma filha , é bem diferente! — A garotinha de longos cabelos loiros realmente era segura no que dizia.

— Quem foi que te disse isso Victoria? — Felipe ria no banco da frente.

— O papai. Ele disse que não preciso ter ciúme do bebê porque ele será meu sobrinho e devo amá-lo.

— Certamente. O papai tem razão — Pontuei quebrando a brincadeira dos meninos.

Victoria sempre foi mimada por toda a família por ter chegado em um momento tão especial. Agora, dez anos depois, experimentava a sensação de não ser mais a bebê pela primeira vez e isso chegou a preocupar a mim e Marcelo. Diferente do que imaginávamos, ela levou tudo com muita naturalidade.

O hospital maternidade não era tão distante de casa, por isso chegamos lá em poucos minutos. Os garotos desceram de maneira agitada muito empolgados pela primeira visita ao bebê. A emoção que me tomava o peito era indescritível e demasiadamente complexa. Nada no mundo se comparava ao que acontecia e toda a história parecia realmente fazer sentido naquele momento.

Subimos para a área da maternidade rapidamente e encontramos uma figura conhecida no corredor. Fernando conversava animadamente com um médico e nossos olhares se cruzaram rapidamente como em um filme. Meu filho primogênito já era um belo homem de vinte e oito anos que acabou de se tornar pai .

Júnior, Felipe e Victoria correram até ele de maneira empolgada e os quatro se abraçaram com carinho. Era emocionante vê-los tão felizes e unidos, a julgar pela longa história que cultivamos. Fernando caminhou em minha direção quando indicou o local onde os irmãos poderiam ir para ver o bebê.

— Mãe... — Sussurrou caminhando até mim de maneira emocionada.

Nos abraçamos com carinho e o aperto que recebi contra seu peito era de enorme gratidão.

— Porque você não avisou antes, querido? — Questionei ainda dentro de seu abraço.

— Porque foi tudo muito rápido. Marina mal chegou e já teve o bebê — Garantiu entre lágrimas emocionadas. Era uma das únicas vezes em que vi Fernando chorar realmente — Ela é linda, mãe.

— É uma menina? — Toquei seu rosto com orgulho.

— Sim, é uma menina — Comemorou — Ela é linda.

— Com certeza é, querido... — Beijei seu rosto — Estou orgulhosa de vocês.

— Obrigado. Marcelo está lá em cima — Beijou minha mão em um gesto de carinho e admiração — Ele não para de chorar desde que chegou.

— Imagino... — Gargalhamos juntos — Vou subir até lá e vê-la.

Fernando me acompanhou até o andar do berçário e vi de longe Marcelo parado em frente ao vidro contemplando o bebê como se fosse à coisa mais bela do universo. A cena foi a mais emocionante desde o nascimento de Victoria e senti o coração amolecendo enquanto Nando me apertava os dedos com carinho.

— Vá até lá. Esse momento é de vocês também.

O encarei com certa hesitação e concordei com um aceno leve. Fernando se juntou aos irmãos no final do corredor em frente ao quarto de Marina enquanto eu caminhei lentamente até o lado de meu marido, que ainda tinha lágrimas nos olhos enquanto contemplava a pequena criança.

Beijei seu ombro com delicadeza enquanto o abracei por trás. Marcelo segurou minhas mãos e meu olhar buscou em meio às crianças o bebê de meu filho e de Marina.

— Veja Amélia... A nossa neta — Suas palavras soaram certeiras e ainda mais emocionantes.

Nossa neta .

Mesmo depois de tudo tínhamos o privilégio de compartilhar aquele momento. Mesmo depois de tudo tínhamos em comum uma neta fruto de um lindo amor.

— Ela é linda... — Olhei na direção em que ele apontava e encontrei uma bebê rechonchuda, de cabelos negros e olhos grandes e claros — Tem os olhos de Fernando.

— Amelie — Ele sussurrou o nome da bebê em palavras baixas, como algo sagrado. Mal me atentei que aquela pequena levava consigo um nome parecidíssimo ao meu — Lembra que eu te disse um dia que havia um motivo para tudo ter sido como foi? — Segurou meu rosto com carinho — Lembra que eu disse que Fernando e Marina nunca ficariam juntos se houvéssemos nos casado quando jovens? Se tudo houvesse sido diferente, hoje não teríamos Amelie ...

Concordei com um aceno e sentindo lágrimas deslizando em meu rosto.

— Nossa neta.

— Nossa neta da maneira mais maluca — Gargalhamos em meio às lágrimas — Valeu a pena ter esperado sete mil e trezentos dias.

— Sim... — Olhei para meus filhos sorrindo ao lado de Fernando e animados. Em seguida fixei o olhar no vidro do berçário novamente, principalmente no nome que me homenageava — Certamente tudo valeu a pena.

Nada acontece por acaso e a vida de Amelie Brenda Romanov Ferrari certamente não era um despropósito.

Tudo valeu a pena por ela... Amelie.


MARCELO

 

A tarde era ensolarada e agradável, mas o tempo estava frio com o final de tarde se aproximando. Enrolei-me ainda mais na toalha de banho para me proteger do vento enquanto assistia de longe Júnior e Felipe brincando na água do lago com suas respectivas namoradas.

O mar para banhistas abaixo do mirante já não era como em minha juventude, mas certamente ainda proporcionava momentos de lazer inesquecíveis para nossa família. Era quase uma tradição passarmos as tardes quentes por lá e aproveitávamos o final do verão para nos despedirmos da diversão.

Victoria corria animadamente com nosso cachorro a tiracolo e o cabelo loiro esvoaçava com o vento.

— Veja papai... Nino não consegue me pegar! — Me gritou de longe enquanto gargalhava. Era obvio que o animal fazia isso apenas para agradá-la e Victoria tinha esse dom por onde passava. Era como uma fada que encantava a todos como sua mãe.

— Muito bem querida, você está indo muito bem! — Incentivei sorrindo em sua direção.

Fernando molhava os pés no mar enquanto Marina se abaixava para colocar Amelie próxima da areia. A bebê de nove meses já praticava ficar com os pés fixos no chão e parecia empolgada com a possibilidade de sentir a areia em contato com o corpo.

Todos nós éramos uma grande e estranha família e nos contávamos de maneira real. Uma família ainda maior do que um dia sonhei.

— A tarde está ótima, mas eu estava pensando... — A voz de Amélia ecoava ao meu lado e me despertou em um sobressalto — Esse lugar me remete a nostalgia. Tudo ficaria melhor com um cigarro.

Viro-me em sua direção e a encontro usando um vestido branco sobre o biquíni rosa. O tempo havia passado, mas ainda era linda como nunca aos meus olhos. Sorri em sua direção e me coloquei de pé.

— Já estamos velhos para m habito tão prejudicial não acha? — Os olhos se abriram em surpresa.

— Era sempre eu quem dizia isso antigamente — Franziu o cenho e gargalhei.

Começamos a caminhar para longe de nossos filhos em direção ao mirante. O vento fraco da tarde soprava em nossos rostos e os leves raios do fim da tarde iluminavam nossos pensamentos. Amélia abraçava a si mesma.

— Qual é... Você nunca foi tão liberal — Gargalhamos novamente e a abracei de lado.

— Ainda temos nossos segredos? — Amélia sacou de dentro do bolso do vestido um cigarro e um isqueiro — Somente de vez em quando...

Quando já estávamos longe demais para sermos vistos aceitei a ideia. Paramos frente a frente e topei acender o cigarro em meio aos lábios. Traguei profundamente e ela sorriu.

— Faz tempo que não preciso mais disso — Entreguei o cigarro a ela e Amélia tragou com cuidado — Agora não preciso mais usar táticas para me sentir ainda mais próximo de você.

Seu olhar se tornou pensativo.

— Era isso todo o tempo? — Questionou com a fumaça dançando ao seu redor. Aquilo sempre soou incrivelmente sensual para mim — Usava o cigarro para pensar em mim?

— Sim, sempre foi isso — Garanti encarando-a seriamente — Era a única forma de me sentir mais perto. Nós fumávamos quando isso era legal em nossa adolescência e eu me lembrava de você. Era como algo proibido e apenas nosso naquele tempo.

Os olhos de Amélia desceram para o cigarro e ela o encarou durante alguns segundos antes de arremessá-lo para longe sem pensar duas vezes. A encarei com confusão estampada no olhar.

— Então você está certo... Sete mil e trezentos dias no passado foram suficientes. Nunca mais ficaremos distantes e isso — Apontou para o cigarro ao longe — Nunca mais será necessário.

Sorri em sua direção quando veio me abraçar e selar meus lábios com um longo beijo.

Hoje tenho seu corpo.

Seu calor.

Seu amor.

E nós temos a nossa história.

 

 

                                                                  Izabella Mancini

 

 

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